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O império do direito Ronald Dworkin Ronald Dworkin é na atualidade o principal filósofo do Direito O Império do Direito é uma obra importante necessária e rica de Filosofia do Direito escrita no estilo vivo e incisivo a que os leitores de Dworkin já se habituaram Apresenta uma concepção de lei que explica o porquê da lei americana embasada em uma teoria política que mostra por que é possível concebêla dessa maneira Dworkin pretende em última análise fazer uma espécie de unificação no campo teórico da justificação moral uma teoria que possa unificar moral individual justificação legal e legitimação política Imagem dn capa Nicola Lancrec Rettnuki do Pariansertto de Paris de 22 de fevereiro de J 72 I O IMPÉRIO DO DIREITO r i i í r nç O IMPÉRIO DO DIREITO Ronald Dworkin Tradução JEFFERSON LUIZ CAMARGO Revisão técnica DR GILDO RIOS Faculdades Santo Agostinho 004509 0lmpério do direito Martins Fontes Sao Paulo 1999 r Csltí obro foi guNicadu ttriuntalnvnie cm inales i o título LAWS ZMPiRE por Hanard ÍÜHíeruy Prets Çijpyrighi ft6 by ROHJÍÚ Dnwivrf Publicado atraWi d acordo com Harwjrd Unixersity Prtss Copyright Livraria Martins Fontes Editoro Lida Soo Paulo i999 paia a presente tdidv 1 dição icieiio de 1999 Traduçáu JEFFERSON LUIZ CAMARGO Revbáu létnka Gtldô Letráo Riat Revisão da Iruduçâu Silvana Vretra RetfeáogrAca Iveie Batista Jus Santos Márcia da Cru Nóbva Leme Produção gráfica Geraldo Alves PaxinaçàyFutolUu5 Siudto J Deswolvintcntv Editorial lf95653 Dados Intefnackifuis de CabiluKaçáo ru PulHcaçáo CIP Caman Brasileira do Livro SP tfraal Dworkin Kofíald 0 império do direito Ronald Doriun tradução Jenersn Luu Camargo Sio Paulo Martins Fume 1999 Ensino superiorj Título original Ljw empire Bihliugrdtla ISBN S5 3361012 2 1 CtHTiinon Idw 2 Direiio filosofia 3 Jurisprudência l Tiuilo I Série jitdke para catalogo sitie milico I Direito Filowstia 34012 Todoi ox direitos para o BHISII resenodos à Livraria Martins fontes Editora Lida Rua Çoiisefbcàv Ramalho 330J4O II 325000 Sòo Paulo SP Brastl Te 01D2J9J677 Fixi0iít S10M67 etnoil iitfíniartwfoiile com htlf tSwwnun fiiisfftites om Sumário Prefácio XI Capítulo I O que é o direito 3 Por que é importante Divergências quanto ao direito O direito como simples questão de fato Uma objeção limi nar O mundd real Teorias semânticas do direito O verdadeiro argumento em favor das teorias semânticas Capítulo II Conceitos de interpretação f 55 O aguilhâo semântico Um exemplo imaginário Um pri meiro exame da interpretação Interpretação e intenção do autor A arte e a natureza da intenção lijtenções e práti cas Etapas da interpretação Filósofos da cortesia Uma digressão a justiça Ceticismo sobre a interpretação Capítulo III A jurisprudência revisitada 109 Uma nova imagem Conceitos e concepções do direito Concepções céticas e direito iníquo Fundamentos e força do direito Capítulo IV Convencionalismo 141 Sua estrutura Sua atração As convenções jurídicas Dois tipos de convencionalismo O convencionalismo se ajusta à nossa prática O convencionalismo justifi ca a nossa prática Capitulo V Pragmatismo e personificação 185 Uma concepção cética O pragmatismo é conveniente O direito sem direitos As exigências da integridade A comunidade personificada Capítulo VI Integridade 213 Programa A integridade se ajusta A integridade é atraente O enigma da legitimidade As obrigações da comunidade Fraternidade e comunidade política Notas desordenadas ao fim de um capítulo Capitulo VII Integridade no direito 271 Uma visão de conjunto A cadeia do direito Direito a questão dos danos morais Resumo provisório Al gumas objeções conhecidas O ceticismo no direito Capítulo VIII O common law 333 A interpretação econômica Complexidades A ques tão da justiça O dever utilitarista A interpretação igualitária Igualdade e custo comparativo Pessoas privadas e órgãos públicos Capítulo IX As leis 377 A intenção legislativa A intenção do locutor Convic ções O método de Hércules A história legislativa As leis ao longo do tempo Quando a linguagem é clara Capítulo X A constituição 425 O direito constitucional estaria baseado em um erro Liberais e conservadores Historicismo Passivismo urcules no Olimpo Teorias de igualdade racial A decisão do caso Brown A decisão do caso Bakke Hércules é um tirano Capítulo XI O direito além do direito 477 A autopurificação do direito Os sonhos do direito Epílogo o que é o direito índice remissivo 493 r Para Betsy Prefácio Biblioteca SAHTO AGOSTINHO Vivemos na lei e segundo o direito Ele faz de nós o que somos cidadãos empregados médicos cônjuges e proprietá rios E espada escudo e ameaça lutamos por nosso salário recusamonos a pagar o aluguel somos obrigados a pagar nos sas multas ou mandados para a cadeia tudo em nome do que foi estabelecido por nosso soberano abstrato e etéreo o direito E discutimos os seus decretos mesmo quando os livros que supostamente registram suas instruções e determinações nada dizem agimos então como se a lei apenas houvesse sussurra do sua ordem muito baixinho para ser ouvid com nitidez Somos súditos do império do direito vassalos de seus métodos e ideais subjugados em espírito enquanto discutimos o que de vemos portanto fazer Como se explica isso Como pode a lei comandar quando os textos jurídicos emudecem são obscuros ou ambíguos O presente livro expõe de corpo inteiro uma resposta que venho desenvolvendo aos poucos sem muita continuidade ao longo de anos a de que o raciocínio jurídico é um exercício de inter pretação construtiva de que nosso direito constitui a melhor jus tificativa do conjunto de nossas práticas jurídicas e de que ele é a narrativa que faz dessas práticas as melhores possíveis Se gundo esse ponto de vista a estrutura e as restrições que carac terizam o argumento jurídico só se manifestam quando identifi camos e distinguimos as diversas dimensões freqüentemente conflitantes do valor politico os diferentes fios entretecidos no XII O IMPÉRIO DO DIREITO complexo juízo segundo o qual em termos gerais e após o exame de todos os aspectos uma interpretação torna a história do di reito a melhor de todas Este livro aprimora expande e ilustra essa concepção dò direito Aprofunda suas bases numa politica mais geral de integridade comunidade e fraternidade Examina suas conseqüências para a teoria jurídica abstrata e em seguida para uma série de casos concretos levantados pelo common law pela legislação e pela Constituição Utilizo vários argumentos procedimentos e exemplos que já empreguei anteriormente ainda que em cada caso o faça de maneira diferente e espero aperfeiçoada Essa repetição é deliberada permite que muitas discussões e exemplos sejam aqui mais concisos uma vez que os leitores que desejarem examinálos mais detalhadamente para além do nível necessá rio à argumentação do presente livro poderão consultar as referências que apresento para um tratamento mais aprofunda do Muitas dessas discussões mais longas podem ser encon tradas em A Matter of Principie Cambridge Mass e Londres 1985 Este livro como qualquer obra sobre a teoria do direito aborda algumas questões complexas e já muito estudadas da filosofia geral Para evitar interromper o argumento geral com digressões sobre esses temas sempre que possível retomeios em longas notas ao texto principal Também usei essas notas para discussões complementares de certos argumentos de au toria de outros juristas Não me preocupei em descobrir até que ponto este livro altera ou substitui posições que tenha defendido em livros anteriores Ainda assim talvez convenha observar já de início de que modo o livro aborda duas posições que foram muito comentadas Em Taking Righis Seriously apresentei argumen O common law ou commune ley foi conforme a lição de René David René David O direito inglês Martins Fontes 1977 pp 411 desen volvido pelos tribunais reais ingleses valendo para todo o reino diferente mente dos costumes locais aplicados pelas jurisdições tradicionais ligadas aos senhores feudajs Preferiuse manter c o m o freqüente em outras obras a ex pressão inglesa uma vez que a tradução direito comum ou direito geral é muito ambígua N do R T PREFÁCIO XIII tos contra o positivismo jurídico que enfatizavam a fenomeno logia da decisão judicial afirmei que caracteristicamente os juízes sentem uma obrigação de atribuir a decisões passadas aquilo que chamo de força gravitacionar e que essa obriga ção contradiz a doutrina positivista do poder discricionário do juiz O presente livro particularmente no capítulo i y enfatiza mais as deficiências interpretativas do positivismo que suas falhas fenomenológicas embora no fundo sejam as mesmas Durante muitos anos também argumentei contra a alegação positivista de que não podem existir respostas certas a ques tões jurídicas polêmicas mas apenas respostas diferentes insisti em que na maioria dos casos difíceis existem respostas certas a ser procuradas pela razão e pela imaginação Na inter pretação de alguns críticos o que eu quis dizer era que nesses casos uma resposta poderia ser demonstrada para todos como correta de forma incontestável ainda que eu tenha enfatizado desde o início que a questão de se podemos ou não ter razão ao considerarmos certa uma resposta é diferente da questão de se poder ou não demonstrar que tal resposta é certa No pre sente livro sustento que os críticos não conseguem compreen der do que trata de fato a controvérsia sobre respostas certas aquilo que ela deve ser caso a tese dos céticos de que não existem respostas certas seja considerada como qualquer um dos argumentos contra a teoria do direito que defendo Afirmo que na verdade a controvérsia diz respeito à moral não à metafísica e que entendida como umaquestão moral a tese da inexistência de respostas certas é muito pouco convincente tanto do ponto de vista moral quanto jurídico De modo geral evitei comparar minhas opiniões com as de outros filósofos do direito e da política clássicos ou con temporâneos ou demonstrar até que ponto fui influenciado por suas obras ou delas extraí quaisquer elementos Este livro tampouco é um exame das idéias recentes em jurisprudência Nele discuto em profundidade várias concepções atuais no âmbito da teoria jurídica inclusive o positivismo moderado do direito a análise econômica do direito e o movimento críti co dos estudos jurídicos bem como as teorias passivas e XIV O IMPÉRIO DO DIREITO das intenções dos legisladores constitucionais do direito cons titucional norteamericano Discutoas porém porque suas afirmações interferem no argumento que apresento e deixo de considerar muitos filósofos do direito cuja obra é de igual ou maior importância Frank Kermode Sheldon Leader Roy McLees e John Oakley leram individualmente uma prova de parte substan cial do livro e fizeram extensos comentários Sua ajuda foi inestimável cada um impediu a seu modo que eu cometesse erros graves contribuindo com exemplos importantes desco brindo problemas que eu deixara passar e levandome a repen sar certos argumentos Jeremy Waldron leu e melhorou o capí tulo VI e Tom Grey fez o mesmo com o capítulo II A maioria das notas com exceção das mais longas foi preparada por William Ewald William Riesmati e especialmente por Roy McLees qualquer valor que o livro possa ter como fonte de re ferências fica inteiramente a seu crédito Sou grato ao genero so apoio do Fundo de Pesquisas Filomen DAgostino e Max E Greenberg da Faculdade de Direito da New York University Também agradeço a David Erikson da Xyquest Inc que vo luntariamente fez adaptações especiais ao extraordinário pro grama de processamento de texto dessa empresa o XyWrite III para que eu pudesse usálo neste livro Peggy Anderson da Harvard University Press foi excepcionalmente prestativa e paciente ao tolerar mudanças de última hora Também sou grato a outras pessoas Meus colegas da co munidade jurídica da GrãBretanha sobretudo John Finnis H L A Hart Nei MacCormick Joseph Raz e William Twining foram os pacientes professores de um aluno obtuso e meus amigos da Faculdade de Direito da New York University em especial Lewis Kornhauser William Nelson David Richards e Laurence Sager foram uma fonte inesgotável de discernimen As pessoas que redigiram a Constituição The framers of the Cons titution ou que redigem leis ordinárias The framers of the 1986 act N d o T PREFÁCIO X V to e conselhos Sou grato acima de tudo aos prestigiosos críti cos que tive a sorte de atrair no passado este livro poderia ter sido dedicado a eles Responder às críticas tem sido para mim o lado mais produtivo de todo o meu trabalho Espero ter a mesma sorte novamente f O IMPÉRIO DO DIREITO Capítuio I O que é o direito Por que é importante É importante o modo como os juízes decidem os casos É muito importante para as pessoas sem sorte litigiosas más ou santas o bastante para se verem diante do tribunal Learned Hand que foi um dos melhores e mais famosos juízes dos Estados Unidos dizia ter mais medo de um processo judicial que da morte ou dos impostos Os processos criminais são os mais temidos de todos e também os mais fascinantes para o público Mas os processos civis nos quais um pessoa pede que outra a indenize ou ampare por causa de algum dano cau sado no passado ou ameaça de dano têm às vezes conseqüên cias muito mais amplas que a maioria dos processos criminais A diferença entre dignidade e ruína pode depender de um sim ples argumento que talvez não fosse tão poderoso aos olhos de outro juiz ou mesmo o mesmo juiz no dia seguinte As pes soas freqüentemente se vêem na iminência de ganhar oujer der muito mais em decorrência de um aceno de cá5eça do juiz do que de qualquer norma geral que provenha do legislativo Os processos judiciais são importantes em outro aspecto que não pode ser avaliado em termos de dinheiro nem mesmo de liberdade Há inevitavelmente uma dimensão moral asso Mão Sábia N d o T 4 O IMPÉRIO DO DIREITO ciada a um processo judicia legal e portanto um risco perma nente de uma forma inequívoca de injustiça pública Um juiz deve decidir não simplesmente quemvai ter o quê más quem agiu bem quem cumpriu com suas responsabilidades de cida daõ e quem de propósito poi cobiça ou insensibilidade igno rou suas próprias responsabilidades para com os outros ou êxàgêrõiTas responsabilidades dos outros para consigo mes mo Se esse julgamento for injusto então a comunidade terá infligido um dano moral a um de seus membros por têlo estig matizado em certo grau ou medida como foradalei O dano é mais grave quando se condena um inocente por um crime mas já é bastante considerável quando um queixoso com uma alegação bem fundamentada não é ouvido pelo tribunal ou quando um réu dele sai com um estigma imerecido São estes os efeitos diretos de um processo judicial sobre as partes e seus dependentes Na GrãBretanha e nos Estados Unidos entre outros países as decisões judiciais também afe tam muitas outras pessoas pois a íei freqüentemente se torna aquilo que o juiz afirma As decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos pór exemplo sáo de importância notória nesse sentido Essa Corte tem o poder de revogar até mesmo as decisões mais ponderadas e populares de outros setores do governo se acreditar queelassão contrárias à Constituição téndò portanto a última palavra na questão de se e como os estados podem executar assassinos proibir abortos ou exigir preces nas escolas públicas ou se o Congresso pode ou não convocar soldados para lutar numa guerra ou forçar um presi dente a tornar públicos os segredos de seu gabinete Quando a Corte decidiu em 1954 que nenhum Estado tinha o direito dé segregarasescolas públicas por raça levou o país à mais pro funda revolução social já deflagrada por qualquer outra insti tuição política à Suprema Corte é o testemunho mais significativo do poder judiciário mas as decisões de outros tribunais também costumam ser de grande importância em termos gerais Aqui 1 Brown vs BoardofEduc 347 US 4S6 1954 O QUE È O DIREITO 5 estão dois exemplos retirados quase aleatoriamente da histó ria jurídica inglesa No século XIX os juízes ingleses declara ram que o operário de uma fábrica não podia exigir indeniza ção judicial de seu patrão se tivesse sido lesado devido à negli gência de outro operário3 Afirmavam que um trabalhador assume o risco da imprudência de seus companheiros de trabalho e que de qualquer modo o trabalhador sabe melhor que seu empregador quem são os operários imprudentes e tal vez tenha mais influência sobre eles Essa norma que parecia menos tola quando as imagens darwinianas do capitalismo eram mais populares teve um profundo efeito sobre a lei das indeni zações por acidentes de trabalho até que foi definitivamente abandonada1 Em 1975 a Câmara dos Lordes a mais alta corte britânica criou leis estipulando por quanto tempo um oficial de gabinete deveria esperar depois de aposentarse para publi car relatos de reuniões confidenciais do gabinete1 Essa deci são determinou a quais arquivos oficiais têm acesso jornalistas e historiadores contemporâneos que criticam um governo e des se modo afetou o comportamento do governo Divergências quanto ao direito Uma vez que é importante como se vê nesses diferentes casos o modo como os juízes decidem as causas também é importante saber o que eles pensam qué o direito e quando divergem sobre esse assunto o tipo de divergência que estão tendo também importa Há algum mistério nisso Sim mas precisamos de algumas distinções para saber qual é esse misté rio Os processos judiciais sempre suscitam pelo menos em principio três diferentes tipos de questões questões de fato questões de direito e as questões interligadas de moralidade 2 Prieslley vj Fowler 1837 3 M W 1 3 Ver Law Reform Personal Injuries Act 1948 35 flalsburys Siatutes of England 548 3 ed 4 AltorneyGeneral iy Jonalhan Cape Ltd 1975 3 Ali ER 484 6 O IMPÉRIO DO DIREITO política e fidelidade Em primeiro lugar o que aconteceu O fíõmèm que trabalhava no torno mecânico realmente deixou cair uma chave inglesa no pé de seu companheiro de trabalho Em segundo lugar qual é a lei pertinente A lei permite que um operário assim ferido obtenha indenização de seu patrão Por último se a lei negar o ressarcimento será injusto Se for injusto devem os juizes ignorar a lei e assegurar a indenização de qualquer modo A primeira dessas questões a questão de fato parece bas tante direta Se os juizes divergem quanto aos fatos concretos e históricos envolvidos na controvérsia sabemos sobre o que es tão divergindo e que tipo de evidência decidiria a questão caso ela estivesse disponível A terceira questão da moralidade e fidelidade é muito diferente apesar de igualmente conhecida As pessoas muitas vezes divergem quanto ao que é certo e er rado em termos morais e esse tipo de divergência não suscita nenhum problema especial quando se manifesta no tribunal Que dizer porém da segunda questão a do direito Advoga dos ç juízes parecem divergir com muita freqüência sobre a lei que rege um casoparecem divergir inclusive quanto àsfor Thas de verificação a serem usadasUm juiz propondo um con junto de provas afirma que a lei favorece o setor escolar ou o empregador e outro propondo um conjunto diferente acredita que a lei favorece os alunos da escola ou o empregado Se este é realmente um terceiro tipo de discussão distinta dos demais e diferente tanto das discussões sobre fato histórico quanto das discussões morais de que tipo de discussão se trata Sobre o que é a divergência Chamemos de proposições jurídicas todas as diversas afirmações e alegações aue as pessoas fazem sobre aquilo que a lêilhes permite proíbe ou autoriza As proposições jurídicas pòdém sérimHtõgerais a lei proíbe que os Est53õs neguem ã qualquer pessoa iguai proteção no contexto da acepção da Décima Quarta Emenda ou muito menos gerais a lei não prevê indenização para danos provocados por companheiros de trabalho ou muito concretas a lei exige que a Acme Corporation indenize John Smithpelo acidente de trabalho que O QUE Ê O DIREITO 1 sofreu em fevereiro último Juristas e juizes bem como as pessoas em gerai pressupõem que pelo menos algumas das proposições jurídicas podem ser verdadeiras ou falsas1 Mas ffüíguem pensa que elas possam refletir as declarações de al gum fantasma não se referem àquilo que o direito sussurrou aos planetas Os advogados na verdade falam sobre aquilo que a lei diz ou se a lei é muda sobre esta ou aquela ques tão Isto porém são apenas figuras de retórica Todos pensam que as proposições jurídicas são verdadei ras ou falsas ou nem uma coisa nem outra em virtude de outros tipos mais conhecidos de proposições dàTquais as pro posições jlmdlcas são parasitárias como poderíamos dizer Essas proposiçõesmais conhecidas oferecem aquilo que cha marei de fundamentos do direito A proposição de que nin guém podè dirigir a mais de 90 quilômetro s p o r horana Ca liTómíãéVêrdrrãpensaamaiorj3arte das pessoas porque a maioria dos legisladores daquele estadodisse sim ou leva tou a mão quando um texto sobre o assunto veio parar em suas mesas Podia não ser verdadeira se nada disso tivesse aconteci do não poderia então ser verdadeira apenas pelo que tivesse dito um fantasma ou peio que se tivesse encontrado no céu em tabuinhas transcendentais Agora podemos distinguir duas manein pelas quais advogados e juízes poderiam divergir a propósTFo dã verdade de uma proposição jurídica Eles poderiam estar de acordo so bre os fundamentos do direito sobre quándo a verdade ou fal sidade de outras proposições mais conhecidas torna uma pro posição jurídica específica verdadeira ou falsa mas pode riam divergir por não saberem se de fato aqueles fundamen tos Foram oBsèrváíõrem um determinado caso Advogados e juízes podem concordar por exemplo que a velocidadelimite na Califórnia é de 90 quilômetros por hora se a legislação des 5 É o que fazem os que corrigem exames rias escolas de direito Algu mas pessoas nào gostam de utilizar os termos verdadeiro e falso dessa for ma mas gostam de dizer que as proposições jurídicas podem ser bem funda das ou infundadas ou algo do gênero que no presente caso vem a dar no mesmo Vera discussão sobre ceticismo em direito nos capítulos l i e VII 8 O IMPÉRIO DO DIREITO se estado contiver uma lei nesse sentido mas podem divergir quanto ao fato de ser este o limite de velocidade por discòrdà rem quanto à existência de tal lei na legislação estadual vieen te Poderíamos dar a isso o nqme de divergência empírica so Ere o direito Oueles poderiam discordar quanto aos funda mentos do direito sobre quais òutrós tipos dê proposições quan do verdadeiras tornam verdadeira uma certa proposição jurí dica Podem concordar empiricamente quanto àquilo que os repertórios de legislação e as decisões judiciais precedentes têm a dizer sobre a indenização por danos provocados por compa nheiros de trabalho mas discordar quanto àquilo que a lei das indenizações realmente é por divergirem sobre a questão de se o corpus do direito escrito e as decisões judiciais esgotam ou não os fundamentos pertinentes do direito Poderíamos dar a isso o nome de divergência teórica sobre o direito A divergência empírica sobre o direito quase nada tem de misteriosa Ás pessõaspõ3em divergir a propósito de quais pa lavras estão nos códigos da mesma maneira que divergem so bre quaisquer outras questões de fato Mas a divergência teóri ca no direito a divergência quanto aos Andamentos do direito é mais problemática Mais adiante neste capítulo veremos que advogados e juízes têm de fato divergências teóricas Di vergem por exemplo sobre o que o direito realmente é sobre a questão da segregação racial ou dos acidentes de trabalho mesmo quando estão de acordo sobre quais leis foram aplica das e sobre o que as autoridades públicas disseram e pensaram no passado De que tipo de divergência se trata Como nós pró prios julgaríamos quem tem o melhor argumento O público em geral parece bastante alheio a esse proble ma na verdade parece bastante alheio à divergência teórica sobre o direito O público está muito mais preocupado com a questão da fidelidade Políticos editorialistas e cidadãos co muns discutem às vezes acaloradamente a questão de saber se os juízes dos grandes processos que atraem a atenção pública descobrem ou inventam o direito que anunciam esgjn ventar o direito é estadística ou tirania Mas a questão da fide lidade quase nunca é muito veemente nos tribunais angloame O QUE Ê O DIREITO 9 ricanos nossos juízes raramente refletem sobre se devem ou não observar o direito uma vez que tenham decidido qual seu verdadeiro sentido e o debate público é na verdade um exem plo ainda que extremamente disfarçado da divergência teóri ca sobre o direito Num sentido trivial é inquestionável que os juízes criam novo direito toda vez que decidem um caso importante Anun ciam uma regra um princípio uma ressalva a uma disposição por tíXfcmpIo de que a segregação é inconstitucional ou que os operários não podem obter indenização em juízo por danos provocados por companheiros de trabalho nunca antes ofi cialmente declarados Em geral porém apresentam essas no vas formulações j uridic as como reíatos aperfeiçoados daquilo qüè o direito já é se devidamente compreendido Alegam em outras palavras que a nova formulação se faz necessária em função da correta percepção dos verdadeiros fundamentos do direito ainda que isso não tenha sido previamente reconheci do ou tenha sido inclusive negado Portanto o debate público sobre a questão de se os juízes descobrem ou inventam o direito constitui na verdade umdebate sobre se e quando essa ambiciosa pretensão é verdadeira Sealguém diz que os juízes descobriram a ilegalidade da segregação nas escolas é porque já acreditava que a segregação era de fato ilegal mesmo antes da decisão que a declarou como tal e ainda que nenhum tribu nal tivesse afirmado isso anteriormente Se alguém diz que eles inventaram essa parte do direito quer dizer que a segrega ção não era ilegal antes e que os juízes mudaram o direito com sua decisão Esse debate seria suficientemente claro e pode ria ser resolvido com facilidade pelo menos caso a caso se todos estivessem de acordo quanto ao que é o direito se não houvesse divergência teórica sobre os fundamentos do direito Então seria fácil verificar se o direito antes da decisão da Su prema Corte era de fato aquilo que tal decisão declarou ser Contudo tendo em vista que advogados e juízes realmente di vergem no campo teórico o debate sobre a questão de se os juízes criam ou encontram o direito faz parte dessa divergèn 10 O IMPÉRIO DO DIREITO cia ainda que em nada contribua para resolvêla uma vez que a verdadeira questão nunca vem à tona O direito como simples questão de fato Por incrível que pareça nossa doutrina não tem nenhuma teoria plausível acerca da divergência teórica no direito Os filósofos do direito estão sem dúvida conscientes de que a divergência teórica é problemática de que não é claro à pri meira vista de que tipo de divergência se trata Mas a maioria deles já se decidiu por aquilo que como logo veremos é mais uma evasiva que uma resposta Afirmam que a divergência teórica é uma ilusão que na verdade advogados e juízes estão de acordo quanto aos fundamentos da lei Darei a isso o nome de ponto de vista da simples questão de fato dos fundamentos do direito aqui está uma exposição preliminar de suas princi pais alegações O direito nada mais é que aquilo que as insti tuições jurídicas como as legislaturas as câmaras municipais e os tribunais decidiram no passado Se alguma corporação desse tipo decidiu que os trabalhadores podem ser indenizados por danos ocasionados por colegas de trabalho será isso en tão o direito Se a decisão for contrária então este será o direi to Portanto as questões relativas ao direito sempre podem ser respondidas mediante o exame dos arquivos que guardam os registros das decisões institucionais É claro que se necessita de uma formação especial para saber onde procurar e como com preender o misterioso vocabulário em que tais decisões são escritas O leigo não possui essa formação ou vocabulário mas os advogados sim e portanto não pode haver controvérsia en tre eles quanto ao direito assegurar ou não a indenização por danos ocasionados por companheiros de trabalho por exem plo a menos que algum deles tenha cometido um erro empíri co a propósito daquilo que na verdade foi decidido no passa do Em outras palavras o direito existe como simples fato e o que o direito é não depende de modo algum daquilo que ele deveria ser Por que então advogados e juízes às vezes pare O QUE O DIREITO 11 cem ter uma divergência teórica sobre o direito Porque quan do eles parecem estar divergindo teoricamente sobre o que é o direito estão na verdade divergindo sobre aquilo que ele deve ria ser Divergem de fato quanto a questões de moralidade e fidelidade não de direito A popularidade desse ponto de vista entre os teóricos do direito ajuda a explicar por que os leigos quando pensam nos tribunais se preocupam mais com a conformidade para com o direito do que com qual é o direito Se os juizes se dividem em algum grande processo e se sua divergência não pode dizer respeito a nenhuma questão de direito por ser este uma ques tão apenas de fato que se decide facilmente entre advogados bem informados um dos lados deve estar desobedecendo à lei ou ignorandoa e este deve ser o lado que sustenta uma deci são inusitada no sentido trivial do termo Assim a questão da fidelidade é a questão que exige um debate público e a atenção do cidadão precavido Na GrãBretanha e nos Estados Unidos a opinião mais popular insiste em que os juízes devem sempre a cada decisãoseguir o direito em vez de tentar aperfeiçoálo Eles podem não gostar do direito que encontram este pode exigir que despejem uma viúva na véspera do Natal sob uma tempestade de neve mas ainda assim devem aplicálo Infe lizmente de acordo com essa opinião popularalguns juízes não aceitam essa sábia submissão velada ou abertamente sub metem a lei a seus objetivos ou opiniões políticas São estes os maus juízes os usurpadores os destruidores da democracia Essa é a resposta mais popular à questão da fidelidade mas não é a única Algumas pessoas sustentam o ponto de vis ta contrário de que os juízes devem tentar melhorar a lei sem pre que possível que devem ser sempre políticos no sentido deplorado pela primeira resposta Na opinião da minoria o mau juiz é o juiz rígido e mecânico que faz cumprir a lei pela lei sem se preocupar com o sofrimento a injustiça ou a ineficiência que se seguem O bom juiz prefere a justiça à lei As duas versões do ponto de vista do leigo a conserva dora e a progressista baseiamse na tese acadêmica de que o direito vigente é uma simples questão de fato mas sob cer 0 12 O IMPÉRIO DO DIREITO tos aspectos a tese acadêmica é mais sofisticada A maioria dos leigos supõe que nos repertórios existem normas jurídi cas para decidir cada questão que se possa trazer à presença de um juiz A versão acadêmica do ponto de vista da simples questão de fato nega tal concepção Ela enfatiza que o direito pode ser silencioso a propósito do litígio em questão porque nenhuma decisão institucional anterior emite sobre ele qual quer opinião Talvez nenhuma instituição competente jamais tenha decidido se os trabalhadores podem ou não pedir indeni zação por danos provocados por colegas de trabalho Ou o direito pode silenciar porque a decisão institucional pertinente apenas estipulou vagas diretrizes ao declarar por exemplo que um locador deve dar a uma viúva um tempo razoável para pagar seu aluguel Nessas circunstâncias de acordo com a ver são acadêmica nenhuma decisão pode fiarse em que aplicar a lei é preferível a mudála O juiz portanto não tem nenhuma opção a não ser exercer seu discernimento para criar uma nova norma preenchendo as lacunas onde o direito silencie e tor nandoo mais preciso onde for vago Nada disso justifica o ponto de vista da simples questão de fato segundo o qual o direito é sempre uma questão de fato histórico e nunca depende da moralidade Apenas acrescenta que em certas ocasiões advogados experientes podem desco brir que não existe absolutamente norma jurídica alguma To das as questões sobre a natureza do direito têm ainda uma resposta histórica categórica embora algumas tenham respos tas negativas A questão da fidelidade è então substituída por uma questão diferente igualmente distinta da questão do direi to que podemos chamar de questão da reparação O que fariam os juizes na ausência da norma jurídica Essa nova questão po lítica abre espaço a uma divergência de opiniões muito seme lhante à divergência original sobre a questão da fidelidade pois os juízes que não têm escolha a não ser criar um novo direito podem introduzir ambições diferentes nessa iniciativa Devem preencher as lacunas com prudência preservando ao máximo o espírito do ramo do direito em questão Ou devem fazêlo democraticamente tentando chegar ao resultado que segundo O QUE O DIREITO 13 acreditam represente a vontade do povo Ou devem arriscar se tentando tornar o direito resultante tão justo e sábio quanto possível em sua opinião Cada uma dessas atitudes muito diferentes tem seus partidários nos cursos de direito e nos dis cursos que se seguem aos jantares nas organizações profissio nais São as bandeiras desgastadas pelo uso das cruzadas da ciência do direito Alguns juristas acadêmicos extraem conclusões especial mente radicais da sofisticada versão do ponto de vista do direi to como simples questão de fato6 Afirmam que as decisões institucionais do passado não somente às vezes mas quase sempre são vagas ambíguas ou incompletas e com freqüên cia também incompatíveis ou mesmo incoerentes Concluem que realmente nunca existe direito relativo a nenhum tópico ou questão mas apenas retórica que os juízes utilizam para mas carar decisões que na verdade são ditadas por preferências ideológicas ou de classe A seqüência que descrevi da con fiante crença do leigo em que o direito está por toda parte até a zombeteira descoberta do cínico de que ele absolutamente não existe é o curso natural seguido pela convicção uma vez que aceitemos o ponto de vista do direito como simples ques tão de fato e sua conseqüente alegação de quea divergência teórica é apenas política disfarçada Pois quantomais aprende mos sobre o direito mais nos convencemos de que nada de im portante sobre ele é totalmente incontestável Devo acrescentar que o ponto de vista da simples questão de fato não é aceito por todos E muito popular entre os leigos e os escritores acadêmicos cuja especialidade é a filosofia do direito Mas é rejeitado nas explicações que advogados e juízes ponderados e atuantes fazem de seu trabalho Eles talvez endos sem o modelo do simples fato como uma peça da doutrina for 6 Tenho em mente os realistas jurídicos discutidos mais adiante nes te mesmo capitulo cumo Jerume Frank Law and lhe Modem Mind Nova York 1949 e o movimento dos estudos jurídicos críticos discutido no capítulo VII ver de modo geral 38 Stanford Law Review 1674 1984 sim pósio sobre os conhecimentos criticojurídicos 14 O IMPÉRIO DO DIREITO mal sempre que solicitados em tom devidamente grave a emi tir sua opinião sobre o que é o direito Em momentos de menos reserva porém contarão uma história diferente mais românti ca Dirão que direito é instinto que não vem explicitado numa doutrina que só pode ser iUentificado por meio de técnicas especiais cuja descrição ideal é impressionista quando não mis teriosa Dirão que julgar é uma arte não uma ciência que o bom juiz mistura analogia ciência sabedoria política e a consciên cia de seu papel para chegar a uma decisão intuitiva que ele vê o direito com mais clareza do que consegue explicálo de tal modo que sua opinião escrita por mais cuidadosamente ra cional que possa ser nunca será capaz de apreender a plenitude de seu discernimento7 Muito freqüentemente acrescentam aquilo que acreditam ser uma modesta retratação Dizem que não existem respostas certas mas apenas respostas diferentes a difíceis questões jurí dicas que em última análise o discernimento é subjetivo que é apenas o que parece certo seja o que for a um determinado juiz em um determinado momento Na verdade porém essa modéstia contradiz o que eles dizem primeiro pois quando os juizes finalmente decidem de um jeito ou de outro consideram seus argumentos melhores do que os argumentos contrários e não simplesmente diferentes embora possam pensar a esse respeito com humildade desejando que sua confiança fosse maior ou que dispusessem de mais tempo para decidir ainda assim é naquilo que acreditam De qualquer maneira o ponto de vista romântico da ciência é insatisfatório é excessiva mente desestruturado por demais complacente com os misté rios que cultiva para ser considerado uma teoria avançada do que seja o argumento jurídico Precisamos disciplinar a idéia do direito como ciência ver de que modo a estrutura do ins tinto jurídico difere de outras convicções que as pessoas pos sam ter sobre o governo e a justiça 7 Ver por exemplo Benjamin Cardozo The Naiure of lhe Judicial Process em especial pp 16580 New Haven 1921 O QUE É O DIREITO 15 Ainda não apresentei as razões para minha alegação de que o ponto de vista do direito como simples fato que predo mina nos meios acadêmicos é mais uma evasiva do que uma teoria Precisamos de exemplos concretos de divergência teóri ca que fornecerei em breve Mas se eu estiver certo estare mos numa situação difícil Se leigos professores de direito advogados em exercício e juízes não têm uma boa resposta para a pergunta de como é possível a divergência teórica e do que se trata não dispomos do essencial de um aparato razoável que nos permita fazer uma crítica inteligente e construtiva da atuação de nossos juízes Nenhum ministério é mais importan te que nossos tribunais e nenhum é tão inteiramente mal com preendido pelos governados A maioria das pessoas tem opi niões bastante claras sobre o modo como congressistas pri meirosministros presidentes ou ministros das Relações Exte riores devem desempenhar suas funções e opiniões claras so bre o verdadeiro comportamento dessas autoridades Mas a opinião popular sobre os juízes e o exercício da justiça é um caso lamentável de frases vazias e aí incluo as opiniões de muitos juízes e advogados em exercício sempre que escrevem ou falam sobre aquilo que fazem Tudo isso é vergonhoso o que é apenas uma parte do dano Afinal temos jtoteresse peio direito não só porque o usamos para nossos próprios propósi tos sejam eles egoístas ou nobres mas porque o direito é a nossa instituição social mais estruturada e reveladora Se com preendermos melhor a natureza de nosso argumento jurídico saberemos melhor que tipo de pessoas somos Uma objeção liminar Este livro é sobre a divergência teórica no direito Seu objetivo é compreender de que tipo de divergência se trata e então criar e defender uma teoria particular sobre os funda mentos apropriados do direito É evidente porém que nele se aborda mais a prática judiciária do que os argumentos sobre o 16 O IMPÉRIO DO DIREITO direito e o livro negligencia grande parte daquilo que a teoria do direito também estuda Há muito pouco aqui sobre questões de fato por exemplo É importante o modo como os juizes decidem se um operário tem ou não o direito legal de ser inde nizado quando um companheiro de trabalho derruba uma chave inglesa em seu pé mas também importa saber como um juiz ou um júri decide que pelo contrário foi o próprio operá rio como alega o empregador que derrubou a chave inglesa no pé Também não discuto a administração adequada da deli beração judicial as soluções conciliatórias que os juízes de vem às vezes aceitar declarando o direito de modo um pouco diferente daquele que consideram mais perfeito com a finali dade de conquistar os votos de outros juízes por exemplo Es tou preocupado com a questão do direito não com as razões que os juízes possam ter para atenuar suas afirmações sobre o que é o direito Meu projeto também é limitado em outro senti do Concentrase na decisão judicial nos juízes togados mas estes não são os únicos protagonistas do drama jurídico nem mesmo os mais importantes Um estudo mais completo da prá tica do direito levaria em consideração os legisladores poli ciais promotores públicos assistentes sociais diretores de es colas e vários outros tipos de autoridades além de pessoas como banqueiros administradores e dirigentes sindicais que não são considerados funcionários públicos mas cujas deci sões também afetam os direitos jurídicos de seus concidadãos Alguns críticos estarão ansiosos por dizer a esta altura que nosso projeto não somente é parcial nesses vários aspec tos mas também é falho que teremos uma compreensão equi vocada do processo legal se dermos atenção especial aos ar gumentos doutrinários dos advogados acerca do que é o direi to Dizem eles que esses argumentos obscurecem e talvez pretendam obscurecer a importante função social do direito enquanto força ideológica e evidência Um bom entendimento do direito como fenômeno sociai exige na opinião desses críti cos uma abordagem mais científica sociológica ou histórica que dê pouca ou nenhuma atenção às complicações da doutrina O QUE È O DIREITO 17 sobre a correta caracterização do argumento jurídico Devemos nos voltar pensam eles para questões muito diferentes como estas até que ponto e de que modo são os juízes influenciados pela consciência de classe ou pelas circunstâncias econômicas As decisões judiciais tomadas nos Estados Unidos no século XIX desempenharam papel importante na formação da versão tipicamente norteamericana de capitalismo Ou será que essas decisões não passaram de espelhos que refletiam transforma ções e conflitos transformações que não ajudaram a promover e conflitos que não ajudaram a solucionar Estaremos nos des viando de questões sérias como essas advertem os críticos se nos deixarmos levar por argumentos filosóficos sobre se e por que as proposições jurídicas podem ser polêmicas tal como antropólogos que se deixassem envolver por debates teológicos sobre alguma cultura antiga e primitiva Essa objeção fracassa em decorrência de seus próprios critérios Pede realismo social mas o tipo de teoria que preco niza é incapaz de oferecêlo O direito é sem dúvida um fenô meno social Mas sua complexidade função e conseqüências dependem de uma característica especial de sua estrutura Ao contrário de muitos outros fenômenos sociais a prática do di reito é argumentativa Todos os envolvidos nesáà prática com preendem que aquilo que ela permite ou exige depende da ver dade de certas proposições que só adquirem sentido através e no âmbito dela mesma a prática consiste em grande parte em mobilizar e discutir essas proposições Os povos que dispõem de um direito criam e discutem reivindicações sobre o que o direito permite ou proíbe as quais seriam impossíveis por que sem sentido sem o direito e boa parte daquilo que seu direito revela sobre eles só pode ser descoberta mediante a ob servação de como eles fundamentam e defendem essas reivin dicações Esse aspecto argumentativo crucial da prática do direito pode ser estudado de duas maneiras ou a partir de dois pontos de vista Um deles é o ponto de vista exterior do soció logo ou do historiador que pergunta por que certos tipos de argumentos jurídicos se desenvolvem em certas épocas ou cir 18 O IMPÉRIO DO DIREITO cunstâncias e não em outras por exemplo O outro é o ponto de vista interior daqueles que fazem as reivindicações Seu in teresse não é em última análise histórico embora possam considerar a história relevante é prático exatamente no senti do que a presente objeção ridiculariza Essas pessoas não que rem que se especule sobre as reivindicações jurídicas que fa rão mas sim demonstrações sobre quais dessas reivindicações são bem fundadas e por quê querem teorias não sobre o modo como a história e a economia formaram sua consciência mas sobre o lugar dessas disciplinas na demonstração daquilo que o direito exige que elas façam ou tenham As duas perspectivas sobre o direito a externa e a interna são essenciais e cada uma delas deve incorpoTar ou levar em conta a outra O ponto de vista do participante inclui o do his toriador quando algum pleito jurídico apóiase numa questão de fato histórico quando por exemplo a questão de saber se a segregação é ou não ilegal voltase para os motivos dos políti cos que escreveram a Constituição ou daqueles que segrega ram as escolas8 A perspectiva do historiador inclui a do parti cipante de modo mais abrangente pois o historiador não pode compreender o direito como prática social argumentativa nem mesmo o suficiente para rejeitálo como enganador enquanto não tiver a compreensão de um participante enquanto não dis puser de sua própria opinião sobre o que se considera boa ou má argumentação no âmbito dessa prática Precisamos de uma teoria social do direito mas exatamente por essa razão ela deve fazer parte da doutrina jurídica Portanto serão perversas as teorias que em nome de questões supostamente mais amplas de história e sociedade ignorarem a estrutura do argumento jurídico Por ignorarem as questões sobre a natureza interna do argumento no direito suas explicações são pobres e incomple tas como as histórias da matemática se escritas na linguagem de Hegel ou de Skinner Foi Oliver Wendell Holmes penso que defendeu de modo raais convincente esse tipo de teoria exter 8 Essas possibilidades sâo discutidas rios capítulos IX e X O QUE É O DIREITO 19 na do direito a deprimente história da doutrina socioteórica em nosso século serve para nos mostrar quão errado ele estava Estamos ainda à espera de explicação e enquanto esperamos as teorias ficam cada vez mais programáticas e menos substan tivas mais radicais na teoria e menos críticas na prática Este livro adota o ponto de vista interno aquele do parti cipante tenta apreender a natureza argumentativa de nossa prática jurídica ao associarse a essa prática e debruçarse so bre as questões de acerto e verdade com as quais os participan tes deparam Estudaremos o argumento jurídico formal a partir do ponto de vista do juiz não porque apenas os juízes são im portantes ou porque podemos compreendêlos totalmente se prestamos atenção ao que dizem mas porque o argumento jurídico nos processos judiciais é um bom paradigma para a exploração do aspecto central proposicional da prática jurídi ca Os cidadãos os políticos e os professores de direito tam bém se preocupam com a natureza da lei e a discutem e eu poderia ter adotado seus argumentos como nossos paradigmas e não os do juiz Mas a estrutura do argumento judicial é tipi camente mais explícita e o raciocínio judicial exerce uma in fluência sobre outras formas de discurso legal que não é total mente recíproca r O mundo real Precisamos atenuar o peso das prodigiosas abstrações contidas nessas observações introdutórias Tentarei mostrar como a tese do simples fato distorce a prática jurídica e come çarei pela descrição de alguns casos reais que foram decididos por juízes ingleses e norteamericanos São casos famosos pelo menos entre os estudantes de direito e continuam a ser discutidos nas salas de aula Apresentoos aqui conjuntamen te por diversas razões Eles introduzem certos termos técnicos 9 Oliver Wendell Holmes The Path of the Law 10 Harvará Law Review 1897 20 O IMPÉRIO DO DIREITO aos leitores que não possuem formação em direito e oferecem novos exemplos de diferentes argumentos e discussões conti dos nos capítulos seguintes Espero que ofereçam de modo mais geral algum entendimento da textura e do tom verdadei ros dos argumentos jurídico Esta última razão é a mais im portante pois no fim das contas todos os meus argumentos são reféns da idéia que tem cada leitor sobre o que acontece e pode acontecer nos tribunais O caso Élmer Élmer assassinou o avô por envenenamento em Nova York em 1882 Sabia que o testamento deixavao com a maior parte dos bens do avô e desconfiava que o velho que voltara a casarse havia pouco pudesse alterar o testamento e deixálo sem nada O crime de Élmer foi descoberto ele foi declarado culpado e condenado a alguns anos de prisão Estaria ele legal mente habilitado a receber a herança que seu avô lhe deixara no último testamento Os legatários residuais incluídos no tes tamento habilitados a herdar se Élmer tivesse morrido antes do avô eram as filhas deste Como seus nomes não são men cionados vou chamálas aqui de Goneril e Regan Elas proces saram o inventariante do espólio exigindo que o patrimônio ficasse com elas e não com Élmer Argumentavam que como Élmer havia matado o testador seu pai a lei não lhe dava direi to a nada O direito relativo aos testamentos encontrase em sua maior parte disposto em leis especiais geralmente chamadas de leis sucessórias que determinam a forma que um testamen to deve ter para ser considerado legalmente válido quantas e que tipos de testemunhas devem assinar qual deve ser o estado mental do testador de que maneira um testamento válido uma vez firmado pode ser revogado ou alterado pelo testador e assim por diante A lei de sucessões de Nova York como mui 10 Riggsvs Palmer 115 Nova York 5Ü622 N E 188 1889 O QUE O DIREITO7 21 tas outras em vigor naquela época não afirmava nada explici tamente sobre se uma pessoa citada em um testamento poderia ou não herdar segundo seus termos se houvesse assassinado o testador O advogado de Élmer argumentou que por não violar nenhuma das cláusulas explícitas da lei o testamento era váli do e que Élmer por ter sido nominalmente citado num testa mento válido tinha direito à herança Declarou que se o tribu nal se pronunciasse favoravelmente a Goneril e Regan estaria alterando o testamento e substituindo o direito por suas pró prias convicções morais Todos os juízes da mais alta corte de Nova York concordavam que suas decisões deveriam ser toma das de acordo com o direito Nenhum deles negava que se a lei sucessória devidamente interpretada desse a herança a Élmer eies deveriam ordenar ao inventariante do espólio que assim pro cedesse Nenhum deles dizia que naquele caso a lei deveria ser alterada no interesse da justiça Divergiam quanto à solução correta do caso mas sua divergência pelo menos assim nos parece com base na feitura dos pareceres que redigiram dizia respeito à verdadeira natureza do direito àquilo que determina a legislação quando devidamente interpretada Como podem as pessoas que têm diante de si o texto de uma lei divergir quanto ao que ele realmente significa quanto ao tipo de direito que ela criou Precisamos estabelecer uma distinção entre dois sentidos da expressão lei Ela pode des crever uma entidade física de um certo tipo um documento com palavras impressas as próprias palayras que os congres sistas ou membros do Parlamento tinham diante de si quando votaram para aprovar esse documento Mas também pode ser usada para descrever o direito criado ao se promulgar o docu mento o que pode constituir uma questão bem mais complexa Considerese a diferença entre um poema concebido como uma seqüência de palavras que podem ser declamadas ou es critas e um poema concebido como a expressão de uma teoria metafísica ou de um ponto de vista específicos Todos os críti cos literários concordam quanto ao que representa o poema Sailing to Byzantium Navegando para Bizâncio no pri meiro sentido Concordam que se trata de uma seqüência de 22 O MPÉRIO DO DIREITO palavras designada como aquele poema de W B Yeats Mas di vergem quanto ao que representa o poema no segundo sentido ou seja não há consenso sobre o que o poema realmente diz ou significa Eles divergem sobre o modo de interpretar o verda deiro poema o poema no segundo sentido a partir do texto o poema no primeiro sentido De modo muito semelhante os juízes que têm diante de si uma lei precisam interpretar a verdadeira lei uma afirma ção de que diferenças a lei estabelece para os direitos de dife rentes pessoas a partir do texto da compilação de leis Assim como os críticos literários precisam de uma teoria operacional ou pelo menos de um estilo de interpretação para interpretar o poema por trás do texto os juízes também precisam de algo como uma teoria da legislação para fazer o mesmo com rela ção às leis Isso pode parecer evidente quando as palavras con tidas nas compilações sofrem da mesma deficiência semânti ca quando são ambíguas ou vagas por exemplo Mas uma teo ria da legislação também se faz necessária quando do ponto de vista lingüístico essas palavras são impecáveis Os termos da lei sucessória que figuravam no caso Élmer não eram nem va gos nem ambíguos Os juízes divergiram sobre o impacto des ses termos sobre os direitos legais de Élmer Goneril e Regan porque divergiram sobre o modo de interpretar a verdadeira lei nas circunstâncias especiais daquele caso O voto dissidente escrito pelo juiz Gray defendia uma teo ria da legislação mais aceita na época do que hoje em dia A isso às vezes se dá o nome de teoria da interpretação literal embo ra esta não seja uma descrição particularmente esclarecedora Essa teoria propõe que aos termos de uma lei se atribua aquilo que melhor chamaríamos de seu significado acontextual isto é o significado que lhes atribuiríamos se não dispuséssemos de nenhuma informação especial sobre o contexto de seu uso ou as intenções de seu autor Esse método de interpretação exige que nenhuma ressalva tácita e dependente do contexto seja feita à linguagem gerai o juiz Gray portanto insistia em que a verda deira lei interpretada da maneira adequada não continha exce ções para os assassinos Seu voto foi favorável a Élmer O QUE È O DIREITO 23 Os estudantes de direito que hoje lêem seu parecer mos tramse geralmente desdenhosos com relação a esse modo de interpretar uma lei a partir do texto eles vêem nisso um exem plo de doutrina mecânica Mas não há nada mecânico no argu mento do juiz Gray Há muito a dizer e ele em parte o disse em favor de seu método de interpretar uma lei pelo menos no caso da lei sucessória Os testadores deveriam saber como seus testamentos serão tratados quando eles não mais estiverem vi vos para fornecer novas instruções Talvez o avô de Élmer tives se preferido que seu patrimônio ficasse com Goneril e Regan na hipótese de Élmer envenenálo Mas pode ser que não ele poderia ter pensado que mesmo com as mãos manchadas pelo assassinato Élmer continuaria sendo melhor objeto de sua generosidade que suas filhas A longo prazo talvez fosse mais sábio que os juízes assegurassem aos testadores que a lei su cessória será interpretada segundo o chamado modo literal para que os testadores possam fazer todas as estipulações que dese jarem confiantes de que suas disposições por mais engraçadas que sejam aind assim serão respeitadas Além disso se Élmer perder a herança por ser um assassino estará sofrendo uma pu nição adicional por seu crime além dos anos que passará na prisão Ê um princípio importante da justiça que a punição de um determinado crime seja estabelecida com antecedência pe la legislação e não seja aumentada pelos juízes depois que o crime foi cometido Tudo isso e mais ainda pode ser dito em defesa da teoria do juiz Gray sobre como interpretar uma lei so bre testamentos O juiz Earl porém escrevendo em nome da maioria usou uma teoria da legislação muito diferente que dá às intenções do legislador uma importante influência sobre a verdadeira lei É um conhecido cânone da interpretação escreveu Earl que algo que esteja na intenção dos legisladores seja parte dessa lei tal como se estivesse contida na própria letra e que uma coisa que esteja contida na letra da lei somente faça parte da lei se estiver presente na intenção de seus criadores Observese como ele 11a1 189 24 O IMPÉRIO DO DIREITO se apega à distinção entre o texto que chama de letra da lei e a própria lei que chama de lei propriamente Seria absurdo pensava ele imaginar que os legisladores de Nova York que ori ginalmente aprovaram a lei sucessória pretendessem que os as sassinos pudessem herdar epor essa razão a verdadeira lei que promulgaram não continha tal conseqüência Precisamos ter um certo cuidado ao explicar o que o juiz Earl quis dizer sobre o papel que a intenção deveria desempe nhar na interpretação das leis Ele não quis dizer que uma lei não possa ter nenhuma conseqüência que os legisladores não tivessem em mente Isso é claramente muito radical enquanto regra geral nenhum legislador pode ter em mente todas as conseqüências de qualquer lei a favor da qual ele vote Os le gisladores de Nova York não poderiam imaginar que as pessoas um dia deixariam computadores em herança mas seria absur do concluir que a lei não compreenda tais legados Tampouco quis ele dizer apenas que uma lei não possa conter nada que os legisladores não pretenderam que ela contivesse Isso pare ce mais plausível mas é muito frágil para ser de qualquer utili dade no caso Élmer pois parece provável que os legisladores de Nova York não tinham em mente de modo algum o caso dos assassinos Eíes não pretendiam que os assassinos herdassem mas também não pretendiam que eles não pudessem fazêlo Não os movia nenhuma intenção em qualquer desses dois sen tidos Earl pretendia apegarse a um princípio que poderíamos chamar de intermediário entre esses princípios excessivamen te drásticos e frágeis queria dizer que uma lei não pode ter ne nhuma conseqüência que os legisladores teriam rejeitado se nela tivessem pensado2 O juiz Earl não se apoiou apenas em seu princípio sobre a intenção do legislador sua teoria da legislação continha outro princípio relevante Ele afirmava que na interpretação das leis a partir dos textos não se deveria ignorar o contexto histórico mas levarse em conta os antecedentes daquilo que denomina 12 Há problemas bastante sérios nesse principio intermediário e exa minaremos alguns deles no capitulo IX O QUE Ê O DIREITO 25 va de princípios gerais do direito ou seja que os juizes deve riam interpretar uma lei de modo a poderem ajustála o máxi mo possível aos princípios de justiça pressupostos em outras partes do direito Ele apresentou duas razões Primeiro é ra zoável admitir que os legisladores têm uma intenção genérica e difusa de respeitar os princípios tradicionais da justiça a me nos que indiquem claramente o contrário Segundo tendo em vista que uma lei faz parte de um sistema compreensivo mais vasto o direito como um todo deve ser interpretada de modo a conferir em princípio maior coerência a esse sistema Earl ar gumentava que em outros contextos o direito respeita o prin cípio de que ninguém deve beneficiarse de seu próprio erro de tal modo que a lei sucessória devia ser lida no sentido de ne gar uma herança a alguém que tivesse cometido um homicídio para obtêla Os pontos de vista do juiz Earl prevaleceram Outros qua tro juízes acompanharamno em sua decisão enquanto o juiz Gray só conseguiu encontrar um aliado Élmer portanto não recebeu sua herança Usarei esse caso para ilustrar muitas ques tões diferentes na argumentação que se segue mas a mais im portante de todas é esta a controvérsia sobre Eimer não dizia respeito à questão de se os juízes deveriam seguir a lei ou adap tála tendo em vista os interesses da justiça NÊto pelo menos se considerarmos as opiniões que apresentei da forma como foram apresentadas e como afirmarei mais adiante nada justi fica que as consideremos de qualquer outro modo Foi uma controvérsia sobre a natureza da lei sobra aquilo que realmen te dizia a própria lei sancionada pelos legisladores O caso do snail darter Passarei agora a descrever um caso bem mais recente atra vés do qual pretendo demonstrar que esse tipo de controvérsia continua a ocupar os juízesIJ Em 1973 durante um período de 13 Tennessee Valíey Authonty vs M7437 US 153 1978 JohnOakley chamou a aienção para o valor desse caso como exemplo 26 O IMPÉRIO DO DIREITO grande preocupação nacional com a preservação das espécies o Congresso dos Estados Unidos promulgou a Lei das Espé cies Ameaçadas Essa lei autoriza o ministro do Interior a designar as espécies que em sua opinião estariam correndo o risco de desaparecer devido àdestruição de alguns habitats que ele considere essenciais à sobrevivência delas e também exige que todos os órgãos e departamentos do governo tomem as medidas necessárias para assegurar que as ações autorizadas financiadas ou executadas por eles não ponham em risco a continuidade da existência de tais espécies ameaçadas14 Um grupo de preservacionistas do Tennessee vinha se opondo aos projetos de construção de uma barragem da Ad ministração do Vale do Tennessee não devido a alguma amea ça às espécies mas porque esses projetos estavam alterando a geografia da área ao transformarem r e p t o s que corriam livre mente em feios e estreitos fossos com a finalidade de produzir um aumento desnecessário como pensavam os preservacio nistas de energia hidrelétrica Esse grupo descobriu que uma barragem quase concluída que j á consumira mais de cem milhões de dólares ameaçava destruir o único hábitat do snail darter um peixe de 75 cm destituído de qualquer beleza in teresse biológico ou importância ecológica especiais Conven ceram o ministro a apontar esse peixe como uma espécie amea çada de extinção e a tomar as medidas legais para impedir que a barragem fosse concluída e usada Quando o ministro assim procedeu a Administração do Vale argumentou que a lei não podia ser interpretada de modo a impedir a conclusão ou operação de qualquer projeto já em fase avançada de construção Afirmou que as palavras ações autorizadas financiadas ou executadas deviam ser entendidas como uma referência ao início de u m projeto não à conclusão de projetos já iniciados Para sustentar seu pedido chamouse a atenção para várias leis do Congresso todas aprovadas de pois de o ministro ter declarado que a conclusão da barragem 14 Lei das Espécies AmeaçadâS de 1973 Pub L N 93205 sec 7 87 Lei884892 codificada como foi emendada em l ó U S C s e c 1536 1982 O QUE É O DIREITO 27 destruiria o snail darter o que sugeria que o Congresso dese java que a barragem fosse concluída a despeito da declaração O Congresso autorizara especificamente a dotação de recur sos para a continuidade do projeto mesmo após o ministro ter apontado aquele peixe como espécie ameaçada e várias de suas comissões declararam específica e reiteradamente dis cordar do ministro aceitar a interpretação da lei feita pela Ad ministração do Vale e desejar que o projeto prosseguisse Não obstante a Suprema Corte ordenou que a barragem fosse interrompida apesar do enorme desperdício de recursos públicos O Congresso então aprovou uma outra lei estabele cendo um procedimento geral para excluir a incidência da Lei das Espécies Ameaçadas com base nas conclusões de uma jun ta revisora15 O presidente da Suprema Corte Warren Burger teve seu voto acompanhado pela maioria dos juízes Nele afir mava em palavras que lembram a opinião do juiz Gray no caso Élmer que quando o texto é claro a corte não tem o direi to de recusarse a aplicálo apenas por acreditar que os resul tados serão tolos Os tempos mudam porém e sob um aspec to a opinião do presidente da Suprema Corte era muito dife rente da do juiz Gray Burger reconhecia a importância das intenções do Congresso sobre a decisão de qual ipterpretação este deveria adotar Mas não aceitou o princípio de Earl sobre o modo como as intenções do Congresso são relevantes Re cusouse a considerar a prova contrafactuaí que a análise de Earl tornava decisiva Não cabe a nós afirmou especular e muito menos agir com base na questão de se o Congresso teria alterado sua posição se os eventos específicos deste caso tivessem sido previstos16 Em vez disso adotou aquilo que ao discutir o parecer de Earl chamei de versão excessivamente frágil da idéia de que os juízes ao interpretarem uma lei devem respeitar as inten ções do legislador Essa versão se resume a isto se o significa i s Emendas à Lei das Espécies Ameaçadas de 1978 Pub L N 95632 92 Lei 3571 codificada como foi emendada em 16 US C sec 1536 1982 16 Tennessee alley AuíhorUy vc Hill 437 US 153 185 1978 28 O IMPÉRIO DO DIREITO do acontextual das palavras do texto for claro se a palavra executar normalmente incluísse a continuação bem como o início de um projeto então o tribunal deve atribuir esse sig nificado àquele termo a menos que se pudesse mostrar que na verdade o legislador pretendia cbter o resultado contrário O histórico do processo legislativo que leva à promulgação da Lei das Espécies Ameaçadas não autorizava tal conclusão dizia cie pois era claro que o Congresso queria dar às espécies em extinção um áto grau de proteção mesmo em detrimento ilj objetives sociais e é certamente pojsnel ainda que improvável que os legisladores com esse objetivo geral dese jariam ver o snail Jarter a salvo mesmo ao extraordinário pre ço da destruição de uma barragem Ee rejeitou as provas con tidas nos relatos posteriores das comilões bem como as ações do Congresso que aprovavam o financiamento paru a conti nuação da barragem nas quais se poderia ev visto a indicação de uma intenção real de não sacrificar a barragem a esyi espé cie particular As comissões que se manifestaram em favor da barragem não eram as mesmas que iisviam apoiado inicial mente a lei af rmou ee e os congressistas vlzcs votam a emissão de recursos sem considerar plenamente se os gastos propostos são legais de acordo com as íeojòcs anteriormente íomadaspclo Congresso O juiz Lewis Poweil apresentou voto dissidente acompa nhada oor outiü juiz Declarou que a decisã u i inaiona davi uma interpretação absurda ao iexío da Li ujs cpecks Amea çadas Não cabe a íms disse ele retificar politicas ou juí zos políticos emanados tio Poder Legislativo por notório que seja o desserviço que prestem ao interesse público Mas quan do a formação da lei e o processo legislativo ccmo neste ca so não precisam ser interpretados para chegar a tal resultado considero dever desta Corte adotar uma interpretação eficaz que seja compatível com um pouco de bom senso e com o bemestar público17 Isto demonstra ainda outra teoria da le gislação outra teona sobre o modo como as intenções da legis 17 Id 196 Powell i em desacordo O QUE É O DIREITO 29 iatura afetam a lei por trás do texto e é muito diferente dã teo ria de Burger Este afirmava que se deveria exigir o cumpri mento do significado acontextua do texto por mais estranhas ou absurdas que fossem as conseqüências a menos que a corte descobrisse fortes indícios de que o Congresso realmente pre tendia o contrário Poweíl dizia que os tribunais só deveriam aceitar um resultado absurdo se encontrassem uma prova ine quívoca de que fosse isso o pretendido A teoria de Burger é a mesma de Gray ainda que numa forma menos rígida que atri bui algum papei à intenção do legislador A teoria de Poweli é semelhante á de Sari embora neste caso substitua os princí pios de justiça encontrados em outras partes do direito peio b o m jenso Mais uma vez se tomarmos as opiniões des ej cois juízes por seu significado aparente eles não diveinun sobre nenhu ma questão de fato histórico Ndo divergiram quinto ao esta J mental dos vários congressistas que e reuniram para promul gar a Ler das Espécies Ameaçadas Ambos o juis preiiim ram que a maioria dos congressistas jamais se perguntara se n lei poderia ser usada para interromper un buTigern que além de muno dispêndio i j á catava quase concluída Nem discordaram sobre a questão Ja fidelidade Ambos admitira1 que a Corte deveria segult a lei íisourdirarn sobre o senti1 da lei discordaram sobre o modo como os juizes deveriam cktr sobre qual norma jurídica resultava de um iexio espei i eo promulgado peij Congresso quandíi o j conrSSiskij nbam as crenças e intenções que os dois juizes cmeotdavim que eles tinham nesse caso McLoushlin O c a s o Élmer c o c a s o d o snail Jurtjy t ê m e m s u a o r i gem uma lei Em cada caso a decisão dependia da melhor interpretação da verdadeira iei a partir de um texto legislativo específico Em muitos processos judiciais porém opleiteante não se fundamenta em uma lei mas em decisões anteriormente 30 O IMPÉRIO DO DIREITO tomadas por tribunais Ele argumenta que o juiz do seu caso deve seguir as normas estabelecidas nesses casos anteriores os quais segundo alega exigem um veredito que lhe seja favorá vel O caso McLoughlin foi assim8 O marido e os quatro filhos da sra McLoughlin foram feridos num acidente de carro na Inglaterra mais ou menos às quatro da tarde do dia 19 de outubro de 1973 Ela estava em casa quando um vizinho the trouxe a notícia do acidente por volta de seis horas e dirigiuse imediatamente ao hospital onde foi informada de que a filha havia morrido e o marido e os outros filhos estavam em estado grave Teve um colapso nervoso e mais tarde processou o motorista cuja negligência provocara o acidente bem como outras pessoas de alguma for ma envolvidas exigindo uma indenização por danos morais Seu advogado chamou a atenção para várias decisões anterio res dos tribunais ingleses concedendo indenização às pessoas que haviam sofrido danos morais ao verem um parente próxi mo gravemente ferido Em todos esses casos porém o plei teante tinha estado na cena do acidente ou ali chegara logo em seguida Em um caso de 1972 por exemplo uma mulher foi ressarcida recebeu indenização por danos morais ela vira o cadáver do marido imediatamente após o acidente que lhe tira ra a vida Em 1967 um homem sem parentesco algum com as vítimas de um acidente de trem trabalhou durante horas ten tando resgatálas a experiência o levou a um colapso nervoso e ele conseguiu obter a indenização que pediu O advogado da sra McLoughlin fundamentouse nesses casos como prece dentes decisões que haviam incorporado ao direito a norma jurídica segundo a qual pessoas na situação dela têm direito a ser indenizadas Os juristas britânicos e norteamericanos falam da doutri na do precedente referemse à doutrina segundo a qual deci 18 McLoughlin vs OBrian 1983 1 AC 410 modificando 1981 QB 599 19 Marshall vi Lionel Enterprise Inc 1972 OR 177 20 Chadwick vs British Transpor 1967 1 WLR 912 O QUE Ê O DIREITO 31 sòes de casos anteriores muito semelhantes a novos casos de vem ser repetidas nestes últimos Estabelecem contudo uma distinção entre aquilo que poderíamos chamar de doutrina es trita e doutrina atenuada do precedente A doutrina estrita obri ga os juízes a seguirem as decisões anteriores de alguns outros tribunais em geral de tribunais superiores mas às vezes no mesmo nível na hierarquia dos tribunais de sua jurisdição mesmo acreditando que essas decisões foram erradas A forma exata da doutrina estrita varia de lugar para lugar é diferente nos Estados Unidos e na GrãBretanha e difere de Estado para Estado nos Estados Unidos De acordo com o que pensa a maioria dos juristas ingleses com relação à doutrina estrita o Tribunal de Apelação cuja autoridade só é inferior à da Câma ra dos Lordes não tem outra escolha a não ser seguir suas pró prias decisões anteriores já os juristas norteamericanos ne gam que os tribunais de hierarquia comparável tenham essa obrigação Os juristas de uma jurisdição específica às vezes di vergem pelo menos quanto aos detalhes da doutrina estrita tal como esta se aplica a eles a maioria dos juristas norteame ricanos pensa que os tribunais federais inferiores são absoluta mente obrigados a seguir as decisões já tomadas pela Suprema Corte mas esse ponto de vista é contestado por alguns21 Por outro lado a doutrina atenuada do precedente exige apenas que o juiz atribua algum peso a decisões anteriores sobre o mesmo problema e que ele deve seguilas a menos que as considere erradas o bastante para suplantar a presunção ini cial em seu favor Essa doutrina atenuada pode adotar as deci sões anteriores não somente de tribunais acima do juiz ou no mesmo nível de sua jurisdição mas também de tribunais de outros estados ou países Obviamente muito depende de quão forte se considere a presunção inicial Uma vez mais as opi niões variam entre os advogados de diferentes jurisdições mas 21 Ver por exemplo Jaffree vs Board of School Comm rs 554 F Supp 104SD Ala 1982 o juiz da vara federal se recusa a seguir o prece dente da Suprema Corte rev d sub nom Jaffree vs Wallace 705 F2d 1526 11 Crc 1983 a j f d 605 S Ct 2419 1985 32 O IMPÉRIO DO DIREITO também é provável que variem numa mesma jurisdição em muito maior grau do que a opinião sobre as dimensões da dou trina estrita Contudo é mais provável que qualquer juiz atri bua mais importância a decisões anteriores de tribunais supe riores de sua própria jurisdição e a decisões anteriores de to dos os tribunais superiores e inferiores de sua jurisdição e não de tribunais de outras jurisdições Ele também pode atribuir mais importância a decisões recentes de qualquer tribunal e não às anteriores bem como favorecer as decisões tomadas por juízes famosos e não por juízes medíocres etc Há duas décadas a Câmara dos Lordes declarou que a doutrina estrita do precedente não exige que se adotem as decisões que ela mesma tomou no passado22 antes dessa declaração os juris tas britânicos presumiam que a doutrina estrita impunha tal exi gência mas a Câmara dos Lordes não obstante atribui gran de importância a suas decisões passadas mais que a decisões passadas de instâncias inferiores da hierarquia britânica e mui to mais que a decisões de tribunais norteamericanos As diferenças de opinião sobre a natureza da doutrina es trita e a força da doutrina atenuada explicam por que certos processos são polêmicos No mesmo caso diferentes juízes divergem sobre o ponto de serem ou não obrigados a seguir alguma decisão tomada no passado envolvendo a mesma questão de direito com que deparam no momento Não foi esta porém a essência da controvérsia no caso McLoughlin Seja qua for o ponto de vista dos advogados sobre a natureza e a força do precedente a doutrina só se aplica a decisões passa das que apresentem suficiente semelhança com o caso atual para serem consideradas como dizem os advogados perti nentes As vezes uma facção argumenta que certas decisões passadas são muito pertinentes enquanto a outra afirma que essas decisões são discrimináveis querendo com isso dizer que são diferentes do caso atual em algum aspecto que as isen ta da doutrina O juiz diante do qual a sra McLoughlin apre sentou sua petição pela primeira vez o juiz de primeira instân 22 Exposição de Prática Precedente Judicial 1966 1 WLR 1234 OQVEÊO DIREITO 33 cia decidiu que os precedentes citados por seu advogado so bre outras pessoas que haviam sido indenizadas por danos morais sofridos ao verem vítimas de acidentes eram discrimi náveis porque em todos aqueles casos o colapso nervoso ocorrera na cena do acidente enquanto ela só sofrera o colapso cerca de duas horas mais tarde em outro local É evidente que nem todas as diferenças nos fatos relativos a dois casos tornam o anterior discriminável ninguém podia imaginar que seria im portante o fato de a sra McLoughlin ser mais jovem que a píei teante nos casos anteriores O juiz de primeira instância considerou que o fato de o co lapso nervoso ter ocorrido longe da cena do acidente constituía uma diferença importante pois significava que os danos mo rais da sra McLoughlin não eram previsíveis no mesmo sen tido daqueles sofridos por outros pleiteantes Os juízes britâni cos e norteamericanos seguem o princípio do direito consuetu dinário segundo o qual as pessoas que agem com negligência só são responsáveis por danos razoavelmente previsíveis causa dos a terceiros danos que uma pessoa sensata poderia antever se refletisse sobre a questão O juiz de primeira instância foi obrigado em virtude da doutrina do precedente a admitir que o dano moral de parentes próximos na cena de um acidente é ra zoavelmente previsível mas afirmou que o mesnD não se pode dizer do dano sofrido por uma mãe que viu os resultados do aci dente mais tarde Portanto achou que desse modo podia fazer uma distinção entre os supostos precedentes e decidiu contra a reivindicação da sra McLoughlin Ela recorreu de sua decisão ao tribunal imediatamente su perior na hierarquia britânica o Tribunal de Apelação2 Esse tribunal confirmou a decisão do juiz de primeira instância recusou a apelação da sra McLoughlin e manteve a decisão judicial mas não com base na argumentação usada pelo juiz O Tribunal de Apelação afirmou que era razoavelmente previ sível que uma mãe corresse para o hospital para ver os mem bros feridos de sua família e que sofresse um colapso emocio 23 1981 QB 599 34 O IMPÉRIO DO DIREITO nal ao vêlos nas condições em que a sra McLoughlin os encon trou Esse tribunal discriminou o s precedentes não por esse motivo mas pela razão muito diversa de que aquilo que ele chamou de política judiciária justificava uma distinção Os pre cedentes haviam estabelecido responsabilidade por dano moral em certas circunstâncias restritas mas segundo o Tribunal de Apelação o reconhecimento de uma esfera mais ampla de res ponsabilidade incluindo danos a parentes que não estavam na cena no momento poderia ter muitas conseqüências adversas para a comunidade como um todo Incentivaria um número mui to maior de processos por danos morais o que exacerbaria o problema da saturação dos tribunais Abriria novas oportunida des a reivindicações fraudulentas de pessoas que não haviam sofrido danos morais realmente graves mas que podiam perfeita mente encontrar médicos dispostos a testemunhar o contrário Aumentaria o custo do seguro de responsabilidade civil encare cendo o ato de dirigir carros e talvez impedindo para sempre que alguns pobres dirigissem As alegações dos que haviam so frido um verdadeiro dano moral longe da cena do acidente se riam mais difíceis de comprovar e as incertezas do litígio pode riam complicar seu estado de saúde e retardar sua recuperação A sra McLoughlin apelou da decisão uma vez mais desta vez à Câmara dos Lordes que revogou a decisão do Tribunal de Apelação e ordenou um novo processo24 A decisão foi unâ nime mas os lordes divergiram sobre aquilo que chamavam de verdadeiro direito Vários deles afirmaram que as razões de senso comum do tipo descrito pelo Tribunal de Apelação po deriam em algumas circunstâncias ser suficientes para discri minar uma série de precedentes e desse modo justificar a re cusa de um juiz em estender o princípio daqueles casos a uma esfera mais ampla de responsabilidade Mas não acharam que essas razões de política judiciária fossem suficientemente plausí veis ou meritórias tio caso da sra McLoughlin Não acredita ram que o risco de um dilúvio de litígios fosse suficiente 24 1983 1 AC 410 O QUE Ê O DIREITO 35 mente grave e afirmaram que os tribunais deveriam ser capa zes de estabelecer uma distinção entre as reivindicações autên ticas e as fraudulentas mesmo no caso dos que sofressem o alegado dano várias horas após o acidente Não se comprome teram a dizer quando argumentos de política judiciária pode riam ser utilizados para limitar as indenizações por danos mo rais deixaram em aberto por exemplo a questão de se a irmã da sra McLoughlin na Austrália caso ela tivesse uma irmã lá poderia ser indenizada pelo choque que sofreria ao ler sobre o acidente semanas ou meses depois em uma carta Dois lordes adotaram uma concepção do direito bem dife rente Disseram que seria errado que os tribunais negassem a indenização a um pieiteante meritório pelos tipos de razões que o Tribunal de Apelação havia mencionado os quais para os outros lordes podiam ser suficientes em algumas circuns tâncias Os precedentes deviam ser vistos como discriminá veis diziam eles somente se por alguma razão os princípios morais admitidos nos casos anteriores não se aplicassem da mesma maneirado pieiteante E uma vez admitido que o dano causado a uma mãe no hospital horas depois do acidente é razoavelmente previsível a um motorista negligente nenhuma diferença pode ser encontrada entre os dois casos A saturação dos tribunais ou o aumento do preço do seguro de responsabi lidade civil para os motoristas diziam eles por mais que re presentem um inconveniente para a comunidade como um to do não podem justificar a recusa em fazêr satisfazer direitos e deveres individuais que anteriormente se reconheceram e fi zeram cumprir Afirmavam que esses eram os tipos errados de argumentos a se fazer aos juízes enquanto argumentos de di reito por mais convincentes que pudessem ser quando dirigi dos a legisladores como argumentos favoráveis a uma mudan ça na lei A opinião de lorde Scarman foi particularmente cla ra e eloqüente sob esse aspecto A argumentação dos lordes revelou uma importante diferença de opinião sobre o papel que cabe às considerações de politica judiciária ao se decidir a quais resultados têm direitos as partes de uma ação judicial 36 Brown O IMPÉRIO DO DIREITO Terminada a Guerra Civil norteamericana o norte vito rioso emendou a Constituição para pôr fim à escravidão e a muitos de seus incidentes e conseqüências Uma dessas emen das a Décima Quarta declarava que nenhum Estado poderia negar a ninguém igualdade perante a lei Depois da Recons trução os Estados sulistas de novo no controle de suas pró prias politicas praticaram a segregação racial em muitos ser viços públicos Os negros tinham de viajar na parti de trás dos ônibus e só podiam freqüentar escolas segregadas junto com outros negros No famoso caso dc Piessy vs Ferguson o réu alegou perante a Suprema Corte que essas práticas segrega cionistas violavam automaticamente a cláusula da igualdade pe rante a lei A Corte rejeitou a alegação afirmando que as exi gências dessa cláusula estariam sendo atendidas se os Estado oferecessem serviços separados porém iguais o que por si só o faio da segregação não tornava esses serviços automatica mente desiguais ifm 1954 um grupo rfvj crianças negras que freqüentavam u n a escola em Topeka no Kansas provocou a retomada da discussão do problema1 Nesse ínterim muitas coisas haviam acontecido nos Eúadus Unidos um grande número de negras havia morrido pelo pai1 numa guerra recente por cxcitipio e a segregação parecia ugora mais profundamente errada aos olhos de muito mais pessoas do que quando se decidira o casa íLssy Não obstante us Estados que praticavam a segregação resistiram ferozmente á integração sobretudo na cscoias Siíus advogados argumentavam que sendo Piessy uma decisàa da Suprema Corte era necessário respeitar o precedente Des sa vez a Corte tomou uma decisão favorável aos queixosos 25 163 US 537 1896 26 Brown vs Buard of üducation 347 US 1954 O julgamento con solidou casos ocorridos cm escolas segregadas em Topeka Kansas condado de Clarcndon Carolina do Sul condado de Prince Edward Virgínia e conda do de New Castle Delaware Ver 347 US na página 486 nl O QUE Ê O DIREITO 37 Sua decisão foi inesperadamente unânime ainda que a unani midade tenha sido obtida graças ao voto escrito por Earf Warren presidente do Supremo Tribunal o qual sob muitos aspectos era uma solução conciliatória Ele não rejeitou cabal mente a fórmula separado porém igual em vez disso ba seouse em controvertidas evidências sociológicas para mos trar que as escolas nas quais se praticava segregação racial não podiam ser iguais por esta única razão Ele também não disse de modo categórico que a Corte estava então revogando o casa Fesvv Disse apenas que se a presente decisão eicso em contradição com o caso PIcssy então aqueia decisão anterior estaria sendo revogada Eni termos práticos o compromisso mais importante estava nu intenção de reparação que o parecer ouiorgou aos queixoso Esse voto não ordenou que as escolas do Estados sulistas abolissem imediatamente a segregação mas apenas segundo uma expressão que se tornou am emble ma de hipocrisia 3 demora a ioda velocidade adequada A Jíciaão foi iiHiiio polêmica o processo de iiitegração que se seguiu fíi lento e o progresso significativo s foi obti do ao preço de muitas outras baialiias jurídica pjlihcas e até mesmo Hsicas Os etílicos afirmaram que a segregação apesar de deplorável em termos de moralidade públicf aã era in constitucionsl Observaram que por si mesma a exovesõão igual pioteção nào determina se a segregação é oroibicJa ou aã3 cíüo cs congressioCii hivkm a p r o v a d o D é c i m a Ouarta Emenda tiniram plena consciência da segregaçao nas escolas c ao que parece achavam que a emenda preservaria sua legitimidade e que a decisão da Corte no caso 0tev era um importanteprecedente de linhagem quase antiga e nào deveria ser levianamente derrubada Tratavase dc argumentos sobre os fundamentos reais do direito constitucional não de 27 lissa fraic foi usada num segundo julgamento sobre d a j u n t o relati vo a remédios jurídicos Biown w Bourd of Eàucahon 349 U S 294 301 1955 28 Ver Charles Fairman Forward The Attack 011 the Segregation Cases 70 Harvard Law Review 83 1956 38 O IMPÉRIO DO DIREITO alegações de moralidade ou reparação muitos dos que as sus tentavam estavam de acordo quanto à natureza imoral da se gregação e admitiam que a Constituição seria um documento melhor se a houvesse proscrito Tampouco os argumentos da queles que concordavam com a Corte eram argumentos de seu valor moral ou reforma Se do ponto de vista jurídico a Cons tituição não proibia a segregação racial oficial então a decisão do caso Brown era uma emenda constitucional ilícita e muito poucos dos que apoiaram a decisão pensariam estar apoiando tal coisa Em tomo desse caso como de outros que aqui apre sentamos como exemplos travouse uma batalha sobre a ques tão do direito Ou assim pareceu aos que travaram essa batalha Teorias semânticas do direito Proposições efundamentos do direito No início deste capítulo descrevi aquilo que chamei de ponto de vista do direito como simples questão de fato Tal pon to de vista sustenta que o direito apóiase apenas em questões de mero fato histórico que a única divergência sensata sobre o direito é a divergência empírica sobre aquilo que as institui ções jurídicas realmente decidiram no passado que aquilo que denominei divergência teórica é ilusório e pode ser mais bem compreendido enquanto argumento não no que diz respeito à natureza da lei mas sim àquilo que ela deveria ser Os casos que usei como exemplos parecem oferecer um contraexemplo do ponto de vista do direito como simples questão de fato os argumentos nesses casos parecem remeter ao direito não ã moral à fidelidade ou à reforma do direito Precisamos portanto co locar esse desafio ao ponto de vista do direito como simples questão de fato por que insistir em que a aparência é aqui uma ilusão Alguns filósofos do direito oferecem uma resposta sur preendente Dizem eles que a divergência teórica sobre os fun damentos do direito deve ser um pretexto pois o próprio signi ficado da palavra direito faz o direito depender de certos crité O QUE È O DIREITO 39 rios específicos e que qualquer advogado que rejeitasse ou contestasse esses critérios estaria dizendo absurdos que con tradizem a si mesmos Seguimos regras comuns afirmam eles quando usamos qualquer palavra essas regras estabelecem critérios que atri buem significado à palavra Nossas regras para o uso de direi to ligam o direito ao fato histórico puro e simples Não se se gue daí que todos os advogados tenham consciência dessas re gras no sentido de serem capazes de enunciálas de alguma forma nítida e abrangente Pois todos nós seguimos regras di tadas pela língua que falamos e delas não temos plena cons ciência Todos usamos a palavra causa por exemplo de um jeito que grosso modo parece ser o mesmo concordamos so bre os eventos físicos que causaram outros desde que todos te nhamos conhecimento dos fatos pertinentes e ainda assim a maioria de nós não tem idéia dos critérios que utilizamos para fazer esses julgamentos ou mesmo do sentido em que empre gamos esses critérios Cabe à filosofia explicálos a nós A ta refa pode apresentar uma certa dificuldade e os filósofos po dem muito bem divergir Talvez nenhum conjunto de critérios para o uso da palavra causa se ajuste exatamente à prática comum e a questão será então saber qua coniunto oferece em termos gerais o melhor ajuste ou os melhores ajustes aos principais casos de causalidade Além disso a exposição do conceito de causalidade por um filósofo deve não apenas ajus tarse mas ser também filosoficamente respeitável e atraente sob outros aspectos Para explicar nosso uso de causalidade não deve incorrer em petição de princípio usando o próprio conceito em sua descrição do modo como o utilizamos e é necessário que empregue uma ontologia plausível Não aceita ríamos um relato do conceito de causalidade que recorresse a deuses causais residentes em objetos Segundo o ponto de vista que no momento descrevo o mesmo se aplica ao conceito de direito Todos usamos os mesmos critérios factuais para formu lar aceitar e rejeitar afirmações sobre a natureza do direito mas ignoramos o que são esses critérios Os filósofos do direito de vem elucidálos para nós procedendo a um profundo estudo 40 O IMPÉRIO DO DIREITO do modo como falamos Eles podem divergir entre si mas por si só isso não lança dúvidas sobre seu pressuposto comum de que compartilhamos algum conjunto de padrões sobre o uso que deve ser dado à palavra direito Os filósofos que insistem em que os advogados seguem todos certos critérios lingüísticos para avaliar as proposições jurídicas talvez inadvertidamente produziram teorias que iden tificam esses critérios Darei ao conjunto dessas teorias o no me de teorias semânticas do direito mas o termo em si requer uma elaboração Durante muito tempo os filósofos do direito embalaram seus produtos e os apresentaram como definições do direito John Austin por exemplo de cuja teoria apresenta rei uma breve descrição dizia estar explicando o significado do direito Quando os filósofos da linguagem desenvolveram teorias mais sofisticadas do significado os filósofos do direito tornaramse mais cuidadosos em suas definições e passaram então a afirmar que estavam descrevendo o uso dos concei tos jurídicos com o que queriam dizer em nosso vocabulário as circunstâncias nas quais as proposições jurídicas são consi deradas como verdadeiras ou falsas por todos os juristas com petentes Em minha opinião porém isso não foi muito além de uma troca de embalagem de qualquer modo pretendo in cluir as teorias sobre o uso no grupo das teorias semânticas do direito bem como as teorias anteriores que tinham um ca ráter de definição mais claro 29 Às vezes se diz que o objetivo das teorias que chamo de semânticas não é como o nome sugere desenvolver teorias sobre o significado da pala vra direito mas sim descobrir os traços distintivos que caracterizam o direito como fenômeno social Ver por exemplo Ruth Gavison Comments on Dworkin em Papers of lhe Jerusalem Conference no prelo Mas essa oposição é em si um equívoco Os filósofos que tenho em mente cujas teo rias são descritas nas páginas seguintes reconhecem que o aspecto mais dis tintivo do direito como fenômeno social é que os participantes das institui ções jurídicas apresentam e debatem proposições jurídicas e consideram importante em geral decisivamente saber se são aceitas ou rejeitadas As teonas clássicas tentam explicar esse aspecto central e abrangente da prática jurídica ao descreverem o sentido das proposições jurídicas o que signifi cam para os que as utilizam e essa explicação assume a forma de definições O QUE Ê O DIREITO7 Positivismo jurídico 41 As teorias semânticas pressupõem que os advogados e juí zes usam basicamente os mesmos critérios embora estes se jam ocultos e passem despercebidos para decidir quando as proposições jurídicas são falsas ou verdadeiras elas pressu põem que os advogados realmente estejam de acordo quanto aos fundamentos do direito Essas teorias divergem sobre quais critérios os advogados de fato compartilham e sobre os funda mentos que esses critérios na verdade estipulam Os estudantes de direito aprendem a classificar as teorias semânticas segun do o esquema aproximado que apresentamos a seguir As teo rias semânticas mais influentes sustentam que os critérios co muns levam a verdade das proposições jurídicas a depender de certos eventos históricos específicos Essas teorias positivis tas como são chamadas sustentam o ponto de vista do direito como simples questão de fato aquele segundo o qual a verda deira divergência sobre a natureza do direito deve ser uma diver gência empírica sobre a história das instituições jurídicas As teorias positivistas contudo diferem entre si sobre quais fatos históricos são cruciais e duas versões têm sido particularmen te importantes na doutrina britânica John Austin advogado e acadêmico inglês d t século XIX dizia que uma proposição jurídica é verdadeira no interior de uma determinada sociedade política desde que transmita cor retamente o comando precedente de algyma pessoa ou grupo que ocupe uma posição soberana em tal sociedade Austin definia um soberano como uma pessoa ou grupo cujas ordens costumam ser obedecidas e que não tenha o costume de obede cer a ninguém50 Essa teoria foi objeto de um caloroso debate do direito à maneira antiga ou de avaliações no estilo mais moderno sobre as condições de autenticidade das proposições jurídicas as circunstâncias e m que os juristas as aceitam ou rejeitam 30 Ver J L Austin The Province ofJurisprudence Determined H L A Hart org Nova York 1954 e Lectures in Jurisprudence 5 a ed 1885 Ver também Jeremy Bentham An Introducuon to lhe Principies of Moruls and legislaiion J H B a r n s e H L A Hart orgs Londres 19701 42 O IMPÉRIO DO DIREITO que muitas vezes teve matizes escolásticos Os filósofos do direito discutiam se certas proposições jurídicas obviamente verdadeiras proposições sobre o número de assinaturas ne cessárias para tornar um testamento legalmente válido por exemplo podiam de fato ser consideradas verdadeiras em virtude da ordem de alguém Afinal ninguém ordenou ao lei tor ou a mim a fazer um testamento muito menos um testa mento válido Também discutiam se algum grupo poderia ser considerado soberano no sentido atribuído a esta palavra por Austin numa democracia como a dos Estados Unidos onde o povo em sua totalidade tem o poder de alterar radicalmente a forma de governo ao emendar a Constituição Contudo ainda que a teoria de Austin se mostrasse deficiente em várias ques tões de detalhe o que resultou na sugestão de muitas emendas e aperfeiçoamentos sua idéia central de que o direito é uma questão de decisões históricas tomadas por aqueles que detêm o poder político nunca perdeu totalmente sua força sobre a doutrina A mais importante e fiindamental reformulação dessa idéia encontrase no livro The Concept of Law O conceito do direi to de H L A Hart publicado pela primeira vez em 19613 Hart refutava a opinião de Austin de que a autoridade jurídica era um fato puramente físico de comando e obediência habi tuais Afirmava que os verdadeiros fundamentos do direito en contramse na aceitação por parte da comunidade como um todo de uma regramestra fundamental que ele chamou de regra de reconhecimento que atribui a pessoas ou grupos específicos a autoridade de criar leis Assim as proposições jurídicas não são verdadeiras apenas em virtude da autoridade de pessoas que costumam ser obedecidas mas fundamental mente em virtude de convenções sociais que representam a aceitação pela comunidade de um sistema de regras que ou torga a tais indivíduos ou grupos o poder de criar leis válidas Para Austin a proposição de que o limite máximo de velocida de na Califórnia é 90 quilômetros é verdadeira apenas porque 31 H L A Hart The Concept oLaw Londres 1961 O QUE È O DIREITO 43 os legisladores que promulgaram tal lei estavam então no poder para Hart é verdadeira porque o povo da Califórnia aceitou e continua aceitando o sistema de autoridade usado nas Constituições estaduais e nacionais Para Austin a propo sição de que os motoristas negligentes devem indenizar as mães que sofrem danos morais na cena de um acidente é ver dadeira na GrãBretanha porque as pessoas que têm poder político fizeram dos juízes seus representantes e tacitamente adotam os comandos deles como se fossem seus Para Hart essa proposição é verdadeira porque a regra de reconhecimen to aceita pelo povo inglês transforma as declarações dos juizes em direito sujeito ao poder de outras pessoas os legisladores de revogálo quando quiserem A teoria de Hart como a de Austin gerou um grande nú mero de debates entre aqueles que foram atraídos por sua idéia básica Em que consiste a aceitação de uma regra de reco nhecimento Muitos oficiais da Alemanha nazista obedeciam às ordens de Hitler como se fossem leis mas só o faziam por medo Isso significa que aceitavam uma regra de reconheci mento que o autorizava a criar leis Se assim for então a dife rença entre a teoria de Hart e a de Austin tornase ilusória por que então não haveria diferença entre um grupo depessoas que aceita uma regra de reconhecimento e outro q u f por medo simplesmente adota um modelo forçado de obediência Se não for assim se a aceitação exige algo além da mera obediência então parece possível afirmar que não hpvia direito na Ale manha nazista que nenhuma proposição jurídica era verdadei ra lá ou em muitos outros lugares nos quais a maioria das pes soas afirmaria a existência de um direito ainda que malévolo ou impopular E assim a teoria de Hart não seria capaz de apreen der afinal o modo como todos os advogados usam a palavra direito Os especialistas refletiram sobre este e outros aspec tos da teoria de Hart porém uma vez mais sua idéia fundamen tal de que a verdade das proposições jurídicas depende essen cialmente de padrões convencionais de reconhecimento do direito conquistou um amplo assentimento 44 O IMPÉRIO DO DIREITO Outras teorias semânticas As teorias positivistas nào estão a salvo de contestações na literatura da doutrina clássica devo mencionar aqui dois outros grupos de teorias geralmente tidas como suas rivais A primeira costuma ser chamada de escola do direito natural ainda que as várias teorias agrupadas sob tal designação sejam muito diferentes entre si e que o nome não se ajuste a nenhu ma delas Se as tratarmos como teorias semânticas no capí tulo III apresentarei um modo melhor de compreendêlas elas têm isto em comum sustentam que os juristas seguem critérios que não são inteiramente factuais mas pelo menos até certo ponto morais para decidirem que proposições jurídicas são verdadeiras A mais radical dessas teorias ressalta que o direi to e a justiça são idênticos de tal modo que nenhuma proposi ção jurídica injusta pode ser verdadeira Essa teoria radical é bastante implausível enquanto teoria semântica pois os advo gados freqüentemente falam de maneira que a contradiz Na GrãBretanha e nos Estados Unidos muitos juristas consideram o imposto de renda progressivo injusto por exemplo mas nenhum deles põe em dúvida o fato de que a lei desses países fixa o impos to a taxas progressivas Algumas teorias menos radicais do direi to natural afirmam apenas que a moral é às vezes relevante para a verdade das proposições jurídicas Sugerem por exemplo que quando uma lei permite diferentes interpretações como no caso Élmer ou quando os precedentes são inconclusivos como no ca so da sra McLoughlin a interpretação que foi moralmente supe rior será a afirmação mais exata do direito Mas mesmo essa ver são moderada do direito natural é pouco convincente se a tomar mos como uma teoria semântica sobre o modo como todos os juristas usam a palavra direito o juiz Gray parece ter concor dado com o juiz Earl quanto ao fato de que o direito seria me lhor se negasse a Élmer sua herança mas não estava de acordo com o fato de que por isso o direito não lha concedesse 32 Para uma discussão extremamente ilustrativa sobre as teorias do di reito natural e a defesa de uma versão moderna ver J Finnis Natural Law and Natural Rights Nova York 1980 O QUE È O DIREITO 45 Os estudantes aprendem que o segundo rival do positivis mo é a escola do realismo jurídico As teorias realistas foram desenvolvidas no início deste século sobretudo nas escolas de direito norteamericanas embora o movimento tivesse ramifi cações em outros lugares Se as tratarmos como teorias semân ticas elas afirmam que as regras lingüísticas seguidas pelos advogados tomam as proposições jurídicas adjuvantes e pre nunciativas A melhor versão sugere que o exato significado de uma proposição jurídica as condições nas quais os advo gados irão considerar verdadeira a proposição depende do contexto Se um advogado afirma a um cliente que o direito permite que os assassinos herdem por exemplo devese en tender que ele está prevendo que é isso que os juízes vão deci dir quando o caso for levado ao tribunal Se um juiz faz tal afirmação ao emitir seu voto está apresentando um outro tipo de hipótese prenunciativa sobre o mais provável curso a ser se guido peto direito na esfera geral de sua decisão Alguns rea listas exprimiram essas idéias em uma linguagem profundamen te cética Afirmaram que o direito não existe ou que resulta ape nas daquilo que o juiz tomou em seu café da manhã Queriam dizer que não existe nada que se possa chamar de direito a não ser esses diferentes tipos de previsões Contudo mpsmo assim compreendido o realismo permanece extremameme impiausí vel enquanto teoria semântica Pois raramente é contraditório na verdade é até comum que os advogados prevejam que os juízes cometerão um erro a propósito do direito ou que os juízes manifestem seu ponto de vista sobre o direito para acrescentar em seguida que esperam que ele venha a ser modificado I A defesa do positivismo Vou concentrarme no positivismo jurídico porque como acabei de dizer essa é a teoria semântica que sustenta o ponto 33 Ver por exemplo Holmes acima n 9 46 O IMPÉRIO DO DIREITO de vista do direito como simples questão de fato e a alegação de que o verdadeiro argumento sobre o direito deve ser empíri co nào teórico Se o positivismo está certo então a aparente divergência teórica sobre os fundamentos do direito no caso Élmer no caso McLoughlin flo caso do snail darter e no caso Brown é de certo modo enganadora Nesses casos as institui ções jurídicas precedentes não haviam decidido expressamente a questão de nenhuma maneira e os advogados que usavam corretamente a palavra direito segundo o positivismo te riam concordado quanto a não haver direito algum a descobrir Sua divergência portanto deve ter sido um debate disfarçado sobre qual deveria ser a natureza do direito Mas podemos rea firmar essa inferência como um argumento contra o positivis mo Afinal por que advogados e juízes deveriam simular uma divergência teórica em casos como esses Alguns positivistas têm uma resposta rápida os juízes fingem divergir sobre a natureza do direito porque o público acredita que o direito sempre existe e que os juízes devem sempre seguilo De acor do com esse ponto de vista advogados e juízes conspiram sis tematicamente para esconder a verdade das pessoas para não desiludilas nem provocar sua raiva ignorante Essa resposta rápida é pouco convincente Por que ta fin gimento seria necessário ou como ele poderia ser bemsucedi do é um mistério Se todos os juristas concordam que não existe um direito claro ein casos como esses que usamos a títu lo de exemplo por que então esse ponto de vista não se tor nou parte de nossa cultura política popular E se assim não foi se a maioria das pessoas ainda pensa que sempre existe um direito que os juízes devem seguir por que os juristas te mem corrigir seus erros tendo em vista os interesses de uma prática mais honesta da justiça Seja como for como essa si mulação pode funcionar Não seria fácil para a parte decepcio nada demonstrar que realmente não havia direito segundo os fundamentos que todos sabem ser os fundamentos corretos E se a simulação é tão fácil de demonstrar por que preocuparse com a charada Tampouco existe alguma prova nos referidos casos de que os advogados ou juízes realmente acreditavam O QUE È O DIREITO 47 naquilo que essa alegação lhes atribui Muitos de seus argu mentos seriam totalmente inadequados enquanto argumentos em favor da alteração ou do aperfeiçoamento do direito só têm sentido enquanto argumentos sobre aquilo que os juízes devem fazer em razão de sua responsabilidade de aplicar o direito tal como ele é Parece estranho descrever Gray ou Burger como propensos à reforma ou ao aperfeiçoamento por exemplo pois cada um admitiu que aquilo que considerou como direito esta va aberto a sérias objeções na esfera da eqüidade e da sabedo ria Em sua argumentação afirmaram que a lei em questão devia ser interpretada de uma certa maneira a despeito de suas evidentes falhas quando assim interpretada Uma vez porém que o positivista admita que Gray estava tentando afirmar a natureza do direito e não aquilo que ele deveria ser deve também admitir que o ponto de vista de Gray sobre os fundamentos do direito eram polêmicos até mesmo em seu próprio tribunal A posição contrária aquela defendida por Earl também deve ser compreendida como uma afirmação sobre as exigências do direito uma afirmação de que Gray estava errado não como uma manobra disfarçada para alte rar ou revisar o direito No caso McLoughlin os juízes do Tri bunal de Apelação realmente pareciam pensar que sendo os precedentes restritos a danos morais na cena do acidente não havia direito algum sobre danos morais sofridos longe da cena e que portanto a tarefa que lhes cabia era corrigir a lei desen volvêla no melhor sentido possível levarídose todos os as pectos em conta Mas não era esse o ponto de vista da Câmara dos Lordes em especial o de lorde Scarman que se achava ligado a principios fundados nos precedentes Até onde sabe mos lorde Scarmàn concordava com os juízes do Tribunal de Apelação que a comunidade como um todo se tornaria pior se concedesse uma indenização em tais circunstâncias Os dife rentes juízes que decidiram o caso da sra McLoughlin diver giam quanto à força e à natureza do precedente enquanto fonte de direito e ainda que a divergência tenha sido sutil tratouse na verdade de uma divergência sobre o conteúdo do direito não sobre o que se deveria fazer na ausência de direito 48 O IMPÉRIO 00 DIREITO De fato nào existe nenhuma evidência de que quando ad vogados e juízes parecem discordar sobre a lei eles não estejam falando a verdade Nào há argumentos que favoreçam essa con cepção do problema com exceção da petição de princípio de quem afirma que se a tese de direito como simples questão de fato é bem fundada eles só podem estar fingindo Existe porém uma estratégia mais sofisticada de defesa do positivis mo que admite nos casos que usamos como exemplo que os advogados e juízes pensavam estar divergindo sobre o direito mas argumenta que por uma razão um tanto diversa essa auto descrição não deve ser tomada ao pé da letra Esse novo argu mento enfatiza a importância de se estabelecer uma distinção entre os usos padrão ou os usos intrínsecos da palavra direito e os usos limítrofes e nebulosos dessa mesma palavra Pretende esse argumento que todos os advogados e juizes seguem aquilo que é basicamente a mesma regra para o uso da palavra direi to e que portanto todos concordam com o limite de velocida de oficial na Califórnia e o índice básico de tributação na Grã Bretanha Mas como as regras para o uso de palavras não são precisas e exatas elas permitem a existência de casos nebulo sos ou limítrofes nos quais as pessoas falam de maneira um tanto diferente entre si Assim os juristas podem usar a palavra direito de modo diferente nos casos excepcionais em que al guns mas nem todos fundamentos especificados pela regra principal são respeitados Isso explica segundo o presente argumento por que eles discordam em casos difíceis como esses que nos serviram de exemplos Cada um utiliza uma ver são ligeiramente diferente da regra principal e as diferenças tornamse manifestas nesses casos específicos1 A esse respei to prossegue o argumento nosso uso da palavra direito não é 34 Ver Hart acima n 31 pp 12950 e Poshivism anú lhe Separa tion of Law and Morais 71 Hurvard Law Rcview 593 1958 Hart se baseia na distinção entre núcleo e penumbra ao explicar por que os juizes devem ter poder discricionário para corrigir lacunas nas leis e era seguida sugere que a regra principal que qualquer comunidade usa para identificar a extensão do direito tende ela própria a possuir uma área de penumbra que pode gerar con trovérsias nas quais tudo que se sai bem é um sucesso O QUE É O DIREITO 49 diferente de nosso uso de muitas outras palavras que não consi deramos problemáticas Estamos todos de acordo sobre o signi ficado padrão da palavra casa house por exemplo Quem negar que as moradias separadas entre si das ruas de um bairro residencial de Londres são casas simplesmente não entende a língua inglesa Não obstante existem casos duvidosos Nem todas as pessoas seguem exatamente as mesmas regras algu mas diriam que o palácio de Buckingham é uma casa enquan to outras não Essa defesa mais sofisticada do positivismo nos conta quanto aos casos que usamos como exemplos uma história bem diferente daquela de um simples fingimento De acordo com essa nova história EarL e Gray e os outros juízes e advoga dos não estavam de modo algum fingindo ou tentando enga nar o público Estavam divergindo sobre o conteúdo do direito mas sua divergência era puramente verbal como a divergên cia quanto ao palácio de Buckingham ser ou não uma casa De nosso ponto de vista enquanto críticos de acordo com essa explicação do positivismo é melhor pensar que seus argumen tos seriam mais adequados ao aperfeiçoamento do direito ao que o direito deveria ser porque entenderemos melhor o processo jurídico se somente usarmos a palavra direito para descrever o que se encontra no âmago desse conceito isto ê se a usar mos somente para abranger proposições jurídicas verdadeiras segundo a regra central ou principal do uso de direito aceito por todos como as proposições das leis dç trânsito Seria me lhor que os advogados e juízes usassem direito nesse senti do assim como seria melhor que as pessoas em vez de discuti rem a correta classificação do palácio de Buckingham concor dassem em usar casa no mesmo sentido sempre que possível Assim o positivismo defendido desse modo diferente tem um caráter tanto reformador quanto descritivo Seja como for a defesa favoreceu a tese do direito como simples questão de fa to Trata a questão principal de cada um de nossos exemplos como uma questão de aperfeiçoamento do direito ainda que os próprios juízes talvez não a tenham concebido dessa maneira e nos estimula a avaliar seu desempenho indagando de que 50 O IMPÉRIO DO DIREITO forma os juízes devem criar um novo direito quando algum caso não puder ser resolvido mediante a aplicação de regras fundadas no direito aceitas por todos os advogados Em certo sentido porém a explicação é semelhante àque la do fingimento ela não explica de modo algum por que os profissionais do direito agiram por tanto tempo da forma como a tese positivista diz que o fizeram Afinal as pessoas sensatas não discutem se o palácio de Buckingham é ou não uma casa elas entendem de imediato que essa não é uma questão genuí na mas apenas uma questão de como se escolhe utilizar uma palavra cujo significado não tem limites fixos no seu sentido mais amplo Se direito é realmente como casa por que os advogados deveriam discutir por tanto tempo se o direito real mente dá ao ministro do Interior o poder de interromper uma barragem quase pronta para salvar um peixinho ou se a lei proíbe a segregação racial nas escolas Como poderiam pensar ter argumentos favoráveis à decisão essencialmente arbitrária de usar a palavra em um sentido e não em outro Como pode riam pensar que decisões importantes sobre o uso do poder do Estado pudessem se transformar em um mero jogo de pala vras De nada adianta dizer que advogados e juízes são capa zes de se enganar porque na verdade estão discutindo uma outra questão a questão política de se o ministro deve ter esse poder ou se os estados devem ser proibidos de praticar a se gregação nas escolas Já vimos que muitos dos argumentos que os juizes utilizam para sustentar suas afirmações polêmicas so bre o direito não são apropriados a essas questões diretamente ligadas à política Desse modo a nova defesa do positivismo é uma crítica mais radical da prática profissional do que poderia parecer à primeira vista A tese do fingimento mostra os juí zes como mentirosos bemintencionados a tese do caso limí trofe mostraos por outro lado como indivíduos simplórios Além do mais a tese do caso limítrofe é pior que um insulto pois ignora uma importante distinção entre dois tipos de divergência a distinção entre casos limítrofes e casos expe rimentais ou essenciais As pessoas às vezes interpretam mal umas às outras quando conversam do modo como descreve a O QUE É O DIREITO 51 tese do caso limítrofe Elas concordam sobre a maneira correta de verificar a aplicação de alguma paiavra