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Aluno
Resuma esse primeiro capítulo do livro: a transição do feuda...
Resuma esse primeiro capítulo do livro: a transição do feudalismo para o capitalismo. Faça bem pequeno.
O DEBATE SOBRE A TRANSIÇÃO
Uma crítica
Paul Sweezy
Vivemos no período de transição do capitalismo para o socialismo,
fato que empresta particular interesse aos estudos das transições anteriores
de um sistema social para outro. Esta, entre muitas outras, é uma razão por
que Studies in the development of capitalismo,
1
de Maurice Dobb, é um livro tão
atual e importante. Cerca de um terço do volume é dedicado ao declínio do
feudalismo e à ascensão do capitalismo. No presente ensaio, concentrarei
minha atenção exclusivamente a este aspecto do trabalho de Dobb.
Definição de feudalismo para Dobb
Dobb define o feudalismo como sendo "virtualmente idêntico com o
que usualmente se entende por servidão: uma obrigação imposta ao
produtor pela força, independentemente de sua vontade, no sentido de
cumprir certas exigências econômicas de um senhor, quer sob a forma de
serviços a serem prestadas ou de tributos a serem pagos em dinheiro ou
espécie" (p.35). Atendo-se a esta definição, Dobb usa no livro todo os dois
termos, "feudalismo" e "servidão", como praticamente intercambiáveis.
de feudal; e mesmo como relação dominante de produção, a servidão tem
estado associada com diferentes formas de organização econômica em
diferentes época e em diferentes regiões. Engels, em uma de suas últimas
cartas para Marx, escreveu que "certamente servidão e dependência não são
uma forma específica (spezifisch) medieval-feudal, encontramo-la em toda
parte ou quase toda parte onde os conquistadores fizeram os antigos
habitantes cultivarem a terra para eles". 2
Segue-se daí, penso eu, que o
conceito de feudalismo segundo Dobb é demasiadamente genérico para ser
aplicável diretamente ao estudo de uma região determinada num período
determinado. Ou, em outras palavras, o que Dobb está definindo não é em
verdade um sistema social mas uma família de sistemas sociais, todos
baseados na servidão. Ao estudar problemas históricos específicos, é
importante saber não apenas que se está lidando com feudalismo, mas
também com qual membro dessa família.
O interesse básico de Dobb reside certamente no feudalismo da
Europa ocidental, pois foi nessa região que o capitalismo nasceu e atingiu a
maturidade. Parece-me, portanto, que ele deveria apontar com grande
clareza quais são, para ele, as principais características do feudalismo da
Europa ocidental, fazendo em seguida uma análise teórica das leis e
tendências de um sistema dotado dessas características. Tentarei mostrar
mais adiante que, ao não conseguir fazê-lo, Dobb vê-se compelido a muitas
generalizações dúbias. Além disso, penso que a mesma razão é responsável
pela prática freqüente de Dobb invocar apoio factual, extraído de regiões e
períodos muito diversos, para argumentos que são aplicados à Europa
ocidental e que só podem ser comprovados em termos da experiência desta
região.
Com isso não quero afirmar, naturalmente, que Dobb não conheça a
fundo o feudalismo da Europa ocidental. A certa altura (p.36 ss.) traça um
esquema conciso de suas características mais importantes: 1) "baixo nível técnico, no qual os instrumentos de
produção são simples e em geral baratos, e o ato de produção é em grande
parte de caráter individual; a divisão de trabalho ... se encontra em grau de
desenvolvimento muito primitivo"; 2) "produção para atender as
necessidades imediatas da família ou da comunidade aldeã, e não para um
mercado mais amplo"; 3) "agricultura dominial: cultivo das terras do
senhor, às vezes em grande escala, mediante trabalho compulsório"; 4)
"descentralização política"; 5) "detenção condicional da terra em troca de
algum tipo de serviço para o senhor"; 6) "exercício, por parte de um
senhor, de funções judiciais ou quase-judiciais em relação à população
dependente". Dobb refere-se a um sistema com essas características como
sendo a forma "clássica" de feudalismo, mas seria menos ambíguo dizer que
se trata de forma típica da Europa ocidental. O fato de que "o modo feudal
de produção não se restringia a essa forma clássica" é, aparentemente, o que
leva Dobb a não analisar-lhe mais profundamente a estrutura e as
tendências. A meu ver, contudo, essa análise é essencial a fim de evitar
confusão em nossa tentativa de descobrir as causas do declínio do
feudalismo na Europa ocidental.
