Entre os habitantes das Ilhas Trobriand existem povos que se organizam em torno da figura materna, em um sistema matrilinear. Esse costume é incomum nas sociedades globalizadas, em que predomina a constituição familiar fundamentada na autoridade paterna. Apesar de ter sido colocada em xeque pelas conquistas sociais das mulheres, a tradição paternalista é ainda muito forte. Como advogou a filósofa Simone de Beauvoir: "Ninguém nasce mulher, torna-se mulher", indicando que não são fatores biológicos que determinam a forma como a mulher é compreendida no interior da sociedade. Isso fornece elementos para a reflexão a respeito do que é biológico e do que é cultural nos gêneros.
No trecho abaixo, o filósofo Maurice Merleau-Ponty amplia a discussão sobre a influência da natureza e da cultura nas condutas humanas e sinaliza a dificuldade em separar essas duas esferas.
Não basta que dois sujeitos conscientes tenham os mesmos órgãos e o mesmo sistema nervoso para que ambos as mesmas emoções que representam pelos mesmos signos. O que importa é a maneira pela qual eles fazem uso de seu corpo [...]. O uso que um homem fará de seu corpo é transcendente em relação a esse corpo enquanto se simplesmente biológico. Gritar na ocasião de arpar no amor não é menos uma emoção convencional do que chamar alguém à mesa. Os sentimentos e as condutas passivas são inventados, assim como as palavras. Mesmo aqueles sentimentos que, como a paternidade, parecem inscritos no corpo humano, são, na realidade, instituições. É impossível sobrepor, no homem, uma primeira camada de comportamentos que chamamos de "naturais" e um mundo cultural ou espiritual fabricado. No homem, tudo é natural e tudo é fabricado, como se quiser, no sentido em que não há uma conduta que não deva algo ao ser simplesmente biológico – e que ao mesmo tempo não se furte à simplicidade da vida animal.