em contextos que consideram como casos normais mas usam a palavra de modo muito diferente nos contextos que todos reconhecem como ca sos excepcionais como o caso do palácio Às vezes porém discutem a adequação de alguma palavra ou descrição porque divergem sobre a maneira correta de verificar o uso da palavra ou expressão em qualquer ocasião Podemos ver essa diferen ça imaginando duas discussões entre críticos de arte sobre se a fotografia deve ou não ser considerada uma forma de arte Eles podem concordar quanto aos aspectos em que a fotografia é igual ou diferente de outras atividades que reconhecem como exemplos padrão e incontestáveis de arte como a pintura e a escultura Podem concordar que a fotografia não é total ou essencialmente uma forma de arte no mesmo sentido em que são essas outras atividades quer dizer podem concordar que a fotografia é quando muito um caso limítrofe de arte Em seguida é provável que também concordassem que a decisão quanto a incluir ou não a fotografia nessa categoria é em últi ma análise arbitrária que deveria ser tomada quando se tives se em vista a conveniência ou a facilidade de uma exposição mas que de outro modo não existe nenhuma questão genuína para discutir se a fotografia é ou não uma arte de verdade Consideremos agora um tipo totalmente diferente de debate Um grupo argumenta que não importa p que pensam os ou tros a fotografia é um exemplo central de uma forma de arte que qualquer outro ponto de vista revelaria uma profunda in compreensão da natureza essencial da arte Outro grupo assu me a posição contrária de que qualquer concepção bem funda da da natureza da arte mostra que a fotografia não pertence a seus domínios que as técnicas fotográficas são totalmente es tranhas às finalidades da arte Em tais circunstâncias seria um grande erro descrever a discussão como um debate sobre onde traçar uma linha divisória A discussão diria respeito ao que a arte devidamente compreendida de fato é revelaria que os dois grupos têm idéias muito diferentes sobre as razões pelas 52 O IMPÉRIO DO DIREITO quais mesmo as formas artísticas padrão que ambos reconhe cem a pintura e a escultura podem reivindicar tal título O leitor pode pensar que o segundo debate que acabei de descrever é tolo algo como uma deformação acadêmica Mas seja lá o que pense discussões desse tipo de fato ocorrem e são diferentes daquelas do primeiro tipo Seria um grave erro misturar as duas ou afirmar que uma é apenas um caso espe cial da outra A defesa sofisticada do positivismo interpreta mal a prática jurídica exatamente nesse sentido Os diferentes advogados e juízes que debateram os casos que citamos como exemplos não pensavam estar defendendo direitos marginais ou lato sensu Suas divergências sobre a legislação e o prece dente eram fundamentais seus argumentos mostravam que eles divergiam não só quanto à questão de se Élmer deveria ou não receber sua herança mas também sobre a razão pela qual qualquer ato legislativo inclusive as leis de trânsito e as taxas de tributação impõe os direitos e deveres que todos reconhe cem não apenas sobre a questão de indenizar ou não a sra McLoughlin mas sobre como e por que as decisões judiciais anteriores alteraram a lei do país Eles divergiram sobre aquilo que torna uma proposição jurídica verdadeira não somente na superfície mas em sua essência também Os casos que apre sentamos como exemplos foram compreendidos por aqueles que os discutiram nos tribunais salas de aula e revistas de di reito como casos centrais que punham à prova princípios fun damentais e não como casos dúbios que pediam apenas a de marcação mais ou menos arbitrária de uma linha divisória O verdadeiro argumento em favor das teorias semânticas Se o argumento jurídico diz respeito sobretudo ou ainda que mesmo parcialmente a questões vitais os advogados não podem usar os mesmos critérios factuais para decidirem quan vs J J VerSverlana AJpers The Art of Describing 2434 n 37 Londres 1983 e mateáal ali citado O QUE É O DIREITO 53 do as proposições jurídicas são verdadeiras ou falsas Seus ar gumentos diriam respeito sobretudo ou em parte a quais cri térios utilizar Assim o esquema das teorias semânticas de ex trair regras comuns de um criterioso estudo daquilo que os ad vogados dizem e fazem estaria condenado ao fracasso Esse desafio protelatório agora amadureceu Por que os positivistas estão tão convencidos de que o argumento jurídico rtão é o que parece ser Por que estão tão seguros contra todas as evidên cias de que os advogados seguem regras comuns para o uso da palavra direito Não pode ser a experiência que os convence disso pois esta ensina o contrário Etes dizem que a prática judiciária e jurídica não é o que parece Mas então por que não Os sintomas são clássicos e meu diagnóstico é conheci do Os filósofos da teoria semântica sofrem de algum bloqueio Mas que bloqueio é esse Observem o argumento seguinte Se dois advogados estão de fato seguindo regras diferentes ao empregar a palavra direi to usando critérios factuais diferentes para decidir quando uma proposição jurídica é verdadeira ou falsa então cada qual deve ter em mente algo diferente quando afirma o que é o direito Earl e Gray devem pensar em coisas diferentes quando afirmam ou negam que o direito permite que os Assassinos possam herdar Earl quer dizer que seus fundamentos para o direito são ou não são respeitados e Gray tem em mente seus próprios fundamentos e não os de Earl Portapto os dois jui zes não estão realmente divergindo sobre coisa alguma quando um nega e o outro afirma essa proposição Ocorre apenas que estão falando sem entender um ao outro Seus argumentos são inúteis no sentido mais trivial e vexatório do termo como em uma discussão sobre bancos na qual uma pessoa tem em mente os bancos de investimento e a outra os bancos de uma praça Pior ainda mesmo quando os advogados parecem estar de acordo sobre a natureza do direito seu acordo se mostra igual mente falso como se as duas pessoas que acabei de imaginar chegassem a um acordo quanto ao fato de haver muitos bancos nos Estados Unidos Essas bizarras conclusões devem ser falsas O direito é uma profissão florescente e apesar dos defeitos que possa ter 5 4 O IMPÉRIO DO DIREITO inclusive aqueles fundamentais não se trata de uma piada gro tesca Significa alguma coisa afirmar que os juízes devem aplicar a lei em vez de ignorála que o cidadão deve obedecer à lei a não ser em casos muito raros e que os funcionários públi cos são regidos por suas normas Parece estúpido negar tudo isso simplesmente porque às vezes divergimos sobre o verda deiro conteúdo do direito Desse modo nossos filósofos do direito tentam salvar aquilo que podem Para fazêlo agarram se a qualquer coisa que encontram afirmam que nos casos difíceis os juízes apenas fingem divergir sobre o conteúdo do direito ou que os casos difíceis não passam de discussões li mítrofes à margem daquilo que é claro e comum a todos Ou então pensam que devem entrar em alguma forma de niilismo a propósito do direito A lógica que preside a essa devastação é aquela que descrevi há pouco o argumento de que a menos que os advogados e juízes compartilhem critérios factuais so bre os fundamentos do direito não poderá haver nenhuma idéia ou debate significativos sobre o que é o direito Não te mos outra opção a não ser confrontar esse argumento Tratase de um argumento filosófico razão pela qual a próxima etapa de nosso esquema deve ser também filosófica Capítulo II Conceitos de interpretação O a g u i l h ã o s e m â n t i c o Chamarei de aguilhão semântico o argumento que descre vi há pouco e que tem causado tantos problemas à filosofia do direito Suas vítimas são as pessoas que têm uma certa imagem do que é a divergência e de quando ela é possível Elas pensam que podemos discutir sensatamente se mas apenas se todos aceitarmos e seguirmos os mesmos critérios para decidir quan do nossas posições são bem fundadas mesmo que não possa mos afirmar com exatidão como seria de espeàr de um filó sofo que critérios são esses Eu e você só poderemos discutir sensatamente quantos livros tenho em minha estante por exem plo se ambos estivermos de acordo pelç menos em linhas ge rais quanto ao que é um livro Podemos divergir sobre os ca sos limítrofes posso chamar de livrinho aquilo que para você seria um panfleto Mas não podemos divergir sobre aquilo que chamei de casos centrais Se para você meu exemplar de Moby Dick não é um livro pois em sua opinião romances não são livros qualquer divergência será necessariamente absurda Se essa imagem simples das circunstâncias em que a verdadeira divergência é possível esgota todas as possibilidades ela deve aplicarse aos conceitos jurídicos inclusive ao conceito de di reito E então que se coloca o dilema que exponho a seguir Ou os advogados apesar das aparências realmente aceitam em li 56 O IMPÉRIO DO DIREITO nhãs gerais os mesmos critérios para decidir quando uma afir mação sobre o direito é verdadeira ou não pode existir absolu tamente nenhum verdadeiro acordo ou desacordo sobre o que é o direito mas apenas a estupidez de pessoas pensando que di vergem porque atribuem significados diferentes ao mesmo som O segundo termo desse dilema parece absurdo Portanto os filósofos do direito adotam o primeiro e tentam identificar as regras fundamentais ocultas que devem estar contidas mas não reconhecidas na prática jurídica Eles produzem e discutem as teorias semânticas do direito Infelizmente para essas teorias a imagem do que torna a divergência possível ajustase mal aos tipos de divergência que os advogados realmente têm Ela é coerente quando advogados e juízes divergem sobre fatos históricos ou sociais sobre que palavras devem ser encontradas no texto de alguma lei ou quais eram os fatos em alguma decisão judicial anterior Em direito porém grande parte das divergências é teórica não empírica Os filósofos do direito em cuja opinião devem exis tir regras comuns tentam subestimar a divergência teórica por meio de explicações Dizem que os advogados e juízes apenas fingem ou que só divergem porque o caso que têm em mãos se situa numa zona cinzenta ou periférica das regras comuns Em ambos os casos dizem eles o melhor a fazer é ignorar os ter mos usados pelos juízes e tratálos como se divergissem quan to à fidelidade ou reforma do direito e não quanto ao direito Aí está o aguilhão estamos marcados como seu alvo por uma imagem demasiado tosca do que deve ser a divergência Um exemplo imaginário A atitude interpretativa Talvez essa imagem do que torna a divergência possível seja muito tosca para captar qualquer divergência ainda que sobre livros Mas sustentarei apenas que ela não é exaustiva e em particular que não contém um conjunto importante de cir CONCEITOS DE INTERPRETA ÇÂO 57 cunstâncias que inclua a argumentação teórica em direito Ela não se sustenta quando os membros de comunidades especí ficas que compartilham práticas e tradições produzem e de batem afirmações sobre as melhores interpretações de tais prá ticas e tradições quando divergem melhor dizendo sobre aquilo que alguma tradição ou prática realmente requer em cir cunstâncias concretas Essas afirmações são muitas vezes po lêmicas e a divergência é genuína mesmo que as pessoas usem critérios diferentes para dar forma a essas interpretações é ge nuína porque as interpretações conflitantes voltamse para os mesmos objetos ou eventos a interpretar Tentarei mostrar como esse modelo nos ajuda a compreender melhor o argumento jurídico e a ver com mais clareza o papel do direito na cultura considerada em sentido mais vasto Antes porém será útil exa minar como o modelo se aplica a uma instituição muito mais simples Imagine a seguinte história a propósito de uma comunida de fictícia Seus membros seguem um conjunto de regras que chamam de regras de cortesia usandoas em um certo nú mero de situações sociais Eles dizem A cortesia exige que os camponeses tirem o chapéu diante dos nobres por exemplo e sustentam e aceitam outras proposições desse tiro Por algum tempo essa prática tem u m caráter de tabu as regras simples mente estão ali e ninguém as questiona nem tenta mudálas Mas em seguida talvez lentamente tudo isso muda Todos desenvolvem uma complexa atitude intefpretativa com rela ção às regras de cortesia uma atitude que tem dois componen tes O primeiro é o pressuposto de que á prática da cortesia não apenas existe mas tem um valor serve a algum interesse ou propósito ou reforça algum princípio em resumo tem algu ma finalidade que pode ser afirmado independentemente da mera descrição das regras que constituem a prática O segundo é o pressuposto adicional de que as exigências da cortesia o comportamento que ela evoca ou os juízos que ela autoriza não são necessária ou exclusivamente aquilo que sempre se imaginou que fossem mas ao contrário suscetíveis a sua fi nalidade de tal modo que as regras estritas devem ser com 58 O IMPÉRIO DO DIREITO preendidas aplicadas ampliadas modificadas atenuadas ou limitadas segundo essa finalidade Quando essa atitude inter pretativa passa a vigorar a instituição da cortesia deixa de ser mecânica nào é mais a deferêjicia espontânea a uma ordem rúnica As pessoas agora tentam impor um significado à insti tuição vêla em sua melhor luz e em seguida reestruturá la à luz desse significado Os dois componentes da atitude interpretativa são inde pendentes um do outro podemos adotar o primeiro componen te dessa atitude com relação a alguma instituição sem que seja necessário adotar também o segundo E o que fazemos no caso de jogos e competições Recorremos à finalidade dessas práti cas ao discutirmos a possibilidade de alterar suas regras mas não a não ser em casos muito raros1 aquilo que elas são no momento isso é determinado pela história e pela convenção A interpretação portanto desempenha um papel apenas exte rior nos jogos e competições Contudo é fundamental para a minha fábula sobre a cortesia que as pessoas da comunidade hipotética adotem o segundo componente dessa atitude bem como o primeiro para eles a interpretação decide nào apenas por que a cortesia existe mas também o que devidamente com preendida ela agora requer Valor e conteúdo se confundem Como a cortesia se modifica Vamos supor que antes de a atitude interpretativa entrar em vigor com seus dois componentes todos presumam que a fina lidade da cortesia esteja na oportunidade que ela oferece de demonstrar respeito aos membros superiores da hierarquia social Não se questiona se as formas tradicionais de respeito são de fato aquelas que a prática exige Estas são pura e sim plesmente as formas de deferência e as opções disponíveis I Ver em meu livro Taking Rights Seriously 1015 Cambridge Mass e Londres 1977 a discussão de um problema interpretativo incomum num torneio de xadrez CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO 59 são a conformidade ou a revolta Porém quando a atitude in terpretativa se desenvolve plenamente as pessoas começam a exigir a título de cortesia formas de deferência anteriormente desconhecidas ou a desprezar ou rejeitar formas anteriormen te reverenciadas sem nenhum sentido de revolta afirmando que o verdadeiro respeito é mais bem observado por aquilo que elas fazem que por aquilo que outros fizeram A interpre tação repercute na prática alterando sua forma e a nova forma incentiva uma nova reinterpretação Assim a prática passa por uma dramática transformação embora cada etapa do processo seja uma interpretação do que foi conquistado peia etapa ime diatamente anterior A concepção das pessoas sobre os fundamentos apropria dos do respeito por exemplo pode variar de acordo com a po sição social idade ou sexo ou algum outro atributo Os princi pais beneficiários do respeito então seriam em um período os membros superiores da escala social os idosos em outro perío do as mulheres num terceiro e assim por diante Ou as opi niões podem mudar quanto à natureza ou qualidade do respei to passando do ponto de vista de que a demonstração externa constitui respeito ao ponto de vista oposto de que o respeito é apenas uma questão de sentimentos Ou atndiL as opiniões podem mudar num âmbito diferente sobre se cr respeito tem algum valor quando se dirige a grupos ou quando decorre de atributos naturais e não a indivíduos em atenção à sua realiza ção pessoal Se o respeito do primeiro íipo não mais parece importante ou mesmo parece errado então uma nova interpre tação da prática vai se fazer necessária As pessoas passarão a ver a finalidade da cortesia quase como o inverso daquilo que era no c o m e ç o n o valor de formas impessoais de relações sociais que devido a sua impessoalidade não exigem nem ne gam nenhum significado mais vasto A cortesia passará então a ocupar um lugar menor e diferente na vida social e já se pode antever o fim da fábula a atitude interpretativa perderá sua força e a prática retornará ao estado mecânico e estático que tinha de início 60 O IMPÉRIO DO DIREITO Um primeiro exame da interpretação Este é um exame rápido a partir da perspectiva histórica de como a tradição da cortesia muda com o passar do tempo Precisamos agora considerar mais de perto a dinâmica da trans formação observando os tipos de juízos decisões e argumen tos que produzem cada resposta individual à tradição as res postas que coletivamente durante longos períodos produzem as grandes mudanças que examinamos primeiro Precisamos de informações sobre o modo como a atitude que chamo de in terpretativa funciona a partir do interior do ponto de vista dos intérpretes Infelizmente mesmo um relato preliminar será controvertido pois se uma comunidade faz uso dos conceitos interpretativos o próprio conceito de interpretação será um deles uma teoria da interpretação é uma interpretação da prá tica dominante de usar conceitos interpretativos Desse modo qualquer relato apropriado da interpretação deve ser verdadei ro para consigo mesmo Neste capitulo apresento uma abor dagem teórica particularmente destinada a explicar a inter pretação de práticas e estruturas sociais como a cortesia e de fendo essa abordagem contra algumas objeções fundamentais e aparentemente vigorosas Receio que a discussão nos leve muito além do direito ao domínio das controvérsias sobre in terpretação das quais se têm ocupado sobretudo os críticos li terários os cientistas sociais e os filósofos Mas se o direito é um conceito interpretativo qualquer doutrina digna desse no me deve assentar sobre alguma concepção do que é interpreta ção e a análise da interpretação que elaboro e defendo neste capítulo constitui a base do restante do livro A mudança de di reção é essencial Interpretar uma prática social é apenas uma forma ou oca sião de interpretação As pessoas interpretam em muitos con textos diferentes e para começar devemos procurar entender em que esses contextos diferem A ocasião mais conhecida de interpretação tão conhecida que mal a reconhecemos como tal é a conversação Para decidir o que uma outra pessoa dis se interpretamos os sons ou sinais que ela faz A chamada in CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO 61 terpretação científica tem outro contexto dizemos que um cien tista começa por coietar dados para depois interpretálos Ou tro ainda tem a interpretação artística os críticos interpretam poemas peças e pinturas a fim de justificar algum ponto de vista acerca de seu significado tema ou propósito A forma de interpretação que estamos estudando a interpretação de uma prática social é semelhante à interpretação artística no se guinte sentido ambas pretendem interpretar algo criado pelas pessoas como uma entidade distinta delas e não o que as pes soas dizem como na interpretação da conversação ou fatos não criados pelas pessoas como no caso da interpretação cien tífica Vou concentrarme nessa semelhança entre a interpreta ção artística e a interpretação de uma prática social atribuirei a ambas a designação de formas de interpretação criativa distinguindoas assim da interpretação da conversação e da interpretação científica A interpretação da conversação é intencional e não causal em algum sentido mais mecânico Não pretende explicar os sons que atguéna emite do mesmo modo que um biólogo expli ca o coaxar de uma rã Atribui significados a partir dos supos tos motivos intenções e preocupações do orador e apresenta suas conclusões como afirmações sobre a intenção deste ao dizer o que disse Podemos afirmar que todas as Tormas de in terpretação têm por finalidade uma explicação intencional nesse sentido e que essa finalidade estabelece uma distinção entre a interpretação enquanto um tipo de explicação e a ex plicação causal em sentido mais amplo Essa descrição não me parece à primeira vista ajustarse à interpretação científi ca e poderíamos nos sentir forçados se nos deixarmos atrair pela idéia de què toda interpretação genuína é intencional a afirmar que a interpretação científica não é de modo algum interpretação de verdade Poderíamos dizer que a expressão interpretação científica é apenas uma metáfora a metáfora de dados que falam com o cientista do mesmo modo que uma pessoa fala com outra ela mostra o cientista como alguém que se empenha em entender aquilo que os dados tentam dizerlhe Poderíamos perfeitamente acreditar que é possível descartar a 62 O IMPÉRIO DO DIREITO metáfora e falar com precisão simplesmente retirando de nos sa descrição final do processo científico a idéia de intenção Será então que a interpretação criativa também não passa de um caso metafórico de interpretação Poderíamos dizer para usar a mesma metáfora que quando falamos de inter pretar poemas ou práticas sociais estamos imaginando que eles nos falam que pretendem dizernos alguma coisa tal qual faria uma pessoa Mas então não podemos descartar a metáfo ra como no caso da ciência explicando que na verdade temos em mente uma explicação causal comum e que a metáfora de intenção e significado é apenas decorativa Pois a interpreta ção das práticas sociais e das obras de arte diz respeito essen cialmente a intenções não a merais causas Os membros da comunidade fictícia não tencionam encontrar quando inter pretam sua prática os diversos determinantes econômicos psi cológicos ou fisiológicos de seu comportamento comum Tam pouco um crítico tem por objetivo uma descrição fisiológica de como um poema foi escrito Precisamos portanto substituir a metáfora das práticas e das imagens falando com suas pró prias vozes de modo a reconhecer o lugar fundamental da in tenção na interpretação criativa Há uma solução muito conhecida Ela descarta a metáfora de poemas e imagens que nos falam ao insistir em que a in terpretação criativa é apenas um caso especial de interpreta ção conversacional Ouvimos não as obras de arte em si como sugere a metáfora mas sim os seres humanos que são seus autores A interpretação criativa pretende decifrar os propósi tos ou intenções do autor ao escrever determinado romance ou conservar uma tradição social específica do mesmo modo que na conversação pretendemos perceber as intenções de um amigo ao falar como fala2 Defenderei aqui uma solução dife 2 Nas páginas seguintes avalio o pressuposto de que a interpretação criativa deve ser interpretação conversacional sobretudo ao discutir uma idéia familiar aos teóricos da literatura de que interpretar uma obra literária significa recapturar as intenções de eu autor Mas esse pressuposto tem uma base mais gera na literatura filosófica da interpretação Wilhelm Dilthey um filósofo alemão que foi especialmente influente em dar forma ao debate sobre CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO 63 rente a de que a interpretação criativa não é conversacional mas construtiva A interpretação das obras de arte e das práti cas sociais como demonstrarei na verdade se preocupa es sencialmente com o propósito não com a causa Mas os pro pósitos que estão em jogo não são fundamentalmente os de algum autor mas os do intérprete Em linhas gerais a interpre tação construtiva é uma questão de impor um propósito a um a objetividade nas ciências sociais usou a palavra verstehen para descrever especificamente o tipo de entendimento que adquirimos ao saber o que outra pessoa quer dizer com aquilo que diz poderíamos dizer que esse é um senti do da compreensão no qual entender alguém implica chegar a um entendi mento com tal pessoa em vez de descrever todas as possíveis maneiras ou modalidades de entender seu comportamento ou sua vida mental Ver Meaningin Hisiory Diltheys Thoughton Hístory and Society H P Rickman trad e org Londres 1961 Dilthey colocou a questão de saber se e como esse tipo de entendimento é possível a despeito das diferenças culturais encontrou a chave para seu problema na consciência histórica o estado de espírito alcançado por raros e dedicados intérpretes através da reflexão sobre a estrutura e as categorias gerais de suas próprias vidBS em u m nível de abs tração tão alto que e pode supor pelo menos como uma hipótese metodoló gica que perduram no tempo O s mestres contemporâneos que deram conti nuidade ao debate como Gadamer e Habenrtas tomam direções diferentes Gadamer acha que a solução de Dilthey pressupõe o aparato hegeliano que Dilthey ansiava por exorcizar Ver H G Gadamer Truth Únd Method em particular pp 192214 tradução inglesa 2 ed Londres 1979 Acredita que a consciência histórica arquimediana que Dilthey imaginou possível livre daquilo que Gadamer chama no sentido especial que dá ao termo de preconceitos é impossível que o máximo que podemos esperar alcançar é uma consciência histórica efetiva que pretende ver a história não a partir de nenhum ponto de vista específico mas sim compreender como nosso pró prio ponto de vista é influenciado pelo mundo que desejamos interpretar Habermas por sua vez critica Gadamer por sua visão demasiado passiva de que a direção da comunicação é de mão única que o intérprete deve esforçar se por aprender e aplicar aquilo que interpreta com base no pressuposto de que está subordinado a seu autor Habermas faz a observação crucial que aponta mais paca a interpretação construtiva do que para a conveisacionai de que a interpretação pressupõe que o autor poderia aprender com o intérprete Ver Jürgen Habermas 1 The Theory of Communicative Aclion trad de T McCarthy Boston 1984 O interminável debate prossegue dominado espe cialmente pelo pressuposto que descrevo no texto de que a única alternativa ao entendimento causaeefeito dos fatos sociais é o entendimento conversa cional com base no modelo do verstehen 64 O IMPÉRIO DO DIREITO objeto ou prática a fim de tornálo o melhor exemplo possível da forma ou do gênero aos quais se imagina que pertençam Daí não se segue mesmo depois dessa breve exposição que um intérprete possa fazer de uma prática ou de uma obra de arte qualquer coisa que desejaria que fossem que um membro da comunidade hipotética fascinado pela igualdade por exem plo possa de boafé afirmar que na verdade a cortesia exige que as riquezas sejam compartilhadas Pois a história ou a forma de uma prática ou objeto exerce uma coerção sobre as interpretações disponíveis destes últimos ainda que como ve remos a naturezâ dessa coerção deva ser examinada com cui dado Do ponto de vista construtivo a interpretação criativa é um caso de interação entre propósito e objeto Segundo esse ponto de vista um participante que inter preta uma prática social propõe um valor a essa prática ao des crever algum mecanismo de interesses objetivos ou princípios ao qual se supõe que ela atende expressa ou exemplifica Mui tas vezes talvez até mesmo quase sempre os dados comporta mentais brutos da prática o que as pessoas fazem em quais circunstâncias vão tornar indeterminada a atribuição de va lor esses dados serão compatíveis com atribuições diferentes e antagônicas Uma pessoa poderia ver nas práticas da cortesia um meio de assegurar o respeito a quem o mereça devido a sua posição social ou outro atributo qualquer Outra pessoa pode ria ver com a mesma nitidez um meio de tornar as relações sociais mais convencionais e portanto menos indicativas de juízos diferenciais de respeito Se os dados brutos não estabe lecem diferenças entre essas interpretações antagônicas a op ção de cada intérprete deve refletir a interpretação que de seu ponto de vista atribui o máximo de valor à prática qual delas é capaz de mostrála com mais nitidez Apresento essa exposição construtiva apenas a título de análise da interpretação criativa Mas devemos observar de passagem de que modo a exposição construtiva poderia ser ela borada para se ajustar aos outros dois contextos de interpreta ção que mencionei para mostrar assim uma profunda relação entre todas as formas de interpretação Para entender a conver CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO 6 5 sação de outra pessoa é preciso que se usem expedientes e pres supostos como o chamado princípio de caridade que em circunstâncias normais têm o efeito de transformar aquilo que a pessoa diz no melhor exemplo de comunicação possível5 E a interpretação de dados na ciência faz um grande uso de pa drões da teoria da construção como simplicidade elegância e possibilidade de verificação que refletem pressupostos con testáveis e variáveis sobre os paradigmas de explicações isto é sobre quais características tornam uma forma de explicação superior à outra4 Portanto a exposição construtiva da interpre tação criativa talvez pudesse nos fornecer uma descrição mais geral da interpretação em todas as suas formas Diríamos en tão que toda interpretação tenta tornar um objeto o melhor possível como exemplo de algum suposto empreendimento e que a interpretação só assume formas diferentes em diferentes contextos porque empreendimentos diferentes envolvem dife rentes critérios de valor ou de sucesso A interpretação artística só difere da interpretação científica porque julgamos o sucesso das obras de açte segundo critérios diferentes daqueles que uti lizamos para julgar as explicações de fenômenos físicos Interpretação e intenção do autor t A exposição construtiva da interpretação contudo pare cerá bizarra a muitos leitores mesmo quando restrita à inter pretação criativa ou mais ainda à interpretação de práticas sociais como a cortesia Irão fazerlhe objeções porque prefe rem a versão corrente da interpretação criativa que há pouco 3 Ver W V O Quine Word and Object 589 Cambridge Mass 1960 O principio de caridade é apresentado e aplicado num contexto dife rente cm Wilson Substance without Substrata 12 Review oMeiaphysics 521391959 4 Ver T Kuhn The Essential Tension Selected Studies in Scienúfic Tradition and Change 32051 Chicago 1977 Kuhn The Siructure ofScien tific Revolution 2 ed Chicago 1970 K Popper The Logic of Sctentijic Discovery Nova York 1959 66 O IMPÉRIO DO DIREITO mencionei de que a interpretação criativa é apenas interpreta ção de conversação dirigida a um autor Eis uma declaração que ilustra bem seus protestos Sem dúvida as pessoas podem fazer afirmações do tipo que você atribui aos membros da co munidade hipotética a propósitodas práticas sociais que com partilham sem dúvida elas podem propor e contestar opiniões sobre como se devem entender essas práticas e darlhes continui dade Mas é uma grave confusão dar a esse ponto de vista o nome de interpretação ou sugerir que de certo modo ele atri bua um sentido à prática em si Isso é profundamente engana dor em dois sentidos Primeiro interpretar quer dizer tentar entender algo uma afirmação um gesto um texto um poe ma ou uma pintura por exemplo de maneira particular e es pecial Significa tentar descobrir os motivos ou as intenções do autor ao falar representar escrever ou pintar como o fez Assim interpretar uma prática social como a prática da corte sia significa apenas discernir as intenções de seus adeptos uma por uma Em segundo lugar a interpretação tenta mostrar o objeto da interpretação o comportamento o poema a pin tura ou o texto em questão com exatidão exatamente como ele é e não como você sugere visto através de uma lente cor derosa ou em sua melhor luz Isso significa recuperar as ver dadeiras intenções históricas de seus autores e não impingir os valores do intérprete àquilo que foi criado pelos autores Vou responder a essa objeção por etapas e o esboço de argumentação que se segue poderia ser útil ainda que seja ne cessariamente condensado Sustentarei primeiro que mesmo considerando o objetivo da interpretação artística como uma recuperação da intenção de um autor como recomenda a obje ção não poderemos fugir ao uso das estratégias de interpreta ção construtiva que a objeção condena Não podemos evitar a tentação de fazer do objeto artístico o melhor que em nossa opinião ele possa ser Tentarei demonstrar em seguida que se realmente considerarmos que o objetivo da interpretação artís tica é a descoberta da intenção do autor isso deve ser uma con seqüência da aplicação à arte dos métodos da interpretação construtiva e não da recusa em recorrer a tais métodos Sus CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO 67 tentarei por último que as técnicas da interpretação conversa cional comum nas quais o intérprete procura descobrir as inten ções ou significados de outra pessoa seriam de qualquer modo inadequadas à interpretação de uma prática social como a corte sia pois é essencial à estrutura de tal prática que sua interpreta ção seja tratada como algo diferente da compreensão daquilo que outros participantes querem dizer com as afirmações que fazem ao colocála em operação Seguese que um cientista so cial deve participar de uma prática social se pretende compreen dêla o que é diferente de compreender seus adeptos A arte e a natureza da intenção A interpretação artística consiste inevitavelmente em des cobrir as intenções de um autor Descobrir as intenções de um autor é um processo factual independente dos valores do pró prio intérprete Começaremos pela primeira dessas perguntas e por uma afirmação cautelosa A interpretação artística não é simplesmente uma questão de recuperar a intenção de um au tor se por intenção entendermos um estado mental conscien te e não se atribuirmos à afirmação o significado de que a interpretação artística sempre pretende identifkar um pensa mento consciente específico que coordenava totla a orquestra ção na mente do autor quando este disse escreveu ou criou sua obra A intenção é sempre mais complexa e problemática Por tanto precisamos reformular nossa primeira pergunta Se na arte uma pessoa quer ver na interpretação a recuperação da intenção de um autor o que ela deve entender por intenção Assim reformulada essa primeira pergunta vai dar uma nova forma à segunda Existe de fato uma distinção tão nítida como supõe a objeção entre descobrir a intenção de um artista e en contrar valor naquilo que ele fez Precisamos primeiro lembrar uma observação crucial de Gadamer de que a interpretação deve pôr em prática uma in tenção5 O teatro nos oferece um exemplo elucidativo Alguém 5 Ver Gadamer acima n 2 68 O IMPÉRIO DO DIREITO que atualmente resolva produzir O mercador de Veneza deve encontrar uma concepção de Shylock que possa evocar para o público contemporâneo o complexo significado que a figura de um judeu tinha para Shakespeare e seu público e por esse motivo sua interpretação deve de alguma maneira unir dois períodos de consciência ao transpor as intenções de Shakes peare para uma cultura muito diferente situada no término de uma história muito diferente6 Se conseguir fazêlo é provável que sua leitura de Shylock seja muito diferente da visão con creta que Shakespeare tinha desse personagem Sob certos as pectos poderá ser o contrário substituindo desprezo ou ironia por simpatia por exemplo ou pode haver uma mudança de ênfase que talvez tome a relação entre Shylock e Jéssica muito mais importante do que aos olhos de Shakespeare como diretor da peça1 A intenção artística é portanto complexa e estrutu rada diferentes aspectos ou níveis de intenção podem entrar em conflito da maneira que se segue A fidelidade a cada uma das diversas opiniões concretas de Shakespeare sobre Shylock ignorando o efeito que teria sua concepção desse personagem sobre o público contemporâneo poderia configurar uma trai ção a seu propósito artístico mais abstrato E aplicar esse propósito abstrato a nossa situação é muito mais que um neu tro exercício histórico de reconstrução de um estado mental anterior De modo inevitável envolve as opiniões artísticas do próprio intérprete exatamente como o sugere a explicação x construtiva da interpretação criativa porque tenta encontrar a melhor maneira de expressar dado o texto em questão gran des ambições artísticas que Shakespeare nunca formulou ou talvez nem mesmo definiu conscientemente mas que são pro duzidas por nós ao perguntarmos como a peça que ele escreveu teria sido mais esclarecedora ou convincente para sua época 6 Devo este exemplo a Thomas Grey 7 Jonachan Miller enfatizou o papel de Jéssica em sua produção de 1969 8 Essa questão é desenvolvida tio contexto da interpretação das leis e tia Constituição nos capítulos IX e X Ver também Taking Rights Seriously cap 5e meu livro A Matter of Principie cap 2 Cambridge Mass 1985 CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO 69 Stanley Cavell adiciona um novo grau de complexidade ao mostrar de que modo até mesmo as intenções concretas e detalhadas de um artista podem ser problemáticas Ele obser va que um personagem do filme La strada de Feilini pode ser visto como uma referência à lenda de Filomela e pergunta o que precisamos saber sobre Feilini para afirmar que a referên cia era intencional ou o que é diferente não indeliberada Ele imagina um diálogo com Feilini no qual o cineasta diz que embora nunca antes tenha ouvido falar sobre essa lenda ela reflete o sentimento que ele tinha acerca do personagem du rante as filmagens isto é que ele agora a aceita como parte do filme Cavell diz que em tais circunstâncias tende a tratar a referência como deliberada A análise de Cavell é importante para nós não porque a questão agora é saber se ela é correta em seus detalhes mas porque sugere uma concepção de inten çãpmuito diferente da tosca concepção de estado mental cons ciente Segundo esse ponto de vista uma intuição faz parte da intenção do artista quando se ajusta a seus propósitos artísticos e os ilumina de tal modo que ele a reconheceria e endossaria mesmo que ainda não o tivesse feito Portanto o teste do diá logo imaginário pode ser aplicado a autores mortos há muito tempo como deve ser se pretendemos que teha alguma utili dade crítica geral Isso introduz o senso de valor artístico do intérprete na reconstrução da intenção do artista pelo menos de uma maneira comprobatória pois o julgamento que faz o in térprete sobre aquilo que o autor teria aceito vai ser guiado por seu senso daquilo que o autor deveria ter aceito isto é seu sen so de quais leituras tornariam a obra melhor e quais a toma riam pior A conversa imaginária com Feilini começa com Cavell achando que o filme ficaria melhor se visto como incluindo uma referência a Filomela Cavell supõe também que Feilini poderia ser levado a compartilhar esse ponto de vista a desejar tal leitura do filme e a ver que suas ambições têm melhor re 9 Stanley Cavell Masi fte Mean Whai We Say cap 8 Nova York 1969 Comparar com Gadamer acima n 2 pp 3955 70 O IMPÉRIO DO DIREITO sultado admitindo essa intenção A maioria das razões que Cavell apresenta para fundamentar tal suposição são as razões dele para preferir sua própria leitura Não quero dizer que esse uso da intenção artística seja uma espécie de fraude um disfar ce para o ponto de vista do intérprete Pois essa conversa ima ginária tem um importante papel negativo em algumas cir cunstâncias um intérprete teria bons motivos para supor que o artista rejeitaria uma leitura que agrade ao intérprete Também não quero dizer que devemos aceitar a idéia geral de que a in terpretação consiste em recuperar ou reconstruir as intenções de um determinado autor uma vez que abandonemos a concep ção tosca do estado mental consciente Hoje muitos críticos rejeitam essa idéia geral de maneira ainda mais sutil e mais adiante teremos de examinar de que modo essa querela persis tente deve ser entendida No momento pretendo apenas afir mar que a idéia da intenção do autor quando se torna um mé todo ou um estilo de interpretação implica em si mesma as convicções artísticas do intérprete estas serão muitas vezes fundamentais para estabelecer aquilo em que para tal intérpre te realmente consiste a intenção artística desenvolvida Podemos se desejarmos usar o relato de Cavell para ela borar uma nova descrição daquilo que fazem os cidadãos de minha imaginária comunidade interessada na cortesia ao in terpretarem sua prática social um relato que poderia ter pare cido absurdo antes desta discussão Cada cidadão diríamos está tentando descobrir sua própria intenção ao manter essa prática e dela participar não no sentido de recuperar seu es tado mental da última vez em que tirou o chapéu em sinal de respeito a uma senhora mas no sentido de encontrar uma ex plicação significativa de seu comportamento que o faça sen tirse bem consigo mesmo Essa nova descrição da interpreta ção social como uma conversa consigo mesmo como combi nação dos papéis de autor e crítico sugere a importância em termos da interpretação social do choque de reconhecimento que tem um papel tão importante nos diálogos que Cavell ima gina ter com os artistas Sim isso confere sentido ao que fa ço ao tirar meu chapéu ajustase à noção que tenho de quando CONCEITOS DE INTERPRETA ÇÀO 71 seria errado fazêlo noção que até então não ftii capaz de des crever mas que agora se torna possível Ou Não não faz sentido De outro modo a nova descrição nada acrescenta à minha primeira descrição que possa mostrarse útil a nós Re vela apenas que a linguagem da intenção e peio menos al gum aspecto da idéia de que a interpretação é uma questão de intenção encontrase ao alcance tanto da interpretação social quanto da interpretação artística Na idéia de intenção não existe nada que necessariamente separe os dois tipos de inter pretação criativa Agora porém chegamos a um aspecto mais importante há nessa idéia alguma coisa que necessariamente as une Por que mesmo se rejeitarmos a tese de que a interpretação criati va pretende descobrir alguma intenção histórica real o concei to de intenção ainda assim oferece a estrutura formal a todo enunciado interpretativo Quero dizer que uma interpretação é por natureza o relato de um propósito ela propõe uma forma de ver o que é interpretado uma prática social ou uma tradi ção tanto quanto um texto ou uma pintura como se este fosse o produto de uma decisão de perseguir um conjunto de temas visões ou objetivos uma direção em vez de outra Essa estrutu ra é necessária a uma interpretação mesmo quando o material a ser interpretado é uma prática social mesmo quando não existe nenhum autor real cuja mente possa ser investigada Em nossa história imaginária uma interpretação da cortesia terá um ar intencional ainda que a intenção rlSo possa ser atribuída a ninguém em particular nem mesmo às pessoas em geral Essa exigência estrutural considerada como independente de qualquer outra exigência que ligue a interpretação às intenções de um autor específico propõe um estimulante desafio do qual nos ocuparemos mais adiante em especial no capítulo VI Por que valeria a pena insistir na estrutura formal do propósito da maneira como explicamos os textos ou as instituições jurídi cas para além do objetivo de recuperar alguma intenção autên tica atual 72 O IMPÉRIO DO DIREITO Intenção e valor da arte Afirmei há pouco que o método de interpretação artísti ca que se fundamenta na intenção do autor é discutível até mesmo em sua forma mais plausível Muitos críticos afirmam que a interpretação literária deve seT sensível a certos aspectos da literatura os efeitos emocionais que ela exerce sobre os leitores ou o modo como sua linguagem foge a qualquer redu ção a um conjunto específico de significados ou a possibilida de de diálogo que cria entre o artista e o público por exemplo quer esses aspectos façam ou não parte da intenção do autor mesmo no sentido complexo em que até o momento a exami namos E mesmo aqueles que ainda insistem em afirmar que a intenção do artista deve ser decisiva quanto à verdadeira natureza da obra divergem sobre o modo como essa intenção deve ser reconstruída Todas essas divergências sobre a inten ção e a arte são importantes para nós não porque devamos tomar partido o que não se faz necessário aqui mas porque devemos tentar compreender a natureza da discussão aquilo so bre que realmente há divergência Aqui está uma resposta a essa questão As obras de arte se apresentam a nós como portadoras ou pelo menos assim o pretendem de um valor específico que chamamos de estéti co esse modo de apresentação faz parte da idéia mesma de tra dição artística Mas é sempre uma questão um tanto aberta so bretudo na tradição critica geral que chamamos de modernis ta saber onde se encontra esse valor e até que ponto ele se concretizou Os estilos gerais de interpretação são ou pelo menos pressupõem respostas gerais à questão que portanto ficou em aberto Sugiro então que o argumento acadêmico sobre a intenção do autor seja considerado como um argumen to particularmente abstrato e teórico sobre onde se situa o va lor na arte Assim esse argumento desempenha seu papel jun tamente com argumentos mais concretos e valiosos voltados principalmente para objetos particulares nas práticas essen ciais que nos propicia a experiência estética Essa maneira de ver o debate entre os críticos explica por que alguns períodos de atividade literária são mais associados CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO 73 do que outros com a intenção artística sua cultura intelectual vincula o valor na arte mais firmemente ao processo de criação artística Cavell observa que na arte moderna o problema da intenção do autor assumiu um papel mais visível em nossa aceitação de suas obras do que em períodos anteriores e que a prática da poesia se transforma nos séculos XIX e XX de tal modo que as questões de intenção são impostas ao leitor pelo próprio poema0 Essa mudança reflete e contribui para o desenvolvimento naqueles períodos da convicção romântica de que a arte tem o valor que tem e concretiza esse valor em objetos e eventos específicos porque e quando encarna o gê nio criador individual O predomínio dessa concepção do valor da arte em nossa cultura explica não apenas nossa preocupação com a intenção e a sinceridade mas muito mais nossa obses são com a originalidade por exemplo Assim nosso estilo de interpretação dominante fixase na intenção do autor e as dis cussões no interior desse estilo sobre o que é mais precisa mente a intenção artística refletem dúvidas e divergências mais afinadas jobre a natureza do gênio criador sobre o papel do consciente e do inconsciente e sobre o que há de instintivo em sua composição e expressão Alguns críticos que divergem mais explicitamente do estilo autora pois enfatizam os valo res da tradição e da continuidade nos quais o lugjr de um autor muda à medida que a tradição se constrói defendem uma in terpretação retrospectiva que faz a melhor leitura da obra de pender daquilo que foi escrito um séculojnais tarde Desafios ainda mais radicais que insistem na importância das conse qüências sociopolíticas da arte ou da semântica estruturalista ou desconstrucionista ou que insistem na narrativa construída entre o autor e o leitor ou que parecem rejeitar por completo a atividade interpretativa recorrem a concepções muito diferen tes do lugar em que de fato se encontra o valor conceitualmen te pressuposto da arte 10 Cavell acima n 9 pp 2289 11 Ver T S Eliot Tradition and lhe Individual Talent Selecled Essays Nova York 1932 74 O IMPÉRIO DO DIREITO Essa exposição da complexa interação entre a interpreta ção e outros aspectos da cultura é perigosamente simplista pretendo apenas sugerir como a discussão sobre a intenção na interpretação situada na prática social mais ampla de discus são do modo de avaliar a arte pressupõe ela mesma o objeti vo mais abstrato da interpretação construtiva visando tirar o melhor proveito daquilo que é interpretado Preciso ter cuida do para que não me entendam mal Não estou afirmando que a teoria da interpretação artística com base na intenção do artista seja errada ou certa mas que certa ou errada essa questão e aquilo que ela significa até onde seja possível refletir sobre essas questões no âmbito de nossa tradição crítica devem vol tarse para a plausibilidade de alguma hipótese mais funda mental sobre a razão por que as obras de arte têm o valor que sua apresentação pressupõe Tampouco quero dizer que o críti co empenhado em reconstituir as intenções de Feilini ao reali zar La strada deva ter em mente enquanto trabalha alguma teoria que ligue a intenção ao valor estético a intenção crítica não é um estado mental mais do que a intenção artística Não estou pretendendo afirmar também que se o crítico relatar es sa intenção como se ela incluísse uma reelaboração de Filo mela embora isso nunca tenha sido admitido por Feilini ele deve ter consciência de estar pensando que o filme será melhor se interpretado dessa maneira Quero dizer apenas que nas cir cunstâncias habituais da crítica devemos ser capazes de atri buirIhe tal ponto de vista do mesmo modo que em geral atri buímos convicções às pessoas se quisermos entender suas afirmações como interpretativas e não por exemplo como zombeteiras ou enganadoras2 Não nego o que é óbvio isto é 12 Circunstâncias incomuns ausentes Imagine esta seqüência um cri tico insiste em que embora o próprio Feilini não se tenha dado conta enquan to filmava a melhor maneira de interpretar La strada é através da história de Filomela Em seguida o crítico acrescenta que o filme assim entendido é particularmente banal Ficamos sem saber por que ele faz tal interpretação Não quero dizer que todo tipo de atividade que chamamos de interpretação pretenda fazer o melhor daquilo que interpreta uma interpretação cientifi ca do Holocausto nâo tentaria mostrar os motivos de Hitler sob o ponto de CONCEITOS DE INTERPRETA ÇÂO 75 que os intérpretes pensam no âmbito de uma tradição interpre tativa à qual não podem escapar totalmente A situação inter pretativa não é um ponto de Arquimedes nem isso está sugeri do na idéia de que a interpretação procura dar ao que é inter pretado a melhor imagem possível Recorro mais uma vez a Gadamer que acerta em cheio ao apresentar a interpretação como algo que reconhece as imposições da história ao mesmo tempo que luta contra elas13 Intenções e práticas Em resposta à objeção que apresentei ao iniciar esta dis cussão afirmo que em nossa cultura a interpretação artística é uma interpretação construtiva A grande questão sobre até que ponto a melhor interpretação de uma obra de arte deve ser fiel à intenção do autor voltase para a questão construtiva de saber se a aceitação dessa exigência permite que a interpretação aprimore ao máximo a experiência ou o objeto artísticos Os que admitem essa possibilidade por acharem que o gênio é a essência da arte ou por alguma outra razão devem fazer uma avaliação mais detalhada do valor artístico ao incidirem qual é de fato a intenção pertinente ao autor Devemos agora exa vista mais atraente assim como alguém que tentame mostrar os efeitos sexis tas de uma história em quadrinhos não se empenharia em encontrar uma in terpretação nãosexista mas apenas que assim são as coisas nos casos nor mais ou paradigmáticos de interpretação criativa Alguém poderia tentar desacreditar um escritor ao mostrar sua obra naquilo que ela tem de pior não de melhor e naturalmente apresentaria seu argumento como uma interpreta ção uma afirmação sobre o que realmente é a obra do escritor em questão Se o crítico realmente acredita que nenhuma outra interpretação mais favorá vel se ajusta ião bem seu argumento se enquadra em minha descrição Mas suponhamos que ele nio acredite e esteja omitindo uma interpretação mais atraente que também é aceitável tendose em vista o texto Nesse caso sua estratégia é dependente da avaliação normal pois ele só será bemsucedido se seu público não perceber seu verdadeiro objetivo somente se acreditar que ele tentou produzira melhor interpretação possível 13 Gadamer aciman 2 7 6 O IMPÉRIO DO DIREITO minar a objeção do modo como eta se aplica especificamente à outra modalidade de interpretação criativa a interpretação das práticas e estruturas sociais Como poderia essa forma de in terpretação pretender descobrir algo como a intenção de um autor Observamos um sentido no qual alguém poderia cogitar tal possibilidade Um participante de uma prática social pode ria pensar que a interpretação de sua prática significa desco brir suas próprias intenções no sentido que descrevi Mas essa hipótese não faz frente à objeção pois a objeção sustenta que a interpretação deve ser neutra e que portanto o intérprete deve tentar descobrir os motivos e propósitos de outra pessoa Que sentido podemos dar a essa sugestão no contexto da interpreta ção social Existem duas possibilidades Alguém poderia dizer que interpretar uma prática social significa descobrir os propósi tos ou intenções dos outros participantes da prática os cida dãos da hipotética comunidade por exemplo Ou que significa descobrir os propósitos da comunidade que abriga essa práti ca concebida como tendo ela mesma alguma forma de vida mental ou de consciência de grupo A primeira dessas suges tões parece mais atraente por ser a menos misteriosa Mas é excluída pela estrutura interna de uma prática social argumen tativa pois é uma característica de tais práticas que uma afir mação interpretativa não seja apenas uma afirmação sobre aquilo que outros intérpretes pensam As práticas sociais são compostas sem dúvida por atos individuais Muitos desses atos têm por objetivo a comunicação e portanto convidam à seguinte pergunta O que ele quis dizer com isso ou Por que ele disse isso exatamente naquele momento Se um mem bro da comunidade hipotética diz a outro que a instituição exige que se tire o chapéu diante dos superiores tornase per feitamente sensato fazer tais perguntas e respondêlas seria tentar compreender tal pessoa da maneira que é usual na inter pretação conversacional Mas uma prática social cria e pressu põe uma distinção crucial entre interpretar os atos e pensamen tos dos participantes um a um daquela maneira e interpretar a prática em si isto é interpretar aquilo que fazem toletivamen CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO 77 te Ela pressupõe essa distinção porque as afirmações e os ar gumentos que os participantes apresentam autorizados e esti mulados pela prática dizem respeito ao que ela quer dizer e não ao que eles querem dizer Essa distinção não teria importância efetiva se os partici pantes de uma prática sempre estivessem de acordo quanto à melhor interpretação dela Mas eles não concordam pelo me nos em detalhes quando a atitude interpretativa é intensa De vem na verdade concordar sobre muitas coisas para poderem compartilhar uma prática social Devem compartilhar um voca bulário devem ter em mente mais ou menos a mesma coisa quando mencionam chapéus ou exigências Devem compreen der o mundo de maneira bastante parecida e ter interesses e convicções suficientemente semelhantes para reconhecer o sen tido das afirmações de todos os outros para tratálas como afir mações não como meros ruídos Isso significa não apenas usar o mesmo dicionário mas compartilhar aquilo que Wittgenstein chamou de uma forma de vida suficientemente concreta de tal modo que um possa encontrar sentido e propósito naquilo que o outro diz e faz ver que tipos de crenças e de motivos dariam um sentido a sua dicção a seus gestos a seu tom de voz e assim por diante Devem todos falar a mesma língu em ambos os sentidos da expressão Mas essa semelhança de interesses e convicções só deve manterse até um certo ponto deve ser sufi cientemente densa para permitir a verdadeira divergência mas não tão densa que a divergência não possa manifestarse Portanto cada um dos adeptos de uma prática social deve estabelecer uma distinção entre tentar decidir o que outros membros de sua comunidade pensam que a prática exige e tentar decidir para si mesmo o que ela realmente requer Uma vez que sè trata de questões diferentes os métodos inter pretativos que ele usa para responder a esta última questão não podem ser os métodos da interpretação conversacional dirigida a indivíduos um a um que usaria para responder à primeira Um cientista social que se oferece para interpretar a prática deve estabelecer a mesma distinção Se assim o dese 78 O IMPÉRIO DO DIREITO jar ele pode dedicarse apenas a reportar as diversas opiniões que diferentes membros da comunidade têm a respeito daqui lo que a prática exige Mas isso não configuraria uma inter pretação da prática em si se ele se dedicar a esse outro proje to deve abrir mão do individualismo metodológico e empre gar os métodos que os que estão submetidos a sua análise usam para formar suas próprias opiniões sobre aquilo que a cortesia realmente exige Ele deve portanto aderir à prática que se propõe compreender assim suas conclusões não serão relatos neutros sobre o que pensam os membros da comunidade mas afirmações sobre a cortesia que competem com as deles Que dizer da sugestão mais ambiciosa de que a interpreta ção de uma prática social é interpretação conversacional diri gida à comunidade como um todo concebida como uma enti dade superior Os filósofos têm explorado a idéia de uma cons ciência coletiva ou de grupo por muitas razões e em muitos contextos alguns dos quais pertinentes à interpretação discuto 14 Habermas observa que a ciência social difere da ciência natural exa tamente por esta razão Afirma que mesmo quando descartamos a concepção newtoniana da ciência natural como explicação dos fenômenos teoricamente neutros em favor da concepção moderna de que a teoria de um cientista determinará aquilo que ele vê como dados ainda assim continua existindo uma importante diferença entre a ciência natural e a social Os cientistas so ciais á encontram seus dadosréinterpretados Devem compreender o com portamento do modo como este jâ é compreendido pelas pessoas que têm tal comportamento um cientista social deve ser pelo menos um participante virtual das praticas que pretende descrever Deve estar pronto a julgar bem como a reportar as afirmações que faiem seus sujeitos pois a menos que possa julgálos não poderá compreendêlos Ver Habermas acima n 2 pp 10211 Argumento no texto que um cientista social que tente compreender uma prática social argumentativa como a prática da cortesia ou como afir marei do direito deve participar do espírito de seus participantes mesmo que sua participação seja apenas virtual Uma vez que não pretendem inter pretarse entre si à maneira conversacional quando apresentam seus pontos de vista sobre as verdadeiras exigências da cortesia tampouco pode fazêlo o cientista quando apresenta seus pontos de vista Sua interpretação da cortesia deve contestar a deles e portanto ser uma interpretação construtiva e não conversacional CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO 79 alguns deles em uma notaL Mesmo que aceitemos a difícil on tologia dessa sugestão contudo ela é invalidada pelo mesmo argumento que é fatal à menos ambiciosa A interpretação conversacional é inadequada porque a prática a ser interpreta da determina as condições da interpretação a comunidade hi 15 A idéia de uma consciência social ou de grupo parece oferecer uma fuga a uma séria dificuldade que como pensam muitos ameaça a possibilida de da interpretação conversacional através de culturas e épocas Como pode mos esperar compreender o que alguém escreveu ou pensou em uma cultura diferente muito tempo atrás ou o que suas práticas e instituições sociais sig nificavam para ele Não podemos compreendêlo a menos que vejamos o mundo como ele o vê mas não podemos deixar de vêlo do modo como já o vemos o modo como o expressam nossa linguagem e nossa cultura e a partir desse ponto de vista suas afirmações podem parecer tolas e imotivadas Para uma versão desse argumento e m um contexto jurídico ver Robert Gordon Historicism in Legal Scholarship 90 Yale Lew Journal 1017 1021 1981 Não podemos esperar apreender o que a palavra casta significa para pessoas que nunca foram afetadas por ela assim como n i o podemos compreender alguém que afirma estar sofrendo e não só não se importa como também não entende por que alguém deveria sofrer Contudo se pudermos aceitar que as culturas e as épocas podem ter u m a espécie de consciência duradoura e que a própria história tem sua vida mental abrangente as pessoas de um período podem esperar compreender as de outro pois todas participam de uma cons ciência comum com significados duradouros que compartiriam Essa ambi ciosa idéia separa os atos conversacionais de determinadaypessoas expres sando seus interesses e pressupostos individuais o que exprime os propósitos e motivos de unidades sociais mais amplas em última instância da própria vida ou da mente Não posso discutir aqui a ontologia do espírito de grupo ou a validade da sugestão de que ele oferece uma solução ao problema do isolamento cultu ral Ver acima n 2 as citações de Dilthey Gadamer e Habermas Vale assi nalar contudo que o problema será difícil e ameaçador somente se o que estiver em questão for a interpretação conversacional e não a interpretação construtiva Quando é conveniente adotar a atitude interpretativa que descre vo no texto com relação a alguma cultura diferente ver por exemplo a dis cussão dos sistemas jurídicos perversos e estrangeiros no capítulo 111 tenta mos compreendêla não em termos conversacionais mas antes fazendo dela o melhor possível dados os nossos propósitos e nossas convicções Se pensar mos que esse objetivo exige que descubramos ou adotemos as convicções reais que poderiam não ser as nossas dos protagonistas históricos o pro blema do isolamento continua existindo É possível que não consigamos de maneira sensata atribuir a Shakespeare nem mesmo a intenção relativamente 80 O IMPÉRIO DO DIREITO potética insiste em que interpretar a cortesia não se reduz a uma questão de descobrir o que uma pessoa em particular pen sa sobre ela Portanto mesmo supondo que a comunidade é uma pessoa distinta com opiniões e convicções próprias al gum tipo de consciência de ghipo esse pressuposto apenas acrescenta à história uma outra pessoa cujas opiniões um intér prete deve julgar e contestar não simplesmente descobrir e re portar Ele deve ainda estabelecer uma distinção entre a opi nião que a consciência de grupo tem sobre aquilo que é exigi do pela cortesia que ele pensa poder descobrir ao refletir sobre seus motivos e propósitos distintos e aquilo que ele o intér prete pensa que a cortesia realmente exige Ele ainda precisa de um tipo de método interpretativo que possa usar para pôr à prova o julgamento daquela entidade uma vez descoberto e esse método não pode consistir numa conversação com essa entidade ou com qualquer outra coisa Começamos essa longa discussão estimulados por uma importante objeção de que a descrição construtiva da interpre tação criativa é errada porque a interpretação criativa é sempre interpretação conversacional No caso da interpretação das práticas sociais essa objeção é ainda mais inadequada que no caso da interpretação artística A descrição construtiva deve de frontar com outras objeções em particular com a objeção que examinarei mais adiante neste capítulo de que a interpretação construtiva não pode ser objetiva Mas devemos estudar um pouco mais esse modo de interpretação antes de colocálo de novo à prova abstrata de provocar entre seus contemporâneos uma determinada reação complexa a Shylock Mas esses problemas quando sérios se transformam em razões para adaptar as exigências da interpretação construtiva àquilo que po demos alcançar para encontrar no teatro alguma dimensão de valor que nos permita fazer o melhor possível de O mercador de Veneza ou dos anteceden tes germânicos do direito consuetudinário sem uma especulação duvidosa sobre estados de espirito aos quais não temos acesso devido às barreiras cultu rais Pois na interpretação construtiva as intenções históricas não são os funda mentos constitutivos da compreensão interpretativa A incapacidade de recu perálas nio é um desastre interpretativo pois existem outras maneiras quase sempre muito melhores de encontrar valor nas tradições às quais aderimos CONCEITOS DE INTERPRETA ÇÃO 81 Etapas da interpretação Precisamos começar a refinar a interpretação construtiva transformandoa em um instrumento apropriado ao estudo do direito enquanto prática social Teremos de estabelecer uma dis tinção analítica entre as três etapas da interpretação que apre sentaremos a seguir observando como são necessários em uma comunidade diferentes graus de consenso para cada eta pa quando se tem em vista o florescimento da atitude interpre tativa Primeiro deve haver uma etapa préinterpretativa na qual são identificados as regras e os padrões que se conside ram fornecer o conteúdo experimental da prática Na interpre tação de obras literárias a etapa equivalente é aquela em que são textualmente identificados romances peças etc isto é a etapa na qual o texto de Moby Dick é identificado e distinguido do texto de outros romances Coloco préinterpretativo en tre aspas porque mesmo nessa etapa algum tipo de interpreta ção se faz necessário As regras sociais não têm rótulos que as identifiquem Mas é preciso haver um alto grau de consenso talvez uma comunidade interpretativa seja bem definida como necessitando de consenso nessa etapa se se espera que a ati tude interpretativa dê frutos e podemos portanto nos abstrair dessa etapa em nossa análise ao pressupor quas classifica ções que ela nos oferece são tratadas como umiado na refle xão e argumentação do diaadia Em segundo lugar deve haver uma etapa interpretativa em que o intérprete se concentre numa justificativa geral para os principais elementos da prática identificada na etapa pré interpretativa Isso vai consistir numa argumentação sobre a conveniência ou não de buscar uma prática com essa forma ge ral A justificativa não precisa ajustarse a todos os aspectos ou características da prática estabelecida mas deve ajustarse o suficiente para que o intérprete possa verse como alguém que interpreta essa prática não como alguém que inventa uma nova prática10 Por último deve haver uma etapa pósinterpre 16 Para uma discussão mais aprofundada dessa distinção e da inter pretação criativa em termos gerais ver Dworkin Law as Interpretation em 82 O IMPÉRIO DO DIREITO tativa ou reformuladora à qual ele ajuste sua idéia daquilo que a prática realmente requer para melhor servir à justificativa que ele aceita na etapa interpretativa Um intérprete da comu nidade hipotética em que se pratica a cortesia por exemplo pode vir a pensar que uma aplicação coerente da melhor justificativa dessa prática exigiria que as pessoas tirassem os chapéus tanto para soldados que voltam de uma guerra quanto para os no bres Ou que ela exige uma nova exceção a um padrão estabe lecido de deferência isentar os soldados das demonstrações de cortesia quando voltam da guerra por exemplo Ou talvez até mesmo que uma regra inteira estipulando deferência para com todo um grupo ou toda uma classe de pessoas deva ser vista como um erro à luz daquela justificativa17 Em minha sociedade imaginária a verdadeira interpreta ção seria muito menos deliberada e estruturada do que sugere essa estrutura analítica Os juízos interpretativos das pessoas seriam mais uma questão de ver de imediato as dimensões de sua prática um propósito ou objetivo nessa prática e a con seqüência pósinterpretativa desse propósito E ver desse mo do não seria habitualmente mais penetrante do que o mero fato de concordar com uma interpretação então popular em algum grupo cujo ponto de vista o intérprete adota de maneira mais ou The Politics of Interpretation 287 W J T Mitchell org Chicago 1983 S Fish Working on the Chain Gang Interpretation in Law and Literature 60 Texas Law Review 373 1982 Dworkin My Reply to Stanley Fish and Walter Benn Michaels Please D o n t T a l k about Objectivity Any More em The Politics of Interpretation 287 S Fish Wrong Again 62 Texas Law Review 299 1983 Os artigos de Dworkin foram reeditados ainda que o segundo esteja modificado e abreviado em A Matter of Principie caps 6 e 7 17 Poderíamos resumir essas Irês etapas na observação de que a inter pretação procura estabelecer um equilíbrio entre a descrição préinterpretati va dc uma prática social e uma justificativa apropriada de tal prática Tomo a palavra equilíbrio emprestada de Rawls mas essa descrição da interpreta ção é diferente de sua descrição do raciocínio sobre a justiça Ele contempla o equilíbrio entre o que chama de intuições sobre a justiça e uma teoria for mal que une essas intuições Ver John Rawls A Theory of Justice pp 201 4850 Cambridge Mass 1971 A interpretação de uma prática social procura equilíbrio entre a justificativa da prática e suas exigências pósinterpretatívas CONCEITOS DE INTERPRETAÇÂO 83 menos automática Não obstante haverá uma controvérsia ine vitável mesmo entre os contemporâneos a propósito das exatas dimensões da prática que eles todos interpretam e a controvér sia será ainda maior quanto à melhor justificativa para tal prá tica Pois já identificamos em nossa exposição preliminar da natureza da interpretação muitas maneiras de divergir Podemos agora retomar nossa exposição analítica para compor um inventário do tipo de convicções crenças ou supo sições de que uma pessoa necessita para interpretar alguma coisa Ela precisa de hipóteses ou convicções sobre aquilo que é válido enquanto parte da prática a fim de definir os dados brutos de sua interpretação na etapa préinterpretativa a atitu de interpretativa não pode sobreviver a menos que membros da mesma comunidade interpretativa compartilhem ao menos de maneira aproximada as mesmas hipóteses a propósito disso Ela também precisará de convicções sobre até que ponto a jus tificativa que propõe na etapa interpretativa deve ajustarse às características habituais da prática para ter valor como uma interpretação dela e não como invenção de algo novo Pode a me lhor justificativa das práticas da cortesia que para quase todo o mundo significa basicamente a demonstração de deferência para com seus superiores sociais ser aquela qie de fato não vai exigir na etapa da reformulação nenhuma distinção em ter mos de posição social Seria esta uma reforma demasiado ra dical uma justificativa demasiado inadequada para valer como uma interpretação Uma vez mais não pode haver uma dispa ridade muito grande entre as convicções de diferentes pessoas sobre tal adequação só a história porém pode nos ensinar o que deve ser visto como excesso de discrepância Finalmente essa pessoa vai precisar de convicções mais substantivas sobre os tipos de justificativa que de fato mostrariam a prática sob sua melhor luz e de juízos sobre se a hierarquia social é dese jável ou deplorável por exemplo Essas convicções substanti vas devem ser independentes das convicções sobre adequação que descrevemos há pouco do contrário estas últimas não po deriam exercer coerção sobre as primeiras e ao final a pessoa 84 O IMPÉRIO DO DIREITO não poderia distinguir entre interpretação e invenção Mas para que a atitude interpretativa floresça essas convicções não pre cisam ser tão compartilhadas pela comunidade quanto a noção do intérprete acerca dos limites da préinterpretação ou mesmo quanto a suas convicções sobreo devido grau de adequação Filósofos da cortesia Identidade institucional No capítulo I passamos em revista as teorias ou filosofias clássicas do direito e sustentei que lidas da maneira habitual essas teorias são inúteis uma vez que paralisadas pelo aguilhão semântico Podemos perguntar agora que tipo de teorias filosó ficas seriam úteis às pessoas que adotam a atitude interpretativa que venho descrevendo a propósito de certas tradições sociais Vamos supor que nossa comunidade imaginária de cortesia se vanglorie de ter um filósofo ao qual se pede nos verdes anos da atitude interpretativa que prepare uma exposição filosófica da cortesia Ele recebe as seguintes instruções Não queremos suas próprias concepções autônomas que têm tanto interesse quanto quaisquer outras sobre aquilo que a cortesia realmente exige Queremos uma teoria mais conceituai sobre a natureza da cortesia sobre o que é a cortesia em virtude do próprio senti do da palavra Sua teoria deve ser neutra sobre nossas contro vérsias cotidianas deve fornecer os antecedentes conceituais ou as normas que regem essas controvérsias sem tomar parti do O que pode ele fazer ou dizer em resposta Está na mesma situação do cientista social que mencionei que deve aderir às práticas que descreve Não pode oferecer um conjunto de re gras semânticas para o uso apropriado da palavra cortesia como as regras que poderia oferecer no caso da palavra livro Não pode dizer que por definição tirar o chapéu diante de uma senhora é um caso de cortesia do mesmo modo que se diria que por definição Moby Dick é um livro Ou que mandar uma nota de agradecimento é um caso limítrofe que se pode consi CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO 85 derar como pertencente ou não à esfera da cortesia da mesma maneira que um grande folheto pode ou não ser considerado como um íivro Qualquer passo que ele dê nessa direção trans grediria de imediato a linha demarcada pela comunidade como o limite de sua tarefa ele teria oferecido sua própria interpreta ção positiva e não análise neutra dos antecedentes Assemelha se a um homem do Pólo Norte a quem se diz que vá para qual quer parte menos para o Sul Ele se queixa da tarefa que lhe atribuíram e recebe novas instruções Pelo menos você pode dar uma resposta a essa questão Nossas práticas são hoje muito diferentes do que eram várias gerações atrás e diferentes também das práticas de cor tesia que vigoram nas sociedades próximas e distantes Contu do sabemos que nossa prática é o mesmo tipo de prática que a deles Portanto todas essas diferentes práticas devem ter al gum atributo comum que faz de todas elas versões da cortesia Esse atributo é certamente neutro tal como queremos uma vez que é compartilhado por pessoas com idéias muito diferentes acerca das verdadeiras exigências da cortesia Por favor diga nos que atributo é esse Ele pode sem dúvida responder a essa questão mas não da maneira que as instruções sugerem Para explicar em que sentido a cortesia permanece a mes ma instituição ao longo de todas as mudanças eÜãdaptações e em comunidades distintas com normas muito diferentes o fi lósofo não vai recorrer a nenhum traço característico comum a todos os casos ou exemplos dessa instituição Pois por hipótese não existe tal atributo em uma etapa a cortesia é vis ta como uma questão de respeito em outra como algo muito diferente Sua explicação será histórica a instituição tem a continuidade para usar a conhecida imagem de Wittgenstein de uma corda constituída de inúmeros fios dos quais nenhum corre ao longo de todo o seu comprimento nem a abarca em toda a sua largura É apenas um fato histórico que a presente 18 Para uma tentativa importante de oferecer características definido ras de um sistema jurídico ver Joseph Raz The Cuncept of a Legal System 2 ed Oxford 1980 86 O IMPÉRIO DO DIREITO instituição descenda através de adaptações interpretativas do tipo que aqui apresentamos de instituições mais antigas e que as instituições estrangeiras também descendam de exemplos anteriores semelhantes As mudanças de um período a outro ou as diferenças entre uma sociedade e outra podem ser gran des o suficiente para que a continuidade seja negada Que mu danças são grandes o bastante para cortar o fio da continuida de Esta é em si uma questão da interpretação e a resposta dependeria do porquê do surgimento da questão da continuida de Não há nenhum atributo que alguma etapa ou exemplo da prática deva possuir em razão do significado da palavra corte sia e a busca de tal atributo seria apenas mais um exemplo da prolongada influência que produz o aguilhão semântico Conceito e concepção Pode o filósofo ser menos negativo e mais eficiente Será ele capaz de oferecer algo no sentido que seus clientes dele esperam uma exposição da cortesia mais conceituai e menos autônoma que as teorias que eles já possuem e usam Talvez Não é improvável que os debates habituais sobre a cortesia na comunidade imaginária tenham a estrutura em forma de árvore que veremos a seguir Em termos gerais as pessoas concordam com as proposições mais genéricas e abstratas sobre a cortesia que formam o tronco da árvore mas divergem quanto aos refi namentos mais concretos ou as subinterpretações dessas pro posições abstratas quanto aos galhos da árvore Por exemplo numa certa etapa do desenvolvimento da prática todos concor dam que a cortesia em sua descrição mais abstrata é uma questão de respeito Mas há uma importante divisão sobre a correta interpretação da idéia de respeito Alguns consideram que se deve de maneira mais ou menos automática demons 19 Ver o excelente Reasons anil Persons de Derek Parfit Oxford 1984 sobre a identidade das comunidades e de modo mais discutível a identidade pessoal CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO 87 trar respeito a pessoas de certa posição ou grupo enquanto outros pensam que o respeito deve ser merecido individual mente Os primeiros se subdividem ainda mais questionando quais grupos ou posições sociais são dignos de respeito os segundos se subdividem a propósito de quais atos conferem respeito E assim por diante ao longo de infindáveis subdivi sões de opinião Em tais circunstâncias o tronco inicial da árvore a liga ção até o momento incontestável entre cortesia e respeito funcionaria tanto nos debates públicos quanto nas reflexões privadas como uma espécie de patamar sobre o qual se forma riam novos pensamentos e debates Seria então natural que as pessoas considerassem essa ligação importante e à guisa de conceito dissessem por exemplo que o respeito faz parte do próprio significado da cortesia Não querem dizer com isso que alguém que o negue seja culpado de autocontradição ou não saiba como usar a palavra cortesia mas apenas que o que ele diz colocao à margem da comunidade do discurso útil ou pelo menos habitual sobre a instituição Nosso filósofo ser virá a sua comunidade se puder demonstrar essa estrutura e iso lar essa ligação conceituai entre cortesia e respeito Ele pode apreendêla na proposição de que para essa comunidade o respeito oferece o conceito de cortesia e que as posições anta gônicas sobre as verdadeiras exigências do respeito são con cepções desse conceito O contraste entre conceito e concep ção é aqui um contraste entre níveis de abstração nos quais se pode estudar a interpretação da prática No primeiro nível o acordo tem por base idéias distintas que são incontestavelmen te utilizadas em todas as interpretações no segundo a contro vérsia latente nessa abstração é identificada e assumida Expor essa estrutura pode ajudar a aprimorar o argumento e de qual quer modo irá melhorar a compreensão da comunidade acerca de seu ambiente intelectual A distinção entre conceito e concepção assim compreen dida e criada com esses propósitos é muito diferente da co nhecida distinção entre o significado de uma palavra e sua ex tensão Nosso filósofo teve êxito supomos ao impor à prática 88 O IMPÉRIO DO DIREITO de sua comunidade uma estrutura tal que certas teorias inde pendentes podem ser identificadas e entendidas como subinter pretações de uma idéia mais abstrata Em certo sentido sua aná lise se bemsucedida deve também ser incontestável porque sua alegação de que o respeito estabelece o conceito de corte sia não produz efeito a menos que as pessoas estejam total mente de acordo que a cortesia é uma questão de respeito Contudo apesar de incontestável nesse aspecto sua afirmação é interpretativa e não semântica não se trata de uma afirmação sobre as regras básicas da lingüística que todos devam observar para se fazerem entender Sua afirmação também não é atempo ral ela se mantém graças a um padrão de acordo e desacordo que poderia como na história que contei há pouco desaparecer amanhã E sua afirmação pode ser contestada a qualquer momento o contestador parecerá excêntrico mas será perfeita mente bem compreendido Sua contestação marcará o aprofun damento da divergência e não como no caso de alguém que diz que Moby Dick não é um livro sua superficialidade Paradigmas Há mais uma tarefa menos desafiadora ainda que não menos importante que o filósofo deve realizar para aqueles que o nomearam A cada etapa histórica do desenvolvimento da instituição certas exigências concretas da cortesia se mos trarão a quase todos como paradigmas isto é como requisitos da cortesia A regra de que os homens devem levantarse quan do uma mulher entra na sala por exemplo poderia ser consi derada um paradigma numa certa época O papel que esses paradigmas desempenham no raciocínio e na argumentação será ainda mais crucial do que qualquer acordo abstrato a pro pósito de um conceito Pois os paradigmas serão tratados como exemplos concretos aos quais qualquer interpretação plausível deve ajustarse e os argumentos contra uma interpretação con sistirão sempre que possível em demonstrar que ela é incapaz de incluir ou explicar um caso paradigmático CONCEITOS DE INTERPRETA ÇÂO 89 Em decorrência desse papel especial a relação entre a instituição e os paradigmas da época será estreita a ponto de estabelecer um novo tipo de atributo conceituai Quem rejeitar ura paradigma dará a impressão de estar cometendo um erro extraordinário Uma vez mais porém há uma importante dife rença entre esses paradigmas de verdade interpretativa e os casos em que como dizem os filósofos um conceito se susten ta por definição assim como o celibato se sustenta graças aos homens que não se casam Os paradigmas fixam as inter pretações mas nenhum paradigma está a salvo de contestação por uma nova interpretação que considere melhor outros para digmas e deixe aquele de lado por considerálo um equívoco Em nossa comunidade imaginária o paradigma do sexo pode ria ter sobrevivido a outras transformações por muito tempo apenas por parecer tão solidamente arraigado até que um dia se tornasse um anacronismo não mais reconhecido Um dia então as mulheres passariam a não mais admitir que os ho mens se levantassem na sua presença poderiam ver em tal ati tude a mais profunda falta de cortesia O paradigma de ontem seria o chauvinismo de hoje if Uma digressão a justiça As distinções e o vocabulário até aqui introduzidos vão mostrar sua utilidade quando passarmospno capítulo seguinte ao direito como conceito interpretativo Convém no momento fazer uma pausa para ver até que ponto nossa exposição dos conceitos interpretativos sustenta outras importantes idéias políticas e morais particularmente a idéia de justiça A ima gem tosca de como a linguagem funciona a imagem que nos torna vulneráveis ao aguilhão semântico falha tanto na justiça quanto na cortesia Não seguimos critérios lingüísticos co muns para decidir quais fatos tornam uma situação justa ou in justa Nossas discussões mais intensas sobre a justiça sobre o imposto de renda por exemplo ou sobre os programas de ação afirmativa dizem respeito às provas apropriadas para verifi 90 O IMPÉRIO DO DIREITO car o que é a justiça e não à adequação ou não dos fatos a al guma prova consensual em um caso específico Um libertário pensa que o imposto de renda é injusto porque se apropria de bens sem o consentimento de seu proprietário Ao libertário não interessa que os impostos contribuam ou não para a maior felicidade a longo prazo Um utilitarista por outro lado pensa que o imposto de renda só será justo se realmente contribuir para a maior felicidade a longo prazo e não lhe interessa que haja apropriação de bens sem o consentimento do proprietário Assim se aplicássemos à justiça a imagem de divergência que rejeitamos para a cortesia concluiríamos que o libertário e o utilitarista não podem nem concordar nem divergir sobre qual quer questão relativa à justiça Isso seria um erro pois a justiça é uma instituição que inter pretamos20 Como a cortesia tem uma história cada um de nós 20 A justiça e outros conceitos morais de natureza superior são concei tos interpretativos mas são muito mais complexos e interessantes do que a cortesia e também menos úteis enquanto analogia c o m o direito A diferença mais importante entre a justiça e a cortesia nesse contexto está no alcance global latente da primeira As pessoas de minha comunidade imaginária usam a cortesia para reportar suas interpretações de uma prática que para si con sideram local Sabem que a melhor interpretação de sua prática não seria necessariamente a melhor das práticas comparáveis de qualquer outra comu nidade Contudo se entendermos a justiça como um conceito interpretativo teremos de tratar as concepções de justiça de diferentes pessoas enquanto inevitavelmente desenvolvidas como interpretações de práticas das quais elas próprias participam como reivindicando uma autoridade mais global ou transcendental de modo que possam servir de base para criticar as práticas de justiça de outras pessoas até mesmo ou sobretudo quando forem radical mente diferentes Conseqüentemente as margens de segurança da interpreta ção são muito menos rigidas não se exige que uma teoria da justiça ofereça uma boa adequação às práticas politicas ou sociais de qualquer comunidade especifica mas apenas às convicções mais abstratas e elementares de cada intérprete Uma discussão recente das diferenças entre justiça e direito pode ser encontrada em A Maiier of Principie cap 10 e em meu debate com Michael Walzer New YorkReview ofBooks 14 de abril de l 9 8 3 A j u s t i ç a é especial em outro sentido Uma vez que se trata do mais nitidamente político dos ideais morais oferece um elemento natural e conhecido à interpretação de outras práticas sociais As interpretações do direito como veremos quase sempre recorrem è justiça como parte d a idéia que desenvolvem na etapa CONCEITOS DE INTERPRETA ÇÃO 91 adere a essa história quando aprendemos a adotar a atitude in terpretativa a propósito de exigências justificativas e descul pas que vemos outras pessoas formulando em nome da justiça Poucos de nós interpretam conscientemente essa história do modo como imaginei o povo de minha comunidade hipotética interpretando a cortesia Mas cada um alguns mais reflexiva mente que outros forma uma idéia da justiça que é não obs tante uma interpretação e alguns de nós chegam mesmo a re ver a própria interpretação de vez em quando Talvez a institui ção da justiça tenha começado da maneira como imaginei o começo da cortesia por meio de regras simples e diretas sobre o crime o castigo e a dívida Mas a atitude interpretativa flo resceu na época dos primeiros escritos de filosofia política e continua florescendo desde então As sucessivas reinterpreta ções e transformações têm sido muito mais complexas do que aquelas que descrevi a propósito da cortesia mas cada qual se erigiu sobre a reorganização da prática e da atitude consuma das pela precedente Os filósofos políticos podem desempenhar os diferentes papéis que imaginei para o filósofo da cortesia Eles não podem desenvolver teorias semânticas que estabeleçam regras para justiça como as regras que consideramos para livro Podem contudo tentar apreender o patamar qual proce dem em grande parte os argumentos sobre a justiça e tentar descrever isso por meio de alguma proposição abstrata adotada para definir o conceito de justiça para sua comunidade de tal modo que os argumentos sobre a justiça possam ser enten didos como argumentos sobre a melhor concepção desse con ceito Nossos próprios filósofos da justiça raramente fazem essa tentativa pois é difícil encontrar uma formulação do con interpretativa As interpretações da justiça não podem elas próprias recorrer à justiça e isso ajuda a explicar a complexidade filosófica e a ambição dc mui tas teorias da justiça Pois uma vez que se descarte a justiça como o objetivo de uma prática política fundamental e abrangente é natural que nos voltemos para uma justificativa de idéias inicialmente não politicas como a natureza humana ou a teoria do eu e não para outras idéias politicas que não parecem mais importantes ou fundamentais que a própria justiça 92 O IMPÉRIO DO DIREITO ceito ao mesmo tempo suficientemente abstrata para ser incon testável entre nós e suficientemente concreta para ser eficaz Nossas controvérsias sobre a justiça são muito ricas e há no momento muitos tipos diferentes de teorias nesse campo Va mos supor por exemplo que um filósofo proponha a seguinte formulação do conceito a justiça é diferente de outras virtudes políticas e morais porque é uma questão de titularidade uma questão daquilo que têm o direito de esperar todos os que forem atingidos pelos atos de indivíduos ou instituições Isso parece ter pouca utilidade pois o conceito de titularidade se encontra ele próprio demasiado próximo da justiça para ser esclarece dor e de certo modo é excessivamente polêmico para que pos samos considerálo conceituai no sentido em que o estamos examinando pois algumas importantes teorias da justiça a teoria marxista se é que tal teoria existe21 e mesmo o utilitaris mo o rejeitariam Talvez não haja nenhuma formulação efi caz do conceito de justiça Se assim for isso não lança nenhu ma dúvida sobre o sentido das discussões sobre a justiça mas apenas oferece um testemunho da imaginação de pessoas que tentam ser justas Em todo caso temos algo que é mais importante do que uma formulação eficaz do conceito Compartilhamos a mesma percepção préinterpretativa dos limites aproximados da práti ca na qual nossa imaginação deve exercitarse Usamos essa percepção para distinguir as concepções de justiça que rejeita mos ou mesmo deploramos das posições que não considera ríamos concepções de justiça mesmo que nos fossem apresen tadas como tais Para muitos de nós a ética libertária é uma teoria da justiça sem atrativos Mas a tese de que a arte abstrata é injusta não é nem mesmo carente de atrativos é incompreen sível enquanto teoria da justiça pois nenhuma exposição pré 21 Mas o fato de que a teoria política de Marx n i o seja de modo tão evidente apreendida por essa declaração do conceito explica sua própria ambivalência e a ambivalência de seus estudiosos e críticos quanto a se con siderar ou não sua teoria como uma teoria da justiça Uma intrigante discus são desse problema pode ser encontrada em Stephen Lukes Marxism and Moraiily Londres 1985 CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO 93 interpretativa competente da prática da justiça engloba a críti ca e a avaliação da arte Os filósofos ou talvez os sociólogos da justiça também podem fazer um trabalho útil identificando os paradigmas que nos argumentos referentes à justiça desempenham o papel que eu disse que desempenhariam nos argumentos referentes à cor tesia Para nós hoje é paradigmático que punir inocentes seja injusto que a escravidão seja injusta que roubar dos pobres para favorecer os ricos seja injusto A maioria de nós rejeitaria de imediato qualquer concepção que parecesse exigir ou permi tir a punição de um inocente É um argumento corrente contra o utilitarismo portanto que ele seja incapaz de nos fornecer uma boa descrição ou justificativa desses paradigmas centrais os utilitaristas não ignoram essa acusação como irrelevante mas ao contrário recorrem a uma inventividade heróica para tentar refutála Algumas teorias da justiça porém contestam grande parte daquilo que seus contemporâneos consideram paradigmá tico e isso explica por que essas teorias a de Nietzsche por exemplo ou as idéias aparentemente contraditórias de Marx sobre a justiça não apenas pareceram radicais como pareceram talvez não ser de fato teorias da justiça Em sua maior parte porém os filósofos da justiça respeitam e usanj os paradigmas de sua época Seu principal trabalho consiste nao em tentar for mular o conceito de justiça nem em redefinir os paradigmas mas em desenvolver e defender teorias polêmicas que vão bem além dos paradigmas e chegam à esferda política O filósofo libertário se opõe ao imposto de renda e o filósofo igualitário pede por uma redistribuição maior porque suas concepções de justiça diferem Não há nada neutro nessas concepções Elas são interpretativas mas há nelas compromisso e é deste último que para nós provém seu valor 22 Uma vez que mesmo a etapa préinterpretativa exige interpretação esses limites da prática não sâo nem precisos nem seguros Portanto discor damos quanto à questão de saber se alguém pode ser injusto com os animais ou apenas cruel e se as relações entre grupos à diferença daquelas que se dão entre os indivíduos são questões de justiça 94 O IMPÉRIO DO DIREITO Ceticismo sobre a interpretação Um desafio I Até aqui minha exposição da interpretação foi subjetiva em um dos sentidos dessa palavra problemática Descrevi como os intérpretes vêem a interpretação criativa o que alguém deve pensar para aderir a uma interpretação e não a outra Mas a atitude interpretativa que descrevi a atitude que em minha opinião os intérpretes adotam parece ser mais objetiva Eles acham que as interpretações que adotam são melhores e não apenas diferentes daquelas que rejeitam Essa atitude faz sentido Quando duas pessoas divergem sobre a correta inter pretação de alguma coisa um poema uma peça uma prática social como a cortesia ou a justiça é razoável pensar que uma delas está certa e outra errada Precisamos ser cautelosos ao distinguir essa questão de uma outra diferente que diz res peito à complexidade da interpretação Parece dogmático e em geral é um erro supor que uma obra de arte complexa Hamlet por exemplo é sobre uma certa coisa e mais nada de tal modo que uma produção dessa peça seria a única corre ta e qualquer outra produção que enfatizasse outro aspecto ou dimensão seria errada Pretendo colocar uma questão sobre o desafio não sobre a complexidade Pode um ponto de vista interpretativo ser objetivamente melhor que outro quando são não apenas diferentes pondo em relevo aspectos diferentes e complementares de uma obra complexa mas contraditórios quando o conteúdo de um inclui a afirmação de que o outro é errado A maioria das pessoas acha que sim que algumas inter pretações são realmente melhores que outras Alguém que te nha feito uma releitura de Paraíso perdido tremendo de exci tação com sua descoberta pensa que sua nova leitura é a certa que é melhor do que aquela que abandonou que os ainda não iniciados perderam algo verdadeiro e importante que não vêem o poema como ele realmente é Ele pensa que foi conduzido pela verdade e não que escolheu uma interpretação para usar CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO 95 naquele dia como se fosse uma gravata nova Pensa que tem boas e verdadeiras razões para aceitar sua nova interpretação e que os outros os que se apegam ao antigo ponto de vista que agora lhe parece errado têm boas e verdadeiras razões para mudar de idéia Alguns críticos literários porém acreditam que isso não passa de uma profunda confusão dizem que é um erro pensar que uma interpretação pode ser realmente melhor que outra Veremos no capítulo VII que muitos estudiosos do direito afirmam coisas muito semelhantes sobre as decisões que os juízes tomam em casos difíceis como os que usamos como exemplos no capítulo I em sua opinião nos casos difí ceis não pode haver uma resposta certa mas apenas respostas diferentes Grande parte do que afirmei sobre a interpretação ao lon go deste capítulo pode dar a impressão de sustentar essa crítica 23 Alguns críticas que em geral demonstram entusiasmo com essa imagem da interpretação tentam aperfeiçoar seu impulso cético Baseiamse na idéia de que as comunidades críticas normalmente desenvolvem conven ções sobre aquilo que se considera como boa ou má interpretação de um determinado texto e afirmam que essas convenções dão aos indivíduos uma sensação de restrição externa e portanto de uma descoberta quando passam a ver as implicações dessas convenções para uma obra dearte específica Ver Stanley Fish Is There a Texi in This Class Cambridge Mass 1980 Mas essa solução é enganosa Veremos no capítulo V que a idéia de uma con venção é em si mesma um tanto incompreensível em seu presente uso é igualmente insatisfatória Podese imaginar que os colegas de profissão com partilham uma convenção sobre a melhor maneira de interpretar O paraíso perdido por exemplo quando divergem sobre qual é a melhor Se admitir mos que nesse caso eles n l o compartilham uma convenção que os colegas podem pertencer a comunidades interpretativas muito diferentes ainda que seus escritórios fiquem lado a lado ainda assim deixaremos por explicar como alguém pode pensar que sua interpretação é melhor que a de um colega que pertence a uma outra comunidade Nesse caso ele acredita não somente que as convenções das duas comunidades são diferentes mas que as de sua comunidade são melhores as que devem ser usadas por serem corretas Portanto a idéia de convenções e de comunidades profissionais não nos é útil razlo pela qual devemos enfrentar a ousada posição de que não existe uma resposta certa á pergunta de como se deve interpretar Paraíso perdido e que só existem interpretações diferentes nenhuma delas melhor ou pior que as demais 96 O IMPÉRIO DO DIREITO célica da concepção corrente do certoerrado Apresentei esta caracterização geral e muito abstrata da interpretação ela tem por finalidade apresentar em sua melhor luz o objeto ou a prá tica a serem interpretados Assim uma interpretação de Hamlet tenta fazer do texto a melhor peça possível e uma interpreta ção da cortesia tenta fazer das diversas práticas da cortesia a melhor instituição social que essas práticas poderiam ser Essa caracterização da interpretação parece hostil a toda afirmação da unicidade de significado pois insiste em que pessoas dife rentes com gostos e valores diferentes são predispostas exa tamente por essa razão a ver significados diferentes naqui lo que interpretam Parece sustentar o ceticismo pois a idéia de que pode haver uma resposta certa a questões de valor estético moral ou social parece a muitas pessoas ainda mais estranha do que a possível existência de uma resposta certa a questões relativas ao significado de textos e práticas Portanto minha descrição abstrata do objetivo mais geral da interpreta ção pode muito bem reforçar para muitos leitores a tese cética de que é um erro filosófico supor que as interpretações podem ser certas ou erradas verdadeiras ou falsas Ceticismo interior e exterior No restante deste capítulo avaliaremos o alcance e a força desse desafio colocado pelo ceticismo e começaremos por uma distinção crucial entre o ceticismo no interior da ativida de de interpretação como uma posição autônoma sobre a me lhor interpretação de alguma prática ou obra de arte e o ceti cismo no exterior e em torno dessa atividade Vamos supor que alguém diga que a melhor forma de entender Hamlet é como uma peça que examina a evasiva a simulação e a protelação essa pessoa sustenta que a peça tem mais integridade artística e que lida com essas idéias em mente harmoniza melhor os temas lexicais retóricos e narrativos Um cético interior po deria dizer Você está errado O texto de Hamlet é por demais confuso e desordenado para dizer respeito a qualquer coisa CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO 97 essa peça não passa de uma miscelânea sem coerência algu ma Um cético exterior diria então Concordo com você também penso ser essa a leitura mais esclarecedora da peça Esta é veja bem apenas uma opinião que compartilhamos não podemos de modo razoável supor que o fato de Hamlet ser uma peça sobre a protelação seja um dado objetivo que descobrimos aprisionado na natureza da realidade lá em algum mundo metafísico e transcendente onde subsistem os significados das peças São formas diferentes de ceticismo O cético interior se interessa pela substância das afirmações que contesta insiste em que será sempre um erro afirmar que Hamlet trata da pro telação e da ambigüidade um equivoco supor que a peça se torna melhor quando lida dessa maneira Ou na verdade quando lida de qualquer outro modo Não porque nenhuma concepção daquilo que torna uma peça melhor possa ser real mente certa mas porque uma concepção é certa aquela se gundo a qual uma interpretação bemsucedida deve oferecer o tipo de unidade que em sua opinião nenhuma interpretação de Hamlet pode oferecer O ceticismo interior portanto apóia se na solidez de uma atitude interpretativa geral para pôr em dúvida todas as possíveis interpretações de um objeto de inter pretação especifico Podese ser cético assim rèo apenas com reiação a uma peça em particular mas também em termos mais genéricos a propósito de um empreendimento Vamos supor que um cidadão estude as práticas de cortesia que seus vizinhos consideram valiosas e conclua que esse pressuposto comum é um erro comum Ele tem convicções sobre os tipos de instituições sociais que podem ser úteis ou valiosas para uma comunidade ele conclui que as práticas de cortesia radi calmente não servem a nenhum bom propósito ou pior ainda que servem a um propósito perverso Desse modo condena como perversas todas as diferentes interpretações de cortesia que seus colegas elaboram e defendem umas contra as outras com relação à cortesia seu ceticismo interior é global Mais uma vez em vez de desdenhar ele apóiase na idéia de que algumas práticas sociais são melhores que outras a partir de 98 O IMPÉRIO DO DIREITO uma opinião global sobre o valor social condena todas as in terpretações da cortesia oferecidas por seus colegas Presume que suas opiniões globais são bem fundadas e que as opiniões contrárias são erradas Se fosse plausível para 6 direito e não apenas para a cor tesia esse tipo de ceticismo interior de totai abrangência amea çaria nosso próprio empreendimento Pois esperamos desen volver uma discussão teórica correta dos fundamentos do direito um programa para deliberação judicial que possamos recomendar aos juízes e usar para avaliar o que eles fazem As sim não podemos ignorar a possibilidade de que algum ponto de vista globalmente cético sobre o valor das instituições jurí dicas seja no final o mais poderoso e convincente de todos não podemos dizer que essa possibilidade é irrelevante para a teoria do direito Voltaremos a tratar dessa ameaça no capítulo VII No momento nosso interesse está voltado para a outra for ma de ceticismo a exterior O ceticismo exterior é uma teoria metafísica e não uma posição interpretativa ou moral O cético exterior não contesta nenhuma afirmação moral ou interpretativa especifica Eie não diz que é um equívoco de certa maneira pensar que Hamlet versa sobre a protelação ou que a cortesia é uma ques tão de respeito ou que a escravidão é iníqua Sua teoria é na verdade uma teoria em segundo grau sobre a posição ou a classificação filosóficas dessas afirmações Ele insiste em que elas não são descrições que possam ser comprovadas ou testadas como na física nega que os valores estéticos ou mo rais possam ser parte daquilo que chama em uma das metáfo ras perturbadoras que parecem cruciais a qualquer afirmação de seus pontos de vista de fundamentos do universo Seu ceticismo é exterior por não ser engajado afirma deixar o ver dadeiro procedimento da interpretação à margem de suas con clusões O cético exterior tem suas opiniões sobre Hamlet e a escravidão e pode apresentar as razões pelas quais prefere es sas opiniões àquelas que rejeita Insiste apenas em dizer que todas essas opiniões são projetadas na realidade e não des cobertas nela CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO 99 Há um antigo e florescente debate filosófico sobre a ques tão de saber se o ceticismo exterior particularmente o ceticis mo exterior voltado para a moral é uma teoria significativa e se assim o for se é correta24 Não entrarei nesse debate por ora a não ser para examinar se o ceticismo exterior se for correto condenaria de alguma maneira a crença que tem a maioria dos intérpretes de que a interpretação de afgum texto ou prática social pode ser levandose tudo em conta melhor que as ou tras de que pode haver uma resposta certa à pergunta qual é a melhor mesmo quando existam divergências sobre o que se pode considerar como resposta certa Isso depende de como essas crenças objetivas como poderíamos chamálas de vem ser compreendidas Vamos supor que eu afirme que a es cravidão é iniqua Em seguida faço uma segunda série de afir mações digo que a escravidão é realmente ou objetivamen te iníqua que não se trata apenas de uma questão de opinião que seria verdade mesmo que eu e qualquer outra pessoa pensasse de outro modo que aí está a resposta certa à ques tão de saber se a escravidão é iníqua que a resposta contrária não é apenas diferente mas configura um erro Qual é a rela ção entre minha opinião inicial de que a escravidão é iníqua e esses vários juízos objetivos que acrescentei a ela Eis aqui uma sugestão As afirmações objetivas que acres centei devem fornecer algum tipo especial de comprovação de minha opinião inicial ou alguma justificativa para o fato de eu guiarme por ela Elas pretendem sugefir que posso provar a iniqüidade da escravidão do mesmo modo que poderia com provar algum enunciado da física por meio de argumentos fac tuais ou lógicos que qualquer pessoa dotada de razão deve aceitar ao mostrar que as vibrações morais atmosféricas con firmam minha opinião por exemplo ou que ela está de acordo com um fato metafísico numênico Se fosse esta a maneira 24 Ver por exemplo Morality and Objectivity Ted Henderich org Londres 1985 Bernard Williams Ethics and lhe Limits of Philosophy Cm bridge Mass 1985 e Thomas Nagel The Viewfiom Nuwhere no prelo 25 Ver A Maiierof Principie caps V VI e VII 100 OIMPÈRJO DO DIREITO certa de entender minhas afirmações objetivas então minhas afirmações declarariam aquilo que o ceticismo exterior nega que os juízos morais são descrições de algum domínio moral específico da metafísica Mas essa não é a maneira correta de compreendêlas Ninguém que afirme que a escravidão é real mente iníqua vai pensar que desse modo ofereceu ou mes mo sugeriu um argumento demonstrando por que ela é iní qua Como poderiam as vibrações ou as entidades numênícas oferecer algum argumento para as convicções morais O úni co tipo de evidência que posso apresentar em defesa de meu ponto de vista de que a escravidão é iníqua o único tipo de jus tificativa que posso ter para guiarme por esse ponto de vista é um tipo de argumento moral autônomo que as afirmações ob jetivas nem mesmo têm apretensão de oferecer A verdadeira relação entre minha opinião inicial sobre a escravidão e meus comentários objetivos posteriores é muito diferente Usamos a linguagem da objetividade não para dar a nossas afirmações morais ou interpretativas habituais um fun damento metafísico bizarro mas para repetilas talvez de um modo mais preciso para enfatizar ou qualificar seu conteúdo Usamos essa linguagem por exemplo para estabelecer uma distinção entre as verdadeiras afirmações morais ou interpre tativas ou estéticas e o que seriam meras exposições de nos sos gostos Como não acredito ao contrário de outras pessoas que os sabores de sorvetes possuam um valor estético genuí no então diria apenas que prefiro passas com rum e não acres centaria como alguns o fariam que passas com rum é real mente ou objetivamente o melhor sabor26 Também usamos 26 Se eu defendesse o ponto de vista contrário e dissesse que realmente considero a superioridade da uvapassa com rum como uma questão de fato objetiva e n l o apenas meu gosto subjetivo se afirmasse também que estava descrevendo uma propriedade do sorvete em si e não apenas as minhas pre ferências o leitor não concordaria mas nossa divergência não seria alguma divergência de segunda ordem sobre a possibilidade de enunciados estéticos válidos Seria uma disputa entre dois estilos ou atitudes estéticas minha opi nião tola de que todos têm uma razão para valorizar a experiência da uva passa com rum gostem ou não dessa experiência e o ceticismo interno mais atraente do leitor de que o sorvete possa ter um valor estético desse tipo Você CONCEITOS DE INTERPRETA ÇÀO 101 a linguagem da objetividade para distinguir entre as afirma ções que só devem valer para pessoas que têm crenças rela ções necessidades ou interesses particulares talvez apenas para o orador e aquelas que devem valer impessoalmente para todos Suponhamos que eu diga que devo dedicar minha vida a reduzir a ameaça da guerra nuclear Faz sentido perguntar se acho que essa tarefa vale objetivamente para todos ou ape nas para os que sentem como eu uma compulsão especial a lidar com esse problema Combinei esses dois usos da lingua gem objetiva no diálogo que há pouco imaginei sobre a escravi dão Afirmei que a escravidão era realmente iníqua e o res tante para deixar claro que minha opinião era um juízo moral e que eu considerava a escravidão iníqua em toda parte não ape nas nas comunidades cujas tradições a condenam Portanto se uma pessoa disser que estou errado em meu julgamento e nossa divergência for genuína ela deve querer dizer que a es cravidão não é iníqua em toda parte ou talvez que não é iní qua em parte alguma Essa é uma versão do ceticismo interior só poderia serdefendida por argumentos morais de algum tipo por exemplo ao se recorrer a uma forma de relativismo moral que sustenta que a verdadeira moral consiste apenas em respei tar as tradições da comunidade à qual se pertença Portanto não existe diferença importante ae categoria ou posição filosófica entre a afirmação de que a escravidão é iní qua e a afirmação de que existe uma resposta certa à questão da escravidão isto é que ela é iníquíf Não posso racional mente considerar a primeira dessas opiniões como uma opi nião moral sem fazer o mesmo com relação à segunda Uma vez que o ceticismo exterior não oferece razões para repudiar ou modificar a primeira também não oferece razões para repudiar ou modificar a segunda As duas são afirmações in ternas à moral e não sobre eia Ao contrário da forma global pensaria não que minha ontologia é defeituosa porque penso que o sorvete tem valor do mesmo modo que o têm o creme e o açúcar mas sim que lenho uma sensibilidade defeituosa que não compreendo a natureza de uma verda deira experiência estética í 02 O IMPÉRIO DO DIREITO de ceticismo interior portanto o verdadeiro ceticismo exte rior não pode ameaçar nenhum projeto interpretativo Mesmo pensando que entendemos e aceitamos essa forma de ceticis mo isso não pode oferecer nenhuma razão pela qual também não devamos pensar que a escravidão é iníqua que Hamlet trata da ambigüidade e que a cortesia ignora a posição social ou o que vem a dar no mesmo que cada uma dessas posições é melhor ou realmente melhor que suas concorrentes Se fôssemos céticos exteriores então num tranqüilo momento filosófico longe das guerras morais ou interpretativas ado taríamos uma concepção externamente cética da postura filo sófica de todas essas opiniões Classificaríamos todas como projeções não como descobertas Mas não faríamos distin ções entre elas ao supor que somente as últimas eram erros Apressome a acrescentar que o reconhecimento da questão crucial que venho enfatizando de que as crenças objeti vas que a maioria de nós sustenta são crenças morais não metafísicas que elas apenas repetem e qualificam outras crenças morais de modo algum enfraquece essas crenças nem as leva a afirmar alguma coisa menos importante ou mesmo diferente daquilo que se esperaria que afirmassem Pois não podemos atribuirlhes nenhum sentido fiéis ao pa pel que na verdade desempenham em nossas vidas que as faça deixarem de ser afirmações morais Se há algo que essa questão toma menos importante é o ceticismo exterior não nossas convicções Que forma de ceticismo De que modo então devemos compreender o cético que faz um bichodesetecabeças ao declarar que não pode haver respostas certas em questões de moral ou de interpretação Ele usa a retórica metafórica do ceticismo exterior diz que está atacando o ponto de vista de que os significados interpretati vos estão lá no universo ou que as decisões jurídicas corre ias se situam em alguma realidade transcendental Usa argu CONCEITOS DE INTERPRETA ÇÀO 103 mentos conhecidos dos céticos exteriores diz que uma vez que as