A teoria do feudalismo europeu ocidental
Partindo da descrição de Dobb, o feudalismo europeu ocidental pode
ser definido como um sistema econômico no qual a servidão é a relação de
produção predominante, e em que a produção se organiza no interior e ao
redor da propriedade senhorial. É importante observar que esta definição
não implica "economia natural" ou ausência de transações ou cálculos com
moedas. O que está implícito é que os mercados na maioria são locais, e que
o comércio a longa distância, ainda que não necessariamente ausente, não
desempenha papel decisivo nos objetivos ou métodos de produção. A
característica básica do feudalismo, neste sentido, é tratar-se de um sistema de produção para uso. As necessidades da comunidade são conhecidas, e a
produção é planejada e organizada com vistas à
[pág. 41]
sua satisfação, o que tem conseqüências muito importantes. Como disse
Marx em O Capital, "é claro... que em qualquer formação econômica da
sociedade onde predomina não o valor de troca mas o valor de uso de
produto, o trabalho excedente será limitado por um certo conjunto de
necessidades que poderão ser maiores ou menores, e então a natureza da
produção em si não gerará um apetite insaciável de trabalho excedente". 3 Em outras
palavras, não existirá a pressão que se manifesta no capitalismo para a
contínua melhoria dos métodos de produção. Técnicas e formas de
organização acomodam-se a rotinas estabelecidas. Onde isto se verifica,
como nos ensina o materialismo histórico, existe uma tendência muito
acentuada para que toda a vida da sociedade se oriente no sentido dos usos
e da tradição.
Não devemos concluir, porém, que tal sistema seja necessariamente
estável ou estático. Um elemento de instabilidade é a competição entre os
senhores por terras e vassalos, os quais constituem, somados, o fundamento
do poder e do prestígio. Esta competição é análoga à que existe pelos
lucros sob o capitalismo, mas seus efeitos são bastante diferentes. Gera um
estado de guerra mais ou menos constante; a resultante insegurança de vidas
e bens, porém, ao invés de revolucionar os métodos de produção, como o
faz a competição capitalista, apenas reforça a dependência mútua do senhor
e dos vassalos, fortalecendo, portanto, a estrutura básica das relações
feudais. Os conflitos armados feudais conturbam, empobrecem e exaurem a
sociedade, mas não tendem a transformá-la.
Um segundo elemento de instabilidade é encontrado no crescimento populacional. A estrutura da senhoria limita o número de produtores que é
capaz de empregar e o número de consumidores que pode sustentar, e o
inerente conservadorismo do sistema inibe a expansão generalizada. Isso
não significa, é claro, que o crescimento é impossível, mas apenas que ele
sempre é inferior ao aumento da população. Os filhos mais moços
[pág. 42]
dos servos são expulsos da estrutura regular da sociedade feudal e vão
constituir a população errante — que vive de esmolas ou de banditismo e
que fornece a matéria-prima para os exércitos mercenários — tão
característica da Idade Média. Essa população excedente, porém, conquanto
contribua para a instabilidade e insegurança, não exerce nenhuma influência
criadora ou revolucionária sobre a sociedade feudal. 4
Podemos concluir, então, que o feudalismo europeu ocidental, apesar
da instabilidade e insegurança crônicas, foi um sistema com forte tendência
em favor da manutenção de certos métodos e relações de produção. Creio
que se justifica dizer dele o que Marx disse da Índia antes do período de
domínio inglês: "Todas as guerras civis, invasões, revoluções, conquistas,
fome... não penetraram além da superfície". 5 Creio que se Dobb tivesse
levado na devida conta esse caráter inerentemente conservador e imobilista
do feudalismo europeu ocidental, ele teria sido obrigado a alterar a teoria
que apresenta para explicar a desintegração e o declínio da baixa Idade
Média.
