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Antropologia

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CURT NIMUENDAJU † VIRGÍLIO CORRÊA FILHO O nome inconfundível, com o qual in- gressou nos anais científicos, revela, pelo hibridismo da sua formação, a singularidade impressionante do mais profundo conhecedor dos aborígenes do Brasil em seu tempo. A fase europeia da existência esbate-se lhe nas penumbras da floresta da Turíngia, que lhe povoaram a mente de lendas e fábulas, desde a infância. Natural de Jena, onde surgiu por volta de 1883, não lhe freqüentou a famosa Univer sidade, que desde o século XVI permitia a formação de sábios em mais de um ramo. Preferia atirar-se à vida aventureira, embora despovoado de conhecimentos universitários, que possuíam os predecessores, cujos relatos de peregrinações por desconhecidas paragens o seduziram. Freqüentara apenas o curso secundário, conforme declararia despretensiosamente a HERBERT BALDUS: "não gozei de nenhuma espécie de instrução acadêmica". Seria, pois, um autodidata. Porventura nenhum programa de traba lho formulara, opostamente a MARTIUS e SPIX, à testa da expedição científica, oficialmente organizada, e a maioria dos continuadores de explorações do território brasileiro, à custa de governos ou de instituições culturais. Modestamente, acorde com a sua origem, CURT UNKEL, nome de sua personalidade ale mã, antes de alcançar a maioridade civil, deixou a terra natal, em busca de aventuras. Cruzaria o Atlântico possivelmente incluído em alguma leva de imigrantes. Ao conhecer São Paulo, porém, decidiu ali estancar, apartan do-se da maioria dos companheiros de travessia, atraídos, por eles raciais, aos núcleos alemães do Rio Grande do Sul. Por que assim obrou, não saberia ao certo. Muito menos para que. Nem há notícia de como lhe decorrera a vida no biênio de adaptação ao novo ambiente. Todavia, não tardou em registrar o pri meiro feito surpreendente. "Conheci o guarani, confidenciou em Lenda da Criação e Juízo Final do Mundo, em 1905, no oeste de São Paulo e vivi em suas tabas, com poucas interrupções, até 1907, na cidade de Batalla, como um deles". Não exagerava na declaração verídica. Definiu-se-lhe o destino glorioso, naquela experiência inicial, que lhe permitia a convi vência com os nativos. De tal maneira se lhes afeiçoou, tão sinceras se repetiam as provas de sua amizade leal, que resolveram aplicar-lhe apelido indicativo da transformação pes soal. Como simples criança, ao receber o nome que o individualize, submeteram-no a cerimônia do batismo, presidida pelo pajé. Ao fim, o hóspede perdera o nome pri mitivo, CURT UNKEL, substituído pelo de CURT NIMUENDAJU, que significa: "o ser que cria o lar o seu próprio lar". E ganhara credenciais prestigiosas, que o emp reeender pesquisas, a que de ordinário se mostram refratários os desconfiados aborí genes. Ao invés de individualidade estranha aos seus grupos, acolhiam-no com um apreciado amigo de confiança, que francamente comu gava em seus sentimentos e tinha o direito de entrar-lhe nos segredos de práticas reli giosas. Não seria somente o interesse de investigar que inspiraria ao filho adotivo das selvas a aceitação do título, indicativo da transfiguração de sua personalidade. Na realidade, quanto mais estudava e psicologia nativa, mais se afeiçoava aquela gente necessitada de assistência e proteção, que não se regia pelos postulados do Código Penal. E assim conseguiu, pois que se inte grara na comunidade cabocla, conhecer-lhe a vida na intimidade atual e pretérita, pela recordação das lendas, mitos e culto dos seus heroís consagrados. Mais do que pelos índices antropomé tricos dos indivíduos, empenhava-se em ava liar-lhes as características psíquicas, pela compreensão das aspirações coletivas, nas superstições, o comportamento diário e nas ocasiões extraordinárias. Quando regressou à capital paulista, tê-los de um mergulho naquelas rudes para gens, tinha em mãos os