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Direito ·
Sociologia do Direito
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ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 44 FIGUEIREDO Maria Flávia FERREIRA Luiz Antonio A perspectiva retórica da argumentação etapas do processo argumentativo e partes do discurso ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 wwwrevelinfbr A PERSPECTIVA RETÓRICA DA ARGUMENTAÇÃO ETAPAS DO PROCESSO ARGUMENTATIVO E PARTES DO DISCURSO Maria Flávia Figueiredo1 Luiz Antonio Ferreira2 mariaflaviafigueiredoyahoocombr luizanferreiraterracombr RESUMO Para Aristóteles a retórica era entendida como a capacidade de descobrir em cada caso o que é adequado à persuasão Dentre os aspectos tratados por ele em sua sistematização dos estudos retóricos selecionamos para compor este artigo a organização do discurso retórico tanto no que se refere às etapas do processo argumentativo quanto às partes do discurso Esse recorte da teoria se deu em função de acreditarmos ser essa uma subdivisão relevante tanto para a compreensão do processo de criação e elaboração do discurso como para a análise e interpretação dos aspectos argumentativos de textos em geral Para elucidar os dois tópicos selecionados partiremos dos alicerces sistematizados por Aristóteles na retórica clássica para em seguida trilharmos os caminhos de seus sucessores e chegar aos postulados da nova retórica na atualidade Para isso lançaremos mão das contribuições de Meyer 1998 Reboul 2004 Abreu 2008 Ferreira 2010 Perelman 1993 e Perelman e OlbrechtsTyteca 2005 Por meio desses autores buscaremos elucidar a distinção entre etapas do processo argumentativo e partes do discurso por acreditarmos ser este um tema relevante para aqueles que se dispõem a analisar diferentes textos pelo viés dos estudos retóricos bem como para aqueles que visam contar com as contribuições desse campo de estudos para produzir textos mais persuasivos Palavraschave retórica etapas do processo argumentativo partes do discurso leitura e produção de textos 1 Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESPAraraquara Docente Permanente do Programa de Mestrado em Linguística da Universidade de Franca UNIFRAN Líder do Grupo PARE Pesquisa em Argumentação e Retórica 2 Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo USP com pósdoutorado em Letras Clássicas e Vernáculas na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP Professor Titular do Departamento de Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica PUCSP Líder do Grupo ERA Estudos Retóricos e Argumentativos ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 45 INTRODUÇÃO O filósofo grego Aristóteles que viveu nos anos de 384322 aC logrou formalizar por meio de uma obra que passou a ser referência para os estudos futuros as bases de uma disciplina que se tornaria o pilar dos estudos do discurso a Retórica Ele o fez por meio da redação da Techne Rhetorike obra que nas traduções portuguesas recebeu a alcunha de Arte Retórica ou somente Retórica Esse valioso compêndio sistematizador das ideias retóricas propagadas na antiguidade versa sobre três campos uma teoria da argumentação uma teoria da elocução e uma teoria da composição do discurso cf Ricoeur 2005 1718 A obra se divide pois em três partes provas ou meios de persuasão prova lógica Livro I provas ou meios de persuasão emoção e caráter Livro II e estilo e composição do discurso Livro III Para o mestre de Estagira a retórica era entendida como a capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir Aristóteles 2015 62 Para ele esse campo do saber se apresentava como uma arte única tão somente pelo fato de ter a faculdade de descobrir os meios de persuasão sobre qualquer questão dada Aristóteles 2015 62 Dentre os aspectos tratados por Aristóteles selecionamos para compor este artigo a organização do discurso retórico tanto no que se refere às etapas do processo argumentativo quanto às partes do discurso Esse recorte da teoria retórica se deu em função de acreditarmos ser essa uma subdivisão relevante tanto para a compreensão do processo de criação e elaboração do discurso como para a análise e interpretação dos aspectos argumentativos de textos em geral Para elucidar os dois tópicos selecionados partiremos dos alicerces sistematizados por Aristóteles na retórica clássica para em seguida trilharmos os caminhos de seus sucessores e chegar aos postulados da nova retórica na atualidade Para isso lançaremos mão das contribuições de Meyer 1998 Reboul 2004 Abreu 2008 Ferreira 2010 Perelman 1993 e Perelman e OlbrechtsTyteca 2005 ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 46 1 ETAPAS DO PROCESSO ARGUMENTATIVO Segundo a tradição da Grécia antiga a retórica é decomposta em quatro etapas que como afirma Reboul 2004 44 representam as quatro fases pelas quais passa quem compõe um discurso ou pelas quais acreditase que passe Dessa forma um processo argumentativo completo deveria ser desenvolvido em quatro etapas invenção disposição elocução ação Sumariamente essas quatro etapas consistem em compreender o assunto e reunir todos os argumentos pertinentes invenção pôlos em ordem disposição redigir o discurso da melhor forma possível elocução proferilo ação Essas quatro etapas podem ser entendidas como quatro tarefas erga a serem cumpridas pelo orador Se ele assim o fizer seu discurso incorrerá em menos risco de se tornar vazio desordenado ou mal escrito cf Reboul 2004 44 De acordo com os gregos o orador que tivesse o propósito de construir um discurso persuasivo deveria passar por essas quatro fases ou pelo menos buscar cumprir as tarefas que cada uma delas representa Em nossos dias porém como nos lembra Ferreira 2010 110 o discurso não se constrói por formas rígidas e até mecânicas como apregoavam os antigos Mas é interessante observar que de acordo com o auditório e o gênero escolhido as etapas constitutivas aparecem menos ou mais nitidamente em cada texto Perscrutemos mais detidamente cada uma das etapas do processo comunicativo 11 A INVENÇÃO A palavra invenção inventio3 em latim e heurésis em grego originase do termo latino inventio que se vincula ao verbo invenire descobrir achar encontrar 3 pronúncia eclesiástica italiana ou pronúncia reconstituída do latim clássico ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 47 Por essa razão na retórica é utilizada para se referir ao momento da busca das provas que sustentarão o discurso Assim a invenção consiste na busca que empreende o orador de todos os argumentos e de outros meios de persuasão relativos ao tema de seu discurso Reboul 2004 44 É a busca dos argumentos que contribuirão para a defesa da tese Essa tarefa também implica procurar pontos de vista diferentes daqueles estabelecidos pelo senso comum cf Abreu 2008 64 Em função de sua dupla articulação Reboul advoga Na realidade a própria noção de invenção pode parecernos muito ambígua De fato ela se situa entre dois polos opostos Por um lado é o inventário a detecção pelo orador de todos os argumentos ou procedimentos retóricos disponíveis Por outro é a invenção no sentido moderno a criação de argumentos e de instrumentos de prova Reboul 2004 54 Para que o orador consiga reunir todos os argumentos plausíveis para a elaboração do discurso é necessário que ele conheça bem o assunto É nesse momento que ele se interrogará sobre o auditório e buscará se identificar com ele para poder estabelecer acordos e encurtar distâncias em relação ao tema que irá propor A esse respeito Ferreira 2010 63 nos adverte a invenção pode ser invisível para o auditório mas é sensível para o analista pois se traduz na disposição na elocução e na ação Ferreira 2010 634 Vejamos então a que se refere a segunda etapa do processo persuasivo 12 A DISPOSIÇÃO A segunda etapa do processo persuasivo denominase disposição dispositio5 em latim e taxis em grego No latim o termo dispositio referese à ordenação e na retórica aplicase à ordenação dos argumentos levantados durante a etapa da invenção Daí resultará a organização interna do discurso isto é seu plano 4 O discurso retórico possui quatro pilares correspondentes às etapas de organização do discurso invenção disposição elocução e ação Na verdade inventio e dispositio fundemse são processos operacionais criados simultaneamente e as diversas partes do discurso exercem influência sobre cada uma delas Didaticamente estudamos separadamente a inventio mas nosso olhar só pode perscrutá la a partir da dispositio e da elocutio Ferreira 2010 109 5 pronúncia eclesiásticapronúncia reconstituída ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 48 Ferreira 2010 110 advoga que a disposição é a etapa em que são organizados