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rais que é o ordenamento jurídico assim ser juridicamente obrigado a certo comportamento decorre simplesmente do fato de que o seu oposto é qualificado como condição de uma sanção Por esse caminho Kelsen não reintroduz no ordenamento a ligação com a autoridade a subjetividade e a vontade ou seja as implicações psicológicas que tinha excluído não se retorna à identidade austiniana entre normas e comandos de uma autoridade e de uma vontade subjetiva de fato são normas apenas as que obrigam também a não levar em conta o conhecimento que se tem delas e pelo fato de poderem ser consideradas válidas por terem emanado de um órgão autorizado 2 Sistema dinâmico Uma transformação que representa outro salto qualitativo em relação à doutrina precedente diz respeito à descrição do sistema jurídico como sistema dinâmico No que concerne à opção já clássica da centralidade da lei como único lugar de produção do direito estatal Kelsen introduz o tema da multiplicidade das fases de produção do direito articuladas e interligadas segundo uma escala hierárquica que ascende à lei e à constituição e da constituição ou das constituições históricas que se sucederam no tempo ao ordenamento internacional mas a partir das normas produzidas por casos individuais antes de tudo pelos juízes Tratase de um sistema de delegações uma construção por graus Stufenbau em virtude da qual as normas de grau superior constituem uma delegação à instância inferior para a produção de uma norma inferior A passagem que se realiza assim da chamada nomostática à chamada nomodinâmica a teoria da Stufenbau foi formulada por Adolf Julius Merkl aluno de Kelsen introduz um elevado número de questões e em alguns casos de aporias porém seu sentido mais imediato está na caracterização do sistema ainda uma vez em termos formais que garantem sua circularidade a autoreferencialidade liberta de qualquer vínculo com opções de conteúdo A relação entre normas típica dos sistemas estáticos tem natureza de implicação conteudística em virtude da qual é possível deduzir de normas de caráter mais geral o conteúdo de normas de caráter mais específico que está logicamente implícito nas primeiras ao contrário a relação de delegação resolvese na atribuição do poder de produção normativa a uma instância inferior não implicando nenhuma limitação necessária em termos de conteúdo A relação no primeiro caso é de derivação material e espelha um sistema construído com base em pressupostos de valor em opções fundamentais de mérito como o moral ou o de direito natural etc No segundo caso a relação é de derivação formal14 Dentro de cada um dos dois sistemas a unidade é determinada em relação a uma norma fundamental afirma Kelsen que possibilita verificar a validade de cada norma sua pertinência ao sistema mas no primeiro caso a norma fundamental impõe uma verificação da pertinência ao sistema portanto da validade com base no conteúdo as normas obtêm esta qualificação de conteúdo porquanto são remissíveis a uma norma fundamental sob cujo conteúdo se pode subsumir o conteúdo das normas que constituem o ordenamento assim como o particular se assume sob o universal15 No entanto as normas jurídicas não são não 14 Vejase a respeito N BOBBIO Teoria dellordinamento giuridico cit pp 201 ss Como escreveu G Tarello Falase nesse sentido de sistema das normas do direito italiano tendo como hipótese uma norma fundamental que consiste na delegação aos constituintes da tarefa de produzir a Constituiçào que por sua vez delega aos órgãos legislativos o poder de produzir as leis segundo certos procedimentos etc G TARELLO Organizzazione giuridica e societa moderna in S CASTIGNONE R GUASTINI G TARELLO Introduzione teorica allo studio del diritto Gênova 19844 p 23 15 KELSEN Lineamenti di dottrina pura del diritto cit p 95 Tambem La dottrina del diritto cit pp 219 ss podem ser consideradas válidas apenas de acordo com o conteúdo 16 logo a norma fundamental de um ordenamento jurídico positivo nada mais é que a regra fundamental pela qual são produzidas as normas do ordenamento jurídico Esse é o ponto de partida de um ordenamento tem caráter absolutamente dinâmicoformal 17 Dado o caráter dinâmico do sistema e em virtude do nexo de delegação a norma inferior é válida graças à competência do órgão Mais que um ato de conhecimento da norma superior a norma inferior é um ato de vontade Este aspecto caracteriza e custodia a positividade do direito no mesmo sentido do auctoritas facit legem de Hobbes tutelando a emissão normativa formalmente autorizada ut sic como válida e pertencente ao ordenamento Kelsen prefere salvaguardar a produção de estabilidade e a positividade do direito até em detrimento da lógica de fato são válidas duas normas logicamente em conflito ou normas em oposição ao conteúdo de normas superiores sentenca errada lei inconstitucional obviamente enquanto não fossem eliminadas pela intervenção de instâncias e órgãos competentes A lógica concluirá Kelsen no fim de um atormentado itinerário não se aplica às normas no ordenamento jurídico não pode valer como tal o princípio da dedutibilidade lógica de normas a partir de normas superiores 18 16 Uma norma vale como norma jurídica sempre e somente porque se apresentou de um modo particularmente estabelecido foi produzida segundo uma regra totalmente determinada foi proposta segundo um método específico KELSEN Lineamenti cit p 96 17 Id p 97 18 Sobre o problema dos critérios de validade e sobre o conceito de validade nos ordenamentos contemporâneos e nos Estados constitucionais cf infra cap IV 3 última parte e 4 com referência a H L A Hart Toda a problemática ligada ao sistema dinâmico kelseniano à natureza de vontade do ato produtor de normas ao papel atribuído à interpretação foi e continua sendo debatida também em relação à recente publicação de Allgemeine Theorie der Normen de Kelsen org de K Ringhofer e R Walter Viena 1979 cuja tradução italiana foi publicada por M Torre Turim 1985 obra na qual Kelsen chega à conclusão de que a lógica não se aplica às normas conclusão que pro Se a produção de normas é sempre um ato de vontade então a discricionariedade de tal ato e portanto o espaço de interpretação entram em jogo pelo fato de que a norma delegante não esgota materialmente a determinação do conteúdo da norma inferior dáse um âmbito de indeterminação no qual o órgão que aplica o direito se encontra diante de um esquema que tem várias possibilidades e não uma solução absoluta e única nem mesmo com o uso de métodos interpretativos coativos19 Assim a interpretação realizada por um órgão que aplica o direito cria direito Já se observou que Kelsen limita o papel da interpretação porque esta ocorre dentro de um sistema fechado por mais criativa que possa ser a atividade identificada com o nome de aplicação20 Efetivamente o reconhecimento da margem de decisão na aplicação da norma é acompanhado da invariância estrutural do direito a volição do juiz é a vocou numerosas dissensões e induziu a rever no seu conjunto e freqüentemente a periodizar com precisão o pensamento de Kelsen Para esse debate muito amplo e rico em intervenções de numerosas perspectivas cf L GIANFORMAGGIO ed Hans Kelsens Legal Theory A Diachronic Point of View Turim 1990 e GIANFORMAGGIO ed Sistemi normativi statici e dinamici Analisi di una tipologia kelseniana Turim 1991 Vejase também L GIANFORMAGGIO In difesa del sillogismo pratico ovvero alcuni argomenti kelseniani alla prova Milão 1987 19 KELSEN La dottrina pura cit pp 385 ss 20 G TARELLO Diritto enunciati usi Bolorwha 1974 pp 4101 Nem por isso se confunda a relevância que Kelsen atribui aí à interpretação com a que será atribuída pelas teorias hermenêuticas contemporâneas cf infra No mérito repetindo o conceito já expresso por Tarello entre outros F VIOLA Ermeneutica e diritto Mutamenti nei paradigmi tradizionali della scienza giuridica in Rivista internazionale di filosofia del diritto abriljunho de 1989 p 342 Segundo Kelsen o objetivo da teoria do direito é identificar a característica que torna jurídica uma norma e nessa empresa a interpretação é deixada totalmente do lado de fora da porta Só depois de se desenhar o panorama da validade normativa é que a porta é aberta para a interpretação A grande importância dada ao sistema dinâmico e à delegação de poder com o fim de estabelecer a interligação tipicamente jurídica entre normas de grau diferente põe para fora do jogo a relevância da interpretação dos conteúdos normativos para a teoria do direito Sobre a interpretação em KELSEN cf também infra cap II 1 mediação entre a estrutura formal da norma e o caso concreto mediação que se move dentro do edifício global pensado como independente daquelas escolhas e daquelas decisões No edifício da nomodinâmica é decisivo o papel da chamada norma hipotética fundamental porque ela é norma de fechamento do sistema exatamente sob o aspecto dinâmico Ela deve ser pressuposta não é posta como a hipótese na qual se deve deter a série de remissões de validade de normas inferiores a superiores além da primeira constituição histórica e é pressuposta como válida porque sem tal pressuposto nenhum ato humano poderia ser interpretado como ato jurídico e especialmente como ato criador de normas21 Como condição de validade de todo o sistema como condição transcendental dele e de cada uma das normas a norma fundamental é o ponto último do ordenamento a partir do qual é possível propor o tema da validade como tema conceitualmente diferente da eficácia mas ela é também um diafragma sutil que pode tornarse precário A pressuposição da validade da norma fundamental com que se interrompe a corrida ao infinito que possibilita designála como constituição em sentido lógicojurídico para distinguila da constituição em sentido jurídicopositivo22 é a operação mental realizada por quem quer que assuma como normas objetivamente válidas a constituição e os atos subseqüentes e conformes a essa Daí decorre a relação que Kelsen institui entre validade e eficácia de um ordenamento o sentido da norma fundamental está em assumir como válidas as normas que estão contidas numa constituição vigente e dela decorrem normas que por sua vez são capazes de eficácia a validade de um ordenamento não pode ser remetida a uma constituição e a normas que não possuam de modo algum esse caráter de 21 H KELSEN Teoria generale del diritto e dello Stato 1945 trad ital de S Cotta e G Treves Milão 1952 p 118 Trad bras Teoria geral do direito e do Estado São Paulo Martins Fontes 3ª ed 1998 22 KELSEN La dottrina pura del diritto cit p 223 eficácia A validade do sistema e das suas normas é sim conceitualmente autônoma em relação à sua eficácia mas não totalmente independente existem normas juridicamente válidas porque pertencentes ao ordenamento ainda que não individualmente eficazes o que ocorre com periodicidade e frequência mas no conjunto não se pode atribuir validade a um ordenamento que não decorra de uma constituição eficaz vigente em sentido jurídicopositivo A nãocoincidência entre os dois planos é assim mantida o pensamento kelseniano por outro lado atenuou o radicalismo inicial da separação subseqüente ao contacto com a experiência jurídica americana que dimensiona a existência das normas mais com base em sua eficaz presença nos pronunciamentos das cortes do que em sua disposição em códigos23 Validade e eficácia implicamse mutuamente escreve Kelsen ainda que não se identifiquem Aliás a bem da verdade para Kelsen isso exprime com formulação diferente a antiga verdade o direito não pode existir sem força mas não se identifica com a força segundo a teoria aqui exposta ele é certo ordenamento ou certa organização da força24 3 Direito vs Força Em torno do assunto brotaram discussões sutis e vastas especulações lógicas mas o fato é que o sistema normativo construído por Kelsen fundase em si mesmo e é obje 23 As normas de um ordenamento jurídico positivo estão em vigor pelo fato de que a norma fundamental que constitui a regra fundamental para a sua produção é pressuposta como válida e não porque elas sejam eficazes mas elas estarão em vigor apenas enquanto ou seja até quando esse ordenamento jurídico for eficaz Assim que a constituição isto é o ordenamento jurídico como totalidade que nela se funda perde a eficácia também o ordenamento jurídico e portanto cada uma de suas normas perdem validade KELSEN La dottrina pura del diritto cit p 242 24 Id p 243 MANUAL de Filosofia POLÍTICA Para os cursos de Teoria do Estado Ciência Política Filosofia e Ciências Sociais Coordenadores FLAMARION CALDEIRA RAMOS RÚRION MELO YARA FRATESCHI Editora Saraiva DADOS DE COPYRIGHT Sobre a obra A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros com o objetivo de disponibilizar conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos bem como o simples teste da qualidade da obra com o fim exclusivo de compra futura É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda aluguel ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo Sobre nós O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa Você pode encontrar mais obras em nosso site LeLivrosNet ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimentoe não lutando por dinheiro e poder então nossa sociedade enfim evoluira a um novo nível Rua Henrique Schaumann 270 Cerqueira César São Paulo SP CEP 05413909 PABX 11 3613 3000 SACJUR 0800 055 7688 de 2ª a 6ª das 830 às 1930 saraivajureditorasaraivacombr Acessewwwsaraivajurcombr FILIAIS AMAZONASRONDÔNIARORAIMAACRE Rua Costa Azevedo 56 Centro Fone 92 36334227 Fax 92 36334782 Manaus BAHIASERGIPE Rua Agripino Dórea 23 Brotas Fone 71 33815854 33815895 Fax 71 33810959 Salvador BAURU SÃO PAULO Rua Monsenhor Claro 255257 Centro Fone 14 32345643 Fax 14 32347401 Bauru CEARÁPIAUÍMARANHÃO Av Filomeno Gomes 670 Jacarecanga Fone 85 32382323 32381384 Fax 85 32381331 Fortaleza DISTRITO FEDERAL SIASUL Trecho 2 Lote 850 Setor de Indústria e Abastecimento Fone 61 33442920 33442951 Fax 61 33441709 Brasília GOIÁSTOCANTINS Av Independência 5330 Setor Aeroporto Fone 62 32252882 32122806 Fax 62 32243016 Goiânia MATO GROSSO DO SULMATO GROSSO Rua 14 de Julho 3148 Centro Fone 67 33823682 Fax 67 33820112 Campo Grande MINAS GERAIS Rua Além Paraíba 449 Lagoinha Fone 31 34298300 Fax 31 34298310 Belo Horizonte PARÁAMAPÁ Travessa Apinagés 186 Batista Campos Fone 91 32229034 32249038 Fax 91 32410499 Belém PARANÁSANTA CATARINA Rua Conselheiro Laurindo 2895 Prado Velho FoneFax 41 33324894 Curitiba PERNAMBUCOPARAÍBAR G DO NORTEALAGOAS Rua Corredor do Bispo 185 Boa Vista Fone 81 34214246 Fax 81 34214510 Recife RIBEIRÃO PRETO SÃO PAULO Av Francisco Junqueira 1255 Centro Fone 16 36105843 Fax 16 36108284 Ribeirão Preto RIO DE JANEIROESPÍRITO SANTO Rua Visconde de Santa Isabel 113 a 119 Vila Isabel Fone 21 25779494 Fax 21 25778867 25779565 Rio de Janeiro RIO GRANDE DO SUL Av A J Renner 231 Farrapos FoneFax 51 33714001 33711467 33711567 Porto Alegre SÃO PAULO Av Antártica 92 Barra Funda Fone PABX 11 36163666 São Paulo ISBN 9788502160231 Manual de filosofia política para os cursos de teoria do Estado e ciência política filosofia e ciências sociais Flamarion Caldeira Ramos Rúrion Melo Yara Frateschi São Paulo Saraiva 2012 Vários autores Bibliografia 1 Filosofia política Manuais I Ramos Flamarion Caldeira II Melo Rúrion III Frateschi Yara Índices para catálogo sistemático 1 Filosofia política Manuais 32001 DIRETOR DE PRODUÇÃO EDITORIAL Luiz Roberto Curia GERENTE DE PRODUÇÃO EDITORIAL Lígia Alves EDITORA Thaís de Camargo Rodrigues ASSISTENTE EDITORIAL Aline Darcy Flôr de Souza PRODUTORA EDITORIAL Clarissa Boraschi Maria PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS Ana Cristina Garcia Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan e Evandro Lisboa Freire ARTE E DIAGRAMAÇÃO Knowhow Editorial REVISÃO DE PROVAS Rita de Cássia Queiroz Gorgati e Paula Brito PESQ UISA ICONOGRÁFICA Marcia Sato SERVIÇOS EDITORIAIS Camila Antioli Loureiro e Maria Cecília Coutinho Martins CAPA IDÉE arte e comunicação IMAGENS DA CAPA da esquerda para a direita A morte de Sócrates Jacques Louis David Folha de rosto da edição de 1651 de O Leviatã Reprodução A escola de Atenas Rafael Emmanuel Kant Biblioteca Nacional de Paris A Liberdade guiando o povo Eugène Delacroix Georg F W Hegel Lazarus Gottlieb Sichling Quarta capa Príncipe de Orange desembarcando em Torbay William Miller PRODUÇÃO GRÁFICA Marli Rampim Data de fechamento da edição 15122011 Os Contratualistas Hobbes Locke e Rousseau Maria Isabel de Magalhães Papaterra Limongi Bibliografia De um modo geral o termo Contratualismo designa toda teoria que pensa que a origem da sociedade e do poder político está num contrato um acordo tácito ou explícito entre aqueles que aceitam fazer parte dessa sociedade e se submeter a esse poder Embora não se trate de uma posição estritamente moderna nem restrita às filosofias de Hobbes Locke e Rousseau o Contratualismo adquiriu o estatuto de um movimento teórico ou corrente de pensamento precisamente com esses autores Quando alguém contemporaneamente se declara um contratualista referese ou filiase a eles Assim quando Rawls 2000 p 12 declara que sua teoria da justiça prolonga a teoria do contrato social tal como se encontra em Locke Rousseau e Kant logo em seguida puxa uma nota indicando que não estava se esquecendo de Hobbes mas que o deixara deliberadamente de lado Ele tem de fazer isso já que como os autores citados Hobbes é um e o primeiro dos contratualistas O fato de que Rawls faça esse recorte no interior do Contratualismo indica o quanto é problemático referirse a ele como fizemos nos termos de uma tradição movimento teórico ou corrente de pensamento Diferentes tradições liberal absolutista democrática jusnaturalista juspositivista perpassam o Contratualismo E não obstante há algo como o Contratualismo um ponto em comum que une Hobbes Locke e Rousseau Se esses autores não partilham dos mesmos ideais políticos e das mesmas tradições partilham por certo de uma sintaxe comum para fazer uso de uma expressão de Matteucci no verbete Contratualismo do Dicionário de política editado por ele Bobbio e Pasquino Segundo o autor os contratualistas são assim chamados porque aceitam a mesma sintaxe a saber a da necessidade de basear as relações sociais e políticas num instrumento de racionalização o direito ou de ver no pacto a condição formal da existência jurídica do Estado BOBBIO MATTEUCCI PASQUINO 2010 p 279 Observemos mais de perto o que está em jogo nessa sintaxe A tese de que a origem da sociedade política está num contrato implica que a sociedade política é um artifício isto é uma forma de associação a que os homens não são conduzidos pelo movimento natural de suas paixões e na qual não estão desde sempre inseridos de maneira espontânea ou irrefletida como a família por exemplo mas uma comunidade que os homens resolvem instituir voluntariamente na medida em