Carlos Drummond de Andrade.
Diálogo de todo dia
Alô, quem fala?
– Ninguém. Quem fala é você que está perguntando quem fala.
– Mas eu preciso saber com quem estou falando.
– E eu preciso saber antes a quem estou respondendo.
– Assim não dá. Me faz o obséquio de dizer quem fala?
– Todo mundo fala, meu amigo, desde que não seja mudo.
– Isso eu sei, não precisava me dizer como novidade. Eu queria saber é quem está no aparelho.
– Ah, sim. No aparelho não está ninguém...
– Como não está, se você está me respondendo?
– Eu estou fora do aparelho. Dentro do aparelho não cabe ninguém.
– Engraçadinho. Então, quem está fora do aparelho?
– Agora melhorou. Sou eu, para servir.
– Não parece. Se fosse para me servir, já teria dito quem está falando.
– Bem, nós dois estamos falando. Eu de cá, você de lá. E um não conhece o outro.
– Eu conheço você pela voz, que é inconfundível.
– Então diga quem sou eu, por gentileza, que eu perguntei nada.
– Eu não posso adivinhar. Pois se eu soubesse não telefonava.
– Você precisa mesmo telefonar? Não seria melhor ir em pessoa conhecer outras pessoas?
– Mas podia estar interessado pelo menos em responder a quem telefonou.
– Estou respondendo.
– Eu sei. Mas, em nome da lei, em nome de Deus: quem fala?
– Não me obrigue a responder, por favor, que eu sou obrigado a dar esta resposta.
– Qual?
– Eu não desejo falar.
– Por que não? Bolas e carambolas. Por acaso você não pode dizer com quem deseja falar? Pois eu também não posso dizer com quem estou falando. E aí, não moro neste mundo, e o mundo é redondo. Com quem você deseja falar?
– Com você.
– Então, amigos, com quem deseja falar?
– Desculpe, a confusão é tanta que eu nem sei mais. Esqueci. Chau.