e distribuídos os argumentos de maneira racional e plausível no texto em busca de uma solução para um problema em tela Enquanto na invenção o orador junta as provas na disposição ele as coloca no texto em ordem lógica ou psicológica de modo a atingir o objetivo de persuadir Como reforça Perelman 1993 159 a ordem de apresentação dos argumentos modifica as condições da sua aceitação Portanto quando se trata de argumentar tendo em vista a obtenção da adesão de um auditório a ordem é de extrema importância Para Reboul 2004 44 a disposição em si é um lugar ou seja um plano tipo ao qual se recorre para construir o discurso Seguindo essa linha de raciocínio o autor apresenta três razões que justificam a necessidade dessa etapa na construção do processo argumentativo A disposição tem primeiramente uma função econômica permite nada omitir sem nada repartir em suma possibilita que o orador se ache a cada momento do discurso Depois quaisquer que sejam os argumentos que organize a disposição é em si mesma um argumento Graças a ela o orador faz o auditório encaminharse pelas vias e pelas etapas que escolheu conduzindoo assim para o objetivo que propôs Finalmente a disposição tem função heurística por permitir interrogarse metodicamente Pois em suma o que é fazer um plano É formularse uma série de perguntas distintas constituindo cada uma delas uma parte ou uma subparte Saber fazer um plano é saber fazerse perguntas e tratálas uma após outra agindo de tal modo que cada uma delas nasça da resposta precedente Reboul 2004 60 grifos nossos A primeira das três funções da disposição apontadas por Reboul 2004 a função econômica nos remete ao que nos dias atuais denominamos macroestrutura textual Por meio dela fica patente que o orador deve organizar seu discurso de modo a atingir suas intenções persuasivas e assim dar ao texto uma coerência global Conforme Ferreira 2010 110 a coerência global do discurso retórico se dá por meio das unidades temáticas organizadas para ressaltar a estrutura profunda do texto De acordo com Wayhs 2011 4 o lugar de um argumento deverá ser determinado a partir de sua finalidade e do meio mais eficaz de alcançála Abreu 2008 65 nos recorda que Aristóteles acreditava que o argumento fraco deveria preceder o forte porém a tradição retórica recomenda que um texto seja sempre iniciado com um argumento forte Além disso se tivermos argumentos fracos eles podem ficar intercalados entre dois fortes Dessa maneira o argumento ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 49 final também será forte Essa ordem de argumentos recebeu na retórica clássica a alcunha de ordem nestoriana6 Além da ordem nestoriana Perelman 1993 151 ao refletir sobre a força dos argumentos e sua relação com a ordem em que estão dispostos dentro do texto enumera mais duas formas possíveis Assim para o autor as três principais formas de ordenação dos argumentos são a ordem da força crescente em que se começa pelo argumento mais fraco a ordem da força decrescente em que se inicia pelo argumento mais forte e a ordem nestoriana Como veremos a seguir as três ordens apresentam vantagens e desvantagens Na ordem crescente o fato de se começar pelos argumentos mais fracos pode instalar uma certa letargia no auditório que não fixa o que foi lido primeiro na sequência de argumentos Na ordem decrescente ao terminar o discurso com os argumentos mais fracos o orador deixa no auditório uma impressão igualmente fraca no sentido de de forma oposta à ordem crescente que todos os argumentos oferecidos anteriormente ao último e de mais força sejam ignorados A ordem nestoriana um meiotermo entre as outras duas ordens não apresenta nenhum desses dois inconvenientes na medida em que começa e acaba com argumentos fortes mas tem contra si o fato de pressupor a força dos argumentos como uma grandeza imutável não levando em consideração que a força de um argumento varia sempre em função do auditório e que este por sua vez também muda com o desenrolar do próprio discurso Wahys 2011 45 Levando todos esses aspectos em consideração o importante é não perder de vista que cada argumento deve ser utilizado no momento em que possa exercer maior efeito sobre o auditório Neste item vimos portanto que a disposição trata da complexa e relevante ordenação dos argumentos dentro do discurso 6 Nestor rei de Pilos lutou na Guerra de Tróia Era considerado sábio e aconselhava a pôr as tropas mais fracas entre duas tropas fortes Assim as fortes iniciavam o combate e as fracas também tinham de combater pois atrás de si estavam tropas aguerridas que as fariam sempre avançar e não retroceder Abreu 2008 65 ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 50 13 A ELOCUÇÃO A terceira etapa do processo argumentativo denominase elocução elocutio7 no latim e lexis no grego e referese à redação escrita do discurso ao estilo à expressão8 Referese pois ao trabalho com a linguagem A seu respeito Cícero nos recorda que é a etapa mais própria do orador pois é por meio dela que ele se exprimirá como tal O orador perfeito aparece sobretudo na elocução Cicerón 2013 59 tradução nossa9 Também acerca da elocução enfatiza Ferreira 2010 63 A maneira mais explícita de fazermos ecoar o poder das palavras está no modo como as empregamos no discurso na maneira como trabalhamos a elocutio elocução Em sentido técnico a elocução é a redação do discurso retórico Mais do que uma questão estilística envolve o tratamento da língua em sentido amplo abrange o plano da expressão e a relação forma e conteúdo a correção a clareza a adequação a concisão a elegância a vivacidade o bom uso das figuras com valor de argumento Como componente teórico operacional mantém relação de sucessividade com a dispositio Para o analista é a única fonte de onde se extraem todos os elementos analíticos e depreendemse as operações retóricas anteriores Sendo assim a elocução revela o estilo do orador que por sua vez deve adaptarse ao estilo do auditório Na busca de clareza o orador deve levar em consideração o auditório a que se dirige pois o que é claro para um público culto ou constituído de especialistas pode não o ser para um público iletrado ou infantil Como enfatiza Reboul 2004 63 ser claro é pôrse ao alcance de seu auditório concreto e essa é uma das funções da elocução na construção do discurso persuasivo 14 A AÇÃO A quarta etapa a ser considerada é a ação actio10 em latim e hypocrisis em grego ou seja a proferição efetiva do discurso com tudo o que ele pode implicar em termos de efeitos de voz mímicas e gestos Reboul 2004 44 Ela tem como finalidade a captação da atenção do auditório e sua persuasão uma vez que é por meio dela que o discurso atinge o público Daí seu caráter essencial 7 pronúncia eclesiásticapronúncia reconstituída 8 Notese que o termo elocução não diz respeito à palavra oral e sim à expressão e ao estilo 9 El orador perfecto aparece sobre todo en la elocutio 10 pronúncia eclesiástica pronúncia reconstituída ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 51 A respeito da palavra equivalente a ação no grego vale a pena ressaltar as observações de Reboul 2004 67 Ação que em grego é hypocrisis no início antes de adquirir sentido pejorativo significava a interpretação do adivinho depois a interpretação do ator a ação teatral Assim como o hipócrita o autor finge sentimentos que não tem mas sabe disso e seu público também Assim também o orador pode exprimir o que não sente e sabe disso mas não pode informar seu público ou destruiria seu discurso Reboul 2004 67 Sendo assim é por meio da ação que o orador logrará aparentar aquilo que deseja Para garantir tal efeito durante essa etapa o orador se vale dos componentes emotivos da emissão da palavra a prosódia11 a gestualidade kinésica e a interação com o espaço proxêmica É nesse sentido que tanto textos verbais como não verbais podem ser objetos de análise retórica Ferreira 2010 138139 pontua ainda o aspecto interacional da ação ao afirmar que a actio é uma forma particular de interação orador e auditório estão plenamente envolvidos no processo de transmissão e recepção do discurso num contexto enunciativopragmáticointeracional Para finalizar essa quarta etapa do processo persuasivo vale lembrar que na época romana a ela se acrescia uma quinta etapa a memória Esta se fazia necessária pois na tradição dos antigos o discurso deveria ser proferido de cor Donde a importância da memória mnemé que para certos autores latinos constituía a quinta parte da retórica a arte de memorizar o discurso Reboul 2004 68 O item a seguir será dedicado às partes que compõem o discurso 2 PARTES DO DISCURSO Na primeira parte deste artigo nos dedicamos à elucidação das quatro etapas de elaboração de um