Sermão da Sexagésima (excerto) Será por ventura o estilo que hoje se usa nos púlpitos? Um estilo tão dificultoso, um estilo tão afetado, um estilo tão encontrado a toda arte e a toda natureza? Boa razão é também esta. O estilo há de ser muito fácil e muito natural. Por isso, Cristo comparou o pregador ao semear. Compara Cristo o pregador a semear, porque o semear é uma arte que tem mais de natureza que de arte.
Já que falo contra os estilos modernos, quero alegar por mim o estilo do mais antigo pregador que houve no Mundo. E qual foi ele? O mais antigo pregador que houve no Mundo foi o Céu. Suposto que o Céu é pregador, deve ter sermões e deve ter palavras. E quais são estes sermões e estas palavras do Céu? As palavras são as estrelas, os sermões são a composição, a ordem, a harmonia e o curso delas. O pregador há de ser como quem semeia, e não como quem ladrinha ou azuleja. Não fez Deus o céu em xadrez de palavras. Se de uma parte está brando, de outra há de estar negro; se de uma parte está dia, de outra há de estar noite? Se de uma parte dizem luz, da outra há de dizer sombra; se de uma parte dizem desceu, da outra deve subir. Basta que não havemos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas há de estar sempre em fronteira com seu contrário?
Mas dir-me-eis: Padre, os pregadores de hoje não pregam do Evangelho, não pregam das Sagradas Escrituras? Pois como não pregam a palavra de Deus? Esse é o mal. Pregam palavras de Deus, mas não pregam a Palavra de Deus. (Vieira, 1960, p. 107)