pessoas de diferentes culturas têm opiniões diferentes sobre a beleza e a justiça essas virtudes não podem ser atribu tos do mundo independentemente das opiniões Mas ele pensa honestamente que seu ataque tem a força do ceticismo inte rior insiste em que as pessoas que interpretam poemas ou de cidem casos difíceis em direito não deveriam falar ou agir como se um ponto de vista pudesse estar certo e os outros errados Ele não consegue lidar com ambas as coisas ao mes mo tempo Ele ataca nossas crenças habituais porque nos atribui afir mações absurdas que não fazemos Nós não dizemos nem podemos compreender alguém que o diga que a interpretação é como a física ou que os valores morais estão lá ou po dem ser provados Dizemos apenas com ênfases diversas que Hamlet trata da protelação e que a escravidão é iníqua As prá ticas da interpretação e da moralidade dão a essas afirmações todo o significado de que necessitam ou que poderiam ter Se o cético pensa que são erros maus desempenhos dentro des sas práticas corretamente entendidas ele precisa comparar nossas razões e argumentos nosso próprio relato enquanto par ticipantes com razões contrárias e argumentos de sua própria criação Atenderemos melhor a esse crítico portanto obser vando até que ponto podemos reformular seus argumentos como argumentos do ceticismo interior Podemos entender que ele nos acusa dè erros morais não de erros metafísicos Uma vez que ninguém se mostra de acordo a propósito da injustiça da hierarquia social poderia ele dizer e uma vez que as pes soas só tendem a considerar a hierarquia social injusta quando nascem em determinadas culturas é injusto afirmar que todos devem desprezar e rejeitar a hierarquia O máximo que deve ríamos dizer é que as pessoas que a consideram injusta deve riam desprezála e rejeitála ou que as pessoas que vivem em comunidades em que vigora essa opinião deveriam fazer o mesmo Ou O fato de que outros em diferentes culturas re jeitem nossos pontos de vista morais mostra que só temos esses pontos de vista por causa da educação moral que por aca 104 O IMPÉRIO DO DIREITO so recebemos e perceber isso lança dúvidas sobre esses pontos de vista2 Esses são argumentos de ceticismo interior porque pres supõem alguma posição mora gerai e abstrata aquela segun 27 Quando alguém tem uma crença ou uma convicção faz sentido per guntar por sua procedência isto é pedir uma explicação de como tal chegou a léla Em alguma parte da história que contam algumas explicações pressu põem a verdade da crença ou da convicção e se se aceita uma explicação desse tipo o fato da crença constitui em si uma prova de sua autenticidade Se pudermos explicar a crença das pessoas de que a grama só é verde de algu ma maneira que supõe que a grama é verde por exemplo explicando que viram grama verde então obviamente a crença comum é a prova do fato Mas se as crenças de todos sobre algum assunto podem ser explicadas de alguma maneira que não pressupõe o fato então o feto da crença não é prova de sua autenticidade Por exemplo achamos que podemos explicar plena mente a crença das pessoas em bruxas explicando suas superstições não im porta até que ponto chegue nossa explicação nunca recorreria a nenhum encontro real entre pessoas e bruxas Se assim for então o feto de que algu mas pessoas acreditam em bruxas não constitui a prova de sua existência Uma pessoa poderia elaborar um argumento internamente cético sobre a moral começando com essa observação Ela argumenta que podemos expli car o fato de que as pessoas têm crenças morais sem admitir a existência de fatos morais especiais que levaram a essas crenças Nossas crenças morais diz tal pessoa são provocadas não pelo encontro com fetos especiais mas por se desenvolverem no interior de uma cultura específica isso explica por que pessoas de culturas diferentes têm convicções diferentes Até aqui porém essa história causal plausível mostra apenas que o fato de nossas crenças morais não é prova de que elas sejam bem fundadas e isso pouco tem de sur preendente Ninguém a não ser o egotista mais entusiasta pensa que o fato de ter uma opinião moral particular constitua em si um argumento em favor de tal opinião De qualquer modo ninguém deveria preocuparse muito com o fato de ser forçado a abandonar esse ponto de vista porque no máximo esta ria abandonando apenas um argumento em favor da consistência de suas opi niões morais deixando intocados todos os argumentos que se sentiria tentado a apresentar O cético deve mostrar não apenas que nossas convicções mo rais podem ser totalmente explicadas sem que seja necessário fazer nenhuma referência a qualquer propriedade moral causal do universo mas que a forma adotada pela melhor explicação de nossas convicções lança dúvidas sobre elas Sob certas circunstâncias descobrir como passamos a acreditar em al guma coisu faz com que duvidemos dela mas isso acontece porque descobri mos algo que identificamos como um defeito em nosso método de instrução CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO 105 do a qual as afirmações morais só têm uma verdadeira força moral quando são extraídas dos costumes de uma comunidade específica por exemplo ou que as crenças morais são falsas a menos que sejam passíveis de aceitação por qualquer cultura como base para rejeitar as afirmações morais mais concretas em questão Argumentos morais sólidos como esses foram realmente apresentados sem dúvida e sua atração latente po deria explicar por que o ceticismo disfarçado de ceticismo ex Se eu tivesse aprendido tudo que sei sobre história medieval em um livro que mais tarde descubro ser uma obra de ficção popular duvidaria de tudo que acreditava saber Mas o simples fato de que minhas convicções morais seriam diferentes se eu me tivesse educado de maneira diferente ou em uma época muito diferente não mostra em si nenhum defeito na cultura na formação e nos processos de reflexão e observação que finalmente produziram as convic ções que agora tenho Isso poderia deveria tornarme cuidadoso quanto a essas convicções forçandome a perguntar se tenho boas razões para pensar como penso Poderia levarme a perceber relações entre os pressupostos morais de minha comunidade e suas estruturas de poder econômico e outras modalidades de poder e o fato de perceber essas relações poderia enfraque cer o domínio que anteriormente minhas convicções exerciam sobre mim Essas são todas conseqüências possíveis do fato de cu passar a vertne como uma criatura da cultura mas são conseqüências do fato de ver mais que ape nas isso e é necessário mais se o discernimento vai terminar em algum tipo de ceticismo interior J Hm geral se pensa que o argumento da causalidade que acabo de des crever é um bom argumento em defesa de alguma forma de ceticismo exte rior Ver Williams acima n 24 Contudo a importância do argumento cau sal para a moral é reduzida pelo fato de que se acreditamos na iniqüidade da escravidão não podemos imaginar um mundo aiferente do nosso apenas sob o aspecto de que a escravidão não é um erro Mas não estamos aqui preocu pados com os méritos do ceticismo exterior O que nos ocupa são as objeções ao ponto de vista comum de que uma convicção moral pode ser melhor que outras que contradiz e não apenas diferente delas que ela possa ser a respos ta certa e as outras as respostas erradas O texto afirma que esse ponto de vista é em si mesmo moral que é parte essencial das convicções morais em que reside Um ponto de vista moral só pode ser prejudicado por um argu mento moral Assim o ceticismo que tememos é o ceticismo interior e o ar gumento da causalidade não acarreta em si nenhum prejuízo Sei que mi nhas opiniões seriam diferentes se eu tivesse vivido numa época muito dife rente Mas acho que minhas convicções são melhores e também diferentes e nenhuma explicação causal pode obrigarme a abandonar esse ponto de vista ainda que um argumento moral certamente pudesse fazêlo 106 O IMPÉRIO DO DIREITO tenor tornouse tão difundido na interpretação e no direito Talvez esses argumentos não pareçam bons ao leitor uma vez que se abandone esse disfarce mas penso que isso se deve ao fato de você considerar improvável o ceticismo interior global acerca da moral A metamorfose que descrevo não é gratuita pois os argu mentos do cético reconstruídos como argumentos de ceticis mo interior não podem continuar sendo peremptórios ou a priori O cético precisa de argumentos que se apresentem como argumentos morais ou estéticos ou interpretativos ou se não de argumentos pelo menos de convicções do tipo apropriado Seu ceticismo não pode mais ser descompromissado ou neutro a propósito das opiniões morais ou estéticas ou interpretati vas correntes Ele não pode reservar seu ceticismo para algum momento de serenidade filosófica e forçar suas opiniões pes soais sobre a moralidade da escravidão por exemplo ou sobre a relação entre cortesia e respeito quando não está em serviço e atua da maneira habitual Ele abandonou sua distinção entre as opiniões correntes e as opiniões objetivas se de fato acredi ta à maneira do ceticismo interior que nenhum juízo moral é realmente melhor que qualquer outro não pode então acres centar que em sua opinião a escravidão é injusta Conclusões eprograma Concluo esta vasta seção com uma desculpa e alguns con selhos Subimos por uma colina íngreme e então fizemos o percurso de volta Não sabemos mais sobre a interpretação a moral a cortesia a justiça ou o direito do que sabíamos quan do começamos a examinar a impugnação dos céticos Minha argumentação foi totalmente defensiva Os céticos identificam um grave erro na atitude interpretativa do modo como a des crevi dizem que é um erro supor que uma interpretação de uma prática social ou de qualquer outra coisa possa ser certa ou errada ou realmente melhor do que outra Se interpretarmos essa acusação nos moldes do ceticismo exterior então pelas CONCEITOS DE INTERPRETAÇÃO 107 razões que ofereci a acusação é confusa Se a interpretarmos mais naturalmente como uma parte do ceticismo interior glo bal então toda a argumentação ainda está por ser feita Esta mos no mesmo ponto em que estávamos antes apenas adquiri mos uma percepção mais clara da possível ameaça que apre senta esta última forma de argumentação potencialmente mui to nefasta Subi e desci a colina somente porque a impugnação céti ca percebida como a impugnação do ceticismo exterior exer ce uma poderosa influência sobre os advogados A propósito de qualquer tese sobre a melhor maneira de avaliar uma situa ção jurídica em aigum domínio do direito eles dizem Essa é a sua opinião o que é ao mesmo tempo verdadeiro e inútil Ou perguntam Como você sabe ou De onde provém essa pretensão exigindo não um caso que possam aceitar ou re jeitar mas uma demonstração metafísica avassaladora à qual não possa resistir ninguém que a consiga compreender E quan do percebem que não estão diante de nenhum argumento dota do de tal força resmungam que a doutrina é tãosomente sub jetiva Depois finalmente voltam a seu ramerrão fazer acei tar resistir e rejeitar argumentos da maneira de sempre con sultando revisando e mobilizando convicções auelhes permi tam decidir qual dentre as avaliações conflitames da situação jurídica constitui a melhor defesa de tal posição Meu conse lho é direto essa dança preliminar do ceticismo é tola e inútil não acrescenta nada ao assunto ein qaestão e dele também nada subtrai O único ceticismo que vale alguma coisa é o ceti cismo interior e é preciso alcançálo por meio de argumentos da mesma natureza duvidosa que os argumentos aos quais ele se opõe e não ser reivindicado de antemão por alguma preten são à complexa metafísica empírica Devemos prosseguir com esse espírito nosso estudo da in terpretação e do direito Apresentarei argumentos sobre aquilo que torna uma interpretação de uma prática social melhor que outra e sobre a exposição do direito que oferece a interpretação mais satisfatória dessa prática complexa e cruciai Esses argu mentos não serão nem podem ser demonstrações Convi 108 OIMPÈRJO DO DIREITO dam à divergência e ainda que não seja um erro responder Mas essa é apenas a sua opinião tampouco de nada servirá O lei tor deve então perguntarse depois de refletir se essa é tam bém a sua opinião Se assim for pensará que meus argumentos e conclusões são bem fundados e que são frágeis e equivoca dos os outros que a eles se opõem Se tiver outra opinião ca berá a você explicar por quê confrontando meus argumentos ou minhas convicções com as suas O exercício em questão é de descoberta pelo menos neste sentido descobrir qual ponto de vista das questões importantes que discutimos se ajusta me lhor às convicções que juntos ou individualmente temos e conservamos a propósito da melhor avaliação de nossas práti cas comuns Capítulo III A jurisprudência revisitada Uma nova imagem Extraímos o aguilhão semântico e não precisamos mais da caricatura da prática do direito que nos oferecem as teorias semânticas Agora podemos ver com maior clareza e eis o que vemos O direito é um conceito interpretativo como a cortesia em meu exemplo imaginário Em geral os juízes reconhecem o dever de continuar o desempenho da profissão à qual aderi ram em vez de descartála Então desenvolvem em resposta a suas próprias convicções e tendências teorias operacionais sobre a melhor interpretação de suas responsabilidades nesse desempenho Quando divergem sobre aquilo que chamei de modalidade teórica suas divergências são interpretativas Di vergem em grande parte ou em detalhei sutis sobre a melhor interpretação de algum aspecto pertinente do exercício da ju risdição Assim o destino de Élmer vai depender das convic ções interpretativas do corpo de juizes que julgará o caso Se um juiz acha que para alcançar a melhor interpretação daquilo que os juízes geralmente fazem a propósito da aplicação de uma lei ele nunca deve levar em conta as intenções dos legisladores poderá então tomar uma decisão favorável a Élmer Mas se ao contrário acha que a melhor interpretação exige que ele examine essas intenções é provável que sua decisão favoreça Goneril e Regan Se o caso Élmer for apresentado a um juiz que ainda não refletiu sobre a questão da interpretação ele 110 O IMPÉRIO DO DIREITO deverá então fazêlo e de ambos os lados encontrará advoga dos dispostos a ajudálo As interpretações lutam lado a lado com os litigantes diante do tribunal As teorias interpretativas de cada juiz se fundamentam em suas próprias convicções sobre o sentido o propósito obje tivo ou princípio justificativo da prática do direito como um todo e essas convicções serão inevitavelmente diferentes pelo menos quanto aos detalhes daquelas de outros juizes Não obs tante um grande número de forças atenua essas diferenças e conspira a favor da convergência Toda comunidade tem seus paradigmas de direito proposições que na prática não podem ser contestadas sem sugerir corrupção ou ignorância Qualquer juiz norteamericano ou inglês que negasse que as leis de trân sito fazem parte do direito seria substituído e esse fato desesti mula as interpretações radicais Contudo as influências que levam mais poderosamente à convergência são inerentes à na tureza da interpretação A prática do precedente que nenhum juiz pode ignorar totalmente em sua interpretação pressiona pelo acordo as teorias de cada juiz sobre o que realmente sig nifica julgar vão incorporar por referência mediante qualquer explicação e reelaboração do precedente em que ele se funda mente aspectos de outras interpretações correntes na épocà Além disso os juízes refletem sobre o direito no âmbito da so ciedade e não fora dela o meio intelectual de modo geral as sim como a linguagem comum que reflete e protege esse meio exerce restrições práticas sobre a idiossincrasia e restrições conceituais sobre a imaginação O inevitável conservadorismo do ensino jurídico formal e do processo de selecionar juristas para as tarefas judiciárias e administrativas aumenta a pressão centrípeta Seria um erro ignorar esses diversos fatores de unificação e socialização mas um erro ainda mais insidioso e perigoso exagerar sua força A dinâmica da interpretação resiste à con vergência ao mesmo tempo que a promove e as forças centrí fugas são particularmente fortes ali onde as comunidades pro fissional e leiga se dividem com relação à justiça Juízes dife rentes pertencem a tradições políticas diferentes e antagônicas A JURISPRUDENCIA REVISITADA 111 e a lâmina das interpretações de diferentes juizes será afiada por diferentes ideologias Tampouco isso é deplorável Ao con trário o direito ganha em poder quando se mostra sensível às fricções e tensões de suas fontes intelectuais O direito naufra garia se as várias teorias interpretativas em jogo no tribunal e na sala de aula divergissem excessivamente em qualquer gera ção Talvez um senso coletivo desse perigo proporcione ainda outra razão para que assim não seja Mas o direito estagnaria acabaria naufragando de um modo diferente se caísse no tra dicionalismo que imaginei como o destino último da cortesia Podemos obter uma visão mais ampla de nossa cultura ju rídica observando de que modo ela se desenvolve e como seu caráter geral muda através dos tempos Certas soluções inter pretativas incluindo pontos de vista sobre a natureza e a força da legislação e do precedente são muito populares em deter minada época e sua popularidade ajudada pela inércia inte lectual normal estimula os juízes a considerálas estabelecidas para todos os propósitos práticos Elas são os paradigmas e quaseparadigtpas de sua época Mas ao mesmo tempo outras questões talvez igualmente fundamentais são objeto de deba tes e controvérsias Durante décadas talvez nenhum juiz con testa ou mesmo cogita contestar a doutrina de que as inten ções de legisladores específicos são irrelevantesJpara a atribui ção do significado de uma lei que elaboraram Todos concor dam que seu significado deve ser determinado unicamente pelos termos da lei ignorando qualquer indicação de que os legisladores não pretendiam dizer o que dizem as palavras Du rante esse mesmo período porém poderíamos questionar se os termos de uma lei devem ser entendidos fora do contexto como poderíamos entendêlos se nada soubéssemos sobre a situação à qual a lei se aplica ou ao contrário dentro do con texto como os entenderia a maioria das pessoas em tal situa ção Talvez durante décadas ninguém duvide que os tribunais podem condenar à prisão as pessoas que se comportaram mal de acordo com a moral popular da comunidade tenham ou não seus atos sido declarados criminosos pela legislação Nesses mesmos anos porém poderia haver uma grande divergência 112 O IMPÉRIO DO DIREITO quanto à adequação de os tribunais sancionarem um imposto sobre a riqueza adotado depois de ter sido acumulada a rique za visada por tal imposto Contudo esse padrão de acordo e desacordo é temporário De repente o que parecia incontestá vel é contestado uma nova interpretação ou mesmo uma in terpretação radical de uma parte importante da aplicação do direito é desenvolvida por alguém em seu gabinete de trabalho vendose logo aceita por uma minoria progressista Os para digmas são rompidos e surgem novos paradigmas São esses os diversos elementos de nossa nova imagem da jurisdição em corte transversal e ao longo do tempo A antiga imagem do direi to visto como simples matéria de fato apresentada no primeiro capítulo deste livro dizia para não tomarmos ao pé da letra os votos proferidos pelos juízes nos casos difíceis essa nova ima gem tem o mérito notável de nos permitir mais uma vez acre ditar no que dizem nossos juízes Conceitos e concepções do direito Os filósofos do direito se encontram na mesma situação que os filósofos da justiça e o filósofo da cortesia que imagi namos Não podem produzir teorias semânticas eficazes sobre o direito Não podem expor os critérios comuns ou as regras fundamentais que os advogados seguem para colocar rótulos jurídicos nos fatos porque tais regras não existem Como as teorias gerais da cortesia e da justiça as teorias gerais do direi to devem ser abstratas pois sua finalidade é interpretar o ponto essencial e a estrutura da jurisdição não uma parte ou seção específica desta última Contudo apesar de toda sua abstração tratase de interpretações construtivas tentam apresentar o con junto da jurisdição em sua melhor luz para alcançar o equilí brio entre a jurisdição tal como o encontram e a melhor justifi cativa dessa prática Assim nenhuma linha claramente deli neada separa a doutrina da deliberação judicial ou de qualquer outro aspecto da aplicação do direito Os filósofos do direito discutem sobre o fundamento interpretativo que qualquer ar A JURISPRUDÊNCIA REVISITADA 113 gumento jurídico deve ter Podemos reverter essa questão Qual quer argumento jurídico prático não importa quão detalhado e restrito seja adota o tipo de fundamento abstrato que lhe ofe rece a doutrina e quando há confronto entre fundamentos antagônicos um argumento jurídico assume um deles e rejeita os outros Desse modo o voto de qualquer juiz é em si uma peça de filosofia do direito mesmo quando a filosofia está oculta e o argumento visível é dominado por citações e listas de fatos A doutrina é a parte geral da jurisdição o prólogo silencioso de qualquer veredito O direito não pode florescer como um empreendimento interpretativo em qualquer comunidade a menos que haja su ficiente consenso inicial sobre quais práticas são práticas jurí dicas de tal modo que os advogados discutam sobre a melhor interpretação a ser aplicada grosso modo aos mesmos dados Essa é uma exigência prática de qualquer empreendimento interpretativo seria inútil que dois críticos discutissem sobre a melhor interpretação de um poema se um deles tivesse em mente o poema Sailing to Byzanthium e o outro estivesse pensando em Mathilda Who Told Lies Não quero dizer que todos os advoga dos sempre e em todos os lugares devam estar de acordo sobre exatamente quais matérias devem considerar cómo matérias ju rídicas mas apenas que os advogados de qualquercultura na qual a atitude interpretativa seja bemsucedida devem em grande par te estar de acordo em qualquer época dada Todos entramos na história de uma prática interpretativa enrum determinado mo mento nesse sentido o necessário acordo préinterpretativo é contingente e local Na verdade não temos dificuldade em identificar coleti vamente as práticas tidas como matérias jurídicas em nossa própria cultura Temos legislaturas tribunais agências e orga nismos administrativos e as decisões tomadas por essas insti tuições são reportadas sob forma de normas Nos Estados Uni dos temos também a Constituição Ao aderir ao exercício do direito cada advogado já encontra essa estrutura estabelecida e compartilha o entendimento de que o conjunto dessas institui ções forma nosso sistema jurídico Seria um erro outra pro 114 O IMPÉRIO DO DIREITO longada influência produzida pelo aguilhão semântico pen sar que identificamos essas instituições por meio de uma defi nição comum e satisfatória do ponto de vista intelectual da quilo que necessariamente configura um sistema jurídico e de quais instituições o constituem necessariamente Nossa cultu ra nos apresenta as instituições jurídicas e a idéia de que elas formam um sistema A questão de quais características próprias as fazem combinarse para formar um sistema jurídico bem definido faz parte do problema interpretativo Não é um dado da estrutura préinterpretativa mas parte do processo polêmi co e incerto de atribuir significado ao que encontramos Temos também paradigmas jurídicos proposições jurídi cas como as leis de trânsito que consideramos verdadeiros uma interpretação que os negasse seria profundamente suspei ta Esses paradigmas dão forma e utilidade aos debates sobre o direito Tornam possível uma forma padronizada de argumen tação tentar provar ou dificultar uma interpretação confron tandoa com um paradigma que ela não seja capaz de explicar Em direito porém os paradigmas não são mais verdadeiros por definição que na cortesia ou na justiça Uma pessoa que negar que o código de trânsito faz parte do direito não se con tradiz nem exprime pensamentos que outros não possam en tender2 Nós a compreendemos muito bem e não é inconcebí vel embora improvável que ela seja capaz de defender seu ponto de vista por meio de uma reinterpretação radical da ati vidade jurídica que ao contrário se mostre tão atraente a pon to de nos convencer a abandonar aquilo que era antes um para digma fundamental Não podemos ter certeza de que seus pon tos de vista são realmente os absurdos que supomos a menos que a deixemos acabar de falar para descobrir se compartilha mos suas convicções Se permanecermos convencidos de que suas opiniões são não apenas erradas mas fundamentalmente 1 A discussão mais sistemática dos critérios essenciais para a existên cia de um sistema jurídico é encontrada em Joseph Raz The Concepl of a LegaI System 2 ed Oxford 1980 2 Um clássico da doutrina argumenta que as leis não sâo direito J C Gray The Nature and Sources of lhe Law Boston 1902 A JURISPRUDÊNCIA REVISITADA 115 erradas que sua interpretação radical falhou em aigum ponto fundamental que qualquer interpretação bemsucedida deve reconhecer será suficiente afirmar que seus pontos de vista são absurdos Não precisamos acrescentar a acusação mais dra mática embora equivocada que o aguilhão semântico estimu la de que seu erro é verbal ou conceituai Pensaremos que ele está muito equivocado mas não equivocado em algum sentido diferente das outras pretensões que rejeitamos mas considera mos menos ridículas Portanto um filósofo do direito começa seu trabalho desfru tando de uma identificação préinterpretativa quase consensual do domínio do direito e com paradigmas experimentais que dão sustentação a seu argumento e sempre confundem seus concor rentes Colocase agora a questão de saber se ele e seus con correntes também poderiam concordar com aquilo que chamei ao discutir a cortesia e a justiça de formulação do conceito cen tral de sua instituição que lhes permitirá identificar seus argu mentos como dotados de determinada estrutura como argumen tos sobre concepções rivais do mesmo conceito Uma formu lação conceituai de tal tipo seria útil de várias maneiras Assim como entendemos melhor a prática da cortesia em uma etapa de seu desenvolvimento quando descobrimos um consenso ge ral sobre a proposição abstrata de que a cortesiaé uma questão de respeito poderíamos compreender melhor o direito se pudés semos encontrar uma descrição abstrata semelhante do esco po do direito que a maioria dos teórico reconhece de modo que seus argumentos se situem no mesmo patamar em que ele se assenta Nem a doutrina nem os argumentos que apresentarei mais adiante dependem da descoberta de uma descrição abstrata des se tipo A filosofia política floresce como afirmei a despeito de nossas dificuldades em encontrar uma formulação apro priada do conceito de justiça Não obstante sugeri o que se se gue como uma exposição abstrata que organiza novos argu mentos sobre a natureza do direito Os governos têm objetivos pretendem tornar as nações que governam prósperas podero sas religiosas ou importantes também querem permanecer no 116 OIMPÉRJO DO DIREITO poder Usam a força coletiva que monopolizam para este e ou tros fins De modo gerai nossa discussão sobre o direito assu me é o que sugiro que o escopo mais abstrato e fundamen tal da aplicação do direito consiste em guiar e restringir o poder do governo da rrianeira apresentada a seguir O direito insiste em que a força não deve ser usada ou refreada não importa quão útil seria isso para os fins em vista quaisquer que sejam as vantagens ou a nobreza de tais fins a menos que per mitida ou exigida pelos direitos e responsabilidades indivi duais que decorrem de decisões políticas anteriores relativas aos momentos em que se justifica o uso da força pública Nessa perspectiva o direito de uma comunidade é o siste ma de direitos e responsabilidades que respondem a esse com plexo padrão autorizam a coerção porque decorre de deci sões anteriores do tipo adequado São portanto direitos e res ponsabilidades jurídicas Essa caracterização do conceito de direito estabelece de maneira apropriadamente vaga aquilo que às vezes é chamado de regra do direito É compatível com um grande número de asserções antagônicas sobre exata mente quais direitos eresponsabiiidades além dos paradigmas da época de fato decorrem de decisões políticas anteriores tomadas da forma correta e que por esse motivo realmente autorizam ou exigem a imposição coercitiva Parece portanto suficientemente abstrato e consensual para proporcionar pelo menos provisoriamente a estrutura que procuramos É evidente que existem exceções a essa pretensão teorias que questionam em vez de analisar essa relação presumida entre o direito e a justificativa do uso da força Mas não são tão numerosas quan to poderiam parecer à primeira vista3 3 Algumas teorias jurídicas que à primeira vista não sio afirmações sobre porque o direito justifica a coerção de Estado ainda assim apóiamse em tais afirmações ou as pressupõem No capítulo IV tento mostrar que as for mas habituais do positivismo jurídico se tornam mais interessantes quando compreendidas não como teorias semânticas mas como interpretações basea das na afirmação de que a força coletiva só se justifica quando conforme aos entendimentos convencionais Hm outros textos tentei demonstrar que a ver são do positivismo de Hart em particular provém de sua convicção de que as A JURISPRUDÊNCIA REVISITADA 117 As concepções do direito aprimoram a interpretação ini cial e consensual que como sugeri há pouco proporciona nosso conceito de direito Cada concepção oferece as respostas relacionadas a três perguntas colocadas pelo conceito Primei convenções jurídicas especiais amplamente aceitas pela comunidade elimi nam defeitos na organização da coerção política que seriam inevitáveis sem essas convenções Ver A Reply to Critics em Ronald Dworkin and Contemporary Jurisprudence Marshall Cohen org Nova York e Londres 1984 Joseph Raz contudo desenvolveu recentemente uma versão do positi vismo que nega explicitamente qualquer base em convicções políticas de qualquer espécie Ver Raz Authority Law and Morality em 68 The Monist 295 julho de 1985 Ele insiste em que qualquer boa descrição dos fundamentos adequados do direito deve explicar como o direito pode servir de autoridade e define a autoridade de tal modo que as pessoas não podem aceitar o direito como autoridade a menos que as provas às quais submetem o direito excluam totalmente os juízos demorai política Raz acredita que aqui lo que chama de tese das fontes segundo a qual os fundamentos do direito devem ser exclusivamente factuais decorre desse pressuposto e definição Está certo ao afirmar que qualquer interpretação bemsucedida de nossa práti ca jurídica deve w o n h e c e r e justificar o pressuposto comum de que o direito pode competir com a moral e a sabedoria e para os que aceitam a autoridade do direito primar sobre essas outras virtudes em sua decisão final sobre o que devem fazer Não quero dizer que esse pressuposto sobre a autoridade do direito seja inquestionável o pragmatismo jurídico o negaÉomo veremos no capitulo V Mas essa condição pode ser completada por uma teoria que transforma os juízos de moral e sabedoria em uma parte dos fundamentos do direito e não nos únicos fundamentos dele Assim pode ser resolvida median te concepções de direito que rejeitam a tese das fjntes concepções como as que descrevi no capítulo I com relutância como teorias moderadas de direi to natural Raz pensa que o direito não pode deter a autoridade a menos que aqueles que o aceitam nunca usem suas próprias convicções para terminar o que ele exige ainda que desse modo parcial Mas por que o direito deve ser uma autoridade cega e não o detentor de uma autoridade no sentido mais fle xível que outras concepções pressupõem Alguma explicação se faz necessá ria e de nada valerá recorrer às regras lingüísticas para dizer que é este exata mente o sentido de direito ou impositivo que juristas de boa formação e leigos admitem como critério para sua aplicação Qualquer argumento plausí vel deve ser um argumento de moral política ou de sabedoria um argumento que mostre por que se deve fazer uma distinção prática enlre as justificativas da coerção que são e as que não são extraídas de fontes exclusivamente fac tuais e por que somente as primeiras devem ser tratadas como direito Examino esses argumentos no capítulo IV 118 O IMPÉRIO DO DIREITO ro justificase o suposto elo entre o direito e a coerção Faz al gum sentido exigir que a força pública seja usada somente em conformidade com os direitos e responsabilidades que decor rem de decisões politicas anteriores Segundo se tal sentido existe qual é ele Terceifo que leitura de decorrer que no ção de coerência com decisões precedentes é a mais apro priada A resposta que uma concepção dá a essa terceira per gunta determina os direitos e responsabilidades jurídicos con cretos que reconhece Nos capítulos seguintes estudaremos três concepções an tagônicas do direito três interpretações abstratas de nossa práti ca jurídica que deliberadamente elaborei sobre esse modelo como respostas a esse grupo de perguntas Essas concepções são novas em um sentido não pretendem exatamente rivalizar com as escolas doutrinárias que descrevi no primeiro capítu lo e talvez nenhum filósofo do direito defendesse qualquer das duas primeiras do modo como as descrevo Cada uma delas porém capta temas e idéias importantes nessa literatura agora organizados como afirmações interpretativas não semânticas e o debate entre elas é portanto mais esclarecedor do que as velhas batalhas dos textos Chamarei essas três concepções de convencionalismo pragmatismo jurídico e direito como integridade Sustentarei que a primeira delas ainda que a prin cípio pareça refletir o entendimento que tem do direito o cida dão comum é a mais vulnerável que a segunda é mais podero sa e só pode ser vencida quando nossa esfera de debates se am plie para incluir também a filosofia politica e que a terceira é a melhor interpretação daquilo que fazem e de grande parte do que dizem advogados professores de direito c juízes O convencionalismo oferece uma resposta afirmativa à pri meira pergunta colocada por nossa descrição conceituai do direito Aceita a idéia do direito e dos direitos jurídicos Sus tenta em resposta à segunda pergunta que o sentido da vincu lação ao direito nossa razão para exigir que a força seja usada so mente de maneira coerente com decisões políticas anteriores está esgotado pela previsibilidade e pela eqüidade processual proporcionadas por essa restrição embora como veremos os convencionalistas se mostrem divididos quanto à relação exata A JURISPRUDÊNCIA REVISITADA 119 entre o direito e essas virtudes Em resposta à terceira pergunta propõe uma exposição nitidamente restrita da forma de coerên cia que deveríamos exigir a propósito das decisões anteriores um direito ou responsabilidade só decorre de decisões anteriores se estiver explícito nessas decisões ou se puder ser explicitado por meio de métodos ou técnicas convencionalmente aceitos pe lo conjunto dos profissionais de direito Segundo o convencio nalismo a moral política não exige respeito pelo passado de tal modo que quando a força da convenção se esgota os juizes de vem encontrar para tomar suas decisões um fundamento resul tante de uma visão prospectiva Do ponto de vista da minha sugestão conceituai o prag matismo jurídico é uma concepção cética do direito Responde negativamente à primeira pergunta que coloquei nega que uma comunidade assegure alguma vantagem real ao exigir que as decisões de um juiz sejam verificadas por qualquer suposto direito dos litigantes à coerência com outras decisões políticas tomadas no passado Oferece uma interpretação muito diferen te de nossa prática jurídica que os juízes tomam e devem to mar quaisquerdecisões que lhes pareçam melhores para o fu turo da comunidade ignorando qualquer forma de coerência com o passado como algo que tenha valor por si mesmo As sim estritamente falando o pragmatismo rejta a idéia de direito e de pretensões juridicamente protegidas por mim de senvolvida em minha apresentação do conceito de direito4 ain da que como veremos insista em que as razões de estratégia exigem que os juízes às vezes atuem cmo se as pessoas ti vessem alguns direitos Como o convencionalismo o direito como integridade aceita sem reservas o direito e as pretensões juridicamente as seguradas Contudo responde à segunda pergunta de modo muito diferente Supõe que a vinculação ao direito beneficia a sociedade não apenas por oferecer previsibilidade ou eqüidade 4 Ainda que eu estivesse certo eles aceitam esse conceilo como a base correta para o argumento sobre a natureza do direito e então a partir dessa base configuram suas teorias como célicas para resumir sua concepção afir mam que o direito não existe 120 O IMPÉRIO DO DIREITO processual ou em algum outro aspecto instrumental mas por assegurarem entre os cidadãos um tipo de igualdade que tor na sua comunidade mais genuína e aperfeiçoa sua justificativa moral para exercer o poder político que exerce A resposta da integridade à terceira pergunta sua descrição da natureza da coerência com as decisões políticas do passado exigida pelo direito apresenta uma diferença correspondente com a res posta dada pelo convencionalismo Sustenta que direitos e res ponsabilidades decorrem de decisões anteriores e por isso têm valor legal não só quando estão explícitos nessas decisões mas também quando procedem dos princípios de moral pessoal e política que as decisões explicitas pressupõem a título de justi ficativa Essas são apenas descrições esquemáticas das três con cepções gerais do direito que estudaremos Não demoraremos a apresentálas O direito e os costumes A prova principal de minha sugestão de que os argumen tos sobre a teoria jurídica são mais bem compreendidos como argumentos sobre até que ponto e de que modo as decisões políticas anteriores proporcionam uma condição necessária para o uso da coerção pública será apresentada mais adiante quando elaborarmos e compararmos as três concepções de direito acima descritas Por ora porém poderíamos observar de que maneira essa sugestão nos ajuda a reformular algumas questões clássicas da doutrina com maior clareza revelando aspectos fundamentais que os textos clássicos quase sempre obscurecem Se nossa comunidade realmente aceita a idéia con ceituai abstrata de que os direitos legais são aqueles que decor rem de decisões políticas do passado segundo a melhor inter pretação do que tal coisa significa então isso nos ajuda a ex plicar a complexa relação entre o direito e outros fenômenos sociais Como o direito de uma comunidade pode ser diference de sua moral popular ou de seus valores tradicionais Como ele A JURISPRUDÊNCIA REVISITADA 121 difere daquilo que a verdadeira justiça exige de qualquer Es tado sejam quais forem suas convicções ou tradições popula res Nossa descrição conceituai oferece uma breve resposta a essas duas perguntas é diferente de cada uma porque seu con teúdo pode depender da outra Devo explicar essa afirmação enigmática Vamos supor que identificamos como a moral popular de uma comunidade o conjunto de opiniões sobre a justiça e outras virtudes políticas e pessoais que são vistas como questões de convicção pessoal pela maioria dos membros dessa comunidade ou talvez de alguma elite moral dentro dela E vamos também supor que iden tificamos como tradições morais sua moral popular ao iongo de um período histórico que inclui o presente Tornase bastan te clara portanto a distinção entre essas idéias e o direito da co munidade Seu direito pertence à comunidade não apenas pas sivamente porque seus membros sustentam certas idéias sobre o que é certo ou errado mas como uma questão de compromis so ativo porque suas autoridades tomaram decisões que com prometem a comunidade com os direitos e deveres que consti tuem o direito Não obstante uma concepção particular do direi to pode fazer com que a pergunta sobre quais direitos e deveres decorrem de decisões políticas anteriores dependa de algum modo tanto da moral popuiar quanto do conteúdo explícito des sas decisões Ou pode negar a existência de tal relação En tendido como sugeri o conceito de direito é em si mesmo neutro porque mais abstrato entre essas explicações antagônicas da relação entre as opiniões predominantes em uma comunidade e seus compromissos jurídicos 5 Nem todo sociólogo ou teórico politico que fale de moral popular e tradições morais tem em mente essas idéias relativamente simples Alguns pretendem utilizar a idéia de mente cultural que mencionei no capitulo ante rior outros usam um conceito interpretativo no sentido por nós atribuído de tal modo que as tradições morais de uma comunidade não são apenas uma questão de atitudes ou crenças de determinadas pessoas mas uma questão da melhor interpretação que delas se faça Mas é a idéia mais simples mais re dutiva que pretendo agora distinguir do conceito de direito que acabo de des crever 122 O IMPÉRIO DO DIREITO O direito é também diferente da justiça A justiça é uma questão que remete à melhor ou mais correta teoria do que é justo moral e politicamente e a concepção de justiça de uma pessoa é a sua teoria imposta por suas próprias convicções sobre a verdadeira natüreza dessa justiça O direito é uma questão de saber o que do suposto justo permite o uso da força pelo Estado por estarem incluídos em decisões políticas do passado ou nelas implícitos Uma vez mais porém essa afir mação da diferença é neutra entre as diferentes teorias sobre o papel que as convicções de uma pessoa sobre a justiça deveria desempenhar na formação de suas convicções sobre o direito O conceito admite como concepções igualmente válidas teo rias que insistem em que quando o conteúdo de uma decisão política é de algum modo obscuro a justiça desempenha um papel na decisão de quais pretensões juridicamente protegidas na verdade decorrem de tal decisão O conceito permite de fato concepções reminiscentes de algumas das teorias que no primeiro capítulo chamei de teorias do direito natural ainda que vistas a partir dessa nova perspectiva não sejam teorias semânticas mas interpretações gerais da prática jurídica Tam bém permite concepções opostas que rejeitam essa influência sugerida da justiça sobre o direito o que nos faz lembrar o positivismo jurídico E também admite concepções céticas como o pragmatismo jurídico que insiste em que o direito concebi do como uma questão de pretensões sobre aquilo que exigiria uma justiça voltada para o futuro não tem conteúdo próprio Assim o pressuposto de que o escopo mais geral do direi to se é que tal coisa existe é estabelecer uma relação de justi ficação entre as decisões políticas do passado e a coerção atual mostra sob uma nova luz o antigo debate sobre o direito e a moral Nos textos doutrinários esse debate é apresentado como uma luta entre duas teorias semânticas o positivismo que insiste em que o direito e a moral são totalmente diferen ciados por regras semânticas que todos aceitam para usar a palavra direito e o direito natural que ao contrário insiste em que eles são unidos por essas regras semânticas Na verda de o antigo debate só faz sentido se for entendido como uma A JURISPRUDÊNCIA REVISITADA 123 disputa entre teorias políticas diferentes uma disputa para de terminar até que ponto a suposta finalidade do direito exige ou permite que os pontos de vista dos cidadãos e das autoridades sobre a justiça figurem em suas opiniões sobre quais direitos foram criados por decisões políticas tomadas no passado O argumento não é de modo algum conceituai no sentido que atri buímos ao termo mas faz parte do debate interpretativo entre concepções antagônicas do direito Anatomia de uma concepção A relação aceita entre direito e coerção é também um guia útil para o exame da estrutura ou anatomia provável das con cepções não céticas do direito tais como o convencionalismo e o direito como integridade Cada uma dessas concepções vai empregar como idéia organizadora alguma descrição de como as práticas jurídicas que definem as decisões políticas passa das contribuem para a justificativa do uso da força de coerção coletiva Já sabemos que práticas são essas A legislação a prática de reconhecer como lei as decisões explícitas de orga nismos especiais aos quais se atribui esse poder é uma parte importante de nossa paisagem jurídica fato quejfienhuma con cepção pode ignorar Portanto toda concepção competente deve incluir uma resposta à questão de por que como um tópi co da moral política as decisões passada de instituições legis lativas devem ter o poder de justificação que lhes atribui essa concepção O precedente também ocupa um lugar importante em nossas práticas as decisões passadas de tribunais contam como fontes de direito Assim toda concepção competente deve oferecer alguma resposta à questão de por que uma deci são judicial do passado deve em si mesma oferecer uma razão para um uso semelhante do poder de Estado por parte de outras autoridades no futuro Nenhuma concepção precisa justificar todas as caracterís ticas das práticas políticas que se propõe interpretar como qualquer interpretação pode condenar alguns dados como um erro como incoerentes com a justificativa que oferece para o 1 2 4 O IMPÉRIO DO DIREITO resto e talvez propor que esse erro seja abandonado naquilo que chamei no segundo capítulo deste livro de etapa pósin terpretatíva Uma concepção do direito poderia tentar mostrar por exemplo que a explicação da legislação que oferece a me lhor justificativa dessa Instituição exige contrariamente à prá tica que prevalece no presente que as leis antigas e superadas sejam tratadas não mais como parte do direito Por conseguin te as concepções do direito serão polêmicas exatamente por di ferirem em suas descrições pósinterpretativas da prática jurí dica em seus entendimentos sobre a maneira certa de expandir ou ampliar a prática para áreas atualmente controvertidas ou não cultivadas Essas polêmicas posições pósinterpretativas são a vanguarda de uma concepção do direito razão pela quaL os casos difíceis como os que utilizamos a título de exemplos oferecem o melhor cenário para a exibição de sua eficácia Aqui estão algumas das questões polêmicas em nossa pró pria prática que uma concepção desenvolvida do direito deve abordar em sua etapa pósinterpretativa Dada a interpretação geral de base que a concepção propõe a respeito das linhas principais da legislação e do precedente o que se deve fazer quando o texto de uma lei for obscuro O que é decisivo o sig nificado evidente ou literal das palavras usadas para regis trar a decisão ou as intenções ou propósitos das autoridades que tomaram a decisão O que é significado literal Que signifi cam aqui intenção e propósito Que sentido podemos atri buir a um propósito ou intenção coletivos O conteúdo de uma decisão legislativa ou judicial extrapola as intenções concretas de seus autores abarcando questões análogas ou em certo sen tido estreitamente relacionadas As decisões legislativas ou judiciais podem ser tomadas por extensão isto é de acordo com a lógica interna das decisões mais limitadas que essas auto ridades tinham de fato em mente Suponhamos que os legis ladores decidiram muito tempo atrás que as pessoas que diri gem carruagens de modo imprudente devem indenizar os que foram atropelados por elas Essa decisão já inclui a decisão futura de que pessoas que dirigem automóveis com imprudên cia são igualmente responsáveis A JURISPRUDÊNCIA REVISITADA 125 Isso depende do tipo de autoridade pública que tomou a decisão em questão e do contexto Talvez uma decisão legis lativa deva ser entendida em sentido mais estreito de tal modo que seja necessária uma nova legislação para estender a regra aos automóveis mas se um juiz estabeleceu a regra para as carruagens ela deveria estenderse automaticamente aos auto móveis pelo menos se cada argumento em favor de sua deci são inicial se aplicar também aos automóveis A razão pela qual as decisões legislativas e judiciais proporcionam autoriza ções válidas para o uso da coerção pelo Estado se transpõe para diferentes formas de decisão comunitária As regras ou princípios contidos na moral convencional da comunidade no sentido sociológico redutivo que descrevi devem contar como decisões políticas Se quase todos pensam como convicção pessoal que não se deve permitir que os assassinos recebam heranças seguese daí que isso também do mesmo modo que as decisões da legislatura competente e as decisões judiciais tomadas no passado justifica o fato de Élmer ter sua herança recusada pelo Estado Esse é só o começo da longa lista de problemas que uma interpretação fundamental satisfatória de nossa prática jurídica deveria levar em consideração Cada questão coloca um sem número de outras e uma interpretação desse tipo é necessaria mente incompleta e passível de ser retomada Também deve ser internamente complexa e caracterizada por remissões recí procas As diferentes perguntas dessa rfsta e a enorme varie dade de outras perguntas que elas pretendem substituir devem ser respondidas em conjunto na forma de uma teoria comple xa apesar de incompleta se se espera que as respostas sejam coerentes ou tenham algum sentido De certo modo cada par te dependerá do restante pois estarão ligadas por uma visão unificadora da relação entre prática jurídica e justificativa política Portanto qualquer concepção geral também deve ter relações externas com outras partes ou setores da moral políti ca e através destes com convicções ideológicas e mesmo metafísicas mais gerais Nao quero dizer que qualquer advo gado ou filósofo que adote uma concepção geral do direito já 126 O IMPÉRIO DO DIREITO terá desenvolvido um ponto de vista explicito e articulado sobre o sentido do direito ou sobre as amplas questões de per sonalidade vida e comunidade nas quais deve fundamentarse qualquer ponto de vista Quero dizer apenas que sua concep ção do direito até o ponto em que a tenha desenvolvido irá re velar uma atitude a respeito desses vastos temas dêse ele con ta disso ou não Concepções céticas e direito iníquo Os nazistas tinham direito Afirmei que o pragmatismo jurídico é uma concepção cética do direito porque rejeita o pressuposto de que as deci sões passadas estabelecem os direitos daquelas ainda por vir Alguns filósofos do direito cujas opiniões lembram muito essa concepção expressamnas por meio da afirmação niilista de que o direito não existe que não passa de uma ilusão Exa minaremos essas afirmações mais adiante no capítulo Y quan do estudarmos o pragmatismo jurídico em maior profundida de De início porém devemos examinar uma afirmação dife rente mais precisa sustentada por alguns filósofos do direito a de que em alguns países ou em determinadas circunstân cias o direito não existe a despeito da existência de conheci das instituições jurídicas como as legislaturas e os tribunais porque as práticas de tais instituições são por demais iníquas para serem dignas desse nome Teremos pouca dificuldade em entender essa afirmação depois de compreendermos que as teorias do direito são interpretativas Pois entendemos que ela nos diz que as práticas jurídicas assim condenadas não produ zem nenhuma interpretação que possa ter na esfera de qual quer moralidade pública aceitável qualquer possibilidade de justificação Durante o apogeu das teorias semânticas os filósofos do direito estavam mais perturbados com a sugestão de que na verdade não havia direito nos lugares perversos As regras A JURISPRUDÊNCIA REVISITADA 127 semânticas deviam apreender o uso da palavra direito em termos gerais e desse modo abranger as declarações de um povo não apenas sobre o seu próprio direito mas também so bre sistemas jurídicos de épocas e países muito diversos Um argumento comum contra as fortes teorias do direito natural segundo as quais um esquema de organização política deve sa tisfazer certos padrões mínimos de justiça para poder ser con siderado um sistema jurídico era o de que nossa prática lin güística não nega a condição de direito a sistemas políticos ob viamente imorais Costumase dizer que os nazistas tinham um direito ainda que tal direito fosse muito mau Havia uma cren ça difundida de que esse fato relativo a nossa prática lingüísti ca apoiava o positivismo com seu axioma de que a existência do direito é independente do valor de tal direito de preferência a qualquer teoria do direito natural No entanto se as teorias apropriadas para o direito não são teorias semânticas desse tipo mas ao contrário teorias in terpretativas de uma etapa específica do desenvolvimento histó rico de uma ptática então o problema dos sistemas legais imo rais tem um caráter diverso As teorias interpretativas se voltam por natureza para uma cultura jurídica em particular em geral para a cultura à qual pertencem seus autores A menos que essas teorias sejam profundamente céticas vãcftratar esse sis tema legal como um exemplo florescente do direito que pede atitude interpretativa e a recompensa As teorias legais muito detalhadas e concretas que os advogados e juízes elaboram para uma jurisdição específica que se estendem até os deta lhes do procedimento judicial estão certamente muito presas a essa jurisdição As concepções mais abstratas do direito que os filósofos elaboram não estão Seria suspeito inclusive alarman te se se afirmasse que o convencionalismo por exemplo é a mais bemsucedida interpretação geral do direito de Rhode Island mas não do direito de Massachusetts ou da GrãBretanha na mesma época Mas não há razão para esperar que mesmo uma concepção muito abstrata possa adequarse a sistemas jurídicos estrangeiros desenvolvidos na esfera de ideologias políticas muito diferentes e que as refletem Ao contrário Se 128 O IMPÉRIO DO DIREITO uma concepção de direito corroborativa se propõe encontrar na estrutura geral da prática jurídica de uma comunidade espe cífica uma justificativa política para a coerção então não deve ser uma concepção corroborativa mas de certo modo cética dos sistemas jurídicos que carecem das características essen ciais a tal justificativa Contudo não se segue daí que se um advogado encontrar a melhor interpretação do direito angloamericano em alguma característica totalmente ausente do regime nazista ele deva negar que os nazistas tinham direito Sua teoria não é uma teo ria semântica sobre todos os usos da palavra direito mas uma teoria interpretativa sobre as conseqüências de adotar a atitude interpretativa com relação a seu próprio sistema jurídi co Ele pode com total propriedade lingüística insistir em que os nazistas tinham de fato um direito Entenderíamos o que ele estaria tentando dizer Sua alegação seria semelhante à opi nião que mencionei antes de que as diferentes etapas da corte sia continuam sendo etapas da mesma instituição ou podem ser vistas como tais se assim o desejarmos Ele estaria queren do dizer que o sistema nazista pode ser reconhecido como um dos fios da corda uma realização histórica das práticas e insti tuições gerais a partir das quais se desenvolveu nossa própria cultura jurídica Dito de outra forma é direito no sentido que chamamos de préinterprctativo Assim uma vez extraído o aguilhão semântico não preci samos nos preocupar muito com a resposta certa à pergunta sobre se existe ou não direito nos sistemas legais imorais Na verdade deveríamos nos preocupar com isso de maneira dife rente mais substantiva Nossa língua é rica o bastante para permitir um razoável grau de discriminação e escolha das pa lavras que usamos para dizer o que queremos dizer e nossa escolha portanto vai depender da pergunta a que estamos ten tando responder de nosso público e do contexto no qual fala mos Não precisamos negar que o sistema nazista foi um tipo de direito seja quaí for a interpretação de nosso próprio direito que favorecemos porque há um sentido válido em que se trata va claramente de direito Mas não temos dificuldade em com A JURISPRUDÊNCIA REVISITADA 129 preender alguém que diga que a lei nazista não constituía real mente um direito ou era direito num sentido degenerado ou era menos que um direito pleno Pois tal pessoa não estará usando a palavra direito nesse sentido não estará emitindo esse tipo de opinião préinterpretativa mas uma opinião inter pretativa cética de que o direito nazista carecia das característi cas cruciais ao florescimento de sistemas jurídicos cujas regras e procedimentos justifiquem a coerção Sua opinião é agora um tipo especial de opinião política para a qual sua linguagem se o contexto deixar isso claro é totalmente apropriada Sem dúvida só compreenderemos plenamente tal pessoa se conhe cermos a concepção de sistemas jurídicos florescentes que ela defende Mas entendemos o que ela quer dizer sabemos que direção vai tomar sua argumentação caso com ela prossiga A flexibilidade da linguagem jurídica As teorias semânticas como o positivismo limitam nossa linguagem ao nos negar a oportunidade de usarmos a palavra direito desse modo flexível dependendo do contexto ou do sentido Elas insistem em que devemos optar e uma vez por todas entre um sentido amplo ou préinterpretativo e um sentido estrito ou interpretativo6 Desse modo porém a corre ção lingüística paga um preço exorbitante E perfeitamente ver dadeiro que o jurista que diz que o direitS nazista não era direito poderia ter feito a mesma observação de outro modo aquele favo recido pelos positivistas Ele poderia ter dito que os nazistas tinham direito mas um direito muito ruim privado das caracte rísticas de um sistema minimamente decente Isso porém nos diria menos do que ele pensa e nos revelaria menos sobre sua 6 Hart afirma que para facilitar a reflexão moral é preciso escolher entre dois conceitos de direito um estreito e outro amplo Ver H L A Hart The Concept ofLaw 2067 1961 Por esse motivo é melhor recusarse a fa zer tal escolha como uma questão de estipulação lingüística Ver minhas ob servações em resposta a Hart em Cohen acima n 3 pp 25860 130 O IMPÉRIO DO DIREITO posição geral em termos de doutrina pois não nos indicaria seu ponto de vista sobre as conseqüências da ausência de tais carac terísticas Por outro lado em algumas ocasiões essa restrição po deria ser uma vantagem Para ele revelar mais poderia ser des necessário e mesmo diversionista por produzir um argumento irrelevante a seu objetivo presente Nesse caso a formulação alternativa positivista de sua opinião seria preferível e nada justificaria que limitássemos artificialmente nossa linguagem para que se tomassem impossíveis tais opções sensíveis ao con texto A sensibilidade ao contexto é ainda mais importante quando a questão em jogo é mais sensível mais especializada mais prática do que simplesmente uma questão de classifica ção ou crítica geral de um sistema legal estrangeiro e muito diferente Suponhamos que de algum modo se coloque a ques tão de como um juiz pertencente ao sistema estrangeiro que desaprovamos vamos chamálo de juiz Siegfried deve de cidir um caso difícil que ali se apresente O enfoque mudou porque essa pergunta requer não apenas uma comparação geral do sistema estrangeiro com o nosso mas uma interpretação independente e detalhada desse sistema Devemos agora co locarnos no lugar de Siegfried se desprezarmos o sistema no qual ele decide nossa interpretação poderia parecerlhe total mente cética Poderíamos decidir que a atitude interpretativa é completamente inadequada aqui que a prática na forma a que chegou jamais poderá oferecer justificativa alguma mesmo que fraca para o exercício da coerção pelo Estado Depois pensaremos que em cada caso Siegfried deveria simplesmen te ignorar a legislação e os precedentes se conseguir fazêlo ou por outro lado fazer o melhor possível para limitar a injus tiça recorrendo a qualquer meio a seu alcance Uma vez mais poderíamos mas não necessariamente expressar na linguagem dramática aquela opinião que nega por completo a existência do direito no país de Siegfried Seja qual for a linguagem que escolhemos o importante é o sentido de moralidade política que nada no mero fato de que seu país tem direito no sentido préinterpretativo dá a nenhum litigante direito de conseguir o que deseja em seus tribunais A JURISPRUDÊNCIA REVISITADA 131 Suponhamos contudo que em seguida a uma reflexão mais profunda não seja essa exatamente a nossa opinião Porque encontramos na história das práticas legais da comu nidade de Siegfried algo que acreditamos justificar certas pretensões juridicamente protegidas feitas por alguns litigan tes em casos anteriores aos dele embora acreditemos que essas práticas no todo sejam tão deficientes que inviabilizem qualquer interpretação corroborativa genérica Suponhamos que o caso em questão seja um caso de contrato comum que não parece envolver nenhum problema de discriminação polí tica ou racial ou qualquer outra forma de tirania Poderíamos pensar que o pleiteante nesse caso tem direito a ganhar exata mente porque as leis e os precedentes de sua jurisdição lhe as seguram tal direito um direito que de outro modo ele não te ria tido Em outro caso nossa opinião poderia ser mais reser vada Suponhamos que o caso implique uma legislação discri minatória ou injusta sob outros aspectos O acusado é um ju deu por exemplo e o pleiteante recorreu a uma lei que nega aos judeus a possibilidade de defesa ao alcance dos arianos em processos judiciais sobre matérias contratuais Poderíamos pensar que os fatos citados justificam um frágil direito do plei teante a ganhar mesmo que queiramos acrescentar após um exame aprofundado da questão que esse frágil direito é anula do por um direito moral do acusado de tal modo que Siegfried deve fazer tudo que estiver em seu poder até mesmo mentir sobre a lei se isso ajudar para obter a fkjeiçâo do pedido Compliquemos ainda mais o exemplo Suponhamos que do ponto de vista da jurisdição de Siegfried esses sejam casos difíceis Ele e os demais juristas divergem sobre quai exata mente é a natureza das regras pertinentes aos contratos no primeiro caso ou sobre o modo de ler a lei discriminatória no segundo Agora estamos diante de uma nova dificuldade Nos casos comuns do sistema jurídico norteamericano formamos opiniões sobre os casos difíceis perguntando quais sentenças decorrem da melhor interpretação que demos ao processo jurí dico como um todo Em nosso novo exemplo porém não po demos fazer isso pois consideramos o sistema jurídico de 132 O IMPÉRIO DO DIREITO Siegfried por demais perverso para ser justificado por qual quer interpretação geral Nos casos comuns nossa crença de que as pessoas têm pretensões juridicamente tuteladas decorre e faz parte da mesma interpretação que usamos para decidir que pretensão elas têm No hovo exemplo esses dois problemas se separam nossas razões para supor que as pessoas têm preten sões tuteladas pelo direito são muito especiais apóiamse na idéia de que elas devem ser protegidas por confiarem e conta rem com o direito mesmo em contextos perversos e persis tem apesar de nossos juízos interpretativos do sistema como um todo mais do que deles dependem Uma analogia será útil para mostrar como esses problemas se separam Quando uma pessoa faz uma promessa ao mesmo tempo vaga e irrefletida duas perguntas distintas podem ser feitas se ela tem alguma obrigação de manter essa promessa e qual é o conteúdo da pro messa A segunda é uma pergunta interpretativa que podemos tentar responder examinando a promessa do ponto de vista das partes nela envolvidas ao mesmo tempo que suspendemos todo julgamento sobre o primeiro problema Nas circunstâncias que envolvem o problema de Siegfried esta seria uma abordagem sensata a adotar Poderíamos perguntar qual interpretação dos precedentes do contrato ou da lei discriminatória deve ser Con siderada a melhor por alguém que ao contrário de nós tem afi nidades com o sistema e o vê como um bom e feliz exemplo de direito Poderíamos pressupor que Siegfried tem essa atitude e em seguida examinar qual interpretação das práticas jurídicas de seu país as apresentaria naquilo que julgamos ser seu aspecto menos ruim Suponhamos finalmente que nosso problema prático exi ge que decidamos não como Siegfried decidiria seu caso mas sim o modo como ele provavelmente decidirá Se imaginarmos que ele tratará o problema como uma questão de interpretação como faríamos se um problema semelhante surgisse em nosso próprio direito nossa pergunta continua sendo interpretativa e não descritiva em qualquer sentido mais simples Mas as pre missas de nossa pergunta interpretativa se modificaram de novo Agora nos colocamos mais inteiramente no lugar de Siegfried e interpretamos a partir do ponto de vista de todo o conjunto A JURISPRUDÊNCIA REVISITADA 133 de suas convicções políticas e sociais Nosso problema tam bém pode modificarse de muitas outras maneiras Podemos nos interessar por problemas jurídicos não de algum sistema contemporâneo que consideramos imoral mas por um sistema jurídico antigo ou primitivo cuja moralidade não nos diz res peito Então acharíamos mais fácil apresentar nossas conclu sões em forma de declarações categóricas e absolutas sobre seu direito Podemos tentar nos colocar plenamente na posição de autoridades romanas por exemplo e então emitir nossa opi nião sobre o que era o direito romano sem a tentação de acres centar que como o direito romano apoiava a escravidão não se tratava de um direito pleno nem mesmo de direito algum Omitimos a ressalva porque nada no contexto de nosso estu do a torna pertinente O contexto se modifica de novo quando achamos que nos so próprio direito é imoral ou injustificável no conjunto ou em partes pertinentes Agora uma das distinções que mencionei adquire maior importância prática Será que nossas práticas jurídicas aper de moralmente discutíveis ainda assim geram alguns direitos políticos ou morais frágeis naqueles que nelas confiaram de tal modo que deveriam ser aplicadas exceto quando algum argumento moral imperioso possa ser invocado contra isso Ou serão essas práticas tão pervarsas que deve riam ser consideradas como incapazes de gerar qualquer direi to nem mesmo os mais frágeis Poderíamos querer usar a lin guagem do direito para reforçar esta importante distinção di zer no primeiro caso que o juiz pode ter de ignorar o direito e no segundo que para ele não existe nenhum direito genuíno a ser ignorado O importante porém é a distinção não a lin guagem que escolhemos para reforçála e há outras linguagens possíveis para estabelecer a mesma distinção se preferirmos7 Aqui está portanto outro exemplo de uma velha história da doutrina que deve sua sobrevivência na forma em que tem sido discutida em aulas e tratados de filosofia do direito a um 7 Para um exame mais aprofundado das questões discutidas nos últi mos parágrafos ver Cohen acima n 3 pp 25660 134 O IMPÉRIO DO DIREITO malentendido sobre a verdadeira natureza da teoria jurídica As teorias semânticas do direito consideram que as várias per guntas que identificamos todas concernentes a exemplos per versos ou por outras razões deficientes do que é o direito no sen tido préinterpretativo são a mesma pergunta a pergunta se mântica sobre se as regras lingüísticas que compartilhamos para aplicar a palavra direito incluem ou excluem tais siste mas jurídicos Tratase de uma falsa questão pois não compar tilhamos nenhuma regra do tipo que ela pressupõe Também é uma questão perigosa pois nos desvia dos problemas relativos à moral política ao papel e ao poder do direito imperfeito e das autoridades que têm o dever de aplicálo problemas que con centram nosso principal interesse Ela nos desarma ao anular as distinções sutis e sensíveis ao contexto que nos oferece a rica linguagem do direito A questão dos sistemas jurídicos per versos não é de modo algum uma questão conceituai no senti do que desenvolvemos como apropriado aos projetos interpre tativos Não constitui uma única mas muitas perguntas e to das elas surgem para a teoria do direito no nível em que riva lizam as concepções Fundamentos e força do direito Defendo esta sugestão sobre o modo como poderíamos descrever nosso conceito de direito para nós o argumento ju rídico ocorre em um espaço de consenso aproximado de que se o direito existe ele provê uma justificativa para o uso do poder coletivo contra cidadãos ou grupos individuais As concepções gerais do direito como as três que mencionei começam por uma ampla tese sobre se e por que as decisões políticas do pas sado de fato fornecem tal justificativa e essa tese oferece uma estrutura unificadora à concepção como um todo Devo agora considerar uma objeção aparentemente poderosa Nossos ju ristas e cidadãos reconhecem uma diferença entre a pergunta sobre o que é o direito e a pergunta sobre se os juízes ou qual quer autoridade ou cidadão devem fazer cumprir o direito ou A JURISPRUDÊNCIA REVISITADA 135 obedecêlo Para eles tratase de perguntas diferentes não ape nas quando têm em mente sistemas legais estrangeiros perver sos nas diversas modalidades que assinalamos mas inclusive ao examinarem o modo como devem comportarse os cidadãos e as autoridades de nossas próprias comunidades A opinião de que nossos juízes às vezes devem ignorar o direito e tentar substituílo por um direito melhor está longe de ser desconhe cida nos cursos de direito e mesmo nos debates políticos Não é considerada absurda do modo como o seria se as pessoas jul gassem a relação entre direito e coerção tão inquestionável que se tornasse conceituai no sentido de que nos ocupamos aqui Aparentemente isso ofereceria um argumento esmagador às teorias semânticopositivistas do direito a despeito dos proble mas que venho tentando criarlhes Por mais enganosas que suas teorias possam ser em outros aspectos Austin e Hart pelo menos perceberam e tentaram explicar por que as pessoas nem sempre tratam a resposta a uma questão jurídica como uma resposta automática à questão política sobre o que deve riam fazer os juízes Afirmaram que as proposições jurídicas são factuais em essência e que portanto não fazem por si mesmas nenhuma afirmação sobre o que realmente deveria fazer qualquer autoridade ou cidadão Se rejeitarjnos essas teo rias porque tratamos a doutrina como interpretação e não como análise lingüística devemos oferecer uma explicação alternati va dessa distinção e minha descrição do conceito de direito que associa tão estreitamente o direito à política poderia pare cer um ponto de partida medíocre Essa objeção pede um importante esclarecimento Segun do minha teoria nosso conceito de direito é constituído por um precário acordo que abarca o campo de uma nova controvérsia a de que o direito oferece em princípio uma justificativa para a coerção oficial Não há nada de absoluto nessa declaração do conceito Ela pressupõe apenas que num sistema lega apro priado à existência o fato do direito oferece uma condição para o exercício da coerção que deve ser obedecida a menos que surja algum contraargumento excepcional Se mesmo essa po sição condicional não puder ser mantida se a existência do 136 O IMPÉRIO DO DIREITO direito não oferecer nenhuma razão geral que só possa ser anu lada por uma circunstância especial então só será apropriada uma concepção cética desse sistema legal Na presente hipóte se tudo isso pertence a nosso conceito de direito a relação entre direito e coerção permanece no nível da abstração Qual quer teoria plena do direito contudo deve ser muito mais con creta Deve dizer muito mais sobre o tipo de circunstância ex cepcional que poderia denotar as razões que o direito fornece ao uso da coerção mesmo em um sistema apropriado muito mais sobre o momento se algum existe em que as autorida des podem apropriadamente ignorar o direito e mais ainda sobre as obrigações residuais se alguma existe que podem surgir quando assim o fazem Portanto uma teoria política do direito completa inclui pelo menos duas partes principais reportase tanto aos funda mentos do direito circunstancias nas quais proposições jurí dicas específicas devem ser aceitas como bem fundadas ou verdadeiras quanto à força do direito o relativo poder que tem toda e qualquer verdadeira proposição jurídica de justifi car a coerção em vários tipos de circunstâncias excepcionais Essas duas partes devem apoiarse mutuamente A atitude as sumida por uma teoria integral sobre a questão de até que ponto o direito é dominante e quando pode ou deve ser posto de lado deve estar à altura da justificativa geral que o direito oferece para o uso da coerção que por sua vez provém de seus pontos de vista sobre os polêmicos fundamentos do direito Portanto uma teoria geral do direito propõe uma solução a um complexo conjunto de equações simultâneas Quando compa ramos duas teorias devemos levar em consideração as duas par tes de cada uma delas para decidir até que ponto diferem em suas conseqüências práticas gerais Essa complexidade porém coloca um difícil problema de natureza prática Todos nós mas principalmente os juristas desenvolvemos atitudes para com o direito junto com o resto de nosso conhecimento social geral inconscientemente e à medi da que vivemos antes de examinálas do ponto de vista da dou trina se alguma vez chegamos a fazêlo Então nos parece muito A JURISPRUDÊNCIA REVISITADA 137 difícil manter o necessário distanciamento de nossas convic ções para poder examinálas sistematicamente como um todo Só podemos examinar e rever nossas opiniões estabelecidas do mesmo modo que os marinheiros consertam um barco no mar uma prancha de cada vez na feliz imagem de Otto Neurath Devemos manter invariáveis certos aspectos de nossas atitudes e convicções sobre o direito não como no presente estudo para podermos avaliar e aperfeiçoar o resto É com esse objetivo que usamos a distinção entre fundamentos e força A tradição acadêmica aplica uma certa divisão do traba lho ao refletir sobre o direito Os filósofos políticos examina ram os problemas relativos à força do direito e os acadêmicos e os doutrinadores se dedicam aos problemas de seus fundamen tos Em conseqüência as filosofias do direito são em geral teorias desequilibradas do direito tratam basicamente dos fun damentos e praticamente silenciam sobre a força do direito Na verdade abstraemse do problema da força para estudarem mais a fundo o problema dos fundamentos Isso só é possível porque apesar de rudimentar o consenso sobre a força é sufi ciente Divergimos sobre a força exata do direito em certas cir cunstâncias especiais quando estão em jogo fortes considera ções antagônicas sobre a justiça Divergimos talvez sobre o que deveriam ter feito os juizes de Massachusats aos quais se pediu que aplicassem a lei sobre os escravos fugitivos antes da Guerra Civil norteamericana Mas compartilhamos uma opi nião geral sobre a força do direito quando não estão presentes tais considerações especiais sobre a justiça quando as pessoas divergem sobre a justiça ou a sabedoria da legislação por exemplo mas ninguém na verdade chega a pensar que o direito é perverso ou que seus autores são tiranos Nesses casos nossas diferentes concepções sobre a força do direito se unem Pensa mos que é preciso obedecer e aplicar o direito e que não faria muito sentido tratálo como um conceito interpretativo se assim não pensássemos Assim podemos isolar os fundamentos do direito e nos concentrar neles simulando casos que sejam nor mais nesse sentido Podemos perguntar dada a força do direito sem um consenso absoluto em circunstâncias normais como 138 O IMPÉRIO DO DIREITO exatamente se deveria decidir quando alguma regra ou princí pio faz parte de nosso direito As concepções de direito que estudaremos são respostas a essa pergunta Agora podemos responder à objeção que abriu esta dis cussão As concepçÕesdo direito que são teorias sobre os fun damentos do direito não nos comprometem com nenhuma po sição específica ou concreta sobre o modo como os cidadãos devem se comportar ou os juízes devem decidir seus casos Todos são livres para dizer que embora a lei esteja do lado de Élmer da sra McLoughlin ou do snail darter as circunstân cias desses casos são especiais de maneira tal que o juiz não deveria aplicar a lei Quando por alguma razão ficamos an siosos por nos lembrar dessa característica do nosso conceito de direito dizemos que a lei é uma coisa e que outra bem dife rente é o que os juizes farão com relação a ela isso explica pareceme a atração imediata que exerce o lema positivista Mas equivale a um grande exagero insistir como o fizeram os positivistas em que as teorias sobre os fundamentos do direito não podem absolutamente ser políticas que devem deixar totalmente sem resposta a questão do modo como os juizes decidem os casos reais Pois uma teoria sobre os fundamentos que em si mesma não assume nenhuma posição relativa à uti lização da força do direito deve ainda assim ser política num sentido mais geral e difuso Não declara o que deveria fazer o juiz em um caso particular mas a menos que se trate de uma concepção profundamente cética ela deve ser entendida como se afirmasse o que os juízes devem fazer em princípio salvo em casos nos quais as circunstâncias sejam especiais tal como acabamos de assinalar Do contrário não poderíamos tratar a teoria como uma interpretação do direito como uma concep ção de nosso conceito Seria uma órfã da escolástica uma teo ria cuja única finalidade seria proporcionar testes de memória para estudantes que associam lemas como o direito é a autori dade do soberano ao filósofo que tinha tais palavras por divi sa A jurisprudência tem sido assim há tempo demais Convém assinalar por último como esse processo de abs tração que permite aos filósofos do direito debaterem os fim A JURISPRUDÊNCIA REVISITADA 139 damentos do direito abstraindose de sua força também per mite que os filósofos políticos discutam em outro sentido so bre a força do direito ainda que até certo ponto divirjam entre si sobre seus fundamentos As teorias da desobediência civil e de modo mais geral da natureza e do alcance dos deveres do cidadão de obedecer ao direito são complementares às teorias clássicas do direito pois as teorias da desobediência civil di zem respeito sobretudo à força não aos fundamentos Colo cam a questão que vem complementar a da doutrina Dado o tipo de coisa que todos aceitamos como fundamentos do direi to os paradigmas da época quando estão os cidadãos mo ralmente livres para desobedecer àquilo que se considera como direito com base nesses fundamentos E claro que esse pro cesso de abstrairse de um tipo de divergência para concentrar se em outro não seria bemsucedido se as partes divergissem excessivamente sobre os fundamentos do direito se uma delas rejeitasse tudo que a outra tomasse como paradigmático Seria absurdo discutir até que ponto o direito deve ser obedecido se uma das partes achasse que as leis do Parlamento são a única fonte de direito enquanto a outra atribuísse tal poder à Biblia Mas se muitos membros de uma comunidade divergissem tan to assim sobre os fundamentos do direito se não comparti lhassem paradigma algum a desobediência cjfil seria o me nor de seus problemas t Capítulo IV Conven cion alistn o Sua estrutura O direito é o direito Não é o que os juízes pensam ser mas aquilo que realmente é Sua tarefa é aplicálo não modifi cálo para adequálo à sua própria ética ou política Esse é o ponto de vista da maioria dos leigos e o hino dos conservado res em questões de direito Lido palavra por palavra não diz quase nada e sem dúvida nada que seja controverso Nos ca sos que aqui isamos como exemplos todos concordavam que o direito é o direito e deve ser aplicado a divergência apenas dizia respeito àquilo em que consistia de fato o direito Mas o lema apesar de mal formulado significa algorfmais que uma banalidade representa uma atitude que é importante e aberta ao desafio Eila a força coletiva só deve ser usada contra o in divíduo quando alguma decisão política do passado assim o auto rizou explicitamente de tal modo que advogados e juízes com petentes estalão todos de acordo sobre qual foi a decisão não importa quais sejam suas divergências em moral e política A primeira das três concepções de direito que apresentei no último capítulo que chamei de convencionalismo partilha da ambição geral do lema popular ainda que a interpretação que elabora seja mais sutil em dois aspectos Primeiro o con vencionalismo explica de que maneira o conteúdo de decisões políticas do passado pode tornarse explícito e incontestável Faz o direito depender de convenções sociais distintas que ele 142 O IMPÉRIO DO DIREITO designa de convenções jurídicas em particular de convenções sobre quais instituições deveriam ter o poder de elaborar as leis e como Toda comunidade política complexa insiste o convencionalismo possui tais convenções Nos Estados Uni dos é determinado pôr convenção que o direito é constituído pelas leis promulgadas pelo Congresso ou pelas legislaturas do Estado segundo o modo prescrito peia Constituição e na Inglaterra que as decisões da Câmara dos Lordes são válidas para os tribunais inferiores O convencionalismo sustenta que a prática jurídica bem compreendida é uma questão de respei tar e aplicar essas convenções de considerar suas conclusões e nada mais como direito Se Élmer tem direito à herança se gundo uma convenção desse tipo se tem direito a ela segundo convenções sociais sobre quem tem o poder de legislar como esse poder deve ser exercido e como as dúvidas criadas pela linguagem devem ser esclarecidas então tem uma pretensão juridicamente tutelada a ela do contrário não Segundo o convencionalismo corrige a opinião popular do leigo para quem sempre existe um direito a ser aplicado O direito por convenção nunca é completo pois constantemente surgem novos problemas que ainda não haviam sido resolvidos de nenhuma maneira pelas instituições que dispõem da autori dade convencional para resolvêlos1 Assim os convencionalis tas acrescentam essa condição a sua descrição da prática jurídi ca Os juízes devem decidir esses casos novos da melhor ma neira possível mas por definição nenhuma parte tem nenhum direito a obter ganho de causa em virtude de decisões coletivas 1 A versão de convencionalismo que aqui apresento que mais tarde chamarei de convencionalismo estrito pode ser mais complexa do que a forma em que a exponho Pois uma sociedade pode ter outras convenções jurídicas especificando como os juizes devem julgar um caso quando nenhu ma instituição legislativa houver decidido o problema em questão por exem plo uma convenção de que os juízes devem decidir de qualquer modo que em sua opinião o legislativo o farta se defrontada com o referido problema Mas a sociedade ficará em falta de novas convenções desse tipo em algum momento e então o convencionalismo estrito deve conceder aos juizes o po der discricionário descrito no texto CONVENCIONALISMO 143 precedentes nenhuma parte tem a pretensão juridicamente tutelada de vencer pois que os únicos direitos dessa natureza são aqueles estabelecidos por convenção Portanto a decisão que um juiz deve tomar nos casos difíceis é discricionária no sentido forte do termo é deixada em aberto via correto enten dimento de decisões passadas O juiz deve encontrar algum ou tro tipo de justificativa além da garantia do direito além de qualquer exigência de consistência com decisões tomadas no passado que venha apoiar o que fará em seguida Isso poderia pertencer à esfera da justiça abstrata ou do interesse geral ou de alguma outra justificativa voltada para o futuro É evidente que a convenção pode converter decisões inéditas em preten sões juridicamente tuteladas para o futuro Nossas próprias con venções sobre o precedente transformam qualquer decisão to mada pelo mais alto tribunal sobre o caso Élmer por exemplo num direito a ser aplicado a futuros herdeiros assassinos Dessa maneira o sistema de regras sancionadas por convenção aumen ta regularmente em nossa práticajurídica Existem semelhanças óbvias entre o convencionalismo e as teorias semânticopositivistas que discuti no primeiro capítulo2 2 A idéia de Austin de que o direito está enraizado em um hábito geral de obediência por exemplo é facilmente reformulada como uma interpreta ção ou especificação da idéia de que o direito tem suas raízes na convenção Esse fato é obscurecido pela conhecida e equivocada leitura de que Austin pressupõe que os hábitos de obediência são sempre conseqüência do medo de uma sanção Ele tem o cuidado de não adotar nenhuma posição geral sobre as origens psicológicas da obediência para Austin um hábito geral de obediên cia é suficiente para fazer surgir o direito ainda que tal hábito tenha por base o medo mas um hábito desenvolvido por amor ou respeito pelo soberano também seria suficiente O modo como Austin apresenta a convenção em termos de hábito não é uma teoria totalmente satisfatória da convenção como o demonstraram Hart e outros Mas a teoria de Austin não sofre uma deturpação se tratada como uma teoria da convenção por mais insatisfatória que a consideremos A versão do positivismo de Hart é ainda mais nitidamen te convencional pois sua regra de reconhecimento é uma regra que foi aceita por quase todos ou pelo menos por quase todos os juízes e outros juristas não importa qual seja o conteúdo de tal regra Ver H L A Hart The Concepi ofLaw 97107 Londres 1961 144 O IMPÉRIO DO DIREITO Mas há uma importante diferença As teorias semânticas afir mam que a descrição que acabamos de apresentar se concretiza e se aplica por meio do próprio vocabulário jurídico de modo que seria uma espécie de autocontradiçào di2er que o direito confere direitos para além daqueles estabelecidos por mecanis mos sancionados por convenção A concepção convencionalista do direito ao contrário é interpretativa não faz nenhuma afir mação lingüística ou lógica dessa natureza Em vez disso assu me a postura ambivalente de qualquer interpretação à maneira de Jano Afirma que essa maneira de descrever a prática jurídica mostra tal prática à sua melhor luz e portanto oferece o mais es clarecedor relato daquilo que fazem advogados e juízes Insiste em que esta é portanto a melhor diretriz para o que eles devem fazer que indica a melhor direção para a continuidade e o desen volvimento dessa prática O convencionalismo não nega que muitos advogados têm posições antagônicas sobre a melhor in terpretação da prática que compartilham Afirma que esses ad vogados estão errados que lhes falta perspicácia e percepção que interpretam mal seu próprio comportamento Mas não nega que querem dizer o que dizem nem sugere que estão falando absurdos O convencionalismo faz duas afirmações pósinterpretati vas e diretivas A primeira é positiva os juízes devem respeitar as convenções jurídicas em vigor em sua comunidade a não ser em raras circunstâncias Insiste em outras palavras em que eles devem tratar como direito aquilo que a convenção estipula como tal Uma vez que a convenção na GrãBretanha estabele ce que as leis do Parlamento constituem direito um juiz britâ nico deve aplicar até mesmo as leis do Parlamento que consi dera injustas ou insensatas Esse aspecto positivo do conven cionalismo corresponde plenamente ao lema popular de que os juízes devem seguir o direito e não substituílo por um novo direito A segunda afirmação que é no mínimo igualmente im portante é negativa Declara que não existe direito nenhum direito decorrente de decisões tomadas no passado a não ser aquele que é extraído de tais decisões por meio de técnicas que são elas próprias questões de convenção e que portanto em CONVENCIONALISMO 145 alguns casos não existe direito algum Não existe direito sobre danos morais por exemplo se nunca se decidiu por meio de nenhuma lei precedente ou qualquer outro procedimento espe cificado por convenção que as pessoas têm ou não direito a indenização por danos morais Não se segue daí que os juízes confrontados com tal problema devam cruzar os braços e man dar as partes para casa sem tomar decisão alguma Esse é o tipo de caso em que os juízes devem exercitar o podec discricioná rio há pouco descrito isto é usar padrões extrajurídicos para fazer o que o convencionalismo considera ser um novo direito Depois em casos futuros a convenção do precedente transfor mará esse novo direito em direito antigo Sua atração O cerne de qualquer concepção positiva do direito como o convencionalismo ou o direito como integridade é sua res posta à questãQ de por que a política do passado é decisiva para os direitos do presente Pois as distinções que uma concepção estabelece entre direitos e outras formas de pretensão despro vidas de juridicidade e entre os argumentos jurídicos e outras formas de argumento assinalam a natureza e ostimiíes da jus tificativa que segundo acredita as decisões políticas oferecem à coerção de Estado O convencionalismo oferece uma respos ta aparentemente atraente a essa questão As decisões politicas do passado justificam a coerção porque e portanto apenas quan do fazem uma advertência justa ao subordinarem as ocasiões de coerção a fotos simples e acessíveis a todos e não a apre ciações recentes da moralidade politica que juízes diferentes poderiam fazer de modo diverso Esse é o ideal das expectati vas asseguradas A primeira das duas afirmações pósmterpre tativas do convencionalismo serve claramente a esse ideal In siste em que uma vez tomada uma decisão clara por um orga nismo autorizado por convenção e que o conteúdo de tal deci são foi estabelecido em conformidade com as convenções so bre a melhor maneira de compreender tais decisões os juizes 146 O IMPÉRIO DO DIREITO devem respeitar essa decisão mesmo achando que uma deci são diferente teria sido mais justa ou sábia Não é tão óbvio que a segunda afirmação do convencio nalismo a negativa também sirva ao ideal das expectativas as seguradas Mas é posáívei imaginar razoavelmente que seja esse o caso A afirmação negativa insiste em que um juiz não pode recorrer à garantia do direito para tomar sua decisão quando não puder mostrar que as convenções o forçam a fazer o que faz porque o ideal é corrompido por qualquer sugestão de que as decisões politicas do passado podem dar lugar a di reitos e deveres diferentes daqueles ditados pela convenção Suponhamos que seja evidente que a convenção não dita uma resposta no caso McLoughlin a convenção exige que se sigam os precedentes mas somente quando um novo caso for igual ao precedente em seus aspectos relevantes e nenhum caso passa do tenha decidido se se deve indenizar ou não danos morais sofridos longe da cena do acidente Suponhamos que um juiz então afirme no estilo do direito como integridade que os pre cedentes estabelecem o direito à indenização porque essa leitu ra dos precedentes os torna em retrospecto mais bem fundados moralmente Do ponto de vista da concepção popular isso é perigoso Uma vez aceito que os princípios podem fazer parte do direito por razões que não refletem a convenção mas ape nas por serem moralmente atraentes uma porta terá sido aberta para a idéia mais ameaçadora de que alguns princípios fazem parte do direito em virtude de seu apelo moral ainda que con trariem aquilo que é endossado pela convenção O convencionalismo defende a autoridade da convenção ao insistir em que as práticas convencionais estabelecem tanto o fim quanto o princípio do poder do passado sobre o presente Insiste em que o passado não concede nenhum direito susten tável diante de um tribunal salvo quando forem incontestavel mente aquilo que todos sabem e esperam Se a convenção for omissa não existe direito e a força dessa afirmação negativa está exatamente no fato de que os juízes não devem então fin gir que suas decisões decorrem de algum modo daquilo que já foi decidido Devemos proteger a convenção dessa maneira CONVENCIONALISMO 147 segundo o convencionalismo mesmo achando que às vezes os juízes devem em circunstâncias extremas ignorar a convenção Suponhamos que as convenções da prática norteamericana tornem as decisões passadas da Suprema Corte parte integran te do direito Essas convenções estabelecem que as decisões da Corte no caso Plessy vs Ferguson sejam seguidas no futuro até que a Constituição seja emendada Se um convencionalista pensa que a Corte deveria ter ignorado o caso Plessy no caso Brown porque a segregação racial é particularmente imoral ele insistirá em que a Corte deveria ter esclarecido ao público a natureza excepcional de sua decisão que deveria ter admitido estar alterando o direito por razões alheias à esfera jurídica A concepção convencionalista do direito que proíbe a Corte de rei vindicar qualquer direito fora da convenção a forçaria a fazer exatamente isso Também se poderia pensar que a afirmação negativa do convencionalismo serve ao ideal popular de uma outra maneira ainda que isso dependa do acréscimo de uma série de afirma ções sobre o modo como os juízes deveriam decidir os casos di fíceis depois de esgotada a convenção Como afirmei há pouco o convencionalista sustenta que rtão existe direito em casos como McLoughlin e que um juiz deve portanto exercer seu poder dis cricionário para criar um novo direito que ele então aplica re troativamente às partes envolvidas no caso Nesse modo de apre sentar a situação há muito espaço para se estipular que o juiz deve decidir de um modo que envolva o rtiínimo possível suas convicções políticas ou morais e atribua a máxima deferência possível para com instituições convencionalmente habilitadas a criar o direito Uma vez que se deixe claro que o juiz cria um novo direito sob tais circunstâncias como insiste o convenciona lismo parece plausível que ele escolha a regra que segundo acredita escolheria a legislatura então no poder ou não sendo isso possível a regra que em sua opinião melhor representa a vontade do povo como um todo Do ponto de vista que examinamos no presente é claro que isso não è tão bom quanto encontrar uma decisão efeti va que no passado tenha sido tomada por um órgão autorizado 148 O IMPÉRIO DO DIREITO O juiz pode estar enganado em seu julgamento daquilo que a legislatura teria escolhido e mesmo que esteja certo essa hi potética decisão legislativa não foi anunciada com antecedên cia razão pela qual o ideal das expectativas asseguradas vêse assim comprometido Por hipótese porém isso é o mais próxi mo que o juiz pode chegar de servir ao ideal Suponhamos por outro lado que ele se deixa guiar pelo direito como integrida de que não limita o direito àquilo que a convenção encontra nas decisões passadas mas que o leva também a considerar como direito aquilo que seria sugerido pela moral como a me lhor justificativa dessas decisões do passado Esse juiz decide o caso McLoughlin recorrendo a suas próprias convicções morais que é exatamente o que o ideal popular abomina Uma vez convencido de que o direito do modo como ele o entende é favorável à sra McLoughlin ele se sentirá justificado ao decidir em seu favor sem se importar com o que pensa a atual legislatura e se tem ou não o consenso da moral popular As convenções jurídicas O convencionalismo é uma concepção uma interpreta ção da prática e da tradição jurídicas seu destino depende de nossa capacidade de ver em nossa prática convenções do tipo que ele considera como fundamentos exclusivos do direito Se não pudermos encontrar as convenções jurídicas especiais que o convencionalismo requer ele estará derrotado tanto em suas afirmações interpretativas quanto em suas instruções pósin terpretativas voltadas para o futuro Não se ajustará o sufi ciente à nossa prática para poder valer como uma interpretação qualificada e seu programa normativo será vazio pois ele nos pede para seguir convenções que não existem Portanto deve mos começar nosso exame dessa concepção perguntando até que ponto nossa prática jurídica pode ser entendida como uma mostra do tipo de convenções que se requer Mesmo que en contremos tais convenções o atrativo da concepção ainda as sim dependerá do ideal político das expectativas asseguradas CONVENCIONALISMO 1 4 9 Precisamos perguntar quão atraente esse ideal realmente é se a concepção o serve bem e se outras concepções de direito são capazes de servilo igualmente bem ou ainda melhor Começarei porém pela pergunta mais imediata possuí mos ou não as convenções das quais o convencionalismo ne cessita Isto não quer dizer que todos os juristas e juízes já são convencionalistas Admite que certas decisões e práticas judi ciais sâo muito diferentes daquelas que um convencionalista adotaria ou aprovaria a estas está preparado a ver como erros Não obstante insiste em que a prática jurídica como um todo pode parecer organizada ao redor de importantes convenções jurídicas e essa postura exige que se demonstre que em ter mos gerais o comportamento dos juízes mesmo dos que não são convencionalistas é convergente o bastante para permitir que encontremos uma convenção em tal convergência À primeira vista esse projeto parece promissor Na In glaterra e nos Estados Unidos quase todos os que têm alguma familiaridade com o direito acreditam que o Parlamento o Congresso e as diferentes legislaturas do Estado criam direito e que as decisões judiciárias do passado devem receber algum crédito nas decisões futuras De fato tudo isso parece muito evidente pois essas proposições estão entra os principais paradigmas jurídicos de nosso tempo Além disso para a maioria das pessoas o direito que essas instituições criam é o direito que tem valor em suas vidas Todas as normas jurídi cas vitais para elas as que estabelecei os impostos os gas tos com a previdência social as relações de trabalho os siste mas de crédito e os aluguéis nasceram e vivem em leis espe ciais e os processos judiciais são cada vez mais uma esfera na qual os juízes devem encontrar os artigos pertinentes em alguma lei ou no conjunto dos regulamentos administrativos decidindo em seguida o que eles querem dizer Sem dúvida um número muito menor de leigos tem consciência da prática jurídica paralela do precedente Mas a maioria deles tem uma vaga idéia de que as decisões judiciais do passado devem ser respeitadas no futuro e a experiência prática com os proces sos confirmará essa idéia pois as opiniões dos juízes estão 150 O IMPÉRIO DO DIREITO cheias de referências a decisões anteriormente tomadas por outros juízes Portanto o pressuposto interpretativo crucial do convencionalismo de que nossa prática jurídica pode ser es truturada por convenções jurídicas centrais e onipresentes so bre a legislação e o prefcedente parece refletirse na experiên cia comum Examinemos agora essa questão mais de perto Admitamos por um momento que nos Estados Unidos a Constituição as leis votadas pelo Congresso as legislaturas de diversos Estados e as decisões judiciais do passado são todas por convenção fundamentos do direito De acordo com o con vencionalismo um juiz norteamericano é obrigado pela me lhor interpretação da prática à qual pertence a aplicar aquilo que essas convenções declaram como direito em casos específicos aproveo ou não Mas para fazêlo ele deve decidir em cada caso o que essas convenções declaram como direito além de determinar também qual é o verdadeiro conteúdo de cada con venção Ele deve decidir por exemplo se realmente decorre da suposta convenção acerca da legislação que Élmer tem direito à sua herança devido à lei sobre testamentos ou se decorre da convenção putativa dos precedentes que a sra McLoughlin tem direito à indenização em virtude de decisões judiciais do pas sado Já observamos porém que os juizes e os advogados di vergem muito freqüentemente sobre a resposta correta a per guntas desse tipo Eles têm teorias diferentes sobre a leitura correta das leis e das decisões tomadas no passado Os juízes de Nova York que julgaram o caso Élmer por exemplo esta vam todos de acordo quanto a não desobedecer à decisão da legislatura que consta da lei sobre os testamentos Mas divergi ram sobre aquilo que esse requisito realmente exige quando o significado literal de uma lei sugere um resultado que lhes parece estranho Esse tipo de divergência judicial coloca um pro blema óbvio e imediato ao convencionalismo Mostra que algo mais deve ser dito sobre a natureza de uma convenção sobre a extensão e o tipo de concordância que é necessária para que uma proposição jurídica específica possa ser verdadeira em virtude de uma convenção jurídica específica CONVENCIONA LISMO 151 Quando os filósofos discutem as convenções em geral têm em mente convenções muito precisas e limitadas A mais importante dentre as obras recentes sobre a convenção por exemplo discute as convenções sobre qual das partes deve vol tar a chamar quando uma chamada telefônica for interrompi da3 Na sociedade imaginária que esbocei no segundo capítulo a cortesia começou como um conjunto de convenções desse tipo As pessoas obedeciam a regras fixas sobre quem deveria tirar o chapéu e em quais circunstâncias Contudo quando co meçaram a assumir uma atitude interpretativa com relação a suas práticas convencionais a situação tornouse muito mais complexa Passaram então a divergir sobre o que era real mente exigido por suas convenções de cortesia Em seguida também entraram em jogo suas convicções morais e políticas não em comparação com as exigências da convenção mas simplesmente para decidir quais eram devidamente entendi das essas exigências Se as instituições jurídicas mais impor tantes como a legislação e o precedente são convenções tra tase de convenções diferentes de um tipo mais aberto Os ad vogados concordam com certas formulações abstratas dessas convenções concordam que a legislação e o precedente são em princípio fontes de direito Mas adotam a atitude interpre tativa com relação a essas proposições abstratas e suas opi niões sobre os direitos de Élmer exprimem uma interpretação mais que uma aplicação direta e incontestável da lei É prová vel que dois juristas não entrem em actfrdo quanto à melhor interpretação das práticas da legislação ou do precedente em um caso específico pois em termos gerais divergem em suas convicções políticas e morais Assim a posição distintiva do convencionalismo de que o direito se restringe àquilo que foi endossado pelas convenções jurídicas poderia parecer ambígua Podemos mostrar essa am bigüidade mediante a introdução de algumas distinções técni cas Definimos a extensão de uma convenção abstrata como 3 Ver David Lewis Convemhm A Philosophica Siaclv Cambridge Mass 1969 152 O IMPÉRIO DO DIREITO a cortesia a legislação ou o precedente como o conjunto de opiniões ou decisões que os participantes da convenção estão comprometidos a aceitar Agoia estabeleceremos a distinção entre as extensões explícitas e implícitas de uma conven ção A extensão expUfcita é o conjunto de proposições que qua se todos que se admite fazerem parte da convenção aceitam como parte de sua extensão A extensão implícita é o conjunto de proposições que decorrem da melhor ou mais bem fundada interpretação da convenção façam ou não parte da extensão explicita Suponhamos que em alguma comunidade jurídica exista uma convenção determinando que os juízes devem dar às duas partes a mesma oportunidade de apresentar seu caso Todos concordam que isso significa que ambas as partes de vem ser ouvidas mas discutese se também significa que as duas partes devem dispor do mesmo tempo ainda que os argu mentos de uma delas sejam mais complexos ou precisem de mais testemunhas do que os da outra A extensão explícita da convenção abstrata inclui então a proposta de que as duas par tes devem ser ouvidas mas não inclui nem a proposta de que devem dispor do mesmo tempo nem a proposta contrária de que a parte cujo caso é o mais difícil deve dispor de mais tempo Todos pensam que a extensão implícita inclui uma ou outra destas últimas propostas mas não sabem qual delas pois há divergência sobre qual solução interpreta melhor o objetivo abstrato sobre o qual concordam da igualdade de oportuni dade no tribunal Dois tipos de convencionalismo Podemos agora distinguir o que poderia parecer duas for mas ou versões do convencionalismo A primeira que poderia mos chamar de convencionalismo estrito restringe a lei de uma comunidade à extensão explícita de suas convenções jurí dicas como a legislação e o precedente A segunda que vamos aqui chamar de convencionalismo moderado insiste em que o direito de uma comunidade inclui tudo que estiver dentro da CONVENCIONALISMO 153 extensão implícita dessas convenções Um grupo de juízes par tidários do convencionalismo moderado divergiria sobre o con teúdo exato da lei pois divergiria sobre o conteúdo dessa exten são implícita Faz uma grande diferença qual das duas formas de convencionalismo vamos examinar O convencionalismo es trito seria para nós uma concepção muito restritiva do direito pois as extensões explícitas de nossas convenções putativas da legislação e do precedente contêm muito poucos elementos de grande importância prática nos litígios reais Se tentássemos descrever uma teoria da legislação que fosse incontestável o su ficiente para obter consenso universal entre nossos juristas e juízes ficaríamos limitados a algo assim se os termos de uma lei admitem um único significado não importa o contexto em que sejam formulados e se não tivermos razão para duvidar de que é esse o significado entendido por todos os legisladores que votaram a favor ou contra essa lei ou que se abstiveram e a lei assim entendida não obtém nenhum resultado não pretendi do por todos os que votaram a favor dela e seria assim entendida por todos os membros do público ao qual se dirige e se nenhu ma pessoa sensata nela visse uma violação de qualquer imposi ção substantiva ou processual da Constituição nem uma ofensa a nenhum ponto de vista sobre a eqüidade ou a eficiência da legislação então as proposições contidas nessa rei assim com preendidas fazem parte do direito da comunidade Essa afirmação parece comicamente frágil Contudo o caso Élmer e o caso do snaii darter moííram que não podería mos oferecer uma extensão explicita muito mais vigorosa à convenção acerca da legislação Por exemplo não poderíamos afirmar como parte da extensão explícita que se os termos de uma lei são claros em si mesmos a lei contém esse significado claro Essa tese é bastante favorecida pelos advogados e ainda mais entre os leigos mas nossos exemplos mostram que ela não inspira entre os juízes norteamericanos nada que se as semelhe ao consenso universal Tampouco o faz a tese contrá ria de que a lei não contém o significado claro se os legislado res não tiveram essa intenção e o teriam rejeitado se ele tives se sido submetido à sua atenção 154 O IMPÉRIO DO DIREITO Se o convencionalismo é um convencionalismo estrito então sua declaração positiva não oferece nenhuma ajuda aos juizes que deparam com processos problemáticos Pois o con vencionalismo estrito só dá o conselho negativo de que os juí zes não devem fingir tue decidem tais casos com fundamento no direito Isso explica a atração que o convencionalismo mo derado vem exercendo sobre uma geração recente de filósofos do direito A parte positiva do convencionalismo moderado orienta os juizes a decidirem segundo sua própria interpreta ção das exigências concretas da legislação e do precedente ainda que isso possa ser controverso e esse conselho não é ir relevante nos casos difíceis Além do mais seria fácil demons trar que todos os nossos juízes inclusive aqueles que decidiram os casos que nos serviram de exemplo na verdade seguiram tal conselho o tempo todo Todos esses juízes estiveram de acordo sobre as proposi ções abstratas de que as leis criam direito e que se deve permi tir que as decisões precedentes exerçam alguma influência sobre as decisões posteriores Eies divergiram sobre a extensão implícita dessas supostas convenções jurídicas No caso do snail darter a maioria achou que a melhor interpretação da convenção sobre as leis exigia que aplicassem o significado literal da Lei de Proteção ao Meio Ambiente a menos que se pudesse provar que fossem outras as intenções do Congresso Pensaram que a extensão implícita da convenção incluía a 4 O convencionalismo moderado é sugerido na exposição do positivis mo feita por Jules Coleman em Negative and Positive Positivism 11 Jour nal ofLegaI Siudies 139 1982 reeditado cm Ronald Dworkin and Contem porary Jurispriulence 28 Marshall Cohen org Nova York c Londres 1984 Ver também E Philip Soper Legal Theory and the Obligation of a Judge no mesmo livro em especial pp 1720 o direito pode depender de juízos de moral polêmicos se um corpo soberano declarar que tudo que for justo é lei e David Lyons Principies Positivism and Legal Theory 87 Yale Law Journal 415 422 ss o direito pode depender da interpretação cor reta ainda que poíêiTiica de um documento fundamental redigido em termos morais Como afirma Coleman Hart parece rejeitar a interpretação de seus pontos de vista que Soper e Lyons adotam CONVENCIONALISMO 155 proposição de que a barragem da AVT devia ter sua construção interrompida para que se pudesse salvar o snail darter A mi noria adotou um ponto de vista diferente e suas conclusões so bre a extensão implícita foram igualmente diferentes Pen saram que incluía a tese contrária de que o direito não protegia o peixe Uma vez que a divergência deuse apenas sobre a ex tensão implícita das convenções que todos reconheciam em um nível mais abstrato poderíamos dizer que eles todos eram convencionalistas moderados O convencionalismo estrito deve declarar uma lacuna no direito que requer o exercício de um poder discricionário extralegal por parte do juiz para criar um novo direito sempre que uma lei for vaga ambígua ou problemática de alguma maneira e não houver outra convenção sobre o modo de inter pretála Ou quando a intenção de uma cadeia de precedentes for incerta e os juristas não chegarem a um consenso sobre sua força Contudo o convencionalista moderado não precisa admi tir nenhuma lacuna em tais casos Pode afirmar de modo plau sível que existe uma maneira correta ainda que polêmica de interpretar as convenções abstratas da legislação e do prece dente de tal modo que elas decidam qualquer caso que possa surgir Ele pode dizer que segundo a interpreção correta o snail darter é salvo ou abandonado pelo direito ou que a sra McLoughlin é ou não indenizada Em seguida sustenta essas proposições em nome da extensão implícita das convenções jurídicas isto é sustenta que são o direito segundo suas con cepções negando assim a idéia de qualquer lacuna no direito Na verdade um convencionalista moderado poderia negar a existência das lacunas mesmo que os advogados divergissem sobre essas convenções abstratas mesmo que muitos juristas se recusassem a admitir que as leis fazem direito ou que os precedentes exercem alguma influência sobre decisões poste riores Com um pouco de imaginação o convencionalista mo derado poderia esboçar uma proposição ainda mais abstrata que todos aceitassem e ele então poderia elaborála de modo a validar uma proposição jurídica sobre os snail darters Se exis 156 O IMPÉRIO DO DIREITO te um consenso de que a Constituição é a lei fundamental por exemplo ele poderia afirmar que esse consenso provê uma convenção abstrata cuja extensão implícita inclui a proposição de que as leis devem ser aplicadas porque a melhor interpreta ção da Constituição assim o exige ainda que muitos juristas o neguem Ele então poderia proceder como antes para extrair dessa proposição intermediária argumentos em favor de uma conclusão concreta sobre os snail darters Suponhamos que não haja consenso quanto ao fato de a Constituição ser a lei fundamental O convencionalista mode rado poderia buscar um consenso ainda mais abstrato Imagi nemos por exemplo que a sugestão que fiz no terceiro capítu lo seja bem fundada que exista um acordo muito difundido ainda que tácito de que a finalidade última do direito é autori zar e justificar a coerção do Estado sobre indivíduos e grupos O convencionalista moderado poderia encontrar nesse con senso excessivamente abstrato uma convenção segundo a qual os juízes devem seguir qualquer concepção de direito que me lhor justifique a coerção e poderia então dizer afirmando de terminada concepção como a melhor segundo esse modelo que essa convenção abstrata na verdade inclui dentro de sua extensão implícita a tese de que é preciso seguir os casos de precedente quando não houver nenhuma diferença de princípio moral entre os fatos apresentados nos precedentes e aqueles do caso presente Ele prossegue afirmando que a lei assegura a indenização à sra McLoughlin não importa o que pensem os outros juristas Outros juristas e juízes também convenciona listas moderados não concordariam Teriam um ponto de vista diferente sobre