que têm razões e motivos para isso Nesse sentido a distinção entre um estado de natureza e um estado civil é central no Contratualismo Ela indica o momento anterior e o posterior à instituição do corpo político e permite que se retire de uma descrição do estado de natureza as razões e os motivos que explicam essa instituição Além disso a tese contratualista implica que a política se funda sobre uma relação jurídica Pois o contrato que dá início à associação política é um ato jurídico tratase de uma figura do direito privado romano pelo qual as partes contratantes estabelecem direitos e deveres recíprocos Para o Contratualismo a sociedade política não apenas se funda sobre uma relação jurídica como se distingue das outras formas de comunidade precisamente por isso Na busca do fundo jurídico sobre o qual se assentam as relações políticas o Contratualismo prolonga a seu modo a tradição do direito natural que remonta a Aristóteles e aos estoicos e que entre os modernos é encabeçada por autores como Grotius e Pufendorf que influenciaram diretamente os contratualistas aqui em questão A noção de um direito jus natural aponta para a existência de certos padrões ou critérios de legitimação das relações políticas que preexistem a essas mesmas relações ou que não dependem diretamente delas para se fazer valer A noção de contrato aponta também para isso mas de um modo particular Por meio dela se pensa esse subsolo jurídico da política nos termos específicos de um contrato é a relação contratual não a natureza que oferece os padrões e critérios de legitimação das relações políticas instituídas por ela Serão legítimas as instituições que estiverem de acordo com os seus termos daí por que seja fundamental conhecêlos bem como procuraram fazer os contratualistas cada um a seu modo O decisivo no modo contratualista de pensar o fundo jurídico da política é a ideia de que a estrutura jurídica do corpo político lhe é coextensiva isto é que o corpo político reside precisamente no conjunto das relações de direito e deveres estabelecidas pelo contrato É isso o que está em jogo no moderno conceito de Estado que substitui as expressões clássicas como polis ou civitas cidade para designar a forma de associação especificamente política O Estado se define como um conjunto de relações de poder pensadas e legitimadas em termos de direitos e deveres Os autores contratualistas contribuíram diretamente para a formação desse conceito O ponto de partida de todos eles é a ideia de que o poder político ou as relações de poder de natureza política podem e devem ser legitimadas pelo recurso à noção de contrato O pressuposto comum é o de que o poder político para que seja legítimo possa ser pensado como se tivesse sido instituído por um ato contratual mesmo que efetivamente talvez não tenha sido O pressuposto é o de que o poder político é por natureza legitimável um pressuposto que prolonga e especifica a tradição jusnaturalista clássica sem dúvida predominante mas que não é a única a partir da qual se pensou a política Assim como entre os modernos houve quem procurasse desmontar a noção de direito natural1 ou que criticasse o recurso à ideia de contrato2 há entre as filosofias contemporâneas além daquelas que reivindicam sua filiação ao Contratualismo outras que apontam para os limites dessa noção quando se trata de pensar as relações de poder contemporâneas3 O que se põe em questão nessas críticas é justamente o pressuposto que alicerça o Contratualismo de que o poder político possa e deva ser capturado por um esquema jurídico e ser nesse sentido perfeitamente legitimável Ao assumir isso não se trata para os contratualistas de dizer que toda forma de poder é legítima ou passível de legitimação mas que o poder só é propriamente político só é o poder da cidade se puder ser legitimado pelo contrato se puder ser pensado como se tivesse sido instituído por ele Pois sem contrato não há cidade e as relações de poder que se dão fora desse esquema não são propriamente políticas O poder político é assim senão aquele que efetivamente foi fundado por contrato o que se pode pensar ter sido A ressalva é fundamental Ela indica que as relações políticas não estão sendo pensadas pelos contratualistas nos termos das relações efetivas de poder que os homens têm uns com os outros mas nos termos de como devem ser pensadas para que se adequem a certo conceito de política Isso é explícito em Rousseau que lança mão da ideia de contrato e conceitua a política a partir dela ao mesmo tempo que faz uso de todo o seu talento literário para mostrar que as instituições políticas do seu tempo e as relações de poder historicamente constituídas não se ajustam a esse conceito Ao pensar a política a partir do contrato Rousseau a pensa do ponto de vista de como ela deveria ser não de como ela é Seu ponto de vista é normativo não descritivo Retrato de JeanJacques Rousseau por Maurice Quentin de La Tour 1753 Museu Antoine Lécuyer SaintQuentin O ponto de vista normativo é comum a todos os contratualistas ainda que a sua adoção implique entre eles diferentes graus de idealização da política Enquanto Hobbes pensa poder legitimar com sua teoria do contrato qualquer poder de fato instituído e Locke pensa que alguns são legitimáveis e outros não Rousseau parece se comprometer com a tese de que nenhum poder de fato corresponde à ideia de como o poder político deve ser Em Rousseau o contrato opera como uma ideia a partir da qual medimos o grau de legitimidade das instituições históricas em contraposição ao modo como elas de fato são É como uma ideia reguladora que Kant a partir de Rousseau pensará o contrato insistindo no desnível entre os planos normativo e descritivo Assim um aspecto fundamental das teorias contratualistas é que elas operam no nível de uma ficção de um como se Esse é um traço distintivo do modo como o Contratualismo pensou a questão da legitimação da política a sua questão fundamental Ao recorrer à noção de contrato nenhum dos contratualistas pretendeu descrever como de fato se originaram as instituições políticas mas como se pode pensar que elas tenham se originado para que possam ser consideradas legítimas ou para que possam se legitimar O esquema do contrato pode ou não se aplicar às instituições efetivas legitimandoas ou não Seja lá como for o importante é que o esquema de legitimação não é retirado de uma descrição das instituições concretas e históricas mas da ideia de contrato tomada como um ens fictionis um ente fictício Dizer que o contrato é um ens fictionis não implica dizer que ele é irreal mas que goza de uma realidade própria que é a realidade jurídica enquanto pertencente ao plano da ideia e do pensamento Esse modo de pensar contrasta com um outro que consiste em retirar da história os princípios normativos da política tal como faz Cícero por exemplo Como os contratualistas Cícero considera que a vida política fundase sobre o consentimento comum acerca do justo Segundo ele a república é a coisa do povo e o povo a reunião de uma multidão de indivíduos associados em virtude de um acordo sobre o direito juris consensu e de uma comunidade de interesses CÍCERO 2002 I xxv A fundação do corpo político é desse modo pensada nos termos de um acordo em torno do que é justo Esse acordo porém não tem a forma e a estrutura jurídica de um contrato Tratase de um acordo ou consentimento tácito em torno de certos valores e princípios comuns de convivência Além disso tratase de um acordo efetivo e não de um como se Tratase do acordo que certos homens fizeram em tais e tais circunstâncias históricas mais precisamente o acordo que os romanos fizeram no momento da fundação de Roma e os acordos que a este se somaram ao longo da história romana Pois é Roma enquanto uma Cidade concreta e histórica o ponto de partida de Cícero para pensar a política e suas formas de legitimação O juris consensus de que ele nos fala não é portanto um ens fictionis e não tem a forma jurídica de um contrato Também para Maquiavel a história efetiva tem uma importância decisiva Não só de Roma mas de todo exemplo histórico ele procura retirar alguma lição sendo a história importante para ele não apenas porque fornece exemplos e regras para a ação política mas porque perfaz a substância mesma da política A política é para Maquiavel uma atividade concreta inserida em circunstâncias particulares e contingentes entre as quais se procura ordenar com maior ou menor sucesso uma vida comum Para Maquiavel como para Cícero a política tem uma natureza histórica Pois bem não é assim que a veem os contratualistas DU CONTRACT SOCIAL OU PRINCIPES DU DROIT POLITIQUE PAR J J ROUSSEAU CITOYEN DE GENEVE fuderis aequis Dicamus leges Æneid xl A AMSTERDAM CHEZ MARC MICHEL REY MDCCLXII Folha de rosto da edição de 1762 de O contrato social ou Princípios de Direito Político de JeanJacques Rousseau Hobbes mesmo que profundamente interessado na história tendo traduzido para o inglês a História da guerra do Peloponeso de Tucídides e tendo escrito uma história da guerra civil inglesa no Behemoth não pensa que se possa retirar dela o conhecimento da política muito menos que a política tenha uma natureza histórica Ele pretende fazer da política uma ciência racional e do corpo político um construto da razão o que quer dizer que tanto o conhecimento quanto a ação política dependem da percepção de certas relações necessárias e universais entre as ideias pois é nisso o que consiste a razão segundo o modelo matemático a partir do qual foi pensada nos quadros do racionalismo cartesiano com o qual a filosofia de Hobbes manteve estreitas relações A história não oferece senão relações contingentes e particulares Dela se podem retirar apenas conjecturas não uma ciência que vem a ser um discurso em que se encadeiam proposições segundo relações necessárias A matemática é uma ciência exemplar Nela partese de definições bem construídas das quais se retiram consequências necessárias Assim por exemplo uma figura como o triângulo é definida como uma figura de três ângulos e dessa definição se retira a consequência de que a soma de seus ângulos é 180º HOBBES 1974 A conclusão vale necessária e universalmente para todo triângulo porque está analiticamente contida na definição Do mesmo modo se pode proceder na política de acordo com Hobbes Partindose do contrato que é uma forma de definição a definição da vontade dos contratantes podese retirar dele como consequência os direitos e deveres das partes contratantes analiticamente embutidos nas definições das vontades que compõem o contrato E assim como seria uma contradição afirmar que o triângulo tem três ângulos e que a soma de seus ângulos equivale a 70º é um absurdo declarar a vontade de uma certa maneira e agir de modo contrário às ações que estão imbricadas nessa definição Hobbes considera que a injustiça que consiste para ele no não cumprimento dos contratos é uma forma de contradição lógica Segundo ele assim como se considera absurdo contradizer aquilo que inicialmente se sustentou assim também no mundo se chama injustiça e injúria desfazer voluntariamente aquilo que inicialmente se tinha feito HOBBES 1974 p 83 É enquanto um cálculo racional dessa natureza um cálculo pelo qual se retiram consequências necessárias de definições previamente assumidas como se faz na matemática que Hobbes pensa a política A política enquanto ciência cujos princípios ele se pretende o primeiro a expor consiste no cálculo dos deveres e direitos que se seguem do ato contratual instituidor do corpo político Tratase assim de uma ciência que como as matemáticas se constrói num espaço lógico não histórico Dois e dois são quatro ontem hoje e sempre Do mesmo modo certos deveres se seguem dos termos de um contrato sub specie aeternitatis Podese assim conhecer a estrutura jurídicoracional da sociedade política a partir da ideia de como pode ter sido o contrato de sua instituição de um modo tal que essa estrutura permanece válida e igual a si mesma independentemente do que os homens tenham feito ou deixado de fazer e de como compreendam os princípios e as razões que os engajam na vida política Sejam quais forem de fato as motivações dos homens seja lá como tenham se constituído as relações de poder entre eles o contrato permite pensar independentemente de qualquer experiência empírica e qualquer saber histórico quais deveriam ter sido essas motivações e como devem ser essas relações Eis a natureza do contrato enquanto uma realidade de pensamento e um ente de razão Mas isso que se aplica a Hobbes aplicase de maneira geral ao Contratualismo Locke parece considerar o contrato de um modo diverso ao se dedicar a responder longamente no Segundo tratado sobre o governo duas objeções de ordem histórica dirigidas por Robert Filmer4 às suas teses contratualistas Filmer objeta que 1 não se encontram exemplos de homens em estado de natureza e que 2 todos os homens já nascem sob a vigência de um determinado governo Em sua resposta Locke parece considerar o contrato como uma realidade histórica não como uma ficção jurídica ao modo de Hobbes No entanto as considerações de Locke sobre a história têm um caráter marginal no argumento contratualista do Segundo tratado Provavelmente os parágrafos em que elas são desenvolvidas os parágrafos 100 a 122 capítulo VIII foram escritos e acrescentados posteriormente à composição original da obra como aponta P Laslett seu editor Elas desempenham um papel polêmico tratase de responder a um autor Filmer que tomando o contrato como uma realidade histórica pensa poder retirar da história argumentos que derrubem a tese contratualista Mas os argumentos históricos que Locke contrapõe aos de Filmer não fazem parte do núcleo do seu próprio argumento a favor do Contratualismo Que o argumento de Locke não seja fundamentalmente histórico mostrao o conteúdo mesmo das suas considerações históricas no diálogo com Filmer Contra a objeção de que não se encontram exemplos de homens do estado de natureza Locke se refere a Roma e Veneza enquanto dois exemplos históricos da união de vários homens livres e independentes uns dos outros entre os quais não havia nenhuma superioridade ou sujeição naturais LOCKE 2005 p 474 É assim que a literatura republicana que remonta a Cícero trata dos exemplos de Roma e Veneza como duas repúblicas que se fundaram por meio de um consentimento de seus cidadãos em torno de certas instituições fundamentais consentimento este que se supunha ter ocorrido num determinado momento da história Sendo assim não há como negar que antes da fundação dessas repúblicas o que se tinha embora não se tenham registros desse momento histórico eram homens vivendo num estado de natureza Acrescentese a isso diz Locke os relatos dos viajantes acerca dos habitantes da América onde parece vivese sem nenhum governo Locke porém apresenta esses exemplos com uma ressalva embora um argumento baseado no que foi em vez de naquilo que deveria por direito ser não tenha muita força LOCKE 2005 p 475 A ressalva é fundamental Ela dará caução para a concessão que ele fará a seguir a seu adversário ao admitir que em boa parte das vezes os governos tiveram início não do consentimento expresso como nos casos das repúblicas supracitadas mas na autoridade natural do pai LOCKE 2005 Essa tese a tese patriarcalista é justamente aquela defendida por Filmer em O Patriarca e que Locke pretende rebater nos Dois tratados sobre o governo O que Locke concede a Filmer é que os governos podem até efetivamente ter nascido dessa maneira na maior parte das vezes mas justamente essa concessão de ordem histórica não invalida a tese de que o que legitima e funda a autoridade dos primeiros governantes que segundo a concessão provavelmente eram os patriarcas é o consentimento dos homens que o obedecem mesmo que estes jamais tenham parado para pensar nas razões pelas quais acataram essa autoridade O importante é que se em algum momento vierem a se perguntar por essas razões como fizeram os ingleses em função da crise de legitimidade que abalou a monarquia inglesa na segunda metade do século XVII encontrariam no consentimento uma resposta de modo que um governo historicamente constituído como o de Jaime II que na visão de Locke pretendeu se furtar ao consentimento e fundar sua autoridade alhures deve ser destituído como de fato ocorreu na Revolução Gloriosa o contexto ideológico em que se inscrevem os Dois tratados Como Hobbes Locke fundamenta o direito político não na história mas na razão entendida como um conjunto de relações necessárias entre as ideias É numa relação dessa ordem que consiste para ele o direito natural na medida em que pode ser conhecido pela razão Segundo ele as ideias de pessoa trabalho e propriedade estão relacionadas entre si de modo a evidenciar que cada um é por natureza proprietário de certos bens Pois cada homem tem direito sobre a própria pessoa no sentido de que sua pessoa pertence só a ele e a mais ninguém logo cada um tem direito também ao produto do trabalho realizado por sua pessoa uma vez que pelo trabalho misturase algo de seu às coisas da natureza que são assim transformadas em sua propriedade LOCKE 2005 O direito à propriedade é nessa medida estabelecido pela simples consideração das relações internas existentes entre as ideias de pessoa trabalho e propriedade relações tão necessárias quanto 2 e 2 são 4 Também para Locke as relações matemáticas são modelo de racionalidade E na medida em que obedece a esse modelo o direito natural pode ser perfeitamente estabelecido e conhecido pela razão É para assegurar esse direito que segundo Locke os homens instituem o governo civil Pois se no início da história sem que fosse preciso a mediação de nenhum governo a propriedade de cada um era respeitada e o direito natural se mostrava suficiente para regular a vida em comum dos homens com o tempo conforme as relações de propriedade foram se tornando mais complexas e controvérsias surgiram a seu respeito foi preciso criar um governo que as regulasse garantindo que se dessem em conformidade com o direito natural É assim que Locke como Hobbes pensa o contrato como um ens fictionis tudo se passa como se os homens tivessem instituído o governo visando garantir o direito à propriedade Mas à diferença de Hobbes Locke estabelece uma relação entre essa ficção e a história da humanidade pois é segundo ele num certo momento da história no momento em que as relações de propriedade atingiram um determinado grau de complexidade que os homens se viram na necessidade de pensar suas relações recíprocas a partir do conhecimento das relações racionais que perfazem o direito natural e político O mesmo ocorre em Rousseau para quem igualmente importa relacionar o esquema racional do contrato aos fatos da história humana procurando identificar na história as razões pelas quais os homens devem pensar e normatizar suas relações políticas segundo a ideia do contrato Podese dizer que para Locke