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Psicologia ·

Behaviorismo/ Comportamental

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COMPREENDER O\nBEHAVIORISMO\nComportamento, Cultura e Evolução\n3ª EDIÇÃO\nWILLIAM M. BAUM Aviso Todo esforço foi feito para garantir a qualidade editorial desta obra, agora em versão digital. Destacamos, contudo, que diferenças na apresentação do conteúdo podem ocorrer em função das características técnicas específicas de cada dispositivo de leitura. WILLIAM M. BAUM\nCOMPREENDER O\nBEHAVIORISMO\nComportamento, Cultura e Evolução\n3ª EDIÇÃO\nTradução\nDaniel Bueno\nRevisão técnica\nFernando Albegard Cassas\nDoutor em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento\npela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.\nProfessor do Programa de Mestrado Profissional em Análise\ndo Comportamento Aplicada da Associação Paradigma:\nCentro de Ciências e Tecnologia do Comportamento.\nVersão impressa\ndesta obra: 2019\n2019 Obra originalmente publicada sob o título original Understanding behaviorism, 3rd Edition. ISBN 9781119143642 / 1119143640 All Rights Reserved. This translation published under license with the original publisher John Wiley & Sons, Inc. Copyright ©2017, John Wiley & Sons, Inc. Gerente editorial: Letícia Bispo de Lima Colaboraram nesta edição: Editora: Paola Araújo de Oliveira Capa: Márcio Monticelli Preparação de originais: Franciane de Freitas Leitura final: Camila Wisnieski Heck Editoração: Ledur Serviços Editoriais Ltda. Produção digital: Loope | www.loope.com.br Catalogação na publicação Karin Lorien Menoncin – CRB 10/2147 Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à ARTMED EDITORA LTDA., uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 – Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070 Unidade São Paulo Rua Doutor Cesário Mota Jr., 63 – Vila Buarque 01221-020 São Paulo SP Fone: (11) 3221-9033 SAC 0800 703-3444 – www.grupoa.com.br É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. Dedico este livro a meu mentor, Richard J. Herrnstein, cuja influência foi imprescindível para tê-lo escrito. Agradecimentos\n\nEm primeiro lugar, agradeço a Matt Bell por todos os comentários úteis fornecidos a partir de suas próprias leituras e de seus alunos. A Tabela 3.1 foi ideia deles. Pete Richerson fez muitos comentários edificantes sobre os rascunhos dos Capítulos 12 e 13. Minha aluna Carsta Simon também contribuiu com comentários produtivos. Alguns colegas me ajudaram indiretamente ao esclarecer minha compreensão da seleção como um processo geral incorporado à equação de Price: Karthik Panchanathan e Richard McElreath. Agradeço à minha esposa, Ellen, por seu apoio constante; e, por seu apoio e inspiração, agradeço aos meus filhos, Shona, Aaron, Zack, Naomi e Gideon, e às suas caras-metades, Paver, Laura, Alice e Erin, respectivamente. Prefácio\n\nNesta nova edição, meu objetivo foi principalmente atualizar todo o livro, uma vez que ocorreram avanços na análise do comportamento e na biologia evolutiva. Assim, os Capítulos 4, 12 e 13 foram substancialmente reescritos. O Capítulo 1 agora tem uma seção sobre o discurso-padrão – “Eu pensei (ou senti) X, e então eu fiz Y” – e uma seção sobre psicologia popular. O Capítulo 2 apresenta uma refutação à crítica de que o pragmatismo não pode explicar o “sucesso irracional” da ciência. Adicionei ao Capítulo 3 uma tabela de resumo que compara as visões do behaviorismo metodológico de Skinner e Ryle e do behaviorismo molar de Rachlin. O Capítulo 4 agora se inclina mais em direção à minha própria visão de reforço, punição, condicionamento clássico e indução, reunindo tudo em um único enquadramento com o conceito de eventos filogeneticamente importantes. Adicionei um exemplo de evolução comportamental mais relacionado ao equilíbrio entre trabalho e vida profissional. O Capítulo 12 agora inclui a abordagem de valores de Max Hocutt e relaciona mais os valores à evolução humana. O Capítulo 13 foi atualizado para incluir epigenética, seleção de grupo e seleção cultural de grupo como forças na evolução cultural. Todos os capítulos incluem pequenas correções, acréscimos e aperfeiçoamentos na terminologia. Além das palavras-chave ao final de cada capítulo, acrescentei um glossário com todos os termos novos inclusos no livro. Sumário\n\nPARTE I O que é behaviorismo?\n1 Behaviorismo: definição e história\n\nContexto histórico\nDa filosofia à ciência\nPsicologia objetiva\nPsicologia comparativa\nA primeira versão do behaviorismo\n\nLivre-arbítrio versus determinismo\nDefinições\nArgumentos a favor e contra o livre-arbítrio\nArgumentos sociais\nArgumentos estéticos\n\nPsicologia popular\nResumo\nLeituras adicionais\nPalavras-chave\n\n2 O behaviorismo como filosofia da ciência\nRealismo versus pragmatismo\nRealismo\nO universo objetivo\nDescoberta e verdade\nDados sensoriais e subjetividade\nExplicação\nPragmatismo\nCiência e experiência\nEconomia conceitual\nExplicação e descrição\n\nBehaviorismo radical e pragmatismo\nResumo 3\nPúblico, privado, natural e fictício\nMentalismo\nEventos públicos e privados\nEventos naturais\nNatural, mental e fictício\nObjetos ao mentalismo\nAutonomia: causas mentais obstruem a investigação\nRedundância: ficções explicativas são antieconômicas\nErros de categoria\nRyle e a hipótese paramecânica\nO behaviorismo molar de Rachlin\nEventos privados\nComportamento privado\nAutoconhecimento e consciência\nResumo\nLeituras adicionais\nPalavras-chave\n\nPARTE II Um modelo científico do comportamento\n4\nTeoria da evolução e reforço\nHistória evolutiva\nSeleção natural\nReflexos e padrões fixos de ação\nReflexos\nPadrões fixos de ação\nCondicionamento respondente\nReforçadores e punidores\nComportamento operante\nFatores fisiológicos\nRevisão das influências genéticas\nHistória de reforçamento\nSeleção pelas consequências\nA lei do efeito\nModelagem e seleção natural\nExplicações históricas\nResumo\nLeituras adicionais\nPalavras-chave 5\nIntenção e reforço\nHistória e função\nO uso de explicações históricas\nHistória versus causa imediata\nLacunas temporais\nUnidades funcionais\nEspécies como unidades funcionais\nAtividades como unidades funcionais\nTrês significados de intenção\nIntenção como função\nIntenção como causa\nComportamento intencional\nMáquinas intencionais\nSeleção por consequências\nCriatividade\nIntenção como sentimento: autorrelatos\nFalar sobre o futuro\nFalar sobre o passado\nSentimentos como subprodutos\nResumo\nLeituras adicionais\nPalavras-chave\n\n6\nControle de estímulos e conhecimento\nControle de estímulos\nEstímulos discriminativos\nSequências estendidas e estímulos discriminativos\nDiscriminação\nConhecimento\nConhecimento processual: saber como\nConhecimento declarativo: saber sobre\nConhecimento declarativo e controle de estímulos\nO que é a mentira?\nAutoconhecimento\nEstímulos públicos versus estímulos privados\nIntrospecção\nO comportamento dos cientistas\nObservação e discriminação\nConhecimento científico\nPragmatismo e contextualismo\nResumo\nLeituras adicionais\nPalavras-chave 7\nComportamento verbal e linguagem\nO que é comportamento verbal?\nComunicação\nO comportamento verbal como comportamento operante\nO falar tem consequências\nA comunidade verbal\nFalante e ouvinte\nO episódio verbal\nReforço do comportamento verbal\nO papel do ouvinte\nExemplos\nA importância da história\nLíngua de sinais e gestos\nAnimais não humanos\nFalar consigo mesmo\nComportamento verbal versus linguagem\nUnidades funcionais e controle de estímulos\nAtividades verbais como unidades funcionais\nControle de estímulos no comportamento verbal\nEquívocos comuns\nA natureza gerativa da linguagem\nFalar sobre o falar\nFalar sobre o futuro\nSignificado\nTeorias de referência\nSímbolos e léxicos\nA importância do contexto\nSignificado como uso\nConsequências e contexto\nVariedades de uso\nDefinições de dicionário\nTermos técnicos\nGramática e sintaxe\nRegras como descrições\nCompetência e desempenho\nGramática e gramaticais\nOnde estão as regras?\nResumo\nLeituras adicionais\nPalavras-chave PARTE III 9 10 O que é comportamento controlado por regras? Comportamento controlado por regras versus comportamento modelado implic itamente Regras: ordens, instruções e conselhos Sempre duas relações A relação de reforçamento próxima A relação de reforçamento última Aprendizagem de seguimento de regras Modelagem do comportamento de seguir regras Onde estão as regras? Pensamento e resolução de problemas Mudança de estímulos Comportamento precorrente Resumo Leituras adicionais Palavras-chave Questões sociais Liberdade Usos da palavra livre Ser livre: livre-arbítrio Sentir-se livre: liberdade política e social Coerção e controle aversivo Liberdade e felicidade Objeções ao ponto de vista comportamental Armadilhas de reforço, maus hábitos e autocontrole Liberdade espiritual O desafio do pensamento tradicional Resumo Leituras adicionais Palavras-chave Responsabilidade, mérito e culpa A responsabilidade e as causas do comportamento Livre-arbítrio e visibilidade do controle Atribuição de mérito e culpa Compaixão e controle A responsabilidade e as consequências do comportamento O que é responsabilidade? Considerações práticas: a necessidade de controle Aplicar consequências 11 12 13 Que tipo de controle? Resumo Leituras adicionais Palavras-chave Relações, gerenciamento e governo Relações Reforço mútuo Indivíduos e organizações Exploração O "escravo feliz" Consequências de longo prazo Bem-estar comparativo Teoria da equidade Quais comparações? Cooperação Controle e contracontrole Contracontrole Equidade Poder Democracia Resumo Leituras adicionais Palavras-chave Valores: religião e ciência Questões sobre valor Relativismo moral Padrões éticos A lei da natureza humana A questão das origens Uma abordagem científica dos valores Reforçadores e punidores Sentimentos Teoria da evolução e valores Altruísmo e cooperação Valores morais A vida plena Resumo Leituras adicionais Palavras-chave A evolução da cultura Evolução biológica e cultura\nReplicadores e aptidão\nSociedades\nSeleção de grupo\nDefinição de cultura\nCultura e sociedade\nCultura e aptidão\nTraços que permitem a cultura\nEspecializações comportamentais\nImitação\nReforçadores e punidores sociais\nVariação, transmissão e seleção\nVariação\nReplicadores culturais\nMeme, gene cultural, prática\nReforço e punição social\nMutação, recombinação e migração\nTransmissão\nHerança de características adquiridas\nTransmissão por imitação\nTransmissão por comportamento controlado por regras\nSeleção\nSeleção natural na cultura\nTransmissão seletiva\nSeguimento de regras e elaboração de regras\nA lenda de Eslok\nSeleção de grupo na cultura\nAutointeresse\nResumo\nLeituras adicionais\nPalavras-chave\n14 Planejamento cultural: experimentação em prol da sobrevivência\nPlanejamento pela evolução\nCruzamento seletivo\nAvaliação\nA sobrevivência como critério\nVariação orientada\nA sociedade experimental\nExperimentação\nDemocracia\nFelicidade\nWalden Two: a visão de Skinner Interpretação de Walden Two Walden Two é uma utopia? Objeções Resumo Leituras adicionais Palavras-chave Glossário PARTE I\nO que é behaviorismo?\nO behaviorismo tem sido um tema controverso. Algumas objeções originam-se de um correto entendimento, mas os equívocos em relação ao behaviorismo são muitos. Os três capítulos da Parte I visam esclarecer o que pode ser chamado de \"posição filosófica\" do behaviorismo.\nTudo o que é verdadeiramente controverso sobre o behaviorismo decorre de sua principal ideia: a de que uma ciência do comportamento é possível. Em algum momento de sua história, toda ciência teve de exorcizar causas imaginadas (agentes ocultos) que supostamente estão atrás ou sob a superfície dos eventos naturais. O Capítulo 1 explica como a negação de agentes ocultos por parte dos behavioristas leva a uma controvérsia genuína: a questão de o comportamento ser livre ou determinado.\nO Capítulo 2 visa prevenir os equívocos que podem surgir devido às mudanças pelas quais o behaviorismo passou ao longo do tempo. Uma versão anterior, chamada de behaviorismo metodológico, baseava-se no realismo, a visão de que toda experiência é causada por um mundo real objetivo, externo e separado do mundo interno subjetivo de uma pessoa. O realismo pode ser contrastado com o pragmatismo, que se cala sobre a origem da experiência, mas aponta, em vez disso, a utilidade de tentar entender e dar sentido a nossas experiências. Uma versão posterior do behaviorismo, chamada behaviorismo radical, baseia-se no pragmatismo, e não no realismo. Qualquer pessoa que não entenda essa diferença é propensa a interpretar erroneamente o aspecto crítico do behaviorismo radical, sua rejeição do mentalismo. A análise crítica do mentalismo feita pelos behavioristas, explicada no Capítulo 3, subjaz o restante do livro, pois ela exige que os behavioristas sugiram explicações não mentalistas do comportamento (Parte II) e soluções não mentalistas para problemas sociais (Parte III). 1\nBehaviorismo: definição e história\nA ideia central no behaviorismo pode ser formulada de maneira simples: uma ciência do comportamento é possível. Os behavioristas têm opiniões diversas sobre o que essa proposição significa e particularmente sobre o que é ciência e o que é comportamento, mas todos concordam que pode haver uma ciência do comportamento.