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Helena
Refaça essa resenha sendo que duas pessoas fizeram a leitura...
Refaça essa resenha sendo que duas pessoas fizeram a leitura
Com base no exemplo de resenha que você forneceu e no resumo dos contos de Laços de Família, aqui está uma resenha com estilo semelhante — pessoal, reflexivo e crítico:
As rachaduras do cotidiano em “Laços de Família”, de Clarice Lispector 11 de maio de 2025 – Estudante anônimo
O que dizer de Clarice Lispector que já não tenha sido dito? Difícil. Mas talvez a melhor forma de falar sobre Laços de Família seja não tentando analisá-lo com frieza, mas sentindo — e escrevendo a partir desse sentimento.
Ler Laços de Família foi como me deparar com um espelho rachado: um reflexo familiar, mas fragmentado em pedaços que incomodam. Os contos são aparentemente simples — uma dona de casa que se embriaga (Devaneio e embriaguez duma rapariga), uma mulher perturbada por um cego mascando chicletes (Amor), uma galinha que bota um ovo e vira heroína doméstica por um tempo. Mas por trás desses episódios banais, existe algo que nos cutuca. Algo que sussurra: tem mais aqui do que você está vendo.
Clarice não escreve histórias comuns — ela revela o extraordinário do banal. A personagem Ana, por exemplo, não parece ter grandes problemas, mas um momento aleatório a tira da linha e a mergulha em uma crise existencial. Eu já senti isso. Aquela sensação de que algo fora do roteiro acontece e o chão some. Clarice entende isso. Ela entende o “quase nada” que, de repente, vira um abismo.
A escrita é densa, mas nunca pesada. Parece conversa, mas é flecha. Os personagens de Clarice são mulheres que vivem à beira do colapso — não no grito, mas no silêncio. Elas sorriem, cozinham, cuidam dos filhos… e se desfazem por dentro. Algumas quebram esse ciclo, como Laura em A imitação da rosa, que olha para umas simples flores e se questiona: por que eu não posso ser como elas — bonita, independente, serena?
Um conto que me pegou desprevenido foi Feliz aniversário. O retrato de uma família reunida para fingir amor por uma velha que todos ignoram no dia a dia me fez pensar nas próprias hipocrisias que a gente repete sem perceber. Quem nunca participou de uma comemoração que mais parecia uma encenação?
Talvez o que mais une todos os contos seja esse desconforto: laços que mais prendem do que unem. Famílias que se amam de modo estranho, relações que sufocam, desejos que são sufocados. Clarice não está interessada em finais felizes. Ela quer mostrar o instante antes da queda, o segundo em que tudo muda — mesmo que ninguém perceba.
No fim das contas, Laços de Família é um livro sobre a coragem de olhar o cotidiano com outros olhos. A coragem de perceber que o que parece normal, muitas vezes, é só hábito — e hábito não é felicidade. Clarice nos dá esse presente desconfortável: ver com mais clareza.
Leitura essencial. Mas prepare-se: não é só literatura. É quase vivência.
Se quiser, posso adaptar o texto para um estilo mais acadêmico ou expandir algum trecho. Deseja algo assim?
Conforme vc fez essa sendo que eu e mais meu colega fizemos conforme o exemplo da resenha sobre chimamanda
Refaça apenas dizendo que nao foi uma so pessoa mas que foi duas pessoas mas nao falando que lemos juntos pois pegamos para fazer a ficha de leitura e essa resenha em dupla
Faça maior só falando sobre todos os contos e se possível por trechos
Trechos de cada conto:DEVANEIO E EMBRIAGUEZ DUMA RAPARIGA
Pelo quarto parecia-lhe estarem a se cruzar os elétricos, a estremecerem-lhe a imagem refletida. Estava a se pentear vagarosamente diante da penteadeira de três espelhos, os braços brancos e fortes arrepiavam-se à frescurazita da tarde. Os olhos não se abandonavam, os espelhos vibravam ora escuros, ora luminosos. Cá fora, duma janela mais alta, caiu à rua uma cousa pesada e fofa. Se os miúdos e o marido estivessem à casa, já lhe viria à ideia que seria descuido deles. Os olhos não se despregavam da imagem, o pente trabalhava meditativo, o roupão aberto deixava aparecerem nos espelhos os seios entrecortados de várias raparigas.
"A Noite!", gritou o jornaleiro ao vento brando da Rua do Riachuelo, e alguma cousa arrepiou-se pressagiada. Jogou o pente à penteadeira, cantou absorta: "quem viu o pardal-zito... passou pela jane-la... voou pr'além do Mi-nho!" mas, colérica, fechou-se dura como um leque.