e Rousseau o contrato guardando seu estatuto de ente fictício está numa certa relação com a história A diferença está em que para Locke a referência ao contrato permite aos homens reencontrar a racionalidade perdida de suas relações primitivas enquanto para Rousseau a referência ao contrato é o que permite instaurar a racionalidade e a moralidade que as relações humanas nunca tiveram e que só podem ter como veremos por meio do contrato No Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Rousseau conta a história da humanidade nos termos de uma sucessão de acasos de eventos que não podem ser compreendidos como se tivessem sido conduzidos pela vontade e pela razão humana na medida em que são contrários ao que se pode pensar ser essa vontade Que homem pôde querer se pôr sob grilhões e perder sua liberdade que é o que Rousseau entende que os homens fizeram ao se submeterem aos governos efetivamente existentes Os homens nasceram livres e por toda parte se veem sob grilhões ROUSSEAU 2006 I 1 Sendo assim entendendose a história da formação dos governos nos termos da história da dominação e da desigualdade entre os homens a história não é e nunca foi racional Racional é a sociedade que os homens podem formar em acordo com as suas vontades que é precisamente o que se pretende descrever por referência à noção de contrato A perspectiva adotada por Rousseau o leva a estabelecer quase que uma incompatibilidade entre a história efetiva e a ideia do contrato Pois a história não caminha para se ajustar ao esquema jurídico do contrato Fazer esse ajuste seria como trocar os trilhos sobre os quais corre o carro da história com ele em andamento um problema que não se coloca para Hobbes e Locke para os quais a estrutura jurídica e ahistórica do contrato se aplica sem resistências às relações históricas e efetivas Para Rousseau porém essa aplicação resta problemática um problema que será depois explorado por Kant ao fazer do contrato uma ideia reguladora que os homens devem manter no horizonte como um fim a que buscam e para o qual dirigem as suas ações ainda que talvez jamais venham a alcançálo O que importa do ponto de vista kantiano não é resolver como afinal se pode conformar a história ao direito deduzido da ideia do contrato mas que essa ideia ofereça princípios normativos para a ação política Eis então o que está em jogo na sintaxe contratualista o contrato é um esquema jurídico que aplicado às relações de poder entre os homens permite legitimálas e racionalizálas No entanto quando se fala em Contratualismo não se pensa apenas nessa sintaxe comum às filosofias de Hobbes Locke e Rousseau Pensase também no debate vivo e pungente que se estabeleceu entre elas um debate curioso já que os chamados contratualistas não se reconhecem enquanto grupo não se filiam explicitamente uns ao outros mas ao contrário fazem uso de uma mesma sintaxe para se criticarem uns aos outros Locke não cita nominalmente Hobbes que não é o seu interlocutor privilegiado e sim Filmer nos Dois Tratados Mas evidentemente a obra de Hobbes está no subsolo dessa obra não apenas por causa da sintaxe contratualista mas porque assim como às teses realistas de Filmer com ela também se rebate as de Hobbes Na discussão constitucional que dividiu a Inglaterra em dois partidos o partido do Rei e o do Parlamento Hobbes e Filmer estão do lado do Rei ainda que por caminhos muito diversos Locke está do lado do Parlamento Locke e Hobbes são assim inimigos políticos Rousseau por sua vez critica explicitamente a concepção hobbesiana do estado de natureza ROUSSEAU 2005 e se refere ao pacto tal como concebido por Hobbes o pacto pelo qual se institui um governo tendo em vista a segurança no gozo da propriedade como um passo na história da desigualdade pelo qual os ricos fizeram de uma usurpação a propriedade um direito e deste direito um instrumento de sujeição dos pobres ROUSSEAU 2005 Com isso Rousseau não apenas critica Hobbes como põe em cheque a tese lockeana de que a propriedade é um direito natural O quanto não teria ganho a humanidade raciocina ele se os homens não tivessem aceito o ato pelo qual alguém tendo cercado um terreno atreveuse a dizer isso é meu ROUSSEAU 2005 p 203 Podese dizer que à mesma sintaxe correspondem diferentes orientações políticas entre os expoentes do Contratualismo BOBBIO MATTEUCCI PASQUINO 2010 Porém mais importante do que reconhecer que do Contratualismo se fizeram diferentes usos políticos é perceber que o que chamamos de Contratualismo se consolidou na forma de um debate real e concreto que o Contratualismo não é portanto uma posição abstrata estanque à qual podemos aderir de um ponto vista filosófico e politicamente neutros mas certo fundo comum a determinadas teorias políticas que travaram um rico debate entre si e se contrapuseram umas às outras Ou seja cabe olhar para o Contratualismo menos como um rótulo aderente às filosofias que partilham da ideia do contrato e mais como um termo que designa certa discussão levada a cabo por determinados pensadores dos séculos XVII e XVIII em torno do conteúdo jurídicoracional da política Neste como em tantos outros debates da história da filosofia o sentido dos termos não é unívoco Não apenas o termo contrato altera significativamente de função e sentido como também outras noções fundamentais a ele correlatas como vontade liberdade direito bem como a própria política Daí por que convenha por vezes colocar os ismos de lado para observar como o seu conteúdo se constrói a partir das filosofias que o animam Assim tendo falado da sintaxe comum aos contratualistas tratemos agora na medida do possível desse debate que os une num feixe de remissões recíprocas e distorções de sentido Uma tese fundamental do Contratualismo de Hobbes é a de que o contrato só é capaz de fundar o corpo político enquanto um sistema de direitos e deveres se for sustentado por um poder soberano Esse poder dá caução ao contrato que só é válido na condição de haver esse poder Hobbes retira essa conclusão de uma teoria geral do contrato exposta no cap XIV do Leviatã Segundo a definição de Hobbes o contrato é um ato voluntário pelo qual se efetua uma transferência mútua de direito HOBBES 1974 Dizer que o contrato é um ato voluntário significa dizer que se espera dele algum bem já que um ato voluntário se define precisamente por ser um ato pelo qual se visa a um bem Isso significa que um contrato do qual não se pode esperar nenhum bem não é um contrato e mesmo que ele tenha sido celebrado as palavras que o celebram são ocas e não criam obrigação o contrato é nulo Desse modo ninguém pode renunciar ao direito de resistir a quem o ataque pela força para tirarlhe a vida dado que é impossível admitir que por meio disso vise algum benefício próprio HOBBES 1974 p 84 Pela mesma razão quando se faz um pacto em que ninguém cumpre imediatamente sua parte e uns confiam nos outros qualquer suspeita razoável torna nulo esse pacto HOBBES 1974 p 86 A razão está em que ninguém pode esperar algum benefício em celebrar um contrato sem garantia de reciprocidade Donde nenhum contrato é válido sem a garantia de que o outro cumprirá a sua parte Hobbes acrescenta a essas teses retiradas de uma teoria do contrato a tese de que no estado de natureza antes da instituição de um governo comum os homens têm boas razões para desconfiarem uns dos outros A função do governo ou mais precisamente do poder do Estado é garantir que as partes cumpram os contratos coagindo aqueles que de outra maneira violariam a sua fé HOBBES 1974 p 86 Dessa maneira o poder do Estado se apresenta como condição da validade dos contratos Servindo de fiador aos contratos ele confere validade a esses atos que de outro modo não poderiam ser pensados como voluntários não instituindo obrigação e não passando de um amontoado de palavras proferidas em vão Um contrato nessas condições seria como uma má definição da vontade da qual não se pode retirar analiticamente nenhuma obrigação como consequência Assim os contratos só instituem obrigações no interior do Estado em virtude do seu poder de coação Hobbes encontra uma bela fórmula para exprimir essa ideia os pactos sem a espada não passam de conversa fiada5 e retira daí a justificativa para o contrato político ele é o contrato por meio do qual se institui o poder que dá caução aos contratos celebrados validandoos e possibilitando a criação de vínculos jurídicos e obrigações a partir das quais os homens passam a regular a sua conduta Assim se os homens têm interesse em fazer contratos e Hobbes argumenta que os homens têm esse interesse pois fazer contratos é a condição da paz que a todos interessa então têm interesse em criar esse poder Esse poder é criado pelo contrato político o contrato dos contratos o contrato que institui a condição de validade de todos os contratos e de si mesmo formulado por Hobbes nos seguintes termos é como se cada homem dissesse a cada homem cedo e transfiro meu direito de governarme a mim mesmo a esse homem ou a esta assembleia de homens com a condição de transferires a ele teu direito autorizando de maneira semelhante todas as suas ações HOBBES 1974 p 109 Há muitos elementos nessa formulação que merecem comentário Ressaltemos dois Primeiro a ideia de que o contrato se dá nos termos de um contrato de autorização ideia que não está presente nas obras políticas de Hobbes anteriores ao Leviatã Autorizar ou conferir autoridade é conferir o direito de praticar determinadas ações HOBBES 1974 Hobbes entende que por meio desse ato de autorização os cidadãos de um Estado reconhecem as ações da autoridade assim constituída como se fossem suas Nesse sentido essa autoridade os representa É por meio da unidade do representante e não dos representados que são muitos e diversos que o corpo político adquire unidade e identidade A instituição de uma instância representante equivale portanto à instituição do corpo político Folha de rosto da edição de 1651 de O Leviatã de Thomas Hobbes No caso da autoridade política conferese a ela esse é o segundo ponto que queremos ressaltar o direito de praticar todas as suas ações Tratase assim de uma autoridade absoluta o que significa que não se pode negar ao Estado ou àqueles que detêm a sua pessoa o direito de praticar seja lá que ação entender por bem praticar Além de uma autoridade absoluta e por isso mesmo o Estado detém um poder soberano ou seja um poder que está acima de todos os outros na medida em que pode contar com a força e o recurso de todos HOBBES 1974 p 110 Hobbes põe a noção de contrato a serviço de uma justificação da soberania do Estado fazendo derivar dos termos do contrato acima mencionados os direitos absolutos da soberania Quando a multidão reunida pactua de modo a ceder a um homem ou assembleia de homens o direito de representála ou o que dá no mesmo quando autoriza todos os atos desse homem ou assembleia como se fossem seus ela está por este mesmo ato reconhecendo que este poder não pode 1 ser transferido para outrem sem seu consentimento 2 ser confiscado 3 ser protestado pela minoria uma vez tendo sido declarado pela maioria 4 ser acusado de injúria 5 ser punido No conjunto tais direitos conferem ao poder político um caráter absoluto posto que juridicamente incontestável no que concerne ao direito de exercer todos os seus atos O Estado é esse poder soberano e absoluto na medida em que instituído por e derivado do contrato Desse modo o poder do Estado ao mesmo tempo que é criado juridicamente por contrato é condição de todo contrato e do próprio contrato que o cria Ou seja o campo jurídico em que consiste o Estado o conjunto de deveres e obrigações criados pelo pacto político pelo qual a multidão se unifica num corpo político é sustentado politicamente pelo poder do Estado Fora do Estado não há obrigações em sentido próprio pois estas são consequências de contratos e não há contratos onde não houver Estado Assim podese dizer que o direito tomado aqui em sentido amplo não apenas como um sistema de normas positivas mas como os parâmetros seja lá qual for sua natureza pelos quais se faz a partilha entre o legítimo e o ilegítimo é fundado politicamente Locke por sua vez emprega o argumento contratualista para definir de uma maneira radicalmente diferente a relação entre o poder político e o direito Pois há para ele um padrão natural de legitimidade anterior à instituição do poder político e a todo contrato que é a lei natural Hobbes também fala em lei natural mas como um conjunto de preceitos da razão dentre os quais os principais são procurar a paz fazer e cumprir contratos que não obrigam propriamente mas aconselham a adotar certa conduta Para Locke contudo a lei natural não sendo apenas um preceito da razão mas um mandamento de Deus obriga em sentido estrito Da lei natural se derivam as obrigações de constituir propriedade pelo trabalho e respeitar as propriedades assim constituídas Para Locke assim como para Hobbes certo conteúdo só constitui obrigação se ao seu não cumprimento estiver associada uma punição Daí por que Hobbes diga que os tais preceitos da razão que ele denomina lei natural não constituem propriamente obrigação salvo se forem considerados a palavra de Deus HOBBES 1974 posto que Deus tem direito de mando sobre os homens na medida em que tem o poder de punir os que não lhe obedecem Mas Hobbes não parece querer se comprometer com essa tese deixando em aberto a questão de saber se os preceitos da razão são ou não mandamentos de Deus Locke ao contrário se esforça por mostrar que as leis de natureza que determinam a constituição da propriedade é um mandamento de Deus o que para ele é uma forma de mostrar que elas constituem obrigação e que há portanto contrariamente ao que diz Hobbes obrigações naturais e précontratuais Isso é importante porque como veremos nesse caso a lei natural pode servir como princípio de limitação do poder político o que ela não é para Hobbes O poder de punição que sustenta as obrigações naturais não é para Locke apenas o poder de Deus mas também o poder de todo e qualquer homem que detém segundo ele o poder executivo da lei de natureza ali onde nenhum governo foi instituído Cada um tem o direito de punir os transgressores da lei de natureza em tal grau que impeça sua violação LOCKE 2005 p 385 Tem de ser assim do contrário raciocina Locke a lei de natureza seria vã A ideia é que toda lei implica obrigação e toda obrigação implica o poder de fazêla valer Deus consiste nesse poder no que se refere à lei natural mas este não é um poder com o qual se possa contar nesse mundo Assim Locke dirá que a lei de natureza obriga antes mesmo da instituição do poder político porque todo homem tem por natureza o poder de sua execução ou seja o poder de punir seus transgressores Seria certamente incorreto dizer que ao conferir a cada homem o poder executivo da lei de natureza Locke estivesse pensando em Hobbes e que visasse a responder a tese hobbesiana de que não há em sentido próprio obrigações naturais Mas o fato é que este é um passo importante na argumentação de Locke para que ele possa dizer contrariamente a Hobbes que há obrigações naturais em sentido próprio A lei natural obriga no estado de natureza porque o seu desrespeito não resta impune e não apenas porque Deus punirá seus transgressores no momento do juízo final mas porque os homens em cujas mãos se depositam a responsabilidade de sua execução também punirão seus transgressores A lei de natureza não depende portanto do poder político para obrigar e regular as relações entre os homens neste mundo Assim há para Locke antes mesmo da constituição do corpo político um conjunto de deveres e obrigações que vinculam os homens uns aos outros não ainda numa sociedade política mas no que ele denomina uma comunidade natural O estado de natureza não é desse modo um estado de dispersão mas um estado em que os homens estão naturalmente ligados uns aos outros pelos vínculos racionais do direito natural Todo homem pode conhecer pelo uso da razão o dever de constituir e respeitar a propriedade Esse reconhecimento vincula os homens uns aos outros numa série de relações de propriedade relações estas que não apenas são relações jurídicas relações de direito e dever como econômicas relações de trabalho e de produção de bens Esses vínculos econômicos e jurídicos e todavia não políticos são os vínculos dos homens na comunidade natural a que pertencem enquanto seres de razão capazes de organizar a vida segundo relações de propriedade Retrato de John Locke por Sir Godfrey Kneller 1697 State Hermitage Museum São Petersburgo O contrato político não cria portanto para Locke como para Hobbes os laços de dever e obrigação Sua função é outra a de evitar que esses laços existentes no âmbito da natureza deixem de ser aqueles pelos quais os homens se pautam em suas relações recíprocas o que ocorre quando o estado de natureza se degenera num estado de guerra quando as relações entre os homens deixam de ser relações de direito e dever pautadas pela lei natural para se tornarem relações de puro poder Ao mencionar o estado de guerra e ao dizer que evitálo é a grande razão pela qual os homens se unem em sociedade e abandonam o estado de natureza LOCKE 2005 p 400 o autor está evidentemente em diálogo com Hobbes Hobbes entende que o estado de guerra é o estado em que os homens naturalmente se encontram em virtude da ausência de restrições naturais não contratuais ao uso do seu poder Segundo Hobbes todo homem possui por natureza o direito ou a liberdade de usar seu próprio poder da maneira que quiser para a preservação de sua própria natureza ou seja de sua vida HOBBES 1974 p 82 Isso significa que os homens não têm nenhuma garantia de que os outros não usarão do seu poder de modo a lhe fazer obstáculo ou a impedir que realizem os seus fins dentre os quais o principal é a preservação de sua vida e natureza Na ausência dessa garantia consiste precisamente a condição de guerra caracterizada por Hobbes como uma condição na qual os homens não podem contar senão com o próprio poder para se garantir na eventualidade de os outros usarem seu poder contra ele A solução para essa situação já sabemos qual é fazer contratos e criar obrigações que limitem o direito ao uso do poder para o que se requer a instituição do poder do Estado Locke entende de outro modo o estado de guerra Para ele os homens não têm direito a usar o próprio poder como quiserem no estado de natureza mas apenas o direito de usar do seu poder em acordo com a lei natural e de modo a fazêla valer diante de seus transgressores Assim o que ocasiona o estado de guerra não é o direito dos homens a usar do seu poder sem restrições mas o fato de que as restrições naturais ao uso do poder possam ser transgredidas É a transgressão da lei natural a transgressão dos laços de dever e não a ausência deles o que coloca os homens em estado de guerra uns com os outros Segundo Locke os transgressores indicam pela sua