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Resumo Analítico dTEXTO: A INTERDISCIPLINARIDADE COMO UM MOV...
Resumo Analítico dTEXTO: A INTERDISCIPLINARIDADE COMO UM MOVIMENTO ARTICULADOR
NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM
Juares da Silva Thiesen2
RESUMO
Discute a interdisciplinaridade como um movimento contemporâneo presente nas
dimensões da epistemologia e da pedagogia, que vem marcando o rompimento com
uma visão cartesiana e mecanicista de mundo e de educação e, ao mesmo tempo,
assumindo uma concepção mais integradora, dialética e totalizadora na construção
do conhecimento e da prática pedagógica. Inicialmente, faz-se uma breve
apresentação da origem histórica desse movimento, discutem-se aspectos de sua
conceituação e suas implicações no campo das diferentes ciências contemporâneas
para então apresentar a interdisciplinaridade como um importante fenômeno de
articulação do processo de ensino e aprendizagem. A argumentação apresentada no
texto busca destacar que o movimento da interdisciplinaridade pode transformar
profundamente a qualidade da educação escolar por intermédio de seu s processos
de ensino.
Introdução
A discussão sobre a temática da interdisciplinaridade tem sido tratada por dois
grandes enfoques: o epistemológico e o pedagógico, ambos abarcando conceitos
diversos e muitas vezes complementares. No campo da epistemologia, toma-se como
categorias para seu estudo o conhecimento em seus aspectos de produção,
reconstrução e socialização; a ciência e seus paradigmas; e o método como mediação
entre o sujeito e a realidade. Pelo enfoque pedagógico, discutem-se
fundamentalmente questões de natureza curricular, de ensino e de aprendizagem
escolar.
O movimento histórico que vem marcando a presença do enfoque
interdisciplinar na educação constitui um dos pressupostos diretamente relacionados
a um contexto mais amplo e também muito complexo de mudanças que abrange não
só a área da educação, mas, também, outros setores da vida social como a economia,
a política e a tecnologia. Trata-se de uma grande mudança paradigmática que está
em pleno curso.
Maria Cândida Moraes (2002), na obra O paradigma educacional emergente,
ressalta que, se a realidade é complexa, ela requer um pensamento abrangente,
JUARES DA SILVA THIESEN, doutor em educação pelo Instituto Central de Ciências
Pedagógicas (ICCP - Havana/Cuba), é professor no Centro de Educação da Universidade
do Estado de Santa Catarina e no Departamento de Educação do Centro Universitário de
São José.multidimensional, capaz de compreender a complexidade do real e construir um
conhecimento que leve em consideração essa mesma amplitude.A necessidade da
interdisciplinaridade na produção e na socialização do conhecimento no campo
educativo vem sendo discutida por vários autores, principalmente por aqueles que
pesquisam as teorias curriculares e as epistemologias pedagógicas. De modo geral,
a literatura sobre esse tema mostra que existe pelo menos uma posição consensual
quanto ao sentido e à finalidade da interdisciplinaridade: ela busca responder à
necessidade de superação da visão fragmentada nos processos de produção e
socialização do conhecimento. Trata-se de um movimento que caminha para novas
formas de organização do conhecimento ou para um novo sistema de sua produção,
difusão e transferência, como propõem Michael Gibbons e outros (1997).
Na análise de Frigotto (1995, p.26), a interdisciplinaridade impõe-se pela
própria forma de o "homem produzir-se enquanto ser social e enquanto sujeito e objeto
do conhecimento social". Ela funda-se no caráter dialético da realidade social, pautada
pelo princípio dos conflitos e das contradições, movimentos complexos pelos quais a
realidade pode ser percebida como una e diversa ao mesmo tempo, algo que nos
impõe delimitar os objetos de estudo demarcando seus campos sem, contudo,
fragmentá-los. Significa que, embora delimitado o problema a ser estudado, não
podemos abandonar as múltiplas determinações e mediações históricas que o
constituem.
Dadas a natureza e a especificidade deste artigo, tomar-se-á como principal
ponto de reflexão o papel da interdisciplinaridade no processo de ensinar e de
aprender na escolarização formal, buscando-se articular as abordagens pedagógica
e epistemológica, com seus avanços, limitações, conflitos e consensos.
Edgar Morin (2005), um dos teóricos desse movimento, entende que só o
pensamento complexo sobre uma realidade também complexa pode fazer avançar a
reforma do pensamento na direção da contextualização, da articulação e da
interdisciplinarização do conhecimento produzido pela humanidade. Para ele:
[...] a reforma necessária do pensamento é aquela que gera um
pensamento do contexto e do complexo. O pensamento contextual
busca sempre a relação de inseparabilidade e as inter-retroações
entre qualquer fenômeno e seu contexto, e deste com o contexto
planetário. O complexo requer um pensamento que capte relações,inter-relações, implicações mútuas, fenômenos multidimensionais,
realidades que são simultaneamente solidárias e conflitivas (como a
própria democracia, que é o sistema que se nutre de antagonismos
e que, simultaneamente, os regula), que respeite a diversidade, ao
mesmo tempo que a unidade, um pensamento organizador que
conceba a relação recíproca entre todas as partes. (p. 23).
Nesse sentido, a interdisciplinaridade será articuladora do processo de ensino
e de aprendizagem na medida em que se produzir como atitude (Fazenda, 1979),
como modo de pensar (Morin, 2005), como pressuposto na organização curricular
(Japiassu, 1976), como fundamento para as opções metodológicas do ensinar
(Gadotti, 2004), ou ainda como elemento orientador na formação dos profissionais da
educação.
ORIGEM E CONCEITOS DE INTERDISCIPLINARIDADE
A interdisciplinaridade, como um enfoque teórico-metodológico ou
gnosiológico, como a denomina Gadotti (2004), surge na segunda metade do século
passado, em resposta a uma necessidade verificada principalmente nos campos das
ciências humanas e da educação: superar a fragmentação e o caráter de
especialização do conhecimento, causados por uma epistemologia de tendência
positivista em cujas raízes estão o empirismo, o naturalismo e o mecanicismo
científico do início da modernidade.
Sobretudo pela influência dos trabalhos de grandes pensadores modernos
como Galileu, Bacon, Descartes, Newton, Darwin e outros, as ciências foram sendo
divididas e, por isso, especializando-se. Organizadas, de modo geral, sob a influência
das correntes de pensamento naturalista e mecanicista, buscavam, já a partir da
Renascença, construir uma concepção mais científica de mundo. A
interdisciplinaridade, como um movimento contemporâneo que emerge na perspectiva
da dialogicidade e da integração das ciências e do conhecimento, vem buscando
romper com o caráter de hiperespecialização e com a fragmentação dos saberes.
Para Goldman (1979, p. 3-25), um olhar interdisciplinar sobre a realidade
permite que entendamos melhor a relação entre seu todo e as partes que a
constituem. Para ele, apenas o modo dialético de pensar, fundado na historicidade,poderia favorecer maior integração entre as ciências. Nesse sentido, o materialismo
histórico e dialético resolveu em parte o problema da fragmentação do conhecimento
quando colocou a historicidade e as leis do movimento dialético da realidade como
fundamentos para todas as ciências.
Desde então, o conceito de interdisciplinaridade vem sendo discutido nos
diferentes âmbitos científicos e muito fortemente na educação. Sem dúvida, tanto as
formulações filosóficas do materialismo histórico e dialético quanto as proposições
pedagógicas das teorias críticas trouxeram contribuições importantes para esse novo
enfoque epistemológico.
De fato, é no campo das ciências humanas e sociais que a interdisciplinaridade
aparece com maior força. A preocupação com uma visão mais totalizadora da
realidade cognoscível e com a conseqüente dialogicidade das ciências foi objeto de
estudo primeiramente na filosofia, posteriormente nas ciências sociais e mais
recentemente na epistemologia pedagógica. Trabalhos como o de Kapp (1961),
Piaget (1973), Vygotsky (1986), Durand (1991), Snow (1959) e Gusdorf (1967) são
alguns exemplos desse movimento.
