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Faça um resumo desse texto abaixo com analogias e que seja d...
Faça um resumo desse texto abaixo com analogias e que seja de fácil entendimento.
Conceitos de Relatividade Geral – Uma abordagem para o ensino de Física no Ensino
Médio
Concepts of General Relativity – An Approach to Physics Teaching in High School
Lucca Lopes Dias Santos1
, Raul Grande Quartieri2
, Guilherme
Henrique Schinzel 3
, Vanessa Carvalho de Andrade 4
.
1,2,3,4 Instituto de Física (IF), Universidade de Brasília (UnB).
3,4 Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física (MNPEF).
Resumo
Considerando a teoria de transposição didática de Chevallard, propõe-se uma abordagem para o
ensino de Relatividade Geral no Ensino Médio. Desenvolve-se, nesse âmbito, a discussão de
conceitos relativos ao formalismo construído por Einstein por intermédio de uma apresentação,
direcionada aos professores, com caráter qualitativo, dos objetos matemáticos e equações
referentes a tais conceitos sem, entretanto, negligenciar os meandros intrínsecos à compreensão
da teoria. Espera-se, desse modo, a apreensão, por parte dos docentes, de tópicos frequentemente
negligenciados – ou tratados de maneira reticente – em seu processo de formação e,
consequentemente, a possibilidade de um ensino com bases sólidas aos alunos do ensino básico,
levando em conta a transformação do conhecimento embasada pelo referencial teórico de
Chevallard. São expostos temas como o Princípio da Equivalência, a equação da geodésica e as
equações de campo de Einstein, em um constante processo de aproximação com os tópicos já
tradicionalmente tratados em sala de aula, bem como sugere-se a construção de uma sequência
didática capaz de aplicar a exposição dos conceitos aqui discutidos.
Palavras-Chave: Transposição Didática; Relatividade Geral; Ensino de Física; Ensino Médio.
Abstract
Considering Chevallard’s didactic transposition theory, we propose an approach for teaching
General Relativity in high school. In this sense, we develop the discussion of concepts relative to the
formalism built by Einstein thorugh a qualitative presentation, directed to teachers, concerning the
mathematical objects and equations linked to these concepts without neglecting the required
subtleties for the theory understanding. We thus hope teachers may be able to assimilate the topics
which are often neglect or reticently presented during their academic background; hence, we expect
the possibility of a solid based instruction for basic education students, taking into account the
knowledge transformation grounded in Chevallard’s theoretical reference. We treat subjects such as
the Equivalence Principle, the geodesic’s equation and Einstein’s field equations, in a constant
approximation process in relation to the topics traditionally treated during classes, and we also
suggest the creation a following teaching able to apply the exposition of the presented concepts.
Keywords: Didactic transposition; General Relativity; Physics teaching; High School.
Introdução
A dificuldade de se ensinar Física Moderna no ensino médio (EM) continua sendo um grande
desafio para os professores de Física os quais, muitas vezes, não possuem tempo suficiente em
seus cronogramas para trabalhar esse conteúdo ou, ainda, não possuem uma formação que
proporcione uma boa base de conhecimento para tal. Apesar dessa – e outras - dificuldades de
inserção da Física Moderna no EM, esta se faz muito presente no dia a dia da maioria das pessoas,
seja na forma de entretenimento, como em filmes, séries e podcasts, seja na forma de notícias - o
que torna o ensino dessa área da Física essencial para conscientizar os nossos jovens do que é de
fato a Física Moderna e do que ela diz.
Nesse contexto, no presente artigo visamos abordar como poderia ser trabalhada, em sala
de aula, a teoria da relatividade geral de Einstein (TRG) de uma forma mais conceitual, pois essa
teoria utiliza-se, de fato, de um ferramental matemático bastante arraigado cuja apresentação
estritamente formal coloca-se fora do escopo do EM. Além disso, não é difícil notar que a TRG é
uma das teorias mais populares no âmbito da ficção científica, ou até mesmo de anúncios de novas
comprovações de teorias nos jornais; ou seja, como mencionado, é uma das teorias da Física
Moderna de grande importância a ser trabalhada no EM, com perspectivas de ajudar os alunos a
distinguir entre o que realmente a teoria diz e o que está fora de sua proposta.
Em linhas gerais, a TRG descreve e explica como a gravidade funciona, uma vez que, para
Newton, a gravidade era uma força de ação à distância cuja “comunicação” era desconhecida - isto
é, não sabíamos como os corpos sentiam essa força sem estarem em contado (o mesmo problema
existia no eletromagnetismo) - o que era um grande problema acerca da natureza da gravidade.
Entretanto, conforme mencionamos, a TRG indica como a gravidade funciona, o que resolveu o
impasse da força de ação à distância que existia na teoria Newtoniana; nesse processo, a gravidade
deixa de ser interpretada como uma força e passa a ser entendida como um efeito da curvatura
espaço-temporal causada pela presença da matéria-energia. Isto é, na TRG, a gravidade - esse
efeito de atração dos corpos – passa a ser entendida como uma causa da distorção do espaço-
tempo que, por sua vez, surge com a presença de matéria-energia, como descrito por John
Archibald Wheeler ao enunciar que (tradução livre) “O espaço diz à matéria como se mover e a
matéria diz ao espaço como se curvar” (MISNER, C. W; THORNE, K. S; WHEELER, J. A, 1973, p.
5).
Desse modo, a fim de elucidar nossa compreensão a respeito de como a TRG pode ser
abordada no EM, usamos a teoria de Transposição Didática de Yves Chevallard, a qual aborda
como o conhecimento se transforma até chegar ao conhecimento que ensinamos para os nossos
alunos sem que haja, porém, uma perda da ideia original. Assim, na primeira seção deste artigo,
discutimos essa teoria de transposição didática enquanto, na segunda seção, apresentamos um
texto que desenvolvemos sobre a TRG que pode ajudar os professores na transposição dos saberes
dessa teoria. Na seção posterior discutimos, então, os resultados esperados com essa proposta,
considerando, inclusive, as perspectivas de elaboração de uma sequência didática e, na última
seção, tratamos de nossas considerações finais.
- Fundamentação Teórica
A fim de tratar o ensino da TRG no EM, baseamo-nos na teoria de transposição didática de
Yves Chevallard. Nessa teoria, como aponta (BROCKINGTON, G.; PIETROCOLA, M, 2005),
Chevallard define a transposição didática como um instrumento de análise da dinâmica de
transformação do Saber Sábio (saber produzido pela comunidade científica), para o Saber a Ensinar
(saber encontrado nos materiais didáticos), e por fim, para o Saber Ensinado (saber que realmente
transmitimos para nossos estudantes). Ou seja, essa teoria estuda os processos de transformação
que o saber produzido pelos cientistas sofre até chegar à sala de aula, seja ela uma sala de aula
em uma universidade ou uma escola. Dessa forma, a teoria da transposição didática é de extrema
importância para entendermos a quais transformações podemos submeter um conhecimento
científico tão complexo (e raramente abordado no EM) como a TRG para, então, levá-lo a uma sala
de aula sem que haja uma perda de significado da teoria.
Um primeiro ponto importante a ser compreendido na transposição didática é que Chevallard
considera que toda interação didática não é somente uma interação entre professor e aluno, mas
sim uma relação ternária entre o professor, o ensino e o conhecimento (o saber) (CHEVALLARD,
2013). Isso significa que ao entrar em sala de aula, o professor deve ter um bom domínio do saber
a ser ensinado (sendo um caso ideal ter um bom entendimento do saber sábio) e deve entender
como transmitir esse saber para seus alunos, transformando-o no saber ensinado. Em toda relação
didática é importante também a intenção de ensinar, ou seja, além de ser necessário a existência
dessa relação ternária, o professor deve ter a intenção de ensinar algo a seu estudante
(CHEVALLARD, 2013).
