Identifica-se paralelismo sintático e semântico, com
gradação decrescente, entre os períodos “Entre
tantos seres humanos (...) aquele cachorro”, “No meio
de tanta vaga (...) criança vermelha” e “E no meio de
tantas ruas (...) carne de sua ruiva carne”.
Entre tantos seres humanos que estão prontos para se
tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que
viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia
suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos,
fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um
grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer
tremeu. Também ela passou por cima do soluço e
continuou a fitá-lo.
Os pelos de ambos eram curtos, vermelhos.
Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas
que se comunicaram rapidamente, pois não havia
tempo. Sabe-se também que sem se falar eles se
pediam. Pediam-se com urgência, com
encabulamento, surpreendidos.
No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol,
ali estava a solução para a criança vermelha. E no
meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães
maiores, de tantos esgotos secos ― lá estava uma
menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se
fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú.