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BRASIL UMA BIOGRAFIA Lilia M Schwarcz e Heloisa M Starling COMPANHIA DAS LETRAS LEGENDA DA IMAGEM DA CAPA De 1958 até a sua inauguração em 21 de abril de 1960 Marcel Gautherot fotografou o canteiro de obras de Brasília e nos ensinou a ver a nova capital de uma maneira particular a manifestação pública também ocorria ostensivamente do lado de fora da forma construída no espaço público da cidade e de suas edificações Na foto da capa o início da concretagem da cúpula do Senado Federal retrata ao mesmo tempo um destino e uma miragem do Brasil Num impulso os candangos milhares de trabalhadores nômades que vieram de todas as regiões do país para construir a nova capital estão uma vez mais prontos para partir em rota para a impossível utopia Início da concretagem da cúpula do Senado Federal Marcel Gautherot c 1958 Para Luiz e Otávio porque como dizia Guimarães Rosa O livro pode valer pelo muito que nele não deveu caber SUMÁRIO Acervos pesquisados e suas abreviaturas Introdução ou O Brasil fica bem perto daqui 1 Primeiro veio o nome depois uma terra chamada Brasil 2 Tão doce como amarga a civilização do açúcar 3 Toma lá dá cá o sistema escravocrata e a naturalização da violência 4 É ouro 5 Revoltas conjurações motins e sedições no paraíso dos trópicos 6 Homens à vista uma corte ao mar 7 D João e seu reino americano 8 Quem foi para Portugal perdeu o lugar vai o pai fica o filho 9 Habemus independência instabilidade combina com Primeiro Reinado 10 Regências ou o som do silêncio 11 Segundo Reinado enfim uma nação nos trópicos 12 Ela vai cair o fim da monarquia no Brasil 13 A Primeira República e o povo nas ruas 14 Samba malandragem e muito autoritarismo na gênese do Brasil moderno 15 Yes nós temos democracia 16 Os anos 19501960 a bossa a democracia e o país subdesenvolvido 17 No fio da navalha ditadura oposição e resistência 18 No caminho da democracia a transição para o poder civil e as ambiguidades e heranças da ditadura militar Conclusão História não é conta de somar Caderno de imagens Notas Referências bibliográficas Cronologia Agradecimentos Créditos das imagens Sobre as autoras ACERVOS PESQUISADOS E SUAS ABREVIATURAS AAC Acervo Abril Comunicações SA São Paulo ABLRAM Acervo Barry Lawrence Ruderman Antique Maps Inc La Jolla CA EUA ACL Academia das Ciências de Lisboa ACM Acervo Cildo Meireles AFMS Acervo Família Murgel Starling AHU Arquivo Histórico Ultramarino Lisboa AJR Acervo João Ripper Imagens Humanas Rio de Janeiro AMRJ Arquivo Municipal do Rio de Janeiro AMVK Acervo Marta e Victor Klagsbrunn AN Arquivo Nacional Rio de Janeiro ANTT Arquivo Nacional Torre do Tombo Lisboa ANVFEB Associação Nacional dos Veteranos da FEB Belo Horizonte AOG Arquivo O Globo Rio de Janeiro APEB Arquivo Público do Estado da Bahia Salvador APERJ Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro APESP Arquivo Público do Estado de São Paulo APM Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte APR Acervo do Projeto República Belo Horizonte ARM Academia Real Militar Rio de Janeiro AS Acervo Hermínio Sacchetta Campinas BAS Biblioteca Azeredo da Silveira do Ministério das Relações Exteriores Brasília BBGJM Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin São Paulo BDCHUSP Biblioteca Digital de Cartografia Histórica da USP BHL Biodiversity Heritage Library BI Brasiliana Itaú São Paulo BMA Biblioteca Mário de Andrade São Paulo BNF Biblioteca Nacional da França Paris BNP Biblioteca Nacional de Portugal Lisboa BPNY Biblioteca Pública de Nova York CACI Centro de Arte Contemporânea Inhotim Brumadinho MG CAJS Coleção Apparecido Janniz Salatine CAVMDB Centro de Artes Visuales Museo del Barro Assunção CBMPC Coleção Beatriz e Mário Pimenta Camargo Salvador CENIMAR Centro de Informações da Marinha Rio de Janeiro CMT Câmara Municipal de Tiradentes CPDocFGV Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas São Paulo CPDocJB Centro de Pesquisa e Documentação do Jornal do Brasil Rio de Janeiro DCDP Divisão de Censura de Diversões Públicas Brasília EC Estadão Conteúdo FBN Fundação Biblioteca Nacional Rio de Janeiro FCFA Fundação das Casas de Fronteira e Alorna Lisboa FCP Fundação Cultural Palmares Brasília FIOCRUZ Fundação Instituto Oswaldo Cruz Rio de Janeiro FJP Fundação João Pinheiro Belo Horizonte FLLB Fondazione Lelio e Lisli Basso Roma FP Folhapress São Paulo FPA Fundação Padre Anchieta São Paulo FPR Fundação Projeto Rondon Brasília GI Getty Images São Paulo IACJ Instituto Antônio Carlos Jobim Rio de Janeiro IAP Instituto Astrojildo Pereira São Paulo IB Instituto Butantan São Paulo IBAD Instituto Brasileiro de Ação Democrática IDB Instituto Dom Barreto Teresina IEBUSP Instituto de Estudos Brasileiros São Paulo IGHB Instituto Geográfico e Histórico da Bahia Salvador IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro Rio de Janeiro IHGSP Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo IMS Instituto Moreira Salles Rio de Janeiro IMSB Igreja e Mosteiro de São Bento Salvador InCor Instituto do Coração São Paulo IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional MinC Brasília IPES Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros Rio de Janeiro ITV Instituto Teotônio Vilela Brasília IVH Instituto Vladimir Herzog São Paulo JCBL John Carter Brown Library Providence RI EUA MAPRO Museu Mariano Procópio Juiz de Fora MAMRJ Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro MASP Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand MBB Museu Boijmans van Beuningen Rotterdam MCM Museus Castro Maya Rio de Janeiro MCPT Museu Casa do Padre Toledo Tiradentes MHN Museu Histórico Nacional Rio de Janeiro MI Museu da Inconfidência Ouro Preto MIESP Museu da Imigração do Estado de São Paulo MIMP Museu Imperial de Petrópolis ML Museu do Louvre Paris MMGV Memorial Minas Gerais Vale Belo Horizonte MNBA Museu Nacional de Belas Artes Rio de Janeiro MND Museu Nacional da Dinamarca Copenhague MNUFRJ Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro MPR Museu do Primeiro Reinado Rio de Janeiro MPUSP Museu Paulista São Paulo MRBAB Museu Real de Belas Artes da Bélgica Bruxelas MV Museu de Versalhes NMM National Maritime Museum Londres OI Olhar Imagem São Paulo PA Palácio da Alvorada Brasília PC Palácio do Catete Rio de Janeiro PDL Palácio da Liberdade Belo Horizonte PESP Pinacoteca do Estado de São Paulo PG Palácio Guanabara Rio de Janeiro PI Palácio do Itamaraty Brasília PIF Palácio da Ilha Fiscal Rio de Janeiro PL Palácio Laranjeiras Rio de Janeiro PN Palácio das Necessidades Lisboa PNA Palácio Nacional da Ajuda Lisboa PNM Palácio Nacional de Mafra PNQ Palácio Nacional de Queluz PP Palácio do Planalto Brasília PPI Palácio Piratini Porto Alegre PR Palácio do Ramalhão Lisboa PSC Palácio de São Cristóvão Rio de Janeiro PT Palácio Tiradentes Rio de Janeiro SK Staatliche Kunstsammlungen Dresden UFMG Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte UKGAC United Kingdom Government Art Collection Londres Image NOTA DAS AUTORAS Caros leitores a introdução deste livro embora não seja teórica é interpretativa Sugerimos àqueles que preferirem iniciar a leitura pelo capítulo 1 e enveredar pelos seguintes mais narrativos que realizem um roteiro apenas um pouco diferente Depois de terem lido os dezoito capítulos que compõem o volume e apreciadas as imagens e legendas retornem por favor à introdução Assim poderão conferir nossa interpretação e verificar se ela bem vale uma biografia NOTA DO EDITOR As legendas que acompanham as imagens são de conteúdo as informações técnicas se encontram no final do livro INTRODUÇÃO OU O BRASIL FICA BEM PERTO DAQUI Era bom saber que a alegria que trouxe à cidade a lei da abolição de 1888 foi geral pelo país Havia de ser porque já tinha entrado na convivência de todos a sua da escravidão injustiça originária Quando eu fui para o colégio um colégio público à rua do Rezende a alegria entre a criançada era grande Nós não sabíamos o alcance da lei mas a alegria ambiente nos tinha tomado A professora D Tereza Pimentel do Amaral uma senhora muito inteligente creio que nos explicou a significação da coisa mas com aquele feitio mental de crianças só uma coisa me ficou livre livre Julgava que podíamos fazer tudo que quiséssemos que dali em diante não havia mais limitação aos progressistas da nossa fantasia Mas como estamos ainda longe disso Como ainda nos enleamos nas teias dos preceitos das regras e das leis São boas essas recordações elas têm um perfume de saudade e fazem com que sintamos a eternidade do tempo O tempo inflexível o tempo que como o moço é irmão da Morte vai matando aspirações tirando perempções trazendo desalento e só nos deixa na alma essa saudade do passado às vezes composto de fúteis acontecimentos mas que é bom sempre relembrar1 O autor desse relato é Lima Barreto Jornalista ensaísta cronista da cidade do Rio de Janeiro ele foi um dos poucos escritores brasileiros a se definir como negro a si e à sua literatura isso a despeito de viver num país cujos dados censitários indicavam a existência de uma ampla maioria negra e mestiça O relato não parece ter sido escrito para ser lembrado ou legado à posteridade Ao contrário o desabafo foi deixado nas costas de um papel avulso do Ministério da Guerra instituição em que Lima trabalhava como amanuense funcionário público de posição não muito elevada na hierarquia do Estado ver imagem 2 Seu pai João Henriques de Lima Barreto por conta dos vínculos que tivera com a monarquia foi um dos primeiros desempregados da República passou a trabalhar como almoxarife e depois como administrador num asilo para loucos e já em 1912 estava aposentado do serviço público com o diagnóstico de insanidade mental A loucura na época considerada um dos estigmas da degeneração de raças mestiçadas perseguiria Lima desde então tendo ele próprio sido internado no Hospital Nacional de Alienados em duas ocasiões 1914 e 1918 Loucura desalento desigualdade exclusão eram termos comuns no vocabulário do escritor e definiam bem sua geração O documento não parece ser aleatório muito menos arbitrário Ele revela algumas características persistentes da nossa breve história ao menos quando datada a partir da descoberta do Brasil para alguns para outros o termo correto seria invasão na data redonda de 15002 Se muitos são os eventos contextos políticos e culturais que assinalam esses mais de cinco séculos de existência nacional alguns traços insistem teimosamente em comparecer na agenda local Um deles é justamente a nossa difícil e tortuosa construção da cidadania No percurso deste livro teremos oportunidade de acompanhar manifestações de claro civismo e entusiasmo público aliás como as que se deram em virtude da decretação da lei que aboliu a escravidão em 1888 mencionada por Barreto ver imagem 3 Nessa ocasião populares tomaram todos os cantos da praça onde de sua sacada a princesa Isabel anunciou a novidade aguardada havia muito Resultado de um ato do governo mas sobretudo da contínua pressão popular e civil a Lei Áurea apesar de sua grande importância era porém pouco ambiciosa em sua capacidade de prever a inserção daqueles em cujo jargão durante tanto tempo a cidadania e os direitos não constavam E por isso o caso é em si exemplar Ele lembra que atos como esse não poucas vezes vinham seguidos de reveses políticos e sociais os quais começavam a desenhar um projeto de cidadania inconclusa uma república de valores falhados conforme escreveria nosso autor É por essa razão que idas e vindas avanços e recuos fazem parte dessa nossa história que ambiciona ser mestiça como de muitas maneiras são os brasileiros apresenta respostas múltiplas e por vezes ambivalentes sobre o país não se apoia em datas e eventos selecionados pela tradição seu traçado não se pretende apenas objetivo ou nitidamente evolutivo uma vez que carrega um tempo híbrido capaz de agenciar diversas formas de memória Mais ainda é mestiça porque prevê não só mistura mas clara separação Numa nação caracterizada pelo poder de grandes proprietários rurais muitos deles donos de imensos e isolados latifúndios que podiam alcançar o tamanho de uma cidade autoritarismo e personalismo foram sempre realidades fortes a enfraquecer o exercício livre do poder público a desestimular o fortalecimento das instituições e com isso a luta por direitos Diz o provérbio popular que no Brasil quem rouba pouco é ladrão e quem rouba muito é barão como a legitimar uma noção hoje muito discutida e politizada de que no país o fato de ser abonado já é prova de isenção e de uma cidadania acima de qualquer suspeita Mas vale a pena anotar outro traço que se não é natural pois tratamos aqui de construções sociais e não biológicas é escandalosamente resistente e tem lugar cativo na história brasileira Certa lógica e certa linguagem da violência trazem consigo uma determinação cultural profunda Como se fosse um verdadeiro nó nacional a violência está encravada na mais remota história do Brasil país cuja vida social foi marcada pela escravidão Fruto da nossa herança escravocrata a trama dessa violência é comum a toda a sociedade se espalhou pelo território nacional e foi assim naturalizada Se a escravidão ficou no passado sua história continua a se escrever no presente A experiência de violência e dor se repõe resiste e se dispersa na trajetória do Brasil moderno estilhaçada em milhares de modalidades de manifestação Último país a abolir a escravidão no Ocidente o Brasil segue sendo campeão em desigualdade social e pratica um racismo silencioso mas igualmente perverso Apesar de não existirem formas de discriminação no corpo da lei os pobres e sobretudo as populações negras são ainda os mais culpabilizados pela Justiça os que morrem mais cedo têm menos acesso à educação superior pública ou a cargos mais qualificados no mercado de trabalho Marca forte e renitente a herança da escravidão condiciona até nossa cultura e a nação se define a partir de uma linguagem pautada em cores sociais Nós nos classificamos em tons e meiostons e até hoje sabemos que quem enriquece quase sempre embranquece sendo o contrário também verdadeiro Se a fronteira de cor é de fato porosa entre nós e não nos reconhecemos por critérios só biológicos se no país a inclusão cultural é uma realidade e se expressa em tantas manifestações que o singularizam a capoeira o candomblé o samba o futebol se nossa música e nossa cultura são mestiças em sua origem e particularidade não há como esquecer também os tantos processos de exclusão social Eles se expressam nos acessos ainda diferentes a ganhos estruturais no lazer no emprego na saúde e nas taxas de nascimento ou mesmo nas intimidações e batidas cotidianas da polícia mestra nesse tipo de linguagem de cor De tanto misturar cores e costumes fizemos da mestiçagem uma espécie de representação nacional De um lado a mistura se consolidou a partir de práticas violentas da entrada forçada de povos culturas e experiências na realidade nacional Diferente da ideia de harmonia por aqui a mistura foi matéria do arbítrio Ela é resultado da compra de africanos que vieram para cá obrigados e em número muito superior ao dos que foram levados a outras localidades O Brasil recebeu 40 dos africanos que compulsoriamente deixaram seu continente para trabalhar nas colônias agrícolas da América portuguesa sob regime de escravidão num total de cerca de 38 milhões de imigrantes3 Hoje com 60 de sua população composta de pardos e negros o Brasil pode ser considerado o segundo mais populoso país africano depois da Nigéria Além do mais e a despeito dos números controversos estimase que em 1500 a população nativa girasse em torno de 1 milhão a 8 milhões e que o encontro com os europeus teria dizimado entre 25 e 954 De outro lado no entanto é inegável que essa mesma mescla sem igual gerou uma sociedade definida por uniões ritmos artes esportes aromas culinárias e literaturas mistas Talvez por isso a alma do Brasil seja crivada de cores Nossos vários rostos nossas diferenciadas feições nossas muitas maneiras de pensar e sentir o país comprovam a mescla profunda que deu origem a novas culturas porque híbridas de tantas experiências Diversidade cultural expressa no sentido único do termo é quiçá uma das grandes realidades do país totalmente marcado e condicionado pela separação mas também pela mistura que resulta desse processo longo de mestiçagem Construída na fronteira a alma mestiça do Brasil resultado de uma mistura original entre ameríndios africanos e europeus é efeito de práticas discriminatórias já centenárias mas que ao mesmo tempo levam à criação de novas saídas Como dizia Riobaldo Tatarana um personagem dileto do escritor Guimarães Rosa por cativa em seu destinozinho de chão é que árvore abre tantos braços e se a alma é híbrida são muitos os braços do Brasil O Brasil com frequência escapa aos lados opostos da moeda construindo práticas culturais que mancham barreiras mais óbvias e assim nos distinguem e nos incluem no mundo sempre na condição de brasileiros Existem ainda outras facetas que fazem parte da cara e da expressão do país Sarcástico Lima Barreto termina seu texto em tom de desabafo Tenazmente ficamos a viver esperando esperando O quê O imprevisto o que pode acontecer amanhã ou depois quem sabe se a sorte grande ou um tesouro descoberto no quintal É a essa mania nacional de procurar pelo milagre do dia pelo imprevisto salvador que o historiador Sérgio Buarque de Holanda em seu clássico livro Raízes do Brasil de 1936 chama de bovarismo Aliás a palavra foi usada também pelo literato carioca que a partir do mesmo conceito desfaz de nosso vício de estrangeirismo e de tudo copiar como se fosse matériaprima nossa Já Buarque de Holanda afirma que o conceito se refere a um invencível desencanto em face das nossas condições reais5 O termo tem origem na famosa personagem Madame Bovary criada por Gustave Flaubert e define justamente essa alteração do sentido da realidade quando uma pessoa se considera outra que não é O estado psicológico geraria uma insatisfação crônica produzida pelo contraste entre ilusões e aspirações e sobretudo pela contínua desproporção diante da realidade Imaginese contudo o mesmo fenômeno passado do indivíduo para toda uma comunidade que se concebe sempre diferente do que é ou aguarda que um inesperado altere a danada da realidade Segundo Holanda e Barreto brasileiros teriam um quê de Bovary No futebol espécie de metáfora maior da nacionalidade brasileira aguardamos sempre que algo aconteça e resolva a partida A vontade é de torcer para que algum elemento mágico e imprevisto caia dos céus suspendendo o malestar e solucionando problemas em vez de ser a de planejar mudanças substantivas e duradouras Faz algum tempo achamos por bem nos identificar como Brics apostando na noção de que o que nos une a países como Índia China Rússia e África do Sul é o fato de sermos economias que vêm obtendo um crescimento econômico inédito e de certa maneira mais autônomo Se o Brasil conheceu um crescimento realmente espantoso se já se comporta como a sétima maior potência mundial e conta com muitos e ainda pouco explorados recursos vale não deixar de lado temas decisivos de nossa agenda social nas áreas do transporte da saúde da educação e do direito à moradia os quais apesar das inúmeras e reconhecidas melhorias continuam castigando o cotidiano nacional Bovarismo serve ainda para nomear um mecanismo muito singular de evasão coletiva que nos permite recusar o país real e imaginar um Brasil diferente do que é já que esse não nos satisfaz e pior nos sentimos impotentes para modificálo Entre o que se é e o que se acredita ser já fomos quase tudo na vida brancos negros mulatos incultos europeus norteamericanos e Brics Gênero de deslocamento tropical do famoso ser ou não ser no Brasil não ser é ser Ou então nas palavras de Paulo Emílio Sales Gomes essa seria a penosa construção de nós mesmos que se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e o ser outro6 O conceito explicaria também uma antiga mania local a de olhar para o espelho e se enxergar sempre diferentes Ora mais portugueses ora franceses ora mais americanos ora mais atrasados ora até adiantados mas sempre diferentes Em vários contextos de nossa história esse tipo de construção idealizada do país se transformou num fermento da nacionalidade De toda maneira e a despeito das ambiguidades constitutivas desses discursos nacionais importa mais destacar que nações de passado recente e colonial a exemplo da nossa têm a mania de fazer da identidade algo parecido com um colchão inflável e achar por bem e sentir profundamente que ela está sempre em questão Sabemos porém que identidades não são fenômenos essenciais e muito menos atemporais Ao contrário elas representam respostas dinâmicas políticas e flexíveis uma vez que reagem e negociam diante das diversas situações Talvez por isso preferimos nos aferrar igualmente à ideia de que a plasticidade e a espontaneidade fariam parte das nossas práticas e formariam um éthos nacional A concordar com esse bordão seríamos o país do improviso que dá certo e também por aí se explicaria o provérbio que mal esconde a certeza Deus é brasileiro E dálhe mandinga toda sorte de promessas preces e rezas que mais uma vez misturam crenças na hora de apostar no milagre O bovarismo nacional faz par com outra característica que tem nos definido enquanto nacionalidade o familismo ou o costume arraigado de transformar questões públicas em questões privadas Entre nós o bom político é um familiar poucas vezes chamado pelo sobrenome já que é mais reconhecido pelo primeiro nome ou por um apelido Dilma Jango Juscelino Lula Getúlio Não por coincidência os generais da ditadura eram chamados pelo sobrenome Castello Branco Costa e Silva Geisel Médici e Figueiredo Conforme propôs Sérgio Buarque de Holanda o país foi sempre marcado pela precedência dos afetos e do imediatismo emocional sobre a rigorosa impessoalidade dos princípios que organizam usualmente a vida dos cidadãos nas mais diversas nações Daremos ao mundo o homem cordial dizia Holanda não como forma de celebração antes lamentando a nossa difícil entrada na modernidade e refletindo criticamente sobre ela Do latim cor cordis derivase cordial palavra que pertence ao plano semântico vinculado a coração e ao suposto de que no Brasil tudo passa pela esfera da intimidade aqui até os santos são chamados no diminutivo num impressionante descompromisso com a ideia de bem público e numa clara aversão às esferas oficiais de poder O pior é que mesmo Holanda foi reprovado pela ideologia do senso comum Sua noção de cordial na visão popular tem sido castigada pelo juízo invertido Foi reafirmada como um libelo das nossas relações cordiais sim mas cordiais no sentido de harmoniosas sempre receptivas e contrárias à violência em vez de ser entendida a partir de seu sentido crítico a nossa dificuldade de acionar as instâncias públicas Outro exemplo de como são duradouras nossas representações é a mania de congelar a imagem de um país avesso ao radicalismo e parceiro do espírito pacífico por mais que inúmeras rebeliões revoltas e manifestações invadam a nossa história de ponta a ponta Somos e não somos sendo a ambiguidade mais produtiva do que um punhado de imagens oficiais congeladas Boas ideologias são pois como tatuagem ou ideia fixa parecem ter o poder de se sobrepor à sociedade e gerar realidade De tanto escutar acabamos acreditando nesse país onde é bem melhor ouvir dizer do que ver7 Temos construído uma imagem tantas vezes sonhada de um país diferente por conta da imaginação da alegria e de um jeito particular de enfrentar dificuldades que acabamos nos espelhando nela Ora tudo isso pode ser muito bom e vale um retrato Mas o Brasil é repitase também campeão em desigualdade social e luta com tenacidade para construir valores republicanos e cidadãos Reconhecidas certas características que funcionam como um tipo de dialeto interno o segundo passo é quem sabe compreender de que forma esses fenômenos não são exclusivamente internos O país foi sempre definido pelo olhar que vem do exterior Desde o século XVI momento em que o Brazil nem era Brasil e sim uma América portuguesa profundamente desconhecida o território já era observado com consideráveis doses de curiosidade Tal qual o outro do Ocidente o Brasil surgia representado ora por estereótipos que o designavam como uma grande e inesperada falta de lei de hierarquia de regras ora pelo excesso de lascívia de sexualidade de ócio ou de festas A acreditar nessa perspectiva seríamos algo como uma periferia do mundo civilizado habitada por uma brasilidade gauche desajeitada mas muito alegre pacífica e feliz Na propaganda nos discursos que vêm do exterior o país é ainda entendido como um local hospitaleiro de valores exóticos e onde se pode buscar uma espécie de nativo universal já que por aqui se encontraria uma súmula dos povos estranhos de todos os lugares Ora se é inegável que o Brasil carrega consigo uma série de milagres inscritos no seu clima sempre agradável uma eterna primavera diriam os viajantes seiscentistas na ausência de catástrofes naturais furacões maremotos ou terremotos ou de ódios declarados reafirmados no corpo da lei esta também não é a terra da promissão ou do eterno futuro Tanto que há quem se esforce por ver no país outra possibilidade de solução dos impasses e das contradições do Ocidente Inspirados na ideia do canibalismo noção utilizada pelos primeiros viajantes explorada pelo filósofo Montaigne e devidamente relida no século XX sobretudo por Oswald de Andrade em seu Manifesto antropófago 1928 brasileiros têm a mania de se reinventar e traduzir falhas em virtudes e prognósticos ver imagem 4 Canibalizar costumes desafiar convenções enviesar supostos é ainda uma característica local um ritual de insubordinação e de não conformismo que quiçá nos distingue ou ao menos mantém acesa a boa utopia que é sempre bom admirar e guardar Tem sido assim desde a chegada das caravelas de Cabral ver imagem 6 para uns breve paraíso para outros inferno sem fim para outros ainda espécie de purgatório na Terra essa história continua atual apesar de inscrita e desenhada no passado Afinal já nos idos de 1630 frei Vicente do Salvador um franciscano que se tornou provavelmente nosso primeiro historiador escreveu um belo opúsculo ao qual chamou de História do Brazil O nome do país nem ao menos se escrevia com s e o frade já concluía Nenhum homem nesta terra é repúblico nem zela ou trata do bem comum senão cada um do bem particular Desde o início dessa curta história de cinco séculos e uns quebrados já era patente na exploração das terras que depois viriam a se constituir no Brasil um difícil processo de construção de formas compartilhadas de poder e zelo pelo bem comum Ao contrário do que supunha frei Vicente no entanto há virtude republicana entre nós Criar percursos imaginosos de construção de vida pública este é um remédio tipicamente brasileiro para enfrentar ou melhor dizendo para driblar o impasse gerado no interior de uma sociedade que se vale de muitos encontros e vários desencontros Por isso o país se desenvolveu e como veremos a partir de ambivalências e contrastes O Brasil é ao mesmo tempo uma nação marcada por altos gaps sociais e índices elevados de analfabetismo mas também por um sistema dos mais modernos e confiáveis de aferição de votos É aquele que introduz de maneira veloz em seu parque industrial as benesses da modernidade ocidental e o segundo em acessos ao Facebook mas que mantém congeladas no tempo áreas inteiras do território nacional sobretudo na Região Norte onde só se trafega na base das pequenas jangadas a remo ver imagem 5 Que possui uma Constituição avançada a qual impede qualquer forma de discriminação mas pratica um preconceito silencioso e perverso como já se disse duradouro e enraizado no cotidiano No país o tradicional convive com o cosmopolita o urbano com o rural o exótico com o civilizado e o mais arcaico e o mais moderno coincidem um persistindo no outro como uma interrogação A história do Brasil por suposto não cabe num único livro Até porque não há nação cuja história possa ser contada de forma linear progressiva ou mesmo de uma só maneira Assim aqui não se pretende contar uma história do Brasil mas fazer do Brasil uma história Ao contar uma história tanto o historiador quanto o leitor aprendem a treinar a imaginação para sair em visita como diria Hannah Arendt8 E é por levar a sério essa noção de visita que este livro deixará de lado a meta de construir uma história geral dos brasileiros para se concentrar na ideia de que a biografia talvez seja outro bom caminho para tentar compreender o Brasil em perspectiva histórica conhecer os muitos eventos que afetaram nossas vidas e de tal modo que continuam presentes na agenda atual Uma biografia é a evidência mais elementar da profunda conexão entre as esferas pública e privada somente quando estão articuladas essas esferas conseguem compor o tecido de uma vida tornandoa real para sempre Escrever sobre a vida do nosso país implica questionar os episódios que formam sua trajetória no tempo e ouvir o que eles têm a dizer sobre as coisas públicas sobre o mundo e o Brasil em que vivemos para compreendermos os brasileiros que somos e os que deveríamos ou poderíamos ter sido A imaginação e a multiplicidade das fontes são dois predicados importantes na composição da biografia Nela cabem os grandes tipos os homens públicos as celebridades cabem igualmente personagens miúdos quase anônimos Em nenhum dos casos porém cabe tarefa simples é muito difícil reconstituir o momento que inspirou o gesto É preciso calçar os sapatos do morto na definição preciosa de Evaldo Cabral conectar o público ao privado para penetrar num tempo que não é o nosso abrir portas que não nos pertencem sentir com sentimentos de outras pessoas e tentar compreender a trajetória dos protagonistas dessa biografia os brasileiros no tempo que lhes foi dado viver as intervenções que realizaram no mundo público de cada época com os recursos de que dispunham a determinação de viver segundo as exigências de seu tempo e não de acordo com as exigências do nosso tempo É ainda não ser indiferente à dor ou à alegria do brasileiro comum invadir o espaço da intimidade de personagens relevantes e escutar o som das vozes sem fama O historiador anda sempre às voltas com a linha difusa entre resgatar a experiência daqueles que viveram os fatos reconhecer nessa experiência seu caráter quebradiço e inconcluso e interpelar seu sentido Por estar atenta a tudo isso a biografia é também um gênero da historiografia Por motivo semelhante não vamos avançar de maneira sistemática além do período que marca o final da fase da redemocratização consolidada com a primeira eleição de FHC e sua posse em 1995 É nossa compreensão que a história dos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula ainda está se fazendo e que um novíssimo período da vida do país está sendo aberto O tempo presente é um pouco de cada um e quem sabe cabe ao jornalista anotálo com precisão e crítica Fica combinado portanto que não se pretende dar conta de toda a história do Brasil Vamos antes e tendo em mente as questões acima selecionadas narrar a aventura da construção de uma complicada sociedade nos trópicos Como dizia o escritor Mário de Andrade o Brasil arromba toda concepção que a gente faça dele Longe da imagem do país pacífico e cordato ou da alentada democracia racial a história que aqui se vai contar descreve as vicissitudes dessa nação que sendo profundamente misturada acomodou junto e ao mesmo tempo uma hierarquia rígida condicionada por valores partilhados internamente como um idioma social Visto desse ângulo e conforme provocava Tom Jobim o país não é para principiantes e precisa mesmo de uma boa tradução 1 PRIMEIRO VEIO O NOME DEPOIS UMA TERRA CHAMADA BRASIL Pedro Álvares Cabral rapaz que estava fugindo da calmaria encontrou a confusão isto é encontrou o Brasil Stanislaw Ponte Preta DAS VICISSITUDES DE UM MUNDO NOVO NOVO Difícil imaginar o impacto e o significado da descoberta de um Novo Mundo Novo porque ausente dos mapas europeus novo porque repleto de animais e plantas desconhecidos novo porque povoado por homens estranhos que praticavam a poligamia andavam nus e tinham por costume fazer a guerra e comer uns aos outros Eram canibais afirmavam os primeiros relatos cheios de curiosidade exotismo e imaginação Foi o próprio navegador genovês Cristóvão Colombo responsável por comandar a frota que primeiro alcançou o continente americano em 12 de outubro de 1492 sob as ordens dos reis católicos da Espanha Fernando e Isabel quem cunhou o nome canibal O termo tem origem no idioma arawan língua falada por tribos indígenas da América do Sul povos caraíbas antilhanos cuja derivação espanhola caribal do Caribe logo foi associada a práticas reportadas por viajantes europeus que se referiam preocupados a costumes antropofágicos locais O nome também foi vinculado a can cão e a Cam personagem bíblico mencionado no livro de Gênesis Filho mais novo de Noé Cam pai de Canaã rira da embriaguez do pai desacordado e por isso fora amaldiçoado e condenado a ser servo dos servos Assim pavimentavase o caminho religioso para as futuras justificativas da escravização não só dos índios como dos negros africanos ambos considerados descendentes da maldição de Cam No diário de sua primeira viagem ao Caribe realizada entre 1492 e 1493 o explorador menciona entre curioso e indignado que os nativos das ilhas tinham o costume de comer carne humana e assim os chama de caribes ou canibes O nome virou adjetivo na segunda viagem de Colombo às Antilhas que teria ocorrido entre 1493 e 1496 e a difusão da prática do canibalismo nas Américas ajudou a consolidar um novo propósito o de escravizar os nativos ver imagens 811 Na carta que escreveu à Coroa Colombo asseverava que eles eram preguiçosos andavam nus eram carentes de vergonha pintavam o corpo para a guerra e usavam apenas tatuagens braceletes e colares para cobrir as intimidades O argumento era que os canibais estavam longe dos valores da humanidade ocidental mas poderiam ser úteis como bons escravos Nas missivas que enviou Américo Vespúcio também reafirma a presença de canibais na América Uma suposta carta sua endereçada a Lorenzo di Pierfrancesco de Medici e publicada como livro sob o título Mundus Novus em 1504 tornouse logo um grande sucesso merecendo edições em diferentes partes da Europa As observações de Vespúcio causaram ainda maior impacto que as de Colombo uma vez que descreviam cenas de canibalismo a partir de testemunho pessoal do autor e além disso eram ilustradas por gravuras A argumentação convincente de Vespúcio acompanhada de uma narrativa visual igualmente sedutora contribuiu decisivamente para a difusão de uma representação negativa dos nativos americanos como homens sem ordem e sem fé sem noções de propriedade território e dinheiro ignorantes de instituições como a família e o casamento1 Ademais vinculouse a imagem da nova terra à de uma gente decadente Aí estava outra humanidade que parecia adormecida diante dos valores do Velho Mundo As notícias que chegavam acerca dessa porção portuguesa das Américas com sua natureza paradisíaca a contrastar com as práticas humanas consideradas diabólicas acenderam também a imaginação europeia e a ideia da existência de um território desconhecido aos olhos e ao coração abria outro capítulo na história da humanidade A história do Brasil a canônica seria contada a partir do feito dos descobridores que não só inauguraram como deram um sentido ao novo território português e às suas populações Paradoxalmente porém essa narrativa oficial e metropolitana seria para sempre alterada com a entrada desses personagens parcela perdida da humanidade que não se sabia como classificar entender ou nomear2 Mas se a reação de espanto marcou o tom geral as crônicas de viajantes descreviam monstros marinhos animais gigantescos e uma gente guerreira e canibal hoje não se acredita mais nem sequer na tese de que o encontro das terras tenha sido obra do acaso Depois do estabelecimento do caminho marítimo para as Índias por Vasco da Gama em 1499 a Coroa portuguesa logo preparou nova expedição tendo como base as informações recolhidas pelo navegante E essa era mesmo a melhor saída para o pequenino reino português que ficava justamente na boca do Atlântico a um salto do mar O país passara por uma unificação nacional precoce resultado dos anos de luta pela reconquista do território peninsular ocupado pelos mouros estando o processo concluído em 1249 por d Afonso III com a recuperação definitiva do Algarve A unificação e o desenvolvimento náutico e de instrumentos marítimos fizeram de Portugal o país certo para as grandes navegações E não por coincidência o marco inicial para a formação do Império português o mais duradouro império colonial com domínios nos quatro continentes é a conquista de Ceuta na costa ocidental da África em 1415 Desde o princípio o impulso para o expansionismo em Portugal seria pautado por interesses comerciais militares e evangelizadores equilibrados em boas doses Mas entre os séculos XIV e XV o que mais animou os portugueses a procurar por novas rotas foi o mercado de especiarias provindas do Oriente O termo especiarias designava uma série de produtos de origem vegetal de aroma ou sabor acentuado utilizados como tempero e na conservação de alimentos mas também como óleos unguentos incensos perfumes ou medicamentos O consumo foi particularmente desenvolvido a partir das Cruzadas sendo as espécies tropicais pimentadoreino cravo canela e nozmoscada as mais estimadas no fim do século XIV Nativas da Ásia tais especiarias eram então muito valorizadas e seu preço subia a olhos vistos Acabaram virando moeda e se tornando parte de dotes de nobres e princesas de heranças reservas de capitais e divisas do reino Podiam ainda ser usadas em escambos para pagar serviços fazer acordos selar obrigações religiosas ou se redimir de impostos bem como no suborno de altos funcionários Com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos em 29 de maio de 1453 porém esse rico comércio encontrou obstáculos as rotas caíram sob controle turco e ficaram bloqueadas para os mercadores cristãos Foi para contornar esse problema que Portugal e Espanha passaram a organizar expedições de exploração visando encontrar rotas alternativas por terra e por mar Era esse o objetivo de Portugal quando investiu numa nova via procurando garantir o monopólio final do comércio Optouse por um caminho que implicava uma inédita e arriscada manobra circundar o desconhecido continente africano cujo percurso completo levou mais de um século para ser realizado Mas a demora virou proveito e Portugal instalou feitorias no litoral africano vale dizer estabeleceu pontos estratégicos para uma colonização presente e futura A chegada ao Oriente consolidou a rota que foi logo denominada de Périplo Africano O termo périplo designava o bom augúrio da empreitada uma longa viagem em que se retorna com sucesso ao ponto de origem No entanto como a linguagem é sempre sujeita às oscilações e humores de época a falta de progressos no empreendimento acarretou a adição de um novo sentido mais negativo ao termo a noção de mal de Sísifo A exemplo do mito grego em que o herói mesmo que por pouco tempo consegue desafiar e vencer a morte a expressão passou a designar todos aqueles que operavam façanhas acima de suas forças Já no caso português e diante do ceticismo geral ela se referiria a um périplo sem fim e que levaria a lugar nenhum Mas tudo seria diferente a rota gerou extraordinários dividendos marcando simbolicamente a entrada de Portugal na era moderna e constituindo o ponto de partida para a construção de um largo e poderoso império ver imagem 7 Nesse momento também a Espanha passava por um processo de expansão colonial O reino espanhol que se unificara como Estado Nacional em 1492 lançarase ao mar na busca de uma nova rota para o Oriente através do Ocidente E para evitar outras guerras numa Europa já habituada às batalhas envolvendo nações em litígio logo em 7 de junho de 1494 era assinado um acordo o Tratado de Tordesilhas que objetivava dividir as terras descobertas e por descobrir fora do Estado por ambas as Coroas O acordo representava o resultado imediato da contestação portuguesa às pretensões da Coroa espanhola que um ano e meio antes chegara ao que se acreditava serem as Índias mas que se tratava de um Novo Mundo reclamandoo oficialmente a Isabel a Católica Nem se sabia onde esse mundo ia dar mas ele já tinha dono e certificado de origem3 O Tratado de Tordesilhas teve um antecedente a bula Inter Caetera assinada pelo papa Alexandre VI em 4 de maio de 1493 que dividiu as novas terras do globo entre Portugal e Espanha Na prática as terras situadas até cem léguas a oeste a partir das ilhas de Cabo Verde seriam de Portugal e as que ficassem além dessa linha da Espanha Por receio de perder possíveis conquistas uma revisão foi proposta por Portugal que conseguiu mudar os termos da bula O Tratado de Tordesilhas assinado pelas duas Coroas definiu como linha de demarcação o meridiano que ficava 370 léguas a oeste de uma ilha não especificada do arquipélago de Cabo Verde então pertencente aos portugueses Dessa forma a linha imaginária encontravase a meio caminho entre o arquipélago e as ilhas das Caraíbas descobertas por Colombo Legislava o tratado ainda que os territórios a leste desse meridiano pertenceriam a Portugal e os a oeste à Espanha O tratado seria ratificado pela Espanha em 2 de junho e por Portugal em 5 de setembro de 1494 como se o mundo real ou tantas vezes imaginado pudesse ser dividido em dois em duas metades e sem maiores contestações O Brasil por exemplo que nessa época não existia nos mapas dos grandes cosmógrafos e não havia entrado na história ocidental já estava incluído no pacote a linha do tratado cercava o país nas proximidades de onde hoje se encontram Belém no Pará e Laguna no atual estado de Santa Catarina Mas Portugal parecia pouco interessado em explorar esse seu mapa imaginário ao menos naquele momento até porque com as riquezas e lucros obtidos no Oriente as contas já fechavam Mesmo assim nova expedição foi organizada em 1500 dessa vez sob o comando do capitãomor Pedro Álvares de Gouveia membro da pequena nobreza e que levava o nome de família da mãe d Isabel de Gouveia O navegador assumiu depois o nome de seu pai Fernão Cabral alcaide da cidade de Belmonte sendo a partir de então conhecido como Pedro Álvares Cabral Dele pouco se sabe aliás como de boa parte dos navegadores Enviado à corte de d Afonso V em 1479 quando tinha doze anos Cabral educouse em Lisboa estudou humanidades e foi formado para pegar em armas pela pátria Com cerca de dezessete anos em 30 de junho de 1484 Cabral era nomeado moço fidalgo do primeiro grau da nobreza da casa de d João II título sem maior relevância e geralmente concedido a jovens nobres e recebeu uma tença um favor real em reconhecimento por serviços prestados no valor de 26 milréis De fidalgo da casa real teria chegado a cavaleiro da Ordem de Cristo em 1494 a mais importante ordem de cavalaria de Portugal Recebeu ainda um subsídio anual de 40 milréis valor que deve ter sido estipulado por conta das viagens empreendidas por Cabral a exemplo de outros jovens nobres ao Norte da África Apesar de não ter restado nenhuma imagem detalhada do navegador sabese que era forte e tinha a altura de seu pai um metro e noventa Relatos também o descrevem como culto cortês tolerante com os inimigos e bastante vaidoso como era próprio dos fidalgos que chegavam a essas posições De toda maneira era considerado homem avisado de bom saber e apesar de não ser muito experiente4 foi colocado no comando da maior frota que já zarpara de Portugal rumo a lugares tão longínquos quanto desconhecidos Restaram porém poucos documentos acerca dos critérios utilizados pelo governo português para escolher o navegador como comandante da expedição à Índia No decreto que o nomeia capitãomor mencionase apenas mérito e serviços Sabese também que o rei conhecia bem sua corte além de ser famosa a lealdade da família de Cabral à Coroa portuguesa Por outro lado o fidalgo fazia parte do conselho do soberano o que pode ter ajudado a desempatar uma parada feita de muita intriga política Há quem diga ainda que essa teria sido uma manobra deliberada no sentido de equilibrar facções nobres uma vez que a despeito das qualidades pessoais de Cabral ele não possuía grande experiência no comando desse tipo de expedição Afinal é bom lembrar que para a mesma viagem navegadores mais experientes como Bartolomeu Dias Diogo Dias e Nicolau Coelho foram selecionados somente como capitães de navios e velejaram sob a liderança do fidalgo Tal hierarquia era determinada também por critérios econômicos O maior salário era o do capitãomor Cabral recebeu 10 mil cruzados antiga moeda portuguesa que equivalia a 35 quilos de ouro e o direito de comprar trinta toneladas de pimenta e mais dez caixas de qualquer outra especiaria às próprias custas e revendêlas na Europa livre de impostos Assim embora a viagem trouxesse muitos perigos ela poderia garantir que Cabral após o retorno se tornasse um homem verdadeiramente rico já que as especiarias apesar de muito demandadas eram extremamente raras5 Os capitães de cada nau receberam mil cruzados sobre cada cem tonéis de arqueação de seu navio assim como seis caixas forras e cinquenta quintais de pimenta6 Um marinheiro ganhava dez cruzados por mês e dez quintais de pimenta cada grumete a metade disso e ao pajem pagavase um terço Além deles havia o contramestre e o guardião que recebiam como um marinheiro e meio Ainda embarcavam padres que no altomar cumpriam tanto o papel de orientadores espirituais quanto o de médicos e prostitutas muitas vezes levadas escondidas em meio à tripulação Masculino por excelência esse mundo não abria mão das mulheres sospeitosas que por vezes engravidavam e tinham seus filhos em pleno mar O empreendimento contava com uma tripulação composta de cerca de mil homens sendo setecentos designados como soldados embora não passassem de plebeus comuns filhos de camponeses muitas vezes apanhados à força e sem maior treinamento E nessa verdadeira cidadela flutuante problemas não faltavam Dentre eles um dos mais graves era a escassez de comida O padre Fernando Oliveira que costumava acompanhar viagens como essa aconselhava previdente No mar não há vendas nem boas pousadas nas terras do inimigo por isso cada um vá provido de sua casa7 O capitão era o único que tinha o privilégio de embarcar galinhas quase sempre usadas para alimentar doentes além de cabritos porcos e por vezes vacas Mas esse tipo de bagagem não era partilhado com a tripulação que em geral passava fome Numa viagem sem incidentes a comida embarcada mal satisfazia as necessidades básicas dos marinheiros O cenário piorava muito diante de calmarias ou de imperícias dos pilotos que provocavam alongamentos indesejáveis e inesperados ocasionando uma carestia geral no navio O principal alimento era o biscoito seco cuja história aliás confundese com a da navegação O vinho era também presença obrigatória sendo a ração diária calculada em uma cana um quarto de litro na mesma proporção que a água potável usada para beber e cozinhar Esta era porém acumulada em tonéis nem sempre apropriados que estimulavam a proliferação de bactérias causando infecções e diarreias na tripulação A carne era controlada e distribuída a cada dois dias Na ausência dela ofereciase queijo ou peixe e arroz quando disponível Outro problema frequente era a armazenagem Como o grosso dos alimentos embarcava junto com a tripulação no início da viagem era comum ocorrerem infestações de ratos baratas e besouros que disputavam a comida com igual voracidade Não havia banheiros nesses navios pequenos assentos eram pendurados sobre a amurada o que deixava um fedor permanente no convés Com tantos problemas de higiene as doenças garantiam presença durante as travessias Escorbuto mais tarde também chamado de mal de luanda ou mal de gengivas provocado pela carência de vitamina C e enfermidades pleuropulmonares eram as mais frequentes Em vista das mortes praticamente diárias a única saída era estender os cadáveres no convés até que um religioso fizesse uma breve oração e por fim os corpos fossem atirados na água No caminho desses mares desconhecidos também não faltaram cenas de violência roubos e toda sorte de corrupção Quanto maior a incerteza maior o número de crimes agressões e atritos Para lidar com tamanha insegurança restavam poucas diversões jogos de carta teatros coletivos a leitura de livros religiosos e profanos e procissões em torno do convés A exploração marítima era uma atividade no limite privada mas totalmente financiada pela família real e supervisionada de perto pelo próprio rei Implicava investimentos vultosos e representava enorme risco pessoal que precisava ser bem recompensado para valer a pena Em troca a monarquia se reservava o direito de controlar qualquer conquista distribuir terras e ter monopólio dos ganhos Por tudo isso uma partida como essa também precisava ser ritualmente comemorada E a armada que saiu do Tejo em 9 de março de 1500 ao meiodia era de monta contava com treze navios provavelmente dez naus e três caravelas O ano era de data redonda prometendo bons augúrios e a estação adequada para a travessia no Atlântico Sul que ainda surpreendia os desavisados com muitos e desagradáveis acontecimentos No dia anterior a tripulação recebera uma despedida pública que incluiu celebrações e uma missa com a presença do rei Desde que o navegador português Bartolomeu Dias dobrara o extremo sul do continente africano em 1488 e o denominara de cabo das Tormentas uma homenagem ao revés aludindo ao mal de são Cosme cujas chuvas fétidas manchavam as roupas e provocavam abscessos na pele dos marinheiros e sobretudo depois de a notícia correr o mundo e chegar aos ouvidos do rei João II que mudou o nome do acidente geográfico para cabo da Boa Esperança os lusos julgavamse senhores dos mares e bafejados pela sorte Afinal qualquer que fosse o nome esse cabo era o caminho certo que ligava o oceano Atlântico ao oceano Índico e o mundo nunca parecera aos portugueses tão navegável pequeno até Mas oceanos continuavam a esconder mistérios monstros tormentas mares que terminavam em imensas cachoeiras e todo tipo de perigo O Atlântico era um incógnito mar como descreveu Valentim Fernandes em ato notarial de 20 de maio de 15038 Durante os dez anos entre a passagem de Bartolomeu Dias pelo Sul da África e a partida da armada de Vasco da Gama em 1497 o oceano funcionara como um laboratório de experimentação Não obstante se não existiam certezas também não havia absoluto acaso Por isso a esquadra de Cabral navegou direto para o arquipélago do Cabo Verde evitando a costa africana para fugir das temidas calmarias equatoriais Tudo indica precisão e a noção de que o comando seguia roteiro conhecido A frota passou por Grã Canária na manhã de 14 de março e seguiu rumo a Cabo Verde colônia portuguesa no Oeste da África local onde aportaram em 22 de março No dia seguinte uma nau pertencente à mesma expedição com 150 homens e comandada pelo experiente Vasco de Ataíde desapareceu sem deixar vestígio Maus presságios se abateram sobre a tripulação temerosa com esse mar novo e pouco navegado Em geral a tripulação não era muito avisada acerca dos objetivos da empreitada E diante da falta de notícias a respeito daquelas partes do mundo o desconhecimento e as dúvidas só podiam ser compensados por uma sobrecarga de visões fantasiosas que abarcavam tesouros e montanhas de ouro disponíveis para os exploradores mas também monstros e qualquer peixe maior já fazia esse papel e toda sorte de perigo ignorado Nesse caso porém a imaginação era respaldada pela realidade Naufrágios e acidentes não eram exceções muito pelo contrário De acordo com dados da Coroa de 1497 a 1612 dos 620 navios que largaram do Tejo 381 não regressaram a Portugal desses 285 ficaram no Oriente 66 naufragaram vinte arribaram seis incendiaramse e quatro foram tomados por inimigos9 Tempestades sobrecarga más condições de navegação má qualidade das madeiras das caravelas que em geral aguentavam só uma longa viagem marítima cumpriam papel decisivo nessa agenda de infortúnios Mas a frota portuguesa mesmo com tantas intempéries seguiu em frente e cruzou em 9 de abril a linha do equador afastandose do continente africano Utilizaram a técnica do volta mar manobra conhecida pelos portugueses que consistia em descrever um largo arco para evitar a zona central de calmaria e assim aproveitar os ventos e correntes favoráveis A manobra deu certo Já em 21 de abril Caminha anotava a existência de alguns sinais de terra algas marinhas e sujeiras no mar No dia 22 a armada de Cabral que seguia no caminho das Índias se deparou com terra a ocidente Primeiro notaramse algumas aves que foram chamadas de furabuxos depois um grande monte muito alto e redondo logo nomeado monte Pascoal uma vez que aquela era a semana da Páscoa o local por fim foi chamado de Terra de Vera Cruz A reação inicial foi de encanto diante dessa terra nova que se ora nesta navegação achou mas também de vontade de posse assim imediatamente se criaram nomes para tudo que se descobria São duas as narrativas sobre o novo domínio escritas entre 26 de abril e 1º de maio no atual estado da Bahia O espanhol João Faras ou João Emeneslau mais conhecido como Mestre João faz a descrição inaugural do céu e das estrelas do Novo Mundo julgando estas últimas definitivamente novas principalmente as da Cruz Essa seria a primeira observação europeia do Cruzeiro do Sul constelação que viraria marca e símbolo do país Pero Vaz de Caminha o escrivão da armada de Cabral que já tinha cerca de cinquenta anos quando foi apontado para servir naquela viagem era homem de confiança tendo trabalhado como cavaleiro das casas de d Afonso V de d João II e de d Manuel I É de autoria dele a Carta endereçada ao rei de Portugal e hoje considerada oficialmente uma espécie de certidão de nascimento do Brasil documento fundador e marco da origem da nossa história Nela Caminha desenvolve longa e deslumbrada descrição Testemunhou de maneira exultante o achamento desta Vossa terra nova que se ora nesta navegação achou Aos olhos da tripulação e de seu portavoz tratavase definitivamente de um lugar novo recémachado Como diz o ditado achado não é roubado e a ideia era logo registrar a propriedade mesmo que não se soubesse o que se ia encontrar E o que se achou foi uma suposta nova humanidade Afinal logo depois do feito dos portugueses começaram a correr várias teorias curiosas sobre a origem dos índios Paracelso em 1520 acreditava que eles não descendiam de Adão e que eram como os gigantes as ninfas os gnomos e os pigmeus Cardano em 1547 apostava que os indígenas surgiam como uma geração espontânea a partir da decomposição de matéria morta como as minhocas e os cogumelos Já Pero Vaz assim relatou o que viu todos pardos todos nus sem nenhuma cousa que cobrisse suas vergonhas E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos E eles os depuseram Mas não pôde deles haver fala nem entendimento que aproveitasse por o mar quebrar na costa Somente deulhes um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto E um deles lhe deu um sombreiro de penas de ave compridas com uma copazinha de penas vermelhas e pardas como de papagaio A descrição dá início a uma tópica ainda hoje frequente no país que entende a conquista como um encontro pacífico a despeito das diferenças políticas culturais e linguísticas Essa nova gente capturou a curiosidade de Caminha A feição deles é serem pardos um tanto avermelhados de bons rostos e bons narizes bemfeitos Andam nus sem nenhuma cobertura Nem fazem mais caso de cobrir nem mostrar suas vergonhas e estão acerca disso com tanta inocência como têm em mostrar o rosto O escrivão se espanta com suas peles vermelhas e cabelos escorregadios e ademais com o fato de serem bonitos de corpo e alma Começava com essa percepção certa ladainha de vida longa que construiu a imagem de um bom selvagem brasileiro muito retomada nos relatos franceses e sobretudo por Rousseau no século XVIII Mas o que para ele seria apenas um modelo bom para criticar a Europa e a civilização e nada tinha a ver com observação direta aqui ganha um jeito de realidade Esses eram bons gentios que podiam ser catequizados e assumir a boafé Tanto que no domingo de Pascoela se levantou um altar de madeira para que uma missa fosse oficiada pelos padres e sacerdotes Lá estava o capitão e a bandeira de Cristo vinculando os feitos dos homens às façanhas divinas E pregou uma solene e proveitosa pregação da história evangélica e no fim tratou da nossa vinda e do achamento desta terra referindose à Cruz Por fim na sextafeira primeiro dia de maio procurouse rio acima o melhor lugar para arvorar uma cruz que ela fosse vista de todos os lados Feita a cruz e a divisa da monarquia o padre frei Henrique rezou a missa que foi seguida ainda segundo Caminha por cinquenta ou sessenta deles assentados todos de joelho junto com os demais membros da esquadra Na hora do Evangelho quando todos se ergueram com as mãos levantadas o escrivão anotou bem o mesmo gesto dos nativos Chegaram até a comungar espantouse Um deles homem de cinquenta ou 55 anos ficou ali com aqueles que ficaram E andando assim entre eles falandolhes acenou com o dedo para o altar e depois mostrou o dedo para o céu como se lhes dissesse alguma coisa de bem e nós assim o tomamos Evidentemente deslumbrado o relato de Caminha inaugurava também outro mito recorrente O da natureza pacífica de uma conquista sem violência uma comunhão que unificou a todos num mesmo coração e religião Estranho processo que definiria o Brasil como um país da ausência de conflito como se os trópicos por algum milagre ou dádiva tivessem o poder de aliviar tensões e inibir guerras Na Europa as lutas dividiam e sangravam nações já no Novo Mundo se guerras existiam elas eram segundo os relatos europeus só internas O encontro havia de ser sem igual e entre iguais por mais que o tempo mostrasse o oposto genocídio de um lado conquista de outro A essas alturas os portugueses já iam se julgando donos e senhores dos destinos da nova terra de seus limites e nomes No entanto a descoberta não alterou de imediato a rotina e os interesses dos lusitanos que então só tinham olhos para o Oriente Por isso durante certo tempo a vasta área ficou reservada para o futuro Mas a concorrência internacional ameaças estrangeiras e os questionamentos acerca do bilateral Tratado de Tordesilhas não permitiriam que a calmaria ali fosse eterna Espanhóis já estavam na costa nordeste da América do Sul e ingleses e franceses contestando a divisão luso espanhola do globo logo invadiriam diferentes pontos do litoral Francisco I da França ao questionar o famoso acordo deixou frase lapidar Gostaria de ver a cláusula do testamento de Adão que dividiu o mundo entre Portugal e Espanha e me excluiu da partilha E já na década de 1530 ficou evidente para d João III que apenas a soberania do papa legitimando o tratado não daria conta de afugentar os corsários franceses os quais com frequência cada vez maior se estabeleciam nas possessões americanas A saída foi criar várias frentes colonizadoras basicamente independentes que muitas vezes guardavam mais comunicação com a metrópole do que entre si O sistema administrativo adotado foi o das capitanias hereditárias ver imagem 14 que já era utilizado com bastante sucesso em domínios lusitanos como Cabo Verde e ilha da Madeira A filosofia era simples como a Coroa tinha recursos e pessoal limitados delegou a tarefa de colonização e de exploração de vastas áreas a particulares doando lotes de terra com posse hereditária A partir de 1534 a metrópole dividiu o Brasil entre catorze capitanias quinze lotes e doze donatários Como se desconhecia o interior do território a saída foi imaginar faixas litorâneas paralelas desde a costa que adentrariam até o sertão Todos os beneficiados pela medida eram egressos da pequena nobreza lusitana sendo sete deles membros destacados nas campanhas na África e na Índia e quatro altos funcionários da corte O sistema previa que o donatário tivesse o poder supremo e de jurisdição sobre sua capitania podendo desenvolver a terra e escravizar indígenas O isolamento era porém grande e danoso Tanto que em 1572 a Coroa dividiu a administração em dois governos gerais o Governo do Norte com capital em Salvador era encarregado de cuidar da região que ia da capitania da Baía de Todos os Santos até a capitania do Maranhão O Governo do Sul com sede no Rio de Janeiro ficava com o controle da região que ia de Ilhéus até o Sul Criavamse pois territórios dentro de territórios regiões que mal se reconheciam como pertencentes a um mesmo espaço administrativo e político Por sinal uma vez achado esse estranho mundo bem no caminho das Índias deviase pelo menos nomeálo10 Por muito tempo os portugueses teriam poucas noções sobre o território e guardariam todo tipo de indefinição Por isso também e para contornar o desconhecimento as expedições que vasculharam a costa e que foram sendo enviadas desde 1501 passaram a dar nomes a acidentes geográficos a medir e classificar latitudes apostando na ideia de que se tratava mesmo de um novo continente Apesar de não haver tanto interesse nessa terra até porque por lá não se encontraram de imediato as riquezas em prata ou ouro que fizeram a alegria dos espanhóis era preciso batizála Tanto Mestre João como Pero Vaz de Caminha nas cartas que escreveram chamaramna de Vera Cruz da verdadeira cruz de Santa Cruz Mas o termo continuou sob disputa e após 1501 o local foi denominado ora Terra dos Papagaios numa referência à ave que tinha todas as cores e falava por mais que ninguém entendesse o que dizia ora Terra de Santa Cruz aliás nome utilizado por d Manuel na missiva que enviou aos reis católicos Essa foi também a designação do local onde se realizou a primeira missa descrita longamente por Caminha e entendida como um nascimento militar e cristão do território Já segundo o relato coetâneo de João de Barros Cabral teria chamado a possessão de Santa Cruz por causa do Lenho Sagrado e associado o ato da missa ao sacrifício de Cristo agora na terra achada Ela deveria assim ser toda confiada a Deus cuja maior expressão estaria na conversão dos gentios11 Passados os primeiros tempos das notícias desencontradas e de tantos boatos foi preciso garantir o achado e impedir os ataques estrangeiros Tinhase que povoar e colonizar a terra mas também encontrar algum tipo de estímulo econômico Além de papagaios e macacos havia à disposição apenas uma madeira de tingir conhecida no Oriente como boa especiaria e que poderia alcançar altos preços na Europa Assim logo depois da viagem de Cabral outras expedições portuguesas alçaram velas para explorar o novo território e extrair a planta nativa O paubrasil era originalmente chamado ibirapitanga nome dado pelos índios Tupi da costa a essa árvore que dominava a larga faixa litorânea Alcançando até quinze metros a espécie apresentava troncos galhos e vagens cobertos por espinhos A madeira era muito utilizada na construção de móveis finos e de seu interior extraíase uma resina avermelhada boa para o uso como corante de tecidos Calculase que na época existiam 70 milhões de espécimes logo dizimados pelo extrativismo feito à base do escambo e a partir do trabalho da população nativa Já nos anos 900 dC o produto podia ser encontrado nos registros das Índias Orientais em meio a uma série de plantas que possibilitavam a produção de um corante vermelho Tanto a madeira como o corante eram conhecidos por diferentes nomes brecillis bersil brezil brasil brazily sendo todos derivados do nome latino brasilia cujo significado é cor de brasa ou vermelho Na Europa o primeiro registro do desembarque de uma kerka de bersil data de 1085 na França Já Américo Vespúcio na expedição de Gaspar de Lemos de 1501 anota a presença da rica madeira na embarcação E é em 1502 que tem início a exploração mais sistemática do paubrasil por colonizadores portugueses a qual a despeito de ser atribuído à madeira valor inferior ao das mercadorias orientais gerou grande interesse por vias tortas voltávamos ao comércio de especiarias A Coroa portuguesa logo declarou sua exploração um monopólio real portanto a atividade só poderia ser desenvolvida mediante pagamento de imposto A primeira concessão foi feita em 1501 a Fernando de Noronha o qual recebeu também uma ilha a ilha de São João que mais tarde seria convertida em capitania e ganharia o nome do donatário O trabalho era executado a partir da mão de obra indígena por meio da prática de escambo Os indígenas cortavam as árvores e as levavam até os navios portugueses ancorados à beiramar e em troca obtinham facas canivetes espelhos pedaços de tecido e outras quinquilharias Em 1511 dáse a primeira exportação do paubrasil para Portugal na nave Bretoa que saiu da Bahia com destino a Lisboa E lá se foram 5 mil toras de madeira macacos saguis gatos muitos papagaios e quarenta indígenas que atiçaram a curiosidade europeia12 Desde 1512 com a introdução do produto no mercado internacional o termo Brasil passou a designar oficialmente a América portuguesa Alguma flutuação na nomenclatura continuou a existir muitas vezes combinandose os nomes Terra Sante Crusis de lo Brasil e del Portugal Detrás do impasse terminológico residia entretanto uma disputa mais complexa entre o poder secular e o espiritual A cruz erguida naquele ermo local teria durado pouco e o demônio é que reinaria na nova terra Diziam inconformados os cronistas cristãos que à medida que aumentavam os carregamentos e o comércio interesses materiais venciam por sobre o lenho onde morrera Jesus João de Barros por exemplo lamentava que se desse mais importância ao nome de um pau que tinge panos do que ao daquele pau que deu tintura a todos os sacramentos por que fomos salvos pelo sangue de Cristo que nele foi derramado13 Começava então uma disputa entre o sangue derramado de Cristo e o vermelho da tintura que seria crescentemente associado ao diabo sobretudo a partir da obra de Pero de Magalhães Gândavo provavelmente um copista português da Torre do Tombo autor de História da província de Santa Cruz Gândavo defendia a volta do primeiro nome afirmando que fora obra do demônio buscar extinguir a memória de Santa Cruz Mas a querela ia ficando meio desgastada pois a colonização se impunha e tentava aglutinar o sentido mercantil à tarefa religiosa missionária e catequética O diabo continuava presente mas a luta era santa também A ambiguidade se instituiu nessa contenda acerca do nome a qual projetava outras inquietações que se abatiam sobre a nova colônia Nesse momento as representações começavam a misturar os produtos a terra e os nativos do Novo Mundo Sérgio Buarque de Holanda em Visão do Paraíso14 lembra uma antiga tradição celta que explicaria a origem do nome do país a partir de outra interpretação a paradisíaca Segundo essa versão existiriam ilhas atlânticas perdidas no tempo e no espaço cobertas por plantas como a urzela e de outra substância tintorial conhecida como sangue de dragão sendo que de ambas se retirava uma resina de cor púrpura O historiador defenderia ainda que o topônimo seria resultante de expressões irlandesas Hy Bressail e OBrazil cujo significado era ilha afortunada Ilhas são lugares por excelência da projeção idealizada na utopia A ilha do Brazil dos irlandeses é originalmente uma ilha fantasmagórica que sofre um deslocamento e reaparece no século XV próxima aos Açores e ao mito da ilha dos BemAventurados de São Brandão A perfeição do lugar descrito por Caminha aproximase da utopia da ilha do Brazil Essa explicação daria conta também do nome Obrasil encontrado em vários mapas do início do XVI A inspiração irlandesa era religiosa e de tradição paradisíaca e perseguiria com teimosia os cartógrafos do período Apareceria pela primeira vez em 1330 designando uma ilha misteriosa e ainda em 1353 estaria presente numa carta inglesa De toda forma existia na época do achamento mais essa clara associação entre indígenas de vida longa e edênica e outras terras misteriosas E o mistério se manteria intocado por muito tempo assim como a ambivalência que deixava irresolvida a disputa entre o pau vermelho em brasa e o lenho de Cristo O melhor mesmo era acender uma vela para Deus e soprar outra para o Diabo15 PARAÍSO OU INFERNO A NATUREZA E OS NATURAIS NOS RELATOS SEISCENTISTAS Brasil Terra de Santa Cruz Terra dos Papagaios América portuguesa ou qualquer que fosse o nome escolhido designava uma ambivalência mas também uma certeza esse local nascera desempenhando o papel de um outro fosse na sua natureza ou nos seus naturais16 Não obstante se a natureza seria considerada edênica uma eterna primavera coberta por animais pacíficos já a humanidade gerava desconfiança Religiosos soldados comandantes corsários ou meros curiosos legaram relatos passados avidamente de boca em boca Neles certa visão fantasiosa que andava muito além do que os olhos podiam ver ou a razão aceitar alimentava as narrativas extravagantes de uma série de viajantes em tudo imaginárias ou até sobrenaturais como as contidas no Navigatio Sancti Brendani Abbatis na Cosmographia de Ético na Imago Mundi de Pierre dAily ou nas viagens de John Mandeville entre tantas outras obras divulgadas no princípio do XVI ver imagem 917 Em meio a essas regiões maravilhosas poderia estar o paraíso terrestre com seus campos férteis fontes da juventude mas também uma terra inóspita habitada por monstros disformes A literatura insistia de tal maneira em seres de quatro braços um olho só na testa andróginos pigmeus sereias encantadas que não é de admirar que numa de suas primeiras cartas Colombo já na América tenha admitido aliviado e ao mesmo tempo um pouco decepcionado não ter encontrado monstros humanos e que ao contrário as pessoas que conhecera eram muito bemfeitas de corpo18 Mas monstros continuaram existindo nos desenhos e nos mapas da época assim como se viram associados aos relatos sobre as práticas de antropofagia que acabaram por motivar discussões filosóficoreligiosas a respeito da índole dos gentios descendentes de Adão e Eva para alguns bestasferas para outros Essa literatura proliferaria muito nos séculos XVI e XVII com os primeiros viajantes que chegavam ao Novo Mundo O encontro com a América seria o feito mais grandioso da história moderna ocidental quando o pensamento europeu se voltou entre assustado e maravilhado para essa nova terra19 Por isso mesmo as narrativas de viagem buscavam na natureza americana o que previamente julgavam reconhecer um deslocamento do mito do paraíso terrestre20 Já a curiosidade humana acerca dessas novas gentes gerava outro tipo de reação Por mais que as imagens negativas não tivessem o mesmo impacto das visões edênicas fantasias sobre os nativos aproximaram a região de um antiparaíso ou até do inferno Essa humanidade que praticava o canibalismo a feitiçaria e agia com lascívia deveria ser condenada ver imagem 821 A partir do século XVI surgiu uma série de textos sobre essa nova fronteira da humanidade Já que inexistia a concepção de autoria o mais usual foi ver um relato reproduzido e aumentado no outro conformandose um imaginário comum que crescia como espiral A primeira carta sobre o país a missiva de 1500 escrita por Pero Vaz de Caminha ficaria inédita até 1773 Porém já nas cartas de Américo Vespúcio endereçadas a Lorenzo di Pierfrancesco de Medici apareciam menções não só à Terra de Santa Cruz como a seus habitantes Tais documentos se assentam por sua vez e como vimos nas ideias propagadas pelo primeiro diário de Colombo que se enraizou nos relatos de viagem de Marco Polo e de Mandeville Difundiase então a ideia de que o paraíso terrestre e a fonte da juventude estariam próximos desse local assim como as bravas amazonas que ali residiram Por outro lado os sucessivos navios de várias nacionalidades que por aqui passaram devem ter consolidado uma certa fórmula que o italiano Pigafetta em 1519 acabou por condensar Brasileiros e brasileiras vão nus vivem até 140 anos22 Só da década de 1550 em diante é que o conhecimento sobre o Brasil ganharia uma literatura mais específica de um lado os autores ibéricos com seus interesses voltados para a colonização de outro os não ibéricos sobretudo franceses que com base na experiência no Brasil farão dos índios matéria de reflexão Dentre os textos portugueses o mais conhecido é o já citado Pero Magalhães Gândavo criado e moço da Câmara de d Sebastião e provedor da Fazenda copista da Torre do Tombo o qual deu uma forma quase canônica ao debate que desde Caminha e Vespúcio se referia à colônia a partir da ambivalência entre o éden e a barbárie O Brasil seria o paraíso ou o inferno Seus habitantes ingênuos ou detraídos ver imagem 13 Gândavo tanto descreveria a fertilidade da terra o clima ameno e receptivo como daria início a uma visão pessimista acerca das gentes do Brasil sendo um dos primeiros autores a discorrer sobre a multidão de bárbaros gentios Na década de 1570 escreveu Tratado da Terra do Brasil e em 1576 História da província de Santa Cruz obras que visavam animar a imigração e o investimento de portugueses em sua colônia americana à semelhança do que os ingleses haviam feito na Virgínia Se o imaginário português se concentrava nas Índias já os espanhóis franceses e ingleses estavam interessados no Novo Mundo cada qual numa região em particular a América dos espanhóis seria o Peru e o México a dos ingleses a Flórida e a dos franceses o Brasil23 Em seus livros Gândavo não se cansa de elogiar as qualidades do local Esta terra é tão deleitosa e temperada que nunca nela se sente frio nem quentura sobeja Essa seria mesmo a região da abundância e da eterna primavera No entanto no que se refere aos índios da terra ele parece mais econômico nos elogios A língua deste gentio toda pela costa é uma carece de três letras não se acha nela F nem L nem R coisa digna de espanto porque assim não têm Fé nem Lei nem Rei e desta maneira vivem sem Justiça e desordenadamente24 Aí estariam os naturais da terra caracterizados pela noção de falta25 Se a natureza era paradisíaca já os selvagens eram no mínimo estranhos em seus costumes moravam em aldeias repletas de gente armavam redes e dormem todos juntos sem que existam regras Ademais ainda segundo Gândavo eles seriam muito belicosos matando seus prisioneiros e os comendo mais por vingança e por ódio que por se fartarem Por sinal com o desenvolvimento do livro o copista passava a não revelar nenhum rasgo de simpatia com os selvagens São estes índios muito desumanos e cruéis não se movem a nenhuma piedade vivem como brutos animais sem ordem nem concerto de homens são muito desonestos e dados a sensualidade e entregamse aos vícios como se neles não houvera razão de humanos26 Gândavo voltaria aos mesmos argumentos em sua História da província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil Também nesse livro ele se detém nos naturais da terra de cor baça e cabelo corredio com o rosto amassado e feições de Chins Destaca que vivem todos muito descansados e que são inconstantes e mutáveis e não adoram coisa alguma não respeitam seu rei ou outro gênero de justiça O copista insiste na preguiça e na lascívia simbolizadas pela rede sempre presente nas gravuras de época como se os americanos aguardassem deitados pela chegada da Europa Vistos pelos representantes da Igreja cristã como práticas de mera idolatria e sacrifício humano seus rituais eram entendidos como falsas religiões praticadas por essas gentes adoradoras do diabo e que nada tinham a ver com a mensagem de salvação e sacrifício do filho de Deus que teria redimido a humanidade Por isso mesmo tais cultos deveriam ser considerados retrocessos inaceitáveis perigos potenciais e traiçoeiros para a população recém conquistada27 Os relatos portugueses foram muitas vezes pessimistas com relação aos homens e otimistas quando se tratava de propagandear a natureza do Brasil incitando a imigração já a literatura de viagem deixada pelos franceses geraria novas celeumas A ideia da ausência de fé reapareceria nos textos de mercadores normandos que prosperavam realizando o comércio do paubrasil e o escambo com os Tupinambá Entre eles contudo parece que a falta de cultos e de regras não preocupava tanto Ronsard em sua Complainte contre Fortune de 1559 descreve uma América da Idade do Ouro em que desejava estar Onde o povo inculto erra inocentemente sempre nus sem malícia sem virtudes mas sem vícios28 Sem nesse caso não é falta mas quase excesso com a representação dos gentios do Brasil em alta no imaginário francês Um exemplo da afirmação de Ronsard é um evento ocorrido em 1550 em Rouen uma festa brasileira foi realizada diante do monarca francês Henrique II e da regente Catarina de Médicis29 Para receber o casal reinante a cidade de Rouen resolveu fazer uma grande cerimônia Construíramse vistosos monumentos obeliscos templos e arcos de triunfo e nesses locais aconteceu uma festa do Novo Mundo Meio século depois da chegada dos portugueses ao continente a voga parecia ser encenar os homens do Brasil os bravos Tupinambá aliados dos franceses E assim se fez cinquenta Tupinambá foram simular um combate perto do rio Sena e na presença da nobreza local Para dar maior amplitude à festa os indígenas foram misturados com mais de 250 figurantes vestidos à moda e representaram cenas de caça de guerra e de amor além de aparecerem carregados de bananas e papagaios30 Não obstante ao lado desse tipo de representação edênica outra imagem se tornaria emblemática a dos índios canibais Na verdade a representação do canibalismo flutuaria desde o imaginário medieval sem encontrar endereço preciso Com Colombo na oposição entre caribes insulares e antilhanos uma primeira localização seria estabelecida e perduraria até a Enciclopédia de Diderot No ano de 1540 por exemplo o mapa de Sebastian Münster na Geografia de Ptolomeu dispunha num espaço um tanto fluido situado entre o Amazonas e o Prata a palavra canibali Diziase ainda são cães em se comerem e matarem numa evocação das imagens do Renascimento e mais especialmente de Rabelais canibais povos monstruosos da África tendo rostos como cachorros e latindo em vez de rir31 Mas seriam os franceses que separariam noções até então misturadas como canibalismo e antropofagia A distinção semântica é crucial e da discussão do século XVI é que surgirá a exaltação do índio brasileiro como veremos na França humanista no século XVIII e no Brasil no XIX Canibais seriam aqueles que se alimentavam de carne humana enquanto antropófagos comeriam por vingança Data desse contexto o mais célebre ensaio humanista francês que introduz os Tupinambá como modelo e projeção Os canibais escrito em 1580 por Montaigne O filósofo o qual dizia ter concebido seu texto a partir dos diálogos que estabeleceu com índios radicados no continente europeu após a festa de Rouen executa verdadeiro exercício de relatividade encontrando mais lógica na maneira como os Tupinambá realizavam a guerra que na forma como os ocidentais a conduziam Mas voltando ao assunto não vejo nada de bárbaro ou selvagem no que dizem daqueles povos e na verdade cada qual considera bárbaro o que não pratica em sua terra Se não faltam interpretações do famoso documento vale sublinhar a construção de uma representação mais laudatória dessas gentes tendo como sombra as guerras de religião que assolavam a Europa no século XVI Por certo em relação a nós são realmente selvagens pois entre suas maneiras e as nossas há tão grande diferença que ou o são ou o somos nós32 Aí estavam os primórdios de uma visão humanista que punha em questão não tanto os valores indígenas mas antes os europeus Entretanto nem só de filosofia se alimentava essa discussão Boa parte dos relatos franceses dos séculos XVI e XVII encontrase vinculada às duas tentativas da França de implantação colonial no Brasil Negando o Tratado de Tordesilhas os franceses entraram na colônia várias vezes duas de maneira mais duradoura O primeiro projeto de estabelecimento colonial a França Antártica foi empreendido por Nicolas Durand de Villegagnon que desembarcou no Rio de Janeiro em 1555 contando com importante corpo expedicionário formado por soldados e artesãos Logo em 1556 porém Villegagnon escreveu a João Calvino um dos expoentes da Reforma protestante e seu condiscípulo da faculdade de direito em Orleans pedindolhe que enviasse um contingente de partidários da fé reformada para conter as rebeliões que então solapavam a colônia Com esse objetivo em 1557 aqui desembarcaram catorze huguenotes sem que os conflitos fossem contornados Ao contrário novas discórdias surgiram e os calvinistas deixaram a ilha na baía de Guanabara buscando refúgio junto aos índios Tupinambá Da experiência resta um grande número de relatos sobre a terra e os gentios os quais inauguraram uma tradição de pensamento O próprio Villegagnon que permaneceu no país de 1555 a 1558 legou uma série de cartas a respeito da região Numa edição datada de 1556 e assinada por N B Nicolas Barré um dos calvinistas para cá enviados Villegagnon deita louvores à natureza do Brasil e descreve um pouco suspeitosamente os selvagens brasileiros que andam todos nus com seus arcos e flechas para guerrear Nas notas mesclamse motivos religiosos filosóficos e de exploração e Barré menciona a certeza de que acharia alguns metais porque os portugueses encontraram prata e cobre cinquenta léguas para baixo do rio As observações contidas nesse documento sugerem a leitura de outros relatos como os de André de Thevet 151692 um frade franciscano que depois de ter percorrido o Oriente e parte das ilhas do Mediterrâneo embarcou em 1555 junto com o almirante Villegagnon para vir fundar aqui a França Antártica Thevet passaria na colônia da baía de Guanabara apenas três meses no fim dos quais em junho do ano seguinte alegou estar doente e voltou para a França Já na Europa o religioso notaria a grande curiosidade em torno do Novo Mundo e viu aí boa oportunidade de combinar o humanismo com a voga das descobertas Em 1557 publicou As singularidades da França Antártica obra que faria muito sucesso ainda em sua época O texto de Thevet é longo descontínuo e cortado por observações que buscam a todo tempo provar erudição No entanto e a despeito do estilo um pouco fabuloso essa seria tida como a primeira descrição minuciosa da natureza brasileira e nomeadamente dos índios Tupinambá aliados dos franceses mas antropófagos nus e emplumados O Brasil aparece no livro de Thevet a partir do capítulo XXVII com um registro paradisíaco da natureza local Diferente é mais uma vez a visão dos homens do lugar Já em obra anterior Cosmographie Thevet havia tratado dessa pobre gente que vive sem religião e sem lei Mas em As singularidades da França Antártica é que o religioso se esmera em descrever o que considera serem religiões danosas magias e feitiçarias uma guerra sem fim entre selvagens maravilhosamente vingativos33 e praticantes de um canibalismo selvagem Dois outros autores que estiveram entre os Tupinambá no mesmo período um como aliado outro como inimigo a ser devorado acabariam por se contrapor a Thevet O artilheiro do Hesse Hans Staden que viveu prisioneiro desses índios narra sua experiência em livro publicado em 1557 e que conheceu quatro edições num só ano A obra de Jean de Léry escrita em 1563 mas publicada em 1578 seria igualmente bem acolhida o Brasil fazia sucesso como o outro lado do mundo Ambos os relatos seriam editados juntos na França em 1592 na coleção Grandes Viagens ilustrada por Théodore de Bry um ourives gravurista e propagandista huguenote que jamais esteve na América mas se transformou no seu mais renomado retratista da época34 O que a vista não enxergava a imaginação desenhava ver imagem 11 Histoire dun Voyage Faict en la Terre du Brésil de Jean de Léry contou com sucesso notável cinco edições a partir de 1578 e ao menos outras dez em francês e latim até 1611 Segundo seu autor o objetivo principal da publicação era desfazer mentiras e erros contidos no livro de Thevet Léry pastor e membro da Igreja na fase inicial da Reforma era sapateiro e estudante de teologia em Genebra quando Villegagnon solicitou reforços à Igreja de Calvino O seminarista partiu em 1558 para o núcleo inicial da França Antártica junto com um grupo de ministros e artesãos protestantes Acompanhou a desintegração da colônia francesa e durante o tempo em que ficou no Brasil conviveu com os Tupinambá Não era a danação mas a diferença que parecia interessar ao religioso e viajante quinhentista mais conhecido e copiado no que se refere à terra do Brasil Contrariando outros relatos Léry mostra que os caraíbas faziam a guerra a partir de regras internas e que a vingança se constituía em valor partilhado Existe aí um modo novo de olhar distante das fábulas que se lia até então35 O pastor não se limitava a caracterizar o impacto que sentiu diante da natureza do Brasil com seus peixes velozes pássaros de todas as cores tartarugas gigantes baleias imensas borboletas coloridas golfinhos animados macacos ratos crocodilos e jacarés quatis tatus e os famosos papagaios também de todas as cores É a impressão sobre os nativos a mais forte Ele explica como os selvagens produzem pão preparam a farinha fabricam o vinho e moqueiam a carne Mas Léry esforçase sobremaneira em entender o lugar da guerra e da vingança entre os nativos e a maneira como as regras primavam sobre a gula36 Logo na volta a Genebra ele tomaria conhecimento da Noite de São Bartolomeu quando em 24 de agosto de 1572 católicos assassinaram protestantes na França dando início a uma guerra civil que dividiu e sangrou o país37 Para os indígenas de Jean de Léry a guerra e as práticas de canibalismo não significavam a satisfação de demandas alimentares representavam sim formas de comunicação interna práticas de dádiva quando se trocavam valores símbolos bens38 Abriase pois um novo capítulo nessa história de encontros e desencontros Este era mesmo um Novo Mundo por definição diferente do europeu Falta mencionar os livros de Hans Staden Duas viagens ao Brasil e Arrojadas aventuras no século XVI entre os antropófagos do Novo Mundo ver imagem 10 Staden fez duas viagens à América do Sul uma a bordo de um navio espanhol outra num navio português Quando trabalhava num pequeno forte na ilha de Santo Amaro uma das principais capitanias locais foi capturado por índios Tupinambá inimigos dos lusitanos e amigos dos franceses e forçado a viver entre eles durante longos e penosos dez meses e meio Enquanto lutava para não ser comido pelos nativos fingindo ser um feiticeiro ou beneficiandose de seus conhecimentos medicinais e técnicos para a cura de uma epidemia que se abateu sobre os indígenas ele teve tempo de anotar o cotidiano de uma aldeia tupinambá grupo que na sua própria expressão o assombrava com seus medonhos costumes39 Pouco se sabe da vida de Staden apesar de Duas viagens ao Brasil ter ganhado mais de cinquenta edições em alemão flamengo holandês latim francês inglês e português A curiosidade que o livro despertou está ligada ao fato de o autor ter permanecido cativo entre os Tupinambá isso sem esquecer as xilogravuras com cenas fortes abertas sob sua orientação O relato é escrito de maneira direta Staden leva o leitor a seguir as peripécias que arquitetou para não ser devorado O alemão que teria presenciado várias matanças convivido com selvagens e tratado de suas doenças só é solto nos capítulos finais quando comerciantes do navio francês Catherine de Vetteville o resgatam Hans Staden corrigiu diversas observações de Vespúcio adicionando informações sobre a estrutura familiar dos nativos sua vida sexual cultura material crenças espirituais e formas de classificação e nomeação de animais frutas e flores Tudo é descrito em linguagem coloquial do canibalismo ao corte de carne humana e Staden termina a obra de modo provocativo Tudo isso eu vi e assisti40 Essa era uma maneira de conferir verdade a um testemunho que poderia ser considerado fantástico De quem é a culpa pergunta ele E finaliza Deilhe neste livro informações suficientes Siga o rastro Para aquele a quem Deus ajuda o mundo não está fechado41 E Staden tinha razão afinal o mundo nunca esteve fechado UMA PARCELA DA HUMANIDADE A SER CATEQUIZADA OU ESCRAVIZADA Até os dias de hoje há muita controvérsia sobre a antiguidade dos povos do Novo Mundo que só era novo em relação a uma Europa que se reconhecia como velha As estimativas mais tradicionais mencionam o período de 12 mil anos mas pesquisas recentes arriscam projetar de 30 mil a 35 mil anos Sabese pouco dessa história indígena e dos inúmeros povos que desapareceram em resultado do que agora chamamos eufemisticamente de encontro de sociedades Um verdadeiro morticínio teve início naquele momento uma população estimada na casa dos milhões em 1500 foi sendo reduzida aos poucos a cerca de 800 mil que é a quantidade de índios que habitam o Brasil atualmente42 São muitos os fatores que explicam tal desastre populacional Em primeiro lugar existiu de fato uma barreira epidemiológica favorável aos europeus Na África sucedera o oposto os brancos morreram aos milhares como se houvesse uma linha invisível e envenenada No caso da América eram os índios que morriam atacados por agentes patogênicos da varíola do sarampo da coqueluche da catapora da difteria do tifo da peste bubônica e até mesmo de uma hoje quase inofensiva gripe Mas a falta de imunidade não é suficiente para justificar tamanha mortandade Ao contrário o cataclismo biológico só teve tais consequências porque ocorreu num certo contexto com características sociais específicas e até então em equilíbrio A colonização levou à exploração do trabalho indígena e foi responsável por muita dizimação É ainda na conta da colonização que se deve pôr o recrudescimento das guerras indígenas que se já existiam internamente eram agora provocadas também pelos colonos os quais faziam aliados na mesma velocidade com que criavam inimigos Havia nesse contexto índios aldeados e aliados dos portugueses e índios inimigos espalhados pelos sertões A diferença entre índios amigos e gentios bravos gerava por sua vez uma divisão clara na legislação indigenista Aos índios aliados era garantida a liberdade em suas aldeias e deles dependia o sustento e a segurança das fronteiras Para esses índios amigos e das aldeias o processo de contato se dava sempre de forma semelhante em primeiro lugar eram descidos transportados de suas aldeias no interior para perto das povoações portuguesas para depois serem catequizados civilizados e assim transformados em vassalos úteis43 Outra das atribuições dos índios aldeados era tomar parte nas guerras promovidas pelos portugueses contra índios hostis Quase todas as vezes em que nos documentos coloniais se menciona a guerra não se esquece de incluir a necessária presença dos aldeados e dos aliados estes últimos os Tapuia amigos Eles seriam nos termos de época as muralhas do sertão povos estratégicos para impedir a entrada de estrangeiros Esse contingente é que foi mobilizado para expulsar o grupo de Villegagnon o qual por sua vez se uniu aos Tupinambá os amigos dos franceses Assim se a liberdade entendida como a catequese nos aldeamentos era o presente dos índios aliados a escravidão era o destino dos índios inimigos Conceito antigo mas reativado naquele contexto pela Coroa aliada à cristandade a guerra justa seria aplicada aos povos que sem o conhecimento da fé nem ao menos poderiam ser tratados como infiéis Eram várias as causas que legitimavam a guerra justa a recusa à conversão hostilidades contra vassalos e aliados portugueses a quebra de pactos e a antropofagia Considerada uma ofensa à lei natural a antropofagia era passível de guerra entendida como um direito e um dever para salvar almas que seriam sacrificadas ou comidas Nesse momento um debate apimentado entre dois religiosos Bartolomeu de las Casas e Juan Ginés de Sepúlveda opôs duas maneiras de entender os gentios e gerou modelos diversos de dominação para Las Casas os nativos eram como rebanhos que precisavam ser ordenados na visão de Sepúlveda eles não eram humanos e deveriam ser obrigados a ganhar humanidade além de batizados tinham que trabalhar para se tornarem homens Já para a Coroa portuguesa a guerra apesar de entendida como um recurso extremo era utilizada de forma recorrente pelos colonizadores que a partir dela pretendiam provar a inimizade desses povos e a fereza dos contrários A própria Coroa sabendo dos abusos procurava legislar e conter escravizações ilícitas o que não impediu o assassinato de muitos povos em guerras justas e criadas pela lógica europeia que de algum modo também renomeava esses grupos inventando para si aliados e inimigos Revelouse igualmente nefasta a concentração da população indígena nas aldeias controladas pelos missionários uma vez que favoreceu a proliferação de doenças e epidemias Catequese e civilização eram os princípios centrais de todo o projeto de colonização justificando o aldeamento a localização próxima das aldeias o uso da mão de obra nativa e a obrigatória administração jesuítica A ação era resultado imediato da atuação da Companhia de Jesus a qual criada por iniciativa de Inácio de Loyola em 1534 pouco antes de Paulo III em sua bula papal reconhecer os índios como homens verdadeiros à imagem de Deus e portanto merecedores de catequização representava o modelo de ordem religiosa nascida no contexto da Reforma católica Enquanto na Europa os jesuítas procuravam reforçar o ensino do catolicismo no contexto dos achamentos passaram a correr mundo expandindo a verdadeira fé por meio da catequese Por isso ganharam o título de soldados de Cristo e se comportariam tal qual um exército de batina sempre combatendo os demônios e prontos a defender as almas44 E tão logo o papa Paulo III aprovou o instituto inaciano os jesuítas jogaramse no Oriente português alcançando até a longínqua China e o Japão No mundo atlântico fundaram um colégio em Luanda e traduziram o cristianismo para o banto Chegaram ao Brasil em 1549 sob a liderança de Manoel da Nóbrega e já em 1557 estabeleceram um plano de aldeamento que grosso modo consistia em deslocar a população nativa para núcleos controlados pelos religiosos Missionar no Brasil era considerado atividade perigosa afinal Pedro Correia fora devorado pelos Carijó em 1554 e d Pero Fernandes Sardinha o conhecido bispo Sardinha comido pelos Caeté em 1556 no litoral do atual estado de Alagoas e o melhor seria doutrinar esses povos os quais diferentemente dos nativos do Oriente careciam de qualquer fé ou religião A ordem porém era lograr a conversão com brandura e bons exemplos de comportamento A ordem era também adaptar o catolicismo à cultura local adequando termos e conceitos à realidade do lugar a começar pela gramática tupi escrita por José de Anchieta em 1556 e logo convertida em leitura obrigatória ver imagem 12 Com tantos propósitos distintos a inimizade entre jesuítas e colonos não tardaria a se manifestar Os segundos sempre prontos a escravizar os indígenas em nome da guerra justa Os primeiros tentando salvaguardar seus novos fiéis e reclamando da Coroa medidas mais eficazes A pressão resultou na Carta Régia de 1570 que proibia a escravização de indígenas exceto quando motivada por guerra justa Já o rei de Portugal teve que arbitrar conflitos com grande frequência nos quais os religiosos acusavam a ganância dos colonos e estes alertavam para a hegemonia dos jesuítas Por sinal com o tempo a Companhia transformouse numa verdadeira potência econômica Se no início viviam da esmola real aos poucos os jesuítas enriqueceram emprestando casas arrendando terras e controlando o rico comércio de especiarias cultivadas nas aldeias por eles dominadas A hegemonia era tal que no século XVIII as Coroas ibéricas extinguiram a ordem Os jesuítas foram expulsos de Portugal e das colônias em 1759 da França em 1762 da Espanha e do reino de Nápoles em 1767 até que em 1773 o papa Clemente XIV acabou com a ordem que teve que esperar até 1814 para ser restaurada na esteira das mudanças que o mundo conheceu após o furacão chamado Napoleão Bonaparte Mas essa já é outra história No período em que se projetava a colonização o destino dos jesuítas andava misturado à história dos próprios indígenas MUITO ANTES DE CABRAL As metrópoles coloniais logo entenderam as potencialidades estratégicas das inimizades já existentes ou alimentadas entre grupos indígenas Por isso no século XVI os portugueses aliaramse aos Tupiniquim e os franceses aos Tamoio e aos Tupinambá Já os holandeses se uniriam aos Tapuia contra os portugueses em pleno século XVII Tamoio Tapuia e Tupiniquim ou fosse qual fosse o nome dado pelos europeus aos grupos que iam encontrando tinham seus motivos e razões para fazer alianças e as traduziam em termos próprios Isso porque como canta o poeta Oswald de Andrade antes dos portugueses descobrirem o Brasil o Brasil tinha descoberto a felicidade Tinham mesmo suas próprias sociedades valores linguagens costumes e rituais Quando Cristóvão Colombo aportou na América em 1492 mais precisamente nas Antilhas tais ilhas eram densamente povoadas por uma tribo conhecida como taino de língua arawak Esse povo que foi dizimado por maustratos e epidemias respondia a seus chefes os kasiks termo que pelo neologismo espanhol virou cacicazgo uma província subordinada a um cacique Na América vigia um sistema político de chefias centralizadas nas quais um líder supremo tinha poderes sobre aldeias e distritos hierarquicamente subordinados Diferentemente do que ocorria nos Estados europeus não existia porém um corpo de funcionários administrativos nem um exército permanente Era o chefe que resolvia disputas e juntava guerreiros em caso de conflito45 Esse modelo espalhouse por uma área mais alargada ganhando o nome de cacicado e referindose a assentamentos que contavam com um centro regional obras públicas trabalho coletivo trabalho agrícola habitações de tamanhos diversos uma rede comercial de produtos da terra e técnicas de sepultamento As regiões eram muitas as estratificações variadas mas se tratava de povos com fé e lei apesar de serem diferentes dos valores reconhecidos na Europa Também as divisões geográficas da era moderna que criaram países e Estados distintos foram feitas a partir da lógica da colonização e do descobrimento a qual obviamente não respeitou as fronteiras existentes Por isso hoje se têm denominado ameríndios os nativos da região uma vez que a despeito das separações linguísticas a unilos havia um continente depois nomeado América e muitas relações culturais Como sabemos o nome homenageava Américo Vespúcio mercador navegador geógrafo e cosmógrafo italiano que escreveu sobre as novas terras a ocidente da Europa e achou por bem imaginar que teria sido o primeiro a pôr os pés nessa terra já habitada havia aproximadamente 35 mil anos Desse período longínquo pouco se conhece mas de 12 mil anos para cá uma temperatura mais amena teria interposto o mar entre os dois continentes Por isso tradicionalmente é aceita a hipótese de uma migração terrestre com origem no Nordeste da Ásia via estreito de Bering que teria se espalhado de norte a sul pela América Há também a hipótese mais recente e bastante polêmica que localiza uma entrada marítima mais antiga no continente pelo litoral nordeste do Brasil Mas por certo às vésperas da conquista europeia diferentes sistemas sociais indígenas não se achavam isolados ao contrário articulavamse local e regionalmente Além do mais vastas redes comerciais uniam áreas e grupos distantes entre si A primeira dessas grandes áreas era formada pela várzea do Amazonas Para além dos relatos fantasiosos que descrevem uma terra de amazonas e do Eldorado perdido há informações importantes retiradas dos cronistas do XVI e do XVII Tudo leva a crer numa ocupação descontínua ao longo do Amazonas com trechos em que aldeias eram entremeadas por faixas desocupadas As próprias aldeias variavam em tamanho e número de habitantes mas sabese de outras que se estendiam ao longo do rio por sete quilômetros e que contavam com estrutura pública e atividades políticocerimoniais Os diversos registros mencionam ainda a existência de muitos recursos naturais entre pescados e produtos agrícolas como milho e mandioca Também a cerâmica se desenvolveu em vários desses locais como é o caso da marajoara Típica da ilha de Marajó situada no estado do Pará na foz do Amazonas ela proliferou de 400 a 1400 dC Eram muitos os sistemas políticos mas fontes revelam a vigência de cacicados e de grupos de descendência formados por aliança matrimonial Diferentemente do que dizem as versões oficiais a violência esteve presente desde o início do encontro quando os colonizadores tomaram portos e saquearam povoados tendo sido recebidos por guerreiros com largo aparato bélico local canoas equipadas flotilhas com setas envenenadas Outra área muito estudada nos dias de hoje é aquela formada pelo rio Xingu um dos principais afluentes meridionais do Amazonas Nessa região se criou um sistema multiétnico e multilinguístico mas culturalmente homogêneo Marcado pelo sedentarismo ele se baseava na horticultura de mandioca e na pesca A fartura de recursos gerou uma sociedade já nos séculos XV e XVI populacionalmente numerosa além de incentivar uma frequente interação social que em nada lembra a imagem tradicional de grupos isolados e contato esporádico Implementouse um modelo de chefia e de distinção social em que a hierarquia se combinou com uma notável autonomia política Existia ainda uma terceira margem constituída nos campos do cerrado A vegetação é rasteira e arbustiva e lá os povos MacroJê encontraram sua morada principal Sobre essa população recaiu certa miopia cultural distorcida pelo ponto de vista andino com suas grandes civilizações mas também por uma lente dos Tupinambá dos Tupi Guarani e dos portugueses que cuidaram de detratar esses grupos Por isso durante muito tempo eles foram descritos como gente bárbara que não possuía aldeias agricultura transporte ou cerâmica Aliás foram os TupiGuarani do litoral que chamaram os povos do sertão de Tapuia e assim os descaracterizaram Mas essa suposta marginalidade dos Jê do cerrado tem sido revisada a partir de trabalhos como os de Curt Nimuendajú Claude LéviStrauss e mais recentemente por uma série de etnólogos brasileiros Os Jê do sertão deixaram de ser vistos apenas como rudimentares caçadorescoletores nômades para serem estudados e descritos como donos de uma sofisticada economia e cosmologia Há registros da prática de horticultura na região que remontam a milênios Também a cerâmica conhecida como una predominou no local da préhistória até o século IX quando se verifica a entrada de outras tradições como a aratu e a uru Assentamentos em forma de anel característicos do Brasil Central datam de cerca de 800 a 1500 dC e por lá se cultivava milho e batatadoce As aldeias eram constituídas por um a três anéis de casas tendo ao centro uma praça onde se desenvolviam cerimônias rituais Esses agrupamentos seriam maiores que os atuais contando com oitocentas a 2 mil pessoas Os Jê do Brasil apresentam uma estrutura muito distinta daquela encontrada na floresta tropical São móveis vivem em grandes aldeias a tecnologia de subsistência é simples mas os adornos corporais são elaborados não possuem chefes supremos embora tenham estruturas de prestígio e instituições comunitárias e cerimoniais notáveis Além do mais se os Jê assim como os povos amazônicos e ameríndios de uma forma geral não apresentavam civilizações monumentais ao menos se nos pautarmos pelos moldes da régua andina espécie de padrão criado para avaliar os povos da América sua cosmologia é de fato impressionante Antropólogos como Eduardo Viveiros de Castro e Philippe Descola tomaram emprestado um termo da filosofia o perspectivismo de Leibniz e de Nietzsche para descrever aspectos da cosmologia dos povos ameríndios O suposto é que a percepção e o pensamento surgem de uma perspectiva que é sempre alterável quando colocada em relação a outros contextos e situações A cosmologia é complexa mas pode ser resumida a partir de dois pressupostos o de que o mundo é povoado por muitas espécies de seres humanos e não humanos todos dotados de consciência e cultura e o de que cada uma dessas espécies vê a si e às outras de modo muito peculiar Cada um vê a si como humano e todos os demais como não humanos ou seja como animais ou espíritos Os mitos ameríndios descreveriam pois uma situação originária em que todos os seres que eram humanos vieram a se tornar os animais de hoje Assim se para a ciência ocidental os humanos foram animais e se tornaram humanos para os ameríndios todos os animais já foram humanos A consequência é entender de maneira distinta a interação entre humanos e outras espécies animais todos são sujeitos e estabelecem relações sociais O modelo também põe em questão grandes parâmetros ocidentais como natureza e cultura Para nós ocidentais existiria uma natureza que é dada e universal e várias culturas construídas já para os ameríndios haveria uma cultura para várias naturezas homens animais espíritos Por sua vez o xamã teria lugar de destaque nesse trânsito entre naturezas ele seria uma espécie de líder político social e espiritual Porta de entrada de tais culturas a atividade do xamã é essencial para entender as sociedades que não discriminam humanos de não humanos ele é o único que pode transportar corpos ou tem a propriedade de ler esses diferentes estados Enfim as teorias ameríndias têm posto em questão preconceitos comuns como supor que os nativos teriam mitos e nós filosofias que eles possuiriam rituais e nós ciências Essas são heranças e resquícios tardios da maneira como a literatura dos viajantes do XVI viu como menos o que era e é na verdade diferente Levar a sério os grupos que já moravam na América antes da vinda dos portugueses implica não só pensar a história em nossos próprios termos mas entender que existiram e existem outras formas de compreensão dessa terra que virou Brasil46 Para que o panorama desses povos indígenas fique mais completo falta mencionar o grupo que habitava o Brasil de costa a costa quando os portugueses aqui chegaram O litoral de norte a sul era ocupado por uma população considerada bastante homogênea um mundo tupiguarani Tomando por base as diferenças linguísticas e culturais podese subdividir esse grupo em dois ao sul os Guarani que viviam nas bacias dos rios Paraná Paraguai e Uruguai e no litoral desde a lagoa do Patos até Cananeia no atual estado de São Paulo ao norte dominavam os Tupinambá que se estabeleceram na costa desde Iguape até o atual estado do Ceará Estes últimos também estavam presentes no interior entre os rios Tietê e Paranapanema47 Como as culturas amazônicas os TupiGuarani viviam da pesca e da caça e praticavam uma agricultura de coivara técnica tradicional iniciada pela derrubada da mata nativa e seguida pela queima de vegetação e pela plantação intercalada de culturas A base alimentar dos Guarani era o milho enquanto os Tupinambá cultivavam a mandioca amarga e a utilizavam para a produção de farinha Ambos os grupos desfrutavam dos recursos fluviais e marítimos da região e eram excelentes canoeiros como bem demonstram os relatos seiscentistas Por conta da riqueza de recursos alcançaram um número demográfico considerável calculase que na área tupinambá se chegava a nove habitantes por quilômetro numa população total de 1 milhão de habitantes e quatro habitantes por quilômetro entre os Guarani na área meridional o que resultaria num total de 15 milhão de habitantes A região contou com uma quantidade particularmente elevada de indígenas aldeados em missões jesuíticas os quais com frequência eram mobilizados em operações de guerra como foi o caso dos Tupinambá ou escravizados por bandeiras expedições que entraram no sertão já no século XVI e que levaram ao aprisionamento em grande escala dos Guarani Sertão é termo usado já por Caminha denotando o vasto e desconhecido interior da colônia longe do mar A partir do século XV com a expansão a palavra antes empregada para designar áreas situadas em Portugal mas distantes de Lisboa passou a nomear espaços sobre os quais pouco ou nada se sabe Com o tempo porém a nomenclatura demarcaria um espaço simbólico mais que um lugar geográfico Povoado era a região ordenada pela Igreja católica sertão era o local da falta e da ausência de ordem Mas logo esse território desconhecido seria explorado em razão de suas riquezas madeiras minérios e populações indígenas E foi graças às alianças que fizeram com certos grupos que os portugueses puderam conquistar o interior do continente sendo Piratininga no atual estado de São Paulo um caso particularmente significativo48 Com a introdução da produção açucareira a partir de meados do XVI tema do próximo capítulo deste livro as guerras entre grupos indígenas levaram à demanda de um número crescente de braços para a nascente economia Em 1548 existiam 3 mil escravos índios no litoral da capitania todos disponíveis nos seis engenhos locais E também nessa região os missionários jesuítas que ali chegaram em 1553 entrariam em choque e competição com sertanistas ao demandarem que os indígenas descidos do sertão fossem alocados nas aldeias missionárias Resultado imediato foi a Lei sobre a Liberdade dos Gentios de 1570 a qual limitaria a ação sobre os grupos nativos salvo em casos de guerra justa Por isso as primeiras bandeiras ocorridas entre 1580 e 1590 tomaram a forma de guerras justas regressando a São Paulo com um grande número de índios capturados Entre 1600 e 1641 as populações Carijó do grupo linguístico guarani localizadas ao sul e a sudoeste de São Paulo foram as mais visadas O movimento atingiu seu ápice nas décadas de 1620 e 1630 quando ao arrepio da lei e diante do protesto dos jesuítas expedições bandeirantes quase pareciam grupos paramilitares tal era seu tamanho e os recursos mobilizados Bandeiras sob o comando de Manuel Preto Antônio Raposo Tavares e Fernão Dias Paes apenas para mencionar alguns nomes dizimaram populações locais e causaram muita tensão com os jesuítas e a Coroa Os bandeirantes ficaram tão conhecidos na historiografia nacional que sua imagem devidamente alterada seria usada pelos paulistas no começo do século XX como um símbolo do espírito aventureiro e intrépido da região Seriam exaltadas então só suas benesses e eles descritos como destemidos exploradores do perigoso sertão e de suas riquezas minerais Já a violência inerente à atividade bem como a empresa de aprisionamento de indígenas permaneceria esquecida O fato é que o círculo vicioso montado nos idos dos séculos XVI e XVII era dos mais perversos a escassez de mão de obra nativa levava à intensificação e interiorização de expedições que faziam novos escravos e expunham as populações indígenas a grande mortandade por conta tanto das armas como das epidemias Entretanto se algumas populações sofreram severa queda no seu número os Tupi Guarani mantiveram no XVI um notável sistema político e econômico Organizados em aldeias compostas de quinhentas a 2 mil pessoas ligavamse a outros grupos por laços de consanguinidade Grandes xamãs tupiguarani conhecidos como karaí ou karaíba circulavam pela terra curando e profetizando Datam desse contexto os movimentos indígenas de natureza milenarista dos Tupi que prognosticavam a chegada de um tempo sem mal e que com a colonização transformaramse numa pregação com acento claramente antilusitano Além do mais algumas aldeias aliadas formavam grupos multicomunitários sem que existisse um núcleo regional ou chefes com poder supralocal poder que não era hereditário mas deveria ser conquistado Alguns deles ganharam inclusive bastante fama em virtude de sua liderança em ações bélicas quando articulavam diferentes grupos locais e grandes contingentes eram mobilizados Jean de Léry por exemplo cita um confronto envolvendo os Maracajá e os Tupinambá em que apenas os segundos somavam 4 mil homens Os objetivos da guerra não eram porém aqueles que conhecemos o saque e a conquista de territórios Seu motor era a vingança e a captura de prisioneiros cujo destino não era a escravidão mas a morte sendo devorados na ocara praça situada no meio da aldeia49 Nesse aspecto os relatos se pareciam muito Não há cronista que deixe de mencionar a guerra e a antropofagia praticadas entre os Tupinambá as quais hoje sabemos eram centrais para esses grupos que criavam sistemas de troca mas tinham horror ao Estado e à centralização50 Às vésperas da colonização havia portanto um vasto contingente populacional espalhado pelo continente apresentando diferentes formas de articulação social econômica e política em escala regional e local Se a chegada de Cabral significou um desastre para essas populações não há por que descrever apenas perdas em vidas terras e na cultura Não há história estática e contatos e mudanças continuam a ser feitos até hoje quando os ameríndios com suas práticas religiões e filosofias têm ganhado maior espaço como atores sociais no país a despeito de ainda representarem uma voz política bastante ignorada Também não há por que imaginar que a catequese tenha encontrado uma população passiva O padre Antônio Vieira filósofo religioso e orador português da Companhia de Jesus grande defensor dos direitos dos indígenas num de seus famosos sermões procurou entender a difícil humanidade que encontrou no Brasil assim como lamentou o escasso sucesso da catequese Comparou a diferença entre europeus e indígenas com as variações experimentadas pelo mármore e pela murta um tipo de arbusto Dizia ele que os europeus eram como o mármore difíceis de esculpir mas uma vez concluída a obra ela restava consolidada para sempre Já os ameríndios seriam seu oposto Eles se comportariam como a murta à primeira vista eram fáceis de esculpir No entanto logo mudavam de forma e voltavam sempre a seu desenho natural51 Assim seria a obra da catequese Se os ameríndios pareciam aceitála sem reação alguma inconstantes ou melhor avessos a novas fés e leis retornavam sempre às suas próprias sociedades e cosmologias De toda maneira num tempo longínquo perdidos nesse local que recebera um nome mas era ainda desconhecido em suas fronteiras e sertões os indígenas seriam entendidos como a personalização do novo uma nova e estranha humanidade Não destoariam assim do tom geral em que tudo parecia inusitado e fresco a terra as pessoas os animais o clima as plantas Certo estava o padre Cardim que escreveu um tratado ao qual deu o título de Do clima e terra do Brasil Concebida entre 1583 e 1601 a obra só seria traduzida para o inglês em 1625 como um relato anônimo e integralmente publicada em português apenas no XIX Demorou pois para que ganhasse maior difusão Entretanto como na época os documentos circulavam e se remetiam uns aos outros quiçá as observações do religioso tenham ajudado a engrossar o caldeirão fervente de um largo imaginário Nele o Brazil os Brasis a Terra de Santa Cruz e dos Papagaios virariam uma espécie de antropofagia fantástica devidamente ampliada pelo padre que além de enumerar riquezas locais acharia lugar para relatar lendas de tritões sereias e demais seres imaginários presença cativa nos textos de vários autores portugueses quinhentistas Cardim concluiu de maneira sintética e eficaz Este Brasil é outro Portugal Mas ainda era mais do que isso O Brasil era outro mundo com certeza 2 TÃO DOCE COMO AMARGA A CIVILIZAÇÃO DO AÇÚCAR Quem vir na escuridade da noite aquelas fornalhas tremendas perpetuamente ardentes o ruído das rodas das cadeias da gente toda da cor da mesma noite trabalhando vivamente e gemendo tudo ao mesmo tempo sem momento de tréguas nem de descanso quem vir enfim toda a máquina e aparato confuso e estrondoso daquela Babilônia não poderá duvidar ainda que tenha visto Etnas e Vesúvios que é uma semelhança de inferno Padre Antônio Vieira UMA CIVILIZAÇÃO DO AÇÚCAR Difícil entender como este local perdido entre o paraíso e o inferno iria aos poucos se definir como um território importante para o comércio de doçura e fazer largo uso do chamado trato dos viventes também conhecido como infame comércio de almas Hora de puxar o fio do começo dessa história até porque nada na vida é só natural ou mero presente dos deuses Aprendemos a gostar de lugares sensações e produtos que muitas vezes são inventados e têm data de criação aprendemos a identificálos e a nos familiarizar com eles Se empresas e sociedades coloniais foram criadas pelos europeus nas novas terras americanas caso do Caribe e do Brasil o mesmo pode ser dito a respeito do açúcar Seres humanos fazem comida com praticamente tudo que encontram e suas escolhas e práticas alimentares revelam distinções significativas entre gerações culturas gêneros classes sociais ou regiões É por isso que o açúcar não pode ser entendido somente como um produto Ele é como veremos também produtor de códigos costumes e hábitos Foi no século XVI que se inventou e disseminou um desejo de doçura Não que inexistisse o consumo de frutas ou mesmo do mel como recurso para adocicar os alimentos Mas o gosto pelo doce sua transformação em necessidade universal só se dá num momento preciso da história do Ocidente É apenas a partir de 1650 que o açúcar em especial aquele feito de cana convertese de um luxo raro num produto corriqueiro e basicamente obrigatório Enquanto o mel era conhecido desde priscas eras do açúcar e mais particularmente da sacarose substância extraída da cana a partir de conhecimentos técnicos específicos se teve notícia tardiamente e o produto recebeu consumo alargado há apenas quinhentos anos1 Em 1000 dC poucos sabiam da sua existência mas já no século XVII a nobreza e os mais abonados se tornaram viciados em açúcar o qual entrou na medicina ocidental que lhe atribuía poderes curativos na imaginação literária e nas mesas da boa sociedade As primeiras referências à cana datam de 8000 aC e são provenientes da Nova Guiné Os registros permanecem esparsos até 2 mil anos depois quando a planta teria chegado às Filipinas à Índia e possivelmente à Indonésia Porém notícias sobre o processo de fabricação do açúcar só aparecem de forma sistemática a partir de 350 dC na Índia tornandose mais constantes em 500 dC Foram os árabes com a invasão da Espanha em 711 que introduziram a canadeaçúcar na Europa desenvolveram a arte de fazer açúcar e o gosto por diferentes tipos de doçura O produto passou a ser utilizado como ingrediente medicamento iguaria ou apenas para adoçar o que fosse um chá um pão uma torta Nessa época já podiam ser encontradas plantações de cana no Norte da África e em várias ilhas do Mediterrâneo notadamente na Sicília Mas foi com as Cruzadas que a experiência e o consumo aumentaram de fato sobretudo com a maior circulação do produto entre a África e a Europa2 A partir daí o gênero entrou na lista das desejadas especiarias que incluíam também o cravo a pimenta a canela constando da relação de posses de reis dos dotes de princesas de testamentos da nobreza e assim por diante Embora a rota geográfica e cronológica das especiarias esteja de certo modo estabelecida pela historiografia até hoje se discute acerca da popularidade desses produtos e o motivo que levou a rica e poderosa Europa a se render ao desejo de uma dieta mais temperada apimentada defumada cheirosa curada oleosa picante ou simplesmente doce A melhor explicação é aquela que admite ter sido essa uma maneira de abrir mão de uma culinária previsível e sem graça para aderir a uma alimentação variada com mais sabor e capaz de satisfazer as vontades mais inusitadas O produto era igualmente de fácil preservação convertendose num estranho objeto de desejo e de poder nas mãos de reis e mercadores Daí a se transformar em gênero de primeira necessidade não demorou o processo foi até rápido e teve como consequência investimentos crescentes no comércio e produção da sacarose Foi o caso do reino de Portugal que fez desse tipo de economia uma solução para o problema que enfrentava em seus domínios tanto na África como na América Como estímulo adicional à decisão da monarquia lusitana a produção açucareira que florescera no Mediterrâneo e principalmente na Sicília e na Espanha moura começava na época a decair Assim por iniciativa do infante d Henrique importaramse da Sicília as primeiras mudas de cana plantadas inicialmente na ilha da Madeira que logo se tornou o maior monocultor do Ocidente produzindo no princípio do século XVI mais de 177 mil arrobas de açúcar branco e 230 mil de açúcar mascavado além de outras qualidades inferiores3 Mas a ascensão da cultura açucareira na ilha foi tão veloz quanto seu declínio Dali ela rapidamente se espalhou para os arquipélagos de Açores Cabo Verde e São Tomé De início o comércio do açúcar produzido nessas ilhas do Atlântico foi controlado por genoveses e venezianos Contudo já por volta de 1472 seriam os flamengos a essas alturas senhores da distribuição de produtos para o mercado português que se assenhoreariam da tarefa Portugal fazia algum tempo vinha estreitando contatos não só comerciais como financeiros com banqueiros genoveses e flamengos que lhe facultavam linhas de crédito para investimentos básicos De fato o interesse dos Países Baixos pelo Brasil antecedeu e muito à criação da Companhia das Índias em 1621 Portugal e Países Baixos praticavam largo comércio na época e os navios neerlandeses traziam para os portos portugueses não apenas as mercadorias do Norte da Europa trigo madeira metais e outras manufaturas mas produtos de sua própria indústria como peixe manteiga e queijo Já no retorno a partir de Lisboa chegavam carregados de sal grosso vinhos especiarias e drogas do Leste da África além de madeiras e mais tarde açúcar do Brasil Não poucas vezes por ordem dos Filipes da Espanha que mantinham uma relação beligerante com a Holanda protestante os navios holandeses sofreram embargos nos portos de Portugal ocasionando interrupções temporárias no comércio mas não seu cancelamento Após o declínio na ilha da Madeira seria em São Tomé que a indústria da cana prosperaria Já nesse contexto a mão de obra utilizada na produção era escrava Só no ano de 1516 ali desembarcaram 4 mil escravos e em 1554 a população era composta de seiscentos brancos o mesmo número de mulatos e 2 mil cativos empregados na lavoura Mais tarde em virtude de sua proximidade com a costa da África a ilha se transformaria em verdadeiro entreposto do tráfico atlântico de escravos para o Novo Mundo Esse comércio era tão lucrativo para a metrópole portuguesa que acabou virando a atividade principal da ilha Em meados do XVI quando a economia açucareira encontrou dificuldades no local São Tomé voltouse totalmente para o tráfico sendo suprida em especial pelos mercados de Benin Angola e Senegâmbia A ilha de São Tomé se tornaria então uma espécie de grande experimento para as atividades futuras no Brasil as técnicas de produção a organização interna a proporção entre colonos e escravos virariam lições bem aprendidas e logo aplicadas Até mesmo a resistência escrava sobretudo no ano de 1574 ficaria na memória dos novos senhores que agora tinham como destino a colônia americana No entanto os portugueses haviam amadurecido com a experiência Ainda que não tivessem noção precisa acerca da extensão das terras no Novo Mundo conheciam relativamente bem a faixa litorânea e sabiam que era necessário povoála até para impedir as invasões estrangeiras que começavam a pipocar pela costa Por outro lado a essas alturas o açúcar bem como as demais especiarias alcançava preços altos na Europa e contava com um mercado em expansão E desse modo juntando dois mais dois o útil ao agradável e lucrativo abriase mão da política de mero povoamento para inaugurar uma forma de colonização com um novo sentido Até então Portugal limitavase a comercializar os produtos encontrados em suas possessões como fizera com o paubrasil por exemplo Agora o projeto tinha envergadura maior e pedia investimento mais vultoso já que significava transformar a empresa colonial num sistema produtivo de fluxo constante tendo por base produtos diretamente dirigidos para o mercado europeu Não se tratava apenas de ocupar a terra e sim de explorála de maneira proveitosa Assim a escolha da monocultura do açúcar veio bem a calhar Portugal possuía não só consolidada experiência prévia mas também conhecimento de como comercializar e distribuir o produto Ainda a despeito de não dominar o território em sua inteireza sabiase que a oferta de terra era ampla o que poderia estimular o afluxo de capitais ociosos da metrópole Mas o objetivo principal era mesmo a produção especializada em larga escala para o mercado europeu e não exatamente a fixação da população O resultado foi a invenção de novos tipos de colônias tropicais fadadas à agricultura de gêneros complementares aos de clima temperado e de consumo fácil nas metrópoles Esses seriam também entrepostos de economia aberta uma vez que sua lógica era dada pelas demandas do mercado externo não do interno Por isso às vezes chegava até a faltar açúcar nas colônias De todo modo montouse uma estrutura baseada na formação de grandes unidades produtivas os latifúndios dedicadas ao plantio de um só gênero de exportação e à produção em larga escala As determinações dessa época moderna criavam economias dependentes muito especializadas e que visavam à maximização dos recursos e dos lucros fora de seus territórios O açúcar cumpria todos esses requisitos e faria a alegria do mercado europeu ávido por doçura em pó Sabemos que necessidades podem ser criadas e que o consumo está muitas vezes sujeito às paixões da moda O chá preto que contém cafeína era consumido na Ásia como estimulante já no Ocidente entrou nos costumes como tranquilizante Era tomado às cinco da tarde e ajudava na tarefa de lograr uma noite tranquila e repousante4 Porém a grande coqueluche foi mesmo o açúcar que agora andava em voga não como medicamento mas como alimento que lembrava o excesso excesso de doce de sabor de calorias de alegria O AÇÚCAR CHEGA AO BRASIL A primeira vez que se mencionou o açúcar e a intenção de implantar uma produção desse gênero no Brasil foi em 1516 quando o rei d Manuel ordenou que se distribuíssem machados enxadas e demais ferramentas às pessoas que fossem povoar o Brasil e que se procurasse um homem prático e capaz de ali dar princípio a um engenho de açúcar5 Como se pode notar a ideia era obter lucro com a nova terra antes que ela se transformasse num problema E era esse o sentido da colonização povoar mas sempre pensando no bem da metrópole6 Contudo se a medida do monarca foi precoce a realização de seus desígnios demoraria a se consolidar As primeiras mudas chegaram ao Brasil na expedição de Martim Afonso de Sousa que saiu de Portugal em dezembro de 1530 Foram plantadas no litoral de São Vicente e em 1532 Martim Afonso construiu o primeiro engenho de açúcar no local que ficou conhecido como Engenho do Governador Alguns anos depois vendido para um comerciante flamengo foi denominado Engenho São Jorge dos Erasmos existindo ruínas até os dias de hoje Em 1534 o rei d João III deu início ao sistema de capitanias hereditárias Dividiu a faixa litorânea de sua colônia americana em quinze parcelas e as doou a doze fidalgos portugueses para que bem as administrassem tendo Martim Afonso recebido a capitania de São Vicente onde a plantação canavieira prosperou O resultado geral foi porém desapontador algumas capitanias não foram nem ao menos colonizadas e outras sofreram de isolamento e com ataques de indígenas Na verdade desde o princípio grupos indígenas tentaram resistir ao domínio português tanto pela fuga como pelo recurso às armas método esse que fornecia o pretexto para que os europeus os escravizassem a chamada guerra justa De toda maneira como eles estavam em casa oportunidades para fugas individuais nunca faltaram e era de fato difícil controlar as evasões de nativos Apesar de mais raras existiram também rebeliões de gentios da terra quando foram anotadas fugas em massa e o assassinato de senhores Em finais do século XVI choques assim indicavam o descompasso entre diferentes culturas e economias Os portugueses costumavam chamar esse tipo de insurreição coletiva de Santidade Um culto sincrético e messiânico alimentava tais movimentos prometendo o fim da escravidão do domínio dos brancos e a futura bemaventurança As Santidades profetizavam ainda a chegada de um tempo sem mal e à medida que avançava a colonização tornaramse claramente antilusitanas em seu espírito metamorfoseandose numa espécie de rebelião de traço anticolonial Ocasionalmente desfechavam ataques contra a zona açucareira e com o tempo acolheriam também exescravos A mais importante dessas insurreições eclodiu na área do Recôncavo baiano a Santidade de Jaguaripe combinandose elementos de ritos tupinambá que prometiam o paraíso terrestre com símbolos do catolicismo que se referiam à redenção futura Apesar da organização de expedições punitivas o grupo cresceu e em 1610 o governador da rica capitania da Bahia mencionava a existência de 20 mil insurretos A partir de 1613 porém a metrópole conduziu verdadeiras guerras de extermínio contra as Santidades e após 1628 já não haveria referências a elas7 As poucas regiões que se saíram bem no modelo das capitanias foram as que aliaram a produção de canadeaçúcar a uma convivência pacífica ao menos tentativamente com os indígenas Plantouse cana em todas as capitanias colonizadas de São Vicente a Pernambuco com mudas vindas da ilha da Madeira e de São Tomé Engenhos foram criados em Porto Seguro em Ilhéus na capitania da Bahia assim como em São Vicente O trabalho de introdução da cana realizado por Martim Afonso de Sousa ganharia seguidores na região dizse que até o final do século XVI havia mais de uma dúzia de estabelecimentos produtivos de açúcar na Baixada Santista Entretanto com as dificuldades para obter mão de obra por conta da proteção cada vez mais ostensiva dos jesuítas aos indígenas e das fugas frequentes destes a necessidade de grandes recursos e a constante invasão de estrangeiros apenas duas capitanias prosperaram Pernambuco e São Vicente Mas nem a pujança canavieira desta última duraria muito Com a partida do seu donatário para a Corte em 1533 São Vicente passou a ser administrada de longe e sofreu com uma série de ataques estrangeiros Já em janeiro de 1615 o almirante holandês Joris van Spilberg deu uma espécie de golpe de misericórdia investiu contra o litoral paulista e o outrora imponente Engenho de São Jorge dos Erasmos foi ocupado saqueado e incendiado Com tantos senões e escassos incentivos seus proprietários acharam por bem abandonar o empreendimento A história do açúcar do Seiscentos brasileiro migraria então para o Nordeste e seria contada de forma ascendente a partir de caixotes bem acomodados para exportação Nessa região do país foi encontrado o massapê um solo fértil de aluvião considerado ideal para a produção da cana Muitos anos mais tarde nos idos de 1930 Gilberto Freyre definiria de maneira literária esse tipo de formação que chamou de acomodatícia É uma terra doce Não tem aquele ranger das terras do sertão A doçura das terras de massapê contrasta com o ranger da raiva terrível das areias secas dos sertões O massapê tem outra resistência e nobreza Tem profundidade8 Freyre como é do seu feitio faz do solo uma predestinação do açúcar e da ginga local Mas o massapê tinha efetivamente qualidades e ajudaria na implantação da nova cultura Além do mais o clima quente e úmido a vasta rede hidrográfica necessária para o transporte interno e a maior proximidade com a metrópole à qual se chegava com facilidade em razão dos regimes favoráveis de vento transformaram o açúcar na vedete do Império português fazendo seu eixo girar No lugar das Índias era agora o Brasil que concentraria as atenções e as medidas mais estratégicas Os primeiros engenhos começaram a funcionar em Pernambuco no ano de 1535 sob a direção do donatário Duarte Coelho A partir daí os registros não parariam de crescer quatro estabelecimentos em 1550 trinta em 1570 e 140 no fim do século XVI A produção de cana alastravase não só numericamente como espacialmente chegando à Paraíba ao Rio Grande do Norte à Bahia e até mesmo ao Pará Mas foi em Pernambuco e na Bahia sobretudo na região do Recôncavo baiano que a economia açucareira de fato prosperou Tiveram início então os anos dourados do Brasil da cana a produção alcançando 350 mil arrobas no final do XVI e a colônia comportandose como mercado monopolista Tal foi sua relevância que ela se tornou marca de identidade local a colônia voltouse totalmente para o gênero e a metrópole estabeleceu o monopólio real A comercialização do açúcar porém logo passou para os porões dos navios holandeses com destino aos portos do hemisfério Norte9 Há quem arrisque interpretar que a própria criação da técnica comercial e financeira dos holandeses também os principais fornecedores de capital indispensável ao estabelecimento e expansão do mercado brasileiro do gênero foi que possibilitou o boom do açúcar aqui O que se sabe ao certo é que na maioria das vezes navios holandeses mais capacitados e velozes disfarçados de embarcações comerciais portuguesas acabaram por assumir parte substancial do tráfego entre Brasil e Europa e essa participação continuou a crescer Os portugueses não tiveram alternativa Por mais que tentassem controlar todas as etapas a história final do comércio açucareiro escaparia de suas mãos ou mesmo das mãos dos proprietários de terra responsáveis pela produção Os grandes centros importadores estavam em Amsterdam Londres Hamburgo Gênova10 sendo deles o maior poder na fixação dos preços A economia da cana assumiria cada vez mais um perfil internacional e à sua maneira globalizado OUTRO BRASIL FRANCÊS E HOLANDÊS Entre os séculos XVI e XVII tão logo os demais países europeus se deram conta da descoberta de uma nova colônia nas Américas a costa brasileira foi alvo de frequentes invasões Piratas argelinos e marroquinos que viajavam entre a ilha da Madeira e Lisboa corsários franceses holandeses e ingleses que rondavam a costa de ambos os lados do Atlântico e atacavam todos os navios carregados de açúcar Navios que zarpavam do Brasil repletos de mercadorias eram vítimas desses piratas tendo sido capturadas só entre 1588 e 1591 36 embarcações11 Além de serem pequenas e leves pesavam de oitenta a 120 toneladas as caravelas dos portugueses contavam com pouca tripulação convertendose em presas fáceis Padre Vieira chamouas de escolas de covardia pois a única defesa que mostravam era a fuga apenas dificultada pelo constante excesso de carga A obrigatoriedade do sistema de frotas instituído a partir de 1649 foi a tentativa de diminuir a fragilidade do sistema náutico luso Daí em diante as caravelas maiores e mais pesadas passaram a ser escoltadas pelos galeões mais leves rápidos e bem equipados de artilharia Piratas não eram porém os únicos problemas enfrentados pelos portugueses Desrespeitando o Tratado de Tordesilhas a França tentou por duas vezes como vimos implantar uma colônia no Brasil A primeira tentativa a França Antártica foi empreendida por Nicolas Durand de Villegagnon que conseguiu desembarcar no Rio de Janeiro em 1555 e por lá permaneceu durante três anos Se sua estada foi breve as repercussões foram muitas De André de Thevet passando por Jean de Léry e chegando a Montaigne o nativo brasileiro seria convertido em modelo mais para pensar na civilização europeia do que propriamente para entender os gentios americanos A França manteve luta constante com Portugal pelo controle do comércio com os índios Tupinambá e Tupiniquim Após o malogro da experiência da França Antártica já em 1612 os franceses estariam de volta dessa vez invadindo São Luís no Maranhão onde tentaram implementar a chamada França Equinocial12 O contato não era novo eles traficavam na região desde longa data Em 1594 o capitão Jacques Riffault embarcou para o Brasil mas sua expedição não demorou a fracassar No entanto se o capitão logo retornou parte dos tripulantes permaneceu na colônia portuguesa entre eles Charles des Vaux que quando enfim voltou a seu país natal convenceu Henrique IV da importância de uma campanha colonial e partiu numa expedição à ilha de Maranhão A essas alturas os franceses já haviam estabelecido uma feitoria na ilha de São Luís UpaonAçu e conquistado a confiança da população nativa local dominando inclusive a língua dos indígenas A França Equinocial seria criada com o apoio da monarquia francesa e a colaboração da rainha regente Maria de Médicis que facultou a concessão para o estabelecimento de uma colônia ao sul do equador a cinquenta léguas de cada lado do forte previamente construído na ilha do Maranhão assim como designou missionários da Ordem dos Capuchinhos para exercerem o apostolado junto aos Tupinambá da região A colônia surgiu em março de 1612 sob o comando de Daniel de la Touche um nobre que se tornara famoso oito anos antes por ter explorado as costas da Guiana Contando com quinhentos colonos a bordo de três navios o capitão dirigiuse para a área do atual estado do Maranhão Já na França Equinocial fundaram um povoado a que deram o nome de Saint Louis em homenagem a seu soberano Luís XIII e em 8 de setembro de 1612 frades capuchinhos rezaram a primeira missa no local marcando simbolicamente o lugarejo O território ocupado era bastante vasto estendendose do litoral maranhense ao norte do atual estado do Tocantins Os franceses dominaram também quase todo o leste do Pará e boa parte da região que é hoje o Amapá Foram muitas as colônias criadas como Cametá nas margens do rio Tocantins e outras que alcançaram a foz do Araguaia A reação de Portugal foi proporcional à extensão do ataque As tropas lusitanas se reuniram na capitania de Pernambuco entraram no povoado de Saint Louis e as operações culminaram com a capitulação dos franceses em 4 de novembro de 1615 Na mesma época colonos portugueses afluíram para lá e introduziram a economia do açúcar no local Os franceses não se deram por vencidos e fizeram nova tentativa de colonização na foz do rio Amazonas de onde foram igualmente expulsos Em 1626 tomaram o território da atual Guiana Francesa onde tiveram finalmente sucesso Caiena seria fundada em 1635 mas o estabelecimento francês só se daria em 1674 quando a região passou a ser administrada pelo Estado13 De toda forma a partir de 1615 os franceses desistiram do projeto de implantação colonial no Brasil Se a conquista francesa seria circunstancial no caso da Holanda a história foi bem diferente As relações entre Portugal e esse país nem sempre foram tranquilas e seu destino estava fadado a balançar nas ondas da conjuntura internacional14 Com a passagem do trono português para a Coroa espanhola por conta da crise sucessória que chegou ao auge com o fim da dinastia de Avis em 1580 a chamada União Ibérica Portugal foi forçado a assumir como seus os inimigos da nação espanhola15 Com efeito dando sequência à vacância daquele trono juntaramse as duas Coroas bem como as respectivas possessões coloniais ficando as monarquias sob controle da Casa Real espanhola durante a dinastia denominada filipina O termo União Ibérica é uma criação de historiadores modernos mas descreve bem a conjuntura em que Portugal não só permaneceu sob o domínio espanhol como adquiriu os inimigos desse reino entre eles os neerlandeses Havia pouco tempo que a nação holandesa se tornara independente antes pertencia ao império dos Habsburgo que reinava na Espanha Como esta última se recusava a reconhecer o novo país as duas nações encontravamse em litígio Assim de aliados de Portugal a Holanda e os Países Baixos passaram a contendores e nesse papel é que decidiram invadir a rica colônia dos portugueses Afinal se até então os holandeses dominavam a comercialização e o refino do açúcar brasileiro seriam agora teoricamente obrigados a abrir mão desse lucrativo negócio Por essas e por outras a reação foi muito rápida logo em 1595 os holandeses pilharam a costa africana e em 1604 iniciaram um ataque à cidade de Salvador Contavam com a inexperiência das defesas militares locais e imaginavam enganosamente uma possível colaboração de portugueses seus antigos aliados comerciais Contavam sobretudo com a certeza de que por causa da extensa costa as forças situadas no Brasil não teriam condições de se defender de uma possível invasão Para além das razões estratégicas os holandeses andavam animados com os proveitos que o Brasil renderia assim como estimavam que os danos da conquista enfraqueceriam a monarquia espanhola gerando também repercussões na União Ibérica O plano era simples assaltar a capital considerada a cabeça da colônia Entretanto essa primeira tentativa acabou por soçobrar e não seria repetida tão cedo Portugal que ficara numa situação transitoriamente tranquila se inquietou Em 1621 criouse a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais e o fim da trégua marcou nova mudança no cenário Formada a partir de capitais do Estado e do aporte de verba de financistas privados a Companhia teria como um dos objetivos principais a ocupação de zonas de produção açucareira no Brasil e o controle do suprimento de escravos na África atividades complementares e indissociáveis Como descreveria o padre Antonil importante cronista da América portuguesa ainda no princípio do século XVIII os escravos eram as mãos e os pés dos senhores de engenho e sem eles não havia açúcar Ciente dos interesses da Holanda a população de Salvador já esperava um ataque Desde o fim da trégua era plausível avaliar que o recomeço do conflito hispano neerlandês desaguaria na América portuguesa Nova tentativa de ocupação teve início em 9 de maio de 1624 e dessa vez a capital foi ocupada em 24 horas Conforme relatou o historiador Charles Boxer tal foi o pânico e tão generalizado que nem os brancos nem os índios serviram para coisa alguma cada qual procurando lugar seguro sem pensar em dar combate ver imagem 15 No entanto os holandeses não passaram dos limites da cidade Chefiados por Matias de Albuquerque o novo governador português e pelo bispo d Marcos Teixeira os assim chamados homensbons organizaram a resistência e evitaram que as fazendas fossem tomadas Utilizaram técnicas de guerrilha até que chegassem reforços em número surpreendente de Portugal 56 vasos de guerra 1185 peças de artilharia 12463 homens vindos de Castela Portugal e Nápoles os quais acabaram por impedir a expansão dos estrangeiros Portugal não queria mesmo perder sua rica colônia e depois de duros combates emboscadas falta de víveres os holandeses se renderam tendo permanecido na Bahia por cerca de um ano Outro ataque a Salvador ocorreria em 1627 Contudo a tropa holandesa dessa vez era menor além de a cidade estar mais bem guarnecida E eles pareciam mais interessados em pilhar do que em invadir tanto que levaram 2654 caixas de açúcar algo como a sexta parte da produção anual do Recôncavo e ainda couro tabaco algodão ouro e prata16 Os holandeses não se deram por vencidos Miraram a próspera capitania de Pernambuco que na época rivalizava com a Bahia Pernambuco possuía 121 engenhos de açúcar correntes e moentes conforme relato de Van der Dussen e despertou a atenção dos diretores da Companhia17 Ademais se de Salvador a Luanda se gastavam 35 dias do Recife eram apenas 29 diferença que não passaria despercebida aos holandeses18 Com tantos motivos a favor o ataque se iniciou em 1630 e contou com 65 embarcações e 7280 homens Olinda a capital caiu no dia 14 de fevereiro desse mesmo ano A primeira atitude de Madri ao saber da tragédia foi mandar uma ordem a Lisboa para que se fizessem preces para evitar mal maior A Inquisição também deveria redobrar trabalhos e castigar com rigor pois o fato só podia ser entendido como castigo de Deus que andava irado com a liberdade de judeus e hereges Mas as preces não foram suficientes e logo se montaram tropas de resistência Ao mesmo tempo organizouse uma campanha de guerrilhas a guerra brasílica como era então chamada A despeito disso de 1630 a 1637 os holandeses consolidaram seu domínio na região entre o Ceará e o rio São Francisco Nesse período ficou famoso o personagem de Domingos Fernandes Calabar que restou na história lusobrasileira como um vilão capaz de usar seu conhecimento do local para facilitar o avanço do inimigo Calabar migrou das forças lusobrasileiras para as holandesas até ser preso e executado No Brasil ele é até hoje visto como uma figura paradoxal herói para alguns vilão para outros traidor dos interesses de Portugal ou defensor de outro Brasil um Brasil holandês Melhor que desempatar a partida é descrever o período de paz que se seguiu a esse primeiro momento marcado por guerras de resistência Embora os portugueses lutassem no interior abandonando aos inimigos cidades e fortalezas para os holandeses a vitória já era certa e eles acharam por bem investir na colônia conquistada O Conselho dos XIX que regia a Companhia das Índias Ocidentais responsável pela administração do Brasil holandês convidou para ocupar a posição de governadorgeral de 1637 a 1644 um jovem coronel do Exército o conde alemão João Maurício de NassauSiegen então com 32 anos Quando Nassau chegou à capitania a situação era das mais desalentadoras engenhos estavam destruídos ou desocupados e a população apavorada e desanimada diante dos estragos causados pelo conflito e da iminência de viver sob o jugo de um conquistador estrangeiro Com o objetivo de recuperar a economia e ganhar credibilidade Nassau mandou vender a crédito os engenhos abandonados pelos proprietários que tinham fugido para a Bahia restabeleceu o tráfico de escravos para a região os holandeses invadiram várias praças escravistas na África forneceu crédito para a compra e equipamento das fábricas saneou a crise de abastecimento obrigando os proprietários a plantar o pão do país a mandioca na proporção compatível com o número de seus escravos Calvinista o conde determinou a liberdade de religião foi tolerante com os católicos e segundo consta nos documentos também com os chamados criptojudeus os cristãosnovos que até então praticavam seu culto às escondidas Comerciantes de origem judaica atuavam fortemente no Recife e havia duas sinagogas em atividade na década de 1640 Nassau favoreceu ainda a vinda de artistas naturalistas e letrados para Pernambuco As poucas imagens que existem do Brasil holandês e mesmo do Brasil da cana foram feitas por artistas vinculados ao projeto de Nassau Como a maioria das pinturas realizadas pelos portugueses tinha caráter religioso e era destinada aos recintos das igrejas artistas como Frans Post e Albert Eckhout são referências importantes dessa época Post tinha somente 24 anos quando chegou ao Brasil na comitiva de Maurício de Nassau e até hoje pouco se conhece sobre a sua vida Sabese apenas que ele nasceu em 1612 na cidade de Leiden a qual concentrou muitos artistas importantes treinados na universidade local Pintou numerosas vistas de portos e de fortificações e pareceu encantado pelos trópicos plácidos de Pernambuco Maranhão e Bahia Na falta de pinturas do cotidiano suas telas ficariam guardadas no imaginário nacional como se correspondessem à realidade e assim fossem documentos do Brasil holandês do século XVII o que com certeza não eram Se na Holanda boa parte dos artistas se dedicou a cenas familiares e urbanas Frans Post preferiu a paisagem brasileira Céus nublados rios magníficos casarios isolados barcas nos rios edênicos frutas e animais exóticos conferiam harmonia aos desconhecidos trópicos ver imagem 16 Também Albert Eckhout 161066 esteve na capitania holandesa de Nassau e especializouse em registrar frutas e nativos da região Tomadas num primeiro momento como fonte real e etnográfica as ilustrações desse holandês deixam conhecer por meio de seus detalhes uma série de elementos do imaginário da época ver imagens 17a e 17b Na verdade o artista devolvia à sua clientela aquilo que ela desejava ver as práticas exóticas dessas gentes canibais Talvez por isso na imagem pacífica de dois casais Tapuia Eckhout fez questão de incluir mãos e pés dos inimigos mortos dispostos nas cestas que os nativos levavam às costas numa clara alusão ao canibalismo e ao imaginário que cercava tal prática Além de Eckhout e Post Zacharias Wagener ver imagens 20 e 18 legaria rica coleção de desenhos representando uma dança de culto africano xangô o engenho Maciape e o mercado de escravos do Recife O nome Nassau não ficaria apenas associado ao incentivo dado às artes e ao comércio O conde esteve ligado aos melhoramentos feitos no Recife que foi elevado pelos holandeses à categoria de capital no lugar de Olinda Perto da região deteriorada do porto contando com projeto do arquiteto Pieter Post Nassau fundou a Cidade Maurícia uma tentativa de réplica tropical da capital holandesa com traçados geométricos e canais A nova cidade também ajudou a melhorar a situação de uma população calculada em 7 mil indivíduos que vivia em condições de higiene e de habitação críticas Essa era a MauritsStadt dos mapas e panoramas incluídos na obra de Gaspar Barlaeus publicada em Amsterdam no ano de 1647 O governador ergueu palácios um templo calvinista e instalou o primeiro observatório que anotou um eclipse solar em 1640 tratou do calçamento de algumas vias e do saneamento urbano Outra medida importante foi determinar que se cobrissem todas as ruas com areia para que elas não encharcassem Era preciso repetir a operação duas vezes ao dia senão se corria o risco de pagar uma multa de seis florins Sob a mesma pena ficava proibido lançar lixo nas ruas19 ou jogar bagaço de cana nos rios e açudes pois isso impediria a proliferação dos peixes de água doce alimento básico das populações pobres Nassau ainda mandou construir três pontes as primeiras de grandes proporções no Brasil Maurício de Nassau criou no Recife um grande jardimrecreio que era também um pomar para plantas raras com 852 pés de laranjeiras cinco limoeiros oitenta pés de limõesdoces 66 figueiras e setecentos coqueiros especialmente plantados e o habitat para animais vindos das mais diferentes partes do mundo papagaios araras cisnes jacis jabutis mutuns galinhasdaguiné patos pavões perus pombas tigres suçuaranas tamanduás bugios quatis saguis cabras de Cabo Verde carneiros de Angola além de peixes para os quais havia dois criatórios O lugar foi utilizado como uma espécie de laboratório pelos cientistas que integraram a missão vinda com Nassau Entre eles estavam o médico Willem Piso que se dedicou a estudar a natureza local o clima tropical e as doenças que afligiam a população e o botânico e cartógrafo Georg Marcgrave Por fim nos seus palácios o conde reuniu coleções de curiosidades como arcos setas azagaias redes ornamentos de pena indígenas mobiliários de jacarandá e de marfim tudo feito no Brasil20 Bastante popular por aqui mas controverso em sua administração Nassau recebeu o apelido de O Brasileiro tal o fascínio que a colônia exerceu sobre ele No entanto pressionado pelos holandeses foi obrigado a regressar para a Europa em 1644 sendo esse também considerado o momento do início do declínio do Brasil holandês projeto que parecia ter sido concebido com o sentido de se eternizar No ano seguinte estourou novo período das assim chamadas guerras brasílicas contra os holandeses que se prolongaria até 1654 e que ficaria conhecido aqui como A Reconquista quando tropas lusobrasileiras voltaram a se unir para expulsar o agora invasor Termos como colonizador e invasor são reveladores dos humores e do termômetro local Durante os tempos de paz os holandeses eram colonizadores já nesse contexto se transformavam em intrusos invasores Também a situação internacional era das mais complexas em 1640 num movimento pela restauração do trono português d João IV foi aclamado rei pelas Cortes o que pôs fim à união com a Espanha mas não impediu que as relações entre Portugal e Holanda continuassem alteradas Os holandeses então ocupavam uma parte importante do território do Brasil e não davam mostras de que de lá pretendiam sair Por conta disso as outrora pacíficas relações anteriores a 1580 não seriam mais retomadas Ao contrário a partir de Pernambuco organizouse uma revolta cujos principais líderes foram André Vidal de Negreiros e João Fernandes Vieira sendo este último um dos mais prósperos proprietários do lugar A eles se juntaram o negro Henrique Dias e o indígena Filipe Camarão As batalhas dos Guararapes ocorridas em 1648 e em 1649 dez quilômetros ao sul do Recife acabaram se constituindo numa espécie de marco zero da criação da nação brasileira ao menos nos termos e humores dos pernambucanos que sempre enfatizaram o protagonismo da sua região ver imagem 25 Essa história seria contada por gerações futuras com grandes doses de nativismo regional estetizandose a ideia de uma emancipação feita à base de mistura racial Com o tempo o próprio termo Reconquista adquiriu um tom elevado sendo até hoje celebrado por portugueses e brasileiros como o triunfo dos justos21 Enfim nomes dependem do ângulo de observação e nesse caso a interpretação fugiu do controle holandês Hoje se sabe que além de Calabar muitos senhores de engenho lavradores de cana cristãosnovos negros escravos índios Tapuia mestiços pobres e populações carentes apoiaram os holandeses As forças e a causa lusas estavam longe portanto de lembrar um modelo de união entre as três raças que compunham o país As guerras prolongaramse por vários anos enquanto os revoltosos ocupavam o interior os holandeses mantinham o domínio do Recife Não foi porém apenas a insubordinação brasileira o motivo da desagregação holandesa a própria Companhia das Índias Ocidentais entrara em crise e não havia mais quem quisesse investir recursos nela Além disso existia um choque de culturas enquanto os portugueses eram dogmáticos em matéria de religião mas pouco ortodoxos em política econômica com os holandeses acontecia exatamente o oposto Relativamente tolerantes no que se referia à religião eram duros com os senhores endividados Por fim com tantos anos de conflito os recursos disponíveis para operações militares no Brasil escasseavam A capitulação holandesa deuse em 1654 quando uma esquadra portuguesa cercou o Recife por mar O movimento de resistência que ganhou o nome de Guerra da Liberdade Divina buscou lograr a aliança de toda a região e em especial dos senhores descontentes com os altos tributos exigidos pelos holandeses Com a interferência da monarquia inglesa em 6 de agosto de 1661 foi finalmente acertado um tratado em Haia os portugueses manteriam a posse dos territórios conquistados na América e na África mas pagariam uma indenização de 4 milhões de cruzados aos holandeses Para se ter uma ideia do vulto da dívida registrese que a fim de saldála foi estabelecido um imposto que vigorou no Brasil até o século XIX a despeito de a dívida ter sido sanada havia muito O sentimento de indignação tomou os pernambucanos que não concordavam em pagar por uma luta da qual se consideravam vencedores Quiçá estivesse aí um germe de revolta que estouraria em Pernambuco em várias circunstâncias e como veremos mais adiante sobretudo no século XIX22 Mas naquele momento a situação se encontrava pacificada Restava voltar ao antigo e pesado cotidiano do fabrico da cana A luta contra o holandês fazia parte do estado de guerra de todos contra todos que dominava as terras desses Brasis Juntamente com o temor de uma eventual ocupação estrangeira era possível observar a resistência do ameríndio e do africano escravizado23 Numa sociedade assim as armas permaneciam dispersas pelo território jamais depostas NA TERRA DO TRABALHO FORÇADO Montouse a partir de então uma empresa de proporções bastante significativas em que tudo girava em torno da monocultura da cana É claro que se ampliaram também atividades ao redor das plantações com a produção de gêneros para a subsistência a mandioca por exemplo e o desenvolvimento da pecuária indispensável para o trato das lavouras força motriz para as moendas mais simples alimento para a população e meio de transporte de cana e de lenha Ao lado de uma sociedade feita pelo açúcar consolidouse no sertão uma civilização do couro organizada na base de muito gado e homens livres para ordenálo Na Bahia se desenvolveu ainda o cultivo do tabaco nas regiões de Cachoeira no Recôncavo e mais ao norte da província de onde provinham cerca de 90 da produção No local produziramse vários tipos de fumo sendo os mais finos exportados para a Europa Já os mais grosseiros viraram moeda de troca para o tráfico negreiro na costa da África A produção de fumo era na verdade complementar à da cana viável em pequena escala ela ajudou a gerar um setor de pequenos proprietários basicamente formado por produtores de mandioca ou imigrantes portugueses com pouco cabedal que aportaram na colônia A cultura ajudou também a estabilizar a balança comercial de Portugal que lucrou com o monopólio do fumo Mas não havia a menor possibilidade de o tabaco competir com a cana nem de dar origem a uma classe separada do monopólio do açúcar Aliás para que o sistema funcionasse e a roda do engenho girasse sem parar o mais fundamental era a manutenção da mão de obra Como vimos a utilização de trabalhadores indígenas transformarase num problema espinhoso já nos tempos do paubrasil Na era do açúcar a situação se veria ainda mais agravada As ordens religiosas por exemplo os jesuítas desestimulavam o uso dessa mão de obra Entre outros argumentos alegavase que os gentios eram rebeldes indolentes e não se fixavam na terra Hoje sabemos que os ameríndios não eram mais rebeldes ou pouco afeitos ao trabalho do que qualquer ser humano submetido a um sistema escravista que supõe a posse de um homem por outro e a violência como moeda corrente O que existia sim era uma vontade religiosa e políticas diferentes por parte da Igreja e dos colonizadores quando se referia aos indígenas por um lado e aos africanos por outro A briga entre colonos e a Igreja no que dizia respeito à escravização indígena foi uma constante assim como muita mitologia cercou a questão do trabalho compulsório nativo ver imagem 21 Do ponto de vista do discurso religioso de teor moralizante os indígenas foram sobretudo considerados inapropriados para o cultivo e o trabalho agrícola Entretanto aquilo que se chamava de inadaptação revelava concepções muito diferentes da vida e do cotidiano as quais separavam europeus de gentios Havia da parte destes desinteresse pelo excedente uma concepção comunitária ou de reciprocidade em relação aos cuidados com a terra e o consumo a produção de caráter doméstico Em sua sociedade o status não derivava da capacidade econômica e essa visão diversa sobre a natureza do trabalho levou os portugueses a tomarem como desinteresse ou falta de aptidão o que na realidade correspondia a uma compreensão distinta do mundo e das necessidades básicas Além disso doenças como a varíola bexigas e mesmo o conhecimento da terra acarretaram a fuga de muitos indígenas das áreas onde se dava o avanço dos colonizadores com o objetivo de não se submeterem ao regime de trabalho forçado De outro lado havia as justificativas morais e cristãs ligadas à missão de doutrinação Indígenas eram vistos como rebanhos novos fiéis nas mãos da Reforma cristã que nesse contexto ampliava suas fronteiras catequéticas No entanto diferentemente do que se popularizou na historiografia que ocorrera uma substituição do trabalho escravo dos índios pelo dos africanos hoje se sabe que a despeito do discurso oficial os indígenas foram escravizados por um longo período Os paulistas por exemplo comportaramse até o século XVIII como aprisionadores de índios que ou vendiam ou utilizavam como mão de obra escrava nas fazendas agrícolas do planalto de Piratininga Para tanto não só assaltavam as missões jesuíticas estabelecidas na região do Paraguai como a partir de 1640 praticamente limparam o sertão do Nordeste onde então adentrava a nova colonização Esse movimento ficou conhecido como Guerra dos Bárbaros e se estendeu até a primeira metade do século XVIII Os interesses dos paulistas e o discurso dos missionários jesuítas os colocaram em lados opostos um cuidando de detratar o outro24 Por sua vez a abertura para um mercado próspero como o do açúcar demandava saídas mais duradouras estáveis e distantes de maiores controvérsias religiosas ou morais Foi dessa maneira que se casaram os lucros da cana com aqueles provenientes do tráfico de viventes De um lado entre os domínios do Império português constavam feitorias em toda a costa da África De outro controlando as guerras internas no Brasil os mercadores lusos fariam dos vencidos futuros cativos recriando a escravidão que já vigia no continente africano25 Contudo se hoje é possível constatar a existência de várias formas de escravidão naquele continente a novidade seria agora a introdução de um sistema mercantil em que seres humanos viravam mercadoria e seu comércio resultava em vultosos lucros primeiro para os negociantes africanos depois para Portugal e depois ainda para os próprios comerciantes brasileiros A compra e a distribuição de escravos quando eram realizadas por mercadores da metrópole representavam ademais uma espécie de adiantamento de parte considerável da renda gerada pela colônia Portugal garantia as duas pontas do mercado o provimento de mão de obra e o monopólio da cana Mas quase nada permanecia no Novo Mundo nem a cana nem o lucro por ela produzido Com o passar do tempo mais e mais comerciantes nativos se engajaram no tráfico de escravos Talvez por isso o termo brasileiro tenha surgido para se referir a esses mercadores distinguindoos dos portugueses de origem Em alguns momentos como no século XVIII as praças escravistas africanas dominadas pelos holandeses impediram as trocas com os comerciantes portugueses mas não com os brasileiros Estes últimos abasteciamse da aguardente do fumo e do couro que eram utilizados como moeda de troca no comércio escravista Paradoxalmente uma longa experiência com a escravidão negra na península Ibérica aumentada durante a expansão da indústria açucareira no Atlântico familiarizara os portugueses com os africanos e os deixara alertas para as suas várias aptidões Já no XVI a habilidade de muitos povos africanos em dominar as técnicas de fabrico do açúcar era observada com atenção em documentos lusitanos Por esse motivo os primeiros que chegaram ao Brasil vindos de Angola e da Guiné exerceriam funções especializadas como purgadores mestres de açúcar ferreiros e caldeireiros Aliás diversos cativos originários da África Ocidental eram experientes na lida da agricultura no uso do ferro e no cuidado com o gado Claro que não eram predispostos à escravidão muito pelo contrário No entanto e com o decorrer do tempo a escravidão africana e o complexo da cana mais pareceriam com um par lógico e inseparável tal seu grau de associação foi se aprofundando Tanto que na época os termos se misturavam indígenas eram chamados de gentios da terra ou de negros e africanos de negros de Guiné e de negros da terra a denominação negro correspondendo à designação genérica de escravo Os critérios eram expressos pelo idioma da cor da pele e em função da oposição entre preto e branco devidamente reforçada pela experiência colonial A vasta gama de variações de cor não implicava porém falta de preconceito e discriminação refletia antes de mais nada a maneira como se mesclavam aspectos físicos mentais e morais criandose uma verdadeira engenharia e linguagem das cores De fato a estrutura era muito complexa e à primeira vista mais porosa os nativos americanos se integravam como vassalos da Coroa por meio da catequese e os escravos eram convertidos ao cristianismo No entanto a dominação colonial adotava o modelo escravo de trabalho em todo o território impondo uma sociedade dicotômica que opunha senhores a cativos brancos a pretos da terra ou da África Assim se em termos de paladar doçura pouco combina com amargor já na lógica dos negócios os dois elementos seriam unificados Veremos que os navios negreiros jamais ficavam ociosos Fluxo e refluxo na famosa expressão de Pierre Verger cana e escravaria negra levaram as vagas do Atlântico a se agitarem mais do que nunca carregando o branco do açúcar que quanto mais puro melhor e o negro da pele dos escravizados de várias nações africanas O regime de trabalho seria determinado pelas Cortes de Lisboa pelos estabelecimentos comerciais de Amsterdam e Londres mas também pelas florestas da Amazônia pelas feitorias da África e sobretudo pelos canaviais da América26 Como dizia o padre Vieira montavase nova versão do inferno nas terras desses longínquos Brasis O inferno feito não mais da tinta vermelha da madeira mas dos corpos seviciados dos escravos combinados às fornalhas dos engenhos UMA NOVA LÓGICA DO AÇÚCAR A partir do século XVI a empresa colonial giraria em torno da cana a formação de vilas e cidades a defesa de territórios a divisão de propriedades as relações com diferentes grupos sociais e até a escolha da capital Em 1548 d João III decidiu estabelecer um novo controle régio nomeando um governadorgeral e outros representantes da Coroa que viriam residir na colônia No ano seguinte o primeiro governador Tomé de Sousa desembarcou na então semideserta capitania da Bahia e imediatamente começou a construir a capital no litoral Batizada de Salvador da Bahia de Todos os Santos a cidade só seria substituída pelo Rio de Janeiro como capital do Brasil em 1763 Salvador virou sede do governo da Suprema Corte e dos principais agentes fiscais do rei Além do mais por conta de sua situação portuária logo se converteu em posto exportador do paubrasil e depois da canadeaçúcar Mas nem todas as capitanias tiveram essa sorte A maioria padecia com o isolamento e os ataques de índios embora para incitar o interesse de particulares e a produção o monarca português desse todo tipo de incentivo isentava os futuros senhores de tributos como o dízimo e ainda oferecia vantagens fiscais No entanto a despeito das tentativas da metrópole de controlar a colônia a descentralização era evidente O centro da vida o local de mando e de hierarquia permanecia retido real e simbolicamente em torno da casagrande e do engenho Inicialmente a denominação engenho se limitava às instalações que manipulavam a cana Com o tempo o termo passou a abranger toda a propriedade açucareira com suas terras edificações e lavouras o complexo açucareiro Próxima ao engenho ficava a casagrande residência do proprietário que congregava funções de fortaleza hospedaria e escritório Ela podia ser térrea ou possuir dois andares mas poucas vezes alcançou proporções imponentes Até o século XVII essas habitações geralmente feitas de taipa e com telhado de sapé pareciam inclusive despretensiosas Apesar disso os senhores especialmente os proprietários de engenhos localizados no litoral procuraram fazer delas ícones de sua projeção e do acúmulo de poder econômico social e político que ganharam na colônia a ponto de serem definidos por Antonil como aqueles que detinham o título a que todos aspiravam Segundo ele o senhor era servido obedecido e respeitado de muitos Formavam porém uma espécie de aristocracia da riqueza e do poder não uma nobreza hereditária de tipo europeu Na colônia os títulos de nobreza correspondiam a uma recompensa individual por serviços prestados ou logrados em troca de pagamento Assim se havia uma pretensão de nobreza não se pode imaginar que esses seriam barões da cana com um poder estável Como dizia o viajante Alexander von Humboldt En América todo blanco es caballero Num território marcado pela escravidão de africanos o mero fato de ser de uma cor diversa do negro já representava mérito com direito a nobilitação Um funcionário régio no ano de 1789 afirmara que a colônia era o lugar em que uma pessoa de posses e origens das mais modestas dáse ares de grande fidalgo27 E até mesmo doutos magistrados ou abastados comerciantes de origem burguesa aspiravam a status de aristocracia O que definia a nobreza no Brasil era o que ela não fazia Dedicarse ao trabalho braçal cuidar de uma loja atuar como artesão e demais atividades eram coisas para gentios ou cativos Talvez por isso persista aqui um preconceito contra o trabalho manual considerado símbolo de atividade inferior e menosprezada Já os nobres deveriam viver do rendimento de aluguéis e de cargos públicos Melhor ainda se o capital permitisse era ser proprietário de engenho e se cercar de um grande número de agregados parentes e criados Capital domínio autoridade posse de escravos dedicação à política liderança sobre vasta parentela constituíramse nas metas desse ideal de nobreza que dominava a sociedade colonial Tal modelo idealizado perdurou durante todo o período açucareiro criando uma sociedade patriarcal pautada num padrão de família estendida Se a família biológica era o núcleo do engenho fazia parte do cabedal de um senhor contar e suprir agregados parentes criados e escravos Além do mais se tomarmos o conjunto das famílias dos proprietários é possível notar que poucos eram fidalgos portugueses e menos ainda cristãosvelhos Desde a instalação da Inquisição em Portugal no reinado de d Manoel passouse a fazer distinção entre os descendentes dos católicos os cristãosvelhos e os dos judeus recémconvertidos os cristãosnovos E a despeito de toda a fleuma muitos senhores de engenho eram por vezes cristãosnovos descendentes de comerciantes ou imigrantes de posse que dedicavam seu tempo e capital à produção e comércio da cana Foi só com o tempo e com a perpetuação do casamento entre pares que esses senhores foram se transformando numa classe mais homogênea A partir de então seus membros tratariam de refazer uma genealogia mítica buscando estabelecer no passado longínquo raízes nobiliárquicas Não obstante se os proprietários não eram nobres de origem procuraram se inventar como tal Não são poucos os relatos que descrevem os senhores desfilando com seus trajes refinados chapéus largos e botas lustradas Madrugadores logo de manhã já teriam percorrido a propriedade ordenado o trabalho e verificado o cumprimento das tarefas Também gostavam de ser associados a certa sociabilidade com sua sala e sua mesa sempre cheias promovendo divertimentos e passeios A população dos núcleos urbanos mais próximos e os trabalhadores obrigados a moer cana em seus engenhos costumavam cumprimentálos com uma reverência filial e alcunhas estavam incluídas nos mores paternalistas que foram se estabelecendo nesses locais Parte dessa performance do poder inscreviase na maneira de trajar de toda a família do senhor na hospitalidade e no luxo do interior das casasgrandes cuja arquitetura no decorrer do XVII foi se tornando cada vez mais vistosa Os solares por certo variavam na feição arquitetônica e nas dimensões Todos eram porém servidos de muitos janelões varandas ao redor da residência beirais feitos de pilares elegantes e costumavam ser erguidos no ponto mais alto do engenho para que pudessem ser observados Divididos em vários cômodos tais solares contavam com frequência numerosos quartos que abrigavam a família e os agregados sogros sobrinhos netos aliados políticos compadres comerciantes além do vigário sala de visitas e de jantar quarto de oratório escritório copa e cozinha Quase uma continuidade da casagrande a capela inteiramente branca era modesta mas grande o suficiente para ali serem realizados batizados casamentos e enterros Em geral uma construção baixa de alvenaria e com um só altar não poucas vezes essas pequenas igrejas se convertiam no local de predileção dos senhores que nos testamentos deixavam expresso seu desejo de serem lá sepultados Por vezes contida na casagrande por vezes espacialmente dela separada a capela era peça essencial desse universo Nos domingos e feriados suas poucas fileiras de cadeiras usualmente de madeira não davam conta de acolher a movimentação da família extensa do senhor dos lavradores vizinhos e dos moradores que gravitavam em torno do engenho Também os cativos eram convocados a participar das celebrações religiosas e batizavamse muitos deles ritualmente na chegada quando isso já não houvesse ocorrido na África Como o catolicismo era central nesse mundo da canadeaçúcar e do trabalho forçado difundiuse a prática de o senhor destinar um de seus filhos ao celibato clerical O primogênito seria o herdeiro do engenho o segundo filho deveria servir à Coroa e viver das mercês régias na administração ou na guerra e se a sorte bafejasse o senhor cuja virilidade se media igualmente pelo número de filhos de preferência homens que gerasse o terceiro viraria padre Assim o proprietário garantia a influência nos diversos setores que se articulavam à cana Outro símbolo da pujança do senhor estava na mesa farta E nela não podia faltar o açúcar que entrou em cheio na culinária brasileira sobretudo no preparo de doces de mangaba maracujá coco milho jenipapo banana bolos e sequilhos Nos nomes desses quitutes estão presentes expressões sentimentais e que denotam intimidade como bolo de amor engorda marido namorador argolinhas do amor lacinhos do amor ou mesmo evocações religiosas como pudim de Eva manjar do céu sonhos de freira28 Por sinal nomes seráficos muitas vezes relacionados a conventos de freiras situados em áreas pertencentes aos engenhos mostram a continuidade da tradição das freiras doceiras entre as donas de casa e os colonizadores portugueses29 Não por coincidência até hoje no país costumase dizer que se fazem amigos aliados e até namorados pelo estômago Mas não há casagrande sem senzala e foi em torno desse duo que parece composto de opostos porém na verdade abrange partes contíguas que Gilberto Freyre publicou em 1933 seu clássico Casagrande senzala evidenciando as contradições e relações que se estabeleciam entre senhores e escravos O próprio do título original já revela como o antropólogo pernambucano entendia a importância da correlação entre esses dois extremos Equilíbrio de antagonismos de economia e de cultura foi a expressão utilizada por ele para demonstrar como paternalismo e violência mas também negociação de parte a parte coexistiram nesse cotidiano30 Senzala é um termo do quimbundo que significa residência de serviçais em propriedades agrícolas ou morada separada da casa principal Nas senzalas da cana residiam dezenas de escravos que podiam chegar às centenas com frequência presos pelos pés e braços deitados em chão de terra e em péssimas condições de higiene como ter numerosos escravos era sinal de prosperidade e abastança o senhor preferia quantidade a qualidade As circunstâncias variavam por vezes os escravos eram alojados coletivamente em outras situações foram achados registros de barracões distintos para homens e para mulheres e em alguns casos até mesmo alojamentos para casais com filhos No Nordeste o mais normal era encontrar barracas contíguas dispostas em filas e a certa distância da casagrande As senzalas eram trancadas à noite pelos feitores a fim de evitar fugas e de estabelecer a disciplina pois dessa maneira se determinava o horário de se recolher e de despertar O repouso era breve e o local dos mais insalubres uma vez que sem luz nem janelas para impedir evasões ali se vivia numa completa penumbra além de faltar ar por conta da lotação Em geral com paredes feitas de barro e telhado de sapé essas construções eram bastante frágeis e muitos viajantes comentaram sua aparência rudimentar31 Pares opostos de uma mesma engenharia social não havia casagrande sem a senzala Por sinal diversos elementos faziam parte da performance de senhor aristocrata as roupas a mobília os cavalos purossangues a alfabetização numa terra de iletrados a capacidade de mando Outro aspecto que se aprofundou na experiência brasileira quando comparada à da metrópole foi a convivência de várias culturas que passaram a ser reconhecidas e classificadas a partir da cor Na medida em que eram considerados pagãos tanto indígenas como africanos apesar de batizados e transformados em vassalos continuavam sem direitos Dessa forma as divisões entre gentios e índios aldeados ou entre africanos boçais aqueles recémchegados e ladinos aculturados representavam gradações culturais que demarcavam hierarquias internas as quais no limite implicavam maior ou menor exclusão social Os mais de dentro e os mais de fora A cor logo se tornou um marcador social fundamental as categorizações fluidas variavam com o tempo e com o lugar além de delimitarem classificações sociais e de status As populações mestiçadas recebiam diferentes nomes os quais caracterizavam de modo geral desde o Império português a união de portugueses com nativos e de brancos com pretos Mas outras subdivisões estavam presentes no cotidiano da colônia Essas populações podiam ser denominadas simplesmente mestiças provenientes de uniões entre escravos e seus senhores cabras termo que quase sempre se referia à mistura do índio com o negro morenas palavra que vem de mouro mas guarda antes o significado de cor escura ou pardas a cor parda ainda hoje consta no censo brasileiro e mais parece um nenhuma das anteriores um grande et cetera ou um coringa da classificação Ou seja os que não são brancos amarelos cor que no Brasil designa povos vindos do Oriente vermelhos os indígenas ou pretos só podem ser pardos Esse termo até os nossos dias é sujeito a muitas manipulações depende da ocasião do contexto social e da pessoa que classifica A palavra teria vindo de Portugal e se originado do nome do pássaro pardal conhecido por suas penas escuras e de cor indefinida por um lado e pelo fato de ser encontrado corriqueiramente por outro32 Os mestiços ganhavam ainda outras subdivisões étnicas e raciais eram mamelucos produtos da união entre índios e brancos a denominação referiase historicamente às tropas de elite egípcias caboclos indígenas que falavam a língua ensinada pelos jesuítas a língua geral carijós termo que originalmente qualificava os habitantes do Sul do Brasil mas em tupi designava os descendentes do homem branco com um pássaro preto de asas brancas ou curibocas mestiços com pele cor de cobre e cabelo liso33 Na época da cana era essa cartografia de tons e subtons que reinava As pessoas de cor expressão até hoje vigente e que representa no Brasil uma espécie de eufemismo pois cor é preto enquanto branco é algo como uma não cor sofriam com todo tipo de discriminação Em primeiro lugar sua tonalidade de pele indicava a origem e o passado escravocrata marcas pesadas nesse país em que escravidão resume a noção de trabalho manual e coercitivo Em segundo sinalizava condição social moralmente instável uma vez que tais indivíduos lembravam o resultado de relações não oficiais sendo muito raros os casos de senhores que regularizavam a situação de filhos ilegítimos Por fim já nesse contexto pairavam preconceitos sobre os mestiços que eram vistos como ambiciosos matreiros e malandros Com a manumissão foi se criando um grupo heterogêneo de negros livres e categorias sociais que gravitavam em torno da casagrande e de seu jugo Gradação de cor era critério importante e é sabido que quanto mais clara a pessoa com mais facilidade chegava à alforria a postos específicos e mesmo a ocupações no interior da residência senhorial Havia uma complexa combinação de considerações de cunho racial cultural e pessoal Mulatos e crioulos este último termo se referia aos escravos nascidos na propriedade do senhor isto é não africanos eram aqueles que mais se aproximavam do universo da casagrande constituindo uma espécie de elite que realizava o trabalho doméstico e especializado apesar de muitas vezes serem descritos como indolentes os pardos eram julgados aptos a aprender e dominar os ofícios da cana e os africanos tidos por estranhos pagãos na melhor das explicações recémconvertidos e com raras exceções por perigosos e instáveis Com o tempo a escravidão ficaria mais e mais associada aos africanos e seus descendentes e se enraizaria na América portuguesa de maneira a penetrar toda a sociedade colonial em que cada vez mais a cor atuava como critério de status Libertos com mais bens logo adquiriam cativos e o mesmo ocorria com agricultores pobres Ter escravos era símbolo de posse e de distinção quase um cartão a avalizar prosperidade e estabilidade nessa civilização da cana Se o verdadeiro coração do complexo da canadeaçúcar era formado por senhores e escravos havia um mundo social que girava ao redor dessa constelação agregados e lavradores de cana Os agregados compunham um setor bastante alargado que vivia dos favores do senhor e se não era importante economicamente tinha relevância política e social pois oferecia apoio irrestrito a ele e lhe engrossava a influência em suas respectivas regiões Eram parentes sem propriedades políticos locais comerciantes homens livres mas não possuíam autonomia econômica ou social Por isso mesmo tornavamse dependentes e faziam da política de favorecimento uma espécie de moeda que alimentava o mandonismo do senhor e sua centralização econômica bem como política e cultural34 Já os lavradores se dividiam em dois grupos os que arrendavam terras dos senhores e pequenos e médios proprietários pressionados a usar o engenho para moagem de sua própria cana Em nenhum dos casos escapavam porém do domínio do senhor do lugar Inventouse portanto uma aristocracia da cana cujo ápice absoluto era ocupado pelo senhor de escravos e seu centralismo político e social Nos distantes e largos Brasis o proprietário da região reinava quase só raramente havendo interferência da Coroa portuguesa nesses que se consideravam negócios internos No entanto no dia a dia o negócio da cana não era nada glorioso Trazia muitos riscos e dependia da oscilação dos preços no mercado internacional da colheita do ano de uma administração saudável do bom controle dos escravos do domínio paternalista sobre vasta parentela composta de amigos do sangue e da convenção do mandonismo local O NEGÓCIO DA CANA A civilização do açúcar era feita de muitos pedaços todos dependentes entre si Como se pode notar é possível falar em civilização do açúcar já que este invadia esferas sociais econômicas e culturais Até mesmo o trato da cana para a produção do açúcar levava o ano todo e sem intervalos O plantio começava junto com as primeiras chuvas de fevereiro e estendiase até maio ou mais raramente e em algumas regiões até julho ou agosto Davase preferência aos terrenos mais altos pois nas várzeas cresciam ervas daninhas os grandes inimigos do canavial O solo era preparado com a velha técnica da coivara herdada dos indígenas e pautada no princípio de que terra não faltava nesses Brasis Primeiro como vimos derrubavase a mata e então se ateava fogo na vegetação Não se utilizava arado eram os escravos que faziam o trabalho de revolvimento da terra com o uso da enxada Por aqui entrou a cana originária da Índia a mesma que foi introduzida com sucesso na Sicília mais conhecida como canacrioula Planta fina de gomos curtos era considerada de baixa produtividade quando comparada às demais Mais uma vez o nome não é apenas um nome porque denota uma avaliação moral relacionada aos crioulos Após doze ou no máximo dezoito meses iniciavase a colheita sempre programada de acordo com a agenda de moagem dos engenhos Mas tudo deveria ser eficiente e ligeiro visto que passadas 24 horas do corte o teor de sacarose da cana diminuía sensivelmente A cana cortada seguia das lavouras para o engenho em carros de boi ou em barcos O uso de barcos era mais vantajoso pela rapidez e as terras próximas de rios navegáveis as mais valorizadas Rios nas cercanias garantiam ainda o fornecimento de força motriz para os engenhos de grande porte denominados engenhos dágua ou reais Interessante pensar no conteúdo desse último nome que nada tem a ver com realeza eram reais porque maiores que os outros e superiores a eles Mas poucos proprietários podiam se dar ao luxo de dispor dessa facilidade A maioria dos engenhos era movida por bois cavalos e até por força humana conhecidos pelo nome de trapiches molinetes ou almanjarras No último caso eram os escravos que introduziam as canas nas roldanas atividade das mais perigosas que ocasionava acidentes frequentes Havia outra divisão que separava os engenhos localizados no litoral ou à beiramar tidos como os mais antigos e aristocráticos dos da mata ou de terra adentro em geral menores e menos capitalizados A técnica empregada para produção de açúcar não era porém das mais complexas Até o século XVII a maior parte dos engenhos contava apenas com dois tambores horizontais de madeira considerados muito lentos no trato da moenda Só a partir de 1610 há registros de instalações mais avançadas como os engenhos de palitos os quais utilizavam um novo sistema de moendas três cilindros revestidos de metal que ao mesmo tempo que requeriam um número menor de trabalhadores aceleravam os resultados Outro elemento fundamental para o funcionamento de um engenho era a lenha Calculavase que para alimentar as fornalhas seria preciso um carro de boi de madeira por hora Por isso o jesuíta Antonil as chamou de bocas verdadeiramente tragadoras de matos cárceres de fogo e fumo perpétuo e viva imagem de vulcões35 Uma das consequências foi a devastação do litoral do Nordeste já bastante prejudicado pela retirada do paubrasil Fosse qual fosse o engenho realizadas essas primeiras etapas as canas eram então preparadas na casa de moenda e os roletes introduzidos entre tambores para que se completasse a extração do caldo O sumo ia para um reservatório e depois para a casa de fornalhas onde era cozido e clarificado em grandes recipientes feitos de cobre tachos caldeiras paróis Livre de impurezas o caldo era transformado em melaço e colocado nas fôrmas ou vasos de barro que comportavam cerca de 32 litros Mas o longo processo não estava ainda terminado O passo seguinte era conduzir o produto à casa de purgar onde durante quarenta dias ele passava por um processo de branqueamento A secagem vinha na sequência quando se separava com uma faca fina a parte mais branca da mascavada a mais escura Os preços do açúcar variavam e muito os açúcares resultantes da primeira cocção denominados machos e subdivididos em branco fino branco redondo branco baixo e mascavado de acordo com o grau de branqueamento adquirido eram os que tinham melhor cotação no mercado Também se recolhiam e reprocessavam os meles que escorriam durante a purga conhecidos como açúcares batidos ou retames mas sua cotação era menor Já o mel ou melaço que igualmente escorria da fôrma virava matéria prima para a produção de aguardente cachaça ou pinga bebida de alto teor alcoólico e grande consumo na colônia utilizada como escambo de trabalhadores africanos no tráfico Apesar de se referirem muitas vezes à mesma bebida os três termos não são sinônimos Aguardente é qualquer bebida obtida por fermentação de vegetais doces cachaça o nome que se dá à aguardente de canadeaçúcar desde o século XVI e pinga é a designação vulgar da cachaça Não se sabe ao certo a origem desta última palavra mas diz a história que foram os escravos encarregados do processo de destilação que atribuíram o apelido à bebida quando o caldo da canadeaçúcar fervia o vapor era tal que se condensava no teto e pingava sobre eles Tamanha era a popularidade desse produto que tentando garantir os interesses dos vinicultores lusitanos a metrópole proibiu sua exportação ao menos para Portugal além de ter introduzido restrições de fabricação na própria colônia Mas sendo essencial ao tráfico negreiro a bebida manteve sua importância interna no Rio de Janeiro do século XVIII superava o açúcar como principal produto de exportação e boa parcela era usada no comércio de escravos com Angola Por sinal como se aproveitava tudo também a rapadura o açúcar escuro e petrificado comido como barra se difundiu nessa cultura do açúcar Aliás era na rapadura associada com frequência à carneseca e à farinha que se baseava a alimentação dos trabalhadores Vale lembrar um aspecto crucial e muito peculiar da economia açucareira no Brasil a ausência de refinarias E não apenas na colônia como também na metrópole portuguesa que durante vários anos acabou deixando além do comércio a manufatura final do açúcar na mão dos holandeses O Brasil ficou mais conhecido por seu açúcar barreado resultado do produto ainda não refinado que se denominava de pardo ou mascavado Esse tipo de açúcar que circulou bastante pelas Antilhas e se tornou matériaprima nas indústrias de refinação da Europa do Norte representou grande parte da nossa produção36 Por falar nisso sempre houve desconfiança em relação ao açúcar do Brasil Falsificação na pesagem das caixas ou mesmo na declaração da qualidade era de praxe Açúcares inferiores eram classificados como brancos açúcares batidos chamados de machos e considerados superiores Como se vendia a caixa fechada não existindo possibilidade de avaliar seu conteúdo virou prática corrente colocar pedras no fundo das madeiras para aumentar o peso Comerciantes reclamavam muito de tal expediente dizendo que o açúcar mais escuro e as atitudes mais escuras acabavam com a reputação do mercado brasileiro As consequências dessa associação entre o branco do açúcar vinculado à pureza e assim valorizado e o produto mais escuro reputado como de pior qualidade teriam vida metafórica longa no país Logo se ligou o branco dos senhores e o negro dos escravos a uma evidência natural uma hierarquia dada pela natureza A posição diferente dos dois grupos passava a ser explicada não por motivos históricos econômicos e políticos mas pelas cores da cana e pelo suposto natural de que quanto mais branco melhor Por sinal até hoje a população brasileira se descreve a partir de graus de brancura que corresponderiam a níveis distintos na hierarquia da sociedade branco melado branco sujo quase branco puxado para branco mestiçado são termos que denunciam persistências e continuidades na percepção social das cores no Brasil37 Cana e escravidão formavam assim um par intenso e extenso Se o cultivo e corte da cana levava um semestre inteiro o fabrico do açúcar ocupava o outro semestre do ano e os serviços eram sempre árduos Para dar uma ideia do tamanho da empreitada mencionamos o exemplo do Sergipe do Conde um engenho do século XVII no Recôncavo baiano que realizava cerca de 203 tarefas como era chamado o conjunto de afazeres desses estabelecimentos o que correspondia a uma média de trezentos dias de trabalho Labutavase dia e noite em duas turmas que lidavam com a moagem e o cozimento O setor que cuidava da purga secagem e encaixotamento precisava de um período apenas No entanto permanecia em atividade por dezoito horas ou mais Além disso aos domingos e feriados na maioria dos engenhos os escravos trabalhavam na produção agrícola de alimentos para consumo próprio ou na pesca em algum rio próximo sem os quais sua dieta ficaria ainda mais reduzida e pobre Independente do setor a jornada alcançava o limite da exaustão Para ajudar a aliviar o cansaço e a manter o ritmo ensandecido a labuta era acompanhada por cantos que também uniam o grupo melhoravam o moral e auxiliavam a vencer o jugo das horas ininterruptas de trabalho Segundo o reverendo Wash um clérigo que esteve no Brasil nessa época os cativos acordavam às cinco da manhã faziam suas orações e seguiam para o campo Tomavam um pequeno desjejum às nove e ao meiodia almoçavam lá mesmo no campo Depois pegavam novamente na enxada e até o anoitecer No período da safra tudo se tornava mais corrido Comentavase que então os engenhos operavam por vinte horas seguidas para quatro de descanso e limpeza do equipamento Eram quatro os setores fundamentais processamento da cana transporte manutenção e administração Nas mãos do senhor assessorado por um padre e por um feitormor ficava a administração do engenho Os proprietários raramente se afastavam do estabelecimento durante a safra e contavam com apoio legal e contábil Nesse caso e como vimos um segundo filho varão se formava advogado para defender interesses comerciais mas também políticos e legais do engenho Os engenhos reais poderiam dispor ainda de um cirurgião e de um caixeiro da cidade que se ocupava da parte comercial Outros trabalhadores livres eram responsáveis por tarefas especializadas e considerados técnicos habilitados O feitormor desempenhava o papel de gerente e tratava dos problemas pessoais sendo muito temido pelos escravizados Era ele que avaliava os apetrechos de produção e providenciava consertos Braço direito do senhor ganhava os maiores salários do engenho Abaixo nessa hierarquia estava o caixeiro da cidade que cumpria funções de agente comercial recebia o açúcar dispunhao no armazém do cais e se encarregava da venda e do embarque para o exterior O cobrador de rendas lidava com o ressarcimento das taxas devidas pelos lavradores arrendatários Nos mesmos níveis salariais estavam o escrivão ou despenseiro que controlava as despesas e o solicitador uma sorte de procurador do engenho Havia também os letrados que tratavam das demandas judiciais e os caldeireiros de escumar que realizavam a limpeza do caldo Mas talvez o mais valioso dentre os profissionais da cana aquele de quem dependia o sucesso do engenho era o mestre de açúcar Quase um engenheiro ele comandava todos os processos técnicos da produção vigiava a moagem evitando o excesso de caldo e atentando para o cozimento ideal administrava o cozimento do açúcar e o trabalho dos tacheiros e caldeireiros Por isso era um profissional estimado raro e muito bem remunerado Com tantas especializações os engenhos brasileiros adotaram padrões das manufaturas de época que implicavam atividades sequenciais articuladas e complexas Foi a necessidade de uma produção em larga escala que acabou por organizar as unidades açucareiras brasileiras assim como conferiu à atividade um senso rígido de hierarquia Mas é preciso relativizar um pouco a excepcionalidade dessa empreitada documentos desse período atestam que faziam falta métodos mais científicos contandose demais com a experiência individual e acumulada Viajantes costumavam dizer que no Brasil tudo era feito no olho sendo a produção calculada em carros de boi ou barcos cheios de cana Equipamentos eram poucos machados enxadas e picaretas limpavam a terra e preparavam o solo e como vimos nem arado se utilizava regularmente Enfim contou se mesmo com o suor escravo e o açoite para tocar o trabalho e tornálo produtivo Esse tipo de organização sofreria modificações durante o século XVII e escravos tomariam o lugar dos poucos trabalhadores livres Além do mais foi com a produção açucareira do Nordeste que a escravidão africana passou a preponderar sobre a indígena na região Nas décadas de 1550 e 1560 praticamente não existiam africanos nos engenhos nordestinos A mão de obra era formada por escravos índios ou em menor escala por gentios provenientes das aldeias jesuíticas Tal situação se alteraria radicalmente e os escravos africanos substituiriam os trabalhadores indígenas e os livres Em 1574 aqueles representavam 7 da força de trabalho escravo em 1591 eram 37 e em torno de 1638 juntamente com os afrobrasileiros compunham quase a totalidade dessa força38 Em 1635 por exemplo o engenho Sergipe do Conde dispunha de oitenta escravos e treze assalariados e já em inícios do XVIII de duzentos escravos e apenas seis assalariados O predomínio do braço africano também criou um paradoxo pois o acesso a posições mais prestigiadas e essenciais no engenho podia reverter em benefício para os escravos que o conseguissem sendo muitas vezes a liberdade a recompensa mais valiosa O dinheiro aplicado nesses estabelecimentos era distribuído na construção dos edifícios da moenda e dos cobres as caldeiras e na aquisição de gado carros barcos pastagens canaviais e majoritariamente escravos O investimento nestes últimos variava de 7 a 37 sendo que a maioria dos proprietários gastava em torno de 25 do seu capital com a compra de escravos O setor representava pois parcela significativa dos gastos e a ordem era aproveitar ao máximo os recursos e evitar perdas A essas alturas o tráfico negreiro constituía um negócio dos mais lucrativos e alguns senhores tinham mais interesse em repor um escravo morto que em ajudar na longa e dispendiosa criação de sua propriedade Por sinal a imagem difundida de que a escravidão brasileira teria sido mais amena que a norteamericana uma vez que por lá teriam existido engenhos especializados na criação de escravos é mais teórica do que real Os motivos que explicam tal conduta nada têm de humanitários e são o mais das vezes de ordem pragmática e comercial Era custoso manter um escravo criança até que atingisse a idade produtiva Portanto melhor comprar um novo nos mercados abertos das cidades os quais expunham os africanos como peças coisas e bens Os preços também variavam conforme o uso mulheres e crianças eram menos bem avaliadas que homens e adultos Antes dos oito anos eram crianças depois dos 35 velhos pouco aproveitáveis no trabalho pesado da cana O envelhecimento ocorria cedo assim como o fim da adolescência a partir de oito anos e até os doze um escravo já era classificado como adulto Há registros de cativos considerados rapazes aliás homens já feitos aos oito anos O trabalho excessivo envelhecia e amadurecia trapaceava com o tempo Como veremos com mais detalhes a civilização do açúcar originou um local de extremos o doce da cana se fez às custas do travo da escravidão Um mundo verdadeiramente novo no sentido de diferente ia sendo criado Amargo açúcar ardida doçura 3 TOMA LÁ DÁ CÁ O SISTEMA ESCRAVOCRATA E A NATURALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA O TRÁFICO DE VIVENTES O jesuíta Antonil dono de frases tão sintéticas como cruéis definiu os escravos como as mãos e os pés do senhor do engenho porque sem eles no Brasil não é possível fazer conservar e aumentar fazenda nem ter engenho corrente Real alicerce da sociedade os escravos chegaram a constituir em regiões como o Recôncavo na Bahia mais de 75 da população Desde o século XVI e até a extinção do tráfico em 1850 o regime demográfico adverso verificado entre os cativos em razão das mortes prematuras e da baixa taxa de nascimento levou a uma taxa de crescimento negativo e à necessidade de constante importação de mão de obra escrava da África Tal atividade gerou uma classe influente de traficantes de homens em direção à América e o crescimento da demanda por produtos usados no comércio com a costa africana como o fumo e a aguardente Europeus desde a Antiguidade conheciam diversas formas de escravidão sistema que estava longe de ser extinto na época das grandes navegações mas menos intensas ou disseminadas do que aquela que surgiria a partir do século XVI Poucos foram os povos que deixaram de conviver com o sistema escravocrata e os que o praticavam sempre deram aos cativos o tratamento de estrangeiros julgandoos indivíduos sem história ou família Não há dúvida de que camponeses e servos muitas vezes se viram em condições que lembravam uma escravidão temporária Entretanto foi a falta de raízes de direitos e de laços com a comunidade o que distinguiu a escravidão dos demais sistemas de trabalho ainda que igualmente compulsórios As cidades gregas e o Império Romano podem ser considerados os maiores exemplos de sociedades escravocratas da Antiguidade no auge desse Império na Itália havia de 2 milhões a 3 milhões de escravos que representavam 35 a 40 da população total No entanto diferentemente do que aconteceu na escravidão moderna nas antigas civilizações o trabalho compulsório não significava a principal força para a produção de bens e realização de serviços Mesmo com o declínio do Império Romano e a concentração de cativos nas tarefas domésticas o sistema se manteve vigente Tanto que nos séculos V e VI e durante as invasões bárbaras são constantes as referências à existência e uso de escravos Com as invasões muçulmanas das ilhas do Mediterrâneo e da península Ibérica a escravidão renasceu em força e relevância particularmente na Espanha e em Portugal Foi porém com as Cruzadas que os europeus se voltaram outra vez para o mercado de escravos Do século X ao XIII com a entrada de genoveses e venezianos na Síria Palestina mar Negro Bálcãs Chipre Creta ocorreu novo impulso no sentido de implementar a utilização de trabalho escravo Um mercado poderoso envolvendo eslavos daí o nome escravo slave também tomou vulto nesse contexto No final da Idade Média nas ilhas mediterrâneas região em que se encontrava o regime de tipo escravista mais importante da Europa escravos já trabalhavam com a produção de açúcar Notese contudo que se diversos povos contavam com trabalho escravo este não era muito empregado na agricultura cativos executavam sobretudo tarefas artesanais A mão de obra essencial para o setor agrícola continuava a ser camponesa isso até os portugueses chegarem à costa da Guiné no século XV1 A escravidão também estava presente na África mas nesse continente se desenvolveu paralelamente a sistemas de linhagem e de parentesco Sem unidades políticas ou religiosas mais abrangentes os africanos eram livres para vender comprar e até exportar escravos Caravanas realizavam grandes rotas pelo interior do deserto do Saara e desde o século VII mercadores islâmicos desempenhavam o papel de traficantes de homens A rota principal foi o Norte da África seguida pelo comércio do mar Vermelho e pelo do Leste do continente onde o sistema também existia mas não era fundamental para a economia local Ou seja cativos dedicavamse especialmente aos trabalhos caseiros somente em alguns poucos casos eram usados em atividades de manufatura ou no pastoreio Exerciam ainda funções domésticas e religiosas e por vezes escravas atuavam como concubinas ou eram compulsoriamente incluídas nos atos de sacrifício ritual A despeito disso o comércio permaneceu constante durante oito séculos mostrando sua vitalidade e não só o comércio interno como o internacional que se dirigia em particular para a Europa O contato português com a África negra tinha igualmente uma longa história e antecedeu em até meio século a descoberta do Brasil Em 1453 por exemplo Zurara em sua Crônica de Guiné descrevia atividades lusas na foz do rio Senegal Nessa época o interesse de Portugal estava mais voltado para o ouro e os escravos o marfim e a pimenta constituíam motivações apenas secundárias Mesmo quando os portugueses começaram a traficar escravos estes se destinavam privilegiadamente à Europa para o cumprimento de tarefas domésticas Mas com a introdução da cultura do açúcar a história seria outra os cativos tornaramse indispensáveis na produção agrícola e o interesse se voltou da pimenta para o tráfico de viventes Já em meados do XVI Lisboa ao lado de Sevilha era a cidade europeia que mais possuía escravos negros Se na capital dos lusos havia cerca de 100 mil habitantes 10 mil eram escravos negros ou mulatos2 Em Cabo Verde São Tomé e Madeira desenvolveramse ao longo do XVI e do XVII verdadeiras sociedades lusoafricanas condicionadas pelo comércio transatlântico e pelo súbito aumento de contato intercontinental após 1492 Em 1582 ao redor de 16 mil pessoas viviam nessas ilhas sendo a maioria escravos 87 da população total Os oceanos que até então haviam separado povos e culturas agora estimulavam o contato compulsório graças às novas rotas marítimas e contando com as correntes favoráveis Por volta de 1520 portugueses mantinham um número razoável de feitorias na África com os escravos vindo do baixo rio Zaire e do Benin e dirigindose sobretudo a São Tomé e a partir de 1570 ao rico mercado brasileiro Negociantes em geral de origem sefardita termo usado para designar os povos judeus com origem na península Ibérica e parte da Itália passaram a cuidar do açúcar do Brasil Por outro lado a criação das grandes plantations americanas levou os portugueses a almejarem um mercado em grande escala que deveria dispor de abundante oferta de mão de obra3 Ademais naquele momento a África quase inexistia como realidade territorial até mesmo para seus habitantes Antes do panafricanismo do século XIX a concepção ocidental era que sempre havia povos mais ao sul do Saara prontos para serem escravizados4 O certo é que por no mínimo seis séculos africanos foram exportados para a Ásia Europa e Oriente Médio Estimase em 6 milhões o número de africanos vendidos de forma coercitiva5 A chegada dos portugueses à costa atlântica subsaariana em meados do XV alteraria radicalmente as modalidades de comércio tanto no que se referia à escala como no que se referia ao recurso crescente à violência A nova conquista alteraria também modalidades internas de guerra e de redes de relacionamento no interior de Estados africanos Se como vimos inicialmente Portugal estava pouco interessado em obter escravos com a introdução da cana entre os principais produtos do Império a situação mudaria completamente em especial a partir da colonização de São Tomé e das relações estáveis com congoleses que viviam próximos do rio Zaire Naquele local os lusos mantinham forte presença e atuavam como clérigos traficantes e soldados Isso sem esquecer a penetração da religião cristã aceita pela família real congolesa pelas elites e pela população urbana as boas relações entre as duas nações duraram porém apenas até 1665 Além do mais se no princípio da colonização foram reexportados trabalhadores negros aculturados e cristianizados da península Ibérica com o incremento das atividades açucareiras no Brasil iniciouse um movimento direto da África para o Novo Mundo Também se alterou a quantidade enquanto na segunda metade do século XVI o volume de africanos que aqui entravam não excedia algumas centenas anuais a partir da primeira década registraramse em torno de mil importações por ano alcançando 3 mil por ano já na década de 15806 Daí em diante africanos não falantes de línguas românicas ou cristãs os chamados boçais passaram a ser exportados em massa para a América Nesse aumento contaria muito a conquista de uma nova feitoria em Luanda que a partir de 1575 se transformaria em ativo posto avançado para tal comércio Por dois séculos Portugal concentraria suas feitorias em Luanda na região do rio Cuanza e Benguela nunca reunindo mais de quinhentos homens brancos nesses lugares A essas alturas os portugueses consideravamse familiarizados com as populações africanas e as classificavam como amigas ou inimigas muçulmanas ou pagãs mas não se preocupavam com a cor ou com o que hoje denominamos raça Foi o uso específico aliado ao encarecimento da mão de obra ocasionado pela ascensão do Império Otomano no leste do Mediterrâneo e pela consolidação de um império marroquino independente na África do Norte com a decorrente restrição ao uso dessas populações além da abertura do transporte marítimo para os mercados subsaarianos que tornou os cativos negros comparativamente mais baratos Por outro lado com o incremento do comércio do ouro e do marfim no Oeste da África e o crescimento da atuação econômica portuguesa na Ásia as relações ficaram mais corriqueiras Por fim a eficácia crescente dos traficantes do Atlântico na suplementação de mão de obra a segurança no suprimento de cativos vindos da África e o declínio dos preços levaram os africanos a se converterem para a Europa do século XVI em sinônimo de mão de obra escrava e a rumarem forçadamente em direção às colônias americanas Foram transportados para as Américas de 8 milhões a 11 milhões de africanos durante todo o período do tráfico negreiro desse total 49 milhões tiveram como destino final o Brasil Aliás o sucesso do sistema de plantation brasileiro influenciaria todos os regimes de agricultura escravistas ao passo que franceses ingleses e espanhóis adotariam o sistema português com propriedades menores A operação começava com o apresamento em guerra ou emboscada dos futuros escravos pelos traficantes seguido de uma extensa viagem pelo interior africano Os cativos eram obrigados a percorrer longas distâncias até alcançarem os portos de embarque e muitos não resistiam ao esforço físico ou a doenças que apanhavam durante o deslocamento Realizavam a operação os reinos africanos aliados dos portugueses estes últimos nunca se envolveram em tais atividades internas Com o tráfico elites africanas tinham acesso a armas e bens de consumo que caíram no gosto local como a aguardente e o tabaco Nos portos os capturados permaneciam amontoados por dias e às vezes meses até que a carga humana completasse o navio a ela correspondente em barracões nesses alojamentos precários insalubres e sem ventilação a mortalidade era alta Partiam então nos tumbeiros como se chamavam os navios negreiros Usualmente antes até de entrarem nas embarcações os escravizados eram marcados com ferro quente no peito ou nas costas como sinal de identificação do traficante a que pertenciam uma vez que era comum se recolherem no mesmo navio cativos de vários proprietários Diferentemente do que se costuma pensar os africanos não eram apenas apreendidos Precisavam ser trocados por tecidos instrumentos agrícolas barras de metal pólvora cachaça rum e outras bebidas alcoólicas produtos que se transformavam em moedas fortes nas mãos dos traficantes Outro engano é descrever os negociantes africanos como ingênuos ou passivos na comercialização Ao contrário eles condicionavam as relações mercantis às circunstâncias de seus próprios mercados Os senhores brasileiros preferiam ter trabalhadores de diversas etnias e culturas para evitar comunicação entre eles e desse modo impedir rebeliões Já os traficantes locais escolhiam em geral e por comodidade transportar povos de uma mesma região sendo eles que normalmente determinavam os termos da transação O tráfico era um negócio complexo que englobava pontos fixos barcos que navegavam em águas costeiras fortes litorâneos e portos Os comerciantes africanos variavam podiam ser meros intermediários ou fazer parte de monopólios estatais ou de organizações mais estáveis pertencentes a nobres ou reis Em alguns lugares o comércio era livre em outros controlado por governos e agentes mais intervencionistas que impunham tarifas restritivas Outro mito recorrente e associado à falsa ideia do baixo preço dos escravos africanos é o da destruição inconsequente de vidas durante a viagem Se de fato as condições no navio eram as mais terríveis também é claro que o negociante não tinha interesse em que a mortalidade fosse alta a ponto de comprometer os lucros Por isso mesmo era preciso avaliar a quantidade de cativos em relação às possibilidades de espaço dos navios Faziase o cálculo a partir do menor espaço costumeiramente reservado a tropas do exército ou grupos de condenados em trânsito mas o objetivo era levar a carga até seu destino Nos séculos XVI e XVIII uma caravela portuguesa era capaz de transportar quinhentos cativos e um pequeno bergantim até duzentos Já no XIX para reduzir o tempo de viagem passouse a fazer uso de navios a vapor que levavam em média cada um 350 escravos O fato de as embarcações utilizadas para o tráfico serem geralmente menores e desenhadas para abrigar a carga humana em seus porões7 põe abaixo outra versão corrente a de que os europeus triangulavam seu comércio carregando produtos europeus para a África escravos para a América e açúcar para a Europa numa mesma viagem Procuravase de todo modo otimizar os custos colocando o maior número de pessoas no navio o que com frequência correspondia a uma queda no abastecimento de víveres Nesses casos os escravos que normalmente comiam uma vez por dia chegavam a passar a travessia inteira à base de azeite e milho cozido e bebendo pouquíssima água potável segundo atestam documentos Entre os cativos mal alimentados desde o aprisionamento no interior e expostos a uma dieta pobre em vitamina C grassava o escorbuto a ponto de no século XVIII essa doença começar a ser chamada de mal de luanda como vimos A princípio deficientes o abastecimento e o carregamento de víveres nos tumbeiros tenderam a se regularizar ao menos para as necessidades mais básicas A crescente rotinização levou à redução gradativa das taxas de mortalidade O padrão vigente a partir de 1700 determinava que os traficantes carregassem um escravo e meio por tonelada usassem o mesmo tipo de abastecimento recorressem a procedimentos semelhantes no que se referia ao transporte e à manutenção mínima da saúde dos cativos métodos de higiene exercícios banho de sol diário por algumas horas e assim por diante8 Traficantes costumavam vacinar a tripulação contra varíola e dividiam a população por sexo e idade quando o número de passageiros o permitia9 Ainda assim a taxa de óbitos continuava alta uma média de 10 dos jovens ou adultos saudáveis perecia numa viagem que durava de trinta a cinquenta dias Para se ter uma ideia melhor registrese que na França da época essa quantidade de falecimentos era considerada sinal claro de epidemia Muitas eram as razões das mortes Os maiores vilões desarranjos gastrointestinais em geral relacionados à baixa qualidade dos alimentos e da água distribuída a bordo Disenterias eram comuns assim como o bloody flux nome dado aos surtos de infecções intestinais causadores de óbitos em escala epidêmica Varíola sarampo febre amarela tifo e outras doenças contagiosas também contribuíam para aumentar a mortalidade Além do mais os africanos embarcados eram postos em contato com diversos povos e acabavam morrendo de enfermidades que lhes eram até então desconhecidas e contra as quais não tinham defesas imunológicas Há registros de mortes por suicídio cativos precipitavamse ao mar ou recusavam sistematicamente a alimentação oferecida Isso sem esquecer a constante superlotação outra responsável pelo grande número de óbitos durante a travessia para a América Sobraram poucos relatos acerca dos horrores desse tipo de viagem forçada Em dezembro de 1649 frei Sorrento um capuchinho italiano que esteve num tumbeiro contabilizou novecentos cativos e desabafou Aquele barco pelo intolerável fedor pela escassez de espaço pelos gritos contínuos e pelas infinitas misérias de tantos infelizes parecia um inferno10 Falando em inferno para as populações aprisionadas o trauma da travessia estava relacionado também à preocupação com o destino das almas uma vez que muitos povos advindos da região do Congo e de Angola acreditavam que deveriam morrer junto a seus vivos e descendentes Morrer no mar e num navio negreiro constituía impedimento certo para que os espíritos retornassem para junto de seu povo e aldeia essa era outra causa do sentimento que oscilava entre tristeza inconformismo melancolia e raiva e que dominava o ambiente a bordo Mas a travessia era igualmente feita de poucos porém duradouros ganhos Na viagem os companheiros de barco e de amizade chamavam a si próprios de malungos Construíam se apesar do contexto adverso laços de lealdade que permaneciam quando os amigos tinham a sorte rara de serem vendidos para a mesma propriedade É possível dizer inclusive que a mistura entre várias Áfricas começava já nessa ocasião com os escravizados trocando doenças mas também culturas práticas de todo tipo amizade cultos crenças segredos de cura e religiões11 Tais relações talvez expliquem o estado de desconfiança e medo por parte dos traficantes que reinava nos navios Frequentemente os escravizados iam acorrentados dado o receio de que pudessem estourar rebeliões a bordo No século XVI a viagem de Angola para Pernambuco demorava em média 35 dias quarenta até a Bahia cinquenta para alcançar o Rio de Janeiro Se os ventos não fossem favoráveis esse prazo poderia se estender e então a falta de víveres seria ainda mais severa elevando as mortes para cerca de 20 dos transportados Embora com tantos contratempos o tráfico valia a pena como investimento A demanda e o fluxo atlânticos eram marcados pelas necessidades dos agricultores da América e não respeitavam situação meteorológica ou mesmo geográfica como o contorno do cabo da Boa Esperança Já a divisão por sexo idade e nacionalidade dos cativos era determinada pelas condições africanas Traficantes europeus pouco sabiam sobre as sociedades da África e a não ser pelos portugueses que a essas alturas tinham feitorias no Congo em Angola e em Moçambique só tomavam contato com os aprisionados após o embarque Muitas vezes estes não falavam a mesma língua ou dialeto e quase nada se conhecia dos grupos a que pertenciam Nem o que acontecia a poucos quilômetros da costa traficantes imaginavam ou queriam imaginar Casos como o das relações mais estáveis estabelecidas entre a capitania da Bahia e o golfo de Benin no século XVI eram flagrante exceção O mesmo pode ser dito do desequilíbrio sexual resultado mais das condições africanas de fornecimento que da demanda americana Homens correspondiam a 65 das importações vindas do litoral no entanto nem sempre chegavam como adultos que era a faixa etária mais estimada para o trabalho no campo Mulheres claro tinham menos força mas executavam tarefas semelhantes às dos homens nas plantações de açúcar algodão e café e eram consideradas boas especialistas para certas atividades Já no continente africano com seus sistemas matrilineares e matrilocais de parentesco que implicavam organizações econômicas sociais e culturais distintas havia grande demanda por mulheres o que explica a diferença no suprimento Em algumas sociedades elas eram bastante valorizadas por causa da aquisição de status que o acúmulo de esposas poderia garantir ou mesmo por conta das regras de parentesco que levavam à formação de poderosas redes de sociabilidade Ainda em sociedades polígamas escravas ajudavam a conferir poder aos senhores locais Por fim na África as mulheres eram muito procuradas para o trabalho agrícola e especialmente na ocasião da semeadura Tantos tipos de demanda explicam também por que as mulheres que desembarcaram no Brasil tinham muitas vezes idade mais avançada Os navios traziam poucas crianças uma vez que seu raro uso imediato rebaixava o preço nos mercados americanos Na lógica dos traficantes era melhor não reservar espaços para mercadorias com menor potencial lucrativo Por todas essas razões entendese o crescimento negativo de escravos na colônia sobretudo na primeira geração Entendese igualmente a necessidade de intensificação do tráfico negreiro que ia se convertendo em negócio dos mais relevantes Se até antes de 1700 embarcaram 22 milhões de escravos foi apenas no XVIII que o tráfico se tornou o principal bem de exportação africano12 Os escravizados que chegavam à América falavam línguas distintas e com frequência as vendas finais no continente rompiam elos culturais e familiares entre eles ou ao menos essa era a intenção dos clientes interessados em evitar possíveis insurreições e revoltas As práticas religiosas trazidas na bagagem foram por aqui alteradas misturadas ao catolicismo e aos cultos populares Diante das proibições sistemáticas feitas pela Igreja católica os africanos demonstraram muita habilidade em seus esforços de ocultar crenças sob um manto católico As manifestações de fundo religioso mais importantes nas Américas foram o candomblé o vodu e a santeria O vodu foi mais comum em São Domingos em especial aquele proveniente dos povos fons do Daomé Já o candomblé nagô iorubá forneceu principalmente na Bahia a base ritual para as outras variações praticadas por nações do Daomé de Angola e do Congo O candomblé é uma religião derivada do animismo africano de origem totêmica e familiar em que se cultuam orixás os quais no Brasil foram logo vinculados aos santos católicos como forma de disfarce e proteção Na África ao que tudo indica cada nação celebrava apenas um orixá portanto a junção dos cultos foi uma especificidade da leitura brasileira feita por nativos entrados na colônia como escravos Estes não raro nomeavam um zelador de santo conhecido como babalorixá quando homem e ialorixá quando mulher e era ele que acabava sendo responsável também pela realização dos ritos Por sinal aqui chegaram sacerdotes africanos juntamente com seus orixás rituais e idiomas locais e foi a partir desse caldo denso de cultura que se deu em terras americanas uma verdadeira refundação do candomblé religião até hoje popular e influente no país13 Seja através dos cultos seja por meio dos cantos e músicas dos batuques dos alimentos ou dos vestiários um processo de aculturação adaptação e tradução ocorreu nas terras do Novo Mundo e acima de tudo no Brasil onde desde o início da imigração compulsória povos recriaram cultos mesmo nas condições adversas da escravidão Mas claro essa foi uma consequência não intencional inesperada e não planejada pelos portugueses cujo objetivo era não mais que destinar o grosso da escravaria para as plantações de açúcar das prósperas capitanias de Pernambuco e da Bahia Entre 1580 e 1590 entraram cerca de 6 mil africanos na primeira e 4 mil na segunda sublinhando a importância incomum dessas capitanias ao menos em tal contexto Apesar das avaliações pouco precisas estimase que a população total brasileira em 1584 era de 25 mil brancos 18 mil índios domesticados e 14 mil escravos negros14 Vivíamos pois quase numa nova Roma negra um êxodo forçado cujos número e proporção superavam tudo que até então se conhecera E assim depois de longa e traumática travessia os africanos chegavam aos portos do Brasil Rio de Janeiro Salvador Recife Fortaleza Belém e São Luís eram os principais importadores e distribuidores No século XVII foram sobretudo Salvador e Recife que se firmaram como grandes portos e de lá cativos seguiam também para o Maranhão Pará e rio Amazonas Com a descoberta das minas de ouro no século seguinte o porto do Rio de Janeiro ganhou impulso significativo e daí os escravizados eram reexportados especialmente para Minas Gerais Mato Grosso e Colônia do Sacramento ao sul da colônia no território do atual Uruguai Logo após o desembarque as autoridades do lugar anotavam os recémchegados por sexo e idade o número de crias as crianças escravas que seguiam junto com as mães era igualmente verificado Feito o primeiro registro os traficantes pagavam os impostos estabelecidos no Brasil sobre os escravos acima de três anos e estes eram encaminhados para o local de leilão Se houvesse clientes por lá leiloavamse os escravizados já na alfândega caso contrário os conduziam a armazéns situados nas cercanias das áreas portuárias Por conta da viagem eles aportavam magros e debilitados com muitas feridas na pele desde brotoejas até sarna Crianças eram sempre desenhadas nas gravuras de época com a barriga inchada consequência de vermes e da desnutrição Vários africanos sofriam de escorbuto e de oftalmia inflamação nos olhos que se disseminava com frequência a bordo devido à falta de higiene e de sol Com o objetivo de valorizar a mercadoria maquiavamse os escravizados antes de expôlos nos leilões e casas de comércio Eles eram então limpos e banhados os homens tinham a barba e o cabelo raspados e para esconder doenças passavase óleo na pele Com o mesmo propósito distribuíamse alimentos um pouco mais fartamente Para evitar um aspecto depressivo o famoso banzo também conhecido como doença da saudade os negociantes davam aos cativos estimulantes como gengibre e tabaco Anunciados nos jornais os africanos agora prontos para venda eram dispostos a partir do sexo idade e nacionalidade Proprietários e traficantes discutiam abertamente as condições e preços os homens adultos alcançavam valores mais altos E havia regras durante quinze dias caso o escravo contraísse alguma doença ou apresentasse problemas de deformidade física ou moral ele poderia ser devolvido Aqueles que não fossem vendidos imediatamente passavam a ser negociados não só por grandes casas comerciais como também por pequenos e médios traficantes locais mascates e tropeiros que percorriam a colônia de um extremo a outro Dessa forma terminava a longa jornada desde as savanas africanas até os latifúndios da cana as casas nas poucas cidades ou os campos dedicados à pecuária Assim unindose as várias pontas de um mesmo mapa é que se instituiu e fortaleceu o comércio escravagista modalidade de mercado que levou ao banimento e exílio de milhões de pessoas Verdadeiro holocausto de inícios da era moderna o negócio lucrativo explorava o fato de esse sistema ser muito eficaz Ainda que constituísse o mais opressivo dos modelos migratórios era o que dava realmente conta da produção crescente da cana deaçúcar e no século seguinte do ouro e do diamante As vantagens econômicas eram tais que garantiram a continuidade da empreitada ao menos em direção ao Brasil até 1850 quando o tráfico mas não a escravidão foi extinto no país e mesmo depois Os escravos que entraram na colônia durante o século XVI provinham sobretudo da região da Senegâmbia chamada de Guiné pelos portugueses na costa ocidental da África e pertenciam a povos diversos como balantas manjacos bijagós mandingas e jalofos O comércio que outrora se fazia com a Mauritânia Senegâmbia e Costa do Marfim e basicamente se integrava à rede de tráfico humano já existente controlada por muçulmanos passou a ter seu ponto de partida em diferentes feitorias dispostas em pontos estratégicos do litoral africano sob domínio de portugueses Em cena estavam também os congoleses que até então não se envolviam no comércio muçulmano A chegada dos lusos com efeito mudaria sensivelmente o tráfico em razão não só da expansão geográfica do negócio como da mistura de culturas africanas não cristãs Os primeiros contatos com o rei do Congo se deram entre 1480 e 1490 com uma troca de embaixadores e a conversão dos legisladores locais ao catolicismo O próprio rei Nzinga a Nkuwu se converteu tendo sido batizado com o nome de d João Nesse momento aconteceu também uma destruição ritual dos ídolos cultuados no reino do Congo A partir daí houve um constante fluxo de soldados professores livros cristãos vestimentas litúrgicas tecidos europeus armas cavalos e até instrumentos agrícolas E o processo foi ligeiro Em 1567 os portugueses instalaramse naquele reino e no porto de Luanda em bases mais estáveis Trinta e três anos depois o comércio com a América já ultrapassava o tráfico realizado no interior da África Em 1575 com a colonização de Angola pelos portugueses e a fundação de Luanda os números do tráfico dobraram Por volta de 1600 calculase um total de 50 mil africanos desembarcados no Brasil Na década de 1620 holandeses referiamse à entrada de 4 mil escravizados por ano somente em Pernambuco Nas últimas décadas do XVI chegaram ao país entre 10 mil e 15 mil escravos da Guiné do Congo e de Angola Uma estimativa do século XVII menciona 6 mil escravos anuais vindos só da Costa da Mina Ao mesmo tempo Luanda de onde foram deportados 2826000 africanos Benguela Cabinda ou até Ouidá de onde partiram 1004000 entre 1501 e 1867 apresentaramse como os principais portos de embarque do tráfico negreiro do século XVI na mesma proporção em que o negócio português ia se transferindo para aquele local15 A associação entre Brasil e Angola era tão evidente que o jesuíta Vieira escreveu Quem diz açúcar diz Brasil e quem diz Brasil diz Angola16 De início os trabalhadores procedentes de Angola dirigiramse majoritariamente para as capitanias do Sul No Nordeste o grosso dos escravizados veio do golfo de Benin ou da Costa da Mina genericamente chamados de minas Através do golfo os traficantes africanos e mais tarde os mercadores baianos importaram escravos dagomés jejes haussás bornus tapas e nagôs provenientes dos portos de Ajudá Popó Jaquin e Apá mais tarde OnimLagos17 Já os trabalhadores que se dirigiram a Pernambuco vieram de Angola e do Congo Se a proximidade linguística ajudou na conformação de redes de solidariedade e amizade a diversidade produziu uma riqueza de culturas nessa diáspora africana na América O Brasil foi virando uma nova África ou nas palavras de Ambrósio Fernandes Brandão mercador em Goa e Lisboa antes de se estabelecer como senhor de engenho na Paraíba um novo Guiné18 NO BRASIL A MISTURA Com as guerras travadas entre Espanha e Holanda no século XVII os padrões do tráfico de escravos foram se alterando mas acabaram por apenas fortalecer o papel dos mercadores que garantiam o fluxo constante para a colônia Guiné Angola Moçambique e Costa da Mina a partir do Forte de São Jorge transformaramse em importantes fornecedores de escravos negros Os portugueses estreitaram relações com o rei de Daomé país onde estabeleceram um forte localizado em São João Baptista de Ajudá que funcionou como o principal fornecedor nesse mesmo século No Brasil sempre foi grande a mistura de povos que aqui chegavam vinham do Senegal de Angola do Congo da Costa da Mina e do golfo de Benin mas também desembarcaram aos milhares jejes nagôs iorubás tapas nupés haussás e grupos sudaneses Cerca de um terço dos escravos porém provinha dos povos bantos de Angola e da África Central Senhores preferiam os negros de Angola considerados bons trabalhadores Já os negros de Moçambique não eram bem conceituados um latifundiário chegou a escrever que eles se revoltavam tanto que eram como o diabo Contudo os proprietários de terra premidos pelo mercado compravam o que aparecia São muitas as descrições dos locais onde os produtos à venda eram apalpados e avaliados tendo pele dentes cabelos e músculos detidamente analisados Seus corpos agora limpos brilhavam ao sol por conta do óleo de baleia Saúde mas também sexo e idade eram fatores que condicionavam os preços de compra Entraram no Brasil mais homens do que mulheres por várias razões davase pouca importância à capacidade reprodutiva das mulheres valorizavase a força masculina e era maior a oferta de escravos machos As crianças menores de catorze anos não passavam de 2 a 6 do total e as mulheres de 20 a 30 É difícil calcular a idade exata dos recémchegados uma vez que era costume arredondála no registro Em geral até dez anos a idade era cuidadosamente anotada O mesmo não ocorria com a dos escravos velhos termo usado para cativos de mais de quarenta anos Era grande a diferença entre os escravos destinados às casasgrandes os domésticos dos quais se conhecia todo tipo de detalhe pessoal e os escravos do eito os numerosos cativos alocados no trabalho do campo sempre considerados pela quantidade e não pela qualidade Traficantes empregavam diversas expressões para tentar caracterizar a idade dos africanos crias de peito para bebês de até um ano menino e menina para crianças de até oito anos moleque e moleca para cativos de até catorze anos rapaz e rapariga para os adolescentes19 O grosso da escravaria formavase de recémchegados A partir de 1600 eles eram 70 desses os mestiços ou de ascendência mestiça muitas vezes agrupados como pardos só perfaziam 8 Havia clara preferência pelos recém desembarcados que eram pouco aculturados ou habituados ao local e assim fugiam menos A baixa fecundidade e a alta mortalidade infantil desaconselhavam a criação de escravos como ocorria nos EUA Vários motivos explicavam a baixa fecundidade a subnutrição que costuma retardar a menarca o trabalho excessivo e a desproporção numérica entre os sexos Há também explicações culturais Entre os iorubás vigorava a abstinência sexual no pósparto e a convicção de que a saúde da criança estaria ameaçada diante de nova gravidez É no mínimo paradoxal pensar que em vez da propalada ideia da promiscuidade sexual vigente entre escravos imperasse uma quase ausência deliberada de relações sexuais Promiscuidade é sempre termo que se usa para definir hábitos sexuais alheios e se há poucos registros de casamentos tal lacuna era mais uma deficiência dos senhores que ignoravam essas uniões consensuais até para poderem vender mais livremente e sem pejas os seus cativos20 De toda maneira registros comprovam que na disposição das moradias crianças viviam com um dos pais ou com ambos e moravam em unidades chefiadas por homens ou por mulheres Mas a regra era mesmo tentar deslegitimar esse tipo de relacionamento e um exemplo oportuno pode ser encontrado nos registros de cativos Os escravizados eram em geral conhecidos pelo nome de batismo e identificados adicionalmente por sua cor e local de nascimento Como havia muitos escravos chamados João a prática mais comum foi diferenciálos a partir da origem João Angola João Cabinda e João da Guiné Também a propriedade podia ajudar a completar o nome a ele se acrescentava escravo de Antonio dos Santos por exemplo Em caso de libertação e alforria não era raro que o liberto levasse consigo o sobrenome de seu exproprietário Felix Maciel foi escravo de Belchior Maciel Por outro lado ao adotar esse sobrenome estendiamse os laços de dependência que não se esgotavam no momento em que se recebia a liberdade via alforria Tido como uma modalidade da arraigada prática do compadrio tal sistema criava vínculos de parentesco espiritual entre o afilhado e a afilhada o padrinho e a madrinha Ele significava assim que a lealdade e a subserviência deveriam ser mantidas como se escravidão fosse no Brasil uma espécie de destino eterno e sem volta ESCRAVIDÃO É SINÔNIMO DE