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Direito ·
Direitos Humanos
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1 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS CASO HERZOG E OUTROS VS BRASIL SENTENÇA DE 15 DE MARÇO DE 2018 Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas No Caso Herzog e outros a Corte Interamericana de Direitos Humanos doravante denominada Corte Interamericana Corte ou Tribunal constituída pelos seguintes juízes1 Eduardo Ferrer MacGregor Poisot Presidente Eduardo Vio Grossi VicePresidente Humberto Antonio Sierra Porto Juiz Elizabeth Odio Benito Juíza Eugenio Raúl Zaffaroni Juiz e L Patricio Pazmiño Freire Juiz presentes ademais Pablo Saavedra Alessandri Secretário e Emilia Segares Rodríguez Secretária Adjunta em conformidade com os artigos 623 e 631 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos doravante denominada Convenção Americana ou Convenção e com os artigos 31 32 42 65 e 67 do Regulamento da Corte doravante denominado Regulamento profere a presente Sentença que se estrutura na ordem que se segue 1 O Juiz Roberto F Caldas de nacionalidade brasileira não participou da deliberação da presente Sentença em conformidade com o disposto nos artigos 192 do Estatuto e 191 do Regulamento da Corte 2 Sumário I INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA 3 II PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE 4 III COMPETÊNCIA 6 IV EXCEÇÕES PRELIMINARES 7 A Exceções preliminares relativas à alegada incompetência do Tribunal por razão de tempo 7 B Incompetência por razão da matéria quanto a supostas violações da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura 9 C Falta de esgotamento dos recursos internos para obter reparações 11 D Descumprimento do prazo para a apresentação da petição à Comissão 13 E Incompetência ratione materiae para revisar decisões internas exceção de quarta instância 17 F Alegada inconvencionalidade da publicação do Relatório de Mérito 19 G Incompetência da Corte para examinar fatos propostos pelos representantes 20 V PROVA 22 A Prova documental testemunhal e pericial 22 B Admissibilidade da prova 23 C Apreciação da prova 23 VI FATOS PROVADOS 23 A Contexto histórico 23 B Sobre Vladimir Herzog 25 C Operação Radar 25 D Os fatos ocorridos em 25 de outubro de 1975 26 E Inquérito Policial Militar IPM No 117375 27 F Ação declaratória No 13676 28 G Sobre a Lei de Anistia 30 H Inquérito Policial No 48792 Justiça Estadual de São Paulo 31 I Reconhecimento de responsabilidade por meio da Lei No 91401995 31 J Atuação do Ministério Público Federal Processo No 200861810134342 33 K Ação Civil Pública apresentada pelo Ministério Público Federal em 2008 35 L Ações da Comissão Nacional da Verdade CNV 36 VII MÉRITO 36 VII1 DIREITO ÀS GARANTIAS JUDICIAIS E À PROTEÇÃO JUDICIAL 37 A Alegações das partes e da Comissão 38 B Considerações da Corte 43 B1 Crimes contra a humanidade 44 B2 Consequência da perpetração de um crime contra a humanidade 51 B3 A tortura e o assassinato de Vladimir Herzog 25 de outubro de 1975 52 B4 Análise da atuação estatal 64 B5 Conclusão 81 VII2 DIREITO A CONHECER A VERDADE 82 A Alegações das partes e da Comissão 82 B Considerações da Corte 84 VII3 DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL 88 A Alegações das partes e da Comissão 88 B Considerações da Corte 89 VIII REPARAÇÕES 91 A Parte lesada 91 B Obrigação de investigar 91 C Medidas de não repetição 94 D Medidas de satisfação 94 E Outras medidas de reparação solicitadas pelos representantes 96 F Indenização compensatória 96 G Custas e gastos 98 H Reembolso dos gastos ao Fundo de Assistência Jurídica 99 I Modalidade de cumprimento dos pagamentos ordenados 100 IX PONTOS RESOLUTIVOS 101 3 I INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA 1 O caso submetido à Corte Em 22 de abril de 2016 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos doravante denominada Comissão Interamericana ou Comissão submeteu à Corte o Caso Vladimir Herzog e outros contra a República Federativa do Brasil doravante denominado Estado ou Brasil De acordo com informações da Comissão o caso se refere à suposta responsabilidade internacional do Estado pela situação de impunidade em que se encontram a detenção arbitrária a tortura e a morte do jornalista Vladimir Herzog ocorridas em 25 de outubro de 1975 durante a ditadura militar Essa impunidade seria causada entre outros pela Lei No 668379 Lei de Anistia promulgada durante a ditadura militar brasileira As supostas vítimas no presente caso são Clarice Herzog Ivo Herzog André Herzog e Zora Herzog 2 Tramitação perante a Comissão A tramitação do caso perante a Comissão Interamericana foi a seguinte a Petição Em 10 de julho de 2009 a Comissão recebeu a petição inicial à qual foi atribuído o número de caso 12879 apresentada pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional CEJIL pela Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos FidDH pelo Centro Santos Dias da Arquidiocese de São Paulo e pelo Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo b Relatório de Admissibilidade Em 8 de novembro de 2012 a Comissão aprovou o Relatório de Admissibilidade No 8012 doravante denominado Relatório de Admissibilidade c Relatório de Mérito Em 28 de outubro de 2015 a Comissão aprovou o Relatório de Mérito No 7115 doravante denominado Relatório de Mérito em conformidade com o artigo 50 da Convenção Americana i Conclusões A Comissão concluiu que o Estado era responsável internacionalmente a pela violação dos direitos consagrados nos artigos I IV VII XVIII XXII e XXV da Declaração Americana b pela violação dos direitos consagrados nos artigos 51 81 e 251 da Convenção Americana em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo instrumento c pela violação dos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura doravante denominada CIPST ii Recomendações Por conseguinte a Comissão recomendou ao Estado a determinar por meio da jurisdição de direito comum a responsabilidade criminal pela detenção arbitrária a tortura e o assassinato de Vladimir Herzog mediante uma investigação judicial completa e imparcial dos fatos em conformidade com o devido processo legal a fim de identificar e punir penalmente os responsáveis por essas violações e publicar os resultados dessa investigação Para o cumprimento dessa recomendação o Estado deverá considerar que os crimes de lesa humanidade são inanistiáveis e imprescritíveis b adotar todas as medidas necessárias para garantir que a Lei N 668379 Lei de Anistia e outras disposições do direito penal como a prescrição a coisa julgada e os princípios de irretroatividade e de non bis in idem não continuem representando um obstáculo para a ação penal contra graves violações de direitos humanos 4 c oferecer reparação aos familiares de Vladimir Herzog que inclua o tratamento físico e psicológico e a realização de atos de importância simbólica que garantam a não repetição dos crimes cometidos no presente caso além do reconhecimento da responsabilidade do Estado pela detenção arbitrária tortura e assassinato de Vladimir Herzog e pela dor de sus familiares e d reparar adequadamente as violações de direitos humanos no aspecto tanto material como moral 3 Notificação ao Estado O Relatório de Mérito foi notificado ao Estado mediante comunicação de 22 de dezembro de 2015 na qual se concedia um prazo de dois meses para informar sobre o cumprimento das recomendações O Estado reiterou a informação apresentada na etapa de mérito perante a Comissão e acrescentou alguns aspectos relacionados a uma proposta de indenização pecuniária No entanto a Comissão observou que o Estado não prestou informação sobre a reabertura da investigação do caso concreto 4 Apresentação à Corte Em 22 de abril de 2016 a Comissão submeteu à Corte o caso relacionado aos fatos e violações de direitos humanos descritos no Relatório de Mérito pela necessidade de obtenção de justiça e porque envolvem questões de ordem pública interamericana2 Especificamente a Comissão submeteu à Corte as ações e omissões estatais que ocorreram ou continuaram ocorrendo posteriormente a 10 de dezembro de 1998 data de aceitação da competência da Corte por parte do Estado3 5 Solicitações da Comissão Interamericana Com base no exposto a Comissão Interamericana solicitou a este Tribunal que determinasse e declarasse a responsabilidade internacional do Brasil pelas violações constantes do Relatório de Mérito ocorridas após a aceitação da competência da Corte e que se ordenasse ao Estado como medidas de reparação as recomendações incluídas nesse Relatório par 2 supra II PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE 6 Notificação ao Estado e aos representantes O caso foi notificado ao Brasil e aos representantes das supostas vítimas doravante denominados representantes em 13 de junho de 2016 7 Escrito de solicitações argumentos e provas Em 16 de agosto de 2016 os representantes4 apresentaram o escrito de solicitações argumentos e provas Nesse escrito coincidiram com as manifestações da Comissão quanto às normas supostamente violadas e além disso alegaram violações do dever de garantia do direito à integridade pessoal e à liberdade de expressão artigos 5 e 13 da Convenção em relação aos artigos 11 8 e 25 do mesmo instrumento bem como dos artigos 1 6 e 8 da CIPST em detrimento de Vladimir Herzog em razão da não investigação da tortura contra sua pessoa até a presente data Alegaram também a violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 8 e 25 da Convenção em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo 2 A Comissão Interamericana designou como delegados o Comissário Francisco Eguiguren o então Secretário Executivo Emilio Álvarez Icaza L e o Relator Especial para a Liberdade de Expressão Edison Lanza e como assessoras jurídicas a Secretária Executiva Adjunta Elizabeth AbiMershed e as advogadas da Secretaria Executiva Silvia Serrano Guzmán Ona Flores e Tatiana Teubner Posteriormente a Comissão designou Paulo Abrão como Secretário Executivo 3 Dentro dessas ações e omissões se encontram 1 as violações à Convenção Americana e à Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura decorrentes da atuação das autoridades estatais no âmbito do Processo No 200861810134342 que culminou com o arquivamento do inquérito em janeiro de 2009 Esse arquivamento foi motivado pela aplicação da Lei de Anistia bem como das figuras de prescrição e coisa julgada 2 a atuação das autoridades estatais no âmbito da ação civil pública no 200861000114145 3 o dano à integridade pessoal dos familiares em consequência da situação de impunidade e denegação de justiça descrita no Relatório de Mérito 4 O Centro pela Justiça e o Direito Internacional CEJIL exerce a representação das supostas vítimas nesse caso 5 instrumento em detrimento dos familiares do senhor Herzog Por outro lado solicitaram a declaração da violação do direito à verdade estabelecido nos artigos 5 8 13 e 25 em conjunto com o artigo 11 da Convenção em detrimento dos familiares em razão da falsa versão de suicídio e da ocultação e denegação de informação sobre o caso Alegaram também a violação do direito à integridade pessoal estabelecido no artigo 5 da Convenção Americana em detrimento dos familiares de Vladimir Herzog Além disso as supostas vítimas solicitaram por meio de seus representantes o acesso ao Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas da Corte Interamericana doravante denominado Fundo de Assistência da Corte ou Fundo Finalmente os representantes solicitaram à Corte que ordenasse ao Estado a adoção de diversas medidas de reparação e o reembolso de determinadas custas e gastos 8 Escrito de exceções preliminares e contestação Em 14 de novembro de 2016 o Estado5 apresentou seu escrito de interposição de exceções preliminares e contestação à apresentação do caso e observações sobre o escrito de solicitações argumentos e provas doravante denominado contestação ou escrito de contestação nos termos do artigo 41 do Regulamento do Tribunal O Estado interpôs nove exceções preliminares e reconheceu a responsabilidade de seus agentes na violação do artigo 5 da Convenção em relação aos familiares de Vladimir Herzog como resultado da prisão arbitrária da tortura e da morte Por outro lado se opôs às demais violações alegadas 9 Observações sobre as exceções preliminares e sobre o reconhecimento de responsabilidade efetuado pelo Estado Em 9 de janeiro de 2017 a Comissão e os representantes enviaram suas observações sobre o reconhecimento de responsabilidade do Estado e sobre as exceções preliminares 10 Proteção do Fundo de Assistência Jurídica Mediante resolução do Presidente em exercício da Corte de 23 de fevereiro de 2017 declarouse procedente a solicitação interposta pelas supostas vítimas por meio de seus representantes para recorrer ao Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas da Corte6 11 Audiência pública Em 7 de abril de 2017 o Presidente em exercício da Corte emitiu resolução7 em que convocou as partes e a Comissão para uma audiência pública sobre exceções preliminares e eventuais mérito reparações e custas e para ouvir as alegações e observações finais orais das partes e da Comissão respectivamente Também ordenou o recebimento em audiência do depoimento de uma suposta vítima uma testemunha e dois peritos propostos pelos representantes e pelo Estado Do mesmo modo nessa resolução se ordenou o recebimento dos depoimentos prestados perante agente dotado de fé pública affidavit por duas supostas vítimas e oito peritos propostos pelas partes e pela Comissão A audiência pública foi realizada em 24 de maio de 2017 durante o 118 Período Ordinário de Sessões da Corte na cidade de San José Costa Rica8 5 O Estado designou como agente para o presente caso o senhor Fernando Jacques de Magalhães Pimenta e como agentes suplentes Flávia Piovesan Pedro Saldanha Maria Cristina Martins dos Anjos Boni de Moraes Soares João Guilherme Fernandes Maranhão Gustavo Campelo Silvio José Albuquerque e Silva Andrea Vergara da Silva Daniela Ferreira Marques Rodrigo de Oliveira Morais Luciana Peres Ana Flávia Longo Lombardi e Mariana Carvalho de Ávila Negri 6 Caso Herzog e outros Vs Brasil Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas Resolução do Presidente em exercício da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 23 de fevereiro de 2017 Disponível em httpwwwcorteidhorcrdocsasuntosvladimirherzogfv17espdf 7 Caso Herzog e outros Vs Brasil Resolução do Presidente em exercício da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 7 de abril de 2017 Disponível em httpwwwcorteidhorcrdocsasuntosherzog070417pdf 8 A essa audiência compareceram a pela Comissão Interamericana o Relator Especial para a Liberdade de Expressão Edison Lanza e as assessoras Silvia Serrano Guzmán e Selene Soto Rodríguez b pelos representantes das supostas vítimas Viviana Krsticevic Beatriz Affonso Alejandra Vicente Helena Rocha Erick Curvelo c pelo Estado Fernando Jacques de Magalhães Pimenta Elias Martins Filho Idervânio Costa Alexandre Reis Siqueira Freire Fernanda Menezes 6 12 Amici curiae O Tribunal recebeu cinco escritos de amici curiae apresentados 1 pelo Grupo de Pesquisa Direito à Verdade e à Memória e Justiça de Transição da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS9 sobre o direito à verdade e sobre os retrocessos no processo de justiça de transição do Brasil 2 de forma conjunta pela Clínica de Direitos Humanos e Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas e pelo Grupo de Pesquisa de Direitos Humanos do Amazonas10 sobre a inconvencionalidade das leis de anistia promulgadas durante os períodos de transição das ditaduras latino americanas em prol da obtenção da verdade e da justiça em casos de graves e sistemáticas violações de direitos humanos 3 pelo Núcleo de Estudos em Sistemas Internacionais de Direitos Humanos NESIDH da Universidade Federal do Paraná UFPR11 sobre o direito à verdade 4 pela organização Artigo 1912 sobre as graves violações do direito à liberdade de expressão a partir de sua dimensão coletiva 5 pela Comissão Nacional dos Direitos Humanos do México13 sobre as normas de proteção a jornalistas com especial ênfase no efeito amedrontador também chamado chilling effect que pode ter origem em agressões e ataques contra jornalistas 13 Alegações e observações finais escritas Em 26 de junho de 2017 os representantes e o Estado enviaram respectivamente suas alegações finais escritas bem como determinados anexos e a Comissão apresentou suas observações finais escritas 14 Observações das partes e da Comissão Em 27 de junho de 2017 a Secretaria da Corte remeteu os anexos das alegações finais escritas apresentadas pelos representantes e solicitou ao Estado e à Comissão as observações que julgassem pertinentes Mediante comunicação de 12 de julho de 2017 o Estado enviou as observações solicitadas A Comissão não apresentou observações 15 Despesas em aplicação do Fundo de Assistência Em 6 de novembro a Secretaria seguindo instruções do Presidente em exercício da Corte enviou informação ao Estado sobre as despesas efetuadas em aplicação do Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas no presente caso e segundo o disposto no artigo 5 do Regulamento da Corte sobre o funcionamento do referido Fundo concedeulhe um prazo para apresentar as observações que julgasse pertinentes O Estado apresentou observações por meio do escrito de 30 de novembro de 2017 no prazo concedido para esse efeito 16 Deliberação do presente caso A Corte iniciou a deliberação da presente Sentença em 15 de março de 2018 III COMPETÊNCIA 17 A Corte Interamericana é competente para conhecer do presente caso nos termos do artigo 623 da Convenção em razão de o Brasil ser Estado Parte na Convenção Americana Pereira Bruna Mara Liso Gabliardi Luciana Peres Bruno Correia Cardoso Claudia Giovannetti Pereira dos Anjos e Sávio Andrade Filho 9 O escrito foi assinado por José Carlos Moreira da Silva Filho Camila Tamanquevis dos Santos Caroline Ramos Sofia Bordin Rolim Andressa de Bittencourt Siqueira da Silva Ivonei Souza Trinidades Letícia Vieira Magalhães Marília Benvenuto 10 O escrito foi assinado por Sílvia Maria da Silveira Loureiro Pedro José Calafate Villa Simões Emerson Victor Hugo Costa De Sá Marcelo Phillipe Aguiar Martins Eduardo Araujo Pereira Junior Jamilly Izabela de Brito Silva Breno Matheus Barrozo de Miranda Caio Henrique Faustino da Silva Érika Guedes De Sousa Lima e Victoria Braga Brasil 11 O escrito foi assinado por Melina Girardi Fachin 12 O escrito foi assinado por Paula Martins Camila Marques Carolina Martins e Raissa Maia 13 O escrito foi assinado por Luis Raúl González Pérez 7 desde 25 de setembro de 1992 e ter reconhecido a competência contenciosa da Corte em 10 de dezembro de 1998 IV EXCEÇÕES PRELIMINARES 18 Em seu escrito de contestação o Estado apresentou nove exceções preliminares sobre a a incompetência ratione temporis sobre fatos anteriores ao reconhecimento de competência contenciosa da Corte b a incompetência ratione temporis sobre fatos anteriores à adesão à Convenção Americana c a incompetência ratione materiae quanto a supostas violações dos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura CIPST d a incompetência ratione temporis sobre fatos anteriores à entrada em vigor da CIPST para o Estado brasileiro e o descumprimento do prazo para a apresentação da petição à Comissão a respeito de alegadas violações dos artigos 81 e 25 da Convenção Americana e do artigo 8 da CIPST f a falta de esgotamento dos recursos internos para obter uma reparação pecuniária por alegadas violações dos artigos 8 e 25 da Convenção Americana e reparações de qualquer natureza sobre a alegada violação do artigo 51 do mesmo instrumento g a incompetência ratione materiae para revisar decisões internas sobre possíveis violações dos artigos 8 e 25 da Convenção exceção de quarta instância h a incompetência ratione materiae para analisar fatos diferentes daqueles submetidos pela Comissão e i a inconvencionalidade da publicação do Relatório de Mérito por parte da Comissão 19 Em atenção ao princípio de economia processual a Corte analisará conjuntamente as três exceções preliminares apresentadas pelo Estado que se referem à falta de competência do Tribunal em virtude do tempo ratione temporis uma vez que aludem a circunstâncias que estão relacionadas entre si e supõem o exame de alegações de natureza semelhante A Exceções preliminares relativas à alegada incompetência do Tribunal em virtude do tempo A1 Alegações do Estado observações da Comissão e dos representantes 20 O Estado salientou que formalizou sua adesão à Convenção Americana mediante a emissão de um decreto em 6 de novembro de 1992 e que reconheceu a competência contenciosa da Corte em 10 de dezembro de 1998 Nesse mesmo sentido informou que há dois tipos de aceitação da jurisdição da Corte e que cada um deles pode produzir efeitos temporais distintos O primeiro impede a Corte de julgar fatos instantâneos anteriores à sua competência mas permite o julgamento de violações continuadas Por outro lado o segundo faz referência à aceitação com limites temporais que não permite a responsabilidade por fatos continuados mas somente por violações posteriores e independentes 21 O Estado afirmou que em virtude do princípio de irretroatividade que rege o Direito dos Tratados as violações de caráter continuado iniciadas antes do reconhecimento da jurisdição da Corte se contrapõem às violações instantâneas que não se prolongam no tempo Para a representação do Brasil os processos criminais iniciados antes de 10 de dezembro de 1998 mesmo que estejam ainda em curso não podem gerar responsabilidade internacional pois nesse caso os fatos que gerariam a responsabilidade do Estado são anteriores ao reconhecimento de competência De acordo com o Estado se a Corte aceitasse o caso estaria considerando que tem competência para analisar qualquer fato por suposta denegação de justiça 8 22 Além disso no que se refere à adesão à Convenção Americana o Estado informou que ocorreu em 25 de setembro de 1992 e que por esse motivo a Corte deve reconhecer sua incompetência temporal para analisar fatos anteriores a essa data Por outro lado salientou que ratificou a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura CIPST em 20 de julho de 1989 e que os fatos relacionados a Vladimir Herzog ocorreram em 1975 antes da adesão do Brasil à CIPST Portanto o Estado alegou que ambas as convenções só podem ser aplicadas a respeito de ações ou omissões posteriores à sua respectiva ratificação 23 A Comissão informou que na nota de encaminhamento do caso fez constar que os fatos submetidos ao conhecimento da Corte são unicamente aqueles que tiveram lugar depois de 10 de dezembro de 1998 Nesse sentido a Comissão considerou que as exceções preliminares são improcedentes pois o âmbito temporal sobre o qual a Corte pode se pronunciar já foi plenamente delimitado conforme o princípio de irretroatividade e a jurisprudência do Tribunal na matéria 24 Informou também que as violações da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura se incluem na competência temporal da Corte Interamericana pois se relacionam àquelas associadas à obrigação de investigar e punir atos de tortura decorrentes precisamente das violações autônomas aos artigos 8 e 25 da Convenção Americana 25 Os Representantes sustentaram que não alegaram violações por fatos anteriores a 10 de dezembro de 1998 Destacaram além disso que a Corte reiterou que tem competência para analisar se fatos que tenham tido início antes da data de reconhecimento da competência do Tribunal continuam ou permanecem depois dessa data 26 Do mesmo modo alegaram que as violações fundamentadas na falta de investigação e punição dos crimes de lesahumanidade e graves violações de direitos humanos praticadas no presente caso persistiram antes e depois de 1998 estendendose até a atualidade Por esse motivo salientaram que os fatos se caracterizam como uma situação de violação permanente do dever de investigar e punir a tortura A2 Considerações da Corte 27 O Brasil ratificou a CIPST e a Convenção Americana em 20 de julho de 1989 e 25 de setembro de 1992 respectivamente A Corte observa que as obrigações internacionais que decorrem dos citados instrumentos adquiriram plena força legal a partir das referidas datas Não obstante o Tribunal observa que não foi senão em 10 de dezembro de 1998 que o Brasil reconheceu a competência contenciosa da Corte Interamericana e a ela se submeteu Em sua declaração afirmou que o Tribunal teria competência a respeito de fatos posteriores a esse reconhecimento14 Com base no exposto e no princípio de irretroatividade a Corte não pode exercer sua competência contenciosa para aplicar a Convenção e declarar uma violação de suas normas a respeito de fatos alegados ou de condutas do Estado que sejam anteriores a esse reconhecimento de competência15 14 O reconhecimento de competência feito pelo Brasil em 10 de dezembro de 1998 salienta que o Governo da República Federativa do Brasil declara que reconhece por tempo indeterminado como obrigatória e de pleno direito a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em conformidade com o artigo 62 da referida Convenção sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a esta Declaração Informação geral do Tratado Convenção Americana sobre Direitos Humanos Brasil reconhecimento de competência Disponível em httpwwwoasorgjuridicospanishfirmasb32html 15 Cf Caso das Irmãs Serrano Cruz Vs El Salvador Exceções Preliminares Sentença de 23 de novembro de 2004 Série C No 118 par 66 e Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 24 de novembro de 2010 Série C No 219 par 16 9 28 Não obstante este Tribunal também concluiu que no transcurso de um processo investigativo ou judicial podem ocorrer fatos independentes que poderiam configurar violações específicas e autônomas16 Por conseguinte a Corte tem competência para examinar e se pronunciar sobre possíveis violações de direitos humanos a respeito de um processo de investigação ocorrido posteriormente à data de reconhecimento de competência do Tribunal ainda que esse processo tenha tido início antes do reconhecimento da competência contenciosa17 29 A Corte observa que tanto a Comissão como os representantes afirmaram não pretender que se declare a responsabilidade internacional do Estado por fatos anteriores a 10 de dezembro de 1998 Considerando os critérios expostos o Tribunal tem competência para analisar os supostos fatos e omissões do Estado ocorridos a partir de 10 de dezembro de 1998 tanto em relação à Convenção Americana como a respeito dos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura pois se referem à obrigação estatal de investigar julgar e punir 30 Com base no acima exposto o Tribunal reafirma sua jurisprudência constante sobre esse tema e considera parcialmente fundadas as exceções preliminares B Incompetência em virtude da matéria quanto a supostas violações dos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura B1 Alegações do Estado observações da Comissão e dos representantes 31 O Estado declarou que o reconhecimento da competência deve se basear na vontade estatal de se submeter à jurisdição contenciosa internacional Nesse sentido afirmou que não reconheceu a competência da Corte para analisar as supostas violações da CIPST A juízo do Estado sua aplicação violaria o princípio pacta sunt servanda 32 O Estado argumentou que a única manifestação de vontade do Estado brasileiro que reconhece a competência desta Corte se restringe a casos relativos à interpretação e aplicação da Convenção Americana Por conseguinte solicitou que se declare a incompetência ratione materiae para processar e julgar possíveis violações da CIPST 33 A Comissão ressaltou que existe uma prática reiterada pela Corte em aplicar a CIPST com a finalidade de estabelecer o alcance da responsabilidade estatal em casos vinculados à falta de investigação de atos de tortura Salientou que tanto a Comissão como a Corte declararam violações dessas disposições em casos similares no entendimento de que o parágrafo terceiro do artigo 8 da CIPST incorpora uma cláusula geral de competência aceita pelos Estados ao ratificar esse instrumento ou a ele aderir Por conseguinte considerou que não há motivo para que a Corte se afaste de seu critério reiterado e solicitou à Corte que declare a improcedência dessa exceção preliminar 34 Os Representantes salientaram que de acordo com o princípio de compétence de la compétence a Corte tem capacidade de determinar o alcance de sua própria competência Também afirmaram que de acordo com a jurisprudência interamericana não é necessário 16 Cf Caso das Irmãs Serrano Cruz Vs El Salvador Exceções Preliminares Sentença de 23 de novembro de 2004 Série C No 118 par 84 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 16 de fevereiro de 2017 Série C No 333 par 49 17 Cf Caso Alfonso Martín del Campo Dodd Exceções Preliminares Sentença de 3 de setembro de 2004 Série C No 113 par 68 e Caso Heliodoro Portugal Vs Panamá Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 12 de agosto de 2008 Série C No 186 par 25 10 que os tratados interamericanos de direitos humanos contenham cláusulas específicas que outorguem competência à Corte 35 Argumentaram que a adoção de uma interpretação restritiva quanto ao alcance da competência deste Tribunal não só iria contra o objeto e a finalidade da Convenção mas afetaria o efeito útil do próprio Tratado e da garantia de proteção por ele disposta B2 Considerações da Corte 36 Este Tribunal determinou que pode exercer sua competência contenciosa a respeito de instrumentos interamericanos distintos da Convenção Americana quando estabeleçam um sistema de petições objeto de supervisão internacional no âmbito regional18 Assim a declaração especial de aceitação da competência contenciosa da Corte segundo a Convenção Americana e em conformidade com seu artigo 62 permite que o Tribunal conheça tanto de violações da Convenção como de outros instrumentos interamericanos que a ela outorguem competência19 37 Embora o artigo 8o da Convenção contra a Tortura20 não mencione explicitamente a Corte Interamericana este Tribunal já se referiu à sua própria competência para interpretar e aplicar essa Convenção21 O referido artigo autoriza instâncias internacionais cuja competência tenha sido aceita pelo Estado ao qual se atribui a violação desse tratado No entanto a Corte declarou a violação desses tratados em diversos casos utilizando um meio de interpretação complementar os trabalhos preparatórios ante a possível ambiguidade da disposição22 Desse modo no Caso Villagrán Morales e outros Vs Guatemala o Tribunal se referiu à razão histórica desse artigo isto é que no momento de redigir a Convenção contra a Tortura ainda havia alguns países membros da Organização dos Estados Americanos que não eram Partes da Convenção Americana e salientou que com uma cláusula geral de competência que não fizesse referência expressa e exclusiva à Corte Interamericana se abriu a possibilidade de que o maior número de Estados ratifique a Convenção contra a Tortura ou a ela adiram Ao aprovar essa Convenção considerouse importante atribuir a competência para aplicar a Convenção contra a Tortura a um órgão internacional quer se trate de uma comissão um comitê ou um tribunal existente quer se trate de um que venha a ser criado no futuro23 Nesse sentido a Comissão e consequentemente a Corte têm competência para analisar e declarar violações a essa Convenção 38 Em virtude das considerações acima a Corte reitera sua jurisprudência constante24 no sentido de que é competente para interpretar e aplicar a Convenção contra a Tortura e declarar a responsabilidade de um Estado que tenha dado seu consentimento para obrigar 18 Cf Caso Las Palmeras Vs Colômbia Exceções Preliminares par 34 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 64 19 Cf Caso González e outras Campo Algodoeiro Vs México Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 16 de novembro de 2009 Série C No 205 par 37 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 64 20 Esse preceito dispõe a respeito da competência para aplicála que uma vez esgotado o procedimento jurídico interno do respectivo Estado e os recursos que este prevê o caso poderá ser submetido a instâncias internacionais cuja competência tenha sido aceita por esse Estado ao qual se atribui a violação desse tratado 21 Cf Caso González e outras Campo Algodoeiro Vs México par 51 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 65 22 Cf Caso das Crianças de Rua Villagrán Morales e outros Vs Guatemala Mérito Sentença de 19 de novembro de 1999 Série C No 63 par 247 e 248 Caso González e outras Campo Algodoeiro Vs México par 51 23 Cf Caso das Crianças de Rua Villagrán Morales e outros Vs Guatemala Mérito par 247 e 248 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas par 65 24 Cf Caso das Crianças de Rua Villagrán Morales e outros Mérito par 247 e 248 Caso González e outras Campo Algodoeiro par 51 Caso Las Palmeras par 34 Caso Cantoral Huamaní e García Santa Cruz Vs Peru Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 10 de julho de 2007 Série C No 167 nota de rodapé 6 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 66 11 se por essa Convenção e tenha aceito além disso a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos De acordo com esse entendimento o Tribunal já teve a oportunidade de aplicar a Convenção contra a Tortura e avaliar a responsabilidade de diversos Estados em razão de sua alegada violação em mais de 40 casos contenciosos25 Dado que o Brasil é Parte na Convenção contra a Tortura e reconheceu a competência contenciosa deste Tribunal a Corte tem competência ratione materiae para pronunciarse neste caso sobre a alegada responsabilidade do Estado por violação a esse instrumento Portanto a Corte julga improcedente a exceção preliminar de falta de competência interposta pelo Estado C Falta de esgotamento dos recursos internos para obter reparações C1 Alegações do Estado observações da Comissão e dos representantes 39 O Estado salientou que o primeiro requisito de admissibilidade de uma petição perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos é o esgotamento de recursos internos pois a vítima não pode recorrer à tutela jurisdicional internacional sem antes terse valido de um recurso interno que permita o reconhecimento da violação e sua reparação Sustentou que quando a vítima só esgotou os recursos internos para solicitar que se declare a violação do direito à vida de uma pessoa assassinada pelo Estado não pode em seguida valerse da jurisdição internacional para solicitar a reparação dessa violação pois o Estado não pode ser surpreendido por um pedido de reparação pecuniária que não pôde analisar internamente 40 Também destacou que no presente caso havia recursos internos disponíveis para declarar as violações alegadas e para obter as reparações respectivas os quais não foram esgotados pelas supostas vítimas O Estado afirmou que não pagou compensações econômicas além das estabelecidas pela via administrativa porque as supostas vítimas não o solicitaram perante a jurisdição interna apesar da existência dos mecanismos judiciais idôneos para apresentar essa reclamação 41 Nesse mesmo sentido o Estado argumentou que a falta de esgotamento de recursos internos é justificada pelos representantes mediante a invocação do artigo 462b da Convenção Não obstante salientou que embora isso se aproxime sensivelmente do mérito do assunto não pode ser uma justificativa em si mesma para que não se esgote a jurisdição doméstica 42 O Estado transcreveu em seu escrito de contestação várias sentenças de tribunais internos nas quais se condenou o Estado a pagar indenizações por danos ocasionados por detenções e atos de tortura ocorridos durante a ditadura militar e salientou que o Superior Tribunal de Justiça STJ declarou que as ações de indenização por fatos similares aos do presente caso não estão sujeitas a prescrição Em atenção a isso o Estado concluiu que havia um ambiente amplamente favorável à concessão de indenização neste caso Acrescentou que no presente caso as vítimas receberam indenização no valor de R 10000000 quantia na época equivalente a aproximadamente US10000000 o que mostra que o Estado procurou cumprir seu dever de reparar os danos causados O Estado argumentou também que além da solicitação administrativa que foi atendida não dispõe de informação de outra solicitação que tenha sido apresentada pelos familiares da vítima e tenha sido negada 43 Quanto às alegações de negativa de acesso aos documentos sobre violações de direitos humanos ocorridas sob o regime militar o Estado informou que não tem 25 Ver lista no Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 66 12 conhecimento nem foi demonstrado que as supostas vítimas ou seus representantes tenham apresentado uma solicitação de habeas data 44 O Estado afirmou que a investigação criminal e o julgamento perante o foro ordinário não são os únicos recursos que devem ser considerados Sustentou que não reconhecer isso representaria uma grave violação do princípio de subsidiariedade do Sistema Interamericano e do direito de defesa do Estado 45 A Comissão observou que a jurisprudência da Corte em matéria de exceções preliminares de falta de esgotamento dos recursos internos destacou que esta deve ser apresentada no momento processual oportuno e que o Estado deve especificar claramente os recursos que a seu critério não foram esgotados Ressaltou que nos escritos de maio e outubro de 2012 o Estado não interpôs a exceção de falta de esgotamento dos recursos internos nem fez referência aos recursos que deveriam ser esgotados quando invocou essa exceção razão pela qual considerou essa exceção extemporânea Ressaltou também que a Convenção Americana não prevê que se esgotem mecanismos adicionais para que as vítimas possam obter uma reparação relacionada com fatos referentes aos recursos internos que sejam pertinentes motivo por que uma interpretação como a proposta pelo Estado não só jogaria sobre as vítimas uma carga desproporcional mas contrariaria o disposto na própria Convenção e a razão de ser tanto do requisito de esgotamento dos recursos internos como da instituição da reparação 46 Afirmou que o requisito de esgotamento dos recursos internos diz respeito aos fatos que alegadamente violam os direitos humanos A pretensão das reparações decorre da declaração de responsabilidade internacional do Estado e portanto essa pretensão não depende do esgotamento de recursos internos 47 Os Representantes destacaram que o Estado não alegou oportunamente a exceção de não esgotamento dos recursos internos Destacaram também que os argumentos do Estado são inconsistentes porque também alegou que a promulgação da Lei de Anistia efetivamente impediu o esgotamento dos recursos na jurisdição interna Salientaram que o Estado afirmou que os recursos foram esgotados pela decisão do Superior Tribunal de Justiça de 18 de agosto de 1993 Desse modo além da extemporaneidade da exceção consideraram que o Estado viola o princípio do estoppel ao adotar conduta processual contraditória 48 Finalmente argumentaram que no que se refere ao recurso de habeas data não constitui ele um recurso adequado para estabelecer as responsabilidades correspondentes à prisão arbitrária à tortura e à execução de Vladimir Herzog O recurso que atende a essas características são a investigação e a ação penal que foram repetidamente obstruídas pelas autoridades brasileiras Os representantes sustentaram que a Corte deve recusar a exceção de falta de esgotamento de recursos internos interposta pelo Estado C2 Considerações da Corte 49 A Corte elaborou diretrizes claras para analisar uma exceção preliminar baseada num suposto descumprimento do requisito de esgotamento dos recursos internos Em primeiro lugar interpretou a exceção como uma defesa disponível para o Estado e como tal o Estado pode renunciar a ela seja expressa seja tacitamente Em segundo lugar essa exceção deve ser apresentada oportunamente com o propósito de que o Estado possa exercer seu direito de defesa Em terceiro lugar a Corte afirmou que o Estado que 13 apresenta essa exceção deve especificar os recursos internos que ainda não tenham sido esgotados e demonstrar que esses recursos são aplicáveis e efetivos26 50 A Corte salientou que o artigo 461a da Convenção dispõe que para determinar a admissibilidade de uma petição ou comunicação apresentada à Comissão em conformidade com os artigos 44 ou 45 da Convenção é necessário que tenham sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna conforme os princípios do Direito Internacional geralmente reconhecidos27 51 Portanto durante a etapa de admissibilidade do caso junto à Comissão o Estado deve especificar claramente os recursos que a seu critério ainda não foram esgotados considerando a necessidade de salvaguardar o princípio de igualdade processual entre as partes que deve reger todo o procedimento perante o Sistema Interamericano28 Como a Corte estabeleceu de maneira reiterada não é tarefa deste Tribunal nem da Comissão identificar ex officio quais são os recursos internos pendentes de esgotamento porquanto não compete aos órgãos internacionais corrigir a falta de exatidão das alegações do Estado29 Do mesmo modo os argumentos que dão conteúdo à exceção preliminar interposta pelo Estado perante a Comissão durante a etapa de admissibilidade devem corresponder àqueles expostos perante a Corte30 52 A Corte constata que essas circunstâncias não se verificam no presente caso ou seja o Estado apresentou alegações diferentes na etapa de admissibilidade perante a Comissão e na exceção preliminar perante a Corte31 Além disso o Tribunal constata que em sua primeira comunicação à Comissão o Estado não opôs essa exceção motivo por que sua apresentação ao Tribunal é extemporânea 53 Em virtude de todo o acima exposto a Corte desconsidera a exceção interposta pelo Estado por considerála improcedente D Descumprimento do prazo para a apresentação da petição à Comissão D1 Alegações do Estado e observações da Comissão e dos representantes 54 O Estado declarou que a Convenção Americana dispõe que a petição deve ser apresentada à Comissão seis meses depois do esgotamento dos recursos internos Excepcionalmente quando esse prazo não é aplicável a petição deve ser apresentada num prazo razoável O Brasil afirmou que no presente caso não se observou o prazo razoável ou subsidiariamente o prazo de seis meses no que se refere às alegadas violações decorrentes da suposta ausência de ação penal 55 Segundo o Estado no presente caso a Comissão aplicou a exceção de esgotamento prévio de recursos internos prevista no artigo 462a da Convenção Americana no entendimento de que a Lei de Anistia configuraria uma situação de ausência de devido processo legal para a proteção dos direitos supostamente violados razão pela qual passou 26 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Exceções Preliminares par 88 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 76 27 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Exceções Preliminares par 85 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 77 28 Cf Caso Gonzales Lluy e outros Vs Equador Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 1o de setembro de 2015 Série C No 298 par 28 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 78 29 Cf Caso Reverón Trujillo Vs Venezuela Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de junho de 2009 Série C No 197 par 23 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 78 30 Cf Caso Reverón Trujillo Vs Venezuela par 23 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 78 31 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Exceções Preliminares par 88 14 ao exame do prazo razoável O Estado argumentou que se deixou de considerar os fatos principais nesse momento da análise de admissibilidade relacionados com a detenção arbitrária tortura e morte da vítima para considerar o questionamento da Lei de Anistia como elemento central da petição motivo pelo qual solicitou que a Corte procedesse ao controle de legalidade da atuação da Comissão 56 Em segundo lugar afirmou que não é válido considerar a data de promulgação da Lei de Anistia para o cômputo do prazo razoável pois implicaria o exercício em abstrato da jurisdição contenciosa da Corte Acrescentou que mesmo que se considere essa data 30 anos se passaram da promulgação da Lei à apresentação da petição à Comissão Em terceiro lugar alegou que não é adequado considerar as tentativas de iniciar uma investigação ou os procedimentos para conceder medidas de reparação como marco temporal para contabilizar o prazo razoável Em quarto lugar aduziu que o alegado caráter continuado de impunidade dos fatos não permite estabelecer um marco temporal de referência o que impede qualquer análise do prazo razoável Afirmou ainda que a partir de 28 de agosto de 1979 não havia recurso interno para promover a investigação das violações sofridas por Vladimir Herzog que foram de caráter instantâneo não continuado 57 Também alegou que é fato que em 1992 o Brasil ratificou a Convenção Americana e desde esse momento as organizações peticionárias podiam apresentar seu caso à Comissão Diante da falta de recursos internos o Estado salientou que não se aplicava a regra dos seis meses disposta no artigo 46 da Convenção mas sim o dever de apresentar a petição dentro de um prazo razoável 58 O Brasil considerou que os critérios da Comissão para considerar um prazo razoável são extremamente flexíveis e variam de acordo com considerações casuísticas Destacou que no caso sub judice apresentamse violações de caráter instantâneo e que transcorreram 30 anos entre a ocorrência dos fatos e a apresentação da petição Para o Estado isso não constitui um prazo razoável 59 Por último julgou inadequado que se utilize a última tentativa de reabrir as investigações do caso concreto como marco para o cômputo do prazo razoável Ressaltou que o objeto da reclamação apresentada em 2007 à Procuradoria da República era a ausência de apresentação por parte da União de ações de regresso cobrança de indenização contra os autores de danos nos termos da Lei No 9140 de 1995 Essa reclamação não se circunscrevia ao caso de Vladimir Herzog e tampouco perseguia fins penais mas pelo contrário segundo o Estado reconhecia a prescrição das ações penais Portanto a representação do Estado afirmou que o que ocorreu em 2008 não foi um arquivamento da investigação e que consequentemente o prazo razoável não corre a partir dessa última data Finalmente salientou que no Relatório de Mérito a Comissão não identificou de maneira clara quais seriam os termos para a avaliação do prazo razoável e tampouco que essa avaliação tinha a obrigação de identificar o início do prazo 60 A Comissão observou em primeiro lugar que o Estado solicitou que a Corte procedesse a um controle de legalidade quanto à análise do prazo de seis meses Declarou que tem plena autonomia no exercício de suas faculdades convencionais e que a revisão de questões de admissibilidade deveria ser efetuada somente em circunstâncias excepcionais quando coincidam os seguintes elementos i que haja um erro de procedimento ii que seja qualificado como grave iii que afete o direito de defesa da parte que o invoca e iv que fique provado prejuízo concreto A Comissão considerou que nenhum dos quatro elementos se configura no presente caso 15 61 Em segundo lugar a Comissão considerou que era aplicável a exceção ao requisito de esgotamento dos recursos internos contemplada no artigo 462a da Convenção razão pela qual o prazo de seis meses não era aplicável A Comissão reiterou em todos os seus termos o relatório de admissibilidade no qual afirmou que em casos que supostamente implicam delitos penais passíveis de ação de ofício no Brasil a detenção arbitrária a tortura e a execução extrajudicial de uma pessoa o recurso idôneo e efetivo é uma investigação criminal e um julgamento no sistema de justiça ordinária Também observou que a Lei de Anistia é um obstáculo à acusação criminal dos responsáveis pelas violações cometidas contra a suposta vítima e portanto a Comissão determinou que a petição era admissível porque a legislação interna do Brasil não contempla o devido processo legal para a proteção dos direitos que se alega terem sido violados Além disso a Comissão sustentou que houve múltiplas ações no âmbito interno nos anos de 2008 e 2009 motivo pelo qual a apresentação da petição em 2009 foi razoável 62 Em virtude do exposto a Comissão solicitou à Corte que rejeite a solicitação do Estado de efetuar um controle de legalidade sobre esse aspecto pois o Estado não demonstrou que se encontram presentes os pressupostos para que esse controle tenha lugar Subsidiariamente solicitou à Corte que determine que a análise constante do relatório de admissibilidade sobre o requisito de apresentação oportuna da petição se encontra dentro do marco convencional e regulamentar e consequentemente que declare improcedente essa exceção preliminar 63 Os Representantes destacaram que na jurisprudência reiterada desta Corte se determina a improcedência da exceção referente ao prazo de seis meses caso o Estado tenha alegado o não esgotamento dos recursos internos em razão da contradição intrínseca entre esses argumentos Sem prejuízo do exposto destacaram que a Comissão Interamericana tem autonomia e independência para examinar as petições individuais submetidas a seu conhecimento no exercício de seu mandato convencional 64 Além disso argumentaram que de acordo com as sentenças desta Corte a revisão do procedimento perante a Comissão só teria procedência se alguma das partes alegasse de maneira fundamentada a existência de um erro grave ou de alguma inobservância dos requisitos de admissibilidade que violasse o direito de defesa da parte interessada Salientaram que a parte que o alega assume o ônus probatório de demonstrar efetivamente o prejuízo a seu direito de defesa razão pela qual não é suficiente uma queixa ou discrepância de critérios em relação às medidas adotadas pela Comissão 65 Destacaram que a razoabilidade do prazo é uma decisão da Comissão para o que leva em conta a data dos fatos e as circunstâncias concretas do caso Os representantes enfatizaram a incompatibilidade da Lei de Anistia com a Convenção Americana além da impunidade sob a referida Lei das violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar razões que levaram a Comissão a concluir que a petição foi apresentada em prazo razoável D2 Considerações da Corte 66 O Estado solicitou à Corte que realizasse um controle de legalidade do procedimento perante a Comissão embora a juízo do Tribunal no presente caso o enfoque proposto corresponda a uma exceção preliminar que questiona a admissibilidade da petição pelo suposto descumprimento do requisito estabelecido no artigo 462a da Convenção 16 Americana32 Por esse motivo a Corte examinará as alegações das partes à luz dessas circunstâncias 67 Em primeiro lugar é necessário que a Corte avalie se durante a etapa de admissibilidade do caso perante a Comissão os argumentos que dão conteúdo à exceção preliminar interposta pelo Estado correspondem àqueles apresentados perante a Corte33 68 No presente caso durante a etapa de admissibilidade o Estado apresentou dois escritos à Comissão um em 30 de maio de 2012 e outro em 18 de junho desse mesmo ano Em ambos os escritos apresentou argumentos similares sobre o prazo para a interposição da petição inicial Posteriormente no escrito de contestação no âmbito do processo perante a Corte o Estado se referiu novamente à mencionada exceção preliminar Com base no exposto a Corte observa que os argumentos que dão conteúdo à exceção preliminar interposta pelo Estado perante a Comissão durante a etapa de admissibilidade correspondem àqueles apresentados perante a Corte de modo que passará a analisar seu conteúdo material 69 A Corte constata que o Estado reconheceu a inexistência de recursos disponíveis para as vítimas em virtude da Lei de Anistia34 ou seja não há controvérsia entre as partes nesse aspecto Em virtude disso a regra dos seis meses é inaplicável e por isso compete ao Tribunal verificar se transcorreu um prazo razoável para que os peticionários recorressem à Comissão Interamericana Nesse sentido a Corte observa que há de fato uma controvérsia entre as partes sobre qual deve ser considerada a data pertinente para o cômputo desse prazo razoável 70 A Corte observa que embora em 18 de agosto de 1993 tenha sido concluído oficialmente o inquérito policial no 48792 na justiça estadual de São Paulo par 140 a 145 infra em 4 de dezembro de 1995 foi promulgada a Lei No 91401995 que criou a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos CEMDP par 146 a 151 infra que emitiu seu relatório final no ano de 2007 Além disso o Tribunal nota que foi com base no resultado desse relatório que se apresentou a denúncia ao Ministério Público Federal que deu início ao processo no 200861810134342 O arquivamento desse processo ocorrido em 9 de janeiro de 2009 par 152 a 160 infra finalmente motivou a apresentação da petição inicial perante a Comissão Interamericana em 10 de julho desse mesmo ano 71 No presente caso a Corte constata que o suposto dano que motiva a apresentação da petição inicial é a impunidade em que se encontram a morte e a tortura de Vladimir Herzog Com base no acima exposto a Corte é de opinião que os peticionários tinham uma expectativa razoável de que o Estado remediasse essa situação de impunidade a partir do retorno da democracia e sobretudo a partir da apresentação do relatório final da Comissão criada pela Lei No 91401995 Por esses motivos o Tribunal considera que as circunstâncias específicas do presente caso em especial a influência da Lei de Anistia na possibilidade de 32 Artigo 46 1 Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 seja admitida pela Comissão será necessário a que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna de acordo com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos b que seja apresentada dentro do prazo de seis meses a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva 2 As disposições das alíneas a e b do inciso 1 deste artigo não se aplicarão quando a não existir na legislação interna do Estado de que se tratar o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue tenham sido violados 33 Cf Caso Furlan e familiares Vs Argentina Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2012 Série C No 246 par 29 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 78 34 Ver escrito de contestação do Estado par 161 expediente de mérito folha 372 17 investigar e julgar a morte do senhor Herzog a emissão do relatório da CEMDP em 2007 e as ações iniciadas pelo Ministério Público Federal são em seu conjunto ações que podiam ter contribuído para a eliminação da impunidade e portanto são fatos relevantes que permitem determinar que a apresentação da petição inicial ocorreu dentro de um prazo razoável Portanto a petição era admissível e por isso a Corte resolve declarar improcedente a exceção preliminar apresentada pelo Estado E Incompetência ratione materiae para revisar decisões internas sobre possíveis violações dos artigos 8 e 25 da Convenção Americana exceção de quarta instância E1 Alegações do Estado observações da Comissão e dos representantes 72 O Estado observou que o Sistema Interamericano de Direitos Humanos não tem como propósito revisar o mérito das conclusões alcançadas pelas autoridades nacionais no exercício legítimo de suas competências e que portanto está fora da competência ratione materiae da Comissão e da Corte assumir o papel das autoridades nacionais e agir como se fossem um tribunal de recursos 73 Reiterou que o procedimento iniciado em 2008 não é um recurso interno apto para efeitos do cômputo do prazo razoável da apresentação da petição perante a Comissão Acrescentou que ainda que se admitisse a idoneidade do referido recurso e que portanto a petição foi apresentada dentro de um prazo razoável o respeito à coisa julgada material e a prescrição da ação penal ambas protegidas pela Convenção impedem o exame do mérito do assunto 74 Recordou que a decisão judicial adotada no ano de 1992 foi anterior aos avanços jurisprudenciais da Corte Interamericana quanto à imprescritibilidade da ação penal em casos semelhantes e afirmou que exigir uma reinterpretação judicial de decisões passadas com fundamento em teses jurisprudenciais que não existiam na época reduziria o alcance das garantias judiciais 75 Finalmente o Estado alegou que na investigação judicial concluída no ano de 1992 além de ouvir os depoimentos e as declarações das supostas vítimas foram realizadas várias diligências e produzidas numerosas provas Portanto embora não se tenha proferido uma condenação penal não houve falta de diligência e a investigação não permaneceu suspensa sem que se conduzissem diligências probatórias Além disso houve reparação pecuniária em conformidade com a jurisprudência da Corte no caso Gomes Lund e outros 76 A Comissão observou que a alegação estatal não constitui uma exceção preliminar pois não se refere a questões de competência nem aos requisitos de admissibilidade estabelecidos na Convenção Desse modo essa questão não pode ser resolvida como exceção preliminar e o mesmo ocorre com a questão relativa ao montante da reparação porque ambas constituem temas de mérito 77 A Comissão argumentou que no presente caso a Corte é chamada a analisar entre outros aspectos se os processos internos seguidos em relação aos fatos do caso constituíram um meio idôneo e efetivo para conseguir proteção judicial frente aos direitos violados Da mesma maneira a forma de reparar e a eventual necessidade de que a Corte determine reparações complementares excedem uma exceção preliminar e também constitui uma questão de mérito 18 78 Por conseguinte a Comissão solicitou à Corte que estabeleça que a abordagem do Estado sobre a falta de competência para revisar decisões internas não constitui uma exceção preliminar e portanto é improcedente 79 Os Representantes definiram os enfoques do Estado como uma exceção de quarta instância Nesse sentido alegaram que para que isso efetivamente fosse o caso seria necessário que se tivesse solicitado à Corte uma revisão de uma decisão interna do Estado por apreciação incorreta das provas dos fatos ou do direito interno Alegaram que no presente caso não se pretende que a Corte exerça essas funções sobre decisões internas expedidas pelos órgãos judiciais do Estado Pelo contrário salientaram que sua pretensão reside em que no presente caso a Corte declare a responsabilidade internacional do Estado brasileiro por faltas e obstruções de diferentes atores estatais que violaram o dever de garantir os direitos à integridade física à liberdade de expressão ao acesso à justiça e às garantias judiciais previstos na Convenção Americana E2 Considerações da Corte 80 Em primeiro lugar o Tribunal recorda que independentemente de o Estado definir uma alegação como exceção preliminar esta perderá seu caráter preliminar e não poderá ser analisada como tal caso ao analisála seja necessário entrar previamente na consideração do mérito de um caso35 81 A Corte também reitera que a jurisdição internacional tem caráter coadjuvante e complementar36 razão pela qual não desempenha funções de tribunal de quarta instância nem é um tribunal de alçada ou de recurso para dirimir as desavenças que tenham as partes sobre alguns alcances da avaliação de prova ou da aplicação do direito interno em aspectos que não estejam diretamente relacionados ao cumprimento de obrigações internacionais em direitos humanos37 82 A Corte considera que as alegações do Estado poderiam ser consideradas uma exceção de quarta instância no entanto para que essa exceção seja procedente é necessário que o solicitante peça que a Corte revise a sentença de um tribunal interno em virtude de sua incorreta apreciação da prova dos fatos ou do direito interno sem que ao mesmo tempo se alegue que essa sentença incorreu em uma violação de tratados internacionais a respeito dos quais o Tribunal tenha competência38 Além disso a Corte considerou que ao se avaliar o cumprimento de certas obrigações internacionais pode ocorrer uma interrelação intrínseca entre a análise de direito internacional e a de direito interno Portanto a determinação quanto a se as ações de órgãos judiciais constituem ou não uma violação das obrigações internacionais do Estado pode levar a que a Corte se ocupe 35 Cf Caso Castañeda Gutman Vs México Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 6 de agosto de 2008 Série C No 184 par 39 e Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil par 72 36 No Preâmbulo da Convenção Americana se afirma que a proteção internacional é de natureza convencional coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos Ver também O Efeito das Reservas sobre a Entrada em Vigor da Convenção Americana sobre Direitos Humanos art 74 e 75 Parecer Consultivo OC282 de 24 de setembro de 1982 Série A No 2 par 31 A Expressão Leis no Artigo 30 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Parecer Consultivo OC686 de 9 de maio de 1986 Série A No 6 par 26 Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Mérito Sentença de 29 de julho de 1988 Série C No 4 par 61 e Caso García Ibarra e outros Vs Equador Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 17 de novembro de 2015 par17 37 Cf Caso Cabrera García e Montiel Flores Vs México Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de novembro de 2010 Série C No 220 par 16 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 56 38 Cf Caso Cabrera García e Montiel Flores Vs México par 18 e Caso Tarazona Arrieta e outros Vs Peru Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 15 de outubro de 2014 Série C No 286 par 22 19 de examinar os respectivos processos internos para estabelecer sua compatibilidade com a Convenção Americana39 83 No presente caso nem a Comissão nem os representantes solicitaram a revisão de decisões internas relacionadas à avaliação das provas dos fatos ou da aplicação do direito interno A Corte considera que é objeto de estudo de mérito analisar em conformidade com a Convenção Americana e o Direito Internacional as alegações das partes sobre se os processos judiciais internos foram idôneos e eficazes e se os recursos tramitaram e foram solucionados devidamente Do mesmo modo se deverá analisar no mérito se o pagamento feito a título de reparação de danos materiais foi suficiente e se houve atos e omissões que violaram garantias de acesso à justiça que poderiam ter gerado responsabilidade internacional ao Estado Pelo exposto a Corte declara improcedente a presente exceção preliminar F Alegada inconvencionalidade da publicação do Relatório de Mérito por parte da Comissão Interamericana F1 Alegações do Estado observações da Comissão e dos representantes 84 O Estado salientou que a Comissão manteve em sua página eletrônica o texto completo do Relatório Preliminar de Mérito No 712015 de 28 de outubro de 2015 antes de submeter o caso à Corte O Estado considerou que essa circunstância viola o artigo 51 da Convenção que autoriza a Comissão a emitir um relatório definitivo e eventualmente a publicálo ou a submetêlo à jurisdição da Corte Salientou também que de maneira alguma a Comissão tem a faculdade de publicálo antes de levar o caso à Corte Portanto o Estado solicitou que se declare que a Comissão violou os artigos 50 e 51 da Convenção e que retire de sua página eletrônica o referido Relatório 85 A Comissão observou que a alegação do Estado não constitui uma exceção preliminar pois não se refere a questões de competência nem aos requisitos de admissibilidade estabelecidos na Convenção Sem prejuízo do anterior expôs que o Relatório de Mérito emitido em conformidade com o artigo 50 da Convenção Americana é preliminar e tem natureza confidencial e que no momento em que a Comissão opta por uma das vias mencionadas no artigo 51 o relatório perde o caráter preliminar e confidencial Além disso publicar o relatório na página eletrônica é prática reiterada da Comissão que não contraria nenhuma norma convencional ou regulamentar como se afirmou em recentes sentenças a respeito do Brasil Por conseguinte a Comissão solicitou à Corte que reitere o decidido em casos anteriores sobre o assunto e descarte essa exceção preliminar 86 Os Representantes ressaltaram que a exceção preliminar apresentada pelo Estado é contraditória ao pretender que se determine uma violação com base num tratado internacional de direitos humanos em seu prejuízo desconhecendo que justamente é o Estado que assina tratados internacionais de direitos humanos assumindo a obrigação de garantir o gozo dos direitos e liberdades de todo ser humano sob sua jurisdição Além disso afirmaram que o argumento apresentado não constitui uma exceção preliminar motivo pelo qual deve ser rejeitado 87 Sem prejuízo do exposto alegaram que o Estado deve fundamentar que a ação da Comissão constitui erro grave e que redunda em prejuízo de seu direito de defesa 39 Caso das Crianças de Rua Villagrán Morales e outros Vs Guatemala Mérito par 222 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 56 20 F2 Considerações da Corte 88 A Corte observa que os argumentos do Estado são idênticos aos apresentados na exceção preliminar nos casos Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Favela Nova Brasília e Povo Indígena Xucuru40 Nas sentenças referentes a esses casos a Corte procedeu a uma análise detalhada da alegação estatal e concluiu que o Estado não demonstrou sua afirmação relativa a que a publicação do Relatório de Mérito do caso se havia dado de forma diferente do exposto pela Comissão ou de maneira contrária ao estabelecido na Convenção Americana A afirmação do Tribunal nos casos citados se aplica também ao presente pois o Estado tampouco demonstrou que a publicação do Relatório de Mérito tenha sido feita de forma contrária ao exposto pela Comissão ou contrariando o estabelecido na Convenção Americana razão pela qual a Corte considera que a alegação do Brasil é improcedente G Incompetência da Corte para examinar fatos propostos pelos representantes G1 Alegações do Estado observações da Comissão e dos representantes 89 O Estado apresentou uma exceção preliminar na qual expôs que os representantes das supostas vítimas não podem propor fatos novos diferentes dos apresentados pela Comissão em seu Relatório de Mérito embora seja possível formular pretensões de direito diferentes das apresentadas pela Comissão Salientou que no presente caso a ocultação dos arquivos militares e a negativa de acesso a esses documentos não estão no Relatório de Mérito da Comissão e que portanto a pretensão dos representantes de que se declare a violação do direito à verdade carece de fundamento fático 90 Também afirmou que não há no Relatório de Mérito da Comissão menção à suposta violação do direito à verdade nem à ação civil pública que já estava em tramitação nesse momento Portanto o Estado considerou que no presente caso se faz necessário o reconhecimento da incompetência ratione materiae para a análise de fatos que são alheios ao relatório de admissibilidade e do escrito de apresentação do caso à Corte 91 A esse respeito a Comissão observou que os argumentos do Estado não têm caráter de exceção preliminar mas de controvérsia de mérito Acrescentou que o proposto pelo Estado não busca objetar a competência por razão de tempo matéria tempo ou lugar nem tem caráter preliminar mas pelo contrário se refere a fatos alegados pelos representantes que supostamente não fariam parte do quadro fático definido no Relatório de Mérito da Comissão 92 Em virtude do exposto a Comissão lembrou que o quadro fático do processo perante a Corte é constituído pelos fatos constantes do Relatório de Mérito submetido pela Comissão sem prejuízo de que os representantes formulem argumentos jurídicos autônomos e exponham fatos que permitam explicar esclarecer ou desconsiderar os que tenham sido submetidos à consideração da Corte a qual é convocada a avaliar se os aspectos abordados explicam ou esclarecem os fatos expostos pela Comissão em seu Relatório de Mérito e se guardam relação com o quadro fático do caso 93 Finalmente a Comissão considerou que o alegado pelos representantes constitui precisamente uma explicação do contexto de acobertamento institucional estabelecido no Relatório de Mérito Do mesmo modo podia entenderse como vinculado às tentativas das 40 Cf Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil par 23 a 27 Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 24 a 28 e Caso do Povo Indígena Xucuru e seus membros Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 5 de fevereiro de 2018 Série C No 346 par 24 21 diversas instâncias internas de obter informação por parte de entidades públicas inclusive a instituição militar e nesse sentido se encontra relacionado razoavelmente ao quadro fático e à análise realizada no Relatório de Mérito 94 Os Representantes destacaram que o quadro fático não constitui uma exceção preliminar e sim uma análise que deverá ser feita pela Corte ao determinar o mérito do caso como se depreende da jurisprudência deste Tribunal 95 Sem prejuízo do exposto com respeito à inclusão de fatos que não estavam expostos no Relatório de Mérito alegaram que essa circunstância é possível quando se refira a fatos que expliquem esclareçam ou rechacem os fatos submetidos à consideração da Corte Do mesmo modo salientaram que é possível admitir os fatos qualificados como supervenientes Nesse sentido compete à Corte Interamericana decidir em cada caso concreto acerca da procedência de argumentos relativos ao quadro fático resguardado o equilíbrio processual das partes e o princípio do contraditório 96 Além disso os representantes salientaram que sua alegação relativa à suposta violação do direito à verdade ocorreu por três fatos que foram abordados no Relatório de Mérito da Comissão Interamericana i a versão oficial de suicídio por enforcamento de Vladimir Herzog ii a ausência de documentos oficiais sobre as circunstâncias de sua detenção arbitrária tortura e assassinato e iii a ausência de investigação adequada G2 Considerações da Corte 97 A Corte recorda que as exceções preliminares são objeções que têm caráter prévio e tendem a impedir a análise do mérito de um assunto questionado mediante a oposição à admissibilidade de um caso ou da competência do Tribunal para conhecer de um determinado caso ou de algum de seus aspectos seja em razão da pessoa ou da matéria seja do tempo ou do lugar desde que essas alegações tenham o caráter de preliminares41 Caso não tenha sido possível analisar essas alegações sem entrar na análise prévia do mérito de um caso não podem ser analisadas mediante uma exceção preliminar42 Por essa razão não considera as presentes alegações estatais uma exceção preliminar sem prejuízo de resolver a proposição neste capítulo 98 Com respeito ao acima exposto a Corte recorda que de acordo com sua jurisprudência constante o quadro fático do processo perante a Corte é constituído pelos fatos constantes do Relatório de Mérito com exceção dos fatos que se qualificam como posteriores sempre que se encontrem ligados aos fatos do processo Isso sem prejuízo de que os representantes possam expor os fatos que permitam explicar esclarecer ou desconsiderar os que tenham sido mencionados no Relatório de Mérito e submetidos à consideração da Corte43 No presente caso a Corte observa que a informação remetida pelos representantes tem relação com o alegado acobertamento institucional a que se refere a Comissão em seu Relatório de Mérito Além disso a Corte considera que ainda que a Comissão não tenha estabelecido uma violação do direito à verdade a ação civil pública está incluída no quadro fático do Relatório de Mérito de modo que os fatos apresentados pelos 41 Cf Caso Las Palmeras Vs Colômbia Exceções Preliminares par 34 e Caso García Ibarra e outros Vs Equador Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 17 de novembro de 2017 Série C No 306 par 18 42 Cf Caso Castañeda Gutman Vs México par 39 e Caso Chinchilla Sandoval Vs Guatemala Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de novembro de 2016 Série C No 328 par 39 43 Cf Caso Cinco Pensionistas Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 28 de fevereiro de 2003 Série C No 98 par 153 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de março de 2017 Série C No 334 par 30 22 representantes relacionados a essa iniciativa judicial são admissíveis e serão considerados no capítulo de mérito V PROVA A Prova documental testemunhal e pericial 99 A Corte recebeu diversos documentos apresentados como prova pelo Estado pelos representantes e pela Comissão anexados a seus escritos principais par 2 7 e 8 supra Recebeu também os depoimentos prestados perante agente dotado de fé pública affidavit dos peritos John Dinges e Naomi RohtArriaza propostos pela Comissão dos peritos Dimitrios Dimoulis e Maria Auxiliadora Minahum propostos pelo Estado e das supostas vítimas André Herzog e Ivo Herzog e dos peritos Juan Méndez Fabio Simas Renado Sérgio de Lima e Ana C Deutsh propostos pelos representantes Quanto à prova apresentada em audiência pública a Corte recebeu os depoimentos da suposta vítima Clarice Herzog da testemunha Marlon Weichert e do perito Sergio Gardenghi Suiama propostos pelos representantes bem como do perito Alberto Zacharias Toron proposto pelo Estado B Admissibilidade da prova B1 Admissibilidade da prova documental 100 No presente caso assim como em outros a Corte admite os documentos apresentados pelas partes e pela Comissão na devida oportunidade processual artigo 57 do Regulamento que não foram questionados ou objetados nem cuja autenticidade foi posta em dúvida44 sem prejuízo de que a seguir se solucionem as controvérsias suscitadas sobre a admissibilidade de determinados documentos 101 Uma vez vencido o prazo para apresentar anexos ao escrito de exceções preliminares e contestação o Estado enviou extemporaneamente um documento45 previamente identificado na relação de anexos Esse documento foi considerado extemporâneo e não foi admitido nos autos 102 No que se refere aos documentos sobre custas e gastos remetidos pelos representantes juntamente com as alegações finais escritas a Corte só considerará aqueles que se refiram às novas custas e gastos em que tenham incorrido por ocasião do procedimento perante esta Corte ou seja os realizados posteriormente à apresentação do escrito de solicitações e argumentos Por conseguinte não considerará as faturas cujas datas sejam anteriores à apresentação do escrito de solicitações e argumentos já que deviam ter sido apresentadas no momento processual oportuno 103 Por outro lado a Corte observa que o Estado formulou diversas observações sobre os anexos apresentados pelos representantes juntamente com as alegações finais escritas46 Essas observações se referem ao conteúdo e ao valor probatório dos documentos e não implicam objeção à sua admissibilidade 44 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Mérito par 140 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 20 45 O documento consiste nas páginas dedicadas a Vladimir Herzog no livro Direito à memória e à verdade 46 O Estado apresentou diversas observações sobre os anexos e alegou que não basta o envio de documentos probatórios mas que é necessário que as partes desenvolvam uma argumentação que relacione a prova ao fato que se considera representado e que ao se considerar os alegados desembolsos econômicos se estabeleçam com clareza os objetos de despesa e sua justificação 23 B2 Admissibilidade dos depoimentos e dos pareceres periciais 104 A Corte julga pertinente admitir os depoimentos prestados em audiência pública e perante agente dotado de fé pública na medida em que se ajustem ao objeto definido pela resolução que ordenou recebêlos e ao objeto do presente caso C Apreciação da prova 105 Segundo o disposto nos artigos 46 47 48 50 51 57 e 58 do Regulamento assim como em sua jurisprudência constante a respeito da prova e sua apreciação a Corte examinará e avaliará os elementos probatórios documentais remetidos pelas partes e pela Comissão os depoimentos e os pareceres periciais ao estabelecer os fatos do caso e se pronunciar sobre o mérito Para isso se sujeita aos princípios da crítica sã dentro marco normativo correspondente levando em conta o conjunto do acervo probatório e as alegações da causa47 VI FATOS PROVADOS 106 Depois de analisados os elementos probatórios e os depoimentos das testemunhas e peritos bem como as alegações da Comissão Interamericana dos representantes e do Estado a Corte considera provados os fatos a seguir detalhados os quais não foram controvertidos pelo Estado em nenhum momento processual Por outro lado os fatos que se descrevem anteriores à data de ratificação da competência da Corte por parte do Brasil 10 de dezembro de 1998 servem como antecedentes para contextualizar aqueles fatos ocorridos a partir dessa data A Contexto histórico 107 Conforme destacou esta Corte na sentença proferida no Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil48 85 Em abril de 1964 um golpe militar depôs o governo constitucional do Presidente João Goulart A consolidação do regime militar baseouse na Doutrina da Segurança Nacional e na promulgação de sucessivas normas de segurança nacional e normas de exceção como os atos institucionais que funcionaram como pretenso marco legal para dar cobertura jurídica à escalada repressiva Esse período foi caracterizado pela instalação de um aparelho de repressão que assumiu características de verdadeiro poder paralelo ao Estado e chegou ao seu mais alto grau com a promulgação do Ato Institucional nº 5 em dezembro de 1968 Entre outras manifestações repressivas nesse período encontrase o fechamento do Congresso Nacional a censura completa da imprensa a suspensão dos direitos individuais e políticos da liberdade de expressão da liberdade de reunião e da garantia do habeas corpus Também se estendeu o alcance da justiça militar e uma Lei de Segurança Nacional introduziu entre outras medidas as penas perpétua e de morte 86 Entre 1969 e 1974 produziuse uma ofensiva fulminante sobre os grupos armados de oposição O mandato do Presidente Médici 19691974 representou a fase de repressão mais extremada em todo o ciclo de 21 anos do regime militar no Brasil Posteriormente durante os três primeiros anos do governo do Presidente 47 Cf Caso da Panel Blanca Paniagua Morales e outros Vs Guatemala Mérito par 76 e Caso Andrade Salmón Vs Bolívia Mérito Reparações e Custas Sentença de 1o de dezembro de 2015 Série C No 330 par 22 48 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 24 de novembro de 2010 Série C No 219 par 85 e ss 24 Geisel 19741979 o desaparecimento de presos políticos que antes era apenas uma parcela das mortes ocorridas tornase a regra predominante para que não ficasse estampada a contradição entre discurso de abertura e a repetição sistemática das velhas notas oficiais simulando atropelamentos tentativas de fuga e falsos suicídios Como consequência a partir de 1974 oficialmente não houve mortes nas prisões todos os presos políticos mortos desapareceram e o regime passou a não mais assumir o assassinato de opositores 87 Segundo a Comissão Especial cerca de 50 mil pessoas teriam sido detidas somente nos primeiros meses da ditadura cerca de 20 mil presos foram submetidos a torturas há 354 mortos e desaparecidos políticos 130 pessoas foram expulsas do país 4862 pessoas tiveram seus mandatos e direitos políticos suspensos e centenas de camponeses foram assassinados A Comissão Especial destacou que o Brasil é o único país da região que não trilhou procedimentos penais para examinar as violações de direitos humanos ocorridas em seu período ditatorial mesmo tendo oficializado com a lei nº 914095 o reconhecimento da responsabilidade do Estado pelas mortes e desaparecimentos denunciados Isso tudo devido a que em 1979 o Estado editou uma Lei de Anistia 108 A maior violência contra opositores do regime militar ocorreu em 1964 e entre 1968 e 1975 Esses foram os períodos com mais casos de mortos e desaparecidos políticos oficialmente reconhecidos pelo Estado Além disso esses períodos também coincidem com a centralização das investigações e das operações de repressão nos centros de informação da Marinha CENIMAR do Exército CIE e da Aeronáutica CISA bem como com a estruturação dos Centros de Operações de Defesa Interna CODI e dos respectivos Departamentos de Operações Internas DOI49 109 Ante o aparente crescimento do Partido Comunista Brasileiro PCB e a constatação de que se trataria de uma ameaça ao governo do Presidente Geisel as forças de segurança decidiram neutralizar o PCB Nesse sentido jornalistas da Voz Operária e membros do PCB passaram a ser sequestrados ou detidos torturados e inclusive mortos por agentes estatais entre os anos de 1974 e 197650 110 Entre fins de setembro e princípios de outubro de 1975 o DOICODI de São Paulo intensificou ações de repressão contra jornalistas51 111 No dia anterior à privação de liberdade de Vladimir Herzog em 24 de outubro de 1975 11 jornalistas estavam detidos Sergio Gomes da Silva Marinilda Marchi Frederico Pessoa da Silva Ricardo de Moraes Monteiro José Pola Galé Luiz Paulo da Costa Anthony de Christo Paulo Sérgio Markun Diléa Frate George Duque Estrada e Rodolfo Konder52 112 Dezenas de dirigentes e membros integrantes do Comitê Central do PCB foram detidos e torturados embora nem todos tenham sido assassinados53 Estimase que entre 49 Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar Relatório sobre as atividades de persecucão penal desenvolvidas pelo MPF em matéria de graves violacões a DH cometidas por agentes do Estado durante o regime de exceção Brasília 2017 p 86 expediente de prova folha 14283 50 DANTAS Audálio As duas guerras de Vlado Herzog Rio de Janeiro Editora Civilização Brasileira 2014 expediente de prova folha 3691 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração Rio de Janeiro Objetiva 2005 p 1112 expediente de prova folhas 8759 a 8769 e BRASIL Presidência da República Secretaria Especial dos Direitos Humanos Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre os Mortos e Desaparecidos Políticos Brasília Secretaria Especial dos Direitos Humanos 2007 p 374 expediente de prova folha 372 BRASIL Relatório da Comissão Nacional da Verdade 10 de dezembro de 2014 expediente de prova folha 3273 51 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração p 112 e 113 expediente de prova folhas 8782 e 8783 52 DANTAS Audálio As duas guerras de Vlado Herzog expediente de prova folha 3691 53 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3273 25 1974 e 1976 tenham sido assassinadas pelo menos 19 pessoas entre as quais estavam 11 dirigentes do PCB54 No total entre março de 1974 e janeiro de 1976 foram detidos pela Operação Radar 679 membros do PCB entre eles Vladimir Herzog55 B Sobre Vladimir Herzog 113 Vladimir Herzog nasceu em 27 de maio de 1937 na antiga Iugoslávia atual Croácia e chegou ao Brasil em 1946 aos nove anos de idade junto com os pais Zigmund e Zora Herzog Naturalizouse brasileiro e estudou na Faculdade de Filosofia Iniciou a carreira de jornalista em 1959 no jornal O Estado de São Paulo Casouse com Clarice Ribeiro Chaves pouco antes do golpe de Estado em 15 de fevereiro de 196456 114 Logo após o golpe em 1965 instalaramse ambos em Londres por pouco mais de dois anos durante os quais Vladimir trabalhou como produtor e locutor da BBC e tiveram seus dois filhos André e Ivo Em 1968 voltou ao país e trabalhou como editor cultural da revista Visão Em 1972 ocupou o cargo de secretário do programa Hora da Notícia no canal de televisão TV Cultura e em seguida assumiu o posto de diretor do Departamento de Jornalismo do mencionado canal57 115 Além de jornalista e dramaturgo Herzog também era membro do Partido Comunista Brasileiro PCB58 C Operação Radar 116 A Operação Radar surgiu como uma ofensiva dos órgãos de segurança para combater e desmantelar o PCB e seus membros mas a Operação não se limitava a deter tendo também como objetivo matar seus dirigentes59 A Operação teve início em 1973 conduzida pelo Centro de Informação do Exército CIE em conjunto com o DOICODI do II Exército60 A ofensiva funcionou entre março de 1974 e janeiro de 1976 117 O DOI do II Exército foi notoriamente um dos piores e mais violentos centros de repressão política do regime ditatorial sobretudo no período em que Carlos Alberto Brilhante Ustra esteve no comando época em que se registrou o maior número de casos reconhecidos de tortura execução sumária e desaparecimentos de opositores políticos O DOI do II Exército deteve 2541 pessoas e recebeu 914 presos enviados por outros órgãos Foram 54 as vítimas reconhecidas como executadas pelo DOI e 1348 os presos transferidos ao Departamento Estadual de Ordem Política e Social DEOPS61 54 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folhas 3249 e 3250 55 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3281 56 Depoimento em audiência de Clarice Herzog Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folhas 405 e 406 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3299 Comissão de Familiares e Desaparecidos Políticos 1975 Vladimir Herzog Em Dossiê Ditadura Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil 19641985 2ª edição 2007 expediente de prova folhas 3976 e 3977 57 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração expediente de prova folhas 8748 a 8751 Comissão de Familiares e Desaparecidos Políticos 1975 Vladimir Herzog expediente de prova folha 3977 58 Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folhas 405 e 407 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folhas 1004 e 3299 Comissão de Familiares e Desaparecidos Políticos 1975 Vladimir Herzog expediente de prova folha 3977 Páginas destinadas a Vladimir Herzog no livro Direito à memória e à verdade expediente de prova folha 103373 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração expediente de prova folhas 8759 a 8767 59 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3317 60 Relatorio da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3273 61 Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 228 expediente de prova folha 14425 26 118 Estimase que o ataque final contra o PCB em São Paulo tenha começado em 29 de setembro de 1975 quando José Montenegro de Lima foi detido torturado e morto Nos dias seguintes dezenas de pessoas foram detidas62 119 Muitas vítimas foram executadas em centros clandestinos utilizados para torturar assassinar e ocultar cadáveres pelos agentes do DOICODISP63 A casa de Itapevi localizada na região metropolitana de São Paulo foi apontada como o centro clandestino utilizado pelo DOICODI do II Exército e pelo CIE para torturar e executar os presos da Operação Radar especialmente membros do PCB64 120 Assim paulatinamente os militantes do PCB foram detidos torturados ou executados pela Operação Radar entre os anos de 1974 e 197665 Segundo o Ministério Público Federal brasileiro provas obtidas sobre os anos 1970 a 1975 mostram a prática sistemática de execuções e desaparecimentos dos opositores com um registro de 281 mortes ou desaparecimentos de opositores ou seja 75 do total dos mortos e desaparecidos em todo o período da ditadura no Brasil66 D Os fatos ocorridos em 25 de outubro de 1975 121 Na noite de 24 de outubro de 1975 dois agentes do DOICODI apresentaramse na sede da TV Cultura onde Vladimir Herzog se encontrava trabalhando O senhor Herzog foi intimado a acompanhálos à sede desse organismo a fim de prestar declaração testemunhal Após a intervenção da direção do canal as forças de segurança aceitaram notificar o senhor Herzog para que voluntariamente depusesse na manhã do dia seguinte67 122 Vladimir Herzog se apresentou na sede do DOICODI na manhã do sábado 25 de outubro voluntariamente68 Ao chegar foi privado de sua liberdade interrogado e torturado O jornalista Rodolfo Osvaldo Konder que na data em questão já se encontrava detido no DOICODI registrou No sábado pela manhã percebi que Vladimir Herzog tinha chegado Ao meu lado estava sentado George Duque Estrada do Estado de São Paulo e eu comentei com ele que Vladimir Herzog estava ali presente Algum tempo depois Vladimir foi retirado da sala Nós continuamos sentados lá no banco até que veio um dos interrogadores levou a mim e ao Duque Estrada a uma sala de interrogatório Vladimir estava lá sentado numa cadeira com o capuz enfiado Assim que entramos na sala o interrogador mandou que tirássemos os capuzes por isso nós vimos que era Vladimir e vimos também o interrogador Tanto eu como Duque Estrada de fato aconselhamos Vladimir a dizer o que sabia Vladimir disse que não sabia de nada e nós dois fomos retirados da sala e levados de volta ao banco de madeira onde nos encontrávamos na sala contígua De lá podíamos ouvir nitidamente os gritos 62 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração p 111 a 137 expediente de prova folhas 8782 a 8795 63 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3251 64 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folhas 3141 e 3250 65 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3123 66 Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 76 e 77 expediente de prova folhas 14273 e 14274 67 Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folha 406 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração p 132 a 133 expediente de prova folha 8793 68 Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folha 406 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3299 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração p 133 expediente de prova folha 8793 27 primeiro do interrogador e depois de Vladimir e ouvimos quando o interrogador pediu que lhe trouxessem a pimentinha69 e solicitou ajuda de uma equipe de torturadores Alguém ligou o rádio e os gritos de Vladimir se confundiam com o som do rádio naquele momento Vladimir estava sendo torturado e gritava A partir de determinado momento o som da voz de Vladimir se modificou como se tivessem introduzido alguma coisa em sua boca como se lhe tivessem posto uma mordaça Mais tarde os ruídos cessaram Depois do almoço o mesmo interrogador veio me apanhar pelo braço e me levar até a sala onde se encontrava Vladimir permitindo mais uma vez que eu tirasse o capuz Vladimir estava sentado na mesma cadeira mas agora me parecia particularmente nervoso70 123 Na tarde desse mesmo dia Vladimir Herzog foi assassinado pelos membros do DOICODI que o mantinham preso Segundo perícia da Comissão Nacional da Verdade determinouse que foi estrangulado71 Vladimir Herzog tinha 38 anos 124 Nesse mesmo dia o Comando do II Exército mediante comunicado divulgou publicamente a versão oficial dos fatos Afirmou que Vladimir Herzog se suicidara enforcandose com uma tira de pano O comunicado informava que Herzog havia sido convidado a comparecer já que fora citado por Konder e Duque Estrada como militante do PCB Segundo essa versão durante uma acareação com os jornalistas mencionados Herzog teria confessado sua participação no partido e teria feito inclusive uma declaração por escrito72 Finalmente o comunicado afirmou que uma perícia técnica teria confirmado a morte por suicídio73 125 O assassinato de Vladimir Herzog causou grande comoção na sociedade brasileira Sucederamse vários dias de greves estimuladas tanto pelo sindicato de jornalistas como por estudantes e professores universitários74 Milhares de pessoas participaram do enterro de Vladimir Herzog75 Poucos dias depois de sua morte na Catedral de São Paulo uma missa foi rezada em sua homenagem à qual compareceram milhares de pessoas76 E Inquérito Policial Militar IPM No 117375 126 A importante reação social à morte de Herzog fez com que em 30 de outubro de 1975 o General Comandante do II Exército determinasse o início de um inquérito policial militar destinado a descobrir as circunstâncias do suicídio do jornalista Vladimir Herzog O 69 Dáse o nome de pimentinha a uma máquina de choques elétricos comumente conhecida na América Latina como bastão elétrico 70 Processo No 200861810134342 Justiça Federal de São Paulo Volume 2 folha 280 declarações de Rodolfo Osvaldo Konder de 7 de novembro de 1975 expediente de prova folhas 3965 a 3967 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração p 134 e 135 expediente de prova folha 8794 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folhas 3300 3301 e 11097 71 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3300 72 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folhas 1003 e 3300 73 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 1004 Processo Nº 20086181013434 2 Justiça Federal de São Paulo Volume 3 folhas 492 e 493 Nota Oficial do Comando do II Exército 74 Brasil Desaparecidos Políticos um Capítulo não Encerrado da História Brasileira Editorial Instituto Macuco São Paulo 2012 expediente de prova folha 7245 Declaração pericial de Jhon Dinges expediente de prova folha 14565 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 635 75 DANTAS Audálio As duas guerras de Vlado Herzog expediente de prova folhas 3825 e 3883 FIGUEIREDO Lucas Lugar nenhum militares e civis na ocultação dos documentos da ditadura 1ª Ed São Paulo Companhia das Letras 2015 p 94 expediente de prova folha 8678 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 635 76 Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folha 406 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 635 e 3300 28 Inquérito Policial Militar No 117375 foi presidido pelo General de Brigada Fernando Guimarães Cerqueira Lima77 127 O senhor Motoho Chiota oficial que redigiu o relatório de criminalística concluiu que a disposição do cadáver correspondia a um quadro típico de suicídio por enforcamento Do mesmo modo Arildo Viana e Harry Shibata peritos forenses apresentaram um laudo de necropsia78 A falsidade das autópsias por parte dos próprios médicos das forças de segurança foi relatada como uma constante durante a ditadura militar brasileira79 128 O inquérito chegou à conclusão de que a morte de Vladimir Herzog ocorreu por suicídio mediante enforcamento Desse modo foi legitimada a versão oficial da época80 Assim e considerando que não havia violação do código penal militar nem do regulamento militar as investigações foram arquivadas Essa decisão foi confirmada em 12 de fevereiro de 1976 pela Justiça Militar81 129 Em 9 de dezembro de 1975 o atestado de óbito de Vladimir Herzog foi emitido consignando como causa mortis asfixia mecânica por enforcamento82 F Ação Declaratória No 13676 130 Em 19 de abril de 1976 Clarice Ivo e André Herzog apresentaram uma Ação Declaratória à Justiça Federal de São Paulo83 para declarar a responsabilidade da União Federal84 pela detenção arbitrária tortura e morte de Vladimir Herzog85 131 Em 2 de julho de 1976 a União apresentou sua defesa86 e em 16 de março de 1978 o Juiz Federal rechaçou suas questões preliminares87 Em 16 de maio de 1978 a audiência de instrução foi realizada88 Nessa audiência o senhor Harry Shibata declarou que apesar de ter assinado o laudo de necropsia de Herzog nunca tinha visto seu corpo89 Por 77 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3300 DANTAS Audálio As duas guerras de Vlado Herzog expediente de prova folhas 3897 e 3898 78 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3300 79 Câmara Municipal de São Paulo CPI PerusDesaparecidos In Vala clandestina de Perus Desaparecidos Políticos um Capítulo não Encerrado da História Brasileira São Paulo Instituto Macuco 2012 folha 172 expediente de prova folha 3535 Declaração pericial em audiência de Sergio Suiama Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 116 expediente de prova folha 14313 80 DANTAS Audálio As duas guerras de Vlado Herzog expediente de prova folha 3897 Processo No 200861810134342 Justiça Federal de São Paulo Volume 1 folha 129 Parecer do Ministério Público Militar solicitando o arquivamento de 12 de fevereiro de 1976 expediente de prova folha 4249 Processo No 200861810134342 Justiça Federal de São Paulo Volume 1 folha 130132 Decisão de arquivamento do Inquérito Policial Militar de 8 de março de 1976 expediente de prova folhas 4252 a 4255 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3300 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração p 112 expediente de prova folha 8783 Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre os Mortos e Desaparecidos Políticos p 408 expediente de prova folha 406 81 Processo Nº 200861810134342 Justiça Federal de São Paulo Volume 1 folha 129 Parecer do Ministério Público Militar solicitando o arquivamento de 12 de fevereiro de 1976 expediente de prova folha 4249 82 Processo No 200861810134342 folha 629 Atestado de óbito de Vladimir Herzog de 9 de dezembro de 1975 expediente de prova folha 4210 83 Declaração em audiência de Clarice Herzog 84 A expressão União ou União Federal é sinônimo de governo federal no Brasil 85 Processo No 200861810134342 folhas 326 328 e 333 expediente de prova folhas 4256 a 4272 Petição Inicial da Ação Declaratória Nº 13676 de 19 de abril de 1976 expediente de prova folha 4272 86 Processo No 200861810134342 folhas 88123 expediente de prova folhas 42744309 87 Processo No 200861810134342 folhas 268270 expediente de prova folhas 43114313 88 Processo No 200861810134342 folhas 431452 Audiência de Instrução e Julgamento na Ação Declaratória No 13676 de 16 de maio de 1978 expediente de prova folha 4333 89 Processo No 200861810134342 folha 441 Declaração de Harry Shibata na Ação Declaratória No 13676 de 16 de maio de 1978 expediente de prova folha 4158 Processo No 200861810134342 folha 431452 29 sua vez o jornalista Paulo Sérgio Markun declarou que seus depoimentos no âmbito do inquérito policial militar haviam sido manipulados90 Finalmente Rodolfo Konder declarou que conseguiu ouvir claramente os gritos do senhor Herzog enquanto era torturado por militares