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Samya
“Tigreiros”: a escravização a serviço do saneamento básico 4...
“Tigreiros”: a escravização a serviço do
saneamento básico
4o bimestre – Aula 5
Ensino Médio
● A Corte no Brasil: hábitos, práticas
individuais e coletivas de descartes
de resíduos/dejetos;
● Políticas de saneamento: impactos
sociais;
● Escravização.
● Analisar os hábitos e as práticas de
descarte de resíduos e dejetos no
contexto da transferência da Corte
portuguesa para o Brasil, identificando
permanências e mudanças;
● Problematizar as políticas de
saneamento do Rio de Janeiro, com
enfoque na desumanização dos
escravizados “tigreiros" ou "cabundos”.
Para começar
VIREM E CONVERSEM
O lixo e os dejetos que
produzimos
• Você considera que o tratamento da
água, do esgoto e do lixo que
produzimos são adequados no
bairro em que você mora?
• E na sua cidade? Há regiões em que
esses serviços não acontecem como
deveriam?
PARA REFLETIR
Se ainda hoje enfrentamos obstáculos
para oferecer esses serviços de maneira
eficiente para toda a sociedade, imagine
os problemas que se enfrentavam no
passado.
Cerca de 100 milhões de pessoas não têm acesso à coleta de
esgoto, o que causa doenças que podem levar à morte por
contaminação.
Reprodução: AGÊNCIA SENADO. Estudo aponta que falta de saneamento prejudica mais de 130
milhões de brasileiros. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2022/03/estudo-aponta-que-falta-de-saneamento-
prejudica-mais-de-130-milhoes-de-brasileiros/. Acesso em: 2 ago. 2024.
5 MINUTOS
Foco no conteúdo
Uma época de transformações
Com as guerras napoleônicas, o Príncipe
Regente de Portugal, D. João VI, e a
Corte portuguesa instalaram-se, em 1808,
no Rio de Janeiro, que se tornou, então, a
capital do Brasil.
A cidade sofreu uma transformação
profunda, passando de uma população de
50 mil para 100 mil habitantes em uma
década.
PARA REFLETIR
Como dar conta de acomodar tanta gente?
Que tipos de transformações foram
necessárias nas construções, nas ruas, no
abastecimento de água e no serviço de
esgoto para que o Rio se enquadrasse nos
padrões europeus de vida?
O embarque da família real e da Corte portuguesa para o Brasil
no Cais de Belém, em novembro de 1807, por Henri L'Evêque
Museu Histórico e Diplomático [s.d.]. Disponível em:
https://cutt.ly/AwgjJSIF. Acesso em: 18 jul. 2024.
CONTINUA
Foco no conteúdo
Uma cidade remodelada
O chafariz do Campo de Santana (atual Praça da
República), na cidade do Rio de Janeiro. Durante a
permanência da Corte no Rio, várias fontes d'água foram
recuperadas e construídas para melhorar o abastecimento
da cidade.
Reprodução: ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL. O chafariz do
campo tomado da Igreja de Santana, 1835. Disponível em:
https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra11682/o-chafariz-do-campo-
tomado-da-igreja-de-santana. Acesso em: 2 ago. 2024.
Assim, a instalação de uma Corte real
pela primeira vez na América demandou
uma série de transformações: novos
prédios públicos, casarões, bibliotecas,
gabinetes, teatros, cafés, restaurantes etc.
Mudaram-se os hábitos de consumo e a
circulação da nobreza. Milhares de
escravizados e trabalhadores livres
construíam a cidade e executavam os
serviços, mobilizando-se para fazer a
cidade funcionar. Obras de infraestrutura,
ruas, praças, fontes d’água, aquedutos:
tudo isso ajudou a remodelar o Rio de
Janeiro.
CONTINUA
Foco no conteúdo
As mercadorias e os trabalhadores
Pelo porto do Rio de Janeiro chegavam
escravizados africanos até 1850. Desse
porto também saíam produtos brasileiros,
especialmente o café, que era enviado
para os mercados consumidores no
exterior. Produtos de luxo e gêneros que
não eram fabricados no Brasil chegavam
por ali.
