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eISSN 25260235 DOI 1021902 Organização Comitê Científico Double Blind Review pelo SEEROJS Recebido em 29062015 Aprovado em17082015 Revista Brasileira de Direito Empresarial Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 109 TÍTULOS DE CRÉDITO UMA RELAÇÃO ENTRE A SEGURANÇA JURÍDICA E A JUSTIÇA NAS TEORIAS DA CRIAÇÃO E EMISSÃO CREDIT TITLES A RELATIONSHIP BETWEEN LEGAL CERTAINTY AND JUSTICE IN THE THEORIES OF CREATION AND ISSUANCE 1Wallace Fabrício Paiva Souza 2Jean Carlos Fernandes RESUMO Os títulos de crédito desempenham um papel fundamental no mercado por permitirem que o crédito circule de forma rápida e segura podendose dizer que foram a maior contribuição do Direito Empresarial para a formação da economia moderna Contudo justamente pelo fato de permitirem essa circulação do crédito de forma rápida e segura podem surgir alguns questionamentos Quando se analisam as teorias da criação e da emissão no âmbito dos títulos de crédito verificase que no direito brasileiro pode ocorrer de uma pessoa que teve um título de crédito furtado ser obrigado a pagálo por exemplo E nesse contexto pode surgir um conflito entre a segurança jurídica e a certeza de um lado e a equidade e a justiça de outro As primeiras respondem à necessidade dos cidadãos de terem organicidade e unidade do sistema de forma que o direito reduza a realidade social em esquemas simples e formais As segundas por sua vez respondem à necessidade de buscar o máximo de adequação possível entre o direito e a realidade de modo que o direito não seja imutável e insensível No entanto nem sempre é possível conciliálos de forma plena sendo necessário um equilíbrio entre eles na situação de fato Dessa forma importante analisar essa relação no âmbito das teorias da criação e da emissão notadamente quando um título circula sem a vontade do subscritor e ele tem que cumprir com a obrigação Relevante essa análise por serem tanto a segurança jurídica e certeza como a justiça e equidade exigências do direito Caso não haja um equilíbrio correse o risco de prejudicar o mercado e consequentemente toda a economia de um país ou que haja decisões que gerem uma sensação de injustiça sendo prejudicial à credibilidade do Poder Judiciário Ao final do trabalho então esperase justificar a necessidade desse equilíbrio principalmente pela importância dos títulos de crédito e os reflexos que geram na sociedade Como método de pesquisa foi utilizado o exploratório de modo que o objeto foi estudado por meio de coleta e estudo de doutrina artigos científicos e dissertações que retratam o tema em questão Palavraschave Títulos de crédito Segurança jurídica Justiça Teoria da criação Teoria da emissão ABSTRACT Securities play a key role in the market once they allow the credit circulate quickly and safely It could be said that securitues have been the greatest contribution of business law for the formation of the modern economy However precisely because they permit a quick ad safe credit circulation there may be some questions about the subject When we analyze the theories about creation and issuance of the securities it appears that under Brazilian law it is possible 1 Mestrado em andamento em Direito na Faculdades Milton Campos FMC Minas Gerais MG Brasil Email wallacefabricio1hotmailcom 2 PósDoutor pela Universidade de Coimbra UC Coimbra Portugal Professor da Faculdade de Direito Milton Campos FDMC Minas Gerais MGBrasil Email jeancarlosjeancarlosfernandescombr Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 110 that a person who had a debt claim stolen be required to pay for it for example And in this context a conflict may arise between legal certainty and certainty itself on one hand and equity and justice on the other The first ones answer the need of citizens to have organic structure and system drive so that the right to reduce the social reality in simple and formal schemes The latter ones in turn respond to the need to seek the maximum possible match between the law and reality so that the law is not immutable and insensitive However it is not always possible to reconcile them fully requiring a balance between them in fact situation Thus important to examine this relationship in the context of theories of creation and issue especially when a title circulates without the will of the applicant and he has to fulfill the obligation Relevant to this analysis because they are both legal certainty and certainty as justice and equity requirements of law If there is no balance we run the risk of harming the market and therefore the entire economy of a country or that there are decisions that generate a sense of injustice being harmful to the credibility of the judiciary At the end of the work then it is expected to justify the need for this balance particularly the importance of debt securities and the consequences that generate in society As a research method the exploration was used so that the object has been studied by collecting and doctrine study scientific articles and dissertations that portray the theme Keywords Credit titles Legal certainty Justice Theorie of creation Theorie of issuance 1 INTRODUÇÃO Os títulos de crédito são um tema de grande relevância não só para o Direito mas para toda a sociedade notadamente pelo papel que desempenham no mercado Inclusive fala se nos títulos de crédito como a maior contribuição do Direito Empresarial para a formação da economia moderna O crédito em si é essencial para que uma economia de um país consiga se desenvolver e os títulos de crédito permitem que ele circule de forma rápida simples e segura Verificase assim que uma das principais características desses títulos para que se tenha essa importância é a segurança jurídica e a certeza que deles emana Contudo há momentos nos quais a certeza de que os títulos de crédito são dotados visando à segurança jurídica pode gerar num caso concreto uma sensação de injustiça como nos casos em que um título é furtado e um terceiro de boafé tem o direito de cobrálo observada a aplicação das teorias da criação e emissão Fazse necessário assim o estudo dessas questões de modo que o presente trabalho almeja analisar a relação entre a segurança jurídica e a justiça no âmbito dos títulos de crédito notadamente na aplicação das referidas teorias Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 111 Para a condução deste trabalho então foi utilizado o método exploratório de modo que o objeto foi estudado por meio de coleta e estudo de doutrina artigos científicos e dissertações que retratam o tema em questão Dessa forma dividiuse a pesquisa em 4 quatro partes Partiuse da análise da importância dos títulos de crédito contextualizando o tema na atualidade Foi demonstrado como os títulos de crédito surgiram e o seu papel no mercado traçando breves anotações sobre sua evolução e suas principais características Após passouse a análise da segurança jurídica no âmbito dos títulos de crédito e o papel da formalidade nas relações do mercado Fezse assim uma análise do instituto da segurança jurídica e suas principais características demonstrando também como a formalidade é importante não só para os títulos de crédito mas nas relações de mercado no geral Dando continuidade fezse um estudo de justiça e equidade para que pudesse ser estabelecida a relação com a segurança jurídica e a ideia de certeza Foram abordados também os principais aspectos da boafé importantes para o estabelecimento da referida relação Por fim foi estabelecida a relação entre a segurança jurídica e a justiça partindo da análise das teorias da criação e da emissão no âmbito dos títulos de crédito Esperase que ao final sejam atingidos os objetivos propostos 2 A IMPORTÂNCIA DOS TÍTULOS DE CRÉDITO E BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE O TEMA NA ATUALIDADE Os títulos de crédito que surgiram na Idade Média eram documentos utilizados para a realização de contratos de câmbio e troca de moedas entre as cidadesestado E nessa fase inicial apenas eram emitidas para facilitar a troca de moedas tratandose da letra de câmbio e da nota promissória PATROCÍNIO 2009 p 227 Em certo momento da história faziase necessário operações mercantis com mais dinamismo e o crédito que significa crença ou confiança possibilitava que o efetivo pagamento fosse em momento posterior mas já antecipando o recebimento da mercadoria ou serviço almejado Contudo esse direito ao crédito precisava ser exteriorizado o que ocorreu inicialmente na forma cartular surgindo o título de crédito FERNANDES 2015 p 193 Importante destacar que embora nem todo documento seja um título de crédito todo título de crédito é antes de tudo um documento no qual se consigna a prestação futura prometida pelo devedor BORGES 1976 p 8 Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 112 Nas palavras de Tullio Ascarelli se nos perguntassem qual a contribuição do direito comercial na formação da economia moderna outra não poderia talvez apontar que mais tipicamente tenha influído nessa economia do que o instituto títulos de crédito ASCARELLI 2013 p 33 Afinal o crédito que tem como pressupostos os conceitos de confiança e tempo está diretamente relacionado ao desenvolvimento econômico de uma sociedade Como explicado por Jairo Saddi um dado país não consegue se desenvolver sem um amplo e estável mercado de crédito SADDI 2007 p 17 Diz ainda que desenvolvimento econômico sustentável de longo prazo que permita o combate à pobreza depende de um mercado de crédito crescente que inclua a todos SADDI 2007 p 17 João Eunápio Borges diz que os títulos de crédito tiveram um papel mais importante que todas as minas do mundo para o enriquecimento das nações Por meio deles o direito consegue vencer tempo e espaço transportando com facilidade bens distantes e materializando no presente atualizandoas as possíveis riquezas futuras BORGES 1976 p 9 E um dos elementos principais para o âmbito deste trabalho é ter em mente que essa importância dos títulos de crédito se deu em face da forma segura com que permitem o crédito circular Manuel Broseta Pont 2007 p 401 inclusive ressalta que os títulos de créditopermitem a transmissibilidade dos direitos de conteúdo patrimonial de forma rápida simples e segura A primeira definição de títulos de crédito verificada na doutrina foi feita por um jurista germânico chamado Brunner que assim os definiu documentos de um direito privado que não pode ser exercido senão pela apresentação do título LUCCA 1979 p 11 Todavia tratandose de um conceito amplo que nas palavras de Tullio Ascarelli envolve todos os documentos cuja apresentação é necessária para o exercício do direito a que referem ASCARELLI 2013 p 57 Cesare Vivante criou a definição mais conhecida no sentido de que título de crédito é um documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado REQUIÃO 2008 p 371 Sendo assim verificamse como características ou princípios dos títulos de crédito a literalidade autonomia e cartularidade as quais Rubens Requião define da seguinte forma a Literalidade O título é literal porque sua existência se regula pelo teor de seu conteúdo O título de crédito se enuncia em um escrito e somente o que Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 113 está nele inserido se leva em consideração uma obrigação que dele não conste embora sendo expressa em documento separado nele não se integra b Autonomia Dizse que o título de crédito é autônomo não em relação à sua causa como às vezes se tem explicado mas segundo Vivante porque o possuidor de boafé exercita um direito próprio que não pode ser restringido ou destruído em virtude das relações existentes entre os anteriores possuidores e o devedor Cada obrigação que deriva do título é autônoma em relação às demais c Cartularidade documento necessário O título de crédito se assenta se materializa numa cártula ou seja num papel ou documento Para o exercício do direito resultante do crédito concedido tornase essencial a exibição do documento O documento é necessário para o exercício do direito de crédito Sem a sua exibição material não pode o credor exigir ou exercitar qualquer direito fundado no título de crédito Vivante com esse conceito substitui o vulgar que combate pelo qual se afirma que o direito está incorporado ao título REQUIÃO 2008 p 371372 Além dessas características alguns títulos ainda intensificam uma qualidade particular que é a independência Esses títulos não se integram não surgem nem resultam de nenhum outro documento Não ligam ao ato originário de onde provieram REQUIÃO 2008 p 372 É uma característica especial porque há títulos vinculados aos atos que lhes deram origem Importante destacar também a característica da abstração que ocorre quando o título pode circular sem