·

Cursos Gerais ·

Ciências Políticas

Send your question to AI and receive an answer instantly

Ask Question

Preview text

Código Logístico 57274 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 9788538764083 9 788538 764083 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO Débora Ferrazzo The correction strengths α₂ and α₁ as a function of κC for the 2level system and κ001 solid red curve 002 dashed purple curve details of the graph Ciência Política e Teoria do Estado IESDE BRASIL SA 2018 Débora Ferrazzo Todos os direitos reservados IESDE BRASIL SA Al Dr Carlos de Carvalho 1482 CEP 80730200 Batel Curitiba PR 0800 708 88 88 wwwiesdecombr CIPBRASIL CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS RJ F431c Ferrazzo Débora Ciência política e teoria do estado Débora Ferrazzo 1 ed Curitiba PR IESDE Brasil 2018 150 p il Inclui bibliografia ISBN 9788538764083 1 Ciência política I Título 1746749 CDD 320 CDU 32 2018 IESDE BRASIL SA É proibida a reprodução mesmo parcial por qualquer processo sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais Projeto de capa IESDE BRASIL SA Imagem da capa arsenisspyrosiStockphoto Débora Ferrazzo Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná UFPR mestre em Teoria Filosofia e História do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC e gra duada em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau Furb Integrante do Núcleo de Estudos Filosóficos NefilUFPR e do Núcleo de Pesquisas em Desenvolvimento Regional Furb Pesquisadora no Grupo de Pesquisas em Pensamento Jurídico Crítico Latino americano Unesc Professora de graduação e especialização em cursos da área de Direito Can normalized magic correlations be uncorrelated Pedro C Pinto and Michael Wolf Institute for Theoretical Physics Leibniz Universität Hannover Appelstrasse 2 30167 Hannover Germany Dated October 16 2022 Abstract We investigate relations between two rich notions of quantumness of correlated states in quantum information theory entanglement and magic While entanglement and magic are known to be intimately related and studied our understanding of how these two notions relate to each other is limited In this work we study a variation of the question Can normalized magic correlations be uncorrelated Our results show that many but not all correlations quantified by normalized magic correlations can be decoupled unnormalized while the normalized version exhibits richer structures thus calling for further detailed analysis Sumário Apresentação 7 1 Ciência política e Teoria geral do Estado 9 11 A natureza política do ser humano o que é política 9 12 Diferença entre ciência política e Teoria geral do Estado 12 13 A relação entre ciência política e outras ciências sociais 15 2 Sociedade e política 21 21 Sociedade e classes sociais 21 22 Evolução das sociedades e estruturas de poder 25 23 Sociedade civil e movimentos sociais 27 24 Sociedade instituições políticas e controle social 30 3 O Estado no pensamento político ocidental 35 31 Definições e classificações do Estado 35 32 Teorias sobre a origem do Estado 40 33 Formas de Estados formação e extinção 42 4 Formação do Estado moderno 49 41 Contexto histórico da formação do Estado moderno 49 42 Teorias contratualistas e a separação dos poderes do Estado 54 43 Elementos constitutivos do Estado 58 5 Relações do Estado e estruturas de poder 63 51 Caracterização do poder do Estado 63 52 Soberania e autonomia 71 53 Limitações da soberania e da autonomia 74 6 Formas de governo e sistemas de governo 77 61 Classificações de tipos de governo 77 62 Sistemas de governo presidencialismo e parlamentarismo 82 63 O instituto do impeachment e as experiências brasileiras 86 7 Democracia experiência e perspectivas teóricas 93 71 Conceito origem e evolução histórica da democracia 93 72 Experiências de democracia no Ocidente 96 73 Cidadania e participação política 99 8 Partidos políticos sistemas eleitorais e mandatos 105 81 Partidos políticos 105 82 Sistemas eleitorais 110 83 Mandatos políticos e formas de limitação 113 9 Ideologia pensamento político e fronteiras teóricas entre os Estados modernos 117 91 Conceitos de ideologia e sua relação com a política 117 92 Principais ideologias políticas socialismo liberalismo e socialdemocracia 121 93 Pensamento político e Estados 125 10 Crises das instituições políticas modernas 131 101 Regimes totalitários e a negação da democracia 132 102 Grupos sociais de pressão política e o Estado 136 103 Crises no Brasil e no mundo corrupção e outras ameaças à democracia 138 Gabarito 143 Apresentação As páginas seguintes foram cuidadosamente planejadas para que possamos construir co nhecimentos no campo das teorias políticas e do Estado Ao longo de dez capítulos buscamos articular conteúdos clássicos dessas áreas com debates atuais e urgentes como a questão das crises políticas que é ora de diferentes ora de semelhantes maneiras compartilhada por todo o mundo contemporâneo Também incluímos as especificidades da crise brasileira com a manifestação de fenômenos como os impeachments a instabilidade do poder judiciário entre outros Ao revisitarmos as mais antigas preocupações que afligem o pensamento político podemos perceber que há elementos comuns entre todas as épocas históricas como a corrupção no exercício do poder ou a legitimação democrática dos governos temas que são discutidos desde a filosofia grega antiga Isso mostra que a sucessão das épocas na história da humanidade não ocorre de maneira uniforme e linear mas sim cíclica tendendo a reviver experiências e crises do passado Entretanto será que somos capazes de aprender com essas crises É por isso que organizamos esta obra tomando o elemento político como fio condutor com a intenção de contribuir para a compreensão e o aprofundamento de temas e teorias que envolvem a ciência política e a formação e caracterização dos Estados desde a Antiguidade até o momento presente aproveitando suas continuidades e descontinuidades em favor de nosso aprendizado Eventualmente os capítulos trazem a indicação de leituras e fontes selecionadas com cautela e rigor científico que permitem saciar a curiosidade por novos saberes de maneira abrangente e objetiva Cada um deles também traz distintas perspectivas de modo a oportunizar o diálogo com diferentes orientações teóricas sejam elas críticas ou conservadoras Esse é justamente um dos pressupostos mais importantes da construção do estudo de ciência política e Teoria geral do Estado em especial por se tratar de uma disciplina tão urgente e necessária em nossos tempos Bons estudos Citation A Einstein B Podolsky and N Rosen Can quantummechanical description of physical reality be considered complete Phys Rev 47 777 1935 1 Ciência política e Teoria geral do Estado Por volta do século IV antes de Cristo o filósofo Aristóteles afirmou em A política uma obra muito famosa que o homem é um animal político 2002 p 14 Desde então a humanidade busca compreender o sentido dessa afirmação e com base nessa inquietação desenvolveuse a ciência política A ideia de ciência assume um sentido muito próprio em nosso tempo sob a influência das tecnologias e das profundas mudanças culturais Ela tem um lugar privilegiado na explicação do mundo e construção do saber mas também se torna mais complexa e se divide em vários campos como em ciências exatas naturais humanas ou ainda suas variações e subdivisões Todas elas são influenciadas pela política e se relacionam de alguma forma Dito isso nosso primeiro desafio será buscar compreender qual o sentido de animal político atribuído ao ser humano como isso se rela ciona com o desenvolvimento de uma ciência política e como essa ciência se interrelaciona com as demais em especial com a Teoria geral do Estado 11 A natureza política do ser humano o que é política Não conhecemos a data precisa em que o filósofo Aristóteles afirmou que o homem é um animal político por natureza que deve viver em sociedade ARISTÓTELES 2002 p 14 mas sabemos que esse filósofo nasceu em 384 aC em Estagira sendo por isso conhecido como O Estagirita1 Para ele a distinção entre o homem e os outros animais se dá pelo dom da palavra uma vez que estes possuem somente a voz A palavra permite entender o que é justo e o que é injusto possibilitando ao ser humano naquela época Aristóteles falava somente no homem mas hoje precisamos reco nhecer homens e mulheres diferenciar o bem e o mal Com a fala o ser humano pode se comu nicar e devido a essa comunicação formaramse as sociedades Desse modo Aristóteles concluiu que é da natureza do homem viver em sociedade Com base nessa simples ideia O Estagirita escreveu no século IV aC uma das obras mais influentes na história da humanidade A política Norberto Bobbio 2004 explica que o termo política tem origem na palavra grega pólis2 atribuída a tudo o que se relacionava à cidade E foi esse livro escrito há mais de 2 mil anos que permitiu a expansão do termo Inclusive essa obra é considerada o primeiro tratado sobre o assunto nela são discutidas as formas de governar as fun ções do Estado e outros temas todos ocupados da reflexão de como o ser humano se relaciona em sociedade e como exerce o poder no espaço público ou seja por meio do Estado Assim tudo o que é feito no âmbito da convivência em sociedade é política que vai além da ideia de um congresso uma câmara de deputados ou uma prefeitura por exemplo 1 Cidade que na Antiguidade pertencia à Macedônia Hoje é situada na Grécia na região da Calcídica no golfo do Rio Estrimão 2 Modelo de organização das antigas cidades gregas do período arcaico até o clássico Vídeo Ciência Política e Teoria do Estado 10 Ao reconhecermos a natureza política do ser humano precisamos refletir sobre o que signi fica política Não é algo fácil afinal no decorrer da história essa ideia assumiu diversos sentidos No entanto com as contribuições de Nicola Abbagnano 2007 filósofo e historiador que escre veu um dos mais importantes dicionários de Filosofia de nosso tempo podemos nos arriscar a citar os principais sentidos da política e compreender que sua concepção no mundo antigo é bas tante diferente daquela do mundo moderno Encontramos na sistematização de Abbagnano 2007 o primeiro sentido de política origi nado ainda em Aristóteles num livro que conhecemos pelo título de Ética Nele há reflexões sobre o que deve ser o bem e o que deve ser o bem supremo Esses seriam os objetos de estudo da ciência mais importante justamente a política uma vez que ela determina quais são as outras ciências ne cessárias em uma cidade É também por meio da política que se decide o que deve ser delegado a cada cidadão pois ele deve aprender o que e na medida em que a política lhe determina para servir à cidade Se a entendermos do mesmo modo que Aristóteles a reconheceremos como doutrina do direito e da moral Foi o que o filósofo inglês Thomas Hobbes fez seguiu a tradição iniciada por Aristóteles e relacionou a política com a ética a ciência do justo e do injusto O segundo sentido de política a trata como Teoria do Estado e tem suas bases na nossa obra já conhecida A política sim ainda estamos trilhando pelas ideias de Aristóteles A essa altura ficamos tentados a perguntar mas afinal ninguém mais falou sobre política Como temos refle tido desde o início esse é um conceito bastante complexo e muita coisa já foi dita a respeito dele Aristóteles foi só o começo um começo fundamental mas só o começo Então para a política como Teoria do Estado fica reservada a tarefa de discutir qual a melhor constituição Consciente de que não era possível haver um modelo ideal para todas as sociedades Aristóteles se preocupou em descrever a melhor constituição e levou em consideração diferen tes situações que cada cidade poderia vivenciar Com base nessas condições ele descreveu como seriam as constituições mais aptas a satisfazer os ideais das pessoas Como Teoria do Estado a política tem duas funções descrever a constituição ideal a melhor em um sentido absoluto e descrever a melhor constituição em determinadas condições Abbagnano 2007 p 901902 explica que o terceiro sentido de política a identifica como a arte ou ciência do governo ideia desenvolvida por Platão na obra Político Nela o filósofo nascido por volta de 428 aC e mestre de Aristóteles denominou a política como ciência régia O próprio Aristóteles também reconheceu esse sentido e afirmou que haveria uma terceira tarefa da política investigar como surge um governo e como ele pode manterse no poder pelo maior tempo possível O quarto sentido de política é relacionado ao estudo dos comportamentos intersubjetivos p 900902 Para compreendêlo precisamos dar um salto na história e chegar ao século XVII quando o filósofo francês Auguste Comte 17981857 começou a desenvolver suas ideias Comte acreditava que os fenômenos da política se sujeitavam a leis invariáveis Inspirado nos métodos das ciências naturais para estudar a sociedade ele descobriu fenômenos regulares por meio da observação ou seja baseado em um método empírico Para Comte o conhecimento assim cons truído era o conhecimento científico ou positivo BOTTOMORE 2001 p 290 de modo que o Ciência política e Teoria geral do Estado 11 consideramos o fundador do positivismo3 A proposta de Comte identificou os sentidos de política e de sociologia os quais foram difundidos sobretudo na obra Sistema de política positiva Pouco tempo depois de Comte e sob a influência de seu pensamento o jurista italiano Gaetano Mosca 18581941 conceituou política como a ciência da sociedade humana ABBAGNANO 2007 p 902 pelo fato de o termo sociologia proposto por Comte ainda não ter convencido totalmente a comunidade científica Hoje compreendemos que a política não pode ser definida dessa maneira e percebemos que a Sociologia se consolidou no campo das ciências Sintetizando nossas ideias Podemos concluir que o objeto de estudo da política em Aristóteles é um em sua obra Ética que se ocupa do bem e do bem supremo do justo e do injusto e outro em A política que trata das constituições sua abran gência e tudo relacionado a elas é o princípio de uma ideia de Teoria geral do Estado Para Platão em Político e para Aristóteles ainda em A política esse objeto de análise é o governo sua origem e subsistência Finalmente para Comte em sua obra Sistema de política positiva ca 18511854 a política referese à investigação sobre relacionamentos intersubjetivos Ele inaugura a abordagem positivista da ciência e da própria política enquanto ciência moderna Ainda sobre política não podemos nos esquecer de uma figura muito importante o filó sofo ateniense Sócrates 470499399 aC que mesmo sem deixar escritos ele preferia ensinar nas praças passou muitas lições sobre política e a respeito da moral do homem Algumas des sas lições chegaram até nós na forma de diálogos registrados por Platão em diversas obras Em A República Político ou As leis Platão também apresentou reflexões a respeito do Estado e sua forma ideal Aristóteles por sua vez ao apresentar uma sistematização das cidadesEstados de seu tempo também mostrou modos de melhorálas por isso pode ser considerado o fundador das ciências do Estado GAMA 2005 p 1415 Com relação a Sócrates para alguns talvez a maior lição política que o filósofo deixou como legado para seus contemporâneos e também para nós seja aquela ilustrada em sua morte Condenado pela pólis mesmo sabendo que era inocente o filósofo recusouse a fugir e aceitou sua sentença Ainda há indagações a respeito de por que ele aceitou passivamente o destino que lhe foi designado seria para mostrar à sociedade ateniense a importância de cumprir a lei do Estado mesmo sendo injusta Seria para provar sua inocência Ou seria simplesmente por não suportar 3 O positivismo se expressava como uma corrente filosófica Posteriormente esse termo assumiu inúmeras formas de manifestação como é o caso do positivismo jurídico A orientação positivista via na ciência o único guia para a vida individual ou em sociedade Para essa corrente a ciência era o único conhecimento possível e método válido tudo o que era construído fora dela e dos seus métodos não podia ser considerado conhecimento ABBAGNANO 2007 p 909 Ciência Política e Teoria do Estado 12 viver em uma sociedade com leis tão injustas Independentemente da resposta uma coisa é certa na Antiguidade grega a lei a política e o justo andavam ou deveriam andar juntos Após esse passeio pela história do pensamento político podemos perceber que desde Aristóteles um dos pontos mais importantes no que se refere à política é a sua relação com a ética Compreendemos que tanto a política quanto a ética se referem à vida prática do ser humano mas a concepção de política na Antiguidade é muito diferente daquela de política no mundo moderno Sob a influência de Platão e Aristóteles a política dizia respeito à atividade humana em busca de um fim específico como o bem comum a justiça ou a liberdade e por isso a ética se estabele cia como desenvolvimento natural da intencionalidade política e ambas política e ética tinham o mesmo sentido Por outro lado no mundo moderno e sob a influência do pensador italiano Nicolau Maquiavel 14691527 surge a concepção de política como gestão do poder tendo em vista não mais o bem comum como horizonte agora o poder em si ou seja a conservação do poder a qualquer custo e disso decorre o inevitável conflito entre ética e política Maquiavel que viveu entre os séculos XV e XVI escreveu a célebre obra O príncipe é tido como o pensador que reduziu a política a um simples instrumento de domínio ABBAGNANO 2007 p 903904 12 Diferença entre ciência política e Teoria geral do Estado Como vimos não há um sentido ou definição universal sobre política Não apenas o conceito da palavra pode ser estabelecido de maneiras diferentes mas também a forma como o conhecimento produzido em torno da política pode se submeter a diversas abordagens e métodos científicos Simultaneamente a política pode influenciar a ciência mas antes de refletirmos sobre isso vamos buscar com preender a origem do desenvolvimento científico da política e sua relação com o Estado ou melhor dizendo sua relação com o que hoje chamamos de Teoria geral do Estado Foi no final do século XIX que a ciência política apareceu como disciplina autônoma No ano de 1872 o sociólogo francês Emile Boutmy 18351906 fundou a Escola Livre de ciências políticas4 que provocou o surgimento de inúmeras instituições relacionadas ao estudo da ciência política As obras consideradas clássicas produzidas sob essa influência mostraram profunda preocupação com temas como o direito e o pensamento constitucional Após a fundação da es cola francesa começou um longo e lento processo de delimitação do campo de estudo da Ciência Política e diversos cientistas pesquisadores da disciplina se destacaram Chama atenção o fato de que as outras ciências foram fundadas com grandes obras ou por uma personalidade destacada a exemplo de Auguste Comte fundador da Sociologia e do positivismo como falamos anteriormen te no entanto a ciência política por sua vez não se absteve disso CAMINAL BADIA 2006 p 27 Contudo é importante darmos destaque à obra Elementos de ciência política5 do italiano Gaetano Mosca que teve sua primeira parte publicada no ano de 1896 Foi a partir desse momento que a expressão ciência política foi empregada originalmente 4 Em francês École Libre des Sciences Politiques 5 Em italiano Elementi de scienza política Vídeo Ciência política e Teoria geral do Estado 13 Então se a ciência política como é compreendida contemporaneamente não tem um funda dor a política por sua vez deve seu desenvolvimento inicial às contribuições de Aristóteles como pudemos observar até aqui O uso do termo ciência pelos filósofos antigos não caracteriza o estágio atual de desenvolvimento do conhecimento humano Como explicado anteriormente a ciência tem assumido um sentido específico nos últimos séculos uma vez que a humanidade começa a abandonar os antigos mitos que explicavam o mundo para buscar na observação nos testes enfim nos diversos métodos uma forma de compreendêlo Assim como na ciência a política também começou a assumir métodos rigorosos para sis tematizar seus objetos de estudo e apresentar seus pressupostos construindo dessa forma seus procedimentos científicos Atualmente podemos situála no grande grupo das ciências sociais e há uma variedade expressiva de abordagens sobre a política Sua delimitação enquanto ciência é muito ampla apesar de alguns autores como Bonifácio de Andrada 1930 considerarem que o surgimento e a consolidação de outras ciências como a Sociologia a Economia e a própria Teoria do Estado tenham esvaziado os conteúdos da ciência política ANDRADA 1998 p 16 Dessa forma ao considerarmos que há essa ampla variedade de estudos no âmbito da ciência política podemos definila como o conjunto das atividades necessárias ao governo de um país e seus elementos essenciais sem os quais não pode haver governo ABBAGNANO 2007 p 901 É o caso da autoridade política que envolve um poder institucionalizado nós o reconhecemos no Estado e a obe diência dos cidadãos Esse poder precisa ser legítimo ou seja contar com o consentimento democrático e implica no dever de respeitar as leis e submeterse às punições quando não as cumprir No ano de 1948 na cidade de Paris a Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura UNESCO 1948 promoveu uma conferência internacional sobre métodos em ciência política e um dos objetivos era delimitar a abrangência dos estudos dessa ciência Ao fim dos tra balhos foi apresentada uma proposta de divisão temática sintetizada no Quadro 1 a seguir Quadro 1 Campos de estudo da ciência política Campo de estudo Temas abrangidos Teoria política Teoria política conceitos básicos História das ideias políticas Instituições políticas A constituição Governo nacional Governo regional e local Administração pública Economia e funções sociais do governo Comparativo de instituições políticas Grupos partidos e opinião pública Partidos políticos Grupos e associações Participação cidadã no governo e administração Opinião pública Relações internacionais Política internacional Organismos internacionais e administração Direito internacional Fonte Elaborado pela autora com base em UNESCO 1948 Ciência Política e Teoria do Estado 14 Podemos perceber que o campo de estudo da ciência política mesmo com o esvaziamento promovido pela emancipação de outras ciências ainda é bastante amplo Um dos seus principais campos é a Teoria geral do Estado Levando em consideração que por vezes os objetos de estudo das duas disciplinas são confundidos é importante distinguilas Na ciência política estudamos o poder e aspectos relacionados a ele Nas sociedades con temporâneas quem exerce o poder é o Estado então podemos dizer que o poder é instituciona lizado no entanto ambos não devem ser confundidos o Estado incorpora o poder mas não se funde a ele No campo da Teoria geral do Estado estudamos justamente essa delimitação do poder político o poder exercido pelo ente estatal Com essas considerações preliminares podemos iden tificar alguns traços que distinguem ambas as disciplinas GAMA 2005 p 710 A ciência política é mais abrangente que a Teoria geral do Estado que se ocupa das abs trações ou seja de identificar aspectos gerais nos Estados e por isso não oferece soluções para situações concretas em razão disso há doutrinadores que não concordam em con siderar a Teoria geral do Estado um ramo dentro da ciência política A ciência política estuda o poder ciente de que algumas relações de poder se desenvolvem dentro da esfera estatal É mais dinâmica que a Teoria geral do Estado A ciência política tem abordagem mais concreta pois analisa reflete e conclui seus temas diferente da Teoria geral do Estado que tem abordagem mais abrangente e menos profunda As investigações e conclusões da ciência política dão subsídios ou seja informações mais detalhadas que são fundamentais para que a Teoria geral do Estado possa elaborar suas próprias formulações A ciência política admite uma construção interdisciplinar de seus conhecimentos pois busca seus subsídios em diversas outras ciências como na economia antropologia en tre outras No âmbito do Direito a Teoria geral do Estado busca dados especialmente nos chamados ramos do Direito Público como é o caso do Direito Constitucional enquanto a ciência política pode ir além retirando informações também do âmbito privado do Direito e da sociedade como já mencionamos é o caso das relações intersubjetivas Por fim a ciência política trabalha também com problemas concretos enquanto a Teoria geral do Estado quando muito reúne as problemáticas encontradas Com base nessas distinções epistemologicamente veja a explicação sobre o termo na pró xima página podemos concluir que a essência de uma teoria é justamente procurar formulações gerais que possam oferecer uma explicação universalista para os fenômenos estudados A ciência por outro lado é mais ampla e pode comportar em cada campo diversas teorias No campo da ciência jurídica por exemplo temos a Teoria geral do Direito a Teoria geral do Processo a própria Teoria geral do Estado entre outras Além de poder reunir várias teorias a ciência não fica presa à busca pelas abstrações e universalizações ela pode e frequentemente o faz analisar situações específicas casos concretos e buscar uma explicação científica para cada fenômeno estudado seja ele único comum ou recorrente Ciência política e Teoria geral do Estado 15 O professor Ricardo Gama em seu livro Ciência política 2005 p 17 defende que o estudo dessa disciplina é mais importante que o da Teoria geral do Estado Ele entende que a primeira oportuniza mais condições de desenvolvimento de nosso senso crítico e de nossa criatividade enquanto a segunda investiga e descreve os fenômenos mas não possibilita a reflexão crítica E a você O que parece Já que falamos em epistemologia o que é isso O termo epistemologia é de origem grega e atualmente o empregamos com dois sentidos distintos para nos referirmos a uma teoria do conhecimento ou à filosofia da ciência Abbagnano 2007 p 392 explica que no nosso tempo a questão do conhecimento e da ciência se entrelaça e às vezes até se confunde Por que o filósofo afirma isso Como vimos na modernidade e sob a influência de teóricos como Auguste Comte reconhecemos a possibilidade de produzir conheci mento somente por meio da ciência Os saberes elaborados sem respeitar um método científico não são mais considerados válidos É nesse ponto que reduzimos o conhecimento à ciência E com o hiperdesenvolvimen to das ciências hoje falamos em teorias do conhecimento ou filosofia das ciências em diversos campos sendo que para tratar desses assuntos empregamos conceitos como epistemologia política epistemologia jurí dica entre outros 13 A relação entre ciência política e outras ciências sociais Das relações entre a ciência política e outras áreas do saber talvez a mais complexa se dê justamente com a Teoria geral do Estado já que ambas se desen volvem em campos de investigações que se interrelacionam e se influenciam reci procamente Agora que já formulamos algumas distinções entre essas disciplinas podemos refletir sobre essa relação e outros campos do conhecimento científico Mais que isso é possível pensar sobre a importância de ver o mundo interdisciplinarmente e como a política influencia as outras ciências Com relação à interdisciplinaridade6 a primeira evidência que encontramos acerca de sua importância é o fato de que a política é estudada por diversas ciências e cada uma delas lança 6 A palavra interdisciplinaridade significa a junção de diversas disciplinas para compreender um tema comum É empregada por exemplo quando para compreendermos o sentido de uma constituição buscamos na história o con texto em que tal constituição foi criada na Sociologia compreende as relações sociais que a definiram na Economia os interesses de mercado que exerceram influência e assim por diante Nessa perspectiva todas as informações confluem para explicar o mesmo objeto de estudo e assim conseguimos chegar a uma compreensão mais profunda e ampla da realidade WOLKMER 2005 p 1516 Vídeo Ciência Política e Teoria do Estado 16 sobre a política diferentes perspectivas Assim temos a Antropologia Política a História Política a Filosofia Política a Economia Política a Sociologia Política e muitas outras Em cada uma dessas ciências a política é analisada com base nos métodos científicos específicos adotados e por isso as conclusões podem ser diferentes Isso porque o mesmo objeto visto por vários ângulos e sob métodos diferentes será compreendido e descrito de maneiras distintas Em suma o tema da política não é específico de sua ciência porque sua complexidade não só permite como exige uma abordagem interdisciplinar em especial pelas ciências sociais e humanas Por isso praticamente todos os cursos de graduação compreendem em suas grades curriculares a disciplina de Ciência Política acrescentam a disciplina de Teoria geral do Estado ou ainda variações de ambas Sobre a maneira como essas disciplinas se relacionam podemos começar citando o Direito Constitucional Bonavides 2010 explica que no campo das ciências jurídicas a ciência política antes de se consolidar como disciplina autônoma na França pertencia quase totalmente ao Direito Constitucional Mesmo emancipadas a relação entre as disciplinas nunca se desfez pois no âmbito do Direito é o ramo constitucional que se ocupa da coisa política das instituições do Estado e do espaço público no qual os fenômenos políticos se desenvolvem Na modernidade as constituições são o princi pal instrumento de limitação do poder estatal e de prevenção contra abusos e autoritarismos no exercí cio do poder político A eficácia desse documento está relacionada a fatores sociais visto que sociedades instáveis e atrasadas economicamente conforme exemplifica o autor tendem a ter instituições políticas oscilantes e nesse caso menos eficaz será o Direito Constitucional Com relação à Economia e ainda de acordo o raciocínio de Bonavides 2010 essa é a dis ciplina que analisa os aspectos econômicos incidentes sobre a sociedade e como eles se determi nam reciprocamente Além disso examina a formação das instituições e de fenômenos políticos O autor ainda destaca que não é necessário ser marxista para reconhecer a influência da economia como elemento fundamental para determinar a politização da sociedade Vamos articular essa ideia com as do parágrafo anterior fatores econômicos como o atraso objeto de estudo da Economia podem comprometer a eficácia constitucional objeto de estudo do Direito Constitucional e ocasionar a instabilidade política Marxismo comunismo e a política Precisamos tomar cuidado para não cair em certas armadilhas próprias de nosso tempo que se dão pelo estágio avançado de desenvolvimento do capitalismo por tendências políticas conservadoras mundialmente verificadas entre outros Uma dessas armadilhas é rejeitar a priori o aporte teórico e científico do marxismo às vezes sem conhecê lo e outra é identificar marxismo e comunismo como sinônimos O comunismo detalharemos posteriormente mas por hora vale destacar que os modos de produção muito mais antigos que a existência de Marx compreendidos como comunistas ressaltam o fato de que o comunismo é muito anterior ao pensamento desse autor Além disso o marxismo enquanto aporte científico e teórico abrange um amplo rol de contribuições Ciência política e Teoria geral do Estado 17 a diversas ciências como uma nova metodologia para entender a história das sociedades o materialismo histórico ou materialismo dialético a teoria da maisvalia fundamental para a Economia entre outras cujos méritos são reconhecidos até mesmo por intelectuais alinhados ao liberalismo econômico As obras de Marx desocultaram o elemento político inerente às ciências Ainda que historicamente as sociedades inclinemse a rejeitar certas ideias e teorias não podemos nos esquecer de que um cientista inclusive um cientista político não pode adotar tal postura Isso porque o cientista dialoga e reflete sobre todos os argumentos mesmo aqueles dos quais a princípio discorda E é isso o que permite à ciência evoluir Ainda em Bonavides 2010 o autor destaca a relação entre ciência política e história É a história que sistematiza a aglutinação de fatos e experiências e é pelo aporte do historiador que recebemos subsídios para refletir os objetos da ciência política da mesma forma o historiador crítico se apoia nos instrumentos da ciência política para compreender e descrever processos e fe nômenos históricos E essa tendência de apropriação da ciência política por outras áreas se amplia Nas últimas décadas foi a vez da psicologia que se relacionou com a psicologia social e o behaviorismo orientação teórica que estuda o comportamento humano e dos demais animais e fenômenos como a comunicação já vimos que a comunicação é atribuída à natureza política do homem Na abordagem da política pela psicologia defendese que os fundamentos do poder são de ordem psicológica e que a ciência política toma como objeto o material humano Consta ainda a relação entre ciência política e sociologia política em que ambas compartilham muitos objetos de estudo como o comportamento político de grupos e indivíduos os modos como a autoridade política é exercida as lutas entre classes sociais e seus reflexos políticos entre outros Para compreendermos a relação e a própria abordagem interdisciplinar da ciência política vamos tomar como exemplo o estudo e a compreensão de uma determinada constituição Com base na história em especial na do Direito podemos compreender o contexto em que as forças sociais se mobilizaram e se reuniram em assembleia constituinte Podemos também entender a formação de uma sociedade e suas reivindicações específicas que em eventuais disputas de poder podem ser negociadas ou prevalecer Além disso podemos buscar a compreensão dos fatores eco nômicos e também do contexto político Todas essas informações podem ser articuladas para compreender uma constituição em es pecífico ou para buscar aspectos comuns entre as experiências que formam o movimento constitu cionalista tal como a motivação comum em assegurar os direitos dos indivíduos e limitar o poder do Estado Ao considerarmos que uma constituição congrega diversas dimensões notadamente a política por exemplo na organização dos poderes institucionais ou estatais e a jurídica ao citar o Ciência Política e Teoria do Estado 18 rol de direitos e garantias fundamentais como no artigo 5º de nossa Constituição7 podemos dizer ela é o cânone jurídicopolítico de uma sociedade Nós já comentamos sobre a influência que as ciências produzem umas sobre as outras No entanto ainda é importante empreendermos uma última reflexão acerca da influência que a polí tica exerce sobre as ciências Há muitas maneiras de abordar esse assunto Destacamos duas posições importantes e dia metralmente opostas A primeira que acompanha a ciência moderna desde sua origem sustenta a posição de que a ciência é neutra e imparcial não se deixa influenciar pelos fenômenos políticos da sociedade em que está inserida A segunda perspectiva ao contrário da primeira defende que todas as ciências são politicamente determinadas inclusive em razão de fatores econômicos Nessa última concepção todas as escolhas do pesquisador o que como e por que pesquisar são definidas politica mente As pesquisas que permitem a descoberta de novas tecnologias novas máquinas por exemplo que facilitam e aumentam a produtividade das fábricas são produto de uma ciência determinada pelos interesses de mercado Do mesmo modo as pesquisas que culminam na descoberta de remédios ou doenças quando um cientista segue um método ou adota teorias de um pesquisador europeu em vez de um africano ou latinoamericano por exemplo partem de uma escolha que é politicamente de terminada Naturalmente entre ambos os extremos encontramos inúmeras posições intermediárias e incontáveis interpretações diferentes a respeito da relação entre a política e as demais ciências Então sob essas distintas perspectivas podemos entender que a ciência é neutra e por isso não tem compromisso com questões sociais ao ser neutra ela é independente da sociedade ou podemos ainda defender que ela tem um compromisso político com a sociedade Esse é um tema que tem relação com a questão da ideologia como veremos adiante Considerações finais Como pudemos observar a política é um dos objetos de reflexão e também uma das preocu pações mais antigas da humanidade Apesar das profundas transformações que experimentamos como o avanço tecnológico o surgimento do capitalismo o fim dos poderes absolutos dos reis e a diminuição do poder político da Igreja a política persiste como uma das questões mais fun damentais até nossos dias Atualmente o sentido de política e a predisposição social em discutila estão em cheque mas isso decorre da crise das instituições e não da política em si Agora já sabe mos que a política tem muitos sentidos abrange diversos objetos e mais que isso ela define nossa vida como indivíduos e sociedade Com essas bases podemos avançar e começar a refletir sobre a relação entre a política e a sociedade espaço esse em que produzimos e reproduzimos nossas vidas ou seja em que nos des cobrimos e nos afirmamos cotidianamente como seres humanos e animais políticos No próximo capítulo vamos assumir a abordagem política como referencial para sistematizar os aportes de outras ciências e compreender o processo de formação das sociedades e sua evolução 7 O artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil diz que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade BRASIL 1988 Para ler o artigo na íntegra acesse httpwww planaltogovbrccivil03constituicaoConstituicaoCompiladohtm Acesso em 5 jun 2018 Ciência política e Teoria geral do Estado 19 Ampliando seus conhecimentos Neste capítulo comentamos alguns sentidos possíveis do termo política O filósofo Enrique Dussel sintetizou parte de sua obra para reunir as principais reflexões a respeito da política e a dire cionou aos jovens sob o nome 20 teses de política A seguir há uma passagem da obra em que o autor reflete sobre a essência da política uma lição urgente para tempos de crise como os que vivemos 20 teses de política DUSSEL 2007 p 13 3738 Para entender o político como conceito e a política como atividade é necessário deterse na análise de seus momentos essenciais Em geral o cidadão e o político por profissão ou por vocação não tiveram possibilidade de meditar pacientemente sobre o significado de sua função e responsabilidade política O ofício político pode ser vivido existencial e biograficamente pelo sujeito como uma profissão burocrática em certos casos muito lucrativa ou como uma voca ção motivada por ideais valores conteúdos normativos que mobilizam a subjetividade do polí tico a uma responsabilidade em favor do outro do povo Vocação significa ser chamado do verbo vocare a cumprir uma missão O que chama é a comunidade o povo O chamado é o que se sente convocado a assumir a responsabilidade do serviço Feliz o que cumpre fielmente sua vocação Maldito aquele que a trai porque será julgado em seu tempo ou pela história Dicas de estudo Muitas das informações discutidas neste capítulo foram buscadas no Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano 2007 no verbete política p 784785 O ato de consultar regularmente dicionários é importante para aprimorar nosso vocabulá rio e evitar o uso impreciso de algumas palavras Nos dicionários de política e de Filosofia em geral temos obras sistematizadas por autores considerados referência em suas respec tivas áreas É o caso de Nicola Abbagnano cuja leitura além de enriquecer nosso vocabu lário aperfeiçoa nossos saberes e nos qualifica intelectual e profissionalmente pelo rigor científico com que desenvolve e sistematiza os conceitos que nos apresenta Diante do vasto campo de abrangência e de milhares de obras que já foram escritas sobre a política destacamos a importância de Aristóteles no cenário da Filosofia Além das obras que citamos neste capítulo o filósofo escreveu outras importantes como A política e Ética a Nicômaco Ética a Nicômaco foi um livro que Aristóteles escreveu para seu filho Nicômaco Nele o filósofo apresentou as bases para se pensar a ética e a justiça que conforme mencionamos neste capítulo eram as temáticas e motivações da política em toda a Antiguidade A ideia de justiça que Aristóteles defende nesse livro é influente até hoje e consta em inúmeras constituições pelo mundo Em A política por sua vez Aristóteles apresentou um retrato detalhado de como era a sociedade ateniense de seu tempo e relatou desafios e problemas que os governos enfren tavam alguns ainda atuais como violações de direitos políticos o favorecimento de Ciência Política e Teoria do Estado 20 poucos e exclusão de muitos no acesso aos serviços e poderes do Estado Ambas enfim são obras clássicas e imprescindíveis para nos ajudar a pensar nosso próprio tempo Atividades 1 Podemos afirmar que o sentido da palavra política existente na Antiguidade é o mesmo ado tado hoje Justifique sua resposta 2 Existem diferenças entre ciência política e Teoria geral do Estado Podemos dizer que uma é mais importante que a outra Justifique sua resposta 3 Cite exemplos de temáticas que podem ser estudadas tanto no campo da ciência política quanto no da Teoria geral do Estado 4 Antes de estudar este capítulo ao pensar no termo ciência você percebia alguma relação com a política E depois de nossos estudos você continuou tendo as mesmas percepções Cite exemplos que demonstrem sua visão antes e depois dos nossos estudos Referências ANDRADA B Ciência Política ciência do poder São Paulo LTr 1998 ARISTÓTELES A política São Paulo Martin Claret 2002 ABBAGNANO N Dicionário de Filosofia 5 ed São Paulo Martins Fontes 2007 BOBBIO N Política In BOBBIO N MATTEUCI N PASQUINO G Dicionário de política 5 ed Brasília Editora UnB 2004 2v BONAVIDES P Ciência Política 17 ed São Paulo Objetiva 2010 BOTTOMORE T B Dicionário do pensamento marxista Rio de Janeiro Zahar 2001 CAMINAL BADIA M La política y la ciencia política In CAMINAL BADIA M Ed Manual de Ciencia Política 3 ed Madri Tecnos 2006 DUSSEL E 20 teses de política São Paulo Expressão Popular 2007 GAMA R R Ciência Política Campinas LZN 2005 UN United Nations Educational Scientific and Cultural Organization International conference on methods in political science Paris 27 sept 1948 Disponível em httpunesdocunescoorgimages0015001575157593eb pdf Acesso em 6 jun 2018 WOLKMER A C Fundamentos de história do Direito 3 ed Belo Horizonte Del Rey 2005 2 Sociedade e política No capítulo anterior refletimos sobre o que é política Essa reflexão nos remeteu ao ambien te em que a política se concretiza que é por excelência a sociedade humana Então com base nas definições anteriormente discutidas orientação para o bem comum instrumento de manutenção do poder etc pudemos perceber que qualquer delas requer o espaço fecundo das interações es tabelecidas entre as pessoas ou seja as relações intersubjetivas para se desenvolver Neste capítulo nossa tarefa consiste em discutir sobre a sociedade Vamos compreender as distintas maneiras de descrevêlas e de explicar suas origens e seu desenvolvimento Depois che gamos ao momento contemporâneo e analisamos como as sociedades atuais se organizam e apre sentam suas reivindicações políticas por meio do que temos denominado de movimentos sociais Por fim estudamos os sentidos possíveis para o conceito de instituições no âmbito da política bem como a ideia de controle social 21 Sociedade e classes sociais No primeiro capítulo conforme nossas reflexões pudemos perceber a im portância da sociedade para a política Por isso nosso segundo passo consiste em compreender minuciosamente as sociedades e uma importante ideia que a acom panha desde os primórdios crucial para a definição da política as classes sociais Com base nessa compreensão podemos também analisar a política por uma pers pectiva mais complexa e perceber como ela se desenvolve não somente no âmbito das relações intersubjetivas mas também na relação e interação entre diferentes grupos sociais Isso facilitará a compreensão de temas como o modo de organização das instituições de poder a disputa pelo poder e outros temas que tentaremos contemplar ao longo desta obra Para Bastos 2002 p 2325 uma das evidências de que o homem é um animal social é o fato de ele ter vivido desde os primórdios de sua existência em sociedade Por isso o autor acredita que a sociedade e a evolução do ser humano se confundem a ponto de a sociedade ter sua origem juntamente da origem da espécie humana A sociedade não consiste no mero agrupamento de seres pois outros seres como abelhas formigas etc também se reúnem em grupos e até mesmo dividem tarefas No entanto o autor não reconhece neles a existência de uma sociedade propria mente dita Entre seres humanos reunidos em grupo há um elemento que somente se verifica nas sociedades humanas a normatividade Nós lidamos diariamente com essa normatividade pois ela consiste em nossas leis As leis determinam como os carros devem transitar o que é considerado crime e portanto não deve ser praticado quais são nossos direitos nossos deveres e assim por diante Esse conjunto de normas tem o propósito de manter a ordem e para isso adotase um sistema normativo para mantêla Vídeo Ciência Política e Teoria do Estado 22 seja ela boa ou ruim1 Consideramos essa normatividade necessária para impor limites e conferir segurança ao convívio social no entanto ela também abrange limites morais e éticos sem necessa riamente constarem em uma lei jurídica e influencia nossa conduta por agir em nossa consciência e orientar nossas relações com outras pessoas Podemos citar como exemplos desses limites as normas jurídicas a moral e a ética Diferença entre moral e ética Qualquer explicação que seja muito reducionista será perigosa pois esse tema é complexo e tem sido pesquisado desde os tempos mais remotos Entretanto podemos nos arriscar ao apontar uma das diferenças entre os dois conceitos A moral é desenvolvida no âmbito individual nossa consciência e crenças pessoais Já a ética é desenvolvida no âmbito da sociedade valores e crenças coletivamente compartilhados A ética é mais objetiva Em certo sentido é considerada a ciência que estuda a moral Uma revisão mais aprofundada e outras acepções dos termos po dem ser encontradas em Figueiredo 2008 Conforme comentamos neste capítulo nosso objetivo é discutir teorias sobre as origens da sociedade Todavia para melhor compreendermos esse tema antes devemos analisar como se dão as formações sociais humanas ou seja como as sociedades se dividem e se organizam internamen te Nesse sentido a ideia mais importante é a de classes sociais e seus elementos que Dallari 2011 p 3154 classifica como Finalidade ou valor social objetivo aspiração meta compartilhada pelas pessoas que convivem em sociedade como por exemplo o bem comum Manifestações de conjunto ordenadas relacionase à ordem social e à ordem jurídica que abrange três requisitos reiteração ordem e adequação A reiteração diz que perma nentemente a sociedade se manifesta em prol de suas finalidades A ordem diz que há normas regendo as manifestações em sociedade Por fim a adequação pressupõe que as ações devem se desenvolver em prol do bem comum e para ser assegurada a livre mani festação de ideias é indispensável O poder social que se manifesta de infinitas maneiras É difícil chegar a classificações do poder mas há características gerais como a sociabilidade o poder é um fenômeno da sociedade e a bilateralidade o poder está na interação de duas ou mais vontades em que uma prevalece 1 No item 101 Regimes totalitários e a negação da democracia do último capítulo de nosso livro falaremos a respeito dos regimes totalitários e das ditaduras Por enquanto para saciar curiosidades antecipamos que quanto menos legítima for a ordem ou seja quanto pior ela for mais duras serão as regras e mais violenta será a repressão imposta por quem está no exercício do poder político DUSSEL 2007 Sociedade e política 23 Os aspectos iniciais a respeito do poder serão abordados no item seguinte mas como já apontamos compreender essas estruturas requer também o entendimento do papel das classes sociais As classes sociais agrupam pessoas e dividem a sociedade sob vários recortes diferentes como classe econômica grupo étnico ou racial comunidade religiosa entre outros Esses grupos representam vontades que interagem no espaço público com predomínio de algumas sobre outras Essa predominância pode ser definida pela posição e o poder que cada classe ocupa na sociedade Vejamos mais detalhadamente essa questão É muito comum ser atribuído ao pensamento marxista a origem do conceito classe social De fato as obras de Karl Marx 18181883 apresentaram importantes contribuições para chegarmos à forma que atualmente empregamos esse conceito Entretanto há autores como Santos 1983 p 79 que recordam que a origem desse conceito é muito mais antiga e consta inclusive em do cumentos egípcios em relatos a respeito da Grécia Antiga entre outros Aristóteles por exemplo quando refletiu sobre a política descreveu uma sociedade dividida em classes classes de escravos homens livres e até mesmo classes de ricos e pobres Nem mesmo os textos bíblicos escaparam de referências às classes sociais E assim por razões econômicas ou outras circunstâncias esse concei to foi citado por inúmeros teóricos no curso da história As contribuições de Marx ultrapassaram a dimensão científica estabelecida na época e atribuíram a esse conceito um papel fundamental na explicação da sociedade humana e de sua própria história Para compreendermos o conceito de classe social em Marx precisamos antes compreender o modo como ele entendia a sociedade Segundo Bottomore 2001 p 432344 assim como a maioria dos sociólogos ele também destacou que a sociedade pode ter três sentidos distintos O primeiro é o de sociedade humana isto é a humanidade interagindo entre si O segundo refere se aos diferentes tipos de organização verificados no curso da história como as sociedades feudal capitalista entre outras Por fim o terceiro sentido referese a sociedades específicas como a França da Revolução Iluminista em 1789 A partir desse momento Marx apresentou uma concepção bem característica que o diferenciou dos demais sociólogos cientistas políticos e teóricos em geral Vejamos a seguir Em primeiro lugar Marx alcançou a compreensão de que o indivíduo não é oposto ou an tagônico à sociedade Não é necessário um contrato social para remediar tensões entre ele e a sociedade Para Marx a própria existência assim como tudo mais que fazemos é atividade social Em segundo lugar ele não interpretava a sociedade humana como separada da sociedade natural Enquanto começava a se fortalecer e difundir uma percepção do ser humano civilizado como separado da natureza uma concepção que viria a se tornar hegemônica ele o entendia como parte do mundo natural e o modo como o ser humano produz e reproduz a vida pelo trabalho e pela procriação constitui relação natural e social Finalmente temos no pensamento de Marx a con cepção de tipos de sociedade embasada na ideia de que o trabalho humano cria e transforma as relações sociais Diante desse ponto de vista as forças produtivas se desenvolvem desenvolvimento tecno lógico e a divisão social do trabalho está em permanente transformação o que constitui as rela ções sociais de produção isto é relações de classe Vejamos como isso é importante o modo de Ciência Política e Teoria do Estado 24 produção2 que se refere justamente à forma como o trabalho se desenvolve e como ele é dividi do assume um papel de destaque na definição da sociedade Para Marx as sociedades mudam quando as forças produtivas entram em conflito com as relações de produção A isso ele chama luta de classes BOTTOMORE 2001 p 342344 Finalmente chegamos ao conceito de classe propriamente dito embora tudo que comen tamos anteriormente é relacionado a essa ideia Em certo momento de sua obra Karl Marx e Friedrich Engels 18201895 afirmaram que a