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AV1 Atividade Contextualizada AV1 Atividade Contextualizada Conteúdo do exercício 1 Metodologia Ativa Resolução de problemas o objetivo dessa atividade é instigar a resolução de problemas com base no que foi estudado nesta disciplina Aqui você deve explorar as possibilidades da metodologia ativa na contextualização do assunto proposto para a solução de problemas Desejo boasvindas a você na Atividade Contextualizada da disciplina Agora teremos uma oportunidade diferenciada de estudo reflexão e construção de conhecimento dos temas abordados em nossa disciplina Aqui você irá desenvolver e apresentar sua opinião no que diz respeito aos Princípios Constitucionais Penais Além disso para concluir essa atividade é necessário que você leia textos artigos científicos artigos publicados em revistas e demais informações que te auxiliem em seus argumentos e possíveis questionamentos Por isso atenhase ao tema proposto e busque utilizar de termos técnicos com clareza para a compreensão do texto Lembrese de que durante o estudo de nossa disciplina você agregou informações de extrema importância para sua vida acadêmica eou profissional Baseado a nesses conhecimentos adquiridos e em suas pesquisas elabore sua resposta autoral e evite utilizar textos integrais tanto dos materiais de estudo quanto dos disponíveis na internet Não se esqueça de inserir as devidas referências utilizadas na sua produção Preparadoa 1 Para começar leia o texto a seguir Você notou que cada texto vai nos apresentar uma representação da identidade nacional Isso significa que um escritor pode se valer de representações de narrativas já veiculadas em qualquer meio seja para criticálas ou para concordar com elas Na carta que Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei de Portugal D Manuel I para compartilhar as descobertas no território então chamado Terra de Vera Cruz ele recorre ao imaginário do paraíso perdido Caminha retrata os índios como extensão portanto desse paraíso Eles são vistos como ingênuos bons e gentis Já as índias são vistas como objetos à disposição dos viajantes Caminha recomenda ao rei que salve a alma dessa gente necessitados que estariam do que os portugueses chamavam de civilização Considerando essas informações sobre a carta leia o texto 14 Um Índio nas páginas 29 e 30 da obra Eles eram muitos cavalos 2001 de Luiz Ruffato e compareo à carta escrita por Pero Vaz de Caminha 2 Analisando o texto e tendo como base as reflexões sobre as identidades nacionais elabore uma dissertação desenvolvendo os seguintes tópicos Como o índio é representado no texto de Ruffato e no de Caminha De que forma o índio é tratado pelo branco De que modo é representada nossa identidade nacional 14 Um índio Seu Aprígio é que talvez pudesse alemb rar dia e mês que o índio surgiu aqui primeira vez mas morreu ontem carcomido por um câncer medonho na garganta depois falam doença de cigarro de bebida acredito não nunca bebeu nada a não ser refrigerante e fumar então em nem fumac suportava Deus o tenha De tal maneira que o que toda gente sabe é que um final de tarde o bugre apareceu no boteco encostou a pança careca no balcão de fórmula vermelha ensebado pediu uma cachaça na língua enrolada lá dele alguém viu graça bancou o prejuízo e o selvagem noite adentro tornandose alegre foi para o meio do asfalto dançar e os sem juízo cercaram ele numa roda batendo palmas o bicho entusiasmou arrancou a roupa sob aplausos do povaréu e ficou balangando os negócios crianças e mulheres passando e juntou vagabundo e trabalhador a arruaça contagiou aquele canto do bairro uma esbrónia Até que alguém sempre um desmanchaprazeres convocou a polícia Veio a Rota sirene esgoelando pneus solfejando os peemes desembarcaram distribuindo sarraf o sem piedade nem dó e o povinho ralo sebo nas canelas sumiu num trovoar os deixadisso quisemos explicar aquilo era índio índio mesmo de verdade portanto os troços de fora mas os cassetetes nem a miaram no lombo da negada e o peri lá sozinho pelado bêbado débil Agarrado algemado arremessado mofou no fundo de uma cela Depois tempos voltou em dentro duma camisa de seda sintética estampada surrada calça jeans ruça chineloshavaiana o idêntico riso abobado Chegou encostou a pança careca no balcão de fórmica vermelha ensebado do boteco do seu Aprígio ponto final da linha 6086 Jardim VarginhaSanto Amaro e disse na língua enrolada lá dele que queria comer Seu Aprígio falou Quer comer tem que pagar e o índio ensolarou a cara idiota desentendendo ou em fingimento que dessa raça a gente não especula quando sinceridade quando dissimulação Seu Aprígio explicou Vai ganhar dinheiro Tutu Money Grana Bufunfa Ó e roçou o indicador no polegar da mão direita os dentes perfeitos do imbecil às escâncaras Desistindo espetou um pedaço de linguiça no palito ofereceu ao importuno que mastigou com ganância e apontando a travessa engordurada solicitou mais Ai seu Aprígio Ah é pois vai trabalhar então empunhando uma vassoura de piaçava um rodo um balde d Água salpicado de sabão em pó uma lata de creolina Toma vai lavar o banheiro primeiro e o bobo sim Depois o piso Essa imundície o bobo sim no entanto parado os olhos meiopuxados bonachonamente arregalados Seu Aprígio então franquou a porta do mictório a sufocante acidez do mijo despejou o balde d água salpicado de sabão em pó no chão tomou a vassoura de piaçava esfregou com força Viu repassoua ao aprendiz Vai agora e o bobo sim no entanto parado Seu Aprígio pegou na mão dele Assim ó repetiu Viu e o bobo desajeitado Isso índio isso Agora o rodo Hum bom bom Na sujeira do salão manejava a vassoura de piaçava e o rodo com galhardia Isso índio isso De cócoras na porta do botequim o índio devorou o pão com mortadela lambeu os dedos quis mais devorou um ovo cozido colorido três torresmos uma coxinha dois quibes um rissole uma empadinha tudo sobra da estufa e mais um pedaço de bolodefubá saco sem fundo Vamos circular ô tonto vamos circular e seu Aprígio tocou ele de lá baixou a portadeaço subiu para o segundo andar pela escada interna e a escuridão irrompeu na rua com violência Seu Aprígio ainda espiou pela janela viu o bugre estendido na calçada tomando toda a largura da entrada do estabelecimento ensimesmo um cãodeguarda e pensou Pelo menos arrombar ninguém vai querer Todo dia ao despertar lá estava o índio Desenrolava a portadeaço e ele pegava o balde a vassoura de piaçava o rodo a caixa de sabão em pó a creolina e lavava o banheiro o piso do salão os copos acumulados na pia a calçada a Brasília laranja do seu Aprígio