Deitou-se, abanava-se impaciente com um jornal a farfalhar no quarto. Pegou o lenço, aspirava-o a comprimir o bordado áspero com os dedos avermelhados. Punha-se de novo a abanar-se, quase a sorrir. Ai, ai, suspirou a rir. Teve a visão de seu sorriso claro de rapariga ainda nova, e sorriu mais fechando os olhos, a abanar-se mais profundamente. Ai, ai, vinha da rua como uma borboleta..
"Bons dias, sabes quem veio a me procurar cá à casa?", pensou como assunto possivel e interessante de palestra. "Pois não sei, quem?", perguntaram-lhe com um sorriso galanteador, uns olhos tristes numa dessas caras pálidas que a uma pessoa fazem tanto mal. "A Maria Quitéria, homem!", respondeu garrida, de mão à ilharga. "E se mo permite, quem é esta rapariga?", insistiram galante, mas já agora sem fisionomia. "Tu!", cortou ela com leve rancor a palestra, que chatura.
AMOR
Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.
Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edificio. Ana dava a tudo, tranquilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida.
Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e era de se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando estalidos na fazenda. Todo o seu desejo vagamente artistico encaminhara-se há muito no sentido de tornar os dias realizados e belos; com o tempo seu gosto pelo decorativo se desenvolvera e suplantara a intima desordem. Parecia ter descoberto que tudo era passivel de aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem.
UMA GALINHA
Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.
Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.
Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto voo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou tempo da cozinheira dar um grito e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro voo desajeitado, alcançou um telhado. La ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A familia foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta, hesitante e trêmula, escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais infima que fosse a presa o grito de conquista havia soado.
A IMITAÇÃO DA ROSA
Antes que Armando voltasse do trabalho a casa deveria estar arrumada e ela própria já no vestido marrom para que pudesse atender o marido enquanto ele se vestia, e então sairiam com calma, de braço dado como antigamente. Há quanto tempo não faziam isso?
Mas agora que ela estava de novo "bem", tomariam o ônibus, ela olhando como uma esposa pela janela, o braço no dele, e depois jantariam com Carlota e João, recostados na cadeira com intimidade. Ha quanto tempo não via Armando enfim se recostar com intimidade e conversar com um homem? A paz de um homem era, esquecido de sua mulher, conversar com outro homem sobre o que saía nos jornais. Enquanto isso ela falaria com Carlota sobre coisas de mulheres, submissa à bondade autoritária e prática de Carlota, recebendo enfim de novo a desatenção e o vago desprezo da amiga, a sua rudeza natural, e não mais aquele carinho perplexo e cheio de curiosidade e vendo enfim Armando esquecido da própria mulher. E ela mesma, enfim, voltando à insignificância com reconhecimento. Como um gato que passou a noite fora e, como se nada tivesse acontecido, encontrasse sem uma palavra um pires de leite esperando. As pessoas felizmente ajudavam a fazê-la sentir que agora estava "bem". Sem a fitarem, ajudavam-na ativamente a esquecer, fingindo elas próprias o esquecimento como se tivessem lido a mesma bula do mesmo vidro de remédio. Ou tinham esquecido realmente, quem sabe. Há quanto tempo não via Armando enfim se recostar com abandono, esquecido dela? E ela mesma?
FELIZ ANIVERSÁRIO
A familia foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeite de paetês e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos: duas meninas já de peito nascendo, infantilizadas em babados cor-de-rosa e anáguas engomadas, e o menino acovardado pelo terno novo e pela gravata.
Tendo Zilda a filha com quem a aniversariante morava disposto cadeiras unidas ao longo das paredes, como numa festa em que se vai dançar, a nora de Olaria, depois de cumprimentar com cara fechada aos de casa, aboletou-se numa das cadeiras e emudeceu, a boca em bico, mantendo sua posição de ultrajada. "Vim para não deixar de vir", dissera ela a Zilda, e em seguida sentara-se ofendida. As duas mocinhas de cor-de-rosa e o menino, amarelos e de cabelo penteado, não sabiam bem que atitude tomar e ficaram de pé ao lado da mãe, impressionados com seu vestido azul-marinho e com os paetës.
A MENOR MULHER DO MUNDO
Nas profundezas da África Equatorial o explorador francês Marcel Pretre, caçador e homem do mundo, topou com uma tribo de pigmeus de uma pequenez surpreendente. Mais surpreso, pois, ficou ao ser informado de que menor povo ainda existia além de florestas e distâncias Então mais fundo ele foi
No Congo Central descobriu realmente os menores pigmeus do mundo. E como uma caixa dentro de uma caixa, dentro de uma caixa entre os menores pigmeus do mundo estava o menor dos menores pigmeus do mundo, obedecendo talvez à necessidade que às vezes a Natureza tem de exceder a si própria.