primeiros aponta mentos, reveladores de vocação merecedora de estímulo. Acolhido pelo Museu do Ipiranga, então dirigido pelo saber de H. VON IHERING, cujas idéias a respeito da incorporação dos abo rígenes aos meios civilizados não lhe agrada ram, preferiu alistar-se entre os colaboradores do Serviço de Proteção aos Índios, a partir de 1911. Apeludia-lhe os propósitos humani tários, que se harmonizavam com os seus próprios, e decidiu prestar-lhe o mais abne gado concurso. Freqüentou-lhe os postos in diigenas, “a principiar pelo de Araribá (dos Caingangue) em São Paulo, estado onde che dou, escrevendo, construindo uma obra que abrangia toda a agência cultural das tribos que visitew”, consonante assinalou NUNES PEREIRA, a recordar-lhe a vida e os traba lhos perante o Instituto de Etnologia e Socio logia de Amazonas. Percorreu pela região costeira de São Paulo, por oeste, ao sul de Mato Grosso, pelo sul até o Paraná. Escrevia sempre. Entretanto, não se tor nariam conhecidos, de princípio, os resultados de suas observações, que só em 1914 come çaram a divulgar-se em revistas especializa das, especialmente as que se consagravam à Etnologia, em Berlim, Viena, Paris, Stuttgart. Eram, em maioria, vocabulários do linguajar desconhecido, que necessitavam de correções, dos Apopocuá, dos Manajé, dos Timbira, dos Parintintin, e dezenas de tribos da Amazônia, para onde transferira o seu nomadismo cien tífico, por volta de 1913. Encalara igualmente ensaios de maior extensão, como a Lenda da Criação e Juízo Final do Mundo, The Social Structure of the Remokrkoma (Canela) e vários outros, que lhe espelharam o conhecimento cabal dos costumes indígenas. Redigia-as habitualmente em alemão, como se digna favor UNKEL, mas os sentimen tos, a simpatia transbordante com que se referia aos irmãos adeptos, expressavam a justa a mentalidade adquirida, de NIMUEN DAJU. Deixou, por confidência: “freqüentei, com predileção, a companhia dos velhos e, de modo especial, a dos pajés (médicos) e me fiz instruir durante horas segui das sobre os mistérios da velha religião. Até eles se mostraram orgulhosos do seu aluno”. Viajante incansável no cansaço, andou por dilatada extensão do território brasileiro, ora a serviço do Museu Nacional, do Paulista, do Paraense, ora para os museus estran geiros, de Gotemburgo, Dresden, Hamburgo, Leipzig, para o Carnegie Institute fora para a Universidade da Califórnia. “São quarenta e três anos de viagens, afirmou NUNES PEREI RA, fazendo escavações, pacificando, colhendo material linguístico, estudando a cultura ma terial e espiritual de inúmeras tribos, proce dendo como topógrafo e cartógrafo que era, a levantamentos das regiões percorridas, ilus trando os próprios trabalhos de geografia e etnografia medianos indígenas”. Cuidava especialmente de etnologia, ver sada em dezenas de contribuições, inclusive a última, referente aos Tucunas, “trabalho minucioso, de uma extraordinária densidade de observações de fatos e de conclusões, re presentando, de modo total, a cultura desse povo”, conforme apreciou NUNES PEREIRA, que teve em mãos os originais. Para aperfeiçoá-lo, sulcou pela terceira vez o Solimões, como antes fizera em rios ín- menos da Amazônia, de São Paulo e vizenhan ças, confinante na resistência do seu organism, que não mais lhe permitiu os triunfos ante riores. Ao sucumbir, como talvez desejasse, em viagem de estudos, interrompera a trajetória exemplar, percorrida abnegadamente pelo fervoroso amigo dos silvícolas, que lhes ob servou com esmero as peculiaridades de cul tura material e organização social. Para melhormente defini-la, houve mistér localizá-las com a maior aproximação possível. Daí se originou a longa série de esboços científicos e mapas, que acompanha vam cada reconhecimento por invis riosões. SUMÁRIO Curt Nimuendaju ................................................................. 9 - Virgílio Corrêa Filho Curt Nimuendaju ................................................................. 