Frequentemente associa-se a transposição didática a uma simples simplificação de algum
saber ou conceito - ou seja, somente a uma simplificação do saber sábio -, limitando-se ao uso de
uma linguagem mais simples, com perda da profundidade de alguns conceitos. Entretanto, pela
teoria de Chevallard, apesar de realmente existirem algumas simplificações na transposição
didática (CHEVALLARD, 2013), o saber na verdade sofre uma mudança epistemológica, ou seja,
muda de significado, de forma a ganhar uma proximidade maior com a vivência dos estudantes.
Assim, não bastaria apenas simplificar as ideias da RG para fazer uma transposição didática para
o EM - deve-se procurar uma mudança conceitual de suas ideias. Isto é, devemos procurar
analogias capazes de passar, satisfatoriamente, mesmo que de forma qualitativa, as ideias da RG
para os estudantes.
Outra questão importante discutida pela teoria de Chevallard é a respeito de quem define
quais saberes sábios passarão por uma transposição didática e quais serão suas mudanças de
significado. Para responder a essa questão, Chevallard apresenta a noosfera: um ambiente de
encontro entre a comunidade científica, representantes da sociedade (políticos), a comunidade
escolar (i.é, professores, coordenadores, diretores e pais de alunos), entre outros agentes da
sociedade (BROCKINGTON, G.; PIETROCOLA, M, 2005). Esse ambiente promove a discussão do
que é importante ser ensinado nas escolas, ou seja, quais saberes sábios são importantes para
passarem por um processo de transposição didática; com isso, elabora e regulamenta os programas
de ensino (programas curriculares). Ou seja, a noosfera é responsável pelo que chamamos de
transposição didática externa (em contrapartida, a transposição didática interna é a transposição
realizada pelo professor, resultando em sua aula) (NEVES, K. C. R; de OLIVEIRA BARROS, 2011),
além de definir algumas características necessárias para que o saber sábio sobreviva a uma
transposição didática como, por exemplo: a atualidade moral, que são conhecimentos julgados
como importantes pela sociedade; a atualidade biológica, isto é, o saber deve ser atual e consensual
na prática científica; e o saber ainda deve possuir uma operacionalidade e deve ter espaço para
uma criatividade didática.
Consideramos que a RG possui todas as características citadas acima; logo, possui o
potencial de sobreviver à transposição didática e à sala de aula. Entretanto, muitos professores
ainda receiam trabalhar esse tema em sala de aula, o que pode ocorrer devido a alguma deficiência
em sua formação, ou mesmo devido à falta de tempo (que pode ocorrer por motivos diversos).
Dessa forma, visando ajudar a orientar os professores que queiram abordar esse assunto, vista sua
grande importância na Física moderna, na próxima seção apresentamos um material de TRG que
pode ser usado como base para os professores ao montarem suas aulas.
- Métodos e materiais
2.1 A Relatividade Geral e o Princípio da Equivalência
Levando em conta as considerações expostas até então, propomo-nos a uma exposição de
caráter heurístico, porém munida dos principais conceitos e pontos do arcabouço matemático
relativo à área, direcionada a profissionais da educação na área de Física. Voltamo-nos, assim, à
construção de um texto – cuja exposição dar-se-á ao longo desta seção - que seja acessível a tal
público e permita, dessa forma, o contato de alunos do ensino básico com o assunto.
Sob tais perspectivas, uma característica da Relatividade Geral que consideramos
pertinente é seu caráter geométrico (SCHUTZ, 2009). A fim de introduzir os objetos matemáticos
necessários para a construção desse formalismo, estabelecendo uma relação com conceitos já
tradicionalmente bordados no ensino básico, faz-se útil, então, considerar o princípio da
equivalência - cuja exposição seguirá a linha de raciocínio proposta em (CARROLL, 2004).
O Princípio da Equivalência, em linhas gerais, formaliza a universalidade da interação
gravitacional. Em sua forma “fraca” (Princípio da Equivalência Fraco), atesta que as massas inercial
e gravitacional de qualquer corpo massivo são iguais. No que diz respeito à massa inercial, mi, vale
a relação da segunda lei de Newton, F=mia; já sob a perspectiva da lei da gravitação universal,
utiliza-se a massa gravitacional, mg, responsável por reagir ao campo gravitacional. No âmbito da
mecânica newtoniana, tais considerações materializam-se, então, com a igualdade mi=mg
(D’INVERNO, 1992). Ao tratá-la no contexto do Ensino Médio, vê-se uma oportunidade de fazer
uma alusão a uma série de assuntos já tradicionalmente abordados em sala de aula, como a
Segunda Lei de Newton, a lei da Gravitação Universal e os experimentos de Galileu, além da
possibilidade de tratar aspectos da metodologia e da experimentação científica.
Assim, uma vez que Galileu mostrou que diferentes corpos, independentemente de suas
massas, caem com a mesma aceleração (quando sob a ação de um dado campo gravitacional),
podemos considerar o comportamento de partículas em queda livre como um universal, na medida
em que este independe de suas massas. Isso leva, consequentemente, a outra forma de enunciar
o Princípio da Equivalência: existe uma classe de trajetórias - chamadas de trajetórias de queda
livre - ao longo das quais partículas sob o efeito da gravidade viajam.
Estas, aliadas à igualdade mi=mg, resultam na impossibilidade de diferenciar os efeitos de
estar sob a ação de um campo gravitacional daqueles concernentes a um referencial uniformemente
acelerado, ao observar o movimento de partículas em queda livre em uma região suficientemente
pequena do espaço-tempo. Essa propriedade pode ser visualizada com o "experimento de
Elevador", representado na figura 1.
Figura 1 - Esquema do Experimento do Elevador.
Fonte: elaboração própria (2022).
Conforme a discussão proposta em (D’INVERNO, 1992), tal experimento consiste em supor
que um observador se encontra confinado a um foguete, em uma região do espaço isenta de
quaisquer influências gravitacionais (figuras 1.a e 1.b) – ou a um elevador na superfície da Terra
(figuras 1.c e 1.d). Esse observador, nesse contexto, é responsável por descrever o movimento de
um corpo qualquer, como uma bola (de massa m) na cabine do foguete – ou do elevador - que,
neste cenário, atua como o referencial inercial local.
Inicialmente, o foguete é mantido a uma velocidade constante em relação ao observador
(figura 1.a), de forma que ele perceba a bola como estando em repouso; isso ocorre uma vez que
ambos se encontram à mesma velocidade - seria como se a bola "flutuasse" na cabine do foguete.
Caso esse foguete, porém, acelere com aceleração g (figura 1.b), o observador notará que a bola
irá em direção ao chão com aceleração g, sentindo, segundo a segunda lei de Newton, uma força
com intensidade mg. Já na segunda situação, supõe-se que o observador se encontra em um
elevador na superfície da Terra. Com o elevador em repouso na superfície da Terra ou à velocidade
constante (figura 1.c), a bola cairá no chão com aceleração g; já se o elevador cair livremente sob
a ação da gravidade (figura 1.d), o elevador em si adquirirá aceleração g. Nesta última situação, a
bola permanece em repouso em relação ao observador, uma vez que ambos caem à mesma taxa
de aceleração; mais uma vez, seria como se o objeto flutuasse na cabine do elevador. Nota-se que
há equivalência entre as situações das figuras 1.a e 1.d, assim como entre as das afiguras 1.b e 1.c
- o que evidencia a correspondência entre essas situações.
Vale ressaltar como, em tais experimentos, considerou-se especificamente a observação do
movimento de queda de partículas livres – isto é, fenômenos gravitacionais. Essa linha de raciocínio
é expandida pelo Princípio da Equivalência de Einstein, segundo o qual a distinção entre os efeitos
da aceleração do referencial e de um campo gravitacional externo não pode ser realizada com
demais tipos de experimentos (não gravitacionais). Incluindo, nesse âmbito, tanto experimentos
gravitacionais quanto não gravitacionais, obtém-se a chamada forma “forte” do princípio da
equivalência: as leis físicas, em geral, são tais que não há distinção entre a descrição de um sistema
sob ação da gravidade em relação à sua descrição em um referencial acelerado.