qual concepção mais concreta ofereceria a me lhor justificativa para a coerção e desse modo teriam uma opi nião diferente sobre a extensão implícita da convenção abstrata em questão Espero que agora esteja evidente que o convencionalismo moderado não é em absoluto uma forma de convencionalis mo no sentido da distinção tríplice entre as concepções que estamos utilizando no momento Minhas descrições iniciais do convencionalismo no último capítulo e na primeira parte des CONVENCIONALISMO 157 te não se ajustavam bem como agora podemos ver só se ajus tavam ao convencionalismo estrito Tratase na verdade de uma forma muito abstrata e subdesenvolvida de direito como integridade Rejeita o divórcio entre o direito e a política que uma teoria convencionalista pelos motivos que descrevi tenta assegurar Esse tipo espúrio de convencionalismo não impede que um juiz convencionalista supostamente moderado envolva suas próprias convicções morais e políticas em sua decisão Pelo contrário são precisamente essas convicções sobre as melhores técnicas para ler uma lei sobre o lugar ideai a ser re servado às leis dentro de uma estrutura constitucional sobre a relação entre uma constituição e a idéia do direito sobre a mais bem fundada concepção de justiça que vão determinar para ele qual é a melhor interpretação da convenção abstrata e por tanto quais são as exigências do direito No convencionalismo moderado nada assegura nem mesmo promove o ideal das expectativas asseguradas segun do o qual as decisões do passado só serão tomadas por base para justifica a força coletiva quando sua autoridade e seus termos forem inquestionáveis sob a perspectiva das conven ções amplamente aceitas Também não protege esse ideal no sentido por mim descrito ao identificar como aspeciais aque les casos em que não existe uma decisão anterior explicita a ser seguida Do ponto de vista do convencionalismo moderado os casos que aqui usamos como exemplos são todos regidos pelo direito e os juízes convencionalistas rrtbderados que os deci dissem não teriam motivo algum para acatar suas convicções sobre o que faria a legislatura presente ou qual seria a vontade popular Pelo contrário teriam razão para negligenciar qual quer convicção ou alegação a este respeito o direito é o direi to e deve ser obedecido por mais impopular que possa ser na atmosfera atual da opinião pública Portanto se o convencionalismo deve oferecer uma con cepção distinta e vigorosa do direito inclusive com relações remotas com o conjunto de atitudes populares que o acreditá vamos expressar então deve ser um convencionalismo estrito e não moderado Devemos aceitar que a parte positiva do con 158 O IMPÉRIO DO DIREITO vencionaíismo de que os juízes devem respeitar a extensão explícita das convenções jurídicas não pode oferecer nenhum conselho útil aos juízes que têm um caso difícil diante de si Estes serão inevitavelmente casos em que a extensão explíci ta das diversas convenções jurídicas não contém absolutamen te nada de decisivo e o juiz deve portanto exercer seu poder discricionário ao recorrer a modelos extrajurídicos Mas agora se pode dizer que longe de ser uma conclusão deprimente isso indica precisamente a importância prática do convencio nalismo para a decisão judicial A esse respeito a parte positi va dessa concepção é a enorme massa do iceberg que se en contra sob a superfície da prática jurídica Isso explica por que os casos não chegam ao tribunal quando se cumprem as condi ções de minha frágil e cômica descrição da extensão explícita de nossas convenções jurídicas o que acontece a maior parte do tempo Nos casos difíceis por outro lado é a parte negativa que domina a cena Eia diz aos juízes que quando as leis são objeto de debates e os precedentes têm um impacto incerto eles devem pôr de lado qualquer idéia de que sua decisão possa fundamentarse em direitos já estabelecidos por atos políticos anteriores Eles devem enfrentar de modo franco suas novas responsabilidades legislativas Em todo caso é a versão estrita do convencionalismo que devemos pôr à prova como uma interpretação geral de nossa prática jurídica O convencionalismo estrito afirma que os juí zes são liberados da legislação e do precedente nos casos difí ceis porque a extensão explícita dessas convenções jurídicas não é suficientemente densa para decidir tais casos Precisa mos perguntar em que medida essa afirmação interpretativa se ajusta aos casos que usamos como exemplos Mas pelo menos devemos notar de que modo a nova ênfase no aspecto negativo do convencionalismo esvazia a hipótese que mencionei ante riormente de que o aspecto negativo sustenta o ideal político das expectativas asseguradas ao selecionar os casos em que esse ideal não pode ser satisfeito Do mesmo modo que o as pecto positivo do convencionalismo perde sua importância prá tica no tribunal pois são muito poucas as ocasiões em que os CONVENCIONALISMO 159 juízes podem apoiarse no direito do modo como o convencio nalismo o interpreta essa defesa específica do aspecto negativo tornase mais fraca pois as exceções invariavelmente se sobre põem à regra Se todos os casos que chamam a atenção por serem debatidos em importantes tribunais de apelação diante da avaliação da sociedade são ocasiões nas quais os juízes têm o escrúpulo de negar que estejam servindo ao objetivo das expec tativas asseguradas através de suas decisões isso pode fazer muito pouco para reforçar a confiança pública nesse ideal O convencionalismo se ajusta à nossa prática Convenção e coerência Chego finalmente à crítica ao convencionalismo O con vencionalismo estrito fracassa como interpretação de nossa prática jurídica mesmo quando e sobretudo quando enfati zamos seu aspecto negativo E fracassa pela seguinte razão paradoxal nossos juízes na verdade dedicam mais atenção às chamadas fontes convencionais do direito como as leis e os precedentes do que lhes permite o convencionalismo Um juiz consciente de seu convencionalismo estrito perderia o interes se pela legislação e pelo precedente exatamente quando ficas se claro que a extensão explícita dessas supostas convenções tivesse chegado ao fim Ele então entenderia que não existe direito e deixaria de preocuparse com a coerência com o pas sado passaria a elaborar um novo direito indagando qual lei estabeleceria a legislatura em vigor qual é a vontade popular ou o que seria melhor para os interesses da comunidade no futuro Se os juízes do caso Etmer fossem convencionalistas es tritos teriam decidido esse caso em duas etapas Primeiro te riam examinado a prática judicial para ver se quase todos os outros juízes estavam de acordo em que se deve atribuir aos termos de uma lei seu sentido literal mesmo não tendo sido esta a intenção dos legisladores ou ao contrário que nessas 160 O IMPÉRIO DO DIREITO circunstâncias não se deve atribuir aos termos seu sentido lite ral Os juizes desse caso não teriam demorado a dar uma res posta negativa pois obviamente os outros juízes nào estariam todos de acordo em nenhum dos dois sentidos Nem Earl nem Gray poderiam ter peíisado que seu ponto de vista fazia parte da extensão explícita da convenção acerca da legislação por que cada qual sabia que muitos juristas consideravam certo o outro ponto de vista Assim teriam se voltado imediatamente para a segunda etapa a legislativa teriam tentado descobrir qual decisão era mais sensata justa ou democrática ou melhor ser viria á comunidade Não teriam insistido no tipo de argumen tos que de fato usaram esquadrinhando a lei obcecados pela questão de saber se uma decisão era mais coerente com o texto ou o espírito dessa lei ou pela questão da correta relação entre a decisão e o resto do direito Esses últimos argumentos estabelecidos de maneiras di versas na questão de como ter a lei só fazem sentido a partir do pressuposto de que o direito que os juízes tém obrigação de aplicar depende da leitura correta mesmo quando seu enten dimento estiver sujeito a controvérsias é este exatamente o pressuposto negado pelo convencionalismo O caso Élmer tam bém não constitui uma exceção ao proporcionar esse tipo de contraexemplo No caso do snail darter os juízes da Suprema Corte discutiram sobre a melhor forma de interpretar a Lei de Proteção ao Meio Ambiente Não estavam de acordo quanto à questão de se eram obrigados pela correta teoria da legislação a aplicar a leitura mais literal ou mais sensata da lei na ausência de quaisquer evidências sobre as verdadeiras intenções do Con gresso Os juízes que decidiram o caso McLoughlin se preocu param com a descrição mais exata dos princípios subjacentes aos casos de precedentes que Lhes foram citados embora sou bessem que na extensão explícita de qualquer convenção nada determinava a natureza desses princípios ou o peso que a eles se deveria atribuir No caso Brown a Suprema Corte debateu o sistema de justiça que pressupunha a estrutura da Constituição o local ocupado pela cláusula de igual proteção em tal sistema o verdadeiro impacto dessa cláusula sobre o poder jurídico do CONVENCIONALISMO 161 estado do Kansas para legisiar sobre um sistema escolar ainda que cada juiz soubesse que nada disso estava estabelecido por convenção Não quero dizer que um juiz conscientemente convencio nalista ignoraria leis e precedentes uma vez que não fosse con sensual a força a ser atribuída a eles Ele não os trataria como fontes de direito para além desse ponto mas sua responsabili dade geral quando julga esgotado o direito consiste em criar o melhor direito possível para o futuro e ele poderia preocupar se com a doutrina jurídica do passado por razões especiais que dizem respeito a esse problema Se ele acredita que deveria elaborar o novo direito democraticamente no espírito da atual legislatura ou da atmosfera atual da opinião pública pode vol tarse para as decisões passadas como provas daquilo que a legislatura ou o público provavelmente pensam ou desejam por exemplo Mas eie então estaria tratando o passado como prova das atitudes e convicções atuais e não como algo intrin secamente importante e perderia o interesse pelo passado à medida que este recuasse no tempo e por esse motivo perdes se seu valor É muito provável que ele encontrasse melhor prova das atitudes atuais em sua própria experiência política ou na im prensa do que em leis mesmo relativamente rroentes votadas por uma legislatura cujos membros em sua maioria já esta riam mortos Seu interesse probatório também não lhe exigiria que examinasse a doutrina anterior tenlândo encontrarlhe um lugar no direito como um todo à maneira obsessiva dos juízes Se se tratar de uma bela e difícil questão saber se a lei das su cessões é mais coerente com os princípios tradicionais do direito se interpretada no sentido de proibir que os assassinos possam herdar então debaterse com essa questão representa um modo pouco sensato de chegar àquilo que seria a decisão da maioria hoje Se constitui uma questão de análise jurídica delicada saber o que exigiria a melhor interpretação dos prece dentes citados no caso McLoughlin então qualquer resposta oferece provas muito frágeis sobre qual decisão seria mais po pular ou mais benéfica no futuro 162 O IMPÉRIO DO DIREITO Agora porém podemos dizer que um juiz conscientemen te convencionalista realmente refletiria sobre a doutrina do passado da mesma maneira como o fazem os juizes atuais não em busca de uma confirmação da opinião popular mas de ma neira mais direta porque todo aquele que elabora o direito deve ter o cuidado de elaborar um novo direito que seja coerente com o antigo A esse respeito a busca da coerência pode expli car por que os juízes se preocupam tanto com o passado com as diversas leis e os diversos precedentes que se situam nas imediações do novo direito que criaram nos casos difíceis Há um aspecto importante nessa sugestão mas só poderemos vê lo se tivermos o cuidado de estabelecer a distinção entre dois tipos de coerência que um legislador poderia buscar coerência de estratégia e coerência de princípio Qualquer um que partici pe da criação do direito deve preocuparse com a coerência de estratégia Ele deve cuidar para que as novas regras que estabe lece se ajustem suficientemente bem às regras estabelecidas por outros ou que venham a ser estabelecidas no futuro de tal modo que todo o conjunto de regras funcione em conjunto e torne a situação melhor em vez de tomar a direção contrária e piorar as coisas O juiz convencionalista que exerce seu poder discricioná rio para criar um novo direito deve estar particularmente atento a esse risco pois seu poder de alterar o direito já existente é bastante limitado Suponhamos que antes de procurar nos re pertórios jurídicos ele ache que seria melhor decidirse favo ravelmente pelo réu no caso McLoughlin pois seria menos dis pendioso para a comunidade como um todo se as vítimas pro váveis fizessem seguro contra danos morais do que se os moto ristas os fizessem contra o risco de causálos Mas quando ao passar em revista os precedentes ele descobre que as mães já dispõem do direito à indenização por danos morais sofri dos por presenciar um acidente e que portanto os motoristas já devem assegurarse contra os riscos de provocar danos mo rais em tais circunstâncias a questão dos custos do seguro tornase mais complexa Ele deve agora se perguntar se dado que os motoristas devem assegurarse de qualquer modo seria CONVENCIONA USMO 163 mais ou menos dispendioso forçar as vítimas potenciais a asse gurarse contra danos morais nas circunstâncias muito especiais do caso da sra McLoughlin e ele poderia decidir que dividir o risco desse modo específico seria tão ineficaz quanto compen sar os ganhos decorrentes da atribuição dessa parte do risco às vítimas Temos neste exemplo simples um caso paradigmático de um julgamento formador de direito novo dominado pela coe rência de estratégia Mas a coerência de estratégia não exigiria que um juiz esquadrinhasse o passado para descobrir a melhor interpre tação de uma lei ou da Constituição quando esta for polêmica ou a correta compreensão de uma decisão judicial anterior quando os advogados não chegarem a um consenso quanto ao modo de interpretála Pois uma lei ou uma decisão anterior só coloca problemas de coerência de estratégia quando atribuiu direitos que por alguma razão um juiz que elabora uma nova regra é incapaz de alterar direitos que não funcionariam bem com os novos direitos que ele pretende criar O juiz convencio nalista que imaginamos que se preocupa em saber se uma decisão contra a sra McLoughlin seria eficiente em razão dos precedentes de que as mães podem ser indenizadas por danos morais sofridos na cena do acidente não precka procurar um princípio subjacente mais amplo que esteja embutido nesses precedentes nem defender um ponto de vista polêmico sobre o conteúdo desses princípios Seu interesse nos precedentes se esgota pelo menos no que diz respeito Í esse propósito desde que ele se convença de que segundo sua concepção do direito eles só estabelecem que as mães na cena do acidente têm direi to à indenização e isso além de ficar imediatamente claro não repercute sobre os princípios subjacentes mais amplos cuja natureza é objeto de debate A coerência de princípio é uma outra auestão Exige que os diversos padrões que regem o uso estatal da coerção contra os cidadãos seja coerente no sentido de expressarem uma visão única e abrangente da justiça Um juiz que vise à coerência de princípio se preocuparia de fato como os juízes de nossos exem plos com os princípios que seria preciso compreender para jus 164 O IMPÉRIO DO DIREITO tificar leis e precedentes do passado Se ele se sentisse tentado a decidir contra a sra McLoughlin iria perguntarse se qual quer distinção de principio poderia ser estabelecida entre o ca so dela e o de mães indenizadas por danos morais sofridos no local do acidente Se tendesse a pronunciarse contra Élmer procuraria saber se seu veredito é coerente com a posição que as leis ocupam em nosso sistema geral da doutrina tal qual ele a compreende Mas o convencionalismo difere do direito como integrida de exatamente porque o primeiro rejeita a coerência de princí pio como uma fonte de direitos O segundo a aceita o direito como integridade supõe que as pessoas têm direitos direitos que decorrem de decisões anteriores de instituições políticas e que portanto autorizam a coerção que extrapolam a exten são explícita das práticas políticas concebidas como conven ções O direito como completude supõe que as pessoas têm di reito a uma extensão coerente e fundada em princípios das decisões políticas do passado mesmo quando os juízes diver gem profundamente sobre seu significado Isso é negado pelo convencionalismo um juiz convencionalista não tem razões para reconhecer a coerência de princípio como uma virtude judicial ou para examinar minuciosamente leis ambíguas ou precedentes inexatos para tentar alcançála Sem dúvida se o convencionalismo fosse apenas a teoria semântica de que a expressão direitos não deveria ser usada para descrever os direitos que as pessoas têm em virtude da coerência de princípio então um juiz convencionalista poderia se interessar vivamente por essa forma de coerência examina da a partir de um novo ângulo Ele poderia dizer que quando a convenção explícita termina as pessoas têm uma pretensão moral àquilo que o direito como integridade afirma serem seus direitos Ele então decidiria casos difíceis exatamente como fazem seus confrades do direito como integridade Mas esta mos estudando as interpretações essenciais da prática jurídica não as teorias semânticas e nosso atual interesse pelo conven cionalismo está em sua afirmação negativa de que a convenção esgota o poder normativo intrínseco de decisões passadas O CONVENCIONALISMO 1 6 5 convencionalismo é uma teoria sobre as pretensões jurídicas das pessoas no sentido que consideramos crucial para a doutri na e não uma proposta sobre como a palavra jurídico deve ria ser usada Quem quer que pense que a coerência de princí pio e não apenas de estratégia deve situarse no âmago da jurisdição terá rejeitado o convencionalismo tenha ou não consciência disso Convençãoeconsenso Assim a característica mesma de nossa prática jurídica que parecia fazer do convencionalismo uma boa interpretação da prática jurídica a profunda e constante preocupação que juízes e advogados demonstram a propósito da correta leitu ra das leis e dos precedentes nos casos difíceis é na verdade um entrave a essa concepção Apresenta um argumento quase fatal contra o convencionalismo mesmo enquanto uma inter pretação apropriada de nossa prática Vou porém oferecer ou tra linha de argumentação contra o convencionalismo pois a exposição de todas as falhas dessa concepção nos ajuda a en contrar o caminho para uma mais bemsucedida O argumento há pouco concluído estudava o raciocínio jurídioo em um corte transversal os detalhes da controvérsia caso a caso Ainda não contestei o pressuposto a partir do qual o convencionalismo se desenvolve o de que qualquer consensoalcançado pelos juris tas sobre a legislação e o precedente deve ser visto como uma questão de convenção Será mesmo Essa questão nos exige que mudemos nosso enfoque e consideremos nossa prática ju rídica não em um corte transversal mas sim ao longo de um período de tempo Imaginemos que quase todos os juristas e juízes ingleses admitam que se uma lei for devidamente aprovada pelo Par lamento com a sanção real e não houver dúvida alguma sobre a linguagem de tal lei o direito é aquilo que a lei diz clara mente que é Todos eles pensam que isso está implícito e pas sam a incluílo em seus paradigmas do argumento jurídico Esse 166 O IMPÉRIO DO DIREITO suposto consenso tem contudo duas explicações possíveis Tal vez os juristas e juízes aceitem essa proposição como verda deira por convenção o que quer dizer verdadeira somente por que todos os demais a aceitam assim como todos os jogadores de xadrez aceitam qae o rei sò pode moverse uma casa por vez Ou talvez os juristas e juízes aceitem a proposição como obviamente verdadeira ainda que nâo verdadeira por conven ção talvez o consenso seja um consenso de convicção inde pendente do modo como todos admitimos que é errado tortu rar bebés ou condenar pessoas que sabemos inocentes A dife rença é a seguinte se os juristas pensam que uma proposição específica sobre legislação è verdadeira por convenção não vão achar que precisam de nenhuma razão substantiva para aceitála Desse modo qualquer ataque substantivo contra a proposição estará deslocado no contexto jurisdicional assim como um ataque contra a sabedoria das regras do xadrez estará deslocado dentro do contexto de um jogo Mas se o consenso for de convicção então a divergência por mais surpreendente que seja não estará deslocada da mesma maneira porque to dos reconhecerão que um ataque contra o argumento substanti vo da proposição é um ataque contra a própria proposição O consenso só vai durar enquanto a maioria dos juristas aceite as convicções que o sustentam Que explicação oferece a melhor descrição do modo como juízes e juristas tratam as proposições sobre a legislação que estão implícitas E pouco provável que encontremos muitas provas em um ou outro sentido apenas mediante a leitura aleatória das decisões judiciais pois os juizes dificil mente explicam por que acreditam naquilo em que todos acre ditam Precisamos examinar o padrão das decisões judiciais ao longo do tempo Se compararmos os critérios estabelecidos de interpretação da lei ou as doutrinas acerca do precedente em períodos separados por digamos cinqüenta anos ou mais encontraremos mudanças consideráveis e às vezes drásticas As atitudes judiciais tanto na Inglaterra quanto nos Estados Uni dos mudaram profundamente nos últimos dois séculos quanto à questão comum ao caso Élmer e ao caso do snail darter até CONVENCIONALISMO 167 que ponto e de que forma a intenção legislativa é relevante para a interpretação das leis5 Como explicar uma mudança tão profunda na teoria dominante acerca da legislação Os fatos são bastante claros A prática mudou em resposta a argumentos apresentados tio contexto da discussão judicial como argumentos sobre o que os juízes devem fazer em certos casos e não em convenções miniconstitucionais específicas Os argumentos mais bemsucedidos foram extraídos de movi mentos mais gerais da cultura política e social e desse modo passaram a fazer parte tanto da história intelectual como jurí dica Ainda assim tiveram uma vida jurídica própria Apare ceram nos cursos de direito e em artigos de revistas jurídicas ora como argumentos de advogados em casos particulares ora como argumentos judiciais nos votos divergentes que explica vam por que a opinião majoritária refletindo a ortodoxia da época era insatisfatória ora como o voto da maioria em um número crescente de casos ora como proposições que deixa ram de ser mencionadas porque estavam implícitas Todos es ses argumentos pressupunham ao longo de suas longas carrei ras que as práticas estabelecidas que eies contestavam eram ortodoxias de convicção comum não regras fundamentais de convenção Tais argumentos teriam sido impotentes e até mes mo tolos se todos pensassem que as práticas qire contestavam não precisavam de outro apoio além da convenção ou que essas práticas constituíam o direito da mesma maneira que as regras do xadrez constituem esse jogo É evidente que as regras dos jogos mudam com o passar do tempo Mas quando essas regras foram aceitas como uma questão de convenção uma nítida distinção terá sido necessa 5 Ver Q Erdiich A Commentary on lhe Interprelation of Statuies se ção 4 1888 citando tanto casos norteamericanos quanto ingses Suther iands Slalulory Construction seção 4607 4a ed Wilmette Illinois 1985 o que prevalece é o sentido evidente a m e n o s que resulte o absurdo P Lan gan Maxwell on Interprelation of Siatuies 12 ed Londres 1969 idem Ver também John W Johnson The Gmdging Reception of Legislative His tory in US Courts 1978 Detroit CL Review 413 Devo esta referência a William Nelson 168 O IMPÉRIO DO DIREITO riamente estabelecida entre os argumentos sobre as Tegras e os argumentos dentro das regras Se um congresso mundial de xadrez se reunisse para reconsiderar as regras para os torneios futuros os argumentos apresentados em tal congresso estariam claramente deslocados dentro de um jogo de xadrez e vice versa Talvez o xadrez fosse mais estimulante e interessante se as regras fossem mudadas de modo a permitir que o rei avan çasse duas casas em cada lance Mas ninguém que pensasse assim trataria a sugestão como um argumento de que o rei pode agora como o determinam as regras avançar duas casas por vez Por outro lado mesmo durante o jogo os advogados mui tas vezes pedem por mudanças de práticas estabelecidas Al guns dos mais antigos argumentos que as intenções legislativas levam em conta foram apresentados a juízes no decorrer de processos Importantes mudanças na doutrina do precedente também foram feitas no decorrer do jogo juízes foram con vencidos ou se convenceram eles próprios de que na verdade não estavam presos às decisões que seus predecessores haviam considerado obrigatórias Ou o que vem a dar no mesmo os juízes mudaram de opinião sobre os aspectos ou características de decisões anteriores que eram obrigados a seguir Uma vez mais essas mudanças apesar de drásticas com o passar do tempo foram mudanças dentro da prática judicial em resposta a hipóteses vacilantes sobre a questão do precedente e da deci são judicial em termos mais gerais Não foram o resultado de acordos especiais com a finalidade de chegar a uma nova série de convenções Esse argumento não prova que não há absolutamente nada estabelecido entre os juristas norteamericanos ou ingleses em matéria de verdadeira convenção Talvez nenhum argumento político pudesse persuadir os juízes norteamericanos a rejeitar a proposição de que o Congresso deve ser eleito do modo como prevê a Constituição com uma emenda de tempos em tempos de acordo com as disposições que ela própria estabelece sobce as emendas Talvez todos os juízes aceitem a autoridade da Constituição como uma questão de convenção e não como resultado de uma teoria política bem fundada Não obstante CONVENCIONALISMO 169 podemos seguramente extrair duas conclusões de nossa dis cussão Em primeiro lugar nada precisa ser estabelecido como uma questão de convenção para que um sistema jurídico possa não apenas existir como também florescer A atitude interpre tativa precisa de paradigmas para funcionar efetivamente mas estes não precisam ser questões de convenção Será suficiente que o nível de acordo de convicção seja alto o bastante em qualquer momento dado para permitir que o debate sobre prá ticas fundamentais como a legislação e o precedente possa prosseguir da maneira como descrevi no segundo capítulo contestando os diferentes paradigmas um por um como a re construção do barco de Neurath no mar prancha por prancha Em segundo lugar tantas características de nossas próprias práticas institucionais são assim debatidas uma por vez que é implausível declarar o convencionalismo como uma boa inter pretação do processo através do qual nossa cultura jurídica se transforma e desenvolve com o passar do tempo O convencio nalismo fracassa aqui do mesmo modo como fracassa no corte transversal aoexplicar de que modo os casos particularmente difíceis como os que nos serviram de exemplos são debatidos e decididos Nossos juízes tratam as técnicas que usam para interpretar as leis e avaliar os precedentes mesmo aqueles que ninguém contesta não simplesmente comô instrumentos legados pela tradição de seu antigo oficio mas como princí pios que como eles afirmam podem ser justificados em algu ma teoria política mais profunda e quando por qualquer ra zão colocam isso em dúvida elaboram teorias que lhes pare cem melhores O convencionalismo justifica a nossa prática Uma concepção do direito é em geral uma interpretação sumária da prática jurídica como um todo Propõese mostrar essa prática em sua melhor luz desenvolver algum argumento que explique por que em tal concepção o direito oferece uma justificativa adequada para a coerção Até aqui estivemos to 170 O IMPÉRIO DO DIREITO talmente preocupados com uma dimensão à luz da qual qual quer interpretação geral desse tipo deve ser testada Precisa ajus tarse a nossa prática e encontramos importantes razões para acreditar que o convencionalismo não o faz E quanto à outra dimensão Se contrariando meu argumento o convencionalis mo realmente se ajustasse a nossas práticas jurídicas seria ele capaz de oferecer uma justificativa correta ou mesmo adequa da delas Descrevi no início deste capítulo um argumento se gundo o qual elç seria Esse argumento recorria ao que chamei de ideal das expectativas asseguradas afirmando que a força coletiva só deveria ser usada de acordo com padrões escolhidos e interpretados através de procedimentos que a comunidade como um todo sabe que serão usados para esse fim procedi mentos tão amplamente reconhecidos que são objeto de con venção geral social ou profissional Devemos agora perguntar se essa idéia é bem fundada e em que medida ela de fato sus tenta o convencionalismo Eqüidade e surpresa Precisamos esclarecer uma possível fonte de confusão Poderseia pensar que o ideal da expectativa assegurada é um ideal claramente democrático pois propõe que a coerção só seja usada quando autorizada por procedimentos aceitos pelo povo6 Esse apelo à democracia porém confunde dois proble 6 O convencionalismo pode ser claramente proposto como uma inter pretação dos sistemas jurídicos e m países autocráticos ou de alguma outra maneira nào democráticos pois os dirigentes e mesmo a população geral de tais países podem sustentai convenções que conferem poder autocrático a um pequeno grupo ou a um único tirano Nesse caso se o convencionalismo fosse aceito como a melhor interpretação somente os éditos desse grupo ou tirano seriam lei Mas o convencionalismo exerceria hem menos atração em tal sociedade pois otèreccria u m a explicação menos atraente de por que o direito assim constituído justifica a coerção Alguma teoria do direito divino ou em uma comunidade menos teísta uma explicação estatista ou voltada para os objetivos a ser atingidos pareceria melhor Assim não é por acaso que as teorias positivistas os equivalentes semânticos do convencioialismo fo CONVENCIONALISMO 171 mas o povo deve ter a última palavra através de instituições democraticamente eleitas sobre o modo como os juízes jul gam os casos Que teoria sobre como os juízes deveriam julgar os casos seria escolhida ou aprovada pelo povo Tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra e em outros países demo cráticos o povo tem o poder residual de modificar qualquer prática judicial em vigor Pode eleger legisladores que têm o poder de impor sua vontade sobre os juízes de um modo ou de outro Estamos agora pedindo respostas para a segunda per gunta Podemos encontrar alguma razão pela qual esses legis ladores deveriam escolher um sistema de decisão judicial con vencionalista Alguém poderia dizer O sistema convencionalista é me lhor porque a eqüidade requer que o povo seja informado quan do seus planos possam ser interrompidos pela intervenção do poder de Estado privandoo de liberdade propriedade ou opor tunidade Intervenções desse tipo só se justificam quando as ocasiões de intervenção tiverem sido anunciadas com antece dência de tal modo que todos os que ouçam possam saber e entender Assim é preciso estabelecer e seguir estritamente as convenções sobre o modo como tais instruções serão dadas e determinar seu conteúdo para que não venha a tonarse objeto de debate Sem dúvida não importa quão explícitos sejam es ses procedimentos convencionais ou quão escrupulosamente venham a ser usados casos vão surgir çomo os que usamos ram inicialmente desenvolvidas e se tornaram muito populares nas democra cias A descrição do direito de Bentham que Austin popularizou parece à pri meira vista mais conveniente às monarquias ou outras comunidades com um soberano imediatamente identificável Mas Bentham desenvolveu essa teo ria quando os ideais democráticos começaram a ser dados por certos e o atrati vo inicial da teoria pelo menos era igualitário Sua teoria sempre foi mais popular na Inglalerraenos Estados Unidos do que cm qualquer outro país 7 Uma exceção óbvia é a prática da Suprema Corte ao decidir os casos constitucionais nos Estados Unidos As pessoas só podem alterar túndamen talmente a prática da Corte através de uma emenda à Constituição Isso colo ca problemas especiais à teoria democrática os quais serão examinados no capitulo X 12 O IMPÉRIO DO DIREITO em nossos exemplos nos quais as instruções serão vistas como obscuras ou incompletas Em tais casos os juízes vão causar alguma surpresa seja qual for a decisão a que cheguem e por tanto a idéia de direito que desaconselha a surpresa deixará de ser pertinente O juiz deve fazer o melhor pela comunidade como um todo franca e honestamente sem fingir descobrir algum direito por sob a superfície de leis ou precedentes que só ele pode ver Pois a simulação esconde o fato de que nesse caso o enfoque do direito existente não foi utilizado mas ine quivocamente abandonado Se fingirmos que pode haver direi to quando não está claro qual é o direito perderemos de vista a estreita ligação entre direito e comunicação oportuna e nossa política será menos justa no futuro Só um sistema francamen te comprometido com o convencionalismo que não admite direito algum fora da convenção pode oferecer a proteção de que necessitamos Esse argumento pressupõe que a redução da surpresa é um importante e valioso objetivo da moral política Será isso verdade A surpresa acontece quando as previsões populares são frustradas mas em geral isso não é injusto mesmo quando os prognósticos frustrados são sensatos isto é bem sustenta dos pela avaliação das probabilidades anterior Não é injusto que meu cavalo perca uma corrida mesmo que com boas razões eu estivesse confiante em sua vitória A surpresa é in justa sem dúvida em uma circunstância especial quando uma previsão foi especificamente encorajada por aqueles que a frustram de maneira deliberada Se o convencionalismo fosse tão sinceramente praticado em uma dada jurisdição e tão fre qüentemente anunciado e confirmado petas instituições públi cas que as pessoas se sentissem autorizadas a confiar nesse tipo de julgamento certamente seria injusto que algum juiz de repente o abandonasse Mas isso não é verdadeiro para nós como demonstrou a argumentação até aqui desenvolvida Es tamos examinando argumentos que tentam justificar o conven cionalismo em bases políticas argumentos que seriam válidos por exemplo para as pessoas que decidissem instituir ou não o convencionalismo a partir do nada A sugestão de que o con CONVENCIONALISMO 173 vencionalismo reduz a surpresa não deve pressupor portanto que a surpresa é injusta mas que é indesejável por alguma ou tra razão que é ineficaz por exemplo que impõe riscos desne cessários que assusta as pessoas ou não é de interesse geral Mas o convencionalismo não pode ser justificado com base no pressuposto único de que a surpresa é ineficiente ou indese jável nesses moldes pois o convencionalismo não protege con tra a surpresa tão bem quanto o faria uma teoria mais simples e direta da jurisdição Já vimos em que sentido o convencionalis mo é bilateral insiste em que se não for possível num determi nado caso chegar a nenhuma decisão dentro da extensão explí cita de uma convenção jurídica o juiz é obrigado a criar um novo direito o melhor possível Nenhuma convenção determina se a sra McLoughlin tem direito à indenização por danos morais ou se o sr 0Brian tem o direito de não ser forçado a pagála Assim ninguém tem o direito de decidir a favor dele ou dela e o juiz deve julgar o caso de acordo com qualquer regra que lhe pa reça a melhor para o futuro considerando todos os fatores en volvidos MaSj se sua decisão for favorável à sra McLoughlin ele terá intervindo na vida do sr 0Brian mesmo que este não tenha sido advertido de que isso aconteceria O argumento político em favor do convencionalismo que apresentei há pouco pressupõe que esse tipo desituação é ine vitável que nenhuma teoria da jurisdição pode evitálo A defesa do convencionalismo aqui é que ele protege as pessoas da surpresa de todas as maneiras possíveis Contudo se fosse esse o único objetivo que tivéssemos em mente escolheríamos uma outra teoria da jurisdição que poderíamos chamar de convencionalismo unilateral ou apenas de unilateralismo Grosso modo o unilateralismo determina que o pleiteante deve ganhar se tiver o direito de ganhar estabelecido na extensão explícita de alguma convenção jurídica mas que do contrário quem deve ganhar é o réu8 Insiste em que o status quo seja 8 Somente grosso modo pois em alguns casos por razões processuais a pessoa ou a instituição nominalmente na posição do réu é realmente o plei teante substancial quer dizer a pessoa que pede a intervenção do Estado Desse modo poderíamos dizer que o unilateralismo estipula que o réu subs 174 O IMPÉRIO DO DIREITO preservado no tribunal a menos que alguma regra dentro da extensão explícita de uma convenção jurídica exija o contrário Assim o unilateralismo diz que o sr 0Brian não deve ser força do a indenizar a sra McLoughlin pelos danos morais que lhe causou mesmo que o juiz ache que a regra oposta seria melhor para o futuro Em uma área a do direito penal a prática angloamericana é muito próxima do unilateralismo10 Acreditamos que uma pes soa não deve ser culpada de um crime a menos que a lei ou outro tipo de legislação que estabelece esse crime seja tão cla ra que a pessoa em questão tivesse conhecimento da natureza criminosa de seu ato ou pudesse têlo se houvesse feito uma tentativa séria de descobrir isso Nos Estados Unidos esse prin cípio tem o status de um princípio constitucional e em várias ocasiões a Suprema Corte já reverteu condenações criminais porque o suposto crime era definido de maneira demasiado vaga para ser conhecido Mas nossa prática jurídica não é tancial deve ganhar a menos que a extensão explícita de alguma convenção jurídica habilite o pleiíeame substancial a ganhar M e s m o nessa forma mais cuidadosa o unilateralismo não oferece nenhuma recomendação quando a distinção entre pleiteante substancial e rèu substancial se rompe como quan do as partes disputam um título de propriedade que ainda não pertence a um ou ao outro ou que ninguém poderia possuir se os tribunais não interviessem de alguma maneira Tais casos porém são bastante raros o unilateralismo ofereceria uma decisão na maioria dos casos difíceis 9 O unilateralismo permitiria contudo um tipo diferente de decisão que o sr 0 B r i a n deveria ganhar o presente processo porque não há nenhuma regra estabelecida que determine o contrário m a s que o juiz deveria declarar uma nova regra para o futuro de tal modo que as pessoas na situação da sra McLoughlin pudessem ser indenizadas em casos posteriores uma vez que podem apelar a essa nova regra por ter se tomado parte da extensão explicita através da decisão do juiz Os juízes às vezes decidem desse modo quando não estão simplesmente criando uma nova regra porque nenhuma existia mas invalidando uma regra do passado na qual a parte vencedora poderia ter se baseado Essa prática chamada de invalidação em perspectiva será discu tida no capítulo V 10 Ver a discussão da assimetria do direito civil e criminal em Taking RightsSeriously 100 11 Ver por exemplo Bowie vs City of Cotumbia 378 US 347 1964 Os tribunais ingleses têm sido muito menos solícitos Ver Shaw vç Director of Public Prosecutions 1962 AC 220 CONVENCIONALISMO 175 igualmente uniiateralista nos vastos domínios do direito priva do que tem sido o objeto principal de nossa discussão neste li vro é muito comum que os juízes decidam a favor do plei teante como fizeram no caso McLoughlin quando segundo o convencionalismo o pleiteante não tinha pretensão juridica mente protegida que lhe assegurasse a vitória Nossa prática seria muito diferente se fosse uniiateralista em termos gerais Haveria um número muito menor de proces sos judiciais pois um pleiteante só moveria um processo se tivesse um claro direito a ganhar caso em que o réu eventual não se defenderia preferindo pagar As pessoas poderiam ain da mover processos quando os fatos fossem discutíveis pois cada parte poderia esperar convencer o juiz ou o júri de que sua visão dos fatos era historicamente correta12 Mas ninguém abriria um processo com a esperança de convencer um juiz a estender uma regra inquestionável de maneira polêmica e o que é ainda mais importante ninguém jamais ajustaria sua conduta com a expectativa de que um tribunal pudesse esten der uma regra se por alguma razão seus problemas fossem levados ao mesmo Assim o unilateralismo não é nem mesmo uma interpretação remotamente aceitável de nossa conduta e prática jurídicas O convencionalismo estrito parece mais aclitável do que o unilateralismo exatamente por ser bilateral Não estipula que o réu tem direito a ganhar um processo sempre que e apenas porque o pleiteante não o tem insiste eraf que ambas as partes podem não ter o direito de ganhar Mas esse fato mesmo exige que um convencionalista encontre uma justificativa política mais complexa do que aquela que descrevi há pouco Ele deve sustentar não apenas que a surpresa é ineficaz e indesejável mas que em certas circunstâncias deve ser aceita contudo devido a outro princípio ou politica mais importante Deve mostrar que a estrutura bilateral do convencionalismo realmente 1 2 0 unilateralismo seria ainda mais eficaz ao protegeras pessoas con tra uma intervenção imprevista do Estado se sempre atribuísse ao pleiteante o ônus da prova nos casos de problemas factuais 176 O IMPÉRIO DO DIREITO estabelece uma distinção entre diferentes circunstâncias aque las nas quais a surpresa deve ser evitada e aquelas nas quais por essas razões antagônicas é preciso tolerála Convenção e coordenação Alguns filósofos do direito propõem um argumento que tenta atingir exatamente esse objetivo Tentam explicar por que a surpresa é em geral indesejável e também quando deve ser aceita apesar de tudo Apresentarei esse argumento naquilo que me parece ser sua forma mais persuasiva13 O objetivo do con vencionalismo não é apenas proteger os litigantes contra a sur presa mas um objetivo muito mais complexo que inclui este de conseguir os benefícios sociais da atividade coordenada tanto privada quanto comercial As pessoas necessitam de regras para viver e trabalhar juntas com eficiência e precisam ser protegidas quando confiam em tais regras Contudo esti mular e recompensar a confiança nem sempre são atitudes de importância decisiva às vezes é melhor que certas questões permaneçam sem regulamentação por convenção para permitir o jogo de opiniões independentes por parte dos juízes e do público quanto àquilo que os juízes poderão vir a decidir Esse equilíbrio entre confiança e flexibilidade é possibilitado pela estrutura bilateral do convencionalismo A convenção estabele ce certos procedimentos de tal modo que quando se adotam regras claras segundo esses procedimentos as pessoas podem confiar na intervenção do Estado em seu próprio interesse po dem também confiarem que o Estado não vai intervir por injun ção de outros cidadãos salvo quando essas regras estipulem e podem assim planejar e coordenar seus negócios Contudo quan do esses procedimentos deixaram lacunas as pessoas sabem que não têm direito de se apoiar em nada exceto que se suas ativi 13 Comparar com G Postema Coordinaiion and Cotivention ai lhe Foundations of Law 11 Journal of Legal Sludies 165 19821 Comparar com F Hayek Law Legislaiion and Liberty 2 vols Chicago 1973 1976 CONVENCIONALISMO 177 dades provocarem um litígio os juízes decidirão seu destino mediante a elaboração daquilo que pelo menos na opinião deles constitui a melhor regra para o futuro Essa descrição das virtudes do convencionalismo ajusta se muito bem à diferença que descrevi anteriormente entre acordo por convenção e acordo de convicções e também com as recentes explicações filosóficas sobre o que é uma conven ção14 Uma convenção existe quando as pessoas seguem certas regras ou máximas por razões que incluem essencialmente suas expectativas de que outros seguirão as mesmas regras ou máximas e seguirão regras por esse motivo quando acredita rem que considerados todos os fatores ter uma regra estabele cida é mais importante do que ter qualquer regra em particular A convenção de que quando cair uma ligação telefônica a pes soa que fez a chamada voltará a ligar e a outra aguardará segue esse modelo ao pé da letra Assim o fazem as conven ções que constituem o código de trânsito Nossa razão para dirigir à direita nos Estados Unidos e à esquerda na Inglaterra se resume ao fato de esperarmos que os outros façam o mes mo juntamente com a crença de que é mais importante haver uma regra comum do que uma em lugar da outra No caso do código de trânsito não temos razão para pensar que uma regra seja melhor que outra Mas mesmo que tivéssemos tal razão mesmo que considerássemos mais natural que os destros que constituem a maioria dirigissem à direita nossas razões para querer que todos dirijam do mesmo ladíj ainda assim seriam muito mais fortes Na situação contrária quando não existe convenção mas apenas acordo de convicções todos seguem a mesma regra mas o fazem sobretudo por acreditarem individualmente que se trata da melhor regra a seguir Todos consideramos errado infligir dor gratuitamente mas nossa razão para obedecer a tal principio não é que os outros o fazem Pode ser que se os ou tros não seguissem a regra que para nós é a melhor teríamos de fato uma razão para deixarmos também de seguila Talvez 14 Ver Lewis aciman 3 178 O IMPÉRIO DO DIREITO se ninguém mais achasse errado matar ou roubar seria im prudente continuar agindo com base em nossos escrúpulos atuais Nesse caso porém teríamos uma razão antagônica ou inconciliável que entraria em conflito com nossa principal ra zão positiva para não matár ou roubar Nas amais circunstân cias quando a maioria das pessoas compartilha as nossas mes mas crenças sobre o assassinato esse fato não constitui a prin cipal razão que nos leva a agir da maneira que achamos que de vemos agir Nosso novo argumento em favor das virtudes políticas do convencionalismo usa essas distinções para demonstrar por que a linha demarcatória que essa teoria traça entre os casos resolvidos pelo direito e os casos que exigem a criação judicial de direito alcança o equilíbrio correto entre a previsibilidade e a flexibilidade Ocorre muitas vezes queo acordo sobre as regras de direito privado é mais importante que a natureza des sas regras pelo menos no âmbito de limites mais vastos É de sejável dispor de procedimentos convencionais como a legisla ção e o precedente de tal modo que as pessoas possam confiar em quaisquer decisões que venham a ser tomadas através des ses procedimentos Poderia ser muito importante por exem plo que se estabelecesse e de forma decisiva se e quando os motoristas imprudentes são responsáveis pelos danos mo rais que infligem a outros além de suas vítimas imediatas As seguradoras podem então fixar inteligentemente os prêmios e as pessoas podem tomar decisões inteligentes sobre o tipo de seguro a fazer o preço a pagar e os riscos a correr Isso não sig nifica que para o bemestar social as regras estabelecidas não façam diferença alguma As regras de responsabilidade não são iguais às regras de trânsito Poderia ser mais ou menos eficien te ou mais ou menos justo atribuir responsabilidade a uma parte ou à outra e é por isso que é importante que a legislatura ou os tribunais qualquer que seja o primeiro a estabelecer a regra tome a decisão substantiva correta Contudo uma vez implantado um conjunto de regras em vez de pensar que são as melhores regras disponíveis poderíamos considerar mais impor tante que fossem vistas pelo público como estabelecidas para CONVENCIONALISMO 179 que as pessoas pudessem fazer seus planos de acordo com elas isto oferece uma razão para que os tribunais deixem a regra in tacta mesmo quando acharem que foi feita uma escolha errada na primeira instância Suponhamos agora que um uniiateralista viesse a objetar nos seguintes termos uma vez que a coordenação é tão impor tante nesse domínio seria necessário permitir que a convenção ocupasse o domínio todo do modo por ela recomendado De veríamos considerar estabelecido que os motoristas só são res ponsáveis pelos danos explicitamente estipulados em leis cla ras de tal modo que os motoristas e as vítimas potenciais pos sam assegurarse e fazer seus planos com antecedência O con vencionalista agora tem uma defesa convincente de seu bilate ralismo contra essa objeção Uma vez que importa até certo ponto e talvez muito qual foi a regra escolhida agiríamos melhor se só usássemos a convenção para proteger decisões que alguma instituição política responsável tenha tomado com base nos méritos recusandonos a aceitar decisões por revelia isto é decisões que na verdade ninguém tomou Se foi toma da alguma decisão sobre a responsabilidade por danos morais e não cabe controvérsia alguma sobre a natureza da decisão então todos devem ter o direito de que tal decisão seia cumprida até que do mesmo modo ela seja publicamente desautorizada Mas se não se tomou decisão alguma então o tribunal deve ser livre para decidir com base nos méritos tomando a melhor deci são para o futuro embora levando em cont é claro a coerên cia estratégica Convencionalismo e pragmatismo A defesa do convencionalismo que até aqui apresentamos tem duas partes a primeira é que um julgamento sábio consis te em encontrar o exato equiííbrio entre previsibilidade e flexi bilidade a segunda é que o exato equilíbrio é assegurado pelos juízes sempre respeitando as decisões explícitas tomadas no passado por instituições políticas mas sem aplicar decisões por 180 O IMPÉRIO DO DIREITO revelia como o faz o unilateralismo A segunda parte parece mais vulnerável do que a primeira Por que essa política tão rígida assegura o exato equilíbrio em vez de uma política mais sofisticada que pudesse ser sensível aos méritos antagônicos da previsibilidade e da flexibilidade caso por caso A segunda concepção geral de direito que introduzi no último capítulo o pragmatismo jurídico afirma que as pessoas nunca têm direito a nada a não ser a decisão judicial que ao finai se revelar a melhor para a comunidade como um todo sem considerar ne nhuma decisão politica tomada no passado Portanto não têm o direito de que se use o poder coletivo do Estado em seu bene fício nem de que não se use contra elas em razão simplesmen te do que uma legislatura ou outro tribunal tenha decidido no passado Veremos em poucas palavras que o pragmatismo é menos radical do que essa descrição pode fazêlo parecer pois reconhece razões estratégicas pelas quais as leis devem ser geralmente aplicadas de acordo com seu significado manifesto e pretendido e pelas quais as decisões judiciais anteriores devem ser normalmente respeitadas nos casos atuais Do con trário o governo perderia seu poder de controlar o comporta mento das pessoas o que sem dúvida viria a piorar a comuni dade como um todo Essas porém são apenas razões de estra tégia e um pragmático acha que os juízes devem estar sempre prontos a rejeitar tais razões quando acreditam que modificar as regras estabelecidas no passado irá favorecer o interesse geral a despeito de provocar algum dano à autoridade das ins tituições políticas Uma sociedade abertamente comprometida com o prag matismo jurídico seria diferente de uma sociedade conscien temente convencionalista Suponhamos que a sra McLoughlin tivesse estado na cena do acidente de acordo com o conven cionalismo ela teria o direito de ser indenizada em virtude de decisões anteriores Um juiz pragmático poderia talvez deci dir em tal caso invalidar essas decisões passadas Ele deve ser sensível a considerações de natureza estratégica que vão incluir uma preocupação com as vantagens da coordenação Desse modo mesmo acreditando que de um ponto de vista CONVENCIONALISMO 181 econômico a melhor decisão seria negar qualquer indeniza ção por danos morais ainda assim ele indagaria se o papel do direito ao estimular a confiança e a coordenação seria muito prejudicado se ignorasse os precedentes e nesse caso se tai perda seria compensada pelos ganhos que a mudança o leva a prever Mas ele poderia concluir que o prejuízo ao papel desempenhado pelo direito seria pequeno e o ganho econô mico grande e assim decidirse a não permitir nenhuma in denização A diferença prática entre as duas teorias da jurisdição é portanto a seguinte em um regime convencionalista os juízes não se considerariam livres para alterar regras adotadas con forme as convenções jurídicas correntes exatamente porque após o exame de todos os aspectos da questão uma regra dife rente seria mais justa ou eficiente Em um regime pragmático nenhuma convenção desse tipo seria reconhecida e ainda que os juízes normalmente ordenassem o cumprimento de decisões tomadas por outras instituições políticas no passado eles não reconheceriamnenhum dever geral de fazêlo Em uma socie dade convencionalista alguém que planejasse seus assuntos poderia basearse em decisões anteriores endossadas por uma convenção Em uma sociedade pragmática porém ele teria de prever se os juízes considerariam seu caso como um daqueles em que as virtudes da previsibilidade são menos importantes do que a substância da lei e no caso de considerarem a subs tância mais importante se veriam uma decisão favorável a ele como melhor ou pior para a comunidade O pragmatismo torna um pouco mais difícil prever o modo como vão comportarse os tribunais nos casos que do ponto de vista do convenciona lismo são fáceis Mas o pragmatismo tem vantagens corres pondentes Deixa os juízes livres para mudarem as regras quan do pensam que a mudança seria ligeiramente ao menos mais importante que qualquer mal que a mudança pudesse causar Também estimula a comunidade a esperar tais mudan ças e desse modo obtém uma boa parte do beneficio da mu dança sem o desgaste do litígio ou sem o dispendioso incerto e inconveniente processo de crifção de direito 182 O IMPÉRIO DO DIREITO Qual desses dois diferentes regimes o convencionalismo ou o pragmatismo parece capaz de produzir o melhor equilí brio entre previsibilidade e flexibilidade e portanto a estrutu ra mais eficiente para coordenar as ações dos cidadãos a longo prazo Não temos razãd alguma para pensar que um ou o outro seria o melhor para todas as comunidades em todas as épocas Muito vai depender de detalhes relativos ao desenvolvimento econômico modelos de comércio tecnologia ideologia tipos e níveis de conflito social etc Sem dúvida essas característi cas de uma sociedade serão elas próprias influenciadas por seu estilo dominante de prestação jurisdicional Mas isso torna ainda mais irracional supor que qualquer argumento a priori poderia demonstrar que uma estratégia será sempre a mais cer ta Bem aqui nesse fato temos um argumento se tivéssemos de escolher uma das duas estratégias para xim futuro indefinido seria melhor escolher o pragmatismo que é muito mais adap tável Se a estrutura econômica e social de nossa comunidade se desenvolve de tal modo que retrospectivamente parece que uma estratégia convencionalista teria sido mais apropriada então o pragmatismo já terá levado o modelo dominante de jurisdição muito próximo do convencionalismo Pois tanto os juízes quanto as pessoas comuns terão percebido que a esfera que deveria ser dominada pela previsibilidade é muito vasta e os cidadãos farão seus planos pressupondo que os juízes ado tam esse ponto de vista e portanto não reverterão com fre qüência a prática jurídica estabelecida O contrário porém não é verdadeiro O sistema convencionalista não tem a capa cidade de chegar a nada que se assemelhe à flexibilidade do pragmatismo pois qualquer abrandamento envolveria inevita velmente o fracasso da expectativa publicamente estimulada Não quero dizer que endosso o pragmatismo Seus méri tos e defeitos constituem o tema do próximo capítulo Quero apenas oferecer a seguinte resposta ao argumento da coordena ção como um argumento favorável ao convencionalismo Se formos tentados a optar pelo convencionalismo com base no argumento de que oferece uma estratégia aceitável para che gar ao equilíbrio mais eficaz entre certeza e flexibilidade de CONVENCIONA LISMO 183 vemos então optar pelo pragmatismo que parece ser uma estra tégia muito melhor Em resumo na primeira parte deste capí tulo afirmei que o convencionalismo se ajusta mal a nossas práticas jurídicas Indaguei se tal concepção justificaria essas práticas oferecendo um quadro sedutor da finalidade do direi to caso se ajustasse bem Vimos agora que não que não temos razão para forçálo a esse ajuste O insucesso do convenciona lismo enquanto interpretação do nosso direito é completo pois ocorre nas duas dimensões da interpretação r Capítulo V Pragmatismo epersonificação Uma concepção cética Muitos leitores devem ter ficado chocados e outros antes encantados com minha descrição inicial do pragmatismo jurí dico no capítulo III Devo agora substituíla por uma apresen tação mais complexa mas espero ainda assim interessante com o objetivo de mostrar a diferença principal entre pragma tismo e direito como completeza O pragmático adota uma ati tude cética com relação ao pressuposto que acreditamos estar personificado no conceito de direito nega que as decisões políticas do passado por si sós ofereçam qualquer justificati va para o uso ou não do poder coercitivo do Estaco Ele encon tra a justificativa necessária à coerção na justiça na eficiência ou em alguma outra virtude contemporânea da própria decisão coercitiva como e quando eia é tomada por juízes e acrescen ta que a coerência com qualquer decisão legislativa ou judicial anterior não contribui em princípio para a justiça ou a virtude de qualquer decisão atual Se os juízes se deixarem guiar por esse conselho acredita ele então a menos que cometam gran des erros a coerção que impõem tornará o futuro da comuni dade mais promissor liberado da mão morta do passado e do fetiche da coerência pela coerência Os juízes certamente vão divergir sobre qual regra estabe lecida em que circunstâncias seria de fato melhor para o futuro sem levar em consideração o passado Em alguns casos não 186 O IMPÉRIO DO DIREITO estarão de acordo sobre as conseqüências prováveis de uma re gra específica e em outros pelo fato de terem concepções dife rentes sobre o que é uma boa comunidade Alguns pensarão que uma boa comunidade nunca estabelece regras coercitivas a não ser para fazer cumprir òs deveres morais e que portanto o sr 0Brian deve ser obrigado a indenizar a sra McLoughlin se e apenas se tiver o dever moral de fazêlo Outros pensarão que o valor de uma comunidade depende em grande parte de sua prosperidade de modo que o sr 0Brian deveria ser obrigado a indenizar a sra McLoughlin se a prática da indenização em tais circunstâncias aumentar a riqueza da comunidade como um todo Enquanto concepção do direito o pragmatismo não esti pula quais dentre essas diversas noções de uma boa comunida de são bem fundadas ou atraentes Estimula os juízes a decidir e a agir segundo seus próprios pontos de vista Pressupõe que essa prática servirá melhor à comunidade aproximandoa da quilo que realmente é uma sociedade imparcial justa e fefiz do que qualquer outro programa alternativo que exija coerência com decisões já tomadas por outros juizes ou pela legislatura Segundo nossa apresentação abstrata conceituai da prá tica jurídica uma pessoa tem a pretensão juridicamente prote gida de ganhar um processo se esse direito decorrer de deci sões políticas anteriores O convencionalismo oferece uma teo ria positiva não cética dos direitos que as pessoas possuem elas têm como pretensões juridicamente asseguradas todos os direitos que as convenções jurídicas extraem de decisões polí ticas tomadas no passado O direito como completeza é tam bém uma teoria não cética das pretensões juridicamente prote gidas sustenta que as pessoas têm como pretensões juridica mente protegidas todos os direitos que são patrocinados pelos princípios que proporcionam a melhor justificativa da prática jurídica como um todo O pragmatismo ao contrário nega que as pessoas tenham quaisquer direitos adota o ponto de vista de que elas nunca terão direito àquilo que seria pior para a comu nidade apenas porque alguma legislação assim o estabeleceu ou porque uma longa fileira de juízes decidiu que outras pes soas tinham tal direito PRA GMA TI SM O E PERSONIFICA ÇÃO 187 Os direitos e os deveres jurídicos constituem uma parte familiar de nossa cena jurídica o leitor portanto poderia sur preenderse com o fato de alguém propor o pragmatismo como interpretação possível de nossa prática atual Os pragmáticos contudo têm uma explicação sobre por que a linguagem dos direitos e deveres figura no discurso jurídico Afirmam com fundamentação pragmática que os juízes devem às vezes agir como se as pessoas tivessem direitos porque a longo prazo esse modo de agir servirá melhor à sociedade O argumento em favor dessa estratégia do como se é bastante direto a civilização é impossível a menos que as decisões de uma pes soa ou de um grupo bem definido sejam aceitas por todos como instauradoras de normas públicas que se necessário serão apli cadas pelo poder de polícia Só a legislação pode estabelecer taxas de tributação estruturar mercados determinar códigos e sistemas de trânsito estipular taxas de juros aceitáveis ou deci dir quais construções em estilo georgiano devem ser preserva das da modernização Se os juízes fizessem uma seleção na le gislação fazendo cumprir apenas as leis que aprovaram isso levaria ao fracasso do objetivo pragmático pois em vez de me lhorar as coisas acabariam por tornálas muito piores Assim o pragmatismo pode ser uma interpretação posávet de nossas práticas jurídicas se se verificar que nossos jinzes declaram que as pessoas têm direitos apenas ou principalmente quando um juiz conscientemente pragmático pretender que elas os têm O pragmatismo poderia ser menos radical na prática do que parece sêlo em teoria Os advogados acadêmicos que mencionei no primeiro capítulo que se autodenominavam realistas fizeram o prag matismo parecer muito radical Alguns deles encontravam gran de satisfação nas declarações provocativas que faziam a res peito de sua posição o direito não existe diziam ou o direito não passa da previsão do que farão os tribunais ou é apenas uma questão daquilo que os juízes tomaram no café da manhã Às vezes fazem essas afirmações radicais na forma de teorias semânticas alguns afirmavam que as proposições jurídicas são sinônimo de predições daquilo que os juizes farão ou que não 188 O IMPÉRIO DO DIREITO passam de expressões da emoção não sendo portanto de ma neira alguma proposições de fato O realismo está hoje fora de moda em grande parte como conseqüência dessas tolas afir mações semânticas E evidente que as proposições jurídicas não são predições disfarçadas ou expressões do desejo Assim os professores da doutrina ensinam a seus alunos que o realis mo jurídico foi um exagero desnecessário de alguns aspectos da prática jurídica mais bem descrita de modo menos acalorado Mas o pragmatismo é uma concepção interpretativa do direito e não uma teoria semântica Como tentarei demonstrar agora tratase de uma concepção do direito mais poderosa e persuasi va do que o convencionalismo e um desafio mais forte ao direito como completeza O pragmatismo é conveniente Direitos comose Deveríamos começar nosso exame do pragmatismo pela questão que há pouco colocamos Será que os juízes e juristas reconhecem os direitos principalmente em circunstâncias que poderiam ser explicadas em bases pragmáticas Devemos nos perguntar qual estratégia adotaria um juiz conscientemente prag mático e sofisticado ao fingir que as pessoas têm direitos legais Ele tentaria encontrar o exato equilíbrio entre a previsibilidade necessária para proteger as valiosas instituições da legislação e do precedente e a flexibilidade necessária a si mesmo e a outros juízes para aperfeiçoar o direito através do que fazem no tri bunal Qualquer estratégia geral para chegar a isso seria provi sória um juiz pragmático estaria pronto a rever sua prática ao ampliar ou reduzir o alcance daquilo que considera como direi tos à medida que a experiência aperfeiçoasse os cálculos com plicados dos quais dependeria qualquer estratégia desse tipo Pelas razões examinadas ele sem dúvida incluiria em sua lista de direitos como se os direitos que uma iegislação clara pretende criar Mas não decidiria necessariamente honrar todos PRA OMA TISMO PERSONIFICA ÇÀO 189 os direitos conferidos por todas as leis Poderia excluir leis antigas como as que proíbem a contracepção por mais claras e precisas que pudessem ser se fossem apenas relíquias de políticas já há muito abandonadas se não representassem nenhu ma decisão política contemporânea e portanto não desempe nhassem nenhum papel útil na coordenação atual do compor tamento social1 Em termos gerais reconheceria como direitos do tipo como se aqueles declarados por outros juízes em deci sões anteriores mas de novo não incluiria todas essas de cisões Pensaria que os juízes devem manter o poder de rejeitar decisões judiciais do passado se estas fossem especialmente irrefletidas mesmo que suficientemente claras para fornecer uma linha de conduta aos litigantes Assim uma bem fundada estratégia como se produziria uma doutrina atenuada de res peito às leis e aos precedentes Não obstante um pragmático sofisticado poderia ser ten tado por razoes que consideraria totalmente respeitáveis a disfarçar essas atenuantes Poderia achar melhor às vezes simular a aplicação de uma lei antiga ou obsoleta ou de um precedente malicioso e tolo quando na verdade os estaria igno rando Nesse caso poderia apresentar sua decisão como uma surpreendente interpretação da lei ou do precedente quando na verdade não se trata disso Um pragmático consumado con sideraria a questão de disfarçar ou não e em que medida sua decisão real desse modo simplesmente como mais uma ques tão de estratégia Estará a comunidade to ansiosa de que seus juízes não se comportem como pragmáticos que essa nobre mentira o ajudará a melhor servir a seus verdadeiros interes ses a longo prazo Ou as pessoas descobrirão a mentira e fica rão menos dispostas a aceitar suas decisões e deixarse condu zir por elas do que se ele tivesse se mostrado mais franco já desde o início Ou essa sociedade será pior por ter sido enga nada e somente por essa razão pois nunca faz parte dos verda deiros interesses das pessoas que se minta para elas mesmo 1 Ver Guido Calabresi A Common Law for lhe Age of Statuies Cam bridge Mass 1982 190 O IMPÉRIO DO DIREITO que nunca descubram a mentira Não se trata de tomar uma decisão do tipo oito ou oitenta um pragmático deveria chegar a sua concepção de modo tão abertamente pragmático quanto lhe permita sua ousadia disfarçando apenas aqueles elementos sua doutrina da obsoléscência talvez que a comunidade não está totalmente preparada para aceitar Um estudo de caso regulamentação prospectiva Assim um pragmático consciente poderia decidir casos recorrendo a maneiras e mesmo a palavras que nos são familiares Além de qualquer estratégia de mentira nobre ele terá outras razões para obedecer a certas práticas conhecidas que num primeiro momento poderia sentirse tentado a des cartar Um juiz pragmático imaginativo poderia ser tentado por exemplo a dissociar a questão de qual regra deveria esta belecer para o futuro da questão de como deveria decidir o caso que tem diante de si Suponhamos que ele observe que Élmer provavelmente utilizará a herança de uma forma que benefi ciará a comunidade mais do que qualquer uso que a ela pudes sem dar Goneril e Regan Vai aplicála enquanto estiver preso e usála de maneira benéfica para a sociedade quando for solto enquanto elas gastarão o dinheiro em artigos de luxo importados Por que não desferir um golpe voltado para o futu ro evitar novos assassinatos ao declarar que 110 futuro os assassinos não poderão herdar mas fomentar a prosperidade social permitindo que Élmer gatthe Essa estratégia sutil depen deria de que outros juízes obedecessem à nova regra quando se vissem diante de assassinos reclamando suas heranças em vez de decidirem por si mesmos se o assassino gastaria o dinhei ro de maneira mais útil que os herdeiros necessários Mas nosso juiz poderia garantir isso ao deixar clara sua intenção de que a nova regra seja aplicada a todos os casos futuros e que a exce ção de Élmer só se tornou possível pelo fato de nenhum juiz ter estabelecido uma regra semelhante antes de Élmer cometer seu crime PRA OMA TISMO E PERSONIFICA ÇÀO 191 Contudo se um juiz pragmático refletir bem sobre o assunto terminará por descartar essa técnica de regulamenta ção exclusivamente prospectiva a não ser em circunstâncias muito especiais Ele perceberá que se essa técnica se tornasse popular as pessoas que poderiam beneficiarse de novas re gras voltadas para o futuro perderiam o incentivo de levar ao tribuna novos casos em que essas regras poderiam ser anun ciadas para o futuro As pessoas só pleiteam esses casos em juízo o que é ao mesmo tempo arriscado e caro porque acre ditam que se conseguirem convencer algum juiz de que uma nova regra seria de interesse público essa nova regra será apli cada retroativamente em seu favor Se lhes negarem tal possi bilidade não abrirão processo algum e a comunidade perderá os benefícios que lhes seriam conferidos pelas novas regras Por outro lado se de modo quase invariável um juiz prag mático aplicar suas novas regras retroativamente e incentivar outros juizes a fazer o mesmo isso resultará em outro benefi cio muito importante para a sua comunidade Percebemos esse benefício ao descobrir por que o convencionalismo é pior que o pragmatismo para coordenar o comportamento social Se as pessoas souberem que uma nova regra será aplicada retroa tivamente elas irão comportarse de acordo aom quaisquer regras que segundo imaginam os tribunais considerarão de in teresse geral e isso constituirá uma grande parte da vantagem de tais regras sem a necessidade de elaboração de novas leis ou jurisprudência Suponhamos que nunéa tenha sido estabele cido que as pessoas que aceitam um cheque que acreditam ser falso possam ainda assim cobrálo A legislatura nunca teve a oportunidade de manifestarse sobre o assunto e o problema jamais chegou aos tribunais Ainda assim qualquer um que lide com cheques e reflita sobre a questão tem claro que em tais circunstâncias é do interesse público recusar a cobrança Se uma pessoa a quem se oferece um cheque obviamente falso acreditar que se a questão for levada ajuízo um tribunal esta belecerá uma regra recusando o ressarcimento futuro e aplica rá essa regra contra ela não aceitará o cheque logo de inicio e a sociedade será beneficiada pela melhor regra sem arcar com os 192 O IMPÉRIO DO DIREITO custos de um litígio ou incorrer nas desvantagens de práticas co merciais iníquas antes que o caso vá ajuízo O velho obstáculo Parece que o pragmatismo adaptase melhor a nossas prá ticas jurídicas que o convencionalismo Pusemos o convencio nalismo à prova contra duas perspectivas de nossa prática em corte transversal como uma descrição daquilo que certos juí zes fazem em casos específicos e ao longo do tempo como uma narrativa do desenvolvimento e da evolução da cultura jurídica como um todo O convencionalismo mostrouse falho nessa última perspectiva Sua imagem do direito como uma questão de convenções um jogo com espaços vários entre as regras apresenta uma descrição muito distorcida do modo como as práticas estabelecidas vêm a ser questionadas e modi ficadas O pragmatismo oferece uma versão mais promissora Mostra que as estratégias para perseguir o interesse geral que parecem óbvias em uma geração passarão a ser questionadas em outra portanto serão naturalmente modificadas no âmbito do processo judicial e não fora dele O convencionalismo mos trouse igualmente falho na primeira perspectiva Não foi capaz de explicar o traço dominante da deliberação judicial em casos difíceis como os dos nossos exemplos a constante e incansável preocupação que têm os juízes de explicar a verda deira força de uma lei ou de uma decisão anterior quando essa força é problemática Será que a estratégia do como se do pragmatismo oferece uma explicação melhor Ou também sucumbe diante desse obstácuio Um juiz pragmático não tem nenhuma razão direta para preocuparse como os juízes do caso Élmer com as intenções dos legisladores que primeiro adotaram a lei de testamentos de Nova York Ele pensa que a única razão válida para aplicar leis de cuja sabedoria duvida consiste em proteger a capacidade da legislatura de coordenar o comportamento social Portanto não vê motivo para tentar aplicar instruções legais tão pouco PRACMA TISMO E PERSONIFICAÇÃO 193 claras que qualquer confiança nelas seria especulativa tão vagas que não podem contribuir de maneira alguma para a coordenação Em particular não vê por que tentar descobrir as intenções de legisladores mortos há muito tempo intenções que de qualquer modo devem ser obscuras polêmicas e ina cessíveis ao grande público Ele acha muito melhor insistir em que quando uma lei é muito confusa não pode ser a fonte de nenhum direito do tipo como se que a regra correta é aquela que se mostrar melhor para o futuro Assim o juiz pragmático só se comportará como Earl no caso Élmer se tiver uma razão indireta uma mentira nobre que o leve a fazer de conta que as intenções legislativas são relevantes E muito improvável que ele encontre uma razão desse tipo Pois a capacidade da legis latura atual de fazer valer sua vontade sai praticamente ilesa se os juízes se recusarem a especular sobre a maneira de interpre tar regras nebulosas de um passado remoto ou sobre quais teriam sido as intenções de pessoas muito diferentes dos legis ladores contemporâneos se tivessem refletido sobre um pro blema que na verdade ignoravam Em sua teoria sobre direitos como se um juiz pragmáti co encontrará lugar para uma doutrina do precedente As pes soas podem planejar seus assuntos com mais confiança se tive rem uma orientação melhor sobre quando e como o Estado vai intervir e a comunidade portanto estará muito melhor se pu der racionalmente examinar as decisões judiciais anteriores para prever as próximas Uma vez maiaç porém essa justifica tiva para respeitar o precedente não se sustenta quando o alcan ce de uma decisão anterior é obscuro e polêmico Assim um pragmático não tem nenhuma razão direta para empenharse em descobrir o verdadeiro fundamento dessa decisão tentando ler a mente dos juízes que a tomaram ou mediante qualquer outro processo de adivinhação Ele também não se sente obrigado a de cidir casos posteriores por analogia com casos anteriores pelo menos quando houver espaço para a divergência sobre a seme lhança ou a diferença entre os casos atuais e os do passado Imaginemos um juiz pragmático decidindo o caso McLou ghlin Ele põe de lado a questão de se há alguma importante 194 O IMPÉRIO DO DIREITO diferença de princípio entre o caso da mãe que sofre danos morais ao ver seu filho ser atropelado por um carro e da mãe que passa pelo mesmo tipo de dano ao ver seu filho ensan güentado em um hospital Insiste na necessidade de separar os dois casos Há um precedente direto no primeiro caso e ele sabe que uma estratégia bem fundada poderia exigirlhe que seguisse esse precedente Não há nenhum precedente direto no segundo e ele então se sente livre para decidir como lhe pare cer melhor a partir do nada haja ou não uma diferença de princípio entre os dois casos Estabelecer uma relação entre os dois casos não fomenta o planejamento uma vez que de qual quer modo a relação é controversa e a flexibilidade se vê me lhorada pela separação de ambos Uma vez mais só podemos defender que o pragmatismo corresponde bem àquilo que os juízes realmente fazem e dizem nos casos difíceis se admitir mos que o pragmático teria as razões da nobre mentira para formular e acatar a interpretação dos casos anteriores como ten do o mesmo íiindamento que a presente situação Uma vez mais esse pressuposto é muito implausível O público não se sentirá insultado se lhe disserem que os precedentes ficarão restritos a seus verdadeiros sentidos O poder geral que têm os preceden tes de orientar o comportamento não será muito ameaçado se os juízes se recusarem a seguilos quando os conselhos que ofere cem forem muito obscuros Assim o pragmatismo só pode ser resgatado como uma boa explicação de nossa imagem transversal da decisão judi cial por meio de um mecanismo procustiano que parece extre mamente inadequado Só pode ser resgatado se não tomarmos as opiniões judiciais em seu significado literal precisamos tra tar todos os juizes que se preocupam com leis e precedentes problemáticos como se praticassem uma forma imotivada de impostura Devemos vêlos como se inventassem novas regras para o futuro de acordo com suas próprias convicções sobre o que é melhor para a sociedade como um todo livres de quais quer pretensos direitos que decorreriam da coerência com a juris prudência mas apresentandoas por razões desconhecidas com a falsa aparência de regras extraídas do passado O prag PRA GMA TISMO E PERSONIFICA ÇÂO 195 matismo precisa de epiciclos para sobreviver como uma inter pretação possível de nossa prática e esses epiciclos só podem ser tolerados se o pragmatismo for tão poderoso na segunda dimensão da interpretação jurídica tão atraente enquanto jus tificativa política para a coerção do Estado que se torne mere cedor de um apoio heróico para sua sobrevivência Será que merece O direito sem direitos O pragmatismo é uma concepção cética do direito porque rejeita a existência de pretensões juridicamente tuteladas genuínas não estratégicas Não rejeita a moral nem mesmo as pretensões morais e políticas Afirma que para decidir os casos os juízes devem seguir qualquer método que produza aquilo que acreditam ser a melhor comunidade futura e ainda que alguns juristas pragmáticos pudessem pensar que isso sig nifica uma comunidade mais rica mais feliz ou mais poderosa outros escolheriam uma comunidade com menos injustiças com uma melhor tradição cultural e com aquilo que chamamos de alta qualidade de vida O pragmatismo não exclui nenhuma teoria sobre o que toma uma comunidade rnemor Mas tam bém não leva a sério as pretensões juridicamente tuteladas Rejeita aquilo que outras concepções do direito aceitam que as pessoas podem claramente ter diretos que prevalecem sobre aquilo que de outra forma asseguraria o melhor futuro à sociedade Segundo o pragmatismo aquilo que chamamos de direitos atribuídos a uma pessoa são apenas os auxiliares do melhor futuro são instrumentos que construímos para esse fim e não possuem força ou fundamento independentes É possível porém passar por alto esse aspecto importante do pragmatismo e devemos ter o cuidado de não cair na arma dilha Os juristas que acham que os juízes devem adotar uma atitude pragmática com relação às pretensões juridicamente tute ladas às vezes dizem que a comunidade assim decidiu que deve ser pelo menos tacitamente Mais exatamente a comunidade 196 O IMPÉRIO DO DIREITO resolveu delegar aos juízes o poder de julgar os processos da maneira que a seus olhos melhor sirva aos interesses da co munidade como um todo e de inventar com esse objetivo em mente teorias úteis do tipo como se inclusive teorias sobre a legislação e o precedente É uma tentativa ousada de unir o pragmatismo e o convencionalismo Faz do pragmatismo o con teúdo de uma vasta e abrangente convenção segundo a qual os juízes devem decidir seus casos de maneira pragmática Uma vez que na melhor das hipóteses o convencionalismo não é uma concepção de direito mais poderosa do que o pragmatis mo esse casamento dificilmente melhoraria a situação deste último De qualquer modo porém esse casamento é uma farsa Não é verdade que norteamericanos e ingleses por exem plo concordaram tacitamente em delegar o poder legislativo aos juízes dessa maneira O pragmático pode dizer os juízes decidem com bases pragmáticas o tempo todo e as pessoas não se revoltam nem exigem uma impugnação Isso coloca dois problemas Primeiro pressupõe que o pragmatismo ofere ce a melhor explicação do modo como os juízes realmente decidem os casos Já vimos que assim fica por explicar um traço dominante da prática judicial a atitude que os juízes assumem com relação às leis e aos precedentes nos casos difí ceis a não ser na incômoda hipótese de que essa prática se destina a enganar o público caso em que o público não terá dado seu consentimento Em segundo lugar pressupõe que a comunidade acredita e aceita a explicação pragmática do modo como os juizes decidem os casos e esse pressuposto parece incorreto Não existe sem dúvida uma convenção que permita aos juízes adaptar seus pontos de vista sobre os direitos das partes a razões puramente estratégicas Pelo contrário como observamos no começo deste livro a maioria das pessoas pen sa que os juízes que agem desse modo são usurpadores Portanto se quisermos apoiar o pragmatismo na segunda dimensão a política devemos aceitar e em seguida explorar sua característica central seu ceticismo quanto às pretensões juri dicamente tuteladas O pragmático pensa que os juizes deve riam sempre fazer o melhor possível para o futuro nas circuns PRA GMA TÍSMO E PERSONIFICAÇÃO 197 tâncias dadas desobrigados de qualquer necessidade de respei tar ou assegurar a coerência de princípio com aquilo que outras autoridades públicas fizeram ou farão Essa idéia explica a estimulante retórica do início do movimento realista que já mencionei aqui por que disseram que o direito não existe que o direito é apenas uma previsão do que farão os juízes Essas proposições supostamente extremas são muito mais fáceis de entender como declarações provocativas de uma posição polí tica do que como alegações semânticas Não faço tal afirma ção em tom triunfante O fato de que um verdadeiro pragmáti co rejeita a idéia de pretensões juridicamente tuteladas não é um argumento decisivo contra essa concepção Pois não é evi dente que a idéia dessa proteção jurídica seja atraente nem mesmo sensata Pelo contrário é muito fácil fazer com que essa idéia pareça tola O pragmático dará ao passado toda a atenção exi gida por uma boa estratégia Ele aceita os direitos como se com esse espírito e por razões de estratégia tomará basica mente as mesmas decisões que um convencionalista tomaria quando as leis são claras ou os precedentes bem definidos e decisivos Rejeitará aquilo que um convencionalista aceita como direito apenas em casos especiais quando umajei for velha e ultrapassada por exemplo ou quando um conjunto de prece dentes for considerado injusto ou ineficiente e é difícil ver o que então se perde em termos de valor Çle rejeita é verdade a própria idéia de coerência de princípio como algo importante em si mesmo Nega que a decisão no caso McLoughlin deva girar em torno de saber se é possível encontrar qualquer distin ção de princípio entre o caso de danos morais sofridos na cena de um acidente e o mesmo tipo de danos sofridos posteriormen te Mas por que deveria estabelecer uma distinção Ele sabe que as mães que sofrem danos morais na cena do acidente vão conti nuar recebendo indenização a menos e até que a legislatura decida o contrário Contudo se acreditar que existe aí um moti vo para lamentação se acreditar que as decisões que estabelece ram esse direito eram injustas ou ineficazes ou as duas coisas 198 O IMPÉRIO DO DIREITO não verá razão alguma para estender o principio subjacente a essas decisões ainda mais longe do que o fizeram outros juizes Ele reconhece que se tomar uma decisão contrária à sra McLoughlin o direito dos danos morais será então incoerente em princípio Isso porém não lhe parece ser uma desvanta gem ele nega que isso seja por si só uma questão de injustiça Se acha injusto que se indenize alguém por danos morais terá tornado o futuro menos injusto da única maneira que conta para ele menos pessoas sofrerão a injustiça de ter de pagar uma indenização por esse tipo de prejuízo o que é melhor do que ter um número maior de pessoas sofrendo tal injustiça Ele pensa sem dúvida que do ponto de vista da justiça seria ainda melhor que ninguém tivesse de pagar indenização por danos morais Mas ele pode não ter o poder de anular os precedentes de qualquer modo razões de ordem estratégica vêm oporse a isso Assim ele faz o melhor que pode para limitar os danos do passado em eficiência ou justiça ao pronunciarse contra a sra McLoughlin se objetarmos parecemos ter sucumbido a um fetichismo de elegância doutrinária como escravos da coe rência pela coerência2 Não é uma boa objeção a esse argumento afirmar que dife rentes juízes pragmáticos tomarão decisões diferentes sobre a melhor maneira de limitar os danos do passado nos casos difí ceis É certo que eles o farão mas nos casos difíceis os juízes devem emitir opiniões polêmicas sobre moral política seja qual for sua concepção de direito Uma parte ou outra quase sempre estará em condições de queixarse de que o juiz cometeu um erro que o direito era seu e não da parte contrária O prag 2 Esse argumento em favor do pragmatismo atraiu a atenção de Jonathan Swift Gulliver informou É uma máxima entre esses advogados que tudo que foi fiito antes pode ser legalmente feito de novo e portanto eles têm o grande cuidado de registrar todas as decisões anteriormente toma das contra a justiça comum e as razões gerais da humanidade Estas sob o nome de precedentes sào vistas como autoridades para justificar as opiniões mais iníquas Aç viagens de Gulliver livro 4 cap 5 1726 Devo essa refe rência a William Ewald PRAGMA TISMO E PERSONIFICAÇÃO 199 matismo pretende correr o risco de errar pelo menos no que diz respeito à questão correta Se as divisões judiciais e as opiniões polêmicas são de qualquer modo inevitáveis pergunta o prag mático por que a controvérsia não deveria voltarse para o que realmente importa para a decisão que produzirá a prática menos ineficiente ou que reduzirá ao mínimo a ocorrência de injusti ças no futuro Como esse objetivo pode ser em si injusto Como pode a coerência de princípio ser importante por si mes ma particularmente quando é incerto e polêmico qual é de fato a exigência da coerência Devemos responder a essas pergun tas se quisermos sustentar a existência de pretensões juridica mente tuteladas contra o desafio pragmático não se trata em absoluto de questões fáceis nem de um desafio frágil Se não pudermos fazer face ao problema sustentar a importância da coerência de princípio contra a acusação de fetichismo deve mos reconsiderar o desprezo popular pelo pragmatismo como interpretação de nossa prática jurídica Pois a racionalidade de nossa prática seria então questionada e uma interpretação prag mática como tpdos os seus epiciclos poderia ser nosso único escudo contra uma terrível acusação As exigências da integridade f Os grandes clássicos da filosofia política são utópicos Estudam a justiça social do ponto de vis de pessoas que não estão comprometidas de antemão com nenhum governo ou constituição livres para criar o Estado ideal a partir de princípios básicos Assim imaginam um povo vivendo em um Estado pré político de natiireza escrevendo contratos sociais a partir de uma tábula rasa Mas as pessoas reais na vida política comum atuam dentro de uma estrutura política e também sobre ela Para nós a política é mais evolutiva que axiomática reconhecemos ao trabalharmos em prol de um Estado perfeitamente justo que já pertencemos a um Estado diferente A política comum compartilha com a teoria política utó pica certos ideais políticos os ideais de uma estrutura política 200 O IMPÉRIO DO DIREITO imparcial uma justa distribuição de recursos e oportunidades e um processo equitativo de fazer vigorar as regras e os regu lamentos que os estabelecem Para ser breve vou chamálos de virtudes da eqüidade justiça e devido processo legal adje tivo Esses nomes são ttm tanto arbitrários outros são comu mente usados em filosofia política e às vezes uma das virtu des que distingo é tratada como exemplo de alguma outra O devido processo legal adjetivo é freqüentemente considerado um tipo de eqüidade ou de justiça por exemplo Incluo o devi do processo como uma virtude distinta porque não creio que ele se fundamente em nenhuma das outras do modo como as descrevo mas meus argumentos neste capítulo t nos seguintes vão dedicar muito mais atenção à eqüidade e à justiça prati camente ignorando o devido processo legal adjetivo5 Em po lítica a eqüidade é uma questão de encontrar os procedimen tos políticos métodos para eleger dirigentes e tornar suas decisões sensíveis ao eleitorado que distribuem o poder po lítico da maneira adequada Em termos gerais isso atualmen te remete ao menos nos Estados Unidos e na Inglaterra a procedimentos e práticas que atribuem a todos os cidadãos mais ou menos a mesma influência sobre as decisões que os governam A justiça pelo contrário se preocupa com as deci sões que as instituições políticas consagradas devem tomar tenham ou não sido escolhidas com eqüidade Se aceitamos a justiça como uma virtude política queremos que nossos legis ladores e outras autoridades distribuam recursos materiais e protejam as liberdades civis de modo a garantir um resultado moralmente justificável O devido processo legal adjetivo diz respeito a procedimentos corretos para julgar se algum cida dão infringiu as leis estabelecidas pelos procedimentos políti cos4 se o aceitarmos como virtude queremos que os tribunais 3 Discuti o assunto com alguma profundidade tentando mostrar sua relação com as outras virtudes em A MatterofPrincipie cap 3 4 Chamo essa virtude de devido processo legal adjetivo para distin guila da idéia diferente que também reoorce à justiça que está Vatenie na cláu sula de devido processo da Décima Quarta Emenda da Constituição dos Es PRAGMA T1SMO E PERSONIFICAÇÃO 201 e instituições análogas usem procedimentos de prova de des coberta e de revisão que proporcionem um justo grau de exati dão e que por outro lado tratem as pessoas acusadas de vio lação como devem ser tratadas as pessoas em tal situação Essas rápidas distinções são o prólogo de um ponto cru cial5 A política corrente acrescenta a esses conhecidos ideais um outro ideal que não ocupa um lugar específico na teoria axiomática utópica Isso é às vezes descrito no clichê de que os casos semelhantes devem set tratados de forma parecida Exige que o governo tenha uma só voz e aja de modo coerente e fundamentado em princípios com todos os seus cidadãos para estender a cada um os padrões fundamentais de justiça e eqüidade que usa para alguns Se o governo se basear nos prin cípios da democracia majoritária para justificar suas decisões sobre quem pode votar deve respeitar os mesmos princípios ao designar os distritos eleitorais6 Se recorrer ao princípio de que as pessoas têm direito a ser indenizadas por aquelas que as pre judicam por negligência como sua premissa de que os fabri cantes são respbnsáveis por automóveis defeituosos deve dar pleno efeito a tal princípio ao decidir se os contadores também são responsáveis por seus erros Se o governo afirma que um veredito unânime é necessário a uma condenaçãcfcriminal por que uma pessoa injustamente condenada por um crime sofre um dano moral especial deve então levar esse dano moral tados Unidos do como tem sido interpretada pela Suprema Corte nas últimas décadas Ver de minha autoria Reagans Justice New York Review of Books 8 de novembro de 1984 5 0 contraste entre eqüidade e justiça é retomado no capitulo VI 6 Ver Baker vs Carr 369 US 186 1962 Reynolds vs Sims 377 US 533 1964 WMCA Inc vs Lomenzo 377 US 633 1964 Maryland Com mitiee for Fair Representation vj Tawes 377 US 656 1964 Davis vs Mann 377 US 678 1964 Roman vs Sincock 377 US 695 1964 Lucas M ForiyFourth General Assembiy 377 US 713 1964 7 Comparar com Candler vs Crane Christmas Co 1951 1 Ali ER 426 particularmente a opinião dissidente de Denning L I com Hedley Byrne Co Ltd w Heller 6 Parlners Ltd 1964 AC 4659 Ver discus são no cap VI 202 O IMPÉRIO DO DIREITO especial em conta ao considerar por exemplo a admissibilida de das confissões em circunstâncias diversas8 Essa exigência específica de moralidade política não se encontra de fato bem descrita no clichê de que devemos tra tar os casos semelhantes da mesma maneira Doulhe um título mais grandioso é a virtude da integridade política Es colhi esse nome para mostrar sua ligação com um ideal para lelo de moral pessoal No trato cotidiano conosco queremos que nossos vizinhos se comportem do modo que considera mos correto Mas sabemos que as pessoas até certo ponto di vergem quanto aos princípios corretos de comportamento e assim fazemos uma distinção entre essa exigência e a exigên cia distinta e mais frágil de que ajam com integridade nas questões importantes isto é segundo as convicções que per meiam e configuram suas vidas como um todo e não de modo caprichoso ou excêntrico E evidente a importância prá tica desta última exigência entre as pessoas que sabem que divergem sobre a justiça A integridade tornase um ideal po lítico quando exigimos o mesmo do Estado ou da comunidade considerados como agentes morais quando insistimos em que o Estado aja segundo um conjunto único e coerente de princí pios mesmo quando seus cidadãos estão divididos quanto à natureza exata dos princípios de justiça e eqüidade corretos Tanto no caso individual quanto no político admitimos a pos sibilidade de reconhecer que os atos das outras pessoas ex pressam uma concepção de eqüidade justiça ou decência mes mo quando nós próprios não endossamos tal concepção Essa capacidade é uma parte importante de nossa capacidade mais geral de tratar os outros com respeito sendo portanto um re quisito prévio de civilização Comecei essa discussão da política comum e de suas ra mificações da virtude política à sombra do desafio pragmático à idéia de pretensões juridicamente tuteladas Se aceitarmos a S Ver A Matterof Principie cap 3 9 Ver discussão no cap VI PR4GMA TISMO E PERSONIFICAÇÃO 203 integridade como uma virtude política distinta ao lado da justi ça e da eqüidade então teremos um argumento geral não es tratégico para reconhecer tais direitos A integridade da con cepção de eqüidade de uma comunidade exige que os princí pios políticos necessários para justificar a suposta autoridade da legislatura sejam plenamente aplicados ao se decidir o que significa uma lei por ela sancionada A integridade da concep ção de justiça de uma comunidade exige que os princípios mo rais necessários para justificar a substância das decisões de seu legislativo sejam reconhecidos pelo resto do direito A integri dade de sua concepção de devido processo legal adjetivo insis te em que sejam totalmente obedecidos os procedimentos pre vistos nos julgamentos e que se consideram alcançar o correto equilíbrio entre exatidão e eficiência na aplicação de aigum aspecto do direito levandose em conta as diferenças de tipo e grau de danos morais que impõe um falso veredito Essas dife rentes exigências justificam o compromisso com a coerência de princípio valorizada por si mesma Sugerem aquilo que sus tentarei que a integridade mais que qualquer superstição de ele gância é a vida do direito tal qual o conhecemos Será útil dividir as exigências da integridade em dois ou tros princípios mais práticos O primeiro é o princípio da inte gridade na legislação que pede aos que crianr o direito por legislação que o mantenham coerente quanto aos princípios O segundo é o princípio de integridade no julgamento pede aos responsáveis por decidir o que é a lei tjue a vejam e façam cumprir como sendo coerente nesse sentido O segundo princí pio explica como e por que se deve atribuir ào passado um poder especial próprio no tribunal contrariando o que diz o pragmatismo isto é que não se deve conferir tal poder Explica por que os juízes devem conceber o corpo do direito que admi nistram como um todo e não como uma série de decisões dis tintas que eles são livres para tomar ou emendar uma por uma com nada além de um interesse estratégico pelo restante 204 O IMPÉRIO DO DIRETO A comunidade personificada O princípio da integridade na prestação jurisdicional nos oferece nossa terceira concepção do direito Estudaremos o direito como integridade e vou recomendálo nos capítulos seguintes Muitos leitores se sentirão perturbados porém por um aspecto da integridade política que já podemos discutir com antecedência A integridade política supõe uma personifi cação particularmente profunda da comunidade ou do Estado Pressupõe que a comunidade como um todo pode se engajar nos princípios de eqüidade justiça ou devido processo legal adjetivo de algum modo semelhante àquele em que certas pes soas podem engajarse em convicções ideais ou projetos o que a muitos vai parecer uma metafísica ruim Personificamos grupos cm nossa conversação corrente Falamos informalmente sobre os interesses òu objetivos da clas se trabalhadora por exemplo Muitas vezes porém essas ex pressões não passam de convenientes figuras de linguagem maneiras simbólicas de falar sobre os membros médios ou representativos de uma comunidade Minha apresentação da integridade política assume a personificação com muito mais seriedade como se uma comunidade política realmente fosse alguma forma especial de entidade distinta dos seres reais que são seus cidadãos Pior ainda atribui influência e responsabili dade morais a essa entidade distinta Pois quando digo que uma comunidade é fiel a seus próprios princípios não me refi ro a sua moral convencionai ou popular às crenças e convic ções da maioria dos cidadãos Quero dizer que a comunidade tem seus próprios princípios que pode honrar ou desonrar que ela pode agir de boa ou máfé com integridade ou de maneira hipócrita assim como o fazem as pessoas Posso de fato pre tender personificar a comunidade de maneira assim vívida Posso mesmo querer atribuir ao Estado ou à comunidade prin cípios que não são simplesmente aqueles da maioria de seus membros PRAGMA T1SM0 PERSONIFICAÇÃO 205 Dois argumentos sobre a responsabilidade de grupo Sim Mas devo ser mais claro sobre o tipo de personifica ção de que se trata Não pretendo agora ressuscitar a teoria metafísica que no segundo capítulo disse que não nos seria útil Não suponho que o componente mental último do universo seja uma mente espectral onipresente mais real do que as pes soas de came e osso nem que devamos tratar o Estado ou a comunidade como uma pessoa real com um interesse ou um ponto de vista distinto ou mesmo um bemestar próprio nem que possamos fazer sobre os princípios de um Estado a série de perguntas por exemplo se os aceitou livremente ou foi enga nado ou se os entendeu mal que podemos fazer sobre aspec tos da vida de uma pessoa de verdade Quero apenas endossar uma forma complexa de raciocínio em duas etapas sobre as responsabilidades das autoridades e dos cidadãos que encontra sua expressão natural na personificação da comunidade e não pode ser reproduzida por uma tradução redutiva na forma de exigências às autoridades e cidadãos individualmente Suponhamos que um fabricante de automóveis produza carros defeituosos que provoquem terríveis acidentes nos quais morrem centenas de pessoas Deixem de lado a questão do direi to se a empresa é culpada de um crime ou legalmelte responsá vel pela indenização das vítimas ou de suas famílias E a questão da eficiência de se a imposição dessa responsabilidade reduzi ria os acidentes ou contribuiria para um us mais eficiente dos recursos Interessanos agora a questão da responsabilidade moral Qual o sentido de afirmar que a companhia tem a res ponsabilidade moral de indenizar as vítimas com os bens do grupo com a conseqüência de que seus acionistas devem ar car com a perda Poderíamos prosseguir da seguinte maneira Aplicamos aos vários administradores empregados acionis tas e outras pessoas ligadas à companhia nossos padrões cor rentes de responsabilidade pessoal Perguntamos a cada um se fez alguma coisa que não deveria ter feito de tal modo que poderia ser culpado pelas mortes que se seguiram ou se contri buiu para os acidentes de maneira tal que com ou sem culpa 206 O IMPÉRIO DO DIREITO deveria ser responsabilizado por uma parte do prejuízo ou da perda Poderíamos encontrar alguém a quem culpar Talvez algum operário tenha sido negligente em uma inspeção talvez al gum executivo tenha aprovado um projeto cujas falhas deveria ter percebido Talvez o diretorexecutivo ou algum membro da diretoria tivesse motivos para duvidar dos procedimentos ado tados para a revisão do projeto e nada fez para aperfeiçoálos Mas também é possível que não encontrássemos ninguém a quem culpar Talvez ninguém tenha agido de um modo que poderíamos julgar errado segundo quaisquer padrões pessoais de conduta Seria então difícil encontrar um argumento moral irrefutável que nos mostrasse por que um pequeno acionista deveria ser responsabilizado por qualquer parte da perda Um acionista nào faz parte da cadeia causal que leva aos acidentes não acrescentou capital algum aos recursos da empresa ao comprar suas ações na bolsa Alguém poderia dizer é um prin cípio de moral pessoal que se alguém compartilha os ganhos da atividade de uma outra pessoa deve também compartilhar a responsabilidade pelos erros que tal pessoa venha a cometer Essa sugestão porém incorre em petição de princípio pois ainda não temos razão alguma que nos leve a supor que um er ro foi cometido Isto é não estamos diante de um problema de responsabilidade indireta de encontrar alguma razão pela qual um acionista deva compartilhar a responsabilidade direta de outra pessoa ou grupo não podemos na verdade encontrar ninguém que seja diretamente responsável e cuja responsabili dade deva ser compartilhada por esse acionista10 Poderíamos porém ter usado um método de argumenta ção diferente Nesse método diferente formulamos nossa per gunta em primeiro lugar como uma pergunta sobre a responsa bilidade corporativa Supomos que a companhia deve ser trata da como um agente moral e em seguida aplicamos facsími 10 Para distinções úteis dentro do tópico geral da responsabilidade co letiva ou de grupo ver Joel Feinberg Doing and Deserving cap 9 Prince ton 1970 PRAGMA TISMO PERSONIFICAÇÃO 207 les de nossos princípios sobre a falta e a responsabilidade indi viduais com relação a ele Poderíamos dizer que qualquer um que tenha pleno controle sobre a fabricação de um produto defeituoso tem a responsabilidade de indenizar os que foram por ele prejudicados Individualmente considerados nenhum empregado ou acionista teve tal controle em mãos mas a com panhia sim Perguntamos então como uma questão subsidiá ria que parte dessa falta ou responsabilidade deve ser atribuí da aos diversos membros e agentes da empresa Contudo abor damos essa questão independente utilizando um conjunto de princípios diferentes entre os quais se pode encontrar o princí pio há pouco mencionado de que qualquer membro da empre sa com direito a compartilhar seus lucros deve igualmente com partilhar suas responsabilidades Esse princípio justificaria o pagamento de uma indenização extraída dos bens da compa nhia e portanto da conta dos acionistas em vez de por exem plo deduzila dos salários dos empregados que na verdade desempenharam um papel causal nessa infeliz história Se tomásseçnos uma decisão com base no primeiro desses dois métodos que começa pela avaliação moral dos antece dentes de cada indivíduo um por um afirmando que cada acionista é de fato responsável por uma parte da perda então poderíamos apresentar nossa conclusão na lingulgem da per sonificação Poderíamos dizer que a companhia é responsável querendo com isso apenas sintetizar de maneira conveniente as responsabilidades que atribuímos a cadaum dos acionistas Essa personificação porém seria inútil não desempenhou papel algum em nossa argumentação e serviu somente para ornamen tar nossas conclusões Se por outro lado chegarmos à mesma conclusão através do segundo método que começa por consi derar a responsabilidade da instituição como um todo então a personificação não teria sido inútil mas proveitosa Pois nos sas conclusões sobre o grupo teriam sido em todos os casos anteriores a quaisquer conclusões sobre os indivíduos teria mos nos baseado em princípios de responsabilidade que deri vam seu sentido de uma prática ou maneira de pensar para a qual a personificação é indispensável 2 0 8 O IMPÉRIO DO DIREITO De fato com o segundo método mas não com o primeiro poderíamos chegar a uma decisão sobre as responsabilidades do grupo ou da instituição enquanto ainda em dúvida ou di vergindo entre nós mesmos sobre os conseqüentes compro missos ou responsabilidades dos indivíduos em questão A per sonificação constitui não apenas um passo necessário no que diz respeito ao julgamento de pessoas em particular mas tam bém um patamar que podemos ocupar para considerar esses julgamentos Nada disso significa que no segundo método quando começamos com o grupo estejamos interessados na res ponsabilidade coletiva por si mesma Não teria sentido desen volver ou aplicar princípios de responsabilidade coletiva se não admitíssemos uma relação entre estes e os julgamentos so bre o modo como as pessoas reais devem agir no presente Mas podemos separar esses dois problemas reservando a questão da responsabilidade individual para um momento posterior à decisão sobre se o grupo como um todo atendeu aos padrões que lhe correspondiam A personificação é profunda consiste em considerar seriamente a companhia como um agente moral Mas será ainda uma personificação e não uma descoberta pois reconhecemos que a comunidade não tem uma existência metafísica independente que ela própria é uma criação das práticas de pensamento e linguagem nas quais se inscreve A personificação em atuação A idéia de integridade política personifica a comunidade no segundo modo como uma personificação atuante pois pres supõe que a comunidade pode adotar expressar e ser fiel ou infiel a princípios próprios diferentes daqueles de quaisquer de seus dirigentes ou cidadãos enquanto indivíduos É evidente que precisamos dizer o que isso significa descrevendo o modo como uma comunidade adota ou trai um princípio e isso fará parte da elaboração de nossa concepção do direito como inte gridade Mas devemos aproveitar essa oportunidade para mos trar como a personificação profunda figura nos modos de pen PRAGMA TISMO E PERSONIFICAÇÃO 209 sar correntes que são muito independentes do direito Consi derese o fenômeno da responsabilidade eleitoral da comuni dade No auge do escândalo Watergate apareceram adesivos que diziam Não me culpem sou de Massachusetts Não diziam Não me culpem não votei em Nixon e a diferença é impor tante As pessoas pediam isenção de um erro cometido por um grupo ao qual pertenciam a nação não por inocência indivi dual mas na condição de membros de uma comunidade dife rente e mais imediata que tinha agido bem um estado que não havia votado em um presidente desonesto Há exemplos mais importantes de responsabilidade cole tiva Alemães ainda não nascidos na época em que os nazistas governavam o país têm vergonha e um sentimento de obriga ção para com os judeus norteamericanos brancos que não herdaram nada de donos de escravos sentem uma responsabi lidade indeterminada para com negros que nunca foram acor rentados Alguns de nós ficam aturdidos com esse fenômeno pois parece incompatível com outra idéia que nos é cara de que as pessoas pão devem ser culpadas por atos sobre os quais não tinham controle nem responsabilizadas por ganhos injus tos quando elas próprias nada ganharam Assim os filósofos têm se empenhado em reconciliar essas idéias conflitantes encontrando por exemplo maneiras de demonstrar que todos os brancos norteamericanos lucraram com a discriminação contra os negros no passado Esses argumentos caem no vazio pois interpretam mal o modo deresponsabilidade em questão Pressupõem que a responsabilidade coletiva só pode ser atribuída através de algo como o primeiro método que assinalamos no exemplo do acidente De fato as convicções que esses argumentos tentam explicar são produto da segunda abordagem de uma profunda personificação da comunidade social e política e é por isso que não contestam a tese kantia na de que ninguém deve ser culpado por algo que não fez É evidente que seria absurdo culpar os alemães de hoje pelo que fizeram os nazistas mas uma vez que esse julgamento se situa na extremidade de um modo de argumentar diferente e independente não é absurdo supor que os alemães atuais 210 O IMPÉRIO DO DIREITO têm responsabilidades especiais porque os nazistas também eram alemães Esses são exemplos de responsabilidade coletiva por er ros do passado Encontramos outros exemplos ainda mais im portantes de personificação funcional na lógica dos direitos po líticos individuais contra o Estado Discutimos se todos têm ou não direito de receber proteção do Estado contra agressões praticadas por outros cidadãos ou que o Estado ofereça um nível decente de assistência médica ou garanta sua segurança contra os ataques de potências estrangeiras Concordamos ou discordamos antes de formarmos qualquer opinião concreta sobre quais instituições ou autoridades devem agir e o que de vem fazer em decorrência de quaisquer direitos que declare mos que as pessoas têm Quando afirmamos que os indiví duos têm o direito de ser protegidos contra agressões não que remos dizer que essa proteção deva ser adquirida por meio de algum sistema específico que já tenhamos em mente mas ape nas que a comunidade como um todo tem o dever de oferecer alguma forma de proteção adequada Podemos discutir o alcan ce do dever da comunidade e deixar para uma consideração à parte um problema diferente o de saber que combinação de deveres oficiais exerceria da melhor maneira a responsabili dade coletiva Meu próximo e último exemplo remete a nossas convic ções mais abstratas e mais amplamente compartilhadas sobre justiça política e eqüidade Acreditamos que os dirigentes polí ticos têm responsabilidades que não poderíamos defender se 11 No capitulo VI discuto as obrigações fraternais aquelas que os membros de um grupo têm entre si pelo fato de pertencerem ao grupo e afir mo que sob certas circunstâncias as comunidades políticas podem ser vistas como incentivadoras de obrigações fraternais desse tipo Deveria portanto deixar claro que não vejo os princípios de responsabilidade coletiva que temos examinado ao longo desta discussão como aspectos de obrigação fra ternal que somente são válidos quando as condições há pouco mencionadas são satisfeitas Deixo em aberto a questão de até que ponto são válidas por exemplo nas comunidades politicas que são insuficientemente igualitárias para serem consideradas como associações fraternais do tipo discutido no ca pítulo VI PRA CM A TISMO E PERSONIFICA ÇÃO 211 tivéssemos de estabelecêlas diretamente a partir das exigên cias comuns da moral pessoa do indivíduo que a maioria de nós aceita para nós mesmos e para os outros na vida não políti ca Acreditamos que possuem uma responsabilidade especial e complexa de imparcialidade entre os membros da comunidade e de parcialidade para com eles nas relações com estrangeiros Isso é muito diferente da responsabilidade que cada um de nós aceita enquanto indivíduo Cada um de nós defende um ponto de vista pessoal ambições e compromissos próprios que temos li berdade de perseguir livres das reivindicações dos outros por igual atenção interesse e recursos Insistimos em uma esfera de soberania moral individual dentro da qual cada um pode preferir os interesses da família e dos amigos dedicandose a projetos egoístas ainda que grandiosos Qualquer concepção de justiça no comportamento pessoal qualquer teoria sobre o modo como a pessoa justa se comporta com relação aos outros limitará essa esfera de soberania pessoal mas nenhuma concepção aceitável à maioria de nós será capaz de eliminála por inteiro Não concedemos às autoridades no exercício de suas fun ções nenhuma esfera dessa natureza Dizemos que eles devem tratar todos os membros de sua comunidade como iguais e o que é para um indivíduo a liberdade normal do uso das prefe rências individuais para o administrador públifo é chamado de corrupção Não podemos estabelecer essa responsabilidade especial das autoridades simplesmente aplicando nossos parâ metros habituais sobre as responsabilidades