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Joicimara

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Estudos Gerais06/10/2024

Pergunta: Felicidade clandestina Ela era gorda, sardenta e...

Pergunta: Felicidade clandestina

Ela era gorda, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruinados. Tinham busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como assim não bastasse enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, enquanto de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão postal da loja do pai ponto ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letras bordadíssimas palavras como " data natalícia" e "saudade".

Mas que talento tinha para crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que eram os imperdoavelmente bonitinhas vírgulas erguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade e seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações é que ela me submetia: continuar vai implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.

Até que veio para ela o Magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía as reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo, dormindo. e completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e o que ela o emprestaria. Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar no mar suave, as ondas me levavam e me traziam.

No dia seguinte fui a sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa ponto não me mandou entrar. Olhando bem para os meus olhos, disse-me que havia emprestado livro A outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boque aberta, sai devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas do Recife. Dessa vez nem caí: grava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, o dia seguinte seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre não cair nenhuma vez.

Mas não ficou em simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico ponto no dia seguinte lá estava eu a porta de sua casa, com o sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não está em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do" dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.

E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todos de seu corpo grosso. Eu já começara adivinha que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mais, adivinhando mesmo às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra. Quanto tempo? Eu ia diariamente a sua casa, sem faltar um dia você quer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só vem de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sobre os meus olhos espantados.

Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a apa- rição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler! E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horro- rizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha des- conhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas do Recife. Foi então que, fi- nalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser”. Entendem? Valia mais do que me dar o livro: “pelo tempo que eu quisesse” é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ou- sadia de querer. Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo le- vei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo. Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, acha- va-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandes- tina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada. Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em extase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante.

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Resposta: "Felicidade Clandestina" é um conto de Clarice Lispector que narra a história de uma menina apaixonada por livros, que sofre nas mãos de uma colega cruel. A colega, filha de um dono de livraria, promete emprestar-lhe o livro "Reinações de Narizinho", mas repetidamente adia a entrega, fazendo a protagonista voltar dia após dia, sempre com esperança renovada. Eventualmente, a mãe da colega descobre a situação e obriga a filha a entregar o livro, permitindo que a protagonista fique com ele pelo tempo que desejar. A menina, então, experimenta uma felicidade intensa e clandestina ao finalmente ter o livro em suas mãos, prolongando o prazer de lê-lo.

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