Assim, como indica Carroll (CARROLL, 2004), não existem objetos (ou corpos massivos)
gravitacionalmente neutros. Essa nova perspectiva, porém, suscita a redefinição de alguns
conceitos pois, diferentemente do que acontecia na Relatividade Restrita, referenciais inerciais
deixam de ser aqueles com aceleração nula (pois estar sob a ação de um campo gravitacional
passa a ser, por si só, correspondente a estar sob aceleração). Por tal motivo, definem-se
"referenciais inerciais" como os referenciais em queda livre - mover-se com aceleração nula passa
ser o mesmo que se mover livremente sob a presença de algum campo gravitacional.
Consequentemente, a gravidade é despida de seu aspecto como força, pois uma força leva à
aceleração, como indica a segunda lei de Newton (NUSSENZVEIG, 2002).
Este era, então, o cenário com o qual Einstein se deparava: era necessário encontrar um
ferramental matemático capaz de descrever a atuação da gravidade no espaço-tempo e, ao mesmo
tempo, recuperar a descrição da Relatividade Restrita para regiões suficientemente pequenas do
espaço. A solução por ele encontrada foi considerar um espaço-tempo com geometria curva, de
forma que a interação da gravidade passou a ser interpretada como uma consequência - ou
manifestação - dessa curvatura.
2.2 Objetos Geométricos Utilizados no Formalismo da TRG
A visão geométrica do espaço-tempo, por sua vez, apoia-se em geometria diferencial.
Assim, propomos, também, uma exposição heurística a respeito do arcabouço geométrico
incorporado por Einstein, ao abordar as definições de variedades, de métrica e de tensores em
geral.
Variedades são de suma importância pois constituem a base com a qual se representa
geometricamente o espaço-tempo, servindo como pano de fundo para a manifestação dos
fenômenos gravitacionais. Sob essa ótica, variedades podem ser caracterizadas, qualitativamente,
como uma espécie de conjunto capaz de assumir uma geometria global curva, mas que, localmente,
possui características de espaços planos (uma ideia compatível com o enunciado do Princípio da
Equivalência) (CARROLL, 2004). Isto é, podem ser encaradas como uma coleção de pontos (que
representam pontos no espaço-tempo) e nos quais os eventos observados ocorrem. Além disso,
fornecem a noção de como associar eventos que ocorrem em diferentes regiões do espaço-tempo,
conectando-as - conforme indica Hughes em (HUGHES).
Além disso, as variedades são localmente euclidianas – isto é, possuem caráter plano em
pequenas regiões (D’INVERNO, R, 1992) (ALDROVANDI, R.; PEREIRA, J. G., 2016) (NAKAHARA,
2003). Uma superfície esférica bidimensional, imersa no espaço 𝑅
𝑛
, por exemplo, é uma variedade:
por mais que, como um todo, apresente um formado "curvo", podemos descrever pequenas regiões
de sua superfície com coordenadas cartesiana x e y, de forma análoga a um plano bidimensional.
Torna-se possível, a partir do conceito de variedade, definir uma série de outros objetos
matemáticos sobre elas. Como exemplo podemos, então, citar a métrica 𝑔𝜇𝜈. Ela é a responsável
por definir as noções de distância e comprimento no espaço-tempo, na medida em que rege a
combinação das distâncias infinitesimais referentes a cada coordenada. Pode-se definir, dessa
maneira, o chamado “intervalo espaço-temporal” por intermédio de uma relação da forma
(Intervalo espaço-temporal) = (Métrica) x (Elementos infinitesimais). (1)
A equação 1 mostra como a métrica é a responsável por "combinar" as componentes de
cada coordenada espaço-temporal a fim de construir um intervalo no espaço-tempo. Como caso
particular, por exemplo, ela se reduz ao Teorema de Pitágoras: ao considerarmos um triângulo
retângulo com catetos “𝑑𝑥 “ e “𝑑𝑦 “, podemos encontrar a hipotenusa, “𝑑𝑧 “, com a equação 𝑑𝑧
2 =
𝑑𝑥
2 + 𝑑𝑦
2
. No âmbito do Ensino Básico, vê-se uma oportunidade de usar tais tópicos como uma
forma de aplicação das operações matriciais – uma vez que a métrica pode ser representada como
uma matriz. Há, ainda, a possibilidade de tratar conceitos referentes à trigonometria, ao abordar as
noções de distância e a aplicação do Teorema de Pitágoras.
Vale ressaltar também como a métrica é, na verdade, um exemplar de um tipo de objeto
matemático mais geral, chamado "tensor". Estes são importantes pois o formalismo da RG, como
um todo é escrito em termos de tensores. Qualitativamente, tensores podem ser encarados como
generalizações da noção de vetor. São, na prática, objetos utilizados para descrever grandezas
físicas que requerem, de alguma maneira, mais "graus de liberdade" em sua descrição que aqueles
cujos vetores são capazes de fornecer, na medida em que a natureza possui grandezas físicas com
mais de três “informações” a elas atreladas, excedendo a tríade “módulo, direção e sentido”. Tratá-
los como "supervetores", e ressaltar que vetores são casos particulares desses objetos mais gerais,
é uma oportunidade de, em sala de aula, recuperar a noção de vetores apresentada no estudo da
cinemática, e estender o âmbito de aplicações desse ferramental para além do campo da Mecânica
Newtoniana.
Assim, a gravidade deixa de ser interpretada como uma força e passa a ser descrita como
a curvatura espaço-temporal devido à ação de alguma massa que ocupa o espaço-tempo. É nessa
media que surge a interpretação de um espaço-tempo curvo, cuja visualização pode ser
concretizada com a utilização de esquemas e imagens ilustrativas.
2.3 Geodésicas e as Equações de Campo de Einstein
Vislumbra-se, ainda, a possibilidade de expor, de maneira qualitativa, equações de suma
importância para a descrição geométrica citada: a equação da geodésica e as equações de campo
de Einstein. Propomo-nos a realizar a exposição dessas fórmulas como uma forma de exemplificar
e concretizar os elementos da discussão; esperamos, assim, uma apresentação heurística capaz
de concretizar os conceitos estudados e mostrar como é possível, de fato, construir, em certa
medida, sentido intuitivo a respeito do funcionamento dessas equações. Ressaltamos ainda que tal
transposição de equações direciona-se diretamente aos docentes da educação básica: o
conhecimento de seus significados, bem como de seus termos, mesmo que a partir da exposição
qualitativa citada, coloca-se como uma forma dos professores apreenderem esses conceitos e
então passá-los, filtrando a carga de informações inerente ao nível do ensino superior, para os
alunos do nível médio.
Feitas tais considerações, podemos atentar-nos às implicações de tratar a gravidade como
manifestação da curvatura. Uma consequência direta desse tipo de modelo encontra-se na noção
de distância entre dois pontos: enquanto, em um espaço euclidiano (de caráter plano), a menor
distância entre dois pontos é uma reta, em um espaço com curvatura essa noção deve ser
repensada. Como exemplo, podemos considerar o caso de uma superfície plana e de uma esfera
(que é um exemplo de superfície curva), como mostra a figura 2.
Figura 2 - Superfícies plana e esférica.
Fonte: elaboração própria (2022).
Na superfície plana vemos que, de fato, a menor distância entre os pontos A, B e C são
retas. Na esfera, entretanto, deparamo-nos com curvas – algo semelhante ao que aconteceria caso
ligássemos, usando o traçado de uma caneta, dois pontos na superfície de uma bola de futebol.