ligação com a causa que lhe deu origem Essa característica também não é essencial REQUIÃO 2008 p 372 Contudo hoje se fala numa nova teoria para os títulos de crédito uma vez que não faz mais sentido falar em cartularidade como requisito essencial considerando os inúmeros títulos de crédito escriturais imaterializados Estabelecemse então algumas reflexões Será que o conceito criado por Vivante atende a atual realidade dos títulos de crédito1 Além disso perguntase quanto aos princípios da teoria clássica quais sejam cartularidade literalidade e autonomia Eles subsistiriam à atual realidade dos títulos de crédito Como resposta temse a necessidade de readequação dos princípios cambiários com o objetivo de aplicálos aos títulos de crédito materializados numa cártula ou não FERNANDES 2015 p 213 Afinal os chamados títulos de crédito escriturais que apenas existem no meio digital são atualmente a grande massa dos créditos COELHO 2010 Como se observa em consulta ao site da CETIP SA que é a integradora do mercado financeiro o estoque de títulos de crédito escriturais registrados em 04032015 era de R79361948864414 setecentos e noventa e três bilhões seiscentos e dezenove milhões Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 114 quatrocentos e oitenta e oito mil seiscentos e quarenta e quatro reais e quatorze centavos CETIP 2015 É mais adequado assim falar no princípio da documentabilidade que abarcará tanto os títulos cartulares como os não cartulares FERNANDES 2015 p 214 Estabelecidos esses pressupostos passase a análise da segurança jurídica e o papel da formalidade no âmbito dos títulos de crédito 3 A SEGURANÇA JURÍDICA NO ÂMBITO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO E O PAPEL DA FORMALIDADE A necessidade de certeza no direito e segurança na sua realização faz com que sejam criados institutos que satisfaçam essas exigências ASCARELLI 2013 p 35 Nesse contexto estão os títulos de crédito cuja principal finalidade é estabelecer a circulação do crédito com facilidade e segurança servindo como meio de prova entre as partes envolvidas Importante então analisar os conceitos de segurança jurídica e certeza que os títulos de crédito trazem e o papel da formalidade A compreensão da segurança jurídica está intimamente ligada a de certeza que é 1 qualidade do que é certo 2 persuasão íntima convicção evidência evidentemente sem dúvida CEGALLA 2005 p 185 E como princípio ela deve ser uma das balizas para tudo que esteja relacionado ao direito seja relações entre o Estado e o cidadão seja entre os próprios cidadãos falandose até no direito à segurança jurídica MOREIRA 2010 p 12 Tércio Sampaio Ferraz Júnior 2007 p 140141 até estabelece uma diferença entre os valores da certeza e segurança jurídica de modo que esta seja referente aos destinatários das normas enquanto àquela referente a uma coerente apreensão das situações de fato evitandose ambiguidades e vaguidade de sentido Contudo para o âmbito deste trabalho é importante ter em mente que ambas estão diretamente relacionadas a decidibilidade dos conflitos atuando conjuntamente 1Para responder a pergunta propõese um novo conceito para os títulos de crédito adotando a teoria contemporânea e não mais clássica Título de crédito é o documento cartular ou eletrônico indispensável para o exercício e a transferência do direito cambial literal e autônomo nele mencionado ou registrado em sistema de custódia transferência e liquidação legalmente autorizado bem como para a captação de recursos nos mercados financeiro ou de capitais dotado de executividade por si ou por certidão de seu inteiro teor emitida pela instituição registradora FERNANDES 2015 p 212213 Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 115 Historicamente temse como exemplo mais antigo dos primeiros traços da segurança jurídica no Digesto no qual Ulpiano estabeleceu que seriam válidos todos os atos de um escravo que ocultando essa sua característica exerceu as atividades de pretor Em prol da segurança jurídica como se tratava de um pretor nomeado embora escravo os seus atos não deveriam ser nulos SILVA 2005 Nas Constituições Brasileiras verificase a segurança jurídica desde a de 1824 no art 179 incisos III e XXVIII2 nos quais ainda com resquício de absolutismo ao se tratar de uma Constituição outorgada contemplouse a sua irretroatividade e proteção ao direito adquirido Na Constituição atual o princípio da segurança jurídica embora não esteja expressamente previsto é considerado um princípio constitucional com amparo no inciso XXXVI do art 5º com a seguinte redação a lei não prejudicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada BRASIL 1988 Art 5º XXXVI Sendo assim é dotado inclusive de caráter de cláusula pétrea em função da disposição do art 60 4º IV Art 60 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir IV os direitos e garantias individuais BRASIL 1988 Art 60 4º IV Na legislação infraconstitucional a primeira lei a trazer expressamente o princípio da segurança jurídica foi a de n 978499 que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal constando no art 2º A Administração Pública obedecerá dentre outros aos princípios da legalidade finalidade motivação razoabilidade proporcionalidade moralidade ampla defesa contraditório segurança jurídica interesse público e eficiência BRASIL 1999 Art 2º Adentrando no conteúdo que a segurança jurídica expressa falase em duas dimensões objetiva e subjetiva sendo que a primeira referese a valores externos que protegem o cidadão enquanto a segunda protege o próprio cidadão Segundo José Davi Cavalcante Moreira na dimensão objetiva a proteção é oposta pelo cidadão ao Estado sendo o cidadão protegido contra as mudanças na política estatal hábeis a prejudicar ou fragilizar seu direito à estabilidade à previsibilidade que lhe permite planejar seus passos sem que sofra mudanças bruscas sendo em temos simples uma parcela do direito à segurança nesse caso segurança político 2Art 179 A inviolabilidade dos Direitos Civis e Politicos dos Cidadãos Brazileiros que tem por base a liberdade a segurança individual e a propriedade é garantida pela Constituição do Imperio pela maneira seguinte III A sua disposição não terá effeito retroactivo XXVIII Ficam garantidas as recompensas conferidas pelos serviços feitos ao Estado quer Civis quer Militares assim como o direito adquirido a ellas na fórma das Leis Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 116 institucional Na dimensão subjetiva a proteção é oposta pelo cidadão aos seus pares sendo a proteção da confiança depositada nos negócios jurídicos e direitos em geral de que não serão por exemplo os contratos ou qualquer outra relação alterados de modo a afetar o patrimônio jurídico já consolidado Aqui o princípio da segurança jurídica suporta os particulares assegurando aos atos praticados sob certa regulamentação não serão afetados por outra que advenha seria possível falar num direito à estabilidade conferido aos cidadãos MOREIRA 2010 p 1213 Cármem Lúcia Antunes Rocha assim define segurança jurídica na garantia da estabilidade e de certeza dos negócios jurídicos de sorte que as pessoas saibam de antemão que uma vez envolvidas em determinada relação jurídica esta se mantém estável mesmo se modificar a base legal sob a qual se estabeleceu ROCHA 2004 p 168 E nesse contexto da segurança jurídica e certeza quanto aos títulos de crédito quem ganha um papel fundamental é a formalidade que impõe formas para a constituição transferência e o exercício do direito incorporado ao título A princípio poderia se pensar que a formalidade seria um empecilho para a dinâmica e celeridade que as atividades comerciais exigem mas ela é de extrema importância para o desenvolvimento e o aprimoramento das relações comerciais ARAÚJO 2010 p 283 Segundo Danilo Borges dos Santos Gomes de Araújo a forma não significa necessariamente complexidade A forma também pode ser simples E são dos esquemas formais mínimos e simples predeterminados e de prévio conhecimento das partes que se vale a prática comercial assim se provendo a certeza da existência do direito e a segurança da sua ulterior realização ARAÚJO 2010 p 284 Verificase então que a formalidade tem um papel importante notadamente no Direito Empresarial embora muitas vezes se pense ser um atraso para o ordenamento jurídico Inclusive o autor Danilo Borges dos Santos Gomes de Araújo 2013 p 4 coloca que o princípio da literalidade é o corolário do formalismo jurídico uma vez que o direito que surge do título de crédito é consequência e dependente do teor do título Relacionando esses valores então com os títulos de crédito como explicado por Pontes de Miranda por serem munidos de valor documental somente podem ser atacados por provas claras terminantes e concludentes MIRANDA 2001 p 48 E direito incerto é direito ineficaz então essencial a segurança que os títulos de crédito trazem Eles são antes de tudo documentos formais Tullio Ascarelli explica Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 117 Essa certeza e a segurança são postas em ação através do processo de simplificação analítica do pressuposto de fato que Rudolf Von Ihering ilustrou em páginas decisivas É realmente um processo de simplificação analítica o documento legitimador no exercício do direito é pelo mesmo motivo que a promessa contida no título se divorcia do destinatário e que o direito incorporado no título se torna independente da relação fundamental e em alguns títulos absolutamente abstrato A par da simplificação da espécie jurídica está o formalismo jurídico que domina em matéria e em títulos de crédito impondo formas rigorosas para a constituição a transferência e o exercício do direito Os que julgam ser o formalismo jurídico um fenômeno que só ocorreu no direito primitivo não anotaram talvez o renascimento de formalismo que se pode observar no direito moderno e especialmente no direito comercial ASCARELLI 2013 p 36 Mesmo sem considerar os títulos de crédito encontramse as formas mais rigorosas justamente nas relações de comércio quando os contratos decorrentes dessa relação passam a entrar em esquemas predeterminados E muitas vezes isso é mais em decorrência da própria vontade das partes que da lei Verificase então como a certeza e segurança são fundamentais para o mercado Sendo assim indubitáveis os momentos nos quais se deve reiterar o caráter de certeza do direito todavia há momentos também nos quais se pretende atenuar essa certeza para resolver equitativamente um problema concreto mas até que ponto isso pode ser feito sem prejudicar o funcionamento do mercado Passase então no próximo capítulo à análise da justiça e equidade 4 JUSTIÇA E EQUIDADE A ideia de justiça é trazida por inúmeros autores e muitas vezes com sentidos diversos variando inclusive ao longo da história Para Aristóteles justiça é sinônimo de virtude sendo aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo que as faz agir justamente e a desejar o que é justo ARISTÓTELES 2001 p 103 Seguindo a classificação de Carolina Machado Cyrillo da Silva 2005 p 40 essa seria a justiça universal Do outro lado estaria a justiça em sentido estrito que é o elemento que ordena as relações humanas na polis subdividindose na geral ou legal e particular A geral ou legal é a conformidade da conduta de um indivíduo à lei porém importante ressaltar que a lei para Aristóteles envolve o que está escrito e o que não está sejam naturais ou positivas portanto a justiça assim entendida engloba toda a moral também A particular por Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 118 sua vez tem por objetivo realizar a igualdade entre os sujeitos de uma determinada relação podendo ser distributiva ou corretiva A justiça distributiva é referente ao legislador e tem por objetivo a distribuição com igualdade dos bens da polis sendo o justo uma espécie de termo proporcional pois como as pessoas são diferentes também devem receber de forma diferente Já a justiça corretiva refere se ao juiz que deve tentar restaurar a ordem que foi destruída por algo restabelecendo a igualdade Essa ainda dividese em duas comutativa que regula as transações voluntárias trazendo proporcionalidade entre prestação e contraprestação e reparativa quando há dano podendo ser estabelecida uma punição Há ainda para Aristóteles uma outra acepção de justiça denominada como equidade Na análise feita por Chaim Perelman 2000 p 156 o equitativo seria justo mas não o legalmente justo sendo uma correção da justiça legal Nas palavras de Aristóteles quando a lei estabelece uma regra geral e surge um caso que não é abarcado por essa regra então é correto visto que o legislador falhou e errou por excesso de simplicidade corrigir a omissão dizendo o que o próprio legislador teria dito se estivesse