do DOICODI91 132 Em 27 de outubro de 1978 o Juiz Federal Márcio José de Moraes proferiu sentença na qual declarou que Vladimir Herzog havia morrido de causas não naturais quando estava no DOICODISP O juiz salientou que não havia razão para que Herzog tivesse com ele um cinto porque sua roupa era inteiriça Também se referiu à ilegalidade da detenção de Vladimir Herzog bem como à prova da tortura que sofreu92 133 O juiz afirmou que o relatório complementar cuja conclusão principal foi a ocorrência de suicídio por suspensão não tinha valor porque esse documento havia sido elaborado com base no relatório de necropsia comprovadamente falsificado Além disso observou que os depoimentos reunidos durante a investigação do Exército favoráveis à versão da União Federal não foram repetidos durante o julgamento e tampouco tinham valor probatório porque se contrapunham por completo aos depoimentos colhidos judicialmente segundo o princípio do contraditório93 Assim a União Federal não conseguiu comprovar sua versão sobre o suicídio de Herzog 134 Por outro lado o juiz concluiu que houve crime de abuso de autoridade assim como de tortura praticada contra Vladimir Herzog e os demais presos políticos que estavam detidos no DOICODI razão pela qual solicitou o envio do expediente ao Procurador da Justiça Militar94 135 Contra essa sentença a União interpôs um recurso de apelação em 17 de novembro de 197895 Em 1983 o Tribunal Federal de Recursos declarou a existência de uma relação jurídica entre os atores da ação declaratória e a União que consistia na obrigação desta última de indenizar pelos danos decorrentes da morte de Herzog e salientou que esses danos deveriam ser reclamados por meio de uma ação de indenização Contra essa decisão a União interpôs um recurso de Embargos Infringentes96 Em 18 de maio de 1994 o Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou o recurso97 e a decisão se tornou definitiva em 27 de setembro de 1995 Audiência de Instrução e Julgamento na Ação Declaratória No 13676 de 16 de maio de 1978 expediente de prova folha 4342 90 Processo No 200861810134342 folhas 431452 Audiência de Instrução e Julgamento na Ação Declaratória No 13676 de 16 de maio de 1978 expediente de prova folha 4349 a 4351 Processo No 200861810134342 folha 448 Declaração de Paulo Sérgio Markun na Ação Declaratória No 13676 de 16 de maio de 1978 expediente de prova folhas 4362 a 4366 91 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folhas 3300 e 3301 92 Processo No 200861810134342 Sentença na Ação Declaratória No 13676 27 de outubro de 1978 expediente de prova folhas 4074 a 4090 93 Processo No 200861810134342 Sentença na Ação Declaratória No 13676 27 de outubro de 1978 expediente de prova folhas 4083 a 4091 94 Processo No 200861810134342 Sentença na Ação Declaratória No 13676 27 de outubro de 1978 expediente de prova folhas 4028 a 4094 95 Processo No 200861810134342 folhas 725743 Recurso da União Federal 17 de novembro de 1978 expediente de prova folhas 4377 a 4396 96 Os embargos infringentes são um recurso exclusivo da defesa que se fundamenta na falta de unanimidade na decisão colegiada Ele também questiona pontos específicos em que houve discordância Vale destacar que somente os itens que constam dos embargos poderão ter seus efeitos suspensos ou reapreciados o restante da decisão permanece inalterado 97 Tribunal Regional Federal da 3ª Região Sentença de Embargos Infringentes No 890372642 de 18 de maio de 1994 expediente de prova folha 4315 a 4328 30 G Sobre a Lei de Anistia 136 Em 28 de agosto de 1979 o General João Baptista Figueiredo sancionou a Lei de Anistia No 668379 que concedeu anistia nos seguintes termos98 Art 1º É concedida anistia a todos quantos no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979 cometeram crimes políticos ou conexo com estes crimes eleitorais aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta de fundações vinculadas ao poder público aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares 1º Consideramse conexos para efeito deste artigo os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política 2º Excetuamse dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo assalto sequestro e atentado pessoal 137 Em 29 de abril de 2010 o Supremo Tribunal Federal decidiu por sete votos a dois que a Lei de Anistia era compatível com a Constituição brasileira de 1988 reafirmando sua vigência Essa decisão tem eficácia erga omnes e efeito vinculante a respeito de todos os órgãos do poder público99 138 Esta Corte já se manifestou sobre a mencionada lei na sentença proferida no caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil Em virtude dessa lei até esta data o Estado não investigou processou ou sancionou penalmente os responsáveis pelas violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar inclusive as do presente caso Isso se deve a que a interpretação da Lei de Anistia absolve automaticamente todas as violações de direitos humanos que tenham sido perpetradas por agentes da repressão política100 Dada sua manifesta incompatibilidade com a Convenção Americana as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos carecem de efeitos jurídicos Em consequência não podem continuar a representar um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso nem para a identificação e punição dos responsáveis nem podem ter igual ou similar impacto sobre outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil101 139 Em relação à decisão da ADPF No 153 a Ordem dos Advogados do Brasil entidade peticionária dessa ação interpôs um recurso de embargos de declaração recurso de esclarecimento em 16 de março de 2011 Esse recurso continua pendente de decisão ao momento de proferir a presente sentença e a Lei No 668379 continua sendo aplicada pelo Poder Judiciário 98 Lei No 6683 de 28 de agosto de 1979 expediente de prova folha 6825 Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folha 26 99 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 135 e 136 100 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 135 101 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 174 31 H Inquérito Policial No 48792 Justiça Estadual de São Paulo 140 Em princípios de 1992 foi publicada uma entrevista na revista semanal Isto é Senhor na qual Pedro Antonio Mira Grancieri conhecido como Capitão Ramiro afirmou que havia sido o único responsável pelo interrogatório de Herzog102 141 Em virtude disso em 27 de abril de 1992 o senhor Hélio Bicudo então Deputado Federal solicitou ao Ministério Público MP que investigasse a participação de Mira Grancieri na morte de Vladimir Herzog103 Em 4 de maio de 1992 o Ministério Público solicitou à polícia a abertura de um inquérito policial e que Mira Grancieri fosse submetido a reconhecimento pessoal por parte de testemunhas104 142 Não obstante o avanço das investigações em 21 de julho de 1992 Mira Grancieri interpôs um habeas corpus a seu favor alegando que os fatos já tinham sido analisados pelo inquérito militar arquivado que a justiça ordinária não tinha competência para analisar os fatos e que a Lei de Anistia impedia a investigação dos fatos105 143 Em 13 de outubro de 1992 a Quarta Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo por votação unânime concedeu o habeas corpus e encerrou a investigação em cumprimento à Lei de Anistia106 144 Em 28 de janeiro de 1993 o ProcuradorGeral de São Paulo apelou da decisão fundamentando seu recurso em que os inquéritos policiais não podiam ser paralisados por meio do habeas corpus107 145 No entanto em 18 de agosto de 1993 o Superior Tribunal de Justiça STJ confirmou a decisão de primeira instância Os magistrados sustentaram que não haviam sido cumpridos requisitos formais processuais e indeferiram o recurso108 I Reconhecimento de responsabilidade por meio da Lei No 91401995 146 Em 4 de dezembro de 1995 foi promulgada a Lei No 91401995 mediante a qual o Estado reconheceu sua responsabilidade entre outros pelo assassinato de opositores políticos no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979 147 A Lei também criou a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos CEMDP Entre as atribuições dessa Comissão se encontrava a de proceder ao reconhecimento de pessoas a que por haver participado de atividades políticas ou por haver sido acusadas de participação nessas atividades tenham falecido por causas não 102 Revista Isto é Senhor reportagem Eu Capitão Ramiro interroguei Herzog edição de 25 de março de 1992 expediente de prova folha 4127 a 4131 Processo Nº 200861810134342 folhas 974982 Representação de Hélio Bicudo de 27 de abril de 1992 expediente de prova folha 4439 103 Processo Nº 200861810134342 folhas 974982 Representação de Hélio Bicudo de 27 de abril de 1992 expediente de prova folha 44394447 104 Processo No 200861810134342 folhas 1151 Solicitação do Ministerio Público para abertura de Inquérito Policial de 4 de maio de 1992 expediente de prova folhas 4448 a 4450 105 Habeas corpus em favor de Pedro Antônio Mira Grancieri No 13179834SP de 21 de julho de 1992 j 131092 4ª Câmara Criminal Processo No 200861810134342 folhas 11911198 expediente de prova folhas 4478 a 4485 106 Acordo em julgamento de habeas corpus de 13 de outubro de 1992 expediente de prova folhas 4478 a 4485 e 13742 a 13749 Declaração em audiência de Marlon Weichert 107 Processo No 200861810134342 folha 1208 Recurso Especial contra a Sentença de habeas corpus de 28 de janeiro de 1993 expediente de prova folhas 4487 a 4497 108 Processo No 200861810134342 folha 12321242 Sentença do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial Nº 337827SP de 18 de agosto de 1993 expediente de prova folhas 4499 a 4509 32 naturais em dependências policiais os similares b que tenham falecido em virtude de repressão policial sofrida em manifestações públicas ou em conflitos armados com agentes do poder público e c que tenham falecido em consequência de suicídio praticado ante a iminência de serem detidas ou em consequência de sequelas psicológicas resultantes de atos de tortura praticados por agentes do poder público 148 Do mesmo modo a Lei No 914095 determinou a possibilidade de conceder uma reparação pecuniária aos familiares dos mortos e desaparecidos políticos no âmbito da Comissão Especial Para esses fins estabeleceu uma fórmula matemática e dispôs um montante mínimo de ressarcimento de R100000 reais109 149 Com base nessa lei Clarice Herzog solicitou o reconhecimento de que Vladimir Herzog havia sido assassinado e torturado no DOICODI de São Paulo Sua moção foi aprovada em abril de 1996110 e por esta razão recebeu em 1997 uma indenização de R10000000 reais equivalentes a aproximadamente US10000000 da época111 150 Posteriormente essa Comissão publicou no ano de 2007 um livro denominado Direito à Memória e à Verdade no qual analisou o contexto geral no qual ocorreu a última ditadura brasileira e também casos de vítimas concretas do terrorismo de Estado entre elas Vladimir Herzog112 151 Com respeito a Vladimir Herzog esta Comissão concluiu que O caso de Vladimir Herzog produziu uma comoção nacional que fez mudar a atitude da sociedade civil frente às torturas praticadas contra presos políticos A morte de Vladimir Herzog ocorreu quando a censura à imprensa começava a ser abrandada e os cidadãos perdiam o medo de discordar e protestar A repercussão das denúncias trouxe profundos danos à credibilidade do regime militar e permitiu que explodisse um forte sentimento de indignação em todos os meios capazes de formar opinião A falsidade do alegado suicídio já ficou patente nas próprias fotos que mostravam o jornalista enforcado nas dependências do DOICODI paulista onde tinha se apresentado para depor atendendo a uma intimação recebida na véspera Vladimir Herzog entrou na lista dos visados pelos órgãos de repressão por ser suspeito de integrar o PCB Foi convocado e compareceu voluntariamente ao DOI CODISP na rua Tutóia bairro do Paraíso às 8 horas da manhã do dia 25101975 No mesmo dia por volta de 15 horas teria sido encontrado morto por seus carcereiros e algozes enforcado com o cinto do macacão de presidiário mais uma vez com os pés apoiados no chão em suspensão incompleta Seus companheiros de prisão foram unânimes em declarar que o macacão obrigatório para todos eles não possuía cinto Essa farsa terminou de ser desmascarada quando se tornaram públicos os depoimentos de George Duque Estrada e Leandro Konder jornalistas presos no mesmo local que testemunharam ter ouvido os gritos de Herzog sendo torturado Evidências inquestionáveis da tortura tinham sido identificadas pelo comitê funerário judaico responsável pela preparação do corpo para o sepultamento Por essa razão Herzog não foi enterrado na área do cemitério destinada aos suicidas conforme preceitos religiosos do Judaísmo Por fim as afirmações contraditórias dos médicos 109 Lei No 9140 de 4 de dezembro de 1995 expediente de prova folhas 13724 a 13727 110 Cópia de Extrato da 6ª Reunião Ordinária da Comissão Especial de Desaparecidos Políticos publicado no Boletim Oficial em 11 de abril de 1996 expediente de prova folha 13729 Declaração em audiência de Clarice Herzog 111 Decreto No 2255 de 16 de junho de 1997 expediente de prova folha 13732 112 Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folhas 1 a 499 Declaração em audiência de Clarice Herzog 33 legistas Harry Shibata Arildo de Toledo Viana e Armando Canger Rodrigues durante a ação judicial movida pela família também contribuíram para desmontar a versão de suicídio Ao receberem a notícia da morte jornalistas paralisaram muitas redações em São Paulo sendo que os responsáveis pelas empresas precisaram negociar para que os profissionais garantissem a edição do dia seguinte O Sindicato dos Jornalistas declarou vigília permanente e foi convocada uma celebração religiosa na Catedral da Sé que o então comandante do II Exército general Ednardo DAvila Melo tentou impedir fechando as avenidas que conduziam ao centro de São Paulo Mesmo assim milhares de pessoas se aglutinaram no templo superlotado extravasando para uma parte da praça durante o culto ecumênico concelebrado pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns pela rabino Henry Sobel e pelo reverendo Jaime Wright irmão do desaparecido político Paulo Stuart Wright Em 1978 uma decisão judicial declarou a União responsável por sua morte A partir disso a tramitação do processo referente a Herzog na CEMDP não teve qualquer controvérsia ou percalço sendo o requerimento aprovado por unanimidade logo nos primeiros meses de funcionamento da Comissão Especial Lamentavelmente o Relatório do Ministério da Marinha apresentado ao ministro da Justiça Maurício Corrêa em 1993 quando o Estado Democrático de Direito já completava cinco anos de vigência plena em nosso país preferiu manterse fiel à versão dos porões do regime ditatorial suicidouse em 25 de outubro de 1975 por enforcamento no interior da cela que ocupava no DOICodi do II Exército segundo apurado em IPM e laudos elaborados pelos órgãos competentes da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo Em 1979 em homenagem a Vlado como era conhecido pelos seus colegas o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo criou o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos113 J Atuação do Ministério Público Federal Processo No 200861810134342 152 Em razão dos fatos expostos no relatório da CEMDP em 21 de novembro de 2007 o advogado Fábio Konder Comparato solicitou ao Ministério Público Federal que investigasse os abusos e atos criminosos contra opositores políticos do regime militar por entender que o marco jurídico da época atribuía ao Estado a obrigação de investigar e punir os crimes contra a humanidade que tivessem sido cometidos114 153 A solicitação foi inicialmente analisada por membros do Ministério Público Federal sem prerrogativa penal A Procuradora da República Eugenia Augusta Gonzaga Favero e o Procurador Regional da República Marlon Alberto Weichert solicitaram em 5 de março de 2008 que o procedimento fosse encaminhado a um dos membros do Ministério Público com atribuições penais Nessa oportunidade solicitaram expressamente que se investigassem os crimes contra Vladimir Herzog sustentando que a decisão da Justiça Estadual era nula115 154 Em virtude dessa petição em 12 de setembro de 2008 o Procurador Fábio Elizeu Gaspar emitiu um despacho fundamentado no qual solicitou ao Tribunal Federal o arquivamento do inquérito116 113 Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folhas 405 a 407 114 Exposição de Fabio Konder Comparato à Procuradoria da República São Paulo 19 de novembro de 2007 expediente de prova folhas 3521 a 3527 115 Processo Nº 200861810134342 folha 1279 Ofício Nº GABPR12EAGFSP0001092008 de 5 de março de 2008 expediente de prova folhas 4511 a 4513 116 Processo Nº 200861810134342 folhas 250 Pedido de arquivamento do Procurador Regional da República expediente de prova folhas 4515 a 4563 34 155 Em seu despacho reconheceu que o assassinato de Vladimir Herzog tinha as características dos crimes contra a humanidade Sem maiores dificuldades é possível concluir que o homicídio de Vladimir Herzog preenche todas as características dos chamados crimes contra a humanidade como tal podendo perfeitamente ser caracterizado Apesar disso considerou que não havia tipificação que assim o caracterizasse117 156 Além disso o procurador considerou que a Lei de Anistia não era aplicável ao caso Em suas palavras A norma é bastante clara Concedeuse anistia a crimes políticos a crimes conexos a crimes políticos e a crimes eleitorais Observase que o homicídio de Vladimir Herzog pode ser tido como crime político impróprio jamais próprio Salientou também que a anistia não extinguiu a punibilidade do crime cometido118 No entanto concluiu que era impossível levar adiante a investigação penal por existir coisa julgada material119 e além disso por terse consumado a prescrição da pretensão punitiva120 sem importar se o juiz era competente ou não121 157 Com respeito à prescrição da ação penal considerou que o fato de que o Brasil seja parte no Pacto de San José não necessariamente implica a imprescritibilidade do crime no caso concreto pois o tratado não estabelece claramente nenhuma hipótese de imprescritibilidade para o passado Além disso foi de opinião que o costume internacional não se submete ao processo de internalização e que a imprescritibilidade não pode ser estabelecida com base no costume internacional pois isso seria um fator de insegurança jurídica122 158 Finalmente entendeu que não existiria incompatibilidade alguma entre a decisão do órgão interno e as obrigações internacionais que pesam sobre o Estado pois são dois sistemas distintos123 159 Diante dessa solicitação a juíza federal interveniente Paula Mantovani Avelino acolheu os fundamentos do Ministério Público entendendo que existia no caso coisa julgada material que tornava impossível a continuação das investigações por estar extinta a ação penal Havendo coisa julgada material está irremediavelmente extinta a punibilidade do delito o que por si só impediria a instauração de novo procedimento para investigação dos mesmos fatos124 Também sustentou que os fatos ocorridos em prejuízo de Vladimir Herzog não devem ser considerados crimes contra a humanidade uma vez que esse crime não havia sido tipificado no momento em que ocorreram os fatos A sentença também ressaltou que no ordenamento pátrio em vigor não se admite criação de crime por lei delegada medida provisória decreto legislativo ou resolução com muito maior razão não se pode 117 Processo Nº 200861810134342 Pedido de arquivamento do Procurador Regional da República expediente de prova folha 4541 118 Processo Nº 200861810134342 Pedido de arquivamento do Procurador Regional da República expediente de prova folhas 4536 a 4539 119 Processo Nº 200861810134342 Pedido de arquivamento do Procurador Regional da República expediente de prova folha 4525 120 Processo No 200861810134342 Pedido de arquivamento do Procurador Regional da República expediente de prova folhas 4514 a 4563 Declaração em audiência de Marlon Weichert 121 Processo Nº 200861810134342 Pedido de arquivamento do Procurador Regional da República expediente de prova folhas 4527 e 4528 122 Processo Nº 200861810134342 Pedido de arquivamento do Procurador Regional da República expediente de prova folhas 4539 a 4561 123 Processo Nº 200861810134342 Pedido de arquivamento do Procurador Regional da República expediente de prova folha 4552 124 Processo No 200861810134342 Decisão da Juíza Federal de 9 de janeiro de 2009 expediente de prova folha 4574 35 concordar que um costume possa ser utilizado para tal fim por mais consolidado que aquele esteja125 160 Finalmente segundo a referida juíza a ação havia prescrito pois segundo sua consideração tanto o homicídio como o genocídio bem como a tortura não são infrações imprescritíveis frente à Constituição e demais normas do ordenamento em vigor126 Assim decidiu arquivar o processo em 9 de janeiro de 2009127 K Ação Civil Pública apresentada pelo Ministério Público Federal em 2008 161 Em 14 de maio de 2008 o MPF apresentou uma Ação Civil Pública ACP contra a União e contra os excomandantes do DOICODISP Audir Santos Maciel e Carlos Alberto Brilhante Ustra A ACP buscava 1 que fosse declarada a existência de obrigação do Exército brasileiro de tornar pública toda a informação que tivessem com respeito às atividades desenvolvidas no DOICODI do II Exército entre 1970 e 1985 2 que fosse declarada a omissão da União em promover as medidas necessárias para a reparação de danos que apoiou o pagamento das indenizações previstas na Lei No 914095 3 a declaração de responsabilidade dos excomandantes e 4 a condenação dos mencionados excomandantes a diversas reparações e à perda de funções públicas128 162 Em 5 de maio de 2010 a 8ª Vara Federal de São Paulo em conformidade com a Lei de Anistia declarou improcedente a ACP argumentando falta de idoneidade do recurso129 O tribunal considerou que a ação interposta pelo MPF não podia ter como efeito a imposição de obrigações de fazer nem tampouco de produzir efeitos típicos e próprios do habeas data130 163 Com respeito à aplicabilidade da lei de anistia o tribunal fundamentou sua determinação na decisão do STF na ADPF No 153 argumentando que essa decisão era vinculante para todos Acrescentou que a anistia é ampla geral e irrestrita motivo pelo qual extingue todas as consequências civis e penais dos fatos anistiados131 Diante disso o Ministério Público apresentou um recurso de apelação contra a sentença em 25 de junho de 2010132 Até a data da presente Sentença o recurso ainda não teve solução definitiva133 125 Processo No 200861810134342 Decisão da Juíza Federal de 9 de janeiro de 2009 expediente de prova folha 4577 126 Processo No 200861810134342 Decisão da Juíza Federal de 9 de janeiro de 2009 expediente de prova folha 4581 127 Processo No 200861810134342 Decisão da Juíza Federal de 9 de janeiro de 2009 4565 a 4581 Processo No 200861810134342 Procedimento de Investigação do MPF expediente de prova folhas 6641 a 6657 128 Petição Inicial da Ação Civil Pública Nº 200861000114145 de 14 de maio de 2008 expediente de prova folhas 4583 a 4656 Cópia dos autos da Ação Civil Pública Nº 200861000114145 expediente de prova folhas 893010336 Declaração em audiência de Marlon Weichert 129 Processo Nº 200861000114145 8ª Vara Federal de São Paulo Sentença de 5 de maio de 2010 folhas 18 e 20 expediente de prova folhas 4658 a 4677 Cópia dos autos da Ação Civil Pública Nº 200861000114145 expediente de prova folhas 8930 a 10336 130 Processo Nº 200861000114145 Sentença de 5 de maio de 2010 folhas 18 e 20 expediente de prova folha 4664 131 Processo Nº 200861000114145 Sentença de 5 de maio de 2010 folhas 18 e 20 expediente de prova folha 4676 132 Cópia dos autos da Ação Civil Pública Nº 200861000114145 expediente de prova folhas 8930 a 10336 Recurso de apelação No 00114142820084036100 de 17 de janeiro de 2011 expediente de prova folhas 4679 a 4680 Processo No 20086101000114145 expediente de prova folha 6708 Processo No 200861000114145 Ação Civil Pública Apelação expediente de prova folhas 6664 a 6705 133 Consultado em httpwwwjfspjusbrforunsfederais em 1o de março de 2018 36 L Ações da Comissão Nacional da Verdade CNV 164 Em 18 de novembro de 2011 foi promulgada a Lei No 125282011 que criou a Comissão Nacional da Verdade CNV A CNV teve por finalidade examinar e esclarecer graves violações de direitos humanos praticadas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988 Suas atividades tiveram lugar de maio de 2012 a dezembro de 2014134 165 A mencionada Comissão levou adiante um novo exame pericial das fotografias do corpo de Vladimir Herzog A conclusão do exame foi que as marcas em seu pescoço e tórax eram próprias de uma morte por asfixia mecânica e não por enforcamento auto infligido Nesse sentido salientou Em setembro de 2014 a equipe de peritos da Comissão concluiu o laudo pericial indireto acerca da morte de Vladimir Os peritos identificaram a existência de dois sulcos ambos com reações vitais no pescoço do jornalista Um deles é típico de estrangulamento enquanto o outro era característico em locais de enforcamento ou locais preparados para simular enforcamento A evidência de duas marcas distintas na região cervical foi determinante para os peritos criminais afirmarem que Vladimir Herzog foi inicialmente estrangulado provavelmente com a cinta citada pelo perito criminal e em ato contínuo foi montado um sistema de forca onde uma das extremidades foi fixada a grade metálica de proteção da janela e a outra envolvida ao redor do pescoço de Vladimir Herzog por meio de uma laçada móvel Após o corpo foi colocado em suspensão incompleta de forma a simular um enforcamento135 166 Por esse motivo determinouse que a causa de morte foi homicídio por estrangulamento Do mesmo modo analisaram a carta que supostamente o jornalista havia escrito instantes antes de morrer e concluíram que a escrita não havia sido espontânea mas copiada de um modelo136 167 Como parte de suas atribuições a CNV solicitou a retificação da causa mortis registrada no atestado de óbito de Vladimir Herzog Em 24 de setembro de 2013 o juiz interveniente ordenou que no atestado constasse que a morte de Vladimir Herzog ocorrera em consequência de lesões e maustratos sofridos no DOICODISP137 O relatório final da CNV afirmou que não havia dúvida de que Vladimir Herzog havia sido detido ilegalmente torturado e assassinado por agentes do Estado no DOICODISP em 25 de outubro de 1975138 VII MÉRITO 168 A Corte procederá no presente caso a analisar a responsabilidade internacional do Estado com base em suas obrigações internacionais oriundas da Convenção Americana e da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura a respeito da alegada falta de investigação julgamento e eventual punição dos responsáveis pela tortura e assassinato de Vladimir Herzog A Corte também analisará o alegado descumprimento do direito de conhecer a verdade em virtude da divulgação da falsa versão da morte de Herzog e da recusa por parte do Estado a entregar documentos militares e da consequente falta de 134 Brasil Presidência da República Lei No 12528 de 18 de novembro de 2011 Declaração em audiência de Marlon Weichert 135 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3301 136 Comissão Nacional da Verdade Laudo Pericial Indireto produzido em decorrência da morte de Vladimir Herzog 29 de setembro de 2014 expediente de prova folhas 6745 e 6746 137 Cópia do Registro de Óbito retificado de Vladimir Herzog expediente de prova folhas 13734 e 13735 Cópia da sentença proferida nos autos No 00466906420128260100 expediente de prova folhas 13737 a 13740 Declaração em audiência de Clarice Herzog 138 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3301 37 identificação dos responsáveis materiais pela morte do senhor Herzog Por fim a Corte determinará se houve violação do direito à integridade pessoal dos familiares de Vladimir Herzog em razão da falta de investigação e punição dos responsáveis VII1 DIREITO ÀS GARANTIAS JUDICIAIS E À PROTEÇÃO JUDICIAL Artigos 8139 e 25140 em relação aos artigos 11141 e 2142 da Convenção Americana e aos artigos 1143 6144 e 8145 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura 139 Artigo 8 Garantias judiciais 1 Toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente independente e imparcial estabelecido anteriormente por lei na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra natureza 2 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade às seguintes garantias mínimas a direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal b comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada c concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa d direito do acusado de defenderse pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicarse livremente e em particular com seu defensor e direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado remunerado ou não segundo a legislação interna se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei f direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento como testemunhas ou peritos de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos g direito de não ser obrigado a depor contra si mesma nem a declararse culpada e h direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior 3 A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza 4 O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos 5 O processo penal deve ser público salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça 140 Artigo 25 Proteção judicial 1 Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo perante os juízes ou tribunais competentes que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição pela lei ou pela presente Convenção mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais 2 Os Estados Partes comprometemse a a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso b a desenvolver as possibilidades de recurso judicial e c a assegurar o cumprimento pelas autoridades competentes de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso 141 Artigo 1 Obrigação de respeitar os direitos 1 Os Estados Partes nesta Convenção comprometemse a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição sem discriminação alguma por motivo de raça cor sexo idioma religião opiniões políticas ou de qualquer outra natureza origem nacional ou social posição econômica nascimento ou qualquer outra condição social 142 Artigo 2 Dever de adotar disposições de direito interno Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza os Estados Partes comprometemse a adotar de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades 143 Artigo 1 Os Estados Partes obrigamse a prevenir e a punir a tortura nos termos desta Convenção 144 Artigo 6 Em conformidade com o disposto no artigo l os Estados Partes tomarão medidas efetivas a fim de prevenir e punir a tortura no âmbito de sua jurisdição Os Estados Partes assegurarseão de que todos os atos de tortura e as tentativas de praticar atos dessa natureza sejam considerados delitos em seu direito penal estabelecendo penas severas para sua punição que levem em conta sua gravidade Os Estados Partes obrigamse também a tomar medidas efetivas para prevenir e punir outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes no âmbito de sua jurisdição 145 Artigo 8 Os Estados Partes assegurarão a qualquer pessoa que denunciar haver sido submetida a tortura no âmbito de sua jurisdição o direito de que o caso seja examinado de maneira imparcial Quando houver denúncia ou razão fundada para supor que haja sido cometido ato de tortura no âmbito de sua jurisdição os Estados Partes garantirão que suas autoridades procederão de ofício e imediatamente à realização de uma investigação sobre o caso e iniciarão se for cabível o respectivo processo penal Uma vez esgotado o procedimento jurídico interno do Estado e os recursos que este prevê o caso poderá ser submetido a instâncias internacionais cuja competência tenha sido aceita por esse Estado 38 A Alegações das partes e da Comissão 169 A Comissão alegou que a detenção tortura e assassinato de Vladimir Herzog teve lugar no âmbito de graves violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar brasileira e de maneira particular dentro de um reconhecido padrão sistemático de ações repressivas contra o Partido Comunista Brasileiro PCB Salientou que a medida se destinava a punir a suposta militância e as opiniões políticas do jornalista e teve efeito amedrontador e intimidatório para outros jornalistas críticos do regime militar 170 Considerou que a impunidade e a ocultação da verdade neste caso tiveram efeitos prejudiciais no exercício do direito à liberdade de expressão em geral e no direito à informação no país No entender da Comissão cercear a liberdade de expressão foi um objetivo particular da repressão militar em todos os países do Cone Sul mediante a cooptação e controle direto de meios de comunicação bem como da implementação de violência contra jornalistas independentes e críticos do regime o que se traduziu em numerosos casos de prisão tortura e assassinato 171 A Comissão recordou que em casos de tortura o Estado deve iniciar uma investigação de ofício e com a devida diligência a qual deve ser levada a cabo por autoridades independentes que não devem ter nenhuma conexão hierárquica ou institucional com os acusados 172 Em relação a esse tema afirmou que o Estado descumpriu seu dever de investigar com a devida diligência os fatos violatórios dos direitos humanos de Vladimir Herzog No seu entender a investigação sobre a morte de Herzog que teve lugar na jurisdição militar em 1975 impediu o esclarecimento dos fatos e violou o direito dos familiares da vítima de conhecer a verdade sobre o ocorrido 173 A Comissão Interamericana reconheceu que após a transição para a democracia o Estado brasileiro adotou ações que contribuíram para o esclarecimento da verdade histórica da detenção ilegal tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog Não obstante a verdade histórica constante dos relatórios produzidos pelas comissões da verdade não preenche ou substitui a obrigação do Estado de assegurar a determinação judicial de responsabilidades individuais ou estatais por meio dos processos pertinentes motivo pelo qual é obrigação do Estado iniciar e impulsionar investigações penais para determinar as respectivas responsabilidades em conformidade com os artigos 11 8 e 25 da Convenção 174 A Comissão salientou que no presente caso o poder judiciário brasileiro validou a interpretação da Lei No 668379 Lei de Anistia Em virtude disso a Comissão considerou que as autoridades jurisdicionais que participaram da investigação da detenção arbitrária tortura e assassinato de Vladimir Herzog impediram a identificação julgamento e eventual punição dos responsáveis e não exerceram o devido controle de convencionalidade a que estavam obrigadas após a ratificação da Convenção Americana em conformidade com as obrigações internacionais do Brasil decorrentes do Direito Internacional 175 Além disso a Comissão recordou que a aplicação de leis de anistia ou outras que eximem de responsabilidade e impedem o acesso à justiça em casos de graves violações de direitos humanos gera um duplo dano Por um lado torna ineficaz a obrigação dos Estados de respeitar os direitos e liberdades reconhecidos na Convenção Americana e de garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa sujeita à sua jurisdição sem discriminação de nenhuma natureza Por outro lado impede o acesso a informação sobre os fatos e circunstâncias que cercaram a violação de um direito fundamental e elimina a medida mais efetiva para a vigência dos direitos humanos qual seja o julgamento e a punição dos responsáveis 39 porquanto impede que se coloquem em prática os recursos judiciais da jurisdição interna 176 Salientou que no ano de 2009 um Juízo Federal determinou o arquivamento da investigação sobre os fatos do presente caso ao considerar que o encerramento ordenado previamente pelos tribunais estaduais em 1993 em aplicação da Lei de Anistia adquirira força de coisa julgada Assim a Comissão entendeu que dada sua manifesta incompatibilidade com a Convenção Americana a interpretação e aplicação da Lei de Anistia neste caso teve como propósito afastar os supostos responsáveis da ação da justiça e deixar o crime cometido contra o jornalista Vladimir Herzog na impunidade Salientou também que neste caso o Estado não pode se servir do princípio de ne bis in idem para não cumprir suas obrigações internacionais 177 Com respeito à suposta violação do princípio de legalidade a Comissão afirmou que a abertura de uma investigação neste caso não gera violação alguma ao princípio de legalidade porque no momento em que os fatos ocorreram o Direito Internacional reconhecia como princípios gerais a imprescritibilidade dos crimes de guerra e contra a humanidade 178 Por tudo o que foi exposto anteriormente a Comissão concluiu que a falta de investigação dos fatos bem como do julgamento e punição dos responsáveis violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 81 e 251 da Convenção Americana em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo instrumento e também em relação aos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura em detrimento de Clarice esposa André e Ivo filhos e Zora mãe falecida em 2006 todos de sobrenome Herzog 179 Em primeiro lugar os Representantes consideraram que a responsabilidade do Brasil no presente caso se vê agravada por tratarse de um de crime contra a humanidade já que a detenção arbitrária tortura e morte de Vladimir Herzog não foi um fato isolado mas ocorreu num contexto de violência massiva e sistemática contra aqueles que eram considerados opositores políticos do regime militar 180 Os representantes destacaram que é dever do Estado investigar possíveis atos de tortura ou outros tratamentos cruéis desumanos ou degradantes obrigação que persiste ainda nos casos em que os fatos ocorreram antes da aceitação da competência da Corte por parte do Estado 181 Afirmaram que apesar da ocorrência de diferentes procedimentos no âmbito interno até esta data o Estado não garantiu uma tutela judicial efetiva para investigar e estabelecer toda a verdade sobre as circunstâncias da detenção arbitrária tortura e morte de Vladimir Herzog e identificar e punir os responsáveis 182 Afirmaram que não foi realizada uma investigação efetiva no âmbito penal porque o único meio idôneo para isso o processo judicial penal perante a autoridade competente da Justiça Federal Comum foi obstaculizado pela coisa julgada e pela prescrição antes inclusive do início efetivo das investigações A tentativa anterior perante os órgãos que não tinham competência para atuar na causa foi prematuramente frustrada 183 Com respeito à Lei de Anistia destacaram que sua interpretação continuou por décadas e que permite às autoridades esquivarse do dever de investigar de ofício os fatos constitutivos de graves violações de direitos humanos como a tortura No caso de Vladimir Herzog a Lei de Anistia foi aplicada concretamente em 1992 o que posteriormente fez com que em 2008 a petição do Ministério Público Federal MPF fosse arquivada Do mesmo 40 modo a anistia produziu efeitos na ação civil pública interposta pelo MPF Salientaram que esses fatos já estariam dentro da competência temporal da Corte 184 Os representantes sustentaram que o Estado utilizou a figura da coisa julgada material supostamente produzida pela decisão de 1993 para evitar a investigação e punição dos responsáveis Esse foi o principal argumento para o arquivamento das investigações iniciadas em 2008 perante a Justiça Federal Nesse sentido afirmaram que o princípio de ne bis in idem não é um direito absoluto e é inaplicável quando obedece ao propósito de subtrair do acusado sua responsabilidade penal ou quando não tenha sido instruído por um juiz independente e imparcial ou quando não tenha sido realizado com a real intenção de submeter o responsável à ação da justiça 185 Com respeito à prescrição e ao princípio de estrita legalidade os representantes afirmaram que a proibição e a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade alcançaram o status de norma imperativa jus cogens as quais devem ser observadas e cumpridas pela comunidade internacional dos Estados independentemente da ratificação ou não de instrumentos que tenham validado esse conteúdo Para os representantes no momento dos fatos do presente caso em 1975 a prática de tortura e de crimes contra a humanidade já era reconhecida como violatória do Direito Internacional 186 Com respeito à demora injustificada e aos obstáculos na Ação Civil Pública os representantes das supostas vítimas destacaram que transcorridos mais de oito anos desde seu início a Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em 2008 ainda não teve uma solução de segunda instância Ressaltaram que a ação civil pública tem caráter declaratório com pedidos específicos baseados em prova documental apresentada no caso e que os acusados haviam sido identificados e localizados o que afasta a possibilidade do critério da complexidade da ação A demora injustificada se baseia exclusivamente na conduta das autoridades judiciais que agiram com negligência e se omitiram Esse atraso é particularmente grave porque a ação civil pública buscava a declaração de existência da obrigação do Estado de tornar públicas todas as informações relativas às atividades levadas a cabo no DOICODI do Exército no período 19701985 187 No que se refere à omissão estatal ante os efeitos da sentença da Corte no Caso Gomes Lund e outros os representantes alegaram que quando a Corte estabeleceu que a Lei de Anistia não pode representar um obstáculo para a investigação e punição dos responsáveis por graves violações de direitos humanos também determinou que a sentença teria efeitos a respeito de outros casos de graves violações ocorridos no Brasil Apesar disso o Estado deixou de adotar as medidas necessárias para reabrir as investigações penais de graves violações de direitos humanos como acontece no seu entender no presente caso incorrendo em responsabilidade internacional por omissão 188 Por todo o exposto afirmaram que o Brasil é responsável pela violação do dever de garantir o direito à liberdade de expressão em virtude da ausência de investigação julgamento e punição dos responsáveis pelas graves violações de direitos humanos cometidas contra o jornalista Vladimir Herzog Além disso concluíram que dada a impunidade dos fatos até a presente data se caracterizou uma situação de violação permanente do dever de investigar e punir a tortura o que redunda na violação de sua obrigação de garantir os artigos 5 e 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação aos artigos 11 8 e 25 do mesmo instrumento bem como os artigos 1 6 e 8 da CIPST em prejuízo de Vladimir Herzog 189 Concluíram também que o Estado é responsável pela violação dos direitos previstos nos artigos 8 e 25 da Convenção em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo instrumento por 41 aplicar a Lei de Anistia a prescrição e outras disposições de direito interno que impedem a investigação e punição dos fatos denunciados Consideraram portanto que ao aplicar tais disposições os órgãos estatais privaram Vladimir Herzog da devida proteção judicial negando a seus familiares o direito de serem ouvidos por uma autoridade competente e de que fosse realizada uma investigação diligente imparcial e efetiva 190 Finalmente consideraram que o Estado violou o dever de investigar em conformidade com o disposto nos artigos 5 da Convenção e nos artigos 1 6 e 8 da CIPST 191 O Estado considerou que se devem diferenciar os artigos 8 e 25 da Convenção pois são diferentes os direitos protegidos em cada artigo No seu entender o artigo 25 trata do acesso à jurisdição estatal em relação ao momento posterior à violação de um direito da vítima ou seja a obrigação do Estado de conferir à vítima a possibilidade de se amparar no poder judiciário para obter o reconhecimento e a reparação de uma violação de direito humano 192 Por sua vez o artigo 8 da Convenção se refere à situação em que uma pessoa é sujeito passivo de um procedimento judicial ou seja é acusada de haver cometido um ato ilícito que por sua vez pode revestir natureza criminal ou civil 193 Afirmou o Estado que as supostas vítimas jamais estiveram na condição de parte em um processo judicial relacionado ao caso em questão motivo por que é impossível que tenham sido violados o artigo 81 da Convenção Americana e o artigo 8 da CIPST Essa situação é condição necessária para a garantia desses direitos e o Estado não pode ser punido pela violação dessas normas Afirmou subsidiariamente que se for considerado que o direito às garantias judiciais abrange as garantias do devido processo legal independentemente da qualidade da parte autor ou réu tampouco se verifica violação do devido processo legal no caso em exame 194 No entender do Estado não há nenhuma dúvida sobre a competência a independência e a imparcialidade do juiz federal que acolheu o pedido de arquivamento formulado pelo Procurador da República no ano de 2008 razão pela qual não se pode alegar violação do devido processo legal No âmbito civil o relatório da Comissão Interamericana não faz referência a nenhuma violação do devido processo legal 195 Nesse sentido alegou que mesmo depois da produção de provas perante esta Corte não ficou comprovada nenhuma violação do direito de defesa das vítimas nos processos internos em que eram partes 196 Para o Estado da delimitação dos fatos constante da apresentação do caso a esta Corte inferese que a suposta violação do artigo 251 da Convenção teria ocorrido somente na tramitação e conclusão dos pedidos de informação por parte do Ministério Público Federal em 2008 Afirmou que diferentemente do afirmado pela Comissão o arquivamento do processo em 2008 não se deveu à aplicação da Lei de Anistia mas sim à aplicação da coisa julgada e da prescrição 197 Considerando os limites temporais declarou que embora caiba aos Estados realizar controle de convencionalidade ex officio levando em conta a interpretação que este Tribunal faz da Convenção a decisão de 1993 que transitou em julgado foi tomada num período anterior ao do julgamento do Caso Barrios Altos Vs Peru 2001 quando este Tribunal decidiu de forma inovadora que tinha poderes para se manifestar sobre a validade da norma doméstica especialmente em se tratando de leis de anistia Até então no entender do Estado o Poder Judiciário tinha a obrigação de respeitar os parâmetros normativos 42 previamente estabelecidos para o caso concreto no âmbito doméstico e não tinha a obrigação legal de observar as decisões da Corte Interamericana para casos sobre anistia prescrição e coisa julgada devendo os magistrados respeitar o princípio de estrita legalidade e as garantias processuais dos acusados 198 Do mesmo modo destacou que as sentenças da Corte são obrigatórias para o caso concreto e para as partes e que não seria razoável punir o Estado quando no momento da decisão doméstica essa obrigação não existia juridicamente 199 O Estado também observou que as normas de jus cogens não estão absolutamente acima de questões processuais 200 Em vista dos argumentos expostos o Estado insistiu em que a não era juridicamente exigível das autoridades nacionais critério diferente do adoptado em 1993 quanto às investigações b o questionamento do critério doméstico com base em jurisprudência internacional posterior não considerou limites formais aplicáveis ao devido processo legal como a coisa julgada material c a observância de normas processuais de hierarquia inferior quanto ao que se possa considerar normas de jus cogens ou graves violações dos direitos humanos não difere materialmente da observância no âmbito doméstico dos limites formais da atuação do juiz prescrição coisa julgada irretroatividade da lei penal mais severa e d o conteúdo normativo do que se possa considerar norma de jus cogens ou graves violações de direitos humanos não deve se confundir com a ausência de limites para a responsabilidade internacional do Estado Em virtude de todas essas questões o Estado brasileiro entende que não pode ser responsabilizado pela suposta denegação de justiça no presente caso 201 A garantia da prescrição penal é base fundamental do Estado Democrático de Direito e só pode ser excluída excepcionalmente a para a ação penal contra determinados crimes cuja fixação de prazo de prescrição atente contra sua gravidade ou complexidade b mediante a disposição legal por observância do princípio de legalidade em matéria penal e c para fatos posteriores à lei que determina a imprescritibilidade por incidência do princípio de anterioridade da lei penal coisa que no seu entender não ocorreu neste caso 202 O Estado reconheceu a jurisprudência desta Corte que considera serem imprescritíveis os crimes quando constituam eles graves violações de direitos humanos Não obstante o Estado discorda desse entendimento porque esse instituto tem sentido na jurisdição penal internacional que funciona em caráter secundário especialmente quando o Estado primordialmente responsável não exerce sua jurisdição efetivamente exercendo então o âmbito interno sua jurisdição em momento muito posterior àquele em que ocorreram os fatos Ressaltou que não existe tratado algum que o Brasil tenha firmado que imponha à ação penal doméstica a extensão dos prazos de prescrição 203 Para o Estado não é possível fundamentar a imprescritibilidade penal no costume internacional porque isso contrariaria o princípio de legalidade consagrado no artigo 9 da Convenção Americana 204 Com relação ao crime de tortura o Estado salientou que esse crime foi tipificado no âmbito interno em 1997 mediante a Lei No 945597 razão pela qual a ação penal baseada nesse tipo só pode ser instaurada a partir de sua entrada em vigor O Estado sustentou que um entendimento diverso violaria os princípios de legalidade e irretroatividade 205 Sobre a alegada violação da Convenção Americana por demora injustificada e obstáculos ocorridos no âmbito da ação civil considerou que as solicitações devem dividirse 43 em dois grupos aquelas que implicam direitos garantidos na Convenção Americana e aquelas que não implicam Com respeito ao primeiro grupo o Estado considerou que a esfera em que se fizeram os pedidos para declarar Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel responsáveis por crimes de tortura não é a jurisdição civil uma vez que o pedido deveria ser feito na esfera penal após uma investigação criminal Em relação ao segundo grupo de solicitações salientou que a Convenção consagra direitos civis e políticos exclusivamente a pessoas determinadas ou determináveis e não a empresas entes públicos coletivos de pessoas etc e que portanto os supostos danos morais coletivos e o pedido para que o Estado divulgue toda a informação acerca das atividades desenvolvidas pelo DOICODI do II Exército têm como sujeito a coletividade e não indivíduos razão pela qual não têm fundamento na Convenção Chegou a uma idêntica conclusão com respeito ao pedido relativo à perda da condição de funcionário público dos acusados Para o Estado a ação civil pública era inadequada em relação aos fins desejados Por isso considerou que esse processo não deve ser considerado um fato potencialmente violador do artigo 25 da Convenção Subsidiariamente o Estado alegou que não há irregularidades na tramitação da Ação Civil Pública 206 Nesse sentido solicitou à Corte que exclua a referida ação do alcance do caso seja porque isso não constou do relatório de admissibilidade da CIDH seja porque não se refere especificamente ao caso de Vladimir Herzog 207 Com respeito à alegada violação do dever de investigar e punir a tortura com efeitos para o direito à liberdade de expressão o Estado afirmou que a suposta violação do dever de garantia dos artigos 5 e 13 não é possível porque no momento dos fatos o crime de tortura ainda não havia sido tipificado no Brasil B Considerações da Corte 208 Nesta seção a Corte elaborará as considerações de direito pertinentes relacionadas às alegadas violações dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial em relação à alegada impunidade a respeito da detenção arbitrária tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog Para determinar se persistia a obrigação estatal de investigar julgar e punir os responsáveis pela tortura e pelo assassinato de Vladimir Herzog no momento do reconhecimento da competência da Corte por parte do Brasil este Tribunal analisará em primeiro lugar os fatos ocorridos de modo a determinar se com efeito a morte do senhor Herzog foi resultado de um crime contra a humanidade como alegam os representantes 209 Do mesmo modo antes de passar a estabelecer os aspectos de mérito relativos às alegações de direito apresentados pelas partes cabe observar que as anistias aprovadas no ocaso de algumas das ditaduras sulamericanas da época como foi o caso brasileiro no qual a Lei de Anistia antecede o advento da democracia pretenderam legitimarse sob a ilusória existência de um conflito armado cujos supostos vencedores magnanimamente encerravam o alegado conflito declarando típicos os crimes cometidos por todos os intervenientes Não obstante inferese do contexto do presente caso a total ausência de atos bélicos apresentandose no máximo crimes de motivação política que deviam ser julgados e punidos conforme o direito mas que na realidade foram reprimidos por meios criminosos e serviram de pretexto para a perseguição de políticos militantes sindicalistas jornalistas artistas e qualquer pessoa que o regime ditatorial considerasse dissidente ou perigosa para seu poder 210 Assim em atenção à limitação de competência temporal e às várias ações judiciais ou do Ministério Público tentadas nesse caso a Corte realizará uma análise na seguinte ordem 1 os crimes contra a humanidade e a jurisprudência internacional sobre essa 44 figura 2 as consequências jurídicas da perpetração de um crime contra a humanidade 3 a tortura e morte de Vladimir Herzog e suas consequências para o presente caso e 4 a ação estatal antes e depois do reconhecimento da competência da Corte Interamericana por parte do Brasil Finalmente a Corte exporá 5 suas conclusões sobre o caso concreto B1 Crimes contra a humanidade 211 A Comissão Interamericana considerou que a morte e tortura do senhor Herzog constituiu uma grave violação de direitos humanos Os representantes das supostas vítimas consideraram que se tratou de um crime contra a humanidade Tanto para a Comissão como para os representantes as consequências de uma ou outra figura seria a mesma a obrigação do Estado de investigar julgar e punir os responsáveis pelos fatos sem recorrer a obstáculos processuais que poderiam chegar a protegêlos da ação da justiça O Estado por sua vez não se referiu a uma ou outra qualificação mas se opôs aos efeitos jurídicos alegados pela Comissão e pelos representantes no caso concreto 212 Na sentença do Caso Almonacid Arellano Vs Chile146 relacionado ao homicídio do 146 Cf Caso Almonacid Arellano e outros Vs Chile Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de setembro de 2006 Série C No 154 par 94 e ss 94 O desenvolvimento da noção de crime contra a humanidade produziuse no início do século passado No preâmbulo da Convenção de Haia sobre leis e costumes da guerra terrestre de 1907 Convenção núm IV as potências contratantes estabeleceram que as populações e os beligerantes permanecem sob a garantia e o regime dos princípios do Direito das Gentes preconizados pelos usos estabelecidos entre as nações civilizadas pelas leis da humanidade e pelas exigências da consciência pública Além disso o termo crimes contra a humanidade e a civilização foi usado pelos governos da França Reino Unido e Rússia em 28 de maio de 1915 para denúnciar o massacre de armênios na Turquia 95 O assassinato como crime contra a humanidade foi codificado pela primeira vez no artigo 6c do Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg o qual foi anexado ao Acordo para o estabelecimento de um Tribunal Militar Internacional encarregado do julgamento e castigo dos principais criminosos de guerra do Eixo Europeu assinado em Londres em 8 de agosto de 1945 o Acordo de Londres Pouco depois em 20 de dezembro de 1945 a Lei do Conselho de Controle nº 10 também consagrou o assassinato como um crime contra a humanidade em seu artigo IIc De forma similar o delito de assassinato foi codificado no artigo 5c do Estatuto do Tribunal Militar Internacional para o julgamento dos principais criminosos de guerra do Extremo Oriente Estatuto de Tóquio adotado em 19 de janeiro de 1946 96 A Corte ademais reconhece que a Estatuto de Nuremberg teve um papel significativo no estabelecimento dos elementos que caracterizam um crime como contra a humanidade Este Estatuto proporcionou a primeira articulação dos elementos desta ofensa os quais se mantiveram basicamente em sua concepção inicial na data da morte do senhor Almonacid Arellano com a exceção de que os crimes contra a humanidade podem ser cometidos em tempos de paz e em tempos de guerra Com base no exposto a Corte reconhece que os crimes contra a humanidade incluem a comissão de atos desumanos como o assassinato cometidos dentro de um contexto de ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil Basta que um só ato ilícito como os anteriormente mencionados seja cometido dentro do contexto descrito para que se produza um crime contra a humanidade Neste sentido pronunciouse o Tribunal Internacional para a exIugoslávia no caso Prosecutor v Dusko Tadic ao considerar que um só ato cometido por um perpetrador no contexto de um ataque generalizado ou sistemático contra a população civil traz consigo responsabilidade penal individual e o perpetrador não necessita cometer numerosas ofensas para ser considerado responsável 97 Por outro lado o Tribunal Militar Internacional para o Julgamento dos Principais Criminosos de Guerra doravante denominado o Tribunal de Nuremberg o qual tinha jurisdição para julgar os crimes estabelecidos no Acordo de Londres assinalou que o Estatuto de Nuremberg é a expressão do Direito Internacional existente no momento de sua criação e nessa extensão é em si mesmo uma contribuição ao Direito Internacional Com isso reconheceu a existência de um costume internacional como uma expressão do Direito Internacional que proibia estes crimes 98 A proibição de crimes contra a humanidade incluindo o assassinato foi ademais corroborada pelas Nações Unidas Em 11 de dezembro de 1946 a Assembleia Geral confirmou os princípios de Direito Internacional reconhecidos pelo Estatuto do Tribunal de Nuremberg e as sentenças deste Tribunal Além disso em 1947 a Assembleia Geral encarregou a Comissão de Direito Internacional de formular os princípios de Direito Internacional reconhecidos pelo Estatuto e pelas sentenças do Tribunal de Nuremberg Estes princípios foram adotados em 1950 Entre eles o Princípio VIc qualifica o assassinato como um crime contra a humanidade De igual forma a Corte ressalta que o 45 senhor Luis Alfredo Almonacid Arellano em 16 de setembro de 1973 a Corte Interamericana salientou que há ampla evidência para concluir que em 1973 ano da morte do senhor Almonacid Arellano o cometimento de crimes de lesa humanidade incluindo o assassinato executado em um contexto de ataque generalizado ou sistemático contra setores da população civil era violatório de uma norma imperativa do Direito Internacional Esta proibição de cometer crimes de lesa humanidade é uma norma de jus cogens e a penalização destes crimes é obrigatória conforme o Direito Internacional geral147 213 A esse respeito a Corte observa que em seus 40 anos de história utilizou a figura de crimes contra a humanidade crimes de guerra ou delitos de direito internacional em alguns casos dada a excepcionalidade e a gravidade dessa qualificação Unicamente nos Casos Goiburú Vs Paraguai148 Gelman Vs Uruguai149 La Cantuta Vs Peru150 Caso do Presídio Miguel Castro Castro Vs Peru151 crimes contra a humanidade Massacres de El Mozote e lugares vizinhos Vs El Salvador152 crimes de guerra e Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil153 delitos de direito internacional foram utilizadas essas qualificações para os fatos violatórios no sentido expressado na sentença do Caso Almonacid Arellano com o objetivo de explicitar de maneira clara o alcance da responsabilidade estatal no âmbito da Convenção em cada caso específico e as consequências jurídicas para o Estado154 214 Em complemento à argumentação citada acima observase que a proibição dos delitos de direito internacional ou contra a humanidade já era considerada parte do direito internacional geral pela própria Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e Contra a Humanidade aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 26 de novembro de 1968155 doravante denominada Convenção de 1968 ou Convenção sobre Imprescritibilidade Levando em conta a resolução 2338 XXII da Assembleia Geral das Nações Unidas156 a interpretação que se infere do Preâmbulo da Convenção de 1968 é que a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade surge da falta de limitação temporal nos instrumentos que se referem a seu indiciamento de tal forma que essa Convenção somente reafirmou princípios e normas de direito internacional preexistentes Assim a Convenção sobre Imprescritibilidade tem caráter declarativo ou seja acolhe um princípio de direito internacional vigente anteriormente à sua aprovação157 artigo 3 comum das Convenções de Genebra de 1949 dos quais o Chile é parte desde 1950 também proibe o homicídio em todas as suas formas de pessoas que não participam diretamente em hostilidades 147 Caso Almonacid Arellano e outros Vs Chile par 99 148 Cf Caso Goiburú e outros Vs Paraguai Mérito Reparações e Custas Sentença de 22 de setembro de 2006 Série C No 153 par 82 e 128 149 Cf Caso Gelman Vs Uruguai Mérito e Reparações Sentença de 24 de fevereiro de 2011 Série C No 221 par 99 150 Cf Caso La Cantuta Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 29 de novembro de 2006 Série C No 162 par 225 151 Cf Caso do Presídio Miguel Castro Castro Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de novembro de 2006 Série C No 160 par 404 152 Cf Caso dos Massacres de El Mozote e lugares vizinhos Vs El Salvador Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de outubro de 2012 Série C No 252 par 286 153 Cf Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil par 248 a 306 154 Cf Caso Manuel Cepeda Vargas Vs Colômbia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de maio de 2010 Série C No 213 par 42 Caso Gudiel Álvarez e outros Diário Militar Vs Guatemala Mérito Reparações e Custas Sentença de 20 novembro de 2012 Série C No 253 par 215 155 Cf ONU Assembleia Geral Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e contra a humanidade Resolução 2391 XXIII 26 de novembro de 1968 Disponível em httpundocsorgesARES2391XXIII 156 Cf ONU Assembleia Geral Questão do castigo dos criminosos de guerra e das pessoas que tenham cometido crimes contra a humanidade Resolução 2338 XXII 18 de dezembro de 1967 Disponível em httpundocsorgesARES2338XXII 157 Ver nesse sentido por exemplo Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina Recurso de Fato Sentença de 14 de junho de 2005 Caso Julio Héctor Simón e outros causa N 17768 Considerando 42 Recurso de Fato 46 215 Essa circunstância tem duas consequências principais a por um lado os Estados devem aplicar seu conteúdo embora não a tenham ratificado e b por outro lado quanto a seu âmbito temporal deveria aplicarse inclusive aos crimes cometidos anteriormente à entrada em vigor daquela Convenção já que o que se estaria aplicando não seria propriamente a norma convencional mas uma norma consuetudinária preexistente158 216 A esse respeito a Corte concorda com o que destaca o estudo do SecretárioGeral das Nações Unidas sobre a questão da punição dos criminosos de guerra e dos indivíduos culpados de crimes contra a humanidade e a aplicação da prescrição no sentido de que a imprescritibilidade se deduz da gravidade dessas condutas e que sua diferença em relação a crimes de direito interno advém da necessidade de repressão eficaz dos crimes graves conforme o Direito Internacional em razão da consciência universal contra a impunidade desses crimes e porque a falta de punição provoca reações violentas de amplo alcance159 217 A interpretação anterior é coerente com pronunciamentos contemporâneos da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas órgão cuja tarefa é codificar e desenvolver o Direito Internacional Este órgão aprovou em 1996 por unanimidade o Projeto de Código de Crimes Contra a Paz e a Segurança da Humanidade160 Sentença de 24 de agosto de 2004 Caso Arancibia Clavel Enrique Lautaro causa Nº 259 Considerandos 29 38 e 39 Recurso Ordinário de Apelação Sentença de 2 de novembro de 1995 Caso de Erich Priebke N1606394 Considerandos 4 e 5 Considerandos 89 e 90 do Voto coincidente do Juiz Gustavo A Bossert Ver também Câmara Federal de Recursos do Tribunal Penal e Correcional da Argentina Recurso de Apelação e Nulidade 9 de setembro de 1999 Caso Videla e outros Considerando III Tribunal Oral Criminal Federal de La Plata Sentença de 19 de setembro de 2006 Caso Circuito Camps e outros Miguel Osvaldo Etchecolatz Causa Nº 225106 Considerando IVa Tribunal Oral Criminal Federal No 1 de San Martín Sentença por Crimes contra a Humanidade 12 de agosto de 2009 General Riveros e outros no Caso de Floreal Edgardo Avellaneda e outros Considerando I Em sentido similar Suprema Corte de Justiça do Uruguai Recurso de Cassação 12 de agosto de 2015 Ficha 97782012 Sentença 10612015 Considerandos III1b Recurso de Cassação 24 de agosto de 2016 Ficha 1702982011 Sentença 12802016 Considerandos III1 e III2 Recurso de Cassação 8 de setembro de 2016 Ficha 395 1362012 Sentença 13832016 Considerandos III2 e III3 Ver também Peritagem de Juan Méndez par 34 a 48 expediente de prova folhas 14072 a 14077 158 Cf ONU Comissão de Direitos Humanos Estudo apresentado pelo SecretárioGeral sobre a questão da inaplicabilidade da prescrição a crimes de guerra e crimes contra a humanidade ECN4906 15 de fevereiro de 1966 par 157 a 160 Disponível em httpundocsorgECN4906 159 Cf ONU Comissão de Direitos Humanos Estudo apresentado pelo SecretárioGeral sobre a questão da inaplicabilidade da prescrição a crimes de guerra e crimes contra a humanidade ECN4906 15 de fevereiro de 1966 par 159 O princípio da imprescritibilidade não se deduz somente da intenção do legislador internacional que de forma clara e urgente salientou a necessidade do castigo certo e eficaz de crimes graves conforme o Direito Internacional não se infere somente da consciência universal que se rebela contra a ideia de que esses crimes possam ficar impunes não se infere somente do Estado de Direito positivo interno que frequentemente duvidou ou mais ainda renunciou a consagrar a instituição da prescrição para os crimes graves este emana também e sobretudo do fato de que nenhuma das razões geralmente utilizadas para explicar a prescrição dos crimes de direito comum interno justifica a prescrição dos crimes internacionais em questão Esses crimes não são nem do ponto de vista do direito nem do ponto de vista da moral comparáveis àqueles Se um crime de direito interno independentemente de sua gravidade fica na impunidade por efeito da prescrição em geral seu efeito não se percebe inclusive no restrito entorno social em que se cometeu o delito o delinquente legalmente liberado por um ou outro dos motivos que são o fundamento subjacente da prescrição remorso perdão perda de validade das provas etc retoma tranquilamente seu lugar na sociedade e em paz com isso Em contraste a impunidade de um crime contra a paz de um crime contra a humanidade ou de um grave crime de guerra adquirida seja mediante a prescrição seja por qualquer outro meio provoca reações violentas de amplo alcance por isso o efeito poderia ser o de expor o perpetrador imune a qualquer ação legal à justiça privada das vítimas ou pessoas a elas relacionadas por laços de sangue solo raça religião etc Dada a gravidade excepcional a dimensão gigantesca e sobretudo os motivos incompreensíveis desses crimes internacionais todas as pessoas afetadas cuja importância numérica pode imaginarse facilmente em cada caso têm a tendência a não poder nunca esquecer e a não ser dissuadidas diante de nenhum obstáculo de caráter jurídico ou qualquer outro para garantir aos culpados o castigo que merecem tão logo sejam desmascarados tradução da Secretaria 160 Cf ONU Comissão de Direito Internacional Projeto de Código de Crimes contra a Paz e a Segurança da Humanidade ACN4L532 8 de julho de 1996 Disponível em httpundocsorgesACN4L532 Em especial o 47 218 Essa interpretação constante se consolidou no Direito Internacional em 1998 com a aprovação do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional que estabelece sua competência em relação aos crimes contra a humanidade161 os quais162 obviamente não projeto estabeleceu entre outros aspectos que crimes contra a paz e a segurança da humanidade são crimes de direito internacional puníveis como tais estejam ou não punidos no direito nacional artigo 12 cada Estado Parte adotará as medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre os crimes previstos nos artigos 17 18 19 e 20 sejam quais forem os lugares em que tenham sido cometidos esses crimes e seus autores A jurisdição sobre o crime previsto no artigo 16 caberá a um tribunal penal internacional No entanto não se impedirá a nenhum Estado Parte julgar seus nacionais pelo crime enunciado no artigo 16 artigo 8 o Estado Parte em cujo território se encontre a pessoa que supostamente tenha cometido um crime previsto nos artigos 17 18 19 ou 20 concederá a extradição dessa pessoa ou a julgará artigo 9 1 Ninguém será condenado em virtude do presente Código por atos executados antes de que entre em vigor 2 Nada do disposto nesse artigo impedirá o julgamento de qualquer indivíduo por atos que no momento em que foram executados eram crimes em virtude do direito internacional ou do direito nacional artigo 13 Por outro lado entre os delitos contra a paz e a segurança da humanidade a Comissão de Direito Internacional salientou entre outros aspectos os seguintes atos como crimes contra a humanidade a assassinato c tortura e j outros atos que deteriorem gravemente a integridade física ou mental a saúde ou a dignidade humana como a mutilação e as lesões graves artigo 18 tradução da Secretaria 161 Cf Estatuto do Tribunal Penal Internacional aprovado em Roma em 17 de julho de 1998 com vigência a partir de 1o de julho de 2002 doravante denominado Estatuto do Tribunal Penal Internacional Artigo 5 Crimes da competência do Tribunal 1 A competência do Tribunal restringirseá aos crimes mais graves que afetam a comunidade internacional no seu conjunto Nos termos do presente Estatuto o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes a O crime de genocídio b Crimes contra a humanidade c Crimes de guerra d O crime de agressão 2 O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime de agressão desde que nos termos dos artigos 121 e 123 seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a este crime Tal disposição deve ser compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas 162 Cf Estatuto do Tribunal Penal Internacional Artigo 7 Crimes contra a Humanidade 1 Para os efeitos do presente Estatuto entendese por crime contra a humanidade qualquer um dos atos seguintes quando cometido no quadro de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil havendo conhecimento desse ataque a Homicídio b Extermínio c Escravidão d Deportação ou transferência forçada de uma população e Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave em violação das normas fundamentais de direito internacional f Tortura g Agressão sexual escravatura sexual prostituição forçada gravidez forçada esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável h Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado por motivos políticos raciais nacionais étnicos culturais religiosos ou de gênero tal como definido no parágrafo 3o ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal i Desaparecimento forçado de pessoas j Crime de apartheid k Outros atos desumanos de caráter semelhante que causem intencionalmente grande sofrimento ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental 2 Para efeitos do parágrafo 1º a Por ataque contra uma população civil entendese qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1o contra uma população civil de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política b O extermínio compreende a sujeição intencional a condições de vida tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos com vista a causar a destruição de uma parte da população c Por escravidão entendese o exercício relativamente a uma pessoa de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas em particular mulheres e crianças d Por deportação ou transferência à força de uma população entendese o deslocamento forçado de pessoas através da expulsão ou outro ato coercivo da zona em que se encontram legalmente sem qualquer motivo reconhecido no direito internacional e Por tortura entendese o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos físicos ou mentais são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas f Por gravidez à força entendese a privação ilegal de liberdade de uma mulher que foi engravidada à força com o propósito de alterar a composição étnica de uma população ou de cometer outras violações graves do direito internacional Esta definição não pode de modo algum ser interpretada como afetando as disposições de direito interno relativas à gravidez g Por perseguição entendese a privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa h Por crime de apartheid entendese qualquer ato desumano análogo aos referidos no parágrafo 1 praticado no contexto de um regime institucionalizado de opressão e domínio sistemático de um grupo racial sobre um ou outros grupos nacionais e com a intenção de manter esse regime i Por desaparecimento forçado de pessoas entendese a detenção a prisão ou o seqüestro de pessoas por um Estado ou uma organização política ou com a autorização o apoio ou a concordância destes seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou 48 prescreverão163 219 Recentemente em 2017 a última versão do Texto dos Projetos de Artigos sobre os Crimes contra a Humanidade doravante denominado Texto de Projetos aprovado pela Comissão de Direito Internacional164 reiterou a noção de que os crimes contra a humanidade constituem uma ameaça à paz à segurança e ao bemestar do mundo A Comissão de Direito Internacional recorda também o dever de todo Estado de exercer sua jurisdição penal em relação aos crimes contra a humanidade levando em consideração que posto que os crimes contra a humanidade não ficarão impunes é necessário assegurar o julgamento efetivo desses crimes através da adoção de medidas em escala nacional e o fomento da cooperação internacional entre outros aspectos em matéria de extradição e assistência judicial recíproca Preâmbulo165 A respeito dos aspectos substantivos das condutas proibidas o Texto dos Projetos registra uma definição de crimes contra a humanidade muito similar à do Estatuto de Roma Do mesmo modo estabelece que os Estados devem adotar as medidas necessárias para que os delitos mencionados nesse projeto não prescrevam e sejam punidos com penas apropriadas que levem em consideração sua gravidade artigo 6166 220 Segundo a Comissão de Direito Internacional a proibição dos crimes contra a humanidade é claramente aceita e reconhecida como norma imperativa de direito internacional167 No mesmo sentido a Corte Internacional de Justiça salientou que a proibição de determinados atos como a tortura tem caráter de jus cogens168 o que ademais indica que a proibição de cometer de forma generalizada ou sistemática esses atos constitutivos de crimes contra a humanidade também tem caráter de jus cogens169 Nesse sentido a Comissão de Direito Internacional reconhece expressamente que a consideração dos crimes contra a humanidade como crimes segundo o direito internacional indica que existem como crimes independentemente de que a conduta tenha sido tipificada no direito interno A esse respeito salientou que o Estatuto de Nuremberg definiu os crimes contra a humanidade como a prática de determinados atos sem prejuízo de que localização dessas pessoas com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo 3 Para efeitos do presente Estatuto entendese que o termo gênero abrange os sexos masculino e feminino dentro do contexto da sociedade não lhe devendo ser atribuído qualquer outro significado 163 Cf Estatuto do Tribunal Penal Internacional Artigo 29 Imprescritibilidade Os crimes da competência do Tribunal não prescrevem 164 Cf ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 69 Período de Sessões A7210 1o de maio a 2 de junho e 3 de julho a 4 de agosto de 2017 p 10 par 45 Disponível em httpundocsorgesA7210 165 ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 69 Período de Sessões A7210 1o de maio a 2 de junho e 3 de julho a 4 de agosto de 2017 p 10 166 Cf ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional o Trabalho Realizado no 69 Período de Sessões A7210 1o de maio a 2 de junho e 3 de julho a 4 de agosto de 2017 p 13 167 Cf ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional o Trabalho Realizado no 53 Período de Sessões A5610 23 de abril a 1º de junho e 2 de julho a 10 de agosto 2001 p 216 par 5 do comentário do artigo 26 do projeto de artigos sobre a responsabilidade do Estado por atos internacionalmente ilícitos salientase que Essas normas imperativas que são claramente aceitas e reconhecidas compreendem a proibição dos crimes contra a humanidade tradução da Secretaria Disponível em httpundocsorgesA5610SUPP ver também ONU Comissão de Direito Internacional Fragmentação do direito internacional dificuldades decorrentes da diversificação e expansão do direito internacional Relatório do Grupo de Estudo da Comissão de Direito Internacional elaborado por Martti Koskenniemi ACN4L682 13 de abril de 2006 par 374 Ali se expõe que entre as regras mais frequentemente citadas para o status de jus cogens figura a proibição dos crimes contra a humanidade Disponível em httpundocsorgesACN4L682 tradução da Secretaria 168 Cf Corte Internacional de Justiça doravante denominada CIJ Questões relacionadas à obrigação de julgar ou extraditar Bélgica v Senegal Sentença de 20 de julho de 2012 p 457 par 99 169 Cf CIJ Imunidades Jurisdicionais dos Estados Alemanha v Itália Grécia intervindo Sentença de 3 de fevereiro de 2012 p 141 par 95 Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia doravante denominado TPII Promotoria v Furundžija Sentença de 10 de dezembro de 1998 causa no IT95171T par 153 Tribunal Europeu de Direitos Humanos doravante denominado TEDH Caso AlAdsani Vs Reino Unido GS No 3576397 Sentença de 21 de novembro de 2001 par 61 49 constituam ou não uma violação da legislação interna do país onde tenham sido cometidos artigo 6 c170 221 Essa foi exatamente a interpretação da Corte Interamericana no Caso Almonacid Arellano par 212 supra que se aplica também ao presente caso É importante além disso destacar que ao longo das últimas décadas pronunciaramse nesse sentido tribunais internacionais171 nacionais172 e órgãos das Nações Unidas173 B11 Elementos dos crimes contra a humanidade 222 Os crimes contra a humanidade são um dos delitos reconhecidos pelo Direito Internacional juntamente com os crimes de guerra o genocídio a escravidão e o crime de agressão Isso significa que seu conteúdo sua natureza e as condições de sua responsabilidade são estabelecidos pelo Direito Internacional independentemente do que se possa estabelecer no direito interno dos Estados A característica fundamental de um delito de Direito Internacional é que ameaça à paz e a segurança da humanidade porque choca a consciência da humanidade Tratamse de crimes de Estado planejados e que fazem parte de uma estratégia ou política manifesta contra uma população ou grupo de pessoas Aqueles que os cometem tipicamente devem ser agentes estatais encarregados do cumprimento dessa política ou plano que participam de atos de assassinato tortura estupro e outros atos repudiáveis contra civis de maneira sistemática ou generalizada 223 A Corte observa que o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional cristalizou a definição dessa figura jurídica ao dispor em seu artigo 7 que se entenderá por crime contra a humanidade qualquer dos atos detalhados nesse artigo174 quando se cometa como 170 Cf ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 69 Período de Sessões A7210 1o de maio a 2 de junho e 3 de julho a 4 de agosto de 2017 p 31 comentário 4 ao artigo 2 171 Cf TEDH Caso Kolk e Kislyiy Vs Estônia Nos 2305204 e 2401804 Decisão de inadmissibilidade de 17 de janeiro de 2006 Ver também em sentdo similar Caso Vasiliauskas Vs Lituânia GS No 3534305 Sentença de 20 de outubro de 2015 par 167 168 170 e 172 Câmaras Extraordinárias nas Cortes do Camboja doravante CECC Decisão sobre exceções preliminares na causa contra IENG Sary Ne Bis in Idem Anistia e Indulto Causa N 00219092007ECCCTC Sentença de primeira instância de 3 de novembro de 2011 par 41 172 Ver nesse sentido por exemplo Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina Recurso Ordinário de Apelação Sentença de 2 de novembro de 1995 Caso de Erich Priebke N1606394 considerando 4º e Voto concorrente dos Juízes Julio S Nazareno e Eduardo Moline OConnor considerandos 76 e 77 Recurso de Fato Sentença de 24 de agosto de 2004 Caso Arancibia Clavel Enrique Lautaro causa Nº 259 considerandos 34 a 38 e Voto do Juiz Antonio Boggiano considerando 29 Recurso de Fato Sentença de 14 de junho de 2005 Caso Julio Héctor Simón e outros causa N 17768 Voto do Juiz Antonio Boggiano considerandos 28 e 42 Ver também Câmara Federal de Apelações Criminais e Correccionais da Argentina Recurso de Apelação e Nulidade 9 de setembro de 1999 Caso Videla e Outros considerando IV Tribunal Oral Criminal Federal No1 de San Martín Sentença por Crimes Contra a Humanidade 12 de agosto de 2009 General Riveros e Outros no caso de Floreal Edgardo Avellaneda e Outros considerando I Tribunal Oral Criminal Federal La Plata 26 de setembro de 2006 Caso Circuito Camps e Outros causa Nº 225106 Considerando IVA Ver também Corte Suprema de Justiça da República do Perú Sala Penal Especial Sentença de 7 de abril de 2009 Caso Alberto Fujimori Exp Nº 172001 fundamentos 710 e 711 Corte Superior de Justiça de Lima Primeira Sala Penal Especial Sentença de 15 de setembro de 2010 Exp Nº 282001 1ºSPECSJLI De igual forma ver Suprema Corte de Justiça do Uruguai Recurso de Cassação 12 de agosto de 2015 Ficha 97782012 Sentença 10612015 Considerandos III1b Recurso de Cassação 24 de agosto de 2016 Ficha 1702982011 Sentença 12802016 Considerando III1 Recurso de Cassação 8 de setembro de 2016 Ficha 3951362012 Sentença 13832016 Considerando III3 173 Cf ONU Conselho de Direitos Humanos Relatório do Relator Especial sobre a tortura e outros tratamentos ou penas crueis desumanos ou degradantes AHRC3454 14 de fevereiro de 2017 párr 18 Disponível em httpundocsorgesAHRC3454 Comissão de Direito Internacional Primeiro relatório sobre os crimes contra a humanidade apresentado por Sean D Murphy Relator Especial ACN4680 17 de fevereiro de 2015 párr 39 Disponível em httpundocsorgesACN4680 174 a Assassinato b Extermínio c Escravidão d Deportação ou transferência forçada de população e Encarceramento ou outra privação grave da liberdade física em violação de normas fundamentais de direito internacional f Tortura g Estupro escravidão sexual prostituição forçada gravidez forçada esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência sexual de gravidade comparável h Perseguição de um grupo ou coletividade com identidade própria fundada em motivos políticos raciais nacionais étnicos culturais religiosos e de gênero 50 parte de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil havendo conhecimento desse ataque Por outro lado a Corte observa que a Comissão de Direito Internacional e outros tribunais internacionais e nacionais estabeleceram os elementos dos crimes contra a humanidade de maneira similar ao Estatuto de Roma 224 Nesse sentido a Comissão de Direito Internacional no Projeto de Código de Crimes Contra a Paz e a Segurança da Humanidade considerou crime contra a humanidade a prática sistemática ou em grande escala e instigada ou dirigida por um governo ou por uma organização política ou grupo de determinados atos específicos175 Nesse sentido reconhece três requisitos gerais que oos atos sejam cometidos como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil e que oos autores ajam com conhecimento desse ataque ou seja como parte de uma política ou plano de ação determinado e estabelecido pelo Estado176 225 No Caso Dusko Tadic o Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia doravante denominado TPII considerou como elementos dos crimes contra a humanidade i que se trate de atos dirigidos contra a população civil ii que se trate de atos que ocorram de forma sistemática ou generalizada iii que se trate de atos com um propósito discriminatório ou fundados em motivos discriminatórios iv que esses atos respondam a uma política do Estado ou de organizações e v que aquele que o comete tenha conhecimento do contexto sistemático ou generalizado em que o ato ocorre Além disso e conforme a competência atribuída ao TPII por seu Estatuto esses atos deviam ser cometidos em um conflito armado177 226 Por outro lado o Tribunal Penal Internacional para Ruanda doravante denominado TPIR estabeleceu na sentença do Caso Akayesu que a categoria de crimes contra a humanidade poderia ser identificada com quatro elementos i o ato deve ser desumano em sua natureza e caráter causando grande sofrimento ou lesões graves ao corpo ou à saúde mental ou física ii o ato deve ser cometido como parte de um ataque extenso ou sistemático iii o ato deve ser cometido contra membros da população civil iv o ato deve ser cometido por um ou mais motivos discriminatórios a saber motivos nacionais políticos étnicos raciais ou religiosos178 conforme definição do parágrafo 3 ou outros motivos universalmente reconhecidos como inaceitáveis de acordo com o direito internacional em conexão com qualquer ato mencionado no presente parágrafo ou com qualquer crime da competência da Corte i Desaparecimento forçado de pessoas j Crime de apartheid k Outros atos desumanos de caráter similar que causem intencionalmente grandes sofrimentos ou atentem gravemente contra a integridade física ou a saúde mental ou física 175 Cf ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 48 Período de Sessões A5110 6 de maio a 26 de julho de 1996 p 101 Comentários 3º 4º e 5º ao Artigo 18 do Projeto de Código de Crimes Contra a Paz e a Segurança da Humanidade Disponível em httpundocsorgesA5110SUPP 176 Para uma análise detalhada da evolução e interpretação dos três requisitos gerais dos crimes contra a humanidade ver ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 69 Período de Sessões A7210 1o de maio a 2 de junho e 3 de julho a 4 de agosto de 2017 p 33 e seguintes 177 Cf TPII Promotoria Vs Duško Tadić Sentença de 7 de maio de 1997 Caso No IT941T par 627 660 Em especial o TPII se referiu aos requisitos de generalizado e sistemático nos seguintes termos É portanto a intenção de excluir atos isolados ou aleatórios da noção de crimes contra a humanidade o que motivou a inclusão do requisito de que os atos devem ser dirigidos a uma população civil seja de forma generalizada a qual se refere ao número de vítimas seja sistematicamente que indica a existência evidente de um padrão ou plano metódico par 648 tradução da Secretaria Ver também Promotoria Vs Kupreškić e outros Sentença de 14 de janeiro de 2000 Caso No IT9516T par 547 a 558 178 Cf TPIR Promotoria Vs JeanPaul Akayesu Sentença de 2 de setembro 1998 Caso No ICTR964T par 578 O TPIR também considerou que o conceito de generalizado podia ser definido como ação massiva frequente e de grande escala levada a cabo coletivamente com considerável seriedade e dirigida contra uma multiplicidade de vítimas Acrescentou também que o conceito de sistemático podia ser definido como rigorosamente organizado e seguindo um padrão regular com base em uma política comum que implique substanciais recursos públicos ou privados Não é um requisito que essa política seja adotada formalmente como política de um Estado No entanto deve haver algum tipo de plano ou política preconcebida par 580 tradução da Secretaria 51 227 Na sentença do Caso Alex Tamba Brima Brima Bazzy Kamara e Santigie Borbor Kanu o Tribunal Especial para Serra Leoa doravante denominado TESL afirmou que os elementos do crime contra a humanidade são i a existência de um ataque ii o ataque deve ser generalizado ou sistemático iii o ataque deve ser dirigido contra a população civil iv os atos daquele que os cometem devem ser parte do ataque e v aquele que o comete deve saber que seus atos constituem parte de um ataque generalizado ou sistemático dirigido contra a população civil179 228 Do mesmo modo o Tribunal Europeu de Direitos Humanos em um caso cujos fatos ocorreram em 1956 reconheceu como elementos de crimes contra a humanidade a presença de discriminação ou perseguição contra um grupo determinado da população civil e a existência de uma política ou ação estatal de natureza sistemática ou generalizada180 229 Os tribunais nacionais da Argentina181 Colômbia182 Peru183 Chile184 e Guatemala185 reconheceram como elementos constitutivos dos crimes contra a humanidade a existência de um ataque sistemático ou generalizado contra a população civil ou um grupo determinado de civis que deve incluir atos desumanos praticados como parte de um plano ou política estatal coordenada para esse efeito Alguns tribunais também consideram relevante a existência de um objetivo discriminatório por motivos políticos ideológicos religiosos étnicos ou nacionais B2 Consequência da perpetração de um crime contra a humanidade 230 Conforme se expôs acima par 219 supra a proibição dos crimes contra a humanidade é uma norma imperativa de direito internacional jus cogens o que significa que essa proibição é aceita e reconhecida pela comunidade internacional de Estados em seu conjunto como norma que não admite acordo em contrário e que só pode ser modificada por uma norma ulterior de direito internacional geral que tenha o mesmo caráter186 Concretamente a primeira obrigação dos Estados é evitar que essas condutas ocorram Caso isso não aconteça o dever do Estado é assegurar que essas condutas sejam processadas penalmente e seus autores punidos187 de modo a não deixálas na impunidade188 179 Cf TESL Promotoria Vs Alex Tamba Brima e outros Sentença de 20 de junho de 2007 Caso No SCSL0416T par 214222 180 Cf TEDH Korbely Vs Hungria GS No 917402 Sentença de 19 de setembro de 2008 par 78 a 84 181 Tribunal Oral Criminal Federal La Plata 26 de setembro de 2006 Caso Circuito Camps e outros causa Nº 225106 Quarta Sala da Câmara Federal de Cassação Penal Recurso de Cassação Penal 17 de fevereiro de 2012 Caso Gregorio Rafael Molina causa No 12821 Tribunal Oral Criminal Federal No1 de San Martín Sentença por Crimes contra a Humanidade 12 de agosto de 2009 General Riveros e outros no Caso de Floreal Edgardo Avellaneda e outros 182 Sala de Justiça e Paz do Tribunal Superior do Distrito Judicial de Bogotá Sentença e Incidente de Reparação Integral 1o de dezembro de 2011 Ocorrências 110016000253200883194 110016000253200783070 José Rubén Peña Tobón et al Postulados par 71 a 81 Sala de Cassação Penal da Corte Suprema de Justiça da Colômbia Decisão do Recurso de Apelação 21 de setembro de 2009 Processo Noº 32022 Gian Carlo Gutiérrez Suárez Postulado Considerando 4 p 190 a 199 183 Corte Suprema de Justiça da República do Peru Sala Penal Especial Sentença de 7 de abril de 2009 Caso Alberto Fujimori Exp Nº 172001 fundamentos 710 a 717 184 Corte Suprema do Chile Sentença de Substituição 8 de julho de 2010 Homicídio de Carlos Prats e Sofía Cuthbert Rol N 259609 185 Corte de Constitucionalidade da Guatemala Mandado de segurança 18 de dezembro de 2014 expediente 3340 2013 Considerando IV 186 Cf Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados Viena 23 de maio de 1969 art 53 187 Cf Caso Goiburú Vs Paraguai par 128 188 Cf Caso La Cantuta Vs Peru Mérito Reparações e Custas par 160 52 231 Mesmo quando determinadas condutas consideradas crimes contra a humanidade não estejam tipificadas formalmente no ordenamento jurídico interno ou que inclusive sejam legais na legislação doméstica isso não exime de responsabilidade a pessoa que cometeu o ato de acordo com as leis internacionais Ou seja a inexistência de normas de direito interno que estabeleçam e punam os crimes internacionais não exime em nenhum caso seus autores de responsabilidade internacional e o Estado de punir esses crimes189 232 Desde sua primeira sentença esta Corte destacou a importância do dever estatal de investigar e punir as violações de direitos humanos A obrigação de investigar e oportunamente processar e punir assume particular importância diante da gravidade dos delitos cometidos e da natureza dos direitos lesados190 especialmente em vista da proibição das execuções extrajudiciais e tortura como parte de um ataque sistemático contra uma população civil191 A particular e determinante intensidade e importância dessa obrigação em casos de crimes contra a humanidade192 significa que os Estados não podem invocar i a prescrição ii o princípio ne bis in idem iii as leis de anistia assim como iv qualquer disposição análoga ou excludente similar de responsabilidade para se escusar de seu dever de investigar e punir os responsáveis193 Além disso como parte das obrigações de prevenir e punir crimes de direito internacional a Corte considera que os Estados têm a obrigação de cooperar e podem v aplicar o princípio de jurisdição universal a respeito dessas condutas B3 A tortura e o assassinato de Vladimir Herzog 233 Uma vez estabelecidos os padrões a respeito dos crimes contra a humanidade e suas consequências para os Estados a Corte passa a analisar o caso sub judice para estabelecer i se a tortura e o assassinato de Vladimir Herzog ocorreram ou não num contexto de crimes contra a humanidade cometidos pela ditadura militar brasileira e ii as eventuais consequências dessa determinação para o Brasil no momento dos fatos e a partir de 10 de 189 Cf ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 5 Período de Sessões A1316 5 de junho e 29 de julho de 1950 p 11 Princípios do Direito Internacional reconhecidos pelo Estatuto e pelas sentenças do Tribunal de Nuremberg Princípio II O fato de que o direito interno não imponha pena alguma por um ato que constitua crime de Direito Internacional não exime de responsabilidade perante o Direito Intrnacional quem o tenha cometido Disponível em httpundocsorgesA1316SUPP Corte Internacional de Justiça Sentença de 7 de setembro de 1927 Assunto SS Lotus França Vs Turquia Série A No 10 1927 2 20 TEDH Caso Kolk e Kislyiy Vs Estônia Nos 2305204 e 2401804 Decisão de inadmissibilidade de 17 de janeiro de 2006 Ver também em sentido similar Caso Vasiliauskas Vs Lituânia GS No 3534305 Sentença de 20 de outubro de 2015 par 167 168 170 e 172 CECC Decisão sobre exceções preliminares na causa contra IENG Sary Ne Bis in Idem Anistia e Indulto Causa No 00219092007ECCCTC Sentença de primeira instância de 3 de novembro de 2011 par 41 Ver também por exemplo Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina Recurso Ordinário de Apelação Sentença de 2 de novembro de 1995 Caso de Erich Priebke N1606394 Considerando 4º e Voto coincidente do Juiz Julio S Nazareno e Eduardo Moline OConnor Considerandos 76 e 77 Recurso de Fato Sentença de 24 de agosto de 2004 Caso Arancibia Clavel Enrique Lautaro causa Nº 259 Considerandos 34 a 38 e Voto do Juiz Antonio Boggiano Considerando 29 Recurso de Fato Sentença de 14 de junho de 2005 Caso Julio Héctor Simón e outros causa N 17768 Voto do Juiz Antonio Boggiano Considerando 42 Tribunal Oral Criminal Federal La Plata 26 de setembro de 2006 Caso Circuito Camps e outros causa Nº 225106 Considerando IVA Em sentido similar ver também Tribunal Constitucional do Peru Sentença de 18 de março de 2004 Exp Nº 24882002 fundamento 4 Suprema Corte de Justiça do Uruguai Recurso de Cassação 12 de agosto de 2015 Ficha 97782012 Sentença 10612015 Considerandos III1b Da mesma forma ver Peritagem de Juan Méndez par 42 expediente de prova folha 14075 190 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Mérito Sentença de 29 de julho de 1988 Série C No 4 par 166 Caso Vásquez Durand e outros Vs Equador Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 15 de fevereiro de 2017 Série C No 332 par 141 191 Cf Caso Goiburú e outros Vs Paraguai par 84 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 137 192 Cf Caso La Cantuta Vs Peru Mérito Reparações e Custas par 115 Caso dos Massacres de El Mozote e lugares vizinhos Vs El Salvador Mérito Reparações e Custas par 208 193 Cf Caso Barrios Altos Vs Peru Mérito par 41 Caso Membros da Aldeia Chichupac e comunidades vizinhas do Município de Rabinal Vs Guatemala Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de novembro de 2016 Série C No 328 par 247 53 dezembro de 1998 Posteriormente a Corte iii resumirá as ações do Estado e iv analisará sua compatibilidade com a Convenção Americana para determinar a alegada responsabilidade internacional de acordo com os artigos 8 e 25 em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo instrumento e também em relação aos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura i A tortura e o assassinato de Vladimir Herzog e o contexto na época