Entre mosquitos e árvores mornas de umidade, entre as folhas ricas do verde mais. preguiçoso, Marcel Pretre defrontou-se com uma mulher de quarenta e cinco centimetros, madura, negra, calada. "Escura como um macaco", informaria ele à imprensa, e que vivia no topo de uma árvore com seu pequeno concubino. Nos tépidos humores silvestres, que arredondam cedo as frutas e lhes dão uma quase intolerável doçura ao paladar, ela estava grávida
O JANTAR
17
Ele entrou tarde no restaurante. Certamente ocupara-se até agora em grandes negócios. Poderia ter uns sessenta anos, era alto, corpulento, de cabelos brancos, sobrancelhas espessas e mãos potentes. Num dedo o anel de sua força. Sentou-se amplo e sólido.
Perdi-o de vista e enquanto comia observei de novo a mulher magra de chapéu. Ela ria com a boca cheia e rebrilhava os olhos escuros.
No momento em que eu levava o garfo à boca, olhei-o. Ei-lo de olhos fechados mastigando pão com vigor e mecanismo, os dois punhos cerrados sobre a mesa. Continuei comendo e olhando. O garçom dispunha os pratos sobre a toalha. Mas o velho mantinha os olhos fechados. A um gesto mais vivo do criado ele os abriu com tal brusquidão que este mesmo movimento se comunicou às grandes mãos e um garfo caiu. O garçom sussurrou palavras amáveis abaixando-se para apanhá-lo, ele não respondia. Porque agora desperto, virava subitamente a carne de um lado e de outro, examinava-a com veemência, a ponta da lingua aparecendo apalpava o bife com as costas do garfo, quase o cheirava, mexendo a boca de antemão. E começava a cortá-lo com um movimento inútil de vigor de todo o corpo. Em breve levava um pedaço a certa altura do rosto e, como se tivesse que apanha-lo em voo, abocanhou-o num arrebatamento de cabeça. Olhei para o meu prato. Quando fitei-o de novνο, ele estava em plena glória do jantar, mastigando de boca aberta, passando a lingua pelos dentes, com o olhar fixo na luz do teto. Eu já ia cortar a carne de novo, quando o vi parar inteiramente.
PRECIOSIDADE
(Para Mafalda)
De manhã cedo era sempre a mesma coisa renovada: acordar. O que era vagaroso, desdobrado, vasto. Vastamente ela abria os olhos.
Tinha quinze anos e não era bonita. Mas por dentro da magreza, a vastidão quase majestosa em que se movia como dentro de uma meditação. E dentro da nebulosidade algo precioso. Que não se espreguiçava, não se comprometia, não se contaminava. Que era intenso como uma joia. Ela.
Acordava antes de todos, pois para ir à escola teria que pegar um ônibus e um bonde, o que lhe tomaria uma hora. O que lhe daria uma hora. De devaneio agudo como um crime. O vento da manhã violentando a janela e o rosto até que os lábios ficavam duros, gelados. Então ela sorria. Como se sorrir fosse em si um objetivo. Tudo isso aconteceria se tivesse a sorte de "ninguém olhar para ela".
OS LAÇOS DE FAMÍLIA
A mulher e a mãe acomodaram-se finalmente no táxi que as levaria à Estação. A mãe contava e recontava as duas malas tentando convencer-se de que ambas estavam no carro. A filha, com seus olhos escuros, a que um ligeiro estrabismo dava um continuo brilho de zombaria e frieza assistia.
Não esqueci de nada? perguntava pela terceira vez a mãe
Não, não, não esqueceu de nada, respondia a filha divertida, com paciência.