\nMuitos behavioristas acrescentam que a ciência do comportamento deve ser a psicologia. Isso é motivo de controvérsia, pois muitos psicólogos rejeitam a ideia de que a psicologia seja uma ciência, e outros, que a tomam como ciência, consideram que seu objeto é algo diferente do comportamento. A maioria dos behavioristas passou a chamar a ciência do comportamento de análise do comportamento. O debate continua sobre se a análise do comportamento faz parte da psicologia, é o mesmo que psicologia ou é independente da psicologia, mas organizações profissionais, como a Association for Behavior Analysis, e revistas, como The Behavior Analyst, Journal of the Experimental Analysis of Behavior e Journal of Applied Behavior Analysis, dão ao campo uma identidade.\nUma vez que o behaviorismo é um conjunto de ideias sobre essa ciência chamada análise do comportamento, não a ciência em si, o behaviorismo propriamente dito não é ciência, mas filosofia da ciência. Como filosofia sobre o comportamento, contudo, ele toca em assuntos próximos e que nos são caros: por que fazemos o que fazemos e o que devemos e não devemos fazer. O behaviorismo oferece uma visão alternativa que muitas vezes se coloca contra o pensamento tradicional sobre a ação, porque as opiniões tradicionais não têm sido pautadas pela ciência. Veremos, em capítulos posteriores, que, às vezes, o behaviorismo nos leva em direções radicalmente diferentes do pensamento convencional. Este capítulo aborda a história do behaviorismo e uma de suas implicações mais imediatas: o determinismo.\n\nCONTEXTO HISTÓRICO\n\nDa filosofia à ciência\n\nTodas as ciências – a astronomia, a física, a química e a biologia – tiveram suas origens na filosofia e posteriormente se separaram dela. Antes que a astronomia e a física existissem como ciências, por exemplo, os filósofos especulavam sobre a organização do universo natural, partindo de suposições sobre Deus ou algum outro padrão e, raciocinando, concluíam sobre a forma como o universo seria. Por exemplo, se todos os eventos importantes pareciam ocorrer na Terra, então ela deveria ser o centro do universo. Uma vez que o círculo é a forma mais perfeita, o Sol deve viajar pela Terra em uma órbita circular. A lua deve viajar em outra órbita circular mais próxima, e as estrelas devem estar em uma esfera, a forma tridimensional mais perfeita, ao redor de tudo. (Até hoje, o Sol, a lua e as estrelas são chamados de corpos celestes, porque se supunha que eram perfeitos.)\n\nAs ciências da astronomia e da física nasceram quando os indivíduos começaram a tentar compreender os objetos e fenômenos naturais por meio da observação. Quando Galileu Galilei (1564-1642) apontou um telescópio para a lua, observou que sua paisagem marcada por crateras estava longe de ser a esfera perfeita imaginada pelos filósofos. Contribuindo também para a física, Galileu registrou o movimento de queda de objetos rolando uma bola por uma calha. Ao descrever suas descobertas, Galileu ajudou a inventar as noções modernas de velocidade e aceleração. Isaac Newton (1642-1727) acrescentou conceitos como força e inércia para criar um poderoso esquema descritivo para entender os movimentos dos corpos na Terra, bem como dos corpos celestes, como a lua.\n\nAo criarem a ciência da física, Galileu, Newton e outros pensadores do Iluminismo romperam com a filosofia. A filosofia raciocina a partir de\npresupostos para chegar a conclusões. Seus argumentos assumem a forma: “Se isto fosse assim, então aquilo seria assim”. A ciência segue na direção oposta: “Isto é observado; o que poderia ser verdade que levaria a tal observação, e a quais outras observações isso levaria?”. A verdade filosófica é absoluta; contanto que os pressupostos sejam enunciados e o raciocínio esteja correto, as conclusões devem seguir-se. A verdade científica é sempre relativa e provisória; ela é relativa à observação e passível de ser desmentida por novas observações. Durante muito tempo, os astrônomos pensaram que havia apenas sete planetas, mas um oitavo e um nono foram descobertos. Os pressupostos filosóficos referem a abstrações além do universo natural: Deus, harmonia, formas ideais, e assim por diante. Os pressupostos científicos utilizados na elaboração de teorias referem-se apenas ao universo natural e a sua possível forma de organização. Embora Newton fosse teólogo e físico, ele separava as duas atividades. Sobre a física, ele disse: “Hypotheses non fingo” (“Eu não invento hipóteses”), isto é, ao estudar física, ele não se preocupava com quaisquer entidades ou princípios sobrenaturais – ou seja, com qualquer coisa fora do próprio universo natural. A razão pela qual o oceano tem marés não é a vontade de Deus, mas a atração gravitacional da lua enquanto gira em torno da Terra. Assim como a física, os gregos antigos também especularam sobre química. Filósofos como Heráclito, Empédocles e Aristóteles especularam que a matéria variava em suas propriedades porque era dotada de certas qualidades, essências ou princípios. Aristóteles sugeriu quatro qualidades: quente, fria, úmida e seca. Se uma substância era um líquido, ela tinha mais da qualidade úmida; se era sólida, mais da seca. À medida que os séculos passaram, a lista de qualidades ou essências aumentou. Dizia-se que as coisas que esquentam tinham a essência interior cálorica. Materiais que queimavam tinham flogisto. Essas essências foram consideradas substâncias reais escondidas em algum lugar dentro dos materiais. Quando os pensadores se afastaram da especulação sobre essências ocultas e começaram a inter-relacionar observações cuidadosas de mudanças da matéria, nasceu a química. Antoine Lavoisier (1743-1794), dentre outros, desenvolveu o conceito de oxigênio a partir da observação cuidadosa de pesos. Lavoisier descobriu que quando o chumbo, um metal, é queimado em um recipiente fechado e transformado em pó amarelo (óxido de chumbo), esse pó pesa mais do que o metal original, e, no entanto, todo o recipiente conserva o mesmo peso. Lavoisier argumentou que isso só poderia ocorrer se o metal se combinasse com algum material no ar. Essa explicação aludia exclusivamente a termos naturais; ela deixava de lado as essências ocultas sugeridas pela filosofia e estabelecia a química como ciência.\n\nA biologia rompeu com a filosofia e a teologia da mesma forma. Os filósofos raciocinavam que se as coisas vivas e não vivas diferiam era porque Deus havia dado aos seres vivos algo que Ele não havia dado aos não vivos. Alguns pensadores consideravam que essa coisa interior era uma alma; outros a chamaram de vis viva (força vital). No século XVII, os primeiros fisiologistas (1578-1657) descobriram o que parecia mais o funcionamento de uma máquina do que uma misteriosa força vital. Parecia que o coração funcionava como uma bomba, circulando o sangue através das artérias e tecidos e voltando pelas veias. Como na física e na química, esse raciocínio deixou de lado os hipotéticos pressupostos dos filósofos e usava como referencial apenas as observações de fenômenos naturais.\n\nQuando Charles Darwin (1809-1882) publicou sua teoria da evolução por seleção natural em 1859, ela despertou um furor. Algumas pessoas se ofenderam, pois a teoria ia contra o relato bíblico de que Deus criara todas as plantas e animais em alguns dias. Até alguns geólogos e biólogos se chocaram com Darwin. Familiarizados com as avassaladoras evidências provenientes do estudo dos fósseis acerca do surgimento e da extinção de muitas espécies, esses cientistas já estavam convencidos de que a evolução ocorria. Contudo, embora não aceitassem mais o relato bíblico sobre a criação de maneira literal, alguns deles ainda consideravam a criação da vida (e, consequentemente, a evolução) uma obra de Deus. Eles se sentiram tão ofendidos pela teoria da seleção natural de Darwin quanto aqueles que interpretavam a Bíblia de forma literal.\n\nA teoria de Darwin impressionou seus contemporâneos por oferecer uma explicação sobre a origem da vida que deixava de fora Deus ou qualquer outra força não natural. A seleção natural é um processo puramente mecânico. Se os seres variam, e a variação é herdada, qualquer vantagem reprodutiva de um tipo fará com que esse tipo substitua todos os concorrentes. A teoria moderna da evolução surgiu na primeira metade do século XX, quando a ideia de seleção natural foi combinada com a teoria da herança genética. Essa teoria continua a suscitar objeções por causa de seu caráter naturalista e sem Deus.\n\nAssim como a astronomia, a física, a química, a fisiologia e a biologia evolutiva, a psicologia também rompeu com a filosofia. E essa ruptura foi relativamente recente. Até a década de 1940, poucas universidades tinham um departamento separado de psicologia, e os professores de psicologia costumavam ser encontrados no departamento de filosofia. Se a biologia evolutiva, com suas raízes em meados do século XIX, ainda está completando sua ruptura com a doutrina teológica e filosófica, não é surpresa que hoje os psicólogos ainda discutam as implicações de considerar a psicologia uma verdadeira ciência, e que os leigos estão apenas começando a aprender o que uma psicologia verdadeiramente científica pode significar na prática.\n\nNa segunda metade do século XIX, os psicólogos começaram a chamar a psicologia de “ciência da mente”. A palavra grega psique significa algo semelhante a “espírito”, porém mente parecia menos especulativo e mais passível de estudo científico. Como estudar a mente? Os psicólogos propuseram a adoção do método dos filósofos: a introspecção. Se a mente era uma espécie de palco ou arena, então deveria ser possível olhar dentro dela e ver o que estava ocorrendo; esse era o sentido da palavra introspecção. Trata-se de uma tarefa difícil, principalmente se o que se deseja é colher fatos científicos fidedignos. Parecia aos psicólogos do século XIX que essa dificuldade poderia ser superada com bastante treino e muita prática. Duas correntes de pensamento, contudo, se somaram para correr essa visão: a psicologia objetiva e a psicologia comparativa.\n\nPsicologia objetiva\n\nAlguns psicólogos do século XIX estavam pouco à vontade com a introspecção como método científico. Ela parecia muito pouco confiável, muito suscetível a distorções pessoais, muito subjetiva. Outras ciências utilizavam métodos objetivos que produziam medidas verificáveis e replicáveis em laboratórios do mundo inteiro. Se duas pessoas treinadas em introspecção discordassem sobre suas conclusões, seria difícil de resolver o conflito; entretanto, se utilizassem métodos objetivos, os pesquisadores poderiam notar diferenças de procedimento que talvez explicassem os resultados diferentes.\n\nUm dos primeiros pioneiros da psicologia objetiva foi o psicólogo holandês F. C. Donders (1818-1889), que se inspirou em um intrigante problema colocado pela astronomia: como calcular o momento exato em que uma estrela estará em determinada posição no céu? Quando se vê uma estrela através de um telescópio poderoso, ela parece se deslocar a uma velocidade considerável. Os astrônomos que tentavam fazer medidas precisas do tempo estavam tendo dificuldade em estimar a velocidade com a precisão de uma fração de segundo. Um astrônomo ficava ouvindo o tique-taque de um cronômetro, que marcava os segundos, enquanto observava a estrela e contava os tiques. Quando a estrela\n\ncruzava uma linha marcada no telescópio (o “momento de trânsito”), o astrônomo anotava mentalmente sua posição no momento do tique-taque imediatamente anterior e imediatamente posterior ao trânsito e depois estimava a fração da distância entre as duas posições que ficava entre a posição imediatamente anterior ao trânsito e a linha. O problema era que diferentes astrônomos, observando o mesmo momento de trânsito, chegavam a diferentes estimativas de tempo. Os astrônomos tentaram resolver o problema gerado por essa variação calculando uma equação para cada astrônomo, chamada de “equação pessoal”, que calculava o tempo correto a partir das estimativas de tempo feitas por eles.\n\nDonders raciocinou que as estimativas de tempo variavam porque nenhum dos astrônomos utilizou o mesmo tempo para avaliar o momento exato de trânsito; ele acreditava que eles estavam realmente fazendo suas avaliações por meio de diferentes processos mentais. Donders pensou que esse “momento de avaliação” poderia ser uma medida objetiva útil. Ele começou a fazer experimentos em que media os tempos de reação das pessoas – os tempos necessários para detectar uma luz ou som e então apertar um botão. Ele constatou que levava mais tempo para apertar o botão correto entre dois botões quando uma das duas luzes do botão se acendia do que para apertar um único botão quando uma única luz se acendia. Subtraindo-se o tempo de reação simples, mas curto, do tempo de reação de escolha, mais longo, Donders afirmou que seria possível medir objetivamente o processo mental de escolha. Isso pareceu um grande avanço comparado à introspecção, pois significava que os psicólogos poderiam fazer experimentos laboratoriais com os mesmos métodos objetivos que as outras ciências.\n\nOutros psicólogos desenvolveram outros métodos que pareciam medir os processos mentais objetivamente. Gustav Fechner (1801-1887) tentou medir a intensidade subjetiva da sensação ao desenvolver uma escala com base na diferença perceptível - a menor diferença física entre duas luzes ou sons que uma pessoa é capaz de detectar. Hermann Ebbinghaus (1850-1909) mediu o tempo que ele levava para aprender e posteriormente reaprender listas de sílabas sem sentido - combinações de consoante-vogal-consoante sem significado - para produzir medidas objetivas de aprendizado e memória. Outros usaram o método desenvolvido por I. P. Pavlov (1849-1936) para estudar transferência e associação, medindo um simples reflexo de transferência para novos sinais organizados no laboratório. Essas tentativas\n mantiveram a promessa comum de que, segundo métodos objetivos, a psicologia poderia se tornar uma verdadeira ciência.