discurso persuasivo a invenção a disposição a elocução e a ação Nesta segunda parte nos voltaremos à descrição das partes em que podem ser divididos esses discursos em razão de sua organização e disposição internas 11 A esse respeito sugerimos a leitura do texto A prosódia como instrumento de persuasão Figueiredo 2006 ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 52 Os antigos dividiamnas em várias partes Neste artigo nos ateremos às quatro partes descritas por Meyer 1998 Reboul 2004 e Ferreira 2010 comparandoas à subdivisão encontrada em Perelman e OlbrechtsTyteca 2005 Para os primeiros as partes do discurso são o exórdio a narração a confirmação e a peroração Para os últimos são elas o exórdio a narração a argumentação subdividida em prova e refutação e a peroração subdividida em conclusão e epílogo Vejamos em que consiste cada uma delas 21 EXÓRDIO O exórdio prooimion referese à introdução de um discurso retórico Portanto será sempre adaptado às circunstâncias do discurso ao orador e ao auditório assim como ao assunto tratado e aos eventuais adversários Perelman e OlbrechtsTyteca 2005 561 nos recordam que Aristóteles compara o exórdio ao prólogo e ao prelúdio parecendo transformálo em algo acessório com significado estético Contudo em muitos casos ele é indispensável para o efeito persuasivo do discurso pois garante as condições prévias para a argumentação Sendo assim enquanto pode ser reduzido e até mesmo suprimido quando as condições prévias estão asseguradas ele se torna indispensável no caso de completar essas condições num determinado ponto especialmente no que se refere à qualidade do orador bem como às suas relações com o auditório ao objeto ou à oportunidade do discurso O orador tentará no exórdio demonstrar sua competência sua imparcialidade sua honestidade12 De acordo com Perelman e OlbrechtsTyteca 2005 562563 o exórdio pode se referir tanto ao assunto que será tratado quanto ao auditório a que se dirige Ao referirse ao assunto buscará chamar a atenção para o interesse que este apresenta em função de sua importância pelo caráter extraordinário paradoxal pelo fato de ser menosprezado incompreendido ou deturpado Tratarseá também da oportunidade do discurso mostrando por que é o momento de falar em que as circunstâncias impõem que seja tomada uma posição 12 Às vezes o exórdio é dispensável ou é substituído por outras técnicas por exemplo numa determinada sessão a apresentação do orador pelo presidente não tem outro objetivo a não ser o de dispensar o orador de fazer seu autoelogio cf Perelman OlbrechtsTyteca 2005 563 ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 53 Ao referirse ao auditório terá como objetivo o estímulo ao seu amorpróprio falando sobre suas capacidades seu bom senso e sua boa vontade Assim essa parte introdutória do discurso possui em relação ao auditório três objetivos obter sua benevolência obter sua atenção tornálo dócil Por essa razão podemos considerar que dentro do discurso o exórdio também exerce uma função fática isto é a de tornar o auditório dócil13 atento e benevolente A esse respeito enfatiza Ferreira 2010 112 Para o discurso retórico não basta que o orador se prepare O auditório é o foco central e isso nos remete ao pathos14 pois não há comunicação sem comunhão e nem comunhão sem identificação sem que sejam suscitadas as paixões e sentimentos do público Assim é comum que no exórdio o orador já procure estabelecer contato por meio da exortação do reconhecimento do receio da piedade da frustração do descaso da briga explícita contra um adversário declarado da condição social da moral das dificuldades partilhadas do orgulho das realizações positivas ou negativas das vilanias sociais do justo e do injusto do belo e do feio enfim de uma série de artifícios discursivos iniciais que conduzam a alegria tristeza saudade amor ódio ira cólera amizade ciúme Enfim às paixões do auditório Apostando nesse aspecto interativo do exórdio é que o orador se dedicará à valorização das qualidades que poderiam ser postas em dúvida e cuja ausência prejudicaria sua credibilidade frente ao auditório Por isso em Perelman e Olbrechts Tyteca 2005 562 encontramos o seguinte esclarecimento quem é frequentemente acusado de excessiva habilidade tentará conquistar a confiança do público quem por sua condição social seus interesses seus antecedentes for considerado arrogante alheio ou hostil a seu auditório começará por desmentir tal suspeita insistindo em sua comunhão com ele A alusão à amizade entre dois povos bem como a um fato cultural em comum e a uma citação bem escolhida bastarão para despertar a confiança demonstrando que há entre orador e auditório uma afinidade de valores 13 Reboul 2004 55 nos recorda que um auditório dócil é aquele que se predispõe a aprender e compreender 14 Pathos é o conjunto de paixões passíveis de serem despertadas no auditório em função do discurso proferido ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 54 Seguindo essa linha de raciocínio Ferreira 2010 112 afirma que é no exórdio que o orador estabelece identificação com o auditório por meio de um conselho um elogio uma censura conforme o gênero do texto em causa Meyer 1998 25 por sua vez sintetiza a dupla orientação do exórdio ao ressaltar tanto sua relação com o assunto a ser tratado quanto com o auditório a que se dirige Por isso para o autor o exórdio suscita ou retoma a questão e deve comunicar o interesse desta questão ao espírito do auditório Para finalizar tomemos as palavras de Perelman e OlbrechtsTyteca 2005 561 que sintetizam com maestria a relevância do exórdio para o discurso argumentativo É digno de nota que dentre as partes do discurso aquela que à primeira vista parecerá menos útil o exórdio reteve contudo a atenção de todos Aristóteles Cícero Quintiliano tratam longamente dele o autor da Rhetorica ad Herennium Cícero se gaba de ser o primeiro a ter reconhecido certas modalidades suas Ora o exórdio é a parte do discurso que visa mais especificamente atuar sobre as disposições do auditório Seu objetivo será conquistar o auditório captar a benevolência a atenção o interesse Fornecerá também certos elementos dos quais nascerão argumentos espontâneos tendo o discurso e o orador como objeto 22 NARRAÇÃO A segunda parte do discurso denominase narração diegésis Por meio dela faz se a exposição dos fatos referentes à causa Essa exposição é sempre orientada para atender as necessidades da acusação ou da defesa Portanto mesmo se não for objetiva deve aparentar objetividade já que assinala o partido tomado pelo orador e o ponto de vista que será defendido por ele nas demais partes Assim a narração consiste em uma exposição resolutória que supostamente conquista o auditório para a causa defendida Meyer 1998 25 isto é levao a optar pela solução apresentada Na visão de Reboul 2004 56 para que seja eficaz a narração deve apresentar três qualidades clareza brevidade e credibilidade É nessa parte que o orador poderá colocar as provas enunciar os fatos e suas causas dar exemplos e ilustrar o texto por meio de narrativas que ressaltem as qualidades do objeto em questão ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 55 23 CONFIRMAÇÃO Após a narração vem uma parte mais longa composta por um conjunto de provas e por uma refutação Essa parte recebe o nome de confirmação e tem por objetivo destruir os argumentos adversários Vale lembrar que a confirmação nem sempre é nitidamente separada da narração uma vez que o texto se expande em confirmação Por concentrar as provas a confirmação é a parte mais densa do discurso A fim de executála o orador deverá apresentar a capacidade de comprovar o que afirma pois disso dependerá a credibilidade do argumento Assim ao orador compete ordenar os argumentos em fortes ou fracos e ao analista verificar como se dá a apresentação dos argumentos e como contribuem para a persuasão Ferreira 2010 114 De acordo com Meyer 1998 25 é por meio da confirmação ou argumentação que se avaliam os prós e os contras de tal maneira que a resposta proposta seja tomada como a solução adequada Para Perelman e OlbrechtsTyteca 2005 561 a confirmação é concebida a partir de sua subdivisão interna por isso os autores nomeiamna argumentação e a subdividem em prova e refutação 24 PERORAÇÃO O final do discurso denominase peroração e pode ser considerado a alma da retórica Segundo Reboul 2004 60 é o momento por excelência em que a afetividade se une à argumentação e por essa razão conclama à ação Ferreira 2010 115 Dada sua relevância de acordo com Reboul 2004 5960 a peroração pode ser longa e dividirse em várias partes a ampliação da ideia defendida b apelo às paixões c recapitulação anacefaleose com vistas ao resumo