história de todas as sociedades que até hoje existi ram é a história da luta de classes 1999 p 7 Além disso a relação de classe existente no modo de produção capitalista sociedade capitalista diferenciase das relações verificadas em outros modos de produção outros tipos de sociedades De acordo com os autores em outras épocas verificava se a existência de mais classes sociais enquanto a sociedade capitalista delimitase cada vez mais em dois campos opostos o da burguesia e o do proletariado Bottomore 2001 p 6164 destaca que apesar dessa importante diferenciação Marx não deixou de perceber que há um sentido co mum em todas as sociedades No que diz respeito à divisão fundamental das classes há a relação entre proprietários das condições de produção e produtores diretos Ao aplicarmos as categorias marxistas para analisar nossa sociedade dizemos que seu modo de produção é capitalista e que as relações de produção que a definem se dão entre os proprietários dos meios de produção burgueses e os produtores diretos proletariadotrabalhadoresoperá rios As primeiras revoluções inglesa americana e francesa que permitiram a substituição do antigo modo pelo modo presente são atribuídas à classe burguesa que também foi outrora uma classe oprimida Então a burguesia desempenhou na história um papel eminentemente revolucio nário MARX ENGELS 1999 p 10 É importante destacar que há várias perspectivas sobre como analisar a sociedade as quais Dallari 2011 p 2130 divide em duas grandes posições a dos que defendem a ideia de uma sociedade natural em que o homem a organiza se guindo sua própria vontade e natureza e a dos que acreditam que o ser humano é obrigado a viver em sociedade contra a sua von tade e uma vez nela inserido precisa se submeter a limitações as quais podem ser tantas e frequentes a ponto de suprimir sua liberdade individual Entre os que defenderam a primeira concepção estão Karl Marx e Aristóteles Dallari ainda acrescenta Cícero que viveu em Roma no século I aC e Tomás de Aquino que viveu no período medieval entre 1225 e 1274 Na modernidade o autor menciona que houve um grande número de teóricos e cientistas que defenderam essa orientação Do lado oposto encontravamse os teóricos do contratualismo cujas teorias acerca do Estado estudaremos no Capítulo 43 Esses autores eram assim denominados porque defendiam que 2 Baseada na concepção de Marx firmouse um novo modo de estudar a história por sua explicação sistemática e o entendimento dela como a sucessão de diferentes modos de produção Nesse sentido entendese que os modos de pro dução definem e de certa forma delimitam períodos da história O caminho para transformar esses modos de produção e consequentemente a história são as revoluções BOTTOMORE 2001 p 267268 3 Discutiremos detalhadamente essa questão no item 42 Teorias contratualistas e a separação dos poderes do Estado Sociedade e política 25 a sociedade decorre de um acordo de vontades uma espécie de contrato hipotético e negavam o impulso natural do ser humano em viver em sociedade Embora haja a vontade de viver em so ciedade os contratualistas defendiam que esse desejo era motivado por diversos fatores nenhum deles inerente à natureza do ser humano O autor ainda menciona aquele que acredita ser o mais remoto precedente do contratualis mo Platão Em A República o filósofo grego defendeu a construção racional e não natural de uma associação humana Além de Platão o autor menciona Thomas Hobbes 15881679 John Locke 16321704 Montesquieu 16891755 JeanJacques Rousseau 17121778 entre outros Naturalmente essas distintas posições terão impacto sobre nossa compreensão acerca desse longo processo de evolução social e também das estruturas de poder que se sucederam No item seguin te observamos essa distinção e analisamos a evolução das sociedades por duas perspectivas a perspectiva crítica de Marx e a perspectiva positivista de Fustel de Coulanges 18301889 22 Evolução das sociedades e estruturas de poder A respeito da origem das sociedades podemos dizer que a família é uma das suas mais antigas formas Essa tese foi defendida por Fustel de Coulanges histo riador que viveu no século XIX e em 1864 publicou A cidade antiga sua obra mais conhecida É notória a influência do positivismo4 em sua obra e por isso o consi deravam um autor conservador Ele acreditava que atuava como um pesquisador neutro imparcial e que a história era uma ciência pura e que o historiador tinha compromisso de identificar fatos descobrir a verdade e expôla independentemente das circunstâncias5 ROIZ 2011 Agora que conhecemos um pouco mais sobre o pensamento do autor podemos verificar como ele descreveu a origem das sociedades Se para Marx o trabalho é o elemento crucial para definir as sociedades para Coulanges a origem delas e seu desenvolvimento foram determinadas pela religião Na crença antiga acredita vase que nem mesmo a morte separava o corpo da alma A morte tornava os antepassados deuses pessoais da família que não podiam ser compartilhados com estranhos Além disso os túmulos moradas eternas desses deuses assim como o próprio lar não poderiam ser removidos por isso a propriedade era imprescindível Apoiado nesses fatores foram encontradas as bases das socieda des antigas religião família e propriedade Além disso o poder era centralizado no homem e era transmitido de pai para filho Esse direito abrangia três categorias pai de família chefe religioso e proprietário ou juiz Em suma o poder era absoluto ao âmbito familiar A primeira instituição da cidade antiga o casamento se deu em função da religião E com base nessa afirmação verificamos uma rápida síntese acerca do desenvolvimento das sociedades antigas a religião se desenvolveu junto à sociedade Lentamente as famílias se agruparam em 4 Podemos recordar o sentido de positivismo no item 11 A natureza política do ser humano o que é política 5 Essa orientação é própria do positivismo científico Vemos essa manifestação no âmbito da ciência jurídica cerca de 70 anos depois com o jusfilósofo austríaco Hans Kelsen 18811973 Sua obra mais importante Teoria pura do Direito 1934 afirma os mesmos ideais no âmbito da pesquisa jurídica Vídeo Ciência Política e Teoria do Estado 26 frátrias6 que posteriormente originaram tribos das quais finalmente surgiram as primeiras cida des Por isso o surgimento das primeiras cidades ficou marcado por um governo comum sob o qual coexistia uma infinidade de pequenos governos Desse modo percebemos que Coulanges desloca seu referencial de análise e não reconhece a luta de classes como fazia seu contemporâneo Marx Ainda que o historiador tenha relatado al gumas revoluções antigas ele não confere a elas um papel central para compreender a evolução das sociedades Um detalhe importante ao descrever as revoluções Coulanges não percebeu a tensão entre as forças produtivas e as relações de produção como motivação de conflitos Uma crítica a seu trabalho se dá pelo fato de que ele naturalizou relações de opressão entre as classes sociais nas distintas épocas que analisou Essa mesma naturalização pode ser observada também nas obras de Aristóteles inclusive na própria Política Para Aristóteles a relação entre o senhor e o escravo era natural e até benéfica pois quando aquele que nasceu para obedecer se en contra com aquele que nasceu para mandar a natureza de ambos se completa Da mesma maneira Aristóteles considerava a mulher incapaz e o menino incompleto O menino um dia se tornará homem e será completo e capaz mas a mulher sempre será incapaz O pensamento aristotélico presente naquele tempo não era um consenso sofistas e filósofos inclusive Platão e Sócrates di vergiam em diversos pontos Em Marx verificamos as bases de uma concepção diferente que evidenciava a importân cia do trabalho e da propriedade sobre os meios de produção na transformação das sociedades O autor considerava natural a formação das sociedades mas isso não significa que ele via do mes mo modo a relação de dominação entre classes sociais O fato é que com base em sua perspectiva surgiu um modo totalmente novo de dividir os períodos da história7 no entanto o próprio Marx se deu conta de que não era tão simples caracterizar essa evolução social Assim ele descreveu os possíveis modos de produção mas não estabeleceu uma ordem entre eles pois acreditava que não era possível estabelecêlos e aplicálos de maneira homogênea É importante destacar que por meio dessas reflexões surgiram importantes abordagens que foram além da contribuição da histó ria científica de matriz positivista Um dos conceitos importantes que decorrerão dessa percepção é o conceito de elite As primeiras teorias sobre as elites são motivadas por uma oposição à obra de Marx e são desen volvidas por Vilfredo Pareto 18481923 e Gaetano Mosca Mosca defendeu a ideia de que todas as sociedades tinham duas classes de pessoas a governante e a governada Assim nos deparamos com uma argumentação que apontava para o estabelecimento das elites nas relações de poder Mosca também apresentou a ideia de uma classe dirigente que na obra de outros autores assumiu sentidos diferentes mas que para ele se definia como minoria organizada ou classe política que conseguia exercer domínio sobre a maioria desorganizada BOTTOMORE 2001 p 122123 6 Divisão das tribos atenienses 7 Em um primeiro momento sob influência da ideia de modos de subsistência própria do século XVIII caça pastoreio agricultura e comércio Marx e Engels periodizaram a história em quatro épocas a primeira seria comunal ou tribal primiti va chamada de sociedade asiática ou modo de produção asiático a segunda clássica ou antiga baseada na escravidão a terceira consistia no feudalismo e a quarta ao capitalismo Sociedade e política 27 Desse modo percebemos que a questão do poder está presente em todas as sociedades e sua compreensão se dá de acordo com a abordagem proposta pelos teóricos Ao poder são atribuídos diferentes sentidos e graus de importância mas nenhum teórico ousou ou ousa dizer que essa questão é irrelevante Atualmente temos um espaço institucional em que o poder político se manifesta que con siste no Estado e suas instituições Mas também é muito presente a manifestação do poder político por meio dos grupos sociais os quais designamos por movimentos sociais Esses grupos podem e de fato o fazem recorrentemente aglutinar segmentos ou classes sociais No próximo capítulo nos concentraremos no estudo acerca do poder político nas instituições Estado e governo mas antes vamos nos ocupar de um breve estudo sobre movimentos sociais e a sociedade civil 23 Sociedade civil e movimentos sociais O conceito de sociedade civil tem diversos sentidos mas o principal na lin guagem política atual designa um contraste entre sociedade civil e Estado Em ra zão desse contraste os cientistas políticos e teóricos em geral a exemplo de Bobbio 2007 p 3337 afirmam que para compreendermos do que se trata esse conceito devemos delimitar o que é Estado É que a sociedade civil se manifesta na esfera das relações não reguladas pelo Estado Aliás essa é uma de suas mais comuns definições conjunto das relações que não são reguladas pelo Estado Um elemento que caracteriza o Estado e o diferencia da sociedade é o poder coativo Esse poder permite ao Estado aplicar de modo legítimo a força da lei para regular as relações interindi viduais que não conseguem se autorregular sozinhas as relações econômicas por exemplo conse guem Mesmo com essa definição vaga que a considera como o que não é estatal decorrem di versas interpretações Alguns a identificam com um sentido préestatal presente na ideia de que antes do Estado há diversas formas de organização dos indivíduos que são reguladas por ele mas nunca são suprimidas e têm seu desenvolvimento impedido há também o sentido de antiestatal que aglutina espaços onde se manifestam possibilidades de transformação das relações sociais de dominação e de lutas por emancipação os contrapoderes ou ainda o sentido de pósestatal que pode representar o ideal de uma sociedade sem Estado Na sociedade civil podem ser organizados movimentos de reivindicação de direitos de rei vindicação e pressão política entre outros os quais temos denominado como movimentos sociais Atualmente no Brasil e fora dele uma das mais importantes referências teóricas para compreen dermos no que esses movimentos consistem é a obra da socióloga e cientista política Maria da Glória Gohn 2004 A autora publicou a Teoria dos movimentos sociais paradigmas8 clássicos e 8 Gohn 2004 p 13 propõe um sentido para o conceito paradigma Para a autora um paradigma é um conjunto ex plicativo que reúne teorias conceitos e ideias que permitem compreender objetos de estudos Então um determinado paradigma permite interpretar determinados fenômenos que percebemos na realidade social No estudo dos movimentos sociais especificamente não existe um só conceito mas vários que são distintos justamente porque são interpretados com base em paradigmas diferentes Por isso a autora divide seu estudo em três paradigmas Ainda é importante des tacar que o sentido de paradigma sugerido não é o mesmo apresentado na teoria de Thomas Kuhn 19221996 cientista responsável pela difusão desse conceito no âmbito das ciências ocidentais Na verdade a definição de Kuhn é a mais influente Em síntese o autor afirma Considero paradigmas as realizações científicas universalmente reconhecidas que durante algum tempo fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência KUHN 1998 p 13 Vídeo Ciência Política e Teoria do Estado 28 contemporâneos em que ciente da escassez de pesquisas no Brasil a respeito do tema assume a responsabilidade de apresentar uma exposição sobre as principais teorias contemporâneas Dessa forma o estudo apresentado por ela se divide em três partes o paradigma norteamericano os pa radigmas europeus e o paradigma latinoamericano Esses paradigmas são divididos desse modo porque reúnem teorias com realidades específicas e diferentes entre si Vejamos resumidamente como a autora descreve cada um O paradigma norteamericano começou a se desenvolver nos anos 1980 embasado no diá logo com o paradigma dos novos movimentos sociais um dos paradigmas europeus que veremos em seguida Esse diálogo impactou ambos tanto que inclusive modificou a abordagem europeia Como resultado desse diálogo essa corrente teórica modificouse e se tornou predominante na América Antes nos anos 1970 e 1980 buscavase compreender o processo político emba sado em aspectos econômicos posteriormente o paradigma norteamericano concentrouse no processo político para compreender as bases culturais que o sustentam As principais teorias desenvolvidas nesse âmbito são sobre ações coletivas primeira etapa desse paradigma predominante até os anos 1960 que investigava a ação social e o comportamento coletivo tendo na psicologia um importante aporte científico ações coletivas e movimentos so ciais influenciados por transformações políticas ocorridas nos Estados Unidos na década de 1960 como as lutas feministas e a guerra do Vietnã nessa vertente destacamos a Teoria de Mobilização de Recursos9 e por fim movimentos sociais na era da globalização e a mobilização política ini ciados nos anos 1970 com análise cultural do processo político e críticas à Teoria da Mobilização dos Recursos devido ao seu enfoque exclusivamente econômico Na tradição europeia existem dois paradigmas diferentes para entender os movimentos so ciais os paradigmas europeus Um deles é a abordagem marxista e o outro é a abordagem dos novos movimentos sociais A abordagem marxista concentrase no processo histórico e na luta de classes Desse modo as contradições entre os interesses das classes assim como a questão do trabalho são fundamentais para dimensionar e compreender os movimentos sociais As lutas dos movimentos sociais buscam principalmente transformar a realidade e eliminar formas de opressão política econômica e cul tural Quando as classes sociais oprimidas conseguem romper com a ordem dominante ocorre o que chamamos de revolução No entanto Gohn 2004 faz um alerta é errado interpretálo apenas como a análise do movimento operário uma vez que essa abordagem permitiu também a análise de movimentos de origem não operária Os novos movimentos sociais explicam a realidade por meio de um recorte mais específico pelo próprio cotidiano Esse paradigma não atribui tanta importância ao processo histórico mas dá ênfase a temas como cultura identidade subjetividade e interação política Umas das principais di vergências entre os novos movimentos sociais e o paradigma marxista é relacionada às contradições do capitalismo na definição dos sujeitos históricos Essa questão fundamental para o marxismo é 9 A Teoria de Mobilização de Recursos deixou de enfocar nos comportamentos coletivos inclusive rejeitando a psi cologia para compreender os movimentos sociais como organizações e essas como tais passaram a ser vistas pela ótica da burocracia de uma instituição Sociedade e política 29 desconsiderada pela segunda abordagem que se ocupa de um sujeito coletivo difuso que luta contra a discriminação no acesso aos bens da modernidade A política também ganha destaque nesse se gundo paradigma mais do que no paradigma marxista Nessa abordagem ela é redefinida e consi derada uma dimensão na vida social que abrange todas as práticas percebidas em sociedade Aqui o processo de luta política cria uma identidade coletiva isto é os grupos a constituem mas não criam as estruturas sociais ou as relações de produção que por exemplo criam as identidades coletivas do proletariado e da burguesia como a abordagem marxista poderia nos levar a identificar Já no paradigma latinoamericano existe um elemento próprio do continente que expe rimentou ao longo de sua história diversas formas de dominação e exploração10 Esse elemento encontrase nas lutas por emancipação ou libertação Nesse sentido destacamos as lutas dos indí genas dos negros e das mulheres além das lutas por moradia por terras entre outras Essas mobilizações foram interpretadas com base nos paradigmas europeus e por isso com preendidas de maneiras diferentes Por exemplo quando interpretadas pelo paradigma marxista as contradições e as lutas sociais são conceitoschaves para descrevêlas Por outro lado quando embasadas na abordagem dos novos movimentos sociais a autonomia e identidade recebem maior destaque Naturalmente nos estudos desenvolvidos no continente essas abordagens também fo ram adaptadas e novos instrumentos de análise surgiram pelo que Gohn 2004 nos apresenta como o paradigma latinoamericano dos movimentos sociais De acordo com a autora o que di ferencia esse paradigma dos demais não é o modelo teórico propriamente dito mas sim as lutas concretas desses povos Nos anos 1990 diziase que na América aconteciam muitas mobilizações populares po rém havia pouca teorização sobre elas Os estudos que surgiram inicialmente nesse período em especial no Brasil México Argentina e Chile eram concentrados em pósgraduações porém sem muita apropriação em outros países do continente embora tenham se intensifica do na década de 1960 Se por um lado esse foi um momento histórico para o crescimento econômico dos países por outro foi também um período de defasagem salarial dos trabalhadores e dura repressão polí tica dos governos militares11 Esses elementos associados a outros de repressão das lutas sociais impulsionaram movimentos de resistência e de reivindicação pela democracia Um detalhe importante na Europa e nos Estados Unidos ainda repercutiam as mobilizações dos movimentos sociais Já no Brasil as organizações coletivas de lutas políticas se concretizaram pelos movimentos populares 10 O sociólogo peruano Aníbal Quijano 2010 p 125 explica a diferença entre dominação e exploração ambas estão relacionadas mas nem toda dominação implica também em exploração A exploração por outro lado não é possível sem a dominação 2010 p 125 11 Veremos essa questão detalhadamente no item 101 Regimes totalitários e a negação da democracia do último capítulo deste livro Ciência Política e Teoria do Estado 30 Agora que mencionamos os movimentos populares é oportuno verificarmos como eles se diferenciam dos movimentos sociais Uma distinção importante é a identificação dos movi mentos sociais enquanto grupos que compartilham interesses específicos no âmbito da socie dade civil Em função desses interesses questionamse as estruturas de dominação e buscase sua transformação Os movimentos sociais podem representar tanto os interesses do povo quanto de setores dominantes Os movimentos populares são assim denominados por representarem especificamente as lutas do povo Sua principal diferença se dá pelo fato de os movimentos sociais poderem repre sentar tanto interesses do povo quanto representar interesses de elites dominantes Desse modo quando os movimentos sociais representam lutas do povo eles são denominados movimentos po pulares CAMACHO 1987 p 216219 Pazello 2010 p 390 explica que os movimentos popu lares defendem uma proposta totalizadora de transformação social Já os movimentos sociais concentram pautas específicas contra opressões específicas sem aspirar a transformação completa da sociedade Podemos citar como exemplos de movimentos sociais em um contexto em que nenhum deles percebe ou discute a relação entre a injustiças sociais com as suas condições e dificulda des específicas movimentos estudantis movimentos de greves associações de moradores etc Retomaremos algumas dessas ideias adiante12 24 Sociedade instituições políticas e controle social No curso da história as sociedades ocidentais consolidaram uma grande instituição em que se concentra o poder político com força coativa o Estado No próximo capítulo observaremos mais detidamente essa grande instituição Antes disso entretanto devemos desenvolver uma síntese do que são instituições e um breve panorama acerca de como a sociedade civil exerce forças de controle sobre o poder estatal Claro o Estado controla a sociedade com o uso legítimo de leis regulatórias que são obedecidas mas a sociedade também tem meios de exercer certo controle sobre as instituições públicas fato que designamos como controle social A respeito das instituições públicas nos apoiaremos na teoria do filósofo argentino Enrique Dussel 2007 Ele parte da explicação elementar de que nós desenvolvemos inúmeras atividades em inúmeras esferas de nossa existência como atividades familiares esportivas artísticas políticas etc Essas esferas podem ser denominadas campos e em todos os campos exercemos nossa inter subjetividade A política por excelência é uma atividade própria do campo público Relacionado à política está o poder que precisa ter seu exercício confiado a instituições para se concretizar Para o autor o conceito de instituições remete a figuras autoridades e espaços em que o poder político é exercido ou seja as representações do poder 12 A retomada de alguns aspectos sobre os movimentos sociais será feita no item 73 Cidadania e participação políti ca do Capítulo 7 e no tópico 102 Grupos sociais de pressão política e o Estado de nosso último capítulo Vídeo Sociedade e política 31 Desse modo podemos dizer que o Estado é uma instituição política Tribunais juízes fun cionários públicos repartições públicas etc são representações e criações da política por meio das quais o poder é exercido Eventualmente essas instituições entram em crise e se corrompem fato que demanda modificações Retomaremos algumas dessas ideias em outros momentos por enquanto sintetizamos que as instituições políticas abrangem suas representações tanto no âmbito da micropolítica quanto na macropolítica Na micropolítica reúnemse as lideranças políticas os partidos políticos e os grupos de pres são13 O que une todos esses elementos é o escopo ou propósito da micropolítica que consiste em estudar a questão da liderança e associações para atuação política Na macropolítica reunimos as organizações políticas dominantes e o Estado No curso da história os estudos da macropolítica analisaram poderes de âmbito individual como o caso de senhores feudais príncipes imperadores etc A macropolítica seguiu os trabalhos de investigação das lideranças iniciados pela micropolítica ANDRADA 1998 p 33 47 Atualmente entendemos que o poder de um único indivíduo não pode ter legitimidade política ou jurídica Além disso o campo público não pode ser tratado como privado Por isso é possível exercer formas de controle social sobre as instituições públicas como a fiscalização ou até mesmo a discussão e participação nas deliberações estatais por meio de conselhos de políticas públicas Esses últimos são órgãos colegiados que contam com a participação de representantes de distintos setores da sociedade civil representantes do governo profissionais e segmentos do empresariado Esses podem ser espaços produtivos de debate e participação democrática mas também podem ser espaços dominados por elites Retomaremos esse assunto no Capítulo 7 ao discutirmos sobre as formas de participação política Considerações finais Com essas reflexões concluímos o primeiro grande bloco de conteúdos de nosso cur so No primeiro e segundo capítulos discutimos conceitos ideias e métodos nos quais nos apoiaremos para aprofundar nossos conhecimentos no âmbito da ciência da teoria política e da Teoria do Estado A percepção de que a sociedade pode ser interpretada e descrita de diversas maneiras é mui to útil para compreendermos como foram concebidas as ideias predominantes acerca do que é o Estado o poder político qual seu propósito ou finalidade Reconhecemos que possa haver relativa dificuldade acerca dos conteúdos que trabalhamos até aqui mas garantimos que eles serão neces sários para o amadurecimento de nossas reflexões Por outro lado os temas seguintes podem ser tratados de maneira mais objetiva e simples uma vez que os conceitos básicos foram elucidados e poderão ser consultados sempre que surgirem dúvidas 13 Essas categorias serão estudadas no Capítulo 8 Partidos políticos sistemas eleitorais e mandatos e no Capítulo 10 Crises das instituições políticas modernas Ciência Política e Teoria do Estado 32 Ampliando seus conhecimentos Maria da Glória Gohn em sua obra Teoria dos movimentos sociais paradigmas clássicos e contemporâneos apresenta uma importante reflexão que não resume apenas o que são esses movi mentos bem como evidencia sua importância e nosso próprio compromisso político diante deles Teoria dos movimentos sociais GOHN 2004 p 1920 Os movimentos sociais são fenômenos históricos decorrentes de lutas sociais Colocam atores específicos sobre as luzes da ribalta em períodos determinados Com as mudanças estruturais e conjunturais da sociedade civil e política eles se transformam Como numa galáxia espacial são estrelas que se transformam e acendem enquanto outras estão se apagando depois de brilhar por muito tempo São objetos de estudo permanente Enquanto a humanidade não resolver seus problemas básicos de desigualdades sociais opressão e exclusão haverá lutas haverá movimentos E deverá haver teorias para explicálos esta é a nossa principal tarefa e responsabilidade como intelectuais e cidadãos engajados na luta e por transformações sociais em direção a uma sociedade mais justa e livre Dicas de estudo Para maior detalhamento acerca das importantes temáticas que aqui tratamos e os impac tos de determinadas teorias sobre elas indicamos o Dicionário do pensamento marxista de Tom Bottomore 2001 Em especial faça a leitura dos verbetes sociedade política modo de produção classe e sociedade civil A cidade antiga 1864 obraprima do historiador francês Fustel de Coulanges é um livro extenso que dependendo da edição pode ultrapassar 600 páginas Entretanto essa é também uma obra de leitura fácil fluída e interessante Ao mesmo tempo em que há um inestimável valor científico A cidade antiga também é considerada uma obra literária devido às ricas e engenhosas narrativas que nos fazem sentir dentro da própria história Atividades 1 De que modo podemos diferenciar as sociedades humanas das outras sociedades 2 Quais são as diferenças entre movimentos sociais e movimentos populares 3 Descreva o poder político com base nas perspectivas descritivaconservadora e crítica e elenque suas principais características Sociedade e política 33 Referências ANDRADA B Ciência política ciência do poder São Paulo LTr Editora 1998 BASTOS C R Curso de teoria do estado e ciência política 5 ed São Paulo Celso Bastos 2002 BOBBIO N Estado Governo Sociedade para uma teoria geral da política 14 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2007 BOTTOMORE T B Dicionário do pensamento marxista Rio de Janeiro Zahar 2001 CAMACHO D Movimentos sociais algumas discussões conceituais In SCHERERWARREN I KRISCHKE P J Uma revolução no cotidiano Os novos movimentos sociais na América Latina São Paulo Brasiliense 1987 COULANGES F A Cidade Antiga 4 ed São Paulo Martins Fontes 1998 DUSSEL E 20 teses de política São Paulo Expressão Popular 2007 FIGUEIREDO A 2008 Ética origens e distinção da moral Saúde Ética Justiça 131 p 19 2008 Disponível em httpsdoiorg1011606issn23172770v13i1p19 Acesso em 17 ago 2018 GOHN M G Teoria dos movimentos sociais paradigmas clássicos e contemporâneos 4 ed São Paulo Loyola 2004 KUHN T A estrutura das revoluções científicas 5 ed São Paulo Perspectiva 1998 Coleção Debates MARX K ENGELS F Manifesto do Partido Comunista Disponível em httpwwwdominiopublicogov brdownloadtextocv000042pdf Acesso em 5 jun 2018 PAZELLO R P Movimentos populares Captura Críptica direito política atualidade Florianópolis v 1 n 3 juldez 2010 Disponível em httpcapturacripticaccjufscbrwpcontentuploadscapturacriptica n3v1completopdf Acesso em 5 jun 2018 QUIJANO A Colonialidade do poder e classificação social In SANTOS B S MENESES M P Epistemologias do Sul São Paulo Cortez 2010 ROIZ D S A historiografia oitocentista a ciência histórica em Fustel de Coulanges Revista de Ciências Humanas Florianópolis v 45 n 1 abr 2011 Disponível em httpsperiodicosufscbrindexphprevista cfharticleview217845822011v45n1p25720952 Acesso em 5 jun 2018 SANTOS T Conceito de classes sociais 2 ed Petrópolis Vozes 1983 USE OF SPACE Design that is crowded busy and cluttered tends to be ignored by the audience Efficient Space 1 Let the elements breathe by leaving a margin around each element 2 Group elements that belong together and leave more space between groups Consistent Space 1 Use the grid to determine consistent spacing between elements such as lines and text groups 2 Set consistent padding line length and line height Spacing tips Do not be scared of whitespace It contributes to the design as much as the content Whitespace doesnt have to be white it can be any color or texture as long as it is empty 3 O Estado no pensamento político ocidental Até esse momento já avançamos bastante em nossos conhecimentos políticos refletimos sobre a natureza política do ser humano que nos exige o convívio social a participação de espaços onde nos comunicamos uns com os outros e desenvolvemos nossas relações intersubjetivas No segundo capítulo avançamos na compreensão a respeito do espaço em que nós seres humanos satisfazemos nossa natureza política a sociedade Mas também percebemos que a socie dade não é homogênea ela é composta por distintos grupos que podem ser denominados classes sociais e podem estabelecer relações de conflito e disputas motivadas por interesses que se opõem Esses conflitos tornam a sociedade mais complexa e impõem a necessidade de uma instituição que os regule mantenha a ordem social e também a união da coletividade das pessoas que a com põem Nós chamamos essa instituição de Estado com E maiúsculo1 Mas descrevêlo não é tarefa simples pois isso pode ser feito de muitas maneiras há autores que sustentam visões positivas e também negativas a respeito do Estado Desse modo neste capítulo vamos compreender algumas das principais teorias a respeito do Estado de um modo mais amplo pois no próximo capítulo analisaremos a história do nosso Estado ocidentalmoderno 31 Definições e classificações do Estado Um importante jurista e filósofo político de nosso tempo o italiano Norberto Bobbio 2007 p 6566 explica que a palavra Estado se tornou popular devido a uma obra publicada no início do século XVI de autoria também de um italiano Nicolau Maquiavel O livro chamado O Príncipe publicado em 1532 já nas suas linhas iniciais mencionou essa palavra que como o livro se tornou célebre No en tanto Bobbio alerta que não foi essa a primeira vez que o termo foi empregado Por muitos séculos a humanidade refletiu a respeito de uma organização máxima para os indivíduos no âmbito da sociedade em um determinado território e que fosse dotada de poder de comando Do mesmo modo que Bobbio Dallari 2011 p 59 reputa a Maquiavel a utilização emble mática do termo Estado e afirma que o sentido específico do termo que atribuímos até hoje foi empregado pela primeira vez na obra O Príncipe Para Dallari há duas questões fundamentais que devem ser respondidas para que possamos compreender a origem da instituição Estado em que época ele teria surgido e por quais motivos Mas como já vimos há diversas maneiras de respon der a essas questões por isso precisamos ao menos conhecer as principais teorias que definem e discutem sua origem 1 Por isso é importante lembrarmos que apesar de não haver consenso em geral estado com e minúsculo designa condição situação ou estado das coisas como estado líquido estado gasoso etc Nesse sentido adotamos Estado com E maiúsculo para evitarmos ambiguidades quanto a interpretações Vídeo Ciência Política e Teoria do Estado 36 Começamos por analisar as distintas definições de Estado Bonavides 2010 conta em seu curso Ciência Política que explicar o que é Estado é tão difícil que no século XIX um teórico chamado Frédéric Bastiat 18011850 oferecia 50 mil francos o que devia ser uma boa quantia para quem conseguisse responder de modo satisfatório a essa questão Georg Hegel 11701831 um dos filósofos mais importantes da história do Ocidente afirmou que seria mais fácil conhecer a própria natureza e seus mistérios do que decifrar a natureza humana e seus problemas E deve mos levar em conta que quando Hegel viveu entre os séculos XVIII e XIX a ciência não tinha uma ínfima parcela dos recursos que temos hoje por isso compreender a natureza naquele tempo era realmente muito difícil Ainda podemos citar Hans Kelsen 18811973 um dos juristas mais in fluentes na trajetória do Direito ocidental Para ele todas as descrições a respeito do que é o Estado não passavam de juízos de valor Bonavides prossegue explicando que ao longo da história o Estado sempre fez parte das experiências sociais ainda que com denominações diferentes Ele foi a polis dos gregos a civitas e res publica dos romanos e ainda em Roma foi o Imperium e o Regnum para definir o domínio e o poder atributos que passaram a caracterizar o Estado mas que abrangiam também o sentimento de vínculo comunitário Tempos depois já na Idade Média surgiu o termo Laender países que traduziu a ideia de Estado mas o especificou à ideia de território até chegar ao sentido moderno que conforme já vimos ficou consagrado por Maquiavel Ele afirmava que todos os Estados todos os domínios que tiveram e têm império sobre os homens foram e são ou repúblicas ou principa dos MAQUIAVEL 1998 p 37 Diante dessa pluralidade vejamos algumas concepções discuti das por Bonavides 2010 311 Acepção filosófica Hegel entendia que havia uma contradição entre família e sociedade Essa contradição só poderia ser harmonizada por algo absoluto algo como o Estado que entendia como dotado de valor absoluto Por isso ele chegou a descrevêlo como manifestação visível da divindade ou realidade em ato da ideia moral Em Hegel ainda encontramos a afirmação de que o indivíduo conquistava sua liberdade quando se ligava ao Estado Ser membro de um Estado era o mais ele vado dever de qualquer pessoa e nesse sentido o Estado era o fim absoluto Todavia podemos confundir Estado com sociedade civil ao entendermos que sua finalidade é a segurança a proteção das liberdades e das propriedades Nesse equívoco podemos compreender que o fim supremo não é mais o Estado mas sim os interesses dos indivíduos Se fosse assim seria facultativo participar de um Estado HEGEL 2000 p 216217 312 Acepção jurídica Dentro dessa acepção encontramos algumas variações em especial no nosso tempo pre sente Bonavides elenca as principais e inicia por Immanuel Kant 17241804 Bonavides 2010 p 66 explica que Kant entendia o Estado como a reunião de uma multidão de homens vivendo sob as leis do Direito Em sua definição o filósofo privilegiou apenas o aspecto jurídico e reduziu a complexidade desse tema Por isso sua definição foi bastante criticada inclusive por Giorgio Del Vecchio 18781970 cuja obra foi marcada pela influência do próprio Kant O Estado no pensamento político ocidental 37 Del Vecchio criticou a definição kantiana por considerála inexata uma vez que poderíamos nos referir tanto a um município quanto a uma penitenciária Em ambas situações há uma multi dão de pessoas e tanto em uma cidade quanto em uma penitenciária existem leis Não é verdade afinal que em incontáveis espaços sociais podemos encontrar multidões reunidas sob diferentes motivações E que em todos os espaços sociais nós vivemos obrigados pelas leis do Direito Esses dois elementos a multidão e as leis seriam suficientes então para constituir um Estado Ocorre que o próprio Del Vecchio que formulou uma crítica tão mordaz ao tentar formular a sua defi nição enfrentou dificuldades Bonavides 2010 p 67 recorda que Del Vecchio dizia que o Estado é o sujeito da ordem jurídica na qual se realiza a comunidade de vida de um povo ou a expres são potestativa2 da sociedade Se por um lado o filósofo avançou por diferenciar a sociedade do Estado por outro ele também formulou um conceito incompleto uma vez que não englobou ou tros elementos que integram a realidade estatal Ainda assim não podemos desprezar o conceito de Del Vecchio por ser incompleto aliás essa é uma questão importante a aprendermos no que se refere ao conhecimento científico Nenhuma ideia ou teoria pode ser desprezada porque mesmo quando fracassam elas nos levam a refletir e descobrir novas possibilidades Desse modo a contribuição de Del Vecchio foi impor tante porque percebeu que o Estado é um vínculo jurídicopolítico enquanto a sociedade tem uma pluralidade de vínculos isto é o Estado é somente um dos laços dentre os infinitos laços que a sociedade congrega BONAVIDES 2010 p 67 E de fato há sociedades que abrangem mais pessoas do que o Estado como religiões ou nacionalidades No entanto nenhuma sociedade tem laços tão sólidos e tão significativos como o Estado Em suma com base na concepção do filósofo podemos compreender a sociedade como gênero e o Estado como uma das espécies desse gênero Avançando para as últimas acepções jurídicas apresentadas por Bonavides o cientista po lítico francês Georges Burdeau 19051988 sustentou que o Estado se forma quando o poder se assenta numa instituição e não num homem Chegase a esse resultado mediante uma operação jurídica que eu chamo de institucionalização do poder Por fim JeanYves Calvez 19272010 apresentou importantes contribuições teóricas inclusive para a filosofia e para a economia Para o autor o Estado é a generalização da sujeição do poder ao Direito por uma certa despersonaliza ção 2010 p 68 Bonavides destaca o que há em comum entre as duas últimas definições para Burdeau e Calvez o Estado precisa ser reconhecido como independente do governante Isto é o poder que reveste o Estado não deve derivar da vontade ou da consciência daquele que exerce o poder seja um presidente um governador um juiz ou senador O Estado é independente dessas vontades por isso podemos dizer que o seu poder está na instituição de modo impessoal 313 Acepção sociológica Também no campo das definições sociológicas Bonavides construiu um grande repertório com importantes concepções teóricas formuladas sobre o Estado O autor menciona o historiador 2 Essa expressão está relacionada ao poder à prevalência de uma vontade sobre as demais No caso do Estado ele exerce um poder sobre a sociedade ao qual devemos obediência independentemente de nossa vontade Ciência Política e Teoria do Estado 38 e filósofo alemão Oswald Spengler 18801936 que relacionou história e Estado Spengler disse que no Estado a história encontrase em repouso enquanto na história o Estado está em marcha3 Temos também a definição do sociólogo Franz Oppenheimer 18641943 notadamen te influenciada pelo pensamento marxista que descreveu o Estado como a instituição social que um grupo vitorioso impôs a um grupo vencido com o único fim de organizar o domínio do primeiro sobre o segundo e resguardarse contra rebeliões intestinas e agressões estrangeiras BONAVIDES 2010 p 68 Para ele a definição de Estado como instrumento de dominação social ou a imposição de um grupo sobre o outro organização da violência vale até mesmo para des crever o moderno Estado constitucional4 Léon Duguit 18591928 apresentou uma clara e longa definição de Estado que consistiu na distinção entre fortes e fracos Os fortes exercem um mono pólio da força um monopólio concentrado e organizado Desse modo para o autor o Estado pode ser considerado toda sociedade em que há distinção entre governantes e governados Em sentido mais restrito ele deve ser considerado como um grupo humano estabelecido em um determinado território em que a vontade dos mais fortes se impõe sobre os demais Rudolf von Iehring 18181892 chamou atenção para o aspecto coercitivo do Estado e o definiu como a organização social em que há poder de coerção Por conseguinte ele definiu o Direito como a disciplina da coação Com isso relembramos Marx e Engels nossos conhecidos do capítulo anterior Para eles o Estado é um fenômeno histórico e passageiro que surgiu devido à luta de classes que se iniciou quando a sociedade passou da propriedade coletiva para a apropria ção individual dos meios de produção Com a propriedade privada começou a exploração de uma classe sobre a outra e consequentemente a luta entre elas Com base na percepção desses conflitos Bonavides 2010 p 69 explica que Marx definiu o poder político como o poder organizado de uma classe para a opressão da outra Além disso a teoria marxista acredita também que como o Estado nem sempre existiu em algum momento deixará de existir Marx definiu o poder político que sustenta esse Estado como o poder organizado de uma classe para opressão da outra Por fim o último teórico citado por Bonavides Max Weber 18641920 defendia que há so mente um instrumento a força capaz de definir sociologicamente o Estado e as suas formações políticas Além disso ele explica que se caso a sociedade se agrupasse e não empregasse nenhum tipo de poder coercitivo nenhum tipo de força o conceito de Estado não teria sentido e nem lugar nessa sociedade Ele bem destacou que a força não é o único instrumento que o Estado emprega para exercer suas funções é um instrumento que lhe é específico Mais que isso na modernidade o Estado racionalizou a violência como algo normal e os grupos sociais a tornaram legítima Com base nesses elementos Weber formulou um conceito próprio que é um dos mais im portantes no âmbito da sociologia política o Estado é aquela comunidade humana que dentro 3 De fato a instituição do Estado busca manter uma ordem fato que pressupõe certa resistência às mudanças ou seja ele tenta manterse em um estado de repouso Já no que se refere à segunda afirmação podemos observar o Es tado em constantes transformações ou seja ele segue marchando no curso da História 4 Esse tipo é considerado uma das formas mais evoluídas de Estado no sentido de que ele nasce da tentativa de superar contradições anteriores como a ineficácia dos direitos constitucionalmente reconhecidos a negação dos in teresses e direitos populares VICIANO PASTOR MARTÍNEZ DALMAU 2013 Ou seja claramente uma das motivações do Estado constitucional era superar a contradição de um Estado que efetivamente atendia aos interesses de grupos sociais e não da sociedade como um todo O Estado no pensamento político ocidental 39 de um determinado território reivindica para si de maneira bemsucedida o monopólio da vio lência física legítima BONAVIDES 2010 p 70 314 Acepção histórica O Estado é tratado nessa concepção como conceito e forma de organização política que evolui constantemente no curso da história De acordo com essa visão com o passar do tempo o Estado se transforma Essas transformações ocorreram por exemplo quando a sociedade deixou o modelo de império e se estruturou em feudos da Idade Média quando a estrutura feudal foi abandonada e assumiu já na modernidade a forma de Estado como conhecemos Alguns teóri cos defendiam que o Estado deveria ser compreendido como produto da história GAMA 2005 p 57 Nesse sentido vamos nos debruçar sobre essa acepção nos próximos itens Vejamos agora um resumo dos assuntos percorridos até aqui Quadro 1 Quadro sinóptico das principais definições de Estado Acepção Autor Definição Filosófica Hegel Manifestação visível da divindade ou realidade em ato da ideia moral Ente abso luto capaz de harmonizar a contradição entre a família e a sociedade Jurídica Kant Reunião de uma multidão de homens vivendo sob as leis do Direito Del Vecchio Sujeito da ordem jurídica na qual se realiza a comunidade de vida de um povo ou a expressão potestativa da sociedade Burdeau O Estado se forma quando o poder se assenta numa instituição e não num homem Chegase a esse resultado mediante uma operação jurídica que eu chamo de insti tucionalização do Poder JeanYves Calvez O Estado é a generalização da sujeição do poder ao direito por uma certa desper sonalização Sociológica Spengler Surpreende no Estado a História em repouso e na História o Estado em marcha Franz Oppenheimer Instituição social que um grupo vitorioso impôs a um grupo vencido com o único fim de organizar o domínio do primeiro sobre o segundo e resguardarse contra rebeliões intestinas e agressões estrangeiras Léon Duguit Em sentido geral qualquer sociedade humana com distinção entre governantes e governados Em sentido estrito grupo humano fixado em determinado território onde os mais fortes impõem aos mais fracos sua vontade Rudolf von Jehring A organização social do poder de coerção ou a organização da coação social ou ainda a sociedade como titular de um poder coercitivo regulado e disciplinado Marx O poder organizado de uma classe para opressão de outra Engels Uma organização da respectiva classe exploradora para manutenção de suas con dições externas de produção a saber para a opressão das classes exploradas Max Weber Comunidade humana que dentro de um determinado território reivindica para si de maneira bemsucedida o monopólio da violência física legítima Histórica Reconhece no Estado de acordo com o momento e o local inúmeras formas distin tas porque entende o Estado como produto da evolução histórica Fonte Elaborado pela autora com base em Bonavides 2010 e Gama 2005 Agora que nos apropriamos do conhecimento acerca das principais definições já construí das a respeito do Estado podemos estudar algumas teorias sobre sua origem Ciência Política e Teoria do Estado 40 32 Teorias sobre a origem do Estado No que se refere à época em que teria surgido o Estado Dallari 2011 p 60 61 reduz as diversas teorias a três posições fundamentais A primeira reúne aque les que acreditam que a existência do Estado é tão remota quanto a existência da própria sociedade Para esses desde que o homem habita a terra ele se organiza socialmente e emprega o poder e a autoridade para determinar o comportamento dos grupos humanos A segunda reúne teóricos que acreditam em um período de existência da so ciedade humana sem o Estado Depois desse período por motivos diferentes de modos diferentes e em momentos diferentes o Estado surgiu em distintos lugares onde havia sociedades humanas Os teóricos defendem que o surgimento do Estado não foi uniforme porque se deu em função das particularidades de cada lugar e sociedade A terceira posição é aquela que os teóricos reconhecem o Estado somente em sociedades com características bem claras Sendo assim o Estado não pode ser tratado como algo que abrange todo tipo de formação política na história da humanidade mas sim como um conceito histórico e concreto que se molda com o conceito de soberania desenvolvido no século XVII Dentre esses encontramos o jurista Giorgio Balladore Pallieri 1905190 que indicou até o ano oficial do sur gimento do Estado 1648 ano em que foi assinada a Paz de Westfália5 Encontramos ainda outras formas de sistematização das teorias a respeito da origem do Estado Gama 2005 p 5759 por exemplo identifica cinco perspectivas Teoria da criação divina partia do pressuposto de que a família é uma obra divina que evoluiu até formar o Estado Desse modo o Estado também seria uma criação divina desenvolvida sem a intervenção do homem Teoria do jusnaturalismo embasavase na ideia de que o Estado decorria da natureza do ser humano inclinado a viver em grupo Teoria do contratualismo defendia que o Estado se formava com base em pactos firma dos entre os homens Teoria da força identificava a luta e violência no âmbito da sociedade em razão das quais o Estado surgia como uma imposição Teoria da evolução considerava que o Estado decorria da evolução histórica e social da humanidade Gama ainda explica que podemos observar algumas formas distintas de Estado que se estabeleceram de acordo com a civilização na qual o poder político se institucionalizou Como exemplos ele cita no continente americano as civilizações inca maia e asteca os povos chineses 5 Entre os anos de 1618 e 1648 ocorreu na Europa uma série de conflitos motivados por divergências religiosas dis putas comerciais entre outros fatores O conjunto desses conflitos foi denominado Guerra dos Trinta Anos e seu fim foi determinado pelo Tratado de Paz de Westfália Dentre os princípios reconhecidos nesse tratado constavam a soberania e a igualdade entre os Estados que são bases do Direito internacional e uma das mais importantes prerrogativas dos Estados modernos até os dias atuais conforme veremos adiante Por isso esse tratado é considerado um momento histórico fundamental para a compreensão da passagem da sociedade medieval para a sociedade do Estado nacional moderno COGO 2018 Vídeo O Estado no pensamento político ocidental 41 hebreus hindus persas e assírios na Ásia organizados sob forte influência da religião e marcados por governos despóticos Também temos a experiência da Grécia Antiga com as cidadesEstados e as civitas romanas Outro exemplo importante é o Estado na África em que encontramos o Antigo Império egípcio comandado pelos faraós Esse Estado também sofreu forte influência da religião Se buscarmos mais explicações sobre o assunto encontraremos ainda outros exemplos Clive Gamble 1992 p 3664 arqueólogo e antropólogo britânico acredita que o Estado surgiu junto com o homo sapiens uma perspectiva que nos faz voltar consideravelmente no tempo O pesquisador sabe que sua posição sobre o Estado ter surgido nesse tempo tão longínquo não é acompanhada pela maioria dos arqueólogos que consideram o surgimento do Estado há aproximadamente 510 mil anos Gamble entretanto assume como ponto de partida os povos caçadorescoletores6 para explicar a origem do Estado Sua abordagem é muito interessante porque normalmente esses povos não são considerados em estudos sobre a origem do Estado embora tenham em suas bases o chamado comportamento social complexo7 considerado por muitos o mo mento de gestação relevante para a formação do Estado Nesse sentido esses autores consideram que foi muito importante para as sociedades humanas mais antigas aprender a domesticar animais e plantar a cultivar seu alimento pois isso permitiu a esses povos fixaremse em um lugar e desen volver de maneira mais rápida suas formas de organização Gordon Childe 18921957 outro arqueólogo bastante conhecido e citado por Gamble explicou o desenvolvimento das sociedades pelo que chamou de revolução neolítica Para ele essa revolução foi tão importante que poderia ser