Assim, a equação da geodésica faz-se relevante na medida em que uma geodésica pode ser
encarada não somente como a generalização da noção de linha reta no espaço, mas também como
a generalização da equação de força que conhecemos no contexto Newtoniano (CARROLL, 2004).
Do ponto de vista matemático, pode ser expressa pela relação
com a qual pretendemos, ressaltamos novamente, somente exemplificar a discussão por intermédio
de um tratamento qualitativo voltado, em um primeiro momento, aos professores. A grandeza 𝑥
𝜇
diz respeito às coordenadas espaço-temporais, enquanto o parâmetro 𝜏, em termos do qual a
derivada é realizada, refere-se ao tempo próprio. O tempo próprio é uma grandeza relevante já no
panorama da Relatividade Restrita, e diz respeito ao tempo percebido pelo referencial do próprio
observador. Além disso, os diversos índices que aparecem na equação (2) indicam, no geral, que
cada um dos elementos que os exibem possui diversas componentes.
A visualização de uma geodésica como generalização do conceito de força pode ser
concretizada, por sua vez, a partir de uma comparação direta com a equação para partículas com
velocidade constante em um espaço plano (caso da Mecânica Newtoniana), dada por 𝑑
2𝑥
𝜇
/𝑑𝜆
2 =
0 (CARROLL, 2004), que indica aceleração nula. No caso da equação 2, nota-se a adição de um
termo a mais que, na prática, atua como um fator de correção. Pode-se dizer, nesse sentido, que o
objeto 𝛤𝜌𝜎
𝜇
, chamado “conexão”, atua como um fator de correção inerente à curvatura espaço-
temporal. Ressaltamos como, neste ponto do texto, a referência à aceleração em termos de uma
derivada de segunda ordem direciona-se apenas para os docentes (licenciados), uma vez que se
requer conceitos de cálculo diferencial para sua compreensão; constitui-se, assim, como uma
transposição a eles dedicada.
Outra equação central para a descrição geométrica do espaço-tempo é a expressão que
encerra as chamadas “equações de campo de Einstein”, dada por (CARROLL, 2004)
𝑅𝜇𝜈 −
1
2
𝑔𝜇𝜈𝑅 =
8𝜋𝐺
𝑐
4 𝛩𝜇𝜈. (3)
Os termos 𝑅𝜇𝜈 e 𝑅 são chamados, respectivamente, “tensor de Ricci” e “escalar de Ricci”.
Eles surgem a partir de um objeto matemático com maior número de componentes – e,
consequentemente, com um maior número de índices - chamado “tensor de curvatura”. Em linhas
gerais, faz-se útil ter em mente que tais objetos indicam como se manifesta a curvatura espaço-
temporal. A grandeza 𝐺 indica a constante da gravitação universal, enquanto c refere-se à
velocidade da luz no vácuo. 𝛩𝜇𝜈, por sua vez, é chamado “tensor energia-momento", e diz respeito
à fonte do campo gravitacional.
Assim como na mecânica Newtoniana há equações de movimento que descrevem como um
dado sistema físico se comporta, as equações de Einstein indicam como o espaço-tempo se
comporta geometricamente quando sob a presença de alguma deformação - isto é, quando há a
presença de massa-energia (essa identificação entre as grandezas “massa” e “energia” pode, por
sua vez, ser retomada do arcabouço da Relatividade Especial, a qual é, em geral, mais usual ao
leitor licenciado). O membro esquerdo da equação (3) refere-se à geometria do espaço-tempo –
evidenciada, por exemplo, pela métrica 𝑔𝜇𝜈 -, enquanto seu membro direito refere-se à massa-
energia que ocupa certo ponto no espaço-tempo. A equação (3) relaciona a geometria espaço-
temporal à massa que o ocupa, salientando como cada uma dessas grandezas interage entre si.
Uma possível maneira de ilustrar o comportamento descrito pelas Equação de Einstein, em
sala de aula, pode ser a utilização de um tecido estendido, preso em suas extremidades, a fim de
representar o espaço-tempo. Ao colocar algum objeto sobre o lençol, percebe-se uma deformação
no formato do mesmo; quanto maior a massa do objeto, maior a deformação - devendo-se salientar
que, quando utilizada tal comparação, é prudente compreender que o número de dimensões
envolvidas na representação é menor do que aquele apresentado pelo espaço-tempo (o qual possui
três dimensões espaciais e uma dimensão temporal). Outra possibilidade, ao tratar a curvatura
espaço-temporal, juntamente com a equação de Einstein, é utilizar materiais tais como vídeos ou
obras cinematográficas que tratem, mesmo que no âmbito da ficção científica, a relevância dos
fenômenos gravitacionais.
3. Resultados e Discussões
Seguindo a exposição didática proposta, esperamos como resultados uma melhor
apreensão, no ensino básico, de conceitos de física moderna – mais especificamente, na área da
TRG. Utilizando a teoria da transposição didática, temos como perspectiva que o acesso a materiais
que abordem a TRG com enfoque qualitativo, porém sem negligenciar a estrutura matemática e os
conceitos mais sutis da teoria, por partes de professores do Ensino Médio, seja capaz de levar o
conhecimento da área a esses profissionais e, consequentemente, permitir o contato dos alunos
com a Relatividade Geral.
Para tal, a utilização de esquemas, dinâmicas práticas a serem realizadas em sala de aula,
vídeos e obras cinematográficas podem servir como forma de ilustrar os conceitos expostos.
Espera-se, assim, imbuir os discentes em uma visão intuitiva a respeito das características da teoria.
Ao trabalhar, também, certos conceitos da relatividade – a exemplo da equação da geodésica -
como extensões ou generalizações de conceitos da teoria Newtoniana, espera-se ser possível
construir uma ponte entre os conteúdos já conhecidos pelos alunos permitindo, assim, uma
transição natural para os assuntos aqui tratados.
Pretende-se, assim, fornecer aos estudantes do ensino básico não somente uma base de
conhecimento a respeito da TRG, mas também, com a utilização de materiais como experimentos
práticos ou mesmo séries e filmes, enfatizar a presença da Relatividade em nosso cotidiano.
Esperamos que levar conceitos sobre física moderna à sala de aula colabore para a popularização
de suas aplicações: podem ser abordados, nesse contexto, tanto a exposição de tecnologias que
levam em consideração efeitos relativísticos, como o GPS, bem como fenômenos físicos e
astronômicos que extrapolam as previsões propostas pela Mecânica Newtoniana.
4. Considerações Finais
Utilizando o referencial de transposição didática de Chevallard, construímos uma proposta
de abordagem para o ensino de Relatividade Geral no ensino médio. Por intermédio de uma
exposição qualitativa de conceitos, objetos matemático e equações, esperamos ser possível levar,
aos professores do ensino básico, uma base sólida o suficiente para que seja possível a
compreensão da teoria e, consequentemente, a transposição desses conceitos para os alunos.
Ressaltamos que o presente trabalho se apresenta como o traçado geral de uma proposta
em desenvolvimento sem se resumir, porém, a esse estado - há interesse no desenvolvimento das
propostas aqui tratadas, visando projetos e publicações futuras, nos quais expandir-se-á a
discussão até então realizada. Dentre as possibilidades de expansão, coloca-se a construção de
uma sequência didática - ainda em processo de confecção - capaz de enfatizar a noção de que,
enquanto fenômeno físico, existe uma única gravitação.
Isto é, uma possibilidade de elaborar uma sequência didática capaz de expor os conceitos
aqui tratadas seria mostrar como, do ponto de vista do fenômeno físico, tem-se uma mesma
interação - a gravitacional – qualquer que seja o formalismo utilizado em sua descrição (o da
mecânica Newtoniana ou o da TRG). Dessa forma, espera-se ser possível abordar as ideias
modernas e contemporâneas juntamente às ideias clássicas, apresentando cada conceito da TRG
em sequência a cada conteúdo correspondente já tratado na mecânica Newtoniana, de acordo com
a proposta de (RABELO, 2015). Assim, seria possível, também, contornar o impasse de deixar para
o final do terceiro ano do EM todo o ensino da TRG – um momento no qual o foco dos estudantes
volta-se para as provas de ingresso no ensino superior.