individuais às cir cunstâncias específicas de seus casos Algumas autoridades têm um grande poder Mas o mesmo se pode dizer a respeito de muitos Indivíduos e não acreditamos que a esfera de liberda de pessoal de um cidadão necessariamente diminua à medida que aumentam seu poder e sua influência Thomas Nagel nos lembra em seu artigo sobre a responsabilidade das autorida des políticas que até mesmo os gigantes têm uma vida priva da12 Aplicamos os mais rigorosos padrões de imparcialidade 12 Thomas Nagel Ruthlessness in Public Life era MortaI Questions 84 Cambridge 1979 B i b l i o t e c a 212 O IMPÉRIO DO DIREITO até mesmo às autoridades cujo poder é relativamente irrisório e substancialmente menor que o de muitos cidadãos privados não pensamos que o dever de tratar igualmente todos de uma autoridade decline à medida que seu poder diminui Alguém pode dizertjue uma autoridade tem uma respon sabilidade especial de imparcialidade porque se sujeitou a essa disposição ao aceitar seu cargo de tal modo que essas respon sabilidades derivam afinal da moral corrente da moral de man ter as promessas Isso porém inverte a ordem de argumenta ção endossada pela maioria de nós compartilhamos o ponto de vista de que nossas autoridades devem tratar como iguais todos os membros da comunidade que governam porque acre ditamos que é assim e não de outra maneira que eles devem comportarse Portanto não podemos explicar as responsabili dades especiais da função política se tentarmos extraílas dire tamente de princípios correntes da moralidade privada Preci samos de uma idéia que não se encontra ali a de que a comu nidade como um todo tem obrigações de imparcialidade para com seus membros e que as autoridades se comportam como agentes da comunidade ao exercerem essa responsabilidade Aqui como no caso da empresa precisamos tratar a responsa bilidade coletiva como logicamente anterior às responsabilida des de cada uma das autoridades Esses diferentes exemplos de personificação funcional da comunidade se combinam como elementos de um sistema geral de pensamento Ao aceitarmos que nossas autoridades agem em nome de uma comunidade da qual somos todos membros tendo uma responsabilidade que portanto compartilhamos isso reforça e sustenta o caráter de culpa coletiva o sentimento de que devemos sentir vergonha e ultraje quando eles agem de modo injusto Os princípios práticos de integridade que men cionei integridade na legislação e na decisão judicial têm seu lugar nesse sistema de idéias O princípio da jurisdição é de particular interesse para nós porque oferece uma concepção do direito oposta ao pragmatismo Se esse princípio puder ser man tido o pragmatismo deve ser rejeitado Capítulo VI Integridade Programa Temos dois princípios de integridade política um princípio legislativo que pede aos legisladores que tentem tornar o con junto de leis moralmente coerente e um princípio jurisdicional que demanda que a lei tanto quanto possível seja vista como coerente nesse sentido Nosso maior interesse é o princípio ju risdicional mas não ainda Neste capítulo sustento que o princí pio legislativo faz parte de nossa prática política a tal ponto que nenhuma interpretação competente dessa prática pode ignorá lo Avaliamos essa afirmação segundo as duas dimensões que agora nos são familiares Perguntamos se o pressuposto de que a integridade é um ideal político distinto se adapta a nossa políti ca e em segundo lugar se honra nossa política Se o princípio legislativo de integridade é poderoso nessas duas dimensões então o argumento em favor do princípio jurisdicional e da con cepção do direito que defende já terá começado bem A integridade se ajusta Integridade e conciliação A integridade não seria necessária como uma virtude po lítica distinta em um Estado utópico A coerência estaria ga 214 O IMPÉRIO DO DIREITO rantida porque as autoridades fariam sempre o que é perfeita mente justo e imparcial Na política comum porém devemos tratar a integridade como um ideal independente se a admitir mos por inteiro pois pode entrar em conflito com esses outros ideais Pode exigir que apoiemos uma legislação que conside raríamos inadequada numa sociedade perfeitamente justa e imparcial e que reconheçamos direitos que segundo acredita mos seus membros não teriam Vimos um exemplo desse con flito no último capítulo Um juiz que esteja decidindo o caso McLoughlin poderia considerar injusta a exigência de indeni zação por quaisquer danos morais Mas se ele aceita a integri dade e sabe que a algumas vítimas de danos morais já foi con ferido o direito à indenização terá não obstante uma razão para se pronunciar favoravelmente à sra McLoughlin Os conflitos entre ideais são comuns em política Mesmo que rejeitássemos a integridade e fundamentássemos nossa ati vidade política apenas na eqüidade na justiça e no devido pro cesso legal veríamos que essas duas primeiras virtudes às ve zes seguem caminhos opostos Alguns filósofos negam a pos sibilidade de qualquer conflito fundamental entre justiça e eqüi dade por acreditarem que no fim das contas uma dessas virtudes deriva da outra Alguns afirmara que separada da eqüidade a justiça não tem sentido e que em política como na roleta dos jogos de azar tudo aquilo que provenha de procedimentos ba seados na eqüidade é justo Esse é o extremo da idéia denomi nada justiça como eqüidade1 Outros pensam que em política a única maneira de pôr à prova a eqüidade é o teste do resulta do que nenhum procedimento é justo a menos que tenda a produzir decisões políticas que sejam aprovadas num teste de justiça independente Esse é o extremo oposto o da eqüidade como justiça3 A maioria dos filósofos políticos e creio a 1 A justiça como eqüidade ainda que não dessa forma tosca e extre ma é o tema do clássico de Rawls A Theory of Justice Cambridge Mass 1971 Verpp 1978 e 2214 Ver também de sua autoria Kamian Construc tivism in Moral Theory 11 Journal ofPhtlosophy 515 1980 2 As teorias utilitaristas da democracia adotam essa posição extrema Ver James Mill Essays on Government em J lively e J Rees Uiilitarian Logic andPoliiics Londres 1978 INTEGRIDADE 215 maioria das pessoas adota o ponto de vista intermediário de que a eqüidade e a justiça são até certo ponto independentes uma da outra de tal modo que as instituições imparciais às ve zes tomam decisões injustas e as que não são imparciais às vezes tomam decisões justas Se assim for então na política corrente devemos às vezes escolher entre as duas virtudes para decidir quais programas po líticos apoiar Poderíamos pensar que a ascendência da maioria é o melhor procedimento viável para tomar decisões em polí tica mas sabemos que às vezes quando não freqüentemente a maioria tomará decisões injustas sobre os direitos indivi duais Deveríamos perverter a ascendência da maioria confe rindo uma força especial de voto a um grupo econômico para além daquilo que seus números justificariam por temermos que a ascendência contínua da maioria viesse a atribuirlhe menos do que a parte que por direito lhe corresponde4 Deve riámos aceitar restrições constitucionais ao poder democrático para impedir que a maioria restrinja a liberdade de expressão ou outras liberdades importantes5 Essas difíceis questões se colocam porquê a eqüidade e a justiça às vezes entram em con flito Se acreditarmos que a integridade é um terceiro e inde pendente ideal pelo menos quando as pessoas divergem sobre um dos dois primeiros então podemos pensar qpe às vezes a eqüidade ou a justiça devem ser sacrificadas à integridade 3 Mais adiante neste capitulo e no capítulj X aprofundarei o exame da relação entre vontade da maioria e eqüidade Se a essência da eqüidade política é a igualdade de influência política alguma forma de voto proporcio nal oferece uma estrutura eleitora mais equitativa do que o simples voto majoritário ainda que como sugeri no texto o voto proporcional seja fre qüentemente impraticável Nas páginas seguintes do texto discutirei um método especial para assegurar o tipo de influência proporcional que a eqüi dade recomenda dentro do processo eleitoral majoritário normal um método que chamo de solução conciliatória Afirmo que tendose em vista que a eqüidade sustenta as soluções conciliatórias devemos encontrar algum outro argumento para rejeitálas se as consideramos erradas 4 Ver Alexander M Bickel The Supreme Court and the Idea of Progress 10917 15173 New Haven e Londres 1978 5 Ver Taking Rights Seriously passim mas em particular os capítulos 6 e 7 216 O IMPÉRIO DO DIREITO Conciliações internas Tentarei mostrar que nossas práticas políticas aceitam a integridade como uma virtude distinta e começarei por atgo que acredito parecerá ao feitor um enigma Aqui estão meus pressupostos de base Todos acreditamos na eqüidade política aceitamos que cada pessoa ou grupo da comunidade deve ter um direito de controle mais ou menos igual sobre as decisões tomadas pelo Parlamento ou Congresso ou pelo legislativo es tadual Sabemos que pessoas diferentes têm opiniões diferentes sobre problemas de moral que consideram da maior importân cia Pareceria decorrer de nossas convicções sobre a eqüidade que a legislação sobre essas questões morais não deveria res tringirse à aplicação da vontade da maioria numérica como se seus pontos de vista fossem unânimes mas que deveria ser tam bém uma questão de negociações e acordos que permitissem uma representação proporcional de cada conjunto de opiniões no resultado final Poderíamos chegar a esse acordo de manei ra salomônica Os habitantes de Dakota do Norte demonstram desacordo quando a justiça exige indenização por defeitos em produtos que os fabricantes não poderiam ter evitado Então por que seu legislativo não deveria impor essa responsabilida de estrita aos fabricantes de automóveis mas não aos fabri cantes de máquinas de lavar roupas Os habitantes do Alaba ma divergem sobre a moralidade da discriminação racial Por que sua legislatura não deveria proibir a discriminação racial em ônibus mas permitila em restaurantes Os ingleses estão divididos quanto à moralidade do aborto Por que o Parlamen to não deveria criminalizar o aborto para as grávidas que nas ceram em anos pares mas não para as que nasceram em anos ímpares Esse modelo salomônico trata a ordem pública de uma coletividade como um tipo de mercadoria a ser distribuída de acordo com a jusúça distributiva um boio que deve ser eqüita tivamente dividido dandose a cada grupo a parte que lhe cabe Acredito que quase todos nós ficaríamos consternados diante de um direito conciliatório que tratasse acidentes si INTEGRIDADE 217 mtlares ou ocasiões de discriminação racial ou aborto diferen temente em bases arbitrárias É claro que aceitamos distin ções arbitrárias sobre certas questões o zoneamento por exem plo Aceitamos que estabelecimentos comerciais ou fábricas sejam proibidos em certas zonas e não em outras e que se proíba o estacionamento de um dos dois lados da mesma rua em dias alternados Mas rejeitamos uma divisão entre as cor rentes de opinião quando o que está em jogo são questões de princípio Seguimos um modelo diferente cada ponto de vista deve ter voz no processo de deliberação mas a decisão coleti va deve não obstante tentar fundamentarse em algum princi pio coerente cuja influência se estenda então aos limites natu rais de sua autoridade7 Se é preciso chegar a um meiotermo 6 Conciliatório é um termo às vezes usado para descrever leis que fa zem distinções que não são arbitrárias desse modo mas que reivindicam uma justificativa da política mais bem servida pelas discriminações em questão Ao usar essa palavra pretendo apenas descrever leis que mostram incoerên cia de princípio e que podem ser justificadas se é que o podem somente com base numa distribuição equitativa do poder político entre as diferentes facções morais 7 De certo modo essa é uma descrição muito simples do modelo que seguimos Sabemos que os princípios que aceitamos independentemente às vezes entram em conflito no sentido de que não podemos fatisfazer a ambos em certas ocasiões específicas Poderíamos acreditar por exemplo que as pes soas deveriam ser livres para fazer o que desejam com suas propriedades e também que todos deveriam começar a vida em condições iguais É então que se coloca a questão de se os ricos devem ser autorizados a deixar suas fortunas a seus filhos e poderíamos acreditar que nossos dois princípios seguem dire ções opostas a esse respeito Nosso modelo exige como veremos que a solu ção desse conflito se fundamente em princípios Um esquema de tributação das heranças poderia reconhecer ambos os princípios em uma certa relação estabelecendo alíquotas de impostos que não cheguem a ser confiscatòrias Mas insistimos em que seja qual for a importância relativa dos dois princípios adotados pela solução devem ser claramente visíveis ao longo de todo o es quema e que as outras decisões em outras questões que envolvem os mesmos dois princípios também respeitem essa importância Seja como for esse tipo de conflito é diferente da contradição contida nas leis de conciliação descritas no texto pois nelas um princípio de justiça nãoé deixado de lado nem limitado por outro de alguma maneira que expresse uma hierarquização dos dois O que está em jogo é apenas um princípio é afirmado para um grupo e negado para outro e é isso que nosso sentido de propriedade denuncia 218 O IMPÉRIO DO DIREITO porque as pessoas estão divididas sobre a justiça o acordo deve ser externo não interno é preciso chegar a um acordo sobre o sistema de justiça a ser adotado em vez de um sistema de jus tiça fundado em concessões E aí porém que se encontra o enigma Por que devería mos dar as costas às soluções conciliatórias como fazemos Por que não adotálas como estratégia geral para a legislação sempre que a comunidade estiver dividida sobre alguma ques tão de princípio Por que essa estratégia não é justa e razoável reflexo de maturidade política e de um sentido mais apurado da arte política que outras comunidades conseguiram alcan çar Que defeito especial encontramos nas soluções concilia tórias Não pode ser uma falta de eqüidade em nosso sentido de uma distribuição equitativa do poder político pois o direito conciliatório é por hipótese mais eqüitativo do que qualquer das duas alternativas Permitir que cada grupo escolha uma parte do direito sobre o aborto em proporção a seus números é mais eqüitativo no sentido por nós adotado do que o esque ma de o vencedor leva tudo que nossos instintos preferem que nega a muitas pessoas qualquer influência sobre um problema que consideram da mais extrema importância Podemos defender esses instintos com base na justiça A justiça é uma questão de resultados uma decisão política pro voca injustiça por mais eqüitativos que sejam os procedimen tos que a produziram quando nega às pessoas algum recurso liberdade ou oportunidade que as melhores teorias sobre a justiça lhes dão o direito de ter Podemos nos opor à estratégia conciliatória com base no pressuposto de que ela produziria mais exemplos de injustiça do que os que impediria É preciso aqui ter o cuidado de nào confundir duas questões distintas É claro que qualquer solução conciliatória para um problema im portante produzirá mais exemplos de injustiça do que uma das alternativas e menos que a outra A comunidade pode estar de acordo com essa proposta ao mesmo tempo que diverge sobre qual das alternativas seria mais e menos justa Quem acredita que o aborto é um assassinato pensará que a lei conciliatória sobre o aborto produz mais injustiça que uma proibição cabal INTEGRIDADE 219 e menos que uma autorização ilimitada quem acredita que as mulheres têm direito ao aborto vai inverter essas opiniões As sim os dois lados têm uma razão de justiça para preferir uma solução que não seja a conciliatória A questão que aqui se co loca é saber se coletivamente temos uma razão de justiça para não concordar antes mesmo de chegar a essas divergências particulares com a estratégia conciliatória como maneira de resotvêlas Temos uma razão de eqüidade como observamos há pouco em favor da estratégia da conciliação e se não te mos nenhuma razão de justiça contra ela nossa prática corren te precisa de uma justificativa que ainda não fomos capazes de assegurar Estamos procurando uma razão de justiça comum a todos para rejeitar antecipadamente a estratégia conciliatória ainda que em certas situações cada um de nós preferisse a solução conciliatória àquela que será imposta se a estratégia for rejeita da Diremos apenas que uma solução conciliatória é injusta por definição porque trata pessoas diferentes de modo diferen te sem boas razões para fazêlo quando a justiça exige que os casos semelhantes sejam tratados da mesma maneira Essa su gestão parece estar no caminho certo pois se as soluções con ciliatórias têm um defeito este deve estar na característica que as distingue das outras no fato de tratarem as ressoas diferen temente quando nenhum princípio pode justificar a distinção Mas não podemos explicar por que isso é sempre criticável enquanto permanecermos no plano da jtistiça do modo como a defini Nas circunstâncias da atividade política corrente a es tratégia conciliatória impedirá casos de injustiça que de outra forma ocorreriam e não podemos dizer que a justiça nos pede para não eliminar nenhuma injustiça a menos que possamos eliminar todas Suponhamos que só nos seja possível salvar alguns prisio neiros da tirania a justiça dificilmente vai exigir que não sal vemos nenhum mesmo quando apenas a sorte e não um prin cípio venha a decidir quem será salvo e quem continuará sen do torturado Rejeitar uma solução conciliatória parece igual mente perverso quando a alternativa for o triunfo geral do prin 220 O IMPÉRIO DO DIREITO cípio ao qual nos opomos O acordo interno teria salvo algu mas pessoas arbitrariamente escolhidas de uma injustiça que outros continuarão a sofrer mas a alternativa teria sido não sal var ninguém A esta altura alguém poderia dizer ainda que em certos casos as soluções conciliatórias possam parecer de sejáveis por essa razão seria melhor que rejeitássemos seu uso de antemão pois temos razões para acreditar que a longo pra zo novas injustiças distintas serão criadas e não evitadas por essas soluções Mas isso só seria uma predição plausível para os membros de uma maioria de opinião constante e consciente de si mesma e se tal maioria existisse também existiria uma minoria consciente que teria a opinião contrária Não temos portanto nenhuma esperança de encontrar aqui uma razão co mum para rejeitar as soluções conciliatórias Mas talvez estejamos procurando na direção errada Tal vez nossa razão comum não seja uma predição sobre o número de casos de injustiça que a estratégia conciliatória produziria ou evitaria mas sim nossa convicção de que ninguém deve en gajarse ativamente na produção daquilo que lhe parece ser uma injustiça Poderíamos dizer nenhuma lei conciliatória po deria ser aprovada a menos que a maioria dos legisladores vo tasse a favor das disposições que considerasse injustas Essa objeção porém incorre em petição de princípio Se cada mem bro da legislatura que votar a favor de um acordo conciliatório assim o fizer não por uma falta de princípios mas porque pre tende dar o maior efeito possível aos princípios que julga cor retos como afirmar então que alguém se comportou de ma neira irresponsável Mesmo que admitíssemos que nenhum le gislador deveria votar favoravelmente à solução conciliatória isso não explicaria o fato de rejeitarmos a conciliação como um resultado Pois não é difícil imaginar uma estrutura legisla tiva que produzisse leis conciliatórias mecanicamente como uma função das diferentes opiniões sobre a responsabilidade estrita a discriminação racial ou o aborto entre os diferentes legisladores sem que a nenhum deles se pedisse ou exigisse que votasse em bloco em favor da solução conciliatória Deve ria ficar claro de antemão que a proporção de mulheres auto INTEGRIDADE 221 rizadas a abortar seria determinada pela relação entre os votos favoráveis ao aborto e o tota dos votos Se ainda objetarmos nossa objeção não poderá fundamentarse no principio de que nenhum indivíduo deve votar contra sua consciência Parece portanto que não temos razão de justiça para re jeitar a estragégia conciliatória de antemão mas que temos fortes razões de eqüidade para endossála Ainda assim nos sos instintos a condenam De fato muitos de nós em diferen tes graus e situações diferentes rejeitariam a solução concilia tória não só de maneira geral e de antemão mas inclusive em casos particulares se tal possibilidade existisse Preferiríamos qualquer das outras soluções alternativas ao acordo conciliató rio Mesmo que eu considerasse a responsabilidade estrita pe los acidentes errada em princípio preferiria que tanto os fabri cantes de máquinas de lavar quanto os de automóveis se sub metessem a essa norma e não que apenas um dos dois o fizes se Colocaria a solução conciliatória não entre as outras duas mas como uma terceira possibilidade abaixo de ambas como o fariam tantasoutras pessoas Em alguns casos esse instinto poderia ser explicado como o reflexo da inaplicabilidade ou ineficácia de uma solução conciliatória específica Mas muitas daquelas que podemos imaginar como a soluço do aborto não são particularmente ineficazes e de qualquer modo nosso instinto sugere que esses acordos são errados e não apenas im praticáveis Nem todos condenariam qualquer Solução conciliatória As pessoas que acreditam profundamente que o aborto é sem pre um assassinato por exemplo podern de fato pensar que a lei conciliatória sobre o aborto é melhor do que uma lei total mente permissiva Acham melhor que haja menos do que mais crimes não importa quão incoerente seja o acordo que dimi nui sua ocorrência Se em outras circunstâncias colocarem a solução conciliatória em último lugar no caso da responsabili dade estrita para os fabricantes por exemplo continuarão acre ditando que a conciliação interna é um erro ainda que por ra zões que não se sustentam quando a questão substantiva é mui to grave Assim compartilham o instinto que precisa de uma 222 O IMPÉRIO DO DIREITO explicação Esse instinto além do mais pode estar presente em outras ponderações mais complexas que possam fazer Su ponha que para você o aborto seja um crime e que não faz dife rença alguma se a gravidez foi conseqüência de um estupro Uma lei proibindo o aborto exceto nos casos de estupro não seria melhor na sua opinião que uma lei proibindo o aborto mas não para mulheres nascidas em uma década específica de cada século Pelo menos se não tivesse razão alguma para pen sar que na verdade nenhuma das duas leis acabaria por permi tir mais abortos Você vê a primeira dessas íeis como uma solução que utiliza dois princípios identificáveis de justiça co locados numa certa ordem ainda que rejeite um dos princí pios8 Não consegue tratar a segunda do mesmo modo tratase de uma lei que simplesmente afirma para algumas pessoas um princípio que nega a outras Para muitos de nós portanto nos sas preferências em casos particulares colocam o mesmo enig ma que nossa rejeição mais abrangente da solução conciliató ria como uma estratégia geral para resolver diferenças sobre princípios Não podemos explicar nossa hostilidade para com a conciliação interna recorrendo a princípios de eqüidade ou de justiça do modo como definimos essas virtudes Os astrônomos postularam a existência de Netuno antes de descobrilo Sabiam que só um outro planeta cuja órbita se encontrasse além daquelas já conhecidas poderia explicar o comportamento dos planetas mais próximos Nossos instintos sobre a conciliação interna sugerem outro ideal político ao lado da justiça e da eqüidade A integridade é nosso Netuno A 8 Ver n 7 Podemos imaginar facilmente outros exemplos de acordos que aceitaríamos por não considerálos violações da integridade pois refle tem princípios de justiça que reconhecemos ainda que não os sancionemos As pessoas que se opõem à pena de morte por uma questão de princípio acei tarão uma redução na lista de crimes punidos com a morte desde que os que forem executados sejam moralmente mais culpáveis ou de alguma outra forma discemíveis segundo os padrões habitualmente respeitados no direito criminai aceitarão isso muito mais facilmeitedoque por exemplo ura siste ma que permita a alguns criminosos condenados por um cnme capital escapa rem da morte mediante um processo de tirar a sorte INTEGRIDADE 223 explicação mais natural de por que nos opomos às leis conci liatórias apela a esse ideal dizemos que um Estado que adota essas conciliações internas age sem observar princípios ainda que nenhuma autoridade que tenha votado pela conciliação ou que a aplique tenha feito alguma coisa que a julgar seus atos individuais pelos padrões correntes da moral pessoal não de veria ter feito O Estado carece de integridade porque deve en dossar princípios que justifiquem uma parte dos seus atos mas rejeitálos para justificar o restante Essa explicação distingue a integridade da coerência perversa de alguém que se recusa a resgatar alguns prisioneiros por não poder salvar todos Se ti vesse salvado alguns escolhidos ao acaso não teria violado nenhum princípio do qual necessita para justificar outros atos Mas um Estado age desse modo quando aceita uma solução conciliatória salomônica o que a integridade condena é a in coerência de princípio entre os atos do Estado personificado Integridade e a constituição As leis conciliatórias são as mais clamorosas violações do ideal de integridade e não são desconhecidas em nossa histó ria política Em sua origem a Constituição dos Instados Unidos continha exemplos odiosos o problema da escravidão era regi do por um acordo conciliatório mediante o qual se contavam três quintos da população de escravos dym estado para deter minar sua representação no Congresso e para proibir que este limitasse o poder original dos estados de importar escravos mas somente antes de 1808 A integridade porém é escarne 9 Não podemos explicar esses acordos constitucionais como explica mos a decisão do imposto sobre heranças que descrevemos na nota 7 argu mentando que os acordos dão a devida importância a cada um dos dois princí pios independentes e antagônicos Nenhum argumento de princípio de segun da ordem pode justificar que se proíba o Congresso úe restringir a escravidão antes mas não depois de determinado ano Madison afirmou que esse acordo era mais desonroso para o caráter nacional do que não dizer nada a respei to na Constituição 2 Farrands Debates 4156 Devo essa referência a 224 O IMPÉRIO DO DIREITO cida não apenas em concessões específicas desse tipo mas sem pre que uma comunidade estabelece e aplica direitos diferen tes cada um dos quais coerente em si mesmo mas que não po dem ser defendidos em conjunto como expressão de uma série coerente de diferentes princípios de justiça eqüidade ou devi do processo legal Sabemos que nossa própria estrutura jurídi ca constantemente viola a integridade dessa maneira menos dramática Não podemos reunir todas as regras da legislação e do direito consuetudinário que nossos juizes aplicam sob um sistema de princípios único e coerente Discuto algumas con seqüências desse fato no capítulo XI Não obstante aceitamos a integridade como um ideal político Faz parte de nossa moral política coletiva que tais soluções conciliatórias sejam equívo cos e que a comunidade como um todo e não apenas as auto ridades individualmente consideradas deva atuar de acordo com princípios Nos Estados Unidos esse ideal é até certo ponto uma ques tão de direito constitucional pois se considera que a cláusula de igual proteção da Décima Quarta Emenda veda concilia ções internas sobre questões de princípio importantes A Su prema Corte se fundamenta na linguagem da igual proteção para derrubar a legislação estadual que reconhece direitos fundamentais para alguns e não para outros A Constituição exige que os estados estendam a todos os cidadãos certos di reitos o direito à livre expressão por exemplo mas deixa os livres para reconhecer outros direitos não constitucionais se assim o desejarem Se um Estado aceita um desses direitos não constitucionais para uma classe de cidadãos porém deve fazer o mesmo para todos10 A polêmica lei da Suprema Corte sobre o aborto de 1973 por exemplo permite que os estados William Nelson Para um exemplo de uma decisão da Suprema Corte que pa rece ofender a integridade ver Maher vs Roe 97 S Ct 2376 e Laurence Tri be American Constitutional Law 973 n77 Mineola Nova York 1978 10 Ver em geral Tribe acima n 9 seções 166167 William Nelson em The Fourteenth Amentiment From Politicai Principie to Judicial Dociri ne caps 8 e 9 no prelo explora o compromisso com a integridade dos fun dadores da Décima Quarta Emenda INTEGRIDADE 225 proíbam totalmente o aborto nos últimos três meses de gravi dez Mas a Corte não permitiria que um estado proibisse um aborto no último trimestre somente para as mulheres nascidas em anos pares Essa relação entre a integridade e a retórica da igual pro teção è reveladora Insistimos na integridade porque acredita mos que as conciliações internas negariam o que é freqüente mente chamado de igualdade perante a lei e às vezes de igualdade formal Tomouse moda dizer que esse üpo de igual dade não tem importância pois oferece pouca proteção contra a tirania Essa crítica pressupõe contudo que a igualdade for mal é apenas uma questão de aplicar as regras estabelecidas na legislação quaisquer que sejam elas no espírito do convencio nalismo Os processos judiciais nos quais se discutiu a igual proteção mostram a importância de que se reveste a igualdade formal quando se compreende que ela exige integridade bem como uma coerência lógica elementar quando requer fidelida de não apenas às regras mas às teorias de eqüidade e justiça que essas regras pressupõem como forma de justificativa Podemos encontrar outra lição sobre as dimensões da in tegridade no sistema constitucional dos Estados Unidos uma lição que vai mostrarse importante no final daste capítulo A integridade se mantém dentro das comunidades políticas e não entre elas de tal modo que qualquer opinião que tenhamos so bre o alcance das exigências de coerência contém suposições sobre o tamanho e a natureza dessas cSmunidades A Consti tuição norteamericana provê um sistema federal reconhece os estados como comunidades políticas distintas e atribuilhes soberania sobre muitas questões de princípio Assim não há violação da integridade política no fato de que o direito de de litos civis de alguns estados seja diferente do de outros mes mo quanto às questões de princípio Cada estado federado fala com uma só voz ainda que esta não esteja em harmonia com a de outros Em um sistema federal porém a integridade impõe 11 Roe ví WaJe 410 US 113 226 O IMPÉRIO DO DIREITO exigências às decisões de ordem superior tomadas em nível constitucional sobre a divisão do poder entre o nível nacionai e os níveis locais Alguns especialistas e políticos que se opu seram à decisão sobre o aborto tomada pela Suprema Corte em 1973 agora argumentanvque se deveria entender que a Cons tituição deixa as decisões sobre o aborto a cargo dos diferentes estados de tal modo que alguns poderiam permitir o aborto quando necessário outros poderiam proibilo em todas as cir cunstâncias e outros ainda adotar sistemas intermediários13 Essa sugestão não é em si mesma uma solução conciliatória cada Estado conservaria o dever constitucional de que sua pró pria lei sobre o aborto fosse coerente com os princípios adota dos e a sugestão reconhece as competências independentes em vez de falar por todos os estados Permanece porém uma questão de integridade deixaT a questão do aborto para que cada estado decida de modo diferente se assim o quiser é coe rente em princípio com o resto do sistema constitucional norte americano que faz com que outros direitos de igual importân cia sejam nacionais em alcance e aplicação A integridade é atraente Não apresentarei mais argumentos em favor de meu ponto de vista de que nossa vida política reconhece a integridade como uma virtude política A hipótese é agora forte o bastante para que o centro do interesse passe para a outra dimensão da interpretação Fazemos bem em interpretar nossa política des sa maneira Nossa cultura política é mais atraente se vista como aceitando essa virtude Já descrevi no capítulo V um desafio evidente à integridade Um pragmático ansioso por rejeitar a integridade atacaria a personificação profunda e funcional que usamos para definir o ideal Dizemos que o Estado como um 12 Ver Suprema Corte dos Estados Unidos Thornburgh vs American Cullegs of Obsíetrícians Memorial para os Estados Unidos como Ânticus Curiae julho de 1985 INTEGRIDADE 227 todo faz mal em aceitar uma conciliação interna porque ele então compromete os seus princípios O pragmático insistirá em que o Estado não é uma entidade que possa ter princípios a serem comprometidos Nem o Estado nem o seu governo são uma pessoa são grupos de pessoas e se nenhuma dessas pes soas individualmente agiu em contradição com seus princí pios que sentido pode ter a afirmação de que o Estado que re presentam assim o fez O pragmático que apresenta esse argumento tenta derivar a responsabilidade política de princípios de moralidade comuns não políticos Procede segundo nosso primeiro argumento no capítulo Y sobre a responsabilidade dos acionistas pelos auto móveis defeituosos aplicando princípios comuns sobre a res ponsabilidade de uma pessoa pelos prejuízos causados a outra Pergunta o que cada legislador poderia fazer na posição que ocupa para reduzir o número total de incidentes injustos ou iníquos de acordo com seus pontos de vista pessoais sobre aquilo que exigem a justiça e a eqüidade Se acompanharmos o pragmático em sua linha de argumentação se começarmos pela responsabilidade individual oficial chegaremos à mes ma conclusão que ele porque não teremos um modo de expli car adequadamente por que constitui erro votaip favor de uma solução conciliatória por que uma autoridade em particular deveria ver a conciliação como um resultado pior que aquele que ela considera mais uniformemente injusto Se por outro lado insistirmos em tratar as leis decorrentes de um acordo interno como os atos de um único e distinto agente moral po deremos então condenálos por sua falta de princípios e tere mos uma razão para argumentar que nenhuma autoridade de veria contribuir para os atos carentes de princípios de seu Es tado Portanto para defender o princípio legislativo da integri dade devemos defender o estilo gera de argumentação que con sidera a própria comunidade como um agente moral Nosso argumento deve derivar da virtude política e não na medida em que se veja aí uma diferença da metafísica Não devemos dizer que a integridade é uma virtude especial da po lítica porque o Estado ou a comunidade sejam uma entidade dis 228 O IMPÉRIO DO DIREITO tinta mas que a comunidade deve ser vista como um agente moral distinto porque as práticas sociais e intelectuais que tra tam a comunidade dessa maneira devem ser protegidas Agora estamos diante de uma dificuldade óbvia e profunda Na vida política nos habituamos á discutir de um certo modo sobre as instituições sociais e políticas atacandoas ou defendendoas com base na justiça ou na eqüidade Mas não podemos esperar defender a integridade da maneira normal pois sabemos que às vezes a integridade entrará em conflito com aquilo que re comendam a eqüidade e a justiça Se quisermos afirmar a inte gridade política como um ideal distinto e dotado de autono mia precisamos aumentar a amplitude do argumento político Mas como Aqui está uma sugestão ainda que não se trate da única possibilidade A retórica revolucionária francesa reco nheceu um ideal político que ainda não examinamos Deve ríamos procurar nossa defesa da integridade nas imediações da fraternidade3 ou para usar seu nome mais difundido da co munidade Mostrarei que uma sociedade política que aceita a inte gridade como virtude política se transforma desse modo em uma forma especial de comunidade especial num sentido que promove sua autoridade morai para assumir e mobilizar mo nopólio de força coercitiva Este não é o único argumento em favor da integridade ou a única conseqüência de reconhecêla que poderia ser valorizada pelos cidadãos A integridade pro tege contra a parcialidade a fraude ou outras formas de cor rupção oficial por exemplo Existe mais espaço para o favori tismo ou o revanchismo em um sistema que permite que os fabricantes de automóveis e de máquinas de lavar sejam go vernados por princípios de responsabilidade diferentes e con 13 A palavra fraiernity usada e m inglês também para designar agre miações estudantis masculinas é infeliz por ser etimologicamente masculi na Também me refiro a socority agremiação estudantil feminina ou à idéia comum a esses termos latinos No original fratermty A nota acima perde parte de seu sentido na tradução uma vez que fraternidade é usada corretamente em português na acepção a que o autor se refere N do T INTEGRIDADE 229 traditórios A integridade também contribui para a eficiência do direito no sentido que já assinalamos aqui Se as pessoas aceitam que são governadas não apenas por regras explícitas estabelecidas por decisões políticas tomadas no passado mas por quaisquer outras regras que decorrem dos princípios que essas decisões pressupõem então o conjunto de normas públi cas reconhecidas pode expandirse e contrairse organicamen te à medida que as pessoas se tornem mais sofisticadas em perceber e explorar aquilo que esses princípios exigem sob novas circunstâncias sem a necessidade de um detalhamento da legislação ou da jurisprudência de cada um dos possíveis pontos de conflito Esse processo é menos eficiente sem dúvi da quando as pessoas divergem como é inevitável que às ve zes aconteça sobre quais princípios são de fato assumidos pe las regras explícitas e por outras normas de sua comunidade Contudo uma comunidade que aceite a integridade tem um veículo para a transformação orgânica mesmo que este nem sempre seja totalmente eficaz que de outra forma sem dúvida não teria Essas conseqüências da integridade são práticas Outras são de natureza moral e indicativa Em nossa breve abordagem inicial da integridade no último capítulo observamos que muitas de nossas atitudes políticas reunidas emtiosso instinto de responsabilidade coletiva pressupõem que em certo sentido somos os autores das decisões políticas tomadas por nossos governantes ou pelo menos que temos oas razões para pen sar assim Kant e Rousseau fundamentaram suas concepções de liberdade nesse ideal de autolegislação14 Esse ideal porém precisa de integridade pois um cidadão não pode considerar se o autor de um conjunto de leis incoerentes em princípio nem pode ver tal conjunto como algo patrocinado por alguma vontade geral rousseauniana O ideal de autogoverno tem um aspecto especial que a integridade promove diretamente e a observação desse aspec 14 Sou grato a Jereitiy Waldron por chamar minha atenção para Kant e Rousseau a esse respeito 230 O IMPÉRIO DO DIREITO to vai nos levar à nossa discussão principal da legitimidade e da obrigação politica A integridade expande e aprofunda o pa pel que os cidadãos podem desempenhar individualmente para desenvolver as normas públicas de sua comunidade pois exige que tratem as relações entre si mesmos como se estas fossem regidas de modo característico e não espasmódico por essas normas Se as pessoas entendessem a legislação formal apenas como uma questão de soluções negociadas para problemas es pecíficos sem nenhum compromisso subjacente com nenhuma concepção pública mais fundamental de justiça elas estabele ceriam uma nítida distinção entre dois tipos de embate com seus concidadãos os que pertencem à esfera de alguma deci são política do passado e os que lhe são extrínsecos A integri dade pelo contrário insiste em que cada cidadão deve aceitar as exigências que lhe são feitas e pode fazer exigências aos outros que compartilham e ampliam a dimensão moral de quais quer decisões políticas explícitas A integridade portanto pro move a união da vida morai e política dos cidadãos pede ao bom cidadão ao decidir como tratar seu vizinho quando os interesses de ambos entram em conflito que interprete a orga nização comum da justiça à qual estão comprometidos em vir tude da cidadania A integridade infunde às circunstâncias públicas e priva das o espírito de uma e de outra interpenetrandoas para o be neficio de ambas Essa continuidade tem vaior prático e indi cativo pois facilita a mudança orgânica que mencionei há pou co como uma vantagem prática Mas seu valor indicativo não se esgota como poderia acontecer com seu valor prático quan do os cidadãos divergem sobre qual sistema de justiça está de fato contido nas decisões políticas explícitas da comunidade O valor expressivo é confirmado quando pessoas de boafé ten tam tratar umas às outras de maneira apropriada à sua condi ção de membros de uma comunidade governada pela integri dade política e ver que todos tentam fazer o mesmo mesmo 15 Vera discussão das pretensões juridicamente protegidas em matéria de negligência e ilícitos civis no capítulo VIII INTEGRIDADE 2 3 1 quando divergem sobre o que exatamente a integridade exige em circunstâncias particulares A obrigação política deixa de ser portanto apenas uma questão de obedecer a cada uma das decisões políticas da comunidade como em geral a represen tam os filósofos políticos Tornase uma idéia mais impregna da da noção protestante de fidelidade a um sistema de princí pios que cada cidadão tem a responsabilidade de identificar em última instância para si mesmo como o sistema da comunida de à qual pertence O enigma da legitimidade Voltemonos agora para a relação direta entre integridade e autoridade moral do direito o que remete nosso estudo de volta ao principal argumento do livro Afirmei que o conceito de direito o espaço em que o debate entre as concepções se mostra mais útil associa o direito à justificativa da coerção oficial Uma cncepção do direito deve explicar de que modo aquilo que chama de direito oferece uma justificativa geral para o exercício do poder coercitivo pelo Estado uma justifi cativa que só não se sustenta em casos especiais quando al gum argumento antagônico for particularmente iorte O centro organizador de cada concepção é a explicação que apresenta dessa força justificadora Cada concepção portanto se vê dian te do mesmo problema iniciai Como pocfè alguma coisa ofere cer mesmo essa forma geral de justificativa da coerção na polí tica corrente O que pode conferir a alguma pessoa o tipo de poder autorizado que a política supõe que os governantes pos suam sobre seus governados Por que o fato de que a maioria elege um regime específico por exemplo dá a esse regime po der legítimo sobre os que votaram contra ele Esse é o problema clássico da legitimidade do poder de coerção e traz consigo outro problema clássico o da obriga ção política Os cidadãos têm obrigações morais genuínas uni camente em virtude do direito O fato de que um legislativo tenha aprovado alguma exigência oferece aos cidadãos alguma 232 O IMPÉRIO DO DIREITO razão ao mesmo tempo moral e prática para obedecer Essa razão moral é válida mesmo para os cidadãos que desaprovam a legislação ou a consideram errada em princípio Se os cida dãos não têm obrigações morais dessa natureza então aquilo que garante ao Estadoo poder de coerção está gravemente ou mesmo fatalmente abalado Esses dois problemas se o Esta do é moralmente legítimo no sentido de que se justifica seu uso da força contra os cidadãos e se as decisões do Estado im põem obrigações genuínas sobre eles não são idênticos Ne nhum Estado deve fazer cumprir todas as obrigações de um cidadão Contudo ainda que a obrigação não seja uma condi ção suficiente para o exercício da coerção está bem próximo de ser uma condição necessária Um Estado pode ter boas razões em algumas circunstâncias especiais para coagir aque les que não têm o dever de obedecer Mas nenhuma política geral que tenha por fim manter o direito com mão de ferro poderia justificarse se o direito não fosse em termos gerais uma fonte de obrigações genuínas Um Estado é legítimo se sua estrutura e suas práticas constitucionais forem tais que seus cidadãos tenham uma obri gação geral de obedecer às decisões políticas que pretendem imporlhes deveres Um argumento em favor da legitimidade só precisa oferecer razões para essa situação geral Não precisa demonstrar que um governo legítimo nesse sentido tem auto ridade moral para fazer o que bem entende com seus cidadãos ou que estes sejam obrigados a obedecer a toda e qualquer decisão que venha a ser tomada Mostrarei que um Estado que aceita a integridade como ideal político tem um argumento melhor em favor da legitimidade que um Estado que não a aceite Se assim for isso nos oferece uma forte razão do tipo que até aqui estivemos procurando uma razão em nome da qual faríamos bem em considerar que nossas práticas políticas têm por base essa virtude Oferecenos em particular um forte argumento em favor de uma concepção do direito que conside ra a integridade fundamental porque qualquer concepção deve explicar por que motivo o direito é a autoridade capaz de legi timar a coerção Nossas reivindicações de integridade estão INTEGRIDADE 233 desse modo ligadas a nosso projeto principal o de encontrar uma concepção atraente do direito Acordo tácito Os filósofos têm vários tipos de argumentos sobre a legi timidade das democracias modernas Um deles utiliza a idéia de contrato social mas não devemos confundilo com os argu mentos que recorrem a essa idéia para estabelecer a natureza ou o conteúdo da justiça John Rawls por exemplo propõe um contrato social imaginário como meio de selecionar a melhor concepção de justiça no âmbito de uma teoria política utópica Ele sustenta que em condições específicas de incerteza todos optariam por certos princípios de justiça que pertençam à esfe ra de seus interesses e afirma que para nós esses princípios são portanto aqueles que consideramos corretos16 Seja o que for que pensemos de sua sugestão ela não tem nenhuma liga ção direta comnosso problema atual de legitimidade no âmbi to da vida política corrente em que os princípios de justiça de Rawls estão muito longe de exercer algum domínio Seria mui to diferente sem dúvida se cada cidadão fosse parte de um acordo real histórico de aceitar e obedecer às crecisões políti cas tomadas da maneira como as decisões políticas de sua comunidade são realmente tomadas O fato histórico do acor do então forneceria pelo menos um bôm argumento prima facie para a coerção mesmo na politica corrente Portanto al guns filósofos políticos têm sido tentados a dizer que de fato concordamos tacitamente com um contrato social desse tipo pelo simples fato de não emigrarmos ao atingirmos a maiori dade Mas ninguém pode defender esse ponto de vista a sério por muito tempo O consentimento não pode ser obrigatório para as pessoas da maneira exigida por esse argumento a me nos que seja dado com maior liberdade e com uma possibili 16 Ver Rawls Theory of Justice pp 1122 11892 234 O IMPÉRIO DO DIREITO dade de escolha mais genuína do que pela mera recusa em construir uma vida a partir do nada numa terra estrangeira E mesmo que o consentimento fosse genuíno o argumento não se sustentaria enquanto argumento pela legitimidade pois uma pessoa deixa um soberano apenas para juntarse a outro não lhe é dada a escolha de não ter soberano algum O dever de ser justo Rawls afirma que na posição original que defende as pessoas reconheceriam um dever natural de apoiar as institui ções que passem nos testes da justiça abstrata e que elas esten deriam esse dever ao apoio a instituições não totalmente justas pelo menos quando a justiça esporádica estiver nas decisões tomadas por instituições imparciais e majoritárias Mesmo os que rejeitam o método geral de Rawls poderiam aceitar o dever de apoiar as instituições justas ou quase justas Esse dever porém não nos dá uma boa explicação da legitimidade pois não estabelece uma ligação suficientemente estreita entre obri gação política e a comunidade específica à qual pertencem aqueles que têm a obrigação não mostra por que os ingleses têm o dever especial de apoiar as instituições da Inglaterra Po demos elaborar um argumento prático e contingente em favor desse dever especial Os ingleses têm mais oportunidades de ajudar as instituições inglesas do que aquelas dos outros povos cujas instituições eles também consideram justas Contudo esse argumento prático não é capaz de apreender a essência do dever especial Não consegue mostrar como a legitimidade decorre da cidadania e a define Essa objeção se distancia da justiça que é conceitualmente universalista e se volta para a integridade que já é mais pessoal nas diferentes exigências que impõe a diferen tes comunidades como origem primeira da legitimidade 17 Ibid 33362 Ver também seu Kantian Constnictivism 569 INTEGRIDADE 235 Jogo limpo A defesa mais popuiar da legitimidade é o argumento do jogo limpo18 se alguém recebeu benefícios na esfera de uma organização política estabelecida tem então a obrigação de arcar também com o ônus dessa organização inclusive a obri gação de aceitar suas decisões políticas tenha ou não solicita do esses benefícios ou consentido com o ônus de maneira mais ativa Esse argumento evita a fantasia do argumento do con sentimento e a universalidade e outros defeitos do argumento de um dever natural de justiça e poderia portanto parecer um rival mais forte de minha sugestão de que a legitimidade tem fundamentos mais sólidos na integridade Contudo é vul nerável a dois contraargumentos que têm sido freqüentemen te observados Primeiro o argumento do jogo iimpo pressu põe que as pessoas podem incorrer em obrigações simples mente por receberem o que não buscavam e que rejeitariam se lhes fosse dada a oportunidade de fazêlo Isso não parece sen sato Suponhanjos que um filósofo transmita uma conferência de extraordinária importância a partir de um carro de som Todos os que o escutam inclusive aqueles que apreciam suas palavras e delas tiram proveito devemlhe honorários pela conferência Em segundo lugar o argumento do jogo limpo é ambíguo de um ponto de vista crucial Em que sentido pressupõe que as pessoas se beneficiam da organização política A resposta mais natural é esta alguém se beneficia de uma organização política se sua situação geral seu bemestar como dizem os economistas for superior sob essa organização àquilo que 18 Embora esse termo seja muito usado para designar o argumento Rawls e Nozick e outros seguidores referese a ele como principio de eqüi dade Não uso este termo utilizo eqüidade da maneira diferente descrita no capitulo V e neste 19 Essa é uma adaptação do argumento de Robert Nozick contra o principio do jogo limpo como base da autoridade política Ver desse autor Anarchy Slateand Utopia 935 Nova York 1974 236 O IMPÉRIO DO DIREITO seria em outro contexto Mas tudo então gira em tomo do ponto de referência a ser usado do que quer dizer em outro contexto e quando tentamos especificar o ponto de referên cia chegamos a um impasse O princípio é evidentemente de masiado fortenão justifica n a d a s e nos obriga a mostrar que cada cidadão está em melhor situação sob o sistema político vigente do que estaria sob qualquer outro sistema que pudesse terse desenvolvido em seu lugar Pois isso nunca pode ser demonstrado com respeito a todos os cidadãos que esse princí pio deve atacar E é evidentemente demasiado frágil por ser muito fácil de satisfazer justifica coisas de mais se nos obri ga a mostrar que cada cidadão está em melhor situação sob a organização vigente do que estaria se não houvesse nenhuma or ganização social ou política ou seja se vivesse num estado de natureza semelhante ao concebido porHobbes Podemos nos afastar dessa segunda objeção se rejeitar mos a interpretação natural que descrevi com relação à idéia crucial de benefício Suponhamos que entendemos o argumen to de maneira diferente ele pressupõe não que o bemestar de cada cidadão julgado com neutralidade do ponto de vista polí tico tenha melhorado por uma organização social ou política específica mas que cada cidadão tenha recebido os benefícios de tal organização Isto é que na verdade tenha recebido a par te que lhe cabe de acordo com os padrões de justiça e eqüidade sobre os quais se assenta a referida organização Entendido desse modo o princípio do jogo limpo estabelece pelo menos uma condição necessária à legitimidade Se uma comunidade não pretende tratar alguém como um igual mesmo que de acordo com suas próprias regras sua reivindicação da obriga ção política de tal pessoa estará fatalmente comprometida Mas ainda não fica claro de que modo o fato negativo de a so ciedade não ter discriminado ninguém dessa maneira de acor do com suas próprias regras poderia oferecer à pessoa em questão alguma razão positiva pela qual ela devesse aceitar seu direito como obrigandoa De fato a primeira objeção que des crevi vai tomarse ainda mais poderosa se dermos essa respos ta à segunda Agora o argumento do jogo limpo deve ser en INTEGRIDADE 237 tendido como se afirmasse não que uma pessoa incorre em uma obrigação quando seu bemestar aumenta de um modo que ela não procurou mas que incorre em alguma obrigação por set tratada de maneira que talvez nem mesmo aumentasse seu bemestar para além de qualquer ponto de referência apro priado Pois não há nada no fato de um indivíduo ter sido tra tado com justiça por sua comunidade segundo suas próprias regras que possa assegurarlhe qualquer vantagem material adicional As obrigações da comunidade Circunstâncias e condições E verdade que ninguém pode ser moralmente atingido ao serlhe dado aquilo que não pediu nem escolheu ter É assim que pensaremos se apenas levarmos em consideração os casos de benefícios provenientes de estranhos como os filósofos no carro de som Nossas convicções são muito diferentes porém quando temos em mente obrigações de papéis mas que cha marei genericamente de obrigações associativas ou comuni tárias Refirome às responsabilidades especiais que a prática social atribui ao fato de se pertencer a algum grupo biológico ou social como as responsabilidades de família amigos ou vi zinhos A maioria das pessoas pensa qije tem obrigações asso ciativas apenas por pertencer a grupos definidos pela prática social o que não é necessariamente uma questão de escolha ou consentimento mas que também pode perder essas obrigações se um dos membros do grupo não lhe estender os benefícios decorrentes do fato de pertencer ao grupo Esses pressupos tos comuns sobre as responsabilidades associativas sugerem que a obrigação política poderia ser incluída entre eles caso em que as duas objeções ao argumento do jogo limpo deixa riam de ser pertinentes Em seu conjunto porém os filósofos têm ignorado essa possibilidade e acredito que assim o tenham feito por duas razões Primeiro há uma opinião muito difundi 238 O IMPÉRIO DO DIREITO da de que as obrigações comunitárias dependem de laços emo cionais que pressupõem que cada membro do grupo mantenha relações pessoais com todos os outros o que certamente é fal so no caso de grandes comunidades políticas Segundo a idéia de responsabilidadescomunitárias especiais vigentes numa grande comunidade anônima recende a nacionalismo ou mes mo a racismo duas coisas que têm sido fonte de muito sofri mento e muita injustiça Devemos portanto refletir sobre a natureza das obriga ções associativas familiares para ver até que ponto essas obje ções aparentes realmente se sustentam As obrigações associa tivas são complexas e muito menos estudadas pelos filósofos do que os tipos de obrigações pessoais nas quais incorremos através de diferentes promessas e de outros atos deliberados São contudo uma parte importante dnossa paisagem moral para a maioria das pessoas as responsabilidades com família amantes amigos colegas de trabalho ou de sindicato são as obrigações mais importantes e cruciais de todas A história da prática social define os grupos comunitários aos quais perten cemos e as obrigações daí resultantes Define o que é uma fa mília uma vizinhança ou um colega de trabalho e o que um membro desses grupos ou o detentor de tais designações deve a um outro Mas a prática social define grupos e obrigações não por decreto ou ritual não através da extensão explícita das convenções mas de maneira mais complexa introduzida pela atitude interpretativa Os conceitos que utilizamos para descre ver esses grupos e para afirmar ou rejeitar essas obrigações são conceitos interpretativos podese argumentar racional mente à maneira interpretativa sobre a verdadeira natureza da amizade e sobre o que devem os filhos a seus pais quando se tornam adultos Os dados brutos sobre o modo como os ami gos geralmente tratam uni aos outros não são mais conclusivos no caso dos argumentos sobre as obrigações da amizade do que eram conclusivos os dados brutos para os argumentos so bre a cortesia na comunidade que imaginei ou os argumentos sobre direito para nós INTEGRIDADE 239 Vamos supor que tentássemos compor não apenas uma interpretação de uma prática associativa isolada como família amizade ou vizinhança mas sim uma interpretação mais abs trata da prática ainda mais geral da obrigação associativa em si Não posso aqui levar esse projeto muito adiante ou desen volver um estudo profundo e abrangente dessa prática abstrata Mas até mesmo um breve exame nos mostra que não podemos explicar a prática geral se aceitarmos o princípio que a muitos filósofos pareceu tão atraente o de que ninguém pode ter obri gações especiais com determinadas pessoas a não ser median te a escolha de aceitálas A relação que reconhecemos entre obrigação comunitária e escolha é muito mais complexa e bem mais uma questão de grau que varia de uma forma de associa ção comunitária a outra Mesmo as associações que considera mos fundamentalmente consensuais como a amizade não são formadas por um ato de compromisso contratual deliberado como alguém se torna sócio de um clube por exemplo pelo contrário se desenvolvem através de uma série de escolhas e eventos que nuqca são percebidos individualmente como por tadores de um compromisso desse tipo Temos amigos aos quais devemos obrigações cm virtude de uma história comum mas seria perverso fescrever isso como uma história de obrigações taxativas Pelo contrário é uma história de eventos e atos que atraem obrigações e rara mente nos damos conta de estar assumindo um status especial à medida que a história se desenrola Aspessoas ficam cons trangidas quanto às obrigações da amizade nos casos normais apenas quando alguma situação exige que honrem tais obriga ções ou quando essa amizade as deixa saturadas ou descon certadas e então já é tarde demais para rejeitálas sem que isso implique uma forma de traição Outras formas de asso ciação que trazem consigo responsabilidades especiais nas relações entre professores universitários por exemplo são ainda menos ligadas à questão da livre escolha alguém pode tornarse meu colega mesmo que eu tenha votado contra sua contratação E as obrigações que alguns membros da família devem a outros que muitas pessoas incluem entre as mais for 240 O IMPÉRIO DO DIREITO tes obrigações fraternais são aquelas em que existe a menor possibilidade de escolha10 Devemos portanto explicar as obrigações associativas se é que as admitimos de maneira diferente daquela que su geri há pouco ao descrever como a maioria das pessoas pensa sobre elas Temos o dever de honrar nossas responsabilidades na esfera das práticas sociais que definem grupos e atribuem responsabilidades especiais ao conjunto de seus membros mas esse dever natural só se sustenta quando certas outras condi ções são satisfeitas ou mantidas A reciprocidade tem grande destaque entre essas outras condições Tenho responsabilida des especiais com meu irmão em virtude de nossa condição de irmãos mas estas são sensíveis ao grau em que ele aceita tais responsabilidades com relação a mim minhas responsabilida des para com aqueles que dizem que somos amigos amantes vizinhos ou compatriotas dependem igualmente da reciproci dade Aqui porém devemos ser cuidadosos se os conceitos associativos são interpretativos se pode permanecer aberta entre os amigos a questão de quais são as exigências da ami zade então a reciprocidade que exigimos não pode ser uma questão de cada um fazer pelo outro aquilo que este último imagina que concretamente é exigido pela amizade A amiza de então só seria possível entre pessoas que compartilhassem uma concepção detalhada da amizade e que se tomaria auto maticamente mais contratual e deliberada do que é mais uma questão de as pessoas procurarem saber de antemão se suas 20 A família mostra que as diferentes relações comunitárias são ques tões de escolha não apenas em diferentes graus como também cm diferentes sentidos de escolha Também mostra que as razões comunitárias podem ser diferentemente misturadas a outros tipos de razões para o reconhecimento de várias formas de obrigação O s pais escolhem ter filhos mas não escolhem pelo menos no estado atual da tecnologia ter os filhos que têm Os filhos não escolhem seus pais mas freqüentemente têm obrigações para com eles que não têm para com os irmãos aos quais não escolhem do mesmo modo que não escolhem os pais É interessante poctinto que a classe de obrigações que es tamos examinando seja nomeada segundo o vínculo entre irmãos considera do como um paradigma para a classe INTEGRIDADE concepções são compatíveis o bastante para permitir que se tomem amigas1 A reciprocidade que exigimos para as obrigações associa tivas deve ser mais abstrata mais uma questão de aceitar um tipo de responsabilidade que para ser explicada precisa das idéias do outro sobre integridade e interpretação Os amigos têm a responsabilidade de se tratar entre si como amigos em termos subjetivos isso significa que cada um deve agir contra riamente a uma concepção de amizade que esteja pronto a re conhecer como vulnerável a uma prova interpretativa como aberta à objeção de que essa não é uma descrição plausível do que a amizade significa em nossa cultura Amigos familiares ou vizinhos não precisam concordar em detalhe com as res ponsabilidades ligadas a essas formas de organização As obri gações associativas podem ser mantidas entre pessoas que com partilham uma idéia geral e difusa dos direitos e das responsa bilidades especiais que os membros devem pôr em prática en tre si uma idéia do tipo e do nível de sacrifício que suas rela ções mútuas devem pressupor Posso pensar que devidamente compreendidaa amizade exige que eu quebre promessas fei tas a outros para ajudar um amigo em dificuldades e não dei xarei de fazer isso por um amigo pela simples razão de que ele não compartilha essa convicção e não faria o mÈmo por mim Mas só vou incluílo entre meus amigos e sentir essa obrigação se acreditar que ele tem por mim mais ou menos o mesmo inte resse que tenho por ele e que faria por mim importantes sacri fícios de algum outro tipo 21 Para resolver esse problema do estabelecimento do nível apropriado de concreção para as exigências de reciprocidade podemos fazer uttia separa ção entre a questão de quando as pessoas são membros de uma comunidade fraternal e a questão do que cada uma deve à outra dentro dessa comunidade Se a resposta for afirmativa u m a pergunta então diria respeito a quando al guém é meu amigo e outra ao modo como devo tratálo em virtude de nossa amizade Se essa separação fosse razoável poderíamos responder à última pergunta insistindo em que não devo a ele nada mais do que ele pensa que me deve Mas esta é uma solução incoerente entre outras dificuldades que apresenta porque ele não saberia o que me deve enquanto eu não decidis se o que lhe devo e é isso o que eu já de inicio ignorava 242 O IMPÉRIO DO DIREITO Não obstante em termos gerais os membros de um grupo devem adotar certas atitudes com relação a suas responsabili dades mútuas caso se pretenda que tais responsabilidades se jam vistas como verdadeiras obrigações fraternais Primeiro devem considerar asobrigações do grupo como especiais do tadas de um caráter distintivo no âmbito do grupo e não como deveres gerais que seus membros devem igualmente a pessoas que não pertencem a ele Segundo devem admitir que essas res ponsabilidades são pessoais que vão diretamente de um mem bro a outro em vez de percorrerem o grupo todo em um sentido coletivo Meu irmão ou meu colega pode pensar que tem pe rante a reputação da família ou da universidade responsabili dades das quais ele se desincumbe melhor se concentrarse em sua própria carreira negandome assim ajuda ou companhia quando delas necessito Pode estar certo quanto à melhor utili zação de seu tempo total do ponto de vista do bem geral des sas comunidades específicas Mas sua conduta não configura a base necessária para que eu continue a reconhecer obrigações fraternais para com ele Terceiro os membros podem ver essas responsabilidades como decorrentes de uma responsabilidade mais gerai o inte resse que cada um deve ter pelo bemestar de outros membros do grupo devem tratar as obrigações especificas que surgem apenas em circunstâncias especiais como a obrigação de aju dar um amigo com graves problemas financeiros como decor rência e expressão de uma responsabilidade mais geral que se manifesta de diferentes maneiras através da associação Nesse sentido uma parceria comercial ou uma empresa conjunta concebida como uma associação fraternal é diferente até mes mo de uma relação contratual há muito existente A primeira tem uma vida própria cada sócio se preocupa não apenas em manter acordos explícitos e detalhados mas em abordar cada problema que surja em sua vida comercial conjunta de um modo que reflita um interesse especial com seu sócio enquanto tal Diferentes formas de associação pressupõem diferentes ti pos de interesse geral que segundo se imagina cada membro deve ter para com os outros O nível de interesse é diferente INTEGRIDADE 243 não preciso agir com meu sócio como se considerasse seu bemestar tão importante quanto o de meu filho e também o seu alcance meu interesse por meu irmão do sindicato é ge ral em toda a extensão da vida econômica e produtiva que compartilhamos mas não se estende a seu sucesso na vida so cial como ocorre no caso de meu interesse por meu irmão bio lógico E evidente que meu colega de sindicato pode ser tam bém meu amigo caso em que minhas responsabilidades gerais para com ele serão acumulativas e complexas Contudo den tro da forma ou do modo de vida constituído por uma prática comunitária o interesse deve ser geral e propiciar os funda mentos para responsabilidades mais específicas Quarto os membros devem pressupor que as práticas do grupo mostram não apenas interesse mas um igual interesse por todos os membros Nesse sentido as associações fraternais são conceitualmente igualitárias Podem ser estruturadas e in clusive hierárquicas da mesma maneira que se verifica em uma família mas a estrutura e a hierarquia devem refletir o pressu posto do grupo de que seus papéis e suas regras digam respeito aos interesses de todos e que a vida de uma pessoa não é mais importante que a de nenhuma outra Se essa condição for obser vada os próprios exércitos podem ser organizaçpes fraternais Não são fraternais porém nem geram responsabilidades co munitárias os sistemas de castas para os quais alguns membros são intrinsecamente menos dignos que outros Assim devemos ser cuidadosos actfdistinguir entre uma comunidade básica uma comunidade que satisfaz as condi ções genéticas geográficas ou históricas identificadas pela prática social como capazes de constituir uma comunidade fra ternal e uma verdadeira comunidade uma comunidade bá sica cujas práticas de responsabilidade de grupo satisfazem as quatro condições há pouco identificadas As responsabilidades que uma verdadeira comunidade mobiliza são especiais e indi vidualizadas e revelam um abrangente interesse mútuo que se ajusta a uma concepção plausível de igual interesse Estas não são condições psicológicas Ainda que um grupo raramente as satisfaça ou sustente por muito tempo a menos que seus mem 244 O IMPÉRIO DO DIREITO bros realmente se sintam unidos por algum laço emocional as condições em si não o exigem 0 interesse que exigem é uma propriedade interpretativa das práticas que permitem ao grupo a afirmação e o reconhecimento das responsabilidades estas devem ser práticas que seriam adotadas pelas pessoas que te nham o grau exigido de interesse e não uma propriedade psi cológica de algum número fixo dos verdadeiros membros As sim contrariamente ao pressuposto que parecia não admitir as similação das obrigações políticas às obrigações associativas as comunidades associativas podem ser maiores e mais anôni mas do que poderiam ser se houvesse a condição necessária de que cada membro ame todos os outros ou mesmo que os co nheça ou saiba quem são Nas quatro condições também não existe nada que contra diga nossa premissa inicial de que as obrigações de fraternidade não precisam ser totalmente voluntárias Se as condições forem satisfeitas as pessoas que pertencem a uma simples comuni dade básica têm as verdadeiras obrigações de uma comunidade verdadeira queiramnas ou não ainda que sem dúvida as con dições não sejam satisfeitas a não ser que a maioria dos membros reconheça e honre essas obrigações Portanto é essencial insistir em que as verdadeiras comunidades devem ser também comuni dades básicas As pessoas não podem ser forçadas a se tomar involuntariamente membros honorários de uma comunidade à qual nem mesmo basicamente pertencem somente porque outros membros estão dispostos a tratálas como tais Eu não me tornaria um cidadão das ilhas Fiji se por alguma razão seus ha bitantes resolvessem tratarme como um deles Nem sou amigo de um estranho que se senta a meu lado num avião apenas por que ele resolveu considerarse meu amigo Conflitos com a justiça É preciso fazer uma importante ressalva ao argumento até aqui desenvolvido Mesmo as comunidades autênticas que sa tisfazem as diversas condições que apresentei podem ser injus INTEGRIDADE 245 tas ou promover a injustiça produzindo desse modo o conflito para o qual já chamamos a atenção de diferentes maneiras en tre a integridade e a justiça de uma instituição As verdadeiras obrigações comunitárias podem ser injustas de duas maneiras distintas Primeiro podem ser injustas para os membros do grupo a concepção de interesse eqüitativo que refletem pode ser deficiente ainda que sincera Pode ser uma forte tradição de organização familiar em alguma comunidade por exemplo o fato de a mesma preocupação por filhas e filhos exigir que os pais exerçam um tipo de domínio sobre uns atenuandoo para outros Segundo podem ser injustas para as pessoas que não são membros do grupo A prática social pode definir um grupo racial ou religioso como uma associação e esse grupo pode exigir que seus membros discriminem socialmente no trabalho ou em termos gerais os que não pertencem a ele Se as conseqüências para os estranhos ao grupo forem graves como serão se o grupo discriminador for grande ou poderoso dentro de uma comunidade mais ampla isso será injusto Em muitos casos exigência desse tipo de discriminação vai en trar em conflito não apenas com os deveres da justiça abstrata que os membros do grupo devem observar entre si mas tam bém com as obrigações associativas que eles tên pois perten cem a comunidades associativas maiores ou diferentes Se os que não pertencem à minha raça ou religião são meus vizinhos e colegas ou e agora antecipo o argumento que virá a seguir meus concidadãos colocase a questão de saber se não tenho para com eles em razão dessas associações responsabilidades que ignoro ao acatar com as responsabilidades exigidas por meu grupo racial ou religioso Diante desses diferentes conflitos não devemos nos es quecer de que as responsabilidades associativas estão sujeitas a 22 Devo esse exemplo a Donald Davidson 23 Essa observação apressada que não reflete um objeto de meu inte resse coloca questões muito amplas sobre a justiça inclusive questões sobre até que ponto a justiça se estende para além dos seres humanos chegando pelo menos a alguns outros animais 246 O IMPÉRIO DO DIREITO interpretação e que a justiça vai desempenhar seu papel inter pretativo normal ao decidir para qualquer pessoa quais são de fato suas responsabilidades associativas Se os fatos sim ples da prática social forem inconclusivos meu ponto de vista de que é injusto qué os pais exerçam um domínio absoluto sobre seus filhos vai influenciar minhas convicções quanto à instituição de a família realmente ter ou não essa característica do mesmo modo que os pontos de vista de um cidadão sobre a justiça da hierarquia social influenciam suas crenças sobre a cor tesia na comunidade imaginária do capítulo II Mesmo que a prática do domínio seja estabelecida e inquestionável a atitude interpretativa pode isolála como um erro pois está condenada por princípios necessários à justificativa do resto da institui ção Não há garantia porém de que a atitude interpretativa sem pre justificará que dela se exclua algutna característica aparen temente injusta de uma instituição associativa Talvez tenha mos de admitir que o domínio injusto está na essência das prá ticas familiares de algumas culturas ou que a discriminação indefensável está na essência de suas práticas de coesão racial ou religiosa Então tomaremos consciência de outra possibili dade que já assinalamos aqui em outros contextos A melhor interpretação pode ser profundamente cética nenhum relato competente da instituição pode deixar de mostrála como com pleta e permanentemente injusta devendo portanto ser aban donada Quem chegar a essa conclusão estará negando que a prática pode impor algum tipo de imposição verdadeira pen sará ao contrário que as obrigações que ela pretende impor são totalmente anuladas pelo princípio moral antagônico Assim nosso relato da obrigação associativa tem agora uma estrutura bastante complexa Combina da maneira apre sentada a seguir questões de prática social e questões de inter pretação critica A questão da obrigação comunitária só se co loca nos casos de grupos definidos pela prática como portado res de tais obrigações as comunidades associativas devem ser primeiro comunidades básicas Mas nem todo grupo estabele cido pela prática social é associativo uma comunidade básica pode satisfazer as quatro condições de uma verdadeira comu INTEGRIDADE 247 nidade antes que as responsabilidades que declara se tomem ge nuínas A interpretação é necessária nessa etapa pois a ques tão de saber se a prática satisfaz as condições de uma comuni dade genuína depende do modo como se compreende a práti ca e esta é uma questão interpretativa Uma vez que a inter pretação é em parte uma questão de justiça essa etapa pode mostrar que na verdade as responsabilidades aparentemente injustas não fazem parte da prática pois são condenadas por princípios necessários à justificativa de outras responsabilida des impostas pela prática Mas não podemos contar com isso a melhor interpretação disponível pode mostrar que suas ca racterísticas injustas são compatíveis com o resto de sua estru tura Desse modo ainda que as obrigações que impõe sejam ge nuínas prima facie colocase a questão de se a injustiça é tão grave e profunda a ponto de anular essas obrigações Essa é uma possibilidade e as práticas de pureza racial e discrimina ção parecem exemplos plausíveis Às vezes porém a injustiça não será assim tão grave em tais circunstâncias surgirão dile mas pois as obrigações injustas criadas pela prática não serão totalmente extintas Posso ilustrar essa estrutura complexa desenvolvendo um exemplo já utilizado Uma filha tem a obrigaçã de submeter se às vontades do pai nas culturas que dão aos pais o poder de escolher um cônjuge para as filhas mas não para os filhos Perguntamos em primeiro lugar se são observadas as quatro condições que transformam a instituiçSo básica familiar na forma que assumiu aqui numa verdadeira comunidade o que coloca uma série de questões de interpretação nas quais esta rão presentes nossas convicções sobre a justiça A cultura em questão admite realmente que as mulheres são tão importan tes quanto os homens Considera que o poder especial conferi do aos pais sobre as filhas na verdade se volta para o interesse delas Se assim não for se o tratamento discriminatório im posto às filhas tiver por base o pressuposto mais geral de que elas são menos dignas do que os filhos a associação nào é ge nuína e dela não decorre nenhuma responsabilidade especifi camente associativa Por outro lado se tal cultura admite a igual 248 O IMPÉRIO no DIREITO dade dos sexos a discriminação contra as filhas pode ser tão incoerente com o restante da instituição familiar que se pode vêla como um erro dentro dela não configurando portanto um verdadeiro requisito mesmo quando a instituição é aceita Por essa razão portanto déixa de existir o conflito Suponhamos porém que a cultura admite a igualdade dos sexos mas pensa de boafé que a igualdade de interesse re quer uma proteção paternalista às mulheres em todos os aspec tos da vida familiar e que o controle dos pais sobre o casamen to de suas filhas é coerente com o restante da instituição Se essa instituição for em outros sentidos muito injusta se for çar os membros da família a praticarem crimes no interesse da família por exemplo concluiremos que ela não pode ser jus tificada de nenhuma outra maneira que recomende sua conti nuidade Nossa atitude é profundamente cética e mais uma vez negamos quaisquer responsabilidades associativas genuí nas negando portanto qualquer conflito Suponhamos por outro lado que o paternalismo da instituição seja a única ca racterística que estamos dispostos a considerar injusta Agora o conflito é genuíno As outras responsabilidades dos mem bros da família adquirem a configuração de responsabilidades genuínas O mesmo acontece com a responsabilidade de uma filha em submeterse à vontade dos pais naquilo que diz res peito a seu casamento mas isso pode ser anulado pelo apelo à liberdade ou a qualquer outro fundamento de direitos A dife rença é importante nessa versão da fábula uma filha que se casa contra a vontade de seu pai tem algo a lamentar Develhe pelo menos uma explicação talvez um pedido de desculpas e deverá por outras vias esforçarse para continuar sendo um membro da comunidade que por outro lado ela tem o dever de honrar Dediquei uma atenção tão especial à estrutura da obriga ção associativa e à natureza e circunstâncias de seus conflitos com outras responsabilidades e direitos porque meu objetivo é mostrar de que modo a obrigação política pode ser considerada associativa e isso só será plausível se a estrutura geral das obrigações associativas nos permitir explicar as condições que INTEGRIDADE 249 em nosso ponto de vista têm de ser satisfeitas antes que se co loque a questão da obrigação política e as circunstâncias que acreditamos devem invalidála ou mostrála em conflito com outros tipos de obrigações A discussão que acabamos de con cluir faz eco à nossa primeira discussão no capítulo III sobre os tipos de conflito que os cidadãos e os juízes poderiam des cobrir entre o direito de sua comunidade e a justiça mais abs trata Utilizamos ali em grande parte a mesma estrutura e muitas das mesmas distinções para desenredar os problemas morais e jurídicos colocados pelo direito nos lugares extrema mente injustos Esse eco reforça nossa hipótese corrente de que a obrigação política inclusive a obrigação de obedecer ao direito é uma forma de obrigação associativa Nosso estudo do conflito na esfera da obrigação associativa é importante também para responder a uma objeção a essa hipótese pata a qual chamei rapidamente a atenção há pouco A crítica contida nessa objeção é de que ao se tratar a obrigação política como associativa corroboramse os aspectos menos atraentes do nacionalismo inclusive sua veemente aprovação da guerra em nome do interesse nacional Podemos agora replicar que a me lhor interpretação de nossas próprias práticas políticas conde na essa característica que de qualquer modo aem mesmo é explicitamente aprovada pela prática comum Quando e onde houver tal aprovação qualquer conflito entre o nacionalismo militante e os padrões de justiça deve ser resolvido em favor destes últimos Nenhuma dessas alegações ameaça os ideais mais saudáveis da comuniJade nacional e as responsabilidades especiais que estes sustemam que é o que passaremos a exa minar a seguir Fraternidade e comunidade política Estamos finalmente em condições de examinar nossa hipótese de maneira direta a melhor defesa da legitimidade política o direito de uma comunidade política de tratar seus membros como tendo obrigações em virtude de decisões cole 250 O IMPÉRIO DO DIREITO tivas da comunidade vai ser encontrada não onde os filósofos esperaram encontrála no árido terreno dos contratos dos de veres de justiça ou das obrigações de jogo limpo que pode riam ser válidos entre os estranhos mas no campo mais fértil da fraternidade da comunidade e de suas obrigações concomi tantes Como a família a amizade e outras formas de associa ção mais íntimas e locais a associação política contém a obri gação em seu cerne O fato de que a maioria das pessoas não escolhe suas comunidades políticas mas já nasce nela ou é para ela levada ainda na infância não configura uma objeção a essa afirmação Se dispusermos as comunidades fraternais fa miliares ao longo de um espectro que vai da plena escolha à ausência de escolha no que diz respeito a ser membro delas veremos que as comunidades políticas ocupam uma posição mais ou menos intermediária As obrigações políticas são me nos involuntárias do que muitas obrigações familiares pois as comunidades políticas permitem que as pessoas emigrem e em bora o valor prático de tal escolha seja em geral muito reduzi do a escolha em si é importante como sabemos ao observar tiranias que a negam Assim as pessoas que pertencem a co munidades políticas básicas têm obrigações políticas desde que sejam atendidas as outras condições necessárias às obriga ções de fraternidade devidamente definidas para uma comu nidade política Precisamos portanto perguntarnos qual descrição des sas condições é apropriada a uma comunidade política mas primeiro devemos fazer uma pausa para examinar a seguinte crítica a essa solução para o problema da iegitimidade Não resolve o problema mas evitao ao negar a existência de qual quer problema Essa acusação é até certo ponto justa mas não o suficiente para ser prejudicial aqui E verdade que nova abor dagem recoloca o problema da legitimidade e desse modo es pera alterar a natureza do argumento Pede aos que contestam a própria possibilidade de legitimidade politica que ampliem seu ataque e neguem todas as obrigações associativas ou mostrem por que a obrigação política não pode ser associativa Pede aos que defendem a legitimidade que ponham à prova suas alega INTEGRIDADE 251 ções em um novo e mais vasto campo de argumentação Con vida os filósofos políticos das duas tendências a considerar como deve ser uma comunidade política básica antes que pos sa declararse uma verdadeira comunidade em que vigorarão as obrigações comunitárias Não temos dificuldade de encontrar na prática política as condições de uma comunidade básica As pessoas divergem so bre as fronteiras das comunidades políticas particularmente em condições coloniais ou quando as divisões existentes entre as nações ignoram importantes identidades históricas étnicas ou religiosas Estes porém podem ser tratados como problemas de interpretação e de qualquer modo não ocorrem nos países dos quais nos ocupamos no presente A prática define muito cla ramente as fronteiras da GrãBretanha24 e de vários estados dos Estados Unidos para que sejam aceitáveis como comunidades políticas básicas Já observamos isso aqui vimos que nossas convicções políticas mais difundidas pressupõem que as autori dades dessas comunidades têm responsabilidades especiais no interior de suascomunidades distintas e também para com elas Também não nos é difícil descrever as obngações principais associadas às comunidades políticas A obrigação central é a da fidelidade geral ao direito a obrigação que a fiUosofia política considera tão problemática Assim nosso prirrcipal interesse está nas quatro condições que identificamos Que forma deve riam assumir em uma comunidade política Como deve ser a política para que uma sociedade políticaftásica possa tomarse uma verdadeira forma de associação fraternal Três modelos de comunidade Somos capazes de imaginar a sociedade política como as sociativa apenas porque nossas atitudes politicas correntes pare cem satisfazer a primeira de nossas quatro condições Imagi 24 Ignoro aqui o problema especifico da Irlanda do Norte 25 V e r a discussão sobre personificação no capitulo V 252 O IMPÉRIO DO DIREITO namos que temos interesses especiais por outros membros de nossa própria nação bem como obrigações para com eles Os norteamericanos dirigem seus apelos políticos suas exigên cias visões e ideais erçi primeiro lugar a outros norteameri canos os ingleses a outros ingleses e assim por diante Trata mos a comunidade como algo anterior à justiça e à eqüidade no sentido de que as questões de justiça e eqüidade são vistas como questões do que seria eqüitativo e justo no interior de um grupo politico específico Assim tratamos as comunidades po líticas como verdadeiras comunidades associativas Que outros pressupostos sobre as obrigações e responsabilidades que de correm da cidadania poderiam justificar essa atitude ao satis fazer suas outras condições Não se trata de uma questão de sociologia descritiva ainda que a disciplina possa ter um papel a desempenhar em tal resposta Não estamos preocupados mais exatamente com a questão empírica de quais atitudes instituições ou tradições são necessárias para criar e proteger a estabilidade política mas com a questão interpretativa da natu reza do interesse e das responsabilidades mútuas que nossas práticas políticas devem expressar para justificar a pretensão de verdadeira comunidade que parecemos ter As práticas políticas de uma comunidade poderiam ter por objetivo expressar um dos três modelos gerais de associação política Cada modelo descreve as atitudes que os membros de uma comunidade política tomariam entre si em plena cons ciência se adotassem a concepção de comunidade que o mo delo expressa O primeiro supõe que os membros de uma co munidade tratam sua associação apenas como um acidente de fato da história e da geografia entre outras coisas e portanto como uma comunidade associativa que nada tem de verdadei ra As pessoas que pensam em sua comunidade desse modo não tratarão os outros necessariamente apenas como instru mentos para atingirem seus próprios fins Esta é uma possibili dade imagine dois estrangeiros pertencentes a nações que desprezam a moral e a religião uma da outra lançados numa ilha deserta após uma batalha naval entre os dois países De início os dois se vêem juntos por uma questão de circunstân INTEGRIDADE 253 cias e nada mais Um pode precisar do outro e por esse moti vo não se matam Podem chegar a uma forma de divisão do trabalho e cada um vai manter o acordo enquanto achar que este lhe é benéfico mas nada além desse ponto ou por nenhu ma outra razão Mas existem outras possibilidades para uma associação de fato As pessoas poderiam considerar sua comu nidade política como meramente de fato não por egoísmo mas por serem levadas por uma paixão pela justiça no mundo como um todo sem fazer distinção entre sua comunidade e as outras Um dirigente político que adote esse ponto de vista pensará em seus eleitores como pessoas que pode ajudar por dispor de meios especiais os de sua função para ajudálos meios que lamentavelmente não estão disponíveis para que ele possa aju dar outros grupos Em sua opinião suas responsabilidades para com sua própria comunidade não são especiais em ne nhum outro sentido não sendo portanto mais abrangentes em princípio Assim quando ele puder aperfeiçoar a justiça em termos gerais ao subordinar os interesses de seus próprios eleitores vai achar correto fazêio Chamo modelo das regras ao segundo modelo de comu nidade Pressupõe que os membros de uma comunidade políti ca aceitam o compromisso gerai de obedecer a jsgras estabele cidas de um certo modo que é específico dessa comunidade Imaginemos pessoas voltadas para os seus próprios interesses mas extremamente honestas que competem em um jogo ou que constituem as partes de um acordS comercial limitado e provisório Elas obedecem às regras que aceitaram ou negocia ram como uma questão de obrigação e não de mera estratégia mas admitem que o conteúdo dessas regras esgota sua obriga ção Não consideram que as regras foram negociadas com base em um compromisso comum com princípios subjacentes que são eles próprios uma fonte de novas obrigações pensam ao contrário que essas regras representam um acordo entre inte resses ou pontos de vista antagônicos Se as regras são o pro duto de uma negociação especial como no caso do contrato cada parte tentou ceder o menos possível para obter o máximo possível em retomo e seria portanto injusto e não apenas 254 O IMPÉRIO DO DIREITO equivocado que cada uma delas afirmasse que o acordo abran ge tudo que não foi explicitamente acordado A concepção convencionalista do direito que examinamos no capítulo IV é o companheiro natural desse modelo de comu nidade O convencionalismo se ajusta às pessoas que tentam promover sua própria concepção de justiça e eqüidade através da negociação e do acordo sujeitas apenas à estipulação supe rior geral e única de que uma vez realizado o acordo da ma neira apropriada as regras que formam seu conteúdo serão respeitadas até que sejam alteradas por um novo acordo Uma filosofia convencionalista associada a um modelo de comuni dade baseado nas regras aceitaria os acordos internos de nos sas leis conciliatórias como acordos obtidos por meio de nego ciações que devem ser respeitadas tanto quanto qualquer outro contrato Os dois primeiros modelos de comunidade comuni dade como uma questão de circunstância e como uma questão de regras concordam em rejeitar a única base na qual pode ríamos assentar nossa oposição aos acordos conciliatórios que é a idéia de integridade de que a comunidade deve respeitar princípios necessários à justificativa de uma parte do direito bem como do todo O terceiro modelo de comunidade é o modelo do princí pio Concorda com o modelo das regras que a comunidade po lítica exige uma compreensão compartilhada mas assume um ponto de vista mais generoso e abrangente da natureza de tal compreensão Insiste em que as pessoas são membros de uma comunidade política genuína apenas quando aceitam que seus destinos estão fortemente ligados da seguinte maneira acei tam que são governadas por princípios comuns e não apenas por regras criadas por um acordo político Para tais pessoas a política tem uma natureza diferente É uma arena de debates sobre quais princípios a comunidade deve adotar como siste ma que concepção deve ter dejustiça eqüidade e justo proces so legal e não a imagem diferente apropriada a outros mode los na qual cada pessoa tenta fazer valer suas convicções no mais vasto território de poder ou de regras possível Os mem bros de uma sociedade de princípio admitem que seus direitos INTEGRIDADE 255 e deveres políticos não se esgotam nas decisões particulares tomadas por suas instituições políticas mas dependem em ter mos mais gerais do sistema de princípios que essas decisões pressupõem e endossam Assim cada membro aceita que os outros têm direitos e que ele tem deveres que decorrem desse sistema ainda que estes nunca tenham sido formalmente iden tificados ou declarados Também não presume que esses ou tros direitos e deveres estejam condicionados à sua aprovação integral e sincera de tal sistema essas obrigações decorrem do fato histórico de sua comunidade ter adotado esse sistema que é então especial para ela e não da presunção de que ele o teria escolhido se a opção tivesse sido inteiramente sua Em resu mo cada um aceita a integridade política como um ideal po lítico distinto e trata a aceitação geral desse ideal mesmo en tre pessoas que de outra forma estariam em desacordo sobre a moral política como um dos componentes da comunidade política Agora nosso cenário está preparado para a questão cru cial Cada ura desses três modelos de comunidade descreve uma atitude geral que os membros de uma comunidade políti ca adotam com relação aos outros As práticas políticas que exprimem uma ou outra dessas atitudes satisfariam as condi ções da verdadeira comunidade associativa queHdentificamos Não precisamos nos deter longamente no modelo de circuns tância de fato que viola até mesmo a primeira condição não acrescenta nada em termos de atitudeespeciais de interesse às circunstâncias que definem uma comunidade política bási ca Admite a comunidade entre pessoas que não se interessam umas pelas outras a não ser como meio de atingir seus objeti vos egoístas Mesmo quando essa forma de comunidade se mantém entre pessoas desinteressadas que agem apenas para preservar a justiça e a eqüidade no mundo do modo como en tendem essas virtudes não têm nenhum interesse especial pela justiça e pela eqüidade para com os membros de sua própria coletividade Na verdade como sua única preocupação é a justiça abstrata universalista por natureza não podem ter base alguma para um interesse especial 256 O IMPÉRIO DO DIREITO O modelo de comunidade baseado nas regras poderia parecer mais promissor Seus membros demonstram uns pelos outros um interesse especial que extrapola o interesse geral de cada um no sentido de que a justiça seja feita segundo seu pró prio entendimento umapreocupação especial de que cada pes soa receba o beneficio integral de quaisquer decisões políticas que de fato tenham sido tomadas na esfera dos acordos políti cos vigentes Esse interesse tem a natureza individualizada ne cessária para satisfazer a segunda condição manifestase em separado diretamente de uma pessoa a todas as demais Mas não pode satisfazer a terceira pois o interesse que demonstra é por demais superficial e atenuado para ser universal na verda de para ser considerado como um interesse genuíno Os membros de uma comunidade baseada em regras são livres para agir em política de modo quase tão egoísta quanto em uma comunida de de circunstâncias Cada um pode usar o aparelho político vigente para promover seus próprios interesses ou ideais Sem dúvida uma vez que esse aparelho tenha produzido uma deci são isolada em forma de uma lei ou decisão judicial as pes soas aceitarão a obrigação especial de assegurar o cumprimen to de tal decisão para todos os que possam ser beneficiados por ela Esse compromisso porém é por demais formal e desliga do das circunstâncias concretas que vai promover para que possamos considerálo expressivo no sentido de um interesse genuíno e é por isso que parece falso enquanto expressão de fraternidade Intervém tarde demais no processo político per mite que uma pessoa atue na etapa legislativa crucial sem ne nhum senso de responsabilidade ou interesse por aqueles que finge uma vez asseguradas todas as vantagens possíveis à custa deles considerar como irmãos A conhecida versão do argu mento do jogo limpo essas são as regras sob as quais você se beneficiou e é por elas que você deve pautarse é particular mente apropriada a uma comunidade baseada em regras que como já afirmei vè a política como uma espécie de jogo Con tudo essa é a versão do argumento que se mostra mais vulnerá vel a todas asobjeções que de início assinalamos O modelo de princípios satisfaz todas as nossas condições pelo menos tão bem quanto qualquer modelo poderia fazêlo INTEGRIDADE 257 numa sociedade moralmente pluralista Torna específicas as responsabilidades da cidadania cada cidadão respeita os prin cípios do sentimento de eqüidade e de justiça da organização política vigentes em sua comunidade particular que podem ser diferentes daqueles de outras comunidades considere ele ou não que de um ponto de vista utópico são esses os melhores princípios Faz com que essas responsabilidades sejam inteira mente pessoais exige que ninguém seja excluído determina que na política estamos todos juntos para o melhor ou o pior que ninguém pode ser sacrificado como os feridos em um campo de batalha na cruzada pela justiça total O interesse que expressa não é superficial como o falso interesse que encon tramos no modelo das regras mas verdadeiro e constante Ma nifestase assim que a política se inicia e é mantido pela legis lação que rege a prestação jurisdicional e sua aplicação Os atos políticos de todos exprimem sempre ao se mostrar como devem ser as regras e de que modo se devem aplicálas um pro fundo e constante compromisso que exige sacrifício não ape nas por parte dos perdedores mas também dos poderosos que teriam a ganhar com o tipo de conluio e soluções conciliatórias que a integridade proíbe Sua base racional tende para a igual dade no sentido que requer a quarta condição sua exigência de integridade pressupõe que cada pessoa é tão digna quanto qualquer outra que cada uma deve ser tratada com o mesmo interesse de acordo com uma concepção coerente do que isso significa Uma associação de princípiorôão é automaticamen te uma comunidade justa sua concepção de interesse equita tivo pode ser falha ou violar direitos de seus cidadãos ou de cidadãos de outras nações do mesmo modo que em qualquer comunidade associativa verdadeira como vimos há pouco Mas o modelo dos princípios satisfaz as condições da verda deira comunidade melhor do que qualquer outro modelo de co munidade possível para pessoas que divergem sobre a justiça e a eqüidade a serem adotadas Está aqui portanto nossa defesa da integridade a razão para nos empenharmos em ver até onde seja possível seus princípios acerca da legislação e da jurisdição nitidamente pre 258 O IMPÉRIO DO DIREITO sentes em nossa vida política Uma comunidade de princípios aceita a integridade Condena as leis conciliatórias e as viola ções menos clamorosas desse ideal como uma vioiaçào da na tureza associativa de sua profunda organização Leis resultan tes de um compromisso interno não podem ser vistas como de correntes de um sistema coerente de princípios pelo contrário servem ao objetivo incompatível de uma comunidade baseada em regras que é o de encontrar um meiotermo entre as con vicções ao longo das linhas de poder Contradizem em vez de confirmar o engajamento necessário para transformar uma sociedade política ampla e diversa em uma verdadeira e não em uma simples comunidade a promessa de que o direito será escolhido alterado desenvolvido e interpretado de um modo global fundado em princípios Uma comunidade de princípios fiel a essa promessa pode reivindicar aautoridade de uma ver dadeira comunidade associativa podendo portanto reivindi car a autoridade moral suas decisões coletivas são questões de obrigação não apenas de poder em nome da fraternidade Essas reivindicações podem verse frustradas pois até mesmo as verdadeiras obrigações associativas podem entrar em confli to com a justiça devendo às vezes ceder diante dela Mas qual quer outra forma de comunidade cujos dirigentes rejeitem esse engajamento perderia já de início qualquer pretensão à legiti midade sob um ideal de fraternidade Os modelos de comunidade usados nesse argumento são ideais em vários sentidos Não podemos supor que a maioria das pessoas de nossas próprias sociedades politicas aceite por deliberação própria as atitudes de qualquer uma delas Elabo reios para que pudéssemos decidir quais atitudes que expres sam nossas práticas políticas deveríamos tentar interpretar o que é diferente e o exercício nos garante a conclusão apresen tada a seguir Se podemos compreender nossas práticas como apropriadas ao modelo de princípios podemos sustentar a le gitimidade de nossas instituições e as obrigações políticas que elas pressupõem como uma questão de fraternidade e deve ríamos portanto tentar aperfeiçoar nossas instituições em tal direção Convém repetir que nada nesse argumento sugere que INTEGRIDADE 259 os cidadãos de uma nação ou mesmo de uma comunidade po lítica menor sintam ou devam sentir entre si uma emoção que pudéssemos chamar de amor Algumas teorias acerca da co munidade ideal defendem essa possibilidade até o fim dese jam ansiosamente que cada cidadão sinta pelos outros emo ções tão profundas e com uma fusão equivalente de personali dades como as dos amantes dos amigos mais íntimos ou dos membros de uma família unida por laços afetivos extrema mente fortes É certo que não poderíamos interpretar a políti ca de qualquer comunidade política como a expressão desse nível de interesse mútuo e tampouco é atraente esse ideal A rendição total da personalidade e da autonomia ali explícita deixaria às pessoas muito pouco espaço para levarem suas vi das em vez de serem levadas com elas destruiria as próprias emoções que celebra Nossas vidas são ricas porque são com plexas conforme os níveis e a natureza das comunidades em que vivemos Se sentíssemos por amantes amigos ou colegas nada além do mais intenso interesse que pudéssemos sentir por todos os nossos concidadãos isso significaria a extinção e nào a universalidade do amor r Resumo É tempo de ligar os fios de um longo argumento Este ca pitulo afirma que qualquer interpretação construtiva bem sucedida de nossas práticas políticas como um todo reconhece a integridade como um ideal político distinto que às vezes pede um compromisso com outros ideais Uma vez que esta é uma afirmação interpretativa deve ser avaliada em duas di mensões A integridade como um ideal político se adapta e ex plica características de nossa estrutura e prática constitucional que de outro modo mostramse enigmáticas Desse modo sua 26 Esse tipo de preocupação é às vezes chamado òe altruísmo Ver Duncan Kennedy Forni and Substance in Privaie Law Adjudication 89 Hurvard Law Review 1685 1976 2 6 0 O IMPÉRIO DO DIREITO posição como parte de uma interpretação bemsucedida dessas práticas depende de saber se interpretálas desse modo ajuda a mostrálas em sua melhor luz Apresentamos várias razões tanto práticas quanto expressivas que uma comunidade pode ter para aceitar a integridade como uma virtude política Enfa tizei uma delas ao elaborar e comparar três modelos de comu nidade Sustentei que uma comunidade de princípios que vê a integridade como parte fundamenta de sua política apresenta uma melhor defesa da legitimidade política do que os outros modelos Assimila as obrigações políticas à categoria geral das obrigações associativas e defendeas dessa maneira Essa de fesa é possível em tal comunidade porque um compromisso geral com a integridade expressa o interesse de cada um por tudo que é suficientemente especial pessoal abrangente e igua litário para fundamentar as obrigações comunitárias segundo as normas de obrigação comunitária que aceitamos em outros contextos Nem esse argumento nem os outros que assinalamos de passagem constituem qualquer argumento conclusivo em favor da integridade como primeiro princípio de moral política Co mecei por admitir que a integridade não teria nenhum papei específico a desempenhar numa comunidade que fosse vista por seus membros como perfeitamente justa e eqüitativa De fendo aqui uma interpretação de nossa própria cultura políti ca e não uma moral política abstrata e atemporai afirmo ape nas que a defesa da integridade é poderosa na segunda dimen são da interpretação a política que reforça suas eloqüentes de clarações sobre a primeira dimensão da adequação Notas desordenadas ao fim de um capítulo Nos capítulos seguintes estudaremos uma alegação mais estreita e mais voltada para um objetivo específico a de que a integridade é a chave para a melhor interpretação construtiva de nossas práticas jurídicas distintas e particularmente do modo como nossos juizes decidem os casos difíceis nos tribu INTEGRIDADE 261 nais Sustentarei que o direito como integridade oferece uma interpretação melhor da prática jurídica do que as outras duas concepções que consideramos Primeiro porém devo acres centar algumas novas observações a nossa apresentação geral da integridade observações que não teria sido conveniente in troduzir ao longo da discussão principal Receio que a melhor maneira de fazêlo consiste em reunir as observações na forma de uma relação não hierarquizada sob dois títulos gerais Legislação e deliberação judicial Não afirmo como parte de minha tese interpretativa que nossas práticas políticas aplicam a integridade de maneira per feita Admito que não seria possível reunir num único e coe rente sistema de princípios todas as normas especiais e outros padrões estabelecidos por nossos legisladores e ainda em vigor Nosso compromisso com a integridade significa contu do que devemos considerar esse fato como um defeito e não como o resultado desejável de uma justa divisão do poder polí tico entre diferentes conjuntos de opinião e que devemos nos empenhar em remediar quaisquer incoerência de princípio com as quais venhamos a deparar Mesmo essa afirmação mais atenuada exige novas ressalvas ou peto menos algum escla recimento Estabeleci uma distinção entre duasformas de integridade ao arrolar dois princípios a integridade na legislação e a inte gridade na deliberação judicial A primeira restringe aquilo que nossos legisladores e outros partícipes de criação do direi to podem fazer corretamente ao expandir ou alterar nossas normas públicas A segunda requer que até onde seja possível nossos juizes tratem nosso atual sistema de normas públicas como se este expressasse e respeitasse um conjunto coerente de princípios e com esse fim que interpretem essas normas de modo a descobrir normas implícitas entre e sob as normas explícitas Para nós a integridade é uma virtude ao lado da jus tiça da eqüidade e do devido processo legal mas isso não sig 262 O IMPÉRIO DO DIREITO nifica que em alguma das duas formas assinaladas a integri dade seja necessariamente ou sempre superior às outras virtu des O legislativo deveria ser guiado pelo princípio legislativo da integridade e isso explica por que não deve promulgar leis conciliatórias apenas por uma preocupação com a eqüidade Contudo as leis conciliatórias constituem uma violação fla grante e fácil de evitar da integridade daí não se segue que o legislativo nunca deve sejam quais forem as circunstâncias tornar o direito mais incoerente em princípio do que ele já é Suponhamos que o legislativo se convença de que o siste ma vigente de lei sobre os acidentes que só permite indenizar pessoas por produtos defeituosos quando o fabricante for negligente é injusto e por esse motivo se proponha aprovar um sistema de estrita responsabilidade para todos os outros produtos também Mas a preparação de uma lei geral adequada a todos os produtos poderia consumir muito do tempo que o legislador necessita para se ocupar de outros assuntos Ou os fabricantes de alguns produtos poderiam criar um lobby poderoso tornan do politicamente impossível a promulgação de uma lei geral Nesse caso o legislativo diante de uma difícil opção poderia muito bem sancionar apenas a lei sobre indenização por auto móveis defeituosos deixando outros produtos para outra oca sião ou ocasiões A integridade condena o resultado mas a jus tiça prefere isso a nenhuma mudança e no cômputo final antes pouco do que nada O legislativo abandonaria seu com promisso geral com a integridade e assim se privaria do argu mento em favor da legitimidade por nós examinado se fizesse essa escolha em todos os casos ou mesmo de maneira caracte rística Isso porém não significa que nunca deve escolher a justiça em detrimento da integridade O princípio da integridade na prestação da justiça não é de modo algum superior a propósito do que os juízes devem fazer cotidianamente Esse princípio é decisivo para aquilo que um juiz reconhece como direito Reina por assim dizer sobre os fundamentos do direito pois não admite nenhum outro ponto de vista que decorra de decisões políticas tomadas no passa do Mas vimos no capítulo III que qualquer teoria sobre os fun damentos do direito abstraise de questões detalhadas sobre a INTEGRIDADE 263 força do direito O juiz que aceitar a integridade pensará que o direito que esta define estabelece os direitos genuínos que os litigantes têm a uma decisão deíe Eles têm o direito em princí pio de ter seus atos e assuntos julgados de acordo com a me lhor concepção daquilo que as normas jurídicas da comunidade exigiam ou permitiam na época em que se deram os fatos e a integridade exige que essas normas sejam consideradas coeren tes como se o Estado tivesse uma única voz No entanto ainda que essa exigência honre a virtude política do devido processo legal que seria violado pelo menos prima facie se as pessoas fossem julgadas segundo outras normas que não as normas jurí dicas do momento outros aspectos mais poderosos da moral política poderiam ter mais importância que essa exigência em circunstâncias particulares e excepcionais Talvez o direito dos Estados Unidos devidamente interpretado com relação à inte gridade incluísse a Lei do Escravo Fugitivo promulgada pelo Congresso antes da Guerra Civil2 Se o senso de justiça de um juiz condenasse essa lei por considerála profundamente imo ral uma vez que exigia que os cidadãos ajudassem a devolver os escravos fugitivos a seus donos teria de considerar se devia fazêla cumprir por exigência de um proprietário de escravos ou se devia mentir e dizer que afinal esse não era o direito ou ainda se não seria o caso de renunciar O principio de integri dade na deliberação judicial portanto não tem necessariamen te a última palavra sobre de que modo usar o poder de coerção do Estado Mas tem a primeira palavra e normalmente não há nada a acrescentar àquilo que diz Integridade e coerência Será a integridade apenas coerência decidir casos seme lhantes da mesma maneira sob um nome mais grandioso Isso depende do que entendemos por coerência ou casos semelhan 27 Isso não é tão óbvio Ver Robert M Cover Justice Accused Autis ta very and lhe Judicia Process New Haven 1975 e minha resenha publi cada no Times Literary Supplement 5 de dezembro de 1975 264 O IMPÉRIO DO DIREITO tes Se uma instituição política só é coerente quando repete suas próprias decisões anteriores o mais fiel ou precisamente possível então a integridade não é coerência é ao mesmo tempo mais e menos A integridade exige que as normas pú blicas da comunidade sejam criadas e vistas na medida do pos sível de modo a expressar um sistema único e coerente de jus tiça e eqüidade na correta proporção Uma instituição que aceite esse ideal às vezes irá por esta razão afastarse da es treita linha das decisões anteriores em busca de fidelidade aos princípios concebidos como mais fundamentais a esse sistema como um todo Os exemplos mais claros provêm da deliberação judicial e escolhi um que apenas ilustra uma vitória parcial da integri dade até o momento Durante algum tempo os juízes ingleses declararam que embora os membros de outras profissões fos sem responsáveis por danos causados por sua negligência os advogados eram imunes a tal responsaoilidade Entendida em sentido estrito a coerência teria exigido a continuidade dessa exceção mas a integridade condena o tratamento especial dis pensado aos advogados a menos que este possa ser justificado em princípio o que parece improvável A Câmara dos Lordes atualmente reduziu essa isenção ao fazêlo preferiu a integri dade à coerência estrita2 A integridade porém não estará sa tisfeita enquanto a isenção não for totalmente eliminada Esta observação poderia ajudar a afastar uma suspeita estimulada pela discussão que até aqui desenvolvemos A in tegridade poderia parecer uma base muito conservadora para uma concepção do direito sobretudo em comparação com o pragmatismo seu mais poderoso rival O juiz que acata a inte gridade ao tomar uma decisão favorável à sra McLoughlin apesar de sua opinião de que seria melhor não indenizar nin guém por danos morais parece tímido se comparado a seu co lega pragmático que não vê obstáculos para aperfeiçoar a lei pouco a pouco Contudo uma vez que entendamos a diferença entre integridade e coerência estrita esse contraste tomase cada 28 SaiAli vs Sydney Mitchell Co 1980 AC 198 INTEGRIDADE 265 vez mais complexo A integridade é uma norma mais dinâmi ca e radical do que parecia de início pois incentiva um juiz a ser