Nos arredores do porto havia armazéns de
produtos, bem como estalagens, cortiços e
trapiches, onde moravam e circulavam os
trabalhadores portuários, vivendo em
condições precárias e insalubres.
*Insalubre: que não faz bem à saúde, que pode causar
danos à saúde.
O porto do Rio de Janeiro e seus trabalhadores.
Aquarela de Jean-Baptiste Debret, século XIX.
Reprodução– MULTIRIO. A vida na corte e as transformações na cidade do
Rio de Janeiro, [s.d.]. Disponível em:
https://multirio.rio.rj.gov.br/images/historia_do_brasil/m2-
cap2/8_embarque_corrigido_T.jpg. Acesso em: 3 out. 2024.
Pause e responda
Leia, a seguir, o texto de um viajante estrangeiro na cidade
do Rio de Janeiro, por volta de 1808:
“
Se dos dormitórios continuarmos para a cozinha, outras inconveniências não se
farão esperar. Entre as piores, acha-se uma tina destinada a receber todas as
imundícies e refugos da casa; que, nalguns casos, é levada e esvaziada
diariàmente, noutros sòmente uma vez por semana, de acôrdo com o número
de escravos, seu asseio relativo e pontualidade, porém, sempre que carregado,
já sobremodo insuportável. Se acontece desabar um súbito aguaceiro, logo
surgem em geral essas tinas, despeja-se-lhes o conteúdo em plena rua,
deixando-se que a enxurrada o leve. Nas casas em que não se usa desses
barris, toda espécie de detrito é atirada ao pátio, formando uma montoeira mais
repugnante do que é possível a uma imaginação limpa fazer ideia. E ali fica,
ajudando a criar os insetos e originando doenças, à espera de que as chuvas
pesadas do clima tropical a levem."
LUCCOCK, 1951.
Agora, responda à questão:
Pause e responda
O viajante ficou admirado com qual aspecto da cidade do Rio de Janeiro?
A falta de cuidado com os
dejetos.
As belezas naturais da flora e da
fauna.
A cordialidade da população
brasileira.
A violência e os riscos de andar
pelas ruas.
Pause e responda
Correção
Agora, responda à questão:
O viajante ficou admirado com qual aspecto da cidade do Rio de Janeiro?
A falta de cuidado com os
dejetos.
As belezas naturais da flora e da
fauna.
A cordialidade da população
brasileira.
A violência e os riscos de andar
pelas ruas.
Foco no conteúdo
Você já ouviu falar no termo “tigres” ou “tigreiros”?
Durante o período colonial, e mesmo depois da independência, era comum que os
excrementos produzidos pelas pessoas fossem depositados em barris de madeira e levados
por “empregados” das casas para locais distantes, em rios e mares.
O barril era chamado de “tigre” e aqueles que o carregavam eram chamados de “tigreiros”.
Outra versão sobre essa nomenclatura explica que os escravizados, ao carregarem esses
barris com excrementos, ficavam com manchas na pele por conta dos restos que escorriam,
em virtude da amônia, criada com a matéria em decomposição.
Por conta dessas manchas, que formavam listras, eram chamados de “tigreiros” ou, ainda,
de “*cabungos”.
DESTAQUE
*Cabungo: recipiente de madeira para colher fezes; penico; sujeito desclassificado ou mal
asseado, desajeitado. (Dicionário Aulete)
CONTINUA
Foco no conteúdo
DESTAQUE
Na imagem à esquerda, publicada na
Revista Semana Ilustrada em 1861,
foram retratados os chamados
“tigreiros” jogando dejetos no mar. A
legenda, acompanhando a imagem:
“Laboratorio Municipal: Onde sahe o
cheiro mais perfeito
A massa, ao mundo occulta e
preciosa.
Os Lusíadas: Canto X, est. 137”.
[Grafia original]
Henrique Fleiuss, Revista Semana Illustrada, nº 5, 1861, p. 36.
Disponível em:
https://www2.olimpiadadehistoria.com.br/media/filter/documentos_in
teira/img/554974a4d3fee1.23321427.jpg. Acesso em: 3 out. 2024
Na imagem à direita, aquarela de
Jean-Baptiste Debret com a legenda
“Máscara que usa nos negros que
têm o hábito de comer terra”,
1820-30.