Goldman (1979) destaca que, inicialmente, a interdisciplinaridade aparece
como preocupação humanista, além da preocupação com as ciências. Desde então,
parece que todas as correntes de pensamento se ocuparam com a questão da
interdisciplinaridade: a teologia fenomenológica encontrou nesse conceito uma chave
para o diálogo entre Igreja e mundo; o existencialismo buscou dar às ciências uma
cara mais humana; a epistemologia buscou desvendar o processo de construção do
conhecimento e garantir maior integração entre as ciências, e o materialismo histórico
e dialético buscou, no método indutivo-dedutivo-indutivo, uma via para integrar parte
e todo.
Mais voltado à pedagogia, Georges Gusdorf lançou na década de 1960 um
projeto interdisciplinar para as ciências humanas apresentado à Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Sua obra La
parole (1953) é considerada muito importante para entender a interdisciplinaridade. O
projeto de interdisciplinaridade nas ciências passou de uma fase filosófica
(humanista), de definição e explicitação terminológica, na década de 1970, para umasegunda fase (mais científica), de discussão do seu lugar nas ciências humanas e na
educação a partir da década de 1980.
Gadotti (1993) ressalta que atualmente, no plano teórico, se busca fundar a
interdisciplinaridade na ética e na antropologia, ao mesmo tempo em que, no plano
prático, surgem projetos que reivindicam uma visão interdisciplinar, sobretudo no
campo do ensino e do currículo. No Brasil, o conceito de interdisciplinaridade chegou
pelo estudo da obra de Georges Gusdorf e posteriormente da de Piaget. O primeiro
autor influenciou o pensamento de Hilton Japiassu no campo da epistemologia e o de
Ivani Fazenda no campo da educação.
Quanto à definição de conceitos, ou de um conceito, para interdisciplinaridade,
tudo parece estar ainda em construção. Qualquer demanda por uma definição unívoca
e definitiva deve ser a princípio rejeitada, por tratar-se de proposta que
inevitavelmente está sendo construída a partir das culturas disciplinares existentes e
porque encontrar o limite objetivo de sua abrangência conceitual significa concebê-la
numa óptica também disciplinar. Ou, como afirma Leis (2005, p. 7), "a tarefa de
procurar definições finais para a interdisciplinaridade não seria algo propriamente
interdisciplinar, senão disciplinar".
Para esse autor (2005), na medida em que não existe uma definição única
possível para esse conceito, senão muitas, tantas quantas sejam as experiências
interdisciplinares em curso no campo do conhecimento, entendemos que se deva
evitar procurar definições abstratas de interdisciplinaridade. Os conhecimentos
disciplinares são paradigmáticos (no sentido de Kuhn, 1989), mas não são assim os
interdisciplinares. Portanto, a história da interdisciplinaridade confunde-se com a
dinâmica viva do conhecimento. O mesmo não pode ser dito da história das
disciplinas, que congelam de forma paradigmática o conhecimento alcançado em
determinado momento histórico, defendendo-se de qualquer abordagem alternativa
numa guerra de trincheiras.
O que se pode afirmar no campo conceitual é que a interdisciplinaridade será
sempre uma reação alternativa à abordagem disciplinar normalizadora (seja no ensino
ou na pesquisa) dos diversos objetos de estudo. Independente da definição que cada
autor assuma, a interdisciplinaridade está sempre situada no campo onde se pensa apossibilidade de superar a fragmentação das ciências e dos conhecimentos
produzidos por elas e onde simultaneamente se exprime a resistência sobre um saber
parcelado.
Para Japiassu (1976), a interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade
das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no
interior de um mesmo projeto. A interdisciplinaridade visa à recuperação da unidade
humana pela passagem de uma subjetividade para uma intersubjetividade e, assim
sendo, recupera a idéia primeira de cultura (formação do homem total), o papel da
escola (formação do homem inserido em sua realidade) e o papel do homem (agente
das mudanças do mundo). Portanto, mais do que identificar um conceito para
interdisciplinaridade, o que os autores buscam é encontrar seu sentido
epistemológico, seu papel e suas implicações sobre o processo do conhecer.
Partindo do pressuposto apresentado por Japiassu (1976), de que a
interdisciplinaridade se caracteriza pela intensidade das trocas entre os especialistas
e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de
pesquisa, exige-se que as disciplinas,1 em seu processo constante e desejável de
interpenetração, se fecundem cada vez mais reciprocamente. Para tanto, é
imprescindível a complementaridade dos métodos, dos conceitos, das estruturas e
dos axiomas sobre os quais se fundam as diversas práticas pedagógicas das
disciplinas científicas. Japiassu (1976) destaca ainda:
[...] do ponto de vista integrador, a interdisciplinaridade requer
equilíbrio entre amplitude, profundidade e síntese. A amplitude
assegura uma larga base de conhecimento e informação. A
profundidade assegura o requisito disciplinar e/ou conhecimento e
informação interdisciplinar para a tarefa a ser executada. A síntese
assegura o processo integrador (p. 65-66).
As abordagens teóricas apresentadas pelos vários autores vão deixando claro
que o pensamento e as práticas interdisciplinares, tanto nas ciências em geral quanto
na educação, não põem em xeque a dimensão disciplinar do conhecimento em suas
etapas de investigação, produção e socialização. O que se propõe é uma profunda
revisão de pensamento, que deve caminhar no sentido da intensificação do diálogo,
das trocas, da integração conceitual e metodológica nos diferentes campos do saber.Podemos dizer que, nos reconhecemos diante de um empreendimento
interdisciplinar todas as vezes em que ele conseguirincorporaros resultados de várias
especialidades, que tomar de empréstimo a outras disciplinas certos instrumentos e
técnicas metodológicos, fazendo uso dos esquemas conceituais e das análises que
se encontram nos diversos ramos do saber, a fim de fazê-los integrarem e
convergirem, depois de terem sido comparadose julgados. Donde podemos dizer que
o papel específico da atividade interdisciplinar consiste, primordialmente, em lançar
uma ponte para ligar as fronteiras que haviam sido estabelecidas anteriormente entre
as disciplinas com o objetivo preciso de assegurar a cada uma seu caráter
propriamente positivo, segundo modos particulares e com resultados específicos.
(JAPIASSU. 1976, p.75).
Epistemologia, ciência e interdisciplinaridade
Para Morin (2005, p. 44), certas concepções científicas mantêm sua vitalidade
porque se recusam ao claustro disciplinar. A especialização do conhecimento
científico é uma tendência que nada tem de acidental. Ao contrário, é condição de
possibilidade do próprio progresso do conhecimento, expressão das exigências
analíticas que caracterizam o programa de desenvolvimento da ciência que vem dos
gregos e que foi reforçado no século XVII, principalmente com Galileu e Descartes.
Para lá das diferenças que os distinguem, eles comungam de uma mesma perspectiva
metódica: pelo método indutivo, dividir o objeto de estudo para estudar finamente seus
elementos constituintes e, depois, recompor o todo a partir daí.
Ainda que os membros do Círculo de Viena tenham buscado elementos
científicos para justificar a constituição de uma "ciência unificada" e tenham, por via
do método indutivo, buscado encontrar a verdade concreta ou uma concepção
científica de mundo, o positivismo, desde sua fase comtiana, seguiu contribuindo para
uma espécie de fragmentação ou especialização dos saberes, com o alargamento das
fronteiras entre as disciplinas e, por consequência, com a divulgação de uma
concepção positiva de mundo, de natureza e de sociedade. A interdisciplinaridade,
como reação a essa concepção, vem com a proposta de romper com a fragmentação
das disciplinas, das ciências, enfim, do conhecimento.A superação dos limites que encontramos na produção do conhecimento e nos
processos pedagógicos e de socialização exige que sejam rompidas as relações
sociais que estão na base desses limites. No plano epistemológico (das relações
sujeito/objeto), mediadas pela teoria científica que dá sustentação lógica a essa
relação, Frigotto (1995) diz que a interdisciplinaridade precisa, acima de tudo, de uma
discussão de paradigma, situando o problema no plano teórico-metodológico.