comparada à Revolução Industrial A partir do mo mento em que os povos se fixaram em regiões foi possível acelerar o processo de evolução em direção às formas mais complexas de sociedade Essa ideia de complexidade não as fórmulas e classificações tradicionais da arqueologia e da antropologia permitiu a Gamble modificar a perspectiva sobre a origem do Estado Gamble explica que esses povos precisavam enfrentar problemas como crescentes disputas limitações a respeito do tamanho do grupo social adoção de soluções culturais para problemas de sobrevivência diminuição de riscos entre outros Todos esses fatores permitiram que alguns assumissem produções centrais e monopolizassem o poder E em sua análise o autor encontra até mesmo um modelo em que existem negociadores e clientes que traria as bases para a dimensão negativa do poder Desse modo percebemos que a questão do poder é tão importante quanto a questão da evo lução das sociedades para compreendermos as teorias a respeito do surgimento do Estado E quem sabe formulamos novas explicações à medida que a ciência também evolui 6 Podemos citar como exemplo os povos indígenas que habitavam o Brasil até o momento em que os portugueses começaram a colonização Eram povos nômades que viviam da caça e pesca e partiam para outros locais quando suas fontes de alimentação ficavam escassas Com essa classificação podemos diferenciar nossos povos ancestrais de outros como os maias ou os incas que já tinham compreendido a agricultura e produziam seus alimentos pelo cultivo da terra sem precisar migrar de um lugar para outro Entretanto todos os povos foram em suas origens povos caçado rescoletores MEGGERS 1985 7 A expressão comportamento social adotada tanto na sociologia quanto na biologia referese à interação entre seres da mesma espécie Naturalmente para a sociologia importará a interação entre seres humanos Especificamente para nós interessa o início da organização das sociedades humanas Ciência Política e Teoria do Estado 42 33 Formas de Estados formação e extinção Como já vimos a complexidade do conceito de Estado nos permite adotar diferentes formas de classificação Para Gama 2005 podemos classificar o Estado em função de seu povo por exemplo povo católico protestante etc ou classificar em função do território denominandoo continental quando um território possui grandes extensões de terra como Brasil Estados Unidos e México ou insular caso suas terras se limitem a uma ilha ou conjunto de ilhas como Japão Cuba ou Bahamas Contemporaneamente uma forma importante de classificação se dá em função da estrutura do poder nas quais temos os Estados simples que contam com um único poder legislativo judiciário e executivo e os Estados compostos em que os poderes se organizam e distribuem competências entre duas ou mais esferas como unidades federativas e municípios Se nosso critério for sua origem podemos caracterizálo como um Estado unionista que se formou pela união de dois ou mais territórios tal como ocorre nas confederações ou divisionista originado pela divisão do território original quantas vezes forem necessárias para cumprir a vontade do povo Temos como exemplos de Estados divisionistas o Paquistão que em 1947 desmembrouse da Índia e Bangladesh que se desmembrou do próprio Paquistão em 1971 GAMA 2005 p 63 Vejamos com mais detalhes as principais formas de Estado na modernidade 331 Estado unitário É considerada a forma mais simples e homogênea de Estado Nele não se distribui o poder ele é estabelecido em um único centro que toma as decisões políticas e cria as leis Essa forma de Estado era a adotada até o final do século XVIII como Estado da realeza absoluta8 em que somen te algumas competências em termos de administração eram desconcentradas desse centro único para efetivar a aplicação da lei Nessa forma os órgãos que exercem a soberania são unos para todo o território na verdade há uma única fonte de comando para legislar governar e administrar a justiça Podemos ver essa tendência unificadora também nos Estados modernos por meio da ideia de soberania Pela imposição da vontade soberana do Estado operouse a unificação de diferentes sociedades e ordenamentos que inferiorizaram e converteram em secundários seus poderes9 Segundo Bonavides 2010 p 161164 que faz uma ampla revisão na história e teoria política para perceber isto as razões que motivaram o surgimento de Estados unitários são vá rias Por exemplo um Estado pode preponderar sobre outros ao ponto de incorporálos em si Diferentes Estadosmembros podem fundir e se transformar em Estado unitário ou ainda um Estado composto pode se dissolver em Estados unitários Nesse modelo não encontramos coletivi dades inferiores com órgãos próprios de poder mas sim verificamos alguns tipos de centralização classificados como 8 Primeiros séculos da era moderna Conforme veremos no próximo capítulo esse modelo entrou em crise e foi pro fundamente modificado pelas reivindicações das revoluções burguesas que eclodiram na França na Inglaterra e nos Estados Unidos 9 Podemos encontrar descrições mais detalhadas sobre esse modelo em Bonavides 2010 Bastos 2004 e Berloffa 2004 Vídeo O Estado no pensamento político ocidental 43 Centralização política e administrativa em que existe apenas um sistema de Direito de modo que nenhum Estadomembro pode ter sistemas específicos10 Esse sistema conta ainda com a centralização do poder de aplicação da lei Centralização territorial e material em que o poder do Estado se amplia por territórios cada vez maiores e as competências abrangem cada vez mais assuntos matérias mesmo que essas não estivessem anteriormente previstas na lei Centralização concentrada e desconcentrada Na centralização concentrada os agentes do Estado são meros cumpridores de decisões de outros Na centralização desconcentra da os agentes públicos têm uma pequena parcela de competência mas nunca deixam de ser subordinados ao poder central e não possuem poderes iniciais visto que as competên cias que exercem são confiadas pelo Estado e podem ser retomadas a qualquer momento Bonavides ainda avalia que os modelos de Estado unitário conhecidos nunca conseguiram chegar a uma concentração completa de toda a realidade social que abrangiam isto é sempre sub sistiu um pluralismo no âmbito das suas sociedades 332 Confederação É um tipo de Estado que decorre da união permanente e pactuada entre Estados indepen dentes que ao se unificarem não abrem mão de suas soberanias Tal união é celebrada para uni ficar esforços no desenvolvimento de políticas comuns de defesa externa e segurança interna que adota órgãos interestatais imbuídos de poderes distintos conforme o pacto de união lhes delegar Foi o caso da Confederação dos Estados Unidos 17781787 vigente desde a independência até a proclamação da Constituição a Confederação Suíça 18151848 entre outras Dessas algumas se dissolveram e se tornaram Estados federados Houve até mesmo o caso da Holanda que se conver teu em Estado unitário Dentre os elementos que distinguem a confederação podemos citar a união de Estados que se mantêm independentes e soberanos um vínculo formado por meio de um tratado e não por uma Constituição uma união que não cria poder de imperium sobre os Estados participantes apenas uma relação jurídica internacional Por isso o poder da confederação se relaciona com os Estados mas não com seus cidadãos Da confederação não decorre cidadania nem território e mantémse o direito de secessão de seus membros ou seja a qualquer momento os Estados fede rados podem denunciar11 o Tratado e se retirar do Estado confederado Também existe um corpo deliberante que serve de instrumento comum a dieta que é composta de chefes de Estado ou em baixadores Na dieta as decisões são tomadas por maioria de votos e podem ser feitas dentro das competências que lhes são confiadas pelos Estados Essas somente podem ser ampliadas se todos os Estados que a integram por unanimidade assim decidirem 10 Não existem nesse modelo por exemplo leis municipais ou estaduais porque ainda que essa divisão geográfica existisse não teria competência para criar leis próprias 11 O conceito denunciar no Direito Internacional referese à prerrogativa que os Estados têm de desistir de um tratado internacional ao qual tenham aderido Em razão do princípio da soberania nenhum Estado é obrigado a aderir a esses tratados por mais importantes que sejam sobre direitos humanos por exemplo Se o Estado opta por assinar um trata do fica estabelecido que depois de cumpridas as formalidades assumirá força de lei Para liberarse de suas obrigações dizemos que o Estado denuncia o documento Ciência Política e Teoria do Estado 44 Desse modo é importante perceber que a ação unitária da Confederação se projeta para fora do Estado no âmbito internacional e não internamente sobre seus membros É o caso das guerras que exigem a união de países Além disso a Confederação uma vez que estabelece rela ções no âmbito do Direito internacional conta com personalidade jurídica12 BONAVIDES 2010 p 179181 333 Federação Tratase de um Estado soberano que contém em si uma pluralidade de Estados com deter minados poderes todos ligados pela unidade estatal Ele se diferencia da confederação pois não é fundado por um tratado mas sim por uma Constituição uma união de Direito constitucional Essa forma não foi conhecida no mundo antigo ou medieval pois foi sistematizada aproximadamente nos últimos três séculos Nesse tipo de formação não são admitidas soberanias internas O Brasil é uma Federação por isso por exemplo o Estado do Paraná não pode firmar tratados internacio nais E embora possa aprovar leis próprias as leis estaduais têm como limite a Constituição Federal e as leis federais aprovadas no Congresso Nacional A Federação conta também com dois princípios básicos denominados lei da participação e lei da autonomia Pela lei da participação os Estadosmembros podem fazer parte do processo de elaboração da vontade política13 ao passo que pela lei da autonomia as unidades federativas podem elaborar suas próprias constituições no caso dos Estados como Paraná São Paulo e todos os demais ou leis orgânicas no caso dos municípios pois o Brasil adota essa subdivisão federativa adicional Essa prerrogativa entretanto não pode ultrapassar os limites da Constituição Federal Na verdade é obrigatória a reprodução de diversos modelos que constam nessa norma maior e a essa obrigação denominamos princípio da simetria constitucional Apesar dessa autonomia a presença do Estado federal com seus três poderes Executivo Federativo e Judiciário que anali saremos no próximo capítulo se estende por todos os Estados e municípios A União de todos os entes representada no Estado Federal é a única com prerrogativas para estabelecer relações pú blicas internacionais ou seja o Estado federal é o único com personalidade jurídica internacional No Capítulo 5 analisaremos também as formas pelas quais a soberania e a autonomia podem ser limitadas BONAVIDES 2010 p 193201 Para finalizarmos falamos em união real e união incorporada A primeira só é admitida entre monarquias que passam por cima do Direito sucessório do herdeiro do trono o prínci pe para adotar um tratado internacional fato que provoca a fusão de dois Estados origina uma nova personalidade jurídica e extingue as antigas Esse tipo de União requer Estados contíguos territórios geograficamente ligados um acordo internacional e perenidade que não pode ter data para terminar mas sim aspirar ser definitiva O Reino Unido é um exemplo que divide a opinião de cientistas políticos entre ser união real ou incorporada A união incorporada também se forma 12 Somente os sujeitos de direitos podem também assumir deveres No Direito ocidental a maioria dos modelos re conhece dois tipos de sujeitos de direito as pessoas físicas nós seres humanos e as pessoas jurídicas empresas fundações órgãos estatais etc 13 Por exemplo no Congresso Nacional temos os representantes do povo designados em cada Estado são os deputa dos federais e temos os representantes dos Estados também eleitos em cada Estado para exercer essa representação são os senadores O Estado no pensamento político ocidental 45 pela união de Estados independentes Frequentemente ela tem sua terminologia questionada por autores que consideram que a incorporação extingue antigos Estados por isso não pode ser deno minada união Federalismo e acumulação de poder Existe um debate importante a respeito da acumulação de poder no fe deralismo Há autores que entendem que existe uma tendência de que o poder se acumule até chegar ao ponto de anular inclusive a autonomia dos Estadosmembros que integram o Estado federal Se isso ocorrer não haverá como diferenciálo da confederação Entretanto Bonavides 2010 p 202206 diverge dessa posição Ele acredita que o problema do modelo federal não é ele em si mas as doutrinas que o orientam Essas são doutrinas antigas datadas do século XIX que estão em crise pois segundo seus pressupostos é determinada uma moldura jurídica intocável ao federalismo que não é mais compatível com as mudanças globais do nosso tempo Na verdade não é o federalismo que está em crise mas sim uma de suas formas aquela que marca o Estado liberal com sua decadente ideologia Para ilustrar sua posição Bonavides identifica três épocas na evolução do federalismo Na primeira fase as duas leis da autonomia e da participação se apre sentavam com mais força A autonomia dos Estados federados era repre sentada tanto nos fatos quanto nas doutrinas Nessa fase se cogitava o risco de que desaparecesse a federação devido ao excesso de poderes dos Estadosmembros A segunda época foi marcada por um perfeito equilíbrio entre União e Estados federados visível inclusive na doutrina federalista Nessa fase já não vigorava o controverso debate sobre ser a Constituição Federal lei ou mero contrato Finalmente a terceira fase é contemporânea em que se observa uma ruptura com o equilíbrio da fase anterior fato que culmina na acu mulação de poderes e competências sob o Estado Federal Nesse mo mento aumentase a participação mas diminuise a autonomia dos Estados federados e há o excesso de poderes federais Há um debate sobre a crise do federalismo com posições sustentando sua morte Esse todavia é um debate intenso que divide teóricos da ciência po lítica e do Estado Ciência Política e Teoria do Estado 46 Considerações finais Neste capítulo começamos a compreender sobre esse fenômeno complexo que é o Estado Foi um momento importante para aprendermos alguns conceitos que serão empregados em mo mentos seguintes Se analisarmos esse capítulo em conjunto com os anteriores perceberemos que o sentido do Estado é determinado pelo sentido que damos à sociedade Por exemplo se entender mos a sociedade como Marx e Engels vamos definir o Estado como instrumento de dominação entre classes se entendermos a sociedade como fim natural do ser humano poderemos entender o Estado como instituição naturalmente formada e assim sucessivamente Nosso próximo passo será compreender como o modelo moderno se formou Especifi camente buscaremos compreender como se originou o modelo de Estado democrático de Direito adotado no Ocidente e em países como Brasil Estados Unidos entre outros Ampliando seus conhecimentos Leia a seguir um trecho da obra O Príncipe de Nicolau Maquiavel escrita no início do século XVI Esta é considerada uma das obras mais importantes já escritas sobre política na história da humanidade Capítulo I De quantas espécies são os principados e de que modos se adquirem Quot sint genera principatuum et quibus modis acquirantur MAQUIAVEL 1998 p 37 Todos os Estados todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens foram e são ou repúblicas ou principados Os principados são ou hereditários quando seu sangue senhorial é nobre há já longo tempo ou novos Os novos podem ser total mente novos como foi Milão com Francisco Sforza ou o são como membros acrescidos ao Estado hereditário do príncipe que os adquire como é o reino de Nápoles em relação ao rei da Espanha Estes domínios assim obtidos estão acostumados ou a viver subme tidos a um príncipe ou a ser livres sendo adquiridos com tropas de outrem ou com as próprias bem como pela fortuna ou por virtude Dicas de estudo O jurista e professor Antonio Carlos Wolkmer publicou um livro breve mas bastante rico em que aborda algumas das questões comentadas neste capítulo e também nos seguintes Essa obra Elementos para uma crítica do Estado publicada em 1990 trata de temas como acepções origem tipologia dos Estados e propõe uma perspectiva crítica para refletir sobre eles O Estado no pensamento político ocidental 47 Para este capítulo recomendamos a leitura do curso de Ciência Política 2010 de Paulo Bonavides Essa é uma das principais obras que elencam conteúdos fundamentais aborda dos neste capítulo Por isso e também pela amplitude dos demais conteúdos que abrange é uma obra de leitura fundamental Atividades 1 No item 31 Definições e classificações do Estado nós definimos diversos sentidos para a palavra Estado Ao relembrarmos o que aprendemos no item 12 Diferença entre ciência política e Teoria geral do Estado do primeiro capítulo do nosso curso essas teorias estão mais próximas do campo de investigação da Teoria geral do Estado ou da ciência política Fundamente sua posição 2 Existe alguma relação conceitual entre o Estado e a sociedade Justifique sua resposta 3 Cite três diferenças entre Estado Federal e confederação Referências BASTOS C R Curso de teoria do estado e ciência política 6 ed São Paulo Celso Bastos 2004 BERLOFFA R R C Introdução ao curso de teoria geral do Estado e ciências políticas Campinas Bookseller 2004 BOBBIO N Estado governo sociedade para uma teoria geral da política 14 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2007 BONAVIDES P Ciência política 17 ed São Paulo Objetiva 2010 COGO R Estudos sobre o processo de internacionalização dos direitos humanos de Westfália às nações unidas Boletim Jurídico Uberaba a 12 n 752 Disponível em httpswwwboletimjuridicocombrdou trinatextoaspid2320 Acesso em 5 jun 2018 DALLARI D A Elementos de Teoria geral do Estado 30 ed São Paulo Saraiva 2011 GAMA R R Ciência política Campinas LZN 2005 GAMBLE C Os caçadores e coletores e a origem dos Estados In HALL J A Org Os Estados na história Rio de Janeiro Imago 1992 p 3673 HEGEL G W F Princípios da filosofia do Direito São Paulo Martins Fontes 2000 MAQUIAVEL N O Príncipe São Paulo Cultrix 1998 MEGGERS B J América préhistórica 2 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 1985 VICIANO PASTOR R MARTÍNEZ DALMAU R O processo constituinte venezuelano no marco do novo constitucionalismo latinoamericano In WOLKMER A C MELO M P Constitucionalismo latinoameri cano tendências contemporâneas Curitiba Juruá 2013 WOLKMER A C Elementos para uma crítica do Estado Porto Alegre S A Fabris 1990 Color Color Category Color depends on the wavelength Plan a color scheme here The brain can process thousands of color shades But its challenging to combine colors efficiently For example the color of a coastline looks appealing because it is a natural arrangement of green and blue shades The color on this chart are pure not mixed CHOOSE YOUR COLORS WARM Cool NEUTRAL EXAMPLES Warm colors cool colors neutrals and mix and match Color Combinations Complementary Colors Colors which are opposite each other on the wheel contrast strongly Rg G Co Orpi Yp Analogous Colors Colors which are next to each other on the wheel harmonize y yoo cy b pb Triadic Colors Colors spaced evenly around the wheel create a sense of balance r y b ro yg bp yo g p For visual accessibility and readability you need strong contrast between background and text color Primary colors will create best legibility Sample Color Schemes The Splitcomplementary Triadic Color Schemes For every color complement by its two eastern or western neighbor colors Achieve strong contrast between two colors by splitting their complementary colors The Doublecomplementary Color Schemes The Quad Color Scheme 5590 White 2575 Color 20 Black in large amounts Secondary colors combine extra black or white 10 White 6095 Color 3580 Black in small amounts TextTextures in opposite colors x opposite color Background The Double Complementary Color Scheme Four colors arranged as two complementary color pairs 5 6 7 8 9 10 Neutral colors For the main text line on the brighter backgrounds use gray and a bold of the same color For the light background and dark background use pure black or white for main text line and use matching low or high opaque colors for accents Greater contrast accessible and readable color COLOR THEORY This chart is based on visible spectrum but doesnt take account of the human eye color conventions For example yellow is yellow but not an orange combined with the green mixture of light If look closer it might be the simple primary color that the brain recognize at the first glance Choosing the right color scheme will help you communicate your message well It creates a positive impact on the ears and brain of your audience making then interested and attracted to your art COLOR TASK NOT COLOR TASK How to present data Change and adjust Explain clearly Not only add color Select the right decorative color Communicate effectively Make it look pretty Do it quickly Guidelines for diagram color usage Color is a valuable tool for drawing attention directing the eye organizing information improving legibility and creating hierarchy The color decision for a diagram must be made according to the data and visual cues in the diagram Use the color rule of thumb Null value shapes use light or gray colors Colors for the same category of data should be in the same color family Use color for isolating or grouping data Use color to indicate positive and negative value Use a black fill on adjacent values of opposite colors Make annotations standout with differentiating colors transparency Add a key or legend for the color coding 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 Design get attention and tell a story Color plays important role Use color in a consistent way to highlight and organize content Color demonstrates hierarchy and shows relation and groups between the content Like all design principles color should be used to support one main goal communicate clearly and beautifully 4 Formação do Estado moderno Até aqui observamos que a natureza política do ser humano o impulsiona ao convívio em sociedade e que uma vez organizado coletivamente na sociedade ele procura modos ou institui ções por meio das quais organiza também as relações de poder que se estabelecem entre os grupos sociais A necessidade de organização dessas relações de poder foi atendida de diversas formas para as quais a ciência propôs diversas interpretações como vimos no capítulo anterior Então agora que compreendemos os diversos sentidos atribuídos ao termo Estado vamos analisar uma experiência em específico o chamado Estado moderno modelo de organização das relações de poder que o mundo ocidental adotou nos últimos séculos 41 Contexto histórico da formação do Estado moderno O Estado a que nos referimos o Estado moderno ocidental é resultado de um processo histórico cujas formas políticas foram sucedendo umas às outras dentro de um contexto cultural geograficamente delimitado o mundo ocidental fortemente marcado pelas influências grega romana e europeia Entretanto no es forço por buscar caracterizar as diversas épocas que o Estado atravessou podese incluir também as mais longínquas experiências orientais que podem ser designadas por Estado antigo oriental ou teocrático E dessa forma podemos identificar grandes períodos designados como Estado antigo Estado grego Estado romano Estado medieval e Estado moderno Mas uma importante ressalva precisa ser colocada essa sucessão não pode ser descrita como uma trajetória dividida cronologicamente de modo preciso e uniforme Ainda assim tal divisão é um recurso im portante para tentarmos diferenciar as épocas por meio das principais características que o Estado assumiu pois assim facilitamos a compreensão desse fenômeno Dito isso vejamos as característi cas que marcaram cada tipo de Estado dentre os analisados por Dallari 2011 p 6877 Estado antigo como já vimos essa designação abrange as antigas civilizações do Oriente ou do Mediterrâneo com uma formação social que conforme alguns autores implicava em um conjunto confuso entre família religião e Estado Essa estrutura de poder tem duas notas que a distinguem a religiosidade e o caráter unitário Por caráter unitário entendemos um Estado que não admitia nenhum tipo de divisão fosse territorial fosse de suas funções Já a religião impregnava de tal modo a estrutura estatal que é comum ver esse tipo também ser denominado de Estado teocrático O poder no Estado teocrático podia ser definido de duas maneiras de modo unipessoal quando o governante era con siderado um representante do poder divino ou de modo limitado quando os sacerdotes representavam esse poder e portanto conviviam o poder humano com o poder divino Estado grego a civilização helênica onde floresceu essa experiência política era bas tante variada de modo que não podemos reputar a ela um único Estado O que permite adotar essa classificação unificadora conforme autores que a analisam é a característica Vídeo Ciência Política e Teoria do Estado 50 fundamental partilhada entre seus Estados em especial o espartano e o ateniense dois dos mais importantes a cidadeEstado ou pólis cujo ideal era a autossuficiência A classe política no Estado grego era composta de uma pequena elite os cidadãos que exerciam a função de controle Analisaremos mais detalhadamente esse contexto quando refletirmos sobre as origens da democracia Estado romano esse modelo assim como o anterior também abrangeu uma experiência mais variada e complexa que vai desde um pequeno agrupamento de pessoas passan do por inúmeras formas de governo até culminar em um grande império que aspira va alcançar o controle mundial O período compreendido por esse modelo é amplo de 754 aC até 565 dC Esse Estado que expandiu o seu território por grandes porções de terras dominou inclusive o Estado grego e assinalou o seu fim Apesar da assombrosa extensão no tempo e no espaço o Estado romano manteve em todas as suas experiências a caracterização de cidadeEstado com estrutura familiar de organização Tanto no Estado grego quanto no Estado romano o povo tinha possibilidade de participação política entretanto o conceito de povo não era tão amplo como hoje de modo a abranger todas as pessoas tratavase de uma noção restrita da qual poucos grupos sociais participavam Estado medieval Dallari visualiza na Idade Média um dos períodos mais difíceis no que se refere ao Estado devido a sua instabilidade e heterogeneidade Ainda assim há algumas ca racterísticas que permitem diferenciar o Estado medieval dos demais citados Nesse período temos os seguintes elementos o cristianismo as invasões bárbaras e o feudalismo Podemos constatar o cristianismo como fundamento da aspiração à universalidade e à igualdade que permitia superar a ideia de que os homens eram diferentes conforme sua origem pois sendo cristãos todos eram iguais entretanto como consequência os não cristãos eram des garrados A humanidade deveria ser cristã por isso emergiu a ideia de um Estado universal que possibilitasse congregála apenas em uma sociedade política aspiração à unidade que sempre acompanhou o Estado medieval Essa sociedade seria o Império da Cristandade que motivou a nomeação de Carlos Magno no ano de 800 dC como imperador Essa ideia enfrentou dois grandes problemas o primeiro foi a existência de infinitos centros de poder aglutinados sob o império e por conta disso a unidade política só pôde ser formal e nunca se concretizou na prática O segundo problema foi a disputa de poder entre imperador e Igreja com um tentando influenciar ou coman dar o outro uma luta que só terminou com o surgimento do Estado moderno Já as invasões bárbaras ocorreram por volta do terceiro até o sexto século depois de Cristo Vindos principalmente da região norte da Europa os chamados povos bárbaros invadiam regiões levandoas a se organizar como unidades políticas independentes por isso podemos falar em di versos Estados Essas invasões estimularam os povos do norte da África e também do Oriente a fazerem o mesmo1 Finalmente para compreendermos o feudalismo precisamos dimensionar o impacto das invasões bárbaras que dificultou o desenvolvimento do comércio e provocou uma 1 Enrique Dussel 1993 apresentou um importante estudo crítico sobre a história da descoberta da América Nesse estudo o autor descreve a Europa cristã do século XV como um espaço enclausurado entre o mundo que os europeus chamavam de bárbaro e o mundo muçulmano Essa clausura em que se encontrava a Europa incluía a impossibilidade de navegar e trocar produtos pois os mares que a ligavam às índias estavam dominados pelos povos muçulmanos dos quais muitas vezes ouvimos histórias dos chamados piratas Formação do Estado moderno 51 grande valorização da posse da terra pois era dela que vinham os produtos necessários para sub sistência No feudalismo surgiram três institutos jurídicos importantes Vassalagem proprietários menores vassalos protegidos pelo senhor feu dal mas que precisavam servilo o que era feito com pagamentos pecuniários e apoio nas guerras Benefício relação entre o senhor feudal e chefes de família sem propriedades que se convertiam em servos O senhor feudal fornecia uma parcela de terra para cultivo e em troca recebia direito de vida e morte sobre o servo e sua família além de parte de tudo que era cultivado Imunidade o senhor feudal liberava o pagamento de tributos às terras sujeitas ao benefício Esses três institutos reforçavam a ideia do poder político do senhor feudal que no seu espa ço de domínio tinha mais influência que o próprio Estado ao qual pertencia Acrescentamos uma nota esclarecedora é verdade que coexistiam diversos poderes e ordens jurídicas sob o poder soberano dos reis da Idade Média no entanto é mais preciso dizer que esse poder real pairava sobre todos os sistemas e poderia submeter a tudo e a todos já que era um poder derivado da própria vontade divina Podemos denominar essa estrutura de poder como Estado absoluto Esse cenário que acabamos de percorrer nos dá a ideia de um mosaico abrangido por um Estado absolutista e que de fato traduz de modo mais abrangente o tipo de sociedade que vigorou até o início da modernidade No campo político e jurídico podemos dizer que a realidade prática da sociedade fundou um pluralismo jurídico em que o direito não emanava da mesma fonte do poder político o Estado mas sim dos costumes sociais que compunham o cotidiano das so ciedades GROSSI 2014 p 4749 E nesse sentido embora os modelos anteriormente descritos tenham trazido em si a aspiração à unidade de certa forma foi o Estado moderno o modelo mais eficaz no sentido de unificação das formas políticas Esse modelo não alcançou a unificação política da humanidade que no mundo ocidental se organizou politicamente como Estadosnação Assim podemos notar inúmeros países enquanto unidades políticas independentes e soberanas Entretanto no interior de cada uma dessas unida des pela primeira vez o direito e o poder político se identificaram na mesma fonte a instituição estatal permitiu a maior concentração de poder já alcançada afinal o direito também é um instru mento de poder Vejamos então como se formou o Estado moderno Na Inglaterra do século XIII precisamente no ano de 1215 encontramos um dos mais an tigos precedentes políticos do Estado contemporâneo a Magna Carta Esse documento buscava assegurar direitos dos barões Tratavase de uma carta feudal mas de suma importância jurídica e política porque sua luta por direitos abrangia o anseio em limitar os poderes do Estado absolutista A resistência contra o poder estatal absoluto na Inglaterra durou vários séculos e no ano de 1628 encontramos a Petition of Rights2 negociada entre o parlamento que detinha o poder econômico 2 Em Português Petição de Direitos Ciência Política e Teoria do Estado 52 e o rei que detinha o poder político mas dependia do poder econômico Essa carta de direitos exigia o reconhecimento das liberdades dos súditos liberdades que já estavam consagradas desde a Magna Carta fato que evidenciou que o monarca não respeitava o documento de 1215 Outros documentos de notória importância jurídica foram firmados mas o mais destacado foi o Bill of Rights3 de 1688 alcançado na Revolução Inglesa de 1688 quando surgiu a monar quia constitucional que se submetia à soberania popular e não mais à realeza de direito divino A soberania popular na Inglaterra passou a ser representada no Parlamento uma das maiores con quistas na luta contra o absolutismo e um dos mais importantes precedentes do Estado moderno Acrescentase à Revolução Inglesa as Revoluções Americana de 1776 e Francesa de 1789 SILVA 2012 p 151154 As três revoluções foram protagonizadas pelas classes burguesas e suas lutas em prol das liberdades individuais de cunho sobretudo econômico Desse modo podemos dizer que uma das primeiras manifestações do Estado moderno se concretizou no parlamento inglês A Revolução Americana pode ser considerada o segundo marco histórico desse Estado assim como do sistema de Direito contemporâneo Dessa revo lução decorreu a Constituição Americana a mais antiga no marco da modernidade mais que isso a primeira constituição concebida no âmbito da teoria constitucional contemporânea e o modelo federativo A motivação da Revolução Americana era a luta contra o poder da metrópole inglesa da qual o que chamamos hoje de Estados Unidos da América era colônia portanto submetida ao poder político externo O marco inicial da Federação é reputado aos representantes das Treze Colônias reunidos em 1787 na Filadélfia preocupados com a realidade de seus Estados e dispostos a elaborar um texto constitucional que consagrasse uma forma inteiramente nova de organizar o poder político Todos os Estados presentes concordaram com a delegação de certas competências e soberania e assim ficou criado um Estado com os seguintes elementos seu território seria a soma dos 13 terri tórios estaduais sua população seria a soma da população dos 13 territórios estaduais e sua orga nização política seria a definida pela Constituição com um Poder Legislativo um Executivo e um Judiciário No caso das Treze Colônias o que ocorreu não foi uma mera fusão de Estados uma vez que cada um manteve sua individualidade e organização de competências próprias não transferi das à Federação Assim dentre as diversas definições possíveis da nova forma de Estado que surgia podemos dizer que se tratou de uma organização com pelo menos dois níveis distintos de governo central e regionais cada um com competências próprias determinadas pela Constituição No seu desenvolvimento posterior essa divisão chegou a alcançar um terceiro nível que é o caso do Brasil com seus municípios A maioria das federações entretanto contam com apenas dois níveis BASTOS 2004 p 224225 Até aqui vimos a emergência do Parlamento e do modelo federativo como formas adota das pelo Estado na época moderna Ainda nos resta analisar aspectos da Revolução Francesa ou Revolução Iluminista que pode ser considerada a mais influente e possivelmente a mais impor tante dentre as três pois da influência teórica do Iluminismo podemos extrair elementos comuns 3 Em português Declaração direitos Formação do Estado moderno 53 para a caracterização do que temos chamado de Estado moderno Veremos em síntese alguns as pectos históricos dessa revolução quando tratarmos das teorias contratualistas Bastos 2002 p 164166 menciona que a Revolução Francesa tem início com a queda da Bastilha4 no ano de 1789 e fim com um golpe de Estado conhecido como 18 de Brumário5 Esse golpe ficou conhecido como a revolução da liberdade e da igualdade representando uma mudan ça significativa na história da humanidade pois foi nela que foram declarados os direitos do ho mem em 1789 O autor explica ainda que foi a partir dessa revolução que as massas da sociedade começaram a participar dos assuntos do Estado e inauguraram práticas democráticas Verificamos nessa revolução um ataque deflagrado pela classe burguesa contra o poder pes soal do rei e a classe dominante na época a nobreza e uma revolta contra o antigo regime a monarquia absolutista Nela também encontramos bases importantes do Estado contemporâneo como a despersonalização do poder já que ele passou a repousar na nação que se concretizou juri dicamente no poder estatal E a ideia de nação emergiu como recurso eficaz para integrar o povo Aliás mais do que integrar unificar Por isso o autor conclui que as maiores conquistas dessa revo lução abrangeram as liberdades individuais a igualdade jurídica entre os homens e a proclamação da soberania do povo fato que impôs a necessidade em estabelecer um sistema de representação em que o povo soberano escolhesse os governantes Em síntese podemos identificar alguns elementos comuns nas três revoluções citadas como a existência de classes motivadas por um desejo de liberdades individuais que somente seriam alcançadas pela limitação do poder absoluto que lhes subjugava isto é o desejo de substituir o governo de homens por um governo de leis Posteriormente quando eclodiram revoluções também na América Latina as classes revo lucionárias do nosso continente não criaram governos genuínos e com elementos novos tal como ocorreu nos casos anteriormente citados Pelo contrário aqui na América os modelos europeus e norteamericano foram copiados Mas em comum com as três revoluções burguesas que citamos muitas das revoluções ocorridas na chamada América espanhola foram protagonizadas por uma elite econômica que não conseguiu se desenvolver por conta das limitações impostas pela Coroa Por isso podemos dizer que a independência desses países significou a passagem do poder político às mãos de pessoas que já detinham o poder econômico E os ideais iluministas chegaram também ao nosso continente e permearam nossas constituições Entretanto no continente latinoamerica no a luta por independência não modificou as relações de opressão vigentes na sociedade fato que evidenciou que a injustiça não decorria somente do domínio real mas também da servidão do latifúndio e de outras relações sociais POMER 1981 p 913 4 Existiu uma fortaleza chamada Bastilha onde eram encarceradas as pessoas conforme o juízo arbitrário do poder despótico Os horrores e crueldades praticados nessa fortaleza eram tamanhos que provocaram no imaginário social da época a crença de que se tratava de um castelo malassombrado A Bastilha era um símbolo do poder absoluto No dia 14 de julho de 1789 um grupo de pessoas manifestouse exigindo a entrega da fortaleza o que foi negado Diante da negati va começou um conflito armado em que muitas pessoas morreram mas os sobreviventes lutaram até que os militares se entregaram aos insurgentes Uma vez vencido o conflito os insurgentes baixaram a ponte e libertaram os prisioneiros da Bastilha Esse episódio ficou conhecido como A queda da Bastilha ou Tomada da Bastilha CHAUSSINANNOGARET 1989 p 65 8286 5 Esse episódio referese ao golpe dado por Napoleão Bonaparte 17691873 no ano de 1799 quando iniciou seu regime ditatorial na França Ciência Política e Teoria do Estado 54 42 Teorias contratualistas e a separação dos poderes do Estado Até aqui procuramos percorrer alguns fatos históricos importantes que con tribuem na explicação de como surgiu o Estado moderno Precisamos retomar essa trajetória agora mas não mais à luz dos fatos e sim à luz das ideias que se sucede ram e delinearam o novo modelo de estrutura de poder que ia se firmar e que de fato acabou se difundindo por todo o mundo ocidental Podemos reunir as diversas orientações teóricas que possibilitaram chegarmos ao modelo atual sob a denominação de teorias contratualistas e encontrarmos diferentes pensamentos con forme o estudo que seguimos Aqui temos três importantes sínteses das ideias políticas o estudo do teórico italiano Luciano Gruppi 19202003 chamado Tudo começou com Maquiavel a Teoria das formas de governo de Norberto Bobbio e Os clássicos da política de Francisco Weffort Esses três estudos juntos reúnem sob abordagens distintas os principais pensadores que no curso dos primeiros séculos da modernidade construíram as bases do Estado moderno Nós já vimos que foi Maquiavel o primeiro a empregar a palavra Estado com o sentido que empregamos até hoje Isso porque o Estado moderno se diferenciou dos demais devido alguns ele mentos como a autonomia e a plena soberania do Estado e a divisão entre sociedade civil e Estado evidenciada na Inglaterra do século XVII com a ascensão da burguesia Vejamos como essa ideia foi amadurecida no pensamento europeu GRUPPI 1996 p 824 Nicolau Maquiavel é considerado responsável não exatamente pela teoria do Estado mo derno mas sim pela teoria de como se formam os Estados Seu pensamento também é considerado como precursor da ciência política que com base em suas ideias se impôs como uma disciplina autônoma distinta da moral e da religião Uma mudança impor tante foi a desvinculação do Estado de sua função de assegurar a felicidade e a virtude fundamentadas no pensamento de Aristóteles para se ocupar do que é permitido e do que é necessário fazer ainda que não seja necessariamente considerado certo Maquiavel fundou uma nova moral que não é mais da alma mas sim mundana construída no rela cionamento entre homens Jean Bodin 15301596 os estudiosos reputam a esse autor francês a primeira reflexão sobre o que é o Estado moderno Bodin escreveu uma obra chamada Sobre a República em que polemizou o pensamento de Maquiavel Em sua obra o autor desenvolveu teorias a respeito de um Estado unitário já existente o francês do próprio país onde nasceu e refletiu sobre questões como o consenso e a hegemonia Um dos aspectos mais importan tes é que Bodin também foi o primeiro a teorizar a autonomia e a soberania ele susten tava que o monarca era aquele que interpreta as leis divinas obedecendo a elas mas de modo autônomo sem precisar da investidura do papa E finalmente para Bodin não é o território e nem o povo que constitui o Estado mas sim o poder Por isso ele defendeu a soberania como o grande alicerce do Estado que por sua vez é o poder absoluto que representa a coesão de todos os elementos da sociedade Vídeo Formação do Estado moderno 55 Thomas Hobbes esse pensador inglês acreditava que os homens primitivos viviam em uma espécie de estado natural como os outros animais e se destruíam em disputas por poder riquezas e propriedades Para Hobbes ao perceberem sua mútua destruição os ho mens perceberam também a necessidade de assumir um acordo uma espécie de contrato pelo qual refreariam seus ímpetos destrutivos e deixariam de viver como lobos fadados à autodestruição Por meio desse contrato os homens constituíram o Estado Sua noção revelou o caráter mercantil ou comercial próprio das relações burguesas pre sentes no Estado Hobbes acreditava que se seguisse sua natureza o homem não viveria em um Estado em que suas liberdades fossem limitadas As restrições impostas só são admitidas porque o homem deseja uma vida mais confortável e com sua própria conser vação coisas que seriam viabilizadas pelo Estado Sem o Estado o homem viveria uma miserável condição de guerra permanente No pensamento de Hobbes o tipo de Estado de que o homem precisa deveria ser duríssimo um Estado absoluto Giambattista Vico 16681744 esse pensador italiano empregou uma perspectiva prin cipalmente histórica para a compreensão do Estado Sua obra mais difundida é A ciência nova que Bobbio 2004 considera a mais importante até Hegel O pensamento de Vico é concebido dentro de um horizonte cultural a história de Roma e é nos limites dessa história que o pensador teorizou sobre as leis de sucessão dos Estados Ele também acreditava assim como Hobbes que o homem primitivo é bestial mas diferentemente dele que atribuía a bestialidade à natureza humana Vico considerou que se tratava de uma etapa histórica que seria superada na sua evolução ou sucessão a origem da história humana Entre a condição bestial e a formação da República o italia no vislumbrou um momento intermediário a fase das famílias quando se formaram as primeiras formas de associação humana Mas para Vico isso ainda não era o Estado ele surgiria posteriormente na forma de república aristocrática seria sucedido pela república popular e culminado na monarquia As fases bestial e das famílias para o autor integra ram a etapa préestatal a barbárie Para ele a civilização só teve início com a fase dos Estados inaugurada com a república aristocrática John Locke representou uma concepção tipicamente burguesa que aliás era coerente com a emergência do império mercantil como podemos verificar na Inglaterra a partir da segunda metade do século XVI Foi o principal teórico da revolução liberal inglesa a qual já nos referimos que com base no acordo firmado entre a nova classe burguesa a monarquia e a aristocracia culminou no surgimento das normas parlamentares e fundou a atuação do Estado em declarações de direitos dos parlamentos Dez anos antes surgiu o habeas corpus e suas garantias decorrentes que transformavam o súdito em cidadão Para Locke o homem em estado natural era totalmente livre mas para garantir sua propriedade era necessário estabelecer limites em sua própria liber dade já que com a liberdade plena não há garantia à propriedade e consequentemente também não há liberdade durável O Estado natural seria a falta de um Estado E esse deveria justamente garantir o exercício da propriedade O pensamento de Locke situouse Ciência Política e Teoria do Estado 56 em um tempo em que já havia nascido o mercado e as relações se davam entre indivíduos que negociam suas propriedades Também para esse pensador inglês o Estado surgiu de um contrato mas um contrato diferente daquele defendido por Hobbes do Estado absoluto já que agora o Estado pode ser feito e desfeito como qualquer outro contrato O Estado precisaria respeitar o contrato que o originou respeito às liberdades como a de propriedade a política a segurança pessoal O Estado deveria respeitar a liberdade de assembleia de palavra mas acima de tudo a liberdade de iniciativa econômica Esse autor estabeleceu uma estreita relação entre liberdade e propriedade e também apresentou uma distinção entre o público e o privado entre o Estado e aquilo que no século XVIII será chamado de sociedade civil Ele afirmava que a propriedade se transmitia por herança de pai para filho enquanto o poder político deveria ser o contrário ter origem democrática parlamentar Locke rompeu a ideia dominante na Idade Média de transmissão por heran ça tanto da propriedade quanto do poder político realeza Charles de Secondat o Barão de Montesquieu uma das mais notórias influências do Estado moderno uma vez que foi o idealizador de um Estado cujos poderes deveriam se dividir internamente por meio do limite e controle aos outros com o objetivo de impedir abusos de um poder arbitrário e limitado os três poderes do Estado Montesquieu estudou em Paris onde aspirava completar sua formação e formouse em Direito No ano de 1748 publicou a sua célebre obra O espírito das leis A essa obra a teo ria política moderna atribui a divisão política adotada pelos Estados ocidentais modernos que acabamos de citar No livro décimo primeiro intitulado Das leis que formam a sociedade política em sua relação com a constituição o autor declarou que existem em cada Estado três tipos de poder o poder legislativo o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes e o poder executivo daquelas que dependem do direito civil MONTESQUIEU 2000 p 167 Ele também descreveu as atribuições de cada um desses estados Por meio do poder legislativo o príncipe ou monarca criava as leis temporárias ou permanentes bem como alterava outras em vigor Com o segundo poder executivo que dependia do direito das gentes o soberano fazia guerra ou paz prevenia invasões entre outras me didas Por fim com o terceiro poder também executivo mas que dependia do direito civil julgavase e castigavase os crimes eou conflitos entre particulares Em defesa de sua proposta declarou tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres ou do povo exercesse os três poderes o de fazer as leis o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares MONTESQUIEU 2000 p 168 Immanuel Kant filósofo alemão nascido na antiga Prússia Para Kant diferentemente de Locke que não apresentou afirmação clara sobre tal tema a soberania pertencia ao povo mas a cidadania dividia as pessoas entre cidadãos independentes aqueles que podiam exprimir opinião política decidir questões do Estado sendo esses basicamente os proprietários possuidores de riquezas e cidadãos não independentes dos quais não Formação do Estado moderno 57 se podia esperar uma opinião autônoma e portanto não deviam ter direito ao voto como servos das fazendas por exemplo Essa concepção influenciou toda a Europa Na Itália até o século XIX só podia votar e ser votado aquele que pagasse determinado nível de impostos Assim ao mesmo tempo em que Kant afirmou que a soberania pertencia ao povo a ele era negado em sua totali dade pois a soberania era restrita somente a uma parte dele Isso consolidou a essência do liberalismo a relação indissociável entre propriedade e liberdade Kant defendia ainda o caráter sagrado e inviolável da lei que era superior à soberania A soberania deveria ser limitada por algumas leis que estão acima dela mas que nunca poderiam ser colocadas em discussão como o direito de propriedade a liberdade de expressão a reunião e asso ciação Mas essas eram liberdades que na prática eram aproveitadas apenas pelos que possuíam recursos econômicos Jean Jacques Rousseau nascido na Suíça e falecido na França foi um importante filósofo e teórico da política Realizou duras críticas à obra de Hobbes e afirmou que ao descrever o homem em estado natural como um lobo Hobbes não descreveu a natureza humana mas sim o homem de seu tempo Rousseau não afirmou que Hobbes definiu o homem burguês mas foi justamente o que Hobbes descreveu o surgimento da burguesia do mercado e das lutas e crueldades que os caracterizavam Rousseau fundou a concepção democráticoburguesa e acreditava que a condição na tural do homem era a felicidade a virtude e a liberdade condição apagada pela civili zação Enquanto para Hobbes e Vico a condição natural era negativa ruim e maléfica ao homem para ele essa era uma condição boa positiva O filósofo sustentava que os homens nasciam livres e iguais princípio da revolução burguesa na França mas eram acorrentados em todo lugar Para Rousseau os homens não podiam renunciar aos bens essenciais de sua condição natural a liberdade e a igualdade Ele também defendia que a sociedade nasceu de um contrato apenas ela enquanto para Hobbes era inversa a re lação do contrato nasceu a sociedade e o governo Por fim Rousseau proclamou que o povo não poderia perder sua soberania e o único órgão soberano era a assembleia Isso é importante porque tal defesa o fez o primeiro teórico da assembleia Ainda em Rousseau encontramos a ideia de que o homem só podia ser livre se fosse igual e embora estivesse se referindo à igualdade jurídica acabou chegando também à compreensão a respeito da igualdade econômica e social e a negação à propriedade privada Junto à propriedade privada teriam se iniciado os crimes as guerras e outros males Apesar das duras críticas o filósofo não propôs meios para abolir a propriedade privada O Federalista Weffort 1997 explica que os debates europeus a respeito do Estado go verno e democracias chegaram aos Estados Unidos no século XVIII em um momento importante em que a confederação formada a partir da independência das treze colônias inglesas refletia sobre seu próprio futuro Nós vimos anteriormente que a solução en contrada pelos norteamericanos inaugurou o sistema federativo delineado na primeira Constituição da modernidade aprovada no ano de 1787 pela Assembleia de