A teoria de Dobb sobre o declínio do feudalismo Dobb não nega a "extraordinária importância" deste processo: "É
por demais evidente que ele se relaciona com as mudanças que foram tão
marcantes no final da Idade Média" (p.38). Mas considera essa explicação
inadequada, pois não vai ao fundo da questão do impacto do comércio
sobre o feudalismo. Se examinarmos o problema mais de perto, argumenta
ele, verificaremos que "de fato, parece haver evidência igual de que o
crescimento da economia per se levou a uma intensificação da servidão,
como de que ele foi a causa da declínio do feudalismo" (p.40). Em apoio a
esta asserção, cita um volume significativo de dados históricos, destacando
entre eles "o recrudescimento do feudalismo na Europa oriental no final do
século XV — aquela 'segunda servidão' a que se referiu Engels: a
restauração do antigo sistema que era associada ao crescimento da produção
para o mercado" (p.39). Com base nesses dados, Dobb propõe que, se o
único fator a influir na Europa ocidental tivesse sido a ascensão do
comércio, o resultado tanto poderia ter sido uma intensificação como uma
desintegração do feudalismo. E daí conclui que deve ter havido outros
fatores que causaram o resultado na verdade observado.
Que fatores foram esses? Dobb acredita que eles podem ser
encontrados no interior da própria economia feudal. Concorda em que "as provas não são abundantes nem conclusivas", mas considera que "as já
existentes indicam fortemente que foi a ineficiência do feudalismo como
sistema de produção, somada às crescentes necessidades de receitas por
parte da classe dominante, a responsável principal pelo seu declínio; uma
vez que essa necessidade de receitas adicionais provocou um aumento na
pressão sobre o produtor até um ponto em que ela se tornou literalmente
intolerável" (p.42). A conse-
[pág. 44]
quência dessa pressão crescente foi que "afinal provocou a exaustão, ou o
real desaparecimento, da força de trabalho de que se nutria o sistema"
(p.43).
Em outras palavras, de acordo com a teoria de Dobb a causa
fundamental do colapso do feudalismo foi a superexploração da força de
trabalho: os servos desertaram das propriedades senhoriais en masse, e os
que permaneceram eram muito poucos e demasiadamente sobrecarregados
para permitir que o sistema se mantivesse na sua antiga base. Foram esses
acontecimentos, mais do que a expansão do comércio, que forçaram a classe
dominante feudal a adotar os expedientes — comutação das prestações do
serviço, arrendamento de terras dominiais a locatários etc. — que
finalmente levaram à transformação das relações de produção nas regiões
rurais.
Uma crítica à teoria de Dobb
Para sustentar sua teoria, Dobb precisa demonstrar que tanto a
crescente necessidade de receita por parte da classe dominante feudal como
a fuga dos servos da terra podem ser explicadas em termos de forças a
operar no interior do sistema feudal. Vejamos como ele tenta fazê-lo.
Primeiro, consideremos a necessidade de novas receitas, por parte dos senhores. Dobb cita vários fatores que ele considera inerentes ao
sistema feudal. Os servos eram desprezados e considerados basicamente
como uma fonte de renda (p.43 ss). O tamanho da classe parasita tendeu a
expandir-se como resultado do crescimento natural das famílias nobres,
subenfeudação, e multiplicação dos dependentes nobres — que "tinham de
ser sustentados com o trabalho excedente da população servil". As guerras e
o banditismo "aumentavam as despesas das famílias feudais" e "espalhavam
a ruína e a devastação pela terra". Finalmente, "à medida que avançava a
idade da cavalaria, desenvolviam-se também as extravagâncias das famílias
nobres, com suas, festas suntuosas e pompas dispendiosas, a competir no
culto da magnificentía" (p.45).
[pág., 45]
Dois desses fatores — desprezo pelos interesses dos servos e guerra
e banditismo — existiram ao longo de todo o período, e se eles se
intensificaram com o passar do tempo tal fato requer uma explicação: não
pode simplesmente ser tomado como uma característica natural do
feudalismo. Dobb não tenta explicar essa tendência, porém; e mesmo os
gastos que ele atribui às cruzadas no período decisivo do desenvolvimento
feudal possuem significação dúbia. Afinal, os cruzados combateram no
Oriente e naturalmente viveram a maior parte fora de suas terras; as
cruzadas foram até certo ponto expedições de pilhagem que trouxeram
recompensas materiais para seus patrocinadores e participantes; e, em larga
medida, representaram substituições, e não adições, aos conflitos feudais
"normais" do período. No todo, parece-me que esses dois fatores fornecem
pouco apoio à teoria de Dobb.