presente e o que teria incluído na lei se tivesse previsto o caso em pauta ARITÓTELES 2001 p 125 Embora a lei seja universal é impossível que ela regule todos os casos particulares que possam acontecer como demonstrou o período de queda do positivismo jurídico e pela equidade o juiz consegue corrigir essa imperfeição da lei Carolina Machado Cyrillo da Silva expõe sobre a equidade por sua vez a eqüidade é a concreção do meiotermo entre o excesso e a falta É aplicação prudente da lei Ora nem sempre é possível para o legislador contemplar todas as situações da vida sendo essencial a perquirição do fim último das ações humanas no caso do direito ser instrumento de realização da justiça Por isso a eqüidade é peça fundamental no sistema da argumentação pois confere à justiça um estatuto não meramente formal na medida em que a própria regra aplicada ao caso particular deverá ser justa SILVA 2005 p 42 Sendo assim a equidade corrige a obscuridade ou incompletude de modo que o juiz tome uma decisão coerente e aceitável isto é dentre dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico incluindo os valores da sociedade Chegase então ao conceito de Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 119 rlando Gomes no sentido de que a equidade tem a função de temperar a rigidez da norma escrita razão pela qual é critério de aplicação da lei GOMES 1996 p 51 Para satisfazer a equidade os ordenamentos jurídicos num todo estabelecem mecanismos que dão discricionariedade ao juiz e reenviam a determinação do conteúdo da norma para valores sociais bons usos e costumes boafé dentre outros ARAÚJO 2010 p 270 Especificamente sobre a boafé há duas acepções uma subjetiva e outra objetiva A primeira que não é um princípio representa o estado psicológico do indivíduo no qual há a crença de ser titular de um direito que só existe aparentemente A segunda por sua vez que é um princípio do ordenamento jurídico brasileiro representa uma crença no comportamento alheio sendo uma regra de comportamento caracterizado por padrões de lisura e honestidade de modo que não fruste a confiança de outra parte ROSENVALD FARIAS 2011 p 159 A boafé então traduzse em confiança e em decorrência dela e da nova principiologia do direito principalmente após a Constituição de 1988 com forte viés social não há mais uma perspectiva absoluta no sentido de que a obrigação se esgota no dever de prestar e no correlato direito de exigir ou pretender a prestação Falase hoje numa relação complexa acrescida de ônus e expectativas Há os chamados deveres de conduta pelos quais as partes da relação jurídica compartilharão de lealdade e confiança ROSENVALD FARIAS 2011 p 167 E o princípio da boafé vai além ganhando funções interpretativa integrativa e de controle A interpretativa serve para aclarar o que for estipulado numa relação jurídica a integrativa para garantir os deveres de comportamento das partes ainda que não estejam expressos e por fim a de controle para que não haja abuso por algum dos sujeitos na relação NORONHA 1994 p 151 Nesse mesmo sentido da boafé o ordenamento jurídico proibiu o abuso de direito que ocorre quando o agente não viola nenhuma estrutura normativa mas ofende sua valoração Como explica Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias conduzse de forma contrária aos fundamentos materiais da norma por negligenciar o elemento ético que preside a sua adequação ao ordenamento ROSENVALD FARIAS 2011 p 181 Ou seja não se viola a regra mas se viola o princípio que são normas também considerando o período póspositivista que a sociedade se encontra Passase então a análise da relação da justiça e da segurança jurídica no âmbito dos títulos de crédito observadas as teorias da criação e da emissão que permitem essa discussão Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 120 5 TÍTULOS DE CRÉDITO E A RELAÇÃO ENTRE A SEGURANÇA JURÍDICA E A JUSTIÇA ANÁLISE A PARTIR DAS TEORIAS DA CRIAÇÃO E DA EMISSÃO Ao ser elaborada uma norma legal surge uma exigência de certeza e segurança jurídica características essenciais no direito Contudo há um aparente conflito com as exigências da equidade e justiça do caso concreto Como explica Tullio Ascarelli esse contraste de equidade e de certeza se encontra também a cada passo na interpretação da norma e nas sempre renovadas discussões metodológicas e exprime aliás o contraste entre a justiça do caso singular e a generalidade da norma entre a discricionariedade do juiz e o poder do legislador ASCARELLI 2013 p 35 No ordenamento jurídico brasileiro no que tange aos títulos de crédito evidente esse conflito quando se discutem as teorias da criação e da emissão no direito brasileiro A constituição da obrigação cambiária tem assento numa declaração unilateral de vontade de modo que o subscritor subscrevendo cria o título porque perfaz o negócio jurídico unilateral plano da existência Se o título existe e vale ou se não vale é outro problema plano da validade Desde o momento em que após a assinatura ou simultaneamente à assinatura pelo subscritor sacador ou subscritor ou pelo sacado ou pelo endossante ou pelo avalista ou pelo interveniente o título está na posse do alter de boafé começa a sua eficácia nasce a dívida MIRANDA 2001 p 151 Sendo assim a obrigação cambiária constituise mediante simples assinatura lançada nos títulos de crédito tornando os coobrigados solidariamente responsáveis pelo pagamento do título como observado no art 47 da Lei Uniforme de Genebra anexo I do Decreto n 57663663 Newton de Lucca 1979 p 7480 quanto à natureza da obrigação cartular traz inúmeras teorias dividindoas em lado ativo e lado passivo No lado ativo referente ao detentor do direito enumeramse apenas a título de exemplo teoria dos créditos sucessivos Goldschmidt era um dos expoentes teoria contratualística da delegação Thaller teoria contratualística da novação Unger por exemplo teoria da sucessão particular do crédito Renauld e Kuntze por exemplo teoria da cessão do crédito Brinz teoria da personificação do título de crédito Schweppe e Bekker teoria do crédito alternativo Rocco teoria da emissão abstrata Arcangeli teoria da pendência teoria da promessa à generalidade Reinlander e Muller por exemplo e por fim a teoria da propriedade adotada por Tullio Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 121 Ascarelli dentre demais pensadores Segundo a teoria da propriedade a titularidade do direito decorre não de uma transferência do direito cartular e sim autônoma e originariamente dos sucessivos proprietários do título pelo próprio fato de sua propriedade LUCCA 1979 p 80 No lado passivo o citado autor divide as teorias em três ramos negociais baseadas na manifestação de vontade legais que partem do pressuposto que a vontade não importa para o título de crédito entrar em circulação e mistas aplicando a negocial para emitente e tomador e legal para terceiros de boafé Nesse contexto entram as teorias da criação e da emissão LUCCA 1979 p 8488 É certo que embora houvesse outras teorias quanto à constituição do direito como as que alicerçavam a obrigação em um contrato elas foram aos poucos perdendo espaço e hoje permanece a relativa a unilateralidade do ato Contudo não se pode dizer o mesmo quanto a discussão que permanece entre as teorias da criação e emissão LUCCA 1979 p 84 as quais se passa a analisar Observada a teoria da criação formalizado o título este passa a ter um valor próprio e tornase fonte de um direito de crédito que é atribuído a um futuro detentor qualquer que seja COSTA 2007 p 143 Sendo assim se houver eventual desapossamento do título por qualquer motivo alheio à vontade do criador como furto ou perda a obrigação do criador permanece sendo essa uma consequência grave FERNANDES 2015 p 235 Essa teoria que tem como defensores Siegel e Kuntze dentre outros estabelece que o direito deriva da criação do próprio título e por meio dele o subscritor dispõe de seus bens Nas palavras de Rubens Requião o título é como o testamento tem valor próprio dispensa e lhe repugna o acordo de vontades O emissor fica ligado a sua assinatura e obrigado para o futuro portador credor eventual e indeterminado Só com o aparecimento desse futuro detentor é que nasce a obrigação Otávio Mendes criticou essa teoria que confunde criação do título com nascimento da obrigação Assim para Kuntze com a entrada em circulação do título nasce a obrigação com a concepção do escrito nasce apenas o título REQUIÃO 2008 p 375 3Artigo 47 Os sacadores aceitantes endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador O portador tem o direito de acionar todas estas pessoas individualmente sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 122 O título então cria a dívida e a única condição para que ele tenha eficácia é a posse pelo primeiro portador observada a vontade do criador ou não REQUIÃO 2008 p 375 Nos títulos de crédito escriturais a criação diverge um pouco uma vez que apenas são criados com a inserção no sistema de registro e de liquidação financeira de ativos autorizados pelo Banco Central do Brasil Nos títulos escriturais nominativos garantese a transferência voluntária ao portador legitimado FERNANDES 2015 p 235 Na teoria da emissão por sua vez que tem como adeptos Stobbe Windscheid e Arcangeli dentre outros não basta a criação do título para ser gerada a obrigação do subscritor O vínculo apenas se forma se houver a saída voluntária do título das mãos do subscritor o que se denomina emissão do título O subscritor não ficaria obrigado se comprovasse que perdeu a posse do título contra sua vontade Se houver um furto do título por exemplo não haveria ainda obrigação COSTA 2007 p 142 Resta saber qual o posicionamento do direito brasileiro Newton de Lucca já criticava o Código Civil de 1916 que foi contraditório Ele até disse que se tem mesmo a impressão de que os problemas em matéria de títulos de crédito são resolvidos por intuição LUCCA 1979 p 91 O Código de 1916 trouxe no seu art 1506 A obrigação do emissor subsiste ainda que o título tenha entrado em circulação contra a sua vontade BRASIL 1916 Art 1506 adotando expressamente a teoria da criação contudo no caput de seu artigo 521 trouxe a seguinte disposição Aquele que tiver perdido coisa móvel ou título ao portador ou a quem houverem sido furtados pode reavêlos da pessoa que os detiver salvo a esta o direito regressivo contra quem os transferiu BRASIL 1916 Art 521 o que é característica da teoria da emissão Com a oportunidade de resolver essa questão no Código Civil de 2002 foram mantidas as disposições nesse mesmo sentido como se verifica da leitura dos artigos 905 parágrafo único e 909 caput Art 905 O possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele indicada mediante a sua simples apresentação ao devedor Parágrafo único A prestação é devida ainda que o título tenha entrado em circulação contra a vontade do emitente Art 909 O proprietário que perder ou extraviar título ou for injustamente desapossado dele poderá obter novo título em juízo bem como impedir sejam pagos a outrem capital e rendimentos Parágrafo único O pagamento feito antes de ter ciência da ação referida neste artigo exonera o devedor salvo se se provar que ele tinha conhecimento do fato BRASIL 2002 Arts 905 e 909 Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 123 Rubens Requião sintetiza essa questão dizendo que o Código de 1916 não se filiou puramente a nenhuma das duas teorias temperando os rigores da teoria da criação com nuanças da teoria da emissão Tal ecletismo foi mantido no Código Civil de 2002 REQUIÃO 2008 p 377 Todavia são as disposições da Lei Uniforme de Genebra LUG que devem prevalecer sobre as disposições do Código Civil FERNANDES 2015 p 237 por se tratar de lei especial frente à lei geral Dispõem os arts 16 e 17 da LUG Artigo 16 O detentor de uma letra é considerado portador legítimo se justifica o seu direito por uma série ininterrupta de endossos mesmo se o último for em branco Os endossos riscados consideramse para este efeito como não escritos Quando um endosso em branco é seguido de um outro endosso presumese que o signatário deste adquiriu a letra pelo endosso em branco Se uma pessoa foi por qualquer maneira desapossada de uma letra o portador dela desde que justifique o seu direito pela maneira indicada na alínea precedente não é obrigado a restituíla salvo se a adquiriu de máfé ou se adquirindoa cometeu uma falta grave Artigo 17 As pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor BRASIL 1966 Arts 16 e 17 Com a sua análise verificase que a LUG protege o terceiro de boafé o que deve prevalecer frente à proteção ditada pela lei civil para o que foi injustamente desapossado tornando assim forte a inclinação do direito brasileiro pela teoria da criação FERNANDES 2015 p 237 Nesse mesmo sentido