Zanzava reconhecido por todas aquelas bandas até no Loteamento Olinda Loteamento AuriVerde Jardim Alcântara e mesmo no Jardim Marilda capinava quintal pajeava criança dava recado carregava compra batia laje zoava de a molecada As quartas e sábados chafurdava na feijoada o prato mais cobiçoso Nos churrascos de domingo engolindo cerveja e triturando asa de frango apostávamos uns que ele era guaraní dali de Parelheiros aldeia Crucutú outros que ele era é pankararu da favela Real Parque no Morumbi a maioria entretanto que ele havia descido do Amazonas ou do Mato Grosso de carona e abandonado ali de sacanagem sabese lá e a discussão tornava sempre quando esgotados futebol e mulher De quando em quando o bobo sumia dias sem notícias e também especulávamos uns que tinha ido visitar os parentes no meio do mato outros que estava é na cadeia novamente de verdade nunca soubemos desses paradeiros Até que o câncer emudeceu seu Aprígio sugou dele as carnes os músculos o tutano dos ossos nem mais radioterapia nem quimioterapia nada não adiantava os médicos anunciaram só morfina e enquanto no hospital esteve internado o índio desaparecido Ao retornar à casa para falecer semana passada o bugre ressurgiu Aboleitouse à porta do botequim dois dias sem comer sem beber amuado feito ele o doente Ontem quando avisado que seu Aprígio tinha passado desta murcho e sozinho desfiou as ruas pobres do Jardim Varginha garrafa de cachaça debaixo do sovaco Houve quem tenha visto seus passos cambaleantes empurraremno ao encontro da noite áspera mas só a manhã surpreendeu o índio esticado sob a marquise de uma loja de materialdeconstrução na avenida Santo Amaro abraçado a um casco branco vazio a tudo alheio a tudo PÁGINA 29 e 30 MINISTÉRIO DA CULTURA Fundação Biblioteca Nacional Departamento Nacional do Livro A CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA Senhor Posto que o Capitãomor desta vossa frota e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova que ora nesta navegação se achou não deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza assim como eu melhor puder ainda que para o bem contar e falar o saiba pior que todos fazer Tome Vossa Alteza porém minha ignorância por boa vontade e creia bem por certo que para aformosear nem afear não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu Da marinhagem e singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza porque o não saberei fazer e os pilotos devem ter esse cuidado Portanto Senhor do que hei de falar começo e digo A partida de Belém como Vossa Alteza sabe foi segundafeira 9 de março Sábado 14 do dito mês entre as oito e nove horas nos achamos entre as Canárias mais perto da Grã Canária e ali andamos todo aquele dia em calma à vista delas obra de três a quatro léguas E domingo 22 do dito mês às dez horas pouco mais ou menos houvemos vista das ilhas de Cabo Verde ou melhor da ilha de S Nicolau segundo o dito de Pero Escolar piloto Na noite seguinte segundafeira ao amanhecer se perdeu da frota Vasco de Ataíde com sua nau sem haver tempo forte nem contrário para que tal acontecesse Fez o capitão suas diligências para o achar a uma e outra parte mas não apareceu mais E assim seguimos nosso caminho por este mar de longo até que terçafeira das Oitavas de Páscoa que foram 21 dias de abril estando da dita Ilha obra de 660 ou 670 léguas segundo os pilotos diziam topamos alguns sinais de terra os quais eram muita quantidade de ervas compridas a que os mareantes chamam botelho assim como outras a que dão o nome de rabodeasno E quartafeira seguinte pela manhã topamos aves a que chamam furabuxos Neste dia a horas de véspera houvemos vista de terra Primeiramente dum grande monte mui alto e redondo e doutras serras mais baixas ao sul dele e de terra chã com grandes arvoredos ao monte alto o capitão pôs nome o Monte Pascoal e à terra a Terra da Vera Cruz Mandou lançar o prumo Acharam vinte e cinco braças e ao sol posto obra de seis léguas da terra surgimos âncoras em dezenove braças ancoragem limpa Ali permanecemos toda aquela noite E à quintafeira pela manhã fizemos vela e seguimos em direitos à terra indo os navios pequenos diante por dezessete dezesseis quinze catorze treze doze dez e nove braças até meia légua da terra onde todos lançamos âncoras em frente à boca de um rio E chegaríamos a esta ancoragem às dez horas pouco mais ou menos Dali avistamos homens que andavam pela praia obra de sete ou oito segundo disseram os navios pequenos por chegarem primeiro Então lançamos fora os batéis e esquifes e vieram logo todos os capitães das naus a esta nau do Capitãomor onde falaram entre si E o Capitãomor mandou em terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio E tanto que ele começou de ir para lá acudiram pela praia homens quando aos dois quando aos três de maneira que ao chegar o batel à boca do rio já ali havia dezoito ou vinte homens Eram pardos todos nus sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas Nas mãos traziam arcos com suas setas Vinham todos rijos sobre o batel e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos E eles os pousaram Ali não pôde deles haver fala nem entendimento de proveito por o mar quebrar na costa Somente deulhes um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto Um deles deulhe um sombreiro de penas de ave compridas com uma copazinha de penas vermelhas e pardas como de papagaio e outro deulhe um ramal grande de continhas brancas miúdas que querem parecer de aljaveira as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza e com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala por causa do mar Na noite seguinte ventou tanto sueste com chuvaceiros que fez caçar as naus e especialmente a capitânia E sexta pela manhã às oito horas pouco mais ou menos por conselho dos pilotos mandou o Capitão levantar âncoras e fazer vela e fomos ao longo da costa com os batéis e esquifes amarrados à popa na direção do norte para ver se achávamos alguma abrigada e bom pouso onde nos demorássemos para tomar água e lenha Não que nos minguasse mas por aqui nos acertarmos Quando fizemos vela estariam já na praia assentados perto do rio obra de sessenta ou setenta homens que se haviam juntado ali poucos e poucos Fomos de longo e mandou o Capitão aos navios pequenos que seguissem mais chegados à terra e se achassem pouso seguro para as naus que amainassem E velejando nós pela costa obra de dez léguas do sítio donde tínhamos levantado ferro acharam os ditos navios pequenos um recife com um porto dentro muito bom e muito seguro com uma mui larga entrada E meteramse