Quando o outro cavaleiro viu tal destruição em seus companheiros, começou de fugir quanto mais podia. Amadis, que ia em pós ele, ouviu gritar a sua senhora; e, tornando prestes, viu Arcalaus, já montado, tomando Oriana pelo braço, pô-la em frente de si e fugir a todo o galope. Sem detença, correu em sua perseguição, alcançou-o na larga campina e alçou a espada para o ferir. Sofreu-se porém de lhe dar grande golpe, porque a espada era tal que, mandando-a ele, mataria sua senhora. Descarregou-lho por cima das espáduas, sem grande força; mas ainda lhe derribou um pedaço de loriga e um pouco de couro dos lombos.
Então Arcalaus, para melhor fugir, deixou cair por terra Oriana, com temor da morte. Amadis gritou-lhe:
— Arcalaus! Vem cá, e verás se estou morto como disseste!
Mas ele não ousou vir e lançou fora o escudo. Amadis alcançou-o e deu-lhe de longe uma espadeirada na cinta, que lhe cortou a loriga e a carne e foi tocar na ilharga do cavalo. O animal amedrontado começou a correr de tal forma, que em pouco tempo se alongou a perder de vista.
Amadis, ainda que muito o desamasse e desejasse matar, não foi mais adiante para não perder sua senhora, e voltou para onde ela estava. Desceu do cavalo, foi-se pôr de joelhos diante dela, beijou-lhe as mãos e disse:
— Agora faça Deus de mim o que quiser, que nunca, senhora, cuidei tornar a ver-vos!
Oriana estava tão sobressaltada que não lhe podia falar; e abraçou-se com ele, com medo que tinha dos cavaleiros mortos, que jaziam a seus pés. A donzela de Dinamarca foi tomar o cavalo de Amadis; vendo por terra a espada de Arcalaus, pegou nela e trouxe-lhe dizendo:
— Vede, senhor, que formosa espada!
Amadis atentou nela e viu que era aquela com que o tinham deixado matar, e que Arcalaus lhe furtara, ao encantá-lo.
Estando assim, como Deus ordenou, junto de sua senhora, que não tinha ânimo para se levantar, chegou Gandalim, que andara no encalço deles, com quem sentiram grande prazer. Também ele sentiu, vendo o bom fim daquelas coisas.
BARROS, João de. Amadis de Gaula. Trad. de Rodrigues Lapa. 2. ed. Lisboa: Gráfica Lisbonense, 1941. p. 36-37. (Fragmento)