\n\nPsicologia comparativa\n\nAo mesmo tempo que os psicólogos tentavam fazer da psicologia uma ciência objetiva, a psicologia também estava sendo influenciada pela teoria da evolução. Os seres humanos não eram mais vistos como separados de outros seres vivos. Crescia o reconhecimento de que não compartilhamos apenas traços anatômicos com símios, macacos, cachorros e até peixes, mas também muitos traços comportamentais.\n\nAssim surgiu a noção de continuidade das espécies – a ideia de que, mesmo que as espécies sejam claramente diferentes umas das outras, elas também se assemelham na medida em que compartilham uma mesma história evolutiva. A teoria de Darwin ensinou que novas espécies surgiram apenas como modificações de espécies existentes. Se a nossa espécie evoluiu como qualquer outra espécie, então ela também deve ter surgido como uma modificação de outras espécies. Foi fácil identificar que nós e os símios temos ancestrais comuns, que símios e macacos têm ancestrais comuns, que macacos e musaranhos têm ancestrais comuns, e assim por diante.\n\nPensadores da psicologia comparativa raciocinaram que, assim como era possível reconhecer as origens dos nossos próprios traços anatômicos em outras espécies, também era possível observar os origens dos nossos traços mentais. Assim, a ideia de fazer comparações entre espécies para saber mais sobre a nossa, aliada à suposição de que nossos traços mentais apareciam em outras espécies de maneira mais simples ou rudimentar, deu origem à psicologia comparativa.\n\nAs comparações entre nossa espécie e outras se tornaram comuns. O próprio Darwin escreveu um livro intitulado The expression of the emotions in men and animals. Inicialmente, as evidências de uma mentalidade aparentemente humana em outros animais consistiam em observações ocasionais de seres selvagens e domésticos, muitas vezes apenas anedotas sobre animais de estimação ou animais de criação. Com um pouco de imaginação, era possível ver um cão que aprendeu a abrir o portão do jardim levantando o trinco depois de ter observado e raciocinado a partir do exemplo de seu dono. É possível imaginar ainda que as sensações, os pensamentos, os sentimentos, etc., do cão devem se parecer com os nossos. George Romanes (1848-1894) levou essa linha de\n pensamento adiante, publicando sua obra Animal intelligence, que buscou compilar estudos e evidências sobre raciocínio e comportamento em animais. Romanes acreditava que poderia descrever e relatar os princípios do raciocínio animal a partir dessas observações. Entre outras evidências, ele fez comparações entre diferentes espécies, estudou as capacidades cognitivas, o que aumentou a compreensão sobre a continuidade evolutiva da mente.\n\nAtualmente, a psicologia comparativa é uma subdisciplina bem estabelecida dentro da psicologia, que utiliza métodos objetivos para examinar o comportamento e a cognição em várias espécies. Assim, o estudo comparativo é fundamental para validar questões sobre a evolução do comportamento humano ao longo do tempo e entender como as características comportamentais podem ter se desenvolvido e se adaptado em diferentes espécies. A psicologia comparativa continua a nos fornecer novas perspectivas e conhecimentos sobre a complexidade do comportamento animal e humano. raciocínio para sua conclusão lógica, chegando a afirmar que nossa própria consciência deve constituir a base de nossas suposições em eventual têne consciência que ocorre em formas.\nEssa “humanização da fera”, ou antropomorfismo, parecia muito especulativa para alguns psicólogos. Na segunda metade do século XX e início do século XXI, os psicólogos comparativos começaram a substituir as vagas evidências anedóticas por uma observação rigorosa realizando experimentos com animais. Grande parte dessa pesquisa inicial baseou-se em labyrinthos, porque qualquer animal que se move, seja ele humano, rato, peixe ou formiga, pode ser treinado para resolver um labirinto. Era possível medir o tempo que o animal levava para percorrer o labirinto e o número de erros cometidos, além de observar o número de erros e a quantidade de tempo diminuir conforme o aprendizado. Levando adiante a tentativa de humanizar a fera, esses primeiros pesquisadores frequentemente incluíram especulações sobre os estados mentais, os pensamentos e as emoções dos animais. Dizia-se que os ratos demonstravam aborrecimento ao cometerem um erro, confusão, hesitação, confiança, e assim por diante.\nO problema com essas afirmações sobre a consciência animal era que elas dependiam demais do viés individual. Se, por introspecção, duas pessoas podiam discordar quanto a estarem sentindo raiva ou tristeza, elas podiam Discordar ainda mais quanto a se um rato estava sentindo raiva ou tristeza. Como as observações eram muito subjetivas, fazer mais observações não ajudaria a resolver qualquer discordância. John B. Watson (1879-1958), o fundador do behaviorismo, considerou que as inferências sobre a consciência em animais eram ainda menos confiáveis que a introspecção e concluiu que nenhuma das duas poderia servir de método para uma verdadeira ciência. A primeira versão do behaviorismo Em 1913, Watson publicou o artigo “Psychology as the behaviorist views it”, que rapidamente foi considerado o manifesto da primeira versão do behaviorismo. Guiado pela psicologia objetiva, Watson articulou a crescente insatisfação dos psicólogos com a introspecção e a analogia como métodos. Queixava-se de que a introspecção, diferentemente dos métodos da física ou da química, dependia excessivamente do indivíduo:\nSe você não conseguir reproduzir minhas descobertas... é porque sua introspecção não foi bem treinada. Ataca-se o observador, e não a situação experimental. Na física e na química, atacam-se as condições experimentais. O equipamento não era sensível o suficiente, foram utilizados produtos químicos impuros, etc. Nessas ciências, uma técnica melhor irá gerar resultados passíveis de reprodução. Na psicologia é diferente. Se você não é capaz de observar de 3 a 9 estados de clareza na atenção, sua introspecção é deficiente. Se, por outro lado, um sentimento parece razoavelmente claro para você, sua introspecção é novamente a culpada. Você está vendo demais. Os sentimentos nunca são claros. (p. 163)\nSe a introspecção não era confiável, as analogias entre animais e seres humanos eram ainda. Watson queixava-se de que a ênfase na consciência o obrigava\na absurda situação de tentar construir o conteúdo consciente do animal cujo comportamento estudamos. Nessa visão, depois de ter determinado a capacidade de aprender do animal, a simplicidade ou a complexidade de seu método de aprendizado, o efeito de hábitos passados na resposta atual, a faixa de estímulos a que ele normalmente responde, a faixa mais ampla à qual é capaz de responder em condições experimentais – em termos mais gerais, seus vários problemas e suas várias maneiras de resolvê-los –, ainda devemos sentir que a tarefa está inacabada e que os resultados são inúteis, até que possamos interpretá-los, por analogia, à luz da consciência... sinto-nos obrigados a dizer algo sobre os possíveis processos mentais do animal. Dizemos que, não tendo olhos, seu fluxo de consciência não pode conter sensações de brilho e cor como tal conhecemos; sem papilas gustativas, esse fluxo não pode conter sensações de doce, azedo, salgado e amargo. Mas, por outro lado, uma vez que ele responde a estímulos térmicos, táteis e orgânicos, seu conteúdo consciente deve, em grande parte, ser constituído por essas sensações... Certamente, é possível demonstrar que uma doutrina que exige uma interpretação analógica de todos os dados comportamentais é falsa. (p. 159-160)\nOs psicólogos prendiam-se em esforços tão infrutíferos, argumentou Watson, por causa de sua definição de psicologia como a ciência da consciência. Essa definição era a culpada pelos métodos pouco confiáveis e pelas especulações sem fundamento. Ela era responsável pelo fracasso da psicologia em se tornar uma verdadeira ciência. Em vez disso, escreveu Watson, a psicologia deveria ser definida como a ciência do comportamento. Ele descreveu sua decepção quando, ao ver a psicologia definida por Pillsbury no início de um livro como a ciência do comportamento, constatou que, depois de algumas páginas, o livro deixou de se referir ao comportamento e voltou ao “tratamento convencional” da consciência. Em reação, Watson escreveu: “Creio que podemos escrever uma psicologia, defini-la como Pillsbury e nunca renunciar a nossa definição: jamais use os termos consciência, estados mentais, mente, conteúdo, introspectivamente verificável, imagens e coisas parecidas” (p. 166).\nEvitar os termos relacionados à consciência e à mente deixaria os psicólogos livres para estudarem o comportamento humano e animal. Se a continuidade das espécies podia levar à “humanização da fera”, ela poderia igualmente levar ao oposto (bestializar o humano?); as ideias sobre os humanos podiam ser aplicadas aos animais, os princípios desenvolvidos pelo estudo de animais poderiam ser aplicados aos seres humanos. Watson argumentou contra o antropocentrismo. Ele apontou para o biólogo que estuda a evolução, que “reúne seus dados a partir do estudo de muitas espécies de plantas e animais e tenta elaborar as leis da hereditariedade no tipo particular sobre o qual ele está realizando experimentos... Não é justo dizer que todo o seu trabalho é direcionado à evolução humana ou que deve ser interpretado em termos de evolução humana” (Watson, 1913, p. 162). Para Watson, era claro o caminho para transformar a psicologia em uma ciência geral do comportamento que abarcasse todas as espécies, com seres humanos como apenas uma delas.\nEssa ciência do comportamento que Watson idealizou não usaria nenhum dos termos tradicionais que se referem à mente e à consciência, evitaria a subjetividade da introspecção e das analogias entre animais e humanos e estudaria apenas o comportamento objetivamente observável. Contudo, mesmo na época de Watson, os behavioristas já debatiam sobre a correção dessa receita. Não estava claro o que significava objetivo ou o que exatamente constituía o comportamento. Uma vez que esses termos foram deixados abertos à interpretação, as ideias dos behavioristas sobre o que constitui ciência e como definir comportamento variavam.\nDos behavioristas pós-Watsonianos, o mais conhecido é B. F. Skinner (1904-1990). Suas ideias sobre como alcançar uma ciência do comportamento contrastaram fortemente com as da maioria dos outros behavioristas. Enquanto os outros se concentraram em métodos das ciências naturais, tais como medição e controle experimental, Skinner focou nas explicações científicas. Ele argumentou que o caminho para uma ciência do comportamento era por meio do desenvolvimento de termos e conceitos que permitiriam explicações verdadeiramente científicas. Rotulou sua visão oposta de behaviorismo metodológico e denominou sua própria visão behaviorismo radical. Discutiremos mais sobre isso nos Capítulos 2 e 3. Sejam quais forem suas discordâncias, todos os behavioristas concordam com as premissas básicas de Watson de que pode haver uma ciência natural do comportamento e de que a psicologia poderia ser essa ciência. A ideia de que o comportamento pode ser abordado cientificamente implica que, assim como as outras ciências expulsam essências, forças e causas ocultas, também a análise do comportamento (ou a psicologia, se forem a mesma coisa) omite esses fatores misteriosos. Essa omissão suscita controvérsias análogas à reação à explicação naturalista de Darwin sobre a evolução. Enquanto Darwin ofendeu deixando de fora a mão oculta de Deus, os behavioristas ofenderam deixando de fora outra força oculta: o poder dos indivíduos de governarem seu próprio comportamento. Assim como a teoria de Darwin desafiou a venerada ideia de Deus, o criador, também o behaviorismo desafia a venerada ideia do livre-arbítrio. Discutiremos mais profundamente as causas ocultas no Capítulo 3, mas, uma vez que o questionamento do livre-arbítrio muitas vezes suscita antagonismo, trataremos disso agora.\n\nLIVRE-ARBÍTRIO VERSUS DETERMINISMO\n\nDefinições\nA ideia de que uma ciência do comportamento é possível implica que o comportamento, como qualquer outro objeto de estudo da ciência, é ordenado, pode ser explicado, pode ser previsto desde que se tenha dados necessários e pode ser controlado desde que se tenham os meios corretos. Isso é o determinismo, a noção de que o comportamento é determinado unicamente pela hereditariedade e pelo ambiente.\n\nMuitas pessoas acham o determinismo censurável. Ele parece contrariar antigas tradições culturais que atribuem a responsabilidade pela ação ao indivíduo, e não à hereditariedade e ao ambiente. Essas tradições mudaram um pouco: a responsabilidade pela delinquência é atribuída a um mau ambiente; artistas famosos expressam reconhecimento a pais e professores; e reconhece-se que alguns traços comportamentais, como alcoolismo, esquizofrenia, lateralidade e QI, têm um componente genético. Contudo, permanece a tendência a atribuir mérito e culpa aos indivíduos, a afirmar que o comportamento depende não apenas da hereditariedade e do ambiente, mas de algo mais, que as pessoas têm liberdade para escolher suas ações. A capacidade de escolher é denominada livre-arbítrio. Esse livre-arbítrio implica um terceiro elemento além da hereditariedade e do ambiente, algo dentro do indivíduo. Afirma que, apesar da herança e de todos os impactos ambientais, uma pessoa que se comporta de uma forma poderia ter escolhido se comportar de outra. Afirma algo além do simples fato de que alguém tem escolha – poderia me parecer que eu posso comer sorvete ou não, e, ainda assim, isso poderia ser totalmente determinado por eventos passados. O livre-arbítrio afirma que a escolha não é uma ilusão, que os próprios indivíduos causam o comportamento.