dentro e amainaram As naus arribaram sobre eles e um pouco antes do sol posto amainaram também obra de uma légua do recife e ancoraram em onze braças E estando Afonso Lopes nosso piloto em um daqueles navios pequenos por mandado do Capitão por ser homem vivo e destro para isso meteuse logo no esquife a sondar o porto dentro e tomou dois daqueles homens da terra mancebos e de bons corpos que estavam numa almadia Um deles trazia um arco e seis ou sete setas e na praia andavam muitos com seus arcos e setas mas de nada lhes serviram Trouxeos logo já de noite ao Capitão em cuja nau foram recebidos com muito prazer e festa A feição deles é serem pardos maneira de avermelhados de bons rostos e bons narizes bemfeitos Andam nus sem nenhuma cobertura Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros de comprimento duma mão travessa da grossura dum fuso de algodão agudos na ponta como um furador Metemnos pela parte de dentro do beiço e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como roque de xadrez ali encaixado de tal sorte que não os molesta nem os estorva no falar no comer ou no beber Os cabelos seus são corredios E andavam tosquiados de tosquia alta mais que de sobrepente de boa grandura e rapados até por cima das orelhas E um deles trazia por baixo da solapa de fonte a fonte para detrás uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas que seria do comprimento de um coto mui basta e mui cerrada que lhe cobria o toutiço e as orelhas E andava pegada aos cabelos pena e pena com uma confeição branda como cera mas não o era de maneira que a cabeleira ficava mui redonda e mui basta e mui igual e não fazia míngua mais lavagem para a levantar O Capitão quando eles vieram estava sentado em uma cadeira bem vestido com um colar de ouro mui grande ao pescoço e aos pés uma alcatifa por estrado Sancho de Tovar Simão de Miranda Nicolau Coelho Aires Correia e nós outros que aqui na nau com ele vamos sentados no chão pela alcatifa Acenderamse tochas Entraram Mas não fizeram sinal de cortesia nem de falar ao Capitão nem a ninguém Porém um deles pôs olho no colar do Capitão e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar como que nos dizendo que ali havia ouro Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal como se lá também houvesse prata Mostraramlhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo tomaramno logo na mão e acenaram para a terra como quem diz que os havia ali Mostraramlhes um carneiro não fizeram caso Mostraramlhes uma galinha quase tiveram medo dela não lhe queriam pôr a mão e depois a tomaram como que espantados Deramlhes ali de comer pão e peixe cozido confeitos fartéis mel e figos passados Não quiseram comer quase nada daquilo e se alguma coisa provaram logo a lançaram fora Trouxeramlhes vinho numa taça mal lhe puseram a boca não gostaram nada nem quiseram mais Trouxeramlhes a água em uma albarrada Não beberam Mal a tomaram na boca que lavaram e logo a lançaram fora Viu um deles umas contas de rosário brancas acenou que lhas dessem folgou muito com elas e lançouas ao pescoço Depois tirouas e enrolouas no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão como dizendo que dariam ouro por aquilo Isto tomávamos nós assim por assim o desejarmos Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar isto não o queríamos nós entender porque não lho havíamos de dar E depois tornou as contas a quem lhas dera Então estiraramse de costas na alcatifa a dormir sem buscarem maneira de cobrirem suas vergonhas as quais não eram fanadas e as cabeleiras delas estavam bem rapadas e feitas O Capitão lhes mandou pôr por baixo das cabeças seus coxins e o da cabeleira esforçavase por não a quebrar E lançaramlhes um manto por cima e eles consentiram quedaramse e dormiram Ao sábado pela manhã mandou o Capitão fazer vela e fomos demandar a entrada a qual era mui larga e alta de seis a sete braças Entraram todas as naus dentro e ancoraram em cinco ou seis braças ancoragem dentro tão grande tão formosa e tão segura que podem abrigarse nela mais de duzentos navios e naus E tanto que as naus quedaram ancoradas todos os capitães vieram a esta nau do Capitãomor E daqui mandou o Capitão a Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias que fossem em terra e levassem aqueles dois homens e os deixassem ir com seu arco e setas e isto depois que fez dar a cada um sua camisa nova sua carapuça vermelha e um rosário de contas brancas de osso que eles levaram nos braços seus cascavéis e suas campainhas E mandou com eles para lá ficar um mancebo degredado criado de D João Telo a que chamam Afonso Ribeiro para lá andar com eles e saber de seu viver e maneiras E a mim mandou que fosse com Nicolau Coelho Fomos assim de frecha direitos à praia Ali acudiram logo obra de duzentos homens todos nus e com arcos e setas nas mãos Aqueles que nós levávamos acenaramlhes que se afastassem e pousassem os arcos e eles os pousaram mas não se afastaram muito E mal pousaram os arcos logo saíram os que nós levávamos e o mancebo degredado com eles E saídos não pararam mais nem esperavam um pelo outro mas antes corriam a quem mais corria E passaram um rio que por ali corre de água doce de muita água que lhes dava pela braga e outros muitos com eles E foram assim correndo além do rio entre umas moitas de palmas onde estavam outros Ali pararam Entretanto foise o degredado com um homem que logo ao sair do batel o agasalhou e o levou até lá Mas logo tornaram a nós e com ele vieram os outros que nós leváramos os quais vinham já nus e sem carapuças Então se começaram de chegar muitos Entravam pela beira do mar para os batéis até que mais não podiam traziam cabaços de água e tomavam alguns barris que nós levávamos enchiamnos de água e traziamnos aos batéis Não que eles de todos chegassem à borda do batel Mas junto a ele lançavam os barris que nós tomávamos e pediam que lhes dessem alguma coisa Levava Nicolau Coelho cascavéis e manilhas E a uns dava um cascavel a outros uma manilha de maneira que com aquele engodo quase nos queriam dar a mão Davamnos daqueles arcos e setas por sombreiros e carapuças de linho ou por qualquer coisa que homem lhes queria dar Dali se partiram os outros dois mancebos que os não vimos mais Muitos deles ou quase a maior parte dos que andavam ali traziam aqueles bicos de osso nos beiços E alguns que andavam sem eles tinham os beiços furados e nos buracos uns espelhos de pau que pareciam espelhos de borracha outros traziam três daqueles bicos a saber um no meio e os dois nos cabos Aí andavam outros quartejados de cores a saber metade deles da sua