Ele foi cavando, cavando, pois sua profissão – coveiro – era cavar. Mas, de repente, na distração do ofício que amava, percebeu que cavara demais. Tentou sair da cova e não conseguiu. Levantou o olhar para cima e viu que sozinho não conseguiria sair. Gritou. Ninguém atendeu. Gritou mais forte. Ninguém veio. Enrouqueceu de gritar, cansou de esbravejar, desistiu com a noite. Sentou-se no fundo da cova, desesperado. A noite chegou, subiu, fez-se o silêncio das horas tardias. Bateu o frio da madrugada e, na noite escura, não se ouvia um som humano, embora o cemitério estivesse cheio de pipilos e coaxares naturais do mato. Só pouco depois da meia-noite é que lá vieram uns passos. Deitado no fundo da cova o coveiro gritou. Os passos se aproximaram. Uma velhinha apareceu lá em cima, perguntou o que havia:
– O que é que há?
O coveiro então gritou desesperado:
– Tire-me daqui, por favor. Estou com um frio terrível!
– Mas, coitado! – comoveu-se a senhorinha. – Tem toda a razão de estar com frio. Alguém tirou a terra de cima de você, meu pobre mortinho!
E, pegando a pá, encheu-a de terra e pôs-se a cobri-lo cuidadosamente.
Millôr Fernandes. Disponível em: https://www.recantodasletras.com.br/contos/4327185 Acesso em 21 jun. 2024. Adaptado.
Glossário:
pipilos: imitação do som dos pássaros.
coaxares: sons de rãs ou sapos.
Qual dos enunciados extraídos do texto revela o conflito gerador da história?
“Tem toda a razão de estar com frio”.
“Enrouqueceu de gritar, cansou de esbravejar, desistiu com a noite”.
“Ele foi cavando, cavando, pois sua profissão – coveiro – era cavar”.
“Uma velhinha apareceu lá em cima”.
“Tentou sair da cova e não conseguiu”.