Recado ao Sr. 903
Rubem Braga
Vizinho… Quem fala aqui é o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclama contra o barulho em meu apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal — devia ser meia-noite — e a sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a Lei e a Polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Ou melhor: é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois números empilhados entre dezenas de outros.
Disponível em: https://cronicabrasileira.org.br/cronicas/11526/ recado-ao-sr-903. Acesso em: 10 mar. 2024 (fragmento).
Ao considerar as características do gênero carta, presentes na crônica de Rubem Braga, o texto literário apresentado
A
descaracteriza o gênero, pois não se pode pressupor a presença de um receptor no texto.
B
apresenta o mais importante traço do gênero, pois o emissor fala indiretamente com o receptor do texto.
C
desconfigura o gênero, pois não emprega vocativos ou quaisquer outros termos que estabelecem interlocução.
D
apresenta traços comuns ao gênero regulamento, no qual é evidenciado um ponto de vista sobre uma questão social.
E
mescla traços do gênero carta, tais como um emissor que se reporta a um destinatário por meio do uso de vocativos e demais recursos de interlocução.