Ainda estava sob a impressão da cena meio cômica entre sua mãe e seu marido, na hora da despedida. Durante as duas semanas da visita da velha, os dois mal se haviam suportado, os bons-dias e as boas-tardes soavam a cada momento com uma delicadeza cautelosa que a fazia querer rir. Mas eis que na hora da despedida, antes de entrarem no táxi, a mãe se transformara em sogra exemplar e o marido se tornara o bom genro. "Perdoe alguma palavra mal dita", dissera a velha senhora, e Catarina, com alguma alegria, vira Antônio não saber o que fazer das malas nas mãos, a gaguejar perturbado em ser o bom genro. "Se eu rio, eles pensam que estou louca", pensara Catarina franzindo as sobrancelhas. "Quem casa um filho perde um filho, quem casa uma filha ganha mais um", acrescentara a mãe, e Antônio aproveitara sua gripe para tossir. Catarina, de pé, observava com malicia o marido, cuja segurança se desvanecera para dar lugar a um homem moreno e miúdo, forçado a ser filho daquela mulherzinha grisalha... Foi então que a vontade de rir tornou-se mais forte. Felizmente nunca precisava rir de fato quando tinha vontade de rir: seus olhos tomavam uma expressão esperta e contida, tornavam-se mais estrábicos e o riso saia pelos olhos. Sempre doja um pouco ser capaz de rir. Mas nada podia fazer contra: desde pequena rira pelos olhos, desde sempre fora estrábica
COMEÇOS DE UMA FORTUNA
Era uma daquelas manhãs que parecem suspensas no ar. E que mais se assemelham à ideia que fazemos do tempo.
A varanda estava aberta mas a frescura se congelara fora e nada entrava do jardim, como se qualquer transbordamento fosse uma quebra de harmonia. Só algumas moscas brilhantes. haviam penetrado na sala de jantar e sobrevoavam o açucareiro. A essa hora, Tijuca não havia despertado de todo. "Se eu tivesse dinheiro..." pensava Artur, e um desejo de entesourar, de possuir com tranquilidade, dava a seu rosto um ar desprendido e contemplativo.
Não sou um jogador.
Deixe de tolices, respondeu a mãe. Não recomece com histórias de dinheiro.
MISTÉRIO EM SÃO CRISTÓVÃO
Numa noite de maio os jacintos rigidos perto da vidraça a sala de jantar de uma casa estava iluminada e tranquila.
Ao redor da mesa, por um instante imobilizados, achavam-se o pai, a mãe, a avó, três crianças e uma mocinha magra de dezenove anos. O sereno perfumado de São Cristóvão não era perigoso, mas o modo como as pessoas se agrupavam no interior da casa tornava arriscado o que não fosse o seio de uma familia numa noite fresca de maio. Nada havia de especial na reunião: acabara-se de jantar e conversava-se ao redor da mesa, os mosquitos em torno da luz. O que tornava particularmente abastada a cena, e tão desabrochado o rosto de cada pessoa, é que depois de muitos anos quase se apalpava afinal o progresso nessa familia: pois numa noite de maio, após o jantar, eis que as crianças têm ido diariamente à escola, o pai mantém os negócios, a mãe trabalhou durante anos nos partos e na casa, a mocinha está se equilibrando na delicadeza de sua idade, e a avó atingiu um estado. Sem se dar conta, a familia fitava a sala feliz, vigiando o raro instante de maio e sua abundância.
O CRIME DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA
Quando o homem atingiu a colina mais alto, os sinos tocavam na cidade embaixo. Viam-se apenas os tetos irregulares das casas. Perto dele estava a única árvore da chapada. O homem estava de pé com um saco pesado na mão.
Olhou para baixo com olhos miopes. Os católicos entravam devagar e miúdos na igreja, e ele procurava ouvir as vozes esparsas das crianças espalhadas na praça. Mas apesar da limpidez da manhã os sons mal alcançavam o planalto, Via também o rio que de cima parecia imóvel, e pensou é domingo. Viu ao longe a montanha mais alta com as escarpas secas. Não fazia frio mas ele ajeitou o paletó agasalhando-se melhor. Afinal pousou com cuidado o saco no chão. Tirou os óculos talvez para respirar melhor porque, com os óculos na mão, respirou muito fundo. A claridade batia nas lentes que enviaram sinais agudos. Sem os óculos, seus olhos piscaram claros, quase jovens, infamiliares. Pôs de novo os óculos, tornou-se um senhor de meia-idade e pegou de novo no saco: pesava como se fosse de pedra, pensou Forçou a vista para perceber a correnteza do rio, inclinou a cabeça para ouvir algum ruido: o rio estava parado e apenas o som mais duro de uma voz atingiu por um instante a altura sim, ele estava bem só. O ar fresco era inóspito, ele que morara numa cidade mais quente. A única árvore da chapada balançava os ramos. Ele olhou-a. Ganhava tempo. Até que achou que não havia por
que esperar mais.