Filadélfia Como foi um momento importante e de debate acalorado nos Estados Unidos Alexander Ciência Política e Teoria do Estado 58 Hamilton 17571804 James Madison 17511836 e John Jay 17451829 construíram apesar de suas divergências uma série de ensaios que explicava o teor da Constituição e defendia o novo modelo de Estado que estava sendo adotado Posteriormente esses ensaios que haviam sido publicados na imprensa novaiorquina foram reunidos e publi cados sob o nome de O Federalista Nessa obra constatamos a preocupação com o futuro da Confederação e a defesa da Constituição a qual trazia um modelo político muito su perior o federalismo Os oponentes a essa ideia evocavam uma tradição teórica iniciada em Maquiavel que culminou em Rousseau e passou por Montesquieu Uma das grandes contribuições de O Federalista foi a problematização dessas ideias tradicionais e a de monstração de que a nova ordem comercial que se desenvolvia e as preocupações com o bemestar material não eram incompatíveis com governos populares Essa obra trouxe as primeiras teorizações modernas a respeito de governos populares pois foi a primeira vez que tais reflexões não foram desenvolvidas com base em exemplos da Antiguidade Após esse sumário discutiremos no próximo tópico os elementos reconhecidos como indis pensáveis para a composição de um Estado no seu sentido atual 43 Elementos constitutivos do Estado Foi o jurista francês Léon Duguit 18591928 que construiu a definição mais difundida a respeito da constituição do Estado Ele apontou para um elemento formal o poder político do qual decorre o domínio dos mais fortes sobre os mais fracos e dois elementos materiais o território e o elemento humano que confor me a abordagem poderá ser denominado de distintas maneiras algumas indicadas por Bonavides 2010 p 7071 povo denominação jurídica população denominação demográ fica e nação denominação cultural Ao sintetizar a teorização de Duguit Bonavides apresenta uma objeção ao que entende como juízo de valor contido na afirmação do francês que sugeriu que o poder sempre implicava na dominação dos mais fortes sobre os mais fracos perspectiva que reconheceu a dominação como inerente a todo Estado Por não concordar com tal premissa Bonavides 2010 p 71 sugere outra definição que lhe parece mais adequada a do jusfilósofo alemão Georg Jellinek 18511911 que teria definido o Estado como a corporação de um povo assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando Essa definição comportaria um eventual Estado neutro acima das classes sociais e que o consagraria como juiz ou disciplinador isento de interesses específicos Com base nessas teorizações identificamos as caraterísticas do Estado contemporâneo há um poder estatal exercido nos limites territoriais e em determinadas situações para além destes nas relações internacionais a autonomia e a soberania respectivamente há também um dever de subordinação pelo qual particulares não podem questionar as ordens do Estado constam as funções estatais fundadas no monopólio estatal sobre atividades especifica mente suas Vídeo Formação do Estado moderno 59 os privilégios que asseguram ao Estado tratamento privilegiado em todas as suas relações jurídicas sejam elas legais contratuais ou judiciais e o bem comum presente e expresso nos compromissos assumidos pelos Estados os quais podem ser modificados se isso for mais conveniente à coletividade Observamos isso quando um país assume projetos contra fome analfabetismo entre outros compromissos GAMA 2005 p 61 Considerações finais Percorremos neste capítulo primeiramente no curso da história depois no curso das ideias o caminho que forjou o modelo de organização política predominante nas sociedades ocidentais Com isso pudemos verificar que as ideias e experiências que influenciaram o Estado moderno foram deflagradas no espaço geográfico e cultural da Europa e de uma das principais colônias inglesas os Estados Unidos da América Agora sabemos por exemplo que a estrutura de poder adotada em nosso país ou em muitos de nossos países vizinhos não é um modelo genuina mente nosso idealizado e construído para atender às necessidades locais mas sim um modelo que tentamos reproduzir observando aquelas sociedades Nos próximos capítulos vamos buscar compreender como a instituição do Estado organiza e manifesta seu poder como se relacionam os atores do espaço público instituições estatais e os atores do espaço privado cidadãos sociedade civil entre outros Vamos perceber nos nossos es tudos seguintes à influência das ideias que discutimos neste capítulo assim como vamos continuar percebendo a forte influência do pensamento contemporâneo dessa mesma tradição que acabamos de estudar Ampliando seus conhecimentos Os excertos a seguir pertencem a um dos documentos políticos mais influentes da humani dade que tem as bases da igualdade jurídica Art 1º da soberania da nação Art 3º do gover no das leis e não mais da vontade dos homens Art 4º da representação política Art 6º e da Constituição e separação dos poderes Art 16º Trechos da Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789 USP 2017 Art 1º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos As distinções sociais só podem fundamentarse na utilidade comum Art 3º O princípio de toda a soberania reside essencialmente na nação Nenhuma operação nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente Art 4º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo Assim o exer cício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram Ciência Política e Teoria do Estado 60 aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos Estes limites apenas podem ser determinados pela lei Art 6º A lei é a expressão da vontade geral Todos os cidadãos têm o direito de concorrer pes soalmente ou através de mandatários para a sua formação Ela deve ser a mesma para todos seja para proteger seja para punir Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades lugares e empregos públicos segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos Art 16º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição Dicas de estudo A obra organizada pelo professor da Universidade de São Paulo USP Francisco Weffort denominada Os clássicos da política é um dos mais difundidos trabalhos de caráter in trodutório a respeito do pensamento político ocidental com inserção desde escolas até cursos de pósgraduação no Brasil Por isso ela pode ser uma leitura muito profícua para estudantes que desejarem compreender mais detalhadamente os pensamentos que mais influenciaram a definição do nosso espaço público representado no Estado moderno Da mesma forma a outra obra citada Tudo começou com Maquiavel de Luciano Gruppi pode complementar o estudo com uma perspectiva mais crítica própria da formação do jurista italiano Há um romance francês considerado o primeiro romance realista escrito por Henri Marie Beyle Stendhal 17831842 chamado O vermelho e o negro A obra conta a saga de um personagem que vivia na Europa do século XVIII Ele não possuía sangue nobre riquezas ou qualquer outro fator que lhe conferisse prestígio social contava apenas com sua inteligência e uma notável memória que lhe permitia misturarse aos nobres e obter ascensão em setores sociais bastante rígidos como a nobreza e a Igreja Os episódios narrados constituem um retrato vívido da cultura e das transformações sociais e políticas que ocorreram na Europa Sua leitura além de prazerosa pode ensinar muito sobre o universo que percorremos neste capítulo Atividades 1 Quais são as características comuns entre as três revoluções Inglesa 1688 Americana 1776 e Francesa 1789 citadas no capítulo 2 Relacione algumas características conhecidas do Estado brasileiro com as teorias analisadas no item 42 deste capítulo Teorias contratualistas e a separação dos poderes do Estado Formação do Estado moderno 61 3 Como se relaciona a posição de Bonavides 2010 a respeito dos elementos constitutivos do Estado e a visão marxista do Estado e da sociedade Referências BASTOS C R Curso de teoria do estado e ciência política 6 ed São Paulo Celso Bastos 2004 BOBBIO N A teoria das formas de governo 10 ed Brasília Editora UnB 1998 BOBBIO N Política In MATTEUCI N PASQUINO G Dicionário de política 5 ed Brasília UnB 2004 2v BONAVIDES P Ciência política 17 ed São Paulo Objetiva 2010 CHAUSSINANDNOGARET G A queda da Bastilha começo da Revolução Francesa Rio de Janeiro Jorge Zahar 1989 DALLARI D A Elementos de teoria geral do Estado 30 ed São Paulo Saraiva 2011 DUSSEL E 1492 o encobrimento do outro A origem do mito da modernidade Petrópolis Vozes 1993 GAMA R R Ciência política Campinas LZN 2005 GROSSI P A ordem jurídica medieval São Paulo WMF Martins Fontes 2014 GRUPPI L Tudo começou com Maquiavel as concepções de Estado em Marx Engels Lênin e Gramsci 14 ed Porto Alegre LPM Editores MONTESQUIEU C S O espírito das leis 2 ed São Paulo Martins Fontes 2000 POMER L As independências na América Latina 2 ed São Paulo Brasiliense 1981 SILVA J A Curso de direito constitucional positivo 35 ed São Paulo Malheiros 2012 USP Biblioteca Virtual de Direitos Humanos Declaração de direitos do homem e do cidadão 1789 Disponível em httpwwwdireitoshumanosuspbrindexphpDocumentosanterioresàcriaçãoda SociedadedasNaçõesaté1919declaracaodedireitosdohomemedocidadao1789html Acesso em 6 jun 2018 WEFFORT F C Os clássicos da política 8 ed São Paulo Ática 1997 SIX SIMPLE RULES OF DESIGN TIPS Keep it simple Respect alignment Use the grid Use the Gestalt principles Principle of proximity Principle of similarity Principle of symmetry Principle of continuation Principle of closure Balance and contrast Solid color backgrounds and white space Uniform typography pattern Use 1 or 2 fonts Compliment color Use a limited palette of colors Be consistent across slides Design with the audience in mind Tell a storyPoints to Remember DESIGN TIPS 1 4 7 10 2 5 8 3 6 9 5 Relações do Estado e estruturas de poder Continuamos nossa compreensão a respeito do Estado moderno consolidado na cultura jurídica e política do Ocidente Já compreendemos que sua origem está relacionada à necessidade de mediar conflitos sociais de limitar o uso da força diretamente pelos grupos sociais e que o poder que ele detém pode ser interpretado de distintas maneiras Assim o Estado pode ser considerado um meio de estabelecer a opressão de uma classe sobre a outra ou como um contrato ao qual todos se submetem e abrem mão de parte de sua liberdade para obter segurança e proteção contra vio lência no convívio social Podemos agora nos debruçar sobre o estudo das prerrogativas e poderes propriamente ditos pelos quais são impostos os limites dos quais falamos Para isso precisamos compreender melhor tais poderes suas fontes de legitimidade e como eles se projetam dentro e fora do Estado 51 Caracterização do poder do Estado Como vimos há muitas formas de compreender o Estado e tantas outras de explicálo Dentre as divergências todavia identificamos um ponto comum a percepção de que o Estado tem como propósito manter a ordem social seja essa ordem entendida como dominação entre classes ou como pressuposto da paz e tranquilidade Assim para que o Estado seja um instrumento capaz de se impor sobre conflitos disputas e todo tipo de violência que possa se instaurar no âmbito da sociedade é preciso contar com um determinado tipo de poder Mais que isso esse poder deve prevalecer sobre qualquer outra manifestação de força para que possa subjugála e restaurar a ordem Esse poder deve ter autoridade Por isso podemos dizer que a autoridade política precisa do consentimento das pessoas ou da maioria delas pois é esse consentimento que legitima o poder do Estado É pela autoridade po lítica do Estado que as pessoas se veem obrigadas a observar as leis ou suportar as punições quando não as cumprem Por isso o poder do Estado se distingue dos demais tratase de um poder coa tivo Além disso esse poder conta também com o princípio da soberania ou seja a capacidade de governar sem se submeter a nenhum poder superior ABBAGNANO 2007 p 901 Dallari 2011 também aponta a soberania como característica do poder do Estado Mais que isso a soberania é a sua principal característica Alguns teóricos ao analisarem a projeção interna do poder do Estado dentro de seu próprio território e sobre os seus cidadãos entendem que a soberania é a mesma coisa que o poder de império Outros a definem como um poder exercido sobre as pessoas Em qualquer caso é comum a definição do poder estatal como poder dominante Dallari explica que Jellinek teórico que mencionamos no capítulo anterior identificou dois tipos de poder na sociedade o poder não dominante que se institui em sociedades que ingres samos voluntariamente como igrejas clubes etc e um poder dominante que é o do Estado Vídeo Ciência Política e Teoria do Estado 64 e somente dele Embora Jellinek não tenha deixado explícito por certo ele estava se referindo à coação legal Assim chegamos a uma encruzilhada em que observamos caminhos diferentes há teóricos que consideram o poder do Estado como um poder político e há aqueles que o definem como um poder jurídico Kelsen que também já mencionamos anteriormente é considerado o principal teórico do poder jurídico do Estado Teórico com uma visão normativa o autor dizia que o poder de império submete as pessoas uma vez que ele transforma determinadas condutas em deveres jurídicos Por isso na relação com o Estado não existem homens submetidos a outros homens mas sim homens submetidos a normas jurídicas Kelsen também concluiu que as demais ordens existentes na so ciedade coexistem com a estatal ordem jurídica e são limitadas no tempo e no espaço pelo poder estatal que é uma ordem superior aliás é uma ordem suprema que não sofre limitações1 Diante dessa polêmica se a essência do poder do Estado seria jurídica ou política Dallari conclui que não é possível definilo exclusivamente com base em um desses dois elementos políti co e estatal Ele atribui a Miguel Reale 19102006 a mais promissora explicação na organização das sociedades houve ordem jurídica e também houve poder de modo que podemos considerar ambos elementos essenciais em sua organização Dallari propõe que devemos considerar diferen tes graus de juridicidade porque assim podemos compreender mais facilmente Mesmo quando um poder aparenta ser meramente político o qual impõese ao visar um fim ou meta social por exemplo ele guarda em si um grau jurídico Isso também ocorre com um poder que aparenta ser meramente jurídico que se impõe para garantir o respeito às normas esse mesmo poder não deixa de ter dimensão política DALLARI 2011 p 113117 Dessas considerações extraímos dois aspectos fundamentais para compreendermos o poder do Estado a primeira referese à extensão os pressupostos enfim à definição da força em si pela qual o Estado submete as pessoas à ordem que dita A segunda diz respeito à legitimidade que em nosso tempo exigimos para reconhecer seu poder A legitimidade está ligada também à legalidade Vamos nos ocupar desses conceitos nos itens seguintes 511 Poder de polícia De modo sintético o conceito polícia pode ser juridicamente compreendido como a força organizada que protege a sociedade Cretella Júnior 1985 para chegar a uma definição sobre o termo apresentou três elementos que considerava indispensáveis elemento subjetivo orgânico ou instrumental é o Estado e é dele que provém o poder o Estado não pode delegar o poder em hipótese alguma ou se descaracterizaria enquanto Estado elemento teleológico é a finalidade ou escopo da polícia que consiste em assegurar a paz a tranquilidade e a ordem e que não pode ser outro e 1 É em sua obra Teoria pura do Direito 1984 que Kelsen explicou o sistema de direito positivo Ao explicar tal siste ma o autor situa na norma jurídica a condição de validade para todas as ordens e para toda coação que o Estado pode empregar para ordenar a sociedade O fundamento da autoridade e seu poder derivam de normas jurídicas Dallari explica o sentido dessa afirmação o Estado não sofre limitações em seu poder porque as normas que ele aplica e que dimensionam seu poder são criadas pelo próprio Estado que ao definir o conteúdo das normas jurídicas não tem qual quer limitação Relações do Estado e estruturas de poder 65 elemento objetivo ou material referese às limitações à liberdade especificamente a ati vidades que possam perturbar a vida comum Da conjugação desses três elementos definese juridicamente polícia como o conjunto de poderes pelos quais o Estado consegue restringir a conduta das pessoas Esses poderes decorrem da lei e agem dentro dos limites por ela indicados Tratamse de poderes de coerção Em síntese esse conceito pode ser definido como conjunto de poderes coercitivos exercidos pelo Estado sobre as ativi dades do cidadão mediante restrições legais impostas a essas atividades quando abusivas a fim de assegurarse a ordem pública CRETELLA JUNIOR 1985 p 12 No curso da história verificamos bases longínquas da ideia de polícia todavia com sentidos diferentes do que lhe atribuímos hoje A origem da palavra está relacionada com as palavras politia latim e politeo grego Na Antiguidade essa palavra era empregada com o sentido de ordena mento político de Constituição Na Idade Média por volta do século XI assumiuse um novo sentido mais restrito porque se deixou de incluir ao conceito de polícia às relações internacionais do Estado É nesse momento que se começou a definir o sentido que hoje empregamos o poder de polícia passou a ser relacionado aos administradores das comunas europeias cuja atuação voltava se à manutenção da ordem pública e tranquilidade das pessoas Posteriormente e em um processo lento deixam de ser atribuídas a esse conceito matérias relacionadas à justiça e finanças fato que culminou no século XVIII sua compreensão como atividade pública interna sem a justiça e as finanças Isso permitiu ao Estado regular absolutamente tudo que se encontrava em seu âmbito Nesse período surgiram importantes obras que discutiram o assunto mas não verificamos nelas um consenso a respeito do conceito de polícia MEDAUAR 1995 p 9091 Foi nos fins do século XVIII que o debate alcançou o apogeu O Código Geral prussiano de 1794 dedicou parte de seus dispositivos à polícia Para Medauar 1995 equivocadamente al guns teóricos costumam atribuir a esse código os antecedentes do conceito de polícia De qualquer modo é nesse período que surgiu o chamado Estado de polícia com o fim do Estado absoluto A caracterização do poder estatal exercido no período compreendeu intromissão opressiva na vida dos particulares Com isso se definiu um novo sentido de polícia mais restrito que deu lugar à ideia de Administração Pública Encontramos nesse processo influências da Revolução Iluminista na valorização dos direitos individuais E assim polícia não foi mais empregada isola damente em seu lugar foram empregadas expressões como polícia administrativa na França em 1795 ou poder de polícia nos Estados Unidos 1827 sendo este último o conceito utilizado no Brasil MEDAUAR 1995 p 9192 Para Cretella Júnior 1985 a ideia de polícia como administração organizada é mais recen te associada ao início da unidade nacional e da separação de poderes No entanto ele identifica no mesmo precedente histórico a origem da expressão poder de polícia Podemos encontrar essa Ciência Política e Teoria do Estado 66 expressão em decisões proferidas na Corte Suprema dos Estados Unidos já na primeira metade do século XIX momento em que começou a ser universalmente aceita Nas primeiras decisões em que foi citada a ideia não se apresentava com expressão uniforme e o poder de polícia só se firmou de modo pleno em uma decisão proferida por um magistrado nos Estados Unidos em 1853 O poder a que aludimos é mais o poder de polícia poder investido na legis latura pela Constituição para fazer ordenar e estabelecer todas as modalida des de leis íntegras e razoáveis estatutos e ordenanças com ou sem sanções não repugnando à Constituição conforme julguem ser para o bemestar da Commonwealth e para súditos SHAW apud CRETELLA JÚNIOR 1985 p 23 Assim no âmbito do Estado moderno podemos identificar atualmente uma classificação mais tradicional a qual reconhece uma polícia preventiva ou administrativa incumbida da or dem segurança e salubridade pública e uma polícia repressiva ou judiciária A polícia adminis trativa é preventiva porque age antes dos acontecimentos e seu escopo é evitar perturbações Por essa razão aceitamos que ela não tenha restrições ou limitações em suas formas de intervenção pois a própria natureza humana é imprevisível de modo que as condutas que as pessoas adotam são variáveis Embora essas formas de intervenções sejam aceitas existem limites que consideramos com patíveis com a natureza do poder de polícia e acima de tudo necessárias para manter a integridade do Estado de direito Sua atuação não pode violar as liberdades públicas os direitos do cidadão e as prerrogativas individuais Por isso podemos dizer que o poder de polícia é discricionário mas não é arbitrário2 Esses limites também se aplicam à polícia repressiva ou judiciária mas esta se diferencia da anterior porque age depois dos delitos e investiga aqueles que a polícia preventiva não conseguiu impedir Com isso a polícia repressiva ajuda o poder judiciário a punir as condutas não aceitas ou seja ajuda a impor a sanção CRETELLA JÚNIOR 1985 Nós temos contato cotidiano com esses instrumentos de poder mas temos que tomar cui dado para não reduzir nossa compreensão somente às polícias propriamente ditas Quando vemos um oficial3 em sua viatura com sua farda estamos diante de um dos instrumentos do poder de polícia do Estado Existem muitos outros Por exemplo o poder de um fiscal de trânsito em aplicar uma multa o poder de uma autoridade administrativa em negar uma licença em caso de danos ao meio ambiente ou desrespeito às normas de saúde pública o poder do juiz ao proferir sentenças o poder que nos obriga a pagar impostos entre tantos outros Logo está claro que nós sentimos o poder de polícia do Estado nas ordens que dele emanam e às quais não podemos negar obediência sob o risco de sofrermos a sanção que pode vir das mais diversas formas inclusive a prisão O Estado pode usar esses recursos com respaldo nas leis e é 2 Com base nessas reflexões podemos resumir a diferença entre discricionariedade e arbitrariedade como uma dife rença entre impor o poder com escolhas dentro dos limites da lei poder discricionário e impor o poder sem respeitar os limites colocados pela lei atuação arbitrária Na modernidade não admitimos mais o poder arbitrário ele é superado junto do Estado absoluto e quando ressurge em regimes totalitários ditaduras etc significa a negação do direito e da própria democracia 3 Nos Estados brasileiros encontramos nas polícias essa divisão também A Polícia Militar tem o dever institucional de cumprir a função preventiva e evitar crimes A Polícia Civil também denominada como vimos aqui Polícia judiciária é aquela que investiga as condutas e elabora por exemplo o inquérito policial Este deve contribuir para o esclarecimento dos fatos que o judiciário julga e aplicar a sanção pena devida em cada caso Relações do Estado e estruturas de poder 67 nele que encontramos a sua força irresistível que caracteriza o poder de polícia como um poder de coação também designado poder coercitivo quando exercido com base na lei fundamentada no sistema jurídico e no Estado Diferença entre poder de polícia e poder da polícia Não podemos confundir o poder de polícia com o poder da polícia Este último é a forma como o poder se manifesta concretamente em ordens e atos como nos exemplos que citamos anteriormente enquanto o primeiro é fundamentado na legitimidade O poder da polícia sem o poder de polícia seria um poder arbitrário incompatível com o Estado de direito CRETELLA JUNIOR 1985 p 26 Vimos a importância do poder de polícia e agora podemos compreender por que somente o Estado e suas autoridades podem exercer tal força e o motivo pelo qual não se pode delegar a particulares sua execução Devemos agora nos deter a um aspecto essencial do poder de polícia no Estado contemporâneo o qual tangenciamos ao mencionar o limite da legalidade nas atuações e demonstrações de força do Estado Como mencionamos com o triunfo das revoluções burguesas dos últimos séculos deixamos de admitir governos de homens arbitrários e por vezes abusivos para em seu lugar nos submetermos ao governo de leis acreditando encontrar sob o jugo da lei limites seguros para a vida em sociedade Por isso falamos que na atual estrutura de poder que adotamos são indispensáveis a legalidade e a legitimidade do poder do Estado Mas o que é afinal legalidade e legitimidade do poder político 512 Legalidade e legitimidade do poder político A doutrina não chega a um consenso quando se discute a respeito da legitimidade e da lega lidade do poder Para alguns teóricos esses elementos constituem traços essenciais para descrever o poder do Estado enquanto para outros tais elementos nem mesmo caracterizam o poder estatal No princípio da legalidade temos um limite e também um fundamento do poder político segun do o qual o Estado no exercício do seu poder também deve observar a lei4 Ou seja todo o poder que o Estado manifesta deve contar com uma norma jurídica que prevê seu exercício Por isso as autoridades jurídicas agem de acordo com regulamentos ou preceitos jurídicos expressos em leis decretos dentre os quais destacamos o mais importante no âmbito de um Estado sua Constituição A legitimidade por sua vez abrange dimensões mais complexas do poder porque comporta juízos de valor ou seja a justificação de valores do poder legal e estatal Por isso encontramos au tores que sustentam a ideia de que a legitimidade é a legalidade acrescida de valores a qual passará 4 A lei não se impõe somente às pessoas que devem respeitála mas ao próprio Estado que não pode violar a lei no cumprimento de suas funções e exercício de suas prerrogativas Entretanto como é o próprio Estado quem dita as leis que deverá também respeitar podemos reconhecer nisso a capacidade de autoorganização do Estado como cita Bonavides 2010 p 116 Ciência Política e Teoria do Estado 68 a abranger também as crenças de cada época É dessas crenças que decorrerá o consentimento das pessoas em obedecer ao poder do Estado Eis aqui a importância do texto constitucional enquanto abrigo da legalidade mas para além dele também devemos procurar valores crenças e princípios derivados da ideologia dominante que fundamentam o poder estatal e configuram a legitimidade BONAVIDES 2010 p 120121 Desse modo podemos simplificar os dois conceitos e dizer que a legalidade se refere à forma pela qual o poder do Estado se fundamenta uma base normativa o texto da lei já a legitimidade se refere ao conteúdo de valor que deve ser respeitado no exercício do poder estatal Assim não é qualquer norma jurídica que será fundamentada mas somente aquelas normas que respeitarem também as crenças e aspirações sociais Para compreendermos melhor essa relação podemos contar com as contribuições do cons titucionalista brasileiro Luís Roberto Barroso Suas considerações a respeito desses conceitos são muito importantes para a compreensão do Estado e para o Direito especialmente em relação a como aprendemos a darlhes sentido com base em nossas trágicas experiências nas últimas déca das como foi o caso do regime nazista É uma lição pertinente uma vez que vinculamos o poder político a seu fundamento jurídico e a Constituição é a forma pela qual estabelecemos esse vínculo e a definimos como documentos jurídicos e políticos Se tomarmos como base o Estado constitucional de Direito que é a principal opção das sociedades ocidentais contemporâneas para institucionalizar de modo legítimo o poder podemos distinguir três fases na sua formação A primeira o Estado prémoderno a respeito do qual já comentamos e vimos que compreendeu diversas formas até culminar no Estado absoluto Do fim desse Estado chegamos à segunda fase o Estado Legislativo de Direito baseado no império das leis sobre os homens e que também entrou em crise Na primeira metade do século passado a humanidade presenciou os perigos de uma cren ça inabalável na segurança da lei que se apresentou nos regimes totalitários da Segunda Guerra Mundial O Estado nazista aplicou seu poder e cometeu as maiores atrocidades do nosso tempo Tudo que foi praticado nesse Estado se deu com base na estrita legalidade ou seja o fundamento da legalidade estava presente O problema era o fundamento da legalidade qualquer lei que fosse devidamente aprovada pelos poderes instituídos seria válida Essa tragédia que Barroso descreve como barbáries sob a égide da legalidade mostra ram à humanidade que a legalidade vazia de conteúdos era tão perigosa quanto à ausência total da legalidade Assim da crise do Estado Legislativo de Direito emergiu o Estado Constitucional de Direito terceira fase que perdura até nossos dias Nesse Estado não basta que se respeitem os procedimentos determinados na lei mas é fundamental que toda a ordem jurídica respeite valo res crenças e o que é tido como legítimo pela sociedade que passamos a incluir dentro dos textos de nossas constituições Um detalhe importante se no âmbito mundial foi a Segunda Guerra e o regime nazista que impuseram o princípio da legitimidade aos Estados no Brasil essa consciência somente é despertada na luta contra o regime militar no processo de redemocratização do nosso país BARROSO 2010 p 7679 243250 Relações do Estado e estruturas de poder 69 Essa complementação é necessária pois como vimos há autores como Bonavides 2010 que visualizam nas constituições o fundamento de legalidade do Estado enquanto a legitimidade deveria ser buscada mais além no âmbito da sociedade Entretanto outros autores como Barroso identificam nas constituições do nosso tempo presente ambos os fundamentos a legalidade fun damento formal e a legitimidade fundamento material do direito e do Estado Em Bonavides há uma explicação a respeito do amadurecimento político do Estado moder no Para o autor tratouse de um processo que buscou fixar regras permanentes pelo princípio da legalidade resultado da razão e aptas a proteger os indivíduos do poder arbitrário dos governantes uma limitação ao poder absoluto Com esse mesmo ânimo Montesquieu entendeu a legalidade como sinônimo de liberdade uma ideia que ressoou entre os franceses até chegar ao texto cons titucional de 1791 presente no artigo 32 não há em França autoridade superior à lei o rei não reina senão em virtude dela e é unicamente em nome da lei que poderá ele exigir obediência BONAVIDES 2011 p 121 Bonavides 2010 p 122129 explica que há quatro dimensões que se relacionam e determi nam a imposição dos dois princípios legalidade e legitimidade como pressupostos indispensá veis ao poder estatal Dimensão histórica a tradição antiga e o Direito canônico não distinguiam ambos os princípios Entretanto a partir do ano de 1815 a França presenciou um antagonismo vivo entre a legitimidade do poder restaurado da sua dinastia e a legalidade decorrente do Código Napoleônico5 que dividiu liberais e conservadores progressistas e moderados dentre outras posições Uns penderam para a legitimidade histórica da dinastia outros tenderam para a legalidade de uma monarquia constitucional Prevaleceu a legalidade Disso decorreu uma cisão entre ambos os conceitos que só foi superada como vimos há pouco no pósguerra quando a legalidade foi levada aos extremos O princípio da legali dade também ficou abalado com as duras críticas apontadas pela teoria marxista que de nunciou a lei como instrumento de dominação e de uma superestrutura social da opres são burguesa que evidenciava o abismo estabelecido entre a legalidade e a legitimidade Dimensão filosófica está relacionada a uma reflexão mais profunda e complexa acerca das implicações do poder e que abrangem ideologias crenças pessoais problematizações a respeito da autoridade das pessoas etc Essa dimensão está além dos fatos e dados rela tivos ao poder e à vida política pois ocupase de fundamentos e preceitos essenciais No campo da filosofia são formuladas doutrinas que discutem os fundamentos do poder e da obediência seus erros acertos e critérios para verificar quão legítima é uma ordem política Essas percepções variam porque seus critérios são estabelecidos subjetivamente fato que leva Bonavides a dizer que a consideração filosófica a respeito do problema da legitimidade busca menos o poder que é do que propriamente o poder que deveria ser grifos no original 5 O Código Civil Francês ou Código Napoleônico encomendado pelo imperador Napoleão Bonaparte e publicado em 1804 é considerado um marco fundamental para compreender o princípio da legalidade É com base nesse diploma que não apenas as condutas humanas mas também o fundamento de toda autoridade passaram a ser vinculados à norma Ciência Política e Teoria do Estado 70 Dimensão sociológica dentre as abordagens sociológicas encontramos a de Max Weber que identifica três formas básicas de legitimação social da autoridade A legitimação ca rismática que se verifica por exemplo quando heróis ou demagogos conquistam o poder pois nesse caso a autoridade baseiase na lealdade pessoal dos seguidores transformando sua fé e reconhecimento em deveres invioláveis As formas mais puras de legitimação carismática conservam o caráter autoritário e imperativo do poder A legitimação tradi cional que se apoia em uma crença de virtude da santidade e é a legitimação típica da autoridade patriarcal que identifica o governante como senhor e o governado como súdi to ou o funcionário como servidor A obediência se perpetua como tradição em respeito a uma dignidade pessoal reconhecida como sagrada E por fim a legitimação racional cujo tipo mais puro de poder é a autoridade burocrática A obediência não é vinculada à pessoa mas sim à regra que determina a quem e quando se deve obedecer Há outras definições sociológicas que se ocupam da questão da legitimidade como a do cientista político francês Maurice Duverger6 19171914 Dimensão jurídica o jurista alemão Carl Schmitt 18881985 defendia que demonstrar a legitimidade do poder legal dependia de uma presunção de juridicidade cláusulas ge rais e obediência condicional Esses fatores não podem ser ignorados uma vez que são importantes tanto para determinar critérios de controle de constitucionalidade das leis quanto para fundamentar uma doutrina do direito de resistência Entretanto a defesa desse jurista que foi um dos principais teóricos do nacionalsocialismo ideologia do partido de Hitler não alcançou a consciência do povo alemão e nem de seus magistrados e funcionários do governo o que provou o que Bonavides chama de emboscada histórica da legalidade hitlerista Nesse sentido a Alemanha teve sua ordem jurídica entregue a uma ditadura inescrupulosa e seu povo estava desarmado de um sentimento de resis tência que lhe pudesse acudir diante de tantos crimes7 Depois desse episódio o próprio Schmitt acrescentou a necessidade de limites democráticos e constitucionais aos pode res invocados pelas autoridades Na doutrina francesa encontraremos juristas divididos em três grandes posições a respeito da questão legalidadelegitimidade do poder político teóricos que consideram a legalidade apenas questão de forma e a legitimidade como questão de fundo ou substância esta última verificada na conformidade entre o poder e a opinião pública autores que consideram legitimidade como questão ideológica e legalidade como questão jurídica entretanto também consideram que as noções coincidem ou convertemse na mesma coisa quando abordadas do ponto de vista constitucional8 e 6 Duverger considerava que cada época e lugar contavam com uma teoria dominante capaz de angariar o apoio das massas de governados sobre o apoio das quais o governo alcançaria sua legitimidade em uma perspectiva sociológica 7 Como já comentamos o regime nazista alegava cumprir fiel e incondicionalmente as leis sem jamais questioná las Foi o princípio da legalidade levado ao seu extremo 8 Um governo legal e legítimo se para ambos os casos for observada a Constituição Relações do Estado e estruturas de poder 71 estudiosos que consideram legalidade conceito formal e legitimidade conceito mate rial para estes legalidade significa que o governo se adequa a um texto normativo da Constituição que o precede já a legitimidade se configura na fiel observância e respeito aos princípios vigentes nessa ordem normativa contida na Constituição Diante do exposto percebemos que o poder político se aproxima do sistema jurídico até a quase identificação Nossos Estados contemporâneos estão profundamente submetidos ao princí pio da legalidade uma vez que a legitimidade do poder deverá estar contida e contemplada na lei Isto é os valores necessidades e crenças sociais em que repousa a legitimidade precisam constar na lei em que repousa a legalidade Por isso falar em poder político atualmente transcende a fi losofia política e perpassa a teoria do Direito a antropologia a teoria constitucional entre outros Em suma é um tema a ser tratado com uma perspectiva transdisciplinar 52 Soberania e autonomia Vimos até aqui que o poder do Estado se impõe sobre todas as pessoas in dependentemente de suas vontades Esse poder é irresistível porque dele não po demos escapar e a ele não podemos negar obediência A principal forma como o poder estatal se impõe em nossas sociedades é pelas ordens contidas nas leis Diferentemente de outras sociedades às quais nós podemos ingressar e sair volun tariamente nosso ingresso no Estado é automático e se não desejarmos viver sob o poder de um o máximo que podemos fazer é sair de seu território Mesmo assim ingressaríamos em outro territó rio em que viveríamos sob o poder de outro Estado com as mesmas prerrogativas e com a mesma força irresistível É desse modo que a força do Estado se relaciona com o seu povo ou seja com as pessoas que vivem sob seu poder Entretanto o Estado também estabelece relações com outros Estados outros países por meio de suas relações internacionais e estabelece relações internas de acordo com a forma de or ganização que adotar Nós já vimos que um Estado pode se organizar com esferas internas Estados compostos como é o caso do Brasil em que encontramos as esferas estadual e municipal abran gidas pela esfera federal Vimos também o modelo federativo e alguns pressupostos políticos desse modelo como a lei da autonomia que veremos adiante Agora vamos buscar uma maior com preensão sobre os pressupostos políticos pelos quais um Estado estabelece relação não com pes soas mas com outros entes políticos como outros Estados ou seus próprios entes federativos suas divisões em Estados e municípios Esses pressupostos são a soberania e a autonomia e é funda mental compreendermos a distinção entre ambos Com relação à soberania Bonavides 2010 p 119 explica que se trata de uma prerrogativa que se expressa em duas dimensões a dimensão interna denominada também poder de impe rium projetado sobre o território e a população e a dimensão externa que implica na indepen dência de um Estado perante os demais Graças ao princípio da soberania no plano das relações internacionais um país que detenha um enorme poder econômico tem ao menos em tese o mes mo poder e importância que um país de pouca riqueza econômica Isto é não é possível a nenhum país exercer poder de império determinar ordens a qualquer outro Todos são soberanos Vídeo Ciência Política e Teoria do Estado 72 Bastos 2004 p 9497 explica que a soberania não é um poder do Estado mas sim uma qualidade um atributo desse poder Em razão da soberania o Estado não reconhece internamente nenhum poder igual ao seu e externamente nenhum poder superior E na trajetória histórica a so berania é um conceito que só se impõe nos tempos modernos já que nas épocas mais remotas era uma ideia desconhecida Como já observamos o primeiro teórico a se ocupar do assunto foi Jean Bodin que a descreveu como poder absoluto e perpétuo de um Estado sua ideia era fortalecer o poder do rei Posteriormente com Rousseau a soberania ganhou novos contornos pois esse autor defendia que ela residia no povo Finalmente Jellinek defendeu a ideia de que a soberania reside no Estado Com isso chegamos ao conceito atual que inclusive está inscrito no primeiro parágrafo da Constituição brasileira9 Finalmente Bastos indica as características do poder soberano unidade só pode existir uma autoridade soberana em um Estado indivisibilidade já que só pode haver um poder soberano esse poder é indivisível ainda que se estruture com competências divididas como os poderes Executivo Legislativo e Judiciário de modo que essa distribuição de competências não significa divisão da soberania inalienabilidade o Estado não pode delegar ou transferir sua soberania a outro órgão ou pessoa e imprescritibilidade tratase de um poder eterno não limitado no tempo Com relação à autonomia já observamos algumas de suas características ao tratarmos do modelo federativo Retomamos agora o conceito para aprofundálo Nós já vimos que em função da lei da autonomia as divisões internas do Estado assumem determinadas competências Tratase de um rol de poderes que o ente federativo maior detentor da soberania delega aos entes federa tivos que lhe subdividem Segundo as nossas práticas jurídicopolíticas atuais as regras de distri buição desses poderes são determinadas por meio de um texto constitucional Visualizamos essa relação com base no modelo federativo brasileiro Contamos com a União uma pessoa jurídica10 de direito público que é o nível mais abran gente do conjunto de entes da federação É ela que reúne todos os demais entes federativos e exerce o poder central Como seu poder é juridicamente ilimitado dizemos que é soberano Entretanto compreendidas dentro dessa esfera maior e definidas pelas regras de direito normas temos diver sas competências Cada ente federativo Estados e municípios recebem um conjunto dessas com petências que denominamos autonomia resultado da descentralização pela União Dessa forma a União exerce o poder central mas não exerce todos já que situou alguns poderes no âmbito da 9 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 art 1º Parágrafo único todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição BRASIL 1988 10 Esse conceito jurídico é importante para compreendermos o Estado para o sistema de leis vigente em nossas sociedades não são somente as pessoas físicas que podem assumir obrigações e reivindicar direitos As chamadas pessoas jurídicas empresas órgãos estatais associações fundações entre outras também o podem O Estado seja a União seja um Estadomembro como o Paraná São Paulo ou Rio de Janeiro ou um município são pessoas jurídicas mas diferentemente das empresas em geral que são órgãos particulares privados os entes e órgãos estatais são pes soas jurídicas de direito público conforme dispõe o Código Civil BRASIL 2002 em seu artigo 41 Relações do Estado e estruturas de poder 73 autonomia de seus Estadosmembros e de seus municípios divisão adotada no Brasil BASTOS 2004 p 237239 Há autores que dizem que a autonomia existe apenas em Estados que adotam mais de um centro com poder decisório e competências Os Estados unitários contam somente com a sobera nia e não possuem autonomias A autonomia por sua vez pode ser política que implica na compe tência dos entes federativos em elaborar suas leis regionais ou locais e administrativa que consiste na liberdade em executar as leis MOTTA FILHO BARCHET 2009 p 256257 A organização política brasileira definida em nossa Constituição reconhece ambas autono mias Nossa federação compõese de três níveis a União primeiro nível subdividida nos Estados membros e no Distrito Federal segundo nível e os municípios terceiro nível que consistem em subdivisões políticas e territoriais dos Estadosmembros A cada ente federativo a Constituição delegou tanto competências para criar determinadas leis quanto para executálas e receber ordens emanadas do âmbito federal Portanto quando um município age para arrecadar impostos conce dernegar licenças e aprovar leis locais ele atua com base no exercício de sua autonomia Por outro lado quando o Estado Federal em nome de toda a nação assina um tratado internacional ou firma um acordo com outro Estado país ele atua apoiado em sua soberania pois tais atos só podem ser praticados por quem as detém Diferenças entre soberania e autonomia Dentre as diferenças entre soberania e autonomia podermos citar que a soberania projetase precipuamente para fora do Estado enquanto a autonomia manifestase no âmbito interno deste a soberania é prerrogativa no nosso caso da República Federativa do Brasil sendo exercida somente pela União que nunca poderá de legála por outro lado a autonomia é partilhada entre todos os entes e em determinadas situações esses entes podem criar órgãos gover namentais como agências reguladoras para executar certas funções a soberania é ilimitada interna e externamente enquanto a autono mia é limitada não podendo por exemplo manter relações no plano internacional a soberania é indivisível já a autonomia pode se dividir conforme os níveis federativos adotados no país MOTTA FILHO BARCHET 2009 p 256257 Em suma se temos na soberania um poder ilimitado que deve observar o respeito aos di reitos e liberdades das pessoas a autonomia é um poder limitado pela própria soberania e também pelas diversas leis vigentes no país além dos direitos e liberdades das pessoas Ciência Política e Teoria do Estado 74 53 Limitações da soberania e da autonomia Bobbio 2004 p 11871188 reflete a respeito de uma profunda crise da so berania deflagrada em nosso tempo Ele a chama de eclipse da soberania e aponta dentre suas causas o enfraquecimento do monismo estatal e os monopólios jurídico e político que têm perdido lugar em sociedades cada vez mais plurais além das novas relações internacionais com interdependências econômica política ideoló gica etc estabelecidas entre os países O autor considera que o maior golpe à soberania veio das comunidades supranacionais como a União Europeia que cria cortes judiciais autoridades extingue barreiras alfandegárias que descaracterizam as fronteiras do Estado soberano Além desses fatores o mercado mundial e o surgimento de empresas multinacionais que embora não tenham soberania no sentido estri tamente jurídico são detentoras de um poder soberano uma vez que acima de seu poder não se coloca nenhum outro há ainda a opinião pública que com os avanços tecnológicos pode se formar influenciar mundialmente e exercer uma pressão sobre o Estado a ponto de lhe impor agendas que antes eram consideradas indiscutíveis Por fim existem as novas configurações globais que impedem pequenas potências de declarar guerra por exemplo Enfim esses são alguns fatores que levam o jurista a opinar pelo fim dessa forma de organização do poder fundada na soberania Acrescentamos a essa ordem de limitações à soberania um fator visível nas relações interna cionais a pressão política e econômica exercida pelas grandes potências sobre as menores Sabemos que juridicamente um país não pode impor sua vontade sobre outro todavia isso não os impede de exercerem outros tipos de pressão É o caso do bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos à Cuba após a revolução de 1959 As privações decorrentes de bloqueios como esse podem ser um forte estímulo para que Estados soberanos se curvem diante da pressão de outros Estados e até mesmo grandes conglomerados econômicos No âmbito da autonomia já observamos outras ordens de limitações impostas pela sobe rania do Estado e as decorrentes de lei como casos de intervenção federal No caso brasileiro a Constituição Federal 1988 indica situações em que os Estadosmembros e municípios podem perder sua autonomia e ser submetidos à intervenção de outro ente federativo a União sobre o Estadomembro ou o Estadomembro sobre seu município As circunstâncias em que a inter venção pode se dar estão previstas no sexto capítulo de nossa Constituição11 e incluem situações graves como a violação aos direitos humanos a coação de um poder sobre o outro lembrando que todos os poderes do Estado devem se relacionar com harmonia independência e equilíbrio invasão estrangeira ou de um ente sobre o outro 11 Essas informações constam no Artigo 34 de nossa Constituição Para mais informações acesse o site do Planalto httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 8 jun 2018 Vídeo Relações do Estado e estruturas de poder 75 Considerações finais Vimos que a reflexão sobre o poder um dos principais temas da ciência política está pre sente na humanidade desde suas formas mais rudimentares de organização social Vimos também como evoluiu essa questão até se consagrar nas complexas teorias a respeito de como deveria ser institucionalizado o poder fato que culminou na idealização de um Estado soberano Daqui em diante podemos aprofundar nossa compreensão em campos específicos em que o poder se organi za para analisarmos e entendermos melhor os dilemas políticos do nosso tempo Ampliando seus conhecimentos Veja a seguir um trecho de JeanJacques Rousseau em seu O contrato social Como já vimos Rousseau foi o primeiro a refletir sobre a importância da assembleia por meio deste trecho pode mos refletir também acerca da questão da legitimidade do poder do Estado O contrato social ROUSSEAU 2010 p 39 somente a vontade geral pode por si só dirigir as forças do Estado de acordo com o objetivo da sua instituição que é o bem comum porque se a oposição dos interesses parti culares tornou necessário o estabelecimento das sociedades sem a concordância desses mes mos interesses ela não teria sido possível É o que há de comum nos diferentes interesses que constituem o vínculo social pois se não houvesse um ponto em que todos estivessem de acordo nenhuma sociedade poderia existir Ora é unicamente sobre este interesse comum que a sociedade deve ser governada Assim afirmo que a soberania sendo o exercício da vontade geral nunca pode alienarse e que o soberano que é um ser coletivo só por si próprio pode ser representado o poder pode transmitirse mas não a vontade Dicas de estudo Neste capítulo nós tratamos de um tema de extrema importância para a teoria política e também para o direito o fundamento da legalidade e legitimidade exigido do poder político Assim propomos uma atividade diferente para refletirmos a respeito dessa ques tão No ano de 1961 foi lançado o filme Julgamento em Nuremberg baseado em um dos episódios mais importantes da história de nosso tempo o julgamento de oficiais nazistas pelos crimes cometidos no governo de Hitler Durante os julgamentos podemos observar o grande dilema da humanidade entre a ideia de legalidade e legitimidade Título original Judgement at Nuremberg Direção Stanley Kramer Ano de lançamento 1961 Ciência Política e Teoria do Estado 76 Atividades 1 Indique algumas formas de distinção entre poder de polícia soberania e autonomia 2 Os Estadosmembros ou municípios de uma federação podem firmar tratados internacio nais Justifique sua reposta 3 É possível por meio da soberania superar as diversas formas de desigualdade percebidas entre diferentes países na atualidade Referências ABBAGNANO N Dicionário de Filosofia 5 ed São Paulo Martins Fontes 2007 BARROSO L R Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo 2 ed São Paulo Saraiva 2010 BASTOS C R Curso de teoria do estado e ciência política 6 ed São Paulo Celso Bastos 2004 BOBBIO N Política In BOBBIO N MATTEUCI N PASQUINO G Dicionário de política 5 ed Brasília Ed UnB 2004 2 v BONAVIDES P Ciência política 17 ed São Paulo Objetiva 2010 BOTTOMORE T B Dicionário do pensamento marxista Rio de Janeiro Zahar 2001 BRASIL Constituição 1988 Diário Oficial da União Brasília DF 5 out 1988 Disponível em httpwww planaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 8 jun 2018 Lei n 10406 de 10 de janeiro de 2002 Institui o Código Civil Diário Oficial da União Poder Executivo Brasília DF 11 jan 2002 Disponível em httpwwwplanaltogovbrCCivil03leis2002 L10406htm Acesso em 8 jun 2018 CRETELLA JÚNIOR J Polícia