\n\nOs filósofos tentaram conciliar determinismo e livre-arbítrio. Surgiram posições chamadas “determinismo brando” e teorias “compatibilizadoras” do livre-arbítrio. O determinismo brando, atribuído a Donald Hebb (um behaviorista; ver Sappington, 1990), por exemplo, sustenta que o livre-arbítrio consiste no fato de o comportamento depender da hereditariedade e da história ambiental passada, fatores menos visíveis do que o ambiente presente. Mas, como essa visão ainda considera que o comportamento resulta unicamente da hereditariedade e do ambiente, passado e presente, ela implica que o livre-arbítrio é apenas uma experiência, uma ilusão, e não uma relação causal entre pessoa e ação. A teoria compatibilizadora do livre-arbítrio proposta pelo filósofo Daniel Dennett define o livre-arbítrio como uma deliberação antes da ação (Dennett, 1984). Enquanto eu delibero sobre comer o sorvete (Será que isso vai me fazer engordar? Eu poderia compensar seus efeitos fazendo exercício depois? Eu posso ser feliz se estou sempre fazendo dieta?), meu ato de comer sorvete é escolhido livremente. Isso é compatível com o determinismo porque a própria deliberação é um comportamento que pode ser determinado pela hereditariedade e pelo ambiente passado. Se a deliberação desempenha qualquer papel no comportamento que se segue, ela só atuaria como um elo em uma cadeia de causalidade que se estende a eventos anteriores. Essa definição, entretanto, se afasta do que as pessoas convencionalmente querem dizer com livre-arbítrio. o behaviorismo representa. Separando-nos dos filósofos, portanto, faremos referência ao livre-arbítrio libertário como “livre-arbítrio”.\n\nArgumentos a favor e contra o livre-arbítrio\nPara comprovar o livre-arbítrio (em outras palavras, refutar o determinismo), seria necessário que um ato contraria-se a previsão, mesmo que todos os possíveis fatores contribuintes fossem conhecidos. Como um conhecimento tão perfeito é impossível na prática, o conflito entre determinismo e livre-arbítrio jamais poderá ser resolvido por demonstração. Se parece que jovens de classe média de bons lares que se tornam dependentes de drogas escolheram isso livremente, pois nada em suas histórias explica esse comportamento, o determinista insistirá que uma investigação adicional revelará os fatores genéticos e ambientais que levaram a essa dependência. Se parece que a carreira musical de Mozart era inteiramente previsível com base na sua história familiar e no modo como a sociedade vienense funcionava em sua época, o defensor do livre-arbítrio insistirá que o pequeno Wolfgang escolheu livremente agradar seus pais com esforços musicais em vez de brincar com brinquedos como as outras crianças. Se a evidência não é capaz de persuadir, então aceitar o determinismo ou o livre-arbítrio pode depender das consequências de acreditar em um ou outro, e estas podem ser sociais ou estéticas.\n\nArgumentos sociais\nEm termos práticos, parece que a negação do livre-arbítrio pode solapar toda a estrutura moral de nossa sociedade. O que acontecerá com nosso sistema judicial se as pessoas não puderem ser responsabilizadas por suas ações? Já estamos tendo problemas quando os criminosos alegam insanidade e incapacidade mental. O que acontecerá com nossas instituições democráticas se as pessoas não tiverem livre escolha? Por que se preocupar em realizar eleições se a escolha entre os candidatos não é livre? Acreditar que o comportamento das pessoas pode ser determinado poderia encorajar uma ditadura. Por essas razões, talvez seja bom e útil acreditar no livre-arbítrio, mesmo que ele não possa ser comprovado.\n\nAbordaremos esses argumentos na Parte III, quando discutiremos liberdade, política social e valores. Um breve apanhado agora dará uma ideia da direção geral tomada posteriormente. A percebida ameaça à democracia deriva de um falso pressuposto. Embora seja verdade que a democracia depende da escolha, é falso que a escolha perde o sentido ou torna-se impossível sem o livre-arbítrio. O medo de que a escolha desapareça decorre de uma noção simplificada da alternativa ao livre-arbítrio. Se uma eleição oferece a uma pessoa duas maneiras diferentes de votar, qual voto realmente ocorre depende não só do histórico de longo prazo da pessoa (histórico, educação ou valores), mas também dos eventos que antecedem imediatamente a eleição. As campanhas são realizadas exatamente por esse motivo. Eu posso ser influenciado por um bom discurso e sem ele poderia ter votado no outro candidato. As pessoas não precisam ter livre-arbítrio para que as eleições tenham sentido; seu comportamento só precisa estar aberto à influência e à persuasão (determinantes ambientais de mais curto prazo).\n\nSomos favoráveis a democracia não porque temos livre-arbítrio, mas porque achamos que, como um conjunto de práticas, ela funciona. Em uma sociedade democrática, as pessoas são mais felizes e mais produtivas do que em qualquer monarquia ou ditadura conhecida. Embora outros fatores – principalmente a riqueza – contribuam para a felicidade relatada pelos cidadãos, a liberdade para fazer escolhas da vida e a distância da corrupção contam como dos fatores mais importantes no World Happiness Report das Nações Unidas, que pesquisa cidadãos em 158 países. Segundo o relatório de 2015, os cinco países classificados como mais felizes são Suíça, Islândia, Dinamarca, Noruega e Canadá, todos eles democracias. (Os Estados Unidos ocupam a 15ª posição, e os 14 países colocados acima são todos democracias.)\n\nEm vez de nos preocuparmos com a perda do livre-arbítrio, podemos perguntar de maneira mais proveitosa o que há na democracia que a torna melhor. Se pudermos analisar nossas instituições democráticas para descobrir o que as faz funcionar, talvez possamos encontrar maneiras de torná-las ainda mais eficazes. A liberdade política consiste em algo mais prático do que o livre-arbítrio: ela significa dispor de opções e ser capaz de influenciar o comportamento dos governantes. A compreensão científica do comportamento poderia ser usada para aumentar a liberdade política. Dessa forma, poder-se-ia fazer bom uso do conhecimento adquirido a partir de uma ciência do comportamento; nada exige que dele seja feito um mau uso. Afinal, se realmente temos livre-arbítrio, presumivelmente ninguém precisa se preocupar com o uso de tal conhecimento.\n\nE quanto aos padrões morais? A teologia judaica e a cristã incorporaram o livre-arbítrio como meio de salvação. Sem tal ensinamento, as pessoas continuarão sendo boas? Uma maneira de responder a essa pergunta é apontar para aquela parte da humanidade, sem dúvida a maioria, que não tem esse compromisso com a noção de livre-arbítrio. Os budistas e hindus na China, no Japão e na Índia se comportam de maneira menos moral? Nos Estados Unidos, o crescimento da educação pública tem cada vez mais transferido a formação moral da igreja e de casa para as escolas. À medida que a sociedade norte-americana se apoia mais nas escolas para produzir bons cidadãos, a análise de comportamento já está ajudando. Longe de destruir o moral, a ciência do comportamento pode ser usada para educar as crianças para que se tornem cidadãos bons, felizes e eficientes.\n\nQuanto ao sistema judiciário, ele existe para lidar com as falhas da sociedade, e não precisamos considerar a justiça como uma questão puramente moral. Nós sempre precisaremos “responsabilizar as pessoas por seu comportamento”, no sentido prático de que as ações são atribuídas a indivíduos. Uma vez estabelecido pelos tribunais que alguém transgrediu as normas, surgem questões práticas a respeito de como proteger a sociedade contra essa pessoa e como tornar improvável que ela venha a se comportar da mesma forma no futuro. Encarcerar criminosos tem feito pouco para evitar reincidências. A ciência do comportamento poderia ajudar tanto para prevenir o crime como para tratá-lo de forma mais eficaz.\n\nArgumentos estéticos\n\nCríticos da noção de livre-arbítrio muitas vezes apontam para sua falta de lógica. Mesmo os teólogos que promoveram essa ideia trataram de decifrar seu conflito paradoxal com um Deus onipotente. Santo Agostinho coloca o assunto claramente: se Deus faz tudo e sabe tudo antes que aconteça, como é possível que uma pessoa faça qualquer coisa livremente? Assim como com o determinismo natural, se Deus determina todos os eventos (inclusive nossas ações), então é só a nossa ignorância – no caso, da vontade de Deus – que permite a ilusão do livre-arbítrio. A solução teológica comum é chamar o livre-arbítrio de mistério; de alguma forma, Deus nos dá o livre-arbítrio a despeito de Sua onipotência. Do ponto de vista científico, essa conclusão é insatisfatória porque desafia a lógica e não resolve o paradoxo. Em seu conflito com o determinismo, divino ou natural, o livre-arbítrio parece depender da ignorância. De fato, pode-se argumentar que o livre-arbítrio é simplesmente um nome para a ignorância dos determinantes do comportamento. Quanto mais se sabe das razões por trás das ações de uma pessoa, menor a probabilidade de as atribuirmos ao livre-arbítrio. Se um menino que rouba carros vem de um ambiente pobre, somos inclinados a atribuir o comportamento ao ambiente, e quanto mais sabemos sobre como ele foi maltratado e negligenciado por sua família e pela sociedade, menor a probabilidade de dizermos que ele escolheu livremente. Quando sabemos que um político aceitou suborno, não consideramos mais que as posições daquele político são assumidas livremente. Quando ficamos sabendo que um artista tinha pais compreensivos e um grande professor, sentimos menos curiosidade sobre seu talento.\n\nO outro lado desse argumento é que, por mais que saibamos, não podemos prever exatamente o que uma pessoa vai fazer em determinada situação. Essa imprevisibilidade é, às vezes, considerada uma prova do livre-arbítrio. O clima, entretanto, também é imprevisível, mas nós nunca o consideramos como um produto do livre-arbítrio. Existem muitos sistemas naturais cujo comportamento momentâneo não podemos prever com antecedência, mas que jamais consideramos livres. Por que iríamos definir um padrão mais elevado para uma ciência do comportamento do que para as outras ciências naturais? Parece ilógico, e realmente é, pois o argumento da imprevisibilidade contém um erro lógico. O livre-arbítrio realmente implica imprevisibilidade, mas isso de forma alguma exige o inverso, que a imprevisibilidade implique livre-arbítrio.\n\nDe certa forma, deve mesmo ser falso que o livre-arbítrio implica imprevisibilidade. Minhas ações podem ser imprevisíveis por outra pessoa, talvez, mas se o meu livre-arbítrio causa meu comportamento, eu deveria saber muito bem o que vou fazer. Isso exige que eu conheça minha vontade, porque é difícil de entender como uma vontade que é desconhecida poderia ser livre. Se eu decido fazer uma dieta e eu sei que essa é minha vontade, então eu deveria prever que vou fazer uma dieta. Se eu conheço minha vontade e minha vontade causa meu comportamento, eu deveria ser capaz de prever meu comportamento perfeitamente.\n\nA noção de que o livre-arbítrio causa o comportamento também levanta um problema espinhoso. Como pode um evento não natural como o livre-arbítrio causar um evento natural como comer sorvete? Eventos naturais podem levar a outros eventos naturais, porque eles podem estar relacionados um com o outro no tempo e no espaço. A expressão leva a implica que a causa pode ser situada no tempo e no espaço. Por definição, entretanto, elementos e eventos não naturais não podem ser situados no tempo e no espaço. (Se eles pudessem ser situados no tempo e no espaço, então eles seriam naturais.) Como, então, um evento não natural pode levar a um evento natural? Quando e onde se dá a vontade que pode me levar a comer sorvete? (Outra versão do mesmo problema, o problema mente-corpo, irá nos ocupar no Cap. 3.) A nebulosidade de tais conexões hipotéticas levou ao Hypotheses non fingo de Newton. A ciência admite enigmas sem solução, porque enigmas podem posteriormente originar maior reflexão e experimentação, mas a conexão entre livre-arbítrio e ação não pode ser tão elucidada. É um mistério. O objetivo da ciência de explicar o mundo exclui mistérios que não podem ser explicados. A natureza misteriosa do livre-arbítrio, por exemplo, vai contra a teoria da evolução. Primeiro, levanta o problema da descontinuidade. Se falta livre-arbítrio aos animais, como ele repentinamente surgiu em nossa espécie? Ele teria que ter sido preanunciado em nossos ancestrais não humanos. Segundo, mesmo que os animais pudessem ter livre-arbítrio, como uma coisa tão pouco natural poderia evoluir? Traços naturais evoluem por modificação de outros traços naturais. Pode-se inclusive imaginar a evolução de um sistema mecânico natural que poderia se comportar de forma imprevisível a cada momento. Mas não existe maneira concebível de a seleção natural produzir um livre-arbítrio natural. Essa pode ser uma poderosa razão pela qual alguns grupos religiosos se opõem à teoria da evolução; inversamente, ela é uma razão igualmente poderosa para excluir o livre-arbítrio das descrições científicas do comportamento. Na verdade, a razão de discutirmos esses argumentos contra o livre-arbítrio é realmente mostrar que explicações científicas do comportamento que excluem o livre-arbítrio são