dos fatos 234 A Corte constata que não há controvérsia entre as partes em relação a esse tema O Brasil reconheceu sua responsabilidade pela detenção arbitrária tortura e assassinato de Vladimir Herzog por agentes do Estado no DOICODI do II Exército em 25 de outubro de 1975194 235 Testemunhas dos fatos declararam em várias ocasiões que Vladimir Herzog foi encapuzado submetido a choques elétricos por uma equipe de torturadores e sufocado par 122 supra O laudo pericial indireto acerca de sua morte determinou que Vladimir Herzog foi inicialmente estrangulado provavelmente com a cinta citada pelo perito criminal e em ato contínuo foi montada um sistema de forca onde uma das extremidades foi fixada a grade metálica de proteção da janela e a outra envolvida ao redor do pescoço Após o corpo foi colocado em suspensão incompleta para simular um enforcamento195 236 A controvérsia existe unicamente com respeito à possibilidade de indiciamento dos responsáveis e da aplicação da figura de crimes contra a humanidade em 1975 e figuras como a Lei de Anistia brasileira a prescrição o princípio de ne bis in idem e a coisa julgada 237 De acordo com a jurisprudência da Corte Interamericana e de outros tribunais internacionais nacionais e órgãos de proteção de direitos humanos a tortura e o assassinato do senhor Herzog seriam considerados uma grave violação de direitos humanos Não obstante ante a necessidade de estabelecer se persistiam obrigações de investigar julgar e punir os responsáveis pela tortura e pela morte de Vladimir Herzog como crimes contra a humanidade no momento do reconhecimento da competência da Corte por parte do Brasil o Tribunal também analisará se a tortura e o assassinato de Vladimir Herzog foram i cometidos por agentes estatais ou por um grupo organizado como parte de um plano ou estratégia preestabelecida ou seja com intencionalidade e conhecimento do plano ii de maneira generalizada ou sistemática iii contra a população civil e iv com um propósito discriminatório proibido Para esse efeito o Tribunal examinará a prova apresentada no presente caso e os fatos e o contexto que a Corte já considerou provados na sentença do Caso Gomes Lund e outros 238 Em primeiro lugar cabe ao Tribunal definir se os fatos foram parte de um plano ou estratégia de Estado A esse respeito a Corte considera provado que a o golpe militar de 1964 se consolidou com base na Doutrina da Segurança Nacional e na emissão de normas de segurança nacional e de exceção as quais funcionaram como pretenso marco legal para dar cobertura jurídica à escalada repressiva196 O inimigo poderia estar em qualquer parte dentro do próprio país inclusive ser um nacional desenvolvendose um imaginário social de constante controle típico dos Estados totalitários Para enfrentar esse novo desafio era urgente estruturar um novo aparato repressivo Assim adotaramse diferentes concepções de guerra guerra psicológica adversa guerra interna e guerra 194 Cf Escrito de contestação do Estado expediente de mérito folhas 349 e 350 195 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3301 196 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 85 54 subversiva são alguns dos termos que foram utilizados para julgar presos políticos pela Justiça Militar197 b em março de 1970 o sistema foi consolidado em um ato do Poder Executivo denominado Diretriz Presidencial de Segurança Interna que recebeu a denominação de Sistema de Segurança Interna SISSEGIN Em virtude dessa diretriz todos os órgãos da Administração Pública nacional estavam sujeitos às medidas de coordenação do comando unificado da repressão política O sistema instituído estava estruturado em dois níveis 1 no plano nacional atuavam o SNI e os Centros de Informação do Exército CIE da Marinha CENIMAR e da Aeronáutica CISA esses últimos vinculados diretamente aos gabinetes dos ministros militares 2 no plano regional criaramse Zonas de Defesa Interna ZDIs correspondentes à divisão dos comandos do I II III IV e IV Exércitos Nelas funcionavam 21 Conselhos e Centros de Operações de Defesa Interna denominados respectivamente CONDIS e CODIS integrados por membros das três Forças Armadas e pelas Secretarias de Segurança dos Estados com funções de coordenação das ações de repressão política nas respectivas ZDIs e 22 a partir do segundo semestre de 1970 foram estabelecidos Destacamentos de Operações de Informação DOI em São Paulo Rio de Janeiro Recife e Brasília e no ano seguinte também em Curitiba Belo Horizonte Salvador Belém e Fortaleza Em Porto Alegre foi criado em 1974198 c o Manual de Interrogatório do CIE de 1971 estabelecia que o detido a ser apresentado a um tribunal devia ser tratado de maneira tal que não apresentasse evidências de ter sofrido coação em suas confissões Além disso dispunha que o objetivo de um interrogatório de subversivos não era proporcionar dados à Justiça Penal seu objetivo real era obter o máximo possível de informação Para conseguir esse objetivo deviase recorrer a métodos de interrogatório que legalmente constituíam violência199 d entre 1973 e 1975 jornalistas da Voz Operária e membros do Partido Comunista Brasileiro PCB passaram a ser sequestrados ou detidos e às vezes torturados A chamada Operação Radar levada adiante pelo Centro de Informação do Exército e pelo DOICODI do II Exército representou uma ofensiva dos órgãos de segurança para combater e desmantelar o PCB e seus membros A Operação não se limitava a deter os membros do PCB mas também tinha por objetivo matar seus dirigentes200 Entre 1974 e 1976 dezenas de membros e dirigentes do PCB foram detidos torturados e mortos pela Operação de modo que a quase totalidade de seu Comitê Central foi eliminada201 e o DOICODIII Exército contou com um efetivo de 116 homens provenientes do Exército da Polícia Militar do Estado de São Paulo da Polícia Civil da Aeronáutica e da Polícia Federal A estrutura dos DOICODI possibilitava a conjugação de 197 Cf Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folha 20 198 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folhas 642 e 668671 e Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 56 e 57 expediente de prova folha 14254 199 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 650 e Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar expediente de prova folha 14290 200 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3317 e Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 634 201 Cf Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folha 20 e Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 634 55 esforços entre esses organismos quando fosse o caso Era conhecido entre seus membros como casa da vovó202 e f o marco jurídico instituído pelo regime assegurou especialmente a impunidade dos que praticavam sequestros torturas homicídios e desaparecimentos ao excluir do controle judicial todos os atos cometidos pelo Comando Supremo da Revolução e ao instituir a competência da Justiça Militar para julgar crimes contra a segurança nacional203 239 Com respeito ao caráter sistemático ou generalizado dos fatos ocorridos e sua natureza discriminatória ou proibida bem como à condição de civil das vítimas a Corte igualmente considera provado que no período em que ocorreram os fatos a os opositores políticos da ditadura e todos aqueles que de alguma forma eram por ela percebidos como seus inimigos eram perseguidos sequestrados torturados eou mortos204 Com a emissão do Ato Institucional No 5 em dezembro de 1968 o Estado intensificou suas operações de controle e ataque sistemáticos contra a população civil Com efeito os instrumentos autoritários antes impostos aos denominados inimigos subversivos se estenderam a todos os estratos sociais revelando a sistematicidade de seu uso205 b portanto a partir de 1970 e até 1975 o regime adotou como prática sistemática as execuções e desaparecimentos de opositores sobretudo daqueles considerados mais perigosos ou de maior importância na hierarquia das organizações opositoras eou que representavam uma ameaça O período registra 281 mortes ou desaparecimentos de dissidentes o equivalente a 75 do total de mortos e desaparecidos durante toda a ditadura 369206 c a prática de invasão de domicílio sequestro e tortura fazia parte do método regular de obtenção de informação usado por órgãos como o CIE e os DOIs207 As forças de segurança se utilizavam de centros clandestinos de detenção para praticar esses atos de tortura e assassinar membros do PCB considerados inimigos do regime Esses espaços de terror financiados com recursos públicos foram deliberadamente criados para assegurar total liberdade de atuação dos agentes envolvidos e nenhum controle jurídico sobre o que ali se fazia possibilitando inclusive o desaparecimento dos corpos208 d os métodos empregados na repressão à oposição violentavam a própria legalidade autoritária instaurada pelo golpe de 1964 entre outros motivos porque o objetivo primário do sistema não era a produção de provas válidas para ser usadas em processos judiciais mas o desmantelamento a qualquer custo das organizações de oposição Essas ações se dirigiam especialmente às organizações envolvidas em ações de resistência armada209 mas também a civis desarmados210 e o modus operandi adotado pela repressão política nesse período era o seguinte por meio de informantes testemunhas agentes infiltrados ou suspeitos 202 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 676 203 Cf Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 93 expediente de prova folha 14290 204 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 808 205 Cf Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 93 expediente de prova folha 14290 206 Cf Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 76 e 77 expediente de prova folhas 14273 e 14274 207 Cf Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 54 expediente de prova folha 14251 208 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 152 e 153 expediente de prova folhas 682 e 683 e Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 80 expediente de prova folha 14277 209 Cf Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 54 expediente de prova folha 14251 210 Cf Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 85 expediente de prova folha 14282 56 interrogados os agentes do DOI chegavam à localização de um possível integrante de organização classificada como subversiva ou terrorista O suspeito era então sequestrado por agentes das equipes de busca e apreensão da Seção de Operações e imediatamente conduzido à presença de uma das equipes da Subseção de Interrogatório211 f a tortura passou a ser sistematicamente usada pelo Estado brasileiro desde o golpe de 1964 seja como método de obtenção de informações ou confissões técnica de interrogatório seja como forma de disseminar o medo estratégia de intimidação Converteuse na essência do sistema militar de repressão política baseada nos argumentos da supremacia da segurança nacional e da existência de uma guerra contra o terrorismo Foi utilizada com regularidade por diversos órgãos da estrutura repressiva entre delegacias e estabelecimentos militares bem como em estabelecimentos clandestinos em diferentes espaços do território nacional A prática de tortura era deliberada e de uso estendido constituindo uma peça fundamental do aparato de repressão montado pelo regime212 g os interrogatórios assim como as torturas e os demais castigos eram rigorosamente controlados pela chefia da seção Como os DOICODI possuíam muitos interrogadores e como estes se dividiam entre pelo menos três equipes separadas A B C o interrogatório sempre era orientado pelo chefe da Seção de Informação e de Análise Assim ao ter início a sessão o interrogador recebia por escrito as perguntas e debaixo delas vinha o que denominavam munição e a indicação do tratamento a ser dispensado ao interrogado213 e h outras evidências do caráter sistemático da tortura eram a existência de um campo de conhecimento sobre o qual se encontrava baseada a presença de médicos e enfermeiros nos centros de tortura a repetição de fatos com as mesmas características a burocratização do crime com a designação de estabelecimentos recursos e pessoal próprio com equipes para cumprir turnos em sua execução e a adoção de estratégias de negação214 240 Quanto à natureza e à gravidade dos fatos a Corte constata que relatórios oficiais do Estado brasileiro documentaram os seguintes métodos de tortura física e psicológica utilizados pela ditadura a Tortura física 1 Choque elétrico aplicação de descargas elétricas em várias partes do corpo da pessoa torturada preferencialmente nas partes mais sensíveis como por exemplo no pênis e ânus amarrandose um polo no primeiro e introduzindose outro no segundo ou amarrandose um polo nos testículos e outro no ouvido ou ainda nos dedos dos pés e mãos na língua etc Quando se tratava de mulheres os polos eram introduzidos na vagina e no ânus215 211 Cf Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 73 e 74 expediente de prova folhas 14270 e 14271 212 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 343 a 346 expediente de prova folhas 873 a 878 213 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 144 expediente de prova folha 674 214 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 350 expediente de prova folha 880 215 Para conseguir as descargas os torturadores utilizavam vários aparelhos magneto conhecido como maquininha na Oban e maricota do DOPSRS telefone de campanha em quartéis aparelho de televisão conhecido como Brigitte Bardot no DEOPSSP microfone no DEOPSSP pianola aparelho que dispondo de vária teclas permitia a variação controlada da voltagem da corrente elétrica no PICBrasília e no DEOPSSP e também choque direto de tomada em corrente de 110 e até 220 volts Era muito comum que a vítima ao receber as descargas mordesse a língua ferindose gravemente Consta de compêndios médicos que o eletrochoque aplicado na cabeça provoca microhemorragias no cérebro destruindo substância cerebral e diminuindo o 57 2 Cadeira do dragão uma cadeira pesada na qual a vítima era presa para o recebimento de choques elétricos com uma trava empurrando suas pernas para trás e na qual as pernas batiam com os espasmos decorrentes das descargas elétricas216 3 Palmatória é a utilização de uma haste de madeira com perfurações na extremidade que é arredondada É usada de preferência na região da omoplata na planta dos pés e palma das mãos nádegas etc causando o rompimento de capilares sanguíneos e ocasionando derrames e inchaço que impedem a vítima de caminhar e de segurar qualquer coisa217 4 Afogamento uma das formas mais comuns que consiste em derramarse água ou uma mistura de água com querosene ou amoníaco ou outro líquido qualquer pelo nariz da vítima já pendurada de cabeça para baixo Outra forma consistia em vedar as fossas nasais e introduzir uma mangueira na boca por onde é despejada a água218 5 Telefone técnica de aplicação de pancada com as mãos em concha nos dois ouvidos ao mesmo tempo que ocasionalmente deixava a pessoa desorientada e além disso podia romper os tímpanos Desse modo algumas vítimas perdiam a audição permanentemente219 6 Sessão de caratê ou corredor polonês a vítima era agredida em meio a uma roda de torturadores com socos pontapés golpes de caratê bem como com ripas de madeira mangueiras de borracha vergalho de boi ou tiras de pneu220 7 Uso de produtos químicos se utilizava com frequência qualquer tipo de produto químico contra o torturado seja para fazêlo falar por alteração da consciência seja para provocar dor para assim obter a informação desejada Alguns exemplos dessa técnica aplicar ácido ou álcool no corpo ferido do detido ligandose na sequência o ventilador221 71 Soro da verdade geralmente se aplicava com o torturado preso a uma cama ou maca sendo a droga injetada por via endovenosa gota a gota A utilização dessa droga na medicina se dá sob estrito controle já que ela promove graves efeitos colaterais e até mesmo a morte no caso de doses excessivas222 patrimônio neurônico do cérebro Com isso no mínimo provocava distúrbios na memória e sensível diminuição da capacidade de pensar e às vezes amnésia definitiva A aplicação intensa de choques foi causa de morte de muitos presos políticos particularmente quando portadores de problemas cardíacas Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 366 expediente de prova folha 896 216 Segundo presos políticos de São Paulo É semelhante a uma cadeira elétrica Constituise por uma polcrona de madeira revestida com folha de zinco O torturado é sentado nu tendo seus pulsos amarrados aos braços da cadeira e as pernas forçadas para baixo e presas por uma trava Ao ser ligada a corrente elétrica os choques atingem rodo o corpo principalmente nádegas e testículos as pernas se ferem batendo na trava que as prende Além disso há sevícias complementares capacete elétrico balde de metal enfiado na cabeça e onde se aplicam descargas elétricas jogar água no corpo para aumentar a intensidade do choque obrigar a comer sal que além de agravar o choque provoca intensa sede e faz arder a língua já cortada pelos dentes tudo acompanhado de pancadas generalizadas Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 367 expediente de prova folha 897 217 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 368 expediente de prova folha 898 218 Outras formas eram mergulhar a cabeça do preso em um tanque tambor ou balde de água forçandolhe a nuca para baixo pescaria quando amarrada uma longa corda por sob os braços do preso e este é lançado em um poco ou mesmo em rios ou lagoas afrouxandose e puxando a corda de tempo em tempo Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 368369 expediente de prova folhas 898899 219 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 369 expediente de prova folha 899 220 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 369 expediente de prova folha 899 221 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 369 expediente de prova folha 899 222 Tratase do pentotal sódico um barbitúrico os barbitúricos e outros hipnóticos produzem um efeito progressivo primeiro sedativo e em seguida de anestesia geral e finalmente de depressão gradativa dos centros bulbares Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 370 expediente de prova folha 900 58 72 Temperar com éter aplicar uma espécie de compressa embebida em éter particularmente em partes sensíveis do corpo como boca nariz ouvidos pênis etc ou introduzir buchas de algodão ou pano também embebidas em éter no ânus ou vagina do torturado ou da torturada223 73 Injeção de éter aplicação de injeções subcutâneas de éter que provoca dores lancinantes Normalmente esse método de tortura ocasiona necrose dos tecidos atingidos cuja extensão dependia da área alcançada224 8 Sufocamento obstrução da respiração e a produção de sensação de asfixia tapandose a boca e o nariz da vítima com materiais como pano ou algodão o que também impedia a vítima de gritar O torturado sentia tonturas e podia desmaiar225 9 Enforcamento a pessoa torturada tinha o pescoço apertado com uma corda ou tira de pano sentindo sensação de asfixia sendo que às vezes provocava desmaio226 10 Crucificação penduravam a vítima pelas mãos ou pés amarrados em ganchos presos no teto ou na escada deixandoa pendurada e aplicando lhe choques elétricos palmatória e as outras torturas usuais227 11 Furar poço de petróleo o torturado era obrigado a colocar a ponta de um dedo da mão no chão e correr em círculos sem mexer o dedo até cair exausto Isso ocorria sob pancadas pontapés e todo o tipo de violência228 12 Colocarse de pé sobre duas latas abertas se obrigava a vítima a equilibrarse com os pés descalços sobre as bordas cortantes de duas latas abertas Às vezes isso se fazia até que a pessoa sangrasse Quando a vítima se desequilibrava e caía intensificavamse os espancamentos229 13 Geladeira tecnologia de tortura de origem britânica em que a pessoa detida era confinada em uma cela de aproximadamente 15m x 15m de altura para impedir que se ficasse de pé A porta interna era de metal e as paredes eram forradas com placas isolantes Não havia orifício por onde entrar luz ou sons externos Um sistema de refrigeração e um de calefação alternavam temperaturas baixas com temperaturas altas A cela era totalmente escura a maior parte do tempo No teto se acendiam pequenas luzes coloridas em ritmo rápido e intermitente ao mesmo tempo que um altofalante instalado dentro da cela emitia sons de gritos buzinas e outros em altíssimo volume A vítima despida permanecia aí por períodos que variavam de horas até dias muitas vezes sem alimentação ou água230 14 Pau de arara um dos métodos mais utilizados e conhecidos sendo largamente adotado como ilustração simbólica da prática da tortura Nessa modalidade a vítima ficava suspensa por um travessão de madeira ou metal com os braços e pés atados Nessa posição outros métodos de tortura eram aplicados como afogamento palmatória sevícias sexuais e 223 A aplicação demorada e repetida dessas compressas e buchas provocava queimaduras que causavam muita dor Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 370 expediente de prova folha 900 224 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 370 expediente de prova folha 900 225 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 371 expediente de prova folha 901 226 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 371 expediente de prova folha 901 227 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 371 expediente de prova folha 901 228 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 371 expediente de prova folha 901 229 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 371 expediente de prova folha 901 230 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 372 expediente de prova folha 902 59 choques elétricos entre outros231 15 Utilização de animais os presos políticos eram expostos aos mais variados tipos de animais como cachorros ratos jacarés cobras baratas que eram lançados contra a vítima ou mesmo introduzidos em alguma parte de seu corpo232 16 Coroa de cristo fita de aço em torno do crânio com uma tarraxa permitindo que fosse apertada233 17 Churrasquinho consistia em atear fogo em partes do corpo da vítima previamente embebidas em álcool234 18 Outras formas de tortura praticadas isoladas ou em conjunto como queimar com cigarros alguma parte do corpo arrancar com alicate pelos do corpo especialmente os pubianos dentes eou unhas obrigar o torturado com sede a beber salmoura introduzir bucha de palha de aço no ânus e nelas aplicar descargas elétricas amarrar fio de náilon entre os testículos e os dedos dos pés e obrigar a vítima a caminhar açoitar amarrar a grades da cela amarrar a lanchas e arrastar pela água amarrar o pênis para não urinar asfixiar forçar a ingestão de água da latrina chicotear cuspir manter em isolamento em celas molhadas frias sem iluminação e sujas martelar dedos enterrar vivos forçar a prática de exercícios físicos estrangular fazer roleta russa cortar a orelha mutilar e a mais comum de todas o espancamento235 b Tortura psicológica intimidação ameaças graves e críveis à integridade física ou à vida da vítima ou de terceiros e a humilhação236 1 Torturas físicopsíquicas vestir a pessoa detida com camisa de força obrigála a permanecer durante horas algemado ou amarrado em macas ou camas mantêla por muitos dias com os olhos vendados ou com capuz na cabeça manter o preso sem comer sem beber e sem dormir confinar a vítima em celas de isolamento e acender fortes refletores de luz sobre a pessoa237 2 Ameaça era usada para aterrorizar as vítimas e era a forma mais frequente de tortura psicológica Eram ameaças como cometer aborto na vítima ou na família afogar asfixiar colocar animais no corpo obrigar a comer fezes entregar o preso a outra unidade repressiva mais violenta estrangular estuprar familiar fuzilar matar prender familiar violentar sexualmente fazer lavagem cerebral mutilar alguma parte do corpo Também se podem mencionar ameaças de morte representadas por ações como obrigar o preso a cavar a própria sepultura dançar com um cadáver fazer roleta russa entre outras238 3 Ameaça a familiares e amigos inclusive mulheres grávidas e filhos crianças ou ainda torturar amigos diante do torturado para que este 231 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 372 expediente de prova folha 902 232 No caso dos camundongos eram destrutivos uma vez que após introduzidos nos corpos das vítimas este animal não sabia andar para trás Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 373 e 374 expediente de prova folhas 903 e 904 233 Assim foi assassinada Aurora Maria Nascimento Furtado Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 374 expediente de prova folha 904 234 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 374 expediente de prova folha 904 235 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 375 expediente de prova folha 905 236 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 375 expediente de prova folha 905 237 Outros exemplos dessas técnicas são o isolamento a proibição absoluta de comunicarse e a privação de sono Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 375 expediente de prova folha 905 238 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 376 expediente de prova folha 906 60 sentisse culpa pela ação dos torturadores e pelo sofrimento daqueles que lhe eram queridos239 241 Os fatos descritos não deixam dúvidas quanto a que a detenção tortura e assassinato de Vladimir Herzog foram efetivamente cometidos por agentes estatais pertencentes ao DOICODI do II Exército de São Paulo como parte de um plano de ataque sistemático e generalizado contra a população civil considerada opositora à ditadura em especial no que diz respeito ao presente caso jornalistas e supostos membros do Partido Comunista Brasileiro Sua tortura e morte não foi um acidente mas a consequência de uma máquina de repressão extremamente organizada e estruturada para agir dessa forma e eliminar fisicamente qualquer oposição democrática ou partidária ao regime ditatorial utilizandose de práticas e técnicas documentadas aprovadas e monitoradas detalhadamente por altos comandos do Exército e do Poder Executivo Concretamente sua detenção era parte da Operação Radar que havia sido criada para combater o PCB Dezenas de jornalistas e membros do PCB haviam sido detidos e torturados antes de Herzog e também o foram posteriormente em consequência da ação sistemática da ditadura para desmantelar e eliminar seus supostos opositores O Estado brasileiro por intermédio da Comissão Nacional da Verdade confirmou a conclusão anterior em seu Informe Final publicado em 2014 242 A Corte conclui que os fatos registrados contra Vladimir Herzog devem ser considerados crime contra a humanidade conforme a definição do Direito Internacional desde pelo menos 1945 par 211 a 228 supra Também de acordo com o afirmado na sentença do Caso Almonacid Arellano no momento dos fatos relevantes para o caso 25 de outubro de 1975 a proibição de crimes de direito internacional e crimes contra a humanidade já havia alcançado o status de norma imperativa de direito internacional jus cogens o que impunha ao Estado do Brasil e com efeito a toda a comunidade internacional a obrigação de investigar julgar e punir os responsáveis por essas condutas uma vez que constituem uma ameaça à paz e à segurança da comunidade internacional par 212 supra ii Obrigações do Estado a partir da caracterização da tortura e assassinato de Vladimir Herzog como crime contra a humanidade 243 Em casos em que se alega que ocorreram fatos constitutivos de tortura e execução extrajudicial é fundamental que os Estados realizem uma investigação efetiva da privação arbitrária do direito à vida reconhecido no artigo 4 da Convenção com vistas à determinação da verdade e à persecução captura julgamento e eventual punição dos autores dos atos240 Esse dever assume particular intensidade quando estão ou podem estar envolvidos agentes estatais241 que detenham o monopólio do uso da força em um contexto provado de crimes contra a humanidade Além disso se os atos violatórios aos direitos humanos não são investigados com seriedade seriam de certo modo favorecidos pelo poder público o que compromete a responsabilidade internacional do Estado242 244 Em virtude de os crimes cometidos contra Vladimir Herzog terem ocorrido num contexto de crimes contra a humanidade em violação de uma norma peremptória de direito internacional que desde aquela época possuía efeitos erga omnes uma vez que o Estado 239 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 378 expediente de prova folha 908 240 Cf Caso da Masacre de Pueblo Bello Vs Colômbia Sentença de 31 de janeiro de 2006 Série C No 140 par 143 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 177 241 Cf Caso Myrna Mack Chang Vs Guatemala Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de novembro de 2003 Série C No 101 par 156 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 177 242 Cf Caso do Massacre de Pueblo Bello Vs Colômbia par 145 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 177 61 tenha conhecimento dos atos constitutivos de tortura devia iniciar ex officio a investigação pertinente a fim de estabelecer as responsabilidades individuais cabíveis243 iii Ações do Estado no presente caso 245 A seguir a Corte analisará brevemente as medidas tomadas pelo Estado e pelos familiares de Vladimir Herzog antes e depois do reconhecimento da competência da Corte O Tribunal reitera que os fatos anteriores a 10 de dezembro de 1998 servem para determinar o estado de coisas a partir dessa data desde a qual a Corte tem competência para determinar eventuais violações à Convenção Americana sobre Direitos Humanos a IPM No 117375 246 Em virtude da comoção pela morte do senhor Herzog o II Exército abriu um inquérito na jurisdição penal militar IPM No 117375 em 30 de outubro de 1975 Essa investigação caracterizada amplamente como fraudulenta teve como resultado a versão segundo a qual Vladimir Herzog teria cometido suicídio mediante enforcamento Portanto a Justiça Militar arquivou o caso em fevereiro de 1976 par 128 supra A esse respeito o Estado reconheceu perante esta Corte que esse inquérito penal militar não pode ser tido como uma tentativa válida de investigação dos fatos e tampouco seria hábil a atender à obrigação de investigar processar e punir244 247 Embora essa ação estatal não se encontre dentro da competência contenciosa da Corte esta recorda sua jurisprudência constante relativa aos limites da competência da jurisdição militar para conhecer fatos que constituem violações de direitos humanos no sentido de que num Estado democrático de direito a jurisdição penal militar terá um alcance restritivo e excepcional e será destinada à proteção de interesses jurídicos especiais vinculados às funções próprias das forças armadas245 Por isso a Corte salientou que através do foro militar só devem ser julgados militares da ativa pela prática de crimes ou faltas que por sua própria natureza atentem contra bens jurídicos próprios da ordem castrense246 O fato de que os sujeitos envolvidos pertençam às forças armadas ou que os acontecimentos tenham ocorrido dentro de um estabelecimento militar não significa per se que a justiça castrense deva intervir Isso porque considerando a natureza do crime e o bem jurídico lesado a jurisdição penal militar não é o foro competente para investigar e se for o caso julgar e punir os autores de violações de direitos humanos devendo a ação contra os responsáveis competir sempre à justiça ordinária ou comum247 248 Por outro lado a Corte reiteradamente afirmou que as normas ou parâmetros sobre as limitações que a jurisdição militar deve observar são os seguintes248 a não é o foro competente para investigar e se for o caso julgar e punir os autores de todas as violações de direitos humanos249 b só pode julgar militares em serviço ativo250 e c só pode julgar a 243 Cf Caso do Massacre de Río Negro Vs Guatemala par 225 e Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil par 362 244 Escrito de Contestação do Estado par 15 expediente de mérito folha 319 245 Cf Caso Durand e Ugarte Vs Peru Mérito Sentença de 16 de agosto de 2000 Série C No 68 par 117 e Caso Ortiz Hernández e outros Vs Venezuela Mérito Reparações e Custas Sentença de 22 de agosto de 2017 Série C No 338 par 148 246 Cf Caso Durand e Ugarte Vs Peru Mérito par 117 e Caso Ortiz Hernández e outros Vs Venezuela par 148 247 Cf Caso do Massacre de La Rochela Vs Colômbia Mérito Reparações e Custas Sentença de 11 de maio de 2007 Série C No 163 par 200 e Caso Ortiz Hernández e outros Vs Venezuela par 148 248 Cf Caso Quispialaya Vilcapoma Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de novembro de 2015 Série C No 308 par 146 249 Cf Caso Radilla Pacheco Vs México Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de novembro de 2009 Série C No 209 par 273 Caso Fernández Ortega e outros Vs México Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de agosto de 2010 Série C No 215 par 176 Caso Rosendo Cantú e 62 prática de delitos ou faltas cometidos por militares na ativa que atentem por sua própria natureza contra bens jurídicos próprios da ordem militar251 b Ação declaratória civil 249 Ante os resultados fraudulentos do inquérito policial militar no 117375 e a impossibilidade legal de que os órgãos do Estado investigassem efetivamente a tortura e a morte de Vladimir Herzog seus familiares apresentaram uma ação declaratória Apesar da natureza civil desse processo a sentença de primeira instância par 132 a 134 supra estabeleceu que i Vladimir Herzog havia morrido de causas não naturais quando estava no DOICODISP ii a União não conseguiu comprovar sua tese do suicídio de Herzog iii a detenção de Herzog havia sido ilegal iv o relatório complementar da Justiça Militar não tinha valor porque foi elaborado com base no relatório de necropsia cuja falsificação foi demonstrada v houve crime de abuso de autoridade além de crime de tortura praticada contra Vladimir Herzog e os demais presos políticos que estavam detidos no DOICODI Finalmente o Juiz Federal determinou que os autos do caso fossem remetidos ao Procurador da Justiça Militar No entanto a Procuradoria Militar não tomou nenhuma iniciativa a esse respeito A União apelou dessa sentença de primeira instância a qual se tornou definitiva em 27 de setembro de 1995 par 135 supra c A Lei de Anistia e o Inquérito Policial No 48792 250 Em 28 de agosto de 1979 foi aprovada a Lei de Anistia no 668379 Em 1992 após a publicação de uma entrevista com um reconhecido torturador Pedro Antonio Mira Grancieri que afirmou que havia sido o único responsável pelo interrogatório de Herzog foi enviada uma solicitação ao Ministério Público MP do Estado de São Paulo para que investigasse a participação de Mira Grancieri na morte de Vladimir Herzog O Ministério Público solicitou à polícia a abertura de inquérito policial mas poucos meses depois Mira Grancieri interpôs um habeas corpus a seu favor o qual foi julgado procedente por unanimidade em outubro de 1992 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo Por conseguinte encerrouse o inquérito policial em cumprimento à Lei de Anistia Em janeiro de 1993 o ProcuradorGeral de São Paulo apelou da decisão No entanto em 18 de agosto de 1993 o Superior Tribunal de Justiça STJ confirmou a decisão de primeira instância Os magistrados alegaram questões processuais para rejeitar esse recurso par 140 a 145 supra 251 A Corte não tem competência ratione temporis para determinar uma violação da Convenção Americana sobre esses fatos Não obstante é importante observar que a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo foi proferida depois da entrada em vigor da Convenção Americana para o Estado brasileiro a ratificação da Convenção se deu em 25 de setembro de 1992 Por outro lado a Corte recorda o que afirmou sobre a Lei No 668379 na sentença do Caso Gomes Lund e outros 174 Dada sua manifesta incompatibilidade com a Convenção Americana as disposições outra Vs México Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2010 Série C No 216 par 160 Caso Escué Zapata Vs Colômbia Mérito Reparações e Custas Sentença de 4 de julho de 2007 Série C No 165 par 105 Caso Comunidade Camponesa de Santa Bárbara Vs Peru par 245 Caso Quispialaya Vilcapoma Vs Peru par 146 e Caso Ortiz Hernández e outros Vs Venezuela par 148 250 Cf Caso Radilla Pacheco Vs México par 272 Caso Fernández Ortega e outros Vs México par 176 e Caso Rosendo Cantú e outra Vs México par 160 Caso Castillo Petruzzi e outros Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de maio de 1999 Série C No 52 par 128 Caso Quispialaya Vilcapoma Vs Peru par 146 e Caso Ortiz Hernández e outros Vs Venezuela par 148 251 Cf Caso Radilla Pacheco Vs México par 313 Caso Fernández Ortega e outros Vs México par 179 e Caso Rosendo Cantú e outra Vs México par 163 Caso Castillo Petruzzi e outros Vs Peru Mérito Reparações e Custas par 128 Caso Quispialaya Vilcapoma Vs Peru par 146 e Caso Ortiz Hernández e outros Vs Venezuela par 148 63 da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos carecem de efeitos jurídicos Em consequência não podem continuar a representar um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso nem para a identificação e punição dos responsáveis nem podem ter igual ou similar impacto sobre outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil 175 Quanto à alegação das partes a respeito de que se tratou de uma anistia uma auto anistia ou um acordo político a Corte observa como se depreende do critério reiterado no caso que a incompatibilidade em relação à Convenção inclui as anistias de graves violações de direitos humanos e não se restringe somente às denominadas auto anistias Além disso como foi destacado anteriormente o Tribunal mais que ao processo de adoção e à autoridade que emitiu a Lei de Anistia se atém à sua ratio legis deixar impunes graves violações ao direito internacional cometidas pelo regime militar A incompatibilidade das leis de anistia com a Convenção Americana nos casos de graves violações de direitos humanos não deriva de uma questão formal como sua origem mas sim do aspecto material na medida em que violam direitos consagrados nos artigos 8 e 25 em relação com os artigos 11 e 2 da Convenção d Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos 252 A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos criada pela Lei No 914095 identificou entre outras coisas as pessoas que por terem participado ou por terem sido acusadas de participação em atividades políticas faleceram de causas não naturais em dependências policiais ou similares ou que faleceram em consequência de atos de tortura praticados por agentes do poder público A CEMDP concedeu uma indenização à família de Vladimir Herzog pelos atos contra ele cometidos e concluiu que efetivamente o senhor Herzog havia morrido no DOICODI de São Paulo A versão final e oficial dessa Comissão foi publicada no ano de 2007 par 146 a 151 supra 253 A publicação dessa versão sobre a tortura e o assassinato de Vladimir Herzog foi emitida por um órgão estatal o qual ademais identificou padrões de violência institucional sistemática e generalizada por parte de agentes públicos vinculados ao DOICODI Exército e forças policias durante a ditadura militar Com base nessa informação no entender da Corte recai sobre o Estado o dever de levar a cabo uma investigação pertinente a fim de estabelecer as responsabilidades individuais cabíveis252 Já nessa época era conhecido o modus operandi das forças de segurança do regime militar e o nível de sistematicidade e alcance dos planos de combate à subversão implementados em especial entre os anos de 1968 e 1975 254 Dadas as particularidades do presente caso e o conhecimento de fatos típicos de direito internacional em especial depois da publicação do Relatório da CEMDP nascia para o Estado o dever de agir com diligência para evitar que os crimes ali descritos ficassem impunes e Atuação do Ministério Público Federal Processo No 200861810134342 255 Sem prejuízo do exposto acima sobre as obrigações estatais diante de condutas que podem ser caracterizadas como crimes contra a humanidade a Corte analisará a seguir a iniciativa do Ministério Público Federal e a resposta do Poder Judiciário Federal em relação a uma denúncia apresentada por um advogado em consequência da publicação do Relatório da CEMDP 252 Cf mutatis mutandi Caso do Massacre de Río Negro Vs Guatemala par 225 64 256 Ao receber a denúncia do advogado Fábio Konder Comparato dois procuradores federais com competência civil a enviaram a seu colega com competência penal Esse procurador federal se pronunciou a favor de seu arquivamento Apesar de haver reconhecido que o homicídio de Vladimir Herzog possui todas as características dos chamados crimes contra a humanidade podendo ser perfeitamente caracterizado como tal que a Lei de Anistia não era aplicável ao caso e que a punibilidade do crime cometido havia sido extinta pela anistia o procurador federal considerou que a conduta não havia sido tipificada na época dos fatos Entendeu ademais que existiria coisa julgada material e ainda mais que se teria consumado a prescrição da pretensão punitiva sem importar se o juiz era competente ou não O procurador também salientou que a Convenção Americana não estabelece claramente nenhuma hipótese de imprescritibilidade para o passado e que o costume internacional não se submete ao processo de internalização de modo que a imprescritibilidade não poderia ser estabelecida a partir dessa fonte por representar um fator de insegurança jurídica par 152 a 157 supra 257 De acordo com o sistema jurídico brasileiro o parecer do procurador criminal deve ser analisado por um juiz A juíza federal interveniente acolheu os fundamentos do Ministério Público entendendo que existia no caso coisa julgada material que tornava impossível a continuação das investigações por estar extinta a ação penal No entanto considerou que os fatos não deveriam ser considerados crimes contra a humanidade por não terem sido tipificados como tais no momento em que ocorreram A decisão também ressaltou que o ordenamento jurídico brasileiro não permite a criação de crimes por costume unicamente por lei Por último a referida juíza considerou que a ação estava prescrita porque tanto o homicídio como o genocídio assim como a tortura não são infrações imprescritíveis frente à Constituição e demais normas do ordenamento em vigor par 159 e 160 supra Sobre a intervenção do juiz que encerrou a investigação em 1992 a juíza afirmou que ao haver reconhecido a existência de uma causa de extinção da punibilidade essa decisão adquiriu conteúdo de mérito razão pela qual se transformou em coisa julgada material253 B4 Análise da atuação estatal 258 Para analisar as decisões e pronunciamentos supra a Corte fará referência aos padrões estabelecidos neste capítulo sobre os crimes contra a humanidade e as consequências jurídicas para os Estados desde que estes ocorrem e em particular para o Brasil desde 10 de dezembro de 1998 data na qual reconheceu a competência da Corte Interamericana A esse respeito a Corte analisará cada um dos excludentes de responsabilidade alegados pelo Brasil para justificar a não investigação julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e assassinato de Vladimir Herzog de modo a estabelecer sua incompatibilidade em relação aos crimes contra a humanidade no presente caso 259 Em primeiro lugar é importante reiterar em conformidade com o exposto acima par 211 a 228 supra que a norma imperativa de jus cogens que proíbe os crimes contra a humanidade existia e obrigava o Estado do Brasil no momento dos fatos Reiterase que a consequência principal de uma norma imperativa de direito internacional é que não admite acordo em contrário e que só pode ser modificada por uma norma ulterior de direito internacional geral que tenha o mesmo caráter A segunda consequência de uma norma imperativa é que implica em obrigações erga omnes Como foi exposto a primeira obrigação dos Estados a respeito dessa norma é impedir que esse tipo de crime ocorra 253 Juíza Federal Substituta da 1ª Vara Federal Criminal e de Execuções Penais Autos Nº 200861810134342 9 de janeiro de 2009 p 9 expediente de prova folha 4573 65 Consequentemente os Estados devem assegurar que essas condutas sejam processadas penalmente e seus autores punidos Do mesmo modo de acordo com o Direito Internacional a falta de tipificação formal das condutas que alcançam o limiar de crimes contra a humanidade no ordenamento jurídico interno não exime de responsabilidade a pessoa que cometeu o ato e a jurisdição universal em relação aos perpetradores desses crimes par 231 supra Outras consequências que não serão analisadas em detalhe na presente sentença são a inaplicabilidade de imunidades e da causa de justificação de obediência devida Tampouco será abordada a irrevogabilidade dessa proibição em estados de emergência 260 Somado a essas especificações básicas esta Corte destacou o dever de investigar e punir graves violações de direitos humanos e eventuais crimes contra a humanidade254 À luz do acima exposto o Tribunal passará a analisar os motivos pelos quais no presente caso o Estado do Brasil estaria impedido de utilizar figuras que permitam a impunidade de crimes contra a humanidade tais como a prescrição o princípio de ne bis in idem e as leis de anistia além de qualquer disposição análoga ou excludente de responsabilidade i Imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade 261 A prescrição em matéria penal determina a extinção da pretensão punitiva pelo transcurso do tempo e em geral limita o poder punitivo do Estado para perseguir a conduta ilícita e punir seus autores Tratase de uma garantia que deve ser observada devidamente pelo julgador para todo acusado de um delito Sem prejuízo do exposto excepcionalmente255 a prescrição da ação penal é inadmissível e inaplicável quanto se trata de graves violações dos direitos humanos nos termos do Direito Internacional conforme destacou a jurisprudência constante e uniforme da Corte256 262 Por outro lado a exigência de não aplicação da garantia de prescrição leva em conta que certos contextos de violência institucional além de certos obstáculos na investigação podem propiciar sérias dificuldades para a devida investigação de algumas violações de direitos humanos257 Em cada caso concreto considerando argumentos específicos sobre prova a não procedência da prescrição num determinado momento pode se relacionar ao objetivo de impedir que o Estado se furte precisamente de prestar conta sobre as arbitrariedades que cometam seus próprios funcionários no âmbito desses contextos258 e desse modo evitar que se repitam259 263 A Corte sustentou a improcedência da prescrição em casos de tortura assassinatos cometidos num contexto de violações massivas e sistemáticas de direitos humanos e 254 Cf Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 137 255 A Corte considerou que as violações graves dos direitos humanos têm conotação e consequências próprias Cf Caso Escher e outros Vs Brasil Supervisão de Cumprimento de Sentença Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 19 de junho de 2012 par 20 256 Cf Caso Barrios Altos Vs Peru Mérito par 41 Caso Almonacid Arellano Vs Chile par 110 Caso do Massacre de La Rochela Vs Colômbia par 294 Caso Albán Cornejo Vs Equador Mérito Reparações e Custas Sentença de 22 de novembro de 2007 Série C No 171 par 111 Caso Vera Vera e outra Vs Equador Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 19 de maio de 2011 Série C No 226 par 117 257 A tutela dos direitos humanos frente a violações especialmente graves e intoleráveis que pudessem ficar impunes diluindo o dever de justiça penal decorrente da obrigação de garantia que cabe ao Estado levou à exclusão de certos fatos do regime ordinário de prescrição e inclusive de um tratamento prescritivo mais rigoroso instalado sobre determinadas condições e prazos mais prolongados que tendem a manter vivo o poder persecutório do Estado Voto Fundamentado do Juiz Sergio García Ramírez com respeito à sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Albán Cornejo e outros Vs Equador Mérito par 29 258 Cf Caso Bueno Alves Vs Argentina Supervisão de Cumprimento de Sentença Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 5 de julho de 2011 considerando 40 259 Cf Caso Albán Cornejo Vs Equador Mérito par 111 Caso Vera Vera e outra Vs Equador par 117 66 desaparecimentos forçados de forma constante e reiterada260 pois essas condutas violam direitos e obrigações inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos 264 Especificamente com respeito aos crimes contra a humanidade nem os Estatutos de Nuremberg ou Tóquio nem os instrumentos constitutivos do Tribunal Internacional para a exIugoslávia do Tribunal Penal Internacional para Ruanda ou do Tribunal Especial para Serra Leoa estabeleceram regras sobre prescrição em relação aos delitos internacionais inclusive os crimes contra a humanidade Por outro lado na Lei No 10 do Conselho de Controle aprovada em dezembro de 1945 pelo Conselho de Controle Interaliado da Alemanha para o julgamento de supostos infratores se estabelecia que nos julgamentos ou processos por crimes contra a humanidade assim como crimes de guerra e crimes contra a paz o acusado não tem o direito de se amparar em prescrição alguma quanto ao período compreendido entre 30 de janeiro de 1933 e 1o de julho de 1945261 Do mesmo modo em 1967 a Assembleia Geral das Nações Unidas destacou que a aplicação aos crimes de guerra e aos crimes contra a humanidade das normas de direito interno relativas à prescrição dos delitos ordinários suscita grave preocupação na opinião pública mundial pois impede o julgamento e a punição das pessoas responsáveis por esses crimes262 No ano seguinte os Estados aprovaram a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade que reconhece o desenvolvimento do direito internacional na matéria até esse ponto e determina que a prescrição da ação penal ou da pena não deve aplicarse a crimes contra a humanidade263 Por outro lado o Estatuto de Roma expressamente declara que os crimes de sua competência não prescreverão par 217 supra Do mesmo modo recentes desdobramentos internacionais como o Estabelecimento das Salas Especiais no Camboja e o Estatuto do Tribunal para Timor Leste definem expressamente os crimes contra a humanidade como delitos que não prescrevem264 265 Segundo a Comissão de Direito Internacional na atualidade não parece haver nenhum Estado com legislação sobre crimes contra a humanidade que proíba o julgamento depois de transcorrido certo tempo Pelo contrário numerosos Estados aprovaram legislação 260 Ver entre outros Caso Barrios Altos Vs Peru Mérito par 41 Caso dos Irmãos Gómez Paquiyauri Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 8 de julho de 2004 Série C No 110 par 150 151 e 152 Caso da Comunidade Moiwana Vs Suriname Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 15 de junho de 2005 Série C No 124 par 167 Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña Vs Bolívia Mérito Reparações e Custas Sentença de 1o de setembro de 2010 Série C No 217 par 207 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 171 Caso Vera Vera e outra Vs Equador par 117 Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil par 454 261 ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 69 Período de Sessões A7210 1o de maio a 2 de junho e 3 de julho a 4 de agosto de 2017 comentário 34 ao artigo 6 do projeto de artigos sobre os crimes contra a humanidade p 75 citando a Lei no 10 do Conselho de Controle sobre o Castigo dos Acusados de Crimes de Guerra Crimes contra a Paz e Crimes contra a humanidade art II par 5 ONU Assembleia Geral Questão do castigo dos criminosos de guerra e das pessoas que tenham cometido crimes contra a humanidade Resolução 2338 XXII 18 de dezembro de 1967 262 ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 69 Período de Sessões A7210 1o de maio a 2 de junho e 3 de julho a 4 de agosto de 2017 comentário 34 ao artigo 6 do projeto de artigos sobre os crimes contra a humanidade p 75 citando a ONU Assembleia Geral Questão do castigo dos criminosos de guerra e das pessoas que tenham cometido crimes contra a humanidade Resolução 2338 XXII 18 de dezembro de 1967 ver também a resolução 2712 XXV de 15 de dezembro de 1970 Disponível em httpundocsorgesARES2712XXV e a resolução 2840 XXVI de 18 de dezembro de 1971 disponível em httpundocsorgesARES2840XXVI 263 Assembleia Geral da ONU Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a humanidade Resolução 2391XXIII 26 de novembro de 1968 artigo IV Disponível em httpundocsorgesARES2391XXIII 264 Cf Parlamento do Reino do Camboja Lei sobre o Estabelecimento das Salas Extraordinárias nas Cortes do Camboja para o Julgamento de Crimes Cometidos durante o Período do Kampuchea Democrático aprovada em 10 de agosto de 2001 com emendas aprovadas em 27 de outubro de 2004 NSRKM1004006 art 5 Administração Transitória das Nações Unidas no Timor Leste Regulação No 200015 para o estabelecimento de painéis com jurisdição exclusiva sobre crimes graves UNTAETREG200015 6 de junho de 2000 art 171 67 específica contra toda limitação dessa natureza265 Além disso ainda que nem a Convenção contra a Tortura nem o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos proíbam expressamente a aplicação da prescrição para graves violações desses tratados os respectivos comitês criados para interpretar e monitorar o cumprimento de ambos os tratados estabeleceram que a tortura e graves violações ao Pacto não devem ser objeto de prescrição266 266 No âmbito regional o Tribunal Europeu de Direitos Humanos se referiu à prescrição de casos de graves ou massivas violações de direitos humanos Nesse sentido salientou que em atenção à gravidade dos delitos a aplicação da prescrição é contrária à obrigação de garantia do direito à vida267 Além disso reconheceu que apesar do transcurso do tempo o interesse público em obter o julgamento e punição dos perpetradores estava firmemente estabelecido em especial no contexto dos crimes de guerra e crimes contra a humanidade268 267 Da mesma forma altos tribunais do Peru269 Argentina270 Chile271 Colômbia272 Costa 265 ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 69 Período de Sessões A7210 1o de maio a 2 de junho e 3 de julho a 4 de agosto de 2017 comentário 35 ao artigo 6 do projeto de artigos sobre os crimes contra a humanidade p 76 266 Ver por exemplo relatório do Comitê contra a Tortura Documentos Oficiais da Assembleia Geral 62o Período de Sessões Suplemento no 44 A6244 cap III exame dos relatórios apresentados pelos Estados Partes em virtude do artigo 19 da Convenção México par 35 comentário 16 e Itália par 40 comentário 19 Ver também por exemplo relatório do Comitê de Direitos Humanos Documentos Oficiais da Assembleia Geral 63o Período de Sessões Suplemento no 40 A6340 Vol I vol I cap IV exame dos relatórios apresentados pelos Estados Partes em conformidade com o artigo 40 do Pacto e da situação dos países que não apresentaram relatório que deram lugar a observações finais públicas Panamá seção A par 79 7 267 TEDH Aslakhanova e outros Vs Rússia Nos 294406 e 830007 5018407 33208 4250910 Sentença de 18 de dezembro de 2012 par 237 Lastly the application of the statute of limitations to the bulk of investigations of the abductions committed prior to 2007 has to be addressed Bearing in mind the seriousness of the crimes the large number of persons affected and the relevant legal standards applicable to such situations in modernday democracies the Court finds that the termination of pending investigations into abductions solely on the grounds that the timelimit has expired is contrary to the obligations under Article 2 of the Convention The Court also notes that there is little ground to be overly prescriptive as regards the possibility of an obligation to investigate unlawful killings arising many years after the events since the public interest in obtaining the prosecution and conviction of perpetrators is firmly recognised particularly in the context of war crimes and crimes against humanity 268 TEDH Aslakhanova e outros Vs Rússia Nos 294406 and 830007 5018407 33208 4250910 Sentença de 18 de dezembro de 2012 par 237 citando Brecknell Vs Reino Unido No 3245704 Sentença de 27 de novembro de 2007 par 69 269 Cf Tribunal Constitucional Sentença de 21 de março de 2011 25 do número legal de congressistas contra o Poder Executivo Expediente No 00242010PITC fundamento 7 Corte Superior de Justiça de Lima Primeira Sala Penal Especial Sentença de 15 de setembro de 2010 Exp Nº 2820011ºSPECSJLI 270 Cf Corte Suprema da Nação entre outros Recurso Ordinário de Apelação Sentença de 2 de novembro de 1995 Caso de Erich Priebke N1606394 considerando 5º Recurso de Fato Sentença de 24 de agosto de 2004 Caso Arancibia Clavel Enrique Lautaro causa Nº 259 considerandos 12 a 38 e Recurso de Fato Sentença de 14 de junho de 2005 Caso Julio Héctor Simón e outros causa N 17768 considerando 30 Ver igualmente Câmara Criminal e Correcional Federal da Argentina Recurso de Apelação em autos Sentença de 9 de setembro de 1999 Massera sexceções Causa No 30514 considerando III Tribunal Oral Criminal Federal No1 de San Martín Sentença por Crimes contra a Humanidade 12 de agosto de 2009 General Riveros e outros no caso de Floreal Edgardo Avellaneda e outros considerando I Câmara Federal de Apelações do Tribunal Penal e Correcional da Argentina Recurso de Apelação e Nulidade 9 de setembro de 1999 Caso Videla e outros considerando III Câmara Federal de Apelações de La Plata Sala II Resolução de 17 de julho de 2014 FLP 259200317CA3 considerando VI e VII 271 Cf Corte Suprema de Justiça Sala Penal Sentença de Cassação no mérito 13 de dezembro de 2006 Rol No 55904 Caso Molco de Choshuenco Paulino Flores Rivas e outros considerandos 2 e 12 a 19 Sala Segunda da Corte Suprema Sentença de Cassação em Forma e Mérito 17 de novembro de 2004 Rol N 5172004 considerandos 33 e 37 Corte de Apelações de Santiago Chile Caso Sandoval Sentença de 4 de janeiro de 2004 Rol 218298 Considerandos 33 e 37 272 Cf Corte Constitucional Sentença de Constitucionalidade 31 de julho de 2002 C58002 e Sentença de Constitucionalidade 18 de agosto de 2011 C62011 Ver também Conselho de Estado Sala do Contencioso Administrativo Seção Terceira Subseção C Sentença de 17 de setembro de 2013 Ocorrência número 2500023 260002012005370145092 68 Rica273 El Salvador274 Guatemala275 México276 Paraguai277 e Uruguai278 reafirmaram o princípio de imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade e dos crimes de guerra ou genocídio referindose ao carácter de norma de Direito Internacional consuetudinário 268 Finalmente a Corte observa que vários países das Américas incorporaram normas legais ou constitucionais sobre a imprescritibilidade para graves violações de direitos humanos como o Equador279 El Salvador280 a Guatemala281 a Nicarágua282 o Paraguai283 o Panamá284 o Uruguai285 e a Venezuela286 269 Em suma a Corte constata que para o caso concreto a aplicação da figura da prescrição como obstáculo para a ação penal seria contrária ao Direito Internacional e em especial à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Para esta Corte é claro que existe suficiente evidência para afirmar que a imprescritibilidade de crimes contra a humanidade era uma norma consuetudinária do direito internacional plenamente cristalizada no momento dos fatos assim como na atualidade ii Princípio ne bis in idem e coisa julgada material 270 O princípio de ne bis in idem é uma pedra angular das garantias penais e da administração da justiça segundo o qual uma pessoa não pode ser submetida a novo julgamento pelos mesmos fatos287 273 Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça Consulta Preceptiva de Constitucionalidade 12 de janeiro de 1996 Exp 6543S95 Voto N023096 considerando IIB2 274 Cf Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça de El Salvador Inconstitucionalidade 13 de julho de 2016 Exp 4420131452013 considerando IV 275 Cf Corte de Constitucionalidade Inconstitucionalidade Geral 8 de novembro de 2016 Expediente No 3438 2016 considerando IV 276 Cf Suprema Corte de Justiça da Nação Mandado em revisão Sentença de 10 de junho de 2003 Queixoso Ricardo Miguel Cavallo No 1402002 277 Cf Corte Suprema de Justiça Exceção de Inconstitucionalidade 5 de maio de 2008 Sentença No 195 Basilio Pavón Merardo Palacios Osvaldo Vera e Walter Bower s lesão corporal no exercício de funções públicas 278 Cf Suprema Corte de Justiça Interlocutória Recurso de Cassação 24 de agosto de 2016 Ficha 1702982011 Sentença 12802016 considerando III 279 O artigo 80 da Constituição do Equador 2008 se refere à imprescritibilidade das ações e penas por crimes de genocídio lesahumanidade crimes de guerra desaparecimento forçado de pessoas ou crimes de agressão a um Estado tradução da Secretaria 280 O artigo 99 do Código Penal de El Salvador Decreto Nº 1030 proíbe a prescrição para tortura atos de terrorismo sequestro genocídio violação das leis ou costumes de guerra desaparecimento forçado de pessoas perseguição política ideológica racial por sexo ou religião tradução da Secretaria 281 O artigo 8 da Lei de Reconciliação Nacional da Guatemala Decreto Número 14596 exclui a prescrição para o genocídio a tortura o desaparecimento forçado e os crimes que sejam imprescritíveis ou que não admitam a extinção de responsabilidade penal em conformidade com o direito interno ou os tratados internacionais ratificados pela Guatemala tradução da Secretaria 282 Os artigos 16 e 131 do Código Penal Lei No 641 de 2007 excluem do âmbito de aplicação da prescrição entre outros delitos a escravidão e o comércio de escravos os crimes contra a ordem internacional os crimes de tráfico internacional de pessoas os crimes sexuais em prejuízo de crianças e adolescentes e qualquer outro crime que possa ser processado na Nicarágua conforme os instrumentos internacionais ratificados pelo país tradução da Secretaria 283 O artigo 5 da Constituição do Paraguai estabelece que O genocídio e a tortura assim como o desaparecimento forçado de pessoas o sequestro e o homicídio por razões políticas são imprescritíveis Essa norma é reiterada no artigo 102 3 do Código Penal de 1997 Lei N 116097 tradução da Secretaria 284 O artigo 120 do Código Penal 2007 proíbe a prescrição para o crime de desaparecimento forçado além dos crimes contra a humanidade tradução da Secretaria 285 O artigo 75bis do Código Penal proíbe a prescrição para o genocídio e os crimes de guerra bem como para outros crimes contra a integridade física das pessoas tradução da Secretaria 286 O artigo 29 da Constituição da República Bolivariana da Venezuela proíbe a aplicação da prescrição a graves violações de direitos humanos crimes contra a humanidade e crimes de guerra tradução da Secretaria 287 Artigo 84 da Convenção Americana O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos 69 271 A exceção a esse princípio assim como no caso da prescrição decorre do carácter absoluto da proibição dos crimes contra a humanidade e da expectativa de justiça da comunidade internacional Isso se explica como especificou a Comissão de Direito Internacional pelo fato de que um indivíduo pode ser julgado por um tribunal penal internacional por um crime contra a paz e a segurança da humanidade resultante da mesma ação que foi objeto do processo anterior em um tribunal nacional caso o indivíduo tenha sido julgado pelo tribunal nacional por um crime ordinário em vez de sêlo por um crime mais grave previsto no código288 Nesse caso o indivíduo não foi julgado ou punido pelo mesmo crime mas por um crime mais leve que não compreende em toda a sua dimensão sua conduta criminosa Assim um indivíduo poderia ser julgado por um tribunal nacional por homicídio com agravantes e julgado uma segunda vez por um tribunal penal internacional pelo crime de genocídio baseado no mesmo fato289 Nas situações em que o indivíduo não foi devidamente julgado ou punido pela mesma ação ou pelo mesmo crime em função do abuso de poder ou da incorreta administração de justiça pelas autoridades nacionais na ação do caso ou na instrução da causa a comunidade internacional não deve ser obrigada a reconhecer uma decisão decorrente de uma transgressão tão grave do procedimento de justiça penal290 272 A Corte salientou que quando se trata de graves e sistemáticas violações dos direitos humanos a impunidade em que podem permanecer essas condutas em razão da falta de investigação gera um dano particularmente grave aos direitos das vítimas A intensidade desse dano não só autoriza mas exige uma excepcional limitação à garantia de ne bis in idem a fim de permitir a reabertura dessas investigações quando a decisão que se alega como coisa julgada surge como consequência do descumprimento manifesto e notório dos deveres de investigar e punir seriamente essas graves violações Nesses casos a preponderância dos direitos das vítimas sobre a segurança jurídica e o ne bis in idem é ainda mais evidente dado que as vítimas não só foram lesadas por um comportamento perverso mas devem além disso suportar a indiferença do Estado que descumpre manifestamente sua obrigação de esclarecer esses atos punir os responsáveis e reparar os lesados A gravidade do ocorrido nesses casos é de tal envergadura que prejudica a essência da convivência social e impede ao mesmo tempo qualquer tipo de segurança jurídica Por esse motivo a Corte ressalta que ao analisar os recursos judiciais que possam vir a interpor os acusados de graves violações de direitos humanos as autoridades judiciais internas são obrigadas a determinar se o desvio no uso de uma garantia penal pode gerar uma restrição desproporcional aos direitos das vítimas de modo que uma clara violação do direito de acesso à justiça dissipa a garantia processual penal de coisa julgada291 273 Do mesmo modo o Tribunal Europeu determinou recentemente no Caso Marguš Vs 288 ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 48 Período de Sessões A5110 6 de maio a 26 de julho de 1996 p 74 Comentário 10º ao artigo 12 do projeto de código de crimes contra a paz e a segurança da humanidade 289 ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 48 Período de Sessões A5110 6 de maio a 26 de julho de 1996 p 74 Comentário 10º ao Artigo 12 do projeto de código de crimes contra a paz e a segurança da humanidade 290 Cf ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 48 Período de Sessões A5110 6 de maio a 26 de julho de 1996 p 75 Comentário 11º ao Artigo 12 do projeto de código de crimes contra a paz e a segurança da humanidade 291 Cf Caso Bámaca Velásquez Vs Guatemala Supervisão de Cumprimento de Sentença Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 18 de novembro de 2010 Considerando 44 Ver também Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina Recurso de Cassação e Inconstitucionalidade Sentença de 13 de julho de 2007 Mazzeo Caso Mazzeo Julio Lilo e outros considerandos 33 e 34 Tribunal Oral Criminal Federal No1 de San Martín Sentença por Crimes contra a Humanidade 12 de agosto de 2009 General Riveros e outros no caso de Floreal Edgardo Avellaneda e outros Considerando I No mesmo sentido ver Corte Constitucional da Colômbia Sentença de 20 de janeiro de 2003 C00403 considerandos 30 31 e 32 e CECC Decisão sobre exceções preliminares na causa contra IENG Sary Ne Bis in Idem Anistia e Indulto Causa No 00219092007ECCCTC Sentença de primeira instância de 3 de novembro de 2011 par 30 33 e 34 70 Croácia292 que o princípio de ne bis in idem previsto no artigo 4 do Protocolo No 7 à Convenção Europeia de Direitos Humanos não é aplicável a situações de violações graves dos direitos humanos em relação às quais tenha sido aplicada uma lei de anistia 274 Levando em consideração todo o acima exposto a Corte considera que no presente caso a alegada coisa julgada material em virtude da aplicação da lei de anistia é definitivamente inaplicável 275 Nesse sentido o Tribunal observa que quanto à decisão do Superior Tribunal de Justiça de 1993 que confirmou o habeas corpus de Mira Grancieri e arquivou a investigação que se iniciava sobre a tortura e o assassinato de Vladimir Herzog a perita Maria Auxiliadora Minahim salientou que não há erro judiciário que torne possível dentro das limitações objetivas e subjetivas da res judicata a derrogação do pronunciamento jurisdicional em que se declarou a improcedência da acusação293 Não obstante levando em conta as considerações jurídicas expostas nesta seção a Corte considera que a figura da coisa julgada não é absoluta Ademais é necessário destacar que a decisão que encerrou a investigação não foi uma sentença absolutória emitida de acordo com as garantias do devido processo Ao contrário tratouse de uma decisão de um recurso de habeas corpus tomada por um tribunal incompetente294 com base em uma norma Lei No 668379 que foi considerada por esta Corte como carente de efeitos jurídicos A decisão em questão tampouco observou as consequências jurídicas que decorrem da obrigação erga omnes de investigar julgar e punir responsáveis por crimes contra a humanidade Tratase portanto de uma sentença que não surte efeitos jurídicos e que não reverte as considerações jurídicas constantes da presente sentença 276 Além disso a decisão da juíza federal de 2008 tampouco é uma decisão de mérito que tenha resultado de um processo judicial respeitoso das garantias judiciais voltado para a determinação da verdade dos fatos e dos responsáveis pelas violações denunciadas Ao contrário tratase de uma decisão de trâmite ou processual de arquivamento de uma investigação Em atenção a isso a Corte considera que tampouco é aplicável o princípio ne bis in idem Finalmente a Corte observa que uma decisão baseada em uma lei que não produzia efeitos jurídicos por ser incompatível com a Convenção não gera a segurança jurídica esperada do sistema de justiça iii Leis de anistia 277 As anistias ou figuras análogas foram um dos obstáculos alegados por alguns Estados para investigar e oportunamente punir os responsáveis por violações graves dos direitos humanos295 Este Tribunal a Comissão Interamericana de Direitos Humanos os órgãos das Nações Unidas e outros organismos universais e regionais de proteção dos direitos humanos se pronunciaram sobre a incompatibilidade das leis de anistia relativas a graves violações de direitos humanos com o Direito Internacional e as obrigações internacionais dos Estados 278 Como já foi antecipado esta Corte se pronunciou sobre a incompatibilidade das anistias com a Convenção Americana em casos de graves violações dos direitos humanos ou crimes contra a humanidade relativos ao Peru Barrios Altos e La Cantuta Chile Almonacid 292 Cf TEDH Marguš Vs Croácia GS No 445510 Sentença de 27 de maio de 2014 293 Peritagem de Maria Auxiliadora Minahim expediente de prova folha 14020 294 Isso foi reconhecido pelo Ministério Público Federal e pela Justiça Federal em 2008 Juíza Federal Substituta da 1a Vara Federal Criminal e de Execuções Penais Autos Nº 200861810134342 9 de janeiro de 2009 p 9 expediente de prova folha 4573 295 No presente caso a Corte se refere genericamente ao termo anistias para se referir a normas que independentemente de sua denominação perseguem a mesma finalidade 71 Arellano e outros Brasil Gomes Lund e outros Uruguai Gelman e El Salvador Massacre de El Mozote e lugares vizinhos 279 No Sistema Interamericano de Direitos Humanos do qual o Brasil faz parte por decisão soberana são reiterados os pronunciamentos sobre a incompatibilidade das leis de anistia com as obrigações convencionais dos Estados quanto se trata de graves violações de direitos humanos Esses pronunciamentos adquirem ainda mais força em relação aos delitos de direito internacional pois sua gravidade e dimensão são evidentes 280 A esse respeito é importante salientar que tal como estabeleceu este Tribunal296 o Direito Internacional Humanitário justifica a emissão de leis de anistia297 no encerramento das hostilidades em conflitos armados de caráter não internacional para possibilitar o retorno à paz desde que não protejam os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade os quais não podem permanecer na impunidade298 281 No âmbito universal o SecretárioGeral das Nações Unidas em seu relatório ao Conselho de Segurança intitulado O Estado de Direito e a justiça de transição nas sociedades que sofrem ou sofreram conflitos salientou que os acordos de paz aprovados pelas Nações Unidas nunca podem prometer anistias por crimes de genocídio de guerra ou contra a humanidade ou por infrações graves dos direitos humanos299 No mesmo sentido o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos concluiu que as anistias e outras medidas análogas contribuem para a impunidade e constituem um obstáculo para o direito à verdade ao oporse a uma investigação profunda sobre os fatos300 e são portanto incompatíveis com as obrigações que competem aos Estados em virtude de diversas fontes de direito internacional301 282 Também no âmbito universal os órgãos de proteção de direitos humanos estabelecidos por tratados mantiveram o mesmo critério sobre a proibição de anistias que impeçam a investigação e punição daqueles que cometam graves violações de direitos humanos302 296 Cf Caso dos Massacres de El Mozote e lugares vizinhos Vs El Salvador Mérito Reparações e Custas par 285 297 O artigo 65 do Protocolo II adicional às Convenções de Genebra de 1949 dispõe que À cessação das hostilidades as autoridades no poder procurarão conceder a anistia mais ampla possível às pessoas que tenham tomado parte no conflito armado ou que se encontrem privadas da liberdade internadas ou detidas por motivos relacionados com o conflito armado 298 Cf Caso dos Massacres de El Mozote e lugares vizinhos Vs Guatemala Mérito Reparações e Custas par 286 299 Conselho de Segurança das Nações Unidas Relatório do SecretárioGeral O Estado de Direito e a justiça de transição nas sociedades que sofrem ou sofreram conflitos S2004616 3 de agosto de 2004 par 10 Disponível em httpundocsorgesS2004616 300 Cf Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas Relatório do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos O direito à verdade AHRC57 7 de junho de 2007 par 20 Disponível em httpundocsorgesAHRC57 301 Cf Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos Instrumentos do Estado de Direito para sociedades que saíram de um conflito Anistias HRPUB091 Publicação das Nações Unidas Nova York e Genebra 2009 págs 11 a 31 Disponível em httpwwwohchrorgDocumentsPublicationsAmnestiessppdf Além disso quanto ao falso dilema entre paz ou reconciliação e justiça declarou que as anistias que eximem de sanção penal os responsáveis por crimes atrozes na esperança de garantir a paz costumam fracassar na consecução de seu objetivo e em lugar disso incentivam seus beneficiários a cometer novos crimes Por outro lado celebraramse acordos de paz sem disposições relativas a anistia em algumas situações em que se havia dito que a anistia era uma condição necessária para a paz e em que muitos temiam que os julgamentos prolongassem o conflito 302 Para uma análise detalhada das intervenções do Comitê de Direitos Humanos do Comitê contra a Tortura do Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados do Comitê sobre Violência contra a Mulher e do Comitê contra a Discriminação Racial ver entre outros Caso Gelman Vs Uruguai par 205 a 208 Vários Estados aprovaram legislação nacional que proíbe anistias e medidas similares com respeito aos crimes contra a humanidade 72 283 No direito penal internacional as anistias ou normas análogas também foram consideradas inadmissíveis O Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia considerou que careceria de sentido por um lado sustentar a proscrição de violações graves de direitos humanos e pelo outro autorizar medidas estatais que as autorizem ou indultem ou leis de anistia que absolvam aqueles que cometeram essas violações303 Além disso afirmou que a anistia aprovada em virtude do direito nacional em relação ao crime de tortura não teria reconhecimento jurídico internacional304 No mesmo sentido o Tribunal Especial para Serra Leoa considerou que as leis de anistia desse país não são aplicáveis a graves crimes internacionais305 Essa tendência universal se incorporou aos Acordos das Nações Unidas com a República do Líbano e com o Reino do Camboja assim como aos estatutos que criaram o Tribunal Especial para o Líbano o Tribunal Especial para Serra Leoa e as Salas Extraordinárias das Cortes do Camboja306 Além disso esses tribunais reconhecem que há uma norma internacional em processo de cristalização307 ou consenso emergente308 com respeito à proibição das anistias em relação aos crimes internacionais graves em especial no que se refere às anistias totais ou gerais que se baseiam na obrigação de investigar e julgar esses crimes e castigar aqueles que os cometam 284 No que se refere aos sistemas regionais de proteção de direitos humanos o Tribunal Europeu de Direitos Humanos considerou que é da maior importância para efeitos de um recurso efetivo que os processos penais relativos a crimes como a tortura que impliquem violações graves de direitos humanos não sejam prescritíveis e que não se devem permitir anistias ou perdões a esse respeito309 Em outros casos ressaltou que quando um agente estatal é acusado de crimes que violam os direitos do artigo 3 da Convenção Europeia Direito à vida os procedimentos penais e o julgamento não devem ser impedidos e a concessão de anistia não é permissível310 Mais recentemente a mesma conclusão foi aplicada ao Caso Marguš Vs Croácia311 285 No Sistema Africano a Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos considerou que as leis de anistia não podem isentar o Estado que as adota de cumprir suas 303 Cf TPII O Promotor Vs Furundžija Sentença de 10 de dezembro de 1998 Causa No IT95171T par 155 304 TPII O Promotor Vs Furundžija Sentença de 10 de dezembro de 1998 Causa No IT95171T par 155 305 Cf TESL O Promotor Vs Gbao Decisão no SCSL0415PT141 de 25 de maio de 2004 par 10 TESL O Promotor Vs Sesay Callon e Gbao Sentença de 2 de marzo de 2009 Causa No SCSL0415T par 54 e TESL O Promotor Vs Sesay Callon e Gbao Sentença para o estabelecimento de condenação de 8 de abril de 2009 Causa No SCSL0415T par 253 306 Cf Acordo entre as Nações Unidas e a República Libanesa relativo ao estabelecimento de um Tribunal Especial para o Líbano SRES17572007 Anexo 30 de maio de 2007 artigo 16 e Estatuto do Tribunal Especial para o Líbano SRES17572007 Apêndice 30 de maio de 2007 artigo 6 Disponíveis em httpundocsorgesSRES17572007 Estatuto do Tribunal Especial para Serra Leoa de 16 de janeiro de 2002 anexo ao Acordo entre as Nações Unidas e o Governo de Serra Leoa para o Estabelecimento de uma Corte Especial para Serra Leoa Nações Unidas Nova York UNTS vol 2178 No 38342 p 137 artigo 10 Acordo entre as Nações Unidas e o Governo Real do Camboja para o Julgamento de Acordo com a Lei Cambojana dos Crimes Cometidos durante o Período do Kampuchea Democrático de 6 de março de 2003 Nações Unidas Nova York UNTS vol 2329 No 41723 p 117 artigo 11 e Parlamento do Reino do Camboja Lei sobre o Estabelecimento das Salas Extraordinárias nas Cortes do Camboja para o Julgamento de Crimes Cometidos durante o Período do Kampuchea Democrático aprovada em 10 de agosto de 2001 com emendas aprovadas em 27 de outubro de 2004 NSRKM1004006 novo artigo 40 307 TESL O Promotor v Kallon e Kamara Decisão sobre jurisdição a Anistia do Acordo de Lomé 13 de março de 2004 Causa No SCSL200415AR72E e SCSL200416AR72E par 82 Ver também par 66 a 74 e 82 a 84 da mesma decisão 308 CECC Decisão sobre exceções preliminares na causa contra IENG Sary Ne Bis in Idem Anistia e Indulto Causa No 00219092007ECCCTC Sentença de primeira instância de 3 de novembro de 2011 par 53 Ver também par 40 a 55 309 Cf TEDH Caso Abdülsamet Yaman Vs Turquia No 3244696 Sentença de 2 de novembro 2004 par 55 310 Cf TEDH Caso Yeter Vs Turquia No 3375003 Sentença de 13 de janeiro de 2009 par 70 311 Cf TEDH Caso Marguš Vs CroáciaGS No 445510 Sentença de 27 de maio de 2014 par 124 a 141 73 obrigações internacionais312 Salientou ademais que ao proibir o julgamento de perpetradores de violações graves de direitos humanos mediante a concessão de anistias os Estados não só promovem a impunidade mas também impedem a possibilidade de que esses abusos sejam investigados e que as vítimas desses crimes tenham um recurso efetivo para obter reparação313 286 Do mesmo modo diversos Estados membros da Organização dos Estados Americanos por meio de seus mais altos tribunais de justiça incorporaram as normas mencionadas observando de boafé suas obrigações internacionais A Corte recorda o já mencionado em outras sentenças314 a respeito de decisões da Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina315 da Corte Suprema de Justiça do Chile316 do Tribunal Constitucional do Peru317 da Suprema Corte de Justiça do Uruguai 318 da Corte Suprema de Justiça de Honduras319 da Sala do Constitucional da Corte Suprema de Justiça de El Salvador320 e da Corte Constitucional321 e da Corte Suprema de Justiça da Colômbia322 287 Como se infere do conteúdo dos parágrafos acima todos os órgãos internacionais de proteção de direitos humanos e diversas altas cortes nacionais da região que tiveram a oportunidade de pronunciarse sobre o alcance das leis de anistia sobre graves violações de direitos humanos e sua incompatibilidade com as obrigações internacionais dos Estados que as emitem concluíram que elas violam o dever internacional do Estado de investigar e punir essas violações 288 A Corte Interamericana estabeleceu que são inadmissíveis as disposições de anistia as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos como a tortura as execuções sumárias extrajudiciais ou arbitrárias e os 312 Cf Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos doravante denominada CADHP Malawi African Association e outros Vs Mauritânia Comunicações Nos 5491 6191 9893 16497 19697 e 21098 Decisão de 11 de maio de 2000 par 83 313 Cf CADHP Zimbabwe Human Rights NGO Forum Vs Zimbábue Comunicação No 24502 Decisão de 21 de maio de 2006 par 211 e 215 314 Ver Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 163 a 170 e Gelman Vs Uruguai par 215 a 224 315 Cf Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina Recurso de Fato Sentença de 14 de junho de 2005 Caso Julio Héctor Simón e outros causa N 17768 considerandos 31 a 34 316 Cf Segunda Sala da Corte Suprema Sentença de Cassação em Forma e Mérito 17 de novembro de 2004 Rol N 5172004 considerandos 33 a 35 Corte Suprema de Justiça do Chile Caso de Claudio Abdón Lecaros Carrasco seguido pelo delito de sequestro qualificado Rol No 47205 Recurso No 33022009 Resolução 16698 Sentença de Apelação e Resolução 16699 Sentença de Substituição de 18 de maio de 2010 Considerandos 1 a 3 317 Cf Tribunal Constitucional do Peru Caso Santiago Martín Rivas Recurso extraordinário Expediente No 4587 2004AATC Sentença de 29 de novembro de 2005 par 30 52 53 60 63 318 Suprema Corte de Justiça do Uruguai Caso de Nibia Sabalsagaray Curutchet Sentença No 365 par 8 e 9 319 Corte Suprema de Justiça da República de Honduras autos denominados RI2099 Inconstitucionalidade do Decreto Número 19987 e do Decreto Número 8791 27 de junho de 2000 320 Cf Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça de El Salvador Sentença 24972198 de 26 de setembro de 2000 Do mesmo modo em 2016 a mesma Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça de El Salvador declarou a inconstitucionalidade da Lei de Anistia salvadorenha por impedir o cumprimento das obrigações estatais de prevenção investigação julgamento punição e reparação de graves violações dos direitos humanos e crimes contra a humanidade Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça de El Salvador sentença 442013145 2013 de 13 de julho de 2016 321 Cf Corte Constitucional da Colômbia Sentença de 30 de julho de 2002 C57802 Revisão da Lei 742 seção 217 43217 Figuras como as leis de ponto final que impedem o acesso à justiça as anistias em branco para qualquer delito as autoanistias ou seja os benefícios penais que os detentores legítimos ou ilegítimos do poder concedem a si mesmos e aos que foram cúmplices dos delitos cometidos ou qualquer outra modalidade que tenha como propósito impedir às vítimas um recurso judicial efetivo para fazer valer seus direitos foram consideradas violadoras do dever internacional dos Estados de prover recursos judiciais para a protecção dos direitos humanos tradução da Secretaria 322 Corte Suprema de Justiça da Colômbia Sala de Cassação Penal Auto 33118 de 13 de maio de 2010 Ata 156 Massacre de Segovia 74 desaparecimentos forçados todas elas proibidas por violar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos323 289 Nesse sentido as leis de anistia em casos de graves violações de direitos humanos são manifestamente incompatíveis com a letra e o espírito do Pacto de San José pois infringem o disposto por seus artigos 11 e 2 porquanto impedem a investigação e a punição dos responsáveis pelas violações graves de direitos humanos e consequentemente o acesso das vítimas e seus familiares à verdade sobre o ocorrido e às reparações respectivas impedindo assim o pleno oportuno e efetivo império da justiça nos casos pertinentes favorecendo em contrapartida a impunidade e a arbitrariedade prejudicando ademais seriamente o Estado de Direito razões pelas quais se declarou que à luz do Direito Internacional elas carecem de efeitos jurídicos 290 Em especial as leis de anistia afetam o dever internacional do Estado de investigar e punir as graves violações de direitos humanos ao impedir que os familiares das vítimas sejam ouvidos por um juiz conforme o disposto no artigo 81 da Convenção Americana Violam ainda o direito à proteção judicial consagrado no artigo 25 do mesmo instrumento precisamente pela falta de investigação persecução captura julgamento e punição dos responsáveis pelos fatos descumprindo também o artigo 11 da Convenção 291 À luz das obrigações gerais consagradas nos artigos 11 e 2 da Convenção Americana os Estados Partes têm o dever de adotar providências de toda natureza para que ninguém seja excluído da proteção judicial e do exercício do direito a um recurso simples e eficaz nos termos dos artigos 8 e 25 da Convenção Uma vez ratificada a Convenção Americana cabe ao Estado em conformidade com o artigo 2 do mesmo instrumento adotar todas as medidas para deixar sem efeito as disposições legais que possam infringila como aquelas que impedem a investigação de graves violações de direitos humanos uma vez que levam as vítimas ao desamparo e à perpetuação da impunidade além de impedirem que as vítimas e seus familiares conheçam a verdade dos fatos 292 Desse modo é evidente que desde sua aprovação a Lei de Anistia brasileira se refere a delitos cometidos fora de um conflito armado não internacional e carece de efeitos jurídicos porque impede a investigação e a punição de graves violações de direitos humanos e representa um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso e a punição dos responsáveis No presente caso a Corte considera que essa Lei não pode produzir efeitos jurídicos e ser considerada validamente aplicada pelos tribunais internos Já em 1992 quando se encontrava em plena vigência a Convenção Americana para o Brasil os juízes que intervieram na ação de habeas corpus deveriam ter realizado um controle de convencionalidade ex officio entre as normas internas e a Convenção Americana evidentemente no âmbito de suas devidas competências e das regulamentações processuais respectivas Com ainda mais razão as considerações acima se aplicavam ao caso sub judice ao se tratar de condutas que chegaram ao limiar de crimes contra a humanidade 293 Finalmente a Corte compartilha a perspectiva da Comissão de Direito Internacional quanto a que a anistia aprovada por um Estado não impediria o julgamento por outro Estado com competência simultânea para conhecer do delito324 No Estado que concedeu a anistia sua validade teria de ser analisada entre outros aspectos à luz das obrigações que lhe são atribuídas em virtude dos princípios de direito internacional geral mencionados na presente 323 Cf Caso Barrios Altos Vs Peru Mérito par 41 Caso do Massacre de Las Dos Erres Vs Guatemala Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 24 de novembro de 2009 Série C No 211 par 129 e Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 171 324 Ver por exemplo TEDH Ould Dah Vs França No 1311303 decisão sobre inadmissibilidade de 17 de março de 2009 75 Sentença e especificamente das obrigações contraídas ao ratificar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e ao submeterse soberanamente à competência contenciosa deste Tribunal 294 Desse modo considerase que em situações que envolvem crimes de direito internacional ou crimes contra a humanidade os Estados estão facultados a utilizar o princípio de jurisdição universal a fim de cumprir a obrigação de investigar julgar e punir os responsáveis e as obrigações relacionadas às vítimas e outras pessoas iv Jurisdição Universal 295 A obrigação de colocar em prática e fazer funcionar o sistema de justiça em casos de violações de direitos humanos recai fundamentalmente no Estado onde ocorrem No que concerne aos crimes contra a humanidade a citada obrigação não se altera pois a responsabilidade de prestar contas à sociedade sobre essas condutas também é primordialmente do Estado responsável Não obstante atendendo à natureza e à gravidade dos crimes contra a humanidade essa obrigação transcende o território do Estado onde ocorreram os fatos por se tratar de atos desumanos que por sua extensão e gravidade vão além dos limites do tolerável para a comunidade internacional que deve necessariamente exigir sua punição Os crimes contra a humanidade também transcendem o indivíduo porque quando o indivíduo é agredido se ataca e se nega a humanidade toda325 296 Em 1927 a Corte Permanente de Justiça Internacional salientou que embora o princípio da territorialidade do Direito Penal sirva de fundamento em todas as legislações não é menos certo que todas ou quase todas essas legislações estendem sua ação a crimes cometidos fora de seu território e isso de acordo com sistemas que variam de Estado para Estado A territorialidade do Direito Penal não é pois um princípio absoluto de Direito Internacional e de nenhum modo coincide com a soberania territorial326 Disso decorre que em casos de crimes internacionais como os crimes contra a humanidade existe uma presunção a favor da jurisdição criminal extraterritorial e caberia ao Estado provar a existência da regra proibitiva Por outro lado o sexto parágrafo do preâmbulo do Estatuto de Roma recorda que é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais327 Segundo a Comissão de Direito Internacional todo Estado tem a faculdade de exercer sua jurisdição penal com respeito aos crimes contra a humanidade Compete aos Estados garantir o julgamento efetivo dos crimes contra a humanidade mediante a adoção de medidas em escala nacional e o fomento da cooperação internacional Essa cooperação também se aplica ao âmbito da extradição e da assistência judicial recíproca328 Por sua vez a Corte Interamericana destacou que em contextos de violação sistemática de direitos humanos a necessidade de erradicar a impunidade se apresenta ante a comunidade internacional como um dever de cooperação interestatal para esses efeitos329 325 Tribunal Oral Criminal Federal La Plata 26 de setembro de 2006 Caso Circuito Camps e outros causa Nº 225106 considerando IVa 326 Corte Permanente de Justiça Internacional Sentença de 7 de setembro de 1927 Assunto SS Lotus França Vs Turquia Série A No 10 1927 p 20 327 Estatuto da Corte Penal Internacional Preâmbulo 328 ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 48 Período de Sessões A5110 6 de maio a 26 de julho de 1996 p 48 e 54 a 59 Comentário 6º ao Artigo 8 e Comentários ao Artigo 9 do projeto de código de crimes contra a paz e a segurança da humanidade 329 Cf Caso La Cantuta Vs Peru Mérito Reparações e Custas par 160 No mesmo sentido ver Caso Anzualdo Castro Vs Peru Sentença de 22 de setembro de 2009 Série C No 202 par 125 e Caso Goiburú e outros vs Paraguai par 131 76 297 O conceito de jurisdição universal se desenvolveu nas últimas décadas e foi reconhecido por diversos Estados sobretudo depois da adoção do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional Podese afirmar que atualmente a a jurisdição universal é uma norma consuetudinária que se encontra cristalizada razão pela qual não necessita estar prevista em um tratado internacional330 b poderá ser exercida com respeito aos crimes internacionais identificados no Direito Internacional como pertencentes a esta categoria tais como o genocídio os crimes contra a humanidade e os crimes de guerra331 c está baseada exclusivamente na natureza do delito sem importar o lugar em que foi cometido e a nacionalidade do autor ou da vítima332 e d sua natureza é complementar frente a outras jurisdições333 298 No Caso Furundzija o TPII afirmou que no plano individual isto é de responsabilidade penal pareceria que uma das consequências do caráter de jus cogens atribuído pela comunidade internacional à proibição da tortura é a de que qualquer Estado pode investigar perseguir e castigar ou extraditar indivíduos acusados de tortura que se encontrem num território sob sua jurisdição334 Assim no estágio atual do Direito Internacional os Estados têm a faculdade de fundamentar nesse princípio a competência de seus juízes em relação a esses crimes quando os supostos responsáveis se encontrem em seu território Se o fazem e em que medida o façam dependerá de suas políticas a esse respeito determinadas inter alia pela relevância que atribuam à proteção dos direitos humanos e a influência que o julgamento dos crimes com base no princípio de 330 Ver entre outros Nações Unidas Os Princípios de Princeton sobre a Jurisdição Universal A56677 4 de dezembro de 2001 Princípio 3 disponível em httpundocsorgesA56677 Instituto de Direito Internacional Jurisdição penal universal em relação ao crime de genocídio aos crimes de lesa humanidade e aos crimes de guerra 2005 Resolução da XVII Comissão na Sessão da Cracóvia Disponível em httpwwwidi iilorgappuploads2017062005kra03enpdf De maneira análoga o princípio aut dedere aut judicare se refere à obrigação alternativa que consta de alguns tratados multilaterais de extraditar ou julgar e se destina a garantir a cooperação internacional para certas condutas criminosas Esse princípio é uma forma mediante a qual os Estados estão obrigados a exercerem sua jurisdição para julgar certas condutas consideradas criminosas pelo direito internacional em caso de negar a extradição dos supostos responsáveis ao Estado que os requeira Não importa evidentemente que os crimes não tenham sido cometidos no território do Estado que negou a extradição e que em virtude desse princípio terá o dever de julgar Essa obrigação está presente em várias convenções internacionais de direitos humanos e direito internacional humanitário Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Art 7 Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados Arts 9 e 11 Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura Art 12 Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas Art IV Princípios relativos a uma eficaz prevenção e investigação das execuções extralegais arbitrárias ou sumárias Princípio 18 Artigos 49 50 129 e 146 respectivamente das quatro Convenções de Genebra aprovadas em 12 de agosto de 1949 e Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio De acordo com alguns autores tratase de uma norma consuetudinária internacional que obriga todos os Estados Ver também a esse respeito ONU Comissão de Direito Internacional Relatório final do Grupo de Trabalho sobre a obrigação de extraditar ou julgar aut dedere aut judicare ACN4L844 5 de junho de 2014 Disponível em httpundocsorgesACN4L844 e ONU Comissão de Direito Internacional Quarto Relatório sobre a obrigação de extraditar ou julgar aut dedere aut judicare ACN4648 31 de maio de 2011 Disponível em httpundocsorgesACN4648 331 Cf Instituto de Direito Internacional Jurisdicção penal universal em relação ao crime de genocídio aos crimes contra a humanidade e aos crimes de guerra 2005 Resolução da XVII Comissão na Sessão da Cracóvia Ver Customary International Humanitarian Law Vol I Rules CICR Cambridge University Press p 604 e seguintes Regra No 157 Do mesmo modo os Princípios de Princeton sobre a Jurisdição Universal enumeram os seguintes crimes internacionais objeto desse tipo de jurisdição 1 a pirataria 2 a escravidão 3 os crimes de guerra 4 os crimes contra a paz 5 os crimes contra a humanidade 6 o genocídio e 7 a tortura Nações Unidas Texto dos Princípios de Princeton sobre a Jurisdição Universal A56677 4 de dezembro de 2001 Princípio 2 332 Cf ONU Os Princípios de Princeton sobre a Jurisdição Universal A56677 4 de dezembro de 2001 Princípio 1 333 Cf Instituto de Direito Internacional Jurisdição penal universal em relação ao crime de genocício aos crimes contra a humanidade e aos crimenes de guerra 2005 Resolução da XVII Comissão na Sessão da Cracóvia par 3d Ver também ONU Relatório do SecretárioGeral à Assembleia Geral Alcance e aplicação do princípio da jurisdição universal A6693 20 de junho de 2011 Disponível em httpundocsorgspA6693 e ONU Relatório do SecretárioGeral à Assembleia Geral Alcance e aplicação do princípio da jurisdição universal A70125 1o de julho de 2015 Disponível em httpundocsorgspA70125 334 TPII Promotoria Vs Furundžija Sentença de 10 de dezembro de 1998 Causa No IT95171T par 156 77 universalidade possa ter em seus objetivos de política exterior335 299 Desde 1945 vários países deram início a julgamentos por crimes contra a humanidade em aplicação do princípio de jurisdição universal336 Por