O BÚFALO
Mas era primavera. Até o leão lambeu a testa glabra da leoa. Os dois animais louros. A mulher desviou os olhos da jaula, onde só o cheiro quente lembrava a carnificina que ela viera buscar no Jardim Zoológico. Depois o leão passeou enjubado e tranquilo, e a leoa lentamente reconstituiu sobre as patas estendidas a cabeça de uma esfinge. "Mas isso é amor, é am
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Refaça essa resenha sendo que duas pessoas fizeram a leitura Com base no exemplo de resenha que você forneceu e no resumo dos contos de Laços de Família, aqui está uma resenha com estilo semelhante — pessoal, reflexivo e crítico:
As rachaduras do cotidiano em “Laços de Família”, de Clarice Lispector 11 de maio de 2025 – Estudante anônimo O que dizer de Clarice Lispector que já não tenha sido dito? Difícil. Mas talvez a melhor forma de falar sobre Laços de Família seja não tentando analisá-lo com frieza, mas sentindo — e escrevendo a partir desse sentimento. Ler Laços de Família foi como me deparar com um espelho rachado: um reflexo familiar, mas fragmentado em pedaços que incomodam. Os contos são aparentemente simples — uma dona de casa que se embriaga (Devaneio e embriaguez duma rapariga), uma mulher perturbada por um cego mascando chicletes (Amor), uma galinha que bota um ovo e vira heroína doméstica por um tempo. Mas por trás desses episódios banais, existe algo que nos cutuca. Algo que sussurra: tem mais aqui do que você está vendo. Clarice não escreve histórias comuns — ela revela o extraordinário do banal. A personagem Ana, por exemplo, não parece ter grandes problemas, mas um momento aleatório a tira da linha e a mergulha em uma crise existencial. Eu já senti isso. Aquela sensação de que algo fora do roteiro acontece e o chão some. Clarice entende isso. Ela entende o “quase nada” que, de repente, vira um abismo. A escrita é densa, mas nunca pesada. Parece conversa, mas é flecha. Os personagens de Clarice são mulheres que vivem à beira do colapso — não no grito, mas no silêncio. Elas sorriem, cozinham, cuidam dos filhos… e se desfazem por dentro. Algumas quebram esse ciclo, como Laura em A imitação da rosa, que olha para umas simples flores e se questiona: por que eu não posso ser como elas — bonita, independente, serena? Um conto que me pegou desprevenido foi Feliz aniversário. O retrato de uma família reunida para fingir amor por uma velha que todos ignoram no dia a dia me fez pensar nas próprias hipocrisias que a gente repete sem perceber. Quem nunca participou de uma comemoração que mais parecia uma encenação? Talvez o que mais une todos os contos seja esse desconforto: laços que mais prendem do que unem. Famílias que se amam de modo estranho, relações que sufocam, desejos que são sufocados. Clarice não está interessada em finais felizes. Ela quer mostrar o instante antes da queda, o segundo em que tudo muda — mesmo que ninguém perceba. No fim das contas, Laços de Família é um livro sobre a coragem de olhar o cotidiano com outros olhos. A coragem de perceber que o que parece normal, muitas vezes, é só hábito — e hábito não é felicidade. Clarice nos dá esse presente desconfortável: ver com mais clareza. Leitura essencial. Mas prepare-se: não é só literatura. É quase vivência.
Se quiser, posso adaptar o texto para um estilo mais acadêmico ou expandir algum trecho. Deseja algo assim? Conforme vc fez essa sendo que eu e mais meu colega fizemos conforme o exemplo da resenha sobre chimamanda Refaça apenas dizendo que nao foi uma so pessoa mas que foi duas pessoas mas nao falando que lemos juntos pois pegamos para fazer a ficha de leitura e essa resenha em dupla Faça maior só falando sobre todos os contos e se possível por trechos Trechos de cada conto:DEVANEIO E EMBRIAGUEZ DUMA RAPARIGA Pelo quarto parecia-lhe estarem a se cruzar os elétricos, a estremecerem-lhe a imagem refletida. Estava a se pentear vagarosamente diante da penteadeira de três espelhos, os braços brancos e fortes arrepiavam-se à frescurazita da tarde. Os olhos não se abandonavam, os espelhos vibravam ora escuros, ora luminosos. Cá fora, duma janela mais alta, caiu à rua uma cousa pesada e fofa. Se os miúdos e o marido estivessem à casa, já lhe viria à ideia que seria descuido deles. Os olhos não se despregavam da imagem, o pente trabalhava meditativo, o roupão aberto deixava aparecerem nos espelhos os seios entrecortados de várias raparigas. "A Noite!", gritou o jornaleiro ao vento brando da Rua do Riachuelo, e alguma cousa arrepiou-se pressagiada. Jogou