Wikimedia. Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean_
Baptiste_Debret_-
_Máscara_que_se_usa_nos_negros....jpg.
Acesso em: 18 jul. 2024.
CONTINUA
Foco no conteúdo
Escravos Tigres.
A triste história dos
encarregados de limpar
as fezes das cidades
brasileiras.
CANAL HISTÓRIA E TU. Escravos tigres: a triste história dos encarregados de limpar as fezes das cidades brasileiras. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=T5RDOpLWRGE Acesso em: 2 ago. 2024.
Na prática
TODO MUNDO ESCREVE
Leia os textos historiográficos nos slides a seguir e analise os seguintes
aspectos, registrando-os em seu caderno:
- Explique como eram realizados os serviços de descartes de dejetos produzidos nas casas
no Brasil até o século XIX.
- Quais são as visões dos dois autores – Gilberto Freyre e Mary Karasch – sobre os
trabalhadores que executavam esses serviços?
15 MINUTOS
Na prática
TEXTO 1. Os tigreiros na obra de Gilberto Freyre
“
Ao escravo negro se obrigou os trabalhos mais imundos na higiene doméstica e
pública dos tempos coloniais. Um deles, o de carregar à cabeça, das casas para as
praias, os barris de excremento vulgarmente conhecidos por tigres. Barris que nas
casas-grandes das cidades ficavam longos dias dentro de casa, debaixo da escada
ou em um outro recanto acumulando matéria. Quando o negro os levava é que já
não comportavam mais nada. Iam estourando de cheios. De cheios e de podres. Às
vezes largavam o fundo, emporcalhando-se então o carregador da cabeça aos pés.
Foram funções, essas e várias outras, quase tão vis, desempenhadas pelo escravo
africano com uma passividade animal”
FREYRE, 2003.
Na prática
TEXTO 2. Tigreiros na historiografia da estadunidense Mary Karasch
“
O serviço de carregamento [dentre aqueles realizados pelos escravos] mais comum
e claramente o de status mais baixo era o de água e dejetos. Uma vez que a maior
parte da água potável tinha de vir de fora das casas, cada família mandava seus
escravos em busca do suprimento diário de água, ou alugava outros para buscá-la.
Antes da chegada da corte portuguesa, as escravas supriam os lares; mas com o
crescimento da demanda por água na cidade, até mesmo os brancos pobres já
tinham entrado no negócio por volta de 1819. Porém, eram uma minoria, pois o ofício
era dominado por homens africanos, que podiam carregar sobre suas cabeças barris
com quinze ou dezesseis galões de água, ou puxar um grande tonel sobre uma
carroça. Mas as escravas continuaram a buscar água para famílias pequenas.”
KARASCH, 2000.
Na prática
Correção
- Explique como eram realizados os serviços de descartes de dejetos produzidos
nas casas no Brasil até o século XIX.
Os dejetos humanos eram armazenados nas casas em barris e iam se acumulando. O
serviço de descarte era realizado por escravizados ou trabalhadores livres pobres, que
carregavam os tonéis. Esses poderiam chegar até a capacidade de 16 galões. Com a
matéria fermentada pela amônia que era produzida, o líquido escorria, sujando e
criando manchas nas peles dos carregadores de dejetos. O nome “tigre” e ”tigreiro”
pode ser tanto por conta dos tonéis serem chamados de “tigres”, como pelo fato de os
trabalhadores ficarem com a pele manchada, “tigrada”.
Na prática
Correção
- Quais são as visões dos dois autores – Gilberto Freyre e Mary Karasch – sobre os
trabalhadores que executavam esses serviços.
Gilberto Freyre, apesar de denunciar a violência e a desumanização desse tipo de
trabalho, acaba apresentando uma visão que pressupunha uma ideia de ‘inferioridade
racial’ (pensamento racista predominante no contexto de sua obra), ao atribuir aos
escravizados uma “passividade animal”, como se se revoltar contra essas condições
fosse uma possibilidade viável em um regime escravista.
Já o texto de Mary Karasch demonstra a “especialização” dessa função de
carregadores para o abastecimento e fornecimento de água nas cidades. Enquanto,
normalmente, as mulheres escravizadas traziam água às casas dos moradores, eram
os homens escravizados que ficavam responsáveis por descartar os dejetos. A autora
não estabelece um “juízo de valor” sobre os trabalhadores.