transgressão que não estão submetidos à lei comum da razão e não têm outra regra que não a da força e da violência e portanto podem ser tratados como animais de presas criaturas perigosas e nocivas que seguramente nos destruirão se cairmos no seu poder LOCKE 2005 p 396 Ou seja a transgressão da lei natural cria uma situação em que os vínculos de dever e obrigação estabelecidos por ela são justificadamente substituídos por relações de puro poder e violência O transgressor trocou um vínculo pelo outro justificando que os outros façam o mesmo com relação a ele Com isso a condição natural que é para Locke uma condição em que os homens estão ligados uns aos outros numa comunidade natural por uma série de vínculos jurídicos e econômicos se degenera numa condição de guerra Para evitar essa consequência os homens instituirão por contrato o governo civil a quem confiam o poder executivo da lei de natureza Mas nesse caso o poder civil não se apresenta como em Hobbes como a condição dos vínculos de direito e dever que se colocam no lugar das relações naturais de poder e violência mas como o poder executivo de um conjunto de vínculos de direito e dever que preexistem a sua instituição e contra os quais esse poder não pode agir sem que se coloque ele mesmo em estado de guerra com os seus súditos justificando que contra ele se use da violência Ou seja a lei natural será para Locke um instrumento de limitação do poder político cabe a ele executála e se de algum modo trair a confiança nele depositada se agir contrariamente à lei de natureza deverá ser destituído Locke portanto usou da ideia do contrato para definir em termos completamente diferentes de Hobbes a relação entre o poder civil e o direito Para Rousseau em contrapartida todo direito é político e convencional todas as maneiras de fazer a partilha entre o legítimo e o ilegítimo são positivas e instituídas como para Hobbes Por natureza isto é antes de qualquer instituição humana não há direito ou seja não há leis deveres e obrigações Mesmo porque os homens não dispõem naturalmente das luzes isto é do entendimento e razão necessários para guiar sua conduta por princípios normativos dessa ordem Esse entendimento é ele mesmo adquirido e não por todos os homens ao longo da história Assim na origem no ponto zero da história que é como Rousseau compreende a noção de natureza as relações humanas não são reguladas por princípios normativos e os filósofos que como Locke identificaram tais princípios na natureza na forma de uma lei natural passaram muito longe de compreender no que consiste a natureza do homem Não se vá porém retirar daí isto é do fato de que não há por natureza princípios normativos a consequência retirada por Hobbes de que as relações naturais entre os homens tendem portanto à guerra e à disputa constante pelo poder Não há direito ou lei natural como quis Locke Mas disso não se segue que a natureza nos impulsione a criálo como quis Hobbes Por natureza os homens não precisam de um sistema normativo para regular suas relações recíprocas Seus sentimentos naturais são suficientes para engajálos numa vida tranquila e pacífica No seu instinto o homem encontra o que precisa para garantir a sobrevivência Suas paixões são simples e fáceis de satisfazer e os sentimentos tenros que nutrem pelos seus semelhantes garantem que a convivência seja pacífica Ou seja o estado de natureza é um estado em que as relações entre os homens não sendo jurídicas mas puramente passionais e afetivas encontramse a despeito disso muito bem reguladas e equilibradas Isso quer dizer que Rousseau deverá fornecer outras razões que não as de Hobbes para justificar a instituição do corpo político pelo ato contratual Seja como for como em Hobbes e à diferença de Locke para Rousseau o direito é criado no momento da instituição do corpo político Ele é instituído por contrato e é coextensivo ao Estado Mais precisamente como em Hobbes o direito fundase para Rousseau sobre o poder soberano do Estado A soberania é a pessoa pública do Estado considerada enquanto uma potência ativa o poder de fazer e impor leis que estando acima dos indivíduos submeteos às decisões coletivas Sem ela o direito não dispõe de autoridade e capacidade de se impor Mais que isso sem ela o direito nem sequer existe Pois todo direito é direito legítimo e o direito só é legítimo se for a expressão da vontade geral ou coletiva posta acima das vontades individuais Às decisões dessa vontade os indivíduos se entregam inteiramente por meio do contrato E porque essa alienação se faz sem reserva a união é tão perfeita quanto possível não restando nenhum poder individual de fora da soberania que a ela pudesse se contrapor A soberania retira daí não apenas a força com que aplica o direito como o princípio a partir do qual o cria não havendo direito senão o que é posto por ela Mas se como Hobbes Rousseau reporta o direito à soberania ele o faz de uma forma muito particular de maneira a circunscrever com precisão cirúrgica o campo em que o poder soberano se exerce com legitimidade O soberano só pelo fato de sêlo é sempre tudo aquilo que deve ser ROUSSEAU 2006 p 24 escreve Rousseau num modo de dizer que a soberania se confunde com o próprio direito e que todos os seus atos são legítimos No entanto nem todo ato de governo pode ser entendido como um ato da soberania isto é como o ato de uma vontade coletiva É o que ocorre toda vez que as ações do governo exprimem um interesse particular A noção de contrato circunscreve assim o campo de legitimação das ações políticas não porque limite o exercício da soberania submetendoa a uma lei superior aos seus decretos mas porque determina o que pode e o que não pode ser considerado atos da soberania Segundo Rousseau o problema fundamental do contrato é o de como formar um corpo político sem dominação como encontrar uma forma de associação que não envolva a submissão da vontade de uns à vontade de outros Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um unindose a todos só obedeça contudo a si mesmo e permaneça tão livre quanto antes esse é o problema fundamental cuja solução é fornecida pelo contrato social ROUSSEAU 2006 p 21 Assim buscase pelo recurso à ideia de contrato uma forma de associação que não envolva e que venha mesmo a expurgar a dominação É precisamente isso o que fará o contrato pensado nos termos de um ato pelo qual os indivíduos se dão inteiramente à comunidade e não se submetem senão à vontade coletiva que deste ato se origina Submeterse ao coletivo não é o mesmo que se submeter à vontade de um ou mais indivíduos Cada um dandose a todos não se dá a ninguém ROUSSEAU 2006 p 21 Ao submeterse ao coletivo cada indivíduo não obedece senão a si mesmo enquanto membro do corpo soberano que quer a vontade geral Tratase com isso de criticar o modo como Hobbes e Locke entre outros pensaram a formação do corpo político como um pacto de submissão da própria vontade à vontade do governante ou da maioria Todo o raciocínio político de Rousseau parte da constatação de que a dominação é um fato Ela é segundo a história narrada no Discurso sobre a desigualdade o estágio mais avançado da desigualdade quando a desigualdade de bens e reputação que se estabeleceu entre os homens ao longo de um lento e gradual processo histórico engendrou em outro capítulo dessa história a desigualdade entre governantes e governados Tratase contudo de mostrar que se relações desse tipo de fato se estabeleceram na história nem por isso podem ser consideradas legítimas Antes disso todo o esforço de Rousseau vai no sentido de mostrar que a dominação é um fato contrário à razão É pela medida do contrato que Rousseau pode fazer essa afirmação Se o corpo político tem origem num contrato tal como sustentam seus interlocutores se ele é instituído por um ato voluntário dessa natureza sua instituição tem que estar em acordo com a vontade que o estabelece Ora a vontade do homem não pode ser pensada como vontade de submissão à vontade de outrem Que razões os homens teriam para isso É como um meio de dramatizar essa questão sem resposta que Rousseau descreve a condição original da humanidade como uma condição de independência recíproca e plena satisfação Que razão o homem teria para ter deixado essa situação em favor de outra em que perdeu sua independência Nenhuma A história da dominação não pode portanto ser contada nos termos de uma história conduzida pela vontade humana Nesse sentido ela é irracional A ideia do contrato por outro lado oferece a solução do problema Ela indica o que deve ser o corpo político para que se coloque em conformidade com a vontade humana entendida como a fonte de todo o direito Ele tem de ser tal como se tivesse sido formado pelo ato de alienação total dos indivíduos ao corpo coletivo Só assim a formação desse corpo não envolve dominação e pode ser pensada como tendo sido formada pela vontade dos homens Só assim ela é racional Assim de um lado há a história da desigualdade e da dominação que é alheia ao direito e da qual não brota nenhum poder legítimo Tudo o que há nessa história são relações de força e a força insiste Rousseau não cria o direito Do outro lado há a ideia de contrato pensada a partir da vontade humana que esta sim cria o direito Mas por isso mesmo essa instituição não pode ser qualquer uma Ela obedece a uma regra ela tem que poder ser pensada como o produto da vontade dos homens Assim embora instituído o direito tem um fundamento natural que é a vontade O que vem a ser essa vontade é algo que só se pode vislumbrar por um esforço de abstração de tudo o que o homem acrescentou à sua condição original pelo que se transformou a ponto de quase chegar a esquecer sua natureza É essa ignorância da natureza do homem que lança tanta incerteza e obscuridade na verdadeira noção de direito natural ROUSSEAU 2005 p 152 O direito natural não se expressa na forma de uma lei de natureza Nem por isso é uma noção dispensável Pois o direito fundase na vontade do homem tal como pensada a partir da natureza como a vontade pela qual o homem teria deixado sua condição natural por uma condição política Essa vontade é definida pela negativa no Discurso sobre a desigualdade tratase da vontade de não se deixar dominar Se o homem não goza mais de sua liberdade natural se ele se interessa pelos bens da civilização e não mais pode viver sem eles se já não pode mais se desfazer dos vínculos que os prendem aos outros homens numa vida civilizada tratase então de saber quais podem ser as instituições dessa vida comum tal que possam concordar com a vontade humana Eis o problema fundamental que o contrato tem de resolver Ao fundar o direito na vontade e ao procurar determinar o que seria a natureza dessa vontade Rousseau busca na natureza um princípio de legitimação do direito político Nisso alinhase a Locke contra a tese hobbesiana de que por natureza todas as ações são legítimas Vêse assim que nossos autores têm posições divergentes sobre a relação entre direito política e história e que o Contratualismo não é portanto uma teoria unívoca mas um diálogo em aberto sobre o sentido dessas relações Bibliografia BOBBIO N MATTEUCCI N PASQUINO G ed Dicionário de política Brasília UnB 2010 v 1 CÍCERO M T La republique Paris Les Belles Lettres 2002 FOUCAULT M Em defesa da sociedade São Paulo Martins Fontes 2005 FRATESCHI Y Hobbes e a instituição do Estado In BERLENDIS V Filósofos na sala de aula São Paulo Berlendis Vertecchia 2007 A física da política Hobbes contra Aristóteles Campinas Ed Unicamp 2008 HOBBES T Leviatã In Hobbes São Paulo Abril 1974 Os Pensadores HUME D Ensaios morais políticos e literários In Hume São Paulo Abril 1973 Os Pensadores LIMONGI M I M P Hobbes Rio de Janeiro Zahar 2002 Filosofia Passo a Passo O homem excêntrico paixões e virtudes em Thomas Hobbes São Paulo Loyola 2009 LOCKE J Dois tratados sobre o governo Editado por Peter Laslett São Paulo Martins Fontes 2005 PASCAL B Pensamentos sobre a política São Paulo Martins Fontes 1994 RAWLS J Uma teoria da justiça São Paulo Martins Fontes 2000 RIBEIRO R J Ao leitor sem medo Hobbes escrevendo contra seu tempo Belo Horizonte Ed UFMG 1999 ROUSSEAU JJ Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens São Paulo Martins Fontes 2005 O contrato social São Paulo Martins Fontes 2006 SALINAS FORTES L R Rousseau da teoria à prática São Paulo Ática 1976 Rousseau o bom selvagem São Paulo FTD 1989 STAROBINSKI J JeanJacques Rousseau a transparência e o obstáculo São Paulo Companhia das Letras 1996 Créditos das imagens Maurice Quentin de La Tour Reprodução Reprodução Sir Godfrey Kneller 1 Por exemplo Pascal 1994 2 Por exemplo Do contrato original Hume 1973 3 Por exemplo Foucault 2005 4 Robert Filmer é autor de O Patriarca ou o poder natural dos reis obra que Locke se dedica a refutar no primeiro dos Dois tratados sobre o governo 5 Segundo a sugestão de tradução de Bento Prado Jr mantendo a rima do original Convenants without the sword are but words Leviathan London Penguin Books 1981 p 223 Resenha Crítica Os Contratualistas por Maria Isagel Limongi Referência Completa da Obra LIMONGI Maria Isagel Os Contratualistas Hobbes Locke e Rousseau São Paulo Saraiva 2012 Introdução A obra Os Contratualistas de Maria Isagel Limongi apresenta uma análise aprofundada das teorias de Thomas Hobbes John Locke e JeanJacques Rousseau destacando como cada um desses filósofos contribuiu para o desenvolvimento do Contratualismo Limongi explora as bases filosóficas e históricas que moldaram as ideias desses pensadores oferecendo uma visão detalhada sobre suas teorias do contrato social Resumo do Conteúdo Maria Isagel Limongi inicia a obra contextualizando o Contratualismo dentro do cenário filosófico e histórico dos séculos XVII e XVIII Ela descreve como o Contratualismo surgiu como uma resposta à necessidade de legitimação do poder político em uma sociedade em transformação A autora analisa as principais obras de Hobbes Locke e Rousseau destacando as diferenças e semelhanças em suas abordagens sobre o contrato social Análise Crítica 1 Clareza e Estrutura Argumentativa Limongi apresenta as teorias contratualistas de maneira clara e bem estruturada A autora consegue articular as ideias complexas de Hobbes Locke e Rousseau tornandoas acessíveis ao leitor A estrutura do livro dividida em capítulos dedicados a cada filósofo facilita a compreensão das diferenças e das conexões entre suas teorias 2 Profundidade da Análise A análise de Limongi é notavelmente profunda e abrangente Ela não se limita a descrever as teorias mas também explora suas implicações filosóficas e políticas Limongi discute a influência de contextos históricos específicos sobre o desenvolvimento das ideias de cada filósofo proporcionando uma compreensão mais rica e contextualizada do Contratualismo 3 Contribuição para o Campo de Estudo A obra de Limongi é uma contribuição significativa para o campo da filosofia política Ao contextualizar e comparar as teorias de Hobbes Locke e Rousseau a autora oferece uma visão integrada do Contratualismo destacando seu impacto duradouro na teoria política moderna Limongi também aborda críticas contemporâneas ao Contratualismo ampliando a relevância da obra para debates filosóficos atuais 4 Criticismo e Limitações Embora a clareza expositiva de Limongi seja uma das principais qualidades da obra o nível de abstração envolvido nas discussões sobre legitimidade política e contrato social pode representar um desafio para leitores sem um background sólido em filosofia A complexidade teórica das análises de Hobbes Locke e Rousseau exige um leitor atento e familiarizado com conceitos filosóficos avançados Contudo essa crítica é mitigada pela habilidade de Limongi em contextualizar e explicar as teorias de maneira didática Conclusão Os Contratualistas de Maria Isagel Limongi é uma obra essencial para a compreensão do pensamento político moderno Através de uma análise detalhada e contextualizada das teorias de Hobbes Locke e Rousseau Limongi oferece uma visão abrangente e crítica do Contratualismo A obra é recomendada para estudantes e estudiosos de filosofia política fornecendo as ferramentas necessárias para entender e avaliar as teorias que moldaram a concepção contemporânea de sociedade e governo Referências BOBBIO N MATTEUCCI N PASQUINO G ed Dicionário de política Brasília UnB 2010 v 1 CÍCERO M T La Republique Paris Les Belles Lettres 2002 FOUCAULT M Em defesa da sociedade São Paulo Martins Fontes 2005 HOBBES T Leviatã São Paulo Abril 1974 Os Pensadores LOCKE J Dois tratados sobre o governo São Paulo Martins Fontes 2005 ROUSSEAU JJ Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens São Paulo Martins Fontes 2005 ROUSSEAU JJ O contrato social São Paulo Martins Fontes 2006 Resenha Crítica Filosofia do Direito por Gianluigi Palombella Referência Completa da Obra PALOMBELLA Gianluigi Filosofia do Direito São Paulo Martins Fontes 2000 Introdução A obra Filosofia do Direito de Gianluigi Palombella se propõe a discutir e aprofundar os principais conceitos da filosofia jurídica abordando temas centrais como a validade das normas jurídicas a relação entre direito e moral e a estrutura normativa do direito Palombella examina teorias contemporâneas e clássicas com um enfoque significativo na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen Resumo do Conteúdo O texto se organiza em torno da análise das principais contribuições de Hans Kelsen especialmente no que diz respeito à sua concepção de sistema jurídico dinâmico e à noção de norma fundamental Palombella detalha como Kelsen redefine o entendimento de obrigatoriedade jurídica desvinculandoo da autoridade e vontade subjetiva e enfocando na formalidade e na estrutura hierárquica das normas jurídicas Análise Crítica 1 Clareza e Estrutura Argumentativa Palombella apresenta as ideias de Kelsen de maneira clara e meticulosa facilitando a compreensão de conceitos complexos como a Stufenbau construção em camadas do sistema jurídico A estrutura do livro que organiza a discussão em torno de temas específicos e os desenvolve com rigor permite ao leitor uma assimilação progressiva dos conteúdos 2 Profundidade da Análise A profundidade da análise é um dos pontos fortes da obra Palombella não se limita a expor as teorias de Kelsen mas também explora suas implicações filosóficas e críticas Ele aborda a transição de uma perspectiva estática para uma dinâmica do direito destacando como essa mudança impacta a compreensão da validade normativa e da autonomia do direito frente a valores morais e sociais 3 Contribuição para o Campo de Estudo Filosofia do Direito é uma contribuição significativa para o campo da teoria jurídica Ao dissecar a Teoria Pura do Direito de Kelsen e confrontála com outras perspectivas Palombella enriquece o debate acadêmico e proporciona uma base sólida para estudos avançados em filosofia do direito A obra se destaca por sua capacidade de integrar discussões teóricas com problemas práticos e normativos do direito contemporâneo 4 Criticismo e Limitações Uma limitação da obra é a complexidade intrínseca dos temas abordados que pode representar um desafio para leitores sem formação prévia em filosofia jurídica Embora Palombella se esforce para tornar acessíveis as ideias de Kelsen o nível de abstração e o rigor analítico exigem um leitor atento e familiarizado com conceitos avançados do direito e da filosofia Além disso a ênfase predominante em Kelsen pode deixar outras perspectivas teóricas relevantes em segundo plano Conclusão Filosofia do Direito de Gianluigi Palombella é uma obra essencial para a compreensão da teoria jurídica moderna especialmente no que tange à Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen Através de uma análise detalhada e crítica Palombella oferece uma visão abrangente e profunda das questões centrais da filosofia do direito tornandose leitura obrigatória para estudantes e estudiosos da área A obra apesar de sua complexidade proporciona as ferramentas necessárias para entender e avaliar as bases normativas do direito contemporâneo Referências BOBBIO N MATTEUCCI N PASQUINO G ed Dicionário de política Brasília UnB 2010 v 1 KELSEN H Teoria pura do direito São Paulo Martins Fontes 1998 VIOLA F Ermeneutica e direito Rivista internazionale di filosofia del diritto 1989