o pente à penteadeira, cantou absorta: "quem viu o pardal-zito... passou pela jane-la... voou pr'além do Mi-nho!" mas, colérica, fechou-se dura como um leque. Deitou-se, abanava-se impaciente com um jornal a farfalhar no quarto. Pegou o lenço, aspirava-o a comprimir o bordado áspero com os dedos avermelhados. Punha-se de novo a abanar-se, quase a sorrir. Ai, ai, suspirou a rir. Teve a visão de seu sorriso claro de rapariga ainda nova, e sorriu mais fechando os olhos, a abanar-se mais profundamente. Ai, ai, vinha da rua como uma borboleta.. "Bons dias, sabes quem veio a me procurar cá à casa?", pensou como assunto possivel e interessante de palestra. "Pois não sei, quem?", perguntaram-lhe com um sorriso galanteador, uns olhos tristes numa dessas caras pálidas que a uma pessoa fazem tanto mal. "A Maria Quitéria, homem!", respondeu garrida, de mão à ilharga. "E se mo permite, quem é esta rapariga?", insistiram galante, mas já agora sem fisionomia. "Tu!", cortou ela com leve rancor a palestra, que chatura. AMOR Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação. Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edificio. Ana dava a tudo, tranquilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida. Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e era de se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando estalidos na fazenda. Todo o seu desejo vagamente artistico encaminhara-se há muito no sentido de tornar os dias realizados e belos; com o tempo seu gosto pelo decorativo se desenvolvera e suplantara a intima desordem. Parecia ter descoberto que tudo era passivel de aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem. UMA GALINHA Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã. Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio. Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto voo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou tempo da cozinheira dar um grito e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro voo desajeitado, alcançou um telhado. La ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A familia foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta, hesitante e trêmula, escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais infima que fosse a presa o grito de conquista havia soado. A IMITAÇÃO DA ROSA Antes que Armando voltasse do trabalho a casa deveria estar arrumada e ela própria já no vestido marrom para que pudesse atender o marido enquanto ele se vestia, e então sairiam com calma, de braço dado como antigamente. Há quanto tempo não faziam isso? Mas agora que ela estava de novo "bem", tomariam o ônibus, ela olhando como uma esposa pela janela, o braço no dele, e depois jantariam com Carlota e João, recostados na cadeira com intimidade. Ha quanto tempo não via Armando enfim se recostar com intimidade e conversar com um homem? A paz de um homem era, esquecido de sua mulher, conversar com outro homem sobre o que saía nos jornais. Enquanto isso ela falaria com Carlota sobre coisas de mulheres, submissa à bondade autoritária e prática de Carlota, recebendo enfim de novo a desatenção e o vago desprezo da amiga, a sua rudeza natural, e não mais aquele carinho perplexo e cheio de curiosidade e vendo enfim Armando esquecido da própria mulher. E ela mesma, enfim, voltando à insignificância com reconhecimento. Como um gato que passou a noite fora e, como se nada tivesse acontecido, encontrasse sem uma palavra um pires de leite esperando. As pessoas felizmente ajudavam a fazê-la sentir que agora estava "bem". Sem a fitarem, ajudavam-na ativamente a esquecer, fingindo elas próprias o esquecimento como se tivessem lido a mesma bula do mesmo vidro de remédio. Ou tinham esquecido realmente, quem sabe. Há quanto tempo não via Armando enfim se recostar com abandono, esquecido dela? E ela mesma? FELIZ ANIVERSÁRIO A familia foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeite de paetês e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos: duas meninas já de peito nascendo, infantilizadas em babados cor-de-rosa e anáguas engomadas, e o menino acovardado pelo terno novo e pela gravata. Tendo Zilda a filha com quem a aniversariante morava disposto cadeiras unidas ao longo das paredes, como numa festa em que se vai dançar, a nora de Olaria, depois de cumprimentar com cara fechada aos de casa, aboletou-se numa das cadeiras e emudeceu, a boca em bico, mantendo sua posição de ultrajada. "Vim para não deixar de vir", dissera ela a Zilda, e em seguida sentara-se