Na prática
3 MINUTOS ENEM 2021
TEXTO I
TEXTO II
“
Aquarela. Henry Chamberlain, 1821
Reprodução: MATHEUS, I. Brasiliana iconográfica, [s.d.].
Disponível em:
https://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/19470/convicts.
Acesso em: 2 ago. 2024. A repugnante tarefa de carregar lixo e
os dejetos da casa para as praças e
praias era geralmente destinada ao
único escravo da família ou ao de
menor status ou valor. Todas as
noites, depois das dez horas, os
escravos, conhecidos popularmente
como ‘tigres’, levavam tubos ou barris
de excremento e lixo sobre a cabeça
pelas ruas do Rio.”
KARASCH, M. C. A vida dos escravos no
Rio de Janeiro, 1808-1850.
Rio de Janeiro: Cia das Letras, 2000.
INEP, 2021.
Na prática
A ação, representada na imagem e descrita no texto, evidencia uma prática
do cotidiano nas cidades no Brasil nos séculos XVIII e XIX caracterizada
pela:
A
valorização do trabalho braçal.
B
reiteração das hierarquias sociais.
C
sacralização das atividades laborais.
D
superação das exclusões econômicas.
E
ressignificação das heranças religiosas.
INEP, 2021.
Na prática
Correção
A ação, representada na imagem e descrita no texto, evidencia uma prática do
cotidiano nas cidades no Brasil nos séculos XVIII e XIX caracterizada pela:
DESTAQUE
A
valorização do trabalho braçal.
B
reiteração das hierarquias sociais.
C
sacralização das atividades laborais.
D
superação das exclusões econômicas.
E
ressignificação das heranças religiosas.
Os escravizados que
cuidavam dos dejetos nas
cidades eram chamados de
“tigres”. Eram eles que
recolhiam as tinas com urina e
fezes de muitos moradores
das cidades durante cerca de
300 anos. O escravizado já
era considerado inferior na
hierarquia social, e a
atribuição dessa tarefa
pesada e insalubre reitera
essa hierarquização. Isso
acontecia até mesmo entre os
escravizados, já que a
atividade era destinada
àqueles de menor valor.
INEP, 2021.
Encerramento
Alguns pontos importantes da aula
de hoje!
● Quem eram, preferencialmente, os
trabalhadores que executavam os
serviços de abastecimento de água das
casas e do descarte de dejetos da
população?
● A que tipo de riscos estavam sujeitos
esses trabalhadores e trabalhadoras?
”Pretos no Libambo”, gravura de Joaquim Lopes de Barros
Cabral Teive, de 1841. Libambo eram presos escravizados
africanos, que carregavam água para abastecer alguns locais
da cidade.
Reprodução: BRASILIANA ICONOGRÁFICA, 2023. Disponível em:
https://www.brasilianaiconografica.art.br/artigos/23683/a-superlotacao-
das-prisoes-no-brasil-desde-o-seculo-xviii. Acesso em: 2 ago. 2024.
EIGENHEER, E. M. Lixo: a limpeza urbana através dos tempos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
Disponível em: http://www.lixoeeducacao.uerj.br/imagens/pdf/ahistoriadolixo.pdf. Acesso em: 2 ago. 2024.
FREYRE, G. Casa grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal. São Paulo: Global, 2003.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP).
Prova de Ciências Humanas e suas tecnologias – ENEM 2021. Brasília: INEP, 2023. Disponível em:
https://download.inep.gov.br/enem/provas_e_gabaritos/2021_PV_impresso_D1_CD1.pdf. Acesso em: 2
ago. 2024.
KARASCH, M. C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das
Letras, 2000.
LEMOV, D. Aula nota 10 3.0: 63 técnicas para melhorar a gestão da sala de aula. Porto Alegre: Penso,
LUCCOCK, J. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. São Paulo: Martins
Fontes, 1951.
MOURA, C. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: Edusp, 2004.