exemplo o Tribunal Constitucional Espanhol estabeleceu que o princípio de jurisdição universal em relação ao genocídio faz parte do direito internacional e gera obrigações para os Estados337 Da mesma maneira a Audiencia Nacional Espanhola admitiu a tramitação de denúncias por genocídio terrorismo e tortura cometidos na Guatemala entre 1978 e 1986 e também denúncias por suposto genocídio no Tibete embora tenha posteriormente arquivado essas causas338 Do mesmo modo no Caso Scilingo a Audiencia Nacional Espanhola detalhou a aplicação da jurisdição universal para crimes contra a humanidade a respeito de um cidadão argentino339 Na França340 na Itália341 e na Alemanha342 foram iniciadas e concluídas causas envolvendo crimes contra a humanidade 335 Cf TPII Promotoria Vs Furundžija Sentença de 10 de dezembro de 1998 Causa No IT95171T par 156 336 Ver também Comissão de Direito Internacional Primeiro relatório sobre os crimes contra a humanidade apresentado por Sean D Murphy Relator Especial ACN4680 17 de fevereiro de 2015 Disponível em httpundocsorgesACN4680 337 Tribunal Constitucional Espanhol Sentença de 26 de setembro de 2005 STC 2372005 fundamento jurídico 3 4 6 e 7 338 Tribunal Supremo Espanhol Sala Penal Sentença de Recurso de Cassação de 25 de fevereiro de 2003 Nº 8032001 Audiencia Nacional Sala Penal Apelação procedimento abreviado de 10 de janeiro de 2006 Nº 196005 339 Audiencia Nacional Sala Penal Seção Terceira Sentença de 19 de abril de 2005 No 162005 par 53 61 e 63 A razão da utilidade da existência dos crimes contra a humanidade é precisamente a de garantir sua persecução essencialmente pelas dificuldades extremas ou pela impossibilidade da persecução interna dessa classe de delito e o interesse da comunidade internacional em sua persecução e punição não sendo tão importante sua concreta tipificação que pode ficar aos cuidados dos direitos internos senão estabelecer um sistema internacional de persecução efetiva Definitivamente uma das características essenciais dos crimes contra a humanidade de nosso ponto de vista a que verdadeiramente os singulariza é sua perseguibilidade internacional além do princípio de territorialidade É certo que o mais neutro e menos complicado do ponto de vista das relações internacionais entre Estados é que seja um Tribunal Internacional geral ou ad hoc que os julgue no entanto o essencial reiteramos é que essa persecução internacional embora seja complementar ou subsidiária da interna inefetiva ou inexistente se produza de maneira que nesses casos atue uma jurisdicional nacional em substituição à internacional e exercendo as funções desta quando não se tenha podido produzir seja por inexistência seja por outra causa de atuação de um tribunal internacional o princípio de necessária persecução e de possibilidade de persecução internacional desses crimes continua indene razão pela qual é procedente Essencialmente há poucas diferenças de mérito ou substância entre uma e outra situação já que o que é determinante é a internacionalidade do delito e a necessidade assumida por parte da comunidade internacional de que seja perseguido e se a comunidade internacional não põe diretamente os meios e não revoga esses princípios básicos de convivência podese dizer que não só está consistindo de fato mas de iure essa atuação de jurisdições nacionais em atuação internacional A ação da jurisdição espanhola em atuação do princípio de universalidade foi determinada pela falta de atuação eficaz da justiça argentina que deu lugar a uma situação de impunidade dos responsáveis penais pelos fatos situação que de forma diferente do que ocorreu em outros países se tornou salvo caso fiquem definitivamente anuladas as leis de ponto final e obediência devida irreversíveis Nesse caso ademais se justifica complementarmente a atuação da jurisdição espanhola para a persecução penal de fatos pela existência de vítimas espanholas A existência dessas vítimas fica constatada no relato de fatos provados ao se tratar de pessoas que consta estiveram detidas na ESMA na época em que o acusado nela prestou serviços É certo que não consta exatamente que este tivesse nenhum tipo de relação direta com elas mas sim se viram diretamente afetadas pelos atos do acusado imbricados no tantas vezes indicado contexto de guerra suja organizada contra a subversão tradução da Secretaria 340 Entre outros Corte de Cassação da França Câmara Penal Inadmissibilidad de Recurso de Cassação de 3 de junho de 1998 Caso Klaus Barbie Nº recurso 8784240 341 Cf Caso do Capitão SS Erich Priebke Extraditado da Argentina para a Itália em 2 de novembro de 1995 Ver Tribunal Federal de Bariloche 31 de maio de 1995 e Câmara Federal de Apelações 23 de agosto de 1995 e Corte Suprema de Justiça da Nação 2 de novembro de 1995 Condenação final pelo Tribunal Militar de Roma em 22 de julho de 1997 A sentença declara que os crimes contra a humanidade são imprescritíveis reconhecidos como tal com base no jus cogens mesmo quando a Itália não havia ratificado a Convenção sobre Imprescritibilidade de 1968 342 Ver entre outros Tribunal Superior de Justiça de Düsseldorf Caso Nikola Jorgic Sentença de 26 de setembro de 1997 IV2696 2 StE 896 78 300 Nas Américas tribunais do México343 da Argentina344 dos Estados Unidos345 e do Canadá346 se pronunciaram sobre o tema no sentido de corroborar sua aplicação no âmbito penal Além disso normas internas da Bolívia347 do Equador348 de El Salvador349 e do Panamá350 assim como a Constituição da Argentina351 reconhecem esse princípio 301 O Brasil por sua vez se manifestou favoravelmente à jurisdição universal perante a Assembleia Geral das Nações Unidas Para o Brasil o objetivo da jurisdição universal é impedir a impunidade dos responsáveis por crimes sumamente graves previstos no direito internacional os quais por sua transcendência sacodem a consciência de toda a humanidade e violam normas imperativas do direito internacional Como fundamento da jurisdição sua natureza é excepcional em comparação com os princípios mais consolidados da territorialidade e da nacionalidade Apesar de o exercício da jurisdição corresponder 343 Cf Suprema Corte de Justiça da Nação Mandado em revisão Sentença de 10 de junho de 2003 Queixoso Ricardo Miguel Cavallo No 1402002 344 Cf Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina Recurso de Fato Sentença de 14 de junho de 2005 Caso Julio Héctor Simón e outros causa N 17768 Voto do Juiz Antonio Boggiano considerando 28 29 31 Que mesmo antes dessa jurisprudência internacional os crimes contra o direito das gentes eram proibidos pelo direito internacional consuetudinário e simultaneamente pelo texto de nossa Constituição Nacional A gravidade desses delitos pode dar fundamento à jurisdição universal como se infere do artigo 118 da Constituição Nacional que contempla os delitos contra o direito das gentes fora dos limites da Nação e ordena ao Congresso determinar por lei especial o lugar em que o processo deva ter sequência Isso pressupõe que esses crimes possam ser julgados na República e cabe entender também em outros Estados estrangeiros E além disso que esses crimes contra o direito internacional contra a humanidade e contra o direito das gentes por sua gravidade lesam a ordem internacional de maneira que não se pode ver nesse artigo 118 só uma norma de jurisdição mas substancialmente de reconhecimento da gravidade material daqueles delitos causa Nadel registrada em Sentenças 316567 dissidência do Juiz Boggiano Que segundo a teoria da jurisdição universal sem necessidade de julgar aqui as práticas estrangeiras comparadas esses delitos poderiam ser julgados ainda fora do país em que tivessem sido cometidos os delitos contra o direito internacional podem fundamentar a jurisdição universal de qualquer Estado segundo o costume internacional por violar uma norma de ius cogens de modo sistemático violando o direito internacional Que nessa hipótese poderia darse o caso de que esses crimes fossem julgados em algum ou alguns Estados estrangeiros e não na Argentina com o consequente desprezo da soberania jurisdicional de nosso país Tribunal Oral Criminal No1 de San Martín Sentença por Crimes Contra a Humanidade 12 de agosto de 2009 General Riveros e outros no caso de Floreal Edgardo Avellaneda e outros Em relação ao non bis in idem e à coisa julgada que também a Defesa propusera a Corte em Mazzeo afirmou que no Direito Internacional Humanitário os princípios de interpretação axiológicos adquírem plena preeminência tanto ao definir a garantia do ne bis in idem como da coisa julgada Isto porque na medida em que tanto os estatutos dos tribunais penais internacionais como os princípios que inspiram a jurisdição universal tendem a assegurar que não fiquem impunes fatos aberrantes Por isso sem prejuízo de dar prioridade às autoridades nacionais para levar a cabo os processos se tais processos locais se transformam em subterfúgios inspirados em impunidade a jurisdição subsidiária do direito penal internacional participa com um novo processo Recurso Ordinário de Apelação Sentença de 2 de novembro de 1995 Caso de Erich Priebke N1606394 considerando 4º e Voto coincidente do Juiz Julio S Nazareno e Eduardo Moline OConnor considerando 43 Que essa circunstância de modo algum significa que a incriminação internacional fique liberada à vontade dos estados particulares expressa convencionalmente pois isso é o instrumento de cristalização dos princípios e usos da consciência jurídica da sociedade mundial dos quais nenhum Estado poderia individualmente afastarse na medida em que a formulação do direito internacional geral estabelece na matéria uma descrição suficientemente acabada da conduta punível bem como que sua configuração merece uma punição de conteúdo penal Que o fato de que o legislador nacional não tenha implementado sanções penais adequadas para esse tipo de crime não prejudica a vigência dos demais compromissos assumidos no âmbito internacional em matéria de extradição uma vez que esse tipo de trâmite não tem por objeto determinar a culpabilidade ou inculpabilidade do indivíduo requerido mas somente estabelecer como já se recordou no considerando 12 se seu direito de permanecer no país deve ceder ante a solicitação de cooperação internacional formulada tradução da Secretaria 345 Corte de Apelações dos Estados Unidos Sexto Circuito Sentença de 31 de outubro de 1985 Demjanjuk v Petrowsky 776 F 2d 571 346 Corte Suprema do Canadá Sentença de 24 de março de 1994 R v Finta 1994 1 SCR 701 Corte Superior da Província de Québec Sala Penal Sentença de 22 de maio de 2009 Promotoria Vs Désiré Munyaneza caso No 50073002500052 347 Código Penal da Bolívia Lei N1768 de 10 de março de 1997 artigo 17 348 Código Orgânico Integral Penal da República do Equador Artigo 14 349 Código Penal del Salvador Lei N1030 de 26 de abril de 1997 artigo 10 350 Código Penal do Panamá Lei N14 de 18 de maio de 2007 artigo 19 351 Constituição da Nação Argentina Lei N24430 de 15 de dezembro de 1994 artigo 118 79 primordialmente ao Estado do território em virtude do princípio de igualdade soberana dos Estados a luta contra a impunidade quanto aos crimes mais graves é uma obrigação constante de numerosos tratados internacionais A jurisdição universal só deve ser exercida em plena conformidade com o direito internacional deve ser subsidiária da legislação nacional e limitarse a delitos específicos e não deve ser exercida de maneira arbitrária ou para atender a interesses alheios à justiça em especial objetivos políticos352 302 Tendo presentes os antecedentes mencionados supra a Corte Interamericana considera que ante a prática de crimes contra a humanidade a comunidade de Estados está facultada a aplicar a jurisdição universal de modo que se torne efetiva a proibição absoluta desses delitos estabelecida pelo direito internacional Sem prejuízo do exposto a Corte também reconhece que no atual estágio de desenvolvimento do direito internacional o uso da jurisdição universal é um critério de razoabilidade processual e políticocriminal e não uma ordenação hierárquica pois se deve favorecer a jurisdição territorial da prática do delito 303 Nesse sentido ao considerar o exercício de sua competência universal para investigar julgar e punir autores de crimes como os do presente caso os Estados devem cumprir determinados requisitos reconhecidos pelo direito internacional consuetudinário i que o delito passível de processo judicial seja um delito de direito internacional crimes de guerra crimes contra a humanidade crimes contra a paz escravidão genocídio ou tortura ii que o Estado onde se cometeu o crime não tenha demonstrado haver envidado esforços na esfera judicial para punir os responsáveis ou que seu direito interno impeça o início desses esforços em razão da aplicação de excludentes de responsabilidade e iii que não seja exercida de maneira arbitrária ou atenda a interesses alheios à justiça sobretudo objetivos políticos v Previsibilidadeprincípio de legalidade 304 A Corte tem presente que a legislação brasileira e sua interpretação por parte relevante do sistema judicial entendem a falta de tipificação expressa em lei como um obstáculo insuperável à investigação e punição dos atos que deram origem ao presente caso353 Sem prejuízo disso a Corte analisa o presente caso contencioso sob a ótica do direito internacional e de suas normas imperativas em situações que envolvem os mais graves crimes de Estado que infringem direitos inderrogáveis reconhecidos pelo direito internacional dos direitos humanos A Corte observa que no presente caso não se trata de um homicídio comum ou de um ato de tortura isolado mas da tortura e do assassinato de uma pessoa sob a custódia do Estado como parte de um plano estabelecido pelas mais altas autoridades do Estado com o objetivo de exterminar os opositores da ditadura Essa política não só foi extremamente violenta mas também se manifestou no acobertamento por parte de funcionários médicos peritos promotores e juízes entre outros que garantiram sua impunidade 305 Ante o argumento de insegurança jurídica pela aplicação do direito internacional sem 352 Nações Unidas Assembleia Geral Ata resumida da 12ª Sessão do Setuagésimo Período de Sessões AC670SR12 5 de novembro de 2015 par 62 Disponível em httpundocsorgesAC670SR12 O Brasil também confirmou que seus tribunais podem exercer a jurisdição universal sobre o crime de genocídio e sobre outros crimes como a tortura os quais o Estado está obrigado a reprimir em virtude de obrigações assumidas convencionalmente par 64 Não obstante salientou que Conforme o direito brasileiro é necessário promulgar leis nacionais para poder exercer a jurisdição universal a respeito de um tipo específico de delito não se pode exercer essa jurisdição com base exclusivamente no direito internacional consuetudinário sem violar o princípio de legalidade 353 A esse respeito ver peritagens de Maria Auxiliadora Minahim expediente de prova folhas 13987 a 14034 e de Alberto Zacharias Toron em audiência 80 uma norma correspondente interna convalidando essa figura é necessário salientar que todas as condutas adotadas contra Vladimir Herzog já eram proibidas no ordenamento jurídico brasileiro A tortura era proibida desde o Código Penal de 1940 pois esse mesmo código vigente no momento dos fatos estabelecia por exemplo os seguintes tipos penais que teriam sido cometidos no caso sub examine lesões corporais354 risco para a vida ou para a saúde de outro355 deixar de prestar assistência356 maustratos357 e homicídio qualificado358 A tortura era ademais considerada uma circunstância agravante de outros crimes no referido código penal artigo 61 II d359 Esses tipos penais além disso fazem parte da consciência jurídica nacional como o revelam as disposições de todos os códigos do Brasil independente Código Criminal do Império do Brasil artigo 192 em relação às agravantes gerais do artigo 16 seção I inciso 6 e artigo 17 incisos 2 3 e 4360 e Código Republicano artigo 294 em relação ao artigo 39 inciso 5 e artigo 41 incisos 2 e 3361 306 Para a Corte é absolutamente irrazoável sugerir que os autores desses crimes não eram conscientes da ilegalidade de suas ações e que eventualmente estariam sujeitos à ação da justiça Ninguém pode alegar que desconhece a antijuridicidade de um homicídio qualificado ou agravado ou da tortura aduzindo que desconhecia seu carácter de crime contra a humanidade pois a consciência de ilicitude que basta para a censura da culpabilidade não exige esse conhecimento o que só faz quanto à imprescritibilidade do delito bastando em geral que o agente conheça a antijuridicidade de sua conduta em especial frente à disposição restritiva da relevância do erro no artigo 16 do Código Penal brasileiro vigente no momento do fato A ignorância ou errada compreensão da lei não eximem de pena 307 Em atenção à proibição absoluta dos crimes de direito internacional e contra a 354 Código Penal Brasileiro de 1940 Artigo 129 Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem 355 Código Penal Brasileiro de 1940 Artigo 132 Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente 356 Código Penal Brasileiro de 1940 Artigo 135 Deixar de prestar assistência quando possível fazêlo sem risco pessoal à pessoa inválida ou ferida ao desamparo ou em grave e iminente perigo ou não pedir nesses casos o socorro da autoridade pública 357 Código Penal Brasileiro de 1940 Artigo 136 Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade guarda ou vigilância quer privandoa de alimentação ou cuidados indispensáveis quer sujeitandoa a trabalho excessivo ou inadequado quer abusando de meios de correção ou disciplina 358 Código Penal Brasileiro de 1940 Artigo 121 Homicídio qualificado 2 Se o homicídio é cometido I mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe II por motivo fútil III com emprego de veneno fogo explosivo asfixia tortura ou outro meio insidioso ou cruel ou de que possa resultar perigo comum IV à traição de emboscada ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido V para assegurar a execução a ocultação a impunidade ou vantagem de outro crime Pena reclusão de doze a trinta anos 359 Ver peritagem de Renato Sergio de Lima expediente de prova folhas 14153 e 14154 Relatório da Comissão Nacional da Verdade 2014 expediente de prova folha 808 360 Lei de 16 de dezembro de 1830 Código Penal do Império do Brasil Homicídio Art 192 Matar alguem com qualquer das circumstancias aggravantes mencionadas no artigo dezaseis numeros dous sete dez onze doze treze quatorze e dezasete Art 16 São circumstancias aggravantes 6º Haver no delinquente superioridade em sexo forças ou armas de maneira que o offendido não pudesse defenderse com probabilidade de repellir a offensa Art 17 Tambem se julgarão aggravados os crimes 2º Quando a dôr physica fôr augmentada mais que o ordinario por alguma circumstancia extraordinaria 3º Quando o mal do crime fôr augmentado por alguma circumstancia extraordinaria de ignominia 4º Quando o mal do crime fôr augmentado pela natureza irreparavel do damno Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leislimlim16121830htm Cf Araujo Filgueiras Junior Código Criminal do Império do Brazil annotado Rio de Janeiro 1876 pp 17 20 e 214 361 Decreto Nº 847 de 11 de outubro de 1890 Código Penal Art 294 Matar alguem Art 39 São circumstancias aggravantes 5º Ter o delinquente superioridade em sexo força ou armas de modo que o offendido não pudesse defenderse com probabilidade de repellir a offensa Art 41 Também se julgarão aggravados os crimes 2º Quando a dor physica for augmentada por actos de crueldade 3º Quando o mal do crime for augmentado ou por circumstancia extraordinaria de ignominia ou pela natureza irreparavel do damno Disponível em httpwww2camaralegbrleginfeddecret18241899decreto 84711outubro1890503086publicacaooriginal1pehtml Cf Alvarenga Netto Código Penal Brasileiro e leis penaes subsequentes Rio de Janeiro 1929 pp 35 36 e 141 81 humanidade no direito internacional a Corte coincide com os peritos RothArriaza e Mendez no sentido de que para os autores dessas condutas nunca foram criadas expectativas válidas de segurança jurídica posto que os crimes já eram proibidos no direito nacional e internacional no momento em que foram cometidos Além disso não há aplicação nem violação do princípio pro reo já que nunca houve uma expectativa legítima de anistia ou prescrição que desse lugar a uma expectativa legítima de finalidade362 A única expectativa efetivamente existente era o funcionamento do sistema de acobertamento e proteção dos verdugos das forças de segurança Essa expectativa não pode ser considerada legítima por esta Corte e suficiente para ignorar uma norma peremptória de direito internacional 308 Sem prejuízo do exposto a Corte reitera que a alegada falta de tipificação dos crimes contra a humanidade no direito interno não tem impacto na obrigação de investigar julgar e punir seus autores Isso porque um crime contra a humanidade não é um tipo penal em si mesmo mas uma qualificação de condutas criminosas que já eram estabelecidas em todos os ordenamentos jurídicos a tortura o seu equivalente e o assassinatohomicídio A incidência da qualificação de crime contra a humanidade a essas condutas tem como efeito impedir a aplicação de normas processuais excludentes de responsabilidade como consequência da natureza de jus cogens da proibição dessas condutas Não se trata de um novo tipo penal Portanto a Corte considera apropriada a postura do Ministério Público Federal brasileiro da dupla subsunção ou seja que o ato ilícito fosse previsto tanto na norma interna como no direito internacional No caso dos crimes internacionais ou contra a humanidade o elemento internacional se refere ao contexto de ataque planejado massivo ou sistemático contra uma população civil Esse segundo elemento proveniente do direito internacional é o que justifica a não aplicação de excludentes de responsabilidade par 229 a 231 supra 309 O Tribunal Europeu de Direitos Humanos se pronunciou nesse mesmo sentido363 afirmando que levando em conta o caráter flagrantemente ilegal dos maustratos e assassinatos ocorridos em 1944 o peticionário poderia ter previsto que os atos impugnados poderiam ser qualificados como crimes de guerra e que independentemente da tipicidade no direito interno não é possível ignorar a ilegalidade dos crimes contra a humanidade364 O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas também declarou a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade365 A mesma conclusão mutatis mutandi se aplica aos crimes contra a humanidade face à gravidade das condutas adotadas contra Vladimir Herzog e o contexto no qual tiveram lugar 310 Com base em todas as considerações anteriormente expostas a Corte considera que o Estado não pode alegar a inexistência de normas internas ou a incompatibilidade do direito interno para não cumprir uma obrigação internacional imperativa e inderrogável O Tribunal considera que o Estado deixou de garantir um recurso judicial efetivo para investigar julgar e punir os responsáveis pela detenção tortura e morte de Vladimir Herzog B5 Conclusão 311 No presente caso o Tribunal conclui que não foi exercido o controle de convencionalidade pelas autoridades jurisdicionais do Estado que encerraram a investigação 362 Peritagem de Naomi RothArriaza expediente de prova folha 13957 363 TEDH Caso Kononov Vs Letônia No 3637604 Sentença de 17 de maio 2010 364 TEDH Caso Kolk e Kislyiy Vs Estônia Nos 2305204 e 2401804 Decisão de inadmissibilidade de 17 de janeiro de 2006 e Caso Vasiliauskas Vs Lituânia GS No 3534305 Sentença de 20 de outubro de 2015 par 167 168 170 e 172 365 Observações finais do Comitê de Direitos Humanos Espanha CCPRCESPCO5 de 5 de janeiro de 2009 par 9 Disponível em httpundocsorgesCCPRCESPCO5 82 em 2008 e 2009 Do mesmo modo em 2010 a decisão do Supremo Tribunal Federal confirmou a validade da interpretação da Lei de Anistia sem considerar as obrigações internacionais do Brasil decorrentes do direito internacional particularmente as dispostas nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo instrumento A Corte julga oportuno recordar que a obrigação de cumprir as obrigações internacionais voluntariamente contraídas corresponde a um princípio básico do direito sobre a responsabilidade internacional dos Estados respaldado pela jurisprudência internacional e nacional segundo a qual aqueles devem acatar suas obrigações convencionais internacionais de boafé pacta sunt servanda Como já salientou esta Corte e conforme dispõe o artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 os Estados não podem por razões de ordem interna descumprir obrigações internacionais As obrigações convencionais dos Estados Partes vinculam todos os seus poderes e órgãos os quais devem garantir o cumprimento das disposições convencionais e seus efeitos próprios effet utile no plano de seu direito interno366 312 Com base nas considerações acima a Corte Interamericana conclui que em razão da falta de investigação bem como de julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e pelo assassinato de Vladimir Herzog cometidos num contexto sistemático e generalizado de ataques à população civil o Brasil violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 81 e 251 da Convenção Americana em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo instrumento e em relação aos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura em detrimento de Zora Clarice André e Ivo Herzog A Corte conclui também que o Brasil descumpriu a obrigação de adequar seu direito interno à Convenção constante do artigo 2 em relação aos artigos 81 25 e 11 do mesmo tratado e aos artigos 1 6 e 8 da CIPST em virtude da aplicação da Lei de Anistia No 668379 e de outras excludentes de responsabilidade proibidas pelo direito internacional em casos de crimes contra a humanidade de acordo com os parágrafos 208 a 310 da presente Sentença VII2 DIREITO A CONHECER A VERDADE Artigos 8 e 25 da Convenção Americana A Alegações das partes e da Comissão 313 A Comissão afirmou que não são necessárias a análise em separado e a determinação de uma violação autônoma dos artigos 4 5 7 e 13 da Convenção Americana por descumprimento do dever de garantir a verdade para a Comissão esse direito já se encontra protegido pelos artigos 81 e 25 314 Não obstante sustentou que o direito à verdade não pode ser restringido entre outras formas por meio de medidas legislativas como a expedição de leis de anistia a prescrição ou a coisa julgada 366 Cf Responsabilidade Internacional por Expedição e Aplicação de Leis Violatórias da Convenção artigos 1 e 2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Parecer Consultivo OC 1494 de 9 de dezembro de 1994 Série A No 14 par 35 Caso do Presídio Miguel Castro Castro Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de novembro de 2006 Série C No 160 par 394 e Caso Zambrano Vélez e outros Vs Equador Mérito Reparações e Custas Sentença de 4 de julho de 2007 Série C No 166 par 104 Do mesmo modo cf Caso Castillo Petruzzi e outros Vs Peru Cumprimento de Sentença Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 17 de novembro de 1999 Série C No 59 Considerando 3 Caso De la Cruz Flores Vs Peru Supervisão de Cumprimento de Sentença Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 1o de setembro de 2010 Considerando 3 e Caso Tristán Donoso Vs Panamá Supervisão de Cumprimento de Sentença Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 1o de setembro de 2010 Considerando 5 83 315 Os representantes afirmaram que o Estado é responsável pela violação do direito à verdade na medida em que ocultou informação relevante sobre o caso e não estabeleceu os processos ou os mecanismos necessários para esclarecer a verdade sobre o ocorrido Salientaram que o direito à verdade apresenta duas dimensões uma individual que salvaguarda os direitos das vítimas e dos familiares e uma coletiva que protege o direito da sociedade de conhecer a verdade ter acesso à informação e reconstruir a memória coletiva Propuseram que esse direito seja entendido como um direito autônomo e independente No seu entender apesar de não estar expressamente previsto na Convenção esse direito se depreende do conjunto de proteções consagradas nos artigos 11 5 8 13 e 25 da Convenção Americana 316 Segundo os representantes a violação do direito à verdade teve lugar porque o Estado a publicou uma versão falsa da morte de Herzog b sistematicamente negou acesso aos documentos militares e c permitiu a impunidade como obstáculo para conhecer a verdade 317 Com respeito à divulgação da falsa versão da morte de Herzog os representantes afirmaram que a versão amplamente divulgada de sua morte foi o suicídio com uma foto destinada a apoiar essa versão Do atestado de óbito de Herzog constava como causa mortis a asfixia mecânica por enforcamento Somente em 2013 a causa mortis foi modificada para lesões e maustratos sofridos enquanto era interrogado no DOICODISP A reiteração dessa versão falsa por anos causou grande sofrimento à família de Herzog 318 Com respeito à ocultação de arquivos militares ressaltaram que a CNV afirmou que essa circunstância constitui um obstáculo à elucidação das mortes Acrescentaram que outro obstáculo foi a ocultação sistemática de informação sobre os crimes pela resistência das Forças Armadas em abrir seus arquivos de informação o que se observou inclusive no período democrático constitucional depois de 1988 e durante a vigência da CNV 2012 2014 319 Sustentaram que a postura do Estado de não prestar informação para não reabrir feridas viola o direito à verdade Declararam que não é possível conforme afirmou a AGU ao negar informação ao MPF que não exista documentação alguma sobre as pessoas que estiveram detidas ou morreram no DOICODISP 320 Além disso ressaltaram que a Ação Civil Pública iniciada pelo Ministério Público tinha como um de seus objetivos a declaração da obrigação das Forças Armadas de entregar todos os documentos referentes ao DOICODI do II Exército que estejam em seu poder petição que se fundamenta no fato de que até a presente data o Exército brasileiro não trouxe ao conhecimento público os arquivos e as informações para que sejam conhecidas todas as circunstâncias e todos os responsáveis pelos ilícitos praticados naquele órgão federal Salientaram ademais que o Ministério Público declarou que as Forças Armadas obstruíram o acesso a praticamente todas as informações sobre as atividades do DOICODI do II Exército 321 Com respeito à impunidade como obstáculo para conhecer a verdade os representantes admitiram a importância histórica e informativa dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade No entanto salientaram que essa verdade histórica não completa nem substitui a obrigação estatal de estabelecer a verdade por meios processuais 322 Salientaram também que a elucidação dos autores e das circunstâncias que cercaram a prática dos delitos é imprescindível já que a verdade é por sua própria conta um componente integral da prestação de justiça e não só um mero subproduto dos julgamentos 84 ou de outras medidas persecutórias 323 Nesse sentido os representantes entenderam que a sistemática recusa por parte do Estado brasileiro a entregar os documentos militares que poderiam esclarecer as circunstâncias da morte de Herzog e identificar os responsáveis materiais e intelectuais constitui uma violação do direito à verdade e uma obstrução do direito à justiça em violação dos artigos 5 8 13 25 da Convenção Americana em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento 324 O Estado com respeito à divulgação de uma falsa versão sobre a morte de Herzog afirmou que a sentença na ação declaratória de 1976 já havia atestado que não estava comprovada a versão do suicídio Nesse mesmo sentido a própria solicitação de instauração de um inquérito policial feita em 1992 levando em conta os termos da sentença declaratória mostra que a versão do suicídio já não era considerada pelas autoridades estatais Salientou que a retificação do atestado de óbito no ano de 2013 não significa que a versão estatal sobre o suicídio tenha continuado até essa data e que em 2012 na resposta do Estado à Comissão sobre a admissão da petição no presente caso reconheceu a responsabilidade pela morte e prisão arbitrária de Vladimir Herzog 325 Com respeito à falta de acesso aos arquivos militares o Estado afirmou que não são fatos que tenham sido apresentados pela Comissão razão pela qual não devem ser objeto de análise pela Corte sendo ademais acusações genéricas Apesar disso o Estado esclareceu que foi conduzido um procedimento investigativo no âmbito das Forças Armadas com a finalidade de determinar a irregularidade na destruição de documentos públicos do período de 1964 a 1990 o qual chegou à conclusão de que não houve irregularidades Ressaltou que é impossível para o Estado produzir prova negativa no sentido de que não se estão ocultando arquivos e que em todo caso isso não é aplicável ao caso de Vladimir Herzog pois as circunstâncias de sua morte vêm sendo esclarecidas com base na atuação do poder judiciário na ação declaratória de 1976 passando pela análise efetuada pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e culminando com o relatório da Comissão Nacional da Verdade Ademais não houve esgotamento dos recursos internos por parte dos peticionários já que não foi interposta a ação de habeas data 326 Com respeito à impunidade como obstáculo para conhecer a verdade entendeu que esse direito fica incluído no direito da vítima e dos familiares de obter dos órgãos competentes do Estado o esclarecimento sobre os fatos e as responsabilidades ou seja o direito de acesso à justiça Não obstante o Estado afirmou que adotou diversas medidas com a finalidade de obter a verdade sobre o ocorrido 327 O Estado alegou que se infere do artigo 2 da Convenção que a adoção de políticas públicas administrativas ou legislativas deve ser confiada primeiramente aos representantes eleitos democraticamente pelo povo que por sua vez estão sujeitos à lei interna e à Constituição Por esse motivo solicitou que esta Corte reconheça que o Estado tem o direito de exercer essas políticas de acordo com a margem racional de apreciação à luz do artigo 2 da Convenção com a devida discricionariedade para acolher os meios mais adequados para atribuir efetividade aos direitos protegidos na Convenção Salientou que o reconhecimento dessa flexibilidade não afetaria o Sistema Interamericano já que esta Corte poderia mediante o controle de convencionalidade avaliar e censurar as medidas adotadas pelo Estado B Considerações da Corte 328 Este Tribunal considera pertinente recordar que em conformidade com sua 85 jurisprudência constante toda pessoa inclusive os familiares das vítimas de graves violações de direitos humanos tem o direito de conhecer a verdade Por conseguinte os familiares das vítimas e a sociedade devem ser informados de todo o ocorrido com relação a essas violações367 Embora o direito de conhecer a verdade tenha sido incluído fundamentalmente no direito de acesso à justiça368 aquele tem uma natureza ampla e sua violação pode afetar diferentes direitos consagrados na Convenção Americana369 dependendo do contexto e das circunstâncias particulares do caso Nesse sentido a Corte reitera que esse direito consta dos artigos 11 81 25 e é por eles protegido assim como em determinadas circunstâncias o artigo 13 da Convenção370 tal como ocorreu no caso Gomes Lund e outros Vs Brasil 329 No presente caso o Tribunal observa que as alegações relativas à suposta violação do direito à verdade teriam duas vertentes principais i a alegada violação desse direito em razão da impunidade em que se encontra a detenção tortura e execução de Vladimir Herzog bem como pela divulgação de uma versão falsa dos fatos e ii a suposta falta de acesso aos arquivos do DOICODISP 330 O Tribunal constata que com efeito o Brasil envidou diversos esforços para atender ao direito à verdade das vítimas do presente caso e da sociedade em geral A Corte avalia positivamente a criação e os respectivos relatórios da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos bem como da Comissão Nacional da Verdade Este Tribunal considerou anteriormente que esse tipo de esforço contribui para a construção e preservação da memória histórica para o esclarecimento de fatos e para a determinação de responsabilidades institucionais sociais e políticas em determinados períodos históricos de uma sociedade371 Sem prejuízo do exposto em conformidade com a jurisprudência constante deste Tribunal372 a verdade histórica que possa resultar desse tipo de esforço de nenhuma forma substitui ou dá por atendida a obrigação do Estado de estabelecer a verdade e assegurar a determinação judicial de responsabilidades individuais por meio dos processos judiciais penais373 367 Cf Caso Trujillo Oroza Vs Bolívia Reparações e Custas Sentença de 27 de fevereiro de 2002 Série C No 92 par 100 e Caso Vereda La Esperanza Vs Colômbia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2017 Série C No 341 par 220 368 Cf inter alia Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Mérito par 181 Caso Bámaca Velásquez Vs Guatemala Mérito par 201 Caso Barrios Altos Vs Peru Mérito Sentença de 14 de março de 2001 Série C N0 75 par 48 Caso Almonacid Arellano e outros Vs Chile Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de setembro de 2006 Série C No 154 par 148 Caso La Cantuta Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 29 de novembro de 2006 Série C No 162 par 222 Caso Heliodoro Portugal Vs Panamá par 243 e 244 Caso Kawas Fernández Vs Honduras par 117 Caso Membros da Aldeia Chichupac e comunidades vizinhas do Município de Rabinal Vs Guatemala par 260 e Caso Vereda La Esperanza Vs Colômbia par 220 369 Nesse sentido em seu estudo sobre o direito de conhecer a verdade o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos constatou que diferentes declarações e instrumentos internacionais reconheceram o direito de conhecer a verdade vinculado ao direito de obter e solicitar informação ao direito à justiça ao dever de combater a impunidade frente às violações de direitos humanos ao direito a um recurso judicial efetivo e ao direito à vida privada e familiar Cf Relatório do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos Estudo sobre o direito à verdade UN Doc ECN4200691 de 8 de fevereiro de 2006 370 Cf Caso Gelman Vs Uruguai par 243 e Caso Osorio Rivera e familiares Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de novembro de 2013 Série C No 274 par 220 e Caso Rodríguez Vera e outros Desaparecidos do Palácio da Justiça Vs Colômbia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 14 de novembro de 2014 Série C No 287 par 511 371 Caso Zambrano Vélez e outros Vs Equador Mérito Reparações e Custas Sentença de 4 de julho de 2007 Série C No 166 par 128 e Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 297 372 Caso Almonacid Arellano e outros Vs Chile par 150 Caso Chitay Nech e outros Vs Guatemala Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de maio de 2010 Série C No 212 par 234 Caso Radilla Pacheco Vs México Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de novembro de 2009 Série C No 209 par 179 e Caso Membros da Aldeia Chichupac e comunidades vizinhas do Município de Rabinal Vs Guatemala par 287 373 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 297 e Caso Membros da Aldea Chichupac e comunidades vizinhas do Município de Rabinal Vs Guatemala par 287 86 331 A Corte considera que há diversos motivos que explicam a importância de que se apurem as responsabilidades individuais por graves violações de direitos humanos Por um lado as comissões da verdade não são instituições judiciais e por motivo algum devem assumir esse tipo de função Embora as comissões possam identificar os responsáveis não devem arrogarse a autoridade de decidir sobre a responsabilidade penal de pessoas pois se corre o risco de violar direitos fundamentais tais como a presunção de inocência e inclusive o direito à vida privada das vítimas374 332 Além disso o Tribunal considera que esses processos judiciais têm um papel significativo na reparação das vítimas que passam de sujeitos passivos diante do poder público a pessoas que reclamam direitos e participam dos processos nos quais se definem o conteúdo a aplicação e a força da lei375 ou seja os processos judiciais trazem consigo um reconhecimento das vítimas como titulares de direitos376 Atender ao direito à verdade dessa forma faculta à vítima a seus familiares e ao público em geral buscar e obter toda a informação pertinente relativa à prática da violação377 e em casos como o presente o processo mediante o qual se autorizou oficialmente essa violação 333 Esta Corte se referiu a este tema em particular de maneira expressa no caso Gomes Lund e outros Vs Brasil Naquela oportunidade o Tribunal estabeleceu que em casos de graves violações de direitos humanos e na hipótese tratarse da investigação de um fato eventualmente punível a decisão de qualificar como secreta a informação e de impedir que esta seja prestada jamais pode depender exclusivamente de um órgão estatal a cujos membros se atribui a prática desse ilícito 334 Além disso o Tribunal considerou também que toda recusa de prestar informação deve ser motivada e fundamentada cabendo ao Estado o ônus da prova referente à impossibilidade de revelar a informação e que diante da dúvida ou do vazio legal deve primar o direito de acesso à informação Por outro lado a Corte recorda o disposto sobre a obrigação das autoridades estatais de não se amparar em mecanismos como o sigilo de Estado ou a confidencialidade da informação em casos de violações de direitos humanos378 Do mesmo modo tampouco pode ficar à sua discrição a decisão final sobre a existência da documentação solicitada379 335 Nesse sentido a Corte observa que não foi senão no final do ano de 2007 que o Estado finalmente divulgou a verdade extrajudicial dos fatos com a publicação do relatório da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos Até esse ano as instituições do Estado em especial o exército sustentaram uma versão dos fatos cuja falsidade havia sido estabelecida judicialmente desde 1978 quando foi emitida a sentença da Ação Declaratória par 132 a 134 supra A Corte também constata que os familiares das vítimas conseguiram em 2013 uma retificação da causa mortis no atestado de óbito de Vladimir Herzog Isso implica que foram necessários 15 anos desde o reconhecimento da competência contenciosa da Corte para que os familiares do senhor Herzog deixassem de suportar ainda que formalmente manifestações do poder público que negavam a 374 ONU Relatório do Relator Especial sobre a Promoção da Verdade da Justiça da Reparação e das Garantias de Não Repetição A67368 13 de setembro de 2012 par 72 375 ONU Relatório do Relator Especial sobre a Promoção da Verdade da Justiça da Reparação e das Garantias de Não Repetição A67368 13 de setembro de 2012 par 66 376 ONU Relatório do Relator Especial sobre a Promoção da Verdade da Justiça da Reparação e das Garantias de Não Repetição AHRC2756 27 de agosto de 2014 par 22 377 ONU Relatório do Relator Especial sobre a Promoção da Verdade da Justiça da Reparação e das Garantias de Não Repetição AHRC2442 28 de agosto de 2013 par 20 378 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 230 379 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasi par 202 87 verdade dos fatos e pior ainda forjavam uma falsidade 336 No presente caso a Corte observa ademais que a CNV380 fez constar que um dos obstáculos à averiguação da verdade foi a recusa do exército em liberar o acesso a seus arquivos alegando que haviam sido destruídos 337 Em conformidade com o princípio de boafé no acesso à informação o Tribunal considera que o Estado não pode eximirse de suas obrigações positivas de garantir o direito à verdade e o acesso aos arquivos públicos alegando simplesmente que a informação foi destruída Pelo contrário o Estado tem a obrigação de buscar essa informação por todos os meios possíveis Para cumprir esse dever o Estado deve envidar esforços substantivos e destinar todos os recursos necessários para reconstruir a informação que supostamente foi destruída381 Assim por exemplo os Estados devem permitir que juízes promotores e outras autoridades independentes de investigação realizem visitas in loco aos arquivos militares e de inteligência Garantir esse tipo de ação é especialmente imperativo quando as autoridades responsáveis negaram a existência de informação crucial para o curso da averiguação da verdade e da identificação dos supostos responsáveis por graves violações de direitos humanos desde que haja razões que permitam pensar que essa informação pode existir A Corte considera que todo o acima exposto faz parte da obrigação positiva do Estado de preservar os arquivos e outras provas relativas a graves violações de direitos humanos382 como forma de garantir o direito ao livre acesso à informação em sua dimensão tanto coletiva como individual 338 Levando em conta o exposto além do constatado no Capítulo VII1 e ante as circunstâncias mencionadas supra a Corte considera que no presente caso o Brasil violou o direito das vítimas de conhecer a verdade pois não esclareceu judicialmente os fatos violatórios do presente caso e não apurou as respectivas responsabilidades individuais em relação à tortura e ao assassinato de Vladimir Herzog por meio da investigação e do julgamento desses fatos na jurisdição ordinária em conformidade com os artigos 8 e 25 da Convenção Esse direito também foi violado por vários anos dentro da competência da Corte sem que a versão do suicídio do senhor Herzog fosse aceita oficialmente pelo Estado somada à recusa do exército de prestar informação e de permitir o acesso aos arquivos militares da época dos fatos 339 Finalmente o Tribunal nota que apesar dos esforços envidados por entidades estatais para ter acesso aos arquivos militares do DOICODI sua existência foi negada sistematicamente par 318 supra Em especial a Corte observa que os representantes alegaram que se configurou uma violação ao artigo 13 da Convenção pelas recusas ocorridas no âmbito do processo de Ação Civil Pública ACP par 320 supra Não obstante a Corte reitera seu critério no caso Gomes Lund quanto a que se trata de uma ação que não podia ser interposta pelas vítimas razão pela qual o Tribunal considera que não pode analisar a garantia do direito dos familiares de buscar e receber informação por meio desse processo judicial Por esse motivo não fará considerações adicionais a esse respeito383 Sem prejuízo do exposto a Corte lembra que compete ao Estado a obrigação positiva de garantir o acesso à informação e aos arquivos públicos conforme os princípios de boafé e máxima 380 Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 28 29 63 64 639 expediente de prova folhas 1533 1534 593 594 2144 381 CIDH O Direito de Acesso à Informação no Marco Jurídico Interamericano OEASerLVII CIDHRELEINF 912 7 de março de 2011 par 92 382 ONU Comissão de Direitos Humanos Relatório de Diane Orentlicher perita independente encarregada de atualizar o conjunto de princípios para a luta contra a impunidade Conjunto de princípios atualizado para a proteção e a promoção dos direitos humanos mediante a luta contra a impunidade ECN42005102Add1 8 de fevereiro de 2005 Princípio 3 383 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 216 88 divulgação Este último estabelece a presunção de que toda informação é acessível com sujeição a um sistema restrito de exceções384 VII3 DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL Artigo 51385 da Convenção Americana A Alegações das partes e da Comissão 340 A Comissão ressaltou que os familiares de vítimas de certas violações de direitos humanos podem ser considerados por sua vez vítimas vendo afetadas sua integridade psíquica e moral o que pode se agravar ante a ausência de recursos efetivos Entendeu que as consequências da violência e da impunidade podem ter um efeito particularmente prejudicial nos familiares das vítimas que eram menores de idade 341 Ressaltou também que no presente caso existe uma presunção juris tantum que permite presumir um dano à integridade psíquica e moral dos familiares de Vladimir Herzog Observou ademais que o Estado divulgou informações falsas sobre as circunstâncias de sua morte o que gerou um impacto particularmente grave na integridade psíquica e moral dos familiares 342 Em especial afirmou que Clarice Herzog experimentou intensos sentimentos de angústia temor e apreensão do momento em que seu esposo foi informado que seria detido até a presente data Do mesmo modo salientou que o grave dano a esse direito é evidente nos casos de Ivo e André Herzog filhos do jornalista que tinham nove e sete anos de idade respectivamente na época dos fatos 343 A Comissão concluiu que o Estado violou o direito à integridade psíquica e moral previsto no artigo 51 da Convenção Americana em relação às obrigações estabelecidas no artigo 11 do mesmo instrumento em detrimento de Zora Herzog falecida em 18 de novembro de 2006 Clarice André e Ivo Herzog 344 Os representantes ressaltaram que a partir das circunstâncias dos fatos denunciados é possível concluir que houve danos à integridade psíquica e moral de Zora Clarice Herzog André e Ivo Herzog 345 Nesse mesmo sentido salientaram o clima de terror e intimidação provocado pelo contexto sistemático de violações incentivado e tolerado pelas autoridades do Estado e acrescentaram que Clarice foi ameaçada de morte em reiteradas ocasiões 346 Salientaram também que Zora Herzog faleceu em 2006 sem ver atendido seu direito de conhecer a verdade e obter justiça Quanto a esse aspecto Clarice Herzog se referiu a quanto foi doloroso conviver com a falsa versão sobre a morte de seu esposo por tempo tão prolongado tanto para ela como para a mãe e os filhos de Vladimir Herzog e que o sofrimento dos familiares por não haver visto justiça permanece até o dia de hoje Seus filhos se manifestaram no mesmo sentido Ivo Herzog declarou que a luta por memória verdade e justiça representou um peso que carregam uma responsabilidade uma cicatriz irreparável que os diferencia das demais pessoas André Herzog enfatizou que a perda de seu pai trouxe à família múltiplas consequências na esfera de suas relações pessoais e 384 Caso Claude Reyes e outros Vs Chile Mérito Reparações e Custas Sentença de 19 de setembro de 2006 Série C No 151 par 92 385 Artigo 5 Direito à Integridade Pessoal 1 Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física psíquica e moral 89 afetivas e expressou a dor a exposição e o ônus que representava para toda a família cada nova ação judicial promovida em busca de verdade e justiça 347 Os representantes concluíram que todos esses fatos considerados em conjunto causaram aos familiares de Vladimir Herzog sentimentos lesivos a sua integridade psíquica e emocional caracterizando a responsabilidade internacional do Estado pela violação do artigo 5 em relação ao 11 da Convenção Americana em detrimento de Zora Clarice André e Ivo Herzog 348 O Estado reconheceu que a conduta estatal de prisão arbitrária tortura e morte de Vladimir Herzog impôs aos familiares uma dor intensa reconhecendo portanto sua responsabilidade pela violação do artigo 51 da Convenção Americana Não obstante o Estado afirmou que envidou múltiplos esforços com o propósito de reparar os danos sofridos 349 O Estado entendeu que embora todas as violações de direitos humanos possam deixar resultados nefastos no ser humano isso não significa que todas as violações de direitos reconhecidos pela Convenção impliquem uma violação do artigo 5 Salientou que a suposta falta de proteção judicial não caracteriza uma violação do artigo 5 Concluiu que se a falta de proteção judicial não está prevista no artigo 5 a pretendida violação da norma não pode ser constatada pois se estaria criando uma hipótese não prevista na Convenção 350 Ressaltou que ainda que se possa entender que a negação da verdade viola o artigo 5 da Convenção isso não ocorre no presente caso pois grande parte da informação que as partes apresentaram com respeito à privação de liberdade tortura e morte de Vladimir Herzog foi recolhida justamente em procedimentos e publicações realizados pelo próprio Estado Tudo isso com o objetivo de tentar suprimir a eventual angústia que poderia ser provocada pela ausência de responsabilidade criminal Ressaltou também que no presente caso não se trata de uma pessoa desaparecida da qual não se conhece o destino B Considerações da Corte 351 Esta Corte considerou em numerosos casos que os familiares das vítimas de violações de direitos humanos podem ser por sua vez vítimas386 Nesse sentido o Tribunal considerou violado o direito à integridade psíquica e moral de familiares de vítimas por motivo do sofrimento adicional por que passaram como resultado das circunstâncias particulares das violações cometidas contra seus seres queridos e em virtude das posteriores ações ou omissões das autoridades estatais frente aos fatos387 Do mesmo modo em casos que supõem uma violação grave de direitos humanos como massacres388 desaparecimentos forçados de pessoas389 execuções extrajudiciais390 ou tortura391 a Corte 386 Cf Caso Castillo Páez Vs Peru Mérito Sentença de 3 de novembro de 1997 Série C No 34 ponto resolutivo quarto e Caso Vereda La Esperanza Vs Colômbia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2017 Série C No 341 par 249 387 Cf Caso Blake Vs Guatemala Mérito Sentença de 24 de janeiro de 1998 Série C No 36 par 114 e Caso Vereda La Esperanza Vs Colômbia par 249 388 Cf Caso do Massacre de Mapiripán Vs Colômbia Mérito Reparações e Custas Sentença de 15 de setembro de 2005 Série C No 134 par 146 389 Cf Caso Blake Vs Guatemala Mérito par 114 e Caso Comunidade Camponesa de Santa Bárbara Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 1o de setembro de 2015 Série C No 299 par 274 390 Cf Caso La Cantuta Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 29 de novembro de 2006 Série C No 162 par 218 e Caso Cruz Sánchez e outros Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 17 de abril de 2015 Série C No 292 par 444 391 Cf Caso Espinoza Gonzáles Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 20 de novembro de 2014 Série C No 289 par 297 90 considerou que a Comissão ou os representantes não necessitam provar a violação da integridade pessoal já que opera uma presunção juris tantum392 Dessa forma caberia ao Estado desvirtuála393 caso considere que a citada ofensa não ocorreu 352 Essa presunção é aplicada pela Corte a respeito de familiares diretos como mães e pais filhas e filhos esposos e esposas companheiros e companheiras permanentes sempre que isso atenda às circunstâncias particulares do caso394 353 Sem prejuízo do exposto a Corte constata que não tem competência temporal para decidir sobre a alegada violação à integridade pessoal dos familiares próximos de Vladimir Herzog por motivo direto de sua tortura e assassinato Assim a citada presunção juris tantum não pode ser reconhecida no presente caso razão pela qual a Corte terá de analisar a prova testemunhal e pericial apresentada no presente litígio para confirmar o dano alegado 354 O Tribunal constata a partir do acervo probatório395 que a existência e a divulgação de uma versão falsa da detenção tortura e execução de Vladimir Herzog geraram um dano à integridade de todo o seu núcleo familiar Além disso os esforços infrutíferos dos familiares por conseguir reivindicar judicialmente seus direitos lhes causou angústia e insegurança além de frustração e sofrimento Isso a juízo do Tribunal também constitui dano à sua integridade psíquica e moral 355 Além disso a falta de investigação a respeito da morte de seu familiar provocou nos demais membros da família de Vladimir Herzog dano à integridade psíquica e moral inclusive uma extrema angústia e insegurança além de frustração e sofrimento que perduram até a atualidade A falta de identificação e punição dos responsáveis fez com que a angústia permanecesse por anos sem que as vítimas se sentissem protegidas ou reparadas396 356 A Corte observa ademais que o Estado embora tenha apresentado algumas alegações jurídicas sobre esse aspecto não apresentou prova alguma ou alegações que buscassem desvirtuar a prova apresentada pelos representantes 357 Em vista do exposto este Tribunal considera demonstrado que em consequência da falta de verdade investigação julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e pelo assassinato de Vladimir Herzog os familiares diretos da vítima padeceram um profundo sofrimento e angústia em detrimento de sua integridade psíquica e moral 358 Desse modo levando em consideração as circunstâncias do presente caso o Tribunal conclui que o Estado violou o direito à integridade pessoal previsto no artigo 51 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento em prejuízo de Zora Herzog Clarice Herzog Ivo Herzog e André Herzog 392 Caso Ruano Torres e outros Vs El Salvador Mérito Reparações e Custas Sentença de 5 de outubro de 2015 Série C No 303 par 177 393 Cf Caso Valle Jaramillo e outros Vs Colômbia Mérito Reparações e Custas Sentença de 27 de novembro de 2008 Série C No 192 par 119 e Caso Vereda La Esperanza Vs Colômbia par 249 394 Caso Valle Jaramillo e outros Vs Colômbia par 119 e Caso Vereda La Esperanza Vs Colômbia par 249 395 Declaração de Ivo Herzog expediente de prova folhas 14036 a 14045 declaração de André Herzog expediente de prova folhas 14575 a 14583 declaração de Clarice Herzog durante a audiência e peritagem de Ana C Deutsch expediente de prova folhas 14183 a 14913 396 Declaração de Ivo Herzog expediente de prova folhas 14036 a 14045 declaração de André Herzog expediente de prova folhas 14575 a 14583 declaração de Clarice Herzog durante a audiência e peritagem de Ana C Deutsch expediente de prova folhas 14183 a 14913 91 VIII REPARAÇÕES Aplicação do artigo 631 da Convenção Americana 359 Com base no disposto no artigo 631 da Convenção Americana397 a Corte destacou que toda violação de uma obrigação internacional que tenha causado danos compreende o dever de reparálo adequadamente e que essa disposição abriga uma norma consuetudinária que constitui um dos princípios fundamentais do Direito Internacional contemporâneo sobre responsabilidade de um Estado398 360 A reparação do dano ocasionado pela infração de uma obrigação internacional exige sempre que possível a plena restituição restitutio in integrum que consiste no restabelecimento da situação anterior Caso isso não seja viável como ocorre na maioria dos casos de violações de direitos humanos o Tribunal determinará medidas para garantir os direitos violados e reparar as consequências que as infrações provocaram399 361 Este Tribunal estabeleceu que as reparações devem ter um nexo causal com os fatos do caso as violações declaradas e os danos comprovados bem como com as medidas solicitadas para reparar os danos respectivos Portanto a Corte deverá observar essa simultaneidade para pronunciarse devidamente e conforme o direito400 362 Em consideração às violações declaradas no capítulo anterior o Tribunal passará a analisar as pretensões apresentadas pela Comissão e pelos representantes das vítimas assim como os argumentos do Estado à luz dos critérios fixados na jurisprudência da Corte em relação à natureza e ao alcance da obrigação de reparar com o objetivo de dispor as medidas destinadas a reparar os danos ocasionados às vítimas401 A Parte Lesada 363 Este Tribunal reitera que se consideram partes lesadas nos termos do artigo 631 da Convenção as pessoas que tenham sido declaradas vítimas da violação de algum direito reconhecido nesse instrumento402 Portanto esta Corte considera como partes lesadas Clarice Herzog Ivo Herzog André Herzog e Zora Herzog que na qualidade de vítimas das violações declaradas no capítulo VII desta sentença serão consideradas beneficiárias das reparações que a Corte ordene a seguir B Obrigação de investigar 397 O artigo 631 da Convenção Americana estabelece que Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados Determinará também se isso for procedente que sejam reparadas as conseqüências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada 398 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Reparações e Custas par 25 e Caso Trabalhadores Demitidos da Petroperu e outros Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de novembro 2017 Série C No 344 par 194 399 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Reparações e Custas par 26 e Caso dos Trabalhadores Demitidos da Petroperu e outros Vs Peru par 195 400 Cf Caso Ticona Estrada e outros Vs Bolívia Mérito Reparações e Custas Sentença de 27 de novembro de 2008 Série C No 191 par 110 e Caso Lagos del Campo Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2017 Série C No 340 par 193 401 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Reparações e Custas par 25 a 27 e Caso dos Trabalhadores Demitidos da Petroperu e outros Vs Peru par 197 402 Cf Caso do Massacre de la Rochela Vs Colômbia Mérito Reparações e Custas Sentença de 11 de maio de 2007 Série C No 163 par 233 e Caso Andrade Salmón Vs Bolívia par 190 92 i Investigação dos fatos julgamento e caso seja pertinente punição dos responsáveis inaplicabilidade da Lei de Anistia e obstáculos à realização da justiça 364 A Comissão solicitou a determinação da responsabilidade criminal pela detenção arbitrária tortura e assassinato de Vladimir Herzog mediante uma investigação judicial completa e imparcial dos fatos nos termos do devido processo legal para identificar e punir os responsáveis por essas violações e a publicação dos resultados da investigação 365 A Comissão também recordou que o Estado deve considerar que os crimes de lesa humanidade não podem ser anistiados ou objeto de prescrição e que o Estado deve adotar todas as medidas necessárias para garantir que a Lei no 668379 Lei de Anistia e outras disposições de direito penal como a prescrição a coisa julgada e os princípios de irretroatividade e de ne bis in idem não continuem representando obstáculo para a persecução penal de graves violações de direitos humanos como as do presente caso 366 Os representantes solicitaram que o Estado realize uma investigação dos fatos com a finalidade de identificar os autores materiais e intelectuais e os cúmplices seu julgamento e punição adequada Os familiares das vítimas deverão ter pleno acesso e capacidade de atuar em todas as etapas processuais de acordo com a legislação interna e a Convenção Além disso os resultados da investigação deverão ser divulgados pública e amplamente para que a sociedade brasileira os conheça 367 Por outro lado os representantes solicitaram que a Corte determine a obrigação do Estado de garantir que a Lei de Anistia não continue sendo um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso bem como para a investigação persecução penal julgamento e punição de todos os responsáveis pelos crimes denunciados determinando que o Estado brasileiro exerça o controle de convencionalidade de suas decisões para reconhecer que a Lei de Anistia não tem efeitos jurídicos 368 Salientaram ademais que todo o aparato judicial e outras instituições do Estado devem estar vinculados às decisões da Corte com respeito à resolução de demandas pendentes sobre o alcance da Lei de Anistia para a persecução penal de graves violações de direitos humanos e de crimes contra a humanidade 369 Finalmente solicitaram que a Corte determine que o Estado não pode se apoiar em nenhuma disposição de direito interno nem em instrumentos jurídicos como a prescrição a coisa julgada os princípios de irretroatividade da lei penal e de non bis in idem ou em qualquer excludente de responsabilidade similar para eximirse de seu dever de investigar julgar ou punir os responsáveis por graves violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar brasileira 370 O Estado afirmou que essa reparação se refere a fatos ocorridos com Vladimir Herzog antes portanto da aceitação da competência da Corte por parte do Brasil de modo que o Tribunal não tem competência temporal para analisála Além disso o Estado afirmou que não foi a Lei de Anistia que impossibilitou a abertura das investigações de 2008 e que o processo anterior de 1993 não se encontra dentro da competência temporal da Corte Afirmou ainda ter sido demonstrado que a prescrição a coisa julgada e os princípios de irretroatividade da lei penal e de non bis in idem estão de acordo com a Convenção 371 A Corte recorda que no capítulo VII1 declarou a violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial devido à falta de investigação julgamento e punição dos responsáveis pelos fatos do presente caso Levando em conta o exposto bem como sua 93 jurisprudência este Tribunal dispõe que o Estado deve conduzir de maneira eficaz a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecêlos determinar as respectivas responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei disponha403 372 Em virtude do acima exposto assim como em outros casos já analisados404 e em atenção ao caráter de crime contra a humanidade da tortura e do assassinato de Vladimir Herzog e às consequências jurídicas decorrentes dessas condutas para o direito internacional par 230 a 232 supra a Corte dispõe que o Estado deve reiniciar com a devida diligência a investigação e o processo penal cabíveis pelos fatos ocorridos em 25 de outubro de 1975 para identificar processar e se for o caso punir os responsáveis pela tortura e assassinato de Vladimir Herzog num prazo razoável Em especial o Estado deverá a realizar as investigações pertinentes levando em conta o padrão de violações de direitos humanos existente na época par 238 a 240 supra com o objetivo de que o processo e as investigações pertinentes sejam conduzidos em consideração à complexidade desses fatos e ao contexto em que ocorreram b determinar os autores materiais e intelectuais da tortura e morte de Vladimir Herzog Além disso por se tratar de um crime contra a humanidade o Estado não poderá aplicar a Lei de Anistia em benefício dos autores assim como nenhuma outra disposição análoga prescrição coisa julgada ne bis in idem ou qualquer excludente similar de responsabilidade para escusarse dessa obrigação nos termos dos parágrafos 260 a 310 desta Sentença c assegurarse de que i as autoridades competentes realizem as investigações respectivas ex officio e que para esse efeito tenham a seu alcance e utilizem todos os recursos logísticos e científicos necessários para coletar e processar as provas e que em especial tenham a faculdade de acessar a documentação e as informações pertinentes para investigar os fatos denunciados e levar a cabo com presteza as ações e averiguações essenciais para esclarecer o sucedido à pessoa morta e aos desaparecidos do presente caso ii as pessoas que participem da investigação entre elas os familiares das vítimas as testemunhas e os operadores de justiça contem com as devidas garantias de segurança e iii as autoridades se abstenham de obstruir o processo investigativo d assegurar o pleno acesso e capacidade de agir das vítimas e seus familiares em todas as etapas dessas investigações de acordo com a legislação interna e as normas da Convenção Americana e e garantir que as investigações e processos pelos fatos do presente caso se mantenham em todo momento sob conhecimento da jurisdição ordinária 403 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Mérito par 174 e Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 256 404 Entre outros cf Caso García Prieto e outros Vs El Salvador par 112 Caso Membros da Aldeia Chichupac e comunidades vizinhas do Município de Rabinal Vs Guatemala Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de novembro de 2016 Série C No 328 par 212 Caso Barrios Altos Vs Peru Mérito par 41 Caso Gelman Vs Uruguai par 225 a 226 Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 292 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil Interpretação da Sentença de Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 5 de fevereiro de 2018 Série C No 345 par 28 94 C Medidas de não repetição i Imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade 373 A Comissão solicitou que o Estado considere que os crimes contra a humanidade ocorridos no presente caso como a tortura são imprescritíveis 374 Os representantes solicitaram que a Corte determine que o Estado adote as medidas legislativas necessárias para adequar o seu ordenamento jurídico às as normas internacionais de proteção à pessoa humana e que garanta a imprescritibilidade do crime de tortura 375 O Estado considerou inadequada e desnecessária a aprovação de uma lei já que essa só poderia dispor uma obrigação de meio e não de resultado Do mesmo modo a aprovação de projetos de lei depende de votação dos representantes democraticamente eleitos Além disso afirmou que tramita no Senado brasileiro um projeto de reforma do Código Penal brasileiro que estabelece que o crime de tortura é imprescritível não pode ser anistiado e tampouco admitiria pagamento de fiança Existe também um projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo que tipifica o delito de genocídio e define os crimes contra a humanidade os crimes de guerra e os crimes contra a administração da justiça do Tribunal Penal Internacional 376 Quanto à imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade a Corte concluiu no capítulo VII1 que a aplicação da figura da prescrição no presente caso representou uma violação do artigo 2 da Convenção Americana porquanto foi um elemento decisivo para manter a impunidade dos fatos verificados Do mesmo modo a Corte constatou o caráter imprescritível dos delitos contra a humanidade no direito internacional par 214 supra Além disso a Corte recorda que de acordo com sua jurisprudência constante405 os delitos que impliquem graves violações de direitos humanos e os crimes contra a humanidade não podem ser objeto de prescrição par 261 supra Por conseguinte Brasil não pode aplicar a prescrição e as demais excludentes de responsabilidade a este caso e a outros similares nos termos dos parágrafos 311 e 312 da presente Sentença Em virtude do exposto a Corte considera que o Brasil deve adotar as medidas mais idôneas conforme suas instituições para que se reconheça sem exceção a imprescritibilidade das ações resultantes de crimes contra a humanidade e internacionais em atenção à presente Sentença e às normas internacionais na matéria D Medidas de satisfação i Reconhecimento da responsabilidade internacional do Estado 377 A Comissão solicitou o reconhecimento de responsabilidade estatal pela detenção arbitrária tortura e assassinato de Vladimir Herzog e pela dor de seus familiares 378 Os representantes solicitaram que o Estado brasileiro realize um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional e pedido oficial de perdão das Forças Armadas pela detenção arbitrária tortura e assassinato de Vladimir Herzog A responsabilidade deve ser reconhecida por ação e omissão em especial pela denegação de justiça Consideraram que devem participar do ato altos representantes dos Poderes 405 Ver entre outros Caso Barrios Altos Vs Peru Mérito par 41 Caso Trujillo Oroza Vs Bolívia Reparações e Custas Sentença de 27 de fevereiro de 2002 Série C No 92 par 106 Caso Almonacid Arellano e outros Vs Chile par 112 e Caso Albán Cornejo e outros Vs Equador Mérito Reparações e Custas par 111 95 Públicos e das Forças Armadas e também que seja elaborado e organizado com a participação das vítimas 379 O Estado afirmou que sua responsabilidade pela detenção arbitrária tortura e morte de Vladimir Herzog foi declarada pelo Estado por meio da entrega do atestado de óbito durante uma cerimônia da Caravana da Anistia em 2013 Argumentou que a solicitação de pedido de perdão por parte das Forças Armadas não é possível porque se refere a fatos anteriores a 1998 e que portanto antecedem o reconhecimento de competência por parte do Estado 380 A Corte julga necessário que o Estado realize um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional pelos fatos do presente caso em desagravo à memória de Vladimir Herzog e à falta de investigação julgamento e punição dos responsáveis por sua tortura e morte Nesse ato deverá ser feita referência às violações de direitos humanos declaradas na presente Sentença Do mesmo modo deverá ser levado a cabo mediante uma cerimônia pública na presença de altos funcionários do Estado das Forças Armadas e das vítimas O Estado e as vítimas eou seus representantes deverão acordar a modalidade de cumprimento do ato público de reconhecimento além das particularidades que sejam necessárias tais como o lugar e a data de sua realização406 ii Publicação da sentença 381 Os representantes solicitaram que o Estado proceda à publicação das partes da sentença que se refiram aos fatos provados à análise das violações à Convenção Americana e a parte dispositiva em dois jornais de circulação nacional 382 O Estado reconheceu a relevância da publicação das sentenças da Corte e mencionou que mantêm na página eletrônica da Secretaria Especial de Direitos Humanos as sentenças proferidas nos casos Sétimo Garibaldi e Gomes Lund e outros O Estado se comprometeu a divulgar a presente Sentença nos mesmos termos dos casos mencionados Com relação à publicação em jornais de circulação nacional o Estado salientou o alto custo dessas publicações e propôs que em lugar de publicar a Sentença em jornais de circulação nacional se ordene sua publicação em páginas eletrônicas oficiais e sua divulgação nas redes sociais de órgãos governamentais Com essa proposta o Estado considerou que poderia alcançar ampla repercussão pública da Sentença 383 A Corte dispõe como o fez em outros casos407 que o Estado publique no prazo de seis meses contado a partir da notificação da presente Sentença a a Sentença integral uma só vez no Diário Oficial em corpo de letra legível e adequado b o resumo oficial da presente Sentença elaborado pela Corte uma só vez em jornal de grande circulação em âmbito nacional em corpo de letra legível e adequado e c a totalidade da presente Sentença e seu Resumo por um período de pelo menos um ano nas páginas eletrônicas oficiais da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Cidadania e do Exército brasileiro de maneira acessível ao público e sua divulgação nas redes sociais da seguinte maneira as contas das redes sociais Twitter e Facebook da Secretaria Especial de Direitos Humanos e do Exército devem promover a página eletrônica onde figure a Sentença e seu Resumo por meio de um post semanal pelo prazo de um ano 406 Cf Caso Radilla Pacheco Vs México Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de novembro de 2009 Série C No 209 par 353 e Caso IV Vs Bolívia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de novembro de 2016 Série C No 329 par 336 407 Cf Caso Cantoral Benavides Vs Peru Reparações e Custas par 79 e Caso dos Trabalhadores Demitidos da Petroperu e outros Vs Peru par 211 96 384 O Estado deverá informar a esta Corte de forma imediata tão logo tenha providenciado cada uma das publicações dispostas nos incisos a e b do parágrafo 383 independentemente do prazo de um ano para apresentar o primeiro relatório a que se refere o ponto resolutivo 10 desta Sentença Do mesmo modo no relatório estabelecido no ponto resolutivo 13 o Estado deverá apresentar prova de todos os posts semanais em redes sociais ordenados no inciso c do parágrafo 383 da Sentença E Outras medidas de reparação solicitadas pelos representantes 385 Os representantes solicitaram que se ordene ao Estado i fortalecer as medidas de proteção para pessoas sob a tutela estatal garantir a efetiva implementação do Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura bem como a transparência e a independência do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura ii a autonomia de peritos forenses e a elaboração de um protocolo nacional de devida diligência para combater a tortura iii conceder um terreno na cidade de São Paulo para a construção de um Museu iv fortalecer o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos PPDDH para que se consolide como uma política pública efetiva de proteção aos defensores de direitos humanos e contemple também comunicadores v garantir que todas as instituições e autoridades estatais sejam obrigadas a cooperar com a prestação de informação e o pleno acesso a todos os arquivos e registros que possam conter dados sobre crimes pessoas envolvidas e vítimas e que inicie procedimentos administrativos e investigativos que permitam recuperar documentação extraviada ou destruída e determinar os culpados 386 O Estado afirmou que i os crimes de tortura não são objeto do presente caso e apresentou seu marco normativo as políticas públicas atuais e as ações para prevenir e combater a tortura outros tratamentos ou penas cruéis desumanas ou degradantes no Brasil ii o pedido não é juridicamente possível já que o Governo Federal não pode obrigar os estados federados a editar lei estadual Afirmou também que a criação de uma carreira autônoma já foi objeto de iniciativas nos estados federados iii desenvolveu políticas de memória e verdade iv o PPDDH segue critérios e metodologia próprios que atende também aos casos de comunicadores além disso afirmou que o pedido de fortalecimento é genérico e não permite eventual cumprimento uma vez que o Programa é efetivo na atualidade e v as alegações de denegação de acesso e de reconstrução dos documentos são genéricas 387 Em relação ao exposto a Corte considera que o Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura já foi implementado e valoriza as iniciativas do Brasil no sentido de preservar o direito à memória de Vladimir Herzog razão pela qual julga que não cabe editar medidas de reparação adicionais a esse respeito Do mesmo modo a autonomia de peritos forenses e a elaboração ou implementação de um protocolo nacional de devida diligência para combater a tortura não foram objeto do presente caso de maneira que a Corte considera essa solicitação improcedente No que se refere às demais medidas de reparação solicitadas a Corte avalia que não foram objeto do presente caso de maneira que as considera improcedentes F Indenização compensatória i Danos materiais 388 A Comissão solicitou o pagamento de indenização por danos materiais e imateriais às vítimas do caso 389 Os representantes solicitaram o pagamento de US493669126 aos familiares do 97 senhor Vladimir Herzog a título de lucro cessante com base em que Vladimir recebia na época um salário de Cr 1587000 o que equivaleria hoje a aproximadamente R 3644600 mensais e em que a expectativa de vida para um homem no Brasil hoje é de 71 anos Solicitaram também que a Corte fixe de maneira justa o valor de danos emergentes em benefício dos familiares 390 O Estado afirmou que primeiramente as violações sofridas por Vladimir Herzog estão fora da competência temporal da Corte o que impede a fixação de reparações em consequência desses fatos Além disso alegou que o valor final pago às vítimas previsto na Lei 914095 já foi considerado adequado no caso Gomes Lund e outros Portanto solicitou que a Corte recuse o pedido de indenização por danos materiais 391 A Corte recorda que o senhor Vladimir Herzog não é vítima no presente caso de modo que não existe nexo causal entre a solicitação do pagamento de indenização por lucro cessante e o objeto do presente caso 392 Quanto ao dano emergente os representantes não apresentaram provas acerca de despesas realizadas No entanto em virtude da busca de justiça é natural que os familiares do senhor Vladimir Herzog tenham enfrentado despesas decorrentes das numerosas gestões realizadas por eles para o atendimento do caso perante os tribunais nacionais e as instâncias internacionais durante 20 anos Por esse motivo a Corte julga pertinente fixar de maneira justa uma compensação no montante de US2000000 vinte mil dólares dos Estados Unidos da América a título de dano emergente os quais deverão ser entregues diretamente à senhora Clarice Herzog em representação de todas as vítimas do presente caso ii Danos imateriais 393 A Comissão solicitou o pagamento de indenização por danos materiais e imateriais às vítimas do caso 394 Os representantes solicitaram o pagamento de US4000000 a cada uma das vítimas como indenização por danos morais pela omissão do Estado em seu dever de garantir a integridade e a liberdade de expressão de Vladimir Herzog bem como pela denegação de justiça verdade e reparação contra seus familiares 395 O Estado reiterou suas alegações a respeito do dano material e solicitou que a Corte rechace o pedido de pagamento por danos imateriais 396 A Corte recorda que as violações sofridas por Vladimir Herzog estão fora da competência temporal da Corte razão pela qual a Corte considera improcedente essa solicitação Não obstante a Corte desenvolveu em sua jurisprudência o conceito de dano imaterial e estabeleceu que esse dano pode compreender tanto os sofrimentos e as aflições causados à vítima direta e a seus familiares e o desrespeito de valores muito significativos para as pessoas como as alterações de caráter não pecuniário nas condições de vida da vítima ou de sua família408 Considerando as circunstâncias do presente caso as violações cometidas os sofrimentos ocasionados e experimentados em diferentes graus o tempo transcorrido a denegação de justiça os comprovados danos à integridade pessoal e as demais consequências de ordem imaterial que sofreram o Tribunal passa a fixar de maneira justa as indenizações por dano imaterial em benefício das vítimas as quais 408 Caso das Crianças de Rua Villagrán Morales e outros Vs Guatemala Reparações e Custas par 84 e Caso Furlan e familiares Vs Argentina Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2012 Série C No 246 par 319 98 deverão ser pagas diretamente a cada uma delas 397 A Corte considera que as vítimas do presente caso se viram afetadas pela denegação de justiça e verdade o que se traduziu na vivência de grandes sofrimentos que repercutiram em sua dinâmica familiar Por conseguinte a Corte fixa de maneira justa a soma de US 4000000 quarenta mil dólares dos Estados Unidos da América para cada uma a título de dano imaterial em favor de Clarice André Ivo e Zora Herzog A respeito de Zora Herzog considerando que faleceu em 2006 o montante determinado no presente parágrafo deverá ser pago diretamente a seus sucessores G Custas e Gastos 398 Os representantes solicitaram o pagamento das despesas em que incorreram na tramitação do presente processo da apresentação da petição à Comissão às diligências levadas a cabo perante a Corte 399 Os gastos e custas do CEJIL alcançaram a quantia de US16123750 Os representantes dividiram essa soma da seguinte maneira i US1424113 referentes a despesas com reuniões e viagens ii US19011 destinados a gastos de correio e fotocópias iii US97730 despendidos em material de pesquisa e papelaria iv US14523962 relativos a salários e v US58934 gastos em cartório e traduções 400 O Estado solicitou que caso não se declare sua responsabilidade internacional não seja condenado a pagar nenhum montante a título de gastos e custas Além disso caso seja condenado a pagar custas e gastos o Estado salientou que devem ser montantes razoáveis e devidamente comprovados que tenham relação direta com o caso concreto Em especial o Brasil considerou que os gastos com salários de advogados não atendem a esses requisitos pois se trata de simples estimativas impossíveis de serem corroboradas 401 A Corte reitera que conforme sua jurisprudência as custas e gastos fazem parte do conceito de reparação uma vez que as atividades realizadas pelas vítimas com a finalidade de obter justiça em âmbito tanto nacional como internacional implicam despesas que devem ser compensadas quando a responsabilidade internacional do Estado é declarada mediante uma sentença condenatória Quanto ao reembolso de gastos cabe à Corte apreciar prudentemente seu alcance o qual compreende os gastos gerados perante as autoridades da jurisdição interna bem como os gerados no curso do processo perante o Sistema Interamericano levando em conta as circunstâncias do caso concreto e a natureza da jurisdição internacional de proteção dos direitos humanos Essa apreciação pode ser realizada com base no princípio de equidade e levando em conta os gastos mencionados pelas partes desde que seu quantum seja razoável409 Conforme afirmou em outras ocasiões a Corte recorda que não é suficiente o envio de documentos probatórios mas que se exige que as partes desenvolvam uma argumentação que relacione a prova ao fato que se considera representado e que ao se tratar de alegados desembolsos econômicos se estabeleçam com clareza os objetos de despesa e sua justificação410 402 Da análise dos antecedentes apresentados a Corte conclui que alguns montantes solicitados se encontram justificados e comprovados Não obstante alguns comprovantes se referem de maneira geral a gastos de material de escritório de compra de produtos ou de salários de advogados sem que se determine sua relação com o caso e sem que se detalhe 409 Cf Caso Garrido e Baigorria Vs Argentina Reparações e Custas Sentença de 27 de agosto de 1998 Série C No 39 par 82 Caso Andrade Salmón Vs Bolívia par 210 410 Cf Caso Chaparro Álvarez e Lapo Íñiguez Vs Equador Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 21 de novembro de 2007 Série C No 170 par 277 e Caso Andrade Salmón Vs Bolívia par 211 99 o percentual específico que cabe aos gastos do presente caso Esses montantes foram equitativamente deduzidos do cálculo estabelecido por este Tribunal Além disso serão reduzidos da apreciação realizada pela Corte os gastos cujo quantum não seja razoável411 403 Por outro lado a Corte considera que a rubrica referente aos honorários e gastos de viagem de funcionários da organização peticionária não foram justificados de maneira razoável pois se limitam a indicar o percentual supostamente dedicado ao caso ou a reuniões sobre casos de dívida histórica sem detalhar ou justificar com exatidão a relação específica com o Caso Herzog Por conseguinte a Corte determina de maneira justa que o Estado deve pagar a soma de US2500000 vinte e cinco mil dólares dos Estados Unidos da América ao CEJIL a título de custas e gastos 404 Na etapa de supervisão de cumprimento da presente Sentença a Corte poderá dispor o reembolso por parte do Estado às vítimas ou a seus representantes de gastos posteriores razoáveis e devidamente comprovados412 H Reembolso dos gastos ao Fundo de Assistência Jurídica 405 Os representantes das vítimas solicitaram o apoio do Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas da Corte para financiar a participação no processo das pessoas que esta Corte convocasse para depor Nesse sentido solicitaram que fossem pagos os gastos de transporte aéreo hospedagem alimentação e serviços notariais para o depoimento de supostas vítimas peritos e testemunhas Mediante Resolução do Presidente de 23 de fevereiro de 2017 declarouse procedente a solicitação interposta pelas supostas vítimas por meio de seus representantes para recorrer ao Fundo de Assistência Jurídica da Corte e se autorizou conceder a assistência econômica necessária à apresentação de cinco depoimentos seja em audiência seja mediante affidavit 406 Em 6 de novembro de 2017 foi enviado ao Estado um relatório de despesas segundo o disposto no artigo 5 do Regulamento da Corte sobre o funcionamento do referido Fundo O Estado teve a oportunidade de apresentar suas observações sobre as despesas realizadas as quais chegaram à soma de US426095 O Estado apresentou suas observações em 30 de novembro de 2017 407 O Estado fez objeção à rubrica referente ao traslado aéreo à cidade de San José Costa Rica do perito Sérgio Gardenghi Suiama O Brasil observou que os trechos aéreos financiados para a participação do perito na audiência foram MadridSan José em 19 de maio de 2017 e San JoséBogotáRio de Janeiro em 25 de maio de 2017 e solicitou informação sobre os motivos que embasaram a escolha dos mencionados trechos aéreos a fim de dirimir qualquer tipo de dúvida sobre a compatibilidade dos gastos com os princípios do artigo 37 da Constituição do Brasil 408 A esse respeito a Corte observa que em 28 de abril de 2017 os representantes das vítimas informaram que em virtude de compromissos previamente assumidos pelo senhor Sérgio Suiama o perito teve de sair de Madri Espanha em 19 de maio de 2017 para participar da audiência pública convocada para o dia 24 de maio de 2017 razão pela qual os representantes solicitaram a este Tribunal a compra da passagem aérea para a data mencionada levando em consideração que o Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas se encarregaria das diárias unicamente para os dias 22 a 25 de maio conforme o estipulado 411 Cfr Caso J Vs Peru Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 27 de novembro de 2013 Série C No 275 par 422 Caso Lopez Lone Vs Honduras par 333 412 Cfr Caso Comunidade Indígena Xákmok Kásek Vs Paraguai Mérito Reparações e Custas Sentença de 24 de agosto de 2010 Série C No 214 par 331 e Caso Andrade Salmón Vs Bolívia par 213 100 anteriormente A esse respeito a Corte corroborou que a mudança do trecho aéreo não representaria uma diferença significativa em prejuízo do Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas e autorizou essa despesa A Corte considera que a justificação dos representantes e do perito Suiama foi razoável e que o exposto representou um gasto razoável e adequado para o Fundo 409 Portanto em razão das violações declaradas na presente Sentença e em vista do cumprimento dos requisitos para recorrer ao Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas a Corte ordena ao Estado o reembolso a esse Fundo do montante de US426095 quatro mil duzentos e sessenta dólares dos Estados Unidos da América e noventa e cinco centavos pelos gastos efetuados para o comparecimento de uma vítima uma testemunha e um perito à audiência pública do presente caso Esse montante deverá ser reembolsado no prazo de seis meses contado a partir da notificação da presente Sentença I Modalidade de cumprimento dos pagamentos ordenados 410 O Estado deverá efetuar o pagamento das indenizações a título de dano emergente dano imaterial assim como o reembolso das custas e gastos estabelecidos na presente Sentença diretamente às pessoas e organizações nela indicadas nos prazos dispostos nos parágrafos 392 397 403 e 409 contados a partir da notificação da presente Sentença nos termos dos parágrafos seguintes 411 Caso algum dos beneficiários tenha falecido ou venha a falecer antes que lhe seja entregue a indenização respectiva esta será paga diretamente a seus sucessores conforme o direito interno aplicável 412 O Estado deve cumprir suas obrigações monetárias mediante o pagamento em dólares dos Estados Unidos da América ou seu equivalente em moeda brasileira utilizando para o cálculo respectivo o tipo de câmbio que se encontre vigente na bolsa de Nova York Estados Unidos da América no dia anterior ao do pagamento 413 Caso por razões atribuíveis a algum dos beneficiários das indenizações ou a seus sucessores não seja possível o pagamento do todo ou de parte dos montantes determinados no prazo indicado o Estado consignará esses montantes a seu favor em uma conta ou certificado de depósito em instituição financeira brasileira solvente em dólares dos Estados Unidos da América Caso o pagamento não possa ser realizado nessa moeda deverá ser realizado em moeda brasileira utilizando para sua conversão o tipo de câmbio vigente na bolsa de Nova York Estados Unidos da América no dia anterior ao do pagamento e nas condições financeiras mais favoráveis que permitam a legislação e a prática bancária do Estado Caso não se reclame a indenização respectiva uma vez transcorridos 10 anos os montantes serão devolvidos ao Estado com os juros percebidos 414 Os montantes designados na presente Sentença como indenização por dano emergente dano imaterial e reembolso de custas e gastos deverão ser entregues de forma integral às pessoas e organizações indicadas conforme o estabelecido nesta Sentença sem reduções decorrentes de eventuais ônus fiscais 415 Caso o Estado incorra em mora deverá pagar juros sobre o montante devido já convertido em reais brasileiros correspondentes ao juro bancário moratório na República Federativa do Brasil 101 IX PONTOS RESOLUTIVOS 416 Portanto A CORTE DECIDE Por unanimidade 1 Declarar improcedentes as exceções preliminares interpostas pelo Estado relativas à inadmissibilidade do caso na Corte por incompetência ratione materiae quanto a supostas violações da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura à falta de esgotamento prévio de recursos internos ao descumprimento do prazo para a apresentação da petição à Comissão à incompetência ratione materiae para revisar decisões internas à publicação do Relatório de Mérito pela Comissão e à incompetência ratione materiae para analisar fatos diferentes daqueles submetidos pela Comissão nos termos dos parágrafos 36 a 38 49 a 53 66 a 71 80 a 83 88 97 e 98 da presente Sentença 2 Declarar parcialmente procedentes as exceções preliminares interpostas pelo Estado relativas à incompetência ratione temporis a respeito de fatos anteriores à adesão à Convenção Americana fatos anteriores à data de reconhecimento da jurisdição da Corte por parte do Estado e fatos anteriores à entrada em vigor da CIPST para o Estado brasileiro nos termos dos parágrafos 27 a 30 da presente Sentença DECLARA Por unanimidade que 3 O Estado é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 81 e 251 da Convenção Americana em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo instrumento e em relação aos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura em prejuízo de Zora Clarice André e Ivo Herzog pela falta de investigação bem como do julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e pelo assassinato de Vladimir Herzog cometidos em um contexto sistemático e generalizado de ataques à população civil bem como pela aplicação da Lei de Anistia No 668379 e de outras excludentes de responsabilidade proibidas pelo Direito Internacional em casos de crimes contra a humanidade nos termos dos parágrafos 208 a 312 da presente Sentença Por unanimidade que 4 O Estado é responsável pela violação do direito de conhecer a verdade de Zora Herzog Clarice Herzog Ivo Herzog e André Herzog em virtude de não haver esclarecido judicialmente os fatos violatórios do presente caso e não ter apurado as responsabilidades individuais respectivas em relação à tortura e assassinato de Vladimir Herzog por meio da investigação e do julgamento desses fatos na jurisdição ordinária em conformidade com os artigos 8 e 25 da Convenção Americana em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento nos termos dos parágrafos 328 a 339 da presente Sentença Por unanimidade que 102 5 O Estado é responsável pela violação do direito à integridade pessoal previsto no artigo 51 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento em prejuízo de Zora Herzog Clarice Herzog Ivo Herzog e André Herzog nos termos dos parágrafos 351 a 358 da presente Sentença E DISPÕE Por unanimidade que 6 Esta Sentença constitui por si mesma uma forma de reparação 7 O Estado deve reiniciar com a devida diligência a investigação e o processo penal cabíveis pelos fatos ocorridos em 25 de outubro de 1975 para identificar processar e caso seja pertinente punir os responsáveis pela tortura e morte de Vladimir Herzog em atenção ao caráter de crime contra a humanidade desses fatos e às respectivas consequências jurídicas para o Direito Internacional nos termos dos parágrafos 371 e 372 da presente Sentença Em especial o Estado deverá observar as normas e requisitos estabelecidos no parágrafo 372 da presente Sentença 8 O Estado deve adotar as medidas mais idôneas conforme suas instituições para que se reconheça sem exceção a imprescritibilidade das ações emergentes de crimes contra a humanidade e internacionais em atenção à presente Sentença e às normas internacionais na matéria em conformidade com o disposto na presente Sentença nos termos do parágrafo 376 9 O Estado deve realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional pelos fatos do presente caso em desagravo à memória de Vladimir Herzog e à falta de investigação julgamento e punição dos responsáveis por sua tortura e morte Esse ato deverá ser realizado de acordo com o disposto no parágrafo 380 da presente Sentença 10 O Estado deve providenciar as publicações estabelecidas no parágrafo 383 da Sentença nos termos nele dispostos 11 O Estado deve pagar os montantes fixados nos parágrafos 392 397 e 403 da presente Sentença a título de danos materiais e imateriais e de reembolso de custas e gastos nos termos dos parágrafos 410 a 415 da presente Sentença 12 O Estado deve reembolsar ao Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas da Corte Interamericana de Direitos Humanos a quantia despendida durante a tramitação do presente caso nos termos do parágrafo 409 desta Sentença 13 O Estado deve no prazo de um ano contado a partir da notificação desta Sentença apresentar ao Tribunal um relatório sobre as medidas adotadas para seu cumprimento 14 A Corte supervisionará o cumprimento integral desta Sentença no exercício de suas atribuições e no cumprimento de seus deveres conforme a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e dará por concluído o presente caso uma vez tenha o Estado cumprido cabalmente o que nela se dispõe 103 Corte IDH Caso Herzog e outros Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 15 de março de 2018 da Corte Interamericana de Direitos Humanos Eduardo Ferrer MacGregor Poisot Presidente Eduardo Vio Grossi Humberto A Sierra Porto Elizabeth Odio Benito Eugenio Raúl Zaffaroni L Patricio Pazmiño Freire Pablo Saavedra Alessandri Secretário Comuniquese e executese Eduardo Ferrer MacGregor Poisot Presidente Pablo Saavedra Alessandri Secretário