da argumentação ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 56 Perelman e OlbrechtsTyteca 2005 consideram ainda a possibilidade de dividir a peroração em conclusão e epílogo Conforme Meyer 1998 25 a peroração conclui e mostra a adequação da solução ao problema submetido a exame Reboul 2004 59 porém nos adverte uma conclusão não deve constituir um novo argumento pois nesse caso não passaria de uma parte a mais e o discurso careceria de unidade 3 UM EXEMPLO DE APLICAÇÃO Para ilustrar as partes do discurso supracitadas selecionamos um excerto bíblico bastante conhecido e até mesmo amplamente utilizado como fonte de intertexto15 Esse texto denominado O amor é um dom supremo encontrase na primeira carta aos Coríntios escrita pelo apóstolo Paulo Vejamos O AMOR É O DOM SUPREMO I Coríntios 13113 E eu passo a mostrarvos ainda um caminho sobremodo excelente 1Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos se não tiver amor serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine 2Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência ainda que eu tenha tamanha fé a ponto de transportar montes se não tiver amor nada serei 3E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado se não tiver amor nada disso me aproveitará 4O amor é paciente é benigno o amor não arde em ciúmes não se ufana não se ensoberbece 5não se conduz inconvenientemente não procura os seus interesses não se exaspera não se recente do mal 6não se alegra com a injustiça mas regozijase com a verdade 7tudo sofre tudo crê tudo espera tudo suporta 8O amor jamais acaba mas havendo profecias desaparecerão havendo línguas cessarão havendo ciência passará 9porque em parte conhecemos e em parte profetizamos 10Quando porém vier o que é perfeito então o que é parte será aniquilado 11Quando eu era menino falava como menino sentia como menino pensava como menino quando cheguei a ser homem desisti das coisas próprias de menino 12Porque agora vemos como em espelho obscuramente então veremos face a face Agora conheço em parte então conhecerei como também sou conhecido 13Agora pois permanecem a fé a esperança e o amor estes três porém o maior destes é o amor 15 O trecho bíblico aqui analisado foi utilizado como fonte de intertexto em diferentes esferas na literatura em Os Lusíadas de Camões na música popular brasileira na canção Monte Castelo de Renato Russo dentre outros ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 57 Ao considerarmos as quatro partes do discurso exórdio narração confirmação e peroração podemos detectálas nas seguintes partes do excerto bíblico Quadro 1 Análise das partes do discurso de um texto bíblico Partes do discurso Versículos ilustrativos Comentários Exórdio Título e 1º parágrafo Referese à introdução do discurso e está adaptado ao orador ao auditório e ao assunto a ser tratado Narração 13 Contém uma exposição clara breve e objetiva dos fatos referentes à causa Confirmação 412 É uma parte mais longa composta por um conjunto de provas e por uma refutação Por meio dela avaliamse os prós e os contras de tal maneira que a resposta proposta seja tomada como a solução adequada Peroração 13 Observamos que nessa peroração a afetividade se une à argumentação e o orador apresenta uma recapitulação do tema tratado com vistas ao resumo da argumentação Assim conclui e mostra a adequação da solução ao problema submetido a exame Fonte Elaborado pelos autores 2016 Uma vez apresentado um exemplo de aplicação das partes do discurso na leitura de um texto passaremos então às considerações finais deste trabalho CONSIDERAÇÕES FINAIS Para finalizar gostaríamos de retomar a subdivisão proposta neste artigo e apresentála em forma de diagrama para melhor visualização e futura aplicação ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 58 Figura 1 Diagrama com as etapas do processo argumentativo e as partes do discurso Como disposto no diagrama proposto neste artigo buscamos elucidar a distinção entre as etapas do processo argumentativo e as partes do discurso Acreditamos ser este um tema relevante para aqueles que se dispõem a analisar diferentes textos pelo viés dos estudos retóricos bem como para aqueles que visam contar com as contribuições desse campo de estudos para produzir textos mais persuasivos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 ABREU A S Breves considerações sobre a arte de Argumentar In FIGUEIREDO M F MENDONÇA M C ABRIATA V L R Orgs Sentidos em movimento identidade e argumentação Franca UNIFRAN 2008 p 6390 Coleção Mestrado 3 2 ARISTÓTELES Retórica Trad Manuel Alexandre Júnior Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena São Paulo Folha de São Paulo 2015 Coleção Folha grandes nomes do pensamento 1 3 BÍBLIA SAGRADA Disponível em httpwwwippborgbrtextostextos periodicos128oamoreodomsupremocorintiosicap13vers1a13 Acesso em 15 nov 2015 4 FERREIRA L A Leitura e persuasão princípios de análise retórica São Paulo Contexto 2010 Coleção Linguagem e Ensino ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 59 5 FIGUEIREDO M F publicado originalmente como BOLLELA M F F P A prosódia como instrumento de persuasão In LOUZADA M S O NASCIMENTO E M F S OLIVEIRA M R M Orgs Processos enunciativos em diferentes linguagens Franca UNIFRAN 2006 p 113128 Coleção Mestrado 1 6 MEYER M Questões de retórica linguagem razão e sedução Trad António Hall Lisboa Edições 70 1998 7 PERELMAN C O império retórico retórica e argumentação Trad Fernando Trindade e Rui Alexandre Grácio Porto Asa 1993 8 OLBRECHTSTYTECA L Tratado da argumentação a nova retórica Trad Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão 2 ed São Paulo Martins Fontes 2005 9 REBOUL O Introdução à retórica Trad Ivone Castilho Benedetti 2 ed São Paulo Martins Fontes 2004 10 RICOEUR A metáfora viva Trad Dion Davi Macedo São Paulo Loyola 2000 11 WAYHS J P F A argumentação e a utopia de um modelo ideal 2011 Disponível em httpwwwboccubiptpagwayhsjoaoaargumentacaoea utopiadeummodeloidealpdf Acesso em 22 nov 2015 ABSTRACT According to Aristotle rhetoric was understood as the ability to discover in each case what is suitable for persuasion Among the issues addressed by him in his systematization of the rhetorical studies we have selected to compose this article the organization of the rhetorical discourse with regard to both the steps of the argumentative process and the parts of speech This theoretical cut was due to our belief that this is a relevant subdivision for understanding the creation and development of speech process as well as for the analysis and interpretation of argumentative aspects of texts in general In order to elucidate the two selected topics we depart from the foundations systematized by Aristotle in classical rhetoric to then wend the ways of his successors and reach the new rhetoric in the present time For this we will count on the contributions by Meyer 1998 Reboul 2004 Abreu 2008 Ferreira 2010 Perelman 1993 and Perelman and OlbrechtsTyteca 2005 Through these authors we seek to clarify the distinction between the steps of the argumentative process and the parts of speech by believing that this is a relevant issue for those who are willing to analyze different texts by the bias of Rhetorical Studies as well as those who seek to rely on the contributions of this field of studies to produce more persuasive texts Keywords rhetoric steps of the argumentative process parts of speech reading and writing A ATIVIDADE CONSISTE EM Tendo como referência o texto Preparação construção e as partes do discurso retóricopdf disponível logo abaixo faça uma análise do discurso veiculado no vídeo indicado abaixo Sustentação Oral no STF Técio Lins e Silva pelo IAB ADPFs 395 e 444 Condução Coercitiva contido no link httpswwwyoutubecomwatchvVZWsBq4pvgo O texto deve ter apenas uma lauda digitado fonte Arial ou Time News Roman tamanho 12 espaçamento simples Observação entregar o texto impresso Segue algumas perguntas que te ajudarão a analisar o discurso e compor seu texto ATENÇÃO estas perguntas são apenas para orientar a composição do texto não é para respondêlas em forma de questionário É para ajudar você a fazer a redação do texto a Quem é o autor b Quem é seu público auditório c Quando e onde o texto discurso foi produzido d Com que finalidade o discurso foi produzido e O que o orador autor defendeu tese e que argumentos utilizou para provar sua tese f Analisar a partes do discurso exordio e a peroração explicando cada de suas partes detalhadamente g Como foi a elocução do discurso h Como apareceram os meios de persuasão ethos pathos e logos no discurso i Faltou algum elemento da retórica neste discurso h Orador conseguiu o objetivo pensado para o seu discurso Qual foi a falha que ele cometeu e que você evitar cometer