VIOLÊNCIA Só se pode entender a montagem de uma instituição do porte do escravismo moderno atentandose para a articulação entre a criação de colônias no ultramar e seu funcionamento sob a forma de grandes unidades produtoras voltadas para o mercado externo A monocultura em larga escala exigia um grande contingente de trabalhadores que deveriam se submeter a uma rotina espinhosa sem ter nem lucro nem motivação pessoal Recriouse desse modo a escravidão em novas bases com a utilização de mão de obra compulsória e que exigia ao menos teoricamente trabalhadores de todo alienados de sua origem liberdade e produção Tudo deveria escapar à consciência e ao arbítrio desse produtor direto Da parte dos contratantes a ideologia que se conformava procurava desenhar o trabalho nos trópicos como um fardo um sofrimento uma punição e uma pena para ambos os lados senhores e escravos O discurso proferido pela Igreja e pelos proprietários entendia tal trabalho árduo como uma atividade disciplinadora e civilizadora Havia inclusive manuais verdadeiros modelos de aplicação de sevícias pedagógicas punitivas e exemplares que instruíam didaticamente os fazendeiros sobre como submeter os escravizados e transformálos em trabalhadores obedientes Um exemplo regular era o famoso quebranegro castigo muito utilizado no Brasil para educar escravos novos ou recémadquiridos e que por meio da chibatada pública e outras sevícias ensinava os cativos a sempre olhar para o chão na presença de qualquer autoridade Segundo o padre Jorge Benci que esteve no país no final dos 1600 a razão de submeter os escravos era para que se não façam insolentes e para que não busquem traças e modos com que se livrem da sujeição de seu senhor fazendose rebeldes e indômitos21 Servindose de um discurso paternalista e também religioso no sentido da promessa da redenção futura o sistema era explicado a partir da necessidade do uso exclusivo da coação ver imagem 23 A atividade produtiva repetitiva cansativa e extremamente laboriosa já era em si violenta O trabalho compulsório impunha a introjeção da autoridade do senhor e uma sensação constante de medo lograda pelo castigo disciplinar muitas vezes aplicado coletivamente22 Punições públicas o tronco exemplar a utilização do açoite como forma de pena e humilhação os ganchos e pegas no pescoço para evitar as fugas nas matas as máscaras de flandres para inibir o hábito de comer terra e assim provocar o suicídio lento e doloroso as correntes prendendo ao chão construiuse no Brasil uma arqueologia da violência que tinha por fito constituir a figura do senhor como autoridade máxima cujas marcas e a própria lei ficavam registradas no corpo escravo Quanto ao cativo logo depois da travessia tinha que aprender a negociar e agenciar a arte de sobreviver à submissão ao senhor Um sistema como o escravismo moderno só se enraíza com o exercício da violência Da parte dos proprietários a sanha contínua que visava à sujeição e obediência cegas para o trabalho Da parte dos escravos a reação se dava a partir de gradações que iam das pequenas insubordinações diárias e persistentes até as grandes revoltas e os quilombos De todo modo a escravidão se enraizou de tal forma no Brasil que costumes e palavras ficaram por ela marcados Se a casagrande delimitava a fronteira entre a área social e a de serviços a mesma arquitetura simbólica permaneceria presente nas casas e edifícios onde até os dias que correm elevador de serviço não é só para carga mas também e sobretudo para os empregados que guardam a marca do passado africano na cor Termos de época mantêmse operantes apesar de o significado original ter se perdido A expressão amaseca era até pouco tempo usada no país esquecendose entretanto de que naquele período essas amas se opunham às amas de leite mulheres que muitas vezes deixavam de amamentar seus filhos para cuidar dos rebentos dos senhores Boçal é ainda hoje uma pessoa com reduzida discriminação de locais e espaços um tonto assim como ladino continua a ser sinônimo de esperto Em seu sentido primeiro boçais eram os escravos recémchegados e que diferentemente dos ladinos os cativos de segunda geração não dominavam a língua ou a região tendo por isso poucas possibilidades de fuga Alguns termos desapareceram como é o caso da expressão bens semoventes outrora empregada para descrever de maneira indiscriminada nos inventários e testamentos as posses que podiam se movimentar quais sejam escravos e animais Não obstante permanece uma divisão guardada em silêncio e condicionada por um vocabulário que transforma cor em marcador social de diferença reificado todos os dias pelas ações da polícia que aborda muito mais negros do que brancos e neles dá flagrantes Aqui é usual a prática de interpelação esse pequeno teatro teórico e pragmático Diante da força policial não raro os indivíduos assumem um lugar que corriqueiramente optariam por rejeitar Não basta ser inocente para ser considerado e se considerar culpado Esse tipo de reação é chamado pelo antropólogo Didier Fassin de memória incorporada quando antes mesmo de refletir os corpos lembram Se na época da escravidão indivíduos negros trafegando soltos eram presos por suspeita de escravos hoje são detidos com base em outras alegações que lhes devolvem sempre o mesmo passado e origem23 Assim se a violência era comum nessa sociedade escravocrata existiam porém gradações visíveis Enquanto os escravos do eito eram muitos submetidos a jornadas mais sacrificadas regimes de trabalho e de controle mais estritos os cativos domésticos experimentavam outro gênero de cotidiano Nos grandes engenhos os escravos rurais poderiam chegar a cem ou mais razão por que seu senhor praticamente não os conhecia Já os domésticos menos numerosos conviviam com a família nuclear desempenhando funções de cozinheiras babás pajens amas de leite era uma criadagem que acompanhava os senhores no seu dia a dia Mas por mais que houvesse nuances não resta dúvida de que a maioria dos cativos se destinava à labuta pesada no campo sob o sol escaldante do Nordeste a qual por vezes tomava como vimos mais de vinte horas diárias O trabalho na moenda nas fornalhas e nas caldeiras poderia ser no entanto ainda pior Não era raro que escravos perdessem uma das mãos ou até um braço Vários relatos mencionam a existência de uma machadinha próxima da moenda para que no caso de um escravo ser apanhado pelos tambores se pudesse separar rapidamente o membro ferido evitando também que o açúcar ou as máquinas tivessem avarias Fornalhas e caldeiras produziam um calor insuportável além de ter de enfrentar essa quentura os trabalhadores poderiam sofrer queimaduras e ficar com o corpo todo marcado De tão penoso e perigoso esse tipo de trabalho era considerado um castigo reservado aos escravos ditos insubmissos e rebeldes Há igualmente registros de cativos queimados na face e no peito chamuscados com cera quente torturados com ferro em brasa que tiveram nariz e orelhas decepados Padecer com a arbitrariedade e o abuso dos senhores era moeda corrente e mulheres escravizadas não poucas vezes foram vítimas do sadismo deles Seu corpo não era apropriado apenas como produtor de riqueza mas também como instrumento de prazer gozo e culpa no caso dos proprietários e de ódio por conta dos ciúmes das senhoras Aqui aparece pintada e com tintas fortes a sexualidade exercida na intimidade da alcova escravista o autoritarismo senhorial aí se encontrava com a aparente passividade da mulher escravizada a qual era antes uma rendição apavorada Conforme escreveu Antonil os escravos eram tratados com três PPP a saber pau pão e pano Os senhores brancos sabiam ser minoria e tinham consciência de que só sob um clima de medo premeditado poderiam controlar seus cativos Sobrava trabalho faltava roupa e alimento Em documentos de época viajantes afirmavam que os escravos passavam fome no Brasil Exigiase que plantassem para seu sustento mas somente os domingos eram reservados a tal atividade A fome era tanta que como ratos andavam infestando os canaviais não raro esses animais viravam alimento nas panelas da senzala A comida básica era a farinha de mandioca fornecida com carneseca e peixe só a escravos doentes se serviam galinha e carne fresca Até hoje diz o dito popular quando se come frango em casa de pobre das duas uma ou o frango está doente ou o pobre Comentavam ainda as testemunhas que em certas regiões o bacalhau era comer de negro Paradoxalmente essa palavra designava também o chicote de relho que castigava e açoitava os escravos Altas taxas de mortalidade acompanharam esse sistema desde sua implantação Os cativos introduzidos na América morriam com facilidade pois não apresentavam imunidade contra as doenças do Novo Mundo deles desconhecidas Além do mais enfraquecidos física e moralmente pela travessia atlântica ficavam suscetíveis a moléstias traiçoeiras Por isso o primeiro ano era o mais perigoso e em todos os sentidos Os escravos tinham não apenas que se acostumar ao regime pesado de trabalho como aprender a língua e lidar com as novidades do clima A mortalidade infantil era ainda mais alarmante insalubridade falta de assistência subnutrição levavam a altíssimas taxas de natimortos e de crianças que não chegavam à primeira infância O regime de trabalho era o grande vilão acabando com o vigor das mães e elevando a taxa de mortes de velhos os trabalhadores com quarenta anos ou mais Nos inventários de propriedades açucareiras 6 morriam de cansaço exaustão falência do corpo No engenho do Sergipe do Conde no Recôncavo baiano entre 1622 e 1653 compravamse cerca de cinco escravos por ano para manter o grupo de aproximadamente setenta repondo assim as mortes constantes Há ainda o aspecto psicológico que levava a impactos censitários notáveis Livros de contas de engenhos do Nordeste referemse a casos de aborto e suicídio formas individuais de rebelião dos que se negavam a continuar aceitando aquela realidade Com tantos dados negativos não se confirma a imagem de uma escravidão mais benevolente no Brasil onde a expectativa de vida dos escravos homens ficava abaixo da que se tinha nos Estados Unidos 25 anos para 35 embora houvesse desproporção semelhante para a população branca Dado coerente com o regime de privações a que obedecia o cotidiano de trabalho dos escravos a vestimenta a eles fornecida era exígua Registros da época mencionam que os cativos andavam quase nus ficando muito suscetíveis às mudanças do clima Homens normalmente traziam o peito descoberto e portavam ceroulas que iam até abaixo dos joelhos Para conter o suor da testa punham faixas ou lenços na cabeça As mulheres vestiam trajes mais completos saia anágua blusa e corpete a despeito de hoje se achar que esse tipo de roupa era mais usado na ocasião da venda ou em festas Em geral as vestimentas eram feitas de pano da serra um tecido grosseiro de fio cru que com o uso diário raspava a pele e distribuídas no máximo duas vezes por ano nos períodos da moagem e do corte da cana Os escravos do campo andavam menos bem vestidos que os domésticos Estes comentase traziam traje completo por vezes chapéu colete e até guardachuva o qual mantinham totalmente aberto para proteger seus senhores contra o sol Havia ainda escravos urbanos cujo número médio por senhor era bem menor que passavam parte do tempo longe da vigilância trabalhando na rua como alugados e jornaleiros Seu tempo era arrendado por dia ou por semana e o cativo devia entregar ao senhor ou à senhora no final da empreitada a soma que recebia Eles exerciam uma infinidade de ofícios eram pintores pedreiros carpinteiros estivadores alfaiates ferreiros costureiros cocheiros carroceiros barbeiros sapateiros As mulheres eram domésticas cozinheiras arrumadeiras amas engomadeiras lavadeiras Escravas vendiam nas ruas mingaus doces bolos caldo de cana caruru e iguarias vindas da África Saíam pela cidade oferecendo seus quitutes e muitas vezes levavam os filhos amarrados em panos da costa que lhes identificavam a nação Várias delas atuavam como mensageiras pois circulando pelas ruas podiam transmitir informações e até notícias de rebeliões Escravizadas também tiveram de exercer a prostituição nas regiões portuárias vendendo seu corpo e entregando os ganhos aos patrões Numa sociedade escravocrata todo trabalho físico e que demandasse esforço era considerado aviltante e assim relegado aos africanos Por sinal cor virou uma régua para essa sociedade que a eles vinculava o labor braçal Os mulatos por exemplo muitos deles filhos ilegítimos do seu senhor eram geralmente escolhidos para as funções domésticas Embora representassem 7 da população escrava dos engenhos executavam 20 das atividades artesanais e domésticas24 Houve uma especificidade no modelo brasileiro de escravidão que foi a brecha da alforria As manumissões relacionavamse ao bom comportamento mas também à compra da liberdade por parte do escravo Na colônia permitiase que este acumulasse um pecúlio e não poucas vezes mulatos que exerciam funções especializadas podiam ter a esperança de um dia serem livres A alforria existiu em toda a história da nossa escravidão apesar de não estar incluída em nenhuma lei civil ou religiosa Ela poderia ainda constar de testamentos ou ser utilizada como recompensa por lealdade ou afeição pessoal Mulheres crianças e cativos especializados eram mais alforriados que homens adultos e na Bahia mulatos receberam 45 das alforrias Não obstante o número absoluto de alforrias era pequeno não ultrapassando 1 ao ano durante os séculos XVI e XVII Já as possibilidades de reescravização eram das mais altas Todas as manumissões poderiam ser revogadas e dependiam do comportamento tido como adequado para os exescravos Consideravamse suficientes para pôr fim à alforria casos de deslealdade por parte dos libertos assim como se apreendiam sem dificuldade negros em viagem e anulavamse seus passaportes e registros Grassava uma escandalosa ilegitimidade na escravidão Amparado firmemente no costume esse sistema foi marcado pela bastardia jurídica aqui e em outros lugares O notável desprezo das sociedades escravistas pela obediência às leis que controlavam a violência se espraiava por toda a sociedade facilitando a reescravização No Brasil a exigência de passaportes passes e bilhetes senhoriais durante o deslocamento dos cativos demonstrava a preocupação das autoridades em manter o controle destes e ademais sobre qualquer indivíduo que apresentasse possíveis traços de pertencimento à escravidão Situação comuníssima era a detenção de negros e negras para a conferência dos documentos de deslocamento e comprovação de identidade Nessas ocasiões muitos homens livres que embora estivessem fora de seu meio social portavam registros para atestar sua liberdade foram facilmente aprisionados e outra vez vendidos como escravos25 O calor das chamas aliado ao calor do Nordeste a falta de alimentação os maustratos a faina do dia inteiro faziam do trabalho no engenho uma espécie de inferno na Terra Foi o mesmo Antonil quem bem definiu a colônia como Inferno dos negros Purgatório dos brancos Tudo convergia para a palavra inferno a propósito metáfora frequente nesse local No entanto a despeito das altas doses de sadismo é evidente que a violência do sistema tinha um sentido econômico claro o de conformar a disposição do escravo e obrigálo a trabalhar o máximo possível Era difícil escapar da escravidão Aliás no caso brasileiro ela tomou o território todo e foi responsável pela maior importação forçada de trabalhadores africanos até hoje conhecida E de tão disseminada a instituição deixou de ser privilégio de grandes senhores de engenho Padres militares funcionários públicos artesãos taberneiros comerciantes pequenos lavradores pobres e remediados e até libertos possuíam escravos Por essas e por outras é que a escravidão foi mais que um sistema econômico ela moldou condutas definiu desigualdades sociais fez de raça e cor marcadores de diferença fundamentais ordenou etiquetas de mando e obediência e criou uma sociedade condicionada pelo paternalismo e por uma hierarquia estrita E há ainda outro elemento a destacar Por aqui e contrariando a ladainha que descreve um sistema menos severo os escravos reagiram mais mataram mais os seus senhores e feitores se aquilombaram mais e por fim também se revoltaram mais A provável explicação dessas reações repousa em muitas especificidades na fragilidade das instituições policiais e jurídicas na menor coesão da classe senhorial dividida entre pequenos médios e grandes proprietários espalhados por todo o país mas sobretudo na certeza de que violência chama invariavelmente mais violência Além disso diferentemente do que hoje se imagina os escravizados não se comportavam como coisas tendo sempre agenciado seu lugar e condição lutado para conseguir suas horas de lazer manter sua família recriar seus costumes em terras estranhas cultuar seus deuses e práticas preservar seus filhos e cuidar deles26 É conhecido o costume de africanos que pretensamente seguiam a missa e os santos católicos e que pareciam ter se convertido à verdadeira fé mas decerto tinham uma lista paralela de cultos que incluía seus próprios orixás Por meio da devoção entramos num mundo do diálogo Muitos africanos ao chegarem ao Brasil convertidos pela força do sistema abraçaram a religião católica e seus santos mas mudaram nomes feições e conteúdos Por outro lado acrescentaram um novo panteão na medida em que sem abrir mão de seus reis e divindades os cultuaram à discrição e em meio às festas em que reverenciavam as majestades portuguesas ou santos da cristandade O mesmo se deu com práticas como a capoeira O nome vem do mato nascido após a derrubada da mata virgem e cortado pelo escravo Contudo ganhou outro sentido Originalmente uma luta na colônia foi descrita como uma dança para a distração27 Boa paródia dança que é luta santos que são orixás A escravidão criou um universo de disfarces e de negociações Por sinal desde o princípio os africanos fugiram e quando puderam se rebelaram Quilombos existiram enquanto perdurou o escravismo tendo sido a submissão somente um dos efeitos de muita coação Não há escravidão boa ou má portanto não há escravidão melhor ou pior Sempre e em qualquer lugar ela gera o sadismo a rotinização da violência e a perversão social O que resta nos EUA ou aqui é a má consciência a culpa da perpetuação de um sistema como esse por tanto tempo e de forma assim naturalizada No entanto a luta pela liberdade sempre foi um desejo e um objeto perseguido pelos escravizados Se os senhores na maior parte das vezes manipulavam a situação recorrendo a sevícias e castigos de toda sorte em alguns poucos momentos distribuíam incentivos positivos prometendo dias livres ou até mesmo a manumissão Também os escravizados negociavam e tentavam sobrepujar as constrições do sistema Solicitavam que as sextasfeiras e sábados fossem liberados para eles se dedicarem aos seus afazeres exigiam escolher seus feitores e controlar o equipamento queriam cuidar dos filhos cultuar seus deuses e os que conheceram no Novo Mundo Há um documento raro entre nós em que o escrivão registra a petição dos cativos que reivindicavam o direito de brincar folgar e cantar sem pedir autorização A esperança era pouca e a violência muita mas os trabalhadores vindos da África fizeram mais do que apenas sobreviver Para fugir da condição de peça os escravizados procuraram nas brechas do sistema espaços para recriar suas culturas inventar desejos sonhar com a liberdade e com a reação TOMA LÁ DÁ CÁ REBELIÕES INSURREIÇÕES E MOVIMENTOS ESCRAVOS Os escravizados jamais abriram mão de serem agentes e senhores de suas vidas Em primeiro lugar criaram entre si laços de afeição associações religiosas e sociais e redes Viajantes anotaram que os cativos estabeleciam relações ternas com esposas e filhos dos senhores e que mantinham solidariedade com os malungos como vimos nome dado aos companheiros de viagem pelo Atlântico Além do mais eles reagiram a sua rotina de trabalhos forçados fazendo quando podiam pequenas e médias barganhas negandose a executar certas tarefas ou apenas contrariando a vontade dos senhores Mas reagiram ao cotidiano violento também de forma violenta sendo frequentes as fugas individuais e em massa os assassinatos de feitores e senhores e as insurreições organizadas A resistência escrava deu origem a mocambos ou quilombos guerreiros surgidos na América portuguesa a partir do século XVI A palavra mocambo significa esconderijo já quilombo foi o termo utilizado em algumas regiões do continente africano especialmente em Angola para caracterizar um tipo de acampamento fortificado e militarizado composto de guerreiros que passavam por rituais de iniciação adotavam uma dura disciplina e praticavam a magia28 O uso de quilombo para designar agrupamentos de cativos fugidos se generalizou depois de Palmares como veremos o maior e mais persistente agrupamento de quilombos que existiu no país e a palavra foi mais empregada no século XVIII De tão temerosas as autoridades portuguesas logo proibiram a aglomeração de mais de seis escravos fora do trabalho De meados do século XVI quando as primeiras notícias a respeito do aparecimento de quilombos chegaram a Salvador e depressa alcançaram Lisboa até meados do XIX com o início da propaganda abolicionista as fugas de cativos procuraram obstinadamente encontrar uma saída num mundo onde não havia alternativa29 Entre a realidade concreta de uma sociedade escravocrata e a tentativa de inventar uma realidade factível muitos escravos não pensaram duas vezes o suicídio era uma solução extrema aventurarse sozinho pelos caminhos e arraiais por demais arriscado A saída era fugir em grupo para o mato e tentar se instalar do lado de fora da sociedade escravista no embrenhado das matas ou no cenário assustadoramente desabitado do sertão Os quilombos surgiram para sustentar essa possibilidade em geral em lugares de difícil acesso protegidos da força policial das cidades do trânsito de pessoas nas estradas e da intensa vigilância das fazendas Apesar disso paradoxalmente houve quilombos que mantiveram relações de troca de produtos com as localidades próximas A proliferação dos mocambos e quilombos na paisagem colonial americana nessa época foi resultado de uma combinação mais complexa do que a apontada pela evidente associação entre refúgio e bivaque O quilombo não era só um lugar transitório e improvável tampouco era apenas desobediente às coordenadas estabelecidas do lado de cá pela ordem escravista e do lado de lá pelo isolamento absoluto Na prática é possível que a experiência dos quilombos tenha construído um lugar radicalmente novo no panorama político capaz de conciliar em igual medida resistência e negociação rejeição e convivência um lugar perigoso e muitas vezes trágico para os escravos que neles se abrigavam30 O quilombo significou uma alternativa concreta à ordem escravista e por isso tornouse um problema real e bastante amedrontador para a sociedade colonial e para as autoridades que precisavam combatêlo de modo sistemático Mas ao mesmo tempo o quilombo era parte da sociedade que o reprimia em função dos diversos vínculos que tinha com os diferentes setores desta Tais vínculos de natureza muito variada incluíam a criação de toda sorte de relações comerciais com as populações vizinhas a formação de redes mais ou menos complexas para obtenção de informações e como não poderia deixar de ser o cultivo de um semnúmero de laços afetivos e amorosos que se entrecruzavam nas periferias urbanas e nas fazendas A população de um quilombo subsistia graças aos recursos que tirava da mata às roças que plantava milho mandioca feijão fumo batatadoce a seus criatórios de galinhas e é claro graças à maneira como convivia com a sociedade que se desenvolvia em seu entorno31 Todos os quilombos iniciaram alguma forma de convivência amistosa com os vizinhos Muitos porém combinaram a possibilidade de coexistência pacífica com o estabelecimento de relações conflituosas com os distintos grupos sociais que circulavam nas proximidades e garantiram seus mecanismos de sobrevivência atacando as periferias dos núcleos urbanos saqueando fazendas a fim de conseguir animais para corte e alimentos assaltando viajantes nas estradas Em meados do século XVIII o Buraco do Tatu quilombo localizado nas cercanias de Itapuã perigosamente perto de Salvador sustentava sua economia no roubo e mantinha uma fortíssima relação de cumplicidade com a comunidade de escravos e de libertos dessa cidade os quais lhe forneciam víveres e munição ver imagem 2432 Num aspecto os quilombos se assemelhavam suas melhores possibilidades de sobrevivência eram favorecidas pela rede de conexões sociais que os escravos fugidos estabeleciam com a vizinhança Em razão de sua grande quantidade e dispersão por várias capitanias produtivas da colônia eles formaram um mundo subterrâneo o campo negro 33 do qual souberam tirar proveito fundamental para estender seu raio de influência e aumentar suas condições de autonomia Uma impressionante variedade de personagens e de tipos sociais transitava com modalidades diversas de interesse ou de cumplicidade nas imediações dos quilombos e ela não era necessariamente composta de negros ou cativos Entre os nós dessa rede havia contrabandistas encarregados de negociar produtos escravos que permaneciam nas fazendas atuando silenciosamente como canais de informação e de ligação entre diferentes quilombos comerciantes e mascates que abasteciam tais refúgios de pólvora aguardente sal e roupas além de vender os butins dos quilombolas salteadores Nem os quilombos que escolheram sobreviver de assaltos e saques podiam prescindir da cumplicidade gestada no interior da rede de relações e interesses As autoridades por seu lado tentavam neutralizar essas redes sociais de apoio Para destruir um quilombo notoriamente dedicado ao roubo e à violência como o Buraco do Tatu não bastou o envio da força policial de Salvador foi preciso mobilizar tropas de índios Já na região do Baixo Amazonas no extremo norte da América portuguesa os refúgios de escravos dos rios Curuá e Trombetas Maravilha Inferno Cipoteua e Caxangue se instalaram no meio das águas bravas acima das primeiras corredeiras e cachoeiras desses afluentes da margem esquerda do grande rio mata fechada próxima à fronteira com o Suriname34 Para sobreviver ali coragem astúcia e boa disposição física não eram suficientes era crucial conhecer a floresta Os quilombolas se adaptaram a ela a partir da convivência amigável ou em alguns casos hostil com os índios e com os animais e da própria percepção do que lá acontece alteraram seu padrão alimentar substituindo a farinha pela massa do coco do babaçu ou do uricuri adotaram a carne de tartaruga quando o pescado escasseava e esculpiram imagens de santos com o miolo extraído do tronco das palmeiras Também descobriram o valor econômico da castanha e o uso medicinal de determinadas plantas como o óleo da caraíba e a salsaparrilha com o passar do tempo tornaramse bichos do mato filhos da floresta PALMARES A REBELDIA DOS QUILOMBOS Cada quilombo tem sua história mas Palmares a maior comunidade de escravos fugidos e possivelmente a que sobreviveu por mais tempo na América portuguesa ainda hoje parece resumir para a imaginação brasileira a notável tradição de resistência e rebeldia do quilombo guerreiro Conta essa tradição que o núcleo original de Palmares era composto de cerca de quarenta cativos todos provenientes de um mesmo engenho de açúcar em Pernambuco e que subiram a serra da Barriga na Zona da Mata já no atual estado de Alagoas provavelmente em torno de 159735 O lugar rodeado de serras e inteiramente despovoado proporcionou aos fugitivos um abrigo natural capaz de funcionar como uma muralha contra ataques A palmeira onipresente na região forneceu lhes sustento e conforto incluindo a alimentação feita do coração da árvore o palmito e o trançado de cordas para fabrico de armadilhas peças de vestuário e coberturas de casebres Poderoso ímã a palmeira atraiu os cativos e batizou seu esconderijo ver imagem 22 Palmares passou a designar não um único refúgio de escravos mas uma extensa confederação de comunidades dos mais diversos tamanhos vinculadas por acordo umas às outras que conduziam os próprios negócios dispunham de autonomia e escolhiam seus líderes o quilombo de Acotirene cujo nome homenageava a matriarca e conselheira dos líderes quilombolas o quilombo de Dambrabanga um de seus principais comandantes militares o quilombo de Zumbi título concedido ao líder religioso e militar da comunidade o quilombo de Aqualtune e o de Andalaquituche respectivamente os nomes da mãe e do irmão de Zumbi o quilombo de Subupira base militar dos quilombolas a Cerca Real do Macaco o maior e mais importante quilombo de Palmares onde se localizava seu núcleo político e atuava sua autoridade central Ganga Zumba o Chefe Grande que presidia o conselho constituído pelas lideranças dos quilombos e regulamentava os assuntos da guerra e da paz Boa parte dos primeiros habitantes de Palmares veio da África mais precisamente dos atuais Estados de Angola e do Congo e embora durante seu período de maior crescimento a confederação quilombola tenha formado uma sociedade multiétnica foi essa população originária que chamou o refúgio de Angola Janga a pequena Angola Angola Janga como que reinventava uma nação da África no Brasil revelava que seus habitantes se reconheciam estrangeiros aqui e confirmava que Palmares tal como um pequeno Estado africano abrigou uma vida comunitária politicamente organizada administração pública leis próprias forma de governo estrutura militar e princípios religiosos e culturais que fundamentavam e fortaleciam a identidade coletiva As autoridades coloniais por sua vez também reconheceram em Palmares um enclave registrado nos documentos que enviaram a Lisboa como república termo que na cultura política portuguesa da época servia para indicar no reino ou no ultramar a existência de um espaço institucional e atuante de gestão pública regulado pela política e funcionando em condições de relativa autonomia36 Em seu momento de maior crescimento Palmares chegou a abrigar aproximadamente 20 mil habitantes desse total viviam na Cerca Real do Macaco em torno de 6 mil quase a população do Rio de Janeiro calculada por volta de 1660 em 7 mil pessoas incluindo índios e africanos37 A confederação quilombola manteve intensa relação de comércio com vilas e arraiais vizinhos ao mesmo tempo estimulou fugas em massa de escravos promoveu um semnúmero de assaltos aos engenhos fazendas e povoações e resistiu por um século às incursões militares enviadas para destruíla A primeira expedição portuguesa contra Palmares data de 1612 a última quando Zumbi foi derrotado ocorreu em 1694 Entre 1644 e 1645 durante a ocupação holandesa da área produtora de açúcar no Nordeste em especial da capitania de Pernambuco a Companhia das Índias Ocidentais ordenou dois ataques a Palmares e ambos fracassaram os holandeses ficaram à mercê de uma espécie de guerra do mato difícil de sustentar feita de escaramuças emboscadas e assaltos sorrateiros Palmares aproveitou a crise que se instalou com a ocupação holandesa para crescer e esse foi um padrão recorrente da resistência escrava ao longo do tempo de muitas maneiras os cativos sempre agiam nos momentos em que a sociedade escravista estava dividida ou por guerra ou por invasão estrangeira ou por dissensões internas A partir de 1670 com a constante ameaça dos quilombolas e a propagação da fama de Palmares por toda a América portuguesa as autoridades coloniais puseram em funcionamento uma estratégia de destruição sistemática ataques anuais envio de missões de reconhecimento e a eliminação das ligações comerciais entre as vilas e os quilombos Mas apesar de fracassarem uma após a outra todas essas expedições também Portugal acabou se beneficiando muitíssimo do surgimento de fortes divisões internas entre as lideranças quilombolas Em 1678 representantes portugueses e uma expressiva comitiva de rebeldes enviados por Ganga Zumba reuniramse no Recife para celebrar o tratado de paz proposto pelas autoridades coloniais O acordo previa devolver aos agentes da Coroa os escravos fugidos vale dizer todos os moradores que não tivessem nascido nos quilombos e do ponto de vista luso tinha o objetivo estratégico de liquidar com os profundos laços de cumplicidade e reconhecimento entre os quilombolas e os cativos Em troca Portugal garantia alforria terras sob a forma de sesmarias e foro de vassalos da Coroa para os naturais de Palmares O acordo do Recife opôs Ganga Zumba a Zumbi anulou a unidade entre os quilombolas e deu início ao período mais violento da história daquela comunidade de quilombos Considerado traidor Ganga Zumba foi envenenado seus chefes militares sumariamente degolados Nos quinze anos que se seguiram Zumbi liderou a guerra palmarina contra as autoridades portuguesas resguardou a autonomia dos quilombos e assegurou a liberdade de seus habitantes A guerra só se encerrou em 1694 com a queda da Cerca Real do Macaco depois de 42 dias de sítio da derrota e execução de Zumbi e da destruição a ferro e fogo de Palmares Palmares serviria de exemplo para os dois lados Na época as autoridades coloniais o tomaram como um modelo para a repressão sem dó nem piedade era isso que acontecia com aqueles que negavam a lei Mas Palmares também se converteu em símbolo de uma luta negra por inclusão social e em referência para uma interpretação do Brasil que não legava aos escravos apenas o papel de vítimas passivas Eram vítimas porque não tinham escolhido viajar para cá e trabalhar na cana Mas foram agentes uma vez que não se acomodaram ao regime de privações a eles imposto Em agosto de 1870 passados quase duzentos anos Castro Alves compôs Saudação a Palmares uma dura denúncia do regime escravocrata que humilhava o cativo e degradava as relações humanas e uma entusiasmada celebração do quilombo38 O grande poeta abolicionista via longe e à frente do seu tempo o poderoso Estado negro formado por uma confederação de quilombos seria objeto de intenso investimento de memória coletiva Durante os séculos XVIII e XIX enquanto existiu escravidão negra no Brasil o medo estava por toda parte Acima de tudo temiase que o fenômeno de Palmares se repetisse Já ao longo do século XX Palmares foi alvo de um giro radical nas ideias nas formas discursivas textuais e livrescas na cultura na escrita da história Transformouse no eventosímbolo da luta dos escravos e das populações negras brasileiras de um modo geral assim como em ícone da construção de outras histórias e memórias no país39 AS MUITAS MODALIDADES DA LUTA DE RESISTÊNCIA Nem toda fuga de escravos gerava a formação de quilombos Fugir era sempre um ato de resistência e os cativos evadiamse com diferentes propósitos escapar da extrema violência de castigos físicos ou morais driblar a imposição da ruptura de laços afetivos ou amorosos por venda reagir à quebra de acordo pela arbitrariedade do senhor tentar abrir uma brecha para negociação numa situação de conflito recusar o excesso de castigos e sevícias e é claro afirmar o desejo de liberdade Entre os séculos XVII e XVIII tirar cipó significava fugir para o mato e arriscarse a inúmeros perigos40 A fuga individual ou em grupo questionava os limites da dominação o escravo que fugia afrontava o princípio da propriedade ameaçava a ordem das coisas impondo grave prejuízo ao seu senhor Cedo se percebeu que as formas individuais de punição aplicadas ao cativo recapturado devolvido ao proprietário e devidamente castigado não bastavam era imprescindível construir mecanismos de controle e manutenção da ordem escravista e desenvolver estratégias de repressão A montagem do aparato de controle da ordem escravista foi lenta sistemática sustentada numa legislação com escopo repressivo muito amplo e que acreditava fortemente na eficácia da punição pública na exposição espetaculosa do delito e da aplicação da penalidade atribuída ao infrator Essa crença no castigo exemplar incluía diversas modalidades de pena mutilação do corpo do escravo infrator para que toda a sociedade em qualquer ocasião ao ver a marca ficasse ciente do crime por ele cometido suplício no pelourinho coluna de pedra encimada com as armas e o brasão real símbolo da fidelidade ao rei erguida sempre na praça principal da vila em cujos lados pendiam argolas onde costumavam ser acorrentados e açoitados os escravos exposição em lugar público à vista de todos das cabeças dos cativos degolados durante as inúmeras expedições enviadas para perseguir fugitivos e destruir quilombos Tudo isso e ainda não era o suficiente Permanecia a convicção por parte das autoridades coloniais de que precisavam avançar em busca de agentes ativos no controle e na vigilância dos cativos mesmo que os proprietários tivessem que pagar o preço por eles A solução encontrada era de certo modo previsível desenvolver uma força especializada na perseguição do escravo fugido uma espécie de tropa profissional fortemente militarizada com autorização para capturar negros fugidos nas estradas na mata fechada e nos quilombos e com ordem para matar incendiar e destruir qualquer foco de resistência No coração desse aparato repressivo e preventivo de fugas os portugueses entronizaram a figura do capitão do mato Até o início do século XVII a caça ao escravo fugitivo era uma atividade esporádica e temporária boa parcela do aparato repressivo ficava nas mãos do feitor o capataz do engenho que administrava e punia em doses iguais a escravaria necessária A partir de meados desse século porém o cargo de capitão do mato com regras definidas e permissão para esquadrinhar preventivamente uma região com o propósito de evitar fugas passou a ser reconhecido pela sociedade e fez de seu ocupante um personagem indissociável da escravidão41 Entre os séculos XVII e XIX circularam pelo território brasileiro milhares de capitães do mato muitos dos quais eram exescravos que se gabavam de conhecer melhor do que ninguém o comportamento de um fugitivo Mas como os quilombos e as fugas também estavam associados na sensibilidade dessa sociedade escravista às piores imagens de aflição a agonia da morte o esconderijo onde vivem os demônios o pecado da idolatria por via das dúvidas tratouse de colocar em cena um personagem mais forte e concederam a patente de capitão do mato a santo Antônio de Pádua O mais venerado dos santos na metrópole e na colônia e celebrado como guerreiro defensor da América portuguesa contra invasões estrangeiras santo Antônio sem ser consultado durante três séculos emprestou sua divina colaboração em favor da recuperação de escravos fugidos e da destruição de quilombos42 Um capitão do mato recebia sua remuneração diretamente do proprietário de escravos que o contratara e ganhava por serviço prestado O valor a ser pago a tomadia era regulado pela distância entre o local da fuga e o da captura quanto maior a distância maior o valor E o pagamento só acontecia mediante entrega ou do cativo recapturado ou da cabeça do escravo degolado que o capitão do mato carregava consigo em sacos de couro até poder exibila ao proprietário e fazer jus ao valor acordado43 Além das fugas existiram outras formas de resistência como o assassinato e envenenamento de senhores suicídios abortos escravizados sempre negaram sua condição e reivindicaram direitos Ora a simples desobediência já retirava parte da autoridade do senhor que dependia para que a fazenda funcionasse e desse lucro da obediência cega dos trabalhadores Por outro lado os escravos sabiam dos riscos que corriam o inimigo era superior em forças não havia garantias e caso fossem descobertos não teriam nenhuma proteção legal Por isso a luta não podia ser aberta roubos assassinatos suicídios abortos insultos afora pequenos e desconcertantes atos de desobediência ou de manipulação pessoal constavam da lista de reações possíveis Resistir demandava também criatividade sorte barganha e malícia por isso muitas vezes a estratégia foi indireta buscando não apenas atacar mas sobretudo desgastar o inimigo a sabotagem era o mais famoso desses métodos Tal forma de ação foi usada de maneira recorrente na agroindústria do açúcar especialmente em Pernambuco e no Recôncavo baiano A sabotagem representava um perigo constante e seu êxito dependia de muito pouco uma chispa de fogo no canavial o limão cortado em pedaços e esquecido nos tachos de cobre onde se cozia o caldo da cana para produção do melado um dente quebrado nos cilindros dentados da moenda as gigantescas rodas para extração do caldo da cana movidas a água ou por uma junta de bois44 Qualquer interferência por insignificante que fosse era danosa ao fabrico do açúcar e podia pôr a perder toda a produção do engenho provocando um prejuízo irreparável ao seu proprietário Lembrar e cultuar memórias traços vestígios de raízes culturais africanas foi outro ingrediente indispensável para formar a capacidade de resistência dos escravos no Brasil Com o tempo essas raízes foram modificadas misturadas e recriadas no novo ambiente da escravidão E assim serviram de base para a construção de uma vida religiosa e lúdica que funcionou como importante ferramenta na elaboração de identidades coletivas e formas de resistência grupal Nas fazendas de café nos engenhos de açúcar ou nos núcleos urbanos era frequente escravos brigarem com seus senhores e barganharem o direito de tocar dançar e cantar em obediência aos seus ritos religiosos sem o consentimento do feitor e é claro sem a intromissão da polícia No mais das vezes esse era um acontecimento que tinha lugar num espaço previamente escolhido aberto nos matos com especial capricho pelos próprios escravos em áreas próximas às fazendas e engenhos ou aos núcleos urbanos os chamados terreiros Os rituais de devoção aí praticados estavam associados a um conjunto muito peculiar de fundamentos culturais e religiosos a adoção de formas de celebração em que música e dança ritmo e movimento estão equilibrados numa mesma e única linguagem espiritual a possessão pela divindade a forte conexão desses rituais com as raízes africanas valendose principalmente da tradição oral ver imagem 2645 O candomblé a religião dos orixás foi o nome dado a partir do início do século XIX a essa reconstrução dos rituais de celebração religiosa tomando como base tradições de povos nagôs e com influência cultural de grupos jejes46 Desde o princípio o candomblé combinou no novo ambiente do Brasil elementos culturais impostos aos escravos com o contato entre grupos étnicos cujo número era sempre renovado pelo tráfico De muitas maneiras ele definiu sua própria linha de atuação ajudou a ampliar as fronteiras de identificação entre grupos diversos produziu critérios de importância simbólica para o bom funcionamento da vida comunitária criou canais de comunicação com a sociedade escravista Também negociou experiências históricas distintas entre africanos mestiços e índios e não por acaso o chamado candomblé de caboclo cultua ainda hoje os espíritos dos antepassados da terra brasileira os índios que são na Bahia denominados caboclos E como não poderia deixar de ser quilombos funcionaram como espaços privilegiados de defesa de uma vida espiritual e lúdica autônoma para os escravizados No final do século XVII o poeta Gregório de Mattos apelidado Boca do Inferno em virtude de seus muitos versos satíricos e poesia francamente fescenina já fazia referência aos rituais de celebração religiosa realizados em quilombos ao ritmo de tambores e atabaques Não há mulher desprezada galã desfavorecido que deixe de ir ao quilombo dançar o seu bocadinho47 Nesse poema intitulado Preceito 1 Gregório provavelmente retratou um rito próprio de evocação de uma divindade calundu capaz de informar sobre o destino de cada pessoa Como se vê no longo processo de transformação e enriquecimento do ritual do calundu até a criação da matriz do samba a vida comunitária dos africanos e de seus descendentes sob o jugo da escravidão pautouse pela falta mas também pela criação48 Se as relações sempre foram assimétricas não engessaram a reação Não se convertem homens em propriedades sem que eles mostrem sua capacidade de invenção e criatividade Mais do que sobreviver populações africanas se fizeram locais perderam o caráter estrangeiro driblando os rigores de um regime perverso e acondicionado pela linguagem da violência É OURO SERTÃO DOS CATAGUÁS O século XVII mal havia terminado as finanças de Portugal estavam comprometidas com o elevado custo da administração do Império e a agroindústria canavieira começava a sentir o peso da concorrência da cana plantada nas Antilhas e levada pelos holandeses expulsos do Brasil a qual atingia duramente os engenhos de açúcar do Nordeste Mas em Salvador o governadorgeral do país João de Lencastro ainda se perguntava se a descoberta de lavras de ouro no sertão dos Cataguás era de fato um bom negócio para a Coroa portuguesa Apesar do otimismo de Lisboa o governador mantinhase cético acerca da extensão dos achados e da quantidade do ouro colhido e duvidava que os pedregulhos e o pó do ouro catado no fundo dos córregos localizados onde hoje é a área central do estado de Minas Gerais compensassem o altíssimo investimento da metrópole na colonização da América e servissem para realimentar o projeto imperial luso Cataguás designava um povo indígena que habitava o sul o oeste e o centro do território de Minas os primeiros a enfrentarem os colonizadores Eram descendentes dos Tremembé que no decorrer do século XVI migraram do litoral nordestino na altura do atual estado do Ceará e assumiram o nome de Catuauá corrompido pelos portugueses em Cataguá agora estão extintos Cataguás era também o nome genérico atribuído pelos sertanistas às populações indígenas estabelecidas no eldorado das serras mineiras a região onde em meio à areia grossa do fundo dos rios faiscava um ouro miúdo Demorou quase dois séculos mas Portugal jamais perdeu a esperança a busca de metais preciosos estava no centro da sua obsessão por enriquecimento rápido1 E pairava um otimismo geral entre as autoridades de Lisboa havia algum tempo predispostas a acreditar que existiam na América tesouros imensos prontos para serem descobertos O fluxo impressionante de ouro e prata que os espanhóis carregaram de suas colônias americanas para Sevilha na primeira metade do século XVI deslumbrou as cortes europeias amealhou para a Coroa de Castela uma fortuna de fazer inveja a qualquer monarca europeu serviu para engordar as rendas do Estado e claro manteve acesa a cobiça dos portugueses Em meados do século XVI a notícia de que os afortunados espanhóis tinham encontrado uma montanha inteira de prata em meio à cordilheira dos Andes Cerro Rico de Potosí na atual Bolívia fez a imaginação da Europa ferver e convenceu Lisboa de duas coisas havia uma grande quantidade de metais preciosos no território da colônia e a única maneira de alcançar essa riqueza era penetrar no sertão A caminhada por certo seria duríssima mas quem nela se aventurava confiava no sucesso na época a cartografia garantia ser o continente americano estreito o bastante para tornar os desbravadores portugueses praticamente vizinhos das fabulosas montanhas do Alto Peru feitas as contas não levaria mais que doze dias por terra ou por água se o viajante partisse da vila de Santos no atual estado de São Paulo2 O cargo de governadorgeral cuja patente militar era de capitãogeneral exigia que seu ocupante protegesse a colônia contra as incursões de corsários e piratas e contra os ataques de potências europeias como a Holanda e a França interessadas nos lucros do comércio marítimo e em formar seu próprio império colonial também lhe cabia promover a colonização e não negligenciar a busca dos metais preciosos No entanto João de Lencastro tinha alguns bons motivos para acolher com cautela as notícias de achados no sertão dos Cataguás O ouro até então descoberto entre 1560 e 1561 nas serras que cortam os atuais estados de São Paulo e Paraná sobretudo entre Iguape Paranaguá e Curitiba estava longe de satisfazer o apetite português Aos olhos de Lisboa o que no Brasil se queria encontrar era o Peru não era o Brasil3 e pretendia converter as montanhas de Paranapiacaba o nome indígena da Serra do Mar numa réplica dos Andes de onde não estariam ausentes nem mesmo lhamas a Coroa cogitou importar cerca de duzentas vindas do Peru para o transporte do metal o achado era pífio o ouro pouco o filão descontinuado o rendimento das jazidas muito baixo4 Como para outros de seus contemporâneos a referência de João de Lencastro não era o ouro mas a agroindústria canavieira que a partir de 1570 havia começado a prosperar em especial na costa de Pernambuco e no Recôncavo baiano e se transformara no cerne econômico da América portuguesa No início do século XVIII padre Antonil já entendia como arriscada e pouco vantajosa a ideia fixa das autoridades metropolitanas na busca do ouro Não era difícil compreender por quê o açúcar constituía a mais importante riqueza do Brasil os engenhos funcionavam como o principal campo de trabalho missionário na conversão de escravos e toda essa riqueza poderia ir por água abaixo com a descoberta das Minas particularmente danosa pelos numerosos deslocamentos migratórios internos5 A combinação do açúcar com a escravidão africana como vimos determinou a vida econômica do Império no Atlântico Sul e sustentou as ambições dos grandes proprietários de terras e de uma ativa comunidade mercantil Salvador o centro nervoso da administração portuguesa era o mais notável escoadouro urbano de uma sociedade rural gerada na cultura açucareira Um bom governadorgeral como imaginava João de Lencastro precisava desconfiar das propaladas novidades sobre as descobertas de ouro e manter os ouvidos sempre abertos e sensíveis às demandas e à promoção dos interesses dos senhores de engenho e da elite mercantil Em meados de 1697 chegou a Salvador a notícia de que fora encontrado um ouro escuro e meio fosco misturado ao cascalho do córrego que havia no fundo de um vale coberto de mata úmida varrido por finas rajadas de vento e cercado pela sequência de picos altíssimos que formam o maciço do Espinhaço o córrego do Tripuí cujo nome de origem indígena significa apropriadamente água de fundo sujo6 O governadorgeral ainda não sabia mas o Tripuí era só o início o achado do ouro preto iria revelar a ponta de uma massa gigante de metal precioso que se estendia até o ribeirão do Carmo e ao Sabará no local exato de seu encontro com o Guaicuí o nome original do rio das Velhas7 E João de Lencastro insistiu na compreensão de que a notícia da descoberta do ouro nas Minas era antes um grande problema Na longa correspondência que endereçou ao rei Pedro II em 1701 o governador atirou em várias direções propôs isolar a zona dos achados fechando os caminhos de acesso para o interior concentrar em Salvador o movimento comercial das Minas e submeter toda a região mineradora à jurisdição da Bahia8 Em Lisboa as desconfianças de Lencastro não convenceram ninguém Apesar de tantas diligências e de inúmeras expedições frustradas a obsessão da Coroa por montanhas de ouro e prata prosseguia inabalada E as autoridades metropolitanas estavam cada vez mais persuadidas de que entre os habitantes da vila de São Paulo de Piratininga a base pioneira de onde os colonos encetaram o avanço pelo interior do continente havia quem soubesse onde estava o grosso do ouro Afinal os moradores da vila entravam continuamente pelo sertão muito antes das descobertas auríferas da década de 1690 Seu motivo contudo era outro caçavam um tipo diferente de riqueza o ouro vermelho termo cunhado por padre Vieira empenhado em combater o cativeiro indígena para se referir ao sangue dos nativos capturados e escravizados pelos colonos9 Os paulistas viajavam durante meses e até anos quase sempre a pé descalços andando como índios com os pés esparramados e os artelhos virados para dentro de modo a aliviar o cansaço e facilitar o ritmo da caminhada invariavelmente em fila indiana No decorrer de todo o século XVII incontáveis expedições de apresamento atravessaram os sertões que seriam um dia as terras mineiras e criaram a fama dos habitantes da vila de São Paulo uma gente que parecia haver nascido no planalto de Piratininga somente para perambular pelo interior desconhecido deparandose a cada curva com frechas feras febres10 e disposta a se deslocar em espaços cada vez maiores como se fosse vocacionada por uma espécie de paixão deambulatória Esse sertanismo surgiu com a vila de São Paulo de Piratininga estrategicamente abrigada da interferência da autoridade régia instalada no Rio de Janeiro graças à poderosa muralha imposta pela impressionante sequência de morros íngremes e de mata fechada que formam a Serra do Mar A vila foi erguida no alto de uma colina guardada ao longe pelos contrafortes da serra da Cantareira O seu entorno estava protegido por uma providencial rede fluvial que as expedições dos paulistas iriam descer até o rio Paraná para então penetrar no sistema da Bacia do Prata e alcançar o extremo sul da colônia11 A vila brotou em torno de um colégio edificado pelos padres da Companhia de Jesus uma construção de pau a pique com paredes feitas de barro e areia quintal grande e uma pequena igreja no fundo cercada de habitações indígenas onde hoje é o Pátio do Colégio no Centro Velho de São Paulo O colégio foi peçachave num projeto cuidadosamente acalentado pelo superior dos jesuítas no Brasil padre Manuel da Nóbrega juntar as tribos do lugar e com elas fundar uma sociedade nova de cristãos impecáveis tão distante dos seus costumes originais quanto dos maus hábitos e dos vícios dos europeus Esse projeto fracassou com uma rapidez assombrosa nem os nativos pretendiam renegar suas próprias crenças nem os colonos portugueses estavam dispostos a abrir mão de sua ação predadora A vila porém permaneceu fincada no limite estratégico da entrada para o sertão e não desistiu de considerar os índios sua principal presa Sob a velha alegação de que haviam capturado os indígenas em guerras justas os colonos os escravizavam servindose deles como mão de obra na lavoura na criação de gado nos trabalhos domésticos e como meio de transporte12 Bandeiras foi o nome dado a partir da primeira metade do século XVIII às expedições para o interior do país o termo era comum a todas as regiões podendo ainda ser substituído por outros como entradas jornadas empresas ou conquistas Entre os moradores do planalto de Piratininga as bandeiras assumiram a forma militarizada de organização das expedições de caça e escravização dos índios ou de busca de metais preciosos e na visão de alguns historiadores do final do século XIX e início do XX também teriam produzido um modo característico de vida o bandeirantismo13 As expedições que partiam da vila de São Paulo varreram os sertões mineiros até onde foi possível tratando de ocultar dos representantes da Coroa na colônia a existência do ouro na área Os paulistas tinham um bom motivo para agir assim manter longe de casa a incômoda presença da administração colonial sobretudo no que se referia ao peso dos tributos e ao rigor na aplicação da legislação metropolitana que impunha limites à escravização dos indígenas O registro dos primeiros achados do ouro no sertão das Minas começou a ser negociado entre a Coroa e seus descobridores paulistas ainda na metade inicial da década de 1690 Autorizado diretamente pelo rei de Portugal Pedro II o acordo garantia ao descobridor honras mercês e a posse do achado Além disso a autoridade régia assegurava aos sertanistas de São Paulo o que para eles era mais importante o privilégio de administrar os indígenas aprisionados no sertão e levados como força de trabalho escrava para o planalto de Piratininga Só então o ouro apareceu14 As descobertas nas Minas ocorreram nessa mesma década quase simultaneamente em diferentes lugares mas sempre ao longo da linha que se estende entre as atuais cidades de Ouro Preto e Diamantina entre a bacia do rio Doce e a do São Francisco Aí no centro do atual estado de Minas Gerais o ouro estava esparramado em quantidade espantosa no leito dos rios e riachos que corriam no fundo dos vales ou nos pequenos planaltos elevados as chapadas que se alastravam pelas encostas vertiginosas do maciço do Espinhaço Era um ouro miúdo que surgia na forma de pedrinhas faiscantes grãos ou pó de coloração amarelada cinzaamarelada preta esbranquiçada ou com aspecto opaco e muito sujo este último era chamado de ouro podre15 A cor preta resultava da mistura com o elemento químico paládio e indicava alta concentração de metal precioso já a branca provinha da mistura do ouro com níquel e esse ouro tinha bem menos valor Entretanto qualquer que fosse o tipo ou a cor era ouro farto por todo lado havia punhados que durante milhões de anos se soltaram das fendas rochosas daquele maciço a antiquíssima formação geológica de Minas Gerais O ouro das Minas de aluvião estava à flor da terra e se distinguia de todo das peças maciças que os espanhóis extraíram das jazidas subterrâneas de ouro de beta escavadas extensamente no México e no Alto Peru Como se descobriu depressa as Minas eram Gerais Em qualquer direção e qualquer que fosse o rumo que se tomasse podiase achar ouro o topônimo Minas Gerais aplicado à capitania a partir do início da década de 1720 servia para indicar uma longa contínua e contígua sequência de minas16 As lavras mais relevantes foram encontradas na zona que ficaria conhecida como distrito do ouro e as descobertas a princípio se concentraram nas margens da nascente do rio das Velhas atualmente a área da Cachoeira das Andorinhas próxima ao município de Ouro Preto O povoamento acelerado nessa região redundaria na criação das primeiras três vilas das Minas todas no ano de 1711 em janeiro o arraial de Nossa Senhora do Carmo foi alçado à condição de vila em junho os núcleos mineradores de Ouro Preto Antônio Dias Padre Faria e Tripuí reuniramse para dar origem a Vila Rica e ainda em julho no arraial do Sabarabuçu foi oficializada a fundação da vila de Nossa Senhora da Conceição do Sabará hoje as cidades de Mariana Ouro Preto e Sabará17 Entre a última década do século XVII e a primeira do XVIII os moradores do planalto de Piratininga começaram a desconfiar que estavam sendo enganados a Coroa portuguesa havia prometido muito mais do que estava disposta a cumprir e não cogitava entregar a posse das regiões auríferas a seus descobridores Entre 1707 e 1709 o conflito até então surdo explodiu os paulistas enfurecidos meteramse em guerra pelo controle das Minas contra os emboabas O termo emboaba tinha origem indígena significava galinha de pés cobertos de penas e se aplicado a qualquer forasteiro sobretudo português de pé calçado ao contrário do natural da vila de São Paulo de Piratininga que andava geralmente descalço constituía insulto gravíssimo O calçado servia para identificar o inimigo e o xingamento emboaba era tão usual que até agora ao ouvir um estampido à distância há quem resmungue em Minas o dito antigo Ali morreu cachorro ou emboaba Como a região fervia de ódio a Coroa resolveu intervir e fazer política concedeu perdão a todos os envolvidos Mas não disfarçou de que lado estava nomeou os emboabas para os mais importantes postos administrativos nas vilas recémcriadas e acabou com as pretensões de posse e mando político dos paulistas18 Empurrados para fora do território das Minas estes retomaram o caminho do sertão e no quesito ouro em abundância ainda iriam protagonizar duas outras notáveis descobertas as Minas do Sutil em Mato Grosso onde hoje fica Cuiabá em 1722 e cinco anos depois as Minas de Vila Boa em Goiás No fim da década de 1720 estavam finalmente identificados os três principais filões auríferos da América portuguesa MINAS DO OURO QUE CHAMAM GERAIS Na manhã de 21 de julho de 1674 um sábado Fernão Dias Pais Leme deixou a vila de São Paulo de Piratininga para viver sua última e grande aventura À frente de quatro tropas formadas por uma centena de índios e quarenta homens brancos incluindo os dois filhos um legítimo Garcia Rodrigues Pais o outro mestiço José Pais e o genro Manuel da Borba Gato enfiouse no caminho do sertão Tinha por volta de sessenta anos uma fortuna considerável era veterano de inúmeras bandeiras de apresamento e dono de uma imensa fazenda nos arredores da vila de São Paulo onde hoje é o bairro de Pinheiros19 Cada detalhe da expedição foi planejado por Fernão Dias durante dois anos e envolveu a troca de uma vasta correspondência com o governadorgeral e com a Coroa No momento da partida ele levava na algibeira a patente de governador com autoridade sobre todos os participantes da bandeira e sobre todas as pessoas que entrassem por aquele sertão antes ou depois de sua passagem Ia ao encalço da mítica serra do Sabarabuçu tão formosa e refulgente informavam os índios que só poderia ser vista ao longe e era impossível passarse por ela tamanho o resplendor chamavamna em língua tupi sol da terra20 Das encostas dessa serra sempre nomeada e nunca descoberta desceria um rio extraordinário do qual transbordavam pedras de prata de ouro e esmeraldas imensas O aventureiro castelhano Felipe Guillén afirmava ter ouvido que índios apanhavam aquelas pedras e delas faziam gamelas para dar de comer aos porcos e apenas a eles porque acreditavam que aquele metal endoença21 Antes de entrar no território das Minas Fernão Dias despachou um grupo encarregado de montar uma base fixa de abastecimento para assegurar a sobrevivência da bandeira os arraiais de Santana e do Sumidouro nas imediações do rio das Velhas O arraial era um misto de acampamento militar e povoado em franco crescimento cercado de extensos roçados de milho batatadoce abóbora feijão mandioca cará e inhame No ano seguinte ao findar das chuvas quase à entrada do outono quando a terra em sede requeimada bebera longamente as águas da estação conforme os belos versos de Olavo Bilac no poema O caçador de esmeraldas22 publicado em 1902 a bandeira avançou pelo interior no rumo do nordeste Guiado pelo dorso coberto de escamas do maciço do Espinhaço e por seus picos em forma de unha entre 1675 e 1681 Fernão Dias cruzou o atual estado de Minas Gerais até atingir a região dos rios Jequitinhonha e Araçuaí Ali no extremo nordeste das Minas a bandeira acreditou ter por fim encontrado o mito indígena de uma grande lagoa fabulosamente rica Vapabuçu o lendário berço das principais correntes fluviais do continente canal da ligação do Brasil com os Andes23 Vapabuçu era fruto da imaginação dos índios e dos europeus mas as margens da lagoa onde acampou Fernão Dias estavam repletas de enganosas esmeraldas de Minas pedras verdes que na realidade não passavam de turmalinas de pouco valor De regresso ao arraial que lhe servia de base próximo à misteriosa lagoa do Sumidouro a água que some por um buraco do mato e é constantemente renovada por ribeirões subterrâneos morreu Fernão Dias sem tempo de voltar a São Paulo doente de malária As esmeraldas de Minas matavam os homens de esperança e febre e nunca se achavam e quando se achavam eram verde engano24 como afirmou mais de dois séculos depois o poeta Carlos Drummond de Andrade ao recordar a aventura de Fernão Dias a localização da refulgente montanha de pura prata continuava incerta e sua empresa não rendera sequer uma peça de ouro à Coroa em Lisboa Ainda assim a bandeira realizou uma façanha graças a ela os sertanistas aprenderam a estratégia de sobrevivência e os meios de adaptabilidade capazes de garantir as formas de permanência no sertão das Minas manterse vivo e em relativa segurança num lugar isolado cercado por um ambiente natural intratável desconhecido e dominado por feras e índios hostis Naquele momento a apropriação do terreno e a conquista da região importavam para a metrópole tanto ou mais do que topar com um tesouro e foi esse o feito de Fernão Dias sua bandeira seguiu a estratégia militar de criar roças de mantimentos que sustentassem as tropas nos seus movimentos pelo interior a qual foi decisiva tanto para a disputa com os índios quanto para a posterior ocupação do território25 O caminho para as Gerais havia sido aberto mas não seria empresa fácil para quem se dispusesse a percorrêlo A expedição de Fernão Dias articulou num único trajeto o litoral à serra da Mantiqueira ao rio das Velhas e ao nordeste mineiro e descobriu uma forma própria de se movimentar e sobreviver na ferocidade da paisagem das Minas O Caminho Geral do Sertão também conhecido como Caminho Velho ou Caminho de São Paulo transformouse na principal boca das Minas era a picada que ligava São Paulo de Piratininga e São Sebastião do Rio de Janeiro ao ouro recém descoberto nos ribeirões de Ouro Preto e de Nossa Senhora do Carmo e nas margens do rio das Mortes e do rio das Velhas26 A viagem era particularmente penosa por conta da difícil travessia da serra da Mantiqueira apelidada de serra que chora em virtude de suas incontáveis nascentes e de seus ribeirões enovelados Transpor a Mantiqueira esguia como uma lâmina na altura da serra do Facão recortada por cinco picos altíssimos para que nas Minas não cheguem os fracos como se dizia na época era de fato empreitada para gente forte e intimorata Revestia a serra uma massa verdeescura de matas úmidas que começavam a brotar já nos primeiros dias de caminhada na passagem da garganta do Embaú no Vale do Paraíba onde ainda hoje se situa a divisa entre os estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais Essas matas proporcionavam a quem nelas se aventurasse um tormento à parte habitadas por nuvens de insetos inúmeros deles peçonhentos costumavam ser fustigadas por chuvaradas constantes A travessia tornavase árdua em especial na estação das chuvas quando as brumas cobriam as terras altas da Mantiqueira o aguaceiro pingava quase ininterrupto pelas barbas dos viajantes a água gelava até os ossos a descida dos desfiladeiros apresentavase ainda mais escorregadia derrubando mulas e fardos e a trilha dissolviase em lama e barro sob os pés A novidade dos descobertos de ouro circulou rápido pela colônia em São Paulo Rio de Janeiro e Salvador muita gente comentava e enviava mensagens alvoroçadas para parentes em Portugal Não havia mais o que fazer Nem o esforço da Coroa em manter segredo sobre a localização das Minas receosa da cobiça das potências rivais nem o susto das autoridades locais diante da debandada de moradores dos núcleos de povoamento do litoral nem mesmo a áspera travessia da Mantiqueira nada conseguia impor limite à ambição desenfreada e uma massa alucinada se deslocou para aquela região Jamais coisa assim tornou a ser vista até que surgisse a corrida do ouro na Califórnia em 1849 escreveu o historiador inglês Charles Boxer em 196227 Gente de toda espécie se espremia no afã de se arriscar pelas trilhas de acesso ao ouro e no meio da multidão havia de tudo os que careciam de esperança para sair da miséria os que se deixaram levar pelo sonho da riqueza fácil os que precisavam escapar do turbilhão político e religioso Nesta última categoria alinhavamse desafetos do rei e da monarquia cristãos novos bandos de ciganos hereges de diversos matizes e pelo menos um milenarista verboso Pedro de Rates Hanequim que iria defender teses pouco ortodoxas relacionadas ao Brasil numa delas argumentava que o paraíso terrestre estava escondido em meio a um conjunto de serras no centro da América portuguesa e perpendicular a ele se erguia o trono de Deus em outra cogitava arrebanhar companheiros para o projeto mirabolante de coroar imperador da América meridional o infante d Manuel irmão de d João V rei de Portugal e com ele levantar um Quinto Império no sertão das Minas28 O governadorgeral João de Lencastro não hesitou em nomear toda essa multidão de gente vaga e tumultuária vil e pouco morigerada29 Em Lisboa as autoridades finalmente concordaram com ele e fizeram eco a suas palavras quem se afundava nos sertões das Minas era uma gente toda adventícia tumultuária e mal estabelecida e sem amor às terras em que não nasceram A proveniência dessa gente era bastante variada Uma parte procedia de Portugal e deixou para trás mulher e filhos Uma população também numerosíssima vinda das demais capitanias sobretudo de São Paulo Bahia e Rio de Janeiro vendeu o que possuía jogou a sorte no mundo e deslocouse para lá As Minas começam onde os caminhos terminam afirmavam os paulistas no fim do século XVII Quem conseguiu chegar às Minas Gerais depois de uma jornada pontilhada de perigos sabia o que queria amealhar ouro fácil em grande quantidade e muito mas muito depressa mesmo Deslumbrados ante a abundância do metal precioso que faiscava por todo lado e na sofreguidão de sempre buscar novos filões os mineiros esqueceramse do principal ouro não se come Foi um desastre Entre 1697 e 1698 1700 e 1701 e em 1713 sem plantar roçados de mandioca feijão abóbora e milho suficientes para o número de pessoas que continuava afluindo às Minas os moradores das Minas morriam de fome com as mãos cheias de ouro cravou uma vez mais padre Antonil30 Para escapar da fome os mineiros aprenderam ligeiro a engolir qualquer coisa cães gatos ratos raízes de paus insetos cobras e lagartos Devoravam inclusive o perigoso bichodetaquara larva branca roliça e comprida que se encontra no interior dos bambus Partindose dos portos do Recife ou de Salvador só por um caminho se alcançavam as Minas o Caminho Geral do Sertão também chamado de Picada da Bahia ou Caminho dos Currais do São Francisco Esta era a via de percurso mais longa entre as três bocas das Minas e por ela debandavam em busca do ouro colonos vindos das áreas canavieiras da Bahia e de Pernambuco que passavam a sofrer com a decadência da cultura do açúcar A picada velha conhecida dos sertanistas paulistas que por ali começaram a se aventurar já na primeira metade do século XVII oferecia vantagens a quem se dispusesse a enfrentá la florestas com melhores condições de locomoção pois menos densas que as da serra da Mantiqueira com árvores mais dispersas muita vegetação de arbustos e grandes rios que podiam ser navegados em canoas Mas o sertão era outro mar ignoto iria resumir esplendidamente Raimundo Faoro em seu livro Os donos do poder escrito no século XX31 a terra firme além da costa a inevitável solidão em meio a pedras agressivas o abismo do desconhecido No trânsito em direção às lavras de ouro muita gente foi se desgarrando pelo sertão e aí se fixando criminosos perseguidos pela Justiça devedores insolventes filhos de pequenos agricultores cujas terras não podiam ser divididas indefinidamente e homens pobres que nem terras possuíam Interrompiam a viagem apossavamse de lugares ermos e avançavam no devassamento do interior das Minas contagiados pelas múltiplas possibilidades com que lhes acenava a jornada índios destinados à escravidão lagoas douradas montanhas resplandecentes de ouro e pedras preciosas a lonjura da Lei o sertão era o refúgio perfeito para quem quisesse escapar da miséria conseguir terras driblar a prisão ou ocultar crime de sedição A crença difundida de que o interior das Minas era um território à parte transformou o Caminho Geral do Sertão na mais importante via de contrabando do ouro Como tratou de explicar às autoridades metropolitanas por volta de 1725 um bom conhecedor da região Pedro Barbosa Leal o sertão tinha muitas portas abertas com campanhas desertas matos incógnitos e caminhos desusados e veredas para sair32 E os contrabandistas os desencaminhadores do ouro como se dizia na época sabiam a exata localização dessas portas Com audácia surpreendente arriscavamse de canoa pelo rio São Francisco era o começo de uma jornada que mirava alcançar a Europa ou o Rio da Prata Antes de aportarem num embarcadouro clandestino o que faziam apenas quando a luz do dia tinha sumido e os soldados da praia não entreviam nem mesmo o vulto dos barcos eles se esgueiravam pelos portos de Jacobina e Rio das Contas onde havia Registros das Contagens postos para cobrança de tributos e fiscalização do rei e com a carga sã e salva marchavam durante semanas pelo interior até Pernambuco Paraíba Rio Grande do Norte ou Ceará onde o ouro era finalmente acomodado em navios costeiros e encaminhado para fora da colônia A outra alternativa de rota por terra cobrava dos contrabandistas uma caminhada ainda mais longa e perigosa margear o São Francisco até o sertão do Parnaguá onde hoje é o estado do Piauí e de lá ir até o Maranhão somente então o ouro seguia seu descaminho para a Europa33 Para desespero da Coroa parte substancial da produção de ouro escapava das unhas do fisco e servia para alimentar um grande comércio ilegal cuja taxa de lucro parecia compensar todos os percalços e riscos da aventura do contrabando As autoridades coloniais fizeram de tudo para garantir o controle dessa produção a entrada nas Minas passou a ser monitorada por postos arrecadadores e fiscalizadores os Registros do Ouro e por Guardas postos com funções exclusivamente repressoras O livro de padre Antonil foi confiscado pela Coroa em 1711 e teve sua circulação proibida por descrever a rota de ligação entre Salvador e a região aurífera E interditouse o Caminho Geral do Sertão para transporte de mercadoria e trânsito de pessoas só estava autorizada a passagem do gado para abastecimento das Minas Não adiantou muito o ouro continuou sumindo graças à petulância de contrabandistas espertos que não hesitavam em se misturar aos comerciantes de gado mantendo seus malotes bem escondidos Os contrabandistas também se valeram da cobiça de padres autoindulgentes que dispensados de revista nos postos de controle conseguiam surrupiar boa quantidade do ouro destinado aos cofres do rei furioso Portugal vedou em 1709 a presença de ordens religiosas nas Minas O entroncamento do Caminho Geral do Sertão com o distrito do ouro ocorria em Sabará o primeiro e maior núcleo urbano das Minas e era por lá que entravam em primeira mão as boiadas a carneseca de vaca e porco sal da terra couro rapaduras e peixe seco Tudo caríssimo Um alqueire de farinha no ano de 1703 custava em São Paulo 640 réis enquanto nas Minas valia 43 milréis anotava padre Antonil34 A proporção registrada pelo religioso era impressionantemente alta Uma libra de açúcar 120 rs em São Paulo nas Minas 1200 rs Uma galinha em São Paulo 160 rs nas Minas 4000 rs Em São Paulo negociavase um boi de corte por 2000 rs nas Minas boi idêntico era vendido por 120000 rs35 A última grande crise de fome aconteceu em 1713 e atingiu em cheio a vila de Pitangui fundada pelos sertanistas de São Paulo em seu recuo em direção a Goiás no fim da guerra com os emboabas As minas de Pitangui localizavamse praticamente na entrada do sertão mineiro e estavam protegidas por gente insubmissa cujas mágoas da Coroa resultantes da guerra nunca cicatrizaram Essa gente se tornou conhecida durante todo o século XVIII por decidir suas questões políticas e de propriedade sem muita conversa na boca do bacamarte arma de cano curto e alargado capaz de espalhar chumbo grosso a cada disparo Mas a escassez de víveres quase extinguiu a vila parte da população fugiu para tentar sobreviver no mato os mantimentos desapareceram e os preços dos alimentos alcançaram valores inimagináveis A comida era pouca a fome muita fartura apenas do ouro que parecia brotar da terra nos arredores especialmente no alto do morro do Batatal o morro do Descoberto de onde diziase foram extraídas pelotas de ouro de tamanho considerável muitíssimo semelhantes a batatas36 O provimento das Minas só melhorou com a abertura de uma nova via de acesso O Caminho Novo foi projeto do governador da Repartição do Sul Artur de Sá e Meneses e tinha o objetivo de criar uma rede de circulação de mercadorias que conectasse os distritos mineradores a dois importantes núcleos de abastecimento o porto do Rio de Janeiro e a vila de São Paulo A terceira e última boca das Minas começava nos fundos da baía de Guanabara no centro da Baixada Fluminense onde hoje é o município de Duque de Caxias e antes de subir a serra da Mantiqueira entroncava com o Caminho de São Paulo na altura da vila de Taubaté Essa nova via transformou o Rio no principal mercado abastecedor das Minas e por ela fluiu o trânsito cada vez mais próspero de mercadorias gado homens e milhares de negros escravos O Caminho Novo encurtava a distância um viajante com sorte levava em torno de vinte dias do Rio de Janeiro até Vila Rica Mas a travessia da Mantiqueira continuava aspérrima com curtos trechos carroçáveis onde homens e animais chafurdavam na lama durante a temporada das chuvas e imundos ranchos de palha para pernoite nos quais nem sempre o viajante conseguia defenderse com sucesso dos morcegos e do ataque de uma variada casta de bichos formigas aranhas pernilongos carrapatos piolhos baratas Mais de meio século depois da abertura dessa via o aventureiro inglês Richard Burton encontrou os mesmos motivos para se queixar das noites maldormidas no Caminho Novo em ranchos de tropeiros infestados por diferentes tipos de pernilongos e onde enxameiam vermes estranhos e grosseiros que se enfiam pelas carnes e fazem sua morada sob as unhas37 Quando se aproximava o período de apogeu do ouro já estavam instaladas fazendas de abastecimento tanto nas abas das Minas a fronteira entre a região mineradora e o sertão quanto nas margens do rio das Velhas Eram propriedades gigantescas todas dotadas de lugar para embarque e desembarque das mercadorias que desciam da Bahia pelo rio São Francisco e pelo rio das Velhas como as fazendas das Minhocas das Macaúbas ou da Jaguara esta última em condições de abrigar cerca de 2 mil pessoas No coração da região mineradora no trecho do caminho que sobe pelo alto da serra de Capanema e ainda hoje liga Ouro Preto e Sabará também surgiram minúsculos arraiais destinados ao plantio de alimentos para consumo imediato Santo Antônio do Leite Amarantina São Bartolomeu Santo Antonio da Caza Branca atual Glaura Curral de Pedra Isso demonstra que desde o início constituiuse ali um mercado interno estimulante para o desenvolvimento da produção agrícola e da pecuária ver imagem 28 O ouro saiu com fartura da terra até por volta de 1750 Durante esse tempo o trânsito de pessoas e mercadorias foi intenso no Caminho Novo Por ele chegavam a Vila Rica açúcar cachaça gado pólvora fumo azeites arroz sal do reino marmelada e vinhos Com a multiplicação das vilas e dos arraiais as Minas passaram a ser abastecidas de toda sorte de produtos e bugigangas vidro espelhos arma de fogo facas flamengas louças chumbo veludos fivelas pelúcia calções de damasco carmesim chapéus com fitas debruadas de fios de ouro e prata botinas de couro amarradas por cordões casacos forrados de seda ou de lã felpuda38 E de uma ponta a outra do Caminho Novo cresceu entre os viajantes um novo medo o medo dos ataques Não se temia enfrentar uma cilada de índios Cataguá Guaianá ou Tupinambá A ameaça que permanecia era a de um ataque de quilombolas que espalhavam pânico em todo o território das Minas promovendo saques sistemáticos a viajantes fazendas e aos arredores dos centros urbanos Nas Minas os quilombos eram tão frequentes que pareciam ter sido caprichosamente cultivados para completar a fereza natural da paisagem Predominavam quilombos relativamente pequenos mas nem por isso menos perigosos até porque costumavam brotar nas proximidades dos núcleos urbanos O quilombo de São Bartolomeu por exemplo assim se chamava por estar estrategicamente posicionado no alto da serra de mesmo nome Ele abrigava quilombolas salteadores em quantidade suficiente para atormentar aqueles que seguiam pelo Caminho Novo em direção a Vila Rica bem como para comprometer comunicações de Vila Rica com Mariana e com o arraial de Cachoeira do Campo39 Entre os quilombos e os núcleos urbanos criouse uma complexa rede social de contatos No centro dessa rede estavam as vendas e as negras quitandeiras Era queixa generalizada na região do ouro que além de se dedicarem ao comércio ambulante ou em lojas de comestíveis as negras quitandeiras ou de tabuleiro mantinham estreitos vínculos de solidariedade com os quilombolas recolhiam em suas casas os escravos fugidos levandoos em seguida para a proteção dos quilombos que também cuidavam de suprir com víveres e com todo tipo de informações Por obra delas exasperavamse as autoridades negros salteadores dos quilombos tomavam notícia das pessoas a que hão de roubar e as partes por onde lhes convém entrar e sair e tudo fazem mais facilmente achando ajuda e agasalho nestas negras que assistem nas vendas40 Essa combinação entre uma colonização de base urbana característica das Minas e a multiplicação dos quilombos nas cercanias das vilas e arraiais foi a responsável por produzir as condições ideais que fizeram das vendas o ponto privilegiado da teia de cumplicidade que ligava o comércio aos quilombos Para permanente irritação das autoridades e sobressalto dos moradores das cidades não havia proibição que desse jeito de controlar as relações entre vendeiros e quilombolas Os negros que andam fugidos os vendeiros têm metidos dentro de suas casas o tempo que lhes parece como também os negros do mato os mantêm dentro das ditas suas casas e quando querem sair saem das mesmas vendas de madrugada de sorte que cada venda é um quilombo41 As vendas eram um pequeno mundo de sagacidade e resistência para enganar as autoridades locais de festa e de amores abrigos para escravos fugidos varadouros de vadios e vagabundos havia nelas ainda o ambiente perfeito para a interligação do quilombo com os negócios do contrabando A população escrava crescia e o governador da capitania das Minas conde de Assumar ferrenho adversário dos cativos em fuga já que não lhes podia tirar os pensamentos e os desejos naturais de liberdade anotava em 1718 em sua correspondência com o rei que era necessário fazer uso dos remédios violentos como tão preciosos a uma canalha tão indômita ver imagem 3342 Entre esses remédios Assumar sugeria à Coroa permitir o corte do tendão de aquiles dos escravos para evitar que fugissem E a proposta não parecia disparatada tanto que mais de vinte anos depois em 1741 foi outra vez encaminhada a Portugal pelas autoridades das Minas e em 1755 foi calorosamente acolhida pela Câmara de Mariana que oficiou a Lisboa solicitando autorização para a sua implementação O conde tratou de informar os habitantes da capitania sobre a extensão das medidas que pretendia adotar para repressão direta aos escravos fugidos e aos abrigados em quilombos Toda pessoa que lhes der alojamento ou souber onde estão os ditos quilombos e o não avisar sendo branco será açoitado pelas ruas públicas e degradado para Benguela e sendo negro ou carijó terá pena de morte43 O conde de Assumar podia ser cruel e excessivo mas não estava sozinho nem agia por conta própria As autoridades coloniais produziram uma imensa quantidade de bandos alvarás regimentos e ordens régias na tentativa de coibir fugas e manter a resistência dos cativos dentro dos limites suportados pela ordem escravista Uma medida do rei datada de 1741 determinava que nas Minas escravo fugido teria a marca do ferro em brasa na espádua se reincidente uma orelha cortada44 Não bastasse a ferocidade dos quilombolas uma inquietude nova e constante acrescentavase ao percurso dos viajantes em trânsito o medo dos ataques das quadrilhas de salteadores formadas por homens livres brancos mamelucos mulatos negros alforriados45 Os salteadores integravam a parcela da população que as autoridades coloniais designavam como vadios uma impressionante variedade de homens e mulheres que por diferentes motivos não foi absorvida nem pela mineração nem pela pecuária ou pela agricultura e perambulava nas franjas da estrutura de produção e da sociedade das Minas46 Eles eram os pésrapados o homem expropriado sinônimo de desclassificação social e constituíam um grupo fluido muito difícil de controlar ou enquadrar Evidentemente nem todos os vadios eram salteadores de estradas Mas para o viajante sempre foi uma enorme questão de sorte não topar no seu caminho com um séquito de vadios organizados numa quadrilha de salteadores e acabar a viagem depenado ou assassinado ver imagem 36 Vários desses grupos fizeram história A quadrilha de Manuel Henriques conhecido como Mão de Luva por usar uma luva estofada de couro no lugar da mão decepada numa briga atuava além do rio Paraibuna já na capitania do Rio de Janeiro na região de Cachoeira do Macacu e sua fama chegou até Lisboa Organizadíssimo o bando tinha cerca de duzentos homens entre brancos negros forros e pardos divididos em companhias comandadas por prepostos de confiança do chefe Explorava clandestinamente o ouro descoberto no local e assaltava os comboios que saíam do porto da Estrela ao pé da Mantiqueira rumo a Vila Rica O mais célebre grupo de salteadores das Minas a quadrilha da Mantiqueira agia no alto da serra perto do trecho em que o Caminho Novo se bifurcava na vila de São João del Rey e em direção a Vila Rica Liderada por José Galvão cognominado Montanha um gigante de pele morena cabelos compridos e barba cerrada que muita gente dizia ser de origem cigana a quadrilha contava com uma rede de informantes espalhados pelas vilas todos de olho na passagem de comboios que transportavam grande quantidade de ouro ou em comerciantes carregados com diversas canastras de mercadorias indício certo de que levavam consigo bastante dinheiro Os homens do Montanha impressionavam tanto pela violência quanto pela audácia O viajante teria muita sorte de não acabar assassinado e enterrado com todas as suas roupas papéis e alforjes vazios no ermo da serra Como a notícia dos assaltos corria à solta o medo cresceu a população das vilas cansou de pedir providências ao governador o trânsito na estrada começou a diminuir e não foram poucos os comerciantes que deixavam prontos seus testamentos antes de encetar viagem A quadrilha porém só foi desbaratada com muito esforço por volta de 1783 pelo alferes Joaquim José da Silva Xavier o Tiradentes então comandante do destacamento do Caminho Novo E seja por causa das muitas vítimas assassinadas pelos homens do Montanha seja porque o medo da morte nos caminhos tornou assombrados os lugares da violência na região do ouro até hoje ninguém nascido em Minas Gerais recomendará ao viajante passar a noite pousado próximo aos cimos do Caminho Novo por ali continuam se propalando histórias sobre aparições de luzes misteriosas em noites de chuva forte de almas de homens assassinados rondando o local de sua morte de assombrações brancas que se materializam para perturbar o sono dos viajantes ou de cavalgadas sobrenaturais pelas terras altas da Mantiqueira As Minas foram ocupadas com muita rapidez e num curto período a exploração do ouro teve início na década de 1690 atingiu seu auge entre 1730 e 1740 e começou a definhar a partir dos anos 1750 A mineração era realizada de maneira rudimentar e meio improvisadamente nos rios e córregos onde se podiam enxergar as faisqueiras depósitos de ouro facilmente localizáveis quando o sol a pino arrancava faíscas das pepitas grandes como ervilhas misturadas ao cascalho Um bom faisqueiro precisava ter vista apurada uma razoável dose de coragem para mergulhar os pés durante horas nas águas geladas de algum córrego braços fortes e conhecimento suficiente para girar com perícia uma bacia de cedro ou de estanho a bateia feita para lavar e peneirar o ouro separandoo da areia do cascalho da terra e da argila Na época das chuvas quando não dava para jogar a bateia na água por conta das cheias os faisqueiros cavoucavam as áreas planas das margens e do entorno dos ribeirões os tabuleiros ou então concentravam esforços nas faldas dos morros vizinhos para raspar o ouro encravado nas grupiaras inúmeras fendas e rachaduras das encostas47 Quando o ouro de lavagem que brotava à flor da terra passou a escassear os mineiros canalizaram um volume considerável de água para o desmonte das camadas de terreno que cobriam os depósitos auríferos Isso só foi possível com o uso em larga escala da mão de obra negra escrava em boa parte originária da África Ocidental Camarões Nigéria e Senegal África Central Angola Congo e Gabão e em menor proporção da África Oriental Moçambique Desde o princípio da atividade mineradora escravos africanos foram comercializados em grande número para atender a demanda do ouro entre 1721 e 1722 já havia nas Minas uma população cativa estimada em 45554 negros cifra que cresceu para a marca de 95366 em 1745 e alcançou 174 mil em 178648 Havia também cativos que tinham sido deslocados das regiões canavieiras Foram os escravos que represaram e desviaram as águas dos rios cavaram canais para separar o ouro do cascalho e construíram mundéus canalizações feitas com blocos de pedra empilhados e rejuntados com argamassa de argila para recolhimento e decantação da lama aurífera Também foi fruto do trabalho escravo a mineração de profundidade Era preciso perfurar túneis na rocha compacta atrás de ouro e cavar poços de até quinze metros com a boca em forma de funil larga os socavões ou catas que procuravam alcançar o lençol de água subterrâneo nessa atividade eram frequentes os desabamentos e em decorrência deles a morte de cativos Deviase igualmente manejar com destreza as rodas de rosário uma espécie de rodadágua de madeira ligada a uma correia de caixões abertos e inclinados que serviam para esvaziar as catas quando movida pela força da passagem da água nas suas engrenagens de tábua a roda mergulhava os caixões de boca para baixo até o fundo do poço para que no giro seguinte subissem cheios de lama ver imagem 28 As marcas da mineração de profundidade permanecem na paisagem mineira e nas últimas décadas do século XVIII o viajante sabia que tinha chegado às Minas não porque a estrada estivesse por terminar mas pelas distorções do cenário a terra revolvida esburacada os morros escalavrados os ribeirões turvos os matagais dilapidados Muita gente fez fortuna da noite para o dia O preço das mercadorias porém se manteve sempre mais alto do que no restante da América portuguesa a moeda corrente era o próprio ouro em pó e padre Antonil horrorizavase com o comportamento excêntrico e ostensivo dos mineiros afortunados sempre acompanhados de tropa de espingardeiros de ânimo pronto para executarem qualquer violência e dispostos a abusar da sorte gastavam em superfluidades quantias extraordinárias sem reparo comprando um negro trombeteiro cuja tarefa consistia em anunciar com uma trombeta a chegada de seu proprietário a um lugar público por mil cruzados e uma mulata de mau trato por dobrado preço para multiplicar com ela contínuos e escandalosos pecados49 Portugal por seu turno compreendeu depressa o que estava ocorrendo no interior da colônia Por mais de uma centena de anos esperara impacientemente pelo metal precioso as Minas tinham se tornado um território mágico e dessa vez Lisboa estava pronta para avançar Em 1700 o ouro descoberto começou a ser tributado pela regra do quinto a dedução da quinta parte do valor do ouro obtido pelo minerador Competia a ele levar o ouro minerado até as Casas de Fundição onde este era transformado em barras e se cobrava o imposto Previsivelmente a sonegação foi geral mas a Coroa estava determinada a montar uma estrutura fiscal capaz de espremer as Minas até a última gota Criou a Intendência do Ouro nomeou cobradores do quinto estabeleceu Registros nos caminhos de saída da região do ouro instalou Casas de Fundição na capitania e ao longo dos anos foi ampliando e modificando suas modalidades de cobrança Surgiu o imposto por bateia que atingia cada minerador e o imposto anual sobre as comarcas que tributava as unidades administrativas das capitanias em número de quatro Rio das Velhas Rio das Mortes Vila Rica e Serro do Frio Também foi instituída a capitação taxa que incidia sobre cada morador e sobre todas as atividades econômicas ofícios lojas vendas e hospedarias e incluía cada escravo empregado na capitania Além disso a partir de 1751 Lisboa aumentou a pressão o total do quinto do ouro levado às Casas de Fundição foi fixado em cem arrobas cerca de 1500 quilos anuais na eventualidade de o ano se encerrar com a cota incompleta estava prevista a derrama um dispositivo de sobretributação por habitante para cobrança da diferença50 O ouro chegava e saía de Portugal quase instantaneamente e pelo mesmo caminho seguia pelo rio Tejo rumo a outros países europeus em especial a Inglaterra onde ia quitar as importações de uma grande variedade de produtos e manufaturas de que os lusitanos careciam integralmente Apesar de toda a circulação clandestina de ouro e da sonegação constante uma avalanche desse metal entrou em Lisboa na primeira metade do século XVIII Já em 1713 as remessas totalizavam 196 quilos e só fizeram crescer nos anos seguintes 946 quilos em 1720 34 toneladas em 1725 42 em 1731 115 em 1741 O pico da produção foi alcançado entre 1737 e 1746 e o ouro começou a rarear na segunda metade da década seguinte A crise que se sucedeu teve início nos meados dos anos 1760 e seria irreversível durante os anos 1760 a arrecadação do quinto caiu bruscamente para 209 quilos tomou impulso e despencou 147 quilos em 177151 A percepção imediata da decadência foi dramática os mineiros firmaram a convicção de que sua origem não estava no decréscimo da produção e sim no peso escorchante dos tributos e isso acendeu o pavio da revolta Mas o saldo do ouro também seria irreversível no fim do século XVIII havia nas Minas uma rede de cidades que confirmava a realização da única experiência de colonização de base urbana na América portuguesa havia ainda uma sociedade de feições próprias e capaz de criar um experimento cultural denso e sofisticado VILA RICA DO OURO PRETO O viajante que apeasse de seu cavalo em Vila Rica em algum momento das três últimas décadas do século XVIII seguramente se surpreenderia com a exuberância daquela estranha cidade erguida entre pedras silêncio e sombra52 e com a compreensão de que as Minas já não eram um mundo por fazer A população da comarca girava na época em torno de 80 mil habitantes num total estimado de 320 mil pessoas espalhadas pela capitania e excluídos os indígenas53 Os moradores de Vila Rica circulavam numa paisagem urbana irregular entre palácios de pedra argamassada sobrados com telhados de cunhais de pedra edifícios baixos e de madeira casas de adobe e de pau a pique ruas planas alguns largos onde se davam os avisos públicos e se abrigava o pelourinho becos tortos e vielas íngremes54 Diferentemente da vizinha Mariana cabeça de bispado encarregada de zelar pela fé dos moradores das Minas e que por isso mesmo mantinha suas ruas atravancadas de passos da Paixão oratórios e cruzes Vila Rica tinha uma paisagem urbana intimidante como convinha ao poder da Coroa e à sede administrativa da capitania mais rica e populosa da América portuguesa Nos anos 1780 Vila Rica já contava na parte mais alta do antigo morro de Santa Quitéria com o Palácio do Governador feito de pedra e cal com quatro pontas e uma rampa em curva guarnecida por guaritas no estilo das fortalezas militares Também estava pronto o magnífico sobrado do contratador João Rodrigues de Macedo quem sabe o homem mais rico da região responsável pela arrecadação dos tributos das entradas cobrados sobre as mercadorias em circulação Macedo mandou subir sua residência a Casa dos Contos com alicerces de pedra uma escadaria monumental em cantaria pinturas de forro mirante janelas e portas em abundância a quantidade indicava o status do proprietário e fez dela o palacete mais admirado em toda a capitania O ouro ainda pagava as contas No início da mesma década Vila Rica já tinha levantado as paredes e recamado de ouro e de ornamentos as igrejas capazes até hoje de tirar o fôlego de qualquer viajante São Francisco de Assis matriz do Pilar Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias E as precárias pontes de madeira foram substituídas por construções em alvenaria acrescidas de arcos parapeitos assentos e pilares tudo em pedra argamassada com cal e óleo de peixe Para abastecerse de água potável e descobrir o que estava acontecendo na cidade iase aos chafarizes sete ao todo quase sempre incrustados em paredes de bronze ou de pedrasabão e alvenaria caiada lisos ou com bicas em forma de carranca e profusamente ornamentadas Pontes e chafarizes eram ponto de encontro de escravos lavadeiras e tropeiros e o principal centro de transmissão de boatos para ter acesso às notícias correntes bastava encostarse nos arcos de pedra da ponte dos Contos ou na parede que sustentava uma das carrancas do chafariz da Glória e manter os ouvidos abertos Os três grandes poetas que atuaram na capitania no final do século XVIII Cláudio Manuel da Costa Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto não deixaram passar em branco a novidade de um cenário marcado pela urbanização e serviramse dele utilizandoo como moldura e enquadramento de sua poesia Na constituição urbana do poema Vila Rica composto por Cláudio Manuel da Costa provavelmente em 1773 as estruturas fachadas e volumes edificados são cantados em função dos acontecimentos que lhes oferecem legitimidade nos versos surgem as fontes e os chafarizes que dão conta do abastecimento de água as muitas pontes que ampliam o quadro de serviços e o equipamento urbano a belíssima Torre do Relógio caracterizada pela qualidade do padrão construtivo das Minas as igrejas magníficas mas figuradas numa magnificência talvez excessiva aos olhos do poeta já que nelas se hão de esgotar tantos erários55 Cláudio Manuel da Costa foi o decano e possivelmente a principal referência intelectual de um grupo de letrados que fazia parte do estrato mais alto da estrutura social mineira os filhos formados em universidades europeias Coimbra e Montpellier de senhores de lavras e fazendas ou funcionários ativos da administração real ou integrantes do clero secular e do aparelho militar da colônia O grupo gerou um conhecimento extenso sobre a realidade das Minas o qual incluía a produção de registros cartográficos estudos acerca das potencialidades mineralógicas da capitania bem como a descrição de seus recursos naturais e a diversificação de sua produção econômica Tais ideias foram o fermento da Conjuração Mineira o mais importante movimento anticolonial da América portuguesa e o primeiro a adaptar um projeto claramente republicano para a colônia como aliás veremos no próximo capítulo Além disso alguns membros desse grupo deram nascimento a uma poesia que assegurou qualidade nova à literatura brasileira56 Os poetas das Minas consideravamse árcades vale dizer ligavamse ou se julgavam ligados à poesia bucólica a preferida do século XVIII em toda a Europa Ocidental culta A convenção clássica desse tipo de literatura o arcadismo exigia o ideal galante a paisagem natural amena habitada por pastores e refletia situações episódicas vividas no jogo pastoril que o artista fixava em versos Todos eles aceitaram e praticaram com grande maestria o temário os torneios e a linguagem estabelecidos por aquela poesia europeia Mas também foram suficientemente cosmopolitas para incorporar aos seus versos os elementos característicos da realidade local sua natureza aspirações e costumes Além do mais souberam exprimir dentro da tópica do arcadismo as condições inerentes ao seu singularíssimo status de letrados mais conscientes dia após dia do antagonismo e do conflito latente que se ia formando entre a empresa colonizadora portuguesa e a vida citadina mineira entre os interesses dos nascidos no reino e os dos naturais da colônia entre suas próprias aspirações intelectuais e existenciais e a frustração de vivêlas submetidos ao crivo da censura imposta pela Coroa E os três grandes poetas mencionados cantaram Vila Rica claro Nas Cartas chilenas poema escrito quiçá entre 1786 e 1789 cuja autoria atribuída a Tomás Antônio Gonzaga muito possivelmente contou com a participação de Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto os locais públicos da cidade estão sempre fervilhando de gente contaminados pelas múltiplas e tumultuadas funções da vida urbana Em meio ao burburinho das ruas surgem nos versos dessa obra os negros forros e mestiços perambulando ociosos por becos e ladeiras íngremes e driblando a repressão que incidia com mais violência sobre eles na forma de pena de morte ordens de prisão e maustratos Aí aparecem também os taberneiros tendeiros e negras quitandeiras exercendo o comércio ambulante ou trabalhando em lojas de comestíveis que serviam os escravos e os homens livres pobres da mineração enquanto estes sonhavam em enriquecer com o ouro que já fora fácil Tampouco ficam de fora do poema os sapateiros alfaiates e condutores de bestas de carga os quais planejavam ingressar em corporações militares para um dia alcançarem outra posição social Nas Cartas chilenas o olhar do poeta apreende os vínculos ativos que a cidade mantém com os seus habitantes as cavalhadas as procissões as peças representadas na nova Casa de Ópera orgulho da elite abastada da capitania teatro capaz de receber cerca de trezentos espectadores e encenar qualquer tipo de espetáculo Passo a passo Gonzaga descreve como foi erguida a Casa de Câmara e Cadeia à força de arbítrio e chicote pelo trabalho dos escravos que subiam a rua Direita de Antônio Dias toda manhã arrastando seus ferros Era um soberbo edifício de pedra inspirado no desenho de Michelangelo para o Capitólio em Roma E era também um prédio repleto de celas para prisão incluindo as temíveis celas de segredo próprias para tortura e de oratório onde os condenados à forca passavam seus últimos momentos57 Gonzaga estava certo A sociedade das Minas era fortemente miscigenada e o ambiente urbano permitia que públicos distintos se cruzassem por toda parte Era comum ver proprietários e escravos trabalhando juntos ou apenas vivenciando a maior flexibilidade proporcionada pelo cotidiano da vida na cidade onde poderia haver uma atuação mais autônoma do escravo e a construção das condições que quem sabe levassem à sua liberdade A urbanização e o uso intenso do mecanismo da alforria a liberdade concedida pelo senhor ao escravo sobretudo na modalidade de compra dessa liberdade pelo próprio cativo seja dando o valor de uma só vez seja mediante o pagamento em parcelas acordadas entre as partes interessadas a coartação 58 marcaram a sociedade do ouro com pelo menos três características importantes A primeira delas evidencia a constituição de uma extensa camada de pessoas etnicamente mistas e a diminuta proporção de brancos A segunda característica revela a formação do maior grupo de libertos no território da colônia A terceira indica a possibilidade de alguma ascensão social para negros e pardos livres em especial através do comércio da posse de pequenas propriedades rurais do exercício de atividades como o sacerdócio da ocupação de cargos administrativos ou militares e da prática dos ofícios de mestres construtores entalhadores pintores escultores e músicos Mas Vila Rica era menos aberta do que parecia sua estrutura social se distribuía em camadas59 No topo os grandes proprietários de lavras e terras o grupo de letrados os altos funcionários da Coroa e os poderosos contratadores na base os escravos Entre essas duas camadas movimentavase barulhentamente a plebe mineradores tropeiros comerciantes soldados artesãos E abaixo dela quase como se não existisse trafegava a extensa população de vadios O Barroco a despeito de seu surgimento tardio como gênero na América portuguesa quando comparado com sua manifestação na Europa foi a forma de expressão dessa sociedade e entrosado com ela de modo profundo sustentou artisticamente suas aspirações religiosas políticas e econômicas60 Embora tenha chegado primeiro a Salvador e às vilas do Nordeste açucareiro foi nas Minas que ele se enraizou seja pela eficácia de sua comunicação religiosa a apoiar na beleza da imagem o argumento que conduz à crença seja por sua própria maleabilidade a qual lhe permitiu adaptarse aos contextos diversos florescendo em diferentes manifestações artísticas e em todo o mundo colonial seja ainda por seu caráter de espetáculo a ser cultuado nos altares e nas ruas As ordens terceiras irmandades e confrarias de leigos que substituíram nas Minas as ordens religiosas expulsas pela Coroa financiaram a construção de igrejas estrategicamente situadas no topo dos morros de arquitetura monumental com uma decoração suntuosa de folhas de ouro e com altares e ornamentos em talha dourada e fizeram o esplendor do Barroco mineiro As irmandades eram entidades associativas leigas Algumas como as ordens terceiras do Carmo e de São Francisco estritamente vinculadas aos homens brancos e à elite econômica e intelectual das Minas outras como as irmandades do Amparo e das Mercês reservadas aos pardos mulatos livres e artesãos a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário por sua vez reunia escravizados Toda essa compartimentação social porém convergia e se interligava com suas cruzes opas bandeiras e andores no panorama das procissões e festividades religiosas61 Se a igreja era o espaço cênico por excelência do Barroco as procissões e festas religiosas foram o grande momento da sua efusão Por definição um estilo envolvente espetaculoso teatral ele suspende o olhar pelo prazer do efeito e tem horror ao vazio Era pelo olhar que os moradores de Vila Rica se sentiam arrebatados num êxtase festivo e religioso as imagens dos santos recobertas de uma profusão de cores paramentos e pedrarias desfilando solenes na cadência da procissão rodeadas das colchas de seda e damasco penduradas nas janelas das casas cingidas pela fumaça forte do incenso No ambiente feérico do Barroco era preciso ver para crer O caráter singular e a força de expressão cultural do Barroco mineiro foram resultados tanto do ambiente urbano característico da sociedade mineradora quanto da criatividade de artistas que reinventaram o repertório europeu que lhes serviu de modelo Esse movimento criador desemboca necessariamente na obra de Antônio Francisco Lisboa o Aleijadinho como ficou conhecido por força de uma doença degenerativa que deformou seu corpo Mulato filho de português com escrava ele foi o mestre escultor entalhador e arquiteto capaz de fazer brotar da pedra e da madeira a espiritualidade da fé e o conjunto das emoções humanas Na igreja de São Francisco de Assis joia do Barroco mineiro o Aleijadinho é ao mesmo tempo arquiteto e ornamentista e nela deixou expressa a perfeita harmonia entre o projeto arquitetônico a obra escultórica e a talha o requinte e a originalidade da arte das Minas do século XVIII ver imagem 31 Na mesma igreja Antônio Francisco Lisboa encontrou companhia à altura de seu talento suas esculturas figuras alegres e como que em movimento pintadas com cores vivas e fortes características do trabalho de Manuel da Costa Ataíde o mestre Ataíde valorizamse e se completam reciprocamente Na obra escultórica do Aleijadinho presente no retábulo nos púlpitos no frontal do altar e nos medalhões do forro cada imagem esculpida tem a energia reforçada pela ênfase das expressões faciais e pelos efeitos no olhar De acordo com um de seus biógrafos Antônio Francisco era pardo escuro tinha voz forte a fala arrebatada e o gênio agastado62 e talvez por isso figuras cheias de vigor e que parecem gesticular sejam essenciais no trabalho dele Já seu parceiro mestre Ataíde cuidou de fazer nascer na igreja de São Francisco de Assis uma grande pintura que se insinuava a partir dos próprios elementos da arquitetura e se espalhava pelas paredes laterais da capelamor Nesses lugares ele pintou tábuas corridas com bordas recortadas de modo a lembrar azulejos portugueses e preencheu de cor de palha o fundo do retábulo para que o ouro pudesse transparecer e faiscar Ataíde realizou uma obraprima pintada no forro da nave numa perspectiva ilusória em que as colunas parecem avançar e o teto se abre para o céu sobe carregada em nuvem uma Nossa Senhora da Porciúncula soberba roliça e mulata acompanhada por uma revoada de anjos igualmente mestiços empenhados num concerto musical todos portando os instrumentos que em geral compunham uma orquestra ver imagem 30 O Barroco despertava os sentidos para o inatingível para um mundo que não se vê o ouro sempre acaba não é eterno63 Nas Minas no fim do século XVIII o ouro e o Barroco andam juntos e misturados Assim como misturados ficaram seus santos mulatos de olhos orientais como se o Barroco distinguisse e unisse diferentes pontos desse Império português que começava em Macau e terminava em Vila Rica ou viceversa 5 REVOLTAS CONJURAÇÕES MOTINS E SEDIÇÕES NO PARAÍSO DOS TRÓPICOS A Conjuração Mineira foi o mais relevante movimento anticolonial da América portuguesa pôs em dúvida o próprio sistema e adaptou para as Minas um projeto de poder de natureza nitidamente republicana Essa Conjuração disso às vezes nos esquecemos também antecedeu a Revolução Francesa Mas não foi o único momento de insubmissão na área colonial Diferentemente da imagem oficial que o país gosta de apresentar para dentro e para fora a história brasileira está longe de se assemelhar a um conto de fadas uma narrativa destituída de guerras conflitos ou da prática cotidiana da violência Para começar uma colônia cuja base de trabalho de norte a sul pautavase pelo escravismo já pressupõe tal prática Porém a violência não era moeda corrente apenas na relação entre senhores e escravos Outros focos de tensão estouravam nas diversas partes do país E a reação grassou diuturnamente com a revolta dos colonos contra a distância e o isolamento contra o jugo português que se afirmava em situações de opulência mas também de crise e contra o desmando das elites locais que agiam com total autonomia diante da costumeira displicência da Coroa no momento de legislar sobre o imenso e longínquo Brasil Velho mito nacional a imagem do paraíso humano e natural marcado pela harmonia e pela convivência pacífica não se sustenta quando observada a partir de lentes que focalizam a realidade cotidiana e do trabalho forçado Nesta história não pode haver final feliz VIVA O POVO E MORRA O GOVERNADOR Na madrugada de 8 de dezembro de 1660 um grupo de fazendeiros concluiu que já passava da hora de pôr abaixo as novas taxas determinadas pelo governador Salvador Correia de Sá e Benevides para defesa de São Sebastião do Rio de Janeiro Essa cidade vivia ameaçada por incursões de estrangeiros os franceses incansáveis inimigos de Portugal os holandeses durante o período de guerra com a Espanha além de sofrer assédio intermitente de piratas e corsários Os colonos insubmissos eram proprietários de terras estabelecidos na Banda dAlém a região norte da baía de Guanabara que começava bem demarcada pela freguesia de São Gonçalo do Amarante e se prolongava com limites territoriais cada vez mais imprecisos à medida que se avançava para o interior da capitania Fizeram tudo em segredo Esperaram cautelosos reuniramse e aí decidiram Guiados por um retalho de lua e ao abrigo da escuridão lançaram barcos ao mar e cruzaram a Guanabara Silenciosamente contornaram a imensa rocha de granito que marca a entrada da baía rocha que os lusos já haviam batizado de Pão de Açúcar o nome dos valiosíssimos blocos de açúcar em forma de cone brilhantes por cima e escuros na parte inferior prontos para serem embalados para comercialização na Europa Ainda antes de nascer o sol atracaram na praia da Piaçaba em frente ao largo do Carmo hoje praça XV local de desembarque para quem chegava ao Rio de Janeiro na segunda metade do século XVII1 Assim se iniciava a primeira revolta de colonos na América portuguesa A data foi escolhida a dedo O dia da festa de Nossa Senhora da Conceição reunia desde muito cedo uma multidão no largo do Carmo onde se erguia o Pelourinho a igreja de São José e o prédio da Câmara Municipal órgão responsável pela gestão do cotidiano da cidade Além disso o Rio de Janeiro estava momentaneamente desguarnecido Sá e Benevides fora para Paranaguá na ponta da Repartição do Sul a gigantesca porção administrativa que abrangia as capitanias do Espírito Santo Rio de Janeiro e São Vicente e que a Coroa pusera sob sua guarda A viagem do governador tinha objetivo definido constatar a veracidade das recentes notícias chegadas ao Rio sobre o descobrimento de jazidas de ouro entre São Paulo e Paraná Não se sabe se os revoltosos encontraram alguma resistência por parte da guarda da cidade cerca de 350 homens de infantaria que não recebiam o soldo havia meses Mas é fato que desembarcaram armados aos gritos de Viva o povo e Morra o governador A algazarra despertou quem ainda dormia e tratou de arrebanhar os devotos de Nossa Senhora que aguardavam pelo início da festa Às cinco horas da manhã a Câmara foi invadida seus membros destituídos e o governador deposto2 Nos cinco meses subsequentes a vida política e administrativa do Rio de Janeiro iria prosseguir governada por colonos amotinados que se empenharam em viabilizar um programa próprio de gestão realizaram novas eleições para cargos camarários estendendo os critérios de qualificação de eleitores a todo o Recôncavo fluminense a Banda dAlém com o propósito de incluir os proprietários de terras moradores das regiões rurais do Rio no processo eleitoral até então restrito aos privilegiados colonos estabelecidos na área urbana Também suspenderam os tributos autorizados por Sá e Benevides de modo a reduzir a sobrecarga fiscal conservaram presos na fortaleza de Santa Cruz os aliados do governador e expulsaram da capitania seus partidários mais fiéis Com tudo isso ninguém se esqueceu de reafirmar alto e claro a irrestrita lealdade à Coroa A Revolta da Cachaça como o episódio ficou conhecido não era contra o rei português mas contra a política fiscal praticada pelo governador E era decididamente contra um item particular dessa política a aplicação do decreto da Coroa que proibia a produção de aguardente e limitava sua exportação para favorecer o consumo de vinhos chegados da metrópole Os governadores anteriores tinham feito vista grossa ao decreto e mantido a produção de aguardente permitindo que os moradores da capitania desenvolvessem atividade mercantil de maneira autônoma Segundo frei Vicente do Salvador na década de 1620 o Rio de Janeiro dispunha de quarenta engenhos de açúcar de um total de 230 engenhos na colônia cuja maioria estava concentrada nas capitanias do Nordeste A cana cultivada no Recôncavo fluminense rendia caldo em abundância e era aguada tinha baixo teor de sacarose Essa característica incidia diretamente na qualidade do açúcar produzido muito inferior ao de Pernambuco e da Bahia contudo não fazia nenhuma diferença no caso de um subproduto importante da economia açucareira a destilação de cachaça e de aguardente de cana3 O açúcar podia até ser de qualidade inferior mas a aguardente encontrava mercado de exportação garantido era moeda de troca no comércio de escravos especialmente com Angola e Guiné4 Já no fim do século XVI a mão de obra africana a serviço da lavoura passara a ser indispensável no território da colônia Do porto do Rio de Janeiro saíam dois dos principais artigos de troca por escravos na África a farinha de mandioca e a aguardente Por isso os colonos cariocas tornaramse peritos na atividade do contrabando furavam o bloqueio que impedia o comércio direto entre as distintas possessões do Império driblavam o rigoroso e insaciável fiscalismo metropolitano e tratavam de participar ativamente do tráfico negreiro utilizando a cachaça como sua moeda mais valiosa O contrabando trazia prejuízos incalculáveis à Coroa mas era um dos pouquíssimos subprodutos da economia colonial que deixava seus lucros integralmente nas mãos dos colonos Além do mais a aguardente extraída da canadeaçúcar permitia bons negócios entre os habitantes da América portuguesa Considerada bebida dos homens a cachaça era consumida sobretudo pelas camadas populares negros escravizados ou livres mestiços de índios e negros brancos pobres ou vadios Por conta de seu nível calórico servia de alimento complementar na dieta desses setores A aguardente estava sempre disponível para compra em cabaças e ao lado da rapadura e do fumo a erva santa como se dizia então era um produto fácil de ser encontrado nas numerosas vendas espalhadas pelas vilas arraiais e pelos caminhos que vinham sendo abertos para o interior5 Para azar de seus habitantes a capitania vivia uma situação calamitosa e o governador Sá e Benevides decidiu apertar o controle sobre a administração cobrando a conta dos colonos Faltavam recursos a alta taxa de mortalidade entre os negros escravizados por causa de epidemias de varíola desestabilizara a produção de açúcar provocando o desabastecimento da cidade e era preciso fazer caixa para fortificar a entrada da baía e garantir o pagamento do soldo da guarnição Em 1660 as perspectivas para o futuro próximo apontavam débitos impagáveis o Rio de Janeiro estava falido Sá e Benevides foi um personagem e tanto valente astucioso vaidoso galante com as damas compassivo com os índios desinteressado da sorte dos negros e muito autoritário com os colonos6 Suas ambições nunca foram pequenas Numa ilha da baía de Guanabara onde funcionou o primeiro engenho de açúcar da família do governador ele instalou seu próprio estaleiro com a intenção de ali construir o maior galeão do mundo Construiu seis e um deles o Padre Eterno com 2 mil toneladas 53 metros de comprimento e 144 peças de artilharia dispostas em duas cobertas era um prodígio e tornouse de fato o maior navio do mundo a navegar naquela época7 O Padre Eterno era tão sensacional que os moradores do Rio de Janeiro nunca mais esqueceram o local exato em que ele foi fabricado batizaram esse lugar de ilha do Governador e o terreno onde se ergueu o estaleiro de Ponta do Galeão Não foi por acaso que Sá e Benevides chegou ao posto de governador ele tinha antepassados ilustres na colônia seu tiobisavô Mem de Sá o terceiro governador geral do Brasil expulsou os franceses da baía de Guanabara e o primo Estácio de Sá fundou a cidade do Rio de Janeiro Quarta geração da família a governar a capitania Sá e Benevides sempre enxergou o Rio como parte de suas terras e de sua herança Esse olhar torto lhe permitiu atropelar as decisões da Câmara impor tributos impopulares sangrar as receitas locais e exorbitar da condição de autoridade nomeada pelo rei8 Provavelmente os colonos amotinados tinham razão nas acusações mas subestimaram Sá e Benevides além de alto funcionário da Coroa ele era excepcional comandante militar com larga folha de serviços prestados ao rei português em sua disputa dos mares com os Países Baixos Unidos hoje a Holanda na época uma formidável potência marítima A lista de proezas do governador incluía algumas memoráveis a reconquista de Angola a derrota da frota do almirante Piet Heyn na costa da capitania do Espírito Santo e o incêndio das naus holandesas no porto de Salvador quando de sua expulsão definitiva da Bahia Os cariocas rebeldes haviam se metido numa enrascada Em vez de simplesmente marchar sobre o Rio de Janeiro Sá e Benevides subiu para o planalto paulista e esperou a ocasião propícia a vinda de navios portugueses da Bahia para lhe dar apoio na retomada da cidade Quando recebeu a confirmação de que os navios se aproximavam do Rio com armas munição e mantimentos ele finalmente deixou São Paulo Na madrugada de 6 de abril de 1661 enquanto a frota lusa rompia a entrada da baía de Guanabara Sá e Benevides no comando de um pequeno exército de índios flecheiros Tupi fiéis aliados de sua família desde os tempos de Mem de Sá9 chegou à cidade Dominou as sentinelas no Forte de São Sebastião ocupou a Câmara invadiu casas confiscou armas e prendeu moradores Antes de terminar o dia o Rio de Janeiro estava reconquistado os revoltosos derrotados e Jerônimo Barbalho Bezerra o principal líder do movimento decapitado A SEMÂNTICA DAS REVOLTAS A Revolta da Cachaça foi a primeira mas não seria a última em muitas outras ocasiões colonos exasperados e ressentidos usariam a rebelião como instrumento de pressão para sustentar reivindicações atacar abusos de autoridades locais reagir contra a rigidez administrativa de Lisboa ou exprimir descontentamento político A América portuguesa concentrou uma série de protestos espalhados por todo o seu território que no limite apresentavam sério risco para a estabilidade do Império no Atlântico10 Os constantes surtos de insatisfação exigiram de Portugal a criação de outras formas de disciplina administrativa dirigidas à colônia razão por que foi preciso fixar um amplo léxico para nomear as dissensões insurreição sedição revolta levante rebelião assuada motim tumulto E como não se inventam nomes se não existe realidade para justificálos nem regras se não há a intenção de burlálas no Brasil seguiuse o modelo habitual disseminaramse gramáticas e medidas voltadas para o controle da população No vocabulário da época o emprego do termo insurreição designava uma população em cólera e com objetivos concretos e imediatos à qual por vezes se uniam escravos Sedição era a palavra utilizada para definir um ajuntamento de dez ou mais colonos armados que tinham a intenção deliberada de perturbar a ordem pública Quando esse agrupamento chegava a mobilizar 30 mil pessoas a coisa mudava de figura estava instaurada a rebelião um tipo perigosíssimo de evento em que havia ameaça de anarquia ou de guerra civil Uma assuada significava uma espécie particular de ajuntamento de colonos com o propósito de atingir a ordem pública e promover uma ofensa específica a uma autoridade Um motim congregava muita gente com motivação política e toda sorte de insatisfação Tumulto caracterizava a revolta do povo e se usava o termo povo tanto para identificar o conjunto da população de um território quanto para classificar os estratos que formavam a base da pirâmide social da colônia o povo miúdo a plebe a chusma11 A nomenclatura podia variar mas a natureza dos ajuntamentos era sempre política A eclosão cada vez mais comum dessas comoções sociais na América portuguesa indicava que a luta política envolvia questões de interesse público contava com a participação das camadas populares e muitas vezes incluía negros libertos ou fugidos quando a dose de violência poderia ser ainda mais temida Evidentemente os protagonistas das revoltas se sujeitavam a acabar muito mal Na ótica das autoridades metropolitanas qualquer ponto dessa escala de dissensões se encaixava num tipo penal inscrito na legislação criminal como delito público desde a vigência das Ordenações Filipinas o mais duradouro código legal do reino promulgado em 1603 por Filipe I o primeiro soberano de Portugal durante o período da União Ibérica Quem se metia a arrostar um funcionário do rei se arriscava a ser condenado por crime de lesamajestade com penalidades que iam da morte até o confisco de bens galés perpétuas e açoites12 Ainda assim as rebeliões continuavam a subverter a ordem pública na colônia com impressionante regularidade As causas que levaram à irrupção da Revolta da Cachaça inauguraram a lista dos motivos pelos quais os habitantes da América portuguesa acreditaram valer a pena protestar assumir a pecha de rebeldes e correr perigo de vida O início de uma revolta servia principalmente para expressar o grau de desagrado dos colonos com os desgovernos das conquistas o rigor de uma política metropolitana que lançava tributos intermináveis sem consulta o abuso de poder por parte dos funcionários régios que atuavam no ultramar a grande distância que separava o Brasil de Portugal e os colonos do rei e de seu poder de arbitragem para a resolução dos conflitos e dos problemas13 A frequência com que os vassalos do Brasil promoviam rebeliões deixava as autoridades metropolitanas em permanente estado de alerta Havia o risco de ataques armados aos funcionários do rei o perigo da agregação de grupos sociais muito distintos a ameaça de substituição de governos locais Mas sobretudo havia a possibilidade de contaminação política as sublevações aconteciam em séries sucessivas e se multiplicavam precipitadamente por todo o território da colônia As razões de descontentamento variaram porém cada protesto contribuía para um adensamento da tensão na área colonial e gerava inquietação em Lisboa AS SUBLEVAÇÕES DOS VASSALOS DESCONTENTAMENTO POLÍTICO EM PERNAMBUCO SERGIPE MARANHÃO E BAHIA No final do mês de agosto de 1666 cinco anos após a Revolta da Cachaça o governador de Pernambuco Jerônimo de Mendonça Furtado acabou preso em plena luz do dia no meio da rua de São Bento em Olinda O grupo de conspiradores que lhe deu voz de prisão era formado por membros da elite proprietária de terras da capitania ganhara a confiança da população local para afrontar a primeira autoridade régia de Pernambuco e não queria saber de muita conversa o governador foi encarcerado na fortaleza do Brum no Recife e em seguida devolvido a Lisboa14 A briga foi coisa de graúdos e a lista de reclamações contra Mendonça Furtado era robusta acusavam o governador de executar dívidas sequestrar bens proteger ostensivamente diversos devedores da Fazenda Real quebrar imunidades eclesiásticas prender e soltar pessoas tudo em troca de propina As ruas de Olinda e Recife também acolhiam e difundiam a notícia de que o governador não só costumava embolsar parte da receita devida à Coroa como cuidava de aumentar o quinhão embolsado recunhando moedas no próprio palácio Desprezado pela população Mendonça Furtado recebeu a alcunha de Xumbergas termo ambíguo que tanto significava alguém que azucrina o próximo quanto apontava de modo chulo para uma pessoa adepta de excessos um sujeito embriagado ou um figurão useiro e vezeiro na prática de bolinar O Xumbergas fez parte de uma linhagem de governantes locais prepotentes corruptos e venais que se aproveitavam da investidura régia para enriquecer depressa em geral de forma ilícita Na belíssima oratória de padre Vieira que os conhecia bem a cobiça desses governantes era sem remédio e punha em risco a estabilidade do domínio português na América Esta é a causa original das doenças do Brasil tomar o alheio cobiças interesses ganhos e conveniências particulares por onde a Justiça se não guarda e o Estado se perde bradava Vieira do púlpito E concluía Perdese o Brasil digamo lo em uma palavra porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar nosso bem vêm cá buscar nossos bens15 Em Pernambuco a razão do descontentamento foi a corrupção e a exorbitância do poder das autoridades locais Mas quando essa razão vinha combinada ao peso dos tributos era sinal de que uma tempestade poderia desabar bruscamente em qualquer ponto do território da colônia Em 1671 por exemplo a rebelião eclodiu na distante Sergipe delRei colonos amotinados decidiram expulsar com o apoio da Câmara Municipal Joaquim Antônio Monteiro Correia capitãomor título que indicava o responsável pelas funções administrativas e militares da capitania na ausência de um governador designado pela metrópole O motim manteve em sobressalto as autoridades em toda a Repartição do Norte a comprida faixa litorânea que incluía as capitanias de Pernambuco Paraíba Itamaracá Bahia e Rio Grande em especial por conta da importância estratégica de Sergipe para a Coroa pois permitia a comunicação por terra entre Bahia e Pernambuco onde estava instalado o centro nervoso da economia açucareira na América16 Já em 1684 a tempestade caiu sobre o Maranhão Os irmãos Manuel e Tomás Beckman o primeiro proprietário de engenho o segundo poeta e advogado apoiados por cerca de oitenta homens armados entre eles senhores de engenho e comerciantes locais comandaram o movimento17 O inconformismo dos colonos tinha motivações definidas destituir o governador e extinguir a Companhia de Comércio do Maranhão e GrãoPará encarregada por Lisboa do monopólio das exportações de modo a evitar o contrabando e a sonegação de impostos De quebra pretendiam acertar contas com os jesuítas a quem creditavam a principal responsabilidade pela emissão da proibição régia de 1680 que impedia a escravização dos índios Do ponto de vista dos colonos essa proibição prenunciava um desastre completo sobretudo numa economia como a do Maranhão onde faltava mão de obra para a lavoura do açúcar Na noite de 24 de fevereiro os homens comandados pelos irmãos Beckman se misturaram à multidão que lotava o centro de São Luís por causa das festas em homenagem ao Senhor dos Passos e tomaram de assalto a Casa de Estanco nome dos armazéns onde os colonos vendiam seus produtos para a Companhia de Comércio do Maranhão e GrãoPará que detinha o monopólio o estanco das exportações Ato contínuo os revoltosos ocuparam os pontos estratégicos da cidade desarmaram o Corpo da Guarda e deram voz de prisão aos representantes do rei No dia seguinte organizaram uma Junta Geral de Governo com sede na Câmara Municipal e se lembraram dos rancores por longo tempo acumulados contra os jesuítas Aos gritos de Mata mata os padres da Companhia os rebeldes saíram pelas ruas batendo de porta em porta e convocando a população a tomar o Colégio Nossa Senhora da Luz onde se instalava a Companhia de Jesus Uma multidão invadiu o pátio interno do colégio cercou a igreja e sua avultada torre de pedra mas chegou atrasada 27 padres apavorados com a possibilidade de linchamento já haviam fugido esbaforidos para o interior da capitania A revolta dos irmãos Beckman durou um ano até a vinda da frota portuguesa que trouxe a bordo um bem armado e treinado contingente de soldados lusos e o novo governador Gomes Freire de Andrade O recémchegado desembarcou em São Luís retomou a cidade e brutalizou prendeu os rebeldes restaurou os privilégios da Companhia de Comércio e mandou subir a forca na praça do Armazém o centro administrativo de São Luís onde funcionava o prédio da Câmara e a Alfândega Manuel Beckman e Jorge de Sampaio e Carvalho os principais líderes da rebelião foram sumariamente condenados à morte e enforcados Tomás Beckman enviado pelos revoltosos como emissário à metrópole para tentar convencer as autoridades da justeza do movimento foi preso em Lisboa e proibido de regressar ao Maranhão enquanto outros participantes da revolta sofreram pena de açoite público Em 1711 explodiu mais uma rebelião dessa vez em Salvador O baiano João de Figueiredo da Costa apelidado Maneta era um misto de comerciante e contrabandista arguto o bastante para compreender a correlação de forças políticas no coração administrativo da colônia e jogar com isso a seu favor Os Motins do Maneta como o levante ficou conhecido não tinham nenhuma pretensão de conduzir à tomada de poder Em compensação reuniram uma multidão essencialmente impulsiva mas motivada por dois objetivos precisos Um a exigência da redução do preço do sal artigo de primeira necessidade indispensável para conservação de alimentos como carne ou peixe O outro a supressão das novas taxas sobre o valor das mercadorias importadas e dos escravos que haviam sido criadas com o propósito de financiar as incursões da frota portuguesa contra os frequentes ataques de corsários na entrada da barra de Salvador O motim também significava uma forma de contestação coletiva à decisão da Fazenda Real de instalar na Bahia mais uma casa de arrecadação e controle fiscal o Paço da Madeira a agência do Império encarregada de tributar qualquer tipo de embarcação além de frutas armas mobiliário carvão e cortiça18 A taxação presente e a ameaça de novas taxas serviram como detonador dos motins não só do ponto de vista do Maneta mas entre toda sorte de gente envolvida com o comércio contrabandistas tumbeiros os membros da tripulação de um navio negreiro de pequeno porte traficantes de escravos pequenos comerciantes mercadores de tenda aberta caixeiros taberneiros Ademais os tributos atingiam o bolso de boa parte dos habitantes da cidade o que generalizou a inquietação A indignação cresceu junto à população plebeia de Salvador e se expandiu até alcançar a tropa cujos soldados de baixa patente apoiaram entusiasticamente os motins Sem participação no levante apenas os proprietários de terras e engenhos e os grandes comerciantes da Bahia homens de grossa fortuna como se dizia na época Um motim só tem início quando a multidão se forma Em Salvador ela se juntou por força dos rumores que espalhavam informações alarmantes sobre os novos tributos e para atender ao chamado do sino que alguém não se sabe quem tocava furiosamente no alto da torre da Câmara Municipal Uma vez reunidos os amotinados adquiriram confiança e realizaram um levante de massas Ocuparam as ladeiras que unem a Cidade Baixa à Cidade Alta os dois planos topográficos de Salvador e avançaram em direção ao palácio do governador Permitiramse duas paradas na primeira a população sublevada tomou de assalto o luxuoso sobrado de Manuel Dias Filgueiras principal contratador de sal e arrematante de dízimos da cidade O palacete foi invadido o elegante mobiliário arremessado pelos janelões as pipas de vinho fino arrombadas e seu conteúdo entornado na rua o depósito de sal localizado atrás da casa inteiramente destruído Na segunda parada os amotinados investiram contra a residência de Manuel Gomes Lisboa sócio de Filgueiras Lá além dos móveis e dos utensílios domésticos dois pequenos armários chaveados foram lançados pelas janelas e para triunfo da multidão o ouro em pó guardado nas gavetas esparramouse pela ladeira de acesso ao sobrado no largo do convento de São Francisco Apavorado o governador Pedro de Vasconcelos e Souza recémnomeado para o cargo apelou ao arcebispo da Bahia d Sebastião Monteiro da Vide que não titubeou reuniu padres cônegos e membros das irmandades invocou a cólera de Deus despejou seu discurso exasperado sobre os amotinados e improvisou uma procissão saiu pelas ladeiras de Salvador exibindo diante de uma multidão turbulenta os símbolos sagrados da Eucaristia e exortando o povo a aquietarse Não deu certo Os amotinados não deixaram de levar a procissão a sério descansaram as armas descobriram a cabeça ajoelharamse em contrição Ato contínuo porém cuidaram de retomar o levante do ponto em que havia parado empunharam outra vez as armas cercaram o palácio e renderam o governador Sem alternativa Pedro de Vasconcelos e Souza aceitou todas as suas exigências suspendeu os novos tributos recuou no aumento do preço do sal e prometeu perdão generalizado Motins são explosões súbitas Tratase de um tipo de movimento político essencialmente impulsivo desprovido de organização estratégica elaborada e sem projeto político de poder mais duradouro Por outro lado seu desenrolar é ligeiro como se a multidão enraivecida depressa se fatigasse e exausta se desagregasse19 Talvez por isso o governador Pedro de Vasconcelos tão logo a multidão se dispersou rompeu o acordo celebrado com os rebeldes e puniu severamente seus líderes Mas nem assim o movimento se esgotou Afinal motins são levantes populares que também se recompõem e reagem muito rápido No caso de Salvador menos de cinquenta dias após o rompimento do acordo que encerrou a revolta o povo miúdo tornou a amotinarse pelas ladeiras da cidade AS MINAS INSOLENTES Os ódios e contrariedades estocados pelos colonos em virtude de determinações vindas da metrópole mantinham acesa uma energia política potencialmente perigosa e contagiosa que alimentava condutas sediciosas de uma ponta a outra do território da colônia Na região das Minas esse sentimento parecia jorrar furiosamente e por lá as autoridades metropolitanas cortaram um dobrado para introjetar o poder do rei ordenar a população nos limites da lei do Império e contornar o desejo de mando dos colonos Sensível à questão dos delitos cometidos na capitania e convencido da ingovernabilidade de seus habitantes o mais notável agente disciplinador das Minas o governador Pedro Miguel de Almeida e Portugal conde de Assumar asseverou com todas as letras e algum exagero que a gente da capitania estava destinada a dar enorme trabalho à Coroa O trecho é exemplar e serve de abertura ao Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720 o documento mais importante que ele fez chegar às mãos das autoridades régias em Lisboa Das Minas e seus moradores bastava dizer que é habitada de gente intratável A terra parece que evapora tumultos a água exala motins o ouro toca desaforos destilam liberdades os ares vomitam insolências as nuvens influem desordens os astros o clima é tumba da paz e berço da rebelião a natureza anda inquieta consigo e amotinada lá por dentro é como no inferno20 O conde de Assumar governou a capitania de 1717 a 1721 e ficou célebre por bater duro na fama de insubmissão que grassava entre os moradores reafirmar a centralidade do poder real e garantir o exercício da autoridade administrativa metropolitana O Discurso foi escrito para dar conta ao rei da ferocidade da repressão que o conde utilizou contra a Sedição de Vila Rica Era a terceira sedição séria enfrentada por ele os mineiros já se tinham levantado em Catas Altas entre 1717 e 1718 e no arraial de Nossa Senhora da Piedade de Pitangui entre 1717 e 172021 Na Sedição de Vila Rica em 1720 a mais importante revolta ocorrida nas Minas antes da Conjuração Mineira a motivação foi mais uma vez o caráter invasivo das práticas fiscais executadas pela Fazenda Real Os sediciosos planejavam forçar a Coroa a suspender o estabelecimento das Casas de Fundição onde se registrava o ouro em barras e se deduzia o quinto por arroba o imposto devido ao rei22 E a sedição espantou as Minas pela exibição pública da disputa de poder Uma guerra surda foi travada entre o governador o ouvidor de Vila Rica responsável pelo exercício da justiça do rei e a categoria dos homens bons a elite socioeconômica e política das vilas e povoados coloniais Ao cair da noite homens armados e encapuzados irrompiam abruptamente nas encostas do morro do Arraial do Ouro Podre e desciam em direção ao centro de Vila Rica hoje Ouro Preto ao rufar de tambores e aos gritos de Viva o povo e morte aos enviados delrei No trajeto tomavam as ruas de assalto descompunham os moradores que corriam espavoridos para suas casas pilhavam e saqueavam Numa dessas ocasiões a residência do ouvidorgeral foi destruída seu proprietário personagem odiado na capitania escapou por um triz do linchamento e fugiu para o Rio de Janeiro Da parte do governador a reação foi espetaculosa Em três dias Assumar acertou as contas com os mineiros que não lhe deram sossego durante os quatro anos de seu governo fechou os caminhos de entrada em Vila Rica prendeu os protagonistas do levante e os enviou presos ao Rio de Janeiro autorizou a população a exterminar os encapuzados e deu ordem aos dragões portugueses o corpo militar de elite estacionado na capitania de tocar fogo nas propriedades de Pascoal da Silva Guimarães o mais relevante líder da revolta O pavor dos moradores do arraial foi tão intenso que deixou na memória coletiva das Minas um rastro de mito e um medo duradouro reza a lenda que até nossos dias nas madrugadas sem lua os habitantes de Ouro Preto escutam o tropel dos cavalos de fogo enviados pelo governador Contudo o conde ainda não havia terminado Reuniu a população de Vila Rica no largo da Câmara e mandou executar sumariamente Felipe dos Santos que não tinha status para participar do círculo de mando dos poderosos locais mas dispunha de oratória para mover o povo no rumo da rebelião Felipe dos Santos foi responsável por comandar praticamente todos os tumultos que deram corpo à Sedição de Vila Rica Por essa razão tornouse alvo principal e vítima do suplício público e exemplar com que o conde de Assumar celebrou a justiça do rei Foi torturado amarrado a quatro cavalos que incitados em direções opostas dilaceraram seu corpo Cerca de dez anos após os eventos que conduziram à Sedição de Vila Rica o então governador interino das Minas Martinho de Mendonça de Pina e de Proença viuse às voltas com novo levante agora na região noroeste da capitania Em 1736 os Motins do Sertão levantaram a população às margens do rio das Velhas e do rio São Francisco em mais uma revolta de natureza antifiscal nesse caso contra o pagamento do quinto do ouro a ser cobrado pelo sistema de capitação o tributo pago por escravo ou indivíduo forro da capitania23 No auge do levante quando reuniões noturnas aconteciam nas fazendas dos criadores de gado arraiais eram invadidos grupos de insurretos percorriam as ruas dispostos a moer de pancadas se encontrassem o cobrador encarregado do recolhimento de impostos Martinho de Mendonça ainda duvidava da força dos motins Julgava aquelas reivindicações inegociáveis e remetia sua autoria à má qualidade dos habitantes da capitania24 Mas em torno de 1737 diante das prisões lotadas o governador mudou de ideia e desabafou Esta conspiração foi maior do que parece25 QUANDO OS VASSALOS SE TORNAM INFIÉIS AO REI Fosse qual fosse seu formato em pelo menos um aspecto as revoltas de colonos eram incrivelmente semelhantes nenhuma delas confrontou a Coroa portuguesa26 Ao contrário a linguagem dos rebeldes expressava estrita lealdade ao soberano reafirmava a força simbólica da figura do rei sempre pronto a ouvir as aflições de seus súditos e maldizia a lentidão das comunicações entre metrópole e colônia razão determinante do curto circuito provocado pela excessiva e mal delimitada autoridade dos agentes do poder real no ultramar Quase todas as revoltas procederam assim exceto uma a de 1710 em Pernambuco responsável por introduzir uma nova tópica no padrão até então característico das sublevações coloniais e pôr em questão a autoridade da Coroa27 A revolta de 1710 faz parte de um conjunto de eventos de ruptura da ordem colonial e movimentação contra a autoridade régia que a historiografia do século XIX designou como Guerra dos Mascates28 Seu ponto de partida o tema da autonomia administrativa da cidade do Recife reduzida à condição de porto da vizinha Olinda presunçosa e decadente materializou a reação da elite açucareira pernambucana representada por Olinda diante da pressão dos comerciantes do Recife que eram pejorativamente apelidados de mascates para a criação de uma Câmara Municipal independente A revolta também cuidou de inserir o componente da sedição na cena pública da capitania que detinha o controle e a produção do açúcar ainda a principal fonte de riqueza da colônia A rebelião que durou menos de um ano contou com a insurreição de milícias rurais arrebanhadas entre as camadas livres mas pobres da população do campo pela elite açucareira as quais marcharam contra o Recife e acarretaram a previsível fuga do governador para a Bahia o que por fim franqueou aos levantados o controle de boa parcela da capitania O fundamental no entanto foi o fato de ter incorporado à pauta da sedição o propósito de tornar Pernambuco independente O núcleo mais radical da liderança sediciosa optou pela República discutiu a conjuntura e os recursos para uma resistência armada considerou a eventualidade de a sedição se expandir para a Bahia e o Rio de Janeiro e incluiu a alternativa de um protetorado francês para o caso do fracasso da sedição Era melhor constituirse Pernambuco em república propôs Bernardo Vieira um dos mais destacados líderes da revolta e desabafou Se porventura a sorte da guerra fosse contrária era preferível buscar o apoio dos polidos franceses a se submeterem aos malcriados mascates29 A sedição de 1710 terminou mal para a elite açucareira de Olinda No ano seguinte os difamados mascates deram o troco retomaram o controle do Recife protagonizaram combates no interior da capitania e receberam reforços da frota vinda de Lisboa com um novo governador nomeado para Pernambuco e responsável por negociar os termos de um indulto régio No final do conflito vitoriosa e elevada pela Coroa à condição de vila dotada de sua própria Câmara Municipal Recife acabaria se convertendo em sede da capitania de Pernambuco Contudo e apesar de a sedição de 1710 ter sido um conflito municipal as ideias se movimentaram além de Pernambuco Os sediciosos de Olinda conjugaram pela primeira vez na América portuguesa independência a autogoverno e declararam preferir a forma republicana ao governo dos reis Cerca de sessenta anos depois o termo autogoverno já fazia parte do vocabulário político da colônia e era utilizado com incômoda frequência para infelicidade da metrópole Nas três últimas décadas do século XVIII um punhado de colonos especialmente em Minas e na Bahia fixou o uso desse termo em definitivo e tratou de alterar a natureza e o papel das revoltas que protagonizou Tais colonos transformaram a ambição de autonomia e o desejo de autogoverno em novo tipo de rebelião ao qual deram o nome de Conjuração forma específica de conspiração política em que os participantes estão dispostos a contestar o poder do rei e a autoridade da Coroa Por força dessa disposição seus autores foram também acusados por Lisboa de um novo crime o delito de Inconfidência cometido pelo súdito infiel ao seu príncipe CONJURAÇÕES E INCONFIDÊNCIAS MINAS 1789 No mês de dezembro de 1782 o poeta Tomás Antônio Gonzaga chegou a Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto nomeado para o cargo de ouvidorgeral Gonzaga viajou por quinze dias a cavalo vindo do Rio de Janeiro Com sua chegada estava completo o grupo de homens letrados que se aliaria alguns anos mais tarde à elite econômica e administrativa das Minas para contestar a relação colonial planejar um levante armado contra a Coroa portuguesa e promover a associação entre as ideias de República e de autonomia política no território da colônia O grupo era eclético Reunia cônegos eruditos como Luís Vieira da Silva proprietário de uma livraria formidável e professor de filosofia no Seminário de Mariana e padres apreciadores de música como Carlos Correia de Toledo vigário da vila de São José del Rei hoje a cidade de Tiradentes Havia entre eles três grandes poetas o próprio Gonzaga Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto e diversos letrados o médico e naturalista José Vieira Couto o engenheiro militar José Joaquim da Rocha o filósofo cientista natural e mineralogista José Álvares Maciel o jovem médico recém formado em Montpellier Domingos Vidal de Barbosa Lage Entre os participantes regulares desse grupo também se perfilavam militares de variada patente o mais graduado o tenentecoronel Francisco de Paula Freire de Andrade comandante do corpo militar dos dragões e um número considerável de membros da elite econômica da capitania homens de negócio fazendeiros comerciantes emprestadores de dinheiro contratadores além dos poderosos magnatas locais como João Rodrigues de Macedo proprietário do magnífico sobrado que abrigou várias reuniões dos conjurados em Vila Rica30 Os membros desse grupo tinham laços familiares de amizade ou econômicos a vinculá los à cúpula da sociedade das Minas e de muitas maneiras estavam envolvidos com atividades que expressavam sua identidade com interesses intensamente locais e que eram a antítese daquilo que as autoridades lusas acreditavam constituir a essência da lógica colonial e de seus critérios de implícita subordinação O padre José da Silva e Oliveira Rolim por exemplo comprometido até a raiz dos cabelos com os planos da Conjuração passou boa parte da vida metido em fraudes contra a Coroa falsificou moeda subornou autoridades inclusive as eclesiásticas emprestou dinheiro a juros e desviou diamantes do Tejuco da rota oficial de Lisboa para a trilha clandestina que terminava em Amsterdam Ele foi sem dúvida uma mistura bizarra e explosiva de contrabandista agiota aventureiro violento e de quebra sedutor incorrigível um personagem fascinante que entretanto em diversos aspectos não estava sozinho A maioria dos conjurados mineiros encontravase enredada de algum modo com o contrabando do ouro e dos diamantes burlava o fisco e zombava da autoridade dos funcionários do governador Além do mais conservava laços de associação com os garimpeiros clandestinos e com os capangueiros nome dado aos comerciantes ambulantes que viabilizavam a saída ilegal das pedras preciosas para o mercado europeu Mas quem se envolveu com a Conjuração Mineira também punha ênfase na diversificação das atividades econômicas e considerava a possibilidade de autossuficiência das Minas31 A despeito de tudo isso ninguém parecia disposto a começar uma rebelião O que fez um grupo de letrados e vassalos de posses em princípio bem integrados ao mundo do absolutismo português transformarse em protagonista de uma forma especialíssima de revolta política na América a Conjuração Mineira foi uma combinação entre o ressentimento e a percepção de autossuficiência econômica de sua capitania As Minas eram um país como não havia outro que tinham todas as riquezas em si afirmava o alferes Joaquim José da Silva Xavier o Tiradentes ao tenentecoronel Francisco de Paula Freire de Andrade32 O gatilho que deflagrou a Conjuração Mineira articulava três ordens de fatores de natureza distinta políticoadministrativa econômica cultural com impacto variado mas capaz de atingir todas as camadas da estrutura social da capitania Havia em primeiro lugar o rigor de uma política metropolitana que desconsiderava a realidade da produção do ouro e descartava a possibilidade de criação de projetos alternativos para a exploração do potencial econômico das Minas Os outros dois fatores tinham caráter conjuntural o desastre político representado pela administração corrupta do governador Cunha Meneses e a Instrução escrita por Martinho de Melo e Castro ministro da Secretaria dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos ao visconde de Barbacena novo governador da capitania A Instrução significava duplo retrocesso na relação das Minas com Portugal num momento de recessão provocado pelo declínio da produção aurífera Lisboa insistia na imposição da derrama como vimos tributo cobrado no intento de completar as cem arrobas da cota anual de ouro devida à Coroa e que incidia sobre toda a população da capitania Além disso anulava todos os demais contratos dos mineiros e restringia o acesso da elite local a postos da administração régia33 Embora na historiografia não exista acordo sobre uma data precisa provavelmente a Conjuração Mineira começou a se delinear em algum momento da década de 1780 entre 1781 o ano em que estudantes da América portuguesa em Coimbra juraram dedicação à causa da soberania da colônia e 1788 quando o projeto de autonomia das Minas foi formalmente debatido em reuniões locais A partir da segunda metade dos anos 1780 esse projeto emergiu sob a forma de uma República Florente34 como gostava de definir Tiradentes uma República próspera florescente já que alimentada pela notável riqueza natural das Minas que permitiria aos seus habitantes conceber o próprio destino e firmar a convicção de que soberania não era um atributo a ser compartilhado com Portugal Tiradentes foi o mais ativo propagandista das ideias que sustentaram o projeto político da Conjuração Mineira e o grande responsável por colocálas em circulação no interior de uma rede formada pelo entrecruzamento de diferentes grupos sociais Muito do sucesso desse ativismo se devia à sua condição de extraordinária mobilidade ele transitava pelos caminhos entre as Minas e o Rio de Janeiro e entre as variadas camadas em que se dividia a estrutura da sociedade mineira setecentista Afinal Tiradentes exerceu a atividade de tropeiro e tempos depois assumiu a posição de comandante do destacamento do Caminho Novo que respondia pelo patrulhamento da serra da Mantiqueira àquelas alturas infestada de quilombolas e quadrilhas de salteadores Mas essa mobilidade era igualmente fruto de sua habilidade tanto do préstimo e habilidade de pôr e tirar dentes35 quanto na prática da cura na receita de medicamentos e no conhecimento das plantas medicinais Ao relatar a viagem que empreendeu ao Rio de Janeiro em companhia de Tiradentes o capitão José de Souza Coelho vereador da Câmara da vila de Pitangui anotou ser ele senhor de variadas aptidões um tanto cirurgião e tiradentes entendedor de ervas para curar chagas e febres perito em calçadas pontes moinhos e encanamentos além de conhecer como a palma da mão aquelas grotas e serras e bem assim distinguir pelos respectivos nomes e apelidos todos os seus habitantes36 As ideias de autonomia e de República que Tiradentes divulgou percorreram virtualmente a capitania inteira e foram irradiadas a partir de três centros de transmissão as comarcas de Vila Rica Rio das Mortes e Serro do Frio Os temas da sedição da autossuficiência econômica e da autonomia política circularam pelas pousadias ranchos e estalagens do Caminho Novo transitaram por boticas quartéis e portas de igrejas existentes nas vilas e em seu entorno frequentaram as tabernas e casas de prostituição espalhadas pelas Minas e se esconderam nas montanhas do Serro do Frio que fervilhavam de garimpeiros e faiscadores fora da lei A Conjuração teria início com um motim que ocorreria no mês de fevereiro em Vila Rica quando fosse imposta a derrama Se vitoriosos os conjurados deflagrariam a rebelião em toda a capitania Seu planejamento incluía o anúncio da declaração de independência das Minas e a definição dos instrumentos necessários para sua implementação sob a forma da República Os mineiros estavam especialmente atentos à Revolução Americana que vivia seu pleno processo institucional e buscavam encontrar estruturas republicanas de governo capazes de expressar os princípios que as colônias norteamericanas haviam defendido na luta contra o Império britânico Não é difícil divisar nos planos da Conjuração Mineira os traços da inovação constitucional de uma República Confederada uma espécie de comunidade de estados independentes cada um mantendo sua autonomia legislativa Nem identificar na importância do papel que os conjurados atribuíram às Câmaras Municipais a determinação de exercer o governo da República através do protagonismo político do Legislativo por meio de Assembleias espalhadas pela capitania É igualmente possível reconhecer no planejamento militar da Conjuração Mineira a percepção por parte de seus líderes de algo que foi decisivo para a derrota do exército britânico na América inglesa Também Portugal iria fazer nas Minas uma guerra que não poderia vencer Estratégica e logisticamente Lisboa estava em desvantagem não seria fácil deslocar as tropas pelo Atlântico e em seguida continuar por terra para o interior da América portuguesa A expectativa dos conjurados não era ganhar a guerra militarmente e expulsar as tropas lusas era exaurir a metrópole inclusive economicamente forçando a Coroa a negociar Mas os mineiros ficaram sozinhos Nenhuma outra capitania se aliou à Conjuração O contexto internacional por sua vez foi especialmente desfavorável aos planos de autonomia das Minas Em que pese o aceno encorajador de Thomas Jefferson no encontro que teve com José Joaquim Maia e Barbalho em Nîmes na França a República norte americana ansiava por um tratado de comércio com Portugal assinado enfim pelo próprio Jefferson em 1786 e não pretendia arriscarse num projeto de futuro promissor porém incerto no Brasil Já a França onde alguns conjurados apostavam suas melhores fichas e cujo apoio à Guerra de Independência das Treze Colônias foi essencial estava politicamente imobilizada em sua capacidade de interferir no cenário internacional37 E então provavelmente em 18 de maio de 1789 no começo da noite alguém não se sabe se homem ou mulher foi visto subindo as vielas de Vila Rica em meio à névoa que recobre a cidade nessa época do ano Usava uma capa preta comprida um enorme chapéu desabado sobre os olhos caminhava com passos rápidos e esgueiravase cheio de cautela O Embuçado como o personagem ficou conhecido percorreu Vila Rica à cata dos conjurados para prevenilos de que a conspiração havia sido descoberta e eles corriam perigo38 Foi à casa de Cláudio Manuel e o avisou da porta Na casa de Gonzaga deixou recado com a escrava Antônia Aflito com pressa de informar o tenentecoronel Domingos de Abreu Vieira compadre de Tiradentes o Embuçado errou de casa encontrou uma porta entreaberta e entrou no vizinho No topo da escada deparouse com a esposa do proprietário percebeu o engano precipitouse para a rua e desapareceu na neblina Nunca mais se soube dele O Embuçado estava certo O visconde de Barbacena recebeu seis denúncias formais de que havia uma conspiração em marcha nas Minas39 A primeira e mais importante foi feita por Joaquim Silvério dos Reis ele próprio um ativo participante da conjura Silvério dos Reis era um homem rico também era o que tinha mais dívidas com a Coroa portuguesa e o perdão dessas dívidas foi o mote de sua delação Contou tudo minuciosamente várias vezes e por escrito os detalhes da conspiração a senha o nome dos principais conjurados o projeto político a estratégia militar De posse da denúncia Barbacena ainda esperou dois meses Depois suspendeu a derrama mandou prender os conspiradores e abriu a devassa a busca das provas os interrogatórios dos réus e a inquirição das testemunhas que iriam formar os autos do processo da Conjuração Mineira Entre a delação de Silvério dos Reis a prisão dos acusados e o julgamento expresso na sentença assinada por d Maria I rainha de Portugal passaramse três longuíssimos anos de interrogatórios e padecimentos para os suspeitos enviados por Barbacena à cadeia da Relação e à fortaleza da ilha das Cobras no Rio de Janeiro No final do processo a sorte dos conjurados considerados culpados do crime de Inconfidência foi ingrata degredo na África prisão perpétua em Portugal para réus eclesiásticos sequestro dos bens condenação à forca A força da autoridade real e o horror do castigo já espreitavam os conjurados desde o momento da prisão ainda em Vila Rica No início da manhã de 4 de julho de 1789 o poeta Cláudio Manuel da Costa foi encontrado morto num cubículo transformado em cela situado no andar térreo do sobrado de João Rodrigues de Macedo40 O mesmo sobrado que havia abrigado várias das reuniões dos sediciosos hoje a Casa dos Contos em Ouro Preto foi requisitado pelo governador já que a Cadeia Nova estava em obras e nela não cabia mais tanta gente presa A versão oficial foi a de suicídio o poeta teria se enforcado Em Vila Rica ninguém acreditou advogado de grande prestígio na capitania Cláudio Manuel da Costa teria sido assassinado a mando de Barbacena pelo muito que sabia sobre os membros da elite econômica envolvidos na Conjuração e sobre os grupos de interesse ligados à atividade do contrabando que incluíam o governador e seu círculo íntimo Até os nossos dias a morte de Cláudio Manuel continua suspeita e provoca debate não há acordo entre os historiadores Nem entre os escritores Mais de duzentos anos depois o romancista Silviano Santiago em seu belo livro Em liberdade cujo argumento é construído em torno da constante tensão entre história e ficção sublinhou a importância de manter acesa a desconfiança acerca da primeira versão oficial de morte por suicídio de preso político Que força é esta dentro de mim que não pode admitir que Cláudio tenha se suicidado na Casa dos Contos41 Em maio de 1789 Tiradentes foi preso no Rio de Janeiro durante uma de suas viagens para agregar adeptos às ideias de sedição Ele não era o líder da Conjuração Mineira era seu principal propagandista Tiradentes pode até ter sido um personagem polêmico impetuoso e rude de olhar espantado mas foi igualmente dotado de impressionante habilidade para persuadir o outro E ele sabia disso tanto que tratava de burilar sua retórica Nos Autos de devassa confessou que escolhia com cuidado as frases com que devia aliciar novos partidários conforme percebia as características e os interesses de seu interlocutor Seus companheiros de conspiração contavam também que a depender do público Tiradentes entremeava a pregação sediciosa com modinhas que cantava ao violão o que aumentava seu sucesso nos locais de sociabilidade onde se reunia a gente do povo os bordéis como a casa das Pilatas as pousadias como a hospedaria de João da Costa Rodrigues na beira do Caminho Novo as tabernas como a do arraial de Matosinhos Esse o motivo pelo qual a pena aplicada a ele pela Coroa foi exemplar espetacular e pública para que o horror do castigo não se apagasse jamais da memória dos colonos Tiradentes foi enforcado no dia 21 de abril de 1792 no largo da Lampadosa no Rio de Janeiro O corpo esquartejado e salgado Os braços e as pernas foram pregados nos mais destacados pontos de trânsito do Caminho Novo A cabeça deveria permanecer exposta até finalmente apodrecer fincada num poste erguido na praça central de Vila Rica em frente ao palácio do governador onde hoje se encontra o monumento a Tiradentes Reza a lenda que ficou lá somente por um dia durante a noite alguém a retirou às escondidas e enterrou no quintal de uma casa ao sopé de um dos inúmeros morros em que a cidade se equilibra cuja localização exata no entanto se perdeu no tempo A Conjuração Mineira fracassou Mas as revoltas nunca mais seriam as mesmas na América portuguesa ver imagem 38 SALVADOR 1798 No início do ano de 1798 na cidade de Salvador amanheceu queimada a forca instalada no largo em que se erguia o Pelourinho símbolo máximo do poder da Coroa portuguesa onde se anunciavam os decretos do rei e se açoitavam publicamente os escravizados O gesto era de desafio contestava a autoridade política de Lisboa e dispensava justificações Quem fez isso permaneceu anônimo mas deixou um lembrete e expressou uma opinião tangível ao pé da madeira queimada e das portas que protegiam a cidade afixou ludibriosos pasquins42 Não se sabe hoje do que tratavam esses panfletos nem se chegaram a se propagar sob a forma de boatos As autoridades régias contudo não perdiam por esperar Alguns meses depois na manhã de 12 de agosto a cidade acordou semeada de panfletos que pareciam vir de todo lugar e apanharam de surpresa população e autoridades ver imagem 37 Os panfletos baianos surgiram nos pontos de maior circulação de pessoas e seu roteiro seguia a topografia característica de Salvador acompanharam as ruas tortas os becos e as ladeiras empinadas que desenhavam a ligação entre a Cidade Alta trepada no morro e a comprida e estreita faixa litorânea que formava a Cidade Baixa Foram fixados em locais onde dominava o comércio funcionava o centro administrativo e corria a vida pública da cidade Três panfletos foram parar em sacristias de igrejas todas situadas no coração urbano de Salvador No dia 22 do mesmo mês para novo espanto das autoridades uma má notícia chegou da parte dos padres carmelitas dois outros panfletos haviam sido encontrados na igreja do Convento do Carmo também localizado numa ladeira próxima ao largo do Pelourinho43 Ao que parece o número de panfletos que circulou por Salvador em 1798 foi bem maior E de diversas maneiras seu significado político era notável a começar por sua aparição pública quando fizeram transitar livremente pelas calçadas ideias notícias e opiniões que até então só podiam ser transmitidas por meio de canais clandestinos Além disso o conjunto de panfletos que sobreviveram até o século XXI44 aponta outra novidade por seu intermédio colonos articularam as ideias de República e de democracia organizando pela primeira vez o repertório político de baixo para cima na estrutura social e expandindo para a população pobre da cidade o atributo da igualdade política Os panfletos da Bahia foram escritos por egressos dos estratos mais heterogêneos e mais numerosos da estrutura social da capitania mulatos que exerciam ofício mecânico e que traziam na cor um empecilho a mais para dificultar suas possibilidades de ascensão social artesãos e soldados45 Eram uma novidade no Brasil diferentes dos pasquins difamatórios pornográficos ou satíricos que aí circulavam pelo menos desde o fim do século XVI46 eles funcionaram ao mesmo tempo como um evento público uma manifestação intelectual com vistas a acelerar a ruptura com a metrópole e um importante meio de comunicação reservado à divulgação de notícias e à propaganda radical O alvo dos panfletos curtos rudes de estilo tosco e afiados era o povo da Bahia designando nessa categoria prioritariamente a população pobre e mestiça de Salvador a plebe47 Apresentar o povo como fonte de soberania da República em plena América portuguesa constituía uma ousadia e tanto E indicava antes de mais nada a fortíssima influência que os conjurados baianos receberam das francesias o nome como eram insistentemente enunciados pelas autoridades do Império os abomináveis e destrutivos princípios de liberdade originários dos acontecimentos da Revolução Francesa e em particular do governo jacobino de Paris A escolha das palavras o tom de advertência e o uso dos verbos no imperativo ordena manda prescreve quer 48 deixavam clara a maneira como os panfletos viam o povo uma força poderosa feroz quando provocado e agente de seu próprio destino Em 1798 a temperatura política subiu em Salvador e o entusiasmo pelas francesias alcançou representação verbal e visual João de Deus Nascimento mulato cabo do corpo de milícias e alfaiate envolvido até o pescoço na Conjuração levou a sério a associação do vestuário com a política e saiu pelas ruas da cidade em seus termos trajado de francês os pés metidos em vistosos chinelins com bico muito comprido e entrada muito baixa e calções apertados Ao cruzar com o procurador de causas Francisco Xavier de Almeida que intrigado inquiriuo sobre a estranha indumentária João de Deus não teve dúvida na resposta Cale a boca esse trajar é Francês muito brevemente verá vossa mercê tudo Francês49 João de Deus podia ser desabusado mas sua linguagem era eloquente o traje distinguia a pessoa e revelava muito do caráter político E seu procedimento mostravase contagioso Os conjurados baianos eram facilmente reconhecíveis pela aparência Como explicou às autoridades portuguesas José de Freitas Sacoto homem livre e mulato eles eram politicamente transparentes todos os que fossem vistos pela rua com brinquinho na orelha barba crescida até o meio do queixo com um búzio de Angola nas cadeias do relógio este era Francês e do partido da rebelião50 Adornos e vestuário eram sinais capazes de fixar uma identidade que a presença do búzio com seu cunho divinatório ligado às religiões africanas tradicionais como o candomblé sugeria ser étnica religiosa e política Também serviam para explicitando tal identidade convidar os demais a aderirem a ela Os conjurados baianos não queriam permanecer anônimos na cena pública ao contrário estavam admitindo abertamente que eram distinguíveis e ainda mais identificáveis sem esforço pelo uso de ornamentos que de um modo tácito transmitissem e reafirmassem seus princípios políticos Esse era um indício do que entendiam por liberdade o propósito de ser livre só podia existir em público e deveria se tornar visível para todos Vinha inscrito na própria bandeira da Conjuração uma estrela vermelha de cinco raios sobre fundo branco com um globo desenhado no intervalo dos raios tudo isso encimado por um dístico igualmente em vermelho Apareça e não se esconda51 O entusiasmo pelas francesias articulou de diversas maneiras uma multiplicidade de vozes e interesses atravessou as diferentes camadas em que se movimentava a sociedade baiana no final do século XVIII incluiu escravos libertos e homens livres pobres na sua maioria crioulos e mulatos e lhes forneceu suporte para a composição de um repertório intelectual em desafio à Coroa portuguesa Embora nenhum dos panfletos sobreviventes faça referência ao fim da escravidão há informações acerca de um que destruído de acordo com depoimento do capitão de granadeiros do 2º Regimento de Linha Antônio José de Mattos Ferreira e Lucena trazia a promessa de liberdade aos escravos52 Ainda assim a Conjuração Baiana levou para o centro da linguagem política da colônia uma alteração notável a ideia de que homens vítimas de uma dupla injustiça a da urgência da sobrevivência e a da vergonha da obscuridade tinham igualmente direito à sua personalidade legal de cidadãos a serem protegidos por ela e a agirem por meio dela na cena pública e na condução dos negócios da capitania Como explicou outro ativo participante do movimento Lucas Dantas num encontro com João de Deus sobre a necessidade de aliciar novos adeptos para a Conjuração Quando lhes falar digalhes assim o Povo tem intentado uma revolução a fim de tornar essa Capitania em Governo Democrático nele seremos felizes porque só governarão as pessoas que tiverem capacidade para isso ou seja brancos ou pardos ou pretos sem distinção de cor e sim de juízo e é melhor do que ser governado por tolos e logo os convencerá53 Mas a Conjuração não chegou a eclodir militarmente e boa parte de seus líderes foi presa durante uma reunião no Campo do Dique do Desterro cujo propósito era precisamente fazer uma avaliação das forças rebeldes para dar início ao levante Lucas Dantas João de Deus e dois outros participantes da conjura Manuel Faustino e Luís Gonzaga das Virgens eram mulatos eram pobres e pagaram um preço altíssimo pela ousadia de exigir visibilidade política Denunciados pelas autoridades régias por liderarem o movimento os quatro foram enforcados em Salvador na manhã de 8 de novembro de 1799 havia um quinto condenado à morte o ourives Luís Pires que conseguiu fugir e jamais foi localizado O corpo de cada um deles foi esquartejado e exposto nos lugares públicos da cidade e as mãos de Luís Gonzaga das Virgens acusado da redação dos panfletos permaneceram pregadas na forca como exemplo para a população do desequilíbrio e do excesso que marcavam as relações de poder na colônia do súdito que se atreveu a violar a lei da Coroa que fez valer seu direito e sua força54 Tal como ocorreu nas Minas a punição da Coroa contra os conjurados baianos foi orientada pelo cálculo político No caso da Bahia recaiu prioritariamente sobre personagens até então anônimos homens pobres e mulatos mas dispostos a assumir uma voz pública A Conjuração Baiana era radicalmente inovadora propunha a inclusão de indivíduos desiguais em termos sociais e econômicos com interesses opostos e eventualmente muito distintos uns dos outros Apesar disso a memória recente do Brasil foi cruel com os participantes desse movimento Há ainda pouca repercussão pública de sua história e ele permanece quase que restrito ao ambiente acadêmico e cultural de Salvador A resposta da Coroa despedaçou a Conjuração Baiana contudo não destruiu o fato de que as revoltas motins e conjurações iniciaram o percurso de um longo aprendizado político por parte dos brasileiros O país ainda hoje abriga uma memória oficial que se orgulha de alimentar o mito da beleza estonteante da natureza tropical sempre em harmonia com a presença do colonizador português quando a história é também outra Entre os séculos XVII e XVIII os colonos começaram a oferecer novos sentidos ao mundo em que viviam declararam direitos abriram um espaço antes inimaginável para o debate e as negociações políticas enriqueceram paulatinamente o vocabulário da vida pública Nenhum dos movimentos que protagonizaram foi vitorioso O acúmulo porém deixou disponível ao século XIX um conjunto de ferramentas intelectuais e políticas que poderiam ser mobilizadas selecionadas reelaboradas e aplicadas para seus propósitos Afinal revoltas não duram para sempre Mas além de servirem para revelar o quanto o poder é vulnerável com um olho espiam o futuro 6 HOMENS À VISTA UMA CORTE AO MAR1 Cada época sonha com a seguinte Michelet No final do século XVIII palavras como revolução motim rebelião sedição começavam a fazer parte do vocabulário cotidiano anunciando muita comoção e grandes doses de mudança Talvez uma boa metáfora desses tempos velozes seja a invenção da locomotiva em 1804 Nas telas do pintor inglês William Turner ou do impressionista francês Claude Monet ela surgia como um fantasma escuro que rompia dramaticamente a bruma da manhã numa alusão aos prognósticos mais alvissareiros dos contemporâneos certos de viverem numa época que representava o fim dos entraves do passado e por suposto das amarras com o atraso Exemplar é o dístico que apareceu atrás de uma locomotiva construída em 1808 sinal forte das pretensões do contexto e que desafiava orgulhoso Catch me who can Aí estava o resumo acabado da mentalidade vigente nos países centrais a crença de que nada segurava as novidades e transformações estruturais que então se acumulavam E a agenda dos fatos bem lembrava a frase que viajava junto com aquela locomotiva Em 1776 as treze colônias inglesas na América fizeram sua independência da Grã Bretanha durante o processo revolucionário que pela primeira vez materializou uma lista de direitos para o cidadão integrou a ideia de República à modernidade política e provou que a condição colonial não era um estatuto perene Logo depois por volta de 1780 uma ampla revolução industrial eclodiu na Inglaterra gerando um movimento contínuo que envolveu largos investimentos econômicos novas tecnologias e uso indisciplinado da mão de obra Para completar o cenário em 1789 se deu mais um evento que assumiria notáveis proporções na França a Revolução derrubou o que parecia estável como a ordem da natureza Com a radicalização do movimento a monarquia perdia seu caráter divino e Luís XVI era condenado à guilhotina em 1793 Essa morte constituía apenas o prenúncio de muitas outras simbólicas ou não A Revolução desmontava um arranjo político duradouro que colocara na figura do rei um ícone solar e lhe concedera a centralidade necessária para o controle do Estado Isso sem esquecer a Revolução Haitiana 17911804 que revolveu a ilha de São Domingos aboliuse a escravidão por lá e a primeira república de africanos fora de seu continente foi decretada Mais ainda o evento mostrou para o mundo que o sistema escravista era apenas uma perversa circunstância histórica e por isso mutável Não um desígnio da natureza ou uma determinação divina Revolução é um vocábulo típico da modernidade descreve um acontecimento ocorrido em distintos espaços da vida social costumes direito religião política economia nações Estados ou continentes sempre enfocando uma perspectiva que inclua transformação e com muita agitação Por isso a palavra designa derrubada do que é considerado velho concentração de uma experiência de aceleração do tempo e inauguração de um futuro o qual por suposto seria não só melhor como até então desconhecido2 Nesse caso longe de dizerem respeito a contextos localizados os movimentos revolucionários polarizaram a política internacional e os Estados modernos da Europa continental e atlântica era a própria lógica da sociedade estamental pautada em posições hierárquicas rígidas e dadas por nascimento e o Antigo Regime que entravam em colapso As diversas monarquias europeias sentiram o golpe de maneiras distintas mas dificilmente alguém teria ficado de fora As rupturas tinham tal proporção que alteravam noções de tempo e espaço o mundo parecia menor porque agora atingível por mar e por terra de modo mais rápido e o tempo mais breve já que novidades chegavam de um país a outro no mesmo continente no espaço de no máximo um dia Era a modernidade que se desvelava combinando em doses perversas ruptura com o passado feudal e escassez de bens produtos e riquezas Além disso procuravase sucatear o ultrapassado criando se forças produtivas ancoradas na mão de obra pretensamente livre porém presas a novas formas de trabalho cada vez mais alienadas e exploradas Após a primeira leva de revoluções o mundo ocidental se tornaria irreconhecível A velocidade industrial modificou em definitivo a paisagem transformou hierarquias e relações entre o campo e a cidade A paisagem que se anunciava então no fim do século era de terra abatida Decididamente as coisas estavam mudadas o cotidiano das pessoas andava de pernas para o ar Também no ambiente da pequena e outrora opulenta corte portuguesa os espíritos andavam agitados Tudo lembrava um jogo de tabuleiro com França e Inglaterra na condição de pivôs principais e Espanha e Portugal como peças menores Enquanto Inglaterra e França vinham disputando o posto de grande potência europeia e mundial a Espanha lutava para guardar qualquer rudimento de autonomia e o antes vasto e poderoso Império lusitano não escondia mais suas inúmeras fragilidades Dependia largamente de sua colônia americana e a riqueza fora em boa parte consumida por uma administração metropolitana pouco rigorosa e dada a ostentações expressas na construção de monumentos sobretudo igrejas E diante do contexto desvantajoso para Portugal a saída era tentar manter a imagem de neutralidade manifesta em atitudes contraditórias que visavam agradar a todos sem no fundo contentar a ninguém D Maria I ver imagem 39 e a seguir seu filho o príncipe regente d João João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís Antônio Domingos Rafael de Bragança 3 optaram por uma diplomacia dúbia que oscilava entre França e Inglaterra até porque no contexto mostrar favoritismo por uma daquelas nações implicava indisporse com a outra4 Os tempos eram incertos e em Portugal tudo estava em risco o Império colonial a Coroa a antiga aliança com a Inglaterra já ia longe a época em que seus interesses comerciais se equilibravam Nesse período as duas metrópoles ibéricas aproximaramse para resolver problemas de fronteiras ao sul da América Em 1777 com a assinatura em outubro do Tratado de Santo Ildefonso Portugal cedeu a Colônia do Sacramento e abdicou das ilhas de Fernando Pó e Ano Bom fundamentais para o tráfego escravista espanhol5 Já em 1785 laços de sangue pretenderam selar o bom relacionamento entre as Coroas e em dose dupla os infantes portugueses João e Mariana Vitória casaramse com os infantes espanhóis Carlota Joaquina e Gabriel Mas a aparente e relativa calma duraria pouco A Revolução Francesa abalaria a diplomacia lusa ameaçando acordos com a Espanha e forçando uma atitude mais assertiva em relação à aliança com a Inglaterra O mesmo ocorreria com o movimento de independência norteamericano que opôs França e Inglaterra Diante da situação tensa Portugal tentou sustentar sua complicada política de neutralidade Tinha certa experiência no assunto já que havia muito tempo em momentos de conflito temperava as relações internacionais com doses balanceadas de concordância e discrição Acima de tudo a Coroa queria preservar a autonomia política e garantir seus domínios no ultramar A Revolução na França contudo tomaria rumos inesperados em fevereiro de 1793 Luís XVI era executado Em Portugal a reação foi imediata quinze dias de luto cerrado quinze dias de luto aliviado teatros fechados em homenagem ao monarca amigo da família real e a ela unida por laços de sangue6 O grande medo que atingiu em cheio Lisboa se propagou através de muito boato e gerou pânico repercutindo diretamente no mundo político em especial no seio das elites O intendente da polícia na capital Pina Manique por exemplo mostrouse rigoroso na defesa dos direitos da monarquia navios franceses apresados soldados republicanos impedidos de desembarcar livros proibidos detenção de intelectuais e expulsão de franceses ali residentes7 Ficaram na cidade apenas os adeptos de Luís XVI que por lá buscaram abrigo atuando como espiões a favor da monarquia portuguesa e tentando conseguir informações internas8 Sobrava desconfiança conforme descreve uma testemunha Os espiões pululam em todos os domínios e espalhamse por toda a parte proliferam nas praças nas ruas nas lojas nos cafés na Bolsa nas salas de espetáculo no interior das casas nas assembleias no gabinete do jurista no escritório do negociante9 Na península Ibérica a neutralidade foi se tornando conto da carochinha O governo inglês logo firmou com Portugal contratos que continham cláusulas específicas de proteção e em separado também com a Espanha sem que uma nação soubesse do pacto que a outra estabelecera10 E se até então as duas Coroas ibéricas andavam lado a lado agora passariam a se encarar Vale aproximar ainda mais a lente de Lisboa e do reinado de d Maria Seu primogênito e herdeiro d José o príncipe do Brasil morreu em 1788 aos 27 anos sem cumprir seus reais desígnios Nessa época a rainha daria os primeiros sinais de demência perdendo as rédeas do governo Se d Maria não mais governava seu segundo filho o príncipe d João agora herdeiro presuntivo só regeria a partir de 1799 Apagado e sem grande poder de decisão o jovem apoiouse em seu Conselho de Estado quando assumiu o poder na qualidade de regente Enquanto isso a situação política ia de mal a pior não se receava apenas uma invasão iminente das fronteiras continentais mas a perda do Brasil que poderia ser ocupado por qualquer uma das potências litigantes França e Inglaterra A pressão vinha dos dois lados Em Lisboa o partido inglês e o partido francês rodeavam d João A bem da verdade não havia muitas diferenças ideológicas nessa polarização já que ambas as partes reuniam aristocratas fiéis à monarquia e que tinham como objetivo evitar um conflito armado Elas se distinguiam somente na saída que preconizavam O diplomata e erudito Antônio de Araújo de Azevedo conde da Barca representava o partido francês que dominou o tabuleiro político entre 1804 e 1807 com uma posição um tanto paradoxal os argumentos para uma aproximação com a França consistiam justamente no medo e na recusa da Revolução isso sem esquecer as benesses da cultura francesa e de sua civilização Do outro lado estava o partido inglês e seu principal nome o também diplomata e presidente do Real Erário d Rodrigo de Sousa Coutinho Para esse grupo era fundamental a defesa do espaço atlântico português a integridade da metrópole e do Império bem como a fidelidade à tradicional aliança com a Inglaterra Racional em sua formação e crenças íntimas d Rodrigo acreditava piamente nos feitos industriais dos ingleses e nas suas vantagens para o progresso do Império lusitano Entre os dois grupos d João oscilava tal qual pêndulo de relógio Mas não tinha ilusões era preciso guardar as fronteiras terrestres diante de antigos e novos inimigos como agora se apresentavam França e Espanha Não por acaso assim que assumiu oficialmente a regência do reino ele deu ênfase a uma política de defesa protegendo sobretudo a fronteira com a Espanha E até mesmo o capelão da legação sueca estranhou o espetáculo que viu Fazemse todos os dias alistamentos pelas ruas com violência Vejo muitas vezes passar para pontos determinados levas de vinte e mais Recrutas presos uns aos outros com cordas nos braços11 Além do mais em tempos de tantos gastos os meios de arrecadação normais pareciam insuficientes era a vez de o Estado eclesiástico pagar um imposto correspondente à décima de seus bens12 Imaginação para levantar alguns réis não faltava como relatou um contemporâneo ao saber que se faturava também alugando as carruagens reais para conduzir mortos à sepultura13 Por um curto período o esforço de contenção pareceu surtir efeito mas Napoleão Bonaparte cada vez mais agressivo em sua política de expansão em 1801 voltou novamente os olhos para Portugal exigindo a ratificação de antigas exigências Afinal as promessas feitas não haviam sido cumpridas pelo governo que dava a impressão de estar sempre distraído quando lhe interessava Napoleão fez outra investida para barrar a entrada dos ingleses no continente e encarregou seu aliado espanhol Carlos IV de transmitir suas ordens a Portugal alertando que a possibilidade de uma invasão não era apenas ameaça tampouco conversa fiada D João procurando ganhar tempo mobilizou seu corpo diplomático em apelos inúteis dirigidos a Paris Madri Londres Foi quando o ministro de Carlos IV Manuel de Godoy iniciou uma movimentação das tropas da Galícia e Andaluzia indo de encontro às tropas lusitanas em TrásosMontes no Douro e em Algarves Os espanhóis desalojaram os adversários levando tudo de roldão14 O armistício de rendição foi assinado em Badajoz Perder a praça de Olivença foi pouco para Portugal Duro mesmo foi ter que pagar uma indenização de 15 milhões de libras à França e tratar mais uma vez da questão fundamental fechar os portos para os navios ingleses Mas tudo foi deixado em banhomaria até porque uma fase de relativa paz estava por começar e Portugal continuava firme na boa política de dissimulação para ver no que tudo ia dar Lisboa recebeu com certo aparato os diplomatas vindos de Paris general Lannes e general Junot que iriam fortalecer os laços entre as duas nações com a contribuição da presença ascendente de Antônio de Araújo de Azevedo no governo luso Pouco se conhece da atuação de Junot enquanto embaixador Sabemos porém que Mme Lannes sua esposa fez sucesso na capital com sua moda despojada e não muito usual para os padrões conservadores dos portugueses Novas melodias francesas caíram no gosto popular e na véspera de Santo Antônio a populaça ouviu a marcha da Marselhesa tocada em honra do Santo toda a noite15 Uma paz geral foi enfim anunciada e os entendimentos ocorreram em 1802 quando França e Inglaterra assinaram o Tratado de Amiens pelo qual as conquistas francesas foram reconhecidas e o fim das querelas deu lugar a breve trégua Nem por isso no entanto Portugal estaria livre da instabilidade política só não se esperava que ela partisse do próprio interior do Palácio Real Em 1805 estourou uma conjuração em cujo centro estava d Carlota Joaquina que costumava causar constrangimentos à diplomacia do país por sempre fazer articulações políticas na defesa dos interesses espanhóis Com muita personalidade Carlota andava a cavalo manejava muito bem um canhão e mantinha relacionamentos extraconjugais sendo provavelmente o maior estorvo da vida do pacato d João A princesa alegando que o marido sofria de enfermidade mental preparou sua deposição com o objetivo de substituílo como regente Apesar da pronta reação de d João que desterrou elementos envolvidos na conspiração o movimento evidenciava a insegurança reinante e a presença dos interesses do governo espanhol bem no seio da família real portuguesa16 Quanto a Bonaparte imperador dos franceses desde 1804 que almejava redesenhar o mapa da Europa ele tinha agora que tirar a última pedra do seu sapato a Inglaterra Assim em 1806 era decretado o Bloqueio Continental proibindo todas as nações europeias de comprar qualquer produto vindo da GrãBretanha A reação dos ingleses foi proporcional à provocação a monarquia insular declarou a ilegalidade do comércio e navegação em todos os portos pertencentes aos inimigos e considerou legítima a captura de navios procedentes desses mesmos portos17 Em julho do ano seguinte foi a vez de Rússia e Prússia derrotadas em batalhas assinarem a paz com Napoleão Por essas e por outras esboçavase uma escapatória que implicava a mudança do eixo do Império português Ir para o Brasil e aí estabelecer um grandioso império não foi ideia nova Aliás o translado da família real para cá era uma possibilidade acalentada havia tempos sempre ventilada nos momentos em que a realeza se sentia ameaçada em sua soberania Já em 1580 quando a Espanha invadiu Portugal o pretendente ao trono o prior do Crato foi aconselhado a embarcar para a colônia18 Também padre Vieira apontou o Brasil como refúgio natural para d João IV ali lhe assinaria o lugar para um palácio que gozasse ao mesmo tempo as quatro estações do ano fazendo nele o quinto império19 Em 1738 no reinado de d João V o conselho veio de d Luís da Cunha que via na mudança possibilidades de atingir melhor equilíbrio entre metrópole e colônia20 Em 1762 temendo uma invasão francoespanhola Pombal levou o rei d José a tomar as medidas necessárias para a sua passagem para o Brasil e defronte do seu Real Palácio se viram por muito tempo ancoradas as naus destinadas a conduzir com segurança um magnânimo soberano para outra parte de seu Império21 Não é pois de estranhar que no meio da convulsão europeia os homens que rodeavam o príncipe d João trouxessem à tona a velha saída Já em 1801 o marquês de Alorna tocou no assunto delicado É preciso que Vossa Alteza Real mande armar com toda pressa todos os seus navios de guerra que meta neles a princesa os seus filhos e os seus tesouros22 Na época d João não gostou nada da sugestão e dizem que até demonstrou forte repugnância23 Também Rodrigo de Sousa Coutinho acalentava ambições bem próprias a respeito do Brasil Na década de 1790 quando ministro dos Estrangeiros de Portugal estabeleceu contato com a elite brasileira colhendo opiniões para um estudo que sugerisse uma melhor gestão dos negócios mineradores e administrativos da colônia24 O governo inglês por seu turno insistia no translado com urgência da família real Em 1806 uma missão britânica foi ao gabinete de Lisboa alertar sobre o iminente perigo francês e sugerir que caso Portugal não se decidisse por um vigoroso e eficiente enfrentamento a mudança para o Brasil seria a melhor alternativa contando com o apoio de seu país25 Entretanto em julho de 1807 Napoleão deu um basta e o cerco se fechou O ministro luso em Paris d Lourenço de Lima foi incumbido de transmitir a d João as instruções do imperador e o recado vinha curto e grosso era chegada a hora de os portugueses declararem guerra à Inglaterra Seu embaixador deveria deixar Londres e Portugal precisava exigir a saída de Lisboa do representante inglês os portos teriam de ser fechados aos navios britânicos e os ingleses residentes em Portugal seriam presos além de terem suas propriedades confiscadas E mais para realizar todas essas tarefas estabeleciase o prazo de um mês até o dia 1º de setembro Depois disso o não cumprimento das exigências seria considerado declaração de guerra contra a França e a Espanha que também assinava a nota Afinal àquelas alturas a Espanha cuja posição geográfica era igualmente inglória já se bandeara para os lados da França Não contente Napoleão nomeou o general Junot que já fora seu representante na capital portuguesa para organizar a formação de uma armada em Bayonne nos limites entre a França e a Espanha Enquanto isso d João permanecia no Palácio de Mafra a cerca de trinta quilômetros de Lisboa onde com a saúde debilitada residia já havia algum tempo Protegido pelas paredes grossas de um convento o príncipe procurava esquecer a guerra No dia 12 de agosto recebeu porém a visita de seu ministro do partido francês Antônio de Araújo de Azevedo que lhe trazia novidades ameaçadoras A caricata política da neutralidade entraria então em estado terminal e dessa vez a família real viria mesmo para o Brasil Entre o recebimento do ultimato de Napoleão e o embarque da corte os dias passaram ligeiros e decisões importantes foram tomadas secretamente tanto que nos relatos há contradições sobre datas e nomes De toda forma começava nesse contexto um momento definidor para a história de Portugal e do Brasil Monarquias se movem pouco e quando o fazem levam malas pesadas Não seria diferente com d João que vivia isolado em seu palácio rodeado por sua biblioteca milenar mantida pela ação dos religiosos e com a ajuda de morcegos os quais comiam os milhares de insetos No fundo o príncipe sabia o tamanho da tarefa não só transportar a família real como transladar instituições e a própria corte imperial Decisão difícil única em nossa história ocidental a situação requereu a convocação urgente do Conselho formado por d Antônio de Araújo de Azevedo e d Rodrigo de Sousa Coutinho entre outros26 O príncipe contava ainda com seus amigos diletos com quem trocava confidências José Egídio Álvares de Almeida encarregado do Gabinete João Diogo de Barros secretário do Infantado Tomás Antônio Vilanova Portugal fiscal do Erário Manuel Vieira da Silva seu médico e os Sousa Lobato Francisco José e Matias Antônio que ocupavam o cargo de guardaroupas27 A primeira sessão deuse lá mesmo em Mafra em 19 de agosto quando se redigiu uma minuta bem no calor da hora Portugal concordava em fechar os portos aos ingleses aderindo ao Bloqueio Continental mas prendêlos expulsálos e confiscar seus bens nem pensar Na ocasião um dos conselheiros lembrou o caso de outros príncipes que em virtude das guerras napoleônicas as quais já duravam mais de uma década ausentaramse temporariamente de suas capitais ou estados pelo bom motivo de preservar a soberania e independência Nessa relação figuravam o rei da Espanha mendigando em solo francês a proteção de Napoleão o rei da Prússia foragido da sua capital ocupada pelos soldados franceses o Stathouder quase rei da Holanda refugiado em Londres o rei das Duas Sicílias exilado da sua linda Nápoles as dinastias da Toscana e Parma errantes o rei do Piemonte reduzido à mesquinha corte de Cagliari que o gênio de publicista do seu embaixador na Rússia Joseph de Maistre bastava entretanto para tornar famosa o Doge e os X referência ao Conselho dos Dez enxotados do tablado político o czar celebrando entrevistas e jurando amizade para se segurar em Petersburgo a Escandinávia prestes a implorar um herdeiro dentre os marechais de Bonaparte o imperador de Sacro Império e o próprio Pontífice Romano obrigados de quando em vez a desamparar seus tronos que se diziam eternos e intangíveis28 O vassalo completava seu parecer propondo uma aproximação imediata com o governo britânico para que este colocasse suas naus à disposição de Portugal Nova reunião ocorreu no dia 26 de agosto29 A tentativa de adiar a decisão final foi porém percebida por todos incluindo o inglês Percy Clinton Sidney Smythe visconde de Strangford enviado de seu governo em Lisboa Escreveu ele que a intenção dos portugueses era ganhar tempo e montar um aparente sistema de hostilidade contra a Inglaterra Como Portugal não tinha jeito de se esquivar de Bonaparte essa guerra seria mera simulação para francês ver Outro assunto tratado na reunião geraria mais polêmica a conveniência ou não de enviar para o Brasil o sucessor de d João seu filho Pedro o príncipe da Beira A sugestão visava pôr a salvo a monarquia lusitana Ou seja no caso de Portugal acabar sendo vítima da guerra a Casa de Bragança estaria imune bem como sua principal colônia30 Opiniões diversas não faltaram Alguns defendiam a ideia de que a viagem do príncipe d Pedro era melhor do que a remoção imediata de toda a família real com uma demente um chefe mais apático do que ativo de gênio e um bando de crianças31 Outros receavam que o súbito translado da corte revoltasse a população do reino Apesar do adiantado da hora passaramse três semanas sem reunião do Conselho e só em 23 de setembro d João fez nova convocação A réplica de Napoleão tinha chegado que Portugal fechasse os portos e declarasse guerra contra a GrãBretanha apreendendo lhe súditos e propriedades Portugal por sua vez insistiu na mesma tecla aderia ao Bloqueio apenas fechando os portos aos ingleses Diante desses termos os representantes da França e da Espanha sediados em Lisboa deram o último prazolimite 1º de outubro32 Também o diálogo com a Inglaterra prosseguia as naus Afonso de Albuquerque e D João de Castro a fragata Urânia e o brigue Voador estavam prontos e fariam vela assim que o regente ordenasse33 O mês de setembro foi se encerrando com a temperatura alta os embaixadores da França e da Espanha cumprindo suas ameaças deixaram Portugal Enquanto isso o príncipe regente finalmente deu plenos poderes a seu ministro sediado em Londres d Domingos de Sousa Coutinho irmão de d Rodrigo para tratar secretamente os termos do acerto com a Inglaterra Em outubro d João não convocou o Conselho mas mandou que os nomeados se reunissem sem sua presença As posições dividiamse quanto à partida do príncipe com opiniões favoráveis ao estabelecimento de uma aliança imediata com os franceses e outras tendentes a armar a frota real para a defesa do porto ou para o caso de uma partida súbita Enfim o que mudava era o tom cada vez mais grave e apelando para a urgência da ação A essas alturas a viagem para o Brasil já não era assunto só de gabinete Os boatos rolavam soltos e a movimentação nos estaleiros e no porto despertava especulação e insegurança na população Um Aviso Real aos superiores das igrejas da capital e das províncias determinando que depositassem toda a prata em lugares estipulados para inventário só piorou os humores e suspeitas A saída foi clamar a Deus preces públicas missas e a capital do reino se voltaram para os céus o cardeal celebrou Eucaristia com Collecta pro quacumque Tribulacione No dia 18 de outubro uma grande procissão saiu da igreja da Graça seguindo pelas ruas principais de Lisboa34 Ingleses também circulavam pela cidade porém com objetivos bem práticos tentavam vender bens e embarcar em navios que iam chegando de seu país com o fito de socorrer conterrâneos em apuros A desconfiança deles só aumentou com a recorrente tentativa do governo joanino de colocar panos frios na fervura e mostrar fidelidade aos franceses fechando os portos para qualquer navio britânico por decreto de 22 de outubro No entanto o que poucos sabiam era que o jogo duplo continuava no mesmo dia 22 em Londres foi assinado um tratado secreto Portugal fecharia seus portos mas garantiria o direito da monarquia insular de ocupar a ilha da Madeira assim como abriria algum ponto do Brasil onde mercadorias inglesas poderiam ser importadas com impostos reduzidos Em contrapartida a Inglaterra escoltaria a família real em caso de viagem para a colônia e somente reconheceria como rei de Portugal o legítimo herdeiro da Casa de Bragança35 O governo lusitano se envolvia de modo simultâneo em duas graves decisões contraditórias entre si favorecendo publicamente a França e secretamente a Inglaterra Tinha razão um frade morador da beira do Tejo que sabendo do fechamento dos portos aos navios britânicos escreveu ao príncipe regente Os segredos de gabinete são mistérios que comumente só com a razão se não podem entender36 Façamos cálculos No começo do século XIX o correio mais veloz ParisLisboa por via terrestre levava dez ou onze dias de viagem Entre o envio de uma correspondência e o recebimento da respectiva resposta passavase praticamente um mês LisboaLondres por via marítima consumia uma semana37 Portanto a defasagem no diálogo entre as nações era também agravada pela demora dos correios E foi exatamente o que aconteceu bem no início de novembro Apesar de Portugal haver declarado seu apoio à França em 22 de outubro só no dia 1º de novembro tomou conhecimento das exigências que tinham sido transmitidas por Napoleão em 15 de outubro Se Portugal não fizer o que quero a Casa de Bragança não reinará mais na Europa38 E mais para acabar de vez com o jogo duplo a França enviou um exército chefiado por Junot o qual nesse meiotempo já estava em marcha pelos Pirineus39 Não obstante o governo português quis contemporizar De um lado pregando uma política de segredo o visconde de Anadia sugeriu que os bens dos ingleses fossem sequestrados mas depois restituídos ocultamente assim como o porto seria mantido aberto para que os indivíduos possam retirarse com a aparência de fuga40 De outro intentavase uma aproximação diplomática com o imperador francês parabenizandoo por suas conquistas e selando o encontro com um impressivo punhado de diamantes41 Entretanto mais uma vez o calendário foi atropelado a essas alturas França e Espanha já tinham assinado tratado segundo o qual Portugal seria retalhado em três partes o EntreDouro e Minho ficariam para a rainha da Etrúria um reino criado por Napoleão com capital em Florença O Alentejo e os Algarves passariam para a Espanha Já o maior pedaço Beira TrásosMontes e Estremadura iria para a França repartindose as colônias americanas entre os sucessores do reino luso42 Bonaparte também fazia seu jogo ameaçava mas sugeria espaço para negociações desse modo retendo d João em Lisboa É possível cogitar que d João guardasse ocultas na manga algumas cartas embora já estivesse certa em sigilo absoluto a partida para o Brasil com a proteção inglesa era preciso continuar negociando com Napoleão Até que a Inglaterra cansou de esperar O ministro Canning mandou avisar que aceitava o fechamento dos portos mas que qualquer outra medida contra os ingleses seria considerada declaração de guerra E mais caso o príncipe regente não fosse para o Brasil Londres iniciaria o bombardeio de Lisboa Com a tensão crescente até o cotidiano da capital dos portugueses deixou de ser o mesmo Rezas preparos militares e falatórios por toda parte uma beata espalhou pela cidade haver tido a revelação de que se d João viajasse para a colônia seu navio naufragaria E pior o vaticínio ao chegar aos ouvidos do regente lhe causara desconcerto de ideias43 Além disso no mercado local começavam a faltar mantimentos a carne e o trigo eram tão escassos que em 16 de novembro foi baixado edital regulando o uso da farinha44 Em Londres o representante do governo português d Domingos de Sousa Coutinho andava temeroso45 Escreveu a d João prevenindoo de que a mesma esquadra destinada a salválo se voltaria contra Lisboa se fosse confirmada uma adesão à causa bonapartista Mal sabia d Domingos que as delegações portuguesas na Espanha e na França tinham sido intimadas a se retirar Também não estava informado de que os conselheiros de Estado deliberaram que o marquês de Marialva deveria ir a Paris cumprimentar Bonaparte Por seu lado d João ignorava que a França e a Espanha já haviam decidido retalhar o território luso pelo Tratado de Fontainebleau46 E mais os conselheiros do rei não podiam sequer imaginar que dali a três dias no dia 11 em Paris sairia um número da gazeta Le Moniteur órgão oficial do Império francês tornando pública a resolução de destronar a Casa de Bragança Agora o dilema do príncipe regente estava por um fio o tempo de um correio ParisLisboa trazendo um exemplar do jornal Dias depois o embaixador português na corte da Espanha retornou e o seu colega espanhol deixou a capital de Portugal Em 16 de novembro a esquadra inglesa apareceu na entrada do porto de Lisboa com uma força de 7 mil homens47 E a corte que continuava ignorando as últimas determinações de Napoleão ainda pendia para o entendimento com a França O que não se sabia em Lisboa era que as tropas de Junot já atingiam as fronteiras e estavam estacionadas em Alcântara Por essas e por outras os dias seguintes foram tortuosos Em conferência com Strangford indicouse como comandante da frota britânica o famoso Sidney Smith ver imagem 41 Experiente e graduado Smith ainda tenente participara da vitoriosa Batalha de Les Saintes perto de Dominica em 1782 começando assim a história de suas relações beligerantes com a França Atuara como oficial destacado da marinha e por seu papel central na derrota da Rússia recebeu a comenda de cavaleiro da Ordem da Espada e o título de Sir conferido pelo governo inglês Embora tenham sido muitas as peripécias de Smith aqui vamos lembrar apenas que na Turquia ele deu continuidade às suas atividades de espião amador e atacou com grande sucesso a costa da Bretanha Contudo o oficial sofreria também reveses dentre eles o de sua captura em 1796 e permanência de dois anos numa masmorra em Paris Mas agora o inglês era uma lenda viva sendo chamado já em liberdade e dos dois lados do canal da Mancha de Leão do Mar Depois de uma escapada sensacional o Leão chegou às ruas de Londres nos braços do povo que o entendia como uma espécie de redentor dos britânicos Smith seria definitivamente consagrado na batalha no Egito em 1798 contra os franceses Conduzindo tropas turcas mercenários albaneses sírios curdos marinheiros e fuzileiros navais ingleses ele conseguiu deter o avanço dos soldados de Bonaparte na região No mar navios sob o seu comando mantiveram dois meses de cerco após a morte de metade do exército francês Napoleão ordenou a marcha de regresso Ousado com autonomia e acostumado ao combate contra exércitos franceses Smith era portanto o militar adequado para liderar a expedição que acompanharia a família real portuguesa pressionada por Napoleão até o Brasil Era o comandante da vez Se não estava habituado a cruzar o oceano acompanhado de realezas sua fama e muita audácia combinada a uma personalidade complexa fariam dele um guardião seguro E d João a despeito de seu caráter teimoso já ia admitindo não ter outras cartas na manga Decidido Smith declarou o bloqueio ao ingresso no Tejo ao mesmo tempo que as primeiras notícias sobre os franceses na fronteira chegavam a Lisboa Sobrava boataria falavase em exército inglês nos espanhóis e em outros espectros que tornavam aziagas aquelas horas de provação48 E as opiniões se radicalizavam O anglófilo d Rodrigo de Sousa Coutinho propunha resistência e se necessário a retirada para o Brasil D Antônio de Araújo de Azevedo o afrancesado queria ainda estabelecer um entendimento com Bonaparte Strangford lançava mão de toda a sua habilidade diplomática a bordo da nau do almirante Sidney Smith escreveu a d João prometendo esquecer hostilidades e oferecendo ajuda desde que a partida fosse imediata Percebi que meu dever era afastar da mente de Sua Alteza Real todas as esperanças de acomodar os negócios com os invasores do País terrificálo com descrições sombrias e lúgubres da situação da Capital que eu deixara há pouco e então fascinálo de repente com as brilhantes perspectivas à sua frente49 E para consolidar seus argumentos Strangford entregou a d João o exemplar do Moniteur Aí estava a gota dágua Era a noite de 24 de novembro quando o príncipe regente convocou o Conselho e comunicou que as tropas francesas haviam alcançado Abrantes Em marcha forçada poderiam entrar na capital dali a três ou quatro dias O governo começou então os preparativos para o embarque Uma Junta de Governo do reino foi nomeada para reger Portugal na ausência do soberano e redigiuse uma declaração sobre a viagem ao Brasil a ser divulgada por d João No dia 27 o príncipe embarcou de madrugada seguido de toda a família real Na sequência precipitaramse em direção à praia a parentela de ministros conselheiros de Estado oficiais e servidores nobres e os amigos mais chegados abarrotando os navios da real frota ver imagem 40 A imagem era dantesca com famílias divididas naves superlotadas e muita desorganização Na manhã do domingo 29 de novembro levantaram âncoras No mesmo dia os soldados de Napoleão entravam em Lisboa Já para o povo português restaram as últimas palavras de seu monarca impressas na declaração que publicou quando já acomodado no navio Até nessa hora o governo tentou impedir o rompimento com a França evitando o termo invasão O regente referiase ao exército francês como uma tropa estrangeira estacionada em território luso pedindo o bom abrigo para que se conservasse sempre a boa harmonia que se deve praticar com os exércitos das nações com as quais nos achamos unidos no continente50 Aí estava o derradeiro ato daquele teatro da neutralidade HOMENS AO MAR UMA CORTE NO ATLÂNTICO A decisão de d João foi firmada na madrugada de 25 de novembro de 1807 Era hora de executar rapidamente uma gigantesca tarefa transladar da terra para o mar tudo e todos que significassem sobrevivência e sustentação do governo monárquico a ser instalado no Rio de Janeiro O tempo era curto a viagem longa e havia muitos imprevistos pela frente pela primeira vez uma casa real cruzava o Atlântico e tentava a sorte longe do continente europeu Distante dos tempos dos descobridores agora a própria dinastia de Bragança fugia na visão de alguns evitava sua dissolução na compreensão de certos políticos ligados à família real ou empreendia uma política audaciosa escapando do tratamento humilhante que Napoleão dera às demais monarquias na percepção de determinados analistas interessados na manutenção do Império lusitano ver imagem 42 E o plano era complexo Afinal seguiriam viagem junto com os Bragança alguns poucos funcionários selecionados mas também várias famílias as dos conselheiros e ministros de Estado da nobreza da corte e dos servidores da casa real Não eram indivíduos isolados que fugiam às pressas e sim a sede do Estado português que mudava de endereço com seu aparelho administrativo e burocrático seu tesouro suas repartições secretarias tribunais arquivos e funcionários Acompanhava a rainha e o príncipe regente tudo aquilo que representasse a monarquia os personagens os paramentos os costumeiros rituais de corte e cerimoniais religiosos as instituições o erário os emblemas Enfim todo o arsenal necessário para sustentar a dinastia e os negócios do governo de Portugal e a eles dar continuidade E assim de um momento para outro acorreram ao cais de Belém milhares de pessoas com suas bagagens e caixotes Como disse Joaquim José de Azevedo futuro visconde do Rio Seco o que atravessava os mares era aquela amplidão que tinha exaurido sete séculos para se organizar em Lisboa Imediatamente o governo d João deliberou que os ministros de Estado e empregados do Paço viajassem com a família real também deixou claro que todos os súditos que o quisessem acompanhar estavam livres para fazêlo e não havendo lugar nas embarcações poderiam preparar navios particulares e seguir a real esquadra51 Apesar de ser meianoite Joaquim José de Azevedo foi chamado ao Palácio da Ajuda e nomeado superintendentegeral do embarque Tratou então dos procedimentos para o transporte dos tesouros reais do Palácio das Necessidades e da igreja Patriarcal Depois dirigiuse ao cais de Belém onde munido dos mapas mandou armar uma barraca para dali repartir as famílias pelas embarcações segundo a escala de seus cômodos mas sempre providos de uma guia previamente concedida pelo governo português52 Contudo a pressa impedia que os procedimentos se dessem de forma organizada e na boa burocracia Caso exemplar é o do mestre de equitação do Palácio Real Bernardo José Farto Pacheco que para poder embarcar recebeu ordens do estribeiromor e igualmente do intendente das Reais Cavalariças e do conde de Belmonte Mas o professor não conseguiu viajar pois a despeito do alvará o comandante da fragata não o aceitou pela falta do documento necessário53 Entretanto as medidas não foram suficientes para evitar que o caos se estabelecesse na hora do embarque O pior era que Lisboa vinha sendo castigada por um forte vento sul chovia torrencialmente e as ruas se transformaram em lama dificultando o transporte até o cais de Belém e o embarque da volumosa bagagem que garantiria a sobrevivência da tripulação54 A desorganização era colossal como revela a relação feita na véspera da partida para as últimas providências Rainha de Portugal precisa 27 tonéis de água pois os tem vazios Fragata Minerva tem só sessenta tonéis de água Conde d Henrique tem 21 tonéis de água vazios precisa de botica que não tem Golfinho tem seis tonéis vazios faltam boticas galinhas e lenha Urânia falta lenha Vingança falta água e lenha Príncipe Real precisa uma botica galinhas cabo cera vinte tonéis de água marlim e linha de barca e lenha Voador faltam três tonéis de água Príncipe do Brasil falta azeite cera cabo trinta tonéis de água e lenha da barca55 Foi durante esses dias de correcorre que o núncio apostólico de Lisboa d Lourenço de Caleppi compareceu ao Palácio da Ajuda em visita de solidariedade Frequentador da corte foi convidado por d João a acompanhálo na viagem Apesar de seus 67 anos o núncio aceitou a proposta e procurou o ministro da Marinha visconde de Anadia que lhe destinou a nau Martim de Freitas ou a Medusa nas quais junto com seu secretário teria lugar assegurado Mas de nada serviu o convite pessoal do príncipe nem a garantia do ministro o núncio não entrou em nenhuma das naus por estarem abarrotadas O tenente irlandês Thomas ONeil que relatou estar num dos navios da esquadra inglesa anotou a descrição feita a ele por um oficial a serviço de d João Embora evidentemente reverberatória a exposição dá boa ideia do ambiente naqueles dias quando o pânico e o desespero tomaram conta da população e muitos homens mulheres e crianças tentaram embarcar nas galeotas até algum navio Foi o irlandês quem registrou que muitas senhoras de distinção meteramse na água na esperança de alcançar algum bote pagando algumas com a própria vida56 Agravando ainda mais a situação famílias de camponeses assustadas com as notícias desencontradas abandonaram tudo57 Nas praias e cais do Tejo até Belém espalhavam se pacotes caixas e baús largados na última hora No meio da bagunça e por descuido toda a prataria da igreja Patriarcal trazida por catorze carros ficou na beira do rio e só alguns dias depois voltou para a igreja Também caixotes contendo livros da rica Real Biblioteca foram deixados para trás no chão para indignação dos livreiros que lançavam impropérios diante de tamanho poucocaso58 Esqueceramse carros de luxo muitos sem terem sido descarregados Houve até quem embarcasse sem mala apenas com a roupa do corpo59 O marquês de Vagos percebeu tarde demais que as carruagens e arreios da casa real tinham permanecido em terra firme e do convés do navio expediu aviso em linguagem rude que fretassem um iate para transportar todo aquele equipamento para o Brasil60 O tom geral era de nervosismo e destempero Copiosas e tristes algumas lágrimas derramaramse por esta ocasião uns choravam a separação de pais maridos filhos e mais pessoas queridas outros a criticar posição da pátria invadida por exército inimigo e ao recordaremse dos males que iriam sofrer ficando sem protetores e no meio dos terríveis franceses61 A reação dos lisboetas oscilava do espanto à revolta e alguns felizardos que acompanharam o príncipe regente ao se dirigirem às embarcações ouviram palavras desagradáveis e injuriosas posto não sofressem ofensas físicas62 Joaquim José de Azevedo assim interpretou o sentimento do povo Vagando pelas praças e ruas sem acreditar no que via desafogava em lágrimas e imprecações a opressão dolorosa que lhe abafava na arca do peito o coração inchado de suspirar tudo para ele era horror tudo mágoa tudo saudade e aquele nobre caráter de sofrimento quase degenerava em desesperação63 As descrições do embarque de d João são tão pungentes quanto contraditórias Numa das versões ele teria chegado ao cais vestido de mulher em outra teria partido durante a noite a fim de contornar a reação popular Numa terceira versão ainda entrou no porto acompanhado apenas por seu sobrinho sem que ninguém o aguardasse Dois cabos de polícia que estavam ali por acaso debaixo de forte chuva teriam colocado tábuas sobre a lama e ajudado a acomodar d João que numa galeota foi conduzido ao Príncipe Real64 Outros relatos insistem na insensatez do embarque ridicularizando a atitude da família com a única frase lúcida emitida pela rainha àquelas alturas demente Mais devagar Diria que estamos fugindo65 Na verdade foi com muita discrição e sem pompa alguma que o príncipe regente deixou Portugal e embarcou rumo ao Brasil a ocasião pouco lembrava a partida do chefe de um império outrora tão poderoso Concluídos os trâmites para a saída e com todos a bordo só faltava o tempo melhorar O dia 29 amanheceu claro e a esquadra zarpou do Tejo alcançando o mar Nas portas do oceano o encontro com os navios ingleses que se achavam de prontidão foi anunciado por uma salva de tiros Lá estava o almirante Sidney Smith com as quatro naus que acompanhariam a esquadra portuguesa até o Rio de Janeiro66 Então ele foi a bordo do Príncipe Real para cumprimentar o regente e recebeu do vicealmirante a lista das quinze embarcações que compunham a real esquadra oito naus de linha quatro fragatas dois brigues e uma escuna67 Esse número varia nos registros das testemunhas e também em estudos posteriores mas a diferença não altera a visão de conjunto68 Ao menos trinta navios mercantes particulares saíram no rastro da frota real Mas podem ter sido muitos mais o navio inglês Hibernia avistou 56 embarcações ao anoitecer do primeiro dia de viagem o próprio Smith sem fazer contas afirmou que via uma multidão de grandes navios mercantes armados69 De toda forma a esquadra real compunha uma respeitável unidade de combate os oito navios de guerra eram equipados com baterias de canhões que variavam entre 64 e 84 a maioria com calibre 74 As fragatas estavam armadas cada uma com 32 ou 44 canhões os brigues tinham 22 e a charrua que transportava mantimentos 2670 A família real d Maria o príncipe regente e sua mulher seus oito filhos a irmã da rainha a viúva do irmão mais velho de d João e um sobrinho espanhol de Carlota Joaquina criado na corte portuguesa foi distribuída pelos navios de maior calibre No Príncipe Real estavam a rainha d Maria já com 73 anos o príncipe regente d João com seus quarenta anos o príncipe da Beira infante d Pedro seu irmão infante d Miguel e o sobrinho d Pedro Carlos No Afonso de Albuquerque iam a princesa mulher do regente d Carlota Joaquina de 32 anos com suas filhas a princesa da Beira Maria Teresa e as infantas Maria Isabel Maria da Assunção e Ana de Jesus Maria No Rainha de Portugal viajavam a viúva do irmão mais velho do regente d Maria Benedita a irmã da rainha d Maria Ana e as outras filhas de d João as infantas Maria Francisca de Assis e Isabel Maria O secretário do bispo Caleppi que a tudo assistiu avaliou que 10 mil pessoas embarcaram na esquadra real Já o funcionário Pereira da Silva71 incluiu em seus cálculos os muitos negociantes e proprietários que haviam fretado navios para seguir a esquadra e avaliou que cerca de 15 mil pessoas de todos os sexos e idades abandonaram neste dia as terras de Portugal Uma minuciosa listagem relaciona nominalmente cerca de 536 passageiros nobres ministros de Estado conselheiros e oficiais médicos padres desembargadores Isso sem considerar os comentários imprecisos anotados ao lado do nome dos passageiros tais como visconde de Barbacena com sua família o conde de Belmonte sua mulher e o conde seu filho com criados e criadas José Egídio Alves de Almeida com sua mulher e família e mais sessenta pessoas entre homens e mulheres sem contar as famílias que os acompanhavam ou mesmo o indefinido e outros72 Realmente a quase totalidade das pessoas seguia acompanhada da família parentes amigos próximos criados Para que se possa ter uma ideia com o duque de Cadaval vinham a mulher francesa quatro filhos um irmão uma turma de onze criados entre os quais um homem pardo criado para varrer e algumas famílias adictas à mesma casa Já o marquês de Belas levou consigo 24 criados O documento listou também os oficiais da casa real só a ucharia espécie de depósito de alimentos empregava 23 moços cada um dos quais viajou com sua família assim como os catorze moços da cozinha real Outro documento redigido no calor da hora pretendia registrar todos os embarcados No entanto após a menção a alguns nomes da nobreza a relação se encerra bruscamente com a informação E mais 5 mil pessoas73 Nesse somatório falta incluir os oficiais e a população dos navios mercantes Segundo Kenneth Light podem ter embarcado 12 mil a 15 mil pessoas O historiador contabiliza 1054 pessoas a bordo do Príncipe Real e acrescenta que apenas a tarefa de levantar o ferro amarrálo na proa e guardar seu cabo ocuparia 385 homens em cada nau74 Os navios carregavam mesmo pequenas multidões E existem polêmicas sobre o contingente que chegou à colônia O historiador Nireu Oliveira Cavalcanti por exemplo avaliou a tripulação que trabalhava nas embarcações 7262 pessoas75 E há quem diga que muitos deles teriam permanecido no Brasil alguns temerosos do sucesso da invasão outros confiantes na presença da monarquia aqui elevandose o número a mais de 10 mil emigrados76 Não há dúvida de que o número de embarcados era superior ao de provisões O mapa da fragata Minerva dá o total de 741 tripulantes situação semelhante à do Martins Freitas A Minerva que não havia sido preparada com antecedência apresentou problemas já na hora de zarpar Conta o capitão que até 26 de novembro a fragata esteve de banda por não ser possível aprontarse Apesar de só ter a bordo algum biscoito e aguada e das tristes circunstâncias em que se achava o Real Arsenal da Marinha pela confusão e falta de expediente em as diferentes repartições o capitão partiu no dia 29 Porém pela necessidade em que se achava a nau em 5 de dezembro recebeu ordem do vicealmirante para separarse da frota e se dirigir à Bahia Quando por lá atracou em 10 de janeiro de 1808 a Minerva estava a zero77 Também a nau Medusa parou no litoral nordestino em meados de janeiro bastante avariada precedendo a chegada da família real Uma viagem como essa nunca era fácil ainda que não se tenha notícia de acidentes graves ou óbitos Famílias desmembradas e alojadas em diferentes navios bagagens desviadas ou largadas no cais racionamento de comida e água excesso de passageiros e falta de higiene foram alguns dos problemas decorrentes da emergência do embarque E pela frente cerca de dois meses de viagem Para tornar as coisas mais difíceis uma tormenta se armou logo no início da jornada e outra em meados de dezembro pela altura da ilha da Madeira provocando a dispersão de alguns navios e mudança de planos Apesar de parte da frota já ter tomado a direção do Rio de Janeiro o Príncipe Real e as embarcações que o acompanhavam alteraram o rumo na direção da Bahia78 Excluindose esses momentos de incerteza a viagem correu tranquila ao menos no que dizia respeito aos humores da natureza e à situação das embarcações as quais não obstante as avarias alcançaram seu objetivo Mas os transtornos que ocorreram pelo excesso de passageiros foram muitos Faltava cama onde dormir cadeira banco para sentar deitandose ao relento sobre as tábuas nuas dos conveses sem prato certo onde comer disputando em sórdidas gamelas nas cozinhas o alimento frugal A tripulação era diminuta para tantos afazeres e a limpeza a bordo deixava a desejar água era só para beber e até as naus que conduziam o regente a rainha e os príncipes eram pocilgas infectas e aviltantes E foi pela falta de asseio que as senhoras tiveram que raspar os cabelos para se livrar dos piolhos Assim a viagem arrastavase monótona interminável Além da distração de acompanhar a evolução dos veleiros da frota cantavase ao som da viola ao poente e nas noites de luar e jogavamse cartas o faraó o espenifre o pacau e o chincalhão79 ENQUANTO ISSO EM PORTUGAL Ao mesmo tempo que a corte se amuava na jornada pelo mar livre dos perigos da guerra e navegando em direção ao seu incerto destino na América os que ficaram em Portugal foram obrigados a enfrentar outro destino uma iminente invasão militar No agitado dia 29 mal a esquadra real sumia no horizonte já se podiam avistar as primeiras filas de soldados estrangeiros nos contornos de Lisboa Uma proclamação do general francês foi então afixada prevenindo os habitantes da entrada de seu exército e garantindo proteção Moradores de Lisboa vivei sossegados em vossas casas não receeis coisa alguma do meu Exército nem de mim os nossos inimigos e os malvados somente devem temernos O Grande Napoleão meu amo enviame para vos proteger e eu vos protegerei80 Foi na manhã do dia 30 que se deu a entrada triunfal de Junot com seu séquito de oficiais desfilando pelo Rossio acompanhado por cerca de 6 mil soldados pouco mais da metade do contingente original Muitos tinham morrido de fome ou por conta de uma epidemia de febre e disenteria e outros foram assassinados ou feridos por camponeses O estado da tropa era lastimável Vinham descalços rotos estropiados exaustos e famintos81 Toda essa gente e mais linhas da tropa castelhana que chegaram nos dias seguintes se espalhou pela cidade não escapando até as Igrejas ou capelas cujos santos e altares se viram servir de cabide às armas e mochilas dos soldados82 Boa parte da tropa alojouse no Palácio de Mafra Quanto a Junot fez seu quartelgeneral na casa do barão de Quintela e confiscou bens da casa real e da nobreza tomando toda a frota real de carruagens bestas e cavalos dos palácios assim como propriedades e bens dos evadidos O general francês sem demora emitiu sua primeira proclamação afirmando que a ocupação representava ação de apoio ao príncipe regente já que este havia declarado guerra à Inglaterra vinha salvar o reino do inimigo mútuo Não tenhais receio pacíficos habitantes O meu poderoso exército tem tanta disciplina como valor E o jogo de faz de conta por mais paradoxal que possa parecer era partilhado por d João o qual no dia 26 de novembro às vésperas da fuga instruiu os representantes que deixou em Lisboa para que recebessem as tropas francesas como se fossem hóspedes a quem se pretendia agradar com respeito e gentilezas83 No entanto o clima iria virar rapidamente e logo em dezembro o agente de Napoleão praticou política de crescente repressão Não era mais permitido portar armas as atividades de pesca seriam controladas a fim de evitar fugas ou comunicação com a esquadra inglesa estacionada fora da barra Impunhase também a todos os habitantes do reino a contribuição total de 40 milhões de cruzados Ficaram proibidos os ajuntamentos e tudo que pudesse causar alvoroço incluindo música e o toque dos sinos da avemaria Tiros de canhão determinavam o momento em que se podia sair de casa pela manhã e se recolher à noite O Natal de 1807 foi triste em Lisboa ninguém cantou as matinas e as igrejas mantiveramse fechadas Mas o pior ainda estava por vir Em 1º de fevereiro enquanto do outro lado do oceano d João era homenageado pelo governo da Bahia em Portugal anunciavamse novos tempos Já o imperador francês que finalmente recebera a confirmação da fuga de d João havia mudado enraivecido as regras do jogo O príncipe do Brasil abandonando Portugal renunciou a todos os seus direitos à Soberania desse Reino A Casa de Bragança não reina mais em Portugal84 O descontentamento popular era evidente contudo a hora de uma reação efetiva não tinha chegado Desolados mesmo ficaram os criados da família real que não acompanharam o príncipe A confusão que se estabeleceu assim que eles se viram sem o governo do soberano em certos casos foi perigosa como no exemplo dos frades do convento de Mafra d João antes de partir limitara o número de religiosos que haviam de ali permanecer e na disputa por Mafra os frades chegaram a se esfaquear85 Já os criados que permaneceram nos palácios não receberam remuneração nem alimento O porteiro do Paço de Queluz em 7 de dezembro de 1807 pedia providências urgentes ali 41 criados estavam prestes a ficar sem ração pois na ucharia só haviam restado trinta arrobas de toucinho 120 arrobas de bacalhau cinquenta arrobas de alho 48 cântaros de azeite 25 almudas de vinagre oito arrobas de açúcar oito barris de manteiga de vaca e três barris de banha de porco No dia 30 daquele mês o tal porteiro mudava de tom e pedia instruções sobre o que fazer uma vez que a ucharia se encontrava vazia86 Muitos deixaram Portugal burlando a vigilância e entrando a bordo da esquadra inglesa lá estacionada Em maio de 1808 o diplomata Domingos de Sousa Coutinho que continuava em Londres escrevia a d João sobre o grande número de refugiados portugueses que se encontravam na Inglaterra e queriam embarcar para o Brasil Tem vindo toda a qualidade de gente em número tal que eu não sei como lhe acudir porque a maior parte vem faltos de tudo quase nus87 Entretanto para aqueles que tinham permanecido no país era chegada a hora da reação Em junho de 1808 uma insurreição no Porto resultou na primeira restauração de Portugal Os franceses ainda fariam outras duas investidas em março de 1809 e no verão de 1810 para sair dali definitivamente em 1811 A população reagiria a eles na base do garfo faca e panela e poria o inimigo para correr e atravessar a fronteira Mas a essas alturas em que a sociedade lusitana andava dilacerada pela guerra e pelo domínio estrangeiro a efervescência mitológica foi ampla Ancorados numa luta entre bem e mal proliferaram panfletos salvadores todos revestidos de um caráter apolítico e apoiados em visões do sagrado secularmente partilhadas A história se cruzava com o mito e era impossível dizer quando se tratava de realidade ou quando era apenas metáfora Duas lendas paralelas a despeito de excludentes grassavam então no local a lenda dourada de um general genial e a lenda negra do usurpador medíocre E foi a segunda versão que ganhou campo fértil naquele Portugal humilhado Nela a França aparecia como uma terra de complôs milenares e de promessas não realizadas Juntese a isso a ideia de um império das trevas e de um Napoleão anticristo e temos os condimentos necessários para entender a versão lusa da Revolução Maçons jacobinos ambos os grupos denominados de pedreiroslivres passavam a ser considerados agentes sediciosos sinônimos vivos dos maléficos francesismos88 O fato é que a partida da corte elemento essencial para o funcionamento da engrenagem do Antigo Regime pusera Portugal numa situação inusitada e nesse terreno arenoso das representações políticas dominava a ambivalência entre o sentimento de abandono e a mística da salvação Fiel a tal monarquia simbólica mantevese o imaginário das camadas populares que começavam a se sublevar contra o invasor pensando conduzir uma nova cruzada Aí estavam cosmologias cruzadas as quais na longa duração eram agora relidas o estandarte da Santa Cruz fora destinado a arvorar Portugal e os franceses assumiram o lugar do mouro infiel das batalhas das Cruzadas Nesse mundo mental do Antigo Regime em vez da racionalidade cidadã apregoada pela moderna Revolução em Portugal era a religião que dava subsídios a explicações de maior fôlego Do embate a monarquia portuguesa mesmo que simbolicamente saía reforçada e o rei em lugar de estar ausente permanecia encoberto como d Sebastião que lutara durante as Cruzadas contra os mouros no Marrocos e acabou desaparecido nas areias do deserto Sua figura deixou um grande vazio que incluiu o período da União Ibérica mas também muitas esperanças e um mito sebastianista que jogava no futuro as expectativas do então apequenado reino Foi dessa maneira que Portugal entrou na trilha da modernidade O caminho foi tortuoso já que profundamente marcado pelo peso de concepções herdadas de outros momentos O que se aguardava era um salvador que viria redimir o reino Esse porém não se aproximava muito da figura de d João pois na imaginação romântica esse posto a despeito de ser ocupado por esse príncipe continuava até por conta da lenda que rodeava o tema vacante Mas voltemos ao oscilante d João Após 54 dias no mar em 22 de janeiro de 1808 o Príncipe Real atracou em Salvador onde permaneceria por um mês seguindo depois para o Rio de Janeiro e lá aportando em 8 de março Atrás dele e aos poucos foram chegando os outros navios Para comemorar tão grande feito ainda em altomar d João ganhou um belo presente o brigue Três Corações foi ao seu encontro carregado de mantimentos e muitas frutas tropicais Entre cajus e pitangas a colônia americana abria as portas para receber o seu príncipe português História de enredo único um império seria agora dirigido a partir de sua colônia as coisas andavam mesmo de pontacabeça e do avesso 7 D JOÃO E SEU REINO AMERICANO1 No dia 22 de janeiro de 1808 uma sextafeira d João e parte da corte chegaram à sua colônia dalémmar Coincidência ou não o príncipe regente foi obrigado a fazer parada transitória na cidade que fora até 1763 a capital do governo do Brasil e a maior sede do vicereino Salvador na baía de Todos os Santos A imagem da antiga capital não podia ser mais deslumbrante Observada desde o mar ela surgia disposta no declive de uma falésia alta e íngreme Na cidade do Salvador como era então conhecida ou na cidade da Bahia designação usada na correspondência oficial mas também pelo povo a vegetação tropical se impunha ao mesmo tempo que o solo vermelho combinava com o telhado das casas ornado pelo incessante movimento dos embarques2 Dizia o viajante Vilhena em 1802 que na sua maior largura poderá ter a cidade quatrocentas para quinhentas braças3 Já outro testemunho William Dampier no início do XVIII mencionava a existência de 2 mil casas ruas principais grandes e pavimentadas passeios públicos e jardins Referiase ainda a igrejas soberbas e belos edifícios de dois ou três andares no estilo de sobrados como os de Alfama em Portugal4 O entusiasmo inicial porém deve ter arrefecido ante a recepção tímida que aguardava a corte em terra Assim que soube da notícia de que pela primeira vez uma família real europeia pisaria em solo americano bem que o governador da Bahia João de Saldanha da Gama conde da Ponte tentou correr atrás do prejuízo Receber sem aviso prévio parte da real esquadra era surpreendente e nada fácil Afinal com o príncipe adentravam a Bahia três navios um deles da escolta inglesa No dia seguinte à sua chegada a família real com exceção de d Maria I que se encontrava por demais adoentada dos nervos e os nobres desceram em terra firme enfrentando o sol escaldante do verão tropical Reações surgiram imediatamente e de todo lado À população local parecia estranha aquela comitiva feita de nobres e reis vestidos de maneira mais apropriada para o inverno europeu o qual se avizinhava quando deixaram Lisboa Já a corte deve ter estranhado as ruas de Salvador estreitas sujas e mal calçadas apinhadas de gente que vendia de tudo frutas salsichas chouriços peixe frito azeite e doces Cães porcos e aves domésticas se espalhavam pelos cantos Como a sarjeta corria no meio da rua os detritos eram ali atirados vindos das lojas e residências servindo de alimento aos animais5 