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1 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS CASO HERZOG E OUTROS VS BRASIL SENTENÇA DE 15 DE MARÇO DE 2018 Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas No Caso Herzog e outros a Corte Interamericana de Direitos Humanos doravante denominada Corte Interamericana Corte ou Tribunal constituída pelos seguintes juízes1 Eduardo Ferrer MacGregor Poisot Presidente Eduardo Vio Grossi VicePresidente Humberto Antonio Sierra Porto Juiz Elizabeth Odio Benito Juíza Eugenio Raúl Zaffaroni Juiz e L Patricio Pazmiño Freire Juiz presentes ademais Pablo Saavedra Alessandri Secretário e Emilia Segares Rodríguez Secretária Adjunta em conformidade com os artigos 623 e 631 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos doravante denominada Convenção Americana ou Convenção e com os artigos 31 32 42 65 e 67 do Regulamento da Corte doravante denominado Regulamento profere a presente Sentença que se estrutura na ordem que se segue 1 O Juiz Roberto F Caldas de nacionalidade brasileira não participou da deliberação da presente Sentença em conformidade com o disposto nos artigos 192 do Estatuto e 191 do Regulamento da Corte 2 Sumário I INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA 3 II PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE 4 III COMPETÊNCIA 6 IV EXCEÇÕES PRELIMINARES 7 A Exceções preliminares relativas à alegada incompetência do Tribunal por razão de tempo 7 B Incompetência por razão da matéria quanto a supostas violações da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura 9 C Falta de esgotamento dos recursos internos para obter reparações 11 D Descumprimento do prazo para a apresentação da petição à Comissão 13 E Incompetência ratione materiae para revisar decisões internas exceção de quarta instância 17 F Alegada inconvencionalidade da publicação do Relatório de Mérito 19 G Incompetência da Corte para examinar fatos propostos pelos representantes 20 V PROVA 22 A Prova documental testemunhal e pericial 22 B Admissibilidade da prova 23 C Apreciação da prova 23 VI FATOS PROVADOS 23 A Contexto histórico 23 B Sobre Vladimir Herzog 25 C Operação Radar 25 D Os fatos ocorridos em 25 de outubro de 1975 26 E Inquérito Policial Militar IPM No 117375 27 F Ação declaratória No 13676 28 G Sobre a Lei de Anistia 30 H Inquérito Policial No 48792 Justiça Estadual de São Paulo 31 I Reconhecimento de responsabilidade por meio da Lei No 91401995 31 J Atuação do Ministério Público Federal Processo No 200861810134342 33 K Ação Civil Pública apresentada pelo Ministério Público Federal em 2008 35 L Ações da Comissão Nacional da Verdade CNV 36 VII MÉRITO 36 VII1 DIREITO ÀS GARANTIAS JUDICIAIS E À PROTEÇÃO JUDICIAL 37 A Alegações das partes e da Comissão 38 B Considerações da Corte 43 B1 Crimes contra a humanidade 44 B2 Consequência da perpetração de um crime contra a humanidade 51 B3 A tortura e o assassinato de Vladimir Herzog 25 de outubro de 1975 52 B4 Análise da atuação estatal 64 B5 Conclusão 81 VII2 DIREITO A CONHECER A VERDADE 82 A Alegações das partes e da Comissão 82 B Considerações da Corte 84 VII3 DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL 88 A Alegações das partes e da Comissão 88 B Considerações da Corte 89 VIII REPARAÇÕES 91 A Parte lesada 91 B Obrigação de investigar 91 C Medidas de não repetição 94 D Medidas de satisfação 94 E Outras medidas de reparação solicitadas pelos representantes 96 F Indenização compensatória 96 G Custas e gastos 98 H Reembolso dos gastos ao Fundo de Assistência Jurídica 99 I Modalidade de cumprimento dos pagamentos ordenados 100 IX PONTOS RESOLUTIVOS 101 3 I INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA 1 O caso submetido à Corte Em 22 de abril de 2016 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos doravante denominada Comissão Interamericana ou Comissão submeteu à Corte o Caso Vladimir Herzog e outros contra a República Federativa do Brasil doravante denominado Estado ou Brasil De acordo com informações da Comissão o caso se refere à suposta responsabilidade internacional do Estado pela situação de impunidade em que se encontram a detenção arbitrária a tortura e a morte do jornalista Vladimir Herzog ocorridas em 25 de outubro de 1975 durante a ditadura militar Essa impunidade seria causada entre outros pela Lei No 668379 Lei de Anistia promulgada durante a ditadura militar brasileira As supostas vítimas no presente caso são Clarice Herzog Ivo Herzog André Herzog e Zora Herzog 2 Tramitação perante a Comissão A tramitação do caso perante a Comissão Interamericana foi a seguinte a Petição Em 10 de julho de 2009 a Comissão recebeu a petição inicial à qual foi atribuído o número de caso 12879 apresentada pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional CEJIL pela Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos FidDH pelo Centro Santos Dias da Arquidiocese de São Paulo e pelo Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo b Relatório de Admissibilidade Em 8 de novembro de 2012 a Comissão aprovou o Relatório de Admissibilidade No 8012 doravante denominado Relatório de Admissibilidade c Relatório de Mérito Em 28 de outubro de 2015 a Comissão aprovou o Relatório de Mérito No 7115 doravante denominado Relatório de Mérito em conformidade com o artigo 50 da Convenção Americana i Conclusões A Comissão concluiu que o Estado era responsável internacionalmente a pela violação dos direitos consagrados nos artigos I IV VII XVIII XXII e XXV da Declaração Americana b pela violação dos direitos consagrados nos artigos 51 81 e 251 da Convenção Americana em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo instrumento c pela violação dos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura doravante denominada CIPST ii Recomendações Por conseguinte a Comissão recomendou ao Estado a determinar por meio da jurisdição de direito comum a responsabilidade criminal pela detenção arbitrária a tortura e o assassinato de Vladimir Herzog mediante uma investigação judicial completa e imparcial dos fatos em conformidade com o devido processo legal a fim de identificar e punir penalmente os responsáveis por essas violações e publicar os resultados dessa investigação Para o cumprimento dessa recomendação o Estado deverá considerar que os crimes de lesa humanidade são inanistiáveis e imprescritíveis b adotar todas as medidas necessárias para garantir que a Lei N 668379 Lei de Anistia e outras disposições do direito penal como a prescrição a coisa julgada e os princípios de irretroatividade e de non bis in idem não continuem representando um obstáculo para a ação penal contra graves violações de direitos humanos 4 c oferecer reparação aos familiares de Vladimir Herzog que inclua o tratamento físico e psicológico e a realização de atos de importância simbólica que garantam a não repetição dos crimes cometidos no presente caso além do reconhecimento da responsabilidade do Estado pela detenção arbitrária tortura e assassinato de Vladimir Herzog e pela dor de sus familiares e d reparar adequadamente as violações de direitos humanos no aspecto tanto material como moral 3 Notificação ao Estado O Relatório de Mérito foi notificado ao Estado mediante comunicação de 22 de dezembro de 2015 na qual se concedia um prazo de dois meses para informar sobre o cumprimento das recomendações O Estado reiterou a informação apresentada na etapa de mérito perante a Comissão e acrescentou alguns aspectos relacionados a uma proposta de indenização pecuniária No entanto a Comissão observou que o Estado não prestou informação sobre a reabertura da investigação do caso concreto 4 Apresentação à Corte Em 22 de abril de 2016 a Comissão submeteu à Corte o caso relacionado aos fatos e violações de direitos humanos descritos no Relatório de Mérito pela necessidade de obtenção de justiça e porque envolvem questões de ordem pública interamericana2 Especificamente a Comissão submeteu à Corte as ações e omissões estatais que ocorreram ou continuaram ocorrendo posteriormente a 10 de dezembro de 1998 data de aceitação da competência da Corte por parte do Estado3 5 Solicitações da Comissão Interamericana Com base no exposto a Comissão Interamericana solicitou a este Tribunal que determinasse e declarasse a responsabilidade internacional do Brasil pelas violações constantes do Relatório de Mérito ocorridas após a aceitação da competência da Corte e que se ordenasse ao Estado como medidas de reparação as recomendações incluídas nesse Relatório par 2 supra II PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE 6 Notificação ao Estado e aos representantes O caso foi notificado ao Brasil e aos representantes das supostas vítimas doravante denominados representantes em 13 de junho de 2016 7 Escrito de solicitações argumentos e provas Em 16 de agosto de 2016 os representantes4 apresentaram o escrito de solicitações argumentos e provas Nesse escrito coincidiram com as manifestações da Comissão quanto às normas supostamente violadas e além disso alegaram violações do dever de garantia do direito à integridade pessoal e à liberdade de expressão artigos 5 e 13 da Convenção em relação aos artigos 11 8 e 25 do mesmo instrumento bem como dos artigos 1 6 e 8 da CIPST em detrimento de Vladimir Herzog em razão da não investigação da tortura contra sua pessoa até a presente data Alegaram também a violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 8 e 25 da Convenção em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo 2 A Comissão Interamericana designou como delegados o Comissário Francisco Eguiguren o então Secretário Executivo Emilio Álvarez Icaza L e o Relator Especial para a Liberdade de Expressão Edison Lanza e como assessoras jurídicas a Secretária Executiva Adjunta Elizabeth AbiMershed e as advogadas da Secretaria Executiva Silvia Serrano Guzmán Ona Flores e Tatiana Teubner Posteriormente a Comissão designou Paulo Abrão como Secretário Executivo 3 Dentro dessas ações e omissões se encontram 1 as violações à Convenção Americana e à Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura decorrentes da atuação das autoridades estatais no âmbito do Processo No 200861810134342 que culminou com o arquivamento do inquérito em janeiro de 2009 Esse arquivamento foi motivado pela aplicação da Lei de Anistia bem como das figuras de prescrição e coisa julgada 2 a atuação das autoridades estatais no âmbito da ação civil pública no 200861000114145 3 o dano à integridade pessoal dos familiares em consequência da situação de impunidade e denegação de justiça descrita no Relatório de Mérito 4 O Centro pela Justiça e o Direito Internacional CEJIL exerce a representação das supostas vítimas nesse caso 5 instrumento em detrimento dos familiares do senhor Herzog Por outro lado solicitaram a declaração da violação do direito à verdade estabelecido nos artigos 5 8 13 e 25 em conjunto com o artigo 11 da Convenção em detrimento dos familiares em razão da falsa versão de suicídio e da ocultação e denegação de informação sobre o caso Alegaram também a violação do direito à integridade pessoal estabelecido no artigo 5 da Convenção Americana em detrimento dos familiares de Vladimir Herzog Além disso as supostas vítimas solicitaram por meio de seus representantes o acesso ao Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas da Corte Interamericana doravante denominado Fundo de Assistência da Corte ou Fundo Finalmente os representantes solicitaram à Corte que ordenasse ao Estado a adoção de diversas medidas de reparação e o reembolso de determinadas custas e gastos 8 Escrito de exceções preliminares e contestação Em 14 de novembro de 2016 o Estado5 apresentou seu escrito de interposição de exceções preliminares e contestação à apresentação do caso e observações sobre o escrito de solicitações argumentos e provas doravante denominado contestação ou escrito de contestação nos termos do artigo 41 do Regulamento do Tribunal O Estado interpôs nove exceções preliminares e reconheceu a responsabilidade de seus agentes na violação do artigo 5 da Convenção em relação aos familiares de Vladimir Herzog como resultado da prisão arbitrária da tortura e da morte Por outro lado se opôs às demais violações alegadas 9 Observações sobre as exceções preliminares e sobre o reconhecimento de responsabilidade efetuado pelo Estado Em 9 de janeiro de 2017 a Comissão e os representantes enviaram suas observações sobre o reconhecimento de responsabilidade do Estado e sobre as exceções preliminares 10 Proteção do Fundo de Assistência Jurídica Mediante resolução do Presidente em exercício da Corte de 23 de fevereiro de 2017 declarouse procedente a solicitação interposta pelas supostas vítimas por meio de seus representantes para recorrer ao Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas da Corte6 11 Audiência pública Em 7 de abril de 2017 o Presidente em exercício da Corte emitiu resolução7 em que convocou as partes e a Comissão para uma audiência pública sobre exceções preliminares e eventuais mérito reparações e custas e para ouvir as alegações e observações finais orais das partes e da Comissão respectivamente Também ordenou o recebimento em audiência do depoimento de uma suposta vítima uma testemunha e dois peritos propostos pelos representantes e pelo Estado Do mesmo modo nessa resolução se ordenou o recebimento dos depoimentos prestados perante agente dotado de fé pública affidavit por duas supostas vítimas e oito peritos propostos pelas partes e pela Comissão A audiência pública foi realizada em 24 de maio de 2017 durante o 118 Período Ordinário de Sessões da Corte na cidade de San José Costa Rica8 5 O Estado designou como agente para o presente caso o senhor Fernando Jacques de Magalhães Pimenta e como agentes suplentes Flávia Piovesan Pedro Saldanha Maria Cristina Martins dos Anjos Boni de Moraes Soares João Guilherme Fernandes Maranhão Gustavo Campelo Silvio José Albuquerque e Silva Andrea Vergara da Silva Daniela Ferreira Marques Rodrigo de Oliveira Morais Luciana Peres Ana Flávia Longo Lombardi e Mariana Carvalho de Ávila Negri 6 Caso Herzog e outros Vs Brasil Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas Resolução do Presidente em exercício da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 23 de fevereiro de 2017 Disponível em httpwwwcorteidhorcrdocsasuntosvladimirherzogfv17espdf 7 Caso Herzog e outros Vs Brasil Resolução do Presidente em exercício da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 7 de abril de 2017 Disponível em httpwwwcorteidhorcrdocsasuntosherzog070417pdf 8 A essa audiência compareceram a pela Comissão Interamericana o Relator Especial para a Liberdade de Expressão Edison Lanza e as assessoras Silvia Serrano Guzmán e Selene Soto Rodríguez b pelos representantes das supostas vítimas Viviana Krsticevic Beatriz Affonso Alejandra Vicente Helena Rocha Erick Curvelo c pelo Estado Fernando Jacques de Magalhães Pimenta Elias Martins Filho Idervânio Costa Alexandre Reis Siqueira Freire Fernanda Menezes 6 12 Amici curiae O Tribunal recebeu cinco escritos de amici curiae apresentados 1 pelo Grupo de Pesquisa Direito à Verdade e à Memória e Justiça de Transição da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS9 sobre o direito à verdade e sobre os retrocessos no processo de justiça de transição do Brasil 2 de forma conjunta pela Clínica de Direitos Humanos e Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas e pelo Grupo de Pesquisa de Direitos Humanos do Amazonas10 sobre a inconvencionalidade das leis de anistia promulgadas durante os períodos de transição das ditaduras latino americanas em prol da obtenção da verdade e da justiça em casos de graves e sistemáticas violações de direitos humanos 3 pelo Núcleo de Estudos em Sistemas Internacionais de Direitos Humanos NESIDH da Universidade Federal do Paraná UFPR11 sobre o direito à verdade 4 pela organização Artigo 1912 sobre as graves violações do direito à liberdade de expressão a partir de sua dimensão coletiva 5 pela Comissão Nacional dos Direitos Humanos do México13 sobre as normas de proteção a jornalistas com especial ênfase no efeito amedrontador também chamado chilling effect que pode ter origem em agressões e ataques contra jornalistas 13 Alegações e observações finais escritas Em 26 de junho de 2017 os representantes e o Estado enviaram respectivamente suas alegações finais escritas bem como determinados anexos e a Comissão apresentou suas observações finais escritas 14 Observações das partes e da Comissão Em 27 de junho de 2017 a Secretaria da Corte remeteu os anexos das alegações finais escritas apresentadas pelos representantes e solicitou ao Estado e à Comissão as observações que julgassem pertinentes Mediante comunicação de 12 de julho de 2017 o Estado enviou as observações solicitadas A Comissão não apresentou observações 15 Despesas em aplicação do Fundo de Assistência Em 6 de novembro a Secretaria seguindo instruções do Presidente em exercício da Corte enviou informação ao Estado sobre as despesas efetuadas em aplicação do Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas no presente caso e segundo o disposto no artigo 5 do Regulamento da Corte sobre o funcionamento do referido Fundo concedeulhe um prazo para apresentar as observações que julgasse pertinentes O Estado apresentou observações por meio do escrito de 30 de novembro de 2017 no prazo concedido para esse efeito 16 Deliberação do presente caso A Corte iniciou a deliberação da presente Sentença em 15 de março de 2018 III COMPETÊNCIA 17 A Corte Interamericana é competente para conhecer do presente caso nos termos do artigo 623 da Convenção em razão de o Brasil ser Estado Parte na Convenção Americana Pereira Bruna Mara Liso Gabliardi Luciana Peres Bruno Correia Cardoso Claudia Giovannetti Pereira dos Anjos e Sávio Andrade Filho 9 O escrito foi assinado por José Carlos Moreira da Silva Filho Camila Tamanquevis dos Santos Caroline Ramos Sofia Bordin Rolim Andressa de Bittencourt Siqueira da Silva Ivonei Souza Trinidades Letícia Vieira Magalhães Marília Benvenuto 10 O escrito foi assinado por Sílvia Maria da Silveira Loureiro Pedro José Calafate Villa Simões Emerson Victor Hugo Costa De Sá Marcelo Phillipe Aguiar Martins Eduardo Araujo Pereira Junior Jamilly Izabela de Brito Silva Breno Matheus Barrozo de Miranda Caio Henrique Faustino da Silva Érika Guedes De Sousa Lima e Victoria Braga Brasil 11 O escrito foi assinado por Melina Girardi Fachin 12 O escrito foi assinado por Paula Martins Camila Marques Carolina Martins e Raissa Maia 13 O escrito foi assinado por Luis Raúl González Pérez 7 desde 25 de setembro de 1992 e ter reconhecido a competência contenciosa da Corte em 10 de dezembro de 1998 IV EXCEÇÕES PRELIMINARES 18 Em seu escrito de contestação o Estado apresentou nove exceções preliminares sobre a a incompetência ratione temporis sobre fatos anteriores ao reconhecimento de competência contenciosa da Corte b a incompetência ratione temporis sobre fatos anteriores à adesão à Convenção Americana c a incompetência ratione materiae quanto a supostas violações dos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura CIPST d a incompetência ratione temporis sobre fatos anteriores à entrada em vigor da CIPST para o Estado brasileiro e o descumprimento do prazo para a apresentação da petição à Comissão a respeito de alegadas violações dos artigos 81 e 25 da Convenção Americana e do artigo 8 da CIPST f a falta de esgotamento dos recursos internos para obter uma reparação pecuniária por alegadas violações dos artigos 8 e 25 da Convenção Americana e reparações de qualquer natureza sobre a alegada violação do artigo 51 do mesmo instrumento g a incompetência ratione materiae para revisar decisões internas sobre possíveis violações dos artigos 8 e 25 da Convenção exceção de quarta instância h a incompetência ratione materiae para analisar fatos diferentes daqueles submetidos pela Comissão e i a inconvencionalidade da publicação do Relatório de Mérito por parte da Comissão 19 Em atenção ao princípio de economia processual a Corte analisará conjuntamente as três exceções preliminares apresentadas pelo Estado que se referem à falta de competência do Tribunal em virtude do tempo ratione temporis uma vez que aludem a circunstâncias que estão relacionadas entre si e supõem o exame de alegações de natureza semelhante A Exceções preliminares relativas à alegada incompetência do Tribunal em virtude do tempo A1 Alegações do Estado observações da Comissão e dos representantes 20 O Estado salientou que formalizou sua adesão à Convenção Americana mediante a emissão de um decreto em 6 de novembro de 1992 e que reconheceu a competência contenciosa da Corte em 10 de dezembro de 1998 Nesse mesmo sentido informou que há dois tipos de aceitação da jurisdição da Corte e que cada um deles pode produzir efeitos temporais distintos O primeiro impede a Corte de julgar fatos instantâneos anteriores à sua competência mas permite o julgamento de violações continuadas Por outro lado o segundo faz referência à aceitação com limites temporais que não permite a responsabilidade por fatos continuados mas somente por violações posteriores e independentes 21 O Estado afirmou que em virtude do princípio de irretroatividade que rege o Direito dos Tratados as violações de caráter continuado iniciadas antes do reconhecimento da jurisdição da Corte se contrapõem às violações instantâneas que não se prolongam no tempo Para a representação do Brasil os processos criminais iniciados antes de 10 de dezembro de 1998 mesmo que estejam ainda em curso não podem gerar responsabilidade internacional pois nesse caso os fatos que gerariam a responsabilidade do Estado são anteriores ao reconhecimento de competência De acordo com o Estado se a Corte aceitasse o caso estaria considerando que tem competência para analisar qualquer fato por suposta denegação de justiça 8 22 Além disso no que se refere à adesão à Convenção Americana o Estado informou que ocorreu em 25 de setembro de 1992 e que por esse motivo a Corte deve reconhecer sua incompetência temporal para analisar fatos anteriores a essa data Por outro lado salientou que ratificou a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura CIPST em 20 de julho de 1989 e que os fatos relacionados a Vladimir Herzog ocorreram em 1975 antes da adesão do Brasil à CIPST Portanto o Estado alegou que ambas as convenções só podem ser aplicadas a respeito de ações ou omissões posteriores à sua respectiva ratificação 23 A Comissão informou que na nota de encaminhamento do caso fez constar que os fatos submetidos ao conhecimento da Corte são unicamente aqueles que tiveram lugar depois de 10 de dezembro de 1998 Nesse sentido a Comissão considerou que as exceções preliminares são improcedentes pois o âmbito temporal sobre o qual a Corte pode se pronunciar já foi plenamente delimitado conforme o princípio de irretroatividade e a jurisprudência do Tribunal na matéria 24 Informou também que as violações da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura se incluem na competência temporal da Corte Interamericana pois se relacionam àquelas associadas à obrigação de investigar e punir atos de tortura decorrentes precisamente das violações autônomas aos artigos 8 e 25 da Convenção Americana 25 Os Representantes sustentaram que não alegaram violações por fatos anteriores a 10 de dezembro de 1998 Destacaram além disso que a Corte reiterou que tem competência para analisar se fatos que tenham tido início antes da data de reconhecimento da competência do Tribunal continuam ou permanecem depois dessa data 26 Do mesmo modo alegaram que as violações fundamentadas na falta de investigação e punição dos crimes de lesahumanidade e graves violações de direitos humanos praticadas no presente caso persistiram antes e depois de 1998 estendendose até a atualidade Por esse motivo salientaram que os fatos se caracterizam como uma situação de violação permanente do dever de investigar e punir a tortura A2 Considerações da Corte 27 O Brasil ratificou a CIPST e a Convenção Americana em 20 de julho de 1989 e 25 de setembro de 1992 respectivamente A Corte observa que as obrigações internacionais que decorrem dos citados instrumentos adquiriram plena força legal a partir das referidas datas Não obstante o Tribunal observa que não foi senão em 10 de dezembro de 1998 que o Brasil reconheceu a competência contenciosa da Corte Interamericana e a ela se submeteu Em sua declaração afirmou que o Tribunal teria competência a respeito de fatos posteriores a esse reconhecimento14 Com base no exposto e no princípio de irretroatividade a Corte não pode exercer sua competência contenciosa para aplicar a Convenção e declarar uma violação de suas normas a respeito de fatos alegados ou de condutas do Estado que sejam anteriores a esse reconhecimento de competência15 14 O reconhecimento de competência feito pelo Brasil em 10 de dezembro de 1998 salienta que o Governo da República Federativa do Brasil declara que reconhece por tempo indeterminado como obrigatória e de pleno direito a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em conformidade com o artigo 62 da referida Convenção sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a esta Declaração Informação geral do Tratado Convenção Americana sobre Direitos Humanos Brasil reconhecimento de competência Disponível em httpwwwoasorgjuridicospanishfirmasb32html 15 Cf Caso das Irmãs Serrano Cruz Vs El Salvador Exceções Preliminares Sentença de 23 de novembro de 2004 Série C No 118 par 66 e Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 24 de novembro de 2010 Série C No 219 par 16 9 28 Não obstante este Tribunal também concluiu que no transcurso de um processo investigativo ou judicial podem ocorrer fatos independentes que poderiam configurar violações específicas e autônomas16 Por conseguinte a Corte tem competência para examinar e se pronunciar sobre possíveis violações de direitos humanos a respeito de um processo de investigação ocorrido posteriormente à data de reconhecimento de competência do Tribunal ainda que esse processo tenha tido início antes do reconhecimento da competência contenciosa17 29 A Corte observa que tanto a Comissão como os representantes afirmaram não pretender que se declare a responsabilidade internacional do Estado por fatos anteriores a 10 de dezembro de 1998 Considerando os critérios expostos o Tribunal tem competência para analisar os supostos fatos e omissões do Estado ocorridos a partir de 10 de dezembro de 1998 tanto em relação à Convenção Americana como a respeito dos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura pois se referem à obrigação estatal de investigar julgar e punir 30 Com base no acima exposto o Tribunal reafirma sua jurisprudência constante sobre esse tema e considera parcialmente fundadas as exceções preliminares B Incompetência em virtude da matéria quanto a supostas violações dos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura B1 Alegações do Estado observações da Comissão e dos representantes 31 O Estado declarou que o reconhecimento da competência deve se basear na vontade estatal de se submeter à jurisdição contenciosa internacional Nesse sentido afirmou que não reconheceu a competência da Corte para analisar as supostas violações da CIPST A juízo do Estado sua aplicação violaria o princípio pacta sunt servanda 32 O Estado argumentou que a única manifestação de vontade do Estado brasileiro que reconhece a competência desta Corte se restringe a casos relativos à interpretação e aplicação da Convenção Americana Por conseguinte solicitou que se declare a incompetência ratione materiae para processar e julgar possíveis violações da CIPST 33 A Comissão ressaltou que existe uma prática reiterada pela Corte em aplicar a CIPST com a finalidade de estabelecer o alcance da responsabilidade estatal em casos vinculados à falta de investigação de atos de tortura Salientou que tanto a Comissão como a Corte declararam violações dessas disposições em casos similares no entendimento de que o parágrafo terceiro do artigo 8 da CIPST incorpora uma cláusula geral de competência aceita pelos Estados ao ratificar esse instrumento ou a ele aderir Por conseguinte considerou que não há motivo para que a Corte se afaste de seu critério reiterado e solicitou à Corte que declare a improcedência dessa exceção preliminar 34 Os Representantes salientaram que de acordo com o princípio de compétence de la compétence a Corte tem capacidade de determinar o alcance de sua própria competência Também afirmaram que de acordo com a jurisprudência interamericana não é necessário 16 Cf Caso das Irmãs Serrano Cruz Vs El Salvador Exceções Preliminares Sentença de 23 de novembro de 2004 Série C No 118 par 84 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 16 de fevereiro de 2017 Série C No 333 par 49 17 Cf Caso Alfonso Martín del Campo Dodd Exceções Preliminares Sentença de 3 de setembro de 2004 Série C No 113 par 68 e Caso Heliodoro Portugal Vs Panamá Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 12 de agosto de 2008 Série C No 186 par 25 10 que os tratados interamericanos de direitos humanos contenham cláusulas específicas que outorguem competência à Corte 35 Argumentaram que a adoção de uma interpretação restritiva quanto ao alcance da competência deste Tribunal não só iria contra o objeto e a finalidade da Convenção mas afetaria o efeito útil do próprio Tratado e da garantia de proteção por ele disposta B2 Considerações da Corte 36 Este Tribunal determinou que pode exercer sua competência contenciosa a respeito de instrumentos interamericanos distintos da Convenção Americana quando estabeleçam um sistema de petições objeto de supervisão internacional no âmbito regional18 Assim a declaração especial de aceitação da competência contenciosa da Corte segundo a Convenção Americana e em conformidade com seu artigo 62 permite que o Tribunal conheça tanto de violações da Convenção como de outros instrumentos interamericanos que a ela outorguem competência19 37 Embora o artigo 8o da Convenção contra a Tortura20 não mencione explicitamente a Corte Interamericana este Tribunal já se referiu à sua própria competência para interpretar e aplicar essa Convenção21 O referido artigo autoriza instâncias internacionais cuja competência tenha sido aceita pelo Estado ao qual se atribui a violação desse tratado No entanto a Corte declarou a violação desses tratados em diversos casos utilizando um meio de interpretação complementar os trabalhos preparatórios ante a possível ambiguidade da disposição22 Desse modo no Caso Villagrán Morales e outros Vs Guatemala o Tribunal se referiu à razão histórica desse artigo isto é que no momento de redigir a Convenção contra a Tortura ainda havia alguns países membros da Organização dos Estados Americanos que não eram Partes da Convenção Americana e salientou que com uma cláusula geral de competência que não fizesse referência expressa e exclusiva à Corte Interamericana se abriu a possibilidade de que o maior número de Estados ratifique a Convenção contra a Tortura ou a ela adiram Ao aprovar essa Convenção considerouse importante atribuir a competência para aplicar a Convenção contra a Tortura a um órgão internacional quer se trate de uma comissão um comitê ou um tribunal existente quer se trate de um que venha a ser criado no futuro23 Nesse sentido a Comissão e consequentemente a Corte têm competência para analisar e declarar violações a essa Convenção 38 Em virtude das considerações acima a Corte reitera sua jurisprudência constante24 no sentido de que é competente para interpretar e aplicar a Convenção contra a Tortura e declarar a responsabilidade de um Estado que tenha dado seu consentimento para obrigar 18 Cf Caso Las Palmeras Vs Colômbia Exceções Preliminares par 34 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 64 19 Cf Caso González e outras Campo Algodoeiro Vs México Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 16 de novembro de 2009 Série C No 205 par 37 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 64 20 Esse preceito dispõe a respeito da competência para aplicála que uma vez esgotado o procedimento jurídico interno do respectivo Estado e os recursos que este prevê o caso poderá ser submetido a instâncias internacionais cuja competência tenha sido aceita por esse Estado ao qual se atribui a violação desse tratado 21 Cf Caso González e outras Campo Algodoeiro Vs México par 51 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 65 22 Cf Caso das Crianças de Rua Villagrán Morales e outros Vs Guatemala Mérito Sentença de 19 de novembro de 1999 Série C No 63 par 247 e 248 Caso González e outras Campo Algodoeiro Vs México par 51 23 Cf Caso das Crianças de Rua Villagrán Morales e outros Vs Guatemala Mérito par 247 e 248 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas par 65 24 Cf Caso das Crianças de Rua Villagrán Morales e outros Mérito par 247 e 248 Caso González e outras Campo Algodoeiro par 51 Caso Las Palmeras par 34 Caso Cantoral Huamaní e García Santa Cruz Vs Peru Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 10 de julho de 2007 Série C No 167 nota de rodapé 6 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 66 11 se por essa Convenção e tenha aceito além disso a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos De acordo com esse entendimento o Tribunal já teve a oportunidade de aplicar a Convenção contra a Tortura e avaliar a responsabilidade de diversos Estados em razão de sua alegada violação em mais de 40 casos contenciosos25 Dado que o Brasil é Parte na Convenção contra a Tortura e reconheceu a competência contenciosa deste Tribunal a Corte tem competência ratione materiae para pronunciarse neste caso sobre a alegada responsabilidade do Estado por violação a esse instrumento Portanto a Corte julga improcedente a exceção preliminar de falta de competência interposta pelo Estado C Falta de esgotamento dos recursos internos para obter reparações C1 Alegações do Estado observações da Comissão e dos representantes 39 O Estado salientou que o primeiro requisito de admissibilidade de uma petição perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos é o esgotamento de recursos internos pois a vítima não pode recorrer à tutela jurisdicional internacional sem antes terse valido de um recurso interno que permita o reconhecimento da violação e sua reparação Sustentou que quando a vítima só esgotou os recursos internos para solicitar que se declare a violação do direito à vida de uma pessoa assassinada pelo Estado não pode em seguida valerse da jurisdição internacional para solicitar a reparação dessa violação pois o Estado não pode ser surpreendido por um pedido de reparação pecuniária que não pôde analisar internamente 40 Também destacou que no presente caso havia recursos internos disponíveis para declarar as violações alegadas e para obter as reparações respectivas os quais não foram esgotados pelas supostas vítimas O Estado afirmou que não pagou compensações econômicas além das estabelecidas pela via administrativa porque as supostas vítimas não o solicitaram perante a jurisdição interna apesar da existência dos mecanismos judiciais idôneos para apresentar essa reclamação 41 Nesse mesmo sentido o Estado argumentou que a falta de esgotamento de recursos internos é justificada pelos representantes mediante a invocação do artigo 462b da Convenção Não obstante salientou que embora isso se aproxime sensivelmente do mérito do assunto não pode ser uma justificativa em si mesma para que não se esgote a jurisdição doméstica 42 O Estado transcreveu em seu escrito de contestação várias sentenças de tribunais internos nas quais se condenou o Estado a pagar indenizações por danos ocasionados por detenções e atos de tortura ocorridos durante a ditadura militar e salientou que o Superior Tribunal de Justiça STJ declarou que as ações de indenização por fatos similares aos do presente caso não estão sujeitas a prescrição Em atenção a isso o Estado concluiu que havia um ambiente amplamente favorável à concessão de indenização neste caso Acrescentou que no presente caso as vítimas receberam indenização no valor de R 10000000 quantia na época equivalente a aproximadamente US10000000 o que mostra que o Estado procurou cumprir seu dever de reparar os danos causados O Estado argumentou também que além da solicitação administrativa que foi atendida não dispõe de informação de outra solicitação que tenha sido apresentada pelos familiares da vítima e tenha sido negada 43 Quanto às alegações de negativa de acesso aos documentos sobre violações de direitos humanos ocorridas sob o regime militar o Estado informou que não tem 25 Ver lista no Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 66 12 conhecimento nem foi demonstrado que as supostas vítimas ou seus representantes tenham apresentado uma solicitação de habeas data 44 O Estado afirmou que a investigação criminal e o julgamento perante o foro ordinário não são os únicos recursos que devem ser considerados Sustentou que não reconhecer isso representaria uma grave violação do princípio de subsidiariedade do Sistema Interamericano e do direito de defesa do Estado 45 A Comissão observou que a jurisprudência da Corte em matéria de exceções preliminares de falta de esgotamento dos recursos internos destacou que esta deve ser apresentada no momento processual oportuno e que o Estado deve especificar claramente os recursos que a seu critério não foram esgotados Ressaltou que nos escritos de maio e outubro de 2012 o Estado não interpôs a exceção de falta de esgotamento dos recursos internos nem fez referência aos recursos que deveriam ser esgotados quando invocou essa exceção razão pela qual considerou essa exceção extemporânea Ressaltou também que a Convenção Americana não prevê que se esgotem mecanismos adicionais para que as vítimas possam obter uma reparação relacionada com fatos referentes aos recursos internos que sejam pertinentes motivo por que uma interpretação como a proposta pelo Estado não só jogaria sobre as vítimas uma carga desproporcional mas contrariaria o disposto na própria Convenção e a razão de ser tanto do requisito de esgotamento dos recursos internos como da instituição da reparação 46 Afirmou que o requisito de esgotamento dos recursos internos diz respeito aos fatos que alegadamente violam os direitos humanos A pretensão das reparações decorre da declaração de responsabilidade internacional do Estado e portanto essa pretensão não depende do esgotamento de recursos internos 47 Os Representantes destacaram que o Estado não alegou oportunamente a exceção de não esgotamento dos recursos internos Destacaram também que os argumentos do Estado são inconsistentes porque também alegou que a promulgação da Lei de Anistia efetivamente impediu o esgotamento dos recursos na jurisdição interna Salientaram que o Estado afirmou que os recursos foram esgotados pela decisão do Superior Tribunal de Justiça de 18 de agosto de 1993 Desse modo além da extemporaneidade da exceção consideraram que o Estado viola o princípio do estoppel ao adotar conduta processual contraditória 48 Finalmente argumentaram que no que se refere ao recurso de habeas data não constitui ele um recurso adequado para estabelecer as responsabilidades correspondentes à prisão arbitrária à tortura e à execução de Vladimir Herzog O recurso que atende a essas características são a investigação e a ação penal que foram repetidamente obstruídas pelas autoridades brasileiras Os representantes sustentaram que a Corte deve recusar a exceção de falta de esgotamento de recursos internos interposta pelo Estado C2 Considerações da Corte 49 A Corte elaborou diretrizes claras para analisar uma exceção preliminar baseada num suposto descumprimento do requisito de esgotamento dos recursos internos Em primeiro lugar interpretou a exceção como uma defesa disponível para o Estado e como tal o Estado pode renunciar a ela seja expressa seja tacitamente Em segundo lugar essa exceção deve ser apresentada oportunamente com o propósito de que o Estado possa exercer seu direito de defesa Em terceiro lugar a Corte afirmou que o Estado que 13 apresenta essa exceção deve especificar os recursos internos que ainda não tenham sido esgotados e demonstrar que esses recursos são aplicáveis e efetivos26 50 A Corte salientou que o artigo 461a da Convenção dispõe que para determinar a admissibilidade de uma petição ou comunicação apresentada à Comissão em conformidade com os artigos 44 ou 45 da Convenção é necessário que tenham sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna conforme os princípios do Direito Internacional geralmente reconhecidos27 51 Portanto durante a etapa de admissibilidade do caso junto à Comissão o Estado deve especificar claramente os recursos que a seu critério ainda não foram esgotados considerando a necessidade de salvaguardar o princípio de igualdade processual entre as partes que deve reger todo o procedimento perante o Sistema Interamericano28 Como a Corte estabeleceu de maneira reiterada não é tarefa deste Tribunal nem da Comissão identificar ex officio quais são os recursos internos pendentes de esgotamento porquanto não compete aos órgãos internacionais corrigir a falta de exatidão das alegações do Estado29 Do mesmo modo os argumentos que dão conteúdo à exceção preliminar interposta pelo Estado perante a Comissão durante a etapa de admissibilidade devem corresponder àqueles expostos perante a Corte30 52 A Corte constata que essas circunstâncias não se verificam no presente caso ou seja o Estado apresentou alegações diferentes na etapa de admissibilidade perante a Comissão e na exceção preliminar perante a Corte31 Além disso o Tribunal constata que em sua primeira comunicação à Comissão o Estado não opôs essa exceção motivo por que sua apresentação ao Tribunal é extemporânea 53 Em virtude de todo o acima exposto a Corte desconsidera a exceção interposta pelo Estado por considerála improcedente D Descumprimento do prazo para a apresentação da petição à Comissão D1 Alegações do Estado e observações da Comissão e dos representantes 54 O Estado declarou que a Convenção Americana dispõe que a petição deve ser apresentada à Comissão seis meses depois do esgotamento dos recursos internos Excepcionalmente quando esse prazo não é aplicável a petição deve ser apresentada num prazo razoável O Brasil afirmou que no presente caso não se observou o prazo razoável ou subsidiariamente o prazo de seis meses no que se refere às alegadas violações decorrentes da suposta ausência de ação penal 55 Segundo o Estado no presente caso a Comissão aplicou a exceção de esgotamento prévio de recursos internos prevista no artigo 462a da Convenção Americana no entendimento de que a Lei de Anistia configuraria uma situação de ausência de devido processo legal para a proteção dos direitos supostamente violados razão pela qual passou 26 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Exceções Preliminares par 88 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 76 27 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Exceções Preliminares par 85 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 77 28 Cf Caso Gonzales Lluy e outros Vs Equador Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 1o de setembro de 2015 Série C No 298 par 28 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 78 29 Cf Caso Reverón Trujillo Vs Venezuela Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de junho de 2009 Série C No 197 par 23 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 78 30 Cf Caso Reverón Trujillo Vs Venezuela par 23 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 78 31 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Exceções Preliminares par 88 14 ao exame do prazo razoável O Estado argumentou que se deixou de considerar os fatos principais nesse momento da análise de admissibilidade relacionados com a detenção arbitrária tortura e morte da vítima para considerar o questionamento da Lei de Anistia como elemento central da petição motivo pelo qual solicitou que a Corte procedesse ao controle de legalidade da atuação da Comissão 56 Em segundo lugar afirmou que não é válido considerar a data de promulgação da Lei de Anistia para o cômputo do prazo razoável pois implicaria o exercício em abstrato da jurisdição contenciosa da Corte Acrescentou que mesmo que se considere essa data 30 anos se passaram da promulgação da Lei à apresentação da petição à Comissão Em terceiro lugar alegou que não é adequado considerar as tentativas de iniciar uma investigação ou os procedimentos para conceder medidas de reparação como marco temporal para contabilizar o prazo razoável Em quarto lugar aduziu que o alegado caráter continuado de impunidade dos fatos não permite estabelecer um marco temporal de referência o que impede qualquer análise do prazo razoável Afirmou ainda que a partir de 28 de agosto de 1979 não havia recurso interno para promover a investigação das violações sofridas por Vladimir Herzog que foram de caráter instantâneo não continuado 57 Também alegou que é fato que em 1992 o Brasil ratificou a Convenção Americana e desde esse momento as organizações peticionárias podiam apresentar seu caso à Comissão Diante da falta de recursos internos o Estado salientou que não se aplicava a regra dos seis meses disposta no artigo 46 da Convenção mas sim o dever de apresentar a petição dentro de um prazo razoável 58 O Brasil considerou que os critérios da Comissão para considerar um prazo razoável são extremamente flexíveis e variam de acordo com considerações casuísticas Destacou que no caso sub judice apresentamse violações de caráter instantâneo e que transcorreram 30 anos entre a ocorrência dos fatos e a apresentação da petição Para o Estado isso não constitui um prazo razoável 59 Por último julgou inadequado que se utilize a última tentativa de reabrir as investigações do caso concreto como marco para o cômputo do prazo razoável Ressaltou que o objeto da reclamação apresentada em 2007 à Procuradoria da República era a ausência de apresentação por parte da União de ações de regresso cobrança de indenização contra os autores de danos nos termos da Lei No 9140 de 1995 Essa reclamação não se circunscrevia ao caso de Vladimir Herzog e tampouco perseguia fins penais mas pelo contrário segundo o Estado reconhecia a prescrição das ações penais Portanto a representação do Estado afirmou que o que ocorreu em 2008 não foi um arquivamento da investigação e que consequentemente o prazo razoável não corre a partir dessa última data Finalmente salientou que no Relatório de Mérito a Comissão não identificou de maneira clara quais seriam os termos para a avaliação do prazo razoável e tampouco que essa avaliação tinha a obrigação de identificar o início do prazo 60 A Comissão observou em primeiro lugar que o Estado solicitou que a Corte procedesse a um controle de legalidade quanto à análise do prazo de seis meses Declarou que tem plena autonomia no exercício de suas faculdades convencionais e que a revisão de questões de admissibilidade deveria ser efetuada somente em circunstâncias excepcionais quando coincidam os seguintes elementos i que haja um erro de procedimento ii que seja qualificado como grave iii que afete o direito de defesa da parte que o invoca e iv que fique provado prejuízo concreto A Comissão considerou que nenhum dos quatro elementos se configura no presente caso 15 61 Em segundo lugar a Comissão considerou que era aplicável a exceção ao requisito de esgotamento dos recursos internos contemplada no artigo 462a da Convenção razão pela qual o prazo de seis meses não era aplicável A Comissão reiterou em todos os seus termos o relatório de admissibilidade no qual afirmou que em casos que supostamente implicam delitos penais passíveis de ação de ofício no Brasil a detenção arbitrária a tortura e a execução extrajudicial de uma pessoa o recurso idôneo e efetivo é uma investigação criminal e um julgamento no sistema de justiça ordinária Também observou que a Lei de Anistia é um obstáculo à acusação criminal dos responsáveis pelas violações cometidas contra a suposta vítima e portanto a Comissão determinou que a petição era admissível porque a legislação interna do Brasil não contempla o devido processo legal para a proteção dos direitos que se alega terem sido violados Além disso a Comissão sustentou que houve múltiplas ações no âmbito interno nos anos de 2008 e 2009 motivo pelo qual a apresentação da petição em 2009 foi razoável 62 Em virtude do exposto a Comissão solicitou à Corte que rejeite a solicitação do Estado de efetuar um controle de legalidade sobre esse aspecto pois o Estado não demonstrou que se encontram presentes os pressupostos para que esse controle tenha lugar Subsidiariamente solicitou à Corte que determine que a análise constante do relatório de admissibilidade sobre o requisito de apresentação oportuna da petição se encontra dentro do marco convencional e regulamentar e consequentemente que declare improcedente essa exceção preliminar 63 Os Representantes destacaram que na jurisprudência reiterada desta Corte se determina a improcedência da exceção referente ao prazo de seis meses caso o Estado tenha alegado o não esgotamento dos recursos internos em razão da contradição intrínseca entre esses argumentos Sem prejuízo do exposto destacaram que a Comissão Interamericana tem autonomia e independência para examinar as petições individuais submetidas a seu conhecimento no exercício de seu mandato convencional 64 Além disso argumentaram que de acordo com as sentenças desta Corte a revisão do procedimento perante a Comissão só teria procedência se alguma das partes alegasse de maneira fundamentada a existência de um erro grave ou de alguma inobservância dos requisitos de admissibilidade que violasse o direito de defesa da parte interessada Salientaram que a parte que o alega assume o ônus probatório de demonstrar efetivamente o prejuízo a seu direito de defesa razão pela qual não é suficiente uma queixa ou discrepância de critérios em relação às medidas adotadas pela Comissão 65 Destacaram que a razoabilidade do prazo é uma decisão da Comissão para o que leva em conta a data dos fatos e as circunstâncias concretas do caso Os representantes enfatizaram a incompatibilidade da Lei de Anistia com a Convenção Americana além da impunidade sob a referida Lei das violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar razões que levaram a Comissão a concluir que a petição foi apresentada em prazo razoável D2 Considerações da Corte 66 O Estado solicitou à Corte que realizasse um controle de legalidade do procedimento perante a Comissão embora a juízo do Tribunal no presente caso o enfoque proposto corresponda a uma exceção preliminar que questiona a admissibilidade da petição pelo suposto descumprimento do requisito estabelecido no artigo 462a da Convenção 16 Americana32 Por esse motivo a Corte examinará as alegações das partes à luz dessas circunstâncias 67 Em primeiro lugar é necessário que a Corte avalie se durante a etapa de admissibilidade do caso perante a Comissão os argumentos que dão conteúdo à exceção preliminar interposta pelo Estado correspondem àqueles apresentados perante a Corte33 68 No presente caso durante a etapa de admissibilidade o Estado apresentou dois escritos à Comissão um em 30 de maio de 2012 e outro em 18 de junho desse mesmo ano Em ambos os escritos apresentou argumentos similares sobre o prazo para a interposição da petição inicial Posteriormente no escrito de contestação no âmbito do processo perante a Corte o Estado se referiu novamente à mencionada exceção preliminar Com base no exposto a Corte observa que os argumentos que dão conteúdo à exceção preliminar interposta pelo Estado perante a Comissão durante a etapa de admissibilidade correspondem àqueles apresentados perante a Corte de modo que passará a analisar seu conteúdo material 69 A Corte constata que o Estado reconheceu a inexistência de recursos disponíveis para as vítimas em virtude da Lei de Anistia34 ou seja não há controvérsia entre as partes nesse aspecto Em virtude disso a regra dos seis meses é inaplicável e por isso compete ao Tribunal verificar se transcorreu um prazo razoável para que os peticionários recorressem à Comissão Interamericana Nesse sentido a Corte observa que há de fato uma controvérsia entre as partes sobre qual deve ser considerada a data pertinente para o cômputo desse prazo razoável 70 A Corte observa que embora em 18 de agosto de 1993 tenha sido concluído oficialmente o inquérito policial no 48792 na justiça estadual de São Paulo par 140 a 145 infra em 4 de dezembro de 1995 foi promulgada a Lei No 91401995 que criou a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos CEMDP par 146 a 151 infra que emitiu seu relatório final no ano de 2007 Além disso o Tribunal nota que foi com base no resultado desse relatório que se apresentou a denúncia ao Ministério Público Federal que deu início ao processo no 200861810134342 O arquivamento desse processo ocorrido em 9 de janeiro de 2009 par 152 a 160 infra finalmente motivou a apresentação da petição inicial perante a Comissão Interamericana em 10 de julho desse mesmo ano 71 No presente caso a Corte constata que o suposto dano que motiva a apresentação da petição inicial é a impunidade em que se encontram a morte e a tortura de Vladimir Herzog Com base no acima exposto a Corte é de opinião que os peticionários tinham uma expectativa razoável de que o Estado remediasse essa situação de impunidade a partir do retorno da democracia e sobretudo a partir da apresentação do relatório final da Comissão criada pela Lei No 91401995 Por esses motivos o Tribunal considera que as circunstâncias específicas do presente caso em especial a influência da Lei de Anistia na possibilidade de 32 Artigo 46 1 Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 seja admitida pela Comissão será necessário a que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna de acordo com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos b que seja apresentada dentro do prazo de seis meses a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva 2 As disposições das alíneas a e b do inciso 1 deste artigo não se aplicarão quando a não existir na legislação interna do Estado de que se tratar o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue tenham sido violados 33 Cf Caso Furlan e familiares Vs Argentina Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2012 Série C No 246 par 29 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 78 34 Ver escrito de contestação do Estado par 161 expediente de mérito folha 372 17 investigar e julgar a morte do senhor Herzog a emissão do relatório da CEMDP em 2007 e as ações iniciadas pelo Ministério Público Federal são em seu conjunto ações que podiam ter contribuído para a eliminação da impunidade e portanto são fatos relevantes que permitem determinar que a apresentação da petição inicial ocorreu dentro de um prazo razoável Portanto a petição era admissível e por isso a Corte resolve declarar improcedente a exceção preliminar apresentada pelo Estado E Incompetência ratione materiae para revisar decisões internas sobre possíveis violações dos artigos 8 e 25 da Convenção Americana exceção de quarta instância E1 Alegações do Estado observações da Comissão e dos representantes 72 O Estado observou que o Sistema Interamericano de Direitos Humanos não tem como propósito revisar o mérito das conclusões alcançadas pelas autoridades nacionais no exercício legítimo de suas competências e que portanto está fora da competência ratione materiae da Comissão e da Corte assumir o papel das autoridades nacionais e agir como se fossem um tribunal de recursos 73 Reiterou que o procedimento iniciado em 2008 não é um recurso interno apto para efeitos do cômputo do prazo razoável da apresentação da petição perante a Comissão Acrescentou que ainda que se admitisse a idoneidade do referido recurso e que portanto a petição foi apresentada dentro de um prazo razoável o respeito à coisa julgada material e a prescrição da ação penal ambas protegidas pela Convenção impedem o exame do mérito do assunto 74 Recordou que a decisão judicial adotada no ano de 1992 foi anterior aos avanços jurisprudenciais da Corte Interamericana quanto à imprescritibilidade da ação penal em casos semelhantes e afirmou que exigir uma reinterpretação judicial de decisões passadas com fundamento em teses jurisprudenciais que não existiam na época reduziria o alcance das garantias judiciais 75 Finalmente o Estado alegou que na investigação judicial concluída no ano de 1992 além de ouvir os depoimentos e as declarações das supostas vítimas foram realizadas várias diligências e produzidas numerosas provas Portanto embora não se tenha proferido uma condenação penal não houve falta de diligência e a investigação não permaneceu suspensa sem que se conduzissem diligências probatórias Além disso houve reparação pecuniária em conformidade com a jurisprudência da Corte no caso Gomes Lund e outros 76 A Comissão observou que a alegação estatal não constitui uma exceção preliminar pois não se refere a questões de competência nem aos requisitos de admissibilidade estabelecidos na Convenção Desse modo essa questão não pode ser resolvida como exceção preliminar e o mesmo ocorre com a questão relativa ao montante da reparação porque ambas constituem temas de mérito 77 A Comissão argumentou que no presente caso a Corte é chamada a analisar entre outros aspectos se os processos internos seguidos em relação aos fatos do caso constituíram um meio idôneo e efetivo para conseguir proteção judicial frente aos direitos violados Da mesma maneira a forma de reparar e a eventual necessidade de que a Corte determine reparações complementares excedem uma exceção preliminar e também constitui uma questão de mérito 18 78 Por conseguinte a Comissão solicitou à Corte que estabeleça que a abordagem do Estado sobre a falta de competência para revisar decisões internas não constitui uma exceção preliminar e portanto é improcedente 79 Os Representantes definiram os enfoques do Estado como uma exceção de quarta instância Nesse sentido alegaram que para que isso efetivamente fosse o caso seria necessário que se tivesse solicitado à Corte uma revisão de uma decisão interna do Estado por apreciação incorreta das provas dos fatos ou do direito interno Alegaram que no presente caso não se pretende que a Corte exerça essas funções sobre decisões internas expedidas pelos órgãos judiciais do Estado Pelo contrário salientaram que sua pretensão reside em que no presente caso a Corte declare a responsabilidade internacional do Estado brasileiro por faltas e obstruções de diferentes atores estatais que violaram o dever de garantir os direitos à integridade física à liberdade de expressão ao acesso à justiça e às garantias judiciais previstos na Convenção Americana E2 Considerações da Corte 80 Em primeiro lugar o Tribunal recorda que independentemente de o Estado definir uma alegação como exceção preliminar esta perderá seu caráter preliminar e não poderá ser analisada como tal caso ao analisála seja necessário entrar previamente na consideração do mérito de um caso35 81 A Corte também reitera que a jurisdição internacional tem caráter coadjuvante e complementar36 razão pela qual não desempenha funções de tribunal de quarta instância nem é um tribunal de alçada ou de recurso para dirimir as desavenças que tenham as partes sobre alguns alcances da avaliação de prova ou da aplicação do direito interno em aspectos que não estejam diretamente relacionados ao cumprimento de obrigações internacionais em direitos humanos37 82 A Corte considera que as alegações do Estado poderiam ser consideradas uma exceção de quarta instância no entanto para que essa exceção seja procedente é necessário que o solicitante peça que a Corte revise a sentença de um tribunal interno em virtude de sua incorreta apreciação da prova dos fatos ou do direito interno sem que ao mesmo tempo se alegue que essa sentença incorreu em uma violação de tratados internacionais a respeito dos quais o Tribunal tenha competência38 Além disso a Corte considerou que ao se avaliar o cumprimento de certas obrigações internacionais pode ocorrer uma interrelação intrínseca entre a análise de direito internacional e a de direito interno Portanto a determinação quanto a se as ações de órgãos judiciais constituem ou não uma violação das obrigações internacionais do Estado pode levar a que a Corte se ocupe 35 Cf Caso Castañeda Gutman Vs México Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 6 de agosto de 2008 Série C No 184 par 39 e Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil par 72 36 No Preâmbulo da Convenção Americana se afirma que a proteção internacional é de natureza convencional coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos Ver também O Efeito das Reservas sobre a Entrada em Vigor da Convenção Americana sobre Direitos Humanos art 74 e 75 Parecer Consultivo OC282 de 24 de setembro de 1982 Série A No 2 par 31 A Expressão Leis no Artigo 30 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Parecer Consultivo OC686 de 9 de maio de 1986 Série A No 6 par 26 Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Mérito Sentença de 29 de julho de 1988 Série C No 4 par 61 e Caso García Ibarra e outros Vs Equador Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 17 de novembro de 2015 par17 37 Cf Caso Cabrera García e Montiel Flores Vs México Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de novembro de 2010 Série C No 220 par 16 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 56 38 Cf Caso Cabrera García e Montiel Flores Vs México par 18 e Caso Tarazona Arrieta e outros Vs Peru Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 15 de outubro de 2014 Série C No 286 par 22 19 de examinar os respectivos processos internos para estabelecer sua compatibilidade com a Convenção Americana39 83 No presente caso nem a Comissão nem os representantes solicitaram a revisão de decisões internas relacionadas à avaliação das provas dos fatos ou da aplicação do direito interno A Corte considera que é objeto de estudo de mérito analisar em conformidade com a Convenção Americana e o Direito Internacional as alegações das partes sobre se os processos judiciais internos foram idôneos e eficazes e se os recursos tramitaram e foram solucionados devidamente Do mesmo modo se deverá analisar no mérito se o pagamento feito a título de reparação de danos materiais foi suficiente e se houve atos e omissões que violaram garantias de acesso à justiça que poderiam ter gerado responsabilidade internacional ao Estado Pelo exposto a Corte declara improcedente a presente exceção preliminar F Alegada inconvencionalidade da publicação do Relatório de Mérito por parte da Comissão Interamericana F1 Alegações do Estado observações da Comissão e dos representantes 84 O Estado salientou que a Comissão manteve em sua página eletrônica o texto completo do Relatório Preliminar de Mérito No 712015 de 28 de outubro de 2015 antes de submeter o caso à Corte O Estado considerou que essa circunstância viola o artigo 51 da Convenção que autoriza a Comissão a emitir um relatório definitivo e eventualmente a publicálo ou a submetêlo à jurisdição da Corte Salientou também que de maneira alguma a Comissão tem a faculdade de publicálo antes de levar o caso à Corte Portanto o Estado solicitou que se declare que a Comissão violou os artigos 50 e 51 da Convenção e que retire de sua página eletrônica o referido Relatório 85 A Comissão observou que a alegação do Estado não constitui uma exceção preliminar pois não se refere a questões de competência nem aos requisitos de admissibilidade estabelecidos na Convenção Sem prejuízo do anterior expôs que o Relatório de Mérito emitido em conformidade com o artigo 50 da Convenção Americana é preliminar e tem natureza confidencial e que no momento em que a Comissão opta por uma das vias mencionadas no artigo 51 o relatório perde o caráter preliminar e confidencial Além disso publicar o relatório na página eletrônica é prática reiterada da Comissão que não contraria nenhuma norma convencional ou regulamentar como se afirmou em recentes sentenças a respeito do Brasil Por conseguinte a Comissão solicitou à Corte que reitere o decidido em casos anteriores sobre o assunto e descarte essa exceção preliminar 86 Os Representantes ressaltaram que a exceção preliminar apresentada pelo Estado é contraditória ao pretender que se determine uma violação com base num tratado internacional de direitos humanos em seu prejuízo desconhecendo que justamente é o Estado que assina tratados internacionais de direitos humanos assumindo a obrigação de garantir o gozo dos direitos e liberdades de todo ser humano sob sua jurisdição Além disso afirmaram que o argumento apresentado não constitui uma exceção preliminar motivo pelo qual deve ser rejeitado 87 Sem prejuízo do exposto alegaram que o Estado deve fundamentar que a ação da Comissão constitui erro grave e que redunda em prejuízo de seu direito de defesa 39 Caso das Crianças de Rua Villagrán Morales e outros Vs Guatemala Mérito par 222 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 56 20 F2 Considerações da Corte 88 A Corte observa que os argumentos do Estado são idênticos aos apresentados na exceção preliminar nos casos Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Favela Nova Brasília e Povo Indígena Xucuru40 Nas sentenças referentes a esses casos a Corte procedeu a uma análise detalhada da alegação estatal e concluiu que o Estado não demonstrou sua afirmação relativa a que a publicação do Relatório de Mérito do caso se havia dado de forma diferente do exposto pela Comissão ou de maneira contrária ao estabelecido na Convenção Americana A afirmação do Tribunal nos casos citados se aplica também ao presente pois o Estado tampouco demonstrou que a publicação do Relatório de Mérito tenha sido feita de forma contrária ao exposto pela Comissão ou contrariando o estabelecido na Convenção Americana razão pela qual a Corte considera que a alegação do Brasil é improcedente G Incompetência da Corte para examinar fatos propostos pelos representantes G1 Alegações do Estado observações da Comissão e dos representantes 89 O Estado apresentou uma exceção preliminar na qual expôs que os representantes das supostas vítimas não podem propor fatos novos diferentes dos apresentados pela Comissão em seu Relatório de Mérito embora seja possível formular pretensões de direito diferentes das apresentadas pela Comissão Salientou que no presente caso a ocultação dos arquivos militares e a negativa de acesso a esses documentos não estão no Relatório de Mérito da Comissão e que portanto a pretensão dos representantes de que se declare a violação do direito à verdade carece de fundamento fático 90 Também afirmou que não há no Relatório de Mérito da Comissão menção à suposta violação do direito à verdade nem à ação civil pública que já estava em tramitação nesse momento Portanto o Estado considerou que no presente caso se faz necessário o reconhecimento da incompetência ratione materiae para a análise de fatos que são alheios ao relatório de admissibilidade e do escrito de apresentação do caso à Corte 91 A esse respeito a Comissão observou que os argumentos do Estado não têm caráter de exceção preliminar mas de controvérsia de mérito Acrescentou que o proposto pelo Estado não busca objetar a competência por razão de tempo matéria tempo ou lugar nem tem caráter preliminar mas pelo contrário se refere a fatos alegados pelos representantes que supostamente não fariam parte do quadro fático definido no Relatório de Mérito da Comissão 92 Em virtude do exposto a Comissão lembrou que o quadro fático do processo perante a Corte é constituído pelos fatos constantes do Relatório de Mérito submetido pela Comissão sem prejuízo de que os representantes formulem argumentos jurídicos autônomos e exponham fatos que permitam explicar esclarecer ou desconsiderar os que tenham sido submetidos à consideração da Corte a qual é convocada a avaliar se os aspectos abordados explicam ou esclarecem os fatos expostos pela Comissão em seu Relatório de Mérito e se guardam relação com o quadro fático do caso 93 Finalmente a Comissão considerou que o alegado pelos representantes constitui precisamente uma explicação do contexto de acobertamento institucional estabelecido no Relatório de Mérito Do mesmo modo podia entenderse como vinculado às tentativas das 40 Cf Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil par 23 a 27 Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 24 a 28 e Caso do Povo Indígena Xucuru e seus membros Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 5 de fevereiro de 2018 Série C No 346 par 24 21 diversas instâncias internas de obter informação por parte de entidades públicas inclusive a instituição militar e nesse sentido se encontra relacionado razoavelmente ao quadro fático e à análise realizada no Relatório de Mérito 94 Os Representantes destacaram que o quadro fático não constitui uma exceção preliminar e sim uma análise que deverá ser feita pela Corte ao determinar o mérito do caso como se depreende da jurisprudência deste Tribunal 95 Sem prejuízo do exposto com respeito à inclusão de fatos que não estavam expostos no Relatório de Mérito alegaram que essa circunstância é possível quando se refira a fatos que expliquem esclareçam ou rechacem os fatos submetidos à consideração da Corte Do mesmo modo salientaram que é possível admitir os fatos qualificados como supervenientes Nesse sentido compete à Corte Interamericana decidir em cada caso concreto acerca da procedência de argumentos relativos ao quadro fático resguardado o equilíbrio processual das partes e o princípio do contraditório 96 Além disso os representantes salientaram que sua alegação relativa à suposta violação do direito à verdade ocorreu por três fatos que foram abordados no Relatório de Mérito da Comissão Interamericana i a versão oficial de suicídio por enforcamento de Vladimir Herzog ii a ausência de documentos oficiais sobre as circunstâncias de sua detenção arbitrária tortura e assassinato e iii a ausência de investigação adequada G2 Considerações da Corte 97 A Corte recorda que as exceções preliminares são objeções que têm caráter prévio e tendem a impedir a análise do mérito de um assunto questionado mediante a oposição à admissibilidade de um caso ou da competência do Tribunal para conhecer de um determinado caso ou de algum de seus aspectos seja em razão da pessoa ou da matéria seja do tempo ou do lugar desde que essas alegações tenham o caráter de preliminares41 Caso não tenha sido possível analisar essas alegações sem entrar na análise prévia do mérito de um caso não podem ser analisadas mediante uma exceção preliminar42 Por essa razão não considera as presentes alegações estatais uma exceção preliminar sem prejuízo de resolver a proposição neste capítulo 98 Com respeito ao acima exposto a Corte recorda que de acordo com sua jurisprudência constante o quadro fático do processo perante a Corte é constituído pelos fatos constantes do Relatório de Mérito com exceção dos fatos que se qualificam como posteriores sempre que se encontrem ligados aos fatos do processo Isso sem prejuízo de que os representantes possam expor os fatos que permitam explicar esclarecer ou desconsiderar os que tenham sido mencionados no Relatório de Mérito e submetidos à consideração da Corte43 No presente caso a Corte observa que a informação remetida pelos representantes tem relação com o alegado acobertamento institucional a que se refere a Comissão em seu Relatório de Mérito Além disso a Corte considera que ainda que a Comissão não tenha estabelecido uma violação do direito à verdade a ação civil pública está incluída no quadro fático do Relatório de Mérito de modo que os fatos apresentados pelos 41 Cf Caso Las Palmeras Vs Colômbia Exceções Preliminares par 34 e Caso García Ibarra e outros Vs Equador Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 17 de novembro de 2017 Série C No 306 par 18 42 Cf Caso Castañeda Gutman Vs México par 39 e Caso Chinchilla Sandoval Vs Guatemala Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de novembro de 2016 Série C No 328 par 39 43 Cf Caso Cinco Pensionistas Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 28 de fevereiro de 2003 Série C No 98 par 153 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de março de 2017 Série C No 334 par 30 22 representantes relacionados a essa iniciativa judicial são admissíveis e serão considerados no capítulo de mérito V PROVA A Prova documental testemunhal e pericial 99 A Corte recebeu diversos documentos apresentados como prova pelo Estado pelos representantes e pela Comissão anexados a seus escritos principais par 2 7 e 8 supra Recebeu também os depoimentos prestados perante agente dotado de fé pública affidavit dos peritos John Dinges e Naomi RohtArriaza propostos pela Comissão dos peritos Dimitrios Dimoulis e Maria Auxiliadora Minahum propostos pelo Estado e das supostas vítimas André Herzog e Ivo Herzog e dos peritos Juan Méndez Fabio Simas Renado Sérgio de Lima e Ana C Deutsh propostos pelos representantes Quanto à prova apresentada em audiência pública a Corte recebeu os depoimentos da suposta vítima Clarice Herzog da testemunha Marlon Weichert e do perito Sergio Gardenghi Suiama propostos pelos representantes bem como do perito Alberto Zacharias Toron proposto pelo Estado B Admissibilidade da prova B1 Admissibilidade da prova documental 100 No presente caso assim como em outros a Corte admite os documentos apresentados pelas partes e pela Comissão na devida oportunidade processual artigo 57 do Regulamento que não foram questionados ou objetados nem cuja autenticidade foi posta em dúvida44 sem prejuízo de que a seguir se solucionem as controvérsias suscitadas sobre a admissibilidade de determinados documentos 101 Uma vez vencido o prazo para apresentar anexos ao escrito de exceções preliminares e contestação o Estado enviou extemporaneamente um documento45 previamente identificado na relação de anexos Esse documento foi considerado extemporâneo e não foi admitido nos autos 102 No que se refere aos documentos sobre custas e gastos remetidos pelos representantes juntamente com as alegações finais escritas a Corte só considerará aqueles que se refiram às novas custas e gastos em que tenham incorrido por ocasião do procedimento perante esta Corte ou seja os realizados posteriormente à apresentação do escrito de solicitações e argumentos Por conseguinte não considerará as faturas cujas datas sejam anteriores à apresentação do escrito de solicitações e argumentos já que deviam ter sido apresentadas no momento processual oportuno 103 Por outro lado a Corte observa que o Estado formulou diversas observações sobre os anexos apresentados pelos representantes juntamente com as alegações finais escritas46 Essas observações se referem ao conteúdo e ao valor probatório dos documentos e não implicam objeção à sua admissibilidade 44 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Mérito par 140 e Caso Acosta e outros Vs Nicarágua par 20 45 O documento consiste nas páginas dedicadas a Vladimir Herzog no livro Direito à memória e à verdade 46 O Estado apresentou diversas observações sobre os anexos e alegou que não basta o envio de documentos probatórios mas que é necessário que as partes desenvolvam uma argumentação que relacione a prova ao fato que se considera representado e que ao se considerar os alegados desembolsos econômicos se estabeleçam com clareza os objetos de despesa e sua justificação 23 B2 Admissibilidade dos depoimentos e dos pareceres periciais 104 A Corte julga pertinente admitir os depoimentos prestados em audiência pública e perante agente dotado de fé pública na medida em que se ajustem ao objeto definido pela resolução que ordenou recebêlos e ao objeto do presente caso C Apreciação da prova 105 Segundo o disposto nos artigos 46 47 48 50 51 57 e 58 do Regulamento assim como em sua jurisprudência constante a respeito da prova e sua apreciação a Corte examinará e avaliará os elementos probatórios documentais remetidos pelas partes e pela Comissão os depoimentos e os pareceres periciais ao estabelecer os fatos do caso e se pronunciar sobre o mérito Para isso se sujeita aos princípios da crítica sã dentro marco normativo correspondente levando em conta o conjunto do acervo probatório e as alegações da causa47 VI FATOS PROVADOS 106 Depois de analisados os elementos probatórios e os depoimentos das testemunhas e peritos bem como as alegações da Comissão Interamericana dos representantes e do Estado a Corte considera provados os fatos a seguir detalhados os quais não foram controvertidos pelo Estado em nenhum momento processual Por outro lado os fatos que se descrevem anteriores à data de ratificação da competência da Corte por parte do Brasil 10 de dezembro de 1998 servem como antecedentes para contextualizar aqueles fatos ocorridos a partir dessa data A Contexto histórico 107 Conforme destacou esta Corte na sentença proferida no Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil48 85 Em abril de 1964 um golpe militar depôs o governo constitucional do Presidente João Goulart A consolidação do regime militar baseouse na Doutrina da Segurança Nacional e na promulgação de sucessivas normas de segurança nacional e normas de exceção como os atos institucionais que funcionaram como pretenso marco legal para dar cobertura jurídica à escalada repressiva Esse período foi caracterizado pela instalação de um aparelho de repressão que assumiu características de verdadeiro poder paralelo ao Estado e chegou ao seu mais alto grau com a promulgação do Ato Institucional nº 5 em dezembro de 1968 Entre outras manifestações repressivas nesse período encontrase o fechamento do Congresso Nacional a censura completa da imprensa a suspensão dos direitos individuais e políticos da liberdade de expressão da liberdade de reunião e da garantia do habeas corpus Também se estendeu o alcance da justiça militar e uma Lei de Segurança Nacional introduziu entre outras medidas as penas perpétua e de morte 86 Entre 1969 e 1974 produziuse uma ofensiva fulminante sobre os grupos armados de oposição O mandato do Presidente Médici 19691974 representou a fase de repressão mais extremada em todo o ciclo de 21 anos do regime militar no Brasil Posteriormente durante os três primeiros anos do governo do Presidente 47 Cf Caso da Panel Blanca Paniagua Morales e outros Vs Guatemala Mérito par 76 e Caso Andrade Salmón Vs Bolívia Mérito Reparações e Custas Sentença de 1o de dezembro de 2015 Série C No 330 par 22 48 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 24 de novembro de 2010 Série C No 219 par 85 e ss 24 Geisel 19741979 o desaparecimento de presos políticos que antes era apenas uma parcela das mortes ocorridas tornase a regra predominante para que não ficasse estampada a contradição entre discurso de abertura e a repetição sistemática das velhas notas oficiais simulando atropelamentos tentativas de fuga e falsos suicídios Como consequência a partir de 1974 oficialmente não houve mortes nas prisões todos os presos políticos mortos desapareceram e o regime passou a não mais assumir o assassinato de opositores 87 Segundo a Comissão Especial cerca de 50 mil pessoas teriam sido detidas somente nos primeiros meses da ditadura cerca de 20 mil presos foram submetidos a torturas há 354 mortos e desaparecidos políticos 130 pessoas foram expulsas do país 4862 pessoas tiveram seus mandatos e direitos políticos suspensos e centenas de camponeses foram assassinados A Comissão Especial destacou que o Brasil é o único país da região que não trilhou procedimentos penais para examinar as violações de direitos humanos ocorridas em seu período ditatorial mesmo tendo oficializado com a lei nº 914095 o reconhecimento da responsabilidade do Estado pelas mortes e desaparecimentos denunciados Isso tudo devido a que em 1979 o Estado editou uma Lei de Anistia 108 A maior violência contra opositores do regime militar ocorreu em 1964 e entre 1968 e 1975 Esses foram os períodos com mais casos de mortos e desaparecidos políticos oficialmente reconhecidos pelo Estado Além disso esses períodos também coincidem com a centralização das investigações e das operações de repressão nos centros de informação da Marinha CENIMAR do Exército CIE e da Aeronáutica CISA bem como com a estruturação dos Centros de Operações de Defesa Interna CODI e dos respectivos Departamentos de Operações Internas DOI49 109 Ante o aparente crescimento do Partido Comunista Brasileiro PCB e a constatação de que se trataria de uma ameaça ao governo do Presidente Geisel as forças de segurança decidiram neutralizar o PCB Nesse sentido jornalistas da Voz Operária e membros do PCB passaram a ser sequestrados ou detidos torturados e inclusive mortos por agentes estatais entre os anos de 1974 e 197650 110 Entre fins de setembro e princípios de outubro de 1975 o DOICODI de São Paulo intensificou ações de repressão contra jornalistas51 111 No dia anterior à privação de liberdade de Vladimir Herzog em 24 de outubro de 1975 11 jornalistas estavam detidos Sergio Gomes da Silva Marinilda Marchi Frederico Pessoa da Silva Ricardo de Moraes Monteiro José Pola Galé Luiz Paulo da Costa Anthony de Christo Paulo Sérgio Markun Diléa Frate George Duque Estrada e Rodolfo Konder52 112 Dezenas de dirigentes e membros integrantes do Comitê Central do PCB foram detidos e torturados embora nem todos tenham sido assassinados53 Estimase que entre 49 Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar Relatório sobre as atividades de persecucão penal desenvolvidas pelo MPF em matéria de graves violacões a DH cometidas por agentes do Estado durante o regime de exceção Brasília 2017 p 86 expediente de prova folha 14283 50 DANTAS Audálio As duas guerras de Vlado Herzog Rio de Janeiro Editora Civilização Brasileira 2014 expediente de prova folha 3691 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração Rio de Janeiro Objetiva 2005 p 1112 expediente de prova folhas 8759 a 8769 e BRASIL Presidência da República Secretaria Especial dos Direitos Humanos Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre os Mortos e Desaparecidos Políticos Brasília Secretaria Especial dos Direitos Humanos 2007 p 374 expediente de prova folha 372 BRASIL Relatório da Comissão Nacional da Verdade 10 de dezembro de 2014 expediente de prova folha 3273 51 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração p 112 e 113 expediente de prova folhas 8782 e 8783 52 DANTAS Audálio As duas guerras de Vlado Herzog expediente de prova folha 3691 53 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3273 25 1974 e 1976 tenham sido assassinadas pelo menos 19 pessoas entre as quais estavam 11 dirigentes do PCB54 No total entre março de 1974 e janeiro de 1976 foram detidos pela Operação Radar 679 membros do PCB entre eles Vladimir Herzog55 B Sobre Vladimir Herzog 113 Vladimir Herzog nasceu em 27 de maio de 1937 na antiga Iugoslávia atual Croácia e chegou ao Brasil em 1946 aos nove anos de idade junto com os pais Zigmund e Zora Herzog Naturalizouse brasileiro e estudou na Faculdade de Filosofia Iniciou a carreira de jornalista em 1959 no jornal O Estado de São Paulo Casouse com Clarice Ribeiro Chaves pouco antes do golpe de Estado em 15 de fevereiro de 196456 114 Logo após o golpe em 1965 instalaramse ambos em Londres por pouco mais de dois anos durante os quais Vladimir trabalhou como produtor e locutor da BBC e tiveram seus dois filhos André e Ivo Em 1968 voltou ao país e trabalhou como editor cultural da revista Visão Em 1972 ocupou o cargo de secretário do programa Hora da Notícia no canal de televisão TV Cultura e em seguida assumiu o posto de diretor do Departamento de Jornalismo do mencionado canal57 115 Além de jornalista e dramaturgo Herzog também era membro do Partido Comunista Brasileiro PCB58 C Operação Radar 116 A Operação Radar surgiu como uma ofensiva dos órgãos de segurança para combater e desmantelar o PCB e seus membros mas a Operação não se limitava a deter tendo também como objetivo matar seus dirigentes59 A Operação teve início em 1973 conduzida pelo Centro de Informação do Exército CIE em conjunto com o DOICODI do II Exército60 A ofensiva funcionou entre março de 1974 e janeiro de 1976 117 O DOI do II Exército foi notoriamente um dos piores e mais violentos centros de repressão política do regime ditatorial sobretudo no período em que Carlos Alberto Brilhante Ustra esteve no comando época em que se registrou o maior número de casos reconhecidos de tortura execução sumária e desaparecimentos de opositores políticos O DOI do II Exército deteve 2541 pessoas e recebeu 914 presos enviados por outros órgãos Foram 54 as vítimas reconhecidas como executadas pelo DOI e 1348 os presos transferidos ao Departamento Estadual de Ordem Política e Social DEOPS61 54 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folhas 3249 e 3250 55 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3281 56 Depoimento em audiência de Clarice Herzog Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folhas 405 e 406 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3299 Comissão de Familiares e Desaparecidos Políticos 1975 Vladimir Herzog Em Dossiê Ditadura Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil 19641985 2ª edição 2007 expediente de prova folhas 3976 e 3977 57 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração expediente de prova folhas 8748 a 8751 Comissão de Familiares e Desaparecidos Políticos 1975 Vladimir Herzog expediente de prova folha 3977 58 Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folhas 405 e 407 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folhas 1004 e 3299 Comissão de Familiares e Desaparecidos Políticos 1975 Vladimir Herzog expediente de prova folha 3977 Páginas destinadas a Vladimir Herzog no livro Direito à memória e à verdade expediente de prova folha 103373 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração expediente de prova folhas 8759 a 8767 59 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3317 60 Relatorio da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3273 61 Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 228 expediente de prova folha 14425 26 118 Estimase que o ataque final contra o PCB em São Paulo tenha começado em 29 de setembro de 1975 quando José Montenegro de Lima foi detido torturado e morto Nos dias seguintes dezenas de pessoas foram detidas62 119 Muitas vítimas foram executadas em centros clandestinos utilizados para torturar assassinar e ocultar cadáveres pelos agentes do DOICODISP63 A casa de Itapevi localizada na região metropolitana de São Paulo foi apontada como o centro clandestino utilizado pelo DOICODI do II Exército e pelo CIE para torturar e executar os presos da Operação Radar especialmente membros do PCB64 120 Assim paulatinamente os militantes do PCB foram detidos torturados ou executados pela Operação Radar entre os anos de 1974 e 197665 Segundo o Ministério Público Federal brasileiro provas obtidas sobre os anos 1970 a 1975 mostram a prática sistemática de execuções e desaparecimentos dos opositores com um registro de 281 mortes ou desaparecimentos de opositores ou seja 75 do total dos mortos e desaparecidos em todo o período da ditadura no Brasil66 D Os fatos ocorridos em 25 de outubro de 1975 121 Na noite de 24 de outubro de 1975 dois agentes do DOICODI apresentaramse na sede da TV Cultura onde Vladimir Herzog se encontrava trabalhando O senhor Herzog foi intimado a acompanhálos à sede desse organismo a fim de prestar declaração testemunhal Após a intervenção da direção do canal as forças de segurança aceitaram notificar o senhor Herzog para que voluntariamente depusesse na manhã do dia seguinte67 122 Vladimir Herzog se apresentou na sede do DOICODI na manhã do sábado 25 de outubro voluntariamente68 Ao chegar foi privado de sua liberdade interrogado e torturado O jornalista Rodolfo Osvaldo Konder que na data em questão já se encontrava detido no DOICODI registrou No sábado pela manhã percebi que Vladimir Herzog tinha chegado Ao meu lado estava sentado George Duque Estrada do Estado de São Paulo e eu comentei com ele que Vladimir Herzog estava ali presente Algum tempo depois Vladimir foi retirado da sala Nós continuamos sentados lá no banco até que veio um dos interrogadores levou a mim e ao Duque Estrada a uma sala de interrogatório Vladimir estava lá sentado numa cadeira com o capuz enfiado Assim que entramos na sala o interrogador mandou que tirássemos os capuzes por isso nós vimos que era Vladimir e vimos também o interrogador Tanto eu como Duque Estrada de fato aconselhamos Vladimir a dizer o que sabia Vladimir disse que não sabia de nada e nós dois fomos retirados da sala e levados de volta ao banco de madeira onde nos encontrávamos na sala contígua De lá podíamos ouvir nitidamente os gritos 62 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração p 111 a 137 expediente de prova folhas 8782 a 8795 63 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3251 64 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folhas 3141 e 3250 65 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3123 66 Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 76 e 77 expediente de prova folhas 14273 e 14274 67 Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folha 406 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração p 132 a 133 expediente de prova folha 8793 68 Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folha 406 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3299 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração p 133 expediente de prova folha 8793 27 primeiro do interrogador e depois de Vladimir e ouvimos quando o interrogador pediu que lhe trouxessem a pimentinha69 e solicitou ajuda de uma equipe de torturadores Alguém ligou o rádio e os gritos de Vladimir se confundiam com o som do rádio naquele momento Vladimir estava sendo torturado e gritava A partir de determinado momento o som da voz de Vladimir se modificou como se tivessem introduzido alguma coisa em sua boca como se lhe tivessem posto uma mordaça Mais tarde os ruídos cessaram Depois do almoço o mesmo interrogador veio me apanhar pelo braço e me levar até a sala onde se encontrava Vladimir permitindo mais uma vez que eu tirasse o capuz Vladimir estava sentado na mesma cadeira mas agora me parecia particularmente nervoso70 123 Na tarde desse mesmo dia Vladimir Herzog foi assassinado pelos membros do DOICODI que o mantinham preso Segundo perícia da Comissão Nacional da Verdade determinouse que foi estrangulado71 Vladimir Herzog tinha 38 anos 124 Nesse mesmo dia o Comando do II Exército mediante comunicado divulgou publicamente a versão oficial dos fatos Afirmou que Vladimir Herzog se suicidara enforcandose com uma tira de pano O comunicado informava que Herzog havia sido convidado a comparecer já que fora citado por Konder e Duque Estrada como militante do PCB Segundo essa versão durante uma acareação com os jornalistas mencionados Herzog teria confessado sua participação no partido e teria feito inclusive uma declaração por escrito72 Finalmente o comunicado afirmou que uma perícia técnica teria confirmado a morte por suicídio73 125 O assassinato de Vladimir Herzog causou grande comoção na sociedade brasileira Sucederamse vários dias de greves estimuladas tanto pelo sindicato de jornalistas como por estudantes e professores universitários74 Milhares de pessoas participaram do enterro de Vladimir Herzog75 Poucos dias depois de sua morte na Catedral de São Paulo uma missa foi rezada em sua homenagem à qual compareceram milhares de pessoas76 E Inquérito Policial Militar IPM No 117375 126 A importante reação social à morte de Herzog fez com que em 30 de outubro de 1975 o General Comandante do II Exército determinasse o início de um inquérito policial militar destinado a descobrir as circunstâncias do suicídio do jornalista Vladimir Herzog O 69 Dáse o nome de pimentinha a uma máquina de choques elétricos comumente conhecida na América Latina como bastão elétrico 70 Processo No 200861810134342 Justiça Federal de São Paulo Volume 2 folha 280 declarações de Rodolfo Osvaldo Konder de 7 de novembro de 1975 expediente de prova folhas 3965 a 3967 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração p 134 e 135 expediente de prova folha 8794 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folhas 3300 3301 e 11097 71 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3300 72 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folhas 1003 e 3300 73 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 1004 Processo Nº 20086181013434 2 Justiça Federal de São Paulo Volume 3 folhas 492 e 493 Nota Oficial do Comando do II Exército 74 Brasil Desaparecidos Políticos um Capítulo não Encerrado da História Brasileira Editorial Instituto Macuco São Paulo 2012 expediente de prova folha 7245 Declaração pericial de Jhon Dinges expediente de prova folha 14565 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 635 75 DANTAS Audálio As duas guerras de Vlado Herzog expediente de prova folhas 3825 e 3883 FIGUEIREDO Lucas Lugar nenhum militares e civis na ocultação dos documentos da ditadura 1ª Ed São Paulo Companhia das Letras 2015 p 94 expediente de prova folha 8678 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 635 76 Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folha 406 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 635 e 3300 28 Inquérito Policial Militar No 117375 foi presidido pelo General de Brigada Fernando Guimarães Cerqueira Lima77 127 O senhor Motoho Chiota oficial que redigiu o relatório de criminalística concluiu que a disposição do cadáver correspondia a um quadro típico de suicídio por enforcamento Do mesmo modo Arildo Viana e Harry Shibata peritos forenses apresentaram um laudo de necropsia78 A falsidade das autópsias por parte dos próprios médicos das forças de segurança foi relatada como uma constante durante a ditadura militar brasileira79 128 O inquérito chegou à conclusão de que a morte de Vladimir Herzog ocorreu por suicídio mediante enforcamento Desse modo foi legitimada a versão oficial da época80 Assim e considerando que não havia violação do código penal militar nem do regulamento militar as investigações foram arquivadas Essa decisão foi confirmada em 12 de fevereiro de 1976 pela Justiça Militar81 129 Em 9 de dezembro de 1975 o atestado de óbito de Vladimir Herzog foi emitido consignando como causa mortis asfixia mecânica por enforcamento82 F Ação Declaratória No 13676 130 Em 19 de abril de 1976 Clarice Ivo e André Herzog apresentaram uma Ação Declaratória à Justiça Federal de São Paulo83 para declarar a responsabilidade da União Federal84 pela detenção arbitrária tortura e morte de Vladimir Herzog85 131 Em 2 de julho de 1976 a União apresentou sua defesa86 e em 16 de março de 1978 o Juiz Federal rechaçou suas questões preliminares87 Em 16 de maio de 1978 a audiência de instrução foi realizada88 Nessa audiência o senhor Harry Shibata declarou que apesar de ter assinado o laudo de necropsia de Herzog nunca tinha visto seu corpo89 Por 77 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3300 DANTAS Audálio As duas guerras de Vlado Herzog expediente de prova folhas 3897 e 3898 78 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3300 79 Câmara Municipal de São Paulo CPI PerusDesaparecidos In Vala clandestina de Perus Desaparecidos Políticos um Capítulo não Encerrado da História Brasileira São Paulo Instituto Macuco 2012 folha 172 expediente de prova folha 3535 Declaração pericial em audiência de Sergio Suiama Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 116 expediente de prova folha 14313 80 DANTAS Audálio As duas guerras de Vlado Herzog expediente de prova folha 3897 Processo No 200861810134342 Justiça Federal de São Paulo Volume 1 folha 129 Parecer do Ministério Público Militar solicitando o arquivamento de 12 de fevereiro de 1976 expediente de prova folha 4249 Processo No 200861810134342 Justiça Federal de São Paulo Volume 1 folha 130132 Decisão de arquivamento do Inquérito Policial Militar de 8 de março de 1976 expediente de prova folhas 4252 a 4255 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3300 MARKUN Paulo Meu querido Vlado A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração p 112 expediente de prova folha 8783 Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre os Mortos e Desaparecidos Políticos p 408 expediente de prova folha 406 81 Processo Nº 200861810134342 Justiça Federal de São Paulo Volume 1 folha 129 Parecer do Ministério Público Militar solicitando o arquivamento de 12 de fevereiro de 1976 expediente de prova folha 4249 82 Processo No 200861810134342 folha 629 Atestado de óbito de Vladimir Herzog de 9 de dezembro de 1975 expediente de prova folha 4210 83 Declaração em audiência de Clarice Herzog 84 A expressão União ou União Federal é sinônimo de governo federal no Brasil 85 Processo No 200861810134342 folhas 326 328 e 333 expediente de prova folhas 4256 a 4272 Petição Inicial da Ação Declaratória Nº 13676 de 19 de abril de 1976 expediente de prova folha 4272 86 Processo No 200861810134342 folhas 88123 expediente de prova folhas 42744309 87 Processo No 200861810134342 folhas 268270 expediente de prova folhas 43114313 88 Processo No 200861810134342 folhas 431452 Audiência de Instrução e Julgamento na Ação Declaratória No 13676 de 16 de maio de 1978 expediente de prova folha 4333 89 Processo No 200861810134342 folha 441 Declaração de Harry Shibata na Ação Declaratória No 13676 de 16 de maio de 1978 expediente de prova folha 4158 Processo No 200861810134342 folha 431452 29 sua vez o jornalista Paulo Sérgio Markun declarou que seus depoimentos no âmbito do inquérito policial militar haviam sido manipulados90 Finalmente Rodolfo Konder declarou que conseguiu ouvir claramente os gritos do senhor Herzog enquanto era torturado por militares do DOICODI91 132 Em 27 de outubro de 1978 o Juiz Federal Márcio José de Moraes proferiu sentença na qual declarou que Vladimir Herzog havia morrido de causas não naturais