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ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 44 FIGUEIREDO Maria Flávia FERREIRA Luiz Antonio A perspectiva retórica da argumentação etapas do processo argumentativo e partes do discurso ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 wwwrevelinfbr A PERSPECTIVA RETÓRICA DA ARGUMENTAÇÃO ETAPAS DO PROCESSO ARGUMENTATIVO E PARTES DO DISCURSO Maria Flávia Figueiredo1 Luiz Antonio Ferreira2 mariaflaviafigueiredoyahoocombr luizanferreiraterracombr RESUMO Para Aristóteles a retórica era entendida como a capacidade de descobrir em cada caso o que é adequado à persuasão Dentre os aspectos tratados por ele em sua sistematização dos estudos retóricos selecionamos para compor este artigo a organização do discurso retórico tanto no que se refere às etapas do processo argumentativo quanto às partes do discurso Esse recorte da teoria se deu em função de acreditarmos ser essa uma subdivisão relevante tanto para a compreensão do processo de criação e elaboração do discurso como para a análise e interpretação dos aspectos argumentativos de textos em geral Para elucidar os dois tópicos selecionados partiremos dos alicerces sistematizados por Aristóteles na retórica clássica para em seguida trilharmos os caminhos de seus sucessores e chegar aos postulados da nova retórica na atualidade Para isso lançaremos mão das contribuições de Meyer 1998 Reboul 2004 Abreu 2008 Ferreira 2010 Perelman 1993 e Perelman e OlbrechtsTyteca 2005 Por meio desses autores buscaremos elucidar a distinção entre etapas do processo argumentativo e partes do discurso por acreditarmos ser este um tema relevante para aqueles que se dispõem a analisar diferentes textos pelo viés dos estudos retóricos bem como para aqueles que visam contar com as contribuições desse campo de estudos para produzir textos mais persuasivos Palavraschave retórica etapas do processo argumentativo partes do discurso leitura e produção de textos 1 Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESPAraraquara Docente Permanente do Programa de Mestrado em Linguística da Universidade de Franca UNIFRAN Líder do Grupo PARE Pesquisa em Argumentação e Retórica 2 Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo USP com pósdoutorado em Letras Clássicas e Vernáculas na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP Professor Titular do Departamento de Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica PUCSP Líder do Grupo ERA Estudos Retóricos e Argumentativos ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 45 INTRODUÇÃO O filósofo grego Aristóteles que viveu nos anos de 384322 aC logrou formalizar por meio de uma obra que passou a ser referência para os estudos futuros as bases de uma disciplina que se tornaria o pilar dos estudos do discurso a Retórica Ele o fez por meio da redação da Techne Rhetorike obra que nas traduções portuguesas recebeu a alcunha de Arte Retórica ou somente Retórica Esse valioso compêndio sistematizador das ideias retóricas propagadas na antiguidade versa sobre três campos uma teoria da argumentação uma teoria da elocução e uma teoria da composição do discurso cf Ricoeur 2005 1718 A obra se divide pois em três partes provas ou meios de persuasão prova lógica Livro I provas ou meios de persuasão emoção e caráter Livro II e estilo e composição do discurso Livro III Para o mestre de Estagira a retórica era entendida como a capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir Aristóteles 2015 62 Para ele esse campo do saber se apresentava como uma arte única tão somente pelo fato de ter a faculdade de descobrir os meios de persuasão sobre qualquer questão dada Aristóteles 2015 62 Dentre os aspectos tratados por Aristóteles selecionamos para compor este artigo a organização do discurso retórico tanto no que se refere às etapas do processo argumentativo quanto às partes do discurso Esse recorte da teoria retórica se deu em função de acreditarmos ser essa uma subdivisão relevante tanto para a compreensão do processo de criação e elaboração do discurso como para a análise e interpretação dos aspectos argumentativos de textos em geral Para elucidar os dois tópicos selecionados partiremos dos alicerces sistematizados por Aristóteles na retórica clássica para em seguida trilharmos os caminhos de seus sucessores e chegar aos postulados da nova retórica na atualidade Para isso lançaremos mão das contribuições de Meyer 1998 Reboul 2004 Abreu 2008 Ferreira 2010 Perelman 1993 e Perelman e OlbrechtsTyteca 2005 ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 46 1 ETAPAS DO PROCESSO ARGUMENTATIVO Segundo a tradição da Grécia antiga a retórica é decomposta em quatro etapas que como afirma Reboul 2004 44 representam as quatro fases pelas quais passa quem compõe um discurso ou pelas quais acreditase que passe Dessa forma um processo argumentativo completo deveria ser desenvolvido em quatro etapas invenção disposição elocução ação Sumariamente essas quatro etapas consistem em compreender o assunto e reunir todos os argumentos pertinentes invenção pôlos em ordem disposição redigir o discurso da melhor forma possível elocução proferilo ação Essas quatro etapas podem ser entendidas como quatro tarefas erga a serem cumpridas pelo orador Se ele assim o fizer seu discurso incorrerá em menos risco de se tornar vazio desordenado ou mal escrito cf Reboul 2004 44 De acordo com os gregos o orador que tivesse o propósito de construir um discurso persuasivo deveria passar por essas quatro fases ou pelo menos buscar cumprir as tarefas que cada uma delas representa Em nossos dias porém como nos lembra Ferreira 2010 110 o discurso não se constrói por formas rígidas e até mecânicas como apregoavam os antigos Mas é interessante observar que de acordo com o auditório e o gênero escolhido as etapas constitutivas aparecem menos ou mais nitidamente em cada texto Perscrutemos mais detidamente cada uma das etapas do processo comunicativo 11 A INVENÇÃO A palavra invenção inventio3 em latim e heurésis em grego originase do termo latino inventio que se vincula ao verbo invenire descobrir achar encontrar 3 pronúncia eclesiástica italiana ou pronúncia reconstituída do latim clássico ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 47 Por essa razão na retórica é utilizada para se referir ao momento da busca das provas que sustentarão o discurso Assim a invenção consiste na busca que empreende o orador de todos os argumentos e de outros meios de persuasão relativos ao tema de seu discurso Reboul 2004 44 É a busca dos argumentos que contribuirão para a defesa da tese Essa tarefa também implica procurar pontos de vista diferentes daqueles estabelecidos pelo senso comum cf Abreu 2008 64 Em função de sua dupla articulação Reboul advoga Na realidade a própria noção de invenção pode parecernos muito ambígua De fato ela se situa entre dois polos opostos Por um lado é o inventário a detecção pelo orador de todos os argumentos ou procedimentos retóricos disponíveis Por outro é a invenção no sentido moderno a criação de argumentos e de instrumentos de prova Reboul 2004 54 Para que o orador consiga reunir todos os argumentos plausíveis para a elaboração do discurso é necessário que ele conheça bem o assunto É nesse momento que ele se interrogará sobre o auditório e buscará se identificar com ele para poder estabelecer acordos e encurtar distâncias em relação ao tema que irá propor A esse respeito Ferreira 2010 63 nos adverte a invenção pode ser invisível para o auditório mas é sensível para o analista pois se traduz na disposição na elocução e na ação Ferreira 2010 634 Vejamos então a que se refere a segunda etapa do processo persuasivo 12 A DISPOSIÇÃO A segunda etapa do processo persuasivo denominase disposição dispositio5 em latim e taxis em grego No latim o termo dispositio referese à ordenação e na retórica aplicase à ordenação dos argumentos levantados durante a etapa da invenção Daí resultará a organização interna do discurso isto é seu plano 4 O discurso retórico possui quatro pilares correspondentes às etapas de organização do discurso invenção disposição elocução e ação Na verdade inventio e dispositio fundemse são processos operacionais criados simultaneamente e as diversas partes do discurso exercem influência sobre cada uma delas Didaticamente estudamos separadamente a inventio mas nosso olhar só pode perscrutá la a partir da dispositio e da elocutio Ferreira 2010 109 5 pronúncia eclesiásticapronúncia reconstituída ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 48 Ferreira 2010 110 advoga que a disposição é a etapa em que são organizados e distribuídos os argumentos de maneira