o caput do art 24 da Lei n 735785 Lei do Cheque desapossado alguém de um cheque em virtude de qualquer evento novo portador legitimado não está obrigado a restituílo se não o adquiriu de máfé BRASIL 1985 Art 24 Surgem assim inúmeros questionamentos quanto à justiça nesses casos Afinal uma pessoa que teve um título de crédito furtado pode ser obrigada a pagálo Juridicamente não há dúvidas de que se o portador do título estiver de boafé conceito já explicado no capítulo anterior ele terá direito ao cumprimento da obrigação mas isso é justo Seria justo também aquele que adquiriu o título de boafé perder seu direito Sabese que a obrigação persiste por conta da preservação da segurança jurídica então se faz necessário sopesar esses valores Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 124 A verdade é que no direito sempre estarão presentes as exigências da certeza e da equidade ou segurança jurídica e justiça A segurança jurídica e a certeza respondem à necessidade dos cidadãos de terem organicidade e unidade do sistema de forma que o direito reduza a realidade social em esquemas simples e formais ainda que a adequação não seja perfeita A justiça e a equidade por sua vez respondem à necessidade de buscar o máximo de adequação possível entre o direito e a realidade de modo que o direito não seja imutável e insensível No entanto é impossível estabelecer de forma a priori uma gradação entre esses valores de sorte que eles se equilibrem de acordo com a situação de fato ARAÚJO 2010 p 270 Por isso são necessários os inúmeros mecanismos processuais visando ao máximo de equilíbrio entre esses valores O ideal é que o Poder Judiciário se qualifique permanentemente para ter sempre um melhor discernimento no caso concreto ponderando entre esses valores Além disso citase a garantia do duplo grau de jurisdição que é a possibilidade de revisão de uma causa já julgada Permitese com sua aplicação que uma causa que tenha sido julgada de forma injusta ou errada seja reformada CINTRA 2005 p 76 E como não é possível estabelecer qual valor será privilegiado no caso concreto de forma genérica o juiz deverá sopesar esses valores com a devida fundamentação Certo é que a finalidade dos títulos de crédito é justamente estabelecer a circulação do crédito com facilidade e segurança servindo de prova entre as partes envolvidas E segurança pressupõe evidência ausência de dúvida sendo a segurança jurídica um direito do cidadão o que deve ser levado em conta no momento de se decidir um conflito Na sua dimensão subjetiva inclusive é a proteção da confiança depositada nos negócios jurídicos e direitos em geral para que não se altere direito patrimonial já consolidado como ocorre na transferência de um título de crédito Caminhando conjuntamente com essa segurança e inclusive contribuindo para ela temse a formalidade que ao ser respeitada traz mais credibilidade ainda ao instituto em estudo Por outro lado têmse os ideais de justiça e equidade que por ventura podem entrar em conflito com a segurança jurídica como já afirmado De acordo com a já mencionada classificação da Carolina Machado Cyrillo da Silva a justiça geral ou legal seria a conformidade da conduta de um indivíduo à lei que para Aristóteles podem ser regras escritas ou não A equidade seria uma correção da justiça legal isto é aquilo que não está expresso na lei seria corrigido sendo o meiotermo entre o excesso e a falta Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 125 Importante ainda retomar os conceitos estudados sobre a boafé utilizada para satisfazer a equidade Na boafé subjetiva verificase o estado psicológico do indivíduo que crê ser titular de um direito enquanto na objetiva verificase uma crença no comportamento alheio no sentido de que observa padrões de lisura e honestidade E observado o contexto da Constituição de 1988 e do Código Civil de 2002 a boafé deve ser preservada Portanto quando se aplica a teoria da criação preservando o direito do terceiro de boafé que se torna titular de um direito decorrente de um título de crédito furtado está sendo privilegiada não só a segurança jurídica mas também a justiça e equidade num todo Embora o subscritor que não queria circular o título fique prejudicado o saldo para a sociedade é positivo Afinal o subscritor do título tem ou deveria ter como exigência legal consciência das consequências que podem ter um descuido com um título assinado todavia exigir que aquele que receba um título tenha conhecimento de toda sua origem atrapalharia profundamente a circulação de crédito no mercado E quando se dificulta a circulação de crédito todo o desenvolvimento de um país fica prejudicado Além disso garantiuse ao subscritor o direito de restituição contra aquele que agiu de máfé garantindo a possibilidade de justiça para ele sem prejudicar a segurança jurídica da relação Embora surja o problema da questão de provar que pode ser difícil não se pode transferir o ônus dessa verificação ao terceiro de boafé Poderseia dizer que o mais justo seria ser nulo um título de crédito que circulou contra a vontade de seu subscritor mas como saber disso se ele preenche todos os requisitos Isso seria contrariar as características dos títulos de crédito e as razões de existirem Exigese um direito certo para que não se tenha um direito ineficaz o que não traria nem segurança jurídica e nem justiça E a opção que foi feita pelo legislador é a de preservar o terceiro de boafé e a segurança jurídica que decorre dos títulos de crédito sob pena de prejudicar todo o mercado e ai sim gerar injustiça maior 6 CONCLUSÕES Sabese que um país não consegue se desenvolver se não tiver um amplo e estável mercado de crédito e os títulos de crédito tiveram o papel fundamental de conseguirem exteriorizar o crédito para que ele circule de forma rápida ágil e segura sendo de extrema relevância para o mercado Mas um título de crédito como nada no direito deve estar acima Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 126 de todos os valores de forma absoluta sendo necessária uma análise nos casos concretos visando sempre a um equilíbrio Neste trabalho foi proposta a análise da relação entre a segurança jurídica e a justiça quando se analisam os títulos de crédito e as teorias da criação e da emissão Dessa forma fizeramse alguns questionamentos como é justo alguém que teve um título de crédito furtado ser obrigado a pagálo Por outro lado considerando que o título circula é justo aquele que recebeu o título e acredita que não haja nenhum problema com ele ser prejudicado porque se tratava de um título furtado Embora se trate de uma questão entre segurança jurídica e justiça inevitavelmente devese fazer uma análise de mercado também Ora os títulos de crédito possuem como uma de suas principais características gerar a segurança jurídica mas isso também não deve criar uma sensação de injustiça na sociedade Porém não se faz possível efetivar esses dois valores de forma plena e conjunta então o legislador fez a opção de preservar os interesses do terceiro de boafé que se traduz em confiança Em prol de uma circulação de crédito ágil se os requisitos dos títulos de crédito estão preenchidos não se deve dar àquele que receberá o título o ônus de verificar se ele teve algum problema de circulação seja na origem ou em momento posterior Como característica do próprio crédito ele tem que confiar Caso contrário dificultaria essa circulação trazendo mais custo e reflexos negativos nas negociações Mas se o possuidor do título está de máfé ai sim seria injustiça mantêlo com o direito senão o ordenamento jurídico estaria privilegiando a sua máfé e o abuso em alguma situação Então entendese que o legislador conseguiu conciliar os valores da segurança jurídica e da justiça na aplicação da teoria da criação com a sua mitigação quando se trata de um terceiro de máfé Embora possa haver alguma sensação de injustiça quando alguém tem extraviado um título de crédito e é obrigado a pagar é mais justo dar a ele o ônus de se preocupar e ter um zelo com o título ao invés de passar esse ônus para aquele que receberá o título após sua circulação Logo individualmente pode haver uma injustiça num caso concreto mas no geral são preservados com equilíbrio os valores da segurança jurídica e da justiça nesse contexto do direito brasileiro REFERÊNCIAS ARAÚJO Danilo Borges dos Santos Gomes de Araújo O formalismo dos títulos de crédito como instrumento para a certeza da existência do Direito e para a segurança de sua Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 127 realização anotações a partir da bibliografia ascareliana In RODRIGUES José Rodrigo COSTA Carlos Eduardo Batalha da Silva e BARBOSA Samuel Rodrigues Coord Nas fronteiras do formalismo a função social da dogmática jurídica hoje São Paulo Saraiva 2010 p 263296 ARAÚJO Danilo Borges dos Santos Gomes de Araújo O formalismo dos títulos de crédito como segurança jurídica In GORGA Érica SICA Ligia Paula Pinto Coord Estudos avançados em direito empresarial títulos de crédito Rio de Janeiro Elsevier 2013 p 118 ARISTÓTELES Ética à Nicômaco São Paulo Martin Claret 2001 ASCARELLI Tullio Teoria Geral dos Títulos de Crédito Campinas Servanda 2013 BORGES João Eunápio Títulos de crédito Rio de Janeiro Forense 1976 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 130615 BRASIL Constituição Politica do Imperio do Brazil de 25 de março de 1824 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ConstituicaoConstituicao24htm Acesso em 18062015 BRASIL Decreto n 57663 de 24 de janeiro de 1966 Promulga as Convenções para adoção de uma lei uniforme em matéria de letras de câmbio e notas promissórias Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretoAntigosD57663htm Acesso em 26062015 BRASIL Lei nº 10406 de 10 de janeiro de 2002 Institui o Código Civil Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leis2002L10406htm Acesso em 18062015 BRASIL Lei nº 3071 de 1º de janeiro de 1916 Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL3071htm Acesso em 18062015 BRASIL Lei n 7357 de 2 de setembro de 1985 Dispõe sobre o cheque e dá outras providências Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisl7357htm Acesso em 26062015 BRASIL Lei n 9784 de 29 de janeiro de 1999 Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03LEISL9784htm Acesso em 18062015 CEGALLA Domingos Paschoal Dicionário escolar da língua portuguesa São Paulo Companhia Editora Nacional 2005 CETIP Estoque ativos títulos e derivativos Disponível em httpswwwcetipcombrboletimcetip Acesso em 04032015 CINTRA Antônio Carlos de Araújo GRINOVER Ada Pelegrini DINAMARCO Cândido Rangel Teoria Geral do Processo São Paulo Malheiros 2005 Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 128 COELHO Fábio Ulhoa Títulos de Crédito Eletrônicos Entrevista concedida ao Jornal Carta Forense em 02022010 Disponível em httpwwwcartaforensecombrconteudoentrevistastitulosdecreditoeletronicos5199 Acesso em 23072015 COSTA Wille Duarte Títulos de crédito 4ª ed Belo Horizonte Del Rey 2007 FERNANDES Jean Carlos Teoria contemporânea dos títulos de crédito imperativos principiológicos sob a ótica das teorias póspositivistas Belo Horizonte Arraes 2012 FERNANDES Jean Carlos Direito empresarial contemporâneo Rio de Janeiro Lumen Juris 2015 FERRAZ JÚNIOR Tércio Sampaio Introdução ao Estudo do Direito técnica decisão dominação 5ª ed São Paulo Atlas 2007 GOMES Orlando Introdução ao Direito Civil 12ª ed Rio de Janeiro Forense 1996 LUCCA Newton de Aspectos da teoria geral dos títulos de crédito São Paulo Livraria Pioneira 1979 MIRANDA Pontes de Tratado de direito cambiário Vol 1 2ª ed Campinas Bookseller 2001 MOREIRA José Davi Cavalcante Aspectos da segurança jurídica no Brasil Dissertação Mestrado em Direito da Universidade Federal do Ceará Fortaleza 2010 164 p NORONHA Fernando O direito dos contratos e seus princípios fundamentais São Paulo Saraiva 1994 PATROCÍNIO Daniel Moreira do Direito Empresarial teoria geral direito societário títulos de crédito recuperação de empresa falência São Paulo Juarez de Oliveira 2009 PERELMAN Chaim Ética e Direito São Paulo Martins Fontes 2000 PONT Manuel Broseta Manual de Derecho Mercantil Vol II 14ª ed Madrid Tecnos 2007 REQUIÃO Rubens Curso de direito comercial Vol 2 25ª ed São Paulo Saraiva 2008 ROCHA Cármen Lúcia Antunes O Princípio da Coisa Julgada e o Vício da Inconstitucionalidade In ROCHA Carmem Lúcia Antunes Org Constituição e Segurança Jurídica Direito Adquirido Ato Jurídico Perfeito e Coisa Julgada Estudos em Homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence Belo Horizonte Fórum 2004 ROSENVALD Nelson FARIAS Cristiano Chaves de Direito dos Contratos Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 SADDI Jairo Crédito e Judiciário no Brasil uma análise de Direito e Economia São Paulo Quartier Latin 2007 Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 129 SILVA Carolina Machado Cyrillo da Chaim Perelman da argumentação à justiça um retorno a Aristóteles Dissertação Mestrado em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2005 115 p