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rais que é o ordenamento jurídico assim ser juridicamente obrigado a certo comportamento decorre simplesmente do fato de que o seu oposto é qualificado como condição de uma sanção Por esse caminho Kelsen não reintroduz no ordenamento a ligação com a autoridade a subjetividade e a vontade ou seja as implicações psicológicas que tinha excluído não se retorna à identidade austiniana entre normas e comandos de uma autoridade e de uma vontade subjetiva de fato são normas apenas as que obrigam também a não levar em conta o conhecimento que se tem delas e pelo fato de poderem ser consideradas válidas por terem emanado de um órgão autorizado 2 Sistema dinâmico Uma transformação que representa outro salto qualitativo em relação à doutrina precedente diz respeito à descrição do sistema jurídico como sistema dinâmico No que concerne à opção já clássica da centralidade da lei como único lugar de produção do direito estatal Kelsen introduz o tema da multiplicidade das fases de produção do direito articuladas e interligadas segundo uma escala hierárquica que ascende à lei e à constituição e da constituição ou das constituições históricas que se sucederam no tempo ao ordenamento internacional mas a partir das normas produzidas por casos individuais antes de tudo pelos juízes Tratase de um sistema de delegações uma construção por graus Stufenbau em virtude da qual as normas de grau superior constituem uma delegação à instância inferior para a produção de uma norma inferior A passagem que se realiza assim da chamada nomostática à chamada nomodinâmica a teoria da Stufenbau foi formulada por Adolf Julius Merkl aluno de Kelsen introduz um elevado número de questões e em alguns casos de aporias porém seu sentido mais imediato está na caracterização do sistema ainda uma vez em termos formais que garantem sua circularidade a autoreferencialidade liberta de qualquer vínculo com opções de conteúdo A relação entre normas típica dos sistemas estáticos tem natureza de implicação conteudística em virtude da qual é possível deduzir de normas de caráter mais geral o conteúdo de normas de caráter mais específico que está logicamente implícito nas primeiras ao contrário a relação de delegação resolvese na atribuição do poder de produção normativa a uma instância inferior não implicando nenhuma limitação necessária em termos de conteúdo A relação no primeiro caso é de derivação material e espelha um sistema construído com base em pressupostos de valor em opções fundamentais de mérito como o moral ou o de direito natural etc No segundo caso a relação é de derivação formal14 Dentro de cada um dos dois sistemas a unidade é determinada em relação a uma norma fundamental afirma Kelsen que possibilita verificar a validade de cada norma sua pertinência ao sistema mas no primeiro caso a norma fundamental impõe uma verificação da pertinência ao sistema portanto da validade com base no conteúdo as normas obtêm esta qualificação de conteúdo porquanto são remissíveis a uma norma fundamental sob cujo conteúdo se pode subsumir o conteúdo das normas que constituem o ordenamento assim como o particular se assume sob o universal15 No entanto as normas jurídicas não são não 14 Vejase a respeito N BOBBIO Teoria dellordinamento giuridico cit pp 201 ss Como escreveu G Tarello Falase nesse sentido de sistema das normas do direito italiano tendo como hipótese uma norma fundamental que consiste na delegação aos constituintes da tarefa de produzir a Constituiçào que por sua vez delega aos órgãos legislativos o poder de produzir as leis segundo certos procedimentos etc G TARELLO Organizzazione giuridica e societa moderna in S CASTIGNONE R GUASTINI G TARELLO Introduzione teorica allo studio del diritto Gênova 19844 p 23 15 KELSEN Lineamenti di dottrina pura del diritto cit p 95 Tambem La dottrina del diritto cit pp 219 ss podem ser consideradas válidas apenas de acordo com o conteúdo 16 logo a norma fundamental de um ordenamento jurídico positivo nada mais é que a regra fundamental pela qual são produzidas as normas do ordenamento jurídico Esse é o ponto de partida de um ordenamento tem caráter absolutamente dinâmicoformal 17 Dado o caráter dinâmico do sistema e em virtude do nexo de delegação a norma inferior é válida graças à competência do órgão Mais que um ato de conhecimento da norma superior a norma inferior é um ato de vontade Este aspecto caracteriza e custodia a positividade do direito no mesmo sentido do auctoritas facit legem de Hobbes tutelando a emissão normativa formalmente autorizada ut sic como válida e pertencente ao ordenamento Kelsen prefere salvaguardar a produção de estabilidade e a positividade do direito até em detrimento da lógica de fato são válidas duas normas logicamente em conflito ou normas em oposição ao conteúdo de normas superiores sentenca errada lei inconstitucional obviamente enquanto não fossem eliminadas pela intervenção de instâncias e órgãos competentes A lógica concluirá Kelsen no fim de um atormentado itinerário não se aplica às normas no ordenamento jurídico não pode valer como tal o princípio da dedutibilidade lógica de normas a partir de normas superiores 18 16 Uma norma vale como norma jurídica sempre e somente porque se apresentou de um modo particularmente estabelecido foi produzida segundo uma regra totalmente determinada foi proposta segundo um método específico KELSEN Lineamenti cit p 96 17 Id p 97 18 Sobre o problema dos critérios de validade e sobre o conceito de validade nos ordenamentos contemporâneos e nos Estados constitucionais cf infra cap IV 3 última parte e 4 com referência a H L A Hart Toda a problemática ligada ao sistema dinâmico kelseniano à natureza de vontade do ato produtor de normas ao papel atribuído à interpretação foi e continua sendo debatida também em relação à recente publicação de Allgemeine Theorie der Normen de Kelsen org de K Ringhofer e R Walter Viena 1979 cuja tradução italiana foi publicada por M Torre Turim 1985 obra na qual Kelsen chega à conclusão de que a lógica não se aplica às normas conclusão que pro Se a produção de normas é sempre um ato de vontade então a discricionariedade de tal ato e portanto o espaço de interpretação entram em jogo pelo fato de que a norma delegante não esgota materialmente a determinação do conteúdo da norma inferior dáse um âmbito de indeterminação no qual o órgão que aplica o direito se encontra diante de um esquema que tem várias possibilidades e não uma solução absoluta e única nem mesmo com o uso de métodos interpretativos coativos19 Assim a interpretação realizada por um órgão que aplica o direito cria direito Já se observou que Kelsen limita o papel da interpretação porque esta ocorre dentro de um sistema fechado por mais criativa que possa ser a atividade identificada com o nome de aplicação20 Efetivamente o reconhecimento da margem de decisão na aplicação da norma é acompanhado da invariância estrutural do direito a volição do juiz é a vocou numerosas dissensões e induziu a rever no seu conjunto e freqüentemente a periodizar com precisão o pensamento de Kelsen Para esse debate muito amplo e rico em intervenções de numerosas perspectivas cf L GIANFORMAGGIO ed Hans Kelsens Legal Theory A Diachronic Point of View Turim 1990 e GIANFORMAGGIO ed Sistemi normativi statici e dinamici Analisi di una tipologia kelseniana Turim 1991 Vejase também L GIANFORMAGGIO In difesa del sillogismo pratico ovvero alcuni argomenti kelseniani alla prova Milão 1987 19 KELSEN La dottrina pura cit pp 385 ss 20 G TARELLO Diritto enunciati usi Bolorwha 1974 pp 4101 Nem por isso se confunda a relevância que Kelsen atribui aí à interpretação com a que será atribuída pelas teorias hermenêuticas contemporâneas cf infra No mérito repetindo o conceito já expresso por Tarello entre outros F VIOLA Ermeneutica e diritto Mutamenti nei paradigmi tradizionali della scienza giuridica in Rivista internazionale di filosofia del diritto abriljunho de 1989 p 342 Segundo Kelsen o objetivo da teoria do direito é identificar a característica que torna jurídica uma norma e nessa empresa a interpretação é deixada totalmente do lado de fora da porta Só depois de se desenhar o panorama da validade normativa é que a porta é aberta para a interpretação A grande importância dada ao sistema dinâmico e à delegação de poder com o fim de estabelecer a interligação tipicamente jurídica entre normas de grau diferente põe para fora do jogo a relevância da interpretação dos conteúdos normativos para a teoria do direito Sobre a interpretação em KELSEN cf também infra cap II 1 mediação entre a estrutura formal da norma e o caso concreto mediação que se move dentro do edifício global pensado como independente daquelas escolhas e daquelas decisões No edifício da nomodinâmica é decisivo o papel da chamada norma hipotética fundamental porque ela é norma de fechamento do sistema exatamente sob o aspecto dinâmico Ela deve ser pressuposta não é posta como a hipótese na qual se deve deter a série de remissões de validade de normas inferiores a superiores além da primeira constituição histórica e é pressuposta como válida porque sem tal pressuposto nenhum ato humano poderia ser interpretado como ato jurídico e especialmente como ato criador de normas21 Como condição de validade de todo o sistema como condição transcendental dele e de cada uma das normas a norma fundamental é o ponto último do ordenamento a partir do qual é possível propor o tema da validade como tema conceitualmente diferente da eficácia mas ela é também um diafragma sutil que pode tornarse precário A pressuposição da validade da norma fundamental com que se interrompe a corrida ao infinito que possibilita designála como constituição em sentido lógicojurídico para distinguila da constituição em sentido jurídicopositivo22 é a operação mental realizada por quem quer que assuma como normas objetivamente válidas a constituição e os atos subseqüentes e conformes a essa Daí decorre a relação que Kelsen institui entre validade e eficácia de um ordenamento o sentido da norma fundamental está em assumir como válidas as normas que estão contidas numa constituição vigente e dela decorrem normas que por sua vez são capazes de eficácia a validade de um ordenamento não pode ser remetida a uma constituição e a normas que não possuam de modo algum esse caráter de 21 H KELSEN Teoria generale del diritto e dello Stato 1945 trad ital de S Cotta e G Treves Milão 1952 p 118 Trad bras Teoria geral do direito e do Estado São Paulo Martins Fontes 3ª ed 1998 22 KELSEN La dottrina pura del diritto cit p 223 eficácia A validade do sistema e das suas normas é sim conceitualmente autônoma em relação à sua eficácia mas não totalmente independente existem normas juridicamente válidas porque pertencentes ao ordenamento ainda que não individualmente eficazes o que ocorre com periodicidade e frequência mas no conjunto não se pode atribuir validade a um ordenamento que não decorra de uma constituição eficaz vigente em sentido jurídicopositivo A nãocoincidência entre os dois planos é assim mantida o pensamento kelseniano por outro lado atenuou o radicalismo inicial da separação subseqüente ao contacto com a experiência jurídica americana que dimensiona a existência das normas mais com base em sua eficaz presença nos pronunciamentos das cortes do que em sua disposição em códigos23 Validade e eficácia implicamse mutuamente escreve Kelsen ainda que não se identifiquem Aliás a bem da verdade para Kelsen isso exprime com formulação diferente a antiga verdade o direito não pode existir sem força mas não se identifica com a força segundo a teoria aqui exposta ele é certo ordenamento ou certa organização da força24 3 Direito vs Força Em torno do assunto brotaram discussões sutis e vastas especulações lógicas mas o fato é que o sistema normativo construído por Kelsen fundase em si mesmo e é obje 23 As normas de um ordenamento jurídico positivo estão em vigor pelo fato de que a norma fundamental que constitui a regra fundamental para a sua produção é pressuposta como válida e não porque elas sejam eficazes mas elas estarão em vigor apenas enquanto ou seja até quando esse ordenamento jurídico for eficaz Assim que a constituição isto é o ordenamento jurídico como totalidade que nela se funda perde a eficácia também o ordenamento jurídico e portanto cada uma de suas normas perdem validade KELSEN La dottrina pura del diritto cit p 242 24 Id p 243 MANUAL de Filosofia POLÍTICA Para os cursos de Teoria do Estado Ciência Política Filosofia e Ciências Sociais Coordenadores FLAMARION CALDEIRA RAMOS RÚRION MELO YARA FRATESCHI Editora Saraiva DADOS DE COPYRIGHT Sobre a obra A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros com o objetivo de disponibilizar conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos bem como o simples teste da qualidade da obra com o fim exclusivo de compra futura É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda aluguel ou quaisquer uso comercial do presente 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REVISÃO DE PROVAS Rita de Cássia Queiroz Gorgati e Paula Brito PESQ UISA ICONOGRÁFICA Marcia Sato SERVIÇOS EDITORIAIS Camila Antioli Loureiro e Maria Cecília Coutinho Martins CAPA IDÉE arte e comunicação IMAGENS DA CAPA da esquerda para a direita A morte de Sócrates Jacques Louis David Folha de rosto da edição de 1651 de O Leviatã Reprodução A escola de Atenas Rafael Emmanuel Kant Biblioteca Nacional de Paris A Liberdade guiando o povo Eugène Delacroix Georg F W Hegel Lazarus Gottlieb Sichling Quarta capa Príncipe de Orange desembarcando em Torbay William Miller PRODUÇÃO GRÁFICA Marli Rampim Data de fechamento da edição 15122011 Os Contratualistas Hobbes Locke e Rousseau Maria Isabel de Magalhães Papaterra Limongi Bibliografia De um modo geral o termo Contratualismo designa toda teoria que pensa que a origem da sociedade e do poder político está num contrato um acordo tácito ou explícito entre aqueles que aceitam fazer parte dessa sociedade e se submeter a esse poder Embora não se trate de uma posição estritamente moderna nem restrita às filosofias de Hobbes Locke e Rousseau o Contratualismo adquiriu o estatuto de um movimento teórico ou corrente de pensamento precisamente com esses autores Quando alguém contemporaneamente se declara um contratualista referese ou filiase a eles Assim quando Rawls 2000 p 12 declara que sua teoria da justiça prolonga a teoria do contrato social tal como se encontra em Locke Rousseau e Kant logo em seguida puxa uma nota indicando que não estava se esquecendo de Hobbes mas que o deixara deliberadamente de lado Ele tem de fazer isso já que como os autores citados Hobbes é um e o primeiro dos contratualistas O fato de que Rawls faça esse recorte no interior do Contratualismo indica o quanto é problemático referirse a ele como fizemos nos termos de uma tradição movimento teórico ou corrente de pensamento Diferentes tradições liberal absolutista democrática jusnaturalista juspositivista perpassam o Contratualismo E não obstante há algo como o Contratualismo um ponto em comum que une Hobbes Locke e Rousseau Se esses autores não partilham dos mesmos ideais políticos e das mesmas tradições partilham por certo de uma sintaxe comum para fazer uso de uma expressão de Matteucci no verbete Contratualismo do Dicionário de política editado por ele Bobbio e Pasquino Segundo o autor os contratualistas são assim chamados porque aceitam a mesma sintaxe a saber a da necessidade de basear as relações sociais e políticas num instrumento de racionalização o direito ou de ver no pacto a condição formal da existência jurídica do Estado BOBBIO MATTEUCCI PASQUINO 2010 p 279 Observemos mais de perto o que está em jogo nessa sintaxe A tese de que a origem da sociedade política está num contrato implica que a sociedade política é um artifício isto é uma forma de associação a que os homens não são conduzidos pelo movimento natural de suas paixões e na qual não estão desde sempre inseridos de maneira espontânea ou irrefletida como a família por exemplo mas uma comunidade que os homens resolvem instituir voluntariamente na medida em que têm razões e motivos para isso Nesse sentido a distinção entre um estado de natureza e um estado civil é central no Contratualismo Ela indica o momento anterior e o posterior à instituição do corpo político e permite que se retire de uma descrição do estado de natureza as razões e os motivos que explicam essa instituição Além disso a tese contratualista implica que a política se funda sobre uma relação jurídica Pois o contrato que dá início à associação política é um ato jurídico tratase de uma figura do direito privado romano pelo qual as partes contratantes estabelecem direitos e deveres recíprocos Para o Contratualismo a sociedade política não apenas se funda sobre uma relação jurídica como se distingue das outras formas de comunidade precisamente por isso Na busca do fundo jurídico sobre o qual se assentam as relações políticas o Contratualismo prolonga a seu modo a tradição do direito natural que remonta a Aristóteles e aos estoicos e que entre os modernos é encabeçada por autores como Grotius e Pufendorf que influenciaram diretamente os contratualistas aqui em questão A noção de um direito jus natural aponta para a existência de certos padrões ou critérios de legitimação das relações políticas que preexistem a essas mesmas relações ou que não dependem diretamente delas para se fazer valer A noção de contrato aponta também para isso mas de um modo particular Por meio dela