quando estava no DOICODISP O juiz salientou que não havia razão para que Herzog tivesse com ele um cinto porque sua roupa era inteiriça Também se referiu à ilegalidade da detenção de Vladimir Herzog bem como à prova da tortura que sofreu92 133 O juiz afirmou que o relatório complementar cuja conclusão principal foi a ocorrência de suicídio por suspensão não tinha valor porque esse documento havia sido elaborado com base no relatório de necropsia comprovadamente falsificado Além disso observou que os depoimentos reunidos durante a investigação do Exército favoráveis à versão da União Federal não foram repetidos durante o julgamento e tampouco tinham valor probatório porque se contrapunham por completo aos depoimentos colhidos judicialmente segundo o princípio do contraditório93 Assim a União Federal não conseguiu comprovar sua versão sobre o suicídio de Herzog 134 Por outro lado o juiz concluiu que houve crime de abuso de autoridade assim como de tortura praticada contra Vladimir Herzog e os demais presos políticos que estavam detidos no DOICODI razão pela qual solicitou o envio do expediente ao Procurador da Justiça Militar94 135 Contra essa sentença a União interpôs um recurso de apelação em 17 de novembro de 197895 Em 1983 o Tribunal Federal de Recursos declarou a existência de uma relação jurídica entre os atores da ação declaratória e a União que consistia na obrigação desta última de indenizar pelos danos decorrentes da morte de Herzog e salientou que esses danos deveriam ser reclamados por meio de uma ação de indenização Contra essa decisão a União interpôs um recurso de Embargos Infringentes96 Em 18 de maio de 1994 o Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou o recurso97 e a decisão se tornou definitiva em 27 de setembro de 1995 Audiência de Instrução e Julgamento na Ação Declaratória No 13676 de 16 de maio de 1978 expediente de prova folha 4342 90 Processo No 200861810134342 folhas 431452 Audiência de Instrução e Julgamento na Ação Declaratória No 13676 de 16 de maio de 1978 expediente de prova folha 4349 a 4351 Processo No 200861810134342 folha 448 Declaração de Paulo Sérgio Markun na Ação Declaratória No 13676 de 16 de maio de 1978 expediente de prova folhas 4362 a 4366 91 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folhas 3300 e 3301 92 Processo No 200861810134342 Sentença na Ação Declaratória No 13676 27 de outubro de 1978 expediente de prova folhas 4074 a 4090 93 Processo No 200861810134342 Sentença na Ação Declaratória No 13676 27 de outubro de 1978 expediente de prova folhas 4083 a 4091 94 Processo No 200861810134342 Sentença na Ação Declaratória No 13676 27 de outubro de 1978 expediente de prova folhas 4028 a 4094 95 Processo No 200861810134342 folhas 725743 Recurso da União Federal 17 de novembro de 1978 expediente de prova folhas 4377 a 4396 96 Os embargos infringentes são um recurso exclusivo da defesa que se fundamenta na falta de unanimidade na decisão colegiada Ele também questiona pontos específicos em que houve discordância Vale destacar que somente os itens que constam dos embargos poderão ter seus efeitos suspensos ou reapreciados o restante da decisão permanece inalterado 97 Tribunal Regional Federal da 3ª Região Sentença de Embargos Infringentes No 890372642 de 18 de maio de 1994 expediente de prova folha 4315 a 4328 30 G Sobre a Lei de Anistia 136 Em 28 de agosto de 1979 o General João Baptista Figueiredo sancionou a Lei de Anistia No 668379 que concedeu anistia nos seguintes termos98 Art 1º É concedida anistia a todos quantos no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979 cometeram crimes políticos ou conexo com estes crimes eleitorais aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta de fundações vinculadas ao poder público aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares 1º Consideramse conexos para efeito deste artigo os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política 2º Excetuamse dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo assalto sequestro e atentado pessoal 137 Em 29 de abril de 2010 o Supremo Tribunal Federal decidiu por sete votos a dois que a Lei de Anistia era compatível com a Constituição brasileira de 1988 reafirmando sua vigência Essa decisão tem eficácia erga omnes e efeito vinculante a respeito de todos os órgãos do poder público99 138 Esta Corte já se manifestou sobre a mencionada lei na sentença proferida no caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil Em virtude dessa lei até esta data o Estado não investigou processou ou sancionou penalmente os responsáveis pelas violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar inclusive as do presente caso Isso se deve a que a interpretação da Lei de Anistia absolve automaticamente todas as violações de direitos humanos que tenham sido perpetradas por agentes da repressão política100 Dada sua manifesta incompatibilidade com a Convenção Americana as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos carecem de efeitos jurídicos Em consequência não podem continuar a representar um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso nem para a identificação e punição dos responsáveis nem podem ter igual ou similar impacto sobre outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil101 139 Em relação à decisão da ADPF No 153 a Ordem dos Advogados do Brasil entidade peticionária dessa ação interpôs um recurso de embargos de declaração recurso de esclarecimento em 16 de março de 2011 Esse recurso continua pendente de decisão ao momento de proferir a presente sentença e a Lei No 668379 continua sendo aplicada pelo Poder Judiciário 98 Lei No 6683 de 28 de agosto de 1979 expediente de prova folha 6825 Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folha 26 99 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 135 e 136 100 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 135 101 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 174 31 H Inquérito Policial No 48792 Justiça Estadual de São Paulo 140 Em princípios de 1992 foi publicada uma entrevista na revista semanal Isto é Senhor na qual Pedro Antonio Mira Grancieri conhecido como Capitão Ramiro afirmou que havia sido o único responsável pelo interrogatório de Herzog102 141 Em virtude disso em 27 de abril de 1992 o senhor Hélio Bicudo então Deputado Federal solicitou ao Ministério Público MP que investigasse a participação de Mira Grancieri na morte de Vladimir Herzog103 Em 4 de maio de 1992 o Ministério Público solicitou à polícia a abertura de um inquérito policial e que Mira Grancieri fosse submetido a reconhecimento pessoal por parte de testemunhas104 142 Não obstante o avanço das investigações em 21 de julho de 1992 Mira Grancieri interpôs um habeas corpus a seu favor alegando que os fatos já tinham sido analisados pelo inquérito militar arquivado que a justiça ordinária não tinha competência para analisar os fatos e que a Lei de Anistia impedia a investigação dos fatos105 143 Em 13 de outubro de 1992 a Quarta Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo por votação unânime concedeu o habeas corpus e encerrou a investigação em cumprimento à Lei de Anistia106 144 Em 28 de janeiro de 1993 o ProcuradorGeral de São Paulo apelou da decisão fundamentando seu recurso em que os inquéritos policiais não podiam ser paralisados por meio do habeas corpus107 145 No entanto em 18 de agosto de 1993 o Superior Tribunal de Justiça STJ confirmou a decisão de primeira instância Os magistrados sustentaram que não haviam sido cumpridos requisitos formais processuais e indeferiram o recurso108 I Reconhecimento de responsabilidade por meio da Lei No 91401995 146 Em 4 de dezembro de 1995 foi promulgada a Lei No 91401995 mediante a qual o Estado reconheceu sua responsabilidade entre outros pelo assassinato de opositores políticos no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979 147 A Lei também criou a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos CEMDP Entre as atribuições dessa Comissão se encontrava a de proceder ao reconhecimento de pessoas a que por haver participado de atividades políticas ou por haver sido acusadas de participação nessas atividades tenham falecido por causas não 102 Revista Isto é Senhor reportagem Eu Capitão Ramiro interroguei Herzog edição de 25 de março de 1992 expediente de prova folha 4127 a 4131 Processo Nº 200861810134342 folhas 974982 Representação de Hélio Bicudo de 27 de abril de 1992 expediente de prova folha 4439 103 Processo Nº 200861810134342 folhas 974982 Representação de Hélio Bicudo de 27 de abril de 1992 expediente de prova folha 44394447 104 Processo No 200861810134342 folhas 1151 Solicitação do Ministerio Público para abertura de Inquérito Policial de 4 de maio de 1992 expediente de prova folhas 4448 a 4450 105 Habeas corpus em favor de Pedro Antônio Mira Grancieri No 13179834SP de 21 de julho de 1992 j 131092 4ª Câmara Criminal Processo No 200861810134342 folhas 11911198 expediente de prova folhas 4478 a 4485 106 Acordo em julgamento de habeas corpus de 13 de outubro de 1992 expediente de prova folhas 4478 a 4485 e 13742 a 13749 Declaração em audiência de Marlon Weichert 107 Processo No 200861810134342 folha 1208 Recurso Especial contra a Sentença de habeas corpus de 28 de janeiro de 1993 expediente de prova folhas 4487 a 4497 108 Processo No 200861810134342 folha 12321242 Sentença do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial Nº 337827SP de 18 de agosto de 1993 expediente de prova folhas 4499 a 4509 32 naturais em dependências policiais os similares b que tenham falecido em virtude de repressão policial sofrida em manifestações públicas ou em conflitos armados com agentes do poder público e c que tenham falecido em consequência de suicídio praticado ante a iminência de serem detidas ou em consequência de sequelas psicológicas resultantes de atos de tortura praticados por agentes do poder público 148 Do mesmo modo a Lei No 914095 determinou a possibilidade de conceder uma reparação pecuniária aos familiares dos mortos e desaparecidos políticos no âmbito da Comissão Especial Para esses fins estabeleceu uma fórmula matemática e dispôs um montante mínimo de ressarcimento de R100000 reais109 149 Com base nessa lei Clarice Herzog solicitou o reconhecimento de que Vladimir Herzog havia sido assassinado e torturado no DOICODI de São Paulo Sua moção foi aprovada em abril de 1996110 e por esta razão recebeu em 1997 uma indenização de R10000000 reais equivalentes a aproximadamente US10000000 da época111 150 Posteriormente essa Comissão publicou no ano de 2007 um livro denominado Direito à Memória e à Verdade no qual analisou o contexto geral no qual ocorreu a última ditadura brasileira e também casos de vítimas concretas do terrorismo de Estado entre elas Vladimir Herzog112 151 Com respeito a Vladimir Herzog esta Comissão concluiu que O caso de Vladimir Herzog produziu uma comoção nacional que fez mudar a atitude da sociedade civil frente às torturas praticadas contra presos políticos A morte de Vladimir Herzog ocorreu quando a censura à imprensa começava a ser abrandada e os cidadãos perdiam o medo de discordar e protestar A repercussão das denúncias trouxe profundos danos à credibilidade do regime militar e permitiu que explodisse um forte sentimento de indignação em todos os meios capazes de formar opinião A falsidade do alegado suicídio já ficou patente nas próprias fotos que mostravam o jornalista enforcado nas dependências do DOICODI paulista onde tinha se apresentado para depor atendendo a uma intimação recebida na véspera Vladimir Herzog entrou na lista dos visados pelos órgãos de repressão por ser suspeito de integrar o PCB Foi convocado e compareceu voluntariamente ao DOI CODISP na rua Tutóia bairro do Paraíso às 8 horas da manhã do dia 25101975 No mesmo dia por volta de 15 horas teria sido encontrado morto por seus carcereiros e algozes enforcado com o cinto do macacão de presidiário mais uma vez com os pés apoiados no chão em suspensão incompleta Seus companheiros de prisão foram unânimes em declarar que o macacão obrigatório para todos eles não possuía cinto Essa farsa terminou de ser desmascarada quando se tornaram públicos os depoimentos de George Duque Estrada e Leandro Konder jornalistas presos no mesmo local que testemunharam ter ouvido os gritos de Herzog sendo torturado Evidências inquestionáveis da tortura tinham sido identificadas pelo comitê funerário judaico responsável pela preparação do corpo para o sepultamento Por essa razão Herzog não foi enterrado na área do cemitério destinada aos suicidas conforme preceitos religiosos do Judaísmo Por fim as afirmações contraditórias dos médicos 109 Lei No 9140 de 4 de dezembro de 1995 expediente de prova folhas 13724 a 13727 110 Cópia de Extrato da 6ª Reunião Ordinária da Comissão Especial de Desaparecidos Políticos publicado no Boletim Oficial em 11 de abril de 1996 expediente de prova folha 13729 Declaração em audiência de Clarice Herzog 111 Decreto No 2255 de 16 de junho de 1997 expediente de prova folha 13732 112 Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folhas 1 a 499 Declaração em audiência de Clarice Herzog 33 legistas Harry Shibata Arildo de Toledo Viana e Armando Canger Rodrigues durante a ação judicial movida pela família também contribuíram para desmontar a versão de suicídio Ao receberem a notícia da morte jornalistas paralisaram muitas redações em São Paulo sendo que os responsáveis pelas empresas precisaram negociar para que os profissionais garantissem a edição do dia seguinte O Sindicato dos Jornalistas declarou vigília permanente e foi convocada uma celebração religiosa na Catedral da Sé que o então comandante do II Exército general Ednardo DAvila Melo tentou impedir fechando as avenidas que conduziam ao centro de São Paulo Mesmo assim milhares de pessoas se aglutinaram no templo superlotado extravasando para uma parte da praça durante o culto ecumênico concelebrado pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns pela rabino Henry Sobel e pelo reverendo Jaime Wright irmão do desaparecido político Paulo Stuart Wright Em 1978 uma decisão judicial declarou a União responsável por sua morte A partir disso a tramitação do processo referente a Herzog na CEMDP não teve qualquer controvérsia ou percalço sendo o requerimento aprovado por unanimidade logo nos primeiros meses de funcionamento da Comissão Especial Lamentavelmente o Relatório do Ministério da Marinha apresentado ao ministro da Justiça Maurício Corrêa em 1993 quando o Estado Democrático de Direito já completava cinco anos de vigência plena em nosso país preferiu manterse fiel à versão dos porões do regime ditatorial suicidouse em 25 de outubro de 1975 por enforcamento no interior da cela que ocupava no DOICodi do II Exército segundo apurado em IPM e laudos elaborados pelos órgãos competentes da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo Em 1979 em homenagem a Vlado como era conhecido pelos seus colegas o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo criou o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos113 J Atuação do Ministério Público Federal Processo No 200861810134342 152 Em razão dos fatos expostos no relatório da CEMDP em 21 de novembro de 2007 o advogado Fábio Konder Comparato solicitou ao Ministério Público Federal que investigasse os abusos e atos criminosos contra opositores políticos do regime militar por entender que o marco jurídico da época atribuía ao Estado a obrigação de investigar e punir os crimes contra a humanidade que tivessem sido cometidos114 153 A solicitação foi inicialmente analisada por membros do Ministério Público Federal sem prerrogativa penal A Procuradora da República Eugenia Augusta Gonzaga Favero e o Procurador Regional da República Marlon Alberto Weichert solicitaram em 5 de março de 2008 que o procedimento fosse encaminhado a um dos membros do Ministério Público com atribuições penais Nessa oportunidade solicitaram expressamente que se investigassem os crimes contra Vladimir Herzog sustentando que a decisão da Justiça Estadual era nula115 154 Em virtude dessa petição em 12 de setembro de 2008 o Procurador Fábio Elizeu Gaspar emitiu um despacho fundamentado no qual solicitou ao Tribunal Federal o arquivamento do inquérito116 113 Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folhas 405 a 407 114 Exposição de Fabio Konder Comparato à Procuradoria da República São Paulo 19 de novembro de 2007 expediente de prova folhas 3521 a 3527 115 Processo Nº 200861810134342 folha 1279 Ofício Nº GABPR12EAGFSP0001092008 de 5 de março de 2008 expediente de prova folhas 4511 a 4513 116 Processo Nº 200861810134342 folhas 250 Pedido de arquivamento do Procurador Regional da República expediente de prova folhas 4515 a 4563 34 155 Em seu despacho reconheceu que o assassinato de Vladimir Herzog tinha as características dos crimes contra a humanidade Sem maiores dificuldades é possível concluir que o homicídio de Vladimir Herzog preenche todas as características dos chamados crimes contra a humanidade como tal podendo perfeitamente ser caracterizado Apesar disso considerou que não havia tipificação que assim o caracterizasse117 156 Além disso o procurador considerou que a Lei de Anistia não era aplicável ao caso Em suas palavras A norma é bastante clara Concedeuse anistia a crimes políticos a crimes conexos a crimes políticos e a crimes eleitorais Observase que o homicídio de Vladimir Herzog pode ser tido como crime político impróprio jamais próprio Salientou também que a anistia não extinguiu a punibilidade do crime cometido118 No entanto concluiu que era impossível levar adiante a investigação penal por existir coisa julgada material119 e além disso por terse consumado a prescrição da pretensão punitiva120 sem importar se o juiz era competente ou não121 157 Com respeito à prescrição da ação penal considerou que o fato de que o Brasil seja parte no Pacto de San José não necessariamente implica a imprescritibilidade do crime no caso concreto pois o tratado não estabelece claramente nenhuma hipótese de imprescritibilidade para o passado Além disso foi de opinião que o costume internacional não se submete ao processo de internalização e que a imprescritibilidade não pode ser estabelecida com base no costume internacional pois isso seria um fator de insegurança jurídica122 158 Finalmente entendeu que não existiria incompatibilidade alguma entre a decisão do órgão interno e as obrigações internacionais que pesam sobre o Estado pois são dois sistemas distintos123 159 Diante dessa solicitação a juíza federal interveniente Paula Mantovani Avelino acolheu os fundamentos do Ministério Público entendendo que existia no caso coisa julgada material que tornava impossível a continuação das investigações por estar extinta a ação penal Havendo coisa julgada material está irremediavelmente extinta a punibilidade do delito o que por si só impediria a instauração de novo procedimento para investigação dos mesmos fatos124 Também sustentou que os fatos ocorridos em prejuízo de Vladimir Herzog não devem ser considerados crimes contra a humanidade uma vez que esse crime não havia sido tipificado no momento em que ocorreram os fatos A sentença também ressaltou que no ordenamento pátrio em vigor não se admite criação de crime por lei delegada medida provisória decreto legislativo ou resolução com muito maior razão não se pode 117 Processo Nº 200861810134342 Pedido de arquivamento do Procurador Regional da República expediente de prova folha 4541 118 Processo Nº 200861810134342 Pedido de arquivamento do Procurador Regional da República expediente de prova folhas 4536 a 4539 119 Processo Nº 200861810134342 Pedido de arquivamento do Procurador Regional da República expediente de prova folha 4525 120 Processo No 200861810134342 Pedido de arquivamento do Procurador Regional da República expediente de prova folhas 4514 a 4563 Declaração em audiência de Marlon Weichert 121 Processo Nº 200861810134342 Pedido de arquivamento do Procurador Regional da República expediente de prova folhas 4527 e 4528 122 Processo Nº 200861810134342 Pedido de arquivamento do Procurador Regional da República expediente de prova folhas 4539 a 4561 123 Processo Nº 200861810134342 Pedido de arquivamento do Procurador Regional da República expediente de prova folha 4552 124 Processo No 200861810134342 Decisão da Juíza Federal de 9 de janeiro de 2009 expediente de prova folha 4574 35 concordar que um costume possa ser utilizado para tal fim por mais consolidado que aquele esteja125 160 Finalmente segundo a referida juíza a ação havia prescrito pois segundo sua consideração tanto o homicídio como o genocídio bem como a tortura não são infrações imprescritíveis frente à Constituição e demais normas do ordenamento em vigor126 Assim decidiu arquivar o processo em 9 de janeiro de 2009127 K Ação Civil Pública apresentada pelo Ministério Público Federal em 2008 161 Em 14 de maio de 2008 o MPF apresentou uma Ação Civil Pública ACP contra a União e contra os excomandantes do DOICODISP Audir Santos Maciel e Carlos Alberto Brilhante Ustra A ACP buscava 1 que fosse declarada a existência de obrigação do Exército brasileiro de tornar pública toda a informação que tivessem com respeito às atividades desenvolvidas no DOICODI do II Exército entre 1970 e 1985 2 que fosse declarada a omissão da União em promover as medidas necessárias para a reparação de danos que apoiou o pagamento das indenizações previstas na Lei No 914095 3 a declaração de responsabilidade dos excomandantes e 4 a condenação dos mencionados excomandantes a diversas reparações e à perda de funções públicas128 162 Em 5 de maio de 2010 a 8ª Vara Federal de São Paulo em conformidade com a Lei de Anistia declarou improcedente a ACP argumentando falta de idoneidade do recurso129 O tribunal considerou que a ação interposta pelo MPF não podia ter como efeito a imposição de obrigações de fazer nem tampouco de produzir efeitos típicos e próprios do habeas data130 163 Com respeito à aplicabilidade da lei de anistia o tribunal fundamentou sua determinação na decisão do STF na ADPF No 153 argumentando que essa decisão era vinculante para todos Acrescentou que a anistia é ampla geral e irrestrita motivo pelo qual extingue todas as consequências civis e penais dos fatos anistiados131 Diante disso o Ministério Público apresentou um recurso de apelação contra a sentença em 25 de junho de 2010132 Até a data da presente Sentença o recurso ainda não teve solução definitiva133 125 Processo No 200861810134342 Decisão da Juíza Federal de 9 de janeiro de 2009 expediente de prova folha 4577 126 Processo No 200861810134342 Decisão da Juíza Federal de 9 de janeiro de 2009 expediente de prova folha 4581 127 Processo No 200861810134342 Decisão da Juíza Federal de 9 de janeiro de 2009 4565 a 4581 Processo No 200861810134342 Procedimento de Investigação do MPF expediente de prova folhas 6641 a 6657 128 Petição Inicial da Ação Civil Pública Nº 200861000114145 de 14 de maio de 2008 expediente de prova folhas 4583 a 4656 Cópia dos autos da Ação Civil Pública Nº 200861000114145 expediente de prova folhas 893010336 Declaração em audiência de Marlon Weichert 129 Processo Nº 200861000114145 8ª Vara Federal de São Paulo Sentença de 5 de maio de 2010 folhas 18 e 20 expediente de prova folhas 4658 a 4677 Cópia dos autos da Ação Civil Pública Nº 200861000114145 expediente de prova folhas 8930 a 10336 130 Processo Nº 200861000114145 Sentença de 5 de maio de 2010 folhas 18 e 20 expediente de prova folha 4664 131 Processo Nº 200861000114145 Sentença de 5 de maio de 2010 folhas 18 e 20 expediente de prova folha 4676 132 Cópia dos autos da Ação Civil Pública Nº 200861000114145 expediente de prova folhas 8930 a 10336 Recurso de apelação No 00114142820084036100 de 17 de janeiro de 2011 expediente de prova folhas 4679 a 4680 Processo No 20086101000114145 expediente de prova folha 6708 Processo No 200861000114145 Ação Civil Pública Apelação expediente de prova folhas 6664 a 6705 133 Consultado em httpwwwjfspjusbrforunsfederais em 1o de março de 2018 36 L Ações da Comissão Nacional da Verdade CNV 164 Em 18 de novembro de 2011 foi promulgada a Lei No 125282011 que criou a Comissão Nacional da Verdade CNV A CNV teve por finalidade examinar e esclarecer graves violações de direitos humanos praticadas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988 Suas atividades tiveram lugar de maio de 2012 a dezembro de 2014134 165 A mencionada Comissão levou adiante um novo exame pericial das fotografias do corpo de Vladimir Herzog A conclusão do exame foi que as marcas em seu pescoço e tórax eram próprias de uma morte por asfixia mecânica e não por enforcamento auto infligido Nesse sentido salientou Em setembro de 2014 a equipe de peritos da Comissão concluiu o laudo pericial indireto acerca da morte de Vladimir Os peritos identificaram a existência de dois sulcos ambos com reações vitais no pescoço do jornalista Um deles é típico de estrangulamento enquanto o outro era característico em locais de enforcamento ou locais preparados para simular enforcamento A evidência de duas marcas distintas na região cervical foi determinante para os peritos criminais afirmarem que Vladimir Herzog foi inicialmente estrangulado provavelmente com a cinta citada pelo perito criminal e em ato contínuo foi montado um sistema de forca onde uma das extremidades foi fixada a grade metálica de proteção da janela e a outra envolvida ao redor do pescoço de Vladimir Herzog por meio de uma laçada móvel Após o corpo foi colocado em suspensão incompleta de forma a simular um enforcamento135 166 Por esse motivo determinouse que a causa de morte foi homicídio por estrangulamento Do mesmo modo analisaram a carta que supostamente o jornalista havia escrito instantes antes de morrer e concluíram que a escrita não havia sido espontânea mas copiada de um modelo136 167 Como parte de suas atribuições a CNV solicitou a retificação da causa mortis registrada no atestado de óbito de Vladimir Herzog Em 24 de setembro de 2013 o juiz interveniente ordenou que no atestado constasse que a morte de Vladimir Herzog ocorrera em consequência de lesões e maustratos sofridos no DOICODISP137 O relatório final da CNV afirmou que não havia dúvida de que Vladimir Herzog havia sido detido ilegalmente torturado e assassinado por agentes do Estado no DOICODISP em 25 de outubro de 1975138 VII MÉRITO 168 A Corte procederá no presente caso a analisar a responsabilidade internacional do Estado com base em suas obrigações internacionais oriundas da Convenção Americana e da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura a respeito da alegada falta de investigação julgamento e eventual punição dos responsáveis pela tortura e assassinato de Vladimir Herzog A Corte também analisará o alegado descumprimento do direito de conhecer a verdade em virtude da divulgação da falsa versão da morte de Herzog e da recusa por parte do Estado a entregar documentos militares e da consequente falta de 134 Brasil Presidência da República Lei No 12528 de 18 de novembro de 2011 Declaração em audiência de Marlon Weichert 135 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3301 136 Comissão Nacional da Verdade Laudo Pericial Indireto produzido em decorrência da morte de Vladimir Herzog 29 de setembro de 2014 expediente de prova folhas 6745 e 6746 137 Cópia do Registro de Óbito retificado de Vladimir Herzog expediente de prova folhas 13734 e 13735 Cópia da sentença proferida nos autos No 00466906420128260100 expediente de prova folhas 13737 a 13740 Declaração em audiência de Clarice Herzog 138 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3301 37 identificação dos responsáveis materiais pela morte do senhor Herzog Por fim a Corte determinará se houve violação do direito à integridade pessoal dos familiares de Vladimir Herzog em razão da falta de investigação e punição dos responsáveis VII1 DIREITO ÀS GARANTIAS JUDICIAIS E À PROTEÇÃO JUDICIAL Artigos 8139 e 25140 em relação aos artigos 11141 e 2142 da Convenção Americana e aos artigos 1143 6144 e 8145 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura 139 Artigo 8 Garantias judiciais 1 Toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente independente e imparcial estabelecido anteriormente por lei na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil trabalhista fiscal ou de qualquer outra natureza 2 Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa Durante o processo toda pessoa tem direito em plena igualdade às seguintes garantias mínimas a direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal b comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada c concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa d direito do acusado de defenderse pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicarse livremente e em particular com seu defensor e direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado remunerado ou não segundo a legislação interna se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei f direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento como testemunhas ou peritos de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos g direito de não ser obrigado a depor contra si mesma nem a declararse culpada e h direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior 3 A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza 4 O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos 5 O processo penal deve ser público salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça 140 Artigo 25 Proteção judicial 1 Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo perante os juízes ou tribunais competentes que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição pela lei ou pela presente Convenção mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais 2 Os Estados Partes comprometemse a a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso b a desenvolver as possibilidades de recurso judicial e c a assegurar o cumprimento pelas autoridades competentes de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso 141 Artigo 1 Obrigação de respeitar os direitos 1 Os Estados Partes nesta Convenção comprometemse a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição sem discriminação alguma por motivo de raça cor sexo idioma religião opiniões políticas ou de qualquer outra natureza origem nacional ou social posição econômica nascimento ou qualquer outra condição social 142 Artigo 2 Dever de adotar disposições de direito interno Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza os Estados Partes comprometemse a adotar de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades 143 Artigo 1 Os Estados Partes obrigamse a prevenir e a punir a tortura nos termos desta Convenção 144 Artigo 6 Em conformidade com o disposto no artigo l os Estados Partes tomarão medidas efetivas a fim de prevenir e punir a tortura no âmbito de sua jurisdição Os Estados Partes assegurarseão de que todos os atos de tortura e as tentativas de praticar atos dessa natureza sejam considerados delitos em seu direito penal estabelecendo penas severas para sua punição que levem em conta sua gravidade Os Estados Partes obrigamse também a tomar medidas efetivas para prevenir e punir outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes no âmbito de sua jurisdição 145 Artigo 8 Os Estados Partes assegurarão a qualquer pessoa que denunciar haver sido submetida a tortura no âmbito de sua jurisdição o direito de que o caso seja examinado de maneira imparcial Quando houver denúncia ou razão fundada para supor que haja sido cometido ato de tortura no âmbito de sua jurisdição os Estados Partes garantirão que suas autoridades procederão de ofício e imediatamente à realização de uma investigação sobre o caso e iniciarão se for cabível o respectivo processo penal Uma vez esgotado o procedimento jurídico interno do Estado e os recursos que este prevê o caso poderá ser submetido a instâncias internacionais cuja competência tenha sido aceita por esse Estado 38 A Alegações das partes e da Comissão 169 A Comissão alegou que a detenção tortura e assassinato de Vladimir Herzog teve lugar no âmbito de graves violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar brasileira e de maneira particular dentro de um reconhecido padrão sistemático de ações repressivas contra o Partido Comunista Brasileiro PCB Salientou que a medida se destinava a punir a suposta militância e as opiniões políticas do jornalista e teve efeito amedrontador e intimidatório para outros jornalistas críticos do regime militar 170 Considerou que a impunidade e a ocultação da verdade neste caso tiveram efeitos prejudiciais no exercício do direito à liberdade de expressão em geral e no direito à informação no país No entender da Comissão cercear a liberdade de expressão foi um objetivo particular da repressão militar em todos os países do Cone Sul mediante a cooptação e controle direto de meios de comunicação bem como da implementação de violência contra jornalistas independentes e críticos do regime o que se traduziu em numerosos casos de prisão tortura e assassinato 171 A Comissão recordou que em casos de tortura o Estado deve iniciar uma investigação de ofício e com a devida diligência a qual deve ser levada a cabo por autoridades independentes que não devem ter nenhuma conexão hierárquica ou institucional com os acusados 172 Em relação a esse tema afirmou que o Estado descumpriu seu dever de investigar com a devida diligência os fatos violatórios dos direitos humanos de Vladimir Herzog No seu entender a investigação sobre a morte de Herzog que teve lugar na jurisdição militar em 1975 impediu o esclarecimento dos fatos e violou o direito dos familiares da vítima de conhecer a verdade sobre o ocorrido 173 A Comissão Interamericana reconheceu que após a transição para a democracia o Estado brasileiro adotou ações que contribuíram para o esclarecimento da verdade histórica da detenção ilegal tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog Não obstante a verdade histórica constante dos relatórios produzidos pelas comissões da verdade não preenche ou substitui a obrigação do Estado de assegurar a determinação judicial de responsabilidades individuais ou estatais por meio dos processos pertinentes motivo pelo qual é obrigação do Estado iniciar e impulsionar investigações penais para determinar as respectivas responsabilidades em conformidade com os artigos 11 8 e 25 da Convenção 174 A Comissão salientou que no presente caso o poder judiciário brasileiro validou a interpretação da Lei No 668379 Lei de Anistia Em virtude disso a Comissão considerou que as autoridades jurisdicionais que participaram da investigação da detenção arbitrária tortura e assassinato de Vladimir Herzog impediram a identificação julgamento e eventual punição dos responsáveis e não exerceram o devido controle de convencionalidade a que estavam obrigadas após a ratificação da Convenção Americana em conformidade com as obrigações internacionais do Brasil decorrentes do Direito Internacional 175 Além disso a Comissão recordou que a aplicação de leis de anistia ou outras que eximem de responsabilidade e impedem o acesso à justiça em casos de graves violações de direitos humanos gera um duplo dano Por um lado torna ineficaz a obrigação dos Estados de respeitar os direitos e liberdades reconhecidos na Convenção Americana e de garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa sujeita à sua jurisdição sem discriminação de nenhuma natureza Por outro lado impede o acesso a informação sobre os fatos e circunstâncias que cercaram a violação de um direito fundamental e elimina a medida mais efetiva para a vigência dos direitos humanos qual seja o julgamento e a punição dos responsáveis 39 porquanto impede que se coloquem em prática os recursos judiciais da jurisdição interna 176 Salientou que no ano de 2009 um Juízo Federal determinou o arquivamento da investigação sobre os fatos do presente caso ao considerar que o encerramento ordenado previamente pelos tribunais estaduais em 1993 em aplicação da Lei de Anistia adquirira força de coisa julgada Assim a Comissão entendeu que dada sua manifesta incompatibilidade com a Convenção Americana a interpretação e aplicação da Lei de Anistia neste caso teve como propósito afastar os supostos responsáveis da ação da justiça e deixar o crime cometido contra o jornalista Vladimir Herzog na impunidade Salientou também que neste caso o Estado não pode se servir do princípio de ne bis in idem para não cumprir suas obrigações internacionais 177 Com respeito à suposta violação do princípio de legalidade a Comissão afirmou que a abertura de uma investigação neste caso não gera violação alguma ao princípio de legalidade porque no momento em que os fatos ocorreram o Direito Internacional reconhecia como princípios gerais a imprescritibilidade dos crimes de guerra e contra a humanidade 178 Por tudo o que foi exposto anteriormente a Comissão concluiu que a falta de investigação dos fatos bem como do julgamento e punição dos responsáveis violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 81 e 251 da Convenção Americana em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo instrumento e também em relação aos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura em detrimento de Clarice esposa André e Ivo filhos e Zora mãe falecida em 2006 todos de sobrenome Herzog 179 Em primeiro lugar os Representantes consideraram que a responsabilidade do Brasil no presente caso se vê agravada por tratarse de um de crime contra a humanidade já que a detenção arbitrária tortura e morte de Vladimir Herzog não foi um fato isolado mas ocorreu num contexto de violência massiva e sistemática contra aqueles que eram considerados opositores políticos do regime militar 180 Os representantes destacaram que é dever do Estado investigar possíveis atos de tortura ou outros tratamentos cruéis desumanos ou degradantes obrigação que persiste ainda nos casos em que os fatos ocorreram antes da aceitação da competência da Corte por parte do Estado 181 Afirmaram que apesar da ocorrência de diferentes procedimentos no âmbito interno até esta data o Estado não garantiu uma tutela judicial efetiva para investigar e estabelecer toda a verdade sobre as circunstâncias da detenção arbitrária tortura e morte de Vladimir Herzog e identificar e punir os responsáveis 182 Afirmaram que não foi realizada uma investigação efetiva no âmbito penal porque o único meio idôneo para isso o processo judicial penal perante a autoridade competente da Justiça Federal Comum foi obstaculizado pela coisa julgada e pela prescrição antes inclusive do início efetivo das investigações A tentativa anterior perante os órgãos que não tinham competência para atuar na causa foi prematuramente frustrada 183 Com respeito à Lei de Anistia destacaram que sua interpretação continuou por décadas e que permite às autoridades esquivarse do dever de investigar de ofício os fatos constitutivos de graves violações de direitos humanos como a tortura No caso de Vladimir Herzog a Lei de Anistia foi aplicada concretamente em 1992 o que posteriormente fez com que em 2008 a petição do Ministério Público Federal MPF fosse arquivada Do mesmo 40 modo a anistia produziu efeitos na ação civil pública interposta pelo MPF Salientaram que esses fatos já estariam dentro da competência temporal da Corte 184 Os representantes sustentaram que o Estado utilizou a figura da coisa julgada material supostamente produzida pela decisão de 1993 para evitar a investigação e punição dos responsáveis Esse foi o principal argumento para o arquivamento das investigações iniciadas em 2008 perante a Justiça Federal Nesse sentido afirmaram que o princípio de ne bis in idem não é um direito absoluto e é inaplicável quando obedece ao propósito de subtrair do acusado sua responsabilidade penal ou quando não tenha sido instruído por um juiz independente e imparcial ou quando não tenha sido realizado com a real intenção de submeter o responsável à ação da justiça 185 Com respeito à prescrição e ao princípio de estrita legalidade os representantes afirmaram que a proibição e a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade alcançaram o status de norma imperativa jus cogens as quais devem ser observadas e cumpridas pela comunidade internacional dos Estados independentemente da ratificação ou não de instrumentos que tenham validado esse conteúdo Para os representantes no momento dos fatos do presente caso em 1975 a prática de tortura e de crimes contra a humanidade já era reconhecida como violatória do Direito Internacional 186 Com respeito à demora injustificada e aos obstáculos na Ação Civil Pública os representantes das supostas vítimas destacaram que transcorridos mais de oito anos desde seu início a Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em 2008 ainda não teve uma solução de segunda instância Ressaltaram que a ação civil pública tem caráter declaratório com pedidos específicos baseados em prova documental apresentada no caso e que os acusados haviam sido identificados e localizados o que afasta a possibilidade do critério da complexidade da ação A demora injustificada se baseia exclusivamente na conduta das autoridades judiciais que agiram com negligência e se omitiram Esse atraso é particularmente grave porque a ação civil pública buscava a declaração de existência da obrigação do Estado de tornar públicas todas as informações relativas às atividades levadas a cabo no DOICODI do Exército no período 19701985 187 No que se refere à omissão estatal ante os efeitos da sentença da Corte no Caso Gomes Lund e outros os representantes alegaram que quando a Corte estabeleceu que a Lei de Anistia não pode representar um obstáculo para a investigação e punição dos responsáveis por graves violações de direitos humanos também determinou que a sentença teria efeitos a respeito de outros casos de graves violações ocorridos no Brasil Apesar disso o Estado deixou de adotar as medidas necessárias para reabrir as investigações penais de graves violações de direitos humanos como acontece no seu entender no presente caso incorrendo em responsabilidade internacional por omissão 188 Por todo o exposto afirmaram que o Brasil é responsável pela violação do dever de garantir o direito à liberdade de expressão em virtude da ausência de investigação julgamento e punição dos responsáveis pelas graves violações de direitos humanos cometidas contra o jornalista Vladimir Herzog Além disso concluíram que dada a impunidade dos fatos até a presente data se caracterizou uma situação de violação permanente do dever de investigar e punir a tortura o que redunda na violação de sua obrigação de garantir os artigos 5 e 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação aos artigos 11 8 e 25 do mesmo instrumento bem como os artigos 1 6 e 8 da CIPST em prejuízo de Vladimir Herzog 189 Concluíram também que o Estado é responsável pela violação dos direitos previstos nos artigos 8 e 25 da Convenção em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo instrumento por 41 aplicar a Lei de Anistia a prescrição e outras disposições de direito interno que impedem a investigação e punição dos fatos denunciados Consideraram portanto que ao aplicar tais disposições os órgãos estatais privaram Vladimir Herzog da devida proteção judicial negando a seus familiares o direito de serem ouvidos por uma autoridade competente e de que fosse realizada uma investigação diligente imparcial e efetiva 190 Finalmente consideraram que o Estado violou o dever de investigar em conformidade com o disposto nos artigos 5 da Convenção e nos artigos 1 6 e 8 da CIPST 191 O Estado considerou que se devem diferenciar os artigos 8 e 25 da Convenção pois são diferentes os direitos protegidos em cada artigo No seu entender o artigo 25 trata do acesso à jurisdição estatal em relação ao momento posterior à violação de um direito da vítima ou seja a obrigação do Estado de conferir à vítima a possibilidade de se amparar no poder judiciário para obter o reconhecimento e a reparação de uma violação de direito humano 192 Por sua vez o artigo 8 da Convenção se refere à situação em que uma pessoa é sujeito passivo de um procedimento judicial ou seja é acusada de haver cometido um ato ilícito que por sua vez pode revestir natureza criminal ou civil 193 Afirmou o Estado que as supostas vítimas jamais estiveram na condição de parte em um processo judicial relacionado ao caso em questão motivo por que é impossível que tenham sido violados o artigo 81 da Convenção Americana e o artigo 8 da CIPST Essa situação é condição necessária para a garantia desses direitos e o Estado não pode ser punido pela violação dessas normas Afirmou subsidiariamente que se for considerado que o direito às garantias judiciais abrange as garantias do devido processo legal independentemente da qualidade da parte autor ou réu tampouco se verifica violação do devido processo legal no caso em exame 194 No entender do Estado não há nenhuma dúvida sobre a competência a independência e a imparcialidade do juiz federal que acolheu o pedido de arquivamento formulado pelo Procurador da República no ano de 2008 razão pela qual não se pode alegar violação do devido processo legal No âmbito civil o relatório da Comissão Interamericana não faz referência a nenhuma violação do devido processo legal 195 Nesse sentido alegou que mesmo depois da produção de provas perante esta Corte não ficou comprovada nenhuma violação do direito de defesa das vítimas nos processos internos em que eram partes 196 Para o Estado da delimitação dos fatos constante da apresentação do caso a esta Corte inferese que a suposta violação do artigo 251 da Convenção teria ocorrido somente na tramitação e conclusão dos pedidos de informação por parte do Ministério Público Federal em 2008 Afirmou que diferentemente do afirmado pela Comissão o arquivamento do processo em 2008 não se deveu à aplicação da Lei de Anistia mas sim à aplicação da coisa julgada e da prescrição 197 Considerando os limites temporais declarou que embora caiba aos Estados realizar controle de convencionalidade ex officio levando em conta a interpretação que este Tribunal faz da Convenção a decisão de 1993 que transitou em julgado foi tomada num período anterior ao do julgamento do Caso Barrios Altos Vs Peru 2001 quando este Tribunal decidiu de forma inovadora que tinha poderes para se manifestar sobre a validade da norma doméstica especialmente em se tratando de leis de anistia Até então no entender do Estado o Poder Judiciário tinha a obrigação de respeitar os parâmetros normativos 42 previamente estabelecidos para o caso concreto no âmbito doméstico e não tinha a obrigação legal de observar as decisões da Corte Interamericana para casos sobre anistia prescrição e coisa julgada devendo os magistrados respeitar o princípio de estrita legalidade e as garantias processuais dos acusados 198 Do mesmo modo destacou que as sentenças da Corte são obrigatórias para o caso concreto e para as partes e que não seria razoável punir o Estado quando no momento da decisão doméstica essa obrigação não existia juridicamente 199 O Estado também observou que as normas de jus cogens não estão absolutamente acima de questões processuais 200 Em vista dos argumentos expostos o Estado insistiu em que a não era juridicamente exigível das autoridades nacionais critério diferente do adoptado em 1993 quanto às investigações b o questionamento do critério doméstico com base em jurisprudência internacional posterior não considerou limites formais aplicáveis ao devido processo legal como a coisa julgada material c a observância de normas processuais de hierarquia inferior quanto ao que se possa considerar normas de jus cogens ou graves violações dos direitos humanos não difere materialmente da observância no âmbito doméstico dos limites formais da atuação do juiz prescrição coisa julgada irretroatividade da lei penal mais severa e d o conteúdo normativo do que se possa considerar norma de jus cogens ou graves violações de direitos humanos não deve se confundir com a ausência de limites para a responsabilidade internacional do Estado Em virtude de todas essas questões o Estado brasileiro entende que não pode ser responsabilizado pela suposta denegação de justiça no presente caso 201 A garantia da prescrição penal é base fundamental do Estado Democrático de Direito e só pode ser excluída excepcionalmente a para a ação penal contra determinados crimes cuja fixação de prazo de prescrição atente contra sua gravidade ou complexidade b mediante a disposição legal por observância do princípio de legalidade em matéria penal e c para fatos posteriores à lei que determina a imprescritibilidade por incidência do princípio de anterioridade da lei penal coisa que no seu entender não ocorreu neste caso 202 O Estado reconheceu a jurisprudência desta Corte que considera serem imprescritíveis os crimes quando constituam eles graves violações de direitos humanos Não obstante o Estado discorda desse entendimento porque esse instituto tem sentido na jurisdição penal internacional que funciona em caráter secundário especialmente quando o Estado primordialmente responsável não exerce sua jurisdição efetivamente exercendo então o âmbito interno sua jurisdição em momento muito posterior àquele em que ocorreram os fatos Ressaltou que não existe tratado algum que o Brasil tenha firmado que imponha à ação penal doméstica a extensão dos prazos de prescrição 203 Para o Estado não é possível fundamentar a imprescritibilidade penal no costume internacional porque isso contrariaria o princípio de legalidade consagrado no artigo 9 da Convenção Americana 204 Com relação ao crime de tortura o Estado salientou que esse crime foi tipificado no âmbito interno em 1997 mediante a Lei No 945597 razão pela qual a ação penal baseada nesse tipo só pode ser instaurada a partir de sua entrada em vigor O Estado sustentou que um entendimento diverso violaria os princípios de legalidade e irretroatividade 205 Sobre a alegada violação da Convenção Americana por demora injustificada e obstáculos ocorridos no âmbito da ação civil considerou que as solicitações devem dividirse 43 em dois grupos aquelas que implicam direitos garantidos na Convenção Americana e aquelas que não implicam Com respeito ao primeiro grupo o Estado considerou que a esfera em que se fizeram os pedidos para declarar Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel responsáveis por crimes de tortura não é a jurisdição civil uma vez que o pedido deveria ser feito na esfera penal após uma investigação criminal Em relação ao segundo grupo de solicitações salientou que a Convenção consagra direitos civis e políticos exclusivamente a pessoas determinadas ou determináveis e não a empresas entes públicos coletivos de pessoas etc e que portanto os supostos danos morais coletivos e o pedido para que o Estado divulgue toda a informação acerca das atividades desenvolvidas pelo DOICODI do II Exército têm como sujeito a coletividade e não indivíduos razão pela qual não têm fundamento na Convenção Chegou a uma idêntica conclusão com respeito ao pedido relativo à perda da condição de funcionário público dos acusados Para o Estado a ação civil pública era inadequada em relação aos fins desejados Por isso considerou que esse processo não deve ser considerado um fato potencialmente violador do artigo 25 da Convenção Subsidiariamente o Estado alegou que não há irregularidades na tramitação da Ação Civil Pública 206 Nesse sentido solicitou à Corte que exclua a referida ação do alcance do caso seja porque isso não constou do relatório de admissibilidade da CIDH seja porque não se refere especificamente ao caso de Vladimir Herzog 207 Com respeito à alegada violação do dever de investigar e punir a tortura com efeitos para o direito à liberdade de expressão o Estado afirmou que a suposta violação do dever de garantia dos artigos 5 e 13 não é possível porque no momento dos fatos o crime de tortura ainda não havia sido tipificado no Brasil B Considerações da Corte 208 Nesta seção a Corte elaborará as considerações de direito pertinentes relacionadas às alegadas violações dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial em relação à alegada impunidade a respeito da detenção arbitrária tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog Para determinar se persistia a obrigação estatal de investigar julgar e punir os responsáveis pela tortura e pelo assassinato de Vladimir Herzog no momento do reconhecimento da competência da Corte por parte do Brasil este Tribunal analisará em primeiro lugar os fatos ocorridos de modo a determinar se com efeito a morte do senhor Herzog foi resultado de um crime contra a humanidade como alegam os representantes 209 Do mesmo modo antes de passar a estabelecer os aspectos de mérito relativos às alegações de direito apresentados pelas partes cabe observar que as anistias aprovadas no ocaso de algumas das ditaduras sulamericanas da época como foi o caso brasileiro no qual a Lei de Anistia antecede o advento da democracia pretenderam legitimarse sob a ilusória existência de um conflito armado cujos supostos vencedores magnanimamente encerravam o alegado conflito declarando típicos os crimes cometidos por todos os intervenientes Não obstante inferese do contexto do presente caso a total ausência de atos bélicos apresentandose no máximo crimes de motivação política que deviam ser julgados e punidos conforme o direito mas que na realidade foram reprimidos por meios criminosos e serviram de pretexto para a perseguição de políticos militantes sindicalistas jornalistas artistas e qualquer pessoa que o regime ditatorial considerasse dissidente ou perigosa para seu poder 210 Assim em atenção à limitação de competência temporal e às várias ações judiciais ou do Ministério Público tentadas nesse caso a Corte realizará uma análise na seguinte ordem 1 os crimes contra a humanidade e a jurisprudência internacional sobre essa 44 figura 2 as consequências jurídicas da perpetração de um crime contra a humanidade 3 a tortura e morte de Vladimir Herzog e suas consequências para o presente caso e 4 a ação estatal antes e depois do reconhecimento da competência da Corte Interamericana por parte do Brasil Finalmente a Corte exporá 5 suas conclusões sobre o caso concreto B1 Crimes contra a humanidade 211 A Comissão Interamericana considerou que a morte e tortura do senhor Herzog constituiu uma grave violação de direitos humanos Os representantes das supostas vítimas consideraram que se tratou de um crime contra a humanidade Tanto para a Comissão como para os representantes as consequências de uma ou outra figura seria a mesma a obrigação do Estado de investigar julgar e punir os responsáveis pelos fatos sem recorrer a obstáculos processuais que poderiam chegar a protegêlos da ação da justiça O Estado por sua vez não se referiu a uma ou outra qualificação mas se opôs aos efeitos jurídicos alegados pela Comissão e pelos representantes no caso concreto 212 Na sentença do Caso Almonacid Arellano Vs Chile146 relacionado ao homicídio do 146 Cf Caso Almonacid Arellano e outros Vs Chile Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de setembro de 2006 Série C No 154 par 94 e ss 94 O desenvolvimento da noção de crime contra a humanidade produziuse no início do século passado No preâmbulo da Convenção de Haia sobre leis e costumes da guerra terrestre de 1907 Convenção núm IV as potências contratantes estabeleceram que as populações e os beligerantes permanecem sob a garantia e o regime dos princípios do Direito das Gentes preconizados pelos usos estabelecidos entre as nações civilizadas pelas leis da humanidade e pelas exigências da consciência pública Além disso o termo crimes contra a humanidade e a civilização foi usado pelos governos da França Reino Unido e Rússia em 28 de maio de 1915 para denúnciar o massacre de armênios na Turquia 95 O assassinato como crime contra a humanidade foi codificado pela primeira vez no artigo 6c do Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg o qual foi anexado ao Acordo para o estabelecimento de um Tribunal Militar Internacional encarregado do julgamento e castigo dos principais criminosos de guerra do Eixo Europeu assinado em Londres em 8 de agosto de 1945 o Acordo de Londres Pouco depois em 20 de dezembro de 1945 a Lei do Conselho de Controle nº 10 também consagrou o assassinato como um crime contra a humanidade em seu artigo IIc De forma similar o delito de assassinato foi codificado no artigo 5c do Estatuto do Tribunal Militar Internacional para o julgamento dos principais criminosos de guerra do Extremo Oriente Estatuto de Tóquio adotado em 19 de janeiro de 1946 96 A Corte ademais reconhece que a Estatuto de Nuremberg teve um papel significativo no estabelecimento dos elementos que caracterizam um crime como contra a humanidade Este Estatuto proporcionou a primeira articulação dos elementos desta ofensa os quais se mantiveram basicamente em sua concepção inicial na data da morte do senhor Almonacid Arellano com a exceção de que os crimes contra a humanidade podem ser cometidos em tempos de paz e em tempos de guerra Com base no exposto a Corte reconhece que os crimes contra a humanidade incluem a comissão de atos desumanos como o assassinato cometidos dentro de um contexto de ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil Basta que um só ato ilícito como os anteriormente mencionados seja cometido dentro do contexto descrito para que se produza um crime contra a humanidade Neste sentido pronunciouse o Tribunal Internacional para a exIugoslávia no caso Prosecutor v Dusko Tadic ao considerar que um só ato cometido por um perpetrador no contexto de um ataque generalizado ou sistemático contra a população civil traz consigo responsabilidade penal individual e o perpetrador não necessita cometer numerosas ofensas para ser considerado responsável 97 Por outro lado o Tribunal Militar Internacional para o Julgamento dos Principais Criminosos de Guerra doravante denominado o Tribunal de Nuremberg o qual tinha jurisdição para julgar os crimes estabelecidos no Acordo de Londres assinalou que o Estatuto de Nuremberg é a expressão do Direito Internacional existente no momento de sua criação e nessa extensão é em si mesmo uma contribuição ao Direito Internacional Com isso reconheceu a existência de um costume internacional como uma expressão do Direito Internacional que proibia estes crimes 98 A proibição de crimes contra a humanidade incluindo o assassinato foi ademais corroborada pelas Nações Unidas Em 11 de dezembro de 1946 a Assembleia Geral confirmou os princípios de Direito Internacional reconhecidos pelo Estatuto do Tribunal de Nuremberg e as sentenças deste Tribunal Além disso em 1947 a Assembleia Geral encarregou a Comissão de Direito Internacional de formular os princípios de Direito Internacional reconhecidos pelo Estatuto e pelas sentenças do Tribunal de Nuremberg Estes princípios foram adotados em 1950 Entre eles o Princípio VIc qualifica o assassinato como um crime contra a humanidade De igual forma a Corte ressalta que o 45 senhor Luis Alfredo Almonacid Arellano em 16 de setembro de 1973 a Corte Interamericana salientou que há ampla evidência para concluir que em 1973 ano da morte do senhor Almonacid Arellano o cometimento de crimes de lesa humanidade incluindo o assassinato executado em um contexto de ataque generalizado ou sistemático contra setores da população civil era violatório de uma norma imperativa do Direito Internacional Esta proibição de cometer crimes de lesa humanidade é uma norma de jus cogens e a penalização destes crimes é obrigatória conforme o Direito Internacional geral147 213 A esse respeito a Corte observa que em seus 40 anos de história utilizou a figura de crimes contra a humanidade crimes de guerra ou delitos de direito internacional em alguns casos dada a excepcionalidade e a gravidade dessa qualificação Unicamente nos Casos Goiburú Vs Paraguai148 Gelman Vs Uruguai149 La Cantuta Vs Peru150 Caso do Presídio Miguel Castro Castro Vs Peru151 crimes contra a humanidade Massacres de El Mozote e lugares vizinhos Vs El Salvador152 crimes de guerra e Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil153 delitos de direito internacional foram utilizadas essas qualificações para os fatos violatórios no sentido expressado na sentença do Caso Almonacid Arellano com o objetivo de explicitar de maneira clara o alcance da responsabilidade estatal no âmbito da Convenção em cada caso específico e as consequências jurídicas para o Estado154 214 Em complemento à argumentação citada acima observase que a proibição dos delitos de direito internacional ou contra a humanidade já era considerada parte do direito internacional geral pela própria Convenção sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e Contra a Humanidade aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 26 de novembro de 1968155 doravante denominada Convenção de 1968 ou Convenção sobre Imprescritibilidade Levando em conta a resolução 2338 XXII da Assembleia Geral das Nações Unidas156 a interpretação que se infere do Preâmbulo da Convenção de 1968 é que a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade surge da falta de limitação temporal nos instrumentos que se referem a seu indiciamento de tal forma que essa Convenção somente reafirmou princípios e normas de direito internacional preexistentes Assim a Convenção sobre Imprescritibilidade tem caráter declarativo ou seja acolhe um princípio de direito internacional vigente anteriormente à sua aprovação157 artigo 3 comum das Convenções de Genebra de 1949 dos quais o Chile é parte desde 1950 também proibe o homicídio em todas as suas formas de pessoas que não participam diretamente em hostilidades 147 Caso Almonacid Arellano e outros Vs Chile par 99 148 Cf Caso Goiburú e outros Vs Paraguai Mérito Reparações e Custas Sentença de 22 de setembro de 2006 Série C No 153 par 82 e 128 149 Cf Caso Gelman Vs Uruguai Mérito e Reparações Sentença de 24 de fevereiro de 2011 Série C No 221 par 99 150 Cf Caso La Cantuta Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 29 de novembro de 2006 Série C No 162 par 225 151 Cf Caso do Presídio Miguel Castro Castro Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de novembro de 2006 Série C No 160 par 404 152 Cf Caso dos Massacres de El Mozote e lugares vizinhos Vs El Salvador Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de outubro de 2012 Série C No 252 par 286 153 Cf Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil par 248 a 306 154 Cf Caso Manuel Cepeda Vargas Vs Colômbia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de maio de 2010 Série C No 213 par 42 Caso Gudiel Álvarez e outros Diário Militar Vs Guatemala Mérito Reparações e Custas Sentença de 20 novembro de 2012 Série C No 253 par 215 155 Cf ONU Assembleia Geral Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e contra a humanidade Resolução 2391 XXIII 26 de novembro de 1968 Disponível em httpundocsorgesARES2391XXIII 156 Cf ONU Assembleia Geral Questão do castigo dos criminosos de guerra e das pessoas que tenham cometido crimes contra a humanidade Resolução 2338 XXII 18 de dezembro de 1967 Disponível em httpundocsorgesARES2338XXII 157 Ver nesse sentido por exemplo Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina Recurso de Fato Sentença de 14 de junho de 2005 Caso Julio Héctor Simón e outros causa N 17768 Considerando 42 Recurso de Fato 46 215 Essa circunstância tem duas consequências principais a por um lado os Estados devem aplicar seu conteúdo embora não a tenham ratificado e b por outro lado quanto a seu âmbito temporal deveria aplicarse inclusive aos crimes cometidos anteriormente à entrada em vigor daquela Convenção já que o que se estaria aplicando não seria propriamente a norma convencional mas uma norma consuetudinária preexistente158 216 A esse respeito a Corte concorda com o que destaca o estudo do SecretárioGeral das Nações Unidas sobre a questão da punição dos criminosos de guerra e dos indivíduos culpados de crimes contra a humanidade e a aplicação da prescrição no sentido de que a imprescritibilidade se deduz da gravidade dessas condutas e que sua diferença em relação a crimes de direito interno advém da necessidade de repressão eficaz dos crimes graves conforme o Direito Internacional em razão da consciência universal contra a impunidade desses crimes e porque a falta de punição provoca reações violentas de amplo alcance159 217 A interpretação anterior é coerente com pronunciamentos contemporâneos da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas órgão cuja tarefa é codificar e desenvolver o Direito Internacional Este órgão aprovou em 1996 por unanimidade o Projeto de Código de Crimes Contra a Paz e a Segurança da Humanidade160 Sentença de 24 de agosto de 2004 Caso Arancibia Clavel Enrique Lautaro causa Nº 259 Considerandos 29 38 e 39 Recurso Ordinário de Apelação Sentença de 2 de novembro de 1995 Caso de Erich Priebke N1606394 Considerandos 4 e 5 Considerandos 89 e 90 do Voto coincidente do Juiz Gustavo A Bossert Ver também Câmara Federal de Recursos do Tribunal Penal e Correcional da Argentina Recurso de Apelação e Nulidade 9 de setembro de 1999 Caso Videla e outros Considerando III Tribunal Oral Criminal Federal de La Plata Sentença de 19 de setembro de 2006 Caso Circuito Camps e outros Miguel Osvaldo Etchecolatz Causa Nº 225106 Considerando IVa Tribunal Oral Criminal Federal No 1 de San Martín Sentença por Crimes contra a Humanidade 12 de agosto de 2009 General Riveros e outros no Caso de Floreal Edgardo Avellaneda e outros Considerando I Em sentido similar Suprema Corte de Justiça do Uruguai Recurso de Cassação 12 de agosto de 2015 Ficha 97782012 Sentença 10612015 Considerandos III1b Recurso de Cassação 24 de agosto de 2016 Ficha 1702982011 Sentença 12802016 Considerandos III1 e III2 Recurso de Cassação 8 de setembro de 2016 Ficha 395 1362012 Sentença 13832016 Considerandos III2 e III3 Ver também Peritagem de Juan Méndez par 34 a 48 expediente de prova folhas 14072 a 14077 158 Cf ONU Comissão de Direitos Humanos Estudo apresentado pelo SecretárioGeral sobre a questão da inaplicabilidade da prescrição a crimes de guerra e crimes contra a humanidade ECN4906 15 de fevereiro de 1966 par 157 a 160 Disponível em httpundocsorgECN4906 159 Cf ONU Comissão de Direitos Humanos Estudo apresentado pelo SecretárioGeral sobre a questão da inaplicabilidade da prescrição a crimes de guerra e crimes contra a humanidade ECN4906 15 de fevereiro de 1966 par 159 O princípio da imprescritibilidade não se deduz somente da intenção do legislador internacional que de forma clara e urgente salientou a necessidade do castigo certo e eficaz de crimes graves conforme o Direito Internacional não se infere somente da consciência universal que se rebela contra a ideia de que esses crimes possam ficar impunes não se infere somente do Estado de Direito positivo interno que frequentemente duvidou ou mais ainda renunciou a consagrar a instituição da prescrição para os crimes graves este emana também e sobretudo do fato de que nenhuma das razões geralmente utilizadas para explicar a prescrição dos crimes de direito comum interno justifica a prescrição dos crimes internacionais em questão Esses crimes não são nem do ponto de vista do direito nem do ponto de vista da moral comparáveis àqueles Se um crime de direito interno independentemente de sua gravidade fica na impunidade por efeito da prescrição em geral seu efeito não se percebe inclusive no restrito entorno social em que se cometeu o delito o delinquente legalmente liberado por um ou outro dos motivos que são o fundamento subjacente da prescrição remorso perdão perda de validade das provas etc retoma tranquilamente seu lugar na sociedade e em paz com isso Em contraste a impunidade de um crime contra a paz de um crime contra a humanidade ou de um grave crime de guerra adquirida seja mediante a prescrição seja por qualquer outro meio provoca reações violentas de amplo alcance por isso o efeito poderia ser o de expor o perpetrador imune a qualquer ação legal à justiça privada das vítimas ou pessoas a elas relacionadas por laços de sangue solo raça religião etc Dada a gravidade excepcional a dimensão gigantesca e sobretudo os motivos incompreensíveis desses crimes internacionais todas as pessoas afetadas cuja importância numérica pode imaginarse facilmente em cada caso têm a tendência a não poder nunca esquecer e a não ser dissuadidas diante de nenhum obstáculo de caráter jurídico ou qualquer outro para garantir aos culpados o castigo que merecem tão logo sejam desmascarados tradução da Secretaria 160 Cf ONU Comissão de Direito Internacional Projeto de Código de Crimes contra a Paz e a Segurança da Humanidade ACN4L532 8 de julho de 1996 Disponível em httpundocsorgesACN4L532 Em especial o 47 218 Essa interpretação constante se consolidou no Direito Internacional em 1998 com a aprovação do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional que estabelece sua competência em relação aos crimes contra a humanidade161 os quais162 obviamente não projeto estabeleceu entre outros aspectos que crimes contra a paz e a segurança da humanidade são crimes de direito internacional puníveis como tais estejam ou não punidos no direito nacional artigo 12 cada Estado Parte adotará as medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre os crimes previstos nos artigos 17 18 19 e 20 sejam quais forem os lugares em que tenham sido cometidos esses crimes e seus autores A jurisdição sobre o crime previsto no artigo 16 caberá a um tribunal penal internacional No entanto não se impedirá a nenhum Estado Parte julgar seus nacionais pelo crime enunciado no artigo 16 artigo 8 o Estado Parte em cujo território se encontre a pessoa que supostamente tenha cometido um crime previsto nos artigos 17 18 19 ou 20 concederá a extradição dessa pessoa ou a julgará artigo 9 1 Ninguém será condenado em virtude do presente Código por atos executados antes de que entre em vigor 2 Nada do disposto nesse artigo impedirá o julgamento de qualquer indivíduo por atos que no momento em que foram executados eram crimes em virtude do direito internacional ou do direito nacional artigo 13 Por outro lado entre os delitos contra a paz e a segurança da humanidade a Comissão de Direito Internacional salientou entre outros aspectos os seguintes atos como crimes contra a humanidade a assassinato c tortura e j outros atos que deteriorem gravemente a integridade física ou mental a saúde ou a dignidade humana como a mutilação e as lesões graves artigo 18 tradução da Secretaria 161 Cf Estatuto do Tribunal Penal Internacional aprovado em Roma em 17 de julho de 1998 com vigência a partir de 1o de julho de 2002 doravante denominado Estatuto do Tribunal Penal Internacional Artigo 5 Crimes da competência do Tribunal 1 A competência do Tribunal restringirseá aos crimes mais graves que afetam a comunidade internacional no seu conjunto Nos termos do presente Estatuto o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes a O crime de genocídio b Crimes contra a humanidade c Crimes de guerra d O crime de agressão 2 O Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime de agressão desde que nos termos dos artigos 121 e 123 seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a este crime Tal disposição deve ser compatível com as disposições pertinentes da Carta das Nações Unidas 162 Cf Estatuto do Tribunal Penal Internacional Artigo 7 Crimes contra a Humanidade 1 Para os efeitos do presente Estatuto entendese por crime contra a humanidade qualquer um dos atos seguintes quando cometido no quadro de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil havendo conhecimento desse ataque a Homicídio b Extermínio c Escravidão d Deportação ou transferência forçada de uma população e Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave em violação das normas fundamentais de direito internacional f Tortura g Agressão sexual escravatura sexual prostituição forçada gravidez forçada esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável h Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado por motivos políticos raciais nacionais étnicos culturais religiosos ou de gênero tal como definido no parágrafo 3o ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal i Desaparecimento forçado de pessoas j Crime de apartheid k Outros atos desumanos de caráter semelhante que causem intencionalmente grande sofrimento ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental 2 Para efeitos do parágrafo 1º a Por ataque contra uma população civil entendese qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1o contra uma população civil de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política b O extermínio compreende a sujeição intencional a condições de vida tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos com vista a causar a destruição de uma parte da população c Por escravidão entendese o exercício relativamente a uma pessoa de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas em particular mulheres e crianças d Por deportação ou transferência à força de uma população entendese o deslocamento forçado de pessoas através da expulsão ou outro ato coercivo da zona em que se encontram legalmente sem qualquer motivo reconhecido no direito internacional e Por tortura entendese o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos físicos ou mentais são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas f Por gravidez à força entendese a privação ilegal de liberdade de uma mulher que foi engravidada à força com o propósito de alterar a composição étnica de uma população ou de cometer outras violações graves do direito internacional Esta definição não pode de modo algum ser interpretada como afetando as disposições de direito interno relativas à gravidez g Por perseguição entendese a privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa h Por crime de apartheid entendese qualquer ato desumano análogo aos referidos no parágrafo 1 praticado no contexto de um regime institucionalizado de opressão e domínio sistemático de um grupo racial sobre um ou outros grupos nacionais e com a intenção de manter esse regime i Por desaparecimento forçado de pessoas entendese a detenção a prisão ou o seqüestro de pessoas por um Estado ou uma organização política ou com a autorização o apoio ou a concordância destes seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou 48 prescreverão163 219 Recentemente em 2017 a última versão do Texto dos Projetos de Artigos sobre os Crimes contra a Humanidade doravante denominado Texto de Projetos aprovado pela Comissão de Direito Internacional164 reiterou a noção de que os crimes contra a humanidade constituem uma ameaça à paz à segurança e ao bemestar do mundo A Comissão de Direito Internacional recorda também o dever de todo Estado de exercer sua jurisdição penal em relação aos crimes contra a humanidade levando em consideração que posto que os crimes contra a humanidade não ficarão impunes é necessário assegurar o julgamento efetivo desses crimes através da adoção de medidas em escala nacional e o fomento da cooperação internacional entre outros aspectos em matéria de extradição e assistência judicial recíproca Preâmbulo165 A respeito dos aspectos substantivos das condutas proibidas o Texto dos Projetos registra uma definição de crimes contra a humanidade muito similar à do Estatuto de Roma Do mesmo modo estabelece que os Estados devem adotar as medidas necessárias para que os delitos mencionados nesse projeto não prescrevam e sejam punidos com penas apropriadas que levem em consideração sua gravidade artigo 6166 220 Segundo a Comissão de Direito Internacional a proibição dos crimes contra a humanidade é claramente aceita e reconhecida como norma imperativa de direito internacional167 No mesmo sentido a Corte Internacional de Justiça salientou que a proibição de determinados atos como a tortura tem caráter de jus cogens168 o que ademais indica que a proibição de cometer de forma generalizada ou sistemática esses atos constitutivos de crimes contra a humanidade também tem caráter de jus cogens169 Nesse sentido a Comissão de Direito Internacional reconhece expressamente que a consideração dos crimes contra a humanidade como crimes segundo o direito internacional indica que existem como crimes independentemente de que a conduta tenha sido tipificada no direito interno A esse respeito salientou que o Estatuto de Nuremberg definiu os crimes contra a humanidade como a prática de determinados atos sem prejuízo de que localização dessas pessoas com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo 3 Para efeitos do presente Estatuto entendese que o termo gênero abrange os sexos masculino e feminino dentro do contexto da sociedade não lhe devendo ser atribuído qualquer outro significado 163 Cf Estatuto do Tribunal Penal Internacional Artigo 29 Imprescritibilidade Os crimes da competência do Tribunal não prescrevem 164 Cf ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 69 Período de Sessões A7210 1o de maio a 2 de junho e 3 de julho a 4 de agosto de 2017 p 10 par 45 Disponível em httpundocsorgesA7210 165 ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 69 Período de Sessões A7210 1o de maio a 2 de junho e 3 de julho a 4 de agosto de 2017 p 10 166 Cf ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional o Trabalho Realizado no 69 Período de Sessões A7210 1o de maio a 2 de junho e 3 de julho a 4 de agosto de 2017 p 13 167 Cf ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional o Trabalho Realizado no 53 Período de Sessões A5610 23 de abril a 1º de junho e 2 de julho a 10 de agosto 2001 p 216 par 5 do comentário do artigo 26 do projeto de artigos sobre a responsabilidade do Estado por atos internacionalmente ilícitos salientase que Essas normas imperativas que são claramente aceitas e reconhecidas compreendem a proibição dos crimes contra a humanidade tradução da Secretaria Disponível em httpundocsorgesA5610SUPP ver também ONU Comissão de Direito Internacional Fragmentação do direito internacional dificuldades decorrentes da diversificação e expansão do direito internacional Relatório do Grupo de Estudo da Comissão de Direito Internacional elaborado por Martti Koskenniemi ACN4L682 13 de abril de 2006 par 374 Ali se expõe que entre as regras mais frequentemente citadas para o status de jus cogens figura a proibição dos crimes contra a humanidade Disponível em httpundocsorgesACN4L682 tradução da Secretaria 168 Cf Corte Internacional de Justiça doravante denominada CIJ Questões relacionadas à obrigação de julgar ou extraditar Bélgica v Senegal Sentença de 20 de julho de 2012 p 457 par 99 169 Cf CIJ Imunidades Jurisdicionais dos Estados Alemanha v Itália Grécia intervindo Sentença de 3 de fevereiro de 2012 p 141 par 95 Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia doravante denominado TPII Promotoria v Furundžija Sentença de 10 de dezembro de 1998 causa no IT95171T par 153 Tribunal Europeu de Direitos Humanos doravante denominado TEDH Caso AlAdsani Vs Reino Unido GS No 3576397 Sentença de 21 de novembro de 2001 par 61 49 constituam ou não uma violação da legislação interna do país onde tenham sido cometidos artigo 6 c170 221 Essa foi exatamente a interpretação da Corte Interamericana no Caso Almonacid Arellano par 212 supra que se aplica também ao presente caso É importante além disso destacar que ao longo das últimas décadas pronunciaramse nesse sentido tribunais internacionais171 nacionais172 e órgãos das Nações Unidas173 B11 Elementos dos crimes contra a humanidade 222 Os crimes contra a humanidade são um dos delitos reconhecidos pelo Direito Internacional juntamente com os crimes de guerra o genocídio a escravidão e o crime de agressão Isso significa que seu conteúdo sua natureza e as condições de sua responsabilidade são estabelecidos pelo Direito Internacional independentemente do que se possa estabelecer no direito interno dos Estados A característica fundamental de um delito de Direito Internacional é que ameaça à paz e a segurança da humanidade porque choca a consciência da humanidade Tratamse de crimes de Estado planejados e que fazem parte de uma estratégia ou política manifesta contra uma população ou grupo de pessoas Aqueles que os cometem tipicamente devem ser agentes estatais encarregados do cumprimento dessa política ou plano que participam de atos de assassinato tortura estupro e outros atos repudiáveis contra civis de maneira sistemática ou generalizada 223 A Corte observa que o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional cristalizou a definição dessa figura jurídica ao dispor em seu artigo 7 que se entenderá por crime contra a humanidade qualquer dos atos detalhados nesse artigo174 quando se cometa como 170 Cf ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 69 Período de Sessões A7210 1o de maio a 2 de junho e 3 de julho a 4 de agosto de 2017 p 31 comentário 4 ao artigo 2 171 Cf TEDH Caso Kolk e Kislyiy Vs Estônia Nos 2305204 e 2401804 Decisão de inadmissibilidade de 17 de janeiro de 2006 Ver também em sentdo similar Caso Vasiliauskas Vs Lituânia GS No 3534305 Sentença de 20 de outubro de 2015 par 167 168 170 e 172 Câmaras Extraordinárias nas Cortes do Camboja doravante CECC Decisão sobre exceções preliminares na causa contra IENG Sary Ne Bis in Idem Anistia e Indulto Causa N 00219092007ECCCTC Sentença de primeira instância de 3 de novembro de 2011 par 41 172 Ver nesse sentido por exemplo Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina Recurso Ordinário de Apelação Sentença de 2 de novembro de 1995 Caso de Erich Priebke N1606394 considerando 4º e Voto concorrente dos Juízes Julio S Nazareno e Eduardo Moline OConnor considerandos 76 e 77 Recurso de Fato Sentença de 24 de agosto de 2004 Caso Arancibia Clavel Enrique Lautaro causa Nº 259 considerandos 34 a 38 e Voto do Juiz Antonio Boggiano considerando 29 Recurso de Fato Sentença de 14 de junho de 2005 Caso Julio Héctor Simón e outros causa N 17768 Voto do Juiz Antonio Boggiano considerandos 28 e 42 Ver também Câmara Federal de Apelações Criminais e Correccionais da Argentina Recurso de Apelação e Nulidade 9 de setembro de 1999 Caso Videla e Outros considerando IV Tribunal Oral Criminal Federal No1 de San Martín Sentença por Crimes Contra a Humanidade 12 de agosto de 2009 General Riveros e Outros no caso de Floreal Edgardo Avellaneda e Outros considerando I Tribunal Oral Criminal Federal La Plata 26 de setembro de 2006 Caso Circuito Camps e Outros causa Nº 225106 Considerando IVA Ver também Corte Suprema de Justiça da República do Perú Sala Penal Especial Sentença de 7 de abril de 2009 Caso Alberto Fujimori Exp Nº 172001 fundamentos 710 e 711 Corte Superior de Justiça de Lima Primeira Sala Penal Especial Sentença de 15 de setembro de 2010 Exp Nº 282001 1ºSPECSJLI De igual forma ver Suprema Corte de Justiça do Uruguai Recurso de Cassação 12 de agosto de 2015 Ficha 97782012 Sentença 10612015 Considerandos III1b Recurso de Cassação 24 de agosto de 2016 Ficha 1702982011 Sentença 12802016 Considerando III1 Recurso de Cassação 8 de setembro de 2016 Ficha 3951362012 Sentença 13832016 Considerando III3 173 Cf ONU Conselho de Direitos Humanos Relatório do Relator Especial sobre a tortura e outros tratamentos ou penas crueis desumanos ou degradantes AHRC3454 14 de fevereiro de 2017 párr 18 Disponível em httpundocsorgesAHRC3454 Comissão de Direito Internacional Primeiro relatório sobre os crimes contra a humanidade apresentado por Sean D Murphy Relator Especial ACN4680 17 de fevereiro de 2015 párr 39 Disponível em httpundocsorgesACN4680 174 a Assassinato b Extermínio c Escravidão d Deportação ou transferência forçada de população e Encarceramento ou outra privação grave da liberdade física em violação de normas fundamentais de direito internacional f Tortura g Estupro escravidão sexual prostituição forçada gravidez forçada esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência sexual de gravidade comparável h Perseguição de um grupo ou coletividade com identidade própria fundada em motivos políticos raciais nacionais étnicos culturais religiosos e de gênero 50 parte de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil havendo conhecimento desse ataque Por outro lado a Corte observa que a Comissão de Direito Internacional e outros tribunais internacionais e nacionais estabeleceram os elementos dos crimes contra a humanidade de maneira similar ao Estatuto de Roma 224 Nesse sentido a Comissão de Direito Internacional no Projeto de Código de Crimes Contra a Paz e a Segurança da Humanidade considerou crime contra a humanidade a prática sistemática ou em grande escala e instigada ou dirigida por um governo ou por uma organização política ou grupo de determinados atos específicos175 Nesse sentido reconhece três requisitos gerais que oos atos sejam cometidos como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil e que oos autores ajam com conhecimento desse ataque ou seja como parte de uma política ou plano de ação determinado e estabelecido pelo Estado176 225 No Caso Dusko Tadic o Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia doravante denominado TPII considerou como elementos dos crimes contra a humanidade i que se trate de atos dirigidos contra a população civil ii que se trate de atos que ocorram de forma sistemática ou generalizada iii que se trate de atos com um propósito discriminatório ou fundados em motivos discriminatórios iv que esses atos respondam a uma política do Estado ou de organizações e v que aquele que o comete tenha conhecimento do contexto sistemático ou generalizado em que o ato ocorre Além disso e conforme a competência atribuída ao TPII por seu Estatuto esses atos deviam ser cometidos em um conflito armado177 226 Por outro lado o Tribunal Penal Internacional para Ruanda doravante denominado TPIR estabeleceu na sentença do Caso Akayesu que a categoria de crimes contra a humanidade poderia ser identificada com quatro elementos i o ato deve ser desumano em sua natureza e caráter causando grande sofrimento ou lesões graves ao corpo ou à saúde mental ou física ii o ato deve ser cometido como parte de um ataque extenso ou sistemático iii o ato deve ser cometido contra membros da população civil iv o ato deve ser cometido por um ou mais motivos discriminatórios a saber motivos nacionais políticos étnicos raciais ou religiosos178 conforme definição do parágrafo 3 ou outros motivos universalmente reconhecidos como inaceitáveis de acordo com o direito internacional em conexão com qualquer ato mencionado no presente parágrafo ou com qualquer crime da competência da Corte i Desaparecimento forçado de pessoas j Crime de apartheid k Outros atos desumanos de caráter similar que causem intencionalmente grandes sofrimentos ou atentem gravemente contra a integridade física ou a saúde mental ou física 175 Cf ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 48 Período de Sessões A5110 6 de maio a 26 de julho de 1996 p 101 Comentários 3º 4º e 5º ao Artigo 18 do Projeto de Código de Crimes Contra a Paz e a Segurança da Humanidade Disponível em httpundocsorgesA5110SUPP 176 Para uma análise detalhada da evolução e interpretação dos três requisitos gerais dos crimes contra a humanidade ver ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 69 Período de Sessões A7210 1o de maio a 2 de junho e 3 de julho a 4 de agosto de 2017 p 33 e seguintes 177 Cf TPII Promotoria Vs Duško Tadić Sentença de 7 de maio de 1997 Caso No IT941T par 627 660 Em especial o TPII se referiu aos requisitos de generalizado e sistemático nos seguintes termos É portanto a intenção de excluir atos isolados ou aleatórios da noção de crimes contra a humanidade o que motivou a inclusão do requisito de que os atos devem ser dirigidos a uma população civil seja de forma generalizada a qual se refere ao número de vítimas seja sistematicamente que indica a existência evidente de um padrão ou plano metódico par 648 tradução da Secretaria Ver também Promotoria Vs Kupreškić e outros Sentença de 14 de janeiro de 2000 Caso No IT9516T par 547 a 558 178 Cf TPIR Promotoria Vs JeanPaul Akayesu Sentença de 2 de setembro 1998 Caso No ICTR964T par 578 O TPIR também considerou que o conceito de generalizado podia ser definido como ação massiva frequente e de grande escala levada a cabo coletivamente com considerável seriedade e dirigida contra uma multiplicidade de vítimas Acrescentou também que o conceito de sistemático podia ser definido como rigorosamente organizado e seguindo um padrão regular com base em uma política comum que implique substanciais recursos públicos ou privados Não é um requisito que essa política seja adotada formalmente como política de um Estado No entanto deve haver algum tipo de plano ou política preconcebida par 580 tradução da Secretaria 51 227 Na sentença do Caso Alex Tamba Brima Brima Bazzy Kamara e Santigie Borbor Kanu o Tribunal Especial para Serra Leoa doravante denominado TESL afirmou que os elementos do crime contra a humanidade são i a existência de um ataque ii o ataque deve ser generalizado ou sistemático iii o ataque deve ser dirigido contra a população civil iv os atos daquele que os cometem devem ser parte do ataque e v aquele que o comete deve saber que seus atos constituem parte de um ataque generalizado ou sistemático dirigido contra a população civil179 228 Do mesmo modo o Tribunal Europeu de Direitos Humanos em um caso cujos fatos ocorreram em 1956 reconheceu como elementos de crimes contra a humanidade a presença de discriminação ou perseguição contra um grupo determinado da população civil e a existência de uma política ou ação estatal de natureza sistemática ou generalizada180 229 Os tribunais nacionais da Argentina181 Colômbia182 Peru183 Chile184 e Guatemala185 reconheceram como elementos constitutivos dos crimes contra a humanidade a existência de um ataque sistemático ou generalizado contra a população civil ou um grupo determinado de civis que deve incluir atos desumanos praticados como parte de um plano ou política estatal coordenada para esse efeito Alguns tribunais também consideram relevante a existência de um objetivo discriminatório por motivos políticos ideológicos religiosos étnicos ou nacionais B2 Consequência da perpetração de um crime contra a humanidade 230 Conforme se expôs acima par 219 supra a proibição dos crimes contra a humanidade é uma norma imperativa de direito internacional jus cogens o que significa que essa proibição é aceita e reconhecida pela comunidade internacional de Estados em seu conjunto como norma que não admite acordo em contrário e que só pode ser modificada por uma norma ulterior de direito internacional geral que tenha o mesmo caráter186 Concretamente a primeira obrigação dos Estados é evitar que essas condutas ocorram Caso isso não aconteça o dever do Estado é assegurar que essas condutas sejam processadas penalmente e seus autores punidos187 de modo a não deixálas na impunidade188 179 Cf TESL Promotoria Vs Alex Tamba Brima e outros Sentença de 20 de junho de 2007 Caso No SCSL0416T par 214222 180 Cf TEDH Korbely Vs Hungria GS No 917402 Sentença de 19 de setembro de 2008 par 78 a 84 181 Tribunal Oral Criminal Federal La Plata 26 de setembro de 2006 Caso Circuito Camps e outros causa Nº 225106 Quarta Sala da Câmara Federal de Cassação Penal Recurso de Cassação Penal 17 de fevereiro de 2012 Caso Gregorio Rafael Molina causa No 12821 Tribunal Oral Criminal Federal No1 de San Martín Sentença por Crimes contra a Humanidade 12 de agosto de 2009 General Riveros e outros no Caso de Floreal Edgardo Avellaneda e outros 182 Sala de Justiça e Paz do Tribunal Superior do Distrito Judicial de Bogotá Sentença e Incidente de Reparação Integral 1o de dezembro de 2011 Ocorrências 110016000253200883194 110016000253200783070 José Rubén Peña Tobón et al Postulados par 71 a 81 Sala de Cassação Penal da Corte Suprema de Justiça da Colômbia Decisão do Recurso de Apelação 21 de setembro de 2009 Processo Noº 32022 Gian Carlo Gutiérrez Suárez Postulado Considerando 4 p 190 a 199 183 Corte Suprema de Justiça da República do Peru Sala Penal Especial Sentença de 7 de abril de 2009 Caso Alberto Fujimori Exp Nº 172001 fundamentos 710 a 717 184 Corte Suprema do Chile Sentença de Substituição 8 de julho de 2010 Homicídio de Carlos Prats e Sofía Cuthbert Rol N 259609 185 Corte de Constitucionalidade da Guatemala Mandado de segurança 18 de dezembro de 2014 expediente 3340 2013 Considerando IV 186 Cf Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados Viena 23 de maio de 1969 art 53 187 Cf Caso Goiburú Vs Paraguai par 128 188 Cf Caso La Cantuta Vs Peru Mérito Reparações e Custas par 160 52 231 Mesmo quando determinadas condutas consideradas crimes contra a humanidade não estejam tipificadas formalmente no ordenamento jurídico interno ou que inclusive sejam legais na legislação doméstica isso não exime de responsabilidade a pessoa que cometeu o ato de acordo com as leis internacionais Ou seja a inexistência de normas de direito interno que estabeleçam e punam os crimes internacionais não exime em nenhum caso seus autores de responsabilidade internacional e o Estado de punir esses crimes189 232 Desde sua primeira sentença esta Corte destacou a importância do dever estatal de investigar e punir as violações de direitos humanos A obrigação de investigar e oportunamente processar e punir assume particular importância diante da gravidade dos delitos cometidos e da natureza dos direitos lesados190 especialmente em vista da proibição das execuções extrajudiciais e tortura como parte de um ataque sistemático contra uma população civil191 A particular e determinante intensidade e importância dessa obrigação em casos de crimes contra a humanidade192 significa que os Estados não podem invocar i a prescrição ii o princípio ne bis in idem iii as leis de anistia assim como iv qualquer disposição análoga ou excludente similar de responsabilidade para se escusar de seu dever de investigar e punir os responsáveis193 Além disso como parte das obrigações de prevenir e punir crimes de direito internacional a Corte considera que os Estados têm a obrigação de cooperar e podem v aplicar o princípio de jurisdição universal a respeito dessas condutas B3 A tortura e o assassinato de Vladimir Herzog 233 Uma vez estabelecidos os padrões a respeito dos crimes contra a humanidade e suas consequências para os Estados a Corte passa a analisar o caso sub judice para estabelecer i se a tortura e o assassinato de Vladimir Herzog ocorreram ou não num contexto de crimes contra a humanidade cometidos pela ditadura militar brasileira e ii as eventuais consequências dessa determinação para o Brasil no momento dos fatos e a partir de 10 de 189 Cf ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 5 Período de Sessões A1316 5 de junho e 29 de julho de 1950 p 11 Princípios do Direito Internacional reconhecidos pelo Estatuto e pelas sentenças do Tribunal de Nuremberg Princípio II O fato de que o direito interno não imponha pena alguma por um ato que constitua crime de Direito Internacional não exime de responsabilidade perante o Direito Intrnacional quem o tenha cometido Disponível em httpundocsorgesA1316SUPP Corte Internacional de Justiça Sentença de 7 de setembro de 1927 Assunto SS Lotus França Vs Turquia Série A No 10 1927 2 20 TEDH Caso Kolk e Kislyiy Vs Estônia Nos 2305204 e 2401804 Decisão de inadmissibilidade de 17 de janeiro de 2006 Ver também em sentido similar Caso Vasiliauskas Vs Lituânia GS No 3534305 Sentença de 20 de outubro de 2015 par 167 168 170 e 172 CECC Decisão sobre exceções preliminares na causa contra IENG Sary Ne Bis in Idem Anistia e Indulto Causa No 00219092007ECCCTC Sentença de primeira instância de 3 de novembro de 2011 par 41 Ver também por exemplo Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina Recurso Ordinário de Apelação Sentença de 2 de novembro de 1995 Caso de Erich Priebke N1606394 Considerando 4º e Voto coincidente do Juiz Julio S Nazareno e Eduardo Moline OConnor Considerandos 76 e 77 Recurso de Fato Sentença de 24 de agosto de 2004 Caso Arancibia Clavel Enrique Lautaro causa Nº 259 Considerandos 34 a 38 e Voto do Juiz Antonio Boggiano Considerando 29 Recurso de Fato Sentença de 14 de junho de 2005 Caso Julio Héctor Simón e outros causa N 17768 Voto do Juiz Antonio Boggiano Considerando 42 Tribunal Oral Criminal Federal La Plata 26 de setembro de 2006 Caso Circuito Camps e outros causa Nº 225106 Considerando IVA Em sentido similar ver também Tribunal Constitucional do Peru Sentença de 18 de março de 2004 Exp Nº 24882002 fundamento 4 Suprema Corte de Justiça do Uruguai Recurso de Cassação 12 de agosto de 2015 Ficha 97782012 Sentença 10612015 Considerandos III1b Da mesma forma ver Peritagem de Juan Méndez par 42 expediente de prova folha 14075 190 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Mérito Sentença de 29 de julho de 1988 Série C No 4 par 166 Caso Vásquez Durand e outros Vs Equador Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 15 de fevereiro de 2017 Série C No 332 par 141 191 Cf Caso Goiburú e outros Vs Paraguai par 84 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 137 192 Cf Caso La Cantuta Vs Peru Mérito Reparações e Custas par 115 Caso dos Massacres de El Mozote e lugares vizinhos Vs El Salvador Mérito Reparações e Custas par 208 193 Cf Caso Barrios Altos Vs Peru Mérito par 41 Caso Membros da Aldeia Chichupac e comunidades vizinhas do Município de Rabinal Vs Guatemala Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de novembro de 2016 Série C No 328 par 247 53 dezembro de 1998 Posteriormente a Corte iii resumirá as ações do Estado e iv analisará sua compatibilidade com a Convenção Americana para determinar a alegada responsabilidade internacional de acordo com os artigos 8 e 25 em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo instrumento e também em relação aos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura i A tortura e o assassinato de Vladimir Herzog e o contexto na época dos fatos 234 A Corte constata que não há controvérsia