Assunto: Segunda fase do Modernismo no Brasil - Geração de 30
TEXTO I
Chegou a desolação da primeira fome. Vinha seca e trágica, surgindo no fundo sujo dos sacos vazios, na descarnada nudez das latas raspadas.
- Mãezinha, cadê a janta?
- Cala a boca, menino! Já vem!
- Vem lá o quê!...
Angustiado, Chico Bento apalpava os bolsos... nem um triste vintém azinhavrado... Lembrou-se da rede nova, grande e de listras que comprara em Quixadá por conta do vale de Vicente. Tinha sido para a viagem. Mas antes dormir no chão do que ver os meninos chorando, com a barriga roncando de fome. Estavam já na estrada do Castro. E se arrancharam debaixo dum velho pau-branco seco, nu e retorcido, a bem dizer ao tempo, porque aqueles cepos apontados para o céu não tinham nada de abrigo.
O vaqueiro saiu com a rede, resoluto:
- Vou ali naquela bodega, ver se dou um jeito...
Voltou mais tarde, sem a rede, trazendo uma rapadura e um litro de farinha:
- Tá aqui.
O homem disse que a rede estava velha, só deu isso, e ainda por cima se fazendo de compadecido... Faminta, a meninada avançou; e até Mocinha, sempre mais ou menos calada e indiferente, estendeu a mão com avidez.
(QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. 28. ed. Rio de Janeiro: J. Olímpio, 1982. )
"O Quinze", romance de estréia de Rachel de Queiroz, publicado em 1930, retrata a intensa seca que marcou o ano de 1915 no sertão cearense. Considerando o fragmento apresentado, é CORRETO afirmar.
1 ponto
Ainda que publicado no início da década de 30, momento de intensas mudanças políticas e culturais no país, o romance liga-se estética e tematicamente às propostas literárias da primeira geração modernista.
Apesar de se referir à seca que marcou o ano de 1915, o romance coloca em primeiro plano a violência e o desrespeito que marcam as relações sociais, independente das condições climáticas; exemplo disso é a relação de espoliação entre Chico Bento e o homem da bodega.
Na narrativa, estreitamente ligada às propostas de denúncia social dos regionalistas de 30, destacam-se o drama da seca, a miséria e a degradação humana, marcantes em cenas como a do fragmento citado.
A linguagem utilizada pela autora, para construir o romance, aproxima-se da oralidade, conforme se vê no fragmento. Tal recurso é utilizado para se contrapor à escrita extremamente rebuscada de alguns modernistas da primeira geração, como Oswald de Andrade.
O fragmento apresenta um discurso moralizante, recorrente nos romances da segunda geração modernista, e destaca o drama vivido pela família de Chico Bento, diante das dificuldades de sobrevivência.