se pensa esse subsolo jurídico da política nos termos específicos de um contrato é a relação contratual não a natureza que oferece os padrões e critérios de legitimação das relações políticas instituídas por ela Serão legítimas as instituições que estiverem de acordo com os seus termos daí por que seja fundamental conhecêlos bem como procuraram fazer os contratualistas cada um a seu modo O decisivo no modo contratualista de pensar o fundo jurídico da política é a ideia de que a estrutura jurídica do corpo político lhe é coextensiva isto é que o corpo político reside precisamente no conjunto das relações de direito e deveres estabelecidas pelo contrato É isso o que está em jogo no moderno conceito de Estado que substitui as expressões clássicas como polis ou civitas cidade para designar a forma de associação especificamente política O Estado se define como um conjunto de relações de poder pensadas e legitimadas em termos de direitos e deveres Os autores contratualistas contribuíram diretamente para a formação desse conceito O ponto de partida de todos eles é a ideia de que o poder político ou as relações de poder de natureza política podem e devem ser legitimadas pelo recurso à noção de contrato O pressuposto comum é o de que o poder político para que seja legítimo possa ser pensado como se tivesse sido instituído por um ato contratual mesmo que efetivamente talvez não tenha sido O pressuposto é o de que o poder político é por natureza legitimável um pressuposto que prolonga e especifica a tradição jusnaturalista clássica sem dúvida predominante mas que não é a única a partir da qual se pensou a política Assim como entre os modernos houve quem procurasse desmontar a noção de direito natural1 ou que criticasse o recurso à ideia de contrato2 há entre as filosofias contemporâneas além daquelas que reivindicam sua filiação ao Contratualismo outras que apontam para os limites dessa noção quando se trata de pensar as relações de poder contemporâneas3 O que se põe em questão nessas críticas é justamente o pressuposto que alicerça o Contratualismo de que o poder político possa e deva ser capturado por um esquema jurídico e ser nesse sentido perfeitamente legitimável Ao assumir isso não se trata para os contratualistas de dizer que toda forma de poder é legítima ou passível de legitimação mas que o poder só é propriamente político só é o poder da cidade se puder ser legitimado pelo contrato se puder ser pensado como se tivesse sido instituído por ele Pois sem contrato não há cidade e as relações de poder que se dão fora desse esquema não são propriamente políticas O poder político é assim senão aquele que efetivamente foi fundado por contrato o que se pode pensar ter sido A ressalva é fundamental Ela indica que as relações políticas não estão sendo pensadas pelos contratualistas nos termos das relações efetivas de poder que os homens têm uns com os outros mas nos termos de como devem ser pensadas para que se adequem a certo conceito de política Isso é explícito em Rousseau que lança mão da ideia de contrato e conceitua a política a partir dela ao mesmo tempo que faz uso de todo o seu talento literário para mostrar que as instituições políticas do seu tempo e as relações de poder historicamente constituídas não se ajustam a esse conceito Ao pensar a política a partir do contrato Rousseau a pensa do ponto de vista de como ela deveria ser não de como ela é Seu ponto de vista é normativo não descritivo Retrato de JeanJacques Rousseau por Maurice Quentin de La Tour 1753 Museu Antoine Lécuyer SaintQuentin O ponto de vista normativo é comum a todos os contratualistas ainda que a sua adoção implique entre eles diferentes graus de idealização da política Enquanto Hobbes pensa poder legitimar com sua teoria do contrato qualquer poder de fato instituído e Locke pensa que alguns são legitimáveis e outros não Rousseau parece se comprometer com a tese de que nenhum poder de fato corresponde à ideia de como o poder político deve ser Em Rousseau o contrato opera como uma ideia a partir da qual medimos o grau de legitimidade das instituições históricas em contraposição ao modo como elas de fato são É como uma ideia reguladora que Kant a partir de Rousseau pensará o contrato insistindo no desnível entre os planos normativo e descritivo Assim um aspecto fundamental das teorias contratualistas é que elas operam no nível de uma ficção de um como se Esse é um traço distintivo do modo como o Contratualismo pensou a questão da legitimação da política a sua questão fundamental Ao recorrer à noção de contrato nenhum dos contratualistas pretendeu descrever como de fato se originaram as instituições políticas mas como se pode pensar que elas tenham se originado para que possam ser consideradas legítimas ou para que possam se legitimar O esquema do contrato pode ou não se aplicar às instituições efetivas legitimandoas ou não Seja lá como for o importante é que o esquema de legitimação não é retirado de uma descrição das instituições concretas e históricas mas da ideia de contrato tomada como um ens fictionis um ente fictício Dizer que o contrato é um ens fictionis não implica dizer que ele é irreal mas que goza de uma realidade própria que é a realidade jurídica enquanto pertencente ao plano da ideia e do pensamento Esse modo de pensar contrasta com um outro que consiste em retirar da história os princípios normativos da política tal como faz Cícero por exemplo Como os contratualistas Cícero considera que a vida política fundase sobre o consentimento comum acerca do justo Segundo ele a república é a coisa do povo e o povo a reunião de uma multidão de indivíduos associados em virtude de um acordo sobre o direito juris consensu e de uma comunidade de interesses CÍCERO 2002 I xxv A fundação do corpo político é desse modo pensada nos termos de um acordo em torno do que é justo Esse acordo porém não tem a forma e a estrutura jurídica de um contrato Tratase de um acordo ou consentimento tácito em torno de certos valores e princípios comuns de convivência Além disso tratase de um acordo efetivo e não de um como se Tratase do acordo que certos homens fizeram em tais e tais circunstâncias históricas mais precisamente o acordo que os romanos fizeram no momento da fundação de Roma e os acordos que a este se somaram ao longo da história romana Pois é Roma enquanto uma Cidade concreta e histórica o ponto de partida de Cícero para pensar a política e suas formas de legitimação O juris consensus de que ele nos fala não é portanto um ens fictionis e não tem a forma jurídica de um contrato Também para Maquiavel a história efetiva tem uma importância decisiva Não só de Roma mas de todo exemplo histórico ele procura retirar alguma lição sendo a história importante para ele não apenas porque fornece exemplos e regras para a ação política mas porque perfaz a substância mesma da política A política é para Maquiavel uma atividade concreta inserida em circunstâncias particulares e contingentes entre as quais se procura ordenar com maior ou menor sucesso uma vida comum Para Maquiavel como para Cícero a política tem uma natureza histórica Pois bem não é assim que a veem os contratualistas DU CONTRACT SOCIAL OU PRINCIPES DU DROIT POLITIQUE PAR J J ROUSSEAU CITOYEN DE GENEVE fuderis aequis Dicamus leges Æneid xl A AMSTERDAM CHEZ MARC MICHEL REY MDCCLXII Folha de rosto da edição de 1762 de O contrato social ou Princípios de Direito Político de JeanJacques Rousseau Hobbes mesmo que profundamente interessado na história tendo traduzido para o inglês a História da guerra do Peloponeso de Tucídides e tendo escrito uma história da guerra civil inglesa no Behemoth não pensa que se possa retirar dela o conhecimento da política muito menos que a política tenha uma natureza histórica Ele pretende fazer da política uma ciência racional e do corpo político um construto da razão o que quer dizer que tanto o conhecimento quanto a ação política dependem da percepção de certas relações necessárias e universais entre as ideias pois é nisso o que consiste a razão segundo o modelo matemático a partir do qual foi pensada nos quadros do racionalismo cartesiano com o qual a filosofia de Hobbes manteve estreitas relações A história não oferece senão relações contingentes e particulares Dela se podem retirar apenas conjecturas não uma ciência que vem a ser um discurso em que se encadeiam proposições segundo relações necessárias A matemática é uma ciência exemplar Nela partese de definições bem construídas das quais se retiram consequências necessárias Assim por exemplo uma figura como o triângulo é definida como uma figura de três ângulos e dessa definição se retira a consequência de que a soma de seus ângulos é 180º HOBBES 1974 A conclusão vale necessária e universalmente para todo triângulo porque está analiticamente contida na definição Do mesmo modo se pode proceder na política de acordo com Hobbes Partindose do contrato que é uma forma de definição a definição da vontade dos contratantes podese retirar dele como consequência os direitos e deveres das partes contratantes analiticamente embutidos nas definições das vontades que compõem o contrato E assim como seria uma contradição afirmar que o triângulo tem três ângulos e que a soma de seus ângulos equivale a 70º é um absurdo declarar a vontade de uma certa maneira e agir de modo contrário às ações que estão imbricadas nessa definição Hobbes considera que a injustiça que consiste para ele no não cumprimento dos contratos é uma forma de contradição lógica Segundo ele assim como se considera absurdo contradizer aquilo que inicialmente se sustentou assim também no mundo se chama injustiça e injúria desfazer voluntariamente aquilo que inicialmente se tinha feito HOBBES 1974 p 83 É enquanto um cálculo racional dessa natureza um cálculo pelo qual se retiram consequências necessárias de definições previamente assumidas como se faz na matemática que Hobbes pensa a política A política enquanto ciência cujos princípios ele se pretende o primeiro a expor consiste no cálculo dos deveres e direitos que se seguem do ato contratual instituidor do corpo político Tratase assim de uma ciência que como as matemáticas se constrói num espaço lógico não histórico Dois e dois são quatro ontem hoje e sempre Do mesmo modo certos deveres se seguem dos termos de um contrato sub specie aeternitatis Podese assim conhecer a estrutura jurídicoracional da sociedade política a partir da ideia de como pode ter sido o contrato de sua instituição de um modo tal que essa estrutura permanece válida e igual a si mesma independentemente do que os homens tenham feito ou deixado de fazer e de como compreendam os princípios e as razões que os engajam na vida política Sejam quais forem de fato as motivações dos homens seja lá como tenham se constituído as relações de poder entre eles o contrato permite pensar independentemente de qualquer experiência empírica e qualquer saber histórico quais deveriam ter sido essas motivações e como devem ser essas relações Eis a natureza do contrato enquanto uma realidade de pensamento e um ente de razão Mas isso que se aplica a Hobbes aplicase de maneira geral ao Contratualismo Locke parece considerar o contrato de um modo diverso ao se dedicar a responder longamente no Segundo tratado sobre o governo duas objeções de ordem histórica dirigidas por Robert Filmer4 às suas teses contratualistas Filmer objeta que 1 não se encontram exemplos de homens em estado de natureza e que 2 todos os homens já nascem sob a vigência de um determinado governo Em sua resposta Locke parece considerar o contrato como uma realidade histórica não como uma ficção jurídica ao modo de Hobbes No entanto as considerações de Locke sobre a história têm um caráter marginal no argumento contratualista do Segundo tratado Provavelmente os parágrafos em que elas são desenvolvidas os parágrafos 100 a 122 capítulo VIII foram escritos e acrescentados posteriormente à composição original da obra como aponta P Laslett seu editor Elas desempenham um papel polêmico tratase de responder a um autor Filmer que tomando o contrato como uma realidade histórica pensa poder retirar da história argumentos que derrubem a tese contratualista Mas os argumentos históricos que Locke contrapõe aos de Filmer não fazem parte do núcleo do seu próprio argumento a favor do Contratualismo Que o argumento de Locke não seja fundamentalmente histórico mostrao o conteúdo mesmo das suas considerações históricas no diálogo com Filmer Contra a objeção de que não se encontram exemplos de homens do estado de natureza Locke se refere a Roma e Veneza enquanto dois exemplos históricos da união de vários homens livres e independentes uns dos outros entre os quais não havia nenhuma superioridade ou sujeição naturais LOCKE 2005 p 474 É assim que a literatura republicana que remonta a Cícero trata dos exemplos de Roma e Veneza como duas repúblicas que se fundaram por meio de um consentimento de seus cidadãos em torno de certas instituições fundamentais consentimento este que se supunha ter ocorrido num determinado momento da história Sendo assim não há como negar que antes da fundação dessas repúblicas o que se tinha embora não se tenham registros desse momento histórico eram homens vivendo num estado de natureza Acrescentese a isso diz Locke os relatos dos viajantes acerca dos habitantes da América onde parece vivese sem nenhum governo Locke porém apresenta esses exemplos com uma ressalva embora um argumento baseado no que foi em vez de naquilo que deveria por direito ser não tenha muita força LOCKE 2005 p 475 A ressalva é fundamental Ela dará caução para a concessão que ele fará a seguir a seu adversário ao admitir que em boa parte das vezes os governos tiveram início não do consentimento expresso como nos casos das repúblicas supracitadas mas na autoridade natural do pai LOCKE 2005 Essa tese a tese patriarcalista é justamente aquela defendida por Filmer em O Patriarca e que Locke pretende rebater nos Dois tratados sobre o governo O que Locke concede a Filmer é que os governos podem até efetivamente ter nascido dessa maneira na maior parte das vezes mas justamente essa concessão de ordem histórica não invalida a tese de que o que legitima e funda a autoridade dos primeiros governantes que segundo a concessão provavelmente eram os patriarcas é o consentimento dos homens que o obedecem mesmo que estes jamais tenham parado para pensar nas razões pelas quais acataram essa autoridade O importante é que se em algum momento vierem a se perguntar por essas razões como fizeram os ingleses em função da crise de legitimidade que abalou a monarquia inglesa na segunda metade do século XVII encontrariam no consentimento uma resposta de modo que um governo historicamente constituído como o de Jaime II que na visão de Locke pretendeu se furtar ao consentimento e fundar sua autoridade alhures deve ser destituído como de fato ocorreu na Revolução Gloriosa o contexto ideológico em que se inscrevem os Dois tratados Como Hobbes Locke fundamenta o direito político não na história mas na razão entendida como um conjunto de relações necessárias entre as ideias É numa relação dessa ordem que consiste para ele o direito natural na medida em que pode ser conhecido pela razão Segundo ele as ideias de pessoa trabalho e propriedade estão relacionadas entre si de modo a evidenciar que cada um é por natureza proprietário de certos bens Pois cada homem tem direito sobre a própria pessoa no sentido de que sua pessoa pertence só a ele e a mais ninguém logo cada um tem direito também ao produto do trabalho realizado por sua pessoa uma vez que pelo trabalho misturase algo de seu às coisas da natureza que são assim transformadas em sua propriedade LOCKE 2005 O direito à propriedade é nessa medida estabelecido pela simples consideração das relações internas existentes entre as ideias de pessoa trabalho e propriedade relações tão necessárias quanto 2 e 2 são 4 Também para Locke as relações matemáticas são modelo de racionalidade E na medida em que obedece a esse modelo o direito natural pode ser perfeitamente estabelecido e conhecido pela razão É para assegurar esse direito que segundo Locke os homens instituem o governo civil Pois se no início da história sem que fosse preciso a mediação de nenhum governo a propriedade de cada um era respeitada e o direito natural se mostrava suficiente para regular a vida em comum dos homens com o tempo conforme as relações de propriedade foram se tornando mais complexas e controvérsias surgiram a seu respeito foi preciso criar um governo que as regulasse garantindo que se dessem em conformidade com o direito natural É assim que Locke como Hobbes pensa o contrato como um ens fictionis tudo se passa como se os homens tivessem instituído o governo visando garantir o direito à propriedade Mas à diferença de Hobbes Locke estabelece uma relação entre essa ficção e a história da humanidade pois é segundo ele num certo momento da história no momento em que as relações de propriedade atingiram um determinado grau de complexidade que os homens se viram na necessidade de pensar suas relações recíprocas a partir do conhecimento das relações racionais que perfazem o direito natural e político O mesmo ocorre em Rousseau para quem igualmente importa relacionar o esquema racional do contrato aos fatos da história humana procurando identificar na história as razões pelas quais os homens devem pensar e normatizar suas relações políticas segundo a ideia do contrato Podese dizer que para Locke e Rousseau o contrato guardando seu estatuto de ente fictício está numa certa relação com a história A diferença está em que para Locke a referência ao contrato permite aos homens reencontrar a racionalidade perdida de suas relações primitivas enquanto para Rousseau a referência ao contrato é o que permite instaurar a racionalidade e a moralidade que as relações humanas nunca tiveram e que só podem ter como veremos por meio do contrato No Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Rousseau conta a história da humanidade nos termos de uma sucessão de acasos de eventos que não podem ser compreendidos como se tivessem sido conduzidos pela vontade e pela razão humana na medida em que são contrários ao que se pode pensar ser essa vontade Que homem pôde querer se pôr sob grilhões e perder sua liberdade que é o que Rousseau entende que os homens fizeram ao se submeterem aos governos efetivamente existentes Os homens nasceram livres e por toda parte se veem sob grilhões ROUSSEAU 2006 I 1 Sendo assim entendendose a história da formação dos governos nos termos da história da dominação e da desigualdade entre os homens a história não é e nunca foi racional Racional é a sociedade que os homens podem formar em acordo com as suas vontades que é precisamente o que se pretende descrever por referência à noção de contrato A perspectiva adotada por Rousseau o leva a estabelecer quase que