13 - L. de Castro Faria A Cartografia do Mapa Etno-histórico de Curt Nimuendaju ................. 19 - Rodolpho Pinto Barbosa A Ortografia dos Nomes Tribais no Mapa Etno-histórico de Curt Nimuendaju ...... 25 - Charlotte Emmerich e Yvonne Leite Significação e efeito da publicação do Mapa Etno-histórico de Curt Nimuendaju para a antropologia brasileira .......... 33 - George de Cerqueira Leite Zarur Observações ............................................................................. 37 - Curt Nimuendaju Índice de Tribos ......................................................................... 39 - Curt Nimuendaju Bibliográfico ............................................................................. 65 - Curt Nimuendaju Índice de Autores ....................................................................... 89 - Curt Nimuendaju Mapa Etno-histórico do Brasil e Regiões Adjacentes de Curt Nimuendaju (encarte) SECRETARIA DE PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA FUNDAÇAO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA — IBGE MAPA ETNO-HISTÓRICO DE CURT NIMUENDAJÚ (3.a edição) (2.a impressão) editado em colaboração com a Fundação Nacional Pró-Memória Rio de Janeiro IBGE 1987 COLABORADORES DIVISÃO DE ATLAS E APOIO TÉCNICO Rodolpho Pinto Barbosa Equipe Cartográfica Rodolpho Pinto Barbosa (Coordenador) Lindalvo Nogueira Heberle Célio de Aguiar Affé Selby Tozzer Bastos Enzo Fonseca Dória Filho José Alfredo Candido de Almeida Alfredo dos Santos Cunha Equipe Técnica do Setor de Linguística do Museu Nacional Charlotte Emmerich (Coordenadora) Yonne de Freitas Leite Maria das Graças Dias Pereira (Bolsista do Centro Nacional de Referência Cultural) Dilma Maria Breves de Lima Maria Helena Rosa Sylvio Helena Taboada Peixoto IBGE — Centro de Documentação e Disseminação de Informações Av. Beira Mar, 436 - 6.° andar — Rio de Janeiro — RJ CEP 20 021 — Tel.: (021) 533-3094 ISBN 85-240-0001-5. 1.a EDIÇÃO 1.a impressão — dezembro de 1981 2.a impressão — dezembro de 1987 Capa Pedro Paulo Machado IBGE Mapa etno-histórico de Curt Nimuendaju / Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em colaboração com a Fundação Nacional Prô-Memória — Rio de Janeiro : IBGE, 1987. 94 p. : mapa. ISBN 85-240-0001-5. 1. Índios brasileiros. 2. Curt Nimuendaju — Crítica e interpreta- ção. I. Fundação Nacional Pró-Memória. II. Título. IBGE, Gerência de Documentação e Biblioteca RJ-IBGE/81-39 CDD 572.898 CDU 572.981 = 98 Curt Nimuendaju Essas explorações — “um périplo espetacular de cientista ao longo da costa e do interior do Brasil” — afirmou quem lhe conhecia a obra admirável, permitiram que ele, como topógrafo e cartógrafo, enriquecesse as mapotecas da nossa terra com trabalhos de alta valia. Para mais ampliar a sua colaboração exclusivamente geográfica, organizou “um mapa, de grandes proporções, para o Museu Paraense, a pedido de Carlos Estevão, mostrando as localizações remotas, os deslocamentos, as migrações das tribos indígenas em nosso país”, afirmou, ainda, Nunes Ferreira. Achava-se, mais do que ninguém, credenciado pelos ensaios anteriormente divulgados, para empreender tamanha obra, que exigia conhecimentos de etnologia, de história, de localização de tribos inclinadas ao nomadismo. Não obstante, conseguiu ultimá-la e, ainda mais, reduzi-la em cópias, entregues à Inspetoria de Índios do Pará, à Universidade de Colômbia, a pedido de Robert Low, que lhe propiciara a publicação, em inglês, de The Camela Indians e outros ensaios. Cooperou, destarte, Nimuendaju para mais exato conhecimento da terra brasileira e das populações marginais, que ainda se encontram agrupadas nas regiões que explorou. Ainda mais lhe avultará a contribuição geográfica, depois que lhe for examinado se espólio científico, em boa hora confiado ao Museu Nacional, onde os estudiosos poderão, mais tarde, examinar-lhe os escritos e mapas referentes ao Brasil. * Transcrito da RBG jan./mar. 1951.