Precisamos, segundo ele, perceber que a interdisciplinaridade não se efetiva se não
transcendermos a visão fragmentada e o plano fenomênico, ambos marcados pelo
paradigma empirista e positivista.
Frigotto (1995) mostra que, no plano ontológico (plano material histórico-
cultural), o desafio que enfrentamos constitui antes um problema ético-político,
econômico e cultural. Para ele, as relações sociais na estruturação da sociedade
moderna limitam e impedem o devir humano, na medida em que a exclusão e a
alienação fazem parte da lógica da sociedade capitalista.
Parece evidente que a responsabilidade pela legitimação social e científica da
especialização e da fragmentação do conhecimento recai basicamente sobre o
positivismo, a partir do qual se fortaleceram o cientificismo, o pragmatismo e o
empirismo. Japiassu faz esta constatação quando destaca:
A nosso ver, foi uma filosofia das ciências, mais precisamente o
positivismo, que constituiu o grande veículo e o suporte fundamental
dos obstáculos epistemológicos ao conhecimento interdisciplinar,
porque nenhuma outra filosofia estruturou tanto quanto ela as relações
dos cientistas com suas práticas. E sabemos o quanto esta
estruturação foi marcada pela compartimentação das disciplinas, em
nome de uma exigência metodológica de demarcação de
cadaobjeto particular, constituindo a propriedade privada desta ou
daquela disciplina. (1976, p. 96-97)
Nessa mesma direção, Olga Pombo (2004) ressalta que a especialização é
uma tendência da ciência moderna, exponencial a partir do século XIX. Segundo ela:
[...] a ciência moderna se constitui pela adopção da metodologia
analítica proposta por Galileu e Descartes. Isto é, se constituiu
justamente no momento em que adoptou uma metodologia que lhe
permitia "esquartejar" cada totalidade, cindir o todo em pequenaspartes por intermédio de uma análise cada vez mais fina. Ao dividir o
todo nas suas partes constitutivas, ao subdividir cada uma dessas
partes até aos seus mais ínfimos elementos, a ciência parte do
princípio de que, mais tarde, poderá recompor o todo, reconstituir a
totalidade. A idéia subjacente é a de que o todo é igual à soma das
partes. (p. 5-6)
Todavia, o desenvolvimento das diferentes áreas científicas, sobretudo a partir
da segunda metade do século XX, vem dependendo muito mais da relação recíproca
e da fertilização heurística de umas disciplinas por outras, da transferência de
conceitos, de problemas e métodos. Há uma espécie de inteligência interdisciplinar
na ciência contemporânea.
Ou, como diz Pombo (2004, p. 10) trata-se de reconhecer que determinadas
investigações reclamam a sua própria abertura para conhecimentos que pertencem,
tradicionalmente, ao domínio de outras disciplinas e que só essa abertura permite
aceder a camadas mais profundas da realidade que se quer estudar. Estamos perante
transformações epistemológicas muito profundas. É como se o próprio mundo
resistisse ao seu retalhamento disciplinar. A ciência começa a aparecer como um
processo que exige também um olhar transversal.
Para ilustrar essa afirmação, a autora exemplifica com casos bem concretos
vivenciados no campo da ciência contemporânea, como o da bioquímica, o da
biofísica, o da engenharia e o da genética; estas duas últimas áreas - a engenharia e
a genética - cuja mistura parecia impensável há 60 ou 70 anos.
Algumas delas têm sido designadas como ciências de fronteira - novas
disciplinas que nascem nas fronteiras entre duas disciplinas tradicionais -, outras
como interdisciplinas - aquelas que nascem na confluência entre ciências puras e
ciências aplicadas. É nessa nova situação epistemológica que as novas disciplinas ou
ciências vêm sendo constituídas.
Nessa mesma reflexão, Olga Pombo (2004) faz outra observação muito
importante, que mostra bem o esforço da ciência para superar o caráter disciplinar
que marcou boa parte da modernidade. Segundo ela, já é possível identificar a
existência de interciências, que seriam conjuntos disciplinares nos quais não há já
uma ciência que nasça nas fronteiras de duas disciplinas fundamentais (ciências de
fronteira) ou que resulte do cruzamento de ciências puras e aplicadas
(interdisciplinas), mas que se ligam, de forma descentrada, assimétrica, irregular,
capaz de resolver um problema preciso. Bons exemplos, segundo ela, são as ciênciascognitivas e as ciências da computação. São conjuntos de disciplinas que se
encontram de forma irregular e descentrada para colaborar na discussão de um
problema comum. A juventude urbana, o envelhecimento, a violência, o clima ou a
manipulação genética, por exemplo, são novidades epistemológicas que só um
enfoque interdisciplinar pode procurar dar resposta.
Implicações da interdisciplinaridade no processo de ensino e aprendizagem
A escola, como lugar legítimo de aprendizagem, produção e reconstrução de
conhecimento, cada vez mais precisará acompanhar as transformações da ciência
contemporânea, adotar e simultaneamente apoiar as exigências interdisciplinares que
hoje participam da construção de novos conhecimentos. A escola precisará
acompanhar o ritmo das mudanças que se operam em todos os segmentos que
compõem a sociedade. O mundo está cada vez mais interconectado,
interdisciplinarizado e complexo.
Ainda é incipiente, no contexto educacional, o desenvolvimento de experiências
verdadeiramente interdisciplinares, embora haja um esforço institucional nessa
direção. Não é difícil identificar as razões dessas limitações; basta que verifiquemos
o modelo disciplinar e desconectado de formação presente nas universidades,
lembrar da forma fragmentária como estão estruturados os currículos escolares, a
lógica funcional e racionalista que o poder público e a iniciativa privada utilizam para
organizar seus quadros de pessoal técnico e docente, a resistência dos educadores
quando questionados sobre os limites, a importância e a relevância de sua disciplin a
e, finalmente, as exigências de alguns setores da sociedade que insistem num saber
cada vez mais utilitário.
Embora a temática da interdisciplinaridade esteja em debate tanto nas
agências formadoras quanto nas escolas, sobretudo nas discussões sobre projeto
político-pedagógico, os desafios para a superação do referencial dicotomizador e
parcelado na reconstrução e socialização do conhecimento que orienta a prática dos
educadores ainda são enormes.
Para Luck (2001), o estabelecimento de um trabalho de sentido interdisciplinar
provoca, como toda ação a que não se está habituado, sobrecarga de trabalho, certo
medo de errar, de perder privilégios e direitos estabelecidos. A orientação para o
enfoque interdisciplinar na prática pedagógica implica romper hábitos e acomodações,
implica buscar algo novo e desconhecido. É certamente um grande desafio (p. 68).Não obstantes as limitações da prática, a interdisciplinaridade está sendo
entendida como uma condição fundamental do ensino e da pesquisa na sociedade
contemporânea. A ação interdisciplinar é contrária a qualquer homogeneização e/ou
enquadramento conceitual. Faz-se necessário o desmantelamento das fronteiras
artificiais do conhecimento. Um processo educativo desenvolvido na perspectiva
interdisciplinar possibilita o aprofundamento da compreensão da relação entre teoria
e prática, contribui para uma formação mais crítica, criativa e responsável e coloca
escola e educadores diante de novos desafios tanto no plano ontológico quanto no
plano epistemológico.