MULTIRIO. A vida na corte e as transformações na cidade do Rio de Janeiro, [s.d.]. Disponível em:
https://multirio.rio.rj.gov.br/index.php/historia-do-brasil/brasil-monarquico/8854-a-vida-na-corte-e-as-
transforma%C3%A7%C3%B5es-na-cidade-do-rio-de-janeiro. Acesso em: 2 ago. 2024.
PEREIRA, V. Quem eram os escravos 'tigres', marcantes na história do saneamento básico no
Brasil. BBC News Brasil, 30 nov. 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-
50526902. Acesso em: 2 ago. 2024.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Currículo Paulista: etapa Ensino Médio, 2020.
Disponível em: https://efape.educacao.sp.gov.br/curriculopaulista/wp-
content/uploads/2023/02/CURR%C3%8DCULO-PAULISTA-etapa-Ensino-M%C3%A9dio_ISBN.pdf.
Acesso em: 2 ago. 2024.
VASCO, P. S. Estudo aponta que falta de saneamento prejudica mais de 130 milhões de
brasileiros. Agência Senado, 25 mar. 2022. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2022/03/estudo-aponta-que-falta-de-saneamento-
prejudica-mais-de-130-milhoes-de-brasileiros/. Acesso em: 2 ago. 2024.
Imagem de capa: SEDUC.
Identidade visual: imagens © Getty Images.
Secretaria d a
E d u c a c a o
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“Tigreiros”: a escravização a serviço do saneamento básico 4o bimestre – Aula 5 Ensino Médio ● A Corte no Brasil: hábitos, práticas individuais e coletivas de descartes de resíduos/dejetos; ● Políticas de saneamento: impactos sociais; ● Escravização. ● Analisar os hábitos e as práticas de descarte de resíduos e dejetos no contexto da transferência da Corte portuguesa para o Brasil, identificando permanências e mudanças; ● Problematizar as políticas de saneamento do Rio de Janeiro, com enfoque na desumanização dos escravizados “tigreiros" ou "cabundos”. Para começar VIREM E CONVERSEM O lixo e os dejetos que produzimos • Você considera que o tratamento da água, do esgoto e do lixo que produzimos são adequados no bairro em que você mora? • E na sua cidade? Há regiões em que esses serviços não acontecem como deveriam? PARA REFLETIR Se ainda hoje enfrentamos obstáculos para oferecer esses serviços de maneira eficiente para toda a sociedade, imagine os problemas que se enfrentavam no passado. Cerca de 100 milhões de pessoas não têm acesso à coleta de esgoto, o que causa doenças que podem levar à morte por contaminação. Reprodução: AGÊNCIA SENADO. Estudo aponta que falta de saneamento prejudica mais de 130 milhões de brasileiros. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2022/03/estudo-aponta-que-falta-de-saneamento- prejudica-mais-de-130-milhoes-de-brasileiros/. Acesso em: 2 ago. 2024. 5 MINUTOS Foco no conteúdo Uma época de transformações Com as guerras napoleônicas, o Príncipe Regente de Portugal, D. João VI, e a Corte portuguesa instalaram-se, em 1808, no Rio de Janeiro, que se tornou, então, a capital do Brasil. A cidade sofreu uma transformação profunda, passando de uma população de 50 mil para 100 mil habitantes em uma década. PARA REFLETIR Como dar conta de acomodar tanta gente? Que tipos de transformações foram necessárias nas construções, nas ruas, no abastecimento de água e no serviço de esgoto para que o Rio se enquadrasse nos padrões europeus de vida? O embarque da família real e da Corte portuguesa para o Brasil no Cais de Belém, em novembro de 1807, por Henri L'Evêque Museu Histórico e Diplomático [s.d.]. Disponível em: https://cutt.ly/AwgjJSIF. Acesso em: 18 jul. 2024. CONTINUA Foco no conteúdo Uma cidade remodelada O chafariz do Campo de Santana (atual Praça da República), na cidade do Rio de Janeiro. Durante a permanência da Corte no Rio, várias fontes d'água foram recuperadas e construídas para melhorar o abastecimento da cidade. Reprodução: ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL. O chafariz do campo tomado da Igreja de Santana, 1835. Disponível em: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra11682/o-chafariz-do-campo- tomado-da-igreja-de-santana. Acesso em: 2 ago. 2024. Assim, a instalação