e Poder de Polícia Revista Direito Administrativo Rio de Janeiro v 162 p 1034 outdez 1985 Disponível em httpbibliotecadigitalfgvbrojsindexphprdaarticle view4477143467 Acesso em 8 jun 2018 DALLARI D A Elementos de Teoria geral do Estado 30 ed São Paulo Saraiva 2011 KELSEN H Teoria pura do Direito 6 ed Coimbra Arménio Amado 1984 MEDAUAR O Poder de Polícia Revista Direito Administrativo Rio de Janeiro v 199 p 8996 janmar 1995 Disponível em httpbibliotecadigitalfgvbrojsindexphprdaarticleview4649046697 Acesso em 8 jun 2018 MOTTA FILHO S C BARCHET G Curso de Direito Constitucional 2 ed Rio de Janeiro Elsevier 2009 ROUSSEAU J O contrato social Oeiras PT Editorial Presença 2010 6 Formas de governo e sistemas de governo Neste capítulo vamos delimitar nossas reflexões a respeito do poder do Estado em uma de suas funções específicas o governo A ideia de governo foi definida por diferentes orientações e pensamentos políticos e algumas teorias permanecem até hoje Nós já vimos que o Estado e o seu poder são imprescritíveis ou seja perduram de modo ilimitado no tempo Contemporaneamente entendemos o governo como algo distinto do Estado se ele é permanente o governo pode ser a manifestação de poder do Estado por um período de limitado O Estado brasileiro por exemplo muda a cada quatro anos o seu governo e elege novos representantes Nesse sentido o governo pode ser descrito como uma das instituições do Estado pelo qual ele se faz presente na sociedade 61 Classificações de tipos de governo Podemos encontrar uma das mais antigas e mais importantes formas de clas sificar o governo na obra de Aristóteles Em A política que já mencionamos algumas vezes o filósofo classificou o governo de acordo com o número de pessoas que exer ciam o poder um poucos muitos e também de acordo com a qualidade do governo que podia ser bom mau ou corrompido Antes de fazermos uma breve análise do re sultado apresentado por Aristóteles vamos nos deter um pouco a Heródoto que viveu no século V aC Esse autor apresentou um importante diálogo imaginário entre três persas Otanes Megabises e Dario em que cada um defendia a forma ideal de governo Esse diálogo teria acontecido um sé culo antes da obra de Heródoto mas é na obra dele que surgiu pela primeira vez a classificação que Aristóteles desenvolveu em sua Política Por isso Bobbio 1998 p 3942 diz que a classificação em governo de muitos governo de poucos e governo de um é clássica mas também moderna uma tradição viva até os dias atuais A diferença entre as abordagens é que em Heródoto ela era prescritiva isto é cada um dos debatedores defendia sua forma como a melhor e as demais como ruins Aristóteles por outro lado descreveu as três formas exercidas como bom governo e suas correspondentes como mau governo Aristóteles considerava errôneo pensar que a única coisa que diferencia os governos é o número de homens a exercer o poder Desse modo o filósofo analisou e descreveu cada um dos menores elementos que em conjunto formavam as cidades o que o levava ao estudo dos seres Para ele a descrição dos seres e sua natureza no caso do homem e sua natureza de animal político mostravase na sociedade nas cidades e suas formas de governo O filósofo também analisou formas concretas e também ideais e apresentou uma descrição de constituiçõesgovernos reais e formas idealizadas como as de Platão Ele concluiu que existem três formas puras ou boas de governo a realeza exercida por um só a aristocracia formada por um pequeno número ou muitos e a república composta pela multidão Vídeo Ciência Política e Teoria do Estado 78 As formas viciadas ou más são respectivamente a tirania a oligarquia e a demagogia Essas são consideradas corrompidas porque os governantes agem exclusivamente em favor de seus in teresses ARISTÓTELES 2002 O Quadro 1 permite comparar as seis formas de governo que Aristóteles identificou Continua Quadro 1 Comparativo das formas de governo apresentadas em A política Governo de um só Governo de alguns Governo da multidão Forma pura Forma viciada Forma pura Forma viciada Forma pura Forma viciada Constituição Aspecto Realeza Tirania Aristocracia Oligarquia República DemocraciaDemagogia Quem exerce a cidadania Artesãos e mercená rios nunca seriam cidadãos Era impossível um mer cenário ser cidadão porém era possível um artesão se tornar cidadão desde que fosse rico Soberania Um apenas Pequeno número de homens Governo da multidão Soberania do povo Interesses que prevalecem Coletivo Do tirano Coletivo Dos ricos Coletivo Dos pobres Formas exercício de poder 1 Generalato vitalí cio hereditário ou eletivo Exemplo Lacedemônia 2 Realeza tirânica semelhante à tirania porém legitima e he reditária Exemplo povos bárbaros Tirania forma de de mocracia correspon dente ao quarto tipo de oligarquia 1 real findada na lei e na vontade dos súditos 2 tirânica poder abso luto e arbitrário 3 monarquia absoluta Especulase que a explicação dessa forma de governo integra o terceiro livro no entan to seus capítulos finais se perderam 1 Constituição objeti va riqueza virtude e interesse popular 2 Constituição obje tiva somente duas dessas coisas 1 Acesso à magis tratura que só ricos podiam pagar 2 O acesso à magistra tura exigia rendi mento apreciável Se aberto a qualquer um seria uma aris tocracia se limitado a certas famílias era oligarquia 3 Sucessão hereditária nos cargos civis 4 Sucessão hereditária dos juízes a autori dade cabia aos juízes e não à lei 1 Igualdade como base 2 Magistraturas distribuí das de acordo com um censo dado 3 Admite na magistratura cidadãos que não se corrompem 4 Qualquer habitante pode chegar à magistratura e a soberania é firmada na lei 5 A soberania é transferida da lei para o povo 6 Dinastia forma de democracia correspon dente ao quarto tipo de oligarquia Formas de governo e sistemas de governo 79 Governo de um só Governo de alguns Governo da multidão Forma pura Forma viciada Forma pura Forma viciada Forma pura Forma viciada Constituição Aspecto Realeza Tirania Aristocracia Oligarquia República DemocraciaDemagogia Poder supremo Homens mais dotados de virtudes Nas mãos dos homens ricos Nas mãos dos homens li vres e pobres Indivíduos influentes Aduladores Demagogos Papel da lei Não existe repú blica onde as leis não governem ARISTÓTELES 2002 p 182 Algumas das causas das revoluções Violação de direitos políticos Violação de direitos políticos falta de união entre os que tomam o poder Cargos divididos entre poucos cidadãos violação do direito político Pressão do chefe sobre o povo o próprio oli garca provoca a revo lução uma oligarquia substitui outra Violação de direi tos políticos Intrigas dos demagogos Todos os governos podem cair por um motivo externo tomado por outro Estado mais forte Fonte Elaborado pela autora com base em Aristóteles 2002 Ciência Política e Teoria do Estado 80 Se a localização histórica de Aristóteles permitiu identificar essas seis formas de governo a evolução da história ampliou consideravelmente nossas experiências Por exemplo em Miranda 2007 encontramos nove formas modernas de governo Vejamos quais Monarquia absoluta dominante até a Revolução Francesa de 1789 as últimas experiên cias europeias ocorreram na Rússia e Turquia Esse governo era caracterizado por concen trar ao máximo o poder no rei fundado na legitimidade monárquica Governo representativo clássico ou liberal teve início com a Revolução Francesa e pre dominou até o século XIX Orientavase pela legitimidade democrática liberdade políti ca separação de poderes e um sistema de representação que reconhecia o direito de voto somente a uma parte da população e atribuía autonomia aos representantes Democracia jacobina forma contraposta à anterior fundada na democracia radical Almejava elevar ao nível máximo o princípio democrático Recusava a representação e a separação de poderes Governo cesarista do período de Napoleão Bonaparte com inspiração em Júlio Cesar e no principado de Augusto Almejava legitimação democrática e o equilíbrio entre re presentação e plebiscito Comprometia a liberdade política sem rejeitar formalmente a separação dos poderes e defender sua concentração no César Monarquia limitada relacionada à primeira época da restauração e da monarquia pró pria da Alemanha e Áustria no século XIX Nesse sistema que ainda suscita a legitimi dade monárquica o poder é limitado pelas constituições por isso também encontramos a denominação monarquia constitucional Adiante analisaremos melhor essa questão Democracia representativa predominante no Ocidente desde a Primeira Guerra Mundial Fundamentada na separação de poderes e na legitimidade democrática e no sufrágio universal isto é o direito de todos os cidadãos ao voto Nesse sistema se de senvolveu fortemente o fenômeno dos partidos a ponto de ensejar a expressão Estado de partidos Governo leninista inaugurado com a Revolução Russa em 1917 e difundido em outros países Inspirado nas teorias de Marx e Lenin 18701924 em que o povo a classe traba lhadora ou a sua evolução é o titular do poder Aqui notamos a desconfiança do Estado a qual podemos entender com base no que já discutimos sobre a definição de Estado marxista quando Lênin defendeu a instituição do governo pelo Partido Comunista maior expressão de consciência da classe operária Governo fascista e fascizante manifestase com diversas variações Com marco inicial no Partido Fascista italiano 19221943 também era identificado no regime nazista ale mão e sob expressões mais brandas no Estado Novo de Getúlio Vargas e no salaza rismo português1 Nesse governo não chega a ser rejeitada a democracia mas o povo tem seu sentido alterado Na Alemanha por exemplo o povo passou a ser identificado com 1 O também chamado Estado Novo português no qual o país esteve por décadas sob o governo de Antônio de Oliveira Salazar Formas de governo e sistemas de governo 81 uma raça É uma concepção que culmina tal como no leninismo no domínio do poder por um partido Governo islâmico e fundamentalista adotado em alguns países muçulmanos Para Miranda essa forma não está situada no conjunto abarcado pelo Estado moderno Não há a rejeição ao princípio democrático mas sim o seu condicionamento ao princípio teocrá tico que reconhecerá a legitimidade dos líderes religiosos fato que naturalmente mitiga o pluralismo político Sua principal expressão é a República Islâmica do Irã desde 1979 MIRANDA 2007 p 6567 Nós iniciamos este capítulo com uma breve reflexão a respeito da relação entre Estado e governo Isso porque é importante notarmos como alerta Bonavides 2010 p 207213 que não existe consenso quanto ao uso dos termos formas de governo e formas de Estado Por isso o autor defende um emprego mais preciso desses termos e distingue ambos As formas de Estado referem se à questão da unidade ou pluralidade dos ordenamentos estatais Estado Federal Confederação etc bem como Estado simples ou unitário Já as formas de governo é o modo como o poder se organiza Essa organização é determinada com base em três critérios que veremos a seguir O primeiro critério número de titulares como já vimos é a classificação proposta por Aristóteles que identificou a monarquia a aristocracia e a democracia Essa classificação sofreu críticas por ser quantitativa no entanto não se considerou o fato de que o filósofo definiu as for mas de governo como puras e impuras Cícero 10643 aC acrescentou a essa classificação uma quarta forma o governo misto em que o poder é limitado em qualquer das suas três formas por instituições políticas como o senado aristocrático ou a câmara democrática Alguns autores equi param o parlamentarismo inglês a essa forma de governo O segundo preceito separação dos po deres é apoiado na teoria de Montesquieu Esse tem uso mais recente e predominante no Estado liberal Por fim os princípios determinantes das práticas de governo é o critério no qual podemos definir o poder estatal como de exercício limitado ou absoluto Dentre os três esse é o mais recente e é relacionado ao pressuposto de separação dos poderes que se referia mais à forma do que ao fundo das instituições Bonavides explica com base nos critérios acima apresentados que em Maquiavel apare cem duas formas de governo monarquia e república a república poderá abranger a aristocracia e a democracia Já em Montesquieu a forma de governo é distinguida por sua natureza critério pelo qual se define o que é o governo e por seus princípios critério que permite conhecer o que faz atuar o governo por exemplo as paixões humanas Em Montesquieu aparecem como formas de governo a república a monarquia e o despotismo A república compreende a democracia cuja natureza é reconhecer o poder nas mãos do povo e seu princípio é o amor à pátria igualdade deveres cívicos etc Na aristocracia a soberania pertence a alguns e seu princípio é a moderação dos governantes A monarquia é o governo de um só no qual o princípio é a honra às prerrogativas o desejo de ser distinguido numa corte brilhante e satisfação do amor próprio a honra do monarca desperta nos soberanos a fidelidade e dedicação Por fim o despotismo cuja natureza é a ignorância ou transgressão da lei e o princípio reside no Ciência Política e Teoria do Estado 82 medo Dada a arbitrariedade Montesquieu na verdade não chega a considerar o despotismo uma forma de governo Segundo a separação dos poderes o governo pode ser parlamentar assentado na igualdade e colaboração entre os poderes executivo e legislativo Essa caracterização é típica do pensamento liberal e é resultado do compromisso entre a monarquia ainda vinculada aos ideais absolutistas e a aristocracia burguesa emergente da Revolução Industrial com vinculação mais teórica que prá tica aos ideais democráticos Esse poder também pode ser presidencial que segue regras técnicas do rito constitucional com rígida separação entre os três poderes ou ainda convencional ou de assembleia Essa é a classificação mais frequente desde o século XIX Essa classificação é tão recorrente e predominante que com base nela identificamos distin tos sistemas de governos Essa é outra forma importante de classificação de modo que vamos nos ocupar no próximo item de uma análise mais detalhada desse tema 62 Sistemas de governo presidencialismo e parlamentarismo A seguir analisaremos os três grandes sistemas de governo que conhecemos em nosso tempo o parlamentarismo o presidencialismo e o governo convencional ou de assembleia com base em Bonavides 2010 p 317357 621 Sistema presidencialista Reconhecemos a origem desse sistema como fruto da experiência norteamericana nos tra balhos da assembleia constituinte da Filadélfia2 em 1787 Bonavides alerta que embora seja comum contrapor o presidencialismo ao parlamentarismo não podemos nos esquecer que foi também a experiência britânica que o inspirou Isso fica nítido em algumas características como a própria figura do presidente detentor de poderes e nominando o sistema assim como o próprio rei da Inglaterra com suas prerrogativas Naturalmente há diferenças entre ambos como a limitação no tempo de mandato mas já foi cogitada a possibilidade de um presidente vitalício Desse modo para Bonavides não é a figura do presidente tampouco a do parlamento que de fato distinguem os sistemas afinal todo presi dencialismo tem um parlamento que denominamos como congresso Isso ocorre da mesma forma em um sistema parlamentarista que pode ter a figura de um presidente Há três aspectos principais que podem ser considerados os verdadeiros traços distintivos do presidencialismo É um sistema que historicamente adotou o princípio da separação dos poderes e o assu miu como condição máxima de garantia constitucional das liberdades Na constituição norteamericana essa é a base de todo o sistema político3 2 Na Constituição dos Estados Unidos da América promulgada em 1787 artigo II seção 1 consta que O Poder Executivo será investido de um Presidente dos Estados Unidos da América Seu mandato será de quatro anos tra dução da autora 3 Isso ocorre de tal modo que encontramos entre os primeiros artigos a definição de competências e normas gerais dos três poderes O primeiro artigo especifica as prerrogativas competências normas de funcionamento entre outros aspectos relativos ao Poder Legislativo representado no congresso O segundo artigo referese ao Poder Executivo repre sentado pelo presidente Por fim o terceiro artigo discorre acerca do Poder Judiciário Vídeo Formas de governo e sistemas de governo 83 Baseiase em uma forma de governo em que o poder executivo se concentra na pessoa do presidente Esse poder pode ser estendido aos ministérios entretanto é possível ministros serem nomeados e demitidos pelo presidente de maneira independente do congresso Tal sistema reconhece que os poderes do presidente derivam da nação por meio do su frágio universal direto embora em caráter excepcional possam derivar do congresso e configurar uma derivação indireta do povo ao presidente Em geral o presidencialismo é um sistema que tende à expansão dos poderes de seu chefe executivo Tais poderes abrangem a chefia da administração e dos serviços públicos o comando supremo das forças armadas a representação do país nas relações internacionais entre outros Especificamente no Brasil a Constituição Federal indica no artigo 84 as competências privativas do presidente que além das citadas compreende também poderes de declarar guerra ou celebrar paz nomear ministros do poder judiciário e magistrados decretar e executar a intervenção fede ral entre outros No caso dos Estados Unidos observase uma concentração enorme de poderes principalmente nas relações exteriores A respeito do modo como interagem os poderes precisamos destacar alguns pontos pois embora o presidente seja uma figura de poderes destacados nesse sistema subsiste em sua essência a preocupação com a separação equilíbrio e harmonia entre os três poderes que integram o Estado Especificamente nas relações entre Executivo e Legislativo o presidente não exerce relação de poder ou comando sobre congresso e não tem competência para dissolvêlo Ele tem pequena participação no processo de edição das leis no entanto cabe a ambos os poderes discutirem maté ria orçamentária com estreita relação O poder de veto é confiado ao presidente como instrumento para contrabalancear a competência legislativa ele tem potencial de impedir mas não de estatuir já que o veto tem caráter relativo e pode ser derrubado pelo congresso O presidente também no meia os ministros da mais alta corte de justiça que no entanto dependem da aprovação do con gresso Além disso o presidente exerce a política nas relações internacionais mas o congresso tem importante participação nos processos de ratificação dos tratados O vicepresidente é considerado por certas abordagens teóricas uma figura menos estimada desse sistema Ele é visto desse modo desde sua origem na Constituinte da Filadélfia Há uma ane dota interessante para ilustrar a posição do vicepresidente no sistema presidencialista Expressando bom humor a esse respeito o primeiro vice da história ameri cana Adams sugeria que se desse ao titular desse cargo o tratamento de Sua Excelência o Supérfluo depois de asseverar que nunca a imaginação do ho mem concebera função mais insignificante Outro vice de igual porte e envergadura que foi Theodore Roosevelt afirmava ainda no começo do século XX ser na realidade o vicepresidente apenas a quinta roda da carruagem BONAVIDES 2010 p 328 Apesar dessas especulações teóricas por mais de uma vez a história nos mostrou a im portância dessa figura Podemos exemplificar isso nas duas mortes de presidentes nos Estados Unidos Roosevelt e Kennedy e na repentina renúncia de Jânio Quadros 19171992 em nos so país No Brasil o vicepresidente é substituto do presidente enquanto este estiver impe dido ou seu sucessor em caso de vaga Em razão disso aplicamse os mesmos requisitos de Ciência Política e Teoria do Estado 84 elegibilidade do presidente especificamente a exigência constitucional de que seja brasileiro nato Os presidentes das casas legislativas Câmara dos Deputados e Senado Federal tam bém devem ser brasileiros natos pois caso seja impossível o vicepresidente assumir a chefia do Estado esses seguirão a linha sucessória No quarto capítulo nós vimos que as colônias espanhola e portuguesa a América Latina em seu processo de independência buscaram inspiração nos modelos das metrópoles e nas Treze Colônias independentes para sua nova organização política Em decorrência disso adotamos tam bém a forma republicana e diversos de seus institutos Vejamos por exemplo o congresso no siste ma presidencial temos duas casas a câmara baixa dos deputados ou câmara dos representantes que representa o povo e a câmara alta dos senadores que representa os estados O estado de São Paulo por exemplo que tem um enorme contingente populacional conta com três representantes no Senado Federal o mesmo número que os estados do Acre ou Roraima No caso dos deputados que não representam o estado mas sim o povo o número de representan tes é proporcional ao número de habitantes do estado de origem conforme regras do artigo 27 da nossa Constituição BRASIL 1988 622 Sistema parlamentarista Diferente do presidencialismo que surgiu há alguns séculos mas já no curso da modernida de o parlamentarismo é resultado de um processo político que se desenvolveu por vários séculos com origens bem mais longínquas Ele está situado na tradição inglesa com raízes nos primeiros séculos da monarquia e culminou com o triunfo da Revolução Gloriosa de 1688 Por isso o parla mentarismo como resultado da história do desdobramento das instituições e da cultura política se manifesta tão claramente de modo que não ocorre em nenhum outro sistema Há duas fases no sistema parlamentar a primeira nos séculos XIII ao XVII caracterizada pela luta para formação de um governo representativo em oposição à monarquia absolutista já a segunda ocorreu por meio de transformações pacíficas mas importantes no século XVIII após a revolução de 1688 De um tímido sistema representativo surgiu o parlamentarismo nele havia duas casas representativas Câmara dos Comuns e Câmara dos Lordes Marco fundamental a Revolução Gloriosa é o momento histórico em que o parlamento as sume consciência de sua força O parlamentarismo surgiu como expressão de duas forças políticas antagônicas a Coroa dos reis e o Parlamento do povo Essa dualidade é visível de um lado a Coroa que declinou de absoluta para limitada e representativa de outro o poder parlamentar que estava em franca ascensão Resultado de um processo histórico Bonavides considera impossível fabricálo BONAVIDES 2010 p 342347 O autor identifica também duas formas históricas de parlamentarismo a primeira é o par lamentarismo clássico também chamado dualista4 formado no momento em que o monopólio da Coroa e da nobreza foi enfraquecido pelo poder do povo Essa forma de parlamentarismo tem como características próprias e essenciais 4 Porque nele percebemos uma dualidade de poderes essenciais da monarquia e aristocracia decadentes e dos pode res democráticos em ascensão Formas de governo e sistemas de governo 85 Igualdade entre poderes Executivo e Legislativo que impôs a necessidade de uma che fia própria para o Executivo com poderes que poderiam ser mais ou menos amplos Essa chefia pode ser um presidente caso o sistema adotado fosse parlamentar republicano Podemos dizer que a amplitude dos poderes desse chefe é determinada pela forma como é designado para o cargo No caso de eleição direta por exemplo ele terá mais força e pres tígio entretanto o sistema de nomeação também pode ser indireto Assim temos uma monarquia representativa na qual o chefe de Estado decide por meio de referendos dos ministros ou uma monarquia parlamentar em que as decisões são tomadas pelo minis tério e o chefe de Estado apenas as assina Vemos ainda a dualidade do poder Executivo expressa pela presença do chefe de Estado que representa o país e atua com independên cia e seu gabinete que atua em conexão como legislativo E finalmente o bicameralismo instrumento de equilíbrio do Parlamento adotado para dividindoo mitigar sua força Colaboração dos dois poderes entre si cabe ao gabinete desempenhar papel de me diação entre o Executivo e o Legislativo A origem moderna do gabinete está no século XVII quando surgiu como ministério do rei Antes esse órgão era de poder pessoal do rei depois da ascensão do parlamento o gabinete passou a ser órgão de confiança deste À frente do gabinete está a figura do primeiro ministro que no século XIX se consolidou como função claramente definida no sistema parlamentar Existência de meios de ação recíproca entre seus funcionamentos o parlamento conta com dois mecanismos importantes o princípio da responsabilidade ministe rial resultado de um processo político em que o impeachment passa da responsabi lidade penal à responsabilidade política perante à opinião pública e a faculdade ou direito de dissolução uma contrapartida da responsabilidade ministerial meio inver so pelo qual o governo atua sobre o parlamento e impede as assembleias de se tor narem instrumentos onipotentes das maiorias parlamentares É importante lembrar que caso o Executivo dissolva o parlamento ele é obrigado a convocar novas eleições dentro do prazo determinado constitucionalmente A segunda forma é o parlamentarismo contemporâneo também conhecido como parla mentarismo monista ou democrático comum às atuais formas monárquicorepublicanas Essa mo dalidade é determinada pelas fontes democráticas do consentimento e conta com dois traços es senciais a primeira quando o chefe tradicional do Poder Executivo é afastado de suas funções de governo ficando apenas com o papel de chefe de Estado A segunda ocorre quando a autoridade soberana é entregue a um órgão soberano o gabinete que opera sobre a fusão dos dois poderes 623 Sistema convencional ou governo de assembleia Encontramos em Joseph Barthélemy 18741945 a proposta de classificação dos governos em função da relação estabelecida entre os poderes Executivo e Legislativo Para o autor se a cons tituição atribuir predominância ao Executivo teremos um governo presidencial Caso haja pre domínio do Legislativo teremos o governo ou sistema convencional governo diretorial ou ainda um governo de assembleia variações de como esse sistema é designado O governo de assembleia originouse na Revolução Francesa AZAMBUJA 1988 p 323324 Ciência Política e Teoria do Estado 86 Esse sistema surgiu como uma variação do parlamentarismo monista e não como aplicação fiel da experiência inglesa Podemos caracterizálo pela preponderância da assembleia e considerá vel redução das prerrogativas e poderes do presidente que acabava por privar o chefe de Estado de suas competências executivas e incumbirlhe nos dizeres de Bonavides uma espécie de magistra tura moral BONAVIDES 2010 p 357 Isso ocorreu na França nas Terceira e Quarta repúblicas 18701940 Barroso 2011 avalia que o sistema convencional tem graves inconvenientes especialmente a ausência de um controle ou equilíbrio no poder Nesse sistema o único contrapeso seria a divisão entre os membros do poder imposta por força de suas divergências políticas Para o autor a forma como esse sistema funcionava na França que o levou à autodestruição Além dessa experiência Portugal contou com dois períodos de sistema convencional o primeiro de 1821 a 1822 e o segun do de 1837 a 1838 63 O instituto do impeachment e as experiências brasileiras Dois episódios na história recente do Brasil provocaram comoção e polari zaram opiniões ambos ocorridas após o regime militar O episódio mais recente iniciado no ano de 2015 contra a então presidente Dilma Rousseff 1947 dividiu juristas cientistas políticos e a sociedade brasileira e acalorou discussões que por vezes conduziram a um diálogo irracional que culminou em episódios de violência social e repressão com uso de força policial Em razão disso consideramos oportuno tratar desse tema não como mero instituto do presidencialismo mas antes com um enfoque um pouco mais aprofundado que nos permita uma perspectiva teóricolegal Assim vamos iniciar uma revisão acerca das origens históricas do impeachment analisar como tal instituto encontra regulamentação jurídica no sistema brasileiro e finalmente fazer um breve sumário dos dois processos desenvolvidos ocorridos em nosso país nos anos de 1992 e 2016 Faver 2016 p 322323 explica que as origens mais remotas do instituto são localizadas na Inglaterra ainda que não haja um consenso entre os estudiosos acerca da época em que ele surgiu Especulase que o processo de amadurecimento do impeachment tenha iniciado por volta do século XIII e consistia em uma prática em que a Câmara dos Comuns ou Câmara Baixa for mulava acusações contra os ministros do rei e a Câmara dos Lordes ou Câmara Alta5 procedia os julgamentos No início era estritamente necessário que tanto a conduta quanto a pena estivessem previs tas em lei para que a Câmara dos Lordes pudesse condenar os acusados Entretanto não tardou para que se firmasse o entendimento de que tal Câmara aplicasse a pena que considerasse adequa da nos casos de crimes capitais O passo seguinte foi a ampliação das condutas abrangidas pelo instituto que passou a incluir o julgamento de atos que embora não fossem crimes eram consi derados nocivos ao país Com isso o instituto não perdeu seu caráter de jurisdição criminal mas ampliou de modo notável suas dimensões políticas 5 No Brasil o Senado é equivalente à Câmara Alta já a Câmara dos Deputados corresponde à Câmara Baixa Vídeo Formas de governo e sistemas de governo 87 Os Estados Unidos em sua Constituição recepcionaram o impeachment entretanto com algumas transformações e algumas similaridades como a preservação das competências historica mente definidas No primeiro artigo ao final da seção 2 é atribuído como competência exclusiva da Câmara dos representantes o poder de indiciar o presidente por crime de responsabilidade e no final da seção seguinte confia também com exclusividade ao senado a competência para o julgamento por crime de responsabilidade Esse é o sistema que inspirou o impeachment no Brasil como veremos logo adiante Por crime de responsabilidade entendemos aqueles estritamente liga dos à função política do agente e não qualquer tipo penal previsto em lei Dentre as diferenças notamos que o instituto na tradição inglesa funcionava como forma de punição às pessoas enquanto nos Estados Unidos feria apenas a autoridade Nos Estados Unidos o impeachment se impõe como instrumento puramente político Na tradição inglesa em que o processo de impeachment é considerado misto as penas possíveis não são apenas políticoadmi nistrativas mas também civis e criminais Outro ponto interessante é que antes de constar na Constituição do país o impeachment já constava nas constituições de dois Estadosmembros Virgínia desde 1776 e Massachusetts desde 1780 Quando chegou ao continente latinoamericano primeiramente na Argentina seu obje tivo era tirar o cargo da autoridade processada pois seu escopo não era castigar a autoridade mas sim preservar o interesse público FAVER 2016 p 323325 No Brasil desde a Constituição de 1824 temos a previsão desse instituto Vamos analisar uma breve síntese a respeito de como cada Constituição abordou o tema Quadro 2 O impeachment nas constituições brasileiras Constituição Como foi previsto 1824 Constituição Política do Império do Brasil elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo Imperador D Pedro I em 25 de março de 1824 O artigo 47 inciso II determinava ser atribuição exclusiva do Senado conhecer da responsabilidade dos secretários e conselheiros do Estado Já o artigo 133 mencionava quais eram os crimes de responsabilidade dos ministros como suborno abuso de poder e traição 1891 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891 O artigo 29 declarava ser competência da Câmara dos Deputados declarar a pro cedência ou improcedência de acusações feitas contra o presidente ou contra ministros de Estado por crimes conexos aos do presidente No artigo 33 constava a competência do Senado para julgar o presidente mas a pena que poderia determinar somente poderia ser a perda de mandato e incapa cidade para exercer qualquer outro O artigo 53 atual artigo 86 figurou a previsão que seguimos na atual Constitui ção de que o presidente seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal por crimes comuns e pelo Senado nos crimes de responsabilidade Dentre os crimes de responsabilidade previstos no artigo 54 constavam atentar contra o livre exercício dos poderes contra a segurança interna do país probida de da administração e leis orçamentarias votadas pelo Congresso Continua Ciência Política e Teoria do Estado 88 Constituição Como foi previsto 1934 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934 O artigo 57 indicou quais seriam os crimes de responsabilidade do presidente da república Mantevese basicamente a previsão da Constituição anterior Entretanto no que diz respeito ao julgamento o artigo 58 de crimes de respon sabilidade determinou um Tribunal Especial presidido pelo presidente da Corte Suprema que só votaria em caso de empate composto por nove juízes três ministros da mesma corte três senadores e três deputados 1937 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937 Novamente o rol de crimes de responsabilidade previsto foi semelhante aos an teriores embora bem menor e presente no artigo 85 da Constituição Aqui o Se nado foi substituído pelo Conselho Federal ao qual competia julgar o presidente se a Câmara declarasse precedente acusação contra ele formulada conforme determinava o artigo 86 1946 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946 No artigo 62 constou a competência do Senado para julgar o presidente nos cri mes de responsabilidade definidos pelo artigo 89 fato que voltou a ampliar o rol O parágrafo único desse artigo do mesmo modo que as constituições anterio res já haviam feito determinou a edição de uma lei especial a regulamentar as normas de processamento do impeachment Lei n 1079 de 10 de abril de 1950 1967 Constituição da República Federativa do Brasil de 24 de janeiro de 1967 O artigo 44 manteve a competência do Senado para julgamento do presidente nos crimes de responsabilidade e no artigo 84 indicou quais seriam Em 17 de outubro de 1969 nossa Constituição sofreu uma Emenda levada a cabo pelo Regime Militar Ela foi considerada por muitos constitucionalistas como uma nova constituição dada a amplitude e profundidade de suas altera ções Com relação ao instituto entretanto as disposições mantiveramse 1988 Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988 Em nossa Constituição atual adotamos um procedimento que consiste na apre ciação pela Câmara dos Deputados de denúncia contra o presidente Conforme o artigo 51 a Câmara deve autorizar a instauração do processo mas não vai julgálo já que o artigo seguinte determina que cabe ao Senado tal julga mento em caso de crime de responsabilidade Esses crimes estão atualmente previstos no artigo 85 são os atos que atentam contra I a existência da União II o livre exercício do Poder Legislativo do Poder Judiciário do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação III o exercício dos direitos políticos individuais e sociais IV a segurança interna do país V a probidade na administração VI a lei orçamentária VII o cumprimento das leis e das decisões judiciais Note que a Câmara vai aceitar ou recusar a denúncia independente de qual seja o crime relatado Caso o crime aceito for comum o Supremo Tribunal Federal julgará Finalmente a Constituição ainda determina o afastamento do presidente após a instauração do processo pelo Senado Fonte Elaborado pela autora com base nas constituições brasileiras 2018 Como vimos o Brasil recepcionou o instituto do impeachment no sistema jurídicopolítico de modo semelhante ao norteamericano Limitouse ao processo de dimensão política reiterouse a forma tradicional de competências e atribuiuse a uma casa legislativa a apreciação da denúncia e a outra o julgamento Formas de governo e sistemas de governo 89 Nós já vimos que os pressupostos da legalidade e da legitimidade não podem violar pres supostos e garantias do Estado Constitucional em especial o processo legal a ampla defesa o contraditório pelo que dizemos que o processo de impeachment é um processo jurídico e político A respeito da Lei n 1079 de 10 de abril de 1950 podemos dizer sumariamente que se trata de uma norma que especifica o rol de crimes de responsabilidade indicados na Constituição Ela detalha todos os incisos constitucionais com a indicação de quais condutas cada definição abrange Qualquer cidadão pode denunciar o presidente ou seus ministros entretanto a denúncia somente pode ser recebida se o denunciado não tiver deixado definitivamente de ocupar seu cargo político o que reafirma o escopo desse processo defesa de interesse público como havíamos refletido há pouco Representantes de todos os partidos políticos devem opinar a respeito da denúncia e emitir parecer por meio de comissão especialmente eleita para isso Após os trâmites e se a denúncia for considerada procedente ela deve ser encaminhada ao Senado onde o denunciado acusado pode rá se manifestar em sua defesa Se ao fim do processo a decisão for pela condenação os artigos 33 e 34 da lei determinam a perda da função política Cabe ao Senado determinar por quanto tempo o condenado não poderá exercer função pública Se houver crime comum relacionado ao de res ponsabilidade também consta a previsão de que seja encaminhada a matéria à justiça ordinária para o respectivo processo Com esses esclarecimentos vamos acompanhar agora um breve resumo a respeito dos dois impeachments que ocorreram no Brasil de Fernando Collor de Mello 1949 em 1992 e de Dilma Rousseff em 2016 Por ocasião do aniversário desse último a Agência de Notícias do Senado Federal publicou alguns infográficos relacionados ao tema OLIVEIRA 2017 Quadro 3 Comparativo ente os dois impeachments de presidentes brasileiros Impeachment de 1992 Impeachment de 2016 Presidente acusado Fernando Collor de Mello Dilma Rousseff Partido Partido da Reconstrução Nacional PRN Partido dos Trabalhadores PT Acusação Omitirse quanto ao tráfico de influência praticado por pessoas próximas que ex ploravam o prestígio presidencial Receber vantagens financeiras indevidas oriundas dessas atividades através de contas ban cárias de terceiros Editar sem autorização do Congresso quatro decretos de créditos suplementa res que resultaram no descumprimento da meta fiscal Estabelecer operação de crédi to entre o Tesouro e o Banco do Brasil ao atrasar repasses de financiamento de polí tica pública Duração do processo na Câmara 28 dias 138 dias Duração do processo no Senado 92 dias 136 dias Continua Ciência Política e Teoria do Estado 90 Impeachment de 1992 Impeachment de 2016 Duração total 120 dias 274 dias Resultado da votação 73 votos a favor 3 votos contra 61 votos a favor 20 votos contra Fonte Elaborado pela autora com base em Oliveira 2017 Collor perdeu seus direitos políticos por oito anos Dilma não Outro detalhe interessan te é que 14 dos senadores que votaram no julgamento de Dilma votaram também no de Collor OLIVEIRA 2017 Poucos fatos podem evidenciar de modo tão claro quanto o impeachment os limites e riscos inerentes à separação dos poderes num sistema democrático Tanto é que vimos os três poderes do Estado brasileiro em uma situação embaraçosa ao se defrontarem com as complexas questões le vantadas no processo de Dilma Compreender tais questões é uma dessas tarefas que nos demanda aporte interdisciplinar pois não podemos tratar desse tema somente por uma perspectiva política ou jurídica No episódio recente percebemos o engajamento do vicepresidente se articular politicamen te com parlamentares de seu partido na Câmara e no Senado Vimos o próprio Poder Legislativo perplexo ao lidar com intensas polêmicas a respeito dos limites normativos a serem respeitados no processo afinal quais limites e assistimos ao Poder Judiciário ser provocado a se manifestar justamente a respeito das questões jurídicas controversas Um dos partidos com representação no Congresso o Partido Comunista do Brasil PCdoB propôs ação perante o Supremo Tribunal Federal para que este decidisse uma série de controvérsias com o objetivo de assegurar que o pro cesso de impeachment não violaria a Constituição Em resumo esse foi um episódio que envolveu todos os poderes do Estado que perpassou múltiplas dimensões deflagrou uma intensa crise política no país e em meio dela nenhum dos poderes ficou imune às críticas É importante termos em consideração que fatores como as controvérsias jurídicas a polêmi ca acirrada que se estabeleceu no processo como podemos notar pela duração muito mais longa do segundo impeachment e a mobilização de um grande número de juristas cientistas políticos artistas e da sociedade em geral assumindo posições indicam as grandes proporções que esse processo assumiu Para muitos juristas o processo foi na verdade um golpe contra as instituições democráticas no país por não ter respeitado os limites jurídicos que deveriam ter sido observados bem como não ter respeitado o resultado soberano das urnas Para outros tratouse de um procedimento legítimo em todas suas fases Em respeito à autonomia discente não devemos aqui oferecer uma resposta mas apenas apontar algumas leituras complementares que apresentem argumentos para que possamos amadurecer nossa compreensão a respeito do assunto Formas de governo e sistemas de governo 91 Considerações finais O estágio atual do desenvolvimento das sociedades e o amadurecimento político que al cançamos por meio de nossas diversas experiências históricas nos mostram o quão complexa é a política Neste capítulo nós pudemos analisar um desses fatores o princípio da legitimidade que impõe uma fundamentação democrática para os conteúdos do Estado e do Direito No próximo capítulo vamos analisar a democracia que é um dos valores mais altos do Estado contemporâneo em qualquer forma e em qualquer sistema de governo adotado Desse modo se levarmos conosco as lições acumuladas até aqui os capítulos seguintes vão nos ajudar a compreender melhor muitas das questões complexas que nos deparamos Ampliando seus conhecimentos Bobbio em sua obra Dicionário de Política 2004 traz uma importante definição de Golpe de Estado Essa noção é fundamental principalmente nos dias de hoje em que essa palavra está muito presente nos meios de comunicação e nas redes sociais Golpe de Estado BOBBIO 2004 p 545 O significado da expressão Golpe de Estado mudou no tempo O fenômeno em nossos dias manifesta notáveis diferenças em relação ao que com a mesma palavra se fazia referência três séculos atrás As diferenças vão desde a mudança substancial dos atores quem o faz até a própria forma do ato como se faz Apenas um elemento se manteve invariável apresentando se como o traço de união trait dunion entre estas diversas configurações o Golpe de Estado é um ato realizado por órgãos do próprio Estado Dicas de estudo Listamos a seguir alguns textos importantes que englobam aspectos do impeachment de Dilma Rousseff Perspectivas sobre o impeachment Processo no Supremo Tribunal Federal na íntegra Disponível em httpwwwstf jusbrportalprocessoverProcessoAndamentoaspnumero378classeADPF EDcodigoClasse0origemJURrecurso0tipoJulgamentoM Acesso em 13 jun 2018 Parecer do jurista e professor Dalmo Dallari contrário ao impeachment Disponível em httpwwwptorgbrwpcontentuploads201510PARECERDALMODALLARI pdf Acesso em 13 jun 2018 Ciência Política e Teoria do Estado 92 Parecer do jurista e professor Ives Gandra em defesa do impeachment Disponível em httpswwwconjurcombrdlparecerivesgandraimpeachmentpdf Acesso em 13 jun 2018 Atividades 1 Qual a importância das constituições no Estado contemporâneo 2 Cite semelhanças e diferenças entre os sistemas de governo que estudamos neste capítulo 3 O impeachment no modo como foi incorporado ao sistema brasileiro é mais semelhante a qual experiência histórica Justifique sua resposta Referências ARISTÓTELES A política São Paulo Martin Claret 2002 AZAMBUJA D Teoria geral do Estado 27 ed Rio de Janeiro Globo 1988 BARROSO I V O sistema de governo convencional conceito e alicerces filosóficos génese histórica e expe riências constitucionais O Direito Lisboa v 143 n 3 p 615656 2011 Disponível em httpswwwicjp ptsitesdefaultfilespapers0artsistconvenc24pdf Acesso em 7 dez 2017 BOBBIO N Política In BOBBIO N MATTEUCI N PASQUINO G Dicionário de política 5 ed Brasília Editora UnB 2004 2 v A teoria das formas de governo 10 ed Brasília Editora UnB 1998 BONAVIDES P Ciência política 17 ed São Paulo Objetiva 2010 BRASIL Lei n 1079 de 10 de abril de 1950 Define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo pro cesso de julgamento Diário Oficial da União Poder Executivo Rio de Janeiro 12 abr 1950 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL1079htm Acesso em 13 jun 2018 Constituição 1988 Diário Oficial da União Brasília DF 5 out 1988 Disponível em httpwww planaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 13 jun 2018 Constituições anteriores Portal da Legislação Disponível em httpwww4planaltogovbr legislacaoportallegislegislacaohistoricaconstituicoesanteriores1 Acesso em 13 jun 2018 FAVER M Impeachment evolução histórica natureza jurídica e sugestões para aplicação RDA Revista de Direito Administrativo Rio de Janeiro v 271 p 319343 2016 Disponível em httpbibliotecadigitalfgv brojsindexphprdaarticleview6076960063 Acesso em 13 jun 2018 MIRANDA J Formas e sistemas de governo Rio de Janeiro Forense 2007 OLIVEIRA G Um país dois impeachments impeachment de Collor foi o grande teste da Nova República Agência do Senado Brasília 31 ago 2017 Disponível em httpswww12senadolegbrnoticias infograficos201708umpaisdoisimpeachments Acesso em 13 jun 2018 UNITED States of America The Constitution of the United States 1787 National Archives Disponível em httpswwwarchivesgovfoundingdocsconstitution Acesso em 13 jun 2018 7 Democracia experiência e perspectivas teóricas Há milhares de anos um ideal acompanhou as diferentes sociedades que precederam a nos sa atual a democracia Por um longo período esse anseio negado por governos autoritários e absolutistas ficou adormecido porém nunca foi esquecido Nossa delimitação para estudar um tema tão amplo se dá no âmbito da cultura ocidental em que vamos discutir a experiência grega passar pelas revoluções modernas as quais já conhe cemos e chegar ao momento presente Além disso vamos verificar que a democracia é a essência das mais diversas formas de organização política e quando ela nos é tomada cedo ou tarde nos insurgimos e lutamos para reconquistála 71 Conceito origem e evolução histórica da democracia Nós atribuímos à sociedade ateniense antiga a origem da democracia Se essa não for sua origem real com certeza ela está no âmbito da cultura ocidental Como fenômeno histórico e com relação a fatos e experiências abrangidas nosso conhe cimento se construiu pelo acesso que tivemos às obras dos filósofos antigos como Platão e Aristóteles Nós já vimos que Aristóteles propôs um método analítico que foi de suma importância para que nós pudéssemos conhecer origens remotas de nossa própria tradição No século IV antes de Cristo Atenas teve um importante estadista Sólon 640558 aC considerado por muitos estudiosos o pai da democracia Pouco se sabe a respeito da história polí tica que o antecedeu uma vez que encontramos poucos documentos a respeito somente achados arqueológicos que nos permitem formular teorias Sólon inseriu na vida dos atenienses um conjunto importante de reformas e leis que orienta ram seu sucessor Clístenes 570508 aC Essas reformas integraram a Constituição dos Atenienses MOSSÉ 2008 p 2933 Esse também é o título de uma das obras que Aristóteles escreveu Nela o filósofo mostrou porque as reformas de Sólon foram tão importantes naquele tempo existia uma at mosfera de conflitos entre pobres e ricos A terra que era propriedade exclusiva dos ricos era cultiva da somente pelos pobres que pagavam pesados tributos para utilizála ARISTÓTELES 2003 p 22 Nesse período o endividamento também era uma das causas da escravidão e uma ameaça aos mais pobres Sólon estava consciente de que caso a rebelião ocorresse precisaria contêla pela força Porém se o fizesse se tornaria um tirano coisa odiosa para qualquer estadista ateniense A solução encontrada foi o fim da escravidão por dívidas Com base no trabalho iniciado por Sólon Clístenes dividiu os atenienses em tribos e para evitar a transmissão hereditária de privilégios substituiu o nome do pai pela designação de cada tribo ou demos MOSSÉ 2008 p 3639 Vídeo Ciência Política e Teoria do Estado 94 Finalmente Péricles 494429 aC posterior aos dois apresentou uma proposta de regime político baseada em três princípios a soberania do demos a igualdade dos cidadãos e o pertenci mento à comunidade cívica Mossé 2008 p 69 destaca que a palavra democracia derivou de ou tras duas demos povo e kratein exercício da soberania Vejamos a seguir qual sistema político Péricles concretizou Segundo Auguste 1977 p 169170 a Atenas do século V era distribuída em três grandes grupos ou classes os cidadãos os estrangeiros ou metecos e os escravos Somente os cidadãos tinham direitos políticos que eram transmitidos aos filhos homens Os estrangeiros que viviam na cidade eram bem acolhidos mas precisavam viver sob a responsabilidade de um cidadão e não contavam com qualquer direito social ou político Os escravos constituíam o grupo mais numeroso de todos os grupos Eles podiam ser liber tos e nesse caso passavam a integrar o grupo de estrangeiros Finley 1989 p 92 alerta também para a figura da mulher que era excluída dos espaços políticos e privada de qualquer direito Todas essas exclusões eram naturalizadas no pensamento dominante na época que Aristóteles 2002 p 33 traduz nessa passagem O homem livre manda no escravo de modo diverso daquele do marido na mulher do pai no filho Os elementos da alma estão em cada um desses seres porém em graus diversos O escravo é inteiramente destituído da faculdade de querer a mulher possuia porém fraca a do filho não é completa O Quadro 1 mostra uma estimativa a respeito da população que integrava a sociedade ate niense antiga Quadro 1 Estimativa da população ateniense no Período Clássico 480 aC 430 aC Homens adultos livres cidadãos 30 mil 40 mil Mulheres e crianças 90 mil 120 mil Estrangeiros residentes e escravos 30 mil 80 mil dos quais 60 mil eram escravos Fonte Elaborado pela autora com base em Lopes 2012 p 19 Como vimos somente a classe dos cidadãos a menor delas poderia participar das as sembleias ou seja da democracia ateniense Especificamente a respeito da cidadania essa era uma prerrogativa conquistada pelos homens ao atingir 18 anos de idade até sua morte Uma vez con quistada a cidadania o homem poderia participar das assembleias nas quais assuntos da vida pública eram decididos inclusive grandes decisões como assuntos de guerra e paz No tempo em que Aristóteles viveu estimase que a assembleia se reunia cerca de quatro vezes por mês FINLEY 1988 p 6774 Além do limitado número de participantes alguns estudiosos apontam que o quorum era baixo muitos cidadãos não compareciam mesmo com a oferta de compensação pela participação indenização AUGUSTE 1977 p 171 Tal fato sugere uma possível crise de representatividade Democracia experiência e perspectivas teóricas 95 além disso decisões contraditórias tomadas pela assembleia com um dia de diferença entre uma e outra Essas decisões não eram corporativistas ou classistas já que os membros da assembleia não poderiam ser punidos por seus votos O que definia as decisões eram as experiências emoções e simpatias dos cidadãos FINLEY 1988 p 6772 Agora que compreendemos melhor o contexto histórico que inaugurou a democracia oci dental podemos também compreender suas contradições Apesar dos princípios propostos por Péricles em especial a igualdade a sociedade ateniense distinguia seus membros em livres e escra vos em cidadãos e não cidadãos A distinção em função da propriedade ricos e pobres subsistia também os cidadãos pobres estavam