Não que a paisagem urbana de Lisboa fosse radicalmente distinta mas o conjunto por certo era No lugar das cores suaves das amendoeiras em flor que tomavam conta de Portugal naquele período do ano o que se via era uma paisagem frondosa com cores exuberantes as palmeiras com seus frutos as flores coloridas e sentiase a mistura do cheiro dos quitutes preparados à base de azeite de dendê com o odor salgado da maresia Contudo o que mais espanto causou segundo relatos de época foram os negros escravizados O modo como os africanos eram tratados a naturalidade com que eram dispostos chocavam até olhos acostumados com o cativeiro em terras próprias como os dos portugueses Não era raro ver os cativos serem açoitados nas ruas transportando cargas desproporcionais ou levando nos ombros liteiras e cadeirinhas onde se acomodavam senhoras de pele branca protegidas por finas cortinas de cambraia A presença escrava dominava o espaço urbano com suas práticas religiosas herdadas da África e traduzidas em território brasileiro com suas comidas feitas e vendidas nas ruas com suas formas de sociabilidade e comunhão Desde o século XVI desembarcavam em Salvador mercadorias importadas e ali se realizava o lucrativo comércio negreiro Por aquele porto chegavam no começo do XIX grandes levas de escravos que apesar de proibidos desde 1767 de entrar na metrópole continuavam a ser a principal mão de obra no ultramar Pela Bahia assim como pelo Rio de Janeiro e pelo Recife Portugal mantinha grande parte de suas relações com a África Trocas comerciais e culturais se faziam entre as regiões a África recebeu e africanizou a rede a mandioca e o milho enquanto o Brasil fazia seus o dendê a malagueta e a panaria da Costa Aí estariam nos termos do etnólogo e fotógrafo Pierre Verger os africanos do Brasil e os brasileiros da África consequência imprevista do fluxo e refluxo do tráfico de escravos6 O espetáculo visto do rés do chão era definitivamente distinto passando a certeza de que lá estava um novo mundo E para tirar a má impressão inicial nos dias em que a corte permaneceu em Salvador não faltaram cerimônias litúrgicas em igrejas repletas de ouro e jacarandá nem visitas aos notáveis da terra Foi por lá mesmo em 28 de janeiro sem a presença de seus mais destacados ministros e conselheiros que d João assinou a primeira medida régia na nova sede do Império lusitano a carta de abertura dos portos brasileiros às nações amigas A partir de então ficava permitida a importação de todos e quaisquer gêneros fazendas e mercadorias transportadas ou em navios estrangeiros das potências que se conservavam em paz e harmonia com a minha Real Coroa ou em navios da metrópole Os gêneros molhados vinho aguardente azeite doce pagariam o dobro dos direitos a que estavam sujeitos antes da chegada da corte as demais mercadorias gêneros secos pagariam 24 sobre o valor do bem Podiam ser levados pelos estrangeiros os gêneros e produções coloniais com exceção do pau brasil e outros produtos monopolizados7 Esse item tinha uma enorme importância já que fazia ruir o exclusivo comercial da metrópole estabelecido desde o princípio da colonização Não só navios portugueses ou de países com os quais fossem firmadas parcerias comerciais poderiam transportar as mercadorias saídas da colônia ou a ela remetidas Agora era possível receber bens e produtos diretamente de outros locais e navios que zarpavam do Brasil poderiam atracar em outros portos com exceção da França e da Espanha ainda em guerra com Portugal A abertura dos portos mais que um ato de benevolência representava uma decorrência inevitável Da metrópole ocupada então pela França já não saíam mercadorias necessárias para a vida no Brasil onde quase tudo era importado tampouco se teria para onde remeter os bens produzidos na colônia Além disso havia um país especialmente favorável à medida na verdade seu maior beneficiário a Inglaterra na época a nação amiga de Portugal O contexto não poderia ser mais propício a ela uma vez que o comércio brasileiro se abria precisamente quando a maioria dos mercados tradicionais se fechava para a GrãBretanha após o Bloqueio Continental decretado por Napoleão em novembro de 1806 Tal fato levou os comerciantes ingleses a exportarem quantidades enormes de mercadorias para o Brasil muito acima da capacidade de absorção do mercado local E assim chegaram gêneros de boa qualidade mas não muito coerentes com os hábitos brasileiros de consumo e outros ainda absolutamente impróprios São famosas as referências à entrada de patins de gelo espartilhos de barbatana de tubarão para senhoras bacias de cobre para aquecimento de camas grossos cobertores de lã instrumentos de matemática Chegaram também carteiras e portanotas numa terra onde inexistia papel moeda e onde os homens que dispunham de bens nem sequer carregavam dinheiro deixandoo aos cuidados de escravos8 Nada como a criatividade as tais bacias depois de furadas foram aproveitadas como escumadeiras nos engenhos de açúcar os cobertores usados na mineração para reter entre suas malhas as partículas de ouro e as lâminas de patins transformaramse em trincos de porta Mas tais práticas não foram suficientes para dar vazão às mercadorias inglesas o mercado ficou abarrotado de produtos só escoados após uma série de hastas públicas e vendas facilitadas O resultado imediato da decisão régia foi que o comércio britânico se firmou com o Brasil intensificandose ainda mais depois da assinatura do Tratado de Comércio e Navegação em fevereiro de 1810 que reduziu os tributos sobre produtos ingleses exportados para cá tornandoos mais competitivos que os dos demais países inclusive Portugal Trocando em miúdos o tratado fixando que as exportações inglesas entrariam no Brasil com alíquota de 15 de seu valor enquanto as portuguesas pagariam 16 e as dos outros países 24 representava o preço pago pela metrópole à Grã Bretanha pelo auxílio que dela recebera na fuga da família real Apesar de as cláusulas mencionarem reciprocidade esta não existia pois sobre as mercadorias nacionais lusas recaíam mais impostos que sobre aquelas provenientes da Inglaterra uma diferença que embora pequena na porcentagem era grande na simbologia As determinações do tratado comercial de 1810 foram complementadas pelo Tratado de Paz e Amizade que previa vantagens aos ingleses na hora da compra e do corte de madeira proibia a introdução da Inquisição na colônia estipulava a abolição gradual do tráfico9 O governo do príncipe regente procuraria ainda em Salvador organizar internamente a colônia americana como sua sede Entre condecorações e medidas administrativas de rotina d João tomou atitudes até então inéditas ao menos para uma colônia portuguesa Concedeu licença por exemplo para que fosse criada a Escola de Cirurgia instalada no Hospital São José em Salvador em 1808 e a Escola Anatômica Cirúrgica e Médica do Hospital Militar e da Marinha do Rio de Janeiro Deles se originariam já em tempos do Império nossas primeiras escolas de medicina A colônia carecia de especialistas na área porque a política da Coroa era concentrar o ensino superior no reino A consequência foi a falta crônica de médicos no Brasil colonial o que não impediu a existência de boticários cirurgiõesbarbeiros curandeiros herbalistas que não poucas vezes entravam em conflito com o saber científico e legitimado de profissionais em boa parte formados em Coimbra A metrópole proibia a existência de escolas superiores no Brasil diferentemente da Espanha cuja política cultural havia muito tempo a tinha liberado em suas colônias De oficial até então só aulas de artilharia e arquitetura militar algumas aulas régias avulsas com cursos de filosofia latim retórica e matemática Afora isso o ensino era administrado pelas ordens religiosas em conventos e seminários As medidas significaram pois uma reviravolta na política local já que até então a produção e o comércio de manufaturados eram exclusividade de Portugal Por outro ato e para provar uma atitude tendente a novas aberturas o regente permitiu ainda a instalação na Bahia de manufaturas e indústrias de vidro de pólvora e de moagem de trigo As promessas eram muitas Porém e apesar dos esforços dos baianos para que a família real permanecesse por lá e apesar do empenho do governador que não perdia a esperança de ver sua cidade novamente como capital da América portuguesa em 26 de fevereiro a esquadra levantou âncoras e deixou a baía de Todos os Santos Prometendo que lá mandaria erguer um luxuoso palácio o príncipe mantevese firme abriu mão da famosa hospitalidade baiana e rumou para o destino final daquela viagem RIO DE JANEIRO UMA NOVA SEDE IMPERIAL E TROPICAL A história só é previsível quando vista de longe De perto tudo é muito confuso ao menos naquele momento para o vicerei do Brasil d Marcos de Noronha e Brito o conde dos Arcos Quando em outubro de 1807 ainda tentando aplicar uma política de neutralidade d João decidira fechar os portos à GrãBretanha logo se temeu por represálias inglesas contra a colônia Assim da metrópole enviouse ordem para que Pernambuco Bahia e Rio de Janeiro se aparelhassem para defender seus territórios contra ataques britânicos E em 11 de janeiro de 1808 o conde dos Arcos publicou um edital com as medidas necessárias para enfrentar tentativas de invasão na capital10 Tais preocupações três dias depois mudariam totalmente de rumo Foi nessa ocasião que o brigue Voador chegou ao Rio com a notícia de que os franceses tinham invadido Portugal e que a família real com o apoio da Inglaterra decidira retirarse para cá de onde o reino seria governado De um minuto a outro alteravase não só o inimigo como também as providências a serem tomadas As preocupações do conde dos Arcos voltavamse agora para medidas mais pacíficas mas não menos urgentes preparar a acanhada cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro para bem receber a corte e tornarse a nova sede da monarquia lusitana A tarefa não era pequena No começo do século XIX o Rio não passava de cidade bisonha ver imagem 43 estando seu núcleo principal limitado por quatro morros do Castelo de São Bento de Santo Antônio e da Conceição O ponto central ficava nas proximidades do morro do Castelo que servira de praça de defesa durante a formação da cidade e fora a partir de lá que o núcleo urbano inicial se espalhara lentamente pelas quatro freguesias Sé Candelária São José e Santa Rita O Rio tinha não mais que 46 ruas quatro travessas seis becos e dezenove campos ou largos11 As ruas eram de terra batida desniveladas esburacadas cheias de poças detritos brejos e mangues uma vez que boa parte do movimento de expansão se dera no sentido de domar as águas que insistiam em invadir o espaço urbano Entretanto nos arredores do morro do Castelo em frente ao mar onde se achava o largo do Paço a cidade parecia diferente O lugar chamarase antes terreiro do Ó depois terreiro do Polé Passou a ser conhecido como largo do Carmo quando ali foram construídos a igreja e o convento dos carmelitas No século XVII mandouse erguer a Casa da Câmara e da Cadeia e a Fazenda Real e instalaramse os Armazéns Reais e a Casa da Moeda Estes seriam reformados e ampliados para se transformarem em sede do governo da capitania do Rio de Janeiro e mais tarde em vicereinado No XIX o largo foi calçado e lá se introduziu um chafariz segundo desenho enviado de Lisboa por Carlos Mardel o arquiteto mais importante da corte que não demoraria a ser substituído pelo chafariz de autoria do escultor e entalhador brasileiro Valentim da Fonseca e Silva o Mestre Valentim Não obstante o Rio de Janeiro deixava a desejar como capital de colônia Uma monarquia se apresenta também por seus palácios e monumentos e nesse quesito a nova capital tinha pouco a oferecer12 Com uma digna exceção ainda nos Setecentos a Ordem Terceira do Carmo edificou em frente ao largo uma igreja e um hospital vistosos para os moldes da região O prédio tinha lá sua elegância e apesar da proibição de denominálo palácio prerrogativa das residências reais tornouse conhecido como Paço dos Governadores e em seguida como Paço dos ViceReis Ao lado do Paço foi construído um cais em cantaria lavrada três escadas e uma rampa de acesso ao mar Ao lado ficava a rua Direita atual Primeiro de Março a mais vasta mais bela e mais palpitante artéria da cidade irregular e torta apesar do nome13 Era onde ocorria o comércio local com suas regras que incluíam largos períodos para a soneca depois do almoço O Rio era de fato uma aldeia sonolenta que foi acordada pela chegada da corte O conde tinha muito trabalho pela frente e já em 14 de janeiro deu início aos novos afazeres Desocupou sua moradia no Paço dos ViceReis e procurou preparála para acomodar o príncipe regente e família A Casa da Câmara e da Cadeia também foi esvaziada e reformada retiraramse as grades e abriramse portões para a entrada de carruagens Construiuse um passadiço que ligava o Paço à Casa da Câmara e da Cadeia para que a família real não sujasse os pés nas ruas lodosas Foi decretada a Lei das Aposentadorias intimando os proprietários dos melhores prédios nas imediações do palácio a deixálos livres para dar abrigo aos fidalgos militares negociantes e funcionários que desembarcavam com a corte de d João As moradias escolhidas eram desocupadas por meio de processo sumário na fachada do prédio escreviamse a giz as letras PR cujo sentido oficial era príncipe real No entanto na língua do povo as duas letras adquiriram o significado de ponhase na rua ou mesmo prédio roubado Preocupado igualmente com a alimentação dos ilustres visitantes o conde dos Arcos solicitou aos governadores de São Paulo e de Minas Gerais que enviassem mantimentos Embora enfrentando as adversidades de um local famoso pela comida minguada providenciou cardápio que continha alimentos conhecidos dos europeus e algumas novidades carne de vaca de porco de carneiro e de aves além de uva pêssego goiaba banana cará batata batatadoce milho mandioca feijão Mas não bastava pensar só na subsistência Junto com as questões de Estado e do estômago era preciso buscar proteção divina e dar espaço para a festa Assim decretouse uma farta programação de festejos religiosos e civis que incluíam a iluminação da cidade por oito dias consecutivos danças e diversões populares O povo ansiava não só pela procissão pelo tedéum pelas alegorias e janelas enfeitadas como também pelas touradas cavalhadas foguetórios récitas conjuntos musicais e danças os quais eram comuns no tempo dos vicereis14 A novidade foi que dessa vez a cerimônia do beijamão quando os fidalgos demonstram fidelidade a seu governante não se endereçou ao vicerei e sim ao próprio regente Se antes o vicerei recebia os cumprimentos se o retrato do regente surgia no lugar da pessoa como sinal da presença simbólica da autoridade régia e da legitimidade de seu representante agora a própria família real estaria no centro e orquestraria os rituais Foi um sufoco No dia 20 de janeiro o conde acordou com o aviso enviado pelo telégrafo semafórico da fortaleza do morro do Pico na entrada da baía de Guanabara a esquadra real aproximavase e ele não conseguira terminar os preparativos A agitação tomou conta das ruas da cidade e a curiosidade levou o povo a correr para a praia de d Manuel nas cercanias do porto ou a subir os morros do Castelo de São Bento ou da Conceição para assistir ao espetáculo que vinha do mar No fim da tarde fundearam as sete embarcações portuguesas e mais três barcos ingleses Para decepção geral e certo alívio do vicerei apenas as duas irmãs da rainha d Maria Benedita e d Maria Ana e duas infantas Maria Francisca de Assis e Isabel Maria haviam chegado Desgarrados na tempestade esses navios foram direto para o Rio de Janeiro e nada sabiam do destino dos demais Apesar de convidadas a desembarcar as princesas não aceitaram não se desce em solo novo antes da rainha e do príncipe regente Só o fizeram um mês depois em 22 de fevereiro tão logo receberam a notícia de que seus familiares se achavam sãos e salvos na Bahia e em breve estariam no Rio Finalmente no dia 7 de março de 1808 aportava no Rio de Janeiro a parte mais reluzente da corte A cidade literalmente parou Residências lojas e repartições públicas fecharam Tão logo foi avistada no horizonte a esquadra real deuse o sinal para o início das homenagens nas igrejas os sinos repicavam enquanto nas ruas explodiram os foguetes Embarcações no porto e fortalezas em terra estavam engalanadas com bandeiras flâmulas e galhardetes coloridos E era de ensurdecer o barulho das inúmeras salvas de canhões seguidas por tiros de fuzis Não se estranharia se os cansados homenageados tivessem se apavorado pensando que agora a guerra estourara nos trópicos Mas naquele caso o barulho anunciava festa E nem bem a frota aportou começaram as homenagens a d João e a d Carlota Joaquina Mais feliz era a fidalguia portuguesa que recémchegada ia ao reencontro de familiares e amigos que pensavam ter ficado em Lisboa perdidos na confusão do embarque O padre Luiz Gonçalves dos Santos conhecido como padre Perereca por sua compleição franzina e olhos esbugalhados testemunhou com seu conhecido entusiasmo laudatório os momentos do desembarque15 A família real porém não desembarcou naquele mesmo dia As solenidades determinadas pela Câmara desde 16 de janeiro tiveram que esperar até a manhã seguinte quando os viajantes já teriam se refeito da longa jornada Assim por volta das quatro horas da tarde do dia 8 de março a família real com exceção de d Maria I tomou o bergantim que a levaria para terra Era hora de o povo encontrar ao vivo personagens só vistos em gravuras folhetos ou moedas Os membros da corte foram recebidos pelo Senado pelo clero e pela nobreza da terra todos portando suas melhores vestimentas e perucas empoadas Não obstante se havia a expectativa de ver um casal de regentes altivos com manta de púrpura e arminho esta foi frustrada Ele era baixo de rosto comprido testa larga olhos arregalados lábios carnudos queixo caído terminando em papadas barriga proeminente coxas grossas e ar tímido Ela também baixa angulosa ossuda lábios finos e encimados por um leve buço com algumas verrugas no rosto e mandíbula saliente manquitolava e tinha os olhos marejados de lágrimas ver imagem 4516 Entretanto decepções seriam postas de lado uma vez que o cerimonial não podia mais esperar Num altar em frente ao cais armado especialmente para a ocasião aspergiuse água benta na família real acendeuse incenso e a Santa Cruz foi oferecida a d João para que ele a beijasse Depois formouse um cortejo composto de autoridades civis militares e religiosos de várias ordens que seguiu a pé até a igreja do Rosário a catedral da cidade O percurso estava coberto de areia branca e folhagem aromática janelas e varandas ornadas com colchas de damasco ou seda lançavam flores sobre o préstito Na rua do Rosário num grande coreto entoaramse hinos em louvor do príncipe que se convertia rapidamente na realeza do Brasil Tal qual de um coro de torcida organizada das ruas partia o refrão Viva nosso príncipe viva o imperador do Brasil Terminada a cerimônia litúrgica o príncipe regente e família deixaram a catedral e se dirigiram ao agora Paço Real No largo do Paço foram erguidas luminárias com alegorias cenográficas feitas em madeira e iluminadas por milhares de lumes em copos de diversas cores encimados por uma balaustrada repleta de versos de Virgílio No centro as armas de Portugal dispostas no interior de uma esfera serviam de apoio às armas do Senado da cidade do Rio de Janeiro a América uniase ao Império lusitano Dentro do arco central um grande medalhão com o retrato de d João foi adornado por uma grinalda de rosas Em torno novos símbolos com virtudes atribuídas ao príncipe religião justiça prudência fortaleza e magnanimidade À sua frente duas alegorias circundavam um índio que representava o Brasil De um lado Lísia como Portugal que chorava a ausência do soberano de outro a África Ajoelhado coberto por um manto calçando borzeguins e com o cocar no chão o índio portava o coração na mão direita e ofertava ao soberano riquezas da terra ouro e diamantes Completava a imagem a nau em que viera o príncipe regente entrando na baía de Guanabara e sendo saudada pelas fortalezas e pelos versos Para a Glória esmaltar do novo Mundo Manda o sexto João o Céu amigo Sobre a imagem de d João um céu coberto de nuvens serenas metáfora fácil de um futuro pacífico Ali também versos de Manuel Inácio da Silva Alvarenga grande nome do arcadismo brasileiro Negras nuvens longe exalem Morte estrago horror veneno E entre nós sempre sereno Seja o Céu a Terra o Mar É interessante pensar que Silva Alvarenga líder da Conjuração do Rio de Janeiro e preso menos de dez anos antes por almejar a República ainda vivia e deveria estar se remoendo por ver seus versos surrupiados para saudar um monarca O dia havia sido longo os soberanos e seu séquito recolheramse Para o povo contudo a festa no largo do Paço adentraria a madrugada com fogos músicas récitas de poesia e discursos em honra ao príncipe regente que da janela do palácio a tudo assistia Bom pretexto para bem recepcionar mas também para afirmar simbolicamente o novo governo que chegava sem hora para partir Em diferentes partes da colônia São Paulo Recife Santa Catarina pipocavam demonstrações de apoio Os espetáculos multiplicavamse e eram caprichados afinal a monarquia aportava ao menos na compreensão local para ficar Talvez por isso mesmo a data tenha virado feriado até 1820 o dia 7 de março foi comemorado no Brasil como o de um novo descobrimento HORA DE MOBILIAR A CASA NOVA O regente logo que pisou no Rio de Janeiro deve ter notado o esforço que seria necessário para dar ares mais palacianos à sua nova capital Tendo deixado para trás palácios como o de Mafra o seu preferido e de Queluz residência de d Maria I teria de se acostumar a habitações menores e mais modestas Mas se não há rei sem palácio o jeito era adaptar D João Carlota Joaquina e filhos ficariam acomodados no Paço dos ViceReis agora Paço Real no largo do Carmo O prédio ao lado onde antes estava a Casa da Cadeia e do Senado foi incorporado ao Paço e ocupado pela criadagem Por conta da pequena dimensão do palácio d Maria I foi hospedada no convento dos carmelitas e aos religiosos só restou se transferirem para o seminário da Lapa Porém o príncipe regente não tardaria a mudar de morada melhor instalado longe de sua mulher com quem desde quando estavam em Portugal já mostrava sinais de estremecimento Elias Antônio Lopes um rico comerciante português cedeu a d João uma casa de campo nos subúrbios da cidade em São Cristóvão dizendo não ter outro interesse senão o bem estar de Sua Majestade Anos mais tarde Elias Lopes recebeu devidamente corrigida a retribuição ao suposto presente Para os fidalgos funcionários militares que não tinham onde se estabelecer ou para os que continuavam chegando foram mantidas as requisições de casas Alguns proprietários locais se defendiam da invasão de fidalgos simulando ou mesmo realizando obras perfeitamente dispensáveis nas suas residências Obras eternas17 Outros simplesmente se faziam de desentendidos E a fúria da população se virou contra personagens do segundo escalão denominados de tomalarguras18 Enquanto isso haja moradia para os que apareciam e se juntavam aos 60 mil habitantes da cidade Os comerciantes que já moravam no Rio de Janeiro a maioria deles portugueses não aceitaram de bom grado a presença dos compatriotas que privilegiados pela Coroa foram ocupando seus lugares O governo percebeu que precisava amenizar tensões atraindo os negociantes lesados bem como os proprietários de terra locais E para tanto nada como um título de nobreza ou outra distinção Desse modo sem perda de tempo foi criado o Registro Geral das Mercês e em 1810 a Nobre Corporação dos Reis de Armas para bem organizar o nascimento de uma nobreza e de uma heráldica em terras brasileiras D João concedeu até seu retorno a Portugal em 1821 nada menos que 235 títulos onze duques 38 marqueses 64 condes 91 viscondes e 31 barões19 Isso sem contar a instauração da Ordem da Espada e dos títulos de grãcruz comendador e cavaleiro Nesse quesito o príncipe fez 2630 cavaleiros comendadores e grãcruzes da Ordem de Cristo 1422 da Ordem de São Bento de Avis e 590 da de Santiago20 Assim ao lado da nobreza titulada fora do país surgia aos poucos uma nobreza da terra ávida pelos mesmos símbolos de distinção Agora era chegado o momento de efetuar os ajustes necessários para o funcionamento da máquina administrativa na nova sede Afinal da colônia seriam encaminhadas ordens para todos os lugares onde vigorava a dominação lusa Desde que aportara no Rio d João deixou clara a intenção devidamente concebida ainda em Lisboa de a partir da colônia cuidar do Império21 Para isso organizou a pasta dos Negócios Estrangeiros e da Guerra que ficou sob a responsabilidade de d Rodrigo de Sousa Coutinho João Rodrigues de Sá e Meneses visconde de Anadia que em Portugal já havia sido secretário dos Negócios da Marinha e dos Domínios Ultramarinos foi encarregado da mesma pasta E para tratar dos assuntos internos da colônia escolheuse Fernando José de Portugal depois marquês de Aguiar que atuara como vicerei no Rio de Janeiro entre 1801 e 1806 A nova trindade ministerial foi logo ironizada e comparada a três diferentes relógios um atrasado d Fernando Portugal outro parado visconde de Anadia e o outro sempre adiantado d Rodrigo todos girando na direção do monarca22 Já nos escalões mais baixos o número de funcionários aumentava inflando e emperrando a máquina administrativa uma vez que muitos cargos foram sendo criados apenas para atender os recémchegados que reclamavam sua subsistência A maior parte dos emigrados monsenhores desembargadores legistas médicos empregados da casa real os homens do serviço privado e protegidos do monarca comportouse como uma chusma de satélites Eram os vadios e parasitas que continuariam no Rio de Janeiro o ofício exercido em Lisboa comer à custa do Estado e nada fazer para o bem da nação23 A máquina inchava e para dar conta das novas despesas geraramse impostos pelo Brasil todo Foi em tom de brincadeira séria que a população denunciou a corrupção nessa corte voraz Quem furta pouco é ladrão Quem furta muito é barão Quem mais furta e esconde Passa de barão a visconde Também as instituições que existiam em Portugal foram transplantadas para o Brasil com o mesmo espírito de rotina burocrática A ideia era criar a nova sede tomando a administração de Lisboa como espelho Organizar o império seria reproduzir a estrutura administrativa portuguesa no Brasil e colocar os desempregados24 Assim o governo tratou de instalar suas áreas estratégicas de atuação segurança e polícia justiça fazenda e área militar Mas não começou do zero a Coroa sempre administrou e controlou o Brasil baseada no código legal que vigorava em Portugal desde o século XVII as Ordenações Filipinas A administração da metrópole estendiase até a colônia num organograma hierárquico centralizado no Paço em Lisboa e que abrangia o governo geral do Brasil o governo das capitanias e o das Câmaras Municipais Dessa maneira o processo de implantação foi tanto de sobreposição e fusão quanto de adequação tudo de acordo com as Ordenações que guardavam o poder do soberano O rei é lei animada sobre a terra e pode fazer lei e revogála quando vir que convém fazerse assim25 A estrutura judicial já contava no Brasil com o Tribunal da Relação vinculado à Casa da Suplicação sediada na capital portuguesa26 Agora a própria Casa de Suplicação era instalada na colônia absorvendo o Tribunal da Relação Outros antigos tribunais lusitanos vieram na bagagem o Desembargo do Paço instância superior no organograma e a Mesa da Consciência e Ordens que mantinha o vínculo com o arcebispado brasileiro27 Ameaças por estas bandas não faltavam se na Europa elas vinham do exemplo da Revolução Francesa aqui além dos ideais iluministas e da influência do republicanismo norteamericano os ventos sopravam da própria vizinhança E para reforçar a política de centralização logo em 5 de abril de 1808 foi fundada a IntendênciaGeral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil que em Portugal existia desde 1760 E quase tudo era caso de polícia a guarda da pessoa real e sua organização o estabelecimento de quartéis as obras municipais a fiscalização dos teatros e diversões públicas a matrícula dos veículos e embarcações o registro dos estrangeiros e a expedição de passaportes o controle de festas públicas a detenção de escravos fugidos a perseguição e prisão daqueles que se opusessem ao governo Era necessário estabelecer uma estrutura de defesa e é nesse contexto que se explica entre outras medidas a criação do Arquivo Militar para a elaboração e guarda de cartas e mapas do Brasil e dos domínios ultramarinos Em 1810 junto com a Artilharia e Fortificação foi instituída também a Academia Militar para o ensino das ciências matemáticas física química história natural fortificações e defesas28 Se é verdade que na época da chegada de d João já havia instituições na colônia com a corte estacionada nos trópicos o processo se tornava muito mais complexo E tantas mudanças ampliavam de quebra as condições de autonomia local É nessa direção que se pode entender a criação de um Banco do Brasil ainda em 1808 O objetivo expresso era agilizar e atender interesses do comércio mas as consequências ultrapassavam em muito as amarras metropolitanas TINTURA DE CIVILIZAÇÃO O que estava acontecendo era realmente novo não tinha como haver sido imitado a colônia transformavase em sede da metrópole Foi se produzindo uma enxurrada de documentos para concretizar tal inversão decisões legislação papéis diplomáticos e todos os atos das repartições do real serviço Precisavase porém publicar essa massa de documentos com o óbice de que oficinas tipográficas eram proibidas na colônia29 A saída foi a criação de uma Impressão Régia em 13 de maio de 1808 no dia do aniversário de d João Além da obrigação de publicar a documentação oficial o decreto previa a impressão de obras e livros Mas a abertura da atividade de edição trazia também restrições entre as atribuições da junta diretora constava o exame de tudo que se mandasse publicar e o impedimento da impressão de papéis e livros cujo conteúdo contrariasse o governo a religião e os bons costumes A censura colavase à real tipografia preocupada em impedir a divulgação de ideias que ameaçassem a frágil estabilidade da Coroa portuguesa30 Mas a Impressão Régia já nasceu com o trabalho atrasado Para dar uma noção do acúmulo basta dizer que até 1822 foram publicados 1427 documentos oficiais31 Mais pequenas brochuras folhetos opúsculos sermões prospectos obras científicas obras literárias traduções de textos franceses e ingleses sobre agricultura comércio ciências naturais matemática história economia política filosofia teatro óperas e dramas romance oratória sacra poesia literatura infantil enfim ali se imprimia de tudo um pouco desde que tivesse passado pela peneira da censura Foram 720 títulos até o ano da Independência Além disso a cada aniversário natalício exéquias ou fosse qual fosse a comemoração montanhas de papel eram impressas Dos prelos da Impressão Régia saiu o primeiro periódico brasileiro a Gazeta do Rio de Janeiro Seu número inaugural circulou num sábado 10 de setembro de 180832 O periódico era semanal mas a partir do segundo número seria publicado aos domingos e às quartasfeiras Produto de um órgão do governo o jornal era redigido pelo frade Tibúrcio José da Rocha oficial da Secretaria de Estrangeiros e da Guerra e nunca ocultou seu papel de propaganda do Estado Seria pois o veículo certo para divulgar feitos da monarquia que contribuíssem para expandir sua própria imagem O conteúdo da Gazeta do Rio de Janeiro porém não passava da reprodução de atos oficiais de elogios e reverências à família real e de textos traduzidos de jornais europeus Até 1814 acompanhavase também o andamento da guerra que se desenrolava na Europa dandose sempre destaque às vitórias contra Napoleão Tais notícias copiadas de matérias publicadas no estrangeiro não escondiam parcialidades os franceses eram pragas que assolavam a Europa e a saída de d João um plano certeiro33 Mas nem todos ficavam agradados com o oficialismo do periódico Gastase tão boa qualidade de papel em imprimir tão ruim matéria que melhor se empregaria se fosse usado para embrulhar manteiga era queixa de Hipólito José da Costa Pereira Furtado Brasileiro morou em Portugal onde foi diretor da junta da Imprensa Régia em Lisboa De funcionário passou a inimigo do governo luso acusado de ser maçom foi perseguido pela Inquisição e detido de 1802 a 1804 quando fugiu da prisão e foi para a Inglaterra Três meses antes de surgir a Gazeta Hipólito da Costa lançou o seu próprio jornal Correio Braziliense em Londres O periódico era mensal e durou até 1822 Sem meias palavras muito bem informado livre de censura e com inspiração iluminista Hipólito redigia notícias resumos analíticos comentários e críticas sobre os acontecimentos políticos da época Embora o Correio tenha sido proibido de entrar no Brasil circulava clandestinamente pelas capitanias Percebese que até 1810 as atenções se concentraram mais nas medidas administrativas Após 1811 contudo abriramse as comportas para um verdadeiro banho de civilização A primeira medida foi construir um Horto Botânico nos moldes do que existia em Lisboa no Paço da Ajuda onde se realizavam experiências e se colecionavam exemplares O similar brasileiro localizado no parque da lagoa Rodrigo de Freitas e desenvolvido como área de aclimatação e ostentação de especiarias e plantas de proveniência exótica foi criado nesse mesmo ano34 Ali se semearam pés de cravoda índia de pimentadoreino cana de Caiena árvores de cânfora canela cinamomo noz moscada e entre as frutíferas a frutapão a frutadeconde mangueiras jaqueiras jambeiros caramboleiras e amoreiras Das Antilhas veio a Oreodoxa oleracea a palmeirareal que d João plantou com suas próprias mãos Também em 1810 se iniciou a experiência da cultura do chá com plantas importadas de Macau para cujo trato se acertou a vinda de uma colônia de cerca de duzentos chineses Em 1819 com o nome de Real Jardim Botânico o parque da lagoa Rodrigo de Freitas foi anexado ao Museu Real e aberto ao público35 Em 1816 inaugurouse uma Escola Real de Ciências Artes e Ofícios e criouse um Museu Real mediante decreto de 6 de junho de 1808 cuja função seria estimular os estudos de botânica e zoologia no local36 O museu não possuía porém acervo e por isso foi aberto com uma pequena coleção doada pelo próprio d João esta se compunha de peças de arte gravuras objetos de mineralogia artefatos indígenas animais empalhados e produtos naturais que lhe davam um ar de gabinete de curiosidades Em meio a esse conjunto de medidas é que se abriu a Real Biblioteca A conhecida e valiosa Livraria dos Bragança não ficaria em Portugal perdeu a primeira viagem em 1807 restando esquecida no porto de Lisboa mas chegou logo depois em três levas tornandose acessível ao público em 181437 Para sustentar a presença e o aparato da corte das repartições e dos funcionários da administração os habitantes da terra tiveram que pagar um bom preço A metade do dinheiro circulante em Portugal e os 80 milhões de cruzados em ouro e diamantes que vieram nos baús da família real não deram nem para o começo O próprio Banco do Brasil quase que apenas custeava a despesa real os tribunais as pensões e soldos38 Os encargos eram pesados e a insatisfação popular crescia Para piorar não dava para esconder o desperdício praticado na casa real A despesa da ucharia tornouse símbolo de esbanjamento Notese a modesta ração diária ingerida pela aia do neto de d João o infante d Sebastião três galinhas dez libras de carne de vaca meia de presunto dois chouriços seis libras de porco cinco de pão meia de manteiga duas garrafas de vinho uma libra de velas uma de açúcar café frutas massas e folhados legumes azeites e outros temperos39 Só no ano de 1818 consumiramse no Paço por dia 620 aves40 Se o Brasil lucrava politicamente com a transladação da corte o preço interno era alto Os impostos subiam ao mesmo tempo que a máquina se agigantava41 A construção imperial tinha muito de retórica política a Coroa tentava desfazer a má impressão criada na Europa por sua retirada súbita para os domínios americanos42 Não obstante e a despeito dos usos desiguais da máquina de governo não há como negar que da chegada da corte ao Rio de Janeiro até a Independência a aceleração político administrativa que se impôs resultou na construção de um caminho que embora não fosse de todo previsível era irreversível Quase Europa quase império aí estavam os impasses de um território que não sendo exatamente metrópole aos poucos deixava de ser colônia ao menos no sentido mais tradicional do termo UM REI NO BRASIL Já fazia seis anos que d João adotara os trópicos Afinal na colônia é que se livrara de sua incômoda gota assim como se distanciara da complicada política europeia que mesmo com a derrota de Napoleão em 1814 ainda estava sujeita a querelas discórdias e disputas territoriais Estamos agora no tempo da Santa Aliança quando uma coligação formada pela Rússia Áustria e Prússia se reuniu no Congresso de Viena entre 1814 e 1815 Foi nessa magna reunião diplomática organizada logo depois da queda definitiva de Bonaparte que se consolidou a restauração das dinastias monárquicas do Antigo Regime e se negociou de forma coletiva um rearranjo europeu Apesar de os novos tempos sinalizarem políticas pacificadoras e uma volta aos velhos modelos europeus banidos pela Revolução d João permanecia assustado A favor da atitude do príncipe regente podese dizer que a situação andava um tanto mudada e que o Rio mal lembrava aquela espécie de Lisboa irregular e ainda assim banal43 que recebera a corte A população aumentara muito da casa dos 60 mil habitantes pulara para a dos 90 mil 44 e todo o espetáculo das ruas se alterara com gente de todas as raças múltiplas cores e costumes variadíssimos45 Mas a cidade continuava tacanha ao menos na versão dos estrangeiros Dizia Luccok que a capital do Brasil era uma das mais sujas associações de seres humanos sob o céu Ainda que houvesse mudanças conservavase a antiga rotina e o Paço não fugia à leseira local O príncipe por exemplo recolhiase após o almoço à sala fresca do Paço O ócio era rompido apenas pelo berreiro dos infantes que insistiam em desafiar os macacos nas gaiolas provocavam os cães e com gestos atiçavam os papagaios cacatuas e araras46 Certa passagem pitoresca na vida de d João é narrada com frequência tendo sido picado por um carrapato o príncipe recorreu aos banhos de mar atendendo a conselhos médicos Como a pele inchara e lhe trouxera dificuldades de locomoção para percorrer as distâncias mais curtas ele passou a usar cadeirinhas feitas para um passageiro e sem rodas eram sustentadas nos ombros de escravos47 Verdade ou não na rua Direita e na rua do Ouvidor a moda pegou e logo se viram diversas cadeirinhas circulando por ali Fora desses endereços elegantes em geral se utilizavam para distâncias curtas carroças que tinham cortinas e eram puxadas por mulas e guiadas por um escravo que seguia a pé ou num carro tracionado por bois para as mais longas usavamse carruagens para quatro ou dois cavalos48 Era também possível alugar criados com toda decência para conduzir os veículos Os transportes no entanto costumavam ser caros e de má qualidade conforme se queixava o prussiano Von Leithold em 1819 dizendo que eles mais se assemelhavam aos carrinhos de feira49 Continuavam faltando igualmente diversões e os requisitos mínimos para uma vida em sociedade O Passeio Público construído entre 1779 e 1783 foi por muito tempo o maior dos atrativos no Rio de Janeiro Já as touradas bastante animadas realizavamse no Campo de Santana Leithold acompanhou uma em que portugueses brasileiros mulatos e negros vaiaram do princípio ao fim Um tourinho magro cuja ira alguns figurantes paramentados procuravam em vão provocar com suas capas vermelhas permanecia fleumático50 Havia ainda o Real Teatro de São João fundado em 1813 e durante dez anos o único na cidade Na música d João soube combinar artistas vindos do exterior com representantes locais Por essa razão cercouse de profissionais como o compositor pardo José Maurício que atuou até 1810 em todas as funções musicais sacras e profanas e acabou ficando conhecido como Mozart brasileiro51 isso até a chegada de Marcos Antônio Portugal músico habituado aos gostos da corte formado pela escola italiana e com prática de batuta na regência das orquestras de São Carlos em Lisboa E o ofício cresceu em 1815 a Capela Real possuía um corpo de cinquenta cantores entre estrangeiros e nacionais Na Fazenda Santa Cruz que pertencia à monarquia e distava sessenta quilômetros da cidade forneciamse produtos agrícolas mas também artistas clássicos todos negros Os escravos dessa propriedade além de trabalharem nas lavouras eram iniciados na música sacra formando corais e tocando instrumentos Esses músicos foram ganhando fama e a escola recebeu a denominação de Conservatório de Santa Cruz Embora a fazenda estivesse passando por um processo de decadência financeira os mestres nunca pararam de exercer seu ofício52 e a escola de música granjearia novo impulso com d João Em 1817 o prédio foi reformado e a capela redecorada prevendose apresentações da orquestra e do coral Ademais Santa Cruz tornouse a residência de verão da família real e sede de solenidades Os músicos escravos dedicavam muito tempo ao estudo teórico e à prática instrumental sob orientação de mestres como o próprio José Maurício Costume inaugurado pelo príncipe regente os artistas de Santa Cruz seriam constantemente emprestados para integrar a orquestra o coral ou a banda do Paço de São Cristóvão e da Capela Real Tocavam rabecas violoncelos clarinetas rabecões flautas fagotes trombones trompas pistons requintas bumbos flautins de ébano executavam marchas militares e patrióticas valsas modinhas quadrilhas Também apresentavam óperas D João amante da música comparecia ao teatro nos dias de gala e às vezes adormecia Acordava então assustado e perguntava a um de seus fiéis camareiros Já se casaram os patifes53 A nova capital tinha problemas bem originais Insetos eram tema constante de viajantes que descreviam as especificidades desses pequenos monstros de pernas longas Pessoa de consideração que reside no Brasil chamou o país por causa deles de terra das bofetadas Isso porque para nos defendermos dos mosquitos à noite temos que nos dar bofetadas à esquerda e à direita continuamente54 E não era só de mosquitos que eles se queixavam Ratos e camundongos baratas bichos que entravam nos dedos dos pés e cães que ladravam a noite toda faziam o terror dos estrangeiros O governo também lidaria com especificidades geradas pela presença e cultura dos africanos e dos diversos grupos indígenas espalhados pela colônia Por exemplo em 13 de maio de 1808 o príncipe regente por meio de carta régia ordenava ao governador de Minas Gerais que iniciasse uma guerra ofensiva contra os índios antropófagos Botocudo55 Chamando os nativos de bárbaros canibais e praticantes de atos atrozes ora assassinando os Portugueses e os Índios mansos por meio de feridas de que sorvem depois o sangue ora dilacerando os corpos e comendo os seus tristes restos d João pedia a eliminação sumária do grupo em nome da civilização e da proteção de uma sociedade pacífica e doce Havia ainda o medo de rebeliões negras fenômeno que ficou conhecido como haitismo em alusão à tomada da colônia francesa do Haiti pelos negros Esse movimento teve a capacidade de exportar o medo por parte das elites e a esperança para os escravizados Com o intuito de justificar o injustificável membros da elite local condenavam o que consideravam ser maus hábitos dos escravos Citemos o marquês de Borba que deixou depoimento revelador sobre a opinião dos proprietários Não há nada que se possa comparar aos pretos parece isto uma Babilônia infame56 Aos olhos bastante preconceituosos dos forasteiros também chamava atenção a população negra um pilar para a economia da época e por isso naturalizada no cotidiano da colônia A essas alturas a escravidão era ainda uma instituição poderosa nos dois lados da América com potencial para expansão e sustentação política E de tão comum ela aparecia nas diferentes seções dos jornais sobretudo nos classificados de venda ou aluguel Na seção de avisos da Gazeta do Rio de Janeiro podiam ser encontrados diariamente anúncios como este Em 1804 fugiu a Manoel Fernandes Guimarães um escravo mulato de idade de trinta anos chamado Joaquim que foi comprado na Capitania do Espírito Santo ao padre Antônio Gomes tem os sinais seguintes é oficial de alfaiate e barbeiro de estatura ordinária cabelo unido ao casco da cabeça beiços grossos o de cima finge dois e muito picado de bexigas Quem dele tiver notícia e o queira denunciar dirijase à casa de Manoel Gomes Fernandes na rua Direita nº 26 aonde receberá o prêmio de 40000 rs 66181057 Por seu turno a população escravizada reagia promovendo fugas rebeliões e assassinatos ou partindo para a ironia contra a corrupção dos brancos Sinhô branco também furta Nosso preto furta galinha furta saco de feijão Sinhô branco quando furta Furta prata e patacão Nosso preto quando furta Vai parar na Casa de Correção Sinhô branco quando furta logo sai sinhô barão58 Africanos e escravizados realizavam atividades de toda espécie Eram barbeiros vendedores de frutas ou de angu quituteiras carregadores de peso ou das elegantes liteiras neste caso trajando vistosas librés meninos de recado jornaleiros que ganhavam por jornada catapiolhos marceneiros negros de ganho Estes últimos muito numerosos podiam ser alugados por um dia uma semana ou um mês e compunham categoria à parte Prestavam serviços diversos vender mercadorias carregar água e lenha transportar cadeirinhas e eram regulados por uma postura do Senado da Câmara59 Para que se possa ter uma ideia do enraizamento desse tipo de mão de obra basta dizer que na década de 1820 a corte possuía em torno de 38 mil escravos numa população total de cerca de 90 mil habitantes isso sem considerar os africanos livres que literalmente dominavam o espaço urbano Tratavase desde Roma da maior concentração de escravos com a particularidade de que no Rio de Janeiro seu número se equilibrava com o dos descendentes europeus Mas a balança tendia a pender para um dos lados com as levas de cativos arrebanhados pelos negreiros e que não paravam de afluir a cidade ganhava mais e mais um aspecto africano Próximo ao Paço por exemplo a concentração era de tal ordem que a região passou a ser chamada de Pequena África E de fato o Rio mais parecia uma cidade da costa dÁfrica60 com o desfile de grupos de diferentes origens que portavam orgulhosamente escarificações e marcas de nação no rosto e no corpo numa evidente indicação de que as sociedades inscrevem suas marcas nos corpos de seus indivíduos Paradoxalmente a chegada da família real e a concomitante abertura dos portos em lugar de restringir o tráfico acabaram por eleválo a níveis ainda mais altos61 O número de africanos era tão expressivo e preocupante na visão das elites que se empreenderam políticas em prol da povoação branca Dos Açores vieram casais de ilhéus que recebiam mesadas moradias ferramentas carros de boi e tudo mais que fosse necessário62 A corte se acostumaria também com um cotidiano de festas igualmente misturadas As procissões eram sete e agitavam o Rio de Janeiro a de São Sebastião em 28 de janeiro oito dias depois da festa do padroeiro da cidade a de santo Antônio na QuartaFeira de Cinzas a do Senhor dos Passos na segunda quintafeira da Quaresma a do Triunfo na sextafeira que precede o Domingo de Ramos a do Enterro na SextaFeira Santa a do Corpo de Deus em junho e a da Visitação em 2 de julho63 Nessas ocasiões até mesmo a corte e seus figurões com uniformes bordados saíam em desfile juntamente com o infalível cortejo de soldados estandartes religiosos e cantores da Real Capela Além das procissões foguetórios leilões batuques fandangos cavalhadas a queima do judas no Sábado Santo a festa do Imperador do Espírito Santo os aniversários da realeza as datas religiosas Qualquer motivo era bom para tirar a cidade da aparente calma semanal Essa mania festeira não era porém invenção local Tanto portugueses como africanos em seus países de origem tinham o hábito de assistir a cortejos reais e procissões No entanto no reino distante as festas cumpririam função ainda mais estratégica e simbólica As aparições públicas do príncipe d João seja nos cortejos reais seja nas procissões vinculavam sua imagem à própria representação do Império lusitano espalhado pelos quatro cantos do mundo e governado agora a partir da colônia E novas datas seriam adicionadas ao já carregado calendário eram os festejos da monarquia Em 16 de dezembro de 1815 na véspera da comemoração do 81º aniversário de d Maria I d João elevou o Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves e transformou a colônia em sede do Império português A medida constituía uma sorte de homenagem àquela terra que ele habitava havia sete anos Mas o ato tinha ademais contornos políticos econômicos e diplomáticos desembaraçava o comércio respondia às demandas inglesas e de quebra buscava esquivarse do destino revolucionário da América inglesa e das colônias espanholas vizinhas Ou seja procuravase evitar o processo de independência a criação de repúblicas assim como o pânico da fragmentação Afinal mesmo com as decisões do Congresso de Viena movimentos revolucionários ecoavam por toda parte mostrando que a ordem política continuava frágil A Polônia passava por um processo revolucionário na Rússia atravessavase um processo de reformas Prússia e Áustria seguiam lutando pela hegemonia germânica Suécia e Dinamarca se opunham por conta da Noruega Bélgica e Holanda não logravam mais permanecer unidas e enquanto Nápoles virava um campo de experimentos liberais a Espanha servia de sede para reações absolutistas Enfim para onde quer que se olhasse a situação revelavase pouco segura oferecendo motivos de sobra para dissuadir d João de sair do país Desse modo a elevação do Brasil a reino além de visar a manutenção da integridade territorial significou a resposta lógica a uma série de impasses De um lado era inegável que alguma autonomia seria necessária já que agora todos os negócios se arranjavam a partir da colônia De outro a medida joanina foi recebida com apreensão pelas potências coligadas as quais pediam ao príncipe que cimentada a paz geral retornasse a Portugal e a uma certa normalidade Assim só de longe governar parecia fácil e entre festas o Brasil ia rompendo com as amarras do comércio metropolitano E não era para menos O Rio de Janeiro se transformara desde o tratado de 1810 no grande entreposto brasileiro e a seus portos afluía e daí partia uma enormidade de produtos Do Reino Unido vinham fazendas metais gêneros alimentícios e até vinhos espanhóis da França artigos de luxo quinquilharias móveis livros gravuras sedas manteigas licores velas da Holanda cerveja vidros linho e genebra da Áustria que comercialmente representava o norte da Itália e o sul da Alemanha relógios pianos fazendas de linho e seda veludos ferragens produtos químicos dos demais territórios da Alemanha vidros da Boêmia brinquedos de Nuremberg utensílios de ferro e latão da Rússia e da Suécia utensílios de ferro cobre couro alcatrão da costa da África mais especificamente de Angola e Moçambique ouro em pó marfim pimenta ébano cera consumida em quilos pelas igrejas azeite de dendê gomaarábica e a nota revoltante dessa relação escravizados negros Contudo a lógica do mercado não tinha um lado só O Brasil passava a representar para as colônias africanas de Portugal o mesmo papel que antes cumprira Lisboa Também o comércio português com a Índia e a China se localizou então no Rio de onde se faziam as reexportações para Lisboa e outros portos europeus e para o resto da América Entre as principais exportações locais figuravam o açúcar o café o algodão e o fumo do Brasil64 Também a condição política de d João passaria finalmente por mudanças Em 20 de março de 1816 morria d Maria I que havia muito se achava em estado avançado de alienação Ela dava todos os dias seu passeio de carro pelas ruas da nova capital sem nada reconhecer Ia sempre numa liteira carregada por negros que já tinham se acostumado a lidar com as visões da soberana a qual dizia encontrar o diabo no caminho e insistia em sair do veículo65 A ela na hora da morte foram reservadas as honras devidas à sua posição66 A pompa da realeza se afirmava na decoração das igrejas em que predominavam os tons roxos da viuvez com a construção de capitéis coríntios e cúpulas de veludo preto e galões de ouro e prata O país inteiro carregaria luto por um ano mas começava a esperar pela aclamação do novo rei67 O ano de 1817 se iniciaria com mais cerimônias de luto Nessa relação consta o nome de Antônio de Araújo de Azevedo o conde da Barca que faleceu em junho Político de atuação conturbada Antônio Araújo representou como ninguém o partido francês e os interesses e costumes da França junto ao governo luso E a moda desse país tinha vindo ao Brasil para ficar Desde a pacificação de 1814 e até um pouco antes a influência francesa na área cultural era cada vez maior Nos jornais da época imigrantes franceses ofereciam seus préstimos e prometiam milagres a quem quisesse aprender a língua da corte dos Bourbon Costureiras imigradas da França alardeavam serviços para donzelas desejosas de vestirse nos trópicos como nos calmos climas temperados Rendas leques enfeites perfumes chapéus joias galões penachos laços bordados de ouro e prata botas e sapatos de seda tudo vinha daquela nação Na Impressão Régia era possível encontrar tratados em francês além das primeiras novelas que chegavam a prelo na América portuguesa O Diabo coxo de AlainRené Lesage traduzido em 1809 Paulo e Virgínia de Bernardin de SaintPierre de 1811 Entretanto foi a partir de 1815 e com a derrota de Napoleão que essa voga literária entrou no Brasil para valer Sofriase com novelas francesas assim como se lia a boa literatura iluminista que ia de Henriade poema épico de Voltaire a Iphigène de Racine Entre os livreiros locais a presença de títulos franceses era radical incluindo obras de religião filosofia ciências e artes história novelas dicionários livros de geografia e de anedotas68 E com a abertura das relações com a França aqui desembarcavam mercadorias finas mas de uso duvidoso Relógios de parede candelabros de cristal lustres leitos de acaju com cortinas de franjas mesas de chá e de costura papel pintado porcelanas cristais tecidos plumas joias biombos de charão Todo esse gosto seria mais acentuado a partir de outra iniciativa dos tempos em que Antônio de Araújo ainda fazia parte das lides do rei Em 1816 o mesmo conde da Barca seria o incentivador se não do convite ao menos da boa recepção e alojamento de um grupo de artistas franceses Foi em 1815 que o marquês de Marialva encarregado de negócios de Portugal na França achou por bem apoiar a ideia da vinda de diversos artistas reconhecidos em seu meio que em consequência da queda do Império de Napoleão e preocupados com as represálias políticas encontravamse sem emprego e desejosos de emigrar A iniciativa partira na realidade dos próprios artistas liderados por Joachim Lebreton o antigo secretário da Academia de Belas Artes Já o governo local ciente da importância da representação artística e sobretudo da veiculação de sua imagem positiva na Europa resolveu arcar com as despesas iniciais do grupo Quanto aos franceses vinham cheios de expectativas Não só fugiriam de uma Europa em guerra como imaginavam conseguir dinheiro fácil junto a uma corte imigrada e de um povo diziam eles sem educação artística formal No entanto o país continuava distante desconhecido e pouco tempo antes seu príncipe declarara guerra a Bonaparte que fora outrora o maior patrocinador desses artistas69 O que eles não sabiam era que os planos de uma vez no Brasil fundar uma Academia nos moldes da francesa se revelariam melancólicos Araújo morreria logo após a chegada do grupo e sem seu principal mecenas os integrantes seriam tratados com indiferença além de sofrerem a surda hostilidade dos artistas nacionais e portugueses que não concordavam em serem passados para trás por um grupo diziam eles de bonapartistas desempregados Mas oportunidades havia Com o falecimento da rainha e a futura aclamação do novo soberano dois atos capitais na vida de uma nação monárquica os artistas sem demora perceberiam que sua verdadeira função seria construir cenários e dar grandiosidade àquela corte imigrada Tendo Joachim Lebreton secretário perpétuo da classe de belasartes do Instituto Real da França como líder e os artistas Nicolas Antoine Taunay pintor do mesmo instituto AugusteMarie Taunay escultor Jean Baptiste Debret pintor de história e decoração Grandjean de Montigny arquiteto Simon Pradier gravador entre outros funcionários o grupo era anunciado de dois modos pela diversidade de especializações e pelo perfil profissional de seus membros70 Com os franceses chegava o desejo de montar um aparato laico em relação às artes e a intenção de impor uma nova cultura artística Não que não existissem na colônia artistas e aprendizes muito pelo contrário porém não havia até então ensino sistemático Desde o século XVIII difundiuse no Brasil o estilo barroco que predominou nas maiores cidades como Rio de Janeiro Recife Salvador e especialmente em Ouro Preto e Sabará enquanto a forte presença do estilo rococó em Diamantina fez desta a menos barroca e a mais alegre das cidades mineiras Essa arte colonial respondia às exíguas demandas locais sendo os trabalhos encomendados em sua maioria por autoridades eclesiásticas ou civis e excepcionalmente por particulares Também Portugal carecia de pintores acadêmicos Isto é lá havia academias mas a atividade continuava a ser considerada de menor importância e os artistas raramente se dedicavam a pinturas de gênero Talvez por isso a corte tenha acolhido os artistas franceses tidos como uma espécie de vanguarda ou ao menos um selo de qualidade Eram ainda por cima educados no estilo neoclássico o qual na França se pôs a serviço da Revolução e trabalhou em nome da criação de sua memória E o modelo se encaixaria ao menos teoricamente de forma perfeita nos planos do governo de d João que pretendia animar um projeto palaciano a partir da expertise desses artistas Aliás diante da inexistência de um mercado de artes o grupo não teria outra chance senão se filiar exclusivamente à família real e à agenda de datas que a monarquia mandava comemorar Às exéquias de d Maria sucederiam cerimônias de gala substituindo os ornatos fúnebres por arcos triunfais e iluminações por ocasião da vinda da futura imperatriz do Brasil em 1817 e da aclamação de d João em 1818 Os artistas seriam responsáveis ainda por várias obras urbanísticas e grandes monumentos bem como criariam arquiteturas efêmeras onde se exibiam comemorações públicas associadas ao Estado Assim se a primeira encomenda feita ao grupo e mais especificamente a Montigny foi o projeto de construção de uma sede para uma futura e sempre postergada Academia de Belas Artes já a agenda de festas seria bem mais carregada E nesse departamento aqueles artistas obteriam sucesso De um lado eles trariam o modelo neoclássico europeu com seus exemplos grandiosos retirados da Antiguidade De outro numa colônia que tentava interiorizar a metrópole71 mas continuava marcada pelo trabalho escravo encontrariam dificuldades em traduzir o mesmo modelo que por aqui soaria um tanto falso e postiço ver imagem 44 Estamos ainda em finais de 1816 e o grupo francês decididamente não andava bafejado pela sorte Para piorar as duas atividades planejadas para inícios de 1817 a aclamação de d João e a comemoração da chegada da princesa d Leopoldina futura esposa do príncipe herdeiro d Pedro precisariam ser adiadas em função de uma revolução que estourara em Pernambuco em 6 de março do mesmo ano A transitoriedade dos arcos a fragilidade dos cenários e varandas teriam que aguardar até que a paz voltasse a reinar nestes cantos tropicais AGITAÇÃO À VISTA QUE SE RETARDE A COROAÇÃO Se até então d João entendera a estada em sua colônia tropical como um idílio a partir de 1817 uma nova realidade lhe estorvaria o pacato cotidiano Além dos impasses gestados pelo movimento que estourou em Pernambuco dois conflitos agitariam a política externa do regente a questão da Cisplatina e o tema recorrente do fim do tráfico de escravos Em primeiro lugar a transferência da sede da monarquia portuguesa para o Brasil abrira outro capítulo nas relações diplomáticas E uma das atitudes iniciais da política externa de d João na colônia foi a declaração oficial de guerra contra a França Na sequência ele enviou expedição para ocupar Caiena atual Guiana Francesa como demonstração de sua nova postura mais ofensiva Não se sabe se a conduta foi resultado da instalação da família em terras tropicais se era consequência do conhecimento das recentes atitudes do exército de Junot ou ainda se se tratava de uma reação esperada para selar a aliança com a Inglaterra De toda maneira motivado pela beligerância agora formal o governo de d João conseguiu uma rendição da colônia francesa em 12 de janeiro de 1809 A situação assim permaneceu até que no Congresso de Viena decidiuse que Portugal devolveria à França o território anexado E apesar de a questão ter sido definida em 1815 a restituição só se daria dois anos depois Os problemas diplomáticos não se resumiam contudo a tal questão localizada Nesse meiotempo Napoleão destituiu Carlos IV do trono da Espanha despojou o herdeiro Fernando VII de seus direitos e acabou por agitar o cenário americano precipitando o movimento de separação No Brasil a questão do Prata era observada por Carlota Joaquina que sendo irmã de Fernando VII julgavase no direito de ocupar seu lugar ao menos no que dizia respeito às colônias espanholas Mas os projetos da esposa de d João logo fizeram água até porque o marido tinha poucos motivos para confiar nela A ocasião surgiu em 1811 quando na Cisplatina território que hoje corresponde ao Uruguai deuse início ao processo de independência Sob o pretexto de auxiliar a província e impedir a invasão dos vizinhos o regente colocou as tropas portuguesas em prontidão Em 9 de julho de 1816 data em que foi declarada a independência das Províncias Unidas do Rio da Prata antigas províncias do vicereinado espanhol do Rio da Prata com capital em Buenos Aires o conflito estourou em proporções maiores Novamente o governo joanino interveio a alegação oficial era evitar invasões porém a intenção não explícita era anexar ao Brasil a assim chamada Banda Oriental nome da parte do território do Império espanhol localizado a leste do rio Uruguai costeando inclusive os atuais estados do Paraná e de Santa Catarina e que em nossos dias corresponderia ao estado do Rio Grande do Sul além do atual Uruguai Estava em jogo o controle do estuário por onde afluía todo o comércio do extremo sul Enquanto d João pensava em consolidar uma espécie de imperialismo interno à região e com marca lusa Carlota Joaquina se lembrava dos direitos da Coroa espanhola ver imagem 48 Mas também em outras searas internacionais a política de d João precisaria se impor Nesse âmbito a filosofia do nosso regente consistia em manter as coisas como estão para ver como é que ficam máxima que não era fácil adotar quando a questão envolvia o tráfico de escravos Proibido no Brasil em 1810 pelo Tratado de Paz e Amizade com a Inglaterra tal comércio seria matéria para muito debate e uma longa campanha de quase meio século De acordo com o artigo 10 desse tratado o príncipe dizendose convencido da injustiça e má política do comércio de escravos comprometiase a acompanhar esforços dos ingleses no sentido de proibir o tráfico aos súditos fora dos seus domínios africanos Se o avanço não era do tamanho das pretensões da Inglaterra que abolira o tráfico em seu império e tencionava fazer o mesmo no restante de seus domínios e assim favorecer o comércio mercantil pelo menos tornava ilícito o negócio negreiro Ou melhor quando o tráfico era realizado fora dos domínios portugueses os navios negreiros poderiam ser legalmente apresados Entretanto por mais aparelhada que fosse a Inglaterra não conseguiria capturar todos os navios e nada podia perante o corpo mole da política lusitana tudo era feito apenas para inglês ver A questão não era simples e as hesitações de d João nem um pouco sigilosas Em 1815 o tema voltou à pauta de negociações Durante a realização do Congresso de Viena foi aprovada uma cláusula que abolia o comércio de escravos em todo o hemisfério Norte o que retirava de Portugal um grande manancial de cativos que provinha das regiões setentrionais da África De sua parte o regente não só concordou em abolir o tráfico ao norte do equador como afirmou que exigiria melhores tratamentos para a população escravizada No entanto numa sociedade escravocrata como a brasileira esse tipo de regulamentação tendia a ser engavetado ver imagem 50 Entre o estatuto legal e a realidade havia imenso abismo o qual não era possível transpor somente com decretos Ademais a atitude de d João sempre foi aceitar de um lado e descurar do outro como se com isso ele ganhasse tempo naquela causa sabidamente perdida E tome pressão Até o rei da França em carta de 24 de novembro de 1818 instava a seu bom irmão e primo que abolisse de vez o tráfico Um pouco mais tarde como resultado das deliberações do Congresso de AixlaChapelle outros membros da Santa Aliança se posicionaram no mesmo sentido As medidas atingiam não somente o tráfico acertavam em cheio o próprio sistema escravocrata Interessante notar que só a partir desse contexto as práticas violentas que sempre fizeram parte do sistema viravam matéria de denúncia pública revelavamse as péssimas condições da viagem assim como a desumanidade com que os africanos eram apressadamente desembarcados em terras brasileiras e iam para o Valongo o maior mercado de escravos do país situado no Rio de Janeiro a pouco mais de um quilômetro do palácio ver imagem 49 Em 1817 havia pelo menos vinte grandes estabelecimentos no Valongo nos quais mais de mil cativos a maioria do sexo masculino com idade entre seis e 24 anos ficavam expostos72 Mas a despeito do ignominioso espetáculo as atitudes do governo não passavam de paliativos Nesse mesmo ano nova vitória abolicionista daria à GrãBretanha o direito de vistoriar em altomar qualquer navio suspeito de transportar escravos O acordo tinha validade de quinze anos e Portugal se comprometeria a encerrar sem demora o tráfico Era simultaneamente muito e muito pouco Internamente porém o apoio à política de d João começava a conhecer cada vez mais vozes destoantes Estamos em 1817 ano em que estoura em Pernambuco o amplo movimento que rapidamente se transformaria na pedra no sapato da política joanina Afinal se até então o Império se mostrara bastante unido no Norte reagiase agora às pesadas contribuições e excessivas conscrições provocadas pela conquista da Banda Oriental no que o povo do Brasil não só não tem parte mas julga contrária aos seus interesses73 Era assim que o jornalista Hipólito da Costa expressava a insatisfação dispersa pelo restante da colônia a montagem de um novo aparelho de Estado custara caro Em consequência o peso dos impostos aumentava bem como a desigualdade regional Em suma o sentimento imperante nas regiões afastadas da corte era o de que com a vinda da realeza o domínio escorregara de uma cidade distante para outra de Lisboa para o Rio de Janeiro Acresce a isso o fato de Pernambuco passar por um momento difícil combinandose dois fatores deletérios a continuada queda no preço do açúcar e do algodão com a alta constante no preço dos escravos Como se não fosse suficiente o ambiente tornavase ainda pior com a má fama do governador Caetano Pinto Montenegro cantada em verso e prosa Caetano no nome Pinto na falta de coragem Monte na altura e Negro nas ações Há quem acredite igualmente que as abomináveis ideias francesas chegavam fácil ao Recife iluminando essa que seria uma revolução bibliográfica74 à base de autores como Raynal Rousseau e Voltaire Também as filosofias que incendiaram a independência dos Estados Unidos encantaram os revoltosos Tanto que um dos líderes pernambucanos o Cabugá foi para lá pedir apoio75 Fosse qual fosse a inspiração a própria conjuntura aceleraria o andar do movimento Nesse mesmo ano uma recessão generalizada provocada pela flutuação no preço dos produtos exportados levou a uma grita geral Além de haver nos centros financeiros europeus uma baixa de produtos brasileiros importantes como o açúcar e o algodão uma intensa seca assolou o Nordeste acabando com a já insuficiente lavoura de subsistência local O povo sentia a carestia e jogava na corte e em seus impostos a culpa por tantos males Com motivos de sobra montouse então uma insurreição unindo setores dispersos comerciantes grandes proprietários membros do clero militares juízes artesãos e uma camada de homens livres que lhe conferiu um perfil mais radical e popular Basta dizer que os revolucionários tomaram o Recife em 6 de março e implantaram um governo provisório baseado na lei orgânica que proclamou a República estabeleceu a igualdade de direitos e a tolerância religiosa sem tocar no espinhoso problema da escravidão Mas enquanto a cidade toda iluminada brilhava o conde dos Arcos preparava a repressão E a reação portuguesa foi rápida organizouse uma tropa que bloquearia a capital rebelde e os portos adjacentes Além do mais reforços chegavam do Rio com uma força terrestre de mais de 8 mil homens Diante disso o desânimo e a falta de entendimento se abateram sobre os revoltosos E as divisões internas deixariam a situação insustentável Já d João que fora obrigado a adiar sua aclamação não iria medir recursos no combate à revolta Em 19 de maio as tropas lusas desembarcaram na cidade encontrandoa abandonada e sem liderança Nesses momentos como na Conjuração Mineira de 1789 e na Conjuração Baiana de 1798 a Coroa exibiu seu braço forte esbanjando demonstrações de poder em registro político e simbólico Mais uma vez a repressão virou ato memorável e inscreveu no corpo dos revoltosos a lei e a ordem Não só no Recife como em Salvador e na Paraíba rebeldes seriam executados conforme sentença exemplar Depois de mortos serão cortadas as mãos e decepadas as cabeças e se pregarão em postes e os restos de seus cadáveres serão ligados às caudas de cavalos e arrastados até o cemitério76 De novo o governo de Portugal abusava do ritual de repressão na hora de mostrar a extensão de seu domínio O caso de Pernambuco possuía porém raízes profundas o ânimo da revolta já tinha se manifestado em outras ocasiões como em 1710 Desenvolviase uma descolonização de consciências77 e os recursos teatrais da realeza não faziam mais o efeito de outrora ACLAMAÇÃO E CASAMENTO BODAS NA CORTE A derrota dos revoltosos em Pernambuco foi comemorada pela realeza como um sinal de abertura para tempos mais calmos e estáveis Projetos seriam desengavetados a começar pela aclamação de d João Com efeito o regente exigiu tudo que podia entrada solene com direito a beijamão e muita festa para guardar bem a ocasião Os festejos se esticariam até a Bahia onde luminárias repiques de sinos salvas de canhão e missas cantariam sua vitória assim como anunciariam a aclamação a qual no contexto representava momento máximo a celebrar a harmonia entre o futuro rei e seus vassalos Para completar estrategicamente os decretos de 6 de fevereiro de 1818 davam fim às investigações sobre os revoltosos pernambucanos buscando silenciar a discórdia e reafirmar a magnanimidade do soberano E a festa não podia falhar pois afinal era a partir dela que o poder se multiplicava A Gazeta do Rio de Janeiro fiel na divulgação dos feitos da Coroa dedicou edição separada ao acontecimento78 No dia 11 de fevereiro saía o número que comemorava O glorioso ato da Aclamação do Senhor dom João Sexto Nosso Augusto Soberano e Modelo dos Monarcas do Universo79 Luminárias comes e bebes fogos de artifício retratos reais e emblemas da América e da Ásia proporcionavam ao ritual um caráter memorável Além do mais alterandose a folhinha faziase coincidir a data das Chagas de Cristo com a aclamação80 e o calendário cristão ficava dividido entre reis e santos A comemoração também lucrou com a participação dos artistas franceses ver imagem 46 Foram erguidos por Grandjean de Montigny três monumentos neoclássicos que evocavam a Antiguidade um templo grego a Minerva um obelisco egípcio e um arco do triunfo romano81 Montigny contou com a colaboração de AugusteMarie Taunay de Debret e dos recémchegados irmãos Ferrez e a habilidade da equipe deu a essas obras a grandiosidade necessária mesmo que à custa de falsos mármores bronzes e granitos Agiase em duas frentes decoravase o evento com monumentos tão frágeis quanto o momento político mas alegorias clássicas e referências à história forneciam às celebrações a tradição que lhes faltava Esperavase com ansiedade a noite de 13 de maio de 1818 quando seria encenado o Himeneu drama alegórico em quatro atos que tecia elogios à monarquia lusitana e apresentada a pintura Bailado histórico de autoria de JBaptiste Debret Nessa obra o artista unia os deuses da mitologia clássica aos personagens históricos portugueses D João VI em uniforme real era suportado por figuras que caracterizam as três nações unidas Portugal Brasil e Algarves tendo logo abaixo ajoelhados Himeneu e Amor com os retratos do príncipe e da princesa Nas artes o Brasil jamais conhecera pompa semelhante Debret e Montigny esmeraramse em dar à corte um ar solene e engrandecedor e procuraram vincular um Império alijado à heroica Antiguidade clássica Era a primeira vez que se fazia uma celebração como essa no Novo Mundo e o largo do Paço foi cuidadosamente preparado ao mesmo tempo que se ornamentaram os cortinados com damasco de carmesim e se enfeitaram todos os edifícios da rua Direita por onde passaria o cortejo Não faltaram detalhes no cenário efêmero que deixava o rei visível de onde quer que se quisesse observar82 D João agora de direito VI enfim se apresentava como rei E lá vinha ele portando nos ombros o pesado manto real de veludo carmesim inteiramente coberto de ouro e ostentando as insígnias de todas as suas ordens Junto seguiam o príncipe herdeiro d Pedro e o infante d Miguel logo atrás vinham as representações oficiais A parada terminava com o tedéum na Capela Real ver imagem 4783 No Campo de Santana foram construídas quatro torres com 24 peças todas iluminadas Em cada torre um coro de música instrumental tocava sinfonias No centro desse passeio formouse uma praça com dezesseis estátuas e uma cascata artificial que lançava água ao longe por conta de um repuxo formando uma cachoeira que se derramava num grande tanque repleto de conchas exóticas Para iluminar todo o lugar foram instaladas 60 mil luzes 102 agulhetas 64 lustres um pavilhão chinês pirâmides de quatrocentos fogos e um teatro de quatrocentas lâmpadas84 Para alguns poucos num salão forrado de damasco foi oferecido um dessert em suntuosas baixelas de ouro e de prata Para a multidão que por lá se acotovelava houve farta distribuição de refrescos e doces Enquanto isso no Teatro de São João que começava a se afirmar como local por excelência para demonstrações políticas agitavamse lenços e se cantavam hinos em homenagem ao soberano Até mesmo a aguardada vinda da esposa de d Pedro que fora igualmente atrasada pela rebelião em Pernambuco voltava a seu curso normal Um pouco antes da aclamação chegaria a arquiduquesa Carolina Josefa Leopoldina sobrinha de Maria Antonieta a rainha decapitada pela Revolução na França Podese imaginar o grau de tensão e a importância das negociações diplomáticas da regência de d João em território americano O casamento do príncipe herdeiro do Império dos Bragança era peça preciosa nesse jogo uma vez que matrimônios entre reis são antes grandes negócios de Estado Não que a missão de Marialva em Viena de conseguir uma esposa para d Pedro tivesse sido difícil ao contrário quando o ministro lá chegou os obstáculos já estavam derrubados e sua atuação foi breve85 Ademais e para fechar a conta tudo parecia contribuir a nobreza da origem do príncipe a riqueza e a vastidão do Império lusitano e inclusive a bonita figura do noivo que era conhecido como o único varão em meio às fealdades reais disponíveis Já Leopoldina por contraposição à sua comentada falta de dotes físicos86 era conhecida pela inteligência instrução trato fácil mas também determinação Para provar seu comprometimento logo que o contrato nupcial foi fechado a futura princesa do Brasil se dedicou a estudar português assim como se inteirou da história geografia e economia do novo reino Especialmente interessada por mineralogia e botânica trouxe consigo espécimes para aqui se aclimatarem Os gastos da embaixada portuguesa na capital da Áustria compreendiam a distribuição de joias e barras de ouro para o pessoal da corte e para o Ministério de Estrangeiros Além do mais deuse rica festa nos jardins imperiais de Augarten onde o marquês mandou edificar um salão e ofereceu ceia para mais de quatrocentos convidados O casamento foi celebrado no dia do aniversário de d João e sem a presença do príncipe noivo No dia 13 de junho o grupo chegava a Florença só para aguardar a vinda da esquadra lusa que conduziria ao Brasil a noiva comprometida A espera no entanto foi maior e não só em razão da revolução de 1817 O imperador Francisco preocupado com o destino inseguro da filha insistia em impedir sua partida preferindo enviála diretamente a Lisboa onde ela se reuniria à família real em cujo seio entrara Já o ministro Metternich se empenhou em não ceder aos apelos ingleses garantindo que a arquiduquesa cumpriria o acordo Enquanto isso no Brasil recomeçavam os preparativos Afinal até mesmo a mera notícia dos desponsórios já fora celebrada com missas repiques de sinos salvas de artilharia e ações de graças A tarefa foi confiada ao secretário de Estado dos Negócios do Reino Tomás Antônio de Vilanova Portugal que lidou com a questão como se fosse e era estratégica para o governo Por sua vez o Senado publicou decreto que pedia não só que se ornassem casas e janelas mas que as ruas por onde o cortejo passaria tivessem a conveniente limpeza87 Montigny ergueu um novo Arco do Triunfo um conjunto de mastros sustentando guirlandas de flores e medalhões com os atributos da princesa ver imagem 53 A cada festa a nação era fundada a representação criava realidade não o oposto assim como se aprimorava a engenharia do ritual Pelas ruas redobrouse o policiamento armaramse pavilhões e se decoraram as vias por onde seguiria o cortejo Da ladeira de São Bento até a Capela Real espalhouse areia ervas aromáticas e flores estas últimas enfeitavam também as casas Leopoldina aportou no Arsenal da Marinha e depois de cumprimentar a família real foi levada pela mão de d Pedro A procissão real era acompanhada com grande curiosidade ninguém queria deixar de ver a nova princesa Às três horas numa temperatura de trinta graus o casal parou junto ao portão principal da Real Capela do Carmo Aí se realizou a cerimônia do casamento que durou cerca de uma hora A corte dirigiuse então ao Paço da Cidade88 a noite vinha caindo e a cidade a recebeu toda iluminada Os arranjos foram muitos e houve até serenata para a princesa D Pedro a princesa Maria Teresa e a infanta Maria Isabel cantaram sucessivamente uma arieta e os músicos da Real Câmara junto com os da Real Capela executaram uma peça dramática que se prolongou até as duas da manhã Apesar de estranhar o calor do verão e os mosquitos convidados inesperados e insistentes Leopoldina se adaptaria bem Como boa princesa logo entrou em estado interessante para alegria geral Seria a primeira vez que um herdeiro real nasceria em solo brasileiro símbolo que vaticinava um futuro mais estável para aquele distante e frágil reino nas Américas 8 QUEM FOI PARA PORTUGAL PERDEU O LUGAR VAI O PAI FICA O FILHO A maré carregava o que a maré trouxera Oliveira Lima 19451 REBELIÃO DO PORTO LIBERAL PARA PORTUGAL RESTAURADORA PARA O BRASIL Em 1814 a periclitante situação política europeia parecia finalmente tranquila Foi nesse contexto que ocorreram os últimos confrontos entre forças aliadas e francesas culminando na derrota definitiva de Bonaparte Tudo indicava o retorno da velha ordem com o redobrado poder das realezas e o comando político da Santa Aliança sobretudo nos territórios continentais europeus Porém apesar da estabilização política d João optou por postergar sua estada no Novo Mundo numa demonstração de que aos poucos ia criando raízes em seu território americano O processo de abrasileiramento do rei só ganhava corpo depois de abrir os portos da colônia em 1808 elevara o Brasil à condição de Reino Unido em 1815 e em 1816 preparavase para ser sagrado rei de Portugal do Brasil e Algarves com o título de d João VI tudo em plena colônia no ultramar No entanto em pouco tempo a situação iria girar 180 graus No Brasil insurreições como as de Minas em 1789 da Bahia em 1798 e de Pernambuco em 1817 revelaram como os anseios por emancipação animavam experimentos políticos e utopias locais A essas alturas a América inglesa estava praticamente independente sem contar as ilhas do mar das Caraíbas a Guiana equatorial e o domínio gelado do Canadá Na América espanhola com exceção das Antilhas a independência começava a se delinear como realidade definitiva Eram as abomináveis ideias francesas e os princípios do republicanismo norteamericano que se espraiavam nas colônias revolvendo certezas e modelos arraigados Ares revolucionários começavam a soprar também na própria metrópole portuguesa Nos primeiros tempos da invasão francesa em 1807 e em especial após o momento em que d João declarou guerra a Napoleão em 1º de maio de 1808 uma série de manifestações populares revelaram adesão de parte da população à monarquia dos Bragança Mas a instabilidade política em Portugal foi agravada por mais duas invasões napoleônicas uma em 1809 e outra em 1810 aumentando a aversão aos franceses Até parecia que a despeito da reação popular as tropas de Napoleão não se davam por vencidas e voltavam sempre para tentar controlar aquela metrópole sem rei No entanto após a última expulsão das tropas napoleônicas no fim da década de 1810 o contexto era definitivamente outro com a retomada da soberania lusa nada explicava a insistência do soberano em permanecer na América Diante dessa leseira joanina as antigas demonstrações de fidelidade irrestrita ao monarca por parte da população portuguesa deram lugar à indignação geral Para piorar a situação uma grande crise se abateu sobre o Estado português A produção agrícola escasseava o numerário esgotavase o papelmoeda perdia seu valor assim como sumia o crédito conferido pelos demais países europeus Segundo as elites locais para reerguer Portugal seria preciso deter o processo de autonomia do Brasil ao qual atribuíam a responsabilidade pelo estado lamentável das finanças e do comércio no reino As reprimendas incluíam os irmãos brasileiros acusados de omissão Não se lhes mandou do Brasil nem tropa nem dinheiro nem carnes nem farinhas nem açúcar nem arroz nem coisa alguma2 O fato é que privado dos recursos de suas possessões ultramarinas sem os lucros do comércio colonial e humilhado pela dependência em relação à Inglaterra Portugal se descobriu ocupando um lugar periférico dentro do seu próprio sistema imperial E até mesmo o rei parecia desapegado A crise era pois econômica política e simbólica E somente um gesto de grande poder simbólico a volta do rei por tantos anos ausente seria capaz acreditavam as elites locais de impedir uma radicalização de grandes proporções Foi animada por esse espírito que estourou a Revolução Liberal do Porto em 1820 erguendo duas grandes bandeiras de luta De um lado o constitucionalismo a proposta de criação do conjunto de leis fundamentais do Estado incluindo a definição do sistema geral de governo e a regulação dos direitos e deveres dos cidadãos Cortes e Constituição era a palavra de ordem que reunia politicamente os portugueses em 1820 De outro a defesa da soberania nacional monárquica que nesse caso significava o retorno imediato de d João VI ou ainda melhor de toda a família real O movimento que começava a se delinear em Portugal se inscrevia num contexto mais amplo em que se opunham duas correntes A primeira defendia o ideal da Regeneração política que pretendia sacudir o despotismo português com seus adeptos se organizando em torno das propostas de liberdade constitucionalismo e liberalismo constitucional A outra corrente reivindicava o restauracionismo realista projeto que pretendia a volta e o fortalecimento dos regimes monárquicos conforme propunham agora a França e a coligação formada pela Rússia Áustria e Prússia Mais conhecida como Santa Aliança ela se reuniu no Congresso de Viena entre 1814 e 1815 Em meio a esse ambiente bastante polarizado estoura em Portugal um movimento liberal nacionalista e constitucional com um propósito claramente definido reestruturar o Império lusobrasileiro sob a luz do constitucionalismo e garantir a Portugal a qualquer custo o centro político e administrativo desse Império Para os brasileiros como era de esperar o movimento caiu muito mal indicava que a metrópole nã dava sinais de ultrapassar os laços coloniais insistia em garantir seus próprios interesses e que o sonho de um Império lusobrasileiro estava prestes a se desfazer Na realidade a revolução portuguesa era muito mais complexa havia de ser um paradoxo Irromperia tardiamente numa conjuntura europeia já sob os efeitos conservadores do Congresso de Viena mas não deixaria de introduzir ideias e práticas sociais novas Também ambicionava erguer uma monarquia constitucional que encerraria o Antigo Regime embora sustentasse na figura do rei e não na ideia de nação o polo aglutinador de sua comunidade Finalmente e não menos importante seus adeptos preferiam a regeneração à ideia de revolução3 Com a entrada em cena da Razão e das Luzes várias nações passaram a utilizar um novo linguajar político que exprimia o conhecimento de seus direitos Em Portugal o termo liberal vinha das Cortes de Cádiz assembleia que reunida na Espanha em 1810 defendeu a abolição do Antigo Regime e servia para indicar um novo sujeito político que trazia o vocábulo liberdade para o centro do discurso Um sujeito liberal nesse contexto era aquele que julgava agir sempre pelo bem da pátria era amigo da ordem e das leis tinha influência na administração pública e acreditava que a opinião deveria ser livre Nessa agenda política entravam ainda noções como contrato social constituição autonomia e soberania parlamentar Por fim liberalismo nos termos da conjuntura portuguesa era conceito que permitia reconhecer o direito do outro sendo em tudo oposto ao modelo do Antigo Regime uma vez que se realizava como ideário político através da Constituição Pelo reino começavam a circular obras dos fatais enciclopedistas Rousseau Montesquieu e Diderot isso a despeito da repressão sistemática livros eram queimados proibidos de circular recolhidos a bibliotecas do Estado e por lá encerrados Por outro lado coube à imprensa que se publicava no estrangeiro mas em língua portuguesa papel fundamental no sentido de conferir à causa revolucionária nova importância junto à opinião pública Dos inúmeros periódicos editados destacamse o Correio Braziliense dirigido por Hipólito José da Costa entre 1808 e 1822 editado na Inglaterra e proibido em Portugal em 1811 e em 1817 o Investigador Português em Inglaterra fundado em 1812 com o objetivo de combater o Correio e que mudaria de orientação a partir de 1814 O Português ou Mercúrio Político Comercial e Literário o mais combativo e por isso mesmo o mais censurado dos jornais portugueses publicados na Inglaterra e o Campeão Português o mais doutrinário dos jornais e proibido no ano de 1819 A atuação desses periódicos na divulgação das ideias liberais pode ser atestada por um exemplo retirado de O Português Em 30 de abril de 1814 declarava Enquanto as grandes revoluções se têm obrado na Europa só o governo português dorme em um sono profundo à beira do precipício alevantando um muro impenetrável às luzes que nos possam vir dos vizinhos como se estas fossem contrabando4 Os diferentes periódicos realizavam verdadeiras campanhas de esclarecimento assim como a despeito das diferenças passavam a exigir uma Constituição para Portugal Não por coincidência em junho de 1820 um mês antes de a revolução explodir O Campeão apelava para o rei Acode e corre pai que se não corres pode ser que não aches quem socorrer5 D João por sua vez parecia ainda imune a todo esse ambiente preferindo permanecer em seu Paço de São Cristóvão no Rio de Janeiro mesmo que o preço fosse a adoção do regime constitucional em Portugal6 Mas a temperatura elevada do período não permitia mais o exercício da exclusiva vontade do rei De uma parte movimentos de teor regeneracionista defendiam que uma monarquia liberal e constitucional representava a melhor saída para Portugal ficando a atuação do rei após o juramento restrita à esfera palaciana enquanto o poder público passaria para as Cortes Constitucionais De outra grupos mais radicais ousavam pensar numa mudança de dinastia ou até de regime político Não obstante liberdade era ainda palavra frágil dentro de Portugal onde com frequência censuravamse jornais e perseguiamse associações secretas Foi porém justamente nesses locais de reuniões e encontros clandestinos notadamente nas sociedades maçônicas que a conspiração tomou forma sobretudo no Sinédrio associação secreta formada no Porto em 22 de janeiro de 1818 e composta majoritariamente de juristas7 Nos anos seguintes o movimento cresceria sem ter porém um projeto revolucionário mais definido O próprio perfil dos integrantes explicaria o caráter moderado das propostas e o fato de nunca terem posto em causa a dinastia dos Bragança Da mesma maneira se explica a cautela dos militares que aderiram aos insurgentes em 1820 Mas a radicalização do movimento ia ficando incontornável e na manhã do dia 24 de agosto desse ano as tropas sublevadas tomaram o Campo de Santo Ovídio no Porto Após a formação de um governo provisório as Cortes reunidas pela última vez em 1698 foram convocadas com o objetivo de preparar uma nova Constituição A dinastia dos Bragança seria poupada mas a volta da família real virava tema de pauta e de orgulho nacional Militares e populares aclamaram os discursos salvas de tiros soaram teve lugar uma missa campal e assim começava a Regeneração de 1820 mais conhecida como Revolução Liberal do Porto Foi então nomeada a primeira Junta de Governo composta de elementos da nobreza e da burguesia além de clérigos e militares todos antigos integrantes do Sinédrio Mas era preciso ganhar novas adesões à causa o que não foi difícil Com certeza existiam vozes discordantes e oposições entre realistas e revolucionários mas já em 15 de setembro de 1820 Lisboa se juntava ao movimento Em 1º de outubro as Juntas Provisionais anunciaram as primeiras medidas reformas na administração alterações na censura e a preparação para as eleições dos deputados que fariam a nova Constituição do Império As Cortes foram definidas como um núcleo de representação nacional sendo as eleições regulamentadas Firmados os objetivos da Carta as Cortes Constitucionais trataram de consolidálos durante os anos de 1821 e 1822 sem alterar os alicerces básicos da monarquia As primeiras preocupações dos deputados se concentraram no regimento interno das Cortes na nomeação de comissões e no estabelecimento de um novo governo a Regência Os trabalhos começaram em 26 de janeiro com agenda cheia liberdade de imprensa elaboração do código civil e criminal abolição da Inquisição redução do número de ordens religiosas anistia aos presos políticos De consultivas as Cortes viraram deliberativas sendo sua meta primeira reerguer Portugal Já no plano externo a pretensão era conquistar todo o Império para o ideário da Regeneração Tanto que Pará e Bahia aderiram imediatamente à causa portuguesa O rei que protelara qualquer medida a partir de 17 de outubro de 1820 não teria muito a adiar E no Brasil as opiniões dos conselheiros e ministros que circundavam d João variavam alguns apoiavam o regresso imediato do soberano ou de seu filho Outros defendiam a sua permanência alegando que diante do constitucionalismo era melhor ser rei por inteiro do que pela metade Existiam ainda aqueles que viam com bons olhos uma revolução liberal em Portugal e pensavam que esta só poderia acarretar maior liberdade também para a colônia O debate opunha até figuras próximas ao rei O conde de Palmela por exemplo de volta ao Rio de Janeiro em dezembro de 1820 defendia que em vez de mandar o rei melhor seria seguir o filho uma vez que a partida de d João poderia apresentar consequências fatais para o Brasil Dessa posição discordava Tomás Antônio talvez o conselheiro mais íntimo de d João que infenso a novidades julgava que o monarca deveria impor sua autoridade ficando onde estava e exigindo obediência e submissão a Portugal O conde dos Arcos que ocupava a pasta da Marinha achava que andavam contados nos dedos das mãos os dias do rei na colônia Havia ainda as diferentes facções que se digladiavam no Brasil em torno do tema A volta era defendida no Rio de Janeiro sobretudo pelo partido português formado basicamente por altas patentes militares burocratas e comerciantes interessados no retorno ao antigo sistema colonial e na subordinação do Brasil à metrópole Opunhase a essa posição o partido brasileiro constituído por grandes proprietários rurais das capitanias vizinhas à capital financistas militares burocratas e membros do Judiciário nascidos no Brasil e que começavam a delinear um governo independente de Portugal O terceiro partido conhecido como democrata almejava governos provinciais independentes e incluía boa parte do clero e dos empregados públicos8 Não obstante esses não eram exatamente partidos mas antes correntes de opinião grupos que guardavam os mesmos interesses Na verdade a noção de partido nesse contexto traduzia uma concepção de grupos que se posicionavam a favor ou contra alguma prática política Significava adotar uma postura partidarista na cena pública Existia ainda certo conteúdo pejorativo porque o termo partido costumava aparecer associado a noções como facção seita bando e a formação de grupos partidários envolvidos em desordens públicas Por fim e ao longo dos anos 1821 e 1822 o conceito começa a ser vinculado às insatisfações de época Nos jornais pipocam notas acerca das queixas do partido paulista do partido ultra do partido europeu do partido da opressão colonial do partido de anarquistas e demagogos Mas de uma maneira geral esses diferentes partidos se viram reduzidos a duas correntes a primeira dominante na capital do Brasil e composta de militares e comerciantes lusos que se mantinham fiéis às Cortes de Lisboa a segunda caminhou na direção oposta e apostou na liderança de d Pedro Cresceria também nesse contexto o papel da maçonaria que funcionava como articuladora política catalisadora de descontentamentos e adepta com o tempo da segunda vertente9 D João por seu lado ia resistindo nem consentia em voltar nem lhe agradava a ideia de mandar para Portugal o filho Pedro Por sinal sussurrada pelos cantos essa sugestão mais parecia um segredo de polichinelo todos conheciam o projeto menos o príncipe A essas alturas já com mulher e filhos ele era mantido na maior ignorância dos planos que envolviam sua pessoa Data dessa época a circulação de um folheto escrito em francês que acabou conhecendo grande circulação Intitulado O rei e a família real de Bragança devem nas circunstâncias presentes voltar a Portugal ou ficar no Brasil10 o folheto inspiravase nas posições de Tomás Antônio que como sabemos opunhase ao retorno dos Bragança O autor elaborava seis proposições 1 Portugal precisava mais do Brasil do que o contrário 2 a partida para a Europa da família real seria o prelúdio da independência do Brasil 3 d João poderia conservar sua autoridade no Brasil e a partir daqui fundar um império de grande peso na balança política do Mundo 4 em Lisboa o rei estaria nas mãos dos rebeldes 5 do Brasil o monarca controlaria o florescente Império português 6 d João teria tempo quando quisesse de fazer a mudança que lhe pediam naquele momento A autoria do documento era atribuída ao emigrado francês tenentecoronel Francisco Cailhé de Geines Entretanto nos círculos políticos cariocas sabiase que o texto fora escrito por encomenda expressa do ministro Tomás Antônio e com a aquiescência do rei11 Nesse contexto passaram a circular também os papelinhos ou panfletos manuscritos e impressos fundamentais para a difusão de opiniões políticas e temas polêmicos12 que nessa conjuntura entre os anos 1821 e 1822 demonstravam uma clara articulação entre a emergência da opinião pública e o surgimento de um novo vocabulário político ver imagem 58 Por meio desse tipo de comunicação era possível indagar acerca da legitimidade da autoridade real ou dar apoio a ela questionar as ligações entre metrópole e colônia ou assegurar laços de permanência de um Império lusobrasileiro Tais documentos partiam sobretudo da Bahia e do Rio de Janeiro e propunham a conscientização da população afirmando que ela não poderia restar alijada do processo Mas as posições não eram unívocas a Bahia cujo comércio em sua maior parte era realizado diretamente com Portugal e África não concordava com a intromissão inglesa e por isso mesmo apoiou a política das Cortes ao menos num primeiro momento já o Rio de Janeiro era o grande beneficiário da política joanina e apostaria todas as suas fichas na permanência de d Pedro No início de 1821 d Pedro seria informado das decisões e sua partida foi dada como definitiva A despeito do estado avançado da gravidez de d Leopoldina e de uma projetada separação dos dois o príncipe mostrouse logo decidido pretendendo finalmente garantir sua entrada triunfal no cenário da política Mas d Pedro não partiu a ideia mais parecia manobra dilatória do rei que teve o cuidado de tranquilizar a nora temendo maus sucessos nos trabalhos de nascimento do futuro neto Os acontecimentos porém se precipitavam e d João viuse obrigado a jurar a Constituição em fevereiro de 1821 seu derradeiro ato no Brasil Mesmo assim o tempo das meias palavras perdurava e de 18 a 26 de fevereiro as incertezas continuaram junto com o acelerado processo de enfraquecimento da autoridade real O monarca em meio a crises de abulia não mostrava firmeza Os decretos de Lisboa de 7 de março não só determinaram o regresso do rei a Portugal ficando o príncipe encarregado do Governo Provisório do Brasil como estabeleceram as instruções a respeito da eleição dos deputados brasileiros que atuariam junto às Cortes O ambiente que já era ruim entornou Em 21 de abril de 1821 na então praça do Comércio uma reunião de eleitores do Rio de Janeiro foi bruscamente interrompida por gritos de Aqui governa o povo e Haja revolução A multidão exigia que d João VI jurasse a Constituição de Cádiz de 1812 e que permanecesse no país Enquanto o vacilante rei mais uma vez aquiescia seu filho reprimia violentamente a manifestação cujas consequências ficariam relatadas no livro da viajante e preceptora dos príncipes a inglesa Maria Graham que lamentou as trinta mortes e os muitos feridos13 No dia seguinte o prédio no centro da praça amanheceria pintado com os dizeres Açougue dos Bragança numa mostra de como os humores também no Brasil se voltavam contra a Coroa A única exultante era a rainha Carlota Joaquina que nunca escondera sua aversão à corte do Rio de Janeiro Voltava satisfeita à Europa em 26 de abril de 1821 junto com o restante da família real à exceção de d Pedro que ficava como um braço da monarquia no Brasil Com a corte partia um séquito estimado em 4 mil indivíduos entre ministros oficiais diplomatas e suas famílias além dos deputados brasileiros alguns meses depois Era o fim do hamletismo político iniciado desde a Paz de 1816 no lugar do clássico Ser ou não ser ficava a versão tropical encenada por d João que se resumia a constantes Vou ou não vou Fico ou não fico Já d Pedro com seus 22 anos permaneceria no Brasil herdando esperanças e projetos políticos No documento que reproduz a última conversa travada entre pai e filho no momento da partida ficava claro como faltava intimidade e sobrava distância Ali estavam frente a frente o reticente rei d João VI e o voluntarioso regente d Pedro O dia era 24 de abril e daí a dois dias elrei embarcaria finalmente com o resto da família O regente foi então chamado ao quarto do pai onde se deu um famoso colóquio de poucas palavras Na verdade só se sabe o que disse o rei a partir da memória do filho que fez questão de tudo recordar em carta datada do ano seguinte Eu ainda me lembro e me lembrarei sempre do que Vossa Majestade me disse antes de partir dois dias antes no seu quarto Pedro se o Brasil se separar antes seja para ti que me hás de respeitar do que para algum desses aventureiros A memória é traiçoeira sobretudo essa que se transforma em peça oficial de nacionalidade Se d João disse e o filho lembrou ao escrever ninguém há de saber O certo é que o decreto de 22 de abril de 1821 saía mencionando saudade esse termo tão carregado de sentidos Sendo indispensável prover acerca do governo e administração deste reino do Brasil donde me aparto com vivos sentimentos de saudade voltando para Portugal14 Dizem que quando partiu em 26 de abril de 1821 d João ia varado de sobressaltos e tristezas e que atirado na sua bergère o pobre homem mal falava15 Bem que o rei tentou propor uma parada breve em Salvador a pretexto de deixar ordens para que obedecessem ao novo governo Mas até o ministro Palmela achou que dessa vez bastava Melhor era limpar logo os cofres e transportar cuidadosamente as arcas do Tesouro e as burras do Banco do Brasil16 Só o rei carregou em ouro amoedado e em barra mais de 60 milhões de cruzados E isso sem falar nos diamantes que estavam nas casasfortes do Banco do Brasil Pelas ruas o povo que mais uma vez acompanhava a movimentação da corte portuguesa poetava Olho vivo e pé ligeiro vamos a bordo buscar dinheiro17 A HORA E A VEZ DE PEDRO Enquanto d João VI cruzava novamente os mares agora em direção oposta a Junta das Cortes debatia as disposições que regeriam o regresso do monarca Para dar uma noção do impacto da volta do soberano basta dizer que o órgão determinou que se observasse o antiquíssimo Regimento de Entradas em Lisboa elaborado em 30 de agosto de 1502 por ocasião da chegada de d Manuel e apenas adaptado ao novo contexto Pretendia atribuir alto papel ao monarca equiparandoo a um grande vulto dos tempos do Descobrimento18 e ainda entregarlhe as chaves da cidade19 Não obstante ao mesmo tempo que se faziam as honras da casa também se deixava claro quem seriam os novos dirigentes o monarca desembarcaria no dia 4 de julho ver imagem 51 não sem antes ter recebido as deputações da Regência e das Cortes Para mostrar força as Cortes proibiram ainda a entrada de onze conselheiros do rei considerandoos perigosos Entre eles estavam o conde de Palmela o ministro Tomás de Vilanova Portugal e o visconde do Rio Seco Joaquim José de Azevedo aos quais determinaram o afastamento da capital e o retorno ao Brasil No jogo de braço de ferro os vintistas como eram chamados os revolucionários portugueses mostravam quem virava o punho Na mesma data o rei foi obrigado a nomear novo ministério substituindo a Regência e assumiu a monarquia constitucional que lhe dava um novo status político Mas enganase aquele que desfaz da força simbólica do rei a entrada do monarca em Lisboa acompanhado da rainha e do infante d Miguel foi descrita de maneira triunfal Em 5 de julho Lisboa se preparou para receber aquele que mesmo premido pelas circunstâncias surgia como troféu de vitória ainda amparado por sua condição de rei Se d João VI se conformava à situação Carlota Joaquina repetia seu papel de opositora agora contra a revolução e os planos de cerceamento ao absolutismo real Ela foi a única representante da família real que se recusou a jurar a Constituição de 1822 o que lhe custou o desterro no Palácio do Ramalhão20 Não perdeu porém a pose e escreveu carta a d João dizendo desprezar todos aqueles que rodeavam e enganavam o rei seu marido Enquanto isso d Pedro permanecia no distante Brasil Mas o filho não era marionete do pai e tinha lá seus arroubos e veleidades Até por essa razão num primeiro momento se tornou presa fácil na mão das elites locais que temerosas do andamento da revolução na metrópole tentavam preservar as vantagens adquiridas21 Mas logo arregaçou suas mangas de coadjuvante virou ator principal Já em sua primeira proclamação ao que parece redigida pelo conde dos Arcos o governo interino aprovou uma série de reformas na educação pública na agricultura e no comércio a despeito de deixar claro que exigiria respeito austero das leis e a vigilância constante As medidas práticas não foram muitas mas o efeito era evidente com elas ganhava corpo a figura do novo regente O momento no entanto pedia cautela até porque não havia noções claras sobre as repercussões do que começava a ocorrer em Portugal onde aliás a política corria solta as pretensões eram que as Cortes governassem um só reino com duas seções europeia e americana e não dois reinos autônomos com apenas um monarca E como as Cortes tinham pressa e queriam tudo referendar agora pediam o envio de uma representação brasileira a Portugal A primeira reação não poderia ser mais otimista não apenas o Rio e a Bahia a nova e a velha capital do vicereinado e do Reino Unido se pronunciaram a favor do constitucionalismo Até o Pará que compunha uma província de administração separada se entusiasmou pela revolução indicando que no Brasil o movimento foi a princípio saudado como a implantação de um regime liberal em luta contra o despotismo e o Antigo Regime e a favor da liberdade Ainda não se tinha como prever o furor recolonizador que se instalara na metrópole onde as elites lusitanas se mostravam favoráveis ao constitucionalismo dos brasileiros desde que subordinado ao português o que mais lembrava um passo atrás Contudo nada era límpido e certo nesses momentos iniciais e a reação da colônia foi positiva com o Brasil selecionando logo seus deputados As instruções das Cortes de 22 de novembro do ano anterior eram claras todos os cidadãos eram considerados elegíveis à exceção dos conselheiros de Estado e dos empregados da Corte Real Determinouse ainda a representação de um deputado para 30 mil habitantes e o direito de participação do Brasil e das demais possessões ultramarinas No caso brasileiro previuse a criação de juntas governativas leais à revolução a serem instaladas nas várias capitanias que então passariam a se chamar províncias22 A base da representação brasileira foi fixada nos mesmos termos e o cálculo da população foi formulado tendo por critério o ano de chegada da corte ao Rio de Janeiro o que levava a um número de 2323386 habitantes e portanto uma média de 77 deputados apesar de só 46 terem comparecido às sessões para cem de Portugal metropolitano nove pelos dois círculos de ilhas adjacentes Madeira e Açores e sete pelas possessões africanas e asiáticas Cabo Verde Bissau e Cacheu Angola e Benguela São Tomé e Príncipe Moçambique Goa Macau Timor e Solor23 Os deputados de Pernambuco foram os primeiros a chegar a Lisboa logo em 29 de agosto de 1821 contando com nomes como Muniz Tavares e Araújo Lima Também os deputados fluminenses se destacaram entre eles o futuro marquês de Paranaguá Da Bahia foram enviadas personalidades como Cipriano Barata e Francisco Agostinho Gomes Mas foi apenas a deputação de São Paulo24 que fez lição de casa levando instruções explícitas nas quais se reconhecia a pena de José Bonifácio e seus temas prediletos a abolição da escravidão e a catequese dos indígenas25 Bonifácio era figura conhecida permanecera na Europa por longo tempo estudara e fora professor em Coimbra e ocupara cargos administrativos importantes em Portugal O documento trazia ainda apontamentos sobre a sede da monarquia que deveria ser alternada acerca do número de deputados dos dois reinos que seria igualado e sobre o reino do Brasil Tal manual teve porém pouca serventia as Cortes já haviam começado a se reunir em janeiro de 1821 e as primeiras medidas pretendiam subordinar os governos locais a Lisboa assim como revogar tratados comerciais dos tempos de d João A desunião entre Portugal e Brasil era clara e a intransigência das Cortes levou a crescente resistência Para aqueles que viajaram a Portugal com a esperança de lá encontrar um debate sobre princípios da igualdade perante a lei e acerca dos direitos do Brasil a realidade mostravase distinta a colônia não passava para muitos deputados portugueses de uma terra de macacos de bananas e de negrinhos apanhados na costa da África26 Deste lado do Atlântico a situação era igualmente instável Enquanto em Pernambuco e na Bahia os grupos dirigentes tinham motivos mais imediatos para apoiar a política portuguesa no Rio de Janeiro as elites políticas dividiamse entre os conservadores vinculados a Bonifácio e os mais radicais que giravam em torno de Joaquim Gonçalves Ledo Também o príncipe oscilava entre dar ouvidos às queixas locais e mostrar sinais de fidelidade a seu pai Preocupado em enternecer o coração do rei d Pedro mandava missivas em que extremava gestos de afeição e escondia as dúvidas A menina todos os dias fala no avô já anda solta o menino já sustenta a cabeça e está maior e mais forte27 O regente tinha ainda outros problemas pela frente como sanear a situação financeira que herdara As dificuldades estavam vinculadas às circunstâncias em que se operou a retirada da família real e eram agravadas pela lastimável situação do Banco do Brasil que como se dizia na época nascera torto e andava novamente à beira da falência Data dessa época também a fama de incorrigível galanteador do regente Era na conta dessa fama que ao lado das cartas mais políticas em outras d Pedro comentava escorregadas que dera na própria casa ou melhor denunciava que criados bisbilhoteiros lançavam suspeitas acerca de seus casos extraconjugais28 D Pedro foi romântico também em seus ímpetos políticos e parecia ansiar por assumir um lugar de maior evidência na condução política do Império Talvez por isso tenha se contagiado pela verdadeira mania nacionalista que começava a assolar boa parte dos deputados brasileiros em Portugal a qual já chegava rápido ao Brasil Essa mudança de espírito era insuflada pelas atitudes das Cortes que em 13 de julho de 1821 criavam as Juntas Provisórias e assim cancelavam atos de d João o qual encarregara o príncipe real do governo geral e inteira administração de todo o Reino do Brasil Aliás entre fins de setembro e outubro de 1821 uma série de medidas expedidas pelas Cortes delineavam com mais precisão seus reais intentos decidiuse pela transferência para Lisboa das principais repartições instaladas no Brasil novos contingentes de tropas foram destacados para o Rio de Janeiro e finalmente em 29 de setembro foi assinado decreto exigindo o retorno do príncipe regente ato que gerou reação imediata no Brasil Um pouco acuado o príncipe respondeu de pronto que ia dar cumprimento às disposições e que não quero influir mais nada no Brasil29 Mas os decretos das Cortes chocariam os políticos brasileiros e d Pedro não permaneceria firme em suas palavras por muito mais tempo As Cortes também determinaram que as diferentes províncias do Brasil se transformassem em províncias de Portugal províncias ultramarinas desaparecendo o lugar político do Rio de Janeiro como centro da unidade brasileira o que tornava desnecessária a presença do príncipe real na colônia O golpe foi logo sentido e em 14 de dezembro de 1821 assim escreveu d Pedro a seu pai A publicação dos decretos fez um choque mui grande nos brasileiros a ponto de dizerem pelas ruas se a constituição é fazeremnos mal leve ao diabo tal coisa É certo que em seguida o príncipe assegurava que respeitava de forma cega os decretos mas ao mesmo tempo manifestavase sensível se fosse obrigado pelo povo a não dar o exato cumprimento a tão soberanas ordens30 Pressões surgiam de todo lado se ele partisse o Brasil se declararia independente se ficasse continuaria unido porém não mais acatando ordens das Cortes Conforme reza a última carta do príncipe no ano de 1821 dantes a opinião não era geral hoje é e está mui arraigada O ano de 1822 começou cheio de dúvidas e com ralas certezas Não à toa o partido brasileiro concentrava esforços no sentido de assegurar a permanência de d Pedro no Brasil E não só ele radicais rondavamno jornais surgiam e desapareciam como se visassem apenas convencer o regente a ficar Até então não havia unanimidade mas aos poucos ela ia sendo criada Porém assim como as notícias de Lisboa chegavam ao Brasil com quase dois meses de atraso tardava a atitude do príncipe Era a conhecida irresolução dos Bragança que parecia manifestarse também em d Pedro constantemente aconselhado por sua mulher a qual julgava necessário que o marido fosse mais pressionado pois não está tão positivamente decidido quanto eu desejaria31 Com o tempo a princesa se converteria numa das grandes influências favoráveis à emancipação e à desobediência do regente às Cortes ver imagem 53 Leopoldina parecia temer o constitucionalismo português permanecendo fiel aos princípios do absolutismo O partido brasileiro precisava sensibilizar o regente com um ato simbólico aliás como são simbólicos todos os eventos que nascem para serem guardados pela história oficial O movimento partiu do Rio de Janeiro de São Paulo e Minas e no dia 9 de dezembro quando chegaram os decretos portugueses exigindo a volta imediata criou se o Clube da Resistência Mas foi Gonçalves Ledo do partido brasileiro quem orientou ao então presidente do Senado da Câmara José Clemente Pereira que indagasse de d Pedro acerca de uma solicitação formal para que ficasse no Brasil Ao mesmo tempo logo no primeiro dia do ano de 1822 o regente receberia carta de José Bonifácio pedindolhe que permanecesse e não se tornasse escravo de um pequeno número de desorganizadores Bonifácio que em junho de 1821 fora vicepresidente da junta provisória em São Paulo logo se tornou figura forte ao lado do regente No dia 9 de janeiro d Pedro recebeu no Paço numa audiência do Senado da Câmara um requerimento tomado por mais de 8 mil assinaturas que pediam a ele que não deixasse o Brasil O objetivo era claro garantir a presença do herdeiro na colônia e assim suspender a maré recolonizadora que dominara a metrópole E se d Pedro não se fez de rogado até hoje pairam suspeitas acerca das famosas palavras declaradas pelo príncipe o tão famoso Diga ao povo que fico O auto dessa sessão única apresenta uma declaração complementar que aparece em dois editais sucessivos do Senado Segundo o primeiro edital do próprio dia 9 a resposta do príncipe teria sido Convencido de que a presença da minha pessoa no Brasil interessa ao bem de toda a nação portuguesa e conhecido que a vontade de algumas províncias assim o requer demorei a minha saída até que as Cortes e meu Augusto Pai e Senhor deliberem a este respeito com perfeito conhecimento das circunstâncias que têm ocorrido O mesmo auto diz porém no postscriptum que os termos não foram exatamente esses devendo ser substituídos pelos seguintes Como é para bem de todos e felicidade geral da nação estou pronto diga ao povo que fico Dito ou não dito o fato é que na sequência o regente teria se achegado das varandas do Paço e declarado Agora só tenho a recomendarvos união e tranquilidade Curioso justamente essa parte da resposta de d Pedro referente ao Fico não consta do edital do dia 10 onde se lê que teriam sido publicados na véspera pronunciamentos com notável alteração de palavras motivados pela alegria que se apoderou de todos os que estavam no salão de audiências32 Política muitas vezes se faz na lógica do disse que disse e nesse caso a memória selecionou apenas o mais impactante De toda maneira fiquemos com a segunda frase enquanto as Cortes portuguesas eram informadas por ofício de 16 de fevereiro que d Pedro permaneceria tendo declarado que o Brasil queria ser tratado como irmão não filho soberano com Portugal e nunca súdito independente como ele e nada menos Apesar da contundência dos termos vale repetir que boa parte das elites ainda desejava manterse unida a Portugal guardandose apenas as franquias já alcançadas Essa posição advogada pelo ministério conservador que defendia uma saída moderada e se aglutinava em torno de Bonifácio contava com a oposição dos grupos radicais que ousavam imaginar um modelo diferente de representação quiçá republicano Mas a despeito das tensões entre os grupos o certo é que um processo mais estrutural e profundo ia se afirmando e a história não voltava atrás É por isso que a contenda foi sendo decidida em duplo sentido de dentro para fora mas também de fora para dentro com a intransigência das Cortes portuguesas de um lado e de outro a consciência interna de que a independência era o único caminho à disposição Há quem diga ainda que a essas alturas Portugal é que pretendia se livrar do Brasil e de suas provocações O fato é que pequenos incidentes de parte a parte lotaram a agenda política no curto intervalo que levaria ao episódio da Independência o famoso Sete de Setembro às margens do rio Ipiranga INDEPENDENTES PORÉM NEM TANTO É possível especular que se não fosse por conta da política das Cortes com mais dificuldade teria se criado no Brasil um sentimento de autonomia A Bahia ainda não perdoara ao Rio de Janeiro a mudança da sede do vicereinado E enquanto as províncias do Norte continuavam preferindo uma capital mais próxima Salvador por exemplo no Sul não faltavam aqueles que desejavam removêla para São Paulo No entanto mesmo a mais consolidada divisão interna tende a ceder diante de um inimigo externo fato que acabou levando à união das diversas províncias e facções D Pedro cada vez mais imbuído do seu papel já alegara estar cansado de aturar desaforos33 e o sentido da independência começava a se delinear na opinião pública É assim que se entende a criação de um Exército brasileiro Exército de 1ª Linha como foi chamado logo depois de as tropas portuguesas se negarem a jurar fidelidade a d Pedro e a formação de um novo ministério Entre os muitos decretos destacase a proibição do desembarque da expedição de Francisco Maximiliano e Sousa que chegada ao Rio em 9 de março pretendia transportar o príncipe de volta a Lisboa com uma esquadra semelhante à que levara o rei d João Entrementes as Cortes recebiam notícias desencontradas que davam conta da atitude do príncipe Pela primeira vez a resposta veio conciliatória era de bomtom apertar a corda mas não deixála romperse Mesmo assim o ambiente não era nada tranquilo Bonifácio e seus colegas de gabinete chegaram a ser chamados de depravados e ladrões tamanho o calibre da reação portuguesa diante da atitude do príncipe e do papel de seus principais assessores E a evolução foi rápida Em fevereiro de 1822 a Região Sul do Brasil já formava um só bloco político estando Rio de Janeiro São Paulo Santa Catarina e até Minas Gerais em concordância com relação à ideia de autonomia e também na escolha do príncipe como figura central nesse processo Ganhava pontos a corrente liderada por Bonifácio a qual afirmava que só em torno da figura de um rei é que se evitariam separatismos ou até mesmo revoluções mais liberais e populares Impunhase assim a independência muito embora teoricamente unidas para a emancipação as províncias continuassem divididas em seus interesses Igualmente tensas eram as sessões das Cortes em Portugal sendo os deputados brasileiros sujeitos a todo tipo de impedimento Conforme escrevia um deputado em carta ao Correio do Rio de Janeiro A rivalidade já passa a ódio não só entre os Deputados de Portugal e Brasil como entre o povo34 Vários deputados brasileiros não juraram nem assinaram a Constituição portuguesa Alguns deles depois da clara reversão de expectativas fugiram às escondidas para Londres Entre eles estavam Antônio Carlos de Andrada Machado Diogo Antônio Feijó José Ricardo da Costa Aguiar de Andrade e Antônio Manoel da Silva Bueno todos de São Paulo e os deputados baianos Cipriano Barata Francisco Agostinho Gomes e José Lino Coutinho Enquanto isso no Brasil nosso príncipe dado a laivos de romantismo aproximavase da maçonaria A participação maçônica no Fico já fora notável mas seria ainda mais fundamental no dia 13 de maio de 1822 quando se celebrava o aniversário de d João e d Pedro recebeu a investidura de defensor perpétuo do Brasil das mãos do grãomestre da loja Grande Oriente do Brasil justamente José Bonifácio de Andrada e Silva Entretanto várias figuras da mesma loja ou salientes na maçonaria de uma forma geral discordavam da política advogada pelo então ministro da Regência Se Bonifácio combatia a escravidão não escondia suas posições políticas conservadoras com relação à emancipação política defendia maior autonomia mas jamais uma separação radical No interior da maçonaria as posições também se dividiam entre os mais conservadores advogando uma monarquia constitucional com pequena representação e os mais extremados associando a independência à ideia de República e do voto popular Um exemplo dessa polarização pode ser percebido na discussão sobre a conveniência de eleger uma Assembleia Constituinte no Brasil José Bonifácio e seu grupo eram contrários à convocação enquanto Gonçalves Ledo ativista da ala mais radical e Martim Francisco irmão mais moço de Bonifácio entre outros eram a favor Tanto que chegaram a organizar nova petição exigindo a convocação de uma Assembleia Geral Representativa O documento que contou com mais de 6 mil assinaturas foi entregue ao príncipe em maio de 182235 E com o acirramento do processo d Pedro foi mais uma vez pressionado no sentido de convocar em 3 de junho de 1822 uma Assembleia Constituinte Afinal enquanto vozes brasileiras eram abafadas na Corte de Lisboa continuávamos por aqui sem representação sem administração legítima ou mesmo freio para a temida recolonização Por isso líderes como Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa inflamavam a população carioca enquanto os jornais tratavam de pôr lenha na fogueira abrindo verdadeira campanha contra as medidas das Cortes Ledo defendia que a eleição fosse direta ao passo que seus opositores advogavam um escrutínio indireto mas o acirramento da situação acabaria por unir pelo menos momentaneamente tendências distintas36 Foi nesse ambiente que em 3 de junho saiu o decreto de convocação da Constituinte brasileira O texto final era de José Bonifácio mas as ideias vieram em grande parte de Ledo A palavra de ordem era independência moderada pela união nacional fórmula presente na proclamação de d Pedro no dia anterior Foram estabelecidos então os critérios para eleição de deputados enquanto Minas Gerais teria vinte representantes Mato Grosso Santa Catarina Rio Grande do Norte Piauí e Rio de Janeiro contariam com um cada São Paulo com nove e Bahia e Pernambuco com treze37 Um novo ato assinado pelo príncipe tornou o beneplácito do Executivo central brasileiro indispensável à validade das leis ordens e resoluções que não deixavam de chegar do governo de Portugal Era o Cumprase assinado em 4 de maio de 1822 Outra vez a reação surgia como ação já que havia muito tempo cada navio chegado da metrópole só trazia notícias desagradáveis a formação de novas forças a criação de um conselho de procuradores para estender a autoridade sobre o Brasil a objeção ao título de defensor que d Pedro recebera a negação ao direito da colônia de ser um reino não só unido como uno Já d Pedro ia acercandose das elites locais depois da investidura agora seria a hora de entrar na maçonaria Recebido com o nome de Guatimozim o iniciado nos mistérios o príncipe herdeiro foi logo elevado a grãomestre na loja Grande Oriente A maçonaria incitava a imaginação do jovem Pedro que se vinculava cada vez mais aos setores conservadores Por outro lado voluntarioso fortaleciase em suas ações contra as Cortes as quais de longe desconheciam seu poder de mando e o provocavam chamando o de o rapazinho O divórcio litigioso ia se consolidando O Manifesto de 1º de agosto redigido por Gonçalves Ledo mas atribuído a d Pedro anunciava a separação Brasileiros Está acabado o tempo de enganar os homens Então as províncias austrais do Brasil coligandose entre si e tomando a atitude majestosa de um povo que reconhece entre os seus direitos os da liberdade e o da própria felicidade lançaram os olhos sobre mim o Filho do seu Rei e seu amigo38 D Pedro por meio da pena de Ledo aparecia como narrador dessa história apoiandose na imagem da reação seus atos representavam tão somente reação à vilania dos Portugueses Nesse momento porém a facção liberal de Gonçalves Ledo já havia perdido a liderança tendo sofrido sua maior derrota em 19 de junho quando não conseguiu impor a tese das eleições diretas para a Constituinte A independência que se aproximava seria uma decorrência das tensões crescentes com as Cortes mas simbolizava a vitória do grupo liderado por Bonifácio conservador monarquista e só timidamente constitucionalista unido ao partido brasileiro de Ledo A essas alturas o grupo maçônico de Bonifácio composto de proprietários rurais e comerciantes exportadores já controlava a máquina de Estado39 É obra do ministro o manifesto de 6 de agosto quando prevaleceu a saída monárquica Perdido o Brasil está perdida a monarquia40 assim rezava o manuscrito moderado Mas o ambiente estava mais para conflito que para contemporização Ainda nesse mês o príncipe decretou que as tropas da metrópole eram consideradas inimigas além de recomendar aos governos provinciais não dar posse a empregados vindos de Portugal Uma nova enxurrada de manifestos ia deixando claro como os projetos de autonomia viravam realidade O marco simbólico é que tardava OUVIRAM DO IPIRANGA AS MARGENS PLÁCIDAS Faltava só o ato final e ele aconteceria em São Paulo como nem mesmo os Andrada José Bonifácio e seus irmãos tão acusados de praticar um bairrismo paulista poderiam sonhar Depois de ter contornado problemas nas províncias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais d Pedro partiu em 14 de agosto de 1822 para São Paulo acompanhado de pequena comitiva Luís de Saldanha da Gama depois marquês de Taubaté veador da princesa o oficialmor e camarista e que servia ao príncipe como secretário político o gentilhomem da Imperial Câmara no Paço Francisco de Castro Canto e Melo irmão da que foi mais tarde a marquesa de Santos a favorita do príncipe o malfalado Chalaça o ajudante Francisco Gomes da Silva secretário e diziam alcoviteiro de d Pedro João Carlota criado particular e João Carvalho lacaio do príncipe seu guardaroupa estribeiromor e superintendente das Quintas Imperiais Mais à frente no trajeto juntaramse ao séquito o tenentecoronel Joaquim Aranha Barreto de Camargo e o padre Belchior Pinheiro de Oliveira confidente e mentor de d Pedro No Rio de Janeiro a princesa Leopoldina era empossada como regente cabia a ela presidir o conselho de ministros e dar audiências públicas no lugar do esposo sempre ao lado de José Bonifácio a cabeça do gabinete Enquanto isso nosso diminuto grupo vencia de maneira pausada a viagem percorrendo em dez dias cerca de 470 quilômetros entre Rio e São Paulo Passaram a noite em fazendas em Areias Lorena Taubaté e Águas Brancas recebendo tanto homenagens como críticas dos adversários dos Andrada Mais à frente ao pequeno grupo se juntou a guarda de honra uma guarda de capacete de dragões e botas à lécuyère botas de escudeiro mais um grupo de oficiais a serviço do regente Outras pessoas foram aumentando a comitiva até a entrada em São Paulo no dia 25 de agosto cidade pequena de ruas estreitas e tortuosas cujos habitantes segundo o último alistamento censitário de 1822 não passavam de 6920 almas O príncipe partiu de São Paulo só em 1º de setembro com destino a Santos de onde retornaria na famosa manhã do dia 7 O objetivo de d Pedro em São Paulo era apaziguar os ânimos depois da sublevação que ficou conhecida como a Bernarda de Francisco Inácio O termo vinha de bernardinas e correspondia às portuguesas bernardices relativas à tradição em parte falsa da ignorância e simplicidade dos frades beneditinos diante da reforma de são Bernardo No Brasil bernarda tornouse expressão corrente em 1821 sendo associada aos movimentos populares da Independência A origem estaria numa frase proferida por Tomás Antônio Vilanova Portugal denominando bernarda tolice asneira a revolução constitucionalista do Porto em agosto de 1820 ver imagem 59 Os jornais da época divulgaram o dito que se fixou no vocabulário popular também com o sentido de motim e revolta popular Não é o caso de perseguir os meandros dessa história É suficiente saber que o vínculo de d Pedro com José Bonifácio era tal que o príncipe encarou a Bernarda de Francisco Inácio como um desafio à sua própria autoridade deu a Martim Francisco o Ministério da Fazenda e resolveu visitar a província paulista a fim de aquietála sempre em favor dos Andrada A viagem tinha pois objetivos políticos mas nada impedia que o regente atentasse contra o sexto mandamento Afinal a fama de d Pedro se espalhara e diziase que nunca lhe escapava um bom rabo de saia nobres escravizadas serviçais da corte Comentava se muito por exemplo certo episódio ocorrido em Santos quando o imperador tentou comprar uma escrava apenas porque a beleza dela lhe saltara aos olhos Mas o caso mais conhecido entre as fofocas que cercam a Independência brasileira estava por acontecer envolvendo d Domitila de Castro Canto e Melo filha do coronel João de Castro Canto e Melo e de d Escolástica de Oliveira Toledo Ribas Domitila nascera em São Paulo e era quase um ano mais velha que o príncipe sendo moça madura e diziam dona de todas as graças femininas Amargava as consequências de um casamento frustrado e o feito do que considerava serem as estreitezas de seu meio provinciano Se for certo que não era mulher para cuidar de filhos de um consorte também não façamos de tudo um jogo de resultado viciado Domitila jamais poderia imaginar que teria o papel que desempenhou na viagem do regente Ao contrário andava naquela ocasião sofrendo com as dificuldades que seu marido vinha lhe impondo acusada de adultério tinha a guarda de seus três filhos reclamada Não se sabe se ela possuía planos de pedir a intervenção do príncipe contra o exmarido tendo seu acesso sido facilitado graças à presença de seu irmão na comitiva ou se o primeiro encontro foi golpe de sorte Dito por não dito conta a história narrada desde o início do século XIX que d Pedro voltava de um bairro distante quando cruzou com uma bela mulher que chegava carregada numa cadeirinha por dois escravos Galante o príncipe apeou do cavalo e saudou a desconhecida cantandolhe a beleza Depois de breve diálogo d Pedro suspendeu a cadeirinha Como Vossa Alteza é forte teria dito a moça ao que o cortejador respondeu Nunca mais V Exa terá negrinhos como estes41 Quem conta um conto aumenta um ponto mas parece que a mulher de Felício Pinto Coelho e o marido da princesa Leopoldina se encontraram mesmo por mero acaso No entanto até hoje não se explica o que fazia Francisco de Castro Canto e Melo irmão de Domitila na comitiva do príncipe Se foi solicitude fraterna força do destino ou premeditação não há como apostar O que sim se sabe é que então se iniciava um dos capítulos amorosos mais famosos da nossa história e que contou com a diligente cumplicidade do irmão mas também com a do pai da mãe dos irmãos tios e primos de Domitila todos regiamente compensados com mercês distinções e honrarias A partir daí e a data oscila de 29 a 31 de agosto a relação só iria se estreitar De toda maneira a hora de voltar para o Rio aproximavase E o retorno se faria sem grande alarde mesmo porque a guarda especial de trinta jovens já havia sido dispensada e a missão do príncipe era agora cada vez menos oficial Além do mais a essas alturas a separação política estava praticamente deliberada restando apenas a formalidade do anúncio Logo que o príncipe partira em viagem em 14 de agosto José Bonifácio emitira ao corpo diplomático circular em que declarava a emancipação Faltava entretanto não só o estopim como um evento que conferisse ao príncipe o lugar principal na cena O motivo veio fácil em 28 de agosto chegava ao Rio de Janeiro o brigue Três Corações trazendo as rotineiras más notícias de Lisboa as Cortes ordenavam a volta imediata do príncipe o fim de uma série de medidas que consideravam privilégios brasileiros e acusavam de traição os ministros que cercavam o regente Sob a presidência de Bonifácio o conselho de ministros reunirase no Rio de Janeiro e a conclusão viera rápida chegara a hora Tamanha era a pressa que José Bonifácio recomendou ao correio Paulo Bregaro que juntasse quantos cavalos fossem necessários As missivas porém não encontraram d Pedro em local nobre O príncipe que tinha vencido a serra de Cubatão montado numa besta baia gateada envergava uma farda comum Para piorar o cenário lá pelo dia 7 de setembro ele contava com um estado de saúde que embora não apresentasse maior gravidade era por certo desconfortável Não se sabe se a causa foi a mudança nos hábitos alimentares ou um gole de água menos pura mas parece que as funções intestinais do príncipe estavam perturbadas e de forma intermitente ele era obrigado a apartarse da comitiva alterar o ritmo da marcha e parar a fim de aliviar a dor repentina Um dos companheiros de viagem o coronel Manuel Marcondes de Oliveira Melo usou em seu depoimento de um eufemismo para descrever a situação de d Pedro o qual a todo momento saltava da montaria para proverse42 O momento não era o mais indicado para grandes atos mas o destino nem sempre escolhe a hora certa Logo que soube da chegada dos emissários Francisco de Castro Canto e Melo apressouse a dar a notícia ao príncipe num lugar chamado Moinhos O major e irmão de Domitila legaria um relato engrandecedor sobre o Sete de Setembro43 centrando detalhes na figura do príncipe e na sua própria Diante da notícia d Pedro como era bem do seu caráter alvoroçouse e saiu em disparada em direção a São Paulo Mas a seu encontro vinham a galope os mensageiros de José Bonifácio que o alcançaram no meio do caminho no alto da colina próxima do riacho do Ipiranga44 Foi então em cima de um pequeno declive de onde podia se avistar a pacata cidade de São Paulo mais ou menos às quatro horas da tarde que o príncipe recebeu a correspondência das mãos do major Antônio Ramos Cordeiro ver imagem 54 As cartas eram muitas atos das Cortes missivas de José Bonifácio de Antônio Carlos da princesa Leopoldina uma de 28 e outra de 29 de agosto De posse do conteúdo das cartas d Pedro comunicou à sua cansada comitiva que as Cortes pretendiam massacrar o Brasil Leu em voz alta os documentos que determinavam o fim de seu ministério a convocação de um novo conselho A carta mais violenta era de Bonifácio Venha Vossa Alteza Real quanto antes e decidase porque irresoluções e medidas de água morna para nada servem e um momento perdido é uma desgraça45 E junto com as palavras de Bonifácio chegava o boato de que d Pedro fora deserdado em benefício do irmão d Miguel Então fezse o ato A cena aparece narrada em qualquer manual de história do Brasil mas é hora de tentarmos recriar sua teatralidade Às quatro e meia da tarde montado em sua besta assoberbado pelo malestar fatigado pela viagem mas convocado pelo momento d Pedro formalizou o que já era realidade arrancou a fita azulclara e branca as cores constitucionais portuguesas que ostentava no chapéu lançou tudo por terra desembainhou a espada e em alto e bom som gritou É tempo Independência ou morte Estamos separados de Portugal No relato de Canto e Melo a cena é semelhante mas com todos os presentes que seguiam o príncipe prestando juramento de honra que para sempre os ligava à realização da ideia grandiosa de liberdade46 Também grandiosa a memória do irmão de Domitila tende anos depois a tomar o incerto como certo e a Independência surgia imaginada como um evento popular a despeito de sabermos que seus participantes estavam em local ermo e isolado Mas existe ainda a versão do padre Belchior Pinheiro que afirmou ter lido as cartas para d Pedro e que este tremendo de raiva lhe arrancara os papéis da mão e pisoteara os Então seguindo os conselhos do bom amigo logo se recompusera e abotoando a farda teria dito ao padre E agora padre Belchior Ao que este teria respondido Se Vossa Alteza não se faz Rei do Brasil será prisioneiro das Cortes e talvez deserdado por elas Não há outro caminho senão a independência e a separação E o relato segue solto Eles o querem terão a sua conta As Cortes me perseguem chamamme com desprezo de rapazinho e de brasileiro pois verão agora quanto vale o rapazinho E continuou Amigos as Cortes querem escravizarnos e perseguemnos De hoje em diante nossas relações estão quebradas Nenhum laço nos une mais E continuou com um script um pouco diferente Laço fora soldados Viva a independência a liberdade e a separação do Brasil E ainda Pelo meu sangue pela minha honra pelo meu Deus juro fazer a liberdade do Brasil Como se vê cada narrador chama para si o papel de coadjuvante principal Há pelo menos acordo quanto à divisa que a história guardou Independência ou morte se transformaria seja na versão pessoal de Belchior seja na interpretação de Canto e Melo no grande lema da ocasião O brado foi seguido pela guarda que deu ao local ermo a solenidade que o momento bem merecia E ainda que a cena acompanhada por cerca de 38 pessoas não tenha de fato ocorrido dessa forma a história trataria de construir sentido para o momento sendo o mote repetido em São Paulo e no Rio onde manifestações retomavam a legenda de Independência ou morte ver imagem 55 D Pedro foi acolhido no Rio de forma esfuziante O jornal O Espelho mostra bem como as notícias surgiam em crescendo Em 17 de setembro apenas uma nota morna narrava a chegada do príncipe à capital depois de velocíssima viagem da cidade de São Paulo em cinco dias No entanto logo no dia 20 o mesmo jornal apresentava a situação com tintas diferentes Independência ou Morte Eis o grito acorde de todos os brasileiros O Brasil então acordou do seu letargo e resolveu na sua dignidade sacudir o peso que o oprimia Então o Perpétuo defensor do Brasil conheceu que eram justos os clamores do povo fiel que preferia um inimigo declarado a um amigo traidor47 A volta de d Pedro foi bem mais rápida com ele talvez excitado pelos eventos dos últimos dias se os correios venciam normalmente em nove dias o percurso que separava São Paulo da capital do país o príncipe o fez em apenas cinco tendo partido na madrugada do dia 9 e alcançado São Cristóvão no cair do dia 14 D Pedro chegava castigado pelas chuvas e trazendo um laço verde de fita no braço esquerdo a cor dos Bragança logo acima de um ângulo de metal dourado com o famoso lema gravado Independência ou morte No lugar do tope azul e branco instituído pelas Cortes agora eram o verde e o amarelo cor da flor amarela recebida como presente de Domitila ou a cor da Casa de Habsburgo que o leitor escolha sua versão que se impunham E o laço viraria moda conforme atestam anúncios do Volantim oferecendo fitas verdeamarelas e outros adereços da independência Vendemse fitas cor de ouro com a legenda Independência ou morte a doze vinténs cada uma nas lojas de fazendas da Rua da Quitanda casa 40 e nº 84 e nº 58 e nº 10 por trás do Hospício e na Rua da Cadeia nº 5848 Crescia também o uso do verdeamarelo o grande tope nacional inscrito na nova bandeira e nas armas Circulava nas casas nobres nos braços das elites e em objetos xícaras jarros canecas relógios de mesa leques que por sua vez entravam nas residências e nos encontros49 As festas que tinham celebrado a chegada de d João agora homenageavam a aclamação do primeiro imperador brasileiro no dia 12 de outubro Apesar de o dia ter amanhecido chuvoso as janelas foram cobertas de sedas e as ruas ficaram polvilhadas de folhas secas No meio do Campo de Santana teve lugar uma cerimônia que levaria à mudança do nome do próprio local desde então conhecido como praça da Aclamação ver imagem 56 E a agenda era cheia desfiles acenos na varanda do palacete tedéum na Capela imperial beijamão e teatro à noite No decorrer do dia atividades não faltaram touradas danças bailes licores banquetes cavalhadas e pantomimas Longe de ser divertimento passageiro essas festas de independência tinham o dom de converterse em rituais políticos endereçados ao povo que assim reconhecia a separação entre Portugal e Brasil O ritual dava visibilidade ao soberano e estabelecia vínculos da comunidade com a nova realidade política Era hora de tornar a data memorável reconhecer o poder instituído e a figura de d Pedro agora transformado no principal protagonista Os tempos eram outros e a carta que d Pedro endereçou a d João depois do Sete de Setembro trazia um tom totalmente diverso Dessa vez sem desautorizar o pai o príncipe tirava das Cortes seu papel condutor Rio de Janeiro 22 de setembro de 1822 Meu pai e senhor Tive a honra de receber de V M uma carta datada de 3 de agosto na qual V M me repreende pelo meu modo de escrever e falar da facção lusoespanhola E a carta prosseguia elevando o tom e os adjetivos Respondemos em duas palavras Não queremos Se o povo de Portugal teve direito de se constituir revolucionariamente está claro que o povo do Brasil o tem dobrado Firmes nestes inabaláveis princípios digo a essa cáfila sanguinosa que eu como príncipe regente do reino do Brasil e seu defensor perpétuo hei por bem declarar todos os decretos pretéritos dessas facciosas horrorosas maquiavélicas desorganizadoras hediondas e pestíferas Cortes e todos os mais que fizerem para o Brasil nulos e inexequíveis De Portugal nada nada não queremos nada Pois não é um bando de vis carbonários e assassinos como os que têm a V M no mais ignomioso cativeiro Triunfa e triunfará a independência brasileira ou a morte nos há de custar Primeiramente hão de conhecer melhor o rapazinho e até que ponto chega a sua capacidade apesar de não ter viajado pelas cortes estrangeiras Sou de V M com todo o respeito filho que muito o ama e súdito que muito o venera Pedro50 Com essa missiva cheia de incorreções e com termos exaltados o rapazinho ia à desforra E assim se completava o ato da emancipação Uma emancipação singular no elenco das independências americanas que tinham gestado repúblicas e não monarquias O fato é que a emancipação chegava sem mudanças radicais embora tenha produzido uma rica literatura de comentário político sob a forma de panfletos evidência de que a independência era uma questão do maior interesse em toda a sociedade e todo tipo de pessoa tomou parte nesse debate A emancipação também colocava no centro do poder não um presidente mas um rei um monarca português e da Casa dos Bragança51 Talvez por isso mesmo se tenha criado uma espécie de lenda da Independência que reconta a epopeia a partir de uma série de fatos perfilados e encadeados a chegada da corte a abertura dos portos a elevação a Reino Unido o Fico o Cumprase e finalmente a declaração de Independência em 1822 uma sequência que mais parece apontar para um final previamente conhecido e que deságua inevitavelmente no Império brasileiro Mas é bom que se diga que essa saída conservadora não era a única possível e que ela foi vitoriosa no lugar de outros projetos mais radicais ou mesmo de natureza republicana ver imagem 58 O fato é que a adesão das províncias ao projeto de Império brasileiro foi bem menos simples do que se quer fazer crer na historiografia O processo emancipatório não se limita aos anos de 1820 a 1822 a fundação do Império a partir da concepção da construção do Estado unitário é uma versão criada por publicistas que participaram do debate da Independência e foi elaborada do ponto de vista das elites cariocas Vale dizer o programa unitário era uma construção tributária da intervenção de José Bonifácio seja para não dar pretexto aos liberais radicais isto é aos republicanos seja porque no seu entendimento o Brasil preexistia às províncias a crença de que a América portuguesa estava vocacionada a constituir um vasto império Em Pernambuco por exemplo sempre se discordou da direção do movimento considerada muito centrada nos interesses do Rio de Janeiro52 Já entre a Bahia e a capital se travou verdadeira guerra civil do fim de 1822 a meados do ano seguinte e a adesão da província só se daria em 2 de julho de 1823 que é até hoje tida como a data cívica da emancipação no local ver imagem 60 Mesmo assim o Sete de Setembro representa um momento simbólico destacado de um longo processo de ruptura iniciado até antes da vinda da corte e que levou ao fim e ao cabo a uma solução monárquica implantada bem no meio das Américas Cercado de repúblicas por todos os lados o Brasil colocaria no centro do poder um rei ou melhor um imperador para espanto e desconfiança dos vizinhos latinoamericanos Por certo a emancipação não foi obra exclusiva de nosso quixotesco d Pedro O evento é expressão visível de uma série de tensões e arranjos que se colavam à crise do sistema colonial e do absolutismo tão característicos do fim do período moderno Era todo o Antigo Regime que se desintegrava e com ele as bases do colonialismo mercantilista Por isso nossa emancipação não deixou de ser particular e trivial Se o movimento foi liberal porque rompeu com a dominação colonial mostrouse conservador ao manter a monarquia o sistema escravocrata e o domínio senhorial Além do mais se o processo de emancipação foi deflagrado pela vinda da corte o que explica o formato final é o movimento interno de ajustamento às pressões de dentro e de fora e principalmente um processo de substituição de metrópoles com a atual reinando bem na região CentroSul do recémfundado país53 Por outro lado se uma nova unidade política foi implantada prevaleceu uma noção estreita de cidadania que alijou do exercício da política uma vasta parte da população e ainda mais o extenso contingente de escravizados Com isso noções bastante frouxas de representatividade das instituições políticas se impuseram mostrando como a Independência criou um Estado mas não uma Nação Criar uma cultura imaginar uma formação pretender uma nacionalidade aí estava uma tarefa para a agenda futura do Primeiro e sobretudo do Segundo Reinado 9 HABEMUS INDEPENDÊNCIA INSTABILIDADE COMBINA COM PRIMEIRO REINADO UM IMPÉRIO NA TERRA MÍSTICAS E SÍMBOLOS CRUZADOS A independência brasileira tornavase aos poucos uma realidade sem direito a retorno isso apesar da estranheza que continuava pairando com relação à saída imperial A solução monárquica mais parecia uma contradição em seus próprios termos dado que na conjuntura era difícil imaginar um processo de emancipação nas Américas sem prever como decorrência a instalação de um regime republicano Contradições à parte a decisão de realizar a independência com a forma de uma monarquia constitucional representativa significou uma opção política entre outras disponíveis nessa agenda dos possíveis Ela visava em primeiro lugar evitar o desmembramento da excolônia a exemplo do que ocorrera na América espanhola quando quatro vicereinados se converteram em catorze países distintos Além do mais a opção por colocar o rei no poder referendava o perfil das elites políticas brasileiras majoritariamente educadas em Coimbra e nos moldes da realeza1 A saída imperial significava ainda a justaposição de elementos novos e antigos2 Em primeiro lugar d Pedro I contava com os exemplos de dois imperadores em tudo distintos Napoleão I e Francisco II O primeiro um general francês que se autotitulara imperador o segundo o poderoso sogro de Pedro que guardava para si a galhardia de ser o chefe do tradicional reino da Áustria Mas as referências imediatas não eram só europeias No mesmo ano de 1822 buscando conter as investidas espanholas de recolonização e para dar conta da rebelião republicana e nativista que se difundia no México a alta aristocracia local proclamou imperador o general Iturbide que recebeu o título de Agustín I A experiência seria breve quase anedótica mas tiraria da monarquia brasileira a chance de ser a única exceção monárquica num continente de vocação republicana Toda história tem muitas camadas e um Império brasileiro representava para alguns o prolongamento dos desejos milenaristas que datavam da época da Reconquista e do movimento de expansão lusitano que visava recuperar as terras ibéricas perdidas para os muçulmanos A Reconquista durou sete séculos e a partir do XI tomou ares de guerra santa pela cruz cristã sendo cercada de todo tipo de misticismo As guerras só estariam concluídas em 1492 com a conquista do último reino muçulmano Logo na sequência Portugal dava início a uma espetacular expansão marítima e ao começo da história de um império de proporções gigantescas e que no seu apogeu unia da Ásia até a América No entanto essa história percorreu caminhos tortuosos antes de tomar um certo prumo Um dos mais tormentosos envolveu d Sebastião I sétimo rei da dinastia de Avis que motivado pelo desejo de recuperar as glórias do passado partiu para o Marrocos numa cruzada santa Sua derrota em AlcácerQuibir no ano de 1578 e seu desaparecimento levariam a uma crise dinástica e ao nascimento do mito do Sebastianismo D Sebastião que reinara apenas por três anos ficaria conhecido como o Encoberto o Adormecido O surgimento dessa mística fez com que em Portugal o reconhecimento da decadência política econômica e social do Império ficasse futuramente associado à desaparição de d Sebastião que algum dia retornaria para redimir a história do país Anos mais tarde já no século XVII o nosso conhecido padre Vieira em sua História do futuro anunciava que o próximo império português havia de se situar no Brasil Ali lhe assinaria o lugar para um palácio que gozasse ao mesmo tempo as quatro estações do ano fazendo nele o quinto império3 Como se vê a noção de império carregava sentidos e tempos variados mais ou menos estratégicos mais ou menos milenares ou milagreiros De toda maneira o Império criado no século XIX representaria a concretização e o anúncio de uma nova era cantada em verso e prosa desde os tempos de d Sebastião quando Portugal conheceu seu maior momento de apogeu mas também pressentiu o começo do declínio Existem ainda outras concepções associadas ao nome Império significava também a expansão de uma causa com identidade marcadamente política Em terras brasileiras a noção de império vinculouse à ideia de uma larga extensão dentro do mesmo território4 Já a versão do político coetâneo José Bonifácio trazia outras derivações Contase que o ministro e artífice da Independência afirmou que o nome era conhecido no país pois estaria ligado à popular Festa do Divino ritual em que até os dias de hoje os brasileiros escolhem um imperador em geral um menino Com tantas mitologias reunidas o império surgiria como símbolo da união territorial desse país de proporções continentais e a realeza como a melhor saída possível para evitar a fragmentação política e territorial Na visão das elites locais apenas a figura de um rei uniria esse país gigantesco marcado por profundas diferenças internas Mas o novo monarca continuava a ser português de origem e os símbolos da pátria igualmente Basta lembrar as cores e o escudo da realeza que permaneceram na bandeira nacional ou a serpe bem disposta no cetro antigo símbolo dos Bragança ela representava uma espécie de dragão alado e simbolizava a força da dinastia Enfim com tantos motivos para desconfianças internas e externas logo após a independência política de 1822 investiuse muito no cerimonial da nova realeza brasileira d Pedro foi aclamado imperador em 12 de outubro do mesmo ano ver imagem 56 data que a princípio os brasileiros consideraram mais importante que o próprio Sete de Setembro Diz o refrão português que boda molhada boda abençoada e o casamento do imperador com a nação brasileira a julgar pelas fortes pancadas de chuva que quase estragaram a cerimônia da aclamação não deveria desmentir o dito Para marcar a data e a continuidade da realeza num ato carregado de significados logo que o tempo serenou d Pedro e d Leopoldina achegaramse à varanda do palacete do Campo de Santana cenário de tantas manifestações da época de d João e juntos mostraram à multidão espremida diante do palácio a princesa d Maria da Glória erguida nos braços paternos e simbolizando a continuidade do Império e no limite da dinastia Para o povo que não estava habituado a presenciar rituais desse porte um príncipe garboso em seus atos virtuoso em sua prole e acompanhado de sua princesa e assim exposto ao olhar dizia mais à imaginação do que qualquer teoria do direito político E as mudanças vinham rápido sobretudo no que se referia aos emblemas e símbolos espécie de cartão de visita de um novo regime No dia 10 de novembro o corpo diplomático estrangeiro era informado da adoção de uma nova bandeira no Brasil O verde cor que representava a tradição da Casa dos Bragança e o amarelo cor que simbolizava a Casa de Lorena e era usada pela família imperial austríaca surgiam em posição central Em destaque ainda o losango da bandeira imperial indisfarçável e incômoda homenagem que d Pedro I resolvera fazer a Napoleão apenas introduzindo sob ele o brasão monárquico com as armas imperiais aplicadas sob as plantas do Brasil Se essa versão é exata estaríamos diante de um caso de redefinição típico do nosso processo cultural elementos tradicionais do armorial europeu com seu significado preciso de homenagem aos soberanos da jovem nação passavam a representar a nova realidade nacional5 O ato da coroação teve lugar em 1º de dezembro aniversário da restauração portuguesa e da União Ibérica e início do reinado dos Bragança mais uma vez a festa aglutinava datas e vinculava a realeza independente à monarquia destituída porém atenta em Portugal ver imagem 57 O ritual tinha que ser caprichado e para tanto uniramse modelos variados um misto do cerimonial usado na sagração de Napoleão em Notre Dame e do ritual dos imperadores da Áustria em Frankfurt numa combinação inédita entre o tradicional e o moderno Imitouse ainda um detalhe da coroação dos reis da Hungria que consistia em cortar o ar com uma espada numa alusão original ao título recebido por d Pedro de defensor perpétuo do Brasil sua primeira investidura popular mas que se tornava então hereditária Para alimentar ainda mais a imaginação o imperador apareceu vestindo uma túnica de seda verde calçado com botas de montaria com esporas e ostentando um manto em forma de poncho de veludo verde forrado de cetim amarelo bordado de estrelas e com uma guarnição de ouro A simbologia era quase óbvia em sua apresentação unindo elementos mais tradicionais aos novos símbolos da terra Nessa lógica feita de detalhes ajuntouse à indumentária imperial uma murça feita de papos de tucano retirada da arte plumária dos aborígenes locais numa homenagem diziase aos chefes indígenas da terra Para completar o ato o novo imperador recebeu a unção sagrada que o fazia rei legítimo diante dos demais soberanos europeus e perante seu povo Desejando romper com o costume português por um lado e influenciado pela sagração e coroação de Napoleão em 1804 por outro d Pedro I empenhouse junto com seus representantes políticos na realização dessa cerimônia religiosa regida pelo livro I do antigo Pontifical Romano Nesse documento estabeleciase que os soberanos deveriam ser ungidos e sagrados com óleo santo no contexto solene da missa pontifical costume que os reis portugueses tinham abolido havia muito tempo Construíase a partir de então uma cultura imperial pautada em dois elementos constitutivos da nova nacionalidade de um lado o Estado monárquico como portador do projeto civilizatório de outro a natureza como base territorial desse Estado6 Exemplar é o projeto elaborado por JeanBaptiste Debret artista francês que havia chegado ao Brasil em 1816 junto com outros colegas mas que a essas alturas tornarase uma espécie de artista da corte Não por acaso esse pintor que fora responsabilizado por criar boa parte das imagens oficiais do período de d João VI agora em 1822 era indicado para realizar uma alegoria para o pano de boca cortinado disposto no teatro da corte o São João onde d Pedro faria seu discurso de posse e em seguida assistiria a uma apresentação que celebrava sua coroação como primeiro imperador do Brasil ver imagem 52 Debret um artista neoclássico integrante do ateliê de JacquesLouis David o pintor da Revolução Francesa e depois de Napoleão Bonaparte e seu primo talvez em função do sentimento social aguçado de sua escola tenha encontrado dificuldades em dialogar com um contexto tão diverso do da sua pátria Diante de um sistema escravocrata enraizado e dessa independência de bases monárquicas parecia difícil traduzir as virtudes cívicas francesas Mas o francês se superou Afinal a alegoria idealizada para figurar como o primeiro símbolo oficial da realeza brasileira tinha como função explícita seduzir os novos súditos nela o Império do Brasil apareceria com toda a sua pompa mas também com sua singularidade O próprio Debret é quem narra ter sido procurado pelo diretor de teatro interessado em substituir a pintura do antigo pano de boca que representava o reino de Portugal cercado de súditos ajoelhados Não ficava bem para a nova nação ter seu ato de independência celebrado num cenário repleto de imagens de servidão ao Império português Assim o artista francês alterou o tema do cortinado e representou a fidelidade geral da população brasileira ao governo imperial sentado em um trono coberto por uma rica tapeçaria estendida por cima de palmeiras7 Se a tapeçaria lembrava a arte europeia as palmeiras funcionavam como símbolos claros desse sui generis Império nos trópicos Além do mais o governo imperial era representado por uma mulher que trazia um manto de fundo verde como as florestas do local e todo bordado de ouro numa alusão à riqueza da terra Ela apresenta no braço esquerdo uma espécie de escudo com as armas do imperador e no outro a Constituição brasileira Mais uma vez códigos de procedências distintas aparecem aqui devidamente misturados No primeiro plano uma cornucópia derrama as frutas do país bem nos degraus do trono Mais à esquerda vê se uma barca amarrada e carregada de sacos de café e de maços de canadeaçúcar os grandes produtos que garantiam a economia local Mas o aspecto mais interessante do pano de boca era a representação das populações mistas do país Numa das laterais o artista pretendeu mostrar a fidelidade de uma família negra ao Império nascente um menino portando um instrumento agrícola acompanha sua mãe a qual com a mão direita segura vigorosamente o machado destinado a derrubar as árvores das florestas virgens na mão esquerda a mulher apoia no ombro um fuzil do marido arregimentado e pronto para partir Assim longe de questionar a escravidão a africana comparece apenas para defender com seu corpo a monarquia Dividindo o cortinado uma indígena branca assim diz Debret ajoelhada ao pé do trono apresenta dois gêmeos recémnascidos numa espécie de futuro apaziguado que precisa apenas da assistência do governo Ao fundo indígenas armados manifestam seu apoio ao novo Estado Do lado oposto estão perfilados leais oficiais da Marinha e um ancião paulista Em segundo plano outros paulistas e mineiros igualmente dedicados e entusiasmados exprimem o mesmo sentimento de sabre na mão Por fim caboclos ajoelhados mostram sua atitude respeitosa Para tudo ornar as vagas do mar quebrando ao pé do trono indicam a posição geográfica excepcional do Império brasileiro8 A alegoria e o texto escrito por Debret que acompanha a edição do livro Viagem pitoresca e histórica ao Brasil representam a resposta mais sintética aos prognósticos do novo Estado O trono imperial submeteria os diferentes grupos que compunham a nação receberia deles a devida fidelidade e cumpriria a missão de incutir a civilização nesses trópicos longínquos Não se nota nenhum sinal de conflito ou de luta política e civil só união Essa seria a mais universal e a mais particular das realezas a mais mestiça de todas O trono no centro da cena garante o olhar em direção à representação do imperador com o P e a coroa logo acima da figura alegórica de uma mulher que carrega em seus braços a Constituição símbolo maior do Estado ocidental O pano de boca é assim todo concebido a partir da ideia de que uma nova nação se formava nos trópicos sob o signo da diferença Não obstante a exuberância de detalhes o cortinado de Debret revela uma rigidez formal mal resolvida A monarquia estava longe de se encontrar em situação estável e o ambiente não era de serenata Em primeiro lugar não há como esquecer a contradição flagrante entre uma monarquia que se pretendia civilizada e a vigência da escravidão esta sim enraizada em todo o território Espécie de violência legal e moral institucionalizada o sistema era não só oficial como naturalizado pelo país afora Em 1808 a população dos domínios portugueses na América somava 2424463 pessoas sendo 311 delas escravizadas9 Em Salvador mesmo sem dados precisos é possível estimar que em 1807 negros e mestiços escravos e libertos chegassem a 80 dos aproximadamente 51 mil habitantes do local Em 1835 eram 72 de uma população estimada em 65500 almas10 Nessa conjuntura de um total de 79321 pessoas 456 trabalhavam como escravos no Rio de Janeiro11 Não tinham porém e por definição direitos assim como não poderiam ser considerados nem sequer súditos Para piorar havia sempre o fantasma ameaçador da Revolta de São Domingos que como vimos estourara no fim do século XVIII e que continuava rondando a imaginação das elites escravocratas brasileiras as quais conviviam com a realidade de que há seis escravos para um só senhor e onde por consequência o desejo inveterado das vinganças é como seis para um12 No século XIX quando os periódicos ainda eram poucos mas as fofocas muitas o Haiti frequentou as manchetes e as boticas local dileto para difusão das últimas novas Comentavamse à solta as rebeliões escravas que assolavam a ilha levando ao descontrole geral ou ao controle da situação pelos africanos o que na linguagem da época implicava imensa falta de regra de governo de racionalidade Como não existiam notícias objetivas sobrava temor O que se sabia vagamente era que o mais rico domínio francês a Pérola das Antilhas como era chamada essa parte da ilha experimentava momento convulsionado Concorrente do Brasil no comércio de açúcar e com larga vantagem nesse momento a colônia era também conhecida por sua desigualdade populacional Em 1754 lá havia 465 mil africanos escravizados contra apenas 5 mil brancos uma desproporção muito mais severa que a brasileira mas cuja sombra assustava as elites Data de 1754 a primeira revolta escrava no Haiti rapidamente reprimida pelos franceses que não conseguiram debelar os clamores pela independência O segundo movimento teve como estopim a própria Revolução Francesa a essas alturas a insurreição já era geral e pegou fogo com a declaração jacobina de 1791 que estabelecia o fim da escravidão nas colônias francesas O processo foi longo cheio de reviravoltas mas o que mais impressionou as elites brasileiras foi quando JeanJacques Dessalines ele próprio um liberto expulsou os franceses decretou a independência em 1804 e de quebra cunhou para si o título de imperador Imediatamente as colônias da América do Norte e países europeus impuseram ao Haiti bloqueio que durou mais de sessenta anos e cujas consequências estão presentes até hoje Quanto aos dirigentes brasileiros passaram a temer o Haiti como ao diabo O movimento de 1804 repercutiu no país todo e seria pretexto para várias medidas restritivas entre elas um modelo centralizador de poder após a Independência O Brasil se inventou assim como um anti Haiti por oposição éramos todos brancos cristãos e civilizados Até porque por aqui a situação ainda não era fácil A adesão ao movimento ocorrido no Rio de Janeiro não foi imediata Minas Gerais e as províncias do Sul logo se declararam favoráveis à consulta sobre a aclamação de d Pedro Pernambuco em dezembro de 1822 jurou adesão embora tenha tido o cuidado de já em setembro eleger seus próprios deputados Como o território era grande e a comunicação difícil Goiás e Mato Grosso acabaram se pronunciando favoravelmente só em janeiro de 1823 Depois veio o apoio do Rio Grande do Norte de Sergipe e Alagoas No entanto as quatro províncias do Norte Pará Maranhão Piauí e Ceará junto com a Cisplatina e como vimos a Bahia mantiveramse fiéis às Cortes de Lisboa13 No plano internacional as nações também se dividiam Os vizinhos latinoamericanos num primeiro momento recusaramse a aceitar a nova situação e colocaram sob suspeição esse país que negando a voga das emancipações optava por manter a monarquia e ademais por um imperador português como chefe do novo Estado Os Estados Unidos que já começavam a atuar como uma força hegemônica no continente americano reconheceram em maio de 1824 a emancipação brasileira Enquanto isso tropas leais à antiga metrópole resistiram na província Cisplatina mas deixaram o país em novembro de 1823 Uma longa guerra que resultou na independência do Uruguai apenas em 1825 teve início nesse contexto mas o embate seria agora contra o Império brasileiro e não mais contra o português Portugal a pátriamãe demorou a aceitar a Independência e só o fez em 1825 Não é preciso ser oráculo para adivinhar que a Inglaterra se ofereceu para intermediar as negociações enviando um representante especial Sir Charles Stuart com o fito de conseguir em Portugal os termos de negociação para a independência do Brasil Começava então uma série de conferências em Lisboa com direito a agenda repleta Em questão estavam a sucessão real socorros mútuos em navios e soldados indenizações em dinheiro tanto para o governo português como para particulares e a negociação de um tratado de comércio Logo se decidiu que haveria reciprocidade de tratamento para os súditos das duas nações cessariam as hostilidades o valor das baixas feitas a Portugal seria restituído e se fixaria um princípio básico para reger as relações comerciais introduzindo uma tarifa comum de 15 de direitos de importação Mas restava a questão capital o Estado português exigia que fosse pago o valor de todos os objetos deixados no Rio de Janeiro A conta era extensa em itens e implicava debitar ao Brasil metade da dívida pública contraída até 1807 com a Inglaterra a bagatela de 12899856276 réis No documento intitulado Conta dos objetos que Portugal teria direito de reclamar ao Brasil resultado da IV Conferência realizada em Lisboa em 15 de abril de 1825 incluiu se tudo que Portugal julgava de direito as equipagens as pratas os navios de guerra os soldos dos oficiais os fretes dos barcos que conduziram as tropas divisões militares as armas as artilharias e a famosa Real Biblioteca só ela avaliada em 800000000 réis14 Negociação concluída e conta paga a Inglaterra passou a tentar pôr um freio na presença agora brasileira no continente africano e no plano de tornar Angola independente incorporandoa ao Império15 Além do território brasileiro e de suas fronteiras americanas a emancipação do Brasil provocou reação em várias nações africanas integradas ao Império português Na Guiné em Angola Moçambique grupos de mercadores de escravos propuseram a união com rebeldes do Rio de Janeiro Não é coincidência portanto o fato de reinos da África Ocidental terem sido os primeiros a reconhecerem o Império brasileiro16 Em Angola um panfleto impresso aqui convidava Benguela a se unir à causa brasileira Mas a GrãBretanha passaria a pressionar de maneira efetiva e constante pela supressão do tráfico Ela que abolira o comércio de seres humanos em 1807 agora começava a atuar contra os países que o praticavam e o Brasil era sem dúvida o local de maior fluxo Um dos traços mais marcantes da dinâmica social brasileira no início do XIX a manutenção da hierarquia social por meio da contínua importação de africanos pelo comércio transatlântico seria posta em xeque diante da investida britânica Existiam verdadeiras fortunas acumuladas pelo comércio interno e transatlântico constituindo o abastecimento do mercado brasileiro um sistema separado daquele do Atlântico Norte Ele ligava diretamente Brasil e África sendo dominado na parte americana por comerciantes brasileiros e portugueses sediados em portos como Salvador Rio de Janeiro e Recife17 Também não se pode esquecer que esse era um dos lados mais lucrativos do comércio colonial com seus negociantes se confundindo com a elite empresarial da colônia no início do XIX18 O Brasil recebeu entre meados do XVI e meados do XIX aproximadamente 4 milhões de cativos 40 do número geral de africanos transportados através do Atlântico entre os séculos XV e XIX Desse total 80 vieram entre os séculos XVIII e XIX sendo que o fluxo se concentrou então nas feitorias de Angola Congo Costa da Mina golfo de Benin Cabo Verde Enfim enraizado na realidade brasileira o tráfico consolidava hierarquias internas fortunas e sistemas de poder Já a GrãBretanha cobrou caro a proteção que deu à família real em sua viagem ao Brasil em 1808 incluindo a questão do tráfico logo no primeiro tratado entre as duas nações A campanha que a Inglaterra empreendeu pela abolição do comércio de almas reunia de formas bastante ambíguas interesses econômicos políticos e humanitários de diferentes setores do seu Império Diante da pressão Portugal e depois Brasil atuaram de maneira a contemporizar o quanto puderam a situação No tratado de 1810 vimos que o príncipe d João aceitava extinguir gradualmente e limitar o comércio de escravos mas nada de efetivo foi realizado O Congresso de Viena cinco anos depois representou novo marco na campanha abolicionista Mas somente em julho de 1817 o funcionamento da repressão ao tráfico foi regulamentado instituindose dos dois lados do Atlântico comissões mistas e o direito mútuo para avaliar a apreensão de navios e libertar os africanos encontrados a bordo A comissão mista portuguesa e inglesa sediada no Rio de Janeiro processou no entanto apenas um navio em 1821 a escuna Emília que carregava escravos vindos da Costa da Mina Os 352 africanos foram declarados livres tiveram suas marcas corporais registradas receberam cartas de emancipação e foram distribuídos em instituições públicas e particulares Esse foi porém um caso bem isolado já que o próprio intendente de polícia na época Paulo Fernandes Viana tinha relações notórias com grandes traficantes de escravos Um novo tratado seria estabelecido entre 1825 e 1826 como parte das negociações pelo reconhecimento por parte da GrãBretanha da independência do Brasil A própria Constituição preparada pela Assembleia de 1823 trazia a orientação de Bonifácio que era contrário à continuação desse comércio e da escravidão a médio prazo Mas o artigo 254 do projeto que previa a emancipação lenta dos negros desapareceu da Constituição de 1824 que não fazia menção alguma à escravidão Novo tratado estabelecido entre 1826 e 1827 considerava piratas os navios envolvidos no comércio de escravos Mas essa seria mais uma medida para inglês ver de 1826 a 1830 houve verdadeira corrida em antecipação à suposta proibição iminente do tráfico e enquanto a média anual de importações na primeira metade da década girara em torno de 40 mil escravos de 1826 a 1829 ultrapassouse a média de 60 mil escravos por ano A história continuaria igual com inúmeras formas de violação de proibições e com a impunidade escandalosa dos contrabandistas ver imagem 6619 Essa atitude aberta e insidiosa contra o fim do tráfico contribuiu ainda mais para a precarização da liberdade para a conivência com a escravização ilegal de africanos recémchegados e para que libertos e homens de cor livres não tivessem garantias contra a reescravização Sobre eles recaía o ônus de ter que provar sua liberdade isso num país onde tal condição se transformava em bem raro e difícil de manter20 De todo modo a política de defesa do tráfico e da manutenção da escravidão nunca foi um dado acidental no Brasil esteve no centro da formação do Estado nacional Por isso os fundadores do Império mantiveram um discurso de abolição gradual na mesma medida em que aparelhavam o Estado para defender de maneira estável a ordem escravista O mais importante era a princípio garantir a continuidade das relações comerciais com os Estados Unidos e com a Europa sem descurar da continuidade do tráfico O governo brasileiro permaneceria assim intimamente ligado ao comércio infame questão que apesar da pressão britânica demoraria a se resolver O projeto nacional que então se construía previa pois a exclusão da cidadania de amplos setores indígenas escravos e mulheres 21 e jogava a perspectiva da abolição num futuro longo indeterminado Com tantas fragilidades o Império brasileiro nascia escondendo fraquezas estruturais O lema parecia ser aquele utilizado pelo personagem Tancredi no roteiro que Visconti fez para o romance de Lampedusa O leopardo Se queremos que tudo continue como está é preciso que tudo mude Não se tocava na escravidão na monocultura ou na grande propriedade Restavam também intocadas as diferenças políticas internas e a questão fundamental da distribuição do poder entre a autoridade nacional localizada no Rio de Janeiro e os demais governos provinciais CRISE INTERNA UM IMPÉRIO DIVIDIDO Internamente o ambiente político continuava marcado pela divisão Se a forma final que tomou a independência brasileira representou a vitória do grupo coimbrão e conservador liderado por José Bonifácio e pelos Andrada logo após a emancipação as cisões ficaram mais evidentes Não havia por exemplo acordo acerca das estruturas básicas sobre as quais o Estado iria se organizar E não por acaso nos dois primeiros anos de país independente entre 1822 e 1824 os debates centraramse na primeira Constituição brasileira Começavam então as eleições para os deputados constituintes e já em maio de 1823 ocorreu a primeira reunião da Assembleia Por lá grupos com perspectivas muito distintas se digladiavam Os liberais moderados circunscreviam as reformas ao alargamento de certas liberdades políticas e civis consolidar os feitos da emancipação mas sem comprometer a ordem social ou o status quo vigente A base desse grupo compunhase de proprietários rurais e comerciantes vindos do interior de Minas Gerais ligados ao abastecimento da corte associados a políticos da média burguesia e militares22 Os moderados pleiteavam apenas reformas políticoinstitucionais visando principalmente restringir o poder do imperador Defendiam a monarquia constitucional sujeita à divisão de poderes e que conferisse maiores prerrogativas à Câmara de Deputados e autonomia ao Judiciário Nada de projetos democráticos e populares na condução do país Já os liberais exaltados lutavam por transformações mais amplas advogando mudanças não só sociais como políticas Havia divisões no grupo mas de uma maneira geral seus integrantes defendiam o sistema federalista a separação da Igreja do Estado o incentivo à indústria nacional o sufrágio universal a emancipação gradual de escravos e em alguns casos a implantação de uma República democrática23 Eram responsáveis pois por propor projetos políticos alternativos assim como se mostravam mais atentos à extensão da cidadania e à redução das desigualdades sociais Os dois grupos entretanto uniamse frente ao partido português que reivindicava poderes absolutos para d Pedro I e reunia não só os lusitanos mas também alguns nacionais que advogavam a existência de uma monarquia absoluta Juntos moderados e exaltados compunham o partido brasileiro pois ambos desejavam a submissão do monarca ao Parlamento Além desses grupos existiam os bonifácios facção liderada por José Bonifácio que defendia uma monarquia forte mas constitucional e centralizada assim como pretendia abolir o tráfico e gradualmente a escravidão Foi nesse ambiente claramente dividido que se abriram os trabalhos da Constituinte de 1823 O projeto que de lá saiu levou o nome de Mandioca por conta do critério censitário estabelecido para o direito de voto Só poderiam ser eleitores ou candidatos a deputado aqueles que tivessem renda anual equivalente a 150 alqueires de farinha de mandioca Tal critério mostrava a influência da elite agrária brasileira a qual depois de delegar a liderança do processo de emancipação a Pedro I agora pretendia cortar suas asas O esboço ficou nas mãos de Antônio Carlos de Andrada que por sua vez se pautou na Carta francesa e na norueguesa Na sequência o texto foi remetido à Constituinte para debate e aprovação Os constituintes do partido brasileiro tomaram a direção dos trabalhos e previram a organização de três poderes seguindo a clássica divisão de Montesquieu e tendo o imperador e seus ministros do Estado no Executivo O Legislativo constituído pela Assembleia Geral formada pelos deputados e senadores os primeiros eleitos por quatro anos e os segundos com mandato vitalício Por fim o Judiciário composto de juízes e dos tribunais O pulo do gato do projeto da Constituição era o estabelecimento do predomínio do Poder Legislativo sobre o Executivo medida que claramente contrariou a Pedro I e ao partido português que defendia abertamente o absolutismo Ainda mais contrariados ficaram os colegas portugueses quando viram que em outro item do projeto proibiase aos estrangeiros o direito de participar na política brasileira seja como deputados seja como senadores Havia porém outras disputas mais profundas no interior da Assembleia tanto exaltados como membros do partido português se opunham a José Bonifácio mas por motivos diferentes Entretanto os grupos uniramse no desafeto aos Andrada fazendo da facção por ele liderada um inimigo comum Já Pedro I devido à atitude manifesta dos grupos brasileiros que pretendiam transformálo em mero fantoche tendeu a se aproximar dos portugueses O ambiente era nervoso e demonstrações de xenofobismo tornaramse cada vez mais frequentes O conjunto das propostas soava como clara provocação e em 12 de novembro de 1823 o imperador cercou e dissolveu a Assembleia Constituinte mostrando que não aceitava ter seus poderes limitados e se transformar num mero símbolo Apesar da pressão do Exército que se manteve leal ao imperador os deputados reunidos permaneceram em sessão durante a madrugada e declararam d Pedro I um fora da lei Foi então que o monarca assinou decreto fechando a Constituinte O episódio ficou conhecido como Noite da Agonia por conta da resistência dos políticos que se recusaram a deixar o recinto A despeito de muitos deputados terem declarado que somente sairiam do local pelas baionetas imperiais a maioria voltou tranquilamente para casa Apenas seis representantes foram deportados para a França entre eles os três Andrada É irônico pensar que não só o modelo de independência brasileira preconizou uma monarquia em lugar de uma república como nosso primeiro projeto constitucional foi vetado e nem chegou a vingar Aliás em 1824 d Pedro apresentaria ou melhor imporia um novo texto constitucional à nação A alcunha pegou e até hoje a primeira Constituição brasileira é conhecida como a Outorgada Ninguém há de negar que o começo da vida política no Brasil como nação independente foi no mínimo complicado e tortuoso A CONSTITUIÇÃO DE 1824 A MARIONETE SOLTA DAS CORDAS Para evitar equívocos dessa vez o imperador reuniu a portas fechadas dez pessoas de sua inteira confiança todos brasileiros natos e juristas membros do Conselho de Estado criado em 1823 e formados em Coimbra24 O texto constitucional foi elaborado em apenas quinze dias e tinha como base o projeto da Mandioca25 O escriba foi Luís Joaquim de Santos Marrocos arquivista da Real Biblioteca e famoso por seu mau humor com relação aos nativos da excolônia Tendo chegado ao Brasil junto com os livros da Biblioteca o funcionário sempre reclamou do que encontrou na América o clima os mosquitos a falta de sociabilidade Nem por isso saiu do país casou e morreu por aqui26 O texto foi então enviado às diferentes Câmaras as quais segundo versão oficial quase não elaboraram observações à Constituição que foi rapidamente jurada na Catedral do Império já em 25 de março de 182427 O documento seguia o modelo liberal francês prevendo um sistema representativo baseado na teoria da soberania nacional A forma de governo era monárquica hereditária constitucional e representativa dividindose o país em províncias A novidade ficava por conta da introdução não de três poderes mas de quatro seguindose e adaptandose a proposta de Benjamin Constant que defendia a existência de cinco poderes o real o executivo o representativo da continuidade o representativo da opinião e o poder de julgar estando este acima dos demais Constant era suíço fora educado na Universidade de Edimburgo tendo passado anos na França Suíça Alemanha e GrãBretanha Intelectual de renome em seu tempo tornouse influente na política francesa e durante a segunda metade da Revolução de 1815 a 1830 foi líder do grupo de oposição conhecido como os independentes que seguiam o modelo liberal de esquerda Em 1819 publicou A liberdade dos antigos comparada à liberdade dos modernos em que discorria sobre o papel dos indivíduos em relação ao Estado Preconizava o formato da monarquia constitucional da GrãBretanha mas chegava a defender a continuidade da escravidão isso para que os cidadãos pudessem participar das atividades civis Publicou também Curso de política constitucional de onde veio a inspiração para o Poder Moderador logo introduzido no texto da Constituição brasileira De uso privativo do imperador o Poder Moderador estava acima dos demais poderes e a eles se sobrepunha cabendo a seu detentor força coativa e a atribuição de nomear e demitir livremente ministros de Estado membros vitalícios do Conselho de Estado presidentes de província autoridades eclesiásticas o Senado vitalício magistrados do Poder Judiciário bem como nomear e destituir ministros do Poder Executivo O imperador era ainda inimputável e não respondia judicialmente por seus atos Assim se pelo projeto de 1823 o chefe do Executivo guardava apenas poder de veto agora ele se transformava numa espécie de fiel da balança O Poder Moderador tinha a função segundo o texto de garantir harmonia e equilíbrio ao Estado Era na definição da época um poder neutro Os demais pontos da Constituição não geraram discórdia Abriuse o culto religioso a despeito de não se conhecer nenhuma proibição à existência de outros templos sinagogas ou igrejas as eleições mantiveramse censitárias indiretas e em dois turnos no primeiro os votantes escolhiam os eleitores na proporção de um eleitor para cem domicílios no segundo elegiamse os deputados e senadores estes últimos em lista tríplice da qual o imperador escolhia o candidato de sua preferência A Igreja submetiase ao Estado inclusive com o direito de o imperador conceder cargos eclesiásticos na Igreja católica o chamado direito de padroado e a Assembleia Geral era composta de duas Câmaras a Câmara de Deputados e a Câmara de Senadores sendo a primeira eletiva e temporária e a segunda vitalícia e organizada por eleição provincial Além disso mantinhase o Conselho de Estado mas constituído de membros vitalícios nomeados pelo imperador Para os padrões da época a Constituição de 1824 a despeito de ter sido outorgada foi até avançada podiam votar todos os homens a partir de 25 anos com renda mínima anual de 100 milréis Os libertos votavam nas eleições primárias e o critério de renda acabava por não excluir do direito de voto a maior parte da população pobre uma vez que a maioria dos trabalhadores ganhava mais de 100 milréis por ano Por fim analfabetos também tinham direito a voto Essa Constituição continuou a vigorar até o fim da monarquia e os dados apontam para um cenário interessante antes de 1881 50 da população masculina adulta votava o que equivalia a 13 da população total Para dar uma ideia em torno de 1870 a população votante na Inglaterra ficava em torno de 7 na Itália 2 em Portugal 9 na Holanda 25 nos EUA 18 Sufrágio universal masculino existia apenas na França e na Suíça28 Com toda a sua pretensão liberal a Constituição de 1824 garantiu porém um alto grau de centralização de poderes nas mãos do imperador manteve um traço absolutista através do Poder Moderador e ignorou a escravidão Também não se pode deixar de lado o contexto particular a Carta e sua urgência representavam uma reação imediata ao projeto de 1823 e às tentativas de controlar o poder do monarca Da mesma forma não há como esquecer a maneira autoritária como a nova Carta foi imposta aos cidadãos nem o caráter voluntarioso do imperador que inspecionou pessoalmente todos os detalhes D Pedro I iria repetir tal processo de outorga quando dois anos depois já como d Pedro IV de Portugal participaria da elaboração da Constituição lusitana de 1826 Coisas de estilo pessoal que nesse caso virava problema nacional CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR Não passaria desapercebido o fato de o imperador dissolver a Assembleia e impor uma nova Constituição ao país Também não restaria invisível o fato de o novo círculo de burocratas e mercadores muitos deles portugueses ou com laços fortes com a ex metrópole fazer parte agora da esfera íntima de d Pedro I Em Pernambuco por exemplo província conhecida por sua disposição revolucionária e por sua vocação republicana e federalista novas vozes se levantaram Dentre elas destacouse o nome do frei Joaquim do Amor Divino mais conhecido como Frei Caneca De origem humilde e educado no seminário de Olinda ele se transformou num intelectual refinado e num ativista político vigoroso O estopim da revolta em Pernambuco foi a nomeação de um governador indesejado mas o movimento produziu a primeira reação à política absolutista e centralizadora do governo de d Pedro I Foi por esses motivos que em 1824 estourou a Confederação do Equador que pretendia a formação de uma República baseada inicialmente na Constituição da Colômbia então a Carta mais próxima na América do Sul dos princípios do republicanismo norteamericano A Confederação do Equador tinha raízes profundas que remontavam ao século XVIII a Guerra dos Mascates 171011 e ao início do XIX a Revolução Pernambucana de 1817 ambas de caráter republicano Havia também divisões internas entre o norte pernambucano que se dedicava ao cultivo do açúcar e do algodão e contava com vilas populosas e a monocultura da região sul da província com seu exclusivo açucareiro e cujas povoações não passavam de anexos dos engenhos Assim se Pernambuco aceitara a monarquia apostando na garantia de autonomia local com a promulgação da Constituição de 1824 e sua centralização excessiva a frustração logo tomou conta da província Os pernambucanos andavam divididos entre duas facções uma monarquista e outra liberal e republicana e a província era governada por Pais Barreto líder dos monarquistas e nomeado presidente por Pedro I Devido a pressões dos liberais Pais Barreto renunciou e Manuel Pais de Andrade outra liderança importante da revolta e declaradamente republicano foi eleito O negócio não ficou contudo apenas entre os Pais Informado da situação Pedro I requisitou a recondução de seu candidato ao cargo e foi solenemente ignorado Testado em seus poderes o imperador enviou dois navios de guerra ao Recife tentando fazer valer sua lei Os liberais porém se recusaram a reempossar o presidente e o levante eclodiu O imperador bem que tentou negociar nomeando outro presidente Mas era tarde demais em 2 de julho de 1824 os revolucionários proclamaram a independência de Pernambuco e ainda convidaram as demais províncias do Norte e Nordeste a se unirem a eles formando a Confederação do Equador Teoricamente o novo Estado federalista e independente seria constituído pelas províncias do Piauí Ceará Rio Grande do Norte Alagoas Sergipe Paraíba e Pernambuco No entanto além de Pernambuco apenas algumas vilas da Paraíba do Rio Grande do Norte e especialmente do Ceará aderiram ao movimento Os confederados reivindicavam que o Brasil fosse organizado de maneira análoga às Luzes do século seguindo o sistema americano e não o exemplo da encanecida Europa A ênfase recaía na solução federada característica do republicanismo norte americano Na bandeira dos revoltosos figuravam não só os dois produtos da região o algodão e a cana como representações da República e do federalismo O imperador por carta régia de 25 de julho de 1824 sentenciou os revoltosos ordenando que fossem condenados Mas a revolução continuava Em 12 de setembro forças terrestres lideradas por Pais Barreto atacaram o Recife e em cinco dias derrotaram os rebeldes Alguns líderes foram assassinados enquanto outros como Frei Caneca acabaram presos Os rebeldes na Paraíba não tiveram melhor sorte O processo judicial para apurar os culpados iniciouse em outubro de 1824 e se estendeu até abril do ano seguinte Das centenas de pessoas que participaram da revolta nas três províncias quinze foram condenadas à morte entre elas Frei Caneca As execuções puseram fim ao movimento mas deixaram lastro em Pernambuco que se frustrara esperavam que a primeira Constituição do Império fosse federalista dando autonomia administrativa às províncias Todas as demais províncias foram perdoadas por Pedro I em 7 de março de 1825 A atitude dadivosa porém não escondia divisões nem diminuía rancores PROBLEMAS NA VIDA PÚBLICA E NA VIDA PRIVADA DO IMPÉRIO O ambiente na esfera íntima de d Pedro também não se mostraria dos mais tranquilos Sabemos que na vida dos reis a separação entre a esfera pública e a esfera privada é tênue Afinal casamentos são questões diplomáticas assim como o nascimento e a morte de entes queridos E nesse caso a história se repetiria Em 2 de dezembro de 1825 d Leopoldina a esposa cada vez mais isolada de Pedro I o qual desde a viagem a São Paulo na época da Independência continuava a só ter olhos para Domitila dá à luz um filho homem herdeiro das esperanças de continuidade do Império o futuro monarca Pedro II Não eram poucas as promessas atribuídas a esse personagem29 Pela linha paterna o príncipe imperial descendia de antepassados ilustres imortalizados pela prosa portuguesa D Pedro era o 19º duque de Bragança cuja família estava entrelaçada aos Capeto da França Pela linha materna d Pedro era ligado ao imperador Francisco I da Alemanha Áustria Hungria e Boêmia ele mesmo filho de Leopoldo II imperador da Alemanha e irmão de Maria Antonieta mulher de Luís XVI Descendia também de Francisco José duque de Toscana marido de Maria Teresa imperatriz da Alemanha Áustria e Boêmia30 Sua genealogia ia longe chegava a santo Estevão rei da Hungria a Filipe II a Filipe IV aos reis de Aragão e Castela e aos reis da França Carregando a herança dos Bourbon dos Habsburgo e dos Bragança o batizado da criança imperial cercouse de uma mística incomum O fantasma desses reis santos e loucos imperadores e aventureiros príncipes ilustrados românticos ou melancólicos acompanharia esse príncipe pela vida toda Três meses depois em 10 de março de 1826 contando 59 anos incompletos bem vividos morria no Paço da Bemposta em Lisboa d João VI assim diz a lenda de indigestão após uma ceia farta D Carlota alegando doença evitou estar ao lado do marido moribundo e viajou para Lisboa não sem deixar clara sua preferência para que d Miguel que não era o primogênito assumisse o trono vacante Já d João sempre expressou preferência por d Pedro não obstante ele fosse agora considerado estrangeiro uma vez que imperador do Brasil Entretanto antes de morrer o rei fiel a seu estilo indeciso num documento ambíguo legava a regência à filha Isabel Maria antes que o legítimo herdeiro assumisse D João apenas não indicara justamente quem seria o legítimo herdeiro Criouse assim um problema sucessório Nesse meiotempo Isabel Maria mandou comissão ao Brasil para saudar d Pedro IV novo rei de Portugal Mas o impasse continuava pois não era constitucional d Pedro reunir as duas Coroas A saída foi decidir pelo casamento de d Maria da Glória filha de d Pedro com d Miguel Além do mais se Carlota Joaquina chamava por antipatias d Miguel desde que voltara para Portugal angariava cada vez mais popularidade Já d Pedro por conta da independência no Brasil era considerado quase persona non grata em território português31 Mas deixemos essa questão dinástica em banhomaria pois mais um evento atrapalharia a agenda já conturbada do imperador do Brasil32 Em 11 de dezembro do mesmo ano morria depois de parto difícil Leopoldina e cercada de rumores sobre os maustratos que o marido lhe dedicava D Pedro encontravase em meio a uma série de encruzilhadas tão íntimas como absolutamente públicas A morte de Leopoldina geraria uma larga boataria a respeito desse príncipe bárbaro anunciada nas cartas que a imperatriz enviara à irmã Maria Luísa que se casou e se separou de Napoleão e também ao pai o poderoso imperador Francisco da Casa dÁustria Diferentemente do que afirma o dito popular não houve nada de fácil na vida dessa princesa Após 1822 tendo desempenhado papel de grande relevância no processo de independência ela se encontrava isolada na corte Leopoldina passou então a escrever cartas lamentandose do marido e do que chamava de horrível América Oscilava falava em nome do povo destacava seu sacrifício mas o retrato final era o de uma princesa melancólica sem amigos ou esposo a seu lado Na última carta datada de 8 de dezembro de 1826 e endereçada a Maria Luísa d Pedro converteuse em monstro sedutor e a imperatriz não escondia ressentimentos Acabou de darme a última prova de seu total esquecimento a meu respeito maltratandome na presença daquela mesma que é a causa de todas as minhas desgraças Leopoldina referiase a Domitila a marquesa de Santos que ocupava então todo o tempo do jovem monarca A princesa morreria quando seu último filho o futuro soberano d Pedro II tinha apenas um ano e nove dias Nesse meiotempo em 23 de maio de 1824 nascera Isabel Maria a filha de Domitila que seria dois anos depois reconhecida como filha do imperador e receberia o título de duquesa de Goiás33 1831 UMA NOVA INDEPENDÊNCIA Enquanto isso a vida pública era retomada no Brasil com a abertura de eleições para a Câmara no final de 1824 e sua primeira reunião em 1826 Deputados de todo o país se reuniram e se os trabalhos começaram tímidos logo ganharam força com a oposição se reorganizando e tomando a direção do movimento social Também surgiram muitos e combativos jornais aos quais d Pedro costumava reagir e responder pessoalmente O imperador ainda fez uso de seu Poder Moderador dispensando ministros por conta de pequenos deslizes ou por mero capricho O caráter voluntarioso e romântico de d Pedro ia fazendo escola assim como seu costume de deixar questões privadas interferirem diretamente nos assuntos do Estado No âmbito externo o monarca manteve a política expansionista de seu pai que pretendera estender as fronteiras meridionais do Brasil até as margens do Prata O resultado foi a continuidade da guerra na Cisplatina com a Argentina A província Cisplatina se transformou no atual Uruguai e os dois contendores saíram igualmente derrotados com seus cofres públicos literalmente arrombados Na esfera íntima novas reviravoltas sobressaltaram a corte Depois da morte de Leopoldina seria a vez de Domitila conhecer o descaso do imperador Tanto que em 1827 ele já tinha tomado a decisão de encontrar nas cortes da Europa uma futura imperatriz O fim de caso se prolongou por três longos anos mas d Pedro foi firme dessa vez A seleção de uma nova esposa não se mostrou porém tarefa fácil já que a má fama do monarca havia se espalhado pela Europa Após três anos de procura o soberano finalmente se casou com d Amélia de Leuchtenberg princesa da Baviera de dezessete anos de idade e cuja beleza dizem teria sossegado os humores do rei O problema era que para os políticos locais o imperador parecia apenas interessado na vida privada e na política portuguesa Sem perder de vista as vicissitudes de Lisboa d Pedro tentava interferir nos dois lados e continuava a assinar despachos relativos a Portugal como d Pedro IV Também começava a misturar finanças locais com as da ex metrópole assim como não desviava os olhos da sucessão real Em 1827 quando d Miguel completou 25 anos e já teria direitos para assumir a regência foi de d Pedro a ideia de que o irmão passasse a governar seu país como lugartenente D Miguel retornou porém de uma estada prolongada na Áustria em fevereiro de 1828 para alegria de sua mãe Carlota Joaquina que julgou que teria condições finalmente de vingar antigos desafetos Em Portugal teve início então o governo opressivo de d Miguel quando muitos políticos foram mortos e outros fugiram E também no Brasil as coisas se aceleravam Uma série de pequenos conflitos vinha se acumulando desde 1830 deixando a capital em contínua tensão De um lado a onda revolucionária que se abateu pela Europa e que levou à queda de Carlos X e deu o trono francês a Luís Felipe de Orléans o conhecido monarca cidadão que se pronunciara abertamente em favor dos ideais da Revolução de 1789 despertou os liberais brasileiros contra o caráter absolutista do governo de d Pedro De outro o assassinato do jornalista Libero Badaró em São Paulo no dia 20 de novembro acirrou ainda mais os humores da imprensa e da população Jornalista italiano radicado no Brasil proprietário do jornal de oposição O Observador Constitucional Badaró argumentava que o governo imperial andava exercendo uma espécie de autoritarismo negligente Seus artigos pregavam a liberdade dos brasileiros através do rompimento com qualquer mandatário lusitano incluindose é claro o próprio Pedro I Correu então o boato de que o mandante do crime o ouvidor Cândido Japiaçu contava com a proteção de d Pedro Por fim na Câmara de Deputados a maioria liberal passou a atacar de frente o governo e encerrou os trabalhos em 30 de novembro fazendo exigências de reformas constitucionais34 Foi nesse contexto que d Pedro viajou para Minas Gerais buscando conter agitações federalistas locais Nova onda de boatos espalhou a notícia de que ele preparava um golpe absolutista planejando dissolver o Congresso Por isso quando o imperador voltou ao Rio as recepções foram díspares Comerciantes portugueses partidários de d Pedro prepararam uma grande festa para celebrar o retorno no dia 11 de março com fogueiras iluminações girândolas e lençóis com as cores nacionais Já os liberais brasileiros entenderam os festejos como uma ofensa à dignidade nacional E assim se iniciava o conflito conhecido como Noite das Garrafadas por conta dos objetos atirados que prosseguiu até o dia 16 do mesmo mês Provocações insultos agressões quebraquebras de parte a parte tomaram as ruas da capital ao lado de frases contraditórias que partiam dos diversos grupos os quais ora davam vivas à Constituição à Assembleia e à liberdade de imprensa ora aclamavam d Pedro monarca absoluto Documentos de época também mencionam a participação de africanos e negros vestindo jaquetas e portando chapéus com o laço nacional ou da federação A ordem foi restaurada só no dia 17 mas por pouco tempo35 No próprio dia 17 23 deputados e o senador Campos Vergueiro redigiram uma representação ao imperador exigindo a punição dos agressores portugueses De nada adiantou d Pedro instituir novo ministério composto só de brasileiros ou nomear outro comandante de polícia Lembrou o viajante Armitage que se produziu um efeito elétrico na corte e nas províncias incendiado pelos jornais que mais lembrava um estado de rebelião latente Até mesmo os moderados que até então tentavam pôr panos frios na situação mudaram de posição Temporariamente unidos moderados e exaltados embora mantendo seus interesses diversos faziam causa comum em derrubar o imperador E a revolta fazia moda os jornais de oposição difundiram o uso de laços verdeamarelos os mesmos dos tempos da Independência e entre os exaltados ou republicanos o chapéu de palha e a sempreviva na lapela No dia 25 de março aniversário da Constituição novos conflitos estouraram nas ruas da corte No momento em que assistia a uma parada militar no Campo da Aclamação d Pedro foi afrontado por indivíduos que davam vivas ao imperador constituinte A cada dia novas manifestações e tumultos ocorriam Mas a gota dágua caiu quando em 5 de abril sem conseguir controlar as agitações o ministério dos brasileiros foi demitido e d Pedro nomeou outro integrado apenas por elementos de seu círculo íntimo de relações Em moto contínuo já no dia 6 uma multidão de 4 mil homens se aglomerou no Campo da Aclamação que ia se convertendo no local dileto para as manifestações públicas espalhandose depois pelas ruas da cidade Protestavam contra a atitude do imperador que não só demitira o ministério como compusera outro formado por titulares do Império sem expressão maior do que o fato de serem da confiança do monarca Ouviamse brados de viva a Constituição viva a independência do Brasil como se no contexto tais mensagens nada tivessem a ver com d Pedro Não faltaram novos boatos sobre a suspensão de garantias constitucionais prisão de senadores e morte de deputados Comentavase ainda um golpe de Estado dado pelo próprio monarca o que só aumentava a tensão e a disposição para o rompimento final com o imperador Para tentar conter o movimento d Pedro enviou uma manifestação que deveria ser lida publicamente afirmando que era um constitucional de coração e dando sua imperial palavra de que nada ocorrera No entanto antes que o juiz de paz pudesse terminar a leitura do documento este foi arrancado de suas mãos e rasgado pelos manifestantes os quais de pronto passaram a gritar Morra o imperador e Viva a Federação e a República Nova tentativa no sentido de contemporizar o movimento popular foi feita agora do lado dos políticos brasileiros três juízes de paz dirigiramse ao Paço de São Cristóvão exigindo a reintegração do ministério deposto O soberano defendendo seu direito constitucional negou o pedido Já os juízes obrigados a relatar o sucedido ouviram novas palavras de ordem Morra o traidor Às armas cidadãos36 A pressão subiu a tal nível que o imperador resolveu jogar a última cartada abdicou em favor de seu filho Essa era mesmo a única maneira de sustar o processo garantindo a continuidade da realeza no Brasil No dia 7 por volta das três da manhã a carta de abdicação era entregue para ser lida publicamente A notícia foi recebida com grande entusiasmo versos patrióticos hinos cívicos e vivas a Pedro II imperador e constitucional do Brasil D Pedro I ainda teve tempo de nomear o tutor dos filhos que ficavam no Brasil Por mais paradoxal que possa parecer indicou seu antigo amigo e antigo desafeto José Bonifácio D Pedro abdicou melhor do que reinou Altivo afirmou que a decisão estava tomada e encerrou o episódio Entre mim e o Brasil tudo está acabado e para sempre Voltava ele então para Portugal ao lado da esposa onde reassumiu seu antigo título português e acrescentou o defensor perpétuo do Brasil Agora era hora de cuidar da vida da monarquia em Portugal e do lugar de sua filha d Maria da Glória No Brasil a euforia tomou conta do ambiente e de tal modo que a abdicação foi entendida como um marco inaugural e fundador Muitos a consideraram uma revolução exemplar pois fora pacífica e não levara a derramamento de sangue Outros a chamaram regeneração brasileira tal seu caráter popular Toda uma memória foi criada em torno do evento como se ele representasse um tempo novo a verdadeira independência37 O importante é que o Sete de Abril muito mais do que o Sete de Setembro consagrou o espaço público como uma arena política e com ele o grupo dos exaltados assim como suas práticas informais de cidadania No entanto e mais uma vez a calmaria seria breve Como o futuro monarca era ainda menino tinha seis anos incompletos abriuse o período das Regências seria preciso que outros governassem o país em nome de d Pedro II até que ele chegasse à maioridade Os ensaios de governo cidadão e federativo voltariam ao palco nos anos seguintes assim como as manifestações de ordem mais ou menos popular Dessa vez porém o barulho soaria tal qual eco a partir das demais províncias do país 10 REGÊNCIAS OU O SOM DO SILÊNCIO Dizem que o som do silêncio às vezes pode ser ensurdecedor No período das Regências que se abria no Brasil com a abdicação de Pedro I em 1831 a história confirma a expressão O país era grande e a corte desconhecia as especificidades de suas diferentes regiões que vistas de longe pareciam quietas serenas e davam a impressão de que assim continuariam para sempre A emancipação política de 1822 consolidouse em torno da corte isto é do Rio de Janeiro privilegiando a instituição monárquica e a unidade nacional O sentimento autonomista era porém forte nas províncias desfeita a unidade do Império lusobrasileiro como consequência da ruptura com Lisboa o debate girava ao redor de dois programas políticos decididamente antagônicos o centralismo da corte de um lado e o autogoverno provincial de outro1 Estava em jogo assim onde residiria o centro da soberania nas províncias e isso implicaria negociar novo pacto constitucional ou no Rio de Janeiro Vale lembrar que a adesão das províncias ao grupo vitorioso não foi pacífica Pernambuco e Bahia estavam em condições de articular de forma consistente o autogoverno provincial É certo que vingou o projeto unitário construído em torno da figura simbólica do rei e da crença na vocação do país para a unidade nacional aquilo que José Bonifácio dizia ser o Brasil esta peça majestosa e inteiriça de arquitetura social desde o Prata até o Amazonas Mas é certo também que a inspiração federalista que iria sacudir o Brasil ao longo do período regencial e consequências desse debate apareceriam durante o processo de independência Para piorar a instabilidade geral na época da abdicação de Pedro I seu filho o príncipe Pedro tinha apenas cinco anos e quatro meses cuidadosamente contabilizados e a saída foi deixálo isolado no Paço de São Cristóvão junto com suas duas irmãs Francisca a mana Chica e Januária Era preciso proteger o herdeiro das esperanças nacionais pois por força da lei o príncipe regente não podia assumir o governo do Estado até completar a maioridade aos dezoito anos Abriuse então um vácuo político que liberou a imaginação popular com graves e importantes resultados De um lado o problema prático e burocrático mais imediato foi resolvido a partir de uma sucessão de quatro regências assumidas por políticos brasileiros duas compostas de três regentes as chamadas regências trinas e duas de apenas um regências unas De outro lado contudo a questão sucessória incendiou as demais províncias que agora sem um rei no poder passaram a contestar a legitimidade dos novos governantes os quais estariam excessivamente voltados para a lógica da corte carioca E dálhe barulho A primeira das reações foi a abertura de um amplo debate acerca da desmedida centralização política e administrativa imposta pelo Rio de Janeiro Novas bandeiras foram içadas e nelas se inscreviam temas como o federalismo e a República A discussão não ficaria restrita porém ao âmbito parlamentar Em moto contínuo estouraram rebeliões em várias províncias brasileiras que a despeito de suas demandas particulares guardavam no conjunto novas reivindicações por autonomia Afastadas das instâncias decisórias e insatisfeitas com os rumos tomados no Império essas novas lideranças passavam a introduzir tópicos até então pouco conhecidos na agenda do país Revoltas como a Cabanagem no Pará a Balaiada no Maranhão a Sabinada na Bahia e a Guerra dos Farrapos no Rio Grande do Sul indicavam como o barulho ainda difuso das províncias feito de descontentamentos isolados e tensões latentes tinha potencialidade para se transformar num grande coral composto de vozes que cantavam em solo mas resultavam num conjunto nada harmonioso É certo que quase nenhuma dessas vozes se opunha exatamente à monarquia A ideia geral parecia ser esperar por Pedro II Mas enquanto o monarca crescia cresciam também as demandas por autonomia Era preciso que os regentes criassem uma agenda positiva que respondesse às novas demandas entre elas idealizar arranjos políticos que garantissem aos novos grupos a preservação de seus interesses isso sem tocar na unidade territorial e na centralização monárquica Com tantos dados no jogo de tabuleiro esse se transformou no período mais dinâmico do Império ao menos no que se refere à criação de projetos políticos e de propostas de diferentes formas de governo Não por acaso Joaquim Nabuco teria afirmado No Brasil a regência foi a república de fato a república provisória Não se sabe se foi o Paço com seu monarca menino que encolheu ou se as esquinas do país é que nunca pareceram tão largas e distantes O IMPERADOR MENINO E AS REGÊNCIAS Prevista na Constituição Política do Império do Brasil para o caso de vacância no poder a Regência representava a saída mais legítima para dar normalidade política à situação criada com a partida abrupta do imperador que não chegou a completar uma década de reinado Assim mal o Paço do Senado recebeu oficialmente a notícia da renúncia de Pedro I o Senado elegeu a toque de caixa uma Regência Provisória composta de três senadores Francisco de Lima e Silva um militar de atuação política consolidada Nicolau Pereira de Campos Vergueiro advogado formado em Coimbra e ligado ao grupo paulista dos Andrada que voltava a mandar na política nacional e José Joaquim Carneiro de Campos o marquês de Caravelas o qual igualmente formado em Coimbra ajudou a redigir e assinou o texto da Constituição de 1824 assim como integrou o grupo conservador tendo sucedido a José Bonifácio na pasta do Império e dos Negócios Estrangeiros Os regentes tinham posturas opostas tanto em relação aos grupos que apoiavam como nas atitudes políticas que adotavam o primeiro era considerado um liberal isto é favorável ao federalismo os outros dois eram conservadores e o senador Vergueiro costumava ser encarado como um centralista empedernido Mas o tempo era de ação e de atos vistosos capazes de conter a agitação que tomara o país Por isso os regentes agiram rápido restituíram a seus cargos os ministros demitidos por Pedro I convocaram uma Assembleia Legislativa que deveria criar novo corpo de leis anistiaram os criminosos políticos e afastaram das tropas os estrangeiros considerados suspeitos e desordeiros Para garantir a paz e mostrar a boa vontade dos regentes no sentido de atender as demandas dos grupos insatisfeitos foi elaborado um manifesto que pedia pela ordem e expunha as novas medidas políticas e administrativas Mesmo assim pequenos conflitos estouraram no Rio de Janeiro e em outras províncias como Bahia e Pernambuco todos eles contrários aos portugueses do Partido Restaurador que a essas alturas pregavam pela volta do monarca português Nesse meiotempo apostando firme na força simbólica do imperador menino já em 9 de abril dois dias após a abdicação o sucessor do trono foi aclamado ver imagem 68 pelo Legislativo imperador do Brasil O artista francês JeanBaptiste Debret mais uma vez ficou responsável por tornar eterno o momento que era apenas resultado da política ligeira dos homens De tão pequeno o menino que foi apresentado ao povo na varanda do Paço da Cidade teve de montar numa cadeira para que pudesse ser visto ao acenar a todos com seu lenço Essa era a forma como a elite política se organizava procurando tornar visível o futuro próximo que se encarnava na figura de um monarca ainda garoto Estranhos caminhos tinham levado o exmonarca a nomear seu inimigo da vez José Bonifácio de Andrada e Silva tutor de seus filhos Nessa hora parece ter vingado a maturidade política e intelectual do Patriarca da Independência O momento era dramático e d Pedro sabia que deixava os filhos sem data para revêlos A fim de não expôlos demais e garantir que ficassem apartados da turbulência política que ia se espalhando pelo país os três únicos membros da família real a restar no Brasil foram transladados para o Palácio de São Cristóvão ou da Boa Vista mais afastado do centro agitado da capital Lá passariam a cumprir um tedioso cotidiano com horários rígidos poucas visitas e muitas lições e tarefas Era preciso formar o futuro imperador e mantêlo tranquilo enquanto o Brasil lá fora literalmente fervia Houve até quem pensasse em levar o pequeno monarca para São Paulo mas a proposta não mereceu maior crédito era conveniente que permanecesse na corte até porque sem se locomover chamaria menos atenção2 Pedro I só deixaria o território nacional em 13 de abril e sua partida foi festejada pelas ruas que comemoravam a queda do tirano Enquanto isso ignorando o que ocorria nos arredores e o fato de que sua autoridade periclitava por conta dos motins agitações revoltas e rebeliões que estouravam em diferentes rincões do Império o menino príncipe convertiase numa projeção As primeiras notícias dessa revolução sem sangue nome que na época se dava para a abdicação falam das esperanças na efetivação de uma monarquia constitucional livre dos abusos de um monarca autoritário e vinculado aos interesses do Estado português Concidadãos Já temos pátria temos um Monarca símbolo da vossa união e da integridade do Império que educado entre nós receba quase no berço as primeiras lições da Liberdade Americana e aprenda a amar o Brasil que o viu nascer3 O clima era conturbado dividindose os pasquins segundo as tendências de seus proprietários e do momento político Interessante é notar dois fenômenos conjuntos a fundação do jornal intitulado D Pedro I em 1833 que defendia a restauração a volta do imperador português ao Brasil e o aparecimento alguns meses depois do jornal D Pedro II que advogava a união de todos contra a restauração O pequeno imperador emprestava portanto o nome para uma causa que ele simbolizava mas sobre a qual de fato nada entendia Pouco se sabe da infância do segundo imperador Tirandose os relatos do monótono cotidiano do jovem d Pedro e de suas irmãs ou a descrição de seus medíocres professores mais parece que o futuro monarca dormia o sono dos justos à espera do eterno despertar Em carta de 8 de maio de 1833 ele escreveu à rainha de Portugal d Maria da Glória sua irmã Querida e muito amada irmã Aproveitamos a viagem a Paris que faz o Sr Antônio Carlos dAndrada irmão do nosso Tutor para darlhe notícias Há muito tempo estamos privados das suas assim como das de nossa querida Mamãe Aqui esforçamonos em seguir o seu exemplo Escrita Aritmética Geografia Desenho Francês Inglês Música e Dança dividem os nossos momentos fazemos constantes esforços para adquirir conhecimento e somente a nossa aplicação pode trazer um pouco de lenitivo às vivas saudades que nos faz experimentar a separação Longe da família restavam os estudos que d Pedro como bom herdeiro levava a sério4 DE PROVISÓRIA A PERMANENTE No entanto fora do ambiente tranquilo do Paço os políticos da Regência Provisória se viram pressionados a agir rápido e não só por decreto Na Bahia em Pernambuco e em Minas Gerais portugueses começavam a ser atacados mostrando uma nova face xenófoba dos ativistas Era preciso acelerar ainda mais o processo político e outra eleição foi marcada na Assembleia para 3 de maio do mesmo ano de 1831 com o objetivo de transformar o provisório em permanente No dia 17 de junho era eleita a Regência Trina Permanente composta dos deputados José da Costa Carvalho o marquês de Monte Alegre que estudou direito em Coimbra e na sua volta ao Brasil foi eleito deputado pela província da Bahia além de ter sido fundador de O Farol Paulistano o primeiro periódico impresso e publicado em São Paulo João Bráulio Muniz colega de Carvalho em Coimbra e no jornal Farol Paulistano era natural do Maranhão e do senador Francisco de Lima e Silva barão da Barra Grande atuara na brigada que sufocou a Confederação do Equador como presidente da província de Pernambuco entre 1824 e 1825 e como senador do Império ver imagem 62 Essa era uma regência de políticos moderados maioria por sinal na Câmara de Deputados Tratavase de uma elite política a serviço do rei que foi decisiva na estrutura da organização política do Império e em sua capacidade de processar conflitos mediante arranjos entre grupos dominantes Ela era homogênea pela educação e pela participação no serviço público Por isso para esse grupo o fortalecimento do Estado e a unidade nacional constituíam valores políticos maiores e expressavam um interesse material muito concreto5 É necessário destacar ainda que havia na composição da Regência uma tentativa de centralizar o poder e equilibrar ânimos reunindo no triunvirato representantes do Norte Nordeste e Sudeste Mas assim como seus predecessores esses regentes precisariam responder de afogadilho às suas novas atribuições Começaram com medidas mais brandas reformando as Escolas de Medicina e Cirurgia do Rio e de Salvador convertendoas em faculdades e conferindolhes mais autonomia Em tempos de nacionalismo atitudes como essas tinham o poder de impressionar além de sublinhar o gesto da independência sob a forma de autonomia intelectual No mesmo registro pode ser entendida a reorganização do Poder Judiciário e o estabelecimento do tribunal do júri Entretanto a medida mais ruidosa foi a reforma do Legislativo capaz de limitar o exercício do Poder Moderador partilhado pelos regentes e aumentar a preeminência dos deputados e senadores sobre o Executivo6 A Regência Trina tinha outras surpresas guardadas no bolso entre elas a criação da Guarda Nacional uma força pública a ser usada pelo poder central para conter manifestações e motins Ela seria constituída a partir do contingente populacional espalhado pelas províncias mas vinculada ao ministro da Justiça O modelo vinha de uma instituição congênere existente na França e visava em princípio à participação do cidadão Todos os cidadãos entre 21 e sessenta anos e em condições de serem eleitores portanto com renda anual superior a 200 milréis quando residentes em grandes cidades e a 100 milréis nas demais regiões escravos excluídos naturalmente eram obrigados a se alistar sendo os cargos de comando eletivos em cada província No entanto em virtude de sua composição social recrutada somente dentre os membros da elite mais do que uma força cidadã a Guarda Nacional era um instrumento para garantir a ordem e conter revoltas locais Também entrava na conta das elites políticas nas diferentes províncias o direito de escolherem os coronéis e majores de legião da Guarda Nacional De tão conservadora e atuante ela criou uma tradição estendendo sua atuação até a Primeira República sobretudo nas áreas mais rurais do país Além do mais com essa tropa de elite evitavase a participação política de militares ao lado dos populares a exemplo do que ocorrera com as rebeliões que precederam a Independência e nas agitações provinciais que levaram à abdicação A Guarda Nacional e não os militares se constituía pois como uma força repressiva muito confiável inclusive em razão de sua origem social Mas não eram decretos nem nomeações que dariam conta da crise financeira e das agitações que passaram a ameaçar a unidade nacional Os três partidos nacionais também se mantinham divididos entre Moderado ou chimangos Exaltado ou jurujubas e farroupilhas e Restaurador ou caramurus que queriam a volta de Pedro I e contavam com a chefia de José Bonifácio Foi nesse contexto que começou a ascensão de um personagem cuja imagem ficaria colada à história das Regências o padre Diogo Antônio Feijó que já era deputado mas acabou nomeado ministro da Justiça Arquiinimigo de Bonifácio e dos caramurus acusouos de provocar agitações tentando desestabilizar a Regência e incitar a volta do imperador d Pedro I Em meio a uma série de acusações eclodiu uma nova revolta na capital em 3 de abril de 1832 sendo o tutor acusado de instigar as manifestações Apoiado porém pelo Senado Bonifácio mantevese na função Mas os dias do Patriarca estavam contados responsabilizado por tramar contra a Regência foi preso e enviado para a ilha de Paquetá onde permaneceu confinado em sua casa de praia Apesar de absolvido jamais se recuperaria politicamente vindo a morrer poucos anos depois em Niterói Feijó saiu fortalecido do golpe de braço com José Bonifácio mas com uma lista de novos problemas a resolver Ele mesmo acabaria destituído da sua posição de ministro da Justiça assim como as atenções se voltariam para uma agenda de revoltas que não se resumiam à corte e invadiam as províncias As rebeliões eram muitas e trariam de volta para o governo o velho fantasma da divisão e do desmembramento do país Em 1832 estourava a Cabanada em Pernambuco província que já se destacara em várias ocasiões por seu espírito de contestação A rebelião congregou índios escravos fugidos posseiros e proprietários rurais todos dispostos a lutar contra os jacubinos e pela volta de d Pedro I Os cabanos expressavam interesses muito diversos e resistiram bravamente por quatro anos formaram um exército com farda e tudo que atacava ao som de caixa corneta e pífanos Naquele ano já eram considerados senhores das matas de Pernambuco e seu raio de ação se concentrava na fronteira com Alagoas Dessa feita era sobretudo uma população mais desfavorecida que manifestava sua incompreensão da abdicação de Pedro I Mais uma vez o imaginário da realeza parecia se impor não o desejo de uma monarquia real mas a fé num modelo mítico e distante do dia a dia A volta de d Pedro podia até ser utópica naquela conjuntura contudo tinha um significado concreto para os grupos envolvidos Os cabanos catalisavam com sua resistência um conjunto amplo de insatisfações de grupos cujos interesses foram contrariados com a abdicação militares que não queriam ser rebaixados proprietários rurais que queriam expandir seu poder de mando burocratas que dependiam de seus empregos a elite de Alagoas que se beneficiou em termos de autonomia com a Coroa e claro os cabanos propriamente ditos gente das matas homens pobres do interior índios e africanos escravizados que se sentiam ameaçados pelo novo governo Para todos eles a bandeira da restauração significava a esperança de um futuro que trouxesse de volta um passado recente O movimento foi duramente derrotado em 1835 por Manuel de Carvalho Pais de Andrade o mesmo que proclamara a Confederação do Equador e agora presidia a província Não foi porém fácil pacificar os cabanos O presidente organizou uma aliança política com províncias vizinhas e empreendeu política de terra arrasada delimitavase um perímetro e quem estivesse dentro dele seria sumariamente considerado inimigo Entre março e maio daquele ano calculase que 1072 cabanos foram presos e 2326 mortos A sorte girava assim como o relógio das revoltas O ATO ADICIONAL DE 1834 E A REGÊNCIA DE FEIJÓ Com revoltas estourando no Rio de Janeiro em Pernambuco e no Maranhão não havia outra saída senão buscar mudar o jogo ao menos no âmbito do Legislativo O Ato Adicional de 1834 significou a tentativa de reler a Constituição de 1824 tirando dela seu caráter por demais centralizador As propostas iniciais eram radicais chegando até a pedir o fim do Poder Moderador e o estabelecimento de uma monarquia federativa Mas esse foi apenas o ponto de partida ainda em 1831 O texto final o de 1834 baseava se no modelo norteamericano porém não ousava tanto Além de instituir a Regência Una o Ato Adicional dissolveu o Conselho de Estado criou Assembleias Legislativas provinciais que deveriam dar maior autonomia para as províncias estabeleceu um município neutro na corte separado da província do Rio de Janeiro mas manteve a vitaliciedade do Senado Contraditório em seus termos e fruto de muitos acordos e negociações o Ato centralizava na figura de um só regente cujo mandato seria de quatro anos e descentralizava por meio das Assembleias provinciais A medida também aumentava os poderes do presidente de província que passava a ser a principal autoridade local Sua nomeação era contudo prerrogativa do imperador e o mandato não era fixo podendo ser substituído a qualquer hora O Ato era assim um verdadeiro retrato três por quatro do estado do governo nem bem aqui nem bem por lá uma no cavalo e outra na ferradura Foi nesse clima que ocorreu a primeira eleição para regente único no país Saiu vitorioso o padre Diogo Antônio Feijó paulista do Partido Moderado Sua regência se iniciou em 12 de outubro de 1835 e o padre ficaria no cargo até 19 de setembro de 1837 um tempo até longo se lembrarmos a fragilidade da situação política Mas Feijó não teria vida fácil contou com muitos adversários políticos e teve como antagonista a própria Igreja em razão da defesa que fazia do fim do celibato clerical Diziase à boca pequena que os ministérios não sobreviviam ao mau humor de Feijó sendo novos gabinetes formados no espaço de poucos meses A instabilidade parecia ter se convertido em sistema de governo com o regente movendo de uma pasta para outra um reduzido grupo de homens Entretanto o que marcou de fato a primeira Regência Una foi a eclosão de dois graves conflitos em pontos extremos quase nas fronteiras do país a Cabanagem no Pará e a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul REVOLTAS POR TODO LADO CABANOS NO LONGÍNQUO GRÃOPARÁ Não há como analisar o período das Regências sem lembrar o conjunto das revoltas que eclodiram no país Por muito tempo conhecidas como nativistas pois consideradas apenas motins políticos localizados e sem maiores questionamentos elas têm hoje sido entendidas de outra perspectiva como uma expressão mais radical do embate político travado entre dois grupos que defendiam ora a unidade nacional ora o federalismo Elas também deram prosseguimento às manifestações de descontentamento com a política de centralização iniciadas já no Primeiro Reinado e responsáveis pela abdicação de Pedro I Foram muitas as manifestações de curta duração mas algumas marcaram o cenário nacional e trouxeram sensação de pânico às elites regenciais aquarteladas na corte A primeira a estourar como vimos foi a Cabanagem na longínqua província do GrãoPará uma das que mais demoraram a aderir ao Brasil independente só o fazendo em 15 de agosto de 1823 e por imposição Toda a história do GrãoPará fora construída de maneira autônoma e independente do restante do país A ocupação da região iniciouse no século XVI com a incursão na Amazônia de holandeses e ingleses interessados em especiarias particularmente em sementes de urucum guaraná e pimenta Os portugueses chegariam somente em 1616 com a fundação do Forte do Presépio ponto de partida para a construção da cidade de Belém na época conhecida como Santa Maria do Belém do GrãoPará Apenas em 1621 por causa da oposição aos grupos europeus lá instalados e do difícil enfrentamento com as populações locais foi criado o Estado do GrãoPará e Maranhão com capital em São Luís do Maranhão com jurisdição autônoma em relação ao Estado do Brasil cuja capital era Salvador na Bahia A fundação desse Estado objetivava aprimorar a relação da região com a metrópole incentivando a coleta das drogas do sertão o cultivo de cana algodão e cacau Na segunda metade do século XVIII foi criada pelo marquês de Pombal a Companhia Geral do Comércio do GrãoPará e Maranhão Fundada em 1755 ela visava controlar e fomentar a atividade comercial e diante da proibição da escravidão indígena na região passou a explorar e comercializar africanos A Companhia recebeu não só privilégios como o monopólio por vinte anos do tráfico de escravos e do transporte naval de todas as mercadorias no lugar Além disso seus funcionários foram oficialmente considerados a serviço de ElRei respondendo diretamente à metrópole De quebra evitavase o contrabando e a sonegação de impostos Tantos privilégios foram motivo para muita contestação das elites locais sempre desconsideradas pelo ministro português o marquês de Pombal que tinha interesses financeiros na região O certo é que o comércio com a metrópole até então incipiente depressa floresceu Os navios da Companhia saíam com o porão lotado de arroz algodão cacau gengibre madeira e outras drogas do sertão Isso sem contar o movimento de escravizados Se até 1755 se estimava a existência de 3 mil africanos no local de 1755 a 1777 o número chegava a 12 mil e toda a aquisição dessa mão de obra que vinha de Cacheu Bissau e Angola era financiada pela Companhia7 Com a morte de d José rei de Portugal e a queda de Pombal seu poderoso ministro iniciouse o famoso período da Viradeira quando a sucessora de José no trono d Maria I se opôs a toda política pombalina Em 1778 a rainha extinguiria não só o monopólio como a própria Companhia A união do GrãoPará com o Maranhão seria desfeita em 1774 Não obstante mesmo contando com alguns intervalos de crise o comércio mantevese forte de 1800 até 1817 Pará e Maranhão juntos exportaram de 1796 a 1799 cerca de 136 dos produtos remetidos à metrópole vindos do atual território do Brasil Entre 1804 e 1807 essa porcentagem chegou a 19 e as duas capitanias ocupavam um orgulhoso quarto lugar no ranking das exportações8 Em vez de ter um só produto monocultor a oferecer a região enviava à Europa um leque de ofertas exóticas como cacau café arroz algodão couros cravos canela salsaparrilha puxiri anil óleo de copaíba urucum castanha e todo tipo de madeira9 Como se pode notar no período da Independência a região contava uma história muito diferente daquela do resto do Brasil e não se identificava com o novo regime político Na verdade por lá se estabelecia uma rede familiar de negócios e de gêneros Além do mais essa era uma sociedade onde conviviam muitos imigrantes nacionais e estrangeiros vindos de Portugal unindo povos línguas e culturas10 Por fim a relação comercial se fazia diretamente com a metrópole e não havia por que demonstrar lealdades a um governo que lhe era até então desconhecido Não por coincidência na época da emancipação política havia no GrãoPará muito ressentimento em virtude da falta de participação política nas decisões do governo brasileiro Este taxava pesado a exploração das drogas do sertão Tal como ocorrera em Pernambuco em 1832 a Cabanagem no GrãoPará reuniu grupos sociais distintos com reivindicações próprias Por sinal os dois termos Cabanada em Pernambuco Cabanagem no Pará são muito parecidos Nas duas províncias o nome está relacionado às cabanas paupérrimas que serviam de moradia para a população de índios mestiços e negros Mas no caso do Pará esses grupos passaram a enfrentar diretamente as elites locais E foi com espírito que a Cabanagem começou Em 7 de janeiro de 1835 dia de são Tomé liderados por Antônio Vinagre os rebeldes tapuios cabanos negros e índios tomaram o quartel e o palácio do governo de Belém assassinando o presidente Lobo e Sousa e apoderandose de grande material bélico Ao mesmo tempo nomearam um novo presidente do GrãoPará Félix Antônio Clemente Malcher que se encontrava até então preso por conta de sua atuação considerada contrária ao regime O governo pressionado pela crescente radicalização do movimento não duraria muito Malcher latifundiário e dono de engenhos de açúcar acabou por trair seu próprio grupo aliado conclamou que depusessem armas voltassem ao trabalho além de jurar obediência à Regência sendo deposto em 19 de fevereiro do mesmo ano O movimento recuou e os cabanos deixaram Belém no mês de julho seguinte Nova explosão ocorreria porém em agosto tendo como estopim a morte de Mariana de Almeida uma senhora de setenta anos viúva de um negociante português Contavase na época que seu corpo teria sido arrastado e exposto à execração pública por causa da lealdade que dedicava a Pedro I Não por menos a revolta ficou conhecida como uma das mais violentas e seus líderes definidos como malvados anárquicos e sediciosos Realmente os cabanos praticaram todo tipo de violência escravos amarraram seus antigos senhores no tronco e aplicaramlhes chicotadas indígenas recrutados à força mataram comandantes e oficiais e assumiram suas fardas e patentes todos viraram tenentescoronéis assim como destruíram o bairro de Nazaré Mas o fato é que quanto mais o movimento se radicalizava maior era a autonomia lograda por negros e indígenas bem como crescia o papel dos líderes africanos Os escravizados fizeram a diferença na Cabanagem Daí veio essa associação dos cabanos com o mal e o recorrente medo de que uma revolução nos moldes do Haiti pudesse estourar por aqui Portanto nada há de natural na assim chamada maldade dos cabanos Habitantes de cabanas