mais abrangente e imaginativo em sua busca de coerência com o princípio fundamental Em alguns casos como o McLoughlin de acordo com as premissas que acabamos de assumir o juiz que tomar a integridade por modelo parecerá de fato mais cui dadoso do que o pragmático Em outros casos porém suas de cisões parecerão mais radicais Consideremos por exemplo a decisão da Suprema Corte no caso Brown Um juiz pragmático de inclinação militarista de modo geral teria se perguntado se uma decisão em favor dos escolares pleiteantes com base na ilegalidade de toda se gregação racial nas escolas era realmente o melhor para o futuro examinados todos os aspectos Poderia ter decidido que sim mas teria de ter considerado fortes argumentos práticos em contrário Era perfeitamente sensato pensar que uma mu dança tão dramática na estrutura social de grande parte do país ordenada por um tribunal que não é responsável perante eleito rado algum produziria uma reação que prejudicaria a igualda de racial em vez de fazêla avançar e tornaria a educação mais difícil para todos durante uma geração Também era sensato pensar que a ordem da Corte nunca seria plenamente obedeci da e que seu fracasso comprometeria o poder da corte de pro teger as minorias e fazer cumprir os direitos constitucionais no futuro Mesmo que um pragmático finalmente se convencesse de que a decisão tomada pela Corte era a melhor após um exame de todas as circunstâncias pertinentes ao caso ele poderia ter feito uma pausa antes de estender a decisão da maneira dramá tica como o fez a Suprema Corte nos anos subseqüentes Os argumentos práticos contra o transporte de crianças negras pa ra escolas brancas e viceversa eram e continuam sendo po derosos como ainda deixam claro as ameaças e o ódio em vá rias cidades do Norte Uma concepção do direito erigida sobre o princípio interpretativo da integridade deixa muito menos es paço para argumentos práticos desse tipo ao estabelecer direi 266 O IMPÉRIO DO DIREITO tos constitucionais substantivos Essa concepção é portanto muito mais exigente e radicai em circunstâncias semelhantes às do caso Brown quando o pleiteante consegue mostrar que uma parte importante daquilo que se acreditava ser a lei é in compatível com princípios mais fundamentais necessários à justificativa do direito como um todo Em um sentido que já assinalamos aqui a integridade é também mais limitada do que a coerência embora seja sufi cientemente importante para que a assinalemos uma vez mais A integridade diz respeito a princípios e não exige nenhuma forma simples de coerência em termos políticos30 O principio legislativo da integridade exige que o legislativo se empenhe em proteger para todos aquilo que vê como seus direitos mo rais e políticos de tal modo que as normas públicas expressem um sistema coerente de justiça e eqüidade Mas o legislativo toma muitas decisões que favorecem um grupo particular não porque a melhor concepção de justiça declara que tal grupo tem direito de obter esse beneficio mas apenas porque o fato de beneficiálo acaba por trabalhar pelo interesse geral Se o legislativo provê subsidios a agricultores que plantam trigo por exemplo para assegurar uma boa colheita ou paga aos que cultivam milho para que não o plantem pois há um excesso de milho não reconhece nenhum direito dos agricultores a esses pagamentos Uma forma cega de coerência exigiria que a le gislatura oferecesse subsídios ou pagamentos para não plantar a todos os agricultores ou pelo menos a todos os agricultores cujas colheitas fossem essenciais ou que produzissem colhei tas que no momento representassem uma oferta excessiva Mas poderia haver sólidas razões de ordem política talvez de 29 Ver porém a discussão sobre a execução do caso Brown no capí tulo X 30 Fm outros textos tentei descrever e defender a distinção entre prin cipio e política ver Taking Rights Seriously cap 4 e apêndice Ronald Dworkin and Contemporary Jurispmtlence 2638 Marshall Cohen org Nova York e Londres 1984 A distinção é freqüentemente empregada em A Matwr of Principie INTEGRIDADE 267 um tipo muito diferente pelas quais não conviria ao legisla dor generalizar essas políticas de tal maneira A integridade não se vê violada pelo mero fato de aceitar essas razões e recusar se a generalizar a política de subsídios Conheceremos no capítulo VIII um argumento que poderia parecer uma ameaça a essa distinção pois mostra que a inte gridade tem força inclusive nessas decisões políticas Um governo que aceite o que ali chamarei de princípio igualitário abstrato segundo o qual é preciso tratar igualmente todos os cidadãos necessita de uma concepção de interesse eqüitativo e a integridade exige que o governo se decida por uma única concepção que não venha a rejeitar em nenhuma decisão in clusive nas decisões de política Muitos políticos por exemplo acham que tratar as pessoas como iguais significa incluir o bemestar de cada uma em um cálculo utilitarista global uma instituição que usasse essa concepção de interesse eqüitativo para justificar algumas leis não poderia usar uma concepção contraditória a de que o interesse eqüitativo exige igualdade material entre os cidadãos por exemplo para justificar outras leis Na política corrente porém os legisladores devem ter uma visão bastante abrangente dessas exigências Ficariam imobili zados se tentassem assegurar que cada decisão uma por uma destinasse a cada cidadão exatamente aquilo quí o cálculo uti litário mais sensível lhe atribuísse por exemplo Uma teoria política funcional deve ser mais flexível exige apenas que o governo persiga estratégias gerais que promovam o bem geral tal como definido aproximada e estatisticamente para equiva ler àquilo que o interesse eqüitativo exige de acordo com a concepção em jogo Assim um governo comprometido com a concepção utilitária visa a estratégias legislativas que em con junto e a longo prazo aumentem o bemestar médio mais do que o fariam quaisquer outras estratégias um governo com prometido com a igualdade material adota programas que tor nam segmentos e classes mais iguais em termos de riqueza material enquanto grupos e assim por diante As decisões em busca dessas estratégias julgadas uma por uma são questões de política e não de princípio para testálas devemos pergun tar se fazem avançar o objetivo geral e não se concedem a 2 6 8 O IMPÉRIO DO DIREITO cada cidadão aquilo a que tem direito enquanto indivíduo Os subsídios a um grupo de agricultores podem ser justificados nesse teste ainda que os subsídios a um grupo diferente como parte de uma outra estratégia geral também pudessem ter con tribuído para aumentar o bemestar geral possivelmente na mesma medida Contudo a maioria das teorias políticas vigentes também reconhece direitos individuais distintos como trunfos capazes de influenciar essas decisões políticas direitos que o governo ê obrigado a respeitar caso por caso decisão por decisão Esses direitos políticos podem ser essenciais como o direito de cada cidadão a ter seu voto considerado igual ao de qualquer outro ci dadão ou a ter garantida sua liberdade de expressão ou de consciência mesmo quando a vioiaçào de tais direitos pudesse contribuir para o bemestar geral Ou direitos mais diretamente provenientes da moral pessoal como o direito a ser indenizado por danos causados peia negligência de outra pessoa A inte gridade detém seu olhar sobre essas questões de princípio o governo deve ter uma só voz ao se manifestar sobre a natureza desses direitos sem negálos portanto a nenhuma pessoa em momento algum O efeito da integridade sobre as decisões po líticas é mais difuso Exige como afirmei que o governo per siga alguma concepção coerente daquilo que significa tratar as pessoas como iguais mas esta é sobretudo uma questão de estratégias gerais e de testes estatísticos preliminares Quanto ao mais não exige uma coerência limitada no âmbito das polí ticas não exige que programas específicos tratem todos da mesma maneira31 Contudo o interesse da integridade pelos di reitos e princípios às vezes desqualifica um certo tipo específi co de incoerência Uma legislatura norteamericana não pode ria decidir que nenhum agricultor católico recebesse subsídios mesmo que inacreditavelmente houvesse sólidas razões polí ticas para tal discriminação A distinção entre política e princípio e a relação direta en tre integridade e princípio também são importantes fora da le 31 Esse ponto é desenvolvido no capítulo VIII INTEGRIDADE 269 gislação Consideremos o poder discricionário do promotor pú blico e outras decisões políticas no processo criminal Poder seia pensar que do ponto de vista da coerência se algumas pessoas que cometem um crime específico foram e serão puni das a punição deve incidir sobre todas essas pessoas e que os castigos devem ser uniformes sempre que houver o mesmo ní vel de culpabilidade A integridade é mais discriminatória Se a razão para um promotor público não processar alguém for de ordem política se a ação penal for muito cara por exemplo ou por algum motivo não contribuir para a coibição a inte gridade não oferece razão alguma pela qual uma outra pessoa não venha a ser processada quando essas razões de política não existirem ou forem alteradas Mas se as razões que se opõem à ação penai em um caso forem razões de princípio o código penal não oferece instruções adequadas por exemplo a inte gridade então exige que essas razões sejam respeitadas para to dos os outros É evidente que a integridade também condenaria as decisões dos promotores que praticassem discriminação ain da que por óbvias razões políticas a partir de fundamentos que violam direitoá de outro modo reconhecidos como se nossos promotores economizassem ao processar somente negros por um tipo de crime particularmente predominante nas comunidades de maioria negra f 32 Essa era talvez a questão subjacente não explicitada nas opiniões emitidas em Gouriet vy The Union ofPost Office Warkers 1977 1 Ali ER 696 Tribunal de Apelação 1978 AC 435 Câmara dos Lordes Capítulo VII Integridade no direito Uma visão de conjunto Neste capítulo iremos desenvolver aerceira concepção do direito que apresentei no capítulo III O direito como inte gridade nega que as manifestações do direito sejam relatos fac tuais do convencionalismo voltados para o passado ou pro gramas instrumentais do pragmatismo jurídico voltados para o futuro Insiste en que as afirmações jurídicas são opiniões in terpretativas que por esse motivo combinam elementos que se voltam tanto para o passado quanto para o futuro interpretam a prática jurídica contemporânea como uma política em proces so de desenvolvimento Assim o direito como inttgridade rejei ta por considerar inútil a questão de se os juízes descobrem ou inventam o direito sugere que só entendemos o raciocínio jurídico tendo em vista que os juízes fazeih as duas coisas e ne nhuma delas Integridade e interpretação O princípio judiciário de integridade instrui os juízes a identificar direitos e deveres legais até onde for possível a partir do pressuposto de que foram todos criados por um único autor a comunidade personificada expressando uma con 272 O IMPÉRIO DO DIREITO cepção coerente de justiça e eqüidade Elaboramos nossa ter ceira concepção do direito nossa terceira perspectiva sobre quais são os direitos e deveres que decorrem de decisões poli ticas anteriores ao reafirmarmos essa orientação como uma tese sobre os fundamentos do direito Segundo o direito como integridade as proposições jurídicas são verdadeiras se cons tam ou se derivam dos princípios de justiça eqüidade e devi do processo legal que oferecem a melhor interpretação cons trutiva da prática jurídica da comunidade Decidir se o direito vai assegurar à sra McLoughlin uma indenização pelos prejuí zos sofridos por exemplo equivale a decidir se vemos a práti ca jurídica sob sua melhor luz a partir do momento em que supomos que a comunidade aceitou o princípio de que as pes soas na situação dela têm direito a ser indenizadas O direito como integridade é portanto mais inflexivel mente interpretativo do que o convencionalismo ou o pragma tismo Essas últimas teorias se oferecem como interpretações Slo concepções de direito que pretendem mostrar nossas práti cas jurídicas sob sua melhor luz e recomendam em suas con clusões pósinterpretativas estilos ou programas diferentes de deliberação judicial Mas os programas que recomendam não são em si programas de interpretação não pedem aos juízes encarregados da decisão de casos difíceis que façam novos exames essencialmente interpretativos da doutrina jurídica O convencionalismo exige que os juízes estudem os repertórios jurídicos e os registros parlamentares para descobrir que deci sões foram tomadas pelas instituições às quais convencional mente se atribui poder legislativo É evidente que vão surgir problemas interpretativos ao longo desse processo por exem plo pode ser necessário interpretar um texto para decidir que lei nossas convenções jurídicas constroem a partir dele Uma vez porém que um juiz tenha aceito o convencionalismo como guia não terá novas ocasiões de interpretar o registro legislati vo como um todo ao tomar decisões sobre casos específicos O pragmatismo exige que os juízes pensem de modo instru mental sobre as melhores regras para o futuro Esse exercício INTEGRJDA DE NO DIREITO 273 pode pedir a interpretação de alguma coisa que extrapola a ma téria jurídica um pragmático utilitarista talvez precise preocu parse com a melhor maneira de entender a idéia de bemestar comunitário por exemplo Uma vez mais porém um juiz que aceite o pragmatismo não mais poderá interpretar a prática jurídica em sua totalidade O direito como integridade é diferente é tanto o produto da interpretação abrangente da prática jurídica quanto sua fon te de inspiração O programa que apresenta aos juízes que de cidem casos difíceis é essencialmente não apenas contingen temente interpretativo o direito como integridade pedelhes que continuem interpretando o mesmo material que ele pró prio afirma ter interpretado com sucesso Qferecese como a continuidade e como origem das interpretações mais deta lhadas que recomenda Agora portanto devemos retomar o es tudo geral da interpretação que iniciamos no capítulo II De vemos dar continuidade à descrição que ali fizemos do que é a interpretação e de quando se pode afirmar que ela foi bem feita mas com mais detalhes e com o espírito mais voltado para o desafio interpretativo especial que se coloca perante os juízes e as outras pessoas que devem dizer o que é o direito t integridade e história A história é importante no direito como integridade mui to mas apenas em certo sentido A integridade não exige coe rência de princípio em todas as etapas históricas do direito de uma comunidade não exige que os juízes tentem entender as leis que aplicam como uma continuidade de princípio com o direito de um século antes já em desuso ou mesmo de uma ge ração anterior Exige uma coerência de princípio mais horizon tal do que vertical ao longo de toda a gama de normas jurídicas que a comunidade agora faz vigorar Insiste em que o direito os direitos e deveres que decorrem de decisões coletivas toma das no passado e que por esse motivo permitem ou exigem a 274 O IMPÉRIO DO DIREITO coerção contém não apenas o limitado conteúdo explícito dessas decisões mas também num sentido mais vasto o siste ma de princípios necessários a sua justificativa A história é importante porque esse sistema de princípios deve justificar tanto o status quanto o conteúdo dessas decisões anteriores Nos sa justificativa para considerar a Lei das Espécies Ameaçadas como direito a menos e até que seja revogada inclui o fato crucial de ter sido sancionada pelo Congresso e qualquer jus tificativa que apresentemos para tratar esse fato como crucial deve ela própria incluir o modo como tratamos outros eventos de nosso passado político O direito como integridade portanto começa no presente e só se voita para o passado na medida em que seu enfoque contemporâneo assim o determine Não pretende recuperar mesmo para o direito atual os ideais ou objetivos práticos dos políticos que primeiro o criaram Pretende sim justificar o que eles fizeram às vezes incluindo como veremos o que dis seram em uma história geral digna de ser contada aqui uma história que traz consigo uma afirmação complexa a de que a prática atual pode ser organizada e justificada por princípios suficientemente atraentes para oferecer um futuro honrado O direito como integridade deplora o mecanismo do antigo ponto de vista de que lei é lei bem como o cinismo do novo rea lismo Considera esses dois pontos de vista como enraizados na mesma falsa dicotomia entre encontrar e inventar a lei Quan do um juiz declara que um determinado princípio está imbuído no direito sua opinião não reflete uma afirmação ingênua so bre os motivos dos estadistas do passado uma afirmação que um bom cínico poderia refutar facilmente mas sim uma pro posta interpretativa o princípio se ajusta a alguma parte com plexa da prática jurídica e a justifica oferece uma maneira atraente de ver na estrutura dessa prática a coerência de prin cípio que a integridade requer O otimismo do direito é nesse sentido conceituai as declarações do direito são permanente mente construtivas em virtude de sua própria natureza Esse otimismo pode estar deslocado a prática jurídica pode termi nar por não ceder a nada além de uma interpretação profunda INTEGRIDADE NO DIREITO 275 mente cética Mas isso não é inevitável somente porque a his tória de uma comunidade é feita de grandes conflitos e trans formações Uma interpretação imaginativa pode ser elaborada sobre terreno moralmente complicado ou mesmo ambíguo A cadeia do direito O romance em cadeia Afirmei no capítulo II que a interpretação criativa vai bus car sua estrutura formal na idéia de intenção não pelo menos não necessariamente porque pretenda descobrir os propósitos de qualquer pessoa ou grupo histórico específico mas porque pretende impor um propósito ao texto aos dados ou às tradi ções que está interpretando Uma vez que toda interpretação criativa compartilha essa característica e tem portanto um aspecto ou componente normativo podemos tirar proveito de uma comparação entre o direito e outras formas ou circunstân cias de interpretação Podemos comparar o juiz que decide sobre o que é o direito em alguma questão judicial não apenas com os cidadãos da comunidade hipotética que analisa a corte sia que decidem o que essa tradição exige mas om o critico literário que destrinça as várias dimensões de valor em uma peça ou um poema complexo Os juizes porém são igualmente autores e críticos Um juiz que decide o caso McLoughlin ou BrSwn introduz acrésci mos na tradição que interpreta os futuros juízes deparam com uma nova tradição que inclui o que foi feito por aquele É claro que a crítica literária contribui com as tradições artísticas em que trabalham os autores a natureza e a importância dessa contri buição configuram em si mesmas problemas de teoria crítica Mas a contribuição dos juízes é mais direta e a distinção entre autòr e intérprete é mais uma questão de diferentes aspectos do mesmo processo Portanto podemos encontrar uma compara ção ainda mais fértil entre literatura e direito ao criarmos um gênero literário artificial que podemos chamar de romance em cadeia 276 O IMPÉRIO DO DIREITO Em tal projeto um grupo de romancistas escreve um ro mance em série cada romancista da cadeia interpreta os capí tulos que recebeu para escrever um novo capítulo que é então acrescentado ao que recebe o romancista seguinte e assim por diante Cada um deve escrever seu capítulo de modo a criar da melhor maneira possível o romance em elaboração e a com plexidade dessa tarefa reproduz a complexidade de decidir um caso difícil de direito como integridade O projeto literário fic tício é fantástico mas não irreconhecível Na verdade alguns romances foram escritos dessa maneira ainda que com uma finalidade espúria e certos jogos de salão para os fins de sema na chuvosos nas casas de campo inglesas têm estrutura seme lhante As séries de televisão repetem por décadas os mesmos personagens e um mínimo de relação entre personagens e enre do ainda que sejam escritas por diferentes grupos de autores e inclusive em semanas diferentes Em nosso exemplo contudo esperase que os romancistas levem mais a sério suas respon sabilidades de continuidade devem criar em conjunto até onde for possível um só romance unificado que seja da melhor qua lidade possível1 Cada romancista pretende criar um só romance a partir do material que recebeu daquilo que ele próprio ihe acrescentou e até onde lhe seja possível controlar esse aspecto do projeto daquilo que seus sucessores vão querer ou ser capazes de acres centar Deve tentar criar o melhor romance possível como se fosse obra de um único autor e não como na verdade é o caso como produto de muitas mãos diferentes Isso exige uma ava 1 Essa pode ser uma tarefa impossível talvez o projeto esteja condena do a produzir não apenas um romance incrivelmente ruim mas na verdade a não produzir romance algum pois a melhor teoria da arte exige um único criador ou em caso de mais de um que cada qual exerça algum controle so bre o todo Que dizer porém de lendas e piadas E sobre o Antigo Testa mento ou segundo certas teorias a Ilíada Não preciso levar a questão mui to adiante pois só estou interessado no fato de que a tarefa tem sentido que cada um dos romancistas da cadeia pode ter algum domínio daquilo que lhe pediram para fazer sejam quais forem as suas dúvidas sobre o valor ou a na tureza do que será então produzido INTEGRIDADE NO DIREITO 277 liação geral de sua parte ou uma série de avaliações gerais à medida que ele escreve e reescreve Deve adotar um ponto de vista sobre o romance que se vai formando aos poucos alguma teoria que lhe permita trabalhar elementos como personagens trama gênero tema e objetivo para decidir o que considerar como continuidade e não como um novo começo Se for um bom critico seu modo de lidar com essas questões será com plicado e multifacetado pois o valor de um bom romance não pode ser apreendido a partir de uma única perspectiva Vai ten tar encontrar níveis e correntes de sentido em vez de um único e exaustivo tema Contudo segundo a maneira que agora nos é peculiar podemos dar uma estrutura a qualquer interpretação que ele venha a adotar distinguindo duas dimensões a partir das quais será necessário submetêla à prova A primeira é a que até aqui chamamos de dimensão da adequação Ele não pode adotar nenhuma interpretação por mais complexa que seja se acredita que nenhum autor que se põe a escrever um romance com as diferentes leituras de personagem trama te ma e objetivo que essa interpretação descreve poderia ter escri to de maneira substancial o texto que lhe foi entregue Isso não significa que sua interpretação deva se ajustar a cada seg mento do texto Este não será desqualificadosimpiesmente porque ele afirma que algumas linhas ou atgunsíropos são aci dentais ou mesmo que alguns elementos da trama são erros pois atuam contra as ambições literárias que são afirmadas pela interpretação Ainda assim a interpretação que adotar deve fluir ao longo de todo o texto deve possuir um poder ex plicativo gerai e será ma sucedida se deixar sem explicação algum importante aspecto estrutural do texto uma trama se cundária tratada como se tivesse grande importância dramáti ca ou uma metáfora dominante ou recorrente Se não se en contrar nenhuma interpretação que não possua tais falhas o romancista em cadeia não será capaz de cumprir plenamente sua tarefa terá de encontrar uma interpretação que apreenda a maior parte do texto admitindo que este não é plenamente bemsucedido Talvez até mesmo esse sucesso parcial seja im possível talvez cada interpretação que considere não seja com 278 O IMPÉRIO DO DIREITO patível com o material que lhe foi entregue Nesse caso deve abandonar o projeto pois a conseqüência de adotar a atitude in terpretativa com relação ao texto em questão será então uma peça de ceticismo interno nada pode ser considerado como continuação do romance é sempre um novo começo Ele pode achar não que nenhuma interpretação isolada se ajusta ao conjunto do texto mas que mais de uma o faz A se gunda dimensão da interpretação vai exigirlhe então que jul gue qua dessas leituras possíveis se ajusta melhor à obra em desenvolvimento depois de considerados todos os aspectos da questão A esta altura entram em jogo seus juízos estéticos mais profundos sobre a importância o discernimento o realis mo ou a beleza das diferentes idéias que se poderia esperar que o romance expressasse Mas as considerações formais e estru turais que dominam a primeira dimensão também estão pre sentes na segunda pois mesmo quando nenhuma das duas in terpretações é desqualificada por explicar muito pouco pode se mostrar o texto sob uma melhor luz pois se ajusta a uma parte maior do texto ou permite uma integração mais interes sante de estilo e conteúdo Assim a distinção entre as duas di mensões é menos crucial ou profunda do que poderia parecer É um procedimento analítico útil que nos ajuda a dar estrutura à teoria funcional ou ao estilo de qualquer intérprete Ele per ceberá quando uma interpretação se ajusta tão mal que se torna desnecessário levar em conta seu apelo essencial pois sabe que isso não poderá superar seus problemas de adequação ao decidir se ela torna o romance melhor do que o fariam as ou tras interpretações levandose tudo em conta Essa percepção definirá para ele a primeira dimensão Ainda assim não pre cisará reduzir sua intuição a nenhuma fórmula precisa ele ra ramente se veria na situação de decidir se alguma interpretação sobrevive ou fracassa por pouco pois um mero sobrevivente não importa quão ambicioso ou interessante considerasse o texto quase certamente fracassaria em uma comparação geral com outras interpretações cuja adequação fosse evidente Podemos agora examinar a amplitude dos diversos tipos de opiniões que estão misturadas nessa comparação geral As INTEGRIDADE NO DIREITO 279 opiniões sobre a coerência e a integridade textuais refletindo diferentes valores literários formais estão interligadas a juízos estéticos mais substanciais que em si mesmos pressupõem objetivos literários de outra natureza Contudo esses vários tipos de juízos de cada categoria geral permanecem distintos o bastante para se anularem mutuamente em uma avaliação glo bal e é esta possibilidade de disputa particularmente entre opiniões textuais e substantivas que distingue a tarefa de um romancista em cadeia de uma produção literária mais criativa e independente Também não podemos estabelecer uma distin ção muito nítida entre a etapa em que um romancista em cadeia interpreta o texto que lhe foi entregue e a etapa em que ele acrescenta seu próprio capítulo guiadQ pela interpretação pela qual optou Ao começar a escrever ele poderia descobrir naquilo que escreveu uma interpretação diferente talvez radi calmente diferente Ou poderia achar impossível escrever de acordo com o tom ou o tema que escolheu da primeira vez o que o levaria a reconsiderar outras interpretações que num pri meiro momento rejeitou Em ambos os casos ele volta ao texto para reconsiderar as linhas que esta toma aceitáveis Scrooge Podemos ampliar essa descrição abstrata da opinião do romancista em cadeia através de um exemplo Suponha que você é um romancista na parte inferior da cadeia Suponha que Dickens nunca escreveu Conto de Natal e que o texto que lhe dão apesar de ter sido escrito por várias pessoas é a pri meira parte desse conto Considere estas duas interpretações do personagem principal Scrooge é inerente e irrecuperavel mente mau uma encarnação da maldade consumada da natu reza humana livre dos disfarces da convenção que ele rejeita ou Scrooge é inerentemente bom mas progressivamente corrom pido pelos valores falsos e pelas exigências perversas da so ciedade capitalista É evidente que sua escolha de uma ou ou tra dessas interpretações fará uma enorme diferença na conti 2 8 0 O IMPÉRIO DO DIREITO nuação da história Se lhe deram só o fina de Conto de Natal para escrever Scrooge já teve seus sonhos arrependeuse e mandou seu peru já é tarde demais para você tornálo irre cuperavelmente mau a menos que pense como o faria a maior parte dos intérpretes qiíe o texto não suportará essa interpre tação sem um enorme esforço Não quero dizer que nenhum intérprete poderia considerar Scrooge intrinsecamente mau depois de sua suposta redenção Alguém poderia ver essa pre tensa redenção como um ato final de hipocrisia ainda que para isso não pudesse tomar em sentido literal muitos outros aspectos do texto Tal interpretação seria medíocre não por que nela não fosse possível encontrar algum valor mas por que na verdade de acordo com todos os critérios que até aqui descrevemos tratase de uma interpretação ruim2 Mas agora imagine que só lhe deram os primeiros pará grafos de Conto de Natal Você descobre que nenhuma das duas interpretações que está examinando é totalmente excluída pelo texto até o momento talvez uma delas explicasse meihor alguns incidentes menores da trama que na outra ficassem desconexos mas em termos gerais podese considerar que cada interpretação flui através do conjunto do texto abreviado Um romancista competente que tentasse escrever um romance seguindo uma ou outra das linhas sugeridas poderia muito bem ter escrito aquilo que se encontra em suas páginas Nesse caso você teria de tomar uma outra decisão Sua tarefa é fazer do texto o melhor possível e você então vai escolher a interpreta ção que em sua opinião possa tornar a obra mais significativa ou melhor de alguma outra maneira É provável mas não ine vitável que essa decisão dependa daquilo que você pensa sobre as pessoas da vida real que se parecem com Scrooge se nascem más ou são corrompidas pelo capitalismo Mas tam bém vai depender de muitas outras coisas porque suas convic ções estéticas não são tão simples a ponto de tornarem apenas esse aspecto do romance relevante para seu sucesso geral Imagine que você pensa que uma interpretação integra não so 2 Ver o debate citado no capítulo II n 16 INTEGRIDADE NO DIREITO 281 mente a trama mas também as imagens e o cenário a interpre tação social explica por exemplo o agudo contraste entre o mobiliário e as divisões individualistas do escritório de Scrooge e a casa de Bob Cratchit comunitária e sem formas muito de finidas Agora seu juízo estético sobre qual interpretação torna a continuidade do romance melhor enquanto tal é mais complexo pois deve identificar e permutar as diferentes di mensões de valor em um romance Imagine que acredita que a interpretação do pecado originai é o retrato mais fiel da natu reza humana mas que a interpretação sociorrealista oferece uma estrutura formal mais profunda e interessante para o ro mance Você deve então perguntarse qual interpretação torna a obra de arte melhor como um todo Talvez você nunca tenha refletido antes sobre esse tipo de problema talvez a tradição crítica em que se formou dê por certo que uma ou outra dessas dimensões é a mais importante mas isso não é motivo para que não o faça agora Uma vez que se decida vai acreditar que a correta interpretação do caráter de Scrooge é aquela que tor na o romance melhor segundo sua concepção Esse exemplo foijado é complexo o bastante para suscitar a pergunta seguinte que é aparentemente importante Sua opi nião sobre a melhor maneira de interpretar e da continuidade aos parágrafos do Conto de Natal que recebeu e uma opinião livre ou forçada Você é livre para pôr em prática suas próprias hipóteses e atitudes sobre a verdadeira natureza dos romances Ou é obrigado a ignorálas por ser escravo de um texto no qual não pode introduzir alterações A resposta é bastante simples nenhuma dessa duas descrições incipientes de total liberdade criativa ou coerção mecânica do texto dá conta de sua situa ção pois cada uma deve em certo sentido sofrer ressalvas em decorrência da outra Você sentirá liberdade de criação ao comparar sua tarefa com outra relativamente mais mecânica como a tradução direta de um texto em iíngua estrangeira Mas vai sentirse reprimido ao comparála a uma tarefa relativamente menos dirigida como começar a escrever um romance É importante não apenas assinalar esse contraste entre elementos de liberdade artística e coerção textual como iam 282 O IMPÉRIO DO DIREITO bém não interpretar mal sua natureza Não se trata de um con traste entre os aspectos da interpretação que dependem das convicções estéticas do intérprete e aqueles que independem E não é um contraste entre os aspectos que podem ser polêmi cos e aqueles que não podem ser As restrições que você perce be como limites a sua liberdade de ler o Conto de Natal de modo a tornar Scrooge irrecuperavelmente mau são ao mesmo tempo questões de opinião e convicção sobre as quais os romancistas em cadeia poderiam divergir e convicções e atitu des às quais recorre ao decidir se o romance teria sido melhor se Scrooge fosse irrecuperavelmente mau Se essas últimas convicções são subjetivas utilizo com relutância a lingua gem do ceticismo externo pois alguns leitores a acharão útil aqui o mesmo se pode dizer das primeiras Os dois tipos prin cipais de convicções que estão ao alcance de todo intérprete sobre a interpretação que se adapta melhor ou pior a um texto e sobre qual das duas torna o romance substancialmente me lhor são inerentes a seu sistema geral de crenças e atitudes nenhum tipo é independente desse sistema de alguma maneira que o outro não o seja Essa observação convida à seguinte objeção Se um in térprete deve finalmente basearse naquilo que lhe parece certo tanto ao decidir se alguma interpretação é apropriada quanto ao decidir se ela torna o romance mais atraente na ver dade não está sujeito a nenhuma coerção pois nenhuma opi nião pode ser constrangida a não ser por fatos externos e irre dutíveis com os quais todos devem estar de acordo A objeção não é bem fundada pois repousa sobre uma base dogmática Constitui uma parte conhecida de nossa experiência cognitiva o fato de algumas de nossas crenças e convicções operarem como elementos de comprovação ao decidirmos até que ponto podemos ou devemos aceitar ou produzir outras e a comprova ção é efetiva mesmo quando as crenças e atitudes coercitivas são polêmicas Se um cientista admite mais que outro normas mais rigorosas para os procedimentos de pesquisas ele acredi tará menos do que gostaria de acreditar Se um político tem es crúpulos que outro político rejeita de boafé o primeiro vai en INTEGRIDADE NO DIREITO 283 contrar repressão em contextos nos quais o outro não a encon trará Repetindo não há nada de mal em utilizar a linguagem da subjetividade que o ceticismo exterior favorece Podería mos dizer que nesses exemplos a coerção é interior ou sub jetiva Ainda assim é verdadeira do ponto de vista fenomeno lógico razão pela qual é importante aqui Estamos tentando ver o que é a interpretação do ponto de vista do intérprete e desse ponto de vista a coerção que ele sente é tão genuína como se fosse incontroversa como se todos a sentissem com a mesma força que ele Imagine que alguém insiste que de um ponto de vista objetivo não existe coerção real que a coerção é mera mente subjetiva Se tratarmos essa nova acusação como a quei xa habitual do cético exterior ela então será inútil e enganosa exatamente como mostramos no capítulo II Não oferece ao romancista em cadeia nenhuma razão para duvidar das con clusões a que chega ou para abandonálas a propósito de quais interpretações se ajustam ao texto suficientemente bem para terem importância ou tão mal que devam ser rejeitadas se houver outras interpretações disponíveis ainda que menos atraentes Contudo a objeção cética pode tornarse mais interessan te se a atenuarmos da seguinte maneira Ela enfatiza agora que uma coerção percebida pode às vezes ser ilusória não pela razão dogmática do cético exterior para o qual uma coerção genuína deve ser inquestionável e independente de outras cren ças e atitudes mas porque ela pode não ser suficientemente desarticulada dentro do sistema das convicções artísticas mais verdadeiras do intérprete para confrontálas ou obstruílas na prática inclusive de seu ponto de vistaJ Tratase de uma possi bilidade bem real e precisamos nos prevenir contra ela ao cri ticarmos nossos argumentos interpretativos ou os de outras pes soas Apresentei algumas hipóteses sobre a estrutura de suas opiniões estéticas quando imaginei sua opinião geral sobre o Conto de Natal Presumi que os diferentes tipos de avaliação que você combina em sua opinião gerai são suficientemente Ver A Maller nf Principie cap 7 2 8 4 O IMPÉRIO DO DIREITO independentes uns dos outros no âmbito de seu sistema de idéias para permitir que alguns reprimam outros Você se re cusa a interpretar a suposta redenção de Scrooge como hipó crita por razões formais de coerência e integração da trama de dicção e personagens Um bom romance assim pensa você não faria de uma redenção hipócrita o desfecho de um aconte cimento tão dramático e esmagador como a terrível noite de Scrooge Essas convicções formais são independentes de suas opiniões mais profundas sobre o valor antagônico de diferen tes objetivos literários mesmo que um romance sobre o peca do original lhe parecesse mais estimulante isso não transfor maria sua convicção formal numa interpretação mais favorável do pecado original Imagine porém que eu esteja errado em minhas suposições sobre sua maneira de pensar Imagine que descobrimos no processo de argumentação que na verdade suas convicções formais estão ligadas a outras mais profun das e são por elas dirigidas Sempre que você preferir a inter pretação de um texto por razões mais sólidas suas convicções formais se ajustarão automaticamente para endossála como uma boa leitura desse texto É claro que você poderia estar apenas fingindo ser assim caso em que estaria agindo de má fé Mas o ajuste pode ser inconsciente nesse caso você acha que está reprimido mas no sentido que nos interessa aqui na verdade não o está A possibilidade de as convicções de um in térprete exercerem um controle recíproco como deve ser o caso se ele estiver realmente interpretando vai depender da comple xidade e da estrutura do conjunto de suas opiniões sobre o assun to em questão Nosso exemplo de romance em cadeia foi até aqui defor mado pelo pressuposto irreal de que milagrosamente o texto que lhe foi entregue possuía a unidade de alguma coisa escrita por um só autor Ainda que cada um dos romancistas anterio res da cadeia assumisse suas responsabilidades de maneira bastante séria o texto deveria mostrar as marcas de sua histó ria e você teria de adaptar seu estilo de interpretação a essa circunstância Poderia não encontrar uma interpretação que fluísse ao longo do texto que se adequasse a tudo aquilo que o INTEGRIDADE NO DIREITO 2 8 5 material que lhe deram considera importante Você deve dimi nuir suas pretensões como talvez o façam os escritores cons cienciosos que participam da equipe de autores de uma novela interminável ao tentar elaborar uma interpretação que se ajuste ao conjunto do que você considera no texto como mais funda mental do ponto de vista artístico Mais de uma interpretação pode sobreviver a essa prova mais branda Para escolher entre elas você deve se voltar para suas convicções estéticas de base inclusive para aquelas que considera formais É possível que nenhuma interpretação sobreviva mesmo a essa prova mais ate nuada Esta é a possibilidade cética que mencionei há pouco você terminará então por abandonar o projeto rejeitando sua tarefa por considerála impossível Mas não pode saber de ante mão que vai chegar a esse resultado cético Primeiro é preciso tentar A fantasia do romance em cadeia será útil de diversas ma neiras nesse último argumento mas essa é a lição mais impor tante que tem a ensinar A sábia opinião de que nenhuma inter pretação poderia ser melhor deve ser conquistada e defendida como qualquer outro argumento interpretativo Uma objeção enganosa Um romancista em cadeia tem portanto muitas decisões difíceis a tomar e podese esperar que diferentes romancistas em cadeia tomem decisões diferentes MSs suas decisões não incluem nem estão devidamente resumidas como a decisão de se deve ou não considerar um eventual afastamento do ro manceemexecução que lhe foi entregue e até que ponto fazê lo Afinal ele não tem nada de que possa afastarse ou a que se apegar enquanto não elaborar um romanceemexecução a partir do texto e as diversas decisões que discutimos são deci sões que deve tomar exatamente para poder fazêlo Imagine que decidiu que uma interpretação sociorrealista dos primei ros parágrafos do Conto de Natal faz desse texto a melhor pos sibilidade de criação de um romance até o momento e você então continua a escrevêlo como uma exploração das relações 286 O IMPÉRIO DO DIREITO uniformemente degradantes entre patrões e empregados no sistema capitalista e não como um estudo do pecado original Agora suponha que alguém o acuse de reescrever o romance verdadeiro para produzir um outro romance mais a seu gosto Se com isso se quer dizer que o romance verdadeiro pode ser descoberto de outra maneira que não mediante um processo de interpretação do tipo que você elaborou até aqui seu acusador interpretou erradamente não apenas a iniciativa do romance em cadeia mas também a natureza da literatura e da crítica Sem dúvida ele pode estar apenas querendo dizer que não está de acordo com as convicções estéticas e interpre tativas nas quais você se fundamentou Nesse caso divergên cia entre ambos não significa que seu acusador acha que você deve respeitar o texto enquanto você se considera livre para ignorálo A divergência aqui é mais interessante vocês diver gem sobre o que significa respeitar o texto Direito a questão dos danos morais O direito como integridade num caso de direito consuetu dinário como o McLonghlin pede ao juiz que se considere como um autor na cadeia do direito consuetudinário Ele sabe que outros juízes decidiram casos que apesar de não exata mente iguais ao seu tratam de problemas afins deve conside rar as decisões deles como parte de uma longa história que ele tem de interpretar e continuar de acordo com suas opiniões sobre o melhor andamento a ser dado à história em questão Sem dúvida para ele a melhor história sírá a melhor do ponto de vista da moral política e não da estética Uma vez mais podemos estabelecer uma distinção rudimentar entre duas di mensões principais desse juízo interpretativo O veredito do juiz suas conclusões pósinterpretativas deve ser extraído de uma interpretação que ao mesmo tempo se adapte aos fatos anteriores e os justifique até onde isso seja possível No direi to porém a exemplo do que ocorre na literatura a interação entre adequação e justificação é complexa Assim como num INTEGRIDADE NO DIREITO 287 romance em cadeia a interpretação representa para cada intér prete um delicado equilíbrio entre diferentes tipos de atitudes literárias e artísticas em direito é um delicado equilíbrio entre convicções políticas de diversos tipos tanto no direito quanto na literatura estas devem ser suficientemente afins ainda que distintas para permitirem um juízo geral que troque o sucesso de uma interpretação sobre um tipo de critério por seu fracasso sobre outro Devo tentar expor essa complexa estrutura da interpretação jurídica e para tanto utilizarei um juiz imaginá rio de capacidade e paciência sobrehumanas que aceita o di reito como integridade Vamos chamálo de Hércules4 Neste capítulo e nos se guintes acompanharemos sua carreira observando os tipos de juízo que deve emitir e as tensões com as quais deve lidar ao decidir um grande número de casos Antes disso porém farei uma advertência Não devemos supor que suas respostas às vá rias questões que se lhe apresentam definem o direito como integridade como uma concepção geral do direito São as res postas que no momento me parecem as melhores Mas o di reito como integridade consiste numa abordagem em pergun tas mais que em respostas e outrosjuristas e juízes que o acei tam dariam respostas diferentes das dele às perguntas coloca das por essa concepção de direito Você poderiaachar que ou tras respostas seriam melhores Eu também depois de alguma reflexão Você poderia por exemplo rejeitar os pontos de vis ta de Hércules sobre até que ponto os4direitos das pessoas dependem das razões que juízes anteriores apresentaram para seus vereditos tendo em vista o cumprimento desses direitos ou poderia não compartilhar seu respeito por aquilo que cha marei de prioridade local nas decisões relativas à aplicação do common law Se você rejeitar esses pontos de vista dis tintos por considerálos pobres enquanto interpretações cons trutivas da prática jurídica não terá rejeitado o direito como integridade pelo contrário terseá unido a sua causa 4 Hércules desempenhou um pape importante em Toking Rights Se riously cap 4 288 O IMPÉRIO DO DIREITO Seis interpretações Hércules deve decidir o caso McLoughlin As duas partes desse caso citaram precedentes cada uma argumentou que uma decisão em seu favor equivaleria a prosseguir como antes a dar continuidade ao desenvolvimento do direito iniciado peios juízes que decidiram os casos precedentes Hércules deve for mar sua própria opinião sobre esse problema Assim como um romancista em cadeia deve encontrar se puder alguma manei ra coerente de ver um personagem e um tema tal que um autor hipotético com o mesmo ponto de vista pudesse ter escrito pelo menos a parte principal do romance até o momento em que este lhe foi entregue Hércules deve encontrar se puder alguma teoria coerente sobre os direitos legais à indenização por danos morais tal que um dirigente politico com a mesma teoria pudesse ter chegado à maioria dos resultados que os pre cedentes relatam Ele é um juiz criterioso e metódico Começa por selecio nar diversas hipóteses para corresponderem à melhor interpre tação dos casos precedentes mesmo antes de têlos lido Supo nhamos que ele faça a seguinte lista 1 Ninguém tem direito à indenização a não ser nos casos de lesão corporal 2 As pes soas têm direito à indenização por danos morais sofridos na cena de um acidente por parte de alguém cuja imprudência provocou o acidente mas não têm direito à indenização por danos morais sofridos posteriormente 3 As pessoas deve riam ser indenizadas por danos morais quando a prática de exi gir indenização nessas circunstâncias reduzisse os custos gerais dos acidentes ou de outro modo tornasse a comunidade mais rica a longo prazo 4 As pessoas têm direito à indenização por qualquer dano moral ou físico que seja conseqüência dire ta de uma conduta imprudente por mais que seja improvável ou imprevisível que tal conduta viesse a resultar em tal dano 5 As pessoas têm direito moral à indenização por danos morais ou físicos que sejam conseqüência de uma conduta imprudente mas apenas quando esse dano for razoavelmente previsível por parte da pessoa que agiu com imprudência 6 INTEGRIDADE SO DIREITO 2 8 9 As pessoas têm direito moral à indenização por danos razoa velmente previsíveis mas não em circunstâncias nas quais o reconhecimento de tal direito possa impor encargos financei ros pesados e destrutivos àqueles cuja imprudência seja despro porcionai a sua falta Essas são afirmações relativamente concretas sobre os direitos e admitindose uma complexidade em 3 que explo raremos a seguir elas se contradizem entre si Não mais de uma pode figurar numa única interpretação dos casos de danos morais Deixo para mais tarde o caso mais complexo em que Hércules elabora uma interpretação com base em princípios competitivos mas contraditórios ou seja a partir de princípios que podem conviver em uma teoria moral ou política geral ainda que às vezes possam tomar rumos diferentes5 Mesmo assim essa é apenas uma lista parcial das interpretações con traditórias que alguém poderia querer examinar Hércules a es colhe como sua pequena lista inicial porque sabe que os princí pios intrínsecos a essas interpretações já foram discutidos na literatura jurídica É evidente que fará uma grande diferença saber qual desses princípios em sua opinião oferece a melhor interpretação dos precedentes e desse modo da parte central de sua avaliação pósinterpretativa Se sua escolha for 1 ou 2 devese pronunciar favoravelmente ao srDBrian se for 4 deverá favorecer a sra McLoughlin Todas as outras exi gem uma reflexão mais profunda mas a linha de raciocínio que cada uma sugere é diferente 3 convida a um cálculo eco nômico O custo dos acidentes seria reduzido se a responsabi lidade fosse estendida aos danos morais longe do local onde ocorreu o acidente Ou há alguma razão para pensar que a linha mais eficiente é aquela traçada exatamente entre danos morais no local do acidente e aqueles sofridos longe da cena 5 exige uma avaliação sobre a previsibilidade dos danos o que parece ser muito diferente e 6 pede uma avaliação tanto sobre a previsibilidade quanto sobre o risco cumulativo da responsa 5 Ver mais adiante neste capítulo a discussão sobre os estudos jurídi cos críticos 290 O IMPÉRIO DO DIREITO bilidade financeira se certos danos fora da cena do acidente fo rem incluídos Hércules começa a verificar cada hipótese dessa breve lista perguntandose se uma pessoa poderia ter dado os vere ditos dos casos precedentes se estivesse coerente e conscien temente aplicando os princípios subjacentes a cada interpre tação Vai portanto descartar a interpretação 1 de imediato Ninguém que acreditasse que as pessoas nunca têm direitos à indenização por danos morais poderia ter chegado aos resulta dos daquelas decisões anteriores citadas no caso McLoughlin que permitiram a indenização Hércules também descartará a interpretação 2 ainda que por outro motivo Ao contrário de 1 2 se ajusta às decisões do passado alguém que aceitasse 2 como norma teria chegado a essas decisões porque todas permitiam a indenização por danos morais na cena do aciden te e nenhuma a permitia fora dela Contudo 2 fracassa enquanto interpretação do tipo exigido pois não enuncia ne nhum princípio de justiça Traça uma linha que permanece ar bitrária e sem relação com nenhuma consideração moral ou política mais geral Que dizer de 3 Poderia ajustarse às decisões preceden tes mas apenas da seguinte maneira Através de uma análise econômica Hércules poderia descobrir que alguém que acei tasse a teoria econômica expressa por 3 e desejasse reduzir os custos dos acidentes para a comunidade teria tomado exata mente essas decisões Mas está longe de ser óbvio que 3 enuncie qualquer princípio de justiça ou eqüidade Lembrem se da distinção entre princípios e políticas que discutimos no final do último capítulo 3 pressupõe que é desejável reduzir todos os custos dos acidentes Por quê Duas explicações são possiveis A primeira insiste em que as pessoas têm direito à indenização sempre que uma norma que concede a indeniza ção produza para a comunidade como um todo mais riqueza do que uma regra que a negue Isso tem pelo menos a forma de um princípio pois descreve um direito geral que se supõe que todos tenham Não pedirei a Hércules que considere 3 entendida dessa maneira agora pois ele vai estudála muito INTEGR1DA DE NO DIREITO 291 criteriosamente no capítulo VIII A segunda explicação muito di ferente sugere que às vezes ou mesmo sempre é do interesse geral da comunidade promover assim a riqueza geral mas não pressupõe que alguém tenha nenhum direito a que o bemestar comum seja sempre aumentado Estabelece portanto uma política que o governo poderia ou não decidirse a perseguir em circunstâncias específicas Não afirma um princípio de jus tiça e portanto não pode figurar numa interpretação do tipo que Hércules está agora à procura6 O direito como integridade pede que os juízes admitam na medida do possível que o direito é estruturado por um con junto coerente de princípios sobre a justiça a eqüidade e o de vido processo legal adjetivo e pedelhesque os apliquem nos novos casos que se lhes apresentem de tal modo que a situação de cada pessoa seja justa e equitativa segundo as mesmas nor mas Esse estilo de deliberação judicial respeita a ambição que a integridade assume a ambição de ser uma comunidade de princípios Mas como vimos no final do capítulo VI a integri dade não recomenda o que seria perverso que deveríamos to dos ser governados pelos mesmos objetivos e estratégias polí ticas em todas as ocasiões Não insiste em que um legislativo que hoje promulga um conjunto de regras sobi a indenização para tornar mais rica a comunidade comprometase de alguma maneira com esse mesmo objetivo político amanhã Poderia então ter outros objetivos a alcançar qão necessariamente em lugar da riqueza mas ao lado dela e a integridade não desa prova essa diversidade Nossa análise da interpretação e a conseqüente eliminação da interpretação 3 entendida como um simples apelo à política reflete uma discriminação já la tente na própria idéia da integridade 6 A divergência entre os lordes Edmund Davies e Scarman no caso McLoughlin descrita no capítulo I talvez dissesse respeito a essa afirmação As sugestões de Edmund Davies sobre os argumentos que poderiam justificar uma distinção entre danos morais indenizáveis ou não indenizáveis pareciam se referir a argumentos políticos cuja pertinência Scarman se recusava a admitir 292 O IMPÉRIO DO DIREITO Chegamos à mesma conclusão no contexto do caso McLoughlin embora por outras vias mediante uma reflexão mais profunda sobre aquilo que aprendemos sobre a interpre tação Uma interpretação tem por finalidade mostrar o que é interpretado em sua melhor luz possível e uma interpretação de qualquer parte de nosso direito deve portanto levar em con sideração não somente a substância das decisões tomadas por autoridades anteriores mas também o modo como essas deci sões foram tomadas por quais autoridades e em que circuns tâncias Um legislativo não precisa de razões de principio para justificar as regras que aprova sobre o ato de dirigir carros aí incluídas as regras sobre indenização por acidentes ainda que essas regras venham a criar direitos e deveres para o futuro que serão então impostos pela ameaça coercitiva Uma legislatura pode justificar suas decisões de criar novos direitos para o futuro ao mostrar de que modo estes vão contribuir como boa política para o bemestar do conjunto da comunidade Há li mites para esse tipo de justificativa como observamos no ca pítulo VI O bemestar geral não pode ser usado para justificar a pena de morte para quem dirige com imprudência Mas o le gislativo não precisa mostrar que os cidadãos já têm um direito moral à indenização por danos em circunstâncias especificas para justificar uma lei que contemple a indenização por danos em tais circunstâncias O direito como integridade pressupõe contudo que os juí zes se encontram em situação muito diversa daquela dos legis ladores Não se adapta à natureza de uma comunidade de prin cipio o fato de que um juiz tenha autoridade para responsa bilizar por danos as pessoas que agem de modo que como ele próprio admite nenhum dever legal as proíbe de agir Assim quando os juízes elaboram regras de responsabilidade não re conhecidas anteriormente não têm a liberdade que hâ pouco afirmei ser uma prerrogativa dos legisladores Os juízes devem tomar suas decisões sobre o common law com base em prin cípios não em politica devem apresentar argumentos que di gam por que as partes realmente teriam direitos e deveres le gais novos que eles aplicaram na época em que essas partes INTEGRIDADE NO DIREITO 293 agiram ou em algum outro momento pertinente do passado7 Um jurista pragmático rejeitaria essa proposição Hércules porém rejeita o pragmatismo Ele é partidário do direito como integridade e portanto quer uma interpretação do que fizeram os juízes nos casos anteriores de danos morais que os mostre agindo da maneira que ele aprova não da maneira que em sua opinião os juízes devem recusarse a agir Não se segue daí que ele deva descartar a interpretação 3 entendida do modo como pela primeira vez a descrevi como se supusesse que os juízes do passado agiram de modo a proteger um direito geral à inde nização quando isso pudesse tomar a comunidade mais rica Pois se as pessoas realmente têm tal direito outras têm um dever correspondente e os juízes não agem injustamente ao ordenar que a polícia os faça cumprir O argumento desqualifi ca a interpretação 3 somente quando esta é lida de modo a negar qualquer dever gera desse tipo e quando se admite que seus únicos fundamentos são de natureza política 1 Ampliando o alcance As interpretações 4 5 e 6 porém parecem passar muito bem por essas provas iniciais Os princípios de cada uma se ajustam às decisões sobre danos morais tomadas no passa do pelo menos à primeira vista ainda que somente porque nenhum desses precedentes tenha apresentado fatos que pu dessem estabelecer distinções entre eles Agora Hércules deve perguntarse como etapa seguinte de sua investigação se algu ma das três deve ser excluída por incompatibilidade com a totalidade da prática jurídica de um ponto de vista mais geral Deve confrontar cada interpretação com outras decisões judi ciais do passado para além daquelas que envolvem danos morais que aparentemente poderiam colocálas em pauta Su ponhamos que ele descubra por exemplo que as decisões pre cedentes só concedem indenização por danos físicos causados 7 Ver Takirtg Rghis Seriousfy cap 4 294 O IMPÉRIO DO DIREITO por motoristas imprudentes quando o dano tiver sido razoavel mente previsível Isso excluiria a interpretação 4 a menos que ele possa encontrar alguma distinção de princípio entre danos físicos e danos morais flue explique por que as condições para a indenização devem ser mais restritivas para os primeiros do que para os segundos o que parece extremamente improvável O direito como integridade então exige que um juiz po nha à prova sua interpretação de qualquer parte da vasta rede de estruturas e decisões políticas de sua comunidade perguntan dose se ela poderia fazer parte de uma teoria coerente que jus tificasse essa rede como um todo Nenhum juiz real poderia impor nada que de uma só vez se aproxime de uma interpreta ção plena de todo o direito que rege sua comunidade É por isso que imaginamos um juiz hercúleo dotado de talentos sobrehu manos e com um tempo infinito a seu dispor Um juiz verdadei ro porém só pode imitar Hércules até certo ponto Pode permi tir que o alcance de sua interpretação se estenda desde os casos imediatamente relevantes até os casos pertencentes ao mesmo campo ou departamento geral do direito e em seguida desdo brarse atnda mais até onde as perspectivas lhe pareçam mais promissoras Na prática mesmo esse processo limitado será em grande parte inconsciente um juiz experiente terá um conheci mento suficiente do terreno em que se move seu problema para saber instintivamente qual interpretação de um pequeno con junto de casos sobreviveria se os limites aos quais deve ajustar se fossem ampliados Às vezes porém a expansão será delibe rada e polêmica Os advogados elogiam dúzias de decisões des sa natureza várias das quais inclusive serviram de base para a elaboração do direito moderno sobre a negligência8 O universo acadêmico oferece outros exemplos importantes Imaginemos que uma modesta expansão do alcance da in vestigação de Hércules mostre que os pleiteantes não recebem 8 Ver Thomas vs Winchener 6 NY 397 e MacPherson vs Buick Motor Co 217 NY 382 i 11 NE 1050 9 C Haar e D Fessler The Wrong Side of lhe Tracks Nova York 1986 é um exemplo recente de integridade em um vasto campo de atuação INTEGRIDADE NO DIREITO 295 indenização se o dano físico que sofreram não fosse razoavel mente previsível na época em que a negligência do réu o pro vocou excluindo assim a interpretação 4 Isso porém não exclui nem a 5 nem a 6 Ele deve ampliar sua investigação mais ainda Deve também considerar os casos que envolvem prejuízos econômicos e não físicos ou morais nos quais os danos são potencialmente muito grandes por exemplo deve examinar os casos em que consultores profissionais como fiscais ou contadores são processados por perdas que outros sofreram em razão de sua negligência A interpretação 5 sugere que essa responsabilidade seja ilimitada em quantida de por mais prejudicial que seja no total desde que o dano seja previsível e a 6 sugere pelo contrario que a responsa bilidade é limitada exatamente devido às altíssimas somas que do contrário poderia alcançar Se uma interpretação é unifor memente contestada por julgados desse tipo e não encontra apoio em nenhuma outra área da doutrina que Hércules pode ria examinar mais tarde e se a outra é confirmada pela expan são ele vai considerar a primeira inaceitável e somente a últi ma terá sobrevivido Mas suponhamos que ele encontra ao ampliar assim seu estudo um padrão misto As decisões do passado permitem a extensão da responsabilidade aos mem bros de algumas profissões mas não para os de outras e esse padrão misto é válido para outras áreas da doutrina que no exercício de sua capacidade de imaginado Hércules conside ra pertinentes Apesar de genuína a contradição que descobriu não é em si tão profunda ou abrangente para justificar uma interpretação cética da prática jurídica como um todo pois o problema dos danos ilimitados ainda que importante não é tão fundamental que sua contradição interna destrua a integridade do sistema em sentido mais amplo Assim Hércules se volta para a segun da dimensão principal mas aqui como no exemplo do roman ce em cadeia as questões de adequação voltam a surgir pois uma interpretação é mais satisfatória se mostrar um menor dano à integridade que sua rival Ele vai assim considerar se a interpretação 5 se ajusta à ampliação do registro jurídico 296 O IMPÉRIO DO DIREITO melhor que a 6 Mas esta não pode ser uma decisão exclusi vamente mecânica ele não pode simplesmente contar o núme ro de decisões anteriores que podem ser vistas como erros de cada interpretação pois esses números talvez só reflitam acidentes como o número de casos que chegaram ao tribunal e não foram conciliados antes do veredito EJe deve levar em consideração não apenas o número de decisões que são impor tantes para cada interpretação mas se as decisões que expri mem um princípio parecem mais importantes fundamentais ou de maior alcance que as decisões que exprimem o outro Su ponhamos que a interpretação 6 só se adapte àquelas deci sões judiciais anteriores que envolvem acusações de negligên cia contra uma profissão especifica os advogados por exem plo e que a interpretação 5 justifique todos os outros ca sos envolvendo todas as outras profissões e também se adapte a outros tipos de casos de prejuízo econômico Em termos gerais então a interpretação 5 se adapta ao repertório jurídi co mesmo que o número de casos envolvendo advogados seja por alguma razão numericamente maior a menos que o argu mento volte a se modificar como bem poderia ser o caso quan do o campo de estudo se expandir ainda mais Suponhamos agora uma outra possibilidade embora a responsabilidade tenha sido limitada em muitos casos diferen tes a uma quantidade menor do que permitiria a interpretação 5 as opiniões sobre esses casos não fizeram menção ao prin cípio de interpretação 6 que na verdade nunca antes foi reco nhecido na retórica jurídica oficial Isso mostra que a interpre tação 5 se ajusta muito melhor ao repertório ou que a inter pretação 6 è afinal inaceitável Os juizes estão de fato divididos sobre essa questão da adequação Alguns não exami nariam seriamente a interpretação 6 se nenhuma sentença ou declaração legislativa do passado nunca houvesse mencionado explicitamente esse princípio Outros rejeitam essa restrição e admitem que a melhor interpretação de certos tipos de casos pode estar num princípio que nunca foi explicitamente reco nhecido mas que ainda assim oferece uma brilhante descrição das decisões verdadeiras mostrandoas em sua melhor luz INTEGRIDADE NO DIREITO 297 como jamais antes foram mostradas10 Hércules vai enfrentar esse problema como uma questão especial de moral política A história política da comunidade será portanto uma história me lhor imagina ele se mostrar os juízes indicando a seu público através de suas opiniões o caminho que tomarão os futuros juízes guiados pela integridade e se mostrar os juízes tomando decisões que darão voz e efeito prático a convicções sobre moral amplamente difundidas na comunidade Além disso as opiniões judiciais formalmente anunciadas nos repertórios jurídicos são em si mesmas atos da comunidade personifica da que sobretudo quando recentes devem ser incluídos na es fera da integridade Essas são algumas das razões pelas quais ele de certo modo prefere uma interpretação que não seja muito recente nem muito divorciada daquilo que os juízes e outras autoridades do passado disseram e fizeram Mas ele deve comparar essas razões com suas mais sólidas convicções políticas sobre o valor moral relativo das duas interpretações e se acreditar que a interpretação 6 é muito superior a partir de tal perspectiva acreditará estar aperfeiçoando o direito ao optar por ela mesmo à custa das considerações mais proces suais Adequarse ao que os juízes fizeram é mais importante que adequarse ao que eles disseram J Imaginemos agora uma situação ainda mais fortuita Hér cules acha que a responsabilidade ilimitada foi aplicada contra um certo número de profissões mas deixou de sêlo no caso de um número mais ou menos igual dê outras que nenhum princípio pode explicar essa distinção que a retórica judicial é tão dividida quanto as decisões reais e que essa divisão se es tende a outros tipos de ações por prejuízos econômicos Pode ria expandir ainda mais o campo de sua pesquisa e o quadro se 10 Ver por exemplo a decisão de Benjamin Cardozo em Hynes vs New York Central RR Co 231 NY 229 11 Esses diferentes argumentos que explicam por que uma interpreta ção bemsucedida deve harmonizarse alé certo ponto com as opinies judi ciais do passado bem como com as decisões em si são discutidos no capitulo IX no contexto de declarações legislativas do passado 298 O IMPÉRIO DO DIREITO modificaria se assim o fizesse Mas imaginemos que ele se dê por satisfeito por não fazêlo Decidirá então que o problema da adequação não desempenha nenhum papel útil em suas de liberações mesmo na segunda dimensão Ele deve agora enfa tizar os aspectos mais nitidamente essenciais dessa dimensão deve decidir qual é a interpretação que mostra o histórico jurí dico como o melhor possível do ponto de vista da moral políti ca substantiva Vai compor e comparar duas análises A pri meira pressupõe que a comunidade personificada adotou e está fazendo cumprir o princípio de previsibilidade como sua prova de responsabilidade moral por danos causados por negligên cia que as diferentes decisões às quais ela chegou têm por objetivo dar efeito a esse princípio ainda que muitas vezes tenha se desviado e tomado decisões que a previsibilidade con denaria A segunda pressupõe por sua vez que a comunidade adotou e está fazendo cumprir o princípio de previsibilidade limitado por um teto máximo imposto à responsabilidade ain da que se tenha desviado muitas vezes desse princípio Tudo considerado que análise mostra a comunidade sob uma luz melhor a partir do ponto de vista da moral política A resposta de Hércules vai depender de suas convicções sobre as duas virtudes que constituem a moral política que aqui consideramos a justiça e a eqüidade12 Vai depender mais exatamente não apenas de suas crenças sobre qual desses prin cípios é superior em matéria de justiça abstrata mas também sobre qual deve ser seguido em matéria de eqüidade política por uma comunidade cujos membros têm as mesmas convic ções morais de seus concidadãos Em alguns casos os dois tipos de juízo o juízo da justiça e o da eqüidade caminharão juntos Se Hércules e o público compartilham o ponto de vista de que as pessoas têm direito a ser plenamente indenizadas sempre que forem prejudicadas pela negligência de outros sem importar o quanto essa exigência possa mostrarse difícil ele então vai achar que a interpretação 5 é simplesmente a 12 Tenho em mente a distinção e o sentido especial de eqüidade descri tos no capítulo VI INTEGRIDADE NO DIREITO 299 melhor das duas em jogo Às vezes porém os dois juízos to marão rumos diferentes Eie pode pensar que a interpretação 6 é melhor por razões de justiça abstrata mas saber que esse é um ponto de vista radical não compartilhado por nenhum segmento substancial do público e desconhecido pela retórica política e moral da época Poderia então decidir que a inter pretação em que o Estado insiste no ponto de vista que ele con sidera correto mas vai contra os desejos do povo como um todo é a mais pobre em termos gerais Em tais circunstâncias estaria preferindo a eqüidade à justiça e essa preferência refle tiria um nível superior de suas próprias convicções políticas a saber suas convicções sobre como um governo decente com prometido tanto com a eqüidade quanto com a justiça deveria decidir entre as duas nesse tipo de caso Os juízes terão idéias diferentes sobre a eqüidade sobre o papel que em termos ideais as opiniões de cada cidadão deve riam desempenhar nas decisões do Estado sobre quais princí pios de justiça aplicar por meio de seu poder policial central Terão opiniões diferentes sobre a melhor solução dos conflitos entre esses dois ideais políticos É improvável que algum juiz se arrisque a defender a teoria simplista de que a eqüidade deve ser automaticamente preferida à justiça ou viceversa A maioria dos juízes pensará que o equilíbrio ent as opiniões da comunidade e as exigências da justiça abstrata deve ser ob tido de maneira diferente em diferentes tipos de casos Talvez em casos comuns de direito comercial ouprivado como o caso McLoughlin uma interpretação apoiada pela moral popular seja considerada superior a outra que não o seja desde que não se a considere muito inferior em matéria de justiça abstrata Ainda assim muitos juízes vão considerar a força interpretati va da moral popular muito mais frágil em casos constitucio nais como o caso Brown pois pensarão que o objetivo da Constituição é em parte proteger os indivíduos contra aquilo que a maioria considera correto 13 Ver porém a discussão sobre passivismo como uma teoria de jurisdição constitucional no capítulo X 300 O IMPÉRIO DO DIREITO Prioridade tocai Devo enfatizar particularmente uma característica da prática de Hércules que até o momento não se mostrou com bastante clareza Suas opimões sobre a adequação se irradiam a partir do caso que tem diante de si em uma série de círculos concêntricos Ele pergunta quais interpretações de sua lista inicial se ajustam aos casos de danos morais do passado depois quais se ajustam aos casos de dano acidental à pessoa em termos mais gerais e em seguida quais se ajustam aos prejuízos a interesses econômicos e assim por diante até en trar em áreas cada vez mais distantes do caso McLoughlin ori ginal Esse procedimento confere uma espécie de prioridade local àquilo que poderíamos chamar de áreas do direito Se Hércules achar que nenhum dos dois princípios se mostra em contradição frontal com os casos de danos causados por aci dentes em sua jurisdição expandirá seu estudo de modo a in cluir digamos os casos contratuais para ver qual desses prin cípios se ajusta melhor às decisões de contrato se é que al gum deles o faz Do ponto de vista de Hércules porém se um princípio não se ajusta de modo algum ao direito sobre aci dentes se for contestado por quase todas as decisões na área que poderia têlo confirmado isso o desqualifica seriamen te enquanto interpretação aceitável dessa área do direito mes mo quando se ajusta perfeitamente a outras esferas legais Contudo ele não tratará essa prioridade local como absoluta como veremos estará disposto a ignorála em determinadas circunstâncias A divisão do direito em partes distintas é um traço domi nante da prática jurídica As escolas de direito dividem os cur sos e suas bibliotecas dividem os tratados para distinguir os danos morais dos econômicos ou físicos os delitos civis inten cionais dos premeditados os delitos civis dos crimes os contra tos de outras partes do direito consuetudinário o direito privado do direito público e o direito constitucional de outras partes do direito público Os argumentos jurídicos e judiciais respeitam essas divisões tradicionais As opiniões judiciais normalmente INTEGRIDADE NO DIREITO 301 começam por reportar o caso que têm em mãos a alguma área do direito e os precedentes e as leis consideradas são extraídos em geral exclusivamente dessa mesma área Quase sempre a classificação inicial é ao mesmo tempo polêmica e crucial A compartimentalização convém tanto ao convencionalis mo quanto ao pragmatismo ainda que por razões diferentes As divisões do direito baseiamse na tradição que parece favo recer o convencionalismo e fornecem uma estratégia que um pragmático pode manipular para dizer suas nobres mentiras pode explicar que em princípio sua nova doutrina não precisa ser coerente com as decisões do passado porque estas bem entendidas pertencem a outro ramo do direito O direito como integridade tem uma atitude mais complexa com relação aos ramos do direito Seu espírito geral os condena pois o princí pio adjudicativo de integridade pede que os juízes tornem a lei coerente como um todo até onde lhes seja possível fazêlo e isso poderia ser mais bemsucedido se ignorassem os limites acadêmicos e submetessem alguns segmentos do direito a uma reforma radical tomandoos mais compatíveis em princípio com outros14 Contudo o direito como integridade é interpreta tivo e a compartimentalização é uma característica da prática jurídica que nenhuma interpretação competente pode ignorar Hércules responde a esses impulsos antagônicos procu rando uma interpretação construtiva da compartimentalização Tenta encontrar uma explicação da prática de dividir o direito em ramos diversos que mostre essa prática em sua melhor luz Os limites entre os diversos ramos e institutos geralmente cor respondem à opinião pública muitas pessoas pensam que um dano intencional é mais censurável que o dano cometido por imprudência que para declarar uma pessoa culpada de um crime o Estado precisa de um tipo de justificativa muito dife rente daquela de que necessita para pagar indenização pelo dano por ela causado que as promessas e outras formas de acor do ou consentimento explícito constituem um tipo especial de razão para a coerção de Estado e assim por diante Dividir o 14 Ver a discussão dos diferentes níveis de integridade no capítulo XI 302 O IMPÉRIO DO DIREITO direito para corresponder a esse tipo de opinião equivale a pro mover a previsibilidade e a protegerse contra as inesperadas reinterpretações oficiais que alteram radicalmente vastas áreas do direito e o faz de um modo que fomenta um objetivo mais profundo do direito como integridade Se as divisões do direito fazem sentido para as pessoas em geral elas estimulam a atitu de de protesto que a integridade favorece pois permitem que tanto as pessoas comuns quanto os juízes sob grande pressão interpretem o direito dentro de limites práticos que parecem naturais e intuitivos Hércules admite essa maneira de explicar a questão da divisão do direito e elabora sua doutrina da prioridade local de acordo com ela Concede à doutrina sua maior força no momen to em que os limites entre as áreas tradicionais do direito refle tem princípios morais amplamente aceitos que diferenciam tipos diferentes de falta ou de responsabilidade e o conteúdo de cada área reflete esses princípios morais A distinção entre direito civil e direito penal passa bem por essa prova Supo nhamos que Hércules pensa ao contrário da opinião da maio ria das pessoas que o fato de alguém ser obrigado a pagar in denização é tão mau quanto ser obrigado a pagar uma multa e que portanto a distinção entre direito penal e civil é frágil quan to aos princípios Ainda assim ele vai acatar a prioridade local Não afirmará que o direito penal e civil deve ser tratado como um único ramo do direito não afirmará que a culpa de um indiciado precisa apenas ser estabelecida como provável em vez de razoavelmente provada porque a norma provável corres ponde ao ramo consagrado tão bem quanto a qualquer outra Hércules porém não se mostrará tão disposto a acatar a prioridade local quando o resultado de sua prova não for bem sucedido quando os limites tradicionais entre as áreas do di reito se tornarem mecânicos e arbitrários ou porque a moral popular passou por uma modificação ou porque o conteúdo das divisões não mais reflete a opinião pública15 As divisões 15 A divergência entre os lordes Diplock e Edmund Davies por um lado e o lorde Dilthome por outro no célebre caso de blasfêmia R ws Lemon INTEGRIDADE NO DIREITO 303 do direito às vezes se tomam arbitrárias e isoladas da convic ção popular particularmente quando as regras centrais de uma área foram elaboradas em períodos distintos Suponhamos que durante décadas a tradição jurídica de uma comunidade tenha feito uma separação entre a lei sobre o mau uso da proprieda de que diz respeito ao incômodo provocado pela interferên cia que as atividades de uma pessoa causam aos vizinhos e a lei sobre a negiigência que diz respeito aos em terreno de sua propriedade danos físicos econômicos ou morais que a negli gência de uma pessoa inflige a outras Suponhamos que os juí zes que julgam os casos cruciais de mau uso da proprieda de tenham desdenhado qualquer prova econômica que possa caracterizar o mau uso da propriedade afirmaram que uma atividade é considerada como mau uso da propriedade e deve portanto ser interrompida quando não se tratar de um uso natural ou tradicional da terra de tal modo que quem abre uma fábrica em terra tradicionalmente usada para a agricultura é culpado de mau uso da propriedade ainda que a fábrica con figure uma atividade economicamente mais eficiente Supo nhamos porém que nos últimos anos os juízes tenham come çado a tornar o custo econômico crucial para os casos de negli gência Afirmam que quem não toma as devidas precauções para não prejudicar os outros é negligente send portanto res ponsável pelos danos resultantes se a precaução tivesse sido razoável em tais circunstâncias e que o custo econômico da precaução conta para decidir se de fato gra razoável A distinção entre o direito sobre negligência e sobre o mau uso da propriedade não mais responde ao teste de Hércules se é que alguma vez o fez Faz algum sentido distinguir entre negligência e mau uso da terra se admitimos que esta última é intencional enquanto aquela não então a distinção reconhece 1979 1 Ali ER 898 ilustra a importância de não ignorar essa relação entre as mudanças na moral pública que insistia em que a lei sobre blasfêmia fosse interpretada de modo a refletir desdobramentos em outras panes do direito penal e os limites da prioridade local que insistia em que por algu ma razão inexplicada a blasfêmia fosse vista como um domínio isolado c independente 504 O IMPÉRIO DO DIREITO o princípio popular de que é pior prejudicar alguém premedi tadamente do que fazêlo inconscientemente Mas os desen volvimentos do direito sobre negligência que há pouco descre vi nào são coerentes com essa distinção porque o fato de não se precaver contra um ácidente não é necessariamente involun tário no sentido citado Assim Hércules estaria disposto a ignorar o limite tradicional entre esses dois institutos do direi to Se considerasse tola a avaliação do uso natural e visse como muito mais justa a do custo econômico argumentaria que os precedentes sobre negligência e mau uso da terra devem ser vistos como uma unidade jurídica e que a prova do custo econômico é uma interpretação superior daquele conjunto uni ficado Sua argumentação seria certamente facilitada por outros desenvolvimentos jurídicos já ocorridos O clima inte lectual que produziu as últimas decisões teria começado a cor roer o pressuposto dos casos anteriores de mau uso da terra segundo o qual novos empreendimentos que perturbam as pes soas são necessariamente injurídicos Talvez o legislador tives se adotado leis especiais reajustando a responsabilidade por algumas novas formas de inconvenientes como o barulho dos aeroportos que a teoria natural tenha decidido ou decidiria de modo aparentemente errado por exemplo Ou talvez os jui zes tivessem decidido os casos de aeroportos distorcendo o significado histórico de natural para chegar a decisões que parecessem sensatas tendose em vista o desenvolvimento tec nológico Hércules citaria essas mudanças para sustentar seu argumento interpretativo que reúne em um único instituto mau uso da terra e a negligência Se convence a profissão sobre o seu ponto de vista o mau uso da terra e a negligência não mais serão dois institutos distintos do direito mas um novo instituto que em breve terá um novo nome ligado a novos cursos de direito e a novos tratados N a verdade esse processo está em andamento no direito angloamericano assim como ainda que mais incerta uma nova unificação do direito privado que torna indistinto até mesmo o limite entre contrato e delito civil há muito estabelecido e outrora muito mais sólido INTEGRIDADE NO DIREITO 305 Resumo provisório Nos três capítulos seguintes continuaremos a elaborar a teoria funcional de Hércules sobre o direito como integridade explorando mais detalhadamente questões que se colocaram nas três áreas da deliberação judicial casos em que aplicam a common law casos que versam sobre legislação e casos de dimensão constitucional Primeiro porém faremos um levan tamento ainda que isso implique alguma repetição e em se guida examinaremos certas objeções à argumentação até aqui apresentada Os juízes que aceitam o ideal interpretativo da integridade decidem casos difíceis tentando encontrar em al gum conjunto coerente de princípios sobrç os direitos e deve res das pessoas a melhor interpretação da estrutura política e da doutrina jurídica de sua comunidade Tentam fazer o me lhor possível essa estrutura e esse repositório complexos Do ponto de vista analítico é útil distinguir os diferentes aspectos ou dimensões de qualquer teoria funcional Isto incluirá con vicções sobre qdequação e justificação As convicções sobre a adequação vão estabelecer a exigência de um limiar aproxima do a que a interpretação de alguma parte do direito deve aten der para tornarse aceitável Qualquer teoria plausível desqua lificaria uma interpretação de nosso próprio dirlito que negas se abertamente a competência ou a supremacia legislativa ou que proclamasse um princípio geral de direito privado que exi gisse que os ricos compartilhassem sua riqueza com os pobres Esse limiar eliminará as interpretações que de outro modo alguns juízes prefeririam de tal modo que os fatos brutos da história jurídica limitarão o pape que podem desempenhar em suas decisões as convicções pessoais de um juiz em questões de justiça Diferentes juizes vão estabelecei esse limiar de manei ra diversa Mas quem quer que aceite o direito como integrida de deve admitir que a verdadeira história política de sua comu nidade irá às vezes restringir suas convicções políticas em seu juízo interpretativo geral Se não o f i z e r se seu limiar de ade quação derivar totalmente de suas concepções de justiça e a elas for ajustável de tal modo que essas concepções ofereçam 306 O IMPÉRIO DO DIREITO automaticamente uma interpretação aceitável não poderá dizer de boafé que está interpretando a prática jurídica Como o romancista em cadeia cujos juízos sobre a adequação se ajus tavam automaticamente a suas opiniões literárias mais profun das estará agindo de rríáfé ou enganando a si próprio Os casos difíceis se apresentam para qualquer juiz quan do sua análise preliminar não fizer prevalecer uma entre duas ou mais interpretações de uma lei ou de um julgado Ele então deve fazer uma escolha entre as interpretações aceitáveis per guntandose qual delas apresenta em sua melhor luz do ponto de vista da moral política a estrutura das instituições e deci sões da comunidade suas normas públicas como um todo Suas próprias convicções morais e políticas estão agora direta mente engajadas Mas o julgamento poiítico que ele deve fazer é em si mesmo complexo e às vezes vai opor uma parte de sua moral política a outra sua decisão vai refletir não apenas suas opiniões sobre a justiça e a eqüidade mas suas convic ções de ordem superior sobre a possibilidade de acordo entre esses ideais quando competem entre si As questões de ade quação também surgem nessa etapa da interpretação pois mes mo quando uma interpretação sobrevive à exigência prelimi nar qualquer inadequação irá voltarse contra ela como já assinalamos aqui no equilíbrio geral das virtudes políticas Diferentes juízes vão divergir sobre cada uma dessas questões e conseqüentemente adotarão pontos de vista diferentes sobre aquilo que realmente é devidamente compreendido o direito de sua comunidade Qualquer juiz desenvolverá ao longo de sua formação e experiência uma concepção funcional bastante individualiza da do direito na qual ele se baseará taivez inconscientemente para chegar a essas diferentes decisões e avaliações e estas en tão serão para ele uma questão de sentimento ou instinto e não de análise Mesmo assim enquanto críticos podemos im por uma estrutura a sua teoria funcional ao isolar seu método empírico sobre a adequação sobre a importância relativa da coerência com a retórica do passado e a opinião pública por exemplo e suas opiniões ou tendências sobre a justiça e a INTEGRIDADE NO DIREITO 307 eqüidade A maioria dos juízes será semelhante às outras pes soas de sua comunidade e desse modo para eles a eqüidade e a justiça não entrarão freqüentemente em processo de competi ção Mas os juízes cujas opiniões políticas são mais excêntricas ou radicais vão achar que os dois ideais entram em conflito em alguns casos específicos e terào de decidir qual solução desse conflito mostraria a comunidade em sua melhor luz Conse qüentemente suas concepções funcionais vão incluir princípios de uma ordem mais elevada que se mostraram necessários a essa decisão posterior Um juiz em particular pode pensar ou pressupor por exemplo que as decisões políticas devem respei tar sobretudo a opinião da maioria e aiada assim acreditar que essa exigência se toma menos rígida e inclusive desaparece quando estão em jogo sérios direitos constitucionais Devemos agora recordar duas observações gerais que fi zemos ao elaborar o modelo do romance em cadeia pois se aplicam aqui também Primeiro os diferentes aspectos ou di mensões da abordagem de trabalho de um juiz as dimensões de adequação ç conteúdo bem como dos diferentes aspectos do conteúdo são em última análise sensíveis a seu juízo po lítico Suas convicções sobre a adequação tal como aparecem em suas exigências preliminares ou mais tarde de maneira analítica em competição com o conteúdo são políticas e não mecânicas Expressam seu compromisso com a integridade ele acredita que uma interpretação que esteja abaixo de seu limiar de adequação mostra o históricqda comunidade sob uma luz irredimivelmente má pois propor essa interpretação sugere que a comunidade tem por característica desonrar seus próprios princípios Quando uma interpretação satisfaz esse limiar as falhas de adequação restantes podem ser compensa das em seu juízo geral se os princípios dessa interpretação forem particularmente atraentes pois eJe então vai comparar os lapsos eventuais da comunidade no que diz respeito à obe diência a esses princípios com a virtude por ela demonstra da na observação geral deles A restrição que a adequação impõe à substância em qualquer teoria válida é portanto a res trição de um tipo de convicção política a outro na avaliação 308 O IMPÉRIO DO DIREITO geral sobre qual interpretação torna uma manifestação de ati vidade política a melhor possível em termos gerais considera dos todos os aspectos Em segundo lugar o modo dessa restri ção é aquele que identificamos no romance em cadeia Não é a restrição da rigidez exterior dos fatos ou do consenso interpes soal Tratase pelo contrário da restrição estrutural de dife rentes tipos de princípios dentro de um sistema de princípios que não deixa de ser mais autêntico por esse motivo Nenhum juiz mortal pode ou deve tentar articular suas hipóteses até esse ponto ou tornálas tão concretas e detalhadas que novas reflexões se tornem desnecessárias em cada caso Deve considerar provisórios quaisquer princípios ou métodos empíricos gerais que tenha seguido no passado mostratidose disposto a abandonálos em favor de uma análise mais sofisti cada e profunda quando a ocasião assim o exigir Serão mo mentos especialmente difíceis para qualquer juiz exigindo no vos juízos políticos aos quais pode ser difícil chegar Seria absurdo imaginar que ele sempre terá à mão as convicções de moral politica necessárias a tais ocasiões Os casos muito difí ceis vão forçálo a desenvolver lado a lado sua concepção do direito e sua moral política de tal modo que ambas se dêem sustentação mútua Não obstante é possível que um juiz en frente problemas novos e desafiadores como uma questão de princípio e é isso que dele exige o direito coroo integridade Deve admitir que ao preferir finalmente uma interpretação a outra de uma série de precedentes muito contestada talvez de pois de uma reflexão que o leve a mudar de opinião ele está desenvolvendo sua concepção aplicável do direito em uma direção e não em outra Esta deve parecerlhe a direção certa em matéria de princípios políticos e não uma atração passa geira por proporcionar uma decisão atraente no caso presente Essa recomendação comporta bastante espaço para a decep ção inclusive a autodecepção Na maioria das ocasiões porém os juízes terão condições de reconhecer quando submeteram um problema à disciplina que a recomendação descreve E também de reconhecer quando algum juiz deixou de fazêlo INTEGRIDADE NO DIREITO 309 Algumas objeções conhecidas Hércules faz o jogo político Hércules concluiu seus trabalhos no caso McLoughlin Declara que após um minucioso exame de todos os aspectos da questão a melhor interpretação dos casos de danos morais é a 5 o direito permite indenização por qualquer dano moral diretamente causado por um motorista negligente que poderia ter previsto o acidente se fosse razoavelmente sensato Mas admite que para chegar a tal conclusão baseouse em sua pró pria opinião de que esse princípio é melhor mais eqüitativo e mais justo do que qualquer outro que seja aceitável segundo o que ele considera ser o critério de adequação apropriado Também admite que sua opinião é polêmica não é comparti lhada por todos os juízes para alguns dos quais portanto exis te uma interpretação superior a 6 por exemplo Que críticas seus argumentos podem atrair A primeira da lista que me pro ponho examinar acusa Hércules de ignorar o verdadeiro direito dos danos morais e de substituir suas próprias concepções ao verdadeiro conteúdo do direito Como entenderemos essa objeção Poderíamos interpre tála de duas maneiras diferentes Poderia significar que Hér cules estava errado ao tentar justificar sua interpretação recor rendo à justiça e à eqüidade pois ela rsetp mesmo sobrevive ao exame preliminar de adequação Não podemos pressupor sem retomar os casos estudados por Hércules que sua argumenta ção esteja errada Pode ser que dessa vez Hércules tenha se descuidado um pouco talvez se tivesse ampliado o alcance de seu estudo dos precedentes tivesse descoberto que somente uma interpretação foi capaz de subsistir e essa descoberta terlheia então mostrado o direito sem envolver suas opiniões sobre a justiça de exigir indenização por acidentes Mas como é bas tante improvável que mesmo o mais rigoroso teste preliminar de adequação sempre permita uma única interpretação a obje ção assim entendida não seria uma objeção geral aos métodos 310 O IMPÉRIO DO DIREITO de julgamento de Hércules mas somente uma crítica por ele ter aplicado mal seus próprios métodos nesse caso específico Devemos portanto examinar a segunda e mais interes sante interpretação da qbjeçâo ela afirma que um juiz nunca deve confiar em suas convicções pessoais sobre eqüidade ou justiça do modo como Hércules o fez nesse caso Suponhamos que o crítico diga A correta interpretação de uma série de decisões anteriores sempre pode ser descoberta por meios mo ralmente neutros pois a correta interpretação é apenas uma questão de descobrir quais princípios os juízes que tomaram essas decisões pretendiam estabelecer e isso não passa de uma questão de fato histórico Hércules dirá que esse crítico preci sa de uma razão política para afirmar que as interpretações devem corresponder às intenções dos juízes do passado Essa é uma forma extrema da posição que já examinamos segundo a qual uma interpretação é melhor se adequarse ao que os juízes do passado disseram e fizeram e mesmo essa frágil crítica depende dos argumentos de moral política que descrevi O crí tico supõe que essas razões especiais são não apenas fortes mas imperiosas que são tão poderosas que um juiz sempre erra ao considerar uma interpretação que não corresponde às normas que eles estabelecem por mais que essa interpre tação relacione explique e justifique as decisões tomadas no passado Assim afinal de contas o crítico de Hércules se é que sua argumentação tem alguma força não confia nas convic ções interpretativas politicamente neutras Ele também empe nhou suas próprias convicções de moral política Pensa que os valores políticos que sustentam seu estilo interpretativo são tão fundamentais a ponto de eliminar por inteiro a concorrên cia de outras exigências da justiça Essa posição pode ser plausível mas é bastante polêmica e nada tem de neutra A diferença entre o critico e Hércules não diz respeito como aquele sugeriu de início a se a moral política é relevante para decidir sobre o que é o direito mas sim a quais princípios de moral são bem fundados e portanto decisivos para esse problema Assim a primeira objeção incipiente de que Hér INTEGRIDADE NO DIREITO 311 cules substituiu a interpretação correta do direito anterior po liticamente neutra por suas próprias convicções políticas é um emaranhado de confusões Hércules è um impostor A segunda objeção é mais sofisticada Agora o crítico diz É absurdo admitir que exista uma única interpretação correta dos casos de danos morais Uma vez que descobrimos duas interpretações desses casos nenhuma das quais pode ser prefe rida à outra em bases neutras de adequação nenhum juiz se ria forçado pelo princípio de integridade concernente à jurisdi ção a aceitar nenhuma delas Hércules escolheu uma e o fez por razões claramente políticas sua escolha reflete apenas sua própria moral política Nessas circunstâncias sua única opção consiste em criar um direito novo em consonância com sua esco lha Não obstante é fraudulento que ele afirme que desco briu através de sua escolha política qual é o conteúdo do di reito Está apenas oferecendo sua opinião sobre o que este de veria ser Essa objeção parecerá poderosa a muitos leitores e deve mos ter o cuidado de não a enfraquecer fazendo com que pare ça afirmar mais do que na verdade o faz Não tenta restabele cer a idéia do convencionalismo segundo a qual quando a con venção se esgota um juiz é livre para apêrfeiçoar a lei de acor do com os padrões legislativos corretos menos ainda a idéia do pragmatismo de que ele sempre tem a liberdade de fazer isso impedido apenas por considerações de estratégia A objeção reconhece que os juízes devem escolher entre as interpretações que satisfazem ao teste de adequação Insiste apenas em que não pode haver nenhuma interpretação melhor quando mais de uma suporta esse teste E uma objeção como a estruturei que vem do interior da idéia gerai do direito como integridade tenta proteger essa idéia contra a corrupção por fraude A objeção é bem fundada Por que é fraudulento ou mes mo confuso o fato de Hércules apresentar seu juízo como um Biblioteca S A N T O A G O S T O S 312 O IMPÉRIO DO DIREITO juízo do direito De novo há duas respostas um tanto diferen tes duas maneiras de elaborar a objeção e não podemos dar crédito à objeção sem estabelecer uma distinção entre elas e examinar cada uma delas em separado A primeira forma é esta A afirmação deHércules é fraudulenta porque sugere que pode haver uma resposta certa à questão de se a interpreta ção 5 ou 6 é mais eqüitativa ou mais justa uma vez que a moral política é subjetiva não pode haver uma única resposta certa à pergunta mas somente respostas Esse é o desafio do ceticismo moral cuja discussão aprofundei no capítulo II Não posso deixar de dizer alguma coisa mais sobre o assunto agora mas para fazêlo vou usar um novo crítico com uma seção própria A segunda forma não tem por base o ceticismo Hér cules será um impostor ainda que a moral seja objetiva e ainda que esteja certo ao afirmar que o princípio da previsibilidade que instituiu seja objetivamente mais eqüitativo e mais justo Ele é uma fraude porque pretende ter descoberto o que é o direito mas só descobriu o que este deveria ser Essa é a for ma de objeção que examinarei a seguir A uma concepção de direito pedimos que nos ofereça uma descrição dos fundamentos do direito das circunstâncias nas quais as afirmações sobre o que é o direito deveriam ser acei tas como verdadeiras ou bem fundadas que nos mostre por que o direito autoriza a coerção O direito como integridade responde que os fundamentos do direito estão na integridade na melhor interpretação construtiva das decisões jurídicas do passado e que o direito é portanto sensível à justiça no senti do reconhecido por Hércules Desse modo não há nenhuma maneira pela qual Hércules possa reportar sua conclusão sobre o caso da sra McLoughlin a não ser afirmando que do modo como ele o compreende o direito a favorece Se dissesse o que o crítico recomenda que ela não tem nenhum direito legal de ganhar mas tem uma pretensão moral que ele se propõe hon rar estaria fazendo uma afirmação equivocada de seu ponto de vista sobre a questão Veria aí um relato verdadeiro de al gumas situações se considerasse a lei muito imoral para ser aplicada por exemplo mas não desta situação Um crítico INTEGRIDADE NO DIREITO 313 poderia discordar de Hércules em muitos níveis Poderia rejei tar o direito como integridade em favor do convencionalismo do pragmatismo ou de alguma outra concepção do direito Ou poderia aceitálo mas chegar a conclusões diferentes das de Hércules porque tem idéias diferentes sobre as exigências ne cessárias de adequação ou convicções diferentes sobre eqüi dade justiça ou a relação entre ambas Mas só poderá conside rar fraudulento ou gramaticalmente incorreto o uso que Hér cules faz de direito se padecer do aguilhão semântico so mente se admitir que as afirmações jurídicas ficam de algum modo deslocadas quando não são diretamente extraídas de um conjunto de critérios factuais para o direito aceitos por todos os juristas competentes Um aspecto da presente objeção contudo poderia ser con siderado imune a meus argumentos contra o restante Mesmo ad mitindo que as conclusões de Hércules sobre a sra McLoughlin estão corretamente apresentadas como conclusões de direito poderia parecer extravagante afirmar que de algum modo es sas conclusões decorrem da integridade compreendida como um ideal político distinto Não seria mais exato dizer que a integridade está em operação nos cálculos de Hércules exata mente até o ponto em que ele rejeitou todas as interpretações mal sucedidas no teste liminar de adequação jhas que a inte gridade não desempenha papel algum na seleção das interpre tações que sobrevivem a esse teste Não deveríamos dizer que essa concepção de direito consiste na verdade em duas con cepções o direito como integridade complementado quando a integridade se esgota por alguma versão da teoria do direito natural Essa não é uma objeção muito importante apenas sugere uma forma diferente de apresentar as conclusões que não mais desafia Não obstante a observação que a sugere é muito rudimentar Pois é um erro pensar que a idéia de integri dade è irrelevante para a decisão de Hércules a partir do mo mento em que tal decisão não é mais uma questão de convic ções sobre a adequação instigando também seu senso de eqüi dade ou de justiça O espírito de integridade que situamos na fraternidade seria violado se Hércules tomasse sua decisão de outro modo 314 O IMPÉRIO DO DIREITO que não fosse a escolha da interpretação que lhe parece a me lhor do ponto de vista da moral política como um todo Acei tamos a integridade como um ideal politico porque queremos tratar nossa comunidade política como uma comunidade de princípios e os cidadãos ae uma comunidade de princípios não tèm por único objetivo princípios comuns como se a uniformi dade fosse tudo que desejassem mas os melhores princípios comuns que a política seja capaz de encontrar A integridade é diferente da justiça e da eqüidade mas está ligada a elas da se guinte maneira a integridade só faz sentido entre pessoas que querem também justiça e eqüidade Assim a escolha final de Hércules da interpretação que ele considera mais bem fundada em sua totalidade mais equitativa e mais justa na correta re lação decorre de seu compromisso inicial com a integridade Ele faz essa opção no momento e da maneira que a integridade tanto o permite quanto o exige e portanto é totalmente enga noso dizer que ele abandonou o modelo da integridade exata mente nesse ponto Hércules é arrogante mas ainda assim um mito Examinarei agora muito brevemente dois críticos que apesar de menos importantes não podem deixar de ser ouvi dos Tenho descrito os métodos de Hércules de maneira que al guns chamarão de subjetiva ao descrever as perguntas que deve responder e os juízos que deve formar para si próprio Ou tros juízes dariam respostas diferentes e o leitor pode concor dar com um deles e não com Hércules Veremos dentro em breve se alguma coisa disso tudo significa que nem Hércules nem qualquer outro juiz ou crítico podem estar realmente certos sobre o verdadeiro conteúdo do direito Mas a opinião de Hércules será polêmica a despeito da resposta que dermos a essa pergunta filosófica e seu novo critico apegase exatamen te ao fato da controvérsia incontaminada por qualquer apelo ao ceticismo interior ou exterior Haja ou não respostas certas às perguntas interpretativas das quais os juízos de Hércules de INTEGRIDADE NO DIREITO 315 pendem não é justo que a resposta de um juiz ou de uma maio ria de juízes seja aceita como definitiva quando não se tem como provar contra aqueles que discordam que sua opinião é melhor que a deles Em busca de uma resposta devemos voltar a nosso tema mais geral do direito como integridade Queremos que nossas autoridades nos tratem como reunidos e vinculados numa asso ciação de princípios e queremos isso por razões que indepen dem de qualquer identidade de convicção entre essas autorida des tanto a respeito da adequação quanto dos princípios mais substantivos que uma interpretação põe em jogo Nossas razões persistem quando os juízes divergem pelo menos em detalhe a propósito da melhor interpretação da ordem política da comu nidade pois cada juiz ainda confirma e reforça a natureza de princípio de nossa associação ao se esforçar a despeito da di vergência por chegar a sua própria opinião em vez de voltarse para a tarefa geralmente mais simples de elaborar um direito novo Mas ainda que assim não fosse a presente objeção não poderia ser considerada uma objeção ao direito como integrida de pois se aplicaria com plena força ao pragmatismo ou ao convencionalismo que se torna pragmatismo em qualquer caso difícil o bastante para ser levado diante de um tribunal de recur sos Como pode ser mais eqüitativo para os juízes fazer valer suas próprias concepções sobre o melhor futuro sem as restri ções de qualquer exigência de coerência com o passado do que fazer valer os juízos mais complexos nfòs não menos polêmi cos que o direito como integridade exige Eis que surge outro crítico menor Sua critica é de outra natureza Hércules diz ele é um mito Nenhum juiz de ver dade tem seus poderes e é absurdo apresentálo aos outros como um modelo a ser seguido Os verdadeiros juízes decidem os casos difíceis muito mais instintivamente Não elaboram e testam diversas interpretações opostas contra uma complexa matriz de princípios políticos e morais que se entrecruzam Seu ofício os ensina a perceber de imediato a estrutura dos fatos e das doutrinas eis o que significa de fato pensar como um advogado Se decidissem imitar Hércules tentando em 316 O IMPÉRIO DO DIREITO cada caso defender uma teoria geral do direito iriam verse paralisados enquanto sua pauta de causas pendentes ficaria so brecarregada Esse critico entende mal nosso exercício Hér cules nos é útil exatamente porque é mais reflexivo e autocons ciente do que qualquer juiz verdadeiro precisa ou dada a ur gência do trabalho precisaria ser Sabemos que os juízes reais decidem a maioria dos casos de maneira bem menos metódica mas Hércules nos mostra a estrutura oculta de suas sentenças deixandoas assim abertas ao estudo e à crítica Além do mais precisamos ter o cuidado de estabelecer uma distinção entre os dois sentidos nos quais se poderia dizer que ele tem mais pode res do que qualquer juiz verdadeiro Ele trabalha tão mais rapi damente e seu tempo disponível é tão maior que pode explo rar caminhos e idéias que os outros não podem pode seguir não apenas uma ou duas direções evidentes ao ampliar o alcan ce dos casos que estuda mas todas as linhas existentes Esse é o sentido em que seus objetivos podem ser muito mais altos que os dos outros ele pode aspirar a testar hipóteses mais abran gentes enquanto os testes das hipóteses pelos outros devem ser parciais Mas ele não tem acesso a mistérios transcenden tais que são obscuros para eles Seus juízos sobre adequação e moral política são feitos da mesma matéria e têm a mesma natureza que os deles Ele faz o que eles fariam se tivessem toda uma carreira a dedicar a uma única decisão precisam não de uma concepção do direito diferente da dele mas de algo que ele nunca precisou cultivar eficiência e capacidade de ad ministrar com prudência Agora esse crítico dá novo rumo a seus pensamentos Se ja como for Hércules tem teoria demais para casos simples Os bons juizes sabem que o significado evidente de uma lei clara ou de uma regra bem definida que sempre se aplica e jamais foi contestada nos precedentes é o direito e que nada há a acrescentar Seria ridículo e não apenas uma perda de tempo submeter essas verdades incontestáveis a provas de interpreta ção em cada ocasião Desse modo o direito como integridade com sua estrutura elaborada e instável é na melhor das hipó teses uma concepção apenas para os casos difíceis Alguma INTEGRIDADE NO DIREITO 317 coisa mais próxima do convencionalismo é uma interpretação melhor daquilo que os juízes fazem nos casos simples A dis tinção entre casos fáceis e difíceis no direito não é tão clara nem tão importante como pretende esse critico como veremos no capitulo IX mas Hércules não precisa dessa distinção agora O direito como integridade explica e justifica tanto os casos fáceis quanto os difíceis também mostra por que são fáceis É evidente que o iimite de velocidade na Califórnia é de 90 qui lômetros por hora pois é obvio que qualquer interpretação competente do código de trânsito desse Estado leva a essa con clusão Assim para o direito como integridade os casos fáceis são apenas casos especiais de casos difíceis e a reclamação do crítico é apenas aquilo que o próprio Hércules se daria por satisfeito em reconhecer que não precisamos fazer perguntas quando já conhecemos as respostas O ceticismo no direito O desafio do ceticismo interior Nenhum aspecto do direito como integridade tem sido tão mal compreendido quanto sua recusa em aceitar a opinião popular de que não existem respostas exclusivamente certas nos casos difíceis do direito Eis uma afirmação representativa do ponto de vista que Hércules rejeita f O s casos difíceis são difíceis porque diferentes grupos de princípios se ajustam sufi cientemente bem a decisões do passado para serem considera dos como interpretações aceitáveis deles Advogados e juí zes vão divergir sobre qual deles é mais equitativo ou mais justo mas nenhuma das partes pode estar realmente certa pois não existem padrões objetivos de eqüidade e justiça que um observador neutro pudesse utilizar para decidirse por um deles Assim o direito como integridade chega à conclusão de que não há na verdade direito algum em casos difíceis como o McLoughlin Hércules é um impostor porque finge que suas opiniões subjetivas são em certo sentido melhores do que as 318 O IMPÉRIO DO DIREITO opiniões dos que não concordam com ele Seria mais honesto de sua parte admitir que além de suas preferências pessoais não tem fundamentos nos quais apoiar sua decisão No capítulo II estabelecemos uma distinção entre o que chamei de ceticismo exterior e interior Ainda que o ceticismo exterior seja bem fundado enquanto posição filosófica não constitui ameaça à nossa defesa do direito como integridade ou aos métodos de deliberação judicial de Hércules Como afir mei tive o cuidado de descrever o direito como integridade de um modo impecável aos olhos do cético exterior Descrevi as perguntas que de acordo com essa concepção do direito os juizes devem fazer a si próprios e responder segundo suas pró prias concepções O ceticismo exterior não nega que essas per guntas tenham sentido o cético exterior terá suas próprias res postas para elas as quais preferirá às respostas dos outros e poderá fazer o papel de Hércules tão bem quanto qualquer de seus adversários filosóficos Ele apenas se opõe àquilo que acredita ser uma má descrição do processo que este procu ra descobrir verdades interpretativas ou morais mais além ou encerradas na estrutura do universo Essas metáforas po rém são representações enganosas daquilo que alguém quer dizer quando afirma por exemplo que os princípios da inter pretação 5 são realmente melhores que os da interpreta ção 6 essa afirmação é um esclarecimento de sua opinião interpretativa não uma classificação filosófica dela Assim Hércules poderia decidirse a jamais utilizar termos quase redundantes como objetivo ou realmente para ornamen tar os juízos que emite que para ele têm o mesmo significado sem esses termos e os céticos exteriores já não teriam novas queixas ou novos argumentos contra sua maneira de decidir o caso McLoughlin Admiti contudo que o ceticismo interior coloca um desa fio muito mais poderoso a nosso projeto e usarei um novo crí tico para desenvolver e afirmar essa sugestão Que formas esse ceticismo interior poderia assumir Existem várias possibili dades Ele poderia concordar por exemplo que as interpreta ções 5 e 6 são aprovadas ro teste liminar de adequação INTEGRIDADE NO DIREITO 319 apropriada mas poderia não admitir que uma fosse superior à outra em termos de moral politica pois ambas são moralmente erradas ou irrelevantes de algum modo fundamental Esse argumento porém parece implausível Talvez ele rejeite total mente a própria idéia da responsabilidade na negligência acha que ninguém age mal a não ser por premeditação Isso porém não justificaria o ceticismo sobre as interpretações 5 e 6 aprova a 6 por considerála superior à 5 apesar de duvidosa em si mesma Portanto devemos imaginálo pensando que é totalmente inadequado perguntar se as pessoas têm o dever de pagar indenização por sua negligência é o tipo de pergunta equivocada assim como perguntar com qual mão a cortesia nos pede para tirar o chapéu Nem isso contudo justificaria o ceticismo sobre a decisão que deveria ser tomada por Hércu les Se a moral nada tem a ver com a negligência então o Estado não pode ter garantia alguma para intervir e forçar o pagamento de uma indenização e mais uma vez esse argumen to favorece a interpretação 6 colocandoa pelo menos como preferível à 5 pois a 6 permite que o Estado interfira me nos nos casos que não lhe dizem respeito Assim é improvável que nosso crítico cético nos conven ça com esse tipo de argumentação Mas ele poderia defender o ceticismo interior de um modo diferente tentanlo mostrar que a prática jurídica é por demais contraditória para oferecer qual quer interpretação coerente Hércules sabe que em termos de princípios o direito está longe de ter uma coerência perfeita Sabe que a supremacia legislativa dá força a algumas leis que em princípio são incompatíveis com outras e que a comparti mentalização do common law juntamente com a prioridade local favorece a