mais para não cidadãos sem falar na marginalização das mulheres Apesar de todas essas contradições a época de Péricles é considerada o ápice da democracia ateniense MOSSÉ 2008 p 129143 1985 p 38 Isso porque embora poucas pessoas homens tivessem direito a participar da vida política aqueles que o faziam participavam diretamente afinal era uma democracia direta Os sujeitos de direitos não escolhiam quem os representasse mas sim compareciam às assembleias Em razão desses traços gerais Finley 1988 p 6566 define a democracia ateniense como direta mas com espaço restrito às pessoas Seu momento máximo era a reunião da assembleia na qual existiam poucas limitações ao poder político lá exercido e por fim um sistema em que lidava com comportamento de massa Esse último traço pode ser visto na importância da retórica da elo quência dos discursos persuasivos fundamentais para conquistar os votos dos cidadãos O fim da democracia grega se deu com a derrota militar para a Macedônia no ano de 338 aC episódio fri sado por Barroso 2010 p 6 como o modo mais comum de supressão da democracia a via militar Após essa experiência sucedeuse um longo período em que como anunciamos no início desse capítulo a democracia adormeceu Em síntese podemos dizer que durante a era medieval pouco ou nada se pode falar em democracia o debate foi retomado apenas na modernidade com Montesquieu e Rousseau SALDANHA 1987 p 59 De acordo com Bonavides a democracia nos tempos presentes é proclamada por praticamente todos os governos ainda que esses tenham entre si grandes diferenças No conjunto de suas expressões ao longo da história podemos sistematizar a democracia em três modalidades básicas direta indireta e semidireta Ou ainda não representativadireta e indiretasemidireta mais comumente adotada após o século XVII Na experiência grega era de mocracia a forma de governo que garantisse a isonomia igualdade perante a lei a isotimia aboli ção dos títulos e funções hereditárias e a isagoria direito de palavra liberdade de opinião A esse princípio isagoria é correlacionado o que hoje chamamos de liberdade de imprensa Em suma a democracia deve ser o governo do povo para o povo embora teóricos como Rousseau não acreditassem que esse governo tomado no rigor ao termo fosse possível exceto entre deuses Winston Churchill 18741965 estadista britânico também ironizou a democracia é a pior de todas as formas imagináveis de governo com exceção de todas as demais que já se experi mentaram BONAVIDES 2010 p 286 Ciência Política e Teoria do Estado 96 Conceitos de democracia Em 1863 ao proferir um discurso histórico o então presidente dos Estados Unidos Abraham Lincoln 18091965 descreveu a democra cia como governo do povo pelo povo e para o povo Essa é uma pa lavra complexa e de sentido que não pode ser definitivamente delimi tado Nas várias formas em que a democracia se manifesta e dentre as várias maneiras que podemos descrevêla em todas elas forçosamente encontramos o protagonismo do povo O protagonismo não é de elites econômicas intelectuais ditadores instituições autoritárias e interesses egoísticos mas sim do povo 72 Experiências de democracia no Ocidente Após seu período de hibernação a democracia retornou na modernidade mas de modo distinto como democracia representativa A discussão e teorização dessa forma de exercício do poder político ganhou força no Ocidente principal mente com o contraste entre as ideias de Rousseau e Benjamin Constant 1836 1891 O primeiro defendia com paixão a democracia direta já o segundo criticava a experiência dos antigos Todavia no final do século XVIII os teóricos perceberam que era inviável um modelo de democracia participativa na sociedade burguesa moderna Assim se ampliou o debate em prol do sistema representativo no qual se defendia a necessidade de que os eleitores fiscalizassem constan temente representantes para evitar os abusos e fortalecer uma nova lógica política que deslocasse a liberdade da participação direta para um modelo de representação política WOLKMER 2003 p 8991 O modelo de democracia representativa predominante no mundo contemporâneo especialmente em sociedades ocidentais nasceu com o Estado moderno Esse era um Estado liberal que se construiu pelas lutas contra o Estado absoluto Nós já vimos que as revoluções burguesas assinalaram o nascimento de um novo Estado e também um novo sistema político inspirado pelo liberalismo O liberalismo aceitava que o povo não governasse desde que o poder fosse subdividido e com isso o poder do Estado fosse limitado Aqui encontramos mais uma contradição agora de nosso tempo De acordo com Saldanha enquanto a democracia aceita o Estado e até o valoriza ou pode valorizálo como instrumento de realização de um governo popular o libe ralismo desconfia do Estado e postula sua redução ao mínimo possível SALDANHA 1987 p 37 grifo do original Vídeo Democracia experiência e perspectivas teóricas 97 Nas práticas modernas a democracia representativa deu seus primeiros passos no pro cesso histórico que culminou no parlamento inglês Seus primeiros traços se deram com resis tência dos barões com a Carta Magna em 1215 As conquistas do povo foram aglutinadas ao redor do parlamento que representou a limitação do poder absoluto Tal processo irradiouse para a França que também deflagrou a luta revolucionária expandiu por toda a Europa e finalmente por todo Ocidente Bonavides explica que é por meio de Montesquieu que a democracia moderna assumiu seus contornos teóricos mais característicos Entretanto o filósofo considerava que o povo era exce lente para escolher mas péssimo para governar BONAVIDES 2010 p 293 por isso o povo precisa de representantes Ainda assim não foi a opinião do filósofo mas sim razões práticas que fundamentaram o novo modelo democrático Uma das mais importantes diferenças entre o antigo Estadocidade e os atuais Estadosnação que unificaram toda a sociedade pela soberania estatal é que os Estadosnação são modelos profundamente sujeitados a um rol de garantias jurídicas enquanto o sistema antigo era integralmente político Dahl 2001 p 118 problematiza ainda mais o sistema e menciona que os defensores da democracia de assembleia bem sabem que a origem da democracia representativa está rela cionada a objetivos duvidosos e não democráticos Para o autor tratavase de uma artimanha dos governantes não democráticos especialmente os reis para se apoderarem de valores e rendimentos populares Seja como for a forma moderna da democracia a democracia representativa fundouse em outras bases como a soberania popular expressa sob a ideia de vontade geral o sufrágio universal a separação constitucional dos poderes a igualdade perante a lei e a fraternidade social Ela também teve como princípio a limitação de poder dos governantes a proteção das liberdades públicas as instituições políticas com a representação como base os mandatos temporários e ele tivos a garantia dos direitos e acesso à representação pelas minorias políticas e nacionais Além disso na democracia representativa há a proteção de toda forma de manifestação do pensamento livre BONAVIDES 2010 p 295 No Brasil o fundamento jurídicopolítico da democracia está no primeiro artigo da Constituição de 1988 que enuncia todo o poder emana do povo que o exerce por meio de repre sentantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição O artigo 14 determina que a so berania do povo se exerce pelo sufrágio universal e o voto direto e secreto e acrescenta o plebiscito o referendo e a iniciativa popular como formas de participação Sobre o sufrágio universal todas as pessoas com mais de 18 anos e menos de 70 anos de idade são obrigadas a votar As pessoas com mais de 16 anos e menos de 18 anos assim como aquelas com idade superior a 70 anos votam apenas se desejar Pessoas analfabetas também não são obrigadas a votar embora possam Apesar da forte tendência em dividir a democracia em direta e indireta ou em participativa e representativa há autores que acrescentam uma terceira modalidade a democracia semidireta É o caso de Bonavides 2010 p 295 que considera mecanismos de participação direta presentes em nossa Constituição como na verdade instrumentos dessa terceira modalidade Para o autor a democracia semidireta surgiu com a crise das instituições democráticas evidenciada na Primeira Ciência Política e Teoria do Estado 98 Guerra Mundial 19141918 Nesse grupo estão incluídas instituições como referendum iniciati va veto e direito de revogação Nessa forma de organização a participação do povo não se limita às eleições dos representantes e pode oferecer outras contribuições inclusive jurídicas por meio da iniciativa A origem histórica é identificada na Suíça onde os institutos da democracia semidireta são amplamente utilizados referendum e iniciativa são empregados tanto na esfera federal quanto no âmbito das autonomias Já nos EUA não consta previsão constitucional somente os Estados em pregam a modalidade em suas constituições Para o autor os institutos da democracia semidireta significam atualmente ao considerar mos a impossibilidade de implementar nas grandes nações a democracia direta uma tentativa do constitucionalismo contemporâneo inspirado na soberania popular e em garantir ao povo a palavra final sobre os atos de governo Tais institutos podem ser divididos em duas categorias bási cas referendum que permite aprovar ou rejeitar o ato do governo e iniciativa com a qual o corpo eleitoral provoca a decisão dos governantes BONAVIDES 2010 p 295303 Veremos cada um desses institutos a seguir Antes de avançar é importante darmos voz a um movimento político que nasce em nosso continente e que dentre seus resultados inaugura uma nova forma de democracia no marco das experiências ocidentais Tratase da democracia comunitária ou comunal Ela é relacionada à ideia de nação conceito que permite culturalmente definir o elemento humano que integra o Estado Esse elemento nação como instrumento de unificação da população dos Estados mo dernos é próprio da modernidade Muito anterior a essa ideia é a existência de inúmeros povos que habitam o continente latinoamericano e não se sentem representados na moderna nação Por isso diversos setores se organizaram e reivindicaram o respeito aos direitos políticos e existenciais dentre eles o direito de autodeterminação No caso do nosso país vizinho a Bolívia a organização especialmente indígena culminou em uma revolução popular que conquistou uma nova constituição e transformou o seu Estado em um Estado plurinacional Assim cada povo indígena que habita o território boliviano que estão no território há séculos conquistou o direito de se autodeclarar como se reconhecem coletivamente seja nação povo comunidade entre outros Além disso as prerrogativas de autodeterminação compreendem outros direitos de desenvolvimento de sistemas próprios como jurídico e o político A democracia comunitária surgiu como uma nova forma de organizar distribuir mas acima de tudo exercer o poder Essa forma é uma novidade para a cultura ocidental que reconhecia as formas participativa e representativa Sua existência é muito anterior às formas que discutimos aqui inclusive a grega e tem suas bases nas civilizações inca maia e asteca Suas práticas foram transmitidas geração a geração mesmo com o violento processo de colonização Além disso ela não pode ser identificada com nenhuma das duas formas anteriores Por outro lado não é fácil apresentar as semelhanças e diferenças pois na democracia comunitária se abrigam várias práticas igualmente diversificadas entre si FERRAZZO 2015 p 2633 324333 Democracia experiência e perspectivas teóricas 99 Podemos conceituar essa forma de democracia como a decisão ou poder político que não se centraliza no indivíduo ou grupo mas sim na coletividade isto é na comunidade Em geral nesse sistema o representante somente expressa a decisão coletiva deliberada em assem bleia ou junta comunal No entanto o mais importante é que a soberania não é delegada mas sim exercida de modo direto por meio de consensos construídos por sujeitos concretos com atividades e destinos comuns Mesmo a representação quando indicada pelos processos políticos da democracia comu nitária não admite o monopólio do direito de decidir pelo representante pois a soberania nunca é delegada ela conserva sempre suas raízes na vontade da comunidade fora da qual não tem legi timidade A soberania só tem sentido na energia coletiva e na vinculação entre a representação e o projeto comum da comunidade PATZI 2013 p 8081 Desse modo a democracia comunitária garantida na nova constituição boliviana assegura aos povos indígenas o respeito aos seus processos políticos sem lhes impor que adotem as ins tituições políticodemocráticas concebidas na cultura ocidental moderna Naturalmente dado o estágio atual de desenvolvimento e interação das comunidades reconhecer direitos de autode terminação política não autoriza a exclusão ou marginalização do Estado por isso a democracia comunitária também abrange o direito à escolha de representantes para as instâncias do Estado como legisladores juízes entre outros de acordo com a sua tradição ancestral contanto que não se exclua o direito ao voto livre e à ampla participação dos processos FERRAZZO 2015 p 327 73 Cidadania e participação política O referendum pode ser com relação à matéria ou objeto constituinte quando a matéria submetida à aprovação popular é constitucional legislativo quando são as leis ordinárias o objeto de consulta quanto aos efeitos constitutivo quando é realizado no momento de criação da lei aqui o referendum inicia a existência da norma abrogativo quando é realizado para consultar a respeito da revoga ção de modo que finda a existência da norma quanto à natureza jurídica obrigatório em casos que a constituição impõe ao parlamento a sub missão da norma à vontade popular facultativo quando o sistema jurídicopolítico não impõe a obrigato riedade mas atribui poderes para que determinado órgão do Estado ou até mesmo cidadãos façam requerimento da consulta popular Vídeo Ciência Política e Teoria do Estado 100 quanto ao tempo ou momento de realização ante legem se for realizado antes da criação da lei já que o propósito é conhecer a vontade popular a respeito da norma que se pretende criar também é denominado referendum anterior consultivo pre ventivo ou programático post legem modalidade em que o povo se manifesta depois de a nor ma ter sido votada no legislativo e por meio dela se confere ou se re tira a eficácia da norma Também é denominado referendum sucessivo ou póslegislativo Comentávamos há pouco a respeito de mecanismos e instrumentos de participação dos ci dadãos nos espaços políticos A democracia brasileira conta com alguns desses mecanismos e os considera meios de participação direta Esses instrumentos e outros verificados em outras demo cracias são considerados por Bonavides 2010 p 303308 como meios da democracia semidireta Vejamos como o autor os descreve 731 Referendum O referendo é uma forma de garantir a participação popular dentro do sistema de represen tação O poder legislativo elabora a lei mas é o povo quem a aprova Conforme os contornos que assumir em cada sistema o referendo pode ser classificado de distintas maneiras Vejamos Na relação entre o poder político e o direito a norma jurídica só adquire eficácia isto é começa a existir depois de verificada a colaboração entre o poder legislativo e o povo A primeira fase compete ao legislador elaboração da norma e a segunda compete ao poder popular que se manifesta ao ser consultado As formas que vimos são as principais no processo de identificação e classificação dos refe rendos ou seja com base em sua relação com as leis Entretanto ainda há outros critérios que po dem abranger não somente leis elaboradas pelo parlamento mas também qualquer ato importante para a sociedade de modo que poderemos ter ainda duas modalidades Referendum consultivo não incide somente sobre as leis mas também sobre todo ato público Ele pode ser vinculante de opção e meramente consultivo No primeiro caso o resultado da consulta vincula a conduta do Estado que não pode agir de modo contrário ao escolhido pelos cidadãos O segundo caso coloca três ou mais alternativas ante à opi nião pública Por fim o último caso tem natureza meramente opinativa Referendum arbitral modalidade contemplada na Alemanha com a Constituição de Weimar Seu objetivo era dirimir conflitos de natureza legislativa entre Legislativo e Executivo ou entre as casas legislativas Considerava que desentendimentos instaurados no âmbito dos órgãos ou poderes do Estado em matéria normativa deveriam ser dirimi dos pelo povo soberano que é a instância política mais alta Democracia experiência e perspectivas teóricas 101 732 Plebiscito Em algumas doutrinas os termos referendum e plebiscito são utilizados como sinônimos todavia tratamse de institutos diferentes Dentre as diferenças o referendum se circunscreve às leis já o plebiscito abrange matéria política constitucional e qualquer assunto pertinente ao Estado e ao governo inclusive para a modificação de formas políticas ou territoriais Para alguns estudiosos da política e do direito público o plebiscito é caracterizado por ser válido em si e não necessita como ocorre com o referendo da cooperação entre o parlamento e o povo Por isso dizemos que ele permite ao povo exercer a atividade legislativa de modo pleno colaboração estranha e sem exigir o consentimento dos dois poderes parlamento e povo No Brasil esses dois institutos são previstos na Constituição e já foram realizados embora poucas vezes A diferença primordial entre os dois na forma como foram inseridos no nosso siste ma diz respeito ao momento da realização o plebiscito é convocado antes da norma e nele o povo a aprova ou denega o referendo é convocado depois e nele o povo ratifica ou rejeita a norma Essa definição é dada pela lei federal que regulamentou os institutos no nosso país Na técnica nacional eles são designados da seguinte maneira Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que deli bere sobre matéria de acentuada relevância de natureza constitucional legislativa ou administrativa Art 2º da Lei n 9709 de 18 de novembro de 1998 que regulamenta o exercício dos direitos ao plebiscito ao referendo e à iniciativa popular BRASIL 1998 Na homepage do Tribunal Superior Eleitoral temos um histórico com mais informações a respeito do tema Vejamos quais consultas já foram realizadas no Brasil Quadro 2 Consultas públicas realizadas no Brasil Ano Tipo da consulta Quesito formulado Resultado 1963 Referendo O povo foi consultado a respeito de continuar ou não com o parlamentarismo no país aprova o ato adicional que institui o parlamentarismo 7698 não 1688 sim 1993 Plebiscito Forma de governo monarquia ou república 6626 República 1025 Monarquia Sistema de governo parlamentarismo ou presidencialismo 5567 Presidencialismo 2491 Parlamentarismo 2005 Referendo O povo foi consultado sobre a alteração da lei conhecida como Estatuto do Desarmamento o comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil 6394 não 3606 sim Fonte Elaborado pela autora com base em Brasil 2018a Ciência Política e Teoria do Estado 102 733 Iniciativa popular Essa é uma terceira modalidade de participação popular Se o veto e o referendum somente protegem o povo de uma legislação indesejada a iniciativa por outro lado permite a participa ção efetiva do povo no processo legislativo Também é comum a combinação da iniciativa com o referendum em casos que as vontades do povo e do legislativo entram em conflito em matéria de iniciativa popular Caso por exemplo o povo propor um projeto de lei e o poder legislativo discor dar da proposição e recusar aprovação a iniciativa pode se dar de duas maneiras iniciativa formulada em que o texto da lei a ser apreciado pelo legislativo vem pronto iniciativa não formulada ou articulada em que somente a matéria a ser regulamentada é apresentada mas sem o texto da lei Como vimos nos termos da Constituição brasileira o direito do povo de apresentar projetos de lei para apreciação pelo poder legislativo consta explicitamente no artigo 14 inciso III Mais adiante no artigo 61 parágrafo segundo a Constituição determina os requisitos para apresentá los É necessário que a proposta seja apresentada na Câmara dos Deputados que iniciará sua tramitação o projeto seja subscrito por pelo menos 1 dos eleitores do país esses eleitores estejam distribuídos por pelo menos cinco estados brasileiros e em cada estado os eleitores subscreverem a proposta pelo menos 03 do total do eleito rado do estado o faça A lei que regulamenta a matéria Lei n 97091998 a qual já mencionamos impõe ao po der legislativo o dever de realizar eventuais correções no que se refere à técnica legislativa de modo que problemas formais não autorizam o legislativo a rejeitar a proposta Finalmente indicamos um canal oficial do Estado para a manifestação popular a respeito da atividade legislativa o eCidadania portal do Senado Federal BRASIL 2018b Nele há diver sas ferramentas de participação como espaços para propor ideias de leis a serem debatidas pelo Congresso e opinar a respeito de projetos em tramitação Considerações finais Percorremos um longo caminho na história do Ocidente para compreender a origem de um dos maiores valores da vida em sociedade a democracia Para tanto observamos sua origem e transformação e também a emergência de um novo modelo o de representação Apesar da longa trajetória que o definiu e seu amadurecimento atualmente o sistema está em crise não apenas no Brasil mas também em diversos países A democracia foi e vem sendo ata cada o que demonstra seus pontos vulneráveis É fundamental que nós próprios sejamos capazes de amadurecer nossa percepção a respeito do poder político e das instituições democráticas No último capítulo vamos aprofundar nosso debate a respeito das crises da democracia mas não podemos chegar lá sem antes compreender dois pontos cruciais o sistema de partidos e de mandatos e as ideologias Essas serão nossas próximas tarefas Democracia experiência e perspectivas teóricas 103 Ampliando seus conhecimentos Um dos pontos que discutimos nesse capítulo diz respeito à democracia comunitária Vejamos como um dos principais teóricos no assunto o cientista político professor e membro da etnia aymará Felix Patzi define esse modelo O que é democracia comunitária PATZI 2013 p 8081 Por gestão política comunal ou por administração do poder comunal entendemos o poder ou a decisão que não é concentrada no indivíduo ou num grupo de pessoas ou seja que o indivíduo ou o grupo não têm poder em si mesmos como acontece no sistema da democracia representativa e no sistema totalitário de socialismo mas sim está na coletividade constituída em deliberação coletiva que pode se dar em congressos conselhos assembleias ou outro meca nismo direto que tenha estabelecido seu procedimento e regulamentação em cada população urbana ou rural Isso significa que a capacidade de decisão sobre os assuntos que atingem à população ou coletividade reside diretamente na coletividade e mesmo que tal capacidade soberana seja exercida por meio de representantes o limite da atividade de tais representantes é a própria vontade coletiva que controla materialmente os meios da soberania de modo que a função do representante se limita a buscar formas de assegurar a vontade comum Dica de estudo Dussel autor que temos mencionado ao longo desta obra elaborou uma síntese de seu pensamento político dirigida especialmente aos jovens Em 20 teses de Política 2007 podemos encontrar ricas reflexões acerca do poder e da democracia comprometidas com a legitimidade do poder e da ação política e com as lutas do povo Uma leitura urgente para nossos tempos Atividades 1 Quais foram os três modelos de democracia que discutimos neste capítulo e como podemos diferenciálos 2 Quais são os mecanismos de participação popular admitidos no sistema jurídicopolítico brasileiro 3 Qual é o contexto histórico e motivação da democracia representativa Ciência Política e Teoria do Estado 104 Referências ARISTÓTELES A política São Paulo Martin Claret 2002 Constituição dos atenienses Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 2003 AUGUSTE J A Grécia Antiga e a vida grega geografia história literatura artes religião vida pública e pri vada São Paulo Edusp 1977 BONAVIDES P Ciência política 17 ed São Paulo Objetiva 2010 BRASIL Constituição 1988 Diário Oficial da União Brasília DF 5 out 1988 Disponível em httpwww planaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 2 fev 2018 Lei n 9709 de 18 de novembro de 1998 Regulamenta a execução do disposto nos incisos I II e III do art 14 da Constituição Federal Diário Oficial da União Poder Executivo 19 nov 1998 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisl9709htm Acesso em 2 fev 2018 Tribunal Superior Eleitoral Plebiscitos e referendos Disponível em httpwwwtsejusbreleitore eleicoesplebiscitosereferendos Acesso em 2 fev 2018a Senado Federal Portal eCidadania Disponível em httpswww12senadolegbrecidadania Acesso em 2 fev 2018b BARROSO L R Curso de direito constitucional contemporâneo os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo 2 ed São Paulo Saraiva 2010 DAHL R A Sobre a democracia Brasília Ed UnB 2001 FERRAZZO D Pluralismo jurídico e descolonização constitucional na América Latina 462 p Dissertação Mestrado Programa de PósGraduação em Direito Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2015 Disponível em httptedeufscbrtesesPDPC1180Dpdf Acesso em 9 dez 2017 FINLEY M I Democracia antiga e moderna Rio de Janeiro Graal 1988 Economia e sociedade na Grécia Antiga São Paulo Martins Fontes 1989 LOPES J R L O direito na história lições introdutórias 4 ed São Paulo Atlas 2012 MOSSÉ C Atenas a história de uma democracia Brasília Ed UnB 1979 As instituições gregas Lisboa Edições 70 1985 Péricles o inventor da democracia São Paulo Estação Liberdade 2008 PATZI F Tercer Sistema modelo comunal propuesta alternativa para salir del capitalismo y del socialismo La Paz All Press 2013 SALDANHA N O Estado moderno e a separação de poderes São Paulo Saraiva 1987 THE Gterrysburg Address Abraham Linconl online Disponível em httpwwwabrahamlincolnonline orglincolnspeechesgettysburghtm Acesso em 8 fev 2018 WOLKMER A C Ideologia estado e direito 4 ed São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2003 8 Partidos políticos sistemas eleitorais e mandatos No âmbito das práticas de democracia representativa os partidos políticos assumiram notória importância como a principal forma de institucionalização de grupos engajados na disputa pelo poder político Desse modo sob diferentes sistemas eleitorais formas de organi zação e limitação das prerrogativas da representação os partidos políticos fazem parte dos re gimes democráticos Daí a importância de compreendermos como eles participam e cumprem funções essenciais à vida pública Neste capítulo buscamos compreender a origem histórica dos partidos políticos Além dis so analisamos algumas formas pelas quais se organizam mandatos bem como institutos que são adotados em diferentes regimes com o intuito de limitar o poder político exercido pelos represen tantes eleitos 81 Partidos políticos A ideia de partidos políticos foi concebida na Inglaterra Naquele país antes da Revolução de 1688 esses agrupamentos se manifestavam como facções polí ticas sem contar com uma organização formal Essas facções frequentemente se enfrentavam fora dos limites permitidos na lei o que provocava conflitos sociais Após a revolução a ideia de organização partidária foi incorporada pela lei e ditou regras democráticas para a disputa pelo poder político o que retirou os debates da zona brutal onde geralmente ocorriam ANDRADA 1998 p 38 Ao admitir um sentido mais amplo para esse conceito Dallari 2011 p 162163 explica que na antiga democracia ateniense a assembleia se dividia em partidos devido a interesses e pontos de vista a respeito de questões políticas Em Roma também existiam agrupamentos geralmente em torno de uma liderança com divergências em relação aos direitos dos plebeus ou da política externa O autor também identifica uma polarização entre partidos na Idade Média os defensores do papa partido Guelfo e os defensores do imperador gibelinos Apesar de essa denominação ter aparecido em diversos momentos ao longo da história seu sentido moderno como entendemos hoje é bem mais recente A depender da abordagem teóri ca para alguns o termo partido é datado de 1850 Para outros como Andrada 1998 p 38 ele é próprio da Revolução Inglesa No entanto os partidos sempre desempenharam o mesmo papel conquistar e exercer o poder político No ano de 1741 David Hume 17111776 publicou a obra Ensaios morais políticos e lite rários precursora das classificações modernas de partidos Ele classificou as facções em pessoais ou reais As facções pessoais seriam aquelas baseadas na amizade ou inimizade estabelecida entre partidos em disputa As facções reais se dividiriam em razão de sentimentos ou interesses diferen ças reais Vídeo Ciência Política e Teoria do Estado 106 As facções reais para Hume se subdividiam em de interesse as mais razoáveis e desculpá veis pois é natural homens diferentes como nobres e populares terem interesses distintos de princípios abstrata especulativa e difícil de justificar um fenômeno próprio da modernidade ou de afeição baseadas em ligações familiares particulares ou com pessoas que desejavam que gover nassem Apesar das objeções do filósofo Dallari 2011 p 164 avalia que os partidos de princípios foram os que mais se desenvolveram Esses também absorveram os partidos de interesses que sempre enfrentaram dificuldades em se organizar Esses órgãos que estão na base dos sistemas representativos indicam por meio de sua or ganização a convergência de candidatos que mantêm entre si afinidade de ideias fato que permite ao eleitor distinguir opções dentro do cenário político No entanto justamente esse aspecto ensejou e ainda enseja críticas e objeções Essencialmente tais críticas se referem à predominância do caráter partidário sobre o cará ter político e às vezes sobre a incompatibilidade entre ser partido e ser político Uma das razões para isso é que o partido comumente composto por segmentos específicos da sociedade tem uma perspectiva construída em seus próprios interesses No entanto eles também têm o elemento político que impõe uma visão mais abrangente a respeito das questões do Estado com o objetivo caso seja eleito de apresentar um programa de governo No curso da história o desafio trazido pelos partidos populares como os partidos operá rios que apresentaram propostas para toda a sociedade impuseram aos setores da burguesia a necessidade de também formular propostas mais amplas BASTOS 2002 p 265266 De acordo com Bottomore A defesa da constituição de um partido proletário independente ocupou uma posição fundamental no pensamento de Marx e Engels Contra o poder cole tivo das classes proprietárias argumentavam eles a classe operária não pode agir como classe exceto constituindose em um partido político que seja distin to dos velhos partidos formados pelas classes proprietárias e a eles se oponha BOTTOMORE 2001 p 282 O sentido o contexto histórico a origem e as motivações dos partidos são variadas con tudo podemos nos esforçar em buscar um elemento ou definição comum que permita aglutinar distintas dimensões Para tanto podemos adotar a definição de Moreira 1997 p 171 grifos do original que diz No seu conceito essencial os partidos políticos são organizações que lu tam pela aquisição manutenção e exercício do poder É certo que apesar do escopo do partido voltarse à conquista e exercício do poder po lítico surgiram diferentes pautas e compromissos que contribuíram para a evolução da forma partidária e permitiram dividir os partidos segundo critérios distintos No Quadro 1 verificamos algumas formas de classificações Partidos políticos sistemas eleitorais e mandatos 107 Quadro 1 Formas de classificação de partidos políticos Quanto à organização Partidos de massa Partidos de quadros Quanto ao processo funcional Democráticos Autocráticos Quanto ao programa Liberais Socialistas Conservadores Trabalhistas Entre outros Quanto aos seus militantes Arregimentação integral Arregimentação parcial Arregimentação episódica Quanto à estruturação interna Disciplina descentralizada Disciplina centralizada Fonte Elaborado pela autora com base em Andrada 1998 p 3841 Segundo Andrada 1998 p 3841 os partidos de massa tendem a se manter articulados e atuar em campanhasmovimentos de modo mais permanente Os partidos de quadro se organizam somente por ocasião das eleições Já os partidos democráticos defendem liberdades direitos indi viduais e o pluralismo de partidos Por fim os partidos autocráticos apoiam regimes totalitários No que se refere aos programas no próximo capítulo poderemos apreciar essas questões ao anali sarmos as principais ideologias políticas Com relação à arregimentação isto é militância ou engajamento o tempo de dedicação exigido dos militantes partidários pode absorver integralmente ou parcialmente o indivíduo o que permite conciliar uma agenda partidária com outras atividades Há também a arregimentação episódica que demanda menos dedicação embora nos períodos de eleições a tendência é a grande atuação de seus quadros Os partidos podem também adotar estruturação com disciplina centralizada ou descen tralizada essa opção vai impactar no próprio nível de democratização da organização Na es truturação descentralizada privilegiamse os órgãos de base como assembleias em que todos participam e opinam sobre questões do partido As estruturas centralizadas por outro lado priorizam uma relação de comando na qual um núcleo toma as decisões e os órgãos de base homologam as determinações Bastos 2002 p 268269 explica o surgimento histórico dos partidos de massas De acordo com o autor essa estrutura foi criada no século XX pelos socialistas e depois adotada pelos comu nistas Como esses partidos reuniam setores populares com menos recursos econômicos não se podia contar com doações generosas Por isso era necessária uma grande mobilização para filiar pessoas As pequenas doações individuais porém em grande número viabilizavam o financia mento das campanhas eleitorais Ciência Política e Teoria do Estado 108 A necessidade de formação política é um dos traços distintivos entre concepções de demo cracia fundadas com base nos partidos de massas e partidos de quadros Os partidos de quadro desenvolveram uma concepção aristocrática ou burguesa de partidos com poucas pessoas e dura ção efêmera enquanto os partidos de massa defendiam o oposto A formação militar também era comumente adotada nos partidos de massas De acordo com o ambiente no qual se originou um partido esse assumirá determinadas fun ções Por exemplo Moreira 1997 p 175 cita a Constituição francesa de 1958 que definia a função do partido como a de concorrer para a expressão do sufrágio ao passo que a alemã a definia como concorrer para a formação e expressão da vontade política Com base nessa tradicional inspiração parlamentarliberal a função do partido se desdobrava em três dimensões a formação da opinião pública a proposição de candidatos às eleições e o disciplinamento dos eleitos Dessas três dimensões o partido ao defender suas teses perante a opinião pública desper sonaliza a eleição Naturalmente os candidatos propostos em geral são pessoas notáveis escolhidas por uma estratégia eleitoral e indicadas pelo partido que é o mandatário A essa função tradicional devemos acrescentar outras relacionadas ao aumento da complexidade social e política que con siste em ser a voz de setores não representados nas instâncias do poder estatal Há também fun ções de articulação de interesses de comunicação e responsabilidade política expressas na possível participação em tomada de decisões etc MOREIRA 1997 p 175179 Em uma perspectiva mais ampla e para sintetizar as diversas atribuições acumuladas na evolução dos partidos Dalmases 2006 p 346348 agrupa essas funções em Socialização política e criação de opinião uma vez que os partidos apresentam pro gramas para a sociedade Esses têm maior ou menor carga ideológica o que possibilita diferentes perspectivas a respeito de problemas sociais Harmonização de interesses os programas de governo propostos pelos partidos pretendem consolidar um modelo global que pode servir como um meio de harmonização de interesses Formação de elites políticas funções que se distribuem em dois eixos o primeiro a res peito das elites do sistema político que exercerão cargos para os quais foram eleitos e o segundo acerca das elites administrativas pessoas indicadas para funções que não são eleitas pelo povo mas sim compostas por designação dos partidos Canalização das reivindicações populares até os poderes relacionada à função de co municação em que os votos indicam as opções que os eleitores apoiam Pelas eleições os partidos não eleitos ou de oposição refletem as demandas populares por meio de críticas e proposições de alternativas Reforço e estabilização do sistema político contribui para que o sistema político tenha estabilidade e que seja possível sua manutenção Tratase de uma tarefa de todos os parti dos situação e oposição Os ditos partidos antissistema são uma exceção apontada visto que questionam a própria legitimidade do sistema político vigente Nas estruturas dos partidos encontramos dois agrupamentos importantes o grupo dos membros que abrange os dirigentes lideranças dos partidos os permanentes quadros que Partidos políticos sistemas eleitorais e mandatos 109 trabalham para os partidos recebendo salário ou pagamento por isso os militantes e os afilia dos O segundo grupo é o dos não membros que engloba os simpatizantes e os votantes fiéis DALMASES 2006 p 355 811 Partidos políticos no Brasil Antes de prosseguirmos nossa análise sobre os sistemas eleitorais lançamos um breve olhar sobre os partidos políticos no Brasil Para Schmitt 2000 p 7 foi somente com o fim do Estado Novo após 1945 que os primeiros partidos disputaram eleições com sufrágio univer sal Foi também a partir desse momento que foram eleitos membros do Congresso de tempos em tempos e sem interrupções Entretanto os partidos políticos passaram por três fases dis tintas Vamos conhecêlas Terceira República 19451964 sistema pluri ou multipartidário que assinalou o iní cio da democracia representativa e contou no âmbito nacional com seis eleições para o Congresso e quatro para a presidência Nesse período o Tribunal Superior Eleitoral con cedeu registro para 32 partidos dos quais 16 foram cancelados posteriormente a maioria por não cumprir requisitos para obtenção do registro definitivo Em seguida ocorreu a fusão de quatro partidos de modo que existiam 13 partidos re gulares e um partido que atuava na clandestinidade desde 1947 o Partido Comunista Brasileiro PCB O maior partido desse período foi o Partido Social Democrático PSD seguido pela União Democrática Nacional UDN e pelo Partido Trabalhista Brasileiro PTB aliado constante do PSD No início do regime militar esses e outros partidos ain da funcionavam porém com o Ato Institucional n 1 de 1964 os poderes do Executivo foram drasticamente aumentados em detrimento do Legislativo fato que culminou na perda de mandatos legítimos por dezenas de parlamentares Quarta República 19641985 sistema bipartidário que teve início com um golpe de Estado baseado no autoritarismo Embora o calendário eleitoral para o Congresso tenha sido cumprido com cinco eleições esse período teve eleições indiretas controladas pelo governo militar Nessa época somente dois partidos eram admitidos cuja caracterização geral apresen tamos adiante Por hora é importante destacar que o bipartidarismo no Brasil foi um sistema construído de maneira não democrática mas sim de modo artificial de cima para baixo O critério da polarização era apoio ou oposição ao governo em que a situação da oposi ção era arriscada uma vez que não se conhecia os limites de sua atuação em um regime autoritário e consistia em uma estratégia do governo para testar a viabilidade da es trutura dos partidos ou seja ao vencer as eleições a estrutura seria mantida enquanto fosse conveniente A determinação era formar provisoriamente organizações com atribuições partidárias mas não partidos propriamente ditos Por isso as duas agremiações resultantes dessa es tratégia do governo foram a Aliança Renovadora Nacional Arena na qual se alinhavam Ciência Política e Teoria do Estado 110 os políticos que apoiavam o regime e o Movimento Democrático Brasileiro MDB com posto pelos que sobreviveram aos primeiros tempos do regime Nesse período também tivemos as figuras biônicas como os senadores que não eram eleitos pelo povo mas sim indicados pelo governo Sua regulamentação veio no chamado pacote de abril uma emenda constitucional aprovada no ano de 1977 com o intuito de fortale cer e tranquilizar o regime que estava irremediavelmente ameaçado pelas reivindicações democráticas A concentração da crescente oposição em uma única legenda fez mudar a estratégia dos militares que preferiram tolerar o multipartidarismo para dividir a oposição Na reformulação do sistema bipartidário concluída em 1980 seis partidos se organizaram com base no Congresso dos quais cinco ainda existem O Partido Democrático Social PDS foi o sucessor da Arena e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMDB sucedeu do MDB O Partido Popular PP e o Partido dos Trabalhadores PT também surgiram nesse período O PT foi o único que não se formou em torno de lideranças tra dicionais da política e foi assim como o PCB um caso raro de constituição partidária de baixo para cima de fora do parlamento Outro fato curioso foi a disputa entre Ivete Vargas 19271984 preferida pelos militares e Leonel Brizola 19222004 pela sigla do antigo PTB Vargas ganhou a disputa e Brizola fundou o Partido Democrático Trabalhista PDT Quinta República 19851988 também foi caracterizada por um sistema multipartidá rio No tópico seguinte faremos uma melhor análise a respeito de como esse sistema se articula com nosso atual sistema eleitoral Schimitt 200 identificou nesse período o defe rimento do registro de mais de 70 partidos a maioria provisório e com curtas existências 8111 Curiosidade liberais x conservadores esquerda x direita A dicotomia política entre liberais e conservadores tem origem na experiência inglesa ini ciada após a Revolução de 1688 Dois partidos marcaram a história inglesa e se revezaram no po der os wighis liberais e os tories conservadores Já a dicotomia esquerda e direita é atribuída à Revolução Francesa em que houve uma opo sição entre setores políticos daquela sociedade Os termos esquerda e direita surgiram devido à forma que a assembleia nacional se organizava à esquerda do presidente da Assembleia setores liberais que defendiam direitos do povo e à direita setores mais conservadores representantes da realeza Ainda existia um enfileiramento ao centro composto por aqueles que defendiam uma posição moderada com uma monarquia constitucional 82 Sistemas eleitorais Os diferentes sistemas eleitorais cumprem funções indispensáveis nas socie dades democráticas Dentre essas destacamos a função de gerar participação pois por meio do voto o eleitorado expressa suas preferências e escolhe programas po líticos produz representação viabiliza os governos e oferece legitimação necessária para o exercício do poder político TORRENS 2006 p 370 Os sistemas eleitorais têm estreita relação com os sistemas de partidos Vídeo Partidos políticos sistemas eleitorais e mandatos 111 Por isso o sistema de partidos é tão importante que alguns o consideram como elemento essencial das instituições políticas Tem para estes a mesma importância dos órgãos oficiais do Estado BASTOS 2002 p 269 É crucial o emprego da palavra sistema porque assim podemos dimensionar a importância não apenas de cada partido isoladamente mas de seu conjunto e suas interações como um todo Vejamos a classificação externa dos partidos de acordo com Dallari 2011 p 166167 que considera o número de partidos existentes em um Estado e os classifica em três sistemas Sistemas de partido único como se admite apenas um partido no Estado a pretensão é de que os debates políticos se deem internamente nesse partido Em tese o fato de um sistema adotar um único partido não significa que ele é inevitavelmente antidemocrático Na prática todavia os debates admitidos são secundários e não alcançam princípios partidários que tendem a ser imutáveis Um ponto importante de regimes em que a liberdade de expressão é respeitada é o fato de ser pouco provável que exista somente um partido Outra questão diz respeito a sistemas formalmente pluripartidários mas nos quais na prática somente um partido tem condições de conquistar o poder político Para Dallari isso nada mais é do que um sistema unipartidário disfarçado Sistemas bipartidários nesses sistemas existem dois grandes partidos que se alternam no poder político Podem existir outros partidos menores desde que não interfiram no Estado e não alterem o caráter bipartidário do sistema Exemplos clássicos desse sistema ocorrem nos Estados Unidos e também na Inglaterra Dallari sublinha duas notas distinti vas desse sistema a não exclusão de outros partidos que coexistem com as duas agremia ções partidárias predominantes e o caráter autêntico do sistema que surgiu de processos históricos nos quais o povo se divide entre as duas principais correntes de opinião1 Sistemas pluripartidários são predominantes atualmente Caracterizamse pela existên cia de vários partidos e pela possibilidade de qualquer um deles predominar Dentre as diversas causas da origem desse sistema podemos identificar o fracionamento interno Ao considerarmos que divergências podem se estabelecer de muitas formas e que de fato algumas ocorrem dentro dos próprios partidos a divisão interna com a saída dessa corrente pode originar um novo partido Se esse tipo de divisão ocorrer de maneira exagerada o eleitorado também ficará tão dividido e poderá ser impossível para qualquer partido alcançar sozinho o governo quando ocorre esse tipo de situação são estabelecidos acordos Dallari lamenta que em geral tais acordos prejudicam o povo A solução intermediária para não suprimir a liberdade de expressão dos partidos e ao mesmo tempo evitar o excessivo fraciona mento é a exigência de uma porcentagem mínima de eleitores para eleger os represen tantes Se com fracionamento é difícil o partido conquistar o poder político sozinho no bipartidarismo é diferente Segundo Bastos 2002 p 270271 um dos traços do 1 Como já mencionamos no Brasil tivemos a experiência de bipartidarismo durante o regime militar Nosso modelo entretanto foi distinto pois o governo não admitia a organização de outros partidos as únicas agremiações permitidas se davam entre apoio e oposição ao governo Por isso nosso bipartidarismo era arbitrário e não democrático diferente por exemplo do bipartidarismo britânico e norteamericano SCHMITT 2000 p 9 Ciência Política e Teoria do Estado 112 bipartidarismo é a possibilidade de um partido alcançar a maioria absoluta dos votos e exercer o poder sem necessitar de coligações Com base nesse sistema de partidos podemos falar nos sistemas eleitorais Identificados por Maurice Duveger 19172014 os sistemas eleitorais podem ser de um turno mais próximos dos sistemas bipartidários proporcional mais próximo do multipartidarismo assim como majoritá rio de dois turnos No sistema eleitoral majoritário vence as eleições quem alcança a maioria rela tiva por isso partidos menores têm pouca expressão o que favorece a tendência ao bipartidarismo O sistema eleitoral proporcional ao mesmo tempo em que favorece o multipartidarismo viabiliza o acesso de vários partidos ao poder legislativo sem impor a necessidade de coligações para alcançar o poder Por fim no sistema eleitoral de dois turnos em que é exigida a maioria absoluta dos votos somente o primeiro turno conduz ao multipartidarismo No segundo turno participam somente os dois candidatos mais votados no primeiro Por isso no primeiro turno to dos os partidos podem participar e testar as próprias forças mas no segundo a tendência é firmar coligações BASTOS 2002 p 272273 Em Bastos 2002 p 244248 encontramos quatro sistemas eleitorais Voto majoritário foi o único tipo de voto conhecido por um longo período Nesse siste ma é eleito o candidato que alcança a maioria dos votos Entretanto essa maioria pode ser relativa o candidato alcançou sozinho mais votos que qualquer um dos outros ou absoluta não basta o candidato obter mais votos que os demais ele precisa alcançar mais da metade dos votos totais isto é conquistar mais votos do que todos juntos Se o sistema eleitoral optar pela maioria absoluta pode ser necessário realizar dois turnos de eleições Voto proporcional surgiu como resposta às deformações do voto majoritário Naquele sistema os votos das minorias eram irrelevantes e às vezes pequenas diferenças nas urnas entregavam o parlamento por completo a um só partido por exemplo em uma diferença de 51 para 49 No sistema de voto proporcional cada partido elege seus parlamen tares de acordo com o número de votos obtidos Essa proporção é denominada quociente eleitoral e é calculada com a divisão do número total de eleitores pelo número total de assentos disputados na casa legislativa É comum a imposição de um número mínimo de votos para efetivar a representação e evitar o fracionamento um dos riscos desse sistema Voto distrital modelo predominante no Brasil até o ano de 1930 Nele o Estado é dividi do em distritos eleitorais com o objetivo de aumentar a representatividade O voto distri tal é considerado um sistema puro uma vez que é possível votar apenas em candidatos dos respectivos distritos no entanto há ainda o voto distrital misto que tem parte dos candidatos circunscritos no distrito e parte aberta a todos pelo sistema proporcional Sistema eleitoral misto adotado na Alemanha essa forma busca reunir as vantagens dos sistemas proporcional e majoritário Assim metade dos candidatos são eleitos por um sistema e a outra metade pelo outro uma vez que a legislação daquele país compatibiliza ambas as formas Partidos políticos sistemas eleitorais e mandatos 113 Acerca dessas questões um caso curioso é o dos Estados Unidos que adotam o sistema elei toral majoritário Sua câmara dos representantes é integrada por 435 parlamentares eleitos a cada dois anos de acordo o sistema de maioria relativa mas cada estado decide a delimitação das suas circunscrições O senado por sua vez é integrado por 50 parlamentares 2 senadores por estado Já as eleições presidenciais ocorrem a cada 4 anos Cada estado é uma circunscrição e tem uma lista plurinominal na qual os eleitores elegem seus delegados eleitorais Conforme a fórmula adotada o candidato que ficar em primeiro lugar obtém inclusive os votos que não foram seus2 No total o país conta com 538 delegados os quais devem validar a eleição É considerado eleito o candidato que alcançar pelo menos 270 delegados TORRENS 2006 p 396397 O sistema eleitoral brasileiro está estruturado nos termos gerais delineados na Constituição e complementados por diversas leis como a Lei n 4737 de 1965 e a Lei n 7773 de 1989 Nossa base é o voto direto universal obrigatório e secreto Além disso de acordo com a função pública seguimos o sistema proporcional ou o sistema misto Nas eleições para o senado federal e para as prefeituras seguimos o sistema majoritário Esse sistema também é adotado para as eleições para presidente e vicepresidente da república mas com a exigência de que o candidato alcance a maioria absoluta dos votos o que pode ensejar uma eleição em dois turnos o segundo turno ocorre quando o candidato mais votado não alcançou a maioria absoluta O mesmo se aplica aos governadores dos Estadosmembros desde o ano de 1997 Por meio de uma emenda à Constituição passou a se exigir que nas cidades com mais de 200 mil eleitores os prefeitos alcancem a maioria absoluta dos votos fato que também pode ocasionar dois turnos de votação Nas eleições para