de uma Corte real pela primeira vez na América demandou uma série de transformações: novos prédios públicos, casarões, bibliotecas, gabinetes, teatros, cafés, restaurantes etc. Mudaram-se os hábitos de consumo e a circulação da nobreza. Milhares de escravizados e trabalhadores livres construíam a cidade e executavam os serviços, mobilizando-se para fazer a cidade funcionar. Obras de infraestrutura, ruas, praças, fontes d’água, aquedutos: tudo isso ajudou a remodelar o Rio de Janeiro. CONTINUA Foco no conteúdo As mercadorias e os trabalhadores Pelo porto do Rio de Janeiro chegavam escravizados africanos até 1850. Desse porto também saíam produtos brasileiros, especialmente o café, que era enviado para os mercados consumidores no exterior. Produtos de luxo e gêneros que não eram fabricados no Brasil chegavam por ali. Nos arredores do porto havia armazéns de produtos, bem como estalagens, cortiços e trapiches, onde moravam e circulavam os trabalhadores portuários, vivendo em condições precárias e insalubres. *Insalubre: que não faz bem à saúde, que pode causar danos à saúde. O porto do Rio de Janeiro e seus trabalhadores. Aquarela de Jean-Baptiste Debret, século XIX. Reprodução– MULTIRIO. A vida na corte e as transformações na cidade do Rio de Janeiro, [s.d.]. Disponível em: https://multirio.rio.rj.gov.br/images/historia_do_brasil/m2- cap2/8_embarque_corrigido_T.jpg. Acesso em: 3 out. 2024. Pause e responda Leia, a seguir, o texto de um viajante estrangeiro na cidade do Rio de Janeiro, por volta de 1808: “ Se dos dormitórios continuarmos para a cozinha, outras inconveniências não se farão esperar. Entre as piores, acha-se uma tina destinada a receber todas as imundícies e refugos da casa; que, nalguns casos, é levada e esvaziada diariàmente, noutros sòmente uma vez por semana, de acôrdo com o número de escravos, seu asseio relativo e pontualidade, porém, sempre que carregado, já sobremodo insuportável. Se acontece desabar um súbito aguaceiro, logo surgem em geral essas tinas, despeja-se-lhes o conteúdo em plena rua, deixando-se que a enxurrada o leve. Nas casas em que não se usa desses barris, toda espécie de detrito é atirada ao pátio, formando uma montoeira mais repugnante do que é possível a uma imaginação limpa fazer ideia. E ali fica, ajudando a criar os insetos e originando doenças, à espera de que as chuvas pesadas do clima tropical a levem." LUCCOCK, 1951. Agora, responda à questão: Pause e responda O viajante ficou admirado com qual aspecto da cidade do Rio de Janeiro? A falta de cuidado com os dejetos. As belezas naturais da flora e da fauna. A cordialidade da população brasileira. A violência e os riscos de andar pelas ruas. Pause e responda Correção Agora, responda à questão: O viajante ficou admirado com qual aspecto da cidade do Rio de Janeiro? A falta de cuidado com os dejetos. As belezas naturais da flora e da fauna. A cordialidade da população brasileira. A violência e os riscos de andar pelas ruas. Foco no conteúdo Você já ouviu falar no termo “tigres” ou “tigreiros”? Durante o período colonial, e mesmo depois da independência, era comum que os excrementos produzidos pelas pessoas fossem depositados em barris de madeira e levados por “empregados” das casas para locais distantes, em rios e mares. O barril era chamado de “tigre” e aqueles que o carregavam eram chamados de “tigreiros”. Outra versão sobre essa nomenclatura explica que os escravizados, ao carregarem esses barris com excrementos, ficavam com manchas na pele por conta dos restos que escorriam, em virtude da amônia, criada com a matéria em decomposição. Por conta dessas manchas, que formavam listras, eram chamados de “tigreiros” ou, ainda, de “*cabungos”. DESTAQUE *Cabungo: recipiente de madeira para colher fezes; penico; sujeito desclassificado ou mal asseado, desajeitado. (Dicionário Aulete) CONTINUA Foco no conteúdo DESTAQUE Na imagem à esquerda, publicada na Revista Semana Ilustrada em 1861, foram retratados os chamados “tigreiros” jogando dejetos no mar. A legenda, acompanhando a imagem: “Laboratorio Municipal: Onde sahe o cheiro mais perfeito A massa, ao mundo occulta e preciosa. Os Lusíadas: Canto X, est. 137”. [Grafia original] Henrique Fleiuss, Revista Semana Illustrada, nº 5, 1861, p. 36. Disponível em: https://www2.olimpiadadehistoria.com.br/media/filter/documentos_in teira/img/554974a4d3fee1.23321427.jpg. Acesso em: 3 out. 2024 Na imagem à direita, aquarela de Jean-Baptiste Debret com a legenda “Máscara que usa nos negros que têm o hábito de comer terra”, 1820-30. Wikimedia. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean_ Baptiste_Debret_- _Máscara_que_se_usa_nos_negros....jpg. Acesso em: 18 jul. 2024. CONTINUA Foco no conteúdo Escravos Tigres. A triste história dos encarregados de limpar as fezes das cidades brasileiras. CANAL HISTÓRIA E TU. Escravos tigres: a triste história dos encarregados de limpar as fezes das cidades brasileiras. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=T5RDOpLWRGE Acesso em: 2 ago. 2024. Na prática TODO MUNDO ESCREVE Leia os textos historiográficos nos slides a seguir e analise os seguintes aspectos, registrando-os em seu caderno:
- Explique como eram realizados os serviços de descartes de dejetos produzidos nas casas no Brasil até o século XIX.
- Quais são as visões dos dois autores – Gilberto Freyre e Mary Karasch – sobre os trabalhadores que executavam esses serviços? 15 MINUTOS Na prática TEXTO 1. Os tigreiros na obra de Gilberto Freyre “ Ao escravo negro se obrigou os trabalhos mais imundos na higiene doméstica e pública dos tempos coloniais. Um deles, o de carregar à cabeça, das casas para as praias, os barris de excremento vulgarmente conhecidos por tigres. Barris que nas casas-grandes das cidades ficavam longos dias dentro de casa, debaixo da escada ou em um outro recanto acumulando matéria. Quando o negro os levava é que já não comportavam mais nada. Iam estourando de cheios. De cheios e de podres. Às vezes largavam o fundo, emporcalhando-se então o carregador da cabeça aos pés. Foram funções, essas e várias outras, quase tão vis, desempenhadas pelo escravo africano com uma passividade animal” FREYRE, 2003. Na prática TEXTO 2. Tigreiros na historiografia da estadunidense Mary Karasch “ O serviço de carregamento [dentre aqueles realizados pelos escravos] mais comum e claramente o de status mais baixo era o de água e dejetos. Uma vez que a maior parte da água potável tinha de vir de fora das casas, cada família mandava seus escravos em busca do suprimento diário de água, ou alugava outros para buscá-la. Antes da chegada da corte portuguesa, as escravas supriam os lares; mas com o crescimento da demanda por água na cidade, até mesmo os brancos pobres já tinham entrado no negócio por volta de 1819. Porém, eram uma minoria, pois o ofício era dominado por homens africanos, que podiam carregar sobre suas cabeças barris com quinze ou dezesseis galões de água, ou puxar um grande tonel sobre uma carroça. Mas as escravas continuaram a buscar água para famílias pequenas.” KARASCH, 2000. Na prática Correção
- Explique como eram realizados os serviços de descartes de dejetos produzidos nas casas no Brasil até o século XIX. Os dejetos humanos eram armazenados nas casas em barris e iam se acumulando. O serviço de descarte era realizado por escravizados ou trabalhadores livres pobres, que carregavam os tonéis. Esses poderiam chegar até a capacidade de 16 galões. Com a matéria fermentada pela amônia que era produzida, o líquido escorria, sujando e criando manchas nas peles dos carregadores de dejetos. O nome “tigre” e ”tigreiro” pode ser tanto por conta dos tonéis serem chamados de “tigres”, como pelo fato de os trabalhadores ficarem com a pele manchada, “tigrada”. Na prática Correção