uma incompatibilidade entre a história efetiva e a ideia do contrato Pois a história não caminha para se ajustar ao esquema jurídico do contrato Fazer esse ajuste seria como trocar os trilhos sobre os quais corre o carro da história com ele em andamento um problema que não se coloca para Hobbes e Locke para os quais a estrutura jurídica e ahistórica do contrato se aplica sem resistências às relações históricas e efetivas Para Rousseau porém essa aplicação resta problemática um problema que será depois explorado por Kant ao fazer do contrato uma ideia reguladora que os homens devem manter no horizonte como um fim a que buscam e para o qual dirigem as suas ações ainda que talvez jamais venham a alcançálo O que importa do ponto de vista kantiano não é resolver como afinal se pode conformar a história ao direito deduzido da ideia do contrato mas que essa ideia ofereça princípios normativos para a ação política Eis então o que está em jogo na sintaxe contratualista o contrato é um esquema jurídico que aplicado às relações de poder entre os homens permite legitimálas e racionalizálas No entanto quando se fala em Contratualismo não se pensa apenas nessa sintaxe comum às filosofias de Hobbes Locke e Rousseau Pensase também no debate vivo e pungente que se estabeleceu entre elas um debate curioso já que os chamados contratualistas não se reconhecem enquanto grupo não se filiam explicitamente uns ao outros mas ao contrário fazem uso de uma mesma sintaxe para se criticarem uns aos outros Locke não cita nominalmente Hobbes que não é o seu interlocutor privilegiado e sim Filmer nos Dois Tratados Mas evidentemente a obra de Hobbes está no subsolo dessa obra não apenas por causa da sintaxe contratualista mas porque assim como às teses realistas de Filmer com ela também se rebate as de Hobbes Na discussão constitucional que dividiu a Inglaterra em dois partidos o partido do Rei e o do Parlamento Hobbes e Filmer estão do lado do Rei ainda que por caminhos muito diversos Locke está do lado do Parlamento Locke e Hobbes são assim inimigos políticos Rousseau por sua vez critica explicitamente a concepção hobbesiana do estado de natureza ROUSSEAU 2005 e se refere ao pacto tal como concebido por Hobbes o pacto pelo qual se institui um governo tendo em vista a segurança no gozo da propriedade como um passo na história da desigualdade pelo qual os ricos fizeram de uma usurpação a propriedade um direito e deste direito um instrumento de sujeição dos pobres ROUSSEAU 2005 Com isso Rousseau não apenas critica Hobbes como põe em cheque a tese lockeana de que a propriedade é um direito natural O quanto não teria ganho a humanidade raciocina ele se os homens não tivessem aceito o ato pelo qual alguém tendo cercado um terreno atreveuse a dizer isso é meu ROUSSEAU 2005 p 203 Podese dizer que à mesma sintaxe correspondem diferentes orientações políticas entre os expoentes do Contratualismo BOBBIO MATTEUCCI PASQUINO 2010 Porém mais importante do que reconhecer que do Contratualismo se fizeram diferentes usos políticos é perceber que o que chamamos de Contratualismo se consolidou na forma de um debate real e concreto que o Contratualismo não é portanto uma posição abstrata estanque à qual podemos aderir de um ponto vista filosófico e politicamente neutros mas certo fundo comum a determinadas teorias políticas que travaram um rico debate entre si e se contrapuseram umas às outras Ou seja cabe olhar para o Contratualismo menos como um rótulo aderente às filosofias que partilham da ideia do contrato e mais como um termo que designa certa discussão levada a cabo por determinados pensadores dos séculos XVII e XVIII em torno do conteúdo jurídicoracional da política Neste como em tantos outros debates da história da filosofia o sentido dos termos não é unívoco Não apenas o termo contrato altera significativamente de função e sentido como também outras noções fundamentais a ele correlatas como vontade liberdade direito bem como a própria política Daí por que convenha por vezes colocar os ismos de lado para observar como o seu conteúdo se constrói a partir das filosofias que o animam Assim tendo falado da sintaxe comum aos contratualistas tratemos agora na medida do possível desse debate que os une num feixe de remissões recíprocas e distorções de sentido Uma tese fundamental do Contratualismo de Hobbes é a de que o contrato só é capaz de fundar o corpo político enquanto um sistema de direitos e deveres se for sustentado por um poder soberano Esse poder dá caução ao contrato que só é válido na condição de haver esse poder Hobbes retira essa conclusão de uma teoria geral do contrato exposta no cap XIV do Leviatã Segundo a definição de Hobbes o contrato é um ato voluntário pelo qual se efetua uma transferência mútua de direito HOBBES 1974 Dizer que o contrato é um ato voluntário significa dizer que se espera dele algum bem já que um ato voluntário se define precisamente por ser um ato pelo qual se visa a um bem Isso significa que um contrato do qual não se pode esperar nenhum bem não é um contrato e mesmo que ele tenha sido celebrado as palavras que o celebram são ocas e não criam obrigação o contrato é nulo Desse modo ninguém pode renunciar ao direito de resistir a quem o ataque pela força para tirarlhe a vida dado que é impossível admitir que por meio disso vise algum benefício próprio HOBBES 1974 p 84 Pela mesma razão quando se faz um pacto em que ninguém cumpre imediatamente sua parte e uns confiam nos outros qualquer suspeita razoável torna nulo esse pacto HOBBES 1974 p 86 A razão está em que ninguém pode esperar algum benefício em celebrar um contrato sem garantia de reciprocidade Donde nenhum contrato é válido sem a garantia de que o outro cumprirá a sua parte Hobbes acrescenta a essas teses retiradas de uma teoria do contrato a tese de que no estado de natureza antes da instituição de um governo comum os homens têm boas razões para desconfiarem uns dos outros A função do governo ou mais precisamente do poder do Estado é garantir que as partes cumpram os contratos coagindo aqueles que de outra maneira violariam a sua fé HOBBES 1974 p 86 Dessa maneira o poder do Estado se apresenta como condição da validade dos contratos Servindo de fiador aos contratos ele confere validade a esses atos que de outro modo não poderiam ser pensados como voluntários não instituindo obrigação e não passando de um amontoado de palavras proferidas em vão Um contrato nessas condições seria como uma má definição da vontade da qual não se pode retirar analiticamente nenhuma obrigação como consequência Assim os contratos só instituem obrigações no interior do Estado em virtude do seu poder de coação Hobbes encontra uma bela fórmula para exprimir essa ideia os pactos sem a espada não passam de conversa fiada5 e retira daí a justificativa para o contrato político ele é o contrato por meio do qual se institui o poder que dá caução aos contratos celebrados validandoos e possibilitando a criação de vínculos jurídicos e obrigações a partir das quais os homens passam a regular a sua conduta Assim se os homens têm interesse em fazer contratos e Hobbes argumenta que os homens têm esse interesse pois fazer contratos é a condição da paz que a todos interessa então têm interesse em criar esse poder Esse poder é criado pelo contrato político o contrato dos contratos o contrato que institui a condição de validade de todos os contratos e de si mesmo formulado por Hobbes nos seguintes termos é como se cada homem dissesse a cada homem cedo e transfiro meu direito de governarme a mim mesmo a esse homem ou a esta assembleia de homens com a condição de transferires a ele teu direito autorizando de maneira semelhante todas as suas ações HOBBES 1974 p 109 Há muitos elementos nessa formulação que merecem comentário Ressaltemos dois Primeiro a ideia de que o contrato se dá nos termos de um contrato de autorização ideia que não está presente nas obras políticas de Hobbes anteriores ao Leviatã Autorizar ou conferir autoridade é conferir o direito de praticar determinadas ações HOBBES 1974 Hobbes entende que por meio desse ato de autorização os cidadãos de um Estado reconhecem as ações da autoridade assim constituída como se fossem suas Nesse sentido essa autoridade os representa É por meio da unidade do representante e não dos representados que são muitos e diversos que o corpo político adquire unidade e identidade A instituição de uma instância representante equivale portanto à instituição do corpo político Folha de rosto da edição de 1651 de O Leviatã de Thomas Hobbes No caso da autoridade política conferese a ela esse é o segundo ponto que queremos ressaltar o direito de praticar todas as suas ações Tratase assim de uma autoridade absoluta o que significa que não se pode negar ao Estado ou àqueles que detêm a sua pessoa o direito de praticar seja lá que ação entender por bem praticar Além de uma autoridade absoluta e por isso mesmo o Estado detém um poder soberano ou seja um poder que está acima de todos os outros na medida em que pode contar com a força e o recurso de todos HOBBES 1974 p 110 Hobbes põe a noção de contrato a serviço de uma justificação da soberania do Estado fazendo derivar dos termos do contrato acima mencionados os direitos absolutos da soberania Quando a multidão reunida pactua de modo a ceder a um homem ou assembleia de homens o direito de representála ou o que dá no mesmo quando autoriza todos os atos desse homem ou assembleia como se fossem seus ela está por este mesmo ato reconhecendo que este poder não pode 1 ser transferido para outrem sem seu consentimento 2 ser confiscado 3 ser protestado pela minoria uma vez tendo sido declarado pela maioria 4 ser acusado de injúria 5 ser punido No conjunto tais direitos conferem ao poder político um caráter absoluto posto que juridicamente incontestável no que concerne ao direito de exercer todos os seus atos O Estado é esse poder soberano e absoluto na medida em que instituído por e derivado do contrato Desse modo o poder do Estado ao mesmo tempo que é criado juridicamente por contrato é condição de todo contrato e do próprio contrato que o cria Ou seja o campo jurídico em que consiste o Estado o conjunto de deveres e obrigações criados pelo pacto político pelo qual a multidão se unifica num corpo político é sustentado politicamente pelo poder do Estado Fora do Estado não há obrigações em sentido próprio pois estas são consequências de contratos e não há contratos onde não houver Estado Assim podese dizer que o direito tomado aqui em sentido amplo não apenas como um sistema de normas positivas mas como os parâmetros seja lá qual for sua natureza pelos quais se faz a partilha entre o legítimo e o ilegítimo é fundado politicamente Locke por sua vez emprega o argumento contratualista para definir de uma maneira radicalmente diferente a relação entre o poder político e o direito Pois há para ele um padrão natural de legitimidade anterior à instituição do poder político e a todo contrato que é a lei natural Hobbes também fala em lei natural mas como um conjunto de preceitos da razão dentre os quais os principais são procurar a paz fazer e cumprir contratos que não obrigam propriamente mas aconselham a adotar certa conduta Para Locke contudo a lei natural não sendo apenas um preceito da razão mas um mandamento de Deus obriga em sentido estrito Da lei natural se derivam as obrigações de constituir propriedade pelo trabalho e respeitar as propriedades assim constituídas Para Locke assim como para Hobbes certo conteúdo só constitui obrigação se ao seu não cumprimento estiver associada uma punição Daí por que Hobbes diga que os tais preceitos da razão que ele denomina lei natural não constituem propriamente obrigação salvo se forem considerados a palavra de Deus HOBBES 1974 posto que Deus tem direito de mando sobre os homens na medida em que tem o poder de punir os que não lhe obedecem Mas Hobbes não parece querer se comprometer com essa tese deixando em aberto a questão de saber se os preceitos da razão são ou não mandamentos de Deus Locke ao contrário se esforça por mostrar que as leis de natureza que determinam a constituição da propriedade é um mandamento de Deus o que para ele é uma forma de mostrar que elas constituem obrigação e que há portanto contrariamente ao que diz Hobbes obrigações naturais e précontratuais Isso é importante porque como veremos nesse caso a lei natural pode servir como princípio de limitação do poder político o que ela não é para Hobbes O poder de punição que sustenta as obrigações naturais não é para Locke apenas o poder de Deus mas também o poder de todo e qualquer homem que detém segundo ele o poder executivo da lei de natureza ali onde nenhum governo foi instituído Cada um tem o direito de punir os transgressores da lei de natureza em tal grau que impeça sua violação LOCKE 2005 p 385 Tem de ser assim do contrário raciocina Locke a lei de natureza seria vã A ideia é que toda lei implica obrigação e toda obrigação implica o poder de fazêla valer Deus consiste nesse poder no que se refere à lei natural mas este não é um poder com o qual se possa contar nesse mundo Assim Locke dirá que a lei de natureza obriga antes mesmo da instituição do poder político porque todo homem tem por natureza o poder de sua execução ou seja o poder de punir seus transgressores Seria certamente incorreto dizer que ao conferir a cada homem o poder executivo da lei de natureza Locke estivesse pensando em Hobbes e que visasse a responder a tese hobbesiana de que não há em sentido próprio obrigações naturais Mas o fato é que este é um passo importante na argumentação de Locke para que ele possa dizer contrariamente a Hobbes que há obrigações naturais em sentido próprio A lei natural obriga no estado de natureza porque o seu desrespeito não resta impune e não apenas porque Deus punirá seus transgressores no momento do juízo final mas porque os homens em cujas mãos se depositam a responsabilidade de sua execução também punirão seus transgressores A lei de natureza não depende portanto do poder político para obrigar e regular as relações entre os homens neste mundo Assim há para Locke antes mesmo da constituição do corpo político um conjunto de deveres e obrigações que vinculam os homens uns aos outros não ainda numa sociedade política mas no que ele denomina uma comunidade natural O estado de natureza não é desse modo um estado de dispersão mas um estado em que os homens estão naturalmente ligados uns aos outros pelos vínculos racionais do direito natural Todo homem pode conhecer pelo uso da razão o dever de constituir e respeitar a propriedade Esse reconhecimento vincula os homens uns aos outros numa série de relações de propriedade relações estas que não apenas são relações jurídicas relações de direito e dever como econômicas relações de trabalho e de produção de bens Esses vínculos econômicos e jurídicos e todavia não políticos são os vínculos dos homens na comunidade natural a que pertencem enquanto seres de razão capazes de organizar a vida segundo relações de propriedade Retrato de John Locke por Sir Godfrey Kneller 1697 State Hermitage Museum São Petersburgo O contrato político não cria portanto para Locke como para Hobbes os laços de dever e obrigação Sua função é outra a de evitar que esses laços existentes no âmbito da natureza deixem de ser aqueles pelos quais os homens se pautam em suas relações recíprocas o que ocorre quando o estado de natureza se degenera num estado de guerra quando as relações entre os homens deixam de ser relações de direito e dever pautadas pela lei natural para se tornarem relações de puro poder Ao mencionar o estado de guerra e ao dizer que evitálo é a grande razão pela qual os homens se unem em sociedade e abandonam o estado de natureza LOCKE 2005 p 400 o autor está evidentemente em diálogo com Hobbes Hobbes entende que o estado de guerra é o estado em que os homens naturalmente se encontram em virtude da ausência de restrições naturais não contratuais ao uso do seu poder Segundo Hobbes todo homem possui por natureza o direito ou a liberdade de usar seu próprio poder da maneira que quiser para a preservação de sua própria natureza ou seja de sua vida HOBBES 1974 p 82 Isso significa que os homens não têm nenhuma garantia de que os outros não usarão do seu poder de modo a lhe fazer obstáculo ou a impedir que realizem os seus fins dentre os quais o principal é a preservação de sua vida e natureza Na ausência dessa garantia consiste precisamente a condição de guerra caracterizada por Hobbes como uma condição na qual os homens não podem contar senão com o próprio poder para se garantir na eventualidade de os outros usarem seu poder contra ele A solução para essa situação já sabemos qual é fazer contratos e criar obrigações que limitem o direito ao uso do poder para o que se requer a instituição do poder do Estado Locke entende de outro modo o estado de guerra Para ele os homens não têm direito a usar o próprio poder como quiserem no estado de natureza mas apenas o direito de usar do seu poder em acordo com a lei natural e de modo a fazêla valer diante de seus transgressores Assim o que ocasiona o estado de guerra não é o direito dos homens a usar do seu poder sem restrições mas o fato de que as restrições naturais ao uso do poder possam ser transgredidas É a transgressão da lei natural a transgressão dos laços de dever e não a ausência deles o que coloca os homens em estado de guerra uns com os outros Segundo Locke os transgressores indicam pela sua transgressão que não estão submetidos à lei comum da razão e não têm outra regra que não a da força e da violência e portanto podem ser tratados como animais de presas criaturas perigosas e nocivas que seguramente nos destruirão se cairmos no seu poder LOCKE 2005 p 396 Ou seja a transgressão da lei natural cria uma situação em que os vínculos de dever e obrigação estabelecidos por ela são justificadamente substituídos por relações de puro poder e violência O transgressor trocou um vínculo pelo outro justificando que os outros façam o mesmo com relação a ele Com isso a condição natural que é para Locke uma condição em que os homens estão ligados uns aos outros numa comunidade natural por uma série de vínculos jurídicos e econômicos se degenera numa condição de guerra Para evitar essa consequência os homens instituirão por contrato o governo civil a quem confiam o poder executivo da lei de natureza Mas nesse caso o poder civil não se apresenta como em Hobbes como a condição dos vínculos de direito e dever que se colocam no lugar das relações naturais de poder e violência mas como o poder executivo de um conjunto de vínculos de direito e dever que preexistem a sua instituição e contra os quais esse poder não pode agir sem que se coloque ele mesmo em estado de guerra com os seus súditos justificando que contra ele se use da violência Ou seja a lei natural será para Locke um instrumento