possíveis. Os argumentos visam defender a ciência do comportamento contra a alegação de que o comportamento humano não pode ser compreendido porque as pessoas têm livre-arbítrio. A análise do comportamento adverte contra o uso do conceito em arenas onde ele tem consequências infelizes, como no sistema judiciário (Cap. 10) e no governo (Cap. 11). A análise do comportamento omite o livre-arbítrio, mas ela não proíbe o uso do conceito no discurso cotidiano ou nas esferas da religião, da poesia e da literatura; clérigos, poetas e escritores muitas vezes falam de livre-arbítrio e livre escolha. Uma ciência do comportamento poderia tentar explicar essa fala, mas de modo algum a proíbe. Neste livro, contudo, exploramos como compreender o comportamento sem conceitos misteriosos como o livre-arbítrio. PSICOLOGIA POPULAR1 O livre-arbítrio é um de um conjunto de conceitos inter-relacionados que, juntos, muitas vezes recebem o rótulo de psicologia popular, em comparação com física popular ou biologia popular. Outros conceitos que andam junto com o livre-arbítrio são, por exemplo, o eu interior, em contraste com o corpo externo, e a importância dos pensamentos e sentimentos internos. De acordo com a psicologia popular, o corpo exterior é habitado por um eu e todo um mundo dentro da pele. Expressões como \"Eu pensei comigo mesmo\" ou \"No fundo eu sabia\" derivam desse ponto de vista, em que o eu está aparentemente situado a uma curta distância atrás dos olhos e olha para o mundo externo a partir de seu mundo interior. Supostamente esse eu interior tem uma vida interior de pensamentos e sentimentos. Muitas culturas, particularmente no Ocidente, incorporaram um jeito cotidiano de falar sobre o comportamento, o que pode ser chamado de discurso-padrão. Sua forma geral é: \"Eu pensei (ou achei) tal e tal e aí eu agi (de acordo com aquele pensamento ou sentimento)\". Declarações como essa significam que pensamentos e sentimentos interiores causam o comportamento exterior, como se o corpo fosse uma máquina que é acionada por uma vida interior. Os críticos do behaviorismo às vezes se queixam de que o behaviorismo não dá conta de nossa vida interior, especialmente de nossos pensamentos e sentimentos. A omissão parece tornar o behaviorismo incompleto ou mesmo trivial, porque supostamente nossa vida interior é a parte mais importante da vida. A crítica reflete um apego à noção de que nós (presumivelmente nosso eu interior) causamos nosso comportamento, impulsionado por nossos pensamentos e sentimentos internos. O discurso-padrão e sua implícita dependência do comportamento da vida interior funcionam bem para o discurso cotidiano, para a literatura e a poesia, mas eles são incompatíveis com uma ciência do comportamento, pois, como o livre-arbítrio, o eu interior e os seus pensamentos e sentimentos são coisas e eventos não naturais que têm um relacionamento misterioso com o comportamento. Se os eventos comportamentais são considerados eventos naturais, logo suas causas são outros eventos naturais: hereditariedade e ambiente, passado e presente. A análise do comportamento omite pensamentos e sentimentos internos, é verdade, mas não porque ela não tem uma maneira de abordar pensamentos e sentimentos. Como veremos no Capítulo 3, pensamentos e sentimentos e conversas sobre pensamentos e sentimentos podem ser compreendidos como mais um comportamento a ser explicado, além de suas ações supostamente resultantes. RESUMO Todos os behavioristas concordam com uma ideia central, a de que uma ciência do comportamento é possível. Essa ciência veio a ser chamada de análise do comportamento. O behaviorismo é corretamente visto como o uma filosofia sobre essa ciência. Todas as ciências se originaram e se separaram da filosofia. A astronomia e a física surgiram quando os cientistas passaram da especulação filosófica para a observação. Ao fazer isso, eles abandonaram qualquer preocupação com o sobrenatural, observando o universo natural e explicando os eventos naturais por referência a outros eventos naturais. Da mesma forma, a química rompeu com a filosofia quando abandonou as essências internas ocultas como explicações de eventos químicos. Quando se tornou uma ciência, a fisiologia abandonou o vis viva interior em favor de explicações mecanicistas do funcionamento do corpo. A teoria da evolução de Darwin foi percebida como um ataque à religião porque ela se propôs a explicar a criação das formas de vida apenas com eventos naturais, sem a mão sobrenatural de Deus. A psicologia científica também nasceu da filosofia e pode ainda estar rompendo com ela. Dois movimentos, a psicologia objetiva e a psicologia comparativa, promoveram essa ruptura. A psicologia objetiva enfatizou a observação e a experimentação, métodos que distinguiam outras ciências. A psicologia comparativa enfatizou a origem comum de todas as espécies, incluindo os seres humanos, na seleção natural e ajudou a promover explicações puramente naturais acerca do comportamento humano. John B. Watson, fundador do behaviorismo, assumiu a liderança da psicologia comparativa. Ele atacou a ideia de que a psicologia era a ciência da mente, assinalando que nem introspecção nem analogias com a consciência animal produziam os resultados confiáveis produzidos pelos métodos de outras ciências. Ele argumentou que somente se estudasse o comportamento a psicologia poderia atingir a confiabilidade e a generalidade que precisava para se tornar uma ciência natural. A ideia de que o comportamento pode ser abordado cientificamente continua sendo controversa porque questiona a noção de que o comportamento é oriundo da livre escolha de um indivíduo. Promove o determinismo, a ideia de que todo comportamento se origina da herança genética e de efeitos ambientais. O termo livre-arbítrio denomina a suposta capacidade que uma pessoa tem de escolher o comportamento livremente, sem considerar a herança ou o ambiente. O determinismo afirma que o livre-arbítrio é uma ilusão baseada na ignorância dos fatores que determinam o comportamento. Uma vez que o determinismo brando e as teorias compatibilizadoras do livre-arbítrio afirmam a ideia de que o livre-arbítrio é apenas uma ilusão, eles não apresentam qualquer objeção a uma ciência do comportamento. Somente o livre-arbítrio libertário, a ideia de que as pessoas realmente têm a capacidade de se comportar como escolhem (defendida pelo judaísmo e cristianismo), entra em conflito com o determinismo. Uma vez que a discussão entre determinismo e livre-arbítrio não pode ser resolvida por evidências, o debate sobre qual ponto de vista é certo repousa em argumentos sobre as consequências – sociais e estéticas – de adotar um ponto de vista ou outro. Os críticos do determinismo argumentam que a crença no livre-arbítrio é necessária para preservar a democracia e a moralidade na sociedade. Os behavioristas argumentam que provavelmente o oposto é verdadeiro – que uma abordagem comportamental para os problemas sociais pode melhorar a democracia e promover um comportamento moral. Quanto à estética, críticos apontam que o livre-arbítrio é ilógico quando emparelhado com a noção de um Deus onipotente (como geralmente acontece). Se as ações são determinadas por eventos naturais ou pela vontade de Deus, elas não podem, logicamente, ser atribuídas ao livre-arbítrio do indivíduo. Defensores do livre-arbítrio retrucarão que, uma vez que os cientistas nunca podem prever ações de um indivíduo em detalhes, o livre-arbítrio continua sendo possível, mesmo que seja um mistério. Os behavioristas respondem que sua natureza misteriosa é precisamente o que o torna inacessível, porque levanta o mesmo problema que outras ciências tiveram que superar: como pode uma causa não natural acarretar eventos naturais? Os behavioristas dão a mesma resposta que foi dada nas outras ciências: eventos naturais surgem somente de outros eventos naturais. Esse ponto de vista científico do comportamento argumenta contra a aplicação da ideia de livre-arbítrio à lei e ao governo, contextos em que ele produz consequências ruins para a sociedade, mas permanece neutro sobre (e pode explicar) o uso da ideia no discurso cotidiano, na religião, na poesia e na literatura. A psicologia popular, que incorpora, juntamente com o livre-arbítrio, um eu interior com pensamentos e sentimentos que supostamente causam o comportamento e levam a um discurso-padrão que parece explicar o comportamento como oriundo de pensamentos e sentimentos é incompatível com uma ciência do comportamento. Embora a análise do comportamento omita causas internas não naturais, ela oferece um tipo diferente de explicação de pensamentos e sentimentos, o qual é compatível com uma abordagem científica. LEITURAS ADICIONAIS\nBoakes, R. A. (1984). From Darwin to behaviorism: Psychology and the minds of animals. Cambridge: Cambridge University Press. Uma excelente avaliação histórica dos primórdios do behaviorismo.\nDennett, D. C. (1984). Elbow room: The varieties of free will worth wanting. Cambridge, MA: MIT Press. Inclui uma discussão completa do tópico do livre-arbítrio e um exemplo de uma teoria compatibilizadora.\nSappington, A. A. (1990). Recent psychological approaches to the free will versus determinism issue. Psychological Bulletin, 108, 19–29. Esse artigo contém um útil resumo das várias posições sobre determinismo e livre-arbítrio.\nWatson, J. B. (1913). Psychology as the behaviorist views it. Psychological Review, 20, 158–177. Watson expõe suas ideias originais nesse artigo clássico.\nZuri ff, G. E. (1985). Behaviorism: A conceptual reconstruction. New York: Columbia University Press. Esse livro é um compêndio e um debate do pensamento de vários behavioristas, do começo do século XX até cerca de 1970.\n\nPALAVRAS-CHAVE\nAnálise do comportamento | Antropomorfismo | Behaviorismo metodológico | Behaviorismo radical | Calórica | Continuidade das espécies | Determinismo | Diferença apenas perceptível | Discurso-padrão | Flogisto | Introspecção | Livre-arbítrio libertário | Psicologia comparativa | Psicologia objetiva | Psicologia popular | Psique | Tempo de reação | Vis viva\n\n1 N. de R.T. Também pode ser chamada de psicologia do senso comum. 2\nO behaviorismo como filosofia da ciência\nA ideia de que pode haver uma ciência do comportamento é enganosamente simples. Ela leva a duas perguntas espinhosas. A primeira é: “O que é ciência?”. Isso pode induzir a uma resposta como: “A ciência é o estudo do universo natural”. Mais isso levanta ainda mais perguntas: o que torna algo “natural”? O que “estudo” implica? Se reformularmos a pergunta: “O que torna a ciência diferente de outros empreendimentos humanos, como a poesia e a religião?”, uma possível resposta é que a ciência é objetiva. Mas o que é ser “objetivo”? A segunda pergunta é: “O que é necessário para tornar o estudo do comportamento científico?”. A resposta para essa pergunta depende de como respondemos à primeira. Talvez o comportamento seja parte do universo natural. Talvez o modo como falamos sobre comportamento do ponto de vista científico contenha algo singular. Este capítulo se concentrará na primeira pergunta. O Capítulo 3 se concentrará principalmente na segunda pergunta, e uma resposta completa à pergunta sobre o que significa estudar o comportamento cientificamente será elaborada no decorrer do livro. As ideias dos behavioristas contemporâneos sobre ciência diferem daquelas que foram expressas pelos primeiros behavioristas e por muitos pensadores anteriores ao século XX. O behaviorismo radical está de acordo com a tradição. filosófica conhecida como pragmatismo, ao passo que os pontos de vista anteriores derivaram do realismo.\n\nREALISMO VERSUS PRAGMATISMO\n\nRealismo\n\nComo visão de mundo, o realismo é tão onipresente na civilização ocidental que muitas pessoas o aceitam sem questioná-lo. Trata-se da ideia de que as árvores, as rochas, as construções, as estrelas e as pessoas que eu vejo realmente estão lá – que existe um mundo real lá fora que dá origem às nossas experiências. Em certo sentido, é uma teoria, que explica por que, se eu virar de costas para uma árvore, espero que ao dar meia-volta eu a veja novamente. Parece ser senso comum que a árvore faz parte de um mundo real fora de mim, ao passo que minha experiência da árvore, minhas percepções, meus pensamentos e sentimentos estão dentro de mim. Essa noção aparentemente simples implica duas pressuposições que não são tão simples. Primeiro, este mundo real parece ser de alguma forma ser externo, em contraste com nossa experiência, que parece ser de alguma forma interna. Em segundo lugar, nossas experiências são deste mundo real; elas são separadas do mundo em si. Como veremos, essas duas suposições podem ser questionadas, com resultados importantes.\n\nComo no caso do livre-arbítrio e do determinismo, os filósofos escreveram muito sobre realismo. Distinguiriam várias versões dele. A descrição do parágrafo anterior não corresponde a nenhuma versão filosófica. Ela seria mais semelhante à visão que os filósofos chamam de realismo ingênuo, que afirma que o objeto existe separadamente da nossa percepção dele. Como ela faz parte da visão de comportamento que herdamos ao crescer na cultura ocidental, a psicologia popular, poderíamos chamá-la de realismo popular. À noção cotidiana de que a estabilidade da nossa experiência do mundo (que a árvore ainda está lá quando eu me volto) deriva da sua realidade, vamos nos referir simplesmente como \"realismo\".