Já não se dá o mesmo com os outros dois fatores, a saber, o
crescimento numérico da classe parasitária e a crescente extravagância das
famílias nobres. Temos então uma prova prima fade da necessidade de maiores receitas. E mais problemático, todavia, se temos também aqui o
necessário suporte à teoria de Dobb. O crescimento da classe parasitária era
comparável ao da população servil. Além disso, em todo o decorrer da
Idade Média houve muita terra arável para ser utilizada. Por isso, apesar de
sua natureza extremamente conservadora, o sistema feudal expandiu-se,
lenta mas seguramente. Quando consideramos o fato de que a guerra
cobrava seus tributos principalmente das classes superiores (pois somente a
elas era permitido o porte de armas), podemos muito bem duvidar de que
houvesse um crescimento relativo importante no número de membros da
classe parasitária. Na ausência de qualquer prova factual clara a favor ou
contra, não se justifica, certamente, atribuir peso decisivo a este fator.
Por outro lado não há razão para duvidar da realidade da crescente
extravagância da classe dominante feudal: as provas aqui são abundantes e
apontam todas na mesma direção. Mas essa crescente extravagância era uma
tendência passível de explicação pela natureza do sistema feudal, ou reflete
algo que ocorria fora do sistema feudal? Parece-me
[pág. 46]
que, em termos gerais, seria de esperar a última hipótese. Mesmo num
sistema dinâmico tal como o capitalismo, mudanças espontâneas nos gastos
dos consumidores são desprezíveis, 6
e o mesmo se aplicaria a fortiori a uma
sociedade tradicionalmente como o feudalismo. Além disso, considerando-
se o que se passava fora do sistema feudal, encontramos múltiplas razões
para a crescente extravagância da classe dominante feudal: a rápida
expansão do comércio a partir do século XI punha ao seu alcance uma
quantidade de bens cada vez maior e mais variada. Dobb reconhece a existência dessa relação entre o comércio e as necessidades da classe
dominante feudal, mas me parece que ele considera essa questão sem o
necessário rigor. Se ele tivesse atribuído à mesma o peso merecido,
dificilmente afirmaria que a crescente extravagância da classe dominante se
devia a causas internas ao sistema feudal.
Voltemo-nos agora para o problema da fuga dos servos da terra.
Existem poucas dúvidas de que essa foi uma causa importante da crise da
economia feudal que caracterizou o século XIV. Dobb supõe que ela se
deveu à opressão dos senhores (que se originou, por sua vez, da sua
crescente necessidade de receitas) e que pode, portanto, ser explicada como
um processo interno ao sistema feudal. Mas terá feito uma defesa
convincente dessa suposição? 7
Creio que não. Os servos não podiam simplesmente desertar das
senhorias, não importa quão severos pudessem tornar-se seus senhores, a
menos que tivessem para onde ir.
[pág. 47]
É verdade que a sociedade feudal, como já o disse anteriormente, tende a
gerar um excedente de população errante; essa, porém, é constituída pela
escória da sociedade, pelos que não têm lugar nas senhorias, e não é realista
supor que um número significativo de servos abandonasse deliberadamente
suas propriedades para descer ao fundo da escala social.
Todo esse problema, porém, assume um aspecto inteiramente novo
— ao qual, o que é surpreendente, Dobb presta pouca atenção — quando
lembramos que a fuga dos servos ocorreu simultaneamente com o
crescimento das cidades, especialmente nos séculos XII e XIII. Não há dúvida de que as cidades em rápido crescimento — a oferecerem, como o
faziam, liberdade de emprego e melhoria de posição social — agiram como
potentes ímãs para a população rural oprimida. E os próprios burgueses,
necessitando de maiores contingentes de mão-de-obra e de mais soldados
para fortalecer seu poderio militar, tudo fizeram para facilitar a evasão dos
servos à jurisdição de seus amos. Marx comentou numa carta a Engels:
"Freqüentemente há algo de patético na maneira como os burgueses do
século XII aliciam os camponeses, para escapar para as cidades". 8 Nesse
contexto, o movimento de fuga da terra, que de outro modo pareceria
incompreensível, aparece como a conseqüência natural do desenvolvimento
das cidades. Sem dúvida, a opressão de que fala Dobb foi um fator
importante a predispor os servos à fuga, mas por si mesma dificilmente
teria originado uma emigração de grandes proporções.9
A teoria de Dobb sobre as causas internas do colapso do feudalismo
ainda poderia ser salva se fosse possível comprovar
[pág. 48]
que a ascensão das cidades foi um processo interno ao sistema feudal. Mas,
se bem entendi, Dobb não o afirmou. Ele toma uma posição eclética sobre
a questão da origem das cidades medievais, mas reconhece que seu crescimento
em geral guardava proporção com sua importância como centros de
comércio. O comércio não pode de maneira alguma ser considerado uma
forma de economia feudal; segue-se daí que Dobb dificilmente poderia
sustentar que o desenvolvimento da vida urbana foi conseqüência de causas
Resuma esse primeiro capítulo do livro: a transição do feudalismo para o capitalismo. Faça bem pequeno.
