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Laura

ENVIADA PELO APP
Estudos Gerais11/07/2024

O diabo e outras histórias [...] Era inverno, época de fest...

O diabo e outras histórias

[...] Era inverno, época de festas. Não me deram nem de comer nem de beber durante o dia inteiro. Fiquei sabendo depois que aquilo acontecera porque o cavalariço estava bêbado. Naquele mesmo dia, o chefe veio à minha baia, deu pela falta de ração e foi-se embora xingando com os piores nomes o cavalariço, que não estava ali. No dia seguinte, acompanhado de um peão o cavalariço trouxe feno à nossa baia; notei que ele estava especialmente pálido, abatido, tinha nas costas longas algo significativo que despertava piedade. Ele atirou feno por cima da grade, com raiva; eu ia metendo a cabeça em seu ombro, mas ele deu um murro tão dolorido no meu focinho. que me fez saltar pra trás. E ainda por cima chutou-me a barriga com a bota.Não fosse esse lazarento, nada disso tinha acontecido. Mas o que aconteceu? - perguntou o outro cavalariço.

Os potros do conde ele não inspeciona, mas este ele examina duas vezes por dia

  • Será que deram o malhado mesmo pra ele?

  • Se deram ou venderam, só o diabo sabe. O certo é que você pode até ma- tar de fome todos os cavalos do conde, e nada acontece, mas você se atreva a deixar o potro dele sem ração... "Dei- ta aí, diz ele, e tome chicotada. [...] Ele mesmo contou as chicotadas que me deu, o bárbaro. O general não bate assim, ele deixou as minhas costas em

carne viva [...]Eu entendi bem o que eles disseram sobre os lanhões 1. J. mas naquela época era absolutamente obscuro para mim o significado das palavras "meu". meu potro palavras através das quais eu percebia que as pessoas es- tabeleciam uma espécie de vínculo en- tre mim e o chefe dos estábulos. Não conseguia entender de jeito nenhum o que significava me chamarem de pro- priedade de um homem. As palavras "meu cavalo", referidas a mim, urn cavalo vivo, pareciam-me tão estranhas quanto as palavras "minha terra", "meu ar", "minha água".

No entanto, essas palavras exerciam uma enorme influência sobre mim. Eu não parava de pen- sar nisso e só muito depois de ter as mais diversas relações com as pessoas compreendi finalmente o sentido que atribuíam àquelas estranhas palavras. Era o seguinte os homens não orientam suasvidas por atos, mas por palavras. Eles não gostam tanto da possibili- dade de fazer ou não fazer alguma coisa quanto da possibilidade de falar de diferentes objetos utilizan- do-se de palavras que convencio- nam entre si. Dessas, as que mais consideram são "meu" e "mi- nha", que aplicam a várias coisas, seres e objetos, inclu- sive à terra, às pessoas e aos ca- valos. Convencionaram entre si que, para cada coisa apenas um deles diria "meu". E aquele que diz "meu" para o maior número de coisas é considerado o mais feliz, segundo esse jogo. Para que isso, não sei, mas é assim. Antes eu fi- cava horas a fio procurando algu- ma vantagem imediata nisso, mas não dei com nada.Muitas das pessoas que me chamavam, por exemplo, de "meu cavalo" nunca me montavam: as que o faziam eram outras, completamente diferentes. Também eram bem outras as que me alimentavam As que cuidavam de mim. mais uma vez, não eram as mesmas que me chamavam "meu cavalo", mas os cocheiros. Os tratadores, estranhos de modo geral. Mais tarde, depois que ampliei o círculo de minhas observações, convenci-me de que, não só em relação a nós, cavalos. o conceito de "meu" não tem nenhum outro fundamento senão o do instinto vil e animalesco dos homens, que eles chamam de sentimento ou direito de propriedade O homem diz: "minha casa" mas nunca mora nela, preocupa-se apenas em construí-la e mantê-la. O comerciante diz: "meu bazar", "meu bazar de las por exemplo, mas não tem roupa feita das melhores lās que há no seu bazar. Existem pessoas que chamam a terra de "minha", mas nunca a viram nem andaram por ela Existem outras que chamam de "meus" outros seres humanos, mas nenhuma vez sequer botaram os olhos sobre eles, e toda a sua relação com essas pessoas consiste em lhes causar mal. Existem homens que chamam de "minhas" as suas mulheres ou esposas, mas essas mulheres vivem com outros homens. As pessoas não aspiram a fazer na vida o que consideram bom, mas a chamar de "minhas" o maior número de coisas. Agora estou convencido de que é nisso que consiste a diferença essencial entre nós e os homens. É por isso que, sem falar das outras vantagens que temos sobre eles, já podemos dizer sem vacilar que, na escada dos seres vivos, estamos acima das pessoas; a vida das pessoas pelo menos daquelas com as quais convivi - traduz-se em palavras; a nossa, em atos. E eis que foi o chefe dos estábulos que recebeu o direito de me chamar de "meu cavalo por isso açoitou o cavalariço. Essa descoberta me deixou profundamente impressionado el. I levou-me a me tornar o malhado ensimesmado e sério que eu sou.

POR DENTRO DO TEXTO

  1. O primeiro parágrafo do texto situa o leitor. De que maneira isso é feito?

  2. Que tipo de narrador esse conto apresenta? Quem é ele?

  3. O que o cavalo pensava a respeito de ter um dono e não ser esse dono o seu cuidador?

  4. O que o cavalo percebeu sobre o uso que os humanos faziam da palavra "meu"? Que relação ele estabeleceu entre essa palavra e o conceito de felicidade?

  5. O cavalo conseguia compreender, esse tipo de comportamento? Transcreva um trecho que compro- ve sua resposta.

  6. Que sentido a palavra "meu" tinha para o cavalo?

  7. É possível afirmar que, no texto, o personagem do cavalo foi humanizado? Por quê?

  8. No conto, há uma inversão entre o que é humano e o que é animal. Explique essa afirmação.

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