de limitação do poder político cabe a ele executála e se de algum modo trair a confiança nele depositada se agir contrariamente à lei de natureza deverá ser destituído Locke portanto usou da ideia do contrato para definir em termos completamente diferentes de Hobbes a relação entre o poder civil e o direito Para Rousseau em contrapartida todo direito é político e convencional todas as maneiras de fazer a partilha entre o legítimo e o ilegítimo são positivas e instituídas como para Hobbes Por natureza isto é antes de qualquer instituição humana não há direito ou seja não há leis deveres e obrigações Mesmo porque os homens não dispõem naturalmente das luzes isto é do entendimento e razão necessários para guiar sua conduta por princípios normativos dessa ordem Esse entendimento é ele mesmo adquirido e não por todos os homens ao longo da história Assim na origem no ponto zero da história que é como Rousseau compreende a noção de natureza as relações humanas não são reguladas por princípios normativos e os filósofos que como Locke identificaram tais princípios na natureza na forma de uma lei natural passaram muito longe de compreender no que consiste a natureza do homem Não se vá porém retirar daí isto é do fato de que não há por natureza princípios normativos a consequência retirada por Hobbes de que as relações naturais entre os homens tendem portanto à guerra e à disputa constante pelo poder Não há direito ou lei natural como quis Locke Mas disso não se segue que a natureza nos impulsione a criálo como quis Hobbes Por natureza os homens não precisam de um sistema normativo para regular suas relações recíprocas Seus sentimentos naturais são suficientes para engajálos numa vida tranquila e pacífica No seu instinto o homem encontra o que precisa para garantir a sobrevivência Suas paixões são simples e fáceis de satisfazer e os sentimentos tenros que nutrem pelos seus semelhantes garantem que a convivência seja pacífica Ou seja o estado de natureza é um estado em que as relações entre os homens não sendo jurídicas mas puramente passionais e afetivas encontramse a despeito disso muito bem reguladas e equilibradas Isso quer dizer que Rousseau deverá fornecer outras razões que não as de Hobbes para justificar a instituição do corpo político pelo ato contratual Seja como for como em Hobbes e à diferença de Locke para Rousseau o direito é criado no momento da instituição do corpo político Ele é instituído por contrato e é coextensivo ao Estado Mais precisamente como em Hobbes o direito fundase para Rousseau sobre o poder soberano do Estado A soberania é a pessoa pública do Estado considerada enquanto uma potência ativa o poder de fazer e impor leis que estando acima dos indivíduos submeteos às decisões coletivas Sem ela o direito não dispõe de autoridade e capacidade de se impor Mais que isso sem ela o direito nem sequer existe Pois todo direito é direito legítimo e o direito só é legítimo se for a expressão da vontade geral ou coletiva posta acima das vontades individuais Às decisões dessa vontade os indivíduos se entregam inteiramente por meio do contrato E porque essa alienação se faz sem reserva a união é tão perfeita quanto possível não restando nenhum poder individual de fora da soberania que a ela pudesse se contrapor A soberania retira daí não apenas a força com que aplica o direito como o princípio a partir do qual o cria não havendo direito senão o que é posto por ela Mas se como Hobbes Rousseau reporta o direito à soberania ele o faz de uma forma muito particular de maneira a circunscrever com precisão cirúrgica o campo em que o poder soberano se exerce com legitimidade O soberano só pelo fato de sêlo é sempre tudo aquilo que deve ser ROUSSEAU 2006 p 24 escreve Rousseau num modo de dizer que a soberania se confunde com o próprio direito e que todos os seus atos são legítimos No entanto nem todo ato de governo pode ser entendido como um ato da soberania isto é como o ato de uma vontade coletiva É o que ocorre toda vez que as ações do governo exprimem um interesse particular A noção de contrato circunscreve assim o campo de legitimação das ações políticas não porque limite o exercício da soberania submetendoa a uma lei superior aos seus decretos mas porque determina o que pode e o que não pode ser considerado atos da soberania Segundo Rousseau o problema fundamental do contrato é o de como formar um corpo político sem dominação como encontrar uma forma de associação que não envolva a submissão da vontade de uns à vontade de outros Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um unindose a todos só obedeça contudo a si mesmo e permaneça tão livre quanto antes esse é o problema fundamental cuja solução é fornecida pelo contrato social ROUSSEAU 2006 p 21 Assim buscase pelo recurso à ideia de contrato uma forma de associação que não envolva e que venha mesmo a expurgar a dominação É precisamente isso o que fará o contrato pensado nos termos de um ato pelo qual os indivíduos se dão inteiramente à comunidade e não se submetem senão à vontade coletiva que deste ato se origina Submeterse ao coletivo não é o mesmo que se submeter à vontade de um ou mais indivíduos Cada um dandose a todos não se dá a ninguém ROUSSEAU 2006 p 21 Ao submeterse ao coletivo cada indivíduo não obedece senão a si mesmo enquanto membro do corpo soberano que quer a vontade geral Tratase com isso de criticar o modo como Hobbes e Locke entre outros pensaram a formação do corpo político como um pacto de submissão da própria vontade à vontade do governante ou da maioria Todo o raciocínio político de Rousseau parte da constatação de que a dominação é um fato Ela é segundo a história narrada no Discurso sobre a desigualdade o estágio mais avançado da desigualdade quando a desigualdade de bens e reputação que se estabeleceu entre os homens ao longo de um lento e gradual processo histórico engendrou em outro capítulo dessa história a desigualdade entre governantes e governados Tratase contudo de mostrar que se relações desse tipo de fato se estabeleceram na história nem por isso podem ser consideradas legítimas Antes disso todo o esforço de Rousseau vai no sentido de mostrar que a dominação é um fato contrário à razão É pela medida do contrato que Rousseau pode fazer essa afirmação Se o corpo político tem origem num contrato tal como sustentam seus interlocutores se ele é instituído por um ato voluntário dessa natureza sua instituição tem que estar em acordo com a vontade que o estabelece Ora a vontade do homem não pode ser pensada como vontade de submissão à vontade de outrem Que razões os homens teriam para isso É como um meio de dramatizar essa questão sem resposta que Rousseau descreve a condição original da humanidade como uma condição de independência recíproca e plena satisfação Que razão o homem teria para ter deixado essa situação em favor de outra em que perdeu sua independência Nenhuma A história da dominação não pode portanto ser contada nos termos de uma história conduzida pela vontade humana Nesse sentido ela é irracional A ideia do contrato por outro lado oferece a solução do problema Ela indica o que deve ser o corpo político para que se coloque em conformidade com a vontade humana entendida como a fonte de todo o direito Ele tem de ser tal como se tivesse sido formado pelo ato de alienação total dos indivíduos ao corpo coletivo Só assim a formação desse corpo não envolve dominação e pode ser pensada como tendo sido formada pela vontade dos homens Só assim ela é racional Assim de um lado há a história da desigualdade e da dominação que é alheia ao direito e da qual não brota nenhum poder legítimo Tudo o que há nessa história são relações de força e a força insiste Rousseau não cria o direito Do outro lado há a ideia de contrato pensada a partir da vontade humana que esta sim cria o direito Mas por isso mesmo essa instituição não pode ser qualquer uma Ela obedece a uma regra ela tem que poder ser pensada como o produto da vontade dos homens Assim embora instituído o direito tem um fundamento natural que é a vontade O que vem a ser essa vontade é algo que só se pode vislumbrar por um esforço de abstração de tudo o que o homem acrescentou à sua condição original pelo que se transformou a ponto de quase chegar a esquecer sua natureza É essa ignorância da natureza do homem que lança tanta incerteza e obscuridade na verdadeira noção de direito natural ROUSSEAU 2005 p 152 O direito natural não se expressa na forma de uma lei de natureza Nem por isso é uma noção dispensável Pois o direito fundase na vontade do homem tal como pensada a partir da natureza como a vontade pela qual o homem teria deixado sua condição natural por uma condição política Essa vontade é definida pela negativa no Discurso sobre a desigualdade tratase da vontade de não se deixar dominar Se o homem não goza mais de sua liberdade natural se ele se interessa pelos bens da civilização e não mais pode viver sem eles se já não pode mais se desfazer dos vínculos que os prendem aos outros homens numa vida civilizada tratase então de saber quais podem ser as instituições dessa vida comum tal que possam concordar com a vontade humana Eis o problema fundamental que o contrato tem de resolver Ao fundar o direito na vontade e ao procurar determinar o que seria a natureza dessa vontade Rousseau busca na natureza um princípio de legitimação do direito político Nisso alinhase a Locke contra a tese hobbesiana de que por natureza todas as ações são legítimas Vêse assim que nossos autores têm posições divergentes sobre a relação entre direito política e história e que o Contratualismo não é portanto uma teoria unívoca mas um diálogo em aberto sobre o sentido dessas relações Bibliografia BOBBIO N MATTEUCCI N PASQUINO G ed Dicionário de política Brasília UnB 2010 v 1 CÍCERO M T La republique Paris Les Belles Lettres 2002 FOUCAULT M Em defesa da sociedade São Paulo Martins Fontes 2005 FRATESCHI Y Hobbes e a instituição do Estado In BERLENDIS V Filósofos na sala de aula São Paulo Berlendis Vertecchia 2007 A física da política Hobbes contra Aristóteles Campinas Ed Unicamp 2008 HOBBES T Leviatã In Hobbes São Paulo Abril 1974 Os Pensadores HUME D Ensaios morais políticos e literários In Hume São Paulo Abril 1973 Os Pensadores LIMONGI M I M P Hobbes Rio de Janeiro Zahar 2002 Filosofia Passo a Passo O homem excêntrico paixões e virtudes em Thomas Hobbes São Paulo Loyola 2009 LOCKE J Dois tratados sobre o governo Editado por Peter Laslett São Paulo Martins Fontes 2005 PASCAL B Pensamentos sobre a política São Paulo Martins Fontes 1994 RAWLS J Uma teoria da justiça São Paulo Martins Fontes 2000 RIBEIRO R J Ao leitor sem medo Hobbes escrevendo contra seu tempo Belo Horizonte Ed UFMG 1999 ROUSSEAU JJ Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens São Paulo Martins Fontes 2005 O contrato social São Paulo Martins Fontes 2006 SALINAS FORTES L R Rousseau da teoria à prática São Paulo Ática 1976 Rousseau o bom selvagem São Paulo FTD 1989 STAROBINSKI J JeanJacques Rousseau a transparência e o obstáculo São Paulo Companhia das Letras 1996 Créditos das imagens Maurice Quentin de La Tour Reprodução Reprodução Sir Godfrey Kneller 1 Por exemplo Pascal 1994 2 Por exemplo Do contrato original Hume 1973 3 Por exemplo Foucault 2005 4 Robert Filmer é autor de O Patriarca ou o poder natural dos reis obra que Locke se dedica a refutar no primeiro dos Dois tratados sobre o governo 5 Segundo a sugestão de tradução de Bento Prado Jr mantendo a rima do original Convenants without the sword are but words Leviathan London Penguin Books 1981 p 223 Resenha Crítica Os Contratualistas por Maria Isagel Limongi Referência Completa da Obra LIMONGI Maria Isagel Os Contratualistas Hobbes Locke e Rousseau São Paulo Saraiva 2012 Introdução A obra Os Contratualistas de Maria Isagel Limongi apresenta uma análise aprofundada das teorias de Thomas Hobbes John Locke e JeanJacques Rousseau destacando como cada um desses filósofos contribuiu para o desenvolvimento do Contratualismo Limongi explora as bases filosóficas e históricas que moldaram as ideias desses pensadores oferecendo uma visão detalhada sobre suas teorias do contrato social Resumo do Conteúdo Maria Isagel Limongi inicia a obra contextualizando o Contratualismo dentro do cenário filosófico e histórico dos séculos XVII e XVIII Ela descreve como o Contratualismo surgiu como uma resposta à necessidade de legitimação do poder político em uma sociedade em transformação A autora analisa as principais obras de Hobbes Locke e Rousseau destacando as diferenças e semelhanças em suas abordagens sobre o contrato social Análise Crítica 1 Clareza e Estrutura Argumentativa Limongi apresenta as teorias contratualistas de maneira clara e bem estruturada A autora consegue articular as ideias complexas de Hobbes Locke e Rousseau tornandoas acessíveis ao leitor A estrutura do livro dividida em capítulos dedicados a cada filósofo facilita a compreensão das diferenças e das conexões entre suas teorias 2 Profundidade da Análise A análise de Limongi é notavelmente profunda e abrangente Ela não se limita a descrever as teorias mas também explora suas implicações filosóficas e políticas Limongi discute a influência de contextos históricos específicos sobre o desenvolvimento das ideias de cada filósofo proporcionando uma compreensão mais rica e contextualizada do Contratualismo 3 Contribuição para o Campo de Estudo A obra de Limongi é uma contribuição significativa para o campo da filosofia política Ao contextualizar e comparar as teorias de Hobbes Locke e Rousseau a autora oferece uma visão integrada do Contratualismo destacando seu impacto duradouro na teoria política moderna Limongi também aborda críticas contemporâneas ao Contratualismo ampliando a relevância da obra para debates filosóficos atuais 4 Criticismo e Limitações Embora a clareza expositiva de Limongi seja uma das principais qualidades da obra o nível de abstração envolvido nas discussões sobre legitimidade política e contrato social pode representar um desafio para leitores sem um background sólido em filosofia A complexidade teórica das análises de Hobbes Locke e Rousseau exige um leitor atento e familiarizado com conceitos filosóficos avançados Contudo essa crítica é mitigada pela habilidade de Limongi em contextualizar e explicar as teorias de maneira didática Conclusão Os Contratualistas de Maria Isagel Limongi é uma obra essencial para a compreensão do pensamento político moderno Através de uma análise detalhada e contextualizada das teorias de Hobbes Locke e Rousseau Limongi oferece uma visão abrangente e crítica do Contratualismo A obra é recomendada para estudantes e estudiosos de filosofia política fornecendo as ferramentas necessárias para entender e avaliar as teorias que moldaram a concepção contemporânea de sociedade e governo Referências BOBBIO N MATTEUCCI N PASQUINO G ed Dicionário de política Brasília UnB 2010 v 1 CÍCERO M T La Republique Paris Les Belles Lettres 2002 FOUCAULT M Em defesa da sociedade São Paulo Martins Fontes 2005 HOBBES T Leviatã São Paulo Abril 1974 Os Pensadores LOCKE J Dois tratados sobre o governo São Paulo Martins Fontes 2005 ROUSSEAU JJ Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens São Paulo Martins Fontes 2005 ROUSSEAU JJ O contrato social São Paulo Martins Fontes 2006 Resenha Crítica Filosofia do Direito por Gianluigi Palombella Referência Completa da Obra PALOMBELLA Gianluigi Filosofia do Direito São Paulo Martins Fontes 2000 Introdução A obra Filosofia do Direito de Gianluigi Palombella se propõe a discutir e aprofundar os principais conceitos da filosofia jurídica abordando temas centrais como a validade das normas jurídicas a relação entre direito e moral e a estrutura normativa do direito Palombella examina teorias contemporâneas e clássicas com um enfoque significativo na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen Resumo do Conteúdo O texto se organiza em torno da análise das principais contribuições de Hans Kelsen especialmente no que diz respeito à sua concepção de sistema jurídico dinâmico e à noção de norma fundamental Palombella detalha como Kelsen redefine o entendimento de obrigatoriedade jurídica desvinculandoo da autoridade e vontade subjetiva e enfocando na formalidade e na estrutura hierárquica das normas jurídicas Análise Crítica 1 Clareza e Estrutura Argumentativa Palombella apresenta as ideias de Kelsen de maneira clara e meticulosa facilitando a compreensão de conceitos complexos como a Stufenbau construção em camadas do sistema jurídico A estrutura do livro que organiza a discussão em torno de temas específicos e os desenvolve com rigor permite ao leitor uma assimilação progressiva dos conteúdos 2 Profundidade da Análise A profundidade da análise é um dos pontos fortes da obra Palombella não se limita a expor as teorias de Kelsen mas também explora suas implicações filosóficas e críticas Ele aborda a transição de uma perspectiva estática para uma dinâmica do direito destacando como essa mudança impacta a compreensão da validade normativa e da autonomia do direito frente a valores morais e sociais 3 Contribuição para o Campo de Estudo Filosofia do Direito é uma contribuição significativa para o campo da teoria jurídica Ao dissecar a Teoria Pura do Direito de Kelsen e confrontála com outras perspectivas Palombella enriquece o debate acadêmico e proporciona uma base sólida para estudos avançados em filosofia do direito A obra se destaca por sua capacidade de integrar discussões teóricas com problemas práticos e normativos do direito contemporâneo 4 Criticismo e Limitações Uma limitação da obra é a complexidade intrínseca dos temas abordados que pode representar um desafio para leitores sem formação prévia em filosofia jurídica Embora Palombella se esforce para tornar acessíveis as ideias de Kelsen o nível de abstração e o rigor analítico exigem um leitor atento e familiarizado com conceitos avançados do direito e da filosofia Além disso a ênfase predominante em Kelsen pode deixar outras perspectivas teóricas relevantes em segundo plano Conclusão Filosofia do Direito de Gianluigi Palombella é uma obra essencial para a compreensão da teoria jurídica moderna especialmente no que tange à Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen Através de uma análise detalhada e crítica Palombella oferece uma visão abrangente e profunda das questões centrais da filosofia do direito tornandose leitura obrigatória para estudantes e estudiosos da área A obra apesar de sua complexidade proporciona as ferramentas necessárias para entender e avaliar as bases normativas do direito contemporâneo Referências BOBBIO N MATTEUCCI N PASQUINO G ed Dicionário de política Brasília UnB 2010 v 1 KELSEN H Teoria pura do direito São Paulo Martins Fontes 1998 VIOLA F Ermeneutica e direito Rivista internazionale di filosofia del diritto 1989

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