O DEBATE SOBRE A TRANSIÇÃO Uma crítica Paul Sweezy Vivemos no período de transição do capitalismo para o socialismo, fato que empresta particular interesse aos estudos das transições anteriores de um sistema social para outro. Esta, entre muitas outras, é uma razão por que Studies in the development of capitalismo, 1 de Maurice Dobb, é um livro tão atual e importante. Cerca de um terço do volume é dedicado ao declínio do feudalismo e à ascensão do capitalismo. No presente ensaio, concentrarei minha atenção exclusivamente a este aspecto do trabalho de Dobb. Definição de feudalismo para Dobb Dobb define o feudalismo como sendo "virtualmente idêntico com o que usualmente se entende por servidão: uma obrigação imposta ao produtor pela força, independentemente de sua vontade, no sentido de cumprir certas exigências econômicas de um senhor, quer sob a forma de serviços a serem prestadas ou de tributos a serem pagos em dinheiro ou espécie" (p.35). Atendo-se a esta definição, Dobb usa no livro todo os dois termos, "feudalismo" e "servidão", como praticamente intercambiáveis.
de feudal; e mesmo como relação dominante de produção, a servidão tem estado associada com diferentes formas de organização econômica em diferentes época e em diferentes regiões. Engels, em uma de suas últimas cartas para Marx, escreveu que "certamente servidão e dependência não são uma forma específica (spezifisch) medieval-feudal, encontramo-la em toda parte ou quase toda parte onde os conquistadores fizeram os antigos habitantes cultivarem a terra para eles". 2 Segue-se daí, penso eu, que o conceito de feudalismo segundo Dobb é demasiadamente genérico para ser aplicável diretamente ao estudo de uma região determinada num período determinado. Ou, em outras palavras, o que Dobb está definindo não é em verdade um sistema social mas uma família de sistemas sociais, todos baseados na servidão. Ao estudar problemas históricos específicos, é importante saber não apenas que se está lidando com feudalismo, mas também com qual membro dessa família. O interesse básico de Dobb reside certamente no feudalismo da Europa ocidental, pois foi nessa região que o capitalismo nasceu e atingiu a maturidade. Parece-me, portanto, que ele deveria apontar com grande clareza quais são, para ele, as principais características do feudalismo da Europa ocidental, fazendo em seguida uma análise teórica das leis e tendências de um sistema dotado dessas características. Tentarei mostrar mais adiante que, ao não conseguir fazê-lo, Dobb vê-se compelido a muitas generalizações dúbias. Além disso, penso que a mesma razão é responsável pela prática freqüente de Dobb invocar apoio factual, extraído de regiões e períodos muito diversos, para argumentos que são aplicados à Europa ocidental e que só podem ser comprovados em termos da experiência desta região. Com isso não quero afirmar, naturalmente, que Dobb não conheça a fundo o feudalismo da Europa ocidental. A certa altura (p.36 ss.) traça um esquema conciso de suas características mais importantes: 1) "baixo nível técnico, no qual os instrumentos de produção são simples e em geral baratos, e o ato de produção é em grande parte de caráter individual; a divisão de trabalho ... se encontra em grau de desenvolvimento muito primitivo"; 2) "produção para atender as necessidades imediatas da família ou da comunidade aldeã, e não para um mercado mais amplo"; 3) "agricultura dominial: cultivo das terras do senhor, às vezes em grande escala, mediante trabalho compulsório"; 4) "descentralização política"; 5) "detenção condicional da terra em troca de algum tipo de serviço para o senhor"; 6) "exercício, por parte de um senhor, de funções judiciais ou quase-judiciais em relação à população dependente". Dobb refere-se a um sistema com essas características como sendo a forma "clássica" de feudalismo, mas seria menos ambíguo dizer que se trata de forma típica da Europa ocidental. O fato de que "o modo feudal de produção não se restringia a essa forma clássica" é, aparentemente, o que leva Dobb a não analisar-lhe mais profundamente a estrutura e as tendências. A meu ver, contudo, essa análise é essencial a fim de evitar confusão em nossa tentativa de descobrir as causas do declínio do feudalismo na Europa ocidental. A teoria do feudalismo europeu ocidental Partindo da descrição de Dobb, o feudalismo europeu ocidental pode ser definido como um sistema econômico no qual a servidão é a relação de produção