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Manoela
Por um paraíso tupi: as rebeliões na Bahia do século XVI Te...
Por um paraíso tupi: as rebeliões na Bahia do século XVI
Texto acadêmico
“[...] as rebeliões indígenas do século XVI ficaram conhecidas como “Santidades”. Padre Manoel da Nóbrega foi quem primeiro chamou deste modo a cerimônia, em 1549. A Santidade de Jaguaripe foi a mais importante de todas, ao mesmo tempo que houve o último suspiro da resistência tupinambá na Bahia. Antes de se refugiar na fazenda de Fernão Cabral, organizou-se nos sertões de Jaguaripe, chefiada por um índio fugido de Tinharé, aldeia de Ilhéus. Nascido em missão inaciana, batizado cristão com o nome de Antônio, instruído na doutrina de Cristo, era por vocação um tremendo pajé. Tornou-se grande pregador da Santidade e dizia encarnar ninguém menos que Tamandaré, o ancestral-mor dos tupinambás. No entanto, formado nas missões, Antônio também dizia ser o “verdadeiro Papa” da Igreja, ordenava bispos e distribuía nomes de santos. Uma verdadeira corte celeste, com suas hierarquias clericais, fumando petim, bailando em torno de Tupanasu, e incendiando a Bahia. Detalhe importante: este pontífice tupinambá era casado. Sua esposa era ninguém menos que a Santa Maria Mãe de Deus, que chefiaria o culto na fazenda de Fernão Cabral. Na luta entre mito e história, venceu a história.
E começou a vencer quando o governador Manuel Teles Barreto cedeu aos argumentos do senhor de Jaguaripe (Fernão Cabral), para quem a melhor maneira de vencer aquela “abusão” rebelde era atrair os índios com promessas de liberdade de culto, direito de terem os homens quantas mulheres quisessem, de que bailassem à vontade, bebessem cauim e fumassem petim até a exaustão. O governador cedeu à estratégia de Fernão Cabral, que mandou grupo numeroso de mamelucos, seguido de índios flecheiros, no encalço da Santidade, de preferência do Papa Tamandaré, para tentar convencê-lo de que o melhor era partir com seus fieis para a fazenda de Jaguaripe.Acabaram fazendo acordo em que cerca de 300 índios, chefiados pela tal Santa Maria, seguiriam para a fazenda de Fernão Cabral. Tomacaúna ficou, talvez como refém, com certo grupo de mamelucos. O Papa Antônio preferiu acautelar-se e também ficou com outra banda de seguidores. E assim partiram os 300 índios, carregando o ídolo para o engenho de Jaguaripe, enquanto Tomacaúna e outros bailavam, bebiam e fumavam “ao modo gentílico”.
Uma vez na fazenda de Jaguaripe, a “abusão só fez crescer”. Fernão Cabral nada fez para destruí-la, gerando ódio mortal nos demais senhores da Bahia, bem como nos padres. Os índios corriam para a maloca santa a cada dia. Mamelucos e brancos. O próprio Fernão Cabral vez por outra ia à “igreja dos índios”.
Durante seis meses, este imbróglio não se desfez. A razão que levou um senhor escravista a proteger por meses uma seita que prometia morte e escravidão para os portugueses é, aparentemente, um mistério. Mas nem tanto, se considerarmos que esse homem, natural do Algarve, era conhecido por sua ambição escravista, roubara índios de aldeias, prestara serviços militares ao governo contra os aimorés e certa vez perpetrou uma das maiores brutalidades da História do Brasil. Era do conhecimento público que, irritado com uma índia que o intrigara com a esposa, Fernão mandou queimar a moça na fornalha de seu engenho. Pena atroz, agravadíssima pelo fato de que a vítima estava grávida. Fernão mandou queimá-la viva e ainda ameaçou quem tentasse ajudá-la com o mesmo castigo medonho. [...]
Numa sociedade acostumada, seja na Colônia ou na metrópole, com a banalidade da violência atroz, este fato ultrapassou as medidas e calou fundo na memória local. Pois este era Fernão Cabral. Fez o que fez por ambição, quem sabe motivado a acrescentar ad infinitum sua escravaria, quem sabe esperando melhor ocasião para destruir a igreja indígena. Mas que perdeu o controle da situação, disto não há dúvida.
Terminando a narrativa.
Sobre este documento
Título
Por um paraíso tupi: as rebeliões na Bahia do século XVI
Tipo de documento
Texto acadêmico
Glossário
Petim: palavra de origem indígena que define o fumo (tabaco).