Por certo as aprendizagens mais necessárias para estudantes e educadores,
neste tempo de complexidade e inteligência interdisciplinar, sejam as de in tegrar o
que foi dicotomizado, religar o que foi desconectado, problematizar o que foi
dogmatizado e questionar o que foi imposto como verdade absoluta. Essas são
possivelmente as maiores tarefas da escola nesse movimento.
Na sala de aula, ou em qualquer outro ambiente de aprendizagem, são
inúmeras as relações que intervêm no processo de construção e organização do
conhecimento. As múltiplas relações entre professores, alunos e objetos de estudo
constroem o contexto de trabalho dentro do qual as relações de sentido são
construídas. Nesse complexo trabalho, o enfoque interdisciplinar aproxima o sujeito
de sua realidade mais ampla, auxilia os aprendizes na compreensão das complexas
redes conceituais, possibilita maior significado e sentido aos conteúdos da
aprendizagem, permitindo uma formação mais consistente e responsável.
A nova espacialidade do processo de aprender e ensinar e a desterritorialidade
das relações que engendram o mundo atual indicam claramente o novo caminho da
educação diante das demandas sociais, sobretudo as mediadas pela tecnologia.
Nessa direção, emergem novas formas de ensinar e aprender que ampliam
significativamente as possibilidades de inclusão, alterando profundamente os modelos
cristalizados pela escola tradicional. Num mundo com relações e dinâmicas tão
diferentes, a educação e as formas de ensinar e de aprender não devem ser mais as
mesmas. Um processo de ensino baseado na transmissão linear e parcelada da
informação livresca certamente não será suficiente.
Para Ivani Fazenda (1979, p. 48-49), a introdução da interdisciplinaridade
implica simultaneamente uma transformação profunda da pedagogia, um novo tipo de
formação de professores e um novo jeito de ensinar:Passa-se de uma relação pedagógica baseada na transmissão
do saber de uma disciplina ou matéria, que se estabelece
segundo um modelo hierárquico linear, a uma relação
pedagógica dialógica na qual a posição de um é a posição de
todos. Nesses termos, o professor passa a ser o atuante, o
crítico, o animador por excelência.
Para Gadotti (2004), a interdisciplinaridade visa garantir a construção de um
conhecimento globalizante, rompendo com as fronteiras das disciplinas. Para isso,
integrar conteúdos não seria suficiente. É preciso, como sustenta Ivani Fazenda
(1979), também uma atitude interdisciplinar, condição esta, a nosso ver, manifestada
no compromisso profissional do educador, no envolvimento com os projetos de
trabalho, na busca constante de aprofundamento teórico e, sobretudo, na postura
ética diante das questões e dos problemas que envolvem o conhecimento.
Pedro Demo (2001) também nos ajuda a pensar sobre a importância da
interdisciplinaridade no processo de ensino e aprendizagem quando propõe que a
pesquisa seja um princípio educativo e científico. Para ele, dissemin ar informação,
conhecimento e patrimônios culturais é tarefa fundamental, mas nunca apenas os
transmitimos. Na verdade, reconstruímos. Por isso mesmo, a aprendizagem é sempre
um fenômeno reconstrutivo e político, nunca apenas reprodutivo.
Para Paulo Freire (1987), a interdisciplinaridade é o processo metodológico de
construção do conhecimento pelo sujeito com base em sua relação com o contexto,
com a realidade, com sua cultura. Busca-se a expressão dessa interdisciplinaridade
pela caracterização de dois movimentos dialéticos: a problematização da situação,
pela qual se desvela a realidade, e a sistematização dos conhecimentos de forma
integrada.
De todo modo, o professor precisa tornar-se um profissional com visão
integrada da realidade, compreender que um entendimento mais profundo de sua área
de formação não é suficiente para dar conta de todo o processo de ensino. Ele precisa
apropriar-se também das múltiplas relações conceituais que sua área de formação
estabelece com as outras ciências. O conhecimento não deixará de ter seu caráter de
especialidade, sobretudo quando profundo, sistemático, analítico, meticulosamente
reconstruído; todavia, ao educador caberá o papel de reconstruí-lo dialeticamente na
relação com seus alunos por meio de métodos e processos verdadeiramente
produtivos.A escola é um ambiente de vida e, ao mesmo tempo, um instrumento de acesso
do sujeito à cidadania, à criatividade e à autonomia. Não possui fim em si mesma. Ela
deve constituir-se como processo de vivência, e não de preparação para a vida. Por
isso, sua organização curricular, pedagógica e didática deve considerar a pluralidade
de vozes, de concepções, de experiências, de ritmos, de culturas, de interesses. A
escola deve conter, em si, a expressão da convivialidade humana, considerando toda
a sua complexidade. A escola deve ser, por sua natureza e função, uma instituição
interdisciplinar.
Olga Pombo (2003) afirma que há um alargamento do conceito de ciência e,
por isso, a necessidade de reorganização das estruturas da aprendizagem das
ciências e, por conseqüência, das formas de aprender e de ensinar. Em outras
palavras: o alargamento do conceito de ciência é tão profundo que muitas vezes é
difícil estabelecer a fronteira entre a ciência e a política, a ciência e a economia, a
ciência e a vida das comunidades humanas, a ciência e a arte e assim por diante. Por
isso, quanto mais interdisciplinar for o trabalho docente, quanto maiores forem as
relações conceituais estabelecidas entre as diferentes ciências, quanto mais
problematizantes, estimuladores, desafiantes e dialéticos forem os métodos de
ensino, maior será a possibilidade de apreensão do mundo pelos sujeitos que
aprendem.
Só haverá interdisciplinaridade no trabalho e na postura do educador se ele for
capaz de partilhar o domínio do saber, se tiver a coragem necessária para abandonar
o conforto da linguagem estritamente técnica e aventurar-se num domínio que é de
todos e de que, portanto, ninguém é proprietário exclusivo. Não se trata de defender
que, com a interdisciplinaridade, se alcançaria uma forma de anular o poder que todo
saber implica (o que equivaleria a cair na utopia beata do sábio sem poder), mas de
acreditar na possibilidade de partilhar o poder que se tem, ou melhor, de desejar
partilhá-lo.
A abordagem interdisciplinar, como proposta de revisão do pensamento
positivista na educação, está fortemente presente nas atuais correntes, tendências e
concepções teóricas que tratam do fenômeno da aprendizagem. Maria Cândida
Moraes (2002), ao discutir as implicações do paradigma educacional emergente,
destaca a presença desse enfoque no construtivismo piagetiano, na pedagogia
libertadora de Freire, na teoria das inteligências múltiplas de Gardner, na abordagemhistórico-cultural de Vygotsky, na teoria da complexidade de Morin, nas formulações
de Capra, Papert, Prigogine, Bohm, Boaventura Sousa Santos e vários outros.
Considerações finais
O que apresentamos até agora nos permite afirmar que a interdisciplinaridade,
tanto em sua dimensão epistemológica quanto pedagógica, está sustentada por um
conjunto de princípios teóricos formulados sobretudo por autores que analisam
criticamente o modelo positivista das ciências e buscam resgatar o caráter de
totalidade do conhecimento. Abordagens teóricas construídas pela óptica da dialética,
da fenomenologia, da hermenêutica e do paradigma sistêmico são formulações que
sustentam esse movimento produzindo mudanças profundas no mundo das ciências
em geral e da educação em particular.
A interdisciplinaridade, como fenômeno gnosiológico e metodológico, está
impulsionando transformações no pensar e no agir humanos em diferentes sentidos.
Retoma, aos poucos, o caráter de interdependência e interatividade existente entre
as coisas e as ideias, resgata a visão de contexto da realidade, demonstra que
vivemos numa grande rede ou teia de interações complexas e recupera a tese de que
todos os conceitos e teorias estão conectados entre si. Ajuda a compreender que os
indivíduos não aprendem apenas usando a razão, o intelecto, mas também a intuição,
as sensações, as emoções e os sentimentos. É um movimento que acredita na
criatividade das pessoas, na complementaridade dos processos, na inteireza das
relações, no diálogo, na problematização, na atitude crítica e reflexiva, enfim, numa
visão articuladora que rompe com o pensamento disciplinar, parcelado, hierárquico,
fragmentado, dicotomizado e dogmatizado que marcou por muito tempo a concepção
cartesiana de mundo.
