QUESTÃO 35 — Eu lhe juro, Aurélia. Estes lábios nunca tocar...

QUESTÃO 35

— Eu lhe juro, Aurélia. Estes lábios nunca tocaram a face de outra mulher, que não fosse minha mãe. Meu beijo de amor, guardei-o para minha esposa, para ti...

[...]

— Ou de outra mais rica! — disse ela, retraindo-se para fugir ao beijo do marido, e afastando-o com a ponta dos dedos. A voz da moça tomou o timbre cristalino, eco da rispidez e asperza do sentimento que lhe sublevava o seio e que parecia ringir-lhe nos lábios como aço.

— Aurélia! Que significa isto?

— Representamos uma comédia, na qual ambos desempenhamos o nosso papel com perícia consumada. Podemos ter este orgulho, que os melhores atores não os excederiam. Mas é tempo de por termo a esta cruel mistificação com que nos estamos escarnecendo mutuamente, senhor. Entremos na realidade por mais triste que ela seja; e resigne-se cada um ao que é, uma mulher traída; o senhor, um homem vendido.

— Vendido! — exclamou Seixas ferido dentro d'alma.

— Vendido, sim: não tem outro nome. Sou rica, muito rica; sou milionária; precisava de um marido, traste indispensável às mulheres honestas. O senhor estava à venda; compre-i-o. Custou-me como se fosse barato; não fez valor. Eu daria o dobro, o triplo, toda a minha riqueza por este momento.

ALENCAR, J. Senhora. Rio de Janeiro: Tecnonprint, 2003.

Ao tematizar o casamento, este fragmento reproduz uma concepção de literatura romântica evidenciada na

a defesa da igualdade de gêneros. importância atribuída à castidade. indignação às injustiças sociais. interferência da riqueza sobre o amor. valorização das relações interpessoais.