Ídolo: figura, geralmente em formato de estátua, que representa uma divindade que se adora. Para o caso da Divindade, era em pedra, com os mesmos caracteres dos maracás, mas chamado de Tupanasu.
Maracá: cabaças “mágicas”, instrumentos que tinham o poder de “abrigar” os parentes mortos e fazê-los falar. Os objetos eram adornados com plumas e personificados com narizes, bocas, olhos, cabelos.
Abusão: mesmo que erro, engano, ilusão. Também pode ter o sentido de superstição.
Cauim: bebida alcóolica tradicional de alguns povos indígenas. É feita a partir da fermentação alcoólica da mandioca ou do milho.
Arcabuz: primitiva arma de fogo portátil, com formato semelhante a uma espingarda.
Atroz: que expressa excesso de crueldade, em que há desumanidade.
Acautelar-se: prevenir-se de algum mal ou perigo.
Ad infinitum: expressão em Latim que significa “até o infinito”, “sem limite”, “para sempre”.
Desterro: punição aplicada a condenados, realocando-os em lugar distante, como uma outra colônia por exemplo, pelo tempo da pena imposta.
Origem
Adaptado de VAINFAS, Ronaldo. “Por um paraíso tupi: as rebeliões na Bahia do século XVI”. In: FIGUEIREDO, Luciano. Guerras e batalhas brasileiras. Rio de Janeiro: Sabin, 2009.
Créditos
Ronaldo Vainfas
Palavras-chave
BRASIL COLONIAL
HISTÓRIA DOS INDÍGENAS
[21/11 11:09] Keilly : (A) Formas de resistência dos indígenas, por meio de rebeliões, que desafiavam as ações de catequização e escravização perpetradas pelos colonizadores.
(B) As características dos rituais indígenas, denominados de “Santidades”, com práticas que mesclavam a sua cultura tradicional com elementos do catolicismo.
(C) A presença dos jesuítas no território da colônia, com a missão principal de catequização dos indígenas, sendo exemplo o pajé denominado de Antônio.
(D) O papel de justiça desempenhado pelo Tribunal do Santo Ofício da Inquisição no Brasil e sua função de promover a equidade social na colônia portuguesa.
Por um paraíso tupi: as rebeliões na Bahia do século XVI Texto acadêmico “[...] as rebeliões indígenas do século XVI ficaram conhecidas como “Santidades”. Padre Manoel da Nóbrega foi quem primeiro chamou deste modo a cerimônia, em 1549. A Santidade de Jaguaripe foi a mais importante de todas, ao mesmo tempo que houve o último suspiro da resistência tupinambá na Bahia. Antes de se refugiar na fazenda de Fernão Cabral, organizou-se nos sertões de Jaguaripe, chefiada por um índio fugido de Tinharé, aldeia de Ilhéus. Nascido em missão inaciana, batizado cristão com o nome de Antônio, instruído na doutrina de Cristo, era por vocação um tremendo pajé. Tornou-se grande pregador da Santidade e dizia encarnar ninguém menos que Tamandaré, o ancestral-mor dos tupinambás. No entanto, formado nas missões, Antônio também dizia ser o “verdadeiro Papa” da Igreja, ordenava bispos e distribuía nomes de santos. Uma verdadeira corte celeste, com suas hierarquias clericais, fumando petim, bailando em torno de Tupanasu, e incendiando a Bahia. Detalhe importante: este pontífice tupinambá era casado. Sua esposa era ninguém menos que a Santa Maria Mãe de Deus, que chefiaria o culto na fazenda de Fernão Cabral. Na luta entre mito e história, venceu a história. E começou a vencer quando o governador Manuel Teles Barreto cedeu aos argumentos do senhor de Jaguaripe (Fernão Cabral), para quem a melhor maneira de vencer aquela “abusão” rebelde era atrair os índios com promessas de liberdade de culto, direito de terem os homens quantas mulheres quisessem, de que bailassem à vontade, bebessem cauim e fumassem petim até a exaustão. O governador cedeu à estratégia de Fernão Cabral, que mandou grupo numeroso de mamelucos, seguido de índios flecheiros, no encalço da Santidade, de preferência do Papa Tamandaré, para tentar convencê-lo de que o melhor era partir com seus fieis para a fazenda de Jaguaripe.Acabaram fazendo acordo em que cerca de 300 índios, chefiados pela tal Santa Maria, seguiriam para a fazenda de Fernão