\n\nO universo objetivo\n\nVários filósofos gregos antigos que viveram no século VI a.C. são reconhecidos por originarem pensamento científico. Um deles, Tales, propôs uma visão do universo que diferia fundamentalmente da visão babilônica amplamente aceita, segundo a qual o deus Marduk criou o mundo e continuou controlando tudo que acontece nele. Tales propôs que o Sol, a lua e as estrelas se deslocavam mecanicamente no céu a cada dia e que à noite se moviam ao redor da Terra plana de volta às suas posições no leste para subirem na manhã seguinte (Farrington, 1980). Por mais distante que isso possa parecer de nossas ideias atuais, a versão de Tales do universo foi útil. Farrington (1980, p. 37) comenta: \"É um começo admirável, cujo mérito é reunir em uma imagem coerente diversos fatos observados sem introduzir o deus Marduk\". Em outras palavras, Tales propôs que o universo é um mecanismo compreensível.\n\nNo contexto do realismo, um mecanismo compreensível significa um mecanismo real que está \"lá fora\" e existe independentemente de nós. Sua compreensibilidade significa que, à medida que aprendemos mais sobre ele, esse universo mecânico parece menos enigmático. Sua existência independente o torna objetivo – isto é, independentemente de como nossas concepções sobre ele possam mudar, o universo permanece exatamente o que é.\n\nDescoberta e verdade\n\nO realismo implica uma certa visão da descoberta científica e da verdade. Se estamos aprendendo sobre um universo objetivo que realmente está lá (realmente existe), então é apropriado dizer que, quando estudamos cientificamente o universo, descobrimos coisas sobre ele. E, se podemos descobrir algo sobre o funcionamento do universo, é adequado dizermos que descobrimos a verdade sobre ele. Em tal visão, pouco a pouco, a cada descoberta, nos aproximamos de toda a verdade sobre o funcionamento do universo.\n\nDados sensoriais e subjetividade\n\nPara o realista, nossa aproximação da verdade é lenta e incerta porque não podemos estudar diretamente o mundo objetivo. Temos contato direto apenas com o que nossos sentidos nos dizem. O filósofo George Berkeley (1685-1753) considerou esse caráter indireto para lançar dúvida sobre a presunção de que o mundo está realmente lá. Em um ensaio chamado \"Principles of human knowledge\", ele escreveu:\n\nÉ realmente uma opinião estranhamente predominante entre os homens que casas, montanhas, rios e, em uma palavra, todos os objetos sensíveis têm uma Na aprendizagem operante, sucesso e fracasso correspondem a reforço e punição. Uma atividade bem-sucedida é aquela que é reforçada; uma atividade malsucedida é aquela que é menos reforçada ou punida. A lei do efeito é o princípio subjacente à aprendizagem operante. Ela estabelece que quanto mais uma atividade é reforçada, mais ela tende a ocorrer, e quanto mais uma atividade é punida, menos ela tende a ocorrer. Os resultados da lei do efeito são frequentemente referidos como modelagem, porque os comportamentos mais bem-sucedidos aumentam e os malsucedidos diminuem, à semelhança do escultor que molda a massa de argila, puxando aqui, pressionando ali, até que o barro adquira a forma desejada. Quando você estava aprendendo a escrever, até mesmo as aproximações mais remotas de letras como o e c eram muito elogiadas. Algumas dessas tentativas eram melhores do que outras, e as melhores eram em geral mais elogiadas. Um desempenho realmente fraco pode ter gerado até mesmo desaprovação. Gradualmente, suas letras adquiriram uma forma melhor. (Os critérios também mudaram; formas que eram elogiadas em um estágio inicial passaram a merecer desaprovação em um estágio posterior.) Modelagem e seleção natural Os analistas do comportamento pensam que a modelagem do comportamento funciona exatamente da mesma forma que a evolução das espécies. Assim como as diferenças no sucesso reprodutivo (aptidão) modelam a composição de uma população de genótipos, reforço e punição modelam a composição do comportamento de um indivíduo. Para esclarecer a analogia, pense no conjunto de todos os comportamentos de um determinado tipo – digamos, dirigir o carro para o trabalho – em que uma pessoa se empenhe por um tempo – digamos, um mês –, semelhante à população de girafas. Dirigir o carro para o trabalho é uma espécie de comportamento, da mesma forma que girafas são uma espécie de animal; e todo o meu comportamento de dirigir o carro durante um mês é uma população de atividades de dirigir, exatamente como todas as girafas na Planície de Serengeti são uma população de girafas. Assim como algumas girafas são mais bem-sucedidas quanto a gerar descendentes, alguns de meus episódios de direção (ações; Cap. 3) são mais bem-sucedidos quanto a me conduzir ao trabalho. Algumas manobras economizam tempo; elas são reforçadas. Outras fazem perder tempo ou mostram-se perigosas; essas são punidas. As manobras bem-sucedidas tendem a se tornar mais frequentes ou, pelo menos, se mantêm formar em quatro anos. Sempre que as partes devam ocorrer em certa sequência, a parte anterior produz as condições ambientais requeridas para a parte seguinte. Essas pistas para o progresso (carro, amigo disponível, medidor de combustível indicando tanque cheio), que estabelecem a ocasião ou o contexto para a atividade seguinte, são chamadas de estímulos discriminativos. O medidor de combustível mostrando abastecimento completo serve como estímulo discriminativo para o comportamento operante posterior (sair de viagem), que só ocorre em sua presença. Além disso, os analistas do comportamento muitas vezes consideram que tal estímulo discriminativo funciona como um reforçador. Você vai ao posto de gasolina para encher o tanque, e, se esse posto fechar, você para de ir lá. A atividade anterior (ir ao posto de gasolina) depende de seu resultado, da mesma forma que abrir a geladeira quando você tem fome depende do resultado de comer. Assim, o resultado de abastecer o carro – medidor de combustível marcando tanque cheio – cumpre duas funções. Por um lado, a leitura do medidor serve como um estímulo discriminativo que induz a próxima atividade na sequência (sair de viagem). Por outro, a leitura do medidor serve como reforçador condicional provisório para o comportamento operante (ir ao posto de gasolina) que o produz. A natureza exata de tais reforçadores é objeto de controvérsia, mas não há necessidade de nos determos nesse ponto; sem entrar em sutilezas teóricas, trataremos o estímulo produzido pelo comportamento ou contexto como um reforçador. No laboratório, podemos treinar um rato a puxar uma argola para ligar uma luz, na presença da qual o pressionar uma barra é reforçado com comida. Começamos treinando o rato a pressionar a barra, programando o equipamento para que cada pressão acione um dispensador contendo bolinhas de alimento. Em seguida, reforçamos a pressão somente quando uma luz acima da barra está acesa, ligando e desligando a luz aproximadamente a cada minuto. Depois de uma ou duas horas, a luz está estabelecida como estímulo discriminativo – as pressões são frequentes quando ela está ligada e raras quando está desligada. Então, deixamos a luz apagada e penduramos a argola no centro da caixa. Esperamos até que o rato se aproxime da argola, ligamos a luz e deixamos o rato pressionar a barra e conseguir o alimento. Quando a luz é novamente apagada, o rato volta para a argola, e puxar a argola passa a ser necessário para que a luz acenda. Em pouco tempo, a sequência de puxar a argola, seguida da pressão à barra, está ocorrendo regularmente. A luz tanto reforça Reforço do comportamento verbal O evento crucial na Figura 7.1, que faz de RV um com portamento verbal, e não um outro tipo de comportamento operante, é SRS, o reforço dispensado pelo ouvinte. Se Zack conseguisse o sal de uma forma que excluísse Alice – talvez se levantando e pegando-o ele próprio –, não chamaríamos esse comportamento de verbal. Para que uma ação seja considerada verbal, seu reforço tem de ser dispensado por outra pessoa, o ouvinte. A maior parte do comportamento verbal depende de reforço social. Se Gideon avisa Shona de que “Há um tigre atrás de você”, o reforço desse ato verbal vem do salto que Shona dá para um lugar seguro e de seus profusos agradecimentos. Quando você e eu conversamos, alternamos o papel de falante e ouvinte, com meus atos verbais servindo para reforçar seus atos verbais, e vice-versa. Nos termos da Figura 7.1, a ação do ouvinte, RO, em uma conversa é tanto comportamento verbal como RV. Se eu disser “Você ouviu a notícia?”, você ouve “Você ouviu a notícia?” e responde “Não, o que foi?”. Eu ouço “Não, o que foi?”, e isso reforça meu ato inicial de perguntar, minha resposta seguinte reforça seu ato de perguntar, e assim por diante. À medida que a conversa continua, cada pessoa reforça o ato da outra e induz mais atos. Uma vez que RV e RO são ambos atos verbais, eles desempenham o duplo papel de reforçador e estímulo discriminativo. FIGURA 7.1 Um episódio verbal. SDS é o contexto para o comportamento verbal do falante (RV), que gera um estímulo discriminativo (SD R) que determina a ocasião para o ouvinte agir (RO), de forma a prover reforço (SR S) para o comportamento do falante (RV). O reforço ao falante serve também como estímulo discriminativo (SD R) que determina a ocasião para uma resposta de quadrúpede que late. Dizem que pessoas que falam ou escrevem a palavra cachorro usam essa palavra em lugar do cachorro real. Dizem que ouvintes e leitores utilizam a palavra cachorro, ouvida ou vista, para compreender algo a respeito do cachorro real. Essa visão deixa completamente sem resposta o motivo pelo qual o falante ou o escritor falou ou escreveu a palavra e o que o ouvinte ou leitor faz como resultado de ouvir ou ler a palavra. Será que isso acrescenta alguma ideia útil à observação de que uma pessoa fala e a outra, por isso, faz alguma coisa? Símbolos e léxicos A noção de referência sugere que as diferentes formas da palavra cachorro – falada, ouvida, escrita, vista – são símbolos da categoria de cães reais. Como podem todos esses símbolos ser reconhecidos como equivalentes? A resposta mentalista é que todos os diferentes símbolos são de alguma forma conectados a alguma coisa interna. Como cães de verdade não podem estar dentro da pessoa (disponíveis para uso), presume-se a existência de uma representação interna da categoria, e diz-se que todos os símbolos de cão estão ligados a essa representação. Onde está essa representação? Diz-se que está em um léxico, uma coleção dessas representações de objetos e eventos do mundo real. Diz-se que o falante procura a representação no léxico, lá a encontra conectada a seus símbolos e, então, usa o símbolo adequado. Diz-se que o ouvinte ouve o símbolo, procura-o no léxico, encontra-o conectado a sua representação e, então, o compreende. O mentalismo dessa teoria é visível. Onde está esse léxico? De que é feito? Qual sua origem? Quem é responsável por toda essa busca e utilização? Será que esses complicados eventos mentais lançam alguma luz sobre o falar, o ouvir, o escrever e o ler? A ideia de referência foi provavelmente inventada para explicar as equivalências. Como é possível que eu, ao ver ou pensar sobre um cachorro, aja de diversas maneiras, falando, desenhando ou escrevendo cachorro, tudo com efeitos equivalentes sobre o ouvinte? Como é possível que eu ouça “cachorro”, veja a palavra, escrita ou o sinal, e trate esses diferentes estímulos como equivalentes? Acrescente-se a isso a diversidade de palavras para cachorro em diferentes línguas, e talvez você perceba quão tentadora é a suposição de que todos esses atos e estímulos sejam equivalentes por estarem de algum modo FIGURA 8.2 As duas relações de reforçamento do comportamento controlado por regras. Painel superior: relações representadas por símbolos. Ambas as relações se conformam ao padrão SD: R –> SR. Na relação próxima, mostrada na parte superior do painel, o SD, ou regra, é produzido pelo comportamento verbal do falante, RV, e induz o comportamento desejado do ouvinte, R, em virtude de sua relação com reforçadores próximos, que costumam ser sociais – isto é, fornecido por outras pessoas, frequentemente o falante. A relação última, mostrada na parte inferior do painel, é a base da relação próxima, porque envolve consequências (reforçadores últimos) que são importantes, mas postergadas ou obscuras (simbolizadas pela seta mais longa). O SD último constitui o contexto natural da relação última, os sinais que controlariam R se a relação última assumisse o controle. Painel inferior: um exemplo das relações. O falante (digamos, o pai) diz para o ouvinte (o filho) calçar sapatos quando sair de casa. Isso produz um SD próximo auditivo (uma regra): “Usar sapatos”. Se o filho calça os sapatos, isso resulta no reforçador próximo de aprovação (ou evitação de desaprovação) do pai. A relação última, que é importante, mas obscura para o filho, relaciona usar sapatos com o reforço último da boa saúde (ou evitar doença) e, além disso, da probabilidade de sucesso reprodutivo. O SD último, que deveria vir a controlar o usar sapatos, consiste em condições como pedras pontudas, tempo frio, presença de parasitas (p. ex., ancilostomíase), e assim por diante. A relação de reforçamento próxima Problema Jarra A Jarra B Jarra C Quantidade exigida (D) 6 28 76 3 25 As tentativas mentalistas de explicar os resultados de Luchins atribuíram tais resultados a um “aparelho mental” ou “aparelho cognitivo”. Presumivelmente, a pessoa forma essa disposição internamente enquanto está resolvendo os três primeiros problemas, e depois a disposição a faz continuar resolvendo os problemas da mesma forma. Essa disposição, supostamente, também impediria a solução do sexto problema. Como vimos no Capítulo 3, o behaviorista pergunta onde estaria essa disposição, de que é feita e como afeta o comportamento. Ela