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Aluno

Português04/05/2024

Eu sei, mas não devia Eu sei que a gente se acostuma. Mas nã...

Eu sei, mas não devia Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia. A gente se acostuma a morar emapartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque nãotem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo seacostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma aacender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma,esquece o sol, esquece o ar, esquece aamplidão. A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o cafécorrendo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo daviagem.A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite.A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita osmortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nasnegociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra,dos números, da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir paraas pessoas sem receber um sorriso de voIta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganharo dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E apagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez paga mais. E a procurar maistrabalho,para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra. A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar atelevisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado,conduzido,desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos. A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar-condicionado e cheiro de cigarro. Àluz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias daágua potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a nãoouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colherfruta no pé, a não ter sequer uma planta. A gente se acostuma a coisas de mais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando nãoperceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinemaestá cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia estácontaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro,agente se consola pensando no fim de semana. E se, no fim de semana, não há muito o quefazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma paraevitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito.Agente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tantoacostumar, se perde de si mesma. COLASANTI, M. Eu sei, mas não devia. Rio de Janeiro: Rocco Editora, 1996.p.9.Adaptado.

02)"A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E,aceitando a guerra, aceita os mortos"(parágrafo 4) Nesse trecho,a oração destacada apresenta, em relação à seguinte,o valor semântico de a)causa b)concessão c) comparação d)conformidade e)consequência

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