entre as partes em relação a esse tema O Brasil reconheceu sua responsabilidade pela detenção arbitrária tortura e assassinato de Vladimir Herzog por agentes do Estado no DOICODI do II Exército em 25 de outubro de 1975194 235 Testemunhas dos fatos declararam em várias ocasiões que Vladimir Herzog foi encapuzado submetido a choques elétricos por uma equipe de torturadores e sufocado par 122 supra O laudo pericial indireto acerca de sua morte determinou que Vladimir Herzog foi inicialmente estrangulado provavelmente com a cinta citada pelo perito criminal e em ato contínuo foi montada um sistema de forca onde uma das extremidades foi fixada a grade metálica de proteção da janela e a outra envolvida ao redor do pescoço Após o corpo foi colocado em suspensão incompleta para simular um enforcamento195 236 A controvérsia existe unicamente com respeito à possibilidade de indiciamento dos responsáveis e da aplicação da figura de crimes contra a humanidade em 1975 e figuras como a Lei de Anistia brasileira a prescrição o princípio de ne bis in idem e a coisa julgada 237 De acordo com a jurisprudência da Corte Interamericana e de outros tribunais internacionais nacionais e órgãos de proteção de direitos humanos a tortura e o assassinato do senhor Herzog seriam considerados uma grave violação de direitos humanos Não obstante ante a necessidade de estabelecer se persistiam obrigações de investigar julgar e punir os responsáveis pela tortura e pela morte de Vladimir Herzog como crimes contra a humanidade no momento do reconhecimento da competência da Corte por parte do Brasil o Tribunal também analisará se a tortura e o assassinato de Vladimir Herzog foram i cometidos por agentes estatais ou por um grupo organizado como parte de um plano ou estratégia preestabelecida ou seja com intencionalidade e conhecimento do plano ii de maneira generalizada ou sistemática iii contra a população civil e iv com um propósito discriminatório proibido Para esse efeito o Tribunal examinará a prova apresentada no presente caso e os fatos e o contexto que a Corte já considerou provados na sentença do Caso Gomes Lund e outros 238 Em primeiro lugar cabe ao Tribunal definir se os fatos foram parte de um plano ou estratégia de Estado A esse respeito a Corte considera provado que a o golpe militar de 1964 se consolidou com base na Doutrina da Segurança Nacional e na emissão de normas de segurança nacional e de exceção as quais funcionaram como pretenso marco legal para dar cobertura jurídica à escalada repressiva196 O inimigo poderia estar em qualquer parte dentro do próprio país inclusive ser um nacional desenvolvendose um imaginário social de constante controle típico dos Estados totalitários Para enfrentar esse novo desafio era urgente estruturar um novo aparato repressivo Assim adotaramse diferentes concepções de guerra guerra psicológica adversa guerra interna e guerra 194 Cf Escrito de contestação do Estado expediente de mérito folhas 349 e 350 195 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3301 196 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 85 54 subversiva são alguns dos termos que foram utilizados para julgar presos políticos pela Justiça Militar197 b em março de 1970 o sistema foi consolidado em um ato do Poder Executivo denominado Diretriz Presidencial de Segurança Interna que recebeu a denominação de Sistema de Segurança Interna SISSEGIN Em virtude dessa diretriz todos os órgãos da Administração Pública nacional estavam sujeitos às medidas de coordenação do comando unificado da repressão política O sistema instituído estava estruturado em dois níveis 1 no plano nacional atuavam o SNI e os Centros de Informação do Exército CIE da Marinha CENIMAR e da Aeronáutica CISA esses últimos vinculados diretamente aos gabinetes dos ministros militares 2 no plano regional criaramse Zonas de Defesa Interna ZDIs correspondentes à divisão dos comandos do I II III IV e IV Exércitos Nelas funcionavam 21 Conselhos e Centros de Operações de Defesa Interna denominados respectivamente CONDIS e CODIS integrados por membros das três Forças Armadas e pelas Secretarias de Segurança dos Estados com funções de coordenação das ações de repressão política nas respectivas ZDIs e 22 a partir do segundo semestre de 1970 foram estabelecidos Destacamentos de Operações de Informação DOI em São Paulo Rio de Janeiro Recife e Brasília e no ano seguinte também em Curitiba Belo Horizonte Salvador Belém e Fortaleza Em Porto Alegre foi criado em 1974198 c o Manual de Interrogatório do CIE de 1971 estabelecia que o detido a ser apresentado a um tribunal devia ser tratado de maneira tal que não apresentasse evidências de ter sofrido coação em suas confissões Além disso dispunha que o objetivo de um interrogatório de subversivos não era proporcionar dados à Justiça Penal seu objetivo real era obter o máximo possível de informação Para conseguir esse objetivo deviase recorrer a métodos de interrogatório que legalmente constituíam violência199 d entre 1973 e 1975 jornalistas da Voz Operária e membros do Partido Comunista Brasileiro PCB passaram a ser sequestrados ou detidos e às vezes torturados A chamada Operação Radar levada adiante pelo Centro de Informação do Exército e pelo DOICODI do II Exército representou uma ofensiva dos órgãos de segurança para combater e desmantelar o PCB e seus membros A Operação não se limitava a deter os membros do PCB mas também tinha por objetivo matar seus dirigentes200 Entre 1974 e 1976 dezenas de membros e dirigentes do PCB foram detidos torturados e mortos pela Operação de modo que a quase totalidade de seu Comitê Central foi eliminada201 e o DOICODIII Exército contou com um efetivo de 116 homens provenientes do Exército da Polícia Militar do Estado de São Paulo da Polícia Civil da Aeronáutica e da Polícia Federal A estrutura dos DOICODI possibilitava a conjugação de 197 Cf Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folha 20 198 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folhas 642 e 668671 e Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 56 e 57 expediente de prova folha 14254 199 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 650 e Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar expediente de prova folha 14290 200 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 3317 e Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 634 201 Cf Direito à Memória e à Verdade Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos expediente de prova folha 20 e Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 634 55 esforços entre esses organismos quando fosse o caso Era conhecido entre seus membros como casa da vovó202 e f o marco jurídico instituído pelo regime assegurou especialmente a impunidade dos que praticavam sequestros torturas homicídios e desaparecimentos ao excluir do controle judicial todos os atos cometidos pelo Comando Supremo da Revolução e ao instituir a competência da Justiça Militar para julgar crimes contra a segurança nacional203 239 Com respeito ao caráter sistemático ou generalizado dos fatos ocorridos e sua natureza discriminatória ou proibida bem como à condição de civil das vítimas a Corte igualmente considera provado que no período em que ocorreram os fatos a os opositores políticos da ditadura e todos aqueles que de alguma forma eram por ela percebidos como seus inimigos eram perseguidos sequestrados torturados eou mortos204 Com a emissão do Ato Institucional No 5 em dezembro de 1968 o Estado intensificou suas operações de controle e ataque sistemáticos contra a população civil Com efeito os instrumentos autoritários antes impostos aos denominados inimigos subversivos se estenderam a todos os estratos sociais revelando a sistematicidade de seu uso205 b portanto a partir de 1970 e até 1975 o regime adotou como prática sistemática as execuções e desaparecimentos de opositores sobretudo daqueles considerados mais perigosos ou de maior importância na hierarquia das organizações opositoras eou que representavam uma ameaça O período registra 281 mortes ou desaparecimentos de dissidentes o equivalente a 75 do total de mortos e desaparecidos durante toda a ditadura 369206 c a prática de invasão de domicílio sequestro e tortura fazia parte do método regular de obtenção de informação usado por órgãos como o CIE e os DOIs207 As forças de segurança se utilizavam de centros clandestinos de detenção para praticar esses atos de tortura e assassinar membros do PCB considerados inimigos do regime Esses espaços de terror financiados com recursos públicos foram deliberadamente criados para assegurar total liberdade de atuação dos agentes envolvidos e nenhum controle jurídico sobre o que ali se fazia possibilitando inclusive o desaparecimento dos corpos208 d os métodos empregados na repressão à oposição violentavam a própria legalidade autoritária instaurada pelo golpe de 1964 entre outros motivos porque o objetivo primário do sistema não era a produção de provas válidas para ser usadas em processos judiciais mas o desmantelamento a qualquer custo das organizações de oposição Essas ações se dirigiam especialmente às organizações envolvidas em ações de resistência armada209 mas também a civis desarmados210 e o modus operandi adotado pela repressão política nesse período era o seguinte por meio de informantes testemunhas agentes infiltrados ou suspeitos 202 Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 676 203 Cf Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 93 expediente de prova folha 14290 204 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade expediente de prova folha 808 205 Cf Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 93 expediente de prova folha 14290 206 Cf Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 76 e 77 expediente de prova folhas 14273 e 14274 207 Cf Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 54 expediente de prova folha 14251 208 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 152 e 153 expediente de prova folhas 682 e 683 e Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 80 expediente de prova folha 14277 209 Cf Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 54 expediente de prova folha 14251 210 Cf Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 85 expediente de prova folha 14282 56 interrogados os agentes do DOI chegavam à localização de um possível integrante de organização classificada como subversiva ou terrorista O suspeito era então sequestrado por agentes das equipes de busca e apreensão da Seção de Operações e imediatamente conduzido à presença de uma das equipes da Subseção de Interrogatório211 f a tortura passou a ser sistematicamente usada pelo Estado brasileiro desde o golpe de 1964 seja como método de obtenção de informações ou confissões técnica de interrogatório seja como forma de disseminar o medo estratégia de intimidação Converteuse na essência do sistema militar de repressão política baseada nos argumentos da supremacia da segurança nacional e da existência de uma guerra contra o terrorismo Foi utilizada com regularidade por diversos órgãos da estrutura repressiva entre delegacias e estabelecimentos militares bem como em estabelecimentos clandestinos em diferentes espaços do território nacional A prática de tortura era deliberada e de uso estendido constituindo uma peça fundamental do aparato de repressão montado pelo regime212 g os interrogatórios assim como as torturas e os demais castigos eram rigorosamente controlados pela chefia da seção Como os DOICODI possuíam muitos interrogadores e como estes se dividiam entre pelo menos três equipes separadas A B C o interrogatório sempre era orientado pelo chefe da Seção de Informação e de Análise Assim ao ter início a sessão o interrogador recebia por escrito as perguntas e debaixo delas vinha o que denominavam munição e a indicação do tratamento a ser dispensado ao interrogado213 e h outras evidências do caráter sistemático da tortura eram a existência de um campo de conhecimento sobre o qual se encontrava baseada a presença de médicos e enfermeiros nos centros de tortura a repetição de fatos com as mesmas características a burocratização do crime com a designação de estabelecimentos recursos e pessoal próprio com equipes para cumprir turnos em sua execução e a adoção de estratégias de negação214 240 Quanto à natureza e à gravidade dos fatos a Corte constata que relatórios oficiais do Estado brasileiro documentaram os seguintes métodos de tortura física e psicológica utilizados pela ditadura a Tortura física 1 Choque elétrico aplicação de descargas elétricas em várias partes do corpo da pessoa torturada preferencialmente nas partes mais sensíveis como por exemplo no pênis e ânus amarrandose um polo no primeiro e introduzindose outro no segundo ou amarrandose um polo nos testículos e outro no ouvido ou ainda nos dedos dos pés e mãos na língua etc Quando se tratava de mulheres os polos eram introduzidos na vagina e no ânus215 211 Cf Ministério Público Federal Crimes da Ditadura Militar p 73 e 74 expediente de prova folhas 14270 e 14271 212 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 343 a 346 expediente de prova folhas 873 a 878 213 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 144 expediente de prova folha 674 214 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 350 expediente de prova folha 880 215 Para conseguir as descargas os torturadores utilizavam vários aparelhos magneto conhecido como maquininha na Oban e maricota do DOPSRS telefone de campanha em quartéis aparelho de televisão conhecido como Brigitte Bardot no DEOPSSP microfone no DEOPSSP pianola aparelho que dispondo de vária teclas permitia a variação controlada da voltagem da corrente elétrica no PICBrasília e no DEOPSSP e também choque direto de tomada em corrente de 110 e até 220 volts Era muito comum que a vítima ao receber as descargas mordesse a língua ferindose gravemente Consta de compêndios médicos que o eletrochoque aplicado na cabeça provoca microhemorragias no cérebro destruindo substância cerebral e diminuindo o 57 2 Cadeira do dragão uma cadeira pesada na qual a vítima era presa para o recebimento de choques elétricos com uma trava empurrando suas pernas para trás e na qual as pernas batiam com os espasmos decorrentes das descargas elétricas216 3 Palmatória é a utilização de uma haste de madeira com perfurações na extremidade que é arredondada É usada de preferência na região da omoplata na planta dos pés e palma das mãos nádegas etc causando o rompimento de capilares sanguíneos e ocasionando derrames e inchaço que impedem a vítima de caminhar e de segurar qualquer coisa217 4 Afogamento uma das formas mais comuns que consiste em derramarse água ou uma mistura de água com querosene ou amoníaco ou outro líquido qualquer pelo nariz da vítima já pendurada de cabeça para baixo Outra forma consistia em vedar as fossas nasais e introduzir uma mangueira na boca por onde é despejada a água218 5 Telefone técnica de aplicação de pancada com as mãos em concha nos dois ouvidos ao mesmo tempo que ocasionalmente deixava a pessoa desorientada e além disso podia romper os tímpanos Desse modo algumas vítimas perdiam a audição permanentemente219 6 Sessão de caratê ou corredor polonês a vítima era agredida em meio a uma roda de torturadores com socos pontapés golpes de caratê bem como com ripas de madeira mangueiras de borracha vergalho de boi ou tiras de pneu220 7 Uso de produtos químicos se utilizava com frequência qualquer tipo de produto químico contra o torturado seja para fazêlo falar por alteração da consciência seja para provocar dor para assim obter a informação desejada Alguns exemplos dessa técnica aplicar ácido ou álcool no corpo ferido do detido ligandose na sequência o ventilador221 71 Soro da verdade geralmente se aplicava com o torturado preso a uma cama ou maca sendo a droga injetada por via endovenosa gota a gota A utilização dessa droga na medicina se dá sob estrito controle já que ela promove graves efeitos colaterais e até mesmo a morte no caso de doses excessivas222 patrimônio neurônico do cérebro Com isso no mínimo provocava distúrbios na memória e sensível diminuição da capacidade de pensar e às vezes amnésia definitiva A aplicação intensa de choques foi causa de morte de muitos presos políticos particularmente quando portadores de problemas cardíacas Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 366 expediente de prova folha 896 216 Segundo presos políticos de São Paulo É semelhante a uma cadeira elétrica Constituise por uma polcrona de madeira revestida com folha de zinco O torturado é sentado nu tendo seus pulsos amarrados aos braços da cadeira e as pernas forçadas para baixo e presas por uma trava Ao ser ligada a corrente elétrica os choques atingem rodo o corpo principalmente nádegas e testículos as pernas se ferem batendo na trava que as prende Além disso há sevícias complementares capacete elétrico balde de metal enfiado na cabeça e onde se aplicam descargas elétricas jogar água no corpo para aumentar a intensidade do choque obrigar a comer sal que além de agravar o choque provoca intensa sede e faz arder a língua já cortada pelos dentes tudo acompanhado de pancadas generalizadas Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 367 expediente de prova folha 897 217 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 368 expediente de prova folha 898 218 Outras formas eram mergulhar a cabeça do preso em um tanque tambor ou balde de água forçandolhe a nuca para baixo pescaria quando amarrada uma longa corda por sob os braços do preso e este é lançado em um poco ou mesmo em rios ou lagoas afrouxandose e puxando a corda de tempo em tempo Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 368369 expediente de prova folhas 898899 219 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 369 expediente de prova folha 899 220 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 369 expediente de prova folha 899 221 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 369 expediente de prova folha 899 222 Tratase do pentotal sódico um barbitúrico os barbitúricos e outros hipnóticos produzem um efeito progressivo primeiro sedativo e em seguida de anestesia geral e finalmente de depressão gradativa dos centros bulbares Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 370 expediente de prova folha 900 58 72 Temperar com éter aplicar uma espécie de compressa embebida em éter particularmente em partes sensíveis do corpo como boca nariz ouvidos pênis etc ou introduzir buchas de algodão ou pano também embebidas em éter no ânus ou vagina do torturado ou da torturada223 73 Injeção de éter aplicação de injeções subcutâneas de éter que provoca dores lancinantes Normalmente esse método de tortura ocasiona necrose dos tecidos atingidos cuja extensão dependia da área alcançada224 8 Sufocamento obstrução da respiração e a produção de sensação de asfixia tapandose a boca e o nariz da vítima com materiais como pano ou algodão o que também impedia a vítima de gritar O torturado sentia tonturas e podia desmaiar225 9 Enforcamento a pessoa torturada tinha o pescoço apertado com uma corda ou tira de pano sentindo sensação de asfixia sendo que às vezes provocava desmaio226 10 Crucificação penduravam a vítima pelas mãos ou pés amarrados em ganchos presos no teto ou na escada deixandoa pendurada e aplicando lhe choques elétricos palmatória e as outras torturas usuais227 11 Furar poço de petróleo o torturado era obrigado a colocar a ponta de um dedo da mão no chão e correr em círculos sem mexer o dedo até cair exausto Isso ocorria sob pancadas pontapés e todo o tipo de violência228 12 Colocarse de pé sobre duas latas abertas se obrigava a vítima a equilibrarse com os pés descalços sobre as bordas cortantes de duas latas abertas Às vezes isso se fazia até que a pessoa sangrasse Quando a vítima se desequilibrava e caía intensificavamse os espancamentos229 13 Geladeira tecnologia de tortura de origem britânica em que a pessoa detida era confinada em uma cela de aproximadamente 15m x 15m de altura para impedir que se ficasse de pé A porta interna era de metal e as paredes eram forradas com placas isolantes Não havia orifício por onde entrar luz ou sons externos Um sistema de refrigeração e um de calefação alternavam temperaturas baixas com temperaturas altas A cela era totalmente escura a maior parte do tempo No teto se acendiam pequenas luzes coloridas em ritmo rápido e intermitente ao mesmo tempo que um altofalante instalado dentro da cela emitia sons de gritos buzinas e outros em altíssimo volume A vítima despida permanecia aí por períodos que variavam de horas até dias muitas vezes sem alimentação ou água230 14 Pau de arara um dos métodos mais utilizados e conhecidos sendo largamente adotado como ilustração simbólica da prática da tortura Nessa modalidade a vítima ficava suspensa por um travessão de madeira ou metal com os braços e pés atados Nessa posição outros métodos de tortura eram aplicados como afogamento palmatória sevícias sexuais e 223 A aplicação demorada e repetida dessas compressas e buchas provocava queimaduras que causavam muita dor Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 370 expediente de prova folha 900 224 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 370 expediente de prova folha 900 225 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 371 expediente de prova folha 901 226 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 371 expediente de prova folha 901 227 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 371 expediente de prova folha 901 228 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 371 expediente de prova folha 901 229 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 371 expediente de prova folha 901 230 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 372 expediente de prova folha 902 59 choques elétricos entre outros231 15 Utilização de animais os presos políticos eram expostos aos mais variados tipos de animais como cachorros ratos jacarés cobras baratas que eram lançados contra a vítima ou mesmo introduzidos em alguma parte de seu corpo232 16 Coroa de cristo fita de aço em torno do crânio com uma tarraxa permitindo que fosse apertada233 17 Churrasquinho consistia em atear fogo em partes do corpo da vítima previamente embebidas em álcool234 18 Outras formas de tortura praticadas isoladas ou em conjunto como queimar com cigarros alguma parte do corpo arrancar com alicate pelos do corpo especialmente os pubianos dentes eou unhas obrigar o torturado com sede a beber salmoura introduzir bucha de palha de aço no ânus e nelas aplicar descargas elétricas amarrar fio de náilon entre os testículos e os dedos dos pés e obrigar a vítima a caminhar açoitar amarrar a grades da cela amarrar a lanchas e arrastar pela água amarrar o pênis para não urinar asfixiar forçar a ingestão de água da latrina chicotear cuspir manter em isolamento em celas molhadas frias sem iluminação e sujas martelar dedos enterrar vivos forçar a prática de exercícios físicos estrangular fazer roleta russa cortar a orelha mutilar e a mais comum de todas o espancamento235 b Tortura psicológica intimidação ameaças graves e críveis à integridade física ou à vida da vítima ou de terceiros e a humilhação236 1 Torturas físicopsíquicas vestir a pessoa detida com camisa de força obrigála a permanecer durante horas algemado ou amarrado em macas ou camas mantêla por muitos dias com os olhos vendados ou com capuz na cabeça manter o preso sem comer sem beber e sem dormir confinar a vítima em celas de isolamento e acender fortes refletores de luz sobre a pessoa237 2 Ameaça era usada para aterrorizar as vítimas e era a forma mais frequente de tortura psicológica Eram ameaças como cometer aborto na vítima ou na família afogar asfixiar colocar animais no corpo obrigar a comer fezes entregar o preso a outra unidade repressiva mais violenta estrangular estuprar familiar fuzilar matar prender familiar violentar sexualmente fazer lavagem cerebral mutilar alguma parte do corpo Também se podem mencionar ameaças de morte representadas por ações como obrigar o preso a cavar a própria sepultura dançar com um cadáver fazer roleta russa entre outras238 3 Ameaça a familiares e amigos inclusive mulheres grávidas e filhos crianças ou ainda torturar amigos diante do torturado para que este 231 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 372 expediente de prova folha 902 232 No caso dos camundongos eram destrutivos uma vez que após introduzidos nos corpos das vítimas este animal não sabia andar para trás Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 373 e 374 expediente de prova folhas 903 e 904 233 Assim foi assassinada Aurora Maria Nascimento Furtado Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 374 expediente de prova folha 904 234 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 374 expediente de prova folha 904 235 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 375 expediente de prova folha 905 236 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 375 expediente de prova folha 905 237 Outros exemplos dessas técnicas são o isolamento a proibição absoluta de comunicarse e a privação de sono Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 375 expediente de prova folha 905 238 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 376 expediente de prova folha 906 60 sentisse culpa pela ação dos torturadores e pelo sofrimento daqueles que lhe eram queridos239 241 Os fatos descritos não deixam dúvidas quanto a que a detenção tortura e assassinato de Vladimir Herzog foram efetivamente cometidos por agentes estatais pertencentes ao DOICODI do II Exército de São Paulo como parte de um plano de ataque sistemático e generalizado contra a população civil considerada opositora à ditadura em especial no que diz respeito ao presente caso jornalistas e supostos membros do Partido Comunista Brasileiro Sua tortura e morte não foi um acidente mas a consequência de uma máquina de repressão extremamente organizada e estruturada para agir dessa forma e eliminar fisicamente qualquer oposição democrática ou partidária ao regime ditatorial utilizandose de práticas e técnicas documentadas aprovadas e monitoradas detalhadamente por altos comandos do Exército e do Poder Executivo Concretamente sua detenção era parte da Operação Radar que havia sido criada para combater o PCB Dezenas de jornalistas e membros do PCB haviam sido detidos e torturados antes de Herzog e também o foram posteriormente em consequência da ação sistemática da ditadura para desmantelar e eliminar seus supostos opositores O Estado brasileiro por intermédio da Comissão Nacional da Verdade confirmou a conclusão anterior em seu Informe Final publicado em 2014 242 A Corte conclui que os fatos registrados contra Vladimir Herzog devem ser considerados crime contra a humanidade conforme a definição do Direito Internacional desde pelo menos 1945 par 211 a 228 supra Também de acordo com o afirmado na sentença do Caso Almonacid Arellano no momento dos fatos relevantes para o caso 25 de outubro de 1975 a proibição de crimes de direito internacional e crimes contra a humanidade já havia alcançado o status de norma imperativa de direito internacional jus cogens o que impunha ao Estado do Brasil e com efeito a toda a comunidade internacional a obrigação de investigar julgar e punir os responsáveis por essas condutas uma vez que constituem uma ameaça à paz e à segurança da comunidade internacional par 212 supra ii Obrigações do Estado a partir da caracterização da tortura e assassinato de Vladimir Herzog como crime contra a humanidade 243 Em casos em que se alega que ocorreram fatos constitutivos de tortura e execução extrajudicial é fundamental que os Estados realizem uma investigação efetiva da privação arbitrária do direito à vida reconhecido no artigo 4 da Convenção com vistas à determinação da verdade e à persecução captura julgamento e eventual punição dos autores dos atos240 Esse dever assume particular intensidade quando estão ou podem estar envolvidos agentes estatais241 que detenham o monopólio do uso da força em um contexto provado de crimes contra a humanidade Além disso se os atos violatórios aos direitos humanos não são investigados com seriedade seriam de certo modo favorecidos pelo poder público o que compromete a responsabilidade internacional do Estado242 244 Em virtude de os crimes cometidos contra Vladimir Herzog terem ocorrido num contexto de crimes contra a humanidade em violação de uma norma peremptória de direito internacional que desde aquela época possuía efeitos erga omnes uma vez que o Estado 239 Cf Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 378 expediente de prova folha 908 240 Cf Caso da Masacre de Pueblo Bello Vs Colômbia Sentença de 31 de janeiro de 2006 Série C No 140 par 143 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 177 241 Cf Caso Myrna Mack Chang Vs Guatemala Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de novembro de 2003 Série C No 101 par 156 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 177 242 Cf Caso do Massacre de Pueblo Bello Vs Colômbia par 145 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 177 61 tenha conhecimento dos atos constitutivos de tortura devia iniciar ex officio a investigação pertinente a fim de estabelecer as responsabilidades individuais cabíveis243 iii Ações do Estado no presente caso 245 A seguir a Corte analisará brevemente as medidas tomadas pelo Estado e pelos familiares de Vladimir Herzog antes e depois do reconhecimento da competência da Corte O Tribunal reitera que os fatos anteriores a 10 de dezembro de 1998 servem para determinar o estado de coisas a partir dessa data desde a qual a Corte tem competência para determinar eventuais violações à Convenção Americana sobre Direitos Humanos a IPM No 117375 246 Em virtude da comoção pela morte do senhor Herzog o II Exército abriu um inquérito na jurisdição penal militar IPM No 117375 em 30 de outubro de 1975 Essa investigação caracterizada amplamente como fraudulenta teve como resultado a versão segundo a qual Vladimir Herzog teria cometido suicídio mediante enforcamento Portanto a Justiça Militar arquivou o caso em fevereiro de 1976 par 128 supra A esse respeito o Estado reconheceu perante esta Corte que esse inquérito penal militar não pode ser tido como uma tentativa válida de investigação dos fatos e tampouco seria hábil a atender à obrigação de investigar processar e punir244 247 Embora essa ação estatal não se encontre dentro da competência contenciosa da Corte esta recorda sua jurisprudência constante relativa aos limites da competência da jurisdição militar para conhecer fatos que constituem violações de direitos humanos no sentido de que num Estado democrático de direito a jurisdição penal militar terá um alcance restritivo e excepcional e será destinada à proteção de interesses jurídicos especiais vinculados às funções próprias das forças armadas245 Por isso a Corte salientou que através do foro militar só devem ser julgados militares da ativa pela prática de crimes ou faltas que por sua própria natureza atentem contra bens jurídicos próprios da ordem castrense246 O fato de que os sujeitos envolvidos pertençam às forças armadas ou que os acontecimentos tenham ocorrido dentro de um estabelecimento militar não significa per se que a justiça castrense deva intervir Isso porque considerando a natureza do crime e o bem jurídico lesado a jurisdição penal militar não é o foro competente para investigar e se for o caso julgar e punir os autores de violações de direitos humanos devendo a ação contra os responsáveis competir sempre à justiça ordinária ou comum247 248 Por outro lado a Corte reiteradamente afirmou que as normas ou parâmetros sobre as limitações que a jurisdição militar deve observar são os seguintes248 a não é o foro competente para investigar e se for o caso julgar e punir os autores de todas as violações de direitos humanos249 b só pode julgar militares em serviço ativo250 e c só pode julgar a 243 Cf Caso do Massacre de Río Negro Vs Guatemala par 225 e Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil par 362 244 Escrito de Contestação do Estado par 15 expediente de mérito folha 319 245 Cf Caso Durand e Ugarte Vs Peru Mérito Sentença de 16 de agosto de 2000 Série C No 68 par 117 e Caso Ortiz Hernández e outros Vs Venezuela Mérito Reparações e Custas Sentença de 22 de agosto de 2017 Série C No 338 par 148 246 Cf Caso Durand e Ugarte Vs Peru Mérito par 117 e Caso Ortiz Hernández e outros Vs Venezuela par 148 247 Cf Caso do Massacre de La Rochela Vs Colômbia Mérito Reparações e Custas Sentença de 11 de maio de 2007 Série C No 163 par 200 e Caso Ortiz Hernández e outros Vs Venezuela par 148 248 Cf Caso Quispialaya Vilcapoma Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de novembro de 2015 Série C No 308 par 146 249 Cf Caso Radilla Pacheco Vs México Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de novembro de 2009 Série C No 209 par 273 Caso Fernández Ortega e outros Vs México Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de agosto de 2010 Série C No 215 par 176 Caso Rosendo Cantú e 62 prática de delitos ou faltas cometidos por militares na ativa que atentem por sua própria natureza contra bens jurídicos próprios da ordem militar251 b Ação declaratória civil 249 Ante os resultados fraudulentos do inquérito policial militar no 117375 e a impossibilidade legal de que os órgãos do Estado investigassem efetivamente a tortura e a morte de Vladimir Herzog seus familiares apresentaram uma ação declaratória Apesar da natureza civil desse processo a sentença de primeira instância par 132 a 134 supra estabeleceu que i Vladimir Herzog havia morrido de causas não naturais quando estava no DOICODISP ii a União não conseguiu comprovar sua tese do suicídio de Herzog iii a detenção de Herzog havia sido ilegal iv o relatório complementar da Justiça Militar não tinha valor porque foi elaborado com base no relatório de necropsia cuja falsificação foi demonstrada v houve crime de abuso de autoridade além de crime de tortura praticada contra Vladimir Herzog e os demais presos políticos que estavam detidos no DOICODI Finalmente o Juiz Federal determinou que os autos do caso fossem remetidos ao Procurador da Justiça Militar No entanto a Procuradoria Militar não tomou nenhuma iniciativa a esse respeito A União apelou dessa sentença de primeira instância a qual se tornou definitiva em 27 de setembro de 1995 par 135 supra c A Lei de Anistia e o Inquérito Policial No 48792 250 Em 28 de agosto de 1979 foi aprovada a Lei de Anistia no 668379 Em 1992 após a publicação de uma entrevista com um reconhecido torturador Pedro Antonio Mira Grancieri que afirmou que havia sido o único responsável pelo interrogatório de Herzog foi enviada uma solicitação ao Ministério Público MP do Estado de São Paulo para que investigasse a participação de Mira Grancieri na morte de Vladimir Herzog O Ministério Público solicitou à polícia a abertura de inquérito policial mas poucos meses depois Mira Grancieri interpôs um habeas corpus a seu favor o qual foi julgado procedente por unanimidade em outubro de 1992 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo Por conseguinte encerrouse o inquérito policial em cumprimento à Lei de Anistia Em janeiro de 1993 o ProcuradorGeral de São Paulo apelou da decisão No entanto em 18 de agosto de 1993 o Superior Tribunal de Justiça STJ confirmou a decisão de primeira instância Os magistrados alegaram questões processuais para rejeitar esse recurso par 140 a 145 supra 251 A Corte não tem competência ratione temporis para determinar uma violação da Convenção Americana sobre esses fatos Não obstante é importante observar que a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo foi proferida depois da entrada em vigor da Convenção Americana para o Estado brasileiro a ratificação da Convenção se deu em 25 de setembro de 1992 Por outro lado a Corte recorda o que afirmou sobre a Lei No 668379 na sentença do Caso Gomes Lund e outros 174 Dada sua manifesta incompatibilidade com a Convenção Americana as disposições outra Vs México Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2010 Série C No 216 par 160 Caso Escué Zapata Vs Colômbia Mérito Reparações e Custas Sentença de 4 de julho de 2007 Série C No 165 par 105 Caso Comunidade Camponesa de Santa Bárbara Vs Peru par 245 Caso Quispialaya Vilcapoma Vs Peru par 146 e Caso Ortiz Hernández e outros Vs Venezuela par 148 250 Cf Caso Radilla Pacheco Vs México par 272 Caso Fernández Ortega e outros Vs México par 176 e Caso Rosendo Cantú e outra Vs México par 160 Caso Castillo Petruzzi e outros Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de maio de 1999 Série C No 52 par 128 Caso Quispialaya Vilcapoma Vs Peru par 146 e Caso Ortiz Hernández e outros Vs Venezuela par 148 251 Cf Caso Radilla Pacheco Vs México par 313 Caso Fernández Ortega e outros Vs México par 179 e Caso Rosendo Cantú e outra Vs México par 163 Caso Castillo Petruzzi e outros Vs Peru Mérito Reparações e Custas par 128 Caso Quispialaya Vilcapoma Vs Peru par 146 e Caso Ortiz Hernández e outros Vs Venezuela par 148 63 da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos carecem de efeitos jurídicos Em consequência não podem continuar a representar um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso nem para a identificação e punição dos responsáveis nem podem ter igual ou similar impacto sobre outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil 175 Quanto à alegação das partes a respeito de que se tratou de uma anistia uma auto anistia ou um acordo político a Corte observa como se depreende do critério reiterado no caso que a incompatibilidade em relação à Convenção inclui as anistias de graves violações de direitos humanos e não se restringe somente às denominadas auto anistias Além disso como foi destacado anteriormente o Tribunal mais que ao processo de adoção e à autoridade que emitiu a Lei de Anistia se atém à sua ratio legis deixar impunes graves violações ao direito internacional cometidas pelo regime militar A incompatibilidade das leis de anistia com a Convenção Americana nos casos de graves violações de direitos humanos não deriva de uma questão formal como sua origem mas sim do aspecto material na medida em que violam direitos consagrados nos artigos 8 e 25 em relação com os artigos 11 e 2 da Convenção d Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos 252 A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos criada pela Lei No 914095 identificou entre outras coisas as pessoas que por terem participado ou por terem sido acusadas de participação em atividades políticas faleceram de causas não naturais em dependências policiais ou similares ou que faleceram em consequência de atos de tortura praticados por agentes do poder público A CEMDP concedeu uma indenização à família de Vladimir Herzog pelos atos contra ele cometidos e concluiu que efetivamente o senhor Herzog havia morrido no DOICODI de São Paulo A versão final e oficial dessa Comissão foi publicada no ano de 2007 par 146 a 151 supra 253 A publicação dessa versão sobre a tortura e o assassinato de Vladimir Herzog foi emitida por um órgão estatal o qual ademais identificou padrões de violência institucional sistemática e generalizada por parte de agentes públicos vinculados ao DOICODI Exército e forças policias durante a ditadura militar Com base nessa informação no entender da Corte recai sobre o Estado o dever de levar a cabo uma investigação pertinente a fim de estabelecer as responsabilidades individuais cabíveis252 Já nessa época era conhecido o modus operandi das forças de segurança do regime militar e o nível de sistematicidade e alcance dos planos de combate à subversão implementados em especial entre os anos de 1968 e 1975 254 Dadas as particularidades do presente caso e o conhecimento de fatos típicos de direito internacional em especial depois da publicação do Relatório da CEMDP nascia para o Estado o dever de agir com diligência para evitar que os crimes ali descritos ficassem impunes e Atuação do Ministério Público Federal Processo No 200861810134342 255 Sem prejuízo do exposto acima sobre as obrigações estatais diante de condutas que podem ser caracterizadas como crimes contra a humanidade a Corte analisará a seguir a iniciativa do Ministério Público Federal e a resposta do Poder Judiciário Federal em relação a uma denúncia apresentada por um advogado em consequência da publicação do Relatório da CEMDP 252 Cf mutatis mutandi Caso do Massacre de Río Negro Vs Guatemala par 225 64 256 Ao receber a denúncia do advogado Fábio Konder Comparato dois procuradores federais com competência civil a enviaram a seu colega com competência penal Esse procurador federal se pronunciou a favor de seu arquivamento Apesar de haver reconhecido que o homicídio de Vladimir Herzog possui todas as características dos chamados crimes contra a humanidade podendo ser perfeitamente caracterizado como tal que a Lei de Anistia não era aplicável ao caso e que a punibilidade do crime cometido havia sido extinta pela anistia o procurador federal considerou que a conduta não havia sido tipificada na época dos fatos Entendeu ademais que existiria coisa julgada material e ainda mais que se teria consumado a prescrição da pretensão punitiva sem importar se o juiz era competente ou não O procurador também salientou que a Convenção Americana não estabelece claramente nenhuma hipótese de imprescritibilidade para o passado e que o costume internacional não se submete ao processo de internalização de modo que a imprescritibilidade não poderia ser estabelecida a partir dessa fonte por representar um fator de insegurança jurídica par 152 a 157 supra 257 De acordo com o sistema jurídico brasileiro o parecer do procurador criminal deve ser analisado por um juiz A juíza federal interveniente acolheu os fundamentos do Ministério Público entendendo que existia no caso coisa julgada material que tornava impossível a continuação das investigações por estar extinta a ação penal No entanto considerou que os fatos não deveriam ser considerados crimes contra a humanidade por não terem sido tipificados como tais no momento em que ocorreram A decisão também ressaltou que o ordenamento jurídico brasileiro não permite a criação de crimes por costume unicamente por lei Por último a referida juíza considerou que a ação estava prescrita porque tanto o homicídio como o genocídio assim como a tortura não são infrações imprescritíveis frente à Constituição e demais normas do ordenamento em vigor par 159 e 160 supra Sobre a intervenção do juiz que encerrou a investigação em 1992 a juíza afirmou que ao haver reconhecido a existência de uma causa de extinção da punibilidade essa decisão adquiriu conteúdo de mérito razão pela qual se transformou em coisa julgada material253 B4 Análise da atuação estatal 258 Para analisar as decisões e pronunciamentos supra a Corte fará referência aos padrões estabelecidos neste capítulo sobre os crimes contra a humanidade e as consequências jurídicas para os Estados desde que estes ocorrem e em particular para o Brasil desde 10 de dezembro de 1998 data na qual reconheceu a competência da Corte Interamericana A esse respeito a Corte analisará cada um dos excludentes de responsabilidade alegados pelo Brasil para justificar a não investigação julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e assassinato de Vladimir Herzog de modo a estabelecer sua incompatibilidade em relação aos crimes contra a humanidade no presente caso 259 Em primeiro lugar é importante reiterar em conformidade com o exposto acima par 211 a 228 supra que a norma imperativa de jus cogens que proíbe os crimes contra a humanidade existia e obrigava o Estado do Brasil no momento dos fatos Reiterase que a consequência principal de uma norma imperativa de direito internacional é que não admite acordo em contrário e que só pode ser modificada por uma norma ulterior de direito internacional geral que tenha o mesmo caráter A segunda consequência de uma norma imperativa é que implica em obrigações erga omnes Como foi exposto a primeira obrigação dos Estados a respeito dessa norma é impedir que esse tipo de crime ocorra 253 Juíza Federal Substituta da 1ª Vara Federal Criminal e de Execuções Penais Autos Nº 200861810134342 9 de janeiro de 2009 p 9 expediente de prova folha 4573 65 Consequentemente os Estados devem assegurar que essas condutas sejam processadas penalmente e seus autores punidos Do mesmo modo de acordo com o Direito Internacional a falta de tipificação formal das condutas que alcançam o limiar de crimes contra a humanidade no ordenamento jurídico interno não exime de responsabilidade a pessoa que cometeu o ato e a jurisdição universal em relação aos perpetradores desses crimes par 231 supra Outras consequências que não serão analisadas em detalhe na presente sentença são a inaplicabilidade de imunidades e da causa de justificação de obediência devida Tampouco será abordada a irrevogabilidade dessa proibição em estados de emergência 260 Somado a essas especificações básicas esta Corte destacou o dever de investigar e punir graves violações de direitos humanos e eventuais crimes contra a humanidade254 À luz do acima exposto o Tribunal passará a analisar os motivos pelos quais no presente caso o Estado do Brasil estaria impedido de utilizar figuras que permitam a impunidade de crimes contra a humanidade tais como a prescrição o princípio de ne bis in idem e as leis de anistia além de qualquer disposição análoga ou excludente de responsabilidade i Imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade 261 A prescrição em matéria penal determina a extinção da pretensão punitiva pelo transcurso do tempo e em geral limita o poder punitivo do Estado para perseguir a conduta ilícita e punir seus autores Tratase de uma garantia que deve ser observada devidamente pelo julgador para todo acusado de um delito Sem prejuízo do exposto excepcionalmente255 a prescrição da ação penal é inadmissível e inaplicável quanto se trata de graves violações dos direitos humanos nos termos do Direito Internacional conforme destacou a jurisprudência constante e uniforme da Corte256 262 Por outro lado a exigência de não aplicação da garantia de prescrição leva em conta que certos contextos de violência institucional além de certos obstáculos na investigação podem propiciar sérias dificuldades para a devida investigação de algumas violações de direitos humanos257 Em cada caso concreto considerando argumentos específicos sobre prova a não procedência da prescrição num determinado momento pode se relacionar ao objetivo de impedir que o Estado se furte precisamente de prestar conta sobre as arbitrariedades que cometam seus próprios funcionários no âmbito desses contextos258 e desse modo evitar que se repitam259 263 A Corte sustentou a improcedência da prescrição em casos de tortura assassinatos cometidos num contexto de violações massivas e sistemáticas de direitos humanos e 254 Cf Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 137 255 A Corte considerou que as violações graves dos direitos humanos têm conotação e consequências próprias Cf Caso Escher e outros Vs Brasil Supervisão de Cumprimento de Sentença Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 19 de junho de 2012 par 20 256 Cf Caso Barrios Altos Vs Peru Mérito par 41 Caso Almonacid Arellano Vs Chile par 110 Caso do Massacre de La Rochela Vs Colômbia par 294 Caso Albán Cornejo Vs Equador Mérito Reparações e Custas Sentença de 22 de novembro de 2007 Série C No 171 par 111 Caso Vera Vera e outra Vs Equador Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 19 de maio de 2011 Série C No 226 par 117 257 A tutela dos direitos humanos frente a violações especialmente graves e intoleráveis que pudessem ficar impunes diluindo o dever de justiça penal decorrente da obrigação de garantia que cabe ao Estado levou à exclusão de certos fatos do regime ordinário de prescrição e inclusive de um tratamento prescritivo mais rigoroso instalado sobre determinadas condições e prazos mais prolongados que tendem a manter vivo o poder persecutório do Estado Voto Fundamentado do Juiz Sergio García Ramírez com respeito à sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Albán Cornejo e outros Vs Equador Mérito par 29 258 Cf Caso Bueno Alves Vs Argentina Supervisão de Cumprimento de Sentença Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 5 de julho de 2011 considerando 40 259 Cf Caso Albán Cornejo Vs Equador Mérito par 111 Caso Vera Vera e outra Vs Equador par 117 66 desaparecimentos forçados de forma constante e reiterada260 pois essas condutas violam direitos e obrigações inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos 264 Especificamente com respeito aos crimes contra a humanidade nem os Estatutos de Nuremberg ou Tóquio nem os instrumentos constitutivos do Tribunal Internacional para a exIugoslávia do Tribunal Penal Internacional para Ruanda ou do Tribunal Especial para Serra Leoa estabeleceram regras sobre prescrição em relação aos delitos internacionais inclusive os crimes contra a humanidade Por outro lado na Lei No 10 do Conselho de Controle aprovada em dezembro de 1945 pelo Conselho de Controle Interaliado da Alemanha para o julgamento de supostos infratores se estabelecia que nos julgamentos ou processos por crimes contra a humanidade assim como crimes de guerra e crimes contra a paz o acusado não tem o direito de se amparar em prescrição alguma quanto ao período compreendido entre 30 de janeiro de 1933 e 1o de julho de 1945261 Do mesmo modo em 1967 a Assembleia Geral das Nações Unidas destacou que a aplicação aos crimes de guerra e aos crimes contra a humanidade das normas de direito interno relativas à prescrição dos delitos ordinários suscita grave preocupação na opinião pública mundial pois impede o julgamento e a punição das pessoas responsáveis por esses crimes262 No ano seguinte os Estados aprovaram a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade que reconhece o desenvolvimento do direito internacional na matéria até esse ponto e determina que a prescrição da ação penal ou da pena não deve aplicarse a crimes contra a humanidade263 Por outro lado o Estatuto de Roma expressamente declara que os crimes de sua competência não prescreverão par 217 supra Do mesmo modo recentes desdobramentos internacionais como o Estabelecimento das Salas Especiais no Camboja e o Estatuto do Tribunal para Timor Leste definem expressamente os crimes contra a humanidade como delitos que não prescrevem264 265 Segundo a Comissão de Direito Internacional na atualidade não parece haver nenhum Estado com legislação sobre crimes contra a humanidade que proíba o julgamento depois de transcorrido certo tempo Pelo contrário numerosos Estados aprovaram legislação 260 Ver entre outros Caso Barrios Altos Vs Peru Mérito par 41 Caso dos Irmãos Gómez Paquiyauri Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 8 de julho de 2004 Série C No 110 par 150 151 e 152 Caso da Comunidade Moiwana Vs Suriname Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 15 de junho de 2005 Série C No 124 par 167 Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña Vs Bolívia Mérito Reparações e Custas Sentença de 1o de setembro de 2010 Série C No 217 par 207 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 171 Caso Vera Vera e outra Vs Equador par 117 Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Vs Brasil par 454 261 ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 69 Período de Sessões A7210 1o de maio a 2 de junho e 3 de julho a 4 de agosto de 2017 comentário 34 ao artigo 6 do projeto de artigos sobre os crimes contra a humanidade p 75 citando a Lei no 10 do Conselho de Controle sobre o Castigo dos Acusados de Crimes de Guerra Crimes contra a Paz e Crimes contra a humanidade art II par 5 ONU Assembleia Geral Questão do castigo dos criminosos de guerra e das pessoas que tenham cometido crimes contra a humanidade Resolução 2338 XXII 18 de dezembro de 1967 262 ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 69 Período de Sessões A7210 1o de maio a 2 de junho e 3 de julho a 4 de agosto de 2017 comentário 34 ao artigo 6 do projeto de artigos sobre os crimes contra a humanidade p 75 citando a ONU Assembleia Geral Questão do castigo dos criminosos de guerra e das pessoas que tenham cometido crimes contra a humanidade Resolução 2338 XXII 18 de dezembro de 1967 ver também a resolução 2712 XXV de 15 de dezembro de 1970 Disponível em httpundocsorgesARES2712XXV e a resolução 2840 XXVI de 18 de dezembro de 1971 disponível em httpundocsorgesARES2840XXVI 263 Assembleia Geral da ONU Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a humanidade Resolução 2391XXIII 26 de novembro de 1968 artigo IV Disponível em httpundocsorgesARES2391XXIII 264 Cf Parlamento do Reino do Camboja Lei sobre o Estabelecimento das Salas Extraordinárias nas Cortes do Camboja para o Julgamento de Crimes Cometidos durante o Período do Kampuchea Democrático aprovada em 10 de agosto de 2001 com emendas aprovadas em 27 de outubro de 2004 NSRKM1004006 art 5 Administração Transitória das Nações Unidas no Timor Leste Regulação No 200015 para o estabelecimento de painéis com jurisdição exclusiva sobre crimes graves UNTAETREG200015 6 de junho de 2000 art 171 67 específica contra toda limitação dessa natureza265 Além disso ainda que nem a Convenção contra a Tortura nem o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos proíbam expressamente a aplicação da prescrição para graves violações desses tratados os respectivos comitês criados para interpretar e monitorar o cumprimento de ambos os tratados estabeleceram que a tortura e graves violações ao Pacto não devem ser objeto de prescrição266 266 No âmbito regional o Tribunal Europeu de Direitos Humanos se referiu à prescrição de casos de graves ou massivas violações de direitos humanos Nesse sentido salientou que em atenção à gravidade dos delitos a aplicação da prescrição é contrária à obrigação de garantia do direito à vida267 Além disso reconheceu que apesar do transcurso do tempo o interesse público em obter o julgamento e punição dos perpetradores estava firmemente estabelecido em especial no contexto dos crimes de guerra e crimes contra a humanidade268 267 Da mesma forma altos tribunais do Peru269 Argentina270 Chile271 Colômbia272 Costa 265 ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 69 Período de Sessões A7210 1o de maio a 2 de junho e 3 de julho a 4 de agosto de 2017 comentário 35 ao artigo 6 do projeto de artigos sobre os crimes contra a humanidade p 76 266 Ver por exemplo relatório do Comitê contra a Tortura Documentos Oficiais da Assembleia Geral 62o Período de Sessões Suplemento no 44 A6244 cap III exame dos relatórios apresentados pelos Estados Partes em virtude do artigo 19 da Convenção México par 35 comentário 16 e Itália par 40 comentário 19 Ver também por exemplo relatório do Comitê de Direitos Humanos Documentos Oficiais da Assembleia Geral 63o Período de Sessões Suplemento no 40 A6340 Vol I vol I cap IV exame dos relatórios apresentados pelos Estados Partes em conformidade com o artigo 40 do Pacto e da situação dos países que não apresentaram relatório que deram lugar a observações finais públicas Panamá seção A par 79 7 267 TEDH Aslakhanova e outros Vs Rússia Nos 294406 e 830007 5018407 33208 4250910 Sentença de 18 de dezembro de 2012 par 237 Lastly the application of the statute of limitations to the bulk of investigations of the abductions committed prior to 2007 has to be addressed Bearing in mind the seriousness of the crimes the large number of persons affected and the relevant legal standards applicable to such situations in modernday democracies the Court finds that the termination of pending investigations into abductions solely on the grounds that the timelimit has expired is contrary to the obligations under Article 2 of the Convention The Court also notes that there is little ground to be overly prescriptive as regards the possibility of an obligation to investigate unlawful killings arising many years after the events since the public interest in obtaining the prosecution and conviction of perpetrators is firmly recognised particularly in the context of war crimes and crimes against humanity 268 TEDH Aslakhanova e outros Vs Rússia Nos 294406 and 830007 5018407 33208 4250910 Sentença de 18 de dezembro de 2012 par 237 citando Brecknell Vs Reino Unido No 3245704 Sentença de 27 de novembro de 2007 par 69 269 Cf Tribunal Constitucional Sentença de 21 de março de 2011 25 do número legal de congressistas contra o Poder Executivo Expediente No 00242010PITC fundamento 7 Corte Superior de Justiça de Lima Primeira Sala Penal Especial Sentença de 15 de setembro de 2010 Exp Nº 2820011ºSPECSJLI 270 Cf Corte Suprema da Nação entre outros Recurso Ordinário de Apelação Sentença de 2 de novembro de 1995 Caso de Erich Priebke N1606394 considerando 5º Recurso de Fato Sentença de 24 de agosto de 2004 Caso Arancibia Clavel Enrique Lautaro causa Nº 259 considerandos 12 a 38 e Recurso de Fato Sentença de 14 de junho de 2005 Caso Julio Héctor Simón e outros causa N 17768 considerando 30 Ver igualmente Câmara Criminal e Correcional Federal da Argentina Recurso de Apelação em autos Sentença de 9 de setembro de 1999 Massera sexceções Causa No 30514 considerando III Tribunal Oral Criminal Federal No1 de San Martín Sentença por Crimes contra a Humanidade 12 de agosto de 2009 General Riveros e outros no caso de Floreal Edgardo Avellaneda e outros considerando I Câmara Federal de Apelações do Tribunal Penal e Correcional da Argentina Recurso de Apelação e Nulidade 9 de setembro de 1999 Caso Videla e outros considerando III Câmara Federal de Apelações de La Plata Sala II Resolução de 17 de julho de 2014 FLP 259200317CA3 considerando VI e VII 271 Cf Corte Suprema de Justiça Sala Penal Sentença de Cassação no mérito 13 de dezembro de 2006 Rol No 55904 Caso Molco de Choshuenco Paulino Flores Rivas e outros considerandos 2 e 12 a 19 Sala Segunda da Corte Suprema Sentença de Cassação em Forma e Mérito 17 de novembro de 2004 Rol N 5172004 considerandos 33 e 37 Corte de Apelações de Santiago Chile Caso Sandoval Sentença de 4 de janeiro de 2004 Rol 218298 Considerandos 33 e 37 272 Cf Corte Constitucional Sentença de Constitucionalidade 31 de julho de 2002 C58002 e Sentença de Constitucionalidade 18 de agosto de 2011 C62011 Ver também Conselho de Estado Sala do Contencioso Administrativo Seção Terceira Subseção C Sentença de 17 de setembro de 2013 Ocorrência número 2500023 260002012005370145092 68 Rica273 El Salvador274 Guatemala275 México276 Paraguai277 e Uruguai278 reafirmaram o princípio de imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade e dos crimes de guerra ou genocídio referindose ao carácter de norma de Direito Internacional consuetudinário 268 Finalmente a Corte observa que vários países das Américas incorporaram normas legais ou constitucionais sobre a imprescritibilidade para graves violações de direitos humanos como o Equador279 El Salvador280 a Guatemala281 a Nicarágua282 o Paraguai283 o Panamá284 o Uruguai285 e a Venezuela286 269 Em suma a Corte constata que para o caso concreto a aplicação da figura da prescrição como obstáculo para a ação penal seria contrária ao Direito Internacional e em especial à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Para esta Corte é claro que existe suficiente evidência para afirmar que a imprescritibilidade de crimes contra a humanidade era uma norma consuetudinária do direito internacional plenamente cristalizada no momento dos fatos assim como na atualidade ii Princípio ne bis in idem e coisa julgada material 270 O princípio de ne bis in idem é uma pedra angular das garantias penais e da administração da justiça segundo o qual uma pessoa não pode ser submetida a novo julgamento pelos mesmos fatos287 273 Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça Consulta Preceptiva de Constitucionalidade 12 de janeiro de 1996 Exp 6543S95 Voto N023096 considerando IIB2 274 Cf Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça de El Salvador Inconstitucionalidade 13 de julho de 2016 Exp 4420131452013 considerando IV 275 Cf Corte de Constitucionalidade Inconstitucionalidade Geral 8 de novembro de 2016 Expediente No 3438 2016 considerando IV 276 Cf Suprema Corte de Justiça da Nação Mandado em revisão Sentença de 10 de junho de 2003 Queixoso Ricardo Miguel Cavallo No 1402002 277 Cf Corte Suprema de Justiça Exceção de Inconstitucionalidade 5 de maio de 2008 Sentença No 195 Basilio Pavón Merardo Palacios Osvaldo Vera e Walter Bower s lesão corporal no exercício de funções públicas 278 Cf Suprema Corte de Justiça Interlocutória Recurso de Cassação 24 de agosto de 2016 Ficha 1702982011 Sentença 12802016 considerando III 279 O artigo 80 da Constituição do Equador 2008 se refere à imprescritibilidade das ações e penas por crimes de genocídio lesahumanidade crimes de guerra desaparecimento forçado de pessoas ou crimes de agressão a um Estado tradução da Secretaria 280 O artigo 99 do Código Penal de El Salvador Decreto Nº 1030 proíbe a prescrição para tortura atos de terrorismo sequestro genocídio violação das leis ou costumes de guerra desaparecimento forçado de pessoas perseguição política ideológica racial por sexo ou religião tradução da Secretaria 281 O artigo 8 da Lei de Reconciliação Nacional da Guatemala Decreto Número 14596 exclui a prescrição para o genocídio a tortura o desaparecimento forçado e os crimes que sejam imprescritíveis ou que não admitam a extinção de responsabilidade penal em conformidade com o direito interno ou os tratados internacionais ratificados pela Guatemala tradução da Secretaria 282 Os artigos 16 e 131 do Código Penal Lei No 641 de 2007 excluem do âmbito de aplicação da prescrição entre outros delitos a escravidão e o comércio de escravos os crimes contra a ordem internacional os crimes de tráfico internacional de pessoas os crimes sexuais em prejuízo de crianças e adolescentes e qualquer outro crime que possa ser processado na Nicarágua conforme os instrumentos internacionais ratificados pelo país tradução da Secretaria 283 O artigo 5 da Constituição do Paraguai estabelece que O genocídio e a tortura assim como o desaparecimento forçado de pessoas o sequestro e o homicídio por razões políticas são imprescritíveis Essa norma é reiterada no artigo 102 3 do Código Penal de 1997 Lei N 116097 tradução da Secretaria 284 O artigo 120 do Código Penal 2007 proíbe a prescrição para o crime de desaparecimento forçado além dos crimes contra a humanidade tradução da Secretaria 285 O artigo 75bis do Código Penal proíbe a prescrição para o genocídio e os crimes de guerra bem como para outros crimes contra a integridade física das pessoas tradução da Secretaria 286 O artigo 29 da Constituição da República Bolivariana da Venezuela proíbe a aplicação da prescrição a graves violações de direitos humanos crimes contra a humanidade e crimes de guerra tradução da Secretaria 287 Artigo 84 da Convenção Americana O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos 69 271 A exceção a esse princípio assim como no caso da prescrição decorre do carácter absoluto da proibição dos crimes contra a humanidade e da expectativa de justiça da comunidade internacional Isso se explica como especificou a Comissão de Direito Internacional pelo fato de que um indivíduo pode ser julgado por um tribunal penal internacional por um crime contra a paz e a segurança da humanidade resultante da mesma ação que foi objeto do processo anterior em um tribunal nacional caso o indivíduo tenha sido julgado pelo tribunal nacional por um crime ordinário em vez de sêlo por um crime mais grave previsto no código288 Nesse caso o indivíduo não foi julgado ou punido pelo mesmo crime mas por um crime mais leve que não compreende em toda a sua dimensão sua conduta criminosa Assim um indivíduo poderia ser julgado por um tribunal nacional por homicídio com agravantes e julgado uma segunda vez por um tribunal penal internacional pelo crime de genocídio baseado no mesmo fato289 Nas situações em que o indivíduo não foi devidamente julgado ou punido pela mesma ação ou pelo mesmo crime em função do abuso de poder ou da incorreta administração de justiça pelas autoridades nacionais na ação do caso ou na instrução da causa a comunidade internacional não deve ser obrigada a reconhecer uma decisão decorrente de uma transgressão tão grave do procedimento de justiça penal290 272 A Corte salientou que quando se trata de graves e sistemáticas violações dos direitos humanos a impunidade em que podem permanecer essas condutas em razão da falta de investigação gera um dano particularmente grave aos direitos das vítimas A intensidade desse dano não só autoriza mas exige uma excepcional limitação à garantia de ne bis in idem a fim de permitir a reabertura dessas investigações quando a decisão que se alega como coisa julgada surge como consequência do descumprimento manifesto e notório dos deveres de investigar e punir seriamente essas graves violações Nesses casos a preponderância dos direitos das vítimas sobre a segurança jurídica e o ne bis in idem é ainda mais evidente dado que as vítimas não só foram lesadas por um comportamento perverso mas devem além disso suportar a indiferença do Estado que descumpre manifestamente sua obrigação de esclarecer esses atos punir os responsáveis e reparar os lesados A gravidade do ocorrido nesses casos é de tal envergadura que prejudica a essência da convivência social e impede ao mesmo tempo qualquer tipo de segurança jurídica Por esse motivo a Corte ressalta que ao analisar os recursos judiciais que possam vir a interpor os acusados de graves violações de direitos humanos as autoridades judiciais internas são obrigadas a determinar se o desvio no uso de uma garantia penal pode gerar uma restrição desproporcional aos direitos das vítimas de modo que uma clara violação do direito de acesso à justiça dissipa a garantia processual penal de coisa julgada291 273 Do mesmo modo o Tribunal Europeu determinou recentemente no Caso Marguš Vs 288 ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 48 Período de Sessões A5110 6 de maio a 26 de julho de 1996 p 74 Comentário 10º ao artigo 12 do projeto de código de crimes contra a paz e a segurança da humanidade 289 ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 48 Período de Sessões A5110 6 de maio a 26 de julho de 1996 p 74 Comentário 10º ao Artigo 12 do projeto de código de crimes contra a paz e a segurança da humanidade 290 Cf ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 48 Período de Sessões A5110 6 de maio a 26 de julho de 1996 p 75 Comentário 11º ao Artigo 12 do projeto de código de crimes contra a paz e a segurança da humanidade 291 Cf Caso Bámaca Velásquez Vs Guatemala Supervisão de Cumprimento de Sentença Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 18 de novembro de 2010 Considerando 44 Ver também Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina Recurso de Cassação e Inconstitucionalidade Sentença de 13 de julho de 2007 Mazzeo Caso Mazzeo Julio Lilo e outros considerandos 33 e 34 Tribunal Oral Criminal Federal No1 de San Martín Sentença por Crimes contra a Humanidade 12 de agosto de 2009 General Riveros e outros no caso de Floreal Edgardo Avellaneda e outros Considerando I No mesmo sentido ver Corte Constitucional da Colômbia Sentença de 20 de janeiro de 2003 C00403 considerandos 30 31 e 32 e CECC Decisão sobre exceções preliminares na causa contra IENG Sary Ne Bis in Idem Anistia e Indulto Causa No 00219092007ECCCTC Sentença de primeira instância de 3 de novembro de 2011 par 30 33 e 34 70 Croácia292 que o princípio de ne bis in idem previsto no artigo 4 do Protocolo No 7 à Convenção Europeia de Direitos Humanos não é aplicável a situações de violações graves dos direitos humanos em relação às quais tenha sido aplicada uma lei de anistia 274 Levando em consideração todo o acima exposto a Corte considera que no presente caso a alegada coisa julgada material em virtude da aplicação da lei de anistia é definitivamente inaplicável 275 Nesse sentido o Tribunal observa que quanto à decisão do Superior Tribunal de Justiça de 1993 que confirmou o habeas corpus de Mira Grancieri e arquivou a investigação que se iniciava sobre a tortura e o assassinato de Vladimir Herzog a perita Maria Auxiliadora Minahim salientou que não há erro judiciário que torne possível dentro das limitações objetivas e subjetivas da res judicata a derrogação do pronunciamento jurisdicional em que se declarou a improcedência da acusação293 Não obstante levando em conta as considerações jurídicas expostas nesta seção a Corte considera que a figura da coisa julgada não é absoluta Ademais é necessário destacar que a decisão que encerrou a investigação não foi uma sentença absolutória emitida de acordo com as garantias do devido processo Ao contrário tratouse de uma decisão de um recurso de habeas corpus tomada por um tribunal incompetente294 com base em uma norma Lei No 668379 que foi considerada por esta Corte como carente de efeitos jurídicos A decisão em questão tampouco observou as consequências jurídicas que decorrem da obrigação erga omnes de investigar julgar e punir responsáveis por crimes contra a humanidade Tratase portanto de uma sentença que não surte efeitos jurídicos e que não reverte as considerações jurídicas constantes da presente sentença 276 Além disso a decisão da juíza federal de 2008 tampouco é uma decisão de mérito que tenha resultado de um processo judicial respeitoso das garantias judiciais voltado para a determinação da verdade dos fatos e dos responsáveis pelas violações denunciadas Ao contrário tratase de uma decisão de trâmite ou processual de arquivamento de uma investigação Em atenção a isso a Corte considera que tampouco é aplicável o princípio ne bis in idem Finalmente a Corte observa que uma decisão baseada em uma lei que não produzia efeitos jurídicos por ser incompatível com a Convenção não gera a segurança jurídica esperada do sistema de justiça iii Leis de anistia 277 As anistias ou figuras análogas foram um dos obstáculos alegados por alguns Estados para investigar e oportunamente punir os responsáveis por violações graves dos direitos humanos295 Este Tribunal a Comissão Interamericana de Direitos Humanos os órgãos das Nações Unidas e outros organismos universais e regionais de proteção dos direitos humanos se pronunciaram sobre a incompatibilidade das leis de anistia relativas a graves violações de direitos humanos com o Direito Internacional e as obrigações internacionais dos Estados 278 Como já foi antecipado esta Corte se pronunciou sobre a incompatibilidade das anistias com a Convenção Americana em casos de graves violações dos direitos humanos ou crimes contra a humanidade relativos ao Peru Barrios Altos e La Cantuta Chile Almonacid 292 Cf TEDH Marguš Vs Croácia GS No 445510 Sentença de 27 de maio de 2014 293 Peritagem de Maria Auxiliadora Minahim expediente de prova folha 14020 294 Isso foi reconhecido pelo Ministério Público Federal e pela Justiça Federal em 2008 Juíza Federal Substituta da 1a Vara Federal Criminal e de Execuções Penais Autos Nº 200861810134342 9 de janeiro de 2009 p 9 expediente de prova folha 4573 295 No presente caso a Corte se refere genericamente ao termo anistias para se referir a normas que independentemente de sua denominação perseguem a mesma finalidade 71 Arellano e outros Brasil Gomes Lund e outros Uruguai Gelman e El Salvador Massacre de El Mozote e lugares vizinhos 279 No Sistema Interamericano de Direitos Humanos do qual o Brasil faz parte por decisão soberana são reiterados os pronunciamentos sobre a incompatibilidade das leis de anistia com as obrigações convencionais dos Estados quanto se trata de graves violações de direitos humanos Esses pronunciamentos adquirem ainda mais força em relação aos delitos de direito internacional pois sua gravidade e dimensão são evidentes 280 A esse respeito é importante salientar que tal como estabeleceu este Tribunal296 o Direito Internacional Humanitário justifica a emissão de leis de anistia297 no encerramento das hostilidades em conflitos armados de caráter não internacional para possibilitar o retorno à paz desde que não protejam os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade os quais não podem permanecer na impunidade298 281 No âmbito universal o SecretárioGeral das Nações Unidas em seu relatório ao Conselho de Segurança intitulado O Estado de Direito e a justiça de transição nas sociedades que sofrem ou sofreram conflitos salientou que os acordos de paz aprovados pelas Nações Unidas nunca podem prometer anistias por crimes de genocídio de guerra ou contra a humanidade ou por infrações graves dos direitos humanos299 No mesmo sentido o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos concluiu que as anistias e outras medidas análogas contribuem para a impunidade e constituem um obstáculo para o direito à verdade ao oporse a uma investigação profunda sobre os fatos300 e são portanto incompatíveis com as obrigações que competem aos Estados em virtude de diversas fontes de direito internacional301 282 Também no âmbito universal os órgãos de proteção de direitos humanos estabelecidos por tratados mantiveram o mesmo critério sobre a proibição de anistias que impeçam a investigação e punição daqueles que cometam graves violações de direitos humanos302 296 Cf Caso dos Massacres de El Mozote e lugares vizinhos Vs El Salvador Mérito Reparações e Custas par 285 297 O artigo 65 do Protocolo II adicional às Convenções de Genebra de 1949 dispõe que À cessação das hostilidades as autoridades no poder procurarão conceder a anistia mais ampla possível às pessoas que tenham tomado parte no conflito armado ou que se encontrem privadas da liberdade internadas ou detidas por motivos relacionados com o conflito armado 298 Cf Caso dos Massacres de El Mozote e lugares vizinhos Vs Guatemala Mérito Reparações e Custas par 286 299 Conselho de Segurança das Nações Unidas Relatório do SecretárioGeral O Estado de Direito e a justiça de transição nas sociedades que sofrem ou sofreram conflitos S2004616 3 de agosto de 2004 par 10 Disponível em httpundocsorgesS2004616 300 Cf Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas Relatório do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos O direito à verdade AHRC57 7 de junho de 2007 par 20 Disponível em httpundocsorgesAHRC57 301 Cf Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos Instrumentos do Estado de Direito para sociedades que saíram de um conflito Anistias HRPUB091 Publicação das Nações Unidas Nova York e Genebra 2009 págs 11 a 31 Disponível em httpwwwohchrorgDocumentsPublicationsAmnestiessppdf Além disso quanto ao falso dilema entre paz ou reconciliação e justiça declarou que as anistias que eximem de sanção penal os responsáveis por crimes atrozes na esperança de garantir a paz costumam fracassar na consecução de seu objetivo e em lugar disso incentivam seus beneficiários a cometer novos crimes Por outro lado celebraramse acordos de paz sem disposições relativas a anistia em algumas situações em que se havia dito que a anistia era uma condição necessária para a paz e em que muitos temiam que os julgamentos prolongassem o conflito 302 Para uma análise detalhada das intervenções do Comitê de Direitos Humanos do Comitê contra a Tortura do Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados do Comitê sobre Violência contra a Mulher e do Comitê contra a Discriminação Racial ver entre outros Caso Gelman Vs Uruguai par 205 a 208 Vários Estados aprovaram legislação nacional que proíbe anistias e medidas similares com respeito aos crimes contra a humanidade 72 283 No direito penal internacional as anistias ou normas análogas também foram consideradas inadmissíveis O Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia considerou que careceria de sentido por um lado sustentar a proscrição de violações graves de direitos humanos e pelo outro autorizar medidas estatais que as autorizem ou indultem ou leis de anistia que absolvam aqueles que cometeram essas violações303 Além disso afirmou que a anistia aprovada em virtude do direito nacional em relação ao crime de tortura não teria reconhecimento jurídico internacional304 No mesmo sentido o Tribunal Especial para Serra Leoa considerou que as leis de anistia desse país não são aplicáveis a graves crimes internacionais305 Essa tendência universal se incorporou aos Acordos das Nações Unidas com a República do Líbano e com o Reino do Camboja assim como aos estatutos que criaram o Tribunal Especial para o Líbano o Tribunal Especial para Serra Leoa e as Salas Extraordinárias das Cortes do Camboja306 Além disso esses tribunais reconhecem que há uma norma internacional em processo de cristalização307 ou consenso emergente308 com respeito à proibição das anistias em relação aos crimes internacionais graves em especial no que se refere às anistias totais ou gerais que se baseiam na obrigação de investigar e julgar esses crimes e castigar aqueles que os cometam 284 No que se refere aos sistemas regionais de proteção de direitos humanos o Tribunal Europeu de Direitos Humanos considerou que é da maior importância para efeitos de um recurso efetivo que os processos penais relativos a crimes como a tortura que impliquem violações graves de direitos humanos não sejam prescritíveis e que não se devem permitir anistias ou perdões a esse respeito309 Em outros casos ressaltou que quando um agente estatal é acusado de crimes que violam os direitos do artigo 3 da Convenção Europeia Direito à vida os procedimentos penais e o julgamento não devem ser impedidos e a concessão de anistia não é permissível310 Mais recentemente a mesma conclusão foi aplicada ao Caso Marguš Vs Croácia311 285 No Sistema Africano a Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos considerou que as leis de anistia não podem isentar o Estado que as adota de cumprir suas 303 Cf TPII O Promotor Vs Furundžija Sentença de 10 de dezembro de 1998 Causa No IT95171T par 155 304 TPII O Promotor Vs Furundžija Sentença de 10 de dezembro de 1998 Causa No IT95171T par 155 305 Cf TESL O Promotor Vs Gbao Decisão no SCSL0415PT141 de 25 de maio de 2004 par 10 TESL O Promotor Vs Sesay Callon e Gbao Sentença de 2 de marzo de 2009 Causa No SCSL0415T par 54 e TESL O Promotor Vs Sesay Callon e Gbao Sentença para o estabelecimento de condenação de 8 de abril de 2009 Causa No SCSL0415T par 253 306 Cf Acordo entre as Nações Unidas e a República Libanesa relativo ao estabelecimento de um Tribunal Especial para o Líbano SRES17572007 Anexo 30 de maio de 2007 artigo 16 e Estatuto do Tribunal Especial para o Líbano SRES17572007 Apêndice 30 de maio de 2007 artigo 6 Disponíveis em httpundocsorgesSRES17572007 Estatuto do Tribunal Especial para Serra Leoa de 16 de janeiro de 2002 anexo ao Acordo entre as Nações Unidas e o Governo de Serra Leoa para o Estabelecimento de uma Corte Especial para Serra Leoa Nações Unidas Nova York UNTS vol 2178 No 38342 p 137 artigo 10 Acordo entre as Nações Unidas e o Governo Real do Camboja para o Julgamento de Acordo com a Lei Cambojana dos Crimes Cometidos durante o Período do Kampuchea Democrático de 6 de março de 2003 Nações Unidas Nova York UNTS vol 2329 No 41723 p 117 artigo 11 e Parlamento do Reino do Camboja Lei sobre o Estabelecimento das Salas Extraordinárias nas Cortes do Camboja para o Julgamento de Crimes Cometidos durante o Período do Kampuchea Democrático aprovada em 10 de agosto de 2001 com emendas aprovadas em 27 de outubro de 2004 NSRKM1004006 novo artigo 40 307 TESL O Promotor v Kallon e Kamara Decisão sobre jurisdição a Anistia do Acordo de Lomé 13 de março de 2004 Causa No SCSL200415AR72E e SCSL200416AR72E par 82 Ver também par 66 a 74 e 82 a 84 da mesma decisão 308 CECC Decisão sobre exceções preliminares na causa contra IENG Sary Ne Bis in Idem Anistia e Indulto Causa No 00219092007ECCCTC Sentença de primeira instância de 3 de novembro de 2011 par 53 Ver também par 40 a 55 309 Cf TEDH Caso Abdülsamet Yaman Vs Turquia No 3244696 Sentença de 2 de novembro 2004 par 55 310 Cf TEDH Caso Yeter Vs Turquia No 3375003 Sentença de 13 de janeiro de 2009 par 70 311 Cf TEDH Caso Marguš Vs CroáciaGS No 445510 Sentença de 27 de maio de 2014 par 124 a 141 73 obrigações internacionais312 Salientou ademais que ao proibir o julgamento de perpetradores de violações graves de direitos humanos mediante a concessão de anistias os Estados não só promovem a impunidade mas também impedem a possibilidade de que esses abusos sejam investigados e que as vítimas desses crimes tenham um recurso efetivo para obter reparação313 286 Do mesmo modo diversos Estados membros da Organização dos Estados Americanos por meio de seus mais altos tribunais de justiça incorporaram as normas mencionadas observando de boafé suas obrigações internacionais A Corte recorda o já mencionado em outras sentenças314 a respeito de decisões da Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina315 da Corte Suprema de Justiça do Chile316 do Tribunal Constitucional do Peru317 da Suprema Corte de Justiça do Uruguai 318 da Corte Suprema de Justiça de Honduras319 da Sala do Constitucional da Corte Suprema de Justiça de El Salvador320 e da Corte Constitucional321 e da Corte Suprema de Justiça da Colômbia322 287 Como se infere do conteúdo dos parágrafos acima todos os órgãos internacionais de proteção de direitos humanos e diversas altas cortes nacionais da região que tiveram a oportunidade de pronunciarse sobre o alcance das leis de anistia sobre graves violações de direitos humanos e sua incompatibilidade com as obrigações internacionais dos Estados que as emitem concluíram que elas violam o dever internacional do Estado de investigar e punir essas violações 288 A Corte Interamericana estabeleceu que são inadmissíveis as disposições de anistia as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos como a tortura as execuções sumárias extrajudiciais ou arbitrárias e os 312 Cf Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos doravante denominada CADHP Malawi African Association e outros Vs Mauritânia Comunicações Nos 5491 6191 9893 16497 19697 e 21098 Decisão de 11 de maio de 2000 par 83 313 Cf CADHP Zimbabwe Human Rights NGO Forum Vs Zimbábue Comunicação No 24502 Decisão de 21 de maio de 2006 par 211 e 215 314 Ver Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 163 a 170 e Gelman Vs Uruguai par 215 a 224 315 Cf Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina Recurso de Fato Sentença de 14 de junho de 2005 Caso Julio Héctor Simón e outros causa N 17768 considerandos 31 a 34 316 Cf Segunda Sala da Corte Suprema Sentença de Cassação em Forma e Mérito 17 de novembro de 2004 Rol N 5172004 considerandos 33 a 35 Corte Suprema de Justiça do Chile Caso de Claudio Abdón Lecaros Carrasco seguido pelo delito de sequestro qualificado Rol No 47205 Recurso No 33022009 Resolução 16698 Sentença de Apelação e Resolução 16699 Sentença de Substituição de 18 de maio de 2010 Considerandos 1 a 3 317 Cf Tribunal Constitucional do Peru Caso Santiago Martín Rivas Recurso extraordinário Expediente No 4587 2004AATC Sentença de 29 de novembro de 2005 par 30 52 53 60 63 318 Suprema Corte de Justiça do Uruguai Caso de Nibia Sabalsagaray Curutchet Sentença No 365 par 8 e 9 319 Corte Suprema de Justiça da República de Honduras autos denominados RI2099 Inconstitucionalidade do Decreto Número 19987 e do Decreto Número 8791 27 de junho de 2000 320 Cf Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça de El Salvador Sentença 24972198 de 26 de setembro de 2000 Do mesmo modo em 2016 a mesma Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça de El Salvador declarou a inconstitucionalidade da Lei de Anistia salvadorenha por impedir o cumprimento das obrigações estatais de prevenção investigação julgamento punição e reparação de graves violações dos direitos humanos e crimes contra a humanidade Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça de El Salvador sentença 442013145 2013 de 13 de julho de 2016 321 Cf Corte Constitucional da Colômbia Sentença de 30 de julho de 2002 C57802 Revisão da Lei 742 seção 217 43217 Figuras como as leis de ponto final que impedem o acesso à justiça as anistias em branco para qualquer delito as autoanistias ou seja os benefícios penais que os detentores legítimos ou ilegítimos do poder concedem a si mesmos e aos que foram cúmplices dos delitos cometidos ou qualquer outra modalidade que tenha como propósito impedir às vítimas um recurso judicial efetivo para fazer valer seus direitos foram consideradas violadoras do dever internacional dos Estados de prover recursos judiciais para a protecção dos direitos humanos tradução da Secretaria 322 Corte Suprema de Justiça da Colômbia Sala de Cassação Penal Auto 33118 de 13 de maio de 2010 Ata 156 Massacre de Segovia 74 desaparecimentos forçados todas elas proibidas por violar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos323 289 Nesse sentido as leis de anistia em casos de graves violações de direitos humanos são manifestamente incompatíveis com a letra e o espírito do Pacto de San José pois infringem o disposto por seus artigos 11 e 2 porquanto impedem a investigação e a punição dos responsáveis pelas violações graves de direitos humanos e consequentemente o acesso das vítimas e seus familiares à verdade sobre o ocorrido e às reparações respectivas impedindo assim o pleno oportuno e efetivo império da justiça nos casos pertinentes favorecendo em contrapartida a impunidade e a arbitrariedade prejudicando ademais seriamente o Estado de Direito razões pelas quais se declarou que à luz do Direito Internacional elas carecem de efeitos jurídicos 290 Em especial as leis de anistia afetam o dever internacional do Estado de investigar e punir as graves violações de direitos humanos ao impedir que os familiares das vítimas sejam ouvidos por um juiz conforme o disposto no artigo 81 da Convenção Americana Violam ainda o direito à proteção judicial consagrado no artigo 25 do mesmo instrumento precisamente pela falta de investigação persecução captura julgamento e punição dos responsáveis pelos fatos descumprindo também o artigo 11 da Convenção 291 À luz das obrigações gerais consagradas nos artigos 11 e 2 da Convenção Americana os Estados Partes têm o dever de adotar providências de toda natureza para que ninguém seja excluído da proteção judicial e do exercício do direito a um recurso simples e eficaz nos termos dos artigos 8 e 25 da Convenção Uma vez ratificada a Convenção Americana cabe ao Estado em conformidade com o artigo 2 do mesmo instrumento adotar todas as medidas para deixar sem efeito as disposições legais que possam infringila como aquelas que impedem a investigação de graves violações de direitos humanos uma vez que levam as vítimas ao desamparo e à perpetuação da impunidade além de impedirem que as vítimas e seus familiares conheçam a verdade dos fatos 292 Desse modo é evidente que desde sua aprovação a Lei de Anistia brasileira se refere a delitos cometidos fora de um conflito armado não internacional e carece de efeitos jurídicos porque impede a investigação e a punição de graves violações de direitos humanos e representa um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso e a punição dos responsáveis No presente caso a Corte considera que essa Lei não pode produzir efeitos jurídicos e ser considerada validamente aplicada pelos tribunais internos Já em 1992 quando se encontrava em plena vigência a Convenção Americana para o Brasil os juízes que intervieram na ação de habeas corpus deveriam ter realizado um controle de convencionalidade ex officio entre as normas internas e a Convenção Americana evidentemente no âmbito de suas devidas competências e das regulamentações processuais respectivas Com ainda mais razão as considerações acima se aplicavam ao caso sub judice ao se tratar de condutas que chegaram ao limiar de crimes contra a humanidade 293 Finalmente a Corte compartilha a perspectiva da Comissão de Direito Internacional quanto a que a anistia aprovada por um Estado não impediria o julgamento por outro Estado com competência simultânea para conhecer do delito324 No Estado que concedeu a anistia sua validade teria de ser analisada entre outros aspectos à luz das obrigações que lhe são atribuídas em virtude dos princípios de direito internacional geral mencionados na presente 323 Cf Caso Barrios Altos Vs Peru Mérito par 41 Caso do Massacre de Las Dos Erres Vs Guatemala Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 24 de novembro de 2009 Série C No 211 par 129 e Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 171 324 Ver por exemplo TEDH Ould Dah Vs França No 1311303 decisão sobre inadmissibilidade de 17 de março de 2009 75 Sentença e especificamente das obrigações contraídas ao ratificar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e ao submeterse soberanamente à competência contenciosa deste Tribunal 294 Desse modo considerase que em situações que envolvem crimes de direito internacional ou crimes contra a humanidade os Estados estão facultados a utilizar o princípio de jurisdição universal a fim de cumprir a obrigação de investigar julgar e punir os responsáveis e as obrigações relacionadas às vítimas e outras pessoas iv Jurisdição Universal 295 A obrigação de colocar em prática e fazer funcionar o sistema de justiça em casos de violações de direitos humanos recai fundamentalmente no Estado onde ocorrem No que concerne aos crimes contra a humanidade a citada obrigação não se altera pois a responsabilidade de prestar contas à sociedade sobre essas condutas também é primordialmente do Estado responsável Não obstante atendendo à natureza e à gravidade dos crimes contra a humanidade essa obrigação transcende o território do Estado onde ocorreram os fatos por se tratar de atos desumanos que por sua extensão e gravidade vão além dos limites do tolerável para a comunidade internacional que deve necessariamente exigir sua punição Os crimes contra a humanidade também transcendem o indivíduo porque quando o indivíduo é agredido se ataca e se nega a humanidade toda325 296 Em 1927 a Corte Permanente de Justiça Internacional salientou que embora o princípio da territorialidade do Direito Penal sirva de fundamento em todas as legislações não é menos certo que todas ou quase todas essas legislações estendem sua ação a crimes cometidos fora de seu território e isso de acordo com sistemas que variam de Estado para Estado A territorialidade do Direito Penal não é pois um princípio absoluto de Direito Internacional e de nenhum modo coincide com a soberania territorial326 Disso decorre que em casos de crimes internacionais como os crimes contra a humanidade existe uma presunção a favor da jurisdição criminal extraterritorial e caberia ao Estado provar a existência da regra proibitiva Por outro lado o sexto parágrafo do preâmbulo do Estatuto de Roma recorda que é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais327 Segundo a Comissão de Direito Internacional todo Estado tem a faculdade de exercer sua jurisdição penal com respeito aos crimes contra a humanidade Compete aos Estados garantir o julgamento efetivo dos crimes contra a humanidade mediante a adoção de medidas em escala nacional e o fomento da cooperação internacional Essa cooperação também se aplica ao âmbito da extradição e da assistência judicial recíproca328 Por sua vez a Corte Interamericana destacou que em contextos de violação sistemática de direitos humanos a necessidade de erradicar a impunidade se apresenta ante a comunidade internacional como um dever de cooperação interestatal para esses efeitos329 325 Tribunal Oral Criminal Federal La Plata 26 de setembro de 2006 Caso Circuito Camps e outros causa Nº 225106 considerando IVa 326 Corte Permanente de Justiça Internacional Sentença de 7 de setembro de 1927 Assunto SS Lotus França Vs Turquia Série A No 10 1927 p 20 327 Estatuto da Corte Penal Internacional Preâmbulo 328 ONU Relatório da Comissão de Direito Internacional sobre o Trabalho Realizado no 48 Período de Sessões A5110 6 de maio a 26 de julho de 1996 p 48 e 54 a 59 Comentário 6º ao Artigo 8 e Comentários ao Artigo 9 do projeto de código de crimes contra a paz e a segurança da humanidade 329 Cf Caso La Cantuta Vs Peru Mérito Reparações e Custas par 160 No mesmo sentido ver Caso Anzualdo Castro Vs Peru Sentença de 22 de setembro de 2009 Série C No 202 par 125 e Caso Goiburú e outros vs Paraguai par 131 76 297 O conceito de jurisdição universal se desenvolveu nas últimas décadas e foi reconhecido por diversos Estados sobretudo depois da adoção do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional Podese afirmar que atualmente a a jurisdição universal é uma norma consuetudinária que se encontra cristalizada razão pela qual não necessita estar prevista em um tratado internacional330 b poderá ser exercida com respeito aos crimes internacionais identificados no Direito Internacional como pertencentes a esta categoria tais como o genocídio os crimes contra a humanidade e os crimes de guerra331 c está baseada exclusivamente na natureza do delito sem importar o lugar em que foi cometido e a nacionalidade do autor ou da vítima332 e d sua natureza é complementar frente a outras jurisdições333 298 No Caso Furundzija o TPII afirmou que no plano individual isto é de responsabilidade penal pareceria que uma das consequências do caráter de jus cogens atribuído pela comunidade internacional à proibição da tortura é a de que qualquer Estado pode investigar perseguir e castigar ou extraditar indivíduos acusados de tortura que se encontrem num território sob sua jurisdição334 Assim no estágio atual do Direito Internacional os Estados têm a faculdade de fundamentar nesse princípio a competência de seus juízes em relação a esses crimes quando os supostos responsáveis se encontrem em seu território Se o fazem e em que medida o façam dependerá de suas políticas a esse respeito determinadas inter alia pela relevância que atribuam à proteção dos direitos humanos e a influência que o julgamento dos crimes com base no princípio de 330 Ver entre outros Nações Unidas Os Princípios de Princeton sobre a Jurisdição Universal A56677 4 de dezembro de 2001 Princípio 3 disponível em httpundocsorgesA56677 Instituto de Direito Internacional Jurisdição penal universal em relação ao crime de genocídio aos crimes de lesa humanidade e aos crimes de guerra 2005 Resolução da XVII Comissão na Sessão da Cracóvia Disponível em httpwwwidi iilorgappuploads2017062005kra03enpdf De maneira análoga o princípio aut dedere aut judicare se refere à obrigação alternativa que consta de alguns tratados multilaterais de extraditar ou julgar e se destina a garantir a cooperação internacional para certas condutas criminosas Esse princípio é uma forma mediante a qual os Estados estão obrigados a exercerem sua jurisdição para julgar certas condutas consideradas criminosas pelo direito internacional em caso de negar a extradição dos supostos responsáveis ao Estado que os requeira Não importa evidentemente que os crimes não tenham sido cometidos no território do Estado que negou a extradição e que em virtude desse princípio terá o dever de julgar Essa obrigação está presente em várias convenções internacionais de direitos humanos e direito internacional humanitário Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Art 7 Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados Arts 9 e 11 Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura Art 12 Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas Art IV Princípios relativos a uma eficaz prevenção e investigação das execuções extralegais arbitrárias ou sumárias Princípio 18 Artigos 49 50 129 e 146 respectivamente das quatro Convenções de Genebra aprovadas em 12 de agosto de 1949 e Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio De acordo com alguns autores tratase de uma norma consuetudinária internacional que obriga todos os Estados Ver também a esse respeito ONU Comissão de Direito Internacional Relatório final do Grupo de Trabalho sobre a obrigação de extraditar ou julgar aut dedere aut judicare ACN4L844 5 de junho de 2014 Disponível em httpundocsorgesACN4L844 e ONU Comissão de Direito Internacional Quarto Relatório sobre a obrigação de extraditar ou julgar aut dedere aut judicare ACN4648 31 de maio de 2011 Disponível em httpundocsorgesACN4648 331 Cf Instituto de Direito Internacional Jurisdicção penal universal em relação ao crime de genocídio aos crimes contra a humanidade e aos crimes de guerra 2005 Resolução da XVII Comissão na Sessão da Cracóvia Ver Customary International Humanitarian Law Vol I Rules CICR Cambridge University Press p 604 e seguintes Regra No 157 Do mesmo modo os Princípios de Princeton sobre a Jurisdição Universal enumeram os seguintes crimes internacionais objeto desse tipo de jurisdição 1 a pirataria 2 a escravidão 3 os crimes de guerra 4 os crimes contra a paz 5 os crimes contra a humanidade 6 o genocídio e 7 a tortura Nações Unidas Texto dos Princípios de Princeton sobre a Jurisdição Universal A56677 4 de dezembro de 2001 Princípio 2 332 Cf ONU Os Princípios de Princeton sobre a Jurisdição Universal A56677 4 de dezembro de 2001 Princípio 1 333 Cf Instituto de Direito Internacional Jurisdição penal universal em relação ao crime de genocício aos crimes contra a humanidade e aos crimenes de guerra 2005 Resolução da XVII Comissão na Sessão da Cracóvia par 3d Ver também ONU Relatório do SecretárioGeral à Assembleia Geral Alcance e aplicação do princípio da jurisdição universal A6693 20 de junho de 2011 Disponível em httpundocsorgspA6693 e ONU Relatório do SecretárioGeral à Assembleia Geral Alcance e aplicação do princípio da jurisdição universal A70125 1o de julho de 2015 Disponível em httpundocsorgspA70125 334 TPII Promotoria Vs Furundžija Sentença de 10 de dezembro de 1998 Causa No IT95171T par 156 77 universalidade possa ter em seus objetivos de política exterior335 299 Desde 1945 vários países deram início a julgamentos por crimes contra a