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eISSN 25260235 DOI 1021902 Organização Comitê Científico Double Blind Review pelo SEEROJS Recebido em 29062015 Aprovado em17082015 Revista Brasileira de Direito Empresarial Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 109 TÍTULOS DE CRÉDITO UMA RELAÇÃO ENTRE A SEGURANÇA JURÍDICA E A JUSTIÇA NAS TEORIAS DA CRIAÇÃO E EMISSÃO CREDIT TITLES A RELATIONSHIP BETWEEN LEGAL CERTAINTY AND JUSTICE IN THE THEORIES OF CREATION AND ISSUANCE 1Wallace Fabrício Paiva Souza 2Jean Carlos Fernandes RESUMO Os títulos de crédito desempenham um papel fundamental no mercado por permitirem que o crédito circule de forma rápida e segura podendose dizer que foram a maior contribuição do Direito Empresarial para a formação da economia moderna Contudo justamente pelo fato de permitirem essa circulação do crédito de forma rápida e segura podem surgir alguns questionamentos Quando se analisam as teorias da criação e da emissão no âmbito dos títulos de crédito verificase que no direito brasileiro pode ocorrer de uma pessoa que teve um título de crédito furtado ser obrigado a pagálo por exemplo E nesse contexto pode surgir um conflito entre a segurança jurídica e a certeza de um lado e a equidade e a justiça de outro As primeiras respondem à necessidade dos cidadãos de terem organicidade e unidade do sistema de forma que o direito reduza a realidade social em esquemas simples e formais As segundas por sua vez respondem à necessidade de buscar o máximo de adequação possível entre o direito e a realidade de modo que o direito não seja imutável e insensível No entanto nem sempre é possível conciliálos de forma plena sendo necessário um equilíbrio entre eles na situação de fato Dessa forma importante analisar essa relação no âmbito das teorias da criação e da emissão notadamente quando um título circula sem a vontade do subscritor e ele tem que cumprir com a obrigação Relevante essa análise por serem tanto a segurança jurídica e certeza como a justiça e equidade exigências do direito Caso não haja um equilíbrio correse o risco de prejudicar o mercado e consequentemente toda a economia de um país ou que haja decisões que gerem uma sensação de injustiça sendo prejudicial à credibilidade do Poder Judiciário Ao final do trabalho então esperase justificar a necessidade desse equilíbrio principalmente pela importância dos títulos de crédito e os reflexos que geram na sociedade Como método de pesquisa foi utilizado o exploratório de modo que o objeto foi estudado por meio de coleta e estudo de doutrina artigos científicos e dissertações que retratam o tema em questão Palavraschave Títulos de crédito Segurança jurídica Justiça Teoria da criação Teoria da emissão ABSTRACT Securities play a key role in the market once they allow the credit circulate quickly and safely It could be said that securitues have been the greatest contribution of business law for the formation of the modern economy However precisely because they permit a quick ad safe credit circulation there may be some questions about the subject When we analyze the theories about creation and issuance of the securities it appears that under Brazilian law it is possible 1 Mestrado em andamento em Direito na Faculdades Milton Campos FMC Minas Gerais MG Brasil Email wallacefabricio1hotmailcom 2 PósDoutor pela Universidade de Coimbra UC Coimbra Portugal Professor da Faculdade de Direito Milton Campos FDMC Minas Gerais MGBrasil Email jeancarlosjeancarlosfernandescombr Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 110 that a person who had a debt claim stolen be required to pay for it for example And in this context a conflict may arise between legal certainty and certainty itself on one hand and equity and justice on the other The first ones answer the need of citizens to have organic structure and system drive so that the right to reduce the social reality in simple and formal schemes The latter ones in turn respond to the need to seek the maximum possible match between the law and reality so that the law is not immutable and insensitive However it is not always possible to reconcile them fully requiring a balance between them in fact situation Thus important to examine this relationship in the context of theories of creation and issue especially when a title circulates without the will of the applicant and he has to fulfill the obligation Relevant to this analysis because they are both legal certainty and certainty as justice and equity requirements of law If there is no balance we run the risk of harming the market and therefore the entire economy of a country or that there are decisions that generate a sense of injustice being harmful to the credibility of the judiciary At the end of the work then it is expected to justify the need for this balance particularly the importance of debt securities and the consequences that generate in society As a research method the exploration was used so that the object has been studied by collecting and doctrine study scientific articles and dissertations that portray the theme Keywords Credit titles Legal certainty Justice Theorie of creation Theorie of issuance 1 INTRODUÇÃO Os títulos de crédito são um tema de grande relevância não só para o Direito mas para toda a sociedade notadamente pelo papel que desempenham no mercado Inclusive fala se nos títulos de crédito como a maior contribuição do Direito Empresarial para a formação da economia moderna O crédito em si é essencial para que uma economia de um país consiga se desenvolver e os títulos de crédito permitem que ele circule de forma rápida simples e segura Verificase assim que uma das principais características desses títulos para que se tenha essa importância é a segurança jurídica e a certeza que deles emana Contudo há momentos nos quais a certeza de que os títulos de crédito são dotados visando à segurança jurídica pode gerar num caso concreto uma sensação de injustiça como nos casos em que um título é furtado e um terceiro de boafé tem o direito de cobrálo observada a aplicação das teorias da criação e emissão Fazse necessário assim o estudo dessas questões de modo que o presente trabalho almeja analisar a relação entre a segurança jurídica e a justiça no âmbito dos títulos de crédito notadamente na aplicação das referidas teorias Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 111 Para a condução deste trabalho então foi utilizado o método exploratório de modo que o objeto foi estudado por meio de coleta e estudo de doutrina artigos científicos e dissertações que retratam o tema em questão Dessa forma dividiuse a pesquisa em 4 quatro partes Partiuse da análise da importância dos títulos de crédito contextualizando o tema na atualidade Foi demonstrado como os títulos de crédito surgiram e o seu papel no mercado traçando breves anotações sobre sua evolução e suas principais características Após passouse a análise da segurança jurídica no âmbito dos títulos de crédito e o papel da formalidade nas relações do mercado Fezse assim uma análise do instituto da segurança jurídica e suas principais características demonstrando também como a formalidade é importante não só para os títulos de crédito mas nas relações de mercado no geral Dando continuidade fezse um estudo de justiça e equidade para que pudesse ser estabelecida a relação com a segurança jurídica e a ideia de certeza Foram abordados também os principais aspectos da boafé importantes para o estabelecimento da referida relação Por fim foi estabelecida a relação entre a segurança jurídica e a justiça partindo da análise das teorias da criação e da emissão no âmbito dos títulos de crédito Esperase que ao final sejam atingidos os objetivos propostos 2 A IMPORTÂNCIA DOS TÍTULOS DE CRÉDITO E BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE O TEMA NA ATUALIDADE Os títulos de crédito que surgiram na Idade Média eram documentos utilizados para a realização de contratos de câmbio e troca de moedas entre as cidadesestado E nessa fase inicial apenas eram emitidas para facilitar a troca de moedas tratandose da letra de câmbio e da nota promissória PATROCÍNIO 2009 p 227 Em certo momento da história faziase necessário operações mercantis com mais dinamismo e o crédito que significa crença ou confiança possibilitava que o efetivo pagamento fosse em momento posterior mas já antecipando o recebimento da mercadoria ou serviço almejado Contudo esse direito ao crédito precisava ser exteriorizado o que ocorreu inicialmente na forma cartular surgindo o título de crédito FERNANDES 2015 p 193 Importante destacar que embora nem todo documento seja um título de crédito todo título de crédito é antes de tudo um documento no qual se consigna a prestação futura prometida pelo devedor BORGES 1976 p 8 Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 112 Nas palavras de Tullio Ascarelli se nos perguntassem qual a contribuição do direito comercial na formação da economia moderna outra não poderia talvez apontar que mais tipicamente tenha influído nessa economia do que o instituto títulos de crédito ASCARELLI 2013 p 33 Afinal o crédito que tem como pressupostos os conceitos de confiança e tempo está diretamente relacionado ao desenvolvimento econômico de uma sociedade Como explicado por Jairo Saddi um dado país não consegue se desenvolver sem um amplo e estável mercado de crédito SADDI 2007 p 17 Diz ainda que desenvolvimento econômico sustentável de longo prazo que permita o combate à pobreza depende de um mercado de crédito crescente que inclua a todos SADDI 2007 p 17 João Eunápio Borges diz que os títulos de crédito tiveram um papel mais importante que todas as minas do mundo para o enriquecimento das nações Por meio deles o direito consegue vencer tempo e espaço transportando com facilidade bens distantes e materializando no presente atualizandoas as possíveis riquezas futuras BORGES 1976 p 9 E um dos elementos principais para o âmbito deste trabalho é ter em mente que essa importância dos títulos de crédito se deu em face da forma segura com que permitem o crédito circular Manuel Broseta Pont 2007 p 401 inclusive ressalta que os títulos de créditopermitem a transmissibilidade dos direitos de conteúdo patrimonial de forma rápida simples e segura A primeira definição de títulos de crédito verificada na doutrina foi feita por um jurista germânico chamado Brunner que assim os definiu documentos de um direito privado que não pode ser exercido senão pela apresentação do título LUCCA 1979 p 11 Todavia tratandose de um conceito amplo que nas palavras de Tullio Ascarelli envolve todos os documentos cuja apresentação é necessária para o exercício do direito a que referem ASCARELLI 2013 p 57 Cesare Vivante criou a definição mais conhecida no sentido de que título de crédito é um documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado REQUIÃO 2008 p 371 Sendo assim verificamse como características ou princípios dos títulos de crédito a literalidade autonomia e cartularidade as quais Rubens Requião define da seguinte forma a Literalidade O título é literal porque sua existência se regula pelo teor de seu conteúdo O título de crédito se enuncia em um escrito e somente o que Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 113 está nele inserido se leva em consideração uma obrigação que dele não conste embora sendo expressa em documento separado nele não se integra b Autonomia Dizse que o título de crédito é autônomo não em relação à sua causa como às vezes se tem explicado mas segundo Vivante porque o possuidor de boafé exercita um direito próprio que não pode ser restringido ou destruído em virtude das relações existentes entre os anteriores possuidores e o devedor Cada obrigação que deriva do título é autônoma em relação às demais c Cartularidade documento necessário O título de crédito se assenta se materializa numa cártula ou seja num papel ou documento Para o exercício do direito resultante do crédito concedido tornase essencial a exibição do documento O documento é necessário para o exercício do direito de crédito Sem a sua exibição material não pode o credor exigir ou exercitar qualquer direito fundado no título de crédito Vivante com esse conceito substitui o vulgar que combate pelo qual se afirma que o direito está incorporado ao título REQUIÃO 2008 p 371372 Além dessas características alguns títulos ainda intensificam uma qualidade particular que é a independência Esses títulos não se integram não surgem nem resultam de