- Quais são as visões dos dois autores – Gilberto Freyre e Mary Karasch – sobre os trabalhadores que executavam esses serviços. Gilberto Freyre, apesar de denunciar a violência e a desumanização desse tipo de trabalho, acaba apresentando uma visão que pressupunha uma ideia de ‘inferioridade racial’ (pensamento racista predominante no contexto de sua obra), ao atribuir aos escravizados uma “passividade animal”, como se se revoltar contra essas condições fosse uma possibilidade viável em um regime escravista. Já o texto de Mary Karasch demonstra a “especialização” dessa função de carregadores para o abastecimento e fornecimento de água nas cidades. Enquanto, normalmente, as mulheres escravizadas traziam água às casas dos moradores, eram os homens escravizados que ficavam responsáveis por descartar os dejetos. A autora não estabelece um “juízo de valor” sobre os trabalhadores. Na prática 3 MINUTOS ENEM 2021 TEXTO I TEXTO II “ Aquarela. Henry Chamberlain, 1821 Reprodução: MATHEUS, I. Brasiliana iconográfica, [s.d.]. Disponível em: https://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/19470/convicts. Acesso em: 2 ago. 2024. A repugnante tarefa de carregar lixo e os dejetos da casa para as praças e praias era geralmente destinada ao único escravo da família ou ao de menor status ou valor. Todas as noites, depois das dez horas, os escravos, conhecidos popularmente como ‘tigres’, levavam tubos ou barris de excremento e lixo sobre a cabeça pelas ruas do Rio.” KARASCH, M. C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro, 1808-1850. Rio de Janeiro: Cia das Letras, 2000. INEP, 2021. Na prática A ação, representada na imagem e descrita no texto, evidencia uma prática do cotidiano nas cidades no Brasil nos séculos XVIII e XIX caracterizada pela: A valorização do trabalho braçal. B reiteração das hierarquias sociais. C sacralização das atividades laborais. D superação das exclusões econômicas. E ressignificação das heranças religiosas. INEP, 2021. Na prática Correção A ação, representada na imagem e descrita no texto, evidencia uma prática do cotidiano nas cidades no Brasil nos séculos XVIII e XIX caracterizada pela: DESTAQUE A valorização do trabalho braçal. B reiteração das hierarquias sociais. C sacralização das atividades laborais. D superação das exclusões econômicas. E ressignificação das heranças religiosas. Os escravizados que cuidavam dos dejetos nas cidades eram chamados de “tigres”. Eram eles que recolhiam as tinas com urina e fezes de muitos moradores das cidades durante cerca de 300 anos. O escravizado já era considerado inferior na hierarquia social, e a atribuição dessa tarefa pesada e insalubre reitera essa hierarquização. Isso acontecia até mesmo entre os escravizados, já que a atividade era destinada àqueles de menor valor. INEP, 2021. Encerramento Alguns pontos importantes da aula de hoje! ● Quem eram, preferencialmente, os trabalhadores que executavam os serviços de abastecimento de água das casas e do descarte de dejetos da população? ● A que tipo de riscos estavam sujeitos esses trabalhadores e trabalhadoras? ”Pretos no Libambo”, gravura de Joaquim Lopes de Barros Cabral Teive, de 1841. Libambo eram presos escravizados africanos, que carregavam água para abastecer alguns locais da cidade. Reprodução: BRASILIANA ICONOGRÁFICA, 2023. Disponível em: https://www.brasilianaiconografica.art.br/artigos/23683/a-superlotacao- das-prisoes-no-brasil-desde-o-seculo-xviii. Acesso em: 2 ago. 2024. EIGENHEER, E. M. Lixo: a limpeza urbana através dos tempos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. Disponível em: http://www.lixoeeducacao.uerj.br/imagens/pdf/ahistoriadolixo.pdf. Acesso em: 2 ago. 2024. FREYRE, G. Casa grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2003. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Prova de Ciências Humanas e suas tecnologias – ENEM 2021. Brasília: INEP, 2023. Disponível em: https://download.inep.gov.br/enem/provas_e_gabaritos/2021_PV_impresso_D1_CD1.pdf. Acesso em: 2 ago. 2024. KARASCH, M. C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das Letras, 2000. LEMOV, D. Aula nota 10 3.0: 63 técnicas para melhorar a gestão da sala de aula. Porto Alegre: Penso,
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