Referências
BROCKINGTON, G.; PIETROCOLA, M. Serão as regras da transposição didática Aplicáveis aos
conceitos de Física Moderna?. Investigações em Ensino de Ciências, [S. l.], v. 10, n. 3, p. 387–
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Faça um resumo desse texto abaixo com analogias e que seja de fácil entendimento.
Conceitos de Relatividade Geral – Uma abordagem para o ensino de Física no Ensino Médio Concepts of General Relativity – An Approach to Physics Teaching in High School Lucca Lopes Dias Santos1 , Raul Grande Quartieri2 , Guilherme Henrique Schinzel 3 , Vanessa Carvalho de Andrade 4 . 1,2,3,4 Instituto de Física (IF), Universidade de Brasília (UnB). 3,4 Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física (MNPEF). Resumo Considerando a teoria de transposição didática de Chevallard, propõe-se uma abordagem para o ensino de Relatividade Geral no Ensino Médio. Desenvolve-se, nesse âmbito, a discussão de conceitos relativos ao formalismo construído por Einstein por intermédio de uma apresentação, direcionada aos professores, com caráter qualitativo, dos objetos matemáticos e equações referentes a tais conceitos sem, entretanto, negligenciar os meandros intrínsecos à compreensão da teoria. Espera-se, desse modo, a apreensão, por parte dos docentes, de tópicos frequentemente negligenciados – ou tratados de maneira reticente – em seu processo de formação e, consequentemente, a possibilidade de um ensino com bases sólidas aos alunos do ensino básico, levando em conta a transformação do conhecimento embasada pelo referencial teórico de Chevallard. São expostos temas como o Princípio da Equivalência, a equação da geodésica e as equações de campo de Einstein, em um constante processo de aproximação com os tópicos já tradicionalmente tratados em sala de aula, bem como sugere-se a construção de uma sequência didática capaz de aplicar a exposição dos conceitos aqui discutidos. Palavras-Chave: Transposição Didática; Relatividade Geral; Ensino de Física; Ensino Médio. Abstract Considering Chevallard’s didactic transposition theory, we propose an approach for teaching General Relativity in high school. In this sense, we develop the discussion of concepts relative to the formalism built by Einstein thorugh a qualitative presentation, directed to teachers, concerning the mathematical objects and equations linked to these concepts without neglecting the required subtleties for the theory understanding. We thus hope teachers may be able to assimilate the topics which are often neglect or reticently presented during their academic background; hence, we expect the possibility of a solid based instruction for basic education students, taking into account the knowledge transformation grounded in Chevallard’s theoretical reference. We treat subjects such as the Equivalence Principle, the geodesic’s equation and Einstein’s field equations, in a constant approximation process in relation to the topics traditionally treated during classes, and we also suggest the creation a following teaching able to apply the exposition of the presented concepts. Keywords: Didactic transposition; General Relativity; Physics teaching; High School.
Introdução A dificuldade de se ensinar Física Moderna no ensino médio (EM) continua sendo um grande desafio para os professores de Física os quais, muitas vezes, não possuem tempo suficiente em seus cronogramas para trabalhar esse conteúdo ou, ainda, não possuem uma formação que proporcione uma boa base de conhecimento para tal. Apesar dessa – e outras - dificuldades de inserção da Física Moderna no EM, esta se faz muito presente no dia a dia da maioria das pessoas, seja na forma de entretenimento, como em filmes, séries e podcasts, seja na forma de notícias - o que torna o ensino dessa área da Física essencial para conscientizar os nossos jovens do que é de fato a Física Moderna e do que ela diz. Nesse contexto, no presente artigo visamos abordar como poderia ser trabalhada, em sala de aula, a teoria da relatividade geral de Einstein (TRG) de uma forma mais conceitual, pois essa teoria utiliza-se, de fato, de um ferramental matemático bastante arraigado cuja apresentação estritamente formal coloca-se fora do escopo do EM. Além disso, não é difícil notar que a TRG é uma das teorias mais populares no âmbito da ficção científica, ou até mesmo de anúncios de novas comprovações de teorias nos jornais; ou seja, como mencionado, é uma das teorias da Física Moderna de grande importância a ser trabalhada no EM, com perspectivas de ajudar os alunos a distinguir entre o que realmente a teoria diz e o que está fora de sua proposta. Em linhas gerais, a TRG descreve e explica como a gravidade funciona, uma vez que, para Newton, a gravidade era uma força de ação à distância cuja “comunicação” era desconhecida - isto é, não sabíamos como os corpos sentiam essa força sem estarem em contado (o mesmo problema existia no eletromagnetismo) - o que era um grande problema acerca da natureza da gravidade. Entretanto, conforme mencionamos, a TRG indica como a gravidade funciona, o que resolveu o impasse da força de ação à distância que existia na teoria Newtoniana; nesse processo, a gravidade deixa de ser interpretada como uma força e passa a ser entendida como um efeito da curvatura espaço-temporal causada pela presença da matéria-energia. Isto é, na TRG, a gravidade - esse efeito de atração dos corpos – passa a ser entendida como uma causa da distorção do espaço- tempo que, por sua vez, surge com a presença de matéria-energia, como descrito por John Archibald Wheeler ao enunciar que (tradução livre) “O espaço diz à matéria como se mover e a matéria diz ao espaço como se curvar” (MISNER, C. W; THORNE, K. S; WHEELER, J. A, 1973, p. 5). Desse modo, a fim de elucidar nossa compreensão a respeito de como a TRG pode ser abordada no EM, usamos a teoria de Transposição Didática de Yves Chevallard, a qual aborda como o conhecimento se transforma até chegar ao conhecimento que ensinamos para os nossos alunos sem que haja, porém, uma perda da ideia original. Assim, na primeira seção deste artigo, discutimos essa teoria de transposição didática enquanto, na segunda seção, apresentamos um texto que desenvolvemos sobre a TRG que pode ajudar os professores na transposição dos saberes dessa teoria. Na seção posterior discutimos, então, os resultados esperados com essa proposta, considerando, inclusive, as perspectivas de elaboração de uma sequência didática e, na última seção, tratamos de nossas considerações finais.