racional e plausível no texto em busca de uma solução para um problema em tela Enquanto na invenção o orador junta as provas na disposição ele as coloca no texto em ordem lógica ou psicológica de modo a atingir o objetivo de persuadir Como reforça Perelman 1993 159 a ordem de apresentação dos argumentos modifica as condições da sua aceitação Portanto quando se trata de argumentar tendo em vista a obtenção da adesão de um auditório a ordem é de extrema importância Para Reboul 2004 44 a disposição em si é um lugar ou seja um plano tipo ao qual se recorre para construir o discurso Seguindo essa linha de raciocínio o autor apresenta três razões que justificam a necessidade dessa etapa na construção do processo argumentativo A disposição tem primeiramente uma função econômica permite nada omitir sem nada repartir em suma possibilita que o orador se ache a cada momento do discurso Depois quaisquer que sejam os argumentos que organize a disposição é em si mesma um argumento Graças a ela o orador faz o auditório encaminharse pelas vias e pelas etapas que escolheu conduzindoo assim para o objetivo que propôs Finalmente a disposição tem função heurística por permitir interrogarse metodicamente Pois em suma o que é fazer um plano É formularse uma série de perguntas distintas constituindo cada uma delas uma parte ou uma subparte Saber fazer um plano é saber fazerse perguntas e tratálas uma após outra agindo de tal modo que cada uma delas nasça da resposta precedente Reboul 2004 60 grifos nossos A primeira das três funções da disposição apontadas por Reboul 2004 a função econômica nos remete ao que nos dias atuais denominamos macroestrutura textual Por meio dela fica patente que o orador deve organizar seu discurso de modo a atingir suas intenções persuasivas e assim dar ao texto uma coerência global Conforme Ferreira 2010 110 a coerência global do discurso retórico se dá por meio das unidades temáticas organizadas para ressaltar a estrutura profunda do texto De acordo com Wayhs 2011 4 o lugar de um argumento deverá ser determinado a partir de sua finalidade e do meio mais eficaz de alcançála Abreu 2008 65 nos recorda que Aristóteles acreditava que o argumento fraco deveria preceder o forte porém a tradição retórica recomenda que um texto seja sempre iniciado com um argumento forte Além disso se tivermos argumentos fracos eles podem ficar intercalados entre dois fortes Dessa maneira o argumento ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 49 final também será forte Essa ordem de argumentos recebeu na retórica clássica a alcunha de ordem nestoriana6 Além da ordem nestoriana Perelman 1993 151 ao refletir sobre a força dos argumentos e sua relação com a ordem em que estão dispostos dentro do texto enumera mais duas formas possíveis Assim para o autor as três principais formas de ordenação dos argumentos são a ordem da força crescente em que se começa pelo argumento mais fraco a ordem da força decrescente em que se inicia pelo argumento mais forte e a ordem nestoriana Como veremos a seguir as três ordens apresentam vantagens e desvantagens Na ordem crescente o fato de se começar pelos argumentos mais fracos pode instalar uma certa letargia no auditório que não fixa o que foi lido primeiro na sequência de argumentos Na ordem decrescente ao terminar o discurso com os argumentos mais fracos o orador deixa no auditório uma impressão igualmente fraca no sentido de de forma oposta à ordem crescente que todos os argumentos oferecidos anteriormente ao último e de mais força sejam ignorados A ordem nestoriana um meiotermo entre as outras duas ordens não apresenta nenhum desses dois inconvenientes na medida em que começa e acaba com argumentos fortes mas tem contra si o fato de pressupor a força dos argumentos como uma grandeza imutável não levando em consideração que a força de um argumento varia sempre em função do auditório e que este por sua vez também muda com o desenrolar do próprio discurso Wahys 2011 45 Levando todos esses aspectos em consideração o importante é não perder de vista que cada argumento deve ser utilizado no momento em que possa exercer maior efeito sobre o auditório Neste item vimos portanto que a disposição trata da complexa e relevante ordenação dos argumentos dentro do discurso 6 Nestor rei de Pilos lutou na Guerra de Tróia Era considerado sábio e aconselhava a pôr as tropas mais fracas entre duas tropas fortes Assim as fortes iniciavam o combate e as fracas também tinham de combater pois atrás de si estavam tropas aguerridas que as fariam sempre avançar e não retroceder Abreu 2008 65 ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 50 13 A ELOCUÇÃO A terceira etapa do processo argumentativo denominase elocução elocutio7 no latim e lexis no grego e referese à redação escrita do discurso ao estilo à expressão8 Referese pois ao trabalho com a linguagem A seu respeito Cícero nos recorda que é a etapa mais própria do orador pois é por meio dela que ele se exprimirá como tal O orador perfeito aparece sobretudo na elocução Cicerón 2013 59 tradução nossa9 Também acerca da elocução enfatiza Ferreira 2010 63 A maneira mais explícita de fazermos ecoar o poder das palavras está no modo como as empregamos no discurso na maneira como trabalhamos a elocutio elocução Em sentido técnico a elocução é a redação do discurso retórico Mais do que uma questão estilística envolve o tratamento da língua em sentido amplo abrange o plano da expressão e a relação forma e conteúdo a correção a clareza a adequação a concisão a elegância a vivacidade o bom uso das figuras com valor de argumento Como componente teórico operacional mantém relação de sucessividade com a dispositio Para o analista é a única fonte de onde se extraem todos os elementos analíticos e depreendemse as operações retóricas anteriores Sendo assim a elocução revela o estilo do orador que por sua vez deve adaptarse ao estilo do auditório Na busca de clareza o orador deve levar em consideração o auditório a que se dirige pois o que é claro para um público culto ou constituído de especialistas pode não o ser para um público iletrado ou infantil Como enfatiza Reboul 2004 63 ser claro é pôrse ao alcance de seu auditório concreto e essa é uma das funções da elocução na construção do discurso persuasivo 14 A AÇÃO A quarta etapa a ser considerada é a ação actio10 em latim e hypocrisis em grego ou seja a proferição efetiva do discurso com tudo o que ele pode implicar em termos de efeitos de voz mímicas e gestos Reboul 2004 44 Ela tem como finalidade a captação da atenção do auditório e sua persuasão uma vez que é por meio dela que o discurso atinge o público Daí seu caráter essencial 7 pronúncia eclesiásticapronúncia reconstituída 8 Notese que o termo elocução não diz respeito à palavra oral e sim à expressão e ao estilo 9 El orador perfecto aparece sobre todo en la elocutio 10 pronúncia eclesiástica pronúncia reconstituída ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 51 A respeito da palavra equivalente a ação no grego vale a pena ressaltar as observações de Reboul 2004 67 Ação que em grego é hypocrisis no início antes de adquirir sentido pejorativo significava a interpretação do adivinho depois a interpretação do ator a ação teatral Assim como o hipócrita o autor finge sentimentos que não tem mas sabe disso e seu público também Assim também o orador pode exprimir o que não sente e sabe disso mas não pode informar seu público ou destruiria seu discurso Reboul 2004 67 Sendo assim é por meio da ação que o orador logrará aparentar aquilo que deseja Para garantir tal efeito durante essa etapa o orador se vale dos componentes emotivos da emissão da palavra a prosódia11 a gestualidade kinésica e a interação com o espaço proxêmica É nesse sentido que tanto textos verbais como não verbais podem ser objetos de análise retórica Ferreira 2010 138139 pontua ainda o aspecto interacional da ação ao afirmar que a actio é uma forma particular de interação orador e auditório estão plenamente envolvidos no processo de transmissão e recepção do discurso num contexto enunciativopragmáticointeracional Para finalizar essa quarta etapa do processo persuasivo vale lembrar que na época romana a ela se acrescia uma quinta etapa a memória Esta se fazia necessária pois na tradição dos antigos o discurso deveria ser proferido de cor Donde a importância da memória mnemé que para certos autores latinos constituía a quinta parte da retórica a arte de memorizar o discurso Reboul 2004 68 O item a seguir será dedicado às partes que compõem o discurso 2 PARTES DO DISCURSO Na primeira parte deste artigo nos dedicamos à elucidação das quatro etapas de elaboração de um discurso persuasivo a invenção a disposição