incoerência inclusive ali Mas ele pressupõe que essas contradições não são tão abrangentes e intratáveis dentro de cada ramo ou instituto do direito que sua tarefa se tome impossível Admite na verdade que é possivel encontrar um conjunto de princípios razoavelmente plausíveis para cada segmento do direito que deva fazer vigorar que se ajuste sufi cientemente bem para poder ser uma interpretação aceitável Esse é o pressuposto que o crítico agora contesta Ele insiste 320 O IMPÉRIO DO DIREITO em que o direito sobre acidentes por exemplo está tão cheio de contradições que nenhuma interpretação pode ajustarse a mais do que a uma parte arbitrária e limitada dele Essa é uma contestação muito mais poderosa pois ataca a viabilidade da integridade em sua raiz Forçanos a considerar um aspecto da exigência de adequação que deixei para mais tarde a distinção fundamental entre competição e contradição entre princípios Suponhamos que Hércules descubra como há pouco mencionei que tanto a interpretação 5 quanto a 6 se ajustam a uma parte substancial dos precedentes relevantes e que nenhuma delas se ajusta ao conjunto deles Ele reage ex pandindo seu campo de pesquisa e buscando uma interpreta ção mais geral do direito sobre acidentes que isole e limite essa contradição Propõe a seguinte análise Nosso direito como um todo reconhece a pertinência de dois princípios quanto às perdas que se deve permitir que as pessoas sofram no caso de acidentes O primeiro é um princípio de solidariedade coletiva Afirma que o Estado deve tentar proteger as pessoas evitando que sejam arruinadas por acidentes mesmo quando o acidente for provocado por elas mesmas Esse princípio é mais evidente nos diferentes tipos de programas de regulamentação de segu ros nas leis sobre indenização a trabalhadores e nos planos de seguros subvencionados pelo Estado para os riscos à proprie dade e à pessoa que não são devidamente cobertos pelas ins tituições de seguro privado O segundo é um princípio que di vide os custos de um acidente entre os agentes privados do aci dente que o produziu Sustenta que o culpado deve arcar com a perda acidental e não a vítima inocente Esse princípio se evi dencia mais claramente no direito sobre a negligência inclusi ve na legislação complementar ao common law em matéria de negligência Esses são princípios independentes e considerálos con traditórios seria um grave malentendido da lógica dos princí pios Não é incoerente reconhecêlos como princípios pelo contrário qualquer ponto de vista moral seria falho se negasse um dos dois impulsos Em alguns casos porém vão entrar em conflito e a coerência então exige um sistema não arbitrário de INTEGRIDADE NO DIREITO 321 prioridade avaliação ou acomodação entre eles um sistema que reflita suas fontes respectivas em um nível mais profundo de moral política Um acidente no qual o protagonista negli gente se arruinaria se fosse responsável por todos os prejuízos causados é um exemplo de tal conflito O primeiro princípio exorta o Estado a protegêlo de uma perda catastrófica pois sua responsabilidade então seria um acidente para eie também ainda que o culpado tivesse sido ele como um acidente de tra balho que fosse culpa de sua vítima O segundo princípio de clara contudo que se um dos dois protagonistas do drama deve sofrer o sofrimento deve incidir sobre o que cometeu a falta Esse princípio exorta o Estado a obrigálo a indenizar plena mente todas as suas vítimas Uma acomodação desejável dos dois princípios ocorreria se o Estado exigisse que o indiciado indenizasse algumas vítimas ou algumas vítimas até certo pon to e em seguida usasse o tesouro público para indenizar as ou tras vítimas pelo restante das perdas Contudo na ausência de alguma lei que assim o determine ou de qualquer tradição no common law que contemple a indenização por parte do Es tado esta não é uma possibilidade interpretativa Os preceden tes e as leis que encontro me limitam à decisão de que um des ses dois princípios deverá ceder em tais circunstâncias Se o primeiro prevalecer é decisivo para o indiciaoo que a perda seria muito maior para ele caso se imponha a responsabilidade plena do que para qualquer pleiteante potencial se não houver tal imposição Se o segundo prevalece a falta do indiciado é que será decisiva contra ele a despeito da magnitude do total de sua perda potencial E preciso admitir continuamos pensando no pior dos ca sos que até o momento o Estado não se manifestou com una nimidade sobre tais casos Algumas decisões judiciais têm per mitido que o segundo princípio prevaleça sobre o primeiro o que é a solução pleiteada pela interpretação 5 e outras têm permitido que o primeiro prevaleça sobre o segundo conforme o recomenda a interpretação 6 Minha situação como intér prete é portanto a seguinte as restrições de adequação exi gem que eu encontre um lugar em qualquer interpretação ge 322 O IMPÉRIO DO DIREITO ral de nossa prática jurídica para os dois princípios abstratos de solidariedade e responsabilidade Nenhuma interpretação geral que negasse qualquer um deles seria plausível a integri dade não poderia ser atendida se um deles fosse totalmente desautorizado Mas a integridade exige alguma forma de solu ção para o impacto desse conflito sobre os casos de acidente em que a responsabilidade ilimitada fosse desastrosa uma es colha que nossa prática não fez mas que deve decorrer como um juízo pósinterpretativo de minha análise A integridade exige isso porque exige que eu continue com a série de julga dos na qual os dois princípios ocupam um lugar definido da melhor maneira possível e após o exame de todos os aspectos da questão Em minha opinião a melhor maneira de fazer isso consiste em subordinar o primeiro princípio ao segundo pelo menos nos casos de acidentes de automóveis em que o seguro de responsabilidade seja possível de obter junto à iniciativa privada em termos razoáveis Faço essa escolha porque acre dito que embora cada um dos dois princípios seja atraente o segundo é mais poderoso em tais circunstâncias Isso exige que eu declare como equívocos um certo número de decisões judiciais do passado Mas o número de decisões que devo con siderar como equívocos não é nem tão grande nem de impor tância ião fundamental visto a partir da perspectiva da prática jurídica como um todo que o fato de negligenciálo não me deixe com uma base sólida para a interpretação mais geral que acabo de descrever Estudos jurídicos críticos O cético interior não precisa aceitar esse argumento mas deve defrontar com ele Hércules admitiu que os dois princí pios abstratos que identificou poderiam conviver confortavel mente dentro da mesma interpretação geral de nossa prática jurídica ainda que às vezes possam entrar em conflito O cético poderia contestar essa afirmação e afirmar que os princípios são mais profundamente antagônicos do que Hércules imagina INTEGRIDADE NO DIREITO 323 que provêm de dois pontos de vista incompatíveis da ação ou da responsabilidade humana não podendo portanto conviver em nenhum sistema coerente de governo A partir dessa perspectiva o conflito entre eles não é um problema prático eventual mas um sintoma de profunda esquizofrenia doutrinária Alguns professo res de direito sobretudo mas não exclusivamente norteameri canos parecem ter começado a assumir essa postura profunda mente crítica com relação às práticas jurídicas de suas respecti vas comunidades16 Onde Hércules espera mostrar um sistema só vêem contradição filosófica Estudos jurídicos críticos que é o nome de seu movi mento se define até o momento por subscrições seus acólitos se reúnem em congressos cujos objetivos incluem a definição da natureza do movimento Compartilham atitudes importan tes sobre o ensino do direito esperam desmistificar o direito para os estudantes de direito ao chamarlhes a atenção para aquilo que há muitas décadas a jurisprudência norteamerica na vem enfatizando o fato de que a convicção política desem penha um importante papel na decisão judicial e que em qual quer época a forma do direito reflete ideologia poder e aquilo que é erroneamente chamado de lógica Também pretendem tornar os estudantes de direito mais receptivos outras disci plinas particularmente a lingüística francesa e a metafísica hegelíana Suas atitudes políticas situamnos enquanto grupo à esquerda do espectro político norteamericano eles têm sido particularmente ativos em diferentes aípectos da política das escolas de direito e grande parte de suas publicações se opõe ao que consideram desenvolvimentos conservadores da teoria jurídica Em particular opõemse ao outro grande movimento acadêmico na história recente do ensino jurídico nos Estados Unidos às vezes chamado de abordagem econômica do direi to que estudaremos no capítulo VIII 16 Ver D Kennedy e K Klare A Bibliography of Criticai Legal Studies 94 Yale Law Journal 461 1984 17 Ver o simpósio sobre estudos jurídicos críticos em 36 Sianfonl Law Review 11984 324 O IMPÉRIO DO DIREITO Em tudo isso salvo em sua postura conscientemente es querdista e na escolha particular de outras disciplinas a culti var os estudos jurídicos críticos se assemelham ao antigo movimento do realismo jurídico norteamericano e ainda é muito cedo para saber se é mais que uma tentativa anacrônica de fazer com que esse movimento volte a florescer Grande parte de sua retórica como a do realismo jurídico provém do ceticismo exterior seus membros gostam de fazer breves denúncias do objetivismo da metafísica do direito natu ral ou da idéia de valores mais além no universo No que tem de melhor e mais promissoc contudo foge aos limites do realismo jurídico ao se voltar para a forma global e ameaça dora do ceticismo interior que descrevi há pouco Argumenta que nossa cultura jurídica longe de possuir qualquer forma receptiva a uma justificativa de princípio uniforme e coeren te só pode ser apreendida pela métrica estéril da contradição Rejeitaria como afirmei que um cético interior poderia fazê lo a última descrição feita por Hércules dos princípios inde pendentes ainda que às vezes antagônicos a propósito da perda individual nos acidentes Os estudos jurídicos críticos fariam uma análise muito diferente a de duas ideologias pro fundamente antagônicas em guerra no interior do direito uma delas talvez proveniente de impulsos comunitários de altruísmo e interesse mútuo e a outra derivada de idéias con traditórias de egoísmo autosuficiência e moralismo de jul gamento Infelizmente grande parte da literatura dos estudos jurídi cos críticos anuncia mais do que defende essas teses como se fossem evidentes por si mesmas Isso pode refletir um grave malentendido do tipo de argumento necessário ao estabeleci mento de uma posição cética o argumento deve ser interpreta tivo não histórico Os historiadores críticojuridicos descre vem o direito geneticamente remontando diferentes partes da doutrina jurídica aos interesses e ideologias que originalmente consagravam juridicamente cada uma ou as adaptavam ou mantinham dentro do direito Tomam por alvos outros historia dores que apresentam teorias causais que pretendem explicar o MTEGRIDA DE NO DIREITO 325 desenvolvimento histórico do direito como o desdobramento de algum sistema funcionalista geral não lhes é difícil defender ante essas análises causais uma abordagem menos estruturada da explicação causal em direito uma abordagem mais permis siva da contingência e do acidente Seu trabalho é útil para Hércules que o rejeitaria por sua própria conta e risco pois o faz lembrarse de que do modo como seu direito foi produzi do nada lhe assegura que será bemsucedido na tentativa de encontrar uma interpretação coerente dele Mas a história tam bém não garantirá seu fracasso pois suas ambições são inter pretativas no sentido apropriado aos fundamentos filosóficos do direito como integridade Ele tenta impor ordem à doutrina em vez de descobrir a ordem nas forças que a criaram Esfor çase por chegar a um conjunto de princípios que possa ofere cer à integridade um sistema para transformar os diferentes laços da corrente do direito numa visão de governo dotada de uma só voz mesmo que muito diferente das vozes dos líderes do passado Poderia fracassar temos mostrado de que modo isso poderia acontecer mas seu fracasso não é assegurado por nada que ensina a história inclusive a história mais crite riosa e sensível Existe contudo uma segunda corrente mais filosófica na literatura dos estudos jurídicos críticos uma corrente mais diretamente ilustrativa porque suas afirmações são mais facil mente entendidas como interpretativas Pretende mostrar não apenas que diferentes ideologias produziram partes diferentes do direito mas que qualquer justificativa contemporânea com petente dessas diferentes partes exporia necessariamente con tradições fundamentais de princípio e que Hércules deve fra cassar ao impor uma estrutura coerente ao império do direito em sua totalidade Essa postura céticointerpretativa só será poderosa e pertinente contudo se começar por onde Hércules 18 Exemplos excelentes de escritos históricos desse gênero incluem Robert Gordon Historicism in Legal Scholarship 90 Yale Law Journal 10171981 e Criticai Legal Histories i6 Stanford LawReview 57 1984 Ver também a obra histórica citada em Kennedy e Klare acima n 16 326 O IMPÉRIO DO DIREITO começa deve afirmar que procurou uma interpretação menos cética e fracassou Nada é mais fácil ou mais inútil do que demonstrar que uma descrição falha e contraditória é tão ade quada quanto outra mais uniforme e atraente O cético interior deve demonstrar que a descrição falha e contraditória é a única disponível Liberalismo e contradição Há um caminho rápido que leve a essa ambiciosa afir mação negativa Os estudos jurídicos críticos pretendem en contrálo naquilo que vêem como os erros filosóficos da teo ria política liberal Esse argumento tem duas etapas Afirma primeiro que a estrutura constitucional e as principais linhas doutrinárias das modernas democracias ocidentais só podem ser justificadas como a elaboração de uma concepção essen cialmente liberal da personalidade e da comunidade Insiste em que a distinção entre jurisdição e legislação que é de gran de importância nessa estrutura reflete uma concepção liberal da liberdade chama a atenção para as características do di reito privado dos contratos dos delitos civis e da proprieda de por exemplo que inculcam idéias liberais de responsabi lidade individual Afirma em segundo lugar que o liberalis mo enquanto sistema filosófico que combina idéias metafí sicas e éticas é profundamente autocontraditório e que por tanto as contradições do liberalismo garantem o caos e a contradição de qualquer interpretação disponível de nosso direito a condenação do projeto de Hércules Tratase de um argumento estimulante e os que se sentem atraídos pelo li beralismo vão considerar irresistível essa primeira etapa Até o momento porém os argumentos em favor da segunda etapa sobre a incoerência do liberalismo não têm sido mais que fracassos espetaculares e mesmo constrangedores Co meçam e terminam por uma descrição equivocada da natu reza do liberalismo uma descrição que não é apoiada por INTEGRIDADE NO DIREITO 327 nenhuma interpretação plausível dos filósofos que conside ram liberais1 Além do mais parecem ignorar totalmente a distinção que há pouco consideramos crucial a qualquer argumento inte riormente cético a distinção entre competição e contradição 19 A recente descrição do liberalismo de Mark Tushnet é representati va de todas as exposições dessa teoria politica das quais tenho conhecimento na literatura dos estudos jurídicos críticos Ele admite que qualquer descri ção sumária do ponto de vista liberal clássico o liberalismo de Hobbes Locke e Mill bem como o de Dworkin e Rawls deve ser uma caricatura Em seguida porém oferece esta descrição que mais parece uma falsificação A psicologia do liberalismo pressupõe um mundo de indivíduos autônomos cada qual guiado por seus próprios valores e objetivos idiossincráticos nenhum dos quais pode ser julgado mais ou menos legitimo do que aqueles defendidos peos demais Em tal mundo as pessoas existem como iiítas isola das de individualidade que optam por estabelecer relações que metaforica mente podem ser caracterizadas como relações exteriores Em um mundo de individualismo liberal se os valores de uma pessoa a levarem por exemplo a apoderarse da propriedade de uma outra a vitima não pode ape lar a algum principio superveniente com o qual o agressor deve estar compro metido Ver Tushnet Following the Rules Laid Down A Critique of nterpretivism and Neutral Principies 96 Harvard Law Review 781 783 ss 1983 Aqui existem vários erros importantes Primeiro a maior parte dos liberais de Tushnet admite explicitamente que as pesso normalmente de monstram interesse pelos destinos das outras Nenhum de seus argumentos depende do pressuposto ridículo de que as pessoas não podem compartilhar valores suficientes para se manterem uma linguagem comum e outras insti tuições sociais e John Rawls por exemplo tevo cuidado dc negar tal pres suposto Ver de sua autoria Kantian Constructivism in Moral Theory 77 Journal of Philosophy 515 1980 e Justice as Faimess Politicai Not Me taphysical 14 Philosophy and Public Affairx 223 1985 Alguns leitores de A Theory of Justice de Rawls Cambridge Mass 1977 cometem o erro de pensar que os membros mutuamente desinteressados da posição original que ele construiu como um procedimento analítico tinham por finalidade expressar sua teoria sobre a natureza humana Essa interpretação equivocada não foi encorajada pefo texto e é desautorizada nos últimos artigos citados Segundo nenhum desses liberais exceto Hobbes por que se deveria ver Hobbes como um liberal adotou nenhuma forma de ceticismo sobre a pos sibilidade de que um modo de levar a própria vida seja melhor ou mais valio so do que outro É notório por exemplo que Mill rejeitou o ceticismo sobre os valores pessoais A imagem do liberalismo feita pelos estudos jurídicos críticos confunde essa forma de ceticismo que a maioria dos liberais rejeita 328 O IMPÉRJO DO DIREITO de princípios Essa falha é também muito evidente nos exercí cios mais detalhados e doutrinários dos estudos jurídicos críti cos aí incluídos alguns que pretendem ser uma crítica categó rica do direito como integridade Cito e discuto em maiores detalhes um exemplo recénte em uma nota pois trata exata mente da parte do direito que estivemos usando como ilustra ção básica ao longo de todo este capítulo Os estudos jurídi com o principio totalmente diferente que aceitam o de que as afirmações sobre o valor relativo dos objetivos pessoais não oferece justificativas compe tentes para as decisões políticas reguladoras Terceiro essa imagem do libe ralismo contunde esse princípio sobre a neutralidade do governo com rela ção às concepções do bem com uma suposta neutralidade sobre os princípios de justiça que o liberalismo por ser uma teoria de justiça deve certamente rejeitar É absurdo afirmar que um liberal não pode recorrer a um principio de justiça para explicar por que aqueles cujos valores os impelem a assaltar outros devam ser impedidos de fazèlo Tushnet nlo deveria ter cometido esses erros sobre aquilo que pensam seus liberais clássicos Ele cita um de meus artigos como autoridade favorável ao seu pomo de vista sobre aquilo que eu e outros liberais acreditamos Nesse artigo afirmo que a moral consti tutiva do liberalismo é uma teoria de igualdade que exige neutralidade ofi cial entre as teorias sobre o que tem valor na vida Esse argumento provocará inúmeras objeçôes Poderíamos dizer que o liberalismo assim concebido se baseia no ceticismo sobre as teorias do bem ou em uma concepção mesqui nha da natureza humana segundo a qual os seres humanos são átomos que podem existir e encontrar satisfação pessoal à margem da comunidade politi ca MasJ o liberalismo não pode basearse no ceticismo Sua moral consti tutiva determina que os seres humanos devem ser tratados como iguais pelo governo nâo porque não exista certo e errado em moral politica mas porque é assim que está certo O liberalismo não se baseia em nenhuma teoria espe cial da personalidade nem nega que a maioria dos seres humanos pensará que o que é bom para eles é que participem ativamente da sociedade O libe ralismo não é autocontraditório a concepção liberal de igualdade é um prin cípio de organização politica exigido pela justiça não um modelo de vida para os indivíduos Ver A MaUerofPrincipie p 203 20 Há dois princípios que disputam nossa atenção na lei de indeniza ção por acidentes O princípio atualmente aceito é francamente individualis ta A responsabilidade do autoc de um delito civil deve ser limitada de modo a poder existir uma relação aproximada entre o grau do delito e a extensão da responsabilidade Por conseqüência em razão da noção central de delito o acusado só é responsável por danos razoavelmente previsíveis Contudo apoiarse exclusivamente em tal principio poderia privar da i n d e n Í 2 a ç ã o viti mas totalmente inocentes e merecedoras Conseqüentemente existe um con INTEGRIDADE NO DIREITO 329 cos críticos deveriam ser resgatados desses equívocos pois suas ambições céticas gerais entendidas à maneira do ceticis mo interior são importantes Temos muito a aprender com os exercícios críticos que propõem com seus fracassos e suces sos Isso pressupõe porém que seus objetivos são aqueles do traprincipio antagônico e menos dominante porém estabelecido estipulando que os autores de delitos são responsáveis por quaisquer conseqüências dire tas de seus atos mesmo que não pudessem ser razoavelmente previsíveis Embora esse princípio tenha florescido e vigorado por algum tempo o alcan ce de sua aplicação é hoje mais limitado nos casos em que as vítimas como os hemofílicos são particularmente suscetíveis a danos O autor de um deli to civil deve tomar sua vítima do modo como a encontra Cada princípio provém de duas concepções totalmente diferentes de uma sociedade demo crática justa e delas recebe sua força Uma se baseia cm um individualismo que representa um mundo formado por pessoas independentes e autosufi cientes traçando seus projetos de vida com confiança e tratando energica mente de implementálos Valores e preferências são relativos e subjetivos A outra concepção decorre de um coletivismo que percebe o mundo como constituído por pessoas interdependentes que colaboram entre si Ao reconhecer a vulnerabilidade dos indivíduos encorajaos a ter mais solidarie dade e altruísmo Cada concepção representa apenas uma imagem parcial e incompleta da vida social e de suas possibilidades Qualquer principio que uma pessoa escolha será simplesmente sua preferência ela nada tem a dizer para persuadir quem quer que discorde dela Allan Hutchinson Of Kings and Dirty Rascais The Struggle for Democrafy 1985 Queen s Law Journal 273281 3 1 Muitos dos lemas populares na esfera dos estudos críticojuridicos flo rescem nesse argumento Aqui por exemplo encontrase a mesma caracteri zação equivocada do individualismo liberal associado ao atomismo social e à subjetividade dos valores que assinalamos na nota 19 Aqui temos a conhecida confusão entre ceticismo exterior e interior resultando na conheci da queixa de que os liberais nlo percebem que as convicções morais são simplesmente preferências de tal modo que as pessoas nada têm a dizer em seu apoio Não importa que os liberais tenham sido acusados dessa forma de subjetivismo Nosso interesse amai está no diagnóstico da contradição dizse que a lei sobre acidentes é nâo apenas complexa pois há dois princí pios diferentes atuando nela mas também contraditória porque estes não podem conviver nem mesmo como princípios Tal afirmação porém tem por base um grosseiro erro de lógica argumenta na direção errada Talvez seja verdade que uma pessoa que sustentasse o ponto de vista bizarro e quase incompreensível de que as pessoas são totalmente independentes e auto suficientes acabaria por ser levada ao teste de responsabilidade da previsibi lidade Afirmase que os liberais defendem esse ponto de vista bizarro e tal 330 O IMPÉRIO DO DIREITO direito como integridade que trabalham para descobrir se e até que ponto os juízes têm diante de si caminhos abertos para aperfeiçoar o direito ao mesmo tempo que respeitam as virtu des da fraternidade que a integridade serve São esses de fato vez se encontre algum que realmente o faça Mas nào se pode dizer que seja o caso de Mill ou Rawls ou de qualquer um dos outros filósofos influentes na tradição liberal Não é necessariamente verdadeiro pois tal pessoa poderia pensar que os hemofílicos também precisam que seus planos independentes sejam protegidos e que os praticantes de atos ilícitos energicamente auto suficientes deveriam fazer seguros contra responsabilidade estrita e assumir as conseqüências se nào o fizerem Seja como for porém não é essa a questão Tratase antes de saber se somente alguém que sustentasse essa estranha posi ção poderia ser levado a tal teste Por que uma pessoa mais sensata que perce be que o mundo é constituído por pessoas interdependentes que colaboram entre si e que se comove diante de apelos de solidariedade e altruísmo não deveria sentirse solidária com o motorista negligente que teve a má sorte de atropelar um hemofílicotambétti com o próprio hemofiUco Desse modo a confiante atribuição dos dois princípios a duas visões contraditórias de sociedade é procustiana e infundada Esses princípios são aspectos inevitáveis de qualquer resposta decente à complexidade do mundo Só diferem na distribuição do risco de perda entre dois protagonistas um dos quais deve perder por causa dos atos ou da situação do outro e é implausivei supor que alguém que faz essa escolha de modo diferente em diferentes tipos de circunstâncias imputando a perda ao protagonista em algumas delas e à vítima em outras seja por esse motivo moralmente esquizofrênico O proble ma para Hércules diante do conjunto de decisões que esse crítico descreve não è na verdade mais desalentador do que aquele com o qual ele deparou há pouco no texto e poderia ser mais prosaico Ele elabora dois princípios as pessoas não devem ser responsabilizadas por causar danos razoavelmen te imprevisíveis e as pessoas nào devem estar em desvantagem no nível da proteção que a lei lhes assegura em virtude de incapacidades físicas além de seu controle Hércules nào tem nenhuma dificuldade em reconhecer esses dois princípios em atuação na lei dos delitos civis e de modo mais geral em aceitar ambos no nivel de princípio abstrato Esses princípios são ás vezes concorrentes mas não contraditórios Ele se pergunta se decisões anteriores em casos nos quais realmente entram em conflito foram capazes de resolvê los de modo coerente Talvez sim embora qualquer descrição que aceite de tal resolução provavelmente irá exigir que ele trate como erros algumas deci sões anteriores aquelas que se desviam de uma certa linha de atuação Talvez não talvez um sistema jurídico coerente deva tratar todos os casos desse tipo de conflito da mesma maneira Então ele deve perguntar do modo que igora já se tomou familiar se uma das opçcks que o sistema poderia fazer entre os INTEGRIDADE NO DIREITO 331 os objetivos de pelo menos alguns membros do movimento21 Outros porém podem ter um objetivo diferente e oposto Tal vez queiram mostrar o direito em sua pior e não em sua me lhor luz apontando para caminhos fechados que na verdade estão abertos avançando para uma nova mistificação a serviço de objetivos políticos não revelados r princípios é excluída por questões de adequação se assim não for ele deve decidir qual é superior em termos de moral pessoal e política e ainda que outros pudessem tomar uma decisão diferente isso em si não se coloca como uma objeção a sua escolha 21 Ver acima n 17 o simpósio sobre estudos jurídicos críticos Capítulo VIII O common law A interpretação econômica No capítulo anterior servimonos deHércules para anali sar apenas um aspecto do direito sobre acidentes Neste capítu lo deixaremos que ele descanse e se revigore para novos traba lhos que ainda o aguardam estudaremos a lei sobre acidentes como um todo de forma mais abstrata e acadêmica tentando encontrar uma justificativa mais profunda geral e filosófica para o princípio de previsão razoável que Hércules tomou por base Há pouco tempo um vigoroso postuiado interpretati vo impressionou os advogados norteamericanos e também se fez notar na Inglaterra a chamada teoria econômica do di reito por danos involuntários Essa teoria oferece uma interpre tação geral das decisões que nossos juízes tomaram sobre aci dentes ilícitos civis e danos não intencionais1 A chave para essas decisões é encontrada no princípio econômico de que é preciso agir sempre de um modo que seja financeiramente me nos dispendioso para o conjunto da comunidade Suponhamos que eu possa evitar ferir uma pessoa instalando um dispositivo de segurança em meu carro Segundo esse princípio se eu não 1 Alguns juristas têm sido atraídos pela notável afirmação de que esse único princípio proporciona tudo aquilo de que mesmo Hércules necessita para elaborar uma interpretação abrangente de todas as partes do direito desde a estrutura constitucional até os detalhes de regras de evidência e pro 334 O IMPÉRIO DO DIREITO instalar tal dispositivo e ferir alguém devo indenizar a vítima pelas perdas sofridas se o referido dispositivo me tivesse custa do menos que o custo deduzido do acidente isto é o custo de duzido pela possibilidade de que o acidente poderia não ocorrer mesmo sem o dispositivo de segurança Mas eu nào precisaria indenizar a pessoa em questão se o custo de instalar o disposi tivo tivesse sido superior ao custo deduzido do acidente Riqueza da comunidade e o teorema de Coase A teoria econômica sugere que a melhor interpretação dos casos de acidentes é oferecida pelo princípio econômico Por tanto precisamos estudar esse princípio perguntandonos que decisões tomaria um governante que aceitasse esse princípio como determinante para indicar quem deveria pagar os custos dos acidentes Ele precisaria de início de uma definição da ri queza da comunidade para decidir quais decisões custam me nos à comunidade A esse respeito a teoria econômica oferece uma definição bastante especial e nem sempre intuitiva a riqueza de uma comunidade é o valor de todos os seus bens e serviços e o valor de alguma coisa é a quantidade máxima em dinheiro ou o valor em dinheiro que alguém está disposto a pagar caso tenha condições de fazêlo Se existe um preço de mercado para alguma coisa considerase que seu valor é o de tal preço se não existe um mercado adequado seu valor é aqui lo que as pessoas estariam dispostas e aptas a pagar se houves se tal mercado Seguese que as transações comerciais aumen tam a riqueza da comunidade Seguese também que quando as transações comerciais são impossíveis a riqueza será au mentada se as pessoas simularem mercados comportando cedimento Vecde modo geral Richard A Posnei The Economic Anolysis of Law2 ed Boston 1977 Essa afirmação imperial ira sem dúvida fracassar caso também fracasse a afirmação mais limitada que examinaremos a de que fornece a melhor interpretação da lei sobre os danos involuntários 2 Ver a formulação desse principio pelo juiz Leamed Hand em United Sttcs v Carrott TowingCo IS9 F2dl64 7 5 2 C i i 1947 O COMMONLAW 335 se como se tivessem os direitos e deveres que teriam se a nego ciação fosse possível e estivesse sendo utilizada3 Agora podemos perguntar de que modo um governante que aceitasse o princípio econômico e essa definição de rique za da comunidade determinaria as regras de direito que estabe lecem a responsabilidade por acidentes Examinemos um tipo de acidente que costumava ocupar os tribunais Um trem que passa por dentro de uma fazenda lança faíscas que incendeiam e destroem as plantações nas proximidades da linha do trem O agricultor deve arcar com os prejuízos Ou deve ser indeniza do pela empresa ferroviária Que regra estabeleceria um legis lador bem informado ansioso por aumentar a riqueza total da comunidade Imaginemos que os fatos econômicos são os se guintes daremos a esses fatos a designação geral de Caso 1 Se a empresa reduzir a velocidade do trem ao ponto em que este não solte faíscas seus lucros serão reduzidos em mil dóla res Se o trem correr à velocidade mais lucrativa para a empre sa o agricultor perderá colheitas que lhe renderiam mil e cem dólares Nessas circunstâncias a comunidade será mais rica segundo a definição estipulada de riqueza da comunidade se a velocidade do trem for reduzida Suponhamos agora Caso 2 que os fatos econômicos sejam invertidos Se o trem reduzir sua velocidade a empresa perderá mil e cem dófares e se não houver redução da velocidade o agricultor perderá apenas mil dólares Agora a comunidade será mais rica em seu conjunto se o trem correr mais e as colheitas forejn queimadas Parece portanto que uma pessoa desejosa de aumentar a riqueza da comunidade estabeleceria diferentes regras de responsabilida de para os dois casos Tornaria a empresa ferroviária responsá vel peio prejuízo no primeiro caso o que obrigaria o trem a redu zir sua marcha e no segundo caso obrigaria o agricultor a arcar com a perda para que o trem pudesse manter sua velocidade Contudo a partir de uma outra suposição sobre os fatos econômicos teríamos a surpresa de constatar que a regra esco lhida pelo legislador para qualquer um dos casos nào faria di 3 Ver Posner acima n pp 1012 336 O IMPÉRIO DO DIREITO ferença alguma para a nqueza da comunidade4 Esse é o pres suposto de que na linguagem dos economistas os custos de uma transação entre a empresa ferroviária e o agricultor são nulos ou seja que não custaria nada a nenhuma das partes ne gociar um acordo privado que alterasse os resultados de qual quer regra que houvesse sido estabelecida pelo legislador Se os custos da transação forem nulos e se a empresa for respon sável pelo prejuízo no Caso 2 o trem continuará acelerando e produzirá para a comunidade toda a riqueza que teria produ zido se não tivesse sido responsável Continuará acelerando porque a empresa oferecerá ao agricultor uma certa quantia entre mil e mil e cem dólares para não plantar perto dos trilhos ou para não processar por perdas caso o faça e o agricultor aceitará tal oferta Fazem esse pacto porque ambas as partes se vêem beneficiadas a empresa economiza a diferença entre o que oferece e os mil e cem dólares que perderia se diminuísse a velocidade do trem e o agricultor ganha a diferença entre es sa soma e os mil dólares que ganharia se plantasse seu milho Do mesmo modo no Caso 1 se o legislador deixar a perda com o agricultor em vez de responsabilizar a companhia ferroviá ria a plantação continuará a ser feita e a comunidade será tão rica quanto seria se ele tomasse a decisão oposta Pois agora o agricultor oferecerá à empresa uma soma entre mil e mil e cem dólares para reduzir a velocidade do trem e a empresa aceitará a oferta pois lucrará a diferença entre a oferta e os mil dólares que perde se reduzir a velocidade do trem Assim de acordo com essa suposição de transaçãocusto zero a regra peia qual o legislador optar não fará diferença alguma para a riqueza da comunidade como um todo mas sem dúvida fará uma diferença considerável para a companhia 4 Ver de modo geral Guido Calabresi The Cosi of Accidents New Haven 1970 Calabresi Transaction Costs Resource Allocation and Liabi lity Rules A Comment 11 Journal of Law and Economics 67 1968 Ro nald Coase The Problem of Social Cost 3 Journal of Law and Economics I 1960 Ver também Guido Calabresi e A Douglas Melamed Property Rules Liability Rules and inalienability One View of the Cathedral 85 Harvard Law Review 10801972 O COMMOVLAW 337 ferroviária e para o agricultor Se responsabilizar a empresa em qualquer dos casos esta se tornará mais pobre e o agricul tor mais rico do que se ele não a responsabilizasse Mas isto é em si indiferente para o teste da riqueza Esse teste diz respei to à riqueza total da comunidade que não é afetada pelas trans ferências de um grupo a outro a menos que por alguma razão especial estas aumentem ou diminuam o total O leitor poderá perguntarse ainda assim sobre a importância prática do fato de que a regra escolhida não faz diferença alguma para a rique za da comunidade quando os custos da transação são nulos pois isso nunca acontece Ainda que o agricultor tenha lido livros de direito em seu tempo livre e portanto não precise con tratar um advogado que negocie por ele poderia estar lendo catálogos de sementes em vez de ficar refletindo sobre o que seria melhor oferecer mil e cinqüenta ou mil e setenta e cinco dólares Se os custos da transação forem suficientemente altos impedirão uma negociação que aumentaria a riqueza da comu nidade Suponhamos que o legislador determinasse que os trens indenizassem os agricultores em circunstâncias como as do Caso 2 e que as duas partes precisassem gastar mais de cem dólares para negociar um acordo segundo o qual o agricultor não faria plantações perto dos trilhos Esse acordo então não seria feito os custos da transação acabariam confo ganho ante cipado de pelo menos uma das partes de modo que a veloci dade do trem não seria aumentada e em decorrência disso a comunidade ficaria mais pobre em termop gerais Contudo o exercício teórico de imaginar que os custos da transação são nulos continua sendo importante segundo a in terpretação econômica pois identifica o papel crucial que esses custos desempenham e dá o conselho prático seguinte sobre o modo como deve decidir um legislador que aceite o princípio econômico admitindose que deva escolher entre uma regra categórica que responsabilize os trens por todas as co lheitas queimadas e uma regra categórica que negue qualquer responsabilidade desse tipo Ele deve escolher a regra que em sua opinião chegue o mais próximo possível de um modelo geral de atividade econômica trens mais lentos ou plantações 338 O IMPÉRIO DO DIREITO retiradas ao qual as diferentes empresas ferroviárias e os agri cultores chegariam mediante um contrato se os custos da tran sação fossem nulos Mas ele também teria de levar em conta os prováveis custos da transação para facilitar os acordos nessas situações distintas e especiais em que os fatores econômicos contrariam sua previsão geral3 Se achar por exempio que pa ra a empresa ferroviária seria mais econômico iniciar e condu zir a negociação quando os fatos ocorrem como no Caso 2 do que o seria para o agricultor quando ocorrem como no Caso 1 isso então se coloca em favor de impor a responsabilidade em termos gerais às empresas ferroviárias em vez de permitir que os agricultores arquem com o prejuízo Desse modo um legis lador aumenta ao máximo a riqueza da comunidade ao tentar avaliar o que teria produzido uma negociação verdadeira se ti vesse sido possível fazêla Complexidades O homem razoável Um legislador nem sempre precisa escolher entre regras gerais categóricas como essas Uma análise econômica mais sofisticada poderia mostrar que uma regra mais complexa mais sensível ao equilíbrio dos fatos econômicos nos casos particu lares produziria mais riqueza para a comunidade Suponha mos que o Vulcan Express percorrendo seu trajeto na máxima velocidade possível destruirá mil e cem dólares em plantações nas proximidades dos trilhos se correr a uma velocidade me nor que não provoque faíscas a empresa perderá mil dólares Contudo se correr à velocidade intermediária de digamos cento e dez quilômetros por hora a empresa perderá quinhen tos dólares e a reduzida quantidade de faíscas só destruirá o equivalente a quatrocentos dólares em grãos A riqueza da co munidade será maior nesse caso do que em qualquer dos dois 5 Ver acima Calabresi e Melamed n 4 pp 108910967 O COMMONLAW 339 anteriores e então pelo teste da riqueza seria melhor que o legislador escolhesse uma regra que somente responsabilizas se o trem pelos prejuízos se este corresse a mais de cento e dez quilômetros por hora Mas ele poderia optar por uma velocida de ainda melhor E mesmo que dispusesse de todos os fatos necessários para escolher a velocidade mais favorável para o Vulcan Express em seu trajeto essa velocidade talvez fosse uma escolha ruim para o Thor Flyer que corre por terreno bem diferente Talvez um legislador hercúleo que tivesse em mãos um horário adequado pudesse determinar a velocidade ideal para cada trem em separado Mas quaisquer regras que estabeleces se dessa maneira logo iriam tomarse obsoletas Pois a veloci dade ideal depende da tecnologia que evolui da economia ex tremamente complexa do transporte de passageiros e de carga e do preço dos grãos entre outros dados variáveis Além disso o problema de trens que correm perto de plantações que po dem ser queimadas por faíscas é apenas um exemplo do tipo de conflito que egtamos agora examinando São incontáveis os outros tipos de circunstâncias nas quais uma pessoa que de sempenha uma atividade legal sob outros aspectos pode cau sar danos involuntários a outra Um músico toca eock enquanto seu vizinho estuda álgebra Um poeta acelerasua Maserati numa estrada rural por onde passeiam pessoas Um construtor começa a fazer escavações em seu próprio terreno e sem que rer corta a linha de força subterrânea que alimenta uma fábri ca a alguma distância dali Um governante em cuja opinião a lei que rege essas diferentes formas de dano involuntário deve aumentar a riqueza da comunidade precisa de uma regra geral do seguinte tipo todo aquele cuja atividade causar danos invo luntários a uma pessoa ou aos seus bens será responsável por esses danos se nas circunstâncias dadas sua atividade for de sarrazoada e uma atividade é desarrazoada quando o custo mar ginal para aquele que deixa de praticála for inferior ao custo dos danos que ela ameaça causar aos outros Essa regra geral e abstrata força as pessoas que dirigem as empresas ferroviárias a calcular a proporção do custo sócia ao 340 O IMPÉRIO DO DIREITO decidir por exemplo a velocidade com que deve correr cada um de seus trens e a recalcular essa proporção de tempos em tempos à medida que evoluem a tecnologia e os diversos com ponentes que fazem flutuar a oferta e demanda Mas há um pe rigo latente nessa regra Nosso legislador não quer que as pes soas gastem muito tempo ou dinheiro tentando calcular todas as conseqüências econômicas de alguma atividade pois isso em si reduziria a riqueza da comunidade Ele determina por tanto que os cálculos dos custos relativos devem refletir fatos e opiniões que conheceria ou teria uma pessoa razoável que dedicasse uma quantidade razoável de tempo e de gastos a tais cálculos Uma vez mais o teste de razoabilidade consisti ria em saber se a comunidade seria mais rica em termos ge rais se as pessoas dedicassem todo esse tempo e gasto em tais circunstâncias A riqueza da comunidade é maximizada incen tivandose atividades que ao longo do curso normal das coisas e com base em informações prontamente disponíveis aumen tam a riqueza da comunidade e não forçandose as pessoas a examinar todas as conseqüências de cada ato individual em toda e qualquer circunstância Assim um teste efetivo de razoabilidade afastaria a res ponsabilidade de algumas pessoas mesmo que os danos por elas causados ultrapassassem em muito aquilo que lhes teria custado evitar a atividade que provocou os danos Suponhamos que uma empresa ferroviária tenha calculado com base em in formações prontamente disponíveis que o custo da redução da velocidade dos trens seria superior ao valor do trigo e de outras colheitas que poderiam ser destruídas Mas um agricultor guar dou sua coleção particular de pinturas renascentistas perto dos trilhos sob uma profunda camada de palha e todos os quadros se queimaram Tendo em vista esse fato teria sido muito mais econômico para a comunidade que esse trem houvesse reduzi do sua velocidade Contudo se a empresa fosse responsável por tal prejuízo teria de fazer cálculos estatísticos sobre o montante das perdas que os acidentes desse tipo poderiam cau sar a bens desconhecidos e valiosos que em geral não costu mam ser encontrados em fazendas Isso seria mais caro e me o COMMON LAfV 341 nos preciso que a soma das pesquisas que cada agricultor faria sobre os custos relativos de guardar seus bens valiosos e inco muns em outro lugar ou fazer novos seguros se tivesse de arcar com o risco de tal prejuízo6 Negligência culposa Examinemos agora uma outra possibilidade Talvez a ri queza da comunidade aumentasse se os trens só fossem consi derados responsáveis por alguns dos danos causados por suas faíscas ainda que não fosse razoável correr àquela velocidade Suponhamos que um trem corra a duzentos e quarenta quilô metros por hora o que não é razoável pelo fato de colocar em risco colheitas que valem mais que os lucros marginais obtidos quando se corre a essa velocidade as faíscas realmente quei mam as plantações mas como se vem a descobrir isso só acontece porque o agricultor espalhou um líquido inflamável naquela área rJosso legislador poderia considerar três regras para situações desse tipo Primeiro que poderia dizer que ad mitindose que a atividade do trem não era razoável este teria de ser responsabilizado por todos os danos resultantes de tal atividade inclusive aqueles que não teriam sido causados se o agricultor também não tivesse tido um comportamento impru dente Em segundo lugar admitindose que a negligência do agricultor foi uma parte essencial da cadeia causal ele é que deveria arcar com todos os prejuízos por ter sido culpado por negligência Ou tendo em vista que tanto a empresa quanto o agricultor agiram desarrazoadamente poderia decidir que a empresa deve indenizálo por parte dos prejuízos mas não por todos Nesse caso o legislador teria optado por aquilo que às vezes se chama de doutrina da negligência comparativa Es sa doutrina imputa a perda a todas as partes que se comporta 6 Observe como a partir do princípio econômico esse argumento ofe rece apoio ao teste de previsibilidade usado na interpretação 5 e com res salvas na 6 no capítulo VII 342 O IMPÉRIO DO DIREITO ram de modo desarrazoado em uma situação específica levan do em conta em que medida o grau de desvio do comportamen to de cada um contribuiu para o acidente Uma pergunta comple xa e interessante de economia diz respeito a qual dessas diver sas regras sobre indenização contribuiria mais para a riqueza da comunidade quando mais de uma parte se comporta de ma neira dezarrazoada A questão da adequação Os defensores da teoria econômica tentam mostrar com muito mais detalhes e muito mais sutileza apontando ressal vas e dificuldades que ignorei aquilo que minha argumenta ção começou agora a sugerir As regras e os procedimentos distintos que descrevi aqueles que um legislador exclusiva mente interessado em aumentar a riqueza total da comunidade levaria em consideração ao formular um direito sobre aciden tes são em grande parte regras elaboradas e discutidas por juizes anglonorteamericanos nos períodos de formação do moderno direito sobre negligência e essas regras ainda consti tuem ou fundamentam as decisões sobre acidentes na maioria das jurisdições Se é verdade que um legislador dedicado ao princípio econômico teria estabelecido os padrões conhecidos de nossa própria prática jurídica como a regra do homem ra zoável e as regras sobre causa imediata previsibilidade ne gligência culposa negligência comparativa e alcance dos da nos então a interpretação econômica passou num teste impor tante Satisfez razoáveis exigências liminares de adequação Quase ninguém reivindicaria uma adequação perfeita pois essas regras variam pelo menos em detalhe de uma jurisdição a outra Muitos juristas importantes no meio acadêmico reivin dicam uma adequação substancial e essa reivindicação é obje to de acalorados debates Os críticos da interpretação econô mica argumentam que após um exame mais cuidadoso as regras que os tribunais desenvolveram sobre negligência e outras ques tões não aumentam a riqueza da comunidade e que um legisla o COMMON LAW 343 dor conscientemente dedicado ao aumento de tal riqueza teria optado por regras diferentes7 A discussão levou a teoria eco nômica e a pelo menos aparente proficiência na análise eco nômica formal às páginas das revistas de direito e inclusive às fundamentações de algumas decisões judiciais Suponhamos em nome de nosso projeto geral que a interpretação econômica se adapta bem o bastante à lei sobre acidentes para ser vista como uma interpretação bemsucedida nesse aspecto Isso nào significa que os juizes do passado de fato tenham tido em mente o aumento da riqueza da comuni dade Por exemplo se a regra da negligência culposa aumenta ou não a riqueza é algo que depende de análises matemáticas extremamente sutis que muito poucos desses juízes teriam con dições de compreender Uma interpretação porém nào preci sa ser coerente com atitudes ou opiniões judiciais do passado com o modo como os juízes do passado viam o que estavam fa zendo para aparecer como uma interpretação aceitável daquilo que na verdade fizeram Alguns juristas pensam como obser vamos no capítulo VII que uma interpretação só é aceitável se for coerente com a retórica e a opinião judiciais do passado bem como com as decisões concretas Mas parece mais razoá vel ver esse tipo de adequação como um desejo que poderia ser sobrepujado por outros ao se decidir se uma interpretação é ou não suficientemente adequada Portanto não podemos rejeitar a interpretação econômica pela única razão de que teria deixa do perplexos os juízes cujas decisões ela ge propõe interpretar 7 Ver por exemplo o debate sobre as conseqüências econômicas de escolher como base da responsabilidade a negligência ou a responsabilidade estrita Posner acima n 1 pp 13742 Polinsky Strict Liability vs Ne gligence in a Market Sciting 70 American Economic Review Papers and Proceedings 363 1980 S Shavell Strict Liability versus Negligcncc 9 Journal of Legal Siudies 1 1980 Ver de modo mais geral Symposium Efficiency as a Legal Concem 8 Hofstra LawRgview 485770 1980 8 Ver por exemplo Union OU Co vs Oppen 501 F2d 558 9S Cir 1974 344 O IMPÉRIO DO DIREITO A questão da justiça Teoria acadêmica e prática Uma interpretação bemsucedida não deve apenas ade quarse à prática que interpreta deve também justificála As decisões judiciais que ternos descrito obrigam algumas pes soas a indenizar outras por perdas sofridas pois suas ativida des de outros pontos de vista inteiramente conformes com o di reito entravam em conflito como essas decisões são tomadas após o fato sò se justificam se for razoável supor que as pes soas obrigadas a indenizar deveriam ter agido de algum outro modo ou deveriam ter aceito a responsabilidade pelos danos que provocaram Portanto as decisões só podem sei justifica das desenvolvendose algum sistema geral de responsabilidade moral que se pudesse considerar como um atributo dos mem bros de uma comunidade no sentido de não prejudicar os outros ou de assumir a responsabilidade financeira por seus atos Po demos encontrar um sistema de responsabilidade plausível uma descrição plausível do modo como as pessoas deveriam comportarse que sugerisse que se fizesse a responsabilidade depender do teste de simulação de mercado Precisamos ainda de mais uma distinção entre o que po deríamos chamar de elaboração acadêtrúca e elaboração práti ca de uma teoria moral As pessoas que se baseiam consciente mente num sistema de responsabilidade pessoal pelos aciden tes guiadas por uma teoria moral abstrata não tentariam defi nir regras muito concretas para captar exatamente o que a teo ria abstrata exigiria em cada circunstância se fosse elaborada por um filósofo moral acadêmico capaz de levar em conta to das as nuances dos fatos Se o fizessem produziriam um ex cesso de regras que dificultaria seu entendimento e domínio Teriam duas opções que poderiam combinar Poderiam estabe lecer regras utilizando palavras como razoável sob as circuns tâncias que exigem cálculos mais específicos em circunstân cias particulares ou elaborar regras cruas claras em si mes mas que ignoram as sutilezas Estamos portanto em busca de uma teoria moral cuja elaboração prática e não acadêmica o COMMONLAiV 345 exija regras de direito que simulem o mercado Não obstante ao examinar qualquer teoria desse tipo para ver se é tão bem fundada quanto uma teoria moral precisamos estudar seu desenvolvimento acadêmico pois então estaremos preocupa dos não com os ajustes práticos exigidos para tomar essa teoria utilizávet e eficiente na política e na vida cotidiana mas com a questão muito diferente de saber se em primeiro iugar pode mos aceitar essa teoria Se não pudermos aceitar sua apresen tação acadêmica porque alguma parte dela não nos parece mo ralmente correta a teoria não será resgatada porque sua aplica ção prática seria diferente Na verdade é a análise acadêmica que revela a verdadeira natureza ou o verdadeiro caráter de uma teoria moral Veremos a importância dessa distinção ao considerarmos do ponto de vista moral a defesa mais natural porque a mais simples das regras de simulação de mercado Temos o dever de aumentar a riqueza Essa tese tem por base um argumento de dois passos 1 As pessoas têm o dever moral de promover o bemestar da comunidade como um todo em tudo que fazem e o correspon dente direito moral de que os outros sempre ajam da mesma maneira 2 O bemestar da comunidade como um todo en contrase em sua riqueza gerai segundo a definição que des crevi há pouco uma comunidade será sempre melhor quando for rica nesse sentido O segundo passo desse argumento é ab surdo como constatamos ao examinar o desenvolvimento aca dêmico da afirmação de que uma sociedade mais rica é neces sariamente uma sociedade melhor5 Suponhamos que um ho mem pobre e doente precise de um remédio e portanto esteja disposto a vender seu livro favorito sua única fonte de prazer por cinco dólares que é o preço do remédio Seu vizinho está disposto a pagar dez dólares pelo üvro se necessário pois é o 9 Para uma versão anterior dessa questão e novos argumentos sobre a interpretação econômica ver4 Matter oPrincipie caps 12 e 13 346 O IMPÉRIO DO DIREITO famoso e rico neto do autor e se autografar o livro poderá vendêlo por onze dólares Segundo a definição econômica de riqueza da comunidade esta se tomará mais nca se a polícia toma o livro do homem pobre e doente e dálo a seu rico vizi nho deixando o pobre sem livro e sem remédio A comunida de ficará mais rica porque o livro vale onze dólares nas mãos do homem rico e apenas cinco nas do pobre A riqueza giobal da comunidade aumentará se o livro for tirado do homem pobre e ela se tornará inclusive ainda mais rica do que se tor naria se os dois chegassem a um acordo pois uma transferên cia forçada vai economizar os custos de transação de tal nego ciação Essa solução não faria parte da aplicação prática da tese de que as pessoas sempre têm o dever de fazer tudo o que con corra para o enriquecimento da comunidade Um governante ansioso por oferecer princípios gerais de direito que reflitam esse dever evitaria qualquer regra que permitisse as transfe rências forçadas mesmo em tais circunstâncias Admiti sa bermos que o homem pobre venderia o livro por cinco dóla res e que o homem rico pagaria dez dólares Mas a melhor maneira de descobrir que valor as pessoas atribuem às coisas consiste em solicitarlhes que concluam de fato as transações De outro modo nào temos meios de verificar se realmente fariam o que afirmam Sem dúvida custa mais à comunidade permitir que os vizinhos regateiem o preço exato do livro do que custaria tirar o livro do homem pobre sem perder tempo com barganhas A longo prazo porém ganhamos mais em precisão ao insistir em que as pessoas negociem para nos as segurarmos de que a riqueza seja realmente aumentada por uma transferência Assim o governante que pensasse que as pessoas sempre têm o dever de aumentar a riqueza da comuni dade insistiria em que o direito se recusa a permitir transfe rências forçadas sempre que a negociação for possível Não obstante nosso argumento simples contra o dever de aumen tar a riqueza se sustenta pois pretende demonstrar não que o dever produziria resultados horríveis na prática mas que aquilo que se recomenda se fosse viável é profundamente er rado em princípio Mesmo que estivéssemos certos de que o o COMMONLAW 347 homem rico pagaria mais do que o pobre lhe cobraria de modo que a riqueza social na verdade aumentaria se tirásse mos o livro do pobre para dáio a seu rico vizinho não consi deraríamos a situação mais justa de modo algum nem a co munidade nos pareceria melhor em nenhum aspecto depois que uma transferência desse tipo fosse feita Portanto aumen tar a riqueza social não faz com que a comunidade se torne necessariamente melhor O dever utilitarista Um argumento utilitarista Portanto se existe um bom argumento moral para a abor dagem da responsabilidade pessoal em termos do aumento da riqueza e da simulação de mercado este deve ser mais compli cado do que o argumento simples que acabamos de rejeitar Em seguida deveçnos examinar se seria possível encontrar um argumento na teoria moral popular do utilitarismo para a qual as decisões políticas devem ter por objetivo a melhora da feli cidade média ou do bemestar médio segundo outras concep ções da comunidade como um todo O argumento utilitarista que examinamos reconhece o ponto que enfatizei de início segundo o qual qualquer interpretação bemsucedida das deci sões sobre acidentes e outros danos inyoluntários devem ter por ponto de partida alguma teoria sobre a responsabilidade individual por atos e riscos10 Esse argumento tem três passos 10 Quero dizer que o argumento agora descrito é uma forma de argu mento utilitarista e não que qualquer argumento utilitarista deva assumir essa forma Alguns filósofos que se consideram utililaristas insistem em que a riqueza ou o bemestar que procuram aumentar está muito longe de ser ape nas uma questão de felicidade Contudo como é muito implausível que um sistema jurídico que aumente a riqueia ao máximo possa aumentar o bem estar com base em alguma concepção mais sensível do que a felicidade a outros componentes do desenvolvimento humano para o presente argumento examino apenas a forma de utilitarismo historicamente mais familiar que atribui à felicidade um papel quase exclusivo na determinação do bemestar 348 O IMPÉRIO DO DIREITO 1 Todos têm o dever moral geral de agir em cada decisão que tomam inclusive naquelas sobre o uso de seus próprios bens como se os interesses de todas as outras pessoas fossem tão importantes quanto os seus próprios interesses e os das pes soas que lhes são mais próximas como os familiares e os ami gos 2 As pessoas agem desse modo quando tomam decisões que aumentam a felicidade média da comunidade como um todo trocando aquilo que alguns perdem em termos de felici dade por aquilo que outros ganham 3 A melhor explicação prática do dever que decorre desses dois primeiros passos o dever de aumentar a felicidade média assume a forma de re gras de simulação de mercado da responsabilidade pessoal isto é regras que exigem que as pessoas ajam como se tives sem feito barganhas em negociações sem custos como as que imaginei entre as empresas ferroviárias e os agricultores As pessoas deveriam simular mercados e tornar a comunidade mais rica desse modo não porque uma comunidade mais rica seja em média mais feliz mas porque ela geralmente o é e porque não se pode esperar que qualquer outro modelo de res ponsabilidade seja melhor para a felicidade média O argu mento utilitarista admite que as pessoas não têm o dever ele mentar ou fundamental de aumentar a riqueza da comunidade propõe que a melhor realização prática do dever que elas têm o dever de aumentar ao máximo a felicidade será alcançada ao agirem como se tivessem o dever de aumentar ao máximo a riqueza Devemos estudar esse argumento por etapas começando pelo terceiro passo Este declara qu z os cidadãos aceitam e seguem as regras de simulação de mercado e portanto de aumento da riqueza ao decidir quais riscos podem correr de prejudicar os outros e quando devem assumir a responsabilida de financeira pelos prejuízos que causam tal prática vai aumentar a iongo prazo a felicidade média dos cidadãos Não se trata de uma afirmação sobre as conseqüências imediatas de atos específicos considerados um a um É provável que algu mas decisões de simulação de mercado em si mesmas e por si mesmas diminuam a felicidade geral Segundo esse ponto de vista porém a felicidade geral será aumentada a longo prazo o COMMONLAW 349 se todos seguirem tais regras nos casos que estamos examinan do A história não nos oferece nenhum indicio útil para essa suposição Não confirma que a melhor maneira de tornar uma comunidade mais feliz em termos médios consiste em tornála mais rica em sua totalidade sem nenhuma condição direta rela tiva à distribuição essa tese continua sendo um artigo de fé mais popular entre os ricos do que entre os pobres É evidente que em média as pessoas vivem melhor nos países ricos que nos países pobres pelo menos de acordo com as concepções convencionais daquilo que torna uma vida melhor Mas a ques tão presente é de outra natureza Temos alguma razão para pensar que em termos gerais a felicidade média é aumentada nos países ricos por uma prosperidade ainda maior medida pelas somas que coletivamente os seus cidadãos desejam e podem pagar pelos bens que produzem e comercializam Ou não seria essa felicidade ainda mais aumentada se os cidadãos aceitassem outros padrões de responsabilidade pessoal pa drões que às vezes ignorassem a prosperidade em nome de outros valores Creio que não essas afirmações podem ser ver dadeiras mas não temos indícios convincentes de que o sejam Poderíamos no entanto querer admitir que são verdadei ras apenas por causa do argumento utilitarista qup estamos exa minando Devemos então voltar para o segunlo passo da ar gumentação e perguntar se é correta a tese de que tratar as pes soas com o mesmo interesse significa agir de modo a aumentar a felicidade média Os críticos do utilitarismo inventam hipó teses às vezes muito fantasiosas que parecem lançar dúvi das sobre essa tese Suponhamos que os extremistas raciais sejam tão numerosos e sádicos que a tortura de um negro ino cente melhorasse o nível geral de felicidade da comunidade como um todo Isso justificaria a tortura Os filósofos utilita ristas têm uma resposta clássica a esses horríveis exemplos daquilo que o utilitarismo poderia exigir Afirmam que o bom raciocínio moral procede em dois níveis No primeiro o 11 Ver por exemplo R M Hare Moral Thinking lis Lewis Melhods andPoints Londres 1981 350 O IMPÉRIO DO DIREITO nível teórico teríamos de tentar descobrir as regras ou princí pios de moral que como máximas de conduta tendem a pro porcionar a longo prazo a maior felicidade média possível dentro da comunidade No segundo o nívei prático devería mos aplicar as máximas assim escolhidas a casos concretos Deveríamos decidir o que fazer em ocasiões específicas não ao nos perguntar qual decisão particular parece capaz de pro duzir mais felicidade por sua própria conta mas ao perguntar o que as regras que escolhemos no primeiro nivel exigiriam que fizéssemos É óbvio que deveríamos escolher no primeiro ní vel da teoria as regras que condenam a tortura e o preconceito racial Isso explica e justifica nossa intuição de que seria errado condescender com o sadismo ou o preconceito inclusi ve em circunstâncias particulares quando achássemos que um cálculo utilitarista direto aplicado apenas aos fatos imediatos exigiria que assim o fizéssemos Contudo essa defesa clássica do utilitarismo foge à per gunta mais difícil Uma vez mais confunde uma crítica pode rosa de sua elaboração acadêmica com uma afirmação equivo cada sobre sua aplicação prática sobre as intuições morais que ela estimularia governantes e filósofos a cultivarem nas pes soas comuns Não é tão difícil imaginar mudanças no contexto econômico social ou psicológico que fariam de nossas intui ções conhecidas não o melhor que um utilitarista pudesse inculcar Os sádicos radicais poderiam tornarse tão numero sos entre nós sua capacidade de prazer tão profunda e seus gos tos tão irredutíveis que mesmo no primeiro nível quando examinamos as regras que poderiam aumentar a felicidade a longo prazo seríamos forçados a fazer exceções a nossas re gras gerais e permitir somente a tortura dos negros Não é uma boa resposta dizer que felizmente não existe nenhuma possi bilidade verdadeira de que tal situação venha a verificarse Na verdade uma vez mais o objetivo dessas hipóteses terríveis não é fazer uma advertência prática a de que se nos deixar mos seduzir pelo utilitarismo poderemos nos flagrar defen dendo a tortura mas sim expor os defeitos do tratamento aca dêmico da teoria ao chamar a atenção para as convicções mo o COMMONLAW 3 5 1 rais que continuam poderosas ainda que de forma hipotética Se acreditamos que seria injusto torturar negros mesmo nas circunstâncias extremamente improváveis em que tal proce dimento pudesse aumentar a felicidade geral se achamos que essa prática não trataria as pessoas como iguais devemos en tão rejeitar o segundo passo do argumento utilitarista Duas estratégias Mas suponhamos uma vez mais em nome da argumenta ção que o segundo passo é bem fundado que tratar as pessoas com iguai interesse significa aumentar ao máximo a felicidade média da comunidade Voltemos agora ao primeiro passo Agora nos perguntamos se ainda que aceitássemos os dois pri meiros passos seria razoável supor que todos têm o dever moral de agir sempre de modo a simular mercados quando por alguma razão a verdadeira negociação não for viável Já é tempo de chamar a atenção para uma relação intuitiva entre o aumento máximo da riqueza e a igualdade que poderia fazer com que essa idéia parecesse razoável As doutrinas jurídicas sobre a negligência e os danos que descrevi fozem soar uma nota moral Parece plausível que quando os acraentes são pre visíveis as pessoas devem preocuparse com os interesses dos outros do mesmo modo e com a mesma intensidade com que se preocupam com os próprios Podeiíamos tentar explicar essa convicção de duas maneiras Poderíamos admitir primei ro que as pessoas sempre têm essa responsabilidade igualitá ria que devem sempre em tudo que fazem considerar os inte resses dos outros tão importantes quanto os seus próprios ou os de seus familiares e amigos Desse modo a responsabilidade igualitária que a lei sobre acidentes aplica é apenas um caso especial de responsabilidade mora mais abrangente Em se gundo lugar poderíamos tentar demonstrar que embora as pes soas geralmente não tenham essa pesada responsabilidade elas a têm nos casos de negligência ou delitos civis por uma razão que devemos agora apresentar 352 O IMPÉRIO DO DIREITO O presente argumento utilitarista agora o percebemos adota a primeira dessas estratégias Admite que sempre em to dos os nossos atos devemos atribuir aos interesses dos outros a mesma importância que atribuímos aos nossos Oferece uma explicação discutível do tjue isso significa na prática mas esta mos aceitandoa em nome do argumento ao admitirmos o segundo e o terceiro passos da argumentação Estamos agora estudando o primeiro passo que supõe que cada um de nós tem sempre a responsabilidade moral geral de demonstrar um igual interesse pelas outras pessoas A maioria de nós não aceita essa responsabilidade geral Pensamos que somos normalmente livres tanto moral quanto juridicamente para preferir nossos próprios interesses e projetos e os de um pequeno número de outras pessoas às quais nos sentimos unidos por laços e respon sabilidades associativos especiais nas decisões que tomamos todos os dias ao fazer uso de nossos bens Admitimos que às vezes não devemos favorecer a nós mesmos e aos que nos são mais próximos dessa maneira e em particular admitimos que não devemos fazêlo mediante negligência ou ilícitos civis mas que devemos pelo contrário atribuir a um dano causado a outra pessoa a mesma importância que atribuímos a um dano causado a nós mesmos Sentimos porém que essas circunstân cias são especiais por alguma razão Para explicálas recorre mos à segunda estratégia Além disso achamos que as circunstâncias da negligência e dos ilícitos civis são especiais de um modo particular que toma nossas responsabilidades morais dependentes de nossas responsabilidades jurídicas e portanto sensíveis a elas Terei de explicar essa relação de maneira detalhada e em linguagem apropriada mais adiante ainda neste mesmo capítulo quando examinar uma explicação nâoutilitarista da lei sobre acidentes e ilícitos civis cuja superioridade defenderei Mas a relação pode ser informalmente descrita da seguinte maneira nossa prá tica jurídica reconhece aquilo que muitas vezes se chama de direitos prima facie em questões de propriedade mas que aqui chamarei de direitos abstratos Tenho o direito abstrato de fazer circular meus trens pela via férrea que possuo assim como o COMMOMA W 353 você tem o direito de plantar milho nas terras que ficam nas imediações Tenho o direito abstrato de usar meu apartamento como quiser e portanto de tocar trompete nele assim como você que tem o mesmo direito pode sentirse à vontade para estudar sua álgebra em paz Chamamos esses direitos de prima facie ou abstratos porque sabemos que podem entrar em confli to o exercício de meu direito pode invadir ou restringir o seu caso em que se coloca a questão de saber qual de nós tem o direito real ou concreto de fazer o que quiser É nessas circuns tâncias concernentes ao direito sobre ilícitos civis negligên cia e outras formas de danos involuntários que acreditamos ver surgir a responsabilidade igualitária Devo decidir sobre meus direitos concretos posso acelerar meu trem ou tocar meu trompete aqui e agora de algum modo que respeite os seus e os meus interesses não porque eu deva agir sempre assim mas porque devo fazêlo sempre que nossos direitos abs tratos entrem em conflito Quando isso não acontece não tenho essa responsabilidade Tomo a maior parte das decisões mais importantes de minha vida com base no pressuposto de que sou moralmente livre para dar um pouco mais de atenção à minha vida do que à vida dos outros ainda que sem dúvida isso não signifique que sou livre para ignorar totalmente os outros Esse é um enfoque equitativo das atitude morais habi tuais que devem ser enfrentadas por quem adote o argumento utilitarista que estamos pondo à prova Ele poderia dizer que essas atitudes são erradas porque exibem um egoísmo indefen sável Poderia insistir em que por mais radical que isto possa parecer devemos sempre em tudo que fazemos avaliar nossa conduta ao nos perguntarmos sc conferimos aos interesses dos outros a mesma importância que atribuímos aos nossos Mas essa é uma afirmação muito implausível pelo menos quando se junta à teoria da simulação de mercado daquilo que seria exigido na prática Quase todas as decisões que tomamos po dem ser vistas como o objeto de alguma negociação hipotética e portanto devemos considerar constantemente se para não fazermos algo os outros pagariam mais do que pagaríamos ou poderíamos pagar pelo privilégio de fazêlo e se pagassem teríamos de nos abster de agir ainda que sem dúvida não nos 354 O IMPÉRIO DO DIREITO pagassem para isso Sei por exemplo que muitos professores de direito conscienciosos sentem a responsabilidade de ler tudo que se publica em filosofia do direito e que por isso gostari am que se escrevesse muito menos sobre o tema Parece razoá vel pensar que se taljiegociação fosse possível e nada custasse a comunidade acadêmica como um todo me pagaria mais para não publicar este livro do que eu poderia pagar pelo direito de publicálo pois os rendimentos de meus direitos autorais não seriam suficientes para fazer frente à oferta deles mesmo que eu desejasse fazêlo Se eu tivesse a responsabilidade moral de não publicar apenas por essa tazào minha vida nesse aspecto e em inúmeros outros se restringiria apenas às atividades que eu quisesse e pudesse pagar mais que os outros pelo privilégio de desempenhar A autonomia pessoal praticamente desapareceria numa sociedade cujos membros aceitassem o dever da simula ção de mercado pois tal dever nunca estaria inativo O simulador de mercado utilitarista poderia portanto que rer examinar uma nova estratégia Talvez quisesse voltar à dis tinção que descrevi entre dois níveis de argumentação utilita rista talvez quisesse demonstrar que as pessoas contribuirão mais para a felicidade total a longo prazo se não aceitarem sua rigorosa exigência de sempre considerar os interesses dos outros como tão importantes quanto os seus próprios mas em vez disso agirem de maneira mais descontraída tal como o fazem no presente Um argumento desse tipo jamais foi apre sentado e precisamos esperar pelo surgimento de um para podermos avaliar as possibilidades de sucesso do utilitarista Qualquer tentativa porém parecerá ad hoc Pois o argumento em dois níveis deve demonstrar não apenas que se produziria mais utilidade atenuandose o rigor da exigência na prática mas que se produz mais utilidade atenuandose essa exigência de um modo particular insistindose neta quando e somente quando os direitos legais abstratos sobre a propriedade entra rem em conflito Talvez isso possa ser demonstrado mas há poucas evidências e quem quer que tente corre um grande risco de estar na verdade argumentando de trás para a frente partindo do fato de que nossas práticas morais fazem essas dis criminações para a conclusão não garantida de que a longo o COMMONLAW 3 5 5 prazo devem promover a utilidade melhor do que outros siste mas de responsabilidade exeqüíveis A interpretação igualitária Responsabilidade privada e pública Deveríamos portanto buscar um sistema de responsabili dade diferente que também recomende o comportamento de simulação de mercado quando os direitos abstratos entrarem em conflito mas que não pressuponha nenhum dever pessoal de agir sempre de algum modo que tome a comunidade mais feliz como um todo Até aqui admitimos que como o compor tamento de simulação de mercado minimiza os prejuízos fi nanceiros entre as pessoas afetadas por alguma conduta au mentando assim a riqueza da comunidade como um todo é preciso exigir que seja posto em prática em tais circunstâncias Deveríamos explorar outra possibilidade embora o comporta mento de simulação de mercado em geral aumente a riqueza da comunidade devese exigilo por outra razão Nosso argu mento já sugeriu o caráter geral de uma outra razão Aquele que se abstém de agir sob o pretexto de que seu atos represen tariam mais custos a seu vizinho do que benefícios a si próprio leva em consideração o bemestar de seu vizinho nos mesmos termos em que o faz com relação a seu próprio bemestar po derseia pensar que o dever de agir assim repousa sobre algu ma base igualitária O argumento utilitarista que acabo de apresentar explorava essa idéia de uma maneira Pressupunha que cada pessoa tem o dever geral de sempre tratar os interesses dos outros como se fossem tão importantes quanto os próprios e extraía desse dever geral o dever de sempre agir de modo a tomar mais rica a comu nidade como um todo Achamos a derivação duvidosa mas a aceitamos para argumentar examinar o dever geral que então consideramos implausível Podemos explorar a base igualitária do direito sobre acidentes de maneira mais bemsucedida se rejeitarmos o dever geral e adotarmos a segunda estratégia que 356 O IMPÉRIO DO DIREITO distingui que se ajusta melhor às intuições morais correntes Podemos mostrar que o dever de considerar os interesses dos outros igualmente importantes só é válido às vezes inclusive nas ocasiões em que os direitos abstratos entram em conflito Como afirmei a maioria de nós acredita que não temos o dever geral de tratar todos os outros membros de nossa comuni dade com igual preocupação e interesse em tudo o que fazemos Mas acreditamos que nosso governo a comunidade personifica da tem esse dever e nessa responsabilidade pública geral podería mos esperar encontrar alguma explicação de por que enquanto indivíduos também temos às vezes esse dever O governo toma decisões relativas à produção à distribuição à posse de bens e ao uso que as pessoas estão autorizadas a fazer de seus bens Em conjunto essas decisões constituem um sistema de propriedade e a responsabilidade do governo de tratar as pessoas como iguais em todas as suas decisões rege o sistema de propriedade que cria e faz cumprir Isto coloca o seguinte problema sobre a atitude permissiva que adotamos enquanto indivíduos a atitude que nos permite favorecer a nós próprios e às pessoas que nos são mais próximas no uso que damos aos bens que tal sistema nos atribui Por que o governo não deveria revogar essa atitude per missiva adotando princípios gerais de direito que a proibissem Por que no exercício de suas responsabilidades igualitárias não deveria adotar exatamente o princípio imperativo que como afir mei rejeitamos aquele de que nunca deveríamos usar nossos bens a não ser de um modo que reconhecesse para todos o igual interesse que guiou o governo na elaboração de seu sistema Precisamos refletir mais profundamente sobre o alcance e a natureza desse dever público O governo tem a responsabili dade abstrata de tratar o destino de cada cidadão com a mesma importância11 As diversas concepções ou teorias igualitárias são respostas antagônicas à questão de qual sistema de pro priedade estaria à altura dessa norma Devemos começar pelo exame do modo como essas concepções da igualdade diferem 12 Ver meu lo Defense of Equality 1 Social Philosophy and Policy 241983 O COMMONLAW 357 entre si limitando nossa atenção àquelas que pertencem ao de bate poiítico contemporâneo Concepções de igualdade As concepções libertárias da igualdade pressupõem que as pessoas têm direitos naturais sobre qualquer propriedade que tenham adquirido de modo canónico e que o govemo trata as pessoas como iguais quando protege sua posse e fruição de tal propriedade Por outro lado as concepções que têm por base o bemestar negam qualquer direito natural à proprieda de e insistem pelo contrário em que o governo deve produzir distribuir e regular a propriedade para obter resultados defini dos por alguma função específica da felicidade ou do bem estar dos indivíduos Do modo como o discutimos há pouco o utilitarismo é uma concção de igualdade baseada no bem estar sustenta que o governo trata as pessoas como iguais em seu sistema efe propriedade quando suas regras asseguram grosso modo o máximo bemestar geral possível consideran do a felicidade ou o sucesso de cada pessoa da mesma manei ra A igualdade de bemestar é uma teoria diferente dessa mes ma classe exige que o governo designe e distribua a proprie dade de modo a tornar na medida do possível o bemestar de cada cidadão mais ou menos igual Um terceiro grupo de teorias exige que o governo tenha por objetivo a obtenção de resultados definidos no vocabulário não do bemestar mas dos bens das oportunidades e de outros recursos Semelhante teoria da igualdade material exige que o governo tome a riqueza material de seus cidadãos ao longo de suas vidas o mais igual possível Outra teoria que chamarei de igualdade de recursos exige que o governo atri bua a cada cidadão a mesma quantidade de recursos para que cada qual os consuma ou invista como achar melhor Ao con trário da igualdade material a igualdade de recursos admite que a riqueza das pessoas deve diferir uma vez que elas fazem opções diferentes em questões de investimento e consumo 358 O IMPÉRIO DO DIREITO Pressupõe que se as pessoas começarem com a mesma rique za e outros recursos a igualdade será preservada através de transações de mercado entre elas ainda que essas transações tornem algumas mais ricas e mais felizes que outras A igual dade de recursos reconhece porém que as diferenças de talen to são diferenças de recursos e por essa razão procura algum modo de atribuir aos menos dotados compensações que vão além daquilo que o mercado ihes concede13 Precisamos agora fazer uma nova distinção entre essas conhecidas concepções de igualdade Como mostraremos em seguida algumas rivalizam com as ambições particulares que as pessoas podem perseguir no uso de sua propriedade Imagi nemos que o governo conseguiu elaborar o melhor sistema de propriedade disponível com relação a cada uma dessas con cepções e em seguida deixa cada cidadão livre para usar ou trocar os bens que ihe foram atribuídos dentro de tal sistema da maneira que achar melhor e livre de qualquer responsabili dade de mostrar uma igual preocupação pelos interesses de to dos No caso de algumas das concepções que arrolamos mas não em todas o resultado tenderá a destruir a forma de igual dade que o sistema garantia originariamente Isso é inevitavel mente verdadeiro tanto no caso de igualdade de bemestar quan to no de igualdade material Alguns cidadãos vão conquistar um maior bemestar que outros ou aumentar mais sua riqueza através de suas decisões e seus negócios de tal modo que a igualdade inicial em riquezas ou bemestar será destruída É provável mas não inevitável que a concepção utilitarista de igualdade também viesse a ser destruída Um governo de capa cidade e sabedoria extraordinárias poderia conceber um siste ma ta que as escolhas realmente feitas pelas pessoas livres para favorecerem a si mesmas na verdade contribuam para aumentar ao máximo a utilidade média Mas quando muda rem os gostos e as ligações pessoais suas escolhas não mais 13 Ver meu What Is Equalily1 Part Equality of Welfare 10 Phihsophy and Public Affairs 185 198 e Part 2 Equality of Resources 10 Phiíostphy and Public Affairs 283 1981 o COMMONUIV 359 terão esse resultado e alterações do sistema através de uma nova redistribuição ou de uma regulamentação diferente serão necessárias para restabelecer os resultados utilitaristas inicial mente obtidos Nesse sentido essas três teorias igualdade de bemestar igualdade material e utilitarismo fazem a escolha privada conflitar com a responsabilidade pública de tal modo que seus partidários têm dificuldade para responder à questão que coloquei por que o governo não deveria aplicar um princi pio jurídico geral exigindo que as pessoas evitem as decisões privadas que possam perturbar a distribuição vigente do bem estar ou da riqueza Elas só podem resolver esse problema mediante a demonstração de algo que parece implausível que a forma de igualdade que favorecem p o d e ser alcançada mais constante e seguramente sem tal princípio do que com ele4 As duas concepções restantes de nossa lista o libertaris mo e a igualdade de recursos não se opõem à ambição privada ao contrário são perfeitamente compatíveis com ela Se as pes soas têm direitos naturais de propriedade e o governo iden tifica esses direitos com precisão e protege seu exercício então a escolha que elas fazem quanto ao uso dessa propriedade vai reforçar em vez de ameaçar o que foi feito pelo governo O mesmo se pode dizer da igualdade de recursos gerais Se o go verno consegue assegurar a cada cidadão uma parcela verdadei ramente igual de recursos que serão usados como ele o desejar de modo a tornar sua vida melhor na exata medida de sua pró pria capacidade uma vez mais as opções feitas vão reforçar em vez de destruir o que foi feito pelo governo Embora essas duas teorias sejam diferentes entre si nenhuma condena a atitude per missiva que de início julgamos problemática numa comunida de politicamente comprometida com a igualdade de interesse 14 Robert Nozick percebeu que segundo algumas concepções a igial dade seria inevitavelmente corrompida por transações de mercado de pratica mente todo tipo é essa a força de seu famoso exemplo Wilt Chamberlin ver de sua autoria Anarchy State and Utopia 16064 Nova York 1974 Contudo ele tinha a igualdade material em mente e seria um erro supor c o m o argumento no texto que toda concepção de igualdade que não a concepção libertária viesse a ter essa conseqüência 360 O IMPÉRIO DO DIREITO Pelo contrário consideram que a igualdade consiste no estabele cimento de condições apropriadas a essa atitude que não podem ser ameaçadas ou destruídas uma vez estabelecidas por aqueles que agem da maneiraconsentânea por essa atitude Chegamos a essa conclusão preliminar Nossas convicções habituais que exigem que o governo trate as pessoas como iguais no sistema de propriedade que cria mas não exigem que as pes soas tratem os outros como iguais ao utilizarem o que quer que o sistema lhes abribua apontam uma distinção entre responsabili dade pública e privada Elas pressupõem que em política temos um dever que não se pode adiar como ocorre com qualquer dever geral da vida privada Precisamos de uma concepção de dever público que dê coerência a essa distinção de responsabilidades que explique por que o dever imperativo numa esfera é muito menos exigente na outra Se acharmos que a distinção de respon sabilidades é importante e fundamental isso favorece uma con cepção de igualdade compatível e não competitiva quanto à definição de responsabilidade pública pois as concepções com patíveis explicam a divisão de modo natural e sistemático en quanto as teorias competitivas só podem explicála na melhor das hipóteses de modo artificial e improvável15 15 Estou ignorando uma questão importante a de saber se e quando nós enquanto indivíduos temos o direito de adotar uma atitude permissiva em termos gerais corri relação ao uso que faiemos de nossa propriedade quando acreditamos que o sistema público não é defensável em nenhuma concepção plausível de igualdade Muitos argumentos poderiam ser propos tos para justificar uma atitude permissiva mesmo nessas circunstâncias Talvez por exemplo a divisão da responsabilidade discutida no texto seja a melhor estratégia para chegar a um nível decente de igualdade segundo uma concepção apropriada mesmo quando a igualdade ainda não foi alcançada nem mesmo imperfeitamente O u talvez qualquer outra estratégia que impo nha responsabilidades morais mais rigorosas aos indivíduos levasse à viti mização isto é a responsabilidades morais de tal porte que qualquer indiví duo que as aceitasse seria obrigado a assumir uma posição económica pior do que aquela que ocuparia em u m sistema verdadeiramente igualitarista Ou tal vez a maioria das decisões que os indivíduos tomam sobre sua propriedade tenham conseqüências tão diversas e imprevisíveis que ninguém poderia com sensatez tentar tomar suas próprias decisões de modo a melhorar a igualdade geral V e r m e u W h a t Is Equality Part 2 acima n 13 O COM MON LA V 361 Em termos gerais essa é uma importante conclusão para qualquer interpretação abrangente de nossas práticas políticas e morais mas tem uma importância especial neste capítulo Recomenda a segunda estratégia para explicar por que temos o dever de tratar os outros com igual interesse em situações de ilícitos civis e negligência a estratégia que admite não termos o dever geral de tratar os outros desse modo e tenta explicar por que temos esse dever quando os direitos abstratos entram em conflito A distinção entre responsabilidade pública e pri vada em questões de propriedade estabelece uma distinção cru cial entre as responsabilidades de cada cidadão em dois tipos de ocasiões primeiro quando decidem como usar aquilo que lhes foi claramente atribuído pelo sistema público de proprie dade e segundo quando devem decidir o que este lhes atri buiu seja porque suas regras explícitas são obscuras ou incom pletas seja porque os direitos abstratos que mobiliza são de algum modo conflitantes No primeiro tipo de ocasião um cidadão pode imaginarse habilitado a agir por si mesmo ou por outras pessoas que venha a escolher como membro de uma comunidâde de princípios cujo sistema assegura segundo a última convenção social aquilo que aparece como uma atitu de permissiva e egoísta N o segundo tipo de ocasião porém ele não pode permitirse essa liberdade pois é rcessário saber em que consiste o sistema de propriedade perguntar de que modo suas condições podem ser mais precisamente definidas Cada cidadão deve responder a essa pergunta interpretativa por si próprio apurando e aplicando a cotícepção compatível de igualdade que em sua opinião oferece a melhor interpretação da estrutura principal do sistema estabelecido Nessas últimas ocasiões suas atitudes devem ser igualitá rias não permissivas Essa é a base de que precisamos para uma melhor justificativa igualitária da abordagem de simulação de mercado em alguns casos difíceis do direito Ela nos permite apresentar essa justificativa desta maneira preliminar e inci piente As regras de simulação de mercado oferecem pelo menos parte da melhor explicação prática da melhor concepção com patível de igualdade Portanto essas regras devem guiar os cida dãos quando estiverem devidamente comprometidos com elas 362 O IMPÉRIO DO DIREITO não apenas na utilização como também na elaboração do siste ma público de propriedade de sua comunidade como acontece quando seus direitos abstratos entram em conflito Vou ampliar e defender essas afirmações no restante do capítulo mas deve mos observar que inolusíve até o momento o argumento nos oferece outro exemplo de como o direito como integridade esti mula uma interação recíproca entre o direito e a moral na vida prática corrente mesmo quando não haja nenhum processo em perspectiva e cada cidadão atue como juiz para e de si mesmo Igualdade e custo comparativo O exercício As duas concepções compatíveis de igualdade que men cionei diferem de maneira fundamental A aplicação prática da igualdade de recursos por exemplo exige uma compensação pela herança desigual de riqueza saúde e talento através da redistribuição mas a concepção libertária rejeita a redistribui ção como roubo em princípio Faria alguma diferença e em alguns casos uma considerável diferença saber a qual dessas concepções um cidadão recorreu quando os direitos abstratos entraram em conflito qual delas utilizou para decidir quem tem um direito concreto e quem deve ceder Como meu objetivo prin cipal é mostrar a relação entre uma concepção de igualdade e o direito sobre acidentes não demonstrarei mas apenas admiti rei que a igualdade de recursos é superior à concepção liber tária ajustase da mesma maneira a nossas práticas jurídicas e morais e é melhorem teoria moral abstrata Também não tentarei melhorar a incipiente afirmação so bre a igualdade de recursos que apresentei há pouco confio em outros argumentos para darlhe mais forma e espero mais atrativos Só precisamos dessa descrição sumária para conti 16 Argumentos provisórios em favor desse ponto são encontrados em In Defense ofEquality 17 Ver What Is Equahiy P a n 2 O COMMONLAW 363 nuarcom nossa elaboração da justificativa igualitária das deci sões judiciais com base na simulação de mercado Tentarei mostrar que se alguma pessoa aceita que a igualdade de recur sos constitui uma interpretação melhor do sistema de proprie dade de sua comunidade que outras concepções de igualdade ela deve então adotar uma concepção de suas responsabilida des privadas que produza opções de simulação de mercado na maioria das ocasiões em que os direitos abstratos entrem em conflito Minha argumentação não é dedutiva Não demonstra que uma vez aceita a idéia básica da igualdade de recursos a pessoa deve automática e inevitavelmente ser levada às con clusões que descrevo Afirmo apenas que ela deverá fazer uma série de opções que aprimorem essa concepção nos casos que estamos examinando e que as opções plausíveis a levariam então à simulação de mercado na maioria dos casos comuns Minha argumentação porém não recomenda o principio eco nômico em todos os casos nos quais os partidários da interpre tação econômica a considerassem apropriada pois a justifica tiva igualitária condena em vez de aprovar grande parte da quilo que eles afirmam A linha principal j Suponhamos que você e eu temos grosso modo a mesma riqueza e que nenhum de nós é incapacitado ou tem necessi dades ou exigências especiais Descobrimos que as atividades que planejamos individualmente cada um no gozo de direitos gerais assegurados pela atribuição de bens entram em confli to Certa noite quero aprender uma peça para trompete e vocc deseja estudar álgebra no apartamento ao lado Ou quero diri gir meu carro a toda velocidade numa rua por onde você gosta ria de caminhar tranqüilamente Ou pretendo que meus trens circulem perto de um campo onde você fez uma plantação de grãos Meus projetos entram em conflito com os seus e antes de prosseguir tenho de decidir até que ponto devo adaptar meus planos de modo a levar em conta os seus interesses e em que medida devo assumir responsabilidade por qualquer dano que 364 O IMPÉRIO DO DIREITO lhe possa causar Intuitivamente parece correto que isto seja pelo menos em parte uma questão dos custos relativos para cada um de nós das decisões que eu poderia tomar Se não me custas se muito abrir mão de meus projetos mas lhe custasse muito se eu não o fizesse pareceue aí estaria uma boa razão para que eu desistisse ou lhe pagasse uma indenização caso resolvesse pros seguir A teoria da responsabilidade privada que estamos pondo à prova explica por que o custo relativo figura nessas decisões morais De acordo com essa teoria devemos agir como se os di reitos concretos que não podemos exercitar ainda não tivessem sido distribuidos entre nós e que somos nós portanto que deve mos distribuílos da melhor maneira possível do modo como o recomenda a igualdade de recursos Se dispuséssemos de tempo ocasião e boa vontade suficiente para pôr em prática alguma solução conciliatória se chegássemos a um acordo por exemplo sobre o número de horas em que eu poderia tocar trompete a igualdade poderia desse modo estar protegida Contudo se as circunstâncias não permitirem a solução conci liatória cada um de nós deverá agir de modo a minimizar a desi gualdade da distribuição a que chegamos o que significa que o perdedor deve perder menos Esse princípio de dano comparati vo porém pede uma elaboração urgente Como avaliaremos os custos relativos de pegar ou largar alguma oportunidade Nosso pressuposto básico o de que estamos levando adiante um siste ma de igualdade de recursos e não de igualdade utilitária ou qualquer outra concepção fundada no bemestar exclui algumas maneiras de avaliar Não devemos avaliar o custo comparativo em termos de felicidade satisfação ou alguma outra dimensão do bemestar Assim é preciso calcular quem perderia menos nessas circunstâncias ao calcular os custos financeiros não por que o dinheiro seja mais importante do que qualquer outra coisa mas porque é o padrão mais abstrato e portanto o melhor que podemos usar para decidir quem de nós perderá mais em recursos em cada uma das decisões que poderíamos vir a tomar Isso coloca um problema sempre que as perdas em questão não forem óbvia ou imediatamente financeiras Talvez nenhum O COMMONLAW 365 de nós tenha rendas em litígio no momento em que quero pra ticar meu instrumento e você deseja estudar álgebra Como devo decidir se o princípio do custo comparativo me dá o direi to de tocar trompete Deveria perguntar não se terei mais pra zer ao tocar do que você terá ao prepararse para sua prova mas se o dano a meus projetos gerais será maior do que o dano aos seus Como ambos temos fundos mais ou menos iguais à nossa disposição parece sensato avaliar o dano potencial da maneira sugerida pela simulação de mercado perguntando se você me pagaria mais para parar com minha música se tivesse de fazêlo do que eu lhe pagaria pela oportunidade de poder tocar Reduzir as alegrias da arte e do conhecimento a uma questão de dinheiro parece insensível mas é uma forma per feitamente plausível de tentar avaliar mais ou menos o que queremos descobrir a importância relativa das duas atividades para cada um de nós para o sistema geral daquilo que quere mos fazer com nossas vidas Sendo esse o objetivo tratase de um teste melhor do que o seria qualquer comparação do prazer ou da alegria que cada um de nós ganharia ou perderia ou da relativa importância das atividades do ponto de vista da vida regida pela ética Imaginemos porém que o que pretendo fazer afete não somente você mas muitas outras pessoas tambéif Se meu trem corre a uma grande velocidade e solta faíscas isso aumentará o preço que as pessoas normalmente pagam pelo pão se a velocidade for reduzida e salvarse a colheita isso aumentará o preço do transporte de passageiros e cargas do trem Por ser este um caso comercial porém o impacto sobre as outras pes soas está adequadamente representado pela comparação entre o que minha empresa ferroviária e a sua fazenda podem perder de acordo com cada decisão Mas o caso do trompete e da álgebra é diferente Os efeitos de minha decisão sobre os ou tros se é que se deve leválos em conta teriam de ser represen tados em separado Talvez o ato de tocar o trompete seja mais importante para mim avaliado pelo que eu gastaria por esse privilégio se necessário do que meu silêncio para você ou qualquer outro vizinho mas menos importante do que o meu 366 O IMPÉRIO DO DIREITO silêncio representa para todos os vizinhos coletivamente consi derados como um grupo Que comparação deveria ser decisi va para o princípio do dano comparativo A questão é difícil e as duas respostas são plausíveis em um primeiro momento Mas a segunda resposta parece melhor Se podemos admitir que a igualdade de recursos é válida não apenas entre nós mas em toda a comunidade daqueles que serão afetados por minha música então devo avaliar o custo de alguma oportunidade que eu poderia aproveitar para mim mesmo avaliando qual se ria em termos gerais sua importância para os outros para estes o verdadeiro custo de meu ato de tocar trompete é aquilo que em conjunto eles estariam dispostos a gastar para que eu deixasse de fazêlo Ressalvas Agora temos as linhas gerais de uma teoria parcial da res ponsabilidade pessoal Não aplicaremos essa teoria pelo me nos não de maneira tão simples todas as vezes em que os usos da propriedade privada entrarem em conflito de maneira não regida por decisões políticas explícitas do passado Quan do deveríamos rejeitála Admiti ao considerar o conflito en tre meu trompete e sua álgebra que a distribuição explícita da propriedade entre nós era igual julgada a partir do ponto de vista da igualdade de recursos Isso não significa necessaria mente ainda que na verdade eu o tenha admitido que ne nhum de nós é mais rico do que o outro pois você poderia ser mais rico do que eu por motivos perfeitamente compatíveis com a igualdade de recursos entre nós Eu poderia ter gasto mais dinheiro que você no passado ou optado por um trabalho não muito bem remunerado Não obstante eu poderia saber alguma coisa sobre você que tornasse implausível a hipótese da igualdade de recursos entre nós poderia saber que você tem uma grave deficiência por exemplo e que não recebeu ne nhum recurso do serviço social Nesse caso o princípio do dano financeiro comparativo que leva os direitos concretos a depen O COMMONLAW 367 der da questão de saber qual de nós pagaria mais pela oportu nidade poderia não ser apropriado porque talvez não assegu rasse entre nós a distribuição que a igualdade de recursos re comenda em tais circunstâncias Mas quando meus atos afe tam não uma pessoa ou u m grupo conhecidos sobre os quais posso obter informações desse tipo mas sim desconhecidos sobre os quais não posso obter tais informações devo supor que o custo comparativo oferece a verificação certa Ainda que eu acredite que os recursos foram distribuídos de modo desi gual em geral não tenho razões para presumir nada sobre a direção da desigualdade com relação às pessoas específicas que serão afetadas por meus atos Também admiti implicitamente que era conveniente con siderar minha decisão de tipo tudo ou nada a partir do ponto de vista de aproveitar ou não uma oportunidade na ausência de uma oportunidade real de negociação como uma questão isolada Se somos realmente vizinhos esse pressuposto seria um erro eu deveria tratar uma decisão particular como parte de uma série contínua de decisões interligadas que cada um de nós toma Para mim poderia ser menos importante tocar o meu trompete do que o seria para você preocuparse com o silêncio menos importante queimar minhas folhas do que para você evitar a fumaça e assim por diante íontudo se eu apenas me submeter à sua vontade em todas as ocasiões o equilíbrio será gradualmente comprometido Se eu desperdiçar uma oportunidade em um caso porque piira você a perda rela 18 A ressalva aqui discutida é sensível a uma questão que mais atrás deixei em aberto ao discutir aquilo que chamei de primeiro problema da hipótese permissiva ver n 15 O que justifica nosso modo de agir como indivíduos dia após dia como se a distribuição da propriedade tivesse real mente chegado à igualdade de recursos entre nós Suponho agora que de algum modo nossa resposta se fundamenta em juízos de estratégia ou em apelos à falta de informação de ta forma que a permissão não é válida em certas circunstâncias especificas quando uma pessoa sabe que seu comporta mento vai ter um impacto imediato e previsível sobre a igualdade de recursos que uma decisão que ela pode tomar vai aumentar a igualdade sem vitimizá a e uma outra vai aumentar ainda mais a desigualdade de recursos 368 O IMPÉRIO DO DIREITO tiva seria maior isso ficaria a meu crédito como reserva para a próxima decisão que devesse ser tomada por mim ou por você Em geral porém essa reserva só será possível entre pessoas como os vizinhos que mantêm um relacionamento contínuo e consciente Não existe uma forma sensata ou tole rável de manter esse tipo de reserva para as decisões que cada um de nós toma e que afetam os outros em termos gerais ou afetam um estranho somente uma vez Precisamos ter por base a hipótese de que se todos tratarem tais decisões como casos isolados a longo prazo isso funcionará de modo bastante justo para todos Estamos nos encaminhando para essa conclusão Eu deve ria seguir o princípio do dano financeiro comparativo quando sei que o fato de exercer algum direito concreto entrará em conflito com o exercício dos direitos abstratos de outras pessoas com as quais não mantenho um relacionamento contínuo e sobre as quais não disponho de informações especiais que possa con siderar relevantes Minha ignorância pode tornar muito mais difícil a aplicação do princípio Como então decidir se aque les que podem ser afetados pagariam mais do que eu tanto individual quanto coletivamente pela oportunidade Em um contexto comercial como no exemplo do trem e do agricultor meus parcos conhecimentos do mercado podem fornecer infor mações suficientes Se eu dirigir uma empresa ferroviária e souber que os agricultores ao longo da estrada de ferro vão sofrer em conjunto mais do que uma certa soma correspondente ao valor de mercado dos grãos perdidos posso supor que paga riam essa soma pela oportunidade de se verem livres dessa perda Em contextos não comerciais como nos exemplos de poluição sonora talvez tenha de recorrer à idéia de pessoa razoável ou representativa na vizinhança afetada para saber quanto a maioria das pessoas antipatizam ou ficariam aborre cidas com o prejuízo que eu lhes infligiria Porém temos bas tante desse tipo de conhecimento geral para tornar o princípio do dano financeiro comparativo viável na maioria de tais casos Ainda assim precisamos atenuar esse princípio de uma maneira diferente e muito mais importante Ocorre que em al O COMMONLAW 369 gumas circunstâncias seria obviamente injusto avaliar a impor tância de alguma perda ou dano perguntandose apenas se para evitar essa perda a vítima pagaria e poderia pagar mais do que outros pagariam coletivamente para fazer aquilo que ameaça provocála Para saber o porquê devemos afirmar algo mais sobre o sistema geral de igualdade de recursos Afirmei que este pressupõe que a igualdade é preservada e protegida mediante transações de mercado mas que isso está sujeito a ressalvas Também disse que a suposição deve ser atenuada de modo a poder levar em consideração as diferenças de talento Afirmei igualmente que deve ser atenuada para levar em conta os direitos individuais Sob a igualdade de recursos temos direitos que protegem interesses fundamentais inclusi ve aqueles que as pessoas racionais assegurariam contra os danos se o seguro fosse acessível a todos em termos equitati vos e economicamente eficazes Elas também têm direitos que asseguram a independência de cada uma contra os pre conceitos e os desafetos das outras os quais se pudessem influenciar as transações de mercado anulariam em vez de fazer avançar o objetivo de tornar a distribuição sensível aos verdadeiros custos das opções feitas pelas pessoas Aprofun dei o debate sobre esses dois tipos de direito em outro livro mas mesmo esta breve discussão mostra por quf o reconheci mento desses direitos deslocaria o modelo de simulação de mercado em certos casos extremos Suponhamos por exem plo que a vida de meu filho depende d i u r n a ambulância ba rulhenta que perturba um grande número de pessoas as quais para não serem perturbadas pagariam coletivamente uma soma superior a todos os recursos de que disponho Ou imagi nemos que sou negro e que em conjunto meus vizinhos pa gariam mais para que eu não queimasse folhas em meu quin ta do que eu poderia pagar ou pagaria para queimálas sim plesmente porque não suportam verme Esses não são certa mente os únicos tipos de ocasiões em que o teste do dano financeiro comparativo pareceria ser um método injusto de 19 Ver What Is Equality Part 2 eA Muller of Principie cap 17 370 O IMPÉRIO DO DIREITO julgar direitos concretos de cada um citoos apenas para de monstrar que o teste teria de ser submetido a ressalvas de várias outras maneiras além daquelas que até aqui foram objeto de nosso exame A elaboração prática Se nos concentrarmos nessas exceções e ressalvas nossa teoria da responsabilidade pessoal se tornará mais complexa Mas nada do que até aqui descobrimos sugere que essa teoria justificaria menos componentes do conjunto do direito sobre acidentes que nossos juízes desenvolveram do que o faria o ar gumento utilitarista Mesmo que a análise acadêmica da igual dade de recursos deva ser sensível como vimos às informa ções sobre a justiça da distribuição de riquezas existente entre um protagonista e alguém que ele sabe que suas atividades vão prejudicar ou pôr em risco a aplicação prática seria muito menos sensível caso a caso a informações desse tipo e então seria plausível incluir as diferentes doutrinas sobre a razoabili dade a negligência culposa e os outros elementos do direito referente aos danos que já apresentamos aqui Um legislador que aplicasse o modelo da igualdade de recursos da responsa bilidade pessoal teria boas razões por exemplo para não incentivar as pessoas a indagarem se aqueles aos quais podem vir a causar danos têm maior ou menor riqueza do que a igual dade de recursos justificaria que tivessem Ele pensaria que em termos gerais a justiça estaria mais protegida se a redistri buição ficasse a cargo de esquemas legislativos menos capri chosos cm seu impacto Também teria outras razões para che gar a essa conclusão parece injusto que a indenização a uma vítima deva depender da riqueza relativa de quem a prejudi cou ainda que apenas pela dificuldade que isso colocaria a alguém ansioso por assegurarse contra os danos em termos razoáveis Assim seria melhor se o legislador permitisse que as pessoas fundamentassem suas decisões sobre riscos e res ponsabilidades na informação geral sobre os gostos e as prefe O COMMONLAW 3 7 1 rências de pessoas médias em vez de exigir que busquem as informações especiais que uma completa elaboração acadêmi ca da igualdade de recursos tornaria pertinentes em casos específicos Ainda assim mesmo que essa aplicação prática se valesse de padrões objetivos também estaria atenta a cir cunstâncias especiais em que o princípio do dano financeiro comparativo tenderia a ignorar direitos ou de outra forma se mostraria injusto Insistiria em que a responsabilidade por cer tos tipos de danos ameaças à vida por exemplo e danos decorrentes de preconceito raciai não estivesse sujeita às provas financeiras explícitas desse princípio Pessoas privadas e órgãos públicos Temos então boas razões provenientes das ambições do direito como integridade para preferir a justificativa igualitá ria da lei sobre acidentes à justificativa utilitarista É muito mais bemsucetiida nas dimensões substantivas da interpreta ção Uma interpretação do direito sobre acidentes deve mobili zar um sistema de responsabilidade pessoal e descobrimos que o argumento utilitarista não tem tal sistema nos oferecer Não é o caso do argumento igualitário este oferece um siste ma de responsabilidade que além de atraente em si mesmo reconhece a interação dinâmica entre o direito a virtude públi ca e a responsabilidade privada que é ufna das características mais fascinantes da comunidade de princípios O argumento igualitário tem outra característica impor tante para o conjunto de nossa argumentação limita o alcance da simulação de mercado não apenas nas diferentes maneiras para as quais já chamamos a atenção aqui mas também insti tucionalmente O argumento utilitarista oferece um ideal que uma vez aceito deve dirigir a legislação e a decisão judicial Se uma comunidade for mais justa sempre que formais feliz e se as normas jurídicas que regem a responsabilidade por aci dentes ou ilícitos civis contribuírem ao máximo para a felici dade geral quando tornarem a comunidade mais rica como um 372 O IMPÉRIO DO DIREITO todo mediante a imitação de mercados hipotéticos então sem pre que se pedir ao Parlamento que regule a velocidade em que podem correr os trens quando suas faíscas representarem uma ameaça às plantações ou sempre que o governo da cidade de Nova York tiver de decidir quando um instrumento musical pode ser tocado em prédios de apartamentos ou em vizinhan ças muito populosas o objetivo deveria ser exatamente a cria ção dos direitos que teriam estabelecido as transações de mer cado fossem elas viáveis O argumento igualitário não tem essa conseqüência pois o legislativo ao contrário dos cida dãos privados tem ao mesmo tempo obrigações e oportunida des de melhorar a distribuição até então criada pelo direito tem responsabilidades que eles não têm e dispõe de meios e estratégias aos quais eles não têm acesso Na verdade nosso argumento em favor da interpretação igualitária começou exatamente nessa distinção Admitimos que o governo tem um dever gerai e abrangente que os cida dãos não possuem enquanto indivíduos O governo deve exa minar e alterar constantemente suas regras de propriedade usando de radicalismo se necessário para aproximálas mais do ideal de tratar as pessoas como iguais segundo a melhor con cepção A simulação de mercado que supõe a adequação do sistema já vigente seria um instrumento grotescamente redun dante e frágil para esse propósito Assim nossa explicação que começou por uma distinção entre tipos de responsabilida de nega que o princípio econômico constitua critério exclusi vo para a legislação que trata das principais estruturas do siste ma econômico ou de suas regulamentações mais detalhadas Precisamos concluir este estudo da igualdade e da pro priedade e para tanto voltaremos uma vez mais à distinção entre política e princípio porque acrescenta outra dimensão ao contraste entre responsabilidade pública e privada que até aqui exploramos Nosso principal argumento pressupõe que os cidadãos privados devem tratar as situações de conflito entre os direitos abstratos como se colocassem questões de princípio sobre os direitos concretos de que cada parte dispõe Daí não se segue porém que o legislador deva tratar cada decisão que toma ao regular e distribuir a propriedade ou mesmo suas leis O COMMON LAW 373 sobre ilícitos civis e negligência como questões de princípio e não de política Insistimos em que o governo conceba seu sis tema de propriedade para tratar as pessoas como iguais segun do uma concepção apropriada esta é a base de nossa argumen tação em favor da interpretação igualitária desses institutos do direito Mas como vimos no capítulo VI o governo deve tratar essa exigência sobretudo como uma questão de política como se recomendasse um objetivo coletivo geral que respeite a igual dade de interesses tanto em termos gerais quanto estatísticos em vez de supor que cada lei ou regra individuai julgada por seus próprios méritos deva conceder a cada cidadão algo que ele tem direito a ter Toda decisão legislativa sobre a proprieda de deve sem dúvida respeitar certos direitos políticos indivi duais Teremos de examinar no capítulo X até que ponto es ses direitos políticos são transformados em