própria cor e metade de tintura preta a modos de azulada e outros quartejados de escaques Ali andavam entre eles três ou quatro moças bem moças e bem gentis com cabelos muito pretos compridos pelas espáduas e suas vergonhas tão altas tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que de as muito bem olharmos não tínhamos nenhuma vergonha Ali por então não houve mais fala ou entendimento com eles por a barbaria deles ser tamanha que se não entendia nem ouvia ninguém Acenamoslhes que se fossem assim o fizeram e passaramse além do rio Saíram três ou quatro homens nossos dos batéis e encheram não sei quantos barris de água que nós levávamos e tornamonos às naus Mas quando assim vínhamos acenaramnos que tornássemos Tornamos e eles mandaram o degredado e não quiseram que ficasse lá com eles Este levava uma bacia pequena e duas ou três carapuças vermelhas para lá as dar ao senhor se o lá houvesse Não cuidaram de lhe tomar nada antes o mandaram com tudo Mas então Bartolomeu Dias o fez outra vez tornar ordenando que lhes desse aquilo E ele tornou e o deu à vista de nós àquele que da primeira vez agasalhara Logo voltou e nós trouxemolo Esse que o agasalhou era já de idade e andava por louçainha todo cheio de penas pegadas pelo corpo que parecia asseteado como S Sebastião Outros traziam carapuças de penas amarelas outros de vermelhas e outros de verdes E uma daquelas moças era toda tingida de baixo a cima daquela tintura e certo era tão bemfeita e tão redonda e sua vergonha que ela não tinha tão graciosa que a muitas mulheres da nossa terra vendolhe tais feições fizera vergonha por não terem a sua como ela Nenhum deles era fanado mas todos assim como nós E com isto nos tornamos e eles foramse À tarde saiu o Capitãomor em seu batel com todos nós outros e com os outros capitães das naus em seus batéis a folgar pela baía em frente da praia Mas ninguém saiu em terra porque o Capitão o não quis sem embargo de ninguém nela estar Somente saiu ele com todos nós em um ilhéu grande que na baía está e que na baixamar fica mui vazio Porém é por toda a parte cercado de água de sorte que ninguém lá pode ir a não ser de barco ou a nado Ali folgou ele e todos nós outros bem uma hora e meia E alguns marinheiros que ali andavam com um chinchorro pescaram peixe miúdo não muito Então volvemonos às naus já bem de noite Ao domingo de Pascoela pela manhã determinou o Capitão de ir ouvir missa e pregação naquele ilhéu Mandou a todos os capitães que se aprestassem nos batéis e fossem com ele E assim foi feito Mandou naquele ilhéu armar um esperavel e dentro dele um altar mui bem corregido E ali com todos nós outros fez dizer missa a qual foi dita pelo padre frei Henrique em voz entoada e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes que todos eram ali A qual missa segundo meu parecer foi ouvida por todos com muito prazer e devoção Ali era com o Capitão a bandeira de Cristo com que saiu de Belém a qual esteve sempre levantada da parte do Evangelho Acabada a missa desvestiuse o padre e subiu a uma cadeira alta e nós todos lançados por essa areia E pregou uma solene e proveitosa pregação da história do Evangelho ao fim da qual tratou da nossa vinda e do achamento desta terra conformandose com o sinal da Cruz sob cuja obediência viemos o que foi muito a propósito e fez muita devoção Enquanto estivemos à missa e à pregação seria na praia outra tanta gente pouco mais ou menos como a de ontem com seus arcos e setas a qual andava folgando E olhandonos sentaramse E depois de acabada a missa assentados nós à pregação levantaramse muitos deles tangeram corno ou buzina e começaram a saltar e dançar um pedaço E alguns deles se metiam em almadias duas ou três que aí tinham as quais não são feitas como as que eu já vi somente são três traves atadas entre si E ali se metiam quatro ou cinco ou esses que queriam não se afastando quase nada da terra senão enquanto podiam tomar pé Acabada a pregação voltou o Capitão com todos nós para os batéis com nossa bandeira alta Embarcamos e fomos todos em direção à terra para passarmos ao longo por onde eles estavam indo na dianteira por ordem do Capitão Bartolomeu Dias em seu esquife com um pau de uma almadia que lhes o mar levara para lho dar e nós todos obra de tiro de pedra atrás dele Como viram o esquife de Bartolomeu Dias chegaramse logo todos à água metendose nela até onde mais podiam Acenaramlhes que pousassem os arcos e muitos deles os iam logo pôr em terra e outros não Andava aí um que falava muito aos outros que se afastassem mas não que a mim me parecesse que lhe tinham acatamento ou medo Este que os assim andava afastando trazia seu arco e setas e andava tinto de tintura vermelha pelos peitos espáduas quadris coxas e pernas até baixo mas os vazios com a barriga e estômago eram de sua própria cor E a tintura era assim vermelha que a água a não comia nem desfazia antes quando saía da água parecia mais vermelha Saiu um homem do esquife de Bartolomeu Dias e andava entre eles sem implicarem nada com ele para fazerlhe mal Antes lhe davam cabaças de água e acenavam aos do esquife que saíssem em terra Com isto se volveu Bartolomeu Dias ao Capitão e viemonos às naus a comer tangendo gaitas e trombetas sem lhes dar mais opressão E eles tornaramse a assentar na praia e assim por então ficaram Neste ilhéu onde fomos ouvir missa e pregação a água espraia muito deixando muita areia e muito cascalho a descoberto Enquanto aí estávamos foram alguns buscar marisco e apenas acharam alguns camarões grossos e curtos entre os quais vinha um tão grande e tão grosso como em nenhum tempo vi tamanho Também acharam cascas de berbigões e amêijoas mas não toparam com nenhuma peça inteira E tanto que comemos vieram logo todos os capitães a esta nau por ordem do Capitãomor com os quais ele se apartou e eu na companhia E perguntou a todos se nos parecia bem mandar a nova do achamento desta terra a Vossa Alteza pelo navio dos mantimentos para a melhor a mandar descobrir e saber dela mais do que nós agora podíamos saber por irmos de nossa viagem E entre muitas falas que no caso se fizeram foi por todos ou a maior parte dito que seria muito bem E nisto concluíram E tanto que a conclusão foi tomada perguntou mais se lhes parecia bem tomar aqui por força um par destes homens para os mandar a Vossa Alteza deixando aqui por eles outros dois destes degredados Sobre isto acordaram que não era necessário tomar por força homens porque era geral costume dos que assim levavam por força para alguma parte dizerem que há ali de tudo quanto lhes perguntam e que melhor e muito melhor