lutavam contra o que diziam ser a falta de religião dos usurpadores portugueses de Belém os quais segundo eles seguiam apenas as ordens da corte carioca Também criticavam o presidente de província considerado estrangeiro e maçom O movimento espalhouse como rastilho de pólvora e alcançou o que hoje se conhece como os estados do Pará e do Amazonas Tamanha audácia pedia reação e em fevereiro de 1836 quatro navios de guerra se aproximaram de Belém com o objetivo de tomar a cidade Em 13 de maio a região foi reconquistada pelas tropas imperiais marco que não extinguiu o movimento Entre 1836 e 1840 os rebeldes se dirigiram para o interior da província e radicalizaram ainda mais com os cabanos defendendo o fim da escravidão e o direito à autonomia local além de expressarem antigos e consolidados ódios aos portugueses e estrangeiros A partir daí o movimento continuou entre idas e vindas e durante dez meses a elite local permaneceu atemorizada com a perspectiva de um domínio dos cabanos os quais internados nas selvas lutaram até 1840 quando foram totalmente exterminados O saldo no número de mortes é dos mais cruéis estimase que de 30 a 40 de uma população de 100 mil habitantes Milhares também foram os prisioneiros mantidos nas corvetas imperiais em especial a Defensora transformadas em naviosprisões Se alguns cabanos possuíam fortes e estranhos vínculos com o menino príncipe d Pedro expressando sua lealdade muitas lideranças defendiam alternativas políticas diferentes daquelas preconizadas pelo centralismo do Império brasileiro E por mais que os cabanos fossem chamados de patriotas o termo nesse contexto não era sinônimo de ser brasileiro e muito menos estava vinculado a desígnios e motivações nacionais Indígenas negros de origem africana e mestiços provenientes das mais diversas culturas criaram formas de identidade muitas vezes pouco afinadas com o modelo europeu de governo instalado no Rio de Janeiro11 Essa é na verdade mais uma história de encontros e de desencontros entre um passado colonial muito específico e a história imperial de 1822 a 1840 que procurava passar por cima das diferenças que a constituíam Euclides da Cunha influente pensador de inícios do século XX definiu a região da Amazônia como à margem da história e o cabano como o fruto do crescente desequilíbrio entre os homens do sertão e os do litoral12 Quem sabe essa era outra história que não combinava com a que ia sendo contada pelo Império brasileiro Nesse caso o relacionamento mais pareceu uma separação litigiosa DE FEIJÓ A PEDRO DE ARAÚJO LIMA UMA NOVA AGENDA DE REVOLTAS Hora de voltar ao mundo da corte onde nosso regente Feijó nos idos de 1837 encontravase cada vez mais isolado Sua sustentação política era tão precária que o religioso não teve outro remédio senão declararse gravemente enfermo e oferecer sua renúncia em 19 de setembro Regressou então à sua chácara em São Paulo muito pressionado pela oposição conservadora e pelas revoltas que estouravam nas províncias Passou a regência a seu adversário político Pedro de Araújo Lima o marquês de Olinda que era seu ministro do Império desde 18 de setembro de 1837 As eleições realizaramse em abril do ano seguinte confirmando o ponderado Araújo de caráter em tudo diverso do caráter do explosivo Feijó como regente Já como interino Araújo fundara o Colégio Pedro II no Rio de Janeiro que iria se converter num futuro próximo no modelo educacional brasileiro Mas no contexto a medida não repercutiu como devia Parecia superficial lidar com tais temas quando as regiões fronteiriças do país se mantinham sob litígio e em perigo de secessão Araújo Lima também criou o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1838 outro futuro pilar da política imperial de Pedro II e a Escola Militar em 1839 todos entendidos como meros paliativos nesse contexto de humores exaltados Sua medida mais significativa seria o ato que acabava com as políticas liberais que marcaram as Regências anteriores reformandose o Código do Processo Criminal que dava autonomia de julgamento às diferentes províncias e elaborandose uma Lei Interpretativa do Ato Adicional em 12 de maio de 1840 O objetivo era claro pôr fim ao processo de autonomia provincial e municipal e manter o controle da política e do Judiciário bem nas mãos dos regentes Visava controlar de vez não só as agitações locais como os movimentos que continuavam a estourar nas diversas partes do país Era o regresso de Araújo Lima No entanto não seria fácil controlar e fazer retroagir uma série de movimentos que reivindicavam maior participação cidadã A Cabanagem ainda não estava controlada e novos movimentos apareciam do dia para a noite tal qual cogumelos depois da chuva no Norte no Nordeste e no Sul MOVIMENTOS POLÍTICOS TÊM COR REVOLTAS DOS MALÊS E SABINADA Embora a Constituição de 1824 definisse como iguais a todos os homens livres incluídos aí os libertos na prática os descendentes de escravos foram sistematicamente excluídos das benesses do Estado Não por acaso nesse contexto de reivindicações generalizadas também os negros ganharam as ruas defendendo seu direito de serem incluídos na nação e no Estado que ia se constituindo A agitação começou na Bahia província que já guardava uma tradição de lutas por autonomia política contando sempre com a participação popular Como vimos em 1798 a Conjuração Baiana lembrou à Coroa portuguesa como estavam acesos os desejos de autonomia No decorrer dos anos 1820 e 1830 aconteceu na província da Bahia que só reconheceu a emancipação praticamente um ano depois da capital carioca em 2 de julho de 1823 uma série de revoltas Na verdade na primeira metade do século XIX quilombos e práticas de candomblé se misturaram Em 1826 na periferia de Salvador um grupo de escravos refugiados no quilombo do Urubu deu início a um levante que fez subir a temperatura política na Bahia e provocou uma explosão de violência Seu objetivo era um só invadir Salvador a partir de sua periferia matar a população branca e garantir a liberdade dos cativos As tropas do governador agiram rápido e bateram às portas do quilombo cercados seus habitantes resistiram duramente liderados por uma mulher Zeferina que encarou os soldados armada com arco e flechas aliás com uma chuva de flechas No ofício em que registrou a destruição do quilombo do Urubu o conde da Ponte fez uso pela primeira vez da palavra candomblé num contexto de rebelião para nomear o refúgio dos escravos rebelados13 O levante parou por aí mas numa coisa o governador estava certo na Bahia no século XIX a religião havia se transformado em linguagem política para os escravos E o que em outras províncias como nas Minas foi apenas rumor em Salvador tornouse real a revolta escravista dava lugar ao medo generalizado A Bahia atravessou a primeira metade do século XIX em plena turbulência política Entre 1820 e 1840 os baianos viram ocorrer revoltas militares motins antiportugueses rebeliões de natureza federalista e republicana quebraquebras e saques populares todos eles contando com a participação da população pobre livre e de escravos tanto em Salvador quanto nas vilas do Recôncavo Contudo além disso entre 1807 e 1835 os cativos da Bahia viraram protagonistas de uma série impressionante de revoltas de larga escala que eclodiram tanto nos engenhos fazendas e armações de pesca quanto na capital e nos centros urbanos do Recôncavo Essas revoltas acentuavam algumas características próprias ao contexto da luta escrava na Bahia a cooperação entre escravos da área rural e urbana a concentração de um número expressivo de cativos africanos com origens étnicas comuns permitindo a formação de uma identidade cultural e religiosa compartilhada a atuação dos quilombos na mobilização dos escravos rebeldes quilombos que se multiplicavam nos subúrbios de Salvador e eram ao mesmo tempo refúgios para escravos fugidos e centros religiosos muitíssimo ativos14 Em maio de 1807 um grupo de escravos em Salvador abriu o ciclo das revoltas baianas orientadas pela forte concentração de rebeldes em torno de um grupo étnico que podia ou não associarse a outros grupos e sustentadas por uma base religiosa no caso o islamismo Os escravos que planejaram o levante de 1807 eram africanos vinham do norte da atual Nigéria ocupada majoritariamente por grupos haussás e estavam dispostos a barbarizar não só a Bahia O início da revolta deveria acontecer em 28 de maio durante celebrações da festa de Corpus Christi com o incêndio da Casa da Alfândega por onde passavam os escravos importados da África e de uma igreja no bairro de Nazaré isso apenas para desviar a atenção da tropa Ato contínuo os rebeldes atacariam a cidade a partir de sua periferia os quilombos suburbanos que proliferavam nas imediações de Salvador Não acabava aí O levante pretendia mobilizar mulatos e negros envenenar a população branca queimar as imagens das igrejas em praça pública e em seguida atacar Pernambuco para libertar os haussás escravizados naquela capitania A guerra só terminaria com todos os brancos mortos e com a formação de um reino muçulmano em algum ponto nos sertões da América portuguesa15 Graças a uma delação o governador tomou pé da trama antes que o levante eclodisse As punições foram duras lideranças presas escravos sentenciados a chibatadas públicas no pelourinho reuniões e festas africanas proibidas bem como a livre circulação de libertos em Salvador e no Recôncavo Mas o precedente estava aberto os haussás continuavam bem organizados e após a derrota um grande número deles submergiu nos quilombos que se multiplicavam pelas matas nos subúrbios de Salvador e simplesmente aguardou por uma nova oportunidade E em 1814 os haussás atacaram de novo O segundo levante registrou entre os meses de fevereiro e abril uma sucessão de assaltos cada vez mais violentos comandados a partir dos quilombos e realizados tanto no Recôncavo quanto em povoados nas imediações da capital No mês de maio o governador recebeu nova denúncia os haussás pretendiam reeditar em Salvador o levante que deveria ter ocorrido em 1807 Com a diferença de que dessa vez estavam mais bem organizados a rede rebelde cobria toda a cidade o arsenal vinha sendo suprido com pólvora molhos de varas para arco e pontas de flechas de ferro cuidadosamente ocultas nos matos e a mobilização andava a passos largos com adesão sem precedentes de outros grupos africanos além de mulatos e crioulos16 A derrota dos haussás em 1814 não escondeu o fato de que a ordem escravista na Bahia estava em dificuldades A maré não refluiu Os cativos continuaram a alarmar seus proprietários e os ataques se multiplicaram sobretudo nos engenhos da área do Recôncavo Em 1816 uma nova rebelião aterrorizou a população de Santo Amaro no coração do Recôncavo baiano durante quatro dias engenhos foram queimados a cidade foi atacada alguns brancos e também escravos que se recusaram a aderir acabaram mortos Tão depressa como teve início o levante foi derrotado o que não impediu que um pavor duradouro se incorporasse ao cotidiano dos proprietários do Recôncavo Em 1835 mais de duas décadas depois da primeira rebelião a grande sublevação escrava eclodiu em Salvador17 Dessa vez o ataque partiu de dentro da cidade e a população não teve uma noite fácil Na madrugada de 25 de janeiro grupos de africanos escravos e libertos armados com porretes instrumentos de trabalho e armas brancas lutaram nas ruas de Salvador durante mais de três horas enfrentando soldados e civis A religião esteve entrelaçada com a revolta boa parte dos rebeldes saiu para lutar nas ruas com as compridas túnicas rituais brancas os abadás usadas pelos adeptos do islamismo Ainda carregavam junto ao corpo amuletos com mensagens do Alcorão e com orações fortes para proteção ver imagem 65 Quem estava na dianteira do levante era a Sociedade dos Malês o nome pelo qual ficaram conhecidos os africanos muçulmanos na Bahia E eles transpiravam religião e política estavam compromissados tanto com a idealização do levante quanto com a organização de sua estrutura insurrecional O islamismo no Brasil era uma religião exclusivamente africana mas sem raiz étnica com potencial para unir africanos escravos e libertos de várias origens e leválos a contestar o estatuto da escravidão de modo a combinar religião e revolta De muitas maneiras o islamismo foi um elemento decisivo de integração e mobilização fez convergir para seu projeto religioso a luta política contra a escravidão além de fornecer uma linguagem comum aos revoltosos e moderar as diferenças étnicas e culturais no interior da comunidade de africanos na Bahia O Levante dos Malês como a revolta ficou conhecida previa uma Bahia para os africanos e foi planejado para sacudir Salvador não pretendia ocupar a cidade mas virála de pernas para o ar com ataquesrelâmpago a quartéis igrejas e edifícios públicos Respeitou o protocolo militar muçulmano não invadiu residências particulares não matou os proprietários de escravos não incendiou a cidade lutou somente contra as forças organizadas para combatêlo E os malês esperavam muito do levante seu plano seria seguir rapidamente para o Recôncavo base do poder da ordem escravocrata baiana onde estava concentrada a população de cativos e mobilizar a escravaria dos engenhos de açúcar Os malês protagonizaram a maior das rebeliões escravas ocorridas na Bahia e quiçá no Brasil mas também a última Esses rebeldes realizaram o levante de 1835 como uma rebelião escrava No entanto ele foi igualmente uma luta religiosa e étnica e nesse caso a hostilidade entre os cativos cooptados com sucesso por seus senhores em seus enfrentamentos contra os africanos conseguiu comprometer decisivamente seus resultados Durante o levante setenta rebeldes morreram e com a derrota cerca de quinhentos foram punidos com pena de morte açoite deportação O levante fracassou por diversas razões a delação mais uma vez não faltou o segredo vazou e a insurreição teve de ser antecipada Tampouco conseguiram a coesão necessária entre os escravos crioulos e pardos e os africanos o que reduziu sua força de enfrentamento O mais grave para eles porém foi que seus inimigos eram muitos e se uniram toda a população livre da Bahia branca e mulata rica ou miserável se articulou por laços de interesse solidariedade ou medo contra a insurreição africana A rebelião foi derrotada Mas a derrota nunca significou o fim da luta pela liberdade como uma utopia próxima da realidade E o ambiente na Bahia continuaria esquentado mobilizando também as camadas médias os militares e o povo pobre urbano Persistia um claro sentimento antiportuguês oriundo do fato de esse grupo estrangeiro monopolizar o comércio e ocupar altos postos administrativos políticos e militares Os ânimos se acirraram ainda mais com a renúncia do regente Feijó em 1837 e com o projeto da lei de interpretação do Ato Adicional o qual tolhia ainda mais a autonomia provincial Com esse clima quente só faltava um estopim para a água do caldeirão entornar A insatisfação corria solta entre os populares que demandavam maior participação os militares que pediam aumento de soldo e as camadas médias que queriam para si um controle maior do comércio Assim a insatisfação ia unindo funcionários públicos artesãos pequenos comerciantes militares e soldados oficiais além de africanos livres A congregálos estava um sentimento antilusitano uma experiência urbana em que ricos pobres brancos pardos crioulos e africanos se misturavam espacialmente e a própria crise econômica pela qual passava a região O presidente de província alerta a esse ambiente escrevia nos jornais que se formara um partido desorganizador simpatizante das revoltas que grassavam no Pará e a essas alturas também no Rio Grande do Sul Confiante garantia que não era preciso recear pois tudo estava sendo feito para que a hidra não levante o colo18 Entretanto o colo iria levantar e logo Na noite de 6 de novembro de 1837 oficiais do Corpo de Artilharia temendo o recrutamento militar obrigatório que estava enviando militares para o combate contra um certo movimento de Farroupilhas no Rio Grande do Sul acompanhados de alguns civis como Francisco Sabino Vieira e João Carneiro da Silva Rego saíram do Forte de São Pedro e passaram a ocupar militarmente as redondezas No dia seguinte já com o controle da cidade nas mãos mandaram abrir a Câmara Municipal e convocaram sessão extraordinária onde lavraram ata fundando formalmente o movimento Estava assim deflagrada a Sabinada que tomava o nome emprestado de um de seus líderes Francisco Sabino Contando com a assinatura de 105 homens a província se declarava inteira e perfeitamente desligada do governo denominado central do Rio de Janeiro considerandose um Estado livre e independente Para mostrar total independência os revoltosos ainda previram a instalação de uma Assembleia Constituinte assim como nomearam presidente Inocêncio da Rocha Galvão e secretário do novo governo Francisco Sabino Porém como o primeiro era advogado e se encontrava exilado nos Estados Unidos foi Sabino quem atuou como presidente de fato Interessante notar que dias depois um novo documento assinado por 29 pessoas acrescentava uma retificação estabelecendo que a independência só valeria durante a menoridade do príncipe Pedro Assim o que parecia ser uma declaração de total autonomia passou a incluir um registro de fidelidade à monarquia e ao seu futuro imperador medida que foi chamada por alguns contemporâneos de o lapso de pena Ele não apaga contudo dois aspectos relevantes o desejo de autonomia decisória por parte da Bahia e a mística que ainda cercava o príncipe e a realeza mesmo em momentos críticos reassegurada Enquanto isso o governo deposto o então presidente de província Francisco de Souza Paraíso e o comandante das armas Luís da França Pinto Garcez refugiouse na região do Recôncavo e começou a mobilizar forças contando principalmente com a Guarda Nacional O governo imperial determinou que se cercasse a capital em março de 1838 numa operação de bloqueio terrestre e marítimo a Salvador Com o cerco a cidade padeceu com a falta de víveres sendo que o desabastecimento e um incêndio acabaram de vez com a moral dos revoltosos Os líderes entregaramse então pedindo que fossem mantidos livres É claro que o pedido caiu no vazio diante da intensa repressão que sobreveio seguida da suspensão dos direitos e do degredo de vários presos O próprio Sabino foi capturado no dia 22 de março na casa do cônsul francês A reação foi como sempre exemplar Segundo dados oficiais morreram em combate 1258 rebeldes e 594 soldados Prenderamse 2989 rebeldes sendo muitos aprisionados em navios Foram deportados 1520 homens para o Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul e por lá aguardaram julgamento Já os africanos livres foram mandados de volta para a África19 O destino de Sabino foi diferente com a anistia concedida por decreto imperial de 22 de agosto de 1840 ele foi enviado para Goiás onde se envolveu com a política local De lá foi deportado para Mato Grosso morreu em 184620 É difícil explicar a convivência de uma revolta separatista mas também leal ao imperador e que uniu militares comerciantes profissionais liberais escravos oficiais e negros livres O próprio Sabino era mulato e descendente de africanos escravos e talvez por isso tenha merecido uma punição exemplar Da Conjuração Baiana em 1798 até a Sabinada em 1838 foram quarenta anos de revoltas motins levantes escravos saques e quebraquebras na Bahia que incluíram cativos negros pardos e mulatos livres numa província marcada pela escravidão e por uma clara insubmissão às hierarquias pautada em critérios de origem e de cor ENTRE FARRAPOS UMA LONGA E INSISTENTE REVOLTA NA FRONTEIRA AO SUL DO PAÍS Com o fim da Sabinada o regente mal pôde dormir satisfeito uma revolução no Sul do país continuava a dar trabalho e crescia a olhos vistos Os motivos eram sempre os mesmos só mudavam de lugar condenavase a concentração de poder na corte e apoiavase a reversão da autonomia às províncias E foi assim que em 1835 se iniciou nova revolta na qual brasileiros lutaram como farrapos termo que lembra a pouca roupa esfarrapada das camadas mais pobres Mas ali estavam reunidos não só os peões das estâncias como proprietários de terra e de gado do Sul e pessoas de todos os estratos sociais21 A Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos como também ficou conhecida demonstra mais uma vez que não é possível pensar numa única história do Brasil Incorporado tardiamente à colônia o extremo sul era área de fronteira terra de posse incerta porém essencial zona de acesso à rica região da Bacia do Rio da Prata De início 1626 a região fora ocupada por padres vindos do Paraguai que sob a bandeira espanhola fundaram missões para o aldeamento de índios Com a chegada de bandeirantes os jesuítas abandonaram o local mas deixaram por lá o gado chimarrão Anos mais tarde seria a Coroa portuguesa que avançaria rumo ao sul fundando em 1680 na Bacia do Prata em território que é hoje o Uruguai a Colônia Sacramento O local foi inúmeras vezes atacado por espanhóis e recuperado pelos portugueses que o consideravam um posto avançado ao sul No final do século XVII foi a vez de os padres jesuítas retomarem o território fundando os Sete Povos das Missões Mas o agrupamento de jesuítas e de Guarani também teria seu fim com a Guerra Guaranítica ocorrida entre 1753 e 1756 Determinouse então que a região das Missões ficaria para Portugal e a Colônia Sacramento nas mãos dos espanhóis No entanto uma série de tratados anulou antigas disposições e transformou a área numa zona de litígio frequente com constantes lutas pela posse de terra e gado e de enfrentamento direto entre lusos e castelhanos Já os portugueses incluíram a região entre seus domínios por conta do comércio do Prata do necessário controle do contrabando e sobretudo da importância militar do lugar Mas o certo é que a Coroa portuguesa estava mais interessada na agricultura exportadora tropical centrada no Nordeste As longínquas terras do Sul eram apenas uma escala para atingir o lucrativo contrabando realizado na região do Prata que escoava a prata de Potosí A descoberta do ouro em Minas Gerais nos séculos XVII e XVIII e a necessidade de animais de tração e para abate e abastecimento alterariam novamente a situação do Sul agora ocupado por tropeiros que seguiam em busca do gado Era de lá que partiam rebanhos bovinos e tropas de muares que integravam o comércio entre as duas regiões Com o decorrer do tempo tropeiros transformaramse em criadores de gado e passaram a demandar sesmaria e posse da terra A Coroa por sua vez manifestava claro interesse no assentamento de população na região fronteiriça Foi em 1737 que Portugal fundou um núcleo oficial no Sul até porque precisava controlar os sucessivos ataques de castelhanos à Colônia de Sacramento A Coroa também ofertou terras a militares como forma de pagamento além de distribuir aos senhores de terra e de gado sesmarias animando assim o assentamento de grandes fazendas de criação e tentando evitar os constantes e danosos ataques de castelhanos No fim do século XVIII entrou em cena o charque a carne marmorizada seca e salgada que logo se converteu em comida de escravos Em 1820 como vimos o governo de d João contando com os estancieiros do lugar teve sucesso na guerra contra os espanhóis e incorporou a Banda Oriental com o nome de província Cisplatina Em razão de seus préstimos militares e de sua localização apartada essa elite sulina tinha assim relativa autonomia local Mas a situação se modificaria com o processo de independência e o projeto de centralização política capitaneada pela elite carioca Ademais os novos impostos espoliavam a região de suas riquezas e diminuíam as rendas locais Os senhores do Sul discordavam das altas taxas que recaíam sobre o gado sobre a terra e principalmente sobre o charque22 Por outro lado com a perda da província Cisplatina em 1828 motivada pela independência do Uruguai o desprestígio e o orgulho ferido transformaramse em cicatrizes Transformouse o Rio Grande numa estalagem do Império bradava o estancieiro militar e general Bento Gonçalves resumindo o sentimento geral daqueles que se viam apenas como prestadores de serviços e defensores da fronteira Farroupilhas ou farrapos era por sinal como se chamavam todos os riograndenses que se revoltavam contra o governo imperial Esse termo no começo considerado pejorativo vinha sendo utilizado havia pelo menos uma década antes da eclosão do movimento para nomear os riograndenses ligados ao Partido Liberal e contrários ao governo central O apelido pegou e virou motivo de orgulho Tanto que em 1832 foi fundado o Partido Farroupilha com um programa basicamente contrário a todos os portugueses que monopolizavam os mais altos cargos do Império e do Exército Havia também aqueles que acreditavam que só a independência da província daria aos farrapos e aos locais a desejada autonomia provincial Entre os farrapos havia pois muitos segmentos irmanados estancieiros estancieiros militares abolicionistas e até escravos que se aproximaram do grupo em busca de liberdade De início nem todos eram republicanos e federalistas foi só a marcha dos acontecimentos que unificou perspectivas a princípio distintas Por fim é preciso mencionar que muitos líderes farroupilhas eram maçons entre eles o próprio Bento Gonçalves que adotou o codinome nada convincente de Sucre23 De toda forma também nesse extremo do Brasil o sentimento era de impotência e mágoa Parecia chegada a hora de voltar a pegar em armas dessa vez contra o governo imperial Começaria em 20 de setembro de 1835 um longo conflito contrário ao centralismo imperial e de claro caráter separatista e republicano que só terminaria em 1º de março de 1845 já nos tempos do Segundo Reinado brasileiro Sua importância seria tal que ele influenciaria movimentos liberais em São Paulo a Sabinada na Bahia e colar seia à própria história do Império do Brasil O centro explora o Sul era a frase que mais se ouvia às vésperas de 1835 anunciando o embate com a corte Por outro lado as relações dos farroupilhas com o Uruguai recém independente também não eram estáveis Por vezes pretendiase animar o comércio as afinidades de parentesco e pessoais com o novo país O próprio Bento Gonçalves só para ficarmos com o exemplo do líder do movimento era casado com uma uruguaia Em outros momentos porém pairava um ar de animosidade contra os castelhanos que sempre atentavam contra as fronteiras na movediça região do Prata24 Com tantas ambiguidades e motivos para tensão quando a revolta estourou em setembro nova contradição se destacou Bento Gonçalves na declaração que fez para o periódico Recopilador Liberal explicava que o movimento era de livre defesa contra as liberdades ameaçadas mas reafirmava a lealdade à ordem monárquica sustentando o trono do nosso Jovem Monarca e a integridade do Império25 Nos seus dez anos de luta os farroupilhas ganharam e perderam inúmeras batalhas Vale mencionar um dos momentos mais expressivos quando foi proclamada a República Rio Grandense em 11 de setembro de 1836 sendo o ato ratificado pela Câmara Municipal de Piratini que declarou a independência do Rio Grande do Sul cujo presidente seria Bento Gonçalves da Silva A nova capital seria Piratini e a forma de governo republicana com laços federativos com todas as províncias que garantissem a mesma forma de governo Esse momento específico representa uma inflexão significativa na história da Revolução Farroupilha que até então se declarara leal à monarquia e ao príncipe Pedro Aliás mesmo declarada a separação a República RioGrandense em sua Constituição criada alguns anos mais tarde reafirmava algumas das bases estruturais do Império o voto censitário e a mão de obra escrava Nessa longa guerra algumas figuras se tornaram míticas Uma delas foi o próprio Bento Gonçalves que fugiu da prisão espetacularmente por duas vezes Numa delas junto com os colegas presos no Rio de Janeiro cavou um buraco na cela mas em solidariedade ao correligionário Pedro Boticário que de tão gordo não passou na fresta desistiu da evasão Em outra ocasião quando foi novamente preso e remetido para o Forte do Mar na Bahia escapou do local a nado indo ao encontro de um barco onde colegas o esperavam Há também nomes como o do italiano Giuseppe Garibaldi famoso revolucionário internacional que na conquista da província vizinha Santa Catarina arrastou por terra e puxados por bois dois navios até a foz do rio Capivari Ademais foi por lá que conheceu a bela e igualmente lendária Anita com quem formaria uma dupla amorosa e guerreira cantada até hoje No entanto a guerra foi longa demais e consumiu muitos esforços dinheiro e homens Por isso mais no final do conflito escravizados passaram a ser aceitos nos campos de batalha lutando ao lado de seus senhores em troca de liberdade como haveria de suceder em outros contextos e locais no futuro A partir de 1840 quando as demais regiões já se encontravam pacificadas pela força das armas o Império concentrou forças no Sul e passou a combater de frente os farroupilhas A paz ainda demoraria e viria das mãos do barão de Caxias personagem que ficaria conhecido durante o Império pela alcunha correta e irônica de o Pacificador O cessarfogo só se daria em 28 de fevereiro de 1845 com a assinatura do Tratado de Poncho Verde ver imagem 64 No Sul o acordo ficou conhecido pelos revolucionários como paz honrosa uma vez que várias das antigas reivindicações foram alcançadas a dívida contraída durante o conflito seria paga pelo Império os oficiais do exército farroupilha integrariam o Exército imperial guardando os mesmos postos que ocupavam concedeuse a liberdade aos escravos que lutaram na guerra a segurança individual e a propriedade foram garantidas os prisioneiros de guerra seriam soltos e sobretudo os exrevoltosos poderiam escolher livremente o seu presidente de província Terminada a última rebelião regencial em pleno período do Segundo Reinado e da corte de Pedro II começava a construção de uma nova história para esses lados mais ao sul do Brasil que engendraram sua identidade regional a partir dessa agenda de fatos e personagens Mas se a Revolução Farroupilha foi a última a acabar não foi a última a estourar Ainda durante a Regência Una ocorreu mais uma das rebeliões que assolaram a paz dos dirigentes imperiais E ela vinha de outro canto do país no igualmente longínquo Maranhão província outrora ligada ao GrãoPará eclodiu uma revolta em 1838 que aglutinou a população pobre da região a Balaiada A BALAIADA DESTITUÍDOS DO NORTE UNIDOS CONTRA O CENTRO DO BRASIL O Maranhão tivera no passado não muito distante uma ligação direta com a metrópole que condicionara sua história política com traços no mínimo singulares ao menos em relação ao resto do Império Durante todo o período colonial a não ser entre 1652 e 1654 o Maranhão formou junto com as capitanias do Ceará GrãoPará e Amazonas o Estado Colonial do Maranhão e GrãoPará o qual de 1621 a 1651 dispôs de administração própria26 A sede do governo ficava em São Luís do Maranhão e os contatos administrativos financeiros e políticos eram realizados diretamente com Lisboa Dessa forma a gigantesca porção de terra carregava características próprias embora partilhasse a mesma língua oficial da metrópole contasse com o predomínio do latifúndio escravista nas suas áreas da faixa litorânea e professasse a religião católica a despeito da existência de uma pluralidade de religiões africanas e indígenas praticadas no local e o respeito a um só soberano o rei de Portugal Além desses aspectos comuns e na conta de tantas especificidades os contatos da região eram muito mais estreitos com a África e a Europa do que com as demais capitanias brasileiras Nos tempos do monarca d José I 175077 em virtude da atuação do marquês de Pombal novas mudanças foram introduzidas na área setentrional Em 1750 o Tratado de Madri redefiniu os limites entre as colônias espanholas e portuguesas incorporando o Uruguai a Castela e toda a atual região amazônica ao domínio luso Foi nesse contexto que a capital passou para Belém e a unidade administrativa inverteu a ordem das coisas com o Estado sendo renomeado GrãoPará e Maranhão Sob o governo de Pombal o Maranhão tinha sua administração e finanças vinculadas ao GrãoPará e respondia à mesma Companhia de Comércio Ainda nesse contexto a Região Norte foi articulada ao tráfico atlântico de africanos os indígenas foram emancipados por conta das medidas pombalinas que proibiam a escravidão dos naturais e a própria colonização portuguesa recebeu novo influxo No seu apogeu no século XIX a administração da rica região ia do Nordeste Ocidental até a Amazônia sendo Belém a capital O Estado se desmembrou nos anos de 1772 a 1774 permanecendo entretanto subordinado à corte de Lisboa27 Formaramse então duas grandes unidades o Estado do GrãoPará e Rio Negro ao extremo norte e o Estado do Maranhão e Piauí no MeioNorte sendo ambos integrados aos Estados do Brasil apenas em 1811 Tal processo longo e particular explica também por que Pará e Maranhão foram as últimas capitanias a se submeterem militarmente ao novo Império brasileiro só o fazendo em 1823 O sentimento local era tudo menos o de serem brasileiros Para tornar ainda mais complexo o já complicado quadro com a independência política de 1822 o Maranhão passou a padecer os mesmos problemas das demais províncias muito tributado via pouco retorno por parte da corte carioca Mas a revolta que eclodiria no Maranhão trazia outras novidades graças à sua composição social eminentemente popular o movimento era contrário aos grandes proprietários locais A província atravessava um período de crise uma vez que o algodão principal produto exportado na época sofria forte concorrência no mercado internacional perdendo valor de maneira crescente Os impostos continuavam porém altos e as condições de miséria e opressão cada vez mais insustentáveis Os grupos que mais sofriam com tal situação eram os trabalhadores livres camponeses vaqueiros e escravos e foram esses grupos que se mobilizaram desde o início contra as injustiças que grassavam na região Mas eles não eram os únicos setores insatisfeitos na população os profissionais liberais maranhenses também descontentes passaram a reivindicar mudanças nas regras das eleições locais e fundaram um jornal de nome O Bemtevi com o objetivo de difundir os princípios republicanos e federativos aos quais haviam aderido Para aumentar a pressão esses mesmos setores médios urbanos se aproximaram das camadas mais pobres da população compartilhando reivindicações comuns28 A revolta se iniciou em 1838 sem grande mobilização ou clareza de metas e ganhou o apelido de seu líder Manuel Francisco dos Anjos Ferreira por alcunha o Balaio Balaio era fabricante de cestos balaios e tinha sido vítima da polícia local que violentara duas de suas filhas e não recebera punição Ele formou então um bando privado e passou à vingança Francisco dos Anjos literalmente aterrorizou o interior maranhense Mas o estopim da revolta foi a detenção de José Egito um político local ligado aos cabanos do Pará Seu irmão Raimundo Gomes no dia 13 de dezembro de 1838 invadiu um edifício da Vila de Manga a cadeia pública e soltou o irmão Raimundo imediatamente pediu e conseguiu apoio do Balaio e foi nesse contexto que os revoltosos passaram a destruir e saquear fazendas assim como tomaram a cidade de Caxias em 183929 Organizouse então um governo provisório e foram adotadas algumas medidas emergenciais decretouse o fim da Guarda Nacional que representava segundo eles o poder militar dos proprietários agrários e a expulsão dos portugueses residentes na cidade Mas o movimento rapidamente se radicalizou Foi nessa época que se destacaram novos líderes como o negro Cosme Bento chefe de um quilombo local que chegou a reunir mais de 3 mil africanos Para combater o movimento a Regência enviou ao Maranhão o coronel Luís Alves de Lima e Silva com experiência militar na Guerra da Independência na Bahia em 1823 e na Guerra da Cisplatina que ocorreu de 1825 a 1828 Os setores médios que até então apoiavam o movimento preocupados com os caminhos que ele tomava acabaram por apoiar as forças militares imperiais A insurreição foi contida em 1841 deixando um saldo de 12 mil sertanejos e escravos mortos nos combates Os revoltosos presos foram anistiados por Pedro II e a vitória levou o coronel Luís Alves de Lima e Silva a ser condecorado com o título de barão de Caxias O Império não caiu mesmo que sacudido em suas estruturas por tantos movimentos que eclodiram de norte a sul do país Ficaria porém marcado por essas insurreições e pelo velho e sempre presente fantasma do desmembramento Afinal bastava olhar para os lados e ver como os quatro antigos vicereinados Nova Espanha Nova Granada Peru e Rio da Prata não resistiram às revoltas populares que grassaram em seus territórios em inícios do XIX revoltas que levaram à criação de uma série de países cuja extensão territorial não se comparava à do Brasil que mais parecia um gigante de língua portuguesa incrustado bem no meio do continente O certo é que com a vacância do trono um clima de incerteza tomou conta das principais cidades do país levando não só a movimentos reivindicatórios como à criação de diversas sociedades políticas Dentre elas uma das mais conhecidas era a Sociedade Defensora da Liberdade e da Independência Nacional fundada em 10 de maio de 1831 Formada por adversários confessos do primeiro imperador reunidos em torno da rubrica de liberais exaltados mas também por antigos colaboradores do exmonarca como José Bonifácio de Andrada e militares representantes do liberalismo moderado a Defensora sustentava um compromisso entre as suas lideranças com o fito de evitar a mudança das hierarquias vigentes Apesar de defender a bandeira do civismo a agremiação orientou suas primeiras atividades visando coibir o populacho Além disso organizou festas e eventos cívicos com o objetivo de identificar os súditos com o que era considerada a boa sociedade Outro grupo se reuniu no Rio de Janeiro em torno da Sociedade Federal criada em 31 de dezembro de 1831 Seu propósito era pressionar o Senado em favor das reformas constitucionais e sua vida foi efêmera Existiam também sociedades que defendiam posições contrárias como a volta do imperador Esse era o caso da Sociedade Conservadora da Constituição Brasileira que reunia militares fiéis ao antigo monarca30 O fato é que como definiu Gilberto Freyre a Regência representou um período de tão frequentes conflitos sociais e de cultura entre grupos da população conflitos complexos com aparência de simplesmente políticos que todo ele se distingue pela trepidação e pela inquietação31 Sem contar as manifestações de que aqui tratamos poderíamos mencionar mais sete revoltas ocorridas em 1831 cinco no Rio de Janeiro uma no Ceará e uma em Pernambuco além de uma série de conflitos de menor proporção em outras províncias O conjunto escancarava o quão grande e diverso era o país e como a política centralista do governo imperial fazia água Não por acaso no segundo ano do governo de Araújo Lima aumentaram as disputas políticas no Congresso Também por lá os ânimos estavam divididos A saída veio rápida e inesperada a despeito de não ser de todo inusitada O único consenso possível foi antecipar a maioridade política do menino Pedro que na época contava apenas catorze anos Rei não tem idade ou se tem ela vem disfarçada por sua posição ritual Aos olhos dos políticos locais somente o monarca Pedro II o único nascido em território brasileiro poderia garantir a unidade frágil do país e acalmar os ânimos Boa parte das disputas já andava serenada mas nada impedia que novas eclodissem Por isso preparouse um golpe o golpe da maioridade e o maior ritual público que o Brasil já conheceu O teatro da pouca idade do soberano 11 SEGUNDO REINADO ENFIM UMA NAÇÃO NOS TRÓPICOS A ideia de antecipar a subida de d Pedro ao trono originalmente prevista pela Constituição para 1843 quando o monarca completaria dezoito anos era segredo de polichinelo Afinal já em 1835 se comentava abertamente a necessária coroação do imperador Mas foi em 1840 com a criação do Clube da Maioridade que o projeto tomou forma os deputados liberais contrários à Regência de Araújo Lima vão ao Senado e exigem a posse antecipada de Pedro de Alcântara Inusitado pensar que diante das várias rebeliões regenciais dos projetos republicanos e da radicalização da situação reforçou se uma saída simbólica sustentada num sistema de governo monárquico e liderado pela Região CentroSul do país só o monarca poderia garantir um poder centralizado e de representação nacional Já o pequeno príncipe mantido no Paço e apartado da situação parecia pouco entender as contingências mais urgentes do mundo da política Em relato datado de março de 1840 Pedro Araújo Lima conta como foi sua conversa com o monarca Segundo o regente quando perguntado sobre a possibilidade da maioridade d Pedro teria dito apenas De fato não tenho pensado nisso1 A versão oficial da mesma história é bem diferente Conta que consultado em 1840 o jovem de catorze anos teria dito Quero já revelando uma maturidade emocional em que é difícil acreditar Começava a se forjar então uma imagem que acompanharia o imperador até sua morte o homem de porte impassível cautela nas palavras e decidido politicamente A representação de um rei que pretensamente posicionado acima da política viria redimir a nação De acordo com os relatos a não ser pelas pernas finas e voz estridente d Pedro parecia representar a encarnação de um monarca europeu Com o tipo dos Habsburgo queixo longo olhos muito azuis pele clara cabelo liso e aloirado o príncipe destacavase em meio à população de seu reino em sua boa parte composta de negros mestiços e mulatos Jornais e panfletos distribuídos na corte não cansavam de enaltecer as qualidades prodigiosas do jovem Pedro sua educação inteligência cultura domínio de línguas mortas e vivas além da destreza na equitação e na esgrima O segundo rei que o Brasil conheceu o mais duradouro e popular iniciava assim sua vida cívica envolto por um suntuoso teatro o teatro da sua precoce maturidade As roupas de adulto a fama de filósofo e poliglota e o temperamento equilibrado tudo contribuía para fazer do monarca um grande personagem projetivo um espelho invertido de seu pai E estava pronto o cenário necessário para o ritual de sagração e coroação de d Pedro II SHOW TIME UM ESPETÁCULO DIGNO DOS GRANDES REIS No dia 18 de julho de 1841 o Rio de Janeiro amanheceu mais uma vez em festa A corte vestida com o máximo decoro aguardava pelo maior ritual já preparado no país O folheto Disposições para a Sagração de S M O Imperador impresso na ocasião apresentava com detalhes a intenção de ostentar a grandiosidade do Estado monárquico e ilustrar como ele iniciaria uma nova tradição Três programas que tratavam do cortejo da sagração da recepção e das normas para o banquete compunham um pequeno volume de dez páginas fartamente distribuído Marcado para começar ao meiodia de 16 de julho o ritual envolveria centenas de pessoas que deveriam incorporarse ao cortejo em momentos precisos com posições e atitudes específicas Cada um com sua função e seu instante de glória Piquetes de cavalaria marchas carruagens arqueiros tiros e salvas que estrondariam em momentos predeterminados tudo servia para produzir um efeito de sedução e também de intimidação ver imagens 69 e 70 O calendário da sagração e dos dias subsequentes seria igualmente delimitado de maneira precisa a agenda da cerimônia o dia para receber felicitações a noite das iluminações a visita ao Teatro de São Pedro de Alcântara e por fim o grande baile Os cofres públicos é que sairiam desfalcados com tantos gastos Obras invadiram a corte de janeiro a julho madeiras tecidos vidros tintas ferragens carpinteiros pintores fogueteiros costureiras artistas e seus aprendizes eram vistos caminhando apressados pelas ruas da capital O projeto central da famosa Varanda edifício especialmente construído de onde d Pedro saudaria o povo depois de coroado foi elaborado e sua execução dirigida pelo arquiteto e pintor Manuel de Araújo PortoAlegre A estratégia era conhecida dar concretude aos interesses do poder através da construção de sua imagem material O edifício majestoso acabava funcionando como ponto de projeção da excelência do regime ao mesmo tempo que reafirmava a autoridade do governante e a confiança mútua entre o príncipe e seus súditos Marc Ferrez artista vindo da França ainda na época de d João ficou responsável pelas esculturas realizadas para a ocasião Lustres de cristal arandelas globos lâmpadas inscrições talhas bordados franjas cordões papéis de parede metais dourados veludos damascos e sedarias telas e galões de ouro e de prata tapeçarias esses são alguns dos itens presentes no documento de descrição da Varanda2 De amplas proporções ela tomava toda a extensão que separava o Paço da Capela imperial E para decorála alegorias foram criadas com o propósito de representar os anseios e a imagem projetada do novo reinado A começar pela palavra templo nome dado à parte central do edifício onde se instalaria Pedro II depois de coroado que já remetia ao sentido de culto religioso e exposição divina Lembrando as riquezas da terra vinha a denominação dada aos pavilhões laterais Amazonas e Prata em homenagem aos rios demarcadores de fronteiras lá representados por duas estátuas colossais Dois leões simbolizando a força e o poder posicionavamse ao pé da escadaria que do Pavilhão Prata descia à Capela imperial No ático todas as imagens lembravam a Antiguidade bigas um carro triunfal as estátuas da Justiça e da Sabedoria bem como a inscrição Deus protege o Imperador e o Brasil No templo ficava a sala do trono Ali destacavase também o reboco do teto cujo quadro central representava o imperador d Pedro I dando a seus dois filhos as coroas de Portugal e do Brasil sendo ele ao mesmo tempo coroado por uma auréola de estrelas símbolo da imortalidade3 Há muito mais Do lado do Brasil destacavase um padrão de ouro com a esfera de suas armas aos pés de Portugal ficavam os louros de sua antiga glória tudo rodeado por estrelas que se referiam às províncias do Império e ainda os signos do zodíaco que regem as datas de nascimento e da elevação ao trono do novo imperador Sagitário e Câncer sobre um fundo azul Para fortalecer bem a imagem de predestinado do soberano grandes medalhões representavam Carlos Magno Francisco II Napoleão e Pedro o Grande todos eles conhecidos como fundadores de impérios Isso sem falar das armas de Portugal e da Áustria berços da casa imperial brasileira No arco que cobre o trono os perfis de Pedro I e d João VI Por fim na mesma sala do trono surge uma apoteótica visão dos destinos históricos do país de um lado o imperador investido do exercício de seus direitos constitucionais de outro aqueles que seriam os vícios as calamidades os crimes que dilaceravam o Império durante o estado anormal e anárquico do país na menoridade Estes por sua vez fogem espavoridos para o inferno de onde haviam saído a fim de ceder o lugar à sabedoria e à virtude do novo regime Hora de interromper a descrição e anotar o caráter ideológico do cenário Nele as Regências representam a anarquia e a terra do demônio enquanto a monarquia simboliza o estado normal e a prosperidade As Regências a vaidade o Império a sabedoria as ciências e a virtude cívica Tudo devidamente contraposto e com ar inaugural como se o Segundo Reinado viesse abrir uma era de civilidade e os projetos republicanos experimentados durante as Regências não passassem de barbárie e passado enterrado A história estava sendo assim manipulada no sentido de mostrar coerência e continuidade entre passado e futuro Pelas galerias e pavilhões homenagens e feitos históricos bem selecionados o Fico a Independência além do nome de ilustres da pátria Retirando do passado apenas os momentos em que a monarquia surgia bem representada a imagem do rei repercutia simultaneamente no espaço urbano público e sensível Enquanto isso o pobre garoto mal escondia o temor diante da roupa tão volumosa da coroa pesada do cetro alto que continha na ponta uma serpe do manto que se arrastava pelo chão E travouse uma verdadeira batalha de imagens em torno do imperador Nas primeiras gravuras que circularam fora e dentro do país chama atenção a imagem do menino atrapalhado com os detalhes de sua vestimenta um pouco grande Já nos retratos oficiais o nosso monarca mais parecia um Bourbon ou um Habsburgo até porque a monarquia brasileira decidira reintroduzir o ritual da coroação e sagração abolido em Portugal desde o desaparecimento do rei d Sebastião em AlcácerQuibir Para os portugueses a esperança do retorno do rei perdido era sempre renovada e por essa razão os reis Bragança continuavam a ser aclamados e não coroados Já no Brasil se negava a matriz lusitana e buscavase maquiar a juventude da realeza local mirando ancestrais mais antigos Por isso o imperador brasileiro seria aclamado coroado e sagrado como se a antiguidade do ritual corrigisse a fragilidade do momento político Mas existiam também novidades no ritual Afinal em tempos de revolução Pedro de Alcântara seria investido como Dom Pedro Segundo por graça de Deus e unânime aclamação dos povos Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil Misturavamse dessa maneira velhos e novos rituais a sagração era mantida porém d Pedro à semelhança de boa parte da realeza coeva transformavase em monarca constitucional A intenção era que ele representasse não só o reinício como também a continuidade A começar pelas insígnias a espada o cetro o manto a coroa O manto do fundador do Império todo feito de veludo verde com tarja bordada semeado de estrelas de ouro dragões e esferas e forrado de cetim amarelo significava uma homenagem ao Novo Mundo assim como a forma de poncho fazia referência às vestimentas da terra A espada que pertencera a d Pedro I tinha na lâmina as armas portuguesas A bandeja em que vinha a espada carregava também a Constituição do Império embrulhada numa capa de veludo verde coberto com um fitão da imperial Ordem do Cruzeiro O globo imperial insígnia indispensável nas sagrações de monarcas era composto de uma esfera armilar de prata tendo na eclíptica dezenove estrelas de ouro cortadas pela cruz da Ordem de Cristo O anel usado no dedo anular da mão direita incrustado de brilhantes apresentava no centro dois dragões presos pela cauda As luvas do monarca feitas com seda traziam as armas do Império O cetro de ouro maciço tinha 176 metro de altura com dois olhos de brilhante a se destacar no topo representando a imagem da serpe o símbolo dos Bragança uma espécie de dragão alado A mão da Justiça esculpida a partir da mão direita do imperador foi modelada em gesso por Marc Ferrez logo após a sagração e distribuída aos grandes da corte Fechando o desfile de símbolos vinha a coroa Media dezesseis polegadas o que a tornava um pouco desproporcional na cabeça do imperador A base era ornada com brilhantes e pérolas parte das quais fora retirada da antiga coroa de d Pedro I diziase devido à pressa e à falta de dinheiro4 O diálogo entre o estilo europeu e os novos elementos nacionais é evidente O Cruzeiro do Sul e outras estrelas brasileiras mostram o céu do Brasil O cabeção de papos de tucano a ombreira ruiva de galosdaserra trazem referências idealizadas aos indígenas Mas o ritual teria o poder de enfeitiçar Apenas o cortejo era formado por mais de cinquenta integrantes entre soldados e guardas de honra banda de música um arauto porteiros o corregedor da corte o confessor e vários coches conduzindo nobres e a família imperial5 Na Capela imperial por sua vez achavase reunida parte selecionada da corte que esperava pelo beijamão6 Contase que como os cabeleireiros franceses eram raros não deram vazão à demanda e senhoras penteadas na véspera dormiram vestidas e recostadas em travesseiros Tudo foi feito enfim para que o evento lembrasse uma versão autêntica da mais tradicional das sagrações europeias A desmentir a autenticidade da cena à europeia estavam apenas os súditos com suas cores mais morenas e a pobreza do ambiente tão bem disfarçada pelos pintores oficiais Repicaram os sinos soaram as salvas e a multidão saudou o novo imperador Com a pesada coroa na cabeça arrastando o longo manto e com a murça de plumagem dandolhe o aspecto exótico de Imperador do Divino subiu d Pedro os degraus do trono e olhou para a turba a seus pés Assim pequeno ele mais parecia uma figura alegórica Mas o que valia era a lógica do espetáculo proporcionado pelo Estado Esqueçase a idade do monarca a pressa na realização do ritual e o caráter um pouco artificial de toda a encenação Até parecia que as dificuldades políticas experimentadas durante as Regências tinham se diluído em meio ao fascínio da sagração ritual CONSTRUINDO UMA NAÇÃO E DESENHANDO SEU IMPERADOR O período que vai de 1841 a 1864 representa uma fase importante para a consolidação da monarquia no Brasil As rebeliões regenciais da Bahia Pará e Maranhão estavam debeladas com a ajuda do barão de Caxias que se transformou numa espécie de herói local Nesse mesmo momento o Gabinete da Maioridade anistiou os rebeldes que se entregaram às autoridades e assim o término das rebeliões separatistas foi celebrado como um novo começo acima das possíveis divisões partidárias A educação cívica de d Pedro tomava nova força nesse contexto com o auxílio de seu influente mordomo Paulo Barbosa que trataria de instruílo na arte do exercício do poder7 Em nota datada de 1842 d Pedro perguntava Como se chama o Arauto Como se chama o mestre de cerimônias Como se chama o primeiro ajudante do mestre de cerimônias Quantos são os moços da Câmara e quais são seus nomes Não sei exatamente quanto se despende com as cavalariças8 No entanto se o rei ainda ensaiava sua inserção na política a política se fazia a seu redor e utilizavase de sua imagem Nas repartições nos jornais nacionais e estrangeiros nas festas ainda tímidas da corte nos lenços e moedas o rosto de d Pedro passava a circular Além do mais seguindo a prática das realezas era chegada a hora de casar o imperador que se aproximava dos dezoito anos para que sua imagem de adulto atingisse real maioridade Era árdua a tarefa de procurar um bom partido para ele tratavase do rei de um Império distante e exótico ainda mais atrapalhado pela má fama do pai E Pedro II de caráter tímido corava ante a ideia de casamento Em carta de Pedro Araújo Lima ao mordomomor Paulo Barbosa assim se comenta a posição de d Pedro II diante do matrimônio Pergunteilhe se ele autorizava a iniciar uma negociação na qual eu não queria dar nem um passo sem seu consentimento porque esse negócio tocava de perto a sua pessoa e que havia de influir na felicidade doméstica Ele teve a bondade de me dizer que eu podia fazer o que entendesse melhor Depois expliquei que convinha realizar os esponsais o mais breve possível para que ele estivesse habilitado para entrar no exercício do poder O relato revela os interesses das várias partes e as estratégias de casamento Não estava em jogo a felicidade doméstica de Pedro II e sim as exigências públicas afinal o casamento significava a efetivação da maioridade De toda maneira com o aceite formal do rei as negociações tomaram rumo envolvendo três esponsais ao mesmo tempo de d Pedro e de suas duas irmãs d Januária e d Francisca Mas o casamento do imperador era sem dúvida o mais estratégico A noiva foi encontrada e em 23 de julho de 1843 chegava junto com a escritura do matrimônio um pequeno retrato de Teresa Maria Cristina princesa das Duas Sicílias ver imagem 71 Teresa era Bourbon por parte de três de seus avós Habsburgo pela outra avó Sua família não era contudo muito abastada sendo o dote minguado Ademais a princesa era quase quatro anos mais velha que o imperador e descendente de um ramo menos importante da família Porém diziase que era boa cantora além de ser sobrinha de Maria Amélia rainha dos franceses e irmã do rei de Nápoles Fernando II Contam os relatos que d Pedro apesar de sua habitual moderação afirmou ter gostado do retrato o qual é bom que se diga realçava as qualidades da futura imperatriz e disfarçava os defeitos O casamento foi realizado por procuração em Nápoles e logo após a cerimônia Teresa Cristina enfrentava a longa viagem rumo ao Brasil As despesas do governo brasileiro não foram poucas No total gastaramse 3555000 réis com o retrato do imperador o presente para a futura imperatriz e barras de ouro para comprovar a riqueza do reino Cerca de oitenta dias mais tarde chegava ao Rio de Janeiro a imperatriz do Brasil no dia 3 de setembro de 1843 a fragata Constituição aportou na baía de Guanabara Tudo estava pronto para a cerimônia Sua Majestade com o uniforme de almirante entrou a bordo da lancha imperial que se encontrava enfeitada com o dragão dos Bragança e seria movida por 24 remadores portando fitas brancas com as cores das Duas Sicílias O imperador fez breve cumprimento e só então se dirigiu aos aposentos de S M a Imperatriz onde também estava S S R o conde DÁquila o futuro cunhado que se casaria com sua irmã d Januária Às onze horas o casal real saiu de bordo e se dirigiu em carruagem real a um tedéum e ao ritual do beijamão Depois seguiuse um minucioso roteiro que incluía folguedos jantar de gala no Paço e bailes nas paróquias onde os escravos estavam autorizados a exibir suas danças em homenagem a S M Imperial mãe dos brasileiros No entanto nem o melhor dos rituais esconde frustrações e muito se falou sobre as de d Pedro Malgrado as informações que lhe haviam chegado a respeito das virtudes da imperatriz parece que o imperador só conseguiu notar os problemas d Teresa Cristina era baixa obesa e um pouco coxa Dizem que o jovem monarca não teria conseguido disfarçar a decepção e que chorou nos braços da condessa de Belmonte sua aia e no ombro do mordomo Paulo Barbosa que lhe dizia Lembrese da dignidade do seu cargo Cumpra o seu dever meu filho Melhor fortuna coube às duas princesas imperiais que logo viajaram para suas cortes europeias D Francisca a bela Chica se casaria em 1843 com o príncipe de Joinville filho de Luís Felipe da França e d Januária contrairia núpcias com o conde DÁquila irmão de Teresa Cristina no mesmo ano Mas negócios de Estado são negócios e de uma maneira ou de outra o matrimônio imperial se consumou Em 1845 nasceria o primeiro filho do casal d Afonso que faleceria já em 11 de junho de 1847 Em 1846 Teresa Cristina deu à luz uma menina Isabel e no ano seguinte nasceu Leopoldina D Pedro Afonso o quarto filho do casal também morreria com um ano de idade em 10 de janeiro de 1850 na Fazenda de Santa Cruz Essa parecia ser a sina dos varões Bragança os quais comentavase na época nunca vingavam O importante é que publicamente a virilidade do monarca era recebida como sinal de maturidade e não foi por coincidência que nesse momento o imperador passou a se inteirar mais e mais das questões do Estado Na Europa o ano de 1848 foi marcado por uma onda de revoluções que começou em Paris com a instalação da Segunda República em 24 de fevereiro passou pela Alemanha Baviera Áustria Hungria Milão para chegar em seguida à Sicília As irmãs de d Pedro sentiram na pele os efeitos do movimento Francisca casada com o filho de Luís Felipe de Orleans rei da França deposto foi obrigada a se exilar na Inglaterra Januária casada com o filho do rei de Nápoles e das Duas Sicílias escapou de lá por milagre Já o Império de d Pedro parecia andar na contramão das demais monarquias BONS E MAUS VENTOS Longe da ventania o jovem rei passava a enfrentar uma série de novos desafios que misturavam boas e não tão boas surpresas De um lado no poder desde 1848 estava um ministério nitidamente conservador Araújo Lima marquês de Olinda Eusébio de Queirós Paulino José Soares de Sousa e Joaquim José Rodrigues Torres A Câmara seguia igual coloração tendo um liberal para 110 conservadores Mas esse mesmo ministério que tendia ao imobilismo seria obrigado a se agitar diante de questões fundamentais o problema da estrutura agrária o incentivo à imigração e por fim a espinhosa questão do tráfico de escravos Em primeiro lugar a recorrente pressão pelo fim do comércio infame aumentou ainda mais nessa conjuntura com a Inglaterra à frente do movimento Entre 1839 e 1842 multiplicaramse as apreensões de navios negreiros até que em 1850 a situação se tornou insuportável Internamente o tema era dos mais embaraçosos apesar de compactuar com o tráfico o Estado imperial sabia que a interdição do mesmo se transformava em condição fundamental para legitimar sua autonomia política Ainda a manutenção desse gênero de negócio jogava o Brasil dentro do grupo de nações bárbaras imagem em tudo oposta à feição civilizada que o Império brasileiro começava a divulgar Para piorar o tema não era de fácil assimilação no interior do país muito dependente desse tipo de mão de obra Entre os anos 1841 e 1850 o destino de 83 do total de africanos transportados para a América era o Brasil 12 rumavam para Cuba e o restante se dividia entre Porto Rico e Estados Unidos9 Isso sem falar no lucro obtido pelos traficantes uma vez que a organização tinha repercussões continentais e envolvia outros comércios paralelos ver imagem 6710 O assunto possuía tal dimensão que passava a chacoalhar outras questões internas do Império A Lei de Terras de 1850 por exemplo que fora apresentada pela primeira vez em 1843 visava organizar o país para o fim eventual do trabalho escravo 11 tendo sido votada poucos dias após a interrupção do tráfico Na verdade essa história durou até o final do Império O objetivo da lei era desestimular os pequenos agricultores ligados à subsistência e impedir a aquisição de terras pelos futuros imigrantes Outra medida tomada nesse momento foi a centralização da Guarda Nacional que visava ao fortalecimento do governo federal ante os proprietários cuja reação à possível extinção do tráfico e à regulamentação da posse da terra seria negativa Por fim a promulgação do Código Comercial no mesmo ano está também conectada ao assunto uma vez que se tornou necessário legislar sobre a maré de negócios que tomou conta do país justamente em razão da liberação do capital outrora empregado no negócio negreiro Toda causa tem muitos efeitos e o fim do tráfico em 1850 acabou por disponibilizar verba excedente para utilização na própria estrutura interna do Brasil Como se tratava de um negócio nem sempre legal e aberto as receitas que daí provinham não apareciam na contabilidade oficial do Estado Assim encerrado o tráfico uma massa de recursos surgiu da noite para o dia como num passe de mágica A saída para o Estado foi investir na infraestrutura do país e acima de tudo na área dos transportes ferroviários Para dar uma ideia de 1854 a 1858 foram construídas as primeiras linhas telegráficas e de navegação e as primeiras estradas de ferro a iluminação a gás chegou às cidades e o número de escolas e de estabelecimentos de instrução começou a crescer Com o fim da aplicação no mercado negreiro as importações também cresceram 572 no período de dois anos uma grande notícia para um governo que vivia basicamente do imposto de importação12 Um pouco de sorte sempre ajuda e a extinção oficial do tráfico coincidiu com a alta do café nos mercados estrangeiros Deficitário durante o período de 1840 a 1844 tal comércio tornouse extremamente lucrativo a partir de 1845 As vendas subiram 23 entre 1850 e 1851 e o otimismo passou a ser a nova palavra de ordem no Império A situação financeira era de fato animadora para 183132 logo após a abdicação de d Pedro I a receita geral do Império foi orçada em 11171520000 Em 184041 depois da maioridade subiu a 16310571000 para em 186263 chegar a 48343182000 Esse período de crescimento econômico ficou conhecido como a Era Mauá nome do empresário brasileiro que possuía dezessete diferentes empresas e ampliou seu raio de ação até o Uruguai e a Argentina com investimentos na área financeira e industrial e como a época da implantação da estrada de ferro no país entre 1854 e 1889 construíram se 10 mil quilômetros de ferrovias Também no tabuleiro externo a situação era mais animadora O êxito da política brasileira na complicada região do Prata com a derrota do líder uruguaio Oribe por tropas brasileiras encerrou ao menos por certo tempo a disputa territorial que entre outros fatores levara à abdicação de d Pedro I Além do mais como corolário da Lei de Terras e da abolição do tráfico entrava em cena uma política de atração de imigrantes europeus No entanto o Brasil tinha poucas condições de competir com outros países sobretudo os Estados Unidos que ofereciam maiores facilidades na aquisição de terras possuíam um sistema de transporte mais consolidado e em parte do território não tinham escravidão Mesmo assim também por aqui e como alternativa ao braço escravo a partir de 1850 começouse a trazer trabalhadores europeus e orientais A ideia era encontrar substitutos para o trabalho escravo agora mais caro uma vez que após o fim do mercado negreiro a saída fora recorrer ao tráfico interno de cativos que passaram a custar o dobro do preço Mas a política de imigração de mão de obra estrangeira financiada por particulares geraria muita controvérsia Afinal o modelo significava uma espécie de escravidão por dívida com os trabalhadores tendo que pagar todos os gastos prévios viagem moradia terra instrumentos feitos pelos fazendeiros Iludidos com a promessa da pequena propriedade imigrantes não só fugiam para as cidades como promoviam revoltas sendo famosa uma que estourou em 1856 nas terras do senador Vergueiro seguida da proibição de emigração pelo governo prussiano em 185913 O governo passaria a financiar a vinda de imigrantes europeus no fim dos anos 1860 medida que segundo a lógica dos governantes traria novo benefício como o branqueamento da população apregoado pelas teorias científicas da época Afinal não era possível esquecer o receio que pairava nesse momento com relação ao futuro de um país de raças mestiças14 e o persistente medo do haitismo num país de maioria escrava Em 1849 contabilizavamse no Rio de Janeiro 110 mil escravos para 266 mil habitantes15 o que dava à corte a impressão de uma pequena África sendo este aliás o apelido do bairro vizinho ao Paço onde d Pedro morava Para encerrar a longa e acirrada década de 1850 no ano de 1859 a primeira grande epidemia de febre amarela assolou o Rio de Janeiro chegando o obituário aos milhares e nessa relação incluíase a morte de um dos filhos de Pedro II16 VIDA DE CORTE Mas entre muitos altos e baixos a década de 1850 ficaria particularmente associada à estabilidade financeira e ao momento de paz que o país experimentou a partir de então Era no Rio de Janeiro que se sentiam mais de perto as mudanças resultantes do fim do tráfico Na verdade toda a urbanização da cidade passava por uma revolução O modelo era a Paris burguesa contudo a realidade local oscilava entre bairros elegantes e as ruas onde só se notava o trabalho escravo e dos libertos Realidade acintosa nas ruas e nos sobrados de maior ou menor porte a escravidão urbana variou conforme a característica das cidades e a posse dos senhores Nos sobrados maiores uma hierarquia de pajens moleques de recado amas e criadas de quarto bemvestidos e ataviados confirmava o status dos senhores Já nos casebres de mulheres solteiras ou viúvas nas casas remediadas ou de funcionários públicos mais modestos escravos e escravas mourejavam lado a lado com seus senhores e sobretudo senhoras criando inesperados laços de intimidade os quais por sinal não chegavam a abrandar a violência inerente à escravidão urbana Nesse contexto algumas figuras se tornaram emblemáticas e entre elas as amas de leite compuseram espetáculo à parte Presentes em álbuns de família ou nos cartes de visite levados ao exterior compunham a imagem exótica romântica e pacífica que se queria exportar da escravidão brasileira Mas a tensão está sempre presente basta notar que enquanto o jovem senhor era sempre identificado com nome e sobrenome as amas restavam no anonimato de sua condição Havia muitos outros personagens soltos pelas cidades Escravos de ganho aqueles cujo trabalho era cobrado por dia e por jornada percorriam as ruas em busca de serviço ou respondendo a demandas prévias Carregadores sobretudo os de objetos de grande porte tonéis pianos caixas destacavamse junto com suas lides e em ritmo sincopado entoavam cantos Da mesma forma as vendeiras e quituteiras chamavam atenção por sua independência e capacidade de articulação de diferentes negócios e laços sociais Muitas delas constituíam pecúlios e ao se alforriarem construíam famílias a partir da compra de escravas jovens que eram mais tarde igualmente alforriadas No mundo da escravidão urbana no qual a vigilância era um pouco mais frouxa inventouse uma variedade de profissões arranjos de vida e de possibilidades de ir e vir Nesse universo libertos homens livres e escravizados formaram ao lado dos pobres livres mundos quase invisíveis de laços de solidariedade e ajuda mútua Montaram universos paralelos ao brilhante teatro da corte que ganhava então nova escala17 Mas o moderno mundo urbano deveria espelhar uma sociabilidade branca e ademais europeia Quem sabe por isso de um dia para outro nos locais de maior acesso foram sendo edificados palácios jardins públicos e amplas avenidas A corte obteve ainda outras melhorias arborização a partir de 1820 calçamento com paralelepípedo 1853 iluminação a gás 1854 bondes puxados a burro 1868 rede de esgoto 1862 e abastecimento domiciliar de água 1874 O mundo do trottoir e dos novos consumos também se modificava Para o novo comércio elegante a rua Direita que misturava estabelecimentos de moda com pequenos armazéns de secos e molhados parecia não ser mais suficiente O acanhado das ruas o odor de esgoto o serviço urbano dos escravos o cheiro de maresia tudo contribuía para a contínua decrepitude do local Agora era a vez da mística rua do Ouvidor onde se abriam a cada dia novas lojas de modistas franceses floristas joalheiros cabeleireiros charuteiros e até sorveteiros Por oposição ao reduzido movimento de outrora surgiam os passeios à tarde os chás nas cafeterias elegantes as indumentárias requintadas com tecidos ingleses e modelos vindos de Paris Não por acaso a rua do Ouvidor transformavase no símbolo dileto dessa nova urbanidade segundo a qual se pretendia viver nos trópicos como nos bulevares europeus A impressão de certo desajuste não escapou a Machado de Assis que num conto narrou a história de Fulano Beltrão um homem cuja ascensão social e política levou a mudanças profundas em seus hábitos Uma delas foi passar a desfilar na rua do Ouvidor outra veio com a morte da mulher para consolarse mandou esculpir na Itália um magnífico mausoléu que esta cidade admirou exposto na rua do Ouvidor durante perto de um mês18 Essa rua era assim o local dileto para o jogo social mas também fórum para debate de questões da política do comércio da literatura das artes e ademais das modas A cidade fluminense passaria a funcionar ainda como um polo centralizador e difusor de hábitos e linguagens na mesma medida em que lá se enraizava a boa sociedade Não era à toa que enquanto as mocinhas casadoiras sonhavam com as diversões da corte os fazendeiros do interior e de outras províncias temiam pela entrada de seus filhos nas delícias da Babilônia fluminense19 Não que essa aristocracia da terra deixasse de se reconhecer nas suas propriedades de café e nos solares que iam sendo construídos nas províncias e onde se podia oferecer um baile ou guardar o troféu de hospedar o imperador em visita Mas era nas grandes capitais que a vida social ia se estabelecendo com sua febre de concertos e festas Isso sem falar nos teatros que em tempo de encenação completavam a cena Era lá que se ia para ver e ser visto Dentre os palcos existentes no Rio de Janeiro destacavamse os do São João e do Lírico Fluminense no Campo da Aclamação onde Carlos Gomes apresentou sua primeira ópera A noite do castelo e estreou O Guarani em 2 de dezembro de 1870 em homenagem ao aniversário do imperador Passaram por esses palcos vários atores e dramaturgos internacionais e mesmo nacionais como o satírico Martins Pena As futilidades da corte seu estrangeirismo estão presentes em diversas obras do dramaturgo Na peça O caixeiro da taverna20 Francisco se queixa Não se vê por essa cidade senão alfaiates franceses dentistas americanos maquinistas ingleses médicos alemães relojoeiros suíços cabeleireiros franceses estrangeiros de todas as seis partes do mundo Os ingleses eram chamados por Pena de senhor mister mas a verve se dirigia mesmo contra a mania de francês As diversões que mais faziam sucesso eram porém os bailes e serões Lá se desenvolvia a arte de entreter uma palestra cultivar o humor dançar uma valsa cantar uma ária declamar ou inspirar um verso criticar com maledicência ou com piedade cortejar as mulheres21 Os bailes conheceram seu momento de apogeu nesse contexto adquirindo uma feição não só social como política sendo o local para polêmicos debates entre partidos ou mesmo para conciliações Não se faz política sem bolinhos dizia o político Cotegipe acerca dos saraus feitos à base de muito Donizetti Rossini Verdi Roupas elegantes para senhoras sem esquecer os enchimentos que permitiam milagres arredondando partes estratégicas do corpo O ramalhete nas mãos das damas o charuto para os homens os bailes nos cassinos entre gorgorões filós fios de ouro plumas rendas de Bruxelas e da Inglaterra flots de filó e os leques de marfim madrepérola tartaruga ou sândalo enfim aí estavam as delícias da vida da corte o sonho de viver no Brasil como se vivia na França a despeito do calor dos trópicos Não se engane entretanto quem pensa que o Rio de Janeiro era Paris e o Recife tinha a cara de Londres As cidades eram ilhas contadas cercadas pelo ambiente rural sendo a escravidão onipresente No triste conto Pai contra mãe Machado de Assis relembra que a escravidão levou consigo ofícios e aparelhos A máscara o ferro de pescoço e a triste profissão daqueles que viviam de prender escravos fugidos noticiados em anúncios de fuga que apareciam cotidianamente nos jornais No mesmo conto Cândido Neves caçava escravo fugido e orgulhavase de sua função Até que na iminência de ter que entregar seu próprio filho por falta de dinheiro prende uma mulata que grávida aborta o bebê que carregava em seu ventre Nem todas as crianças vingam sentenciou Neves22 Na ótica da corte o mundo escravo e o mundo do trabalho deveriam ser não só transparentes como silenciosos No entanto o contraste entre as pretensões civilizadoras da corte e a violência e alta densidade de escravos é flagrante Os cativos representavam de metade a dois quintos do total de habitantes da corte no decurso do século XIX A corte reunia em 1849 de acordo com o Almanak Laemmert a maior concentração urbana de escravos existentes no mundo desde o fim do Império romano 110 mil escravos sobre 266 mil habitantes23 No núcleo urbano do município formado por oito paróquias centrais Sacramento Engenho Velho São José Candelária Santa Rita Santana Glória Lagoa as porcentagens eram menores mas o impacto da presença negra era ainda maior Esse era o centro nervoso da corte sede dos principais edifícios públicos praças e do comércio mais importante do Império Do total de 206 mil habitantes que moravam na área 79 mil 38 eram escravos24 Ademais bem nas cercanias do Paço ficava o Reino do Obá composto de africanos crioulos e negros que podiam ser escravos libertos ou homens livres Nessa região conhecida como Pequena África de cada três habitantes um era africano segundo o censo de 1849 Outras cidades brasileiras tinham proporção ainda maior de cativos Era o caso de Niterói onde em 1833 quatro quintos da população era escrava e Campos onde 59 eram cativos e de Salvador que apresentava uma população de menor porte cerca de 81 mil habitantes em 1855 Mas não era apenas a escravidão que ofuscava os projetos civilizatórios do Império O peso da população rural era enorme quando contrastado com a urbana A população das capitais do Império representava 849 da total em 1823 1041 em 1872 e 954 em 189025 Para completar o quadro mais ou menos 50 desse contingente se concentrava em apenas três capitais Rio de Janeiro Salvador e Recife 59 em 1832 48 em 1872 e 58 em 189026 Percebese portanto ao mesmo tempo a importância da corte como centro irradiador mas também seu caráter de exceção A moda era para poucos A escravidão e o abandono do habitante do Brasil profundo eram e seriam até o final do reinado de d Pedro II as grandes contradições de seu Império que se pretendia civilizado uma quase Europa POLÍTICA NO SEGUNDO REINADO MAIS DO MESMO Também o exercício da política parecia ser prática para uma minoria Isto é desde a abdicação de d Pedro I em 1831 que determinara a passagem da maioria de seus partidários para as fileiras dos monarquistas chamados então de conservadores dois grandes partidos revezavamse no poder Os conservadores triunfaram nas eleições de 1836 governando de 1837 a 1840 Nesse ano a oposição liberal que aliada a alguns conservadores tomou a frente pela maioridade tornouse vitoriosa e permaneceu no poder até 1841 Mais uma vez os conservadores de 1841 a 1844 os liberais de 1844 a 1848 os conservadores de 1848 a 1853 e foi em 1853 que se inaugurou a conciliação misturandose representantes dos dois partidos nacionais A união durou apenas cinco anos mas revelou não só fragilidades de ambos os partidos como as potencialidades de intervenção da monarquia no jogo político Na falta de uma classe burguesa capaz ela própria de regular as relações sociais por meio de mecanismos do mercado coube ao Estado a consolidação do comando nacional e do protecionismo econômico27 Para ajudar também o perfil dessa elite dirigente viria a ser homogêneo em termos tanto de extração social como de ideologia e treinamento Assim o setor burocrático inicialmente dominado por magistrados e militares seria com o processo estatizante aos poucos tomado por profissionais liberais e advogados os famosos bacharéis As elites brancas entenderiam a corte como um clube onde conviviam sócios sortudos independentemente das facções políticas Com efeito luzias e saquaremas como eram chamados conservadores e liberais partilhavam a mesma origem social formação educacional em Coimbra carreira voltada para a medicina e em especial para o direito titulação e relações pessoais28 Divididos por ideias que privilegiavam ora a centralização do Estado ora a sua descentralização fechavam porém em uníssono quando o negócio implicava manter a escravidão e a estrutura vigente A elite brasileira de então poderia ser caracterizada ainda como uma ilha de letrados num mar de analfabetos29 A educação tornouse inclusive uma marca distintiva de tais grupos num país em que o recenseamento de 1872 mostrava que apenas 16 da população era alfabetizada sendo 2343 a proporção de homens e 1343 a de mulheres Isso sem falar da população escravizada na qual o índice de analfabetismo chegava a 999 Boa parte dessa elite optava pela formação jurídica em Coimbra até a Independência e em seguida em duas províncias que contavam com escolas de direito desde 1828 São Paulo e Olinda depois transferida para o Recife A própria vida escolar de boa parte da elite brasileira era bastante previsível Famílias de mais recursos contratavam tutores particulares que preparavam seus pupilos para a entrada em liceus ou de preferência no Colégio D Pedro II que criado em 1837 era o caminho certeiro para os almejados cursos jurídicos e já garantia um diploma de bacharel em letras A partir daí o destino era ou a Europa ou os quatro cursos de direito e de medicina neste último caso no Rio de Janeiro ou na Bahia Nos cursos de direito formavamse não apenas juristas e advogados que mais tarde seguiam carreira pública como deputados senadores diplomatas isto é toda a burocracia do Estado No entanto o incentivo à formação de juristas geraria um excedente de bacharéis e a procura de emprego público fácil assim como incentivaria o caráter clientelístico da burocracia imperial a rodear o Estado Com tantos elementos somados bacharel transformouse num termo que carregava não só uma qualificação profissional como um capital simbólico fundamental Na teoria o bacharel era um cidadão com diploma em direito Na prática jovens formados em matemática ou letras e por vezes nem graduados mas com um bom capital social também podiam portar o título e disputar as concorridas vagas de emprego público É por isso que o conhecido e crítico jurista da escola do Recife Sílvio Romero em Doutrina contra doutrina ironiza a imagem desse grupo sempre de casacas e mendigando algum emprego de preferência um de fachada que não requeresse empenho pessoal Eram os advogados sem clientes os médicos sem clínicas os escritores sem leitores os magistrados sem juizados que faziam do diploma uma distinção e uma forma de sobrevivência estável30 Mas esse baixo clero não detinha o poder Na verdade a maior parte das grandes decisões da política nacional era tomada pelos representantes do Executivo e do Legislativo além dos conselheiros de Estado ministros senadores e deputados31 No topo da elite do Império estava o Conselho de Estado o cérebro da monarquia Criado em 1823 e extinto pela reforma de 1834 o Novo Conselho foi reinstaurado em 1841 e permaneceu em atividade até o fim do Império Esse era o núcleo duro do Imperador o cargo era vitalício podendo ser suspenso pelo monarca por tempo indeterminado Os ministros representavam o Poder Executivo no entanto o imperador era o primeiro titular e tinha total liberdade de escolha32 A interferência e o poder de veto do imperador aliados à própria formação singular do ministério brasileiro faziam com que a vida política dos gabinetes fosse muito curta Até 1861 foram onze os ministérios e 23 até o final do Império em 1889 Na linha de frente do Império viriam a seguir os senadores Mais uma vez era o imperador que selecionava os nomes em listas tríplices obtidas por eleição mas a partir de certos critérios o pretendente à vaga deveria ter idade mínima de quarenta anos e renda anual de 800000 réis O grande poder dos senadores advinha da vitaliciedade do cargo que levou alguns de seus membros a permanecerem no posto por mais de trinta anos Num degrau mais baixo estariam por fim os deputados Esse era o grupo mais numeroso e menos poderoso33 a despeito de o cargo representar passo fundamental para futuros postos de maior evidência Os requisitos para eleição eram idade mínima de 25 anos e renda de 400000 réis Tendo o Poder Moderador em suas mãos que lhe dava a primazia do veto em várias instâncias e contando com uma elite bastante homogênea apesar de dividida entre dois partidos d Pedro II cada vez mais reinava e governava Era inclusive comum ouvir dizer em meados do século que não havia nada mais parecido com um saquarema apelido dado aos conservadores em virtude de um de seus principais líderes o visconde de Itaboraí ser fazendeiro no município de Saquarema no estado do Rio do que um luzia referência à cidade mineira de Santa Luzia onde os liberais sofreram sua pior derrota na revolta de 1842 no poder Afirmava o político Afonso Celso Liberais e conservadores passam pelo poder sem deixar vestígios que os distingam Não se lhes percebe quase o revezamento É que o sai para que eu ocupe o teu lugar é a mola real de todas as lutas34 Machado de Assis em seu conto Teoria do medalhão de 1882 imagina os bons conselhos que um pai daria a seu filho sobre as vicissitudes da política Podes pertencer a qualquer partido liberal ou conservador republicano ou ultramontano com a cláusula única de não ligar nenhuma ideia especial a esses vocábulos35 Mas nem tudo eram mesmices Além das similitudes escandalosas existiam diferenças importantes Tomandose o intervalo de tempo decorrido entre o fim das Regências e a conclusão do movimento praieiro que agitou a província de Pernambuco de 1845 a 1848 podese vislumbrar uma política dos luzias que tendia mais para a descentralização provincial Tal diferenciação só pode ser inferida porém a partir dos discursos dos políticos e debates parlamentares pois nenhum dos partidos apresentara pelo menos até esse contexto nenhum programa oficial Mas os apelidos foram criando raízes e fazendo história Os luzias traziam no nome o local de uma derrota militar sofrida em 1842 A rápida expansão do termo saquarema pode ser explicada pois em função do predomínio liberal entre 1844 e 1848 e do apelo à centralização do Estado Talvez por isso o nome saquarema tenha se enraizado durante o Império sendo associado aos conservadores fluminenses Não há como esquecer também o sentido maledicente que o nome desse partido carregava já que se vinculava à ideia de protegido ou mesmo à noção de sacar É possível arriscar ainda outra distinção entre as duas facções o partido conservador seria composto a partir da aliança da burocracia com o grande comércio e a grande lavoura de exportação enquanto o partido liberal trazia em seus quadros uma maioria de profissionais liberais urbanos unidos à agricultura de mercado interno e de áreas mais recentes de colonização36 No entanto em alguns aspectos a proximidade entre os partidos era tão grande que permitia aos contemporâneos ironizar a ausência de plataformas a arte da bajulação ao imperador e a prática espetacular da política Os parlamentares eram mestres na pose e na adulação à imprensa que publicava seus discursos longos de preferência de mais de duas horas cheios de digressões citações e demais artifícios da oratória A deputação era também um divertimento Casados os deputados deixavam esposas na província para levar no Rio uma folgada vida de solteiro37 O fato é que a reconciliação temporária dos partidos fruto dessa mesma homogeneidade levou ao fortalecimento do Império e da figura do seu monarca Formado graças ao esforço político de Honório Carneiro Leão o marquês de Paraná o Gabinete da Conciliação como era chamado contou com a presença simultânea de figuras de origem liberal e conservadora Em termos práticos a formação desse ministério representou a consolidação de uma estabilidade política jamais conhecida desde a Independência A conciliação representou um mecanismo capaz de fortalecer a unidade de interesses das elites que controlavam a vida política nacional mantendo uma estrutura centralizada em torno da figura do rei É inclusive nessa época que pela primeira vez percebese a atuação forte de Pedro II como promotor de um novo modelo de cultura nacional Nas anotações que fez às margens do livro Confederação dos Tamoios datado de 1856 e especialmente comissionado pelo Estado Pedro II escrevia entre garranchos que lhe faltavam duas grandes obras organizar moralmente a nacionalidade formar uma elite Conformar uma cultura própria e unificar o território era tarefa premente nesse momento dado a nacionalismos românticos Mas os desafios eram muitos A maior parte da população estava fora dos canais de participação política e o país andava cindido entre duas faces a externa um país organizado em modelo europeu com uma monarquia constitucional um rei jovem e com fama de culto um congresso eleito e partidos políticos regulares e a interna um território imenso e plural dominado por grandes propriedades isoladas Qual seria a estratégia para transformar essa multiplicidade de províncias e realidades numa nação Como fazer de uma população dispersa na área rural mal unida por lealdades de província condicionada pelo sistema escravista sentirse parte de uma comunidade política Como criar um sentimento de Brasil A saída será ao lado do incentivo a um projeto modernizador investir na seleção de certos traços de uma cultura tropical e distante de tudo que lembrasse a escravidão ENFIM O MAIS PARTICULAR E O MAIS ORIGINAL DOS ESTADOS UMA MONARQUIA TROPICAL O século XIX ficou conhecido como a era dos nacionalismos38 A criação de uma história continuada e de heróis ancestrais a imposição de uma língua de monumentos culturais a seleção de lugares paisagens e povos originais a eleição de representações oficiais dentre símbolos como hinos e bandeiras e identificações pitorescas costumes especialidades culinárias ou animais emblemáticos faziam parte de um modelo básico que se divulgou largamente nesse contexto39 O romantismo previa justamente a exaltação do que havia de mais particular a cada nação e por isso além das características comuns a cada país coube sua dose de particularidade Já no caso brasileiro existem diferenças dignas de registro Para começar em geral o nacionalismo romântico se expressou em regiões relativamente pequenas e bastante homogêneas do ponto de vista linguístico e cultural Procurar por homogeneidades num Estado de proporções continentais e caracterizado por uma população tão heterogênea era tarefa complicada A saída foi esquecer a escravidão e idealizar os indígenas os quais dizimados sistematicamente nas florestas reapareciam em romances e pinturas oficiais ou semioficiais A representação do país como indígena e masculino juntava as concepções de um Brasil americano mas também monárquico e português Ou seja uma mistura da cultura da velha metrópole com a identificação com a América que nos faz independentes Por outro lado se em outros países o romantismo teve um caráter contestador no exemplo brasileiro ele foi majoritariamente palaciano e financiado pela monarquia o que condicionou seu perfil conservador40 Assim se o nacionalismo brasileiro não foi monolítico seu papel histórico é evidente Ele permitirá afirmar particularismos construir uma identidade em oposição à metrópole valendose de elementos particulares a natureza tropical e seus naturais bem como universais Afinal tínhamos a mais tradicional das monarquias formada por Braganças Bourbons e Habsburgos41 Para entender a centralidade da monarquia basta avaliar a importância das instituições e dos intelectuais que cercaram o soberano É nesse momento que o imperador assumirá uma postura mais ativa junto ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro à Academia Imperial de Belas Artes assim como procurará formar uma geração de escritores e de artistas tão jovens como ele Essa é a época do indigenismo de fundo romântico dos quadros neoclássicos grandiosos da Academia Imperial de Belas Artes dos exames no Colégio Pedro II De um lado a natureza se convertia em paisagem cultural e os trópicos devidamente invertidos passavam a representar pujança e desenvolvimento No esforço de viabilizar uma identidade nacional o historiador do grupo Varnhagen criou uma narrativa que destaca o contraste entre a monarquia constitucional brasileira e as repúblicas latinoamericanas marcadas segundo ele por instabilidade crônica ausência de liberdade e guerras civis Para fora o Brasil buscava firmarse pois como a única nação civilizada das Américas Para dentro porém era preciso resolver o problema de ser uma monarquia que manteve a dinastia de Bragança numa América inteiramente republicana Por isso era premente destacar certa memória reconhecer uma cultura e criar um ambiente favorável à nova nacionalidade E se no plano político uma monarquia americana era vista sob suspeita pelas demais nações do continente internamente era também necessário criar um sentimento de Brasil E foi com essa intenção que se deu a fundação de um estabelecimento dedicado às letras brasileiras Criar uma intelectualidade local e não formada em Portugal parecia ser medida urgente Talvez por isso em 1838 tendo como modelo o Institut Historique aberto em 1834 em Paris formouse o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB congregando a elite econômica e literária carioca É justamente esse recinto que abrigará a partir da década de 1840 os românticos brasileiros quando o monarca d Pedro II se tornará assíduo frequentador e incentivador dos trabalhos desse estabelecimento A partir de então o IHGB quiçá a instituição que mais se empenhou em forjar uma identidade para o país se afirmaria como um centro de estudos ativo favorecendo a pesquisa literária estimulando a vida intelectual e funcionando como um elo entre os intelectuais e os meios oficiais E a associação entre o Paço e o IHGB se desenvolveria de maneira crescente em 1838 d Pedro II foi convidado a ser o protetor da instituição em 1839 ofereceu uma das salas do Paço imperial para as reuniões do estabelecimento em 1840 por ocasião do aniversário do monarca foi cunhada a medalha que continha os dizeres Auspice Petro Secundo Pacifica Scientiae Occupatio em 1842 o próprio imperador se tornou membro do Instituto francês e finalmente entre 1842 e 1844 o rei instituiu prêmios para os melhores trabalhos apresentados no IHGB Composto em sua maior parte da boa elite da corte que se reunia sempre aos domingos para debater com intelectuais temas previamente selecionados o IHGB tinha como objetivo construir uma história nacional a partir da seleção de eventos e grandes personagens logo transformados em heróis O vínculo com o Estado era tal que ele chegava a colaborar com 75 das verbas da instituição Assim por meio do financiamento direto do incentivo ou do auxílio a poetas músicos pintores e cientistas iniciavase um processo que implicava não só o fortalecimento da monarquia e do Estado como a própria unificação nacional que seria obrigatoriamente uma unificação cultural Era dessa maneira que o monarca lançava as bases para uma atuação que lhe daria a fama de mecenas do sábio imperador dos trópicos Seguindo o exemplo de Luís XIV d Pedro não apenas formava a sua corte como elegia historiadores para cuidar da memória pintores para enaltecer a nacionalidade literatos para criar um tipo nacional A característica moderada do grupo ajudou na recepção desse projeto em meio a um ambiente cultural bastante fraco Manuel de Araújo PortoAlegre 180679 conhecido por sua atuação na Academia de Belas Artes e os literatos Joaquim Norberto de Sousa e Silva 182091 Joaquim Manuel de Macedo 182082 Gonçalves Dias 182364 e o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen 181678 passariam a frequentar o IHGB a partir de 1840 tendo na revista do Instituto um órgão dileto de divulgação de suas ideias Por outro lado o caráter oficial desse estabelecimento auxiliou na aceitação do projeto de renovação literária sobretudo em função da presença constante do imperador Este por sua vez gerou um conformismo palaciano tolhendo as iniciativas artísticas mais rebeldes Um paradoxo chama contudo atenção o descuido político com os indígenas é paralelo à sua eleição como símbolo romântico na literatura e na poesia Sabiase pouco a respeito dos nativos mas na literatura ferviam os romances épicos com chefes e indígenas heroicos e amores silvestres Dicionários de línguas indígenas vendiam como pão fresco e o próprio imperador animado pela voga que assolou a corte passou a estudar o tupi e o guarani Aliás ia se esculpindo a representação do sábio imperador Era d Pedro quem financiava pessoalmente projetos de pesquisa de documentos relevantes para a história do Brasil no país e no estrangeiro Ele também se interessava pelas pesquisas de etnografia e linguística americana Ajudou o trabalho de cientistas como Martius as pesquisas de Lund de Gorceix dos naturalistas Couty e Goeldi dos geólogos Orville Derby Charles Frederick Hartt do botânico Glaziou do linguista e filólogo Seybold além de vários outros naturalistas que aqui estiveram Financiou profissionais de outras áreas entre advogados agrônomos arquitetos professores de escolas primárias e secundárias engenheiros farmacêuticos médicos militares músicos e pintores Tal política privada de financiamento era conhecida na época como o bolsinho do imperador que ajudava o monarca a difundir sua imagem de um Luís XIV dos trópicos Segundo o médico Joaquim Murtinho o jovem d Pedro dizia em alto e bom som e para quem quisesse ou não ouvir uma frase sem dúvida de grande efeito e projeção A ciência sou eu42 O INDÍGENA MORRE PARA QUE A NAÇÃO VINGUE43 Mas se cabia à historiografia formar um novo panteão de heróis nacionais foi na área da literatura que o nacionalismo ganhou maior visibilidade Delineavamse então as bases de uma verdadeira política literária Foi justamente nesse contexto que Gonçalves de Magalhães publicou o poema épico A Confederação dos Tamoios 1856 que era aguardado como o documento de demonstração de validade nacional do tema indígena44 Retornando ao modelo do bom selvagem Magalhães construía o que deveria ser o maior épico nacional centrado na figura dos heróis indígenas com seus atos de bravura e gestos de sacrifício Tentando fundir a excentricidade romântica com a pesquisa histórica esse autor acreditava ser possível superar as especificidades regionais para chegar a um mito nacional de fundação45 Inspirada em artigo de Baltasar da Silva Lisboa publicado em 1834 a obra conta a saga da nação Tamoio que luta pela liberdade contra os agressores portugueses caracterizados como selvagens e aventureiros Porém as oposições não se limitam aos pares descritos Enquanto os brancos podem ser divididos entre portugueses brutos e colonizadores que transformaram uma nação livre em escrava e brancos religiosos padres jesuítas mancomunados com o futuro Império também os indígenas se encontram divididos De um lado os silvícolas bárbaros ou por sua simplicidade catequizados de outro os aborígenes indomáveis e livres como a natureza Nessa batalha de dualidades o par enaltecido é o que lembra a pureza os portugueses do futuro Império que personificam a unidade nacional e a fé cristã e os indígenas não conspurcados pela civilização É num momento significativo da trama que Tibiriçá índio converso da tribo Guaianá tenta convencer seu sobrinho rebelado Jagoanharo acerca das vantagens do mundo europeu É assim que a literatura vai cedendo espaço ao discurso oficial sendo o indígena transformado num modelo nobre mesmo que como o grande perdedor nessa gênese do Império Como um exemplo a ser seguido o indígena surgia como herói e vítima de um processo que o atropelava Nascido livre ele é morto em liberdade e para a liberdade Como um fardo da civilização o Império se impunha por meio da representação do indígena mas também sobre o indígena sua grande vítima Além de Magalhães depois visconde de Araguaia Gonçalves Dias mereceria a atenção do imperador Considerado o grande poeta romântico brasileiro trouxe o indianismo para a métrica Partindo de documentos da história e da sua própria etnografia Gonçalves Dias cria uma poética dedicada à formação do país Seu poema mais famoso IJucaPirama que em tupi quer dizer o que há de ser morto retoma o tema do canibalismo heroico e da bravura do herói guerreiro Dias reconta a história de um guerreiro Tupi que feito prisioneiro pelos Timbira espera por sua morte mas teme pela sorte do pai velho fraco e cego a quem serve de guia Ambos são capturados pelos Timbira e o filho chora perante o perigo Diante do choro do jovem os Timbira soltamno pois segundo os rituais antropofágicos não se devora o covarde Já o velho Tupi lamenta a fraqueza do filho e o maldiz É então que o jovem guerreiro resolve enfrentar sozinho os Timbira ganha assim direito ao sacrifício da morte e à reconciliação com o pai46 O indígena a despeito de tantas perdas surgia pois como um exemplo idealizado de pureza um modelo de honra a ser seguido Entre a literatura e a realidade a ficção e a não ficção os limites pareciam tênues No caso a história estava a serviço de uma literatura mítica que junto com ela selecionava origens para a nova nação Em 1865 era publicado o romance que empolgou o país e revolucionou a temática e a linguagem da literatura que se praticava no Brasil apegada aos cânones de Portugal Iracema de José de Alencar não só trazia os temas e paisagens caros ao gênero como em seu nome e invertendose as letras incorporava o anagrama de América Nesse longo poema escrito sob a forma de romance a bela virgem dos lábios de mel aparece retratada em meio a um passado mitificado e perdido no século XVII A obra representa o nascimento do Brasil diante mais uma vez do sacrifício indígena O casal central Martim e Iracema simboliza os primeiros habitantes do país e de sua união resultará uma predestinada raça Em determinado momento Iracema morre para que seu rebento Moacir o filho do sofrimento viva No livro destacase a mestiçagem língua híbrida religião sincrética nação de mulatos e mamelucos Mais uma vez distantes do Brasil do século XIX tão marcado pela escravidão heróis brancos e indígenas convivem em ambiente inóspito e se comportam como nobres Se não nos títulos ao menos nos gestos e ações As experiências de Alencar com o indigenismo não haviam começado porém com Iracema Publicado originalmente em folhetins no Diário do Rio de Janeiro entre janeiro e abril de 1857 O Guarani ganhava a forma de livro no mesmo ano O romance se passa também no século XVII e seu principal protagonista é Peri par romântico para a loura e alva Ceci No final do romance o índio tenta salvar a virgem loura Ambos terminam juntos anunciando um amor quase platônico levados pela torrente de um rio justamente o rio metáfora da ideia de purificação Em 1870 estrearia com êxito no Scala de Milão a ópera composta por Antônio Carlos Gomes 183696 chamada Il Guarany O Guarani cujo libreto se inspirava na obra de Alencar Tendo seu trabalho também financiado por d Pedro II Carlos Gomes combinava as convenções europeias com aspectos considerados mais originais na cultura local Compunhase música romântica mas de base indígena como a afirmar uma identidade ao mesmo tempo universal e particular Esses e outros exemplos mostram como no Brasil o romantismo não foi apenas um projeto estético mas antes um movimento cultural e político profundamente ligado ao nacionalismo ao desejo de independência cultural e à monarquia Atacados de frente por historiadores como Varnhagen que os chamava de patriotas caboclos os indigenistas brasileiros tiveram sucesso na imposição da representação romântica do indígena como símbolo nacional É significativa também a resposta de Magalhães ao grande historiador do Império Acusado de ser fantasioso é desta maneira que reage o protegido do imperador A Pátria é uma ideia representada pela terra em que nascemos47 Fazendo da literatura um exercício de patriotismo esse gênero ganharia lugar oficial nos planos do Estado Imagem ideal o indígena romântico encarnava não só o mais autêntico como o mais nobre intentando construir um passado honroso Por oposição aos africanos que lembravam a vergonhosa instituição escravocrata o indígena permitia selecionar uma origem mítica e estetizada A natureza brasileira também cumpria função paralela se não tínhamos castelos medievais ou igrejas renascentistas possuíamos o maior dos rios a mais bela vegetação Entre palmeiras abacaxis e outras frutas tropicais aparecia representado o monarca o Estado e a nação destacandose a exuberância de uma natureza sem igual Também na Academia Imperial de Belas Artes que embora tenha sido criada em 1826 só começou a funcionar regularmente durante o reinado de d Pedro II a vertente romântica proliferou e adaptouse ao projeto que se implantava em outras áreas No plano pictórico a Academia seria a grande responsável por uma transformação radical o Barroco é relegado ao segundo plano e o neoclassicismo passa a imperar sobretudo na corte e em algumas capitais O estabelecimento representava o resultado imediato da chegada do grupo de artistas franceses ao Brasil em 26 de março de 1816 contudo viveria uma situação mais estabilizada nesse contexto especialmente em função dos auxílios públicos e privados do monarca Empreendendo com a Academia uma política semelhante à do IHGB o imperador passou a distribuir prêmios medalhas bolsas para o exterior assim como participou assiduamente das Exposições Gerais de Belas Artes promovidas todos os anos ou ofertou insígnias da Ordem de Cristo e da Ordem da Rosa aos artistas de maior destaque De 1845 em diante d Pedro custeou o Prêmio Viagem aberto anualmente e que financiava um pensionato no exterior durante três anos O monarca também comissionou artistas para realizarem retratos oficiais que eram distribuídos pelo país ou levados nas viagens que ele realizaria primeiro dentro e depois fora do Brasil Alguns desses artistas como Simplício Rodrigues de Sá e FélixÉmile Taunay ainda foram professores do imperador e de suas irmãs ou se tornaram pintores oficiais da corte Também na Academia a exaltação do exótico da natureza e do indígena romântico tornouse uma marca na produção Produtora das imagens oficiais do Império a Academia imporia não só estilos como temas o motivo nobre o retrato a paisagem e o indigenismo histórico entrariam em voga Em boa parte produzidas no exterior tais obras apresentavam uma idealização da paisagem e da população coerente com o olhar de quem descreve ao longe a realidade É o caso das obras icônicas de Victor Meirelles de Lima em A primeira missa no Brasil 1860 e Moema 1866 ou de José Maria Medeiros com Iracema 1881 que fazem parte do ciclo indigenista o qual chega à pintura na década de 1860 ver imagens 72 e 74 Nessas obras os indígenas passivos e idealizados compõem a cena sem alterála são quase um elemento colado à paisagem tropical Nas amplas telas a colonização perde seu caráter invasivo para mostrarse como um encontro harmonioso e consensual O romantismo brasileiro alcançou portanto grande penetração tendo o indígena como símbolo Os índios do romantismo nunca foram tão brancos e o monarca e a cultura brasileira se tornaram mais e mais tropicais Diante da rejeição ao negro escravo e mesmo aos primeiros colonizadores o indígena restava como o legítimo representante da nação Puro honesto e corajoso atuava como rei no exuberante cenário da selva brasileira e em total harmonia com ela Viajantes cronistas historiadores nomes como Gabriel Soares de Sousa Rocha Pita Manoel da Nóbrega saem dos compêndios e entram nas notas explicativas que acompanham os textos os quais por sua vez servem de base para a pintura História e mito caminham lado a lado enquanto a imaginação cede espaço ao didatismo o índio nobre teria existido num passado remoto e era ele assim mitificado que inspirava os dramas românticos produzidos na corte os quadros grandiosos ambientados nos trópicos as belas óperas que apresentavam para o exterior um Império tão exótico quanto nobre Como um bom selvagem tropical o indígena romântico permitiu à jovem nação fazer as pazes com um passado honroso anúncio de um futuro promissor O mecenato de d Pedro II conheceu ainda outras facetas É famosa a admiração do monarca pela ópera e a sugestão que fez a Wagner em 1857 encomendandolhe uma obra lírica para o Rio de Janeiro O pedido foi gentilmente declinado mas em 1876 quando d Pedro II assistia ao lado do imperador da Alemanha e de outros soberanos alemães à tetralogia de Wagner encenada em Bayreuth autodenominouse um wagneriano histórico e não de primeira hora como os demais Em 1857 ele criava a Imperial Academia de Música e Ópera Nacional destinada a formar músicos nacionais e difundir o canto lírico O imperador interessavase igualmente pela medicina financiando pesquisas de profissionais brasileiros assim como investia recursos no hospício da corte que desde 1850 levava o seu nome A primeira Comissão Científica de Exploração 1859 apelidada por seus opositores de Comissão das Borboletas que fez coletas em províncias do Norte foi também patrocinada por ele Enfim foi aí que o Brasil virou tropical ao menos na representação pública e seu Estado um espelho um pouco deformado da Europa Entre muitos ramos de café e tabaco por vezes cercado de alegorias coroado como um césar em meio a coqueiros e paineiras e rodeado por livros e símbolos de cultura erudita Pedro II foi transformado em sinônimo da nacionalidade sobretudo num momento em que a política mais parecia exercício de calmaria No entanto os anos 1870 começavam a bater na porta do Paço Antes disso em 1865 iniciavase a desastrosa Guerra do Paraguai que marcou o apogeu mas também o princípio do declínio da monarquia brasileira Essa guerra terminou em 1870 deixando um saldo alarmante de mortos e para o Império a pecha de assassino Foi nesse mesmo ano ainda que nasceu o Partido Republicano e o movimento abolicionista tomou forma irreversível Nada é para sempre e os trópicos só na imaginação eram telúricos e eternamente pacíficos 12 ELA VAI CAIR O FIM DA MONARQUIA NO BRASIL FIM DE FESTA A LONGA E DESASTROSA GUERRA NO PARAGUAI A chegada da década de 1870 significou uma guinada radical na até então pacata política do Segundo Reinado Em 1865 começou a guerra internacional até hoje mais conhecida no país a Guerra do Paraguai Diferentemente do que imaginavam o monarca ministros generais e até mesmo seus aliados Argentina e Uruguai o conflito não seria breve ou fácil Além do mais no período que durou o evento o governo brasileiro voltouse de tal maneira para ele que pouco capital e pouco tempo sobraram para reformas internas Os gastos com a guerra foram enormes 614 mil contos de réis onze vezes o orçamento governamental para o ano de 1864 criandose um déficit que persistiu até o fim da monarquia1 E mesmo antes do início oficial da guerra anunciavase tempestade nas relações internacionais do Império Em 1862 quando o país se preparava para participar da Exposição Universal de Londres onde se exibiria a pujança da agricultura tropical estourou a Questão Christie William Dougal Christie desde 1860 representante da Inglaterra na corte brasileira era famoso criador de impasses diplomáticos A gota dágua caiu quando três oficiais ingleses que andavam bêbados pelas ruas do Rio foram presos por desacato à polícia da corte o que Christie julgou ultrajante a seu país A represália veio logo ele ordenou que o comandante da esquadra inglesa no Rio de Janeiro bloqueasse o porto e cinco navios mercantes brasileiros acabaram apreendidos pela marinha britânica fora da baía de Guanabara o que quase causou um grave problema internacional e por pouco não levou a uma guerra Os políticos imperiais recebiam sempre em tom de zombaria as atitudes de Christie Aprendeu a diplomacia no território de Mosquito dizia o barão do Penedo Essas são as loucuras de Mr Christie resumia o ministro Zacarias Mas a maior das loucuras do representante inglês foi deixar de comparecer ao aniversário de Pedro II no dia 2 de dezembro de 1862 quando se convocara todo o corpo diplomático Dessa vez foi o imperador quem decidiu romper relações com o governo britânico obrigando Christie a ceder o rei da Bélgica chamado a atuar como árbitro na questão deu ganho ao Brasil e a Inglaterra apresentou desculpas formais Mesmo assim as relações entre os países ficaram suspensas durante dois anos Mas essas não eram as maiores preocupações do Império Os anos 1860 marcaram o recrudescimento da campanha pela abolição da escravidão Com o fim do tráfico em 1850 a questão servil entrou na agenda do país para não mais sair Até porque com o término da Guerra de Secessão nos EUA em 1865 a votação vitoriosa da 13ª emenda à Constituição norteamericana acabou com a escravidão naquela nação e o fantasma do fim do sistema passou a assombrar ainda mais o imaginário das elites locais e governamentais Apenas Cuba mantinha a essas alturas a escravidão e a pressão internacional ficava cada dia mais forte A crise na região do Prata roubaria porém as atenções e adiaria a questão da supressão do trabalho escravo em território nacional Aliás a Guerra da Tríplice Aliança La Guerra Grande que estava para começar teria tal impacto que logo se transformaria em questão nacional e suprapartidária No início da década de 1860 as tensões nas fronteiras do Prata achavamse fragilmente serenadas Em torno de dois grandes rios Uruguai e Paraguai quatro nações dividiam limites e intenções distintas Brasil Uruguai Argentina e Paraguai Nesse terreno minado os contendores aplicavamse em jogar num complicado tabuleiro político Em discussão estava além do acesso à navegação na bacia platina a hegemonia sobre o lugar e a conformação de diferentes processos nacionais A região era tão explosiva que uma já vasta lista de incidentes se acumulava bem antes de a guerra começar Uma crise ministerial que estourara ainda no ano de 1849 teve por centro as ambições do presidente argentino Don Juan Manuel Rosas O ditador andava dando trabalho ambicionava concretizar o velho sonho de reconstituir o antigo ViceReinado do Prata divisão administrativa da América espanhola Para tanto já havia assegurado o domínio do Uruguai e ameaçava pressionar a fronteira brasileira na província do Rio Grande do Sul Quanto ao governo do Brasil a despeito de conhecer as intenções de Rosas achou por bem evitar o conflito o que acarretou a queda do ministério e a indicação de novo presidente no Conselho Eusébio de Queirós A impressão que se tinha era que tudo ocorria ao mesmo tempo investidas cada vez mais agressivas na região do Prata e indícios do fim lento e gradativo da escravidão Pairava um temor generalizado diante da extrema concentração de escravos na Região Sudeste motivada pela expansão cafeeira nas décadas de 1830 e 18402 Como resposta planejouse a realização do primeiro recenseamento geral e a implantação do registro civil que ajudariam a avaliar a situação e seu iminente risco de rebeliões A proposta foi malvista pelas elites o que levou ao seu pronto engavetamento Numa atitude recorrente os proprietários receosos preferiam o silêncio diante da verificação da proporção elevada de negros livres escravizados ou libertos3 Mas o vento soprava em outra direção e a partir de 1851 os negócios do Prata constituiriam o principal tema da política brasileira E se o primeiro conflito na região terminou rapidamente com o Brasil entrando oficialmente na guerra em 1851 e a capitulação de Rosas acontecendo em fevereiro de 1852 o equilíbrio ia se tornando cada vez mais precário Logo em 1864 estourou a Questão do Uruguai desde o ano anterior uma guerra civil separava o país entre os adeptos do Partido Colorado chefiado pelo general Venancio Flores e os adeptos do Partido Blanco liderados por Atanasio Aguirre que assumira a presidência de uma nação dividida entre facções Brasil e Argentina apoiavam Flores uma vez que ambos temiam a política expansionista proposta pelos blancos4 Mas a questão uruguaia também se encerraria rapidamente Em 15 de fevereiro de 1865 Aguirre capitulou e assinouse novo acordo de paz com o Brasil Contudo a tensão recomeçaria na região com outros lances e um novo inimigo o Paraguai O tabuleiro do Prata parecia possibilitar muitas jogadas estratégicas na Argentina os federalistas eram batidos pela candidatura de Bartolomé Mitre que passava a liderar um processo de centralização do Estado no Brasil o Partido Liberal chegava ao poder após catorze anos de domínio do grupo conservador no Paraguai morria em 1862 o presidente Carlos Antonio López sendo logo substituído por seu filho Francisco Solano López que entraria rapidamente em choque com o Império brasileiro Em primeiro lugar a monarquia não acolheria bem a tentativa aliás frustrada do chefe paraguaio para mediar o conflito entre Brasil e Uruguai Além do mais o Paraguai disputava com o Brasil o papel de fornecedor de ervamate no mercado latinoamericano e via em Montevidéu uma alternativa para o comércio exterior exigindo redefinição nas fronteiras Para fechar o quadro falta mencionar que também os federalistas argentinos pretendiam o controle de Montevidéu aliás por motivos semelhantes Formavamse então dois blocos ainda informais De um lado federalistas argentinos blancos uruguaios e o Paraguai de outro o Império brasileiro o Partido Colorado e o governo argentino A região vivia assim a experiência de construção de uma nova ordem política após as independências Além da disputa entre os Estados recémindependentes para impor uma única soberania rioplatense na área do Prata desenharamse conflitos internos justificados pelas diferentes tendências dos governos envolvidos no litígio Ainda a compor o quadro de instabilidade notese que Brasil Uruguai Argentina e Paraguai se separavam pela cultura pelos governos e pela imagem que cada um tinha do outro império estável versus repúblicas instáveis exemplo de civilização versus expansionismo e barbárie imperador versus caudilhos Como se vê o cenário da guerra estava montado só faltava o estopim E ele ocorreu em território uruguaio em 1864 quando o Império lançou um ultimato exigindo providências rápidas contra supostos abusos sofridos por brasileiros lá residentes e pressões sobre criadores de gado riograndenses instalados do outro lado da fronteira Como não se atendeu o pedido brasileiro a resposta foi imediata uma breve e temporária invasão do país vizinho Outros incidentes aconteceram envolvendo os demais países litigantes isso sem contar as pretensões paraguaias que almejavam conquistar uma saída terrestre para o mar Então a guerra teve início articulando os aliados em dois blocos Em 12 de novembro as autoridades paraguaias aprisionaram o vapor brasileiro Marquês de Olinda e em dezembro as tropas de López invadiram Mato Grosso Quatro meses depois em abril de 1865 virando o jogo a Argentina foi invadida López atacou Corrientes e Entre Ríos províncias até então aliadas do Paraguai A partir daí o dirigente paraguaio ficou isolado no cenário daquele jogo perigoso Enquanto isso no Brasil animado com o sucesso de sua atitude incisiva no caso da Questão Christie Pedro II partiu em 7 de julho de 1865 para a fronteira ao sul do país Ele seria o voluntário número 1 do Exército A marcha terminou em Uruguaiana onde o imperador encontrou os chefes militares brasileiros e seus aliados de guerra o presidente Mitre e o presidente Flores Mas se é relativamente fácil entrar numa guerra mais difícil é sair dela ou mensurar suas consequências Além disso um evento com tantos contendores sempre deixa margem para diversas opiniões Mesmo no caso brasileiro as interpretações variaram e muito Há quem diga que a origem da guerra estaria condicionada à ambição desmedida de López e a seu caráter autoritário Mais personalista tal versão insiste em acusar o presidente paraguaio sua política fraudulenta e a aversão que d Pedro II teria ao seu perfil de caudilho Há também quem explique o conflito a partir da política imperialista inglesa Ciosa em manter sua influência financeira no local a Inglaterra teria se imiscuído na guerra forjando oposições e selando amizades A seguir tal interpretação López seria um paladino antiimperialista isolacionista defensor de um modelo mais autônomo e vítima dessa conspiração internacional Existe uma terceira interpretação mais atenta aos diferentes processos de formação nacional por que passavam os países envolvidos e aos interesses geopolíticos e econômicos da região platina Para o Brasil era importante garantir a navegação dos rios Paraná e Paraguai pois através deles a província de Mato Grosso mantinha contatos com o resto do país e assegurava o controle do comércio na região do Prata Quanto à Argentina apesar de sufocadas as intenções expansionistas ainda era patente sua disposição em anexar territórios vizinhos e ampliar sua esfera de interesses Já do lado de López reconhecida a autonomia do país e contidos os ímpetos argentinos afloraram divergências em torno da navegação dos rios e das fronteiras Isso sem falar das velhas desconfianças que pairavam sobre o Brasil esse gigantesco Império escravocrata diante das pequenas repúblicas sulamericanas assustadas com possíveis imperialismos Assim além dos motivos imediatos e das provocações de parte a parte a região mais parecia um grande caldeirão de água quente prestes a transbordar como por sinal transbordou Em 1º de maio de 1865 foi assinado em Buenos Aires o Tratado Secreto da Tríplice Aliança Nele se determinava que só se negociaria a paz mediante a deposição de Solano López Estabeleciamse ainda novas fronteiras para os países litigantes bem como se definia que o Paraguai como nação agressora pagaria os gastos e prejuízos decorrentes da guerra A prepotência nos termos era evidente os aliados pareciam animados e supunham equivocadamente que se tratava de uma guerra rápida suposição alimentada pela clara vantagem militar que tinham Do ponto de vista demográfico eles chegavam a 11 milhões de habitantes enquanto o Paraguai dispunha de um contingente de apenas 318144 soldados No plano econômico os aliados obtinham com o comércio exterior em torno de 36 milhões de libras ao passo que no Paraguai os números não eram superiores a meio milhão de libras5 O Paraguai entrava assim em posição fragilizada na guerra ainda mais porque perdera os aliados com os quais até então contava Aguirre foi derrotado e Flores foi eleito no Uruguai a invasão da Argentina rompeu a aliança entre López e os governadores de Corrientes e Entre Ríos Vale lembrar que até a emergência do conflito o Império possuía um exército mal preparado e sua maior força era a Guarda Nacional criada em 1831 e reorganizada em 1850 basicamente comandada por grandes proprietários Era a primeira vez pois que se formava um exército profissional a despeito de muitas convocações compulsórias e de poucos alistamentos voluntários estes mais numerosos durante o primeiro ano da guerra quando a participação no evento era considerada um ato de patriotismo6 Nesse momento inicial os mais diferentes propósitos incentivavam novos alistamentos Machado de Assis em Iaiá Garcia narra a história de Jorge um dos primeiros lugares entre os dandies da Rua do Ouvidor que disposto a impressionar Estela se alista para combater no Paraguai Aos olhos do personagem de Machado o embate não passava de pretexto para uma romântica declaração amorosa até porque na partida Jorge preocupavase mais com o vinco do uniforme e o brilho das botas7 O tom de ufanismo de fato invadiu a corte que comemorava como podia cada nova batalha O nosso já conhecido Fulano Beltrão outro personagem do escritor resolve celebrar a vitória brasileira na Batalha de Riachuelo com um baile onde meteu um troféu de armas navais e bandeiras no salão de honra em frente ao retrato do Imperador8 Mas os números também geravam otimismo A Marinha imperial crescia e se equipava passando de 45 navios armados em 1865 a 94 belonaves no fim do conflito em 1870 A Argentina contava com um exército pequeno em 1865 6 mil homens porém bem treinado e o Uruguai com 4 mil soldados O entusiasmo era tal que em Buenos Aires por exemplo em 16 de abril desse mesmo ano o general Mitre anunciou Em 24 horas aos quartéis em três semanas em Corrientes em três meses em Asunción Entretanto diferentemente do que todos esperavam a primeira rendição a de Uruguaiana encerrou a primeira fase da guerra mas não o conflito Ao contrário começava então uma guerra de cinco anos repleta de sacrifícios que desmanchavam a unanimidade inicial transformando o embate militar em evento cada vez mais impopular Tinham início igualmente as discórdias internas nas Forças Armadas brasileiras Tamandaré comandante das forças navais estava velho e cansado Já Caxias contava com bastante prestígio em razão de sua atuação durante as rebeliões regenciais e além de general era senador pelo Partido Conservador Por isso sua entrada na guerra virou marco começava com ele uma nova fase do combate e uma grande reorganização do Exército O general chegou ao Paraguai em novembro de 1866 e encontrou um exército desfalcado e desanimado A região era insalubre e o despreparo geral De mais a mais rareava a apresentação de voluntários brasileiros o que levou o governo a estabelecer o recrutamento obrigatório Os ânimos se acirravam e os elogios transformaramse em críticas ferozes como as do Correio Mercantil que em 9 de novembro de 1866 chamou a guerra de açougue do Paraguai Por outro lado para evitar o alistamento forçado muitos senhores passavam a enviar seus cativos como forma de se livrar do castigo da guerra Nas reuniões do Conselho de Estado do ano de 1866 as opiniões se dividiam uns eram a favor e outros eram contra a presença de negros libertos nas fileiras do Exército Para os que defendiam tal expediente como o parlamentar Pimenta Bueno a liberação de escravos para o recrutamento e inclusive a não indenização de seus proprietários seria justa pois era preferível poupar a classe mais civilizada e mais moralizada e não a outra que é menos e que pode ser perigosa Entre males cumpre escolher os menores Já para Nabuco de Araújo o recurso seria problemático e o senador acrescentava só se os cativos depois de serem soldados voltassem à escravidão Segundo ele porém era de bom alvitre supor que os escravos comprados são libertos e por consequência cidadãos antes de serem soldados são cidadãossoldados disciplinados pelo seu hábito de obedecer9 Por sua vez o conselheiro José Maria da Silva Paranhos futuro visconde do Rio Branco alertava que um numeroso exército de libertos seria um elemento perigoso no teatro das operações e o seu alistamento poderia dentro do Império comover a população escrava agitada não só pelos seus próprios instintos mas ainda por instigação de agentes ocultos10 O próprio Caxias dizia que a introdução do elemento servil nas suas fileiras está produzindo já seus maléficos resultados por meio dos exemplos imorais e de todo contrários à disciplina e subordinação dados constantemente por homens que não compreendem o que é pátria sociedade e família11 Como se vê não existia unanimidade quando o tema chegava perto da abolição e da inclusão de negros na sociedade e nesse caso alegoricamente no Exército A mudança na coloração do Exército brasileiro também não passaria despercebida aos jornais paraguaios que começaram a chamar nossos soldados de los macaquitos O Cabichuí periódico diretamente ligado a López trazia uma série de charges representando um exército composto de macacos e também seus generais o imperador e a imperatriz caricaturados da mesma maneira ver imagem 76 Nesse meiotempo na corte procuravase nuançar o acirramento da guerra evitandose notícias pormenorizadas Mas a Sorte não parecia andar de bons bofes estamos no ano de 1867 e enquanto no Brasil um surto de cólera consumia a população o combate nas fronteiras começava a mostrar sua face mais sangrenta Com tantos dissabores o Estado imperial passou a ser responsabilizado pela continuidade da guerra e pela verdadeira obsessão que assolou o altocomando brasileiro de só dála por encerrada com a deposição de López Até Caxias defendeu o fim do conflito em 1868 quando o Império empreendeu suas maiores manobras Itororó Avaí Lomas Valentinas e Humaitá No entanto foi apenas no princípio de 1869 que as tropas brasileiras tomaram Assunção aliás sem encontrar mais resistência alguma Ocupada a capital Caxias deu a guerra por terminada mesmo sem a captura do chefe paraguaio Alegando doença o general abandonou o embate apesar da objeção do imperador Caxias chegou de volta da batalha e não foi acolhido com as festas que imaginava merecer Mesmo assim o Estado conferiu lhe o GrãoColar da Ordem de D Pedro I honraria que desde o início do Império nenhum outro brasileiro havia recebido e o título de duque Além de Caxias o general Osório retornaria da Guerra do Paraguai aclamado como um popular herói desse conflito Se Caxias gozava do prestígio de estrategista militar Osório foi então reconhecido como um ícone nacional de bravura São inúmeros os registros de época que descrevem em detalhes os atos protagonizados pelo militar Suas façanhas foram lembradas tanto por aliados quanto por paraguaios e fomentaram o mito criado entre as tropas Diziase que Osório tinha o corpo fechado e que depois dos combates sacudia o poncho para que as balas caíssem12 Mas mesmo sem Caxias e Osório a caça a López continuaria com novo expoente a partir de 22 de março de 1869 o conde DEu A despeito das súplicas da esposa Isabel que pretendia ver o marido seguro no Paço agora era o conde quem estava à frente de um exército de 26 mil homens cansados e loucos para desertar No dia 12 de agosto setecentos paraguaios foram mortos e 1100 homens aprisionados Em 16 de agosto outra batalha Campo Grande para os brasileiros Acosta Ñu para os paraguaios E mais baixas 2 mil paraguaios morreram e 2300 caíram prisioneiros A perseguição a López só teve fim em 1º de março de 1870 quando as tropas brasileiras o encurralaram em Cerro Corá e ele foi morto junto com seu filho adolescente A consequência para o lado paraguaio não foi apenas a deposição de seu dirigente máximo mas a destruição do próprio Estado nacional O número de baixas sofridas pelo país é até hoje objeto de discórdia e oscila entre 800 mil e 13 milhão Quanto às estatísticas brasileiras as discrepâncias já começam na relação de homens enviados variando de 100 mil a 140 mil Em 1870 o número de perdas divulgado pelo governo imperial foi de 23917 dessa maneira distribuídas 4332 mortos 18597 feridos 988 desaparecidos13 A guerra terminava com uma vitória abalada pelo número de mortes de ambos os lados e pela exposição da crueldade das batalhas A imagem do imperador também saía muito arranhada O antes pacífico monarca o mecenas das artes avesso à política transformouse no senhor da guerra A tríplice infâmia como passou a ser chamada a aliança errou em cheio em sua avaliação O confronto que se pretendia breve acabou durando cinco anos e assumindo proporções dantescas Terminada a guerra a situação do Império foi atingida não só fora como dentro do país Em primeiro lugar o combate consolidou uma instituição no cenário local o Exército Se em 1865 este possuía 18 mil homens um ano depois os números variavam entre 38 mil e 78 mil soldados Foi durante o conflito que se formou esse novo Exército separado da força de elite que era a Guarda Nacional Já com o fim da guerra os combatentes carregados de láureas a profissão de armas tornavase uma forma de ascensão social e ganhava uma representatividade social até ali desconhecida Criouse então uma elite dentro do Exército social e intelectualmente antagônica à elite civil insatisfeita com a situação do país e com sua própria posição na hierarquia de poder Ao mesmo tempo acostumados a conviver lado a lado com soldados negros os militares passaram a negarse a exercer a antiga função perseguir escravos fugidos Enfim o Exército acumulava descontentamentos com o Império Não por obra do acaso de suas fileiras logo sairiam simpatizantes da causa da República e da Abolição Por outro lado é preciso lembrar que não existem soldados escravos e o recurso logo se converteu em moeda de troca e fez com que muitos negros conseguissem negociar sua manumissão Segundo dados do jornal Times de 23 de junho de 1869 serviram no Exército brasileiro 7979 escravos libertos14 O tema do recrutamento militar e a questão espinhosa da abolição da escravidão tornavamse assim assuntos intrinsecamente vinculados e causas de uma das mais graves crises políticas do período Porém se Osório e Caxias foram transformados nos heróis da vez imortalizados em monumentos públicos e nos artigos de jornais já os negros combatentes ao retornarem ao Brasil mesmo alforriados encontraramse diante da dura realidade do regime escravista ainda vigente Anônimos muitos se viam reconduzidos ao cativeiro até porque no Brasil dessa época a liberdade de um negro era troféu difícil de guardar Tal paradoxo foi capturado por Angelo Agostini ele mesmo um abolicionista declarado na caricatura De volta do Paraguai publicada em 1870 ver imagem 7715 Na imagem aparece um soldado negro condecorado com honras militares sobre o peito e que ao retornar da guerra encontra sua mãe escrava sendo castigada no tronco Junto da imagem lemos a seguinte legenda Cheio de glória coberto de louros depois de ter derramado seu sangue em defesa da pátria e libertado um povo da escravidão o voluntário volta ao seu país natal para ver sua mãe amarrada a um tronco Horrível realidade O Brasil havia gastado mais de 600 mil contos de réis agravado uma situação de dependência financeira em relação à Inglaterra perdido muitos soldados em combate e posto um ponto final na representação de um Império pacífico Contudo as repercussões da guerra são paradoxais e incontroláveis Talvez pela primeira vez um sentido positivo de pátria tenha começado a se desenvolver em especial no início da guerra com os batalhões de voluntários e as primeiras vitórias A bandeira começou a ser hasteada de modo sistemático o imperador virou o líder da nação empenhado em conseguir apoio dos dois partidos e surgiram os heróis nacionais Caxias Osório Barroso ver imagem 78 Além disso os artistas Pedro Américo e Victor Meirelles iriam realizar uma espécie de pintura patriótica e elevatória tendo como tema as batalhas Victor Meirelles escolheu pintar a Batalha dos Guararapes para vincular a Guerra do Paraguai ao episódio de criação da pátria brasileira já Pedro Américo selecionou a sangrenta Batalha do Avaí e a apresentou como uma luta entre a civilização os brasileiros e a barbárie os paraguaios ver imagem 75 Ainda o músico norteamericano Louis Moreau Gottschalk compôs a fantasia em torno do Hino Nacional e fez um concerto gigantesco no Rio de Janeiro enquanto o poeta romântico Bernardo Guimarães compôs o O adeus do voluntário Internamente porém as feridas não cicatrizavam Terminada a guerra pouco espaço sobraria para os veteranos e como a maioria dos exsoldados também os negros e sobretudo eles permaneceriam marginalizados A liberdade era troféu difícil de ganhar quase impossível de manter16 A CAMPANHA ABOLICIONISTA A LIBERDADE HÁ DE SER GRADUAL Com o término da Guerra do Paraguai as campanhas em prol da República e da abolição da escravidão voltaram a se agitar No início da década de 1870 foram criados o Partido Republicano a Sociedade de Libertação no Rio de Janeiro e a Sociedade Emancipadora do Elemento Servil Além disso em 28 de setembro de 1871 foi aprovada a Lei do Ventre Livre que apesar de seu perfil tímido e da defesa de um modelo gradativo para o fim do sistema significava um passo importante nessa direção Mesmo assim em tempos de humores acirrados essa lei foi entendida apenas como uma manobra política para acalmar a oposição Afinal a medida libertava os escravos que nascessem após a data de sua promulgação mas não suas mães Por isso mesmo estabeleciase que os menores permaneceriam com as progenitoras até os oito anos quando o senhor optava por receber indenização do Estado no valor de 600 mil ou por utilizar os serviços do menor até os 21 anos Eram evidentes as vantagens dos senhores que além do mais tinham por prática alterar a idade na matrícula de nascimento dos cativos A despeito de tantos favorecimentos o projeto contou com a oposição dos donos de escravos que começavam a desconfiar de seu monarca Por sinal embora moderada a lei geraria todo tipo de reação Basta mencionar que a adesão das províncias do Norte à medida foi muito mais imediata que as do Sul indicando uma grande divisão de interesses O próprio censo de 1872 explicava tais posições o Norte contava com apenas 37 dos escravos contra 59 das quatro províncias cafeicultoras incluindo a corte e 73 das demais províncias do Sul e do CentroOeste17 Por conta das diferenças internas a coalizão dos proprietários do Nordeste teve o poder de irritar os cafeicultores do Sul do país e abalar a legitimidade do regime Como afirmara Joaquim Nabuco que ia se convertendo numa espécie de símbolo do movimento abolicionista estava aí expressa a noção de dialética da ambiguidade o Estado era o alicerce da escravidão mas era também o único que poderia derrubála Havia na lei outro detalhe que desgostou os grandes proprietários e os indispôs com a monarquia A medida reconheceu formalmente a existência de famílias escravas Organizaramse então listas de matrícula criadas a partir de um fundo de emancipação que separava famílias de indivíduos escravos As decorrências da lei de 1871 não foram nesse sentido desprezíveis uma vez que se invertiam antigos procedimentos se até ali os chamados homens livres de cor é que precisavam se fazer socialmente reconhecidos agora o ônus da prova ficava com o senhor que era obrigado a apresentar a matrícula do seu escravo Sem ela qualquer pessoa de cor era considerada juridicamente livre18 A reforma de 1871 também agitaria a ainda tímida discussão sobre direitos políticos Se os ventrelivres eram libertos poderiam também ser considerados cidadãos plenos a despeito de nos termos da lei terem que servir ao senhor de sua mãe até os 21 anos A questão permaneceria polêmica até depois da Lei Áurea de 1888 De toda maneira gradualismo tutela políticas de dependência e de controle fizeram parte dos anseios políticos do Estado sobretudo quando se tratava de legislar sobre libertos Além do mais difundiuse a noção de que o Estado e a sociedade tinham direito a uma indenização pela perda do trabalhador O fato é que a mentalidade vigente pretendia retardar o fim do domínio privado dos senhores É por isso que a lei ao introduzir o Estado como mediador das relações feria de frente os interesses das elites rurais ao mesmo tempo que abria espaço para a organização do primeiro movimento abolicionista nos tribunais de São Paulo e do Rio de Janeiro19 Mas a verdade é que a lei de 1871 também serviu para arrefecer o ambiente por algum tempo e a campanha abolicionista entrou em compasso de espera A ideia era antecipar para melhor controlar evitar uma guerra civil como ocorrera nos Estados Unidos ou uma rebelião generalizada de escravos a exemplo das revoltas no Haiti Era este aliás o motivo de retardar a medida até o findar da Guerra do Paraguai dispor das tropas no país Fazer pouco para evitar o pior era lema dessa elite de perfil conservador Mas o tema entraria na agenda para não mais sair A política de dissimulação chegaria também ao próprio monarca que encenava rituais enquanto pouco tocava nas questões cruciais da política imperial Renunciou na década de 1870 ao título de soberano porque a soberania era do povo depois de sua primeira viagem à Europa em 1871 abriu mão do costume português do beijamão assim como evitou títulos ou monumentos Os trajes reais seriam utilizados apenas nas datas solenes Aberturas do Congresso e Falas do Trono enquanto nas demais ocasiões d Pedro preferia apresentarse como um monarca moderno cercado de símbolos de erudição entre muitos livros globos pilares e penas de escrever No entanto apesar da nova imagem o imperador resistia ao debate político o certo é que embora se afirmasse contrário à escravidão jamais usou de seu poder no sentido de apressar a abolição PARTIDO REPUBLICANO FEDERALISMO SIM ABOLIÇÃO MELHOR NÃO MENCIONAR Outros focos de oposição tomavam forma surgindo entre eles e pela primeira vez grupos políticos relativamente afastados da realeza Em 3 de dezembro de 1870 foi publicado o jornal A República que trazia estampado o Manifesto republicano brasileiro o mesmo que daria base para a fundação de um novo partido em 17 de janeiro de 1872 Formado inicialmente por profissionais liberais ligados a setores urbanos nomeadamente paulistas o Partido Republicano organizou seu primeiro congresso em julho de 1873 quando foi reforçado por novos adeptos de fôlego fazendeiros paulistas que descontentes com o que consideravam ser uma política intervencionista do Estado passaram a engrossar as fileiras da oposição à monarquia Além do mais com o predomínio do café na região São Paulo ia se tornando a província mais rica da União sem a correspondente representação no Congresso Nas três últimas décadas do século a cafeicultura expandiuse decisivamente no Oeste Paulista suplantando a produção fluminense já nos anos 1880 A assimetria política era entretanto evidente Maior produtor de café São Paulo contava com número inexpressivo de senadores durante o período imperial três em 1859 equivalente à bancada do Pará e inferior à da Bahia Minas Gerais Pernambuco e Rio de Janeiro Mesmo em 1889 o grupo paulista na Câmara de Deputados era praticamente igual ao do Ceará e inferior à representação de Pernambuco Bahia Minas Rio de Janeiro sendo que o mesmo ocorria no Conselho de Estado e nos ministérios20 Assim se essa não era com certeza a primeira ocasião em que se formavam movimentos republicanos a alternativa começou a se revelar mais viável a partir de 1870 A cisão do Partido Liberal levou então à formação do Partido Republicano Paulista em 18 de abril de 1873 que se reuniu na hoje famosa Convenção de Itu O grupo criticava sobretudo o centralismo do trono e da administração e propunha uma reforma pacífica através da implementação de uma república federativa O manifesto de 1870 começava assim Centralização desmembramento descentralização unidade mostrando como a ideia de federação e sua união com um regime político definido como americano e para a América faziam parte da ementa inicial do partido21 Com a publicação do manifesto chegou uma série de adesões vindas de São Paulo Minas Gerais e Pernambuco Mas não foi em todas as províncias que houve entusiasmo imediato pela causa Na Bahia por exemplo famoso reduto monarquista o impacto foi pequeno Na Paraíba o partido inexistiu e no Ceará província pioneira na abolição da escravidão o Partido Republicano só foi fundado em 1887 Em São Paulo porém construiuse um partido forte contando o grupo com médicos engenheiros advogados jornalistas comerciantes e também com grande contingente de fazendeiros de café do Oeste Paulista que representaram 50 dos delegados presentes na famosa Convenção de 1873 a primeira convenção republicana do Brasil22 Não obstante a despeito de o surgimento dos partidos republicanos ser contemporâneo à campanha pela abolição os temas não eram coincidentes Republicanos evitavam tratar da questão e preferiam silenciar para garantir uma aliança com os fazendeiros do Oeste Paulista A atitude mostrouse aliás das mais oportunistas Afinal grande parte dos integrantes eram eles mesmos proprietários de escravos e preferiam aderir ao federalismo Além do mais preocupados com a manutenção da ordem os novos republicanos investiam no gradualismo e na indenização assim como se calaram com relação ao tema da abolição da escravidão de olho nos espectros da guerra civil E O MONARCA RESOLVE EM PLENA CRISE CONHECER O MUNDO O fato é que até o final da década de 1870 organizaramse três focos separados de oposição ao Império abolicionistas republicanos e o Exército Enquanto isso o monarca afastavase cada vez mais da política Data dessa época uma verdadeira voga de caricaturas ironizando sua inação Chamado de Pedro Banana e Pedro Caju o imperador passava a ser ridicularizado por conta do modo como encarava os negócios de Estado ou de suas indecisões cada vez mais públicas que lhe valeram a alcunha de o Emperrador Desde os anos 1850 a imprensa era livre no Brasil sendo o próprio soberano alvo constante de ataques Famosos eram os jornais ilustrados e três desenhistas de origem europeia tornaramse muito populares Angelo Agostini e Luigi Borgomainerio ambos italianos e que desenhavam respectivamente a Revista Ilustrada e Le Figaro e Rafael Bordalo Pinheiro amigo de Eça de Queirós recémchegado de Lisboa e dono de O Mosquito Contamse mais de vinte revistas do gênero e a mais conhecida era mesmo a Revista Ilustrada fundada em 1876 A mania de erudição do imperador suas pernas finas a voz estridente e o pouco interesse pela política davam pano para manga Também a imagem do velho monarca um mecenas de barbas longas e brancas teve na caricatura um grande alvo O imperador era caricaturado de maneira sonolenta nas sessões do IHGB ou quando assistia aos exames do Colégio D Pedro II e presidia o Congresso Também dormia ou era representado como um fantoche durante as Falas do Trono mais parecendo um portavoz alienado dos interesses dos chefes de gabinete Mas o tema que gerou os comentários mais ácidos foi a decisão tomada pelo imperador de conhecer o mundo As revistas impiedosas passaram a ridicularizar o que chamavam de motomania a doença de viagens do monarca Essa é a época de uma série de deslocamentos do soberano dentro e fora do Brasil Sobretudo as viagens para o Velho Mundo seriam longas nos anos de 1871 1876 e 1887 d Pedro praticamente esteve ausente do país O certo é que em 1871 bem no meio de uma grave crise política um imperador que parecia entediado com seu país se preparava para visitar um mundo que só conhecia a partir dos livros A saída de d Pedro geraria todo tipo de controvérsia partidária É interessante notar no entanto como apesar do caráter público das viagens foram sempre razões de ordem pessoal que alicerçaram justificativas oficiais Nesse primeiro caso o pretexto seria a morte da princesa Leopoldina de SaxeCoburgo filha de d Pedro II na França e que deixava filhos menores os quais restariam sob a tutela do avô Decretado luto oficial o imperador partiu em 25 de maio de 1871 para a Europa e o Oriente Médio E o soberano tomaria gosto Voltaria apenas em março de 1872 mas de tão animado com a experiência logo armou mais uma viagem Novamente o motivo oficial girou em torno de tema da esfera privada o frágil estado de saúde de Teresa Cristina que deixaria a comitiva logo no início dessa segunda viagem para ficar descansando nas águas de Gastein na Áustria Feita a primeira parada o imperador seguiu com sua larga comitiva formada por duzentas pessoas para uma longa excursão que incluía em doses equilibradas Estados Unidos Canadá um pouco de Ásia parte da África Europa Alemanha Dinamarca Suécia Noruega Rússia Turquia Grécia Áustria Bélgica Holanda Suíça e Portugal e especialmente seis longas semanas em Paris ver imagem 79 Mais uma vez d Pedro planejava fazer de sua travessia uma grande maratona o monarca que custara a deixar os trópicos parecia não ter nenhuma pressa em voltar Contudo mais do que a passagem pelo Oriente a segunda viagem de d Pedro ficou guardada na memória como aquela em que pela primeira vez um soberano pisava em solo norteamericano e republicano D Pedro inauguraria a Exposição Universal de Filadélfia ocasião em que também se comemorava o primeiro centenário da independência local Não por coincidência a chegada a Nova York em 1876 foi cercada de atenção e como o imperador gostava de dizer a coroa não faria feio afinal tratava se do único soberano das Américas23 Sempre com sua jaqueta preta e retirando o título honorífico de dom de sua assinatura o monarca da casaca conforme ironizava Eça de Queirós cumpriria pesada agenda Dela faziam parte encontros com intelectuais a inspeção a pavilhões da feira a visita a indústrias estradas museus e instituições de pesquisa Nas conversas que entabulou com Graham Bell que teria lhe dado a primazia de experimentar seu novo invento o telefone nas visitas aos monumentos históricos o rei tentava recompor sua imagem esclarecida e liberal Talvez o episódio mais reproduzido dessa viagem seja aquele em que d Pedro no Velho Mundo encontrou Victor Hugo símbolo e arauto da República Já em Paris o monarca pediu ao intelectual que viesse visitálo e como Hugo se recusou foi d Pedro quem dando um tapa no protocolo dirigiuse à casa do ilustre francês Contase que lá se deu um encontro que embaralha as fronteiras entre mito e história Ao ser introduzido pela filha do escritor como a Majestade do Brasil d Pedro reagiu Minha filha aqui existe apenas uma majestade Victor Hugo Após a conversa trocaramse fotografias e o monarca saiu com seu grande troféu uma forte provocação para os republicanos brasileiros mas que duraria pouco Afinal era hora de retornar e o ambiente da volta era muito distinto do da partida ESCÂNDALOS À VISTA Dizem que a eficácia de um governante está muito ligada à sua capacidade de sair ileso e de ficar distante de qualquer escândalo E não por obra do acaso foi que na década de 1870 uma política deliberada de denúncias acerca dos gastos extremados da Coroa tomou lugar na imprensa Enumeravamse despesas verificavamse as finanças do país e se cobrava transparência nas prestações de contas do Estado Real Tal qual sinaleiro de má fumaça uma grande polêmica estourou nos jornais cariocas em 1873 a respeito da conta paga por Pedro II quando se hospedou no Hotel do Porto em Portugal no ano anterior A nova postura pública oscilava agora entre preservar a figura do monarca e colocar em debate suas ações como cidadão As posições se dividiram entre aqueles que preferiam o ocultamento e outros que advogavam o viés constitucional da liberdade de imprensa Contra ou a favor evidenciouse uma rachadura na imagem pública do monarca Mas o maior escândalo político da época ficou conhecido como o roubo das joias da Coroa O episódio em si não merece grande atenção Já sua repercussão é indício forte de como as dúvidas em torno da monarquia eram maiores do que as certezas Na noite de 17 para 18 de março de 1882 desapareceram do interior do Paço de São Cristóvão joias raras da imperatriz O chefe de polícia desembargador Trigo de Loureiro logo apurou que o responsável pelo furto seria uma pessoa da intimidade do palácio Manuel Paiva e seu irmão Pedro de Paiva velho servidor do Paço logo viraram os principais suspeitos do crime o qual segundo a imprensa local estaria sendo acobertado pelo próprio imperador Presos os dois larápios apesar de confessarem seu crime jamais foram processados As joias consideradas uma fortuna foram encontradas na casa de Manuel Paiva enterradas em latas de manteiga e mesmo assim os culpados foram soltos sem punição24 A reação foi de indignação o exemplo é do Jornal do Commercio de 29 de março de 1873 A restituição da propriedade pode satisfazer o espoliado mas não as exigências da moral da sociedade A boataria rolou solta com vários jornais dando cobertura ao episódio Raul Pompeia em A Gazetinha acusava o imperador de ter violentado a filha de Paiva e de têlo soltado por medo de retaliação A Gazeta da Tarde sob o título A ponte do Catete redigiu ataques duros à fraqueza do imperador enquanto a Revista Ilustrada com muito humor cobrava o cumprimento da justiça O escândalo teve tal repercussão que as agências telegráficas transmitiram a notícia para o estrangeiro Era evidente como se demolia sistematicamente a figura pública do imperador cuja popularidade caía precipício abaixo D Pedro tentava acobertar tudo porém sua famosa política de dissimulação já não encontrava muita sustentação Afinal o soberano sempre teve amantes mas só então se falou publicamente de sua infidelidade A corte sempre dispôs de um orçamento folgado para a realização de seus rituais no entanto apenas nesse momento alguém se lembrou de fazer as contas Gilberto Freyre anos depois arriscou interpretar a troca da coroa pela cartola como uma situação em que a realeza punha em perigo sua própria existência Chamando d Pedro de imperador cinzento de uma terra de sol tropical Freyre enxerga incompatibilidade entre as expectativas do povo e a nova figuração do imperador25 Parece que ao se voltar para a Europa ele se afastava do imaginário local e se transformava num monarca dos outros No Carnaval de 1883 um dos carros alegóricos apresentava o imperador só num quarto sob o dístico Roubaramlhe tudo Outro ironizava o interesse do monarca pela passagem do planeta Vênus numa alusão ao seu gosto pela astronomia Melhor mesmo era a charge de Agostini De tanto olhar para o céu nosso Imperador vai perder o caminho da terra A MONARQUIA TROPEÇA E CAI A entrada nos anos 1880 encontrou a monarquia cercada por desafios de todo tipo Em 1880 foi fundada a Sociedade Brasileira contra a Escravidão e em 1883 a Confederação Abolicionista Também nesse ano foi publicado postumamente do poeta romântico Castro Alves Os escravos e Joaquim Nabuco lançou O abolicionismo duas obras que não só tinham como autores líderes do movimento de emancipação como se tornaram na literatura e na ciência política livros de referência sobre a questão Os tempos mudavam e pediam novos intérpretes e poetas para corrigir injustiças e desacertos Com o desejo de transformar o mundo Castro Alves criou uma poesia capaz de chegar nas nuvens do chorar da humanidade e de ser o arauto da liberdade Seu verso era filho da tempestade e irmão do raio ele compunha para ser recitado diante da multidão em praça pública e criava poesia para ir direto à alma do ouvinte e comovêlo Acima de tudo sua obra foi inimiga da escravidão e a esse combate Castro Alves dedicou boa parte da vida26 O fato é que sociedades abolicionistas pipocavam pelo país Em 1884 a escravidão foi extinta oficialmente no Ceará e no Amazonas e em 28 de setembro de 1885 foi promulgada a Lei SaraivaCotegipe que dava liberdade aos escravos de mais de sessenta anos apesar de garantir seus trabalhos ainda por três anos O caráter conservador da medida era tão nítido que as reações não se fizeram esperar Afinal da época da Lei do Ventre Livre à Lei dos Sexagenários a origem e a distribuição de escravos no país tinham se alterado radicalmente Segundo o Relatório de 1886 desde 1873 contabilizandose manumissões e mortes o número de escravos sofrera uma redução de 412468 As estimativas para 1886 apontavam para uma população escrava de 1133228 e as matrículas de 1887 revelavam a existência de 723419 cativos Além da redução a distribuição desigual aceleravase não só os cativos eram deslocados do Norte para o Sul como as libertações eram muito mais evidentes na região setentrional O ano de 1885 traria mais uma surpresa ruim para a já complicada agenda do Segundo Reinado um novo surto de cólera dizimou parte significativa da população da corte e ajudou a acirrar ainda mais os ânimos Mesmo assim o imperador que fizera um empréstimo de 50 mil libras à casa bancária Knowler Foster de Londres mantevese firme em sua intenção de voltar à Europa embarcando no dia 30 de junho de 1887 A terceira partida imperial foi cercada por um mar de controvérsias Alguns jornais alegavam que d Pedro II fugia das questões políticas que assolavam o país Outros que o monarca sofria de inequívoca decadência física A bem da verdade com apenas 62 anos de idade d Pedro parecia um velho consumido marcado por rugas profundas um olhar perdido e uma imensa barba branca O navio Gironde que fora apelidado de Esquife da Monarquia levava uma pequena comitiva o príncipe Pedro Augusto neto do imperador os condes de Carapebus o médico e conde Mota Maia o dr visconde de Saboia José Maria da Silva Paranhos e os dois monarcas com expressões cansadas O soberano adoecera em 1887 e também em inícios de 1888 Comentavase que se a primeira viagem fora motivada pelo desejo de conhecer o mundo e a segunda pela doença da imperatriz a terceira encobria a fraqueza do próprio Pedro II O périplo duraria alguns meses e foi novamente a princesa Isabel quem ficou no lugar do pai ao lado do marido figura cada vez mais impopular Corriam muitos boatos sobre a avareza do conde DEu e acerca dos negócios espúrios que realizava como dono de casas de pensão Jornais como o Diário de 3 de agosto de 1889 chamavam o genro de d Pedro de o corticeiro o agiota sem berço revelando as preocupações que rondavam a sucessão e um possível Terceiro Reinado Mas se a boataria navegava no país a viagem corria tranquila O imperador aportou em Portugal em 19 de julho e já no dia 22 estava em Paris Era porém outro d Pedro que voltava à Europa Tudo havia mudado e sua era romântica representada por personagens como Gobineau Victor Hugo e Wagner parecia morta Mas rei que é rei não perde a realeza e Pedro II tentaria reavivar a mística de monarcamecenas visitou intelectuais como Pasteur e Renan fez versos e traduções e os enviou a amigos e parentes Foram seis meses de repouso pouco para a agitação que lhe aguardava FINALMENTE A ABOLIÇÃO Em 10 de junho de 1887 a condessa de Barral escrevera a Isabel Não lhe dou parabéns da Regência que vai ter de exercer mas fiada no seu juízo e nos bons conselhos de seu marido espero em Deus que tudo ande bem durante essa ausência27 Numa carta quase premonitória Barral a preceptora da princesa e amiga íntima de Pedro II talvez inspirada pela própria situação francesa temia pelo governo de sua protegida Politicamente a situação se complicava com o avanço do Partido Republicano e as querelas com o Exército mas era sobretudo a pressão pelo fim da escravidão que captava o grosso das atenções A partir da década de 1880 e dividido em duas grandes correntes moderados cujo ideólogo era Joaquim Nabuco e radicais entre os quais se destacavam nomes como Silva Jardim Luís Gama o conhecido rábula negro morto em 1882 José do Patrocínio e Antônio Bento o abolicionismo tomava novamente as ruas e os jornais Jornal do Commercio A Onda A Abolição Oitenta e Nove A Redenção A Vida Semanária Vila da Redenção A Liberdade O Alliot A Gazeta da Tarde A Terra da Redenção O Amigo do Escravo A Luta O Federalista bem como dezenas de panfletos e pasquins Nessa época não era incomum assistir a procissões participar de rituais cerimônias emocionais nos teatros da corte ou de manifestações pelo fim da escravidão que perdia em eficácia e aceitação28 Por mais que o governo tentasse recorrer a táticas reformistas como a promulgação da Lei dos Sexagenários o resultado começava a ser o oposto E os ataques vinham de todo lado isso sem falar das rebeliões escravas que estouravam nos quatro cantos do país Medo era uma palavra e um sentimento que se socializava Medo da reescravização medo da violência que virava moeda corrente no contexto E não só os escravizados se amotinavam como o sistema se tornava ainda mais violento nos seus estertores Os senhores prevendo o fim do regime e tendo boa parte de seu capital imobilizado em escravos passavam a exigir uma jornada ainda mais carregada de trabalho As consequências foram fugas constantes ataques e assassinatos de fazendeiros e feitores protestos de forros e populares movimento paralelo digase de passagem ao aumento do recurso aos castigos e sevícias Conscientes de que a escravidão perdia a legitimidade e o consenso grupos de escravos ganhavam em ousadia e articulação revoltandose fugindo cometendo crimes clamando por melhorias em suas condições de vida e por autonomia29 Em todas as regiões de concentração de escravos a rebeldia tomou proporções assustadoras Para conter o pânico a política atuou ao lado dos senhores prendendo escravos considerados indisciplinados descaracterizando denúncias de maustratos e reprimindo atos de abolicionistas Mas a indisciplina tornava se coletiva e os crimes cada vez mais violentos rompendose assim um dos tabus de uma sociedade escravista o monopólio do castigo corporal e da violência por parte dos brancos30 A dificuldade em manter as atividades de repressão dentro do estrito cumprimento da lei acenava para uma situação de desgoverno Escravizados revoltavam se fugiam na calada da noite retiravamse em bandos das fazendas de café muitas vezes liderados por agentes abolicionistas Não era raro ver grupos de cativos transitando pelas estradas e invadindo cidades Nas últimas décadas do século XIX e com o apoio de abolicionistas multiplicaramse refúgios de escravos em torno da área urbana do Rio de Janeiro o quilombo Camorim na zona rural de Jacarepaguá o quilombo Raimundo no Engenho Novo o quilombo Miguel Dias no Catumbi o quilombo Padre Ricardo na Penha o quilombo Clapp na praia de São Domingos já nos arrabaldes da cidade de Niterói Havia ainda outra rota de fuga para longe das fazendas de café que seguia pela porção paulista do Vale do Paraíba e terminava no famoso complexo Jabaquara instalado em área vizinha à cidade portuária de Santos No final do XIX essa área integrava pelo menos três quilombos com lideranças próprias o quilombo de Pai Filipe o quilombo do Garrafão e o Jabaquara propriamente dito31 Para o complexo do Jabaquara seguiam fugitivos das fazendas paulistas recebendo apoio dos lendários caifases nome que fazia alusão ao sacerdote que anunciou ser Jesus o redentor do povo judeu Chefiados pelo advogado Antônio Bento de Sousa e Castro que com a morte do poeta Luís Gama virara uma liderança abolicionista em São Paulo os caifases desafiavam a fúria dos senhores A partir de 1884 o grupo encaminhou o maior número possível de escravos para o Ceará província marginal ao centro de interesses do Império com pequeno contingente de cativos por onde a campanha abolicionista avançou rapidamente e onde a abolição ocorreu quatro anos antes do que no resto do país à semelhança da província do Amazonas32 Outro quilombo o do Leblon no Rio de Janeiro embora bem menor que o de Jabaquara também fez história O quilombo nasceu na chácara de seu idealizador o português José de Seixas Magalhães um comerciante esperto com dinheiro no bolso e ideias avançadas Seu negócio era o fabrico e o comércio de artigos de couro inclusive para exportação com uso de maquinário a vapor A casa comercial Seixas e Cia funcionava num amplo armazém na rua Gonçalves Dias no coração elegante da cidade e era ponto para encontro e prosa de abolicionistas proeminentes o poeta Olavo Bilac o jornalista José do Patrocínio o jurista Rui Barbosa o escritor Coelho Neto e alguns intelectuais de renome como André Rebouças Paula Nei e Joaquim Nabuco quase todos favoráveis a um projeto de abolição imediata e sem indenização33 Seixas Magalhães por sua vez era membro ativo da Confederação Abolicionista Criada no Rio de Janeiro por dois abolicionistas notáveis José do Patrocínio e André Rebouças a Confederação reunia cerca de trinta clubes e associações antiescravistas em praticamente todas as províncias do Império e tinha agenda cheia aliciou escravos acoitou fugitivos produziu panfletos organizou conferências Ela também esteve a postos para apoiar os fugitivos do Leblon e contribuiu com as condições para a proteção organização e manutenção do refúgio de escravos que Seixas instalou em sua chácara O quilombo do Leblon tornouse famoso graças a uma particularidade os escravos lá refugiados se dedicavam ao cultivo e ao comércio de flores mais especificamente a produção de camélias brancas A associação da flor com a Abolição foi uma bela jogada de propaganda executada pelo movimento abolicionista A camélia era uma flor ainda muito rara no Brasil e diziam os abolicionistas em sua fragilidade assemelhavase à liberdade que os escravos ambicionavam conquistar necessitava de cuidados e abrigo especial além do manejo de técnicas complexas de cultivo que dependiam é claro do trabalhador livre e não da mão de obra escrava condenada a desaparecer por criminosa e obsoleta O simbolismo delicado das flores foi parar no centro da vida pública do Império Portar uma camélia na botoeira do paletó ou cultivála no jardim de casa era gesto político significava declarar princípios e indicava disposição para ação Usar flor era declaração de adesão à causa da Abolição e sinal de apoio e proteção para cativos fugidos A moda logo pegou em São Paulo os caifases cada dia mais ousados embarcavam os fugitivos das fazendas de café para a corte com a orientação de aguardarem que alguém usando uma camélia branca na lapela os viesse buscar na plataforma de desembarque da Estação Central Os abolicionistas do Recife evocavam igualmente o simbolismo da flor e trataram de batizar de Camélia uma barcaça que levava escravos para o Ceará O peso da legitimidade popular à causa abolicionista crescia e pela primeira vez na história do país esse peso materializava uma estratégia de luta política para o cativo dentro da sociedade do Império34 Nesse momento tornavamse mais fortes também outros tipos de solidariedade escrava cimentados por laços de parentesco casamento apadrinhamento ou expressos nas irmandades negras que igualmente proliferavam no contexto E como as autoridades perdiam a olhos vistos instrumentos para conter a onda de insubmissão a saída era recorrer a toda sorte de negociação Contratos entre senhores e libertos promessas de salário e autonomia apostas no futuro Tudo se convertia em filosofia e prática de gradualismo na esperança de retardar o inevitável ver imagens 801 Para o Estado ia ficando evidente que era preciso se antecipar até porque a abolição já se realizava à revelia dos governantes por iniciativas particulares e dos próprios escravos Por fim novos heróis associados à causa surgiam dentre eles José do Patrocínio filho de mãe escrava republicano e democrata arengando plateias populares com discursos incendiários O fato é que conviviam modalidades muitas vezes concomitantes de luta abolicionista a ação dos próprios escravos a movimentação dos abolicionistas e a batalha política em nível nacional O abolicionismo se convertia portanto em outra grande causa forjando o sentimento e a imaginação dos brasileiros Andava pois difícil contemporizar Talvez por isso redigido de modo simples o texto da Lei Áurea saiu curto e direto É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil Revogamse as disposições em contrário O Treze de Maio redimiu 700 mil escravos que representavam a essas alturas um número pequeno no total da população geral estimada em 15 milhões de pessoas Mesmo assim a penada da princesa não foi simples manipulação política e de fato oficializou e acabou por encerrar o final desse sistema ao menos nas bases mercantis que insistia em perseverar no Brasil A libertação tardara demais e representou o rompimento do último laço forte da monarquia os cafeicultores perderam a esperança de ver seus bens ressarcidos e divorciaramse de maneira litigiosa de seu antigo aliado Comemorada no estrangeiro como uma vitória do governo imperial a Lei de 13 de maio foi recebida no Brasil após a explosão inicial de júbilo com muita expectativa e se constituiu no ato mais popular do Império Joaquim Nabuco nessa época chamado de Príncipe da Abolição escreveu em 23 de maio de 1888 Está feita a abolição Ninguém podia esperar tão cedo tão grande fato e também nunca um fato nacional foi comemorado tanto entre nós Há vinte dias vive esta cidade um delírio A monarquia está mais popular do que nunca35 Estava e não estava certo o famoso parlamentar De um lado há quem diga que a ausência de d Pedro do país fora proposital e que ele pretendia dar a Isabel a autoria do ato popular e pavimentar sua passagem segura para o Terceiro Reinado no Brasil E a imagem pública de Isabel seria mesmo muito valorizada com a lei sendo ela lembrada como a redentora dos negros A própria maneira como a abolição foi apresentada oficialmente como um presente e não como uma conquista levou a uma percepção equivocada de todo esse processo marcado pelo envolvimento decisivo dos próprios escravizados na luta A estratégia política implicava divulgar que eles haviam sido contemplados com a lei recebido uma dádiva e mais precisavam mostrar apenas gratidão pelo presente assim como ampliar e consolidar antigas redes de dependência Mais uma vez a mesma perspectiva que priorizava o ressarcimento e uma liberdade apenas gradual e progressiva se inscrevia na recepção e na interpretação da nova lei que buscava entre outros reconfigurar antigas estruturas de servidão processos complexos de troca de favores e de formas de submissão No entanto a lei teria outras consequências Mais do que as perdas materiais a Abolição levou ao desprestígio de uma minoria muito ativa e extremamente ligada ao Trono que rapidamente se bandearia para o lado dos republicanos Por mais que a monarquia tenha recompensado os proprietários rurais que se sentiam lesados com títulos de baronato a falta de indenização selara o rompimento com o Estado Além disso o receio de um Terceiro Reinado nas mãos de Isabel crescia na mesma proporção que as intrigas em torno da figura do conde DEu apresentado como um francês um estrangeiro e comparado à austríaca Maria Antonieta nunca perdoada pelos franceses36 Dessa forma apesar de a versão oficial atribuir a Isabel o título de A Redemptora e do clima de euforia que os órgãos oficiais procuravam capitalizar com a emissão de moedas festivas e condecorações esse pareceu ser o último ato do teatro da monarquia Em Milão passados dez dias da promulgação da Abolição o imperador tomou conhecimento da nova situação Depois de a saúde do monarca ter sido considerada satisfatória a imperatriz resolveu ler o telegrama enviado pela princesa Isabel no próprio dia 13 de maio Boa parte das biografias destaca a resposta serena do monarca que teria apenas dito Graças a Deus o que mais parece uma peça de propaganda política do que um comentário daquele que durante pelo menos cinquenta anos teria evitado terminar com a escravidão E começava então o regresso de d Pedro a um Brasil diferente após praticamente quatro séculos um país sem escravos Contudo em que pesem os maus presságios a recepção do imperador contrariou as suspeitas iniciais No alto do Pão de Açúcar uma enorme bandeira com a palavra Salve parecia redimir receios Agora era o imperador que inspirava cuidados se ele já partira com uma imagem fragilizada voltava enfermo Mais do que isso a representação da realeza estava doente Apesar das simpatias que ainda angariava o monarca era agora apenas um fantasma de si próprio um fantasma da realeza A REPÚBLICA NÃO PODE MAIS ESPERAR O ano de 1889 parecia começar bem Em 28 de fevereiro Levasseur comunicou que dera o último retoque no extenso ensaio que seria publicado na Grande Encyclopédie sobre o Império O texto que originalmente possuía quinze páginas com a ajuda de Rio Branco passou a ter 51 O espaço que o Brasil ganhou na publicação era digno de nota só perdia para a Alemanha Também nesse ano saiu a biografia de d Pedro II feita pelo grande rabino de Avignon Benjamim Mossé Escrita em tom laudatório a obra era antes uma homenagem ao imperador e segundo suspeitas gerais teria sido mesmo redigida por Rio Branco O Brasil também participaria da Exposição Universal de Paris de 1889 O país esmerouse na construção de um pavilhão grandioso com um estilo híbrido dos palácios de fantasia Contava com uma torre majestosa de quarenta metros e uma cúpula envidraçada chamativa Num quiosque vendiase café a dez cêntimos a xícara Enormes telas do pintor acadêmico e negro Estevão da Silva apresentando frutas tropicais enfeitavam as salas mais vazias Seis estátuas colossais representavam os rios do Brasil e numa enorme bacia flutuava uma típica vitóriarégia37 Para fora tudo ia portanto muito bem No entanto o cenário interno era bem diferente ao mesmo tempo que o Império foi à França homenagear a Revolução a campanha republicana ganhou força no Brasil tomando como pretexto as mesmas comemorações do centenário da República Francesa A cada dia as posições se radicalizavam No governo liberal de Ouro Preto foi criada a Guarda Negra espécie de força paralela ao Exército para proteger a monarquia Essa guarda nascera de uma ideia de José do Patrocínio para quem a lealdade à abolição era mais importante do que os sistemas políticos incluindose a República Embora uma das primeiras preocupações de seu idealizador fosse evitar o enfrentamento direto devido à especificidade da situação e da composição da Guarda os detratores diziam que era formada pela ralé carioca os embates não se fizeram esperar A situação era de fato paradoxal Os exescravizados guardavam lealdade à monarquia e opunhamse aos republicanos chamados de os paulistas como se estes últimos fossem os verdadeiros algozes Mais ainda numa época de incertezas e de possíveis reescravizações os líderes da Guarda mostravam que seria melhor ficar com o certo do que apostar no incerto na visão da época era apenas a monarquia que garantira a abolição e a esse regime se pedia lealdade E não paravam de surgir boatos acerca da Guarda Negra Rui Barbosa por exemplo tratou de definila como um troço de maltrapilhos entoando vivas à monarquia e ao partido liberal uma capoeiragem autorizada Num ambiente já suficientemente polarizado no dia 15 de junho quando a família imperial saía do Teatro SantAna depois de assistir ao concerto de Giulietta Dionesi ouviuse do meio da multidão um súbito Viva a República O imperador pareceu não se perturbar e pediu ao delegado que deixasse aquela gente sossegada Cada um fizesse o que quisesse38 Poucos minutos mais tarde porém quando o monarca já se encontrava em sua carruagem um tiro foi disparado em sua direção A polícia prendeu o culpado Adriano do Vale um imigrante português de vinte anos recémdespedido da casa comercial em que trabalhava No dia seguinte uma série de almanaques trazia a imagem do regicida e dramatizava o atentado Na verdade se o episódio não oferecia riscos maiores o fato transformavase em evento quando a ele se atribuíam novos significados No interior desse ano tão tenso o atentado servia como símbolo da fragilidade do regime para alguns amostra dos desafetos para outros E a reação veio logo o chefe de polícia da corte José Basson de Miranda Osório ameaçava processar pelo artigo 90 do Código Criminal os indivíduos que nas praças ruas ou outros lugares dessem vivas à República ou morras à Monarquia Enquanto isso o réu permanecia num cubículo da ilha das Cobras esperando pela decisão do júri39 A partir do segundo semestre a cada dia um novo acontecimento insistia em desmentir a normalidade Em 15 de outubro por exemplo data das bodas de prata da princesa Isabel a Guarda Negra ganhou as ruas do Rio de Janeiro com pelo menos 1500 homens Os jornais também não davam trégua comentando de forma exaltada ora a onda de anarquia ora a intenção de d Pedro de abdicar em favor de Isabel Nesse ínterim o Exército que havia fundado o Clube Militar da corte começou a se manifestar exigindo posição mais representativa no cenário nacional Em 6 de junho de 1888 já caíra o ministério de João Alfredo tendo este sido substituído pelo visconde de Ouro Preto cuja plataforma de governo visava evitar a ascensão da alternativa republicana Propunha o político a liberdade de culto maior autonomia dos municípios e províncias liberdade de ensino reforma do Conselho de Estado e redução de direitos de exportação O programa dividiu os cidadãos para alguns muito radical para outros excessivamente tímido Os conservadores que tinham a maioria na Câmara rejeitaram o programa e Ouro Preto determinou a dissolução desta Entretanto mais do que lembrar a viciosa disputa entre os partidos brasileiros o episódio começava a anunciar o fim da estrutura monárquica centralizada e a crise parecia agora até mesmo corporativa O fato é que a ideia do fim do regime monárquico passava a ser abertamente discutida assim como a opção pela República Mas o medo maior era o descontrole e não por acaso o Partido Republicano Paulista começou a frequentar os quartéis arquitetando uma contrarrevolução preventiva que visava garantir as estruturas sociais40 E o estopim simbólico ocorreu no dia 9 de novembro de 1889 Era hora de d Pedro II descer da calma Petrópolis e inaugurar no Caju o Hospital São Sebastião O monarca presidiria ainda o Conselho de Ministros e à noite iria ao baile que o governo oferecia à Marinha do Chile o Baile da Ilha Fiscal Muito se falou a respeito desse evento que ficou conhecido como o episódio final da monarquia Discorreuse sobre as orgias sobre a ostentação e o luxo incompatíveis com a situação política ou acerca dos rumores de que as Forças Armadas teriam sido intencionalmente excluídas da lista de convidados Recorda Machado de Assis em Esaú e Jacó Dentro e fora do mar e de terra era como um sonho veneziano toda aquela sociedade viveu algumas horas suntuosas novas para uns saudosas para outros O salão oblongo decorado com as bandeiras dos dois países estava preparado para as danças porém da família real só Pedro Augusto valsou Já Suas Majestades Imperiais o conde DEu e a princesa Isabel retiraramse cedo à uma da madrugada avant le souper monstre em que Ouro Preto saudou o Chile E o luxo tinha lá suas razões O baile na ilha contígua à corte se transformara num grande palco especialmente montado para representar a grandeza da monarquia Tratavase do primeiro baile oficialmente promovido pelo Império e para tanto foram distribuídos 3 mil convites enquanto o Palácio da Ilha Fiscal era maquiado com seu salão iluminado por milhares de velas Suspensos momentaneamente os conflitos reuniamse num mesmo salão liberais e conservadores a corte e seus barões e até mesmo o primeirotenente da Marinha José Augusto Vinhais que teria um importante papel alguns dias depois no golpe que selaria a sorte do Império O povo mais uma vez apartado das grandes celebrações foi premiado com fandangos e lundus No largo da Praça bem em frente à Ilha Fiscal uma banda da polícia com farda de gala responsabilizavase por essa parte da diversão41 E não faltaram as anedotas Ao desembarcar fraco das pernas e amparado por seu incansável médico Mota Maia o imperador teria dado um leve tropeço Sem perder a altivez gracejou A monarquia escorrega mas não cai Mal sabia o monarca que faltava pouco Enquanto isso os militares encontravamse em seu clube para começar a confabular Na agenda apertada do golpe os dias passavam rápido e já no dia 10 Deodoro da Fonseca Benjamin Constant Sólon Ribeiro Rui Barbosa e os chefes republicanos Quintino Bocaiúva Francisco Glicério e Aristides Lobo se reuniam na casa do próprio general Deodoro precisava ainda ser convencido e insistia dizendo que preferia esperar pela morte do imperador Para animar o velho militar sobravam boatos e denúncias intrigando o Exército e a realeza Faltavam apenas quatro dias para o fim da monarquia no Brasil Nesse meiotempo as conspirações corriam soltas e a monarquia ficava cada vez mais isolada De um lado desde 1874 existia um abismo político entre a Igreja e o Estado O estopim teria sido a prisão de dois bispos d Vital e d Macedo Costa que haviam procurado restringir as atividades da maçonaria no Brasil Mas a razão de fundo era mais profunda e estava ligada a uma disputa acerca da hegemonia e autonomia na condução dos negócios e nas decisões do Estado Pelo sim pelo não a resposta do governo tinha sido dura e a anistia aos prelados em setembro de 1875 não fora suficiente para apaziguar a situação Partiam porém do Exército as manifestações de maior descontentamento Em suas fileiras estavam os principais defensores do positivismo e se difundia a ideia da República Desde o fim da Guerra do Paraguai os líderes militares protestavam contra a proibição de que oficiais se manifestassem através da imprensa sobre assuntos políticos A situação já vinha nervosa desde 1884 quando setores do Exército teceram elogios ao líder do movimento dos jangadeiros Francisco do Nascimento o Dragão do Mar que se recusava a transportar para os navios negreiros os escravos vendidos aos cafeicultores e proprietários de terras do Sul do país Mantendo coerência em 1886 o marechal Deodoro da Fonseca negouse a punir oficiais considerados insubmissos e foi demitido do cargo Deodoro chegou ao Rio em janeiro de 1887 e foi recebido com festa em vez de repúdio pelos alunos da Escola Militar Com a pressão paulista e a liderança de setores descontentes do Exército o movimento em favor da República se alastrou e os acontecimentos se precipitaram O marechal Deodoro após uma forte boataria que asseverava a prisão do major Sólon acabou entrando a cavalo no quartelgeneral e apesar do lapso de dar vivas a Sua Majestade o Imperador à família Imperial e ao Exército foi em frente obrigou Ouro Preto a se demitir declarando que levaria pessoalmente a formação do novo governo ao imperador Essa passagem é objeto de controvérsia Ao que tudo indica Deodoro e Constant encontravamse no quartelgeneral do Exército e lideraram um contingente rebelde de cerca de mil homens que logo aglutinou a Marinha Contudo o clima era ainda incerto e pelo visto a República não se proclamou abertamente nem deu Deodoro um grito homólogo ao também suspeito grito do Ipiranga ver imagem 82 Deixando um pouco de lado os detalhes o que se sabe é que entre a demissão de Ouro Preto e a Proclamação da República houve um hiato O imperador ficara esperando no Paço uma visita de Deodoro a qual jamais ocorreria pois ao que parece o marechal evitava encarar o velho monarca O tom titubeante da movimentação era notável mas o anúncio oficial da República foi feito finalmente na Câmara Municipal do Rio de Janeiro e por José do Patrocínio na época o vereador mais jovem da Câmara No dia seguinte a primeira edição do Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil estampou a proclamação do Governo Provisório anunciando a extinção da monarquia Faltava porém avisar o imperador O constrangimento era tal que em lugar de mandarem uma delegação de altas patentes ou de políticos tradicionais e diplomatas estrangeiros enviaram oficiais subalternos para comunicar às três horas da manhã do dia 16 de novembro o banimento da família imperial Ainda em Petrópolis antes de descer à corte ao ouvir a imperatriz repetir que tudo estava perdido o monarca teria dito Qual senhora chegando lá isso acaba42 Mas a confiança de d Pedro seria logo abalada No comunicado o Governo Provisório dava o prazo de 24 horas para que a família real deixasse o Brasil Na resposta oficial o imperador mais uma vez aderiria ao seu teatro Parafraseando Napoleão que teria dito Abandono este país que tanto amei o nosso rei tropical perpetuaria uma frase de igual efeito que terminava com a afirmação este país que me é tanto afeiçoado43 A partida foi fixada por d Pedro para as duas horas da tarde do dia 17 após a missa das onze na igreja do Carmo No entanto o fantasma da monarquia parecia tão vivo que o Governo Provisório temeroso das manifestações favoráveis ao imperador e do choque com estudantes republicanos comunicou que a partida deveria ser imediata O monarca e sua família embarcaram então no meio da madrugada e foi nesse momento que ocorreu o único diálogo tenso Dizem que o imperador teria perguntado se Deodoro estava no meio disso e ao ouvir a resposta positiva afirmou Não sou negro fugido Não embarco nesta hora e ainda blasfemou Os senhores são uns doidos No mesmo sábado o Governo Provisório publicava a seguinte nota Concidadãos o povo o Exército e a Armada Nacional em perfeita comunhão de sentimentos com os nossos concidadãos residentes nas províncias acabam de decretar a deposição da dinastia imperial Os termos começavam a mudar bem como anunciavam novos tempos Assim circundado por alguns exilados e outros autoexilados partiu o Parnaíba selando o fim da monarquia Já a República que ficava estava longe de parecer consolidada O projeto republicano a despeito dos titubeios iniciais significou uma saída legítima diante da falência do Império Mais que uma questão exclusivamente institucional ele vinha de encontro a uma ampliação importante do espaço público durante a década de 1880 que levou a ação política para fora do Parlamento Apreciados pela opinião pública acontecimentos como o roubo das joias ganharam importância no sentido de deslegitimar a monarquia O movimento intelectual também foi forte já que criou uma nova linguagem lançou mão da polêmica e atacou os três suportes do Império o monarca a religião e o romantismo Além disso foi evidente a renovação no campo das ideias o evolucionismo o materialismo e o positivismo representaram teorias para a ação nas mãos dos intelectuais da época a imagem do progresso e a concepção de modernização seriam associadas à palavra república A combinação desses novos elementos espaço público intelectuais e ideias formou uma cultura política nova que modelou novos símbolos e jogou água para o moinho da República Mesmo assim reinou a dúvida amiga certeira dos projetos de futuro Machado de Assis em Esaú e Jacó narra o hilário caso do dono da Confeitaria do Império seu Custódio mal terminara de encomendar uma nova tabuleta para a sua tradicional Confeitaria do Império quando soube do ocorrido Pediu então ao pintor que interrompesse o trabalho que a essa altura estava na seguinte situação Só algumas das letras ficaram pintadas a palavra Confeitaria e a letra d A letra o e a palavra Império estavam só debuxadas a giz No entanto para desespero do sr Custódio que havia mandado um bilhete pedindo ao pintor que parasse no d o trabalho foi terminado Ante a necessidade de uma nova placa Custódio procurou o Conselheiro Aires que sugeriu que o nome passasse para Confeitaria da República Temeram no entanto que em poucos meses poderia haver nova reviravolta e mais uma vez o título do local teria que ser alterado O Conselheiro sugeriu então o nome Confeitaria do Governo que se prestava a qualquer regime Mas depois concluíram que qualquer governo tem oposição e que essa bem poderia quebrar a tabuleta Aires arriscou ainda que Custódio deixasse o título original Confeitaria do Império e só acrescentasse fundada em 1860 a fim de redimir quaisquer dúvidas Mas pareceria que o confeiteiro marcando a data da fundação fazia timbre em ser antigo o que naquela época de modernidade definitivamente não soava muito bem Decidiram por fim pelo próprio nome do dono Confeitaria do Custódio E assim terminava a complexa conversação Gastava alguma cousa com a troca de uma palavra por outra Custódio em vez de Império mas as revoluções trazem sempre despesas44 13 A PRIMEIRA REPÚBLICA E O POVO NAS RUAS UM NOVO TEMPO UMA VERDADEIRA BATALHA DE SÍMBOLOS No dia 17 de novembro de 1889 um domingo às três da madrugada a família real partiu acompanhada por alguns poucos autoexilados Dizem que os novos dirigentes acharam por bem evitar a luz do dia e impedir qualquer reação da população Já o eximperador procurando manter uma postura altiva deixava saber que só levaria consigo a primeira edição de Camões Essa lhe bastava A ideia era fazer valer o dito popular Os reis não são expulsos mas partem Mas a história não seria bem essa na chegada a Portugal formalizouse o banimento Além da expulsão o decreto de 23 de dezembro de 1889 destinava uma ajuda de 5 mil contos para o estabelecimento do exmonarca no estrangeiro D Pedro rejeitaria porém a quantia numa atitude que irritou o Governo Provisório o qual em resposta redigida pelo ministro Rui Barbosa mudou os termos do acordo extinguiu as dotações e deu o assunto por encerrado Era chegada a hora de fechar essa página e iniciar um novo tempo O tempo da República Enquanto isso no Brasil para provar que a República vinha para ficar alteravamse rapidamente nomes e símbolos na tentativa de dar mais concretude à mudança efetiva de regime O largo do Paço passou a se chamar 15 de Novembro a Estrada de Ferro Pedro II Central do Brasil o Colégio Pedro II Colégio Nacional o vistoso conjunto de residências denominado Vila Ouro Preto foi batizado de Vila Rui Barbosa Os motivos impressos no papelmoeda circulante também foram alterados e rapidamente saiu d Pedro II e a monarquia entraram as imagens da nova República dos Estados Unidos do Brasil A voga chegou aos nomes próprios que começaram a se inspirar nos modelos republicanos norteamericanos Jefferson Franklin Washington1 Até mesmo o termo corte foi trocado por decreto por capital federal isso a despeito de a população acostumada com o nome antigo acabar por mantêlo ver imagem 84 Uma nova lista de festas nacionais substituiria as antigas datas do Almanack Laemmert famoso noticioso do Império o dia 1º de janeiro celebraria a fraternidade universal 13 de maio a fraternidade dos brasileiros 14 de julho a República e 21 de abril os precursores Neste último caso tratavase de consagrar a figura de Tiradentes o único rebelde condenado à morte durante a Conjuração Mineira de 1789 No entanto como se desconheciam retratos do herói o que se viu foi um processo crescente de associação entre a sua figura e a de Cristo olhar cândido vestes brancas com um crucifixo no peito cabelos até os ombros soltos2 A partir desse momento a imagem do novo herói ganharia a iconografia política que se apropriou de Tiradentes não só como símbolo revolucionário o mártir que se sacrificou pela República A história que envolveu a escolha de um novo Hino Nacional logo em 20 de janeiro de 1890 é igualmente significativa Abriuse um concurso e o vencedor foi o projeto de Leopoldo Miguez e Medeiros e Albuquerque que se oficializou como Hino da Proclamação da República Mas o velho hino de Francisco Manuel da Silva que não havia nem ao menos entrado na competição continuou a ser o Hino Nacional Prefiro o velho teria dito o marechal Deodoro não obstante a suspeita de que fosse de autoria de d Pedro I Até mesmo a bandeira nacional a despeito das interpretações surgidas a posteriori que explicavam o verde como uma referência às matas do país e o amarelo como uma alusão às riquezas minerais seguia ostentando seus vínculos com a tradição imperial o verde cor heráldica da Casa Real Portuguesa de Bragança o amarelo cor da Casa Imperial Austríaca de Habsburgo Além disso o desenho republicano reaproveitou o losango da bandeira imperial apenas retirando o brasão monárquico com as armas imperiais aplicadas e introduzindo o lema positivista de Ordem e Progresso3 Assim apesar dos esforços continuava enraizado na nação um incômodo imaginário monárquico presente até hoje não só em elementos da retórica patriótica como numa concepção de sociedade ainda impregnada pela mística dos títulos de nobreza das ordens honoríficas e dos rituais de consagração Mas as mudanças eram claras Enquanto o indígena foi símbolo dileto do Império a partir da República seria a figuração de uma mulher heroica que roubaria a cena Nos anúncios de produtos em jornais ou mesmo nas imagens oficiais era agora a figura feminina que representava a República A associação desse tipo de representação com a República estava presente já na tradição clássica especialmente romana mas foi na França no período que precedeu a Terceira República que a imagem de Marianne se popularizou Enquanto nesse país a figura da mulher jovem de peitos quase à mostra túnica e barrete frígio aliando as noções de liberdade felicidade e fertilidade maternas se tornou muito popular no Brasil a alegoria fracassou mesmo em sua versão positivista espelhada em Clotilde de Vaux poeta e escritora francesa musa de Augusto Comte que o teria inspirado na criação de sua Filosofia da Humanidade e logo se transformara em símbolo republicano ver imagem 83 Já por aqui as mulheres continuavam em casa com vestimentas que lhes cobriam o corpo inteiro e sem direito a participação política HORA DE REPÚBLICA CAFÉ COM LEITE A Constituição de 1891 definiu as bases institucionais do novo regime presidencialismo federalismo e sistema bicameral e implementou uma série de mudanças para bem marcar a ruptura4 A Igreja separouse do Estado e introduziuse o registro civil de nascimentos casamentos e mortes A proposta federalista por sua vez organizava o novo regime em bases descentralizadas dando às antigas províncias agora transformadas em estados maior autonomia e controle fiscal e jogava por terra a crença no centralismo monárquico como agente de coesão nacional A agenda republicana substituiu o Poder Moderador a chave da organização política do Império pelo princípio da divisão e do equilíbrio entre os poderes Executivo Legislativo e Judiciário garantiu a liberdade religiosa extinguiu a vitaliciedade do Senado e aprovou o sufrágio universal em lugar do sistema censitário até então vigente O debate em torno da restrição do direito de voto seguiu o entendimento já praticado durante o Império só seriam considerados eleitores os brasileiros adultos do sexo masculino que soubessem ler e escrever Além do voto das mulheres estava proibido o voto dos mendigos dos soldados praças e sargentos e o dos integrantes de ordens religiosas que impunham renúncia à liberdade individual Contudo certas características vindas de longa data persistiam e foram até aprimoradas Uma delas era o perfil oligárquico da nação novas leis eleitorais mantiveram o número reduzido de eleitores e cidadãos elegíveis para os cargos públicos É preciso destacar também o papel fundamental que desempenhou o Exército durante o novo regime A República foi produto da ação de um grupo de oficiais social e intelectualmente antagônico à elite civil do Império insatisfeito com a situação do país e com seu próprio status político5 Mas esses oficiais estavam divididos internamente e não conseguiram chegar a um acordo sobre o significado do republicanismo ou quanto aos objetivos institucionais do novo regime Também estavam separados por rivalidades e ambições pessoais e por visões muitas vezes opostas a respeito do futuro do Exército e do próprio país Além disso o grande prestígio que a República emprestava aos militares estimulava a ambição política dos oficiais e a desunião interna aliada ao desacordo entre as elites civis acerca do papel do Exército na nova sociedade Ainda assim o regime republicano sobreviveu pela força e até 1894 o país experimentou a tutela militar a partir de seus dois primeiros governos o marechal Deodoro da Fonseca líder do golpe de Estado de 15 de novembro de 1889 foi também o primeiro presidente sendo sucedido por Floriano Peixoto seu vice Mas o próprio marechal Deodoro não teria vida fácil Em 1891 eclodiu a primeira Revolta da Armada também conhecida como Revolta da Esquadra O estopim estava ligado ao governo autoritário de Deodoro que em flagrante violação da Constituição daquele ano ordenou o fechamento do Congresso A medida era resultado em grande parte da inabilidade do presidente em lidar com a oposição Esta andava cada vez mais descontente com a crise econômica dos primeiros anos de República especulação vertiginosa fraudes inflação Comandada pelo almirante Custódio de Mello boa parte da frota fundeada na baía de Guanabara sublevouse a Armada como a Marinha era chamada na época exigia a reabertura do Congresso do contrário bombardearia o Rio de Janeiro Para não ter de enfrentar a provável derrota ou uma guerra civil Deodoro renunciou em 23 de novembro Seu vice o marechal Floriano Peixoto assumiu o posto e se manteve ele próprio à frente da nação em vez de convocar eleições como estabelecia a Constituição O governo de Floriano trouxe então para a cena pública um novo ingrediente político o jacobinismo muitas vezes chamado apropriadamente de florianismo O auge do movimento aconteceu entre 1893 e 1897 no Rio de Janeiro com expressiva participação popular6 O florianismo foi o primeiro movimento político espontâneo da República centrado na figura de uma liderança capaz de galvanizar setores expressivos das camadas médias urbanas e da população em geral e de fornecerlhes uma postulação igualitária para o novo regime a qual no entanto só poderia ser implantada pelo autoritarismo militarizado do marechal A Marinha continuava porém indócil e em setembro de 1893 um grupo de oficiais exigiu a convocação de novas eleições presidenciais era a segunda Revolta da Armada Com uma significativa folha de serviços prestados ao Império a Marinha e seus oficiais sentiamse negligenciados pela República Já o almirante Custódio de Mello acreditava que rebelar a Armada contra o governo de Floriano era a melhor estratégia para recuperar o antigo prestígio da Força e abriu grave crise política Floriano que andava enfrentando a Revolução Federalista no Sul do país reprimiu a Armada governou em estado de sítio e ganhou a alcunha de Marechal de Ferro A Revolução Federalista resultou numa sangrenta guerra civil que começou em 1893 só terminou em 1895 e contrapôs o Partido Republicano RioGrandense favorável à ditadura republicana dos positivistas gaúchos ao Partido Federalista defensor da Constituição de 1891 da autonomia municipal e do governo federal com poder centralizado Já o movimento dos almirantes seria contido apenas em 1894 mas deixava a ferida aberta7 Em 1894 foram convocadas eleições e Prudente de Morais do Partido Republicano Paulista venceuas Começou o primeiro governo civil da República e a ascensão da corrente moderada e pragmática do Partido Republicano Paulista preocupada em executar uma política de pacificação do país garantir os interesses da elite cafeicultora de São Paulo e realizar a transição da República jacobina para a República oligárquica Prudente de Morais faria de Campos Sales seu sucessor em 1908 e com o novo presidente teve início o processo de rotinização da República Criada pelo governo Campos Sales a partir de 1898 a Política dos Governadores ou Política dos Estados como ele dizia reconhecia a plena autonomia das elites regionais fazia vista grossa aos esbulhos cometidos por essas elites para eleger as bancadas e o governo estadual acenava com benesses do Tesouro e apresentava a fatura as unidades da federação deveriam agir coesas e em consonância com as decisões do poder central se conflito houvesse estaria confinado aos estados8 O controle do governo federal era decidido a partir de então apenas pelos estados de Minas Gerais e São Paulo Numa República onde se regulava a distribuição do poder pela hierarquização da importância das unidades da federação a força política de um estado sustentavase no tamanho de seu eleitorado e na consequente extensão de sua presença parlamentar Por sua vez a estabilidade política da República estava garantida por três procedimentos principais empenho dos governos estaduais em manter o conflito político confinado à esfera regional reconhecimento por parte do governo federal da plena soberania dos estados no exercício da política interna manutenção de um processo eleitoral em que a despeito dos mecanismos políticos que tentavam controlar as disputas locais as fraudes continuavam frequentes Aliás fraudes aconteciam em todas as fases do processo eleitoral do alistamento de eleitores até o reconhecimento dos eleitos Entretanto alguns procedimentos ficaram famosos A eleição de bico de pena vem do Império e diz respeito às diversas manipulações feitas pelas mesas eleitorais como a falsificação de assinaturas e adulteração das cédulas eleitorais A degola significava o não reconhecimento do eleito pela Comissão de Verificação da Câmara dos Deputados procedimento que eliminava os adversários anulando sua eleição O voto de cabresto era quase uma prática políticocultural um ato de lealdade do votante ao chefe local Por fim o curral eleitoral aludia ao barracão onde os votantes eram mantidos sob vigilância e ganhavam uma boa refeição dali só saindo na hora de depositar o voto que recebiam num envelope fechado diretamente na urna9 O voto era entendido como moeda de troca as relações de poder se desenvolviam a partir do município e na ponta desse relacionamento está o fenômeno do coronelismo Coronel era o posto mais alto na hierarquia da Guarda Nacional a instituição do Império que ligou proprietários rurais ao governo Com a República a Guarda perdeu sua natureza militar mas os coronéis conservaram o poder político nos municípios onde viviam Daí em diante o coronelismo passou a significar um complexo sistema de negociação entre esses chefes locais e os governadores dos estados e destes com o presidente da República O coronel seria um dos elementos formadores da estrutura oligárquica tradicional baseada em poderes personalizados e nucleados geralmente nas grandes fazendas e latifúndios brasileiros10 O coronel era assim parte fundamental do sistema oligárquico Ele hipotecava seu apoio ao governo estadual na forma de votos e em troca o governo garantia o poder do coronel sobre seus dependentes e rivais especialmente através da cessão dos cargos públicos que iam do delegado de polícia à professora primária E desse modo se estabilizava a República brasileira no início do século XX na base de muita troca empréstimo favoritismos negociações e repressão Visto desse ângulo e como diziam os jornais satíricos de época o país não passava de uma grande fazenda UM BRASIL IMIGRANTE UMA BABEL DE LÍNGUAS11 Com o fim da escravidão e a consequente desorganização momentânea do sistema de mão de obra uma série de esforços foi feita no sentido de atrair imigrantes sobretudo europeus para o Brasil A experiência vinha da época do Império mas no contexto da Primeira República seria incrementada Contando com a concorrência de países como Argentina Cuba México e Estados Unidos da América o governo brasileiro teve que se esmerar para vender a ideia do paraíso terreal Grandemente destinado ao campo à formação de núcleos coloniais oficiais nos estados do Sul e em especial às fazendas de café na Região Sudeste esse contingente de imigrantes acabaria absorvido pela dinâmica das cidades que cresciam e ofereciam empregos e serviços Enganados por uma propaganda ilusória poloneses alemães espanhóis italianos portugueses e mais tarde a partir dos últimos anos da década de 1910 japoneses foram tomados por uma febre imigratória O mito da abundância dos trópicos casouse bem com uma Europa que expelia sua população pobre e seus pequenos proprietários endividados Por fim o considerável aumento populacional em escala mundial coadunado com a melhoria dos transportes acabou por colocar à disposição grandes grupos de camponeses desempregados12 Estimase que mais de 50 milhões de europeus abandonaram seu continente de origem em busca da tão desejada liberdade que vinha sob a forma de propriedade e emprego ver imagem 86 A maior parte dos imigrantes transatlânticos dirigiuse para a América do Norte mas 22 deles em torno de 11 milhões desembarcaram na América Latina 38 eram italianos 28 espanhóis 11 portugueses e 3 franceses e alemães Desse contingente 46 se dirigiram à Argentina 33 ao Brasil 14 a Cuba e o restante dividiuse entre Uruguai México e Chile13 Entre 1877 e 1903 cerca de 71 mil imigrantes entraram por ano no Brasil sendo 585 provenientes da Itália Entre 1904 e 1930 o número chegou a 79 mil com os portugueses alcançando 37 do total de entradas Em 1908 aportaria aqui a primeira leva de imigrantes japoneses radicalizando ainda mais a babel de culturas que afluíam ao país E se as origens eram muitas em comum havia o desejo de fazer a América Desde o início o processo de imigração apresentou características distintas Como existiam grandes áreas não ocupadas no Sul do país instalouse aí um modelo de imigração baseado em pequenas propriedades policultoras Tanto nos núcleos do governo como nos particulares a terra era vendida a prazo em lotes de vinte a 25 hectares geralmente distribuídos ao longo dos cursos de água As propriedades eram porém muito isoladas e seus novos habitantes sujeitos a todo tipo de adversidade ataques de indígenas maustratos por parte da população local dificuldades de comércio Já no caso dos cafezais e em especial em São Paulo o modelo que vingou foi o da imigração estrangeira subvencionada pelo Estado ou pelos proprietários de terra para o trabalho direto nas fazendas Assim foram poucos os núcleos que prosperaram no Espírito Santo Rio Grande do Sul Santa Catarina ou Paraná enquanto a imigração que visava à cafeicultura se expandiu Em São Paulo foi fundamental a ação do governo estadual Respondendo à pressão dos próprios fazendeiros na década de 1890 começaria o subsídio da União que cumpriu o papel de equilibrar o fluxo de pessoas com as necessidades crescentes da economia Até 1900 a federação financiou de 63 a 80 da entrada de imigrantes só a partir da virada do século com a entrada de espanhóis e portugueses em São Paulo firmouse a imigração com subsídio privado por conta da intensificação das atividades urbanoindustriais As dificuldades financeiras se apresentavam já na viagem Vítimas de exploradores da miséria alheia os imigrantes pagavam sobretaxas e preços altos pela passagem Amontoados em navios de má categoria descobriam logo na travessia oceânica as diferenças culturais as quais se agudizavam no novo lar Os imigrantes não só eram originários de regiões diversas de um mesmo país como provinham de países rivais ou com hábitos muito diferentes de modo que a convivência forçada gerava conflitos infindáveis alemães do Norte brigavam com os do Sul japoneses tinham atritos com italianos poloneses com alemães e o conjunto com os locais As línguas eram várias os dialetos também e todos estranhavam a dieta à base de farinha arroz e feijão e as casas enfileiradas construídas com tijolos de barro e teto de palha Assim longe de constituírem grupo homogêneo os recémchegados recriavam nos trópicos seus costumes distintos Alguns vindos de regiões mais setentrionais da Itália estavam adaptados à vida nas cidades Outros como a maioria originária do Vêneto apenas reajustavam por aqui velhos hábitos rurais Essas populações precisaram substituir a polenta pelo arroz conhecer novos legumes e frutas e aguardar um pouco até poder pendurar as linguiças e toucinhos secos no teto das casas Católicos fervorosos poloneses e italianos estranhavam o catolicismo rústico existente no país e reacendiam sua fé decorando as casas com santos da devoção e demais símbolos pátrios Hábitos de higiene também dividiam as populações Os italianos tomavam banho uma vez na semana contentandose em lavar as mãos e as partes mais suadas do corpo Reagiam tanto à fartura de água dos nacionais que tomavam banho de rio ou de tina diariamente quanto ao ofurô coletivo dos japoneses O estranhamento em relação a este último grupo era aliás geral japoneses só ficavam satisfeitos quando viam o arroz crescer e não sabiam deixar a carneseca de molho para que amolecesse assim como mal imaginavam que o bacalhau precisava ficar na água para perder o sal Já o feijão não entrava na dieta deles muito menos a farinha Diferentemente dos europeus pouco investiam na melhoria de suas casas nem sequer as decoravam até porque todo o dinheiro economizado deveria ser destinado aos parentes ou virava pecúlio para um futuro e desejado retorno14 Apesar dos percalços a maioria acabou se adaptando às terras brasileiras A cada povo seu credo e também nesse campo a fé se misturou Curandeiros benzedeiras herbanários percorriam fazendas e na falta de médicos e remédios esses profissionais ocuparam espaços vazios Três remédios davam conta de uma coleção de males óleo de fígado de bacalhau purificava sal amargo liberava o estômago e curava constipações óleo de rícino era purgante eficaz Do Rio Grande do Sul às fazendas paulistas apelavase para esses medicamentos milagrosos e quando nada dava certo a saída era abusar das orações e dos curandeiros Já na Bahia eram ifás portavozes das divindades que cumpriam tal papel trazendo suas ervas da África O mesmo ocorria no Norte onde imperava um conhecimento ameríndio e o uso alargado das plantas de efeito alucinógeno Tal qual contaminação as receitas se misturaram gerando um receituário mestiço Com a chegada dos anos 1930 a imigração transoceânica diminuiu sensivelmente Em 1927 por exemplo o destino de imigrantes que procuravam terras europeias superava em muito o daqueles que preferiam tentar a sorte em outras plagas Por outro lado vários países instituíram políticas restritivas a começar pelos Estados Unidos logo seguidos por nações como o Brasil De 1917 a 1924 os EUA limitaram a entrada de estrangeiros e em dezembro de 1930 o então presidente Getúlio Vargas adotou o mesmo tipo de restrição diante daquilo que o historiador Sérgio Buarque de Holanda definiu como a afluência desordenada de estrangeiros que seria responsável pelo desemprego das populações locais15 Contudo a paisagem humana já estava a essas alturas definitivamente alterada Até hoje em São Paulo se come uma boa pizza nas noites de domingo uma macarronada no almoço do sábado com direito também a quibe e tabule mais ao anoitecer ou um arroz chop suey Café da manhã se completa com uma passada na padaria do português e a salada fica melhor com um azeite espanhol Talvez tenha sido Juó Bananère codinome de Alexandre Marcondes Machado um paulista que nada tinha de ascendência italiana quem melhor expressou essa mistura incomum Escreveu sua obra utilizando o patois falado pela colônia italiana de São Paulo e editou La divina increnca em 1915 intitulandose Gandidato à Gademia Baolista de Letras UMA NOVA PAISAGEM AS CIDADES E SUAS INDÚSTRIAS De 1880 até os anos 1930 a sociedade brasileira dinamizouse muito A nova configuração social representava o resultado imediato do crescimento geral da população combinado com a política agressiva de incentivo à imigração estrangeira Para completar já na década de 1910 se observou um acelerado processo de substituição de importações implementado durante a Primeira Guerra e no final desta o qual unido à crise da agricultura levou a que cidades e indústrias ganhassem importância renovada no cenário nacional A população brasileira cresceu a uma taxa média de 25 ao ano enquanto a população das cidades com 50 mil ou mais habitantes subiu a 37 e a das cidades com mais de 100 mil a 31 Por outro lado se no primeiro decênio da República a população rural decresceu 22 na área urbana ela aumentou 68 A urbanização era uma realidade que vinha para ficar e alterava rapidamente a feição do país Apesar disso a realidade nacional continuava eminentemente agrícola Segundo o censo de 1920 dos 91 milhões de pessoas em atividade 63 milhões 697 se dedicavam à agricultura 12 milhão 138 à indústria e 15 milhão 165 aos serviços de uma maneira geral A população concentrouse em algumas grandes cidades16 O Rio de Janeiro seria o coração da República São Paulo a cabeça e anos depois viria Belo Horizonte a cidade que a República imaginou à sua imagem e semelhança e que se tornou a primeira urbe planejada do Brasil Os três centros controlariam recursos e mostrariam como o eixo econômico do país estava definitivamente virado para a Região Sudeste Por outro lado se o objetivo inicial da política imigrantista era chamar população estrangeira para engrossar o trabalho na lavoura rural com a crise da agricultura e o crescimento urbano boa parte desse contingente deslocouse para as cidades atraído não só pelas novas oportunidades como também pelas especializações profissionais que traziam na bagagem Além de camponeses entraram no país pedreiros padeiros sapateiros e pequenos comerciantes diversificando o quadro de serviços urbanos Importa lembrar ainda o intenso movimento de migração interna resultado da lenta desmontagem do sistema escravocrata No período que vai de 1872 a 1900 foi na Região Nordeste que houve maior perda populacional como consequência do comércio interno de escravos que despovoou a economia do açúcar e do algodão e reforçou a densidade dos estados cafeeiros Castigados pelas secas de 1870 e 1880 grupos de migrantes dirigiramse para o Rio de Janeiro que funcionava como chamariz cultural além de se apresentar como provedor de empregos em geral e mais especificamente para o funcionalismo público e estatal No entanto os migrantes buscavam também os estados do Sul Paraná Santa Catarina e Rio Grande do Sul e a Amazônia por conta da febre da borracha que animou o país Com os meios de transporte demandando o produto o látex proveniente da seringueira passaria por um surto tão breve como marcante e a Amazônia seria invadida por seringueiros que fugidos da seca do Nordeste enfurnavamse nos rios chegando até regiões isoladas para o retiro da borracha A era da borracha foi curta terminou nos anos 1910 mas deixou rastro Manaus virou a capital do Norte aburguesaramse as suas ruas teatros e costumes e o estado enriqueceu da noite para o dia E era preciso embelezar as principais cidades para que bem representassem suas funções cuidar dos edifícios públicos afastar a pobreza para os novos subúrbios implementar o transporte coletivo e construir instituições representativas Foi com esse intuito civilizatório que o presidente Rodrigues Alves 190206 montou uma equipe técnica para fazer do Rio de Janeiro uma vitrine para os interesses estrangeiros começava o período conhecido como Regeneração A comissão responsável pelas obras recebeu poderes ilimitados e estabeleceu um plano com três grandes metas a modernização do porto que estaria a cargo do engenheiro Lauro Müler o saneamento da cidade de cuja realização se incumbiria o médico sanitarista Oswaldo Cruz e a reforma urbana que caberia ao engenheiro Pereira Passos o qual conhecia de perto o projeto para Paris elaborado pelo barão de Haussmann Marco paralelo e complementar foi a expulsão da população pobre que habitava a região central e a destruição dos cabeças de porco Era a ditadura do botaabaixo que demolia casas cortiços e os hotéis baratos os zungas17 ou os caixotins humanos conforme definição do escritor negro Lima Barreto ele próprio habitante dos subúrbios cariocas e testemunha crítica desse momento ver imagem 88a18 A partir da década de 1870 São Paulo tornouse palco privilegiado para transformações socioeconômicas urbanísticas físicas e demográficas Pressionada pela prosperidade da lavoura cafeeira e pelas tensões derivadas do fim da escravidão no país a antiga cidade se transformava na metrópole do café um entreposto comercial e financeiro Foi a época da criação do Instituto Butantã que produziu soros à base de veneno de cobra da inauguração da iluminação elétrica e dos transportes públicos orquestrados pela estrada de ferro Novas vias foram abertas prolongaramse velhas estradas ampliaramse largos e surgiram novos jardins públicos Tantas alterações levariam a mudanças claras no comportamento da população local Em São Paulo a boa sociedade descobriu novos hábitos sociais nos bailes no turfe no trottoir e nas noitadas no teatro ver imagem 88b E também em São Paulo o processo de urbanização implicou o embelezamento da cidade mas igualmente a expulsão da pobreza Se a infraestrutura da cidade foi alterada com a abertura de novos bairros e ruas elegantes como a avenida Paulista casebres e favelas foram destruídos com o objetivo de garantir o prolongamento e ampliação de ruas largos e praças Outro caso emblemático é o de Belo Horizonte19 Os republicanos mineiros construíram a nova capital de Minas Gerais na tentativa de unificar política e culturalmente um estado de economia decadente e marcado pela divisão de poder entre as diferentes facções da oligarquia regional que disputavam o controle político na antiga capital Ouro Preto O projeto de Belo Horizonte foi imposto de modo autoritário repressivo e violento exigiu a destruição total do povoado do Curral del Rey a expulsão da população pobre para a zona suburbana e a distribuição ordenada por bairros Mas a nova capital também foi planejada organizada e executada pela facção mais agudamente moderna e republicana das elites mineiras embalada pelo sonho do progresso e da técnica Essa elite desenhou Belo Horizonte com um curioso sentido de modernidade largas avenidas que permitissem maior fluência de tráfego muitas praças e uma noção rigorosa de hierarquia da área urbana de um lado ficavam os serviços comuns como estação ferroviária hospital e comércio do outro teatro escolas a municipalidade O desenho trazia também uma evidente intenção cenográfica na parte mais alta da cidade numa praça retangular os prédios imponentes das secretarias capitaneados ao fundo pelo Palácio do Governo Estadual e em posição de destaque a figura da Liberdade entronizada em pedra ver imagem 88c Na terra da República e de Tiradentes a praça recebeu o nome de praça da Liberdade e o palácio foi batizado Palácio da Liberdade Nesses três exemplos se delineiam os destinos comuns às urbes brasileiras a antiga corte carioca que se reinventou em função da República e como Distrito Federal a cidade paulistana que se aparelhou para encenar seu novo papel político e econômico advindo da economia do café e Belo Horizonte uma nova cidade especialmente projetada para cumprir o papel de capital de seu estado Se os novos arranjos visavam a um projeto político republicano e moderno alternativo ao Império não havia como esconder as marcas de uma sociedade de perfil basicamente agrárioexportador Em vez da dicotomia fácil monarquia ou república barbárie ou progresso conviviam tempos distintos inclusão e exclusão avanço tecnológico e repressão política e social Além do mais se havia clara ampliação das oportunidades de trabalho o setor que mais crescia era o dos ambulantes dos pequenos negócios dos vendedores de produtos alimentares dos carpinteiros sapateiros e carroceiros Lado a lado estavam mundos diferentes mas inesperadamente próximos E não tardariam a surgir movimentos que revelavam outras faces da modernidade Postas à margem populações expulsas dos centros elegantes das cidades e deixadas ao largo da civilização nos sombrios sertões ou nas longínquas florestas começavam a tomar as manchetes dos jornais Porém os primeiros sinais de revolta partiram não do interior do país mas de dentro das cidades RUÍDOS NAS CIDADES De 10 a 16 de novembro de 1904 ocorreu no Rio de Janeiro uma revolta popular contra medidas que visavam erradicar a febre amarela Sobretudo a população pobre dos arredores da capital reagia à vacinação obrigatória contra a varíola operação liderada pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz20 A manifestação era resultado da má informação mas também da mistura apressada de tantas levas populacionais com histórias costumes e aprendizados distintos A incompreensão de parte a parte provocou uma verdadeira explosão com direito a quebra de meios de transporte depredação de edifícios e ataque a agentes higienistas O governo reagiu com violência decretou estado de sítio suspendeu direitos constitucionais prendeu os líderes do movimento e os deportou para o atual estado do Acre A revolta foi finalmente controlada mas o saldo restou ambivalente de um lado erradicouse a varíola na cidade do Rio de Janeiro de outro chegou a trinta o número de mortos durante a rebelião e a 110 os registros de feridos Da parte da República a questão era anunciada de forma objetiva e racional faziase necessário priorizar a saúde da população Desde o último quartel do século XIX o tema da saúde vinha frequentando a agenda intelectual e política brasileira e gerava preocupação Viajantes jornalistas literatos médicos e cientistas sociais andavam atentos à forte incidência de moléstias tropicais às enfermidades legadas por escravos africanos e por imigrantes às doenças da cidade e do meio rural21 Sobretudo a mestiçagem era considerada um grande mal quase uma sina local Afinal teorias como o darwinismo racial e mesmo a antropologia criminal de Cesare Lombroso faziam muito sucesso no país22 Supunhase que as raças correspondiam a dados essenciais e fixos e que a humanidade se dividia a partir delas em hierarquias naturais Ou seja cada raça teria potenciais distintos e inalteráveis estando os brancos caucasianos no topo da pirâmide social e evolutiva e os negros na base Contudo piores que as raças puras seriam as mestiçadas as quais de acordo com esses mesmos teóricos eram passíveis de todo tipo de degeneração hereditária Segundo profissionais brasileiros como Nina Rodrigues médico da Faculdade de Medicina da Bahia os mestiços estariam mais propensos à criminalidade à loucura e a outros estigmas próprios de seu grupo racial Não por acaso em 1894 Nina Rodrigues publicou o livro As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil propondo a existência de dois códigos penais um para brancos e outro para negros adaptados aos graus de evolução de cada grupo Se há que se questionar as falácias dessas teorias o certo é que o país sofria com uma série de epidemias O Brasil ainda é um imenso hospital dizia o médico Miguel Pereira em outubro de 1916 frase logo transformada em metáfora e uma espécie de epitáfio nacional Nas estatísticas médicas a lista de moléstias contagiosas era apavorante Algumas epidemias eram consideradas de fora como é o caso do cólera um dos maiores responsáveis pelos óbitos na época Outras eram entendidas como de dentro tais como a febre amarela a varíola e a peste bubônica Segundo os especialistas esse cenário era ainda agravado pelo predomínio de habitações populares e provisórias chamadas choças Feitas de barro elas representavam o habitat natural para o inseto conhecido como barbeiro transmissor da recémdescoberta doença de Chagas além de favorecerem o impaludismo e inúmeras infecções intestinais Já na conta dos imigrantes entrava o tracoma infecção ocular perigosa e transmissível Essas e outras epidemias maculavam a já frágil reputação do país por isso as reformas urbanas pretendiam erradicálas e muitas vezes tinham sucesso ao fazêlo O interior do país foi então percorrido por viagens científicas do Instituto Oswaldo Cruz que levaram a saúde do litoral ao encontro dos sertões brasileiros Entre 1907 e 1913 regiões do interior paulista de Minas da Bahia os vales do São Francisco e do Tocantins alcançando até a Amazônia entraram na rota de tais expedições higienistas23 Esse projeto médico era parte ademais de um movimento nacionalizante que considerava as patologias da pátria as pestilências ou epidemias fatores emergenciais Isso sem falar da lepra da sífilis e da tuberculose as que mais matavam no país As patologias do Brasil pareciam atingir a todos mas os grandes alvos além dos sertanejos caipiras e populações do interior foram os exescravos os habitantes pobres das cidades os moradores dos cortiços e favelas os imigrantes trabalhadores e os camponeses Nessa mesma leva de brasileiros perigosos estavam incluídos os marinheiros tidos como os mais bárbaros da corporação E foram eles que entre 22 e 27 de novembro de 1910 protagonizaram nas águas da baía de Guanabara a Revolta da Chibata24 Para conter a marujada formada por negros e mestiços na Marinha a ordem era mantida à base da aplicação de castigos físicos como o chicote A rebelião recebeu a alcunha de Revolta da Chibata justamente por representar a reação dos marinheiros à aplicação de castigos físicos ver imagem 87 Entretanto ela também se encarregou de expor publicamente a violência do Estado contra a população pobre o racismo e a crueldade reinante em meio à oficialidade das Forças Armadas A chibata era punição herdada da marinha portuguesa e no Brasil ganhara uma conotação ainda mais pesada por conta de sua associação com a escravidão Mas se o sistema acabara em 1888 a sevícia continuava firme na Marinha e amparada no corpo da lei que arrogava a ela o poder de quebrar o mau gênio dos rebeldes O estopim do movimento se deu no dia 16 de novembro de 1910 quando uma série de embarcações nacionais e estrangeiras aportou na baía de Guanabara para saudar a posse do novo presidente o marechal Hermes da Fonseca A campanha eleitoral havia sido empolgante pela primeira vez a participação popular fora relevante numa eleição mas ainda assim Hermes da Fonseca derrotou o candidato favorito Rui Barbosa de oposição ao governo A candidatura de Hermes apesar do apoio de Pinheiro Machado do Partido Republicano Conservador indicava a volta do Exército ao poder Já a candidatura de Rui representava o incentivo ao funcionamento regular das instituições republicanas e a sustentação das lideranças civis no exercício do governo era a campanha civilista Porém se em terra firme reinava um ambiente de congratulação nos navios de guerra da Marinha brasileira a situação era outra No maior e mais possante desses navios o encouraçado Minas Gerais a tripulação perfilada fora obrigada a presenciar os castigos infligidos ao marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes 250 chibatadas e seu recolhimento à prisão sem direito a tratamento médico Fazia já algum tempo que a marujada se reunia na região portuária para planejar a rebelião e o castigo foi a gota dágua Na noite de 16 de novembro enquanto Hermes da Fonseca oferecia uma recepção para comemorar sua posse os marinheiros dominaram os couraçados Minas Gerais São Paulo e Bahia além do navio de patrulha Deodoro acionaram seus canhões contra a cidade com tiros de advertência e mandaram um ultimato ao governo ou cessavam os castigos corporais na Marinha do Brasil ou a capital da República seria bombardeada O governo acabou cedendo o Congresso Nacional anistiou os revoltosos e os marinheiros vitoriosos devolveram as embarcações aos oficiais Poucos dias depois no dia 4 de dezembro porém veio o troco 22 marujos foram presos na ilha das Cobras acusados de conspiração Sofreram tantas barbaridades que apenas dois sobreviveram Um deles foi o principal líder da revolta o marinheiro João Cândido que promovido a Almirante Negro pela imprensa transformouse para ódio dos oficiais da Marinha em eterno herói popular A Revolta da Chibata foi um baque Até o fim da Primeira República a Marinha recuou e praticamente desapareceu da política Mas a rebelião dos marinheiros fez parte de um conjunto maior e muito diferente de movimentos militares a Revolta da Escola Militar da Praia Vermelha a Revolta dos Sargentos a Primavera de Sangue que revelaram fissuras no centro do poder da República A ocorrência desses movimentos sociais também indica dois aspectos importantes do comportamento militar O primeiro é que parte da ação política acontece fora das instituições republicanas e dos partidos políticos O segundo que a natureza das intervenções militares foi muitas vezes reformista Seus participantes enxergavamse atuando como instrumento da vontade popular e estavam de certo modo muito próximos à ideia do que se poderia chamar de soldadocidadão25 De toda maneira o projeto de Regeneração das Cidades nome dado às reformas urbanas do período combinava com a certeza da degeneração dos mestiços e da população pobre condenada pela ciência determinista da época A existência de uma economia aferrada aos serviços e negócios de exportação agrária e limitada por uma industrialização incipiente teve como resultado uma vida urbana bastante provisória que passava por crises cíclicas de carestia aumentos constantes nos preços dos gêneros alimentícios nos custos de moradia e de transporte Para piorar com o processo inflacionário que se instalou multiplicaramse a pobreza e as condições irregulares de vida Nas palavras irônicas do escritor Mário de Andrade nas novas cidades os mocambos são tão numerosos como os coqueiros26 No entanto o menos também foi mais Afinal não foram poucos os movimentos sociais urbanos que reagindo à falta de estrutura tomaram as ruas com manifestações contra a carestia o aumento de aluguel e todo tipo de precariedade DO OUTRO LADO RESIDEM OS OUTROS A reação a tanta novidade não ficou restrita apenas às cidades Em distintas regiões do país estouraram movimentos sociais que combinavam a questão agrária e a luta pela posse de terra com traços fortemente religiosos Levantes como Contestado Juazeiro Caldeirão PaudeColher e Canudos representaram o lugar do encontro entre a mística e a revolta o resultado pouco previsto do processo de modernização e da desatenção com esse grande contingente populacional Abandonados por uma República que fazia da propriedade rural a fonte do poder oligárquico grupos de sertanejos buscaram transpor o abismo que os separava da posse da terra teceram relações inesperadas entre a história e o milenarismo e sonharam viver numa comunidade justa e harmônica Em 1896 começou o conflito armado de maior visibilidade nos momentos iniciais da República prontamente transformado em bode expiatório nacional um cancro monarquista diziam as elites reunidas na corte e longe dos sertões A rebelião opôs a população de Canudos arraial que cresceu no interior da Bahia ao recémcriado governo da República ver imagem 85 Em 1897 com a missão de cobrir os acontecimentos para o jornal O Estado de S Paulo o jornalista Euclides da Cunha levou um susto27 Republicano de carteirinha ele havia embarcado para a Bahia com a convicção de que a República iria derrotar uma horda desordenada de fanáticos maltrapilhos ainda por cima acusados de monarquistas acoitados num arraial miserável Atônito descobriu nos sertões baianos uma guerra longa e misteriosa um adversário com enorme disposição para o combate um refúgio sagrado uma comunidade organizada e uma terra desconhecida No impacto da descoberta anotando tudo que via e ouvia Euclides adotou nova perspectiva e tornouse um grande escritor Sua história assumiu um tom de denúncia Foi muito além da reportagem de guerra insistiu em revelar o efeito das secas na paisagem arruinada do sertão baiano e a devastação do meio ambiente produzida pelas queimadas no Semiárido Nordestino inscreveu na natureza uma feição dramática capaz de projetar no enredo de sua narrativa imagens de medo solidão abandono reconheceu no mundo sertanejo uma marca do esquecimento secular e coletivo do país Em Os sertões publicado em 1902 Euclides da Cunha retomou a história da guerra contra Canudos com um enfoque mais amplo do que usara nos artigos de jornal28 Mas manteve o tom de acusação Responsabilizou a Igreja a República o governo estadual baiano e sobretudo o Exército pelo massacre dos habitantes de Canudos Denunciou a guerra contra o arraial de sertanejos como fratricídio matança entre irmãos Projetou sobre as plantas da caatinga a tragédia de Canudos inscrita na própria natureza com visões do desfecho da guerra a decapitação dos prisioneiros o calvário dos resistentes dizimados por fome sede doenças e pelos projéteis do Exército Seu livro virou monumento é o memorial de Canudos Mas sobretudo a Guerra ou Campanha de Canudos esse movimento sociorreligioso liderado por Antônio Conselheiro que durou de 1896 a 1897 tomou a imaginação do país29 A região fora ocupada por uma série de latifúndios decadentes era assolada por crises cíclicas de seca e desemprego crônico e contava com milhares de sertanejos que peregrinavam pelo sertão baiano Em maio de 1893 Conselheiro e seus seguidores chegaram a Bom Conselho Bahia Ali assistiram a uma cobrança de impostos que haviam aumentado muito com o advento da República e diante do povo reunido num dia de feira Antônio Conselheiro arrancou os editais pregados nas paredes e os queimou Ao saber do ocorrido o governador do estado Rodrigues Lima enviou soldados para prender o beato e dissolver seu grupo Mas os policiais foram atacados e facilmente derrotados pelos sertanejos Esse combate levou Conselheiro a pôr fim à peregrinação e se estabelecer na fazenda de Canudos Da data de chegada até o fim da guerra a comunidade cresceu de 230 para cerca de 24 mil habitantes e batizado de Belo Monte o arraial se tornou um dos mais populosos da Bahia Canudos incomodou o governo da República e os grandes proprietários de terras da região por uma razão principal era uma nova maneira de viver no sertão à parte do sistema de poder constituído É certo que o arraial não chegou a representar uma experiência de vida igualitária o desenho urbano da comunidade bem como a distribuição de tarefas e as relações sociais entre seus membros indicava que as hierarquias sociais não foram eliminadas Mas é certo também que se tratava de uma experiência social e política distinta daquela do governo central republicano o trabalho no arraial baseavase no princípio de posse e uso coletivo da terra e na distribuição do que nela se produzia Todos que lá chegavam recebiam gratuitamente uma porção de terra onde viver e trabalhar Havia plantações diversas criação de gado e animais de montaria e fabricavase couro curtido O resultado da produção era dividido entre o trabalhador e a comunidade a autoridade religiosa do Conselheiro não dependia do reconhecimento da Igreja católica e Canudos não estava submetido nem aos proprietários de terra nem aos chefes políticos da região representava um elemento perturbador num mundo dominado pelo latifúndio A República enviou a Canudos quatro expedições formadas por tropas do Exército e o contingente de soldados aumentava a cada vez Em março de 1897 o coronel Moreira César comandando 1300 soldados na terceira expedição atacou o arraial metralhandoo por horas a fio As tropas do governo foram porém derrotadas Moreira César baleado e morto e ao fugirem os soldados foram novamente atacados pelos sertanejos centenas morreram A repercussão da derrota foi estrondosa No Rio de Janeiro capital da República os jornais divulgavam que Canudos era um reduto monarquista e tinha que ser destruído Mesmo assim o arraial resistia a ataques cada vez mais violentos da quarta expedição enviada pelo governo composta de 421 oficiais e 6160 soldados armados até os dentes Em outubro de 1897 o Exército garantiu que quem se rendesse sobreviveria Mas o acordo não foi cumprido e muitos dos homens mulheres e crianças que se entregaram foram degolados No dia 5 do mesmo mês por fim o arraial foi invadido queimado com querosene e dinamitado A República procurou converter Canudos num grande exemplo um exemplo da barbárie contra a civilização do atraso contra a modernidade O corpo de Antônio Conselheiro também fez parte da performance Seu crânio foi levado ao Rio de Janeiro para que o médico Nina Rodrigues e a ciência dessem a última palavra sobre a loucura e a mestiçagem Havia mesmo um abismo entre as diferentes partes do país e era premente o alerta para que as elites intelectuais e políticas olhassem finalmente para seu interior Talvez a melhor expressão desse descompasso esteja no desabafo de Euclides da Cunha no final de Os sertões Fechemos este livro Esta página imaginamola sempre profundamente emocionante e trágica mas cerramola vacilante e sem brilhos Vimos como quem vinga uma montanha altíssima No alto a par de uma perspectiva maior a vertigem30 Mais do que analisar cada movimento e foram muitos o importante é destacar como por trás de cada um deles está a questão da posse da terra o desejo de justiça a imoderação religiosa e o encontro entre revolta e mística Digna de atenção é a peculiaridade de