Depois do jogo América x Santos, seria um crime nāo fazer de Pele o meu personagem da semana. Grande figura, que o meu confrade Albert Laurence chama de "o Domingos da Guia do ataque". Examino a ficha de Pelé e tomo um susto: - dezessete anos! Hȧ certas idades que sāo aberrantes, inverossimeis. Uma delas é a de Pelė. Eu, com mais de quarenta, custo a crer que alguém possa ter dezessete anos, jamais. Pois bem: - verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistiveis e fatais. Dir-se-ia um rei, nāo sei se Lear, se imperador Jones, se etiope. Racionalmente perferto, do seu peito parecem pender mantos invisiveis. Em suma: - Ponham-no em qualquer rancho e sua majestade dinästica hà de ofuscar toda a corte em derredor.
O que nós chamamos de realeza e, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerävel: - a de se sentir rei, da cabeça aos pés. Quando ele apanha a bola e dribla um adversarrio, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento. E o meu personagem tem uma tal sensaçāo de superioridade que nāo faz cerimònias. Jä lhe perguntaram: - "Quem e o maior meia do mundo?". Ele respondeu, com a ėnfase das certezas eternas: - "Eu". Insistiram: - "Qual e o maior ponta do mundo?". E Pelè: "Eu". Em outro qualquer, esse desplante faria rir ou sorrir. Mas o fabuloso craque pōe no que diz uma tal carga de convicçāo, que ninguèm reage e todos passam a admitir que ele seja, realmente, o maior de todas as posiços. Nas pontas, nas meias e no centro, há de ser o mesmo, isto è, o incomparável Pelè.
Vejam o que ele fez, outro dia, no já referido America x Santos. [..]
RODRIGUES, N. Disponivel em: htto://esportes estadao.com br. Acesso emx 16 out. 2015 (fragmento).
A crönica e um género considerado hibrido, pois e, ao mesmo tempo, jornalistico e literário.
O texto de Nelson Rodrigues traduz essa dualidade por meio de
Selecione uma alternativa:
a) uma sintaxe intrincada, que contrasta com a objetividade do texto.
b) um vocabulário vulgar, e mesmo chulo, que se opōe a estrutura formal.
c) um relato que é simultaneamente o registro de um fato e sua recriăçà poetica.
d) uma estrutura de poema em prosa, o que confere verniz epico à narrativa.
e) uma pontuaçăo pessoal e criativa, que rompe os limites gramaticais.