nenhum outro documento Não ligam ao ato originário de onde provieram REQUIÃO 2008 p 372 É uma característica especial porque há títulos vinculados aos atos que lhes deram origem Importante destacar também a característica da abstração que ocorre quando o título pode circular sem ligação com a causa que lhe deu origem Essa característica também não é essencial REQUIÃO 2008 p 372 Contudo hoje se fala numa nova teoria para os títulos de crédito uma vez que não faz mais sentido falar em cartularidade como requisito essencial considerando os inúmeros títulos de crédito escriturais imaterializados Estabelecemse então algumas reflexões Será que o conceito criado por Vivante atende a atual realidade dos títulos de crédito1 Além disso perguntase quanto aos princípios da teoria clássica quais sejam cartularidade literalidade e autonomia Eles subsistiriam à atual realidade dos títulos de crédito Como resposta temse a necessidade de readequação dos princípios cambiários com o objetivo de aplicálos aos títulos de crédito materializados numa cártula ou não FERNANDES 2015 p 213 Afinal os chamados títulos de crédito escriturais que apenas existem no meio digital são atualmente a grande massa dos créditos COELHO 2010 Como se observa em consulta ao site da CETIP SA que é a integradora do mercado financeiro o estoque de títulos de crédito escriturais registrados em 04032015 era de R79361948864414 setecentos e noventa e três bilhões seiscentos e dezenove milhões Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 114 quatrocentos e oitenta e oito mil seiscentos e quarenta e quatro reais e quatorze centavos CETIP 2015 É mais adequado assim falar no princípio da documentabilidade que abarcará tanto os títulos cartulares como os não cartulares FERNANDES 2015 p 214 Estabelecidos esses pressupostos passase a análise da segurança jurídica e o papel da formalidade no âmbito dos títulos de crédito 3 A SEGURANÇA JURÍDICA NO ÂMBITO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO E O PAPEL DA FORMALIDADE A necessidade de certeza no direito e segurança na sua realização faz com que sejam criados institutos que satisfaçam essas exigências ASCARELLI 2013 p 35 Nesse contexto estão os títulos de crédito cuja principal finalidade é estabelecer a circulação do crédito com facilidade e segurança servindo como meio de prova entre as partes envolvidas Importante então analisar os conceitos de segurança jurídica e certeza que os títulos de crédito trazem e o papel da formalidade A compreensão da segurança jurídica está intimamente ligada a de certeza que é 1 qualidade do que é certo 2 persuasão íntima convicção evidência evidentemente sem dúvida CEGALLA 2005 p 185 E como princípio ela deve ser uma das balizas para tudo que esteja relacionado ao direito seja relações entre o Estado e o cidadão seja entre os próprios cidadãos falandose até no direito à segurança jurídica MOREIRA 2010 p 12 Tércio Sampaio Ferraz Júnior 2007 p 140141 até estabelece uma diferença entre os valores da certeza e segurança jurídica de modo que esta seja referente aos destinatários das normas enquanto àquela referente a uma coerente apreensão das situações de fato evitandose ambiguidades e vaguidade de sentido Contudo para o âmbito deste trabalho é importante ter em mente que ambas estão diretamente relacionadas a decidibilidade dos conflitos atuando conjuntamente 1Para responder a pergunta propõese um novo conceito para os títulos de crédito adotando a teoria contemporânea e não mais clássica Título de crédito é o documento cartular ou eletrônico indispensável para o exercício e a transferência do direito cambial literal e autônomo nele mencionado ou registrado em sistema de custódia transferência e liquidação legalmente autorizado bem como para a captação de recursos nos mercados financeiro ou de capitais dotado de executividade por si ou por certidão de seu inteiro teor emitida pela instituição registradora FERNANDES 2015 p 212213 Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 115 Historicamente temse como exemplo mais antigo dos primeiros traços da segurança jurídica no Digesto no qual Ulpiano estabeleceu que seriam válidos todos os atos de um escravo que ocultando essa sua característica exerceu as atividades de pretor Em prol da segurança jurídica como se tratava de um pretor nomeado embora escravo os seus atos não deveriam ser nulos SILVA 2005 Nas Constituições Brasileiras verificase a segurança jurídica desde a de 1824 no art 179 incisos III e XXVIII2 nos quais ainda com resquício de absolutismo ao se tratar de uma Constituição outorgada contemplouse a sua irretroatividade e proteção ao direito adquirido Na Constituição atual o princípio da segurança jurídica embora não esteja expressamente previsto é considerado um princípio constitucional com amparo no inciso XXXVI do art 5º com a seguinte redação a lei não prejudicará o direito adquirido o ato jurídico perfeito e a coisa julgada BRASIL 1988 Art 5º XXXVI Sendo assim é dotado inclusive de caráter de cláusula pétrea em função da disposição do art 60 4º IV Art 60 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir IV os direitos e garantias individuais BRASIL 1988 Art 60 4º IV Na legislação infraconstitucional a primeira lei a trazer expressamente o princípio da segurança jurídica foi a de n 978499 que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal constando no art 2º A Administração Pública obedecerá dentre outros aos princípios da legalidade finalidade motivação razoabilidade proporcionalidade moralidade ampla defesa contraditório segurança jurídica interesse público e eficiência BRASIL 1999 Art 2º Adentrando no conteúdo que a segurança jurídica expressa falase em duas dimensões objetiva e subjetiva sendo que a primeira referese a valores externos que protegem o cidadão enquanto a segunda protege o próprio cidadão Segundo José Davi Cavalcante Moreira na dimensão objetiva a proteção é oposta pelo cidadão ao Estado sendo o cidadão protegido contra as mudanças na política estatal hábeis a prejudicar ou fragilizar seu direito à estabilidade à previsibilidade que lhe permite planejar seus passos sem que sofra mudanças bruscas sendo em temos simples uma parcela do direito à segurança nesse caso segurança político 2Art 179 A inviolabilidade dos Direitos Civis e Politicos dos Cidadãos Brazileiros que tem por base a liberdade a segurança individual e a propriedade é garantida pela Constituição do Imperio pela maneira seguinte III A sua disposição não terá effeito retroactivo XXVIII Ficam garantidas as recompensas conferidas pelos serviços feitos ao Estado quer Civis quer Militares assim como o direito adquirido a ellas na fórma das Leis Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 116 institucional Na dimensão subjetiva a proteção é oposta pelo cidadão aos seus pares sendo a proteção da confiança depositada nos negócios jurídicos e direitos em geral de que não serão por exemplo os contratos ou qualquer outra relação alterados de modo a afetar o patrimônio jurídico já consolidado Aqui o princípio da segurança jurídica suporta os particulares assegurando aos atos praticados sob certa regulamentação não serão afetados por outra que advenha seria possível falar num direito à estabilidade conferido aos cidadãos MOREIRA 2010 p 1213 Cármem Lúcia Antunes Rocha assim define segurança jurídica na garantia da estabilidade e de certeza dos negócios jurídicos de sorte que as pessoas saibam de antemão que uma vez envolvidas em determinada relação jurídica esta se mantém estável mesmo se modificar a base legal sob a qual se estabeleceu ROCHA 2004 p 168 E nesse contexto da segurança jurídica e certeza quanto aos títulos de crédito quem ganha um papel fundamental é a formalidade que impõe formas para a constituição transferência e o exercício do direito incorporado ao título A princípio poderia se pensar que a formalidade seria um empecilho para a dinâmica e celeridade que as atividades comerciais exigem mas ela é de extrema importância para o desenvolvimento e o aprimoramento das relações comerciais ARAÚJO 2010 p 283 Segundo Danilo Borges dos Santos Gomes de Araújo a forma não significa necessariamente complexidade A forma também pode ser simples E são dos esquemas formais mínimos e simples predeterminados e de prévio conhecimento das partes que se vale a prática comercial assim se provendo a certeza da existência do direito e a segurança da sua ulterior realização ARAÚJO 2010 p 284 Verificase então que a formalidade tem um papel importante notadamente no Direito Empresarial embora muitas vezes se pense ser um atraso para o ordenamento jurídico Inclusive o autor Danilo Borges dos Santos Gomes de Araújo 2013 p 4 coloca que o princípio da literalidade é o corolário do formalismo jurídico uma vez que o direito que surge do título de crédito é consequência e dependente do teor do título Relacionando esses valores então com os títulos de crédito como explicado por Pontes de Miranda por serem munidos de valor documental somente podem ser atacados por provas claras terminantes e concludentes MIRANDA 2001 p 48 E direito incerto é direito ineficaz então essencial a segurança que os títulos de crédito trazem Eles são antes de tudo documentos formais Tullio Ascarelli explica Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 117 Essa certeza e a segurança são postas em ação através do processo de simplificação analítica do pressuposto de fato que Rudolf Von Ihering ilustrou em páginas decisivas É realmente um processo de simplificação analítica o documento legitimador no exercício do direito é pelo mesmo motivo que a promessa contida no título se divorcia do destinatário e que o direito incorporado no título se torna independente da relação fundamental e em alguns títulos absolutamente abstrato A par da simplificação da espécie jurídica está o formalismo jurídico que domina em matéria e em títulos de crédito impondo formas rigorosas para a constituição a transferência e o exercício do direito Os que julgam ser o formalismo jurídico um fenômeno que só ocorreu no direito primitivo não anotaram talvez o renascimento de formalismo que se pode observar no direito moderno e especialmente no direito comercial ASCARELLI 2013 p 36 Mesmo sem considerar os títulos de crédito encontramse as formas mais rigorosas justamente nas relações de comércio quando os contratos decorrentes dessa relação passam a entrar em esquemas predeterminados E muitas vezes isso é mais em decorrência da própria vontade das partes que da lei Verificase então como a certeza e segurança são fundamentais para o mercado Sendo assim indubitáveis os momentos nos quais se deve reiterar o caráter de certeza do direito todavia há momentos também nos quais se pretende atenuar essa certeza para resolver equitativamente um problema concreto mas até que ponto isso pode ser feito sem prejudicar o funcionamento do mercado Passase então no próximo capítulo à análise da justiça e equidade 4 JUSTIÇA E EQUIDADE A ideia de justiça é trazida por inúmeros autores e muitas vezes com sentidos diversos variando inclusive ao longo da história Para Aristóteles justiça é sinônimo de virtude sendo aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo que as faz agir justamente e a desejar o que é justo ARISTÓTELES 2001 p 103 Seguindo a classificação de Carolina Machado Cyrillo da Silva 2005 p 40 essa seria a justiça universal Do outro lado estaria a justiça em sentido estrito que é o elemento que ordena as relações humanas na polis subdividindose na geral ou legal e particular A geral ou legal é a conformidade da conduta de um indivíduo à lei porém importante ressaltar que a lei para Aristóteles envolve o que está escrito e o que não está sejam naturais ou positivas portanto a justiça assim entendida engloba toda a moral também A particular por Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 118 sua vez tem por objetivo realizar a igualdade entre os sujeitos de uma determinada relação podendo ser distributiva ou corretiva A justiça distributiva é referente ao legislador e tem por objetivo a distribuição com igualdade dos bens da polis sendo o justo uma espécie de termo proporcional pois como as pessoas são diferentes também devem receber de forma diferente Já a justiça corretiva refere se ao juiz que deve tentar restaurar a ordem que foi destruída por algo restabelecendo a igualdade Essa ainda dividese em duas comutativa que regula as transações voluntárias trazendo proporcionalidade entre prestação e contraprestação e reparativa quando há dano podendo ser estabelecida uma punição Há ainda para Aristóteles uma outra acepção de justiça denominada como equidade Na análise feita por Chaim Perelman 2000 p 156 o equitativo seria justo mas não o legalmente justo sendo uma correção da justiça