ofendida. As duas mocinhas de cor-de-rosa e o menino, amarelos e de cabelo penteado, não sabiam bem que atitude tomar e ficaram de pé ao lado da mãe, impressionados com seu vestido azul-marinho e com os paetës. A MENOR MULHER DO MUNDO Nas profundezas da África Equatorial o explorador francês Marcel Pretre, caçador e homem do mundo, topou com uma tribo de pigmeus de uma pequenez surpreendente. Mais surpreso, pois, ficou ao ser informado de que menor povo ainda existia além de florestas e distâncias Então mais fundo ele foi No Congo Central descobriu realmente os menores pigmeus do mundo. E como uma caixa dentro de uma caixa, dentro de uma caixa entre os menores pigmeus do mundo estava o menor dos menores pigmeus do mundo, obedecendo talvez à necessidade que às vezes a Natureza tem de exceder a si própria. Entre mosquitos e árvores mornas de umidade, entre as folhas ricas do verde mais. preguiçoso, Marcel Pretre defrontou-se com uma mulher de quarenta e cinco centimetros, madura, negra, calada. "Escura como um macaco", informaria ele à imprensa, e que vivia no topo de uma árvore com seu pequeno concubino. Nos tépidos humores silvestres, que arredondam cedo as frutas e lhes dão uma quase intolerável doçura ao paladar, ela estava grávida O JANTAR 17 Ele entrou tarde no restaurante. Certamente ocupara-se até agora em grandes negócios. Poderia ter uns sessenta anos, era alto, corpulento, de cabelos brancos, sobrancelhas espessas e mãos potentes. Num dedo o anel de sua força. Sentou-se amplo e sólido. Perdi-o de vista e enquanto comia observei de novo a mulher magra de chapéu. Ela ria com a boca cheia e rebrilhava os olhos escuros. No momento em que eu levava o garfo à boca, olhei-o. Ei-lo de olhos fechados mastigando pão com vigor e mecanismo, os dois punhos cerrados sobre a mesa. Continuei comendo e olhando. O garçom dispunha os pratos sobre a toalha. Mas o velho mantinha os olhos fechados. A um gesto mais vivo do criado ele os abriu com tal brusquidão que este mesmo movimento se comunicou às grandes mãos e um garfo caiu. O garçom sussurrou palavras amáveis abaixando-se para apanhá-lo, ele não respondia. Porque agora desperto, virava subitamente a carne de um lado e de outro, examinava-a com veemência, a ponta da lingua aparecendo apalpava o bife com as costas do garfo, quase o cheirava, mexendo a boca de antemão. E começava a cortá-lo com um movimento inútil de vigor de todo o corpo. Em breve levava um pedaço a certa altura do rosto e, como se tivesse que apanha-lo em voo, abocanhou-o num arrebatamento de cabeça. Olhei para o meu prato. Quando fitei-o de novνο, ele estava em plena glória do jantar, mastigando de boca aberta, passando a lingua pelos dentes, com o olhar fixo na luz do teto. Eu já ia cortar a carne de novo, quando o vi parar inteiramente. PRECIOSIDADE (Para Mafalda) De manhã cedo era sempre a mesma coisa renovada: acordar. O que era vagaroso, desdobrado, vasto. Vastamente ela abria os olhos. Tinha quinze anos e não era bonita. Mas por dentro da magreza, a vastidão quase majestosa em que se movia como dentro de uma meditação. E dentro da nebulosidade algo precioso. Que não se espreguiçava, não se comprometia, não se contaminava. Que era intenso como uma joia. Ela. Acordava antes de todos, pois para ir à escola teria que pegar um ônibus e um bonde, o que lhe tomaria uma hora. O que lhe daria uma hora. De devaneio agudo como um crime. O vento da manhã violentando a janela e o rosto até que os lábios ficavam duros, gelados. Então ela sorria. Como se sorrir fosse em si um objetivo. Tudo isso aconteceria se tivesse a sorte de "ninguém olhar para ela". OS LAÇOS DE FAMÍLIA A mulher e a mãe acomodaram-se finalmente no táxi que as levaria à Estação. A mãe contava e recontava as duas malas tentando convencer-se de que ambas estavam no carro. A filha, com seus olhos escuros, a que um ligeiro estrabismo dava um continuo brilho de zombaria e frieza assistia. Não esqueci de nada? perguntava pela terceira vez a mãe Não, não, não esqueceu de nada, respondia a filha divertida, com paciência. Ainda estava sob a impressão da cena meio cômica entre sua mãe e seu marido, na hora da despedida. Durante as duas semanas da visita da velha, os dois mal se haviam suportado, os bons-dias e as boas-tardes soavam a cada momento com uma delicadeza cautelosa que a fazia querer rir. Mas eis que na hora da despedida, antes de entrarem no táxi, a mãe se transformara em sogra exemplar e o marido se tornara o bom genro. "Perdoe alguma palavra mal dita", dissera a velha