Na cela, o seu corpo magro e comprido, magoado, custava caber. Não se lembrava de terem lhe levado para ali, tudo era estranho, distante, parecido a luz branca da lua. O peito doía, era uma dor única. Gemeu, primeiro mordendo os lábios, depois mais alto quando se conseguiu deitar na laje estreita que ocupava quase toda a cela. Assim, de barriga, sentia pancadas dolorosas nas mãos e nos pés, tão inchados que não lhes podia encostar no cimento. Pensamentos corriam como as águas do Kwanza amado: Maria sentada na porta, seis e meia, miúdo Bastião ao colo, pondo quifunes; Maria saindo com as outras mulheres para o rio, lá em baixo, onde os rápidos começavam, lavar a roupa; e o rio, o largo Kwanza que lhe viu nascer, lá em cima, no planalto, ainda fio de água, ainda criança ruidosa, e que ele conheceu depois, largo e calmo, poderoso, na direção ao mar. E ali onde Maria e as mulheres do povo lavam, nas pedras, furioso, irritado do estreitamento dos morros, dos cotovelos de granito que há séculos atacava, rugindo sua fúria nos rápidos, se desfazendo em espume, mais manso, contendo na Muxima.
VIEIRA, J. L. A vida verdadeira de Domingos Xavier. Disponivel em: https://edisciplinas.usp.br. Acesso em: 23 jan. 2024 (fragmento).
No fragmento do romance, a expressividade do ponto de vista do narrador é delineada por meio do(a)
A. descrição crítica do rio.
B. uso demarcado dos adjetivos.
C. recordação saudosa da esposa
D. Encadeamento narrativo dos eventos
E. Comparação estabelecida entre os cenários