Portanto, a interdisciplinaridade é um movimento importante de articulação
entre o ensinar e o aprender. Compreendida como formulação teórica e assumida
enquanto atitude, tem a potencialidade de auxiliar os educadores e as escolas na
ressignificação do trabalho pedagógico em termos de currículo, de métodos, de
conteúdos, de avaliação e nas formas de organização dos ambientes para a
aprendizagem.
Resumo Analítico dTEXTO: A INTERDISCIPLINARIDADE COMO UM MOVIMENTO ARTICULADOR NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM Juares da Silva Thiesen2 RESUMO Discute a interdisciplinaridade como um movimento contemporâneo presente nas dimensões da epistemologia e da pedagogia, que vem marcando o rompimento com uma visão cartesiana e mecanicista de mundo e de educação e, ao mesmo tempo, assumindo uma concepção mais integradora, dialética e totalizadora na construção do conhecimento e da prática pedagógica. Inicialmente, faz-se uma breve apresentação da origem histórica desse movimento, discutem-se aspectos de sua conceituação e suas implicações no campo das diferentes ciências contemporâneas para então apresentar a interdisciplinaridade como um importante fenômeno de articulação do processo de ensino e aprendizagem. A argumentação apresentada no texto busca destacar que o movimento da interdisciplinaridade pode transformar profundamente a qualidade da educação escolar por intermédio de seu s processos de ensino. Introdução A discussão sobre a temática da interdisciplinaridade tem sido tratada por dois grandes enfoques: o epistemológico e o pedagógico, ambos abarcando conceitos diversos e muitas vezes complementares. No campo da epistemologia, toma-se como categorias para seu estudo o conhecimento em seus aspectos de produção, reconstrução e socialização; a ciência e seus paradigmas; e o método como mediação entre o sujeito e a realidade. Pelo enfoque pedagógico, discutem-se fundamentalmente questões de natureza curricular, de ensino e de aprendizagem escolar. O movimento histórico que vem marcando a presença do enfoque interdisciplinar na educação constitui um dos pressupostos diretamente relacionados a um contexto mais amplo e também muito complexo de mudanças que abrange não só a área da educação, mas, também, outros setores da vida social como a economia, a política e a tecnologia. Trata-se de uma grande mudança paradigmática que está em pleno curso. Maria Cândida Moraes (2002), na obra O paradigma educacional emergente, ressalta que, se a realidade é complexa, ela requer um pensamento abrangente, JUARES DA SILVA THIESEN, doutor em educação pelo Instituto Central de Ciências Pedagógicas (ICCP - Havana/Cuba), é professor no Centro de Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina e no Departamento de Educação do Centro Universitário de São José.multidimensional, capaz de compreender a complexidade do real e construir um conhecimento que leve em consideração essa mesma amplitude.A necessidade da interdisciplinaridade na produção e na socialização do conhecimento no campo educativo vem sendo discutida por vários autores, principalmente por aqueles que pesquisam as teorias curriculares e as epistemologias pedagógicas. De modo geral, a literatura sobre esse tema mostra que existe pelo menos uma posição consensual quanto ao sentido e à finalidade da interdisciplinaridade: ela busca responder à necessidade de superação da visão fragmentada nos processos de produção e socialização do conhecimento. Trata-se de um movimento que caminha para novas formas de organização do conhecimento ou para um novo sistema de sua produção, difusão e transferência, como propõem Michael Gibbons e outros (1997). Na análise de Frigotto (1995, p.26), a interdisciplinaridade impõe-se pela própria forma de o "homem produzir-se enquanto ser social e enquanto sujeito e objeto do conhecimento social". Ela funda-se no caráter dialético da realidade social, pautada pelo princípio dos conflitos e das contradições, movimentos complexos pelos quais a realidade pode ser percebida como una e diversa ao mesmo tempo, algo que nos impõe delimitar os objetos de estudo demarcando seus campos sem, contudo, fragmentá-los. Significa que, embora delimitado o problema a ser estudado, não podemos abandonar as múltiplas determinações e mediações históricas que o constituem. Dadas a natureza e a especificidade deste artigo, tomar-se-á como principal ponto de reflexão o papel da interdisciplinaridade no processo de ensinar e de aprender na escolarização formal, buscando-se articular as abordagens pedagógica e epistemológica, com seus avanços, limitações, conflitos e consensos. Edgar Morin (2005), um dos teóricos desse movimento, entende que só o pensamento complexo sobre uma realidade também complexa pode fazer avançar a reforma do pensamento na direção da contextualização, da articulação e da interdisciplinarização do conhecimento produzido pela humanidade. Para ele: [...] a reforma necessária do pensamento é aquela que gera um pensamento do contexto e do complexo. O pensamento contextual busca sempre a relação de inseparabilidade e as inter-retroações entre qualquer fenômeno e seu contexto, e deste com o contexto planetário. O complexo requer um pensamento que capte relações,inter-relações, implicações mútuas, fenômenos multidimensionais, realidades que são simultaneamente solidárias e conflitivas (como a própria democracia, que é o sistema que se nutre de antagonismos e que, simultaneamente, os regula), que respeite a diversidade, ao mesmo tempo que a unidade, um pensamento organizador que conceba a relação recíproca entre todas as partes. (p. 23). Nesse sentido, a interdisciplinaridade será articuladora do processo de ensino e de aprendizagem na medida em que se produzir como atitude (Fazenda, 1979), como modo de pensar (Morin, 2005), como pressuposto na organização curricular (Japiassu, 1976), como fundamento para as opções metodológicas do ensinar (Gadotti, 2004), ou ainda como elemento orientador na formação dos profissionais da educação. ORIGEM E CONCEITOS DE INTERDISCIPLINARIDADE A interdisciplinaridade, como um enfoque teórico-metodológico ou gnosiológico, como a denomina Gadotti (2004), surge na segunda metade do século passado, em resposta a uma necessidade verificada principalmente nos campos das ciências humanas e da educação: superar a fragmentação e o caráter de especialização do conhecimento, causados por uma epistemologia de tendência positivista em cujas raízes estão o empirismo, o naturalismo e o mecanicismo científico do início da modernidade. Sobretudo pela influência dos trabalhos de grandes pensadores modernos como Galileu, Bacon, Descartes, Newton, Darwin e outros, as ciências foram sendo divididas e, por isso, especializando-se. Organizadas, de modo geral, sob a influência das correntes de pensamento naturalista e mecanicista, buscavam, já a partir da Renascença, construir uma concepção mais científica de mundo. A interdisciplinaridade, como um movimento contemporâneo que emerge na perspectiva da dialogicidade e da integração das ciências e do conhecimento, vem buscando romper com o caráter de hiperespecialização e com a fragmentação dos saberes. Para Goldman (1979, p. 3-25), um olhar interdisciplinar sobre a realidade permite que entendamos melhor a relação entre seu todo e as partes que a constituem. Para ele, apenas o modo dialético de pensar, fundado na historicidade,poderia favorecer maior integração entre as ciências. Nesse sentido, o materialismo histórico e dialético resolveu em parte o problema da fragmentação do conhecimento quando colocou a historicidade e as leis do movimento dialético da realidade como fundamentos para todas as ciências. Desde então, o conceito de interdisciplinaridade vem sendo discutido nos diferentes âmbitos científicos e muito fortemente na educação. Sem dúvida, tanto as formulações filosóficas do materialismo histórico e dialético quanto as proposições pedagógicas das teorias críticas trouxeram contribuições importantes para esse novo enfoque epistemológico. De fato, é no campo das ciências humanas e sociais que a interdisciplinaridade aparece com maior força. A preocupação com uma visão mais totalizadora da realidade cognoscível e com a conseqüente dialogicidade das ciências foi objeto de estudo primeiramente