senhora, e Catarina, com alguma alegria, vira Antônio não saber o que fazer das malas nas mãos, a gaguejar perturbado em ser o bom genro. "Se eu rio, eles pensam que estou louca", pensara Catarina franzindo as sobrancelhas. "Quem casa um filho perde um filho, quem casa uma filha ganha mais um", acrescentara a mãe, e Antônio aproveitara sua gripe para tossir. Catarina, de pé, observava com malicia o marido, cuja segurança se desvanecera para dar lugar a um homem moreno e miúdo, forçado a ser filho daquela mulherzinha grisalha... Foi então que a vontade de rir tornou-se mais forte. Felizmente nunca precisava rir de fato quando tinha vontade de rir: seus olhos tomavam uma expressão esperta e contida, tornavam-se mais estrábicos e o riso saia pelos olhos. Sempre doja um pouco ser capaz de rir. Mas nada podia fazer contra: desde pequena rira pelos olhos, desde sempre fora estrábica COMEÇOS DE UMA FORTUNA Era uma daquelas manhãs que parecem suspensas no ar. E que mais se assemelham à ideia que fazemos do tempo. A varanda estava aberta mas a frescura se congelara fora e nada entrava do jardim, como se qualquer transbordamento fosse uma quebra de harmonia. Só algumas moscas brilhantes. haviam penetrado na sala de jantar e sobrevoavam o açucareiro. A essa hora, Tijuca não havia despertado de todo. "Se eu tivesse dinheiro..." pensava Artur, e um desejo de entesourar, de possuir com tranquilidade, dava a seu rosto um ar desprendido e contemplativo. Não sou um jogador. Deixe de tolices, respondeu a mãe. Não recomece com histórias de dinheiro. MISTÉRIO EM SÃO CRISTÓVÃO Numa noite de maio os jacintos rigidos perto da vidraça a sala de jantar de uma casa estava iluminada e tranquila. Ao redor da mesa, por um instante imobilizados, achavam-se o pai, a mãe, a avó, três crianças e uma mocinha magra de dezenove anos. O sereno perfumado de São Cristóvão não era perigoso, mas o modo como as pessoas se agrupavam no interior da casa tornava arriscado o que não fosse o seio de uma familia numa noite fresca de maio. Nada havia de especial na reunião: acabara-se de jantar e conversava-se ao redor da mesa, os mosquitos em torno da luz. O que tornava particularmente abastada a cena, e tão desabrochado o rosto de cada pessoa, é que depois de muitos anos quase se apalpava afinal o progresso nessa familia: pois numa noite de maio, após o jantar, eis que as crianças têm ido diariamente à escola, o pai mantém os negócios, a mãe trabalhou durante anos nos partos e na casa, a mocinha está se equilibrando na delicadeza de sua idade, e a avó atingiu um estado. Sem se dar conta, a familia fitava a sala feliz, vigiando o raro instante de maio e sua abundância. O CRIME DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA Quando o homem atingiu a colina mais alto, os sinos tocavam na cidade embaixo. Viam-se apenas os tetos irregulares das casas. Perto dele estava a única árvore da chapada. O homem estava de pé com um saco pesado na mão. Olhou para baixo com olhos miopes. Os católicos entravam devagar e miúdos na igreja, e ele procurava ouvir as vozes esparsas das crianças espalhadas na praça. Mas apesar da limpidez da manhã os sons mal alcançavam o planalto, Via também o rio que de cima parecia imóvel, e pensou é domingo. Viu ao longe a montanha mais alta com as escarpas secas. Não fazia frio mas ele ajeitou o paletó agasalhando-se melhor. Afinal pousou com cuidado o saco no chão. Tirou os óculos talvez para respirar melhor porque, com os óculos na mão, respirou muito fundo. A claridade batia nas lentes que enviaram sinais agudos. Sem os óculos, seus olhos piscaram claros, quase jovens, infamiliares. Pôs de novo os óculos, tornou-se um senhor de meia-idade e pegou de novo no saco: pesava como se fosse de pedra, pensou Forçou a vista para perceber a correnteza do rio, inclinou a cabeça para ouvir algum ruido: o rio estava parado e apenas o som mais duro de uma voz atingiu por um instante a altura sim, ele estava bem só. O ar fresco era inóspito, ele que morara numa cidade mais quente. A única árvore da chapada balançava os ramos. Ele olhou-a. Ganhava tempo. Até que achou que não havia por que esperar mais. O BÚFALO Mas era primavera. Até o leão lambeu a testa glabra da leoa. Os dois animais louros. A mulher desviou os olhos da jaula, onde só o cheiro quente lembrava a carnificina que ela viera buscar no Jardim Zoológico. Depois o leão passeou enjubado e tranquilo, e a leoa lentamente reconstituiu sobre as patas estendidas a cabeça de uma esfinge. "Mas isso é amor, é am Faça um