apenas rotula a observação que precisa ser explicada: a persistência de um certo padrão de comportamentos (aqui, B-A-2C). É pior do que nenhuma explicação, porque dá uma ilusão de explicação que nos desvia do caminho em direção a uma explicação verdadeira (ver o Cap. 3). Os analistas do comportamento, que procuram explicações no mundo natural do comportamento e do ambiente, veem a situação de outro modo. À medida que cada um dos três primeiros problemas é resolvido, um padrão de comportamento (B-A-2C) é reforçado. Esse padrão fornece um estímulo discriminativo – um estímulo discriminativo verbal se o padrão é formulado como “B-A-2C” ou um estímulo visual se o padrão é visto como uma sequência de ações. Esse estímulo discriminativo induz o comportamento nos problemas subsequentes. A história de reforçamento do padrão B-A-2C, combinada com a aparente semelhança entre todos os problemas, assegura que, a cada novo problema, o padrão B-A-2C seja o primeiro a ocorrer. Soluções que omitam B (p. ex., A-C) serão improváveis e ocorrerão apenas após muitos padrões envolvendo B, se é que ocorrerão. A diferença entre os sujeitos de Luchins, que caíram em uma rotina, e o arquiteto criativo reside em suas histórias de reforçamento A resolução de problemas torna-se estereotipada ou criativa e original em virtude de se induzir e reforçar repetidamente o mesmo padrão ou de novos padrões serem induzidos e reforçados. O único aspecto incomum dessas explicações é que os estímulos discriminativos que induzem as possíveis soluções surgem do próprio comportamento de quem resolve o problema. Assim como os sujeitos de Luchins poderiam ter falado consigo mesmos sobre os problemas da jarra, o Hayes, S. C. (1989). Rule-governed behavior: Cognition, contingencies, and instructional control. Nova York: Plenum. Esse livro contém muito do pensamento da análise do comportamento sobre o comportamento controlado por regras. Simon, H. A. (1990). A mechanism for social selection and successful altruism. Science, 250, 1665-1668. O autor, conhecido psicólogo cognitivista e cientista da computação, faz as conexões entre docilidade (seguir regras), cultura e aptidão. Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. Nova York: Macmillan. Veja o Capítulo 16 sobre pensamento. Skinner, B, F, (1969). An operant analysis of problem solving. In: Contingencies of reinforcement. Nova York: Appleton-Century-Crofts, cap. 6, p. 133-171. Esta é a discussão clássica de Skinner sobre regras e comportamento precorrente. PALAVRAS-CHAVE Comportamento controlado por regras | Comportamento modelado implicitamente | Comportamento precorrente | Regra | Relação de reforçamento próxima | Relação de reforçamento última | SD: R –> SR | Seguimento de regras A noção de armadilhas de reforço nos ajuda a entender alguns casos de não conseguir se sentir livre e de se libertar. Também nos ajuda a entender outro uso da palavra livre, o qual parece ser diferente dos que discutimos até agora: liberdade espiritual. Liberdade espiritual Ao longo dos tempos, personagens religiosos falam de liberdade espiritual. Esse discurso não tem nada a ver com liberdade social, como a liberdade de poder frequentar a igreja de sua escolha. Em vez disso, o foco é o mundo, os bens mundanos e o conforto mundano. Recomenda-se insistentemente às pessoas que se libertem da servidão, do apego ou da escravidão dos prazeres mundanos. O líder espiritual indiano Meher Baba (1987), por exemplo, ensinou que “Uma importante condição da liberdade espiritual é a liberdade de todo desejo” (p. 341). Ele continua: O homem procura objetos de prazer mundanos e tenta evitar coisas que trazem dor sem se aperceber que não pode ter um e fugir do outro. Enquanto houver apego a objetos de prazer mundanos, ele terá de abrigar perpetuamente o sofrimento de não os possuir – e o sofrimento de perdê-los depois de tê-los conquistado. O desapego duradouro (...) liberta de todos os desejos e apegos... (p. 391-392) Essa ideia de libertação do apego a coisas mundanas também tem seu lugar na literatura. No romance Siddhartha, Hermann Hesse (1951) descreve as impressões do protagonista quando viu Buda pela primeira vez: O Buda andava silenciosamente em seu caminho, perdido em seus pensamentos. Seu semblante impassível não mostrava nem alegria nem tristeza. Era como se, no seu íntimo, sorrisse silenciosamente. Com um sorriso imperceptível, tranquilo, comedido, feito criança sadia, avançava o Buda, vestindo os mesmos trajes e colocando os pés de modo igual ao de todos os seus monges, conforme a rigorosos preceitos. Mas seu rosto, seus passos, seu olhar sereno, abaixado, sua mão que pendia imóvel e os próprios dedos dessa mão — tudo isso proclamava paz, proclamava perfeição, sem buscar, sem imitar nada; tudo era respiração suave, em imperecível sossego, em imorredoura luz, em uma invulnerável paz. (p. 27-28) Essa ligação da liberdade espiritual à fuga dos desejos mundanos não se limita aos livros religiosos. No romance Free fall, de William Golding (1959), o 1 2 Meher Baba (1987). Discourses. Myrtle Beach (SC): Sheriar Press, 7ª ed. Coletânea de debates sobre questões espirituais por um líder espiritual indiano contemporâneo. Sidman, M. (1989). Coercion and its fallout. Boston: Authors Cooperative. Esse livro trata extensamente das desvantagens do controle aversivo e das vantagens de sua substituição pelo reforço positivo. Skinner, B. F. (1971). Beyond freedom and dignity. Nova York: Knopf. Nesse livro, Skinner expôs a conceituação básica do ponto de vista analítico-comportamental sobre a liberdade. O presente capítulo faz uso substancial dos Capítulos 1 e 2 de Skinner. PALAVRAS-CHAVE Armadilha de reforço | Autocontrole | Coerção | Controle aversivo | Impulsividade | Liberdade espiritual | Liberdade social N. de R.T. No sentido de libertar-se, ou conquistar a liberdade de um aprisionamento, uma repressão. N. de R.T. Essa situação ocorre no sistema norte-americano de loterias. tempo, contudo, tantas pessoas começaram a chamar essa situação de iníqua que ocorreram reformas; surgiram os sindicatos, as leis trabalhistas e o socialismo. Os analistas do comportamento abordam a questão de mudanças no comportamento verbal, quer de pessoa para pessoa, quer de época para época, analisando as consequências e o contexto do comportamento. Se Shona diz que a situação dos prisioneiros trabalhando em estradas de ferro era uma relação equitativa, ela está fazendo uma discriminação que Gideon não faz. Digamos que ela considere os prisioneiros como um peso inútil e caro, um desperdício de dinheiro dos contribuintes. Quer dizer, seu comportamento verbal sobre condenados, prisões, dinheiro dos contribuintes e dívidas com a sociedade foi modelado por uma história de reforçamento diferente da de Gideon; sem dúvida, eles transitam em círculos diferentes, em comunidades verbais diferentes. Talvez os pais de Gideon reforçassem a fala sobre igualdade perante a lei ou aos olhos de Deus. O estímulo discriminativo para chamar uma situação de exploradora ou iníqua é uma comparação de consequências. As consequências para uma pessoa ou grupo são comparadas com as consequências para outro. Por exemplo, é justo para as mulheres receber menor remuneração que os homens pela mesma tarefa? Nos Estados Unidos e em outras nações ocidentais, as crianças aprendem desde cedo a fazer tais comparações entre si e os outros. A verbalização “Ela ganhou mais que eu” provavelmente é reforçada com mais sorvete, brinquedos ou o que quer que esteja sendo comparado. “Não é justo” torna-se um refrão em alguns lares porque é frequentemente reforçado com simpatia, incluindo coisas materiais. As reações à iniquidade provavelmente têm uma base evolutiva. Em espécies de primatas que, como os seres humanos, vivem em grupos sociais altamente cooperativos, experimentos indicam que a iniquidade às vezes dá origem a fortes reações. Sarah Brosnan e seus colegas de pesquisa testaram pares de macacos capuchinhos e pares de chimpanzés em uma situação que exigia que eles trocassem um objeto por um pedaço de comida. Se ambos os indivíduos recebiam um item menos apreciado (pepino ou aipo), nenhum problema surgia. Porém, se o parceiro de um indivíduo primeiro recebia um item apreciado (uvas) e, logo depois, esse indivíduo recebia o item menos apreciado, o macaco ou o chimpanzé reagia, às vezes com um acesso de raiva, e muitas vezes recusava o item menos apreciado, às vezes até jogando-o no experimentador. Nos seres humanos, a maioria das reações à iniquidade é aprendida. À medida que nos tornamos adultos, nossas discussões sobre o que é justo tornam-se mais complicadas. Os estímulos discriminativos que controlam o comportamento verbal sobre questões de equidade tornam-se mais complexos. Aprendemos que, às vezes, é justo que uma pessoa receba mais do que outra, especialmente se essa pessoa contribui com mais esforço que a outra. Talvez o trabalhador de construção com estruturas metálicas devesse receber mais do que o carpinteiro, se considerarmos os perigos envolvidos no trabalho com estruturas metálicas. Teoria da equidade Ao discutirem a questão da equidade, psicólogos organizacionais e psicólogos sociais se referem a um índice que compara reforçadores relativamente imediatos (chamado resultado ou lucro) com condições de prazo mais longo (chamadas insumo ou investimento). No enunciado clássico da teoria da equidade, por George Homans (1961), o índice é escrito deste modo: lucro/investimentos. Homans propôs que as decisões sobre equidade dependem dessa proporção. Se duas pessoas em um relacionamento têm índices lucro/investimento iguais, a relação entre elas é equitativa. Se duas pessoas ou grupos têm em sua relação com uma terceira parte (a Companhia de Lentes Acme ou o Governo dos Estados Unidos) índices de lucro/investimento desiguais, então a disparidade entre eles é iníqua. O índice lucro/investimento pode aumentar de dois modos: o investimento pode diminuir ou o lucro pode aumentar. Se uma mulher e um homem investem igualmente em um trabalho, então a equidade exige que o pagamento da mulher (lucro) seja igual ao do homem. Em nosso exemplo da relação supervisor- empregado, porém, se Naomi (a supervisora) investe mais do que Zack (o empregado), então seus índices de lucro/investimento só podem ser iguais se ela lucrar mais da relação do que Zack. (Ela também lucra mais de sua relação com a empresa do que Zack.) Para determinar se existe equidade entre duas partes, não podemos considerar o lucro ou o investimento isoladamente; devemos considerar a proporção entre os dois. De acordo com a teoria da equidade, o lucro inclui consequências a prazo relativamente curto, como esforço e salário. O lucro consiste no ganho líquido proveniente da relação, ou seja, ganho menos custo (p. ex., salários menos (“Aumente nossos salários, ou entraremos em greve!” – uma regra; ver Cap. 8), que indica o retângulo superior (relação) com seu conjunto de relações de reforçamento e promove a alternativa do controlador RO (p. ex., aumento de salários). Quando o controlado contracontrola por meio de ameaças (esquema superior), SDC tende a induzir RO baseado no fato de que RX conduz, em última instância, a consequências aversivas em grande escala (SP X) para o controlador. Estas resultam do comportamento do controlado (RR3) em resposta a SP R, as consequências aversivas a longo prazo para o controlado. Se os governantes aumentam os impostos, o povo se rebela e depõe os governantes. FIGURA 11.3 Contracontrole. Em ambos, contracontrole por meio de ameaça (diagrama superior) e contracontrole por meio de promessa (diagrama inferior), o controlador escolhe entre duas relações com o controlado, exibidas nos retângulos à direita. A ação RO por parte do controlador leva a uma melhor relação a longo prazo. A ação RX leva a uma relação menos favorável ou a mantém. O contracontrole por meio de ameaça ocorre quando o controlado gera um estímulo discriminativo (SD C) baseado em um punidor a longo prazo (SP X) para o comportamento RX do controlador. O contracontrole por meio de promessa ocorre quando o SD C se baseia em reforçadores a longo prazo (SR O) para RO. O contracontrole é necessário quando pequenas consequências imediatas (SP O, SR X e SR X1) tendem a sobrepujar as consequências de longo prazo (SP X ou SR O). Democracia Por que a democracia é tão popular como forma de governo? As respostas tradicionais se referem aos sentimentos de liberdade e de felicidade dos cidadãos. A análise do comportamento permite uma compreensão mais ampla e mais clara das virtudes da democracia. É verdade, como vimos no Capítulo 9, que os cidadãos em uma democracia se sentem relativamente livres e felizes. Porém, poderíamos imaginar um ditador benevolente que controla o comportamento dos cidadãos com reforço positivo. Com tal regime de governo, os cidadãos poderiam se sentir livres, mas seriam impotentes para garantir a continuidade da benevolência do ditador. Em uma democracia, o ingrediente que salvaguarda a liberdade das pessoas é o contracontrole. A democracia proporciona a seus cidadãos relações de reforçamento com as quais podem controlar o comportamento de seus governantes. Nos Estados Unidos, o presidente e os representantes do povo no Congresso são avaliados periodicamente, com a possibilidade de serem reeleitos ou substituídos. Se não gostarmos do que eles fazem, podemos afastá-los. O contracontrole em uma democracia pode ocorrer por meio da ameaça ou da promessa. A ameaça seria no sentido de que, se as políticas de um governante eleito (RX1 e RX2 na Fig. 11.3) produzissem consequências punitivas (SPR) para os eleitores, então estes votariam (RR3) em outra pessoa e, assim, destituiriam o governante (SP X). Tais ameaças são explicitadas em manifestações e comícios. A promessa seria no sentido de que, se as políticas desse governante produzissem reforçadores (SR R), então os eleitores votariam nele (RR3), mantendo-o em seu cargo (SRO). Em termos cotidianos, o contracontrole por meio de promessa é chamado de fazer lobby. A democracia também é caracterizada por um tipo de igualdade, simbolizado nas revoluções francesa e russa por chamar todos de “cidadãos” ou “camaradas”. A relação entre o presidente e os cidadãos dos Estados Unidos não pode ser uma relação entre iguais; enquanto ocupam tal cargo, os governantes em uma democracia são claramente os controladores. Uma vez fora desse cargo, contudo, tornam-se novamente cidadãos comuns – controlados como todos os demais. A longo prazo, estão sujeitos às mesmas relações de reforçamento a que estão sujeitos todos os demais. Mais cedo ou mais tarde, as políticas de governantes democráticos acabam por afetar os próprios governantes. Mesmo enquanto exercem seus cargos, o presidente e os membros do Congresso devem pagar impostos. Uma vez fora desses cargos, eles estão ainda mais sujeitos às suas próprias políticas. A longo prazo, a democracia tende a levar a relação entre controladores e controlados da equidade parcial para a igualdade. Essa descrição da democracia é, obviamente, uma idealização. Autoridades governamentais às vezes se envolvem em atividades secretas e ilegais e, às vezes, aceitam suborno. Um ex-presidente volta ao status de cidadão comum apenas em parte. Porém, como um todo, a democracia geralmente é considerada um progresso em relação a monarquias absolutistas e ditaduras. Winston Churchill é lembrado por ter dito: “A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que foram tentadas”. A imperfeição dos processos democráticos sugere que ainda é possível aperfeiçoá-los: talvez melhores métodos de contracontrole possam ser encontrados. Discutiremos como uma sociedade poderia realizar tais aperfeiçoamentos no Capítulo 14, quando analisarmos o tema da engenharia social. RESUMO Para que um episódio entre duas partes seja chamado de interação social, cada uma delas deve reforçar o comportamento da outra – o reforço deve ser mútuo. Exemplos analisados em capítulos anteriores incluem comportamento verbal e coerção. Diz-se que duas pessoas têm um relacionamento quando interações sociais entre elas ocorrem com frequência. Essa mesma concepção se aplica a relações entre indivíduos e instituições. Embora os relacionamentos baseados em coerção sejam obviamente injustos, uma forma mais sutil de iniquidade marca relações exploradoras, em que as ações de ambas as partes são reforçadas positivamente. Essas relações são consideradas iníquas porque, a longo prazo, uma das partes é enganada; a participação do parceiro explorado na relação é, em última instância, severamente punida. A curto prazo, a pessoa que é enganada até poderia continuar contente; tal pessoa é chamada de “escravo feliz”. A longo prazo, escravos felizes frequentemente descobrem, ou alguém os adverte, sobre a trapaça – isto é, eles se deparam com estímulos discriminativos que induzem desafeto e revolta. Essa instabilidade a longo prazo faz da exploração, assim como da coerção, um método precário de gerenciamento. Mais do que contra relações coercivas, a tendência a se rebelar contra relações exploradoras depende do comportamento verbal das pessoas na aplicado pelo grupo. Todas elas são chamadas de boas ou ruins, dependendo de reforçarem ou punirem o comportamento que as produz. Repreensões são ruins; punem a mentira, a fraude, o atraso, o desleixo, e assim por diante. Chegar ao trabalho é bom; reforça o acordar cedo, comer depressa, pegar o ônibus, e assim por diante. Se a maior parte das coisas chamadas de boas ou ruins é assim designada devido a circunstâncias sociais, assim também a maioria das atividades chamadas de boas ou ruins é assim designada devido a circunstâncias sociais – isto é, porque são reforçadas ou punidas por outras pessoas. Dividir coisas com irmãos ou com outras crianças é chamado de bom e é reforçado por pais e professores. Fazer doações a instituições de caridade é chamado de bom e é reforçado por amigos, colunistas de jornal e pela Receita Federal (por meio de redução de impostos). Mentir é chamado de errado e é punido por pais, professores e amigos. Oferecer ou aceitar suborno é chamado de errado e é punido pelo sistema judiciário. A regra prática de Skinner de considerar o reforço como algo bom e a punição como algo ruim implica uma regra sobre juízos de valor – o comportamento verbal envolvendo bom, ruim, certo e errado. A verbalização trapacear é errado ocorre porque verbalizações desse tipo foram reforçadas por pais e professores. Assim, uma pessoa que nunca recebeu aprovação por tais verbalizações jamais diria que trapacear é errado, embora talvez nunca venha a trapacear, se sua história incluiu o reforço da honestidade e a punição da trapaça. Outra pessoa poderia dizer que trapacear é errado e, no entanto, trapacear frequentemente. Um hipócrita é alguém cujo comportamento verbal que inclui bom, ruim, certo e errado diverge de seu comportamento não verbal – que diz uma coisa e faz outra. Os comportamentos de trapacear ou cooperar não coincidem necessariamente com o comportamento verbal sobre trapacear e cooperar, porque eles podem ser oriundos de duas histórias de reforçamento diferentes. Em geral, porém, as pessoas que foram punidas por trapacear são as mesmas cujo comportamento verbal de dizer que trapacear é errado foi reforçado. Chamar reforçadores de bons e comportamento reforçado de certo e chamar punidores de ruins e comportamento punido de errado são comportamentos verbais que são normalmente reforçados. Essa explicação pode esclarecer um pouco por que chamamos coisas de boas e ruins e atividades de certas e erradas, mas deixa pelo menos duas questões fundamentais sem resposta. Primeiro, termos sentimentos intensos a respeito do certo e do errado – a respeito da regra do comportamento decente, como diria Imitação A cultura provavelmente seria impossível sem a imitação. Se há alguma vantagem adaptativa em aprender sobre ambientes variáveis, então também haveria vantagem em imitar, pois ela ajudaria a garantir a aquisição do comportamento adequado. Para tornar esse argumento mais concreto, Boyd e Richerson (1985) consideraram uma população hipotética de organismos aculturais vivendo em um ambiente que varia de tempos em tempos (que passa por ciclos de seca e chuva, por exemplo). Imagine que os indivíduos de cada geração tivessem de aprender por si próprios qual o comportamento adequado ao ambiente de cada período: alguns conseguiriam, outros não. Os autores continuam: Agora, considere a evolução de um hipotético gene “imitador” mutante, que permite a seus portadores evitar a aprendizagem individual e copiar o comportamento de indivíduos de gerações anteriores. Contanto que o ambiente não mude muito entre gerações, o comportamento médio desses modelos estará próximo do comportamento atualmente adaptativo. Copiando o comportamento de indivíduos de uma geração anterior, os imitadores evitam custosas tentativas de aprendizagem e, se representam a média de vários modelos, têm maior chance de adquirir o comportamento atualmente adaptativo do que os não imitadores. (p. 15) Em outras palavras, os indivíduos que imitam têm maior chance de se comportar de maneiras que resultem em sobrevivência e reprodução no ambiente atual, de modo que os genes responsáveis pela imitação tenderão a aumentar de frequência no conjunto gênico. Em consonância com essa linha de raciocínio, a imitação ocorre em numerosas espécies, muitas das quais consideraríamos aculturais. Epstein (1984) mostrou que, quando um pombo sem nenhum treinamento é colocado em um aparelho no qual pode observar outro pombo bicando uma bola de pingue- pongue e recebendo reforço sob a forma de comida, ele em breve começa a bicar uma bola que esteja de seu lado do aparelho e continuará bicando mesmo depois que o outro pombo tenha sido retirado. O pombo sem dúvida deixa de bicar depois de um certo tempo, mas, se o aparelho fosse programado de forma que suas bicadas também produzissem comida, o bicar seria reforçado e passaria de comportamento induzido a comportamento operante. Porém, mesmo se um bando inteiro de pombos aprendesse a bicar bolas de pingue- ter cavalos. Essa mudança de costumes provavelmente nunca poderia ter acontecido tão rapidamente se não fosse pela imitação seletiva. Seguimento de regras e elaboração de regras As mesmas considerações que tendem a tornar a imitação seletiva também tendem a tornar o seguimento de regras seletivo. As pessoas frequentemente seguem ordens e conselhos, por exemplo, mas não apenas qualquer ordem e conselho. Da mesma maneira que provavelmente imitamos mais as práticas que ocorrem com frequência no conjunto cultural, também provavelmente seguiremos mais as regras que com frequência ocorrem nesse conjunto. Desse modo, as práticas dominantes tendem a ser perpetuadas. Enquanto está crescendo, uma criança pode ouvir falar tanto, de todos os lados, sobre o erro de roubar, que pode se tornar extremamente cautelosa para evitar até mesmo situações em que pareça estar roubando. A alta frequência de exortações contra a violência pode explicar por que relativamente tão poucas crianças imitam a violência que veem na televisão. Assim como nos inclinamos a imitar pessoas bem-sucedidas, também nos inclinamos a seguir regras dadas por pessoas bem-sucedidas. Se você estivesse perdido na cidade de Nova York, a quem pediria informações: a uma pessoa sentada na calçada vestindo andrajos ou a uma pessoa bem-vestida andando pela rua? Não estamos dispostos a seguir o conselho de pessoas que mostram poucos sinais de que seu comportamento é reforçado, mas, às vezes, até pagamos pelo conselho de pessoas que mostrem sinais de sucesso (consultando advogados e consultores e comprando livros sobre como ser bem-sucedido nos negócios, na jardinagem ou na dieta). Juntamente com a tendência a imitar o sucesso, a tendência a seguir regras dadas por pessoas manifestamente bem-sucedidas explica como uma prática rara pode se propagar rapidamente em um conjunto cultural. Quando os gravadores de videocassete caíram a preços razoáveis, a maioria das famílias nos Estados Unidos os comprou, em questão de poucos anos. A rapidez com que os videocassetes se propagaram deveu-se, em grande parte, aos comerciais e à propaganda boca a boca – isto é, pessoas bem-sucedidas (ou seja, pessoas cujo comportamento é reforçado) diziam a outras que a compra e o uso de videocassete seriam comportamentos reforçados. Depoimentos em anúncios aproveitam nossa tendência de seguir regras passadas por pessoas bem- sucedidas. As pessoas que insistem para que você compre algo em geral são Uma objeção relacionada considera que o planejamento leva à padronização e à uniformidade. Se determinados estilos de roupa ou de preparo de alimentos fossem considerados os melhores, então todo mundo seria obrigado a segui-los. Só os produtos dados como os melhores poderiam estar à venda nas lojas. Esse medo desconsidera suas próprias bases, o valor da diversidade. A história da civilização ocidental nos ensina que as pessoas são mais felizes quando podem escolher. A diversidade de que desfrutamos hoje não só pode ser preservada pelo planejamento como também poderia ser aumentada. Se a diversidade tem valor, podemos criar um planejamento para que ela ocorra. Uma quarta e mais bem direcionada objeção é que uma sociedade como essa não teria graça. O próprio Skinner disse: “Eu não gostaria dela” ou, traduzindo, “Essa cultura seria aversiva e não me reforçaria da maneira a que estou acostumado” (p. 163). A vida em uma comunidade como Walden Two – onde não há privações, há pouco perigo e lazer em abundância, todo mundo é saudável e agradável, e ninguém está estressado – pode ser aborrecida. Em um mundo sem sofrimento, onde estaria um Dostoiévski ou um Mozart? Skinner reconheceu que essa objeção tinha seus méritos, e ele próprio tinha dúvidas se desejaria viver em um lugar como Walden Two. Ao responder, contudo, ele considerou que essa sociedade seria boa não para nós que vivemos no mundo de hoje, mas para as pessoas que nela vivessem. Em Walden Two, Frazier faz essa crítica a Castle e Burris. O próprio Frazier é descrito como um desajustado em Walden Two. Ele ama a comunidade, mas, como produto de sua cultura pregressa, ele se sente pouco à vontade na nova cultura que ajudou a criar. Essa crítica de “Eu não gostaria dela” tem menos a ver com a ideia de uma sociedade em experimentação que com a ideia do estado do bem-estar social. Se uma sociedade em experimentação estabelece como critério para a escolha de boas práticas que elas produzam conforto, saúde, ordem e segurança, então ela se encaminha para um estado de bem-estar social em que o comportamento de cada um seria reforçado positivamente tanto quanto possível, e nos afastaríamos de relações coercivas e da maior parte do controle aversivo. Para muitas pessoas, isso exigiria uma grande mudança nos reforçadores e nas relações de reforçamento que controlam suas atividades. Atividades produtivas e criativas poderiam ser explicitamente reforçadas. Presumivelmente haveria pouca ou nenhuma necessidade de alguém “provar-se a si próprio”, de competir, enganar, roubar ou mentir. Independentemente de esse mundo parecer entediante para alguém que vive em nosso mundo, se caminhássemos na direção de mudanças, estas deveriam PDF confeccionado por: Orangotango de Óculos