predominante, e em que a produção se organiza no interior e ao redor da propriedade senhorial. É importante observar que esta definição não implica "economia natural" ou ausência de transações ou cálculos com moedas. O que está implícito é que os mercados na maioria são locais, e que o comércio a longa distância, ainda que não necessariamente ausente, não desempenha papel decisivo nos objetivos ou métodos de produção. A característica básica do feudalismo, neste sentido, é tratar-se de um sistema de produção para uso. As necessidades da comunidade são conhecidas, e a produção é planejada e organizada com vistas à [pág. 41] sua satisfação, o que tem conseqüências muito importantes. Como disse Marx em O Capital, "é claro... que em qualquer formação econômica da sociedade onde predomina não o valor de troca mas o valor de uso de produto, o trabalho excedente será limitado por um certo conjunto de necessidades que poderão ser maiores ou menores, e então a natureza da produção em si não gerará um apetite insaciável de trabalho excedente". 3 Em outras palavras, não existirá a pressão que se manifesta no capitalismo para a contínua melhoria dos métodos de produção. Técnicas e formas de organização acomodam-se a rotinas estabelecidas. Onde isto se verifica, como nos ensina o materialismo histórico, existe uma tendência muito acentuada para que toda a vida da sociedade se oriente no sentido dos usos e da tradição. Não devemos concluir, porém, que tal sistema seja necessariamente estável ou estático. Um elemento de instabilidade é a competição entre os senhores por terras e vassalos, os quais constituem, somados, o fundamento do poder e do prestígio. Esta competição é análoga à que existe pelos lucros sob o capitalismo, mas seus efeitos são bastante diferentes. Gera um estado de guerra mais ou menos constante; a resultante insegurança de vidas e bens, porém, ao invés de revolucionar os métodos de produção, como o faz a competição capitalista, apenas reforça a dependência mútua do senhor e dos vassalos, fortalecendo, portanto, a estrutura básica das relações feudais. Os conflitos armados feudais conturbam, empobrecem e exaurem a sociedade, mas não tendem a transformá-la. Um segundo elemento de instabilidade é encontrado no crescimento populacional. A estrutura da senhoria limita o número de produtores que é capaz de empregar e o número de consumidores que pode sustentar, e o inerente conservadorismo do sistema inibe a expansão generalizada. Isso não significa, é claro, que o crescimento é impossível, mas apenas que ele sempre é inferior ao aumento da população. Os filhos mais moços [pág. 42] dos servos são expulsos da estrutura regular da sociedade feudal e vão constituir a população errante — que vive de esmolas ou de banditismo e que fornece a matéria-prima para os exércitos mercenários — tão característica da Idade Média. Essa população excedente, porém, conquanto contribua para a instabilidade e insegurança, não exerce nenhuma influência criadora ou revolucionária sobre a sociedade feudal. 4 Podemos concluir, então, que o feudalismo europeu ocidental, apesar da instabilidade e insegurança crônicas, foi um sistema com forte tendência em favor da manutenção de certos métodos e relações de produção. Creio que se justifica dizer dele o que Marx disse da Índia antes do período de domínio inglês: "Todas as guerras civis, invasões, revoluções, conquistas, fome... não penetraram além da superfície". 5 Creio que se Dobb tivesse levado na devida conta esse caráter inerentemente conservador e imobilista do feudalismo europeu ocidental, ele teria sido obrigado a alterar a teoria que apresenta para explicar a desintegração e o declínio da baixa Idade Média. A teoria de Dobb sobre o declínio do feudalismo Dobb não nega a "extraordinária importância" deste processo: "É por demais evidente que ele se relaciona com as mudanças que foram tão marcantes no final da Idade Média" (p.38). Mas considera essa explicação inadequada, pois não vai ao fundo da questão do impacto do comércio sobre o feudalismo. Se examinarmos o problema mais de perto, argumenta ele, verificaremos que "de fato, parece haver evidência igual de que o crescimento da economia per se levou a uma intensificação da servidão, como de que ele foi a causa da declínio do feudalismo" (p.40). Em apoio a esta asserção, cita um volume significativo de dados históricos, destacando entre eles "o recrudescimento do feudalismo na Europa oriental