na filosofia, posteriormente nas ciências sociais e mais recentemente na epistemologia pedagógica. Trabalhos como o de Kapp (1961), Piaget (1973), Vygotsky (1986), Durand (1991), Snow (1959) e Gusdorf (1967) são alguns exemplos desse movimento. Goldman (1979) destaca que, inicialmente, a interdisciplinaridade aparece como preocupação humanista, além da preocupação com as ciências. Desde então, parece que todas as correntes de pensamento se ocuparam com a questão da interdisciplinaridade: a teologia fenomenológica encontrou nesse conceito uma chave para o diálogo entre Igreja e mundo; o existencialismo buscou dar às ciências uma cara mais humana; a epistemologia buscou desvendar o processo de construção do conhecimento e garantir maior integração entre as ciências, e o materialismo histórico e dialético buscou, no método indutivo-dedutivo-indutivo, uma via para integrar parte e todo. Mais voltado à pedagogia, Georges Gusdorf lançou na década de 1960 um projeto interdisciplinar para as ciências humanas apresentado à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Sua obra La parole (1953) é considerada muito importante para entender a interdisciplinaridade. O projeto de interdisciplinaridade nas ciências passou de uma fase filosófica (humanista), de definição e explicitação terminológica, na década de 1970, para umasegunda fase (mais científica), de discussão do seu lugar nas ciências humanas e na educação a partir da década de 1980. Gadotti (1993) ressalta que atualmente, no plano teórico, se busca fundar a interdisciplinaridade na ética e na antropologia, ao mesmo tempo em que, no plano prático, surgem projetos que reivindicam uma visão interdisciplinar, sobretudo no campo do ensino e do currículo. No Brasil, o conceito de interdisciplinaridade chegou pelo estudo da obra de Georges Gusdorf e posteriormente da de Piaget. O primeiro autor influenciou o pensamento de Hilton Japiassu no campo da epistemologia e o de Ivani Fazenda no campo da educação. Quanto à definição de conceitos, ou de um conceito, para interdisciplinaridade, tudo parece estar ainda em construção. Qualquer demanda por uma definição unívoca e definitiva deve ser a princípio rejeitada, por tratar-se de proposta que inevitavelmente está sendo construída a partir das culturas disciplinares existentes e porque encontrar o limite objetivo de sua abrangência conceitual significa concebê-la numa óptica também disciplinar. Ou, como afirma Leis (2005, p. 7), "a tarefa de procurar definições finais para a interdisciplinaridade não seria algo propriamente interdisciplinar, senão disciplinar". Para esse autor (2005), na medida em que não existe uma definição única possível para esse conceito, senão muitas, tantas quantas sejam as experiências interdisciplinares em curso no campo do conhecimento, entendemos que se deva evitar procurar definições abstratas de interdisciplinaridade. Os conhecimentos disciplinares são paradigmáticos (no sentido de Kuhn, 1989), mas não são assim os interdisciplinares. Portanto, a história da interdisciplinaridade confunde-se com a dinâmica viva do conhecimento. O mesmo não pode ser dito da história das disciplinas, que congelam de forma paradigmática o conhecimento alcançado em determinado momento histórico, defendendo-se de qualquer abordagem alternativa numa guerra de trincheiras. O que se pode afirmar no campo conceitual é que a interdisciplinaridade será sempre uma reação alternativa à abordagem disciplinar normalizadora (seja no ensino ou na pesquisa) dos diversos objetos de estudo. Independente da definição que cada autor assuma, a interdisciplinaridade está sempre situada no campo onde se pensa apossibilidade de superar a fragmentação das ciências e dos conhecimentos produzidos por elas e onde simultaneamente se exprime a resistência sobre um saber parcelado. Para Japiassu (1976), a interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um mesmo projeto. A interdisciplinaridade visa à recuperação da unidade humana pela passagem de uma subjetividade para uma intersubjetividade e, assim sendo, recupera a idéia primeira de cultura (formação do homem total), o papel da escola (formação do homem inserido em sua realidade) e o papel do homem (agente das mudanças do mundo). Portanto, mais do que identificar um conceito para interdisciplinaridade, o que os autores buscam é encontrar seu sentido epistemológico, seu papel e suas implicações sobre o processo do conhecer. Partindo do pressuposto apresentado por Japiassu (1976), de que a interdisciplinaridade se caracteriza pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa, exige-se que as disciplinas,1 em seu processo constante e desejável de interpenetração, se fecundem cada vez mais reciprocamente. Para tanto, é imprescindível a complementaridade dos métodos, dos conceitos, das estruturas e dos axiomas sobre os quais se fundam as diversas práticas pedagógicas das disciplinas científicas. Japiassu (1976) destaca ainda: [...] do ponto de vista integrador, a interdisciplinaridade requer equilíbrio entre amplitude, profundidade e síntese. A amplitude assegura uma larga base de conhecimento e informação. A profundidade assegura o requisito disciplinar e/ou conhecimento e informação interdisciplinar para a tarefa a ser executada. A síntese assegura o processo integrador (p. 65-66). As abordagens teóricas apresentadas pelos vários autores vão deixando claro que o pensamento e as práticas interdisciplinares, tanto nas ciências em geral quanto na educação, não põem em xeque a dimensão disciplinar do conhecimento em suas etapas de investigação, produção e socialização. O que se propõe é uma profunda revisão de pensamento, que deve caminhar no sentido da intensificação do diálogo, das trocas, da integração conceitual e metodológica nos diferentes campos do saber.Podemos dizer que, nos reconhecemos diante de um empreendimento interdisciplinar todas as vezes em que ele conseguirincorporaros resultados de várias especialidades, que tomar de empréstimo a outras disciplinas certos instrumentos e técnicas metodológicos, fazendo uso dos esquemas conceituais e das análises que se encontram nos diversos ramos do saber, a fim de fazê-los integrarem e convergirem, depois de terem sido comparadose julgados. Donde podemos dizer que o papel específico da atividade interdisciplinar consiste, primordialmente, em lançar uma ponte para ligar as fronteiras que haviam sido estabelecidas anteriormente entre as disciplinas com o objetivo preciso de assegurar a cada uma seu caráter propriamente positivo, segundo modos particulares e com resultados específicos. (JAPIASSU. 1976, p.75). Epistemologia, ciência e interdisciplinaridade Para Morin (2005, p. 44), certas concepções científicas mantêm sua vitalidade porque se recusam ao claustro disciplinar. A especialização do conhecimento científico é uma tendência que nada tem de acidental. Ao contrário, é condição de possibilidade do próprio progresso do conhecimento, expressão das exigências analíticas que caracterizam o programa de desenvolvimento da ciência que vem dos gregos e que foi reforçado no século XVII, principalmente com Galileu e Descartes. Para lá das diferenças que os distinguem, eles comungam de uma mesma perspectiva metódica: pelo método indutivo, dividir o objeto de estudo para estudar finamente seus elementos constituintes e, depois, recompor o todo a partir daí. Ainda que os membros do Círculo de Viena tenham buscado elementos científicos para justificar a constituição de uma "ciência unificada" e tenham, por via do método indutivo, buscado encontrar a verdade concreta ou uma concepção científica de mundo, o positivismo, desde sua fase comtiana, seguiu contribuindo para uma espécie de fragmentação ou especialização dos saberes, com o alargamento das fronteiras entre as disciplinas e, por consequência, com a divulgação de uma concepção positiva de mundo, de natureza e de sociedade. A interdisciplinaridade, como reação a essa concepção, vem com a proposta de romper com a fragmentação das disciplinas, das ciências, enfim, do conhecimento.A superação dos limites que encontramos na produção do conhecimento e nos processos pedagógicos e de socialização exige que sejam rompidas as relações sociais que estão na base desses limites. No plano epistemológico (das relações sujeito/objeto), mediadas pela teoria científica que dá sustentação lógica a essa relação, Frigotto (1995) diz que a interdisciplinaridade precisa, acima de tudo, de uma discussão de paradigma, situando o problema no plano teórico-metodológico. Precisamos, segundo ele, perceber que a interdisciplinaridade não se efetiva se não transcendermos a visão fragmentada e o plano fenomênico, ambos marcados pelo paradigma empirista e positivista. Frigotto (1995) mostra que, no plano ontológico (plano material histórico- cultural), o desafio que enfrentamos constitui antes um problema ético-político, econômico e cultural. Para ele, as relações sociais na estruturação da sociedade moderna limitam e impedem o devir humano, na medida em que a exclusão e a alienação fazem parte da lógica da sociedade capitalista. Parece evidente que a responsabilidade pela legitimação social e científica da especialização e da fragmentação do conhecimento recai basicamente sobre o positivismo, a partir do qual se fortaleceram o cientificismo, o pragmatismo e o empirismo. Japiassu faz esta constatação quando destaca: A nosso ver, foi uma filosofia das ciências, mais precisamente o positivismo, que constituiu o grande veículo e o suporte fundamental dos obstáculos epistemológicos ao conhecimento interdisciplinar, porque nenhuma outra filosofia estruturou tanto quanto ela as relações dos cientistas com suas práticas. E sabemos o quanto esta estruturação foi marcada pela compartimentação das disciplinas, em nome de uma exigência metodológica de demarcação de cadaobjeto particular, constituindo a propriedade privada desta ou daquela disciplina. (1976, p. 96-97) Nessa mesma direção, Olga Pombo (2004) ressalta que a especialização é uma tendência da ciência moderna, exponencial a partir do século XIX. Segundo ela: [...] a ciência moderna se constitui pela adopção da metodologia analítica proposta por Galileu e Descartes. Isto é, se constituiu justamente no momento em que adoptou uma metodologia que lhe permitia "esquartejar" cada totalidade, cindir o todo em pequenaspartes por intermédio de uma análise cada vez mais fina. Ao dividir o todo nas suas partes constitutivas, ao subdividir cada uma dessas partes até aos seus mais ínfimos elementos, a ciência parte do princípio de que, mais tarde, poderá recompor o todo, reconstituir a totalidade. A idéia subjacente é a de que o todo é igual à soma das partes. (p. 5-6) Todavia, o desenvolvimento das diferentes áreas científicas, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, vem dependendo muito mais da relação recíproca e da fertilização heurística de umas disciplinas por outras, da transferência de conceitos, de problemas e métodos. Há uma espécie de inteligência interdisciplinar na ciência contemporânea. Ou, como diz Pombo (2004, p. 10) trata-se de reconhecer que determinadas investigações reclamam a sua própria abertura para conhecimentos que pertencem, tradicionalmente, ao domínio de outras disciplinas e que só essa abertura permite aceder a camadas mais profundas da realidade que se quer estudar. Estamos perante transformações epistemológicas muito profundas. É como se o próprio mundo resistisse ao seu retalhamento disciplinar. A ciência começa a aparecer como um processo que exige também um olhar transversal. Para ilustrar essa afirmação, a autora exemplifica com casos bem concretos vivenciados no campo da ciência contemporânea, como o da bioquímica, o da biofísica, o da engenharia e o da genética; estas duas últimas áreas - a engenharia e a genética - cuja mistura parecia impensável há 60 ou 70 anos. Algumas delas têm sido designadas como ciências de fronteira - novas disciplinas que nascem nas fronteiras entre duas disciplinas tradicionais -, outras como interdisciplinas - aquelas que nascem na confluência entre ciências puras e ciências aplicadas. É nessa nova situação epistemológica que as novas disciplinas ou ciências vêm sendo constituídas. Nessa mesma reflexão, Olga Pombo (2004) faz outra observação muito importante, que mostra bem o esforço da ciência para superar o caráter disciplinar que marcou boa parte da modernidade. Segundo ela, já é possível identificar a existência de interciências, que seriam conjuntos disciplinares nos quais não há já uma ciência que nasça nas fronteiras de duas disciplinas fundamentais (ciências de fronteira) ou que resulte do cruzamento de ciências puras e aplicadas (interdisciplinas), mas que se ligam, de forma descentrada, assimétrica, irregular, capaz de resolver um problema preciso. Bons exemplos, segundo ela, são as ciênciascognitivas e as ciências da computação. São conjuntos de disciplinas que se encontram de forma irregular e descentrada para colaborar na discussão de um problema comum. A juventude urbana, o envelhecimento, a violência, o clima ou a manipulação genética, por exemplo, são novidades epistemológicas que só um enfoque interdisciplinar pode procurar dar resposta. Implicações da interdisciplinaridade no processo de ensino e aprendizagem A escola, como lugar legítimo de aprendizagem, produção e reconstrução de conhecimento, cada vez mais precisará acompanhar as transformações da ciência contemporânea, adotar e simultaneamente apoiar as exigências interdisciplinares que hoje participam da construção de novos conhecimentos. A escola precisará acompanhar o ritmo das mudanças que se operam em todos os segmentos que compõem a sociedade. O mundo está cada vez mais interconectado, interdisciplinarizado e complexo. Ainda é incipiente, no contexto educacional, o desenvolvimento de experiências verdadeiramente interdisciplinares, embora haja um esforço institucional nessa direção. Não é difícil identificar as razões dessas limitações; basta que verifiquemos o modelo disciplinar e desconectado de formação presente nas universidades, lembrar da forma fragmentária como estão estruturados os currículos escolares, a lógica funcional e racionalista que o poder público e a iniciativa privada utilizam para organizar seus quadros de pessoal técnico e docente, a resistência dos educadores quando questionados sobre os limites, a importância e a relevância de sua disciplin a e, finalmente, as exigências de alguns setores da sociedade que insistem num saber cada vez mais utilitário. Embora a temática da interdisciplinaridade esteja em debate tanto nas agências formadoras quanto nas escolas, sobretudo nas discussões sobre projeto político-pedagógico, os desafios para a superação do referencial dicotomizador e parcelado na reconstrução e socialização do conhecimento que orienta a prática dos educadores ainda são enormes. Para Luck (2001), o estabelecimento de um trabalho de sentido interdisciplinar provoca, como toda ação a que não se está habituado, sobrecarga de trabalho, certo medo de errar, de perder privilégios e direitos estabelecidos. A orientação para o enfoque interdisciplinar na prática pedagógica implica romper hábitos e acomodações, implica buscar algo novo e desconhecido. É certamente um grande desafio (p. 68).Não obstantes as limitações da prática, a interdisciplinaridade está sendo entendida como uma condição fundamental do ensino e da pesquisa na sociedade contemporânea. A ação interdisciplinar é contrária a qualquer homogeneização e/ou enquadramento conceitual. Faz-se necessário o desmantelamento das fronteiras artificiais do conhecimento. Um processo educativo desenvolvido na perspectiva interdisciplinar possibilita o aprofundamento da compreensão da relação entre teoria e prática, contribui para uma formação mais crítica, criativa e responsável e coloca escola e educadores diante de novos desafios tanto no plano ontológico quanto no plano epistemológico. Por certo as aprendizagens mais necessárias para estudantes e educadores, neste tempo de complexidade e inteligência interdisciplinar, sejam as de in tegrar o que foi dicotomizado, religar o que foi desconectado, problematizar o que foi dogmatizado e questionar o que foi imposto como verdade absoluta. Essas são possivelmente as maiores tarefas da escola nesse movimento. Na sala de aula, ou em qualquer outro ambiente de aprendizagem, são inúmeras as relações que intervêm no processo de construção e organização do conhecimento. As múltiplas relações entre professores, alunos e objetos de estudo