informação da terra dariam dois homens destes degredados que aqui deixassem do que eles dariam se os levassem por ser gente que ninguém entende Nem eles tão cedo aprenderiam a falar para o saberem tão bem dizer que muito melhor estoutros o não digam quando Vossa Alteza cá mandar E que portanto não cuidassem de aqui tomar ninguém por força nem de fazer escândalo para de todo mais os amansar e apacificar senão somente deixar aqui os dois degredados quando daqui partíssemos E assim por melhor a todos parecer ficou determinado Acabado isto disse o Capitão que fôssemos nos batéis em terra e verseia bem como era o rio e também para folgarmos Fomos todos nos batéis em terra armados e a bandeira conosco Eles andavam ali na praia à boca do rio para onde nós íamos e antes que chegássemos pelo ensino que dantes tinham puseram todos os arcos e acenavam que saíssemos Mas tanto que os batéis puseram as proas em terra passaramse logo todos além do rio o qual não é mais largo que um jogo de mancal E mal desembarcamos alguns dos nossos passaram logo o rio e meteramse entre eles Alguns aguardavam outros afastavamse Era porém a coisa de maneira que todos andavam misturados Eles ofereciam desses arcos com suas setas por sombreiros e carapuças de linho ou por qualquer coisa que lhes davam Passaram além tantos dos nossos e andavam assim misturados com eles que eles se esquivavam e afastavamse E deles alguns iamse para cima onde outros estavam Então o Capitão fez que dois homens o tomassem ao colo passou o rio e fez tornar a todos A gente que ali estava não seria mais que a costumada E tanto que o Capitão fez tornar a todos vieram a ele alguns daqueles não porque o conhecessem por Senhor pois me parece que não entendem nem tomavam disso conhecimento mas porque a gente nossa passava já para aquém do rio Ali falavam e traziam muitos arcos e continhas daquelas já ditas e resgatavamnas por qualquer coisa em tal maneira que os nossos trouxeram dali para as naus muitos arcos e setas e contas Então tornouse o Capitão aquém do rio e logo acudiram muitos à beira dele Ali veríeis galantes pintados de preto e vermelho e quartejados assim nos corpos como nas pernas que certo pareciam bem assim Também andavam entre eles quatro ou cinco mulheres moças nuas como eles que não pareciam mal Entre elas andava uma com uma coxa do joelho até o quadril e a nádega toda tinta daquela tintura preta e o resto tudo da sua própria cor Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas e também os colos dos pés e suas vergonhas tão nuas e com tanta inocência descobertas que nisso não havia nenhuma vergonha Também andava aí outra mulher moça com um menino ou menina ao colo atado com um pano não sei de quê aos peitos de modo que apenas as perninhas lhe apareciam Mas as pernas da mãe e o resto não traziam pano algum Depois andou o Capitão para cima ao longo do rio que corre sempre chegado à praia Ali esperou um velho que trazia na mão uma pá de almadia Falava enquanto o Capitão esteve com ele perante nós todos sem nunca ninguém o entender nem ele a nós quantas coisas que lhe demandávamos acerca de ouro que nós desejávamos saber se na terra havia Trazia este velho o beiço tão furado que lhe caberia pelo furo um grande dedo polegar e metida nele uma pedra verde ruim que cerrava por fora esse buraco O Capitão lha fez tirar E ele não sei que diabo falava e ia com ela direito ao Capitão para lha meter na boca Estivemos sobre isso rindo um pouco e então enfadouse o Capitão e deixouo E um dos nossos deulhe pela pedra um sombreiro velho não por ela valer alguma coisa mas por amostra Depois houvea o Capitão segundo creio para com as outras coisas a mandar a Vossa Alteza Andamos por aí vendo a ribeira a qual é de muita água e muito boa Ao longo dela há muitas palmas não muito altas em que há muito bons palmitos Colhemos e comemos deles muitos Então tornouse o Capitão para baixo para a boca do rio onde havíamos desembarcado Além do rio andavam muitos deles dançando e folgando uns diante dos outros sem se tomarem pelas mãos E faziamno bem Passouse então além do rio Diogo Dias almoxarife que foi de Sacavém que é homem gracioso e de prazer e levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita E meteuse com eles a dançar tomandoos pelas mãos e eles folgavam e riam e andavam com ele muito bem ao som da gaita Depois de dançarem fezlhes ali andando no chão muitas voltas ligeiras e salto real de que eles se espantavam e riam e folgavam muito E conquanto com aquilo muito os segurou e afagou tomavam logo uma esquiveza como de animais monteses e foramse para cima E então o Capitão passou o rio com todos nós outros e fomos pela praia de longo indo os batéis assim rente da terra Fomos até uma lagoa grande de água doce que está junto com a praia porque toda aquela ribeira do mar é apaulada por cima e sai a água por muitos lugares E depois de passarmos o rio foram uns sete ou oito deles andar entre os marinheiros que se recolhiam aos batéis E levaram dali um tubarão que Bartolomeu Dias matou lhes levou e lançou na praia Bastará dizervos que até aqui como quer que eles um pouco se amansassem logo duma mão para outra se esquivavam como pardais do cevadoiro Homem não lhes ousa falar de rijo para não se esquivarem mais e tudo se passa como eles querem para os bem amansar O Capitão ao velho com quem falou deu uma carapuça vermelha E com toda a fala que entre ambos se passou e com a carapuça que lhe deu tanto que se apartou e começou de passar o rio foise logo recatando e não quis mais tornar de lá para aquém Os outros dois que o Capitão teve nas naus a que deu o que já disse nunca mais aqui apareceram do que tiro ser gente bestial de pouco saber e por isso tão esquiva Porém e com tudo isso andam muito bem curados e muito limpos E naquilo me parece ainda mais que são como aves ou alimárias monteses às quais faz o ar melhor pena e melhor cabelo que às mansas porque os corpos seus são tão limpos tão gordos e tão formosos que não pode mais ser Isto me faz presumir que não têm casas nem moradas a que se acolham e o ar a que se criam os faz tais Nem nós ainda até agora vimos nenhuma casa ou maneira delas Mandou o Capitão aquele degredado Afonso Ribeiro que se fosse outra vez com eles Ele foi e andou lá um bom pedaço mas à tarde tornouse que o fizeram eles vir e não o quiseram lá consentir E deramlhe arcos e setas e não lhe tomaram nenhuma coisa do seu Antes disse ele que um lhe tomara umas continhas amarelas que levava e fugia com elas e ele se queixou e os outros foram logo após e lhas tomaram e tornaramlhas a dar e então mandaramno