Cabral. Tomacaúna ficou, talvez como refém, com certo grupo de mamelucos. O Papa Antônio preferiu acautelar-se e também ficou com outra banda de seguidores. E assim partiram os 300 índios, carregando o ídolo para o engenho de Jaguaripe, enquanto Tomacaúna e outros bailavam, bebiam e fumavam “ao modo gentílico”. Uma vez na fazenda de Jaguaripe, a “abusão só fez crescer”. Fernão Cabral nada fez para destruí-la, gerando ódio mortal nos demais senhores da Bahia, bem como nos padres. Os índios corriam para a maloca santa a cada dia. Mamelucos e brancos. O próprio Fernão Cabral vez por outra ia à “igreja dos índios”. Durante seis meses, este imbróglio não se desfez. A razão que levou um senhor escravista a proteger por meses uma seita que prometia morte e escravidão para os portugueses é, aparentemente, um mistério. Mas nem tanto, se considerarmos que esse homem, natural do Algarve, era conhecido por sua ambição escravista, roubara índios de aldeias, prestara serviços militares ao governo contra os aimorés e certa vez perpetrou uma das maiores brutalidades da História do Brasil. Era do conhecimento público que, irritado com uma índia que o intrigara com a esposa, Fernão mandou queimar a moça na fornalha de seu engenho. Pena atroz, agravadíssima pelo fato de que a vítima estava grávida. Fernão mandou queimá-la viva e ainda ameaçou quem tentasse ajudá-la com o mesmo castigo medonho. [...] Numa sociedade acostumada, seja na Colônia ou na metrópole, com a banalidade da violência atroz, este fato ultrapassou as medidas e calou fundo na memória local. Pois este era Fernão Cabral. Fez o que fez por ambição, quem sabe motivado a acrescentar ad infinitum sua escravaria, quem sabe esperando melhor ocasião para destruir a igreja indígena. Mas que perdeu o controle da situação, disto não há dúvida. Terminando a narrativa. Sobre este documento Título Por um paraíso tupi: as rebeliões na Bahia do século XVI
Tipo de documento Texto acadêmico
Glossário Petim: palavra de origem indígena que define o fumo (tabaco). Ídolo: figura, geralmente em formato de estátua, que representa uma divindade que se adora. Para o caso da Divindade, era em pedra, com os mesmos caracteres dos maracás, mas chamado de Tupanasu. Maracá: cabaças “mágicas”, instrumentos que tinham o poder de “abrigar” os parentes mortos e fazê-los falar. Os objetos eram adornados com plumas e personificados com narizes, bocas, olhos, cabelos. Abusão: mesmo que erro, engano, ilusão. Também pode ter o sentido de superstição. Cauim: bebida alcóolica tradicional de alguns povos indígenas. É feita a partir da fermentação alcoólica da mandioca ou do milho. Arcabuz: primitiva arma de fogo portátil, com formato semelhante a uma espingarda. Atroz: que expressa excesso de crueldade, em que há desumanidade. Acautelar-se: prevenir-se de algum mal ou perigo. Ad infinitum: expressão em Latim que significa “até o infinito”, “sem limite”, “para sempre”. Desterro: punição aplicada a condenados, realocando-os em lugar distante, como uma outra colônia por exemplo, pelo tempo da pena imposta.
Origem Adaptado de VAINFAS, Ronaldo. “Por um paraíso tupi: as rebeliões na Bahia do século XVI”. In: FIGUEIREDO, Luciano. Guerras e batalhas brasileiras. Rio de Janeiro: Sabin, 2009.
Créditos Ronaldo Vainfas
Palavras-chave BRASIL COLONIAL HISTÓRIA DOS INDÍGENAS [21/11 11:09] Keilly : (A) Formas de resistência dos indígenas, por meio de rebeliões, que desafiavam as ações de catequização e escravização perpetradas pelos colonizadores.
(B) As características dos rituais indígenas, denominados de “Santidades”, com práticas que mesclavam a sua cultura tradicional com elementos do catolicismo.
(C) A presença dos jesuítas no território da colônia, com a missão principal de catequização dos indígenas, sendo exemplo o pajé denominado de Antônio.
(D) O papel de justiça desempenhado pelo Tribunal do Santo Ofício da Inquisição no Brasil e sua função de promover a equidade social na colônia portuguesa.