- Fundamentação Teórica A fim de tratar o ensino da TRG no EM, baseamo-nos na teoria de transposição didática de Yves Chevallard. Nessa teoria, como aponta (BROCKINGTON, G.; PIETROCOLA, M, 2005), Chevallard define a transposição didática como um instrumento de análise da dinâmica de transformação do Saber Sábio (saber produzido pela comunidade científica), para o Saber a Ensinar (saber encontrado nos materiais didáticos), e por fim, para o Saber Ensinado (saber que realmente transmitimos para nossos estudantes). Ou seja, essa teoria estuda os processos de transformação que o saber produzido pelos cientistas sofre até chegar à sala de aula, seja ela uma sala de aula em uma universidade ou uma escola. Dessa forma, a teoria da transposição didática é de extrema importância para entendermos a quais transformações podemos submeter um conhecimento científico tão complexo (e raramente abordado no EM) como a TRG para, então, levá-lo a uma sala de aula sem que haja uma perda de significado da teoria. Um primeiro ponto importante a ser compreendido na transposição didática é que Chevallard considera que toda interação didática não é somente uma interação entre professor e aluno, mas sim uma relação ternária entre o professor, o ensino e o conhecimento (o saber) (CHEVALLARD, 2013). Isso significa que ao entrar em sala de aula, o professor deve ter um bom domínio do saber a ser ensinado (sendo um caso ideal ter um bom entendimento do saber sábio) e deve entender como transmitir esse saber para seus alunos, transformando-o no saber ensinado. Em toda relação didática é importante também a intenção de ensinar, ou seja, além de ser necessário a existência dessa relação ternária, o professor deve ter a intenção de ensinar algo a seu estudante (CHEVALLARD, 2013). Frequentemente associa-se a transposição didática a uma simples simplificação de algum saber ou conceito - ou seja, somente a uma simplificação do saber sábio -, limitando-se ao uso de uma linguagem mais simples, com perda da profundidade de alguns conceitos. Entretanto, pela teoria de Chevallard, apesar de realmente existirem algumas simplificações na transposição didática (CHEVALLARD, 2013), o saber na verdade sofre uma mudança epistemológica, ou seja, muda de significado, de forma a ganhar uma proximidade maior com a vivência dos estudantes. Assim, não bastaria apenas simplificar as ideias da RG para fazer uma transposição didática para o EM - deve-se procurar uma mudança conceitual de suas ideias. Isto é, devemos procurar analogias capazes de passar, satisfatoriamente, mesmo que de forma qualitativa, as ideias da RG para os estudantes. Outra questão importante discutida pela teoria de Chevallard é a respeito de quem define quais saberes sábios passarão por uma transposição didática e quais serão suas mudanças de significado. Para responder a essa questão, Chevallard apresenta a noosfera: um ambiente de encontro entre a comunidade científica, representantes da sociedade (políticos), a comunidade escolar (i.é, professores, coordenadores, diretores e pais de alunos), entre outros agentes da sociedade (BROCKINGTON, G.; PIETROCOLA, M, 2005). Esse ambiente promove a discussão do que é importante ser ensinado nas escolas, ou seja, quais saberes sábios são importantes para passarem por um processo de transposição didática; com isso, elabora e regulamenta os programas de ensino (programas curriculares). Ou seja, a noosfera é responsável pelo que chamamos de transposição didática externa (em contrapartida, a transposição didática interna é a transposição realizada pelo professor, resultando em sua aula) (NEVES, K. C. R; de OLIVEIRA BARROS, 2011), além de definir algumas características necessárias para que o saber sábio sobreviva a uma transposição didática como, por exemplo: a atualidade moral, que são conhecimentos julgados como importantes pela sociedade; a atualidade biológica, isto é, o saber deve ser atual e consensual na prática científica; e o saber ainda deve possuir uma operacionalidade e deve ter espaço para uma criatividade didática. Consideramos que a RG possui todas as características citadas acima; logo, possui o potencial de sobreviver à transposição didática e à sala de aula. Entretanto, muitos professores ainda receiam trabalhar esse tema em sala de aula, o que pode ocorrer devido a alguma deficiência em sua formação, ou mesmo devido à falta de tempo (que pode ocorrer por motivos diversos). Dessa forma, visando ajudar a orientar os professores que queiram abordar esse assunto, vista sua grande importância na Física moderna, na próxima seção apresentamos um material de TRG que pode ser usado como base para os professores ao montarem suas aulas.
- Métodos e materiais 2.1 A Relatividade Geral e o Princípio da Equivalência Levando em conta as considerações expostas até então, propomo-nos a uma exposição de caráter heurístico, porém munida dos principais conceitos e pontos do arcabouço matemático relativo à área, direcionada a profissionais da educação na área de Física. Voltamo-nos, assim, à construção de um texto – cuja exposição dar-se-á ao longo desta seção - que seja acessível a tal público e permita, dessa forma, o contato de alunos do ensino básico com o assunto. Sob tais perspectivas, uma característica da Relatividade Geral que consideramos pertinente é seu caráter geométrico (SCHUTZ, 2009). A fim de introduzir os objetos matemáticos necessários para a construção desse formalismo, estabelecendo uma relação com conceitos já tradicionalmente bordados no ensino básico, faz-se útil, então, considerar o princípio da equivalência - cuja exposição seguirá a linha de raciocínio proposta em (CARROLL, 2004). O Princípio da Equivalência, em linhas gerais, formaliza a universalidade da interação gravitacional. Em sua forma “fraca” (Princípio da Equivalência Fraco), atesta que as massas inercial e gravitacional de qualquer corpo massivo são iguais. No que diz respeito à massa inercial, mi, vale a relação da segunda lei de Newton, F=mia; já sob a perspectiva da lei da gravitação universal, utiliza-se a massa gravitacional, mg, responsável por reagir ao campo gravitacional. No âmbito da mecânica newtoniana, tais considerações materializam-se, então, com a igualdade mi=mg (D’INVERNO, 1992). Ao tratá-la no contexto do Ensino Médio, vê-se uma oportunidade de fazer uma alusão a uma série de assuntos já tradicionalmente abordados em sala de aula, como a Segunda Lei de Newton, a lei da Gravitação Universal e os experimentos de Galileu, além da possibilidade de tratar aspectos da metodologia e da experimentação científica. Assim, uma vez que Galileu mostrou que diferentes corpos, independentemente de suas massas, caem com a mesma aceleração (quando sob a ação de um dado campo gravitacional), podemos considerar o comportamento de partículas em queda livre como um universal, na medida em que este independe de suas massas. Isso leva, consequentemente, a outra forma de enunciar o Princípio da Equivalência: existe uma classe de trajetórias - chamadas de trajetórias de queda livre - ao longo das quais partículas sob o efeito da gravidade viajam. Estas, aliadas à igualdade mi=mg, resultam na impossibilidade de diferenciar os efeitos de estar sob a ação de um campo gravitacional daqueles concernentes a um referencial uniformemente acelerado, ao observar o movimento de partículas em queda livre em uma região suficientemente pequena do espaço-tempo. Essa propriedade pode ser visualizada com o "experimento de Elevador", representado na figura 1. Figura 1 - Esquema do Experimento do Elevador. Fonte: elaboração própria (2022).