vir Disse que não vira lá entre eles senão umas choupaninhas de rama verde e de fetos muito grandes como de Entre Douro e Minho E assim nos tornamos às naus já quase noite a dormir À segundafeira depois de comer saímos todos em terra a tomar água Ali vieram então muitos mas não tantos como as outras vezes Já muito poucos traziam arcos Estiveram assim um pouco afastados de nós e depois pouco a pouco misturaramse conosco Abraçavamnos e folgavam E alguns deles se esquivavam logo Ali davam alguns arcos por folhas de papel e por alguma carapucinha velha ou por qualquer coisa Em tal maneira isto se passou que bem vinte ou trinta pessoas das nossas se foram com eles onde outros muitos estavam com moças e mulheres E trouxeram de lá muitos arcos e barretes de penas de aves deles verdes e deles amarelos dos quais creio o Capitão há de mandar amostra a Vossa Alteza E segundo diziam esses que lá foram folgavam com eles Neste dia os vimos mais de perto e mais à nossa vontade por andarmos quase todos misturados Ali alguns andavam daquelas tinturas quartejados outros de metades outros de tanta feição como em panos de armar e todos com os beiços furados e muitos com os ossos neles e outros sem ossos Alguns traziam uns ouriços verdes de árvores que na cor queriam parecer de castanheiros embora mais pequenos E eram cheios duns grãos vermelhos pequenos que esmagandoos entre os dedos faziam tintura muito vermelha de que eles andavam tintos E quanto mais se molhavam tanto mais vermelhos ficavam Todos andam rapados até cima das orelhas e assim as sobrancelhas e pestanas Trazem todos as testas de fonte a fonte tintas da tintura preta que parece uma fita preta da largura de dois dedos E o Capitão mandou aquele degredado Afonso Ribeiro e a outros dois degredados que fossem lá andar entre eles e assim a Diogo Dias por ser homem ledo com que eles folgavam Aos degredados mandou que ficassem lá esta noite Foramse lá todos e andaram entre eles E segundo eles diziam foram bem uma légua e meia a uma povoação em que haveria nove ou dez casas as quais eram tão compridas cada uma como esta nau capitânia Eram de madeira e das ilhargas de tábuas e cobertas de palha de razoada altura todas duma só peça sem nenhum repartimento tinham dentro muitos esteios e de esteio a esteio uma rede atada pelos cabos alta em que dormiam Debaixo para se aquentarem faziam seus fogos E tinha cada casa duas portas pequenas uma num cabo e outra no outro Diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas e que assim os achavam e que lhes davam de comer daquela vianda que eles tinham a saber muito inhame e outras sementes que na terra há e eles comem Mas quando se fez tarde fizeramnos logo tornar a todos e não quiseram que lá ficasse nenhum Ainda segundo diziam queriam vir com eles Resgataram lá por cascavéis e por outras coisinhas de pouco valor que levavam papagaios vermelhos muito grandes e formosos e dois verdes pequeninos e carapuças de penas verdes e um pano de penas de muitas cores maneira de tecido assaz formoso segundo Vossa Alteza todas estas coisas verá porque o Capitão volas há de mandar segundo ele disse E com isto vieram e nós tornámonos às naus À terçafeira depois de comer fomos em terra dar guarda de lenha e lavar roupa Estavam na praia quando chegamos obra de sessenta ou setenta sem arcos e sem nada Tanto que chegamos vieram logo para nós sem se esquivarem Depois acudiram muitos que seriam bem duzentos todos sem arcos e misturaramse todos tanto conosco que alguns nos ajudavam a acarretar lenha e a meter nos batéis E lutavam com os nossos e tomavam muito prazer Enquanto cortávamos a lenha faziam dois carpinteiros uma grande Cruz dum pau que ontem para isso se cortou Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros E creio que o faziam mais por verem a ferramenta de ferro com que a faziam do que por verem a Cruz porque eles não tem coisa que de ferro seja e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas metidas em um pau entre duas talas mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes segundo diziam os homens que ontem a suas casas foram porque lhas viram lá Era já a conversação deles conosco tanta que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer O Capitão mandou a dois degredados e a Diogo Dias que fossem lá à aldeia e aoutras se houvessem novas delas e que em toda a maneira não viessem dormir às naus ainda que eles os mandassem E assim se foram Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha atravessavam alguns papagaios por essas árvores deles verdes e outros pardos grandes e pequenos de maneira que me parece que haverá muitos nesta terra Porém eu não veria mais que até nove ou dez Outras aves então não vimos somente algumas pombasseixas e pareceramme bastante maiores que as de Portugal Alguns diziam que viram rolas eu não as vi Mas segundo os arvoredos são mui muitos e grandes e de infindas maneiras não duvido que por esse sertão haja muitas aves Cerca da noite nos volvemos para as naus com nossa lenha Eu creio Senhor que ainda não dei conta aqui a Vossa Alteza da feição de seus arcos e setas Os arcos são pretos e compridos as setas também compridas e os ferros delas de canas aparadas segundo Vossa Alteza verá por alguns que eu creio o Capitão a Ela há de enviar À quartafeira não fomos em terra porque o Capitão andou todo o dia no navio dos mantimentos a despejálo e fazer levar às naus isso que cada uma podia levar Eles acudiram à praia muitos segundo das naus vimos No dizer de Sancho de Tovar que lá foi seriam obra de trezentos Diogo Dias e Afonso Ribeiro o degredado aos quais o Capitão ontem mandou que em toda maneira lá dormissem volveramse já de noite por eles não quererem que lá ficassem Trouxeram papagaios verdes e outras aves pretas quase como pegas a não ser que tinham o bico branco e os rabos curtos Quando Sancho de Tovar se recolheu à nau queriam vir com ele alguns mas ele não quis senão dois mancebos dispostos e homens de prol Mandouos essa noite mui bem pensar e curar Comeram toda a vianda que lhes deram e mandou fazerlhes cama de lençóis segundo ele disse Dormiram e folgaram aquela noite E assim não houve mais este dia que para escrever seja À quintafeira derradeiro de abril comemos logo quase pela manhã e fomos em terra por mais lenha e água E em querendo o Capitão sair desta nau chegou Sancho de Tovar com seus dois hóspedes E por ele ainda não ter comido puseramlhe toalhas Trouxeramlhe vianda e comeu Aos hóspedes sentaram cada um em sua cadeira E de tudo o que lhes deram comeram mui bem especialmente lacão cozido frio e arroz