suas organizações que revelam a persistência de estruturas de poder baseadas nas polaridades dispostas entre padres e fiéis coronéis e seus dependentes padrinhos e afilhados beatos e seguidores santos e devotos coronéis e bandos armados31 Não por acaso nesse momento ganharam fama ultrapassando a fronteira do sertão chefes de bandos armados como Antônio Silvino Lampião e Antônio Dó personagens ambíguos representativos de uma alternativa às relações de poder enraizadas na posse da terra Ao mesmo tempo que acenavam para uma vida mais justa e igualitária terminaram reproduzindo as antigas marcas da violência e do arbítrio Desafiando os modelos de cidadania e da igualdade jurídica aí estavam os sertões bravios com seus personagens inesperados mas essenciais para se entender a jovem República brasileira OS OUTROS E NÓS AS GREVES OPERÁRIAS SACODEM O PAÍS Dos anos 1910 em diante outro setor se agitaria os operários do novo parque industrial resultado bastante imediato da chegada de imigrantes europeus E se não foram os imigrantes os únicos nem os maiores responsáveis pelos movimentos grevistas é certo que tiveram grande influência sobretudo no que se refere à entrada do anarquismo no Brasil a partir da década de 1890 Italianos espanhóis portugueses e muitos brasileiros adeririam ao movimento e essa constituiria a mais importante corrente de organização e mobilização política dos operários por mais de trinta anos A industrialização brasileira se iniciou por volta de 1840 quando as novas fábricas demandaram mão de obra operária especialmente na construção civil e ferroviária32 A partir da década de 1860 com o aparecimento das tecelagens de algodão a indústria foi se concentrar cada vez mais na Região CentroSul do país e de 1880 em diante já se notavam índices de aceleramento no desenvolvimento industrial acompanhado por uma demanda crescente de mão de obra entre 1880 e 1884 foram abertas 150 novas fábricas em 1907 esse número saltou para 3410 e em 1929 13336 novos estabelecimentos absorviam um total de 275512 operários33 A base social dessa classe operária vinha das migrações interregionais e a partir dos anos 1860 nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro era originária também da mão de obra imigrante sobretudo italiana Durante esse período São Paulo consolidou sua vocação como centro industrial ancorou o processo de industrialização nomeadamente na indústria têxtil e fortaleceu a presença estrangeira na base social da força de trabalho fabril em 1912 60 dos operários têxteis de São Paulo eram italianos e vinham principalmente de Nápoles Vêneto Sicília e Calábria A imigração italiana ajuda a entender a associação dos trabalhadores brasileiros com o anarquismo força política hegemônica no movimento operário italiano pelo menos em São Paulo34 E reza a boa tradição revolucionária um anarquista italiano ao imigrar transformavase num missionário dos ideais libertários Os ideais desse grupo também desembarcaram na bagagem dos imigrantes espanhóis e portugueses os quais assumiram papel decisivo na orientação política do movimento operário que crescia igualmente no Rio de Janeiro e em Minas Gerais Anarquista é aquele que se propõe a criar uma sociedade sem Estado formada por comunidades autogeridas cujo cotidiano é orientado pelos princípios da liberdade da livre experimentação da solidariedade e da fraternidade No Brasil os anarquistas se organizaram entre os operários através de associações de luta e de reivindicações voltadas para a propaganda melhoria das condições de vida do trabalhador e do seu acesso à educação Criaram diversas publicações O Amigo do Povo A Voz do Trabalhador A Terra Livre A Plebe A Lanterna e utilizaram a greve como principal arma de mobilização e combate Também se dividiram entre duas correntes Os anarcossindicalistas predominaram em São Paulo e apostavam nas associações como principal espaço de atuação política Já os anarcocomunistas acreditavam na insurreição como caminho de ação revolucionária Todos porém estavam de acordo num ponto apenas através da ação direta e autônoma dos operários seria possível alcançar a abolição do capitalismo e a instauração da anarquia Não por coincidência o período de 1906 a 1908 foi marcado por um crescimento no número de greves A classe operária reagia às péssimas condições de trabalho não havia restrição de idade ou tempo máximo de jornada diária assim como lutava por melhores salários e pela criação de órgãos de representação como sindicatos e partidos Crianças trabalhavam nas fábricas a partir de cinco anos de idade sendo que menores chegavam a constituir metade do número total de operários empregados O censo industrial de 1919 também assinala a existência de largo contingente de mão de obra feminina A presença de crianças e mulheres nas fábricas levava à diminuição do nível médio dos salários enquanto a carestia aumentava nos anos de guerra A classe operária tornouse um novo protagonista na vida pública do Brasil Os operários se organizaram em sindicatos federações sindicais e diferentes tipos de organizações e rapidamente chegaram à criação de uma central sindical de orientação anarquista a Confederação Operária Brasileira COB criada em 1906 Entre 1900 e 1920 estouraram cerca de quatrocentas greves organizadas em torno da luta por melhores condições de trabalho e de vida aumento de salário proteção ao trabalhador redução de jornada de trabalho direito de organização ou de natureza explicitamente política greves contra a Primeira Guerra e em solidariedade às lutas internacionais dos operários Em 1902 ocorreu no Rio de Janeiro a primeira manifestação grevista nesse caso envolvendo uma fábrica de sapatos Em 1903 também na capital federal eclodiu a primeira greve geral multiprofissional que se estendeu aos pintores gráficos chapeleiros e outros setores sendo reprimida pela polícia Em 1904 nova greve coordenada por funcionários da Cia Docas de Santos e apoiada pelos gráficos de São Paulo e pelos marítimos do Rio de Janeiro Em 1906 uma das greves ferroviárias de maior proporção estourou em São Paulo motivada pelos abusos cotidianos sofridos pelos operários locais e pela redução de salários Em 1907 conheceuse a primeira greve geral em São Paulo pela defesa das oito horas de trabalho difundindose o movimento para outras cidades do estado como Santos Ribeirão Preto e Campinas A agitação tomou conta das indústrias de alimentação da metalurgia e alcançou sapateiros e gráficos chegando a atingir 2 mil operários No entanto a despeito do claro crescimento do movimento grevista num país de tradição clientelística e pouco afeito à esfera pública de representação as greves eram alvo de repressão sistemática Vários imigrantes foram expulsos do Brasil sob alegação de serem anarquistas e baderneiros e muitos trabalhadores nacionais acabaram espancados e presos pela mesma razão As crises de 1910 e 1913 o desemprego a redução nas horas de trabalho e o prolongamento da jornada explicam a força do movimento anarquista Em 1917 a greve atingiu de 50 mil a 70 mil operários no Rio de Janeiro e em São Paulo chegou à maioria da população trabalhadora ver imagem 89 Os resultados práticos não foram imediatos mas a repercussão ajudou na mobilização dos trabalhadores e na formação dos futuros sindicatos35 O clima andava quente e entre 1919 e 1920 só na capital de São Paulo ocorreram 64 greves e mais catorze no interior O Primeiro de Maio de 1919 congregou de 50 mil a 60 mil participantes no Rio de Janeiro entre trabalhadores industriais líderes anarquistas e simpatizantes do comunismo Em São Paulo calculase um perfil semelhante incluindo têxteis sapateiros gráficos padeiros metalúrgicos e operários A partir dos anos 1920 a forte repressão policial praticada contra os trabalhadores reduziu a possibilidade de greves e enfraqueceu a movimentação dos sindicatos Em 1922 com a criação do Partido Comunista fundado quase que inteiramente por ex anarquistas a liderança passaria aos poucos para os comunistas mas a divisão entre os dois grupos acabaria por diminuir a capacidade de mobilização Por outro lado com o fracasso das duas greves que abriram a década de 1920 a dos têxteis em São Paulo e a dos ferroviários no Rio a mobilização decresceu O movimento operário no entanto continuou presente na vida pública brasileira e se tornaria nas décadas seguintes mais amplo organizado e complexo Como se pode notar campo e cidade mostravam mais identificações que rupturas O melhor exemplo talvez esteja na relação entre o nome Canudos e a realidade das favelas que se desenvolviam nos arredores das cidades Foi no morro da Providência na zona portuária que se localizou a primeira favela do Rio de Janeiro povoada pelos ex combatentes de Canudos Contam os cronistas que junto com suas mulheres as chamadas vivandeiras que abasteciam de gêneros todo o regimento eles organizaram acampamentos perto do Ministério da Guerra demandando novas moradias Contudo o que era abrigo transitório se transformou em moradia definitiva assim como os morros nas laterais da cidade foram sendo ocupados A própria palavra favela tem origem em planta do mesmo nome que brotava abundante no cenário seco do arraial de Canudos e já designava o morro situado bem no teatro de operações de Canudos o morro da Favela Com o fim da batalha passou a nomear o conjunto dos casebres erguidos pelos excombatentes no morro da Providência Se não fosse verdade pareceria piada de mau gosto pois o termo se generalizou pelos aglomerados urbanos de início do século XX lembrando esse encontro ainda hoje tenso entre tantos Brasis36 ANTROPÓFAGOS UNIVOS OS MODERNISMOS E AS NOVAS FORMAS DE SER BRASILEIRO O descontentamento andava por toda parte e não era privilégio de um só grupo social Na verdade os anos 1920 abriram uma agenda de mudanças e inauguraram no país hábitos procedimentos e diagnósticos que orientariam várias gerações Se nesse momento se generalizou um sentimento de decepção com relação à República foi também nele que se imaginou um Brasil moderno Sobretudo a intelectualidade nacional passaria a questionar concepções mais tradicionais na área da cultura assim como enfrentaria as instituições republicanas elevando o tom da ruptura Aí estavam novos atores que passaram a lutar por direitos e participação37 O marco desse processo foi o ano de 1922 quando dois eventos profundamente diferentes ocorreram de um lado em todo o país se comemorou o centenário da Independência de outro em São Paulo aconteceu a Semana de Arte Moderna A Semana seria no futuro imediato identificada com o momento inaugural o marco zero para entender a reação de toda uma geração que rompeu com os padrões vigentes muito vinculados à cultura bacharelesca O padrão era até então dado pela Academia Brasileira de Letras fundada em 1897 por um colegiado de homens públicos e intelectuais do calibre de Machado de Assis Graça Aranha Oliveira Lima Rui Barbosa e Joaquim Nabuco Seguindo o modelo da matriz francesa a ABL reunia quarenta personalidades de peso que na época representavam uma espécie de arcabouço intelectual moral e político da nação38 No entanto com o correr do tempo o grupo acadêmico ocupou lugar mais assentado e corporificou um padrão sobretudo de conduta que o manteve longe das vanguardas das novas experiências simbolistas e modernistas e especialmente do grupo boêmio que se reunia nos bares e livrarias cariocas verdadeiros clubes de sociabilidade dessas novas gerações Vários modernismos surgiram ao mesmo tempo revelando um movimento plural que respondia à entrada de uma nova linguagem e visão do Brasil E se o agito foi variado coube à experiência paulista de 1922 catalisar a percepção desse momento em que confluíram ideias contestações e anseios dispersos pelo país O marco simbólico aconteceu de 11 a 18 de fevereiro de 1922 quando São Paulo sediou no vistoso e neoclássico Theatro Municipal uma Semana de Arte Moderna promovida por intelectuais como os escritores Mário de Andrade e Oswald de Andrade os artistas Tarsila do Amaral Di Cavalcanti Anita Malfatti e Victor Brecheret o músico Heitor VillaLobos entre outros Graça Aranha membro da Academia foi também um dos organizadores do evento assim como o intelectual e cafeicultor Paulo Prado que ajudou a financiar as atividades Em pauta estava a crítica à importação de movimentos artísticos e teorias estrangeiras propondo a reintrodução de modelos nacionais O intento era renovar o ambiente artístico e cultural adotando experiências estéticas de vanguarda que ocorriam na Europa como o futurismo italiano o cubismo o expressionismo mas fazendo uso de uma régua brasileira Se a Semana não teve grande repercussão imediata e ao contrário recebeu muitas críticas com o tempo ela se projetou e adquiriu um significado que a uniu à noção de modernismo e vanguarda no país Em 1928 era lido e depois publicado no primeiro número da Revista de Antropofagia ver imagem 4 o Manifesto antropófago A autoria era de Oswald de Andrade que já havia escrito outro o da Poesia PauBrasil incitando a criação de uma poesia em moldes brasileiros Cosmopolita e membro de uma família de recursos Oswald em suas viagens à França ficara impressionado com as novas correntes de vanguarda conhecera a produção cultural africana e da Polinésia lera sobre a psicanálise assim como privara do contato com a intelectualidade local O Manifesto antropófago seria caudatário dessa experiência e logo se converteria num slogan do grupo e da geração Nele desfilavam de forma bemhumorada referências a Rousseau Montaigne Picabia Freud e em destaque aparecia exposta a contradição entre duas culturas distintas e coetâneas a primitiva ameríndia e africana e a latina europeia Diferentemente do indigenismo romântico do XIX a ideia era apresentar não um processo de assimilação pacífico mas a tensão inerente a esse encontro que levaria à deglutição crítica do outro Tupi or not tupi that is the question Só me interessa o que não é meu são aforismos que mostram com ironia a contraposição aos movimentos artísticos do Império A palavra de ordem seria agora antropofagia e a ambição produzir uma língua literária e não catequizada Oswald releria o conceito para mostrar como no Brasil a prática da antropofagia cultural fizera com que adotássemos uma deglutição e uma tradução particulares Ou seja as influências externas seriam devoradas e vomitadas criandose daí um produto totalmente novo Estava em curso o retorno de filosofias e culturas ameríndias mas também africanas Caso exemplar é a publicação de outra obra Macunaíma de Mário de Andrade em 1928 O romance narra a história desse herói sem nenhum caráter que percorre o Brasil todo à procura de uma pedra a muiraquitã um amuleto da sorte A trama solapa cronologias fáceis e desterritorializa o país com o personagem saltando de uma ponta a outra da fronteira O livro nascia clássico ao descrever as desventuras desse herói brasileiro alijado do padrão mais universal ele mentia negociava prejudicava os demais mas chorava e se enternecia também Dessa vez de forma metafórica o herói de nossa gente um preto retinto vira branco um de seus irmãos vira índio e o outro negro branco na palma das mãos e na sola dos pés Como concluía Mário E estava lindíssimo na Sol da lapa os três manos um louro um vermelho outro negro de pé bem erguidos e nus39 Macunaíma representava assim o resultado de um período fecundo de estudos e dúvidas sobre a cultura brasileira40 incorporando traços de uma cultura não letrada em que se inseriam indígenas caipiras sertanejos negros mulatos e brancos muitos deles até então esquecidos nas artes nacionais Mário que nasceu e viveu na cidade de São Paulo que nunca saiu do país foi sem dúvida o personagem mais significativo nesse processo de abrasileiramento do Brasil41 Não que ele fosse xenófobo ou tivesse aversão a valores do estrangeiro Seu fito era adquirir uma dicção própria relacionando se com as culturas e histórias de seu país Mário de Andrade e seu livro restaram como ícones desse novo momento em que o Brasil começava a se entender e autofotografar Não só se negava o argumento racial e seu derrotismo como a mestiçagem e a presença de negros aqui viravam características fundamentais uma verdadeira fortuna Entretanto se São Paulo cumpriu o papel de marco vale relativizar sua centralidade exclusiva Saldanha Marinho deixaria uma frase que virou bordão para toda uma geração que adotou a modernidade como forma de refletir ceticamente sobre o período Essa não é a república dos meus sonhos Membro histórico do Partido Republicano signatário do manifesto de 1870 um dos redatores da Constituição de 1891 e senador do novo regime Marinho expressava o ceticismo dos intelectuais da época e de vários intelectuais cariocas Reunidos nos cafés e confeitarias eles tomaram a cidade como seu palco e projeção desenvolveram uma literatura satírica e humorística e se vestiram como um grupo boêmio sempre às turras e em meio a garrafas nos bares cariocas Oposta ao bom mocismo da Academia e ao perfil mais intelectual paulistano essa era uma geração de profissionais liberais que pretendia chocar e cuja sociabilidade incluía o relacionamento com outros grupos como por exemplo aqueles que se reuniam em casa da tia Ciata42 Nascida em Santo Amaro da Purificação na Bahia tia Ciata tinha ascendência no interior de uma comunidade muito peculiar de negros baianos instalada no bairro carioca da Saúde na área central do Rio de Janeiro As tias são baianas mais velhas exercem liderança na comunidade e a mais famosa delas foi mesmo tia Ciata Hilária Batista de Almeida era quituteira dona do tabuleiro mais famoso da cidade confeccionava trajes de baiana para os clubes carnavalescos e andava pelas ruas do Rio sempre com suas vestes de baiana Nos fins de semana organizava pagodes e festas dançantes em sua casa baile na sala de visitas samba nos fundos e batucada no terreiro dizia o compositor João da Baiana frequentador assíduo Com suas festas ela tecia também relações com outros personagens do mundo carioca já que nelas reunia compositores malandros intelectuais artistas jornalistas e publicistas Iniciada no candomblé em Salvador tia Ciata era filha de Oxum e tinha posição proeminente no terreiro de João de Alabá no Rio de Janeiro sendo ainda curandeira reconhecida Na casa de tia Ciata foi criado o primeiro samba gravado em disco Pelo telefone que o compositor Donga registrou em seu nome na seção de autores da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro Com esse gesto Donga assegurou direitos autorais sobre uma composição provavelmente de produção coletiva O registro provocou polêmica os habitués das noitadas musicais do bairro da Saúde reclamaram contra a presunção de autoria de Donga e fizeram seu protesto circular pela cidade inclusive sob a forma de versos Ó que caradura De dizer nas rodas Que esse arranjo é teu É do bom Hilário E da velha Ciata Que o Sinhô escreveu Irreverente esse foi o ambiente propício para o desenvolvimento do samba carioca que contava com nomes como Pixinguinha Caninha China Heitor dos Prazeres João da Baiana Sinhô e para outras manifestações que representavam o adensamento de um pujante caldo cultural afrobrasileiro incluindose aí os modernistas cariocas que frequentavam esse mesmo circuito As margens sociais do modernismo carioca foram assim mais amplas favorecendo o encontro entre o pobre carioca mulato ou negro intelectuais e filhos da burguesia Outro bom exemplo é o da compositora popular Chiquinha Gonzaga solando o CortaJaca em festa oficial no Catete a convite da esposa do então presidente da República Hermes da Fonseca Na comparação entre modernos as relações no caso dos cariocas eram muito mais informais e a abrangência social mais ampla Não só Ciata ou Gonzaga faziam parte do grupo estendido mas também Suzana nome de ficção de Tina Tati conhecida dona de um cabaré muito atuante na propaganda abolicionista e Maria Bragança de Mello defensora do nudismo e cultora de ciências ocultas O grupo foi muito influenciado por artistas da geração anterior como Paula Nei Pardal Mallet e José do Patrocínio Contudo reunia agora figuras de expressão como o jornalista e escritor Lima Barreto o crítico Gonzaga Duque o caricaturista Raul Pederneiras o poeta Emílio de Menezes Bastos Tigre que recebeu o pseudônimo de Don Xiquote por causa de sua veia crítica e ácida Eles se autodenominaram confraria humorística e adotaram o Café Papagaio como quartelgeneral43 Organizar performances simular situações de atrito improvisar discursos e fazer muita piada e deboche eram algumas das especialidades desse grupo boêmio No Café Papagaio até a mascote chamada Bocage era malcomportada falava palavrões usava termos pornográficos e declamava versinhos indecorosos44 A má fama era tal que dizem que até a ave foi apreendida pela polícia Mas se o grupo aproveitava a vida e se divertia também produzia e muito revistas livros de ficção artigos em jornal obras de poesia Enfim modernismo se escreve no plural com s e vários projetos paralelos iam tomando forma E a cada estado a sua imagem São Paulo por exemplo diante de seu recente papel no cenário nacional passou a buscar elementos que destacassem sua modernidade Bandeirantes deixaram de ser vistos como meros aventureiros caçadores de escravos e aprisionadores de indígenas para serem convertidos em heróis de uma raça símbolos do caráter empreendedor da gente paulista Também foi nesse momento que as Minas Gerais barrocas seriam pinçadas pelos modernistas para se armarem como berço da cultura brasileira A ideia era apagar qualquer passado imperial considerado artificial e copiado exaltandose agora um país mestiço A publicação de Casagrande senzala datada de 1933 é igualmente emblemática sinalizando para esse movimento de longo curso que conformava novos ícones da modernidade Retomando a temática e a experiência da convivência entre as três raças Gilberto Freyre um intelectual da elite de Pernambuco trazia para seu livro a experiência privada das oligarquias nordestinas e fazia desta um exemplo de identidade A obra oferecia um novo modelo para a sociedade multirracial brasileira invertendo o antigo pessimismo e introduzindo os estudos culturalistas como alternativas de análise O cadinho das raças aparecia como uma versão otimista do mito das três raças mais evidente aqui do que em qualquer outro lugar Todo brasileiro mesmo o alvo de cabelo louro traz na alma quando não na alma e no corpo a sombra ou pelo menos a pinta do indígena eou do negro45 afirmava Freyre tornando a mestiçagem uma questão de ordem geral Era assim que o cruzamento de raças passava a singularizar a nação nesse processo que leva a miscigenação entre diferentes grupos sociais na maioria das vezes violenta a se transformar em modelo de sociabilidade Não que inexistissem relatos cruéis na obra de Freyre mas é evidente como o antropólogo idealizava uma nova civilização cujo modelo era agora o da casagrande nordestina Diferentemente do modernismo paulista e carioca eminentemente urbano nesse caso era a sociedade colonial da cana pescada no passado que virava forma de nacionalidade Inclusão casavase com exclusão social e os opostos se equilibravam o senhor patriarcal e o escravo fiel46 Freyre mantinha intocados em sua obra os conceitos de hierarquia social dada por critérios raciais assim como não deixava de descrever a violência e o sadismo presentes durante o período escravista A novidade do seu argumento estava em destacar a intimidade do lar suavizar a vida dura do eito e fazer de tudo material de exaltação enfim uma boa escravidão como se essa não fosse uma contradição em seus termos O DAY AFTER POPULAÇÕES NEGRAS APÓS A ABOLIÇÃO Por sinal passada a euforia dos primeiros momentos da Lei Áurea de 1888 foram ficando claras as falácias e incompletudes da medida Se ela significou um ponto final no sistema escravocrata não priorizou uma política social de inclusão desses grupos os quais tinham poucas chances de competir em igualdade de condições com demais trabalhadores sobretudo brancos nacionais ou imigrantes A impressão era a de que seria preciso apagar o passado negro conforme teria dito Rio Branco o ministro de Relações Exteriores num duplo ato falho Vale lembrar a estrofe do novo Hino da República que como sabemos foi escrito no início de 1890 e conclamava Nós nem cremos que escravos outrora Tenha havido em tão nobre país Outrora fora um ano e meio antes mas ninguém mais fazia questão de recordar Na realidade nos primeiros anos da República pairava um verdadeiro medo de novas escravizações ou da vigência de políticas raciais no país Sobre os libertos recaía portanto um fardo pesado condicionado pelos modelos deterministas de interpretação social e pela própria história Foi por isso que ocorreu então uma reversão de expectativas uma vez que a igualdade jurídica e social acabou sendo condicionada por novos critérios raciais religiosos étnicos e sexuais Segundo a visão da época a explicação para a falta de sucesso profissional ou social dos negros e mestiços estaria na biologia ou melhor na raça e não numa história pregressa ou no passado imediato Henrique Roxo médico do Hospício Nacional em pronunciamento no II Congresso Médico LatinoAmericano de 1904 asseverava que negros e pardos deveriam ser considerados como tipos que não evoluíram ficaram retardatários Segundo ele se cada povo carregava uma tara hereditária no caso desses grupos ela era pesadíssima levando à vadiagem ao álcool e demais distúrbios mentais O médico não deixava de incluir argumentos sociais culpando a transição bruscada assim como o crescimento desorganizado das cidades O fato é que o país continuava sendo representado como um gigante mestiço que nesse sentido pedia cuidados O Brasil foi o único país latinoamericano a participar do I Congresso Internacional das Raças em julho de 1911 e enviou para Londres o então diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro João Batista de Lacerda Por lá o cientista apresentou um artigo intitulado Sur les Métis au Brésil com conclusões insofismáveis É lógico supor que na entrada do novo século os mestiços terão desaparecido no Brasil fato que coincidirá com a extinção paralela da raça negra entre nós47 O texto apostava a partir de argumentos biológicos e sociais num futuro branco e pacífico com os negros e mestiços desaparecendo para dar lugar a uma civilização ordenada e crescentemente branqueada Porém a tese do cientista seria recebida de maneira pessimista no país mas não pelos motivos que podemos imaginar Ao contrário julgavase que um século era tempo demais para que o Brasil se tornasse definitivamente branco Também o antropólogo Roquette Pinto presidente do I Congresso Brasileiro de Eugenia ocorrido em 1929 previa um país cada vez mais branco em 2012 teríamos uma população composta de 80 de brancos e 20 de mestiços nenhum negro nenhum índio A entrada conjunta e maciça dessas escolas fez com que o debate pósabolição fosse deslocado da questão jurídica do acesso à cidadania e igualdade para argumentos retirados da biologia A ciência naturalizava a história e transformava hierarquias sociais em dados imutáveis E o movimento era duplo de um lado destacavase a inferioridade presente no componente negro e mestiço da população de outro tentavase escamotear o passado escravocrata e sua influência na situação atual do país Desenhavase assim uma espécie de subcidadania que mirava os habitantes dos sertões mas também dos cortiços tão bem descritos por Aluísio Azevedo que em 1890 publicou O cortiço romance em que caracterizava tais aglomerados como verdadeiros barris de pólvora não só por reunirem populações tão distintas portugueses espanhóis exescravos negros e mulatos livres como por carregarem as mazelas dessa urbanização feita às pressas e às custas da expulsão de largos contingentes populacionais Os libertos conviviam pois com o preconceito do passado escravocrata somado ao preconceito de raça Não por acaso o escritor Lima Barreto afirmou em seus diários que no Brasil a capacidade mental dos negros é discutida a priori e a dos brancos a posteriori e finalizou desabafando É triste não ser branco48 Após a Abolição as populações de origem africana foram marcadas por um racismo silencioso mas eficaz expresso por uma leitura hierarquizada e criteriosa das cores Imagens como o ócio e a preguiça se associaram rapidamente aos negros e mestiços definidos como desorganizados social e moralmente É por isso que a liberdade era negra mas a igualdade branca49 A igualdade e a cidadania eram ganhos das elites brancas e com acesso a voto sendo que as populações que conheceram a escravidão deveriam se limitar a celebrar a liberdade do ir e vir Bom exemplo seria o apego imediato à posse de certos objetos cuja proibição de uso simbolizava a própria ausência de liberdade Conta o viajante LouisAlbert Gaffre que logo depois da Abolição negros e negras de posse de suas pequenas economias dirigiramse às lojas de calçados acessórios que lhes eram até então interditados Contudo se foi grande a procura desses ícones da liberdade o resultado imediato se revelou decepcionante Os pés outrora descalços calejados acostumados ao contato direto com o chão não aguentaram o uso de tanta modernidade Por isso testemunhas de época relatam ter observado nas ruas da cidade ou no campo negros carregando pares de calçado não nos pés mas apoiados nos ombros como bolsa a tiracolo ou troféus ver imagem 150 Liberdade de toda forma significava o arbítrio de poder comprar e usar o que se quisesse e de ter nome e identidade Não obstante o desfile de continuidades era maior que o de rupturas Sobretudo nas áreas rurais os libertos misturaramse à população pobre situação aliás que nada trazia de novidade O que representava sim uma novidade era o nomadismo experimentado por essas populações que agora evitavam estabelecerse em endereço fixo O que se sabe é que esse vasto segmento formado também por caipiras sertanejos e caboclos habituara se a desenvolver roças volantes e deslocarse sazonalmente atuando como vaqueiros tangedores domadores de cavalos jornaleiros nas planícies do Sul do país ou na pecuária nordestina Esse tipo de condição explicaria também o hábito da parcimônia nos bens e da recusa das criações animais51 Trabalhadores negros se misturaram à população camponesa aderiram ao modo de vida caipira e caboclo de São Paulo tomaram parte na produção agrícola das fazendas de Minas Gerais assim como atuaram na economia açucareira e na cultura do algodão do Nordeste Evitavam vida sedentária e viviam em torno dos mínimos vitais52 uma cultura dirigida para a produção dos pequenos excedentes tanto comerciais como alimentares uma sociabilidade construída na base das relações de vizinhança e das reuniões nos arraiais vilas e bairros rurais Assim se alguns sanitaristas apontavam a apatia e a degeneração dos mestiços e reconheciam neles um Brasil doente relatos de cronistas enalteciam agora o que chamavam de um modo de vida puro e caipira É dessa época a contraposição entre o mestiço corrompido e a representação do Jeca Tatu personagem criado pelo escritor Monteiro Lobato em 1914 no artigo Urupês para o jornal O Estado de S Paulo O modelo original vinha do caipira da região do Vale do Paraíba e o personagem se converteria numa das mais conhecidas caricaturas dos pobres rurais no imaginário dos brasileiros Para Lobato diante de problemas que vivenciava como agregado das grandes transformações na vida política das secas intermitentes e da carestia constante o caboclo permanecia alheio a qualquer mudança Não por coincidência nesse mesmo contexto Rui Barbosa proferiu uma palestra utilizandose da caricatura do Jeca Quem afinal seria o povo brasileiro perguntava ele Aquele caboclo agachado e cujo voto era trocado por uma bebida no bar ou um rolo de fumo ou o senhor da elite que lia em francês fumava cigarros e ia aos teatros e óperas italianas53 Perguntas desse tipo ocuparam os debates políticos que antecederam o fim da Primeira República em 1930 e representavam o outro lado dos projetos de modernização do país Aí estava o Brasil das casas de pau a pique na versão mineira das cafuas na Chapada Diamantina do mocambo nordestino ou das palhoças dos ribeirinhos Era nesses locais que se praticava uma sociabilidade cabocla caracterizada pelos ritos de respeito mas também pela violência Ao largo de uma agricultura itinerante produziase uma alimentação caipira à base de mandioca milho e feijão Em dias especiais galinha ou carneseca misturadas com farinha pirão angu e paçoca Cultuavase igualmente uma religiosidade popular que mesclava em doses generosas um catolicismo rústico com práticas retiradas de diversas tradições nacionais e também estrangeiras onde ao sagrado se misturavam feitiços quebrantos e preces Aí estava o lado oposto de um mesmo país O oposto do mesmo INDÍGENAS E AMERÍNDIOS OS BÁRBAROS AINDA ENTRE NÓS Dentre os excluídos que a República criou um grupo esteve sistematicamente distante das políticas e propósitos dos governantes republicanos os indígenas Se mesmo no Império o interesse foi mais retórico do que pragmático e se os nativos figuraram antes no romanceiro romântico do que em políticas de efetiva aplicação com a República o apagamento seria ainda mais evidente54 Caso exemplar foi o massacre do grupo Kaingang para que a estrada de ferro Noroeste do Brasil pudesse passar Na época Hermann von Ihering diretor do Museu Paulista foi aos jornais defender o extermínio desses grupos Foi em 1880 que teve início no Oeste Paulista o processo de demarcação de terras das tribos Guarani Xavante e Kaingang E se as duas primeiras nações foram integradas mesmo que ao preço de serem dizimadas culturalmente a última resistiu à invasão de suas terras O auge do confronto se deu em 1905 com a construção da estrada de ferro A resistência indígena na época chamada de muralha Kaingang foi brava e longa A situação só foi controlada em 1911 depois de o grupo ter sido praticamente exterminado e graças à intervenção do Serviço de Proteção ao Indígena SPI Na condução dessa instituição estava Cândido Mariano Rondon militar e sertanista que construiu linhas telegráficas de Mato Grosso a Goiás entre outras atividades O governo republicano andava preocupado com o isolamento da região e com a fragilidade das áreas de fronteira Foi Rondon quem cumpriu o papel de incorporar a Amazônia efetivamente à nação não só por meio do telégrafo neste caso o CentroOeste ao Sul do país como mapeando o local desbravando terras e estabelecendo um primeiro contato com os indígenas Mas em cada região a política de terras era distinta ainda mais se lembrarmos que existiam áreas consideradas novas como a Amazônia redescoberta por conta da expansão da borracha e outras de colonização antiga De toda maneira a questão indígena deixara de vincularse ao tema da mão de obra para se configurar como um problema de terras Nas regiões de povoamento antigo a ordem era controlar o perímetro dos aldeamentos Já nas frentes de expansão ou rotas fluviais a despeito de se fazer uso de mão de obra indígena o objetivo era a conquista territorial justificada a partir da noção da segurança dos colonos Nesse momento a saída implicaria a adoção de medidas que se não eram inéditas jamais haviam sido implementadas com conivência do Estado As diretrizes eram duas ou o extermínio dos índios bravos ou civilizálos e incluílos na sociedade55 Apesar dos termos da Constituição republicana tardaria para que uma política de proteção e inclusão fosse de fato implementada CRISE NA TERRA DO FAVOR Entre 1914 e 1918 o período da Primeira Guerra o país conheceu uma série de novidades que bem reunidas gerariam muito movimento e agitação Foi nesse momento que se deu a crise da economia agrárioexportadora motivada pelas contínuas secas e flutuação no preço do café Ao mesmo tempo com a entrada da população imigrante e o desenvolvimento urbano que se acelerou após o fim da Primeira Guerra Mundial tomou força um grupo de profissionais liberais desvinculado da grande lavoura Além do mais o processo de substituição de importações ocorrido durante o contexto da guerra levaria à expansão do pequeno comércio e da pequena indústria e com ele ao aumento do contingente de comerciantes artesãos e industriais de menor porte Por outro lado com a intervenção do Estado cresceu o funcionalismo público e o número de assalariados ligados ao sistema administrativo do país Ocorreu um verdadeiro inchamento do aparelho de Estado sendo os funcionários públicos ironizados por literatos como Machado de Assis e Lima Barreto eles próprios tendo atuado na profissão Barreto por exemplo desfaz desse tipo de ganhapão Logo no primeiro dia em que funcionei na secretaria senti bem que todos nós nascemos para empregado público Tão depressa foi a minha adaptação que me julguei nascido para ofício de auxiliar o Estado com a minha reduzida gramática e o meu péssimo cursivo na sua missão de regular a marcha e a atividade da nação56 Importante é que as cidades cresceram porém sem romper com a dinâmica do modelo agroexportador Ao contrário durante a Primeira República expandiuse o fenômeno conhecido como voto de cabresto e do coronelismo na sua correlação com o governo configuração que a princípio neutralizou a atuação desses novos grupos urbanos limitando a participação e o voto Era difícil mostrar autonomia nessa terra do favor Longe do liberalismo político da compreensão de que a abolição era resultado de um movimento coletivo e que a República nascera de um acerto entre cidadãos continuava forte o complicado jogo das relações pessoais contraprestações e deveres chave do personalismo e do próprio clientelismo No entanto mesmo antes da guerra ocorreu o fortalecimento de protagonistas mais autônomos e que passaram a se contrapor aos interesses agrários Exemplo de manifestações da nascente classe média urbana foram o florianismo a campanha civilista de 1909 a luta contra a carestia que varreu as cidades brasileiras e as rebeliões tenentistas dos anos 1920 que percorreram o país de ponta a ponta Por sinal a eclosão de vários movimentos tenentistas na década de 1920 desestabilizou ainda mais o frágil equilíbrio da Primeira República Em 1920 os oficiais de baixa patente formavam boa parte do corpo de oficiais 651 eram segundostenentes ou primeiros tenentes e 213 eram capitães57 Tinham um pé no Exército outro na sociedade Os tenentes como ficaram conhecidos acreditavam que o Brasil precisava de um governo central forte capaz de intervir na economia para desenvolver os recursos naturais promover a industrialização e proteger o país da exploração estrangeira Também enxergavam no regionalismo e na corrupção a origem e os motivos do que havia de errado no Brasil Eram liberais em temas sociais e autoritários em política E agiam na cena pública como militares estavam dispostos a proteger o país e a destruir o poder das oligarquias regionais reduzir o quadro das profundas desigualdades sociais acabar com o analfabetismo mas não sabiam o modo de atingir seus propósitos nem como construir o país com que sonhavam E então partiram praticamente sozinhos para enfrentar o governo A Revolta dos 18 do Forte que aconteceu no Rio de Janeiro em 5 de julho de 1922 é considerada o primeiro levante tenentista e teve momentos dramáticos com o fim da rebelião no Forte de Copacabana 28 oficiais decidiram prosseguir e saíram em marcha pela avenida Atlântica para confrontar a tropa legalista ver imagem 90 No trajeto dez abandonaram o grupo os dezoito restantes continuaram a marchar em meio ao tiroteio Apenas dois tenentes rebeldes Siqueira Campos e Eduardo Gomes sobreviveram A segunda revolta a Revolução Paulista de 1924 representou o maior conflito bélico até então ocorrido na cidade de São Paulo Deflagrado no dia 5 de julho no segundo aniversário da Revolta dos 18 do Forte o movimento ocupou a cidade durante 21 dias Em 1924 estourou a Comuna de Manaus que se expandiu até a região de Óbidos no Pará Por conta da queda do preço da borracha o estado vivia uma situação caótica com muitas acusações de corrupção administrativa O governo federal visando solucionar a crise recorreu a uma política de créditos que gerou ainda mais endividamentos Militares da guarnição de Manaus protagonizaram então um levante na capital do Amazonas contra os poderes constituídos da República Assim como os demais tenentes consideravam se os legítimos mandatários do povo e pediam a reversão da situação política e econômica Entretanto o levante tenentista de maior repercussão foi a Coluna PrestesMiguel Costa que varreu o país de 1925 a 1927 ver imagem 9158 Se o motivo imediato era derrubar o governo do presidente Artur Bernardes outras demandas tinham fôlego maior Seus membros exigiam o voto secreto a reforma do ensino público a obrigatoriedade do ensino primário e a moralização da política Denunciavam também as miseráveis condições de vida e a exploração dos setores mais pobres A Coluna era fruto da união do grupo de tenentes paulistas vinculados a Miguel Costa com os militares sublevados no Rio Grande do Sul e comandados por Luís Carlos Prestes Este último logo se converteria em símbolo do espírito de mudança que animava os tenentes ganharia a admiração dos setores médios urbanos e se converteria no Cavaleiro da Esperança tendo a Coluna suas fileiras engrossadas pela entrada de voluntários vindos de diferentes pontos do país Percorreriam no espaço de dois anos e cinco meses 25 mil quilômetros atravessando doze estados brasileiros contavam com um núcleo fixo de cerca de duzentos homens o qual no entanto chegou a alcançar um contingente de 1500 participantes em certos momentos da caminhada Nas cidades visitadas pela Coluna a reação era ambígua Se alguns saudavam os tenentes e os viam como salvadores outros reagiam a eles e às práticas arbitrárias que realizavam arrebanhavam cavalos e gado sem o consentimento das populações ordenavam o confisco de remédios ataduras e alimentos em povoados e pequenas cidades A Coluna evitava entrar em choque com as forças militares legalistas movimentavase com grande rapidez e seu propósito era este mesmo manter o movimento como uma espécie de protesto armado que parecesse invencível E nesse aspecto a estratégia deu certo a Coluna cruzou o país de Mato Grosso ao Maranhão refez o trajeto e em 1927 refugiouse na Bolívia No Exército entre os oficiais e em meio à soldadesca crescia a admiração pelos rebeldes Anos mais tarde o general Dutra se lembraria da atitude assumida pela maioria dos militares em campo para combatêlos Deixe que passem diziam uns aos outros A REPÚBLICA QUE NÃO ERA VELHA Com a chegada do fim da década de 1920 a Primeira República ia se esgotando e seu legado parecia mesmo em seu contexto ambivalente De um lado ficaria na lembrança como o momento do boom da urbanização da industrialização e da entrada de imigrantes De outro como um período de repressão de todo tipo de falcatruas políticas da aplicação de medidas racistas e da expulsão da pobreza para as laterais das cidades Além do mais com tantas ambiguidades a República se converteu em palco do conflito sendo os centros urbanos considerados espaços de atuação das classes perigosas e de movimento e reação dos de baixo59 E entre os dois lados melhor ficar com os dois Foi nesse cenário que se deram os primeiros passos para a institucionalização do Estado republicano e pela luta por melhores condições de trabalho Além disso destacar apenas o processo de exclusão social que com certeza ocorreu corresponderia a repetir a visão das elites dirigentes da época que entendiam como hordas anárquicas o que eram antes associações dos mais variados tipos agindo muitas vezes de maneira ordeira a partir de abaixoassinados campanhas públicas e protestos organizados60 Talvez por isso o período tenha ficado conhecido como República Velha termo pejorativo criado depois da Revolução de 1930 Há vários motivos que explicam a designação e sobretudo sua persistência até os dias de hoje De um lado existiram razões de cunho político e social que levaram a alcunha a se enraizar De outro é igualmente verdade que durante essa República tomou forma um processo sem volta de democratização de nossos costumes e instituições Foi nesse momento que os diferentes poderes ganharam uma forja definida ensaiaramse novos processos eleitorais e se rascunharam os primeiros passos no sentido de constituir uma sociedade cidadã com modelos de participação Assim se estouraram muitos conflitos no período se não foram poucos os movimentos autoritários que asseguraram o novo regime republicano na marra na base de muita eugenia e estado de sítio vimos como o momento foi inaugural no sentido de transformar o espaço das cidades no lugar de uma cidadania ativa onde ocorrem as disputas próprias à vida republicana Não seria a primeira vez que políticos e intelectuais vinculados a um novo momento atribuiriam a si mesmos os méritos da novidade e jogariam para outro período em geral o imediatamente anterior a designação de ultrapassado Novos momentos tendem a enxergar o passado a partir de lentes de curto alcance que deformam e selecionam tendo um ponto de vista ressaltado o seu Esse seria o caso da Revolução de 1930 e do Estado que foi logo autodesignado como Novo Estado Novo Segundo essa visão caberia só ao futuro o estabelecimento de uma verdadeira res publica e a introdução de uma realidade social moral e política deveras moderna De todo modo se o país começou a República encantado com a modernidade terminou seus anos 1920 entre angustiado e ansioso para conhecer certa brasilidade rever seu passado e projetar um novo futuro Já disse o crítico Roberto Schwarz que no país tudo parece recomeçar do zero e que por aqui o nacional se constrói por subtração61 Ou seja cada contexto cria novas formas de imaginar o país e tenta apagar o que existia até então Contudo parecia ter chegado a hora de buscar modelos de identidade nacional construídos a partir do sementeiro da especificidade a até então surrada mestiçagem que de biológica vira cultural No Brasil que nasceu dos vários projetos modernistas do início do século figuraria um mundo de ambivalências o passado a conviver com o presente maxixe e lundu com música clássica cordel com literatura acadêmica transporte acelerado com o ritmo do lombo de burro um país urbano ladeado pela realidade isolada dos sertões distantes exclusão social com processos de inclusão clientelismos combinados a processos até então desconhecidos de institucionalização política e social Com efeito os homens da primeira geração republicana brasileira os homens nascidos na passagem do século XIX para o XX conseguiram redescobrir o Brasil no sertão Musicólogos como Mário de Andrade e VillaLobos indianistas como Cândido Rondon ensaístas sociólogos e historiadores como Sérgio Buarque de Holanda sanitaristas como Carlos Chagas e Belisário Pena militares como os tenentes da Coluna Prestes são os responsáveis por um movimento quase sempre on the road de questionamento e transformação das atitudes concepções e sistemas políticos de conduta movimento construído em torno da ideia de incorporação dos sertões e consequente encontro com o outro representado pelo homem brasileiro um personagem invariavelmente visto como isolado abandonado doente nômade atrasado resistente a mudanças despossuído mas em torno do qual ocorre um processo de redescobrimento constante do Brasil O antropólogo Claude LéviStrauss no livro O pensamento selvagem afirma que o homem é animal classificador primeiro classifica e depois dá sentido e encontra utilidade República Velha foi o nome que vingou durante bom tempo a forma como os homens do Estado Novo viram primeiro a si mesmos e numa operação de noves fora definiram tudo que os antecedeu À maneira de Narciso acharam feio o que não era espelho Hora de fechar esse período polêmico e ambíguo porém igualmente afirmativo na batalha por direitos pela construção da distinção entre as esferas pública e privada pela luta em busca do reconhecimento da cidadania Não por acaso a rua se converteu em local privilegiado recebendo a moda o footing a vida social mas também os jornaleiros os grevistas as manifestações políticas e as expressões da cultura popular Melhor optar por Primeira República Primeira pois teve o protagonismo do início para o bem e para o mal e porque ensejou novas e múltiplas formas de exercício da cidadania 14 SAMBA MALANDRAGEM E MUITO AUTORITARISMO NA GÊNESE DO BRASIL MODERNO A PRIMEIRA REPÚBLICA VAI ACABAR NO VOTO OU NAS ARMAS No dia 1º de março de 1930 um sábado de Carnaval os brasileiros que sabiam ler e escrever saíram de casa para eleger o próximo presidente da República e escolher uma nova bancada de deputados federais Essa seria a 12ª eleição presidencial da República brasileira O pequeno número de eleitores votava o brasileiro adulto do sexo masculino e alfabetizado correspondente a 56 da população não impediu o desenrolar de uma campanha eleitoral empolgante nem que aquela fosse uma eleição disputadíssima como não se via acontecer desde 1910 com a disputa entre Rui Barbosa e Hermes da Fonseca1 Os candidatos eram outros e o Brasil havia mudado bastante mas de alguma maneira a eleição de 1930 retomava algo da disputa ocorrida vinte anos antes A campanha foi para as ruas espalhouse pelo país e mobilizou a população em grandes comícios ou meetings na expressão da época E obrigou a nação a encarar o debate não apenas sobre os procedimentos e as regras da sucessão presidencial mas sobre as práticas do regime republicano o valor da igualdade social o exercício da cidadania e o modo como essas práticas são incorporadas à República A eleição de 1930 capturou o sentimento do fim de uma era O equilíbrio político que fragmentou a distribuição do poder através de um arranjo não escrito entre o governo federal e as elites regionais a Política dos Governadores foi rompido pelo próprio presidente da República Washington Luís Ninguém esperava que ele insistisse na candidatura de Júlio Prestes presidente de São Paulo2 à sua sucessão pondo fim à alternância de mineiros e paulistas na condução da política nacional Washington Luís estava convencido de que não se governava uma República com eleições e votos e sim com o estrito controle das forças políticas estaduais E até 1929 quando lançou o nome de Júlio Prestes à sucessão tudo parecia seguir nessa direção as elites regionais estavam devidamente eternizadas nos Executivos estaduais e a dinâmica do Legislativo obedecia ao arranjo para distribuição do poder entre a União e os estados Washington Luís havia exercido uma presidência tranquila ainda mais se comparada com a de seu antecessor Artur Bernardes que governara quatro anos sob estado de sítio A forte repressão policial praticada contra os trabalhadores urbanos durante toda a década de 1920 reduziu a possibilidade de greves e enfraqueceu a movimentação dos sindicatos Já o fôlego meio alucinado e a ferocidade oposicionista dos tenentes pareciam ter se exaurido em 1927 quando os últimos integrantes da Coluna PrestesMiguel Costa se refugiaram da perseguição do governo brasileiro na Bolívia e no Paraguai depois de atravessar praticamente todo o território nacional3 Washington Luís cozinhou sua sucessão em fogo brando e adiou o quanto pôde o prazo para dar início ao processo de escolha do candidato oficial Na engenharia institucional que sustentava as bases do acordo entre a União e os estados as eleições presidenciais ocorriam já praticamente decididas o presidente da República indicava o candidato oficial e esse era o nome que receberia o apoio integral dos grupos dos detentores de poder em todas as unidades da federação a partir daí era virtualmente impossível a derrota eleitoral A sucessão presidencial transformouse num ritual de passagem do poder que incluía alguma dose de instabilidade política e contemplava um ajuste entre Minas e São Paulo recomposto a cada quatro anos e sempre rodeado de intrigas e tensão Mas foi esse ajuste que garantiu a estabilidade interna do sistema Entre 1894 e 1906 a direção dos negócios da República coube aos paulistas já entre 1906 e 1918 a mão se inverteu e os mineiros assumiram o controle do poder central Entre 1919 e 1929 ocorreu nova alteração e mineiros e paulistas passaram a se alternar na condução da política nacional Em 1926 em meio ao clima de instabilidade política que cercou o governo de Artur Bernardes os mineiros tomaram a iniciativa de indicar como seu sucessor Washington Luís um legítimo representante dos interesses de São Paulo apesar de nascido no Rio de Janeiro por via das dúvidas acomodaram o conterrâneo Fernando de Melo Viana na VicePresidência4 Em 1929 era o caso de aguardar a retribuição dos paulistas enquanto isso Minas ia se preparando para ocupar o Palácio do Catete um palacete de gosto duvidoso em estilo neoclássico próximo à praia do Flamengo no Rio de Janeiro construído pelo barão de Nova Friburgo para sua residência e transformado em 1897 na sede da Presidência da República Até hoje historiadores discutem os motivos que levaram Washington Luís a apostar pesado na ruptura com Minas O presidente provaria ser um típico produto do sistema que ajudou a destruir avesso a negociações convencido de que a política era assunto exclusivo de uma reduzida elite que controlava o processo eleitoral e a administração do país vaidoso e muito autoritário Ouvir não ouvia escreveu o exdeputado Gilberto Amado em suas memórias E completou o perfil do presidente criticando a absoluta desconsideração pelos efeitos dos seus gestos e atitudes na sensibilidade dos atingidos por eles Que o prejudicado ou o repelido pudesse remorderse ressentirse reagir não lhe ocorria5 Washington Luís era um fenômeno de soberba mas além disso talvez apostasse em alguns cenários alternativos para o país O primeiro Júlio Prestes seria o homem certo para dar continuidade ao plano de estabilização econômica que ele implantara durante seu governo Este previa duas medidas importantes estabilizar o câmbio em relação à libra esterlina na época o padrão de referência da moeda para o mercado internacional e acabar de uma vez por todas com os frequentes solavancos monetários sofridos pelo setor cafeeiro paulista responsável pelo item mais relevante da pauta de exportações do Brasil O segundo cenário São Paulo tornarase o principal estado da federação e era seu destino governar o país Washington Luís confiava tanto no dinamismo econômico demonstrado pelos cafeicultores paulistas quanto no controle que esse setor mantinha sobre as forças políticas no plano estadual E havia ainda um terceiro cenário o receio das possíveis consequências advindas da divergência entre os produtores de café de Minas e os de São Paulo em relação à política de valorização do produto6 Com tudo isso em jogo e uma carreira de homem público construída em São Paulo é bem provável que Washington Luís julgasse desnecessário manter o acordo entre os dois estados Minas não era um produtor de café do mesmo porte que São Paulo o nível de desenvolvimento econômico tinha se alterado visivelmente e não lhe parecia ser razoável submeter os interesses paulistas durante quatro anos à vontade da elite mineira econômica e politicamente mais frágil Em maio de 1928 o presidente de Minas Antônio Carlos Ribeiro de Andrada elegante e em traje de gala compareceu à cerimônia de inauguração da estrada de rodagem entre o Rio de Janeiro e São Paulo um grande momento para a administração de Washington Luís Antônio Carlos subiu no palanque acomodouse ao lado do presidente da República e no primeiro discurso que ouviu ficou chocado O orador deixou a sutileza de lado e bateu firme na tecla da sucessão saudou o presidente de São Paulo Júlio Prestes como o futuro presidente da República Antônio Carlos posava de aristocrata sua família tinha fundas raízes na luta de Independência era descendente direto de José Bonifácio o conselheiro que tanto influenciara d Pedro I em sua regência e fazia política à moda de Minas entendeu o recado voltou para Belo Horizonte e foi conspirar7 Um ano depois em junho de 1929 quando Washington Luís finalmente oficializou a candidatura de Júlio Prestes Antônio Carlos mandou avisálo de que os mineiros já estavam comprometidos com outro candidato e de oposição Foi preciso gastar muita lábia mas Antônio Carlos fez sua parte abriu mão da própria candidatura defendeu a necessidade de um alinhamento de forças regionais não associadas ao café e propôs a composição de um arco político amplo capaz de abrigar toda sorte de dissidências inclusive os tenentes revoltosos da década de 1920 Nos dois estados que aceitaram formar com Minas a candidatura de oposição Rio Grande do Sul e Paraíba as elites estavam longe de identificar o país somente com o café e seus interesses tendiam a dar prioridade ao mercado interno No fim dos anos 1920 as elites regionais em Minas Rio Grande do Sul e Paraíba experimentaram um processo de renovação de suas lideranças políticas que incluía elevação do grau educacional o relativo rejuvenescimento de seus quadros e uma disposição para encampar um projeto reformista fruto da ebulição política social e cultural que marcou aquela década No Rio Grande do Sul as principais forças políticas chimangos ou liberais maragatos ou federalistas enfim enquadradas pelo governo estadual no final da Revolta Federalista de 1923 alimentavam duas décadas de velhos ressentimentos cultivados contra a distribuição desigual de poder entre as unidades da federação Com produção econômica voltada para o mercado interno e menor eleitorado se comparado a São Paulo e Minas Gerais aos olhos do governo federal os gaúchos pareciam condenados a se manter afastados da esfera do poder presidencial Já a Paraíba um pequeno estado do Nordeste com uma elite emergente que vinha trabalhando duro para restringir a força de mando dos grandes fazendeiros os coronéis era capaz de enxergar longe e sonhar alto ambicionava isolar politicamente Pernambuco e liderar uma nova constelação de estados nordestinos com protagonismo no cenário nacional8 A chapa de oposição trazia a candidatura do presidente do Rio Grande do Sul Getúlio Vargas à Presidência da República e a de João Pessoa presidente da Paraíba à Vice Presidência Vargas vinha de uma família de criadores de gado da cidade de São Borja no extremo oeste do estado formou suas ideias políticas na tradição da ditadura republicana dos positivistas gaúchos e subiu depressa na vida pública foi deputado estadual federal líder da bancada de seu estado no Congresso e ministro da Fazenda de Washington Luís entre 1926 e 1927 Já a família de João Pessoa tinha havia anos o controle político da Paraíba seu tio Epitácio Pessoa fora presidente da República entre 1919 e 1922 e o sobrinho gozava da fama de administrador eficiente e honesto9 Precavido Antônio Carlos manteve os mineiros na retaguarda e prosseguiu no trabalho de carpintaria política Batizada de Aliança Liberal a composição oposicionista tinha todos os ingredientes necessários abrigava um amplo leque de dissidências viabilizava um eixo alternativo de poder e apresentava uma nova linguagem política com capacidade de mobilização de um largo segmento da sociedade A população aprovou o nome que entrou para o dia a dia dos brasileiros Aliança Liberal designava a articulação das forças dissidentes mas apontava também para um ideário político ver imagem 92 A coalizão oposicionista utilizava o termo Liberal para sublinhar a pretensão de introduzir na vida pública nacional um modo novo de pensar o Brasil intimamente associado à emergência de um programa de modernização do país Liberal no caso exprimia um impulso para a indústria trazia à tona o tema da incorporação de novos setores sociais na vida republicana e indicava a disposição desse grupo uma vez no poder de enfrentar a problemática dos direitos sociais jornada de trabalho de oito horas férias salário mínimo proteção ao trabalho feminino e infantil10 No segundo semestre de 1929 a Aliança Liberal estava pronta para disputar o coração e a mente do eleitorado brasileiro e pretendia travar a disputa a céu aberto Atuando fora do estreito campo institucional e formadas por jovens militantes dispostos a levar a política para as ruas de algumas das principais cidades brasileiras as Caravanas Liberais transformaramse num sucesso que se generalizou pelo país A pauta dessas caravanas começava pelas bandeiras mais populares anistia aos tenentes e militares rebelados entre 1922 e 1927 concessão de direitos sociais aos trabalhadores introdução do voto secreto diversificação econômica além do compromisso com a realização de obras para combater as secas nordestinas11 Nos primeiros dias do ano de 1930 o próprio candidato à Presidência da República Getúlio Vargas desembarcou no Rio de Janeiro vindo de Porto Alegre como a estrela principal do grande comício de apresentação da plataforma da Aliança Liberal12 A República brasileira estava habituada a eleições modorrentas que incluíam a divulgação do programa eleitoral pelo candidato em recinto fechado para convidados escolhidos seguida de um grande banquete A ideia de romper com esse ritual mobilizar o povo e ir para a praça pública era uma novidade e um pequeno escândalo O comício aconteceu no dia 2 de janeiro e lotou de espectadores a Esplanada do Castelo no centro da cidade O palanque abrigava além dos principais líderes da aliança outros pesos pesados da oposição francamente populares como o advogado Evaristo de Morais e o deputado Maurício de Lacerda jornalista insubmisso apelidado de Tribuno do Povo Sob ameaça de chuva a multidão estimada em mais de 100 mil pessoas parecia hipnotizada e aplaudia entusiasticamente a exposição feita por Vargas do texto integral da plataforma oposicionista 31 páginas lidas por um candidato baixinho barrigudo e incapaz de arrematar seus parágrafos com qualquer alteração no timbre de voz Ainda assim não havia chance de vitória nas urnas para a oposição Júlio Prestes tinha o apoio ostensivo de Washington Luís e dos poderosos cafeicultores paulistas Além disso o presidente mobilizou a favor de seu candidato a força política de dezessete presidentes estaduais com autonomia para definir seus próprios métodos de obtenção de votos Como de costume as fraudes o suborno e as coerções eleitorais ocorreram dos dois lados em todo o país inclusive nos três estados que sustentavam a composição oposicionista O sistema político era um ciclo fechado e o resultado da eleição previsível espetava Sinhô o mais ilustre compositor popular desse período e um entusiasta da candidatura de Júlio Prestes a quem conheceu pessoalmente em São Paulo numa festa dada por Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral Cada um se conformasse com sua sina tripudiava o sambista nos versos de uma marchinha carnavalesca de sucesso entre os foliões de 1930 Eu ouço falar Que para nosso bem Jesus já designou Que seu Julinho é quem vem13 Sinhô sabia bem o país que cantava Abertas as urnas Júlio Prestes foi declarado vencedor 1091709 de votos contra 742794 dados a Getúlio Vargas Em São Paulo a derrama de votos no candidato da situação foi escandalosa 350 mil contra 30 mil Já em Minas onde a Aliança Liberal contava obter uma frente expressiva graças ao tamanho de seu colégio eleitoral Antônio Carlos prometeu 350 mil votos e entregou só 280 mil Na Paraíba o eleitorado era pequeno e a vantagem de 20 mil votos dados à oposição fazia pouca diferença Pernambuco por sua vez estava disposto a liquidar com os devaneios de hegemonia política na região e cravou 61 mil votos em Júlio Prestes contra 9 mil na Aliança Liberal Apenas no Rio Grande do Sul a vitória da oposição foi esmagadora Vargas recebeu 295 mil votos contra mil dados a Júlio Prestes14 Encerrada a apuração não havia muito que fazer além de resmungar contra fraudes eleitorais no mais das vezes impossíveis de serem provadas A vitória de Júlio Prestes sugeria o fim da aventura oposicionista e o reacomodamento das elites regionais ao velho quadro político O próprio Vargas reconheceu a vitória do adversário reassumiu o governo do Rio Grande ajeitou uma reaproximação com o Catete e deu por encerrado seu compromisso eleitoral com a oposição Mas nada seria assim tão simples A Aliança Liberal abrigava uma coalizão ampla capaz de combinar interesses políticos variados opções doutrinárias distintas e duas ou mais gerações de líderes regionais e nem todos pensavam como Vargas Entre os líderes políticos mais jovens como Virgílio de Melo Franco e Francisco Campos em Minas Gerais ou João Neves da Fontoura e Oswaldo Aranha no Rio Grande do Sul havia otimismo com o projeto reformista E entre eles havia ainda a ambição de se destacarem na carreira política sem a sombra dos velhos caciques o inconformismo com a derrota eleitoral e muita disposição para ir à forra Júlio Prestes até podia ganhar nas urnas rosnavam uns para os outros mas Getúlio venceria nas armas A alternativa de enveredar por uma solução armada não era fanfarronada dos jovens líderes civis ela contava com a firme adesão dos tenentes O grupo de oficiais subalternos remanescentes das intervenções militares dos anos 1920 estava ferido nos seus brios buscava o poder que não conseguira desde a Proclamação da República e não se sentia disposto a deixar esse poder escapar sem luta Os tenentes possuíam experiência militar eram idealistas politicamente inquietos gozavam da admiração da tropa e de simpatia entre setores médios da população e a massa de trabalhadores urbanos Além disso havia no grupo um punhado de jovens oficiais capacitado a aliar a influência dentro e fora dos quartéis com a condução militar da rebelião pretendida pelos três estados dissidentes Juarez Távora Siqueira Campos Eduardo Gomes João Alberto Miguel Costa Agildo Barata Juracy Magalhães A aproximação entre os jovens oficiais e os líderes civis da oposição revelouse letal para o governo de Washington Luís ainda que o nome de maior prestígio entre os tenentes Luís Carlos Prestes tenha recusado o comando militar da Aliança Liberal Na conjuntura de 1930 Prestes já caminhava a passos largos para virar mito foi o comandante da última coluna de militares guerrilheiros da década de 1920 assumiu a responsabilidade meio messiânica de despertar a população miserável do mais profundo interior do Brasil para a luta política brincou de gato e rato no sertão com as tropas do governo enviadas para combatêlo E uma vez exilado na Bolívia na Argentina e no Uruguai transformouse num fenômeno de popularidade e carisma era o chefe militar sonhado pelos líderes civis aliancistas Contudo em 1930 Prestes surpreendeu os brasileiros com dois manifestos radicais nos quais se apartou para sempre dos tenentes rejeitou o programa proposto pela Aliança Liberal anunciou a criação de uma organização política para combater o governo a Liga de Ação Revolucionária e sinalizou sua adesão aos comunistas15 Começava nesses manifestos a história de uma longa trajetória política o lance seguinte levaria Prestes a embarcar para uma temporada em Moscou e a ingressar em 1934 no Partido Comunista Brasileiro Apesar da adesão da quase totalidade dos tenentes e da disposição bélica de diversas lideranças políticas civis os planos para deflagrar a ação armada não engatavam É certo que se conspirava por toda parte circulavam boatos de golpe contra a posse de Júlio Prestes em Porto Alegre Belo Horizonte Montevidéu Buenos Aires tenentes exilados atravessavam regularmente a fronteira e entravam no Rio Grande do Sul para se reunir com os jovens dirigentes da oposição munição e armas desembarcavam clandestinamente no país procedentes da Argentina Porém sobrava também indecisão entre os principais dirigentes da Aliança Liberal Oportunista Vargas farejava o vento para decidir em função dos desdobramentos da conjuntura Já Antônio Carlos às vésperas de transmitir o cargo ao seu sucessor Olegário Maciel alegava não estar seguro do tipo de apoio que os rebeldes receberiam em outros estados A conspiração continuava viva a ofensiva armada contudo andava em compasso de espera A Aliança Liberal precisava de um fato novo que rearticulasse a oposição e servisse de estopim para acender a rebelião A novidade veio nas últimas semanas do mês de julho No final da tarde do dia 26 João Pessoa foi assassinado com três tiros à queimaroupa enquanto tomava chá e debatia a situação política em companhia de correligionários na elegante e concorrida Confeitaria Glória no Recife16 O autor dos disparos não era um pistoleiro de aluguel e a morte do presidente da Paraíba não havia sido encomendada por terceiros não se tratava de crime de mando como se diz ainda hoje no Nordeste João Dantas o assassino era advogado foi preso em flagrante e confessou ter cometido o crime motivado por fatores pessoais algum tempo antes a polícia da Paraíba tinha varejado seu escritório confiscado documentos e com a anuência de João Pessoa mandara o material para divulgação na imprensa local O jornal A União órgão oficial do governo estadual publicou tudo na primeira página inclusive cartas de amor repletas de detalhes eróticos trocadas entre Dantas e Anayde Beiriz uma professora de 25 anos bonita solteira poeta fumante e feminista O escândalo foi tremendo e Anayde devastada acabaria se suicidando Contudo nas circunstâncias do assassinato de João Pessoa também cabia farta motivação política João Dantas era aliado do coronel José Pereira poderoso chefe sertanejo no município de Princesa quase na divisa entre Paraíba e Pernambuco líder de um levante armado contra as medidas adotadas por João Pessoa para enquadrar a autonomia de mando dos coronéis17 A Sedição de Princesa como ficou conhecido o levante eclodiu em fevereiro de 1930 cinco meses antes do assassinato de João Pessoa e assumiu proporções surpreendentes Comandados por José Pereira os rebeldes ocuparam toda a região e se declararam independentes da Paraíba Também derrotaram os sucessivos batalhões da Força Pública do estado o nome da Polícia Militar na época enviados pelo presidente estadual para acabar com a sedição Para completar José Pereira autonomeouse governador do Território Livre de Princesa Além de avançarem pelo sertão os rebeldes receberam apoio de fora recursos informações e armamento chegavam regularmente até Princesa vindos de Pernambuco do Rio Grande do Norte e é claro do governo de São Paulo interessado em desestabilizar João Pessoa De olho nos acontecimentos Washington Luís aguardava o momento certo para decretar a intervenção no estado deslocar forças federais para a Paraíba e liquidar com a principal base da Aliança Liberal instalada no Nordeste Também se maquinava em Belo Horizonte e Porto Alegre só que nesse caso a favor de João Pessoa Tanto o Rio Grande do Sul quanto Minas Gerais arrumaram um jeito de enviar munição para abastecer a Força Pública da Paraíba milhares de cartuchos foram acondicionados em latas de compotas de ameixas secas e pêssegos em calda enfiados em barris de sebo ou enrolados entre fardos de charque Num rompante Antônio Carlos despachou o avião monomotor Garoto da Força Pública mineira para despejar bombas caseiras sobre Princesa bem como uma chuva de panfletos conclamando os rebeldes à rendição Mas se a crise era até então regional com o assassinato de João Pessoa ela transbordaria para o plano nacional A Aliança Liberal não podia imaginar pretexto melhor e acusou o Catete de fomentar a rebelião para ato contínuo intervir na Paraíba Washington Luís seria o cérebro da operação que à distância por vingança política armara o criminoso A tragédia chocou o país a população estava indignada com o assassinato O estado parecia ingovernável após o atentado e a oposição soube aproveitar a oportunidade Com a faixa de presidente estadual atravessada no peito o corpo de João Pessoa foi velado na Paraíba e em seguida viajou de navio para ser enterrado no Rio de Janeiro onde os líderes da Aliança Liberal num desafio direto a Washington Luís reuniram dezenas de pessoas no cais do porto e prestaram sua última homenagem Antes de começar o cortejo fúnebre de pé sobre uma carreta ao lado do caixão e diante da massa eletrizada o deputado Maurício de Lacerda agarrou um megafone e reacendeu o pavio da rebelião No esquife que aí vedes não está o corpo de um grande cidadão mas o cadáver da Nação Vós gaúchos e mineiros vinde cumprir a vossa promessa O povo está disposto a morrer pela liberdade18 Em 3 de outubro teve início a revolta civil e militar de 1930 A ação armada foi desfechada simultaneamente em Minas e no Rio Grande do Sul eclodiu com algumas horas de atraso na Paraíba e contou com um oficial superior de prestígio no comando das operações o tenentecoronel Pedro Aurélio de Góes Monteiro até então pouco conhecido do público mas respeitado pelos companheiros de farda que enxergavam nele um comandante competente Seu planejamento das operações militares previa na primeira fase neutralizar as tropas federais ou pela adesão da soldadesca ou por meio do assalto às principais guarnições do Exército19 A estratégia de Góes Monteiro era simples surpreender as unidades leais ao governo federal em seus quartéis e apostar tanto na adesão dos oficiais subalternos quanto no aliciamento dos sargentos que detinham o controle da tropa Deu certo de capitão para baixo a tendência foi o apoio à Aliança Liberal A grande força militar de sustentação dos rebeldes porém veio das poderosas Polícias Militares estaduais pequenos exércitos autônomos muito bem equipados e que respondiam apenas ao comando dos presidentes estaduais coadjuvadas por batalhões de voluntários formados por civis armados Em Minas Gerais todas as guarnições do Exército resistiram aos revoltosos Entre os dias 3 e 8 de outubro o quartel do 12º Regimento de Infantaria em Belo Horizonte transformouse no principal baluarte da legalidade no estado e foi bombardeado dia e noite por cerca de 4 mil homens da Força Pública a rendição aconteceu somente na tarde de 8 de outubro Devido à posição estratégica do quartel o fogo de barragem das trincheiras e o impacto das granadas de mão a cidade entrou em pânico Correu o rumor de que os militares entrincheirados no 12º Regimento dispunham de artilharia com potência para canhonear Belo Horizonte E o pavor só fez crescer Duas bombas legalistas foram atiradas de um aeroplano da aviação militar da Força Pública paulista destinadas ao Palácio da Liberdade sede do governo mineiro Nenhuma acertou o alvo a primeira caiu dentro do tanque de lavar roupas do terreiro do palacete vizinho a segunda enterrouse num canteiro da praça da Liberdade defronte à Secretaria de Segurança e também não explodiu para alívio dos mineiros20 Acantonada na Paraíba a Aliança Liberal desfechou a ofensiva sobre os demais estados do Nordeste O comandante das operações militares na região Juarez Távora vinha das revoltas tenentistas da década de 1920 Em março ele havia protagonizado uma fuga espetacular da fortaleza de Santa Cruz na baía de Guanabara onde estava preso No meio da noite acompanhado de dois outros militares também prisioneiros Távora desceu as muralhas da fortaleza pendurado numa corda improvisada nadou até um bote e sumiu no mar Ele só reapareceria meses depois liderando soldados rebelados numa bemsucedida série de ataquesrelâmpago aos prédios públicos do Recife21 Em três semanas os rebeldes conseguiram subjugar os estados de Pernambuco Alagoas Ceará Piauí Maranhão Rio Grande do Norte Só faltava cair a Bahia e Salvador permanecia sitiada pelas forças da Aliança Liberal Em pouco mais de uma semana os rebeldes dominaram a situação militar do Rio Grande do Sul Com as forças legalistas neutralizadas Góes Monteiro moveu suas tropas em ferrovia na direção de São Paulo As chances de êxito eram reais e dessa vez Getúlio Vargas jogou sua sorte na vitória da Aliança Liberal de uniforme de brim cáqui assumiu o comando civil da rebelião e seguiu em frente com o comboio militar Em Itararé na divisa entre Paraná e São Paulo estava previsto o maior e mais efetivo combate entre os rebeldes e as forças legalistas A cidade no interior paulista abrigava um entroncamento ferroviário decisivo para os dois lados em conflito os trilhos abriam caminho tanto para São Paulo quanto para o Rio de Janeiro O país inteiro prendeu a respiração e aguardou em suspense a realização de um confronto Itararé era uma barreira inexpugnável vangloriavase o Catete que entrincheirou na cidade 6 mil homens da Força Pública paulista e do Exército com ordens de barrar os rebeldes a qualquer preço Contudo a maior batalha da América do Sul como anunciaram as manchetes dos principais jornais do país nunca aconteceu Rebeldes e legalistas chegaram a Itararé estabeleceram suas linhas defensivas trocaram alguns tiros e estacionaram Os dois lados simplesmente decidiram esperar pelo fim das chuvas torrenciais que dificultavam as operações militares e por uma melhor definição do clima político Podia até ser uma decisão sensata mas o militarismo estava exacerbado e o sentimento geral era de que o país vivia um enorme anticlímax No Catete Washington Luís demorou a reagir apenas no dia 10 de outubro resolveu informar aos brasileiros que seu governo enfrentava uma revolta22 Também custou a aceitar que o impacto e a extensão da rebelião eram maiores do que conseguira avaliar Ele precisava encarar a rapidez do avanço das forças rebeldes em direção ao Rio de Janeiro a vacilação de seu dispositivo militar e os efeitos da crise econômica de 1929 a alta dos preços o desemprego a perda do valor de compra da moeda O cenário era ruim e as medidas que adotou se mostraram pouco eficazes para atacar o desastre que se abateu sobre seu governo estado de sítio censura aos jornais feriado por decreto até 21 de outubro para impedir uma corrida aos bancos convocação de reservistas e o início de uma campanha cívica de repressão ao boato Além disso caía rapidamente o número de militares legalistas e tanto o Exército quanto a Marinha reconsideravam sua lealdade ao governo federal Os comandantes militares também precisavam intervir antes que a tropa fosse derrotada pelos rebeldes ou a disciplina e a hierarquia acabassem subvertidas diante do alto número de deserções em apoio à Aliança Liberal Já Washington Luís podia perder tudo menos a pose O Palácio Guanabara residência oficial do presidente da República estava com seus jardins cercados e o prédio sob ameaça de bombardeio os canhões nos fortes de Copacabana Leme e São João disparavam salvas de tiros para exigir sua renúncia os generais haviam apresentado um ultimato o Rio de Janeiro prometia se amotinar mas ele permanecia irredutível Eu não renuncio Só aos pedaços sairei daqui23 esbravejava para um grupo de ministros encolhidos na sala de despachos do palácio Não foi preciso ir tão longe Às sete da manhã de 24 de outubro a menos de trinta dias do fim de seu mandato Washington Luís estava deposto detido e encaminhado para o Forte de Copacabana seguiria um mês depois para o exílio na Europa Em 3 de novembro a Junta Governativa Provisória formada por dois generais Augusto Tasso Fragoso e João de Deus Mena Barreto e um contraalmirante José Isaías de Noronha entregou o poder a Getúlio Vargas A Primeira República estava encerrada e a Revolução de 1930 como a rebelião ficou conhecida tornouse um marco decisivo para os historiadores 24 menos pelo movimento em si e mais pelos resultados que produziu nos anos seguintes na economia na política na sociedade e na cultura os quais transformaram radicalmente a história do país O GOVERNO PROVISÓRIO Getúlio pendurou a farda vestiu um terno arrematou a fatiota com uma gravata escura e subiu as escadas do Palácio do Catete para tomar posse como chefe do Governo Provisório A mudança não era só de indumentária com sua posse o Executivo assumia plenos poderes e passava a ter condições de promover uma radical intervenção no sistema político O Congresso Nacional as Assembleias Legislativas Estaduais e as Assembleias Municipais foram dissolvidas os políticos eleitos durante a Primeira República perderam seus cargos os presidentes dos estados foram substituídos por interventores a imprensa de oposição foi censurada pela primeira vez desde a Constituição de 1824 todos os postos de poder no país estavam sendo ocupados por civis e militares não eleitos25 Eufórico com a vitória no Nordeste e recémdesembarcado no Rio de Janeiro Juarez Távora assegurava que a forma de governo que o Brasil teria pela frente não seria nem democrática nem liberal Aprovo a ditadura no seu exato sentido E arrombou a porta Ditadura sem limite fixado até que todos verifiquem por atos não por palavras a regeneração e a reabilitação dos costumes políticos e administrativos26 Vargas não pretendia pôr em risco sua própria conquista Estava claro que se promovesse eleições as elites regionais cujas estruturas de mando na esfera estadual permaneciam intactas venceriam Para institucionalizar a nova ordem seria preciso transformar o sistema político e consolidar um amplo programa de reformas sociais administrativas e políticas O projeto era ambicioso não podia ser executado da noite para o dia mas nem o próprio Távora poderia prever que a ditadura que defendia em 1930 se estenderia por quinze longos anos com um breve interregno constitucional de 1934 a 1937 Seja como for Vargas já no discurso de posse apresentou um programa reformista radical A agenda incluía quase todos os pontos defendidos pela Aliança Liberal e foi implementada através de uma profusão de decretos anistia aos tenentes remodelamento do Exército criação dos ministérios do Trabalho Indústria e Comércio e da Educação e Saúde Pública reforma do ensino e da educação pública Um assunto dominava a atenção de Getúlio a política trabalhista27 Foi nessa área que ele mostrou quem era e a que viera Dividiu sua política em duas metades Numa criou as leis de proteção ao trabalhador jornada de oito horas regulação do trabalho da mulher e do menor lei de férias instituição da carteira de trabalho e do direito a pensões e à aposentadoria Na outra reprimiu qualquer esforço de organização dos trabalhadores fora do controle do Estado sufocou com particular violência a atuação dos comunistas Para completar liquidou com o sindicalismo autônomo enquadrou os sindicatos como órgãos de colaboração com o Estado e excluiu o acesso dos trabalhadores rurais aos benefícios da legislação protetora do trabalho O governo era provisório e Getúlio não conversava sobre dois assuntos a convocação de uma Assembleia Constituinte e a data para uma nova eleição presidencial Os brasileiros não podiam votar em nenhuma instância política e para nenhum cargo executivo ou legislativo a partir de 1932 porém para demonstrar a bemintencionada mas sempre postergada disposição constitucional de seu governo o país passou a dispor de um novo Código Eleitoral moderno e democrático O novo código criava a Justiça Eleitoral adotava o voto secreto em gabinete indevassável e encerrava com o argumento caro ao republicanismo europeu dos séculos XVII e XVIII de que votar significava manifestar uma preferência em público28 Com essas duas medidas o código inviabilizou um conjunto de fraudes característico do sistema representativo da Primeira República o voto secreto protegia o eleitor das pressões das elites regionais em meio às disputas políticas estaduais a Justiça Eleitoral entregava a juízes profissionais a fiscalização das eleições da apuração dos votos e o reconhecimento dos eleitos O novo código também reconhecia uma conquista formidável das mulheres o direito de votar e de serem votadas Em diversos estados os rebeldes receberam o apoio de batalhões femininos que atuaram intensamente na retaguarda do movimento armado de 1930 o Batalhão Feminino João Pessoa por exemplo foi obra de uma advogada mineira de 23 anos Elvira Komel e alistou cerca de 8 mil mulheres distribuídas por 52 cidades29 Apesar disso não havia nenhuma fé democrática do país a ser restaurada por Vargas A Aliança Liberal prometeu refundar a República sustentou sua promessa num impressionante programa de reformas mas as grandes forças políticas responsáveis por sua institucionalização não tinham origem nem vocação democrática Acreditavam que o projeto democrático que animava a Constituição de 1891 definhara sob a prevalência da Política dos Governadores e optaram por um governo forte e centralizador A coalizão que empalmou o poder em 1930 era heterogênea e os protagonistas divergiam sobre quase tudo menos sobre os adversários Desde os primeiros dias do Governo Provisório o grupo se viu às voltas com a ambiguidade de um amplo programa de reformas cujo objetivo era mudar a República sem contudo alterar as bases sobre as quais ela se constituiu Os tenentes propunham controlar as polícias estaduais reequipar as Forças Armadas e garantir o impulso do país para a indústria em especial a siderurgia Além disso faziam coro com os setores médios e os trabalhadores urbanos que engrossaram o apoio popular à Aliança Liberal em favor da regulação do mercado de trabalho e da elaboração de uma legislação social eram refratários porém ao alargamento democrático da República e francamente favoráveis à ascendência do Estado sobre a sociedade As jovens lideranças civis por sua vez estavam ansiosas por uma maior soma pessoal de poder enquanto as elites dissidentes de Minas Rio Grande do Sul e Paraíba pretendiam aumentar sua participação na direção dos negócios da República com um mínimo de alteração em suas bases de mando o que significava sobretudo manter inalterada a estrutura agrária do país E todos eles aspiravam chegar à condição de força dominante no interior da coalizão no poder e assumir o controle do governo30 Já Vargas não se deixava ver com facilidade Ele tinha um plano de poder pretendia continuar onde estava e para isso conduzia a política quase como um negócio seguia as próprias regras e realizava combinações políticas aparentemente improváveis mas que lhe serviam para manter o mando Seus expedientes mais comuns incluíam distribuir vantagens e compensações procrastinar soluções definitivas até que o tempo lhe oferecesse a ocasião propícia para decidir e equilibrarse como árbitro das disputas na coalizão de forças que sustentavam seu governo POR SÃO PAULO E CONTRA O BRASIL A GUERRA CIVIL DE 1932 Em 1932 porém a astúcia política de Vargas parecia esgotada Cada vez mais desconfiados de que o propósito do governo era prolongar o provisório a ponto de torná lo permanente as lideranças intrarregime sobretudo em Minas e no Rio Grande do Sul e as oposições juntaram forças para insistir na realização de eleições imediatas As ruas das principais cidades receberam manifestantes organizados em Ligas PróConstituinte e o nível de tensão pública aumentou O grande adversário de Vargas no entanto estava em São Paulo31 A vitória dos rebeldes em 1930 abateu o protagonismo da elite paulista e instalou um poderoso foco de oposição no estado mais rico do Brasil As insatisfações se acumulavam e os paulistas estavam dispostos a reagir diante do que lhes parecia ser a longa lista de agravos perpetrados por Vargas contra São Paulo a perda do controle da política do café que passou das mãos do Instituto do Café do Estado de São Paulo para o Conselho Nacional do Café novo órgão criado pelo governo federal para enfrentar a crise mundial e a quebra da autonomia política do estado com a imposição de interventores Nascidos em outras regiões do país os interventores eram vistos como forasteiros maleáveis aos desejos do Catete Para piorar as coisas no caso de São Paulo o interventor escolhido foi João Alberto Lins de Barros nordestino e selecionado a dedo em meio ao grupo dos tenentes Entre outubro de 1930 e os primeiros meses de 1932 Vargas viuse forçado a nomear sucessivamente quatro interventores para São Paulo os paulistas estavam dispostos a provar que eram ingovernáveis Mas o ruim podia piorar Em 1932 as forças políticas do estado chegaram a um entendimento em torno de uma pauta comum de oposição que combinava a bandeira constitucionalista a exigência de convocação imediata de uma Assembleia Nacional Constituinte com um claro antagonismo regionalista Dessa mistura resultou um forte sentimento de identidade e a materialização da política do ressentimento São Paulo é a locomotiva que puxa os vagões velhos e estragados da federação32 decretou o escritor Oswald de Andrade um ícone do modernismo Mais provinciano que o ufanismo de Oswald só o brado com que os paulistas pretendiam derrubar o governo Por São Paulo com o Brasil se for possível por São Paulo contra o Brasil se for preciso ver imagem 9333 Nem todo paulista se identificava com o separatismo regional mas havia acordo em dar combate a um governo federal forte e centralizador capaz de intervir na autonomia política e econômica do estado A bandeira constitucional significava eleição e com ela também havia a chance de São Paulo readquirir o controle da República Até hoje essa combinação entre derrubar o governo e convocar uma Assembleia Constituinte levou muitos paulistas a se referirem ao movimento como a Revolução Constitucionalista de 1932 Faltava apenas dar o último passo e em 9 de julho de 1932 cerca de 20 mil soldados entre as guarnições federais e as unidades da Força Pública engatilharam suas armas contra o governo Vargas A população de São Paulo sobretudo na capital se mobilizou milhares de civis incluindo os estudantes da Faculdade de Direito no largo de São Francisco alistaramse nos batalhões de voluntários fábricas adaptaramse à indústria de guerra colônias de imigrantes italianos e sírios prestaram socorro aos feridos o clero católico deu suas bênçãos aos combatentes A causa paulista foi abraçada com um fervor cívico que ainda não se conhecia no estado e o entusiasmo feminino superou as expectativas milhares de mulheres ricas e pobres doaram suas joias atendendo ao chamado da campanha Ouro pelo Bem de São Paulo lançada sob o pretexto de conseguir lastro para pagar os custos de guerra Entre julho e setembro por volta de 90 mil alianças de casamento foram entregues ao governo estadual por suas proprietárias para serem derretidas Apenas os trabalhadores das fábricas ficaram de fora da mobilização geral34 No estado onde se concentrava o maior número de indústrias do país os operários não acorreram em massa para lutar Nos meios operários muitos duvidavam de um levante em que não cabia nenhuma atenção às demandas dos trabalhadores entre as elites de São Paulo crescia o temor de que os operários mobilizados para a guerra saíssem do controle e partissem para sua própria revolta Enquanto durou a guerra inquietos com o risco de comoção social os dirigentes paulistas mantiveram suas fábricas sob estreita vigilância e as lideranças operárias se possível trancadas na cadeia São Paulo só tinha uma chance de vitória desfechar uma ofensiva militar fulminante contra o Rio de Janeiro antes que Vargas organizasse suas forças35 As tropas paulistas porém avançaram lentamente apostavam que Minas Gerais e o Rio Grande do Sul onde era forte a indisposição com o governo federal se juntariam aos rebeldes Também estavam convencidas de que os quartéis e guarnições militares no Rio de Janeiro se sublevariam para depor Vargas E a guerra começava bem para o lado dos paulistas os rebeldes controlaram o estado estacionaram nos acessos ao Vale do Paraíba arremeteram contra as forças federais em pleno território mineiro e bloquearam o túnel de acesso à ferrovia que cortava a serra da Mantiqueira Numa ação que parecia escapar das telas de cinema agentes do governo de São Paulo compraram em segredo no Chile dez aviões de combate em seguida contrataram pilotos norteamericanos que conseguiram aterrissar clandestinamente no meio do mato em Mato Grosso e depois de inúmeras peripécias entregaram a compra aos rebeldes Ainda assim deu tudo errado As lideranças do Rio Grande do Sul e de Minas podiam até estar furiosas com a política centralizadora do Governo Provisório mas não iriam correr o risco de depor um governo que elas mesmas haviam posto no poder leais a Vargas suas tropas iriam invadir São Paulo No Catete Getúlio mais uma vez entregou o planejamento das operações militares a Góes Monteiro que começou os preparativos para uma ofensiva Montou uma estrutura de defesa para o Rio de Janeiro sufocou qualquer tentativa de golpe militar na capital da República e jogou na guerra 80 mil homens do Exército e da Marinha muitos vindos do Norte e do Nordeste contra 70 mil paulistas O estado de São Paulo foi cercado por terra aviões do governo federal abriram sua artilharia sobre as trincheiras dos rebeldes o porto de Santos foi bloqueado e a guerra paulista mobilizou o país todo Em 1º de outubro de 1932 São Paulo assinou a rendição Num gesto característico Vargas primeiro acertou as contas prendeu os rebeldes expulsou oficiais do Exército cassou os direitos civis dos principais implicados no levante despachou para o exílio as lideranças políticas e militares do estado mandou reorganizar a Força Pública e reduzila ao status de órgão policial A elite paulista estava derrotada Sem muito alarde Vargas também consolidou sua aliança com os militares cimentada em torno de duas promessas de médio e longo prazo reequipar o Exército e criar uma indústria bélica nacional Depois disso negociou com os derrotados nomeou um interventor civil e paulista para o estado instruiu o Banco do Brasil a assumir os bônus de guerra emitidos pelos bancos de São Paulo e confirmou a convocação para a Assembleia Constituinte fixando o calendário eleitoral para 3 de maio de 193336 VIDA CURTA PARA A DEMOCRACIA Sem partidos políticos nacionais e com o enfraquecimento das elites regionais de oposição que viram reduzida sua capacidade de manobra nos estados para obtenção de apoio eleitoral o resultado das eleições para a Assembleia Constituinte trouxe inúmeras novidades facilitou a circulação de autoridades criou vários partidos de alcance regional e apontou para a renovação da classe política37 Instalada em 15 de novembro de 1933 no Palácio Tiradentes sede do Congresso Nacional a Constituinte tinha de tudo um pouco Havia lugar para um punhado de deputados novatos muitos deles eleitos por obra do sistema de candidaturas avulsas e para uma forte bancada da situação cuja vitória vinha debitada na conta dos interventores estaduais São Paulo juntou suas forças e materializou um bloco coeso disposto a fazer oposição a Vargas o eleitorado católico elegeu um grupo expressivo de parlamentares comprometidos com a Igreja e o país abriu espaço para a escolha de uma solitária deputada constituinte a médica Carlota Pereira de Queirós Os eleitos trabalharam durante oito meses promulgaram a nova Constituição em 16 de julho de 1934 e no dia seguinte elegeram pelo voto indireto Getúlio Vargas para presidente da República Ainda que lhe garantissem um mandato presidencial novo em folha e aprovassem constitucionalmente todos os atos executados pelo Governo Provisório os deputados introduziram na Constituição algumas disposições que tiraram Vargas do sério o texto final era monstruoso confidenciou ele aos mais íntimos38 Não era apenas eliminava as condições do mando discricionário que ele vinha exercendo até então O novo texto constitucional submetia o Executivo à fiscalização do Legislativo acabava com os decretos que permitiam ao chefe do Governo Provisório substituir o Congresso na função de elaborar leis e garantia completa independência ao Tribunal de Contas Para aumentar a irritação de Vargas os congressistas limitaram em quatro anos o mandato presidencial e ainda vetaram a possibilidade de reeleição A nova Constituição refletia os esforços modernizadores e democratizantes dos deputados a racionalização da autoridade a manutenção do federalismo o reforço para o desenvolvimento das instituições políticas a inclusão de novos setores sociais por meio de um processo eleitoral mais alargado Mas ela também expunha os limites dessa mesma República que continuavam em vigência após 1930 conservou inalterada a estrutura agrária do país e manteve o trabalhador rural fora da legislação protetora do trabalho Os analfabetos continuavam excluídos do processo eleitoral e os imigrantes foram submetidos a uma política restritiva em suas garantias individuais que permitia ao Estado expulsar estrangeiros considerados politicamente perigosos à ordem pública ou aos interesses nacionais O texto constitucional também assegurava ao Executivo o uso de um instrumento coercitivo que trazia embutida a concessão de plenos poderes o estado de sítio além de permitir a adoção da censura para todo tipo de publicação Mesmo assim essa era uma Constituição inovadora que ampliava as condições para o exercício da cidadania Mas ela durou menos de dois anos No Brasil como em toda parte do mundo enquanto avançavam os anos 1930 a atmosfera tornavase cada vez mais pesada Uma mudança radical estava em andamento alterando a ordem das prioridades e indicando que a democracia não estava mais no topo da lista das preferências políticas O que fez proliferar os ditadores não foi somente uma permanente sensação de crise profunda que paralisava governos desde a quebra da Bolsa de Nova York em 1929 e parecia sugerir que a suposta agonia do capitalismo só poderia ser resolvida pelo intervencionismo do Estado As nuvens eram mais escuras e carregadas Em 30 de janeiro de 1933 o presidente alemão Hindenburg nomeou Hitler chanceler e a barbárie vestiu o hábito da modernidade39 o partido nazista chegou ao poder e com ele a intolerância à oposição o culto ao militarismo e à guerra a submissão da sociedade à racionalidade administrativa e a disposição para a política do genocídio Em 27 de fevereiro o Reichstag o Parlamento alemão estava em chamas enterrando no incêndio as esperanças de um futuro democrático na Alemanha A terrificante novidade totalitária o nazismo alemão o stalinismo soviético e as formas características do fascismo sobretudo o italiano emergiram numa Europa atravessada por guerras civis pela desagregação dos velhos impérios autocráticos e pela crise econômica Entre nós a força do fascismo anunciouse de maneira clara a partir de 1932 com a criação da Ação Integralista Brasileira AIB40 Era o primeiro partido político de massas do Brasil com capacidade de inserção nacional crença corporativa culto à liderança política e ao domínio do Estado e disposição para fazer ecoar o discurso antissemita uma oitava acima do que já era corrente na sociedade brasileira Os integralistas arrebanharam apoio nos setores das classes médias urbanas sobretudo entre funcionários públicos padres profissionais liberais poetas comerciantes industriais e nas áreas de colonização alemã e italiana Recebiam assessoria e ajuda financeira da embaixada da Itália dispunham em seus quadros de um grupo de intelectuais prontos a produzir ideologia fascista em moldura de brasilidade Plínio Salgado Miguel Reale Gustavo Barroso e contavam com uma militância ativa Em outubro de 1934 na cidade de São Paulo uma única marcha comandada pela AIB reuniu em torno de 40 mil integralistas que desfilaram batendo as botas no chão em cadência militar A população perplexa se acotovelou para ver Pálidos de emoção ou ansiedade minuciosamente coreografados em fileiras fechadas e braços estendidos os integralistas marcharam impecáveis camisas verdes braçadeiras com insígnias grafadas em negro a letra grega sigma de soma indicando que o integralismo era a síntese totalizadora de toda a sociedade estandartes desfraldados audaciosamente à luz do dia numa marcação cênica que pretendia demonstrar força e disposição de combate No auge de seu crescimento em 1937 a Ação Integralista Brasileira chegou a reunir entre 100 mil e 200 mil adeptos em todo o país numa população de cerca de 40 milhões de habitantes era a face escancarada do fascismo ver imagem 95 Menos visível talvez foi o movimento de aproximação com o fascismo que cresceu entre os integrantes do governo e no meio dos oficiais das Forças Armadas41 O general Góes Monteiro por exemplo a mais competente e poderosa patente do Exército de então não duvidava que o fascismo italiano apresentava a melhor alternativa para a modernização do país Vargas nesse aspecto não discordava de Góes Monteiro e também via no integralismo uma forma orgânica de governo com exacerbação dos valores da nacionalidade exaltação da colaboração de classes e crença no ideal corporativo pontos que reforçavam suas próprias convicções autoritárias Mas simpatia tinha limites enquanto Góes Monteiro defendia o monopólio das armas para o Exército e não engolia nenhuma iniciativa paramilitar Vargas não estava disposto a confiar num movimento que deixava explícita a intenção de governar o país no seu lugar o mais rapidamente possível Confirmando suas suspeitas os integralistas montaram uma estrutura hierárquica paralela à de seu governo que incluía a criação de milícias paramilitares o uso de propaganda em tecnologia moderna fotografia rádio e cinema e um azeitado arranjo assistencialista em alguns estados e municípios A essas alturas Vargas sabia que era impossível ignorar o movimento Pragmático ele pretendia usar a máquina fascista de acordo com suas próprias conveniências e fazer do integralismo um aliado tático contra as novas forças que se organizavam na oposição em especial a Aliança Nacional Libertadora ANL e os comunistas A ANL foi criada a partir das articulações promovidas por uma facção minoritária dos tenentes que não acompanharam Vargas ou se desencantaram com seu governo42 O grupo do qual faziam parte Miguel Costa Herculino Cascardo Roberto Sisson João Cabanas Carlos Leite André Trifino Agildo Barata era pequeno mas todos os seus membros tiveram participação ativa nos movimentos militares da década de 1920 continuavam envolvidos com a política e tendiam a se identificar com propostas sociais reformistas pretendendo recuperar o rumo da República que julgavam ter se desviado após a vitória da Aliança Liberal em 1930 Os tenentes eram politicamente ativos e nada desatentos viam a luta contra o fascismo como a única opção realista entendiam que a emergência do integralismo resultava do impacto político do fascismo no Brasil e especulavam sobre a extensão desse impacto dentro do governo Apostaram numa coalizão ampla capaz de abrigar o conjunto das forças de oposição e num programa político reformista e antifascista que retomava e radicalizava os principais pontos da plataforma da Aliança Liberal suspensão definitiva do pagamento da dívida externa nacionalização dos serviços públicos reforma agrária aumento dos salários garantia dos direitos e das liberdades individuais incluindo a liberdade religiosa e combate ao racismo No início de 1935 os organizadores da ANL prepararam um evento solene de instalação no Teatro João Caetano na área central do Rio de Janeiro O teatro era o maior e mais antigo da cidade construído por ordem de d João VI e foi escolhido a dedo pelos tenentes por abrigar uma simbologia poderosa ali tinha sido assinada a primeira Constituição brasileira Ainda assim depois de tudo planejado quando as pesadas cortinas de veludo vermelho foram abertas os principais articuladores do evento presentes no palco se entreolharam pasmos Cerca de 10 mil pessoas atenderam ao chamado para ouvir a ANL havia gente nas cadeiras nos camarotes e frisas nas torrinhas gente sentada nos corredores pendurada nas balaustradas e trepada no topo das colunas No final da festa um estudante Carlos Lacerda nervosíssimo mas atrevidíssimo filho do grande líder popular Maurício de Lacerda membro da Juventude Comunista e muito bom de oratória subiu ao palco e lançou o nome de Luís Carlos Prestes para presidente de honra da ANL O lance tirou o fôlego da plateia e o teatro veio abaixo numa aclamação uníssona e barulhenta O cargo não existia a cena havia sido previamente preparada pelos comunistas e a proposta não tinha como não ser aceita Prestes era a liderança política de maior prestígio no país um herói popular e personagem de inegável carisma Tinha charme suas maneiras eram suaves a voz firme dominava qualquer interlocutor e o brilho dos olhos convencia pela sinceridade era igualmente um homem duro vaidoso e intolerante mas isso os brasileiros ainda não sabiam Seja como for naquele momento seu nome era imbatível Na avaliação dos comunistas tratavase de uma jogada decisiva para viabilizar sua própria adesão à ANL em obediência à orientação prescrita por Moscou os partidos comunistas em qualquer parte do mundo deveriam apoiar a formação de frentes populares criadas para combater o fascismo a ameaça nazista e o perigo da guerra A estratégia funcionou e governos de frentes populares foram eleitos no Chile na França e na Espanha A ANL foi exatamente isso Uma frente de massas atuando dentro da ordem constitucional com quatrocentos núcleos espalhados por todo o país capaz de promover grandes campanhas em favor dos direitos de cidadania e comícios que reuniam milhares de pessoas Já o Partido Comunista era uma organização minúscula clandestina com escassa penetração na sociedade mas com o firme propósito de readequar a orientação das frentes populares no rumo de uma insurreição43 O Brasil vivia um momento altamente suscetível a manifestações políticas com greves mobilizando operários na capital da República e em São Paulo descontentamento nas Forças Armadas movimentos reivindicatórios de todo tipo pipocando nos estados e ferozes enfrentamentos de rua acontecendo entre integralistas e partidários da ANL No Catete preocupado com a conjuntura e assustado com a rapidez do crescimento da ANL Vargas aguardava a ocasião propícia para intervir Em 5 de julho de 1935 data dos levantes tenentistas de 1922 e 1924 a ANL realizou sua última reunião pública em sua sede no largo da Carioca no Rio de Janeiro precavido o governo já havia mandado proibir comícios A faísca que acendeu o pavio curto do Catete foi produzida por um manifesto redigido por Prestes encaminhado à ANL na data do comício e lido pelo mesmíssimo Carlos Lacerda Brasileiros recitou este vibrante Vós que nada tendes para perder e a riqueza imensa de todo o Brasil a ganhar Arrancai o Brasil das garras do imperialismo e de seus lacaios Todos à luta pela libertação nacional do Brasil Abaixo o fascismo Abaixo o governo odioso de Vargas Por um governo popular nacional revolucionário Todo o poder à Aliança Nacional Libertadora44 O apelo de Prestes à tomada do poder pelas armas era tudo que Vargas precisava ouvir No dia seguinte um decreto presidencial fechou a ANL e pôs a organização na ilegalidade Miguel Costa furioso enviou a Prestes carta desaforada Você pouco ou mal informado lançou seu manifesto dando a palavra de ordem todo o poder à ANL Tal ordem só deveria ter sido dada quando o governo já se encontrasse na impossibilidade material de reagir45 Ele estava certo O texto do manifesto capturava um discurso de vitória fácil ignorava as reais condições políticas do Brasil desdenhava da capacidade de reação de Vargas comprometia a ANL superestimava o efetivo militar à disposição da insurreição Prestes contudo não redigiu seu manifesto amparado apenas pela falta de noção A orientação para o levante fazia parte das diretrizes concebidas em Moscou pela Internacional Comunista o organismo soviético encarregado de instruir os partidos comunistas sobre como levar adiante ações revolucionárias Os dirigentes da Internacional Comunista sabiam muito pouco acerca da América do Sul dispunham de informações ainda mais precárias sobre o Brasil e analisavam a realidade política brasileira em chave idêntica à da China imensos países semicoloniais com governos centrais incapazes de controlar integralmente o território nacional e assim abertos a insurreições regionais46 Contando com a experiência militar e o prestígio popular de Prestes que vivia em Moscou desde 1931 os soviéticos desenvolveram planos para a região provavelmente a partir de 1933 e apostaram na chance de acender um foco insurrecional no Brasil Entre o fim de 1934 e os primeiros meses de 1935 a Internacional Comunista despachou quadros profissionais para cá e incluiu entre eles especialistas em explosivos formas de sabotagem lutas de rua codificação e decodificação de mensagens e transmissões de rádio além de um agente responsável pelo financiamento da operação brasileira Em março de 1935 a organização transferiu seu escritório sulamericano de Buenos Aires para o Rio de Janeiro sob a direção de Arthur Ewert eleito deputado ao Parlamento alemão durante a década de 1920 e com uma extensa folha de serviços prestados em defesa do movimento comunista internacional Em abril de 1935 Prestes regressou clandestinamente ao Brasil acompanhado de Olga Benário agente recrutada no IV Departamento do EstadoMaior do Exército Vermelho o serviço secreto militar soviético para garantir sua segurança e que acabaria por se tornar sua companheira ver imagem 94 Seria a primeira vez na história do país que os comunistas pegariam em armas para fazer valer seu programa revolucionário em novembro de 1935 eclodiram os levantes armados em três pontos diferentes do território O primeiro levante teve início em 23 de novembro começou no quartel do 21º Batalhão de Caçadores em Natal espalhouse numa velocidade inesperada e os comunistas contando com apoio popular e sem encontrar muita resistência conseguiram ocupar a cidade durante quatro dias Em Pernambuco o 29º Batalhão de Caçadores levantouse na madrugada do dia 24 na Vila Militar em Jaboatão dos Guararapes e marchou para o centro do Recife sob o comando de dois oficiais e de uma extraordinária liderança comunista o então sargento Gregório Bezerra Foram três dias de combates com Bezerra coordenando os rebeldes e percorrendo ruas e guarnições militares atrás de armamento e adesão até ser posto fora de combate com um tiro durante a tentativa de tomar praticamente sozinho o quartelgeneral da 7ª Região Militar Mas tanto no Recife onde a ameaça de bombardeio aéreo apavorou a população quanto em Natal os insurgentes estavam sós dependiam da improvisação e eram pouco numerosos para enfrentar a ofensiva das tropas do Exército leais ao governo que se deslocaram da Bahia do Ceará e da Paraíba Em 27 de novembro os rebeldes foram encurralados e a insurreição no Nordeste dominada47 O terceiro e último levante ocorreu no Rio de Janeiro na madrugada de 27 do mesmo mês de novembro em duas unidades militares de elite o 3º Regimento de Infantaria e a Escola de Aviação Militar no Campo dos Afonsos48 Da Escola de Aviação os rebeldes planejavam decolar com os aviões e fracassaram quando não conseguiram defender o aeroporto contra o ataque das tropas legalistas Já para o 3º Regimento de Infantaria a estratégia era outra dominar rapidamente o quartel lançar um ataque sobre o Palácio Guanabara e prender o presidente da República Não funcionou situado na praia Vermelha encravado numa estreita faixa de terra entre o mar e a montanha e dispondo de uma única via de acesso o 3º Regimento de Infantaria era uma ratoeira Durante a madrugada os rebeldes atacaram e demoraram mais que o previsto para tomar o quartel Nesse meiotempo foram cercados pelas tropas governistas Sitiados e enfrentando artilharia pesada após oito horas de resistência convenceramse de que a situação estava perdida Ainda em novembro durante os levantes em Natal e no Recife Vargas pressionou e o Congresso aprovou o estado de sítio Em dezembro a pressão aumentou o governo criou a Comissão de Repressão ao Comunismo o general Góes Monteiro defendeu a suspensão dos direitos individuais e os deputados aceitaram decretar o estado de guerra por noventa dias medida prorrogada sucessivamente até julho de 1937 O governo podia agora agir sem limitações e levou adiante uma brutal operação em larga escala de busca e detenção sem data para terminar que jogou na cadeia milhares de pessoas membros da ANL comunistas simpatizantes e qualquer cidadão que a polícia considerasse suspeito de conspiração incluindo o popular prefeito do Rio de Janeiro Pedro Ernesto49 Com as cadeias abarrotadas e navios de guerra da Marinha do Brasil transformados em prisão flutuante os julgamentos foram sumários as chances de defesa reduzidas e os condenados enviados para os presídios da Ilha Grande e para Fernando de Noronha Apanhado no arrastão repressivo em março de 1936 em Maceió o escritor Graciliano Ramos um dos inúmeros simpatizantes do Partido Comunista no Nordeste foi embarcado no porão de um navio para o Rio de Janeiro e em seguida enviado para a Colônia Correcional da Ilha Grande onde permaneceu preso sem acusação formal até janeiro de 1937 Em liberdade Graciliano escreveu Memórias do cárcere o mais contundente relato da violência desmedida gerada pelo governo Vargas Publicado somente após sua morte em 1953 o livro arrancou do anonimato os companheiros de cadeia registrou o duro aprendizado do intelectual na prisão revelou o processo de degradação produzido pelo sistema carcerário Aqui não há direito dizia o encarregado dos presos da Ilha Grande Escutem Nenhum direito Atenção Vocês não vêm corrigirse estão ouvindo Não vêm corrigirse vêm morrer50 Vargas sabia das torturas e da violência policial e conhecia a ferocidade do sistema repressivo a que seu governo dera início Também foi informado regularmente e com antecedência sobre a movimentação dos comunistas e sobre os planos para desencadear levantes em pontos distintos do país Um dos enviados de Moscou Johnny ou Johann de Graaf incumbido do treinamento em métodos de luta barricadas nas ruas e fabricação de bombas era agente duplo transmitia suas informações a Alfred Hutt superintendente da companhia de energia Light no Rio de Janeiro e o principal agente do serviço secreto britânico no Brasil o MI6 Hutt repassava tudo ao embaixador inglês as informações eram selecionadas por Londres e entregues ao ministro do Exterior Oswaldo Aranha que as encaminhava a Vargas51 Entre dezembro de 1935 e março de 1936 a caçada policial abastecida com as informações de Johnny chegou até os quadros da Internacional Comunista e em seguida ao esconderijo de Prestes Não escapou ninguém O corpo de Victor Baron encarregado pelos soviéticos das transmissões clandestinas de rádio foi atirado de uma das janelas da Polícia Central na capital da República para simular suicídio ele havia sido assassinado sob tortura Arthur Ewert submetido a longos interrogatórios e diversas formas de tortura enlouqueceu na prisão morreu em 1959 internado no principal hospital de Berlim Oriental Prestes seria mantido preso durante nove anos parte desse período em completo isolamento Olga Benário judia e comunista foi deportada grávida para a Alemanha nazista entregue à Gestapo e morta numa câmara de gás no campo de extermínio de Bernburg Com a ANL fechada e os comunistas na cadeia Vargas liquidou as forças de oposição situadas à esquerda do seu governo cioso do poder a ele só faltava livrarse do curto experimento democrático inaugurado com a Constituição de 1934 Em 1937 às vésperas das eleições que deveriam escolher o novo presidente da República empurrou o Brasil para mais oito anos de ditadura e quase não enfrentou reações Para que isso acontecesse foi indispensável muito cálculo político uma boa dose de sanguefrio e uma notável capacidade de com frequência recuar um passo para avançar dois Ele manobrou os parlamentares e enquadrou presidentes estaduais em especial Flores da Cunha presidente do Rio Grande do Sul seu exaliado a essas alturas no exílio Vargas também controlou milimetricamente a competição política entre seus possíveis sucessores cuidou de não desperdiçar forças e apostou na fragilidade das práticas democráticas do país52 Um plano bem urdido pegaria todos de uma vez mas seu sucesso dependia do acerto na dosagem de alguns ingredientes um deles a aliança com o Exército Uma dupla de generais foi decisiva o chefe do EstadoMaior Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra próximo aos integralistas e nomeado ministro da Guerra em 1936 Os generais queriam um Exército moderno com armas e indústria em troca dariam a Getúlio apoio militar para o golpe e sustentariam a ditadura O outro ingrediente era convencer a opinião pública de que com os levantes de 1935 o país estava bordejando a catástrofe O comunismo informou Vargas à nação pelo rádio à meianoite de 31 de dezembro constituise o inimigo mais perigoso da civilização cristã53 A combinação entre censura repressão e propaganda produziu uma tempestade ideológica que demonizou a atuação dos comunistas infundiu terror no coração da população católica e das classes médias e altas e consolidou um imaginário anticomunista que acompanharia a história política do país pelos cinquenta anos seguintes Os levantes de 1935 converteramse pelo discurso oficial na Intentona Comunista intentona significa intento louco ou insensato e uma carga injuriosa de crimes foi imputada aos rebeldes os oficiais comunistas seriam acusados de ter assassinado friamente os próprios companheiros legalistas do 3º Regimento de Infantaria enquanto estes dormiam o levante em Natal teria sido acompanhado por saques depredações invasões e estupros Para justificar o combate ao seu maior inimigo Vargas forjou acusações a rodo No dia 30 de setembro de 1937 o país foi sacudido pela denúncia publicada pela imprensa da existência de preparativos para um novo levante orientado por Moscou O Exército havia capturado um minucioso programa secreto de tomada do poder o Plano Cohen repleto de instruções atemorizantes incêndio de prédios públicos saques fuzilamentos sumários de civis54 O documento tinha nome judaico e era falso Foi escrito pelo então coronel Olympio Mourão Filho organizador da milícia paramilitar da AIB responsável pelo serviço secreto integralista e lotado no setor de inteligência do EstadoMaior do Exército O general Góes Monteiro recebeu a papelada produzida por Mourão tratoua como autêntica e a encaminhou a Vargas Ato contínuo o documento foi tornado público Cópias começaram a circular nos quartéis os jornais reacenderam os debates contra o perigo comunista programas de rádio trovejavam o tema do anticomunismo e a população ficou alvoroçada Em torno de dois meses depois satisfeito com o resultado Vargas avaliou que o sinal estava verde no dia 10 de novembro cercou o Congresso e mandou seus membros para casa jogou a Polícia Militar na rua impôs uma nova Constituição ao país e batizou o golpe de Estado Mal foi disparado um tiro Começavam os longos anos de ditadura do Estado Novo NOSSO PEQUENINO FASCISMO TUPINAMBÁ O centro de sustentação do Estado Novo estava corporificado funcional e pessoalmente na figura de Vargas o único civil a comandar uma ditadura no Brasil garantida pelas Forças Armadas em especial pelo Exército e apoiada numa política de massas O novo regime fazia uso da leitura da obra de alguns pensadores políticos conservadores como Alberto Torres um defensor da ideia de que cabia ao Estado organizar a sociedade fornecer um propósito à nação e implantar as mudanças de que o país necessitava Também tinha nome e tonalidade fascistas Estado Novo designava a ditadura de Salazar iniciada em Portugal em 1932 e o regime brasileiro compartilhava alguns traços com o fascismo europeu a ênfase no poder do Executivo personificado numa liderança única a representação de interesses de grupos e classes sociais num arranjo corporativo isto é sob a forma de uma política de colaboração entre patrões e empregados tutelada pelo Estado a crença na capacidade técnica posta a serviço da eficiência do governo e acompanhada da supressão do dissenso55 Apesar disso no caso do Estado Novo imposto por Vargas não se tratava de um regime fascista e menos ainda da reprodução de um modelo fascista europeu português ou italiano ou ainda espanhol Sua natureza era outra autoritária modernizante e pragmática ver imagem 96 Ou como definiu sarcástico Graciliano Ramos o Estado Novo era no máximo nosso pequenino fascismo tupinambá56 O projeto de uma sociedade autoritariamente controlada pelo Estado e não apenas suas classes populares envolvia é claro o estabelecimento de um sistema repressivo capaz de manter com sucesso a tampa sobre o caldeirão e impedir a ebulição de qualquer atividade oposicionista Mas a viabilidade do Estado Novo dependia também da capacidade de Vargas seguir em frente com a fórmula de restringir ao mínimo o núcleo de decisão e ampliar ao máximo suas bases de sustentação construindo para isso um aparato político dotado de ferramentas próprias para angariar adesões e absorver conflitos As vigas mestras do sistema de repressão policial do Estado Novo foram instituídas antes do golpe de 1937 à medida que a Constituição de 1934 se desintegrava57 A Lei de Segurança Nacional de 1935 definia os crimes contra a ordem política e social e o Tribunal de Segurança Nacional instalado em 1936 servia para julgar sumariamente os atos políticos cometidos e mandar os condenados para a prisão Antes disso porém em janeiro de 1933 Vargas criou por decreto na capital da República sua polícia política A Delegacia Especial de Segurança Política e Social Desp atuava exclusivamente na repressão política e cuidava de receber denúncias investigar deter e encarcerar qualquer pessoa cuja atividade fosse considerada suspeita sem necessidade de comprovar prática efetiva de crime No comando da Desp e da Polícia Civil Vargas entronizou o capitão do Exército Filinto Müller Na condição de chefe de polícia Müller não vacilou em mandar matar torturar ou deixar apodrecer nos calabouços da Desp suspeitos e adversários declarados do regime Prónazista manteve através de sua delegacia um intercâmbio reconhecido pelo governo brasileiro com a Gestapo a polícia secreta de Hitler que incluía troca de informações técnicas e métodos de interrogatório58 Müller era oficial da ativa provisoriamente deslocado para um posto especial fora da cadeia de comando regular e voltaria a vestir a farda em 1942 mas jamais recebeu nenhum tipo de desaprovação formal do AltoComando por seu comportamento e pelos serviços prestados ao Estado Novo E ademais sempre contou com o apoio incondicional do presidente da República59 O Estado Novo como qualquer governo de força dependia do consentimento da maioria da população Aliás nenhum governo anterior a Vargas devotou mais esforços a tentar construir um aparato próprio para se legitimar e difundir seu ideário político60 Tampouco se esqueceu do exercício sistemático e amplo da censura vista como peça fundamental de desmobilização e supressão do dissenso A peçachave que ligou o sistema e o fez funcionar foi concebida por Getúlio em 1939 sob a forma de uma agência com gigantesco poder de interferência na área de comunicação o Departamento de Imprensa e Propaganda DIP Diretamente subordinado à Presidência com órgãos filiados nos estados e dirigido por um jornalista Lourival Fontes cuja lealdade estava com Vargas e as simpatias políticas com o fascismo italiano o DIP era uma máquina bem planejada tinha seis seções propaganda radiodifusão cinema e teatro turismo imprensa e serviços auxiliares e a tarefa de projetar as bases de legitimidade do Estado Novo A agência interferiu em todas as áreas da cultura brasileira censurou formas de manifestação artística e cultural instrumentalizou compositores jornalistas escritores e artistas e desenvolveu múltiplas linhas de ação Numa delas funcionários do DIP exploraram o potencial da imprensa escrita criando publicações concebidas exclusivamente para esse fim as revistas Cultura Política e Ciência Política Em outra a agência buscou assumir o controle sobre tudo que se relacionava com a canção popular talvez a mais eficiente linguagem produtora de conhecimento sobre o Brasil e acessível a toda a população Durante a década de 1930 a canção popular firmouse de vez como o traço essencial e mais evidente da fisionomia musical do Brasil moderno As composições do período solidificaram a linguagem autônoma do samba foram buscar nesse gênero musical certa raiz própria distintiva da condição de ser brasileiro e elegeram dois eventos para caracterização de seus modelos a institucionalização do Carnaval como a mais importante festa popular do país e a consolidação do rádio como primeiro veículo de comunicação de massas São os anos da fase de ouro do samba urbano brasileiro que contou com compositores do porte de Ary Barroso Wilson Batista Ataulfo Alves Assis Valente Dorival Caymmi Nelson Cavaquinho Geraldo Pereira E é claro com Noel Rosa cuja trajetória artística inclui a criação de cerca de trezentas composições em sete anos de atividade de 1930 a 193761 Noel consumou o processo de modelagem da forma da canção que hoje conhecemos linguagem própria fundada nas entoações e expressões da fala cotidiana relação entre melodia e letra inventividade poética e tratamento musical flexível ora acelerando na direção da marchinha ora valorizando o percurso melódico de modo a conservar as inflexões sonoras originárias das serestas e das modinhas Fazer canção para Noel significava compor samba Com a linguagem atrelada ao dia a dia do país seus sambas revelam os signos do projeto de modernização então em marcha o telefone o cinema falado o apito da fábrica a fotografia e a baratinha um carro esporte conversível com lugar para duas pessoas Noel Rosa morreu em maio de 1937 não compôs sob a ditadura Tampouco presenciou o trabalho desenvolvido pelo DIP e a atuação da agência no campo da canção popular Noel certamente ficaria assustado só no ano de 1942 o DIP proibiu 373 canções e 108 programas de rádio e interferia em tudo62 Instituiu o Dia da Música Popular Brasileira em 3 de janeiro organizou o Carnaval carioca botou peso na escolha de temas nacionais de preferência históricos para definir o sambaenredo das escolas e apostou na utilidade do samba como símbolo de identidade nacional63 Os funcionários do DIP foram especialmente hábeis em aproveitar o impacto tecnológico operado pelos novos veículos de comunicação rádio e cinema e propagandear as ações e iniciativas do governo O rádio já era na época um fenômeno de massa atendia à demanda de entretenimento de uma audiência crescente estava consolidado como veículo publicitário e conseguia fazer brotar o sucesso Em 1939 o DIP passou a difundir propaganda oficial por meio da transmissão radiofônica diária em cadeia nacional da Hora do Brasil através desse programa popularizou a voz de Vargas com discursos curtos e simples que pareciam eliminar intermediários e falar diretamente ao ouvinte Em 1942 a agência ampliou o foco e tratou de associar a mensagem do governo a uma programação humorística e de musicais Eficiente ela investiu no formidável sucesso dos programas de auditório idealizados para tornar a Rádio Nacional uma espécie de casa de teatro acessível à população pobre e onde torcidas os fãclubes assistiam aos cantores de sucesso A legitimidade da ditadura do Estado Novo dependia de que seus agentes o associassem a Vargas combinando na figura do ditador a imagem do líder com a representação da nação Um dos principais pontos de apoio do regime o Ministério da Educação e Saúde foi decisivo para sinalizar a importância que o Estado Novo atribuía à cultura como ferramenta na composição desse modelo Dirigido por Gustavo Capanema mineiro que disputou e perdeu o posto de interventor em Minas Gerais em 1933 e que Vargas optou por levar para o Rio de Janeiro em 1934 o órgão foi talvez o melhor exemplo da ambivalência cultivada pela política do Estado Novo64 E Capanema agarrou sua oportunidade no comando da pasta da Educação Criou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nomeou Heitor VillaLobos o grande compositor de música clássica superintendente de educação musical e encarregado da formação de grandes corais orfeônicos compostos de estudantes que se apresentavam nas manifestações de massas do regime Para abrigar a sede do seu ministério Capanema garantiu a execução de um projeto arquitetônico que punha em prática experimentações técnicas e estéticas modernistas sem precedência no país A obra era do arquiteto e urbanista Lúcio Costa a inspiração vinha da nova linguagem arquitetônica definida por Le Corbusier as paredes traziam murais de Portinari e o projeto contou com a colaboração do arquiteto Oscar Niemeyer O prédio existe até hoje talvez um pouco maltratado mas ainda espetacular Porém num movimento pendular característico do Estado Novo o mesmo ministério Capanema que promovia os modernistas e as vanguardas silenciou sobre as intervenções arbitrárias e prisões que atingiram as áreas da cultura e da educação também não impediu a perseguição aos comunistas e fechou a Universidade do Distrito Federal A cultura era entendida como assunto de Estado e a ditadura fez uso disso para se aproximar de escritores jornalistas e artistas Entre o ministério Capanema e o DIP abriu se um mercado de cargos destinados a intelectuais que desejassem se inserir nos espaços privilegiados do serviço público e formouse uma larga roda de convívio entre intelectuais e artistas e o núcleo decisório do governo Ainda que alguns entre eles antagonizassem com sua produção a ordem estabelecida uma expressiva parcela dos intelectuais brasileiros ao centro à direita e à esquerda do espectro político aceitou demandas que lhe faziam as agências do Estado Novo poetas como Carlos Drummond de Andrade Mário de Andrade Cassiano Ricardo Rosário Fusco e Menotti Del Picchia intelectuais como Gilberto Freyre Alceu Amoroso Lima Nelson Werneck Sodré ou escritores como Graciliano Ramos65 É bem verdade que havia uma vontade de transformação atravessando o campo da cultura e projetando em escala nacional uma estética uma imaginação e um pensamento que já não estavam circunscritos aos regionalismos O Estado Novo forneceu régua e compasso a esse esforço de construção de uma nacionalidade triunfante sustentada numa ponta pela crença na autenticidade da cultura popular e na outra pela mistura heterogênea de elementos culturais originários de várias regiões do país Um turbante de baiana aqui ali um pandeiro ou um tamborim pinçados do morro carioca acolá um toque de berimbau e um passo de capoeira mais adiante um mulato de voz macia que resume todos os brasileiros ao sul do equador nada é puro e tudo estaria misturado66 Na representação vitoriosa dos anos 1930 o brasileiro nasce portanto onde começa a mestiçagem A mistura deixou de ser desvantagem para tornarse elogio e diversas práticas regionais associadas ao popular na culinária na dança na música na religião seriam devidamente desafricanizadas por assim dizer Transformadas em motivo de orgulho nacional foram aclamadas e são até hoje consideradas marca da originalidade cultural do país Assim foi com a feijoada Originalmente uma comida de escravos a combinação de feijãopreto cozido com grandes nacos de carne de porco e toucinho adubada com couve laranja arroz e farinha converteuse em prato nacional e carregou consigo a representação simbólica da mestiçagem o feijãopreto e o arroz branco uma vez misturados funcionam como a metáfora harmoniosa de uma mestiçagem que é racial e cultural a couve por seu turno reporta ao verde das matas e a laranja tem a cor amarelada do ouro numa feijoada completa tudo se mistura e prontamente se transforma em matéria de nacionalidade O processo de elaboração dessa nacionalidade também visou outras áreas Reprimida pela polícia do final do século XIX e tipificada como crime pelo Código Penal de 1890 a prática da capoeira ainda hoje remete tanto a uma coreografia quanto a um jogo além de ser igualmente uma forma de luta e de memória da resistência dos escravos Em 1937 porém a capoeira passou a ser valorizada pelo Estado Novo Nem branca nem negra vira capoeira cruzada como já se dizia desde o início do século XX é o resultado original de algo criado pela mistura entre o português o africano e o índio Nos tempos de Vargas a capoeira fez a transição para o mundo das representações nacionais e foi oficializada pelo Estado Novo como a legítima modalidade esportiva nacional Seria assim também com o candomblé oficializado nesse mesmo contexto ver imagem 98 A celebração da diversidade racial e cultural proporcionou ao país as condições para acertar o relógio com a cultura importada dos europeus e dos norteamericanos e colocar a originalidade mestiça no centro de seu investimento sociocultural para exportação Em 1939 o Brasil despachou para os Estados Unidos a cantora Carmen Miranda sua mais bemsucedida versão internacional Carmen já havia se transformado na grande estrela do disco do palco e dos cassinos brasileiros era adorada pelo público e desembarcou em Nova York a convite de produtores norteamericanos para cantar na revista musical Streets of Paris67 Reza a lenda que ela levou exatos seis minutos para conquistar a Broadway e necessitou de apenas um filme Serenata tropical para ganhar fama mundial A história pode ser exagerada mas a escalada de Carmen foi vertiginosa e em pouco tempo ela era a artista feminina mais bem paga de Hollywood Sua foto estampava capas de revistas anúncios de publicidade e vitrines de lojas dos Estados Unidos seus discos vendiam aos milhares e os nightclubs disputavam o privilégio de ter um show estrelado por ela de preferência acompanhada por seu célebre conjunto musical o Bando da Lua Embora costumasse declarar aos jornalistas não ter voz nenhuma o que eu tenho é bossa 68 Carmen Miranda foi uma artista dotada de genuíno talento A despeito de ser portuguesa de origem ela era também uma grata coincidência para o projeto de valorização da mestiçagem desenhado pelo Estado Novo Seu repertório e estilo incluíam canções de letras indecifráveis uma coreografia que misturava vagos elementos de samba com um vocabulário gestual exuberante e com um lado musical cômico rítmico e acelerado além de um cenário de extrema cafonice tropical Por improvável que pareça essa mistura tinha bossa isto é tinha jeito e talento coerência e estilo Carmen Miranda só se apresentava vestida como uma baiana incrementada inclusive de lamê vermelhoescuro com um imenso turbante de arco íris na cabeça capaz de acomodar uma ou duas cestas com apliques de pérolas e de pedras coloridas transbordando bananas e outras frutas tropicais de cera enormes brincos dourados nas orelhas e pulseiras a granel Para completar o figurino altíssimas sandálias plataforma fundamentais para quem media apenas 152 metro de altura e mais penduricalhos e ela quase desaparecia dentro da gargantilha de contas graúdas e da profusão de balangandãs pencas de figas e amuletos que originalmente representavam um pedido ao santo ou pagamento de promessa No final de cada apresentação Carmen tinha reinventado o Brasil Ela dissolvia numa brasilidade genérica negros brancos e índios e celebrava um país híbrido alegre e harmônico No início da década de 1940 porém a rota foi alterada e chegou a hora de os próprios norteamericanos demonstrarem súbito interesse pelas coisas brasileiras Entre 1933 e 1945 anos do governo do presidente Franklin Roosevelt os Estados Unidos adotaram uma política externa que combinava doses bem calculadas de pressão e cautela diante do avanço alemão e do nascente sistema de poder dos países do Eixo A consequência da adoção dessa política no caso da América Latina significou uma mudança radical na estratégia de relacionamento entre o governo norteamericano e os países do continente De olho no mercado externo como uma das condições para se recuperar dos efeitos desastrosos da crise de 1929 ansioso para impedir a influência alemã e italiana e decidido a garantir a liderança na região a todo custo Roosevelt trocou a truculência pela negociação substituiu o uso recorrente da prática intervencionista no continente por uma retórica de solidariedade o panamericanismo e propôs aos países da América Latina um suculento cardápio de medidas cooperativas de natureza econômica tecnológica e militar Roosevelt batizou sua nova estratégia com nome ambicioso Política de Boa Vizinhança e arrematou o projeto com um programa de aproximação cultural69 A Política de Boa Vizinhança investiu pesado no cinema e criou uma linha de filmes destinados a estimular o panamericanismo Nem sempre dava certo Serenata tropical por exemplo deixou os argentinos enfurecidos não só faltava tango no enredo como sobravam salafrários entre os moradores de Buenos Aires Já Aconteceu em Havana atingiu em cheio os brios das plateias de Cuba indignadas com a imagem de pequenos vigaristas e com a maneira como Havana sua bela capital aparecia no filme um cassino rodeado por extensos canaviais Então em 1941 os estúdios Disney decidiram entrar no negócio Em maio desse ano Walt Disney em pessoa voou com uma equipe de músicos roteiristas e desenhistas para o México desceu pela América do Sul até o Brasil e a Argentina e regressou em agosto com pesquisa e esboços suficientes para dois desenhos animados que se transformariam num grande êxito da Política de Boa Vizinhança Alô amigos Saludos Amigos estreou em 1943 e Você já foi à Bahia The Three Caballeros em 1945 Alô amigos trazia como músicatema a canção Aquarela do Brasil de Ary Barroso o mais famoso discurso de afirmação da identidade da nação brasileira construído em cadência de samba e que continua a ser cantado como uma espécie de hino nacional alternativo Você já foi à Bahia exibia canções de Ary Barroso na voz de Aurora Miranda irmã de Carmen e apresentava uma sensacional inovação tecnológica já testada por Disney em 1940 no filme Fantasia além de cantar Aurora Miranda vestida como a indefectível baiana contracenava com os personagens do desenho animado Os dois filmes apresentaram o Brasil ao público norteamericano sob os auspícios de uma figura que levava ao plano internacional um universo cultural até então provinciano o papagaio Zé Joe Carioca70 O personagem foi inspirado nas intermináveis anedotas de papagaio ouvidas pela equipe de Disney durante a estadia no Rio de Janeiro nasceu numa sala do hotel Copacabana Palace provisoriamente convertida em estúdio e tinha as feições vagamente semelhantes às do compositor Herivelto Martins autor de um punhado de canções de grande sucesso Os norteamericanos não sabiam disso mas a associação era antiga o papagaio foi o animal que simbolizou o Brasil nos relatos dos primeiros viajantes que aqui aportaram ainda no século XVI Zé Carioca era uma espécie singular um papagaio na periferia do capitalismo71 Seu sucesso foi tão instantâneo quanto duradouro Afinal ele era capaz de combinar elementos culturais diversos estetizar a figura do malandro esvaziála de seu sentido transgressor e extrair dessa mistura uma síntese de quem seríamos nós Por todos os lados era possível reconhecer sinais dessa identidade nacional que o brasileiro ainda gosta de usar para se distinguir mestiço vivendo de biscates sem dinheiro na prontidão como se dizia na gíria da época e um tanto preguiçoso Mas como o próprio Zé Carioca um sujeito irresistível simpaticíssimo livre feliz da vida falante caloroso folgado cheio de bossa bom de bola craque no samba um tanto safado e capaz de aprender tudo depressa inclusive a melhor maneira de enrolar estrangeiro Já em sua estreia Zé Carioca projetou uma imagem positiva do Brasil no exterior e encantou os brasileiros em geral e a família Vargas em especial que viu no filme uma homenagem dos norteamericanos ao país e ao seu povo e se encarregou de patrocinar a sessão inaugural de Alô amigos nos cinemas do Rio O interesse do Estado Novo pelas coisas nacionais foi amplo e variado o bastante para incluir a escolha para padroeira do país de uma Virgem Aparecida que pescada do rio Parnaíba e um pouco castigada pelas águas era mestiça como os brasileiros Mas era preciso reconhecer como parte dessa inexorável condição de brasileiro alguns outros itens não tão positivos a miséria do mundo rural a falta de dinheiro da maioria da população urbana e o impressionante descompromisso com a ideia de bem público Também isso são coisas nossas avisava Noel Rosa numa canção de 193272 E enumerava o malandro que bebe mas não come a palhoça lá na roça o prestamista e o vigarista o bonde que parece uma carroça tudo isso define um país que é capaz de brincar alegremente com a própria miséria e cada um desses itens é uma contradição tão brasileira sublinhava o compositor quanto uma morena um pandeiro e um violão Na contramão da ironia dos versos de Noel porém estava em curso no país um pensamento que negava o argumento racial arriscava explicações de ordem cultural e insistia em oferecer a mestiçagem como a melhor resposta do Brasil ao resto do mundo O momento era absolutamente adequado ao aparecimento de uma obra como Casa grande senzala de Gilberto Freyre cuja primeira edição data de 1933 Seu sucesso como vimos foi imediato Freyre oferecia uma nova interpretação para a sociedade multirracial brasileira e fazia a apologia da civilização lusotropical resultado inesperado e original da estratégia portuguesa de adaptar a civilização europeia aos trópicos A proposta do livro era repisar sob novo ângulo a ideia de uma sociedade misturada e pioneira em função da ausência de segregação e de uma miscigenação extremada e feliz73 Gilberto Freyre executou a façanha analítica de dar caráter positivo ao mestiço atribuindo a ele não o atraso do país e sim sua grande vantagem de futuro Mas Freyre não era o único autor disposto a arregaçar as mangas e buscar uma maneira de entender o Brasil a partir de uma visada original Em 1936 ainda sob o impacto de sua obra e da modernização dos anos 1930 Sérgio Buarque de Holanda publicou Raízes do Brasil poderoso ensaio sobre os descompassos que iriam formar nossa sociedade O livro de Sérgio Buarque segue em direção contrária ao caminho indicado em Casagrande senzala traz a crítica aguda das soluções autoritárias adotadas sistematicamente no decorrer da história do país alude aos princípios formadores da sociedade brasileira testa as possibilidades e expõe as tensões do processo de modernização do país74 Em 1942 a dupla transformouse em trio por força da edição de Formação do Brasil contemporâneo de Caio Prado Jr livro que estabelece novo ponto de viragem nesse esforço de reinterpretação do país75 No argumento de Caio Prado a especificidade do Brasil não decorre nem das raízes nem da mestiçagem ela consiste na ausência de processos de ruptura com as formas políticas e econômicas que organizaram a realidade brasileira ao longo de sua trajetória histórica Sem uma ruptura radical argumenta Caio Prado não há como superar os laços de miséria subordinação e dependência E insiste uma sociedade que se remodela sem um abalo profundo mantém as marcas do atraso e os elementos causadores da miséria Esses e outros autores de diferentes tendências como Oliveira Viana Paulo Prado Cassiano Ricardo Alceu Amoroso Lima Guerreiro Ramos foram responsáveis pela voga dos grandes ensaios interpretativos do país que deixavam de olhar o Brasil como uma realidade fragmentada e buscavam entender as contradições enraizadas na sociedade brasileira E se a crítica intelectual do lado que fosse tornavase cada vez mais contundente Vargas continuava firme no sentido de manobrar o campo da cultura e na função de mobilizar a adesão dos trabalhadores A interferência do Estado como mediador das relações de trabalho era favorável aos operários reconhecia direitos trabalhistas e sociais e aumentava o poder de pressão dos trabalhadores sobre os patrões76 Entre 1930 e 1945 seu governo implantou as bases e a estrutura da legislação trabalhista sindical e previdenciária brasileira e apesar de transformada ela chegaria aos dias atuais Mas como toda estratégia política essa também tinha dois lados e o preço a pagar era a restrição da liberdade política O trabalhador podia aceitar ser incorporado à sociedade pela tutela do Estado também podia assumir os riscos de uma vida clandestina e tentar criar formas de ação sindical e política independente Ou ainda podia submergir num submundo de proscritos uma espécie de comunidade à parte continuamente denegrida perseguida pela polícia composta de estrangeiros anarquistas comunistas mendigos e da figura do malandro A malandragem se caracteriza por sua relação esquiva com o mundo do trabalho e a ela se articulam um personagem e uma escolha política77 A figura do malandro ou vadio não era exatamente uma novidade na cultura brasileira Tinha suas origens no século XIX e servia para definir um sujeito que opera na linha fronteiriça entre o lícito e o ilícito trabalha o mínimo possível vive do jogo das mulheres de pequenos expedientes e dos golpes que aplica nos otários Vargas tinha todo o interesse em combater a malandragem já que ela poderia facilmente ser interpretada como gesto de recusa política O compositor Wilson Batista talvez o mais expressivo representante de uma geração de sambistas que adotaram a malandragem como definição de identidade sabia que era quase impossível escapar da mitologia do trabalho definida pela ditadura estava cansado de ter suas canções censuradas e compôs em parceria com Ataulfo Alves O bonde São Januário seguindo as regras do DIP Quem trabalha é quem tem razão Eu digo e não tenho medo de errar O bonde São Januário Leva mais um operário Sou eu que vou trabalhar78 A canção foi gravada para o Carnaval de 1941 arrasou na interpretação de Cyro Monteiro e fez carreira Depois de liberada pelo DIP letra e música circularam de boca em boca mas a história mudou de figura e a canção passou a agregar na letra uma pequenina e decisiva alteração introduzida pelo próprio autor O bonde São Januário Leva mais um grande otário Sou eu que vou trabalhar Não foi preciso muita imaginação para entender quem era otário Burlar o discurso do poder e revelar o logro no jogo da linguagem é estratégia de malandro Significa valerse dos dois lados da fronteira o trabalhador e a lei usar ambos e agir em proveito próprio Era essa estratégia que Vargas não podia perdoar ADEUS ESTADO NOVO A Segunda Guerra Mundial foi o divisor de águas nos rumos do Estado Novo garantiu o protagonismo do projeto de modernização proposto pelo regime ao mesmo tempo que revelou o esgotamento da sua natureza autoritária79 Até onde foi possível a política externa brasileira mantevese neutra nos anos que antecederam o litígio internacional Vargas conduziu o jogo até que com o ataque japonês à base norteamericana de Pearl Harbor em 1941 foi pressionado a tomar a posição só em 28 de janeiro de 1942 no final da Reunião dos Chanceleres das Repúblicas Americanas realizada no Rio de Janeiro o Brasil rompeu relações comerciais e diplomáticas com as potências do Eixo A reação não se fez esperar submarinos alemães torpedearam navios mercantes brasileiros em águas territoriais do país A população saiu para as ruas e promoveu as primeiras grandes manifestações públicas desde o início da ditadura exigia a entrada imediata do Brasil na guerra ao lado dos Aliados Enquanto durou a neutralidade brasileira Vargas buscou maximizar o ganho sem se expor demais Garantiu acordos comerciais com a Alemanha nazista que consolidaram o papel do Brasil como principal parceiro mercantil do Reich na América e adquiriu submarinos na Itália fascista em troca da exportação de carne e matériasprimas agrícolas Para compensar tratou de explorar as possibilidades de relações comerciais com os Aliados e liberou a compra de destróieres nos Estados Unidos e material bélico na Inglaterra para atender à Marinha do Brasil Num momento em que não estava claro quem ganharia a guerra e a ofensiva nazista na França havia sido arrasadora Vargas via a neutralidade como uma estratégia de aproveitamento máximo das circunstâncias comercializava com ambos os lados para exasperação do estreito núcleo decisório de seu governo uns favoráveis aos Aliados como o chanceler Oswaldo Aranha e seu próprio genro Ernâni do Amaral Peixoto interventor do Rio de Janeiro e outros francamente germanófilos como os generais Góes Monteiro e Dutra As afinidades ideológicas do Estado Novo pendiam para o fascismo um mês antes da queda de Madri e da derrota dos republicanos na Guerra Civil Espanhola Vargas pôs a cautela de lado e reconheceu oficialmente o governo fascista do general Franco Ele porém tinha boas relações com o presidente Roosevelt e fez de tudo um pouco para intensificar a parceria uma vez que os propósitos modernizantes de seu governo dependiam de uma estratégia de aproximação com os norteamericanos no sentido de garantir a colaboração para o estabelecimento de uma indústria de base no Brasil Mas também fez pressão instruiu o Itamaraty a divulgar sua disposição de não esperar a decisão dos americanos de apoiar seu projeto de industrialização insinuou a intenção de aceitar a colaboração alemã e mandou um telegrama para Hitler com meus votos de felicidade pessoal e de prosperidade para a nação alemã80 A partir de 1942 com a entrada do Brasil na guerra e a cessão de uma base aeronaval dos Estados Unidos próxima à cidade de Natal para contribuir com a linha de defesa do Norte da África a colaboração brasileira com a administração Roosevelt mudou de patamar e o projeto de industrializar o Brasil saiu do papel A questão da siderurgia estava no centro desse projeto vinha do ideário da Aliança Liberal em 1930 e fazia parte do compromisso de Vargas com as Forças Armadas em troca do apoio militar para o golpe de 1937 Em 1942 com empréstimos de longo prazo do ExportImport Bank o Estado Novo criou a Companhia Vale do Rio Doce para exploração de minério de ferro e construiu a imensa usina siderúrgica em Volta Redonda uma cidade industrial inteiramente planejada vizinha ao Rio de Janeiro símbolo da autossuficiência econômica que Vargas ambicionava para o Brasil Para arrematar garantiu o controle da usina através da Companhia Siderúrgica Nacional uma empresa de economia mista com controle acionário estatal Em seguida avançou em áreas como o minério de ferro processamento de álcalis produção de motores para aviões e caminhões Também delineou uma política específica para enfrentar o desafio do petróleo e se não teve êxito em estabelecer as grandes refinarias estatais deixou aberto o caminho que na década seguinte levaria à campanha pela criação da Petrobras A partir de 1943 ia ficando claro para Vargas que a guerra se encaminhava para seu estágio final e que isso significava a derrota do Eixo Ele também percebia que o Estado Novo não sobreviveria embora o Brasil estivesse lutando ao lado dos prováveis vencedores em agosto de 1943 enfureceu Dutra e Góes Monteiro que não admitiam a entrada do país na guerra ao lado dos Aliados criou a Força Expedicionária Brasileira e enviou soldados para lutar na Itália em 1944 algo em torno de 25 mil homens que lá se arriscaram apesar do péssimo treinamento e do frio intenso O fim da guerra porém estava associado à luta pela democracia e revelava aos brasileiros a contradição de combater o fascismo na Europa e manter aceso o autoritarismo no país ver imagem 97 Em outubro de 1943 o Manifesto dos mineiros com 92 assinaturas de personalidades do estado de Minas Gerais reivindicando a instalação de um regime democrático abriu o campo da luta política para as forças de oposição Vargas podia até não levar fé na qualidade da oposição que se anunciava mas considerou a sério a nova conjuntura e preparou a transição para um regime constitucional apoiado em amplos setores da população sobretudo aqueles que se beneficiaram da legislação social e trabalhista O plano era bom mas nem tudo iria dar certo nessa estratégia até então cuidadosamente elaborada e executada 15 YES NÓS TEMOS DEMOCRACIA QUEREMOS GETÚLIO O Brasil ia saindo do Estado Novo profundamente mestiçado em suas crenças e costumes mas internalizando um racismo mal disfarçado e uma hierarquia social arraigada na intimidade que pareciam prescindir da lei para se afirmar O país também descobriu no samba urbano carioca o ritmo da nação dispunha de um bocado de símbolos nacionais contava com uma importante legislação trabalhista e construiu a base de um projeto de modernização e industrialização que ia se diversificando As aspirações eram altas a popularidade de Vargas aumentara Mas o ambiente político andava a cada dia mais carregado Os protestos vazavam pelas brechas que a censura deixava destampadas começavam a se tornar incontroláveis e eram irreversíveis os brasileiros também queriam liberdade de expressão exigiam um presidente eleito democraticamente e reivindicavam uma mudança constitucional Vargas não duvidava que o aparato autoritário do Estado Novo estava fazendo água e que seria inevitável descomprimir o sistema político Seu primeiro problema era como proceder à transição democrática e reajustar a estrutura de governo de modo a permanecer no poder Seu outro problema era quando deveria iniciar esse processo de descompressão Em 1945 logo no começo do ano Vargas entendeu que não havia mais tempo disponível em 28 de fevereiro assinou o Ato Adicional à Constituição de 1937 estabelecendo que a data das eleições fosse definida em três meses tanto para presidente da República quanto para composição de novo Congresso legislativo1 Poucos dias antes as forças políticas de oposição já tinham atropelado os melhores planos de Getúlio e lançado a candidatura do comandante da Força Aérea Brasileira brigadeiro Eduardo Gomes à Presidência da República Para Vargas a atividade política sempre foi uma questão de cálculo e de oportunidade Ainda em março ele declarou formalmente que não seria candidato à Presidência da República e sem nenhum entusiasmo anunciou o apoio do governo à candidatura do ministro da Guerra general Eurico Gaspar Dutra O apoio pode ter sido dado a contragosto mas a candidatura de Dutra tinha grande utilidade na definição de sua estratégia política servia bem para dividir as Forças Armadas reduzia o apoio eleitoral de Eduardo Gomes e desviava do foco de atenção dos adversários a movimentação continuísta desenvolvida pelo Palácio do Catete Eduardo Gomes ou simplesmente o Brigadeiro como era conhecido vinha das lutas tenentistas foi um dos sobreviventes da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana tinha aura e pose de herói uma elevada autoestima e fama de democrata Ao menos na opinião da fatia do eleitorado feminino que o apoiava também possuía estampa suficiente para merecer o mais despropositado slogan Vote no Brigadeiro que ele é bonito e é solteiro Dutra por contraste baixote sensaborão e demasiado previsível estava casado havia anos fazia parte do grupo getulista desde os tempos de cadete da Escola de Guerra de Porto Alegre gozava da reputação de militar legalista fora próximo dos integralistas e notório admirador da Alemanha nazista2 Ambos eram católicos fervorosos o que muito ajudava e ainda ajuda a ganhar eleição solenes pretensiosos e um completo desastre no papel de candidatos em especial na hora de pedir voto ao eleitor Dutra foi capaz de comparecer a uma manifestação de apoio à sua candidatura na Federação dos Rodoviários no Rio de Janeiro apinhada de gente proferir um discurso interminável sobre os grandes vultos da história militar brasileira e ir embora para casa sem ter feito uma única menção aos trabalhadores que o escutavam Eduardo Gomes não ficava atrás e conseguiu realizar a façanha de reunir os principais dirigentes sindicais do Rio para conhecer sua plataforma eleitoral e com eles trocar duas frases Muito prazer e Muito obrigado3 Os dois candidatos não agiam como políticos mas como militares da ativa E com a atenção do público muito concentrada nos atributos pessoais de cada um ou na falta deles passou quase despercebido um aspecto importante estava sendo travada uma disputa inédita entre um brigadeiro da Força Aérea e um general do Exército uma novidade inquietante para a construção democrática brasileira As Forças Armadas e em especial o Exército já não representavam o papel subalterno4 Ao contrário O Exército foi o mais confiável aliado da ditadura de Vargas seu principal instrumento de controle Em 1945 havia se tornado um elemento dinâmico do Estado funcionava como uma espécie de força executiva e não se enxergava mais nem como subordinado ao poder civil nem como instrumento da vontade popular à maneira dos oficiais republicanos de 1889 ou dos tenentes da década de 1920 Getúlio abriu a porta e os generais entraram A partir de 1945 o Exército não era só uma instituição moderna com armas equipamentos e tropa condizentes transformarase numa instituição qualitativamente diferente e em termos políticos bem mais letal uma força autônoma intervencionista convicta de ser a única em condições de formar uma elite bem treinada com visão nacional e preparada para atuar na cena pública e os militares iriam agir movidos por essa convicção nos quarenta anos seguintes da história republicana brasileira O general Góes Monteiro foi um oficial competente tinha comandado o processo de transformação da instituição militar em dupla com Dutra sentiase orgulhoso da sua obra e era um boquirroto incorrigível anunciou aos quatro ventos ter acabado com a política no Exército para os militares poderem fazer livremente a política do Exército5 Vargas iria descobrir depressa que tipo de política era essa que os brigadeiros e generais pretendiam praticar sua deposição pelas Forças Armadas em outubro de 1945 seria o primeiro golpe planejado em conjunto pelas três instituições militares Exército Marinha e Aeronáutica Para efetivar o golpe foi criado o embrião do que viria a ser o EstadoMaior das Forças Armadas Emfa e também pela primeira vez a corporação militar agiu politicamente como um todo6 No início desse mesmo ano porém Vargas ainda apostava no legalismo das Forças Armadas acreditava em sua aliança com Dutra e sobretudo confiava em sua habilidade para explorar as divisões internas ao oficialato manipular os generais jogando as ambições de uns contra os outros e controlar os quartéis em benefício de seus interesses políticos Na realidade ele calculou mal a dimensão da transformação operada com sua própria conivência seu projeto de continuidade concentrouse no mundo da política e entre os trabalhadores urbanos e ele passou ao largo das modificações ocorridas no interior da instituição militar um erro sem conserto O grande passo seguinte foi anunciar a concessão de anistia para centenas de presos políticos do Estado Novo incluindo o líder comunista Luís Carlos Prestes a essas alturas uma personalidade política consagrada cercada da mística de um homem excepcional meio mártir meio herói e cuja popularidade era muitas vezes maior que a de seu próprio partido A campanha pela anistia ganhara as ruas a luta pela libertação dos presos políticos tomou conta dos jornais e milhares de pessoas em todo o país apoiavam manifestos a favor da volta dos exilados e pela liberdade de organização partidária inclusive para os comunistas ver imagem 1007 No dia 18 de abril de 1945 com a anistia assinada uma multidão se acotovelou em frente ao portão principal da Penitenciária Central na rua Frei Caneca no Rio de Janeiro para saudar Prestes Dos dezoito anos que o separavam do fim da grande marcha realizada por sua lendária coluna passara oito no exílio e nove na cadeia O homem que caminhou até um portão lateral da penitenciária com a fisionomia contraída e partiu depressa de carro estava pálido magro e envelhecido não sabia muito bem o que acontecera com sua companheira Olga Benário e tampouco conhecia a filha de ambos Anita resgatada aos catorze meses pela avó por força de uma formidável campanha internacional de dentro de uma prisão nazista Anita vivia com as tias em Moscou Mas Prestes estava ansioso para ressurgir na vida pública Um mês depois de sair da prisão subiu ao palanque para falar no comício organizado pelos comunistas no Rio de Janeiro debaixo de uma ovação inesquecível Cerca de 10 mil pessoas enfrentaram a chuva fina e se espremeram desde cedo no estádio de São Januário no subúrbio carioca Qualquer esforço valia para ver e ouvir Prestes e se espantar com seu gigantesco retrato plantado no gramado iluminado por gás neon e encimado por grandes letras que formavam a palavra Brasil sem contar é claro o impacto provocado pela visão das bandeiras do Brasil e da União Soviética hasteadas uma ao lado da outra no centro do estádio8 Para surpresa geral Prestes anunciou uma reviravolta política completa na posição dos comunistas declarou apoio incondicional ao governo de Getúlio reivindicou a convocação de uma Assembleia Constituinte e defendeu o adiamento das eleições presidenciais A linha do seu argumento podia até seguir rente com a orientação de Moscou que recomendava aos comunistas a aliança com seus governos nacionais desde que durante a guerra esses governos estivessem alinhados à URSS como era o caso do Brasil Mas Prestes também deixou os princípios de lado apoiou um ditador que havia extraditado sua mulher para a Alemanha nazista e encarou a chance da aliança com Vargas com excesso de pragmatismo e uma boa dose de oportunismo os comunistas não eram muitos o partido sofrera a repressão implacável do Estado Novo sua força política estava perto de zero seus membros atuavam na clandestinidade Apoiar Vargas trazia enormes vantagens franqueava o acesso ao movimento sindicalista aproximava o partido da base social de Getúlio garantia legitimidade democrática aos comunistas e patrocinava seu ingresso na disputa eleitoral A pretensa virada de Prestes não convenceu alguns militantes como o historiador Caio Prado Jr preocupado em preservar a coerência política na linha de atuação dos comunistas mas vendeu muito bem a imagem do partido para a sociedade brasileira em maio de 1945 quando ocorreu o comício em São Januário os dirigentes calculavam haver 6800 membros em todo o país dois anos depois o número de filiados oscilava entre 180 mil e 220 mil9 O partido dispunha ainda de uma numerosa camada de simpatizantes que seguia as diretrizes do seu comitê central além de um grupo de artistas e intelectuais de prestígio que ajudariam a construir a partir da década de 1950 um projeto alternativo de modernização da sociedade brasileira Muitos viriam a se desligar rapidamente da militância partidária como o poeta Carlos Drummond de Andrade outros só depois de longo tempo como o escritor Jorge Amado Seja como for em 1945 um elenco de estrelas circulava em volta dos comunistas Havia artistas plásticos como Candido Portinari Carlos Scliar Di Cavalcanti e José Pancetti músicos eruditos do porte do maestro Francisco Mignone arquitetos com o talento de Vilanova Artigas e Oscar Niemeyer escritores com o peso de Graciliano Ramos e Monteiro Lobato jovens cineastas como Nelson Pereira dos Santos compositores como Dorival Caymmi Mário Lago e Wilson Batista cantores populares como Nora Ney e Jorge Goulart10 Para Getúlio o apoio dos comunistas e em especial de Prestes a única liderança capaz de disputar com ele em popularidade podia ser um trunfo mas não era a pedra mais importante do seu tabuleiro político Como sempre o comportamento de Vargas foi dúbio e ninguém podia dizer com certeza se ele pretendia preparar o terreno para realizar a transição democrática ou se ao contrário manobrava a conjuntura para viabilizar um projeto continuísta de governo Mas de uma coisa não havia dúvida Getúlio não chegara até o Catete para se deixar pegar desprevenido Enquanto o Estado Novo ia se desintegrando ele apostou pesado na atuação de personagens inesperados os trabalhadores urbanos E como não poderia deixar de ser o jogo começou a se desequilibrar em São Paulo No início de março de 1945 os membros do Centro Acadêmico Onze de Agosto o mais antigo do país ligado à Faculdade de Direito do largo de São Francisco partidários da candidatura de Eduardo Gomes decidiram por conta e risco convocar os trabalhadores a lutarem pela derrubada do Estado Novo e a favor da democracia11 Os paulistas podiam até ter sido derrotados por Vargas em 1932 mas jamais se convenceram disso e não perdiam a oportunidade de ir à forra No caso dos estudantes bastava armar a passeata seguir para a praça da Sé no coração da cidade ocupar a escadaria da catedral improvisar um comício na hora de maior movimento de pedestres e de microfone em punho desancar Getúlio Mas ninguém esperava pelo que aconteceu De repente dezenas de trabalhadores que transitavam tranquilamente pela praça da Sé reagiram Enfurecida a multidão avançou contra os oradores batendo latas brandindo pedaços de pau agarrando qualquer outra coisa que encontrasse pela frente para atirála em quem estivesse na escadaria e em meio a uma vaia estrepitosa a massa de populares botou os estudantes para correr A população que estava por lá se uniu em gritos de Viva Getúlio Viva os trabalhadores e Nós queremos Getúlio quebrou o que viu pela frente incluindo as vidraças da Faculdade de Direito e só parou quando se sentiu desagravada Dois dias depois o episódio se repetiu no Recife provocando a morte de um estudante e em seguida foi reeditado em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro A oposição foi do pasmo ao espanto caía o Estado Novo mas crescia o prestígio popular de Getúlio12 Era isso mesmo Tanto os trabalhadores quanto os setores mais pobres da população urbana apoiavam Vargas e se mostravam a favor de sua permanência no poder O que começou em São Paulo se transformou depressa num movimento de protesto ganhou nome e tratou de demonstrar nas ruas sua razão de ser O Queremismo como ficou conhecido por força do slogan Nós queremos Getúlio era uma novidade numa República onde até então o povo fora mantido a uma distância segura dos mecanismos de condução do poder13 Sua demanda quase obsessiva manter Vargas no governo tinha natureza política a defesa dos direitos que garantiam a cidadania social obtida pelos trabalhadores a partir da década de 1930 Ao perceber que o Estado Novo caminhava para um final desfavorável ao presidente os trabalhadores saíram às ruas suspeitavam que o conjunto de leis de proteção ao trabalho até então com dois gumes sem Getúlio poderia começar a cortar de um lado só o lado do patrão Fiel ao seu estilo de dizer uma coisa insinuar outra nas entrelinhas e terminar fazendo uma terceira completamente diferente Vargas declarou diversas vezes que não seria candidato à própria sucessão e insistiu que sua intenção era presidir as eleições e se retirar da vida pública para o sossego e a obscuridade do lar arrematava com um sorriso modesto14 Só revelava qual era de fato o seu propósito pela disposição de estimular cada vez mais abertamente o Queremismo Vargas autorizou a transmissão dos comícios e manifestações populares em cadeia nacional de rádio garantiu aos queremistas o discreto apoio do DIP e do Ministério do Trabalho e facilitoulhes o acesso ao financiamento privado através de recursos junto aos empresários que lhe eram favoráveis No segundo semestre de 1945 o Queremismo dispunha de dezenas de comitês espalhados em várias cidades do país e os militantes estavam metidos numa atividade política febril abaixoassinados panfletagem declarações de apoio e solidariedade comícios O movimento se organizou cresceu e passou a contar com a adesão de Prestes e dos comunistas sempre buscando se posicionar mais próximo de onde o vento soprava E quando os queremistas perceberam que Vargas não havia se desincompatibilizado do cargo a tempo de concorrer nas eleições não tiveram dúvida ampliaram a própria demanda com um novo slogan de contornos políticos ainda mais nítidos exigiram uma Constituinte com Getúlio O Queremismo era uma novidade difícil de compreender que se desenvolveu no curso da transição democrática brotou na rua a partir de uma demanda popular e garantia a Vargas uma expressiva base política Mas sozinho com um ideário restrito e no formato de um organismo espontâneo do povo recémadmitido na cena pública o movimento não sustentava um projeto de poder Em outubro de 1945 porém para novo espanto das forças de oposição Getúlio agiu às claras e revelou um pouco mais sobre sua maneira de fazer política Aproveitouse de um evento com boa visibilidade popular a inauguração da rede de eletrificação dos trens suburbanos no Rio de Janeiro subiu ao palanque e convocou os trabalhadores a aderirem ao recémcriado Partido Trabalhista Brasileiro PTB O partido seria capaz de dar ao trabalhador a condição de tornarse um participante na gestão dos negócios públicos argumentou e evitaria que os operários constituam uma massa de manobra para os políticos de todos os tempos e de todos os matizes os quais depois de eleitos pelos trabalhadores se esquecem dos compromissos com eles assumidos Era uma afirmativa difícil de provar mas era ainda mais difícil de ser refutada Os trabalhadores devem ir às urnas escolhendo os representantes saídos de seu seio e intérpretes de suas aspirações15 concluiu Depois de oito anos com todas as casas legislativas fechadas e da extinção de associações agremiações e frentes partidárias os brasileiros retomaram a liberdade de se associar em torno de um misto de ideias interesses e valores comuns para participar do processo eleitoral e propor as próprias leis O mesmo Ato Adicional que marcou a data para as eleições determinou as condições de organização dos novos partidos Introduziu também duas restrições importantes do ponto de vista da construção de uma experiência democrática A primeira o critério de abrangência nacional uma exigência que visava impedir o ressurgimento de organizações regionais característico da Primeira República e que reduziu para vinte o número de partidos em condições de participar de eleições entre 1945 e 1964 uma diferença expressiva se comparada com as dezenas de associações regionais envolvidas nas disputas legislativas de 1933 e 1934 A segunda restrição o critério ideológico deixava a cargo dos juízes do Tribunal Superior Eleitoral o poder de traçar a linha divisória entre a liberdade de expressão e de ação e a proibição do funcionamento de qualquer associação política cujo programa contrarie o regime democrático baseado na pluralidade dos partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem16 A transição estava valendo os partidos eram essenciais para a prática da democracia e a oposição vinha tentando montar uma coalizão antiVargas desde 1943 Ser de oposição podia ter vários significados combater o Estado Novo levantar a bandeira da democratização do país ou professar o credo liberal Mas ser de oposição também queria dizer muito em especial que o sujeito pretendia remover da cena pública brasileira qualquer coisa que se relacionasse a Vargas Era o antigetulismo feroz que reunia grupos políticos com interesses muito distintos num partido como a União Democrática Nacional UDN com o formato de uma ampla frente de oposição criada em abril de 194517 A UDN o partido do Brigadeiro como se dizia então abrigava o que havia sobrado das elites regionais a fina flor dos homens de negócios industriais e cafeicultores de São Paulo o establishment das camadas médias urbanas antigos aliados de 1930 e do Estado Novo que foram afastados ou se afastaram voluntariamente de Vargas além dos socialistas democráticos e dos dissidentes do Partido Comunista É bem verdade que esses foram os primeiros a desistir ainda em 1945 abandonaram o barco da coalizão antigetulista e se organizaram em torno do jornal Orientação Socialista apostando na defesa da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte para acabar com o Estado Novo No ano seguinte foi a vez de os socialistas criarem um partido próprio o Partido Socialista Brasileiro PSB e investirem num programa de esquerda democrática Quem não arredou o pé da UDN desenhou seu perfil definitivo um partido conservador moralista antidemocrático e com indisfarçável vocação golpista A UDN tinha o costume de defender a democracia enquanto cozinhava em banhomaria o golpe de Estado seus membros eram incapazes de ir além de uma visão estritamente moral da vida pública e valorizavam ao extremo o comportamento pessoal de quem ocupava o poder O partido dispunha de um bom número de oradores competentes radicais e afinadíssimos entre si a Banda de Música como o grupo de parlamentares ficou conhecido e capaz de se organizar de maneira a não deixar passar um dia sem atazanar a vida dos adversários Adauto Lúcio Cardoso Oscar Dias Correia Afonso Arinos Bilac Pinto Aliomar Baleeiro Quem capitaneava a UDN era Carlos Lacerda18 Reviravoltas acontecem e o estudante que em 1935 de improviso lançara o nome de Prestes para presidir a Aliança Nacional Libertadora havia dez anos depois renegado o Partido Comunista adotado um catolicismo carola e assumido um perfil ultraconservador Apesar disso continuava atrevido oportunista e mais abusado ainda Também tinha verve erudição esbanjava competência e possuía uma inteligência incendiária Lacerda sabia manejar as palavras e era um mestre insuperável na arte da intriga política surpreendia o adversário com suspeitas acusava com ou sem provas ridicularizava achincalhava sempre de forma sistemática e em tom contundente Como costumava dizer Afonso Arinos seu companheiro de partido sem disfarçar o receio e a admiração que o personagem lhe inspirava Lacerda era um propulsor de crises e tornavase particularmente perigoso durante as crises que provocava porque confundia seu destino pessoal com a sorte das instituições republicanas19 Já Vargas fomentou a criação de dois partidos O primeiro o Partido Social Democrático PSD20 surgiu para capitalizar os efeitos de quinze anos de controle político dos interventores em cada unidade da federação ativar para dentro da estrutura partidária as benesses da máquina administrativa estadual e operar a capacidade dessa máquina de se ramificar pelo interior do estado até atingir o eleitorado dos municípios O PSD lançou oficialmente a candidatura do general Dutra e foi até 1964 o fiador da estabilidade da República Era um partido de profissionais adorava o poder e para conserválo seus líderes combinavam a contagem meticulosa dos votos recebidos com uma bem calculada repartição de cargos e de recursos públicos Entre a Bíblia e O capital o PSD fica com o Diário Oficial21 definiria bemhumorado tempos depois Tancredo Neves ele próprio um pessedista de altíssima estirpe O PSD tinha voto prestígio regional sabia da importância de eleger os prefeitos para garantir o poder do governador jamais contestava resultado de urna e era doutor na tática do acordo e da aliança O PSD estava à esquerda da direita e à direita da esquerda22 ensinava Ernâni do Amaral Peixoto genro de Vargas e fundador do partido Os grandes pessedistas eram mestres na capacidade de confabular e conchavar Tancredo Neves Juscelino Kubitschek Amaral Peixoto José Maria Alkmin Ulysses Guimarães Mas o PSD era também o partido da velha política do favor miúdo e da astúcia provinciana cujos líderes regionais sustentados por coronéis locais mantinham eterno controle sobre os deputados de suas bancadas Vitorino Freire no Maranhão Benedito Valadares em Minas Gerais Pedro Ludovico em Goiás De qualquer modo o alicerce do que havia de específico no projeto de Vargas estava assentado no segundo partido o Partido Trabalhista Brasileiro23 A ossatura partidária vinha dos sindicatos filiados pelo Estado Novo e do funcionalismo público que integrava a burocracia do Ministério do Trabalho e isso não deixava de ser uma grande novidade o PTB não foi concebido para ser um partido dos trabalhadores mas era sem dúvida um partido criado para os trabalhadores A principal novidade porém estava no projeto político O trabalhismo como esse projeto ficou conhecido identificava na questão social o grande problema das massas trabalhadoras no Brasil entendia que a solução para essa questão exigia a intervenção do Estado e enxergava na legislação social introduzida nos anos 1930 a base de um amplo programa de reformas que se propunha a oferecer proteção legal ao trabalhador24 O getulismo por sua vez servia para personificar esse projeto na figura de Vargas na sua capacidade de reconhecer o esforço do trabalhador e na disposição de seu governo de velar pelo bemestar dos brasileiros protegendo e amparando os assalariados e os setores mais pobres da população Já o queremismo fincava a base popular do PTB e iria fornecer ao partido a massa de militantes espalhada em praticamente todo o país É certo que o PTB enquanto existiu cultivou cuidadosamente a mítica de Vargas No início da década de 1960 porém seus dirigentes já tinham conseguido ampliar o trabalhismo além de sua dependência original do getulismo e marcálo mais acentuadamente com o nacionalismo com a opção pelo reformismo e com a incorporação de outros setores sociais em especial os trabalhadores rurais25 Entre 1945 e 1964 o PTB investiu numa aproximação com o socialismo de cunho democrático contrapôs seu projeto sempre que possível às pretensões de crescimento dos comunistas entre os trabalhadores e viu sua representação no Congresso aumentar até o ponto de disputar com o PSD a posição de maior partido nacional Começou com 22 deputados federais em 1945 subiu para 51 parlamentares em 1950 e só fez crescer 56 deputados em 1954 66 em 1958 e 116 em 196226 Também introduziu um conjunto de novas lideranças vocacionadas para a disputa política e com grande disposição para o debate parlamentar E no PTB se abrigaram os dois personagens destinados a exercer indiscutível protagonismo na cena pública brasileira daí por diante João Goulart o herdeiro escolhido por Vargas Leonel Brizola o líder trabalhista que assumiu e radicalizou o legado getulista Vargas tinha acertado de novo A aliança PSDPTB seria imbatível faria três presidentes da República no curto período de dezenove anos e foi decisiva para a manutenção da ordem democrática no país Contudo nos últimos meses de 1945 a situação parecia ser a pior possível supunhase que a decantada habilidade política de Getúlio finalmente havia desandado muita gente garantia que ele estava liquidado e a vitória da candidatura de Eduardo Gomes era dada quase como fato consumado No dia 29 de outubro Vargas foi deposto por seus ministros militares com a concordância do general Dutra ministro da Guerra até o momento de se desincompatibilizar do cargo para concorrer às eleições Menos de 48 horas depois o exditador se viu embarcado de volta à fazenda de sua família em São Borja no Rio Grande do Sul sem condições ou tempo para organizar nenhum movimento de resistência Com Vargas fora de combate e às vésperas das eleições presidenciais marcadas para 2 de dezembro o PTB parecia desnorteado e o PSD desanimado para sozinho carregar a insossa candidatura de Dutra Em compensação a UDN estava certa da vitória e a cada dia mais assanhada O alívio porém durou pouco No meio do mês de novembro num discurso pronunciado no palco do imponente Theatro Municipal do Rio de Janeiro para uma plateia escolhida Eduardo Gomes decidiu posar de valente desancou Vargas e declarou que dispensava os votos dos getulistas Uma malta de desocupados desdenhou27 Depois de quase um ano em campanha o Brigadeiro ainda não aprendera a máxima sagrada de qualquer eleição candidato não despreza voto de preferência agradece No dia seguinte a liderança queremista torceu o argumento associou a palavra malta à expressão marmiteiro foi para o rádio e martelou cotidianamente por ondas curtas ouvidas em todo o país a informação de que Eduardo Gomes dispensava o voto dos marmiteiros Para não deixar dúvida sobre quais votos estavam sendo menosprezados pelo Brigadeiro os queremistas desdobravamse em explicações o voto do trabalhador pobre que levanta da cama de madrugada mora no subúrbio trabalha o dia todo longe de casa ganha uma miséria e carrega o almoço na marmita arroz feijão ovo frito Milhares de pessoas se reconheceram na condição de trabalhadores assumiram orgulhosamente a identidade de marmiteiros e trataram de dar o troco a um candidato que não queria saber de pobre nem na hora da eleição compareceram em massa aos últimos comícios organizados pelo PTB batendo furiosamente em marmitas e panelas e se anunciaram adversários dos grãfinos isto é da elite que votava no Brigadeiro Para azar da UDN era muita gente carregando marmita na mão todos eleitores Os marmiteiros deram a volta na campanha de Eduardo Gomes e Getúlio arrematou a disputa conclamando os trabalhadores a elegerem Dutra Faltava meia hora para o encerramento do último comício do candidato do PSD no Rio de Janeiro quando chegou ao palanque um emissário com a mensagem de São Borja Vargas arquivou por uns tempos o ressentimento fez as contas do que poderia significar a vitória da UDN para a desmontagem de seu projeto político e decidiu quebrar o silêncio com uma declaração de apoio formal a Dutra O candidato do PSD em repetidos discursos e ainda agora em suas últimas declarações colocouse dentro das ideias do programa trabalhista Ele merece portanto os nossos sufrágios Mas escolado com a traição de seu exministro também mandou a Dutra um aviso Estarei ainda ao lado do povo contra o Presidente se não forem cumpridas as promessas do candidato Ainda restavam cinco dias de campanha tempo bastante para as militâncias do PTB e do PSD inundarem o país de cartazes com a foto de Vargas sublinhada por um texto direto e curto Ele disse Vote em Dutra A rigor não precisava nem da foto Ele com maiúscula todo mundo sabia quem era No dia 2 de dezembro 62 milhões de brasileiros representando 134 da população saíram de casa e formaram longas filas nos locais de votação sem prática após oito anos de Estado Novo a Justiça Eleitoral penou para ajustar o processo de recepção e contagem dos votos Mas a eleição estava ganha Abertas as urnas Dutra venceu em todo o país exceto no Ceará no Piauí e no Distrito Federal com 5239 dos votos contra 3474 dados a Eduardo Gomes Também obteve uma margem confortável de vitória nos três principais estados da União São Paulo Minas Gerais e Rio Grande do Sul28 Mesmo que a cada nova eleição presidencial a aliança entre os dois partidos tivesse de ser renegociada a dobradinha PSDPTB acabava de exibir sua musculatura política Mas logo se descobriria que derrubar o ditador era tarefa bem mais fácil do que tirar de cena o estrategista político e seu legado Como anunciavam os versos de uma canção composta para celebrar o regresso de Getúlio ao poder a depender da vontade do povo brasileiro o retrato do Velho iria voltar para o mesmo lugar ELE VOLTARÁ Juntos PSD e PTB fizeram maioria nas eleições para o Congresso O PSD conquistou 42 dos votos o PTB 10 a UDN levou 26 e o recémlegalizado Partido Comunista ficou com 9 os 13 restantes foram distribuídos aos candidatos dos pequenos partidos Os eleitos tomaram posse em janeiro de 1946 o Congresso se reuniu imediatamente na qualidade de Assembleia Constituinte e oito meses depois em 18 de setembro de 1946 seus membros entregaram uma nova Constituição ao país A Constituição de 1946 manteve as conquistas sociais obtidas desde a década de 1930 mas repôs a exigência da democracia e do exercício dos direitos políticos como condições incontornáveis para a vida pública brasileira29 Seu texto previa uma rotina democrática para as instituições republicanas com eleições diretas para os postos de governo no âmbito do Executivo e do Legislativo e nas três esferas da federação União estados e municípios Também garantia a liberdade de imprensa e de opinião reconhecia a importância dos partidos políticos e ampliava o escopo democrático da República incorporando como eleitores mais de um quarto da população com idade a partir de dezoito anos Durante vinte anos a Constituição de 1946 serviu de norte ao país e imputou um ritmo democrático à vida pública nacional reconheceu no Parlamento um ator político decisivo sobretudo nos momentos de grave crise institucional consolidou o funcionamento dos partidos políticos fortaleceu a independência dos sindicatos e garantiu a organização de eleições regulares e razoavelmente limpas com resultados apenas marginalmente afetados por fraudes Mas não há solução fácil no horizonte da democracia Ainda hoje as interpretações mais difundidas embora reconheçam a inequívoca vocação democrática da Constituição de 1946 sublinham suas limitações e sua incidência sobre aquilo que consideram ser a fragilidade da experiência democrática brasileira nesse período a exclusão do direito do voto aos analfabetos um contingente expressivo da população adulta a restrição do direito de greve a não incorporação dos trabalhadores do campo à legislação trabalhista e a interferência cada vez maior dos militares nos negócios da República Contudo apesar das limitações a democracia não era menos presente naquele contexto do que o seria no futuro A explicação é razoavelmente simples não existe um regime político de democracia plena30 No caso brasileiro os sinais da expansão do processo democrático sustentado pela Constituição de 1946 tornaramse ainda mais evidentes no final dos anos 1950 e início dos 1960 através da crescente capacidade de mobilização autônoma dos trabalhadores rurais e da pressão popular por uma sociedade menos excludente Se o Brasil andava mais democrático o mundo estava mais maniqueísta intolerante e polarizado Os anos seguintes ao fim da Segunda Guerra sepultaram impérios redesenharam o mapamúndi e criaram um novo enredo para orientar as relações políticas mundiais a Guerra Fria31 No tabuleiro da Guerra Fria a geografia fazia toda a diferença Os Estados Unidos eram parte das Américas ao sul do rio Grande começavam as outras Américas e Washington sempre enxergou os países do continente próximos demais do seu território Da perspectiva dos militares do Pentágono uma mudança política em qualquer desses países alterava substancialmente o equilíbrio de poderes entre as duas superpotências e deixava as fronteiras norteamericanas mais vulneráveis a ataques soviéticos Já o Brasil era o maior país da América Latina e o interesse estratégico no seu território era alto Os EUA temiam mais que tudo a ascensão de um governo local que facilitasse aos comunistas brasileiros a transformação do país num satélite de Moscou expressão usada tanto em Washington quanto no Rio de Janeiro Uma vez instalado no Catete o presidente Dutra tratou de tranquilizar a Casa Branca adotou uma política subserviente aos interesses norteamericanos rompeu relações diplomáticas com a União Soviética e escolheu os comunistas locais como inimigos preferenciais Ficou tão famosa a subserviência de Dutra aos norteamericanos que virou anedota por ocasião de sua visita oficial ao Brasil o presidente Truman saudou o anfitrião perguntando How do you do Dutra E ouviu em resposta How tru you tru Truman Mas nem tudo era piada O Partido Comunista do Brasil era o partido mais forte da América Latina tinha dezessete deputados e um senador no Congresso Nacional 46 deputados espalhados em quinze Assembleias Legislativas e formou maioria na Câmara Municipal do Distrito Federal32 Independentemente da linha programática o PC estava em vias de se tornar uma força política respeitável No contexto da Guerra Fria e compartilhando da fobia anticomunista que se alastrou nas Forças Armadas brasileiras a partir dos levantes de 1935 Dutra estava decidido a agir o mais cedo possível de preferência imediatamente depois de assumir a Presidência da República No início de 1946 uma onda de greves que começou entre os bancários paulistas ganhou ímpeto e se espalhou para outros estados como Minas Rio de Janeiro Espírito Santo Santa Catarina Bahia e Pará serviu como pretexto para o governo Dutra decidir se pela repressão aos comunistas em particular e aos trabalhadores em geral A Confederação dos Trabalhadores do Brasil foi declarada ilegal o Ministério do Trabalho ordenou a intervenção em 143 sindicatos num total de 944 e o direito de greve foi regulamentado por decreto de modo a proibir paralisações em quase todas as atividades Depois de ler as minúcias do texto da lei o jurista Antônio Ferreira Cesarino Júnior perdeu a paciência Com esse decreto em vigor greve legal só em perfumaria disparou33 Durante o mês de março de 1946 Luís Carlos Prestes forneceu a Dutra o pretexto de que ele precisava para deflagrar uma ampla campanha anticomunista e reenviar o PC de volta à clandestinidade Num debate no Rio de Janeiro indagaram a Prestes qual seria a posição de seu partido na eventualidade de uma guerra do Brasil contra a URSS e ele não titubeou nesse caso explicou com seu tom professoral o governo brasileiro estaria cometendo um ato criminoso essa seria uma guerra imperialista e os comunistas contrários a ela A pergunta era pueril e a resposta de Prestes tola mas para o general Dutra foi mais que suficiente34 Em maio de 1947 por três votos a dois os juízes do Tribunal Superior Eleitoral cassaram o registro do PC sob dupla alegação a primeira acusava o Partido Comunista do Brasil de ser um partido estrangeiro o nome do Brasil em vez de brasileiro estaria nomeando uma seção da Internacional Comunista cuja sede estava em Moscou a segunda manejava o critério ideológico embutido no Ato Adicional de 1946 para definir a atuação dos comunistas como antidemocrática insuflando luta de classes fomentando greves procurando criar ambiente de confusão e desordem35 Em janeiro de 1948 o Congresso Nacional decidiu cassar os mandatos de todos os eleitos pela legenda do PC Privados de seus direitos democráticos e isolados do sistema partidário os comunistas corriam o risco de enfrentar uma repressão generalizada e reencontraram o duro cotidiano da militância clandestina A presidência de Dutra foi atrabiliária em política e desastrada em economia Para enfrentar a inflação gerada nos últimos anos de guerra o governo não só promoveu a liberação indiscriminada de importações como tratou de subsidiálas pelo câmbio sobrevalorizado36 O remédio quase matou o doente A inflação desacelerou mas à custa do rápido esgotamento das milionárias reservas cambiais em libras esterlinas e em dólares acumuladas durante a Segunda Guerra Como se dizia Dutra queimou as reservas nacionais por meio de uma abertura comercial que inundou o mercado interno de sobras de guerra e supérfluos matéria plástica Cadillacs ioiôs e bambolês e não tomou providência alguma para ampliar a capacidade industrial do país A tentativa de consertar o estrago veio em 1948 com o anúncio do Plano Salte sigla formada a partir das iniciais de Saúde Alimentação Transporte e Energia concebido para definir os investimentos públicos nessas áreas essenciais O plano não avançou muito e boa parte dele nem sequer saiu do papel Dutra se imaginava austero um homem de poucas palavras e hábitos regulares Ele era isso e um pouco mais tinha vista e horizonte estreitos e postura moralista Em abril de 1946 mal tomara posse e já havia assinado um decreto que resvalava na hipocrisia proibiu o jogo em todo o território nacional e fechou os cassinos O decreto teria sido inspirado pelas insistentes orações da esposa do presidente que de tão carola era conhecida pelo apelido de Dona Santinha e vinha embalado numa impostura a de que seu governo tinha a obrigação de preservar a moral e os bons costumes entre os brasileiros37 O Brasil possuía mais de setenta cassinos oficiais localizados no Rio de Janeiro Niterói Petrópolis e nas estâncias hidrominerais de Minas Gerais e de São Paulo e alguns eram deslumbrantes Os três grandes cassinos do Rio Copacabana Palace Atlântico e o da Urca tinham classe glamour e savoirfaire38 O Atlântico encantava pelo estilo art déco e oferecia uma vista inesquecível da praia de Copacabana Já o cassino do Copacabana Palace impressionava pela suntuosidade os móveis e os crupiês vinham da França o grill tinha capacidade para seiscentas pessoas sobre cada mesa havia uma orquídea fresca a pista de dança era de vidro inteiramente iluminado e a porta só abria nos fins de semana para quem estivesse em black tie Por fim o cassino da Urca esbanjava bossa operava com três orquestras que subiam e desciam alternadamente para o palco em plataformas móveis vindas do porão tinha uma inacreditável cortina de espelhos e apresentava as melhores atrações musicais da cidade entre elas Carmen Miranda Os cassinos eram bem mais do que a roleta e o bacará Ofereciam um esplendor de luzes e música serviam como programa perfeito para quem quisesse se divertir misturavam pessoas diferentes desde os menos endinheirados até grandes empresários passando por políticos escroques diplomatas velhos e novosricos prostitutas caríssimas a alta sociedade celebridades locais e algumas estrelas desembarcadas do jet set internacional Mas os cassinos eram sobretudo um importante mercado de trabalho essencial para os músicos brasileiros Com o decreto de Dutra cerca de 40 mil pessoas acabaram desempregadas em todo o país Muitos bateram na porta do Palácio do Catete para convencer o presidente de que o prejuízo seria grande e que o jogo continuaria a funcionar de maneira clandestina Não houve jeito O governo Dutra estava atento à disputa política aos reclamos da oposição a rezas e às beatas mas era impermeável às demandas sociais DE VOLTA AO CATETE Vargas rompeu abertamente com Dutra em dezembro de 1946 Recolhido ao fundo da cena numa espécie de autoexílio na estância de Santos Reis em São Borja ele continuou a respirar política e a exibir prestígio popular sua eleição para deputado e senador em 1946 recebeu uma votação estrondosa E o fato de ter deliberadamente frequentado pouco o Congresso e permanecido à margem dos trabalhos da Constituinte Vargas não compareceu ao Rio de Janeiro nem mesmo para assinar o texto final da nova Constituição não fez nenhuma diferença quando chegou a hora de mobilizar os trabalhadores e construir uma nova candidatura à Presidência da República Mas seu posicionamento político mudou e muito Getúlio saiu da situação para a oposição e precisava não só alinhavar suas diferenças com Dutra e com os liberais da UDN como investir numa disputa programática aprofundar a intervenção industrializante garantir o pleno emprego combater a carestia sem sacrifício do crescimento econômico39 Em 1949 na hora do lançamento oficial das candidaturas presidenciais para as eleições de 1950 Vargas estava pronto Ele já havia reajustado os pontos principais de seu velho projeto nacionalista e industrializante ao novo contexto internacional e destacara duas bases desenvolvimento e bemestar social O mote que escolheu era caro aos brasileiros sobretudo em tempos de Guerra Fria a independência econômica do país Além disso o argumento de combate à inflação e à alta do custo de vida reforçava sua identificação com setores mais atingidos pela política econômica do governo Dutra ao mesmo tempo que conseguia sensibilizar os empresários com um programa de amparo à industrialização dando prioridade à indústria de base Vargas estava com 67 anos tinha pressa e pretendia regressar ao Catete pelo voto direto popular nos braços do povo O slogan era um achado em termos de comunicação política Ele voltará A campanha começou com um desfile em carro aberto pela rua da Praia na época o centro do comércio elegante e o fervedouro político de Porto Alegre Nos dois meses seguintes Vargas percorreu todos os estados e as principais cidades do país Também montou acordos e alianças inacreditáveis Para atrair os votos do Norte e do Nordeste por exemplo ele escolheu como companheiro um político quase desconhecido no Sul o advogado Café Filho um forte opositor do Estado Novo e que tivera participação ativa na Aliança Nacional Libertadora Sua preocupação era fazer acordos e não se prender a partidos Em Pernambuco aliou se à UDN Já em São Paulo abriu composição com o governador Ademar de Barros um velho adversário com grande capacidade de comunicação com as massas ambição de se projetar nacionalmente e que tinha nas mãos o controle de um pequeno porém eficiente partido político o Partido Social Progressista PSP com penetração no interior paulista A estratégia de alianças de Vargas tinha um viés imediatista era arriscada e cobraria dele um preço alto na hora de governar o país mas a curto prazo funcionava sua candidatura não se apresentou identificada com um único partido e sim como uma fórmula suprapartidária que combinava novas e velhas lideranças políticas regionais e misturava os empresários interessados nos benefícios da industrialização com a força eleitoral dos operários dos trabalhadores e dos setores de baixa classe média em expansão nas grandes cidades Para completar os adversários demonstraram ter fôlego curto Atônita e ainda remoendo a derrota para Dutra a UDN apresentou novamente ao eleitor o nome de Eduardo Gomes Mas o Brigadeiro continuava incorrigível e com uma única declaração pública conseguiu dar um xequemate na própria candidatura em junho num comício anunciou ser a favor da extinção do salário mínimo em nome da liberdade contratual40 Por sua vez o PSD que já havia lançado a candidatura do mineiro Cristiano Machado percebeu rápido que estava numa encruzilhada e saiuse da enrascada com uma solução típica do manual pessedista manteve a candidatura oficial de Machado bandeou os votos para Getúlio e criou um neologismo político cristianizar em política serve até hoje para nomear a estranha situação em que um partido lança seu candidato às eleições para em seguida abandonálo sem rumo e sem voto entregue à própria sorte A UDN continuava atônita mas Carlos Lacerda estava furibundo O sr Getúlio Vargas senador não deve ser candidato à Presidência Candidato não deve ser eleito Eleito não deve tomar posse Empossado devemos recorrer à revolução para impedilo de governar41 Lacerda falava sério nos anos seguintes iria se apegar a esse programa de ação e usar de seu próprio jornal a Tribuna da Imprensa para sustentar que o governo de Getúlio não prestava Mas a vitória de Vargas foi indiscutível e quase 4 milhões de eleitores ou 487 do total cravaram seu nome nas urnas contra 297 de votos dados ao Brigadeiro e 215 a Cristiano Machado No dia 31 de janeiro de 1951 ele subiu novamente as escadas do Palácio do Catete dessa vez na condição de presidente eleito pelo voto direto da população42 No final de 1951 Getúlio enviou ao Congresso o projeto de lei que iria fixar no imaginário nacional a convicção de que seu programa político tinha de fato a pretensão de garantir a independência do país através do desenvolvimento econômico autônomo a criação da Petrobras43 A proposta estava no centro do seu plano de governo a demanda por petróleo e derivados ocupava o primeiro lugar na pauta dos produtos importados e parecia evidente a inconveniência de o país continuar a depender dessa importação Ademais a campanha pela nacionalização dos bens do subsolo vinha da década de 1930 e mobilizava intensamente os brasileiros Como dizia o escritor Monteiro Lobato tudo é loucura ou sonho no começo e não se deve duvidar que por vezes as duas possibilidades apareçam juntas num mesmo projeto Em 1937 quando Lobato publicou O poço do Visconde a prospecção e exploração do petróleo no Brasil dentro das regras estabelecidas pelo Estado pareciam loucura sonho ou no máximo um bom tema de ficção infantojuvenil A descoberta de petróleo no sítio de dona Benta abalou o país inteiro desafiou Lobato decidido a denunciar se não para os adultos ao menos para os jovens a quem interessava manter as amarras da dependência econômica dos brasileiros Até ali ninguém cuidara de petróleo porque ninguém acreditava na existência do petróleo nesta enorme área de oito e meio milhões de quilômetros quadrados toda ela circundada pelos poços de petróleo das repúblicas vizinhas Mas assim que irrompeu o Caraminguá número 1 os negadores ficaram com cara dasno a murmurar uns para os outros Ora veja E não é que tínhamos petróleo mesmo44 Lobato que morreu em 1948 não chegou a ver nem a cara dasno dos negadores incrédulos nem a questão do petróleo posicionada no centro das definições da nossa vida política e econômica Em 1951 porém a história era outra a defesa do monopólio da exploração do petróleo pelo Estado tinha se transformado num dos maiores movimentos de opinião pública da nação A Campanha do Petróleo como o movimento ficou conhecido assumiu o formato de grande mobilização cívica em defesa das riquezas nacionais e reuniu setores muito amplos da sociedade em torno da ideia de que o desenvolvimento autônomo do país dependia sobretudo da vontade política dos brasileiros O tema penetrou fundo na sensibilidade política da população e contribuiu para amadurecer entre os brasileiros o sentimento de soberania nacional Como se desejasse reafirmar sua própria grandeza cívica esse foi um dos poucos movimentos de massas da história do país a abrigar um largo espectro de opções ideológicas reunindo militares comunistas socialistas católicos trabalhistas e até udenistas debaixo de uma só palavra de ordem lançada pela União Nacional dos Estudantes UNE O petróleo é nosso45 A Petrobras iniciou suas operações em janeiro de 1954 ainda durante a presidência de Vargas na condição de uma empresa estatal com o monopólio da prospecção e da exploração do petróleo ver imagem 99 A indústria do petróleo definia uma das pinças da ofensiva de Getúlio para levar adiante o projeto de industrialização do país a segunda pinça era a geração de energia elétrica Ao contrário do que aconteceu na questão do petróleo porém seu governo não conseguiu completar os procedimentos necessários para a criação de uma companhia estatal de energia elétrica a Eletrobras entrou em funcionamento apenas em 1962 Em compensação a administração Vargas plantou a infraestrutura e o suporte financeiro capazes de promover a ampliação da capacidade de produção de eletricidade do país durante a década seguinte O investimento em usinas hidrelétricas demora no mínimo cinco anos para apresentar resultados e o governo de Vargas se encerrou com um aumento não tão significativo no consumo de energia elétrica de 58 milhões de quilowatts consumidos em 1950 passouse para 83 milhões de quilowatts46 Isso não impediu que sua administração executasse um projeto abrangente de industrialização buscando contemplar dois ramos avaliados como prioritários Um deles a expansão da indústria de base em especial a siderurgia O outro a fabricação de caminhões e tratores viabilizada sobretudo através de acordo entre a Fábrica Nacional de Motores e algumas empresas estrangeiras Tal acordo previa a nacionalização progressiva da produção e teve forte impacto positivo na implantação da indústria de veículos no país ocorrida no governo seguinte ao seu47 A proposta de criação de empresas estatais em áreas consideradas estratégicas como a prospecção e exploração de petróleo e a produção de eletricidade significava porém entrar em rota de choque com interesses fortemente consolidados e que favoreciam a participação de grupos estrangeiros Standard Oil no caso do petróleo Light and Power Co e American Foreign Power Co na geração de energia elétrica Com seus erros e acertos o governo de Vargas pôs em cena pela primeira vez de forma nítida o embate entre projetos distintos de modernização do país o seu de teor nacionalista e o de seus opositores favoráveis à associação com o capital internacional Esses projetos entendiam de maneira oposta as funções do Estado apresentavam leituras diferentes da realidade e em torno deles toda a sociedade brasileira iria se dividir no decorrer das décadas seguintes Um ponto nevrálgico a definir e separar esses projetos derivava da maior ou menor disposição do Estado em experimentar políticas públicas que tivessem por objetivo tornar a sociedade brasileira menos excludente através da montagem de uma rede urbana de proteção social que fosse capaz de incluir milhares de novos trabalhadores no mercado O outro ponto de separação residia na tolerância do Estado para com o capital estrangeiro como motor do desenvolvimento econômico O governo de Vargas definiu a opção pelo ideário do nacionaldesenvolvimentismo48 a defesa da intervenção do Estado em atividades consideradas de interesse nacional priorizando as industriais e aquelas vinculadas à diversificação do mercado interno O Brasil precisava urgentemente se reposicionar no cenário internacional e superar seu papel agrárioexportador foi essa a escolha que deu a partida ao programa de Vargas E ela envolvia custos políticos consideráveis entrava em choque com empresas estrangeiras com os interesses locais industriais e financeiros associados ou em vias de se associarem ao capital internacional e com os poderosos proprietários de terras que permaneciam politicamente ativos em suas regiões Todos esses grupos combatiam um Estado regulador do mercado concentrador de riquezas e favorável à adoção de políticas de contenção do capital estrangeiro em áreas consideradas estratégicas para o desenvolvimento nacional e julgavamse prejudicados por uma legislação trabalhista que avaliavam ser excessivamente onerosa aos empresários Vargas fazia política com técnica e estilo mas no seu regresso ao Catete deparouse com uma dificuldade inesperada seu feitio era de mando Propenso a soluções autoritárias confiante no poder pessoal escolado em golpes e levantes ele simplesmente não sabia atuar num ambiente democrático A estratégia de não se identificar com um único partido e se colocar acima deles dera resultado na campanha eleitoral mas foi um desastre na hora de administrar o país o PTB entrou em crise fragmentado por disputas internas e o PSD começou a divergir da aliança getulista nas votações motivado por intermináveis disputas regionais A UDN por seu lado soube usar o vento a favor articulouse com um punhado de pequenos partidos o Partido Libertador o Partido Republicano e o Partido Democrata Cristão formou um bloco oposicionista e passou a obstruir as iniciativas do governo A UDN assumiu no governo Vargas uma postura oposicionista radical e intransigente mas sua força política cresceu graças a alterações muito negativas na conjuntura econômica e com consequências imediatas sobre o dia a dia dos brasileiros a subida dos índices de inflação e a queda nos salários dos trabalhadores A partir de 1952 o projeto de crescimento econômico de Getúlio encontrou obstáculos difíceis de serem removidos o governo Eisenhower deslocou o principal foco da Guerra Fria para países como Coreia Líbano e Egito todos na iminência de passarem a orbitar em torno da URSS Na sequência os EUA retiraram seu apoio ao programa de investimentos no Brasil e como se não bastasse o Banco Mundial tratou de cobrar do país a dívida pelos empréstimos vencidos O efeito não demorou a aparecer a inflação subiu o custo de vida aumentou o gasto público cresceu os salários despencaram49 E Vargas se desequilibrou de vez Apesar da deterioração da situação econômica os trabalhadores não se transferiram com armas e bagagens para a oposição mas deixaram claro ao governo que seu apoio não era incondicional Em 18 de março de 1953 cerca de 60 mil trabalhadores paulistas transformaram a insatisfação em ação e saíram em passeata da praça da Sé em direção à sede do Executivo estadual o palacete Campos Elíseos no centro A Marcha das Panelas Vazias contra a carestia e por aumento de salários era só o começo dez dias depois a cidade parou e Vargas acabou convencido de vez de que os operários estavam falando sério A Greve dos Trezentos Mil50 durou quase um mês e foi coordenada pelos cinco maiores sindicatos de São Paulo têxtil metalúrgico gráficos vidraceiros e marceneiros Os grevistas conquistaram um aumento em média de 32 no salário e sua forma de mobilização serviu de modelo para o movimento operário em todo o país pelo menos até 1964 A greve transbordou para a sociedade recebeu o apoio dos estudantes e permitiu aos trabalhadores não apenas construir sua primeira intersindical a união de sindicatos de diferentes categorias com o objetivo de atuarem politicamente o que era proibido pela legislação como avançar rapidamente para o formato de uma central sindical No fim da greve o recémcriado Pacto de Unidade Intersindical contava com mais de cem sindicatos filiados só em São Paulo Getúlio podia ser autoritário mas não era bobo Em março ocorreu a Greve dos Trezentos Mil em junho os marítimos pararam no Rio de Janeiro e antes que o mês de julho começasse João Goulart estava nomeado ministro do Trabalho51 Goulart era presidente do PTB sabia conversar tinha paciência para ouvir e negociava como poucos além disso tanto ele quanto o seu partido tinham ótimo relacionamento com as lideranças sindicais E o presidente queria demonstrar aos trabalhadores o quanto valia essa nomeação Jango seu apelido desde criança era seu herdeiro político Jango sou eu Vargas disparou à queimaroupa para uma comitiva de líderes sindicais recebida no Catete logo após a posse de Goulart no Ministério do Trabalho e o encerramento da greve dos marítimos Naquilo que ele vos disser estará me representando Podem confiar nele como se fosse em mim52 arrematou Vargas nomeou Jango para atuar junto aos setores sociais que mais lhe deram apoio desde a década de 1930 Afinal deve ter imaginado era só o que lhe faltava perder a sustentação política dos trabalhadores no meio da batalha pelo desenvolvimento econômico e social do país A nomeação deu resultado Goulart reaproximou do governo o movimento sindical aliviou as pressões patronais sobre os sindicatos e construiu uma base operária para oferecer sustentação política a Vargas Mas com a situação econômica deteriorada ele conseguiu apenas abrir canais de negociação não era possível impedir a deflagração de novas greves E apareceu um problema novo Jango se transformou no alvo predileto da oposição A cada movimento de aproximação do governo ao movimento sindical a imprensa despejava sobre a cabeça do ministro uma avalanche crescente de críticas e denúncias A UDN sempre teve ao seu lado os principais órgãos de comunicação do país53 Jornais e rádios sobretudo no eixo RioSão Paulo ofereceram apoio maciço à candidatura de Eduardo Gomes tanto em 1945 quanto em 1950 e compraram uma briga de morte contra o conjunto de propostas apresentadas pelo governo de Vargas Até aquele momento Jango era visto como um político de província jovem rico e inexperiente foi a nomeação para o ministério que o revelou publicamente Só então a UDN compreendeu o significado da escolha de Vargas e fez de Jango seu alvo predileto Daí por diante tornouse recorrente no noticiário oposicionista a denúncia de que ele seria o grande mentor das greves com o propósito inconfessável de lançar as condições para a criação de uma República sindicalista uma ditadura sindical sustentada por uma reforma da Constituição protegida dos adversários pela mobilização do movimento sindical e legitimada por um Parlamento dominado pelos trabalhadores A mera evocação da República sindicalista deixava a UDN de cabelo em pé mas era uma peça de ficção não existiu nem como projeto nem como alternativa de poder Apesar disso Goulart nunca se livrou da pecha de ser seu grande formulador e principal beneficiário às vésperas do golpe de 1964 a acusação martelada diariamente assumiu contornos ainda mais ameaçadores em razão de uma conjuntura polarizada e que contava com a ampla mobilização dos setores populares Carlos Lacerda por seu lado jamais deixaria escapar das páginas da Tribuna da Imprensa um personagem que não bastasse ser o herdeiro político de Vargas era também um ministro de 34 anos solteiro bonito namorador e boêmio Joãozinho Boa Pinta deve sair do ministério e voltar ao cabaré que é a sua universidade a sua caserna e o seu santuário Ser ministro não é o mesmo que dançar tango54 injuriava virulento Jango conseguiu sustentarse por oito meses no cargo de ministro do Trabalho Em janeiro de 1954 com a concordância de Vargas e para atender às reivindicações do movimento sindical apresentou a proposta de duplicar o salário mínimo caso aprovada o salário seria elevado para 2400 cruzeiros A UDN estrilou no Congresso os jornais oposicionistas cuspiram fogo mas quem ameaçou a estabilidade democrática foram os quartéis Em meados de fevereiro 42 coronéis e 39 tenentescoronéis do Exército entregaram um manifesto com críticas acerbas ao governo nas mãos de seus comandantes e estes por sua vez deram imediata divulgação ao documento que passou a circular entre os parlamentares da UDN e os jornalistas da oposição O Manifesto dos coronéis tinha um tom de descontentamento sedicioso55 Acusava o governo Vargas de aceitar o clima de negociatas desfalques e malversação de verbas denunciava a crise de autoridade que atingia as Forças Armadas ameaçava com o risco de desordens e reagia contra a proposta salarial de Jango que ao menos na opinião dos signatários aumentava e muito o gasto com as contas públicas além de alterar o padrão de vida e inverter a situação de status entre civis e militares Visto retrospectivamente o Manifesto dos coronéis é um indicativo notável de que os militares já constituíam um risco real às instituições democráticas da República Seu redator o então coronel Golbery do Couto e Silva estaria dez anos depois na origem e no centro da ditadura imposta ao país pelo golpe de 1964 entre os signatários apareciam os nomes de alguns dos oficiais que promovidos a generais iriam tomar posição na linha de frente daquela conspiração golpista e na própria condução do regime militar Sylvio Frota Ednardo dÁvila Melo Antônio Carlos Muricy Adalberto Pereira dos Santos Sizeno Sarmento Amauri Kruel Em 1954 Vargas não poderia ter antevisto o que iria acontecer dali a dez anos mas percebia que os militares queriam mais que salários e equipamentos O Manifesto dos coronéis expressava insatisfação ressentimento e o mais grave era um gesto flagrante de indisciplina seus autores estavam a um passo da conspiração Diante da seriedade da situação política Getúlio tomou providências demitiu o ministro da Guerra general Espírito Santo Cardoso e acertou com Goulart a própria demissão Com Jango fora do governo e supondo ter neutralizado o apetite dos coronéis ele se sentiu à vontade para agir No feriado de 1º de maio data em que invariavelmente fazia seu pronunciamento aos trabalhadores Vargas revelou um pouco mais sobre a maneira como perseguia seus objetivos abusando de jogadas arriscadas dissimulando o essencial e adiantandose aos acontecimentos Anunciou a duplicação do salário mínimo tal como proposto por Jango elogiou a atuação de seu exministro do Trabalho e dirigindose aos trabalhadores partiu para o contraataque Como cidadãos a vossa vontade pesará nas urnas Como classe podeis imprimir ao vosso sufrágio a força decisória do número Constituís a maioria Hoje estais com o governo Amanhã sereis o governo56 GETÚLIO MORREU VIVA GETÚLIO Provavelmente era tarde demais para uma reação de Vargas a oposição estava mais bem posicionada para derrubar seu governo do que os trabalhadores para sustentálo E as coisas se complicariam ainda mais para Getúlio No início da madrugada de 5 de agosto o ministro da Justiça Tancredo Neves acordou com o toque do telefone Do outro lado da linha o coronel Milton Gonçalves da chefatura de polícia tentava lhe informar que o jornalista Carlos Lacerda fora vítima de um atentado e estava ferido de leve no pé Só isso Podia ser pior resmungou Tancredo O coronel fez uma pausa curta tomou coragem e acrescentou o dado que faltava um oficial da Aeronáutica major Rubens Vaz que acompanhava Lacerda morrera Tancredo arregalou os olhos respirou fundo e acordou de vez Nada podia ser pior57 Não se sabe ao certo se o diálogo aconteceu nesses termos mas Tancredo não estaria exagerando O atentado contra Lacerda era um desastre para o governo tinha potencial para desencadear uma crise militar sem precedentes na história da República acelerar a perda de autoridade do presidente e isolar Getúlio na solidão do Catete Além disso havia a imprensa58 Os meios de comunicação funcionavam como o principal alimentador de crises do governo de Vargas e Lacerda era sua estrela mais estridente A Tribuna da Imprensa podia até ser um jornal de tiragem reduzida não chegava a 10 mil exemplares e jamais dava uma notícia com um mínimo de isenção mas a palavra de Lacerda tinha enorme prestígio uma frase sua servia para alimentar durante dias as manchetes dos jornais Lacerda perseguia Vargas num tom cada vez mais exaltado Na impossibilidade de conseguir o golpe de Estado apostou na força da imprensa como fator de desestabilização do governo Concentrou fogo numa série de denúncias de escândalos verdadeiras ou não que comprometiam a administração de Getúlio tráfico de influência empréstimos irregulares antiamericanismo corrupção Bem desdobradas pelos jornais e pelo rádio essas denúncias repercutiam durante semanas e aumentavam muito a pressão sobre o governo além de corroer sua credibilidade e contribuir para seu isolamento político e social Algumas denúncias eram forjadas outras porém realmente comprometiam o governo e a partir de 1953 com o escândalo do jornal Última Hora Vargas perdeu a batalha da imprensa Contudo e para exasperação de Lacerda por mais que se esmiuçasse a administração federal não havia jeito de atingir o presidente da República A imprensa teve uma atuação decisiva para a corrosão das bases de apoio do getulismo sobretudo entre os setores médios urbanos Mas foi somente a partir do escândalo envolvendo a Última Hora que os principais órgãos de comunicação do país Correio da Manhã Diário de Notícias Diário Carioca O Globo O Jornal O Estado de S Paulo Folha da Manhã escancararam seu papel de protagonistas na condução da crise política que iria pôr fim ao segundo governo de Vargas A Última Hora era o resultado de um acerto entre Getúlio e o jornalista Samuel Wainer 59 uma das estrelas dos Diários Associados o grupo de comunicação mais forte do país e responsável por obter de Vargas ainda em São Borja a entrevista que o lançava candidato à Presidência da República Os detalhes do novo jornal tinham sido combinados ainda durante a campanha eleitoral e a Última Hora foi sim largamente favorecida e incentivada por Vargas que sabia da importância de estabelecer um canal direto e confiável de propaganda e comunicação com a população E Wainer tirou inúmeras vantagens desse acerto ao cumprir o papel de intermediário entre o governo e a sociedade afinal seu jornal era o portavoz do presidente da República Pode até ser que Wainer tenha condicionado a produção de notícias às prioridades do governo e enredado a Última Hora numa relação promíscua com o poder mas também havia criado um jornal inovador moderno criativo com texto ágil utilização de cores retratos do cotidiano da população nas grandes cidades e disposição para pagar bons salários Não deu outra o sucesso foi imediato as tiragens dispararam Já o pequeno punhado de empresários que controlava os principais órgãos de comunicação do país se sentiu ameaçado avaliou que Vargas tinha interferido diretamente no mercado de informação e notícias e desequilibrado o jogo a seu favor A resposta não tardou e os donos dos jornais partiram para o confronto aberto Com a esmagadora maioria da imprensa contra si Wainer enfrentou uma campanha duríssima e viu o cerco se fechar numa Comissão Parlamentar de Inquérito CPI Esta foi instalada a pedido da UDN com o objetivo de comprovar o uso de recursos públicos para favorecimento ilícito para completar Lacerda também acusava Wainer judeu nascido na Bessarábia que na época fazia parte do Império russo de ter falsificado sua nacionalidade uma vez que a Constituição de 1946 proibia que estrangeiros fossem proprietários de jornais Wainer terminou condenado os empréstimos concedidos ao jornal eram resultado de tráfico de influência Contudo as revelações sobre os empréstimos irregulares chegavam no máximo até Ricardo Jafet presidente do Banco do Brasil não atingiam Vargas Lacerda esperneou a UDN escarafunchou o quanto pôde mas não houve jeito nem a imprensa nem o Relatório Final da CPI comprometiam diretamente a figura do presidente da República A crise que se iniciou em 5 de agosto tinha porém outra qualidade O atentado contra Lacerda foi cometido na porta de sua casa na rua Tonelero em Copacabana ver imagem 10260 O major Vaz fazia parte de um grupo de jovens oficiais udenistas da Aeronáutica que se revezavam como seus guardacostas e sua morte posicionou as Forças Armadas no coração da crise A Aeronáutica se convertera numa força política de oposição a Vargas a oficialidade venerava a figura do Brigadeiro e a oportunidade era boa demais sem muita conversa os oficiais atropelaram a Constituição subverteram a hierarquia militar e assumiram a condução de um inquérito por conta própria É certo que Tancredo Neves era então ministro da Justiça e a apuração do crime caber à Polícia Civil Mas nem ele nem seus subordinados tiveram oportunidade de investigar com autonomia o atentado A Aeronáutica instalou o grupo de oficiais encarregado da investigação na Base Aérea do Galeão garantiu aos investigadores total liberdade de ação e armou uma operação militar para pegar os assassinos a República do Galeão como o grupo foi chamado pelos getulistas inicialmente com ironia e logo depois com temor era de fato um governo dentro do governo O atentado foi obra de pistoleiro o crime malsucedido e seu planejamento primário o veículo da fuga era um táxi que fazia ponto junto do Palácio do Catete e aguardou seus passageiros parado numa esquina ademais antes do crime o mesmíssimo táxi tratou de seguir Lacerda por quase toda a cidade até os pistoleiros decidirem o local da tocaia A Aeronáutica não teve dificuldade para localizar o motorista e chegar aos criminosos era crime encomendado O governo de Vargas começou a acabar quando os pistoleiros confessaram o nome do contratante e a Aeronáutica chegou diretamente ao chefe da Guarda Presidencial Gregório Fortunato ver imagem 101 Mas a autoridade do presidente só passou a se decompor na tarde em que oficiais da Aeronáutica entraram no Catete retiraram com toda a tranquilidade os arquivos de Gregório e liberaram seu conteúdo para a imprensa Havia mesmo muita corrupção em volta de Getúlio As transações ilegais aconteciam em larga escala estavam envolvidos inúmeros assessores e figuras públicas além de pelo menos um membro de sua família o filho Manuel Vargas A tese da responsabilidade mais ou menos direta de Vargas no atentado era uma obsessão de Lacerda e foi fartamente explorada por ele antes mesmo do início da apuração policial Perante Deus acuso um só homem como responsável por esse crime É o protetor dos ladrões Esse homem é Getúlio Vargas61 fulminou a Tribuna da Imprensa no dia seguinte ao atentado É provável que Gregório Fortunato um personagem vaidoso com baixa escolaridade e alimentando uma lealdade canina a Getúlio tenha se deixado corromper concentrado nas mãos uma espécie de poder paralelo graças à sua proximidade com o presidente e interpretado a conjuntura política a partir de critérios próprios Também é possível que até a oposição e o próprio Lacerda concordassem que pessoalmente Getúlio era honesto Mas numa coisa eles tinham razão a corrupção cresceu à sombra do Catete e Vargas mesmo ignorando a iniciativa criminosa de Gregório foi leniente e não tinha como fugir da responsabilidade Getúlio passou seus últimos dias confinado no Catete A opinião pública estava contra ele aumentava o coro dos brasileiros que exigiam sua renúncia e as lealdades se dispersavam Na madrugada de 24 de agosto o presidente reuniu seu ministério e se tinha dúvidas sobre as possibilidades de resistir elas desapareceram todos os ministros propuseram a renúncia ou uma licença à exceção de Tancredo Neves único partidário da resistência aberta62 As alternativas eram péssimas Vargas não contava com o Exército para repetir 1930 nem tinha os trabalhadores mobilizados ao seu lado como em 1945 Se negociasse a renúncia estava desmoralizado se resistisse seria deposto No fim da madrugada quando ele já estava recolhido seu irmão Benjamin bateu na porta do quarto para informálo da intimação que recebera para comparecer ao Galeão Só então Vargas teve certeza de que ele era o próximo Fechou a porta deitouse na cama Em algum momento entre 8h30 e 8h40 da manhã de 24 de agosto de 1954 Getúlio encostou o cano da pistola no lado esquerdo do peito e apertou o gatilho Cerca de uma hora depois o prefixo inconfundível e estridente do Repórter Esso o mais importante noticiário de radiojornalismo do país informou aos brasileiros com exclusividade em edição extraordinária o suicídio de Vargas ver imagem 103 E então o Brasil desatinou Aturdidas as pessoas saíam de casa procuravam umas às outras e choravam Aos poucos porém a população se transformou e em diversas cidades Porto Alegre Belo Horizonte Salvador São Paulo uma multidão amargurada revoltada e colérica passou a percorrer as ruas armada com paus pedras e fúria63 O centro do Rio de Janeiro foi ocupado por grupos com milhares de manifestantes que partiam de lugares onde as pessoas habitualmente se concentravam para discutir política a Galeria Cruzeiro o largo da Carioca o Tabuleiro da Baiana convergiram para a Cinelândia e se amotinaram destruindo tudo que encontrassem pelo caminho e que estivesse de alguma maneira relacionado com a oposição a Vargas A multidão arrancou dos postes a propaganda política dos candidatos da UDN quebrou as vidraças do prédio da Standard Oil apedrejou a fachada da embaixada dos Estados Unidos e dos edifícios onde funcionavam as redações de O Globo e da Tribuna da Imprensa e ainda cercou e incendiou os caminhões de distribuição dos jornais apenas a Última Hora circulou nesse dia Não se esqueceu de Lacerda caçado nas ruas ele se refugiou na embaixada americana Deu sorte quando a multidão ameaçou invadir o prédio um helicóptero da Força Aérea Brasileira tratou de resgatálo no telhado para em seguida depositálo são salvo e apavorado a bordo do cruzador Barroso da Marinha do Brasil fundeado na entrada da baía de Guanabara Em frente ao Catete cerca de 1 milhão de pessoas tentavam ver o corpo de Getúlio muita gente chorava compulsivamente outros desmaiavam e havia quem ao entrar na sala onde ocorria o velório se agarrasse ao caixão Às 8h30 da manhã do dia 25 a multidão acompanhou o corpo de Vargas até o Aeroporto Santos Dumont num gigantesco cortejo que ia se desenrolando pela praia do Flamengo do Russel e pela avenida Beira Mar ver imagem 104 Mas quando o avião da Cruzeiro do Sul decolou e desapareceu no céu rumo a São Borja aconteceu o inevitável as pessoas perceberam que estavam em frente ao quartelgeneral da 3ª Zona Aérea A dor se transformou em cólera a multidão avançou a Aeronáutica aterrorizada pegou em armas soldados e oficiais dispararam contra a população civil desarmada O tiroteio durou quinze minutos Mulheres e crianças foram pisoteadas uma pessoa morreu e muita gente saiu ferida por estilhaços de granada cortes de sabre ou tiros Os manifestantes fugiram mas o motim não terminou a multidão se reagrupou no centro da cidade outros milhares se juntaram a ela e os conflitos continuaram a sacudir o Rio de Janeiro durante todo o dia O suicídio de Vargas frustrou a oposição que desnorteada viu escapar a oportunidade de acirrar a crise desmoralizar o presidente com a renúncia e abrir caminho para o golpe militar foi o último triunfo político de Getúlio Sua cartatestamento não deixava dúvida sobre como o suicídio deveria ser entendido pela população uma campanha subterrânea de grupos internacionais aliarase à dos grupos nacionais para bloquear a legislação trabalhista e o projeto desenvolvimentista Se as aves de rapina querem o sangue de alguém querem continuar sugando o povo brasileiro eu ofereço em holocausto a minha vida64 declarou Otávio Mangabeira um dos grandes líderes da UDN ainda atordoado reconheceu que a vantagem política duramente acumulada pela oposição havia lhe escorrido por entre os dedos Mais uma vez ele nos ganhou65 lamentou Antes de cometer suicídio Vargas deixou registrado Escolho este meio de estar sempre convosco Nada receio Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história Seu gesto final tinha um poderoso apelo político e de fato imobilizou a oposição e paralisou os golpistas Mas foi o povo nas ruas quem garantiu a democracia e fez os golpistas recuarem66 16 OS ANOS 19501960 A BOSSA A DEMOCRACIA E O PAÍS SUBDESENVOLVIDO GOLPE E CONTRAGOLPE Na manhã do sábado de Carnaval de 1956 dois oficiais da Aeronáutica o major Haroldo Veloso e o capitão José Chaves Lameirão chegaram cedo à Base Aérea dos Afonsos no Rio de Janeiro passaram pelas sentinelas renderam o oficial de dia e arrombaram o depósito de munição Retiraram do hangar um avião de combate entupido de armas e explosivos e decolaram na direção do campo de pouso de Jacareacanga minúscula guarnição da Força Aérea no meio da mata no sul do estado do Pará perto da divisa com Mato Grosso Os dois oficiais eram udenistas fanáticos veneravam Carlos Lacerda estavam indignados com a vitória getulista nas eleições presidenciais de outubro de 1955 e pretendiam levar a cabo um plano alucinado montar um foco de sedição no Brasil Central e dar início à guerra civil1 O levante de Jacareacanga não durou vinte dias antes do final de fevereiro a rebelião estava liquidada Contudo o episódio era indicativo do alto grau de instabilidade política do país O presidente que os oficiais da Aeronáutica queriam derrubar fora empossado no cargo havia menos de um mês Juscelino Kubitschek JK como ficaria conhecido vinha de uma carreira política de prestígio construída dentro do PSD mineiro deputado federal prefeito de Belo Horizonte governador de Minas Gerais No entanto apesar do currículo e de já estar eleito a briga para conseguir tomar posse não foi nada fácil Passada a comoção causada pelo suicídio de Getúlio e o impacto das manifestações populares a UDN voltou à ação decidida a impedir a realização das eleições presidenciais marcadas para 3 de outubro de 1955 nas quais suas chances de vitória aliás eram reduzidas2 Os udenistas foram porém desarmados pela rápida recomposição da aliança entre o PSD e o PTB que firmou uma chapa disposta a defender o legado de Vargas e com capilaridade nacional Juscelino Kubitschek para presidente e João Goulart para vicepresidente A candidatura de Jango provocava arrepios na UDN mas sem um bom casuísmo na algibeira o partido não teve alternativa senão concorrer Como sempre a UDN apostou num discurso de apelo moralista confiou num candidato das Forças Armadas dessa vez proveniente do Exército o general Juarez Távora uma das muitas lideranças de 1930 que romperam com Vargas às vésperas do Estado Novo e de novo apelou para um slogan inacreditável de tão ruim Vote no general Juarez Távora o tenente dos cabelos brancos Ainda assim a campanha eleitoral foi dura e a vitória de Juscelino apertada 36 dos votos contra 30 dados a Juarez 26 a Ademar de Barros e 8 a Plínio Salgado líder dos antigos integralistas A eleição para vicepresidente era independente e João Goulart deu um banho nos adversários obtendo mais votos que Juscelino 3591409 contra 3077411 eleitores Carlos Lacerda que dava a eleição por perdida antes mesmo da abertura das urnas não pretendia assistir de braços cruzados a mais uma vitória dos herdeiros de Vargas deflagrou a campanha para impugnar a posse dos eleitos e impor ao país com apoio das Forças Armadas um governo de emergência se possível de base parlamentarista capaz de reformar a democracia para livrar o Brasil de bandidos políticos3 A justificativa da UDN para tentar a impugnação era de um oportunismo escandaloso a vitória de Juscelino fora ilegítima esbravejavam os udenistas uma vez que a candidatura não obteve a maioria absoluta dos votos Nem a Constituição de 1946 nem a legislação eleitoral em vigor exigiam maioria absoluta e a UDN queria mudar as regras do jogo depois de finalizada a partida Não obstante o debate contou com ampla repercussão na imprensa entrou nos quartéis e a partir daí a temperatura política começou a ferver Não se sabe quem se pôs a conspirar primeiro se a UDN ou os militares mas uma coisa é certa o golpe de Estado estava em andamento recebia o endosso discreto do vicepresidente Café Filho que assumiu o governo logo após o suicídio de Vargas e tinha o apoio de um grupo de ministros poderosos Prado Kelly da Justiça Amorim do Vale da Marinha Eduardo Gomes da Aeronáutica Só havia um problema o general Henrique Batista Duffles Teixeira Lott ministro da Guerra4 A pedra no sapato dos golpistas era um militar com perfil estritamente profissional obcecado pela disciplina e que contava com a lealdade irrestrita da tropa O general Lott era também um legalista impecável enquanto estivesse no comando não havia chance de uma conspiração golpista vingar dentro do Exército No início do mês de novembro contudo o quadro político sofreu uma alteração súbita Café Filho alegou estar doente os médicos prescreveram repouso absoluto e embora algumas lideranças pessedistas como Tancredo Neves e José Maria Alkmin nunca tivessem acreditado na veracidade dessa doença que favorecia os golpistas os procedimentos andaram Constituição era Constituição e o presidente da Câmara dos Deputados Carlos Luz assumiu interinamente a Presidência da República Carlos Luz não escondia sua simpatia pelos golpistas estava certo de que conseguiria demitir Lott sem provocar um terremoto no Exército e nem bem se instalou na Presidência convocou o ministro da Guerra para comparecer ao Catete Deulhe um chá de cadeira de quase duas horas e ao