no final do século XV — aquela 'segunda servidão' a que se referiu Engels: a restauração do antigo sistema que era associada ao crescimento da produção para o mercado" (p.39). Com base nesses dados, Dobb propõe que, se o único fator a influir na Europa ocidental tivesse sido a ascensão do comércio, o resultado tanto poderia ter sido uma intensificação como uma desintegração do feudalismo. E daí conclui que deve ter havido outros fatores que causaram o resultado na verdade observado. Que fatores foram esses? Dobb acredita que eles podem ser encontrados no interior da própria economia feudal. Concorda em que "as provas não são abundantes nem conclusivas", mas considera que "as já existentes indicam fortemente que foi a ineficiência do feudalismo como sistema de produção, somada às crescentes necessidades de receitas por parte da classe dominante, a responsável principal pelo seu declínio; uma vez que essa necessidade de receitas adicionais provocou um aumento na pressão sobre o produtor até um ponto em que ela se tornou literalmente intolerável" (p.42). A conse- [pág. 44] quência dessa pressão crescente foi que "afinal provocou a exaustão, ou o real desaparecimento, da força de trabalho de que se nutria o sistema" (p.43). Em outras palavras, de acordo com a teoria de Dobb a causa fundamental do colapso do feudalismo foi a superexploração da força de trabalho: os servos desertaram das propriedades senhoriais en masse, e os que permaneceram eram muito poucos e demasiadamente sobrecarregados para permitir que o sistema se mantivesse na sua antiga base. Foram esses acontecimentos, mais do que a expansão do comércio, que forçaram a classe dominante feudal a adotar os expedientes — comutação das prestações do serviço, arrendamento de terras dominiais a locatários etc. — que finalmente levaram à transformação das relações de produção nas regiões rurais. Uma crítica à teoria de Dobb Para sustentar sua teoria, Dobb precisa demonstrar que tanto a crescente necessidade de receita por parte da classe dominante feudal como a fuga dos servos da terra podem ser explicadas em termos de forças a operar no interior do sistema feudal. Vejamos como ele tenta fazê-lo. Primeiro, consideremos a necessidade de novas receitas, por parte dos senhores. Dobb cita vários fatores que ele considera inerentes ao sistema feudal. Os servos eram desprezados e considerados basicamente como uma fonte de renda (p.43 ss). O tamanho da classe parasita tendeu a expandir-se como resultado do crescimento natural das famílias nobres, subenfeudação, e multiplicação dos dependentes nobres — que "tinham de ser sustentados com o trabalho excedente da população servil". As guerras e o banditismo "aumentavam as despesas das famílias feudais" e "espalhavam a ruína e a devastação pela terra". Finalmente, "à medida que avançava a idade da cavalaria, desenvolviam-se também as extravagâncias das famílias nobres, com suas, festas suntuosas e pompas dispendiosas, a competir no culto da magnificentía" (p.45). [pág., 45] Dois desses fatores — desprezo pelos interesses dos servos e guerra e banditismo — existiram ao longo de todo o período, e se eles se intensificaram com o passar do tempo tal fato requer uma explicação: não pode simplesmente ser tomado como uma característica natural do feudalismo. Dobb não tenta explicar essa tendência, porém; e mesmo os gastos que ele atribui às cruzadas no período decisivo do desenvolvimento feudal possuem significação dúbia. Afinal, os cruzados combateram no Oriente e naturalmente viveram a maior parte fora de suas terras; as cruzadas foram até certo ponto expedições de pilhagem que trouxeram recompensas materiais para seus patrocinadores e participantes; e, em larga medida, representaram substituições, e não adições, aos conflitos feudais "normais" do período. No todo, parece-me que esses dois fatores fornecem pouco apoio à teoria de Dobb. Já não se dá o mesmo com os outros dois fatores, a saber, o crescimento numérico da classe parasitária e a crescente extravagância das famílias nobres. Temos então uma prova prima fade da necessidade de maiores receitas. E mais problemático, todavia, se temos também aqui o necessário suporte à teoria de Dobb. O crescimento da classe parasitária era comparável ao da população servil. Além disso, em todo o decorrer da Idade Média houve muita terra arável para ser utilizada. Por isso, apesar de sua natureza extremamente conservadora, o sistema feudal