1 EU JÁ VI
Um garoto apaixonado pelas águas
Eu nasci nesse paraíso chamado Peixe Gordo, uma praia da cidade de Icapuí aqui no Ceará. A nossa casa fica num sítio, bem em cima de uma duna. Quando eu desço a duna - escorregando, é claro - eu vejo lá embaixo a casa de Dona Sinhá, minha avó.
Ela teve muitos filhos. E os netos? É de perder a conta. Só lá em casa são 16. Lá vai Maria Edite, Jaime, Margarida, Maíra, Giseuda, João Tarcisio, Gilson, Aldemir, Ogenildo, Aldenor, Maria do Carmo, Hélia Maria, Lucia, Tadeu, José de Arimateia e Anedite. [...] Era tanta gente que meu pai montou uma escola aqui no sítio mesmo! Tinha um professor encarregado de fazer essa mistura toda. Ele dava aula para todo mundo, tudo junto. [...] E só podia brincar na areia depois que a gente fizesse a lição. Papai falava que isso era nossa herança "os bens que eu vou deixar é na cabeça de cada um". [...] Desde pequeno que os assuntos da água ficam me rodeando. Brasil tem tanta água, mas para essa água chegar lá em casa é uma dificuldade. Na hora do banho é um esforço danado, porque temos de ficar bombeando a água com as mãos. Enquanto a gente bombeia, tem água. Quando para a bomba, não sai uma gota. Mas como são tantos filhos, uma parte fica fazendo a sua ginástica na bomba e a outra se banhando. Acho que, quando crescer, vou virar cientista para entender melhor essa coisa da água. A água é a fonte da vida, não é mesmo?
José Santos. Crianças do Brasil: suas histórias, seus brinquedos, seus sonhos. São Paulo: Peirópolis, Museu da Pessoa, 2008. p. 28.