legal Nas palavras de Aristóteles quando a lei estabelece uma regra geral e surge um caso que não é abarcado por essa regra então é correto visto que o legislador falhou e errou por excesso de simplicidade corrigir a omissão dizendo o que o próprio legislador teria dito se estivesse presente e o que teria incluído na lei se tivesse previsto o caso em pauta ARITÓTELES 2001 p 125 Embora a lei seja universal é impossível que ela regule todos os casos particulares que possam acontecer como demonstrou o período de queda do positivismo jurídico e pela equidade o juiz consegue corrigir essa imperfeição da lei Carolina Machado Cyrillo da Silva expõe sobre a equidade por sua vez a eqüidade é a concreção do meiotermo entre o excesso e a falta É aplicação prudente da lei Ora nem sempre é possível para o legislador contemplar todas as situações da vida sendo essencial a perquirição do fim último das ações humanas no caso do direito ser instrumento de realização da justiça Por isso a eqüidade é peça fundamental no sistema da argumentação pois confere à justiça um estatuto não meramente formal na medida em que a própria regra aplicada ao caso particular deverá ser justa SILVA 2005 p 42 Sendo assim a equidade corrige a obscuridade ou incompletude de modo que o juiz tome uma decisão coerente e aceitável isto é dentre dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico incluindo os valores da sociedade Chegase então ao conceito de Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 119 rlando Gomes no sentido de que a equidade tem a função de temperar a rigidez da norma escrita razão pela qual é critério de aplicação da lei GOMES 1996 p 51 Para satisfazer a equidade os ordenamentos jurídicos num todo estabelecem mecanismos que dão discricionariedade ao juiz e reenviam a determinação do conteúdo da norma para valores sociais bons usos e costumes boafé dentre outros ARAÚJO 2010 p 270 Especificamente sobre a boafé há duas acepções uma subjetiva e outra objetiva A primeira que não é um princípio representa o estado psicológico do indivíduo no qual há a crença de ser titular de um direito que só existe aparentemente A segunda por sua vez que é um princípio do ordenamento jurídico brasileiro representa uma crença no comportamento alheio sendo uma regra de comportamento caracterizado por padrões de lisura e honestidade de modo que não fruste a confiança de outra parte ROSENVALD FARIAS 2011 p 159 A boafé então traduzse em confiança e em decorrência dela e da nova principiologia do direito principalmente após a Constituição de 1988 com forte viés social não há mais uma perspectiva absoluta no sentido de que a obrigação se esgota no dever de prestar e no correlato direito de exigir ou pretender a prestação Falase hoje numa relação complexa acrescida de ônus e expectativas Há os chamados deveres de conduta pelos quais as partes da relação jurídica compartilharão de lealdade e confiança ROSENVALD FARIAS 2011 p 167 E o princípio da boafé vai além ganhando funções interpretativa integrativa e de controle A interpretativa serve para aclarar o que for estipulado numa relação jurídica a integrativa para garantir os deveres de comportamento das partes ainda que não estejam expressos e por fim a de controle para que não haja abuso por algum dos sujeitos na relação NORONHA 1994 p 151 Nesse mesmo sentido da boafé o ordenamento jurídico proibiu o abuso de direito que ocorre quando o agente não viola nenhuma estrutura normativa mas ofende sua valoração Como explica Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias conduzse de forma contrária aos fundamentos materiais da norma por negligenciar o elemento ético que preside a sua adequação ao ordenamento ROSENVALD FARIAS 2011 p 181 Ou seja não se viola a regra mas se viola o princípio que são normas também considerando o período póspositivista que a sociedade se encontra Passase então a análise da relação da justiça e da segurança jurídica no âmbito dos títulos de crédito observadas as teorias da criação e da emissão que permitem essa discussão Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 120 5 TÍTULOS DE CRÉDITO E A RELAÇÃO ENTRE A SEGURANÇA JURÍDICA E A JUSTIÇA ANÁLISE A PARTIR DAS TEORIAS DA CRIAÇÃO E DA EMISSÃO Ao ser elaborada uma norma legal surge uma exigência de certeza e segurança jurídica características essenciais no direito Contudo há um aparente conflito com as exigências da equidade e justiça do caso concreto Como explica Tullio Ascarelli esse contraste de equidade e de certeza se encontra também a cada passo na interpretação da norma e nas sempre renovadas discussões metodológicas e exprime aliás o contraste entre a justiça do caso singular e a generalidade da norma entre a discricionariedade do juiz e o poder do legislador ASCARELLI 2013 p 35 No ordenamento jurídico brasileiro no que tange aos títulos de crédito evidente esse conflito quando se discutem as teorias da criação e da emissão no direito brasileiro A constituição da obrigação cambiária tem assento numa declaração unilateral de vontade de modo que o subscritor subscrevendo cria o título porque perfaz o negócio jurídico unilateral plano da existência Se o título existe e vale ou se não vale é outro problema plano da validade Desde o momento em que após a assinatura ou simultaneamente à assinatura pelo subscritor sacador ou subscritor ou pelo sacado ou pelo endossante ou pelo avalista ou pelo interveniente o título está na posse do alter de boafé começa a sua eficácia nasce a dívida MIRANDA 2001 p 151 Sendo assim a obrigação cambiária constituise mediante simples assinatura lançada nos títulos de crédito tornando os coobrigados solidariamente responsáveis pelo pagamento do título como observado no art 47 da Lei Uniforme de Genebra anexo I do Decreto n 57663663 Newton de Lucca 1979 p 7480 quanto à natureza da obrigação cartular traz inúmeras teorias dividindoas em lado ativo e lado passivo No lado ativo referente ao detentor do direito enumeramse apenas a título de exemplo teoria dos créditos sucessivos Goldschmidt era um dos expoentes teoria contratualística da delegação Thaller teoria contratualística da novação Unger por exemplo teoria da sucessão particular do crédito Renauld e Kuntze por exemplo teoria da cessão do crédito Brinz teoria da personificação do título de crédito Schweppe e Bekker teoria do crédito alternativo Rocco teoria da emissão abstrata Arcangeli teoria da pendência teoria da promessa à generalidade Reinlander e Muller por exemplo e por fim a teoria da propriedade adotada por Tullio Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 121 Ascarelli dentre demais pensadores Segundo a teoria da propriedade a titularidade do direito decorre não de uma transferência do direito cartular e sim autônoma e originariamente dos sucessivos proprietários do título pelo próprio fato de sua propriedade LUCCA 1979 p 80 No lado passivo o citado autor divide as teorias em três ramos negociais baseadas na manifestação de vontade legais que partem do pressuposto que a vontade não importa para o título de crédito entrar em circulação e mistas aplicando a negocial para emitente e tomador e legal para terceiros de boafé Nesse contexto entram as teorias da criação e da emissão LUCCA 1979 p 8488 É certo que embora houvesse outras teorias quanto à constituição do direito como as que alicerçavam a obrigação em um contrato elas foram aos poucos perdendo espaço e hoje permanece a relativa a unilateralidade do ato Contudo não se pode dizer o mesmo quanto a discussão que permanece entre as teorias da criação e emissão LUCCA 1979 p 84 as quais se passa a analisar Observada a teoria da criação formalizado o título este passa a ter um valor próprio e tornase fonte de um direito de crédito que é atribuído a um futuro detentor qualquer que seja COSTA 2007 p 143 Sendo assim se houver eventual desapossamento do título por qualquer motivo alheio à vontade do criador como furto ou perda a obrigação do criador permanece sendo essa uma consequência grave FERNANDES 2015 p 235 Essa teoria que tem como defensores Siegel e Kuntze dentre outros estabelece que o direito deriva da criação do próprio título e por meio dele o subscritor dispõe de seus bens Nas palavras de Rubens Requião o título é como o testamento tem valor próprio dispensa e lhe repugna o acordo de vontades O emissor fica ligado a sua assinatura e obrigado para o futuro portador credor eventual e indeterminado Só com o aparecimento desse futuro detentor é que nasce a obrigação Otávio Mendes criticou essa teoria que confunde criação do título com nascimento da obrigação Assim para Kuntze com a entrada em circulação do título nasce a obrigação com a concepção do escrito nasce apenas o título REQUIÃO 2008 p 375 3Artigo 47 Os sacadores aceitantes endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador O portador tem o direito de acionar todas estas pessoas individualmente sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 122 O título então cria a dívida e a única condição para que ele tenha eficácia é a posse pelo primeiro portador observada a vontade do criador ou não REQUIÃO 2008 p 375 Nos títulos de crédito escriturais a criação diverge um pouco uma vez que apenas são criados com a inserção no sistema de registro e de liquidação financeira de ativos autorizados pelo Banco Central do Brasil Nos títulos escriturais nominativos garantese a transferência voluntária ao portador legitimado FERNANDES 2015 p 235 Na teoria da emissão por sua vez que tem como adeptos Stobbe Windscheid e Arcangeli dentre outros não basta a criação do título para ser gerada a obrigação do subscritor O vínculo apenas se forma se houver a saída voluntária do título das mãos do subscritor o que se denomina emissão do título O subscritor não ficaria obrigado se comprovasse que perdeu a posse do título contra sua vontade Se houver um furto do título por exemplo não haveria ainda obrigação COSTA 2007 p 142 Resta saber qual o posicionamento do direito brasileiro Newton de Lucca já criticava o Código Civil de 1916 que foi contraditório Ele até disse que se tem mesmo a impressão de que os problemas em matéria de títulos de crédito são resolvidos por intuição LUCCA 1979 p 91 O Código de 1916 trouxe no seu art 1506 A obrigação do emissor subsiste ainda que o título tenha entrado em circulação contra a sua vontade BRASIL 1916 Art 1506 adotando expressamente a teoria da criação contudo no caput de seu artigo 521 trouxe a seguinte disposição Aquele que tiver perdido coisa móvel ou título ao portador ou a quem houverem sido furtados pode reavêlos da pessoa que os detiver salvo a esta o direito regressivo contra quem os transferiu BRASIL 1916 Art 521 o que é característica da teoria da emissão Com a oportunidade de resolver essa questão no Código Civil de 2002 foram mantidas as disposições nesse mesmo sentido como se verifica da leitura dos artigos 905 parágrafo único e 909 caput Art 905 O possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele indicada mediante a sua simples apresentação ao devedor Parágrafo único A prestação é devida ainda que o título tenha entrado em circulação contra a vontade do emitente Art 909 O proprietário que perder ou extraviar título ou for injustamente desapossado dele poderá obter novo título em juízo bem como impedir sejam pagos a outrem capital e rendimentos Parágrafo único O pagamento feito antes de ter ciência da ação referida neste artigo exonera o devedor salvo se se provar que ele tinha conhecimento do fato BRASIL 2002 Arts 905 e 909 Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 123 Rubens Requião sintetiza essa questão dizendo que o Código de 1916 não se filiou puramente a nenhuma das duas teorias temperando os rigores da teoria da criação com nuanças da teoria da emissão Tal ecletismo foi mantido no Código Civil de 2002 REQUIÃO 2008 p 377 Todavia são as disposições da Lei Uniforme de Genebra LUG que devem prevalecer sobre as disposições do Código Civil FERNANDES 2015 p 237 por se tratar de lei especial frente à lei geral Dispõem os arts 16 e 17 da LUG Artigo 16 O detentor de uma letra é considerado portador legítimo se justifica o seu direito por uma série ininterrupta de endossos mesmo se o último for em branco Os endossos riscados consideramse para este efeito como não escritos Quando um endosso em branco é seguido de um outro endosso presumese que o signatário deste adquiriu a letra pelo endosso em branco Se uma pessoa foi por qualquer maneira desapossada de uma letra o portador dela desde que justifique o seu direito pela maneira indicada na alínea precedente não é obrigado a restituíla salvo se a adquiriu de máfé ou se adquirindoa cometeu uma falta grave Artigo 17 As pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor BRASIL 1966 Arts 16 e 17 