deputados estaduais ou federais assim como vereadores é adotado o sistema proporcional Os partidos têm a opção de se coligarem para concorrer às eleições e com isso aumentam seus votos de legenda e a proporção de vagas que podem conquistar No Brasil as eleições são realizadas a cada dois anos e intercalam a escolha de cargos Em um período são escolhidos o presidente da república governadores senadores e deputados esta duais e federais No outro são eleitos prefeitos e vereadores Os suplentes são escolhidos nos mesmos períodos que os titulares 83 Mandatos políticos e formas de limitação Essencialmente ligado ao sistema representativo o mandato é a investidura do candidato escolhido pelo povo na função que lhe foi confiada para representá lo Conforme o sistema e a organização do poder por meio das eleições podería mos escolher todos os ocupantes das funções públicas entretanto as eleições só permitem eleger as funções de cúpula do Legislativo e Executivo e raramente do Judiciário 2 Não são todos os Estados que adotam essa fórmula mas de fato na maioria deles assim funciona Por conta desse sistema indireto de eleição pode ocorrer e de fato já ocorreu a situação de que o candidato eleito à presidência não é o candidato com maior número de votos diretos Vídeo Ciência Política e Teoria do Estado 114 Em qualquer caso as funções eleitas também contam com meios de fiscalização Há diversas maneiras de fiscalizar um mandato a realização periódica de eleições é a principal e por meio dela o povo pode reeleger ou negar seu voto ao representante Além disso essa ação pode ser feita dire tamente pelos cidadãos a qualquer momento com o objetivo de denunciar atos ilegais ou imorais O Legislativo pode fiscalizar com o auxílio dos tribunais de contas os atos do Executivo BASTOS 2002 p 242244 Há outros institutos que permitem ao povo exercer controle durante o exercício do mandato De acordo com Bonavides 2010 p 311316 os modos mais conhecidos são Veto é um instrumento que permite ao povo participar do exercício frente a uma lei ela borada em vias de ser posta em execução Pode incidir mesmo sobre uma lei já publicada submetida à vontade popular Diferente do referendum que incide sobre um projeto de lei o veto incide sobre uma lei pronta Há autores que consideram os dois institutos iguais Direito de revogação consiste na possibilidade de destituir um representante eleito an tes do fim de seu mandato legal Presente nos Estados Unidos e na Suíça suas principais modalidades são Recall próprio do sistema norteamericano consiste na revogação individual do mandato Nos EUA é mais comum na esfera municipal do que na estadual Em cer tos casos como nos estados do Oregon e da Califórnia o recall pode incidir sobre magistrados e sobre decisões judiciais Abberufungsrecht forma de revogação coletiva que permite cassar toda uma as sembleia É um instrumento suíço de controle Além desses exemplos alguns dos nossos países vizinhos também têm adotado a revogação de mandatos como meio de controle político a ser exercido pelo povo e como formas de participa ção democrática Essa medida é adotada pelos cidadãos de países como Bolívia Colômbia Venezuela e Equador Naturalmente essa possibilidade é revestida de requisitos jurídicos no entanto é impor tante destacar que em geral a ausência de legitimidade na atuação do mandatário é um dos fatores que pode levar à perda da representação Considerações finais Analisamos talvez em uma perspectiva mais descritiva a questão dos partidos políticos sua relação com o poder político e com o sistema democrático representativo Há todavia uma dimensão muito importante a respeito da qual precisamos refletir também as ideologias e sua re lação com os modos de organização política inclusive dos partidos Agora nos familiarizamos com nossa história política e compreendemos algumas das funções dos partidos bem como as possibilidades de controle sobre o poder Ademais pode mos também abordar uma dimensão mais complexa que diz respeito a orientações teóricas aos interesses representados nos segmentos partidários suas ideologias e como esses fatores repercutem nos Estados Partidos políticos sistemas eleitorais e mandatos 115 Ampliando seus conhecimentos Bastos 2002 em sua obra Curso de Teoria do Estado e Ciência Política discute sobre os sis temas multipartidários pluripartidários e coligações O autor também evidencia os prós e contras desses sistemas Leia um trecho a seguir Sistemas multipartidários pluripartidários e coligações BASTOS 2002 p 271 Nos sistemas multipartidários não necessariamente mas quase sempre o partido vitorioso nas eleições não detém a maioria do Parlamento Abrese então um complexo jogo de nego ciações tendentes a aglutinar dois ou mais partidos que venham a possibilitar o exercício do governo Não há dúvidas de que o pluripartidarismo reflete com maiores matizes as diversas correntes da opinião pública Daí porque ser esse sistema muitas vezes considerado o mais democrático Acontece entretanto que estas vantagens têm o seu custo Estas coligações vêm muitas vezes acompanhadas de uma indesejável instabilidade já que formadas pelos próprios partidos podem também por eles ser desfeitas a qualquer momento Esta circunstância é grave tanto no presidencialismo como no parlamentarismo Neste último rompidas as coligações caem os governos No presidencialismo o esfacelamento partidário leva à inevitável fraqueza do órgão legislativo que pode mais facilmente se ver atingido nas suas imunidades privilégios e competências Isto quando não se dá o inverso igualmente a ser evitado pelo desequilíbrio que traz no bom relacionamento entre os Poderes do Estado Estáse a referir à hipótese em que por falta de maioria no Legislativo o Executivo se vê a bra ços com a impossibilidade de exercer plenamente a função governativa em razão da obstrução aos seus projetos de lei Dicas de estudo Mezzaroba 1990 publicou na Revista de Informação Legislativa o ensaio O partido po lítico concepção tradicional e orgânica no qual analisa o partido político sob distintas perspectivas teóricas e explica como os referenciais de análise podem influenciar nossa percepção sobre a função dos partidos e nos levar a compreendêlos como mero instru mento jurídico para conquista do poder ou o que seria mais desejável como espaço de luta e conscientização O texto está disponível na homepage da Biblioteca do Senado por meio do link httpwww2senadolegbrbdsfbitstreamhandleid176215000487569 pdfsequence1 Acesso em 14 fev 2018 Ciência Política e Teoria do Estado 116 Atividades 1 O critério numérico é o bastante para diferenciarmos sistemas bipartidários de sistemas multipartidários Justifique sua resposta 2 Qual a diferença entre o modelo bipartidarista adotado no Brasil e o modelo desenvolvido nos demais países 3 Dentre as formas de limitação de mandatos políticos que estudamos quais são adotadas no Brasil Referências ANDRADA B Ciência Política ciência do poder São Paulo LTr 1998 BASTOS C R Curso de teoria do estado e ciência política 5 ed São Paulo Celso Bastos 2002 BONAVIDES P Ciência política 17 ed São Paulo Objetiva 2010 BOTTOMORE T B Dicionário do pensamento marxista Rio de Janeiro Zahar 2001 BRASIL Lei n 4737 de 15 de julho de 1965 Institui o Código Eleitoral Diário Oficial da União Poder Legislativo Brasília DF 30 jul 1965 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03LeisL4737 htm Acesso em 6 fev 2018 Lei n 7773 de 8 de junho de 1989 Dispõe sobre a eleição para Presidente e VicePresidente da República Diário Oficial da União Poder Legislativo Brasília DF 9 jun 1989 Disponível em httpwww planaltogovbrccivil03LeisL7773htm Acesso em 6 fev 2018 DALLARI D A Elementos de teoria geral do Estado 30 ed São Paulo Saraiva 2011 DALMASES J M Los partidos políticos y los sistemas de partidos In CAMINAL BADIA Miquel Ed Manual de Ciência Política 3 ed Madri Tecnos 2006 MOREIRA A Ciência política Coimbra Livraria Almedina 1997 SCHMITT R Partidos políticos no Brasil 19452000 Rio de Janeiro Zahar 2000 TORRENS X Los sistemas electorales In CAMINAL BADIA M Ed Manual de Ciência Política 3 ed Madri Tecnos 2006 9 Ideologia pensamento político e fronteiras teóricas entre os Estados modernos A ideologia é um conceito que assim como os demais que já analisamos Estado política sociedade etc assume sentidos diferentes de acordo com o teórico que o desenvolveu Por isso na medida em que entendermos o sentido dessa concepção ela nos prestará um aporte diferente para compreendermos o Estado e analisarmos as relações sociais e de poder Neste capítulo vamos analisar as principais definições de ideologia e aprender a empregálas em nosso cotidiano Com base nessa compreensão vamos estudar como as principais ideologias se expressam no pensamento político bem como nos diferentes Estados 91 Conceitos de ideologia e sua relação com a política Segundo Abbagnano 2007 p 615 o conceito ideologia surgiu pela primei ra vez no século XVIII nas reflexões de francês Destutt de Tracy 17541836 Ele criou esse termo para se referir à análise das sensações e das ideias Nesse período também surgiu a escola dos ideólogos e dentre esses alguns hostilizaram Napoleão Bonaparte A reação do imperador foi usar o conceito de ideologia como uma for ma de crítica ou depreciação pois a empregou com sentido de sectarismo dogmatismo e caracte rizou os ideólogos como pessoas sem noção da realidade ou da política Essa mudança de compreensão está relacionada ao sentido que atribuímos predominan temente ao termo A ideologia é vista como doutrina determinada pelos interesses de quem a utiliza sejam esses interesses escancarados ou dissimulados Foi dessa maneira que o conceito evoluiu e se tornou essencial para o marxismo em sua oposição à cultura burguesa Em meados do século XIX Marx demonstrou que no curso da história econômica as crenças morais po líticas filosóficas etc são determinadas pelas relações de produção e de trabalho próprias de cada época Sua tese importante para compreender esses fatores foi denominada materialismo histórico ABBAGNANO 2007 p 615 Antes de nos determos à contribuição de Marx vamos passar por um breve sumário com algumas teorizações a respeito da ideologia ABBAGNANO 2007 p 615616 Vilfredo Pareto 18481923 sociólogo e economista italiano publicou a obra Tratado de sociologia geral 1916 Pareto reconheceu a ideologia como noção de teoria não cien tífica isto é uma teoria que não tira deduções com base em experimentações como faz a ciência propriamente dita Em resumo ele entendia que a ciência e a ideologia pertenciam a campos opostos a ciência remetiase à experimentação e ao raciocínio já a ideologia pertencia ao campo do sentimento e da fé Em sua obra Pareto estudou a ideologia já com o sentido atribuído por Marx Vídeo Ciência Política e Teoria do Estado 118 Karl Mannheim 18931947 sociólogo húngaro não levou em conta a proposição es sencial de Pareto no qual considerava que a função primordial da ideologia é persuadir O autor distinguiu um sentido universal e um particular para a ideologia O sentido uni versal a define como visão de mundo partilhada por um grupo de pessoas por exemplo uma classe social burguesia ou proletariado A ideologia em sentido particular é o conjunto de simulações e falsificações de uma situação real que prejudica os interesses de quem sustenta a ideologia Para o autor essa é uma distorção da realidade que pode ser feita propositalmente ou não Com essa distinção Mannheim situou a ideologia em dois campos de estudo diferentes o sentido particular deve ser analisado pela psicologia já o sentido geral deve ser analisado pela sociologia Nicola Abbagnano 19011990 e Norberto Bobbio 19092004 o primeiro filósofo e historiador da filosofia o segundo também italiano já conhecido de outros capítulos Ambos propuseram um sentido neutro ou fraco para ideologia e a caracterizaram como o conjunto de crenças ou valores empregados para conduzir a luta política das massas e fundamentar a legitimidade do poder Esse sentido se contrapõe ao chamado sentido forte ou negativo da ideologia construído no âmbito da obra e do pensamento marxista Nas palavras de Abbagnano a ideologia é capaz de se inserir na situação dominála e adequá la a si mesma ABBAGNANO 2007 p 615 Karl Marx e Friedrich Engels sua concepção de ideologia foi influenciada por distin tos debates filosóficos de seu tempo da mesma maneira que influenciou inúmeras con cepções a respeito do sentido e da função da ideologia Bottomore 2001 p 183186 apresenta em seu Dicionário do pensamento marxista uma rica incursão por essas ideias O autor explica que Marx e Engels chegaram à uma percepção negativa da ideologia por que notaram uma inversão tanto na consciência quanto na sua existência material das pessoas ambas unidas por uma relação Essa união nasce das contradições sociais e ao mesmo tempo as ocultam Para entender a proposta de Bottomore é importante situar as distintas fases do pensamento marxista A primeira vai até o ano de 1844 nesse período os autores não chegaram a usar a palavra ideologia Ainda assim eles apresentaram elementos cruciais para definir seu sentido ao mencio nar as inversões que distorcem ou obscurecem o sentido das coisas A segunda fase compreende o período entre 1845 e 1857 O materialismo histórico a res peito do qual comentamos se constrói nesse período assim como as premissas fundamentais por meio das quais o pensamento marxista vai interpretar e explicar a sociedade e a história Foi tam bém nesse período que pela primeira vez a obra de Marx e Engels empregou a palavra ideologia Como vimos na primeira fase as bases desse conceito foram associadas à inversão Aqui o sentido se mantém mas é ampliado para abranger a crítica à religião e ao papel que ela desempenhava na sociedade Nessa fase Marx formulou a sustentação de que os problemas da humanidade são con tradições sociais existentes na realidade e não ideias errôneas que formamos a respeito dela Essas ideias são antes de tudo consequência das contradições reais pois quando os ho mens não contam com os recursos necessários para lutar contra as contradições reais seguem a Ideologia pensamento político e fronteiras teóricas entre os Estados modernos 119 tendência de projetálas na forma ideológica dentro de sua consciência Os homens buscariam soluções espirituais ou discursivas O problema segundo os autores é que essas soluções ocultam ou disfarçam as contradições Em consequência disso a distorção da realidade ajuda a perpetuar as situações que em regra atendem somente aos interesses das classes dominantes Em razão dessa dinâmica as distorções ideológicas apenas desaparecerão quando conseguirmos eliminar as con tradições reais que originaram as inversões ideológicas A terceira fase começa com a redação do Grundrisse1 em 1858 em que Marx analisou uma realidade concreta e específica na qual se desenvolvem as relações capitalistas Nessa fase a pala vra ideologia quase desaparece mas o conceito de inversão permanece ainda que reelaborado Ele percebeu que a esfera da circulação capitalista produziu um mundo de aparência de modo que identificou as formas econômicas de ideologia Nesse mundo o mercado se impõe como fonte da ideologia burguesa no qual superficial mente parecemos ter liberdade e igualdade mas quando espiamos para além da superfície não en contramos o menor vestígio nem de uma e nem de outra Percebemos nessa trajetória sucintamen te apresentada que a crítica de Marx começou pela religião e culminou nas aparências econômicas Depois da morte de Marx houve um intenso debate inclusive sobre o sentido de ideologia Inicialmente essa concepção não perdeu sua implicação crítica entretanto assumiu um novo sen tido que colocou a conotação negativa em segundo plano Disso surgiram duas concepções uma que a considera como totalidade das formas de consciência social e outra que a define como ideias políticas especificamente relacionadas aos interesses de uma classe Também vimos que foi atribuí do à ideologia um sentido neutro De fato nos textos de Marx e Engels existem elementos para essa concepção Antonio Gramsci 18911937 as citou para apoiar seu próprio ponto de vista Ele comenta uma passagem da obra Prefácio à contribuição à crítica da economia política escrita em 1859 sobre questões jurí dicas filosóficas e políticas que Marx e Engels identificaram como formas ideológicas nas quais os homens assumem consciência do conflito e da solução pela luta Além da própria complexidade dos textos dos autores que não eliminavam ambiguidades de sentidos há o fato de um dos textos mais importantes para esse debate A ideologia alemã ter sido publicado apenas em 1920 As primeiras gerações marxistas não tiveram acesso à obra completa o que influenciou o debate e o desenvolvimento do conceito de ideologia O primeiro pensador que colocou o problema de o marxismo ser ou não uma ideologia foi Eduard Bernstein 18501932 Para ele embora as ideias proletárias tivessem uma direção realista elas ainda eram reflexos do pensamento logo ideológicas Ao identificar a ideologia com ideias e ideais o autor chegou a uma conclusão que os outros não haviam chegado o marxismo é uma ideologia BOTTOMORE 2001 p 185 Se nos concentrarmos no sentido positivo do conceito de ideologia adentramos no universo das lutas políticas deflagradas na Europa ocidental no final do século XIX Nesse 1 Tratase de um importante manuscrito de Karl Marx conhecido décadas depois de ser escrito Essa é uma obra póstuma que costuma ser considerada o esboço de textos da principal obra de Marx O Capital Ciência Política e Teoria do Estado 120 contexto o marxismo estreitou sua relação com as lutas de classe e as organizações partidárias com o objetivo de aportar teoricamente aqueles movimentos e criar uma teoria da prática política A solução foi proposta por Lenin militante comunista que atuou intensamente na Revolução Russa de 1917 Ele ampliou o sentido de ideologia e sustentou que a crítica à ideo logia da classe dominante é feita com base em outra posição de classe ou seja outra perspec tiva também ideológica Em suma ele deu à ideologia contornos de uma consciência política vinculada aos interesses de uma determinada classe que ocasionou a oposição entre ideologia burguesa e ideologia socialista Lenin ainda defendeu que a ideologia burguesa era falsa de vido à situação estruturalmente limitada dessa classe No entanto ele não ignorou o fato de a ideologia burguesa dominar e contaminar a consciência do proletariado Sob a influência de Lenin Gramsci rejeitou a concepção negativa de ideologia de Marx Embora ele tenha discutido ela é não convergente com o pensamento marxista Esse novo sentido definiu a ideologia como ideias arbitrariamente formuladas por indivíduos particulares o que fez surgir a dicotomia entre ideologia arbitrária e ideologia orgânica A ideologia orgânica era mais re levante uma vez que representava uma concepção de mundo implícita em todas as manifestações da vida individual e coletiva Assim a ideologia orgânica estava além de um sistema de ideias ela assumia a capacidade de inspirar as atitudes das pessoas e de orientar suas ações O teórico ainda identificou quatro níveis de ideologia com diferentes graduações de rigor e articulação intelectual o primeiro era a filosofia mais forte em seguida estavam a religião o senso comum e o folclore As ideias apresentadas por Gramsci permitiram uma nova perspectiva acerca dos apare lhos ideológicos como a educação e do papel dos intelectuais na produção da ideologia a própria classe cria seus intelectuais orgânicos portanto não depende exclusivamente de uma ideologia desenvolvida externamente à classe operária a ideologia socialista e que essa classe precisa incorporar em sua consciência O autor defendia a tarefa de tornar crítica a atividade já existente dos intelectuais produzidos dentro da classe orientados por uma vontade coleti va e seu contexto histórico Vimos então duas concepções importantes de ideologia sentido negativo e sentido positi vo ambas extraídas da tradição teórica marxista A existência delas ensejou intensos debates e di vidiu estudiosos para alguns não é possível existirem duas concepções distintas somente uma se ria realmente marxista Outros entretanto não conseguem admitir que Lenin discordou de Marx o que traz o dilema de tentar conciliar essas duas concepções Para Bottomore o filósofo francês Louis Althusser 19181990 foi um dos teóricos que enfrentou esse desafio Suas reflexões resultaram na concepção mais influente das últimas déca das embora carregada de contradições Althusser distinguiu a teoria da ideologia geral que tem a função de garantir a coesão à sociedade da teoria de ideologias específicas que tem o objetivo de assegurar a dominação de uma classe Ideologia crítica Esse conceito tem suas raízes na Escola de Frankfurt que defendia um filosofar crítico para a libertação da humanidade da dominação Ideologia pensamento político e fronteiras teóricas entre os Estados modernos 121 econômica e política mantida por meio de mistificações ideológicas Conforme sustentava Jürgen Habermas 1929 um de seus principais integrantes quando a filosofia descobre a violência que deforma o diálogo determina o progresso do gênero humano para a emancipa ção ABBAGNANO 2007 p 616 Vejamos a seguir para exemplificar nossas reflexões como a categoria ideologia explicaria o Estado e a política Nós já vimos que a política está na essência do ser humano assim como a necessidade de viver em sociedade Desse convívio surgiram conflitos e a busca por meios de equacionálos equi librálos ou refrear a violência direta A humanidade desenvolveu mecanismos para organizar o poder o que acabou por institucionalizálo na forma do Estado Além disso a forma como com preendemos e explicamos as relações sociais interferem diretamente no modo que compreende mos o Estado e como desenvolvemos a ação política A ideologia é não somente o conjunto de ideias que dá o aporte para diferentes compreensões ela também é um instrumento de manuten ção do Estado O Estado por sua vez é um instrumento de difusão de ideologias Se compreendermos o Estado como o poder institucionalizado para garantir a dominação da classe proprietáriaburguesa sobre a classe proletária ele terá uma função ideológica difundir uma visão distorcida das injustiças sociais propagar um conjunto de crenças que ajudarão a man têlo enquanto instituição e contribuirão para manter as relações sociais de dominação Por outro lado com a ampliação dos sentidos de ideologia os debates políticos modernos e é assim até hoje foram polarizados em grandes grupos o que culminou em grandes ideologias políticas No próximo item analisamos a ideologia em três grandes grupos socialismo liberalismo e socialdemocracia No entanto é importante estar ciente de que dentro desses grupos há mui tas variações Ademais devemos nos recordar que os sistemas democráticos de partidos elei torais e o próprio Estado são resultado de ideologias que triunfaram em determinadas épocas Independentemente do sentido que atribuirmos à ideologia o que muda é o nosso juízo de valor ou opções teóricas para analisar o fenômeno estatal e político 92 Principais ideologias políticas socialismo liberalismo e social democracia Wolkmer 2000 identifica na Revolução Francesa a origem das ideolo gias modernas Notadamente os chamados grupos de esquerda e direita em suas diversas variações disseminaramse de tal modo no campo da filosofia política moderna a ponto de o autor afirmar ser impossível vivermos num mundo de ideologias Há diversos grupos de ideologias políticas distribuídos desde as doutrinas conservadoras ou reacionárias até as liberais ou progressistas Desse modo Vídeo Ciência Política e Teoria do Estado 122 Wolkmer propõe uma tipologia de ideologias políticas e a inicia com a distinção entre esquer da e direita Dentre as posições políticas da direita identificamos a defesa da continuidade da hierar quia da autoridade dos valores e de situações isto é a manutenção do status quo2 Já a esquerda se mostra mais sensível à justiça e mais aberta ao progresso adota rupturas quando necessário e defende os oprimidos a liberdade a democracia os indivíduos e pautas afins A direita com a ânsia de manter a ordem apresentase com caráter conservador diferentemente da esquerda que tende a se vincular às pautas de mudanças reformas e revoluções recebendo muitas vezes a fama de partidos radicais Encontramos essa adjetivação conservadores e radicais com frequência até os dias atuais Com base nessa tipologia o autor distribui o pensamento político em quatro grandes grupos ideológicos liberalismo socialismo nacionalismo e totalitarismo este último será abordado no próximo capítulo Com relação aos primeiros vamos tratar ainda da socialdemocracia 921 Ideologia do liberalismo Tratase de uma nova visão global do mundo que foi orientada pelos interesses da nova classe social a burguesia classe protagonista na luta revolucionária contra o feudalismo aristocrá tico Embora tenha contado com o apoio dos camponeses e outras classes exploradas pelo regime absolutista as reivindicações no liberalismo defendiam o individualismo e o desejo de liberdade em todos os âmbitos da ação humana filosófico econômico político etc Foi desses anseios que surgiu o conhecido lema da Revolução Francesa liberdade igualda de e fraternidade Se esse lema inicialmente representava tanto a burguesia enriquecida quanto os aliados explorados o início da fase industrial do capitalismo os colocou em campos opostos a bur guesia assumiu o poder político e controle pleno da economia não somente com a negação da dis tribuição das riquezas mas também com a exclusão do acesso do povo ao governo Acrescentamos a isso certas contradições da ideologia liberalista como a defesa da liberdade como bem supremo que coexistia com a limitação de ação dos pobres O liberalismo foi revolucionário em relação ao regime absolutista mas foi conservador diante das reivindicações do povo Podemos caracterizálo por meio de três núcleos moral que tinha Rousseau como um de seus representantes na afirmação de valores como a liberdade pessoal o individualismo a tolerância e a dignidade econômico com defesa a direitos como propriedade economia de mercado livre concor rência e ausência de controle pelo Estado e político no qual encontramos os direitos políticos sobretudo no direito ao voto e na participação da escolha dos governantes o sistema representativo é um dos princípios básicos do liberalismo político 2 Expressão em latim que pode ser traduzida por estado das coisas Muito utilizada na linguagem jurídica essa expressão indica a manutenção da ordem e das coisas como estão Ideologia pensamento político e fronteiras teóricas entre os Estados modernos 123 No Capítulo 4 nós vimos de maneira mais detalhada os valores do liberalismo político são aqueles que definem e distinguem o Estado moderno Como já mencionamos os sistemas políticos são resultado das ideologias que triunfam em cada época Wolkmer também diferencia dois conceitos importantes que não podem ser confundidos democracia e liberalismo Para distinguilos é importante destacar que o liberalismo se ocupa da extensão do poder do governo enquanto a democracia se ocupa de quem detém esse poder Além disso o liberalismo exige renda para votar e ser votado enquanto na democracia ele é universal Outra diferença também é o fato de o liberalismo ter sua atenção voltada aos indivíduos já a de mocracia atentase à sociedade como um todo No liberalismo o Estado deve estar a serviço dos indivíduos na democracia ele deve assegurar a soberania popular A ampliação dos direitos demo cráticos e de participação popular conduziu a democratização à ideologia do liberalismo O Brasil também desenvolveu uma ideologia liberalista entretanto diferente de países euro peus e dos Estados Unidos já que aqui não tínhamos uma classe burguesa revolucionaria Nesses países o liberalismo representou uma doutrina política libertadora e assumiu traços conservadores à medida que a classe burguesa se instalou no poder e se sentia ameaçada pela classe trabalhadora No Brasil o escopo do liberalismo consistiu em reordenar o poder e o domínio das elites agrá rias o que formou um liberalismo específico que misturou conteúdos liberais com oligárquicos e conteúdos conservadores com aparência de democráticos Wolkmer define nossa versão como conservadora antipopular e de elite 922 Ideologia do socialismo A expressão socialismo foi empregada na Inglaterra do século XIX onde surgiram teo rias as quais idealizaram novas formas de sociedade que priorizassem a sociedade e não o indivíduo com o objetivo de buscar soluções para os problemas sociais Esses problemas não eram decorrentes apenas da Revolução Industrial visto que a doutrina é bem anterior e já mostrava problemas agrários Em um sentido mais amplo a ideologia socialista é motivada a transformar a sociedade e eliminar as diferenças de classe para transformar a propriedade individual dos meios de produção coletiva e melhorar a vida dos trabalhadores urbanos Como o socialismo se manifestou de diver sas maneiras podemos identificar traços comuns como a crítica ao capitalismo e a substituição da propriedade privada pela coletiva Nesse sentido surgiram várias concepções de socialismo como o socialismo científico de Marx e Engels o socialismo utópico de SaintSimon 17601825 e PierreJoseph Proudhon 118091865 e o socialismo estatal de Ferdinand Lassalle 18251864 A ideologia socialista decorreu de desigualdades sociaiseconômicas e de exploração mate rial dos trabalhadores por isso dizemos que seu desenvolvimento foi simultâneo ao desenvolvi mento do movimento operário Esse movimento inspirou a resistência às condições precárias de trabalho e utilizou o socialismo como referência para suas reivindicações com base principalmen te no marxismo e no anarcossindicalismo O marxismo foi a corrente que mais se difundiu de modo que seu desenvolvimento também ensejou subdivisões e o surgimento de novas correntes Ciência Política e Teoria do Estado 124 como o marxismo ortodoxo o marxismo revisionista o comunismo de guerrilha o marxismo nacionalista entre outros Finalmente no Brasil essa ideologia se manifestou como anarquismo Essa concepção foi trazida pelas correntes migratórias entre os anos de 1906 e 1920 e foi importante combus tível para as lutas operárias O socialismo democrático expressão do socialismo reformista brasileiro foi duramente atacado pelo anarcossindicalismo e pelo marxismoleninismo ex pressões da esquerda revolucionária No estado do Rio Grande do Sul também houve uma expressão do socialismo reformista o socialismo trabalhista no qual suas ideias foram incorporadas pelo PTB O comunismo ou mar xismoleninismo assim como em outros países articulouse no Brasil sob a forma de um partido político o PCB 923 Ideologia do nacionalismo O nacionalismo nasceu ligado à ideia de nação conceito concebido pelos teóricos da Revolução Francesa Apesar de alguns estudiosos identificarem suas raízes em civilizações antigas o nacionalismo é um fenômeno da modernidade originado em meados do século XVIII Ele nasceu nos países europeus e ficou a eles limitado apenas posteriormente ele foi in corporado como combustível revolucionário de diversos países na luta contra o imperialismo e o domínio dos países colonizadores Um dos pioneiros do pensamento nacionalista foi Giuseppe Mazzini 18051872 político italiano que defendeu a autodeterminação nacional como solução universal dos problemas po líticos Por isso a unidade nacional era a principal meta na qual não eram toleradas ideias que pudessem ameaçála A educação também era definida por essa meta uma vez que seu escopo não era formar livres pensadores mas sim produzir uma uniformidade doutrinária na nação isto é os interesses de uma nação são mais importantes do que os interesses individuais O nacionalismo se situou em um processo histórico que buscou estabelecer as unidades políticas nas nacionalidades e favoreceu surgimento do Estado nacional Suas características fun damentais são a independência do Estadonação a exigência de um progresso nacional a realiza ção de uma missão nacional e a lealdade suprema à naçãoEstado Em suas principais variações o nacionalismo se apresentou como conservador revolucionário liberal e integraltotalizador No Brasil essa concepção surgiu na década de 1930 incialmente com caráter conservador posteriormente nas décadas de 1940 e 1950 o nacionalismo brasileiro assumiu orientações socializantes e desenvolvimentistas Essa foi uma ideologia que fundamentou a modernização da nossa sociedade e também dos países latinoamericanos Ela também é essencialmente burguesa pois serviu em nome da nação para a defesa dos interesses da burguesia industrial nacional amea çada pelo imperialismo Um dos desdobramentos do nacionalismo no Brasil foi o populismo Ele pode se constituir tanto em ideologia quanto em movimento sociopolítico como ocorreram em diversos continentes Nessa ideologia ou movimento o Estado estabelece uma relação carismática com o povo fundada em uma concepção de massas e de tutela do Estado sobre o povo Concretamente o populismo Ideologia pensamento político e fronteiras teóricas entre os Estados modernos 125 se manifestou de diversas maneiras nacionalpopulismo presente no peronismo da Argentina populismo revolucionário de Josef Stalin 18781953 e de Fidel Castro 19262016 populismo democrático ou pluralista expresso no gandhismo ou ainda o populismo intermediário como no governo de Getúlio Vargas 924 Ideologia da socialdemocracia Na Europa do século XIX houve um contexto político em que trabalhadores e campone ses que deixavam o campo se uniam na luta pelo poder político em nome da democracia e do socialismo radicais A classe média era indefinida e dividida entre conservadores nobreza clero e proprietários rurais e democratas radicais Os conservadores não aceitavam o libera lismo e os democratas aceitavam o núcleo moral com direitos civis liberdades entre outros Os liberais por sua vez aceitavam a lógica da democracia Foi reconhecida a necessidade de o Estado apoiar as atividades econômicas inclusive na assistência aos desempregados e auxílio na obtenção de empregos Nesse contexto surgiu a socialdemocracia um desenvolvimento do socialismo Seu ali nhamento às organizações socialistas internacionais foi controverso No ano de 1945 por meio do Partido Trabalhista Inglês ocorreu a primeira convocação dos socialistas europeus já com di ficuldades e em 1946 o Partido SocialDemocrata da Alemanha não foi aceito como membro da Internacional Socialista o que só veio a ocorrer no ano seguinte Da União Soviética Stalin apresentou forte oposição aos partidos socialdemocratas Por volta de 1948 os socialistas europeus preocupavamse com aspectos que os diferenciassem dos comunis tas e assim na conferência da Internacional Socialista surgiu o conceito de democracia política e seu manifesto declarava a recusa aos modelos democráticos de um único partido e seus sistemas de go verno bem como priorizava a defesa das liberdades de pensamento expressão e opinião a segurança e a igualdade jurídicas a garantia dos direitos eleitorais inclusive de oposição política e a igualdade política sem discriminação de classe raça ou sexo BRAGA 1997 p 188190 Nesse tópico procuramos indicar alguns grandes agrupamentos de orientações ideológicas verificadas no pensamento político moderno A seguir vemos como essas orientações gerais se concretizam por meio da institucionalização do poder isto é como essas ideologias se expressam em diferentes Estados 93 Pensamento político e Estados A influência das ideias é uma força poderosa A repercussão dos deba tes que analisamos anteriormente alcançou todo o Ocidente e influenciou as ciências sociais o Direito a política e tantos outros campos de manifestação da essência humana No âmbito da política e da teoria do Estado como resultado dessa influência vimos florescerem alguns tipos de Estado dos quais seleciona mos para análise o Estado liberal de direito os Estados não liberais o Estado social de direito e o Estado neoliberal Vídeo Ciência Política e Teoria do Estado 126 931 Estado liberal de Direito Como vimos a ideologia do liberalismo é bastante ampla e comporta vários sentidos Por isso em cada parte que se alcançou o pensamento liberal seu desenvolvimento foi específico Para entender seu impacto no âmbito político por meio do chamado Estado liberal aquele que emergiu na Revolução Francesa devemos considerar especialmente o liberalismo econômico e o liberalis mo jurídico O liberalismo econômico reivindica a liberdade de mercado de concorrência e troca de mercadorias sem a intervenção do Estado todavia precisa da segurança jurídica para celebrar suas negociações Aí entra o papel do liberalismo jurídico que assegura as liberdades individuais contra os abusos dos governantes Ambos são o ponto que nos permite identificar as diversas formas como os Estados liberais se estruturaram na modernidade A relação entre economia e Direito nesse modelo de Estado con siste em estar a serviço do liberalismo econômico tarefa que cumpre por meio da regulamentação das relações mercantis com contratos defesa da propriedade etc MORAES 2014 p 271272 Esse modelo sucedeu os Estados liberais após sua crise 932 Estados não liberais Dada a importância e prevalência do liberalismo no pensamento moderno esse concei to serviu como paradigma para qualificar diferentes formas estatais em liberais e não liberais Os Estados não liberais são aqueles que não cumprem os pressupostos básicos do liberalismo e sua evolução tais como o respeito às liberdades políticas jurídicas individuais pressupostos demo cráticos entre outros Comportase nele uma série de manifestações concretas como os Estados autoritários e as ditaduras Analisaremos essas manifestações no próximo capítulo 933 Estado social de Direito O liberalismo dominou o pensamento europeu até a Primeira Guerra Mundial 19141918 As principais críticas a essa ideologia se concentravam na denúncia de que tal pensamento servia para o domínio da burguesia sobre os trabalhadores Simultaneamente surgiram evidências da crise do modelo de Estado liberal A percepção da necessidade de que o Estado interviesse nos espaços de liberdade originou a ideia de intervencionismo associada à passagem do Estado Liberal ao Estado Social Esse Estado social teve também suas variações como o Estado de bemestar so cial Em cada país que se deu a transição dos modelos igualmente ocorreram arranjos próprios das realidades locais Por isso podemos dizer que Estado social é um conceito bastante aberto que abrange vários sentidos e experiências políticas específicas tanto que há teóricos que reivindicam o seu rótulo para Estados mais diversos inclusive o Estado nazista de Adolf Hitler 18891945 esse natural mente não poderia estar mais distante de um modelo de Estado social Em comum nas suas diferentes formas o Estado social pode ser caracterizado pelo reconhe cimento de direitos às massas populares e ao reconhecimento da importância do papel de interven ção estatal MORAES 2014 p 273277 Ideologia pensamento político e fronteiras teóricas entre os Estados modernos 127 934 Estado neoliberal A ideologia neoliberal surgiu como crítica à ideologia socialdemocracia e ao seu Estado de bemestar em seu ápice Nos anos 1970 estava instaurada uma crise no sistema capitalista na qual as taxas de lucro caíam sem resposta do sistema para o problema Desse modo as economias mais avançadas ditas centrais como a europeia e a norteamericana gestaram uma nova concepção que somente mais tarde alcançou as economias periféricas como o Brasil O filósofo e economista Friedrich Hayek 18991992 é considerado um dos principais no mes dessa concepção O impacto do neoliberalismo no pensamento político e em outras esferas redefiniu a percepção entre público e privado exaltou o espaço do mercado e os méritos da iniciati va privada e rejeitou o papel do Estado e suas intervenções na economia Nele tudo o que é relacio nado ao Estado o público é visto como ineficiente como um órgão que gasta desordenadamente por ser incapaz de uma gestão racional de seus recursos O privado passa a ser reconhecido como o oposto produtivo e eficiente Com isso ressurge a ideia do Estado mínimo Dentre as consequên cias dessa ideologia temos a onda de privatizações das coisas públicas a abertura e flexibilização da economia que inclusive alcança esferas de proteção individual e coletiva como os direitos dos trabalhadores MAZETTO 2015 p 1112 É ainda importante nos atentarmos para a relação entre constitucionalismo e evolução do Estado Como já refletimos desde o triunfo das revoluções burguesas e a influência de sua reivin dicação por segurança jurídica as constituições têm sido o local de conciliação e organização do poder político e dos direitos Com base na evolução histórica e de maneira semelhante ao caminho que perfizemos até aqui porém em uma perspectiva constitucional Pastor e Dalmau 2013 p 43 57 desenvolvem uma reflexão a respeito das distintas fases que a cultura constitucional perpassou e como a função desse importante documento jurídico foi modificada Em sua análise vemos a incidência das principais ideologias que estudamos neste capítulo Os pesquisadores explicam que as primeiras três fases são definidas com base na prática política europeia A primeira fase se deu com surgimento do Direito constitucional no século XVIII que co meçou forte preocupou a classe burguesa em virtude de sua eficácia social O ataque veio sob a forma de enfraquecimento das instituições políticas e seu caráter democrático o que levou a constituição a perder sua força e a tornou uma mera declaração de direitos sem eficácia Isso gerou a segunda fase em que houve a substituição de um constitucionalismo que se fortaleceu por um constitucionalismo débil fraco no século XIX A terceira fase se deu com a emergência do cons titucionalismo de bemestar no fim do século XX Essa forma surgiu como resposta à perda dos direitos nas quais ocorreram diversas conquistas jurídicas e políticas no entanto esse constitu cionalismo foi atacado também pelos avanços neoliberais a respeito dos quais tratamos há pouco Os autores avaliam que quando o neoliberalismo e a globalização avançaram justamente o mo mento em que mais necessitávamos de um constitucionalismo forte só podíamos contar nova mente com um constitucionalismo fraco incapaz de proteger as massas populares Após essas três fases os autores mencionam a quarta e sua notória importância o mo mento de um constitucionalismo necessário Esse constitucionalismo foi gestado com base em Ciência Política e Teoria do Estado 128 experiências e lutas dos povos latinoamericanos As constituições colombiana venezuelana equa toriana e boliviana são exemplos dessas questões Os autores denominam esse constitucionalismo como necessário porque resulta das lutas do povo para suprir suas necessidades Dentre as transformações inseridas na cultura jurídicopolítica por meio dessas experiên cias destacamos o Estado plurinacional e a democracia comunitária mas poderíamos citar inú meros outros como o pluralismo jurídico e os novos sujeitos de direito O Estado plurinacional consistiu em uma nova forma que os povos ancestrais do nosso continente idealizaram e concre tizaram para assegurar o respeito a sua existência e autodeterminação Eles não se sentiam repre sentados no ideal do Estado nacional cujo modelo de unificação era o colonizador e portanto não respeitava a diversidade humana A democracia comunitária trata do respeito às formas próprias de desenvolver os processos políticos e a organização do poder baseadas na comunidade e não no indivíduo Ela também se apoia no exercício direto do poder e não em sua representação e quando exercida por meio de representação impõe ao representante o dever de atuar de modo legítimo em conformidade com aquilo que os verdadeiros titulares do poder aspiram De maneira geral o pluralismo jurídico significa uma quebra no monopólio do Estado em declarar o que é legal e legítimo declarar o direito e estender às comunidades o poder de enunciar e aplicar suas próprias normas O reconhecimento de direitos da natureza frisa que não apenas seres humanos e suas ficções jurídicas pessoas jurídicas como empresas associações etc têm direitos mas também outros seres vivos que assim como nós integram a natureza Reconhecer esses direitos deveria ser um freio à exploração capitalista que tem conduzido o meio ambiente a um colapso No entanto ainda há um longo caminho pela frente que requer resistência diante da poderosa agenda neoliberal para o desenvolvimento capitalista que ameaça gravemente a natureza e a própria vida na terra FERRAZZO 2015 p 256 Considerações finais Agora chegamos nos últimos pontos de nosso livro e o presente capítulo teve a função im portante de nos mostrar como na modernidade a dimensão econômica da realidade estruturada com base no modo capitalista de produção determina outras dimensões como política jurídica entre outras Desde a Revolução Iluminista com a ascensão da classe burguesa e consolidação da economia de mercado a busca pelo equilíbrio das relações mercantis influenciou o Estado assim como as lutas sociais por direitos De acordo com a concepção teórica ou ideologia podemos chegar a diferentes con clusões e percepções dessa dinâmica seja ao verificar que as necessidades do mercado são mais determinantes seja ao percebemos que as reivindicações políticas do povo têm mais importância Em qualquer caso a ideologia tem um importante papel e conhecêlas é determinante para com preender suas contribuições para o pensamento político Ideologia pensamento político e fronteiras teóricas entre os Estados modernos 129 Ampliando seus conhecimentos A questão de ideologia em especial no seu sentido negativo é discutida na obra Discurso sobre a servidão voluntária de Étienne de La Boétie 15301563 Essa obra foi escrita há quase cin co séculos mas tem um teor sempre atual como é peculiar aos clássicos Leia um trecho a seguir Discurso sobre a servidão voluntária LA BOETIE 1986 p 5051 Os teatros os jogos as farsas os espetáculos as feras exóticas as medalhas os quadros e outras bugigangas eram para os povos antigos engodos da servidão preço da liberdade ins trumentos da tirania Deste meio desta prática destes engodos se serviam os tiranos para manterem os antigos súdi tos sob o jugo Os povos assim ludibriados achavam bonitos estes passatempos divertiamse com o vão prazer que lhes passava diante dos olhos e habituavamse a servir com simplicidade igual se bem que mais nociva à das crianças que aprendem a ler atraídas pelas figuras colori das dos livros iluminados Os tiranos romanos decretaram também na celebração frequente das decenálias públicas para as quais atraiam a canalha que põe acima de tudo os prazeres da boca Nem o mais esclarecido de todos eles trocaria a malga da sopa pela liberdade da república de Platão Os tiranos ofereciam o quarto de trigo o sesteiro de vinho e o sestércio E os vivas ao rei eram então coisa triste de ouvir Não davam conta os néscios de que recuperavam dessa forma parte do que era seu e que não podia o tirano darlhes coisa que não lhes tivesse furtado antes Dica de estudo Neste capítulo exploramos alguns conceitos elaborados por Wolkmer em sua obra Ideologia Estado e Direito editada pela primeira vez na década de 1980 A obra apresenta uma descrição detalhada de diversas ideologias e também explica e indica exemplos de como as ideologias reper cutem no âmbito da institucionalidade estatal e do próprio direito Atividades 1 Existe alguma relação entre a compreensão da sociedade e do Estado de acordo com dife rentes ideologias Ciência Política e Teoria do Estado 130 2 Quais as principais ideologias que repercutiram no pensamento político brasileiro 3 Podemos dizer que a ideologia neoliberal teve alcance no Estado brasileiro Justifique sua resposta Referências ABBAGNANO N Dicionário de Filosofia 5 ed São Paulo Martins Fontes 2007 BRAGA F Conservadorismo liberalismo e socialdemocracia um estudo de direito político Revista de Informação Legislativa Brasília DF v 34 n 133 janmar 1997 Disponível em httpswww2senadoleg brbdsfbitstreamhandleid205r13318PDFsequence4 Acesso em 06 fev 2018 BOTTOMORE T B Dicionário do pensamento marxista Rio de Janeiro Zahar 2001 FERRAZZO D Pluralismo jurídico e descolonização constitucional na América Latina 462 f Dissertação Mestrado em Direito Centro de Ciências Jurídicas Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2015 Disponível em httptedeufscbrtesesPDPC1180Dpdf Acesso em 9 dez 2017 LA BOETIE E Discurso sobre a servidão voluntária Lisboa Antígona 1986 MAZETTO F E Estado Políticas Públicas e Neoliberalismo um Estudo Teórico sobre as ParceriasPúblico Privadas Caderno de Estudos Interdisciplinares Varginha p 121 2015 Edição especial 2015 gestão pú blica e sociedade Disponível em httpspublicacoesunifalmgedubrrevistasindexphpceiarticle view406pdf1 Acesso em 13 dez 2017 MORAES R Q de A evolução histórica do Estado Liberal ao Estado Democrático de Direito e sua relação com o constitucionalismo dirigente Revista de Informação Legislativa Brasília DF v 51 n 204 outdez 2014 Disponível em httpswww12senadolegbrriledicoes51204rilv51n204p269pdf Acesso em 13 dez 2017 VICIANO PASTOR R MARTÍNEZ DALMAU R O processo constituinte venezuelano no marco do novo constitucionalismo latinoamericano In WOLKMER A C MELO M P Constitucionalismo latinoameri cano tendências contemporâneas Curitiba Juruá 2013 WOLKMER A C Ideologia Estado e direito 3 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2000 10 Crises das instituições políticas modernas Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim E não dizemos nada Na segunda noite já não se escondem pisam as flores matam nosso cão e não dizemos nada Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa roubanos a luz e conhecendo nosso medo arrancanos a voz da garganta E já não podemos dizer nada COSTA1 2006 p 432 Ao longo desta obra estudamos nossa trajetória política Para tanto conhecemos nossa condição de animais políticos compreendemos a necessidade de conviver em sociedade e a con sequente ânsia de organizar esse convívio e limitar liberdades e poderes para tornálo possível Vimos também o impacto da ciência nessa trajetória e nos familiarizamos com diferentes visões teóricas a respeito de temas de interesse como Estado poder partidos sociedade economia etc Essa incursão pela história nos mostrou momentos de crise e superação como a crise do Estado absoluto e a superação com o moderno Estado liberal e a própria crise do Estado liberal com a superação pelo Estado de bemestar social Neste último capítulo vamos refletir sobre al gumas das diferentes crises que se instauram na democracia e nas suas instituições políticas como golpes de Estado ditaturas corrupção entre outros 1 Alguns podem estranhar os créditos desse poema Conhecido desde a década de 1960 ele foi um símbolo da luta contra a ditadura e depois no triunfo da luta pela redemocratização do país É muito comum a autoria do texto ser atribuída ao poeta russo Vladimir Maiakóviski 18931930 ou ainda ao dramaturgo alemão Bertolt Brecht 18981956 No entanto o poema cujo título é No caminho com Maiakóvski é de autoria do poeta brasileiro Eduardo Alves Costa 1936 Citelli 2006 discutiu sobre esse equívoco na revista Comunicação Educação Disponível no link httpwww revistasuspbrcomueducarticleviewFile3760640320 Acesso em 6 fev 2018 Ciência Política e Teoria do Estado 132 101 Regimes totalitários e a negação da democracia Os regimes totalitários constituem uma das formas de Estado não liberal Wolkmer 2000 p 143 em Ideologia Estado e Direito analisa essa ideologia po lítica e explica que a origem da expressão totalitarismo é atribuída a um discurso proferido por Benito Mussolini 18831945 no ano de 1925 O estadista italiano teria designado essa palavra devido a um Estado totalitário baseado na unidade nacional sem partidos de oposição e sem a dominação de interesses particulares limitados a certos setores sociais Wolkmer descreve então o autoritarismo como uma versão mais branda do