Ajoelhado sobre o mosaico precioso, que
ladrilhava o terraço, estava inclinado para
um aquário, e divertia-se vendo dentro dele
os peixes dourados que nadavam. O velho
rei, com o sorriso que lhe iluminava as
barbas, ficou mirando com amor a criança,
tão bela e tão casta, filha de seu sangue e
da sua alma. E tinha esquecida na mão a
pena fatal, de cujo bico pendia a vida de
tantos homens...
De repente, o principezinho teve uma
exclamação aflita. O rei viu-o curvar-se
mais sobre o aquário, e meter na água
as mãozinhas ansiosas. E a criança veio
para ele, segurando com as pontas dos
dedos alguma coisa que se não via, de tão
pequena que era.
- Olha, Pai! Salvei-a! la afogar-se...
salvei-a!
O velho rei curvou-se para ver o que o
filho trazia na mão. Era uma mosca feia,
negra, pequenina, miserável, nojenta.
Tinha as asas molhadas e não podia voar.
O principezinho colocou-a na palma da
mão microscópica, e virou-a para o lado
do sol. Dai a pouco a mosca reanimou-se e
voou. A criança batia palmas:
- Não fiz bem, Pai? Não é um crime
deixar morrer uma criatura qualquer por
falta de piedade, Pai? Disseram-me que
há homens que se matam uns aos outros...
Pai? Como é que se pode ter a maldade
de matar um homem? - E o principezinho
fixava no velho rei os seus olhos azuis e
inocentes como os de um anjo.
Nessa tarde o velho rei não assinou
nenhuma sentença de morte.
Olavo Bilac e Coelho Netto. Contos parrios
educação moral e civica para criança,
Rio de Janesto Garnier, 2001