Não lhes deram vinho por Sancho de Tovar dizer que o não bebiam bem Acabado o comer metemonos todos no batel e eles conosco Deu um grumete a um deles uma armadura grande de porco montês bem revolta Tanto que a tomou meteua logo no beiço e porque se lhe não queria segurar deramlhe uma pequena de cera vermelha E ele ajeitoulhe seu adereço detrás para ficar segura e meteua no beiço assim revolta para cima E vinha tão contente com ela como se tivesse uma grande jóia E tanto que saímos em terra foise logo com ela e não apareceu mais aí Andariam na praia quando saímos oito ou dez deles e de aí a pouco começaram a vir mais E pareceme que viriam este dia à praia quatrocentos ou quatrocentos e cinqüenta Traziam alguns deles arcos e setas que todos trocaram por carapuças ou por qualquer coisa que lhes davam Comiam conosco do que lhes dávamos Bebiam alguns deles vinho outros o não podiam beber Mas pareceme que se lho avezarem o beberão de boa vontade Andavam todos tão dispostos tão bemfeitos e galantes com suas tinturas que pareciam bem Acarretavam dessa lenha quanta podiam com mui boa vontade e levavamna aos batéis Andavam já mais mansos e seguros entre nós do que nós andávamos entre eles Foi o Capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo até uma ribeira grande e de muita água que a nosso parecer era esta mesma que vem ter à praia e em que nós tomamos água Ali ficamos um pedaço bebendo e folgando ao longo dela entre esse arvoredo que é tanto tamanho tão basto e de tantas prumagens que homens as não podem contar Há entre ele muitas palmas de que colhemos muitos e bons palmitos Quando saímos do batel disse o Capitão que seria bom irmos direitos à Cruz que estava encostada a uma árvore junto com o rio para se erguer amanhã que é sextafeira e que nos puséssemos todos de joelhos e a beijássemos para eles verem o acatamento que lhe tínhamos E assim fizemos A esses dez ou doze que aí estavam acenaramlhe que fizessem assim e foram logo todos beijála Pareceme gente de tal inocência que se homem os entendesse e eles a nós seriam logo cristãos porque eles segundo parece não têm nem entendem em nenhuma crença E portanto se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem não duvido que eles segundo a santa intenção de Vossa Alteza se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé à qual praza a Nosso Senhor que os traga porque certo esta gente é boa e de boa simplicidade E imprimirseá ligeiramente neles qualquer cunho que lhes quiserem dar E pois Nosso Senhor que lhes deu bons corpos e bons rostos como a bons homens por aqui nos trouxe creio que não foi sem causa Portanto Vossa Alteza que tanto deseja acrescentar a santa fé católica deve cuidar da sua salvação E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim Eles não lavram nem criam Não há aqui boi nem vaca nem cabra nem ovelha nem galinha nem qualquer outra alimária que costumada seja ao viver dos homens Nem comem senão desse inhame que aqui há muito e dessa semente e frutos que a terra e as árvores de si lançam E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto com quanto trigo e legumes comemos Neste dia enquanto ali andaram dançaram e bailaram sempre com os nossos ao som dum tamboril dos nossos em maneira que são muito mais nossos amigos que nós seus Se lhes homem acenava se queriam vir às naus faziamse logo prestes para isso em tal maneira que se a gente todos quisera convidar todos vieram Porém não trouxemos esta noite às naus senão quatro ou cinco a saber o Capitãomor dois e Simão de Miranda um que trazia já por pajem e Aires Gomes outro também por pajem Um dos que o Capitão trouxe era um dos hóspedes que lhe trouxeram da primeira vez quando aqui chegamos o qual veio hoje aqui vestido na sua camisa e com ele um seu irmão e foram esta noite mui bem agasalhados assim de vianda como de cama de colchões e lençóis para os mais amansar E hoje que é sextafeira primeiro dia de maio pela manhã saímos em terra com nossa bandeira e fomos desembarcar acima do rio contra o sul onde nos pareceu que seria melhor chantar a Cruz para melhor ser vista Ali assinalou o Capitão o lugar onde fizessem a cova para a chantar Enquanto a ficaram fazendo ele com todos nós outros fomos pela Cruz abaixo do rio onde ela estava Dali a trouxemos com esses religiosos e sacerdotes diante cantando em maneira de procissão Eram já aí alguns deles obra de setenta ou oitenta e quando nos viram assim vir alguns se foram meter debaixo dela para nos ajudar Passamos o rio ao longo da praia e fomola pôr onde havia de ficar que será do rio obra de dois tiros de besta Andandose ali nisto vieram bem cento e cinqüenta ou mais Chantada a Cruz com as armas e a divisa de Vossa Alteza que primeiramente lhe pregaram armaram altar ao pé dela Ali disse missa o padre frei Henrique a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos Ali estiveram conosco a ela obra de cinqüenta ou sessenta deles assentados todos de joelhos assim como nós E quando veio ao Evangelho que nos erguemos todos em pé com as mãos levantadas eles se levantaram conosco e alçaram as mãos ficando assim até ser acabado e então tornaramse a assentar como nós E quando levantaram a Deus que nos pusemos de joelhos eles se puseram assim todos como nós estávamos com as mãos levantadas e em tal maneira sossegados que certifico a Vossa Alteza nos fez muita devoção Estiveram assim conosco até acabada a comunhão depois da qual comungaram esses religiosos e sacerdotes e o Capitão com alguns de nós outros Alguns deles por o sol ser grande quando estávamos comungando levantaramse e outros estiveram e ficaram Um deles homem de cinqüenta ou cinqüenta e cinco anos continuou ali com aqueles que ficaram Esse estando nós assim ajuntava estes que ali ficaram e ainda chamava outros E andando assim entre eles falando lhes acenou com o dedo para o altar e depois apontou o dedo para o Céu como se lhes dissesse alguma coisa de bem e nós assim o tomamos Acabada a missa tirou o padre a vestimenta de cima e ficou em alva e assim se subiu junto com altar em uma cadeira Ali nos pregou do Evangelho e dos Apóstolos cujo dia hoje é tratando ao fim da pregação deste vosso prosseguimento tão santo e virtuoso o que nos aumentou a devoção Esses que à pregação sempre estiveram quedaramse como nós olhando para ele E aquele que digo chamava alguns que viessem para ali Alguns vinham e outros iamse E acabada a pregação como Nicolau Coelho trouxesse muitas cruzes de estanho com crucifixos que lhe ficaram ainda da outra vinda houveram por bem que se lançasse a cada um a sua ao pescoço Pelo que o padre