Com a sua análise verificase que a LUG protege o terceiro de boafé o que deve prevalecer frente à proteção ditada pela lei civil para o que foi injustamente desapossado tornando assim forte a inclinação do direito brasileiro pela teoria da criação FERNANDES 2015 p 237 Nesse mesmo sentido o caput do art 24 da Lei n 735785 Lei do Cheque desapossado alguém de um cheque em virtude de qualquer evento novo portador legitimado não está obrigado a restituílo se não o adquiriu de máfé BRASIL 1985 Art 24 Surgem assim inúmeros questionamentos quanto à justiça nesses casos Afinal uma pessoa que teve um título de crédito furtado pode ser obrigada a pagálo Juridicamente não há dúvidas de que se o portador do título estiver de boafé conceito já explicado no capítulo anterior ele terá direito ao cumprimento da obrigação mas isso é justo Seria justo também aquele que adquiriu o título de boafé perder seu direito Sabese que a obrigação persiste por conta da preservação da segurança jurídica então se faz necessário sopesar esses valores Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 124 A verdade é que no direito sempre estarão presentes as exigências da certeza e da equidade ou segurança jurídica e justiça A segurança jurídica e a certeza respondem à necessidade dos cidadãos de terem organicidade e unidade do sistema de forma que o direito reduza a realidade social em esquemas simples e formais ainda que a adequação não seja perfeita A justiça e a equidade por sua vez respondem à necessidade de buscar o máximo de adequação possível entre o direito e a realidade de modo que o direito não seja imutável e insensível No entanto é impossível estabelecer de forma a priori uma gradação entre esses valores de sorte que eles se equilibrem de acordo com a situação de fato ARAÚJO 2010 p 270 Por isso são necessários os inúmeros mecanismos processuais visando ao máximo de equilíbrio entre esses valores O ideal é que o Poder Judiciário se qualifique permanentemente para ter sempre um melhor discernimento no caso concreto ponderando entre esses valores Além disso citase a garantia do duplo grau de jurisdição que é a possibilidade de revisão de uma causa já julgada Permitese com sua aplicação que uma causa que tenha sido julgada de forma injusta ou errada seja reformada CINTRA 2005 p 76 E como não é possível estabelecer qual valor será privilegiado no caso concreto de forma genérica o juiz deverá sopesar esses valores com a devida fundamentação Certo é que a finalidade dos títulos de crédito é justamente estabelecer a circulação do crédito com facilidade e segurança servindo de prova entre as partes envolvidas E segurança pressupõe evidência ausência de dúvida sendo a segurança jurídica um direito do cidadão o que deve ser levado em conta no momento de se decidir um conflito Na sua dimensão subjetiva inclusive é a proteção da confiança depositada nos negócios jurídicos e direitos em geral para que não se altere direito patrimonial já consolidado como ocorre na transferência de um título de crédito Caminhando conjuntamente com essa segurança e inclusive contribuindo para ela temse a formalidade que ao ser respeitada traz mais credibilidade ainda ao instituto em estudo Por outro lado têmse os ideais de justiça e equidade que por ventura podem entrar em conflito com a segurança jurídica como já afirmado De acordo com a já mencionada classificação da Carolina Machado Cyrillo da Silva a justiça geral ou legal seria a conformidade da conduta de um indivíduo à lei que para Aristóteles podem ser regras escritas ou não A equidade seria uma correção da justiça legal isto é aquilo que não está expresso na lei seria corrigido sendo o meiotermo entre o excesso e a falta Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 125 Importante ainda retomar os conceitos estudados sobre a boafé utilizada para satisfazer a equidade Na boafé subjetiva verificase o estado psicológico do indivíduo que crê ser titular de um direito enquanto na objetiva verificase uma crença no comportamento alheio no sentido de que observa padrões de lisura e honestidade E observado o contexto da Constituição de 1988 e do Código Civil de 2002 a boafé deve ser preservada Portanto quando se aplica a teoria da criação preservando o direito do terceiro de boafé que se torna titular de um direito decorrente de um título de crédito furtado está sendo privilegiada não só a segurança jurídica mas também a justiça e equidade num todo Embora o subscritor que não queria circular o título fique prejudicado o saldo para a sociedade é positivo Afinal o subscritor do título tem ou deveria ter como exigência legal consciência das consequências que podem ter um descuido com um título assinado todavia exigir que aquele que receba um título tenha conhecimento de toda sua origem atrapalharia profundamente a circulação de crédito no mercado E quando se dificulta a circulação de crédito todo o desenvolvimento de um país fica prejudicado Além disso garantiuse ao subscritor o direito de restituição contra aquele que agiu de máfé garantindo a possibilidade de justiça para ele sem prejudicar a segurança jurídica da relação Embora surja o problema da questão de provar que pode ser difícil não se pode transferir o ônus dessa verificação ao terceiro de boafé Poderseia dizer que o mais justo seria ser nulo um título de crédito que circulou contra a vontade de seu subscritor mas como saber disso se ele preenche todos os requisitos Isso seria contrariar as características dos títulos de crédito e as razões de existirem Exigese um direito certo para que não se tenha um direito ineficaz o que não traria nem segurança jurídica e nem justiça E a opção que foi feita pelo legislador é a de preservar o terceiro de boafé e a segurança jurídica que decorre dos títulos de crédito sob pena de prejudicar todo o mercado e ai sim gerar injustiça maior 6 CONCLUSÕES Sabese que um país não consegue se desenvolver se não tiver um amplo e estável mercado de crédito e os títulos de crédito tiveram o papel fundamental de conseguirem exteriorizar o crédito para que ele circule de forma rápida ágil e segura sendo de extrema relevância para o mercado Mas um título de crédito como nada no direito deve estar acima Wallace Fabrício Paiva Souza Jean Carlos Fernandes Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 126 de todos os valores de forma absoluta sendo necessária uma análise nos casos concretos visando sempre a um equilíbrio Neste trabalho foi proposta a análise da relação entre a segurança jurídica e a justiça quando se analisam os títulos de crédito e as teorias da criação e da emissão Dessa forma fizeramse alguns questionamentos como é justo alguém que teve um título de crédito furtado ser obrigado a pagálo Por outro lado considerando que o título circula é justo aquele que recebeu o título e acredita que não haja nenhum problema com ele ser prejudicado porque se tratava de um título furtado Embora se trate de uma questão entre segurança jurídica e justiça inevitavelmente devese fazer uma análise de mercado também Ora os títulos de crédito possuem como uma de suas principais características gerar a segurança jurídica mas isso também não deve criar uma sensação de injustiça na sociedade Porém não se faz possível efetivar esses dois valores de forma plena e conjunta então o legislador fez a opção de preservar os interesses do terceiro de boafé que se traduz em confiança Em prol de uma circulação de crédito ágil se os requisitos dos títulos de crédito estão preenchidos não se deve dar àquele que receberá o título o ônus de verificar se ele teve algum problema de circulação seja na origem ou em momento posterior Como característica do próprio crédito ele tem que confiar Caso contrário dificultaria essa circulação trazendo mais custo e reflexos negativos nas negociações Mas se o possuidor do título está de máfé ai sim seria injustiça mantêlo com o direito senão o ordenamento jurídico estaria privilegiando a sua máfé e o abuso em alguma situação Então entendese que o legislador conseguiu conciliar os valores da segurança jurídica e da justiça na aplicação da teoria da criação com a sua mitigação quando se trata de um terceiro de máfé Embora possa haver alguma sensação de injustiça quando alguém tem extraviado um título de crédito e é obrigado a pagar é mais justo dar a ele o ônus de se preocupar e ter um zelo com o título ao invés de passar esse ônus para aquele que receberá o título após sua circulação Logo individualmente pode haver uma injustiça num caso concreto mas no geral são preservados com equilíbrio os valores da segurança jurídica e da justiça nesse contexto do direito brasileiro REFERÊNCIAS ARAÚJO Danilo Borges dos Santos Gomes de Araújo O formalismo dos títulos de crédito como instrumento para a certeza da existência do Direito e para a segurança de sua Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 127 realização anotações a partir da bibliografia ascareliana In RODRIGUES José Rodrigo COSTA Carlos Eduardo Batalha da Silva e BARBOSA Samuel Rodrigues Coord Nas fronteiras do formalismo a função social da dogmática jurídica hoje São Paulo Saraiva 2010 p 263296 ARAÚJO Danilo Borges dos Santos Gomes de Araújo O formalismo dos títulos de crédito como segurança jurídica In GORGA Érica SICA Ligia Paula Pinto Coord Estudos avançados em direito empresarial títulos de crédito Rio de Janeiro Elsevier 2013 p 118 ARISTÓTELES Ética à Nicômaco São Paulo Martin Claret 2001 ASCARELLI Tullio Teoria Geral dos Títulos de Crédito Campinas Servanda 2013 BORGES João Eunápio Títulos de crédito Rio de Janeiro Forense 1976 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaohtm Acesso em 130615 BRASIL Constituição Politica do Imperio do Brazil de 25 de março de 1824 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ConstituicaoConstituicao24htm Acesso em 18062015 BRASIL Decreto n 57663 de 24 de janeiro de 1966 Promulga as Convenções para adoção de uma lei uniforme em matéria de letras de câmbio e notas promissórias Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretoAntigosD57663htm Acesso em 26062015 BRASIL Lei nº 10406 de 10 de janeiro de 2002 Institui o Código Civil Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leis2002L10406htm Acesso em 18062015 BRASIL Lei nº 3071 de 1º de janeiro de 1916 Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL3071htm Acesso em 18062015 BRASIL Lei n 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httpwwwcartaforensecombrconteudoentrevistastitulosdecreditoeletronicos5199 Acesso em 23072015 COSTA Wille Duarte Títulos de crédito 4ª ed Belo Horizonte Del Rey 2007 FERNANDES Jean Carlos Teoria contemporânea dos títulos de crédito imperativos principiológicos sob a ótica das teorias póspositivistas Belo Horizonte Arraes 2012 FERNANDES Jean Carlos Direito empresarial contemporâneo Rio de Janeiro Lumen Juris 2015 FERRAZ JÚNIOR Tércio Sampaio Introdução ao Estudo do Direito técnica decisão dominação 5ª ed São Paulo Atlas 2007 GOMES Orlando Introdução ao Direito Civil 12ª ed Rio de Janeiro Forense 1996 LUCCA Newton de Aspectos da teoria geral dos títulos de crédito São Paulo Livraria Pioneira 1979 MIRANDA Pontes de Tratado de direito cambiário Vol 1 2ª ed Campinas Bookseller 2001 MOREIRA José Davi Cavalcante Aspectos da segurança jurídica no Brasil Dissertação Mestrado em Direito da Universidade Federal do Ceará Fortaleza 2010 164 p NORONHA Fernando O direito dos contratos e seus princípios fundamentais São Paulo Saraiva 1994 PATROCÍNIO Daniel Moreira do Direito Empresarial teoria geral direito societário títulos de crédito recuperação de empresa falência São Paulo Juarez de Oliveira 2009 PERELMAN Chaim Ética e Direito São Paulo Martins Fontes 2000 PONT Manuel Broseta Manual de Derecho Mercantil Vol II 14ª ed Madrid Tecnos 2007 REQUIÃO Rubens Curso de direito comercial Vol 2 25ª ed São Paulo Saraiva 2008 ROCHA Cármen Lúcia Antunes O Princípio da Coisa Julgada e o Vício da Inconstitucionalidade In ROCHA Carmem Lúcia Antunes Org Constituição e Segurança Jurídica Direito Adquirido Ato Jurídico Perfeito e Coisa Julgada Estudos em Homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence Belo Horizonte Fórum 2004 ROSENVALD Nelson FARIAS Cristiano Chaves de Direito dos Contratos Rio de Janeiro Lumen Juris 2011 SADDI Jairo Crédito e Judiciário no Brasil uma análise de Direito e Economia São Paulo Quartier Latin 2007 Títulos de Crédito uma Relação entre a Segurança Jurídica e a Justiça nas Teorias da Criação e Emissão Revista Brasileira de Direito Empresarial eISSN 25260235Minas Gerais v 2 n 1 p103129 JulDez 2015 129 SILVA Carolina Machado Cyrillo da Chaim Perelman da argumentação à justiça um retorno a Aristóteles Dissertação Mestrado em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2005 115 p