recebêlo informou que desautorizara uma decisão dele tudo para forçálo a entregar o cargo Na madrugada de 11 de novembro com o ministro demissionário ainda de pijama trinta generais de guarnições do Rio de Janeiro chegaram a sua casa dispostos a apoiálo além de um grupo de sargentos Para um golpe golpe e meio deve ter concluído Lott E decidiu dar meiavolta Saiu de casa direto para seu gabinete confirmou por rádio que os quartéis do Espírito Santo Minas Gerais Paraná Mato Grosso e São Paulo continuavam alinhados com seu comando mandou chamar o presidente do Senado e o líder da maioria na Câmara para comunicarlhes o que iria fazer e botou os tanques na rua O contragolpe promovido por Lott foi fulminante As lideranças civis ficaram em polvorosa e já havia deputado sussurrando no ouvido do general que ele deveria se manter no poder Mas legalidade era legalidade e Lott entregou ao Congresso a solução da crise Reunidos em sessão extraordinária os deputados depuseram Carlos Luz cuja presidência durou exatos três dias e quase mergulhou o país numa guerra civil e nomearam para ocupar interinamente a chefia do Executivo o presidente do Senado Nereu Ramos Ninguém sofreu punição e nada foi cobrado dos golpistas Quando a conjuntura política parecia finalmente entrar nos eixos Café Filho saiu do hospital e anunciou sua disposição de reassumir a Presidência da República Começou tudo de novo a UDN voltou a se assanhar o Exército retornou com os blindados para as ruas do Rio de Janeiro e o Congresso se reuniu em caráter de emergência para responder à nova crise Dessa vez os parlamentares se deram conta de que não poderiam continuar numa posição condescendente votaram a interdição de Café Filho reafirmaram a interinidade de Nereu Ramos confirmaram a posse do novo presidente eleito para 31 de janeiro de 1956 e estenderam o estado de sítio até essa data Juscelino e Jango suspiraram aliviados Já o general Lott jamais aceitou ter protagonizado um contragolpe segundo ele liderara um movimento de retorno aos quadros constitucionais vigentes E o argumento do general fazia todo o sentido afinal bemintencionado ou não ele havia se rebelado contra a autoridade legitimamente constituída Mas o problema não era só de indisciplina Com a Novembrada em 1955 o país tomou conhecimento da existência de tendências de natureza nacionalista e até mesmo democrática no interior das Forças Armadas5 Começava a aproximação dos sargentos com o trabalhismo mais adiante viriam os marinheiros e os fuzileiros navais E nessa hora o PTB vacilou Em vez de exigir uma instituição militar despolitizada estritamente profissional e submissa ao poder civil os trabalhistas decidiram seguir o caminho já trilhado pela UDN Idealizaram um Exército intervencionista reformista e disposto a ecoar o interesse popular aos moldes dos tenentes durante a Primeira República Tanto à direita quanto à esquerda as lideranças partidárias da época cometeram erro idêntico projetaram as Forças Armadas na política aceitaram sua interferência num regime legitimado pelas regras da democracia e acentuaram seu protagonismo na cena pública Só se enxergou a extensão do erro quando ele não tinha mais conserto em março de 1964 O VENDEDOR DE ESPERANÇAS Juscelino tomou posse como determinava a Constituição e não titubeou confirmou Lott no Ministério da Guerra O general por sua vez se não conseguiu isolar os quartéis do debate político manteve as Forças Armadas sob controle Lott absorveu no âmbito da disciplina hierárquica o ativismo dos militares e sua atuação foi decisiva para garantir a estabilidade política de um governo que começou contestado assumiu em meio a uma atmosfera de crise mas acabou se fortalecendo Juscelino por seu lado tratou as Forças Armadas com luvas de pelica6 Anistiou os oficiais envolvidos em atos de insubordinação como Jacareacanga e capitalizou politicamente o resultado sem perceber talvez que acostumava os insubmissos à impunidade E tratou de ganhar os quartéis na lábia pondo em evidência para o AltoComando os atrativos que seu programa de desenvolvimento econômico poderia trazer para os militares avançarem com sucesso na criação de uma indústria bélica além de atender às suas necessidades de modernização reorganização e rearmamento Juscelino era bom de conversa e melhor ainda na prática de cooptação Comprou para uso do Ministério da Aeronáutica um moderno avião Viscount com cabine pressurizada poltronas amplas e velocidade de cruzeiro de seiscentos quilômetros por hora e acalmou o almirantado com a aquisição de um portaaviões da Marinha britânica que os almirantes agradecidos rebatizaram Minas Gerais Mas sobretudo Kubitschek atraiu os militares para ocuparem cada vez mais espaço em órgãos estratégicos da administração federal e do planejamento em especial na Petrobras e na segurança pública É certo que o presidente sabia construir a ocasião e tirar proveito dela mas o governo tinha também uma alavanca estratégica imbatível o Plano de Metas ou Programa de Metas7 Graças a ela Juscelino conseguiu articular ainda em seu primeiro ano de mandato uma bemsucedida aliança entre grupos sociais de interesses muito diversos que aceitaram se unir em torno de um grande projeto de planejamento econômico capaz de resumir as principais linhas de sua administração Exposto pela primeira vez numa reunião ministerial realizada no segundo dia de governo 1º de fevereiro de 1956 e publicado no dia seguinte no Diário Oficial o Plano de Metas foi o primeiro e o mais ambicioso programa de modernização já apresentado ao país Com ele Juscelino dava concretude ao slogan que animara a campanha presidencial a promessa de que sob seu comando o Brasil cresceria cinquenta anos em cinco e se propôs a efetuar uma mudança estrutural na capacidade produtiva nacional O Plano de Metas fez do governo de JK um sucesso ver imagem 105 Atribuiu ao Estado a tarefa de viabilizar uma agenda de crescimento econômico acelerado aprofundou o processo de industrialização e privilegiou o setor industrial de bens de consumo duráveis alterando os hábitos e o cotidiano da população que deslumbrada e espantada passou a conviver com um sem número de novidades Entre outras coisas um punhado de eletrodomésticos moderníssimos máquina de lavar roupa grill automático rádio de pilha ventilador portátil enceradeira com três escovas fogão com visor panorâmico som estereofônico TV com controle remoto preso por um fio ao aparelho Tão formidáveis quanto os eletrodomésticos eram os produtos para casa sabão em flocos Detefon com pulverizador pilhas Eveready Ou ainda os novos utensílios e as peças de vestuário fabricados em massa com materiais sintéticos baratos e coloridos alguns de nomes estranhíssimos polímeros náilon raiom banlon courvin acrílico napa fórmica vinil e linóleo8 O Plano de Metas definiu 31 objetivos com enfoque privilegiado em quatro pontos Na primeira prioridade o governo previa alocar investimentos para o setor de transportes em especial o rodoviário e incentivar a indústria automobilística as outras três prioridades canalizavam recursos em energia indústria pesada e alimentos A partir de 1958 os brasileiros viram se materializar nas ruas e estradas duas novidades o DKW Vemag que apesar de barulhento era o primeiro automóvel a sair da fábrica com 50 de peças nacionais e a Rural Willys o primeiro carro também nacional com tração nas quatro rodas A expansão da malha rodoviária foi provavelmente o melhor momento do Plano de Metas Juscelino pavimentou 6 mil quilômetros de novas rodovias entre 1956 e 1960 num país que até então contava apenas 4 mil quilômetros de estradas e viabilizou uma rede de integração territorial capaz de garantir a circulação de mercadorias entre as áreas rurais e os principais centros industrializados além de criar novos mercados9 Em janeiro de 1958 com o preço do petróleo relativamente baixo e a entrada da indústria automobilística no país Juscelino avaliou que o desafio de abrir novas rodovias de terra vermelha e asfalto valia a pena mandou chamar ao Catete o engenheiro agrônomo Bernardo Sayão funcionário do Ministério da Agricultura um tocador de obras com pinta de galã e espírito de desbravador e propôs cortar os cerrados do Brasil Central arrombar a selva e unir o país de norte a sul10 A rede rodoviária BelémBrasília matou o engenheiro no meio da mata atingido por um galho que despencou de uma árvore gigantesca mas interligou por estrada de rodagem os estados de Goiás Maranhão e Pará inseriu a Amazônia no mercado brasileiro e forneceu uma nova alternativa para atenuar desequilíbrios regionais11 Sayão não foi o único a colaborar com Juscelino em projetos que aos demais pareciam mirabolantes Esse era o estilo de Kubitschek talento de negociador astúcia política visão empresarial e capacidade de reconhecer as qualidades alheias além de um sorriso que ficou famoso12 O presidente seduzia argumentava insistia como se dizia na época Juscelino voava com qualquer tempo e pousava em qualquer campo Até mesmo Carlos Lacerda seu grande desafeto não escondia uma ponta de admiração ele era um político ardilosíssimo e a pessoa mais simpática do mundo13 concedia O estilo fazia a diferença na hora de Kubitschek abordar problemas e conquistar a máxima simpatia de cada grupo social mas não explica tudo A outra parte do segredo de Juscelino está provavelmente no fato de que ele conseguiu transformar o Plano de Metas no projeto de um Brasil possível Seu programa de governo dava voz a uma nova e entusiástica condição de ser brasileiro que poderia contribuir para reparar as injustiças de uma herança histórica de miséria e desigualdades profundas e serviria para abrir as portas da modernidade A chave para construir esse novo país chamavase desenvolvimentismo e defendia a ideia de que nossa sociedade defasada e dependente dos países mais avançados repartiase em duas uma parte do Brasil ainda era atrasada e tradicional a outra já seria moderna e estava em franco desenvolvimento Ambas o centro e a periferia conviveriam no mesmo país e essa era uma dualidade que se devia resolver pela industrialização e pela urbanização14 A confiança que Juscelino depositou nesse projeto de Brasil foi contagiosa e não é muito difícil entender por quê O projeto de JK sustentavase na crença de que a construção de uma nova sociedade dependia da vontade do Estado e do desejo coletivo de um povo que enfim teria encontrado seu lugar e destino PROCURASE O POVO BRASILEIRO Um projeto com essa ambição tinha potencial de agregação e muitos intelectuais se sentiram atraídos por ele O governo de Juscelino manteve sintonia com uma franja de intelectuais de várias origens e especialidades dispostos a provar que seria possível construir para o país alternativas de modernidade fora do modelo norteamericano Um dos grupos que se aproximaram de JK estava instalado no Instituto Superior de Estudos Brasileiros Iseb órgão ligado à Casa Civil da Presidência da República com sede no Rio de Janeiro15 O Iseb funcionou como um espaço ativo de socialização entre políticos intelectuais artistas e estudantes e reuniu um elenco de pensadores que marcou época Álvaro Vieira Pinto Alberto Guerreiro Ramos Nelson Werneck Sodré Hélio Jaguaribe Esse grupo forneceu fundamentação teórica para projetos do alto escalão da administração de Kubitschek e contribuiu com uma visão ampla do Brasil e de seu processo de industrialização Produziu ainda os argumentos de defesa para uma opção nacionalista não ortodoxa que não significasse rejeição ao estrangeiro e que estivesse circunscrita à definição de qual é o interesse nacional O Iseb não foi o único laboratório de ideias do governo de JK Em 1954 o economista Celso Furtado tinha pouco mais de trinta anos e acabava de publicar seu primeiro livro A economia brasileira O trabalho de Furtado trazia a marca das formulações elaboradas pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe Cepal órgão das Nações Unidas instalada no Chile em 1949 e da qual o próprio Furtado fez parte até 1957 As análises da Cepal contribuíram para embasar o Plano de Metas mas o livro de Celso Furtado além de apresentar instrumentos para uma nova maneira de pensar o país fornecia aos técnicos do governo uma palavrachave subdesenvolvimento para enquadrar os dilemas da sociedade brasileira16 Subdesenvolvimento significaria um momento específico de formação do capitalismo próprio de sociedades como a brasileira cuja economia foi historicamente subsidiária do sistema colonial e que por isso mesmo se viu forçada a conviver com consequências que se autossustentam apesar do avanço do processo de industrialização a estrutura agrária arcaica as relações entre a monocultura exportadora e o capitalismo internacional a dualidade da estrutura produtiva nacional a profunda desigualdade nas relações de trabalho Segundo Furtado para ultrapassar tal situação dependiase de um conjunto de reformas básicas a serem implantadas pelo Estado agrária fiscal bancária urbana tributária administrativa universitária A defesa dessas reformas estruturais tornouse uma das principais bandeiras de luta das forças nacionalistas e de esquerda no país e assumiu sua forma política definitiva as reformas de base a partir de 1962 durante o governo de João Goulart A palavra subdesenvolvimento por sua vez entrou para o vocabulário da população que passou a utilizála difusa e diversamente Mas sempre mantendo a angulação definida por Furtado era preciso pôr em evidência o lugar do subdesenvolvimento para melhor enfrentálo A fórmula do reformismo desenvolvimentista a noçãochave do subdesenvolvimento e a compreensão de que o povo brasileiro era o agente de transformação de sua própria história amadureceram entre os tecnocratas do governo e os intelectuais da academia também viveram uma floração e uma maturação particulares no campo da cultura e tornaramse rapidamente objeto de construção estética e de produção artística O Teatro de Arena em São Paulo por exemplo que começou a atuar por volta de 1953 mantinha um elenco permanente de jovens atores e encenadores que se pretendiam modernos comprometidos com um teatro realista e estavam empenhados em construir uma dramaturgia integralmente brasileira e que englobava direção interpretação cenografia produção de texto e temática17 Em fevereiro de 1958 o grupo apresentou numa pequena sala meio improvisada com cerca de cem lugares no centro da cidade a peça Eles não usam black tie de Gianfrancesco Guarnieri Tendo em cena o cotidiano dos trabalhadores nas fábricas identificava o poder do capital e defendia a greve por melhores salários foi um sucesso de público e abriu as portas para uma nova dramaturgia com timbre brasileiro No caminho aberto pelo Teatro de Arena viriam outros grupos como o Oficina e o Opinião mas a atenção às experiências de vida do povo não se limitou ao teatro essa questão seria abordada pelo cinema e vinha sendo formulada de várias maneiras A Companhia Cinematográfica Vera Cruz em São Paulo tinha o objetivo de produzir filmes com características essencialmente brasileiras e com a qualidade das produções europeias e norteamericanas seu modelo de padrão estético era o cinema produzido em Hollywood18 Não funcionou A Vera Cruz estava mesmo interessada em assuntos locais sem esquecer o Brasil rural O cangaceiro de Lima Barreto foi seu grande sucesso Mas o sistema de produção era caro os personagens muitas vezes escorregavam para o estereótipo o roteiro capturava o pitoresco fácil e o retorno financeiro custava a chegar em 1954 a companhia estava falida A Vera Cruz que deu certo funcionou no Rio de Janeiro A produtora Atlântida também fazia filmes de maneira contínua mas apostava numa produção rápida com roteiros despretensiosos e baixo orçamento Os críticos espinafravam já o público adorava e os cinemas ficavam lotados com um tipo de comédia popular as chanchadas que se tornou a marca registrada da Atlântida19 Não é difícil entender a razão desse êxito As chanchadas parodiavam os grandes sucessos de Hollywood e se valiam de uma linguagem de base popular originária do circo do teatro de revista do anedotário da crítica política e de costumes O elenco em geral já tinha trabalhado no rádio no circo ou em ambos Grande Otelo Oscarito Dercy Gonçalves Zé Trindade Ankito os personagens falavam de forma direta e sempre havia um pouco de samba piadas e mulheres bonitas no roteiro A trama podia ser ingênua mas a fonte de inspiração era o brasileiro comum o retrato final nunca deixava de ser positivo e essa foi a chave do sucesso o povo se via e se ouvia na fita Em 1955 porém um jovem cineasta Nelson Pereira dos Santos encontrou a forma de levar para dentro de um filme a dura realidade de um Brasil pobre marcado por fundas desigualdades sociais e resumiu em linguagem cinematográfica a proposta de Celso Furtado de pôr em evidência o lugar do subdesenvolvimento para melhor enfrentálo O filme Rio 40 graus rompeu com a estética hollywoodiana apostou num tipo de produção artesanal rápida e barata abusou de externas Quinta da Boa Vista Maracanã Pão de Açúcar Copacabana Corcovado e reuniu um elenco com atores não profissionais20 O diretor sabia o que queria projetar na tela a condição de vida da população favelada abordada com delicadeza sem preconceito num tom de realismo até então inédito sem abrir mão da sutileza e da imaginação da plateia Rio 40 graus revelava a beleza do Rio de Janeiro num domingo de muito calor mas quem conduzia a visão do espectador era a realidade de uma cidade abatida socialmente pela miséria e pela brutalidade A cena de abertura é memorável um amplo panorama do Rio de Janeiro que fecha na favela do morro do Cabuçu Em outra tomada os cinco meninos descem a favela como se estivessem se apoderando da cidade e o filme esbanja lirismo Até então ninguém havia mostrado o Rio de Janeiro com tanta veemência E por isso mesmo nem todo mundo na plateia compreendia a visão do diretor ou concordava com ela Entre os que discordavam estava o coronel Geraldo de Meneses Cortes chefe do Departamento Federal de Segurança Pública que mandou proibir o filme em todo o território nacional E justificou a censura os termômetros oficiais da cidade nunca atingiram quarenta graus no máximo tinham marcado 307 graus o diretor além de mentiroso era comunista e o filme um achincalhe imperdoável com a imagem da capital federal Foi preciso cair o governo Café Filho e o coronel Cortes perder o cargo de censor para o filme ser liberado A partir de então além de o diretor ser reconhecido como o cineasta capaz de alterar a maneira de fazer cinema no Brasil Rio 40 graus tornouse fonte de referência para o movimento que eclodiu no final dos anos 1950 o Cinema Novo É certo que os trabalhos mais emblemáticos do Cinema Novo são posteriores ao governo de JK Vidas secas também de Nelson Pereira dos Santos foi lançado em 1963 Os fuzis de Ruy Guerra no ano seguinte a primeira exibição de Deus e o diabo na terra do sol escrito e dirigido por Glauber Rocha em março de 1964 Mas Rio 40 graus era o anúncio do que estava por vir E Glauber decretou Explodiu o primeiro filme revolucionário do Terceiro Mundo antes da Revolução Cubana21 Glauber foi a grande liderança do Cinema Novo e seu melhor talento Deus e o diabo na terra do sol não é seu primeiro trabalho mas certamente é seu filme de maior impacto um documento importante da cinematografia moderna em todo o mundo e a grande referência do cinema brasileiro O filme mistura elementos históricos literários e musicais com o repertório da cultura popular mergulha na violência e no misticismo que brotam do interior profundo do Brasil e filtra tudo isso por meio de uma narrativa de grande efeito estético Deus e o diabo na terra do sol guarda momentos antológicos o giro arrebatador da câmera em volta do casal Corisco e Rosa ao som da ária das Bachianas brasileiras nº 5 de VillaLobos está até hoje na memória do cinema nacional O programa do Cinema Novo podia ser resumido em três pontos principais modificar a história do cinema no Brasil modificar o Brasil se sobrasse tempo modificar o mundo também22 Em torno dessa agenda emergiu uma geração de cineastas Cacá Diegues Joaquim Pedro de Andrade Nelson Pereira dos Santos Ruy Guerra Gustavo Dahl Paulo César Sarraceni Leon Hirszman Walter Lima Jr Arnaldo Jabor e é claro Glauber Rocha A conexão entre arte violência e história como ferramenta para explicar o Brasil é própria da filmografia produzida por essa geração que se esforçou para identificar os problemas do homem simples do povo e se acreditou a própria encarnação da consciência do país Um problema porém ficou sem solução a linguagem era hermética e o público restrito No Cinema Novo o projeto estético e político costumava sobreporse ao resultado comercial o filme se justificava por si mesmo Mas do ponto de vista da criação de uma linguagem cinematográfica até hoje o Brasil não conheceu nada de parecido Rio 40 graus evocava a realidade de uma população de desvalidos urbanos já a Bossa Nova remetia a um Brasil solar praiano luminoso e surpreendentemente jovem Era uma lufada inesperada de ar não só nos assuntos culturais do país mas até no seu ambiente político e não foi à toa que muita gente teve dificuldade de digerir a sutileza daquele ritmo logo na primeira audição ou entender a relação da Bossa Nova com o país Alguns simplesmente reduziam a sonoridade dissonante das canções à mera alienação dos compositores outros a uma clara tentativa de americanização do samba pela classe média carioca Seja como for o certo é que ninguém ficou de fora da discussão a favor ou contra Com as características de movimento musical a Bossa Nova teve vida curta e intensa surgiu em 1958 e durou até por volta de 196323 Foi o tempo de inventar um gênero musical criar uma novidade rítmica capaz de virar o samba do avesso desfiar harmonias inusitadas e inaugurar um estilo conciso de interpretação O movimento teve como precursores um grupo de músicos afinados com as perspectivas abertas pelo cool jazz norteamericano Dick Farney Lúcio Alves Johnny Alf o conjunto Os Cariocas e nasceu das experimentações de uma turma de compositores a maioria muito jovem interessados em obter uma sonoridade que se mostrasse diferente do estilo rebuscado dos sambascanções onipresentes na época e da sensibilidade musical convencional que orientava o repertório de então Entre eles estavam Tom Jobim João Gilberto Vinicius de Moraes Carlos Lyra Roberto Menescal Ronaldo Bôscoli Newton Mendonça Sérgio Mendes Eumir Deodato ver imagem 107 E é claro na origem da Bossa Nova havia Nara Leão que foi sua musa anfitriã adversária e por fim sua intérprete definitiva No plano da linguagem contudo a Bossa Nova é Tom Jobim e João Gilberto24 A atuação de Tom foi decisiva nos rumos da harmonia isto é no jeito como ele agregava um acompanhamento instrumental à melodia cantada João Gilberto por sua vez inventou a batida da bossa criou um jogo de equilíbrio entre o ritmo do canto e o ritmo do violão nesse jogo cada sílaba cantada ocupa um lugar milimetricamente exato com os ataques de acorde e os baixos do violão Em 1958 quando eles se encontraram para gravar o primeiro disco de João Gilberto muita gente não gostou mas todo mundo entendeu que havia surgido um modo diferente de fazer música e isso era Bossa Nova o samba ritmicamente simplificado numa batida capaz de acomodar as harmonias mais sofisticadas Seja como linguagem seja como movimento o fato é que a partir desse ano a trajetória da Bossa Nova foi movimentada despertou nos jovens a vontade de cantar compor ou tocar violão e esteve na raiz de alguns dos principais acontecimentos musicais da década seguinte os afrossambas de Baden Powell a canção de protesto contra a ditadura o Tropicalismo o Clube da Esquina Na esteira desencadeou uma febre comercial tanto no Brasil quanto nos EUA e de repente tudo era bossanova calçados eletrodomésticos óculos leite em pó e até um jeito esquisito de pentear o cabelo a marca servia para associar os produtos à ideia de ousadia juventude e modernidade25 E a Bossa Nova ganhou o mundo foi assimilada por músicas populares das mais variadas partes do planeta a começar pela da Europa e dos Estados Unidos e passou a ser gravada por grandes artistas internacionais em 1967 por exemplo Frank Sinatra sustentou um disco inteiro Francis Albert Sinatra Antonio Carlos Jobim com esse repertório26 A Bossa Nova era um modo de dizer o que o país tinha de melhor e a confirmação de sua viabilidade um Brasil moderno cosmopolita sofisticado belo livre Ela forneceu aos brasileiros a senha para acelerar o tempo e criar em cinco anos algo novo capaz de vencer o subdesenvolvimento ao menos no campo da cultura No mundo do planejamento e da definição de políticas públicas porém ao Plano de Metas faltou desatar o nó que amarrou os gargalos do desenvolvimentismo27 Uma ponta desse nó apareceu nos resultados negativos provocados pelo programa de crescimento econômico É certo que Juscelino como Getúlio concentrou no Estado a tarefa de investir pesado na infraestrutura do país Mas com uma diferença Vargas tinha apostado num projeto nacionalista de industrialização Kubitschek foi muito mais um pragmático astuto Para Juscelino o que interessava era onde está a fábrica e não onde mora o acionista28 comentou em suas memórias o economista Roberto Campos membro da equipe de tecnocratas de JK e devoto do capital internacional Evidentemente nem todos compartilhavam da fé de Campos nos benefícios advindos da internacionalização da economia brasileira Sindicalistas estudantes intelectuais e sobretudo militantes comunistas fizeram duras críticas a um processo de desenvolvimento econômico que argumentavam era capaz de integrar o setor industrial local à estrutura econômica mundial não por suas próprias pernas mas por meio das empresas multinacionais O historiador Caio Prado Jr por exemplo nunca perdoou jamais houve no Brasil um governo mais entreguista que o do sr Juscelino Kubitschek29 As consequências da internacionalização podiam até ser inevitáveis num país durante tanto tempo dependente da exportação de produtos primários mas num aspecto os críticos estavam cobertos de razão os danos existiram e não foram pequenos O Plano de Metas viabilizou as condições para o ingresso do Brasil num estágio avançado de industrialização mas sem criar condições reais para isso Na pressa de mudar o patamar de desenvolvimento do país em apenas cinco anos Kubitschek improvisou investiu na aceleração do crescimento sem avaliar o financiamento do processo E optou pelo atalho facilitando a entrada de capitais externos no país por meio da concessão de privilégios fiscais e econômicos e aceitando depender de financiamentos internacionais para acelerar o crescimento industrial Os atalhos acarretaram três tipos de prejuízo O primeiro foi a relativa facilidade com que empresas estrangeiras assumiram o controle de setores do desenvolvimento econômico brasileiro O segundo veio com o aumento constante dos déficits da balança de pagamentos seguido da consequente ampliação da dívida externa O terceiro resultou da decisão de crescer com inflação Ninguém melhor que Kubitschek para saber que um programa de combate à inflação tem custos políticos restrição de salários créditos e gastos públicos É certo que no curto prazo foi possível manter sob relativo controle as reivindicações salariais sobretudo através da capacidade de negociação de João Goulart com grande influência entre trabalhadores urbanos e sindicalistas Aliás a composição Juscelino e Jango não apenas personificou a continuidade do legado de Vargas ou consagrou o melhor momento da aliança PSDPTB ela foi decisiva na intermediação das relações entre o Estado e o movimento sindical e contou muito na manutenção do instável equilíbrio das forças políticas30 que caracterizou o governo de JK A necessidade de adotar um programa de contenção de gastos para combater a inflação significava impor restrições ao Plano de Metas Entre frear o crescimento e aceitar o financiamento inflacionário Juscelino não hesitou Sustentou o argumento de que alguma dose de inflação era inevitável e esperou alcançar a estabilização gradualmente Adiou assim para o governo seguinte a execução de medidas de contenção econômica e deixou para seu sucessor uma inflação que havia dado um salto e continuava acelerada em 1957 a taxa de inflação fechou em 7 em 1958 subiu para 244 em 1959 bateu em 39431 A outra ponta que amarrava o nó do desenvolvimentismo tinha natureza claramente política JK apresentou aos brasileiros o Plano de Metas como o mais ambicioso projeto de modernização da história do país e era mesmo O gargalo contudo não estava na ambição do moderno mas na estratégia adotada por Juscelino ao tentar implantar um projeto dessa magnitude sem alterar as bases de desigualdade política e social E também nesse caso um bocado de improvisação sustentava sua estratégia Na burocracia do Estado por exemplo Juscelino criou a administração paralela32 A intenção mais uma vez era contornar o sistema de clientela o uso do serviço público para distribuir favores e empregos a quem ajudava o governo a conseguir votos sem a necessidade de contestálo radicalmente A administração paralela compunhase de vários centros de assessoria planejamento e execução de políticas que dominavam a linguagem técnica recebiam generosas doses de financiamento e tinham dupla utilidade permitiam recrutar gestores dinâmicos capazes de implementar rapidamente o Plano de Metas e criavam as condições para o governo driblar o conflito e deixar intocadas as razões da ineficiência da administração pública as práticas de clientela e o empreguismo Diante da questão agrária porém o Plano de Metas ficou na retórica O latifúndio era mesmo o maior símbolo do subdesenvolvimento mas a posse da terra era fonte de poder significava representação no Congresso sustentava as bases regionais do PSD os grandes proprietários rurais nunca foram ameaçados nem mesmo por Vargas e Juscelino era cauteloso o bastante para não se intrometer no sistema vigente de propriedade33 Nos anos 1950 cerca de 70 dos brasileiros permaneciam no campo a população urbana só iria superar a rural no fim da década de 1960 Os desníveis de pobreza e desigualdade social entre campo e cidade e entre a Região Sudeste e o Nordeste eram imensos e a situação de carência da população pobre mantinhase inalterada faltavam escolas não havia saneamento básico nem acesso à saúde o trabalhador rural continuava excluído da legislação protetora do trabalho Medido com sua própria régua o que fez e o que se propôs a fazer o governo de JK só interferiu no campo com ações paliativas expansão do crédito rural distribuição de alimentos socorro aos flagelados da seca de 1958 abertura de frentes de trabalho e construção de açudes Enquanto Juscelino se dirigia ao mundo urbano e apostava na cidade como uma gigantesca fábrica de homens modernos a mobilização da população rural passou a crescer e a ganhar força e visibilidade até se transformar na grande novidade política do início da década de 1960 A movimentação dos trabalhadores do campo na cena pública reivindicando terra e direitos é anterior ao governo de Juscelino começou nos anos 1940 Na sua origem estava a expansão do processo de expulsão do camponês de sua posse de terra por meio da especulação fundiária e do sistema de grilagem uma antiga prática de forjar documentos para apropriação indébita da terra A generalização desse processo teve diversas consequências a intensa migração para as cidades que levou a um rápido e desordenado crescimento da periferia e ao aumento das favelas o início de um movimento populacional que se estenderia até os anos 1980 e afetaria substancialmente o padrão de ocupação do território brasileiro Além disso intensificaramse as reivindicações no campo por terra e direitos O campo começou a ferver a partir de 1946 com o levante de Porecatu no Paraná quando centenas de camponeses armados exigiram a posse das terras griladas e devolutas da região Oito anos depois em 1954 eclodiu a revolta de Trombas e Formoso em Goiás que se estendeu até 1961 originou a República de Trombas e Formoso com regras definidas por instituições criadas pelos próprios camponeses e conseguiu a legalização de terras para cerca de 10 mil lavradores e suas famílias Em 1956 chegou a hora de os posseiros se insurgirem nos municípios do sudoeste do Paraná tomaram as ruas das cidades expulsaram as autoridades locais e invadiram escritórios das empresas de colonização envolvidas com a especulação fundiária destruindo contratos de dívida notas promissórias e títulos de propriedade muitas vezes documentos forjados pelas próprias empresas34 No final dos anos 1950 a reforma agrária se consolidou como uma reivindicação unificadora das lutas dos trabalhadores rurais surgiram as organizações camponesas e em meados da década foi criada a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil Ultab E então em 1955 as Ligas Camponesas renasceram no Nordeste35 A primeira experiência de organização dos camponeses num tipo de associação civil as Ligas Camponesas fora realizada pelo Partido Comunista entre 1945 e 1947 com o objetivo de mobilizar os trabalhadores do campo levantar suas reivindicações e congregálos numa aliança com os setores operários nas cidades Essa experiência foi interrompida a partir de 1947 em consequência do processo de proscrição da vida legal do PCB da cassação de seus parlamentares e da repressão crescente do governo Dutra Em 1955 porém a criação da Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco SAPPP possibilitou um novo começo na trajetória das Ligas Camponesas A SAPPP foi fundada no Engenho Galileia em Vitória de Santo Antão no coração da agroindústria açucareira de Pernambuco A princípio a associação pretendia apenas impedir o processo de expulsão dos foreiros e arrendatários das terras do engenho Mas muito depressa a SAPPP converteuse num movimento social de amplo alcance as Ligas Camponesas e introduziu a questão agrária no centro da agenda política nacional entre 1950 e 1960 Até o início da década de 1960 as Ligas Camponesas lutaram pela expansão dos direitos civis e sociais e a estratégia orientouse pela disputa jurídica ao representarem o trabalhador rural no tribunal os advogados das ligas transformavam conflitos sociais em conflitos jurídicos e o trabalhador num sujeito portador de direitos Tal estratégia começou a ser utilizada em 1955 pelo então deputado estadual Francisco Julião que se tornou o mais importante dirigente dessas organizações e foi muito bemsucedida36 Com a desapropriação do Engenho Galileia em 1959 as ligas se expandiram pelos principais estados do Nordeste e para todas as regiões do país A partir de 1961 assumiram a defesa de um projeto radical de reforma agrária Na lei ou na marra com flores ou com sangue como anunciado pelos cerca de seiscentos delegados presentes ao I Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas ocorrido em Belo Horizonte e iniciaram invasões e ocupações de terra Uma dissidência do movimento partiu para a implantação de campos de treinamento de guerrilhas o mais conhecido foi instalado em Dianópolis em Goiás e desativado pelo Exército ainda em 196237 A maioria porém buscou um novo formato político de atuação para as ligas cada vez mais próximo de uma organização de massas capaz de se articular aos movimentos sociais que aconteciam nas cidades O campo também se convertera num espaço incontornável de disputa política que incluía o Partido Comunista e a Igreja católica A presença dos comunistas significava o deslocamento sistemático de militantes para a área rural e o engajamento na formação de sindicatos rurais Já a Igreja católica estava dividida uma parcela do clero pretendia promover a doutrina cristã e neutralizar a força das esquerdas no campo outra porém estava interessada em reforçar laços com os trabalhadores e comandou um processo inédito de sindicalização rural através da criação de um programa voltado para a educação pelo rádio o Movimento de Educação de Base MEB O programa tinha o objetivo de alfabetizar a população camponesa para produzir uma ação transformadora da realidade Funcionava por meio das Escolas Radiofônicas e de uma série de cartilhas inspiradas no método de alfabetização do educador Paulo Freire e foi um sucesso em 1963 o MEB atuava intensamente em catorze estados brasileiros38 As mobilizações dos trabalhadores rurais reivindicavam terras e direitos A administração de JK por sua vez via no campo a parte atrasada e tradicional do Brasil não apresentava solução para a questão agrária e considerava como alternativa deslocar populações da área rural e absorvêlas nas cidades O descompasso era grande e de difícil solução Ainda em 1956 Juscelino recorreu ao Plano de Metas e fez da construção de Brasília a metassíntese uma cidade inteiramente planejada que pretendia representar o esforço de afirmação da nacionalidade e o desejo de integração do interior ao centro do país ao mundo da tradição ao moderno A construção de Brasília forneceu ao governo de Kubitschek e ao Plano de Metas um símbolo compreensível pela população ver imagem 10839 Os brasileiros ficaram fascinados com a ideia de conceber uma cidade para o futuro fora das medidas arquitetônicas e urbanísticas conhecidas ancorada num platô no centro do Brasil e projetada sobre uma enorme extensão vazia a densidade populacional média da região mantinhase inferior a uma pessoa por quilômetro quadrado É certo que a proposta de transferir a capital do país para o interior não era nenhuma novidade a ideia vinha desde o século XIX foi debatida em diversas ocasiões estava prevista na Constituição de 1934 e permanecia na de 1946 Contudo também é certo que até Juscelino ninguém se dispôs a levar a aventura a sério além de caríssima a transferência da capital não era prioridade ou uma reivindicação da sociedade Quando os udenistas souberam que JK tencionava construir Brasília numa região semiárida ligada por uma rede de comunicações sobretudo aéreas e onde só havia mato ralo terra barrenta poeira vermelha e miado de onça não hesitaram votaram a lei que autorizava a transferência da capital e aguardaram pelo desastre A UDN mais uma vez calculou mal Juscelino materializou Brasília em três anos Entregou o projeto arquitetônico a Oscar Niemeyer o planejamento urbanístico a Lúcio Costa e gerou as condições capazes de viabilizar a obra em tempo recorde atalhou a burocracia por meio da criação da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil Novacap um dos núcleos mais poderosos da administração paralela mandou chamar em Minas o engenheiro Israel Pinheiro de sua estrita confiança para dirigir a empresa aprovou uma lei especial no Congresso que lhe permitiu construir sem entraves jurídicos a nova capital e não perguntou pelos custos Para a oposição sobrou o de sempre acirrar o discurso político mirar no projeto de construção da nova capital e torcer para acertar o tiro A Banda de Música da UDN foi implacável dia sim no outro também os udenistas invocavam o desperdício de recursos públicos num país de muitas carências e prioridades a monumentalidade do projeto a suspeitíssima urgência a impossibilidade de a capital ser terminada durante a administração de JK E à medida que o ritmo se acelerava Brasília ficava pronta a mudança tornavase real e o dia da inauguração se aproximava a oposição apelou a cidade era longe a terra hostil o terreno poroso o lago artificial jamais se encheria e os telefones nunca falariam Juscelino sempre sustentou que a decisão de construir Brasília surgiu do nada de um gesto visionário que ele incorporou ao seu programa de governo e lhe permitiu ver longe Mas é pouco provável que as coisas tenham se passado desse modo Brasília cumpria funções demais para não ser intencional Fez a ponte entre o velho e o novo Brasil conferiu inteligibilidade popular ao Plano de Metas forneceu a JK um inédito poder de barganha diante de adversários sensíveis à participação num negócio altamente lucrativo e desviou a atenção da sociedade de problemas de difícil solução para o governo como a inflação e a reforma agrária Brasília tornouse simultaneamente monumento e símbolo nacional levou consigo o próprio JK e garantiu a ele um lugar excepcional na história do país Além disso Juscelino já havia exibido na prefeitura de Belo Horizonte mais precisamente na criação do conjunto arquitetônico da Pampulha uma boa dose da sua capacidade construtora e da disposição de investir em projetos urbanísticos ousados e futuristas de muitas maneiras Brasília nasceu ali40 Seja como for JK deu a Brasília prioridade máxima Ele sabia que precisava concluir a obra e que nenhuma outra administração jamais comprometeria os recursos do país nesse projeto A construção parecia rematada loucura e talvez fosse Ao menos essa era a convicção do jornalista Otto Lara Resende quando escreveu que Brasília foi o produto de uma conjunção rara de quatro loucuras a de Juscelino de Israel Niemeyer e Lúcio Costa41 O resultado apresentado pelos quatro era tão inabitual que parecia dar razão a Lara Resende a cidade surgiu num piscar de olhos tinha uma beleza estranha e não se assemelhava a nada já visto pelos brasileiros O traçado do Plano Piloto lembra duas imagens superpostas a cruz que funda um novo Brasil e o avião que aterrissa no Planalto Central orienta o destino do país no rumo da modernidade e segue adiante como se voasse em rota para a impossível utopia42 na definição famosa de Lúcio Costa A cidade está dividida em dois eixos que se cruzam em ângulo reto o Eixo Monumental e o Eixo Rodoviário e separam a área residencial e seus equipamentos complementares do espaço urbano ocupado pelos edifícios do governo Os ministérios são propositalmente idênticos costeiam o Eixo Monumental e acentuam a grandiosidade da praça dos Três Poderes e a plasticidade dos palácios de concreto armado tão leves que mal tocam o chão A nova capital não tem ruas nem praças nem calçadas nem pedestres Lá diziam os primeiros moradores o corpo humano se divide em três partes cabeça tronco e rodas Sua construção também carrega as ambivalências do Plano de Metas Nunca se soube ao certo quanto custou Brasília Tampouco se sabe quantos operários morreram na pressa da construção se é verdade que seus cadáveres foram enterrados com máquinas escavadoras junto às próprias edificações se de fato existiu a prática de castigos corporais contra trabalhadores e se realmente eles protestaram por melhores condições de vida e de trabalho Sabese apenas que os milhares de operários vindos sobretudo do Nordeste de Goiás e do norte de Minas Gerais os candangos só moraram em Brasília quando aquilo era canteiro de obras Concluída a capital e instalado o governo tiveram poucas opções ou foram devolvidos a seus estados natais ou foram viver segregados em acampamentos semelhantes a favelas na periferia Esses acampamentos deram origem às cidadessatélites como as conhecemos hoje as quais só fizeram crescer nos dez primeiros anos que se seguiram à fundação cerca de 100 mil migrantes se tornaram favelados na nova capital43 Brasília expulsou os pobres para a periferia segregou funcionários públicos burocratas e parlamentares em unidades residenciais fundamentalmente idênticas as superquadras de acordo com uma concepção hierárquica e segmentada da vida social e acentuou a presença esmagadora do Estado empregador Por outro lado Juscelino não era alheio a nada do mundo da política e tinha de saber que o gesto de transferência da capital trazia de contrabando um efeito perverso contribuía para o isolamento do centro de poder distanciava o governo das demandas sociais crescentes e alienava o governante do contato com o povo Mais de cinquenta anos passados Brasília confirmou sua vocação modernista integrou o país pela interiorização tal como anunciava o slogan de JK e manteve as marcas de sua ambivalência conservou impecáveis seus palácios como queriam Kubitschek e Niemeyer suspensos leves e brancos nas noites sem fim do Planalto também sustentou as condições para tornar o poder na República mais asséptico mais isolado mais vaidoso mais arrogante O SEMEADOR DE VENTO A nova capital federal foi inaugurada em 21 de abril de 1960 Nove meses depois Juscelino deu posse ao novo presidente eleito Jânio Quadros sem saber que estava realizando uma façanha e tanto apenas em 2003 um presidente civil eleito pelo voto popular tornaria a entregar a faixa ao seu sucessor JK viajou para a Europa de férias convencido de que estaria de volta a Brasília e a seu cargo em 1965 A Constituição de 1946 vedava a possibilidade de reeleição e sua campanha presidencial começou ali mesmo na despedida do cargo a cidade estava coberta de faixas e cartazes com o slogan JK65 e no aeroporto uma multidão aguardava por ele para dizerlhe até breve Juscelino passou o último ano de seu mandato com um olho posto na urgência de construir Brasília e o outro espiando as condições favoráveis de retorno ao poder E maquinou uma estratégia para seu partido perder a eleição44 A situação financeira do país era grave o governo não tinha controle sobre os gastos e seu sucessor precisaria adotar um programa rigoroso de austeridade econômica O segundo passo era mais longo como transferir esse ônus para a oposição A estratégia seria fazer a UDN vencer as eleições gastar o mandato levando nas costas uma política impopular de combate à inflação para que no final JK retornasse em 1965 com um novo programa de crescimento Juscelino estava manobrando em causa própria e com uma boa dose de onipotência dificilmente a UDN iria apoiar um candidato indicado por ele Ainda assim a manobra podia dar certo JK era mestre da política dos bastidores e do conchavo encerrava o mandato com popularidade de sobra sua estratégia poderia produzir uma ampla coalizão de centrodireita capaz de contrabalançar a força crescente das esquerdas sobretudo do PTB e para facilitar a situação o PSD não tinha um bom nome apto a sucedêlo Juscelino só não considerou na sua estratégia a intromissão dos paulistas São Paulo foi o grande beneficiário do seu governo o estado concentrou o crescimento industrial os empresários receberam crédito fácil e a velocidade da expansão urbana indicava que São Paulo caminhava em ritmo acelerado para se tornar a maior e mais importante capital do país Mas no cenário político nacional não havia meio de São Paulo alinharse nem o PSD nem a UDN nem o PTB chegavam a ter força expressiva no estado e quem disputava o poder ainda eram partidos minúsculos com abrangência regional que atuavam como ferramentas e portavozes políticos de lideranças locais o caso mais famoso o Partido Social Progressista PSP de Ademar de Barros Em maio de 1959 um punhado desses pequenos partidos articulouse com a UDN atropelou a estratégia de JK e apostou na candidatura de Jânio Quadros para a Presidência da República um personagem politicamente incontrolável para os propósitos de Juscelino45 Desde que assumiu o primeiro mandato de vereador em 1948 Jânio vinha numa escalada vertiginosa tendo sido eleito sucessivamente deputado estadual prefeito e governador venceu três eleições em cinco anos atuando sempre em São Paulo Tinha a fama de administrador honesto e competente não possuía vínculos com o legado de Vargas mas tampouco carregava a pecha de antigetulista e o tom de sua campanha era música para os ouvidos da UDN ataques à corrupção à inflação à alta do custo de vida ao desperdício de dinheiro com as obras monumentais de Brasília acompanhados de promessas de crescimento econômico austeridade pública e contenção de gastos Jânio jamais explicou de maneira convincente como iria superar os limites do governo de Kubitschek ou atacar os problemas fundamentais ao desenvolvimento brasileiro Sua mensagem era antipolítica Ele se apresentava como um candidato acima dos partidos e expressava profundo desdém pelos políticos tradicionais e por seu estilo de atuação Só insistia num ponto que o povo lhe delegasse sua confiança e acreditasse nele pessoalmente E repetia era o único candidato independente e dedicado à atividade política por vocação cívica e paixão pelo serviço público o nome portanto capaz de oferecer algo novo e dar rumo ao país Carlos Lacerda foi um dos primeiros a perceber que com ou sem os udenistas a candidatura de Jânio era irresistível e carregou para a campanha janista o apoio da UDN Lacerda entendeu certo Em torno de Jânio se cristalizavam impulsos de esperança e de adesão vindos de todas as camadas sociais e em especial do eleitor de classe média atormentado pelos efeitos da inflação que enxergava no candidato a encarnação do gestor enérgico e capaz de comandar com eficiência os solavancos de uma economia em crescimento Essa era uma candidatura incomum e a velocidade com que se afirmou deveria ter acionado um sinal de alerta havia um vácuo por onde um intruso esperto poderia crescer A candidatura de Jânio sublinhava o descontentamento da sociedade com a alta do custo de vida e com a queda nos salários indicava um aumento da capacidade reivindicatória da população e sugeria certo cansaço da estrutura partidária com dificuldades para se adaptar e absorver as novas demandas populares Mas o apelo do candidato não estava apenas no que ele dizia Jânio tinha o senso do espetáculo na política46 Não hesitava num comício em simular desmaios de fome tomar injeção para recuperar forças vestir terno velho de ombros estrategicamente salpicados por um pó que dizia ser caspa usar gravata torta sentar no meiofio para comer sanduíche de mortadela e bananas queria ser percebido visualmente como parte da população pobre trabalhadora sofrida Subia nos palanques magro colérico e desleixado gesticulando muito brandindo uma vassoura nas mãos e modulando o tom de voz propunha uma varredura moral e administrativa no Brasil Usava de uma linguagem empolada cheia de termos em desuso escandia as sílabas das palavras e deixava a multidão boquiaberta com sua grandiloquência professoral e pernóstica às vezes ninguém entendia nada mas Jânio sabia a ocasião exata em que dizia o que todos queriam ouvir Seus comícios aconteciam nas ruas nas fábricas nas favelas e periferias das cidades e atraíam milhares de pessoas com vassouras nas mãos dispostas a levar a sério o candidato e sua retórica de campanha ver imagem 109 É difícil dizer se Juscelino em algum momento viu com simpatia a candidatura de Jânio não era fácil lidar com um candidato messiânico histriônico e irascível Quando afinal chegou a hora de disputar as eleições o PSD sem alternativa aceitou a indicação dos grupos nacionalistas do Congresso e lançou o nome do marechal Lott para presidente talvez apostando na oportunidade de consolidar sua presença nas Forças Armadas47 Em seguida o partido reeditou a aliança com o PTB e homologou mais uma vez a candidatura de João Goulart para vice da chapa Lott saiu candidato e jogou um balde de água fria nas pretensões eleitorais do PSD Ele era um nome com grande prestígio político respeitado entre os militares admirado por sua postura legalista e democrática mas como candidato não entusiasmava ninguém E no momento em que ficou evidente para os pessedistas que Lott estava mesmo fadado a perder as lideranças do partido trataram de cristianizar o candidato e junto com o PTB e com o apoio do próprio Jânio estimularam os eleitores a votar numa chapa extra chamada meio por gozação de JanJan Jânio na Presidência e Jango para vice O resultado das urnas deixou ileso o PSD fortaleceu o PTB e confirmou a força eleitoral da dupla Jânio recebeu a maior votação até então registrada no país 5636623 votos contra 3846825 dados a Lott Jango de novo eleito obteve 4547010 votos número superior ao de eleitores de Lott48 O resultado também indicava que havia novidades no cenário nacional A primeira o vicepresidente eleito era da chapa adversária à do presidente A segunda sublinhava o impacto da candidatura janista no crescimento eleitoral da UDN que conquistou o governo em seis estados entre onze que realizaram eleições incluindo Minas Gerais com Magalhães Pinto e levou Carlos Lacerda a se eleger o primeiro governador da Guanabara a cidadeestado criada por Juscelino para compensar os cariocas pela transferência da capital para Brasília Quem votou em Jânio porém iria descobrir logo que o novo presidente se saía melhor disputando votos do que administrando o país É certo que ele obteve êxito em renegociar as dívidas internacionais e lançou o mais completo programa de combate à inflação já experimentado desde Vargas É certo também que com a colaboração do ministro das Relações Exteriores Afonso Arinos de Melo Franco da UDN mineira Jânio se deu bem na condução de uma política externa independente O Brasil reformulou o alinhamento com os interesses norteamericanos estabeleceu vínculos diplomáticos eou comerciais com os países socialistas negociou sua dívida com a Europa Estados Unidos e o bloco soviético e se aproximou do Terceiro Mundo49 Mas Jânio era político de província Conhecia mal as lideranças partidárias nacionais e desdenhou da possibilidade de montar uma base parlamentar própria embora seu governo não tivesse maioria no Congresso50 Tampouco estava preocupado em negociar com o campo oposicionista foi um mestre em exacerbar o atrito Bateu de frente com o Congresso com a imprensa com o funcionalismo com o vicepresidente da República E acabou rompendo com a própria UDN injuriada com os rumos da política externa que em tempos de Guerra Fria o partido entendia como uma guinada do governo para a esquerda Em alguns meses Jânio Quadros conseguiu confundir o ambiente político nacional subestimar seus aliados e se isolar na Presidência Sem planejamento de longo prazo com uma visão estreita do país e moralista na vida pública um perfil autoritário e alma de burocrata governava a República como quem chefia uma repartição Centralizava decisões controlava miudezas disparava aos ministros e auxiliares bilhetinhos com instruções telegráficas sempre urgentes nos quais os assuntos se misturavam sem diferenciações Logo após a posse abriu temporada de caça aos corruptos através da instalação de comissões de sindicância com instruções para realizar devassas em órgãos públicos e cujos resultados mesmo sem provas o presidente mandava divulgar com estardalhaço Os bilhetinhos se perdiam na imensidão da máquina administrativa o governo andava em ziguezague e Jânio continuava a se meter em tudo Aboliu o uso da gravata no dia a dia do palácio e criou uniforme para o funcionalismo público no estilo safári inspirado nos slacks utilizados pelos ingleses na Índia a seu ver um traje mais adequado a um país tropical E para eliminar dúvidas mandou publicar os moldes para confecção do vestuário masculino e feminino no Diário Oficial especificando Tecido Linho nacional Cor Bege sarcástica a imprensa apelidou aquilo de pijânio51 Em menos de sete meses de governo Jânio assinou uma série inacreditável de decretos vetou corridas de cavalos nos dias úteis e rinhas de galo todos os dias proibiu o uso de lançaperfume nos bailes de Carnaval e de biquíni nas praias regulamentou o comprimento dos maiôs nos desfiles televisionados dos concursos de misses E para arrematar instalou dois jumentos nordestinos pastando a grama verde do imenso jardim do Palácio da Alvorada não satisfeito mandou botar chapéus de palha nos animais por conta do sol forte do cerrado e subir uma imensa grade de ferro para cercar o palácio e proteger os burricos52 Jânio era mesmo um intruso político à frente de um governo que não se definia mas pretendia governar o país em seus próprios termos E em sua opinião isso era inviável com a Constituição de 1946 em vigor e um Congresso renitente e desconfiado Não era verdade ou pelo menos não era toda a verdade Jânio não tinha compromisso com as instituições democráticas sentiase tolhido pelos limites constitucionais e cultivou artificialmente o impasse entre os poderes da República Com isso acirrou suas contradições com o Congresso e se isolou cada vez mais O campo oposicionista crescia sobretudo pela ação dos trabalhistas que com o aval dos movimentos populares e em rota de aproximação com os comunistas repudiavam sua política econômica que desvalorizou a moeda dobrou o preço do pão aumentou as tarifas de ônibus restringiu o crédito e congelou salários Ainda assim não havia obstáculos intransponíveis nada que não pudesse ser contornado pela negociação e o impedisse de governar No fim do mês de julho de 1961 Jânio mandou convidar o vicepresidente João Goulart para chefiar a primeira missão comercial brasileira em viagem à República Popular da China A relação entre os dois estava perto da ruptura Jango foi um dos primeiros alvos das comissões de sindicância e viu o convite com desconfiança Mas não tinha como recusar e acabou embarcando Enquanto Jango negociava acordos em Pequim Jânio em Brasília provocava um escândalo político ao conceder em 19 de agosto a GrãCruz da Ordem do Cruzeiro do Sul a mais alta condecoração do Brasil a Ernesto Che Guevara A Revolução Cubana dividia as opiniões o gesto do presidente inflava os temores norteamericanos com o rumo próCuba da política externa brasileira a UDN reagiu indignada e os militares que já haviam recebido a condecoração ameaçaram devolver o colar53 Jânio tinha motivos práticos para estreitar relações com o governo cubano existia a possibilidade de empresas brasileiras estabelecerem comércio de bens e maquinaria com os países do bloco socialista através de Cuba Carlos Lacerda porém avaliou que dessa vez o governo fora longe demais e tomou um avião para Brasília disposto a botar tudo em pratos limpos São muitas as versões do seu encontro com o presidente Mas de volta ao Rio de Janeiro Lacerda virou a mesa atacou o governo em rede de rádio e televisão chamou Jânio de irresponsável e acusou o ministro da Justiça Oscar Pedroso Horta de tramar um golpe de Estado e convidálo a participar A temperatura política do país ferveu Em 25 de agosto Dia do Soldado uma sextafeira Jânio compareceu pela manhã ao desfile militar na Esplanada dos Ministérios passou a tropa em revista ouviu a leitura da ordem do dia saudou a bandeira tudo como manda o figurino Voltou para o palácio mandou chamar os ministros militares e comunicou oficialmente que estava abandonando o cargo Diante dos militares atônitos enfatizou Com este Congresso não posso governar Organizem uma junta e dirijam o país54 Assinou a carta de renúncia determinou ao ministro da Justiça que a encaminhasse ao Congresso apenas às quinze horas e às onze embarcou no avião da Presidência rumo à Base Aérea de São Paulo em Cumbica na saída de Brasília instruiu o ajudante de ordens que o acompanhava a levar consigo a faixa presidencial NOS PORÕES DO PALÁCIO PIRATINI O que Jânio pretendia com a renúncia ele nunca explicou bem aos brasileiros Mas há acordo entre os historiadores seu gesto intencionava causar uma comoção nacional que o trouxesse de volta triunfalmente ao cargo com os poderes presidenciais aumentados e de preferência sem o Congresso para incomodálo Renunciar era uma forma de sair do palco para não se desgastar e diversas vezes em sua carreira política ele usara da figura da renúncia como uma arma sempre brandida com sucesso A manobra poderia funcionar de novo o nome de Goulart tinha forte rejeição entre os militares além disso ele estava longe sem condições de articular sua posse O Congresso só examinaria sua renúncia após o fim de semana e o povo defenderia seu mandato nas ruas talvez mobilizado numa espécie de novo queremismo Atrás de mim não fica ninguém Jânio teria dito ainda na Base Aérea de Cumbica E completaria Não farei nada para voltar mas considero minha volta inevitável55 Se o plano era esse deu tudo errado O povo não se mexeu os governadores não se manifestaram o Congresso aceitou a renúncia duas horas depois de receber a carta de Jânio e considerou que se tratava de um ato unilateral Os deputados estavam fartos de um governo que acusavam de tentar desmoralizar o Legislativo ninguém se dispôs a defendê lo e o presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzilli assumiu interinamente a Presidência da República até o regresso de Jango No dia 28 de agosto Jânio mandou devolver a faixa presidencial e do porto de Santos embarcou para a Europa Sobraram no tabuleiro os ministros militares Uma questão era a renúncia ratificada por eles sem discussão Outra muito diferente era a sucessão E foi aí que os militares fizeram suas próprias contas e decidiram intervir No mesmo 28 de agosto três dias após a renúncia de Jânio Mazzilli informou ao Congresso que os ministros militares não aceitavam o retorno de João Goulart ao país para ser empossado na Presidência Diziam mais se Jango desembarcasse no Brasil seria preso Os ministros não se comportavam como militares jogavam uma cartada política Apostavam numa espécie de golpe constitucional de baixo custo para as Forças Armadas estavam intimidando o Congresso para que os parlamentares declarassem o impedimento de Goulart56 Nem a UDN concordou Estava aberta a crise política os resultados eram imprevisíveis e o país iria caminhar perigosamente próximo de uma guerra civil Mas a história ainda tinha enredo No Rio de Janeiro o marechal Lott expressou a divisão nas Forças Armadas e lançou um manifesto à nação pela defesa da ordem constitucional E então no Rio Grande do Sul o governador Leonel Brizola decidiu que era hora de agir Sua intenção era trazer Goulart a Porto Alegre e garantir a posse a todo custo57 Brizola era a principal liderança da ala mais à esquerda do PTB além de cunhado de Jango Havia assumido o governo em 1959 e seu nome começava a se tornar conhecido no país sobretudo graças a um decreto ousado que encampou os serviços e bens da Companhia Telefônica Nacional filial da International Telephone Telegraph ITT Até o final de seu governo Brizola iria implementar pelo menos duas outras medidas ainda mais ousadas a desapropriação de fazendas para distribuição das terras aos agricultores organizados no Movimento dos Agricultores sem Terra Master e a estatização da Companhia de Energia Elétrica RioGrandense subsidiária da American Foreign Power grupo ligado à Electric Bond Share58 Silenciar Lott foi tarefa relativamente fácil o ministro da Guerra mandou prendêlo na fortaleza da Lage uma ilha na entrada da baía de Guanabara entre o morro Cara de Cão no Rio de Janeiro e a fortaleza de Santa Cruz em Niterói Silenciar Brizola era outra conversa O governador pôs em ação a poderosa Brigada Militar gaúcha e determinou a transferência dos estúdios da Rádio Guaíba para o subsolo do Palácio Piratini Ato contínuo postou um destacamento da Guarda de Choque com três metralhadoras pesadas protegendo a antena transmissora e a torre na ilha da Pintada a doze quilômetros de Porto Alegre Fez o teste e mandou o locutor anunciar Esta é a Rádio da Legalidade transmitindo dos porões do Palácio Piratini na capital do Rio Grande do Sul Com o microfone na mão Brizola sublevou o estado e mobilizou o resto do país a agir em defesa da Constituição A Rádio da Legalidade transmitia 24 horas por ondas curtas centralizava as transmissões de aproximadamente 150 outras rádios e era ouvida em todo o Brasil e no exterior59 Brizola sabia bem o risco que estava correndo Armou a população para a resistência convocou uma multidão a ocupar a praça da Matriz defronte ao palácio e simulou a interdição da barra do porto do Rio Grande Instalou ninhos de metralhadoras no alto do Piratini e na torre da catedral metropolitana ainda em construção e subiu barricadas feitas com sacos de areia bancos arrancados da praça carros e caminhões amontoados em volta do palácio Distribuiu armas aos funcionários andava para cima e para baixo com uma metralhadora a tiracolo e não exagerava os ministros militares enviaram uma forçatarefa da Marinha para o Rio Grande do Sul e deram ordem de decolagem aos aviões da Base Aérea de Canoas para bombardeio do palácio os sargentos da base sublevados esvaziaram os pneus desarmaram os aviões e impediram os oficiais aviadores de decolar No dia 28 de agosto a correlação de forças começou a mudar O comandante do III Exército general José Machado Lopes acompanhado de seu Estado Maior entrou no Piratini e contrariando previsões declarou ao governador estar decidido a defender a posse de João Goulart Na divisão administrativa da força terrestre o III Exército sediado no Rio Grande do Sul era o mais poderoso Ao lado de Brizola havia a partir de então 40 mil soldados 13 mil homens da Brigada Militar e cerca de 30 mil voluntários Ele se tornou a primeira liderança civil a resistir abertamente a um golpe militar e não podia mais ser subestimado Os ministros militares compreenderam então que não seria fácil impedir a posse de Goulart Em Goiás o governador Mauro Borges decidiu acompanhar Brizola na resistência60 Declarou a capital rebelada mandou a Polícia Militar ocupar os pontos estratégicos da cidade instituiu o Exército da Legalidade formado por voluntários e avisou caso Goulart desejasse desembarcar no estado teria toda a segurança para transitar de Goiânia a Brasília No resto do país eclodiram greves a Ordem dos Advogados do Brasil e a União Nacional dos Estudantes cuja diretoria se transferiu para Porto Alegre exigiram o respeito à ordem constitucional e manifestações a favor da legalidade pipocaram nos estados Contra a posse de Jango e declaradamente favorável ao veto dos ministros militares só o jornal O Estado de S Paulo e o governador da Guanabara Carlos Lacerda Os ministros sabiam que suas escolhas tinham se estreitado ou partiam para a guerra civil ou negociavam uma alternativa O Congresso encontrou uma saída conciliatória a adoção às pressas do regime parlamentarista A solução era postiça e iria funcionar mal mas resolvia a crise Jango tomaria posse com os poderes amputados Faltava a sua concordância e Tancredo Neves que havia sido ministro de Vargas foi encarregado de levar a proposta até ele Goulart fora informado em Cingapura da renúncia de Jânio e tinha feito uma longa viagem de volta até Montevidéu onde esperava notícias do Brasil Tancredo não teve uma conversa fácil mas convenceu Jango Na noite de 1º de setembro este desembarcou em Porto Alegre com a emenda instituindo o parlamentarismo prestes a ser aprovada o que iria acontecer durante a madrugada de 2 de setembro Brizola indignado resistia ao acordo para ele Jango deveria seguir por terra até Brasília à frente do III Exército e sem restrições aos seus poderes presidenciais assumir o governo ver imagem 110 É difícil saber as razões que levaram Goulart a aceitar a mudança de regime e acatar a fórmula parlamentarista Existia um temor genuíno de uma guerra civil e não há motivo para duvidar que Jango quisesse evitála Também não há dúvida de que ele tinha os olhos postos em Brasília e não queria perder a oportunidade de assumir a Presidência Talvez seus planos fossem outros assumir o governo e num curto período desarmar seus opositores ampliar sua base política conquistando o apoio do PSD sabotar o parlamentarismo e recuperar os poderes presidenciais o que iria efetivamente acontecer em 1963 E ele sabia que não poderia marchar sobre Brasília A rebelião popular que tomava conta do Rio Grande do Sul e se alastrava pelo país era a seu favor mas nada estava sob seu comando mesmo vitorioso nesse caso quem teria de fato o poder seria Brizola61 Seja como for naquela noite Jango fez suas escolhas foi até a sacada do Piratini acenou para a multidão e não disse uma palavra Três dias depois embarcou para Brasília Não sabia o que o aguardava 17 NO FIO DA NAVALHA DITADURA OPOSIÇÃO E RESISTÊNCIA UM PRESIDENTE EQUILIBRISTA Em 7 de setembro de 1961 Dia da Independência João Goulart chegou ao Congresso Nacional para assumir a Presidência da República Jango tinha 43 anos estava impecável num terno azulescuro de verão e disfarçava a ansiedade com um sorriso largo ver imagem 111 Pela terceira vez naquele ano um presidente tomava posse o ambiente era de festa mas o sentimento geral misturava euforia e alívio A situação do país continuava dificílima inflação alta e em trajetória ascendente descontrole dos gastos públicos e um alarmante volume de dívida externa a ser pago já nos primeiros meses de 1962 Ademais Goulart assumiu o cargo em regime de emergência ele até dispunha de esboço para um plano de governo as reformas de base mas não teve tempo de construir uma estratégia de planejamento E havia o parlamentarismo O sistema fora inventado às pressas e significava uma solução conveniente para seus idealizadores Afinal dava força ao Legislativo sem deixar espaço de ação ao Executivo No fundo o Congresso solucionou a crise política à sua maneira para governar o novo presidente necessitava obter sólida maioria na Câmara Federal1 A chave para a composição no Legislativo estava no PSD o partido com maior capilaridade nacional lideranças expressivas e força eleitoral No dia a dia do Congresso o PSD atuava como seu centro político atraindo e equilibrando as diferentes forças partidárias e combinando uma postura conservadora com largas doses de moderação e capacidade de negociação Goulart planejava recompor a aliança PSDPTB que fornecera estabilidade política ao período Kubitschek para ampliar a base de sustentação do Executivo e garantir a adesão do centro Além disso não podia perder o controle do PTB e precisava ganhar o apoio das demais forças de esquerda O tempo era curto e Jango tinha pressa articulou a nomeação do pessedista Tancredo Neves para primeiroministro e estimulou a montagem de um gabinete sustentado por uma base suprapartidária que reunia os três principais partidos políticos PSD PTB UDN apropriadamente batizado de gabinete de conciliação nacional Durante os dezesseis meses de regime parlamentarista ainda que o governo tivesse de contemplar a formação de outros dois gabinetes Goulart se manteve na defensiva procurando uma maneira de viabilizar sua proposta de reformas para o país No cenário internacional o principal problema era a negociação com os Estados Unidos na pauta a questão da dívida externa e da regulamentação do capital estrangeiro na economia nacional Em abril de 1962 Jango viajou para Washington a fim de tratar do assunto com John Kennedy A recepção foi cordial a imprensa norteamericana cobriu Goulart de elogios mas os credores do Brasil preferiram esperar para ver o rumo que o governo tomaria e por isso as negociações não avançaram Do lado de Washington a desconfiança também persistiu A política externa independente iniciada por Jânio Quadros e mantida pelo novo chanceler San Tiago Dantas tinha componentes inaceitáveis para os norteamericanos no auge da conjuntura da Guerra Fria contrariava as exigências de alinhamento do Brasil diante dos dois polos de poder mundial EUA e URSS insistia em construir a autonomia brasileira a partir de uma diversificação de parceiros e no que dizia respeito à América Latina se opunha às sanções contra Cuba propostas pelos Estados Unidos no âmbito da Organização dos Estados Americanos OEA2 Jango regressou ao Brasil com o prestígio em alta as mãos abanando e uma enxurrada de problemas Alguns como a inflação e o esgotamento do ciclo de investimento do Plano de Metas vieram por herança de governos anteriores outros porém estavam na base da estrutura histórica e profundamente desigual da sociedade brasileira como a questão agrária No início dos anos 1960 o Nordeste virou uma espécie de coração do país e a reforma agrária se firmou no topo da agenda política Proprietários de terras camponeses e governo engalfinhavamse sobre qual tipo de reforma deveria ser implementada A partir de 1961 Francisco Julião o advogado franzino que se transformou na principal liderança das Ligas Camponesas deixou claro que para os trabalhadores rurais reforma agrária significava desapropriação de terras improdutivas superiores a quinhentos hectares pagamento de indenização com títulos da dívida pública concessão sem custos de terras devolutas aos camponeses entrega do título de propriedade aos posseiros e estímulo às cooperativas O PSD por sua vez aceitava discutir a reforma agrária e isso não era pouca coisa a considerar suas bases regionais muitas vezes sustentadas por grandes fazendeiros locais desde que executada nos termos da Constituição desapropriação com indenização à vista e em dinheiro ou em títulos da dívida pública com correção monetária Já os proprietários de terras eram contrários à reforma agrária e tinham pavor da sindicalização rural a partir de 1963 eles abandonaram a retórica e começaram a se armar3 Para as forças de esquerda indenização à vista e em dinheiro ou com correção monetária era negócio e não reforma e o debate com o PSD emperrou Jango se viu diante de ocupações de terras em Pernambuco Maranhão Paraíba Goiás Rio Grande do Sul Rio de Janeiro Minas Gerais e Bahia seu governo também teve de se haver com multidões famintas saqueando armazéns em cidades no sertão pernambucano além do assassinato de líderes camponeses o mais famoso deles João Pedro Teixeira dirigente da Liga Camponesa de Sapé na Paraíba que contava cerca de 10 mil associados Com um mês na Presidência Goulart agiu para conter as pressões criou a Superintendência de Política Agrária Supra com poderes de desapropriação e a função de planejar e promover a reforma agrária E para sofrear o protagonismo das Ligas ao mesmo tempo que construía sua base de apoio na área rural o governo investiu na criação de sindicatos e na extensão da categoria de trabalhador rural que passou a incluir como beneficiário da máquina sindical e previdenciária os pequenos proprietários arrendatários posseiros e produtores autônomos Nas grandes cidades a organização e as lutas do sindicalismo operário levaram à criação do Comando Geral dos Trabalhadores CGT e a um clima de permanente mobilização social Com inflação em alta salários desvalorizados e custo de vida aumentando de 516 em 1962 para 799 em 1964 o país se encheu de greves4 Além de alarmar os empresários a escalada grevista jogou um peso decisivo no fortalecimento das forças de esquerda e no interior da estrutura sindical que passou a oscilar entre o controle estatal herdado da legislação varguista e a autonomia de ação O campo das esquerdas era largo ativo e plural Nele cabiam comunistas socialistas nacionalistas católicos trabalhistas e se acomodavam partidos associações de sargentos marinheiros fuzileiros navais ou de estudantes sindicatos e federações operárias ou camponesas organizações e grupos revolucionários5 A despeito da própria heterogeneidade e da conhecida dificuldade para desenvolver um programa de comum acordo o improvável aconteceu no final de 1961 as esquerdas formaram uma coalizão sem precedentes voltada para a aprovação e execução imediata do projeto das reformas de base e quiseram começar pela reforma agrária A situação se complicava com a crescente radicalização das forças que compunham essa coalizão e que se negavam a negociar pretendendo aprovar as reformas de qualquer maneira mobilizando as ruas para pressionar os deputados ou na marra como se costumava dizer por meio da confrontação direta com o Congresso Sem acordo não havia jeito de se aprovar no Legislativo um programa que atingia a base de sustentação do poder na República tinha viés distributivo de renda e vocação socialmente inclusiva A reforma agrária avançava sobre o latifúndio e impactava a produção e a renda do campo a reforma urbana interferia no crescimento desordenado das cidades planejava o acesso à periferia e combatia a especulação imobiliária a reforma bancária previa uma nova estrutura financeira sob controle do Estado a reforma eleitoral poderia alterar o equilíbrio político com a concessão do direito de voto aos analfabetos cerca de 60 da população adulta e aos soldados e com a legalização do Partido Comunista a reforma do estatuto do capital estrangeiro regulava a remessa de lucros para o exterior e estatizava o setor industrial estratégico a reforma universitária acabava com a cátedra e reorientava o eixo do ensino e da pesquisa para o atendimento das necessidades nacionais6 As eleições de outubro de 1962 renovaram o Congresso elegeram onze novos governadores e emitiram uma espécie de alerta a chance para implementar as reformas por meio de um programa moderado e gradual estava no limite e iria se perder Em nenhuma das disputas para governador houve aliança entre PSD e PTB e somente um novo governador eleito se posicionava no campo das esquerdas Miguel Arraes em Pernambuco7 Além disso apesar da vitória de Leonel Brizola eleito com 269 mil votos para a Câmara dos Deputados aliás a mais alta votação obtida por um candidato até então a correlação de forças no Congresso pouco se alterou As eleições de 1962 emitiram um segundo alerta o golpismo continuava articulado no país A característica dessas eleições foi o envolvimento de organismos extrapartidários no financiamento das campanhas e o mais perigoso deles o Instituto Brasileiro de Ação Democrática Ibad funcionava no Rio de Janeiro desde 1959 articulado com a Agência Central de Informações Central Intelligence Agency CIA norteamericana8 O Ibad despejou uma avalanche de dinheiro para o financiamento de 250 candidatos a deputados federais e seiscentos a deputados estaduais além de oito candidatos a governadores uma ilegalidade sem tamanho de acordo com a lei eleitoral em vigor Os recursos provinham de empresas multinacionais ou associadas ao capital estrangeiro e de fontes governamentais dos Estados Unidos responsáveis por investir um ou dois dólares americanos na conspiração contra Goulart como anos depois o embaixador norte americano confirmou ter feito9 O objetivo do patrocínio em alta escala era estratégico construir uma frente parlamentar oposicionista no Congresso emperrar o governo e abrir caminho para o golpe Por conta da corrupção eleitoral o Ibad foi fechado por Jango em 1963 após uma CPI que comprovou as ilegalidades Mas o Ibad nunca agiu sozinho Muito mais dissimuladas ambíguas e sofisticadas eram as atividades do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais Ipes fundado no final de 1961 por um grupo de empresários do Rio e de São Paulo e por um punhado de oficiais que orbitavam em torno da Escola Superior de Guerra ESG A ESG foi criada pelo AltoComando das Forças Armadas em 1949 tinha inspiração no National War College norteamericano e pretendia aproximar militares e empresários construindo um caminho comum que levaria ao crescimento industrial do país10 A partir dos anos 1950 a ESG dedicouse a elaborar uma concepção de desenvolvimento e de segurança nacional adequada ao cenário da Guerra Fria não circunscrita ao conceito tradicional de defesa e orientada por uma noção de guerra interna que redirecionava o papel das forças militares para o controle da sociedade propunha um modelo de desenvolvimento econômico para o país e enfatizava a importância da atividade de inteligência e informação para maior eficiência do Estado Já o Ipes sempre foi uma organização de ingresso controlado e vida dupla11 Na fachada tratavase de uma instituição de orientação política conservadora voltada para a realização de estudos sobre a realidade brasileira Funcionava numa sede confortável espalhada por treze salas no 27º andar do Edifício Central no Rio de Janeiro e mantinha escritórios em São Paulo Rio Grande do Sul Minas Gerais e Pernambuco estados considerados estratégicos O Ipes reunia a nata do empresariado brasileiro além dos diretores de empresas multinacionais com atuação no país dirigentes das principais associações de classe empresariais militares jornalistas intelectuais e um grupo de jovens tecnocratas Todos estavam envolvidos em atividades de produção intelectual que contemplavam desde a edição de livros e filmes até ciclos de palestras12 Nos subterrâneos porém a história era outra e o Ipes agiu contra Goulart com uma política de duas vertentes A primeira consistiu na preparação e execução de um bem orquestrado esforço de desestabilização do governo que incluía custear uma campanha de propaganda anticomunista bancar manifestações públicas antigovernistas e escorar inclusive no âmbito financeiro grupos e associações de oposição ou de extrema direita A segunda traçou estratégias de planejamento para subsidiar um novo projeto de governo e de desenvolvimento para o país aberto ao fluxo do capital internacional e com vocação autoritária Ao contrário do que ainda hoje se afirma o Ipes não foi um mero disseminador de propaganda anticomunista ou um grupo de extrema direita ocupado em estocar armas Era um núcleo de conspiração golpista com agenda própria seus membros estavam informados e muito bem posicionados entre os conspiradores que viriam a derrubar Goulart e durante a ocupação do Estado após março de 1964 No entanto a atuação do Ipes sozinha não seria suficiente para executar o golpe de Estado Empresários e militares poderiam conspirar mas sem bases reais onde sustentar uma narrativa antiGoulart não havia campanha propaganda ou fervor ideológico capaz de desestabilizar o governo O golpismo estava no horizonte embora não se mostrasse como opção a curto prazo No final de 1962 no entanto os acontecimentos pareciam se precipitar e a solução parlamentarista mostrava desgaste graças inclusive à indisfarçada colaboração do próprio presidente Jango assumiu seus poderes presidenciais logo após o plebiscito aprovado em setembro de 1962 e realizado em 6 de janeiro de 1963 para que os brasileiros se manifestassem sobre a forma de governo O resultado foi indiscutível dos 115 milhões de eleitores 95 milhões votaram a favor do retorno do regime presidencialista13 Goulart entendeu a enxurrada de votos como uma nova eleição e não estava de todo errado Faltou porém considerar outro aspecto a vitória foi sua mas os votos eram pelo presidencialismo e diversos partidos e lideranças políticas que se empenharam em conseguilos simplesmente estavam de olho nas eleições presidenciais de 1965 Ainda assim a popularidade do presidente era grande e seu governo tinha chance de começar uma segunda vez Então surpreendentemente num ano que começava auspicioso Jango tropeçou e se desequilibrou de maneira irrevogável OS IDOS DE MARÇO Em 1963 existiam duas agendas políticas à esquerda e à direita disputando para se transformar num projeto para o país e a disputa seguiu seu curso sem disposição e sem capacidade de se resolver dentro das regras democráticas Faltava ao governo habilidade de convencimento e sobrava radicalismo às forças políticas que atuavam dentro e fora do Congresso Nacional Em abril desse ano sob orientação de Goulart o PTB levou ao plenário do Legislativo a proposta de emenda constitucional para a reforma agrária foi derrotado em votação seis meses depois A derrota da emenda sinalizava que a segunda oportunidade de Jango levar a cabo seu programa de governo estava perdida e que havia uma equivocada avaliação das forças em jogo Entre as esquerdas o sentimento generalizado era de autossuficiência existia certa afobação e Leonel Brizola na liderança da coalizão deu trabalho a Jango Reclamava que o governo deveria endossar uma política de confronto com o capital estrangeiro patrocinava a convocação de uma Assembleia Constituinte que incluísse operários camponeses e os subalternos das Forças Armadas e admitia ser inevitável atropelar o Congresso para executar as reformas de base Brizola podia até ser turrão mas seu nome unificava as esquerdas e ele gozava de uma popularidade sem precedentes sobretudo em meio aos sargentos das Forças Armadas e das Polícias Militares e entre os marinheiros e fuzileiros da Marinha em 1963 havia 40 mil sargentos na ativa e cerca de 22 mil se assumiam brizolistas14 A linguagem de Brizola que já era exaltada descambou rápido para um radicalismo perigoso mas essa não foi uma exclusividade sua no fim do ano de 1963 as esquerdas sentiamse à vontade para avaliar o Congresso como conservador e consideravam a Constituição de 1946 ultrapassada e a atividade parlamentar mera plataforma para propaganda política Na outra ponta da corda Carlos Lacerda continuava solto para turbinar a campanha de desestabilização do presidente da República Em outubro concedeu uma longa entrevista a um jornalista norteamericano devidamente reproduzida pela Tribuna da Imprensa e fez estourar uma nova fase de polarização política a situação do país se apresentava tão grave concluía que os militares debatiam se era melhor tutelálo a Jango patrocinálo pôlo sob controle até o fim de seu mandato ou alijálo imediatamente15 Para quem aprendeu a fazer política com Vargas Jango reagiu mal às declarações de Lacerda reuniu ministros e enviou mensagem ao Congresso solicitando a decretação do estado de sítio no país para que ele pudesse intervir na Guanabara A hostilidade foi geral Os governadores mandaram avisar que não aceitariam atos de exceção em seus estados as forças de esquerda desconfiaram que as medidas talvez pudessem ser utilizadas também contra elas e os três grandes partidos PTB UDN e PSD se uniram e deixaram claro ao Executivo que o estado de sítio seria negado Com a derrota anunciada Jango recuou mas o estrago estava feito e a autoridade do presidente enfraquecida Não foi a primeira vez Um mês antes sua autoridade também saíra arranhada durante a administração de uma crise na área militar a rebelião dos sargentos16 A crise teve início com a decisão do Supremo Tribunal Federal confirmando serem inelegíveis os sargentos que concorreram a cargos eletivos em 1962 e explodiu num ato inesperado de insubordinação militar Em Brasília sargentos da Aeronáutica e da Marinha e soldados do Corpo de Fuzileiros Navais tomaram de assalto a Base Aérea e o Ministério da Marinha fecharam rodovias e o aeroporto invadiram o Congresso Nacional ocuparam o prédio do Supremo Tribunal Federal e ainda prenderam por algumas horas o ministro Victor Nunes Leal presidente do Supremo Antes que o movimento se alastrasse comandantes militares despejaram tropas em Brasília e liquidaram a rebelião mas os efeitos políticos seriam desastrosos para o governo Foi um choque para a oficialidade o ataque à disciplina militar e a facilidade com que era possível isolar a capital da República E tão chocante para os quartéis quanto a insubordinação dos sargentos seria a reação de Jango que assumiu posição de neutralidade sem defender nem atacar os rebeldes e silenciou diante do apoio aos sargentos expressado pela maioria das forças de esquerda Começou aí a inversão de sentido que permitiu aos golpistas se apropriarem da bandeira da defesa da legalidade argumento capaz de nos meses seguintes fornecer credibilidade à campanha antiGoulart patrocinada pelo Ipes A partir de outubro a instabilidade política e administrativa do governo ficou evidente Havia paralisia decisória no Executivo consequência da alta rotatividade ministerial da ausência de uma sólida maioria parlamentar e da radicalização das forças políticas A inflação anual bateu na marca de 799 o crescimento econômico ficou em 15 ao ano e generalizouse o sentimento de que o governo tinha perdido o controle Os credores internacionais bloquearam os créditos e o governo norteamericano entornou recursos nos estados em que governadores incubavam a ação de grupos golpistas Minas Gerais São Paulo e Guanabara17 Quando os idos de março de 1964 chegaram Jango vivia a véspera de acontecimentos definitivos O primeiro sinal inequívoco de que seu governo estava decidido a partir para o embate com o Congresso Nacional veio numa sextafeira 13 O comício da Central do Brasil no Rio de Janeiro foi cuidadosamente preparado inclusive na simbologia ver imagem 112 o palanque montado na praça fora utilizado por Vargas nas cerimônias do Estado Novo para escancarar a união das esquerdas e o avanço dos trabalhadores ao lado do governo Mobilizou uma multidão estimada entre 150 mil e 200 mil pessoas e durou mais de quatro horas com exatos treze discursos Jango foi o último a falar e tinha a seu lado a mulher Maria Thereza linda jovem e meio assustada O presidente discursou de improviso e acertou no tom e na emoção a hora das reformas havia chegado bastava de conciliação declarou convicto18 Dois dias depois Jango encaminhou a Mensagem Anual da Presidência ao Congresso a qual definia a agenda das reformas propunha a convocação de um plebiscito para sua aprovação solicitava delegação de poderes legislativos ao Executivo e defendia modificações no texto da Constituição de 194619 A mensagem presidencial deixou os parlamentares de cabelo em pé e para muita gente pareceu confirmar os piores prognósticos do Ipes e da UDN Jango mais dia menos dia tentaria impor sua política dissolver o Congresso concentrar poderes excepcionais no Executivo mudar as regras eleitorais para se beneficiar e permitir a candidatura de Brizola impossibilitado pela Constituição de 1946 de concorrer a qualquer novo cargo eletivo em virtude de seu parentesco com Goulart É verdade que Brizola não escondia a ambição de governar o país e que Jango provavelmente gostaria de se reeleger Também é verdade que os dois propunham realizar fundas alterações constitucionais Mas até então era só discurso e a linguagem radical entrava na conta da disputa política Já com a mensagem ao Congresso tudo mudava ela amplificava o comportamento de ambos e sugeria que nada mais parecia inibir a atuação do presidente e a qualquer momento ele poderia sair da legalidade que o sustentava Uma onda de suspeição sobre as intenções do governo agitou a imprensa e atingiu em cheio a opinião pública Em São Paulo deuse a evidência de que a bandeira da legalidade havia mudado de mãos No dia 19 de março uma multidão saiu da praça da República e marchou compacta até a praça da Sé carregando faixas bandeiras e uma profusão de rosários para salvar o Brasil de Jango de Brizola e do comunismo gritavam em coro A Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi preparada pelo Ipes através da União Cívica Feminina um dos muitos grupos de mulheres organizados pelo instituto em todo o país para fazer pressão política Reuniu em torno de 500 mil pessoas e tinha dois propósitos servir como resposta ao comício da Central do Brasil e lançar um eloquente apelo da sociedade à intervenção das Forças Armadas20 Por conta da excessiva autoconfiança nem Goulart nem a coalizão das esquerdas ligaram para o fato de meio milhão de pessoas saírem às ruas na cidade mais importante do país para protestar Isso não é povo desdenharam21 Estavam enganados A marcha que parou São Paulo era a comprovação de que se consolidara uma frente de oposição ao governo com capacidade de mobilização e composição social heterogênea Na origem dessa frente em primeiro lugar estava a compartilhada aversão de setores da sociedade ao protagonismo crescente dos trabalhadores urbanos e rurais Em segundo o dinheiro curto e o futuro incerto acenderam o ativismo das classes médias urbanas cientes de que um processo radical de distribuição de renda e de poder por certo afetaria suas tradicionais posições naquela sociedade brutalmente desigual E tudo isso junto ajuda a entender a intensidade e a extensão do movimento Entre 19 de março e 8 de junho de 1964 uma multidão marchou com Deus contra João Goulart ou após 31 de março para comemorar a vitória do golpe que depôs seu governo em pelo menos cinquenta cidades do país incluindo capitais e cidades de pequeno ou médio porte22 Para depor Jango faltava unificar os quartéis que afinal haviam se compromissado com a legalidade constitucional desde sua posse em 1961 No dia 25 de março com o presidente descansando no feriado da Semana Santa em sua fazenda de São Borja o ministro da Marinha detonou a crise que iria comprometer de forma irremediável a autoridade do governo com os militares e fornecer a justificativa para o golpe mandou prender quarenta marinheiros e cabos que organizaram as solenidades de comemoração do segundo aniversário da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil AMFNB23 A entidade tinha viés sindical e fora criada com o objetivo de conseguir melhores condições de trabalho para o pessoal da Marinha de Guerra que sobrevivia com salários baixos péssima alimentação nos navios e regulamentos absurdos estavam proibidos de casar sem autorização ou de sair às ruas em trajes civis Não foi por acaso que João Cândido o líder da Revolta da Chibata movimento ocorrido em 1910 para protestar contra a prática de castigos corporais na Marinha era o convidado de honra da solenidade promovida pela AMFNB a situação vivenciada pelos marinheiros durante a Primeira República não havia se alterado radicalmente Com a ordem de prisão explodiu o motim mais de 3600 marinheiros se entrincheiraram no Palácio do Aço sede do Sindicato dos Metalúrgicos no Rio de Janeiro e por três dias recusaramse a abandoná lo exigiam que a Marinha reconhecesse sua entidade e revogasse punições A adesão foi geral e a marujada embarcada promoveu atos de sabotagem para impedir que as embarcações saíssem do porto24 No impasse o ministro se desmoralizou a tropa enviada para invadir o sindicato e tirar de lá os amotinados composta de quinhentos fuzileiros e treze tanques ficou desacreditada no momento em que 26 de seus soldados depuseram armas e capacetes entraram no prédio e aderiram ao motim Na madrugada de 27 de março Jango voltou para o Rio às pressas nomeou novo ministro assumiu as negociações e pôs tudo a perder pela manhã acertou a saída dos amotinados e mandou leválos a um quartel do Exército No mesmo dia à tarde liberou a marujada declarandoos anistiados O espetáculo dos marinheiros insubordinados marchando eufóricos pelas ruas do centro do Rio de Janeiro em direção ao Ministério da Guerra calou fundo nas Forças Armadas e deixou estarrecida a oficialidade A interpretação era unânime o que sucedera na Marinha fora quebra de disciplina rompimento do princípio de hierarquia e desmoralização do comando O episódio sacudiu os quartéis e os integrantes do Ipes admitiram a possibilidade de o golpe estar próximo O levante teria início em São Paulo ocorreria provavelmente na noite de 10 de abril e só dependia da finalização da costura entre os principais comandos militares Enquanto isso na base norteamericana de Norfolk na Virgínia uma forçatarefa naval aguardava autorização para se movimentar em direção ao Brasil A forçatarefa integrava a Operação Brother Sam um plano de ação preparado em Washington com a cumplicidade de militares brasileiros para providências de apoio aos golpistas Tinha previsão de zarpar em 1º de abril e orientação de se dividir em três ao atingir as águas brasileiras uma parte dos navios devia chegar ao porto de Santos outra ao Rio e a terceira a Carapebus perto de Vitória no Espírito Santo A determinação era somente de apoio logístico sobretudo em caso de resistência prolongada25 Na noite de 30 de março Jango saiu do Palácio Laranjeiras no Rio de Janeiro disposto a fazer jus a uma gíria da época que as esquerdas transformaram em bordão de incentivo Manda brasa presidente Mandou Foi discursar na festa da posse da nova diretoria da Associação dos Sargentos no auditório do Automóvel Clube na Cinelândia26 Jango entrou no salão apinhado de sargentos marujos e fuzileiros navais subiu ao palco e discursou ao lado do marinheiro de primeira classe Cabo Anselmo como foi apresentado ao Brasil inteiro o então presidente da AMFNB e líder do motim dos marinheiros e também o mais célebre informante a serviço da Marinha e da CIA27 Até hoje não se sabe exatamente o momento em que Cabo Anselmo se tornou agente duplo se enquanto presidia a AMFNB ou após o golpe de 1964 Sabese apenas que sua atividade resultou na morte de vários militantes de oposição armada à ditadura militar incluindo sua mulher Soledad Viedma No dia 30 porém Cabo Anselmo ainda saía nas primeiras páginas dos jornais tinha 25 anos cara de menino e não desconfiava que naquela noite Jango aparecia em público como presidente da República pela última vez Durante a madrugada o general Olympio Mourão Filho comandante da 4ª Região Militar sediada em Juiz de Fora Minas Gerais atropelou o Ipes e decidiu descer com sua tropa em direção ao Rio para tentar tomar de assalto o Ministério da Guerra e depor o governo de Goulart Entre 31 de março e 4 de abril quando se asilou em território uruguaio Jango teve algumas oportunidades de reagir ao golpe A primeira com baixo custo e risco bem como boa probabilidade de êxito seria impedir que Mourão avançasse a tropa deslocavase lenta e visível pela estrada União e Indústria era pequena mal municiada e em parte formada por recrutas A segunda dependia de Jango permanecer no Rio de Janeiro fazer uma proclamação à nação e comandar a resistência apoiado pelas guarnições leais sua saída intempestiva da Guanabara para Brasília desorientou todos que o apoiavam e foi interpretada como uma fuga Ainda sobrava uma terceira oportunidade entrincheirarse no Congresso Nacional em Brasília apresentar um programa democrático com garantia das eleições e mobilizar em seu apoio além do PTB e dos parlamentares da coalizão das esquerdas o próprio PSD A última oportunidade de reação e certamente a mais temerária foi apresentada por Brizola com Goulart já em Porto Alegre e propunha reeditar em condições menos favoráveis o esquema que sustentou a Campanha da Legalidade em 1961 com o próprio Brizola liderando a mobilização civil e o general Ladário Telles comandante do III Exército à frente das operações militares28 Até hoje os historiadores debatem as razões que permitiram aos golpistas alcançar uma vitória fácil É certo que faltou o comando de Jango para resistir Contudo entre as esquerdas e junto aos setores que o apoiavam ninguém tomou a iniciativa de assumir a liderança e enfrentar o golpe nem o Partido Comunista ou o CGT nem as Ligas Camponesas nem Brizola É provável que todos eles inclusive Goulart tenham feito o mesmo cálculo antes de recuar a intervenção militar em 1964 repetiria a lógica de 1945 1954 1955 e 1961 As Forças Armadas se projetariam no ambiente político no duplo papel de moderador e protagonista para em seguida convocar eleições devolver o poder aos civis e se recolher aos quartéis E talvez Jango se imaginasse em posição análoga à de Vargas em 1945 também ele recuaria para São Borja aguardaria os acontecimentos e retomaria a vida pública a partir das eleições em 1965 Afinal o levante mineiro era uma típica quartelada Mourão tinha pressa estava próximo da compulsória e acreditava que pôr a tropa na rua seria a faísca capaz de acender o rastilho de pólvora entre os comandos militares O governador de Minas Magalhães Pinto por sua vez sonhava com a Presidência em 1965 sabia que tinha poucas chances de disputar a indicação do seu partido a UDN com Carlos Lacerda e sustentou o plano de Mourão visando aumentar o próprio cacife político pretendia oferecer o estado aos golpistas como a base ideal para uma campanha militar fulminante29 Ninguém nem Magalhães Pinto Carlos Lacerda ou Ademar de Barros imaginava algo diferente de uma curta intervenção militar Nem mesmo Juscelino Kubitschek senador pelo estado de Goiás desde 1962 JK com seu jeito característico de fazer política declarou não ser a favor do golpe mas sublinhou tampouco apoiaria Jango para não ficar contra Minas Gerais30 Uma ditadura militar prolongada também não estava nos planos do presidente do Senado Auro de Moura Andrade que percebendo a desintegração do governo decidiu precipitar os acontecimentos e depôs Goulart Convocou uma sessão conjunta secreta do Congresso Nacional e na madrugada de 2 de abril declarou vaga a Presidência da República ver imagem 113 Nem mesmo diante dos protestos veementes de Tancredo Neves que informava estar Jango em território nacional e portanto em pleno exercício de seus poderes o senador titubeou cortou o som apagou as luzes do Congresso e consumou o golpe31 Ninguém imaginava outra coisa além de eleições em 1965 Mas todos estavam enganados Uma facção entre os golpistas tinha agenda própria o governo dos militares iria durar 21 anos e o Brasil acabava de ingressar numa longa ditadura QUANDO UM GOLPE VIRA GOVERNO Na tarde de 11 de abril de 1964 o Congresso Nacional se reuniu para eleger o novo presidente da República Os principais deputados da coalizão das esquerdas já não estavam lá na véspera fora publicada a primeira lista dos parlamentares cujos mandatos foram cassados uma expressão pejorativa para nomear os atingidos pela extinção de seus direitos políticos por um período de dez anos Outras listas viriam perfazendo quatrocentas cassações até março de 1967 O que sobrara do Congresso participou de uma eleição indireta em que só havia um candidato o general Humberto de Alencar Castello Branco O voto era nominal e devia ser pronunciado de viva voz apenas 72 deputados tiveram coragem de se abster entre eles Tancredo Neves e San Tiago Dantas No final da tarde o general foi eleito com 361 votos incluindo o de JK para completar o mandato de Jango Castello tomou posse alguns dias depois no plenário do Congresso Nacional Jurou defender a Constituição de 1946 prometeu entregar o cargo ao seu sucessor em 1965 e garantiu que as cassações estavam encerradas32 Em seu discurso o general disse o que todo mundo queria ouvir mas não cumpriu nada do que prometeu O golpe que levou Castello Branco à Presidência da República não guardava semelhança com a quartelada protagonizada por Mourão Filho e Magalhães Pinto a não ser pelo fato de que ambos eram acontecimentos de exceção violentos e arbitrários Entre 30 de março e 11 de abril militares e empresários do Ipes travaram uma disputa nos bastidores para neutralizar os diversos núcleos que atuaram de forma mais ou menos autônoma na deposição de Goulart e no Rio de Janeiro de então conspiravase até pelos telefones ironizavam os jornalistas Enquanto o mundo político pensava na eleição do próximo presidente e ratificava um general para lidar com o cargo até lá o Ipes concentravase em criar as circunstâncias capazes de transformar uma quartelada em golpe e um golpe em governo Seus associados e colaboradores manobraram para ocupar posiçõeschave nos ministérios e órgãos da administração do Estado33 O alvo prioritário era a estrutura de planejamento governamental e de definição de política econômica com o imediato estabelecimento do Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica além de duas outras áreas também consideradas estratégicas os órgãos políticos de decisão executiva com alcance na Presidência da República e nos vários ministérios a começar pela Casa Civil e pela Casa Militar e o controle das atividades de coleta de informações sobre questões de segurança interna que desaguaria na criação em junho do Serviço Nacional de Informações SNI Nada disso lembrava o tradicional intervencionismo das Forças Armadas tão frequente na história republicana pré1964 A posse do general Castello Branco era o prelúdio de uma completa mudança no sistema político moldada através da colaboração ativa entre militares e setores civis interessados em implantar um projeto de modernização impulsionado pela industrialização e pelo crescimento econômico e sustentado por um formato abertamente ditatorial A interferência na estrutura do Estado foi profunda Exigiu a configuração de um arcabouço jurídico a implantação de um modelo de desenvolvimento econômico a montagem de um aparato de informação e repressão política e a utilização da censura como ferramenta de desmobilização e supressão do dissenso A área sensível do novo sistema político estava localizada no controle pelas Forças Armadas da Presidência da República Os militares assumiram o governo de forma inconstitucional conferiram a si próprios poderes de exceção e cinco generais do Exército se alternaram no comando do Executivo Castello Branco 196467 Costa e Silva 196769 Garrastazu Médici 196974 Ernesto Geisel 197479 e João Figueiredo 197985 além do curto período de mando de uma Junta Militar composta pelos ministros das três Forças entre agosto e outubro de 1969 Do começo ao fim da ditadura porém vicejaram tensões e conflitos reveladores de que a opinião dos quartéis como os militares costumavam se referir ao próprio ativismo político não era unânime com disputas internas pelo controle do Executivo As Forças Armadas tinham uma longa história de envolvimento na vida pública nacional eram politicamente heterogêneas incluíam diferenças de arma geração e carreira possuíam interesses próprios e capacidade de promovêlos mas nunca haviam exercido o poder de maneira duradoura Em 1964 foi diferente os generais julgaramse capacitados para assumir o governo e grupos intramilitares formados por oficiais com rivalidades convicções e estratégias próprias pretenderam intervir no curso do novo sistema que afinal tinham ajudado a criar e sobre o qual se sentiam responsáveis34 A despeito das diferenças esses grupos convergiam para a ideia de que cuidar da segurança interna deveria prevalecer como missão da instituição militar Também insistiam em afirmar que a fonte de soberania do novo sistema político era militar e se originava nas Forças Armadas não provinha apenas da autoridade hierárquica dos generais O problema para os grupos intramilitares não era o poder mas o que deveria ser feito com ele e o ativismo crescia nos cenários de sucessão presidencial35 O general Castello Branco foi o primeiro de uma longa lista todos entrando e saindo do poder em meio a fortes crises O governo de Castello não tinha nada de moderado serviu para institucionalizar as soluções discricionárias que limitaram as competências dos demais poderes e lançou as bases da estrutura de repressão que garantiu longevidade à ditadura Não obstante o governo foi alvo de insatisfação nos quartéis e o ministro da Guerra general Costa e Silva se tornou líder de setores dissidentes da oficialidade que reivindicavam a expansão dos instrumentos autoritários para controle da sociedade Os dissidentes estavam frustrados e à procura de um general de prestígio e Costa e Silva engatou assim sua própria candidatura Castello Branco morreu em 18 de julho de 1967 logo depois de deixar o governo ao regressar de uma viagem ao Ceará num mal explicado acidente aéreo o pequeno avião bimotor que transportava o expresidente entrou em rota de colisão com uma esquadrilha de jatos da Força Aérea Brasileira36 Seu sucessor o general Costa e Silva fabricou um governo que parecia personalizar as esperanças dos oficiais interessados em participar da condução dos rumos do Estado dos dezenove ministros dez eram militares e um deles o ministro do Interior general Albuquerque Lima posava como o fiador dos grupos intramilitares radicais Mas terminou o mandato com o Executivo emparedado pelos quartéis e a crise militar escancarada37 Em agosto de 1969 o general sofreu um acidente vascular cerebral foi oficialmente afastado da Presidência da República por invalidez e as Forças Armadas se viram diante de um impasse dar posse ao vicepresidente o deputado Pedro Aleixo da UDN mineira um nome que eles consideravam inaceitável tanto pelo fato de Aleixo ser civil quanto por comportarse com alguma moderação política e improvisar novos procedimentos de escolha A boataria tomou conta dos quartéis a oficialidade reivindicou participação no debate Pedro Aleixo ficou detido em casa e a solução encontrada entregar o Executivo a uma junta formada pelos três ministros militares durou três meses e não se sustentou Para tornar a crise ainda pior Marinha e Aeronáutica resistiam a aceitar que o nome do sucessor fosse fornecido pelo Exército e setores da oficialidade apoiaram a candidatura do general Albuquerque Lima Antes que a situação descambasse em anarquia o Exército produziu seu candidato O general Garrastazu Médici era militar taciturno com perfil de burocrata sem popularidade e quase um desconhecido dirigia o Serviço Nacional de Informações O Brasil só soube da sua existência após o dia 6 de outubro de 1969 quando seu nome foi validado para a Presidência da República pelo AltoComando das Forças Armadas um concílio formado por ministros militares chefes dos EstadosMaiores das três Forças e pelo chefe do Gabinete Militar Quando chegou ao fim de seu governo Médici fez seu sucessor o general Ernesto Geisel sem problemas ver imagem 120 A última grande crise da ditadura ocorreu para a sucessão do próprio Geisel e ficou restrita a uma queda de braço entre ele e o ministro do Exército Sylvio Frota que pretendia sucedêlo no cargo38 Frota comportavase como o delegado da vontade do Exército divergia da condução política do país e apresentava se como portavoz dos oficiais que foram retirados do ambiente profissional para assumir um novo tipo de poder de natureza repressiva e policial Ernesto Geisel vinha de uma família de imigrantes alemães e chegara ao posto de general conservando o porte germânico e a personalidade explosiva foi um presidente temido demitiu Frota proibiu os generais comandantes de exército de se meterem no assunto e conduziu sua própria sucessão Mais uma vez o indicado general João Figueiredo sairia dos quadros de chefia do SNI Nos quartéis ninguém reclamou A frequência das crises decerto deixou marcas nas escolhas feitas pelos militares mas não alterou a dinâmica da ditadura definida por variações consideráveis no uso dos poderes discricionários repressão seletiva controle do fluxo público da informação e sustentação de um programa de desenvolvimento econômico de corte modernizante e conservador Hora de falar dos governos militares e do período sombrio da ditadura brasileira TEMPO DE DITADURA A ditadura pode até ter sido uma sucessão quase imperial de generais no exercício da Presidência da República contudo entre 1964 e 1985 o Ministério do Planejamento juntamente com o da Fazenda não ficava atrás Tinha poderes de sobra era reduto de civis e o comando da área econômica cabia quase todo ao Ipes Roberto Campos Octávio Gouvêa de Bulhões Antônio Delfim Netto Hélio Beltrão Mário Henrique Simonsen39 No fundo existia um canal absolutamente aberto entre o governo e o setor empresarial40 reafirmou cinquenta anos depois Delfim Netto ministro da Fazenda entre 1967 e 1974 e do Planejamento entre 1979 e 1985 O Ministério da Fazenda dispunha de controle quase total do orçamento isto é sobre gastos que deveriam ser definidos pelo Congresso Nacional O ministro da Fazenda tinha poderes de autorizar qualquer despesa que lhe desse na telha recordou o exministro Maílson da Nóbrega e completou Poderes de matar de inveja um rei medieval41 O projeto de desenvolvimento econômico da ditadura pretendia facilitar o investimento estrangeiro reduzir o papel ativo do Estado e elevar o ritmo de crescimento E tudo isso foi feito sem contestação Fazíamos e não havia força política nem legislativa nem no Judiciário que pudesse se contrapor a esse comando econômico42 confirmou o exministro Ernane Galvêas O governo Castello Branco ergueu as bases econômicas e financeiras que serviriam para deslanchar o modelo de desenvolvimento e deu prioridade a um programa de estímulo ao investimento estrangeiro e de incentivo às exportações por meio da desvalorização do cruzeiro em relação ao dólar Adotou uma dura política de estabilização controle dos salários redução da idade legal mínima de trabalho fim da estabilidade no emprego através da criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FGTS repressão aos sindicatos proibição de greves43 Em 1967 quando o general Costa e Silva assumiu o governo a economia entrava em crescimento e o ônus do arrocho econômico havia desabado sobre os trabalhadores e os assalariados dos setores médios urbanos Com o custo de vida subindo e os salários congelados em abril de 1968 cerca de 1200 operários da Companhia Siderúrgica Belgo Mineira instalada na cidade industrial de Contagem a dezessete quilômetros de Belo Horizonte paralisaram as atividades ocuparam a fábrica a maior do parque industrial e exigiram reajuste salarial acima do teto proposto pelo governo44 Três dias depois Contagem parou o número de grevistas subiu para 16 mil trabalhadores e o ministro do Trabalho Jarbas Passarinho se viu forçado a ir negociar pessoalmente deixando a sede do Sindicato dos Metalúrgicos debaixo de vaias A cidade foi ocupada por tropas da Polícia Militar operários foram presos o sindicato fechado e as empresas mandaram convocar os trabalhadores em casa sob ameaça de demissão Contagem surpreendeu os militares e o governo negociou Por outro lado a greve inovou na forma de organização e isso também dificultou a repressão imediata os grevistas não armavam piquetes não realizavam grandes assembleias nem tinham liderança ostensiva conhecidos só Ênio Seabra e Imaculada Conceição de Oliveira do Sindicato dos Metalúrgicos da cidade A mobilização dos operários ocorria dentro das fábricas através de comissões semiclandestinas que reuniam de cinco a dez participantes e atuavam em rede A greve de Contagem terminou quinze dias após seu início com um abono de 10 e certa esperança de que era possível enfrentar a política salarial do governo Depois de três meses em Osasco no cinturão industrial de São Paulo os operários da Cobrasma cuja principal atividade era a indústria metalúrgica e de construção mecânica cruzaram os braços45 A greve de Osasco pretendia desencadear uma onda de reação do movimento operário e sindical em todo o país contra o modelo econômico da ditadura Tal como ocorrera em Contagem o trabalho de mobilização começou pelas comissões de fábrica e a adesão foi maciça no primeiro dia 10 mil operários pararam Mas dessa vez os militares não tencionavam ser constrangidos pelo movimento operário No segundo dia de greve a Cobrasma foi invadida por soldados com metralhadoras e dois blindados com armamento de combate Após a invasão a Polícia Militar ocupou a cidade de Osasco cerca de quatrocentos trabalhadores foram presos e entre as lideranças quem conseguiu escapar da cadeia tratou de sumir na clandestinidade inclusive o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região José Ibrahim A violência da repressão funcionou como instrumento tanto de coerção quanto de dissuasão e nos dez anos que se seguiram o movimento operário submergiu em todo o país Mas enquanto os militares aprofundavam os instrumentos de repressão dentro das fábricas e para o restante da sociedade a economia se aqueceu e a inflação em vez de subir passou a cair Teve início um surto de crescimento que no seu apogeu superou qualquer período anterior e o governo começou a falar de milagre econômico brasileiro46 A performance de crescimento seria indiscutível porém o milagre tinha explicação terrena Misturava com a repressão aos opositores a censura aos jornais e demais meios de comunicação de modo a impedir a veiculação de críticas à política econômica e acrescentava os ingredientes da pauta dessa política subsídio governamental e diversificação das exportações desnacionalização da economia com a entrada crescente de empresas estrangeiras no mercado controle do reajuste de preços e fixação centralizada dos reajustes de salários A indústria automobilística triplicou a produção faltou cimento para atender ao aumento da demanda na construção civil e a Bolsa de Valores parecia fabricar dinheiro fácil no pregão do Rio de Janeiro um mês de transação em 1970 ultrapassou em dez vezes todo o movimento do ano de 1968 O milagre econômico contudo teve um preço e o crescimento da economia se fez acompanhar de um processo acentuado de concentração de renda resultado de uma política salarial restritiva em que os ganhos de produtividade não eram repassados para os trabalhadores Deuse também um aumento vertiginoso da dívida externa com o país mais vulnerável às alterações do cenário internacional em decorrência da captação de recursos privados no exterior com financiamento mais barato e maior prazo e obtenção de crédito para a indústria em bancos privados internacionais com juros flutuantes e elevados Os brasileiros só iriam acordar para o tamanho dessa vulnerabilidade após 1973 quando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo Opep reduziu a oferta de petróleo o preço do produto foi multiplicado por quatro não havia alternativa senão continuar comprando e o milagre finou Ao contrário do brasileiro comum tanto os generais do Executivo quanto os tecnocratas do Ministério do Planejamento sabiam que havia distorções no crescimento da economia e que as consequências viriam E ninguém se mexeu o resultado era muito bom e a ditadura se beneficiava dele Na explicação meio cínica do general Médici que ocupou a Presidência da República no período de apogeu do ciclo de crescimento o país estava muito bem o povo é que ia mal Uma ditadura é formada por mandantes arbitrários oposicionistas tenazes e uma população que precisa sobreviver parte dela atravessa em silêncio com medo ou apenas conformada o tempo do arbítrio Enquanto durou o milagre econômico escamoteou os efeitos da concentração de renda e muita gente em especial entre as classes médias urbanas se beneficiou com o crédito fácil as novas oportunidades profissionais e os estímulos para consumir num mercado abarrotado de novidades TV em cores tocafitas câmera Super8 automóveis Corcel Opala Galaxie Chevette Para completar a felicidade do brasileiro ainda existia a possibilidade de o assalariado finalmente dar o salto da casa própria e comprar imóvel financiado pelo recémcriado Banco Nacional de Habitação BNH O milagre econômico teve seu apogeu entre 1970 e 1972 e o êxito na economia ajuda a entender ao menos em parte por que o general Médici conseguiu ser ao mesmo tempo o responsável por comandar o pior período de repressão e violência política na história brasileira e um presidente popular pouco criticado e muito aplaudido O grau de controle coercitivo sobre a sociedade que a ditadura adquiriu durante sua presidência foi imenso mas por si só não garantia apoio Todo governo para se sustentar depende de alguma forma de adesão e o milagre econômico ajudou a fabricar uma base geradora de consentimento junto à população Três dias depois de sua posse em 1969 Médici autorizou a reformulação de um órgão de comunicação criado por seu antecessor a Assessoria Especial de Relações Públicas Aerp e pôs para funcionar uma campanha de propaganda política sem precedentes A propaganda feita pela Aerp era criativa não tinha nada de chapabranca nem ostentava os sinais típicos do marketing político As peças falavam em otimismo orgulho e grandeza nacional celebravam a diversidade e a integração racial brasileira afirmavam a harmonia social e embalavam tudo isso em filmes curtos com narração direta imagens bem cuidadas e um arremate musical que grudava na lembrança do espectador47 A propaganda da Aerp foi produzida para a televisão e fez sucesso Os militares tinham um projeto de desenvolvimento em grande escala pretendiam realizar a integração completa do território nacional e o Brasil se transformou num imenso canteiro de obras verdeoliva tudo devidamente registrado e festejado por aquela assessoria A mais famosa dessas obras a construção da Transamazônica 48 fez o encaixe perfeito entre o projeto de desenvolvimento econômico concebido no Ipes e as diretrizes de segurança interna desenvolvidas pela ESG uma estrada gigantesca com 4997 quilômetros previstos no projeto 4223 quilômetros mal construídos e a pretensão de cortar a Bacia Amazônica de leste a oeste e ligar a Região Nordeste ao Peru e ao Equador A construção da Transamazônica serviu de alavanca para um ambicioso programa de colonização que incluía o deslocamento de quase 1 milhão de pessoas com o objetivo de ocupar estrategicamente a região não deixar despovoado nenhum espaço do território nacional e tamponar a área de fronteiras A estrada foi inaugurada por Médici em 27 de setembro de 1972 e utilizada para potencializar uma imagem ufanista do Brasil compartilhar o sentimento de que estava em curso um processo formidável de modernização do país e produzir identidade Mas não foi bem assim A construção da Transamazônica massacrou a floresta consumiu bilhões de dólares e até hoje a estrada tem trechos intransitáveis por conta das chuvas dos desmoronamentos e das enchentes dos rios A Transamazônica torrou um dinheiro que não havia mas os brasileiros só entenderam isso na hora em que acabou o milagre e a inflação bateu na casa de três dígitos em 1980 atingiu a cifra de 110 Quando o governo dos militares terminou em 1985 o país estava endividado e a inflação chegava a 235 O Brasil se tornara a cópia exata do reino de Belíndia situado num longínquo rincão entre o Ocidente e o Oriente e criado em 1974 pela imaginação do economista Edmar Bacha que queria denunciar a crise precisava driblar a censura e criou o texto O economista e o rei da Belíndia uma fábula para tecnocratas49 Em Belíndia a forma de contabilizar a riqueza nacional servia para ocultar a brutal concentração de renda que repartia o país entre regiões avançadas a Bélgica e regiões muitíssimo atrasadas a Índia onde havia fome miséria absoluta baixa expectativa de vida e alta taxa de mortalidade infantil TEMPERATURA SUFOCANTE Em 14 de dezembro de 1968 o Jornal do Brasil um dos mais importantes matutinos da época foi às bancas com uma edição cuidadosamente planejada para provocar estranheza Entre as bizarrices o jornal estampou o aviso Ontem foi o Dia dos Cegos e a previsão meteorológica na primeira página Não satisfeito anunciou Tempo negro Temperatura sufocante O ar está irrespirável O país está sendo varrido por fortes ventos O dia era de sol forte e céu escandalosamente azul mas a edição falava sério tentava alertar o leitor da presença de censores na redação naquela madrugada entrara em funcionamento uma operação militar destinada a censurar toda a imprensa nacional O jornal também avisava que o ruim tinha piorado Às dez da noite de 13 de dezembro de 1968 o ministro da Justiça Gama e Silva em cadeia nacional de rádio e televisão fizera uma rápida introdução de cinco minutos e passara a palavra a Alberto Curi que durante dezoito minutos havia apresentado num tom monocórdico e solene o texto do Ato Institucional nº 5 O documento contava doze artigos e vinha acompanhado de um Ato Complementar nº 38 que fechava o Congresso Nacional por tempo indeterminado O AI5 suspendia a concessão de habeas corpus e as franquias constitucionais de liberdade de expressão e reunião permitia demissões sumárias cassações de mandatos e de direitos de cidadania e determinava que o julgamento de crimes políticos fosse realizado por tribunais militares sem direito a recurso Foi imposto ao país numa conjuntura de inquietação política e movimentação oposicionista manifestações estudantis greves operárias articulações de lideranças políticas do pré1964 e início das ações armadas por grupos da esquerda revolucionária Para editálo os militares se utilizaram de um pretexto a recusa do Congresso Nacional em autorizar o processo judicial contra o deputado Márcio Moreira Alves acusado de ser autor de um discurso ofensivo às Forças Armadas proferido no plenário da Câmara no dia 3 de setembro daquele ano Moreira Alves era um deputado valente que já tinha denunciado e provado dezenas de casos de tortura ocorridos nos quartéis durante o governo de Castello Branco50 e fez discurso duro na tribuna Quando o Exército não será um valhacouto de torturadores indagou O discurso porém não teve nenhuma repercussão Moreira Alves falou em horário ingrato e para um plenário vazio Mas se os militares queriam um pretexto esse estava ótimo o ministro da Justiça solicitou a licença para processar o deputado o Congresso recusou e o AI5 foi o desfecho da crise51 O AI5 era uma ferramenta de intimidação pelo medo não tinha prazo de vigência e seria empregado pela ditadura contra a oposição e a discordância Apesar disso não foi o único instrumento de exceção criado pelas Forças Armadas nem significou um golpe dentro do golpe aplicado por facções intramilitares radicais para garantir a expansão do arbítrio e da repressão política O AI5 fez parte de um conjunto de instrumentos e normas discricionárias mas dotadas de valor legal adaptadas ou autoconferidas pelos militares Eles despenderam grande esforço para enquadrar seus atos num arcabouço jurídico e construir um tipo de legalidade plantada no arbítrio uma legalidade de exceção 52 capaz de impor graves limites à autonomia dos demais poderes da União punir dissidentes desmobilizar a sociedade e limitar qualquer forma de participação política O primeiro Ato Institucional foi redigido em segredo e promulgado oito dias após o golpe Vinha assinado pelo autoproclamado Comando Supremo da Revolução formado pelo general Costa e Silva pelo almirante Rademaker e pelo brigadeiro Correia de Mello e tinha onze artigos transferia parte dos poderes do Legislativo para o Executivo limitava o Judiciário suspendia as garantias individuais e permitia ao presidente da República cassar mandatos cancelar os direitos políticos do cidadão pelo prazo de dez anos e demitir funcionários públicos civis e militares Para legitimar esse instrumento com algum grau de embasamento legal os militares concederam a si próprios poderes constitucionais e embutiram a manipulação jurídica na Introdução do primeiro Ato Institucional A Revolução vitoriosa é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte53 As Forças Armadas até hoje empregam o termo Revolução para se referir ao golpe e isso ocorre por conta do primeiro Ato Institucional garantiase legitimidade ao sistema e institucionalizavase a repressão Em razão dos vários Atos Institucionais que se seguiram esse passou a ser conhecido como AI1 e forneceu ao governo do general Castello Branco o instrumento jurídico que permitiu encarcerar milhares de pessoas bem como improvisar áreas de detenção em estádios de futebol como o Caio Martins em Niterói além de transformar embarcações da Marinha Mercante e da Marinha de Guerra em naviosprisões54 O AI1 também liberou a execução de manobras policialmilitares de detenção em massa com bloqueio de ruas busca de casa em casa e checagem individual que se deram durante o ano de 1964 em Minas Gerais Rio Grande do Sul Rio de Janeiro São Paulo e Pernambuco cerca de 50 mil pessoas acabaram detidas nessas manobras conhecidas como Operação Limpeza Era de repressão que se tratava e o AI1 facilitou as condições para o expurgo no serviço público A estratégia tinha duas pontas Numa os militares criaram Comissões Especiais de Inquérito de natureza administrativa em todos os níveis de governo ministérios órgãos e empresas estatais Na outra instauraram Inquéritos Policiais Militares IPMs para investigar as atividades de funcionários na administração pública55 Os IPMs foram dirigidos sobretudo por coronéis do Exército selecionados por seu radicalismo ideológico e o encargo era entendido como uma tarefa prestigiosa Os coronéis estavam investidos de uma função policial de novo tipo não submetida a regras de comprovação e atuaram movidos por um intenso furor punitivo Nas primeiras semanas após o golpe haviam sido instaurados 763 IPMs em um ano de atividade 10 mil réus e 40 mil testemunhas foram submetidos a inquéritos que revelavam completo desprezo pelas regras de justiça Entre 1964 e 1973 milhares de brasileiros foram atingidos pelos expurgos Estimase que 4841 pessoas perderam direitos políticos ou foram cassadas aposentadas ou demitidas pela ditadura só o AI1 teve como alvo 2990 cidadãos Nos quartéis os expurgos atingiram as três Forças e remeteram 1313 militares para a reserva Estavam fora da farda 43 generais 532 oficiais de todas as patentes 708 suboficiais e sargentos e trinta soldados e marinheiros56 Esse pessoal foi punido de forma particularmente cruel o militar era declarado morto Perdia assim as vantagens adquiridas ao longo da carreira soldo de promoção aposentadoria saláriosaúde e saláriofamília a esposa quando havia recebia pensão de viúva O AI1 tinha prazo de validade terminaria em 31 de janeiro de 1966 data final do mandato de João Goulart Em outubro de 1965 porém Castello Branco liquidou com as ilusões de quem ainda acreditava em ditadura temporária prorrogou o próprio mandato e baixou por decreto o AI2 Além das medidas destinadas a fortalecer o Executivo o AI2 mudava as regras do jogo no caso da representação política suprimia as eleições por voto popular direto para presidente da República e extinguia todos os partidos políticos então existentes O AI2 devolveu Carlos Lacerda à oposição e em grande estilo em outubro de 1966 ele lançou o manifesto da Frente Ampla uma implausível organização de oposição que reunia além dele Juscelino Kubitschek e João Goulart57 A ideia do entendimento entre os três inimigos partiu do próprio Lacerda e a frente conseguiu agrupar quase todas as correntes políticas com atuação no período democrático inclusive os comunistas Com duas exceções Leonel Brizola exilado no Uruguai se recusou a encontrarse com Lacerda Miguel Arraes um dos dois governadores a serem presos pela ditadura o outro foi Seixas Dória de Sergipe e a principal liderança das esquerdas no Nordeste estava exilado na Argélia e também não quis saber de conversa Se o objetivo era selecionar um candidato à Presidência da República o principal beneficiário da Frente Ampla era mesmo Carlos Lacerda Jango estava no exílio Kubitschek apesar de todos os acenos que fez aos militares havia sofrido um IPM que visava arrancar confissões não comprovadas de desvio de dinheiro público teve o mandato cassado e os direitos políticos suspensos por dez anos Mas a Frente Ampla significava uma alternativa oposicionista real reunia três grandes lideranças nacionais abria canais de participação para a sociedade com comícios reuniões públicas e manifestações de rua e apresentava um programa mínimo para derrotar a ditadura no voto restauração do poder civil anistia pluripartidarismo direito de greve constituinte eleições diretas Não podia durar Em abril de 1968 Costa e Silva decretou sua ilegalidade e proibiu suas atividades Os militares jamais perdoaram Carlos Lacerda a quem consideraram traidor em dezembro do mesmo ano seu nome encabeçou a lista de cassações do AI5 e ele foi preso Nunca mais voltaria à vida política O Ato nº 3 foi assinado pelo general Castello Branco em fevereiro de 1966 e se encarregaria de acabar com as eleições diretas para governadores Além do mais um Ato Complementar serviria para alterar a correlação das forças políticas no Congresso e nas Assembleias Estaduais ao estabelecer as normas para criação de apenas dois partidos um de apoio ao governo a Aliança Renovadora Nacional Arena e outro de oposição o Movimento Democrático Brasileiro MDB Os dois atos encerravam a experiência do pluripartidarismo iniciada em 1946 e suprimiam a cidadania dos brasileiros nos dezessete anos seguintes a população perdeu o direito de eleger governadores e teria de esperar 23 anos para escolher um presidente da República Quem quisesse permanecer na política e não estivesse preso ou cassado precisava escolher o partido e ficou difícil formar o MDB a maior parte dos políticos em atividade correu para se abrigar na Arena O partido do governo reunia a fina flor do conservadorismo filiou praticamente toda a UDN boa parcela do PSD e uma estreita fatia do PTB58 Enquanto existiu a Arena foi incapaz de atuar como partido e formular alternativas políticas nacionais em compensação sofria de incurável vocação adesista sua postura era subserviente e seus integrantes aprovavam quase todos os projetos que o Executivo enviava ao Congresso Mas a Arena também tinha diretórios instalados em todo o país e se organizou rapidamente numa grande estrutura partidária sustentada por uma extensa rede de políticos simpatizantes militantes e eleitores o partido garantiu suporte civil e foi outra fonte geradora de consentimento ao governo dos militares A Arena passou para a história como o partido do sim senhor e os militares esperavam que o MDB fosse dócil o suficiente para atuar como o partido do sim Afinal era oposição consentida e entre 1966 e 1970 quando se consolidou como força política de oposição real quem combatia a ditadura não via nenhuma razão para confiar nele59 Muitos duvidavam de um partido fraco que aceitou o jogo da ditadura e quando os preparativos para as eleições parlamentares se intensificaram a campanha pelo voto nulo capitaneada pelas organizações da esquerda revolucionária obteve sucesso em 1966 o índice de votos nulos e brancos chegou a 21 em 1970 alcançou o patamar de 30 num evidente sinal de descrédito do sistema bipartidário imposto pelos militares O MDB passou a desconfiar de que talvez estivesse metido num beco sem saída Entre autodissolverse e continuar funcionando apesar das cassações e da suspensão de direitos políticos a base de liderança do MDB originária do PTB e do PSD decidiu ir em frente Reuniu o partido em torno do único ponto de consenso o retorno do país à democracia e assumiu os riscos de comportarse como oposição Entre 1967 e 1968 parlamentares do MDB participaram de protestos passeatas e greves subiram à tribuna para denunciar o arbítrio a perda de direitos o processo de desnacionalização O preço foi alto a edição do AI5 em 1968 devastou o partido e numa bancada de 139 parlamentares sessenta foram cassados Em 1970 a bancada estava reduzida a 89 deputados A MÁQUINA DE MATAR GENTE Nos primeiros dias de junho de 1964 o general Golbery do Couto e Silva saiu da sede do Ipes percorreu alguns quarteirões e se instalou em seu novo escritório no 12º andar do Ministério da Fazenda no centro do Rio de Janeiro O general dispunha de um orçamento de 260 mil dólares em valores da época metade em verbas secretas o novo cargo tinha status de ministro e ele levava consigo os dados compilados pelo Grupo de Levantamento da Conjuntura o setor secreto que dirigira no Ipes sobre 400 mil brasileiros Os arquivos do Ipes serviram de base para Golbery criar o Serviço Nacional de Informações SNI um órgão de coleta de informações e de inteligência que ele pretendia fazer funcionar como um centro de formulação de diretrizes para elaboração de estratégias no âmbito da Presidência da República e como o núcleo principal de uma rede de informações atuando dentro da sociedade e em todos os níveis da administração pública60 O general Golbery era um personagem feito para o mundo da conspiração política61 Obsessivamente reservado ele burilava a própria mitologia não falava em público não dava entrevistas movimentavase nos bastidores e seria a eminência parda da ditadura Chamavamno pelas costas de o satânico dr Go numa alusão ao vilão do filme de James Bond o satânico dr No que fazia sucesso na época Golbery não conquistou fama ou desafetos à toa Dez anos depois de sua criação o SNI era o centro de um sistema reticulado que abrigava o vasto dispositivo de coleta e análise de informações e de execução da repressão construído pelos militares Criado sob o guardachuva do SNI em 1966 através de uma portaria secreta e vinculado ao Ministério das Relações Exteriores funcionou o mais discreto serviço secreto da ditadura o Centro de Informações do Exterior CIEx62 Seus agentes atuavam fora do Brasil integravam o staff das embaixadas e tinham a missão de reunir o maior volume possível de informações sobre as atividades dos brasileiros no exílio O aparato imaginado pelos militares para identificar e liquidar seus opositores porém seria mais complexo o SNI era a cabeça do sistema e o CIEx só parte do desenho Até maio de 1967 a ditadura se utilizou da estrutura de repressão já existente nos estados os Departamentos de Ordem Política e Social Dops subordinados às Secretarias de Segurança Pública e os policiais civis lotados nas Delegacias de Furtos e Roubos famosos pelo uso da violência e pela prática da corrupção A máquina de repressão começou a tomar nova forma nesse ano com a criação do Centro de Informações do Exército CIE O CIE atuava tanto na coleta de informações quanto na repressão direta e foi provavelmente a peça mais letal dessa máquina Tão temidos quanto o CIE eram o Centro de Informações da Marinha Cenimar criado em 1957 e o Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica Cisa montado em 197063 A partir de 1969 a máquina de reprimir tocada pelos militares tornouse maior e mais sofisticada com a criação em São Paulo da Operação Bandeirante Oban um organismo misto formado por oficiais das três Forças e por policiais civis e militares programado para combinar coleta de informações interrogatório e operações de combate A Oban foi financiada por empresários paulistas e executivos de empresas multinacionais Ultragaz Ford Volkswagen Supergel Copersucar que se reuniram com o então ministro Delfim Netto num encontro organizado pelo banqueiro Gastão Vidigal dono do Banco Mercantil de São Paulo e estabeleceram um sistema fixo de contribuições64 cuja estrutura e funcionamento são até hoje um bem guardado segredo da ditadura Também serviu de modelo para a criação em 1970 do Centro de Operações de Defesa Interna Codi e do Destacamento de Operações de Informações DOI Os CodiDOI estavam sob o comando do ministro do Exército Orlando Geisel conduziam a maior parte das operações de repressão nas cidades e atuavam sempre em conjunto os Codi como unidades de planejamento e coordenação os DOI subordinados aos Codi como seus braços operacionais65 Mas mesmo antes de essa máquina estar pronta para funcionar a ditadura violou sua própria legalidade de exceção e o uso da repressão sem limites judiciais ocorreu em pelo menos três circunstâncias A primeira a partir de 1969 nos casos de desaparecimentos forçados praticados na maior parte das vezes para encobrir homicídios de prisioneiros ou provocar incerteza na oposição sobre o destino do desaparecido A segunda iniciada em 1970 na instalação de centros clandestinos que serviram para executar os procedimentos de desaparecimento de corpos de opositores mortos sob a guarda do Estado como retirada de digitais e de arcadas dentárias esquartejamento e queima de corpos em fogueiras de pneus A terceira desde 1964 no uso sistemático da tortura como técnica de interrogatório ver imagem 11666 A prática da tortura instalouse nos quartéis ainda no início do governo Castello Branco e se espalhou como um vírus graças ao silêncio conivente dos participantes do núcleo do poder civis e militares Ao se converter em política de Estado entre 1964 e 1978 a tortura elevou o torturador à condição de intocável e transbordou para a sociedade Para a tortura funcionar é preciso que existam juízes que reconheçam como legais e verossímeis processos absurdos confissões renegadas laudos periciais mentirosos Também é preciso encontrar em hospitais gente disposta a fraudar autópsias e autos de corpo de delito e a receber presos marcados pela violência física É preciso ainda descobrir empresários prontos a fornecer dotações extraorçamentárias para que a máquina de repressão política funcione com maior eficácia No Brasil a prática da tortura política não foi fruto das ações incidentais de personalidades desequilibradas e nessa constatação residem o escândalo e a dor Era uma máquina de matar concebida para obedecer a uma lógica de combate acabar com o inimigo antes que ele adquirisse capacidade de luta Atuava de maneira metódica e coordenada variando em termos de intensidade âmbito e abrangência geográfica Nos primeiros anos de ditadura o alvo prioritário foram as forças de esquerda que tinham conduzido as lutas sociais do governo Goulart Mas a partir de 1966 os estudantes retomaram as manifestações de rua que desaguaram nas grandes passeatas de protesto de 1967 e 1968 e transformaramse em foco de oposição direta ao governo dos militares67 Nunca foi tão perigoso ser estudante no Brasil Em 1968 a notícia da morte do secundarista Edson Luís de Lima Souto assassinado pela polícia com um tiro numa manifestação de protesto no restaurante Calabouço no Rio de Janeiro percorreu o país sensibilizou a população e marcou o momento em que a mobilização estudantil se transmudou em movimento social de massa Mais de seiscentas pessoas compareceram à missa de sétimo dia celebrada no Rio pelo vigário da cidade d José de Castro Pinto Com a igreja da Candelária cercada por centenas de fuzileiros e cavalarianos da Polícia Militar quinze padres deramse as mãos formando duas correntes para permitir a saída dos fiéis em segurança Inesquecível padres gaguejou emocionado o crítico literário Otto Maria Carpeaux ver imagem 11568 Não foi a primeira nem seria a última ocasião em que um punhado de padres corajosos ofereceria proteção contra a violência e o arbítrio69 A comprovação da prática da tortura pelos militares levou um grupo de bispos da Igreja católica ao campo da oposição e a utilizar seus próprios canais de comunicação para fazer chegar à opinião pública internacional relatos sobre tortura no Brasil Em 1970 por exemplo a igreja Saint GermaindePrés em Paris expôs em seu altarmor um Cristo algemado com um tubo na boca e um magneto no topo da cruz No alto a esfera cortada pela inscrição Ordem e Progresso Em maio de 1969 o padre Antônio Henrique Pereira Neto auxiliar direto de d Helder Câmara arcebispo de Olinda e Recife e reconhecido internacionalmente como um símbolo da luta em defesa dos direitos humanos foi sequestrado torturado e morto no Recife Era a primeira vez que no país se assassinava um padre por motivos políticos A constatação de que parte das forças de esquerda estava realmente disposta a pegar em armas liberou de vez a ferocidade da ditadura Em janeiro de 1969 Carlos Lamarca oficial do 4º Regimento de Infantaria baseado em São Paulo assaltou o depósito de armas do quartel e fugiu numa Kombi carregada com fuzis submetralhadoras e munição Lamarca abandonara o Exército para se juntar aos guerrilheiros da Vanguarda Popular Revolucionária VPR uma das várias organizações da esquerda revolucionária criadas após o golpe Algumas dessas organizações eram minúsculas poucas tiveram força e estrutura suficientes para desafiar a ditadura e a maioria formouse a partir de dissidências originadas pela derrota sem resistência sofrida pelo Partido Comunista em 1964 mas quase todas optaram pela luta armada70 Lamarca pretendia montar um foco guerrilheiro no campo e foi morto em 1971 pelos militares nas proximidades de Buriti Cristalino lugarejo isolado no interior da Bahia o povoado tinha quatro ruas casas de adobe e palha um mercado e cerca de duzentos habitantes Carlos Marighella outra grande liderança da esquerda revolucionária apostava na guerrilha urbana e previa enfrentar a ditadura com colunas guerrilheiras móveis deslocandose pelo país e convergindo para o sul do Pará Marighella havia participado das lutas contra o Estado Novo fora deputado constituinte em 1946 e fundara o maior grupo armado de oposição aos militares a Ação Libertadora Nacional ALN71 Também entendia de futebol sabia fazer poesia e gostava de samba Morreu fuzilado numa tocaia armada pela ditadura em 1969 em São Paulo A morte de Marighella marca o início da ofensiva militar contra a esquerda revolucionária a de Lamarca indica o momento em que essas organizações entraram em fase terminal seriam dizimadas até 1976 Separando as datas existe uma sequência de ações armadas que deixaram os militares desnorteados e levaram a ditadura a reorientar a máquina repressiva e a adotar uma política de extermínio assaltos a bancos carros fortes empresas lojas de armas e instalação de bases guerrilheiras e focos insurrecionais A mais espetacular ação executada pela esquerda revolucionária aconteceu no Rio de Janeiro em 1969 e surgiu na cabeça de dois jovens militantes Franklin Martins e Cid Benjamin da Dissidência Universitária da Guanabara uma organização minúscula mas atrevida o sequestro do embaixador norteamericano Charles Burke Elbrick que só seria solto em troca da libertação de quinze presos políticos72 Era um tipo de ação inesperada e de largo alcance buscava a repercussão aberta transformava a luta armada a tortura e a existência de presos políticos no país em notícia internacional fato que os militares negavam reiteradamente e desmoralizava a ditadura Outra ação contundente aconteceu na área rural A Guerrilha do Araguaia contou com cerca de cem guerrilheiros inclusive alguns camponeses e acabou num massacre73 As Forças Armadas deslocaram para a região do Bico do Papagaio sudoeste do Pará entre 1972 e 1974 em torno de 4 mil homens e em outubro de 1973 Brasília emitiu a ordem de não fazer prisioneiros no local O envio de força militar e policial para regiões onde se supunha existirem bases de treinamento de guerrilha foi uma das características da repressão na área rural A outra seria o uso da violência mobilizada por proprietários de terras Com a exceção do estado do Pará espécie de epicentro dos conflitos fundiários do país e onde a violência foi constante a repressão ao movimento de trabalhadores rurais mostrouse desigual ao longo do período histórico da ditadura formando duas curvas ascendentes a primeira nos anos imediatamente anteriores e posteriores ao golpe de 1964 e a segunda iniciada a partir de 1975 atingindo seu pico na primeira metade da década de 1980 foram registrados por volta de 1100 assassinatos74 Estes ocorreram em sua maior parte em conflitos de terra e tiveram como protagonistas jagunços capangas e milícias paramilitares constituídas por proprietários rurais foram crimes cometidos por grupos de extermínio privados embora tenham contado com o beneplácito ou com a omissão do Estado brasileiro Boa parcela desses crimes permanece sem identificação ou sem que a investigação sobre suas circunstâncias tenha obtido informações conclusivas Mas nada se compara aos crimes cometidos pela ditadura contra as populações indígenas O mais importante documento de denúncia sobre esses crimes o Relatório Figueiredo foi produzido pelo próprio Estado em 1967 e ficou desaparecido durante 44 anos sob a alegação oficial de que havia sido destruído num incêndio O relatório foi encontrado quase intacto em 2013 com 5 mil páginas e 29 tomos das 7 mil páginas e trinta tomos que constavam da versão original Para escrevêlo o procuradorgeral Jader de Figueiredo Correia percorreu com sua equipe mais de 16 mil quilômetros e visitou 130 postos indígenas em todo o país O resultado é estarrecedor matanças de tribos inteiras torturas e toda sorte de crueldades foram cometidas contra indígenas brasileiros por proprietários de terras e por agentes do Estado Figueiredo fez um trabalho de apuração notável Incluiu relatos de dezenas de testemunhas apresentou centenas de documentos e identificou cada uma das violações que encontrou assassinatos prostituição de índias sevícias trabalho escravo apropriação e desvio de recursos do patrimônio indígena Seu relatório denuncia e comprova a existência de caçadas humanas feitas com metralhadoras e dinamite atirada de aviões inoculações propositais de varíola em populações indígenas isoladas e doações de açúcar misturado a estricnina75 Os índios estavam posicionados entre os militares e a realização do projeto estratégico de ocupação do território brasileiro concebido pelo Ipes e pela ESG e pagaram um preço alto demais por isso CALESE Em 1973 o compositor Chico Buarque escreveu em parceria com o cineasta Ruy Guerra a peça teatral Calabar O elogio da traição O espetáculo pretendia questionar a versão oficial sobre a Independência do Brasil e seria encenado no momento em que a ditadura festejava os 150 anos desse evento Na véspera da estreia porém chegou a notícia de que ele estava proibido Os autores também foram informados de que estava vedada qualquer menção ao nome Calabar assim como a divulgação da notícia de que a peça fora integralmente censurada76 A censura a Calabar partiu do CIE e os produtores do espetáculo quebraram a montagem era cara e o dinheiro já havia sido previamente investido Mas esse não foi um episódio isolado O governo dos militares carregava consigo uma proposta de silêncio e utilizou a censura política como ferramenta de desmobilização e supressão do dissenso A ideia era aparentemente simples combinava manejar o controle sobre a produção e a circulação de bens culturais no país com repressão política ver imagem 117 Nenhum outro órgão cresceu mais depressa e a censura passou a atuar com diferentes objetivos garantir o controle do fluxo público da informação da comunicação e da produção de opinião reprimir o conteúdo simbólico presente na produção cultural e manipular os mecanismos de memória e interpretação da realidade nacional ver imagem 114 A censura oficial e de cunho moralista existia desde a Constituição de 1946 exercida pela Divisão de Censura de Diversões Públicas DCDP Ao seu lado os militares instalaram uma espécie de braço articulado à máquina de repressão orientado para suprimir qualquer tipo de contestação produzida no campo da cultura do pensamento e das ideias77 Filmes eram proibidos ou tinham cenas cortadas versos de canções eram mutilados ou vetados peças teatrais acabavam barradas pelas autoridades por vezes às vésperas da estreia como aconteceu a Calabar A lei de censura prévia para livros e publicações foi instituída em 1970 e determinava que os editores enviassem originais para Brasília antes da publicação Na prática revelouse tecnicamente inexequível só em 1971 foram lançados 9950 novos títulos demandando um número impossível de censores Mas a imprensa estava amordaçada e os jornalistas perseguidos ou encarcerados Obras eram retiradas das exposições como ocorreu no IV Salão de Arte do Distrito Federal e no I Salão de Ouro Preto ambos em 1967 ou na Bienal da Bahia em 1968 Artistas como Caetano Veloso Gilberto Gil Nara Leão Geraldo Vandré Odair José e Chico Buarque foram obrigados a se exilar Intelectuais eram vigiados e professores universitários forçados à aposentadoria Um grupo de dez dos principais pesquisadores da Fundação Instituto Oswaldo Cruz foi proibido de trabalhar no Brasil e um dos maiores historiadores do país Caio Prado Jr estava preso Diante do cerco uma parte do mundo da cultura inventou estratégias para resistir utilizandose de entrelinhas tirando vantagens de oportunidades mínimas de contestação eram as tretas do fraco78 atos de rebelião que irrompem de maneira inesperada na cena pública Talvez a primeira manifestação pública contra a ditadura tenha sido fruto dessa astúcia Aconteceu no dia 18 de novembro de 1965 em frente ao Hotel Glória no Rio de Janeiro por ocasião da abertura da II Conferência Extraordinária Interamericana da OEA Os manifestantes eram nove mas o grupo ficou conhecido como os Oito do Glória os jornalistas e escritores Antonio Callado Márcio Moreira Alves e Carlos Heitor Cony os cineastas Glauber Rocha Mário Carneiro e Joaquim Pedro de Andrade o embaixador recémcassado Jayme de Azevedo Rodrigues o encenador teatral Flávio Rangel o poeta Thiago de Mello No momento em que Castello Branco descia do carro para entrar no hotel e presidir a cerimônia de abertura da OEA os manifestantes escancararam faixas com frases escritas em letras garrafais Abaixo a ditadura Bienvenidos a nuestra dictadura Viva a liberdade Acabaram todos presos Mas choveram protestos contra a prisão inclusive do exterior Luis Buñuel JeanLuc Godard Alain Resnais Michelangelo Antonioni Pier Paolo Pasolini Alberto Moravia79 Os militares iriam descobrir depressa que prender intelectual ou reprimir artista não era coisa trivial Em fevereiro de 1968 a censura tirou de cartaz a peça Um bonde chamado desejo de Tennessee Williams e proibiu a atriz Maria Fernanda de atuar por trinta dias A reação foi fulminante a Greve de Protesto contra a Censura parou teatros do Rio de Janeiro e de São Paulo durante 72 horas e realizou uma memorável vigília na escadaria do Theatro Municipal do Rio Entre os que compareceram ao protesto estavam o poeta Carlos Drummond de Andrade os compositores Chico Buarque e Vinicius de Moraes o animador de programas de auditório Abelardo Chacrinha o dramaturgo Nelson Rodrigues o arquiteto Oscar Niemeyer os atores Paulo Autran Cacilda Becker Tônia Carrero o cineasta Glauber Rocha o crítico literário Otto Maria Carpeaux e os pintores Di Cavalcanti e Djanira80 As artes afinal incomodavam Em 1970 Antonio Manuel expôs o próprio corpo na noite de abertura do Salão Nacional de Arte Moderna no MAM carioca Intitulada O corpo é a obra a proposta havia sido recusada pelo júri e a ação do artista era provocadora Naqueles dias o corpo estava na linha de frente Ele foi submetido a violência em protestos de rua e à tortura utilizada pelo regime militar contra prisioneiros políticos81 declarou Antonio tempos depois No mesmo ano Cildo Meireles propôs Inserções em circuitos ideológicos obra que convocava o espectador a aderir a uma espécie de guerrilha artística ensinandoo a imprimir informações e opiniões críticas em rótulos de garrafas de CocaCola ou notas de dinheiro que eram em seguida postas de novo em circulação ver imagem 123 Ainda em 1970 no evento Do Corpo à Terra que inaugurava o Palácio das Artes em Belo Horizonte Meireles queimou galinhas vivas no trabalho Tiradentes Totemmonumento ao preso político numa denúncia da tortura e do assassinato de opositores do governo militar Artur Barrio jogou trouxas ensanguentadas com ossos e carnes de animais no ribeirão Arrudas que atravessa o centro da capital de Minas numa alusão aos crimes da ditadura as trouxas sugeriam corpos humanos despedaçados e deixados anonimamente ao ar livre O evento mobilizou cerca de 5 mil pessoas e a inauguração acabou na delegacia com a chegada do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar82 O cartum Rango apresentou muitos personagens que viraram símbolo de crítica aos militares entre eles o Prévio uma crítica direta à censura prévia ver imagem 119 Mas foi Henfil quem melhor demonstrou que o poder de comunicação do cartum é vital para a luta política pela rapidez e pela clareza com que fixa posições ideias e opiniões A concisão do texto a crítica cáustica e o traço leve de Henfil deram vida a um trio indignado irônico e de espírito libertário que do alto da caatinga denunciava nossa miséria social e resistia corajosamente ao arbítrio Capitão Zeferino Graúna e o bode Francisco Orelana A canção de protesto foi a primeira tentativa do compositor popular de se mobilizar de maneira sistemática contra a ditadura Deixando de lado a sofisticação cosmopolita da Bossa Nova a canção de protesto apresentava um programa de denúncia e resistência política enraizado na autenticidade cultural e política do homem do povo O empenho em estabelecer uma relação direta entre arte e contexto social e a crença na eficácia revolucionária da palavra cantada sistematizaram os grandes temas do debate político durante a década de 1960 e aparecem expressos em canções com características estéticas e musicais muito distintas O comedor de gilete 1964 de Carlos Lyra em parceria com Vinicius de Moraes Terra de ninguém 1965 dos irmãos Valle Maria do Maranhão 1965 de Carlos Lyra e Nélson Lins de Barros Disparada 1966 de Geraldo Vandré e Théo de Barros Favela 1966 de Padeirinho e Jorginho A estrada e o violeiro 1967 de Sidney Miller e Procissão 1968 de Gilberto Gil Já em 1968 surgiu a Tropicália movimento musical que reunia compositores como Caetano Veloso Gilberto Gil Tom Zé Torquato Neto Capinam Rogério Duprat e a revolucionária banda de rock Mutantes transbordando para outros campos da cultura no teatro nas artes visuais no cinema A Tropicália misturava a tradição da canção popular com o pop internacional e com experimentações de vanguarda evocava as imagens estereotipadas do Brasil como paraíso tropical e realizava a crítica aguda do país com referências incisivas à repressão política à desigualdade e à miséria social Parte do que a Tropicália incorporou em suas canções como o rock em especial Beatles também serviu para dar forma a outro movimento musical o Clube da Esquina que costuma ser lembrado pela figura de Milton Nascimento e pela criação de uma cena sonora nova e bastante sofisticada que trouxe para a canção os temas do desaparecimento forçado da morte dos amigos da supressão da liberdade Ainda nesse período uma vertente da canção romântica brega ou cafona alcançou altas vendagens no mercado de discos bateu recordes de execução nas rádios e escancarou os temas do racismo e da segregação social vivenciados pela população pobre brasileira83 Mas quaisquer que fossem as formas de engajamento na oposição à ditadura as diferentes modalidades da canção popular compartilharam idêntica vocação burlar a censura perturbar o poder comprometer a veracidade da narrativa oficial produzida pelos militares Afinal tudo deixa rastro nada é tão bem apagado nenhum homem desaparece tão por inteiro que ninguém se lembre de seu nome O que hoje é banal já previa Chico Buarque nos versos de uma de suas canções um dia vai dar no jornal 18 NO CAMINHO DA DEMOCRACIA A TRANSIÇÃO PARA O PODER CIVIL NAVEGAR É PRECISO No dia 15 de março de 1985 o último general a governar o Brasil João Figueiredo recusouse a entregar a faixa presidencial ao seu sucessor ou a descer solenemente a rampa do Planalto como previa o cerimonial escolheu sair do palácio pela porta dos fundos Menos de dois meses antes em janeiro numa entrevista para a televisão ele havia feito um balanço muito pessoal do seu governo no qual mandou um recado curto e grosso para os brasileiros Quero que me esqueçam1 Figueiredo era um personagem destemperado meio violento e espantosamente vulgar que destilava rancor ao deixar a Presidência da República2 Terminou o mandato isolado do grupo de generais que seis anos antes sustentara sua indicação para o cargo Com a autoridade desgastada e a fama de chefiar a administração mais impopular dos vinte anos anteriores seu governo também fracassou na tarefa que lhe fora destinada pelo antecessor desengajar os militares do controle do Executivo sem pôr em risco o projeto de país que vinha sendo implantado desde 1964 O processo de descompressão do sistema político começara a ser orquestrado em 1975 pelos generais Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva ambos convencidos de que a ditadura deveria fazer suas escolhas e definir o momento mais conveniente para revogar os poderes de exceção3 No entendimento da dupla e de vários comandantes de tropa e líderes de opinião da caserna os generais precisavam abrir mão do controle da Presidência da República Primeiro porque a vida política e a incumbência de zelar pela segurança interna estavam afetando os quartéis e revelandose um risco para os interesses da instituição Segundo porque a ditadura envenenara a estrutura interna das Forças Armadas Inúmeros oficiais tinham sido retirados das estruturas hierárquicas de comando das unidades da rotina de treinamento e do ambiente profissional para serem investidos de funções policiais e punitivas Pior para quem dava expediente nos quartéis isso parecia um bom negócio Afinal torturadores eram condecorados com a Medalha do Pacificador que registra atos de bravura ou prestação de serviços relevantes ao Exército no seu grau mais honroso e recebiam promoções convencionais além de gratificações salariais Uma burocracia da violência fora instalada dentro das Forças Armadas e se tornara fonte de poder no interior da hierarquia militar A política de abertura controlada iniciada em 1975 pelo governo do general Geisel também poderia ser a solução para manter a oposição longe do Executivo de modo a garantir que a alternância de poder se realizasse de maneira tutelada restrita aos círculos civis aliados e sem riscos institucionais Todas as coisas no mundo exceto Deus são relativas reagiu Geisel em 1977 diante das perguntas dos jornalistas sobre os instrumentos de controle que criou característicos de um sistema político autoritário E arrematou O Brasil vive um regime democrático dentro de sua relatividade O Pacote de Abril como ficou conhecido o conjunto de medidas arbitrárias editadas por seu governo adiava para 1982 a eleição indireta para governadores e alterava a composição do colégio eleitoral que deveria escolhêlos de modo a reforçar a presença da Arena Geisel inventou para rádio e televisão a campanha eleitoral surdamuda como se dizia no MDB só era permitido ao candidato apresentar foto três por quatro no caso da TV nome e minicurrículo sem nenhum tipo de mensagem Também modificou a representação na Câmara Federal aumentando a bancada dos pequenos estados onde a Arena era mais forte E amarrou o pacote com a invenção do senador biônico a ser eleito indiretamente pelo mesmo colégio eleitoral que escolheria o futuro governador o apelido dado pela oposição aludia a um seriado norteamericano O homem de 6 milhões de dólares cujo protagonista um cyborg tinha poderes artificiais fabricados graças à tecnologia Ainda em 1973 enquanto Geisel se preparava para ter seu nome sacramentado como próximo presidente da República por um colégio eleitoral formado para esse fim no Congresso Nacional um grupo de vinte parlamentares os autênticos do MDB como esses parlamentares ficaram conhecidos em virtude da disposição oposicionista num gesto de astúcia e senso de oportunidade utilizou as regras da ditadura para fazer oposição e lançou a candidatura de Ulysses Guimarães a principal liderança do partido para disputar a vaga com Geisel4 O colégio eleitoral servia apenas para homologar a decisão dos militares e a apresentação de uma candidatura do MDB parecia perda de tempo Além do mais a candidatura podia desmoralizar de vez o partido se fosse interpretada como capitulação de uma oposição impotente e pronta a legitimar os poderes de exceção da ditadura Não aconteceu nem uma coisa nem outra Ficou claro que a estratégia do MDB não era disputar a eleição para valer mas antes assumir uma posição oposicionista mais agressiva abrir brechas de denúncias nos meios de comunicação mobilizar as pessoas em comícios Ulysses Guimarães evocou para lema os versos de Fernando Pessoa Navegar é preciso viver não é preciso e lançou sua anticandidatura como ele próprio a definia num discurso memorável durante a convenção do partido Em seguida ao lado do seu candidato a vice Barbosa Lima Sobrinho um dublê de político e jornalista de espírito libertário que havia sido deputado federal e governador de Pernambuco saiu pelo Brasil a bordo de caravanas pregando o restabelecimento dos valores democráticos Percorreram catorze estados ajudaram a organizar a estrutura nacional do MDB o número de diretórios saltou de 786 para 3 mil e fizeram crescer o espaço dedicado à oposição em jornais e revistas A anticandidatura também exigiu ânimo cívico e valentia pessoal para enfrentar a truculência dos governadores da Arena em Salvador por exemplo o aeroporto estava cercado por tropas policiais armadas com fuzis e acompanhadas de cães adestrados Os atos de violência foram inúteis A anticandidatura encerrou a fase do voto nulo como opção oposicionista e abriu o caminho para a vitória do MDB nas eleições legislativas de 1974 o partido recebeu 4 milhões de votos a mais que a Arena para o Senado obteve 161 cadeiras no Congresso Nacional contra 203 da Arena e fez maioria em Assembleias Legislativas de estados importantes como São Paulo Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul Ninguém mais duvidava do papel do MDB e no momento em que foi anunciada a vitória de Geisel no colégio eleitoral Ulysses virouse para o deputado ao seu lado deu um sorriso matreiro e avisou agora é que vai começar a melhor parte da história O MDB enfrentou a ditadura com um punhado de deputados corajosos um presidente notável o próprio Ulysses Guimarães e um slogan espertíssimo Vote no MDB você sabe por quê A reforma partidária em 1979 significou para a dupla Geisel Golbery a derradeira chance de eliminar o caráter plebiscitário das eleições polarizadas entre governo e oposição com dois objetivos em mente enfraquecer a oposição fragmentandoa por meio da fundação de novas organizações partidárias e criar oportunidades para o aparecimento de um partido alternativo de situação que não fosse identificado com o governo Cinco novas agremiações concorreram nas eleições de 1982 o MDB transformado em Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMDB a Arena reorganizada em Partido Democrático Social PDS o Partido Trabalhista Brasileiro PTB recriado para funcionar como linha auxiliar governista e duas novas forças de oposição recémsurgidas o Partido dos Trabalhadores PT e o Partido Democrático Trabalhista PDT fundado por Leonel Brizola com o propósito de unir a atualização dos princípios de justiça social caros ao trabalhismo dos anos 1960 à defesa do socialismo democrático5 No teste das urnas os militares descobriram que o feitiço tinha virado contra o feiticeiro e que pela primeira vez desde o golpe de 1964 não detinham a maioria no Congresso Nacional Geisel era com certeza imperial de tão autoritário mas tinha também claro o sentido que queria dar à descompressão do sistema e contava com dois operadores políticos competentes o general Golbery atuava para dentro e foi o estrategista da abertura controlada Petrônio Portella senador pelo Piauí era discreto prolixo e dissimulado tinha bom trânsito entre os parlamentares e habilidade para a costura interna do Congresso atuou como interlocutor do governo nas negociações com os setores moderados de oposição Em 1978 Portella e Golbery iniciaram uma série de encontros tanto com a liderança do MDB quanto com representantes de instituições da sociedade civil como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNBB a Ordem dos Advogados do Brasil OAB e a Associação Brasileira de Imprensa ABI Pretendiam colocar na mesa de negociações as demandas mais urgentes e avaliar a viabilidade de um processo de transição controlado e executado por etapas As Forças Armadas intervieram na cena pública em 1964 e ficaram 21 anos no poder porque julgavam ser isso do interesse da instituição e como até hoje se imaginam com legitimidade própria consideraram estar agindo em benefício do país Quando avaliaram a conveniência de abrir mão do controle direto do Executivo também trataram de preservar seus interesses específicos Uma das exigências dos militares era manter ativas as estruturas concebidas durante a ditadura entre elas o sistema de informação e segurança Além disso demandavam a garantia de que permanecesse intocável quem tivesse se envolvido com a repressão política não haveria revanchismo costumava se dizer nos quartéis Por fim exigiase a continuidade dos incentivos para o desenvolvimento da indústria de armamento criada a partir de 1964 de comum acordo com os empresários e das empresas relacionadas à segurança do Estado sobretudo as de telecomunicações e informática6 Os militares saíram intocados do governo e assim permanecem até hoje Mas perderam em prestígio legitimidade social e estratégia não conseguiram manter sob controle o processo de liberalização do sistema político e substituir gradativamente a coerção da ditadura por um governo civil de tipo autoritário Nenhum dos generais comprometidos com o projeto de abertura controlada almejava democracia sem restrições Com o argumento de que jamais existiu uma situação democrática de fato no país o general Golbery por exemplo não aceitava discutir propostas de redemocratização nem admitia debater a restauração dos procedimentos democráticos previstos na Constituição de 1946 O general Figueiredo pensava da mesma forma A diferença é que era didático Nós temos a laranjalima a laranjapera a laranjabaía que têm sabores diferentes mas nem por isso deixam de ser laranjas Assim também há democracias diferenciadas explicou em 1978 para repórteres da Folha de SPaulo E arrematou Me respondam o povo está preparado para votar O brasileiro pode votar bem se ele não conhece noções de higiene7 O fracasso dos militares na tentativa de superar a ditadura para institucionalizar uma ordem autoritária ocorreu por várias razões A mais evidente eles perderam o trunfo da economia No final do governo do general Geisel o Brasil possuía um dos maiores e mais bem integrados complexos industriais entre os países periféricos mas sofria o choque do aumento nos preços do petróleo e de sua comprida fila de consequências crescimento lento nas exportações aceleração nas taxas de juros internacionais aumento da dívida externa A inflação seguiu ascendente chegou a 211 ao ano em 1983 223 em 1984 no final do governo do general Figueiredo e bateu forte no bolso e no cotidiano do trabalhador e da classe média assalariada descontrole nos preços contas públicas deterioradas recessão e desemprego8 PELAS LIBERDADES DEMOCRÁTICAS A situação da economia nutriu a politização da sociedade mas a oposição também havia mudado o ritmo a forma e a linguagem do enfrentamento político com a ditadura Em março de 1973 o estudante Alexandre Vannucchi Leme foi sequestrado torturado e morto no CodiDOI de São Paulo9 Vannucchi era aluno da Universidade de São Paulo USP tinha liderança no meio universitário paulista militava numa organização revolucionária a ALN e o sequestro ocorreu dentro da Cidade Universitária Sua morte comoveu a população e devolveu o movimento estudantil às ruas Três mil estudantes compareceram à missa em memória do colega assassinado celebrada em plena catedral da Sé pelo cardeal d Paulo Evaristo Arns uma das principais referências religiosas dos brasileiros na defesa pelos direitos humanos10 A polícia cercou a USP montou barreiras policiais em pontos estratégicos da cidade e um aparato de guerra em frente à catedral Quem conseguiu furar o bloqueio e entrar na igreja porém viveu um dia para não esquecer 24 padres oficiaram com o cardeal Arns uma missa que emocionou o Brasil inteiro Pouco antes da comunhão o compositor Sérgio Ricardo surgiu no altar violão em punho e cantou pela primeira vez a canção Calabouço unindo dois assassinatos o de Alexandre Vannucchi Leme e o de Edson Luís de Lima Souto morto pela polícia cinco anos antes como vimos no restaurante Calabouço no Rio de Janeiro A história começou a mudar nesse ano de 1973 mas o ponto de inflexão para um novo alinhamento das forças de oposição à ditadura aconteceu nos primeiros dias de novembro de 1975 uma semana depois da morte do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do CodiDOI paulista Herzog era um profissional respeitado dirigia o departamento de telejornalismo da TV Cultura de São Paulo e diante dos policiais que foram prendêlo à noite na redação prontificouse a ir ao DOI na manhã seguinte precisava terminar a edição do telejornal explicou aos agentes Às oito horas de 25 de outubro Herzog compareceu à sede do CodiDOI No mesmo dia à tarde ele estava morto dentro de uma cela11 Vladimir Herzog foi assassinado sob tortura e os militares dessa vez não tinham como desaparecer com o corpo a redação inteira da TV Cultura sabia que seu diretor fora espontaneamente ao DOI Sem alternativa construíram a versão do suicídio em nota oficial emitida pelo comandante do II Exército o país foi informado de que Herzog teria se enforcado numa cela do CodiDOI paulista usando uma tira de pano que ele não possuía com os pés no chão e as pernas curvadas Em 1975 as versões de suicídio divulgadas pelos militares tinham virado rotina quase cinco meses antes da morte de Herzog o tenente José Ferreira de Almeida também teria se suicidado na mesma cela com outra tira de pano que não existia e na mesma posição Pouco mais de dois meses após o assassinato de Herzog a morte do operário Manoel Fiel Filho nas dependências do CodiDOI paulista produziu versão idêntica Fiel Filho foi o 39º caso de suicídio de prisioneiro político da ditadura e o 19º a se enforcar em dois desses casos os presos teriam se enforcado sentados12 O jornalista Herzog o tenente Almeida e o operário Fiel Filho foram apanhados no arrastão de uma grande ofensiva da repressão desencadeada no início daquele ano e comandada pelo Centro de Informações do Exército CIE13 O alvo era o PCB mais de duzentas pessoas foram presas em São Paulo e dezesseis dirigentes partidários foram assassinados A ofensiva dos militares fazia parte da estratégia de Geisel para restringir o processo de abertura e escancarar as conexões entre o PCB e os parlamentares do MDB A morte de Herzog contudo fez reagir uma rede de informação liderada pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo que denunciou a farsa do suicídio e aglutinou o movimento de protesto contra a prisão ilegal a tortura e o assassinato A viúva Clarice e os filhos Ivo e André recusaramse a sepultar o corpo em poucas horas e em silêncio como exigiam os militares O rabino Henry Sobel reafirmou a denúncia de que o jornalista fora assassinado determinando que Herzog judeu cuja família imigrara para o Brasil para escapar do avanço das tropas de Hitler sobre a Iugoslávia fosse enterrado dentro do Cemitério Israelita de São Paulo e não junto aos muros na ala destinada aos suicidas O tiro tinha saído pela culatra Aproximadamente 30 mil estudantes paralisaram as aulas nas principais universidades paulistas Começou a se alinhar uma ampla frente de mobilização contra a ditadura que reunia o MDB o Sindicato dos Jornalistas o movimento estudantil a OAB a CNBB e a ABI e que sem muito planejamento se estendeu por vários dias e desaguou no culto ecumênico na catedral da Sé ver imagem 121 Este foi concelebrado por quatro lideranças religiosas os rabinos Henry Sobel e Marcelo Rittner d Paulo Evaristo Arns e o pastor presbiteriano Jaime Wright além de contar com um convidado no altarmor o arcebispo de Olinda e Recife d Helder Câmara Cerca de 8 mil pessoas desafiaram a ditadura comparecendo ao culto ocuparam o interior da nave as escadarias e a praça era uma multidão silenciosa e indignada Na mesma hora no Rio de Janeiro setecentos jornalistas lotaram o auditório da ABI numa homenagem também silenciosa à memória de Herzog Há momentos em que o silêncio fala mais alto explicou d Helder Câmara a um jornalista após a cerimônia religiosa E resumiu numa frase a força do que havia acabado de acontecer Hoje o chão da ditadura começou a tremer É o começo do fim14 D Helder não se enganou O culto ecumênico em memória de Herzog foi o marco a partir do qual a sociedade recuperou seu acesso ao espaço público e as forças de oposição começaram a formar um arco de alianças para dar combate à ditadura O núcleo aglutinador da aliança oposicionista era a exigência de retorno ao estado de direito e a reivindicação dos direitos de cidadania e dali em diante as oposições iriam avançar persistentemente no rumo da retomada democrática e não na direção do projeto de abertura controlada proposto pelos generais O engajamento das oposições foi expresso num único slogan Pelas liberdades democráticas E a ênfase da movimentação oposicionista deslocouse da luta armada para a ocupação dos caminhos legais disponíveis de atuação política15 Foi a partir desse giro que os brasileiros começaram a definir como seria o caminho para reimplantar a democracia no Brasil e a reconhecêla ainda que timidamente de outra maneira Não mais como uma etapa para travar uma batalha maior a revolução socialista por exemplo mas como um objetivo a ser construído e um valor em si mesmo A democracia era uma forma de sociedade e estava acima de qualquer regime de governo Demorou outros dez anos até que o último general da ditadura deixasse o Palácio do Planalto e a redemocratização seguiu aos trancos e barrancos mas a oposição logrou alterar os rumos da transição Em primeiro lugar conseguiu incorporar uma diversidade de vozes vindas da sociedade além das organizações e grupos clandestinos de esquerda Em segundo a movimentação das forças políticas que ocorria no seu interior não tinha limites rígidos e nela cabiam formas distintas de ativismo Uma das pontas mais ativas dessa movimentação brotou na periferia de São Paulo através de associações quase invisíveis ao governo mas típicas de uma população desassistida pelos poderes públicos clubes de mães grupos de moradores comitês de saúde As reuniões aconteciam geralmente no salão paroquial das igrejas de bairro e contavam com a estrutura e a proteção das Comunidades Eclesiais de Base16 As CEBs surgiram em 1970 tornaramse núcleos irradiadores da Teologia da Libertação e eram compostas de pequenos grupos de fiéis formados por um agente pastoral que realizava leituras coletivas do Evangelho para despertar a consciência crítica daquela comunidade estimulava a participação de seus membros e buscava construir uma ação efetiva pela mudança Em meados dos anos 1970 já existiam milhares de CEBs espalhadas nas cidades e na área rural que funcionavam como celeiros de lideranças comunitárias Essas comunidades estavam na origem dos novos movimentos sociais que emergiram na cena pública do país ao longo dessa década Movimento do Custo de Vida Sociedade dos Amigos de Bairro Associações de Favelas e foram essenciais para organizar a participação popular em atividades de pressão política A discussão sobre a tolerância associada à pauta dos direitos civis entrou no debate público animada por novas formas de militância política que se organizaram durante os anos 1970 o Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial MNUCDR o Centro da Mulher Brasileira CMB e o Somos Grupo de Afirmação Homossexual Os movimentos de minorias políticas alargaram os contornos da luta democrática e fizeram circular seus pontos de vista em publicações próprias que combinavam um novo ativismo político no qual se reivindicava o reconhecimento da diferença associado à pauta da demanda por igualdade e universalidade de direitos e que introduzia novas categorias analíticas como gênero ou sexualidade Nós Mulheres O Lampião da Esquina e Sinba17 As publicações desses grupos eram só uma pequena parte de um fenômeno jornalístico e político muito mais amplo cuja característica comum foi a oposição intransigente à ditadura militar a imprensa nanica ou alternativa18 Entre 1964 e 1980 apareceram no Brasil cerca de 150 tipos de publicações em formato tabloide Muitas delas tinham diagramação ousada e texto inovador algumas eram de tiragem irregular Eram chamadas de nanicas por conta do formato e da baixa tiragem e de alternativas por expressarem posições críticas contrastantes com a linha editorial dos grandes jornais do país mas essa era uma imprensa alternativa também por se apresentar como opção de luta política possível numa conjuntura difícil A década de 1970 marcou o apogeu e a diversificação temática dessa imprensa que de muitas maneiras dava continuidade à tradição dos pasquins irreverentes da Regência e dos jornais anarquistas da Primeira República manifestava apaixonadamente seus pontos de vista buscava um novo sentido para a prática política apresentava propostas de transformação social cultural e comportamental Uma parte das publicações estava alinhada com as organizações frentes políticas ou grupos clandestinos de esquerda como Opinião Movimento Hora do Povo e Em Tempo Outra parte porém surgiu de cooperativas dos próprios jornalistas como é o caso de Coojornal De Fato ou Ex Também havia jornais dedicados a misturar humor comportamento e crítica social o mais famoso O Pasquim Ou então dispostos a veicular o traço experimental dos novos chargistas e esquadrinhar a memória do desenho de humor no Brasil como O Bicho e Humordaz Não poderiam faltar nanicos iconoclastas como Beijo ou de vistosa estirpe anarquista o Inimigo do Rei Parte do seu público estava nas universidades com os estudantes vendo nesses jornais outra possibilidade de transformação radical a revolução podia estar no comportamento nos costumes na cultura Aliás sucedera uma profunda mudança no movimento estudantil Ela coube à parcela da nova geração de estudantes que se alinhou com as forças de oposição nos anos 1970 não carregava as marcas das derrotas de 1964 e de 1968 iria vivenciar as consequências da vitória do MDB em 1974 e rejeitava a violência revolucionária das organizações de esquerda que aderiram à luta armada A quintessência dessa geração foi uma organização trotskista que não reunia nem mil estudantes pelo Brasil afora mas soprava a brasa incandescente de todas as experimentações culturais estéticas comportamentais e políticas que marcaram a década de 1970 Chamavase Liberdade e Luta ficou conhecida como Libelu e tinha horror a tudo que evocasse o moralismo e o autoritarismo dos partidos comunistas de matriz stalinista Seus militantes estavam espalhados pelas universidades de São Paulo Minas Gerais Rio Grande do Sul Paraíba Bahia Eram poucos mas faziam barulho Ouviam Rolling Stones Pink Floyd Lou Reed e Caetano Veloso liam Walter Benjamin veneravam os dadaístas Não tinham medo da ditadura estavam convencidos de que era a ditadura que tinha medo deles e se utilizavam de qualquer pretexto para disparar o que ainda era só um desaforo criado por um de seus simpatizantes o poeta Paulo Leminski Distraídos venceremos19 Não era preciso ingressar na Libelu porém para perceber que tanto o movimento estudantil quanto a imprensa alternativa vocalizavam algo da subversão contracultural que chegou ao país no início dos anos 197020 A ramificação brasileira do movimento de contracultura começou quatro anos após o aparecimento do Flower Power em 1966 na cidade de San Francisco Califórnia e dividiu com ele seus grandes temas o uso de drogas em especial as alucinógenas o pacifismo o misticismo oriental e o modo de viver comunitário Também adotou a indumentária transgressora que na origem misturava traços de vestuário do índio americano e de grupos ciganos e no Brasil incluiu a cultura negroafricana O ambiente da contracultura desejava o paraíso aqui e agora e transplantou para cá o espaço mítico da comunidade de pequena escala articulada por laços de solidariedade trabalho e vida em comum bem como as experiências de arte com ela compatíveis Toda uma geração de poetas foi ela mesma mimeografar seus versos e vender a produção em portas de cinemas bares museus e teatros poemas curtos próximos do registro de fatos e sentimentos cotidianos e marcados pela perplexidade e pelo bom humor Os lançamentos dos livros do coletivo Nuvem Cigana no Rio de Janeiro por exemplo se fizeram espetáculo e estabeleceram um novo tipo de happening as Artimanhas que às vezes durava dias incluía leituras dramatizadas dos poemas e quase sempre acabava em festa ou na delegacia21 A ação cultural ajudou a redefinir o ativismo político nas universidades e a partir de 1977 quando voltou com força total para as ruas o movimento estudantil fincou em definitivo a palavra de ordem Pelas liberdades democráticas nas manifestações pró democracia Os estudantes adoravam ir na frente mas havia mais gente disposta a engrossar a oposição Em agosto desse ano durante um ato público organizado para marcar o sesquicentenário da Faculdade de Direito da USP com o pátio da escola lotado o professor Goffredo da Silva Telles leu a Carta aos Brasileiros um discurso com jeito de manifesto que fazia a defesa jurídica do estado de direito 22 o professor foi carregado em triunfo pelos estudantes A Ordem dos Advogados do Brasil assumiu o discurso de Goffredo Num encontro em Brasília quando Geisel lhe perguntou o que queria do seu governo o presidente da OAB Raimundo Faoro um advogado sem militância partidária autor do clássico Os donos do poder respondeu sem papas na língua Quero muito pouco sr presidente apenas a restauração do habeas corpus a extinção dos atos institucionais e o fim das torturas nos desvãos do CodiDOI E completou Quanto mais não seja para que Vossa Excelência não entre na história como um ditador sanguinário23 A resposta de Faoro surpreendeu até Ulysses Guimarães que em 1975 já havia comparado o governo do general Geisel ao do ditador de Uganda Idi Amin Dada e quase foi cassado por isso24 Outra surpresa os militares teriam no ano seguinte em 1978 com a ampla divulgação na imprensa do Manifesto do Grupo dos Oito que exibia a extensão e a visibilidade social do arco oposicionista de alianças O manifesto alinhava um vistoso elenco de empresários em defesa da redemocratização do país Antônio Ermírio de Moraes Grupo Votorantim Jorge Gerdau Grupo Gerdau Paulo Villares Indústrias Villares SA Severo Gomes Cobertores Parahyba Laerte Setúbal Filho Itaúsa José Mindlin Metal Leve Claudio Bardella Bardella Indústrias Mecânicas SA Paulo Vellinho Grupo SpringerAdmiral25 O ano de 1978 foi mesmo surpreendente No dia 12 de maio uma década após a repressão à greve de Osasco cerca de 3 mil operários entraram na fábrica de caminhões SaabScania em São Bernardo do Campo no entorno de São Paulo no que parecia ser mais um dia de trabalho Marcaram seus cartões de ponto sentaramse em frente às máquinas e cruzaram os braços Duas semanas depois 77950 trabalhadores estavam em greve em Santo André São Bernardo São Caetano e Diadema o ABCD paulista coração industrial do país e onde se concentravam os novos setores de bens de consumo durável e de bens de capital que se expandiram durante o período do milagre econômico26 Parecia ser uma greve com motivação econômica e era Mas também encerrava algo muito maior São Bernardo detonou um ciclo grevista as grandes greves de metalúrgicos de 1979 e 1980 ocorridas igualmente no ABC paulista espalharamse pelo país e chegaram a atingir nos dois anos seguintes mais de 4 milhões de trabalhadores em quinze dos 23 estados brasileiros O ciclo grevista seguiu praticamente ininterrupto até 1980 e estimulou movimentos coletivos em categorias profissionais diversas como os operários da construção civil em Belo Horizonte os canavieiros da Zona da Mata de Pernambuco e os trabalhadores rurais temporários empregados no corte de cana no interior de São Paulo apelidados de boiasfrias ver imagem 129 A dinâmica das greves e a organização dos trabalhadores em torno dos sindicalistas metalúrgicos do ABC agregaram outras categorias e lideranças e deram origem ao que se chamou na época de novo sindicalismo brasileiro27 O termo serviu para nomear um movimento sindical que além de se opor à ditadura lutava para se organizar numa estrutura distinta daquela gerada pelo modelo criado por Vargas independente do Estado capaz de negociar contratos coletivos diretamente com os empregadores e de se movimentar longe da Justiça do Trabalho Eram sindicatos construídos a partir do chão da fábrica que tomavam suas decisões em grandes assembleias e provaram que no Brasil não era só futebol que enchia estádio durante as greves de 1979 e 1980 as famosas assembleias no Estádio de Vila Euclides em São Bernardo chegaram a reunir mais de 100 mil trabalhadores O ciclo grevista começou em 1978 e transbordou do movimento dos metalúrgicos para irrigar a base de dois grandes projetos que emergiram na virada da década de 1970 para a de 1980 O primeiro a fundação da Central Única dos Trabalhadores CUT em 1983 surgiu quase como um desdobramento do novo sindicalismo o projeto de criação de uma central sindical de representação ampla incluindo os trabalhadores do campo e a defesa da reforma agrária e com gestão democrática disposta a conquistar liberdade e autonomia para os sindicatos organizados a partir das fábricas e compromissados com uma atuação política de massa28 O segundo projeto a fundação do Partido dos Trabalhadores PT em 1980 significava a criação de um partido de massas que se organizava de baixo para cima estava pronto a incorporar a experiência de luta dos sindicatos operários e dos movimentos populares e pretendia obter capilaridade social nas periferias das cidades e na área rural29 O PT nasceu por ação dos trabalhadores com o objetivo de reafirmar por meios democráticos o papel da luta social e do princípio igualitário na transformação da sociedade brasileira O partido encorpou depressa espalhouse que nem tiririca tinha nascido por tudo quanto é lugar diria Lula um de seus fundadores em 198930 Na sua origem havia uma constelação de forças políticas com dinâmicas próprias e projetos doutrinários muito diversos e isso ajudou no aprendizado democrático de seus primeiros militantes Além do movimento operário e sindical o PT abrigava a ala da Igreja católica com inserção popular sobretudo através das CEBs os remanescentes de organizações das esquerdas armadas os grupos trotskistas e um reluzente punhado de artistas e intelectuais O PT confirmou a liderança popular de Luiz Inácio Lula da Silva um operário duas vezes presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema que o Brasil inteiro conheceu dirigindo as greves de 1978 1979 e 1980 ver imagem 125 Em 1980 aos 35 anos Lula esbanjava carisma e só queria saber de política mas estava longe de imaginar que seria eleito em 2002 para a Presidência da República O ciclo grevista iniciado em 1978 também pôs em evidência os limites do projeto de abertura controlada que não incluía a participação política dos trabalhadores Em 1979 mal começou a greve o Ministério do Trabalho tratou de intervir no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo Ato contínuo os patrões impediram o acesso dos operários às fábricas paralisadas e o governador do estado Paulo Maluf mandou a tropa reprimir piquetes reuniões de apoio inclusive dentro de igrejas comícios e manifestações de rua A violência policial chocouse com a versão oficial do processo de liberação política e no fim do mês de outubro de 1979 numa passeata dos metalúrgicos o operário Santo Dias líder sindical e membro da Pastoral Operária foi morto por um tiro disparado pela Polícia Militar paulista31 Na greve de 1980 foi a vez de o governo do general Figueiredo deixar a retórica de lado e exibir a força da repressão Correu mundo a cena do voo rasante de dois helicópteros do Exército com as portas abertas e oito soldados armados em cada um apontando metralhadoras para a multidão que lotava o Estádio de Vila Euclides Em São Bernardo tropas militares ocuparam a sede do sindicato a praça da Matriz e o próprio Estádio de Vila Euclides As empresas estavam proibidas de negociar com os grevistas e quinze lideranças sindicais foram presas entre elas Lula NA RUA DE BLUSA AMARELA O recuo repressivo fazia parte da dinâmica do projeto de abertura controlada cuja efetivação ocorria de forma dosada e em ziguezague Mas Geisel cumpriu suas promessas à meianoite de 31 de dezembro de 1978 o AI5 foi extinto No fim desse mesmo ano o governo emplacou uma versão revista da Lei de Segurança Nacional com a redução na tipologia dos crimes contra a segurança do Estado e a atenuação das penas Em contrapartida criou um conjunto de medidas francamente autoritárias que poderiam ser acionadas pelo Executivo sem necessidade de autorização legislativa e que permitiam ao governo suspender garantias legais bem como decretar estado de sítio nomear governadores e praticar censura Eram as salvaguardas do Estado Ainda em dezembro de 1978 Geisel tomou a primeira providência concreta para promover a reconciliação política e revogou o decreto de banimento de 120 exilados políticos Em junho de 1979 o general João Figueiredo seu sucessor deu prosseguimento à estratégia de avanço e recuo enviou ao Congresso Nacional o projeto do governo para concessão de anistia O Brasil tinha algo em torno de 7 mil exilados oitocentos presos políticos e precisaria de mais algum tempo para descobrir quantos brasileiros foram mortos ou continuam desaparecidos por ação de autoridade pública entre 1964 e 1985 numa estimativa recente cerca de 434 pessoas32 A reivindicação de anistia porém era antiga e a campanha começou em 1975 com a criação do Movimento Feminino pela Anistia MFPA em São Paulo por iniciativa de Therezinha Zerbini uma advogada valente casada com o general Euryale Zerbini ele próprio um militar legalista que resistiu ao golpe de 1964 e foi forçado à reserva33 Os núcleos do MFPA se espalharam pelo Brasil receberam apoio do PMDB e da Igreja católica e animaram os exilados a se agregarem em torno de uma bandeira comum em 1979 existiam por volta de trinta comitês pela anistia em funcionamento no exterior os mais ativos em Portugal na França e na Suíça Era uma questão de tempo para que as forças de oposição compreendessem que a reivindicação de anistia estava na raiz do processo de construção da democracia brasileira Em fevereiro de 1978 no Rio de Janeiro foi fundado o primeiro Comitê Brasileiro pela Anistia CBA E o que até então se apresentava como uma medida de justiça restaurativa se transformou numa afirmativa de direitos a face imprescindível das liberdades democráticas sublinhou a Carta de Princípios do CBA paulista criado em maio de 1978 Os CBAs foram a senha para o início de um movimento memorável a campanha pela anistia ampla geral e irrestrita que unificou as forças de oposição reuniu artistas e intelectuais ganhou a opinião pública e transbordou para a rua em passeatas comícios e atos públicos A campanha gerou todo tipo de manifestação mas a certeza de que a reivindicação por anistia se tornara mesmo popular veio na tarde de 11 de fevereiro de 1979 no Estádio do Morumbi em São Paulo Nesse dia durante um clássico entre Santos e Corinthians a torcida Gaviões da Fiel abriu nas arquibancadas uma faixa gigantesca que foi levada ao ar pelas emissoras de televisão e apareceu estampada nas primeiras páginas dos jornais do dia seguinte Na faixa corintiana estava escrito em grandes letras vermelhas Anistia ampla geral e irrestrita ver imagem 12434 O projeto de lei que o general Figueiredo enviou ao Congresso quem sabe significou uma tentativa de recomposição do ambiente político mas era também uma medida de conciliação pragmática35 Trazia de volta os exilados Brizola e Luís Carlos Prestes inclusive libertava presos e permitia aos clandestinos reassumir sua identidade Prescrevia contudo uma anistia limitada restrita e recíproca Não incluía 195 presos políticos condenados por ações armadas denominadas pelos militares crimes de sangue nem assegurava reversão aos postos ocupados por quem perdera o emprego ou fora aposentado no serviço público por força da ditadura Nos dois casos a lei teve conserto Grave e até hoje sem conserto era a cláusula de reciprocidade que estendia a concessão de anistia a todos que cometeram crimes políticos ou conexos Foi essa cláusula que aprovou a impunidade para os militares e mais de trinta anos depois continua impedindo a responsabilização individual dos coautores dos crimes praticados pelo Estado durante a ditadura incluindo tortura assassinatos e desaparecimentos forçados A Lei da Anistia garantiu a segurança jurídica da caserna e tornou as Forças Armadas inimputáveis Mesmo assim não foi suficiente para bloquear a reação de setores intramilitares contrários ao projeto de liberalização política em especial do núcleo de oficiais envolvidos com a burocracia da violência e incrustados na máquina de repressão Essa foi a terceira razão para os apuros enfrentados pela dupla GeiselGolbery e em seguida por Figueiredo no esforço de controlar o processo de transição Além das dificuldades para evitar a politização da sociedade brasileira e para neutralizar o posicionamento da oposição os generais tiveram de lidar com mais uma ordem de problemas a contestação dos quartéis Aqueles que estavam envolvidos com a burocracia da violência construíram seu próprio discurso para justificar a prática concreta da repressão e reagiram fortemente ao projeto de abertura controlada eles precisavam defender sua identidade política e não aceitavam o descarte de seu papel institucional36 Os primeiros sinais de descontentamento apareceram na forma de panfletos que circularam nos quartéis entre 1975 e 1985 com ataques à estratégia de liberação política e inúmeras acusações ao general Golbery O desembaraço dos militares descontentes com a abertura e envolvidos com a prática da repressão era um problema e tanto para as Forças Armadas e um desastre para um governo que dependia da coesão dos quartéis se quisesse controlar o ritmo das mudanças Para piorar a situação quando esses militares decidiram abrir guerra contra o processo de abertura eles tinham nas mãos uma arma poderosa a máquina de repressão O assassinato de Herzog foi visto por Geisel como uma provocação ao governo e um escândalo a morte de Fiel Filho menos de três meses depois equivalia a um manifesto político e a uma exibição de força diante da Presidência da República Geisel era capaz de justificar de público a funcionalidade da tortura Acho que a tortura em certos casos tornase necessária para obter confissões declarou num depoimento histórico aos pesquisadores do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil CPDOC 37 mas não admitia indisciplina ou desafios à sua autoridade presidencial A morte de Fiel Filho guardava todos esses componentes por isso o presidente demitiu ostensivamente o chefe do CIE exonerou o comandante do II Exército e a contragosto deixou o país entrever uma rachadura da ordem militar38 Geisel reagiu às mortes ocorridas no CodiDOI paulista mas evitou golpear a máquina de repressão Afinal ela era parte do centro de poder do Estado às vezes necessária e no caso de seu governo conveniente Ele garantiu a impunidade dos responsáveis pelos crimes fez vista grossa às denúncias de tortura e a violência política continuou a acontecer 24 pessoas assassinadas 51 desaparecidas e 1022 denúncias de tortura registradas39 Num curto espaço de tempo morreram três das lideranças civis com atuação política anterior ao golpe de 1964 JK Jango e Carlos Lacerda Juscelino Kubitschek não escapou de um acidente de carro na via Dutra a rodovia que liga São Paulo ao Rio de Janeiro em agosto de 1976 João Goulart amanheceu morto em sua fazenda na Argentina vitimado por um suposto ataque cardíaco em dezembro do mesmo ano Carlos Lacerda faleceu em maio de 1977 no Rio um dia depois de se internar para exames na Clínica São Vicente com sintomas de gripe Em 2014 peritos da Polícia Federal convocados pela Comissão Nacional da Verdade comprovaram que a morte de JK resultou do acidente Já no caso de Jango e de Lacerda as suspeitas de assassinato por envenenamento executado pelos órgãos de repressão não foram dissipadas até hoje40 Com a impunidade cresceram as dificuldades do governo Entre 1976 e 1981 os setores intramilitares envolvidos com a burocracia da violência saíram da sombra dos quartéis e protagonizaram uma escalada terrorista que incluiu atentados a bomba contra jornais livrarias universidades e instituições identificadas com a oposição e ainda sequestros e espancamento de opositores41 Entre os meses de agosto e setembro de 1976 bombas foram detonadas ou encontradas e desativadas a tempo nas sedes da CNBB OAB e ABI além da que explodiu na casa do empresário Roberto Marinho proprietário do jornal O Globo e da TV Globo a mais poderosa rede de televisão do país e forte aliada do governo Geisel Na região metropolitana do Rio de Janeiro d Adriano Hipólito bispo de Nova Iguaçu foi sequestrado abandonaramno nu e amarrado no meio da rua em Jacarepaguá no subúrbio carioca Nos primeiros oito meses de 1980 já no governo do general Figueiredo registraramse 46 atentados terroristas Bancas de jornais que vendiam publicações da imprensa alternativa foram explodidas durante a madrugada o jurista Dalmo Dallari sofreu um sequestro em São Paulo uma bomba foi desovada no quarto de hotel onde estava hospedado Brizola e a casa do líder camponês Manuel da Conceição amanheceu depredada No dia 27 de agosto véspera do primeiro aniversário da Lei da Anistia três bombas foram detonadas em menos de doze horas no centro do Rio a primeira destruiu a oficina onde era impresso o jornal Tribuna da Luta Operária a segunda na Câmara Municipal deixou seis pessoas feridas a terceira explodiu na sede do Conselho Federal da OAB mutilando o servente José Ribamar e matando a secretária da entidade Lyda Monteiro da Silva E então na noite de 30 de abril de 1981 algo deu errado e uma bomba explodiu antes da hora no colo do sargento paraquedista Guilherme Rosário dentro de um automóvel Puma cinzametálico conduzido pelo capitão de infantaria Wilson Machado no estacionamento do pavilhão do Riocentro no Rio de Janeiro ver imagem 127 O sargento morreu o capitão ficou ferido teve sorte e sobreviveu Ambos serviam no DOI do I Exército o Puma levava outras três bombas e duas granadas e a dupla fazia parte de um combinado de quinze militares do DOI e do CIE distribuídos em mais seis carros e encarregados de executar um atentado terrorista de grande envergadura Se o atentado tivesse sucesso o horror ia ganhar a forma do Riocentro Naquela noite o pavilhão abrigava uma plateia de 20 mil pessoas reunidas num show de música pelo Dia do Trabalho com trinta dos maiores artistas brasileiros promovido pelo Centro Brasil Democrático Cebrade entidade vinculada à oposição Os militares pretendiam detonar uma bomba na miniestação de energia deixando o lugar às escuras e outras duas em área próxima ou no meio da plateia e das trinta portas e saídas de emergência do pavilhão 28 estavam trancadas com cadeado A responsabilidade pelo atentado seria atribuída à Vanguarda Popular Revolucionária um grupo armado da esquerda revolucionária dizimado pelo Exército havia mais de dez anos O general Figueiredo soube desse plano com um mês de antecedência e não fez nada para impedir o atentado42 Impossibilitado de limpar a área do Riocentro antes da chegada da imprensa o Exército teve de reconhecer a identidade dos militares que estavam no Puma mas alegou razões de segurança nacional para não fornecer nenhum outro esclarecimento Também emitiu nota oficial com uma versão que não convenceu ninguém os dois militares haviam se acomodado no carro sem notar a bomba uma lata de 25 litros cheia de TNT que teria sido colocada embaixo do banco dianteiro por militantes da esquerda armada A Presidência da República sustentou a versão oficial além de controlar de perto as investigações e os resultados do Inquérito Policial Militar Ninguém foi incriminado o sargento Rosário e o capitão Machado tornaramse vítimas e o caso acabou arquivado No campo da política o governo do general Figueiredo se encerrou aí O desgaste que já era visível ficou evidente na apuração do Riocentro e paralisou a capacidade de comando do Executivo sobre o projeto de abertura Já as forças de oposição trataram de arranjar um jeito de empurrar novamente a população para as ruas43 Só precisavam encontrar um tema que mobilizasse a sociedade e em 1983 as lideranças do PMDB e do PT decidiram exigir a mudança nas regras da sucessão do general Figueiredo mediante a aprovação de emenda constitucional que restabelecesse o voto popular nas eleições para presidente da República A emenda estava formalizada no Congresso Nacional desde março daquele ano Foi iniciativa de um deputado quase desconhecido Dante de Oliveira do PMDB de Mato Grosso Tinha quinze linhas e alta probabilidade de ser arquivada mas foi pinçada pela Executiva Nacional do PMDB A Emenda Dante de Oliveira como ficou conhecida levou à formação de uma frente suprapartidária que reuniu partidos políticos PMDB PT PDT e até o PTB entidades sindicais e movimentos populares e abriu uma dissidência inédita dentro da base parlamentar do governo Para completar ela também se transformou no centro estratégico da maior mobilização cívica da história republicana do país44 A tendência em favor das eleições diretas até crescia depressa na sociedade e entre as forças de oposição mas a possibilidade de mudança nas regras da sucessão era nula O governo tinha maioria no colégio eleitoral de 660 integrantes e no Congresso Nacional uma emenda constitucional exigia quórum qualificado de dois terços 320 votos para ser aprovada Só um fato extraordinário poderia romper com as regras que impunham a vitória de um candidato eleito pelo voto indireto para a sucessão do general Figueiredo e as oposições se encarregaram de criálo A campanha com o lema Diretas Já começou timidamente em junho de 1983 com um comício em Goiânia que reuniu cerca de 5 mil pessoas e demonstrou a viabilidade de um movimento de massas orientado para exigir do Congresso Nacional a aprovação da Emenda Dante de Oliveira A oposição contava com algumas vantagens O desgaste do Executivo junto à população agravado pela explosão inflacionária 211 em 1983 e pelo arrocho salarial era uma delas A outra vinha por conta dos escândalos financeiros que corroeram a credibilidade do governo do general Figueiredo e de seus auxiliares diretos as fraudes do Grupo Delfin a maior sociedade de crédito imobiliário do país o desvio de dinheiro público para o conglomerado financeiro CoroaBrastel escândalo que envolveu os ministros Delfim Netto e Ernane Galvêas além do presidente do Banco Central Carlos Langoni as irregularidades na negociação do pagamento de uma dívida da Polônia com o Brasil que teriam beneficiado funcionários da Secretaria de Planejamento caso que ficou conhecido como o escândalo das polonetas45 A oposição contava ainda com o saldo das eleições de 1982 a primeira eleição direta para governador desde 1965 O PMDB elegeu governadores em nove estados incluindo os mais ricos São Paulo Minas Gerais Rio Grande do Sul e Paraná Além disso e para infelicidade dos militares Leonel Brizola estava de volta liderava o PDT e havia sido eleito governador do Rio de Janeiro apesar da tentativa de fraude na apuração dos votos que caso fosse bemsucedida deveria dar a vitória ao seu adversário Moreira Franco do PDS O escândalo da Proconsult como a fraude ficou conhecida foi obra do SNI e da Polícia Federal contou com a boa vontade das Organizações Globo jornal e TV que divulgaram para a opinião pública os resultados de uma apuração fraudulenta e se concretizaria através da Justiça Eleitoral46 Brizola desconfiou da apuração fez um escarcéu e ganhou a eleição duas vezes uma no voto e outra na marra como ele gostava de dizer Com o controle de dez estadoschave da federação e apoio da população a oposição dispunha de recursos e de capacidade de articulação O sinal de que aquele seria mesmo um movimento diferente surgiu em fevereiro de 1984 quando Ulysses Guimarães Lula e o presidente do PDT Doutel de Andrade saíram juntos pelo Brasil liderando a Caravana das Diretas percorreram 22 mil quilômetros passaram por quinze estados do Norte Nordeste e CentroOeste e reuniram quase 1 milhão de pessoas A campanha das Diretas Já tinha dimensão cívica natureza republicana e jeito de festa Foi concebida toda em amarelo ideia do editor Caio Graco Prado filho do historiador Caio Prado Jr que apostava numa mobilização alegre como um girassol e sustentada pela criatividade Acertou em cheio As pessoas iam para as ruas vestindo camiseta amarela jornalistas da TV Globo compareciam ao trabalho com gravatas de intenso amarelo em protesto contra a decisão da direção da emissora de ignorar os comícios e as manifestações de massa e o artista plástico Alex Chacon criou o Dragão das Diretas uma coloridíssima escultura de quinze metros feita de bambu chitão e papel machê que era vestida por nove pessoas e saía rodopiando pelas ruas Até acontecer a campanha das Diretas a direção da Rede Globo acreditava que um fato não noticiado em seus telejornais era um fato inexistente e a emissora tomou um susto inesquecível quando percebeu a força do movimento e se viu obrigada a correr atrás e cobrir os comícios Mas nem a TV Globo nem os partidos de oposição nem mesmo Ulysses Guimarães que se tornaria o Sr Diretas nada fazia prever a onda dos gigantescos comícios que se seguiram O primeiro em Belo Horizonte reuniu cerca de 300 mil manifestantes na praça Rio Branco o segundo no Rio de Janeiro levou 1 milhão de pessoas para a Candelária o último em São Paulo bateu a marca de 15 milhão de participantes O palanque desses comícios reunia as principais lideranças da frente suprapartidária Ulysses Guimarães Leonel Brizola Lula Tancredo Neves Fernando Henrique Cardoso Franco Montoro e os discursos eram acompanhados por uma multidão eufórica e comovida Por outro lado o engajamento de intelectuais do porte de Antonio Candido Lygia Fagundes Telles e Celso Furtado de jogadores de futebol como Sócrates e Reinaldo e de artistas como Chico Buarque Maria Bethânia Paulinho da Viola Juca de Oliveira Fernanda Montenegro e Fafá de Belém foi decisivo para difundir as representações e os ideais de um projeto democrático A campanha era tão grandiosa que acendeu na população a esperança de vitória Mas se o governo dos militares havia se desgastado sua base de apoio político ainda não se desagregara e as Forças Armadas estavam dispostas a agir para evitar o rompimento das regras do jogo sucessório A Emenda Dante de Oliveira foi votada na madrugada de 26 de abril de 1984 num pesado clima de apreensão Brasília e dez cidades em Goiás estavam sob as Medidas de Emergência decretadas pelo general Figueiredo a capital da República sitiada o Eixo Monumental ocupado por 6 mil soldados do Exército e o Congresso Nacional cercado pelas tropas do Comando Militar do Planalto E embora os votos favoráveis tenham sido em maior número a emenda foi rejeitada por não obter maioria qualificada de dois terços Recebeu 298 votos a favor 63 votos contrários e três abstenções Cento e treze deputados se ausentaram Faltaram 22 votos Eram os deputados do partido governista soterrando a possibilidade de uma transição política que fugia ao seu controle ENTRANDO NO JOGO DA DEMOCRACIA MAS COM DIFICULDADE Com a confirmação da derrota a frustração popular foi imensa as pessoas que se reuniram em vigílias cívicas para acompanhar o resultado da votação choravam diante do Painel das Diretas Na eventualidade de ocorrerem eleições pelo voto direto o candidato oposicionista seria mesmo Ulysses Guimarães Sua candidatura era praticamente imbatível dispunha de base popular e poderia reordenar o centro de poder político no país A sucessão pela via indireta ao contrário tirava de Ulysses todas as chances e as lideranças do PMDB firmaram um acordo O partido iria disputar a Presidência da República nas duas circunstâncias mas no colégio eleitoral o candidato escolhido seria outro o então governador de Minas Tancredo Neves ver imagem 126 É certo que Ulysses resistiu à derrota da Emenda Dante de Oliveira queria manter a pressão das ruas e cavar no Congresso outra oportunidade para virar as regras do jogo da sucessão Mas é certo também que Tancredo sonhava ser candidato de qualquer maneira e em mais de uma ocasião atropelou a campanha das Diretas Já Em abril de 1984 por exemplo às vésperas da votação no Congresso quando havia um acordo entre as oposições de que só se trataria de outras alternativas depois de ter ocorrido a votação Tancredo chamou a imprensa e afirmou que aceitaria de bom grado liderar uma negociação com as forças do governo com os generais e com o próprio Palácio do Planalto se para isso recebesse delegação do PMDB completou prudentemente47 Ao contrário de Ulysses Guimarães sempre disposto a se encrespar com os militares Tancredo era até simpático aos olhos do general Figueiredo e de sua base de apoio mas justiça lhe seja feita não enganou ninguém era um político de tendências moderadas que desde 1964 atuava em oposição à ditadura Não fora cassado nem privado de seus direitos políticos e a oposição conservara uma liderança astuta e experiente elegeuse deputado federal nas décadas de 1960 e 1970 senador de 1978 a 1982 e nesse mesmo ano governador de Minas Tinha 51 anos de vida pública começou como vereador em São João delRei e uma trajetória impecável ministro da Justiça no segundo governo de Vargas e primeiroministro durante o parlamentarismo no governo de João Goulart Tancredo nunca abriu mão de sua lealdade a quem o fez político nacional48 E era um mestre na arte de fazer política à moda de Minas um negociador habilidoso que sabia a hora de sair da sombra e agarrar a oportunidade É difícil dizer se Tancredo simplesmente não acreditava na aprovação da emenda pelas eleições diretas ou se seu propósito era mesmo equilibrarse numa gangorra disfarçando o interesse e empenhandose nos comícios enquanto preparava o terreno para o dia seguinte à votação Seja como for ele estava certo de que seria bemsucedido se construísse uma candidatura conciliatória Era só fazer as contas deve ter pensado os 298 votos dados às Diretas Já apontavam para um número superior às bancadas da oposição indicavam que existia uma fratura na base parlamentar do governo e sugeriam que a dissidência poderia ser ampliada Foi esse o horizonte estratégico de Tancredo apostar no colégio eleitoral como a arena principal da disputa sucessória investir no esforço de cooptação de aliados entre os parlamentares do PDS com o objetivo de quebrar a base parlamentar do governo e abrir suas próprias linhas de negociação com os militares49 As circunstâncias trabalharam a seu favor Primeiro o general Figueiredo travou a escolha do candidato governista e rechaçou todos os nomes do PDS que se apresentaram à sucessão além de alimentar a hipótese de espichar o próprio mandato Segundo não havia um nome capaz de unir a base governista e dar sobrevida ao projeto de abertura controlada dos militares e o PDS se esfacelou numa disputa fratricida Terceiro o candidato escolhido pelo partido Paulo Maluf era um desastre Maluf foi produto da ditadura um político voraz e reacionário que deixava um rastro de acusações de corrupção por onde passava a prefeitura e o governo de São Paulo e desembarcou em Brasília em 1983 como o deputado mais votado do seu estado Tinha seu próprio método para fazer amigos influenciar convencionais do PDS e se tornar presidente da República trabalhava agressivamente o voto de cada delegado loteava cargos distribuía presentes e fazia generosas promessas para o futuro Nem tudo aconteceu como Tancredo queria mas ele calculou corretamente que tinha mais chance de ganhar que de perder Conseguiu fechar um acordo que parecia impossível com a base parlamentar governista e criou a dissidência de onde tiraria os votos necessários para vencer no colégio eleitoral A Frente Liberal implodiu o PDS e deu origem ainda em 1985 ao Partido da Frente Liberal PFL de traço conservador e irrefreável vocação adesista50 Tancredo também não descuidou dos quartéis Fez contato direto com o general Geisel que mesmo na reserva continuava respeitado entre os militares E anunciou numa carta pública que seu governo não faria perguntas às Forças Armadas nem sequer para investigar os crimes da ditadura Além de abrir os braços para os dissidentes do PDS Tancredo costurou uma aliança política capaz de acomodar as diferentes forças que o apoiavam como o PMDB o PDT o PTB e até os comunistas do PCB a Aliança Democrática51 Deu ao seu programa um tom de mudança de governo e não de ruptura do sistema político mas manteve os três pontos considerados essenciais pela oposição para concretizar o projeto de redemocratização do país eleições diretas em todos os níveis convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte e promulgação de uma nova Constituição Tancredo escolheu para vice o senador maranhense José Sarney que chamou os jornalistas e anunciou que estava renunciando à presidência do PDS para ingressar na Aliança Democrática Adotou o slogan Muda Brasil saiu pelo país promovendo a candidatura e não negligenciou nenhuma demonstração de apoio Conformado Ulysses Guimarães dizia que Tancredo ia concorrer às eleições indiretas para chegar ao poder e acabar para sempre com as eleições indiretas52 Tinha certa razão mas não conseguiu convencer o PT a passar recibo no que o partido classificava de transição conservadora nem a participar do colégio eleitoral Mas agindo a seu modo Tancredo encerrou o governo dos generais Em 15 de janeiro de 1985 foi eleito e com ele Sarney presidente da República com uma votação extraordinária 480 votos contra 180 de Maluf Tinha só três meses até a posse para consolidar a vitória montar o novo governo e materializar a retórica da Nova República um projeto de transição ambíguo que incluía uma solução política conservadora e uma alternativa de mudança conciliatória mas não era nada desprezível estava orientado para avançar na reconstrução democrática e buscar a estabilização econômica e a estabilidade institucional Na véspera da posse Tancredo foi internado no Hospital de Base em Brasília e submetido a uma cirurgia de emergência Ele tinha 75 anos sabia que estava doente escondeu isso de seus interlocutores mais próximos e avaliou que conseguiria assumir o cargo na data prevista só depois iria procurar ajuda médica Tancredo tinha pesadelos diários com a possibilidade de os generais encontrarem um modo de impedir sua posse e receava que um afastamento para cuidar da saúde lhes servisse de pretexto Qualquer doença era tabu para os homens públicos da época e os militares poderiam alegar que um tratamento longo ou curto era incompatível com o governo do país Deu tudo errado A cirurgia ocorreu num hospital sem condições de assepsia o quadro de infecção generalizada já estava instalado os médicos foram negligentes e o estado do paciente era grave Tancredo nunca tomaria posse Piorando a cada dia ele foi transferido para o Instituto do Coração em São Paulo e submetido a novas cirurgias sete no total No dia 21 de abril sua morte foi anunciada ao país53 Enquanto Tancredo enfrentava a primeira cirurgia e o Brasil entrava em estado de choque o PMDB agiu para garantir a transmissão de cargo A Constituição determinava que a sucessão seguisse do presidente para o vicepresidente e na falta deste para o presidente da Câmara dos Deputados no caso Ulysses Guimarães Por uma única vez o general Figueiredo e o grupo dos autênticos do PMDB se puseram de acordo se Tancredo não havia assumido seu sucessor legal era Ulysses Guimarães Mas Ulysses recusou Alegou o prognóstico dos médicos de que Tancredo estaria em condições de tomar posse em 48 horas divulgado pelo secretário particular de Tancredo Aécio Neves pela televisão E insistiu para que Sarney assumisse e exercesse temporariamente o governo Convenceu todo mundo54 Não há jeito de saber como seria um governo presidido por Tancredo é claro mas a Nova República começou num clima de muita frustração e pouca novidade Sarney se aproximara da ditadura em 1964 em 1965 fora eleito por voto direto governador do Maranhão e em 1970 voltara a Brasília como senador pela Arena Pulara do barco na última hora e tinha uma impressionante facilidade para mudar de matiz e se adaptar a qualquer corrente ideológica desde que fosse mantido exatamente onde queria estar no poder No Maranhão era poderoso e onipresente e assim permaneceria até 2014 Como outros políticos brasileiros Sarney encarnava um novo tipo de coronel que se já não vive no velho sistema da Primeira República conserva algumas de suas práticas inadaptação às regras democráticas convicção de estar acima da lei incapacidade de distinguir o público do privado e uso do poder para conseguir empregos contratos subsídios e outros favores para enriquecimento próprio e da parentela55 A oposição não ia ter vida fácil no seu governo Ministros entravam e saíam dos cargos à medida que ele manobrava sem muita cerimônia para compor uma nova base de sustentação política formada por quem estivesse disposto a apoiálo independentemente do compromisso com o projeto de transição elaborado por Tancredo Os embates entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional se tornariam frequentes com o início dos trabalhos da Assembleia Constituinte56 Enquanto Ulysses Guimarães na presidência da Constituinte tentava coordenar um malabarismo entre o compromisso do PMDB com o avanço da redemocratização a plataforma democráticopopular do PT e as forças conservadoras muito conscientes dos seus interesses Sarney seguia em direção contrária utilizava práticas e acordos fisiológicos para estender o próprio mandato e garantir sua permanência por cinco anos na Presidência da República e tratava de esvaziar o que restava da identidade programática da Nova República A Assembleia Constituinte instalouse em 1º de fevereiro de 1987 e a Constituição foi promulgada no ano seguinte em 5 de outubro de 1988 O novo texto constitucional tinha a missão de encerrar a ditadura o compromisso de assentar as bases para a afirmação da democracia no país e uma dupla preocupação criar instituições democráticas sólidas o bastante para suportar crises políticas e estabelecer garantias para o reconhecimento e o exercício dos direitos e das liberdades dos brasileiros não por acaso foi batizada de Constituição Cidadã É a mais extensa Constituição brasileira tem 250 artigos principais mais 98 artigos das disposições transitórias e está em vigor até hoje57 Além do próprio Ulysses Guimarães sua redação pôs em cena um elenco notável de parlamentares Fernando Henrique Cardoso Florestan Fernandes José Serra Lula Mário Covas Plínio de Arruda Sampaio Também é a única que foi escrita no decorrer do mais democrático debate constitucional da história do país Durante um ano e oito meses o Congresso se transformou no centro da vida pública nacional e a sociedade se organizou para participar do debate constitucional em associações comitês próparticipação popular plenários de ativistas sindicatos Surgiram inúmeras formas de manifestação A mais inovadora as emendas populares abarcava todo tipo de tema e funcionou como um instrumento de democracia participativa no fim do processo foram encaminhadas 122 emendas populares à Constituinte contendo mais de 12 milhões de assinaturas Como o Brasil e como a própria democracia a Constituição de 1988 também é imperfeita Envolveu movimentos contraditórios e embates formidáveis entre forças políticas desiguais e inúmeras vezes errou de alvo Conservou intocada a estrutura agrária permitiu a autonomia das Forças Armadas para definir assuntos de seu interesse derrubou a proposta da jornada de trabalho de quarenta horas manteve inelegíveis os analfabetos embora tenha aprovado seu direito de voto E fruto de seu inevitável enquadramento histórico nasceu velha em seus capítulos sobre o sistema eleitoral e em sua ânsia de regular as minúcias da vida social Mas a Constituição de 1988 é a melhor expressão de que o Brasil tinha um olho no passado e outro no futuro e estava firmando um sólido compromisso democrático Foi assinada por todos os partidos inclusive o PT Ela é moderna nos direitos sensível às minorias políticas avançada nas questões ambientais empenhada em prever meios e instrumentos constitucionais legais para a participação popular e direta e determinada a limitar o poder do Estado sobre o cidadão e a exigir políticas públicas voltadas para enfrentar os problemas mais graves da população E quando Ulysses Guimarães apresentou o texto final que deveria ser promulgado pelo Congresso com ódio à ditadura Ódio e nojo58 como ele próprio declarou no Jornal do Brasil a Constituição de 1988 deu início a um período consistente e duradouro de vigência das liberdades públicas e de solidez das instituições democráticas Desde então no Brasil todas as eleições presidenciais foram vencidas nas urnas nenhum mandato foi interrompido e nenhuma vitória eleitoral foi contestada Mas tudo tem seu preço A maratona da Constituinte dividiu o PMDB em dois grandes grupos autodenominados Progressistas e Centro Democrático o chamado Centrão um bloco conservador que a rigor ia além do próprio partido O antigo PMDB das lutas contra a ditadura se esfarelou O Centrão levava quase a metade da bancada expressava nova correlação de forças e tornou o partido refém do enorme poder de barganha que o governo Sarney soube usar muito bem Era o início de um processo de remodelação conservadora no PMDB que o levaria a enrolar suas bandeiras históricas e faria do fenômeno do peemedebismo59 sua principal característica até hoje a formação de um enorme bloco de apoio parlamentar ao governo seja ele qual for e seja qual for o partido a que esse governo pertença O racha interno foi inevitável e em junho de 1988 em Brasília um grupo de dissidentes da ala esquerda do PMDB anunciou a criação de um novo partido o Partido da Social Democracia Brasileira PSDB Como a quase totalidade dos partidos brasileiros o PSDB também foi criado por políticos profissionais e sua bancada inaugural reunia oito senadores e quarenta deputados representando dezessete estados da federação60 Seu símbolo um tucano ave brasileira de peito amarelo lembrando a cor da campanha das Diretas Já Confluíram para o novo partido tanto os socialistas democráticos quanto os liberais progressistas e os compromissos assumidos pelo PSDB refletiram essa composição consolidação da democracia brasileira defesa do parlamentarismo reforma do Estado de modo a tornálo ágil transparente e acessível ao controle público privatização de determinadas empresas estatais abertura controlada ao capital internacional e enfrentamento do atraso tecnológico do país em vários e diferentes setores da economia em especial na indústria microeletrônica Apesar do nome não se firmaria propriamente um partido socialdemocrata à moda europeia faltaram os laços com o movimento sindical e popular Sua base política mais expressiva estava em São Paulo de onde vinham alguns de seus parlamentares mais ilustres entre eles Franco Montoro José Serra Fernando Henrique Cardoso Mário Covas e com os quadros que possuía o partido já nasceu capacitado a ocupar uma posição central no jogo político A aceitação entre os setores médios urbanos foi imediata e o crescimento eleitoral rápido Ainda assim não dava para imaginar que seis anos depois o PSDB veria um de seus melhores quadros políticos o sociólogo Fernando Henrique Cardoso na Presidência da República ver imagem 130 Nascido no Rio de Janeiro mas com alma de paulista Fernando Henrique fez carreira acadêmica na Universidade de São Paulo foi aposentado compulsoriamente pelo AI5 exilouse no Chile e lecionou na Europa e nos Estados Unidos Em 1969 de volta ao Brasil reuniuse com outros 27 intelectuais e juntos criaram o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento Cebrap um núcleo de pesquisa formidável que se tornou referência no estudo dos problemas políticos sociais e econômicos do país61 Fernando Henrique se envolveu com política a vida inteira mas só pensou em se candidatar a um cargo público em 1983 meio a contragosto da mulher Ruth Cardoso uma antropóloga com luz própria e opiniões firmes achava que o marido teria mais peso como intelectual independente Talvez ela estivesse enganada Eleito senador pelo PMDB o sociólogo acabou se fortalecendo o suficiente para se apresentar como alternativa de poder com ele a geração que lutou contra a ditadura chegaria pela primeira vez à Presidência da República Enquanto Ulysses Guimarães fazia seu discurso na sessão de promulgação da Constituição e o PSDB tomava forma o governo Sarney ia de mal a pior inflação alta índice decrescente de popularidade aumento das denúncias de corrupção O desgaste tinha origem no fracasso do primeiro plano de estabilização econômica o Plano Cruzado Em 1986 com um governo postiço a taxa de inflação batendo em 16 só no mês de janeiro e o senador Fernando Henrique Cardoso criticando pelos jornais a ineficácia da política econômica da Nova República Sarney precisava de um plano de combate à inflação forte simples e que funcionasse rápido O Plano Cruzado era isso tudo e parecia varinha mágica62 Trocava a velha moeda o cruzeiro por uma nova o cruzado que nascia com três zeros a menos mil cruzeiros equivaliam a um cruzado criava o segurodesemprego garantia um abono salarial de 8 e um aumento de 15 do salário mínimo e instituía um gatilho salarial que deveria disparar e corrigir os salários se a inflação acumulada chegasse a 20 Para completar estabelecia o congelamento total de preços tarifas e serviços A inflação cedeu o poder de compra da população aumentou e Sarney capitalizou o resultado Com uma tabela de preços fixos e válidos para todo o país e uma máquina de calcular nas mãos as pessoas podiam programar o orçamento reformar a casa consumir mais ou viajar para o exterior o futuro parecia ótimo E a população se sentiu diretamente envolvida nos rumos da economia foi para os supermercados fiscalizar os preços denunciar as irregularidades e impedir remarcações eram fiscais do Sarney Mas havia problemas o plano tinha prazo de validade sua engenharia demandava ajustes a curto prazo e alguns deles seriam impopulares liberar os preços cortar gastos diminuir o consumo Sarney que andava encantado com a popularidade e com os benefícios políticos que poderia obter deixou tudo como estava e esticou o congelamento até as eleições para governador em novembro de 1986 O resultado foi impressionante Numa ponta o PMDB se assumiu governista elegendo a maior bancada do Congresso e 21 dos 22 governadores dos estados a exceção foi Sergipe Na outra ponta o Plano Cruzado se esfarinhou os produtos sumiram das prateleiras e a Polícia Federal fez papel ridículo ao anunciar a Operação Boi Gordo para confiscar gado retido nas fazendas e levar a carne bovina e o leite de volta à mesa do consumidor Para completar entrou em cena o ágio o sobrepreço ilegal que o brasileiro foi constrangido a pagar por qualquer produto Menos de uma semana após a vitória do PMDB no dia 21 de novembro o governo reconheceu que a economia estava se decompondo e lançou o Plano Cruzado II para fazer os ajustes que deveriam ter sido realizados quando do lançamento do Plano Cruzado I elevou todas as tarifas de serviços públicos descongelou os preços dos produtos e autorizou os aumentos A combinação entre descongelamento e mudança nos índices de preços faria disparar a inflação e a situação piorou ainda mais quando Sarney mandou reunir um grupo de empresários no auditório do Ministério da Fazenda e deixou que eles anunciassem o fim do congelamento A população percebeu que o presidente adiara o anúncio do Plano Cruzado II para depois das eleições acusou Sarney de estelionato eleitoral e seu governo afundou no descrédito A frustração dos brasileiros teve impacto nas eleições presidenciais de 1989 a primeira realizada pelo voto popular desde 1961 Se a população havia se decepcionado com a derrota da Emenda Dante de Oliveira e com a morte inesperada de Tancredo Neves ela se frustrava pela terceira vez Com a hiperinflação batendo na porta muita gente começou a achar que não existia mais chance para uma saída convencional na situação econômica e que era preciso salvar o Brasil O candidato a salvador chamavase Fernando Collor e era governador de Alagoas Estava com quarenta anos tinha um queixo empinado o olhar arregalado e fixo e pretendia ganhar as eleições batendo duro em Sarney e liderando uma cruzada moralizadora contra o empreguismo e as distorções salariais do funcionalismo público sobretudo de quem aumentava o salário por meio de manobras burocráticas os marajás como ele dizia63 Collor alardeava ter pressa em mudar o Brasil os eleitores gostavam quando ele agredia Sarney e muita gente se encantou com sua panaceia ia modernizar o país acabar com a corrupção e botar o funcionalismo para trabalhar A cinco meses das eleições Collor subira tanto nas pesquisas de intenção de voto que já podia se considerar no segundo turno da disputa A campanha eleitoral contou com mais de vinte candidatos e Ulysses Guimarães pagou caro por ter fortalecido politicamente Sarney na Presidência Transformouse no campeão da rejeição eleitoral só perdia para Maluf e foi abandonado pelo PMDB sob a alegação de que estava velho para governar o país O antiCollor não podia ser Ulysses e o lugar foi disputado voto a voto por Brizola e Lula Lula venceu por 500 mil votos e Brizola custou a digerir a derrota Quando Lula foi negociar com ele o apoio para o segundo turno o gaúcho argumentou que entre os dois tinha havido empate técnico e sugeriu que ambos deveriam renunciar em favor de Mário Covas candidato do PSDB que ficara em quarto lugar Ô Brizola não teve empate técnico eu tive 500 mil votos a mais64 respondeu Lula danado da vida Até sua morte em 2004 Brizola trombou inúmeras vezes com Lula Desconfiavam um do outro competiram e até se acertaram em várias ocasiões talvez disputassem as qualidades que um enxergava no outro Seja como for ele soube perder não só apoiou Lula como garantiu a transferência de votos para o candidato do PT coisa difícil de fazer em política O segundo turno começou com Collor em posição de vantagem mas na reta final os dois candidatos estavam empatados nas pesquisas Lula contava com 46 das intenções de voto Collor com 47 A eleição de 1989 só se decidiu na última semana e alcançou um alto grau de polarização Collor tinha dinheiro propaganda e mídia Pouca gente na imprensa divulgava que em Alagoas o governador fazia o contrário do que pregava na campanha e o motivo era simples à exceção do jornal Folha de SPaulo ele recebeu apoio da maior parte dos donos das empresas de comunicação em especial o de Roberto Marinho para quem o desastre atendia em primeiro lugar pelo nome de Brizola e em seguida pelo de Lula Com as Organizações Globo a favor o alvo deixou de ser Sarney e a campanha concentrouse em atacar o PT A classe média que se sentia expropriada diariamente pela inflação entrou em pânico quando Collor soprou as brasas do anticomunismo visceral de largos setores da sociedade brasileira e associou Lula à desapropriação de imóveis e ao confisco das cadernetas de poupança Foi uma campanha suja O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo Fiesp Mario Amato declarou que 800 mil empresários deixariam o Brasil na eventualidade de Lula vencer Collor invadiu a vida privada do adversário e levou para a televisão uma entrevista em que Miriam Cordeiro exnamorada de Lula com quem este tinha uma filha disse que ele havia lhe oferecido dinheiro para abortar era mentira mas o efeito entre os eleitores foi devastador Três dias antes da eleição a Rede Globo levou ao ar no programa de maior audiência da televisão brasileira o Jornal Nacional um compacto do último debate entre os candidatos A versão havia sido manipulada e era favorável a Collor cerca de 60 milhões de espectadores viram Lula inseguro e vacilante e Collor enfático e preciso A apelação final aconteceu no sábado véspera da votação quando a polícia paulista acabou com o sequestro do empresário Abilio Diniz e sugeriu haver indícios de que os sequestradores quase todos chilenos e argentinos apenas um era brasileiro tinham ligações com o PT Nenhum militante do partido estivera envolvido no episódio mas no domingo o jornal O Estado de S Paulo chegou às bancas e apresentou o relato do irmão do sequestrado sustentando que o PT participara do sequestro Collor ganhou a eleição com 50 dos votos contra 44 de Lula Tomou posse em 15 de março de 1990 e no dia seguinte reuniu a equipe da área econômica e mandou a nova ministra da Economia Zélia Cardoso de Mello anunciar à imprensa um plano para enfrentar a voragem da inflação o Plano Brasil Novo que terminou conhecido como Plano Collor65 O plano se revelaria frágil Tinha um forte componente voluntarista e o pacote de reformas anunciadas pelo governo fiscal bancária patrimonial não poderia ser feito por decreto A pior notícia ela guardou para o final de sua exposição Estava bloqueada nos bancos parte do dinheiro das contascorrentes das aplicações financeiras e das cadernetas de poupança Essa quantia seria devolvida depois de dezoito meses assim mesmo em doze prestações o que significava que iria ocorrer uma redução real no valor do dinheiro vinte anos depois 890 mil ações individuais e 1030 ações coletivas de poupadores ainda tramitavam na Justiça Cada brasileiro poderia sacar apenas 50 mil cruzeiros 1250 dólares na antiga moeda que acabava de ser ressuscitada Além disso os salários estavam congelados as tarifas de serviços públicos seriam aumentadas e o Banco Central decretou feriado bancário de três dias Os jornalistas calcularam que o país tinha em contacorrente aplicações e poupança cerca de 120 bilhões de dólares e perceberam alarmados que o governo estava confiscando 95 bilhões de dólares 80 de todo o dinheiro que circulava nos bancos A vida virou de pernas para o ar Ninguém podia comprar o consumo caiu e milhares de trabalhadores ficaram desempregados Empresas quebraram o país perdeu a capacidade de poupar e a população compreendeu que ia precisar de sorte para enfrentar os meses seguintes cancelou projetos pessoais negociou a saúde em longas prestações e avaliou que seria difícil quitar suas dívidas ou saldar o carnê de mensalidades Mas surpreendentemente a sociedade brasileira aceitou o confisco Seja porque estava exausta das consequências da hiperinflação seja porque Collor com a legitimidade de quem acabava de ser eleito pelo voto popular afirmava não existir alternativa por algum tempo o Brasil acreditou quando ele dizia que aquela era a única medida possível para derrotar a inflação Era vencer ou vencer declarou o presidente DEMOCRACIA NÃO TEM PONTO FINAL Collor perdeu Dez meses depois a inflação estava de volta a crise econômica tornarase endêmica e as lutas por reajustes salariais explodiam em todo o país O governo ainda tentou um novo plano econômico Collor II ao mesmo tempo que preparava a privatização das empresas estatais fechava autarquias e fundações e abria as portas do país ao mercado internacional A política econômica seguia desnorteada para cada subida de preços o governo adotava uma medida nova violenta e ineficaz congelamento de salários liberação de preços aumento de impostos Pouco mais de um ano depois de tomar posse a ministra da Economia foi substituída a credibilidade do governo despencou e a população ficou alérgica a planos econômicos É até possível que os brasileiros não quisessem perceber mas Collor pareciase excessivamente com Jânio Quadros só que mais moço Ambos compartilhavam o mesmo senso do espetáculo da política o desprezo pelos políticos o desdém pelo Congresso a visão moralista e o perfil autoritário A espetacularização da Presidência no governo Collor incluía descer a rampa do Palácio do Planalto em companhia de atletas comediantes e atores de telenovelas o uso de camisetas com mensagens pseudofilosóficas e pose de esportista Para ser visto como o representante da juventude e da modernidade o presidente faziase fotografar de qualquer jeito em motocicleta jet ski ou até dentro de um caça da FAB paramentado com uniforme camuflado e ares de copiloto Parecia um autômato Falava de maneira postiça e na Presidência assumiu uma postura imperial contrariava interesses desdenhava a luta política desconsiderava a precariedade de sua equipe e agia como se nada fosse atingilo Jânio fez tudo isso e caiu quando tentou dar o golpe da renúncia O governo Collor caiu por corrupção Os boatos começaram a circular junto com o confisco dando conta das inúmeras arbitrariedades e abusos que estavam ocorrendo e que permitiam a liberação do dinheiro em alguns casos e para alguns grupos Apesar disso o cerco só apertou quando a imprensa passou a investigar o comportamento do extesoureiro de campanha Paulo César Farias e descobriu que ele operava um grande esquema de corrupção dentro do governo e que seu sócio nesse esquema era o próprio Collor66 A partir daí foi só uma questão de tempo Em maio de 1992 a revista Veja detonou uma bomba de dezessete páginas publicou uma entrevista com Pedro Collor o irmão caçula de Fernando Collor que acusava Paulo César Farias de atuar como testa de ferro do presidente tanto na administração de recursos ilegais arrecadados durante a campanha cerca de 60 milhões de dólares quanto na intermediação de negócios favores e nomeações mediante cobrança de propinas Em junho o Congresso Nacional instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito A CPI começou desacreditada mas quando as investigações avançaram os escândalos se revelaram Descobriuse que a ingerência de Farias atingia todos os níveis da administração federal e veio a público o elo que faltava ligando Paulo César Farias ao presidente os recursos arrecadados pelo extesoureiro pagavam as contas particulares de Collor e o aluguel de carros para a Presidência da República Não se sabe até hoje onde foi depositado o dinheiro que Farias desviou as estimativas variam entre 300 milhões e 1 bilhão de dólares e até o último instante o próprio Collor não acreditou que poderia ser derrubado Mas no dia 13 de agosto uma quintafeira num discurso improvisado para 2 mil motoristas de táxi que foram ao Palácio do Planalto agradecer a concessão de subsídios ele se exaltou Protestou contra as denúncias e encerrou o discurso convocando a população a vestirse de verde e amarelo e sair às ruas no domingo em apoio ao seu governo O presidente estava colérico mas os brasileiros estavam fartos e o domingo foi dia de manifestações Com um detalhe as pessoas se vestiram de preto Sem nenhuma organização prévia em todo o país apareceram espontaneamente levas de brasileiros caminhando nas ruas com roupas negras tiras pretas no braço ou panos negros amarrados na antena dos carros Collor tinha subestimado o Brasil A população estava empenhada em desmentir o presidente e as manifestações políticas voltaram às ruas das grandes cidades com força total Traziam novidades o traço carnavalesco e a marca do bom humor Surgiram bonecos gigantescos de Collor vestido como presidiário fantasias de ratazanas com bigodes e óculos como os de Paulo César Farias esquifes com o nome do presidente e de Zélia Cardoso de Mello Os estudantes que já andavam indóceis pintaram o rosto de preto ou de verde e amarelo eram chamados caraspintadas convocaram a população para protestar e sacudiram as manifestações com a palavra de ordem Fora Collor e Impeachment já ver imagem 131 Liderar o processo de impeachment de Collor no Congresso Nacional foi a última grande atuação política de Ulysses Guimarães no dia 12 de outubro ele morreu num desastre de helicóptero seu corpo desapareceu no mar e o Brasil ficou mais uma vez de luto67 Em 29 de dezembro de 1992 o Senado se reuniu para julgar o impeachment de Collor Era o grande teste da Constituição de 1988 dar suporte ao processo de impedimento do primeiro presidente eleito pelo voto direto desde 1961 O pedido foi apresentado à Câmara dos Deputados por Marcelo Lavenère presidente da OAB e Barbosa Lima Sobrinho da ABI duas das entidades mais comprometidas com a redemocratização do país e foi autorizado pelos deputados Collor estava afastado provisoriamente do governo desde setembro e na manhã de seu julgamento pelo Senado ainda tentaria uma última manobra para evitar a condenação a oito anos de inelegibilidade renunciou A sessão legislativa foi interrompida o vicepresidente Itamar Franco assumiu em definitivo o cargo e no dia seguinte os senadores retomaram o julgamento Por 76 votos a três o impeachment foi aprovado e Collor teve seus direitos políticos suspensos estava impedido de exercer função pública até o final do ano 2000 É difícil imaginar que Itamar Franco tenha concordado em ser vice de Collor seduzido pelo discurso do moralismo ou da modernidade Collor o convidou porque precisava dos votos de Minas o segundo maior colégio eleitoral do país e uma espécie de fiel da balança as eleições são muitas vezes decididas em Minas um estado central que espelha as diferentes faces do Brasil Itamar deve ter aceitado por falta de votos e de opção seu mandato de senador estava por terminar e ele não havia conseguido repetilo numa nova eleição Ambos divergiram desde o lançamento da candidatura até o fim do governo Collor desdenhava do seu vice um político tradicional de vida provinciana e propensões nacionalistas Itamar por sua vez era encrenqueiro e instável Apesar de ter sido governador de Minas continuava desconhecido da maioria da população e assumia a Presidência numa conjuntura de crise sabia que a sociedade era cética a seu respeito e que estava engolindo sua posse para manter a ordem democrática Surpreendeu todo mundo Itamar assumiu a Presidência da República com o Brasil atolado numa situação calamitosa68 Com o PIB em queda o desemprego atingia 15 da população economicamente ativa só na região metropolitana de São Paulo e a inflação que Collor prometera derrubar se encontrava acima do patamar de 20 ao mês e assim permanecia havia quase dois anos A inflação atinge todas as classes sociais mas tem efeito especialmente perverso sobre a população pobre e não apenas porque ela está fora dos bancos e seu dinheiro não tem correção diária Ela sabota o futuro e seus efeitos colaterais são escassez desemprego e violência muita violência Não foi por acaso que em 1993 o país tomou conhecimento de duas das maiores chacinas da sua história no dia 23 de julho seis policiais militares saltaram de dois carros em frente à igreja da Candelária no Rio de Janeiro e abriram fogo contra quarenta crianças e jovens moradores de rua que dormiam nas escadarias no dia 29 de agosto um grupo de 36 homens armados e encapuzados fuzilou 21 pessoas todas jovens na favela de Vigário Geral Zona Norte do Rio69 O Brasil experimentava o paradoxo de ser um país onde a democracia convivia com a injustiça social e o rap a voz das favelas e das quebradas apontou para a crueldade desse paradoxo70 Recriou com palavras vindas da rua a vida nos bairros pobres nas periferias nas favelas com seu cotidiano de loucura miséria e violência Expôs de uma só vez a violência policial a parcialidade da Justiça a ausência de políticas públicas a falta de oportunidades para a população pobre O rap escancarou o estrago provocado pela desigualdade e o maior mérito do governo Itamar foi tentar entender o desvio que tornava a democracia refém da injustiça social e que tinha na inflação uma aliada poderosa Depois de trocar o ministro da Fazenda por três vezes o presidente convidou Fernando Henrique Cardoso para o cargo e encomendoulhe um novo plano econômico A encomenda provocava frio na espinha do governo entre 1980 e 1993 o Brasil teve quatro tipos de moeda cinco congelamentos de preços nove planos de estabilização econômica e onze índices diferentes para medir a inflação Dessa vez tudo aconteceu às claras o Plano Real foi submetido a discussão pública a sociedade entendeu seu funcionamento e o Congresso Nacional aprovou sua implementação71 O embrião da nova moeda o real era a Unidade Real de Valor URV um indexador de inflação que ganhou a confiança da população É bem verdade que a transição para o real não foi simples as pessoas desconfiavam muitos temiam algum tipo de congelamento ou que a moeda estivesse atrelada ao calendário eleitoral as eleições presidenciais iriam ocorrer em 1994 Mas o brasileiro queria acima de tudo uma moeda estável que fosse forte tivesse valor igual ao do dólar e lhe permitisse planejar para o futuro O real tinha tudo isso não parecia mágica e era obra de uma parceria improvável o sociólogo cosmopolita Fernando Henrique Cardoso e o engenheiro provinciano Itamar Franco Fernando Henrique foi o candidato à Presidência da República nas eleições de 1994 teve o apoio de Itamar e venceu Lula no primeiro turno O real foi seu tíquete para a Presidência É da natureza da democracia suas conquistas são lentas difíceis de conseguir e se perdem facilmente As lutas contra a ditadura ensinaram aos brasileiros que a democracia era um valor em si e precisava ser alcançado A Constituição de 1988 por sua vez deu forma e solidez às instituições que podem sustentar a vivência democrática do país e o Plano Real estabilizou a moeda firmou a base por onde uma agenda democrática poderá caminhar Nos vinte anos que se seguiram o Brasil introduziu nessa agenda a luta contra a desigualdade social mas ainda não a consumou e a tarefa não será fácil Teve três presidentes eleitos que conquistaram cada um dois mandatos consecutivos Fernando Henrique Cardoso Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff Até chegar ao século XXI o país construiu uma história longa e talvez tenha encontrado a si próprio A história é o único recurso de que o Brasil dispõe para dar um futuro ao seu passado e por essa razão nossa história termina aqui com as autoras desconfiadas de que está incompleta Mas termina também com as autoras desconfiadas de outra coisa no Brasil quem sabe a democracia pode não ter um fim e o futuro ser bom CONCLUSÃO HISTÓRIA NÃO É CONTA DE SOMAR Quando o português chegou Debaixo duma bruta chuva Vestiu o índio Que pena Fosse uma manhã de sol O índio tinha despido O português Oswald de Andrade Erro de português Tupi or not tupi that is the question Oswald de Andrade Manifesto antropófago Afinal o que faz do brasil Brasil ou do Brazil Brasil Desde que os portugueses aqui chegaram cinco séculos atrás essa pergunta faz parte do cotidiano local por vezes merecendo respostas otimistas por vezes mais negativas Por certo a pergunta não é fácil nem a história é o único caminho para dar conta dela A história do Brasil é jovem de cinco séculos ao menos se nos fiarmos na narrativa oficial que inicia sua contagem a partir do desembarque dos portugueses na América e é inquieta Uma vez provocada fala de tudo e adora embarcar numa polêmica passa a limpo conceitos e mitos questiona muitas das perguntas que nos habituamos a fazer sobre o país mostra tendências e recorrências que bem merecem nova interpretação Também faz um jogo com o tempo embaralha ordena e reordena o fio da meada põe um olho no passado mas mantém o outro aberto no presente e até no futuro Desde que o Brazil é Brasil desde que inventou para si um sentido próprio e autônomo como nação a história do país vem se afirmando também como uma longa narrativa de lutas violência reivindicação de autonomia e igualdade busca por direitos e construção de cidadania Essa história é a um só tempo comum e diferente e nada tem de evolucionária no sentido de aglutinar de modo crescente progressivo e previsível uma série de fatos e dados De um lado se parece com as demais trajetórias dos países modernos ao articular o legado das lutas por direitos individuais característica dos séculos XVII XVIII e XIX com a reivindicação de direitos coletivos típica do século XX e a percepção de novos direitos que não mais se referem a indivíduos ou grupos sociais específicos o direito a um meio ambiente equilibrado ou ao patrimônio cultural da nação Mas persistem nessa trajetória algumas singularidades Basta lembrar a clara concentração nas lutas por direitos sociais em detrimento dos direitos políticos sobretudo os civis O país só adota uma agenda de direitos civis que inclui a fundação de movimentos sociais negros feministas ambientalistas LGBT entre outros nos anos 1970 e mesmo assim de maneira tímida O exercício de determinados direitos não leva mecanicamente à conquista de outros No entanto sem a garantia dos direitos civis cujo princípio normativo é a liberdade individual e sem o entendimento de que pessoas obrigadas a obedecer às leis devem ter igual direito a despeito das diferenças que houver entre elas a noção de cidadania não tem como ser exercida contemporaneamente de forma plena1 Direitos nunca chegam de uma vez por todas Nossa percepção sobre eles muda sempre e sua base de definição se desloca constantemente até mesmo como reação e expectativa ao que já se materializou num dado momento da nossa vida pública2 Não há pois como desvincular essa constante e incompleta luta por incorporação de direitos e construção de cidadania no Brasil dos próprios caminhos da história do país Uma colônia marcada por uma dualidade básica composta de grandes proprietários de terra de um lado e escravos de outro Uma nação que se torna independente em 1822 tendo como líder um monarca num continente de clara vocação histórica republicana éramos uma monarquia cercada de repúblicas por todos os lados Um país cuja primeira Constituição foi outorgada pelo chefe de Estado um imperador em 1824 e que apesar de sua pretensão liberal permitindo o direito de voto de libertos por exemplo levou a uma alta concentração do poder nas mãos do imperador assim como abriu mão de discutir o tema do fim da escravidão E se a ideia é não esquecer não há como deixar de mencionar a enraizada e longa experiência social da escravidão a qual acabou por dar forma à sociedade brasileira Essa marca continua presente ainda nos dias de hoje na nossa arquitetura nos minúsculos quartos de empregada ou nos elevadores de serviço na verdade para serviçais no nosso vocabulário nas práticas cotidianas de discriminação social e racial ou de culpabilização dos mais pobres com frequência negros ver imagens 134a e 134b A própria definição de escravo já significava a negação dos direitos fundamentais de liberdade e igualdade Escravo juridicamente é o indivíduo destituído de direitos ou na definição clássica servus non habet personam 3 aquele que não tem nome nem sobrenome ou passado Um indivíduo que não tem origem é estrangeiro em qualquer lugar É certo que escravizados refizeram tal definição no Brasil rebelandose praticando toda sorte de reação e negociando sua condição Mas no cerne da nossa comunidade permaneceu teimosa a concepção de que existiriam homens por natureza diversos repartidos por sua história sua biologia e condição Tanto que o destino dos homens livres pobres aliás a grande maioria da população não seria muito diferente emaranhados a estruturas de dominação como o mandonismo e o coronelismo giraram em torno das relações de favor expediente muito mais exercido a partir de estruturas de dependência pessoal do que pautado numa cartela de direitos civis ou sociais Na verdade o favor essa sorte de moeda nacional e de larga circulação interna representa a própria negação dos direitos4 Implica um inflacionamento dos poderes pessoais e privados em detrimento da esfera oficial e pública Mas se a construção de um sentimento de nacionalidade5 acabou por ser a tarefa prioritária do Segundo Reinado com a voga do indigenismo romântico foi com a República que se cultivou certa brasilidade o sentimento de fazer parte de uma comunidade imaginada a noção de pertencimento a uma sociedade que se reconhecia como unida a partir do compartilhamento de uma mesma condição de ser brasileiro6 Brasileiros não eram mais súditos pois com o novo regime se tornavam formalmente cidadãos da República um grupo de homens associados uns aos outros pela adesão à mesma lei e pela valorização da vida em comum O processo seria entretanto à sua maneira tortuoso já que com a Primeira República novas formas de subcidadania se introduziram no país Os exescravos num primeiro momento em vez de serem reconhecidos como iguais foram nomeados como libertos ou então de forma derrogatória os treze de maio numa referência jocosa ao Dia da Abolição7 O suposto era que se estava decretada a liberdade a igualdade no entanto não existia8 suposto esse reforçado pelas teorias raciais em voga naquele contexto que passavam a justificar em nome da ciência diferentes humanidades Por outro lado se a experiência republicana se iniciava nesse contexto com os primeiros embates por igualdade direitos de trabalho e de cidadania plena e se o momento político deu ocasião a greves e a todo tipo de manifestação pública liderados por brasileiros e imigrantes estrangeiros políticas de exclusão social também mostraram novas faces do regime que apenas se instaurava É com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder que o Brasil passa a exercitar uma renovada gramática da cidadania Mas sustentada num paradoxo a extensa legislação social introduzida a partir da década de 1930 se propunha a oferecer proteção legal ao trabalhador à custa das liberdades individuais A ditadura de Vargas garantia a agenda de direitos sociais mas suprimia os direitos políticos A Constituição de 1946 por sua vez abriu uma fase democrática inédita na história do país manteve as conquistas sociais obtidas a partir da década de 1930 e repôs a exigência de gozo da liberdade política e a centralidade do catálogo de direitos como condições incontornáveis para o exercício da cidadania na República E seria mais uma ditadura dessa vez militar instaurada com o golpe de 1964 que fecharia novamente o caminho da construção dos direitos Aliás vigora certo senso comum no país de que ditaduras seriam por definição militares o que na verdade a ordem dos fatos desmente Basta lembrar o Estado Novo a ditadura de Vargas para ter certeza de que governos sem limites constitucionais que ferem de morte as condições de liberdade política do cidadão e nos quais o uso da força sustenta o poder arbitrário dos governantes nunca foram exclusividade das casernas Não por acaso a Constituição de 1988 que garantiu o exercício pleno de direitos foi chamada de cidadã A partir de então é possível dizer que o Brasil deu início a um período consistente e duradouro de vigência das liberdades públicas e de solidez das instituições democráticas Em 1987 quando foi instalada a Assembleia Constituinte Ulysses Guimarães afirmou de forma contundente A nação quer mudar a nação deve mudar a nação vai mudar Ele estava certo o Brasil mudou Trinta anos atrás não seria possível imaginar que o país iria eleger para a Presidência da República um acadêmico refinado como Fernando Henrique Cardoso ou um líder operário como Lula e uma mulher e exguerrilheira Dilma Rousseff Mas na posse do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar em 1985 ninguém poderia nos adiantar como seria o caminho para reimplantar a democracia no Brasil O esforço para responder a essa pergunta foi parte importante na construção de nossa vida pública E o que era apenas rascunho tomou forma No Brasil contemporâneo as instituições políticas estão consolidadas os poderes separados as eleições são livres e periódicas os cidadãos manifestam vontades individuais e coletivas O experimento democrático não é mais compreendido como um valor instrumental mas como um fim em si mesmo A agenda de direitos entrou na pauta do Estado integra o debate público e possui uma ambiciosa vocação transversal afirma direitos num contexto de desigualdades ao mesmo tempo que contempla novos direitos capazes de conjugar em pé de diferença o tratamento igualitário de grupos sociais minoritários os idosos os homossexuais as crianças Contudo no Brasil a democracia convive perversamente com a injustiça social Sexta potência mundial quando se medem índices econômicos o país ainda apresenta números de desigualdade e de gap social dos mais elevados na América Latina aferidos nos dados da educação do trabalho e da mortalidade Além do mais persiste um déficit republicano na raiz da nossa comunidade política Práticas patrimoniais e clientelistas resistem no interior do sistema político e nas instituições públicas enquanto se ampliou de maneira inédita o quadro de eleitores falta ainda uma agenda ética capaz de transformar o sistema político eleitoral e o comportamento partidário a corrupção corre o risco de se tornar endêmica e está associada tanto ao mau trato do dinheiro público como ao descontrole das políticas governamentais O Brasil abriuse ao século XXI com uma grande certeza a consolidação da democracia é nosso maior legado para as próximas gerações Mas não existe um regime político de democracia plena ela é sempre um conceito que se movimenta constantemente e que permite ampliação desenvolvimento e correção de rota Se o país deseja começar uma nova história contemporânea das democracias modernas que se espalham pelo mundo o presente é seu principal desafio por qual caminho seguirá o Brasil daqui por diante Com qual agenda os brasileiros vão enfrentar o futuro Nos seus dois mandatos e oito anos como presidente Fernando Henrique Cardoso que governou de 1995 a 2002 e ajudou a fortalecer o PSDB partido do qual é um dos fundadores obteve sucesso na luta contra a inflação e assumiu o saneamento financeiro possibilitado pelo Plano Real o país pôde crescer Seu governo destacouse também na reforma de Estado No seu Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado propunhase o investimento em carreiras estratégicas para a gestão do setor público numa clara tentativa de ruptura com o projeto varguista O governo FHC implementou o primeiro programa de distribuição direta de renda o Bolsa Escola Também se destacou por suas ações no campo social como os programas Bolsa Alimentação e Peti para erradicação do trabalho infantil e especialmente pelos projetos pioneiros comandados pela esposa do presidente a antropóloga Ruth Cardoso e voltados para o atendimento à população pobre Comunidade Solidária Capacitação Solidária Alfabetização Solidária Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 as classes populares entraram para valer na disputa pela alternância de poder Sem rupturas com a ordem democrática chegou à Presidência da República um homem de extração popular que veio criança para São Paulo aboletado na carroceria de um pau de arara junto com a mãe analfabeta e os sete irmãos fugindo da seca e da miséria do Agreste Pernambucano Além do mais o novo presidente da República era um líder de esquerda originário do mundo operário e sindical e ganharia a eleição à frente de um partido de trabalhadores que ele próprio ajudou a criar na difícil conjuntura do final dos anos 1970 A partir de 2003 o Brasil assistiu a uma ampliação democrática da República As grandes marcas dos dois governos de Lula foram o combate à miséria a redução da pobreza a diminuição da desigualdade e a expansão da inclusão social O esforço para aumentar a renda do trabalhador incluiu a formalização do emprego a ampliação do crédito e o aumento do salário mínimo de cerca de 60 entre 2000 e 2013 O Programa Bolsa Família criado em 2004 significou transferência direta de renda para a população pobre e extremamente pobre em 2013 o Bolsa Família cobria 50 milhões de pessoas 26 da população do país Foram mantidas as práticas democráticas e houve avanço na criação de políticas estruturantes e em escala para incorporação dos brasileiros à rede de proteção social9 Mas se a democracia se consolida e caminha para a frente a República ainda lembra um esboço que não alcançou forma República não é apenas um regime determinado de governo ela remete à significação de coisa pública O que pertence ao povo o que se refere ao domínio público o que é de interesse comum e se opõe ao mundo dos assuntos privados Sua principal virtude é a afirmação do valor da liberdade política da igualdade dos cidadãos e do direito deles de participar da vida pública Seu grande inimigo é a corrupção A corrupção não é um fenômeno exclusivo do Brasil ela ocorre na grande maioria dos países Também entre nós ela sempre existiu de um modo ou de outro10 Tanto que com frequência a corrupção costuma ser associada à própria identidade do brasileiro como se esse fosse um destino inevitável quase uma questão endêmica Segundo essa visão o Brasil seria forçosa e definitivamente corrupto devido a certas práticas e comportamentos o jeitinho a malandragem o político ladrão que desde sempre presentes na nossa história fazem parte de um suposto caráter do brasileiro o que formaria uma espécie de cultura de corrupção Essa abordagem além de preconceituosa naturaliza a corrupção no país simplifica e congela sua compreensão assim como impede o combate a um fenômeno de alta complexidade além de desvalorizar as atitudes e os movimentos de opinião pública que expressam a revolta dos brasileiros contra essa prática É certo que o Brasil tem mudado nos seus comportamentos públicos e privados em relação à corrupção O país avançou em questões decisivas no que diz respeito à punição de funcionários públicos e de indivíduos privados bem como instituiu diversas práticas de controle um Ministério Público independente com garantias de autonomia tanto administrativa quanto funcional Tribunais de Contas com a tarefa de fiscalizar a arrecadação gestão e aplicação dos recursos públicos Comissões Parlamentares de Inquérito representando um mecanismo institucional de controle do Legislativo sobre os demais poderes da República e sobre a sociedade Além disso criou a Correição pela qual a administração pública a Corregedoria Geral da União apura irregularidades e corrige a atuação de seus servidores conformandoa aos parâmetros legais assim como normatizou a Quarentena conjunto de normas que limita a participação de exservidor público na gestão de situações que possam levar ao aproveitamento indevido dessa condição Mas é certo também que se acumulam as evidências de que a corrupção está longe de ser um fenômeno marginal na vida pública brasileira As denúncias mais recentes envolvendo membros dos últimos governos revelam que o fenômeno da corrupção vem se repetindo sem que os dirigentes do país tenham conseguido coibir com eficácia essa prática na vida pública nacional A história recente é pródiga em exemplos Acusações de manipulação e corrupção foram feitas durante o governo FHC e estão relacionadas sobretudo à venda de empresas estatais públicas BNDES Telebras Companhia Vale do Rio Doce e à compra de votos de parlamentares para garantir a reeleição do presidente da República No primeiro mandato de Lula explodiu a denúncia do mensalão o pagamento mensal a deputados de diversos partidos para compra de apoio parlamentar ao governo que envolveu alguns dos principais dirigentes do PT e geraria posteriormente a prisão de membros da elite política e econômica do país Os acusados do mensalão foram condenados pelos juízes do Supremo Tribunal Federal depois de quatro meses de debates transmitidos ao vivo e acompanhados pelos brasileiros com um interesse inédito em nossa história republicana e houve ampla aprovação da opinião pública às sentenças condenatórias Já no final do primeiro governo de Dilma Rousseff vieram a público as operações de corrupção ativa lavagem de dinheiro formação de quadrilha e incompetência gerencial na Petrobras a estatal mais valiosa e a que melhor simboliza as ambições de soberania e independência econômica dos brasileiros As investigações sobre os atos de corrupção na Petrobras ainda em andamento levaram para a cadeia alguns dos principais executivos de seis das maiores empreiteiras do país as construtoras Camargo Correia UTC Engenharia OAS Mendes Júnior Engevix e Galvão Engenharia acusados de movimentar milhões de corrupção e distribuir propinas a políticos de todos os partidos Pela primeira vez as duas pontas de um grande esquema de corrupção os corruptos e os corruptores são investigadas pelo Ministério Público e pela Polícia Federal e esse pode vir a ser um marco em nossa história republicana Cresceu no Brasil a reação pública contra atos de corrupção e se tornou mais visível o fato de que esses atos têm sido um elemento constante na cena política nacional Evidentemente há riscos O entendimento da política brasileira como um campo regido pela corrupção pode enfraquecer os mecanismos de participação pública e levar descrença ao funcionamento das instituições democráticas Enfrentar a corrupção exige controle público transparência das ações dos governantes e um processo de formação no sentido do aprendizado de uma cultura republicana que seja exercitada cotidianamente pelo brasileiro comum em sua relação com o país Precisamos praticar em nosso cotidiano a definição do que é público e a linguagem pública dos direitos e isso quer dizer garantir o respeito ao outro a qualquer outro E esse exercício de cada um veio às ruas em junho de 2013 quando o Brasil amanheceu atônito Ninguém imaginava a explosão social que se seguiu a um protesto contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo Milhares de pessoas foram para as ruas nas grandes cidades do país em particular os jovens com uma pauta aberta onde cabia um sentimento de insatisfação e de frustração e uma aspiração difusa de mudança As manifestações de junho como ficaram conhecidas não tinham palanque nem liderança foram convocadas pelas redes sociais eram formadas por vários movimentos que se organizavam de maneira autônoma e apartidária e ocupavam as ruas em grandes ondas de protesto Foi um evento de curta duração mas trouxe novidades importantes Revelaram o descompasso entre o governo o sistema político e as ruas exigiram o avanço de políticas sociais especialmente nas áreas de educação e saúde melhorias nos serviços básicos denunciaram de forma muito ruidosa a corrupção presente na máquina do Estado e confirmaram o espaço público como o lugar privilegiado de participação direta do cidadão Mas sobretudo as manifestações de junho deixaram claro que o tempo da redemocratização do país havia terminado ver imagem 137 Daí por diante tratase ou deveria tratarse de contribuir com um novo passo à frente no processo de fortalecimento de nossas instituições públicas de expansão da democracia que inclui novas demandas ligadas a questões de gênero de sexo de etnia de região e de geração e de consolidação da própria trajetória da cidadania Uma das grandes novidades é a existência de novos clamores em favor dos direitos civis os direitos à diferença evocados por uma série de movimentos sociais como o movimento negro o movimento LGBT o movimento quilombola o movimento feminista entre tantos outros Tardou mas uma nova agenda levou a que mais e mais brasileiros imaginassem uma cidadania que não se limitasse ao direito à igualdade mas também demandasse o direito à diferença na igualdade Marco de um novo passo à frente na construção democrática é a instauração da Comissão Nacional da Verdade CNV em novembro de 2011 para investigação das violações de direitos humanos cometidas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988 por agentes do Estado11 No dia 10 de dezembro de 2014 a CNV entregou seu relatório final à presidente Dilma Rousseff A importância simbólica desse ato é inegável representa a afirmação de um direito da cidadania brasileira na elaboração de uma memória coletiva sobre as graves violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar Em seu relatório a CNV também pôs em discussão o caráter bilateral da Lei de Anistia ao recomendar a punição dos torturadores esse é um crime que a anistia não apaga A CNV porém não cumpriu a função de tocar no ponto central da memória e da verdade factual dos fatos e eventos que é a verdade da política o acesso aos arquivos de documentos que permanecem sob a guarda das Forças Armadas em especial os arquivos microfilmados a partir de 1972 pelos órgãos de informação e repressão das três forças militares eles continuam praticamente inacessíveis e uma grande oportunidade se perdeu A frustração que pode advir dessa perda não é desimportante sublinha os recuos e as dificuldades encontradas até hoje pelos governantes brasileiros após 1985 incluindo o mandato de Dilma Rousseff uma exguerrilheira que foi presa e torturada para impor no país a proeminência civil do governo democrático História não é mesmo conta de soma de dois mais dois e historiador nada tem de futurologista ou leitor de búzios Na verdade ela pouco se parece com uma mecânica somatória ou processo progressivo menos ainda previsível O fato é que muitas características do passado insistem em continuar presentes retornam e não desaparecem por efeito de decreto ou boa vontade A miséria se mantém assolando importante parcela da população e a despeito dos tantos progressos realizados continuamos apresentando índices que nos colocam entre os países campeões no quesito desigualdade social Em muitos lugares mulheres ganham menos trabalhando nas mesmas funções que seus colegas do sexo masculino e continuam altos os índices de crimes da paixão eufemismo para definir as práticas violentas que ainda marcam as diferenças de gênero no país Se os novos arranjos familiares de diversidade sexual e de gênero são cada vez mais abertamente defendidos ainda somos vítimas em todo o país de distintas formas de fobia práticas sexistas e abusos que geram muitos atos violentos cuja base é a intolerância à diferença Negros morenos e pardos seja lá o nome que se quiser dar apesar da aplicação de novas políticas de ação afirmativa ainda conhecem a realidade da discriminação racial expressa nos índices diversos no trabalho e na educação nas taxas de mortalidade de criminalização na justiça e até mesmo no lazer As chances continuam desiguais além das manifestações cotidianas de racismo expressas em locais públicos como restaurantes clubes teatros estádios de futebol e nos mais privados Nações indígenas vão aos poucos sendo reconhecidas em seus direitos à propriedade e à diferença mas o limite permanece inscrito na legenda do desenvolvimento econômico quando se anulam as prerrogativas anteriores Por fim se a tortura desde os anos 1980 não é mais uma política de Estado ela continua disseminada nas práticas privadas ou mesmo acobertada nas delegacias e nas investidas policiais em bairros da periferia onde a escala de violência e de humilhação é ainda maior e sobretudo contra jovens negros Diante dessas situações fica exposta a cidadania precarizada de certos grupos sociais e as práticas de segregação a que continuam sujeitos É nesses momentos que a regra democrática permanece suspensa Até parece que o passado escravocrata mais distante e o autoritarismo nem tão longínquo deixaram uma marca incontornável do arbítrio e do ajuste de contas privados ou delegados ao outro que incorpora a autoridade O pior é que a prática atravessa diferentes classes sociais não sendo monopólio de um grupo ou estrato São várias as questões que tornam este livro uma obra aberta O Brasil consolidará a República e os valores firmados na Constituição de 1988 Conseguirá manter um crescimento sustentável sem dilapidar suas riquezas naturais Que papel desempenhará no cenário internacional Claro que não há por que transformar uma conclusão num ponto final muito menos numa cartilha de uso imediato Toda história é aberta plural e permite muitas interpretações A que tentamos desenhar aqui mostrou o quanto vem sendo difícil a nossa construção cidadã De toda forma os desafios para que se altere o imperfeito republicanismo do Brasil são muitos a sua persistente fragilidade institucional a corrupção renitente o bem público pensado como coisa privada A grande utopia quem sabe ainda seja acolhermos os valores que têm como direção a construção do que é público do que é comum Talvez comece nesse desafio mais um capítulo na história do Brasil Afinal feita a opção democrática também a República pode recomeçar Belo Horizonte e São Paulo 15 de janeiro de 2015 PS Quando o livro já estava indo para a gráfica acompanhamos como todos no Brasil e mesmo no exterior as manifestações dos dias 13 e 15 de março de 2015 Mais uma vez brasileiros ocuparam o espaço público na qualidade de cidadãos apostando nos valores republicanos A história tem corrido rápida acelerada nesses dias e nossa conclusão só pode ser mesmo um convite aberto 1 Homens conversando em banco de praça fotografia de Vincenzo Pastore São Paulo c 1910 IMS Nação mestiça tramada no diálogo das cores mas também no conflito de raças no sentimento de liberdade mas também na insuficiência de igualdade o Brasil se fez mesclado heterogêneo erigiu pontes culturais e muros sociais Na fotografia dois negros vestem paletó um preto e o outro branco usam sapatos e conversam distraídos de costas para um anúncio que vende justamente calçados Mas nada há de ingênuo na foto Num país que tardou a abolir a escravidão o uso de sapatos tornouse símbolo de liberdade sendo os mesmos exibidos com orgulho pelos novos libertos 2 Fotografia de Lima Barreto autor desconhecido 1909 BBGJM Nascido exatos sete anos antes da assinatura da Lei Áurea Afonso Henriques de Lima Barreto foi testemunha ocular de uma transição política fundamental na história do Brasil Crítico mordaz das teorias raciais que continuaram presentes no recéminstituído regime republicano Lima Barreto se autodefinia no início do século XX como um escritor militante Além do mais caracterizou sua literatura como negra isso num país que insiste apesar do evidente predomínio da população negra em se ver e representar como branco 3 Missa campal celebrada em Ação de Graças pela abolição da escravatura no Brasil fotografia de Antônio Luiz Ferreira 17 de maio de 1888 IMS Quatro dias depois da assinatura da lei que aboliu o regime de escravidão no Brasil uma multidão de cerca de 20 mil pessoas entre brancos negros e mulatos lotou o Campo de Santana no Rio de Janeiro para a cerimônia de comemoração do ato À esquerda vêse a família real com a princesa Isabel postada bem ao centro de uma tenda especialmente confeccionada para abrigála A despeito de sua importância contudo a Lei Áurea não rompeu a rígida estratificação da sociedade naturalizada após séculos de escravidão 4 Manifesto antropófago de Oswald de Andrade Revista de Antropofagia1928 BBGJM O Manifesto antropófago de Oswald de Andrade converteuse numa espécie de bandeira do modernismo brasileiro Composto de vários aforismos ele foi lido pela primeira vez em 1928 na casa de Mário de Andrade e publicado na Revista de Antropofagia Misturando poesia com muito bom humor e trazendo referências a autores como Freud Marx Breton Picabia Rousseau e Montaigne Oswald combinava ainda passagens retiradas das diferentes culturas formadoras do Brasil Contra todos os importadores de consciência enlatada o texto metaforizava o costume canibalista dos nativos da Terra Brasilis sugerindo a ingestão crítica do cardápio de ideias vindo de fora e sua deglutição adequada à realidade do país 5 Rua da Liberdade São Paulo fotografia de Claude LéviStrauss c 1937 IMS O Brasil é um país de ambiguidades em que o arcaico se prolonga no moderno é avançado e retrógrado urbano e rural rico e pobre contempla conflito e brandura casagrande e senzala O etnólogo francês Claude LéviStrauss que aqui esteve de 1935 a 1939 captou nesta foto a tensão entre extremos O bonde lotado de senhores de terno convive com o gado que lentamente anda pela rua apressada da cidade numa combinação de temporalidades e diferentes perspectivas de modernidade 6 Carta ao rei d Manuel dando notícias do descobrimento da terra de Vera Cruz hoje Brasil pela armada de Pedro Álvares Cabral manuscrito de Pero Vaz de Caminha 1º de maio de 1500 ANTT A carta de Pero Vaz de Caminha é o primeiro registro escrito da história oficial do Brasil No documento Caminha escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral comunica ao rei d Manuel I 14691521 o descobrimento de novas terras Redigida onde hoje é a cidade de Porto Seguro Bahia e datada de 1º de maio de 1500 a carta foi levada pelo comandante Gaspar de Lemos a Lisboa de cujos arquivos desapareceu Só seria recuperada em 1773 e apenas em 1817 foi publicada no Brasil A exuberância natural dos trópicos apresentada pelo escrivão abalou o imaginário europeu O Novo Mundo era de fato completamente novo Caminha ele próprio um exímio narrador dá ao achado o tom de excepcionalidade e descreve o local como um novo paraíso 7 Memória das Armadas que de Portugal passaram à Índia ou Livro das Armadas da Índia autor desconhecido c 14971640 ACL Apesar do tom triunfalista do discurso lusitano sobre as grandes navegações o sucesso resultou de um longo processo de tentativas que envolveram muitos prejuízos e naufrágios É certo que esse método experimental possibilitou o desenvolvimento científico e tecnológico das embarcações mas os avanços não tornaram as viagens menos arriscadas nem abrandaram o imaginário a respeito do alémmar Neste documento o orgulho dos portugueses vem expresso na representação dos diversos tipos de embarcação 8 Imagem do Novo Mundo xilogravura aquarelada à mão de Johann Froschauer c 1505 publicada em Mundus Novus de Américo Vespúcio BPNY A América précabralina era habitada por uma enorme variedade de grupos indígenas que se distinguiam sobretudo pelos troncos linguísticos e por suas culturas Mas os europeus transformaram o diferente em falta Exemplo disso foram as representações visuais da época Num momento em que era melhor ouvir dizer do que ver vingou a imaginação com os índios apresentados como guerreiros e bárbaros devoradores de humanos Ao fundo naves portuguesas vêm trazendo a civilização europeia 9 Terra Brasilis Tabula hec regionis magni Brasilis Lopo Homem mapa manuscrito desenhado e iluminado sobre pergaminho c 151519 BNF Em 1517 d Manuel I rei de Portugal concedeu a Lopo Homem cartógrafo e cosmógrafo luso um alvará que lhe outorgava o direito de estabelecer as rotas marítimas para as embarcações do Império Revalidada em 1524 a concessão permitiu que o cartógrafo viajasse pelo mundo e ajudasse na demarcação do Tratado de Tordesilhas No mapa que fez da Terra Brasilis caprichou nas naus portuguesas com suas bússolas de orientação e figurou papagaios simbolizando a nova terra e indígenas em guerra no território recémdescoberto Não se esqueceu do paubrasil que utilizado pelos nativos na produção artesanal e na coloração de enfeites logo despertou o interesse da metrópole 10 Gravura retirada do livro Duas viagens ao Brasil de Hans Staden publicado por Andres Colben Marburgo 1557 FBN Durante dez longos meses Hans Staden permaneceu como refém numa aldeia tupinambá Lá dedicouse a não ser comido e a compreender o significado cultural dos rituais antropofágicos A ilustração destaca a bravura dos prisioneiros que tanto impressionou o viajante Antes de ser morto o corajoso guerreiro digno de ser devorado insultava seus algozes e gritava que seria vingado pelos membros de sua tribo Esse era o princípio da antropofagia que mais que um costume alimentar constituía uma prática ritual de troca entre iguais 11 Mulheres e crianças da tribo tomam mingau feito com as tripas do prisioneiro sacrificado Théodore de Bry 1592 BMA Théodore de Bry um ourives gravurista e propagandista huguenote que jamais pisou na América transformouse no mais famoso gravurista de sua época Especializado em retratar com muita imaginação os costumes das terras distantes ilustrou o volume escrito por Jean de Léry sobre o Brasil Porém diferentemente do viajante destacou o canibalismo das populações dessas terras figurando mulheres gulosas a lamber os dedos Representouas como as bruxas da convenção pictórica ocidental por vezes velhas de peitos caídos por vezes moças luxuriosas que lideravam o ritual A imagem lembra um banquete mas as analogias vinculavam a prática ao inferno 12 Frontispício do Catecismo brasílico da Companhia de Jesus Miguel Deslandes Lisboa 1686 segunda impressão BBGJM Incumbidos do papel missionário os portugueses viam a catequese nas terras desconhecidas como fundamental Num contexto de refluxo da Igreja católica na Europa por conta das Reformas protestantes os jesuítas cuja meta era a conquista de novos fiéis passaram a cristianizar os ameríndios Para tanto aprenderam as línguas nativas e nelas redigiram cartilhas e materiais religiosos o que propiciou o diálogo mas também muitos malentendidos em virtude das grandes diferenças culturais 13 América gravura colorida à mão reproduzida no Grande Atlas de Johannes Blaeu 1662 BI A descoberta do Novo Mundo de fato inundou o imaginário europeu dividido entre o éden e o inferno Como os nativos americanos não legaram registros impressos as representações a que temos acesso são europeias pautadas por convenções ocidentais Lugar para a projeção alheia a América concentrou estereótipos de indígenas decaídos mas também edenizados e tendeu a misturar tudo alegorias clássicas animais fantásticos e indígenas escravizados 14 Nova et Accurata Brasiliae Totius Tabula mapa de Johannes Blaeu 1640 IHGB O mapa representa a faixa litorânea brasileira dividida em catorze parcelas distribuídas entre doze nobres portugueses para que as administrassem em nome do rei Assim começou o sistema de capitanias hereditárias No interior estão assinalados rios montanhas e florestas alguns conhecidos outros imaginários além das nações indígenas encontradas nos territórios Guairá Tupiniquim Caeté Tupinambá Aimoré Tapuia 15 Warhafftige abbildung von einnehmung der stadt S Salvador in der Baya de Tódos les Santos gravura de Nicolau Vischer 1624 FBN A passagem do trono português à Coroa espanhola em 1580 levou a aliada Holanda a se tornar inimiga Os holandeses ressentidos por não terem sua independência reconhecida pela Espanha procuraram invadir Salvador por três vezes entre 1604 e 1627 Na segunda tentativa em 1624 lá se instalaram até que uma grande frota lusitana os expulsou no ano seguinte Na imagem vemos Salvador com sua topografia acidentada uma cidade alta e uma cidade baixa ligadas por becos estreitos ser tomada por uma armada holandesa e a fumaça alegórica da guerra 16 Paisagem com plantação O engenho óleo sobre madeira de Frans Post sd MBB Os primeiros engenhos de açúcar começaram a se espalhar em Pernambuco por volta de 1535 No início o termo engenho era empregado para denominar as instalações de moagem da cana Com o decorrer do tempo passou a designar o complexo açucareiro de maneira geral terras edificações lavouras e o local de mando Nesta tela Frans Post retratou tudo a partir de uma interpretação idílica O artista nascido em 1612 na cidade de Leiden encantouse com os trópicos plácidos de Pernambuco Maranhão e Bahia Céus azulclaros pequenas figuras e casarios isolados conferiam harmonia às terras desconhecidas 17a Mulher tapuia óleo sobre tela de Albert Eckhout 1641 MND 17b Homem tapuia óleo sobre tela de Albert Eckhout 1641 MND Albert Eckhout 161866 esteve na capitania de Pernambuco durante o domínio holandês e especializouse em registrar o território a natureza e os nativos locais As ilustrações do artista devolvem também as visões de época uma vez que Eckhout oferecia à sua clientela o que ela desejava ver as práticas exóticas daquelas gentes Na imagem da mulher tapuia o pintor holandês incluiu a mão e o pé de um inimigo morto numa clara alusão ao canibalismo e à curiosidade mórbida que cercava tal prática a qual aliás Eckhout não verificou in loco Este casal pertence a uma série que compreende outros grupos Brasilianen Tapuya africanos mulatos e mamelucos 18 Mercado de escravos em Pernambuco aquarela sobre papel de Zacharias Wagener 1641 SK O tráfico de escravos criou uma rede comercial que interligou várias partes do mundo e representou o maior fluxo migratório forçado da história até o século XIX Na colônia holandesa em Pernambuco tal mercado era suprido por africanos trazidos de Angola e da Guiné Artistas como Zacharias Wagener 161468 desenhista e cartógrafo que se transferiu para o Recife em 1634 como soldado da Companhia das Índias Ocidentais e permaneceu por lá durante o governo de Maurício de Nassau tinham porém dificuldades em retratar negros O motivo poderia ser pictórico e relativo à falta de experiência mas também de fundo moral 19 Prise de RioJaneyro A esquadra de DuguayTrouin gravura de Drouet baseada no desenho de Ozanne sd BAS Depois das tentativas fracassadas de assentar colônias no território português nos séculos XVI e XVII os franceses continuaram investindo contra a costa brasileira em particular no Rio de Janeiro Em 1711 foi a vez de DuguayTrouin comandante de uma frota de corsários que precisou de apenas uma semana para tomar a cidade O francês exigiu então um resgate milionário pago pelo governador em barras de ouro 20 Pressoir à sucre au Brésil nanquim sobre lápis de Frans Post c 163744 MRBAB Grande parte dos escravizados que aqui desembarcaram durante os séculos XVI e XVII foi destinada à produção açucareira Uma vez no engenho seu trabalho seria exaustivo O caldo da cana era extraído nas moendas e cozido em tachos de cobre Em seguida era purgado em fôrmas cônicas de barro os pães de açúcar onde o açúcar se depositava Depois de secos os açúcares branco e mascavo estavam prontos para o comércio Neste desenho do século XVI um pequeno senhor com seu chapéu e roupas a distinguilo inspeciona os serviços e a bananeira no canto inferior à dir parece simbolizar que estamos decididamente nos trópicos 21 Conquistas dos Campos de Guarapuava Cappitão Carneiro que passou alem do rio com outros Camaradas ficando estes mortos veyo fogindo guache e aquarela de Joaquim José de Miranda séc XVIII CBMPC Parte de um conjunto de 38 aquarelas atribuídas a Joaquim José de Miranda e elaboradas de 1771 a 1773 o desenho descreve o confronto final no Paraná entre a expedição comandada pelo tenentecoronel Afonso Botelho de São Paio e Sousa e os índios Kaingang Devido à sua suposta índole insubmissa empreendeuse uma verdadeira política de genocídio do grupo Na aquarela porém são os Kaingang que assassinam os brancos Este é um exemplo da imagem de colonização pacífica que os portugueses procuravam divulgar silenciando sobre o extermínio de indígenas 22 Detalhe do mapa Praefecturae Paranambucae pars Meridionalis de Georg Marcgraf e Gaspar Barlaeus 1647 BDCHUSP Não restaram muitas representações de Palmares a maior comunidade de escravos fugidos e possivelmente a que sobreviveu por mais tempo na América portuguesa Evento exemplar da luta dos cativos no Brasil Palmares passou a designar uma extensa confederação de quilombos Na figura destacase o trabalho coletivo marca desse tipo de assentamento 23 Gravuras de Relation dun voyage Fait en 1695 1696 1697 aux Côtes dAfrique Détroit de Magellan Brezil Cayenne Isles Antilles par une Escadre des Vaisseaux du Roy commandée par M de Gennes de Froger 1698 BNF Parte importante da história do tráfico de escravos transcorria já na costa africana nações inteiras muitas vezes em guerra eram aprisionadas e comercializadas Ainda nesse contexto idealizaramse verdadeiros manuais para padronizar as regras de comércio e ensinar uma série de castigos cujo objetivo era incutir o medo e a obediência dentro do sistema escravocrata Neste raro documento do século XVII vemos como eram rotinizadas as regras do bem submeter 24 Planta do quilombo chamado Buraco do Tatu para a costa da Itapoam autor desconhecido 1764 AHU O Buraco do Tatu localizavase nas adjacências de Itapuã próximo a Salvador Um dos poucos mapas que sobreviveram revela que esse quilombo tinha menos de uma centena de moradores e era formado por 32 cabanas retangulares ordenadas em fileiras e cortado por uma grande rua central Cada cabana abrigava uma família e o formato arredondado da aldeia remetia às vilas do Nordeste da África paliçadas armadilhas dissimuladas por folhas árvores frutíferas e pequenas hortas O mapa também inclui minúsculos personagens negros representados trabalhando ou protegendo seu refúgio 25 Batalha dos Guararapes óleo sobre tela de autor desconhecido 1758 MHN As tropas holandesas e lusobrasileiras enfrentaramse nos montes Guararapes em 1648 e em 1649 Nas duas ocasiões as bem treinadas forças da Holanda foram derrotadas por uma milícia local formada por índios negros e brancos da colônia portuguesa As batalhas travadas nos Guararapes são consideradas decisivas para a expulsão dos holandeses que ainda levaria cinco anos para se concretizar Os henriques ou milícias negras uma tropa composta de escravos e forros representada à esq da tela em primeiro plano tiveram grande destaque nos confrontos A bravura dos soldados rendeu ao seu comandante Henrique Dias ele próprio filho de negros libertos uma condecoração da Ordem de Cristo e o título de governador dos crioulos negros e mulatos 26 Coroação de um rei nos festejos de Reis Carlos Julião sd FBN Do continente africano vieram povos variados balantas manjacos bijagós mandingas jalofos Com eles chegaram também diversas tradições religiosas que ganharam novos significados ao entrar em contato com o catolicismo Carlos Julião 17401811 engenheiro do exército colonial foi um artista lusoitaliano que atuou no Brasil como inspetor de fortalezas Na falta de registros visuais do cotidiano Julião converteuse num dos mais conhecidos desenhistas da colônia retratando diferentes costumes Aqui vemos a eleição de um rei africano saudado em meio a uma procissão 27 Mapa das Minas do ouro e São Paulo e costa do mar que lhe pertence engenheiro Pedro Gomes Chaves 1714 FBN A descoberta do ouro no fim do século XVII foi fruto das inúmeras bandeiras que partiam da vila de São Paulo de Piratininga para o interior do país As Minas passaram então a representar o sonho de enriquecimento fácil estradas vilas e fazendas surgiram em ritmo vertiginoso com a chegada de cada vez mais colonos e europeus A organização social e econômica que se estabeleceu era inédita na colônia e os mapas começavam a demarcar com cuidado a rica região 28 Modo como se extrai o ouro no Rio das Velhas e nas mais partes dos Rios autor desconhecido c 1780 IEBUSP A mineração de profundidade foi apenas uma das muitas técnicas utilizadas para extrair as riquezas das Minas A Coroa portuguesa almejava encontrar grandes reservas de ouro e diamantes as quais quando descobertas asseguraram lucros consideráveis A maior parte do trabalho era realizada por escravizados que chegavam em quantidades cada vez maiores proporcionais à demanda por ouro Na imagem o funcionamento das chamadas rodas de rosário enquanto os trabalhadores carregam na cabeça o ouro e o cascalho levandoos para processamento 29 Nossa Senhora do Rosário autor desconhecido séc XVIII MI No auge da exploração aurífera nas Minas era preciso encontrar artifícios cada vez mais eficientes para escapar ao controle severo da Coroa portuguesa Um deles foi o santo do pau oco famoso em todo o Brasil sobretudo em Minas Gerais Os contrabandistas usavam figuras religiosas como esta Nossa Senhora do Rosário para esconder o ouro e transportálo em segurança driblando a vigilância do fisco O contrabando não impedia porém o apuro e o requinte das peças que traziam o rebuscamento do Barroco tardio mineiro 30 Capela de São Francisco da Penitência Ouro Preto pintura de Manuel da Costa Ataíde sd Além das obras de Aleijadinho a igreja de São Francisco de Assis conta com as pinturas de outro grande artista do Barroco mineiro Manuel da Costa Ataíde mais conhecido como mestre Ataíde que nasceu em 1762 em Mariana onde morreu em 1830 Foi militar e sobretudo um celebrado pintor e decorador que se destacou pelo uso de cores vivas logo associadas à exuberância dos trópicos Nos seus desenhos muitas vezes madonas santos e anjos têm traços mestiços e características locais Na imagem vemos o teto da capelamor decorado com uma representação de Nossa Senhora da Porciúncula rodeada de anjos encarregados de executar um concerto musical 31 Detalhe da fachada da Igreja São Francisco de Assis atribuído a Aleijadinho séc XVIII MI A igreja de São Francisco de Assis um dos marcos da cidade de Ouro Preto foi projetada e ornamentada por Aleijadinho que recebeu a encomenda do risco para a edificação em 1766 Escultor entalhador e arquiteto Antônio Francisco Lisboa nasceu entre 1730 e 1738 em Ouro Preto e aí faleceu em 1814 Pouco se sabe sobre a vida desse artista que ganhou o apelido depois de ter sido acometido por uma doença degenerativa Aleijadinho foi capaz de transmitir sua criatividade a obras que sintetizam a arte das Minas do século XVIII numa combinação inédita das convenções europeias com o ambiente cultural das cidades mineradoras 32 Altarmor da Igreja de Nossa Senhora do Ó Sabará MG pinturas atribuídas a Jacinto Ribeiro sd Nossa Senhora do Ó é uma simplificação foi esse o nome que os mineiros escolheram para invocar Nossa Senhora da Expectação do Parto também chamada de Nossa Senhora da Esperança O excesso de ouro laminado que recobre o altarmor realça as marcas próprias do Barroco e do auge da mineração no Brasil No centro do altar a imagem de Nossa Senhora com as mãos cruzadas sobre o peito está circundada de pássaros dourados pagodes e mandarins em painéis vermelhos desenhados a ouro São as chinesices os traços chineses talvez inspirados na louça que vinha de Portugal para as Minas 33 D Pedro Miguel de Almeida Portugal 16881756 terceiro conde de Assumar primeiro marquês de Castelo Novo e primeiro marquês de Alorna óleo sobre tela de autor desconhecido século XVIII FCFA D Pedro Miguel de Almeida Portugal Vasconcelos conde de Assumar chegou ao Brasil em 1717 como governador da capitania de São Paulo e das Minas do Ouro Era um homem truculento e autoritário mas também culto Tinha interesse no mapa político da Europa moderna acompanhava os debates que caracterizaram o pensamento sobre o poder em Portugal a teoria escolástica a ortodoxia católica o humanismo a soberania do poder régio E ainda demonstrava curiosidade pelas teorias dos homens de letras sobretudo na GrãBretanha e na França Com tudo isso não era de estranhar que Assumar fosse proprietário de uma livraria bem cultivada onde existia espaço aberto para as ciências os saberes profanos e era um pouco contaminada pela ilustração 34 Exvoto encomendado por Agostinho Pereira da Silva óleo sobre tela de autor desconhecido Igreja e Mosteiro de São Bento 1749 Salvador Como uma multidão antes dele Agostinho Pereira da Silva deixou para trás a vila do Lamego em Portugal e se mandou para as Minas buscando o ouro fácil que brotava dos rios A imagem um exvoto narra as peripécias que ele viveu nessa aventura Enfrentou toda sorte de perigos como as cobras enormes no alto da imagem à esq e o cenário selvagem Para seu azar chegou às Minas durante a Guerra dos Emboabas o conflito que opôs paulistas e portugueses pelo controle da capitania possivelmente a vila de Sabará ou Caeté no centro da imagem Agostinho só escapou por invocar Nossa Senhora dos Remédios no alto à dir O exvoto encomendado por ele no fim da vida no detalhe embaixo à esq era em paga da graça recebida tornarse sacerdote e sobreviver a tantas aventuras 35 Forro da Capela do Nosso Senhor do Bom Jesus de Matozinhos Serro MG pinturas atribuídas a Silvestre Almeida Lopes 1797 A pintura do forro do teto da capela de Nosso Senhor Jesus de Matosinhos na cidade do Serro é atribuída a Silvestre de Almeida Lopes um artista de origem negra nascido em Arraial do Tejuco atual Diamantina Emoldurado por conchas flores e anjos no melhor estilo rococó o medalhão central retrata o episódio do recolhimento do Cristo crucificado na praia de Matosinhos em Portugal Mas o pintor explicitamente mistura tudo o homem que acolhe Cristo está trajado como um sanscullote e usa um gorro semelhante a um barrete frígio e o prédio ao fundo evoca a Bastilha todas alusões às francesias os princípios de liberdade da Revolução Francesa que começaram a circular na América portuguesa a partir de 1789 36 Detalhe de painéis da Igreja de Santa Efigênia Ouro Preto sd Reza a lenda que na Igreja de Santa Efigênia em Ouro Preto o visitante pode ouvir vozes conversando em dialeto africano já que nesse local se prestava devoção a santos e a alegorias negras confirmando a presença dos africanos na formação do Barroco mineiro Seus painéis trazem pinturas em duas cores nanquim azulada e areia com episódios da vida cotidiana No detalhe quem sabe um comerciante esteja se defendendo de um previsível ataque de salteadores que infestavam o Caminho Novo a estrada que ligava as Minas ao Rio de Janeiro e por onde circulava boa parte da riqueza da capitania 37 Panfleto contendo a Declaração dos princípios revolucionários e relação dos que compartilham deles manuscrito de autor desconhecido 1798 APEB Um Aviso era um tipo de panfleto por meio do qual os conjurados baianos informavam à população sobre o andamento da conjura e as linhas mestras de seu programa político O Aviso ao lado declarava que já existiam em Salvador 676 conjurados que seguem o partido da liberdade dizia o texto os quais eram em sua maioria militares provenientes do exército colonial e das tropas milicianas e estavam preparados para a qualquer momento desfechar uma ação armada 38 Visão de Tiradentes ou O sonho de liberdade óleo sobre tela de Antônio Parreiras 1926 UFMG Tiradentes foi um herói sem face A despeito de conhecermos sua importância durante a Conjuração Mineira as imagens que guardamos dele foram todas imaginadas e produzidas a partir de fins do século XIX Por isso foram elas que o converteram numa espécie de Cristo a barba o cabelo as vestes mas igualmente em herói republicano perseguido pela monarquia O momento era outro e o herói também Nesta bela tela do artista acadêmico Antônio Parreiras Niterói 1860 1937 Tiradentes é imortalizado como herói da República 39 D Maria I óleo sobre tela de Miguel Antônio do Amaral sd PNQ D Maria I que subiu ao trono português em 1777 empreendeu uma política de Estado conhecida como a Viradeira Opôsse frontalmente ao marquês de Pombal e a quase todos os seus feitos Seu governo também reprimiu com mão forte os movimentos insurretos da colônia como os de Minas e de Salvador Porém logo após a morte precoce do filho herdeiro d José a rainha começou a apresentar sinais de demência e deixou de exercer suas funções que foram sendo assumidas paulatinamente pelo príncipe regente d João 40 S M ElRei d João VI de Portugal e toda a Família Real embarcando para o Brasil no cais de Belém em 27 de novembro de 1807 autor desconhecido FBN Diante do aumento das tensões geradas pelo embate entre Inglaterra e França Portugal viu ameaçada sua posição de neutralidade A França enviou tropas sob o comando do general Junot exembaixador em Lisboa à fronteira portuguesa o que levou a corte a embarcar para o Brasil às pressas em 1807 A transferência da monarquia lusa foi um empreendimento tão inédito como inesperado e as imagens de época retratam o nervosismo do momento a despeito da pretensa tranquilidade de d João figurado ao centro da gravura 41 Sir William Sidney Smith 17641840 Adimiral at Acre gravura de John Eckstein 1808 UKGAC Sir Sidney Smith conhecido pela alcunha de Leão do Mar foi um dos comandantes navais mais admirados e temidos da Inglaterra Depois de tomar parte numa série de batalhas em defesa da GrãBretanha foi designado para comandar a esquadra que acompanharia a família real portuguesa na sua travessia para o Brasil Esta gravura de 1808 confere a Smith a aura de intrépido herói nacional 42 Alegoria da vinda de D João desenho a nanquim aguada de I A Marques sd FBN Ante a ameaça à segurança nacional o governo de d João pôs em prática um plano antigo várias vezes mencionado mas nunca antes realizado a transferência da sede do Império lusitano para a América Enquanto no dia a dia a situação era tensa nas imagens oficiais o monarca surgia seguro calmo e iluminado pelos deuses de todos os tempos Ao fundo as caravelas igualmente abençoadas pelas luzes divinas estão prontas para um futuro que ao menos nas projeções da monarquia parecia predestinado 43 Boqueirão e arcos da Lapa óleo sobre tela de Leandro Joaquim c 1790 MHN O Rio de Janeiro não estava preparado para receber a corte portuguesa Transformada em capital da colônia em 1763 a cidade era ainda uma vila pacata e é isso que Leandro Joaquim deixa transparecer em seus quadros Cenógrafo pintor e arquiteto era mulato e viveu entre 1739 e 1798 sempre no Rio Pintou obras de temática religiosa retratos e criou cenários para teatros Suas telas mais conhecidas são elípticas feitas para decorar um dos pavilhões do Passeio Público parque desenhado por Mestre Valentim Seis delas sobreviveram Na imagem aparecem os Arcos da Carioca 44 D João et dona Carlota Joaquina passant la Quinta de Boa Vista près du Palais de São Cristóvão óleo sobre tela de NicolasAntoine Taunay 181621 MNUFRJ Em 1816 chegou ao Rio de Janeiro um grupo de artistas franceses todos excolaboradores de Napoleão e a essa altura desempregados O objetivo era engrandecer a corte de d João transitoriamente estacionada em sua colônia tropical Acostumado a enaltecer o Estado o grupo faria o mesmo no Brasil Nesta tela por exemplo Taunay capta ao fundo o Paço Imperial e à frente na carruagem iluminados d João e d Carlota Joaquina numa visão romântica de um casal que sabidamente vivia separado Interessante é que Taunay incluiu a si próprio na pintura fazendo reverência junto com um escravo à passagem do veículo 45 Retrato da rainha d Carlota Joaquina óleo sobre tela de Nicolas Antoine Taunay c 181621 PNQ D Carlota Joaquina 17751830 esposa de d João VI foi figura importante nas articulações políticas realizadas nas colônias americanas às vezes a favor de Portugal às vezes contra Única herdeira adulta do trono de Carlos IV na Espanha assumiu a defesa da dinastia após as invasões napoleônicas mesmo habitando terras brasileiras Jamais gostou do Brasil e vivia às turras com seu marido Taunay artista francês que esteve no Brasil de 1816 a 1821 não conseguiu disfarçar as feições do modelo 46 Vista do largo do palácio no dia da aclamação de d João VI litografia sobre papel de JeanBaptiste Debret 1839 BBGJM O fim da Revolução Pernambucana de 1817 representou a oportunidade para que se realizasse em 1818 a aclamação de d João como o legítimo rei de Portugal Brasil e Algarves O monarca aguardava ansioso a concretização do ato desde 1816 ocasião da morte de sua mãe Por isso recursos não foram poupados Já Debret se esmerou em dar uma imagem popular ao evento figurou uma multidão que não existiu acenando para o novo monarca postado na sacada Todos estão de costas para que a cena se assemelhe a um ritual europeu sem que seja revelada a cor negra da maioria da população 47 Alegoria para aclamação de d João VI aquarela de JeanBaptiste Debret 1818 MCM e IPHAN As várias cerimônias organizadas para celebrar a aclamação de d João VI em 1818 ocuparam toda a cidade do Rio de Janeiro e arrombaram os cofres públicos Muitas foram as alegorias que procuraram dar história longa a um evento movido pelas pressões do contexto Nesta pequena e rara alegoria vemos uma clara mestiçagem de elementos inaugurais d João parece uma efígie da Antiguidade sendo coroada por um indígena idealizado e por um cavaleiro medieval negro Nada como criar tradições por meio das imagens visuais e oficiais 48 Revista das tropas destinadas a Montevidéu na Praia Grande óleo sobre cartão colado sobre tela de JeanBaptiste Debret 1816 PESP A província da Cisplatina que corresponde hoje ao Uruguai pertencia ao Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves Vários desentendimentos ocorreram a partir de 1816 devido à interferência brasileira nos conflitos pela independência da província e à disputa por territórios na Bacia do Rio da Prata que garantiriam o controle do estuário Debret inspirado numa das telas do pintor francês JacquesLouise David a que mostra Napoleão à frente da batalha fez com ela um paralelo um tanto abusado na tentativa de elevar a valentia da corte portuguesa no país 49 Mercado da Rua do Valongo litografia sobre papel de JeanBaptiste Debret 1835 MCM BBGJM e IPHAN O tráfico de africanos converteuse num dos pilares da economia local O mercado de escravos da rua do Valongo no Rio de Janeiro era uma verdadeira feira ao ar livre e escandalizou os viajantes que vieram ao país entre os quais Debret que pintou escravos esqueléticos quase nus e crianças com barrigadágua tudo em contraste com o traficante sentado com suas formas roliças e ar de desdém e com o senhor retratado com seus símbolos de poder inscritos na postura arrogante e nas roupas botas bengala e chapéu 50 Conjunto de imagens de JeanBaptiste Debret Detalhe de Feitores castigando negros Acampamento noturno de viajantes Empregado do governo saindo a passeio Uma senhora brasileira em seu lar litografias em cores de JeanBaptiste Debret 1835 MCM e IPHAN Debret trouxe os escravos para o centro de suas aquarelas brasileiras Diferentemente dos portugueses que só se dedicavam a pinturas religiosas ele retratou o que viu e o que imaginou do dia a dia carioca Flagrou negros atléticos de corpo perfeito trabalhando e representou sem pejas a violência do sistema crianças negras comendo no chão filas indianas com o senhor à frente e os escravos no final e uma cena de sevícia que foi inclusive proibida na época pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB 51 Desembarque dEl Rei Dom João VI acompanhado por uma deputação das Cortes na magnífica praça do Terreiro do Paço em 4 de julho de 1821 regressando do Brazil gravura a buril ponteado de Constantino Fontes 1821 FBN Após treze anos no Brasil d João VI foi obrigado a retornar a Portugal A ocasião do desembarque em Lisboa revela o conflituoso cenário político lusitano se por um lado os vintistas impuseram uma Constituição a d João por outro as suntuosas cerimônias para celebrar o regresso do rei denotaram como a monarquia ainda guardava certo prestígio O lisboeta Constantino de Fontes 1777c 1835 era um gravador conhecido empregado da Imprensa Régia na capital desde 1810 Especializouse em realizar gravuras alegóricas dedicadas à Constituição de 1822 Esta cena é parte dessa história 52 Pano de boca executado para a representação extraordinária dada no teatro da Corte por ocasião da coroação de d Pedro I litografia sobre papel de JeanBaptiste Debret 1839 MCM BBGJM e IPHAN Partiu de José Bonifácio a iniciativa de contratar JeanBaptiste Debret para criar uma alegoria que serviria como o primeiro símbolo oficial do Brasil independente No cortinado do Teatro de São João local onde d Pedro faria seu discurso de posse o pintor francês retratou um grande cenário representativo do nascimento da nação Ela era mestiça e tropical a despeito de as alegorias da Antiguidade conferirem tradição ao ato inaugural 53 Detalhe de Retratos da arquiduquesa Leopoldina da rainha Carlota e da princesa Amélia litografia sobre papel de JeanBaptiste Debret 1839 MCM BBGJM e IPHAN A imperatriz de origem austríaca Maria Leopoldina 17971826 era naturalista por vocação Leopoldina teria também papel fundamental na Independência mas terminou a vida isolada da corte cada vez mais deprimida com os maustratos e as infidelidades de Pedro I Debret 17681848 bem no ano da chegada da princesa buscou imortalizar sua imagem a partir de uma indumentária refinada e um perfil altivo à moda das realezas europeias 54 Medalha com retrato de d Pedro I guache sobre marfim de Simplício Rodrigues de Sá 1822 MIMP Pintado no ano da Independência este medalhão carrega um retrato em que Pedro I diferentemente do régio imperador de outras representações do período aparece vestindo elegantes trajes civis No cenário ao fundo Simplício Rodrigues de Sá 17851839 artista originário de Cabo Verde mas com formação em Portugal discípulo de J B Debret no Brasil mais tarde nomeado pintor da Real Câmara e professor da Academia Imperial de Belas Artes flagrou a cidade de São Paulo que naquele momento guardava dimensões modestas 55 Independência ou morte ou O grito do Ipiranga óleo sobre tela de Pedro Américo de Figueiredo e Melo 1888 MPUSP O mais famoso quadro sobre a Independência do Brasil foi concluído apenas nos anos de Pedro II no ocaso do Império brasileiro em 1888 Vivendo um momento de crise o monarca buscou recuperar a magnitude do ato da emancipação e a figura do pai Pedro I encomendando a Pedro Américo 18341905 um dos seus artistas protegidos e financiados pelo Estado uma cena engrandecedora Nada corresponde à realidade as vestes de Pedro I e da corte a quantidade de gente o riacho do Ipiranga devidamente aproximado e até a colina mais elevada cuja inspiração veio de um quadro de Ernest Meissonier Batalha de Friedland em homenagem a Napoleão Bonaparte e seu exército Em nome da pátria Américo assassinou a geografia 56 Acclamação de S M o Snr d Pedro I Imperador Cal do Brasil de FélixÉmile Taunay século XIX FBN O pintor acadêmico FélixÉmile Taunay 17951881 busca nesta aquarela exaltar os festejos da aclamação de d Pedro I ocorrida no dia 12 de outubro de 1822 Uma monarquia independente bem no meio das Américas gerava desconfiança e representações como esta tiveram o papel de consolidar ao menos no imaginário a solidez dos símbolos pátrios Por isso o imperador surge bem ao centro segurando uma bandeira verde e amarela Félix capricha ainda na figuração da multidão toda vestida à europeia 57 Coroação de d Pedro I óleo sobre tela de JeanBaptiste Debret 1828 BAS A coroação de d Pedro I em 1º de dezembro de 1822 combinou elementos tradicionais europeus com aspectos idealizados a partir da realidade brasileira O ritual uniu costumes das realezas do Velho Mundo ao mesmo tempo que instituía novos símbolos As vestimentas do imperador coloridas de verde e amarelo e confeccionadas com materiais locais evidenciavam a mistura entre o tradicional e o brasileiro O mesmo fez Debret que copiou uma tela originalmente elaborada para a coroação de um monarca austríaco e a traduziu para o Brasil alterando o formato e a dimensão da igreja em que se realizou a celebração 58 Panfleto Às armas cidadãos setembro de 1821 BAS Lidos coletivamente em voz alta pregados nas paredes das casas afixados nos postes os panfletos manuscritos ou impressos invadiram ruas e praças de várias cidades brasileiras durante os agitados anos 1820 e 1823 Os papelinhos são documentos de valor histórico inestimável permitem a reconstituição dos episódios que resultaram na Independência e muitas vezes apresentam o ponto de vista dos sujeitos anônimos e comuns sobre a condução dos destinos do Brasil e de Portugal 59 Itu repele o emissário dos bernardistas de S Paulo detalhe pintura sobre azulejo de Antônio Luiz Gagni 1945 MPUSP As bernardas expressão que significa motim ocorridas em São Paulo em 1822 tiveram como origem disputas políticas envolvendo de um lado burocratas e comerciantes partidários do governo português e de outro liberais favoráveis à independência Mais de um século depois Gagni ceramista conhecido por suas composições de São Paulo colonial imortalizou a cena com argumentos republicanos 60 Entrada do Exército Pacificador em Salvador litografia de Bento José Rufino Capinam 1830 IGHB Após um ano de guerra as tropas lusas foram derrotadas na Bahia e abandonaram o território do Brasil na madrugada de 2 de julho de 1823 A cidade de Salvador foi ocupada pelas forças leais a d Pedro consolidando a Independência do país A mobilização da população baiana contra os portugueses contou com grupos das mais variadas origens sociais incluindo negros e pardos livres ou escravos associação que ficou conhecida na época como partido negro da Independência Bento José Rufino Capinam 17911874 pintor litógrafo dourador professor e cenógrafo brasileiro tratou de perpetuar o episódio da entrada do Exército Pacificador em cuja representação inseriu um vistoso arco do triunfo 61 Ezequiel Corrêa dos Santos autor desconhecido século XIX FBN Ezequiel Corrêa dos Santos foi um publicista exaltado rebelde das ruas e talvez o mais importante boticário e farmacêutico brasileiro do século XIX Nascido no interior do Rio de Janeiro em 1801 participou ativamente dos movimentos de protesto que ocorreram na corte como por exemplo a Rebelião do Sete de Abril de 1831 que levou à abdicação de Pedro I e à Revolta do Povo e Tropa em julho do mesmo ano Entre dezembro de 1829 e outubro de 1831 Ezequiel publicou o jornal Nova Luz Brasileira em cujas páginas defendia a República que no Brasil deveria vir travestida de uma monarquia democrática eletiva e temporária além de constitucional representativa e federalista 62 O juramento da Regência Trina Permanente óleo sobre tela de Manuel de Araújo PortoAlegre sd MIMP e IPHAN A Regência Provisória composta de três senadores eleitos às pressas assim que d Pedro I abdicou em favor de seu filho e deixou o país logo precisou ser substituída Em 17 de junho de 1831 foram eleitos o senador Francisco de Lima e Silva e os deputados José da Costa Carvalho e João Bráulio Muniz Esses políticos moderados seriam responsáveis por fortalecer o Estado e centralizar o poder Nesta tela o artista acadêmico Araújo PortoAlegre procura passar a ideia de estabilidade num contexto marcado pelo sentimento oposto 63 Teófilo Benedito Otoni autor desconhecido 182030 APM Teófilo Otoni sempre combateu o Império Em 1831 sublevou a cidade do Serro e exigiu a abdicação de Pedro I Durante o regresso conservador transformouse no Capitão da Casaca Branca um dos líderes da Revolução Liberal de 1842 Derrotado na Batalha de Santa Luzia preso e depois anistiado Otoni sonhou em criar uma cidade no sertão do vale do rio Mucuri que fosse capaz de negar o Rio de Janeiro a corte o próprio Império chamavase Nova Filadélfia Entre 1859 e 1863 seu nome apareceu cinco vezes na lista tríplice para o Senado três em primeiro lugar mas em todas as ocasiões o imperador o preteriu Somente em 1863 após muita polêmica Teófilo Otoni foi confirmado senador 64 Disposição das forças imperial e rebelde no ataque de Poncho Verde na província do Rio Grande do Sul litografia do Arquivo Militar 1843 A Batalha de Poncho Verde marcou o início do fim da Guerra dos Farrapos A mais longa das revoltas regenciais de 1835 a 1845 que ocorreu na então província de São Pedro do Rio Grande do Sul recusava a autoridade centralizadora do Império e defendia a República e o federalismo Em Poncho Verde os farrapos foram derrotados pelas tropas imperiais comandadas por Bento Ribeiro e Francisco de Abreu O mapa descreve a localização das forças inimigas e assinala as posições dos temidos esquadrões de cavalaria dos farrapos e da infantaria do Exército imperial 65 Livro contendo trechos em árabe do Alcorão encontrado preso ao pescoço de um rebelde durante o Levante dos Malês na Bahia 1835 APEB Em 1835 uma grande sublevação eclodiu em Salvador o Levante dos Malês nome pelo qual ficaram conhecidos na Bahia os africanos muçulmanos A religião estava entrelaçada com a revolta boa parte dos rebeldes saiu para lutar nas ruas com as compridas túnicas rituais brancas os abadás usadas pelos adeptos do islamismo e carregavam junto ao corpo amuletos com mensagens do Alcorão 66 Sections of a slave ship litografia de T Kelly 1830 BAS A imagem acima faz parte de um famoso documento intitulado Plan and Section of a Slave Ship produzido pela English Abolitionist Society e funcionou como propaganda antiescravagista No folheto descrevemse graficamente mas em detalhes características técnicas dos navios negreiros e as condições desumanas em que os africanos eram transportados 67 Hold of Brazilian Slave Ship Francis Meynell 1845 NMM O tráfico de escravos na época chamado de comércio infame ou comércio de almas representou uma das grandes contradições do Império e de uma maneira geral do Segundo Reinado A pressão externa pela abolição do tráfico só aumentou e entre 1839 e 1842 a Inglaterra liderou o movimento intensificando a apreensão de navios negreiros Em 1845 a chalupa britânica Albatross capturou o navio brasileiro Albanez com cerca de 750 escravos a bordo retratados pelo oficial da marinha Francis Meynell A superlotação e a falta de condições de higiene ficam evidentes nesta imagem de época 68 Aclamação de d Pedro II de JeanBaptiste Debret 1839 PESP A abdicação de d Pedro I em 1831 instaurou o período das Regências marcado por muitos experimentos políticos mas também por grande instabilidade social O herdeiro do trono então com cinco anos não poderia governar até atingir a maioridade A aclamação realizada pelo Poder Legislativo representou assim uma tentativa de reforçar a simbologia que o pequeno imperador carregava e minimizar os impactos das bruscas mudanças de governo Debret como sempre tentou ordenar a cena e capitalizar a imagem de uma concórdia popular Por isso figurou uma multidão interminável e dispôs o futuro monarca bem no centro da varanda do Paço 69 D Pedro II Manuel de Araújo PortoAlegre sd CMT A Regência de Araújo Lima as rebeliões e a radicalização dos projetos republicanos foram os fatores que impulsionaram a ascensão ao trono de um jovem de catorze anos que deveria salvar o Brasil Criado em 1840 pelos deputados liberais o movimento pela antecipação da maioridade de d Pedro II conhecido como Clube da Maioridade visava construir a imagem de um imperador maduro racional e politicamente decidido a despeito da sua pouca idade Na tela de PortoAlegre feita alguns anos depois destacase o desconforto da situação é visível a falta de equilíbrio entre o corpo do monarca que pende para um lado e seu rosto que parece disposto artificialmente por cima do tronco 70 D Pédro II empereur du Brésil autor desconhecido sd FBN A coroação do jovem imperador Pedro II em 1841 demandou verbas reformas e preparações que ocuparam todo o Rio de Janeiro As comemorações foram meticulosamente planejadas para demonstrar a suntuosidade da corte e oficializar a maioridade do herdeiro do trono Se a engenharia interna tentava disfarçar a pouca idade de Pedro no exterior foi esta a imagem oficial que circulou Nela fica evidente como tudo no monarca parecia grande demais o cetro o manto e até mesmo a coroa que fora de seu pai e havia sido reformada para a ocasião 71 Retrato de d Teresa Cristina óleo sobre tela de José Correia de Lima c 1843 MIMP A união de d Pedro II e Teresa Cristina foi o símbolo da consolidação da maioridade política do monarca Nesta pintura o artista brasileiro José Correia de Lima 181457 professor da Academia Imperial de Belas Artes esmerouse em retratar a princesa das Duas Sicílias em 1843 o ano de sua chegada ao Brasil Realçou o Vesúvio ao fundo e dedicouse a sublinhar os traços mais favoráveis de Teresa Cristina obliterando os negativos A princesa traz preso ao vestido um broche com o retrato de seu futuro noivo 72 A primeira missa no Brasil óleo sobre tela de Victor Meirelles de Lima 1860 MNBA A partir dos anos 1860 d Pedro II transformouse num mecenas das artes pagando pessoalmente pelo trabalho de artistas teatrólogos cientistas e literatos Vários membros da Academia Imperial de Belas Artes se dedicaram a representar em telas gigantescas os momentos importantes da política com vistas a desenvolver um sentimento ufanista Um dos grandes protegidos do monarca Victor Meirelles de Lima 18321903 foi comissionado para figurar o nascimento do Brasil Terminou na Itália esta obra que mostra o descobrimento como um encontro pacífico e ordenado de raças com a Igreja e o Estado ao centro e os indígenas curiosos aprovando a verdadeira fé Nada mais diferente da invasão e do genocídio que ocorreram nos idos de 1500 73 D Pedro II na abertura da Assembleia Geral óleo sobre tela de Pedro Américo de Figueiredo e Melo 1872 MIMP O pintor Pedro Américo outro protegido do monarca foi incumbido de produzir uma tela representando o imperador em ação paramentado cercado por políticos e familiares todos facilmente reconhecíveis e à frente do trono Louro branco e com pernas muito longas ele mais parece um exemplo do que se desejava para a nação Esta e outras obras tinham como objetivo esculpir a imagem de um monarca equilibrado autônomo governante de um Estado independente 74 Iracema óleo sobre tela de José Maria de Medeiros 1881 MNBA No final da década de 1870 o movimento romântico indigenista já presente na literatura chegou também à pintura que se apropriou da imagem do herói nativo para resgatar as origens brasileiras e fomentar o nacionalismo Em Iracema José M Medeiros 18491925 retratou a personagem da obra homônima de José de Alencar publicada com sucesso em 1865 como convinha à representação oficial dos índios isto é figuras passivas que deveriam morrer para que a nação vingasse Numa época em que a escravidão estava por toda parte o Império preferiu cunhar sua representação na base do encontro predestinado de portugueses com indígenas todos idealizados 75 Batalha do Avaí óleo sobre tela de Pedro Américo de Figueiredo e Melo 18727 MNBA Encomendada pelo Império a Batalha do Avaí de Pedro Américo ficou pronta sete anos após o fim da Guerra do Paraguai A tela dividiu o público à época alguns apreciaram a riqueza de detalhes outros criticaram o banho de sangue Na batalha a civilização representada pelos soldados brasileiros fardados e montados a cavalo vence a barbárie simbolizada pelos paraguaios seminus e no chão Porém se a visão mais panorâmica denota a grandiosidade do evento logo salta aos olhos a violência do quadro fazendo deste uma crítica ao Império Isso sem contar o fato de que o pintor apresentou negros em combate e sempre em posição heroica num contexto em que o movimento abolicionista apenas começava a ganhar força no Brasil e causava para as lides oficiais muito temor 76 Três macacos O imperador Tamandaré e Polidoro xilogravura de Alejandro Ravizza caricatura do jornal paraguaio El Centinela 1867 CAVMDB Durante a Guerra do Paraguai entre 1865 e 1870 os jornais em Assunção chamavam os soldados brasileiros de los macaquitos O termo pejorativo ainda hoje perdura como forma de discriminação racial 77 De volta do Paraguai litografia de Angelo Agostini ilustração da revista Vida Fluminense 1870 FBN Com o prolongamento e a impopularidade da Guerra a tropa brasileira viu seu efetivo diminuir até que em 1866 o governo imperial obrigou cada província a enviar 1 de sua população ao conflito Para escapar da convocação os proprietários trocaram de lugar com seus escravos prometiam alforria imediata Porém logo que voltaram ao Brasil os libertos se depararam com a mesma realidade escravocrata O desenhista italiano Angelo Agostini 18431910 o mais influente cartunista durante o Segundo Reinado iniciou sua carreira no contexto dos primeiros embates dessa guerra em 1865 Abolicionista denunciou a violência do sistema 78 Espada de oficial do Exército brasileiro primeira metade do século XIX Coleção particular Na empunhadura os símbolos do Império Na lâmina de um lado a inscrição IMPERADOR E NAÇÃO do outro PÁTRIA E CONSTITUIÇÃO A espada de tipo terçado modelo francês com bainha de bronze foi utilizada durante a Guerra do Paraguai 79 D Pedro II imperador do Brasil montado em um camelo durante viagem a Jerusalém fotografia de Hugo Danz 1871 FBN Além de colecionar fotos d Pedro II era ele próprio fotógrafo Entre 1871 e 1877 o monarca ficou conhecido como o imperador itinerante devido às suas longas viagens para o exterior Fora do país ele tirava o manto vestia a cartola e era o imperador da mala como ironizou o escritor português Eça de Queirós Nesta foto d Pedro revelase como um cidadão do mundo emancipado pela cultura fosse ela qual fosse 80 Cenas da escravidão fotografia de Rodolpho Lindemann 1885 CAJS No fim do século XIX uma escravidão exótica e pacífica começou a aparecer nas fotos dos grandes estúdios que se espalhavam pelo Brasil Famosos por criarem tipos os fotógrafos profissionais viram na ama de leite uma figura emblemática e passaram a retratálas em álbuns de família e em cartes de visite que contribuíam para a construção da imagem romântica da condição escrava no país Para questionar tal imagem idílica basta lembrar que as amas eram sempre anônimas nas fotos já os nomes das crianças e sobretudo os das famílias a que pertenciam surgiam detalhadamente descritos 81 Escravos em terreiro de uma fazenda de café Vale do Paraíba fotografia de Marc Ferrez c 1882 IMS O fotógrafo francobrasileiro Marc Ferrez 18431923 era um mestre da técnica e preparava seus trabalhos de forma minuciosa Neste caso ele pretendia mostrar a organização imperante numa fazenda de café onde o capataz dava ordens e os escravos obedeciam Contudo ao observar com mais cuidado notase que vários detalhes fogem ao script uma mãe que amamenta um filho dois escravizados que cochicham uma negra envergonhada que leva a mão ao rosto demonstrando constrangimento 82 Proclamação da República no campo de Santana óleo sobre tela de Eduardo de Sá 1889 MCM e IPHAN Na manhã de 15 de novembro de 1889 os militares que conspiravam pela República se dirigiram ao Campo de Santana no Rio de Janeiro dispostos a derrubar o Império Não houve atos heroicos e o povo ficou de fora do roteiro Os militares marcharam até o Paço Imperial e destituíram o presidente do gabinete ministerial À noite Pedro II foi informado do golpe que proclamou a República Na tela porém uma multidão que jamais existiu aclama o feito grandioso do marechal Deodoro da Fonseca montado num fogoso cavalo branco e erguendo a espada símbolo da ação militar Nada como perpetuar o que acabava de nascer e era ainda imprevisível em seu destino 83 Alegoria da República Frederico Antonio Steckel 1898 MMGV Numa alegoria republicana pouco usual convergem duas efígies femininas a República toucada com o barrete frígio da Revolução Francesa e a Liberdade vestida à moda romana A mão direita levanta a palma que indica a vitória a mão esquerda se apoia sobre um escudo com as armas e o dístico da bandeira de Minas inspirados na Conjuração Mineira A representação não deixa margem a dúvidas em pé sobre uma biga alada a galope pelo céu a República é triunfal A alegoria é uma pintura parietal de Frederico Steckel executada em 1898 no prédio da antiga Secretaria do Interior de Minas Gerais hoje Memorial de Minas 84 Cardápio de banquete oferecido pelo Partido Republicano do Distrito Federal ao exmo sr dr Manoel Ferraz de Campos Sales 31 de agosto de 1898 Coleção de cardápios de Olavo Bilac O poeta Olavo Bilac tinha uma vida social intensa adorava festas banquetes cerimônias públicas E para não esquecer os bons momentos colecionava cardápios Sua coleção formada por mais de duzentos exemplares traz informações preciosas sobre a vida da elite intelectual e política do Rio de Janeiro na virada para o século XX Neste divertido cardápio oferecido num evento do Partido Republicano notase como é rápida a absorção de termos novos heróis e dísticos 85 Igreja de Santo Antônio velha fotografia de Flávio de Barros 1897 IMS Flávio de Barros chegou a Canudos em 26 de setembro de 1897 junto com a divisão de artilharia que dizimaria o arraial e fez várias fotografias das quais são conhecidas três séries Nesta comovente foto o artista imortalizou alguns crentes diante do que já eram apenas vestígios da igreja de Santo Antônio ou igreja Velha uma das poucas construções que não foram completamente destruídas pelo Exército na Guerra de Canudos 189697 Em 1969 o rio VazaBarris foi represado e o que restou de Canudos ficou submerso no açude de Cocorobó Suas ruínas porém teimam em reaparecer durante os longos períodos de estiagem 86 Estivadores imigrantes Porto de Santos fotografia de autor desconhecido c 1900 MIESP Com o avanço da industrialização os imigrantes europeus inicialmente encaminhados às fazendas de café passaram a ser recrutados para servir como operários nas fábricas após escala na Hospedaria dos Imigrantes em São Paulo Muitos foram trabalhar no comércio ou em serviços eventuais como os estivadores do porto de Santos Nesta foto um exemplo das cargas descomunais que esses trabalhadores levavam nos ombros numa demonstração de que a despeito da abolição da escravidão os códigos e valores continuavam semelhantes 87 Revolta da Chibata João Cândido lê decreto da anistia fotografia de Augusto Malta 1910 EC João Cândido à dir era um marujo experiente e se impunha aos colegas pela autoridade e pela força dos músculos Em 1910 liderou a Revolta da Chibata que representou a reação dos marinheiros aos castigos corporais na Marinha A despeito de a escravidão ter acabado em 1888 o chicote ainda era utilizado em punições Preso torturado e expulso da Marinha João Cândido morreu em 1969 e passou anos esquecido Hoje em dia no entanto é reconhecido como símbolo de rebeldia e transformouse no Almirante Negro da história do Brasil 88a Avenida Central Rio de Janeiro fotografia de João Martins Torres c 1905 FBN 88b Theatro Municipal de São Paulo fotografia de autor desconhecido 1923 IMS 88c Vista aérea da praça da Liberdade Belo Horizonte fotografia de autor desconhecido sd APM A República sofria a vertigem da modernidade e fez da urbanização uma de suas grandes ferramentas de mudança Ícone dos novos tempos a abertura da avenida Central no Rio de Janeiro converteuse em cartão postal com lampiões de luz elétrica e fachadas art nouveau A inauguração do Theatro Municipal de São Paulo em 1911 indicava que a antiga cidade de barro dos viajantes se transformava de forma acelerada numa urbe de aspecto europeu a metrópole do café A construção de Belo Horizonte por sua vez evocava a utopia republicana ruas retas avenidas imponentes e um enorme parque a praça da Liberdade com formato geométrico lagos e jardins em estilo inglês 89 Greve geral enterro do sapateiro Martínez fotografia de autor desconhecido 1917 IAP Em 9 de julho de 1917 a polícia matou o jovem sapateiro anarquista Antonio Martínez quando ele participava de um piquete durante a primeira grande greve operária no Brasil A greve foi iniciada pelas tecelãs do Cotonifício Crespi que reivindicavam aumento salarial regulamentação do trabalho feminino e infantil jornada de oito horas e direito de organização sindical Na foto parte dos cerca de 10 mil trabalhadores que pararam o centro de São Paulo no enterro de Martínez Portavam bandeiras negras símbolo do movimento anarquista 90 Os 18 do Forte óleo sobre tela de João Timóteo da Costa 1924 IHGB Em 5 de julho de 1922 28 tenentes rebeldes que participaram da revolta no Forte de Copacabana contra o governo de Epitácio Pessoa e o poder das elites regionais se recusaram a capitular Picaram a bandeira do Brasil distribuíram entre si os pedaços e saíram do Forte de Copacabana em direção ao Leme dispostos a enfrentar 4 mil soldados legalistas Na avenida Atlântica dez desistiram Os dezoito restantes incluindo um civil que aderiu ao movimento continuaram a caminhar No tiroteio que se seguiu apenas dois sobreviveram A marcha dos tenentes dividiu a oficialidade e deu início a um ciclo de revoltas militares que acabariam por derrubar a Primeira República O pintor acadêmico João Timóteo 18791932 tratou de maneira colorida uma cena marcada pela violência 91 Grupo de revolucionários da Coluna Prestes fotografia de Luís Fonseca 1925 APM A Coluna PrestesMiguel Costa atravessou o país percorreu mais de 25 mil quilômetros e cruzou doze estados brasileiros em dois anos Transformouse no símbolo dos tenentes que desejavam ver o Brasil mudado ganhou a admiração dos setores médios urbanos e converteu Luís Carlos Prestes no Cavaleiro da Esperança Na foto em primeiro plano da esquerda para a direita Luís Carlos Prestes quarto Juarez Távora quinto e o tenente Siqueira Campos sexto 92 Broche da Aliança Liberal sd Coleção particular Broches medalhas selos e cartõespostais identificavam eleitores e simpatizantes dos candidatos da Aliança Liberal à Presidência da República A venda desses itens era também um recurso para recolher fundos de campanha Durante a Revolução de 1930 destinavase parte do lucro obtido às famílias dos mortos em combate 93 Panfleto Tudo por São Paulo 1932 APM Humilhados com a perda de sua posição política e considerandose vítimas de uma injustiça continuamente evocada aos paulistas só restava embarcar numa revolução cujo intento era a recuperação da dignidade ainda que o preço a pagar fosse a secessão Em 1932 era assim que boa parte da população de São Paulo enxergava o governo provisório de Getúlio Vargas O movimento armado do estado para derrubar Vargas teve as características de uma guerra civil 94 Passaporte utilizado por Luís Carlos Prestes e Olga Benário para entrar no Brasil 1935 Correio da Manhã e AN Quando o consulado de Portugal em Rouen na França concedeu o passaporte ao casal de portugueses Antonio Vilar e Maria Bergner Vilar ninguém desconfiou de nada a documentação era perfeita Com esse passaporte Luís Carlos Prestes regressou clandestinamente ao Brasil com Olga Benário uma militante experiente treinada pelo serviço secreto militar soviético para garantir sua segurança e que acabaria por se tornar sua companheira O objetivo da volta de Prestes liderar um levante popular de operários soldados e camponeses 95 Desfile integralista fotografia de autor desconhecido 1937 APERJ Em 1937 os integralistas desfilaram no Rio de Janeiro Era o lançamento da candidatura de seu principal dirigente Plínio Salgado à eleição presidencial prevista para o início do ano seguinte e que não se realizaria em virtude do golpe do Estado Novo Os integralistas marchavam em formação militar com fileiras fechadas numa marcação cênica que pretendia demonstrar força e disposição de combate 96 A juventude brasileira em frente ao Palácio Tiradentes fotografia de autor desconhecido 1941 AN O Desfile da Juventude reuniu por dez anos jovens entre onze e dezoito anos Os meninos deveriam se apresentar com uniforme de educação física e as meninas cobertas por blusas e túnicas A proliferação das manifestações cívicas durante o Estado Novo tinha como objetivo produzir a imagem de uma nação coesa organizada em torno da figura do líder Getúlio Vargas Na foto a monumentalidade das colunas e o gigantesco painel com a imagem de Vargas evocam a cenografia do fascismo 97 Patrulheiros da Força Expedicionária Brasileira FEB fotografia de João Rodrigues da Costa sd ANVFEB Diziam que era mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na Segunda Guerra Mundial Mas a cobra fumou O Brasil participou da guerra ao lado dos Aliados Cerca de 25 mil homens foram enviados à Itália para lutar junto com as tropas do V Exército NorteAmericano Participaram da conquista de Monte Castelo Castelnuovo e Montese No uniforme levavam o emblema da FEB uma cobra fumando 98 Ritual de candomblé de iniciação das filhas de santo fotografia de José Medeiros 1951 IMS Durante quatro semanas o repórter Arlindo Silva e o fotógrafo José Medeiros percorreram terreiros em Salvador Esta foto faz parte de uma série especialmente realizada por Medeiros para uma reportagem sobre os candomblés da Bahia Encomendado em 1951 pela revista O Cruzeiro o material gerou polêmica uma vez que o fotógrafo adentrou locais sagrados e secretos jamais mostrados para um público não iniciado Por causa da matéria o terreiro Banto foi fechado e travouse uma verdadeira querela sobre os limites morais da ação do fotógrafo Nesta imagem de uma saída de iaô a noviça que passa pelo ritual de iniciação para se tornar filha de santo é captada em estado de incorporação 99 Cartaz da criação da Petrobras 1953 APERJ Em 1953 Getúlio Vargas aprovou a lei de criação da Petrobras a empresa que iria simbolizar dali em diante a independência do país através do desenvolvimento econômico autônomo A defesa do monopólio da exploração do petróleo pelo Estado empolgou as ruas e se transformou num dos maiores movimentos cívicos da história do Brasil pela preservação das riquezas nacionais100 Campanha pela anistia fotografia de Kurt Klagsbrunn 1945 AMVK 100 Campanha pela anistia fotografia de Kurt Klagsbrunn 1945 AMVK Em 1945 com a censura suspensa a campanha pela anistia ampla geral e irrestrita em benefício das centenas de presos políticos do Estado Novo ganhou as páginas dos jornais e sensibilizou a população Em abril a Escola Nacional de Música realizou no Rio de Janeiro a Semana Pró Anistia organizada pela União Nacional dos Estudantes Os estudantes mobilizaram as ruas e a imaginação criando cartazes de inspiração modernista e lançando manifestos em favor da anistia 101 Gregório Fortunato e Getúlio Vargas no desfile de posse fotografia de autor desconhecido 1951 Correio da Manhã e AN Gregório Fortunato 190062 foi o conhecido chefe da guarda pessoal de Getúlio Vargas que pela cor e pelo tamanho recebeu a alcunha de Anjo Negro Nascido na cidade de São Borja era filho de escravos alforriados trabalhou como peão e aproximouse do clã Vargas por conta de sua participação na Revolução de 1932 Após o fracasso do ataque integralista ao palácio Guanabara em 1937 para depor Getúlio foi recrutado para fazer parte da guarda pessoal do presidente da qual se tornou chefe cargo que ocupou até o fim do Estado Novo Em 5 de agosto de 1954 ocorreu um atentado contra o jornalista Carlos Lacerda Acusaram Gregório Fortunato de ser o mandante desse crime que desencadearia uma grave crise política 102 Carlos Lacerda após o atentado da rua Tonelero com Antonio Callado fotografia de autor desconhecido 1954 Correio da Manhã e AN No dia 5 de agosto de 1954 o jornalista Carlos Lacerda sofreu um atentado na porta de sua casa na rua Tonelero em Copacabana no Rio de Janeiro Na ação foi morto o major Rubens Vaz um dos jovens oficiais udenistas da Aeronáutica que se revezavam como guardacostas do jornalista Principal adversário de Vargas Lacerda acusou diretamente o presidente no dia seguinte antes mesmo do início da apuração policial Perante Deus acuso um só homem como responsável por esse crime É o protetor dos ladrões Esse homem é Getúlio Vargas 103 Primeira página do jornal Última Hora O presidente cumpriu a palavra Só morto sairei do Catete 24 de agosto de 1954 FP Getúlio Vargas cometeu suicídio em 24 de agosto de 1954 Noite de São Bartolomeu Deixou uma cartatestamento em que colocava na oposição a conta do seu padecimento Deixo à sanha dos meus inimigos o legado de minha morte Linhas depois concluía Que o sangue de um inocente sirva para aplacar a ira dos fariseus Agradeço aos que de perto ou de longe trouxeramme o conforto de sua amizade A resposta do povo virá mais tarde A resposta veio rápido em Porto Alegre Belo Horizonte Salvador e São Paulo eclodiram motins populares e a população destruiu tudo que estivesse de alguma maneira relacionado com a oposição a Vargas Apenas o jornal Última Hora o único que apoiou Vargas até o fim circulou nesse dia 104 Embarque do corpo de Getúlio Vargas fotografia de autor desconhecido 1954 AN Uma multidão acompanhou o corpo do presidente Vargas até o Aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro de onde seguiria para São Borja RS onde seria enterrado Mas quando o avião desapareceu no céu as pessoas perceberam o lugar em que estavam em frente ao QuartelGeneral da 3ª Zona Aérea A dor se transformou em cólera a multidão avançou a Aeronáutica aterrorizada pegou em armas soldados e oficiais dispararam contra a população civil desarmada 105 JK em um carro de fabricação nacional fotografia de autor desconhecido 1956 AN Voava com qualquer tempo e pousava em qualquer campo Juscelino Kubitschek não perdia tempo precisava tocar o Plano de Metas construir Brasília e fazer o Brasil avançar cinquenta anos em cinco no rumo da modernidade E era bom de marketing Nas fotos oficiais ele aparecia sempre circundado por seus tantos feitos neste caso a bordo de um automóvel saindo da fábrica com 50 de peças nacionais 106 Construção da BrasíliaAcre Vilhena fotografia de autor desconhecido 1960 AN A construção de rodovias no governo JK retomava de muitas maneiras o espírito da Marcha para o Oeste um amplo programa de expansão territorial anunciado por Getúlio Vargas e que pretendia ocupar áreas segundo ele menos povoadas do Brasil Na foto o início das obras da BR364 em 1960 ambicionava desafiar a Floresta Amazônica para ligar as cidades de Cuiabá em Mato Grosso a Porto Velho em Rondônia e a Rio Branco no Acre 107 Tom Jobim e Vinicius de Moraes provavelmente no Bar Veloso atual Garota de Ipanema fotografia de autor desconhecido c 1960 IACJ Em 1956 no Rio de Janeiro Tom Jobim e Vinicius de Moraes o poeta que encaminhou sua poesia do livro para a canção popular estavam a um passo da Bossa Nova a peça Orfeu da Conceição estreou em setembro de 1956 no Teatro Municipal no Rio de Janeiro com um repertório musical que redescobria o samba a valsa a modinha e explorava as possibilidades de recriações e de simplificações de ritmo A canção mais famosa da dupla porém Garota de Ipanema só seria composta em 1962 Mas com ela a Bossa Nova conquistou o mundo 108 Esplanada dos Ministérios fotografia de Marcel Gautherot c 1962 IMS O fotógrafo francobrasileiro Marcel Gautherot registrou as obras da construção de Brasília durante dois anos de 1958 a 1960 As imagens de Gautherot capturaram o caráter monumental dos edifícios sua aura futurista e as formas livres e leves da arquitetura de Oscar Niemeyer Na foto o Palácio do Congresso Nacional situado no extremo leste do Eixo Monumental A cúpula voltada para baixo abrigaria o Plenário do Senado a outra o Plenário da Câmara dos Deputados Ambas lembram a circunferência presente na bandeira nacional 109 Comício de Jânio Quadros em Engenheiro Camargo SP fotografia de autor desconhecido sd Correio da Manhã e AN Varre varre varre varre varre varre vassourinha Varre varre a bandalheira Que o povo já está cansado de sofrer dessa maneira O símbolo da campanha de Jânio Quadros para presidente em 1960 era uma vassoura utensílio que ele empunhava em seus comícios propondo se a realizar uma varredura moral e administrativa no Brasil 110 Palácio Piratini fotografia de autor desconhecido sd Correio da Manhã e AN Na sacada do Palácio Piratini em Porto Alegre João Goulart acena em silêncio para a multidão Três dias depois embarcaria para Brasília a fim de assumir a Presidência da República no regime parlamentarista Na nota divulgada à imprensa Jango fazia um apelo Que Deus me ilumine Que o povo me ajude e que as armas não falem Ao lado de Jango à esq Leonel Brizola 111 João Goulart em Campina Grande PB fotografia de autor desconhecido 1962 AN João Goulart conhecido popularmente como Jango foi o 24º presidente brasileiro e seu mandato durou de 1961 a 1964 Até vestir a faixa presidencial Jango e seus aliados enfrentaram momentos de tensão No dia 28 de agosto de 1961 ele foi impassível no telefonema que deu ao deputado San Tiago Dantas Dentro de 24 horas estarei no Brasil para assumir o governo do país ou morrer lutando Tomou posse sob protestos da oposição e foi deposto pelo golpe de 1964 112 Comício da Central do Brasil fotografia de Domício Pinheiro 1964 Rio de Janeiro EC No comício da Central do Brasil no Rio de Janeiro a hora das reformas de base parecia finalmente ter chegado Pouco antes de subir no palanque Jango assinou dois decretos o primeiro nacionalizava as refinarias de petróleo o segundo dava início à Reforma Agrária Entre milhares de pessoas que ouviam atentas os discursos de Miguel Arraes Leonel Brizola e do próprio presidente estiveram representadas várias categorias de trabalhadores Metalúrgicos operários da construção civil estudantes e sindicalistas empunhavam faixas de apoio às propostas reformistas de Goulart 113 Dois de abril de 1964 fotografia de Neuza França Correio da Manhã e AN O golpe militar teve início quando se rebelaram em Minas Gerais as tropas comandadas pelo general Olympio Mourão Filho o mesmo oficial integralista que em 1937 concebeu o Plano Cohen utilizado por Vargas como pretexto para instituir o Estado Novo Em 1964 o general pretendia fazer uma quartelada suas tropas ocupariam o Rio de Janeiro e seriam a faísca que acenderia o rastilho de pólvora nos quartéis Na foto os tanques sob o comando de Mourão estacionados em frente ao Palácio Duque de Caxias sede do Ministério da Guerra no Rio de Janeiro em 2 de abril de 1964 114 Protesto contra a censura na Cinelândia fotografia de Rubens Seixas 1968 Correio da Manhã e AN O meio teatral brasileiro ocupou um espaço público inédito de resistência democrática Abriu os palcos para convocar a plateia a participar de manifestações públicas de oposição defendeu a livre expressão e protagonizou greves passeatas e vigílias cívicas Na foto a estátua amordaçada de Carlos Gomes nosso mais importante compositor de óperas em frente ao Theatro Municipal RJ que se converteu em símbolo da Greve de Protesto contra a Censura desencadeada pela classe teatral em fevereiro de 1968 e que paralisou os teatros cariocas por 72 horas 115 Comício de estudantes no centro do Rio de Janeiro fotografia de autor desconhecido 1968 Correio da Manhã e AN Um movimento estudantil nacionalmente organizado se transformou na maior força política de oposição direta à ditadura militar até 1969 Após a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto no restaurante Calabouço em março de 1968 o conflito com a ditadura acirrouse Os comícios estudantis tornaramse ainda mais frequentes com pautas que articulavam reivindicações políticas com demandas próprias mais verbas para a educação e para a reforma das universidades 116 Soldados do Batalhão da Guarda Presidencial recebem treinamento de tortura em Brasília fotografia de Orlando Brito 1972 Coleção particular As fotos de Orlando Brito nunca são apenas um registro da história a câmera sempre oferece um ponto de vista diante da realidade Na imagem soldados do Batalhão da Guarda Presidencial recebem treinamento de tortura em Brasília e a foto inescapável de Brito desmente a história oficial A prática da tortura se instalou nos quartéis e graças ao silêncio conivente dos participantes do núcleo do poder civis e militares espalhouse como um vírus que no entanto era do conhecimento de todos 117 Cordão policial versus educação e cultura em Brasília fotografia de Orlando Brito 1972 Coleção particular A ditadura militar brasileira interferiu de modo sistemático na educação Professores foram perseguidos muitos tiveram a aposentadoria compulsória decretada e foram presos ou exilados Na foto de Brito é paradoxal e irônica a contraposição entre o Ministério da Educação e a repressão estacionada na sua frente 118 Frame do filme Tempo de resistência de André Ristum 2003 FPA A propaganda política da Assessoria Especial de Relações Públicas Aerp foi produzida sobretudo para a televisão e fez sucesso As imagens denotavam otimismo e orgulho nacional celebravam a diversidade e a integração racial brasileira afirmavam a harmonia social e embalavam tudo isso em filmes curtos com narração direta cenas bem cuidadas e um arremate musical que grudava na lembrança do espectador 119 Prévio de Edgar Vasques 1975 O personagem Prévio criado pelo gaúcho Edgar Vasques representava um jornalista negro perseguido pela censura prévia que a ditadura militar impusera à imprensa Assim que surge Prévio tem parte de suas falas censuradas e por isso o balão com suas falas sempre aparece com falhas Ao longo do tempo a censura vai desaparecendo assim como os seus textos voltam a aparecer normalmente 120 Geisel fotografia de Orlando Brito maio de 1977 Coleção particular A composição da imagem acima provavelmente resultou da combinação entre experiência profissional e um bocado de sorte do fotógrafo Orlando Brito A clássica imagem do governante em estilo triunfal foi invertida e o mais imperial dos generais que exerceram a Presidência da República Ernesto Geisel virou um pequeno detalhe diante do tamanho colossal da bandeira brasileira Numa projeção de luz porém a sombra ao fundo trajou de luto a bandeira e numa fração de segundo escancarou uma janela de interpretação para a realidade do país 121 Missa de sétimo dia pela morte do jornalista Vladimir Herzog fotografia de Antonio Carlos Piccino 31 de outubro de 1975 EC A morte sob tortura do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do CodiDOI paulista mobilizou a sociedade brasileira Cerca de 8 mil pessoas desafiaram a ditadura e compareceram ao culto ecumênico celebrado na catedral da Sé Nas escadarias e na praça havia em torno de 30 mil pessoas O ritual marcou o momento a partir do qual a sociedade recuperou seu acesso ao espaço público e as forças de oposição se aliaram para dar combate à ditadura e avançar no rumo da retomada democrática 122 Uma linha dura Não dura de Nelson Leirner 1978 O ano de 1978 marca o fortalecimento do movimento em prol da retomada dos direitos democráticos e o fim do AI5 Captando o espírito dos tempos o artista Nelson Leirner 1932 realizou nesse mesmo ano a exposição e a série Uma linha dura Não dura e Uma linha não dura Dura Consideradas pelo artista como sua contribuição para o movimento antiditadura as mostras traziam um jogo entre o título e as obras que foram sendo redesenhadas durante a vigência das mostras Escrevia ele na abertura das exposições Você muda a rua muda a casa muda o armário muda a grade muda o mapa muda a geografia muda a fronteira muda o limite muda a hora muda o tempo muda a tradição muda o hábito muda a roupa muda o botão muda a tradição muda a bata muda a bota muda o uniforme muda a cor muda a comida muda a bala muda o fogo muda o amigo muda o inimigo muda o governante muda o opressor muda o jogo muda a regra muda a linha muda você é duro a rua é dura o armário é duro a grade é dura o mapa é duro a geografia é dura a fronteira é dura o limite é duro a hora é dura o tempo é duro a tradição é dura o hábito é duro a roupa é dura o botão é duro a gola é dura a bata é dura a bota é dura o uniforme é duro a cor é dura a comida é dura o bolo é duro a bala é dura o logo é duro o opressor é duro o jogo é duro a regra é dura a linha é dura você não dura a rua não dura a casa não dura o armário não dura a grade não dura o mapa não dura a hora não dura a roupa não dura o botão não dura a gola não dura a cor não dura a comida não dura o bolo não dura a bala não dura o fogo não dura o amigo não dura o inimigo não dura o governante não dura o opressor não dura o jogo não dura a regra não dura A LINHA NÃO DURA 123 Inserções em circuitos ideológicos 1 Projeto CocaCola de Cildo Meireles 1970 Coleção particular A obra Inserções em circuitos ideológicos foi concebida por Cildo Meireles para a exposição Information realizada em 1970 no MoMa em Nova York Era composta de dois projetos o projeto CocaCola e o projeto Cédula Ambos consistiam em gravar informações e opiniões críticas sobre a realidade brasileira em garrafas de CocaCola e cédulas de papelmoeda e devolvêlas à circulação A obra inspirada nos ready made de Marcel Duchamp pretendia ser uma ação de guerrilha transposta para o campo das artes plásticas 124 O jogador Sócrates vestiu a camisa fotografia de Jorge Araújo 1983 FP Em 1979 num domingo de futebol a Gaviões da Fiel torcida organizada corintiana abriu nas arquibancadas do Estádio do Morumbi uma enorme faixa pela anistia geral e irrestrita No mesmo ano seu jogador mais famoso e icônico o médico Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira vestiu a camisa No começo da década de 1980 foi a vez de o próprio time do Corinthians se engajar na luta pela redemocratização do país Seus jogadores vestiram uniformes com os dizeres Diretas Já e Eu quero votar para presidente e o time enfrentou represálias por parte do Conselho Nacional de Desportos CND do governo federal que proibiu o uso dos uniformes com os slogans de oposição 125 Lula faz discurso para operários grevistas no ABC fotografia de Fernando Pereira 1979 CPDocJB As grandes greves de metalúrgicos de 1978 1979 e 1980 ocorridas no ABC paulista deram origem a um movimento sindical que além de ser oposição à ditadura lutava para se organizar a partir do chão das fábricas Liderados por Luiz Inácio Lula da Silva os operários tomavam suas decisões em assembleias gigantes e provaram que no Brasil não era só futebol que enchia estádio Na foto Lula fala aos metalúrgicos numa das famosas assembleias no Estádio de Vila Euclides em São Bernardo que chegaram a reunir mais de 100 mil trabalhadores 126 Ulysses Guimarães e Tancredo Neves detalhe fotografia de Orlando Brito 1980 Coleção particular O caminho da redemocratização ficou marcado pela atuação de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves Ulysses na campanha das Diretas Já e Tancredo no colégio eleitoral Com origem no PSD e uma trajetória lado a lado na oposição aos militares eles não podiam ser mais iguais e mais diferentes Tancredo foi um negociador habilidoso e um político moderado Ulysses um articulador de vitalidade extraordinária e discurso desabrido Os dois viviam para fazer política eram mestres na capacidade de confabular sonharam em governar o Brasil no regime democrático Chegaram muito perto disso mas jamais conseguiram conquistar o poder 127 Bomba no Riocentro fotografia de autor desconhecido 30 de abril de 1981 CPDocJB A bomba que explodiu antes da hora no colo do sargento paraquedista Guilherme Rosário dentro de um automóvel Puma cinzametálico conduzido pelo capitão de infantaria Wilson Machado no estacionamento do pavilhão do Riocentro no Rio de Janeiro foi obra de militares do DOI e do CIE que pretendiam executar um atentado terrorista de grande envergadura Naquele momento o Riocentro abrigava uma plateia de 20 mil pessoas reunidas num show de música A autoria do atentado seria atribuída à Vanguarda Popular Revolucionária um grupo armado da esquerda revolucionária que fora dizimado pelo Exército havia mais de dez anos O propósito dos militares era impedir a redemocratização do país 128 Charge sobre as Diretas de Angeli 1984 Coleção particular O caricaturista Angeli é figura cativa do Brasil da redemocratização e até os dias de hoje Chargista de mãocheia flagrou nesta imagem o general Figueiredo e Tancredo Neves ambos lutando para conservar ou conquistar o poder a qualquer custo e ao centro colocou seu personagem este sim defensor das eleições diretas para presidente 129 Greve dos boiasfrias Guariba SP fotografia de Carlos Fenerich 1984 AAC Boiafria é o nome que se convencionou dar aos trabalhadores rurais expulsos do campo Sem vínculo empregatício nem moradia fixa eles vivem de diárias negociadas a cada dia Em São Paulo e no Paraná toda manhã homens mulheres e crianças esperam os caminhões que os transportam até as plantações e levam uma comida que não pode ser requentada é uma boia fria No início de 1984 cerca de 6 mil canavieiros paralisaram atividades na cidade de Guariba no interior paulista para exigir direitos trabalhistas 130 FHC em comício do PMDB em São Paulo fotografia de Juca Martins 1986 OI O sociólogo e cientista político Fernando Henrique Cardoso esteve sempre envolvido com a política do país Perseguido pelo golpe militar de 1964 exilouse no Chile e na França e só voltou para o Brasil em 1968 Nesse meiotempo lecionou em várias universidades estrangeiras Candidatouse pela primeira vez em 1978 quando se elegeu suplente de senador e não parou mais foi ministro das Relações Exteriores ministro da Fazenda e por duas vezes presidente da República Na foto o então senador Fernando Henrique Cardoso aparece em comício público Em 1988 ajudaria a fundar com outros dissidentes do PMDB um novo partido o PSDB 131 Multidão pede o afastamento de Collor fotografia de Orlando Brito sd Coleção particular Diante das denúncias de envolvimento do presidente Fernando Collor em um esquema de corrupção manifestações políticas voltaram às ruas das grandes cidades brasileiras Traziam novidades o traço carnavalesco e a marca do bom humor Surgiram bonecos gigantescos de Collor vestido de presidiário fantasias de ratazanas com bigodes e óculos lembrando Paulo César Farias seu tesoureiro esquifes com o nome do presidente e de Zélia Cardoso de Mello a ministra da Fazenda O processo levou ao impeachment de Fernando Collor e à sua renúncia em dezembro de 1992 132 Enterro de Marco Antônio Alves da Silva fotografia de Marco A Cavalcanti 30 de julho de 1993 CPDocJB Em julho de 1993 quarenta jovens moradores de rua entre onze e dezenove anos dormiam na escadaria da igreja da Candelária no centro do Rio de Janeiro Pouco depois da meianoite do dia 23 seis policiais militares saltaram de dois carros e abriram fogo Oito menores foram fuzilados Na imagem vemos o enterro de uma das vítimas da Chacina da Candelária Marco Antônio Alves da Silva o Russo 133 Duelo de MCs fotografia de Pablo Bernardo 2012 A cultura da rua o hiphop começou a tomar força em meados dos anos 1980 na região central de São Paulo Grupos de jovens a grande maioria vinda de bairros periféricos reuniamse na estação de metrô São Bento Depois chegaram os rappers com seu canto falado A essas expressões se uniu o grafite e no final da década a linguagem cultural das ruas originária de um lugar social tradicionalmente ignorado alcançou visibilidade na cena pública brasileira 134a Negros acorrentados levando para a cadeia o jantar que foram buscar no Hospital da Misericórdia aquarela sobre papel de Jean Baptiste Debret c 182030 MCM e IPHAN 134b Blitz da Polícia Militar no Morro da Coroa e Cachoeirinha PM prende favelados pelo pescoço fotografia de Luiz Morier 1982 CPDoc JB Quatro dos cinco séculos de história do Brasil foram assinalados pela prática da escravidão As marcas dos cativos negros queimados com o ferrete de seus senhores persistiu como estigma social Mais de um século após a abolição desse sistema a população pobre e não raro negra vive ainda sob o jugo da violência não mais aquele das chibatas mas o de um teimoso legado cultural de exclusão social 135 Ocupação da Fazenda Giacometti pelos SemTerra Paraná fotografia de José Roberto Dantas 1996 EC O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST surgiu em 1984 e polarizou a sociedade em torno de sua principal bandeira de luta a reforma agrária As ocupações de terras são sua forma de ação mais importante além delas os acampamentos caravanas e sobretudo as marchas são parte decisiva de sua estratégia de visibilidade enfrentamento e resistência Entre fevereiro e abril de 1997 por exemplo 1300 militantes saídos de diferentes pontos do país percorreram cerca de mil quilômetros para exigir reforma agrária a marcha terminou em Brasília num ato que reuniu 100 mil pessoas 136 Casa pintada com a bandeira brasileira em uma favela na zona oeste de Manaus fotografia de Raphael Alves 2011 GI Pintada livremente na fachada do barraco a bandeira nacional converteu se na forma de expressão plástica da periferia Anônima e coletiva étnica e culturalmente mestiça a voz das favelas e das quebradas reivindica a expansão do catálogo de direitos denuncia a exclusão social convoca sua população a ter orgulho de si própria e enfim alcança visibilidade na cena pública brasileira 137 Manifestações de junho de 2013 fotografia de Rafael S Fabres Rio de Janeiro GI As manifestações de junho de 2013 levaram milhares de pessoas em particular os jovens a ocupar as ruas das principais cidades brasileiras Traziam uma pauta aberta onde cabia um sentimento de insatisfação e de frustração e a sensação de ser possível e necessário transformar a realidade A partir de então ficou especialmente visível que uma novíssima história do Brasil está ou deveria estar por começar NOTAS INTRODUÇÃO OU O BRASIL FICA BEM PERTO DAQUI 1 Lima Barreto O traidor Sl sn 19 Orig Ms 10 f FBNMss I06350964 2 Manuela Carneiro da Cunha Org História dos índios no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1992 3 Disponível em wwwslavevoyagesorg Acesso em 1º dez 2014 4 Manuela Carneiro da Cunha Org História dos índios no Brasil op cit p 14 5 Sérgio Buarque de Holanda Raízes do Brasil São Paulo Companhia das Letras 1995 6 Paulo Emílio Sales Gomes Cinema Trajetória no subdesenvolvimento São Paulo Rio de Janeiro Paz e Terra 2001 p 90 7 Ver Laura de Mello e Souza O diabo e a terra de Santa Cruz Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial São Paulo Companhia das Letras 2009 p 34 8 Hannah Arendt Homens em tempos sombrios São Paulo Companhia das Letras 1988 1 PRIMEIRO VEIO O NOME DEPOIS UMA TERRA CHAMADA BRASIL 1 Francisco Bethencourt Racisms From the Crusades to the Twentieth Century Princeton Princeton University Press 2013 pp 1024 2 Manuela Carneiro da Cunha Índios no Brasil História direitos e cidadania São Paulo Claro Enigma 2013 3 Ver também entre outros Júnia Ferreira Furtado O mapa que inventou o Brasil Rio de Janeiro Versal 2013 4 Joaquim Romero de Magalhães Quem descobriu o Brasil In Luciano Figueiredo Org História do Brasil para ocupados Rio de Janeiro Casa da Palavra 2013 pp 1620 5 Os comentários que se seguem sobre a vida no mar na época das grandes explorações foram retirados do livro de Paulo Miceli O ponto onde estamos Viagens e viajantes na história da expansão e da conquista Campinas Ed da Unicamp 2008 6 Paulo Miceli op cit p 77 7 Padre Fernando Oliveira A arte da guerra do mar Lisboa Ministério da Marinha 1969 p 77 8 Joaquim Romero de Magalhães Quem descobriu o Brasil In Luciano Figueiredo Org História do Brasil para ocupados Rio de Janeiro Casa da Palavra 2013 9 Paulo Miceli op cit p 171 10 Para o nome Brasil ver entre outros O nome Brasil Revista de História n 145 pp 6186 2 sem 2001 e Inferno Atlântico São Paulo Companhia das Letras 1993 pp 2932 ambos de Laura de Mello e Souza 11 Ver Laura de Mello e Souza O diabo e a terra de Santa Cruz Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial op cit 12 Ver S DAgostini et al Ciclo econômico do paubrasil Disponível em httpwwwbiologicospgovbrdocspagv91dagostinipdf Acesso em 15 dez 2014 13 João de Barros apud Laura de Mello e Souza Inferno Atlântico op cit p 24 14 Sérgio Buarque de Holanda Visão do Paraíso Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil 6 ed 2 reimp São Paulo Brasiliense 2002 15 Para um desenvolvimento do tema ver Laura de Mello e Souza Inferno Atlântico op cit 16 O trecho que se segue sobre o relato dos viajantes seiscentistas é pautado em pesquisa feita para o livro O sol do Brasil NicolasAntoine Taunay e as desventuras dos artistas franceses na corte de d João de autoria de Lilia Moritz Schwarcz São Paulo Companhia das Letras 2008 17 Informação retirada de José Roberto Teixeira Leite Viajantes do imaginário A América vista da Europa século XVII Revista USP São Paulo n 30 pp 3245 junago 1996 Ver também Guilhermo Giucci Viajantes do maravilhoso O Novo Mundo São Paulo Companhia das Letras 1992 Howard Rollin Patch El otro mundo en la literature medieval México Fondo de Cultura Económica 1956 Joaquín Gil Aléxis Chassang Historia de la Novela y de sus relaciones com la antigüedad griega y latina Buenos Aires Poseidon 1948 18 José Roberto Teixeira Leite op cit 19 Ver Sérgio Buarque de Holanda op cit 20 Leyla Perrone Moisés Alegres trópicos Gonneville Thevet e Léry Revista USP São Paulo n 30 pp 8493 junago 1996 21 Ver Laura de Mello e Souza O diabo e a terra de Santa Cruz São Paulo Companhia das Letras 1986 22 Manuela Carneiro da Cunha Imagens de índios do Brasil O século XVI Revista de Estudos Avançados São Paulo v 4 n 10 pp 91110 setdez 1990 23 Ibid 24 Pero de Magalhães Gândavo Tratado da terra História do Brasil Org de Leonardo Dantas Silva Recife Fundação Joaquim Nabuco Massangana 1995 pp 19 e 24 25 Sobre o tema da falta ver o belíssimo livro de Pierre Clastres A sociedade contra o Estado Pesquisas de antropologia política Rio de Janeiro Francisco Alves 1978 26 Pero de Magalhães Gândavo op cit pp 24 27 e 29 27 Serge Gruzinski La Colonisation de limaginaire Sociétés indigènes et occidentalisation dans le Mexique espagnol XVIeXVIIIe siècle Paris Gallimard 1988 28 Ronsard apud Manuela Carneiro da Cunha Imagens de índios do Brasil op cit p 4 29 Ferdinand Denis Une Fête brésilienne célébrée à Rouen en 1550 Paris Techener Librarie 1850 30 Manuela Carneiro da Cunha Imagens de índios do Brasil op cit p 5 31 Citado por Manuela Carneiro da Cunha op cit p 5 32 Montaigne Os canibais Ensaios Trad Sérgio Milliet São Paulo Abril Cultural 1972 pp 1016 33 André de Thevet As singularidades da França Antártica Lisboa sn 1878 pp 14680 34 Ver Manuela Carneiro da Cunha Imagens de índios no Brasil op cit 35 Jean de Léry Prefácio In Histoire dun voyage fait en la terre du Brésil autrement dite Amerique Genebra A Chuppin 1580 pp 29 36 Ibid p 227 37 Léry contaria a história desse cerco em História memorável da cidade de Sancerre livro em que acusa os franceses de serem mais bárbaros do que os índios canibais que conhecera no Brasil 38 Ver Frank Lestringant De Jean de Léry a Claude LéviStrauss Por uma arqueologia de Tristes trópicos Revista de Antropologia São Paulo v 43 n 2 2000 39 Hans Staden Duas viagens ao Brasil São Paulo Publicações da Sociedade Hans Staden 1942 1557 cap 42 primeira parte 40 Ibid pp 161 e 185 41 Ibid pp 1968 42 Manuela Carneiro Cunha op cit p 14 43 Todo esse trecho sobre legislação indigenista e o subsequente são pautados no excelente artigo Índios livres e índios escravos de Beatriz Perrone Moisés em Manuela Carneiro da Cunha Org História dos índios no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1992 pp 11532 44 O trecho que vem a seguir sobre a ação dos jesuítas e da Companhia de Jesus no Brasil é basicamente pautado em Ronaldo Vainfas Traição Um jesuíta a serviço do Brasil holandês processado pela Inquisição São Paulo Companhia das Letras 2008 e do mesmo autor A heresia dos índios Catolicismo e rebeldia no Brasil colonial São Paulo Companhia das Letras 1995 45 Boa parte dos comentários subsequentes foi retirada de Os índios antes do Brasil Rio de Janeiro Zahar 2000 de autoria de Carlos Fausto e do já citado História dos índios no Brasil organizado por Manuela Carneiro da Cunha 46 Eduardo Viveiros de Castro A inconstância da alma selvagem São Paulo Cosac Naify 2002 47 A divisão entre grupos continua pautada em Carlos Fausto op cit pp 6870 48 A reflexão sobre os bandeirantes e a exploração indígena em São Paulo é pautada em John Monteiro Negros da terra Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo São Paulo Companhia das Letras 1994 49 Carlos Fausto op cit pp 789 50 Pierre Clastres op cit 51 Ver uso que faz Eduardo Viveiros de Castro op cit 2 TÃO DOCE COMO AMARGA A CIVILIZAÇÃO DO AÇÚCAR 1 O açúcar de beterraba é ainda mais tardio tendo entrado nas dietas ocidentais somente a partir do século XIX 2 Esse trecho sobre a história do açúcar é bastante inspirado pelo excelente e precursor livro de Sidney Mintz Sweetness and Power The Place of Sugar in Modern History Nova York Penguin 1985 3 Stuart Schwartz Segredos internos Engenhos e escravos na sociedade colonial São Paulo Companhia das Letras 1988 4 Ver Marshall Sahlins Cosmologias do capitalismo O setor transpacífico do sistema mundial em Cultura na prática Rio de Janeiro Ed da UFRJ 2004 cap 13 5 Ver Vera Lúcia Amaral Ferlini A civilização do açúcar Séculos XVI a XVIII São Paulo Brasiliense 1984 6 Ver Fernando Novais Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial 17771808 São Paulo Hucitec 1984 7 O culto permaneceu vivo até a segunda década do século XVII a despeito de ter sido sempre prontamente reprimido pelos portugueses Ver Ronaldo Vainfas A heresia dos Índios Catolicismo e rebeldia no Brasil colonial São Paulo Companhia das Letras 1995 8 Citado por Manuel Diegues Junior em O engenho de açúcar no Nordeste Rio de Janeiro Ministério da Agricultura Serviço de Informação Agrícola 1952 9 Ver Engel Sluiter Os holandeses antes de 1621 Revista do Instituto de Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco Recife v 46 pp 188207 1967 10 Boris Fausto História do Brasil 4 ed São Paulo Edusp 1996 11 Stuart Schwartz op cit p 159 Para piratas ver Jean Marcel Carvalho França e Sheila Hue Piratas no Brasil As incríveis histórias dos ladrões dos mares que pilharam nosso litoral São Paulo Globo 2014 12 Andréia Daher A conversão dos Tupinambá entre a oralidade e a escrita nos relatos franceses dos séculos XVI e XVII Horizontes antropológicos Porto Alegre v 10 n 22 juldez 2004 13 Paul Louis Jacques Gaffarel Histoire du Brésil français au seizième siècle Paris Maison Neuve 1878 14 O maior especialista em Brasil holandês é o diplomata e historiador Evaldo Cabral de Mello O texto que se segue compila basicamente as informações retiradas de seus livros O negócio do Brasil Portugal os países baixos e o Nordeste 16411669 Rio de Janeiro Topbooks 2003 Rubro veio O imaginário da restauração pernambucana Rio de Janeiro Topbooks 2005 e Nassau Governador do Brasil holandês São Paulo Companhia das Letras 2006 15 Id Imagens do Brasil holandês 16301654 ARS São Paulo v 7 n 13 pp 16071 janjun 2009 Disponível em httpwwwrevistasuspbrarsarticleview3068 Acesso em 3 jun 2014 16 Wolfgang Lenk Guerra e pacto colonial Exército fiscalidade e administração colonial da Bahia 16241654 Campinas Unicamp 2009 Tese Doutorado em Desenvolvimento Econômico 17 Ver Hugo Coelho Vieira Nara Neves Pires Galvão Leonardo Dantas Silva Brasil holandês História memória patrimônio compartilhado São Paulo Alameda 2012 18 Rômulo Luiz Xavier Nascimento Entre os rios e o mar aberto Pernambuco os portos e o Atlântico no Brasil holandês In Hugo Coelho Vieira Nara Neves Pires Galvão Leonardo Dantas Silva op cit p 193 19 José Antonio Golsalves de Mello Tempo dos flamengos Influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do Norte do Brasil São Paulo José Olympio 1947 p 61 20 Sérgio Buarque de Holanda Org História geral da civilização brasileira São Paulo Bertrand Brasil 2003 p 271 tomo I A época colonial v 1 Do descobrimento à expansão territorial 21 Ver Evaldo Cabral de Melo op cit 2005 22 Ver Evaldo Cabral de Mello O Brasil holandês São Paulo Companhia das Letras 2010 Rubro veio op cit 2005 Nassau op cit 2006 e Pedro Puntoni Guerras do Brasil 15041604 São Paulo Brasiliense 1992 23 Escravizados são de acordo com o critério adotado por Alberto da Costa e Silva os africanos de primeira geração O termo também destaca o caráter compulsório da atividade e portanto corresponde melhor à noção de que eles não estavam nessa situação por vontade ou arbítrio próprio 24 John Monteiro Pedro Puntoni e Hal Langfur mostram a persistência da escravidão indígena em Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX por isso não se pode falar em transição de um sistema para outro 25 Alberto da Costa e Silva A enxada e a lança A África antes dos portugueses Rio de Janeiro Nova Fronteira 2010 26 Stuart Schwartz op cit p 73 27 As duas citações foram retiradas de Stuart Schwartz op cit p 209 28 Gilberto Freyre Açúcar Uma sociologia do doce com receitas de bolos e doces do Nordeste do Brasil São Paulo Companhia das Letras 1987 29 Manuel Diegues Junior op cit Leila Mezan Algranti Os livros de devoção e a religiosa perfeita normatização e práticas religiosas nos recolhimentos femininos do Brasil colonial em Maria Beatriz Nizza da Silva Org Cultura portuguesa na Terra de Santa Cruz Lisboa Estampa 1995 pp 109 24 e Leila Mezan Algranti Mulheres enclausuradas no Brasil colonial em Heloisa Buarque de Holanda e Maria Helena Rolim Capelato Orgs Relações de gênero e diversidades culturais na América Latina Rio de Janeiro Expressão Cultural São Paulo Edusp 1999 pp 14762 30 Para uma análise da expressão ver Ricardo Benzaquen Guerra e paz Casagrande senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30 São Paulo Ed 34 1994 31 Stuart Schwartz op cit p 125 32 Francisco Bethencourt Racisms From the Crusades to the Twentieth Century Princeton Princeton University Press 2013 33 Ibid p 173 34 Para uma análise fundamental da dependência e das políticas de favor no Brasil ver Roberto Schwarz Ao vencedor as batatas Forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro São Paulo Duas Cidades 1977 5 ed rev São Paulo Duas Cidades Ed 34 2000 35 André João Antonil Cultura e opulência do Brasil 3 ed Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1982 36 Stuart Schwartz op cit p 146 37 Sobre os dados da PNAD de 1976 ver entre outros Lilia Moritz Schwarcz Nem preto nem branco muito pelo contrário Cor raça e sociabilidade brasileira São Paulo Claro Enigma 2013 38 Boris Fausto História do Brasil op cit p 48 3 TOMA LÁ DÁ CÁ O SISTEMA ESCRAVOCRATA E A NATURALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA 1 Herbert S Klein O tráfico de escravos no Atlântico Novas abordagens para as Américas Ribeirão Preto FunpecEditora 2006 pp 67 2 Luiz Felipe de Alencastro As populações africanas no Brasil Disponível em httpwwwcasadasafricasorgbrwpwpcontentuploads201108AsPopulacoesAfricanasno Brasilpdf Acesso em 2 jun 2014 3 Ciro Flamarion Cardoso A afroAmérica A escravidão no novo mundo 2 ed São Paulo Brasiliense 1984 4 Informações retiradas de Manolo Florentino e Cacilda Machado Orgs Ensaios sobre a escravidão Belo Horizonte Ed UFMG 2003 v I 5 Ver Alberto da Costa e Silva A enxada e a lança A África antes dos portugueses Rio de Janeiro Nova Fronteira 2010 e Francisco Vidal Luna e Herbert S Klein Escravismo no Brasil São Paulo Edusp Imprensa Oficial 2010 pp 156 6 Herbert S Klein op cit p 18 7 Id Novas interpretações do tráfico de escravos do Atlântico Revista de História São Paulo v 120 pp 325 janjul 1989 Disponível em httpwwwrevistasuspbrrevhistoriaarticleview18589 Acesso em 2 jun 2014 8 Ibid p 16 9 Ibid p 12 10 Wlamyra R de Albuquerque e Walter Fraga Filho Uma história do negro no Brasil Salvador Centro de Estudos AfroOrientais Brasília Fundação Cultural Palmares 2006 11 Sidney Mintz e Richard Price O nascimento da cultura afroamericana Uma perspectiva antropológica Rio de Janeiro Pallas Centro de Estudos AfroBrasileiros 2003 12 Herbert S Klein Novas interpretações do tráfico de escravos do Atlântico op cit pp 167 13 Ver entre outros Clarival do Prado Valladares em seu artigo A iconologia africana no Brasil na Revista Brasileira de Cultura Rio de Janeiro MEC ano I julset 1999 pp 3748 e Reginaldo Prandi Mitologia de orixás São Paulo Companhia das Letras 2004 14 Charles R Boxer O império marítimo português 14151825 São Paulo Companhia das Letras 2002 pp 1178 15 David Eltis e David Richardson Atlas of the Transatlantic Slave Trade New Haven Londres Yale University Press 2010 16 Stuart Schwartz op cit pp 2801 17 Wlamyra R de Albuquerque e Walter Fraga Filho op cit 18 Ambrósio Fernandes Brandão Diálogo das grandezas do Brasil Sl sn 1618 19 Stuart Schwartz op cit p 288 20 Ver nesse sentido Manolo Florentino e José Roberto Góes A paz das senzalas Famílias escravas e trafico atlântico Rio de Janeiro c 1790c1850 Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1997 e Robert Slenes Na senzala uma flor Esperanças e recordações na formação da família escrava Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 21 Jorge Benci Economia christaã dos senhores no governo dos escravos Roma Antonio de Rossi 1705 22 Vera Lúcia Amaral Ferlini op cit 23 Didier Fassin La Force de lordre Une Anthropologie de la police des quartiers Paris Seuil 2012 24 Ver Stuart Schwartz op cit 25 Lilia Moritz Schwarcz e Maria Helena P T Machado Um pouquinho de Brasil Por que deveríamos nos reconhecer nas cenas de 12 anos de escravidão Folha de SPaulo São Paulo 2 mar 2014 Caderno Ilustrada Ilustríssima p C2 26 Há vasta bibliografia sobre o tema Entre outras obras e para este contexto sugerimos a leitura de Machado 2010 Reis 1989 e 2003 Schwartz 1988 e Slenes 1995 e 1999 27 Ver Letícia Vidor de Sousa Reis O mundo de pernas para o ar A capoeira no Brasil 3 ed Curitiba CRV 2010 e Carlos Eugênio Líbano Soares A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro 18081850 2 ed Campinas Ed da Unicamp 2004 28 Pedro Paulo de Abreu Funari A arqueologia de Palmares sua contribuição para o conhecimento da história da cultura afroamericana In João José Reis e Flávio dos Santos Gomes Orgs Liberdade por um fio História dos quilombos no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1996 29 Ver Kátia de Queirós Mattoso Ser escravo no Brasil São Paulo Brasiliense 1982 30 Para os quilombos como a terceira margem do sistema escravista ver João José Reis e Eduardo Silva Negociação e conflito A resistência negra no Brasil escravista São Paulo Companhia das Letras 1989 31 Para o acesso à terra e seu cultivo nos quilombos ver Flávio dos Santos Gomes e João José Reis Roceiros camponeses e garimpeiros quilombolas na escravidão e na pósemancipação em Heloisa Maria Murgel Starling Henrique Estrada Rodrigues e Marcela Telles Orgs Utopias agrárias Belo Horizonte Ed UFMG 2008 32 Para o Buraco do Tatu ver João José Reis e Eduardo Silva op cit 33 O termo campo negro de autoria de Flávio Gomes é utilizado para analisar a complexa rede de relações sociais que se movimentava em conexão com o quilombo Ver Flávio dos Santos Gomes Histórias de quilombolas Mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiroséculo XIX São Paulo Companhia das Letras 2006 34 Para os quilombos do baixo Amazonas ver Eurípedes Funes Nasci nas matas nunca tive senhor história e memória dos mocambos do baixo Amazonas em João José Reis e Flávio dos Santos Gomes Orgs Liberdade por um fio história dos quilombos no Brasil op cit 35 Para Palmares ver Flávio Gomes Org Mocambos de Palmares História e fontes séculos XVI XIX Rio de Janeiro 7Letras 2010 Edison Carneiro O quilombo de Palmares São Paulo Nacional 1988 Décio Freitas Palmares A guerra dos escravos 5 ed reescrita rev e ampl Porto Alegre Mercado Aberto 1984 36 Para o uso do termo república ver Relação das guerras feitas aos Palmares de Pernambuco no tempo do governador d Pedro de Almeida 16751678 citado em Flávio Gomes Org Mocambos de Palmares op cit pp 220 ss Ver também Sebastião da Rocha Pita História da América portuguesa São Paulo Edusp Belo Horizonte Itatiaia 1976 livro oitavo p 215 Para o uso do termo república na cultura política portuguesa ver Heloisa Maria Murgel Starling A liberdade era amável A formação da linguagem do republicanismo na América portuguesa séculos XVII e XVIII Belo Horizonte Ed UFMG 2013 Tese Titular em História do Brasil 37 Para os dados de população ver Ronaldo Vainfas Antônio Vieira Jesuíta do rei São Paulo Companhia das Letras 2011 p 270 38 Castro Alves Saudação a Palmares In Obra completa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1960 39 Para uma compilação das diversas versões de Palmares produzidas pelo imaginário brasileiro ver Jean Marcel Carvalho França e Ricardo Alexandre Ferreira Três vezes Zumbi A construção de um herói brasileiro São Paulo Três Estrelas 2012 40 Para as fugas ver João José Reis e Eduardo Silva op cit 41 Para o capitão do mato ver Silvia Hunold Lara Do singular ao plural Palmares capitães do mato e o governo dos escravos In João José Reis e Flávio dos Santos Gomes Orgs op cit 42 Para o uso de santo Antônio na repressão ao escravo fugido ver Luiz Mott Santo Antônio o divino capitão do mato In João José Reis e Flávio dos Santos Orgs op cit 43 Para a tomadia ver Carlos Magno Guimarães Uma negação da ordem escravista Quilombos em Minas Gerais no século XVIII São Paulo Ícone 1988 44 Para ações de sabotagem na agroindústria do açúcar ver Stuart Schwartz op cit 45 Ver por exemplo Zeca Ligiéro Corpo a corpo Estudo das performances brasileiras Rio de Janeiro Garamond 2011 especialmente o cap 3 46 Para o candomblé ver Reginaldo Prandi Segredos guardados Orixás na alma brasileira São Paulo Companhia das Letras 2005 47 Gregório de Mattos Preceito 1 In Obra poética completa Rio de Janeiro Record 1984 48 Para a prática do calundu ver José Ramos Tinhorão Os sons dos negros no Brasil Cantos danças folguedos Origens São Paulo Ed 34 2008 4 É OURO 1 Para Cataguás ver Ricardo Ferreira Ribeiro Florestas anãs do sertão O cerrado na história de Minas Gerais Belo Horizonte Autêntica 2005 v 1 pp 113 ss Para o contexto da descoberta do ouro na América portuguesa ver Sérgio Buarque de Holanda A mineração Antecedentes luso brasileiros História geral da civilização brasileira São Paulo Difusão Europeia do Livro 1960 tomo I A época colonial v 2 Administração economia e sociedade Charles R Boxer A idade de ouro do Brasil Dores de crescimento de uma sociedade colonial 3 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2000 especialmente o cap II Lucas Figueiredo Boa ventura A corrida do ouro no Brasil 1697 1810 A cobiça que forjou um país sustentou Portugal e inflamou o mundo 5 ed Rio de Janeiro Record 2011 2 Sérgio Buarque de Holanda Visão do Paraíso Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil São Paulo Companhia das Letras 2010 3 A frase é de Sérgio Buarque de Holanda Ver Sérgio Buarque de Holanda Visão do Paraíso Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil São Paulo Companhia Editora Nacional 1969 p 99 4 Para as primeiras descobertas de ouro e para a importação de lhamas ver Sérgio Buarque de Holanda Visão do Paraíso op cit p 237 5 André João Antonil Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas 3 ed Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1982 6 Diogo de Vasconcelos História antiga das Minas Gerais 4 ed Belo Horizonte Itatiaia 1999 p 123 7 Para a expressão ouro preto ver a carta do sertanista Bento do Amaral Coutinho ao governador do Rio de Janeiro Artur de Sá e Menezes datada de 16 de janeiro de 1709 citada em José Soares de Mello Emboabas Crônica de uma revolução nativista Documentos inéditos São Paulo São Paulo Editora 1929 pp 239 ss 8 Ver Carta de d João de Lencastro ao rei Bahia 7 de janeiro de 1701 em Orville A Derby Os primeiros descobrimentos de ouro nos distritos de Sabará e Caeté Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo v 5 18891900 Ver também Copia do papel que o Sr Dom Joam de Lancastro fez sobre a recadaçam dos quintos do ouro das minas que se descobrirão neste Brazil na era de 1701 Bahia 12 janeiro 1701 em André João Antonil Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas Texte de lédition de 1711 traduction française et commentaire critique par Andrée Mansuy Paris Institut des Hautes Études de lAmérique Latine 1965 9 Antônio Vieira Sermões Obras completas do padre Antônio Vieira Porto Lello e Irmão 1959 p 271 v 5 10 A expressão é de Sérgio Buarque de Holanda Ver Sérgio Buarque de Holanda Caminhos e fronteiras 3 ed 2 reimp São Paulo Companhia das Letras 2001 11 Para as origens de São Paulo ver Mário Neme Notas de revisão da história de São Paulo São Paulo Anhambi 1959 Jaime Cortesão A fundação de São Paulo capital geográfica do Brasil Rio de Janeiro Livros de Portugal 1955 Ver também Roberto Pompeu de Toledo A capital da solidão Uma história de São Paulo das origens a 1900 Rio de Janeiro Objetiva 2003 12 Para as ações de apresamento e escravização das populações indígenas ver John Manuel Monteiro Negros da terra Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo São Paulo Companhia das Letras 1994 Para as práticas de catequese e para a resistência indígena ver Ronaldo Vainfas op cit 13 Para a inspiração das bandeiras no Regimento de Ordenanças do reino ver Jaime Cortesão Introdução à história das bandeiras Lisboa Portugália 1964 pp 55 ss v 1 Ver também Pedro Puntoni A guerra dos bárbaros Povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil 16501720 São Paulo Fapesp Hucitec Edusp 2012 pp 196 ss 14 Para o argumento de que a descoberta do ouro nas Minas fora resultado de uma negociação entre a Coroa portuguesa e os sertanistas paulistas ver especialmente Francisco Eduardo de Andrade A invenção das Minas Gerais Empresas descobrimentos e entradas nos sertões do ouro da América portuguesa Belo Horizonte Autêntica Editora PUC Minas 2008 15 Ver por exemplo Domingos Vandelli Memória III Sobre as Minas de ouro do Brasil Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro Rio de Janeiro v XX pp 2656 1898 16 Ver Waldemar de Almeida Barbosa Dicionário históricogeográfico de Minas Gerais Belo Horizonte Itatiaia 1995 17 Para a instalação do poder civil e a fundação das primeiras vilas ver Cláudia Damasceno Fonseca Arraiais e vilas del Rei espaço e poder nas Minas setecentistas Belo Horizonte Ed UFMG 2011 Para as descobertas de ouro nas Minas ver Sérgio Buarque de Holanda Metais e pedras preciosas História geral da civilização brasileira op cit tomo I A época colonial v 2 Administração economia e sociedade André João Antonil op cit Diogo de Vasconcelos op cit 18 Para o conflito emboaba ver especialmente Adriana Romeiro Paulistas e emboabas no coração das Minas Ideias práticas e imaginário político no século XVIII Belo Horizonte Ed UFMG 2009 19 Para uma biografia de Fernão Dias ver Afonso de E Taunay A grande vida de Fernão Dias Pais Rio de Janeiro José Olympio 1955 20 Para o mito da serra do Sabarabuçu ver Sérgio Buarque de Holanda Visão do Paraíso op cit 21 Citado em Sérgio Buarque de Holanda Visão do Paraíso op cit p 84 22 Olavo Bilac O caçador de esmeraldas In Obra reunida Rio de Janeiro Nova Aguilar 1996 23 Para o mito da lagoa Vapabuçu ver Sérgio Buarque de Holanda Visão do Paraíso op cit 24 Carlos Drummond de Andrade Canto mineral em Poesia completa e prosa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1988 25 Para a importância da empresa de descobrimento de Fernão Dias ver Francisco Eduardo de Andrade op cit especialmente o cap 2 Para a estratégia das roças ver também Sérgio Buarque de Holanda Caminhos e fronteiras op cit 26 Para os caminhos de entrada nas Minas durante os séculos XVII e XVIII ver Heloisa Maria Murgel Starling Caminhos e descaminhos das Minas em Heloisa Maria Murgel Starling Gringo Cardia Sandra Regina Goulart Almeida Bruno Viveiros Martins Orgs Minas Gerais Belo Horizonte Ed UFMG 2011 27 Charles R Boxer op cit p 70 28 Para as aventuras de Pedro Hanequim ver Adriana Romeiro Um visionário na corte de d João V Revolta e milenarismo nas Minas Gerais Belo Horizonte Ed UFMG 2001 29 Copia do papel que o Sr Dom Joam de Lancastro fez sobre a recadaçam dos quintos do ouro das minas que se descobrirão neste Brazil na era de 1701 Bahia 12 janeiro 1701 op cit p 587 30 André João Antonil Cultura e opulência no Brasil por suas drogas e minas op cit 31 Raimundo Faoro Os donos do poder Formação do patronato político brasileiro São Paulo Globo 1991 p 154 v 2 32 Representação de Pedro Barbosa Leal questionando as ordens de erigir duas casas de fundição uma em Jacobina e outra em Rio das Contas explicando que isso não evita o descaminho do ouro e sugerindo que sejam construídas em Pernambuco Bahia e Rio de Janeiro Rio de Janeiro Fundação Biblioteca Nacional Divisão de Manuscritos II31 25 009 sd fl 3640 33 Para uma descrição dos caminhos ver André João Antonil Cultura e opulência no Brasil por suas drogas e minas op cit Teodoro Sampaio O rio São Francisco e a Chapada Diamantina Salvador Livraria Progresso 1955 Para os roteiros do contrabando ver especialmente Representação de Pedro Barbosa Leal questionando as ordens de erigir duas casas de fundição uma em Jacobina e outra em Rio das Contas explicando que isso não evita o descaminho do ouro e sugerindo que sejam construídas em Pernambuco Bahia e Rio de Janeiro op cit 34 No fim do século XVIII o valor de um real correspondia a aproximadamente cinquenta centavos de real em valores de hoje 35 Eduardo Frieiro Feijão angu e couve Belo Horizonte Imprensa da Universidade Federal de Minas Gerais 1966 pp 567 36 Ver José Vieira Couto Memória sobre a capitania das Minas Gerais Seu território clima e produções metálicas Ed crítica de Júnia Ferreira Furtado Belo Horizonte Fundação João Pinheiro 1994 37 Richard Francis Burton Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1976 38 Para a entrada de mercadorias nas Minas ver por exemplo Angelo Alves Carrara Minas e currais Produção rural e mercado interno de Minas Gerais 16741807 Juiz de Fora Ed da UFJF 2007 39 Para o quilombo de São Bartolomeu ver Waldemar de Almeida Barbosa Negros e quilombos em Minas Gerais Belo Horizonte sn 1972 Ver também Carlos Magno Guimarães Uma negação da ordem escravista Quilombos em Minas Gerais no século XVIII São Paulo Ícone 1988 40 Citado em Waldemar de Almeida Barbosa Negros e quilombos em Minas Gerais op cit p 121 Para as negras quitandeiras nas Minas ver Laura de Mello e Souza Desclassificados do ouro A pobreza mineira no século XVIII Rio de Janeiro Graal 1982 41 Citado em Donald Ramos O quilombo e o sistema escravista em Minas Gerais do século XVIII em João José Reis e Flávio dos Santos Gomes Orgs op cit p 186 Para as vendas ver também Laura de Mello e Souza Desclassificados do ouro op cit 42 Carta de dom Pedro Miguel de Almeida ao rei de Portugal 13 de junho de 1718 Revista do Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte v III pp 25166 1898 43 Bando sobre quilombolas 20 de dezembro de 1717 Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte Seção Colonial códice SC 11 fl 269 Ver também Charles R Boxer op cit pp 1967 44 Ver Carlos Magno Guimarães op cit Kátia de Queirós Mattoso op cit 45 Para as quadrilhas de salteadores ver especialmente Carla Maria Junho Anastasia A geografia do crime Violência nas Minas setecentistas Belo Horizonte Ed UFMG 2005 46 Para os vadios e a população de homens pobres nas Minas ver especialmente Laura de Mello e Souza Desclassificados do ouro op cit 47 Para as técnicas de mineração ver Sérgio Buarque de Holanda A mineração antecedentes luso brasileiros op cit Sérgio Buarque de Holanda Metais e pedras preciosas op cit André João Antonil op cit Charles R Boxer op cit especialmente os caps II e VII 48 Para os dados sobre a mão de obra escrava ver Douglas Cole Libby As populações escravas das Minas setecentistas Um balanço preliminar em Maria Efigênia Lage de Resende e Luiz Carlos Villalta Orgs História de Minas Gerais As Minas setecentistas Belo Horizonte Autêntica Companhia do Tempo 2007 v 1 49 André João Antonil op cit p 167 50 Para a tributação nas Minas ver João Pandiá Calógeras As minas do Brasil e sua legislação Rio de Janeiro Imprensa Nacional 1905 3 v Virgílio Noya Pinto O ouro brasileiro e o comércio anglo português São Paulo Companhia Editora Nacional 1979 Diogo Pereira de Vasconcelos Minas e quintos do ouro Revista do Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte v 6 n 34 pp 855965 juldez 1901 51 Para os números da produção do ouro ver Virgílio Noya Pinto op cit p 114 Ver também Lucas Figueiredo op cit 52 A expressão é de Fritz Teixeira de Sales citada em Mauro Werkema História arte e sonho na formação de Minas Belo Horizonte DUO Editorial 2010 53 José Joaquim da Rocha Geografia histórica da capitania de Minas Gerais Belo Horizonte Fundação João Pinheiro Centro de Estudos Históricos e Culturais 1995 54 Para Vila Rica ver Cláudia Damasceno Fonseca Arraiais e vilas dEl Rei espaço e poder nas Minas setecentistas Belo Horizonte Ed UFMG 2011 Laura de Mello e Souza Cláudio Manuel da Costa O letrado dividido São Paulo Companhia das Letras 2011 Lucas Figueiredo op cit Manuel Bandeira Guia de Ouro Preto Rio de Janeiro Ediouro 2000 Lúcia Machado de Almeida Passeio a Ouro Preto Belo Horizonte Ed UFMG 2011 55 Cláudio Manuel da Costa Vila Rica In Domício Proença Filho Org A poesia dos inconfidentes Poesia completa de Cláudio Manuel da Costa Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto Rio de Janeiro Nova Aguilar 1996 Canto X p 443 Para a poesia de Cláudio Manuel da Costa ver Sérgio Alcides Estes penhascos Cláudio Manuel da Costa e a paisagem das Minas São Paulo Hucitec 2003 Para a importância do espaço urbano como lugar de enunciação do discurso poético na obra dos poetas mineiros dos Setecentos ver especialmente Reinaldo Martiniano Marques Poeta e poesia inconfidentes Um estudo de arqueologia poética Belo Horizonte Universidade Federal de Minas Gerais 1993 Tese Doutorado em Letras 56 Para a importância dessa poesia ver Antonio Candido Formação da literatura brasileira Momentos decisivos Rio de Janeiro Ouro sobre azul 2006 especialmente os caps II III e IV Sérgio Buarque de Holanda Capítulos de literatura colonial São Paulo Brasiliense 2000 Para os letrados ver Júnia Ferreira Furtado Oráculos da geografia iluminista Dom Luís da Cunha e JeanBaptiste Bourguignon DAnville na construção da cartografia do Brasil Belo Horizonte Ed UFMG 2012 Sérgio Alcides Estes penhascos Cláudio Manuel da Costa e a paisagem das Minas op cit 57 Tomás Antônio Gonzaga Cartas chilenas em Domício Proença Filho Org A poesia dos inconfidentes op cit cartas 3 5 6 e 12 Ver também Sérgio Buarque de Holanda As Cartas chilenas em Sérgio Buarque de Holanda Tentativas de mitologia São Paulo Perspectiva 1979 e Tomás Antônio Gonzaga Cartas chilenas em Domício Proença Filho Org A poesia dos inconfidentes op cit carta terceira pp 815 8189 58 Para a concessão de alforrias e a miscigenação nas Minas ver Eduardo França Paiva Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII São Paulo Annablume 1995 Laura de Mello e Souza Coartação Problemática e episódios referentes a Minas Gerais no século XVIII em Laura de Mello e Souza Norma e conflito Aspectos da história de Minas no século XVIII Belo Horizonte Ed UFMG 1999 59 Para a estrutura social das Minas ver Laura de Mello e Souza Desclassificados do ouro op cit 60 Para o Barroco nas Minas ver Rodrigo Almeida Bastos O barroco sagrado e profano o regime retórico das artes em Minas Gerais no século XVIII em Heloisa Maria Murgel Starling Gringo Cardia Sandra Regina Goulart Almeida Bruno Viveiros Martins Orgs Minas Gerais op cit Brasil barroco Entre céu e terra Paris União Latina Petit Palais 1999 Benedito Lima de Toledo Esplendor do Barroco lusobrasileiro São Paulo Ateliê 2012 Afonso Ávila Resíduos setecentistas em Minas Textos do século do ouro e as projeções do mundo barroco Belo Horizonte Arquivo Público Mineiro 2006 2 v 61 Para as ordens e irmandades leigas ver Caio Boschi Os leigos e o poder São Paulo Ática 1986 62 Rodrigo José Ferreira Bretas Traços biográficos relativos ao finado Antônio Francisco Lisboa distinto escultor mineiro mais conhecido pelo apelido de Aleijadinho Belo Horizonte Ed UFMG 2013 André Guilherme Dornelles Dangelo Vanessa Brasileiro O Aleijadinho arquiteto e outros ensaios sobre o tema Belo Horizonte Escola de Arquitetura da UFMG 2008 63 A expressão é de Laura de Mello e Souza Ver Laura de Mello e Souza Desclassificados do ouro op cit p 38 5 REVOLTAS CONJURAÇÕES MOTINS E SEDIÇÕES NO PARAÍSO DOS TRÓPICOS 1 Para o Rio de Janeiro durante o século XVII ver Vivaldo Coaracy O Rio de Janeiro no século XVII Rio de Janeiro José Olympio 1965 Maurício de Almeida Abreu Geografia histórica do Rio de Janeiro 15021700 Rio de Janeiro Andrea Jakobsson Estúdio 2010 2 v Para a baía de Guanabara ver Bia Hetzel Baía de Guanabara Rio de Janeiro Manati 2000 2 Para a revolta de 1660 no Rio de Janeiro ver Luciano Raposo de Almeida Figueiredo Revoltas fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa Rio de Janeiro Bahia e Minas Gerais 1640 1761 Tese Doutorado em História São Paulo FFLCHUSP 1995 v 1 Miguel Arcanjo de Souza Política e economia no Rio de Janeiro seiscentista Salvador de Sá e a Bernarda de 16601661 Dissertação Mestrado em História Rio de Janeiro CFCHUFRJ 1994 Antônio Felipe Pereira Caetano Entre a sombra e o sol A Revolta da Cachaça a freguesia de São Gonçalo do Amarante e a crise política fluminense Dissertação Mestrado em História Niterói UFF 2003 3 A estimativa é de frei Vicente do Salvador Ver frei Vicente do Salvador Historia do Brazil 15601627 Rio de Janeiro Versal São Paulo Odebrecht 2008 Para a cultura do açúcar ver Roberto Simonsen História econômica do Brasil 15001820 São Paulo Companhia Editora Nacional 1962 Tamás Szmrecányi Org História econômica do período colonial São Paulo Hucitec 1996 Celso Furtado Economia colonial no Brasil nos séculos XVI e XVII São Paulo Hucitec 2001 Luiz Felipe de Alencastro O trato dos viventes Formação do Brasil no Atlântico sul séculos XVI e XVII São Paulo Companhia das Letras 2000 4 Para o comércio de escravos e o contrabando ver Manolo Florentino Org Tráfico cativeiro e liberdade Rio de Janeiro séculos XVIIXIX Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2005 5 Ver Luís da Câmara Cascudo Prelúdio da cachaça Etnologia história e sociologia da aguardente no Brasil Belo Horizonte Itatiaia 1986 6 Para Sá e Benevides ver Charles R Boxer Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola 16021686 São Paulo Edusp 1973 Francisco Adolfo de Varnhagen Biografia de Salvador Correia de Sá Revista do IHGB Rio de Janeiro tomo III 1841 7 Luiz Felipe de Alencastro op cit p 197 8 Carta dos oficiais da Câmara do Rio de Janeiro dirigida ao rei em 31 de dezembro de 1660 In José Vieira Fazenda Antiqualha e memórias do Rio de Janeiro Revista do IHGB Rio de Janeiro tomo 89 pp 933 1921 9 Ver Carl E H Vieira de Mello O Rio de Janeiro no Brasil quinhentista São Paulo Giordano 1996 10 Para as revoltas ver Luciano Raposo de Almeida Figueiredo Revoltas fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa Rio de Janeiro Bahia e Minas Gerais 16401761 op cit 11 Os dois significados estão apontados na primeira edição do Dicionário de Moraes Silva Ver Antonio de Moraes Silva Diccionario da lingua portugueza Lisboa Oficina de Simão Tadeu Ferreira 1789 Ver Fátima de Sá e Melo Ferreira Entre viejos y nuevos sentidos Pueblo y Pueblos en el mundo iberoamericano entre 1750 y 1850 em Javier Fernández Sebastián Org Diccionario político y social del mundo iberoamericano La era de las revoluciones 17501850 Madri Fundación Carolina Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales Centro de Estudios Políticos y Constitucionales 2009 Para o vocabulário da época ver Raphael Bluteau Vocabulario portuguez e latino Coimbra Real Colégio das Artes da Companhia de Jesus 1713 Francisco Solano Constâncio Novo diccionario crítico e etymologico da lingua portugueza Paris Angelo Francisco Carneiro Editor Tipografia de Casimir 1836 12 Silvia Hunold Lara Org Ordenações Filipinas Livro V São Paulo Companhia das Letras 1999 13 Luciano Raposo de Almeida Figueiredo Revoltas fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa Rio de Janeiro Bahia e Minas Gerais 16401761 op cit pp 277 ss Para os motivos comuns a boa parte das revoltas dos colonos ver Luciano Raposo de Almeida Figueiredo Além de súditos notas sobre revoltas e identidade colonial na América portuguesa Tempo Niterói v 5 n 10 pp 8195 2000 14 Para a revolta de 1666 em Pernambuco ver Evaldo Cabral de Mello A fronda dos mazombos Nobres contra mascates Pernambuco 16661715 São Paulo Ed 34 2003 15 Antônio Vieira Sermões São Paulo Hedra 2003 v 1 16 Para uma cronologia das revoltas e movimentos armados ocorridos na América colonial entre os séculos XVII e XVIII ver Luciano Figueiredo Rebeliões no Brasil Colônia Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 Para uma visão de conjunto desses movimentos ver Laura de Mello e Souza Motines revueltas y revoluciones em la America portuguesa de los siglos XVII y XVIII em J H Lehuedé Org Historia general de America Latina Madri Trotta 2000 v IV 17 Para um relato sobre a revolta de Beckman ver Milson Coutinho A revolta de Bequimão São Luís Geia 2004 João Francisco Lisboa Crônica do Brasil colonial Apontamentos para a história do Maranhão Petrópolis Vozes Brasília Instituto Nacional do Livro 1976 18 Para um relato sobre os Motins do Maneta e suas causas ver Sebastião da Rocha Pitta História da América portuguesa Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1976 Braz do Amaral e Ignácio Accioli Memória histórica e política da província da Bahia Salvador Imprensa Oficial do Estado 1931 v 3 Para o significado de motins ver Jean Delumeau História do medo no ocidente 1300 1800 São Paulo Companhia das Letras 1989 19 Ver George Rudé Ideology and Popular Protest Nova York Pantheon 1980 Ver também Jean Delumeau História do medo no ocidente 13001800 op cit especialmente o cap 4 20 Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720 Belo Horizonte Fundação João Pinheiro Centro de Estudos Históricos e Culturais 1994 p 59 O texto é anônimo Sua autoria foi creditada por Laura de Mello e Souza a d Pedro Miguel de Almeida Portugal e aos dois jesuítas que o acompanharam durante a estadia dele nas Minas José Mascarenhas e Antônio Correia Ver Laura de Mello e Souza Estudo crítico em Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720 op cit 21 Para as rebeliões ocorridas nas Minas durante a primeira metade do século XVIII ver Carla Maria Junho Anastasia Vassalos rebeldes Violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII Belo Horizonte Editora CArte 1998 Para Catas Altas e Pitangui ver Vagner da Silva Cunha A rochela das minas de ouro Paulistas na vila de Pitangui 17091721 Dissertação Mestrado em História Belo Horizonte UFMG 2009 22 Para as causas da Sedição de Vila Rica ver Termo que se fez sobre a proposta do povo de Vila Rica na ocasião em que veio amotinado a Vila do Carmo 2 de julho de 1720 Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte seção colonial códice SC 06 fl 957 Para um relato da sedição ver Feu de Carvalho Ementário da história mineira Felipe dos Santos Freire na sedição de Villa Rica em 1720 Belo Horizonte Edições Históricas 1933 Diogo de Vasconcelos História antiga das Minas Gerais Belo Horizonte Itatiaia 1999 23 Para os Motins do Sertão ver Diogo de Vasconcelos História média de Minas Gerais Belo Horizonte Itatiaia 1974 Carla Maria Junho Anastasia Vassalos rebeldes op cit especialmente o cap 3 24 Carta do governador Martinho de Mendonça para Gomes Freire de Andrade 23 de julho de 1736 Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte seção colonial códice SG 55 fl 912 25 Carta do governador Martinho de Mendonça para o secretário de Estado Antônio Guedes Pereira 17 de outubro de 1737 Revista do Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte v 1 p 662 1896 26 Ver Luciano Raposo de Almeida Figueiredo Revoltas fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa Rio de Janeiro Bahia e Minas Gerais 16401761 op cit 27 A singularidade é apontada por Evaldo Cabral de Mello para análise comparativa entre o levante emboaba e os levantes de Pernambuco em 1710 e 1711 Evaldo Cabral de Mello A fronda dos mazombos op cit pp 3589 28 Para a narrativa dos complexos acontecimentos e dos personagens que compõem a Guerra dos Mascates ver especialmente Evaldo Cabral de Mello A fronda dos mazombos op cit 29 Ver Joaquim Dias Martins Os mártires pernambucanos vítimas da liberdade nas duas revoluções ensaiadas em 1710 e 1817 Recife 1853 pp 2723 e Maximiano Lopes Machado História da província da Paraíba Paraíba Imprensa Oficial 1912 p 366 citados em Evaldo Cabral de Mello A fronda dos mazombos op cit pp 3089 e 3112 30 Para uma relação e descrição dos conjurados ver Márcio Jardim A Inconfidência mineira Uma síntese factual Rio de Janeiro Biblioteca do Exército Editora 1989 Para a biografia de Gonzaga ver Adelto Gonçalves Gonzaga um poeta do Iluminismo Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 Para Cláudio Manuel da Costa ver Sérgio Alcides Estes penhascos Cláudio Manuel da Costa e a paisagem das Minas São Paulo Hucitec 2003 Laura de Mello e Souza Cláudio Manuel da Costa São Paulo Companhia das Letras 2011 31 Para a biografia de padre Rolim ver Roberto Wagner de Almeida Entre a cruz e a espada A saga do valente e devasso padre Rolim São Paulo Paz e Terra 2002 Para os interesses e atividades da elite mineira considerados ilegais pela Coroa ver Kenneth Maxwell A devassa da devassa A Inconfidência mineira BrasilPortugal 17501808 São Paulo Paz e Terra 2009 32 Francisco de Paula Freire de Andrade 2ª Inquirição Rio Fortaleza da Ilha das Cobras 25 de janeiro de 1790 In Autos da Devassa da Inconfidência Mineira Brasília Câmara dos Deputados Belo Horizonte Imprensa Oficial de Minas Gerais 1982 p 180 v 5 33 Para as razões do movimento ver Kenneth Maxwell A devassa da devassa op cit Roberta Giannubilo Stumpf Filhos das Minas americanos e portugueses Identidades coletivas na capitania de Minas Gerais 17631792 São Paulo Hucitec 2010 34 Ver Inquirição de Testemunhas 1 Testemunha 4ª In Autos da Devassa da Inconfidência Mineira op cit p 156 v 1 35 Kenneth Maxwell Org O livro de Tiradentes Transmissão atlântica de ideias políticas no século XVIII São Paulo Penguin Classics Companhia das Letras 2013 36 Para as habilidades de Tiradentes na arte de curar ver Júnia Ferreira Furtado Dos dentes e seus tratamentos A história da odontologia no período colonial em Heloisa Maria Murgel Starling Betânia Gonçalves Figueiredo Júnia Ferreira Furtado e Lígia Beatriz de Paula Germano Orgs Odontologia História restaurada Belo Horizonte Ed UFMG 2007 pp 49 ss Para as atividades de Tiradentes como comandante do Caminho Novo ver Carla Maria Junho Anastasia A geografia do crime Violência nas Minas setecentistas Belo Horizonte Ed UFMG 2005 especialmente o cap 3 Para outros elementos biográficos de Tiradentes ver Lúcio José dos Santos A Inconfidência mineira Papel de Tiradentes na Inconfidência mineira Belo Horizonte Imprensa Oficial 1972 37 Para a ausência de apoio internacional à Conjuração Mineira ver Kenneth Maxwell A Inconfidência mineira Dimensões internacionais em Kenneth Maxwell Chocolate piratas e outros malandros Ensaios tropicais São Paulo Paz e Terra 1999 38 Para o Embuçado ver Ofício do Visconde de Barbacena a Luís de Vasconcelos e Souza vicerei sobre o início da repressão em Minas em Autos da Devassa da Inconfidência Mineira op cit pp 1701 v 8 Ver também Inquirição das testemunhas Casa do Ouvidor 11011790 em Autos da Devassa da Inconfidência Mineira op cit pp 237 ss v 2 39 Para as denúncias ver Autos da Devassa da Inconfidência Mineira op cit v 1 40 Para a morte de Cláudio Manuel da Costa ver Márcio Jardim A Inconfidência mineira op cit Laura de Mello e Souza Cláudio Manuel da Costa op cit 41 Silviano Santiago Em liberdade São Paulo Rocco 1994 42 Conforme anotou Vilhena importante cronista do Brasil colonial em A Bahia no século XVIII Salvador Editora Itapuã 1969 p 425 v 2 O termo pasquim era utilizado em Portugal para nomear todo tipo de panfleto 43 Para a data e os locais onde foram afixados os panfletos ver especialmente Luís Henrique Dias Tavares História da sedição intentada na Bahia em 1798 A conspiração dos alfaiates São Paulo Pioneira Brasília Instituto Nacional do Livro 1975 44 O conjunto é formado por onze panfletos Os originais estão reunidos no Arquivo Público do Estado da Bahia Seção Histórica maços 578 e 581 Também existem cópias na seção de manuscritos da Biblioteca Nacional I28 23nº 112 Esse conjunto foi integralmente publicado em Luís Henrique Dias Tavares História da sedição intentada na Bahia em 1798 op cit pp 2240 Kátia de Queirós Mattoso Presença francesa no movimento democrático baiano de 1798 Salvador Editora Itapuã 1969 pp 14459 45 Para um relato da Conjuração Baiana ver István Jancsó Na Bahia contra o Império História do ensaio da sedição de 1798 São Paulo Hucitec Salvador Edufba 1996 46 Panfletos difamatórios começaram a ser documentados na América portuguesa por obra do Tribunal do Santo Ofício entre 1587 e 1591 Ver Emanuel Araújo O teatro dos vícios Transgressão e transigência na sociedade urbana colonial Rio de Janeiro José Olympio 2008 especialmente pp 330 ss 47 Para a indicação para o alvo dos panfletos ver Kátia de Queirós Mattoso Bahia 1789 Os panfletos revolucionários Proposta de uma nova leitura em Osvaldo Coggiola A Revolução Francesa e seu impacto na América Latina São Paulo Nova Stella Edusp 1990 pp 346 ss 48 Ver Panfleto 5º Prelo em Kátia de Queirós Mattoso Presença francesa no movimento democrático baiano de 1798 op cit p 151 49 Perguntas a Antônio Ignacio Ramos A Inconfidência da Bahia em 1798 Devassas e Sequestros Anais da Biblioteca Nacional Rio de Janeiro v 434 pp 1304 19201 Ver também Luís Henrique Dias Tavares História da sedição intentada na Bahia em 1798 op cit p 100 50 Continuação das perguntas a José de Freitas Sacoto pardo livre e preso nas cadeias desta Relação Autos da Devassa do Levantamento e Sedição Intentados na Bahia em 1798 Anais do Arquivo Público da Bahia Salvador Imprensa Oficial da Bahia v XXXV p 129 1961 51 Para o dístico e a bandeira da Conjuração Baiana ver Bráz Hermenegildo do Amaral A conspiração republicana da Bahia de 1798 em Bráz Hermenegildo do Amaral Fatos da vida do Brasil Salvador Tipografia Naval 1941 p 14 52 Assentada Autos da Devassa do Levantamento e Sedição Intentados na Bahia em 1798 op cit v XXXVI p 406 53 Perguntas a Joaquim José de Santa Anna A Inconfidência da Bahia em 1798 Devassas e Sequestros Anais da Biblioteca Nacional Rio de Janeiro v 45 p 119 19201 54 Para a repressão à Conjuração ver Patrícia Valim Da contestação à conversão a punição exemplar dos réus da Conjuração Baiana de 1798 Topoi Niterói v 10 n 18 pp 1423 janjun 2009 István Jancsó Teoria e prática da contestação na colônia em István Jancsó Na Bahia contra o Império História do ensaio da sedição de 1798 op cit 6 HOMENS À VISTA UMA CORTE AO MAR 1 Este capítulo é apoiado em pesquisa realizada para o livro A longa viagem da biblioteca dos reis Do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil São Paulo Companhia das Letras 2002 de autoria de Angela Marques da Costa Paulo Cesar de Azevedo e Lilia Moritz Schwarcz 2 Para a palavra revolução ver Reinhart Koselleck O conceito moderno de revolução em Reinhart Koselleck Futuro passado Contribuição à semântica dos tempos históricos Rio de Janeiro Contraponto Ed PUCRio 2006 3 Até antes da aclamação em 1818 chamaremos de d João o filho de d Maria e a partir do momento em que esta for julgada incapaz de exercer o governo de príncipe regente d João 4 Fernando Novais Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial 17771808 op cit p 18 5 Ana Cristina Bartolomeu de Araújo As invasões francesas e a afirmação das ideias liberais In José Mattoso História de Portugal Lisboa Estampa 19 p 17 v V O liberalismo 18071890 6 Luiz Carlos Villalta 17891808 O império lusobrasileiro e os Brasis São Paulo Companhia das Letras 2000 p 126 Para a política de neutralidade portuguesa e o medo provocado pela Revolução Francesa ver Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves Napoleão Bonaparte Imaginário e política em Portugal c 18081810 São Paulo Alameda 2008 7 Segundo Pedro Penner da Cunha Sob fogo Portugal e Espanha entre 1800 e 1820 Lisboa Horizonte 1988 p 138 8 Ana Cristina Bartolomeu de Araújo As invasões francesas e a afirmação das ideias liberais op cit p 19 9 J B F Carrère Panorama de Lisboa no ano de 1796 Lisboa Biblioteca Nacional Secretaria do Estado da Cultura 1989 p 60 10 Manchester 1973 p 60 11 Carl Israel Ruders Viagem a Portugal 17981802 Lisboa Biblioteca Nacional Secretaria de Estado da Cultura 1981 p 36 12 Ana Cristina Bartolomeu de Araújo As invasões francesas e a afirmação das ideias liberais op cit p 21 13 J B F Carrère op cit p 56 14 Pedro Penner da Cunha op cit pp 689 Essa contenda ficou conhecida como Guerra das Laranjas 15 Ana Cristina Bartolomeu de Araújo As invasões francesas e a afirmação das ideias liberais op cit p 22 16 Oliveira Lima D João VI no Brasil 3 ed Rio de Janeiro Topbooks 1996 pp 17789 Ver também Francisca L Nogueira de Azevedo Carlota Joaquina na corte do Brasil Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2003 17 José Hermano Saraiva História de Portugal Mem Martins Publicações EuropaAmérica 1998 p 300 18 Oliveira Lima op cit p 43 19 Alexandre José de Mello Moraes História da transladação da Corte portuguesa para o Brasil em 18071808 Rio de Janeiro E Dupont 1982 p 112 tomo 1 20 Kátia de Carvalho Travessia das letras Rio de Janeiro Casa da Palavra 1999 p 156 21 Relato de d Rodrigo de Sousa Coutinho conde de Linhares Rio de Janeiro Biblioteca Nacional msII 30 35 60 22 Carta de 30 de maio de 1801 Arquivo Público do Rio de Janeiro In Oliveira Lima op cit p 45 As demais citações que se seguem atribuídas ao marquês de Alorna estão no mesmo documento 23 Parecer de d João de Almeida de Melo e Castro sobre a reunião do Conselho de Estado realizada em 19 de agosto de 1807 In Enéas Martins Filho O Conselho de Estado português e a transmigração da família real em 1807 Rio de Janeiro Ministério da Justiça Arquivo Nacional 1968 p 27 24 Joel Serrão Cronologia de Portugal Lisboa Iniciativas Editoriais 1971 p 376 25 Oliveira Lima op cit p 46 Ver também Maria Graham Journal or a Voyage to Brazil and Residence There London 1824 Londres Longman 1824 26 Anônimo Jornada do sr d João VI ao Brasil em 1807 In Ângelo Pereira Os filhos del Rei d João VI Lisboa Empresa Nacional de Publicidade 1946 p 101 27 Ibid p 101 28 Oliveira Lima op cit p 49 29 Assento do Conselho de Estado do dia 26 de agosto de 1807 Rio de Janeiro Arquivo Nacional Fundo Negócios de Portugal 1807 caixa 714 30 Anônimo Jornada do sr d João VI ao Brasil em 1807 op cit p 101 31 Oliveira Lima op cit p 47 32 Alan K Manchester A transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro In H Keith e Edward S F Orgs Conflito e continuidade na sociedade brasileira Trad de José Laurênio de Melo Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1970 p 67 33 Carta do Visconde de Anadia ao Príncipe Regente de 29 de setembro de 1807 Rio de Janeiro Arquivo Nacional Fundo Negócios de Portugal 1807 caixa 714 34 Camilo Luís Rossi Diário dos acontecimentos de Lisboa por ocasião da entrada das tropas escrito por uma testemunha Lisboa Oficinas Gráficas da Casa Portuguesa 1944 p 6 35 Alan K Manchester op cit p 68 36 Carta do frei Matias de São Bruno sobre notícias militares contra a Inglaterra Cartuxa 2 de novembro de 1807 In Enéas Martins Filho op cit p 51 37 Enéas Martins Filho op cit p 16 38 Ibid p 10 Se Portugal não fizer o que eu quero a Casa de Bragança dentro de dois meses deixará de reinar na Europa 39 Parecer do Marques de Pombal 2 de novembro de 1807 In Enéas Martins Filho op cit p 59 40 Ibid p 62 41 Alan K Manchester op cit p 181 42 Oliveira Lima op cit p 37 43 Alexandre José de Mello Moraes op cit p 53 44 Camilo Luís Rossi op cit p 9 45 Cartas a Sua Alteza Real Rio de Janeiro Biblioteca Nacional 1807 ms 10 3 29 Todas as citações que se seguem no contexto constam nesse mesmo documento 46 Assento tomado em Conselho de Estado no Real Palácio da Ajuda em 8 de Novembro de 1807 na presença de SAR O Príncipe Regente Nosso Senhor In Enés Martins Filho op cit p 68 47 Alan K Manchester op cit p 181 48 Pedro Penner da Cunha op cit p 76 49 Alan K Manchester op cit p 71 50 A íntegra da declaração pode ser encontrada em Francisco Adolfo de Varnhagen História da independência do Brasil Revista do IHGB Rio de Janeiro v 173 pp 589 1962 51 João Manuel Pereira da Silva História da fundação do Império brasileiro Rio de Janeiro L Garnier 1865 pp 1145 tomo 1 52 Exposição analítica e justificativa de conduta Rio de Janeiro Biblioteca Nacional 1821 Seção de Obras Raras 37 17 1 p 5 53 Arquivo Nacional Torre do Tombo Mistério do Reino maço 279 ms de 14 de outubro de 1808 54 Camilo Luís Rossi op cit p 11 55 Alexandre José de Mello Moraes op cit p 61 56 O tenente irlandês Thomas ONeil imediato de um dos navios ingleses que acompanharam a frota portuguesa até o Rio de Janeiro publicou em 1810 suas anotações Bastante consultadas e citadas essas notas são também contestadas por seu aparente exagero e estilo fantasioso Ver Oliveira Lima op cit p 54 Nireu Oliveira Cavalcanti Bobagens consagradas entrevista realizada por Anabela Paiva em 9 jun 2001 e Lilia Moritz Schwarcz Homens e a corte ao mar O relato de uma aventura em Thomas ONeill A vinda da família real portuguesa para o Brasil Rio de Janeiro José Olympio 2007 Lilia Moritz Schwarcz Apresentação Entre a melancolia e a obstinação em Kenneth Light A viagem marítima da família real A transferência da corte portuguesa para o Brasil Rio de Janeiro Zahar 2008 pp 712 Lilia Moritz Schwarcz Paulo Cesar de Azevedo e Angela Marques da Costa op cit 57 Rio de Janeiro Biblioteca Nacional Seção de Obras Raras 32 1 11 58 Ver Angela Marques da Costa Paulo Cesar Azevedo e Lilia Moritz Schwarcz op cit 59 Emílio Joaquim da Silva Maia Rio de Janeiro Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro lata 245 doc 7 sd e João Manuel Pereira da Silva op cit p 118 60 Alexandre José de Mello Moraes op cit p 6 61 Emílio Joaquim da Silva Maia Embarque séquito e viagem da família real portuguesa Arribada à Bahia Estado do Brasil no tempo de colônia Desembarque no Rio de Janeiro Primeiro Ministério Português que funcionou no Brasil Rio de Janeiro Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro lata 345 doc 7 sd 62 João Manuel Pereira da Silva op cit p 121 63 Exposição analítica e justificativa da conducta e vida pública do visconde do Rio Seco Rio de Janeiro Imprensa Nacional 1821 pp 34 64 Descrição feita por João Manuel Pereira da Silva op cit p 119 65 Tobias do Rego Monteiro História do Império A elaboração da independência Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1981 p 66 tomo 1 Ver também Oliveira Martins D João VI no Brasil Brasília Fundação Projeto Rondon 1987 p 8 66 João Manuel Pereira da Silva op cit p 287 As naus sob o comando de Graham Moore eram Marlborough London Bedford e Monarch 67 Ibid p 289 68 Um manuscrito existente na Biblioteca Nacional relaciona nominalmente quinze naus ms I 31 30 63 Varnhagen se baseou nele Já outro da coleção do conde de Linhares com data do próprio dia 29 menciona dezoito embarcações ms I 29 20 1 doc 7 Rossi op cit diz que eram dezessete navios de guerra ONeill fala em quinze João Armitage História do Brasil Belo Horizonte São Paulo Itatiaia Edusp 1981 p 32 cita oito naus quatro fragatas e doze brigues somando 24 embarcações Para Light op cit p 108 a frota real era composta de dezoito navios e diz ele que Strangford registrou oito naus de linha quatro fragatas e vários brigues armados apud João Manuel Pereira da Silva 1864 p 285 tomo 1 Oliveira Cavalcanti op cit dá como dezenove o número de embarcações 69 Kenneth Light op cit p 110 70 Alan K Manchester op cit p 188 As naus que transportaram a família real foram o Príncipe Real a nau de maior tonelagem 84 canhões Afonso de Albuquerque 64 canhões e a Rainha de Portugal 74 canhões Integraram a esquadra ainda as naus Príncipe do Brasil 74 canhões Meduza 74 canhões Conde D Henrique 74 canhões Martim de Freitas 64 canhões e D João de Castro 64 canhões Havia também fragatas Minerva 44 canhões Golfinho 36 canhões e Urânia 32 canhões e brigues Vingança 20 canhões Voador 22 canhões e Lebre 22 canhões além de uma charrua Thetis Rio de Janeiro Biblioteca Nacional ms I 31 30 63 71 João Manuel Pereira da Silva História da fundação do império brasileiro Rio de Janeiro Garnier 18648 7 v 72 Relação das pessoas que saíram desta cidade para o Brasil em Companhia de SAR no dia 29 de novembro de 1807 Lisboa 29 de novembro de 1807 Rio de Janeiro Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro lata 490 pasta 29 15 fls 73 Papéis particulares do conde de Linhares Rio de Janeiro Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ms I 29 20 1 doc 7 74 Allan K Light op cit pp 110 e 112 75 Nireu Oliveira Cavalcanti em A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro As muralhas sua gente os construtores 17101810 Rio de Janeiro UFRJ 1997 Tese Doutorado em História p 160 cita o trabalho de Antonio Marques Esparteiro Transmigração da família real para o Brasil que oferece uma contagem minuciosa da tripulação de todas as embarcações In História naval brasileira Rio de Janeiro Ministério da Marinha 1979 pp 32551 tomo II v 2 76 João Manuel Pereira da Silva op cit p 121 Mello Morais fala em 30 mil Rio de Janeiro Biblioteca Nacional ms II 30 23 6 n 5 ONeill diz que teriam desembarcado de 16 mil a 18 mil súditos incluindo os 4 mil soldados da tropa José Vieira Fazenda Antiqualha e memórias do Rio de Janeiro Revista do IHGB Rio de Janeiro v 142 tomo 88 1920 avalia que em três meses a população do Rio aumentou em mais de 20 mil pessoas Cavalcanti conclui que foram cerca de quinhentas pessoas 1997 Jurandir Malerba A corte no exílio Civilização e poder no Brasil às vésperas da independência 18081821 São Paulo Companhia das Letras 2000 optou pela média de 15 mil e cita em nota outros autores e números para Rocha Martins seriam 13800 pessoas e para Soriano 15 mil Alan K Manchester op cit ciente das divergências opta por 10 mil Já Luís Edmundo 1957 contabiliza 15 mil 77 Rodrigo José Ferreira Lobo Capitão de Mar e Guerra Comandante Bordo da fragata Minerva 31 de janeiro de 1808 Papéis relativos à vinda 1808 pp 19 e 21 78 Alexandre José de Mello Moraes op cit p 72 e Kenneth Light op cit p 112 Para detalhes sobre o calendário e as condições técnicas da viagem ver Kenneth Light op cit 79 Luís Edmundo 1957 pp 489 80 Francisco Adolfo de Varnhagen op cit p 59 81 Domingos Alves Branco Barreto Memória dos sucessos acontecidos na cidade de Lisboa desde vinte e nove de novembro de 1808 BNMss I 134no7 82 Camilo Luís Rossi op cit p 15 83 Francisco Adolfo de Varnhagen op cit pp 589 84 Camilo Luís Rossi op cit p 29 85 Ângelo Pereira op cit p 120 86 Arquivo Nacional Torre do Tombo Ministério do Reino maço 279 87 Rio de Janeiro Biblioteca Nacional ms 10 3 29 88 Ver Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves Napoleão Bonaparte Imaginário e política em Portugal c 18081810 Rio de Janeiro Alameda 2008 7 D JOÃO E SEU REINO AMERICANO 1 Este capítulo apoiase em parte em texto escrito para o livro A longa viagem da biblioteca dos reis São Paulo Companhia das Letras 2002 2 Aqui nos baseamos no relato de Maria Graham que chegou ao local alguns anos depois Maria Graham Diário de uma viagem Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1990 p 164 3 Luís dos Santos Vilhena Recopilação de notícias soteropolitanas e brasílicas Bahia Imprensa Oficial do Estado 1922 1802 4 Arquivo Nacional 98142 V 711 Cartas de Vilhena Notícias soteropolitanas e brasílicas por Luiz dos Santos Vilhena Bahia Imprensa Oficial do Estado 1922 p 36 5 Maria Graham op cit pp 1678 6 Pierre Verger Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos Dos séculos XVII a XIX São Paulo Corrupio Brasília Ministério da Cultura 1987 p 8 7 Sergio Buarque de Holanda 1976 pp 712 8 Ibid p 76 9 O Tratado de Paz seria anulado anos depois pelo Congresso de Viena de 1815 10 Relação das festas que se fizeram no Rio de Janeiro quando o Príncipe Regente N S e toda a sua Real Família chegaram pela primeira vez àquela capital Lisboa Impressão Régia 1810 p 4 11 Gastão Cruls Aparência do Rio de Janeiro Notícia histórica e descritiva da cidade Rio de Janeiro José Olympio 1952 p 238 v 1 12 Norbert Elias A sociedade da corte Investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte Rio de Janeiro Zahar 2001 13 Luís Edmundo O Rio de Janeiro no tempo dos vicereis Brasília Senado Federal 2000 p 34 14 Descrição baseada em Luís Edmundo op cit pp 12330 15 Luís Gonçalves dos Santos Memórias para servir à história do Brasil Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1981 p 175 16 Luís Edmundo A corte de d João no Rio de Janeiro 18081821 Rio de Janeiro Conquista 1939 pp 84 113 164 226 e 228 v 1 17 Gastão Cruls op cit pp 2412 18 Segundo o historiador Nireu Oliveira Cavalcanti as casas requeridas para as aposentadorias não chegaram a 140 Luís Marrocos funcionário da Real Biblioteca em carta a seu pai comentou Aqui se está esperando a nau S Sebastião carregada de gente e eu lamento a todos eles pois nem casa hão de ter Luís Joaquim dos Santos Marrocos Carta n 14 Rio de Janeiro 27 de fevereiro de 1812 Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro Rio de Janeiro Ministério da Educação v LVI 1934 p 61 19 Lilia Moritz Schwarcz As barbas do Imperador D Pedro II um monarca nos trópicos São Paulo Companhia das Letras 1998 p 159 20 Raimundo Faoro op cit 21 Oliveira Lima op cit p 54 22 Luiz Norton A corte de Portugal no Brasil São Paulo Companhia Editora Nacional 1938 p 40 A comparação teria sido criada por Hipólito da Costa e publicada no Correio Braziliense o que mostra como veremos logo à frente o alcance desse jornal 23 Raimundo Faoro op cit p 251 v 1 Citação atribuída a Hipólito da Costa 24 Ibid p 251 25 Ordenações filipinas livro III título 75 parágrafo 1 apud Silvia Hunold Lara Org Ordenações filipinas Livro V São Paulo Companhia das Letras 1999 p 30 26 Ibid p 33 27 Manuel Luís Salgado Guimarães Cronograma avulso 17501808 In Nação e civilização nos trópicos Rio de Janeiro Vértice 1985 28 Oliveira Lima op cit p 162 29 Há iniciativas no Recife em 1706 e no Rio de Janeiro em 1746 Para detalhes ver Carlos Rizzini O livro o jornal e a tipografia no Brasil 15001822 São Paulo Imprensa Oficial 1988 p 310 30 Leila Mezan Algranti D João VI Bastidores da Independência Rio de Janeiro Ática 1987 Id Os bastidores da censura na corte de d João Seminário Internacional d João VI um Rei Aclamado na América Anais Rio de Janeiro Museu Histórico Nacional 2000 p 83 31 Ana Maria Camargo e Rubens Borba de Moraes Bibliografia da Impressão Régia do Rio de Janeiro São Paulo Edusp Kosmos 1993 p 229 v 2 32 Tereza Maria R Fachada L Cardoso A Gazeta do Rio de Janeiro Subsídios para a história da cidade Revista do IHGB Rio de Janeiro v 371 abrjun 1991 33 Carlos Rizzini op cit p 332 34 Gastão Cruls op cit p 257 v 1 35 Ibid p 257 36 Lilia Moritz Schwarcz O espetáculo das raças Cientistas instituições e questão racial no Brasil do século XIX São Paulo Companhia das Letras 1993 p 70 37 Ver Lilia Moritz Schwarcz Angela Marques da Costa e Paulo Cesar de Azevedo op cit 38 Raimundo Faoro op cit p 252 v 1 Francisco Adolfo de Varnhagen op cit pp 1023 39 Francisco Adolfo de Varnhagen op cit pp 1023 40 Oliveira Lima op cit pp 4789 41 No Almanac histórico da cidade de S Sebastião do Rio de Janeiro Revista do IHGB Rio de Janeiro tomo XXI 1 trim 1858 pp 57 consta a referência a pelo menos vinte instituições Sobre o tema ver Graça Salgado Org Fiscais e meirinhos A administração no Brasil Colonial Rio de Janeiro Nova Fronteira Brasília Instituto Nacional do Livro 1985 42 Evaldo Cabral de Mello O império frustrado Folha de SPaulo São Paulo 15 abr 2001 Caderno Mais 43 Expressão utilizada por Oliveira Lima op cit 1996 p 71 44 Não existem cifras exatas acerca do número de habitantes Ao passo que Boris Fausto fala em 100 mil alguns viajantes não passam da casa dos 80 mil Mesmo assim Spix e Martius em 1817 calcularam a população da cidade em 100 mil pessoas Segundo apontamentos de Pizarro essa população em 1789 não ia além de 43780 habitantes Pohl que viveu no Brasil de 1817 a 1821 falava em 82 mil almas Renault chega a estimar 80 mil pessoas em 1808 e 112695 em 1821 Por fim o censo de 1799 contabilizou 43376 habitantes 45 Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Phillip von Martius Reise in Brasilien São Paulo Companhia Editora Nacional 1938 p 91 parte I v II 46 Seção de Obras Gerais da Biblioteca Nacional 294 5 17 Francisco José da Rocha Martins A Independência do Brasil No rumor duma epopeia o levedar duma nação forte Lisboa Lvmen 1922 47 Delso Renault O Rio antigo nos anúncios de jornais 18081850 Rio de Janeiro José Olympio 1969 p 26 48 Maria Beatriz Nizza da Silva Vida privada e quotidiano no Brasil Na época de d Maria I e d João VI 2 ed Lisboa Estampa 1993 p 243 49 Citado por Maria Beatriz Nizza da Silva Vida privada e quotidiano no Brasil op cit p 244 50 T von Leithold e L von Rango O Rio de Janeiro visto por dois prussianos em 1819 São Paulo Companhia Editora Nacional 1966 p 97 51 Benedicto Freitas Santa Cruz fazenda jesuítica real e imperial Rio de Janeiro sn 19857 p 131 3 v 52 O Paiz Rio de Janeiro 10 out 1908 citado por Benedicto Freitas op cit p 140 v 1 53 Barreto Filho e Hermeto Lima História da polícia do Rio de Janeiro Aspectos da cidade e da vida carioca Rio de Janeiro A Noite 193943 p 199 v 2 18311870 3 v 54 T von Leithold e L von Rango op cit p 38 55 Carta régia datada de 13 de maio de 1808 através da qual d João autoriza o governador das Minas a guerrear com os Botocudo Carta régia ao governador e capitão general da capitania de Minas Gerais sobre a guerra aos índios botocudos Rio de Janeiro Biblioteca Nacional ms II 36 05 47 6 p 56 Viterbo Sousa Dicionário histórico e documental dos arquitectos engenheiros e construtores portugueses Lisboa Casa da Moeda Imprensa Nacional 1988 p 65 57 Ver Gilberto Freyre O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX Tentativa de interpretação antropológica através de anúncios de jornais brasileiros do século XIX de característicos de personalidade e de formas de corpo de negros ou mestiços fugidos ou expostos à venda como escravos no Brasil do século passado 2 ed São Paulo Companhia Editora Nacional Recife Fundaj 1979 Para São Paulo Lilia Moritz Schwarcz Retrato em branco e negro Jornais escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX São Paulo Companhia das Letras 1987 58 Lundú de Pai João reproduzido no trabalho de Artur Ramos O folklore negro do Brasil Demopsychologia e psychanalyse Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1935 59 Maria Beatriz Nizza da Silva Vida privada e quotidiano no Brasil op cit p 267 60 J F Almeida Prado D João VI e o início da classe dirigente do Brasil 18151889 São Paulo Companhia Editora Nacional 1968 p 240 Brasiliana 345 61 Manolo Florentino estima um total de 706870 africanos desembarcados no Porto do Rio de Janeiro entre 1790 e 1830 Já Mary C Karasch afirma serem no mínimo 602747 os africanos desembarcados nesse porto e adjacências assim subdivididos 225047 entre 1800 e 1816 e 377700 entre 1817 e 1843 62 Barreto Filho e Hermeto Lima op cit p 186 v 2 18311870 63 Jean Baptiste Debret Voyage pittoresque et historique au Brésil Paris F Didot Frères 1835 64 Oliveira Lima op cit p 241 65 Barreto Filho e Hermeto Lima op cit p 211 v 2 18311870 66 Notas baseadas na carta que Luís Marrocos enviou ao pai 30 de março de 1816 67 A descrição das exéquias de d Maria foi em boa parte retirada de Oliveira Lima op cit pp 58390 68 Lúcia M Bastos Neves O privado e o público nas relações culturais do Brasil com França e Espanha no governo Joanino Seminário Internacional d João VI um Rei Aclamado na América Anais Rio de Janeiro Museu Histórico Nacional 2000 pp 1001 69 Ver Lilia Moritz Schwarcz O sol do Brasil NicolasAntoine Taunay e as desventuras dos artistas franceses na corte de d João São Paulo Companhia das Letras 2008 70 NicolasAntoine Taunay voltaria à França em 1821 Pradier em 1818 ao passo que Lebreton se recolheu a uma casa na praia do Flamengo e morreu em maio de 1819 71 Ver Maria Odila Dias Leite A interiorização da metrópole 18081853 em Carlos Guilherme Mota 1822 Dimensões 2 ed São Paulo Perspectiva 1985 72 Mary C Karasch A vida dos escravos no Rio de Janeiro 18081850 São Paulo Companhia das Letras 2000 p 75 73 Correio Brasiliense Londres v XVIII n 108 maio 1817 74 Carlos Guilherme Mota Nordeste 1817 São Paulo Perspectiva 1972 75 Evaldo Cabral de Mello A outra independência O federalismo republicano de 1817 a 1824 São Paulo Ed 34 2004 76 Carlos Guilherme Mota O processo de independência no Nordeste In 1822 Dimensões São Paulo Perspectiva 1972 p 227 77 Ver Carlos Guilherme Mota O processo de independência no Nordeste op cit p 213 78 Gazeta do Rio de Janeiro Rio de Janeiro v 11 n 1 7 fev 1818 79 Gazeta do Rio de Janeiro Rio de Janeiro v 12 n 2 10 fev 1818 80 Ver Iara Lis Carvalho e Souza D João VI no Rio de Janeiro Entre festas e representações Seminário Internacional d João VI um Rei Aclamado na América Anais Rio de Janeiro Museu Histórico Nacional 2000 pp 5860 81 Adolfo Morales de los Rios Grandjean de Montigny e a evolução da arte brasileira Rio de Janeiro A Noite 1941 82 Afonso C M dos Santos A fundação de uma Europa possível Seminário Internacional d João VI um Rei Aclamado na América Anais Rio de Janeiro Museu Histórico Nacional 2000 pp 145 83 Ver o documento Sobre a aclamação do sr d João Sexto no Rio de Janeiro 1818 no Arquivo Nacional 84 Ver o relato de Barreto Filho e Hermeto Lima op cit p 212 v 2 18311870 85 Oliveira Lima op cit p 539 86 J F de Almeida Prado D João VI e o início da classe dirigente do Brasil 18151889 São Paulo Companhia Editora Nacional 1968 p 9 87 Citado por Jurandir Malerba op cit p 63 88 Ver Barreto Filho e Hermeto Lima op cit pp 2134 v 2 18311870 8 QUEM FOI PARA PORTUGAL PERDEU O LUGAR VAI O PAI FICA O FILHO 1 Este capítulo tem parte de sua pesquisa baseada no livro A longa viagem da biblioteca dos reis 2 José Antonio de Miranda Memória constitucional e política Sobre o Estado presente de Portugal e do Brasil 1821 Rio de Janeiro Biblioteca Nacional Seção de Obras Raras 37 18 11 pp 378 3 Para a Revolução portuguesa e suas consequências no Brasil ver Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves op cit 4 O Portuguez Lisboa v 1 pp 112 30 abr 1814 Citado por José Mattoso Org op cit p 48 v V 5 O Campeão v II n 24 p 412 16 jun 1820 Citado por José Mattoso Org op cit p 50 v IV 6 Oliveira Lima op cit p 21 7 Sobre o Sinédrio sugerimos entre outros José Mattoso Org op cit pp 545 v V 8 Ver José Murilo de Carvalho e Lúcia Bastos apud Francisco de Sierra y Mariscal Ideas geraes sobre a revolução do Brazil e suas consequencias Anais da Biblioteca Nacional Rio de Janeiro 1926 v 434 9 Boris Fausto História do Brasil São Paulo Edusp 2001 p 130 Movimento que remonta à Idade Média a maçonaria chegaria ao período moderno como uma associação secreta antiabsolutista e vinculada aos movimentos de emancipação nacional 10 Rio de Janeiro Impressão Régia 1820 17 pp Rio de Janeiro Biblioteca Nacional Seção de Obras Raras 37 15 5 11 Octávio Tarquínio de Sousa A vida de D Pedro I Belo Horizonte Itatiaia Editora 1988 p 139 12 Ver José Murilo de Carvalho Lúcia Bastos Marcello Basile Orgs Às armas cidadãos Panfletos manuscritos da independência do Brasil 18201823 São Paulo Companhia das Letras Belo Horizonte Ed UFMG 2012 13 Maria Graham Diário de uma viagem ao Brasil e de uma estada nesse país durante parte dos anos de 1821 1822 e 1823 São Paulo Companhia Editora Nacional 1956 14 Citado por José Alexandre de Mello Moraes História do BrasilReino e do BrasilImpério Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1982 p 124 15 Luís Edmundo Recordações do Rio Antigo Rio de Janeiro Conquista 1956 p 123 16 Francisco Adolfo de Varnhagen História da Independência do Brasil 3 ed São Paulo Melhoramentos 1957 p 57 17 Citado por Octávio Tarquínio de Sousa op cit p 206 18 José Mattoso Org op cit p 63 v V 19 Relação circunstanciada da entrada de sua majestade na cidade de Lisboa no dia 4 de julho de 1821 feita debaixo das ordens do Senado e da Câmara e às despesas dos cofres da cidade segundo o regulamento do regimento do senhor rei d Manoel de 30 de agosto de 1502 em Ângelo Pereira Conselho do infante d Henrique a seu sobrinho elrei d Afonso V Lisboa sn 1957 p 173 20 Gazeta Universal Rio de Janeiro n 34 1823 citado por Ângelo Pereira op cit 21 Oliveira Lima op cit p 30 22 Boris Fausto História do Brasil op cit p 130 23 Oliveira Lima op cit pp 14950 Dados referentes às demais possessões ultramarinas retirados de António Henrique Rodrigo de Oliveira Marques História de Portugal Lisboa Palas 1986 pp 589 v III 24 Eram cinco deputados pelo Rio de Janeiro seis por São Paulo um por Santa Catarina nove pela Bahia oito por Pernambuco três pela Paraíba três pelo Rio Grande do Norte quatro pelo Ceará dois pelo Piauí dois pelo Maranhão quatro pelo Pará dois por Goiás dois pelo Rio Grande do Sul onze de Minas e um pelo Espírito Santo Havia ainda dois por Alagoas dois por Rio Negro e um pela Cisplatina 25 Alguns dos delegados eram Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva talvez o mais talentoso dos irmãos de José Bonifácio Diogo Feijó Fernandes Pinheiro visconde de São Leopoldo Nicolau de Campos Vergueiro e Paula Sousa Os Andrada eram filhos de um rico e bem relacionado comerciante de Santos Os três irmãos estudaram em Coimbra Martim Francisco matemática José Bonifácio e Antônio Carlos direito e ciências naturais 26 Boris Fausto História do Brasil op cit p 132 27 Carta de d Pedro 8 jun 1821 Citada por Octávio Tarquínio de Sousa op cit p 236 28 Citado por Octávio Tarquínio de Sousa op cit p 240 29 Carta de 10 de dezembro de 1821 Citada por Oliveira Lima op cit pp 14950 30 Oliveira Martins op cit p 185 31 Estas cartas de Leopoldina foram publicadas na Revista do Instituto Histórico sob o título Cartas inéditas da 1ª Imperatriz D Maria Leopoldina 18211826 Revista do IHGB v 75 tomo 126 parte II pp 10927 1912 32 Trechos citados por Oliveira Lima op cit p 197 Ver também no IHGB DL48018 Centenário do Fico 9 jan 1822 Prefeitura do Distrito Federal jan 1922 p 30 Facsímile dos documentos do Senado da Câmara do Rio de Janeiro existentes no Arquivo Municipal janago 1822 1922 33 Oliveira Lima op cit p 218 34 Correio do Rio de Janeiro Rio de Janeiro n 56 p 2 19 jun 1822 35 Para uma visão desse episódio e da atuação dos grupos mais radicais ver Renato Lopes Leite Republicanos e libertários pensadores radicais no Brasil da Independência Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2000 36 Isabel Lustosa Insultos impressos A guerra dos jornalistas na Independência São Paulo Companhia das Letras 2000 p 134 37 Para a verificação desses dados e critérios de eleição ver Oliveira Martins op cit pp 30911 38 Rio de Janeiro Biblioteca Nacional ms I 36 28 009 p 1 D Pedro I Príncipe Regente Manifesto de independência Rio de Janeiro 1º de agosto de 1822 39 Fernando Novais e Carlos Guilherme Mota A independência do Brasil São Paulo Hucitec 1996 p 54 40 Rio de Janeiro Biblioteca Nacional Seção de Obras Raras 4 1 Manifesto do Príncipe Regente do Brasil aos governos e nações amigas 6 de agosto de 1822 em Código Brasiliense ou Coleção das Leis alvarás decretos cartas régias etc promulgadas no Brasil desde a feliz chegada do príncipe Regente Nosso Senhor a estes estados com um índice cronológico 18081837 Rio de Janeiro Impressão Régia Tipografia Nacional e Imperial 181138 41 Octávio Tarquínio de Sousa op cit p 33 v II 42 Citado por Octávio Tarquínio de Sousa op cit p 36 v II 43 Memória sobre a Independência do Brasil pelo Major Francisco de Castro Canto e Mello gentil homem da Imperial Câmara Rio de Janeiro Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro lata 400 doc 8 1864 44 Memória de Canto e Melo op cit Rio de Janeiro Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro lata 400 doc 8 ver também Fragmento de uma memória sobre a independência do Brasil onde se encontram alguns trechos sobre os serviços do Conselheiro José Joaquim da Rocha Rio de Janeiro Arquivo Nacional códice 807 v 3 1864 45 Citado por Octávio Tarquínio de Sousa op cit p 37 v II 46 Memória de Canto e Melo op cit Rio de Janeiro Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro lata 400 doc 8 1864 47 BNPR SOR 92 1 O Espelho 48 Citado por Isabel Lustosa op cit p 242 49 Iara Lis Carvalho Souza A independência do Brasil Rio de Janeiro Zahar 1999 p 257 50 Antônio Augusto de Lima Júnior Cartas de D Pedro I a D João VI relativas à independência do Brasil Rio de Janeiro Gráfica do Jornal do Comércio 1941 p 74 51 Ver José Murilo de Carvalho Lúcia Bastos Marcello Basile Orgs Às armas cidadãos op cit José Murilo de Carvalho Lúcia Bastos Marcello Basile Orgs Guerra literária Panfletos impressos da Independência 18201823 Belo Horizonte Ed UFMG 2015 4 v 52 Ver Evaldo Cabral de Mello A outra independência op cit 53 Maria Odila Leite da Silva Dias Historicidade da condição feminina no Brasil Colonial para o curso de pósgraduação Problemas Brasileiros palestra ministrada no dia 22 ago 1986 p 165 9 HABEMUS INDEPENDÊNCIA INSTABILIDADE COMBINA COM PRIMEIRO REINADO 1 José Murilo de Carvalho A construção da ordem A elite política imperial 2 ed Rio de Janeiro UFRJ Relume Dumará 1996 2 Luiz Felipe de Alencastro e Fernando A Novais Orgs História da vida privada São Paulo Companhia das Letras 1997 v 2 Império A corte e a modernidade nacional 3 Antonio Vieira História do futuro Livro anteprimeiro Lisboa Antonio Pedrozo Galram 1718 p 62 4 Ilmar Rohloff de Mattos O gigante e o espelho In Keila Grinberg e Ricardo Salles Orgs O Brasil imperial Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2009 v II 18311870 5 Antonio Candido Sentimento de identidade Folha de SPaulo São Paulo 13 abr 2002 Jornal de Resenhas p 1 6 Ricardo Salles Nostalgia imperial Escravidão e formação da identidade nacional no Brasil do Segundo Reinado Rio de Janeiro sn 199 p 74 Mimeografado 7 Jean Baptiste Debret op cit p 326 8 Ibid pp 3279 9 Memória estatística do Império do Brasil Revista do IHGB Rio de Janeiro 1987 apud Keila Grinberg e Ricardo Salles Orgs op cit p 210 10 Mariza de Carvalho Soares e Ricardo Salles Episódios da história afrobrasileira Rio de Janeiro DPA 2005 11 Mary C Karash Slave Life in Rio de Janeiro 18081850 Princeton Princeton University Press 1987 p 335 12 Portugal e o Brazil O Campeão Portuguez em Lisboa v I n VI 11 maio 1822 p 83 13 Lúcia Bastos Neves Estado e política na independência In Keila Grinberg e Ricardo Salles Orgs op cit p 130 14 Angela Marques da Costa Paulo Cesar Azevedo e Lilia Moritz Schwarcz op cit 15 Ilmar Rohloff de Mattos O tempo Saquarema São Paulo Hucitec MinC PróMemória Instituto Nacional do Livro 1987 p 88 16 Luiz Felipe de Alencastro LEmpire du Brésil In Maurice Duverger Org Le Concept dempire Paris Presses Universitaires de France 1980 17 Id Le Commerce des vivants Traites desclaves et pax lusitana dans lAtlantique Sud Paris Nanterre Université Paris X 1986 Tese Doutorado 18 Manolo Florentino Em costas negras Uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro São Paulo Companhia das Letras 1997 19 Beatriz Gallotti Mamigonian A proibição do tráfico atlântico e a manutenção da escravidão In Keila Grinberg e Ricardo Salles Orgs op cit pp 20733 20 Sidney Chalhoub Visões da liberdade Uma história das últimas décadas da escravidão na Corte São Paulo Companhia das Letras 1990 21 Miriam Dolhnikoff O pacto imperial Origens do federalismo no Brasil do século XIX São Paulo Globo 2005 22 Alcir Lenharo As tropas da moderação O abastecimento da Corte na formação política do Brasil 2 ed Rio de Janeiro Secretaria Municipal de Cultura 1992 23 Ver Marcello Basile Anarquistas rusguentos e demagogos Os liberais exaltados e a formação da esfera pública imperial 18291834 Rio de Janeiro IHUFRJ 2000 Dissertação Mestrado em História Social 24 Sérgio Buarque de Holanda História geral da civilização brasileira São Paulo Difel 1986 tomo II O Brasil monárquico 25 Ronaldo Vainfas Org Dicionário do Brasil imperial 18221889 Rio de Janeiro Objetiva 2008 26 Ver cartas de Santos Marrocos Biblioteca Nacional e Angela Marques da Costa Paulo Cesar Azevedo e Lilia Moritz Schwarcz op cit 27 Isabel Lustosa D Pedro I Um herói sem nenhum caráter São Paulo Companhia das Letras 2006 28 Richard Graham Clientelismo e política no Brasil do século XIX Ed da UFRJ 1997 29 Lídia Besouchet Pedro II e o século XIX 2 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1993 30 Id p 41 31 Isabel Lustosa op cit pp 2313 32 Cartas inéditas da 1ª imperatriz d Maria Leopoldina 18211826 em Revista do IHGB v 75 tomo 126 parte II pp 10927 1912 33 D Leopoldina Cartas de uma imperatriz São Paulo Estação Liberdade 2006 34 Ver João Armitage História do Brasil Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1981 pp 2058 35 A descrição sobre a Noite das Garrafadas foi apoiada no trabalho já citado de Marcello Basile 36 Marcello Basile op cit 37 Id pp 203 10 REGÊNCIAS OU O SOM DO SILÊNCIO 1 Para esse debate e o significado do federalismo durante o processo de independência ver Evaldo Cabral de Mello A outra independência op cit 2 Marco Morel O pequeno monarca Nossa História Rio de Janeiro Vera Cruz ano 3 n 26 pp 147 dez 2005 3 Aurora Fluminense Rio de Janeiro n 470 p 2 11 abr 1831 4 Sobre a infância de d Pedro ver entre outros Lilia Moritz Schwarcz As barbas do Imperador op cit 5 José Murilo de Carvalho A construção da ordem op cit 6 Miriam Dolhnikoff O pacto imperial Origens do federalismo no Brasil São Paulo Globo 2005 pp 8993 7 Maria Januária Vilela Santos A balaiada e a insurreição de escravos no Maranhão São Paulo Ática 1983 8 Ver Manuel Valentim Alexandre Os sentidos do império Questão nacional e questão colonial na crise do Antigo Regime português Porto Afrontamento 1993 9 Arthur César Ferreira Reis O GrãoPará e o Maranhão In Sérgio Buarque de Holanda Org História geral da civilização brasileira São Paulo Difel 1978 tomo II O Brasil monárquico v 2 Dispersão e unidade 10 Magda Ricci Cabanos patriotismo e identidades Outras histórias de uma revolução In Keila Grinberg e Ricardo Salles op cit 11 Ver Magda Ricci op cit pp 18990 12 Euclides da Cunha Da independência à República In À margem da história Porto Lello e Irmão 1926 p 63 13 Para o levante do quilombo do Urubu ver João José Reis Rebelião escrava no Brasil A história do levante dos Malês em 1835 São Paulo Companhia das Letras 2003 pp 100 ss Para o uso da palavra candomblé ver João José Reis e Eduardo Silva op cit p 41 14 Para o contexto político da Bahia entre o final do século XVIII e a primeira metade do século XIX ver João José Reis Rebelião escrava no Brasil op cit especialmente a parte I 15 Para a conspiração de 1807 ver João José Reis Rebelião escrava no Brasil op cit pp 71 ss 16 Para a conspiração de 1814 ver Stuart B Schwartz Cantos e quilombos numa conspiração de escravos haussás Bahia 1814 João José Reis e Flávio dos Santos Gomes Orgs op cit 17 Para o levante de 1835 ver João José Reis Rebelião escrava no Brasil op cit 18 Paulo César Souza A Sabinada A revolta separatista da Bahia São Paulo Companhia das Letras 2009 Para a narrativa da revolta usamos esse livro e também Luiz Vianna Filho A Sabinada A república baiana de 1837 Rio de Janeiro José Olympio 1938 19 Keila Grinberg A sabinada e a politização da cor na década de 1830 In O Brasil imperial op cit p 275 20 Hendrik Kraay As Terrifying as Unexpected The Bahian Sabinada 18371838 The Hispanic American Historical Review Durham v 72 n 4 p 521 nov 1992 21 Os trechos sobre a história pregressa dessa região foram basicamente retirados do texto de Sandra Jatahy Pesavento Uma certa revolução farroupilha In Keila Grinberg e Ricardo Salles op cit pp 23540 22 Entre outros ver Spencer Leitman Raízes socioeconômicas da Guerra dos Farrapos Rio de Janeiro Graal 1979 23 Consultar entre outros Maria Medianeira Padoin Federalismo gaúcho Fronteira platina direito e revolução São Paulo Companhia Editora Nacional 2002 24 Para uma melhor visão da região ver César Augusto Barcellos Guazzelli O horizonte da província A república riograndense e os caudilhos do rio da Prata 183545 Rio de Janeiro IHUFRJ 1998 Tese Doutorado em História 25 Ver Sandra Jatahy Pesavento A revolução farroupilha São Paulo Brasiliense 1985 p 12 26 Parte das informações foram pesquisadas por Matheus Gato de Jesus a quem agradecemos Ver nesse sentido o relatório Intelectuais negros maranhenses na formação do Brasil moderno 1870 1939 São Paulo FFLCHUSP jul 2013 Relatório de qualificação 27 Ver entre outros Fabiano Vilaça dos Santos O governo das conquistas do norte Trajetórias administrativas no Estado do GrãoPará e Maranhão 17511780 Disponível em httpwwwtesesuspbrtesesdisponiveis88138tde06072008140850ptbrphp São Paulo FFLCHUSP 2008 p 37 Tese Doutorado em História Social Em livro Fabiano Vilaça dos Santos O governo das conquistas do norte Trajetórias administrativas do GrãoPará e Maranhão São Paulo Annablume 2011 28 Claudete Maria Miranda Dias Balaios e bemtevis A guerrilha sertaneja 2 ed Teresina Instituto Dom Barreto 2002 29 Ver entre outros Maria Janotti de Lourdes Mônaco A Balaiada São Paulo Brasiliense 1987 Maria Villela Santos A Balaiada e a insurreição de escravos no Maranhão São Paulo Ática 1983 30 Ver Lúcia Maria Paschoal Guimarães Sociedades políticas In Ronaldo Vainfas Org Dicionário do Brasil imperial op cit 31 Gilberto Freyre Sobrados e mucambos Decadência do patriarcado rural no Brasil 8 ed Rio de Janeiro Record 1990 pp 38990 11 SEGUNDO REINADO ENFIM UMA NAÇÃO NOS TRÓPICOS 1 Coleção Tobias Barreto Rio de Janeiro Acervo Biblioteca Nacional 2 Papéis relativos à sagração e coroação de D Pedro II Arquivo Nacional Fundo Casa Imperial 3 Ver o documento Descripção do Edificio construido para a solemnidade da coroação e sagração de S M O Imperador O Senhor D Pero II Publicações do Arquivo Nacional 1925 4 Ver nesse sentido a edição de 15 de julho de 1841 do Jornal do Commercio 5 Manual de acompanhamento do Imperador no dia de seu aniversário e aclamação Thypografia Nacional 1841 6 O costume do beijamão veio de Portugal e representava o caráter servil da corte que com o gesto se curvava ao monarca D João o incorporou ao ritual brasileiro toda noite com exceção de feriados e domingos por volta das oito horas o rei recebia o público no Palácio de São Cristóvão 7 Paulo Barbosa trabalhou na mordomia até 1868 quando faleceu 8 Cartas de D Pedro II a Paulo Barbosa Biblioteca Nacional 26 fev 1863 9 Luiz Felipe de Alencastro LEmpire du Brésil op cit p 502 10 Manolo Florentino Em costas negras op cit 11 Luiz Felipe de Alencastro Le Commerce des vivants traites desclaves er pax lusitana dans LAtlantique Sud Paris Universite de Paris X 1986 Tese Doutorado José Murilo de Carvalho A construção da ordem op cit 12 Jorge Caldeira Mauá Empresário do Império São Paulo Companhia das Letras 1995 p 241 13 A questão da imigração só foi resolvida quando a partir da década de 1970 o governo passou a financiála retirando dos fazendeiros a exclusiva iniciativa Ver nesse sentido o prefácio de Sérgio Buarque de Holanda a Memórias de um colono no Brasil 1850 de Thomas Davatz Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1980 e José Murilo de Carvalho A construção da ordem op cit p 316 14 Em O espetáculo das raças op cit analisouse o impacto das teorias raciais na seleção de grupo prioritário de imigrantes brancos Para outros dados sugerimos a leitura de Raça ciência e sociedade de organização de Marcos Chor Maio e Ricardo Ventura Santos Rio de Janeiro Fiocruz Centro Cultural Banco do Brasil 1996 15 Luiz Felipe de Alencastro Le Commerce des vivants traites desclaves er pax lusitana dans LAtlantique Sud op cit p 515 16 Para a obtenção de mais dados sobre o tema sugerimos a leitura de Sidney Chalhoub Cidade febril Cortiços e epidemias na corte imperial São Paulo Companhia das Letras 1996 17 Esse trecho sobre escravidão urbana é baseado nos textos que Maria Helena Machado e Lilia Schwarcz apresentaram no Seminário Internacional Emancipação Inclusão e Exclusão Desafios do Passado e do Presente realizado em parceria com o Instituto Moreira Salles em outubro de 2013 18 Machado de Assis Papéis avulsos Rio de Janeiro Belo Horizonte Garnier 1989 pp 118 e 120 19 José de Alencar O tronco do ipê São Paulo Ática 1995 p 14 20 Darcy Damasceno Org Martins Pena Comédias São Paulo Ediouro 1968 p 78 21 Wanderley Pinho Salões e damas do Segundo Reinado São Paulo Martins 1942 p 5 22 Machado de Assis Relíquias da Casa Velha Rio de Janeiro Belo Horizonte Garnier 1990 pp 17 e 27 23 Segundo livro organizado por Luiz Felipe de Alencastro História da vida privada no Brasil op cit v 2 pp 23140 24 Ibid 25 A população total dessas capitais para esses anos era respectivamente 354396 1083039 e 1398097 José Murilo de Carvalho A construção da ordem op cit p 104 26 José Murilo de Carvalho Teatro de sombras A política imperial Rio de Janeiro Vértice Iuperj 1988 José Murilo de Carvalho A construção da ordem op cit p 84 27 José Murilo de Carvalho A construção da ordem op cit p 210 Ver também José Murilo de Carvalho D Pedro IISão Paulo Companhia das Letras 2007 28 Ilmar Rohloff de Mattos O tempo de Saquarema op cit p 51 29 José Murilo de Carvalho A construção da ordem op cit p 56 30 Sílvio Romero Doutrina contra doutrina O evolucionismo e o positivismo na República do Brasil Rio de Janeiro Lucta 1895 p XXXVIII 31 Ver José Murilo de Carvalho A construção da ordem op cit 32 Em 1847 com a introdução da figura do presidente de Conselho d Pedro II passou a apenas indicar o presidente que por sua vez nomeava os demais José Murilo de Carvalho A construção da ordem op cit p 49 33 José Murilo de Carvalho A construção da ordem op cit p 84 34 Afonso Celso de Assis Figueiredo Oito annos de parlamento Poder pessoal de d Pedro II São Paulo Melhoramentos 1928 p 21 35 Machado de Assis Papéis avulsos op cit p 74 36 José Murilo de Carvalho Teatro de sombras op cit p 374 37 Afonso Arinos de Melo Franco A câmara dos deputados Síntese histórica Brasília Centro de Documentação e Informação 1978 p 114 38 Benedict Anderson Comunidades imaginadas Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo São Paulo Companhia das Letras 2008 39 AnneMarie Thiesse La Création des identités nationales Paris Seuil 1999 40 Ver nesse sentido artigo de José Augusto Pádua Natureza e sociedade no Brasil monárquico em Keila Grinberg e Ricardo Salles Orgs O Brasil imperial Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2009 v 3 18701889 e Lilia Moritz Schwarcz As barbas do Imperador op cit 41 Antonio Candido O romantismo no Brasil 2 ed São Paulo Humanitas 2004 p 81 42 Simon Schwartzman A ciência no Império em Um espaço para a ciência A formação da comunidade científica no Brasil 2001 Disponível em httpwwwschwartzmanorgbrsimonspaceptpdfcapit3pdf Acesso em 30 jan 2015 43 O trecho que se segue sobre o indigenismo romântico é baseado no livro As barbas do Imperador de Lilia Moritz Schwarcz 44 Antonio Candido O romantismo no Brasil op cit p 27 45 Pedro Puntoni Gonçalves de Magalhães e a historiografia do Império Novos Estudos Cebrap São Paulo n 45 1996 46 Gonçalves Dias Poesias completas 2 ed São Paulo Saraiva 1957 p 525 47 Gonçalves de Magalhães A confederação dos Tamoios 3 ed Rio de Janeiro Garnier 1864 pp 3534 12 ELA VAI CAIR O FIM DA MONARQUIA NO BRASIL 1 Francisco Fernando Monteoliva Doratioto O conflito com o Paraguai A grande guerra do Brasil São Paulo Ática 1996 p 7 2 Robert W Slenes Malungu Ngoma vem África coberta e descoberta no Brasil Cadernos do Museu de Escravatura Luanda v 1 1995 Sidney Chalhoub Visões da liberdade op cit 3 Hebe Mattos Raça e cidadania no crepúsculo da modernidade escravista no Brasil In Keila Grinberg e Ricardo Salles Orgs op cit pp 202 v 3 18701889 4 Não será possível recuperar todas as idas e vindas na região do Prata Para um desenvolvimento do tema ver Francisco Fernando Monteoliva Doratioto op cit Ricardo Salles Guerra do Paraguai Escravidão e cidadania na formação do Exército Rio de Janeiro Paz e Terra 1990 André Toral Adeus Chamigo brasileiro Uma história da guerra do Paraguai São Paulo Companhia das Letras 1997 Evangelista de Castro Dionísio Cerqueira Reminiscências da campanha do Paraguai 1865 1870 Rio de Janeiro Biblioteca do Exército 1979 Milda Rivarola Vagos pobre y soldados Assunção Centro Paraguaio de Estudos Sociológicos 1994 John Schulz O Exército na política Origens da intervenção militar 18501894 São Paulo Edusp 1994 e Luiz Alberto Moniz Bandeira O expansionismo brasileiro e a formação dos estados na Bacia do Prata Brasília UnB São Paulo Ensaio 1995 5 Francisco Fernando Monteoliva Doratioto op cit p 22 6 Sobre a evolução do exército brasileiro ver John Schulz op cit Nelson Werneck Sodré História militar do Brasil Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1965 entre outros 7 Machado de Assis Iaiá Garcia Rio de Janeiro Belo Horizonte Garnier 1988 p 72 8 Machado de Assis Histórias sem data Rio de Janeiro Belo Horizonte Garnier 1989 p 117 9 IHGB lata 322 pasta 317 parecer do Conselheiro Nabuco de Araújo Ver Lilia Moritz Schwarcz Lúcia Klück Stumpf e Carlos Lima Junior A Batalha do Avaí A beleza da barbárie A Guerra do Paraguai pintada por Pedro Américo Rio de Janeiro Sextante 2013 10 Atas do Conselho de Estado Pleno Terceiro Conselho de Estado 18657 Ata de 2 de abril de 1867 Disponível em httpwwwsenadogovbrpublicacoesanaispdfACEATAS6 TerceiroConselhodeEstado18651867pdf Acesso em 30 jan 2015 Ver também Ricardo Salles La Guerra de Paraguay la cuestión servil y la cuéstion nacional en Brasil 18661871 In Ana María Stuven e Marco A Pamplona Orgs Estado y nación en Chile y Brasil en el siglo XIX Santiago Ediciones Universidad Católica de Chile 2009 p 123 11 Keila Grinberg e Ricardo Salles Orgs O Brasil imperial op cit p 133 12 Ibid p 177 13 Francisco Fernando Monteoliva Doratioto op cit p 94 14 Apud John Schulz op cit p 60 15 A Vida Fluminense Rio de Janeiro n 128 ano III 1870 16 Ver Sidney Chalhoub A força da escravidão Ilegalidade e costume no Brasil oitocentista São Paulo Companhia das Letras 2012 17 Ver de José Murilo de Carvalho Teatro de sombras op cit e A construção da ordem op cit p 290 18 Hebe Mattos op cit pp 223 19 Ver para o tema do gradualismo o artigo de Maria Helena P T Machado Teremos grandes desastres se não houver providências enérgicas e imediatas a rebeldia dos escravos e a abolição da escravidão em Keila Grinberg e Ricardo Salles op cit pp 3713 v 3 18701889 20 Renato Lemos A alternativa republicana e o fim da monarquia em Keila Grinberg e Ricardo Salles op cit p 411 v 3 18701889 21 José Murilo de Carvalho República democracia e federalismo Brasil 18701891 Varia História Belo Horizonte v 27 n 45 pp 1467 janjun 2011 22 Ver Renato Lemos op cit p 414 23 Harpers weekly Nova York 1876 p 16 24 Ver Sergio Goes de Paula em Um monarca da fuzarca três versões para um escândalo na corte Rio de Janeiro Relume Dumará 1993 25 Gilberto Freyre O perfil de Euclides da Cunha e outros perfis 2 ed aum Rio de Janeiro Record 1987 p 123 26 Para Castro Alves ver Alberto da Costa e Silva Castro Alves Um poeta sempre jovem São Paulo Companhia das Letras 2006 27 Pedro Calmon História de d Pedro II Rio de Janeiro José Olympio 1975 p 1398 5 v 28 Ver Angela Alonso Joaquim Nabuco Os salões e as ruas São Paulo Companhia das Letras 2012 29 Ver de Maria Helena P T Machado Teremos grandes desastres se não houver providências enérgicas e imediatas op cit p 376 e O plano e o pânico Os movimentos sociais na década da Abolição São Paulo Edusp 2010 30 Id Teremos grandes desastres se não houver providências enérgicas e imediatas op cit p 380 31 Para os quilombos abolicionistas e sua relação com o movimento abolicionista ver Eduardo Silva As camélias do Leblon e a abolição da escravatura Uma investigação de história cultural São Paulo Companhia das Letras 2003 Ver também Sidney Chalhoub Visões de liberdade op cit 32 Para o Jabaquara ver Maria Helena P T Machado O plano e o pânico op cit especialmente o cap 4 33 Para o quilombo do Leblon e a figura de seu idealizador ver especialmente Eduardo Silva As camélias do Leblon e a abolição da escravatura op cit 34 Para os dois episódios ver Osvaldo Orico O tigre da Abolição Rio de Janeiro Olímpia 1953 pp 84 ss Eduardo Silva As camélias do Leblon e a abolição da escravatura op cit Henrique Coelho Neto A conquista Rio de Janeiro ABL 1913 35 Coleção Tobias Monteiro Rio de Janeiro Acervo Biblioteca Nacional 36 Lidia Besouchet Pedro II e o século XIX op cit p 495 37 Oliveira Lima O Império brasileiro São Paulo Melhoramentos 1927 38 Heitor Lyra História de d Pedro II Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1977 p 387 3 v 1 ed São Paulo Companhia Editora Nacional 193840 39 Adriano do Vale seria solto sem julgamento logo no primeiro mês da República 40 Renato Lemos op cit p 432 41 Para uma excelente análise do baile ver José Murilo de Carvalho A construção da ordem op cit pp 38891 42 Pedro Calmon O rei filósofo a vida de d Pedro II São Paulo Companhia Editora Nacional 1938 p 203 43 Lidia Besouchet op cit p 542 44 Machado de Assis Esaú e Jacó Rio de Janeiro Garnier 1988 p 142 13 A PRIMEIRA REPÚBLICA E O POVO NAS RUAS pp 31850 1 Luiz Felipe de Alencastro e Fernando A Novais Orgs História da vida privada op cit v 2 Império A corte e a modernidade nacional 2 Ver José Murilo de Carvalho A formação das almas O imaginário da República no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1990 3 Antonio Candido A literatura durante o Império In Sérgio Buarque de Holanda Org História geral da civilização brasileira O Brasil monárquico op cit tomo II v 3 Reações e transações 4 Para a Constituição ver Jairo Nicolau Eleições no Brasil Do império aos dias atuais Rio de Janeiro Zahar 2012 Américo Freire e Celso Castro As bases republicanas dos Estados Unidos do Brasil em Ângela de Castro Gomes Dulce Pandolfi e Verena Alberti Orgs A República no Brasil Rio de Janeiro Nova Fronteira CPDOCFGV 2002 5 Para as Forças Armadas e em especial o Exército ver Frank D McCann Soldados da pátria História do exército brasileiro 18891937 São Paulo Companhia das Letras 2007 John Schulz O Exército na política op cit 6 Para Floriano e o florianismo ver Lincoln de Abreu Penna O progresso da ordem O florianismo e a construção da República Rio de Janeiro 7Letras 1997 Suely Robles Reis de Queiroz Os radicais da República Jacobinismo ideologia e ação 18931897 São Paulo Brasiliense 1986 7 Steven Topik A presença do Estado na economia política do Brasil de 1889 a 1930 Rio de Janeiro Record 1987 8 Para Política dos Governadores e a engenharia institucional da Primeira República ver Renato Lessa A invenção republicana Campos Sales as bases e a decadência da Primeira República brasileira Rio de Janeiro Vértice Iuperj 1988 9 Para o sistema de fraudes ver Jairo Nicolau Eleições no Brasil op cit José Murilo de Carvalho Cidadania no Brasil O longo caminho Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2012 10 Para o coronelismo ver Victor Nunes Leal Coronelismo enxada e voto O município e o regime representativo no Brasil São Paulo Companhia das Letras 2012 José Murilo de Carvalho Mandonismo coronelismo clientelismo Uma discussão conceitual em José Murilo de Carvalho Pontos e bordados Escritos de história e política Belo Horizonte Ed UFMG 1998 e Maria Isaura Pereira de Queiroz O mandonismo local na vida política brasileira e outros ensaios São Paulo Alfa Omega 1976 11 O trecho sobre imigrações foi bastante pautado na pesquisa realizada por Lilia Moritz Schwarcz para o terceiro volume da coleção História do Brasil Nação 18082010 Rio de Janeiro Objetiva Mapfre 2012 sob sua coordenação 12 Zuleika Alvim Imigrantes A vida privada dos pobres do campo In Nicolau Sevcenko Org História da vida privada São Paulo Companhia das Letras 2001 p 220 v 3 República Da belle époque à era do rádio 13 Ibid p 221 14 Ibid pp 2834 15 Maria Thereza Schorer Petrone Imigração In Boris Fausto Org História geral da civilização brasileira O Brasil republicano Rio de Janeiro Difel 1977 p 97 tomo III v 2 Sociedade e instituições 18891930 16 Fernando Henrique Cardoso Dos governos militares a PrudenteCampos Sales In Boris Fausto Org História geral da civilização brasileira O Brasil republicano op cit p 20 tomo III v 1 Estrutura de poder e economia 18891930 17 Ver Lima Barreto Marginália São Paulo Brasiliense 1961 p 33 18 A descrição das três capitais São Paulo Belo Horizonte e Rio de Janeiro pautouse na pesquisa para o livro 18901914 No tempo das certezas de Lilia Moritz Schwarcz e Angela Marques da Costa São Paulo Companhia das Letras 2000 19 Para Belo Horizonte ver Beatriz de Almeida Magalhães e Rodrigo Ferreira Andrade Belo Horizonte Um espaço para a República Belo Horizonte Ed UFMG 1989 20 Para a Revolta da Vacina ver José Murilo de Carvalho Os bestializados O Rio de Janeiro e a República que não foi São Paulo Companhia das Letras 1987 21 Ver Gilberto Hochman Saúde pública ou os males do Brasil em André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz Orgs Agenda brasileira Temas de uma sociedade em mudança São Paulo Companhia das Letras 2011 22 Entre outros ver Lilia Moritz Schwarcz O espetáculo das raças op cit 23 Gilberto Hochman op cit 24 Para a Revolta da Chibata ver Edmar Morel A Revolta da Chibata subsídios para a história da sublevação na Esquadra pelo marinheiro João Candido em 1910 5 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2009 José Murilo de Carvalho Os bordados de João Cândido em Pontos e bordados op cit 25 Para militares ver Frank D McCann Soldados da pátria op cit José Murilo de Carvalho Forças Armadas e política no Brasil Rio de Janeiro Zahar 2005 26 Mário de Andrade O turista aprendiz São Paulo Livraria Duas Cidades 1976 p 20 27 Para Euclides da Cunha ver Roberto Ventura Euclides da Cunha Esboço biográfico Retrato interrompido da vida de Euclides da Cunha São Paulo Companhia das Letras 2003 28 Para Os sertões ver Euclides da Cunha Os sertões Campanha de Canudos Ed didática Cotejo e estabelecimento do texto de Hersílio Ângelo Coord de Alfredo Bosi São Paulo Cultrix Brasília Instituto