frei Henrique se assentou ao pé da Cruz e ali a um por um lançava a sua atada em um fio ao pescoço fazendolha primeiro beijar e alevantar as mãos Vinham a isso muitos e lançaramnas todas que seriam obra de quarenta ou cinqüenta Isto acabado era já bem uma hora depois do meiodia viemos às naus a comer trazendo o Capitão consigo aquele mesmo que fez aos outros aquela mostrança para o altar e para o Céu e um seu irmão com ele Fezlhe muita honra e deulhe uma camisa mourisca e ao outro uma camisa destoutras E segundo que a mim e a todos pareceu esta gente não lhes falece outra coisa para ser toda cristã senão entendernos porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer como nós mesmos por onde nos pareceu a todos que nenhuma idolatria nem adoração têm E bem creio que se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande que todos serão tornados ao desejo de Vossa Alteza E por isso se alguém vier não deixe logo de vir clérigo para os batizar porque já então terão mais conhecimento de nossa fé pelos dois degredados que aqui entre eles ficam os quais ambos hoje também comungaram Entre todos estes que hoje vieram não veio mais que uma mulher moça a qual esteve sempre à missa e a quem deram um pano com que se cobrisse Puseramlho a redor de si Porém ao assentar não fazia grande memória de o estender bem para se cobrir Assim Senhor a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria maior quanto a vergonha Ora veja Vossa Alteza se quem em tal inocência vive se converterá ou não ensinandolhes o que pertence à sua salvação Acabado isto fomos assim perante eles beijar a Cruz despedimonos e viemos comer Creio Senhor que com estes dois degredados ficam mais dois grumetes que esta noite se saíram desta nau no esquife fugidos para terra Não vieram mais E cremos que ficarão aqui porque de manhã prazendo a Deus fazemos daqui nossa partida Esta terra Senhor me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até à outra ponta que contra o norte vem de que nós deste porto houvemos vista será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa Tem ao longo do mar nalgumas partes grandes barreiras delas vermelhas delas brancas e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos De ponta a ponta é toda praia parma muito chã e muito formosa Pelo sertão nos pareceu vista do mar muito grande porque a estender olhos não podíamos ver senão terra com arvoredos que nos parecia muito longa Nela até agora não pudemos saber que haja ouro nem prata nem coisa alguma de metal ou ferro nem lho vimos Porém a terra em si é de muito bons ares assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá Águas são muitas infindas E em tal maneira é graciosa que querendoa aproveitar darseá nela tudo por bem das águas que tem Porém o melhor fruto que nela se pode fazer me parece que será salvar esta gente E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar E que aí não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calecute bastaria Quando mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja a saber acrescentamento da nossa santa fé E nesta maneira Senhor dou aqui a Vossa Alteza do que nesta vossa terra vi E se algum pouco me alonguei Ela me perdoe que o desejo que tinha de Vos tudo dizer mo fez assim pôr pelo miúdo AV1 Atividade Contextualizada A identidade nacional é representada pelas características de um povo conforme o próprio nome sugere consiste em um conjunto de fatores culturais e sociais que permitem identificar uma nação sendo estas construções dos próprios habitantes entretanto estão sujeitas a interpretação externa Apesar de atualmente o Brasil ser um país miscigenado em decorrência da mistura de diferentes povos tendo como consequência uma diversidade cultural o povo indígena é nativo desse país de dimensões continentais De acordo com Fiorin 2009 A identidade nacional é construída dialogicamente a partir de uma autodescrição da cultura p 115 Nessa perspectiva podese dizer que o primeiro retrato da identidade nacional brasileira se dá na carta de Pero Vaz de Caminha que relata dentre outras coisas as características do povo que habitava a terra recentemente descoberta pelos portugueses Pero Vaz de Caminha descreve os índios como um povo bestial e ingênuo enfatizando o fato de que não cobriam as vergonhas as índias por sua vez são descritas como mulheres belas e gentis cuja beleza não se compara à das portuguesas e em decorrência da inocência desse povo são vistas como objeto sexual pelos viajantes Essa descrição influenciou na forma como os brancos trataram os índios explorandoos e abusando do povo indígena Ademais é importante ressaltar o senso de superioridade dos portugueses sobre a cultura indígena quando Caminha afirma a existência da necessidade de salvar a alma dos índios Ruffato 2001 por sua vez descreve o índio como um bobo que tem a língua enrolada e não entende muito bem a vida em sociedade por isso vive perdido sem a imposição da relação de trabalho com o homem branco onde de certo modo acaba explorando o indígena tratandoo como inferior Percebese que algumas características trazidas pelos autores são convergentes em ambos os casos o índio é trazido como um bobo que pode ser facilmente explorado que precisa da salvação retratada pela figura do homem branco No contexto atual percebese que a identidade nacional foi moldada com base nessas descrições encontradas na literatura Muitas considerações trazidas por Caminha seguem fazendo parte da identidade nacional por exemplo as brasileiras seguem sendo sexualizadas no imaginário de pessoas com outras nacionalidades BALLERINI 2018 podendo ser vistas como mulheres à disposição daqueles que chegam até aqui Além disso o povo brasileiro é reconhecido no exterior como pessoas alegres e receptivas que gostam de futebol e Carnaval afinal essa é a forma como a mídia retrata a realidade do país Por fim é notório que da carta à tecnologia a identidade nacional brasileira se molda com base na cultura e características dos habitantes e da forma como está é retratada para a sociedade Referências BRASIL Ministério da Cultura A carta de Pero Vaz de Caminha Brasilia MEC sd BALLERINI Damiana A imagem das mulheres brasileiras no exterior corpos meios de comunicação e discursos In Anais do VII Seminário Corpo Genero e Sexualidade da Universidade Federal do Rio Grande FURG 2018 Disponível em https7seminariofurgbrimagesarquivo336pdf Acesso em 20 de out de 2022 FIORIN José Luiz A construção da identidade nacional brasileira Bakhtiniana v1 n 1 2009 RUFFATO L Eles eram muitos cavalos Rio de Janeiro Record 2012