constroem o contexto de trabalho dentro do qual as relações de sentido são construídas. Nesse complexo trabalho, o enfoque interdisciplinar aproxima o sujeito de sua realidade mais ampla, auxilia os aprendizes na compreensão das complexas redes conceituais, possibilita maior significado e sentido aos conteúdos da aprendizagem, permitindo uma formação mais consistente e responsável. A nova espacialidade do processo de aprender e ensinar e a desterritorialidade das relações que engendram o mundo atual indicam claramente o novo caminho da educação diante das demandas sociais, sobretudo as mediadas pela tecnologia. Nessa direção, emergem novas formas de ensinar e aprender que ampliam significativamente as possibilidades de inclusão, alterando profundamente os modelos cristalizados pela escola tradicional. Num mundo com relações e dinâmicas tão diferentes, a educação e as formas de ensinar e de aprender não devem ser mais as mesmas. Um processo de ensino baseado na transmissão linear e parcelada da informação livresca certamente não será suficiente. Para Ivani Fazenda (1979, p. 48-49), a introdução da interdisciplinaridade implica simultaneamente uma transformação profunda da pedagogia, um novo tipo de formação de professores e um novo jeito de ensinar:Passa-se de uma relação pedagógica baseada na transmissão do saber de uma disciplina ou matéria, que se estabelece segundo um modelo hierárquico linear, a uma relação pedagógica dialógica na qual a posição de um é a posição de todos. Nesses termos, o professor passa a ser o atuante, o crítico, o animador por excelência. Para Gadotti (2004), a interdisciplinaridade visa garantir a construção de um conhecimento globalizante, rompendo com as fronteiras das disciplinas. Para isso, integrar conteúdos não seria suficiente. É preciso, como sustenta Ivani Fazenda (1979), também uma atitude interdisciplinar, condição esta, a nosso ver, manifestada no compromisso profissional do educador, no envolvimento com os projetos de trabalho, na busca constante de aprofundamento teórico e, sobretudo, na postura ética diante das questões e dos problemas que envolvem o conhecimento. Pedro Demo (2001) também nos ajuda a pensar sobre a importância da interdisciplinaridade no processo de ensino e aprendizagem quando propõe que a pesquisa seja um princípio educativo e científico. Para ele, dissemin ar informação, conhecimento e patrimônios culturais é tarefa fundamental, mas nunca apenas os transmitimos. Na verdade, reconstruímos. Por isso mesmo, a aprendizagem é sempre um fenômeno reconstrutivo e político, nunca apenas reprodutivo. Para Paulo Freire (1987), a interdisciplinaridade é o processo metodológico de construção do conhecimento pelo sujeito com base em sua relação com o contexto, com a realidade, com sua cultura. Busca-se a expressão dessa interdisciplinaridade pela caracterização de dois movimentos dialéticos: a problematização da situação, pela qual se desvela a realidade, e a sistematização dos conhecimentos de forma integrada. De todo modo, o professor precisa tornar-se um profissional com visão integrada da realidade, compreender que um entendimento mais profundo de sua área de formação não é suficiente para dar conta de todo o processo de ensino. Ele precisa apropriar-se também das múltiplas relações conceituais que sua área de formação estabelece com as outras ciências. O conhecimento não deixará de ter seu caráter de especialidade, sobretudo quando profundo, sistemático, analítico, meticulosamente reconstruído; todavia, ao educador caberá o papel de reconstruí-lo dialeticamente na relação com seus alunos por meio de métodos e processos verdadeiramente produtivos.A escola é um ambiente de vida e, ao mesmo tempo, um instrumento de acesso do sujeito à cidadania, à criatividade e à autonomia. Não possui fim em si mesma. Ela deve constituir-se como processo de vivência, e não de preparação para a vida. Por isso, sua organização curricular, pedagógica e didática deve considerar a pluralidade de vozes, de concepções, de experiências, de ritmos, de culturas, de interesses. A escola deve conter, em si, a expressão da convivialidade humana, considerando toda a sua complexidade. A escola deve ser, por sua natureza e função, uma instituição interdisciplinar. Olga Pombo (2003) afirma que há um alargamento do conceito de ciência e, por isso, a necessidade de reorganização das estruturas da aprendizagem das ciências e, por conseqüência, das formas de aprender e de ensinar. Em outras palavras: o alargamento do conceito de ciência é tão profundo que muitas vezes é difícil estabelecer a fronteira entre a ciência e a política, a ciência e a economia, a ciência e a vida das comunidades humanas, a ciência e a arte e assim por diante. Por isso, quanto mais interdisciplinar for o trabalho docente, quanto maiores forem as relações conceituais estabelecidas entre as diferentes ciências, quanto mais problematizantes, estimuladores, desafiantes e dialéticos forem os métodos de ensino, maior será a possibilidade de apreensão do mundo pelos sujeitos que aprendem. Só haverá interdisciplinaridade no trabalho e na postura do educador se ele for capaz de partilhar o domínio do saber, se tiver a coragem necessária para abandonar o conforto da linguagem estritamente técnica e aventurar-se num domínio que é de todos e de que, portanto, ninguém é proprietário exclusivo. Não se trata de defender que, com a interdisciplinaridade, se alcançaria uma forma de anular o poder que todo saber implica (o que equivaleria a cair na utopia beata do sábio sem poder), mas de acreditar na possibilidade de partilhar o poder que se tem, ou melhor, de desejar partilhá-lo. A abordagem interdisciplinar, como proposta de revisão do pensamento positivista na educação, está fortemente presente nas atuais correntes, tendências e concepções teóricas que tratam do fenômeno da aprendizagem. Maria Cândida Moraes (2002), ao discutir as implicações do paradigma educacional emergente, destaca a presença desse enfoque no construtivismo piagetiano, na pedagogia libertadora de Freire, na teoria das inteligências múltiplas de Gardner, na abordagemhistórico-cultural de Vygotsky, na teoria da complexidade de Morin, nas formulações de Capra, Papert, Prigogine, Bohm, Boaventura Sousa Santos e vários outros. Considerações finais O que apresentamos até agora nos permite afirmar que a interdisciplinaridade, tanto em sua dimensão epistemológica quanto pedagógica, está sustentada por um conjunto de princípios teóricos formulados sobretudo por autores que analisam criticamente o modelo positivista das ciências e buscam resgatar o caráter de totalidade do conhecimento. Abordagens teóricas construídas pela óptica da dialética, da fenomenologia, da hermenêutica e do paradigma sistêmico são formulações que sustentam esse movimento produzindo mudanças profundas no mundo das ciências em geral e da educação em particular. A interdisciplinaridade, como fenômeno gnosiológico e metodológico, está impulsionando transformações no pensar e no agir humanos em diferentes sentidos. Retoma, aos poucos, o caráter de interdependência e interatividade existente entre as coisas e as ideias, resgata a visão de contexto da realidade, demonstra que vivemos numa grande rede ou teia de interações complexas e recupera a tese de que todos os conceitos e teorias estão conectados entre si. Ajuda a compreender que os indivíduos não aprendem apenas usando a razão, o intelecto, mas também a intuição, as sensações, as emoções e os sentimentos. É um movimento que acredita na criatividade das pessoas, na complementaridade dos processos, na inteireza das relações, no diálogo, na problematização, na atitude crítica e reflexiva, enfim, numa visão articuladora que rompe com o pensamento disciplinar, parcelado, hierárquico, fragmentado, dicotomizado e dogmatizado que marcou por muito tempo a concepção cartesiana de mundo. Portanto, a interdisciplinaridade é um movimento importante de articulação entre o ensinar e o aprender. Compreendida como formulação teórica e assumida enquanto atitude, tem a potencialidade de auxiliar os educadores e as escolas na ressignificação do trabalho pedagógico em termos de currículo, de métodos, de conteúdos, de avaliação e nas formas de organização dos ambientes para a aprendizagem.