Conforme a discussão proposta em (D’INVERNO, 1992), tal experimento consiste em supor que um observador se encontra confinado a um foguete, em uma região do espaço isenta de quaisquer influências gravitacionais (figuras 1.a e 1.b) – ou a um elevador na superfície da Terra (figuras 1.c e 1.d). Esse observador, nesse contexto, é responsável por descrever o movimento de um corpo qualquer, como uma bola (de massa m) na cabine do foguete – ou do elevador - que, neste cenário, atua como o referencial inercial local. Inicialmente, o foguete é mantido a uma velocidade constante em relação ao observador (figura 1.a), de forma que ele perceba a bola como estando em repouso; isso ocorre uma vez que ambos se encontram à mesma velocidade - seria como se a bola "flutuasse" na cabine do foguete. Caso esse foguete, porém, acelere com aceleração g (figura 1.b), o observador notará que a bola irá em direção ao chão com aceleração g, sentindo, segundo a segunda lei de Newton, uma força com intensidade mg. Já na segunda situação, supõe-se que o observador se encontra em um elevador na superfície da Terra. Com o elevador em repouso na superfície da Terra ou à velocidade constante (figura 1.c), a bola cairá no chão com aceleração g; já se o elevador cair livremente sob a ação da gravidade (figura 1.d), o elevador em si adquirirá aceleração g. Nesta última situação, a bola permanece em repouso em relação ao observador, uma vez que ambos caem à mesma taxa de aceleração; mais uma vez, seria como se o objeto flutuasse na cabine do elevador. Nota-se que há equivalência entre as situações das figuras 1.a e 1.d, assim como entre as das afiguras 1.b e 1.c
- o que evidencia a correspondência entre essas situações. Vale ressaltar como, em tais experimentos, considerou-se especificamente a observação do movimento de queda de partículas livres – isto é, fenômenos gravitacionais. Essa linha de raciocínio é expandida pelo Princípio da Equivalência de Einstein, segundo o qual a distinção entre os efeitos da aceleração do referencial e de um campo gravitacional externo não pode ser realizada com demais tipos de experimentos (não gravitacionais). Incluindo, nesse âmbito, tanto experimentos gravitacionais quanto não gravitacionais, obtém-se a chamada forma “forte” do princípio da equivalência: as leis físicas, em geral, são tais que não há distinção entre a descrição de um sistema sob ação da gravidade em relação à sua descrição em um referencial acelerado. Assim, como indica Carroll (CARROLL, 2004), não existem objetos (ou corpos massivos) gravitacionalmente neutros. Essa nova perspectiva, porém, suscita a redefinição de alguns conceitos pois, diferentemente do que acontecia na Relatividade Restrita, referenciais inerciais deixam de ser aqueles com aceleração nula (pois estar sob a ação de um campo gravitacional passa a ser, por si só, correspondente a estar sob aceleração). Por tal motivo, definem-se "referenciais inerciais" como os referenciais em queda livre - mover-se com aceleração nula passa ser o mesmo que se mover livremente sob a presença de algum campo gravitacional. Consequentemente, a gravidade é despida de seu aspecto como força, pois uma força leva à aceleração, como indica a segunda lei de Newton (NUSSENZVEIG, 2002). Este era, então, o cenário com o qual Einstein se deparava: era necessário encontrar um ferramental matemático capaz de descrever a atuação da gravidade no espaço-tempo e, ao mesmo tempo, recuperar a descrição da Relatividade Restrita para regiões suficientemente pequenas do espaço. A solução por ele encontrada foi considerar um espaço-tempo com geometria curva, de forma que a interação da gravidade passou a ser interpretada como uma consequência - ou manifestação - dessa curvatura. 2.2 Objetos Geométricos Utilizados no Formalismo da TRG A visão geométrica do espaço-tempo, por sua vez, apoia-se em geometria diferencial. Assim, propomos, também, uma exposição heurística a respeito do arcabouço geométrico
incorporado por Einstein, ao abordar as definições de variedades, de métrica e de tensores em geral. Variedades são de suma importância pois constituem a base com a qual se representa geometricamente o espaço-tempo, servindo como pano de fundo para a manifestação dos fenômenos gravitacionais. Sob essa ótica, variedades podem ser caracterizadas, qualitativamente, como uma espécie de conjunto capaz de assumir uma geometria global curva, mas que, localmente, possui características de espaços planos (uma ideia compatível com o enunciado do Princípio da Equivalência) (CARROLL, 2004). Isto é, podem ser encaradas como uma coleção de pontos (que representam pontos no espaço-tempo) e nos quais os eventos observados ocorrem. Além disso, fornecem a noção de como associar eventos que ocorrem em diferentes regiões do espaço-tempo, conectando-as - conforme indica Hughes em (HUGHES). Além disso, as variedades são localmente euclidianas – isto é, possuem caráter plano em pequenas regiões (D’INVERNO, R, 1992) (ALDROVANDI, R.; PEREIRA, J. G., 2016) (NAKAHARA, 2003). Uma superfície esférica bidimensional, imersa no espaço 𝑅 𝑛 , por exemplo, é uma variedade: por mais que, como um todo, apresente um formado "curvo", podemos descrever pequenas regiões de sua superfície com coordenadas cartesiana x e y, de forma análoga a um plano bidimensional. Torna-se possível, a partir do conceito de variedade, definir uma série de outros objetos matemáticos sobre elas. Como exemplo podemos, então, citar a métrica 𝑔𝜇𝜈. Ela é a responsável por definir as noções de distância e comprimento no espaço-tempo, na medida em que rege a combinação das distâncias infinitesimais referentes a cada coordenada. Pode-se definir, dessa maneira, o chamado “intervalo espaço-temporal” por intermédio de uma relação da forma (Intervalo espaço-temporal) = (Métrica) x (Elementos infinitesimais). (1)
A equação 1 mostra como a métrica é a responsável por "combinar" as componentes de cada coordenada espaço-temporal a fim de construir um intervalo no espaço-tempo. Como caso particular, por exemplo, ela se reduz ao Teorema de Pitágoras: ao considerarmos um triângulo retângulo com catetos “𝑑𝑥 “ e “𝑑𝑦 “, podemos encontrar a hipotenusa, “𝑑𝑧 “, com a equação 𝑑𝑧 2 = 𝑑𝑥 2 + 𝑑𝑦 2 . No âmbito do Ensino Básico, vê-se uma oportunidade de usar tais tópicos como uma forma de aplicação das operações matriciais – uma vez que a métrica pode ser representada como uma matriz. Há, ainda, a possibilidade de tratar conceitos referentes à trigonometria, ao abordar as noções de distância e a aplicação do Teorema de Pitágoras. Vale ressaltar também como a métrica é, na verdade, um exemplar de um tipo de objeto matemático mais geral, chamado "tensor". Estes são importantes pois o formalismo da RG, como um todo é escrito em termos de tensores. Qualitativamente, tensores podem ser encarados como generalizações da noção de vetor. São, na prática, objetos utilizados para descrever grandezas físicas que requerem, de alguma maneira, mais "graus de liberdade" em sua descrição que aqueles cujos vetores são capazes de fornecer, na medida em que a natureza possui grandezas físicas com mais de três “informações” a elas atreladas, excedendo a tríade “módulo, direção e sentido”. Tratá- los como "supervetores", e ressaltar que vetores são casos particulares desses objetos mais gerais, é uma oportunidade de, em sala de aula, recuperar a noção de vetores apresentada no estudo da cinemática, e estender o âmbito de aplicações desse ferramental para além do campo da Mecânica Newtoniana. Assim, a gravidade deixa de ser interpretada como uma força e passa a ser descrita como a curvatura espaço-temporal devido à ação de alguma massa que ocupa o espaço-tempo. É nessa media que surge a interpretação de um espaço-tempo curvo, cuja visualização pode ser concretizada com a utilização de esquemas e imagens ilustrativas. 