a elocução e a ação Nesta segunda parte nos voltaremos à descrição das partes em que podem ser divididos esses discursos em razão de sua organização e disposição internas 11 A esse respeito sugerimos a leitura do texto A prosódia como instrumento de persuasão Figueiredo 2006 ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 52 Os antigos dividiamnas em várias partes Neste artigo nos ateremos às quatro partes descritas por Meyer 1998 Reboul 2004 e Ferreira 2010 comparandoas à subdivisão encontrada em Perelman e OlbrechtsTyteca 2005 Para os primeiros as partes do discurso são o exórdio a narração a confirmação e a peroração Para os últimos são elas o exórdio a narração a argumentação subdividida em prova e refutação e a peroração subdividida em conclusão e epílogo Vejamos em que consiste cada uma delas 21 EXÓRDIO O exórdio prooimion referese à introdução de um discurso retórico Portanto será sempre adaptado às circunstâncias do discurso ao orador e ao auditório assim como ao assunto tratado e aos eventuais adversários Perelman e OlbrechtsTyteca 2005 561 nos recordam que Aristóteles compara o exórdio ao prólogo e ao prelúdio parecendo transformálo em algo acessório com significado estético Contudo em muitos casos ele é indispensável para o efeito persuasivo do discurso pois garante as condições prévias para a argumentação Sendo assim enquanto pode ser reduzido e até mesmo suprimido quando as condições prévias estão asseguradas ele se torna indispensável no caso de completar essas condições num determinado ponto especialmente no que se refere à qualidade do orador bem como às suas relações com o auditório ao objeto ou à oportunidade do discurso O orador tentará no exórdio demonstrar sua competência sua imparcialidade sua honestidade12 De acordo com Perelman e OlbrechtsTyteca 2005 562563 o exórdio pode se referir tanto ao assunto que será tratado quanto ao auditório a que se dirige Ao referirse ao assunto buscará chamar a atenção para o interesse que este apresenta em função de sua importância pelo caráter extraordinário paradoxal pelo fato de ser menosprezado incompreendido ou deturpado Tratarseá também da oportunidade do discurso mostrando por que é o momento de falar em que as circunstâncias impõem que seja tomada uma posição 12 Às vezes o exórdio é dispensável ou é substituído por outras técnicas por exemplo numa determinada sessão a apresentação do orador pelo presidente não tem outro objetivo a não ser o de dispensar o orador de fazer seu autoelogio cf Perelman OlbrechtsTyteca 2005 563 ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 53 Ao referirse ao auditório terá como objetivo o estímulo ao seu amorpróprio falando sobre suas capacidades seu bom senso e sua boa vontade Assim essa parte introdutória do discurso possui em relação ao auditório três objetivos obter sua benevolência obter sua atenção tornálo dócil Por essa razão podemos considerar que dentro do discurso o exórdio também exerce uma função fática isto é a de tornar o auditório dócil13 atento e benevolente A esse respeito enfatiza Ferreira 2010 112 Para o discurso retórico não basta que o orador se prepare O auditório é o foco central e isso nos remete ao pathos14 pois não há comunicação sem comunhão e nem comunhão sem identificação sem que sejam suscitadas as paixões e sentimentos do público Assim é comum que no exórdio o orador já procure estabelecer contato por meio da exortação do reconhecimento do receio da piedade da frustração do descaso da briga explícita contra um adversário declarado da condição social da moral das dificuldades partilhadas do orgulho das realizações positivas ou negativas das vilanias sociais do justo e do injusto do belo e do feio enfim de uma série de artifícios discursivos iniciais que conduzam a alegria tristeza saudade amor ódio ira cólera amizade ciúme Enfim às paixões do auditório Apostando nesse aspecto interativo do exórdio é que o orador se dedicará à valorização das qualidades que poderiam ser postas em dúvida e cuja ausência prejudicaria sua credibilidade frente ao auditório Por isso em Perelman e Olbrechts Tyteca 2005 562 encontramos o seguinte esclarecimento quem é frequentemente acusado de excessiva habilidade tentará conquistar a confiança do público quem por sua condição social seus interesses seus antecedentes for considerado arrogante alheio ou hostil a seu auditório começará por desmentir tal suspeita insistindo em sua comunhão com ele A alusão à amizade entre dois povos bem como a um fato cultural em comum e a uma citação bem escolhida bastarão para despertar a confiança demonstrando que há entre orador e auditório uma afinidade de valores 13 Reboul 2004 55 nos recorda que um auditório dócil é aquele que se predispõe a aprender e compreender 14 Pathos é o conjunto de paixões passíveis de serem despertadas no auditório em função do discurso proferido ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 54 Seguindo essa linha de raciocínio Ferreira 2010 112 afirma que é no exórdio que o orador estabelece identificação com o auditório por meio de um conselho um elogio uma censura conforme o gênero do texto em causa Meyer 1998 25 por sua vez sintetiza a dupla orientação do exórdio ao ressaltar tanto sua relação com o assunto a ser tratado quanto com o auditório a que se dirige Por isso para o autor o exórdio suscita ou retoma a questão e deve comunicar o interesse desta questão ao espírito do auditório Para finalizar tomemos as palavras de Perelman e OlbrechtsTyteca 2005 561 que sintetizam com maestria a relevância do exórdio para o discurso argumentativo É digno de nota que dentre as partes do discurso aquela que à primeira vista parecerá menos útil o exórdio reteve contudo a atenção de todos Aristóteles Cícero Quintiliano tratam longamente dele o autor da Rhetorica ad Herennium Cícero se gaba de ser o primeiro a ter reconhecido certas modalidades suas Ora o exórdio é a parte do discurso que visa mais especificamente atuar sobre as disposições do auditório Seu objetivo será conquistar o auditório captar a benevolência a atenção o interesse Fornecerá também certos elementos dos quais nascerão argumentos espontâneos tendo o discurso e o orador como objeto 22 NARRAÇÃO A segunda parte do discurso denominase narração diegésis Por meio dela faz se a exposição dos fatos referentes à causa Essa exposição é sempre orientada para atender as necessidades da acusação ou da defesa Portanto mesmo se não for objetiva deve aparentar objetividade já que assinala o partido tomado pelo orador e o ponto de vista que será defendido por ele nas demais partes Assim a narração consiste em uma exposição resolutória que supostamente conquista o auditório para a causa defendida Meyer 1998 25 isto é levao a optar pela solução apresentada Na visão de Reboul 2004 56 para que seja eficaz a narração deve apresentar três qualidades clareza brevidade e credibilidade É nessa parte que o orador poderá colocar as provas enunciar os fatos e suas causas dar exemplos e ilustrar o texto por meio de narrativas que ressaltem as qualidades do objeto em questão ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 55 23 CONFIRMAÇÃO Após a narração vem uma parte mais longa composta por um conjunto de provas e por uma refutação Essa parte recebe o nome de confirmação e tem por objetivo destruir os argumentos adversários Vale lembrar que a confirmação nem sempre é nitidamente separada da narração uma vez que o texto se expande em confirmação Por concentrar as provas a confirmação é a parte mais densa do discurso A fim de executála o orador deverá apresentar a capacidade de comprovar o que afirma pois disso dependerá a credibilidade do argumento Assim ao orador compete ordenar os argumentos em fortes ou fracos e ao analista verificar como se dá a apresentação dos argumentos e como contribuem para a persuasão Ferreira 2010 114 De acordo com Meyer 1998 25 é por meio da confirmação ou argumentação que se avaliam os prós e os contras de tal maneira que a resposta proposta seja tomada como a solução adequada Para Perelman e OlbrechtsTyteca 2005 561 a confirmação é concebida a partir de sua subdivisão interna por isso os autores nomeiamna argumentação e a subdividem em prova e refutação 24 PERORAÇÃO O final do discurso denominase peroração e pode ser considerado a alma da retórica Segundo Reboul 2004 60 é o momento por excelência em que a afetividade se une à argumentação e por essa razão conclama à ação Ferreira 2010 115 Dada sua relevância de acordo com Reboul 2004 5960 a peroração pode ser longa e dividirse em várias partes a ampliação da ideia defendida b apelo às paixões c recapitulação anacefaleose com vistas ao resumo da argumentação ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 56 Perelman e OlbrechtsTyteca 2005 consideram ainda a possibilidade de dividir a peroração em conclusão e epílogo Conforme Meyer 1998 25 a peroração conclui e mostra a adequação da solução ao problema submetido a exame Reboul 2004 59 porém nos adverte uma conclusão não deve constituir um novo argumento pois nesse caso não passaria de uma parte a mais e o discurso careceria de unidade 3 UM EXEMPLO DE APLICAÇÃO Para ilustrar as partes do discurso supracitadas selecionamos um excerto bíblico bastante conhecido e até mesmo amplamente utilizado como fonte de intertexto15 Esse texto denominado O amor é um dom supremo encontrase na primeira carta aos Coríntios escrita pelo apóstolo Paulo Vejamos O AMOR É O DOM SUPREMO I Coríntios 13113 E eu passo a mostrarvos ainda um caminho sobremodo excelente 1Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos se não tiver amor serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine 2Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência ainda que eu tenha tamanha fé a ponto de transportar montes se não tiver amor nada serei 3E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado se não tiver amor nada disso me aproveitará 4O amor é paciente é benigno o amor não arde em ciúmes não se ufana não se ensoberbece 5não se conduz inconvenientemente não procura os seus interesses não se exaspera não se recente do mal 6não se alegra com a injustiça mas regozijase com a verdade 7tudo sofre tudo crê tudo espera tudo suporta 8O amor jamais acaba mas havendo profecias desaparecerão havendo línguas cessarão havendo ciência passará 9porque em parte conhecemos e em parte profetizamos 10Quando porém vier o que é perfeito então o que é parte será aniquilado 11Quando eu era menino falava como menino sentia como menino pensava como menino quando cheguei a ser homem desisti das coisas próprias de menino 12Porque agora vemos como em espelho obscuramente então veremos face a face Agora conheço em parte então conhecerei como também sou conhecido 13Agora pois permanecem a fé a esperança e o amor estes três porém o maior destes é o amor 15 O trecho bíblico aqui analisado foi utilizado como fonte de intertexto em diferentes esferas na literatura em Os Lusíadas de Camões na música popular brasileira na canção Monte Castelo de Renato Russo dentre outros ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 57 Ao considerarmos as quatro partes do discurso exórdio narração confirmação e peroração podemos detectálas nas seguintes partes do excerto bíblico Quadro 1 Análise das partes do discurso de um texto bíblico Partes do discurso Versículos ilustrativos Comentários Exórdio Título e 1º parágrafo Referese à introdução do discurso e está adaptado ao orador ao auditório e ao assunto a ser tratado Narração 13 Contém uma exposição clara breve e objetiva dos fatos referentes à causa Confirmação 412 É uma parte mais longa composta por um conjunto de provas e por uma refutação Por meio dela avaliamse os prós e os contras de tal maneira que a resposta proposta seja tomada como a solução adequada Peroração 13 Observamos que nessa peroração a afetividade se une à argumentação e o orador apresenta uma recapitulação do tema tratado com vistas ao resumo da argumentação Assim conclui e mostra a adequação da solução ao problema submetido a exame Fonte Elaborado pelos autores 2016 Uma vez apresentado um exemplo de aplicação das partes do discurso na leitura de um texto passaremos então às considerações finais deste trabalho CONSIDERAÇÕES FINAIS Para finalizar gostaríamos de retomar a subdivisão proposta neste artigo e apresentála em forma de diagrama para melhor visualização e futura aplicação ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 58 Figura 1 Diagrama com as etapas do processo argumentativo e as partes do discurso Como disposto no diagrama proposto neste artigo buscamos elucidar a distinção entre as etapas do processo argumentativo e as partes do discurso Acreditamos ser este um tema relevante para aqueles que se dispõem a analisar diferentes textos pelo viés dos estudos retóricos bem como para aqueles que visam contar com as contribuições desse campo de estudos para produzir textos mais persuasivos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 ABREU A S Breves considerações sobre a arte de Argumentar In FIGUEIREDO M F MENDONÇA M C ABRIATA V L R Orgs Sentidos em movimento identidade e argumentação Franca UNIFRAN 2008 p 6390 Coleção Mestrado 3 2 ARISTÓTELES Retórica Trad Manuel Alexandre Júnior Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena São Paulo Folha de São Paulo 2015 Coleção Folha grandes nomes do pensamento 1 3 BÍBLIA SAGRADA Disponível em httpwwwippborgbrtextostextos periodicos128oamoreodomsupremocorintiosicap13vers1a13 Acesso em 15 nov 2015 4 FERREIRA L A Leitura e persuasão princípios de análise retórica São Paulo Contexto 2010 Coleção Linguagem e Ensino ReVEL edição especial vol 14 n 12 2016 ISSN 16788931 59 5 FIGUEIREDO M F publicado originalmente como BOLLELA M F F P A prosódia como instrumento de persuasão In LOUZADA M S O NASCIMENTO E M F S OLIVEIRA M R M Orgs Processos enunciativos em diferentes linguagens Franca UNIFRAN 2006 p 113128 Coleção Mestrado 1 6 MEYER M Questões de retórica linguagem razão e sedução Trad António Hall Lisboa Edições 70 1998 7 PERELMAN C O império retórico retórica e argumentação Trad Fernando Trindade e Rui Alexandre Grácio Porto Asa 1993 8 OLBRECHTSTYTECA L Tratado da argumentação a nova retórica Trad Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão 2 ed São Paulo Martins Fontes 2005 9 REBOUL O Introdução à retórica Trad Ivone Castilho Benedetti 2 ed São Paulo Martins Fontes 2004 10 RICOEUR A metáfora viva Trad Dion Davi Macedo São Paulo Loyola 2000 11 WAYHS J P F A argumentação e a utopia de um modelo ideal 2011 Disponível em httpwwwboccubiptpagwayhsjoaoaargumentacaoea utopiadeummodeloidealpdf Acesso em 22 nov 2015 ABSTRACT According to Aristotle rhetoric was understood as the ability to discover in each case what is suitable for persuasion Among the issues addressed by him in his systematization of the rhetorical studies we have selected to compose this article the organization of the rhetorical discourse with regard to both the steps of the argumentative process and the parts of speech This theoretical cut was due to our belief that this is a relevant subdivision for understanding the creation and development of speech process as well as for the analysis and interpretation of argumentative aspects of texts in general In order to elucidate the two selected topics we depart from the foundations systematized by Aristotle in classical rhetoric to then wend the ways of his successors and reach the new rhetoric in the present time For this we will count on the contributions by Meyer 1998 Reboul 2004 Abreu 2008 Ferreira 2010 Perelman 1993 and Perelman and OlbrechtsTyteca 2005 Through these authors we seek to clarify the distinction between the steps of the argumentative process and the parts of speech by believing that this is a relevant issue for those who are willing to analyze different texts by the bias of Rhetorical Studies as well as those who seek to rely on the contributions of this field of studies to produce more persuasive texts Keywords rhetoric steps of the argumentative process parts of speech reading and writing A ATIVIDADE CONSISTE EM Tendo como referência o texto Preparação construção e as partes do discurso retóricopdf disponível logo abaixo faça uma análise do discurso veiculado no vídeo indicado abaixo Sustentação Oral no STF Técio Lins e Silva pelo IAB ADPFs 395 e 444 Condução Coercitiva contido no link httpswwwyoutubecomwatchvVZWsBq4pvgo O texto deve ter apenas uma lauda digitado fonte Arial ou Time News Roman tamanho 12 espaçamento simples Observação entregar o texto impresso Segue algumas perguntas que te ajudarão a analisar o discurso e compor seu texto ATENÇÃO estas perguntas são apenas para orientar a composição do texto não é para respondêlas em forma de questionário É para ajudar você a fazer a redação do texto a Quem é o autor b Quem é seu público auditório c Quando e onde o texto discurso foi produzido d Com que finalidade o discurso foi produzido e O que o orador autor defendeu tese e que argumentos utilizou para provar sua tese f Analisar a partes do discurso exordio e a peroração explicando cada de suas partes detalhadamente g Como foi a elocução do discurso h Como apareceram os meios de persuasão ethos pathos e logos no discurso i Faltou algum elemento da retórica neste discurso h Orador conseguiu o objetivo pensado para o seu discurso Qual foi a falha que ele cometeu e que você evitar cometer