Nacional do Livro 1973 Roberto Ventura Euclides da Cunha Esboço biográfico op cit Luiz Costa Lima Terra ignota A construção de Os sertões Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1997 Walnice Nogueira Galvão Correspondência de Euclides da Cunha São Paulo Edusp 1997 29 Para Canudos ver Henrique Estrada Rodrigues Bruno Pimenta Starling Marcela Telles O novo continente da utopia In Delsy Gonçalves de Paula Heloisa Maria Murgel Starling e Juarez Rocha Guimarães Orgs Sentimento de reforma agrária sentimento de República Belo Horizonte Ed UFMG 2006 Pauliane de Carvalho Braga Raissa Brescia dos Reis e Ana Letícia Oliveira Goulart Canudos In Heloisa Maria Murgel Starling e Pauliane de Carvalho Braga Orgs Sentimentos da terra Belo Horizonte PROEx Ed UFMG 2013 30 Euclides da Cunha Os sertões op cit p 392 31 Duglas Monteiro Um confronto entre Juazeiro Canudos e Contestado In Boris Fausto Org História geral da civilização brasileira O Brasil republicano op cit tomo III v 2 Sociedade e instituições 18891930 32 Para classe operária e industrialização ver Francisco Foot Hardman e Victor Leonardi História da indústria e do trabalho no Brasil Das origens aos anos 1920 São Paulo Ática 1991 Lúcio Kowarick Trabalho e vadiagem A origem do trabalho livre no Brasil São Paulo Brasiliense 1987 Paulo Sérgio Pinheiro e Michael Hall A classe operária no Brasil 18891930 Documentos São Paulo Alfa Omega 1979 v 1 33 Para os dados ver José Antonio Segatto A formação da classe operária no Brasil Porto Alegre Mercado Aberto 1987 34 Para o anarquismo no Brasil ver Francisco Foot Hardman Nem pátria nem patrão Memória operária cultura e literatura no Brasil São Paulo Ed Unesp 2002 Daniel Aarão Reis Filho e Rafael Borges Deminicis Orgs História do anarquismo no Brasil Niterói Ed da UFF 2006 v 1 Boris Fausto Trabalho urbano e conflito social Rio de Janeiro Difel 1977 Edilene Toledo Anarquismo e sindicalismo revolucionário Trabalhadores e militantes em São Paulo na Primeira República São Paulo Fundação Perseu Abramo 2004 35 Boris Fausto Expansão do café e política cafeeira In Boris Fausto Org História geral da civilização brasileira O Brasil republicano op cit tomo III v 1 Estrutura de poder e economia 18891930 Ver também Boris Fausto Trabalho urbano e conflito social op cit especialmente o cap VI 36 Nísia Trindade Lima Campo e cidade Veredas do Brasil moderno In André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz Orgs Agenda brasileira op cit 37 Ver Milton Lahuerta Os intelectuais e os anos 20 Moderno modernista modernização em Helena Carvalho de Lorenzo e Wilma Peres da Costa Orgs A década de 1920 e as origens do Brasil moderno São Paulo Ed Unesp 1997 38 Alessandra El Far A encenação da imortalidade Uma análise da Academia Brasileira de Letras nos primeiros anos da República 18971924 Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 2000 39 Mário de Andrade Macunaíma O herói sem nenhum caráter Brasília CNPq 1988 pp 378 40 Alfredo Bosi Situação de Macunaíma In Mário de Andrade Macunaíma op cit 41 André Botelho De olho em Mário de Andrade Uma descoberta intelectual e sentimental do Brasil São Paulo Companhia das Letras 2012 42 Para tia Ciata ver Carlos Sandroni Feitiço decente Transformações do samba no Rio de Janeiro 19171933 Rio de Janeiro Zahar Ed UFRJ 2001 43 Mônica Pimenta Velloso Modernismo no Rio de Janeiro Turunas e quixotes Rio de Janeiro FGV 1996 44 Brito Broca A vida literária no Brasil 1900 5 ed Rio de Janeiro José Olympio 2005 p 44 45 Gilberto Freyre Casagrande senzala Rio de Janeiro Maia Schmidt José Olympio 1933 p 307 46 Ricardo Benzaquen op cit 47 João Batista Lacerda Sur le Metis au Brésil Paris Imprimerie Devougue 1911 48 Lima Barreto Contos completos de Lima Barreto Org e introd de Lilia Moritz Schwarcz São Paulo Companhia das Letras 2010 49 Ver de Antonio Sérgio Alfredo Guimarães La République de 1889 Utopie de lhomme blanc peur de lhomme noir Brésils Sciences Humaines et Sociales Paris v 1 p149168 2012 e A República de 1889 Utopia de branco medo de preto Contemporânea Revista de Sociologia da UFSCar São Carlos v 1 n 2 pp 1736 2011 50 Maria Cristina Cortez Wissenbach Da escravidão à liberdade Dimensões de uma privacidade possível In Nicolau Sevcenko Org História da vida privada São Paulo Companhia das Letras 2001 v 3 República Da belle époque à era do rádio 51 Ibid 52 Antonio Candido Os parceiros do Rio Bonito 9 ed São Paulo Ed 34 2001 53 Nísia Trindade Lima op cit 54 Manuela Carneiro da Cunha Política indigenista no século XIX em Manuela Carneiro da Cunha História dos índios no Brasil op cit 55 Informações retiradas de Manuela Carneiro da Cunha História dos índios no Brasil op cit p 133 56 Lima Barreto Três gênios da secretaria In Contos completos de Lima Barreto op cit 57 Para os tenentes ver Frank D McCann Soldados da pátria op cit José Murilo de Carvalho Forças Armadas e política no Brasil op cit Mário Cleber Martins Lanna Júnior Tenentismo e crises políticas na Primeira República em Lucilia de Almeida Neves Delgado e Jorge Ferreira Orgs O Brasil republicano O tempo do liberalismo excludente Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2007 v 1 Da Proclamação da República à Revolução de 1930 58 Para Coluna PrestesMiguel Costa ver Frank D McCann Soldados da pátria op cit Domingos Meirelles As noites das grandes fogueiras Uma história da Coluna Prestes Rio de Janeiro Record 1995 59 Maria Alice Rezende de Carvalho Quatro vezes cidade Rio de Janeiro 7Letras 1994 60 Ângela de Castro Gomes e Martha Abreu A nova Velha República Um pouco de história e historiografia Tempo Niterói UFF v 13 n 26 jan 2009 61 Roberto Schwarz Nacional por subtração In Que horas são São Paulo Companhia das Letras 2009 14 SAMBA MALANDRAGEM E MUITO AUTORITARISMO NA GÊNESE DO BRASIL MODERNO 1 Para a eleição de 1910 ver Vera Lúcia Bogéa Borges A batalha eleitoral de 1910 Rio de Janeiro Apicuri 2011 2 Entre a Constituição de 1891 e a Revolução de 1930 os governadores estaduais eram denominados presidentes Em 1930 Vargas substituiu quase todos os presidentes estaduais por interventores federais A Constituição de 1946 estabeleceu a atual denominação governador para os chefes do Executivo nos estados 3 Para o movimento operário e medidas repressivas na década de 1920 ver Boris Fausto Trabalho urbano e conflito social op cit Everardo Dias História das lutas sociais no Brasil São Paulo Alfa Omega 1977 Sobre a Coluna PrestesMiguel Costa ver Domingos Meirelles As noites das grandes fogueiras Uma história da Coluna Prestes Rio de Janeiro Record 1995 4 Para o ajuste entre Minas e São Paulo suas tensões e a estabilidade do sistema político ver Cláudia Maria Ribeiro Viscardi O teatro das oligarquias Uma revisão da política do café com leite Belo Horizonte CArte 2011 John Wirth O fiel da balança Minas Gerais na federação brasileira 18891937 Rio de Janeiro Paz e Terra 1982 5 Gilberto Amado Depois da política Rio de Janeiro José Olympio 1968 6 Para as opções de Washington Luís ver Cláudia Maria Ribeiro Viscardi op cit Boris Fausto A Revolução de 1930 História e historiografia São Paulo Brasiliense 1994 Sobre a importância do café ver Sérgio Silva Expansão cafeeira e origem da indústria no Brasil São Paulo Alfa Omega 1986 7 Para Antônio Carlos ver Lígia M L Pereira e Maria Auxiliadora Faria Presidente Antônio Carlos Um Andrada da República Rio de Janeiro Nova Fronteira 1998 8 Para o Rio Grande do Sul ver Joseph Love O regionalismo gaúcho São Paulo Perspectiva 1975 Sobre a Paraíba ver Leda Lewin Política e parentela na Paraíba Um estudo de caso da oligarquia de base familiar Rio de Janeiro Record 1993 Ver também Ângela Maria de Castro Gomes et al Regionalismo e centralização política Partidos e Constituinte nos anos 30 Rio de Janeiro Nova Fronteira 1980 9 Para dados biográficos de Vargas e João Pessoa ver Lira Neto Getúlio Dos anos de formação à conquista do poder 18821930 São Paulo Companhia das Letras 2012 v 1 10 Para a Aliança Liberal e seu programa ver Boris Fausto A Revolução de 1930 op cit Lúcia Lippi de Oliveira Org Elite intelectual e debate político nos anos 30 Uma bibliografia comentada da Revolução de 1930 Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 1980 Milton Lahuerta Os intelectuais e os anos 20 Moderno modernista modernização em Helena Carvalho de Lorenzo e Wilma Peres da Costa A década de 1920 e as origens do Brasil moderno Orgs São Paulo Ed Unesp 1997 11 Para as caravanas e a plataforma da Aliança Liberal ver Boris Fausto A Revolução de 1930 op cit 12 Franklin Martins Quem foi que inventou o Brasil Rio de Janeiro Nova Fronteira No prelo 13 Para Sinhô ver Franklin Martins Quem foi que inventou o Brasil op cit J B da Silva Sinhô Eu ouço falar Seu Julinho Rio de Janeiro Odeon 1929 14 Para os resultados da eleição ver Lira Neto Getúlio Dos anos de formação à conquista do poder op cit 15 Para Prestes ver Domingos Meirelles 1930 Os órfãos da Revolução Rio de Janeiro Record 2005 16 Para o assassinato de João Pessoa ver Domingos Meirelles 1930 Os órfãos da Revolução ver também José Joffily Anayde Beiriz Paixão e morte na revolução de 30 Niterói CBAG 1980 17 Para o levante de Princesa ver Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa Uma contribuição ao estudo do mandonismo local João Pessoa A União 1978 Domingos Meirelles 1930 Os órfãos da Revolução op cit 18 Citado em Domingos Meirelles 1930 Os órfãos da Revolução op cit p 532 19 Para as operações militares da revolta de 1930 ver Frank D McCan Soldados da pátria op cit José Murilo de Carvalho Forças Armadas e política no Brasil op cit 20 Pedro Nava O círio perfeito São Paulo Ateliê 2004 21 Para o episódio da fuga de Távora ver Lira Neto Getúlio Dos anos de formação à conquista do poder op cit p 415 22 Para a reação e a queda de Washington Luís ver Domingos Meirelles 1930 Os órfãos da Revolução op cit Lira Neto Getúlio Dos anos de formação à conquista do poder op cit 23 Citado em Domingos Meirelles 1930 Os órfãos da Revolução op cit p 619 24 Para um balanço da historiografia ver Marieta de Moraes Ferreira e Surama Conde Sá Pinto A crise dos anos 1920 e a Revolução de 1930 em Lucilia de Almeida Neves Delgado e Jorge Ferreira Orgs O Brasil republicano O tempo do liberalismo excludente op cit v 1 25 Para as medidas do Governo Provisório ver Dulce Pandolfi Os anos 1930 As incertezas do regime em Lucilia de Almeida Neves Delgado e Jorge Ferreira Orgs O Brasil republicano O tempo do nacionalestadismo Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2003 v 2 Do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo Lira Neto Getúlio Dos anos de formação à conquista do poder op cit 26 Citado em Lira Neto Getúlio Dos anos de formação à conquista do poder op cit p 520 27 Para a política trabalhista de Vargas ver José Murilo de Carvalho Cidadania no Brasil op cit Ângela Maria de Castro Gomes Cidadania e direitos do trabalho Rio de Janeiro Zahar 2002 28 Para o Código Eleitoral de 1932 ver José Murilo de Carvalho Cidadania no Brasil op cit Jairo Nicolau Eleições no Brasil Do Império aos dias atuais Rio de Janeiro Zahar 2012 29 Para Elvira Komel ver Lélia Vidal Gomes da Gama Elvira Komel Uma estrela riscou o céu Belo Horizonte Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais 1987 30 Para as forças políticas ver Ângela Maria de Castro Gomes Confronto e compromisso no processo de constitucionalização em Boris Fausto Org História geral da civilização brasileira O Brasil republicano São Paulo Difel 1981 tomo III v 3 Sociedade e política 19301964 31 Para o levante paulista de 1932 ver Hélio Silva A guerra paulista O ciclo de Vargas Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1976 v 2 Maria Helena Capelato O movimento de 1932 A causa paulista São Paulo Brasiliense 1981 Lira Neto Getúlio Do governo provisório à ditadura do Estado Novo 19301945 São Paulo Companhia das Letras 2013 v 2 32 Oswald de Andrade Marco zero A revolução melancólica Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1978 33 Citado em Hélio Silva A guerra paulista op cit 34 Para a ausência dos operários ver Maria Helena Capelato O movimento de 1932 op cit Leôncio Basbaum Uma vida em seis tempos São Paulo Alfa Omega 1978 35 Para as operações militares em 1932 ver Frank D McCan Soldados da pátria História do Exército brasileiro 18891937 Lira Neto Getúlio Do governo provisório à ditadura do Estado Novo op cit 36 Para as medidas de Vargas ver Frank McCan Soldados da pátria op cit Lira Neto Getúlio Do governo provisório à ditadura do Estado Novo op cit 37 Para a Assembleia Constituinte e a Constituição de 1934 ver José Murilo de Carvalho Cidadania no Brasil op cit 38 Para a observação de Vargas ver Lira Neto Getúlio Do governo provisório à ditadura do Estado Novo op cit p 189 39 A expressão é de Norbert Frei Ver Norbert Frei LÉtat Hitlérien et la société allemande 1933 1945 Paris Seuil 1994 p 95 40 Para a ABI ver Marcos Chor Maio e Roney Cytrynowicz Ação Integralista Brasileira Um movimento fascista no Brasil 19321938 em Lucilia de Almeida Neves Delgado e Jorge Ferreira Orgs O Brasil republicano O tempo do liberalismo excludente op cit v 1 Ver também Marilena Chaui Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista Brasileira em André Rocha Org Escritos de Marilena Chaui Manifestações ideológicas do autoritarismo brasileiro Belo Horizonte Autêntica São Paulo Fundação Perseu Abramo 2013 v 2 41 Para o fascismo nas Forças Armadas brasileiras ver Frank McCan Soldados da pátria op cit 42 Para a ANL ver Francisco Carlos Pereira Cascardo A Aliança Nacional Libertadora Novas abordagens em Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis Orgs A formação das tradições 18891995 Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2007 Marly Vianna A ANL Aliança Libertadora Nacional em Antonio Carlos Mazzeo e Maria Izabel Lagoa Orgs Corações vermelhos Os comunistas brasileiros no século XX São Paulo Cortez 2003 43 Para o PCB ver Marly de Almeida Gomes Vianna O PCB 192943 em Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis Orgs A formação das tradições op cit John W Foster Dulles Anarquistas e comunistas no Brasil 19001935 Rio de Janeiro Nova Fronteira 1977 44 Citado em Lira Neto Getúlio Do governo provisório à ditadura do Estado Novo op cit p 235 45 Citado em Francisco Carlos Pereira Cascardo A Aliança Nacional Libertadora Novas abordagens em Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis Orgs A formação das tradições op cit p 475 46 Para a Internacional Comunista e sua participação nos levantes de 1935 ver William Waack Camaradas Nos arquivos de Moscou A história secreta da revolução brasileira de 1935 São Paulo Companhia das Letras 2004 47 Para os levantes de Natal e Pernambuco ver Marly de A G Vianna Revolucionários de 1935 Sonho e realidade São Paulo Companhia das Letras 1992 Hélio Silva 1935 A revolta vermelha Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1969 Paulo Cavalcanti O caso eu conto como o caso foi Da Coluna Prestes à queda de Arraes Recife Cepe 2008 v 1 cap VI 48 Para o levante no Rio de Janeiro ver Frank McCan Soldados da pátria op cit Marly de A G Vianna Revolucionários de 1935 Sonho e realidade Hélio Silva 1935 A revolta vermelha op cit 49 Para a repressão de Vargas ver John W Foster Dulles Anarquistas e comunistas no Brasil 1900 1935 Marly de A G Vianna Revolucionários de 1935 Sonho e realidade William Waack Camaradas Nos arquivos de Moscou op cit 50 Graciliano Ramos Memórias do cárcere Rio de Janeiro Record 2007 v II p 6970 Sobre Graciliano ver Wander Melo Miranda Graciliano Ramos São Paulo Publifolha 2004 51 Para o agente duplo ver R S Rose e Gordon D Scott Johnny A vida do espião que delatou a rebelião comunista de 1935 Rio de Janeiro Record 2010 52 Para os preparativos de Vargas para o golpe ver Lira Neto Getúlio Do governo provisório à ditadura do Estado Novo op cit Boris Fausto Getúlio Vargas São Paulo Companhia das Letras 2006 53 Citado em Boris Fausto Getúlio Vargas op cit p 75 54 Para o Plano Cohen ver Frank McCan Soldados da pátria op cit 55 Para os traços comuns ver Boris Fausto Getúlio Vargas op cit 56 Graciliano Ramos Memórias do cárcere op cit p 34 v I 57 Para o aparato de repressão ver Boris Fausto Getúlio Vargas op cit Frank McCan Soldados da pátria op cit Lira Neto Getúlio Do governo provisório à ditadura do Estado Novo op cit 58 Para o intercâmbio com a Gestapo ver Lira Neto Getúlio Do governo provisório à ditadura do Estado Novo op cit p 263 59 Lira Neto Getúlio Do governo provisório à ditadura do Estado Novo op cit p 264 60 Para o aparato de propaganda e legitimação do Estado Novo ver Lúcia Lippi Oliveira Mônica Pimenta Velloso e Ângela Maria de Castro Gomes Estado Novo Ideologia e poder Rio de Janeiro Zahar 1982 Dulce Pandolfi Repensando o Estado Novo Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 1999 61 Para Noel Rosa ver João Máximo e Carlos Didier Noel Rosa Uma biografia Brasília Editora UnB Linha Gráfica Editora 1990 62 Para a censura ver Robert M Levine Pai dos pobres O Brasil e a era Vargas São Paulo Companhia das Letras 2001 p 94 63 Para a ação do DIP ver Magno Bissoli Siqueira Samba e identidade nacional Das origens à era Vargas São Paulo Ed Unesp 2012 64 Para o Ministério da Educação sob a gestão Capanema ver Helena Bomeny Org Constelação Capanema Intelectuais e políticas Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 2001 65 Para as relações entre intelectuais e o Estado Novo ver Helena Bomeny Org Constelação Capanema Intelectuais e políticas Sérgio Miceli Intelectuais à brasileira São Paulo Companhia das Letras 2001 Antonio Candido A Revolução de 30 e a cultura em Paula Monteiro e Álvaro Comin Orgs Mão e contramão e outros ensaios contemporâneos São Paulo Globo 2009 66 Para os procedimentos de valorização da mestiçagem e a construção da nacionalidade a partir de produtos culturais regionais associados ao popular ver Lilia K M Schwarcz Complexo de Zé Carioca Notas sobre uma identidade mestiça e malandra Revista Brasileira de Ciências Sociais n 29 ano 10 out 1995 Lilia M Schwarcz Nem preto nem branco muito pelo contrário Cor e raça na intimidade em Lilia M Schwarcz História da vida privada no Brasil São Paulo Companhia das Letras 2006 v 4 Ver também Hermano Vianna O mistério do samba Rio de Janeiro Zahar 2012 67 Para Carmen Miranda ver Ruy Castro Carmen Uma biografia São Paulo Companhia das Letras 2005 Ver também Eneida Maria de Souza Carmen Miranda Do kitsch ao cult em Heloisa Starling Berenice Cavalcante e José Eisemberg Orgs Decantando a República Retratos em branco e preto da nação brasileira Rio de Janeiro Nova Fronteira São Paulo Fundação Perseu Abramo 2004 v 2 68 Ruy Castro Carmen uma biografia p 322 69 Para Política de Boa Vizinhança e seus produtos culturais ver Antônio Pedro Tota O imperialismo sedutor A americanização do Brasil na época da Segunda Guerra São Paulo Companhia das Letras 2000 70 Para Zé Carioca ver Ruy Castro Nascido no Copacabana Palace Zé Carioca completa 70 anos Serafina Folha de SPaulo São Paulo 25 nov 2012 71 A expressão é de Camila Ferreira Ver Camila Manduca Ferreira Zé Carioca Um papagaio na periferia do capitalismo Novos Rumos v 49 n 1 janjun 2012 72 Para a canção de Noel ver Mayra Pinto Noel Rosa O humor na canção São Paulo Ateliê 2012 73 Gilberto Freyre Casagrande senzala Rio de Janeiro José Olympio 1981 Sobre Freyre ver Lilia K M Schwarcz Complexo de Zé Carioca Notas sobre uma identidade mestiça e malandra Hermano Vianna O mistério do samba 74 Sérgio Buarque de Holanda Raízes do Brasil São Paulo Companhia das Letras 2006 Sobre Sérgio Buarque de Holanda ver Robert Wegner Caminhos de Sérgio Buarque de Holanda em André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz Orgs Um enigma chamado Brasil 29 intérpretes e um país São Paulo Companhia das Letras 2009 Pedro Meira Monteiro e João Kennedy Eugênio Orgs Sérgio Buarque de Holanda Perspectivas Campinas Ed da Unicamp Rio de Janeiro Ed da Uerj 2008 75 Caio Prado Jr Formação do Brasil contemporâneo São Paulo Brasiliense 1979 Para Caio Prado Jr ver Bernardo Ricúpero Caio Prado Júnior e o lugar do Brasil no mundo em André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz Orgs Um enigma chamado Brasil 29 intérpretes e um país Sobre o impacto dos três autores na produção cultural dos anos de 1930 e 1940 ver Antonio Candido A Revolução de 30 e a cultura em Paula Monteiro e Álvaro Comin Orgs Mão e contramão e outros ensaios contemporâneos 76 Para a legislação trabalhista e a conquista de direitos sociais ver José Murilo de Carvalho Cidadania no Brasil op cit Luiz Werneck Vianna Liberalismo e sindicato no Brasil Belo Horizonte Ed UFMG 1999 cap V 77 Para a malandragem ver Antonio Candido Dialética da malandragem em Antonio Candido O discurso e a cidade São Paulo Duas Cidades Rio de Janeiro Ouro sobre Azul 2004 Cláudia Matos Acertei no milhar Samba e malandragem no tempo de Getúlio Rio de Janeiro Paz e Terra 1982 78 Wilson Batista e Ataulfo Alves O bonde São Januário Intérprete Cyro Monteiro Victor 34691a 1940 Para Wilson Batista ver Rodrigo Alzuguir Wilson Batista O samba foi sua glória Rio de Janeiro Casa da Palavra 2013 79 Para a atuação política durante a guerra e o projeto de modernização de Vargas ver Boris Fausto Getúlio Vargas op cit Frank McCan Soldados da pátria op cit Lira Neto Getúlio Do governo provisório à ditadura do Estado Novo op cit 80 Para o telegrama ver Robert M Levine Pai dos pobres op cit p 100 15 YES NÓS TEMOS DEMOCRACIA 1 Para a movimentação política de Vargas ver Lira Neto Getúlio Do governo provisório à ditadura do Estado Novo op cit 2 Para os candidatos ver Maria Victoria de Mesquita Benevides A UDN e o udenismo Ambiguidades do liberalismo brasileiro 19451965 Rio de Janeiro Paz e Terra 1981 Jorge Ferreira O imaginário trabalhista Getulismo PTB e cultura política popular 19451964 Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2005 especialmente o cap 1 3 Para os dois episódios ver Michelle Reis de Macedo O movimento queremista e a democratização de 1945 Rio de Janeiro 7Letras 2013 p 105 4 Para as transformações no interior das Forças Armadas e em especial no Exército ver Frank McCan Soldados da pátria op cit José Murilo de Carvalho Forças Armadas e política no Brasil op cit 5 Citado em José Murilo de Carvalho Forças Armadas e política no Brasil op cit p 82 6 Ver especialmente José Murilo de Carvalho Forças Armadas e política no Brasil op cit 7 Para Prestes ver Jorge Ferreira Prisioneiros do mito Cultura e imaginário político dos comunistas no Brasil 19301956 Rio de Janeiro Ed da UFF Niterói Mauad 2002 especialmente o cap 9 Dênis de Moraes e Francisco Viana Prestes Lutas e autocríticas Petrópolis Vozes 1982 8 Para o comício no estádio de São Januário ver Dênis de Moraes e Francisco Viana Prestes Lutas e autocríticas Mário Magalhães Marighella O guerrilheiro que incendiou o mundo São Paulo Companhia das Letras 2012 9 Para o crescimento do PC ver Mário Magalhães Marighella O guerrilheiro que incendiou o mundo p 157 10 Para o grupo de artistas e intelectuais simpatizantes eou militantes ver Mário Magalhães Marighella O guerrilheiro que incendiou o mundo pp 157 ss Ver também Zélia Gattai Um chapéu para viagem Memórias São Paulo Companhia das Letras 2010 11 Para o comício de São Paulo ver Michelle Reis de Macedo op cit 12 Para a assimetria entre o fim do Estado Novo e o crescimento da popularidade de Vargas ver Ângela de Castro Gomes A invenção do trabalhismo Rio de Janeiro Vértice Iuperj 1988 13 Para o movimento queremista ver Michelle Reis de Macedo op cit Jorge Ferreira O imaginário trabalhista op cit especialmente o cap 1 14 Citado em Lira Neto Getúlio Do governo provisório à ditadura do Estado Novo op cit pp 466 ss 15 Citado em Jorge Ferreira O imaginário trabalhista op cit p 75 16 Para as restrições ver Jairo Nicolau Eleições no Brasil pp 8990 17 Para a UDN ver Maria Victoria de Mesquita Benevides A UDN e o udenismo Ambiguidades do liberalismo brasileiro 19451965 18 Para Lacerda ver Carlos Lacerda Depoimento Rio de Janeiro Nova Fronteira 1978 Ver também Rodrigo Lacerda A República das abelhas São Paulo Companhia das Letras 2013 Otávio Frias Filho O tribuno da imprensa piauí São Paulo n 91 abr 2014 19 Citado em Claudio Bojunga JK O artista do impossível Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 389 20 Para o PSD ver Lúcia Hipólito PSD De raposas e reformistas Rio de Janeiro Paz e Terra 1985 21 Citado em Claudio Bojunga JK O artista do impossível op cit p 166 22 Ibid 23 Para o PTB ver Lucilia de Almeida Neves Delgado PTB Do getulismo ao reformismo São Paulo Marco Zero 1989 24 Para o trabalhismo como projeto político ver Ângela de Castro Gomes A invenção do trabalhismo op cit Ver também Michelle Reis de Macedo op cit Jorge Ferreira O imaginário trabalhista op cit especialmente o cap 1 25 Para o trabalhismo após a morte de Vargas ver Ângela de Castro Gomes Trabalhismo e democracia O PTB sem Vargas em Ângela de Castro Gomes Org Vargas e a crise dos anos 50 Rio de Janeiro Ponteio 2011 26 Para os dados do PTB ver Lucilia de Almeida Neves Delgado PTB Do getulismo ao reformismo 27 Para o episódio do comício e seus desdobramentos ver Michelle Reis de Macedo op cit pp 144 ss 28 Para o resultado das eleições ver Boris Fausto História do Brasil São Paulo Edusp 2012 p 340 Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello 19301964 São Paulo Companhia das Letras 2010 p 97 29 Para a Constituição de 1946 ver Jairo Nicolau Eleições no Brasil José Murilo de Carvalho Cidadania no Brasil op cit 30 A expressão é de Ângela de Castro Gomes Para os indicadores da experiência democrática brasileira nos anos 194664 ver Jorge Ferreira e Ângela de Castro Gomes 1964 O golpe que derrubou um presidente pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2014 31 Para a Guerra Fria ver Martin Walker The Cold War A History Nova York Henry Holt and Co 1993 32 Para os números do crescimento do PC ver Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit p 100 33 Citado em Boris Fausto História do Brasil p 343 Sobre a repressão aos trabalhadores ver Fernando Teixeira da Silva e Antonio Luigi Negro Trabalhadores sindicatos e política 19451964 em Lucilia de Almeida Neves Delgado e Jorge Ferreira Orgs O Brasil republicano O tempo da experiência democrática Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2008 v 3 Da democratização de 1945 ao golpe civilmilitar de 1964 Ronald H Chilcote O Partido Comunista Brasileiro Conflito e integração 19221972 Rio de Janeiro Graal 2002 34 Para a resposta de Prestes e o episódio da cassação do PC ver Mário Magalhães Marighella O guerrilheiro que incendiou o mundo p 182 e seguintes 35 Citado em Jairo Nicolau Eleições no Brasil p 90 36 Para a política econômica do governo Dutra ver Pedro Paulo Zahluth Bastos Ascensão e crise do projeto nacionaldesenvolvimentista de Getúlio Vargas em Pedro Paulo Zahluth Bastos e Pedro Cezar Dutra Fonseca Orgs A era Vargas Desenvolvimentismo economia e sociedade São Paulo Unesp 2012 37 Para a decisão de Dutra e o decreto que proibia o jogo e fechava os cassinos ver João Perdigão e Euler Corradi O rei da roleta A incrível vida de Joaquim Rolla Rio de Janeiro Casa da Palavra 2012 Isabel Lustosa Histórias de presidentes A República no Catete 18971960 Rio de Janeiro Agir 2008 38 Para os cassinos do Rio de Janeiro ver Ruy Castro Carmen Uma biografia João Perdigão e Euler Corradi O rei da roleta A incrível vida de Joaquim Rolla 39 Para o desempenho legislativo e a campanha presidencial de Vargas ver Boris Fausto Getúlio Vargas op cit Robert M Levine Pai dos pobres op cit 40 Citado em Boris Fausto Getúlio Vargas op cit p 164 41 Ibid p 166 42 Para os números da eleição ver Boris Fausto História do Brasil São Paulo Edusp 2012 p 346 Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit p 113 43 Para a política de energia ver Hildete Pereira de Melo Adilson de Oliveira e João Lizardo de Araújo O sonho nacional Petróleo e eletricidade 195494 em Ângela de Castro Gomes Org Vargas e a crise dos anos 50 op cit Ver também Maria Antonieta P Leopoldi O difícil caminho do meio Estado burguesia e industrialização no segundo governo Vargas 19511954 em Ângela de Castro Gomes Org Vargas e a crise dos anos 50 op cit 44 Monteiro Lobato O poço do visconde São Paulo Brasiliense 1960 p 204 Sobre as campanhas políticas de Lobato inclusive a do petróleo ver Carmen Lúcia de Azevedo Márcia Camargos Vladimir Sacchetta Monteiro Lobato Furacão na Botocúndia São Paulo Senac 2000 pp 147 ss 45 Para a UNE e sua atuação na campanha do petróleo ver Arthur Poerner O poder jovem História da participação política dos estudantes brasileiros Rio de Janeiro Booklink 2004 46 Para o aumento da produção de energia elétrica ver Maria Antonieta P Leopoldi O difícil caminho do meio Estado burguesia e industrialização no segundo governo Vargas 19511954 em Ângela de Castro Gomes Org Vargas e a crise dos anos 50 op cit p 185 47 Para siderurgia e transportes ver Maria Antonieta P Leopoldi O difícil caminho do meio Estado burguesia e industrialização no segundo governo Vargas 19511954 em Ângela de Castro Gomes Org Vargas e a crise dos anos 50 op cit 48 Para o nacionaldesenvolvimentismo em Vargas ver Pedro Paulo Zahluth Bastos Ascensão e crise do projeto nacionaldesenvolvimentista de Getúlio Vargas Pedro Paulo Zahluth Bastos A construção do nacionalismo econômico de Vargas em Pedro Paulo Zahluth Bastos e Pedro Cezar Dutra Fonseca Orgs A era Vargas Desenvolvimentismo economia e sociedade Para o projeto de desenvolvimento associado ver René Armand Dreifuss 1964 A conquista do Estado Petrópolis Vozes 1981 especialmente os caps I II e III 49 Para a crise econômica ver Pedro Paulo Zahluth Bastos Ascensão e crise do projeto nacional desenvolvimentista de Getúlio Vargas Sobre o foco da Guerra Fria ver Martin Walker The Cold War A History 50 Para a Greve dos Trezentos Mil ver Paul Singer A política das classes dominantes em Octavio Ianni et al Política e revolução social no Brasil Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1965 Lucilia de Almeida Neves Delgado PTB Do getulismo ao reformismo 51 Para Goulart ver Jorge Ferreira João Goulart Uma biografia Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2011 especialmente os caps 2 e 3 52 Citado em Jorge Ferreira João Goulart op cit pp 1034 53 Para o apoio dos órgãos de comunicação à UDN e sua atuação no período ver Alzira Alves Abreu e Fernando LattmanWeltman Fechando o cerco A imprensa e a crise de agosto de 1954 em Ângela de Castro Gomes Org Vargas e a crise dos anos 50 op cit 54 Citado em Paulo Markun e Duda Hamilton 1961 O Brasil entre a ditadura e a guerra civil São Paulo Benvirá 2011 p 61 55 Para o Manifesto dos coronéis ver Jorge Ferreira João Goulart op cit Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit 56 Ver Paulo Bonavides e Roberto Amaral Textos políticos da história do Brasil República Terceira República 19451955 Brasília Senado Federal 2002 p 677 Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit p 169 57 Para o diálogo de Tancredo ver Carlos Heitor Cony Quem matou Vargas 1954 uma tragédia brasileira São Paulo Planeta 2004 p 208 58 Para a imprensa ver Alzira Alves Abreu e Fernando LattmanWeltman Fechando o cerco A imprensa e a crise de agosto de 1954 em Ângela de Castro Gomes Org Vargas e a crise dos anos 50 op cit Paulo Markun e Duda Hamilton 1961 O Brasil entre a ditadura e a guerra civil 59 Para o episódio da Última Hora ver também Ana Maria de Abreu Laurenza Lacerda x Wainer O corvo e o bessarabiano São Paulo Senac 1998 Para Wainer ver Samuel Wainer Minha razão de viver Memórias de um repórter Rio de Janeiro Record 1988 60 Para o atentado e seus desdobramentos ver Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit Claudio Lacerda Uma crise de agosto O atentado da rua Toneleros Rio de Janeiro Nova Fronteira 1994 Boris Fausto Getúlio Vargas op cit Jorge Ferreira João Goulart op cit 61 Citado em Jorge Ferreira João Goulart op cit p 127 62 Para a última reunião do ministério e o suicídio ver Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit Boris Fausto Getúlio Vargas op cit Ver também Carlos Heitor Cony Quem matou Vargas 1954 uma tragédia brasileira Rubem Fonseca Agosto São Paulo Companhia das Letras 1990 63 Para as manifestações populares ver Jorge Ferreira O Carnaval da tristeza Os motins urbanos do 24 de agosto em Jorge Ferreira O imaginário trabalhista op cit 64 Citado em Boris Fausto Getúlio Vargas op cit p 195 65 Citado em Claudio Bojunga JK O artista do impossível op cit p 258 66 O argumento é de Jorge Ferreira Ver Jorge Ferreira O Carnaval da tristeza Os motins urbanos do 24 de agosto em Jorge Ferreira O imaginário trabalhista op cit 16 OS ANOS 19501960 A BOSSA A DEMOCRACIA E O PAÍS SUBDESENVOLVIDO 1 Para o levante de Jacareacanga ver Claudio Bojunga JK O artista do impossível op cit 2 Para as eleições presidenciais de 1955 ver Maria Victoria de Mesquita Benevides A UDN e o udenismo Ambiguidades do liberalismo brasileiro 19451965 Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit Claudio Bojunga JK O artista do impossível op cit 3 Citado em Jorge Ferreira João Goulart op cit p 148 4 Para o governo Café Filho ver Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit Para o golpe e o contragolpe ver Jorge Ferreira O imaginário trabalhista op cit especialmente o cap 4 Flávio Tavares O dia em que Getúlio matou Allende e outras novelas do poder Rio de Janeiro Record 2004 especialmente o cap III 5 Para a aproximação dos militares de baixa patente com o trabalhismo ver Jorge Ferreira O imaginário trabalhista op cit especialmente o cap 4 6 Para a relação de Juscelino com os militares ver Claudio Bojunga JK O artista do impossível op cit Ricardo Maranhão O governo Juscelino Kubitschek São Paulo Brasiliense 1984 Maria Victoria Benevides O governo Kubitschek Desenvolvimento econômico e estabilidade política Rio de Janeiro Paz e Terra 1976 7 Para o Plano de Metas ver Maria Victoria Benevides O governo Kubitschek Desenvolvimento econômico e estabilidade política Miriam Limoeiro Cardoso Ideologia do desenvolvimento Brasil JKJQ Rio de Janeiro Paz e Terra 1977 Clovis de Faro e Salomão L Quadros da Silva A década de 50 e o Programa de Metas em Ângela de Castro Gomes Org O Brasil de JK Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 1991 8 Para o cotidiano dos anos 1950 ver Joaquim Ferreira dos Santos 1958 O ano que não devia terminar Rio de Janeiro Record 1997 9 Para estradas pavimentadas ver Claudio Bojunga JK O artista do impossível op cit p 407 10 Ibid p 398 11 Para a construção da BelémBrasília ver Claudio Bojunga JK O artista do impossível op cit 12 Para o estilo de fazer política de JK ver Claudio Bojunga JK O artista do impossível op cit Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit 13 Para a observação de Lacerda ver Rodrigo Lacerda A República das abelhas 14 Para o desenvolvimentismo ver Miriam Limoeiro Cardoso Ideologia do desenvolvimento Brasil JKJQ Celso Furtado Desenvolvimento e subdesenvolvimento Rio de Janeiro Fundo de Cultura 1961 Francisco de Oliveira A economia brasileira Crítica à razão dualista Petrópolis Vozes 1981 15 Para o Iseb ver Caio Navarro de Toledo Org Intelectuais e política no Brasil A experiência do Iseb Rio de Janeiro Revan 2005 16 Para subdesenvolvimento ver Celso Furtado Desenvolvimento e subdesenvolvimento Maria da Conceição Tavares Org Celso Furtado e o Brasil São Paulo Fundação Perseu Abramo 2001 Francisco de Oliveira A economia brasileira Crítica à razão dualista Marcelo Ridenti Brasilidade revolucionária São Paulo Ed Unesp 2010 17 Para o Teatro de Arena ver Izaías Almada Teatro de Arena Uma estética de resistência São Paulo Boitempo 2004 Sábato Magaldi Um palco brasileiro O Arena de São Paulo São Paulo Brasiliense 1984 18 Para Vera Cruz ver Sidney Ferreira Leite Cinema brasileiro Das origens à retomada São Paulo Fundação Perseu Abramo 2005 Maria Rita Galvão Burguesia e cinema O caso Vera Cruz Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1981 19 Para chanchadas ver Suzana Ferreira Cinema carioca nos anos 30 e 40 Os filmes musicais nas telas da cidade São Paulo Annablume 2003 Sérgio Augusto Este mundo é um pandeiro São Paulo Companhia das Letras Cinemateca Brasileira 1989 20 Para Nelson Pereira dos Santos e Rio 40 graus ver Helena Salem Nelson Pereira dos Santos O sonho possível do cinema brasileiro Rio de Janeiro Record 1996 Sidney Ferreira Leite Cinema brasileiro Das origens à retomada 21 Glauber Rocha Revolução do Cinema Novo Rio de Janeiro Alhambra Embrafilme 1981 pp 393 4 22 Para Glauber Rocha e para o Cinema Novo ver Ismail Xavier Cinema brasileiro moderno São Paulo Paz e Terra 2001 Glauber Rocha Revolução do Cinema Novo Raquel Gerber et al Glauber Rocha São Paulo Paz e Terra 1977 Lucia Nagib A utopia no cinema brasileiro Matrizes nostalgia distopias São Paulo Cosac Naify 2006 especialmente o cap 1 Eduardo Escorel Deus e o diabo ano I Glauber Rocha no turbilhão de 1964 piauí São Paulo n 90 mar 2014 23 Para Bossa Nova como movimento ver Ruy Castro Chega de saudade A história e as histórias da Bossa Nova São Paulo Companhia das Letras 1990 Ruy Castro A onda que se ergueu no mar Novos mergulhos na Bossa Nova São Paulo Companhia das Letras 2001 24 Para Bossa Nova como linguagem ver Luiz Tatit O século da canção São Paulo Ateliê 2004 Walter Garcia Bim Bom A contradição sem conflitos de João Gilberto São Paulo Paz Terra 1999 25 Para Bossa Nova como produto comercial ver José Gave Momento Bossa Nova São Paulo Fapesp Annablume 2006 26 Para a internacionalização da Bossa Nova ver Ruy Castro Chega de saudade A história e as histórias da Bossa Nova Ruy Castro A onda que se ergueu no mar Novos mergulhos na Bossa Nova 27 Para gargalos do Plano de Metas ver Carla Maria Junho Anastasia De Drummond a Rodrigues Venturas e desventuras dos brasileiros no governo JK em Wander Melo Miranda Anos JK Margens da modernidade São Paulo Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rio de Janeiro Casa de Lúcio Costa 2002 Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit Maria Antonieta P Leopoldi Crescendo em meio à incerteza A política econômica do governo JK em Ângela de Castro Gomes Org O Brasil de JK op cit 28 Roberto Campos A lanterna na popa Rio de Janeiro Topbooks 1994 2 v 29 Revista Brasiliense n 3536 1961 p 29 Citado em Claudio Bojunga JK O artista do impossível op cit p 340 30 A expressão é de Maria Victoria Benevides Ver Maria Victoria Benevides O governo Kubitschek Desenvolvimento econômico e estabilidade política 31 Para indicadores de inflação ver Maria Antonieta P Leopoldi Crescendo em meio à incerteza A política econômica do governo JK em Ângela de Castro Gomes Org O Brasil de JK op cit 32 Para a administração paralela ver Maria Victoria Benevides O governo Kubitschek Desenvolvimento econômico e estabilidade política 33 Para os limites do Plano de Metas na questão agrária ver Vânia Maria Losada Moreira Os anos JK Industrialização e modelo oligárquico de desenvolvimento rural em Lucilia de Almeida Neves Delgado e Jorge Ferreira Orgs O Brasil republicano O tempo da experiência democrática op cit v 3 Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit 34 Para as revoltas ver Thiago Lenine Tito Tolentino Margens da marcha para o Oeste Luta pela terra em Trombas e Formoso Porecatu e sudoeste do Paraná em Heloisa Maria Murgel Starling e Pauliane de Carvalho Braga Orgs Sentimentos da terra Belo Horizonte Proex 2013 35 Para Ligas Camponesas ver Antônio Montenegro As Ligas Camponesas e os conflitos no campo em Rita de Cássia Araújo e Túlio Velho Barreto Orgs 1964 O golpe passado a limpo Recife Fundação Joaquim Nabuco Massangana 2007 Joseph Page A revolução que nunca houve O Nordeste do Brasil 19551964 Rio de Janeiro Record 1972 36 Para Francisco Julião ver Cláudio Aguiar Francisco Julião Uma biografia Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2014 37 Para os campos de treinamento militar ver Flávio Tavares Memórias do esquecimento Os segredos dos porões da ditadura Rio de Janeiro Record 2005 Cláudio Aguiar Francisco Julião Uma biografia 38 Para o MEB ver Ana Emília de Carvalho e Bruno Viveiros Martins MEB MCP UNE e CPC Cultura e educação no campo na década de 1960 em Heloisa Maria Murgel Starling e Pauliane de Carvalho Braga Orgs Sentimentos da terra Para o PCB ver Angelo Priori O PCB e a questão agrária Os manifestos e o debate político acerca de seus temas em Antonio Carlos Mazzeo e Maria Izabel Lagoa Orgs Corações vermelhos Os comunistas brasileiros no século XX São Paulo Cortez 2003 Claudia Moraes de Souza Pelas ondas do rádio cultura popular camponeses e o rádio nos anos 1960 São Paulo Alameda 2013 39 Para o projeto e a construção de Brasília ver James Holston A cidade modernista Uma crítica de Brasília e sua utopia São Paulo Companhia das Letras 1993 Claudio Bojunga JK O artista do impossível op cit Lauro Cavalcanti Brasília A construção de um exemplo em Wander Melo Miranda Anos JK Margens da modernidade Flávio Tavares O dia em que Getúlio matou Allende e outras histórias especialmente o cap IV 40 Para a relação entre Belo Horizonte e Brasília ver Helena Bomeny Utopias de cidades As capitais do modernismo em Ângela de Castro Gomes Org O Brasil de JK op cit 41 Citado em Claudio Bojunga JK O artista do impossível p 398 42 A frase é de Manuel Bandeira na coluna intitulada Lúcio Costa Jornal do Brasil Rio de Janeiro 24 mar 1957 p 5 43 Para os operários e as cidadessatélites ver James Holston A cidade modernista Uma crítica de Brasília e sua utopia sobre os operários durante a construção de Brasília ver Flávio Tavares O dia em que Getúlio matou Allende e outras histórias especialmente o cap IV 44 Para a estratégia de JK ver Sheldon Maran Juscelino Kubitschek e a política presidencial em Ângela de Castro Gomes Org O Brasil de JK op cit 45 Para a candidatura de Jânio Quadros a campanha e o apoio da UDN ver Maria Victoria de Mesquita Benevides A UDN e o udenismo Ambiguidades do liberalismo brasileiro 19451965 Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit Otávio Soares Dulci A UDN e o antipopulismo no Brasil 46 Para Jânio Quadros ver Ricardo Arnt Jânio Quadros O Prometeu de Vila Maria Rio de Janeiro Ediouro 2004 Flávio Tavares O dia em que Getúlio matou Allende e outras histórias especialmente o cap IV 47 Para a candidatura do marechal Lott ver Lúcia Hippolito PSD De raposas e reformistas Jorge Ferreira João Goulart op cit 48 Para o resultado eleitoral ver Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit p 233 Jorge Ferreira João Goulart op cit p 213 49 Para política externa ver Brás José de Araújo A política externa do governo Jânio Quadros Rio de Janeiro Graal 1981 50 Para a presidência de Jânio ver Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit Jorge Ferreira João Goulart op cit 51 Ver Ricardo Arnt Jânio Quadros O Prometeu de Vila Maria p 154 52 Ver Flávio Tavares O dia em que Getúlio matou Allende e outras histórias p 167 53 Para a viagem de Jango e os atritos com Jânio ver Jorge Ferreira João Goulart op cit Para a condecoração a Che Guevara ver Paulo Markun e Duda Hamilton 1961 O Brasil entre a ditadura e a guerra civil especialmente o cap 4 54 Citado em Amir Labaki 1961 A crise da renúncia e a solução parlamentarista São Paulo Brasiliense 1986 p 47 Para a renúncia ver também Ricardo Arnt Jânio Quadros O Prometeu de Vila Maria Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit 55 Citado em Amir Labaki 1961 A crise da renúncia e a solução parlamentarista pp 512 56 O argumento é de Argelina Figueiredo Ver Argelina Cheibub Figueiredo Democracia ou reformas Alternativas democráticas à crise política 19411964 São Paulo Paz e Terra 1993 57 Para a crise política e o movimento de resistência ao golpe ver Argelina Cheibub Figueiredo Democracia ou reformas op cit Amir Labaki 1961 A crise da renúncia e a solução parlamentarista Paulo Markun e Duda Hamilton 1961 O Brasil entre a ditadura e a guerra civil Jorge Ferreira João Goulart op cit Flávio Tavares 1961 O golpe derrotado Luzes e sombras do Movimento da Legalidade Porto Alegre LPM 2011 58 Para Brizola ver F C Leite Filho El caudillo Leonel Brizola Um perfil biográfico São Paulo Aquariana 2008 59 Para a Rede da Legalidade ver Flávio Tavares 1961 O golpe derrotado Luzes e sombras do Movimento da Legalidade Juremir Machado da Silva Vozes da legalidade Política e imaginário na era do rádio Porto Alegre Sulina 2011 60 Para Goiás ver Maria Dulce Loyola Teixeira Mauro Borges e a crise políticomilitar de 1961 Movimento da legalidade Brasília Senado Federal 1994 61 Para Jango ver Jorge Ferreira João Goulart op cit especialmente o cap 6 17 NO FIO DA NAVALHA DITADURA OPOSIÇÃO E RESISTÊNCIA 1 Para o governo Jango ver Jorge Ferreira João Goulart op cit Moniz Bandeira O governo João Goulart e as lutas sociais no Brasil 19611964 Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1978 Marco Antonio Villa Jango Um perfil 19451964 São Paulo Globo 2004 2 Para política externa ver Miriam Gomes Saraiva e Tulio Vigevani Política externa do Brasil Continuidade em meio à descontinuidade de 1961 a 2011 em Daniel Aarão Reis Marcelo Ridente e Rodrigo Patto Sá Motta Orgs A ditadura que mudou o Brasil Rio de Janeiro Zahar 2014 3 Para os diferentes projetos de reforma agrária ver Mario Grynszpan O período Jango e a questão agrária Luta política e afirmação de novos atores em Marieta de Moraes Ferreira Org João Goulart Entre a memória e a história Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 2006 Leonilde Servolo de Medeiros Reforma agrária no Brasil História e atualidade da luta pela terra São Paulo Fundação Perseu Abramo 2003 Cláudio Aguiar Francisco Julião Uma biografia Para os proprietários de terras ver Heloisa Maria Murgel Starling Os senhores das Gerais Os novos inconfidentes e o golpe de 1964 Petrópolis Vozes 1986 Para ocupação de terras saques e assassinatos ver Joseph Page A revolução que nunca houve O Nordeste do Brasil 19551964 4 Para sindicatos e greves operárias ver Lucília de Almeida Neves CGT no Brasil 19611964 Belo Horizonte Vega 1981 5 Para a pluralidade do campo das esquerdas ver Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis Orgs Nacionalismo e reformismo radical 19451964 Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2007 v 2 Jorge Ferreira João Goulart op cit 6 Para reformas de base ver Daniel Aarão Reis Ditadura e democracia no Brasil Do golpe de 1964 à Constituição de 1988 Rio de Janeiro Zahar 2014 Jorge Ferreira João Goulart op cit 7 Para as eleições de 1962 ver Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte Ed UFMG 16 jan 1964 Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit Para Miguel Arraes ver Antonio Torres Montenegro e Taciana Mendonça dos Santos Lutas políticas em Pernambuco A Frente do Recife chega ao poder 19551964 em Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis Orgs Nacionalismo e reformismo radical 19451964 op cit v 2 8 Para o envolvimento de organismos extrapartidários ver Otávio Soares Dulci A UDN e o antipopulismo no Brasil Para o Ibad ver René Armand Dreifuss 1964 A conquista do Estado Petrópolis Vozes 1981 Heloisa Maria Murgel Starling Os senhores das Gerais Os novos inconfidentes e o golpe de 1964 9 Ver Roberto Garcia Castello perdeu a batalha Veja n 444 p 6 9 mar 1977 10 Para a ESG ver Alfred Stepan Os militares na política Rio de Janeiro Artenova 1975 Eliezer R de Oliveira As Forças Armadas Política e ideologia no Brasil 19641969 Petrópolis Vozes 1976 11 Para o Ipes ver René Armand Dreifuss 1964 A conquista do Estado Heloisa Maria Murgel Starling Os senhores das Gerais os novos inconfidentes e o golpe de 1964 Thiago Aguiar de Moraes Entreguemos a empresa ao povo antes que o comunista a entregue ao Estado Os discursos da fração vanguardista da classe empresarial gaúcha na revista Democracia e Empresa do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais do Rio Grande do Sul 19621971 Porto Alegre FFCHPUCRS 2014 Dissertação Mestrado em História Mimeografado 12 Para os filmes produzidos pelo Ipes ver Denise Assis Propaganda e cinema a serviço do golpe 19621964 Rio de Janeiro Mauad Faperj 2001 13 Para os números do plebiscito ver Jorge Ferreira João Goulart op cit p 323 14 Para o apoio a Brizola entre os subalternos das Forças Armadas ver F C Leite Filho El caudillo op cit Ver também Ronaldo Vainfas A luz própria de Leonel Brizola Do trabalhismo getulista ao socialismo moreno em Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis Filho Orgs As esquerdas no Brasil Revolução e democracia Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2007 v 3 15 Citado em Marco Antonio Villa Jango Um perfil 19451964 p 118 Para a solicitação ao Congresso e suas consequências ver Jorge Ferreira João Goulart op cit Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit 16 Para a rebelião dos sargentos ver Almoré Zoch Cavalheiro A legalidade o golpe militar e a rebelião dos sargentos Porto Alegre AGE 2011 17 Para a paralisia decisória ver Wanderley Guilherme dos Santos Sessenta e quatro Anatomia da crise São Paulo Vértice 1986 Para as consequências da radicalização ver José Murilo de Carvalho Fortuna e Virtù no golpe de 1964 em José Murilo de Carvalho Forças Armadas e política no Brasil op cit Para crise econômica e financiamento norteamericano ver Jorge Ferreira João Goulart op cit pp 351 e 376 18 Para o comício da Central do Brasil ver Alberto Dines et al Os idos de março e a queda em abril Rio de Janeiro José Alvaro 1964 Para o discurso de Jango ver Jorge Ferreira João Goulart op cit pp 425 ss 19 Para a mensagem presidencial ver Jorge Ferreira João Goulart op cit Thomas E Skidmore Brasil de Getúlio a Castello op cit 20 Para a Marcha da Família em São Paulo ver Solange de Deus Simões Deus pátria e família As mulheres no golpe de 1964 Petrópolis Vozes 1985 Alberto Dines et al Os idos de março e a queda em abril 21 Citado em Jorge Ferreira João Goulart op cit p 438 22 Para as marchas em todo o país ver Aline Presot Celebrando a Revolução As Marchas da Família com Deus pela Liberdade e o golpe de 1964 em Denise Rollemberg e Samantha Viz Quadrat Orgs A construção social dos regimes autoritários Brasil e América Latina Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2010 v II 23 Para o motim dos marinheiros e suas consequências ver Alberto Dines et al Os idos de março e a queda em abril Elio Gaspari A ditadura envergonhada São Paulo Companhia das Letras 2002 Avelino Bioen Capitani A rebelião dos marinheiros São Paulo Expressão Popular 2005 24 Para o pessoal embarcado ver Anderson da Silva Almeida A grande rebelião Os marinheiros de 1964 por outros faróis em Daniel Aarão Reis Marcelo Ridente e Rodrigo Patto Sá Motta Orgs A ditadura que mudou o Brasil 25 Para a data do golpe ver Heloisa Maria Murgel Starling Os senhores das Gerais Os novos inconfidentes e o golpe de 1964 Para Estados Unidos forçatarefa e Operação Brother Sam ver Phyllis R Parker 1964 O papel dos Estados Unidos no golpe de Estado de 31 de março Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1977 Carlos Fico O grande irmão Da operação Brother Sam aos anos de chumbo O governo dos Estados Unidos e a ditadura militar brasileira Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2008 Flávio Tavares 1964 O golpe Porto Alegre LPM 2014 26 Para a gíria o discurso e seus desdobramentos ver Alberto Dines et al Os idos de março e a queda em abril Elio Gaspari A ditadura envergonhada Jorge Ferreira João Goulart op cit 27 Para Cabo Anselmo ver Marco Aurélio Borba Cabo Anselmo A luta armada ferida por dentro São Paulo Global 1981 Urariano Mota Soledad no Recife São Paulo Boitempo 2009 28 Para a movimentação de Jango entre Rio de Janeiro Brasília Porto Alegre e Montevidéu ver Jorge Ferreira João Goulart op cit Para o plano de resistência de Brizola ver F C Leite Filho El caudillo op cit 29 Para Minas e a quartelada ver Heloisa Maria Murgel Starling Os senhores das Gerais Os novos inconfidentes e o golpe de 1964 Para as justificativas dos protagonistas ver Olympio Mourão Filho Memórias A verdade de um revolucionário Rio de Janeiro LPM 1978 Carlos Luís Guedes Tinha que ser Minas Rio de Janeiro Nova Fronteira 1979 30 Para Juscelino ver Jorge Ferreira João Goulart op cit p 526 31 Para Tancredo Neves e a sessão do Congresso ver Jorge Ferreira João Goulart op cit 32 Para a eleição de Castello Branco ver Lira Neto Castello A marcha para a ditadura São Paulo Contexto 2004 Para o levantamento das punições ver Lúcia Klein e Marcus Figueiredo Legitimidade e coação no Brasil pós64 Rio de Janeiro ForenseUniversitária 1978 Maria Helena Moreira Alves Estado e oposição no Brasil 19641984 Petrópolis Vozes 1984 33 Para a ocupação do Estado pelo Ipes ver René Armand Dreifuss 1964 A conquista do Estado especialmente o cap IX 34 Para os grupos intramilitares ver Maud Chirio A política nos quartéis Revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira Rio de Janeiro Zahar 2012 35 Para as crises ver Carlos Chagas A guerra das estrelas 19641984 Os bastidores das sucessões presidenciais Porto Alegre LPM 1985 36 Para a morte de Castello ver Lira Neto Castello op cit 37 Para o governo Costa e Silva e a crise sucessória ver Carlos Castello Branco Os militares no poder O Ato 5 Rio de Janeiro Nova Fronteira 1978 v II Carlos Chagas A ditadura militar e os golpes dentro do golpe 19641969 Rio de Janeiro Record 2014 38 Para a crise ver Elio Gaspari A ditadura envergonhada especialmente a Introdução Maria Celina DAraujo e Celso Castro Orgs Ernesto Geisel Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 1997 Sylvio Frota Ideais traídos Rio de Janeiro Zahar 2006 39 Para a participação no Ipes ver René Armand Dreifuss 1964 A conquista do Estado 40 Para a declaração de Delfim Netto ver Rafael Cariello O chefe piauí São Paulo n 96 p 23 set 2014 41 Para a declaração de Maílson da Nóbrega ver Rafael Cariello O chefe op cit p 24 42 Para a declaração de Ernane Galvêas ver Rafael Cariello O chefe op cit p 22 43 Para a política econômica do governo Castello ver Francisco Vidal Luna e Herbert S Klein Transformações econômicas no período militar 19641985 em Daniel Aarão Reis Marcelo Ridente e Rodrigo Patto Sá Motta Orgs A ditadura que mudou o Brasil Maria Helena Moreira Alves Estado e oposição no Brasil 19641984 44 Para Contagem ver Edgard Leite Oliveira Conflito social memória e experiência As greves dos metalúrgicos de Contagem em 1968 Belo Horizonte UFMG 2010 Dissertação Mestrado em Educação 45 Para a greve de Osasco ver Marta Gouveia de Oliveira Rovai Osasco 1968 A greve no feminino e no masculino São Paulo USP 2012 Tese Doutorado em História 46 Para o milagre econômico ver Francisco Vidal Luna e Herbert S Klein Transformações econômicas no período militar 19641985 Elio Gaspari A ditadura envergonhada Luiz Carlos Delorme Prado e Fábio Sá Earp O milagre brasileiro Crescimento acelerado integração internacional e concentração de renda 19671973 em Lucilia de Almeida Neves Delgado e Jorge Ferreira Orgs O Brasil republicano O tempo da ditadura Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2007 v 4 Regime militar e movimentos sociais em fins do século XX 47 Para a Aerp ver Carlos Fico Reinventado o otimismo Ditadura propaganda e imaginário social no Brasil Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 1997 Cópias 16 mm dos filmes produzidos pela Aerp podem ser encontradas no Centro de Produção Cultural Decanato de Extensão Universidade de Brasília 48 Para a Transamazônica ver Daniel Drosdoff Linha dura no Brasil O governo Medici 19691974 São Paulo Global 1986 Murilo Melo Filho O milagre brasileiro Rio de Janeiro Bloch 1972 49 Edmar L Bacha e Roberto M Unger Participação salário e voto Um projeto de democracia para o Brasil Rio de Janeiro Paz e Terra 1978 50 Ver Márcio Moreira Alves Tortura e torturados Rio de Janeiro Idade Nova 1966 51 Para a conjuntura política de 1968 e o discurso de Márcio Moreira Alves ver Zuenir Ventura 1968 O ano que não terminou Rio de Janeiro Nova Fronteira 1988 Elio Gaspari A ditadura envergonhada 52 O argumento é de Anthony Pereira Ver Anthony W Pereira Ditadura e repressão O autoritarismo e o estado de direito no Brasil no Chile e na Argentina Rio de Janeiro Paz e Terra 2010 53 Arthur da Costa e Silva et al À nação Ato Institucional 9 abr 1964 In Carlos Fico Além do golpe Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar Rio de Janeiro Record 2004 pp 339 ss 54 Ver Maria Helena Moreira Alves Estado e oposição no Brasil 19641984 Heloisa Starling et al Relatório parcial de pesquisa Instituições e locais associados a graves violações de direitos humanos Brasília Comissão Nacional da Verdade 2014 55 Para os IPMs ver Maud Chirio A política nos quartéis Revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira Maria Helena Moreira Alves Estado e oposição no Brasil 19641984 56 Para os dados ver Lúcia Klein e Marcus Figueiredo Legitimidade e coação no Brasil pós64 Rio de Janeiro ForenseUniversitária 1978 57 Para a Frente Ampla ver Célia Maria Leite Costa A Frente Ampla de oposição ao regime militar em Marieta de Moraes Ferreira Org João Goulart Entre a memória e a história 58 Para Arena ver Lucia Grinberg Partido político ou bode expiatório Um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional Arena 19651979 Rio de Janeiro Mauad X 2009 59 Para o MDB ver Maria Dalva Gil Kinzo Oposição e autoritarismo Gênese e trajetória do MDB São Paulo Idesp Vértice 1988 60 Para o SNI e o sistema de informação e repressão ver René Armand Dreifuss 1964 A conquista do Estado Lucas Figueiredo Ministério do silêncio A história do serviço secreto brasileiro de Washington Luís a Lula 19272005 Rio de Janeiro Record 2005 Carlos Fico Como eles agiam Os subterrâneos da ditadura militar espionagem e polícia política Rio de Janeiro Record 2001 Samantha Viz Quadrat Poder e informação O sistema de inteligência e o regime militar no Brasil Rio de Janeiro UFRJPPGHIS 2000 61 Para Golbery ver Elio Gaspari A ditadura derrotada São Paulo Companhia das Letras 2003 René Armand Dreifuss 1964 A conquista do Estado 62 Para o CIEx ver Claudio Dantas Sequeira O serviço secreto do Itamaraty Série de sete reportagens publicada no Correio Brasiliense entre 23 e 26 de julho de 2007 63 Para Dops e delegacias ver Mariana Joffily O aparato repressivo Da arquitetura ao desmantelamento em Daniel Aarão Reis Marcelo Ridenti e Rodrigo Patto Sá Motta Orgs A ditadura que mudou o Brasil Sobre CIE Cenimar Cisa ver Heloisa Starling Relatório de acompanhamento e avaliação de resultados de consultoria especializada para fornecer subsídios para as atividades de pesquisa da Comissão Nacional da Verdade Brasília Comissão Nacional da Verdade 15 jul 2013 64 Para empresas e reunião com Delfim Netto ver Elio Gaspari A ditadura escancarada pp 62 ss São Paulo Companhia das Letras 2002 Antonio Carlos Fon Tortura A história da repressão política no Brasil São Paulo Global 1979 pp 54 ss Marcelo Godoy A casa da vovó Uma biografia do DOICodi 19691991 o centro de sequestro tortura e morte da ditadura militar São Paulo Alameda 2014 pp 220 e 4123 65 Para a Oban ver Mariana Joffily No centro da engrenagem Os interrogatórios na Operação Bandeirante e no DOI de São Paulo 19691975 São Paulo Edusp 2013 Marcelo Godoy A casa da vovó Uma biografia do DOICodi 19691991 o centro de sequestro tortura e morte da ditadura militar op cit Sobre o CodiDOI ver Ministério do Exército Centro de Operações de Defesa Interna CodiI Ex 1970 dezesseis páginas datilografadas Acervo Projeto República núcleo de pesquisa documentação e memória da UFMG Arquivo Cenimar 66 Para desaparecimentos e centros clandestinos ver Heloisa Starling et al Centros clandestinos de violações de direitos humanos Relatório preliminar de pesquisa Brasília Comissão Nacional da Verdade mar 2014 Para tortura ver Heloisa Starling e Danilo A Marques Tortura em quartéis e instituições militares Relatório preliminar de pesquisa Brasília Comissão Nacional da Verdade maio 2013 Elio Gaspari A ditadura escancarada São Paulo Companhia das Letras 2002 67 Para estudantes ver Maria Ribeiro do Valle 1968 O diálogo é a violência Movimento estudantil e ditadura militar no Brasil São Paulo Ed da Unicamp 2008 68 Citado em Zuenir Ventura 1968 O ano que não terminou p 123 Ver também Mylton Severiano Org A ditadura militar no Brasil A história em cima dos fatos São Paulo Caros Amigos 2007 69 Para a Igreja ver Paulo César Gomes Os bispos católicos e a ditadura militar brasileira A visão da espionagem Rio de Janeiro Record 2014 Kenneth P Serbin Diálogos na sombra Bispos e militares tortura e justiça social na ditadura São Paulo Companhia das Letras 2002 70 Para Lamarca ver Oldack Miranda e Emiliano José Lamarca O capitão da guerrilha São Paulo Global 2004 Judith Lieblich Patarra Iara Reportagem biográfica Rio de Janeiro Rosa dos Tempos 1993 Para as esquerdas revolucionárias ver Marcelo Ridenti e Daniel Aarão Reis Orgs História do marxismo no Brasil Partidos e movimentos após os anos 1960 Campinas Ed da Unicamp 2007 v 6 71 Para Marighella ver Mário Magalhães Marighella O guerrilheiro que incendiou o mundo 72 Para o sequestro ver Silvio DaRin Hércules 56 O sequestro do embaixador americano em 1969 Rio de Janeiro Zahar 2008 Alberto Berquó O sequestro dia a dia Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 73 Para a Guerrilha do Araguaia ver Elio Gaspari A floresta dos homens sem alma em Elio Gaspari A ditadura escancarada São Paulo Companhia das Letras 2002 Leonencio Nossa Mata O major Curió e as guerrilhas no Araguaia São Paulo Companhia das Letras 2012 74 Para camponeses ver Heloisa Starling et al Mortos e desaparecidos na área rural Relatório final de pesquisa Brasília Comissão Nacional da Verdade nov 2013 75 Jader de Figueiredo Correia Relatório Brasília Ministério da Justiça 1967 Acervo Projeto República núcleo de pesquisa documentação e memória da UFMG Arquivo Indígenas 76 Para Calabar ver Ministério do Exército Parecer Calabar o elogio da traição 1973 oito páginas datilografadas Acervo Projeto República núcleo de pesquisa documentação e memória da UFMG Arquivo CIE Lucas Figueiredo 77 Para a censura ver Heloisa Starling e Ana Marília Carneiro Política de censura Relatório preliminar de pesquisa Brasília Comissão Nacional da Verdade jul 2014 78 A expressão é de Michel de Certeau Ver Michel de Certeau A invenção do cotidiano Artes de fazer Petrópolis Vozes 2002 79 Para os Oito do Glória ver José Rubens Siqueira Viver de teatro Uma biografia de Flávio Rangel São Paulo Nova Alexandria 1995 80 Para a vigília ver Zuenir Ventura 1968 O ano que não terminou pp 956 Para teatro ver Yan Michalski O teatro sob pressão Uma frente de resistência Rio de Janeiro Zahar 1985 81 Citado em Claudia Calirman Arte brasileira na ditadura Antonio Manuel Artur Barrio Cildo Meireles Rio de Janeiro Réptil 2013 p 49 82 Para as artes plásticas ver Claudia Calirman Arte brasileira na ditadura Antonio Manuel Artur Barrio Cildo Meireles Paulo Sérgio Duarte Anos 60 Transformações da arte no Brasil Rio de Janeiro Campos Gerais 1998 83 Para canção popular ver Heloisa Maria Murgel Starling Canção popular e direito de resistência no Brasil em Heloisa Maria Murgel Starling Newton Bignotto Leonardo Avritzer Fernando Filgueiras e Juarez Guimarães Orgs Dimensões políticas da Justiça Rio de Janeiro Record 2012 Para a Tropicália ver Christopher Dunn Brutalidade jardim a Tropicália e o surgimento da contracultura brasileira São Paulo Ed Unesp 2009 Para o Clube da Esquina ver Bruno Viveiros Martins Som imaginário A reinvenção das cidades nas canções do Clube da Esquina Belo Horizonte Ed UFMG 2009 Para canção brega ver Paulo César de Araújo Eu não sou cachorro não Música popular cafona e ditadura militar Rio de Janeiro Record 2002 18 NO CAMINHO DA DEMOCRACIA A TRANSIÇÃO PARA O PODER CIVIL E AS AMBIGUIDADES E HERANÇAS DA DITADURA MILITAR 1 Revista Senhor 1987 2 Para o governo Figueiredo ver Alexandre Garcia Nos bastidores da notícia São Paulo Globo 1990 especialmente a segunda parte Saïd Farhat Tempo de gangorra Visão panorâmica do processo políticomilitar no Brasil de 1978 a 1980 São Paulo Tag et Line 2012 Lucas Figueiredo Ministério do silêncio A história do serviço secreto brasileiro de Washington Luís a Lula 19272005 Rio de Janeiro Record 2005 3 Para o projeto dos militares de descompressão do sistema político ver Alfred Stepan Os militares Da abertura à Nova República Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 Brasilio Sallum Jr Labirintos Dos generais à Nova República São Paulo Hucitec 1996 Elio Gaspari A ditadura derrotada op cit Elio Gaspari A ditadura encurralada São Paulo Companhia das Letras 2004 4 Para a anticandidatura de Ulysses Guimarães ver Luiz Gutemberg Moisés Codinome Ulysses Guimarães Uma biografia São Paulo Companhia das Letras 1994 Ver também Maria Dalva Gil Kinzo Oposição e autoritarismo Gênese e trajetória do MDB Ana Beatriz Nader Autênticos do MDB semeadores da democracia História oral de vida política São Paulo Paz e Terra 1998 5 Para Brizola e o PDT ver João Trajano SentoSé Brizolismo Estetização da política e carisma Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 1999 6 Para as exigências ver Alfred Stepan Os militares Da abertura à Nova república Brasilio Sallum Jr Labirintos Dos generais à Nova República 7 Folha de SPaulo São Paulo pp 45 5 abr 1978 Para Golbery ver Luiz Gutemberg Moisés Codinome Ulysses Guimarães Uma biografia 8 Para a crise da economia no governo Geisel ver Francisco Vidal Luna e Herbert Klein Transformações econômicas no período militar 19641985 9 Para o assassinato de Vannucchi e suas consequências ver Caio Túlio Costa Calese A saga de Vannucchi Leme a USP como aldeia gaulesa o show proibido de Gilberto Gil São Paulo Girafa 2003 10 Para d Paulo Evaristo Arns ver Ricardo Carvalho Org O cardeal da resistência As muitas vidas de dom Paulo Evaristo Arns São Paulo Instituto Vladimir Herzog 2013 11 Para o assassinato de Herzog ver Hamilton Almeida Filho A sanguequente A morte do jornalista Vladimir Herzog São Paulo Alfa Omega 1978 Audálio Dantas As duas guerras de Vlado Herzog Da perseguição nazista na Europa à morte sob tortura no Brasil Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2012 Fernando Pacheco Jordão Dossiê Herzog Prisão tortura e morte no Brasil São Paulo Global 2005 12 Ver Elio Gaspari A ditadura encurralada pp 177 e 215 13 Para a ofensiva contra o PCB ver Elio Gaspari A ditadura encurralada Lucas Figueiredo Ministério do silêncio 14 Para d Helder ver Audálio Dantas As duas guerras de Vlado Herzog Da perseguição nazista na Europa à morte sob tortura no Brasil pp 3189 15 Para a aliança das oposições e a defesa das liberdades democráticas como seu núcleo aglutinador ver Mário Sérgio de Moraes O ocaso da ditadura Caso Herzog São Paulo Barcarolla 2006 16 Para as CEBs ver Maria Victoria de Mesquita Benevides Fé na luta A Comissão de Justiça e Paz de São Paulo da ditadura à democratização São Paulo Letteradoc 2009 Marcos Napolitano 1964 História do regime militar brasileiro São Paulo Contexto 2014 17 Para os movimentos de minorias políticas ver Céli Regina Jardim Pinto Uma história do feminismo no Brasil São Paulo Fundação Perseu Abramo 2003 João Silvério Trevisan Devassos no paraíso A homossexualidade no Brasil da Colônia à atualidade Rio de Janeiro Record 2007 Lucy Dias Anos 70 Enquanto corria a barca São Paulo Senac 2001 James Green Mais amor e mais tesão A construção de um movimento brasileiro de gays lésbicas e travestis Cadernos Pagu n 15 pp 271 95 2000 18 Para a imprensa alternativa ver Bernardo Kucinski Jornalistas e revolucionários nos tempos da imprensa alternativa São Paulo Edusp 2003 Maria Paula Nascimento Araujo A utopia fragmentada As novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970 Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 2000 19 Para o movimento estudantil ver Elio Gaspari A ditadura encurralada Caio Túlio Costa Calese A saga de Vannucchi Leme a USP como aldeia gaulesa o show proibido de Gilberto Gil Ver também Paulo Leminski Distraídos venceremos São Paulo Brasiliense 1987 20 Para a contracultura e sua relação com o Brasil ver Ken Goffman e Dan Joy Contracultura através dos tempos Rio de Janeiro Ediouro 2007 Santuza Cambraia Naves e Maria Isabel Mendes de Almeida Orgs Por que não Rupturas e continuidades da contracultura Rio de Janeiro 7Letras 2007 Luiz Carlos Maciel O sol da liberdade Rio de Janeiro Vieira Lent 2014 Lucy Dias Anos 70 Enquanto corria a barca 21 Para os poetas da geração mimeógrafo ver Heloisa Buarque de Hollanda Impressões de viagem CPC vanguarda e desbunde 196070 São Paulo Brasiliense 1980 Para o Nuvem Cigana ver Sérgio Cohn Org Nuvem Cigana Poesia e delírio no Rio dos anos 70 Rio de Janeiro Beco do Azougue 2007 22 Para a Carta aos Brasileiros ver Marcos Napolitano 1964 História do regime militar brasileiro 23 Citado em Cezar Britto O herói da redemocratização Folha de SPaulo São Paulo 17 out 2008 p A3 24 Para a referência a Idi Amin ver Luiz Gutemberg Moisés Codinome Ulysses Guimarães Uma biografia 25 Para o Manifesto do Grupo dos Oito ver Marcos Napolitano 1964 História do regime militar brasileiro 26 Para a greve de 1978 e seus desdobramentos ver Laís Wendel Abramo O resgate da dignidade A greve metalúrgica em São Bernardo em Zilah Abramo e Flamarion Maués Orgs Pela democracia contra o arbítrio A oposição democrática do golpe de 1964 à campanha das Diretas Já São Paulo Fundação Perseu Abramo 2006 Ricardo Antunes A rebeldia do trabalho O confronto operário no ABC paulista As greves de 197880 Campinas Ed da Unicamp 1988 Paulo Markun O sapo e o príncipe Personagens fatos e fábulas do Brasil contemporâneo Rio de Janeiro Objetiva 2004 27 Para o novo sindicalismo ver Ricardo Antunes A rebeldia do trabalho O confronto operário no ABC paulista As greves de 197880 Ricardo Antunes e Marco Aurélio Santana Para onde foi o novo sindicalismo Caminhos e descaminhos de uma prática sindical em Daniel Aarão Reis Marcelo Ridenti e Rodrigo Patto Sá Motta Orgs A ditadura que mudou o Brasil Paulo Markun O sapo e o príncipe Personagens fatos e fábulas do Brasil contemporâneo 28 Para a criação da CUT ver Gelsom Rozentino de Almeida História de uma década quase perdida PT CUT crise e democracia no Brasil 19791989 Rio de Janeiro Garamond 2011 Leôncio Martins Rodrigues CUT Os militantes e a ideologia Rio de Janeiro Paz e Terra 1990 29 Para a criação do PT ver Zilah Abramo e Flamarion Maués Orgs Pela democracia contra o arbítrio A oposição democrática do golpe de 1964 à campanha das Diretas Já Paulo Markun O sapo e o príncipe Personagens fatos e fábulas do Brasil contemporâneo Lincoln Secco História do PT São Paulo Ateliê 2011 30 Citado em Paulo Markun O sapo e o príncipe Personagens fatos e fábulas do Brasil contemporâneo pp 2278 31 Para a morte de Santo Dias ver Maria Victoria de Mesquita Benevides Fé na luta A Comissão de Justiça e Paz de São Paulo da ditadura à democratização 32 Para os dados ver Relatório final Brasília Comissão Nacional da Verdade dez 2014 Brasil Nunca Mais São Paulo Arquidiocese de São Paulo 1985 Direito à verdade e à memória Brasília Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos 2007 Tribunale Bertrand Russel II Roma Fundação Lelio Basso 19746 33 Para Therezinha Zerbini ver Paulo Moreira Leite A mulher que era o general da casa Histórias da resistência civil à ditadura Porto Alegre Arquipélago 2012 34 Para o MFPA os CBAs e a campanha pela anistia ver Zilah Abramo e Flamarion Maués Pela democracia contra o arbítrio A oposição democrática do golpe de 1964 à campanha das Diretas Já Haike R Kleber da Silva Org A luta pela anistia São Paulo Ed Unesp Arquivo Público do Estado de São Paulo Imprensa Oficial 2009 35 Para a Lei da Anistia ver Glenda Mezarobba Anistia de 1979 O que restou da lei forjada pelo arbítrio em Cecília MacDowell Santos Edson Teles e Janaína de Almeida Teles Orgs Desarquivando a ditadura Memória e justiça no Brasil São Paulo Hucitec 2009 v 2 Carlos Fico Maria Paula Araujo e Monica Grin Orgs Violência na história Memória trauma e reparação Rio de Janeiro Ponteio 2012 especialmente as pp 2557 Haike R Kleber da Silva Org A luta pela anistia 36 Para a atuação desses setores ver Maud Chirio A política nos quartéis Revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira 37 Para a declaração de Geisel ver Maria Celina DAraujo e Celso Castro Orgs Ernesto Geisel p 225 38 Para o confronto ver Elio Gaspari A ditadura encurralada 39 Para os números de mortos e denúncias de tortura ver Relatório final Brasília Comissão Nacional da Verdade dez 2014 Brasil Nunca Mais op cit Direito à verdade e à memória Brasília Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos 2007 40 Para as suspeitas ver Anna Lee e Carlos Heitor Cony O beijo da morte Rio de Janeiro Objetiva 2003 Jorge Ferreira João Goulart op cit Para JK ver laudo referente à análise dos elementos materiais produzidos em virtude da morte do expresidente Juscelino Kubitschek de Oliveira e de Geraldo Ribeiro Brasília Comissão Nacional da Verdade 2014 41 Para a escalada terrorista ver Elio Gaspari A ditadura encurralada Lucas Figueiredo Ministério do silêncio Maud Chirio A política nos quartéis Revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira José A Argolo Kátia Ribeiro e Luiz Alberto M Fortunato A direita explosiva no Brasil A história do grupo secreto que aterrorizou o país com suas ações atentados e conspirações Rio de Janeiro Mauad 1996 42 Para Figueiredo ver José Casado 50 anos do golpeRiocentro O Globo Rio de Janeiro Caderno especial pp 25 6 out 2014 43 Para a paralisia do governo Figueiredo ver Alfred Stepan Os militares Da abertura à Nova República Brasilio Sallum Jr Labirintos Dos generais à Nova República 44 Para a Emenda Dante de Oliveira e a campanha das Diretas Já ver Alberto Rodrigues Diretas Já O grito preso na garganta São Paulo Fundação Perseu Abramo 2003 Domingos Leonelli e Dante de Oliveira Diretas Já 15 meses que abalaram a ditadura Rio de Janeiro Record 2004 45 Para os escândalos financeiros ver Alberto Rodrigues Diretas Já O grito preso na garganta 46 Para o escândalo da Proconsult ver Paulo Henrique Amorim e Maria Helena Passos PlimPlim A peleja de Brizola contra a fraude eleitoral São Paulo Conrad 2005 47 Citado em Domingos Leonelli e Dante de Oliveira Diretas Já 15 meses que abalaram a ditadura pp 5189 Sobre as duas candidaturas ver Luiz Gutemberg Moisés Codinome Ulysses Guimarães Uma biografia 48 Para Tancredo ver José Murilo de Carvalho Ouro terra e ferro Marcas de Minas em Heloisa Maria Murgel Starling Gringo Cardia Sandra Regina Goulart Almeida e Bruno Viveiros Martins Orgs Minas Gerais Belo Horizonte Ed UFMG Fapemig 2011 Vera Alice Cardoso Silva e Lucilia de Almeida Neves Delgado Tancredo Neves A trajetória de um liberal Petrópolis Vozes 1985 49 Para a estratégia de Tancredo ver Gilberto Dimenstein et al O complô que elegeu Tancredo Rio de Janeiro Editora JB 1985 Lucas Figueiredo Ministério do silêncio 50 Para o PFL e Maluf ver Eliane Cantanhêde O PFL São Paulo Publifolha 2001 51 Para a Aliança Democrática ver Gilberto Dimenstein et al O complô que elegeu Tancredo Eliane Cantanhêde O PFL Brasilio Sallum Jr Labirintos Dos generais à Nova República 52 Citado em Luiz Gutemberg Moisés Codinome Ulysses Guimarães Uma biografia p 204 53 Para a doença e a morte de Tancredo ver Antônio Britto Assim morreu Tancredo Depoimento a Luís Claudio Cunha Porto Alegre LPM 1985 Lucas Figueiredo Ministério do silêncio 54 Para Ulysses e o PMDB ver Luiz Gutemberg Moisés Codinome Ulysses Guimarães Uma biografia 55 Para Sarney ver Malu Delgado Maranhão 2014 piauí São Paulo n 98 pp 2530 nov 2014 Eliane Cantanhêde O PFL Para o coronelismo contemporâneo ver José Murilo de Carvalho As metamorfoses do coronel Jornal do Brasil Rio de Janeiro p 4 6 maio 2001 56 Para a Assembleia Constituinte e a Constituição de 1988 ver Marcos Emílio Gomes Org A Constituição de 1988 25 anos São Paulo Instituto Vladimir Herzog 2013 José Murilo de Carvalho Cidadania no Brasil op cit Jairo Nicolau Eleições no Brasil Do Império aos dias atuais Adriano Pilatti A Constituinte de 19871988 Progressistas conservadores ordem econômica e regras do jogo Rio de Janeiro Lúmen Júris 2008 57 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaocompiladohtm Acesso em 3 fev 2015 58 Ulysses Guimarães A Constituição Cidadã Discurso pronunciado no Congresso Nacional no dia 5 de outubro de 1988 em Marcos Emílio Gomes Org A Constituição de 1988 25 anos pp 2701 59 Para o peemedebismo ver Marcos Nobre Imobilismo em movimento Da abertura democrática ao governo Dilma São Paulo Companhia das Letras 2013 60 Para o PSDB ver Jales R Marques e David V Fleischer PSDB De facção a partido Brasília Instituto Teotônio Vilela 1999 61 Para Fernando Henrique Cardoso ver Paulo Markun O sapo e o príncipe Personagens fatos e fábulas do Brasil contemporâneo Para o Cebrap ver Flávio Moura e Paula Montero Orgs Retrato de grupo 40 anos do Cebrap São Paulo Cosac Naify 2009 62 Para o Plano Cruzado ver Carlos Alberto Sardenberg Aventura e agonia Nos bastidores do cruzado São Paulo Companhia das Letras 1987 Miriam Leitão Saga brasileira A longa luta de um povo por sua moeda Rio de Janeiro Record 2011 63 Para Collor e a campanha eleitoral ver Mario Sergio Conti Notícias do Planalto A imprensa e o poder nos anos Collor São Paulo Companhia das Letras 2012 Carlos Melo Collor O ator e suas circunstâncias São Paulo Novo Conceito 2007 Paulo Markun O sapo e o príncipe Personagens fatos e fábulas do Brasil contemporâneo 64 Citado em Paulo Markun O sapo e o príncipe Personagens fatos e fábulas do Brasil contemporâneo p 229 65 Para o Plano Collor e suas consequências ver Miriam Leitão Saga brasileira A longa luta de um povo por sua moeda 66 Para a corrupção do governo Collor ver Mario Sergio Conti Notícias do Planalto A imprensa e o poder nos anos Collor Luciano Suassuna e Luís Costa Pinto Os fantasmas da Casa da Dinda São Paulo Contexto 1992 Paulo Markun O sapo e o príncipe Personagens fatos e fábulas do Brasil contemporâneo Para Paulo César Farias ver Lucas Figueiredo Morcegos negros Rio de Janeiro Record 2013 67 Para Ulysses e o impeachment ver Luiz Gutemberg Moisés Codinome Ulysses Guimarães Uma biografia Mario Sergio Conti Notícias do Planalto A imprensa e o poder nos anos Collor 68 Para o governo Itamar ver Ivanir Yazbeck O real Itamar Uma biografia Belo Horizonte Gutemberg 2011 69 Para as chacinas ver Eugenia Paim Márcia Lathmaher e Rosilene Alvim Orgs Uma noite tão comprida Rio de Janeiro 7Letras 2011 Geraldo Lopes O massacre da Candelária Rio de Janeiro Scritta 1994 70 Para o rap ver Wivian Weller Minha voz é tudo o que eu tenho Manifestações juvenis em Berlim e São Paulo Belo Horizonte Ed UFMG 2011 71 Para o Plano Real ver Miriam Leitão Saga brasileira A longa luta de um povo por sua moeda Paulo Markun O sapo e o príncipe Personagens fatos e fábulas do Brasil contemporâneo Luiz Filgueiras História do Plano Real São Paulo Boitempo 2000 CONCLUSÃO HISTÓRIA NÃO É CONTA DE SOMAR 1 O trecho que se segue referente à cartela de direitos é pautado e apoiado no livro de André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz Orgs Cidadania um projeto em construção Minorias justiça e direitos São Paulo Companhia das Letras 2013 Para o tema ver José Murilo de Carvalho Cidadania no Brasil op cit 2 Ver Lynn Hunt A invenção dos direitos humanos Uma história São Paulo Companhia das Letras 2009 3 Marcel Mauss Sociologia e antropologia 4 reimp São Paulo Cosac Naify 2011 4 Roberto Schwarz As ideias fora do lugar In Ao vencedor as batatas op cit 5 Benedict Anderson op cit 6 Ver Marcelo Ridenti Brasilidade revolucionária op cit 7 Maria Helena P T Machado Os caminhos da Abolição Os movimentos sociais e a atuação dos escravos Manuscrito San Francisco Latin American Studies Association 2012 8 Antonio Sérgio Guimarães op cit 9 Para as políticas do governo Lula ver José Murilo de Carvalho Cidadania no Brasil op cit José Maurício Domingues O Brasil entre o presente e o futuro Conjuntura interna e inserção internacional Rio de Janeiro Mauad X 2013 10 Para corrupção ver Heloisa Maria Murgel Starling Newton Bignotto Leonardo Avritzer e Juarez Guimarães Orgs Corrupção Ensaios e críticas Belo Horizonte Ed UFMG 2008 Célia Regina Jardim Pinto A banalidade da corrupção Uma forma de governar o Brasil Belo Horizonte Editora UFMG 2001 11 Para CNV ver Marcos Napolitano 1964 História do regime militar brasileiro op cit Carlos Fico Maria Paula Araujo e Monica Grin Orgs Violência na história Memória trauma e reparação op cit REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS I LIVROS ABRAMO Laís Wendel O resgate da dignidade A greve metalúrgica em São Bernardo In ABRAMO ZilahMAUÉS Flamarion Orgs Pela democracia contra o arbítrio A oposição democrática do golpe de 1964 à campanha das Diretas Já São Paulo Fundação Perseu Abramo 2006 ABREU Alzira Alves LATTMANWELTMAN Fernando Fechando o cerco A imprensa e a crise de agosto de 1954 In GOMES Ângela de Castro Org Vargas e a crise dos anos 50 Rio de Janeiro Ponteio 2011 ABREU Maurício de Almeida Geografia histórica do Rio de Janeiro 15021700 Rio de Janeiro Andrea Jakobsson Estúdio 2010 2 v AGUIAR Cláudio Francisco Julião Uma biografia Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2014 ALBUQUERQUE Wlamyra R de FRAGA FILHO Walter Uma história do negro no Brasil Salvador Centro de Estudos AfroOrientais Brasília Fundação Cultural Palmares 2006 ALCIDES Sérgio Estes penhascos Cláudio Manuel da Costa e a paisagem das Minas São Paulo Hucitec 2003 ALENCAR José de O tronco do ipê São Paulo Ática 1995 ALENCASTRO Luiz Felipe de LEmpire du Bresil In DUVERGER Maurice Org Le Concept dempire Paris Presses Universitaires de France 1980 O trato dos viventes Formação do Brasil no Atlântico Sul Séculos XVI e XVII São Paulo Companhia das Letras 2000 ALENCASTRO Luiz Felipe de NOVAIS Fernando A Orgs História da vida privada no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1997 v 2 Império A corte e a modernidade nacional ALEXANDRE Manuel Valentim Os sentidos do império Questão nacional e questão colonial na crise do Antigo Regime português Porto Afrontamento 1993 ALGRANTI Leila Mezan D João VI Bastidores da Independência Rio de Janeiro Ática 1987 Honradas e devotas Mulheres da colônia Condição feminina nos conventos e recolhimentos do sudeste do Brasil 17501822 Rio de Janeiro José Olympio Brasília Ed UnB 1993 Mulheres enclausuradas no Brasil colonial In HOLANDA Heloisa Buarque de CAPELATO Maria Helena Rolim Orgs Relações de gênero e diversidades culturais nas Américas Rio de Janeiro Expressão Cultural São Paulo Edusp 1999 ALMADA Izaías Teatro de Arena Uma estética de resistência São Paulo Boitempo 2004 ALMEIDA Anderson da Silva A grande rebelião Os marinheiros de 1964 por outros faróis In REIS Daniel Aarão RIDENTE Marcelo MOTTA Rodrigo Patto Sá Orgs A ditadura que mudou o Brasil Rio de Janeiro Zahar 2014 ALMEIDA Gelsom Rozentino de História de uma década quase perdida PT CUT crise e democracia no Brasil 19791989 Rio de Janeiro Garamond 2011 ALMEIDA Lúcia Machado de Passeio a Sabará Belo Horizonte Ed UFMG 2010 Passeio a Ouro Preto Belo Horizonte Ed UFMG 2011 ALMEIDA Roberto Wagner de Entre a cruz e a espada A saga do valente e devasso padre Rolim São Paulo Paz e Terra 2002 ALMEIDA FILHO Hamilton A sanguequente A morte do jornalista Vladimir Herzog São Paulo Alfa Omega 1978 ALONSO Angela Ideias em movimento A geração 1870 na crise BrasilImpério São Paulo Paz e Terra 2002 ALONSO Angela Joaquim Nabuco Os salões e as ruas São Paulo Companhia das Letras 2012 ALVES Caleb Faria Benedito Calixto e a construção do imaginário republicano Bauru Edusc 2003 ALVES Castro Saudação a Palmares In Obra completa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1960 ALVES Márcio Moreira Tortura e torturados Rio de Janeiro Idade Nova 1966 ALVES Maria Helena Moreira Estado e oposição no Brasil 19641984 Petrópolis Vozes 1984 ALVIM Zuleika Imigrantes A vida privada dos pobres do campo In SEVCENKO Nicolau NOVAIS Fernando A Org História da vida privada no Brasil São Paulo Companhia das Letras 2001 v 3 República Da Belle Époque à era do rádio ALZUGUIR Rodrigo Wilson Batista O samba foi sua glória Rio de Janeiro Casa da Palavra 2013 AMADO Gilberto Depois da política Rio de Janeiro José Olympio 1968 AMARAL Bráz Hermenegildo do A conspiração republicana da Bahia de 1798 In Fatos da vida do Brasil Salvador Tipografia Naval 1941 AMARAL Bráz Hermenegildo do ACCIOLI Ignácio Memória histórica e política da província da Bahia Salvador Imprensa Oficial do Estado 1931 v 3 AMORIM Paulo Henrique PASSOS Maria Helena PlimPlim A peleja de Brizola contra a fraude eleitoral São Paulo Conrad 2005 ANASTASIA Carla Maria Junho Vassalos rebeldes Violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII Belo Horizonte Editora CArte 1998 De Drummond a Rodrigues Venturas e desventuras dos brasileiros no governo JK In MIRANDA Wander Melo Org Anos JK Margens da modernidade São Paulo Imprensa Oficial do Estado Rio de Janeiro Casa de Lúcio Costa 2002 A geografia do crime Violência nas Minas setecentistas Belo Horizonte Ed UFMG 2005 ANDERSON Benedict Comunidades imaginadas Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo São Paulo Companhia das Letras 2008 ANDRADE Carlos Drummond de Canto mineral In Poesia completa e prosa Rio de Janeiro Nova Aguilar 1988 ANDRADE Francisco Eduardo de A invenção das Minas Gerais Empresas descobrimentos e entradas nos sertões do ouro da América portuguesa Belo Horizonte Autêntica Ed PUC Minas 2008 ANDRADE Mário de O turista aprendiz São Paulo Duas Cidades 1976 Macunaíma O herói sem nenhum caráter Brasília CNPq 1988 ANDRADE Oswald de Marco zero A revolução melancólica Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1978 ANTONIL André João Copia do papel que o sr dom Joam de Lancastro fez sobre a recadaçam dos quintos do ouro das minas que se descobrirão neste Brazil na era de 1701 Bahia 12 janeiro 1701 In Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas Texte de lédition de 1711 traduction française et commentaire critique par Andrée Mansuy Paris Institut des Hautes Études de lAmérique Latine 1965 Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas 3 ed Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1982 ANTUNES Ricardo A rebeldia do trabalho O confronto operário no ABC paulista As greves de 197880 Campinas Ed da Unicamp 1988 ANTUNES Ricardo SANTANA Marco Aurélio Para onde foi o novo sindicalismo Caminhos e descaminhos de uma prática sindical In REIS Daniel Aarão RIDENTE Marcelo MOTTA Rodrigo Patto Sá Orgs A ditadura que mudou o Brasil Rio de Janeiro Zahar 2014 ARAÚJO Ana Cristina Bartolomeu de As invasões francesas e a afirmação das ideias liberais In MATTOSO José Org História de Portugal Lisboa Estampa 19 v V O liberalismo 18071890 ARAÚJO Brás José de A política externa do governo Jânio Quadros Rio de Janeiro Graal 1981 ARAÚJO Emanuel O teatro dos vícios Transgressão e transigência na sociedade urbana colonial Rio de Janeiro José Olympio 2008 ARAÚJO Maria Paula Nascimento A utopia fragmentada As novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970 Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 2000 ARAÚJO Paulo César de Eu não sou cachorro não Música popular cafona e ditadura militar Rio de Janeiro Record 2002 ARENDT Hannah Homens em tempos sombrios São Paulo Companhia das Letras 1988 Origens do totalitarismo Antisemitismo imperialismo totalitarismo São Paulo Companhia das Letras 1989 ARGOLO José A RIBEIRO Kátia FORTUNATO Luiz Alberto Machado A direita explosiva no Brasil A história do grupo secreto que aterrorizou o país com suas ações atentados e conspirações Rio de Janeiro Mauad 1996 ARMITAGE João História do Brasil Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1981 ARNT Ricardo Jânio 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CARDIA Gringo ALMEIDA Sandra Regina Goulart MARTINS Bruno Viveiros Orgs Minas Gerais Belo Horizonte Ed UFMG Fapemig 2011 BENCI Jorge Economia christaã dos senhores no governo dos escravos Roma Antonio de Rossi 1705 BENEVIDES Maria Victoria de Mesquita O governo Kubitschek Desenvolvimento econômico e estabilidade política Rio de Janeiro Paz e Terra 1976 A UDN e o udenismo Ambiguidades do liberalismo brasileiro 19451965 Rio de Janeiro Paz e Terra 1981 Fé na luta A Comissão de Justiça e Paz de São Paulo da ditadura à democratização São Paulo Letteradoc 2009 BENZAQUEN Ricardo Guerra e paz Casagrande senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30 São Paulo Ed 34 1994 BERQUÓ Alberto O sequestro dia a dia Rio de Janeiro Nova Fronteira 1997 BESOUCHET Lídia Pedro II e o século XIX 2 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 1993 BETHENCOURT Francisco Racisms From the Crusades to the Twentieth Century Princeton Princeton University Press 2013 BILAC Olavo O caçador de esmeraldas In Obra reunida Rio de 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Entre céu e terra Paris União Latina Petit Palais 1999 BRETAS Rodrigo José Ferreira Traços biográficos relativos ao finado Antônio Francisco Lisboa distinto escultor mineiro mais conhecido pelo apelido de Aleijadinho Belo Horizonte Ed UFMG 2013 BRITTO Antônio Assim morreu Tancredo Depoimento a Luís Claudio Cunha Porto Alegre LPM 1985 BROCA Brito A vida literária no Brasil 1900 5 ed Rio de Janeiro José Olympio 2005 BURGI Sergio curador O estúdio fotográfico Chico Albuquerque Retrato publicidade indústria arquitetura e documentação urbana 19471975 São Paulo Instituto Moreira Salles Museu da Imagem e do Som 2013 BURTON Richard Francis Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1976 CALDEIRA Jorge Mauá Empresário do Império São Paulo Companhia das Letras 1995 CALIRMAN Claudia Arte brasileira na ditadura Antonio Manuel Arthur Barrio Cildo Meireles Rio de Janeiro Réptil 2013 CALMON Pedro O rei filósofo A vida de d Pedro II São Paulo Companhia Editora 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CANTANHÊDE Eliane O PFL São Paulo Publifolha 2001 CAPELATO Maria Helena O movimento de 1932 A causa paulista São Paulo Brasiliense 1981 CAPITANI Avelino Bioen A rebelião dos marinheiros São Paulo Expressão Popular 2005 CARDOSO Ciro Flamarion A AfroAmérica A escravidão no novo mundo 2 ed São Paulo Brasiliense 1984 CARDOSO Fernando Henrique Dos governos militares a PrudenteCampos Sales In FAUSTO Boris Org História geral da civilização brasileira São Paulo Difel 1977 tomo III O Brasil republicano v 1 Estrutura de poder e economia 18891930 CARDOSO Miriam Limoeiro Ideologia do desenvolvimento Brasil JKJQ Rio de Janeiro Paz e Terra 1977 CARNEIRO Edison O quilombo de Palmares São Paulo Nacional 1988 CARRARA Angelo Alves Minas e currais Produção rural e mercado interno de Minas Gerais 16741807 Juiz de Fora Ed UFJF 2007 CARRÈRE JosephBarthélemyFrançois Panorama de Lisboa no ano de 1796 Lisboa Biblioteca Nacional Secretaria do Estado da Cultura 1989 CARVALHO Ana Emília de MARTINS Bruno Viveiros 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Cerqueira Reminiscências da campanha do Paraguai 18651870 Rio de Janeiro Biblioteca do Exército 1979 CERTEAU Michel de A invenção do cotidiano Artes de fazer Petrópolis Vozes 2002 CHAGAS Carlos A guerra das estrelas 19641984 Os bastidores das sucessões presidenciais Porto Alegre LPM 1985 CHAGAS Carlos A ditadura militar e os golpes dentro do golpe 19641969 Rio de Janeiro Record 2014 CHALHOUB Sidney Visões da liberdade Uma história das últimas décadas da escravidão na corte São Paulo Companhia das Letras 1990 Cidade febril Cortiços e epidemias na corte imperial São Paulo Companhia das Letras 1996 A força da escravidão Ilegalidade e costume no Brasil oitocentista São Paulo Companhia das Letras 2012 CHASSANG Joaquín Gil Aléxis Historia de la novela y de sus relaciones con la antigüedad griega y latina Buenos Aires Poseidon 1948 CHAUI Marilena Apontamentos para uma crítica da Ação Integralista Brasileira In ROCHA André Org Escritos de Marilena Chaui Manifestações ideológicas do autoritarismo brasileiro Belo Horizonte Autêntica São Paulo Fundação Perseu Abramo 2013 v 2 CHILCOTE Ronald H O Partido Comunista Brasileiro Conflito e integração 19221972 Rio de Janeiro Graal 1982 CHIRIO Maud A política nos quartéis Revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira Rio de Janeiro Zahar 2012 CLASTRES Pierre A sociedade contra o Estado Pesquisas de antropologia política Rio de Janeiro Francisco Alves 1978 COARACY Vivaldo O Rio de Janeiro no século XVII Rio de Janeiro José Olympio 1965 COHN Sérgio Org Nuvem Cigana Poesia e delírio no Rio dos anos 70 Rio de Janeiro Beco do Azougue 2007 COLI Jorge Primeira missa e invenção da descoberta In NOVAES Adauto Org A descoberta do homem e do mundo São Paulo Companhia das Letras 1998 CONTI Mario Sergio Notícias do Planalto A imprensa e o poder nos anos Collor 2 ed São Paulo Companhia das Letras 2012 CONY Carlos Heitor Quem matou Vargas 1954 uma tragédia brasileira São Paulo Planeta 2004 CORTESÃO Jaime A fundação de São Paulo capital geográfica do Brasil Rio de Janeiro Livros de Portugal 1955 Introdução à história das bandeiras Lisboa Portugália 1964 v 1 COSTA Angela Marques da SCHWARCZ Lilia Moritz 18901914 No tempo das certezas São Paulo Companhia das Letras 2000 COSTA Angela Marques da AZEVEDO Paulo Cezar SCHWARCZ Lilia Moritz A longa viagem da biblioteca dos reis Do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil São Paulo Companhia das Letras 2002 COSTA Caio Túlio Calese A saga de Vannucchi Leme a USP como aldeia gaulesa o show proibido de Gilberto Gil São Paulo Girafa 2003 COSTA Célia Maria Leite A Frente Ampla de oposição ao regime militar In FERREIRA Marieta de Moraes Org João Goulart Entre a memória e a história Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 2006 COSTA Cláudio Manuel da Vila Rica In PROENÇA FILHO Domício Org A poesia dos inconfidentes Poesia completa de Cláudio Manuel da Costa Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto Rio de Janeiro Nova Aguilar 1996 COUTINHO Milson A revolta de Bequimão São Luís Geia 2004 COUTO José Vieira Memória sobre a capitania das Minas Gerais Seu território clima e produções metálicas Ed crítica de Júnia Ferreira Furtado Belo Horizonte Fundação João Pinheiro 1994 CRULS Gastão Aparência do Rio de Janeiro Notícia histórica e descritiva da cidade Rio de Janeiro José Olympio 1952 v 1 CUNHA Euclides da Os sertões Campanha de Canudos Ed Didática Cotejo e estabelecimento de texto de Hercílio Ângelo Coord de Alfredo Bosi São Paulo Cultrix Brasília Instituto Nacional do Livro 1973 Da independência à República In À margem da história Porto Lello e Irmão 1926 CUNHA Manuela Carneiro da Org História dos índios no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1992 Índios no Brasil História direitos e cidadania São Paulo Claro Enigma 2013 CUNHA Pedro Penner da Sob fogo Portugal e Espanha entre 1800 e 1820 Lisboa Horizonte 1988 DAMASCENO Darcy Org Martins Pena Comédias São Paulo Ediouro 1968 DAMATTA Roberto Carnavais malandros e heróis Para uma sociologia do dilema brasileiro Rio de Janeiro Zahar 1979 Relativizando Uma introdução à antropologia social Petrópolis Vozes 1981 O que faz o brasil Brasil Rio de Janeiro Rocco 1984 DANTAS Audálio As duas guerras de Vlado Herzog Da perseguição nazista na Europa à morte sob tortura no Brasil Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2012 DARAUJO Maria Celina CASTRO Celso Orgs Ernesto Geisel Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 1997 DARIN Silvio Hércules 56 O sequestro do embaixador americano em 1969 Rio de Janeiro Zahar 2008 DEBRET Jean Baptiste Voyage pittoresque et historique au Brésil Paris F Didot Fréres 1835 DELGADO Lucilia de Almeida Neves PTB Do getulismo ao reformismo São Paulo Marco Zero 1989 DELGADO Lucilia de Almeida Neves FERREIRA Jorge Orgs O Brasil republicano O tempo da experiência democrática Da democratização de 1945 ao golpe civilmilitar de 1964 Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2008 v 3 DELUMEAU Jean História do medo no Ocidente 13001800 São Paulo Companhia das Letras 1989 DENIS Ferdinand Une Fête Brésilienne célébrée à Rouen en 1550 Paris Techener Librarie 1850 DIAS Claudete Maria Miranda Balaios e bemtevis A guerrilha sertaneja 2 ed Teresina Instituto Dom Barreto 2002 DIAS Everardo História das lutas sociais no Brasil São Paulo Alfa Omega 1977 DIAS Gonçalves Poesias completas 2 ed São Paulo Saraiva 1957 DIAS Lucy Anos 70 Enquanto corria a barca São Paulo Senac 2001 DIAS Maria Odila Leite da Silva A interiorização da metrópole 18081853 In MOTA Carlos Guilherme 1822 Dimensões 2 ed São Paulo Perspectiva 1985 Quotidiano e poder emSão Paulo no século XIX 2 ed São Paulo Brasiliense 1995 A interiorização da metrópole e outros estudos São Paulo Alameda 2005 DIEGUES JUNIOR Manuel O engenho de açúcar no Nordeste Rio de Janeiro Ministério da Agricultura Serviço de Informação Agrícola 1952 DIMENSTEIN Gilberto et al O complô que elegeu Tancredo Rio de Janeiro JB 1985 DINES Alberto et al Os idos de março e a queda em abril Rio de Janeiro José Alvaro 1964 D LEOPOLDINA Cartas de uma imperatriz São Paulo Estação Liberdade 2006 DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial Origens do federalismo no Brasil São Paulo Globo 2005 DOMINGUES José Maurício O Brasil entre o presente e o futuro Conjuntura interna e inserção internacional Rio de Janeiro Mauad X 2013 DORATIOTO Francisco Fernando Monteoliva O conflito com o Paraguai A grande guerra do Brasil São Paulo Ática 1996 Maldita guerra Nova história da Guerra do Paraguai São Paulo Companhia das Letras 2002 DREIFUSS René Armand 1964 A conquista do Estado Petrópolis Vozes 1981 DROSDOFF Daniel Linha dura no Brasil O governo Médici 19691974 São Paulo Global 1986 DUARTE Paulo Sérgio Anos 60 Transformações da arte no Brasil Rio de Janeiro Campos Gerais 1998 DULLES John W Foster Anarquistas e comunistas no Brasil 19001935 Rio de Janeiro Nova Fronteira 1977 DUNN Christopher Brutalidade jardim A Tropicália e o surgimento da contracultura brasileira São Paulo Ed Unesp 2009 EDMUNDO Luís A corte de d João no Rio de Janeiro 18081821 Rio de Janeiro Conquista 1939 v 1 Recordações do Rio Antigo Rio de Janeiro Conquista 1956 O Rio de Janeiro no tempo dos vicereis Brasília Senado Federal 2000 EL FAR Alessandra A encenação da imortalidade Uma análise da Academia Brasileira de Letras nos primeiros anos da República 18971924 Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 2000 ELIAS Norbert A sociedade da corte Investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte Rio de Janeiro Zahar 2001 ELTIS David RICHARDSON David Atlas of the Transatlantic Slave Trade New Haven Londres Yale University Press 2010 ESPARTEIRO Antônio Marques CALMON Pedro ALBUQUERQUE Antônio Luiz Porto e Transmigração da família real para o Brasil In CALMON Pedro et al História naval brasileira Rio de Janeiro Ministério da Marinha 1979 tomo II v 2 FAORO Raimundo Os donos do poder Formação do patronato político brasileiro São Paulo Globo 1991 2 v FARHAT Saïd Tempo de gangorra Visão panorâmica do processo políticomilitar no Brasil de 1978 a 1980 São Paulo Tag et Line 2012 FARO Clovis de SILVA Salomão L Quadros da A década de 50 e o Programa de Metas In GOMES Ângela de Castro Org O Brasil de JK Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 1991 FASSIN Didier La Force de lordre Une Anthropologie de la police des quartiers Paris Seuil 2012 FAUSTO Boris Trabalho urbano e conflito social Rio de Janeiro Difel 1977 Expansão do café e política cafeeira In Org História geral da civilização brasileira Rio de Janeiro Difel 1978 tomo III O Brasil republicano v 1 Estrutura de poder e economia 18891930 A Revolução de 1930 História e historiografia São Paulo Brasiliense 1994 História do Brasil 4 ed São Paulo Edusp 1996 Org Fazer a América São Paulo Edusp 1999 História concisa do Brasil São Paulo Edusp 2001 Getúlio Vargas São Paulo Companhia das Letras 2006 FAUSTO Carlos Os índios antes do Brasil Rio de Janeiro Zahar 2000 FERLINI Vera Lúcia Amaral A civilização do açúcar Séculos XVI a XVIII São Paulo Brasiliense 1984 Açúcar e colonização Organização social no Brasil Colônia São Paulo Alameda 2008 FERREIRA Jorge Prisioneiros do mito Cultura e imaginário político dos comunistas no Brasil 19301956 Rio de Janeiro Ed da UFF Niterói Mauad 2002 O imaginário trabalhista Getulismo PTB e cultura política popular 19451964 Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2005 João Goulart Uma biografia Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2011 FERREIRA Jorge GOMES Ângela de Castro 1964 O golpe que derrubou um presidente pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2014 FERREIRA Jorge REIS Daniel Aarão Orgs Nacionalismo e reformismo radical 1945 1964 Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2007 v 2 As esquerdas no Brasil FERREIRA Marieta de Moraes PINTO Surama Conde Sá A crise dos anos 1920 e a Revolução de 1930 In DELGADO Lucilia de Almeida Neves FERREIRA Jorge Orgs O Brasil republicano O tempo do liberalismo excludente Da proclamação da República à Revolução de 1930 Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2007 v 1 FERREIRA Suzana Cinema carioca nos anos 30 e 40 Os filmes musicais nas telas da cidade São Paulo Annablume 2003 FICO Carlos Reinventado o otimismo Ditadura propaganda e imaginário social no Brasil Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 1997 Como eles agiam Os subterrâneos da ditadura militar Espionagem e polícia política Rio de Janeiro Record 2001 O grande irmão Da operação Brother Sam aos anos de chumbo O governo dos Estados Unidos e a ditadura militar brasileira Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2008 FICO Carlos ARAUJO Maria Paula GRIN Monica Orgs Violência na história Memória trauma e reparação Rio de Janeiro Ponteio 2012 FIGUEIREDO Afonso Celso de Assis Oito annos de parlamento Poder pessoal de d Pedro II São Paulo Melhoramentos 1928 FIGUEIREDO Argelina Cheibub Democracia ou reformas Alternativas democráticas à crise política 19411964 São Paulo Paz e Terra 1993 FIGUEIREDO Lucas Ministério do silêncio A história do serviço secreto brasileiro de Washington Luís a Lula 19272005 Rio de Janeiro Record 2005 Boa ventura A corrida do ouro no Brasil 16971810 A cobiça que forjou um país sustentou Portugal e inflamou o mundo 5 ed Rio de Janeiro Record 2011 Morcegos negros Rio de Janeiro Record 2013 FIGUEIREDO Luciano Rebeliões no Brasil Colônia Rio de Janeiro Zahar 2005 FILGUEIRAS Luiz História do Plano Real São Paulo Boitempo 2000 FLORENTINO Manolo Em costas negras Uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro São Paulo Companhia das Letras 1997 Org Tráfico cativeiro e liberdade Rio de Janeiro séculos XVIIXIX Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2005 FLORENTINO Manolo GÓES José Roberto A paz das senzalas Famílias escravas e trafico atlântico Rio de Janeiro c 1790c 1850 Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1997 FLORENTINO Manolo MACHADO Cacilda Orgs Ensaios sobre a escravidão Belo Horizonte Ed UFMG 2003 v I FON Antonio Carlos Tortura A história da repressão política no Brasil São Paulo Global 1979 FONSECA Cláudia Damasceno Arraiais e vilas del Rei Espaço e poder nas Minas setecentistas Belo Horizonte Ed UFMG 2011 FONSECA Rubem Agosto São Paulo Companhia das Letras 1990 FRANÇA Jean Marcel Carvalho FERREIRA Ricardo Alexandre Três vezes Zumbi A construção de um herói brasileiro São Paulo Três Estrelas 2012 FRANÇA Jean Marcel Carvalho HUE Sheila Piratas no Brasil As incríveis histórias dos ladrões dos mares que pilharam nosso litoral São Paulo Globo 2014 FRANCO Afonso Arinos de Melo A câmara dos deputados Síntese histórica Brasília Centro de Documentação e Informação 1978 FREI Norbert LÉtat Hitlérien et la société allemande 19331945 Paris Seuil 1994 FREIRE Américo CASTRO Celso As bases republicanas dos Estados Unidos do Brasil In GOMES Ângela de Castro PANDOLFI Dulce ALBERTI Verena Orgs A República no Brasil Rio de Janeiro Nova Fronteira CPDOCFGV 2002 FREITAS Artur Arte de guerrilha Vanguarda e conceitualismo no Brasil São Paulo Edusp 2013 FREITAS Benedicto Santa Cruz fazenda jesuítica real e imperial Rio de Janeiro sn 19857 3 v FREITAS Décio Palmares A guerra dos escravos 5 ed reescr rev e ampl Porto Alegre Mercado Aberto 1984 FREYRE Gilberto Casagrande senzala Rio de Janeiro Maia Schmidt José Olympio 1933 O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX Tentativa de interpretação antropológica através de anúncios de jornais brasileiros do século XIX de característicos de personalidade e de formas de corpo de negros ou mestiços fugidos ou expostos à venda como escravos no Brasil do século passado 2 ed São Paulo Companhia Editora Nacional Recife Fundaj 1979 Casagrande senzala 21 ed Rio de Janeiro José Olympio 1981 Açúcar Uma sociologia do doce com receitas de bolos e doces do Nordeste do Brasil São Paulo Companhia das Letras 1987 O perfil de Euclides da Cunha e outros perfis 2 ed aum Rio de Janeiro Record 1987 Sobrados e mucambos Decadência do patriarcado rural no Brasil 8 ed Rio de Janeiro Record 1990 FRIEIRO Eduardo Feijão angu e couve Belo Horizonte Imprensa 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Brasil Belo Horizonte Ed UFMG 2012 O mapa que inventou o Brasil Rio de Janeiro Versal 2013 GAFFAREL Paul Louis Jacques Histoire du Brésil français au seizième siècle Paris Maison Neuve 1878 GALVÃO Maria Rita Burguesia e cinema O caso Vera Cruz Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1981 GALVÃO Walnice Nogueira Correspondência de Euclides da Cunha São Paulo Edusp 1997 GAMA Lélia Vidal Gomes da Elvira Komel Uma estrela riscou o céu Belo Horizonte Imprensa Oficial do Estado 1987 GÂNDAVO Pero de Magalhães Tratado da terra História do Brasil Org de Leonardo Dantas Silva Recife Fundação Joaquim Nabuco Massangana 1995 GARCIA Alexandre Nos bastidores da notícia São Paulo Globo 1990 GARCIA Lúcia Para uma história da belle époque A coleção de cardápios de Olavo Bilac Rio de Janeiro Academia Brasileira de Letras São Paulo Imprensa Oficial 2011 GARCIA Walter Bim Bom A contradição sem conflitos de João Gilberto São Paulo Paz e Terra 1999 GASPARI Elio A ditadura envergonhada São Paulo Companhia das 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Herbert S O escravismo no Brasil São Paulo Edusp Imesp 2010 Transformações econômicas no período militar 19641985 In REIS Daniel Aarão RIDENTE Marcelo MOTTA Rodrigo Patto Sá Orgs A ditadura que mudou o Brasil Rio de Janeiro Zahar 2014 LUSTOSA Isabel Insultos impressos A guerra dos jornalistas na Independência São Paulo Companhia das Letras 2000 D Pedro I Um herói sem nenhum caráter São Paulo Companhia das Letras 2006 Histórias de presidentes A República no Catete 18971960 Rio de Janeiro Agir 2008 LYRA Heitor História de d Pedro II Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1977 3 v 1 ed São Paulo Companhia Editora Nacional 193840 MACEDO Michelle Reis de O movimento queremista e a democratização de 1945 Rio de Janeiro 7Letras 2013 MACHADO Maria Helena P Toledo Teremos grandes desastres se não houver providências enérgicas e imediatas a rebeldia dos escravos e a Abolição da escravidão In GRINBERG Keila SALLES Ricardo Orgs O Brasil imperial Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2009 v 3 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política presidencial In GOMES Ângela de Castro Org O Brasil de JK Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 1991 MARANHÃO Ricardo O governo Juscelino Kubitschek São Paulo Brasiliense 1984 MARKUN Paulo O sapo e o príncipe Personagens fatos e fábulas do Brasil contemporâneo Rio de Janeiro Objetiva 2004 MARKUN Paulo HAMILTON Duda 1961 O Brasil entre a ditadura e a guerra civil São Paulo Benvirá 2011 MARQUES Jales R FLEISCHER David V Fleischer PSDB De facção a partido Brasília Instituto Teotônio Vilela 1999 MARTINS Bruno Viveiros Som imaginário A reinvenção das cidades nas canções do Clube da Esquina Belo Horizonte Ed UFMG 2009 MARTINS Francisco José da Rocha A Independência do Brasil No rumor duma epopeia o levedar duma nação forte Lisboa Lumen 1922 Seção de Obras Gerais da Biblioteca Nacional 294 5 17 MARTINS Franklin Quem inventou o Brasil Rio de Janeiro Nova Fronteira No prelo MARTINS Oliveira D João VI no Brasil Brasília Fundação Projeto Rondon 1987 MATOS Cláudia Acertei no milhar Samba e malandragem no tempo de Getúlio Rio de Janeiro Paz e Terra 1982 MATTOS Cláudia Valladão de Independência ou morte O quadro a academia e o projeto nacionalista do Império In OLIVEIRA Cecília Helena Sales de MATTOS Cláudia Valladão de Orgs O brado do Ipiranga São Paulo Edusp 1999 MATTOS Gregório de Preceito 1 In Obra poética completa Rio de Janeiro Record 1984 MATTOS Hebe Raça e cidadania no crepúsculo da modernidade escravista no Brasil In GRINBERG Keila SALLES Ricardo Orgs O Brasil imperial Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2009 v 3 18701889 Das cores do silêncio 3 ed Campinas Ed da Unicamp 2013 MATTOS Hebe et al Orgs Histórias do pósAbolição no mundo Atlântico Cultura relações raciais e cidadania Niterói Ed da UFF 2014 3 v MATTOS Ilmar Rohloff de O tempo saquarema São Paulo Hucitec MinC PróMemória Instituto Nacional do Livro 1987 O gigante e o espelho In GRINBERG Keila SALLES Ricardo Orgs O Brasil imperial Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2009 v II 18311870 MATTOSO Kátia de Queirós Presença francesa no movimento democrático baiano de 1798 Salvador Itapuã 1969 Ser escravo no Brasil São Paulo Brasiliense 1982 MATTOSO Kátia de Queirós Bahia 1789 Os panfletos revolucionários Proposta de uma nova leitura In COGGIOLA Osvaldo A Revolução Francesa e seu impacto na América Latina São Paulo Nova Stella Edusp 1990 MAUSS Marcel Sociologia e antropologia 4 reimp São Paulo Cosac Naify 2011 MÁXIMO João DIDIER Carlos Noel Rosa Uma biografia Brasília Ed UnB Linha Gráfica 1990 MAXWELL Kenneth A Inconfidência Mineira Dimensões internacionais In Chocolate piratas e outros malandros Ensaios tropicais São Paulo Paz e Terra 1999 A devassa da devassa A Inconfidência Mineira BrasilPortugal 17501808 São Paulo Paz e Terra 2009 MCCAN Frank D Soldados da pátria História do Exército brasileiro 18891937 São Paulo Companhia das Letras 2007 MEDEIROS Leonilde Servolo de Reforma agrária no Brasil História e atualidade da luta pela terra São Paulo Fundação Perseu Abramo 2003 MEIRELLES Domingos As noites das grandes fogueiras Uma história da Coluna Prestes Rio de Janeiro Record 1995 1930 Os órfãos da Revolução Rio de Janeiro Record 2005 MELLO Carl E H Vieira de O Rio de Janeiro no Brasil quinhentista São Paulo Giordano 1996 MELLO Evaldo Cabral de A fronda dos mazombos Nobres contra mascates Pernambuco 16661715 São Paulo Ed 34 2003 O negócio do Brasil Portugal os Países Baixos e o Nordeste 16411669 Rio de Janeiro Topbooks 2003 A outra independência O federalismo republicano de 1817 a 1824 São Paulo Ed 34 2004 Rubro veio O imaginário da restauração pernambucana Rio de Janeiro Topbooks 2005 Nassau Governador do Brasil holandês São Paulo Companhia das Letras 2006 O Brasil holandês São Paulo Companhia das Letras 2010 MELLO José Antônio Gonsalves de Tempo dos flamengos Influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil São Paulo José Olympio 1947 MELLO José Soares de Emboabas Crônica de uma revolução nativista Documentos inéditos São Paulo São Paulo Editora 1929 MELO Carlos Collor O ator e suas circunstâncias São Paulo Novo Conceito 2007 MELO Hildete Pereira de OLIVEIRA Adilson de ARAÚJO João Lizardo de O sonho nacional Petróleo e eletricidade 195494 In GOMES Ângela de Castro Org Vargas e a crise dos anos 50 Rio de Janeiro Ponteio 2011 MELO FILHO Murilo Melo O milagre brasileiro Rio de Janeiro Bloch 1972 MEZAROBBA Glenda Anistia de 1979 O que restou da lei forjada pelo arbítrio In SANTOS Cecília MacDowell TELES Edson Teles ALMEIDA Janaína de Orgs Desarquivando a ditadura Memória e justiça no Brasil São Paulo Hucitec 2009 v 2 MICELI Paulo O ponto onde estamos Viagens e viajantes na história da expansão e da conquista Campinas Ed da Unicamp 2008 MICELI Sérgio Intelectuais à brasileira São Paulo Companhia das Letras 2001 MICHALSKI Yan O teatro sob pressão Uma frente de resistência Rio de Janeiro Zahar 1985 MINTZ Sidney Sweetness and Power The Place of Sugar in Modern History Nova York Penguin 1985 MINTZ Sidney PRICE Richard O nascimento da cultura afroamericana Uma perspectiva antropológica Rio de Janeiro Pallas Centro de Estudos AfroBrasileiros 2003 MIRANDA Oldack JOSÉ Emiliano Lamarca O capitão da guerrilha São Paulo Global 2004 MIRANDA Wander Melo Graciliano Ramos São Paulo Publifolha 2004 MOISÉS Beatriz Perrone Índios livres e índios escravos In CUNHA Manuela Carneiro da História dos índios no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1992 MÔNACO Maria Janotti de Lourdes A Balaiada São Paulo Brasiliense 1987 MONIZBANDEIRA Luiz Alberto O governo João Goulart e as lutas sociais no Brasil 1961 1964 Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1978 O expansionismo brasileiro e a formação dos Estados na Bacia do Prata Brasília UnB São Paulo Ensaio 1995 MONTAIGNE Os canibais Ensaios Trad de Sérgio Milliet São Paulo Abril Cultural 1972 MONTEIRO Douglas Um confronto entre Juazeiro Canudos e Contestado In FAUSTO Boris Org História geral da civilização brasileira Rio de Janeiro Difel 1978 tomo III O Brasil republicano v 2 Sociedade e instituições 18891930 MONTEIRO John Manuel Negros da terra Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo São Paulo Companhia das Letras 1994 MONTEIRO Pedro Meira EUGÊNIO João Kennedy Orgs Sérgio Buarque de Holanda Perspectivas Campinas Ed da Unicamp Rio de Janeiro Ed da Uerj 2008 MONTEIRO Pedro Meira A queda do aventureiro aventura cordialidade e os novos tempos em Raízes do Brasil Campinas Ed da Unicamp 1999 MONTEIRO Tobias do Rego Monteiro História do Império A elaboração da independência Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1981 tomo 1 MONTENEGRO Antônio Torres As Ligas Camponesas e os conflitos no campo In ARAÚJO Rita de Cássia BARRETO Túlio Velho Orgs 1964 O golpe passado a limpo Recife Fundação Joaquim Nabuco Massangana 2007 MONTENEGRO Antônio Torres SANTOS Taciana Mendonça dos Lutas políticas em Pernambuco A Frente do Recife chega ao poder 19551964 In FERREIRA Jorge REIS Daniel Aarão Orgs Nacionalismo e reformismo radical 19451964 Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2007 v 2 MORAES Alexandre José de Mello História da transladação da Corte portuguesa para o Brasil em 18071808 Rio de Janeiro E Dupont 1982 tomo 1 MORAES Dênis de VIANA Francisco Prestes Lutas e autocríticas Petrópolis Vozes 1982 MORAES José Alexandre de Mello História do BrasilReino e do BrasilImpério Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1982 MORAES Mário Sérgio de O ocaso da ditadura Caso Herzog São Paulo Barcarolla 2006 MOREIRA Vânia Maria Losada Os anos JK Industrialização e modelo oligárquico de desenvolvimento rural In DELGADO Lucilia de Almeida Neves FERREIRA Jorge Orgs O Brasil republicano O tempo do liberalismo excludente Da proclamação da República à Revolução de 1930 Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2007 MOREL Edmar A Revolta da Chibata Subsídios para a história da sublevação na esquadra pelo marinheiro João Candido em 1910 5 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2009 MOREL Marco Palavra imagem e poder O surgimento da imprensa no Brasil do século XIX Rio de 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GRINBERG Keila SALLES Ricardo Orgs O Brasil imperial Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2009 v II 18311870 RIDENTI Marcelo Brasilidade revolucionária São Paulo Ed Unesp 2010 RIDENTI Marcelo REIS Daniel Aarão Orgs História do marxismo no Brasil Partidos e movimentos após os anos 1960 Campinas Ed da Unicamp 2007 t 6 RIOS Adolfo Morales de los Grandjean de Montigny e a evolução da arte brasileira Rio de Janeiro A Noite 1941 RIVAROLA Milda Vagos pobres soldados La domesticación estatal del trabajo em el Paraguay del siglo XIX Assunção Centro Paraguaio de Estudos Sociológicos 1994 RIZZINI Carlos O livro o jornal e a tipografia no Brasil 15001822 São Paulo Imprensa Oficial 1988 ROCHA Glauber Revolução do Cinema Novo Rio de Janeiro Alhambra Embrafilme 1981 ROCHA José Joaquim da Geografia histórica da capitania de Minas Gerais Belo Horizonte Fundação João Pinheiro Centro de Estudos Históricos e Culturais 1995 RODRIGUES Alberto Diretas Já O grito preso na garganta São Paulo Fundação Perseu 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comunista de 1935 Rio de Janeiro Record 2010 RUDÉ George Ideology and Popular Protest Nova York Pantheon 1980 RUDERS Carl Israel Viagem a Portugal 17981802 Lisboa Biblioteca Nacional Secretaria de Estado da Cultura 1981 SAHLINS Marshall Cosmologias do capitalismo O setor transpacífico do sistema mundial In Cultura na prática Rio de Janeiro Ed UFRJ 2004 SALEM Helena Nelson Pereira dos Santos O sonho possível do cinema brasileiro Rio de Janeiro Record 1996 SALES Fritz Teixeira de Vila Rica do Pilar Belo Horizonte Itatiaia São Paulo Edusp 1982 SALGADO Graça Org Fiscais e meirinhos A administração no Brasil Colonial Rio de Janeiro Nova Fronteira Brasília Instituto Nacional do Livro 1985 SALIBA Elias Thomé Raízes do riso A representação humorística na história brasileira Da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio São Paulo Companhia das letras 2002 As utopias românticas São Paulo Estação Liberdade 2004 SALKELD Richard Como ler uma fotografia São Paulo Gustavo Gill 2014 SALLES Ricardo 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Retrato em branco e negro Jornais escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX São Paulo Companhia das Letras 1987 O espetáculo das raças Cientistas instituições e questão racial no Brasil do século XIX São Paulo Companhia das Letras 1993 As barbas do imperador D Pedro II um monarca nos trópicos São Paulo Companhia das Letras 1998 Nem preto nem branco muito pelo contrário Cor e raça na intimidade In História da vida privada no Brasil São Paulo Companhia das Letras 2006 v 4 Homens e a corte ao mar O relato de uma aventura In ONEIL Thomas A vinda da família real portuguesa para o Brasil Rio de Janeiro José Olympio 2007 Apresentação Entre a melancolia e a obstinação In LIGHT Kenneth A viagem marítima da família real A transferência da corte portuguesa para o Brasil Rio de Janeiro Zahar 2008 O sol do Brasil NicolasAntoine Taunay e as desventuras dos artistas franceses na corte de d João São Paulo Companhia das Letras 2008 Org História do Brasil nação 18082010 Madri Fundación Mapfre Rio de Janeiro Objetiva 2012 v 3 A abertura para o mundo 18891930 Nem preto nem branco muito pelo contrário Cor raça e sociabilidade brasileira São Paulo Claro Enigma 2013 SCHWARCZ Lilia Moritz COSTA Angela Marques da 18901914 No tempo das certezas São Paulo Companhia das Letras 2000 SCHWARCZ Lilia Moritz COSTA Angela Marques da AZEVEDO Paulo Cesar de A longa viagem da biblioteca dos reis São Paulo Companhia das Letras 2002 SCHWARCZ Lilia Moritz STUMPF Lúcia Klück LIMA JUNIOR Carlos A Batalha do Avaí A beleza da barbárie A Guerra do Paraguai pintada por Pedro Américo Rio de Janeiro Sextante 2013 SCHWARTZ Stuart Segredos internos Engenhos e escravos na sociedade colonial São Paulo Companhia das Letras 1988 Cantos e quilombos numa conspiração de escravos haussás Bahia 181٤ In REIS João José GOMES Flávio dos Santos Orgs Liberdade por um fio História dos quilombos no Brasil São Paulo Companhia das Letras 1996 SCHWARZ Roberto As ideias fora do lugar In Ao vencedor as batatas Forma 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SKIDMORE Thomas E Brasil De Getúlio a Castello 19301964 São Paulo Companhia das Letras 2010 Brasil De Castelo a Tancredo 19641985 Rio de Janeiro Paz e Terra 1988 SLENES Robert Malungu Ngoma vem África coberta e descoberta no Brasil Cadernos do Museu de Escravatura Luanda v 1 1995 Na senzala uma flor Esperanças e recordações na formação da família escrava Rio de Janeiro Nova Fronteira 1999 SOARES Carlos Eugênio Líbano A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro 18081850 2 ed Campinas Ed da Unicamp 2004 SOARES Mariza de Carvalho SALLES Ricardo Episódios da história afrobrasileira Rio de Janeiro DPA 2005 SOBRINHO Barbosa Lima A verdade sobre a Revolução de Outubro São Paulo Alfa Omega 1975 SODRÉ Nelson Werneck História militar do Brasil Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1965 SOTTILI Rogério Sebastião Salgado caçador de luz e de esperança In STARLING Heloisa Maria Murgel CARDIA Gringo ALMEIDA Sandra Regina Goulart MARTINS Bruno Viveiros Orgs Minas Gerais Belo Horizonte Ed UFMG Fapemig 2011 SOUSA Octávio Tarquínio de A vida de D Pedro I Belo Horizonte Itatiaia Editora 1988 3v SOUZA Eneida Maria de Carmen Miranda Do kitsch ao cult In STARLING Heloisa CAVALCANTE Berenice EISENBERG José Orgs Decantando a República Retrato em branco e preto da nação brasileira Rio de Janeiro Nova Fronteira São Paulo Fundação Perseu Abramo 2004 v 2 SOUZA Iara Lis Carvalho Souza A independência do Brasil Rio de Janeiro Zahar 1999 SOUZA Laura de Mello e Desclassificados do ouro A pobreza mineira no século XVIII Rio de Janeiro Graal 1982 O diabo e a terra de Santa Cruz Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial São Paulo Companhia das Letras 1986 Inferno atlântico São Paulo Companhia das Letras 1993 Coartação Problemática e episódios referentes a Minas Gerais no século XVIII In Norma e conflito Aspectos da história de Minas no século XVIII Belo Horizonte Ed UFMG 1999 Motines revueltas y revoluciones em la America portuguesa de los siglos XVII y XVIII In LEHUEDÉ Jorge Hidalgo Org Historia general de America Latina Madri Trotta 2000 v IV Cláudio Manuel da Costa O letrado dividido São Paulo Companhia das Letras 2011 SOUZA Paulo César A Sabinada A revolta separatista da Bahia São Paulo Companhia das Letras 2009 SPIX Johann Baptist von MARTIUS Carl Friedrich Phillip von Reise in Brasilien São Paulo Companhia Editora Nacional 1938 v II STADEN Hans Duas viagens ao Brasil São Paulo Sociedade Hans Staden 1942 1557 STARLING Heloisa Os senhores das Gerais Os novos inconfidentes e o golpe de 1964 Petrópolis Vozes 1986 Org Corrupção Ensaios e críticas Belo Horizonte Ed UFMG 2008 Caminhos e descaminhos das Minas In STARLING Heloisa Maria Murgel CARDIA Gringo ALMEIDA Sandra Regina Goulart MARTINS Bruno Viveiros Orgs Minas Gerais Belo Horizonte Ed UFMG Fapemig 2011 Canção popular e direito de resistência no Brasil In STARLING Heloisa Maria Murgel et al Orgs Dimensões políticas da Justiça Rio de Janeiro Record 2012 A liberdade era amável A formação da 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Abramo 2004 TOLEDO Roberto Pompeu de A capital da solidão Uma história de São Paulo das origens a 1900 Rio de Janeiro Objetiva 2003 TOLENTINO Thiago Lenine Tito Margens da marcha para o Oeste Luta pela terra em Trombas e Formoso Porecatu e sudoeste do Paraná In STARLING Heloisa Maria Murgel BRAGA Pauliane de Carvalho Orgs Sentimentos da terra Belo Horizonte Proex 2013 TOPIK Steven A presença do Estado na economia política do Brasil de 1889 a 1930 Rio de Janeiro Record 1987 TORAL André Adeus Chamigo brasileiro Uma história da guerra do Paraguai São Paulo Companhia das Letras 1997 TOTA Antônio Pedro O imperialismo sedutor A americanização do Brasil na época da Segunda Guerra São Paulo Companhia das Letras 2000 TREVISAN João Silvério Devassos no paraíso A homossexualidade no Brasil da Colônia à atualidade Rio de Janeiro Record 2007 TROUILLOT MichelRolph Silencing the Past Power and the Production of History Boston Beacon Press 1995 URICOECHEA Fernando O Minotauro imperial Rio de Janeiro Difel 1978 VAINFAS Ronaldo A heresia dos índios Catolicismo e rebeldia no Brasil colonial São Paulo Companhia das Letras 1995 A luz própria de Leonel Brizola Do trabalhismo getulista ao socialismo moreno In FERREIRA Jorge REIS FILHO Daniel Aarão Orgs As esquerdas no Brasil Revolução e democracia Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2007 v 3 Traição Um jesuíta a serviço do Brasil holandês processado pela Inquisição São Paulo Companhia das Letras 2008 VAINFAS Ronaldo Org Dicionário do Brasil imperial 18221889 Rio de Janeiro Objetiva 2008 VAINFAS Ronaldo Antônio Vieira Jesuíta do rei São Paulo Companhia das Letras 2011 VALLE Maria Ribeiro do 1968 O diálogo é a violência Movimento estudantil e ditadura militar no Brasil Campinas Ed da Unicamp 2008 VARNHAGEN Francisco Adolfo de História da independência do Brasil 3 ed São Paulo Melhoramentos 1957 VASCONCELOS Diogo de História antiga das Minas Gerais 4 ed Belo Horizonte Itatiaia 1999 VELLOSO Mônica Pimenta Modernismo no Rio de Janeiro Turunas e quixotes Rio de Janeiro Fundação Getulio Vargas 1996 VENTURA Roberto Euclides da Cunha Esboço biográfico Retrato interrompido da vida de Euclides da Cunha São Paulo Companhia das Letras 2003 VENTURA Zuenir 1968 O ano que não terminou Rio de Janeiro Nova Fronteira 1988 VERGER Pierre Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos Dos séculos XVII a XIX São Paulo Corrupio Brasília Ministério da Cultura 1987 VIANNA Hermano O mistério do samba Rio de Janeiro Zahar 2012 VIANNA Luiz Werneck Liberalismo e sindicato no Brasil Belo Horizonte Ed UFMG 1999 VIANNA Marly de A Gomes Revolucionários de 1935 Sonho e realidade São Paulo Companhia das Letras 1992 A ANL Aliança Libertadora Nacional In MAZZEO Antonio Carlos LAGOA Maria Izabel Orgs Corações vermelhos Os comunistas brasileiros no século XX São Paulo Cortez 2003 O PCB 192943 In FERREIRA Jorge REIS Daniel Aarão Org A formação das tradições 18891995 Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2007 VIANNA FILHO Luiz A Sabinada A república baiana de 1837 Rio de Janeiro José Olympio 1938 VIEIRA Antônio História do futuro Livro anteprimeiro Lisboa Antonio Pedrozo Galram 1718 Sermões Obras completas do padre Antônio Vieira Porto Lello e Irmão 1959 v 5 Sermões São Paulo Hedra 2003 v 1 VIEIRA Hugo Coelho GALVÃO Nara Neves Pires SILVA Leonardo Dantas Brasil holandês História memória patrimônio compartilhado São Paulo Alameda 2012 VILHENA Luís dos Santos Recopilação de notícias soteropolitanas e brasílicas Bahia Imprensa Oficial do Estado 1922 1802 A Bahia no século XVIII Salvador Itapuã 1969 v 2 VILLA Marco Antonio Jango Um perfil 19451964 São Paulo Globo 2004 VILLALTA Luiz Carlos 17891808 O império lusobrasileiro e os Brasis São Paulo Companhia das Letras 2000 VISCARDI Cláudia Maria Ribeiro O teatro das oligarquias Uma revisão da política do café com leite Belo Horizonte CArte 2011 WAACK William Camaradas Nos arquivos de Moscou A história secreta da revolução brasileira de 1935 São Paulo Companhia das Letras 2004 WAINER Samuel Minha razão de viver Memórias de um repórter Rio de Janeiro Record 1988 WALKER Martin The Cold War A History Nova York Henry Holt and Co 1993 WEGNER Robert Caminhos de Sérgio Buarque de Holanda In BOTELHO André SCHWARCZ Lilia Moritz Orgs Um enigma chamado Brasil 29 intérpretes e um país São Paulo Companhia das Letras 2009 WELLER Wivian Minha voz é tudo o que eu tenho Manifestações juvenis em Berlim e São Paulo Belo Horizonte Ed UFMG 2011 WERKEMA Mauro História arte e sonho na formação de Minas Belo Horizonte DUO Editorial 2010 WIRTH John O fiel da balança Minas Gerais na federação brasileira 18891937 Rio de Janeiro Paz e Terra 1982 WISSENBACH Maria Cristina Cortez Da escravidão à liberdade Dimensões de uma privacidade possível In SEVCENKO Nicolau Org História da vida privada no Brasil São Paulo Companhia das Letras 2001 v 3 República Da Belle Époque à era do rádio XAVIER Ismail Cinema brasileiro moderno São Paulo Paz e Terra 2001 YAZBECK Ivanir O real Itamar Uma biografia Belo Horizonte Gutemberg 2011 II OBRAS DE REFERÊNCIA E DICIONÁRIOS BARBOSA Waldemar de Almeida Dicionário históricogeográfico de Minas Gerais Belo Horizonte Itatiaia 1995 BLUTEAU Raphael Vocabulario portuguez e latino Coimbra Real Colégio das Artes da Companhia de Jesus 1713 CONSTÂNCIO Francisco Solano Novo diccionario crítico e etymologico da lingua portuguesa Paris Angelo Francisco Carneiro Editor Tipografia de Casimir 1836 FERREIRA Fátima de Sá e Melo Entre viejos y nuevos sentidos Pueblo y Pueblos en el mundo iberoamericano entre 1750 y 1850 In SEBASTIÁN Javier Fernández Org Diccionario político y social del mundo iberoamericano La era de las revoluciones 1750 1850 Madri Fundación Carolina Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales Centro de Estudios Políticos y Constitucionales 2009 GUIMARÃES Lúcia Maria Paschoal Sociedades políticas In VAINFAS Ronaldo Org Dicionário do Brasil imperial 18221889 Rio de Janeiro Objetiva 2008 KOSSOY Boris Dicionário históricofotográfico brasileiro Rio de Janeiro Instituto Moreira Salles 2013 SILVA Antonio de Moraes Diccionario da lingua portuguesa Lisboa Oficina de Simão Tadeu Ferreira 1789 SOUSA Viterbo Dicionário histórico e documental dos arquitectos engenheiros e construtores portugueses Lisboa Casa da Moeda Imprensa Nacional 1988 III DOCUMENTOS ANDRADE Francisco de Paula Freire de 2ª Inquirição Rio Fortaleza da Ilha das Cobras 25 de janeiro de 1790 In Autos da Devassa da Inconfidência Mineira Brasília Câmara dos Deputados Belo Horizonte Imprensa Oficial de Minas Gerais 1982 v 5 ARQUIVO Nacional 98142 v 711 Cartas de Vilhena Notícias soteropolitanas e brasílicas por Luiz dos Santos Vilhena Bahia Imprensa Oficial do Estado 1922 ASSENTO do Conselho de Estado do dia 26 de agosto de 1807 Rio de Janeiro Arquivo Nacional Fundo Negócios de Portugal 1807 cx 714 BANDO sobre quilombolas 20 de dezembro de 1717 Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte Seção Colonial códice SC 11 fl 269 BARRETO Domingos Alves Branco Memória dos sucessos acontecidos na cidade de Lisboa desde vinte e nove de novembro de 1808 BNMss I 134no7 CARTA do governador Martinho de Mendonça para Gomes Freire de Andrade 23 de julho de 1736 Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte Seção Colonial códice SG 55 fls 912 CARTA do visconde de Anadia ao príncipe regente de 29 de setembro de 1807 Rio de Janeiro Arquivo Nacional Fundo Negócios de Portugal 1807 cx 714 CARTA régia ao governador e capitão general da capitania de Minas Gerais sobre a guerra aos índios botocudos Rio de Janeiro Biblioteca Nacional sd ms II 36 05 47 6 p CARTAS a sua alteza real Rio de Janeiro Biblioteca Nacional 1807 ms 10 3 29 CARTAS de D Pedro II a Paulo Barbosa Rio de Janeiro Biblioteca Nacional 26 fev 1863 CENTENÁRIO do Fico 9 jan 1822 Prefeitura do Distrito Federal jan 1922 Facsímile dos documentos do Senado da Câmara do Rio de Janeiro existentes no Arquivo Municipal janago 1822 1922 COLEÇÃO Tobias Monteiro Rio de Janeiro Fundação Biblioteca Nacional 2007 CONTINUAÇÃO das perguntas a José de Freitas Sacoto pardo livre e preso nas cadeias desta Relação Autos da Devassa do Levantamento e Sedição Intentados na Bahia em 1798 Anais do Arquivo Público da Bahia Salvador Imprensa Oficial da Bahia v XXXV p 129 1961 CORREIA Jader de Figueiredo Relatório Brasília Ministério da Justiça 1967 Acervo Projeto República núcleo de pesquisa documentação e memória da UFMG Arquivo Indígenas D PEDRO I príncipe regente Manifesto de independência Rio de Janeiro 1º de agosto de 1822 Rio de Janeiro Biblioteca Nacional ms I 36 28 009 EXPOSIÇÃO analítica e justificativa da conduta e vida pública do visconde do Rio Seco Rio de Janeiro Imprensa Nacional 1821 Seção de Obras Raras 37 17 1 DESCRIPÇÃO do Edificio construido para a solemnidade da coroação e sagração de S M O Imperador O Senhor D Pero II Publicações do Arquivo Nacional Rio de Janeiro 1925 DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720 Belo Horizonte Fundação João Pinheiro Centro de Estudos Históricos e Culturais 1994 FRAGMENTO de uma memória sobre a independência do Brasil onde se encontram alguns trechos sobre os serviços do Conselheiro José Joaquim da Rocha Rio de Janeiro Arquivo Nacional códice 807 v 3 1864 INSTITUTO dos Arquivos NacionaisTorre do Tombo Ministério do Reino maço 279 ms de 14 de outubro de 1808 LIMABARRETO Afonso Henriques de O traidor Sl sn 19 Orig ms 10 f fbnMss I 06350964 MAIA Emílio Joaquim da Silva Embarque séquito e viagem da família real portuguesa Arribada à Bahia Estado do Brasil no tempo de colônia Desembarque no Rio de Janeiro Primeiro Ministério Português que funcionou no Brasil Rio de Janeiro Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro lata 345 doc 7 sd Rio de Janeiro Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro lata 245 doc 7 sd MANIFESTO do príncipe regente do Brasil aos governos e nações amigas 6 de agosto de 1822 In Código Brasiliense ou coleção das leis alvarás decretos cartas régias etc promulgadas no Brasil desde a feliz chegada do príncipe regente nosso senhor a estes estados com um índice cronológico 18081837 Rio de Janeiro Impressão Régia Tipografia Nacional e Imperial 181138 Seção de Obras Raras 4 1 MANUAL de acompanhamento do imperador no dia de seu aniversário e aclamação Rio de Janeiro Tipografia Nacional 1841 MARISCAL Francisco de Sierra y Ideas geraes sobre a revolução do Brazil e suas consequencias Anais da Biblioteca Nacional Rio de Janeiro v 434 1926 MARROCOS Luís Joaquim dos Santos Carta n 14 Rio de Janeiro 27 de fevereiro de 1812 Anais da Biblioteca Nacional Rio de Janeiro Ministério da Educação v LVI 1934 MEMÓRIA sobre a Independência do Brasil pelo major Francisco de Castro Canto e Mello gentil homem da Imperial Câmara Rio de Janeiro Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 1864 Lata 400 doc 8 MINISTÉRIO DO EXÉRCITO Centro de Operações de Defesa Interna CodiI Ex 1970 dezesseis páginas datilografadas Acervo Projeto República Núcleo de Pesquisa Documentação e Memória da UFMG Arquivo Cenimar Parecer Calabar O elogio da traição 1973 oito páginas datilografadas Acervo Projeto República Núcleo de Pesquisa Documentação e Memória da UFMG Arquivo CIE MIRANDA José Antonio de Memória constitucional e política Sobre o estado presente de Portugal e do Brasil Rio de Janeiro Tipografia Nacional 1821 Seção de Obras Raras 37 18 11 MORAIS Mello Rio de Janeiro Biblioteca Nacional ms II 30 23 6 n 5 NEVES Lúcia M Bastos O privado e o público nas relações culturais do Brasil com França e Espanha no governo Joanino Seminário Internacional d João VI um Rei Aclamado na América Anais Rio de Janeiro Museu Histórico Nacional 2000 OS BASTIDORES da censura na corte de d João Seminário Internacional d João VI um Rei Aclamado na América Anais Rio de Janeiro Museu Histórico Nacional 2000 PAPÉIS particulares do conde de Linhares Rio de Janeiro Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ms I 29 20 1 doc 7 PARECER de d João de Almeida de Melo e Castro sobre a reunião do Conselho de Estado realizada em 19 de agosto de 1807 In MARTINSFILHO Enéas O Conselho de Estado português e a transmigração da família real em 1807 Rio de Janeiro Ministério da Justiça Arquivo Nacional 1968 RELAÇÃO circunstanciada da entrada de sua majestade na cidade de Lisboa no dia 4 de julho de 1821 feita debaixo das ordens do Senado e da Câmara e às despesas dos cofres da cidade segundo o regulamento do regimento do senhor rei d Manoel de 30 de agosto de 1502 In PEREIRA Ângelo Conselho do infante d Henrique a seu sobrinho elrei d Afonso V Lisboa sn 1957 RELAÇÃO das festas que se fizeram no Rio de Janeiro quando o príncipe regente N S e toda a sua real família chegaram pela primeira vez àquela capital Lisboa Impressão Régia 1810 RELAÇÃO das pessoas que saíram desta cidade para o Brasil em companhia de S A R no dia 29 de novembro de 1807 Lisboa 29 de novembro de 1807 Rio de Janeiro Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro lata 490 pasta 29 15 fls RELATO de d Rodrigo de Sousa Coutinho conde de Linhares Rio de Janeiro Biblioteca Nacional ms II 30 35 60 REPRESENTAÇÃO de Pedro Barbosa Leal questionando as ordens de erigir duas casas de fundição uma em Jacobina e outra em Rio das Contas explicando que isso não evita o descaminho do ouro e sugerindo que sejam construídas em Pernambuco Bahia e Rio de Janeiro Rio de Janeiro Fundação Biblioteca Nacional Divisão de Manuscritos II31 25 009 sd fl 3640 RIO DE JANEIRO Impressão Régia 1820 17 p Rio de Janeiro Biblioteca Nacional Seção de Obras Raras 37 15 5 RODRIGO José Ferreira Lobo Capitão de Mar e Guerra Comandante Bordo da fragata Minerva 31 de janeiro de 1808 Papéis relativos à vinda pp 19 e 21 1808 ROSSI Camilo Luís Diário dos acontecimentos de Lisboa por ocasião da entrada das tropas escrito por uma testemunha Lisboa Oficinas Gráficas da Casa Portuguesa 1944 SANTOS Afonso C M dos A fundação de uma Europa possível Seminário Internacional d João VI um Rei Aclamado na América Anais Rio de Janeiro Museu Histórico Nacional 2000 SOUZA Iara Lis Carvalho Souza D João VI no Rio de Janeiro Entre festas e representações Seminário Internacional d João VI um Rei Aclamado na América Anais Rio de Janeiro Museu Histórico Nacional 2000 STARLING Heloisa et al Relatório de acompanhamento e avaliação de resultados de consultoria especializada para fornecer subsídios para as atividades de pesquisa da Comissão Nacional da Verdade Brasília Comissão Nacional da Verdade 15 jul 2013 Mortos e desaparecidos na área rural Relatório final de pesquisa Brasília Comissão Nacional da Verdade nov 2013 Centros clandestinos de violações de direitos humanos Relatório preliminar de pesquisa Brasília Comissão Nacional da Verdade mar 2014 Relatório parcial de pesquisa Instituições e locais associados a graves violações de direitos humanos Brasília Comissão Nacional da Verdade 2014 STARLING Heloisa CARNEIRO Ana Marília Política de censura Relatório preliminar de pesquisa Brasília Comissão Nacional da Verdade jul 2014 STARLING Heloisa MARQUES Danilo A Tortura em quartéis e instituições militares Relatório preliminar de pesquisa Brasília Comissão Nacional da Verdade maio 2013 TERMO que se fez sobre a proposta do povo de Vila Rica na ocasião em que veio amotinado a Vila do Carmo 2 de julho de 1720 Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte Seção Colonial códice SC 06 fl 957 IV TESES E DISSERTAÇÕES ALENCASTRO Luiz Felipe de Le Commerce des vivants Traites desclaves et pax lusitana dans lAtlantique Sud Nanterre Université Paris X 1986 Tese Doutorado em História Moderna e Contemporânea BASILE Marcello Anarquistas rusguentos e demagogos Os liberais exaltados e a formação da esfera pública imperial 18291834 Rio de Janeiro IHUFRJ 2000 Dissertação Mestrado em História Social CAETANO Antônio Felipe Pereira Entre a sombra e o sol A Revolta da Cachaça a freguesia de São Gonçalo do Amarante e a crise política fluminense Niterói UFF 2003 Dissertação Mestrado em História CAVALCANTI Nireu Oliveira A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro As muralhas sua gente os construtores 17101810 Rio de Janeiro UFRJ 1997 Tese Doutorado em História CUNHA Vagner da Silva Cunha A rochela das minas de ouro Paulistas na vila de Pitangui 17091721 Belo Horizonte UFMG 2009 Dissertação Mestrado em História FIGUEIREDO Luciano Revoltas fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa Rio de Janeiro Bahia e Minas Gerais 16401761 São Paulo FFLCHUSP 1996 Tese Doutorado em História GUAZZELLI César Augusto Barcellos O horizonte da província A república riograndense e os caudilhos do rio da Prata 183545 Rio de Janeiro IHUFRJ 1998 Tese Doutorado em História HIRANO Luís Felipe Kojima Uma interpretação do cinema brasileiro através de Grande Otelo Raça corpo e gênero em sua performance cinematográfica São Paulo USP 2013 Tese coutorado em Antropologia JESUS Matheus Gato de Intelectuais negros maranhenses na formação do Brasil moderno 18701939 São Paulo FFLCHUSP jul 2013 Relatório de qualificação LENK Wolfgang Guerra e pacto colonial Exército fiscalidade e administração colonial da Bahia 16241654 Campinas Unicamp 2009 Tese Doutorado em Desenvolvimento Econômico MARQUES Reinaldo Martiniano Poeta e poesia inconfidentes Um estudo de arqueologia poética Belo Horizonte UFMG 1993 Tese Doutorado em Letras MORAES Thiago Aguiar de Entreguemos a empresa ao povo antes que o comunista a entregue ao Estado Os discursos da fração vanguardista da classe empresarial gaúcha na revista Democracia e Empresa do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais do Rio Grande do Sul 19621971 Porto Alegre FFCHPUCRS 2014 Dissertação Mestrado em História OLIVEIRA Edgard Leite Conflito social memória e experiência As greves dos metalúrgicos de Contagem em 1968 Belo Horizonte UFMG 2010 Dissertação Mestrado em Educação ROVAI Marta Gouveia de Oliveira Osasco 1968 A greve no feminino e no masculino São Paulo USP 2012 Tese Doutorado em História SANTOS Fabiano Vilaça dos O governo das conquistas do norte Trajetórias administrativas no Estado do GrãoPará e Maranhão 17511780 São Paulo FFLCHUSP 2008 Tese Doutorado em História Social Disponível em httpwwwtesesuspbrtesesdisponiveis88138tde06072008140850ptbrphp Acesso em 25 fev 2015 SOUZA Miguel Arcanjo de Política e economia no Rio de Janeiro seiscentista Salvador de Sá e a Bernarda de 16601661 Rio de Janeiro CFCHUFRJ 1994 Dissertação Mestrado em História STARLING Heloisa A liberdade era amável A formação da linguagem do republicanismo na América portuguesa séculos XVII e XVIII Belo Horizonte UFMG 2013 Tese Titular em História do Brasil V JORNAIS E REVISTAS A VIDA Fluminense Rio de Janeiro ano III n 128 1870 ALMANAC histórico da cidade de S Sebastião do Rio de Janeiro Revista do IHGB Rio de Janeiro tomo XXI 1 trim pp 57 1858 AURORA Fluminense Rio de Janeiro n 470 p 2 11 abr1831 CANDIDO Antonio Sentimento de identidade Folha de SPaulo São Paulo 13 abr 2002 Jornal de Resenhas p 1 CARDOSO Tereza Maria R Fachada L A Gazeta do Rio de Janeiro Subsídios para a história da cidade Revista do IHGB Rio de Janeiro v 371 abrjun 1991 CARIELLO Rafael O chefe piauí n 96 p 23 set 2014 CARTA de dom Pedro Miguel de Almeida ao rei de Portugal 13 de junho de 1718 Revista do Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte v III pp 25166 1898 CARTA do governador Martinho de Mendonça para o secretário de Estado Antônio Guedes Pereira 17 de outubro de 1737 Revista do Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte v 1 p 662 1896 CARTA dos oficiais da Câmara do Rio de Janeiro dirigida ao rei em 31 de dezembro de 1660 In FAZENDA José Vieira Antiqualha e memórias do Rio de Janeiro Revista do IHGB Rio de Janeiro tomo 89 pp 933 1921 CARTAS inéditas da 1ª imperatriz d Maria Leopoldina 18211826 Revista do IHGB v 75 tomo 126 parte II pp 10927 1912 CARVALHO José Murilo de As metamorfoses do coronel Jornal do Brasil p 4 6 maio 2001 República democracia e federalismo Brasil 18701891 Varia Historia Belo Horizonte v 27 n 45 pp 1467 janjun 2011 CASADO José 50 anos do golpeRiocentro O Globo 6 out 2014 Caderno especial pp 2 5 CASTRO Ruy Nascido no Copacabana Palace Zé Carioca completa 70 anos Serafina Folha de SPaulo São Paulo 25 nov 2012 CORREIO Brasiliense Londres v XVIII n 108 maio 1817 CORREIO do Rio de Janeiro Rio de Janeiro n 56 p 2 19 jun 1822 CUNHA Manuela Carneiro da Imagens de índios do Brasil O século XVI Revista de Estudos Avançados São Paulo v 4 n 10 pp 91110 setdez 1990 DAHER Andréia A conversão dos tupinambá entre a oralidade e a escrita nos relatos franceses dos séculos XVI e XVII Horizontes Antropológicos Porto Alegre v 10 n 22 juldez 2004 DELGADO Malu Maranhão 2014 piauí n 98 pp 2530 nov 2014 DERBY Orville A Carta de d João de Lencastro ao rei Bahia 7 de janeiro de 1701 In Os primeiros descobrimentos de ouro nos distritos de Sabará e Caeté Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo v 5 18891900 FAZENDA José Vieira Fazenda Antiqualha e memórias do Rio de Janeiro Revista do IHGB Rio de Janeiro v 142 tomo 88 1920 FERREIRA Camila Manduca Zé Carioca Um papagaio na periferia do capitalismo Novos Rumos v 49 n 1 janjun 2012 FOLHA de SPaulo São Paulo pp 45 5 abr 1978 FRIAS FILHO Otávio O tribuno da imprensa piauí n 91 abr 2014 GAZETA do Rio de Janeiro Rio de Janeiro v 11 n 1 7 fev 1818 GAZETA do Rio de Janeiro Rio de Janeiro v 12 n 2 10 fev 1818 GOMES Ângela de Castro ABREU Martha A nova Velha República Um pouco de história e historiografia Tempo Niterói Ed da UFF v 13 n 26 jan 2009 GREEN James N Mais amor e mais tesão A construção de um movimento brasileiro de gays lésbicas e travestis Cadernos Pagu v 15 pp 27195 2000 GUIMARÃES Antonio Sérgio Alfredo La République de 1889 Utopie de lhomme blanc peur de lhomme noir Brésils Sciences Humaines et Sociales Paris v 1 pp14968 2012 A República de 1889 Utopia de branco medo de preto Contemporânea Revista de Sociologia da UFSCar São Carlos v 1 n 2 pp 1736 2011 KRAAY Hendrik As Terrifying as Unexpected The Bahian Sabinada 18371838 The Hispanic American Historical Review Durham v 72 n 4 p 521 nov 1992 LEITE José Roberto Teixeira Viajantes do imaginário A América vista da Europa século XVII Revista USP São Paulo n 30 pp 3245 junago 1996 LESTRINGANT Frank De Jean de Léry a Claude LéviStrauss Por uma arqueologia de Tristes Trópicos Revista de Antropologia São Paulo v 43 n 2 2000 MELLO Evaldo Cabral de O império frustrado Folha de SPaulo São Paulo 15 abr 2001 Caderno Mais MOISÉS Leyla Perrone Alegres trópicos Gonneville Thevet e Léry Revista USP São Paulo n 30 pp 8493 junago 1996 MOREL Marco O pequeno monarca Nossa História Rio de Janeiro Vera Cruz ano 3 n 26 pp 147 dez 2005 NOVAS interpretações do tráfico de escravos do Atlântico Revista de História São Paulo v 120 pp 325 janjul 1989 Disponível em httpwwwrevistasuspbrrevhistoriaarticleview18589 Acesso em 2 jun 2014 PERGUNTAS a Antônio Ignacio Ramos A Inconfidência da Bahia em 1798 Devassas e Sequestros Anais da Biblioteca Nacional Rio de Janeiro v 434 p 1304 19201 PERGUNTAS a Joaquim José de Santa Anna A Inconfidência da Bahia em 1798 Devassas e Sequestros Anais da Biblioteca Nacional Rio de Janeiro v 45 p 119 19201 PORTUGAL e o Brazil O Campeão Portuguez em Lisboa v I n VI p 83 11 maio 1822 REVISTA Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte Ed UFMG 16 jan 1964 SCHWARCZ Lilia Moritz Complexo de Zé Carioca Notas sobre uma identidade mestiça e malandra Revista Brasileira de Ciências Sociais ano 10 n 29 out 1995 SCHWARCZ Lilia Moritz MACHADO Maria Helena P T Um pouquinho de Brasil Por que deveríamos nos reconhecer nas cenas de 12 anos de escravidão Folha de SPaulo São Paulo 2 mar 2014 Caderno Ilustrada Ilustríssima p C2 SCOREL Eduardo Deus e o diabo Ano I Glauber Rocha no turbilhão de 1964 piauí n 90 mar 2014 SEVERIANO Mylton Org A ditadura militar no Brasil A história em cima dos fatos São Paulo Editora Caros Amigos 2007 12 fascículos SLUITER Engel Os holandeses antes de 1621 Revista do Instituto de Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco Recife v 46 pp 188207 1967 SOUZA Laura de Mello e O nome Brasil Revista de História n 145 pp 6186 2 sem 2001 VALIM Patrícia Da contestação à conversão a punição exemplar dos réus da Conjuração Baiana de 1798 Topoi Niterói v 10 n 18 p 1423 janjun 2009 VALLADARES Clarival do Prado A iconologia africana no Brasil Revista Brasileira de Cultura Rio de Janeiro MEC ano I pp 3748 julset 1999 VANDELLI Domingos Memória III Sobre as Minas de ouro do Brasil Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro Rio de Janeiro v XX pp 2656 1898 VARNHAGEN Francisco Adolfo de Biografia de Salvador Correia de Sá Revista do IHGB Rio de Janeiro tomo III 1841 História da independência do Brasil Revista do IHGB Rio de Janeiro v 173 pp 589 1962 VASCONCELOS Diogo de Minas e quintos do ouro Revista do Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte v 6 n 34 pp 855965 juldez 1901 VI SITES ALENCASTRO Luiz Felipe de As populações africanas no Brasil Disponível em httpwwwcasadasafricasorgbrwpwpcontentuploads201108AsPopulacoes AfricanasnoBrasilpdf Acesso em 2 jun 2014 DAGOSTINI Silvana et al Ciclo econômico do paubrasil Disponível em httpwwwbiologicospgovbrdocspagv91dagostinipdf Acesso em 15 dez 2014 IMAGENS do Brasil holandês 16301654 ARS São Paulo v 7 n 13 pp 16071 janjun 2009 Disponível em httpwwwrevistasuspbrarsarticleview3068 Acesso em 3 jun 2014 SCHWARTZMAN Simon A ciência no Império In Um espaço para a ciência A formação da comunidade científica no Brasil 2001 Disponível em httpwwwschwartzmanorgbrsimonspaceptpdfcapit3pdf Acesso em 30 jan 2015 VII DISCOGRAFIA BATISTA Wilson ALVES Ataulfo O bonde São Januário Intérprete Cyro Monteiro Victor 34691a 1940 SILVA J B da Eu ouço falar Seu Julinho Rio de Janeiro Odeon 1929 CRONOLOGIA BRASIL E PORTUGAL MUNDO c 30000 aC Início do povoamento do continente americano por povos da Ásia e da Oceania ancestrais dos indígenas brasileiros c 5001500 dC Vestígios arqueológicos de culturas indígenas sofisticadas no Brasil 1330 Primeira menção a uma ilha misteriosa denominada Obrasil em documentos europeus 1415 Conquista de Ceuta pelos portugueses 1453 Tomada de Constantinopla atual Istambul pelos turcos otomanos 145455 Publicação dos primeiros exemplares de livros impressos na Europa a Bíblia de Johannes Gutenberg Década de 1460 O infante d Henrique patrocina o desenvolvimento de técnicas de navegação e cartografia bem como expedições à ilha da Madeira aos Açores e à costa da África Década de 1480 Primeiros contatos dos portugueses com o rei do Congo que se converte ao cristianismo 1488 O navegador Bartolomeu Dias alcança o cabo das Tormentas no extremo sul do continente africano 1492 Unificação da Espanha 12 de outubro descobrimento da América pelo genovês Cristóvão Colombo a serviço da Espanha 1494 Assinatura do Tratado de Tordesilhas entre Portugal e Espanha repartindo entre si as terras descobertas e por descobrir na América e nas Índias 1499 Vasco da Gama retorna da viagem à Índia através da rota do cabo das Tormentas agora denominado cabo da Boa Esperança 1500 22 de abril Cabral chega à costa brasileira e toma posse do novo território descoberto em nome do rei de Portugal O primeiro nome do Brasil é Terra de Santa Cruz ou da Vera Cruz Estimase que existiam vários milhões de índios no Brasil em 1500 Atualmente são cerca de 800 mil 1502 Início da exploração sistemática de paubrasil a madeira avermelhada que deu nome ao país em regime de monopólio pela Coroa portuguesa 1503 Leonardo da Vinci começa a pintar a Mona Lisa 1504 Américo Vespúcio escreve Mundus novus 1512 Brasil se torna nome oficial da nova colônia 1513 Maquiavel escreve publicação póstuma em 1532 O príncipe 1516 Primeira menção ao cultivo de canadeaçúcar no Brasil 1517 Início da Reforma protestante na Alemanha sob a liderança de Martinho Lutero 1519 Hernán Cortés conquista o México para o rei da Espanha 1530 Martim Afonso de Sousa comanda a expedição que marca o início efetivo da colonização portuguesa do Brasil 1532 Fundação de São Vicente Construção do primeiro engenho de açúcar na região por Martim Afonso 1532 Publicação do primeiro dos quatro livros de Gargântua e Pantagruel de François Rabelais 1534 O Brasil é dividido pela Coroa portuguesa em capitanias hereditárias 1534 Criação da Companhia de Jesus por Inácio de Loyola O rei Henrique VIII da Inglaterra declara o rompimento com a Santa Sé e inicia a Reforma Anglicana Michelangelo começa a pintar o Juízo Final na Capela Sistina em Roma 1535 Os primeiros engenhos de açúcar começam a funcionar em Pernambuco No final do século XVI existem 140 engenhos na capitania 1537 O papa Paulo III edita uma bula na qual reconhece os índios americanos como verdadeiros homens capazes da Fé de Cristo isto é dotados de alma 1538 Fundada pelos espanhóis a primeira universidade das Américas em Santo Domingo Hispaniola 1540 Sebastian Münster assinala a presença de canibais no Brasil em seu mapa anexo à tradução latina da Geografia de Ptolomeu 1541 O espanhol Francisco de Orellana explora o rio Amazonas 1549 Chegada dos jesuítas ao Brasil sob a liderança do padre Manoel da Nóbrega O governadorgeral Tomé de Sousa chega à Bahia e funda a cidade de Salvador que se torna a primeira capital do Brasil c 1550 Iniciase na Europa o cultivo de tabaco planta originária das Américas 1554 Fundação de São Paulo pelos jesuítas numa colina próxima ao rio Tamanduateí O militar alemão Hans Staden é capturado pelos Tupinambá em São Vicente 1555 O almirante francês Villegagnon se estabelece na baía de Guanabara fundando a França Antártica A ocupação francesa dura até 1567 O capelão da expedição é o franciscano André de Thevet 1555 Palestrina compõe a Missa Papae Marcelli peça sacra que é considerada um marco da Contrarreforma na música 1556 O bispo português d Pero Fernandes Sardinha é devorado por índios Caeté no litoral de Alagoas O jesuíta José de Anchieta escreve a primeira gramática do tupi idioma mais falado na costa brasileira O calvinista suíço Jean de Léry chega à colônia da França Antártica no Rio de Janeiro onde permanece pouco mais de um ano 1557 André de Thévet publica As singularidades da França Antártica Hans Staden publica Duas viagens ao Brasil ou Arrojadas aventuras no século XVI entre os antropófagos do Novo Mundo 1565 Fundação do Rio de Janeiro no morro Cara de Cão Dois anos depois a cidade se muda para o alto do morro do Castelo 1569 Inspirado pela obra de Ptolomeu o cartógrafo flamengo Gerardus Mercator estabelece a projeção cartográfica que leva seu nome 1570 Carta régia proíbe a escravização dos índios exceto no contexto de guerras justas Década de 1570 Início da importação de escravizados africanos para o trabalho nas lavouras e engenhos Até o fim do tráfico negreiro em 1850 49 milhões de africanos chegam deportados ao Brasil 1572 A administração do Brasil é dividida entre dois governos gerais o Governo do Norte da Bahia até o Maranhão e o Governo do Sul reunindo as capitanias abaixo da Bahia Luís Vaz de Camões publica Os lusíadas 1572 24 de agosto Noite de São Bartolomeu na França início da guerra civil entre católicos e protestantes 1575 Os portugueses conquistam Angola 1576 Pero de Magalhães Gândavo publica História da província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil livro utilizado como propaganda para a imigração de portugueses à terra do Brasil 1578 D Sebastião de Portugal último rei da dinastia de Avis morre em batalha no Norte da África e não deixa herdeiros O rei da Espanha Filipe II reivindica o trono português 1578 Jean de Léry escreve Histoire dun voyage faict en la Terre du Brésil 1580 Primeiras bandeiras e entradas expedições de exploração do sertão com origem em São Paulo A Espanha invade Portugal e se apodera de suas colônias início 1580 Montaigne escreve Os canibais da União Ibérica 1582 O calendário gregoriano entra em vigor 1584 A população do Brasil é estimada em 25 mil brancos 18 mil índios domesticados e 14 mil escravos negros 1594 Shakespeare escreve Romeu e Julieta c 1597 O Quilombo dos Palmares no atual estado de Alagoas é fundado por cerca de quarenta escravos fugidos de Pernambuco 1598 Édito de Nantes fim das guerras religiosas na França 1603 Promulgação das Ordenações Filipinas 1604 Ataque malsucedido de uma esquadra holandesa a Salvador da Bahia 1605 Publicação da primeira parte de Dom Quixote de Miguel de Cervantes 1608 Invenção do telescópio na Holanda 1612 Primeira expedição portuguesa contra o Quilombo dos Palmares França Equinocial invasão francesa de São Luís do Maranhão A ocupação se estende por uma vasta região no Norte do Brasil até 1615 1615 Uma esquadra holandesa saqueia a capitania de São Vicente 1618 Eclode a Guerra dos Trinta Anos que causa 8 milhões de mortes na Europa 1621 A Holanda organiza a Companhia das Índias Ocidentais WIC 1624 Os holandeses da WIC ocupam Salvador mas se rendem no ano seguinte às forças lusoespanholas 1627 Frei Vicente do Salvador publica na Bahia a primeira história do Brasil 1630 Início da ocupação holandesa em Pernambuco que até 1637 se estende a boa parte da costa do Nordeste brasileiro 1637 O príncipe Maurício de Nassau assume o governo dos domínios holandeses no Brasil Chegada dos artistas Frans Post e Albert Eckhout primeiros pintores a retratar o perfil da gente e da terra brasileira 1637 Descartes publica Discurso do método 1640 Início da guerra de independência de Portugal D João IV duque de Bragança assume o trono lusitano é o fim dos sessenta anos da União Ibérica 1642 Invasão holandesa de Angola Revolução Inglesa guerra civil deflagrada pelo conflito entre o rei Carlos I e o Parlamento 1648 Primeira Batalha dos Guararapes com vitória luso brasileira No ano seguinte nova e severa derrota holandesa no mesmo teatro de operações ao sul do Recife 1651 Thomas Hobbes publica Leviatã 1653 Padre Antônio Vieira prega o Sermão da Primeira Dominga da Quaresma pedindo a libertação dos índios escravizados 1653 Oliver Cromwell membro do Parlamento se torna o todo poderoso Lorde Protetor da Inglaterra Escócia e Irlanda 1654 Rendição das forças holandesas em Recife Fim do período conhecido como Brasil holandês 1658 Morte de Cromwell 1660 A população da cidade do Rio de Janeiro é de 7 mil habitantes incluindo índios e africanos Dezembro eclode no Rio a Revolta da Cachaça a primeira rebelião política do Brasil colonial derrotada cinco meses depois 1660 Restauração monárquica na Inglaterra Carlos II assume o trono Johannes Vermeer pinta a Vista de Delft 1665 Forças angloportuguesas batem o exército espanhol em Montes Claros e Vila Viçosa assegurando a independência de Portugal Guerra na África Portugal subjuga o Reino do Congo hoje Angola e República Democrática do Congo 1666 Revolta em Pernambuco contra as autoridades coloniais 1666 Um incêndio de grandes proporções devasta Londres 1668 A Espanha reconhece a independência de Portugal 1671 Motim em Sergipe 1675 O bandeirante Fernão Dias Pais Leme inicia a abertura do Caminho Velho ligando São Paulo e Rio de Janeiro a Minas Gerais 1677 Baruch Espinoza publica Ética demonstrada à maneira dos geômetras 1684 Maranhão Revolta de Beckman 1687 Isaac Newton publica a primeira versão dos Principia 1688 Últimos lances da Revolução Inglesa o rei Jaime II é deposto por sua filha Maria II e pelo genro Guilherme III que assumem o trono 1694 O poeta Gregório de Mattos é deportado para Angola 1694 Cerca de 2 milhões de franceses morrem de fome com a quebra das safras agrícolas 1695 O Quilombo dos Palmares é destruído por bandeirantes paulistas Morte de Zumbi o líder dos quilombolas e comandante militar de Palmares 1697 Chega a Salvador a notícia de que foi encontrado ouro na região central do atual estado de Minas Gerais O padre Antônio Vieira morre em Salvador Primeira edição dos Sermões 1700 A Coroa portuguesa começa a tributar o ouro extraído no Brasil pela regra do quinto 1701 Eclode a Guerra de Sucessão Espanhola que conflagra toda a Europa até 1713 1707 Início da Guerra dos Emboabas entre paulistas e reinóis pelo controle da exploração do ouro das Minas Coroação de d João V 1707 A Inglaterra e a Escócia se unificam formando a Grã Bretanha 1709 As ordens religiosas são proibidas de se instalar em Minas Gerais pela Coroa portuguesa 1710 Guerra dos Mascates em Pernambuco opondo a elite açucareira de Olinda aos comerciantes do Recife apoiados pelos portugueses 1711 As primeiras vilas são fundadas em Minas Gerais na região das jazidas auríferas Mariana Sabará e Vila Rica Motins do Maneta em Salvador Padre Antonil publica Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas 1715 Morte do rei Luís XIV da França 171720 Diversos motins e revoltas em Minas Gerais estimulados pela carência de alimentos 1720 Sedição de Vila Rica de caráter antifiscal É a mais importante rebelião em Minas até a Conjuração de 1789 Década de 1720 Descobertas de ouro em Mato Grosso e Goiás 1727 Primeiro registro do cultivo de café no Brasil 1729 O Tratado de Sevilha entre GrãBretanha França e Espanha encerra a Guerra AngloEspanhola 1740 Início da Guerra de Sucessão Austríaca 1741 Apogeu da produção anual de ouro em Minas Gerais 115 toneladas 1742 Estreia em Dublin o oratório O Messias de Georg Friedrich Händel Anders Celsius inventa o termômetro centígrado 1744 Johann Sebastian Bach conclui o segundo volume de O cravo bem temperado 1748 Fim da Guerra de Sucessão Austríaca 1750 Fundação do Seminário de Mariana Morte de d João V sucedido por d José I Sebastião José de Carvalho e Melo futuro marquês de Pombal é nomeado secretário de Estado Tratado de Madri entre Portugal e Espanha estabelece os limites de suas colônias sulamericanas Década de 1750 Início da decadência da produção aurífera em Minas 1750 Morte de Johann Sebastian Bach 1751 Início da publicação da Enciclopédia 175172 por Denis Diderot e JeanBaptiste dAlembert 1753 Descoberta a cura para o escorbuto comum em viagens oceânicas ingestão de frutas cítricas 1754 Guerra anglofrancesa na América do Norte JeanJacques Rousseau escreve o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens 1755 1º de novembro um terremoto seguido de tsunami destrói grande parte de Lisboa e mata mais de 30 mil pessoas 1756 Início da Guerra dos Sete Anos Primeira fábrica de chocolate na Alemanha 1759 Decretada a expulsão dos jesuítas de Portugal e suas colônias 1759 A França cede o Québec aos ingleses Voltaire publica Cândido ou o otimismo 1762 Rousseau publica o Contrato social A biblioteca da Sorbonne é aberta ao público em Paris Estimulada pela França a Espanha invade Portugal e é repelida com auxílio inglês 1763 O Rio de Janeiro se torna a nova capital do ViceReino do Brasil 1764 Expulsão dos jesuítas da França Voltaire publica o Dicionário filosófico 1765 A batata tubérculo originário da América do Sul se torna o alimento mais consumido na Europa 1767 Expulsão dos jesuítas da Espanha 1766 Começa a construção da igreja de São Francisco de Assis em Vila Rica com projeto de Antônio Francisco Lisboa o Aleijadinho 1768 James Cook começa sua primeira viagem de circum navegação da Terra 1769 Nascimento de Napoleão Bonaparte James Watt patenteia sua máquina a vapor 1772 Fim da Inquisição na França Publicação do último volume da Enciclopédia 1773 Primeira publicação da Carta de Pero Vaz de Caminha Cláudio Manuel da Costa escreve o poema Vila Rica 1773 Protestos contra a taxação britânica do chá em Boston O papa Clemente XIV dissolve a Companhia de Jesus 1776 4 de julho Declaração da Independência dos Estados Unidos da América Adam Smith publica A riqueza das nações 1777 Morte de d José I de Portugal D Maria I sua filha assume a Coroa 1780 Fundação da Academia das Ciências de Lisboa 1780 Rebelião contra o domínio espanhol no Peru Fundação da American Academy of Sciences em Boston Década de 1780 A Revolução Industrial se consolida na Inglaterra 1781 Provável início da conspiração antilusitana em Vila Rica tendo como líderes os letrados Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga entre outros além do militar Joaquim José da Silva Xavier o Tiradentes Os conjurados com inspiração na Revolução Americana pretendem separar o Brasil de Portugal a partir de Minas Gerais e fundar uma república independente 1781 Immanuel Kant publica a Crítica da razão pura Abolição da servidão na Áustria William Herschel descobre o planeta Urano 1783 A GrãBretanha reconhece a independência dos Estados Unidos 1786 José Joaquim da Maia um dos conspiradores de Minas Gerais se encontra com Thomas Jefferson na França A população escrava em Minas Gerais é calculada em 174 mil negros Tomás Antônio Gonzaga começa a escrever as Cartas chilenas 1786 Estreia em Viena a ópera As bodas de Fígaro de Wolfgang Amadeus Mozart 1787 O dólar é introduzido nos Estados Unidos Promulgação da Constituição dos Estados Unidos Mozart compõe Don Giovanni 1788 Dezembro período mais intenso das reuniões dos inconfidentes de Minas Gerais 1788 O rei Luís XVI convoca os EstadosGerais para o ano seguinte Kant publica a Crítica da razão prática Os primeiros colonos permanentes se estabelecem na Austrália 1789 Março Joaquim Silvério dos Reis denuncia verbalmente o levante iminente em Vila Rica Desmobilização do movimento 10 de maio prisão de Tiradentes e Silvério no Rio de Janeiro 17 de maio um emissário embuçado vai até a casa de Cláudio Manuel da Costa e o avisa para queimar papéis Maiooutubro inquirições da Devassa 22 de maio primeiro interrogatório de Tiradentes na fortaleza da ilha das Cobras no Rio de Janeiro 25 de junho prisão de Cláudio Manuel da Costa encontrado 1789 Revolução Francesa 17 de junho durante a reunião dos EstadosGerais o Terceiro Estado se autoproclama Assembleia Nacional 14 de julho Queda da Bastilha a Assembleia Nacional assume o poder de facto 4 de agosto Abolição do sistema feudal na França 26 de agosto Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 2 de novembro a Assembleia confisca os bens da Igreja Primeira tecelagem a vapor em Manchester morto na cela nove dias depois 1790 Manuel Maria du Bocage publica Rimas 1790 Concessão de liberdades civis aos judeus na França Fundação de Washington DC 1792 21 de abril execução de Tiradentes Declarada a incapacidade mental da rainha d Maria I o príncipe d João assume a regência da Coroa portuguesa Tomás Antônio Gonzaga no exílio publica Marília de Dirceu 1792 13 de agosto prisão de Luís XVI e da família real A República Francesa é proclamada em 22 de setembro A França declara guerra contra a Áustria e a Prússia Primeira utilização de gás para a iluminação urbana em Londres 1793 Execução de Luís XVI A Convenção liderada por Robespierre instala o Terror na França O Museu do Louvre é aberto ao público 1794 Execução de Robespierre 1795 Nova Constituição na França Início do governo do Diretório Adoção do sistema métrico Johann Wolfgang von Goethe publica Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister 1798 Agosto Conjuração Baiana revolta negra anticolonial sufocada antes do levante militar planejado pelos conspiradores 1799 Aleijadinho completa as esculturas da Via Crúcis do santuário de Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas do Campo Silva Alvarenga publica Glaura poemas eróticos 1799 O general Napoleão Bonaparte assume o Consulado na França 1800 Alessandro Volta inventa a pilha elétrica 1801 Thomas Jefferson é eleito presidente dos Estados Unidos 1803 Início da guerra entre França e Inglaterra 1804 Coroação de Napoleão como imperador da França Invenção da locomotiva na Inglaterra 1805 Napoleão vence a Batalha de Austerlitz contra a Áustria e Rússia Ludwig van Beethoven compõe a Sinfonia nº 3 Eroica Vitória inglesa na Batalha de Trafalgar que confirma o poderio naval britânico 1806 Napoleão decreta o Bloqueio Continental contra a Inglaterra Dissolução do Sacro Império RomanoGermânico 1807 Julho ultimato francês Portugal deve declarar guerra à Inglaterra sua mais tradicional aliada do contrário será invadido O regente d João tenta ganhar tempo afinal é obrigado a fugir para o Brasil para escapar dos exércitos francoespanhóis que invadem o país No dia 27 de novembro embarcam para o Rio de Janeiro cerca de 15 mil pessoas entre membros da família real 1807 Georg Friedrich Hegel publica Fenomenologia do espírito cortesãos funcionários e clérigos sob a escolta de belonaves britânicas O general Junot comanda a invasão francesa de Portugal ocupando Lisboa em 30 de novembro 1808 Janeiro parte da esquadra da Corte portuguesa alcança Salvador 7 de março chegada do regente d João ao Rio de Janeiro O Rio se torna a capital do Império português Criação da Imprensa Nacional e do Jardim Botânico Fundação do primeiro Banco do Brasil O príncipe regente d João decreta a abertura dos portos brasileiros às nações amigas e dois anos depois concede uma série de vantagens comerciais à Inglaterra 1808 Goethe publica Fausto primeira parte Beethoven compõe a Sinfonia nº 5 Francisco de Goya pinta os massacres perpetrados pelos franceses durante a ocupação da Espanha 1º de junho início da circulação em Londres do Correio Braziliense de Hipólito da Costa 1810 Início das guerras de independência na América Latina 1811 Portugal expulsa definitivamente as forças francesas e recupera sua independência 1811 Declaração de independência da Venezuela Auge do domínio napoleônico na Europa 1812 Fracassa a invasão francesa da Rússia 1813 D João inaugura o Real Theatro de São João no Rio de Janeiro 1815 Instituído o Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves com sede no Rio de Janeiro 1815 Napoleão deposto em 1814 escapa do exílio mas é definitivamente derrotado na Batalha de Waterloo Luís XVIII reassume o trono francês É a Restauração absolutista O Congresso de Viena reorganiza o mapa político da Europa 1816 Morte de d Maria I O príncipe regente assume o trono como d João VI Chegada de um grupo de artistas franceses antigos colaboradores de Napoleão Bonaparte ao Rio de Janeiro 1816 Declaração de independência da Argentina 1817 Rebelião em Pernambuco Revolta em Portugal contra a tutela inglesa 1818 Aclamação de d João VI O príncipe d Pedro se casa com a princesa Leopoldina da Áustria 1818 Declaração de independência do Chile 1819 Arthur Schopenhauer publica O mundo como vontade e representação 1820 Revolução Liberal no Porto que exige o retorno da Corte a Lisboa e a promulgação de uma Constituição para o Reino 1820 Alphonse de Lamartine publica Médiations poétiques marco do romantismo na França 1821 Junho d João VI jura a nova Constituição e retorna a Portugal deixando seu filho d Pedro no Rio de Janeiro como príncipe regente do Brasil Setembro as Cortes exigem o retorno de d Pedro a Portugal 1821 Declarações de independência do México e do Peru Maio morte de Napoleão no exílio na ilha de Santa Helena 1822 9 de janeiro d Pedro atende às solicitações das províncias e se recusa a cumprir as ordens das Cortes Dia do Fico Fevereiro início do conflito entre autonomistas e tropas portuguesas estacionadas na Bahia que são expulsas no ano seguinte Junho d Pedro convoca a Assembleia Constituinte Agosto d Pedro publica um manifesto às nações amigas em que praticamente declara a independência do Brasil Diversos representantes diplomáticos são nomeados à revelia de Lisboa 7 de setembro em São Paulo d Pedro proclama a Independência do Brasil 1º de dezembro coroação de d Pedro I imperador do Brasil Início do Primeiro Reinado 1823 Maio instalação da Assembleia Constituinte Novembro o imperador dissolve a Constituinte Os irmãos Andrada José Bonifácio Martim Francisco e Antônio Carlos os políticos mais influentes na corte são presos e exilados 1824 A Constituição do Império é outorgada em 25 de março Revolta republicana e separatista no Nordeste a Confederação do Equador 1824 Coroação de Carlos X rei da França Beethoven rege a estreia da Sinfonia nº 9 Coral Criação da primeira sociedade protetora dos animais na Inglaterra 1825 Início da guerra contra a Argentina pelo domínio da Cisplatina atual Uruguai 1825 Portugal e Inglaterra reconhecem a Independência do Brasil Declaração de independência da Bolívia 1826 D Pedro I reabre o Parlamento brasileiro fechado desde 1823 Morte de d João VI D Pedro I renuncia ao trono português em favor de sua filha d Maria da Glória Morte da imperatriz d Leopoldina Criação da Academia Imperial de Belas Artes José Maurício Nunes Garcia compõe a Missa de Santa Cecília 1826 Victor Hugo publica Odes et ballades 1828 Fim da Guerra da Cisplatina com mediação da Inglaterra 1828 O regente d Miguel irmão de d Pedro I assume o trono português num golpe de Estado e restaura o absolutismo Início da guerra civil portuguesa 1830 Revolução de Julho na França o rei Carlos X é deposto Luís Felipe de Orléans assume o trono como monarca constitucional Independência da Bélgica Construção da primeira estrada de ferro entre Liverpool e Manchester Auguste Comte publica Cours de philosophie positive 1831 Março Distúrbios antilusitanos no Rio de Janeiro Noite das Garrafadas 7 de abril abdicação de d Pedro I em favor do príncipe Pedro de cinco anos de idade Criação da Guarda Nacional Início das Regências 1831 D Pedro I Pedro IV de Portugal desembarca nos Açores com uma expedição militar inglesa Charles Darwin inicia sua viagem de volta ao mundo no HMS Beagle Revolta contra a Rússia na Polônia 1832 O Egito se torna independente do Império otomano 1834 Agosto a maioria liberal na Câmara dos Deputados aprova o Ato Adicional que descentraliza a administração entre as províncias brasileiras e institui a Regência Una JB Debret lança na França Viagem pitoresca e histórica ao Brasil 1834 Capitulação das forças miguelistas D Maria da Glória assume o trono de Portugal como d Maria II com apoio inglês Morte de d Pedro IV defensor perpétuo do Brasil 1835 Diogo Antônio Feijó assume a Regência Una Janeiro início da Revolta da Cabanagem no Pará Setembro eclode Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul 1835 A vacinação antivariólica se torna obrigatória na Inglaterra Alexis de Tocqueville publica A democracia na América 1836 Novembro início da Sabinada na Bahia Gonçalves de Magalhães publica Suspiros poéticos e saudades marco inicial do romantismo na literatura brasileira 1837 Renúncia de Feijó 1837 Coroação da rainha Vitória da Inglaterra 1838 Dezembro início da Balaiada no Maranhão Fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 1839 Invenção da fotografia Stendhal escreve A Cartuxa de Parma 1840 Louis Compte produz o primeiro daguerreótipo da América do Sul mostrando o largo do Paço no Rio de Janeiro 1840 A Inglaterra emite os primeiros selos postais do mundo 1841 18 de julho coroação de d Pedro II como imperador do Brasil aos dezesseis anos incompletos Início do Segundo Reinado 1843 A imperatriz Teresa Cristina princesa do reino das Duas Sicílias casada por procuração com d Pedro II chega ao Rio de Janeiro 1845 Início do movimento praieiro em Pernambuco Termina a Guerra dos Farrapos no Sul 1848 Marx e Engels escrevem o Manifesto do Partido Comunista Uma onda de revoluções varre a Europa Cai o rei Luís Felipe Início da Segunda República na França 1850 Lei Eusébio de Queirós extinção do tráfico negreiro Lei de Terras garante o status quo fundiário Primeira epidemia de febre amarela urbana no Rio de Janeiro que logo se espalha para outras cidades 1851 A capital do Império tem 266 mil habitantes dos quais 110 mil são escravos Gonçalves Dias publica IJuca Pirama 1852 Deposição do presidente Rosas na Argentina com intervenção brasileira 1852 O presidente Luís Napoleão da França dá um golpe de Estado e no ano seguinte se torna o imperador Napoleão III 1854 Primeira linha de telégrafo do Brasil Inauguração da iluminação a gás no Rio 1854 Concluída em Londres a construção do Big Ben torre e relógio do Parlamento inglês Início da Guerra da Crimeia que opõe a Inglaterra à Rússia 1856 Revolta de colonos imigrantes no interior de São Paulo Gonçalves de Magalhães publica A Confederação dos Tamoios 1857 O primeiro elevador de passageiros a vapor começa a funcionar em Nova York Gustave Flaubert publica Madame Bovary 1858 Rio de Janeiro criação da Escola Central posteriormente denominada Escola Militar e Escola Politécnica Inauguração da Estrada de Ferro D Pedro II após 1889 denominada Central do Brasil 1859 Charles Darwin publica A origem das espécies Começa a produção do primeiro poço de petróleo dos Estados Unidos Richard Wagner compõe Tristão e Isolda 1860 Victor Meirelles exibe Primeira missa no Brasil na Exposição Universal de Paris 1860 Os judeus são autorizados a votar na Inglaterra 1861 O tsar Alexandre II decreta o fim da servidão na Rússia Invenção da bicicleta na França 1862 O Rio de Janeiro é a terceira cidade do mundo a contar com rede de esgotos Conflito diplomático com a Inglaterra Questão Christie 1862 Victor Hugo publica Les Misérables 1863 Inauguração do primeiro trecho do metrô de Londres 1865 José de Alencar publica Iracema Formação da Tríplice Aliança entre Brasil Argentina e Uruguai contra o regime de Solano López Início da Guerra do Paraguai 1865 Fim da Guerra Civil nos Estados Unidos que abolem a escravidão em todo o país Assassinato do presidente norteamericano Abraham Lincoln 1867 Inauguração da estrada de ferro SantosJundiaí Uma epidemia de cólera mata dezenas de milhares no país O fotógrafo Marc Ferrez começa a atuar na capital imperial 1867 O Império russo vende o Alasca aos Estados Unidos Johann Strauss II estreia a valsa Danúbio azul em Viena 1869 Richard Burton publica Explorations of the Highlands of Brazil 1870 O Manifesto republicano é publicado num jornal político de São Paulo Estreia a ópera Il Guarany de Carlos Gomes baseada no romance de José de Alencar 1º de março Solano López presidente do Paraguai é assassinado Fim da guerra Mais de 5 mil brasileiros morrem ao longo do conflito e a população paraguaia é dizimada Década de 1870 Início da Segunda Revolução Industrial com o desenvolvimento da eletricidade da siderurgia e da petroquímica 1870 Início da Guerra FrancoPrussiana 1871 28 de setembro assinatura da Lei do Ventre Livre 1871 A Prússia invade a França A Comuna de Paris governa a cidade por alguns dias na esteira da queda de Napoleão III mas é desbaratada pelos prussianos Início da Terceira República 1872 São Paulo tem 20 mil habitantes Fundação do Partido Republicano 1872 Monet inaugura o impressionismo na França 1874 Questão Religiosa desentendimentos entre o Estado imperial e a Igreja em torno da maçonaria 1875 Bernardo Guimarães publica A escrava Isaura 1876 Richard Wagner estreia O anel dos nibelungos Alexander Graham Bell patenteia o telefone D Pedro II participa de uma das primeiras demonstrações públicas da nova máquina na Filadélfia 1877 Organizada a primeira empresa de abastecimento de água em São Paulo a Companhia Cantareira de Água e Esgotos que começa a operar em 1881 1878 Machado de Assis publica Iaiá Garcia 1879 Thomas Edison patenteia a primeira lâmpada elétrica 1880 Fundada a Sociedade Brasileira contra a Escravidão Machado de Assis publica em folhetim o romance Memórias póstumas de Brás Cubas editado em volume no ano seguinte 1881 O tsar Alexandre II morre num atentado a bomba O primeiro serviço regular de bonde elétrico do mundo começa a funcionar em Berlim na Alemanha 1882 Escândalo do roubo das joias da Coroa 1883 Joaquim Nabuco publica em Londres O abolicionismo Castro Alves escreve Os escravos 1884 A escravidão é oficialmente abolida no Ceará e no Amazonas 188485 Conferência de Berlim as potências europeias repartem entre si o continente africano 1885 Lei SaraivaCotegipe dos Sexagenários liberta os escravos maiores de sessenta anos Surto de cólera no Rio de Janeiro 1885 Louis Pasteur descobre a vacina contra a raiva humana 1886 Invenção do automóvel a gasolina na Alemanha Abolição da escravatura em Cuba Heinrich Hertz comprova a existência das ondas eletromagnéticas 1887 Chegam a São Paulo 34710 imigrantes a maioria proveniente da Itália 1888 13 de maio abolição da escravatura Na ausência de d Pedro II em viagem pela Europa a regente princesa Isabel assina a Lei Áurea Raul Pompeia publica O Ateneu Pedro Américo pinta o quadro Independência ou morte 1888 Fundação da National Geographic Society em Washington Jack o Estripador aterroriza Londres Eça de Queirós publica Os Maias 1889 15 de junho imigrante português desempregado tenta matar o imperador no centro do Rio 9 de novembro o Império do Brasil promove seu primeiro e 1889 Inauguração da Torre Eiffel na Exposição Universal de Paris único baile oficial o Baile da Ilha Fiscal 15 de novembro a Proclamação da República acaba com 67 anos de regime monárquico O alagoano Deodoro da Fonseca oficial mais graduado do Exército imperial assume a Presidência dos Estados Unidos do Brasil D Pedro II e toda a família imperial são banidos do país O Brasil tem 10 mil quilômetros de ferrovias Início da República Velha 1890 Crise do Encilhamento Aluísio Azevedo publica O cortiço 1890 Oscar Wilde publica O retrato de Dorian Gray Morte de Vincent van Gogh 1891 Promulgação da primeira Constituição da República Primeira Revolta da Armada 23 de novembro renúncia de Deodoro o vice Floriano Peixoto assume a Presidência 1893 54 dos habitantes de São Paulo são estrangeiros Segunda Revolta da Armada o Rio de Janeiro é bombardeado por navios da Marinha rebelados 1894 Prudente de Morais tornase o primeiro civil a ocupar a Presidência da República 1894 A primeira corrida de automóveis é realizada na França O capitão Dreyfus é preso na França falsamente acusado de espionar para os alemães 1895 Fim da Revolução Federalista no Sul 1895 Os irmãos Lumière exibem seu primeiro filme em Paris 1896 Primeiras Olimpíadas da era moderna em Atenas 1897 Inauguração de Belo Horizonte nova capital de Minas Gerais Outubro o Exército massacra a população de Canudos O jornalista Euclides da Cunha cobre a expedição contra Canudos pelo jornal O Estado de S Paulo 1899 Machado de Assis escreve Dom Casmurro Chiquinha Gonzaga compõe Ó abre alas 1899 A aspirina começa a ser comercializada na Alemanha Década de 1900 Linhas telegráficas chegam até a Amazônia 1901 Morte da rainha Vitória 1902 Euclides da Cunha publica Os sertões O prefeito Pereira Passos começa a executar um grande programa de reformas e melhoramentos urbanos na capital federal 1903 Oswaldo Cruz começa a erradicar a febre amarela no Rio de Janeiro 1904 Machado de Assis publica Esaú e Jacó romance em que reconstitui o Baile da Ilha Fiscal e a Proclamação da República Botaabaixo na capital da República centenas de imóveis são demolidos para a abertura da avenida Central atual Rio Branco Novembro a população carioca se revolta contra a vacinação obrigatória É a Revolta da Vacina 1905 Albert Einstein publica a primeira versão da Teoria da Relatividade 1907 Primeira greve geral em São Paulo 1907 Pablo Picasso pinta Les Demoiselles dAvignon marco inicial do cubismo 1908 Henry Ford inicia a produção em série do modelo T Assassinato do rei e do príncipe herdeiro de Portugal 1910 Revolta da Chibata na Marinha sitia o Rio de Janeiro Década de 1910 Colapso da exportação de borracha amazônica 1910 Proclamação da República em Portugal 1911 Lima Barreto publica Triste fim de Policarpo Quaresma Inauguração do Theatro Municipal de São Paulo 1912 6 Conflito armado conhecido por Guerra do Contestado ocorre na região Sul do Brasil entre Paraná e Santa Catarina 1913 Marcel Proust publica o primeiro volume de Em busca do tempo perdido Igor Stravinsky estreia em Paris o balé A sagração da primavera 1914 8 de março dia triunfal nascimento dos principais heterônimos de Fernando Pessoa Junho assassinato do arquiduque Franz Ferdinand da Sérvia em Sarajevo Agosto início da Primeira Guerra Mundial 1915 Franz Kafka publica A metamorfose 1916 Primeira gravação de um samba Pelo telefone de Donga e João da Baiana 1917 Anita Malfatti realiza a primeira exposição de pintura modernista em São Paulo O jornalista e escritor Monteiro Lobato publica uma violenta crítica a Malfatti Paranoia ou mistificação 1917 Revolução Russa 1918 Monteiro Lobato publica Urupês seu primeiro livro 1918 Capitulação da Alemanha fim da Primeira Guerra Mundial Saldo final do conflito mais de 20 milhões de mortos 1919 Fundação da Bauhaus na Alemanha 1920 É criada a primeira universidade brasileira a Universidade do Brasil 1922 Fevereiro Semana de Arte Moderna de São Paulo 5 de julho levante dos Dezoito do Forte de Copacabana O morro do Castelo no centro do Rio é destruído para dar vasão aos ventos na cidade e lugar aos pavilhões da Exposição Internacional do Centenário da Independência 1922 Fundação da União Soviética James Joyce publica Ulysses TS Eliot publica A terra árida 1924 Levante tenentista em São Paulo sob a liderança do general Miguel Costa 1924 André Breton publica o Manifesto surrealista 1925 A Coluna PrestesMiguel Costa formada por militares do 1925 Virginia Woolf publica Mrs Dalloway Exército rebelados no Rio Grande do Sul e em São Paulo percorre 25 mil quilômetros no interior do país até 1927 1927 Exibição dos primeiros filmes sonoros 1928 Inauguração da rodovia RioSão Paulo Manifesto antropófago Oswald de Andrade proclama a primeira dentição do movimento Mário de Andrade publica Macunaíma Tarsila do Amaral pinta O Abaporu 1929 Quebra da Bolsa de Nova York Sigmund Freud escreve O malestar na civilização 1930 Julho assassinato do presidente da Paraíba João Pessoa 3 de outubro tropas em Minas e no Rio Grande do Sul se rebelam contra o governo federal 24 de outubro deposição de Washington Luís Triunfo da Revolução de 1930 O candidato derrotado nas eleições de março Getúlio Vargas assume a Presidência Noel Rosa realiza sua primeira gravação Manuel Bandeira publica Libertinagem Início da Era Vargas 1931 Estreia do filme Limite de Mário Peixoto 1931 O Japão invade a Manchúria China 1932 Criação da Justiça Eleitoral As mulheres conquistam o direito de votar 9 de julho o estado de São Paulo se revolta contra Vargas deflagrando uma guerra civil Três meses depois os separatistas capitulam 1932 Início da ditadura salazarista em Portugal 1933 Gilberto Freyre publica Casagrande senzala Oswald de Andrade publica Serafim Ponte Grande 1933 Janeiro Adolf Hitler do Partido NacionalSocialista assume o cargo de primeiroministro da Alemanha 1934 A Constituição é promulgada pela Assembleia Constituinte Luís Carlos Prestes ingressa no PCB Fundação da USP Graciliano Ramos publica São Bernardo Início das atividades do Grupo Santa Helena em São Paulo no qual colaboram Francisco Rebolo Clóvis Graciano e Alfredo Volpi entre outros 1935 Julho proibição da Aliança Nacional Libertadora frente de esquerda patrocinada pelos comunistas Novembro levantes comunistas em Natal no Recife e no Rio de Janeiro Luís Carlos Prestes é preso meses depois 1935 Fernando Pessoa publica Mensagem 1936 Sérgio Buarque de Holanda publica Raízes do Brasil 1936 A Etiópia é anexada pela Itália 1937 Vargas dá um golpe de Estado com apoio dos militares Criação da Família Artística Paulista congregando artistas como Rossi Osir e Aldo Bonadei Início da ditadura do Estado Novo 1937 Picasso pinta Guernica 1938 Heitor VillaLobos compõe a ária cantilena das Bachianas Brasileiras nº 5 1938 Anexação da Tchecoslováquia e da Áustria pelos alemães Intensificamse os pogroms antissemitas na Alemanha Invenção do náilon JeanPaul Sartre publica A náusea 1939 Carmen Miranda estreia nos Estados Unidos 1939 Invasão da Polônia pela Alemanha nazista início da Segunda Guerra Mundial 1942 Agosto o Brasil declara guerra à Alemanha Os Estados Unidos instalam uma base aérea no Rio Grande do Norte Caio Prado Jr publica Formação do Brasil contemporâneo Jorge Amado publica Terras do sem fim 1943 Outubro Manifesto dos mineiros pela redemocratização Vestido de noiva tragédia carioca de Nelson Rodrigues estreia no Theatro Municipal do Rio de Janeiro 1943 A Batalha de Stalingrado começa a decidir a derrota alemã na Segunda Guerra Mundial 1944 Desembarque aliado no norte da França Dia D Jorge Luis Borges publica Ficções 1945 No fim da Segunda Guerra Mundial mais de 25 mil militares brasileiros participaram de combates na Europa Outubro um golpe militar depõe Getúlio Vargas Dezembro Eurico Gaspar Dutra vence as eleições presidenciais com o apoio de Getúlio Carlos Drummond de Andrade publica A rosa do povo Início da Segunda República 1945 Maio fim dos combates na Europa Agosto duas bombas atômicas arrasam Hiroshima e Nagasaki Fim da Segunda Guerra Mundial O conflito causa mais de 50 milhões de mortes Início da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética 1946 Uma nova Constituição substitui a de 1934 Sagarana livro de estreia de Guimarães Rosa 1947 O PCB é proibido de funcionar Murilo Mendes publica Poesia liberdade O magnata Assis Chateaubriand inaugura o Museu de Arte de São Paulo Masp Estreia Este mundo é um pandeiro da Atlântida com Oscarito 1947 Independência da Índia 1948 O mandato dos parlamentares comunistas é cassado 1948 Mahatma Gandhi é assassinado na Índia Fundação do Estado de Israel Primeira guerra árabeisraelense 1949 Fundação do Museu de Arte Moderna de São Paulo Criação do estúdio Vera Cruz 1949 Revolução Chinesa Mao Tsétung se torna o líder supremo da República Popular da China Simone de Beauvoir publica O segundo sexo George Orwell publica 1984 1950 Copa do Mundo no Brasil derrotado na final pelo Uruguai Getúlio Vargas vence as eleições presidenciais Entra em funcionamento a TV Tupi primeiro canal de televisão do Brasil 1951 O Museu de Arte Moderna realiza a I Bienal Internacional de Arte de São Paulo Carlos Drummond de Andrade publica Claro enigma 1952 Haroldo de Campos Augusto de Campos e Décio Pignatari lançam a revista Noigandres início do movimento concretista no Brasil 1953 Março Greve dos Trezentos Mil em São Paulo contra a carestia Criação da Petrobras Escândalo do jornal Última Hora Publicação póstuma de Memórias do cárcere de Graciliano Ramos Criação do Teatro de Arena em São Paulo 1953 Fim da Guerra da Coreia Morte de Stálin 1954 Fevereiro Manifesto dos coronéis contra o governo Vargas 5 de agosto O jornalista Carlos Lacerda maior portavoz da oposição sofre um atentado a bala O oficialaviador que o protegia é assassinado 24 de agosto suicídio de Getúlio Assume o vicepresidente Café Filho Celso Furtado escreve A economia brasileira Grande Otelo e Oscarito estrelam Matar ou correr 1954 Início das transmissões da TV em cores nos Estados Unidos Os franceses são definitivamente derrotados na Indochina no Sudeste Asiático Thomas Mann publica Doutor Fausto 1955 Outubro eleição de Juscelino Kubitschek para a Presidência da República Novembro o marechal Lott sufoca uma tentativa de golpe contra a posse de Juscelino Estreia do longametragem Rio 40 graus de Nelson Pereira dos Santos Refundação das Ligas Camponesas em Pernambuco 1956 Juscelino toma posse e apresenta o Plano de Metas Cinquenta anos em cinco Guimarães Rosa publica Corpo de baile e poucos meses depois Grande sertão veredas Primeira Exposição Nacional de Arte Concreta em São Paulo 1956 Tropas do Pacto de Varsóvia lideradas pela União Soviética invadem a Hungria Allen Ginsberg publica o poema Uivo 1957 Início da construção de Brasília 1957 Jack Kerouac publica o romance On the Road 1958 Início da construção da rodovia BelémBrasília A inflação chega a 40 ao ano Gianfrancesco Guarnieri estreia Eles não usam black tie em São Paulo O Brasil é campeão mundial de futebol na Suécia 1958 Jacques Tati filma Meu tio Alfred Hitchcock filma Um corpo que cai 1959 Lançamento do disco Chega de saudade de João Gilberto considerado o marco inicial da Bossa Nova 1959 Revolução Cubana o governo próEstados Unidos de Fulgencio Batista é deposto por guerrilheiros liderados por Fidel Castro 1960 21 de abril inauguração de Brasília 1961 31 de janeiro posse de Jânio Quadros na Presidência da República 25 de agosto renúncia de Jânio Quadros 1961 Início da construção do Muro de Berlim A Índia anexa a colônia portuguesa de Goa 7 de setembro O vice João Goulart rejeitado pelos militares só assume a Presidência com a aprovação do regime parlamentarista 1962 O pagador de promessas de Nelson Pereira dos Santos vence a Palma de Ouro no Festival de Cannes Brasil bicampeão mundial na Copa do Chile 1962 Início do embargo econômico norteamericano a Cuba A ilha caribenha protagoniza a Crise dos Mísseis Independência da Argélia 1963 Janeiro fim do regime parlamentarista rejeitado em plebiscito Outubro Jango tenta decretar o estado de sítio mas a proposta é descartada pelo Congresso 1963 Novembro O presidente Kennedy dos Estados Unidos é assassinado em Dallas 1964 13 de março Jango desafia a oposição e os militares no Comício da Central no Rio de Janeiro 25 de março fuzileiros navais e marinheiros se rebelam no Rio É o estopim do golpe 1º de abril um golpe civilmilitar instala a ditadura Milhares de prisões cassações torturas e demissões acontecem nos primeiros meses do novo regime 11 de abril o general Castello Branco é eleito indiretamente por um Congresso mutilado Junho criação do Serviço Nacional de Informações SNI cérebro da repressão política O ano termina com inflação de 80 Estreia de Deus e o diabo na terra do sol de Glauber Rocha Clarice Lispector publica A paixão segundo G H Criação do Grupo Opinião Início da ditadura militar 1964 Os Beatles conquistam os Estados Unidos Intensificase o envolvimento norteamericano na Guerra do Vietnã 1965 AI2 extinção das eleições diretas para presidente Fundação da TV Globo A TV Excelsior realiza o I Festival de Música Popular Brasileira 1º Lugar Arrastão de Edu Lobo e Vinicius de Moraes com Elis Regina Estreia Liberdade liberdade musical de Millôr Fernandes e Flávio Rangel Dalton Trevisan publica O vampiro de Curitiba Apresentação no Tuca da peça Morte e vida severina de João Cabral de Melo Neto musicada por Chico Buarque 1966 Chico Buarque lança A banda 1967 Antônio Callado publica Quarup Guimarães Rosa publica Tutameia Glauber Rocha estreia Terra em transe Zé Celso Martinez Corrêa dirige O rei da vela de Oswald de Andrade Plínio Marcos dirige Navalha na carne 1967 Israel derrota uma coalizão de países árabes e ocupa a Cisjordânia além de Jerusalém Oriental Gabriel García Márquez publica Cem anos de solidão 1968 Abril Passeata dos Cem Mil no Rio 13 de dezembro o AI5 decreta o golpe dentro do golpe e acaba com as garantias individuais e com a liberdade de imprensa Com o AI5 Chico Buarque Geraldo Vandré Caetano Veloso e Gilberto Gil partem para o exílio Fernando Henrique Cardoso e Roberto Schwarz professores da 1968 Maio protestos estudantis e operários abalam a França A União Soviética invade a Tchecoslováquia USP são demitidos Início do milagre econômico da ditadura Caetano Veloso Gilberto Gil Os Mutantes e outros artistas lançam o álbum Tropicália Lygia Clark apresenta a instalação A casa é o corpo no MAM RJ 1969 Criação da Operação Bandeirantes Oban para o extermínio de opositores ao regime Assassinato do guerrilheiro Carlos Marighella pela repressão O jornal alternativo O Pasquim começa a circular 1969 Os Estados Unidos enviam três astronautas à Lua O Festival de Woodstock reúne 400 mil jovens em três dias de shows no interior do estado de Nova York 1970 A população urbana ultrapassa a população rural O Brasil é tricampeão mundial de futebol na Copa do México Criação dos CodiDOI Dilma Rousseff militante da Vanguarda Popular Revolucionária é presa e torturada em São Paulo 1970 Capitulação da província separatista de Biafra fim da guerra civil na Nigéria Os Estados Unidos invadem o Camboja ampliando a escalada militar no Sudeste Asiático 1971 O exdeputado federal Rubens Paiva é sequestrado em casa e morto sob tortura no DOI do Rio O excapitão Carlos Lamarca é assassinado pelo Exército no interior da Bahia João Ubaldo Ribeiro publica Sargento Getúlio Ariano Suassuna publica A pedra do reino 1971 A República Popular da China é admitida na Assembleia Geral da ONU O primeiro microprocessador do mundo é lançado comercialmente 1972 Inauguração do primeiro trecho da Transamazônica 1972 Onze israelenses são assassinados por terroristas palestinos nos Jogos Olímpicos de Munique na Alemanha 1973 Hélio Oiticica realiza as primeiras obras da série Cosmococas em Nova York Lygia Fagundes Telles publica As meninas 1973 Guerra do Yom Kippur Israel consolida sua hegemonia militar no Oriente Médio O presidente socialista do Chile Salvador Allende é deposto por um violento golpe militar 1974 O choque dos preços internacionais do petróleo provoca o fim do milagre econômico A guerrilha comunista na região do Araguaia é dizimada pelas Forças Armadas Ignácio de Loyola Brandão publica o romance Zero em Milão na Itália por causa da censura do AI5 1974 A Revolução dos Cravos acaba com quatro décadas de ditadura em Portugal Renúncia de Richard Nixon presidente dos Estados Unidos 1975 Ernesto Geisel novo generalpresidente inicia a abertura lenta gradual e segura Novembro assassinato do jornalista Vladimir Herzog no Codi DOI paulista Raduan Nassar publica Lavoura arcaica Gilberto Gil e Jorge Ben lançam o álbum duplo Ogum Xangô 1975 Fim da Guerra do Vietnã Independência de Angola Independência de Moçambique 1976 Início da ditadura militar na Argentina 1977 Greves estudantis em São Paulo contra a ditadura 1977 Steve Jobs e um sócio desenvolvem o primeiro computador pessoal 1978 Antune Filho encena Macunaíma 1979 Fim da vigência do AI5 1979 Triunfo da Revolução Islâmica no Irã O regime decreta uma anistia geral e irrestrita que se estende aos militares torturadores e assassinos A Anistia permite o retorno de 10 mil exilados Grandes greves no ABC paulista Rubem Fonseca publica O cobrador 1980 O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo Luiz Inácio Lula da Silva é preso por liderar as greves do ABC Estreia Pixote a lei do mais fraco de Hector Babenco 1981 Caso Riocentro atentado frustrado da extrema direita militar contra a abertura política 1982 Eleições diretas para governador disputadas pelos novos partidos criados após 1979 PDS PMDB PT PTB e PDT Roberto Farias filma Pra Frente Brasil 1982 A Inglaterra derrota a Argentina numa breve guerra pelo controle das ilhas Malvinas Michael Jackson grava Thriller 1983 A internet começa a funcionar nos Estados Unidos Os Estados Unidos invadem a ilha de Granada para depor um governo prócubano 1984 A inflação é de 223 26 de abril a Emenda Dante de Oliveira é rejeitada pelo Congresso A mostra Como vai você Geração 80 no Rio lança artistas como Beatriz Milhazes e Leonilson 1985 15 de janeiro Tancredo Neves é eleito presidente pelo Colégio Eleitoral mas é internado na véspera da posse Janeiro o festival Rock in Rio acontece em Jacarepaguá 15 de março empossado o vice de Tancredo José Sarney 21 de abril morte de Tancredo Neves Redemocratização 1985 Um terremoto devasta a Cidade do México Mikhail Gorbatchóv secretáriogeral do Partido Comunista anuncia o início da abertura política na União Soviética 1986 O governo Sarney lança o Plano Cruzado derrubando momentaneamente a inflação O PMDB conquista 21 dos 22 governos estaduais 1987 Um equipamento de radiografia abandonado provoca um dos maiores acidentes nucleares da história em Goiânia 1987 A população mundial chega a 5 bilhões de pessoas 1988 5 de outubro promulgada a Constituição atualmente em vigor 1989 Primeiras eleições presidenciais diretas em três décadas Vitória de Fernando Collor de Mello 1989 Cai o Muro de Berlim Começam a desaparecer as repúblicas socialistas do Leste Europeu Invasão norteamericana do Panamá 1990 Março Collor é empossado Plano Collor o governo confisca 80 do dinheiro em circulação nos bancos 1990 A invasão do Kuwait pelo Iraque de Saddam Hussein deflagra a Guerra do Golfo ou Primeira Guerra do Iraque 1991 Colapso da União Soviética José Saramago publica O Evangelho segundo Jesus Cristo 1992 Denúncias de corrupção levam ao impeachment de Collor O vice Itamar Franco assume a Presidência O vôlei brasileiro conquista a primeira medalha olímpica em esportes coletivos do país Gilberto Gil e Caetano Veloso gravam Tropicália 2 Rubem Fonseca publica Romance negro e outras histórias 1993 Violência policial massacres da Candelária e de Vigário Geral no Rio de Janeiro Notícias de uma guerra particular documentário de João Moreira Salles e Kátia Lund é lançado A inflação é de quase 2500 1993 Atentado frustrado contra as Torres Gêmeas do World Trade Center 1994 Julho instituído o Plano Real O Brasil é tetracampeão mundial de futebol na Copa dos Estados Unidos 1994 Quentin Tarantino vence a Palma de Ouro do Festival de Cannes com Pulp Fiction 1995 Primeiro mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso Início das privatizações promovidas pelo governo FHC envolvidas em denúncias de corrupção 1995 Termina a guerra entre os países da exIugoslávia Guerra civil em Ruanda mata mais de 1 milhão de pessoas 1997 A aprovação da emenda constitucional que permite a reeleição presidencial levanta denúncias de compra de votos de congressistas pelo governo FHC Os Racionais MCs lançam o álbum Sobrevivendo no inferno Paulo Lins publica o romance Cidade de Deus 1998 Central do Brasil longametragem de Walter Salles conquista o Urso de Ouro do Festival de Berlim 1999 FHC é empossado em seu segundo mandato O real é bruscamente desvalorizado pelo governo recémreeleito que pede auxílio ao FMI 1999 A população mundial ultrapassa 6 bilhões de pessoas 2000 Miltom Hatoum lança Dois irmãos 2001 Racionamento de energia compromete o crescimento econômico Ferréz Reginaldo Ferreira da Silva lança o livro Capão Redondo 2001 George W Bush toma posse na presidência dos Estados Unidos 11 de setembro terroristas islâmicos sequestram quatro aviões de passageiros e atingem Washington e Nova York Invasão americana do Afeganistão início da guerra ao terrorismo 2002 A inflação anual alcança dois dígitos Brasil pentacampeão mundial de futebol Estreia Cidade de Deus de Fernando Meirelles baseado no romance de Paulo Lins 1997 Bernardo Carvalho publica Nove noites 2002 O euro se torna a moeda unificada de doze países europeus 2003 Luiz Inácio Lula da Silva se torna presidente depois de três tentativas e é reeleito em 2006 2003 Invasão americana do Iraque 2005 O escândalo do mensalão atinge as principais lideranças 2005 Terroristas islâmicos matam mais de cinquenta pessoas em do PT Londres 2008 O longa Tropa de elite de José Padilha vence o Urso de Ouro do Festival de Berlim Milton Hatoum publica Órfãos do Eldorado Os Gêmeos pintam a fachada do Museu de Arte Moderna e Contemporânea de Londres a Tate Modern 2008 Crise financeira em Wall Street se alastra para todo o mundo reeditando 1929 José Saramago vence o prêmio Nobel de literatura 2009 Barack Obama é o primeiro negro a alcançar a presidência dos Estados Unidos 2011 Dilma Rousseff ministra da Casa Civil de Lula se torna a primeira presidente do Brasil e é reeleita em 2014 2013 Manifestações deflagradas pelo aumento do transporte público tomam as ruas do país AGRADECIMENTOS As nações todas são mistérios Cada uma é todo o mundo a sós Fernando Pessoa Escrever um livro a quatro mãos é desafio dos bons Melhor ainda quando a tarefa implica dar conta de uma assim chamada história do Brasil A encomenda demandava desde o início equilibrar em doses justas e alocadas em suadas seiscentas páginas um pouco de tudo e muitos tempos ao mesmo tempo Foi preciso recuar ao momento em que o país nem ao menos sabia que viria a ser um país e encostar morrendo de medo nos dias de hoje Claro está ou deve ficar que uma tarefa como essa só tinha chance de chegar ao fim seja ele qual for contando com um trabalho verdadeiramente coletivo e com muitas pessoas nele envolvidas Se elas não têm responsabilidade alguma sobre o resultado final sua interferência ajuda paciência generosidade e compreensão não têm tamanho e não cabem em uma nem em várias páginas de papel Por isso mesmo é importante para nós tentar listar quem é quem na feitura desta biografia do Brasil O autor da ideia primeira deste livro devidamente animada algum tempo depois por Simon Winder da Penguin UK e também da indicação de nossos nomes bem como da sugestão do título é Luiz Schwarcz Não contente com isso ele nos deu enorme trabalho leu pelo menos três vezes cada um dos capítulos brigou conosco cobrou muito achou difícil ou simples demais mandou tirar as palavras símbolo agência ressignificação linguagem e as que permaneceram ficam por nossa conta e risco nos provocou desafiou sem parar e por fim ao que parece acabou até um pouco satisfeito com o resultado Melhor aguardar A ele um obrigada sem tamanho não só por tudo que fez profissionalmente mas pelo carinho com que cuidou de nós e deste livro do início do projeto até a sua conclusão Nem sempre as palavras são boas o bastante quando a intenção é de fato mostrar gratidão O segundo padrinho deste livro atende pelo nome de Otávio Marques da Costa Otávio foi nosso publisher editor leitor incansável e insistente e o coordenador persistente das tarefas que rodeiam a realização de uma jornada como esta Também deu trabalho Queria esmiuçar tudo Cobrava todas as datas pedia que discriminássemos qualquer local mencionado descobríssemos o significado das palavras mais recônditas a hora exata em que ocorreram atentados e revoltas De um momento para outro dava que dava de achar que era chegado o ponto de cortar páginas inteiras ou desenvolver ainda mais um argumento E na véspera do Natal queria mais um capítulo com umas trinta páginas avisou Enfim não há como ele para colocar um livro em pé e com muito bom humor Tivemos a sorte de contar com quatro leitores amigos e profissionais que cataram pulgas e afundaram verdadeiros submarinos em diversos trechos do livro que analisaram São eles os professores José Murilo de Carvalho Júnia Furtado Lucia Bastos Ângela de Castro Gomes Cada um leu capítulos de sua maior especialidade mas no conjunto eles nos ajudaram a conferir não só fatos datas e bibliografia como interpretações e o próprio argumento geral do livro Claro que a responsabilidade do resultado final é nossa e eles não podem ser culpados por nada apenas por sua imensa boa vontade generosidade crítica e conhecimento Nos bastidores deste livro porém há uma turma da pesada que é preciso agora trazer para o centro da cena O pessoal do Projeto República da UFMG fez de tudo um pouco e muito Leram e conferiram capítulos e referências bibliográficas pesquisaram e selecionaram imagens e enfrentaram uma verdadeira sabatina que durou um dia inteiro Também fizeram legendas e nos ajudaram a deixar este livro muito mais divertido Mais do que colegas eles são nossos comparsas Danilo Marques Wilkie Buzatti Rafael Alves Bruno Viveiros Bruno Abreu Marcela Ellian Virgínia Starling Taciana Resende Lígia Germano José Antônio Queiróz Kelly de Oliveira Artur Navarro Davi Kacowicz Jéssica de Souza Josiane de Freitas Maria Cecília Carvalho Vanessa de Oliveira e é claro Alda Batista Elisa Braga como sempre resolveu o difícil como se fosse fácil Fabiana Roncoroni Erica Fujito e toda a equipe de produção nos ajudou a cuidar dos direitos de imagens e dos pepinos com a iconografia que aliás não foram poucos Márcia Copola com sua conhecida mágica limpou o texto de seus excessos deixou tudo mais claro e ainda sugeriu citações Érico Melo catou agulha no palheiro e descobriu um monte de escorregões da nossa parte isso sem deixar de fazer várias indicações todas acertadas Huendel Viana e Jane Pessoa deram um jeito de achar mais outros escorregões Mais do que nossos revisores eles viraram mesmo bons amigos Victor Burton artista de mãocheia colocou sob a forma de capa todos os nossos desejos já Alceu Nunes com sua paciência e capacidade deu os últimos toques de mão Eliane Trombini cuidou de toda a vida prática como se fosse leve não é e Renata Abdo deixou qualquer caminho aberto Adriane Piscitelli e Marina Munhoz passaram semanas atrás dos nossos erros de bibliografia e outras escorregadelas Fizeram o possível mas sabese lá se outras nos aguardam Matinas Suzuki com sua maturidade profissionalismo e muita calma orientou nos passos necessários para a veiculação de um projeto como este Sergio Windholz o Ginho acompanhou a nossa ladainha de todo dia e ao final até que liberou as dez diferentes versões de capa do primeiro projeto Clara Dias com sua alegria foi tentando nos convencer que valia a pena Fabio Uehara usou tecnologia e imaginação para que o livro alcançasse novas mídias O pequeno Max Santos tem feito de tudo para divulgar essa ideia perigosa E Rafaela Deiab pensou numa biografia maior incluindo sempre a educação Ao mencionar esses nomes queremos agradecer a todos os amigos da Companhia das Letras que nos acompanharam com tanto entusiasmo e nos ajudaram a escrever este livro coletivo Mas nenhum agradecimento fica completo sem o apoio da família que vamos aqui misturando Muito obrigada Julia Gustavo Pedro Roberta Luiz Henrique Glória Lelé Sheila Omi Dorotéia Beto Laís Nonoca Sizenando Sergio Paulo Augusto Jussara Virgínia Zizi Arthur e Alice por aguentarem uma conversa por vezes monótona e certamente sem fim Agradecemos também aos amigos que nos emprestaram ombros ouvidos e paciência e mostraram estar à prova de muita tagarelice sobre os mais diversos períodos de nossa história Com o perigo de esquecer vários mencionamos alguns deles também devidamente mestiçados com a genuína intenção de a todos lembrar Muito obrigada Alberto da Costa e Silva Newton Bignotto André Botelho Franklin Martins Maria Tereza Sadek Gringo Cardia Maria Helena Machado Vera Zavarise Pedro Meira Monteiro Juarez Guimarães Any Waisbich Boris Fausto Kenneth Maxwell Lira Neto Wander Miranda Ana Basbaum João Biehl Guita Debert Sonia Balady Andrea Melloni Bruno Carvalho e obrigada Beto Maria Lúcia de Araújo e Carmem Silva Enfim depois de dois anos de mensagens trocadas piadas sobre paulistas e mineiros debates acalorados muita angústia mas também muito humor pilhas e mais pilhas de livros que insistiam em cair sobre nossas cabeças é hora de limpar o escritório arrumar a mesa andar de bicicleta levar o cachorro para passear ir ao cinema ver seriado ler um bom romance e concluir que este é mesmo nosso último arquivo que precisamos com urgência entregar Pronto enviamos CRÉDITOS DAS IMAGENS1 2 CAPA Início da concretagem da cúpula do Senado Federal PB papel de gelatina e prata Marcel Gautherot c1958 Brasília Acervo Instituto Moreira Salles Rio de Janeiro 1 Homens conversando em banco de praça fotografia de Vincenzo Pastore São Paulo c 1910 formato 81 x 116 cm papel de gelatina e prata Acervo Instituto Moreira Salles Rio de Janeiro 2 Lima Barreto fotografia de autor desconhecido 1909 Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin São Paulo 3 Missa campal celebrada em Ação de Graças pela abolição da escravatura no Brasil fotografia de Antônio Luiz Ferreira Rio de Janeiro 17 de maio de 1888 formato 285 x 515 cm Acervo Instituto Moreira Salles Rio de Janeiro 4 Manifesto antropófago de Oswald de Andrade Revista de Antropofagia maio de 1928 ano 1 no 1 Oswald de Andrade Tarsila do Amaral Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin São Paulo 5 Rua da Liberdade São Paulo fotografia de Claude LéviStrauss c 1937 negativo 35 mm formato 24 x 36 cm papel de gelatina e prata Acervo Instituto Moreira Salles Rio de Janeiro 6 Carta ao rei d Manuel dando notícias do descobrimento da terra de Vera Cruz hoje Brasil pela armada de Pedro Álvares Cabral manuscrito de Pero Vaz de Caminha 1º de maio de 1500 formato 296 x 212 cm 14 f Arquivo Nacional Torre do Tombo Lisboa 7 Memória das Armadas que de Portugal passaram à Índia ou Livro das Armadas da Índia autor desconhecido c 14971640 manuscritos da Livraria n 319 146 f Academia das Ciências de Lisboa Lisboa 8 Imagem do Novo Mundo xilogravura aquarelada à mão de Johann Froschauer c 1505 publicada em Mundus Novus de Américo Vespúcio formato 22 x 33 cm Biblioteca Pública de Nova York Nova York 9 Terra Brasilis Tabula hec regionis magni Brasilis Lopo Homem mapa manuscrito desenhado e iluminado sobre pergaminho c 151519 formato 352 x 51 cm Biblioteca Nacional da França Département des Cartes et Plans Paris 10 Gravura retirada do livro Duas viagens ao Brasil de Hans Staden publicado por Andres Colben Marburgo Alemanha 1557 Fundação Biblioteca Nacional Rio de Janeiro 11 Mulheres e crianças da tribo tomam mingau feito com as tripas do prisioneiro sacrificado Théodore de Bry 1592 Acervo Biblioteca Mário de Andrade São Paulo 12 Frontispício do Catecismo brasílico da Companhia de Jesus Lisboa Miguel Deslandes 1686 segunda impressão Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin São Paulo 13 América gravura colorida à mão reproduzida no Grande Atlas de Johannes Blaeu 1662 formato 252 x 382 cm Brasiliana Itaú São Paulo 14 Nova et Accurata Brasiliae Totius Tabula mapa de Johannes Blaeu 1640 Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro Rio de Janeiro 15 Warhafftige abbildung von einnehmung der stadt S Salvador in der Baya de Tódos les Santos gravura de Nicolau Vischer 1624 formato 294 x 448 cm Fundação Biblioteca Nacional Rio de Janeiro 16 Paisagem com plantação O engenho óleo sobre madeira de Frans Post sd formato 715 x 915 cm Museu Boijmans Van Beuningen Rotterdam 17a Mulher tapuia óleo sobre tela de Albert Eckhout 1641 formato 272 x 165 cm Museu Nacional da Dinamarca Copenhague 17b Homem tapuia óleo sobre tela de Albert Eckhout 1641 formato 272 x 161 cm Museu Nacional da Dinamarca Copenhague 18 Mercado de escravos em Pernambuco aquarela sobre papel de Zacharias Wagener 1641 Dresden KupferstichKabinett Staatliche Kunstsammlungen 19 Prise de RioJaneyro A esquadra de DuguayTrouin gravura de Drouet baseada no desenho de Ozanne sd 297 x 448 cm Biblioteca Azeredo da Silveira do Ministério das Relações Exteriores Brasília 20 Pressoir à sucre au Brésil nanquim aguada preta sobre lápis de Frans Post c 163744 formato 143 x 282 cm Museu Real de Belas Artes Bruxelas 21 Conquistas dos campos de Guarapuava Cappitão Carneiro que passou alem do rio com outros Camaradas ficando estes mortos veyo fogindo guache e aquarela de Joaquim José de Miranda séc XVIII Coleção Beatriz e Mário Pimenta Camargo São Paulo 22 Detalhe do mapa Praefecturae Paranambucae pars Meridionalis de Georg Marcgraf e Gaspar Barlaeus 1647 gravação em metal formato 525 x 617 cm Biblioteca Digital de Cartografia Histórica da USP São Paulo 23 Gravuras de Relation dun voyage Fait en 1695 1696 1697 aux Côtes dAfrique Détroit de Magellan Brezil Cayenne Isles Antilles par une Escadre des Vaisseaux du Roy commandée par M de Gennes de Froger 1698 Biblioteca Nacional da França Paris 24 Planta do quilombo chamado Buraco do Tatu para a costa da Itapoam autor desconhecido 1764 desenho a nanquim formato 432 x 59 cm Arquivo Histórico Ultramarino Lisboa 25 Batalha dos Guararapes óleo sobre tela de autor desconhecido 1758 formato 122 x 217 cm Museu Histórico Nacional Rio de Janeiro 26 Coroação de um rei nos festejos de Reis Carlos Julião sd Fundação Biblioteca Nacional Rio de Janeiro 27 Mapa das Minas do ouro e São Paulo e costa do mar que lhe pertence engenheiro Pedro Gomes Chaves 1714 formato 545 x 66 cm Fundação Biblioteca Nacional Rio de Janeiro 28 Modo como se extrai o ouro no Rio das Velhas e nas mais partes dos Rios autor desconhecido c 1780 aquarela formato 345 x 435 cm Fundo Yan de Almeida Prado Instituto de Estudos Brasileiros da USP São Paulo 29 Nossa Senhora do Rosário autor desconhecido séc XVIII formato 71 x 202 cm Museu da Inconfidência Ouro Preto 30 Capela de São Francisco da Penitência Ouro Preto pintura de Manuel da Costa Ataíde sd Reprodução fotográfica de José Israel Abrantes 31 Detalhe da fachada da Igreja São Francisco de Assis atribuído a Aleijadinho séc XVIII formato 28 x 42 cm Museu da Inconfidência Ouro Preto 32 Altarmor da Igreja de Nossa Senhora do Ó Sabará MG pinturas atribuídas a Jacinto Ribeiro sd Reprodução fotográfica de José Israel Abrantes 33 D Pedro Miguel de Almeida Portugal 16881756 terceiro conde de Assumar primeiro marquês de Castelo Novo e primeiro marquês de Alorna óleo sobre tela de autor desconhecido século XVIII Fundação das Casas de Fronteira e Alorna Lisboa 34 Exvoto encomendado por Agostinho Pereira da Silva óleo sobre tela de autor desconhecido 1749 formato 110 x 126 m Igreja e Mosteiro de São Bento Salvador 35 Forro da Capela do Nosso Senhor do Bom Jesus de Matozinhos Serro MG pinturas atribuídas a Silvestre de Almeida Lopes 1797 Reprodução fotográfica de José Israel Abrantes 36 Detalhe de painéis da Igreja de Santa Efigênia Ouro Preto sd Reprodução fotográfica de José Israel Abrantes 37 Revolução dos Alfaiates boletins sediciosos Boletim nº 1 Seção de Arquivos ColonialProvincial Justiça Maço 581 Panfleto contendo a Declaração dos princípios revolucionários e relação dos que compartilham deles manuscrito de autor desconhecido 1798 Arquivo Público do Estado da BahiaFPCSecult Salvador 38 Visão de Tiradentes ou O sonho de liberdade óleo sobre tela de Antônio Parreiras 1926 formato 65 x 1299 cm Estudo para a decoração do Conservatório de Música de Belo Horizonte Reprodução fotográfica de Wilkie Buzatti e Rafael da Cruz Alves Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 39 D Maria I óleo sobre tela de Miguel Antônio do Amaral sd Reprodução fotográfica de Laura Castra Caldas e Paulo Cintra Palácio Nacional de Queluz Queluz 40 S M ElRei d João VI de Portugal e toda a Família Real embarcando para o Brasil no cais de Belém em 27 de novembro de 1807 autor desconhecido gravura formato 115 x 164 cm Fundação Biblioteca Nacional Rio de Janeiro 41 Sir William Sidney Smith 17641840 Adimiral at Acre gravura de John Eckstein 1808 formato 39 x 6040 cm UK Government Art Collection Londres 42 Alegoria da vinda de D João desenho a nanquim aguada de I A Marques sd formato 49 x 66 cm Fundação Biblioteca Nacional Rio de Janeiro 43 Boqueirão e arcos da Lapa óleo sobre tela de Leandro Joaquim c 1790 formato 86 x 105 cm Museu Histórico Nacional Rio de Janeiro 44 D João et dona Carlota Joaquina passant la Quinta de Boa Vista près du Palais de São Cristóvão óleo sobre tela de NicolasAntoine Taunay 181621 formato 925 x 1465 cm Museu Nacional da UFRJ Rio de Janeiro 45 Retrato da rainha d Carlota Joaquina óleo sobre tela de NicolasAntoine Taunay c 181621 formato 64 x 58 cm Palácio Nacional de Queluz Queluz 46 Vista do largo do palácio no dia da aclamação de d João VI litografia sobre papel de Jean Baptiste Debret 1839 formato 23 x 32 cm Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin São Paulo 47 Alegoria para aclamação de d João VI aquarela de JeanBaptiste Debret 1818 formato 13 x 108 cm Museus Castro Maya Rio de Janeiro IPHAN MinC 48 Revista das tropas destinadas a Montevidéu na Praia Grande óleo sobre cartão colado sobre tela de JeanBaptiste Debret 1816 formato 416 x 629 cm Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo São Paulo 49 Mercado da Rua do Valongo litografia sobre papel de JeanBaptiste Debret 1835 formato 23 x 32 cm Museus Castro Maya Rio de Janeiro Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin São Paulo IPHAN MinC 50 Conjunto de imagens de JeanBaptiste Debret Detalhe de Feitores castigando negrosAcampamento noturno de viajantes Empregado do governo saindo a passeio Uma senhora brasileira em seu lar litografias em cores de JeanBaptiste Debret 1835 Museus Castro Maya Rio de Janeiro IPHAN MinC 51 Desembarque dEl Rei Dom João VI acompanhado por uma deputação das Cortes na magnífica praça do Terreiro do Paço em 4 de julho de 1821 regressando do Brazil gravura a buril ponteado de Constantino Fontes 1821 formato 158 x 198 cm Fundação Biblioteca Nacional Rio de Janeiro 52 Pano de boca executado para a representação extraordinária dada no teatro da Corte por ocasião da coroação de d Pedro I litografia sobre papel de JeanBaptiste Debret 1839 formato 161 x 318 cm Museus Castro Maya Rio de Janeiro Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin São Paulo IPHAN MinC 53 Detalhe de Retratos da Arquiduquesa Leopoldina da rainha Carlota e da princesa Amélia litografia sobre papel de JeanBaptiste Debret c 1839 formato 32 x 23 cm Museus Castro Maya Rio de Janeiro Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin São Paulo IPHANMinC 54 Medalha com retrato de d Pedro I guache sobre marfim de Simplício Rodrigues de Sá 1822 formato 10 x 9 cm Museu Imperial de Petrópolis Petrópolis 55 Independência ou morte ou O grito do Ipiranga óleo sobre tela de Pedro Américo de Figueiredo e Melo 1888 formato 415 x 760 cm Museu Paulista da USP São Paulo 56 Acclamação de S M o Snr d Pedro I Imperador Cal do Brasil gravura águaforte aquarelada de FélixÉmile Taunay século XIX formato 329 x 47 cm Fundação Biblioteca Nacional Rio de Janeiro 57 Coroação de d Pedro I óleo sobre tela de JeanBaptiste Debret 1828 formato 340 x 640 cm Biblioteca Azeredo da Silveira do Ministério das Relações Exteriores Brasília 58 Panfleto Às armas cidadãos setembro de 1821 Lata 195 maço 6 pasta 13 Biblioteca Azeredo da Silveira do Ministério das Relações Exteriores Brasília 59 Itu repele o emissário dos bernardistas de S Paulo detalhe pintura sobre azulejo de Antônio Luiz Gagni 1945 Acervo do Museu Paulista da Universidade de São Paulo Reprodução fotográfica de Helio NobreJosé Rosael 60 Entrada do Exército Pacificador em Salvador litografia de Bento José Rufino Capinam 1830 Reprodução fotográfica de Antenor Gondim Instituto Geográfico e Histórico da Bahia Salvador 61 Ezequiel Corrêa dos Santos autor desconhecido séc XIX Fundação Biblioteca Nacional Rio de Janeiro 62 O juramento da Regência Trina Permanente óleo sobre tela de Manuel de Araújo PortoAlegre sd formato 305 x 445 cm Acervo do Museu Imperial de Petrópolis Petrópolis IPHAN MinC 63 Teófilo Benedito Otoni autor desconhecido 182030 Coleção Personalidades Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte 64 Disposição das forças imperial e rebelde no ataque de Poncho Verde na província do Rio Grande do Sul litografia do Arquivo Militar 1843 formato 19 x 29 cm em folha formato 225 x 315 cm Loc ARC 02407013 Cartografia 65 Livro contendo trechos em árabe do Alcorão encontrado preso ao pescoço de um rebelde durante o Levante dos Malês na Bahia 1835 Arquivo Público do Estado da Bahia Salvador 66 Sections of a slave ship litografia de T Kelly 1830 Biblioteca Azeredo da Silveira do Ministério das Relações Exteriores Brasília 67 Hold of Brazilian Slave Ship Francis Meynell 1845 National Maritime Museum neg A1818 álbum de aquarela do Lt Mynell Londres 68 Aclamação de d Pedro II litografia e aquarela de JeanBaptiste Debret 1839 formato 248 x 374 cm Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo São Paulo 69 D Pedro II Manuel de Araújo PortoAlegre sd Câmara Municipal de Tiradentes Tiradentes Reprodução fotográfica de Wilkie Buzatti e Rafael da Cruz Alves 70 D Pédro II empereur du Brésil autor desconhecido sd Fundação Biblioteca Nacional Rio de Janeiro 71 Retrato de d Teresa Cristina óleo sobre tela de José Correia de Lima c 1843 formato 75 x 60 cm Museu Imperial de Petrópolis Petrópolis 72 A primeira missa no Brasil óleo sobre tela de Victor Meirelles de Lima 1860 formato 268 x 356 cm Museu Nacional de Belas Artes Rio de Janeiro 73 D Pedro II na abertura da Assembleia Geral óleo sobre tela de Pedro Américo de Figueiredo e Melo 1872 formato 288 x 205 cm Museu Imperial de Petrópolis Petrópolis 74 Iracema óleo sobre tela de José Maria de Medeiros 1881 formato 1675 x 2502 cm Museu Nacional de Belas Artes Rio de Janeiro 75 Batalha do Avaí óleo sobre tela de Pedro Américo de Figueiredo e Melo 18727 formato 600 x 1100 cm Museu Nacional de Belas Artes Rio de Janeiro 76 Três macacos O imperador Tamandaré e Polidoro xilogravura de Alejandro Ravizza caricatura do jornal paraguaio El Centinela n 5 9 de maio de 1867 Centro de Artes Visuales Museo del Barro Assunção 77 De volta do Paraguai litografia de Angelo Agostini ilustração da revista Vida Fluminense n 12 junho de 1870 Fundação Biblioteca Nacional Rio de Janeiro 78 Espada de oficial do Exército brasileiro primeira metade do século XIX Reprodução fotográfica de Wilkie Buzatti e Rafael da Cruz Alves Coleção particular 79 D Pedro II imperador do Brasil montado em um camelo durante viagem a Jerusalém fotografia de Hugo Danz 1871 formato 19 x 245 cm Fundação Biblioteca Nacional Rio de Janeiro 80 Cenas da escravidão fotografia de Rodolpho Lindemann 1885 Coleção Apparecido Janniz Salatini 81 Escravos em terreiro de uma fazenda de café Vale do Paraíba fotografia de Marc Ferrez c 1882 formato 287 x 36 cm Acervo Instituto Moreira Salles Rio de Janeiro 82 Proclamação da República no campo de Santana óleo sobre tela de Eduardo de Sá 1889 formato 40 x 735 cm Museus Castro Maya Rio de Janeiro IPHAN MinC 83 Alegoria da República Frederico Antonio Steckel 1898 Reprodução fotográfica de Wilkie Buzatti e Rafael da Cruz Alves Memorial Minas Gerais Vale Belo Horizonte 84 Cardápio de banquete oferecido pelo Partido Republicano do Distrito Federal ao exmo sr dr Manoel Ferraz de Campos Sales 31 de agosto de 1898 Formato 12 x 27 cm Coleção de cardápios de Olavo Bilac 85 Igreja de Santo Antônio velha fotografia de Flávio de Barros 1897 negativo PB 35 mm Acervo Instituto Moreira Salles Rio de Janeiro Flávio de Barros Museu da República Ibram nº 092015 86 Estivadores imigrantes Porto de Santos fotografia de autor desconhecido ampliação PB papel de gelatina e prata c 1900 formato 18 x 24 cm Museu da Imigração do Estado de São Paulo São Paulo 87 Revolta da Chibata João Cândido lê decreto da anistia fotografia de Augusto Malta papel de gelatina e prata 1910 Estadão Conteúdo São Paulo 88a Avenida Central Rio de Janeiro fotografia de João Martins Torres c 1905 papel albuminado formato 17 x 22 cm Fundação Biblioteca Nacional Rio de Janeiro 88b Theatro Municipal de São Paulo fotografia de autor desconhecido 1923 Acervo Instituto Moreira Salles Rio de Janeiro 88c Vista aérea da praça da Liberdade Belo Horizonte fotografia de autor desconhecido sd Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte 89 Greve geral enterro do sapateiro Martínez fotografia de autor desconhecido papel de gelatina e prata 1917 Instituto Astrojildo Pereira São Paulo 90 Os 18 do Forte óleo sobre tela de João Timóteo da Costa 1924 formato 96 x 180 cm Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro Rio de Janeiro 91 Grupo de revolucionários da Coluna Prestes fotografia de Luís Fonseca 1925 Rio Bonito formato 14 x 85 cm Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte 92 Broche da Aliança Liberal Reprodução fotográfica de Wilkie Buzatti e Rafael da Cruz Alves sd Coleção particular Belo Horizonte 93 Panfleto Tudo por São Paulo 1932 Arquivo Público Mineiro Belo Horizonte 94 Passaporte utilizado por Luís Carlos Prestes e Olga Benário para entrar no Brasil 1935 Correio da Manhã Arquivo Nacional Rio de Janeiro 95 Desfile integralista fotografia de autor desconhecido 1937 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 96 A juventude brasileira em frente ao Palácio Tiradentes fotografia de autor desconhecido 1941 Arquivo Nacional Rio de Janeiro 97 Patrulheiros da Força Expedicionária Brasileira FEB fotografia de João Rodrigues da Costa DR sd Associação Nacional dos Veteranos da FEB Belo Horizonte 98 Ritual de candomblé de iniciação das filhas de santo fotografia de José Medeiros 1951 papel de gelatina e prata formato 6 x 6 cm Acervo Instituto Moreira Salles Rio de Janeiro 99 Cartaz da criação da Petrobras 1953 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 100 Campanha pela anistia fotografia de Kurt Klagsbrunn 1945 Acervo Marta e Victor Klagsbrunn Rio de Janeiro 101 Gregório Fortunato e Getúlio Vargas no desfile de posse fotografia de autor desconhecido 1951 Correio da Manhã Arquivo Nacional Rio de Janeiro 102 Carlos Lacerda após o atentado da rua Tonelero fotografia de autor desconhecido 1954 Correio da Manhã Arquivo Nacional Rio de Janeiro 103 Primeira página do jornal Última Hora O presidente cumpriu a palavra Só morto sairei do Catete n 979 24 de agosto de 1954 Acervo Última Hora Arquivo do Estado Folhapress São Paulo 104 Embarque do corpo de Getúlio Vargas fotografia de autor desconhecido 1954 Agência Nacional Arquivo Nacional Rio de Janeiro 105 JK em um carro de fabricação nacional fotografia de autor desconhecido junho de 1956 Arquivo Nacional Rio de Janeiro 106 Construção da rodovia BrasíliaAcre Vilhena fotografia de autor desconhecido papel de gelatina e prata 2 de julho de 1960 Arquivo Nacional Rio de Janeiro 107 Tom Jobim e Vinicius de Moraes provavelmente no Bar Veloso atual Garota de Ipanema fotografia de autor desconhecido Rio de Janeiro c 1960 DR Acervo Tom Jobim Instituto Antônio Carlos Jobim Rio de Janeiro 108 Esplanada dos Ministérios fotografia de Marcel Gautherot Brasília c 1962 papel de gelatina e prata formato 46 x 46 cm 50 x 60 cm Acervo Instituto Moreira Salles Rio de Janeiro 109 Comício de Jânio Quadros em Engenheiro Camargo SP fotografia de autor desconhecido sd Correio da Manhã Arquivo Nacional Rio de Janeiro 110 0 Palácio Piratini fotografia de autor desconhecido sd Correio da Manhã Arquivo Nacional Rio de Janeiro 111 João Goulart em Campina Grande PB fotografia de autor desconhecido 1962 Agência Nacional Arquivo Nacional Rio de Janeiro 112 Comício da Central do Brasil fotografia de Domício Pinheiro 13 de março de 1964 Estadão Conteúdo São Paulo 113 Dois de abril de 1964 fotografia de Neuza França Correio da Manhã Arquivo Nacional Rio de Janeiro 114 Protesto contra a censura na Cinelândia fotografia de Rubens Seixas 12 de fevereiro de 1968 Correio da Manhã Arquivo Nacional Rio de Janeiro 115 Comício de estudantes no centro do Rio de Janeiro fotografia de autor desconhecido 24 de abril de 1968 Correio da Manhã Arquivo Nacional Rio de Janeiro 116 Soldados do Batalhão da Guarda Presidencial recebem treinamento de tortura em Brasília fotografia de Orlando Brito 1972 Coleção particular 117 Cordão policial versus educação e cultura em Brasília fotografia de Orlando Brito 1972 Coleção particular 118 Frame do filme Tempo de resistência do diretor André Ristum 2003 Este é um país que vai pra frente 35 mm cor Produtora Sobumbo Filmes coprodução TV Cultura Fundação Padre Anchieta São Paulo DR AERP 119 Prévio de Edgar Vasques 1975 120 Geisel fotografia de Orlando Brito maio de 1977 Coleção particular 121 Missa de sétimo dia pela morte do jornalista Vladimir Herzog fotografia de Antônio Carlos Piccino 31 de outubro de 1975 Estadão Conteúdo São Paulo 122 Uma linha dura Não dura de Nelson Leirner 1978 lápis de cor caneta esferográfica nanquim guache e serigrafia sobre papel 97 x 67 cm 123 Inserções em circuitos ideológicos 1 Projeto CocaCola de Cildo Meireles 1970 Transfer text on glass formatos 250 x 60 x 60 mm Cortesia da Galeria Luisa Strina Reprodução fotográfica de Edouard Fraipont Coleção particular 124 O jogador Sócrates vestiu a camisa fotografia de Jorge Araújo 14 de dezembro de 1983 formato 38 x 25 cm negativo SP 092281983 Folhapress São Paulo 125 Lula faz discurso para operários grevistas no ABC fotografia de Fernando Pereira 1979 CPDocJB Rio de Janeiro 126 Ulysses Guimarães e Tancredo Neves detalhe fotografia de Orlando Brito Brasília 1980 Coleção particular 127 Bomba no Riocentro fotografia de autor desconhecido 30 de abril de 1981 CPDocJB Rio de Janeiro 128 Charge sobre as Diretas de Angeli 8 de janeiro de 1984 Coleção particular São Paulo 129 Greve dos boiasfrias Guariba SP fotografia de Carlos Fenerich 1984 Também pode ser encontrada na ed 821 30 de maio de 1984 Veja p 25 Carlos Fenerich Abril Comunicações SA São Paulo 130 FHC em comício do PMDB em São Paulo fotografia de Juca Martins 1986 Olhar Imagem São Paulo 131 Multidão pede o afastamento de Collor fotografia de Orlando Brito sd Coleção particular 132 Enterro de Marco Antônio Alves da Silva fotografia de Marco A Cavalcanti 30 de julho de 1993 CPDocJB Rio de Janeiro 133 Duelo de MCs fotografia de Pablo Bernardo 2012 134a Negros acorrentados levando para a cadeia o jantar que foram buscar no Hospital da Misericórdia aquarela sobre papel de JeanBaptiste Debret c 182030 formato 145 x 222 cm Museus Castro Maya Rio de Janeiro IPHAN MinC 134b Blitz da Polícia Militar no Morro da Coroa e Cachoeirinha PM prende favelados pelo pescoço fotografia de Luiz Morier 29 de setembro de 1982 Rio de Janeiro CPDocJB Rio de Janeiro 135 Ocupação da Fazenda Giacometti pelos SemTerra Paraná fotografia de José Roberto Dantas 1996 Estadão Conteúdo São Paulo 136 Casa pintada com a bandeira brasileira em uma favela na zona oeste de Manaus fotografia de Raphael Alves CON Getty Images São Paulo 137 Manifestações de junho de 2013 fotografia de Rafael S Fabres Rio de Janeiro Getty Images São Paulo 1 Todos os esforços foram feitos para determinar a origem das imagens deste livro Daremos novos créditos das fontes caso se manifestem 2 A variação na qualidade das informações referentes às diferentes imagens aqui apresentadas pode ser explicada pela inexistência de registros presentes na documentação e pela falta de dados oriundos das instituições de origem Sobre as autoras LILIA MORITZ SCHWARCZ 1957 é professora titular do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo USP pesquisadora do CNPq e global scholar na Universidade de Princeton É autora de O espetáculo das raças 1993 e As barbas do imperador 1998 entre outros livros HELOISA MURGEL STARLING 1956 é professora titular da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG e autora de Os senhores das Gerais 1986 Lembranças do Brasil 1999 e Uma pátria paratodos 2009 Copyright 2015 by Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 que entrou em vigor no Brasil em 2009 Capa Victor Burton Projeto gráfico Victor Burton e Luisa Primo Foto de capa Marcel Gautherot Acervo Instituto Moreira Salles Pesquisa iconográfica Danilo Marques Wilkie Buzatti Rafael Alves Bruno Viveiros Bruno Abreu Marcela Ellian Virgínia Starling Taciana Resende Lígia Germano José Antônio Queiróz Kelly de Oliveira Artur Navarro Davi Kacowicz Jéssica de Souza Josiane de Freitas Maria Cecília Carvalho Vanessa de Oliveira Projeto República Núcleo de pesquisa documentação e memória UFMG Preparação Márcia Copola e Cacilda Guerra Preparação das notas Carina Muniz Checagem e cronologia Érico Melo Revisão Huendel Viana e Jane Pessoa ISBN 9788543803142 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA SCHWARCZ SA Rua Bandeira Paulista 702 cj 32 04532002 São Paulo SP Telefone 11 37073500 Fax 11 37073501 wwwcompanhiadasletrascombr wwwblogdacompanhiacombr