totali tarismo e explica que foi uma forma de Estado muito comum nos sistemas políticos dos países de terceiro mundo A diferença entre os dois sistemas é que o autoritarismo se caracteriza pela ausência de uma ideologia elaborada e de mobilização política intensiva e pelo exercício de poder por um líder no qual os limites legais não estão claros O totalitarismo tem mais alcance inclusive ele forma uma ideologia mais abrangente que será a ideologia oficial O regime totalitário valoriza a presença do cidadão pois deseja mantêlo em um estado de obediência passiva apático e sem oposição ao governo Por isso a ideologia que sustenta esses regimes é total que abrange a vida social política religiosa etc No sistema totalitário há ainda um partido único que serve como instrumento de controle Já no sistema autoritário quando apoiado em partidos únicos não é atribuído a esse tanto poder e importância uma vez que o partido se submete ao próprio governo e aos grupos econômicos que detêm o poder Finalmente além da força e alcance ambos os regimes se diferenciam por seus objetivos amplos nos sistemas totalitários e específicos nos regimes autoritários Desse modo podemos exemplificar um regime totalitário com experiências amplamente conhecidas como o nazismo e o fascismo ocorridas na Europa central O chamado totalitaris mo de direita se difere do totalitarismo de esquerda ilustrado na União Soviética de Josef Stalin A confusão entre as duas formas deve ser evitada uma vez que para um olhar atento são nítidas as diferenças inclusive do totalitarismo de Stalin que tinha adeptos entre os pobres já os totali tarismos nazista e fascista contavam com o apoio da classe média Se prestarmos atenção a esses dois exemplos encontraremos outra diferença o fascismo se fundamentava na ideia de nação o nazismo se baseava na concepção da superioridade racial Nós sabemos a que ponto esse discurso chegou ele nos conduziu a uma das maiores tragé dias na história da humanidade As consequências nefastas do regime nazista se inscreveram no século XX como um acontecimento horrível em que milhões de pessoas foram torturadas assas sinadas e exterminadas com base em uma ideologia agora em seu sentido negativo forte de supremacia racial Esse episódio foi também uma das crises nos Estados modernos Wolkmer descreve também as expressões do autoritarismo no Brasil O autor busca as bases da organização social no país e cita entre nossos precedentes a escravidão e o latifúndio Ele também nos recorda que desde a chegada dos portugueses com a conquista e coloniza ção até a formação da república fomos submetidos a uma administração conduzida pelas Vídeo Crises das instituições políticas modernas 133 elites do país e de postura centralizadora Esses fatores confluíram para a formação de uma cultura e racionalidade burocrática autoritária patrimonialista da qual identificamos um autoritarismo modernizante e um modelo conservador de autoritarismo burocrático O autoritarismo modernizante surgiu com a crise entre o fim da década de 1920 e co meço da década de 1930 na qual as formas tradicionais de dominação do país oligárquica agroexportadora ficaram enfraquecidas e foram substituídas pelo tenentismo e integralismo do Estado Novo2 O segundo modelo foi impulsionado pela crise já no início da década de 1960 período em que verificamos um crescimento ameaçador dos setores populares diante dos quais o Estado não se mostrava capaz de solucionar a desestabilização Tal fato motivou uma aliança entre multinacionais o alto empresariado vinculado ao capitalismo financeiro dos Estados Unidos e setores reacionários do militarismo Desse modo descrevemos em uma apertada síntese o contexto do golpe ou revolução mi litar no Brasil No entanto antes de nos atermos a esse ponto fundamental vamos conhecer outra manifestação do autoritarismo citada por Wolkmer o integralismo Esse movimento chegou ao Brasil na década de 1930 como eco dos movimentos autoritários europeus que aqui encontraram uma classe burguesa em ascensão apreensiva com a influência do socialismo bolchevista desen volvido na União Soviética No ano de 1932 Plínio Salgado 18951975 fundador da Ação Integralista Brasileira AIB publicou o Manifesto à nação brasileira no qual estava contido um programa de extrema direita com ideologia autoritária influenciado pelo fascismo italiano e pela ditadura salazarista portu guesa O programa consistia em um partido disciplinado com um único chefe carismático que exercesse um autoritarismo administrativo e uma forte oposição ao marxismoleninismo Seu lema era Deus Pátria e Família inspirado pelo catolicismo nacionalismo sindicalismo e interven cionismo Em virtude de suas características Wolkmer considera o integralismo uma das primei ras e mais autênticas expressões ideológicas nacionalistas Em relação às ditaduras latinoamericanas Mendes 2013 p 8 explica o contexto que en sejou uma série de golpes militares no nosso continente a começar pelo Brasil3 em 1964 seguido da Argentina em 1966 e 1976 o Chile em 1973 e o Uruguai em 1976 Posteriormente quase todos os países do continente foram submetidos a regimes políticos autoritários sob a doutrina da segurança nacional com exceção de Venezuela e México Às vésperas das tomadas militares de poder houve uma intensa mobilização popular para reivindicação de uma série de direitos que iam desde aqueles ligados ao voto até os trabalhistas e de reforma agrária Simultaneamente em 1959 ocorreu a Revolução Cubana que colocou fim a mais de 30 anos de domínio políticoeconô mico estadunidense por meio do governo de Fulgencio Batista 19011973 Essa revolução abriu perspectivas de transformação política econômica e social também no nosso continente 2 Chamamos de Estado Novo o governo instituído por Getúlio Vargas conhecido por alguns como Era Vargas na década de 1930 Tratase de um período controverso na história política brasileira passível de muitas interpretações De fato nessa época houve um forte apelo ao nacionalismo e ao anticomunismo bem como uma grande concentração dos poderes políticos 3 Neves e Liebel 2015 p 57 acrescentam também o Paraguai nessa lista uma vez que o país foi submetido a um golpe de Estado em 1954 Ciência Política e Teoria do Estado 134 Mendes 2013 p 11 explica que a doutrina de segurança nacional que repercutiu de tal maneira na América Latina foi concebida nos Estados Unidos e elaborada por civis americanos após a Segunda Guerra Mundial Sua motivação era tanto a definição do papel dos EUA no cená rio mundial quanto o temor de uma expansão soviética similar à alemã pouco antes da Segunda Guerra Essa doutrina fortaleceu o Poder Executivo em detrimento do congresso fato justifica do pela ameaça nuclear Acrescentese a isso a difusão de uma ameaça comunista que favoreceu o governo norteamericano na busca pela supremacia internacional supremacia que os Estados Unidos haviam começado a obter na Segunda Guerra Essa doutrina se transmitiu aos militares por meio de uma escola nacional de guerra implicada em uma política que se espalhou pela Europa Ásia e América Latina Em nosso continente essa concepção e estratégia se ocuparam da preparação dos oficiais para combaterem o comunismo tarefa que contou com o apoio dos Estados Unidos que disse minou suas escolas por aqui Essas escolas ofereciam armas treinamento e sua própria noção de segurança nacional e segurança coletiva Essa doutrina encontrou na América Latina um ambiente fértil em razão de conceitos préexistentes das elites notadamente o anticomunismo MENDES 2013 p 12 Especificamente no Brasil vivíamos o governo de Jânio Quadros no qual o vicepresidente era João Goulart 19181976 popularmente conhecido como Jango Jânio adotou algumas pos turas que foram entendidas pelos Estados Unidos e por setores conservadores das forças arma das brasileiras como uma afronta Um exemplo foi a concessão da honraria Grãcruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul ao revolucionário Ernesto Che Guevara 19281967 A postura de Quadros era contraditória pois ele combatia ao mesmo tempo os movimentos de esquerda no país muitos ligados a seu vicepresidente Jango Jânio também adotou medidas impopulares e enfren tava forte oposição sustentada por meios de comunicação além da acusação de tentar aproximar o Brasil do bloco comunista Diante de um clima tenso Jânio Quadros renunciou em 1961 no exato momento em que Jango estava na China4 A renúncia do presidente aumentou ainda mais a instabilidade nacional Setores militares tentavam impedir a posse de Jango com acusações de que o vicepresidente se relacionava com países comunistas tanto que o novo presidente precisou aguardar no Uruguai a crise política e militar se abrandar antes de reingressar no Brasil Dessa tensão surgiu a campanha da legalidade liderada por Leonel Brizola em defesa da posse legítima de Jango que estava obstruída As negociações e articulações legais para que a posse pudesse ser concretizada impuseram uma série de obstáculos para o exercício da presidência por Jango como a transferência do poder a um primeiro ministro que durante mais de um ano foi chefe de Estado mas não de governo GESTEIRA 2014 p 67 4 Há interpretações de que essa medida seria uma estratégia de Jânio Quadros que teria induzido ou favorecido a aproximação de Jango de setores comunistas antes de renunciar Sua renúncia seria uma tática para que os setores conservadores temerosos diante da posse de um vicepresidente comunista lhe pedissem para não sair da presi dência Se a estratégia funcionasse Jânio conseguiria reestabelecer ou conquistar o apoio necessário para governar tranquilamente Crises das instituições políticas modernas 135 Em 1963 realizouse um plebiscito para consultar o povo a respeito da manutenção do mo delo parlamentarista A população rejeitou o parlamentarismo o que permitiu finalmente que Jango assumisse o governo Entretanto as medidas que o presidente adotou não agradaram nem as elites econômicas nem as forças militares nacionais como a defesa do direito de voto dos analfa betos e dos militares de baixa patente proposta vista pelos dois segmentos como afronta Em março de 1964 Jango realizou o comício da central e anunciou as reformas que pre tendia realizar inclusive a agrária Tais medidas deixaram as elites e os militares ainda mais insa tisfeitos o que só piorou com uma revolta ocorrida em 28 de março do mesmo ano por parte de oficiais da Marinha contra seus superiores Jango se recusou e punir esses oficiais e a resposta veio no dia 31 de março de 1964 com a primeira medida em direção à concretização do golpe militar sob o comando do general Olímpio Mourão Filho 19001972 tropas iniciaram uma marcha de Juiz de Fora Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro o que impôs a saída de Jango que pediu abrigo ao Uruguai Há estudos que indicam como motivações para a saída de Jango o temor de que ocorresse uma intensa guerra civil além do conhecimento do presidente a respeito da Operação Brother Sam uma investida patrocinada pelos Estados Unidos para desestabilizar o seu governo e tornar iminente o conflito militar o qual só poderia ser evitado com sua desistência GESTEIRA 2014 p 78 Os 50 anos do golpe reavivaram alguns debates como a data precisa em que teria ocorrido se foi dia 31 de março ou 1º de abril Isso se dá pelo fato de a marcha militar ocorrer no dia 31 todavia foi em 1º de abril que efetivamente Jango saiu do poder Outra polêmica diz respeito à denominação do fato afinal foi golpe ou foi revolução Vejamos a diferença Diferença entre revolução e golpe Na perspectiva das ciências humanas incluídas aqui a ciência política as ciências sociais a revolução é um movimento que parte das bases e almeja uma transformação profunda possivelmente completa da or dem na qual se deflagrou Na perspectiva do Direito especificamente do Direito positivo representado na teoria de Kelsen revolução significa o início de uma nova ordem jurídica independentemente de seu conteúdo material ou valorativo Podemos analisar o regime militar sob as duas perspectivas em síntese foi um movimento que tomou o poder sem base na lei para impedir que o presidente da época levasse adiante uma série de medidas que transfor mariam a ordem social política e econômica do Brasil O regime militar foi motivado pela manutenção da ordem do status quo e não por sua transformação Além disso em que pesem as controvérsias e polêmicas não foi um movimento apoiado pelas massas populares mas sim por elites econômicas e interesses financeiros internacionais Ciência Política e Teoria do Estado 136 Na perspectiva política e sociológica o regime militar foi um golpe Do ponto de vista do positivismo o regime militar foi uma revolução pois não era fundamentado no direito vigente o que inaugurou uma nova ordem jurídica Os 20 anos que seguiram à tomada militar do poder político dividem o imaginário social no nosso país Há quem acredite que os fins justificam os meios para os quais todas as medidas adotadas são justificáveis Há quem mesmo temendo a ameaça comunista não concorda com a brutalidade do regime assim como há os que acreditavam em um outro projeto de mundo alternativo ao modelo capitalista para os quais nem os fins e nem os meios podem ser admitidos Nos últimos anos vimos essa polêmica reascender com parte da sociedade que reivindica uma nova intervenção militar Em qualquer caso não é possível negar que o período militar foi um período de negação do direito de negação da democracia e negação da liberdade5 No ano de 2011 criouse legalmente no âmbito institucional do Estado a Comissão Nacional da Verdade CNV concretizada no ano seguinte com a missão de investigar as violações dos direitos humanos perpetuadas durante o re gime Ela também teve a premissa de oferecer resposta àqueles que sofreram os efeitos do regime e perderam familiares sofreram tortura e foram exilados Todos nós não somente aqueles que sofreram com o regime temos direito à memória Nesse sentido a Comissão Nacional da Verdade abriu a caixapreta da ditadura militar e publicou laudos referentes ao desaparecimento e morte de diversas pessoas e figuras públicas fotografias e vídeos que identificaram as instalações militares do regime relatórios correspondências interna cionais e outros documentos A CNV encerrou suas atividades 10 de dezembro de 2014 com a entrega de seu relatório final Ações como essas são necessárias para conhecermos a história de nosso país mensurarmos reivindicações e assumirmos posicionamentos com conhecimento de causa e consciência 102 Grupos sociais de pressão política e o Estado Em capítulos anteriores vimos algumas formas como a democracia é sub jugada pelas expressões institucionais isto é no âmbito explícito do Estado Em suma as ideologias podem assumir o controle do poder político e alterar a dinâmi ca de funcionamento e participação no exercício desse poder Chegamos com isso à influência dos grupos de pressão A pressão sobre o Estado pode se dar de modo democraticamente legítimo por meio da livre expressão e tomada de posições políticas pela sociedade de maneira coletiva na forma de 5 No canal do Ministério da Justiça no YouTube temos acesso ao documentário Os advogados contra a ditadura por uma questão de justiça 2010 que relata a atuação dos advogados nesse período Dirigido por Silvio Tendler o filme con ta com depoimentos que evidenciam a inexistência do direito exceto aquele declarado e modificado de acordo com as vontades e conveniências do poder militar Para assistir ao vídeo acesse httpswwwyoutubecomwatchvfhRJxeF fbYM Acesso em 6 fev 2018 Vídeo Crises das instituições políticas modernas 137 movimentos sociais ou individual Entretanto a pressão sobre o Estado também pode ocorrer de outras maneiras mas nem todas são política e juridicamente irrepreensíveis No segundo capítulo discutimos temas relacionados à sociedade e percebemos que as formações sociais ao longo da história tiveram elites e grupos dirigentes em distintos campos ciência religião artes etc e discutimos principalmente sobre o campo político Essas ideias discutidas anteriormente vão nos ajudar agora a compreender a dinâmica dos grupos de pressão e o modo que esses submetem os regimes democráticos a crises Andrada 1998 p 4344 referese às elites políticas para designar o grupo de pessoas que direta ou indiretamente influenciam os governos e suas decisões O autor explica que esse termo tem um sentido semelhante ao de classe dirigente empregado por Gaetano Mosca No entanto Andrada alerta que esse fenômeno das elites sociais não é exclusivamente político já que tais elites podem ser científicas artísticas empresariais entre outras Elas também podem ser mais ou me nos fechadas as muito fechadas tendem a provocar revoluções sociais Um exemplo de elite muito fechada é a nobreza que se reunia em torno da Coroa francesa no século XVIII A revolução que ocorreu na França nesse período foi uma das maiores da história possivelmente a mais influente nós a chamamos de Revolução Iluminista ou Revolução Francesa Andrada ainda cita as elites britânicas consideradas mais abertas de modo que na Inglaterra se consolidou uma cultura muito favorável ao constitucionalismo Ainda podemos falar a respeito das elites revolucionárias ou elites marginalizadas com postas por pessoas com o mesmo nível cultural dos governantes mas impedidas ou afastadas da participação na tomada de decisões políticas Em razão desse afastamento essas elites se conver tem em elementos de contestação no campo da política Um exemplo são as elites alemãs que não integradas na República de Weimar Alemanha favoreceram a chegada de Hitler ao poder ANDRADA 1998 p 44 Acrescentamos a esse exemplo o fato que nem todas as elites revolucionárias conduzirão as sociedades à mesma tragédia que aconteceu na Alemanha sob o mando de Hitler Os grupos sociais de contestação exercem uma função importante na sociedade pois quando bemintencionados e responsáveis promovem o debate político em condições saudáveis de reflexão e diálogo Isso é fundamental para o amadurecimento das instituições políticas de determinada sociedade Adiante chegamos ao ponto específico dos grupos de pressão cujo papel também é indicado pela ideia de lobby Os lobistas são aqueles que transitam entre as elites políticas ou governos e arti culam determinadas soluções para problemas econômicos e sociais Esses são considerados grupos de pressão por suas habilidades de convencimento para conseguir as decisões favoráveis às classes que representam Como já vimos é comum interesses de determinadas classes se confrontarem com interesses de outras ANDRADA 1998 p 4445 A atuação dos grupos de pressão tanto pode ser de cooperação quanto de oposição em rela ção ao poder estatal Dentre os meios empregados para exercer a influência notamos a utilização do poder financeiro que pode ocorrer dentro da lei ou ilegalmente as greves a mobilização da opinião pública recusa no pagamento de impostos mobilizações sociais entre outros MOREIRA 1997 p 170 Ciência Política e Teoria do Estado 138 Dentre os aspectos aqui expostos percebemos que a prática ilegal do lobby culmina nas dinâmicas de corrupção que contaminam o exercício do poder político Ele é capaz de mitigar a essência democrática de nossas instituições que uma vez corrompidas não poderão atender aos interesses do povo pois o uso ilegal do poder financeiro deixa as instituições políticas curvadas diante do poder econômico das elites que dominam o espaço público para transformálo em gabi nete de seus próprios interesses 103 Crises no Brasil e no mundo corrupção e outras ameaças à democracia Segundo Dussel 2007 a corrupção do poder começa quando aqueles que representam o povo se esquecem que ele é o início e o fim de todo poder políti co Eles também se esquecem que o poder pertence ao povo e em virtude de ser impossível exercêlo diretamente precisa confiar seu exercício aos representantes Quando ocorre esse esquecimento iniciase a corrupção A corrupção é originária do poder com base nele o corrupto trata a coisa pública como se fosse sua o que promove a confusão do público e do privado Esses atos são escondidos do alcance da visão públi ca Assim o que é feito pelo político fora do alcance público é corrupção pois em geral é um ato que não pode ser justificado à luz pública Na mesma linha de Dussel Moreira 1991 destaca que na sua forma autêntica o político quer o poder porque julga ter uma solução para o interesse público e na sua forma degenerada o político quer o poder porque julga poder satisfazer assim interesses setoriais e até privados MOREIRA 1991 p 172 Isso ocorre no Brasil desde a implantação da burocracia colonial em que os direitos públicos eram deturpados em favores públicos e o Estado era um meio de acumular poder riqueza e influência Esses males derivados da corrupção permearam e macu laram a história do Brasil e chegaram ao um ponto o momento atual que até o seu combate tem causado novas ordens de crises Temos acompanhado o crescimento do debate acerca da judicialização da política e da politização do Direito que se refere à mútua interferência entre os poderes e abalam o pressuposto do equilíbrio conforme a idealização de Montesquieu base da moderna democracia representativa A intensa crise que enfrentamos precisa motivar uma reflexão mais profunda a respeito do modelo de democracia que temos desenvolvido Há anos Boron 2009 p 19 tem provocado esse debate Com uma perspectiva interessante sobre a crise nas instituições democráticas o autor afirma que a democracia consiste no governo da maioria em favor dos pobres que devido a razões estruturais sempre compõem a maior parcela da sociedade Essa concentração econômica que já era problemática na Grécia Antiga se manifesta de modo muito mais acentuado nos tempos atuais O atual sistema de produção capitalista favorece a concentração de riquezas nas mãos de poucos Com base nessa percepção o autor continua sua análise e salienta que a democracia se con figura no âmbito da essência e no âmbito da aparência A essência da democracia é o governo da maioria em favor dos mais pobres Já a aparência da democracia são as eleições diretas o sufrágio universal o império do direito A aparência pode ou não corresponder à essência Em geral na Vídeo Crises das instituições políticas modernas 139 América Latina não corresponde Para Boron as sociedades capitalistas elevam a desumanização a níveis inimagináveis e convertem tudo em mercadoria inclusive o que se chama hoje de demo cracia BORON 2009 p 2023 O teórico também discute sobre os regimes apressadamente denominados democracias la tinoamericanas Para ele tais regimes são na verdade oligarquias ou plutocracias em outras pala vras governos de minorias em favor de seus próprios interesses Boron sugere a adoção dos termos regimes pósditatoriais ou eleitorais mas de modo algum democracias Nas práticas políticas lati noamericanas os oligarcas pronunciamse em vibrantes discursos de campanha fazem diversas promessas desviam a atenção do povo para aspectos superficiais da vida social e quando eleitos promovem o aumento da concentração de riqueza da indigência e da miséria Tudo isso ocorre também com as constituições cujas garantias são diariamente violadas impunemente Para Boron as constituições estão repletas de contradições uma vez que a liberdade plena que asseguram só está disponível para aqueles que têm os recursos financeiros necessários para usufruíla BORON 2009 p 2729 Com essas reflexões chegamos ao ponto crucial da crítica do autor Ele conclui que o caráter democrático é conferido com base tão somente no processo eleitoral e no multipartidarismo Esses critérios podem ser meramente aparentes e ofuscar a essência da democracia Como exemplo ele compara a exclusão de Cuba do rol de países democráticos apesar de ter uma democracia radical de base e o fato de os Estados Unidos serem considerados uma democracia exemplar mesmo com profundas contradições observáveis como Guantánamo6 o descumprimento das regras do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas ONU eleições duvidosas7 tratamen to dado aos imigrantes etc Boron também relembra a proposição de John Stuart Mill 18061873 considerado um dos baluartes do liberalismo O filósofo dizia que uma das características da democracia é a semelhan ça entre o modo de vida de governantes e governados8 Em outras palavras a igualdade socioe conômica é um critério de configuração da democracia Com base nesse critério Cuba é um dos países mais democráticos do mundo visto que governantes e o povo vivem em condições idênticas BORON 2009 p 3233 Ademais temos alguns caminhos para refletir a respeito da crise política desde outras pers pectivas Os pesos e medidas que empregamos para avaliar nossas instituições são iguais para to das Devemos principalmente pensar em relação aos limites de nossa própria democracia Seria democracia somente porque votamos Será que nós fazemos uso de todos os espaços de participa ção disponíveis Esses espaços são suficientes Não poderíamos exigir mais e melhores espaços 6 Prisão estadunidense que causa horror na comunidade internacional em função das terríveis condições a que seus presos ficam submetidos 7 Boron se refere à contradição de o sistema eleitoral norteamericano permitir que o presidente eleito não seja o mais votado isto é democraticamente preferido 8 Temos como exemplo a postura de alguns estadistas latinoamericanos como Evo Morales 1959 presidente da Bolívia e José Mujica 1935 expresidente do Uruguai ambos vivem na mesma casa de antes de serem eleitos presi dentes Mujica chegou a ser cogitado como presidente mais pobre do mundo título que rejeitou ao dizer que não mede suas riquezas pelos padrões capitalistas de propriedade e por isso não se considera pobre Ciência Política e Teoria do Estado 140 Dussel entende que sim Ele afirma que no momento em que o povo assume consciência da sua condição das negações e opressões que sofre e se rebela contra elas nada pode contêlo Afinal o poder não se toma ele sempre pertence ao povo DUSSEL 2007 p 157158 Considerações finais Concluímos esta obra com um capítulo denso mas que traz uma mensagem de otimismo Nós vimos que diversas crises se instauraram ao longo da trajetória das sociedades em geral pro vocadas pelo desgaste nas visões de mundo e estruturas dominante de cada época foram na maio ria das vezes combatidas dentro da mesma lógica com o objetivo de manter visões dominantes dominadoras ou inaugurar novas formas de dominação Isso ocorreu na transição do absolutismo ao Iluminismo em que foram abandonados privilégios hereditários para inaugurar o império dos domínios econômicos Trazemos neste capítulo a reflexão de que o povo não só pode como deve ser o maior agente de mudança da realidade As transformações por meio das bases do povo são possíveis pois foi por meio dele que foram redefinidos os Estados latinoamericanos As crises democráticas podem ser combatidas com essa potência transformadora desde que alcancemos a real consciên cia de qual a nossa posição e de qual é o nosso papel Ampliando seus conhecimentos Continuamos nossas reflexões com La Boétie em sua obra Discurso sobre a servidão voluntá ria 1549 No excerto a seguir o filósofo discute sobre a tirania e os principais tipos de governantes tiranos reflexão pertinente até os dias de hoje Discurso sobre a servidão voluntária sobre a tirania LA BOÉTIE 1986 p 34 Há três espécies de tiranos Refirome aos maus príncipes Chegam uns ao poder por eleição do povo outros por força das armas outros sucedendo aos da sua raça Os que chegam ao poder pelo direito da guerra portamse como quem pisa terra conquistada Os que nascem reis as mais das vezes não são melhores nascidos e criados no sangue da tira nia tratam os povos em quem mandam como se fossem seus servos hereditários e consoante a compleição a que são mais atreitos avaros ou pródigos assim fazem do reino o que fazem com outra herança qualquer Aquele a quem o povo deu o Estado deveria ser mais suportável e sêloia a meu ver se desde o momento em que se vê colocado em altos postos e tomando o gosto à chamada grandeza não decidisse ocupálos para todo o sempre O que geralmente acontece é tudo fazerem para transmitirem aos filhos o poder que o povo lhes concedeu E tão depressa tomam essa deci são por estranho que pareça ultrapassam em vício e até em crueldade os outros tiranos para conservarem a nova tirania não acham melhor meio do que aumentar a servidão e afastar Crises das instituições políticas modernas 141 tanto dos súditos a ideia de liberdade que eles tendo embora a memória fresca começam a esquecerse dela Os eleitos procedem como quem doma touros os conquistadores como quem se assenhoreia de uma presa a que têm direito os sucessores como quem lida com escravos naturais Dica de estudo Encerramos esta obra não com a indicação de uma leitura mas sim de um filme Um dentre inúmeros que foram produzidos no Brasil e que mostram perspectivas a respeito do regime militar Batismo de sangue 2006 dirigido por Helvécio Ratton e baseado em fatos reais narra a história de alguns freis da Igreja católica que motivados por seus ideais cristãos divergiram do regime militar e lutaram pela democracia O filme baseado na obra de Frei Betto leva o mesmo nome da obra do autor Batismo de sangue Direção Helécio Ratton Produção Downtown Lançamento 20 de abril de 2007 Duração 110 minutos Atividades 1 O regime militar brasileiro decorreu de golpe ou de revolução Justifique sua resposta 2 Temos motivos para crer que existam grupos de pressão com utilização ilegal de recursos financeiros tais como descreve Moreira sobre o Estado brasileiro 3 A crise democrática é um fenômeno exclusivo do Brasil devido à corrupção Justifique sua resposta Referências ANDRADA B Ciência política ciência do poder São Paulo LTr 1998 BORON A A Aristóteles em Macondo notas sobre el fetichismo democrático em América Latina Córdoba Espartaco Córdoba 2009 CITELLI A O poeta e o equívoco Comunicação e educação São Paulo v 11 n 3 p 431434 setdez 2006 Disponível em httpwwwrevistasuspbrcomueducarticleviewFile3760640320 Acesso em 8 fev 2018 DUSSEL E 20 teses de política São Paulo Expressão Popular 2007 Ciência Política e Teoria do Estado 142 GESTEIRA L A M G A Guerra Fria e as ditaduras militares na América do Sul Scientia Plena Sergipe v 10 n 12 p 120 dez 2014 Disponível em httpswwwscientiaplenaorgbrsparticleview20621097 Acesso em 14 dez 2017 LA BOETIE E Discurso sobre a servidão voluntária Lisboa Antígona 1986 MENDES R A S Ditaduras civilmilitares no Cone Sul e a Doutrina de Segurança Nacional algu mas considerações sobre a Historiografia Tempo Argumento Revista de História do Tempo Presente Florianópolis v 5 n 10 p 638 2013 Disponível em httpwwwrevistasudescbrindexphptempo articleview21751803051020130062864 Acesso em 06 fev 2018 MOREIRA A Ciência política Coimbra Livraria Almedina 1997 NEVES O P LIEBEL V Os Regimes Militares no Brasil e na América do Sul Historiografia e Perspectivas Revista Eletrônica da ANPHLAC São Paulo v 13 n 18 p 5686 janjul 2015 Disponível em httprevistas fflchuspbranphlacarticleviewFile22772084 Acesso em 14 fev 2018 WOLKMER A C Ideologia Estado e direito 3 ed São Paulo Revista dos Tribunais 2000 Gabarito 1 Ciência política e Teoria do Estado 1 Na verdade essa resposta depende do entendimento de algumas circunstâncias Na Antiguida de era reconhecido à política o sentido de atividade do bem comum ou a ciência do justo e do injusto o que em última análise levanos novamente ao bem comum Nos últimos séculos a humanidade passou a se preocupar mais com o poder e sua manutenção Desde Maquiavel a política assumiu também este sentido de instrumento para manutenção do poder Então nos dias de hoje podemos dizer que a política tem esses dois sentidos mas ainda há outros que estão sendo desenvolvidos por novas ciências O que há de comum entre a perspectiva de política nas sociedades antigas e sua concepção nas sociedades contemporâneas é o reconhecimento de sua importância na vida em sociedade 2 Sim E para compreender essas diferenças é preciso pensar na política no marco do desenvolvi mento científico moderno em que verificamos influências como a de Comte e no campo especí fico da política de Maquiavel O sentido que se empregava para designar ciência na Antiguidade era mais abrangente e menos severo Na modernidade só é considerada ciência a atividade de produção do conhecimento desenvolvida dentro dos rigorosos limites dos métodos aceitos pela comunidade científica e os objetos também delimitados por essa comunidade Sob essa orienta ção a ciência política e a Teoria geral do Estado se consolidaram como ramos do conhecimento científico cada um com objetos claros de estudo e métodos próprios que os diferenciam Desse modo podemos dizer que os objetos de estudo da ciência política abrangem as relações de poder estabelecidas entre as pessoas o poder do Estado as organizações e Estados no âmbito interna cional entre outros Sua metodologia permite analisar aspectos gerais abstrata e universalmen te seus conteúdos mas também casos e fatos específicos A Teoria geral do Estado por outro lado estuda os aspectos relacionados à formação dos Esta dos suas relações e formas de organização e exercício do seu poder Sua metodologia entretanto diferentemente daquela adotada na ciência política só lhe permite buscar as regras legais e as abstrações possíveis no seu campo de pesquisa A importância de ambas as disciplinas é definida em função das necessidades específicas de cada estudo em especial das respostas que se procu ram pois ambas teorias gerais e análises específicas têm papéis fundamentais na produção do conhecimento e na compreensão da realidade 3 Pela Teoria geral do Estado podem ser analisados os pressupostos elementos das constituições pois são os documentos normativos que organizam o poder do Estado Por meio das constituições podem ser analisados e descritos os principais modelos de Estado suas estruturas e formas de governo entre outros aspectos A ciência política por sua vez pode se ocupar de todos esses objetos e ainda anali sar outros como um governo em específico um determinado golpe de Estado ou uma ditadura Ela também pode analisar uma política pública específica como o salário mínimo os benefícios previ denciários que um determinado governo adota políticas de cotas entre outros Além disso a ciência política também estuda a opinião pública e reivindicações de movimentos sociais como sindicatos organizações não governamentais movimentos de trabalhadores etc 144 Ciência Política e Teoria do Estado 144 144 144 4 A ciência pode ser percebida como algo totalmente neutro talvez uma bula de remédio seja um bom exemplo disso Nesse sentido pode parecer difícil identificar uma relação entre ciência e política Porém se pensarmos de modo mais crítico podemos nos perguntar por que as bulas de remédio são escritas com uma linguagem tão complicada a ponto de muitos pacientes não conseguirem com preendêla Por que não pode ser adotada uma linguagem mais democrática Essa questão chegou até as autoridades públicas brasileiras de modo que a Agência Nacional de Vigi lância Sanitária Anvisa aprovou a Resolução n 47 de 8 de setembro de 2009 que determina que os medicamentos devem ter bula elaborada especificamente para o paciente com linguagem e sistema de apresentação das informações simples de modo que lhes permitam compreender o conteúdo Assim percebemos que a mesma informação científica pode ser apresentada de maneiras muito di ferentes o que permite às pessoas compreendêlas ou serem excluídas do acesso a essa informação Assim tanto a escolha entre distintas alternativas quanto seus efeitos têm uma importante dimensão política contida em si 2 Sociedade e política 1 O sentido de sociedade mais difundido no âmbito da ciência política não abrange agrupamentos de outros seres como abelhas e formigas Esses grupos mesmo que possam contar com um nível no tável de organização não apresentam outros elementos característicos de uma sociedade tal como a associação humana faz Especialmente podemos citar o elemento da normatividade presente nas leis jurídicas na ética e na moral Além da normatividade podemos citar o valor social ou seja objetivos e metas partilhados pelo grupo as manifestações ordenadas que se relacionam à ordem nas manifes tações sociais adoção de normas e coerência entre as manifestações sociais e finalidades desejadas E por fim o poder social que se desenvolve no âmbito de uma sociedade e envolve a interação de duas ou mais vontades humanas 2 Os movimentos sociais podem ser movimentos populares ou não Quando representam lutas do povo ou seja de setores dominados ou explorados que desejam transformar totalmente a reali dade social para eliminar essas formas de dominação serão considerados movimentos populares Os movimentos sociais podem ser assim descritos mas são mais amplos pois podem representar interesses de setores sociais que não desejam transformar a realidade mas sim mantêla Além disso os movimentos sociais ainda que representem interesses de setores oprimidos se diferenciam por não reivindicar uma transformação total mas sim pontual no que diz respeito à opressão que sofrem 3 O poder político pode ser descrito em uma perspectiva conservadora como o meio de regulação das relações sociais fato que implica no uso legítimo de uma força coativa que age sobre os indivíduos que integram a sociedade forçandoos a cumprir as normas vigentes Ele pode por outro lado ser descrito sob perspectivas críticoproblematizadoras como resultado de estruturas de poder que se definem pela prevalência de uma classe sobre a outra e produzem relações de dominação que podem culminar em crises em que os setores oprimidos possam deflagrar processos revolucionários Esses apenas são dois exemplos cada perspectiva comporta infinitas variações Gabarito 145 3 O Estado no pensamento político ocidental 1 Essa resposta depende da forma como analisamos o Estado Por exemplo se sistematizarmos os di versos conceitos de Estado construídos desde as ciências sociais pela História ou pela Antropologia ultrapassamos as fronteiras da Teoria geral do Estado pois empregamse métodos interdisciplinares para definir essa instituição Da mesma forma se tentarmos entendêlo com base nas diversas rela ções de poder que se desenvolvem dentro da sociedade seguiremos para o campo da ciência política Por outro lado se procurarmos uma descrição mais abstrata e geral a respeito das características específicas do poder estatal estaremos mais próximos da metodologia e objeto de estudo da Teoria geral do Estado 2 Existe De acordo com o conceito atribuído à sociedade diferentes conceitos serão atribuídos ao Es tado Por exemplo se entendermos a sociedade como uma tendência natural do ser humano enten deremos também o Estado como resultado natural da existência humana Por outro lado se enten dermos que a sociedade dividese em grupos que coexistem e se relacionam por meio de disputas de poder compreenderemos o Estado como um instrumento de dominação da classe dominante sobre a dominada como explica Marx ou como racionalização da violência para empregar a forma de modo legítimo como explica Weber 3 Uma diferença diz respeito ao instrumento jurídico que firma a existência de cada tipo de Estado em geral há uma constituição para federações e um tratado para as confederações Outra diferença é a questão da soberania e autonomia na federação todos os entes federativos se curvam ante a soberania do Estado Federal porque somente este tem soberania enquanto na confederação cada Estadomembro mantém suas prerrogativas e poderes políticos e jurídicos isto é cada um mantém sua soberania A terceira diferença é que na federação somente o Estado Federal tem personalidade jurídica internacional já a confederação também tem tal personalidade assim como os seus Esta dosmembros 4 Formação do Estado moderno 1 Algumas características comuns entre as três revoluções Inglesa 1688 Americana 1776 e Fran cesa 1789 se dão pelo fato de as três terem sido protagonizadas pela classe burguesa classes pro prietárias de suas sociedades Além disso essas três revoluções mostraram a resistência a um tipo absoluto ilimitado de poder e buscaram o desenvolvimento das liberdades individuais especialmente de cunho econômico das classes revolucionárias que aspiravam à segurança da lei para acumular e negociar suas propriedades sem pesados tributos e outros meios de opressão 2 O Estado brasileiro é um Estado soberano a primeira teorização a respeito da soberania foi de senvolvida no século XVI pelo francês Jean Bodin e também é um Estado democrático em que seus representantes são eleitos pelo povo o primeiro autor a defender esse tipo de legitimação democrática do poder foi o inglês John Locke Finalmente o Estado brasileiro adota uma divisão dos poderes em três pilares Executivo Legislativo e Judiciário conforme defendeu Montesquieu na França do século XVII 146 Ciência Política e Teoria do Estado 146 146 146 3 É uma relação de contradição pois Bonavides 2010 defende que o Estado embora possa significar a dominação dos mais fortes sobre os mais fracos pode eventual ou hipoteticamente ser um Estado neutro apto a julgar conflitos entre classes ou interesses opostos Já em Karl Marx tal possibilidade não existe uma vez que o Estado é uma consequência da luta de classes O elemento formal poder político para a perspectiva marxista significa um poder organizado para garantir a opressão de uma classe de proprietários sobre a outra de trabalhadores Podemos nos recordar de sua teoria relendo o item 31 Definições e classificações do Estado 5 Relações do Estado e estruturas de poder 1 O poder de polícia é um poder de coação o qual nenhuma pessoa pode recusar obediência visto que a coação garante ao Estado meios de impor sua força em casos de desobediência Esse poder é suportado pelos cidadãos que vivem em um determinado Estado A soberania e a autonomia dizem respeito ao Estado e suas relações com outros Estados soberanos ou seus próprios entes federativos Em síntese podemos dizer que a soberania é uma projeção externa do poder estatal pela qual é pos sível por exemplo assumir compromissos com outros países Já a autonomia é uma projeção interna que permite o exercício de determinados poderes de maneira descentralizada 2 Os Estadosmembros não podem firmar tratados porque esse ato é reservado somente aos detentores de soberania no caso do Brasil a União isto é o Estado Federal Em suma a autonomia não é o bas tante para autorizar um ente federativo a assumir compromissos de tamanha envergadura 3 Essa é uma questão que pode ser respondida de diversas maneiras Juridicamente a soberania coloca todos os Estados em condição de igualdade independentemente de seu poderio econômico ou polí tico Entretanto para a ciência política podese dizer que outros fatores além do jurídico devem ser considerados como a potência bélica a vulnerabilidade econômica ideologias etc que impedem os países mais pobres de se relacionarem em condições realmente igualitárias com países economica mente mais ricos 6 Formas de governo e sistemas de governo 1 O amadurecimento político que as sociedades contemporâneas alcançaram lhes impõe que o Estado respeite os limites da lei legalidade e os valores sociais considerados indispensáveis legitimidade As constituições são os documentos que explicitam e resguardam esses limites e fazem convergir o direito e a política 2 Os três sistemas estudados parlamentarismo presidencialismo e convencional são desdobramen tos do modelo representativo na política ou seja sistemas nos quais os titulares do poder não o exer cem diretamente mas sim por meio de instituições de representação Eles diferemse com relação às origens históricas mais antigas no parlamentarismo e próprias da tradição inglesa seguidas pelo presidencialismo próprio da tradição norteamericana dos últimos séculos e pelo sistema conven cional atribuído ao período da Revolução Francesa Outra diferença é o desequilíbrio entre os po deres como idealizou Montesquieu e verificado no sistema convencional uma vez que nos sistemas parlamentarista e presidencialista existe uma preocupação maior em mantêlo Gabarito 147 3 No Brasil o instituto do impeachment se inspira na modelo desenvolvido nos Estados Unidos da América com caráter precipuamente político visto que na experiência inglesa tinha também uma dimensão processual criminal Isso fica claro no modo como ele foi regulamentado nas constituições e também na Lei n 1079 de 10 de abril de 1950 Nas constituições se admite esse instituto somente em casos de crimes de responsabilidade e não nos demais delitos penais Na legislação a denúncia só pode ser recebida se o ocupante do cargo público não estiver definitivamente afastado dele já que a sanção possível nesse processo se limita a consequências políticas como perda de mandato e de direitos políticos 7 Democracia experiência e perspectivas teóricas 1 Os modelos discutidos neste capítulo foram a democracia direta ateniense a democracia representa tiva moderna e a democracia comunitária latinoamericana Há diversos pontos de diferenciação entre as três A democracia direta pode ser considerada a pio neira desse sistema e de seu desenvolvimento surgiu a democracia representativa Já a democracia comunitária apesar de sua existência milenar foi descoberta somente nos últimos anos pelas ciências e instituições ocidentais modernas Com relação ao funcionamento a democracia ateniense apesar de direta contava com poucas pes soas habilitadas a participar da vida política enquanto a democracia moderna privilegiou mecanis mos de representação com pouco espaço para a participação direta A democracia comunitária orga niza o poder desde o âmbito menor da comunidade o que permite que o poder político seja exercido diretamente e por um número maior de membros da comunidade 2 O referendo convocado depois da aprovação da norma para ratificar ou rejeitar a proposição o ple biscito que deve ser convocado antes da edição da norma para aprovála ou denegála e a iniciativa popular que consiste na possibilidade do próprio povo elaborar projetos de lei e apresentar ao poder legislativo para deliberação 3 A democracia representativa surgiu em um contexto de lutas sociais com o Estado moderno pois o sistema medieval estava mergulhado em uma crise O poder absoluto e hereditário dos reis já não condizia com a realidade europeia dos fins da Idade Média tanto que uma nova classe social a bur guesia aspirava um sistema que pudesse participar e desenvolver suas liberdades Assim teóricos de orientação liberal inspirados nas experiências do passado mas cientes de seus limites idealizaram um novo tipo de Estado pautado na soberania popular Essa conjugação permitiu o surgimento de uma democracia em que a soberania popular pela impossibilidade de exercício direto fosse repre sentada nos poderes estatais 8 Partidos políticos sistemas eleitorais e mandatos 1 Em geral o critério numérico não é hábil para diferenciar os sistemas políticos bipartidários daqueles que admitem diversos partidos Os sistemas bipartidários não são assim definidos porque existem apenas dois partidos mas sim em razão de serem os partidos com mais expressividade que partici pam da disputa eleitoral e se intercalam no exercício do poder político Na verdade os sistemas bi 148 Ciência Política e Teoria do Estado 148 148 148 partidários admitem a existência de outros partidos todavia esses têm menor poder de mobilização apoio e inexpressivos resultados nas urnas Em sentido contrário temos o bipartidarismo brasileiro que efetivamente só admitia a existência de dois partidos 2 A diferença crucial é que os sistemas bipartidários se constituíram espontaneamente como resultado de processos históricos em torno de ideais comuns que originaram dois grandes grupos No Brasil o biparti darismo não foi concebido historicamente mas sim determinado como estratégia do regime militar para dar um aspecto de democracia eleitoral a um governo que não tinha nada de democrático 3 No Brasil a forma de limitação democrática é basicamente o voto Nós contamos com o referendo se entendermos o veto popular de modo similar a esse instituto mas com pouquíssimas utilizações Não temos a previsão da revogação democrática do mandato tampouco de algum dos outros insti tutos como os norteamericano ou suíço Existe por outro lado a possibilidade de controle judicial baseada na legalidade dos atos 9 Ideologia pensamento político e fronteiras teóricas entre os Estados modernos 1 A forma como interpretamos a sociedade é determinada por nossas ideologias Se nossa interpre tação for crítica como fez Marx ao considerála uma luta de classes nossa ideologia a verá como instrumento de dominação e terá o anseio da eliminação das classes sociais Se por outro lado nossa concepção nos levar a crer que a igualdade e a liberdade podem ser alcançadas pela livre concorrência no mercado ideologia liberal vamos entender o Estado como uma ferramenta de regulação que deve atuar o mínimo possível Assim nosso anseio será defender uma sociedade que mantenha a sua divisão em classes 2 O pensamento político brasileiro é bastante diversificado tanto que observamos que desde a origem dos partidos políticos no Brasil as principais ideologias europeias também aqui se proliferaram como o liberalismo o socialismo o nacionalismo entre outros Entretanto na maior parte da história polí tica brasileira predominaram as ideologias liberais e suas variantes 3 O Estado neoliberal teve forte influência no Estado brasileiro mas coexistiu com traços do Estado de bemestar social Por isso nós percebemos de um lado uma forte onda de privatizações das empresas estatais levadas a cabo principalmente na década de 1990 bem como a ampliação da terceirização de trabalhos e funções públicas Por outro lado também vemos uma série de políticas assistenciais como o sistema de saúde pública brasileiro de abrangência universal ou a Previdência Social e as leis trabalhistas Atualmente esses direitos sociais estão novamente recuando diante de um novo avanço da ideologia neoliberal no Estado brasileiro 10 Crises das instituições políticas modernas 1 Essa questão pode ser respondida de diferentes maneiras conforme a perspectiva abordada O posi tivismo jurídico considera revolução porque instituiu um poder não baseado na legalidade vigente mas sim na ordem jurídica que o próprio poder inaugurou para fundamentar a si mesmo Do ponto de vista da sociologia e principalmente da ciência política ele é compreendido como golpe pois seu Gabarito 149 objetivo não era transformar mas sim manter as estruturas e relações sociais vigentes Além de não ter emergido das massas populares mas sim ter partido das elites socioeconômicas e militares nacio nais e estrangeiras 2 Nos últimos anos presenciamos várias confissões delações e processos que envolveram problemas de corrupção no país Essas situações ilustram na prática o que os autores Moreira e Andrada descrevem geral ou abstratamente ou seja no âmbito de uma teoria Nossas instituições foram corrompidas por setores com poder econômico que trocaram recursos financeiros por influência e benefícios in devidos dentro do âmbito público o Estado Então sim temos motivos para crer que os grupos de pressão agindo ilegalmente agravam a crise democrática no nosso país 3 A crise não pode ser atribuída exclusivamente à corrupção Há outros fatores que indicam uma ordem mais profunda de crise como o desgaste das instituições representativas o desequilíbrio entre os poderes e a reivindicação popular por mais direitos inclusive de maior participação política e representatividade nas instituições estatais Esse tipo de crise ficou muito evidente em países vizinhos como Bolívia Equador Colômbia Venezuela em que o resultado foi a transfor mação do Estado e do direito It is forbidden to feed the seals The area under the bridge is a protected ranger area Please be respectful and keep the area clean Código Logístico 57274 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 9788538764083 9 788538 764083 CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO Débora Ferrazzo