Furto de flor
Carlos Drummond de Andrade
Furtei uma flor daquele jardim. O porteiro do edificio cochilava e eu furtei a flor. Trouxe-a para casa e coloquei-a no copo com água. Logo senti que ela não estava feliz. O copo destina-se a beber, e flor não é para ser bebida.
Passei-a para o vaso, e notei que ela me agradecia, revelando melhor sua delicada composição. Quantas novidades há numa flor, se a contemplarmos bem. Sendo autor do furto, eu assumira a obrigação de conservá-la. Renovei a água do vaso, mas a flor empalidecia. Temi por sua vida. Não adiantava restituí-la ao jardim. Nem apelar para o médico das flores. Eu a furtara, eu a via morrer.
Já murcha, e com a cor particular da morte, peguei-a docemente e fui depositá-la no jardim onde desabrochara. O porteiro estava atento e repreendeu-me:
- Que ideia a sua, vir jogar lixo de sua casa neste jardim!
Disponivel em: https.//www.culturagenial.com/cronicas-curtas-com-interpretacao/. Acesso em: 6 de fev. 2024,
- A crônica desempenha um papel fundamental na sociedade, pois permite ao autor expressar sua opinião sobre os acontecimentos do mundo e refletir sobre questões relevantes. Além disso, ela também proporciona ao leitor momentos de descontração, entretenimento e reflexão. As crônicas partem de um acontecimento do dia a dia, como, por exemplo, uma fila de banco, um passeio no parque, à espera do ônibus no terminal. O cronista não descreve simplesmente os fatos, ele os usa como ponto de partida para uma reflexão ou para o simples entretenimento do leitor. A crônica Furto de flor foi publicada na obra Contos Plausíveis (1985) e parte de uma ação simples, um episódio do cotidiano que acaba suscitando reflexões e sentimentos profundos. Que episódio deu origem a essa crônica?