2.3 Geodésicas e as Equações de Campo de Einstein Vislumbra-se, ainda, a possibilidade de expor, de maneira qualitativa, equações de suma importância para a descrição geométrica citada: a equação da geodésica e as equações de campo de Einstein. Propomo-nos a realizar a exposição dessas fórmulas como uma forma de exemplificar e concretizar os elementos da discussão; esperamos, assim, uma apresentação heurística capaz de concretizar os conceitos estudados e mostrar como é possível, de fato, construir, em certa medida, sentido intuitivo a respeito do funcionamento dessas equações. Ressaltamos ainda que tal transposição de equações direciona-se diretamente aos docentes da educação básica: o conhecimento de seus significados, bem como de seus termos, mesmo que a partir da exposição qualitativa citada, coloca-se como uma forma dos professores apreenderem esses conceitos e então passá-los, filtrando a carga de informações inerente ao nível do ensino superior, para os alunos do nível médio. Feitas tais considerações, podemos atentar-nos às implicações de tratar a gravidade como manifestação da curvatura. Uma consequência direta desse tipo de modelo encontra-se na noção de distância entre dois pontos: enquanto, em um espaço euclidiano (de caráter plano), a menor distância entre dois pontos é uma reta, em um espaço com curvatura essa noção deve ser repensada. Como exemplo, podemos considerar o caso de uma superfície plana e de uma esfera (que é um exemplo de superfície curva), como mostra a figura 2. Figura 2 - Superfícies plana e esférica. Fonte: elaboração própria (2022). Na superfície plana vemos que, de fato, a menor distância entre os pontos A, B e C são retas. Na esfera, entretanto, deparamo-nos com curvas – algo semelhante ao que aconteceria caso ligássemos, usando o traçado de uma caneta, dois pontos na superfície de uma bola de futebol. Assim, a equação da geodésica faz-se relevante na medida em que uma geodésica pode ser encarada não somente como a generalização da noção de linha reta no espaço, mas também como a generalização da equação de força que conhecemos no contexto Newtoniano (CARROLL, 2004). Do ponto de vista matemático, pode ser expressa pela relação com a qual pretendemos, ressaltamos novamente, somente exemplificar a discussão por intermédio de um tratamento qualitativo voltado, em um primeiro momento, aos professores. A grandeza 𝑥 𝜇 diz respeito às coordenadas espaço-temporais, enquanto o parâmetro 𝜏, em termos do qual a derivada é realizada, refere-se ao tempo próprio. O tempo próprio é uma grandeza relevante já no panorama da Relatividade Restrita, e diz respeito ao tempo percebido pelo referencial do próprio observador. Além disso, os diversos índices que aparecem na equação (2) indicam, no geral, que cada um dos elementos que os exibem possui diversas componentes. A visualização de uma geodésica como generalização do conceito de força pode ser concretizada, por sua vez, a partir de uma comparação direta com a equação para partículas com velocidade constante em um espaço plano (caso da Mecânica Newtoniana), dada por 𝑑 2𝑥 𝜇 /𝑑𝜆 2 = 0 (CARROLL, 2004), que indica aceleração nula. No caso da equação 2, nota-se a adição de um termo a mais que, na prática, atua como um fator de correção. Pode-se dizer, nesse sentido, que o objeto 𝛤𝜌𝜎 𝜇 , chamado “conexão”, atua como um fator de correção inerente à curvatura espaço- temporal. Ressaltamos como, neste ponto do texto, a referência à aceleração em termos de uma derivada de segunda ordem direciona-se apenas para os docentes (licenciados), uma vez que se requer conceitos de cálculo diferencial para sua compreensão; constitui-se, assim, como uma transposição a eles dedicada. Outra equação central para a descrição geométrica do espaço-tempo é a expressão que encerra as chamadas “equações de campo de Einstein”, dada por (CARROLL, 2004) 𝑅𝜇𝜈 − 1 2 𝑔𝜇𝜈𝑅 = 8𝜋𝐺 𝑐 4 𝛩𝜇𝜈. (3) Os termos 𝑅𝜇𝜈 e 𝑅 são chamados, respectivamente, “tensor de Ricci” e “escalar de Ricci”. Eles surgem a partir de um objeto matemático com maior número de componentes – e, consequentemente, com um maior número de índices - chamado “tensor de curvatura”. Em linhas gerais, faz-se útil ter em mente que tais objetos indicam como se manifesta a curvatura espaço- temporal. A grandeza 𝐺 indica a constante da gravitação universal, enquanto c refere-se à velocidade da luz no vácuo. 𝛩𝜇𝜈, por sua vez, é chamado “tensor energia-momento", e diz respeito à fonte do campo gravitacional. Assim como na mecânica Newtoniana há equações de movimento que descrevem como um dado sistema físico se comporta, as equações de Einstein indicam como o espaço-tempo se comporta geometricamente quando sob a presença de alguma deformação - isto é, quando há a presença de massa-energia (essa identificação entre as grandezas “massa” e “energia” pode, por sua vez, ser retomada do arcabouço da Relatividade Especial, a qual é, em geral, mais usual ao leitor licenciado). O membro esquerdo da equação (3) refere-se à geometria do espaço-tempo – evidenciada, por exemplo, pela métrica 𝑔𝜇𝜈 -, enquanto seu membro direito refere-se à massa- energia que ocupa certo ponto no espaço-tempo. A equação (3) relaciona a geometria espaço- temporal à massa que o ocupa, salientando como cada uma dessas grandezas interage entre si. Uma possível maneira de ilustrar o comportamento descrito pelas Equação de Einstein, em sala de aula, pode ser a utilização de um tecido estendido, preso em suas extremidades, a fim de representar o espaço-tempo. Ao colocar algum objeto sobre o lençol, percebe-se uma deformação no formato do mesmo; quanto maior a massa do objeto, maior a deformação - devendo-se salientar que, quando utilizada tal comparação, é prudente compreender que o número de dimensões envolvidas na representação é menor do que aquele apresentado pelo espaço-tempo (o qual possui três dimensões espaciais e uma dimensão temporal). Outra possibilidade, ao tratar a curvatura espaço-temporal, juntamente com a equação de Einstein, é utilizar materiais tais como vídeos ou obras cinematográficas que tratem, mesmo que no âmbito da ficção científica, a relevância dos fenômenos gravitacionais. 3. Resultados e Discussões Seguindo a exposição didática proposta, esperamos como resultados uma melhor apreensão, no ensino básico, de conceitos de física moderna – mais especificamente, na área da TRG. Utilizando a teoria da transposição didática, temos como perspectiva que o acesso a materiais que abordem a TRG com enfoque qualitativo, porém sem negligenciar a estrutura matemática e os conceitos mais sutis da teoria, por partes de professores do Ensino Médio, seja capaz de levar o conhecimento da área a esses profissionais e, consequentemente, permitir o contato dos alunos com a Relatividade Geral. Para tal, a utilização de esquemas, dinâmicas práticas a serem realizadas em sala de aula, vídeos e obras cinematográficas podem servir como forma de ilustrar os conceitos expostos. Espera-se, assim, imbuir os discentes em uma visão intuitiva a respeito das características da teoria. Ao trabalhar, também, certos conceitos da relatividade – a exemplo da equação da geodésica - como extensões ou generalizações de conceitos da teoria Newtoniana, espera-se ser possível construir uma ponte entre os conteúdos já conhecidos pelos alunos permitindo, assim, uma transição natural para os assuntos aqui tratados. Pretende-se, assim, fornecer aos estudantes do ensino básico não somente uma base de conhecimento a respeito da TRG, mas também, com a utilização de materiais como experimentos práticos ou mesmo séries e filmes, enfatizar a presença da Relatividade em nosso cotidiano. Esperamos que levar conceitos sobre física moderna à sala de aula colabore para a popularização de suas aplicações: podem ser abordados, nesse contexto, tanto a exposição de tecnologias que levam em consideração efeitos relativísticos, como o GPS, bem como fenômenos físicos e astronômicos que extrapolam as previsões propostas pela Mecânica Newtoniana. 4. Considerações Finais Utilizando o referencial de transposição didática de Chevallard, construímos uma proposta de abordagem para o ensino de Relatividade Geral no ensino médio. Por intermédio de uma exposição qualitativa de conceitos, objetos matemático e equações, esperamos ser possível levar, aos professores do ensino básico, uma base sólida o suficiente para que seja possível a compreensão da teoria e, consequentemente, a transposição desses conceitos para os alunos. Ressaltamos que o presente trabalho se apresenta como o traçado geral de uma proposta em desenvolvimento sem se resumir, porém, a esse estado - há interesse no desenvolvimento das propostas aqui tratadas, visando projetos e publicações futuras, nos quais expandir-se-á a discussão até então realizada. Dentre as possibilidades de expansão, coloca-se a construção de uma sequência didática - ainda em processo de confecção - capaz de enfatizar a noção de que, enquanto fenômeno físico, existe uma única gravitação. Isto é, uma possibilidade de elaborar uma sequência didática capaz de expor os conceitos aqui tratadas seria mostrar como, do ponto de vista do fenômeno físico, tem-se uma mesma interação - a gravitacional – qualquer que seja o formalismo utilizado em sua descrição (o da mecânica Newtoniana ou o da TRG). Dessa forma, espera-se ser possível abordar as ideias modernas e contemporâneas juntamente às ideias clássicas, apresentando cada conceito da TRG em sequência a cada conteúdo correspondente já tratado na mecânica Newtoniana, de acordo com a proposta de (RABELO, 2015). Assim, seria possível, também, contornar o impasse de deixar para o final do terceiro ano do EM todo o ensino da TRG – um momento no qual o foco dos estudantes volta-se para as provas de ingresso no ensino superior. Referências BROCKINGTON, G.; PIETROCOLA, M. Serão as regras da transposição didática Aplicáveis aos conceitos de Física Moderna?. Investigações em Ensino de Ciências, [S. l.], v. 10, n. 3, p. 387– 404, 2005. 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