expandiu-se, lenta mas seguramente. Quando consideramos o fato de que a guerra cobrava seus tributos principalmente das classes superiores (pois somente a elas era permitido o porte de armas), podemos muito bem duvidar de que houvesse um crescimento relativo importante no número de membros da classe parasitária. Na ausência de qualquer prova factual clara a favor ou contra, não se justifica, certamente, atribuir peso decisivo a este fator. Por outro lado não há razão para duvidar da realidade da crescente extravagância da classe dominante feudal: as provas aqui são abundantes e apontam todas na mesma direção. Mas essa crescente extravagância era uma tendência passível de explicação pela natureza do sistema feudal, ou reflete algo que ocorria fora do sistema feudal? Parece-me [pág. 46] que, em termos gerais, seria de esperar a última hipótese. Mesmo num sistema dinâmico tal como o capitalismo, mudanças espontâneas nos gastos dos consumidores são desprezíveis, 6 e o mesmo se aplicaria a fortiori a uma sociedade tradicionalmente como o feudalismo. Além disso, considerando- se o que se passava fora do sistema feudal, encontramos múltiplas razões para a crescente extravagância da classe dominante feudal: a rápida expansão do comércio a partir do século XI punha ao seu alcance uma quantidade de bens cada vez maior e mais variada. Dobb reconhece a existência dessa relação entre o comércio e as necessidades da classe dominante feudal, mas me parece que ele considera essa questão sem o necessário rigor. Se ele tivesse atribuído à mesma o peso merecido, dificilmente afirmaria que a crescente extravagância da classe dominante se devia a causas internas ao sistema feudal. Voltemo-nos agora para o problema da fuga dos servos da terra. Existem poucas dúvidas de que essa foi uma causa importante da crise da economia feudal que caracterizou o século XIV. Dobb supõe que ela se deveu à opressão dos senhores (que se originou, por sua vez, da sua crescente necessidade de receitas) e que pode, portanto, ser explicada como um processo interno ao sistema feudal. Mas terá feito uma defesa convincente dessa suposição? 7 Creio que não. Os servos não podiam simplesmente desertar das senhorias, não importa quão severos pudessem tornar-se seus senhores, a menos que tivessem para onde ir. [pág. 47] É verdade que a sociedade feudal, como já o disse anteriormente, tende a gerar um excedente de população errante; essa, porém, é constituída pela escória da sociedade, pelos que não têm lugar nas senhorias, e não é realista supor que um número significativo de servos abandonasse deliberadamente suas propriedades para descer ao fundo da escala social. Todo esse problema, porém, assume um aspecto inteiramente novo — ao qual, o que é surpreendente, Dobb presta pouca atenção — quando lembramos que a fuga dos servos ocorreu simultaneamente com o crescimento das cidades, especialmente nos séculos XII e XIII. Não há dúvida de que as cidades em rápido crescimento — a oferecerem, como o faziam, liberdade de emprego e melhoria de posição social — agiram como potentes ímãs para a população rural oprimida. E os próprios burgueses, necessitando de maiores contingentes de mão-de-obra e de mais soldados para fortalecer seu poderio militar, tudo fizeram para facilitar a evasão dos servos à jurisdição de seus amos. Marx comentou numa carta a Engels: "Freqüentemente há algo de patético na maneira como os burgueses do século XII aliciam os camponeses, para escapar para as cidades". 8 Nesse contexto, o movimento de fuga da terra, que de outro modo pareceria incompreensível, aparece como a conseqüência natural do desenvolvimento das cidades. Sem dúvida, a opressão de que fala Dobb foi um fator importante a predispor os servos à fuga, mas por si mesma dificilmente teria originado uma emigração de grandes proporções.9 A teoria de Dobb sobre as causas internas do colapso do feudalismo ainda poderia ser salva se fosse possível comprovar [pág. 48] que a ascensão das cidades foi um processo interno ao sistema feudal. Mas, se bem entendi, Dobb não o afirmou. Ele toma uma posição eclética sobre a questão da origem das cidades medievais, mas reconhece que seu crescimento em geral guardava proporção com sua importância como centros de comércio. O comércio não pode de maneira alguma ser considerado uma forma de economia feudal; segue-se daí que Dobb dificilmente poderia sustentar que o desenvolvimento da vida urbana foi conseqüência de causas