- Leia a seguir os dois primeiros parágrafos da obra A menina do narizinho arrebitado, de Monteiro Lobato (1882-1948). O trecho foi extraído da primeira edição do livro, publicado em 1920 pela editora Monteiro Lobato & Cia.
O somno à beira do Rio
Naquela casinha branca, - lá muito longe, móra uma triste velha, de mais de setenta annos. Coitada! Bem no fim da vida que está, é tremenda, e catacega, sem um só dente na bocca - jururu... Todo o mundo tem dó d’ella: - Que tristeza!
Pois estão enganados. A velha vive feliz e bem contente da vida, graças a uma netinha órfã de pae e mãe, que lá móra des’que nasceu. Menina morena, de olhos pretos como duas jaboticabas - e reinadeira até alli!... Chama-se Lucia, Seu appellido é "Narizinho Rebitado", - não é preciso dizer porque. Além da Excellentissima Senhora Dona Emilia, uma excelente negra de estimação, e mais preta e muito feiosa, a pobre, com seus olhos de retroz preto e as sobrancelhas tão lá em cima que é ver uma cara de bruxa.
LOBATO, Monteiro. A menina do narizinho arrebitado. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1920. (Fragmento).
a) Entre 1920 e a atualidade, o Brasil passou por três reformas ortográficas, isto é, três mudanças nas regras de escrita das palavras. Transcreva do texto cinco vocábulos ou expressões que tenham sofrido alterações ao longo do tempo.
b) Que palavras são empregadas mais comumente hoje no lugar de jururu e reinadeira?
c) Releia o trecho "que lá mora des’que nasceu". Por que essa é uma construção estranha para o leitor atual?
d) Anástacía é apresentada como uma "excelente negra de estimação". Qual era a provável função dessa personagem na casa?
e) A abolição da escravatura aconteceu em 1888, portanto, três décadas antes da publicação desse obra de Monteiro Lobato. Como se explica, então, o uso da expressão "negra de estimação" e seu tratamento por "preta"?
f) Com base na reflexão proposta no item e, explique como a linguagem revela a ideologia em vigor no contexto histórico do início do século XX.