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Tiago.Farias01

programa de nivelamento05/22/2025

Adaptado de VESTIBULAR UERJ 2017 Pietro Brun, meu tetravô p...

Adaptado de VESTIBULAR UERJ 2017

Pietro Brun, meu tetravô patemo, embarcou em um navio no final do século 19, como tantos italianos pobres, embusca de uma utopia que atendia pelo nome de América. Pietro queria terra, sim. Mas o que o movia era um território de outra ordem. Ele queria salvar seu nome, encarnado na figura de meu bisavô, Antônio. Pietro fora obrigado a servir oexército como soldado por anos demais (...). Havia chegado a hora de Antônio sealistar, e o pai decidiu que não perderia seu filho. Fugiu com ele e com afilha Luigia para o sul do Brasil. Como desertava, meu bisavô Antônio foi levadoem um bote até o navio que já se afastava do porto de Génova. Embarcou comoclandestino.

Ao desembarcar no Brasil, em 10de fevereiro de 1883, Pietro declarou o nome completo. O funcionário dolmpério, como aconteceu tantas e tantas vezes, registrou-o conforme ouviu. Tornando-o, no mundo novo, Brum com "m". Meu pai, Argemiro, filho de José, neto de Antônio e bisneto de Pietro, tomou para si a missão de resgatar essahistória e documentá-la. No inicio dos anos 1990 cogitamos reivindicar acidadania italiana. Possuímos todos os documentos, organizados numa pasta. Masentre nós existe essa diferença na letra. Antes de ingressar com adocumentação, seria preciso corrigir o erro do burocrata do governo imperialque substituiu um "n" por um "m". Um segundo ele deve ter demorado para nostransformar, e com certeza morreu sem saber. E, se soubesse, não teria seimportado, porque era apenas o nome de mais um imigrante a bater nas costas doBrasil despertencido de tudo. Cabia a mim levar essa empreitada adiante.

Há uma autonomia na forma comodamos carne ao nosso nome com a vida que construímos e não com a queherdamos. (...) Eu escolho a memória. A desmemória assombra porque não anomeamos, respira em nossos porões como monstros sem palavras. A memória, não. Éuma escolha do que esquecer e do que lembrar - e uma oportunidade deressignificar o passado para ganhar um futuro. Pela memória nos colocamos näosó em movimento, mas nos tornamos o próprio movimento. Gesto humano, parasempre incompleto.

Ao fugir para o Brasil, metadedos Brun ganhou uma perna a mais. O "n" virou "m". Mas essa pena a mais era ummembro fantasma, um ganho que revelava uma perda. (...)

Quando Pietro Brum atravessou omar deixando mortos e vivos na margem que se distanciou, ele não poderia ser omesmo ao alcançar o outro lado. Ele tinha de ser outro, assim como nós, queresultamos dessa aventura desesperada. Era imperativo que ele fosse Pietro Brum- e depois até Pedro Brum.

ELIANE BRUM Meusdesacontecimentos: a história da minha vida com as palavras. São Paulo: Lela, 2014.

A partir da narrativa de umepisódio familiar, a autora elabora reflexões que vão além desse contextopessoal, generalizando-o. Essa generalização pode ser observada no emprego daprimeira pessoa do plural no seguinte trecho:

Pela memória nos colocamos não só em movimento.

Ele tinha de ser outro, assimcomo nós.

Cabia a mimlevar essa empreitada adiante. C

Mas entre nós existe essadiferença na letra.

Um segundo ele deve ter demoradopara nos transformar.

Adaptado de VESTIBULAR UERJ 2017

Pietro Brun, meu tetravô patemo, embarcou em um navio no final do século 19, como tantos italianos pobres, embusca de uma utopia que atendia pelo nome de América. Pietro queria terra, sim. Mas o que o movia era um território de outra ordem. Ele queria salvar seu nome, encarnado na figura de meu bisavô, Antônio. Pietro fora obrigado a servir oexército como soldado por anos demais (...). Havia chegado a hora de Antônio sealistar, e o pai decidiu que não perderia seu filho. Fugiu com ele e com afilha Luigia para o sul do Brasil. Como desertava, meu bisavô Antônio foi levadoem um bote até o navio que já se afastava do porto de Génova. Embarcou comoclandestino.

Ao desembarcar no Brasil, em 10de fevereiro de 1883, Pietro declarou o nome completo. O funcionário dolmpério, como aconteceu tantas e tantas vezes, registrou-o conforme ouviu. Tornando-o, no mundo novo, Brum com "m". Meu pai, Argemiro, filho de José, neto de Antônio e bisneto de Pietro, tomou para si a missão de resgatar essahistória e documentá-la. No inicio dos anos 1990 cogitamos reivindicar acidadania italiana. Possuímos todos os documentos, organizados numa pasta. Masentre nós existe essa diferença na letra. Antes de ingressar com adocumentação, seria preciso corrigir o erro do burocrata do governo imperialque substituiu um "n" por um "m". Um segundo ele deve ter demorado para nostransformar, e com certeza morreu sem saber. E, se soubesse, não teria seimportado, porque era apenas o nome de mais um imigrante a bater nas costas doBrasil despertencido de tudo. Cabia a mim levar essa empreitada adiante.

Há uma autonomia na forma comodamos carne ao nosso nome com a vida que construímos e não com a queherdamos. (...) Eu escolho a memória. A desmemória assombra porque não anomeamos, respira em nossos porões como monstros sem palavras. A memória, não. Éuma escolha do que esquecer e do que lembrar - e uma oportunidade deressignificar o passado para ganhar um futuro. Pela memória nos colocamos näosó em movimento, mas nos tornamos o próprio movimento. Gesto humano, parasempre
incompleto.

Ao fugir para o Brasil, metadedos Brun ganhou uma perna a mais. O "n" virou "m". Mas essa pena a mais era ummembro fantasma, um ganho que revelava uma perda. (...)

Quando Pietro Brum atravessou omar deixando mortos e vivos na margem que se distanciou, ele não poderia ser omesmo ao alcançar o outro lado. Ele tinha de ser outro, assim como nós, queresultamos dessa aventura desesperada. Era imperativo que ele fosse Pietro Brum- e depois até Pedro Brum.

ELIANE BRUM
Meusdesacontecimentos: a história da minha vida com as palavras. São Paulo: Lela, 2014.

A partir da narrativa de umepisódio familiar, a autora elabora reflexões que vão além desse contextopessoal, generalizando-o. Essa generalização pode ser observada no emprego daprimeira pessoa do plural no seguinte trecho:


Pela memória nos colocamos não só em movimento.


Ele tinha de ser outro, assimcomo nós.


Cabia a mimlevar essa empreitada adiante.
C

Mas entre nós existe essadiferença na letra.


Um segundo ele deve ter demoradopara nos transformar.
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