humanidade em aplicação do princípio de jurisdição universal336 Por exemplo o Tribunal Constitucional Espanhol estabeleceu que o princípio de jurisdição universal em relação ao genocídio faz parte do direito internacional e gera obrigações para os Estados337 Da mesma maneira a Audiencia Nacional Espanhola admitiu a tramitação de denúncias por genocídio terrorismo e tortura cometidos na Guatemala entre 1978 e 1986 e também denúncias por suposto genocídio no Tibete embora tenha posteriormente arquivado essas causas338 Do mesmo modo no Caso Scilingo a Audiencia Nacional Espanhola detalhou a aplicação da jurisdição universal para crimes contra a humanidade a respeito de um cidadão argentino339 Na França340 na Itália341 e na Alemanha342 foram iniciadas e concluídas causas envolvendo crimes contra a humanidade 335 Cf TPII Promotoria Vs Furundžija Sentença de 10 de dezembro de 1998 Causa No IT95171T par 156 336 Ver também Comissão de Direito Internacional Primeiro relatório sobre os crimes contra a humanidade apresentado por Sean D Murphy Relator Especial ACN4680 17 de fevereiro de 2015 Disponível em httpundocsorgesACN4680 337 Tribunal Constitucional Espanhol Sentença de 26 de setembro de 2005 STC 2372005 fundamento jurídico 3 4 6 e 7 338 Tribunal Supremo Espanhol Sala Penal Sentença de Recurso de Cassação de 25 de fevereiro de 2003 Nº 8032001 Audiencia Nacional Sala Penal Apelação procedimento abreviado de 10 de janeiro de 2006 Nº 196005 339 Audiencia Nacional Sala Penal Seção Terceira Sentença de 19 de abril de 2005 No 162005 par 53 61 e 63 A razão da utilidade da existência dos crimes contra a humanidade é precisamente a de garantir sua persecução essencialmente pelas dificuldades extremas ou pela impossibilidade da persecução interna dessa classe de delito e o interesse da comunidade internacional em sua persecução e punição não sendo tão importante sua concreta tipificação que pode ficar aos cuidados dos direitos internos senão estabelecer um sistema internacional de persecução efetiva Definitivamente uma das características essenciais dos crimes contra a humanidade de nosso ponto de vista a que verdadeiramente os singulariza é sua perseguibilidade internacional além do princípio de territorialidade É certo que o mais neutro e menos complicado do ponto de vista das relações internacionais entre Estados é que seja um Tribunal Internacional geral ou ad hoc que os julgue no entanto o essencial reiteramos é que essa persecução internacional embora seja complementar ou subsidiária da interna inefetiva ou inexistente se produza de maneira que nesses casos atue uma jurisdicional nacional em substituição à internacional e exercendo as funções desta quando não se tenha podido produzir seja por inexistência seja por outra causa de atuação de um tribunal internacional o princípio de necessária persecução e de possibilidade de persecução internacional desses crimes continua indene razão pela qual é procedente Essencialmente há poucas diferenças de mérito ou substância entre uma e outra situação já que o que é determinante é a internacionalidade do delito e a necessidade assumida por parte da comunidade internacional de que seja perseguido e se a comunidade internacional não põe diretamente os meios e não revoga esses princípios básicos de convivência podese dizer que não só está consistindo de fato mas de iure essa atuação de jurisdições nacionais em atuação internacional A ação da jurisdição espanhola em atuação do princípio de universalidade foi determinada pela falta de atuação eficaz da justiça argentina que deu lugar a uma situação de impunidade dos responsáveis penais pelos fatos situação que de forma diferente do que ocorreu em outros países se tornou salvo caso fiquem definitivamente anuladas as leis de ponto final e obediência devida irreversíveis Nesse caso ademais se justifica complementarmente a atuação da jurisdição espanhola para a persecução penal de fatos pela existência de vítimas espanholas A existência dessas vítimas fica constatada no relato de fatos provados ao se tratar de pessoas que consta estiveram detidas na ESMA na época em que o acusado nela prestou serviços É certo que não consta exatamente que este tivesse nenhum tipo de relação direta com elas mas sim se viram diretamente afetadas pelos atos do acusado imbricados no tantas vezes indicado contexto de guerra suja organizada contra a subversão tradução da Secretaria 340 Entre outros Corte de Cassação da França Câmara Penal Inadmissibilidad de Recurso de Cassação de 3 de junho de 1998 Caso Klaus Barbie Nº recurso 8784240 341 Cf Caso do Capitão SS Erich Priebke Extraditado da Argentina para a Itália em 2 de novembro de 1995 Ver Tribunal Federal de Bariloche 31 de maio de 1995 e Câmara Federal de Apelações 23 de agosto de 1995 e Corte Suprema de Justiça da Nação 2 de novembro de 1995 Condenação final pelo Tribunal Militar de Roma em 22 de julho de 1997 A sentença declara que os crimes contra a humanidade são imprescritíveis reconhecidos como tal com base no jus cogens mesmo quando a Itália não havia ratificado a Convenção sobre Imprescritibilidade de 1968 342 Ver entre outros Tribunal Superior de Justiça de Düsseldorf Caso Nikola Jorgic Sentença de 26 de setembro de 1997 IV2696 2 StE 896 78 300 Nas Américas tribunais do México343 da Argentina344 dos Estados Unidos345 e do Canadá346 se pronunciaram sobre o tema no sentido de corroborar sua aplicação no âmbito penal Além disso normas internas da Bolívia347 do Equador348 de El Salvador349 e do Panamá350 assim como a Constituição da Argentina351 reconhecem esse princípio 301 O Brasil por sua vez se manifestou favoravelmente à jurisdição universal perante a Assembleia Geral das Nações Unidas Para o Brasil o objetivo da jurisdição universal é impedir a impunidade dos responsáveis por crimes sumamente graves previstos no direito internacional os quais por sua transcendência sacodem a consciência de toda a humanidade e violam normas imperativas do direito internacional Como fundamento da jurisdição sua natureza é excepcional em comparação com os princípios mais consolidados da territorialidade e da nacionalidade Apesar de o exercício da jurisdição corresponder 343 Cf Suprema Corte de Justiça da Nação Mandado em revisão Sentença de 10 de junho de 2003 Queixoso Ricardo Miguel Cavallo No 1402002 344 Cf Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina Recurso de Fato Sentença de 14 de junho de 2005 Caso Julio Héctor Simón e outros causa N 17768 Voto do Juiz Antonio Boggiano considerando 28 29 31 Que mesmo antes dessa jurisprudência internacional os crimes contra o direito das gentes eram proibidos pelo direito internacional consuetudinário e simultaneamente pelo texto de nossa Constituição Nacional A gravidade desses delitos pode dar fundamento à jurisdição universal como se infere do artigo 118 da Constituição Nacional que contempla os delitos contra o direito das gentes fora dos limites da Nação e ordena ao Congresso determinar por lei especial o lugar em que o processo deva ter sequência Isso pressupõe que esses crimes possam ser julgados na República e cabe entender também em outros Estados estrangeiros E além disso que esses crimes contra o direito internacional contra a humanidade e contra o direito das gentes por sua gravidade lesam a ordem internacional de maneira que não se pode ver nesse artigo 118 só uma norma de jurisdição mas substancialmente de reconhecimento da gravidade material daqueles delitos causa Nadel registrada em Sentenças 316567 dissidência do Juiz Boggiano Que segundo a teoria da jurisdição universal sem necessidade de julgar aqui as práticas estrangeiras comparadas esses delitos poderiam ser julgados ainda fora do país em que tivessem sido cometidos os delitos contra o direito internacional podem fundamentar a jurisdição universal de qualquer Estado segundo o costume internacional por violar uma norma de ius cogens de modo sistemático violando o direito internacional Que nessa hipótese poderia darse o caso de que esses crimes fossem julgados em algum ou alguns Estados estrangeiros e não na Argentina com o consequente desprezo da soberania jurisdicional de nosso país Tribunal Oral Criminal No1 de San Martín Sentença por Crimes Contra a Humanidade 12 de agosto de 2009 General Riveros e outros no caso de Floreal Edgardo Avellaneda e outros Em relação ao non bis in idem e à coisa julgada que também a Defesa propusera a Corte em Mazzeo afirmou que no Direito Internacional Humanitário os princípios de interpretação axiológicos adquírem plena preeminência tanto ao definir a garantia do ne bis in idem como da coisa julgada Isto porque na medida em que tanto os estatutos dos tribunais penais internacionais como os princípios que inspiram a jurisdição universal tendem a assegurar que não fiquem impunes fatos aberrantes Por isso sem prejuízo de dar prioridade às autoridades nacionais para levar a cabo os processos se tais processos locais se transformam em subterfúgios inspirados em impunidade a jurisdição subsidiária do direito penal internacional participa com um novo processo Recurso Ordinário de Apelação Sentença de 2 de novembro de 1995 Caso de Erich Priebke N1606394 considerando 4º e Voto coincidente do Juiz Julio S Nazareno e Eduardo Moline OConnor considerando 43 Que essa circunstância de modo algum significa que a incriminação internacional fique liberada à vontade dos estados particulares expressa convencionalmente pois isso é o instrumento de cristalização dos princípios e usos da consciência jurídica da sociedade mundial dos quais nenhum Estado poderia individualmente afastarse na medida em que a formulação do direito internacional geral estabelece na matéria uma descrição suficientemente acabada da conduta punível bem como que sua configuração merece uma punição de conteúdo penal Que o fato de que o legislador nacional não tenha implementado sanções penais adequadas para esse tipo de crime não prejudica a vigência dos demais compromissos assumidos no âmbito internacional em matéria de extradição uma vez que esse tipo de trâmite não tem por objeto determinar a culpabilidade ou inculpabilidade do indivíduo requerido mas somente estabelecer como já se recordou no considerando 12 se seu direito de permanecer no país deve ceder ante a solicitação de cooperação internacional formulada tradução da Secretaria 345 Corte de Apelações dos Estados Unidos Sexto Circuito Sentença de 31 de outubro de 1985 Demjanjuk v Petrowsky 776 F 2d 571 346 Corte Suprema do Canadá Sentença de 24 de março de 1994 R v Finta 1994 1 SCR 701 Corte Superior da Província de Québec Sala Penal Sentença de 22 de maio de 2009 Promotoria Vs Désiré Munyaneza caso No 50073002500052 347 Código Penal da Bolívia Lei N1768 de 10 de março de 1997 artigo 17 348 Código Orgânico Integral Penal da República do Equador Artigo 14 349 Código Penal del Salvador Lei N1030 de 26 de abril de 1997 artigo 10 350 Código Penal do Panamá Lei N14 de 18 de maio de 2007 artigo 19 351 Constituição da Nação Argentina Lei N24430 de 15 de dezembro de 1994 artigo 118 79 primordialmente ao Estado do território em virtude do princípio de igualdade soberana dos Estados a luta contra a impunidade quanto aos crimes mais graves é uma obrigação constante de numerosos tratados internacionais A jurisdição universal só deve ser exercida em plena conformidade com o direito internacional deve ser subsidiária da legislação nacional e limitarse a delitos específicos e não deve ser exercida de maneira arbitrária ou para atender a interesses alheios à justiça em especial objetivos políticos352 302 Tendo presentes os antecedentes mencionados supra a Corte Interamericana considera que ante a prática de crimes contra a humanidade a comunidade de Estados está facultada a aplicar a jurisdição universal de modo que se torne efetiva a proibição absoluta desses delitos estabelecida pelo direito internacional Sem prejuízo do exposto a Corte também reconhece que no atual estágio de desenvolvimento do direito internacional o uso da jurisdição universal é um critério de razoabilidade processual e políticocriminal e não uma ordenação hierárquica pois se deve favorecer a jurisdição territorial da prática do delito 303 Nesse sentido ao considerar o exercício de sua competência universal para investigar julgar e punir autores de crimes como os do presente caso os Estados devem cumprir determinados requisitos reconhecidos pelo direito internacional consuetudinário i que o delito passível de processo judicial seja um delito de direito internacional crimes de guerra crimes contra a humanidade crimes contra a paz escravidão genocídio ou tortura ii que o Estado onde se cometeu o crime não tenha demonstrado haver envidado esforços na esfera judicial para punir os responsáveis ou que seu direito interno impeça o início desses esforços em razão da aplicação de excludentes de responsabilidade e iii que não seja exercida de maneira arbitrária ou atenda a interesses alheios à justiça sobretudo objetivos políticos v Previsibilidadeprincípio de legalidade 304 A Corte tem presente que a legislação brasileira e sua interpretação por parte relevante do sistema judicial entendem a falta de tipificação expressa em lei como um obstáculo insuperável à investigação e punição dos atos que deram origem ao presente caso353 Sem prejuízo disso a Corte analisa o presente caso contencioso sob a ótica do direito internacional e de suas normas imperativas em situações que envolvem os mais graves crimes de Estado que infringem direitos inderrogáveis reconhecidos pelo direito internacional dos direitos humanos A Corte observa que no presente caso não se trata de um homicídio comum ou de um ato de tortura isolado mas da tortura e do assassinato de uma pessoa sob a custódia do Estado como parte de um plano estabelecido pelas mais altas autoridades do Estado com o objetivo de exterminar os opositores da ditadura Essa política não só foi extremamente violenta mas também se manifestou no acobertamento por parte de funcionários médicos peritos promotores e juízes entre outros que garantiram sua impunidade 305 Ante o argumento de insegurança jurídica pela aplicação do direito internacional sem 352 Nações Unidas Assembleia Geral Ata resumida da 12ª Sessão do Setuagésimo Período de Sessões AC670SR12 5 de novembro de 2015 par 62 Disponível em httpundocsorgesAC670SR12 O Brasil também confirmou que seus tribunais podem exercer a jurisdição universal sobre o crime de genocídio e sobre outros crimes como a tortura os quais o Estado está obrigado a reprimir em virtude de obrigações assumidas convencionalmente par 64 Não obstante salientou que Conforme o direito brasileiro é necessário promulgar leis nacionais para poder exercer a jurisdição universal a respeito de um tipo específico de delito não se pode exercer essa jurisdição com base exclusivamente no direito internacional consuetudinário sem violar o princípio de legalidade 353 A esse respeito ver peritagens de Maria Auxiliadora Minahim expediente de prova folhas 13987 a 14034 e de Alberto Zacharias Toron em audiência 80 uma norma correspondente interna convalidando essa figura é necessário salientar que todas as condutas adotadas contra Vladimir Herzog já eram proibidas no ordenamento jurídico brasileiro A tortura era proibida desde o Código Penal de 1940 pois esse mesmo código vigente no momento dos fatos estabelecia por exemplo os seguintes tipos penais que teriam sido cometidos no caso sub examine lesões corporais354 risco para a vida ou para a saúde de outro355 deixar de prestar assistência356 maustratos357 e homicídio qualificado358 A tortura era ademais considerada uma circunstância agravante de outros crimes no referido código penal artigo 61 II d359 Esses tipos penais além disso fazem parte da consciência jurídica nacional como o revelam as disposições de todos os códigos do Brasil independente Código Criminal do Império do Brasil artigo 192 em relação às agravantes gerais do artigo 16 seção I inciso 6 e artigo 17 incisos 2 3 e 4360 e Código Republicano artigo 294 em relação ao artigo 39 inciso 5 e artigo 41 incisos 2 e 3361 306 Para a Corte é absolutamente irrazoável sugerir que os autores desses crimes não eram conscientes da ilegalidade de suas ações e que eventualmente estariam sujeitos à ação da justiça Ninguém pode alegar que desconhece a antijuridicidade de um homicídio qualificado ou agravado ou da tortura aduzindo que desconhecia seu carácter de crime contra a humanidade pois a consciência de ilicitude que basta para a censura da culpabilidade não exige esse conhecimento o que só faz quanto à imprescritibilidade do delito bastando em geral que o agente conheça a antijuridicidade de sua conduta em especial frente à disposição restritiva da relevância do erro no artigo 16 do Código Penal brasileiro vigente no momento do fato A ignorância ou errada compreensão da lei não eximem de pena 307 Em atenção à proibição absoluta dos crimes de direito internacional e contra a 354 Código Penal Brasileiro de 1940 Artigo 129 Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem 355 Código Penal Brasileiro de 1940 Artigo 132 Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente 356 Código Penal Brasileiro de 1940 Artigo 135 Deixar de prestar assistência quando possível fazêlo sem risco pessoal à pessoa inválida ou ferida ao desamparo ou em grave e iminente perigo ou não pedir nesses casos o socorro da autoridade pública 357 Código Penal Brasileiro de 1940 Artigo 136 Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade guarda ou vigilância quer privandoa de alimentação ou cuidados indispensáveis quer sujeitandoa a trabalho excessivo ou inadequado quer abusando de meios de correção ou disciplina 358 Código Penal Brasileiro de 1940 Artigo 121 Homicídio qualificado 2 Se o homicídio é cometido I mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe II por motivo fútil III com emprego de veneno fogo explosivo asfixia tortura ou outro meio insidioso ou cruel ou de que possa resultar perigo comum IV à traição de emboscada ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido V para assegurar a execução a ocultação a impunidade ou vantagem de outro crime Pena reclusão de doze a trinta anos 359 Ver peritagem de Renato Sergio de Lima expediente de prova folhas 14153 e 14154 Relatório da Comissão Nacional da Verdade 2014 expediente de prova folha 808 360 Lei de 16 de dezembro de 1830 Código Penal do Império do Brasil Homicídio Art 192 Matar alguem com qualquer das circumstancias aggravantes mencionadas no artigo dezaseis numeros dous sete dez onze doze treze quatorze e dezasete Art 16 São circumstancias aggravantes 6º Haver no delinquente superioridade em sexo forças ou armas de maneira que o offendido não pudesse defenderse com probabilidade de repellir a offensa Art 17 Tambem se julgarão aggravados os crimes 2º Quando a dôr physica fôr augmentada mais que o ordinario por alguma circumstancia extraordinaria 3º Quando o mal do crime fôr augmentado por alguma circumstancia extraordinaria de ignominia 4º Quando o mal do crime fôr augmentado pela natureza irreparavel do damno Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leislimlim16121830htm Cf Araujo Filgueiras Junior Código Criminal do Império do Brazil annotado Rio de Janeiro 1876 pp 17 20 e 214 361 Decreto Nº 847 de 11 de outubro de 1890 Código Penal Art 294 Matar alguem Art 39 São circumstancias aggravantes 5º Ter o delinquente superioridade em sexo força ou armas de modo que o offendido não pudesse defenderse com probabilidade de repellir a offensa Art 41 Também se julgarão aggravados os crimes 2º Quando a dor physica for augmentada por actos de crueldade 3º Quando o mal do crime for augmentado ou por circumstancia extraordinaria de ignominia ou pela natureza irreparavel do damno Disponível em httpwww2camaralegbrleginfeddecret18241899decreto 84711outubro1890503086publicacaooriginal1pehtml Cf Alvarenga Netto Código Penal Brasileiro e leis penaes subsequentes Rio de Janeiro 1929 pp 35 36 e 141 81 humanidade no direito internacional a Corte coincide com os peritos RothArriaza e Mendez no sentido de que para os autores dessas condutas nunca foram criadas expectativas válidas de segurança jurídica posto que os crimes já eram proibidos no direito nacional e internacional no momento em que foram cometidos Além disso não há aplicação nem violação do princípio pro reo já que nunca houve uma expectativa legítima de anistia ou prescrição que desse lugar a uma expectativa legítima de finalidade362 A única expectativa efetivamente existente era o funcionamento do sistema de acobertamento e proteção dos verdugos das forças de segurança Essa expectativa não pode ser considerada legítima por esta Corte e suficiente para ignorar uma norma peremptória de direito internacional 308 Sem prejuízo do exposto a Corte reitera que a alegada falta de tipificação dos crimes contra a humanidade no direito interno não tem impacto na obrigação de investigar julgar e punir seus autores Isso porque um crime contra a humanidade não é um tipo penal em si mesmo mas uma qualificação de condutas criminosas que já eram estabelecidas em todos os ordenamentos jurídicos a tortura o seu equivalente e o assassinatohomicídio A incidência da qualificação de crime contra a humanidade a essas condutas tem como efeito impedir a aplicação de normas processuais excludentes de responsabilidade como consequência da natureza de jus cogens da proibição dessas condutas Não se trata de um novo tipo penal Portanto a Corte considera apropriada a postura do Ministério Público Federal brasileiro da dupla subsunção ou seja que o ato ilícito fosse previsto tanto na norma interna como no direito internacional No caso dos crimes internacionais ou contra a humanidade o elemento internacional se refere ao contexto de ataque planejado massivo ou sistemático contra uma população civil Esse segundo elemento proveniente do direito internacional é o que justifica a não aplicação de excludentes de responsabilidade par 229 a 231 supra 309 O Tribunal Europeu de Direitos Humanos se pronunciou nesse mesmo sentido363 afirmando que levando em conta o caráter flagrantemente ilegal dos maustratos e assassinatos ocorridos em 1944 o peticionário poderia ter previsto que os atos impugnados poderiam ser qualificados como crimes de guerra e que independentemente da tipicidade no direito interno não é possível ignorar a ilegalidade dos crimes contra a humanidade364 O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas também declarou a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade365 A mesma conclusão mutatis mutandi se aplica aos crimes contra a humanidade face à gravidade das condutas adotadas contra Vladimir Herzog e o contexto no qual tiveram lugar 310 Com base em todas as considerações anteriormente expostas a Corte considera que o Estado não pode alegar a inexistência de normas internas ou a incompatibilidade do direito interno para não cumprir uma obrigação internacional imperativa e inderrogável O Tribunal considera que o Estado deixou de garantir um recurso judicial efetivo para investigar julgar e punir os responsáveis pela detenção tortura e morte de Vladimir Herzog B5 Conclusão 311 No presente caso o Tribunal conclui que não foi exercido o controle de convencionalidade pelas autoridades jurisdicionais do Estado que encerraram a investigação 362 Peritagem de Naomi RothArriaza expediente de prova folha 13957 363 TEDH Caso Kononov Vs Letônia No 3637604 Sentença de 17 de maio 2010 364 TEDH Caso Kolk e Kislyiy Vs Estônia Nos 2305204 e 2401804 Decisão de inadmissibilidade de 17 de janeiro de 2006 e Caso Vasiliauskas Vs Lituânia GS No 3534305 Sentença de 20 de outubro de 2015 par 167 168 170 e 172 365 Observações finais do Comitê de Direitos Humanos Espanha CCPRCESPCO5 de 5 de janeiro de 2009 par 9 Disponível em httpundocsorgesCCPRCESPCO5 82 em 2008 e 2009 Do mesmo modo em 2010 a decisão do Supremo Tribunal Federal confirmou a validade da interpretação da Lei de Anistia sem considerar as obrigações internacionais do Brasil decorrentes do direito internacional particularmente as dispostas nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo instrumento A Corte julga oportuno recordar que a obrigação de cumprir as obrigações internacionais voluntariamente contraídas corresponde a um princípio básico do direito sobre a responsabilidade internacional dos Estados respaldado pela jurisprudência internacional e nacional segundo a qual aqueles devem acatar suas obrigações convencionais internacionais de boafé pacta sunt servanda Como já salientou esta Corte e conforme dispõe o artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 os Estados não podem por razões de ordem interna descumprir obrigações internacionais As obrigações convencionais dos Estados Partes vinculam todos os seus poderes e órgãos os quais devem garantir o cumprimento das disposições convencionais e seus efeitos próprios effet utile no plano de seu direito interno366 312 Com base nas considerações acima a Corte Interamericana conclui que em razão da falta de investigação bem como de julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e pelo assassinato de Vladimir Herzog cometidos num contexto sistemático e generalizado de ataques à população civil o Brasil violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 81 e 251 da Convenção Americana em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo instrumento e em relação aos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura em detrimento de Zora Clarice André e Ivo Herzog A Corte conclui também que o Brasil descumpriu a obrigação de adequar seu direito interno à Convenção constante do artigo 2 em relação aos artigos 81 25 e 11 do mesmo tratado e aos artigos 1 6 e 8 da CIPST em virtude da aplicação da Lei de Anistia No 668379 e de outras excludentes de responsabilidade proibidas pelo direito internacional em casos de crimes contra a humanidade de acordo com os parágrafos 208 a 310 da presente Sentença VII2 DIREITO A CONHECER A VERDADE Artigos 8 e 25 da Convenção Americana A Alegações das partes e da Comissão 313 A Comissão afirmou que não são necessárias a análise em separado e a determinação de uma violação autônoma dos artigos 4 5 7 e 13 da Convenção Americana por descumprimento do dever de garantir a verdade para a Comissão esse direito já se encontra protegido pelos artigos 81 e 25 314 Não obstante sustentou que o direito à verdade não pode ser restringido entre outras formas por meio de medidas legislativas como a expedição de leis de anistia a prescrição ou a coisa julgada 366 Cf Responsabilidade Internacional por Expedição e Aplicação de Leis Violatórias da Convenção artigos 1 e 2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Parecer Consultivo OC 1494 de 9 de dezembro de 1994 Série A No 14 par 35 Caso do Presídio Miguel Castro Castro Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de novembro de 2006 Série C No 160 par 394 e Caso Zambrano Vélez e outros Vs Equador Mérito Reparações e Custas Sentença de 4 de julho de 2007 Série C No 166 par 104 Do mesmo modo cf Caso Castillo Petruzzi e outros Vs Peru Cumprimento de Sentença Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 17 de novembro de 1999 Série C No 59 Considerando 3 Caso De la Cruz Flores Vs Peru Supervisão de Cumprimento de Sentença Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 1o de setembro de 2010 Considerando 3 e Caso Tristán Donoso Vs Panamá Supervisão de Cumprimento de Sentença Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 1o de setembro de 2010 Considerando 5 83 315 Os representantes afirmaram que o Estado é responsável pela violação do direito à verdade na medida em que ocultou informação relevante sobre o caso e não estabeleceu os processos ou os mecanismos necessários para esclarecer a verdade sobre o ocorrido Salientaram que o direito à verdade apresenta duas dimensões uma individual que salvaguarda os direitos das vítimas e dos familiares e uma coletiva que protege o direito da sociedade de conhecer a verdade ter acesso à informação e reconstruir a memória coletiva Propuseram que esse direito seja entendido como um direito autônomo e independente No seu entender apesar de não estar expressamente previsto na Convenção esse direito se depreende do conjunto de proteções consagradas nos artigos 11 5 8 13 e 25 da Convenção Americana 316 Segundo os representantes a violação do direito à verdade teve lugar porque o Estado a publicou uma versão falsa da morte de Herzog b sistematicamente negou acesso aos documentos militares e c permitiu a impunidade como obstáculo para conhecer a verdade 317 Com respeito à divulgação da falsa versão da morte de Herzog os representantes afirmaram que a versão amplamente divulgada de sua morte foi o suicídio com uma foto destinada a apoiar essa versão Do atestado de óbito de Herzog constava como causa mortis a asfixia mecânica por enforcamento Somente em 2013 a causa mortis foi modificada para lesões e maustratos sofridos enquanto era interrogado no DOICODISP A reiteração dessa versão falsa por anos causou grande sofrimento à família de Herzog 318 Com respeito à ocultação de arquivos militares ressaltaram que a CNV afirmou que essa circunstância constitui um obstáculo à elucidação das mortes Acrescentaram que outro obstáculo foi a ocultação sistemática de informação sobre os crimes pela resistência das Forças Armadas em abrir seus arquivos de informação o que se observou inclusive no período democrático constitucional depois de 1988 e durante a vigência da CNV 2012 2014 319 Sustentaram que a postura do Estado de não prestar informação para não reabrir feridas viola o direito à verdade Declararam que não é possível conforme afirmou a AGU ao negar informação ao MPF que não exista documentação alguma sobre as pessoas que estiveram detidas ou morreram no DOICODISP 320 Além disso ressaltaram que a Ação Civil Pública iniciada pelo Ministério Público tinha como um de seus objetivos a declaração da obrigação das Forças Armadas de entregar todos os documentos referentes ao DOICODI do II Exército que estejam em seu poder petição que se fundamenta no fato de que até a presente data o Exército brasileiro não trouxe ao conhecimento público os arquivos e as informações para que sejam conhecidas todas as circunstâncias e todos os responsáveis pelos ilícitos praticados naquele órgão federal Salientaram ademais que o Ministério Público declarou que as Forças Armadas obstruíram o acesso a praticamente todas as informações sobre as atividades do DOICODI do II Exército 321 Com respeito à impunidade como obstáculo para conhecer a verdade os representantes admitiram a importância histórica e informativa dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade No entanto salientaram que essa verdade histórica não completa nem substitui a obrigação estatal de estabelecer a verdade por meios processuais 322 Salientaram também que a elucidação dos autores e das circunstâncias que cercaram a prática dos delitos é imprescindível já que a verdade é por sua própria conta um componente integral da prestação de justiça e não só um mero subproduto dos julgamentos 84 ou de outras medidas persecutórias 323 Nesse sentido os representantes entenderam que a sistemática recusa por parte do Estado brasileiro a entregar os documentos militares que poderiam esclarecer as circunstâncias da morte de Herzog e identificar os responsáveis materiais e intelectuais constitui uma violação do direito à verdade e uma obstrução do direito à justiça em violação dos artigos 5 8 13 25 da Convenção Americana em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento 324 O Estado com respeito à divulgação de uma falsa versão sobre a morte de Herzog afirmou que a sentença na ação declaratória de 1976 já havia atestado que não estava comprovada a versão do suicídio Nesse mesmo sentido a própria solicitação de instauração de um inquérito policial feita em 1992 levando em conta os termos da sentença declaratória mostra que a versão do suicídio já não era considerada pelas autoridades estatais Salientou que a retificação do atestado de óbito no ano de 2013 não significa que a versão estatal sobre o suicídio tenha continuado até essa data e que em 2012 na resposta do Estado à Comissão sobre a admissão da petição no presente caso reconheceu a responsabilidade pela morte e prisão arbitrária de Vladimir Herzog 325 Com respeito à falta de acesso aos arquivos militares o Estado afirmou que não são fatos que tenham sido apresentados pela Comissão razão pela qual não devem ser objeto de análise pela Corte sendo ademais acusações genéricas Apesar disso o Estado esclareceu que foi conduzido um procedimento investigativo no âmbito das Forças Armadas com a finalidade de determinar a irregularidade na destruição de documentos públicos do período de 1964 a 1990 o qual chegou à conclusão de que não houve irregularidades Ressaltou que é impossível para o Estado produzir prova negativa no sentido de que não se estão ocultando arquivos e que em todo caso isso não é aplicável ao caso de Vladimir Herzog pois as circunstâncias de sua morte vêm sendo esclarecidas com base na atuação do poder judiciário na ação declaratória de 1976 passando pela análise efetuada pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e culminando com o relatório da Comissão Nacional da Verdade Ademais não houve esgotamento dos recursos internos por parte dos peticionários já que não foi interposta a ação de habeas data 326 Com respeito à impunidade como obstáculo para conhecer a verdade entendeu que esse direito fica incluído no direito da vítima e dos familiares de obter dos órgãos competentes do Estado o esclarecimento sobre os fatos e as responsabilidades ou seja o direito de acesso à justiça Não obstante o Estado afirmou que adotou diversas medidas com a finalidade de obter a verdade sobre o ocorrido 327 O Estado alegou que se infere do artigo 2 da Convenção que a adoção de políticas públicas administrativas ou legislativas deve ser confiada primeiramente aos representantes eleitos democraticamente pelo povo que por sua vez estão sujeitos à lei interna e à Constituição Por esse motivo solicitou que esta Corte reconheça que o Estado tem o direito de exercer essas políticas de acordo com a margem racional de apreciação à luz do artigo 2 da Convenção com a devida discricionariedade para acolher os meios mais adequados para atribuir efetividade aos direitos protegidos na Convenção Salientou que o reconhecimento dessa flexibilidade não afetaria o Sistema Interamericano já que esta Corte poderia mediante o controle de convencionalidade avaliar e censurar as medidas adotadas pelo Estado B Considerações da Corte 328 Este Tribunal considera pertinente recordar que em conformidade com sua 85 jurisprudência constante toda pessoa inclusive os familiares das vítimas de graves violações de direitos humanos tem o direito de conhecer a verdade Por conseguinte os familiares das vítimas e a sociedade devem ser informados de todo o ocorrido com relação a essas violações367 Embora o direito de conhecer a verdade tenha sido incluído fundamentalmente no direito de acesso à justiça368 aquele tem uma natureza ampla e sua violação pode afetar diferentes direitos consagrados na Convenção Americana369 dependendo do contexto e das circunstâncias particulares do caso Nesse sentido a Corte reitera que esse direito consta dos artigos 11 81 25 e é por eles protegido assim como em determinadas circunstâncias o artigo 13 da Convenção370 tal como ocorreu no caso Gomes Lund e outros Vs Brasil 329 No presente caso o Tribunal observa que as alegações relativas à suposta violação do direito à verdade teriam duas vertentes principais i a alegada violação desse direito em razão da impunidade em que se encontra a detenção tortura e execução de Vladimir Herzog bem como pela divulgação de uma versão falsa dos fatos e ii a suposta falta de acesso aos arquivos do DOICODISP 330 O Tribunal constata que com efeito o Brasil envidou diversos esforços para atender ao direito à verdade das vítimas do presente caso e da sociedade em geral A Corte avalia positivamente a criação e os respectivos relatórios da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos bem como da Comissão Nacional da Verdade Este Tribunal considerou anteriormente que esse tipo de esforço contribui para a construção e preservação da memória histórica para o esclarecimento de fatos e para a determinação de responsabilidades institucionais sociais e políticas em determinados períodos históricos de uma sociedade371 Sem prejuízo do exposto em conformidade com a jurisprudência constante deste Tribunal372 a verdade histórica que possa resultar desse tipo de esforço de nenhuma forma substitui ou dá por atendida a obrigação do Estado de estabelecer a verdade e assegurar a determinação judicial de responsabilidades individuais por meio dos processos judiciais penais373 367 Cf Caso Trujillo Oroza Vs Bolívia Reparações e Custas Sentença de 27 de fevereiro de 2002 Série C No 92 par 100 e Caso Vereda La Esperanza Vs Colômbia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2017 Série C No 341 par 220 368 Cf inter alia Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Mérito par 181 Caso Bámaca Velásquez Vs Guatemala Mérito par 201 Caso Barrios Altos Vs Peru Mérito Sentença de 14 de março de 2001 Série C N0 75 par 48 Caso Almonacid Arellano e outros Vs Chile Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de setembro de 2006 Série C No 154 par 148 Caso La Cantuta Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 29 de novembro de 2006 Série C No 162 par 222 Caso Heliodoro Portugal Vs Panamá par 243 e 244 Caso Kawas Fernández Vs Honduras par 117 Caso Membros da Aldeia Chichupac e comunidades vizinhas do Município de Rabinal Vs Guatemala par 260 e Caso Vereda La Esperanza Vs Colômbia par 220 369 Nesse sentido em seu estudo sobre o direito de conhecer a verdade o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos constatou que diferentes declarações e instrumentos internacionais reconheceram o direito de conhecer a verdade vinculado ao direito de obter e solicitar informação ao direito à justiça ao dever de combater a impunidade frente às violações de direitos humanos ao direito a um recurso judicial efetivo e ao direito à vida privada e familiar Cf Relatório do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos Estudo sobre o direito à verdade UN Doc ECN4200691 de 8 de fevereiro de 2006 370 Cf Caso Gelman Vs Uruguai par 243 e Caso Osorio Rivera e familiares Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 26 de novembro de 2013 Série C No 274 par 220 e Caso Rodríguez Vera e outros Desaparecidos do Palácio da Justiça Vs Colômbia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 14 de novembro de 2014 Série C No 287 par 511 371 Caso Zambrano Vélez e outros Vs Equador Mérito Reparações e Custas Sentença de 4 de julho de 2007 Série C No 166 par 128 e Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 297 372 Caso Almonacid Arellano e outros Vs Chile par 150 Caso Chitay Nech e outros Vs Guatemala Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 25 de maio de 2010 Série C No 212 par 234 Caso Radilla Pacheco Vs México Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de novembro de 2009 Série C No 209 par 179 e Caso Membros da Aldeia Chichupac e comunidades vizinhas do Município de Rabinal Vs Guatemala par 287 373 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 297 e Caso Membros da Aldea Chichupac e comunidades vizinhas do Município de Rabinal Vs Guatemala par 287 86 331 A Corte considera que há diversos motivos que explicam a importância de que se apurem as responsabilidades individuais por graves violações de direitos humanos Por um lado as comissões da verdade não são instituições judiciais e por motivo algum devem assumir esse tipo de função Embora as comissões possam identificar os responsáveis não devem arrogarse a autoridade de decidir sobre a responsabilidade penal de pessoas pois se corre o risco de violar direitos fundamentais tais como a presunção de inocência e inclusive o direito à vida privada das vítimas374 332 Além disso o Tribunal considera que esses processos judiciais têm um papel significativo na reparação das vítimas que passam de sujeitos passivos diante do poder público a pessoas que reclamam direitos e participam dos processos nos quais se definem o conteúdo a aplicação e a força da lei375 ou seja os processos judiciais trazem consigo um reconhecimento das vítimas como titulares de direitos376 Atender ao direito à verdade dessa forma faculta à vítima a seus familiares e ao público em geral buscar e obter toda a informação pertinente relativa à prática da violação377 e em casos como o presente o processo mediante o qual se autorizou oficialmente essa violação 333 Esta Corte se referiu a este tema em particular de maneira expressa no caso Gomes Lund e outros Vs Brasil Naquela oportunidade o Tribunal estabeleceu que em casos de graves violações de direitos humanos e na hipótese tratarse da investigação de um fato eventualmente punível a decisão de qualificar como secreta a informação e de impedir que esta seja prestada jamais pode depender exclusivamente de um órgão estatal a cujos membros se atribui a prática desse ilícito 334 Além disso o Tribunal considerou também que toda recusa de prestar informação deve ser motivada e fundamentada cabendo ao Estado o ônus da prova referente à impossibilidade de revelar a informação e que diante da dúvida ou do vazio legal deve primar o direito de acesso à informação Por outro lado a Corte recorda o disposto sobre a obrigação das autoridades estatais de não se amparar em mecanismos como o sigilo de Estado ou a confidencialidade da informação em casos de violações de direitos humanos378 Do mesmo modo tampouco pode ficar à sua discrição a decisão final sobre a existência da documentação solicitada379 335 Nesse sentido a Corte observa que não foi senão no final do ano de 2007 que o Estado finalmente divulgou a verdade extrajudicial dos fatos com a publicação do relatório da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos Até esse ano as instituições do Estado em especial o exército sustentaram uma versão dos fatos cuja falsidade havia sido estabelecida judicialmente desde 1978 quando foi emitida a sentença da Ação Declaratória par 132 a 134 supra A Corte também constata que os familiares das vítimas conseguiram em 2013 uma retificação da causa mortis no atestado de óbito de Vladimir Herzog Isso implica que foram necessários 15 anos desde o reconhecimento da competência contenciosa da Corte para que os familiares do senhor Herzog deixassem de suportar ainda que formalmente manifestações do poder público que negavam a 374 ONU Relatório do Relator Especial sobre a Promoção da Verdade da Justiça da Reparação e das Garantias de Não Repetição A67368 13 de setembro de 2012 par 72 375 ONU Relatório do Relator Especial sobre a Promoção da Verdade da Justiça da Reparação e das Garantias de Não Repetição A67368 13 de setembro de 2012 par 66 376 ONU Relatório do Relator Especial sobre a Promoção da Verdade da Justiça da Reparação e das Garantias de Não Repetição AHRC2756 27 de agosto de 2014 par 22 377 ONU Relatório do Relator Especial sobre a Promoção da Verdade da Justiça da Reparação e das Garantias de Não Repetição AHRC2442 28 de agosto de 2013 par 20 378 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 230 379 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasi par 202 87 verdade dos fatos e pior ainda forjavam uma falsidade 336 No presente caso a Corte observa ademais que a CNV380 fez constar que um dos obstáculos à averiguação da verdade foi a recusa do exército em liberar o acesso a seus arquivos alegando que haviam sido destruídos 337 Em conformidade com o princípio de boafé no acesso à informação o Tribunal considera que o Estado não pode eximirse de suas obrigações positivas de garantir o direito à verdade e o acesso aos arquivos públicos alegando simplesmente que a informação foi destruída Pelo contrário o Estado tem a obrigação de buscar essa informação por todos os meios possíveis Para cumprir esse dever o Estado deve envidar esforços substantivos e destinar todos os recursos necessários para reconstruir a informação que supostamente foi destruída381 Assim por exemplo os Estados devem permitir que juízes promotores e outras autoridades independentes de investigação realizem visitas in loco aos arquivos militares e de inteligência Garantir esse tipo de ação é especialmente imperativo quando as autoridades responsáveis negaram a existência de informação crucial para o curso da averiguação da verdade e da identificação dos supostos responsáveis por graves violações de direitos humanos desde que haja razões que permitam pensar que essa informação pode existir A Corte considera que todo o acima exposto faz parte da obrigação positiva do Estado de preservar os arquivos e outras provas relativas a graves violações de direitos humanos382 como forma de garantir o direito ao livre acesso à informação em sua dimensão tanto coletiva como individual 338 Levando em conta o exposto além do constatado no Capítulo VII1 e ante as circunstâncias mencionadas supra a Corte considera que no presente caso o Brasil violou o direito das vítimas de conhecer a verdade pois não esclareceu judicialmente os fatos violatórios do presente caso e não apurou as respectivas responsabilidades individuais em relação à tortura e ao assassinato de Vladimir Herzog por meio da investigação e do julgamento desses fatos na jurisdição ordinária em conformidade com os artigos 8 e 25 da Convenção Esse direito também foi violado por vários anos dentro da competência da Corte sem que a versão do suicídio do senhor Herzog fosse aceita oficialmente pelo Estado somada à recusa do exército de prestar informação e de permitir o acesso aos arquivos militares da época dos fatos 339 Finalmente o Tribunal nota que apesar dos esforços envidados por entidades estatais para ter acesso aos arquivos militares do DOICODI sua existência foi negada sistematicamente par 318 supra Em especial a Corte observa que os representantes alegaram que se configurou uma violação ao artigo 13 da Convenção pelas recusas ocorridas no âmbito do processo de Ação Civil Pública ACP par 320 supra Não obstante a Corte reitera seu critério no caso Gomes Lund quanto a que se trata de uma ação que não podia ser interposta pelas vítimas razão pela qual o Tribunal considera que não pode analisar a garantia do direito dos familiares de buscar e receber informação por meio desse processo judicial Por esse motivo não fará considerações adicionais a esse respeito383 Sem prejuízo do exposto a Corte lembra que compete ao Estado a obrigação positiva de garantir o acesso à informação e aos arquivos públicos conforme os princípios de boafé e máxima 380 Relatório da Comissão Nacional da Verdade p 28 29 63 64 639 expediente de prova folhas 1533 1534 593 594 2144 381 CIDH O Direito de Acesso à Informação no Marco Jurídico Interamericano OEASerLVII CIDHRELEINF 912 7 de março de 2011 par 92 382 ONU Comissão de Direitos Humanos Relatório de Diane Orentlicher perita independente encarregada de atualizar o conjunto de princípios para a luta contra a impunidade Conjunto de princípios atualizado para a proteção e a promoção dos direitos humanos mediante a luta contra a impunidade ECN42005102Add1 8 de fevereiro de 2005 Princípio 3 383 Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 216 88 divulgação Este último estabelece a presunção de que toda informação é acessível com sujeição a um sistema restrito de exceções384 VII3 DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL Artigo 51385 da Convenção Americana A Alegações das partes e da Comissão 340 A Comissão ressaltou que os familiares de vítimas de certas violações de direitos humanos podem ser considerados por sua vez vítimas vendo afetadas sua integridade psíquica e moral o que pode se agravar ante a ausência de recursos efetivos Entendeu que as consequências da violência e da impunidade podem ter um efeito particularmente prejudicial nos familiares das vítimas que eram menores de idade 341 Ressaltou também que no presente caso existe uma presunção juris tantum que permite presumir um dano à integridade psíquica e moral dos familiares de Vladimir Herzog Observou ademais que o Estado divulgou informações falsas sobre as circunstâncias de sua morte o que gerou um impacto particularmente grave na integridade psíquica e moral dos familiares 342 Em especial afirmou que Clarice Herzog experimentou intensos sentimentos de angústia temor e apreensão do momento em que seu esposo foi informado que seria detido até a presente data Do mesmo modo salientou que o grave dano a esse direito é evidente nos casos de Ivo e André Herzog filhos do jornalista que tinham nove e sete anos de idade respectivamente na época dos fatos 343 A Comissão concluiu que o Estado violou o direito à integridade psíquica e moral previsto no artigo 51 da Convenção Americana em relação às obrigações estabelecidas no artigo 11 do mesmo instrumento em detrimento de Zora Herzog falecida em 18 de novembro de 2006 Clarice André e Ivo Herzog 344 Os representantes ressaltaram que a partir das circunstâncias dos fatos denunciados é possível concluir que houve danos à integridade psíquica e moral de Zora Clarice Herzog André e Ivo Herzog 345 Nesse mesmo sentido salientaram o clima de terror e intimidação provocado pelo contexto sistemático de violações incentivado e tolerado pelas autoridades do Estado e acrescentaram que Clarice foi ameaçada de morte em reiteradas ocasiões 346 Salientaram também que Zora Herzog faleceu em 2006 sem ver atendido seu direito de conhecer a verdade e obter justiça Quanto a esse aspecto Clarice Herzog se referiu a quanto foi doloroso conviver com a falsa versão sobre a morte de seu esposo por tempo tão prolongado tanto para ela como para a mãe e os filhos de Vladimir Herzog e que o sofrimento dos familiares por não haver visto justiça permanece até o dia de hoje Seus filhos se manifestaram no mesmo sentido Ivo Herzog declarou que a luta por memória verdade e justiça representou um peso que carregam uma responsabilidade uma cicatriz irreparável que os diferencia das demais pessoas André Herzog enfatizou que a perda de seu pai trouxe à família múltiplas consequências na esfera de suas relações pessoais e 384 Caso Claude Reyes e outros Vs Chile Mérito Reparações e Custas Sentença de 19 de setembro de 2006 Série C No 151 par 92 385 Artigo 5 Direito à Integridade Pessoal 1 Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física psíquica e moral 89 afetivas e expressou a dor a exposição e o ônus que representava para toda a família cada nova ação judicial promovida em busca de verdade e justiça 347 Os representantes concluíram que todos esses fatos considerados em conjunto causaram aos familiares de Vladimir Herzog sentimentos lesivos a sua integridade psíquica e emocional caracterizando a responsabilidade internacional do Estado pela violação do artigo 5 em relação ao 11 da Convenção Americana em detrimento de Zora Clarice André e Ivo Herzog 348 O Estado reconheceu que a conduta estatal de prisão arbitrária tortura e morte de Vladimir Herzog impôs aos familiares uma dor intensa reconhecendo portanto sua responsabilidade pela violação do artigo 51 da Convenção Americana Não obstante o Estado afirmou que envidou múltiplos esforços com o propósito de reparar os danos sofridos 349 O Estado entendeu que embora todas as violações de direitos humanos possam deixar resultados nefastos no ser humano isso não significa que todas as violações de direitos reconhecidos pela Convenção impliquem uma violação do artigo 5 Salientou que a suposta falta de proteção judicial não caracteriza uma violação do artigo 5 Concluiu que se a falta de proteção judicial não está prevista no artigo 5 a pretendida violação da norma não pode ser constatada pois se estaria criando uma hipótese não prevista na Convenção 350 Ressaltou que ainda que se possa entender que a negação da verdade viola o artigo 5 da Convenção isso não ocorre no presente caso pois grande parte da informação que as partes apresentaram com respeito à privação de liberdade tortura e morte de Vladimir Herzog foi recolhida justamente em procedimentos e publicações realizados pelo próprio Estado Tudo isso com o objetivo de tentar suprimir a eventual angústia que poderia ser provocada pela ausência de responsabilidade criminal Ressaltou também que no presente caso não se trata de uma pessoa desaparecida da qual não se conhece o destino B Considerações da Corte 351 Esta Corte considerou em numerosos casos que os familiares das vítimas de violações de direitos humanos podem ser por sua vez vítimas386 Nesse sentido o Tribunal considerou violado o direito à integridade psíquica e moral de familiares de vítimas por motivo do sofrimento adicional por que passaram como resultado das circunstâncias particulares das violações cometidas contra seus seres queridos e em virtude das posteriores ações ou omissões das autoridades estatais frente aos fatos387 Do mesmo modo em casos que supõem uma violação grave de direitos humanos como massacres388 desaparecimentos forçados de pessoas389 execuções extrajudiciais390 ou tortura391 a Corte 386 Cf Caso Castillo Páez Vs Peru Mérito Sentença de 3 de novembro de 1997 Série C No 34 ponto resolutivo quarto e Caso Vereda La Esperanza Vs Colômbia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2017 Série C No 341 par 249 387 Cf Caso Blake Vs Guatemala Mérito Sentença de 24 de janeiro de 1998 Série C No 36 par 114 e Caso Vereda La Esperanza Vs Colômbia par 249 388 Cf Caso do Massacre de Mapiripán Vs Colômbia Mérito Reparações e Custas Sentença de 15 de setembro de 2005 Série C No 134 par 146 389 Cf Caso Blake Vs Guatemala Mérito par 114 e Caso Comunidade Camponesa de Santa Bárbara Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 1o de setembro de 2015 Série C No 299 par 274 390 Cf Caso La Cantuta Vs Peru Mérito Reparações e Custas Sentença de 29 de novembro de 2006 Série C No 162 par 218 e Caso Cruz Sánchez e outros Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 17 de abril de 2015 Série C No 292 par 444 391 Cf Caso Espinoza Gonzáles Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 20 de novembro de 2014 Série C No 289 par 297 90 considerou que a Comissão ou os representantes não necessitam provar a violação da integridade pessoal já que opera uma presunção juris tantum392 Dessa forma caberia ao Estado desvirtuála393 caso considere que a citada ofensa não ocorreu 352 Essa presunção é aplicada pela Corte a respeito de familiares diretos como mães e pais filhas e filhos esposos e esposas companheiros e companheiras permanentes sempre que isso atenda às circunstâncias particulares do caso394 353 Sem prejuízo do exposto a Corte constata que não tem competência temporal para decidir sobre a alegada violação à integridade pessoal dos familiares próximos de Vladimir Herzog por motivo direto de sua tortura e assassinato Assim a citada presunção juris tantum não pode ser reconhecida no presente caso razão pela qual a Corte terá de analisar a prova testemunhal e pericial apresentada no presente litígio para confirmar o dano alegado 354 O Tribunal constata a partir do acervo probatório395 que a existência e a divulgação de uma versão falsa da detenção tortura e execução de Vladimir Herzog geraram um dano à integridade de todo o seu núcleo familiar Além disso os esforços infrutíferos dos familiares por conseguir reivindicar judicialmente seus direitos lhes causou angústia e insegurança além de frustração e sofrimento Isso a juízo do Tribunal também constitui dano à sua integridade psíquica e moral 355 Além disso a falta de investigação a respeito da morte de seu familiar provocou nos demais membros da família de Vladimir Herzog dano à integridade psíquica e moral inclusive uma extrema angústia e insegurança além de frustração e sofrimento que perduram até a atualidade A falta de identificação e punição dos responsáveis fez com que a angústia permanecesse por anos sem que as vítimas se sentissem protegidas ou reparadas396 356 A Corte observa ademais que o Estado embora tenha apresentado algumas alegações jurídicas sobre esse aspecto não apresentou prova alguma ou alegações que buscassem desvirtuar a prova apresentada pelos representantes 357 Em vista do exposto este Tribunal considera demonstrado que em consequência da falta de verdade investigação julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e pelo assassinato de Vladimir Herzog os familiares diretos da vítima padeceram um profundo sofrimento e angústia em detrimento de sua integridade psíquica e moral 358 Desse modo levando em consideração as circunstâncias do presente caso o Tribunal conclui que o Estado violou o direito à integridade pessoal previsto no artigo 51 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento em prejuízo de Zora Herzog Clarice Herzog Ivo Herzog e André Herzog 392 Caso Ruano Torres e outros Vs El Salvador Mérito Reparações e Custas Sentença de 5 de outubro de 2015 Série C No 303 par 177 393 Cf Caso Valle Jaramillo e outros Vs Colômbia Mérito Reparações e Custas Sentença de 27 de novembro de 2008 Série C No 192 par 119 e Caso Vereda La Esperanza Vs Colômbia par 249 394 Caso Valle Jaramillo e outros Vs Colômbia par 119 e Caso Vereda La Esperanza Vs Colômbia par 249 395 Declaração de Ivo Herzog expediente de prova folhas 14036 a 14045 declaração de André Herzog expediente de prova folhas 14575 a 14583 declaração de Clarice Herzog durante a audiência e peritagem de Ana C Deutsch expediente de prova folhas 14183 a 14913 396 Declaração de Ivo Herzog expediente de prova folhas 14036 a 14045 declaração de André Herzog expediente de prova folhas 14575 a 14583 declaração de Clarice Herzog durante a audiência e peritagem de Ana C Deutsch expediente de prova folhas 14183 a 14913 91 VIII REPARAÇÕES Aplicação do artigo 631 da Convenção Americana 359 Com base no disposto no artigo 631 da Convenção Americana397 a Corte destacou que toda violação de uma obrigação internacional que tenha causado danos compreende o dever de reparálo adequadamente e que essa disposição abriga uma norma consuetudinária que constitui um dos princípios fundamentais do Direito Internacional contemporâneo sobre responsabilidade de um Estado398 360 A reparação do dano ocasionado pela infração de uma obrigação internacional exige sempre que possível a plena restituição restitutio in integrum que consiste no restabelecimento da situação anterior Caso isso não seja viável como ocorre na maioria dos casos de violações de direitos humanos o Tribunal determinará medidas para garantir os direitos violados e reparar as consequências que as infrações provocaram399 361 Este Tribunal estabeleceu que as reparações devem ter um nexo causal com os fatos do caso as violações declaradas e os danos comprovados bem como com as medidas solicitadas para reparar os danos respectivos Portanto a Corte deverá observar essa simultaneidade para pronunciarse devidamente e conforme o direito400 362 Em consideração às violações declaradas no capítulo anterior o Tribunal passará a analisar as pretensões apresentadas pela Comissão e pelos representantes das vítimas assim como os argumentos do Estado à luz dos critérios fixados na jurisprudência da Corte em relação à natureza e ao alcance da obrigação de reparar com o objetivo de dispor as medidas destinadas a reparar os danos ocasionados às vítimas401 A Parte Lesada 363 Este Tribunal reitera que se consideram partes lesadas nos termos do artigo 631 da Convenção as pessoas que tenham sido declaradas vítimas da violação de algum direito reconhecido nesse instrumento402 Portanto esta Corte considera como partes lesadas Clarice Herzog Ivo Herzog André Herzog e Zora Herzog que na qualidade de vítimas das violações declaradas no capítulo VII desta sentença serão consideradas beneficiárias das reparações que a Corte ordene a seguir B Obrigação de investigar 397 O artigo 631 da Convenção Americana estabelece que Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados Determinará também se isso for procedente que sejam reparadas as conseqüências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada 398 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Reparações e Custas par 25 e Caso Trabalhadores Demitidos da Petroperu e outros Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de novembro 2017 Série C No 344 par 194 399 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Reparações e Custas par 26 e Caso dos Trabalhadores Demitidos da Petroperu e outros Vs Peru par 195 400 Cf Caso Ticona Estrada e outros Vs Bolívia Mérito Reparações e Custas Sentença de 27 de novembro de 2008 Série C No 191 par 110 e Caso Lagos del Campo Vs Peru Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2017 Série C No 340 par 193 401 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Reparações e Custas par 25 a 27 e Caso dos Trabalhadores Demitidos da Petroperu e outros Vs Peru par 197 402 Cf Caso do Massacre de la Rochela Vs Colômbia Mérito Reparações e Custas Sentença de 11 de maio de 2007 Série C No 163 par 233 e Caso Andrade Salmón Vs Bolívia par 190 92 i Investigação dos fatos julgamento e caso seja pertinente punição dos responsáveis inaplicabilidade da Lei de Anistia e obstáculos à realização da justiça 364 A Comissão solicitou a determinação da responsabilidade criminal pela detenção arbitrária tortura e assassinato de Vladimir Herzog mediante uma investigação judicial completa e imparcial dos fatos nos termos do devido processo legal para identificar e punir os responsáveis por essas violações e a publicação dos resultados da investigação 365 A Comissão também recordou que o Estado deve considerar que os crimes de lesa humanidade não podem ser anistiados ou objeto de prescrição e que o Estado deve adotar todas as medidas necessárias para garantir que a Lei no 668379 Lei de Anistia e outras disposições de direito penal como a prescrição a coisa julgada e os princípios de irretroatividade e de ne bis in idem não continuem representando obstáculo para a persecução penal de graves violações de direitos humanos como as do presente caso 366 Os representantes solicitaram que o Estado realize uma investigação dos fatos com a finalidade de identificar os autores materiais e intelectuais e os cúmplices seu julgamento e punição adequada Os familiares das vítimas deverão ter pleno acesso e capacidade de atuar em todas as etapas processuais de acordo com a legislação interna e a Convenção Além disso os resultados da investigação deverão ser divulgados pública e amplamente para que a sociedade brasileira os conheça 367 Por outro lado os representantes solicitaram que a Corte determine a obrigação do Estado de garantir que a Lei de Anistia não continue sendo um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso bem como para a investigação persecução penal julgamento e punição de todos os responsáveis pelos crimes denunciados determinando que o Estado brasileiro exerça o controle de convencionalidade de suas decisões para reconhecer que a Lei de Anistia não tem efeitos jurídicos 368 Salientaram ademais que todo o aparato judicial e outras instituições do Estado devem estar vinculados às decisões da Corte com respeito à resolução de demandas pendentes sobre o alcance da Lei de Anistia para a persecução penal de graves violações de direitos humanos e de crimes contra a humanidade 369 Finalmente solicitaram que a Corte determine que o Estado não pode se apoiar em nenhuma disposição de direito interno nem em instrumentos jurídicos como a prescrição a coisa julgada os princípios de irretroatividade da lei penal e de non bis in idem ou em qualquer excludente de responsabilidade similar para eximirse de seu dever de investigar julgar ou punir os responsáveis por graves violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar brasileira 370 O Estado afirmou que essa reparação se refere a fatos ocorridos com Vladimir Herzog antes portanto da aceitação da competência da Corte por parte do Brasil de modo que o Tribunal não tem competência temporal para analisála Além disso o Estado afirmou que não foi a Lei de Anistia que impossibilitou a abertura das investigações de 2008 e que o processo anterior de 1993 não se encontra dentro da competência temporal da Corte Afirmou ainda ter sido demonstrado que a prescrição a coisa julgada e os princípios de irretroatividade da lei penal e de non bis in idem estão de acordo com a Convenção 371 A Corte recorda que no capítulo VII1 declarou a violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial devido à falta de investigação julgamento e punição dos responsáveis pelos fatos do presente caso Levando em conta o exposto bem como sua 93 jurisprudência este Tribunal dispõe que o Estado deve conduzir de maneira eficaz a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecêlos determinar as respectivas responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei disponha403 372 Em virtude do acima exposto assim como em outros casos já analisados404 e em atenção ao caráter de crime contra a humanidade da tortura e do assassinato de Vladimir Herzog e às consequências jurídicas decorrentes dessas condutas para o direito internacional par 230 a 232 supra a Corte dispõe que o Estado deve reiniciar com a devida diligência a investigação e o processo penal cabíveis pelos fatos ocorridos em 25 de outubro de 1975 para identificar processar e se for o caso punir os responsáveis pela tortura e assassinato de Vladimir Herzog num prazo razoável Em especial o Estado deverá a realizar as investigações pertinentes levando em conta o padrão de violações de direitos humanos existente na época par 238 a 240 supra com o objetivo de que o processo e as investigações pertinentes sejam conduzidos em consideração à complexidade desses fatos e ao contexto em que ocorreram b determinar os autores materiais e intelectuais da tortura e morte de Vladimir Herzog Além disso por se tratar de um crime contra a humanidade o Estado não poderá aplicar a Lei de Anistia em benefício dos autores assim como nenhuma outra disposição análoga prescrição coisa julgada ne bis in idem ou qualquer excludente similar de responsabilidade para escusarse dessa obrigação nos termos dos parágrafos 260 a 310 desta Sentença c assegurarse de que i as autoridades competentes realizem as investigações respectivas ex officio e que para esse efeito tenham a seu alcance e utilizem todos os recursos logísticos e científicos necessários para coletar e processar as provas e que em especial tenham a faculdade de acessar a documentação e as informações pertinentes para investigar os fatos denunciados e levar a cabo com presteza as ações e averiguações essenciais para esclarecer o sucedido à pessoa morta e aos desaparecidos do presente caso ii as pessoas que participem da investigação entre elas os familiares das vítimas as testemunhas e os operadores de justiça contem com as devidas garantias de segurança e iii as autoridades se abstenham de obstruir o processo investigativo d assegurar o pleno acesso e capacidade de agir das vítimas e seus familiares em todas as etapas dessas investigações de acordo com a legislação interna e as normas da Convenção Americana e e garantir que as investigações e processos pelos fatos do presente caso se mantenham em todo momento sob conhecimento da jurisdição ordinária 403 Cf Caso Velásquez Rodríguez Vs Honduras Mérito par 174 e Caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia Vs Brasil par 256 404 Entre outros cf Caso García Prieto e outros Vs El Salvador par 112 Caso Membros da Aldeia Chichupac e comunidades vizinhas do Município de Rabinal Vs Guatemala Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de novembro de 2016 Série C No 328 par 212 Caso Barrios Altos Vs Peru Mérito par 41 Caso Gelman Vs Uruguai par 225 a 226 Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil par 292 e Caso Favela Nova Brasília Vs Brasil Interpretação da Sentença de Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 5 de fevereiro de 2018 Série C No 345 par 28 94 C Medidas de não repetição i Imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade 373 A Comissão solicitou que o Estado considere que os crimes contra a humanidade ocorridos no presente caso como a tortura são imprescritíveis 374 Os representantes solicitaram que a Corte determine que o Estado adote as medidas legislativas necessárias para adequar o seu ordenamento jurídico às as normas internacionais de proteção à pessoa humana e que garanta a imprescritibilidade do crime de tortura 375 O Estado considerou inadequada e desnecessária a aprovação de uma lei já que essa só poderia dispor uma obrigação de meio e não de resultado Do mesmo modo a aprovação de projetos de lei depende de votação dos representantes democraticamente eleitos Além disso afirmou que tramita no Senado brasileiro um projeto de reforma do Código Penal brasileiro que estabelece que o crime de tortura é imprescritível não pode ser anistiado e tampouco admitiria pagamento de fiança Existe também um projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo que tipifica o delito de genocídio e define os crimes contra a humanidade os crimes de guerra e os crimes contra a administração da justiça do Tribunal Penal Internacional 376 Quanto à imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade a Corte concluiu no capítulo VII1 que a aplicação da figura da prescrição no presente caso representou uma violação do artigo 2 da Convenção Americana porquanto foi um elemento decisivo para manter a impunidade dos fatos verificados Do mesmo modo a Corte constatou o caráter imprescritível dos delitos contra a humanidade no direito internacional par 214 supra Além disso a Corte recorda que de acordo com sua jurisprudência constante405 os delitos que impliquem graves violações de direitos humanos e os crimes contra a humanidade não podem ser objeto de prescrição par 261 supra Por conseguinte Brasil não pode aplicar a prescrição e as demais excludentes de responsabilidade a este caso e a outros similares nos termos dos parágrafos 311 e 312 da presente Sentença Em virtude do exposto a Corte considera que o Brasil deve adotar as medidas mais idôneas conforme suas instituições para que se reconheça sem exceção a imprescritibilidade das ações resultantes de crimes contra a humanidade e internacionais em atenção à presente Sentença e às normas internacionais na matéria D Medidas de satisfação i Reconhecimento da responsabilidade internacional do Estado 377 A Comissão solicitou o reconhecimento de responsabilidade estatal pela detenção arbitrária tortura e assassinato de Vladimir Herzog e pela dor de seus familiares 378 Os representantes solicitaram que o Estado brasileiro realize um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional e pedido oficial de perdão das Forças Armadas pela detenção arbitrária tortura e assassinato de Vladimir Herzog A responsabilidade deve ser reconhecida por ação e omissão em especial pela denegação de justiça Consideraram que devem participar do ato altos representantes dos Poderes 405 Ver entre outros Caso Barrios Altos Vs Peru Mérito par 41 Caso Trujillo Oroza Vs Bolívia Reparações e Custas Sentença de 27 de fevereiro de 2002 Série C No 92 par 106 Caso Almonacid Arellano e outros Vs Chile par 112 e Caso Albán Cornejo e outros Vs Equador Mérito Reparações e Custas par 111 95 Públicos e das Forças Armadas e também que seja elaborado e organizado com a participação das vítimas 379 O Estado afirmou que sua responsabilidade pela detenção arbitrária tortura e morte de Vladimir Herzog foi declarada pelo Estado por meio da entrega do atestado de óbito durante uma cerimônia da Caravana da Anistia em 2013 Argumentou que a solicitação de pedido de perdão por parte das Forças Armadas não é possível porque se refere a fatos anteriores a 1998 e que portanto antecedem o reconhecimento de competência por parte do Estado 380 A Corte julga necessário que o Estado realize um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional pelos fatos do presente caso em desagravo à memória de Vladimir Herzog e à falta de investigação julgamento e punição dos responsáveis por sua tortura e morte Nesse ato deverá ser feita referência às violações de direitos humanos declaradas na presente Sentença Do mesmo modo deverá ser levado a cabo mediante uma cerimônia pública na presença de altos funcionários do Estado das Forças Armadas e das vítimas O Estado e as vítimas eou seus representantes deverão acordar a modalidade de cumprimento do ato público de reconhecimento além das particularidades que sejam necessárias tais como o lugar e a data de sua realização406 ii Publicação da sentença 381 Os representantes solicitaram que o Estado proceda à publicação das partes da sentença que se refiram aos fatos provados à análise das violações à Convenção Americana e a parte dispositiva em dois jornais de circulação nacional 382 O Estado reconheceu a relevância da publicação das sentenças da Corte e mencionou que mantêm na página eletrônica da Secretaria Especial de Direitos Humanos as sentenças proferidas nos casos Sétimo Garibaldi e Gomes Lund e outros O Estado se comprometeu a divulgar a presente Sentença nos mesmos termos dos casos mencionados Com relação à publicação em jornais de circulação nacional o Estado salientou o alto custo dessas publicações e propôs que em lugar de publicar a Sentença em jornais de circulação nacional se ordene sua publicação em páginas eletrônicas oficiais e sua divulgação nas redes sociais de órgãos governamentais Com essa proposta o Estado considerou que poderia alcançar ampla repercussão pública da Sentença 383 A Corte dispõe como o fez em outros casos407 que o Estado publique no prazo de seis meses contado a partir da notificação da presente Sentença a a Sentença integral uma só vez no Diário Oficial em corpo de letra legível e adequado b o resumo oficial da presente Sentença elaborado pela Corte uma só vez em jornal de grande circulação em âmbito nacional em corpo de letra legível e adequado e c a totalidade da presente Sentença e seu Resumo por um período de pelo menos um ano nas páginas eletrônicas oficiais da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Cidadania e do Exército brasileiro de maneira acessível ao público e sua divulgação nas redes sociais da seguinte maneira as contas das redes sociais Twitter e Facebook da Secretaria Especial de Direitos Humanos e do Exército devem promover a página eletrônica onde figure a Sentença e seu Resumo por meio de um post semanal pelo prazo de um ano 406 Cf Caso Radilla Pacheco Vs México Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 23 de novembro de 2009 Série C No 209 par 353 e Caso IV Vs Bolívia Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 30 de novembro de 2016 Série C No 329 par 336 407 Cf Caso Cantoral Benavides Vs Peru Reparações e Custas par 79 e Caso dos Trabalhadores Demitidos da Petroperu e outros Vs Peru par 211 96 384 O Estado deverá informar a esta Corte de forma imediata tão logo tenha providenciado cada uma das publicações dispostas nos incisos a e b do parágrafo 383 independentemente do prazo de um ano para apresentar o primeiro relatório a que se refere o ponto resolutivo 10 desta Sentença Do mesmo modo no relatório estabelecido no ponto resolutivo 13 o Estado deverá apresentar prova de todos os posts semanais em redes sociais ordenados no inciso c do parágrafo 383 da Sentença E Outras medidas de reparação solicitadas pelos representantes 385 Os representantes solicitaram que se ordene ao Estado i fortalecer as medidas de proteção para pessoas sob a tutela estatal garantir a efetiva implementação do Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura bem como a transparência e a independência do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura ii a autonomia de peritos forenses e a elaboração de um protocolo nacional de devida diligência para combater a tortura iii conceder um terreno na cidade de São Paulo para a construção de um Museu iv fortalecer o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos PPDDH para que se consolide como uma política pública efetiva de proteção aos defensores de direitos humanos e contemple também comunicadores v garantir que todas as instituições e autoridades estatais sejam obrigadas a cooperar com a prestação de informação e o pleno acesso a todos os arquivos e registros que possam conter dados sobre crimes pessoas envolvidas e vítimas e que inicie procedimentos administrativos e investigativos que permitam recuperar documentação extraviada ou destruída e determinar os culpados 386 O Estado afirmou que i os crimes de tortura não são objeto do presente caso e apresentou seu marco normativo as políticas públicas atuais e as ações para prevenir e combater a tortura outros tratamentos ou penas cruéis desumanas ou degradantes no Brasil ii o pedido não é juridicamente possível já que o Governo Federal não pode obrigar os estados federados a editar lei estadual Afirmou também que a criação de uma carreira autônoma já foi objeto de iniciativas nos estados federados iii desenvolveu políticas de memória e verdade iv o PPDDH segue critérios e metodologia próprios que atende também aos casos de comunicadores além disso afirmou que o pedido de fortalecimento é genérico e não permite eventual cumprimento uma vez que o Programa é efetivo na atualidade e v as alegações de denegação de acesso e de reconstrução dos documentos são genéricas 387 Em relação ao exposto a Corte considera que o Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura já foi implementado e valoriza as iniciativas do Brasil no sentido de preservar o direito à memória de Vladimir Herzog razão pela qual julga que não cabe editar medidas de reparação adicionais a esse respeito Do mesmo modo a autonomia de peritos forenses e a elaboração ou implementação de um protocolo nacional de devida diligência para combater a tortura não foram objeto do presente caso de maneira que a Corte considera essa solicitação improcedente No que se refere às demais medidas de reparação solicitadas a Corte avalia que não foram objeto do presente caso de maneira que as considera improcedentes F Indenização compensatória i Danos materiais 388 A Comissão solicitou o pagamento de indenização por danos materiais e imateriais às vítimas do caso 389 Os representantes solicitaram o pagamento de US493669126 aos familiares do 97 senhor Vladimir Herzog a título de lucro cessante com base em que Vladimir recebia na época um salário de Cr 1587000 o que equivaleria hoje a aproximadamente R 3644600 mensais e em que a expectativa de vida para um homem no Brasil hoje é de 71 anos Solicitaram também que a Corte fixe de maneira justa o valor de danos emergentes em benefício dos familiares 390 O Estado afirmou que primeiramente as violações sofridas por Vladimir Herzog estão fora da competência temporal da Corte o que impede a fixação de reparações em consequência desses fatos Além disso alegou que o valor final pago às vítimas previsto na Lei 914095 já foi considerado adequado no caso Gomes Lund e outros Portanto solicitou que a Corte recuse o pedido de indenização por danos materiais 391 A Corte recorda que o senhor Vladimir Herzog não é vítima no presente caso de modo que não existe nexo causal entre a solicitação do pagamento de indenização por lucro cessante e o objeto do presente caso 392 Quanto ao dano emergente os representantes não apresentaram provas acerca de despesas realizadas No entanto em virtude da busca de justiça é natural que os familiares do senhor Vladimir Herzog tenham enfrentado despesas decorrentes das numerosas gestões realizadas por eles para o atendimento do caso perante os tribunais nacionais e as instâncias internacionais durante 20 anos Por esse motivo a Corte julga pertinente fixar de maneira justa uma compensação no montante de US2000000 vinte mil dólares dos Estados Unidos da América a título de dano emergente os quais deverão ser entregues diretamente à senhora Clarice Herzog em representação de todas as vítimas do presente caso ii Danos imateriais 393 A Comissão solicitou o pagamento de indenização por danos materiais e imateriais às vítimas do caso 394 Os representantes solicitaram o pagamento de US4000000 a cada uma das vítimas como indenização por danos morais pela omissão do Estado em seu dever de garantir a integridade e a liberdade de expressão de Vladimir Herzog bem como pela denegação de justiça verdade e reparação contra seus familiares 395 O Estado reiterou suas alegações a respeito do dano material e solicitou que a Corte rechace o pedido de pagamento por danos imateriais 396 A Corte recorda que as violações sofridas por Vladimir Herzog estão fora da competência temporal da Corte razão pela qual a Corte considera improcedente essa solicitação Não obstante a Corte desenvolveu em sua jurisprudência o conceito de dano imaterial e estabeleceu que esse dano pode compreender tanto os sofrimentos e as aflições causados à vítima direta e a seus familiares e o desrespeito de valores muito significativos para as pessoas como as alterações de caráter não pecuniário nas condições de vida da vítima ou de sua família408 Considerando as circunstâncias do presente caso as violações cometidas os sofrimentos ocasionados e experimentados em diferentes graus o tempo transcorrido a denegação de justiça os comprovados danos à integridade pessoal e as demais consequências de ordem imaterial que sofreram o Tribunal passa a fixar de maneira justa as indenizações por dano imaterial em benefício das vítimas as quais 408 Caso das Crianças de Rua Villagrán Morales e outros Vs Guatemala Reparações e Custas par 84 e Caso Furlan e familiares Vs Argentina Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 31 de agosto de 2012 Série C No 246 par 319 98 deverão ser pagas diretamente a cada uma delas 397 A Corte considera que as vítimas do presente caso se viram afetadas pela denegação de justiça e verdade o que se traduziu na vivência de grandes sofrimentos que repercutiram em sua dinâmica familiar Por conseguinte a Corte fixa de maneira justa a soma de US 4000000 quarenta mil dólares dos Estados Unidos da América para cada uma a título de dano imaterial em favor de Clarice André Ivo e Zora Herzog A respeito de Zora Herzog considerando que faleceu em 2006 o montante determinado no presente parágrafo deverá ser pago diretamente a seus sucessores G Custas e Gastos 398 Os representantes solicitaram o pagamento das despesas em que incorreram na tramitação do presente processo da apresentação da petição à Comissão às diligências levadas a cabo perante a Corte 399 Os gastos e custas do CEJIL alcançaram a quantia de US16123750 Os representantes dividiram essa soma da seguinte maneira i US1424113 referentes a despesas com reuniões e viagens ii US19011 destinados a gastos de correio e fotocópias iii US97730 despendidos em material de pesquisa e papelaria iv US14523962 relativos a salários e v US58934 gastos em cartório e traduções 400 O Estado solicitou que caso não se declare sua responsabilidade internacional não seja condenado a pagar nenhum montante a título de gastos e custas Além disso caso seja condenado a pagar custas e gastos o Estado salientou que devem ser montantes razoáveis e devidamente comprovados que tenham relação direta com o caso concreto Em especial o Brasil considerou que os gastos com salários de advogados não atendem a esses requisitos pois se trata de simples estimativas impossíveis de serem corroboradas 401 A Corte reitera que conforme sua jurisprudência as custas e gastos fazem parte do conceito de reparação uma vez que as atividades realizadas pelas vítimas com a finalidade de obter justiça em âmbito tanto nacional como internacional implicam despesas que devem ser compensadas quando a responsabilidade internacional do Estado é declarada mediante uma sentença condenatória Quanto ao reembolso de gastos cabe à Corte apreciar prudentemente seu alcance o qual compreende os gastos gerados perante as autoridades da jurisdição interna bem como os gerados no curso do processo perante o Sistema Interamericano levando em conta as circunstâncias do caso concreto e a natureza da jurisdição internacional de proteção dos direitos humanos Essa apreciação pode ser realizada com base no princípio de equidade e levando em conta os gastos mencionados pelas partes desde que seu quantum seja razoável409 Conforme afirmou em outras ocasiões a Corte recorda que não é suficiente o envio de documentos probatórios mas que se exige que as partes desenvolvam uma argumentação que relacione a prova ao fato que se considera representado e que ao se tratar de alegados desembolsos econômicos se estabeleçam com clareza os objetos de despesa e sua justificação410 402 Da análise dos antecedentes apresentados a Corte conclui que alguns montantes solicitados se encontram justificados e comprovados Não obstante alguns comprovantes se referem de maneira geral a gastos de material de escritório de compra de produtos ou de salários de advogados sem que se determine sua relação com o caso e sem que se detalhe 409 Cf Caso Garrido e Baigorria Vs Argentina Reparações e Custas Sentença de 27 de agosto de 1998 Série C No 39 par 82 Caso Andrade Salmón Vs Bolívia par 210 410 Cf Caso Chaparro Álvarez e Lapo Íñiguez Vs Equador Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 21 de novembro de 2007 Série C No 170 par 277 e Caso Andrade Salmón Vs Bolívia par 211 99 o percentual específico que cabe aos gastos do presente caso Esses montantes foram equitativamente deduzidos do cálculo estabelecido por este Tribunal Além disso serão reduzidos da apreciação realizada pela Corte os gastos cujo quantum não seja razoável411 403 Por outro lado a Corte considera que a rubrica referente aos honorários e gastos de viagem de funcionários da organização peticionária não foram justificados de maneira razoável pois se limitam a indicar o percentual supostamente dedicado ao caso ou a reuniões sobre casos de dívida histórica sem detalhar ou justificar com exatidão a relação específica com o Caso Herzog Por conseguinte a Corte determina de maneira justa que o Estado deve pagar a soma de US2500000 vinte e cinco mil dólares dos Estados Unidos da América ao CEJIL a título de custas e gastos 404 Na etapa de supervisão de cumprimento da presente Sentença a Corte poderá dispor o reembolso por parte do Estado às vítimas ou a seus representantes de gastos posteriores razoáveis e devidamente comprovados412 H Reembolso dos gastos ao Fundo de Assistência Jurídica 405 Os representantes das vítimas solicitaram o apoio do Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas da Corte para financiar a participação no processo das pessoas que esta Corte convocasse para depor Nesse sentido solicitaram que fossem pagos os gastos de transporte aéreo hospedagem alimentação e serviços notariais para o depoimento de supostas vítimas peritos e testemunhas Mediante Resolução do Presidente de 23 de fevereiro de 2017 declarouse procedente a solicitação interposta pelas supostas vítimas por meio de seus representantes para recorrer ao Fundo de Assistência Jurídica da Corte e se autorizou conceder a assistência econômica necessária à apresentação de cinco depoimentos seja em audiência seja mediante affidavit 406 Em 6 de novembro de 2017 foi enviado ao Estado um relatório de despesas segundo o disposto no artigo 5 do Regulamento da Corte sobre o funcionamento do referido Fundo O Estado teve a oportunidade de apresentar suas observações sobre as despesas realizadas as quais chegaram à soma de US426095 O Estado apresentou suas observações em 30 de novembro de 2017 407 O Estado fez objeção à rubrica referente ao traslado aéreo à cidade de San José Costa Rica do perito Sérgio Gardenghi Suiama O Brasil observou que os trechos aéreos financiados para a participação do perito na audiência foram MadridSan José em 19 de maio de 2017 e San JoséBogotáRio de Janeiro em 25 de maio de 2017 e solicitou informação sobre os motivos que embasaram a escolha dos mencionados trechos aéreos a fim de dirimir qualquer tipo de dúvida sobre a compatibilidade dos gastos com os princípios do artigo 37 da Constituição do Brasil 408 A esse respeito a Corte observa que em 28 de abril de 2017 os representantes das vítimas informaram que em virtude de compromissos previamente assumidos pelo senhor Sérgio Suiama o perito teve de sair de Madri Espanha em 19 de maio de 2017 para participar da audiência pública convocada para o dia 24 de maio de 2017 razão pela qual os representantes solicitaram a este Tribunal a compra da passagem aérea para a data mencionada levando em consideração que o Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas se encarregaria das diárias unicamente para os dias 22 a 25 de maio conforme o estipulado 411 Cfr Caso J Vs Peru Exceção Preliminar Mérito Reparações e Custas Sentença de 27 de novembro de 2013 Série C No 275 par 422 Caso Lopez Lone Vs Honduras par 333 412 Cfr Caso Comunidade Indígena Xákmok Kásek Vs Paraguai Mérito Reparações e Custas Sentença de 24 de agosto de 2010 Série C No 214 par 331 e Caso Andrade Salmón Vs Bolívia par 213 100 anteriormente A esse respeito a Corte corroborou que a mudança do trecho aéreo não representaria uma diferença significativa em prejuízo do Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas e autorizou essa despesa A Corte considera que a justificação dos representantes e do perito Suiama foi razoável e que o exposto representou um gasto razoável e adequado para o Fundo 409 Portanto em razão das violações declaradas na presente Sentença e em vista do cumprimento dos requisitos para recorrer ao Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas a Corte ordena ao Estado o reembolso a esse Fundo do montante de US426095 quatro mil duzentos e sessenta dólares dos Estados Unidos da América e noventa e cinco centavos pelos gastos efetuados para o comparecimento de uma vítima uma testemunha e um perito à audiência pública do presente caso Esse montante deverá ser reembolsado no prazo de seis meses contado a partir da notificação da presente Sentença I Modalidade de cumprimento dos pagamentos ordenados 410 O Estado deverá efetuar o pagamento das indenizações a título de dano emergente dano imaterial assim como o reembolso das custas e gastos estabelecidos na presente Sentença diretamente às pessoas e organizações nela indicadas nos prazos dispostos nos parágrafos 392 397 403 e 409 contados a partir da notificação da presente Sentença nos termos dos parágrafos seguintes 411 Caso algum dos beneficiários tenha falecido ou venha a falecer antes que lhe seja entregue a indenização respectiva esta será paga diretamente a seus sucessores conforme o direito interno aplicável 412 O Estado deve cumprir suas obrigações monetárias mediante o pagamento em dólares dos Estados Unidos da América ou seu equivalente em moeda brasileira utilizando para o cálculo respectivo o tipo de câmbio que se encontre vigente na bolsa de Nova York Estados Unidos da América no dia anterior ao do pagamento 413 Caso por razões atribuíveis a algum dos beneficiários das indenizações ou a seus sucessores não seja possível o pagamento do todo ou de parte dos montantes determinados no prazo indicado o Estado consignará esses montantes a seu favor em uma conta ou certificado de depósito em instituição financeira brasileira solvente em dólares dos Estados Unidos da América Caso o pagamento não possa ser realizado nessa moeda deverá ser realizado em moeda brasileira utilizando para sua conversão o tipo de câmbio vigente na bolsa de Nova York Estados Unidos da América no dia anterior ao do pagamento e nas condições financeiras mais favoráveis que permitam a legislação e a prática bancária do Estado Caso não se reclame a indenização respectiva uma vez transcorridos 10 anos os montantes serão devolvidos ao Estado com os juros percebidos 414 Os montantes designados na presente Sentença como indenização por dano emergente dano imaterial e reembolso de custas e gastos deverão ser entregues de forma integral às pessoas e organizações indicadas conforme o estabelecido nesta Sentença sem reduções decorrentes de eventuais ônus fiscais 415 Caso o Estado incorra em mora deverá pagar juros sobre o montante devido já convertido em reais brasileiros correspondentes ao juro bancário moratório na República Federativa do Brasil 101 IX PONTOS RESOLUTIVOS 416 Portanto A CORTE DECIDE Por unanimidade 1 Declarar improcedentes as exceções preliminares interpostas pelo Estado relativas à inadmissibilidade do caso na Corte por incompetência ratione materiae quanto a supostas violações da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura à falta de esgotamento prévio de recursos internos ao descumprimento do prazo para a apresentação da petição à Comissão à incompetência ratione materiae para revisar decisões internas à publicação do Relatório de Mérito pela Comissão e à incompetência ratione materiae para analisar fatos diferentes daqueles submetidos pela Comissão nos termos dos parágrafos 36 a 38 49 a 53 66 a 71 80 a 83 88 97 e 98 da presente Sentença 2 Declarar parcialmente procedentes as exceções preliminares interpostas pelo Estado relativas à incompetência ratione temporis a respeito de fatos anteriores à adesão à Convenção Americana fatos anteriores à data de reconhecimento da jurisdição da Corte por parte do Estado e fatos anteriores à entrada em vigor da CIPST para o Estado brasileiro nos termos dos parágrafos 27 a 30 da presente Sentença DECLARA Por unanimidade que 3 O Estado é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 81 e 251 da Convenção Americana em relação aos artigos 11 e 2 do mesmo instrumento e em relação aos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura em prejuízo de Zora Clarice André e Ivo Herzog pela falta de investigação bem como do julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e pelo assassinato de Vladimir Herzog cometidos em um contexto sistemático e generalizado de ataques à população civil bem como pela aplicação da Lei de Anistia No 668379 e de outras excludentes de responsabilidade proibidas pelo Direito Internacional em casos de crimes contra a humanidade nos termos dos parágrafos 208 a 312 da presente Sentença Por unanimidade que 4 O Estado é responsável pela violação do direito de conhecer a verdade de Zora Herzog Clarice Herzog Ivo Herzog e André Herzog em virtude de não haver esclarecido judicialmente os fatos violatórios do presente caso e não ter apurado as responsabilidades individuais respectivas em relação à tortura e assassinato de Vladimir Herzog por meio da investigação e do julgamento desses fatos na jurisdição ordinária em conformidade com os artigos 8 e 25 da Convenção Americana em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento nos termos dos parágrafos 328 a 339 da presente Sentença Por unanimidade que 102 5 O Estado é responsável pela violação do direito à integridade pessoal previsto no artigo 51 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação ao artigo 11 do mesmo instrumento em prejuízo de Zora Herzog Clarice Herzog Ivo Herzog e André Herzog nos termos dos parágrafos 351 a 358 da presente Sentença E DISPÕE Por unanimidade que 6 Esta Sentença constitui por si mesma uma forma de reparação 7 O Estado deve reiniciar com a devida diligência a investigação e o processo penal cabíveis pelos fatos ocorridos em 25 de outubro de 1975 para identificar processar e caso seja pertinente punir os responsáveis pela tortura e morte de Vladimir Herzog em atenção ao caráter de crime contra a humanidade desses fatos e às respectivas consequências jurídicas para o Direito Internacional nos termos dos parágrafos 371 e 372 da presente Sentença Em especial o Estado deverá observar as normas e requisitos estabelecidos no parágrafo 372 da presente Sentença 8 O Estado deve adotar as medidas mais idôneas conforme suas instituições para que se reconheça sem exceção a imprescritibilidade das ações emergentes de crimes contra a humanidade e internacionais em atenção à presente Sentença e às normas internacionais na matéria em conformidade com o disposto na presente Sentença nos termos do parágrafo 376 9 O Estado deve realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional pelos fatos do presente caso em desagravo à memória de Vladimir Herzog e à falta de investigação julgamento e punição dos responsáveis por sua tortura e morte Esse ato deverá ser realizado de acordo com o disposto no parágrafo 380 da presente Sentença 10 O Estado deve providenciar as publicações estabelecidas no parágrafo 383 da Sentença nos termos nele dispostos 11 O Estado deve pagar os montantes fixados nos parágrafos 392 397 e 403 da presente Sentença a título de danos materiais e imateriais e de reembolso de custas e gastos nos termos dos parágrafos 410 a 415 da presente Sentença 12 O Estado deve reembolsar ao Fundo de Assistência Jurídica a Vítimas da Corte Interamericana de Direitos Humanos a quantia despendida durante a tramitação do presente caso nos termos do parágrafo 409 desta Sentença 13 O Estado deve no prazo de um ano contado a partir da notificação desta Sentença apresentar ao Tribunal um relatório sobre as medidas adotadas para seu cumprimento 14 A Corte supervisionará o cumprimento integral desta Sentença no exercício de suas atribuições e no cumprimento de seus deveres conforme a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e dará por concluído o presente caso uma vez tenha o Estado cumprido cabalmente o que nela se dispõe 103 Corte IDH Caso Herzog e outros Vs Brasil Exceções Preliminares Mérito Reparações e Custas Sentença de 15 de março de 2018 da Corte Interamericana de Direitos Humanos Eduardo Ferrer MacGregor Poisot Presidente Eduardo Vio Grossi Humberto A Sierra Porto Elizabeth Odio Benito Eugenio Raúl Zaffaroni L Patricio Pazmiño Freire Pablo Saavedra Alessandri Secretário Comuniquese e executese Eduardo Ferrer MacGregor Poisot Presidente Pablo Saavedra Alessandri Secretário