pretensões juridi camente protegidas segundo a melhor interpretação da Consti tuição dos Estados Unidos Mas uma legislatura pode sob outros aspectos buscar o interesse geral coletivo mediante uma grande variedade de diferentes avaliações e técnicas cada uma das quais chega a uma distribuição um tanto diferente para cada pessoa Nenhum cidadão tem o direito de que se selecione um desses programas e não outro apenas porque o escolhido irá beneficiálo mais A escolha é uma questão de política não de princípio Em geral um legislador não tem a necessidade de fazer escolhas políticas que produzam a distfibuição de direitos e oportunidades que teriam sido negociadas pelas partes espe cialmente afetadas Um legislador pode pensar por exemplo que a melhor solução para o problema da velocidade dos trens e das colheitas queimadas deve ser sensível às políticas nacio nais de transporte e agricultura ou mesmo à defesa nacional à balança de pagamentos ou ao câmbio exterior Ele pode tratar suas decisões sobre a poluição sonora como um aspecto de políticas mais gerais sobre o uso da terra e o planejamento ur bano ou mesmo sobre o apoio à música ou às artes Suas deci sões não precisam ser do tipo tudo ou nada do modo como certas circunstâncias práticas impõem decisões tudo ou nada 374 O IMPÉRIO DO DIREITO a cidadãos que agem por si próprios A legislação oferece a oportunidade de desenvolver um complexo sistema de regula mentação que dependa em termos de sua eficácia de uma es tratégia geral Pode regulamentar a velocidade dos trens de maneira diferente emdiferentes partes do país em resposta a milhares de variações complexas quanto ao uso e necessidade do transporte e da produção agrícola por exemplo ou pode di vidir as cidades em zonas nas quais o barulho seja tratado de diferentes maneiras desde que as divisões não sejam arbitrá rias e não mascarem discriminações ilegítimas que violariam os direitos individuais Uma vez porém que o legislador tenha feito sua escolha os indivíduos têm direitos àquilo que lhes foi atribuído e do ponto de vista do direito como integridade esses direitos se es tendem não apenas às atribuições explícitas mas à extensão a outras atribuições fundada nos princípios subjacentes à lei em casos que ainda não foram expressamente solucionados Neste capítulo estudamos o fundamento adequado dessa extensão baseada em princípios em certos casos Posso agora reformu lar minha tese da maneira que apresento a seguir Quando os cidadãos privados deparam com conflitos entre seus direitos abstratos nas normas do common law sobre a propriedade distintos de seus direitos resultantes de leis específicas que incorporam políticas distintas como as que há pouco imagi nei devem resolver esses conflitos votandose para o princí pio básico que o sistema geral precisa respeitar o princípio de que devem ser tratados como iguais Devem perguntarse que concepção de igual interesse se considera como a melhor ex pressão do sistema como um todo e adotar a extensão de direi tos concretos que dentre as opções que lhes cabem nas cir cunstâncias melhor sirva a essa concepção Para ilustrar a natureza e a complexidade desse problema interpretativo ve nho admitindo que a igualdade de recursos oferece a concep ção ideal para esse propósito e afirmo que as linhas básicas do direito norteamericano e inglês sobre ilícitos civis e negligên cia favorecem uma solução plausível do problema interpretati vo a propósito dessa suposição Esse processo não é apropria o COMMONLAW 3 7 5 do contudo quando surgem conflitos relativos a certas leis re guladoras com políticas bem definidas pois os direitos que as pessoas têm sob tal lei dependem muito dessas politicas espe ciais para autorizar qualquer alteração decorrente de uma con cepção de igualdade As responsabilidades dos cidadãos por tanto dependem de um conjunto diferente de problemas e estes vão constituir nosso próximo objeto de estudo 4 r Capítulo IX As leis A intenção legislativa Certo dia o caso do snail darter chega ao tribunal de Hércules Ele precisa decidir se a Lei das Espécies Ameaçadas concede ao ministro do Interior o poder de barrar um grande e quase concluído projeto federal para preservar um peixe pequeno e do ponto de vista ecológico nada interessante de modo que em primeiro lugar precisa decidir como interpretar leis cujo sentido não é muito claro Meu argumento é comple xo e devo dizerlhes de antemão como termina Para ler as leis Hércules irá usar em grande parte as mesmas técnicas de in terpretação que utiliza para decidir casos de cofnmon law as mesmas técnicas que estudamos nos dois últimos capítulos Tratará o Congresso como um autor anterior a ele na cadeia do direito embora um autor com poderes eresponsabiüdades di ferentes dos seus e fundamentalmente Çai encarar seu próprio papel como o papel criativo de um colaborador que continua a desenvolver do modo que acredita ser o melhor o sistema le gal iniciado pelo Congresso Ele irá se perguntar qual interpre tação da lei permitir ou não ao ministro interromper projetos quase terminados mostra mais claramente o desenvolvimen to politico que inclui e envolve essa lei Seu ponto de vista sobre como a lei deve ser lida dependerá em parte daquilo que certos congressistas disseram ao debatêla Mas dependerá por outro lado da melhor resposta a dar a determinadas questões 378 O IMPÉRIO DO DIREITO políticas até que ponto o Congresso deve submeterse à opi nião pública em questões desse tipo por exemplo e se seria absurdo em termos políticos proteger uma espécie tão insigni ficante à custa de tanto capital1 Ele precisa apoiarse em seu próprio julgamento ad responder a tais questões sem dúvida não por pensar que suas opiniões sejam automaticamente corretas mas porque ninguém pode responder de modo conveniente a nenhuma questão a menos que confie no nível mais profundo naquilo em que acredita Contudo antes de desenvolver essa descrição geral sobre o modo como os juízes deveriam interpretar as leis sob o regi me do direito como integridade preciso considerar uma im portante objeção e a discussão que tal objeção suscita irá ocu parnos por muitas páginas O método de Hércules não leva em conta o importante princípio firmemente enraizado em nossa prática jurídica de que as leis devem ser interpretadas não de acordo com o que os juízes acreditam que iria tornálas melhores mas de acordo com o que pretendiam os legisladores que realmente as adotaram Suponhamos que Hércules decida depois de ter levado em conta tudo que seu método interpreta tivo recomenda que a lei é melhor se entendida que não con cede ao ministro o poder de interromper projetos muito dis pendiosos e quase concluídos Os congressistas que a promul garam podem ter pretendido dar ao ministro exatamente aque le poder Em tais circunstâncias nossa prática jurídica baseada em princípios democráticos insiste em que Hércules se sub meta à intenção deles e não a seu ponto de vista diferente E verdade que na prática jurídica norteamericana os juí zes referemse constantemente às múltiplas declarações feitas pelos membros do Congresso e por outros legisladores nos relatórios das comissões ou nos debates formais a respeito da finalidade de uma lei Os juízes afirmam que essas afirmações I Como a decisão política que Hércules eslá agora interpretando é uma lei e não uma série de decisões judiciais do passado as questões de politica são pertinentes u sua decisão sobre quais direitos se devem considerar terem sido criudospela lei AS LEIS m vistas em conjunto formam a história legislativa da lei às quais devem respeitar Podemos contudo adotar dois pontos de vista muito diferentes sobre essa prática de submeterse à história legislativa Um deles é o de Hércules Ele aborda as múltiplas declarações feitas pelos legisladores no processo de elaboração da lei como atos políticos aos quais sua interpreta ção da lei deve ajustarse e poder explicar assim como precisa ajustarse ao próprio texto da lei e explicálo O outro é o ponto de vista pressuposto pela objeção que acabei de descrever Trata essas declarações não como eventos importantes em si mas como evidência do estado mental dos legisladores parti culares que as fizeram e que se presume ser representativas do estado de espírito da maioria dos legisladores cujos votos cria ram a lei É a isso que chamarei de ponto de vista da intenção do lo cutor pois supõe que a legislação é uma ocasião ou um exem plo de comunicação e que os juízes se voltam para a história legislativa quando uma lei não é clara para descobrir qual era o estado de espírito que os legisladores tentaram comunicar através de seus votos Pressupõe em resumo que a interpreta ção correta de uma lei deve ser aquilo que chamei no capítulo II de interpretação conversacíonal e não de íntemretação cons trutiva O modelo condutor dessa teoria é o connecido modeio da conversação habitual Quando um amigo diz algo podemos perguntar O que ele quis dizer com isso e pensar que nos sa resposta a essa pergunta descreve áfgo a respeito de seu estado de espírito quando ele falou alguma idéia que queria nos comunicar ao falar do modo como o fez Wittgenstein e outros filósofos alertamnos contra a má interpretação grossei ra dessa imagem Ter um pensamento e escolher palavras para representálo não são duas atividades distintas Tampouco as pessoas são livres para expressar o que querem através das palavras que utilizam de modo que a pergunta O que ele quis dizer com isso não indaga somente o que ele tinha em mente quando falou Mas a imagem serve bastante bem como unia descrição tosca de como concebemos o problema de entender alguém que se expressou de maneira ambígua e a teoria da in 380 O IMPÉRIO DO DIREITO tenção do locutor propõe que utilizemos a mesma imagem para a legislação ambígua ou obscura Se uma pessoa aceitar o ponto de vista da intenção do lo cutor sua teoria sobre a leitura das leis terá uma estrutura par ticular Apresentará suas conclusões como afirmações sobre a intenção da própria lei A finalidade ou a intenção da Lei das Espécies Ameaçadas será dotar o ministro de um determina do poder Mas ele considera a intenção da lei como uma cons trução teórica uma declaração concisa das diferentes inten ções de pessoas particulares reais já que apenas estas podem realmente ter intenções de conversação do tipo que ele tem em mente Assim sua teoria sobre as leis deve responder ao se guinte conjunto de questões Quais personagens históricos po dem ser considerados legisladores Como devemos agir para descobrir suas intenções Quando essas intenções de algum modo diferem umas das outras como devem ser combinadas na intenção institucional compósita Suas respostas devem além disso estabelecer o momento exato em que a lei foi pronuncia da ou em que adquiriu todo o significado permanente que tem O ponto de vista de Hércules não exige tal estrutura Ele entende a idéia do propósito ou da intenção de uma lei não como uma combinação dos propósitos ou intenções de legis ladores particulares mas como o resultado da integridade de adotar uma atitude interpretativa com relação aos eventos polí ticos que incluem a aprovação da lei Ele anota as declarações que os legisladores fizeram no processo de aprovála mas tra taas como eventos políticos importantes em si próprios não como evidência de qualquer estado de espírito por detrás delas Assim não tem nenhuma necessidade de precisar pontos de vista sobre o estado de espírito dos legisladores ou que esta dos de espírito são esses ou como ele fundiria todos em algum superestado de espírito da própria lei Tampouco supõe um momento canónico de discurso para o qual sua pesquisa histó rica se dirige a história que ele interpreta começa antes que a lei seja aprovada e continua até o momento em que deve deci dir o que ela agora declara ASLEIS 381 Os métodos de Hércules oferecem uma interpretação me lhor da verdadeira prática judicial que a teoria da intenção do locutor Os defeitos desta última só podem ser sanados se a transformarmos pouco a pouco no método de Hércules As três questões cruciais que acabei de mencionar precisam ser respondidas para que se possa pôr em prática a teoria da inten ção do locutor e não podem ser respondidas apenas sondando se o modelo fundamental de comunicação ou explorandose as relações internas entre intenção e legislação concebidas como uma forma de discurso Devem ser respondidas na teoria polí tica adotandose para tanto pontos de vista particulares sobre questões controversas de moral política Desse modo a teoria da intenção do locutor não pode justificar suas supostas alega ções de neutralidade politica sua ambição de separar as con vicções pessoais de um juiz do modo como ele interpreta uma lei Além do mais as respostas mais plausíveis às questões cruciais afastamnos invariavelmente da teoria da intenção do locutor tal como esta é habitualmente entendida em direção a um ponto de vista diferente e que almeja colocar em prática as convicções políticas mais gerais e abstratas a partir das quais agem os legisladores em vez das esperanças ou expectativas ou das opiniões políticas mais detalhadas que possam ter em mente ao votar Contudo essa idéia diferente nada mais é que uma formulação frágil e uma forma instável do próprio méto do de Hércules no qual ela então naufraga A intenção do locutor Hermes Discutirei essas afirmações mais abrangentes de modo bastante detalhado não apenas porque a teoria da intenção do locutor na legislação seja tão popular mas porque a argumen tação que expõe seus defeitos fornece distinções de que tere mos necessidade quando considerarmos o próprio método de Hércules de modo mais direto Vou agora imaginar um novo 382 O IMPÉRIO DO DIREITO juiz Hermes que é quase tão arguto quanto Hércules e igual mente tão paciente e também aceita o direito como integrida de assim como aceita a teoria da intenção do locutor na legisla ção Acredita que a legislação é comunicação que deve aplicar as leis descobrindo a vontade comunicativa dos legisladores aquilo que eles estavam tentando dizer quando votaram a favor da Lei das Espécies Ameaçadas por exemplo Já que Hermes é autoconsciente em tudo que faz irá darse tempo para refletir sobre cada uma das escolhas que terá de fazer para colocar em prática a teoria da intenção do locutor Desde o início está consciente de uma dificuldade nessa teoria É bastante difícil descobrir as intenções de amigos e colegas de adversários e amantes De que modo ele pode ter esperanças de descobriras intenções de estranhos pertencentes a uma outra época que podem estar todos mortos Como pode ter certeza de que havia quaisquer intenções proveitosas a se rem descobertas Os governantes de Nova York que adotaram a lei sobre testamentos talvez nunca tenham previsto o caso de um herdeiro assassino é bem possível que muitos senadores e congressistas nunca tenham pensado no problema de pequenos peixes e barragens quase terminadas Mas Hermes começa por adotar uma atitude prática com relação a essas dificuldades evidentes Admite que deve empenharse mais em descobrir as atitudes mentais subjacentes à legislação do que os estados de espírito de pessoas que ele encontra em bares que às vezes deve decidir por julgamentos de probabilidade especulativa não de certeza prática e que em alguns casos deve admitir não possuir nenhum indício útil de qualquer estado de espírito per tinente e então estar preparado para decidir esse caso particu lar de algum outro modo Não insistirei nessa dificuldade pro batória É o menor dos problemas de Hermes Quem são os autores de uma lei Antes de buscar a comprovação de idéias passadas ele deve decidir que idéias eram essas O estado de espírito de quais ASLEIS 383 pessoas serviu para fixar a intenção que subjaz à Lei das Espé cies Ameaçadas Seria o dos membros do Congresso que a promulgaram inclusive daqueles que votaram contra Seriam as idéias de alguns por exemplo daqueles que falaram ou falaram com mais freqüência nos debates mais importantes que as idéias de outros Que dizer dos funcionários e auxilia res administrativos que prepararam os projetos iniciais E o que dizer do presidente que assinou o projeto e o transformou em lei Será que suas intenções não têm mais valor que a de qualquer senador em particular E o que dizer dos simples cida dãos que escreveram cartas a seus congressistas prometeram ou ameaçaram votar a favor ou contra eles fazer ou negarse a fazer contribuições de campanha dependendo do modo como eles votassem E quanto aos vários lobbies e grupos de ação que desempenharam seu papel atualmente considerado normal Qualquer visão realista do processo legislativo inclui a influên cia desses grupos se eles contribuíram para a elaboração da lei será que Hermes tem alguma boa razão para não levar em conta suas intçnções ao determinar que lei eles criaram Há uma complicação adicional Uma lei deve sua existên cia não apenas à decisão de algumas pessoas para promulgála mas igualmente à decisão de outras pessoas posteriormente no sentido de não a emendar ou revogar É claro que o termo decisão pode ser muito forte para descrever as atitudes nega tivas que permitem a permanência da maioria das leis algu mas vezes muito tempo depois de terentfsido úteis Elas sobre vivem por desatenção e omissão mais do que por qualquer decisão coletiva inconsciente Contudo mesmo a desatenção pode refletir um certc entendimento comum sobre o interesse e as conseqüências detalhadas de uma lei que é diferente do entendimento que tinham os legisladores que primeiramente a aprovaram em casos mais extremos quando as pessoas fize ram campanha para emendála ou rejeitála a decisão de deixála em vigor pode ser mais ativa e explícita Será que Hermes deveria levar em consideração as intenções dos vários legisladores que poderiam ter revogado a lei no decurso de anos e décadas mas não o fizeram 384 O IMPÉRIO DO DIREITO Essas não sào questões acadêmicas Hermes precisa res pondêlas antes de poder colocar em prática a teoria da inten ção do locutor Eie não pode encontrar respostas perguntando de que modo aqueles cujas intenções são pertinentes responde riam a elas uma vez que está tentando descobrir quais inten ções slo importantes Não tem escolha a não ser confrontar essas questões no estado de espírito que se segue Ele tem opi niões sobre a influência que as atitudes crenças e ambições de grupos particulares de autoridades e cidadãos deveriam ter no processo de legislação Verá que um conjunto de escolhas que poderia fazer sobre qual intenção deveria valer ao calcular a intenção legislativa iria se os juízes o aceitassem de modo geral levar esse processo mais próximo de seu ideal e que outro conjunto de escolhas empurráloia para mais longe Uma vez que a teoria da intenção do locutor por si só nâo deci de quais as intenções que valem Hermes seria perverso se escolhesse quaisquer respostas do segundo conjunto em detri mento do primeiro2 Assim seus juízos sobre as idéias que contam serão sensí veis a seus pontos de vista sobre a antiga questão de se os le gisladores representativos devem ser guiados por suas próprias opiniões e convicções responsáveis apenas perante suas pró prias consciências e sobre uma questão mais recente a de se os lobbies os conluios e os comitês de ação política repre sentam uma corrupção do processo democrático ou expedien tes positivos para tomar o processo mais eficiente e eficaz Seus juízos também serão sensíveis a suas convicções sobre a importância relativa da eqüidade do modo como ele a conce be e à certeza quanto à legislação Ele poderia ser levado a preferir um número menor daqueles cuja intenção deve ser levada em conta eliminando por exemplo tanto os iobistas 2 Tampouco ele encontraria respostas independentes de uias próprias convicções ao tentar ver o que fizeram seus colegas juízes pois a prática dife re entre eles Precisaria interpretar a prática dos demais juízes da maneira descrita nos dois últimos capítulos e fazer essencialmente os mesmos juízos sobre a eqüidade política ao decidir qual interpretação mostrou a prática judi cial sob uma perspectiva melhor em termos gerais ASLEIS 385 contemporâneos quanto os legisladores que posteriormente poderiam ter revogado a lei mas não o fizeram não porque acredite que seja mais justo o processo legislativo que ignore a pressão pública ou seja insensível à mudança mas porque um número maior tornaria a idéia da intenção legislativa demasia do vaga ou informe para ter algum uso prático em esclarecer uma legislação ambígua Como se combinam Suponhamos que Hermes decida no final que somente devem valer as intenções dos congressistas que votaram pela lei quando esta foi adotada e que as intenções de todos eles devem ter o mesmo peso Suponhamos agora que ele descubra que as intenções pertinentes diferiam inclusive dentro desse grupo seleto Alguns congressistas pretendiam que o ministro tivesse o poder de barrar qualquer projeto que quisesse outros que ele tivessç o poder de barrar um projeto se tal decisão não fosse claramente irracional e outros ainda que não tivesse po der algum sobre nenhum projeto iniciado antes de ele ter apon tado uma espécie ameaçada por tal projeto A teoria da inten ção do locutor exige que Hermes combine essaf múltiplas opi niões em alguma intenção grupai mista Será que ele deve usar uma abordagem de intenção da maioria de modo que a in tenção institucional seja a de um grupQíqualquer se é que tal grupo existe que fosse grande o bastante para aprovar a lei mesmo que fosse o único grupo a votar em favor dela Ou um esquema de pluralidade intencional de modo que a opinião do maior dos três grupos valesse como a opinião da legislatura mesmo que os outros dois grupos somados fossem muito maiores Ou alguma abordagem de intenção representativa que pressupõe o mito de um legislador médio ou representati 3 Comparar com a teoria de intenção de voto desenvolvida por P Brest em The Misconceivcd Quest for the Original Understanding 60 Boston University LawRewew20421215 1980 386 O IMPÉRIO DO DIREITO vo cuja opinião seja mais próxima daquelas da maioria dos le gisladores embora não idêntica à de nenhum deles Neste ca so como seria construído o mito desse legislador médio Exis tem vários outros caminhos possíveis para combinar intenções individuais numa intenção grupai ou institucional De que modo Hermes deveria decidirse por alguma delas Mais uma vez ele deve confiar em seu próprio julgamen to político Suponhamos que devido a sólidos princípios de teo ria democrática ele pense que não se devem fazer mudanças no status quo dos direitos das pessoas a menos que a maioria dos legisladores pretendesse essas mudanças Essa opinião o faria inclinarse para a teoria da intenção da maioria Suponha mos porém que de modo contrário ele pense que os direitos das pessoas devam aproximarse tanto quanto possível da queles que a maioria dos legisladores considera adequados Neste caso ele seria atraído pelo ponto de vista da intenção representativa pelo menos enquanto oposto ao ponto de vista da intenção da maioria pois iria preferir que as pessoas esti vessem na posição contemplada pela intenção representativa mesmo que quanto aos detalhes se tratasse da intenção de me nos da maioria a que permanecessem no status quo que nin guém planejou Qual estado de espirito Esperanças e expectativas Suponhamos contudo que o problema da combinação de intenções se resolva deste modo De alguma forma Hermes sabe que cada membro da maioria que votou em favor da Lei das Espécies Ameaçadas tinha exatamente as mesmas opi niões de modo que se descobrir a intenção de um deles a da senadora Smith por exemplo terá descoberto a intenção de todos Suponhamos igualmente que Smith nunca tenha emiti do suas opiniões de maneira formal nos relatórios das comis sões ou nos debates legislativos por exemplo mas que Her mes tenha algum outro modo de descobrir quais eram suas opi niões Agora ele precisa confrontarse com a questão mais AS LEIS 387 difícil A vida mental de Smith é complexa quais de suas cren ças atitudes ou outros estados de espírito constituem sua in tenção Já exploramos a questão da intenção no capítulo II afirmei que em alguns contextos as intenções não estão limi tadas a estados de espírito conscientes Contudo a teoria da in tenção do locutor liga a intenção à imagem de legisladores pre tendendo comunicar alguma coisa em particular e assim al meja descobrir o que se poderia pensar que um legislador real mente tinha em mente quando se exprimiu através de seu voto Em certo sentido porém o legislador comum aquele do último escalão não está absolutamente na posição de um interlocutor comum As pessoas que conversam entre si da maneira habitual podem escolher suas palavras e portanto escolher as palavras que esperam ter o efeito que desejam Têm a expectativa de serem entendidas do modo como espe ram ser Mas certas pessoas não são donas de suas palavras um refém que telefona sob a ameaça de um revólver pode ter muita esperança de não ser entendido do modo como prevê Ou alguém qtfe assine uma carta coletiva que não pode rees crever pelo grupo ou o autor dessa carta que a redige para atrair o maior número possível de assinaturas Os legisladores encontramse freqüentemente nessa posição L n congressista que votou a favor da Lei das Espécies Ameaçadas pode ter lamentado que ela não contivesse nenhuma cláusula declaran do que o ministro não poderia interromper projetos custosos uma vez começados embora ele não tivesse tido poder ou tempo para inserir tal cláusula Nesse caso seria lícito para ele prever que a lei será interpretada de modo a concretizar seus piores temores mas espera que tal não ocorra Portanto ele não é como alguém que opta por comunicar uma idéia um pensamento ou desejo Ocupa uma posição intermediária entre o locutor e o ouvinte Precisa decidir qual pensamento esperase que exprimam as palavras que estão no papel diante deie e então decidir se deseja que a mensagem seja enviada ao público e às autoridades inclusive juízes tendo como úni ca alternativa realista a de não enviar mensagem alguma Essa mudança de papel é importante pois ele trata o documento e 388 O IMPÉRIO DO DIREITO não a si próprio ou a alguma outra pessoa como o autor da mensagem que concorda em enviar Hermes pensa que precisa decidir se a intenção pertinente de um congressista diz respeito às esperanças deste ou a suas expectativas quando ástas se separam Suponhamos que Smith tenha compreendido que a Lei das Espécies Ameaçadas do modo como foi redigida poderia ser interpretada de forma a atribuir ao ministro o poder de barrar projetos já quase con cluídos ela espera que assim não seja mas sua expectativa é de que será Ela não sugeriu nenhuma emenda vamos supor porque não sabia quantos outros compartilhavam suas espe ranças ou porque temia outras emendas se ela o fizesse ou porque achava que o problema não justificava um atraso Her mes poderia ser tentado por um momento pela idéia de que nessas circunstâncias as intenções de Smith têm mais afinida des com suas esperanças do que com suas expectativas Afina de contas ele poderia pensar a legislação deveria expressar a vontade da maioria dos legisladores e a vontade é mais uma questão de esperança que de previsão Mas ele sabe que as esperanças dos congressistas freqüentemente não aumentaram sua reputação Smith pode ter votado a favor da Lei das Es pécies Ameaçadas por temer a oposição do lobby conservacio nista na eleição seguinte ou talvez porque soubesse que seus eleitores queriam que ela votasse assim Se foram essas as suas razões pode ter esperado que a lei fosse interpretada da maneira mais restritiva possível porque a achava tola ou por que a lei representava más notícias para as corporações contro ladas por seus amigos Desse modo Hermes poderia inclinar se para o ponto de vista aparentemente oposto de que as inten ções de Smith têm a ver com a maneira como ela prevê que a lei será entendida Afinal se ela votou a favor de uma lei que segundo prevê terá conseqüências particulares então concor dou com essas conseqüências ainda que as tenha lamentado como parte de um acordo inclusivo geral que eia prefere àquilo que como acredita seria a alternativa Assim uma teoria da intenção legislativa construída sobre previsões parece assegu rar que a maioria dos legisladores terá concordado com a lei do AS LEIS 389 modo como foi aplicada Mas o entusiasmo de Hermes com a solução da expectativa terá vida curta uma vez que assim como as esperanças de um legislador podem refletir ambições egoístas que não cabem em nenhuma teoria aceitável da inter pretação legislativa suas expectativas podem estar baseadas em previsões que tampouco têm lugar em nenhuma teoria desse tipo Smith pode prever que a Lei das Espécies Ameaçadas será interpretada de modo restritivo só porque pensa com razão ou não que o primeiro caso de aplicação da lei será apre sentado a juizes anticonservacionistas Em qualquer caso a solução da expectativa seria paradoxal se geralmente aceita Se está entendido que os juízes irão aplicar uma lei obscura sempre do modo como a maioria dos congressistas prevê que ela será aplicada como uma questão de fato psicológico então um juiz deve decidir o que Smith previu que eie faria ou seja o que ela previu que ele iria pensar que ela havia previsto que ele faria e assim por diante indefinidamente Isto constitui um enigma para a teoria dos jogos mas não uma técnica práti ca para a compreensão das leis Os legisladores só podem pre ver de maneira útii como os juízes irão interpretar suas leis se pensarem que os juízes estarão usando um método de interpre tação das leis que independe de suas previsões4 Nesse momento Hermes encontrase diané de uma certa dificuldade Começou por aceitar que deveria acatar a intenção legislativa descobrindo combinando e aplicando o estado de espírito de algumas pessoas no passado Mas não pode identi 4 Sem dúvida se houvesse uma regra estabelecida e fixa sobre como interpretar leis como a Lei das Espécies Ameaçadas uma regra que determi nasse por exemplo que os juízes devem interpretar a lei estritamente para dar ao ministro o mínimo poder possível então os congressistas certamente usariam tal regra para prever o que aconteceria a suas leis no tribunal Se Hermes acatasse a regra estaria fazendo o que os legisladores esperavam mas não porque eles o esperavam A regra explicaria tanto a decisão de Hermes como o que predisseram os juizes mas explicaria ambos indepen dentemente um do outro Contudo essa regra não existe e Hermes está por tanto interessado em predições legislativas não apenas por se ajustarem a sua decisão mas como fundamento dela Essa é a opção que como argumento denotaria a si mesma 390 O IMPÉRIO DO DIREITO ficar esses estados de espírito nem com as esperanças nem com as expectativas dessas pessoas quando as esperanças e expectativas se dividem Nem mesmo como ele verá agora quando elas se unem uma vez que os múltiplos argumentos que o levaram a rejeitar as esperanças ou apenas a técnica das expectativas mantêmse com igual firmeza contra as duas reu nidas Smith poderia esperar uma interpretação restritiva da lei já que isso beneficiaria seus amigos e colaboradores e pre ver que assim seria porque acredita que os primeiros casos serão decididos porjuizes anticonservacionistas Parece errado tomar como decisivas suas opiniões mesmo quando eias com binam suas esperanças e previsões desse modo Hermes en contrará rapidamente uma escapatória desse dilema aparente em uma nova idéia de que a teoria da intenção do locutor na interpretação estatutária requer que se considere que as inten ções de Smith residem em suas convicções ou seja suas cren ças em relação ao que exigiriam a justiça ou a política bem fundada que podem é claro ser diferentes tanto de suas espe ranças quanto de suas expectativas Quando Hermes seguir essa direção irá desenvolver um método de interpretar as leis um tanto diferente daqueles que considerou até agora Estados de espirito contraactuais Vou supor contudo que ainda não lhe tenha ocorrido essa idéia e que ele ainda esteja se debatendo com esperanças e expectativas Até o momento ele fez a suposição pouco razoá vel de que Smith realmente tivesse alguma esperança pertinen te ou realmente tivesse feito aiguma previsão quando deu o seu voto Percebeu que pode não ter sido assim que ela pode não ter pensado em nenhuma barragem inacabada não mais do que os legisladores que votaram na lei dos testamentos pen saram em assassinos como Eimer Assim como Hermes ava liaria sua intenção Muitos juristas afirmam que nessas cir cunstâncias os juízes deveriam colocar uma questão contrafac tual deste tipo o que Smith teria pretendido se tivesse pensado AS LEIS 391 no problema A melhor resposta para uma questão contrafac tual pode ser a de que não existe resposta Se Smith nunca pen sou a respeito do snail darter então não pode ser falso nem verdadeiro que ela quisesse preservar esse peixe se tivesse pen sado nele5 Às vezes porém as questões contrafactuais têm boas respostas Podemos imaginar facilmente que se ela tives se pensado no problema teria desejado preservar o peixe ou ao contrário que a represa fosse concluída e aberta Ou então que teria esperado que os tribunais protegessem o peixe ou ao contrário que eles permitissem que se abrisse a represa Mas uma vez que Hermes já decidiu que a intenção de Smith não é questão de suas esperanças ou expectativas reais ele também não irá pensar que seja uma questão de suas hipotéticas espe ranças ou expectativas contrafactuais Portanto ele poderia ser tentado a interpretar deste modo a questão contrafactual perti nente se uma emenda tivesse sido introduzida especificando que o ministro não tinha poder para interromper a represa da Administração do Vale do Tennessee quando esta estivesse quase terminada será que Smith teria votado a favor ou contra a emenda Afinal de contas foi um acidente lamentável que ninguém tenha pensado no problema e introduzido tal emenda e parece sensato perguntarse o que teria acontecido se o aci dente não tivesse ocorrido Mas Smith poderia ter votado a favor ou contra qualquer emenda como essa por uma série de motivos porque estava ansiosa para retardar o recesso do Congffesso por exemplo ou porque não queria contrariar seu autor de cuja ajuda necessita va em outras questões ou porque estava sendo chantageada por alguém que por acaso era um alto funcionário da AVT Parece estranho fazer com que a aplicação da lei dependa de seu voto contrafactual por algum desses motivos Há uma difi culdade ainda mais básica como ela teria votado dependeria 5 Para uma excelente apresentação das dificuldades para determinar a verdade ou a falsidade de declarações contrafactuais ver Nelson Goodman The Problem of Counterfactual Conditionals em Fací Fiction and Fore casi 1 27 4ed Cambridge Í983 392 O IMPÉRIO DO DIREITO sem dúvida de quando e em quais circunstâncias a emenda teria sido proposta e também de como teria sido formulada Ela poderia ter votado a favor se a emenda tivesse sido propos ta no início do processo mas não no final pois então ela não teria desejado retardar a tramitação do projeto de lei como um todo Ou então apesar de suas reservas talvez houvesse vota do a favor se a emenda tivesse sido proposta como parte de um pacote de emendas que contivesse outras que ela desejasse muito aprovar Hermes deve portanto formular alguma ques tão contrafactual mais clara precisa dizer algo mais e não simplesmente que foi um acidente o fato de nenhuma emenda ter sido introduzida precisa estabelecer qual emenda em sua opinião teria sido introduzida se tal acidente não tivesse ocor rido Não há nenhuma resposta razoável para esta questão Se ria arbitrário supor por exemplo que se o problema tivesse sido conhecido uma emenda esclarecedora teria sido proposta pouco antes da votação final Deveria ele então dizer que a intenção de Smith só teria incluído um parecer particular sobre o snail darter se ela tivesse votado a favor de uma emenda a esse respeito não importando quando ou sob quais circuns tâncias tenha sido apresentada Há nisso um excesso de rigor nenhuma medida poderia ser aprovada nesse teste De fato pa receria muito forte inclusive dizer que os legisladores de Nova York teriam aprovado uma emenda impedindo os assassinos de herdarem sem levar em conta o momento e as circunstâncias em que tal emenda foi proposta A segunda contingência que mencionei sobre a formu lação da emenda hipotética é ainda mais problemática Pres supus que tivessem pedido a Smith que votasse uma emenda excluindo de modo específico o projeto da AVT do controle do ministro Mas è extremamente improvável que se apresentasse qualquer emenda tão específica assim É mais provável que uma emenda tivesse isentado qualquer projeto autorizado an tes que as espécies em questão tivessem sido reconhecidas como ameaçadas ou qualquer projeto cuja construção tivesse real mente se iniciado antes daquela data ou qualquer projeto que tivesse sido substancialmente concluído Ou que uma emenda ASLE1S 393 tivesse previsto que no caso de projetos já autorizados ou talvez já iniciados o ministro deveria exercer seu poder de forma razoável considerando a importância das espécies e do projeto o andamento da obra a quantidade de capital já inves tido no projeto e assim por diante Poderia ter havido incontá veis outras emendas que se adotadas poderiam justificar uma exceção para o projeto da AVT Smith teria votado a favor de algumas dessas emendas se tivessem sido propostas e se ela tivesse estado presente para votar e contra outras Ainda uma vez Hermes precisaria escolher uma forma particular de emenda como apropriada para decidir se Smith teria votado a favor ou contra a AVT caso se tivesse apresentado uma emen da conveniente ainda uma vez qualquer escolha seria arbi trária Convicções Um novo começo Retornemos agora à nova idéia que Hermes estava prestes a ter antes que eu o fizesse pensar nas intenções contrafac tuais Ele não voltaria seu interesse para as esperanças ou expectativas de Smith ou para o que ela teria feito em circuns tâncias que não se verificaram mas sim às convicções políti cas que a levaram a votar a favor da lei 8u que a teriam levado a fazêlo se ela tivesse votado por princípio Podemos pressu por que Smith tinha uma variedade de crenças e atitudes com relação à justiça e à eqüidade e sobre as políticas de preserva ção ambiental que seriam mais eficazes para tornar a comuni dade melhor em seu conjunto Não quero dizer que ela tivesse uma teoria política moral e econômica completa Suas convic ções sobre justiça eqüidade e sabedoria política poderiam ter sido equivocadas e incompletas derivando mais de uma intui ção ou instinto impulsivos do que de conclusões filosóficas amadurecidas Em todo caso porém ela tinha convicções des se tipo o que é perfeitamente compatível com o fato de ela ter 394 O IMPÉRIO DO DIREITO os outros motivos que imaginei anteriormente o desejo de fa zer progredir sua própria carreira política ou financeira ou a fortuna política de seu partido ou a prosperidade de seus ami gos que controlam grandes corporações Isso é também coe rente com o fato de elaagir de vez em quando ou com mais freqüência levada por esses outros motivos e não por suas pró prias convicções A nova proposta de Hermes considera que a intenção de Smith ao votar a favor da Lei das Espécies Ameaçadas baseia se naquelas convicções que justificariam seu voto se é que al guma delas o faria Agora quando descobre que ela não pen sou no snait darter não tem nenhuma necessidade de especu lar de forma contrafactual sobre o que ela teria desejado ou esperado ou como teria votado Ele pode colocar uma questão inteiramente não contrafactual qual é a posição quanto ao poder do ministro de interromper uma barragem não termina da que decorre mais naturalmente das convicções políticas de Smith tanto quanto ele foi capaz de descobrilas Mesmo que nunca tivesse ouvido falar do snail darter poderia ter tido con vicções a respeito desse problema poderia ter acreditado por exemplo que a conservação das espécies é um tema de impor tância fundamental que seria uma catástrofe nacional permitir o desaparecimento de qualquer espécie que pudesse ter sido preservada Nesse caso Hermes teria razão em concluir que suas convicções reais do modo como se mostraram até o mo mento conviriam mais à proteção do peixe do que da represa Assim a abordagem por meio das convicções evita os procedi mentos contrafactuais freqüentemente misteriosos e sempre arbitrários tão comuns nos manuais sobre a interpretação das leis Hermes preferirá a interpretação das convicções às ou tras que também considerou em bases mais gerais pois tal interpretação se ajusta muito melhor aos objetivos de uma comunidade de princípios Os membros de tal comunidade es peram que seus legisladores atuem com base em princípios e com integridade e esse objetivo é promovido se a legislação for aplicada à luz não das ambições pessoais que prevalecem entre os legisladores mas das convicções predominantes na le gislatura como um todo AS LEIS 395 Ao adotar a interpretação das convicções em decorrên cia dessas múltiplas razões Hermes distanciouse muito da ima gem original da legislação enquanto comunicação Os votos de Smith deveriam ser a evidência de suas convicções mas não são a declaração destas da maneira que as frases de um in terlocutor são declarações do pensamento que ele utiliza para expressar Convicções conflitantes e dominantes Contudo a nova idéia de Hermes dá origem a novos pro blemas As convicções políticas de Smith embora grosseiras e incompletas não são apenas crenças e atitudes aleatórias arro ladas como uma lista de compras Ela possui uma multiplici dade de opiniões sobre o que é justo ou injusto sábio ou tolo favorável ou contrário ao interesse nacional ou coletivo mas para ela essas opiniões têm uma estrutura hierárquica lida com eias comose algumas fossem mais básicas e fundamen tais que outras e algumas dependentes de outras ou dando lhes suporte ou ambos A menos que seja uma moralista her cúlea essas múltiplas opiniões não serão perfetfamente coe rentes Ou então o que tem mais a ver com a qifestão da qual nos ocupamos no momento elas parecerão perfeitamente coe rentes a qualquer um que pretenda como Hermes deve fazêlo revestilas da única estrutura justificador coerente que a inte gridade exige As opiniões de Smith sobre a poiítica preserva cionista poderiam parecer a ele estar em profundo conflito com os pontos de vista dela sobre até que ponto é justo e razoável para o governo impor padrões estéticos nacionais como o exprimem suas declarações ou votos sobre o direito de cons truir ou o zoneamento Ou então com suas convicções expres sas em declarações ou votos sobre o governo local ou a políti ca de impostos sobre até que ponto os interesses econômicos de determinada localidade devem ser sacrificados às preferên cias de uma maioria nacional cuja maior parte não sofrerá ne nhum prejuízo financeiro comparável Ou com seus pontos de 396 O IMPÉRIO DO DIREITO vista sobre a eqüidade política sobre até que ponto se permite que o governo conduza e m vez de seguir a opinião nacional no estabelecimento de alguma concepção do que seja o inte resse público como sugerem suas opiniões e votos sobre sub sídios nacionais para as artes por exemplo Nenhum desses conflitos potenciais preocupava Hermes quando ele se propôs considerar as várias opiniões de Smith co mo esperanças ou expectativas ou quando tentou descobrir como ela teria votado se a questão do snail darter tivesse sido levantada Seus primeiros motivos para considerar importante saber se ela teria votado em favor de uma emenda específica caso esta tivesse sido apresentada não teriam sido abalados se aquele voto contrafactual tivesse sido incoerente com ou tros votos Mas a nova abordagem das convicções é diferente Hermes agora acredita que as leis devem ser interpretadas para favorecer os objetivos de uma comunidade de princípios ou seja que devem ser interpretadas de modo a expressar um es quema coerente de convicção dominante dentro da legislatura que as aprovou Está pressupondo que os pontos de vista de Smith são representativos dos de seus colegas se ele descon fiar que algumas de suas opiniões concretas conflitam com suas convicções políticas mais gerais e fundamentais e são condenadas por elas deve questionarse sobre qual interpreta ção da lei atenderia melhor a todas as convicções de Smith to madas em conjunto como um sistema estruturado de idéias tornado coerente tanto quanto possível Essa é uma conclusão importante pois como veremos dentro em pouco irá conduzir Hermes firmemente em direção aos métodos interpretativos de Hércules para a interpretação de uma lei métodos que Hermes de início rejeitou Devemos fazer uma pausa contudo para apontar um erro lógico que po deria ser utilizado para negar sua importância refirome ao engano de se pensar que as múltiplas convicções de Smith nun ca podem estar realmente em conflito umas com as outras Começo pela descrição de uma forma incipiente desse erro que ninguém estaria tentado a cometer Suponhamos que Smith acredite assim como acabamos de imaginar que a preserva AS LEIS 397 çâo das espécies é uma questão de tamanha importância que a nação deve fazer grandes sacrifícios para atingir esse objetivo Ela refletiu sobre o snail darter e acredita que a barragem da AVT deveria ser concluída e aberta É óbvio que cometeu um erro factual talvez não tenha entendido por exemplo que a represa teria destruído os únicos hábitats desse peixe Sabendo que ela cometeu um erro factual desse tipo achamos correto afirmar que sua convicção concreta de que a represa deve ser aberta entra em conflito com sua convicção mais abstrata de que as espécies devem ser preservadas a qualquer custo Ago ra consideremos esta objeção absurda a essa conclusão As opiniões de Smith não estão em conflito pois sua primeira convicção não condena todas as ações que realmente ameaçam espécies mas apenas aquelas que ela pensa que ameaçam espécies Assim embora tenha cometido um engano quanto ao impacto da represa sobre o snail darter ela não é culpada de nenhuma contradição e Hermes apóia suas convicções ao per mitir que a represa seja aberta O absurdo está na concepção que essa objeção tem do conteúdo de uma convicção Podese dizer que Smith sabe que ela se opõe apenas aos atos que em sua opinião ameaçam as espécies queremos dizer que esses atos são os únicos que ela entende como condenáveis por suas convicções Mas é enganoso apresentar sua corcção em si o significado que eia lhe atribui como a convicção de que apenas são ruins os atos que ea acredita ameaçar as espécies Algo só pode ser considerado como convicção de uma pessoa se esta reconhece que o que realmente deriva dessa convicção depende daquilo que é de fato verdadeiro e não daquilo que pensa ser verdade Aqui a diferenciação entre conhecimento e convicção é fundamental Comparemos os dois argumentos seguintes 1 Édipo matou o homem que encontrou no cruzamento entre duas estradas O homem que ele encontrou no cruzamento era seu pai Logo Édipo matou seu pai 2 Édipo sabia que estava ma tando o homem que encontrou no cruzamento O homem que ele encontrou no cruzamento era seu pai Logo Édipo sabia que estava matando o pai O primeiro argumento é válido mas o se 398 O IMPÉRIO DO DIREITO gundo não já que não podemos substituir diferentes afirma ções mesmo que se refiram à mesma coisa em proposições que descrevem não o que uma pessoa fez mas o que ela pen sou ou sabia Os filósofos classificam os contextos de pensa mento ou conhecimento como opacos e não transparentes6 O argumento que se segue é inválido pelo mesmo motivo uma vez que Smith acredita que projetos que ameaçam espécies devem ser suspensos e esse projeto ameaça espécies Smith acre dita que esse projeto deve ser suspenso Mas as declarações de convicções do modo como as fazem as pessoas cujas convic ções elas representam são transparentes à substituição e assim não é incorreto nem enganoso mas ao contrário perfeitamente correto dizer que Smith está comprometida com a suspen são da represa ou que decorre de suas convicções que a repre sa deve ser interrompida Assim podemos rejeitar sem problemas a objeção que chamei de absurda pois tem por base um erro sobre a lógica das declarações de convicção Precisamos contudo estar pre cavidos contra a mesma objeção que tem por base o mesmo erro em um contexto diferente no qual ela possa inicialmente parecer mais plausível Suponhamos que Smith tenha um con junto mais moderado de convicções Ela acha importante mas não absolutamente importante que se preservem as es pécies e que é por isso que o ministro não deveria ter o poder de proteger espécies de pouca importância quando isso fosse totalmente irracional devido aos efeitos sobre as finanças púbiicas e outros objetivos públicos Ela também acha que o projeto da AVT deveria ser suspenso para preservar o snail darter Presumimos que ela não cometeu nenhum engano fac tual mas seu julgamento de que não seria irracional inter romper a represa nessas circunstâncias talvez seja incoerente com outras opiniões que Hermes pode sensatamente atribuir lhe Em outras ocasiões ela pode ter votado de um modo que pressupõe uma opinião muito diferente sobre a importância re 6 Para uma discussão dos contextos opacos ver W V 0 Quine Word anã Objeit 14056 Cambridge Mass 1960 AS LEIS 399 lativa da preservação e dos gastos públicos Pode ter votado contra medidas de preservação muito menos onerosas e a favor de cortes em importantes despesas públicas que economiza riam muito menos dinheiro do que a quantia que seria gasta in terrompendose a represa Hermes então pensará que sua opi nião específica sobre o snail darter é incoerente com suas con vicções gerais que mais uma vez ela cometeu um erro ao apli car essas convicções gerais a este caso particular embora seu erro tenha agora um caráter distinto Ainda uma vez poderseia objetar que suas opiniões não são conflitivas porque embora ela pense que os projetos não devem ser interrompidos quando não é razoável fazêlo não acha que não seria razoável interromper a construção da barra gem da AVT Mas esta não é uma objeção melhor aqui do que o era há um instante Adota o ponto de vista errado do conteú do da convicção abstrata de Smith Ela não acha que o ministro não deveria ter nenhum poder de tomar decisões que ela consi dera irracionais o que seria uma opinião surpreendente mas sim que ele não deveria ter o poder de tomar decisões que são de fato irracionais Nenhuma outra interpretação de sua convicção a explica como convicção e não faz nenhuma dife rença a esta altura que a convicção seja expressa m linguagem de julgamentos sobre a razoabilidade em vez de na lingua gem factual sobre as reais conseqüências da nova barragem Hermes deve perguntarse ainda se essa convicção específica sobre o snail darter é coerente com as ccffivicções mais abstra tas de Smith sobre a razoabilidade em gerai e se não o for quais dessas convicções ele deve aplicar Em direção a Hércules Se para Hermes é um problema de interpretação tentar encontrar a convergência de opiniões sobre a importância rela tiva das espécies e outros objetivos que expliquem a conduta po lítica de Smith como um todo ele provavelmente irá decidir que no conjunto mais amplo de suas opiniões gerais a opinião 400 O IMPÉRIO DO DIREITO dela sobre o snail darter é um erro Para ele então a melhor maneira de respeitar o conjunto de suas convicções consiste em ignorar sua opinião concreta sobre o snail darter e permitir a abertura da represa Que outro motivo teria para adotar a deci são contrária de que èle atenderá melhor às convicções dela se acatar essa opinião concreta Lembremonos de que ela nunca exprimiu sua opinião concreta de modo oficial Hermes sabe apenas que ela a tem assim como sabe que ela tem outras convicções mais gerais que ele julga incoerentes com a primei ra Alguém poderia dizer quando juizes e legisladores discor dam sobre qualquer assunto o princípio da supremacia do legislativo afirma que a opinião dos legisladores deve prevale cer Smith e Hermes divergem sobre algo isto é se a opinião dela sobre o snail darter é coerente com suas opiniões mais gerais sobre um governo razoável Ela não acha que sejam in coerentes Assim se Hermes ignora sua opinião específica sobre o snail darter substitui a opinião dela sobre coerência pela sua própria e é isso exatamente que os juízes não devem fazer Mas essa objeção repete a falácia que já apontamos por diversas vezes Um juiz deve em última instância apoiarse em suas próprias opiniões ao desenvolver e aplicar uma teoria sobre como interpretar uma lei Ele não pode sem entrar num círculo vicioso submeter nenhuma parte da tarefa à apreciação dos legisladores a cujas leis ele aplicará sua teoria para poder compreender Hermes atingiu o ponto de seu argumento em que deve decidir sob quais circunstâncias as diferentes convic ções de um legislador deveriam ser entendidas como conflitan tes e quando isso acontece quais convicções preferir Não pode submeter essa questão aos legisladores que têm tais con vicções Pois sua questão é saber se as opiniões deles estio em conflito e não se cies acham que estão e esse é um problema que ele precisa responder sozinho Eie sabe é claro que sua opinião sobre quais das convicções de Smith são incoerentes é em si mesma controversa que diferentes juízes tomariam essa decisão de modo diferente Mas isso é inevitável e não pode mos evitálo aqui mais do que ao decidir outras questões já por AS LEIS 401 nós apontadas por exemplo a quem considerar como legisla dor Suas próprias convicções políticas que essas várias ques tões envolvem são as únicas que ele possui Desse modo Hermes não tem outra opção a não ser estu dar as convicções de Smith de um modo mais geral e interpre tativo observando como ela vota e o que diz em outras oca siões sobre temas que parecem muito distantes daquele da pre servação das espécies para saber qual decisão no caso snail darter respeita mais suas convicções como um conjunto ou sistema Ele pode terminar por desprezar aquilo que sabe ser a opinião específica de Smith sobre o snail darter É claro que a evidência de que necessita para apoiar esse projeto interpreta tivo será fornecida principalmente pelos votos e pelas declara ções da senadora pela documentação acerca de sua ação legis lativa ou pela evolução de suas idéias ao longo de sua carreira ou se suas opiniões parecem ter mudado de sua carreira re cente Ele perguntará qual sistema de convicções oferece em conjunto a melhor justificativa para o que ela fez no desempe nho de suas funções Agora vejamos como isso afeta sua deci são sobre um problema com o qual ele deparou anteriormente a questão de combinar as intenções individuais de diferentes legisladores numa intenção geral ou institucionaLda própria le gislatura I Resolvemos esse problema para ele por meio de uma suposição impossível que o problema não se coloca porque todos os legisladores que votaram a favor da lei tinham exata mente as mesmas intenções Se continuássemos a utilizar essa hipótese para resolver o problema combinatório seria preciso revisála para levar em conta as novas conclusões de Hermes Teríamos então que pressupor não apenas que cada legislador tinha as mesmas opiniões concretas sobre o snail darter mas que cada um tinha o mesmo sistema mais geral de convicções políticas e morais manifestas em votos semelhan tes em toda a esfera das questões legislativas o que é um ab surdo Assim o problema combinatório parece apresentarse mais uma vez e Hermes poderia por um breve segundo con siderar a nova resposta dada a ele deve estudar a história poli 402 O IMPÉRIO DO DIREITO tica de cada legislador isoladamente descobrir que ponto de vis ta sobre o poder do ministro para interromper a represa decor reria desse sistema de convicções gerais do legislador depois que os conflitos tivessem sido identificados e resolvidos En tão ele precisa escolher algum método para consolidar esses pontos de vista distintos numa concepção geral da própria le gislatura De repente porém ele se dá conta de que tem uma estratégia alternativa a utilizar que oferece um caminho mais direto e muito mais exeqüível para atingir o mesmo objetivo Pode exercitar sua imaginação interpretativa não na atuação legislativa de diferentes legisladores individualmente conside rados mas na atuação da própria legislatura perguntandose qual sistema coerente de convicções políticas justificaria melhor o que ela realizou Parecia um erro metafísico considerar como essencial a intenção da própria legislatura enquanto Hermes estava pre so à versão do estado de espírito na teoria da intenção do locu tor a propósito da intenção legislativa Enquanto pensarmos que a intenção legislativa é uma questão daquilo que alguém tem em mente e deseja comunicar através de um voto deve mos considerar fundamentais os estados de espírito dos indiví duos pois as instituições não têm espírito e precisamos nos preocupar com o modo de consolidar intenções individuais nu ma intenção coletiva e fictícia de grupo Mas Hermes abando nou a busca por estados de espírito ao decidir que a intenção pertinente de um legislador referese a suas convicções gerais organizadas por uma interpretação construtiva e não a suas es peranças expectativas ou opiniões concretas distintas A inter pretação construtiva pode voltarse para o histórico de institui ções e práticas tanto quanto dos indivíduos e Hermes não tem nenhum motivo para atribuir convicções diretamente à própria legislatura Assim Hermes tem duas estratégias a comparar Pode construir uma intenção legislativa em duas etapas interpre tando o histórico dos legisladores individuais para descobrir as convicções que justificariam o que cada um fez em seguida combinando essas convicções individuais numa convicção ins AS LEIS 403 titucional global Ou em apenas uma etapa interpretando o histórico da própria legislatura para descobrir as convicções que justificariam o que ela fez Vai optar pela segunda dessas estratégias pela razão que se segue Se escolher a primeira precisará de uma fórmula para combinar convicções indivi duais numa intenção grupa e essa fórmula deve respeitar seus motivos para procurar uma estrutura de convicções gerais de um legislador em vez de procurar as esperanças expectativas ou opiniões concretas desse legislador que são as mais direta mente pertinentes Seus motivos são motivos de integndade ele busca convicções gerais porque numa comunidade de princípio a legislação deve ser entendida até onde for possí vel como a expressão de um sistema coerente de princípios Desse modo a fórmula de que ele necessita para sua primeira estratégia é esta deve combinar as convicções individuais de alguma maneira que ofereça o mais plausível conjunto de con vicções a atribuir ao conjunto da legislatura agindo como mem bro de uma comunidade de princípios Mas isso significa que a primeira estratégia implausível e difícil de manejar fracassa ria a menos que de algum modo alcançasse o mesmo resulta do que a segunda alcança de modo direto O problema combi natório que parecia tão desanimador tornase agora um falso problema Hermes não precisa de nenhuma funçlo combinató ria de convicções de legisladores individuais porque desde o início interpreta o histórico da instituição não o histórico de cada um deles A notória doutrina da retórica judiciai de que as leis devem ser aplicadas observandose as intenções por trás delas mostra agora sua verdadeira natureza É apenas o prin cípio da integridade na prestação jurisdicional que estudamos detalhadamente no capítulo VI apresentado como lema para os juízes ao interpretarem as leis Podemos deixar Hermes Seu novo método precisa de uma minuciosa elaboração mas esta não será feita por ele uma vez que se tornou gémeo de Hércules 404 O IMPÉRIO DO DIREITO O método de Hércules O método que como afirmei Hércules utiliza para a in terpretação das leis parecia à primeira vista dar muito pouca atenção às verdadeiras dpiniões e desejos daqueles que as con verteram em direito Examinamos portanto a versão mais orto doxa da intenção legislativa que chamei de teoria da intenção do locutor Mas isso nos levou passo a passo de volta à idéia de Hércules de que as leis precisam ser lidas de algum modo que decorra da melhor interpretação do processo legislativo como um todo Precisamos examinar o que isso significa na prática Fazemos disso alguma idéia pois já sabemos como Hércules interpreta os precedentes do common law As leis porém são diferentes das decisões judiciais precedentes e pre cisamos estudar qual o procedimento adotado por Hércules quando tem diante de si uma lei e não um conjunto de deci sões judiciais O que ele faria no caso do snail darter Imagino que ele tenha suas próprias opiniões sobre todas as questões que envolvem a controvérsia do snail darter Ele tem opiniões sobre a preservação em geral sobre o poder pú blico sobre a maneira mais inteligente de desenvolver a área dos Apalaches sobre a preservação das espécies resumindo sobre se seria melhor depois de tudo considerado interromper a represa da AVT Suponhamos que ele queira que a represa seja interrompida não porque se preocupe com o snail darter ou mesmo com a preservação das espécies mas por motivos estéticos pois prefere deixar intactos os cursos de água que a represa alteraria Alguns dos que pressionaram o ministro a declarar o snail darter uma espécie ameaçada certamente ti nham esse motivo Será que seu método lhe permitiria afir mar que já que a comunidade seria de fato mais bem atendida com a interrupção da barragem a lei deveria ser interpretada como se concedesse tal poder ao ministro Será que tal decisão não transforma a lei pelo menos em sua opinião no melhor de todos os exemplos de estadística De modo algum já que Hércules não está tentando atingir aquilo que acredita set o melhor resultado substantivo mas ASLEIS 405 sim encontrar a melhor explicação possível para um evento legislativo do passado Ele tenta apresentar um exemplo de his tória social o relato de uma legislatura democraticamente eleita que elabora um texto particular em circunstâncias particu lares sob a melhor luz geral possível o que significa que sua descrição deve explicar o relato como um todo não apenas o seu final Logo sua interpretação deve refletir não apenas suas con vicções sobre a justiça e sobre o que é uma política de preserva ção inteligente embora estas também tenham um papel a de sempenhar mas também suas convicções sobre os ideais de integridade e eqüidade políticas e de devido processo legal na medida em que estes se aplicam especificamente à legislação em uma democracia Integridade textual Para Hércules a integridade e a eqüidade irão balizar a justiça e a sabadoria de várias maneiras A integridade exige que ele elabore para cada lei que lhe pedem que aplique algu ma justificativa que se ajuste a essa lei e a penetre e que seja se possível coerente com a legislação em vige Isso signi fica que ele deve perguntarse sobre qual combinação de quais princípios e políticas com quais imputações de importância relativa quando estes competem entre si pode proporcionar o melhor exemplo para aquilo que os termos claros da lei clara mente requerem Já que Hércules está agora justificando uma lei e não um conjunto de precedentes do common law a res trição particular que identificamos no capítulo VII não mais se mantém ele deve levar em consideração tanto as justificativas políticas quanto as de princípio e em alguns casos poderia ser problemático decidir qual forma de justificativa seria mais 7 Essa forma de integridade poderia leválo a rejeitar uma interpreta ção que se aproximaria mais das intenções concretas do escrevente Ver a opinião dissidente do juiz Dewling em Macarthys Ltd vj Smith 1979 3 Ali ER 325 330 Devo esse exemplo a Sheldon Leader 406 O IMPÉRIO DO DIREITO apropriada Uma lei que subsidiasse a contracepção poderia justificarse ou pelo respeito a supostos direitos que são viola dos quando os contraceptivos não se acham disponíveis o que é uma questão de princípio ou pela preocupação com o fato de que a população não cresça de modo demasiado rápido o que é uma questão de política ou ambas Mas a justificativa po lítica que acabamos de imaginar sendo dada por Hércules de que a finalidade da lei é proteger as áreas rurais de um de senvolvimento prejudicial ao ambiente não se ajusta absoluta mente ao texto Pois é absurdo sugerir que um estadista ansio so para assegurar tal política escolheria o método fortuito mes mo irracional de proibir apenas e todos os projetos que amea çam as espécies sem considerar se produzem algum outro tipo de desordem ou mesmo se são úteis ao meio ambiente rural Qualquer justificativa competente da Lei das Espécies Ameaçadas deve apelar para uma política de proteção das es pécies em perigo Nenhuma interpretação que repudiasse essa politica ou a classificasse de pouca importância nem mesmo poderia começar por justificar as disposições da lei e muito menos seu nome8 Suponhamos que Hércules aceite isso e mes B Embora a integridade seja por definição uma questão de princípio Hércules deve preferir uma descrição de qualquer lei específica que também mostre um alto nivel de coerência era política pois de outro modo sua justifi cativa não mostra o fato legislativo sob uma luz favorável Uma única legisla tura que sancione uma única lei age de modo incoerente se atribui grande importância a uma politica específica impondo desse modo grandes custos e ônus para fomentála mas ainda assim impõe ressalvas à política para evitar custos e ônus nitidamente menos importantes sem ganhos correspondentes para nenhuma outra política A fortiori sem dúvida Hércules deve respeitara integridade de princípios Deve esforçarse por evitar tudo que lembre uma justificativa conciliatória que combine princípios contraditórios para explicar diferentes partes da mesma lei Deve evitar isso se puder fazêio de modo coerente com o texto mesmo quando desconfiar que o texto da lei enquanto fato histórico foi um lapso na integridade um acordo do mesmo tipo que ele deve tentar ignorar na lei que interpreta Seus críticos vlo dizer então que ele está tentando esconder a controvérsia histórica Apesar de verdadeiro esse comentário não pode servir de base para criticas dizer que no texto a conciliação histórica comprometeu a verdadeira lei que o texto criou é a peti ção de princípio que temos discutido ao longo do capítulo AS LEIS 407 mo assim pense que nenhuma política razoável de preservação das espécies exigiria a interrupção de uma represa neste caso quase concluída Ele não terá nenhuma dificuldade de apre sentar uma política rival que justificasse tal ressalva a política de que os fundos públicos não devem ser desperdiçados Mas permanece a questão de se ele pode atribuir peso suficiente a essa política rival dentro das dimensões do texto da lei para incluir essa ressalva na justificativa geral isso por sua vez vai depender de quanto peso deve atribuir à política principal de preservação das espécies para justificar o restante dá lei Essa interdependência de política e peso explica grande parte da argumentação na Suprema Corte em torno do caso do snail darter Se o texto faz outras exceções ou ressalvas ao poder do ministro mesmo que estas nada tenham a ver com seu poder de interromper projetos em curso isso vai sugerir um menor grau de importância para a política principal e assim melhorar o argumento em favor da ressalva sobre o desperdício Se ao con trário a lei enfatizar a importância da política principal ao acei tar expressamente sacrifícios em outras políticas importantes ou mesmo princípios com a finalidade de promover a política principal por exemplo se alguma outra parte da lei declara que o ministro não precisa considerar o impacto sbre o desem prego ao emitir suas ordens de proteção isso indicaria que nenhuma interpretação restritiva para excetuar o projeto da AVT pode encontrar um lugar na interprejpção geral Eqüidade Voltaremos às restrições da integridade No momento po rém voltemonos para a eqüidade Vamos supor que Hércules se dedica à causa da preservação das espécies em sua opinião a perda de uma única espécie é um mal incalculável Acha que seria muito melhor interromper a represa do que perder o snail darter na verdade preferiria que as enormes represas já em atividade fossem desmanteladas se isso ajudasse a salvar o pei 408 O IMPÉRIO DO DIREITO xe Suponhamos que ele esteja satisfeito cora o fato de que nada no texto da Lei das Espécies Ameaçadas contradiz seu ponto de vista sobre a importância da preservação das espé cies O poder do ministro não é limitado de nenhum modo explícito que sugira algo menos que uma enorme preocupação com a proteção Disso não se segue que Hércules irá pensar que a melhor interpretação da lei a interpretação que melhor se adapta à evolução das idéias do governo é aquela que salva o snail darter Sabe que seus próprios pontos de vista ele é franco consigo mesmo são excêntricos Quase ninguém mais os compartilha Assim devese perguntar se é preferível que os legisladores busquem o resultado correto mesmo que este na opinião dos eleitores seja o resultado errado Ele sabe sem dúvida que os eleitores podem afastar um legislador de seu cargo no f nal do mandato se discordarem do que ele realizou Mas isso não é um argumento um erro não é justificado peia oportunidade de vingança Nem o destino do snail darter por mais importante que ele seja aos olhos de Hércules envolve qualquer questão de princípio de direitos que se poderia pensar que alguns cidadãos têm contra outros ou contra a comunidade como um todo É uma questão de sa ber qual estado de coisas é melhor para todos Hércules acredi ta que a vida de cada um fica empobrecida quando uma espé cie é extinta mas não acredita que o fato de permitir que uma espécie desapareça injustamente favoreça algumas pessoas em detrimento de outras Assim a preservação das espécies é o paradigma de um tipo de decisão que deveria ser ditada pela vontade do povo um tipo de decisão que mesmo os legislado res que adotam o modelo de responsabilidade legislativa de Burke não deveriam impor a seus eleitores quando estes se unem em torno da opinião contrária Se Hércules estiver de acordo vai concluir que a análise da lei que supõe que o con gresso condescendeu com um paternalismo injustificado seria pior que a avaliação em que se respeitasse a escolha popular mesmo que para Hércules esta fosse a escolha errada Assim em tais circunstâncias as convicções de Hércules sobre a eqüidade colocam obstáculos importantes entre suas AS LEIS 409 próprias preferências mesmo aquelas que são coerentes com a linguagem da lei e seu julgamento a respéito de qual interpre tação é melhor no final das contas Uma vez que seu julga mento nessa situação é sensível à opinião pública geral é igualmente sensível por muitas outras razões às convicções concretas expressas por outros legisladores nos debates nos relatórios de comissões e assim por diante Em gera essas de clarações são bons indícios da opinião pública na comunidade como um todo Os políticos costumam ser representativos pelo menos em suas convicções das pessoas que os elegem mais precisamente são bastante hábeis para julgar as convic ções de seus eleitores e escolher suas declarações públicas de modo a refletilas Se os debates sobre a Lei das Espécies Amea çadas exprimissem uma convicção abrangente e inconteste sobre a importância relativa da preservação de uma espécie menor isso seria um forte indício de um sentimento público geral no mesmo sentido A história legislativa Como afirmei Hércules respeita a integridade do texto le gal de modo que não irá pensar que aprimora uma lei só por projetar nela suas próprias convicções respeita a eqüidade política por isso não irá ignorar totalmente a opinião pública tal como esta se revela e exprime nas declarações ligadas ao processo legislativo O argumento decorrente da eqüidade nos faz avançar um pouco na explicação de por que Hércules dedi cará uma atenção considerável às convicções concretas que os legisladores expressam Voltemos à integridade para examinar uma razão diferente e mais poderosa para tal prática ainda que ela faça uma discriminação entre tais expressões A prática jurídica norteamericana atual considera algu mas declarações do propósito legislativo como especialmente importantes para decidir como uma lei deve ser interpretada Estas incluem as declarações feitas na assembléia por sena dores ou congressistas que apresentam um projeto de lei ou o 410 O IMPÉRIO DO DIREITO conduzem ao longo de sua tramitação no Congresso bem como as declarações contidas nos relatórios formais das comissões especiais do Congresso às quais sào submetidos os projetos Os tribunais norteamericanos dedicam muita atenção a essas de clarações privilegiadas e os legisladores norteamericanos têm muito cuidado para garantir que os pareceres com que concor dam se encontrem entre elas A análise da elaboração legislati va dominou a discussão da Suprema Corte no caso do snail darter como vimos no capítulo I embora os magistrados dis cordassem sobre que partes do histórico eram particularmente importantes Por que algumas declarações do Congresso aquelas con sideradas como partes essenciais do histórico legislativo sào mais importantes que outras Se nos ocupássemos apenas da eqüidade acharíamos que são mais importantes por serem uma evidência particularmente boa da opinião pública As declara ções que os autores de um projeto fazem na assembléia ou nos relatórios das comissões costumam ser examinadas com muito cuidado Outros legisladores as ouvem ou lêem com um cuida do fora do comum Mas a importância que a maioria dos juizes atribui ao histórico legislativo não pode ser totalmente explica da dessa maneira Pois o discurso do proponente diante de uma câmara quase vazia faz parte do centro do histórico legislativo embora os comentários que faça num discurso televisionado em cadeia nacional que são a melhor evidência daquilo que o público é convidado a pensar sobre uma lei não sejam em absoluto parte do histórico legislativo A principal explicação está em outro lugar Por razões que tentarei descrever Hér cules verá que as declarações de propósitos oficiais feitas na forma canónica estabelecida pela prática da elaboração legis lativa deveriam ser consideradas elas mesmas normas do Es tado personificado São decisões políticas de modo que a prin cipal exigência da integridade que o Estado se deixe reger por princípios em sua atuação englobaas assim como às decisões mais específicas contidas nas leis Hércules tem por objetivo compreender o conjunto do histórico legislativo o melhor pos sível iria fazêlo o pior se sua interpretação mostrasse o Esta do dizendo uma coisa e fazendo outra ASLEIS 4 1 1 Promessas e propósitos É evidente que seria absurdo considerar cada declaração feita por um legislador sobre a finalidade de uma lei como sendo eia própria a lei do Estado se dois senadores discutem sobre o que está ou deveria estar fazendo o Estado ao promul gar a lei eles estão debatendo sobre a atuação do Estado e não atuando por ele Mas um relatório formal de comissão ou a declaração inconteste do relator de um projeto de lei é coisa diferente podemse considerálos como uma parte daquilo que o processo legislativo realmente produziu alguma coisa com a qual o conjunto da comunidade está comprometido Podem ser vistos desse modo desde que a prática os considere espe ciais como o faz a prática norteamericana Para compreender essa prática e aplicála quando sua força for questionada como no caso do snail darter Hércules deve interpretála pre cisa encontrar alguma avaliação da prática que se ajuste a ela e a justifique Será possível defender em moral política que algumas declarações formais de intenção sejam consideradas como atos do próprio Estado Devemos começar pelo argu mento mais evidente contra tal atitude O processo legislati vo já dispõe de meios para transformar tais declarações em parte da decisão formal do Estado sempre que isao seja desejá vel elas podem estar escritas no próprio texto da lei Os juris tas ingleses utilizam esse argumento para a prática britânica que insiste em que as declarações feitas no Parlamento não devem servir de guias para a interpretação das leis E um argu mento importante não por ser decisivo contra a prática norte americana que é diferente mas por mostrar que esta última só se justifica se estabelecer um papel especial para o histórico legislativo uma posição intermediária entre as observações informais dos legisladores feitas taticamente no calor do de bate e o texto formal da própria lei 9 No caso do Congresso dos Estados Unidos esiou supondo que os re latos das comissões das duas câmaras não são contraditórios Se o forem devem ser tratados como um argumento sobre a melhor interpretação da lei aprovada pelas duas câmaras e nâo como uma decisão politica do Congresso como um todo no sentido descrito no texto Bibliotaca SANTO AGQSÍlNHof 412 O IMPÉRIO DO DIREITO Não é difícil identificar uma posição intermediária pois dispomos de uma na moral pessoal que se adapta muito bem ao propósito Fazemos u m a distinção entre as promessas de uma pessoa e outros compromissos e as explicações ou inter pretações que a própria pessoa oferece deles sua descrição do modo como se adaptam a suas crenças e objetivos mais gerais e deles derivam consideramos que ambas têm um significado moral mas achamos que as explicações são mais incertas mais abertas â revisão e mudança Suponhamos que eu dê cem dólares a meu sobrinho e lhe explique que desejo ajudálo por que aprecio sua opção pela carreira militar Ele pode então esperar que eu vá ajudálo nessa carreira de outros modos fica rá surpreso quando mais tarde eu lhe disser que agora consi dero a carreira militar detestável e que irei oporme a ela de todas as maneiras possíveis por exemplo recusandome a apre sentálo a meus amigos militares Ou suponhamos que abro uma nova fábrica e prometo à comunidade instalar e manter qualquer dispositivo razoável para assegurar que minha fá brica não aumente a poluição Numa entrevista na televisão perguntamme se determinado dispositivo é razoável e res pondo que sim Mais tarde porém resolvo não o instalar afir mo que informações posteriores contrárias a minha opinião prévia convenceramme de que não era razoável porque é pos sível assegurar praticamente o mesmo grau de proteção através de medidas diferentes e muito menos custosas Em cada caso minha declaração explicativa anterior faz parte do meu históri co moral algo pelo qual devo me responsabilizar porque fiz a declaração sabendo que outros provavelmente iriam basearse nela e os estimulei a isso Do ponto de vista moral a história teria sido melhor se eu já tivesse chegado a minhas últimas opiniões e as houvesse expressado desde o começo Assim devo uma desculpa a meu sobrinho e à comunidade Contudo a situação é diferente do que teria sido se eu tivesse prometido explicitamente ajudar na carreira de meu sobrinho do modo como ele mais tarde me pediu ou tivesse prometido instalar o dispositivo que de início pensei ser razoável Assim não teria tanta liberdade para poder mudar de idéia AS LEIS 413 Podemos explicar a diferença desta forma Uma promessa tem sobretudo um caráter performativo e por isso tem vida própria10 Ela expressa mas não registra propósitos crenças ou convicções Pode ser insincera uma vez que quem promete não tem nenhuma intenção genuína de mantêla mas não é inexata nem mesmo do modo como a autocompreensão pode sêlo Por outro lado uma declaração de intenção é muito mais um relato que um desempenho e pode ser tão insincera ou ine xata quanto outros relatos pessoais Se uma declaração inter pretativa de intenção tivesse a mesma força performativa de uma promessa não poderia ser utilizada tal como é para colo car uma promessa em um contexto de crenças e propósitos reais e desse modo ajudar outros a avaliai o autor da promes sa e prever que coisas mais ele poderá fazer Reduzir a declara ção a uma promessa extrairia à força o relato e apenas amplia ria o ato performativo Uma nova pergunta se colocaria então quais propósitos e crenças mais gerais sustentariam a promes sa ampliada Para tal pergunta não poderia haver resposta pois qualquer declaração posterior naufragaria do mesmo modo no buraco negro da própria promessa Propósitos e princípios f Podemos nos deixar guiar por esse aspecto da moral pes soal na construção de um papel políticorpara o histórico legis lativo Uma comunidade de princípios não encara a legislação do mesmo modo que uma comunidade baseada em códigos como acordos negociados que não têm nenhum significado adicional ou mais profundo além daquele declarado pelo texto da lei trata a legislação como uma decorrência do compromis so atual da comunidade com o esquema precedente de moral política O costume do histórico legislativo de declarações 10 Ver J L Austin PerformativeUlterances em Philusophical Papcrs 223 3 ed Nova York 1979 e How lo Da Things iih Words Cambridge Mass 1962 414 O IMPÉRIO DO DIREITO formais de propósitos e convicções institucionais gerais feitas em nome do próprio Estado expressa e confirma tal atitude O costume protege igualmente uma das vantagens práticas de uma comunidade de princípios encoraja os cidadãos a basea remse em uma análise precisa do sistema público quando eles próprios o desenvolvem e aplicam Essas vantagens porém dependem do tipo de distância moral entre as decisões explíci tas na lei e o sistema explicativo do histórico legislativo que encontramos na moral privada Dependem de que se conside rem as diferentes declarações oficiais que constituem o siste ma explicativo como tendo principalmente uma função mais informativa que performativa O histórico legislativo oferece uma interpretação contemporânea da lei que ela envolve uma interpretação que posteriormente pode ser revista por tribunais ou pelo próprio legislativo ainda que em retrospecto qual quer revisão importante faça do histórico legislativo objeto de crítica Uma comunidade de princípios é mais bem servida por uma estrutura de legislação complexa como essa uma estrutu ra que inclua uma distinção entre atos legislativos performati vos e explicações interpretativas desses atos Assim Hércules tem razões tanto para considerar as declarações formais que criam a história legislativa como leis de Estado quanto para não as considerar como parte da própria íei Deve leválas em conta ao decidir que análise de elaboração do fato legislativo é a melhor em termos gerais mas precisa fazer isso da maneira correta Admite que a legislação é vista sob uma perspectiva melhor tudo o mais sendo igual quando o Estado não enganou o público por esse motivo preferirá uma interpretação que cor responda às declarações formais do propósito legislativo par ticularmente quando os cidadãos podem ter tomado decisões cruciais com base nessas declarações Se os debates legislativos em torno da lei sobre os testamentos tivessem sido crivados de declarações incontestes de que os testamentos devem ser inter pretados sem se levar em conta o contexto atribuindo a suas palavras os significados que as pessoas lhes atribuiriam se não soubessem de nada especial sobre o contexto de seu uso AS LEIS 415 então o público teria aceito a lei e os testamentos poderiam muito bem ter sido escritos com base em tal hipótese Hércules então consideraria esse fato como um argumento de peso embo ra não necessariamente decisivo em favor dessa interpretação Mas como veremos em seguida tratase de um argumento cuja força vai se esvaindo com o passar do tempo A história legislativa que envolve a Lei das Espécies Ameaçadas era muito mais complexa Já a examinamos no capítulo I e observei que os juízes da Suprema Corte discor davam quanto a se o histórico legislativo deveria incluir o fato de que o Congresso tentou deixar claro em várias decisões tomadas depois da votação da lei que a represa da AVT não deveria ser ameaçada Hércules não tem motivo algum para duvidar de que as últimas decisões do Congresso devem ser levadas em conta São parte da documentação pública deci sões políticas posteriores sobre a importância relativa no siste ma geral de propósitos da comunidade dos diferentes interes ses em jogo O ponto de vista contrário de que essas decisões não devem sen levadas em conta pressupõe a restrição tempo ral de que logo iremos nos ocupar aquela segundo a qual o significado de uma lei está fixado no ato inicial de criação Não é difícil então concluir como Hércules iráxesolver o caso do snail darter se compartilhar da opinião subAantiva que pa recia predominar na Corte a de que o melhor caminho seria sacrificar o peixe à represa Ele acha que interpretar a lei de forma a salvar a represa iria tornála m d h o r do ponto de vista de uma política bem fundada Ele não tem nenhuma razão de integridade textuai que argumente contra essa interpretação nem nenhuma razão de eqüidade pois nada sugere que o públi co seria ultrajado ou ofendido por tal decisão Nada no histó rico legislativo do próprio projeto de lei corretamente entendi do e visto como o registro da decisão pública afirma o contrá rio e as últimas decisões legislativas da mesma natureza corro boram vigorosamente a interpretação que ele considera a me lhor Ele vai juntarse aos magistrados que divergiram no caso 416 O IMPÉRIO DO DIREITO As leis ao longo do tempo A teoria da intenção do locutor começa pela idéia que afirmei estar na base de seus problemas que a legislação é um ato de comunicação que deve ser entendido através do modelo simples de locutor e audiência de modo que a pergunta mais importante na interpretação legislativa é o que um locutor in dividual ou grupai quis dizer em algum ato canónico de enunciação Daí decorre a lista de mistérios que de início exa minei Quem é o locutor Quando falou Que estado de espí rito produziu seu significado Esses mistérios são criados por uma única hipótese dominante de que suas soluções devem convergir para o momento particular da história o momento em que o significado da lei se fixa de uma vez por todas o mo mento em que nasce a verdadeira lei Essa hipótese tem uma seqüela à medida que o tempo passa e a lei deve ser aplicada em outras circunstâncias os juízes se vêem diante de uma opção entre aplicar a lei original c o m o significado que sempre teve ou emendála às ocultas para atualizála Esse é o dilema que como freqüentemente se imagina as antigas leis apresentam dizse que os juízes devem escolher entre a mão morta po rém legítima do passado e o encanto claramente ilícito do pro gresso O método de Hércules desafia esse aspecto da teoria da intenção do locutor juntamente com todo o resto Rejeita a hipótese de um momento canónico no qual a lei nasce e tem todo e o único significado que sempre terá Hércules inter preta não só o texto da lei mas também sua vida o processo que se inicia antes que ela se transforme em lei e que se esten de para muito além desse momento Quer utilizar o melhor possível esse desenvolvimento contínuo e pot isso sua inter pretação muda à medida que a história vai se transformando Não identifica certas pessoas como os criadores exclusivos de uma lei para em seguida considerar somente suas esperan ças expectativas convicções concretas declarações ou reações Cada uma das considerações políticas que examina em sua pergunta geral como melhorar ao máximo a análise da lei AS LEIS 417 identifica uma multiplicidade de pessoas grupos e instituições cujas afirmações ou convicções poderiam ser relevantes de diferentes maneiras Consideremos o argumento da eqüidade que o fez prestar atenção às convicções legislativas concretas que conseguiu des cobrir mesmo quando discordassem das suas Esse argumento não requer que Hércules identifique como essenciais alguns legisladores específicos ou então que se baseie nas opiniões de um número decisivo de legisladores como se as convicções tivessem o valor de votos A eqüidade diz a Hércules que leve em conta qualquer expressão de pontos de vista políticos que pa reça relevante para decidir se uma determinada lei compreen dida de acordo com uma interpretação que ele esteja conside rando seria eqüitativa tendose em vista o caráter e o alcance da opinião pública Nesse contexto o discurso televisionado de um político importante poderia ser mais importante que a bela página impressa de um relatório de comissão Vamos considerar agora de que modo o passar do tempo afeta esse argumento decorrente da eqüidade A teoria da in tenção do locutor olha fixamente para as convicções presentes e expressas no momento e m que a lei foi aprovada e ignora as mudanças posteriores Apenas as intenções oriajnais podem ser pertinentes para a descoberta do significado lie uma lei no momento em que ela nasce um apelo a uma opinião alterada posteriormente deve ser u m anacronismo uma desculpa logi camente absurda para uma decisão judicfol A atitude de Hér cules é muito diferente Suponhamos que a Lei das Espécies Ameaçadas tivesse sido votada em um clima de opinião públi ca muito diferente daquele com o qual ele depara quando deve decidir o caso do snail darter Ele pergunta qual interpretação oferece a melhor descrição de uma história política que agora inclui não apenas a lei mas a incapacidade de anulála ou emendála mais tarde e ele então voltará seu olhar não para a opinião pública no início quando a preservação florescia mas para o momento presente quando se deve decidir se o ministro pode desperdiçar grande soma de dinheiro público para preser var uma espécie menor O argumento decorrente da eqüidade 418 O IMPÉRIO DO DIREITO terá um impacto muito diferente do que teria se o caso tivesse sido apresentado a ele muito antes O argumento a partir da integridade texrual também será sensivel ao tempo pois levará em consideração outras decisões que o Congresso e os tribunais tenham tomado nesse ínterim se as mudanças de opinião pública ou das circunstâncias eco nômicas ou ecológicas foram substanciais as decisões políti cas intervenientes terão sido feitas com um espirito diferente de modo que uma interpretação que as englobe e também à lei tenderá a sei diferente de uma interpretação da qual sò se exi gisse adequação à lei O argumento extraído do histórico legis lativo também será sensível ao tempo mas de um modo dife rente Esse argumento é o oposto do argumento que provém da eqüidade ignora as convicções privadas tem por base declara ções públicas formais que qualifica como declarações da pró pria comunidade Essas declarações porém não fazem parte da lei são descrições da convicção e dos objetivos públicos e por tanto naturalmente vulneráveis a uma nova avaliação As pessoas têm menos razões pata confiar nessas declara ções à medida que a lei envelhece pois elas terão sido suple mentadas e talvez substituídas como interpretações formais do compromisso público por uma grande variedade de novas explicações interpretativas associadas a leis posteriores sobre questões correlatas Essas últimas declarações fornecem uma descrição mais contemporânea do modo como as autoridades da comunidade entendem seus compromissos de princípio per manentes e suas estratégias políticas operacionais Assim Hércules prestará cada vez mencs atenção ao histórico legisla tivo original e aqui mais uma vez seu método contrasta com a teoria da intenção do locutor que se ocupa apenas com as 11 Na Inglaterra uma peça essencial da legislação trabalhista a Lei de Consolidação da Proteção ao Trabalhador de 1978 foi várias vezes emenda da tanto por governos trabalhistas como conservadores desde sua promulga ção As declarações mais contemporâneas do propósito legislativo são melhores guias inclusive para as seções da lei que não foram emendadas do que as declarações anteriores diretamente pertinentes a íssas seções Devo esse exemplo a Sheldon Leader AS LEIS 419 declarações contemporâneas à promulgação da lei Hércules interpreta a história em movimento porque o relato que ele de ve tornar tão bom quanto possível é o relato inteiro através de sua decisão e para além dela Não emenda leis antiquadas para adaptarse a novos tempos como sugeriria a metafísica da in tenção do locutor Reconhece em que se transformaram as ve lhas leis desde então Quando a linguagem é clara Preciso agora pagar uma dívida que se vem tornando cada vez maior Venho perguntando como Hércules deve ler uma lei quando sua linguagem não for clara ou seja quando seu senti do não se impõe por si mesmo Mas como ele decide se é clara caso em que nada mais tem a fazer ou obscura caso em que precisa mobilizar o aparato complexo e politicamente sofisti cado que acabo de descrever Isso parece agora uma distinção muito importante Como fazêla Não é preciso fazêla A distinção que tomei por base é apenas um recurso explicativo que não precisa ocupar lugar algum no final da teoria de Hércules Examiqemos em que maneiras ou sentidos diferentes se poderia afirmar que o texto de uma lei é obscuro Poderia conter um termo ambíguo cujo significado não estivesse decisivamente resolvido pelo contex to Poderia declarar por exemplo que sírá considerado crime ser encontrado a cinqüenta metros de distância de um banco após o anoitecer sem nada que indique se o banco em questão é um edifício onde se guarda dinheiro ou um lugar onde as pessoas podem se sentar Poderia conter um termo vago que na prática não pode manterse vago poderia declarar por exemplo que os idosos estão isentos do imposto de renda Po deria utilizar um termo abstrato como razoável ou eqüitati vo de modo que seria lícito esperar que as pessoas divergis sem quanto a saber se alguma decisão ou íei atende à norma que o termo abstrato é utilizado para especificar Esses são tipos ou ocasiões conhecidos de obscuridade lingüística Nenhum 420 O IMPÉRIO DO DIREITO corresponde aos dois casos que tomamos como exemplos ca racterísticos das dificuldades de aplicação das leis Tanto no caso Élmer quanto no do snail darter os juizes discordaram sobre o modo como a lei deveria ser interpretada e tanto os estudantes quanto os estudiosos do direito continuam a discor dar Contudo não podemos situar a obscuridade do texto na ambigüidade na falta de clareza ou na abstração de uma pala vra ou de uma expressão e m particular contida nas leis que provocaram tais casos Será a lei dos testamentos obscura quanto à questão de se os assassinos podem herdar Se acharmos que sim só pode ser porque nós mesmos temos alguma razão para pensar que os assassinos não devem herdar Na lei dos testamentos de Nova York nada declara de modo explícito que pessoas de olhos azuis podem herdar mas ninguém acha que a lei seja obscura quanto a se podem ou não Por que é diferente no caso dos as sassinos ou antes por que foi diferente quando se decidiu o caso Élmer Se seguíssemos a teoria da intenção do locutor seríamos tentados a dizer porque temos razões para pensar que os que adotaram a lei não pretendiam que os assassinos herdassem Mas só podemos expiicar essa afirmação de ma neira contrafactual e então percebemos que ela é forte demais Será obscura a questão de se os nazistas podem herdar se pen sarmos que os autores originais da lei não teriam desejado que os nazistas herdassem caso tivessem previsto a ascensão do nazismo É apenas porque nós achamos que o argumento em favor da exclusão dos assassinos de uma lei geral dos testa mentos é um argumento forte sancionado por princípios res peitados em outras partes do direito que a consideramos obs cura nesse aspecto Isso também é absolutamente verdadeiro no que diz res peito à Lei das Espécies Ameaçadas Nossas dúvidas quanto a saber se a lei conferia ao ministro o poder de interromper pro jetos já bem avançados não podem situarse na ambigüidade na imprecisão ou abstração de alguma frase ou palavra Nin guém afirmaria que é obscuro saber se a lei se aplica a todas as barragens ainda que estas não sejam explicitamente meneio AS LEIS 421 nadas Mais uma vez achamos que a lei não é clara com res peito aos projetos iniciados pois a muitos pareceria tolo des perdiçar tanto dinheiro para preservar uma espécie sem atrati vos nem nenhuma importância científica Mas devemos ter o cuidado de não generalizar esse ponto da maneira errada Hércules não vai considerar uma lei obscura quando seu signi ficado acontextual propuser uma decisão que muitos conside ram indevida Este é também um teste extremamente forte muita gente acha que a Lei das Espécies Ameaçadas é errada tragicamente tola do começo ao ftm Mas ninguém diria que por isso é obscuro saber se a lei tem alguma força se o minis tro tem o poder de interromper qualquer projeto em quaisquer cir cunstâncias O qualificativo obscuro é mais o resultado que a oca sião do método de Hércules para interpretar as leis Só chama remos uma lei de obscura quando acharmos que existem bons argumentos para cada uma das duas interpretações em con fronto12 Isso explica por que ninguém mesmo que considere tola a Lei dasEspécíes Ameaçadas se vê tentado a dizer que é obscuro saber se essa lei atribui ao ministro o poder de inter romper qualquer projeto Nenhuma interpretação decente da lei poderia sugerir que ela não prescreve nada apesar de sua linguagem e dos debates e relatórios das comislões das decla rações presidenciais e dos anúncios do Congresso que a outor gou Não quero dizer que ninguém irá afirmar que uma lei é obscura a menos que tenha decididoque sua interpretação acontextual é incorreta Uma pessoa admitirá que ela é obscura se pensar que a questão interpretativa é complexa ou discutí vel mesmo que ao final chegue à conclusão de que a inter 12 A explicação que no texto se dá á controvérsia sobre se uma certa expressão é obscura é ilustrada pela controvérsia sobre a precisão da Lei dos Direitos Civis em United Steelworkers of America vs Weber 443 US 193 discutido em A Matter oj Principie cap 16 e a controvérsia sobre as pala vras restrição ou coerção em NLRB vs AllisChalmers Manufacturing Co 338 US 175 1967 O juiz Black achou claro o sentido literal dessas pala vras enquanto Brennan considerouas intrinsecamente imprecisas Ver id p 179 422 O IMPÉRIO DO DIREITO pretação acontextua é a melhor Contudo a distinção entre leis claras e obscuras assim entendidas não precisa ocupar lu gar algum em nenhuma exposição formal da teoria da legisla ção de Hércules Em particular não serviria do modo como a utilizei na discussão feita até o momento para sugerir um pon to de mutação teórico de tal modo que se a mudança fosse fei ta a interpretação continuaria seguindo uma certa trajetória e se não acontecesse tomaria um caminho diverso Hércules também não precisa de uma distinção préanalí tica ou de um ponto de mutação entre leis claras e obscuras quando a suposta obscuridade na verdade se situa numa pala vra ou frase em particular Uma lei que limite os depósitos bancários não é obscura para nós mas poderia têlo sido em uma comunidade keynesiana de bandos de piratas Hércules considerará uma lei problemática devido à ambigüidade im precisão ou abstração de alguma palavra apenas se houver pelo menos uma dúvida sobre se a lei representaria um melhor desempenho da função legislativa se interpretada de um modo e não de outro Quando não houver dúvida a lei é clara não porque Hércules tenha alguma forma fora de seu método ge ral de distinguir entre os usos claro e obscuro de uma palavra mas porque o método que ele sempre utiliza é de tão fácil apli cação que se aplica por si próprio Temos nesta discussão outro exemplo de um problema freqüentemente encontrado no presente livro que agora po deríamos chamar de problema do caso fácil Temos voltado nossa atenção principalmente para os casos difíceis quando os juristas discordam sobre se uma proposição apresentada como o sentido de uma lei é verdadeira ou falsa Às vezes po rém as questões de direito são muito fáceis para os juristas e mesmo para os leigos É óbvio que o limite de velocidade em Connecticut é de 88 quilômetros por hora e que os ingleses têm o dever legal de pagar pela comida que pedem em um res taurante A não ser em circunstâncias muito incomuns isso é realmente óbvio Um crítico poderia então verse tentado a dizer que a complexa descrição que fizemos do raciocínio ju dicial sob o direito como integridade só é aplicável aos casos AS LEIS 423 difíceis Poderia acrescentar que seria absurdo aplicar o méto do a casos fáceis nenhum juiz precisa considerar questões de adequação e de moral política para decidir se alguém deve pa gar sua conta telefônica e então declarar que além de sua teoria sobre os casos difíceis Hércules precisa de uma teoria sobre quando os casos são difíceis para saber quando seu complexo método para os casos difíceis é ou não apropriado O critico então anunciará um grave problema pode ser difícil saber se o caso em questão é difícil ou fácil e para decidir Hércules não pode usar sua técnica para casos difíceis sem re correr numa petição de princípio11 Esse é um pseudoproblema Hércules não precisa de um método para os casos difíceis e outro para os fáceis Seu méto do aplicase igualmente bem a casos fáceis uma vez porém que as respostas às perguntas que coloca são então evidentes ou pelo menos parecem sêlo não sabemos absolutamente se há alguma teoria em operação Incluímos entre os casos fáceis a questão de saber se legalmente alguém pode dirigir mais rápido que o limite de velocidade estipulado porque ad 13 Ver Allan Hutchinson e John Wakefield A Hard Look at Hard Cases 2 Oxford Journal of Legal Siudies 86 1982 14 Um simples programa de xadrez para computador revê todos os movimentos permitidos antes de mover qualquer peça Não estabelece ne nhuma distinção entre casos fáceis e difíceis Se a rainha estiver en pris c só um movimento puder salvála o programa aindp assim examinará solene mente e rejeitará todos os movimentos que puderem levar à perda da rainha Ao contrário do computador eu ajo de forma diferente quando acho que o caso é fácil Não examino as conseqüências de cada movimento que leva à captura da rainha apenas a movimento de modo a deixála fora de perigo Isso nâo mostra que utilizo uma distinção anterior entre casos fáceis e difíceis como um interruptor e aplico uma teoria diferente daquilo que nos casos fáceis faz com que no xadrez um lance seja bom Os melhores jogadores têm um instinto que pode alertálos em certos casos que considero fáceis para a possibilidade de um brilhante gambito da rainha Assim poderiam considerar brevemente pelo menos alguns movimentos que eu nâo consideraria Os bons jogadores e eu fazemos a distinção entre casos difíceis e fáceis de modo diferente não por usarmos teorias diferentes sobre o que faz com que um lance seja bom mas porque temos uma habilidade diferente para aplicar a mesma teoria que compartilhamos 424 O IMPÉRIO DO DIREITO mitimos de imediato que nenhuma análise dos documentos ju rídicos que negasse esse paradigma seria adequada Contudo uma pessoa cujas convicções sobre justiça e eqüidade fossem muito diferentes das nossas poderia não achar essa pergunta tão fácil mesmo que terminasse por concordar com nossa res posta insistiria em dizer que estávamos errados por ser tão confiantes Isso explica por que questões consideradas fáceis durante um certo período tomamse difíceis antes de se torna rem novamente fáceis com as respostas opostas Capítulo X A constituição O direito constitucional estaria baseado em um erro Começamos com um relato desalentador sobre a situação do debate popular sobre o modo como os juízes devem decidir seus casos Nos Estados Unidos o debate é mais acalorado e mais confuso quando os juízes em questão pertencem à Su prema Corte e os casos em pauta sào eventos constitucionais que questionam se o Congresso algum estado ou o presidente têm o poder legal de fazer algo que um ou outro tentou fazer A Constituição confere poderes limitados a essas instituições e estabelece importantes vedações a cada uma delas Recusa ao Senado o poder de propor leis envolvendo matéia financeira e nega ao comandanteemchefe o poder de alojar soldados em residências particulares em tempos de paz Outras restrições são notoriamente abstratas A Quinta Emenda insiste em que o Congresso não tome a vida a liberdafle ou a propriedade sem o devido processo legai a Oitava Emenda proscreve as penas cruéis e incomuns e a Décima Quarta Emenda que dominou o nosso exemplo do caso Brown exige que nenhum estado negue a qualquer pessoa a igualdade perante a lei Disso tudo não decorre como uma questão de lógica in flexível que a Suprema Corte tenha o poder de decidir quando tais limites foram transgredidos Pois a Constituição poderia ter sido interpretada como estabelecendo diretrizes ao Con gresso ao presidente e aos detentores da autoridade pública 426 O IMPÉRIO DO DIREITO que estes tivessem o dever legal e moral de obedecer mas fa zendo deles os seus próprios juízes A Constituição teria então desempenhado um papel muito diferente e muito mais fraco na política norteamericana teria servido de pano de fiando para debates políticos entre diferentes instituições sobre os limites de sua jurisdição constitucional e não como fonte de autorida de de uma dessas instituições os tribunais para fixar tais limi tes às demais Em 1803 a Suprema Corte teve a oportunidade de rejeitar esse papel mais frágil1 Seu presidente John Marshall afirmou que o poder e o dever da Corte de fazer cumprir a Constituição derivava da própria declaração contida nesse do cumento de que a Constituição era a norma jurídica suprema do país Marshall tem sido muitas vezes acusado nos longos de bates que ainda não cessaram de incorrer sistematicamente em petições de princípio Essa acusação é fácil de sustentar a partir da perspectiva do direito como simples matéria de fato que consideramos e rejeitamos no início deste livro perspec tiva que insiste em uma sólida distinção analítica entre as ques tões legais sobre o que é o direito e as questões políticas sobre se os tribunais devem ou não aplicar o direito Se tal distinção fosse bem fundada certamente não poderíamos chegar a ne nhuma conclusão sobre o que deveria fazer qualquer tribunal a partir da proposição de que o direito norteamericano inclui a Constituição que é apenas uma declaração sobre a natureza do direito O direito como integridade ao contrário apóia o argu mento dc Marshall Ele estava certo em pensar que a interpre tação mais plausível das práticas legais em desenvolvimento no jovem país bem como de suas raízes coloniais e inglesas pressupunham que uma importante parte da finalidade do di reito era fornecer normas para as decisões dos tribunais A his tória confirmou a dimensão substantiva dessa interpretação Os Estados Unidos são uma sociedade mais justa do que te riam sido se seus direitos constitucionais tivessem sido confia I Marbury vv Madison 5 IJ S I Cranch 137 1803 A CONSTITUIÇÃO 427 dos à consciência de instituições majoritárias2 Em todo caso Marshall decidiu que os tribunais em geral e a Suprema Corte em última instância têm o poder de decidir pelo governo como um todo o que a Constituição pretende dizer e de declarar in válidos os atos de outros órgãos públicos sempre que excede rem os poderes que lhes são outorgados pela Constituição cor retamente entendida Sua decisão foi aceita pelo menos nessa forma abstrata e a prática constitucional subseqüente consoli douse firmemente em torno dela Nenhuma interpretação se ajustaria a essa prática se ela negasse os poderes que Marshall lhe atribuiu Mesmo os que acham que ele cometeu um erro admitem que quase dois séculos de prática colocaram sua posi ção para além de qualquer contestação enquanto proposição jurídica e agora as batalhas constitucionais são travadas no terreno por ela definido A questão crucial agora não é saber que poder tem a Corte Suprema mas como deve ser exercido seu vasto poder Deveria ela empenharse em fazer cumprir toda a Constituição inclusive as cláusulas que para serem interpretadas exigem um julga mento quase que exclusivamente político Deveria decidir por exemplo se os detalhes da estrutura constitucional de algum es tado garantem a forma republicana de governoque a Consti tuição federal exige ou será que deveria deixar tal decisão a cargo do Congresso ou do próprio estado Que estratégia a Cor te deveria utilizar para interpretar e aplicais cláusulas constitu cionais que ela tem a autoridade de aplicar Deveria submeter se até certo ponto ao julgamento do Congresso ou da legislatu ra de um estado para saber se alguma forma de punição como a morte é cruel e incomum no sentido da Oitava Emenda ou se 2 Não ofereço nenhum argumento para essa afirmação categórica para fazêlo precisaria escrever outro livro Teria de levar em conta entre outras coisas que os registros da Suprema Corte carecem de regularidade que as ins tituições que chamo de majoritárias nem sempre ou nunca como diriam alguns representaram as opiniões ou os interesses da maioria dos cidadãos e que a Corte às vezes exerceu o poder que como declarou Marshall tomaria essas instituições mais majoritárias do que teriam sido de outro modo 428 O IMPÉRIO DO DIREITO algum esquema de divisão racial na educação concede ou não às crianças a igual proteção da Décima Quarta Emenda Deveria aceitar o julgamento dessas instituições a menos que as consi dere totalmente equivocadas ou deveria substituílas sempre que preferisse uma decisão diferente Em qualquer caso que crité rio deveria usar para determinar quais decisões são totalmente erradas ou erradas em termos gerais Liberais e conservadores A imaginação popular situa os juízes em campos opostos de acordo com as respostas que pressupõe que dariam a per guntas desse tipo Considera alguns juízes liberais e outros conservadores e em geral parece preferir estes últimos A base dessa distinção contudo é de difícil definição e uma in terpretação conhecida contribuiu para o lamentável caráter do debate público As pessoas dizem que os juízes conservadores obedecem à Constituição ao passo que os liberais tentam re formála segundo suas próprias convicções Reconhecemos a falácia contida em tal descrição Ela ignora o caráter interpre tativo do direito Os juízes considerados liberais e os chamados conservadores estão de acordo quanto às palavras que formam a Constituição enquanto texto préinterpretativo Divergem so bre o que é a Constituição enquanto direito pósinterpretativo sobre as normas que mobiliza para avaliar os atos públicos Cada tipo de juiz tenta aplicara Constituição enquanto direito segundo seu julgamento interpretativo do que elaé e cada tipo acha que o outro está subvertendo a verdadeira Constituição Desse modo é inútil e injusto classificar os juízes segundo seu grau de fidelidade a seu juramento Também não é ciaro que a distinção popular entre juízes conservadores e liberais tenha alguma utilidade Juízes que fo ram considerados liberais quando de suas nomeações mais tar de passaram a ser vistos como conservadores Felix Frankfur ter é o exemplo mais notório e juízes que parecem conserva A CONSTITUIÇÃO 429 dores em certo sentido porque tomam decisões que agradam pessoas de opiniões politicas conservadoras parecem liberais até mesmo radicais em outro sentido porque ao fazêlo igno ram o precedente constitucional30 direito como integridade for nece uma grade de classificação um tanto mais precisa através de sua distinção analítica entre as dimensões da interpretação Se insistimos em classificar os juízes segundo um espectro li beralconservador precisamos fazer a distinção separadamen te para duas dimensões e criar assim quatro compartimentos em vez de dois Um juiz será considerado conservador na pri meira dimensão se suas convicções sobie a adequação forem estritas se exigir por exemplo que qualquer interpretação da doutrina constitucional corresponda às convicções concretas dos fundadores da Constituição ou diferentemente dos juizes ante riores da Suprema Corte Será considerado liberal na primeira dimensão quando suas opiniões sobre a adequação forem mais flexíveis Uma distinção paralela pode ser traçada ao longo da dimensão substantiva Um juiz será considerado conservador se as convicções políticas que expressa ao escolher entre as interpretações aceitáveis em termos de adequação forem aque las que associamos ao conservadorismo político se ele favore cer uma filosofia retributiva de punição por Jíxemplo ou a livre empresa no campo econômico Ele será considerado libe ral nessa dimensão se suas convicções políticas forem aque las que os liberais normalmente defendem Esse novo esquema classificatório é menos rígido que a simples distinção entre juízes liberais e juízes conservadores Mesmo assim é possível que um juiz em particular não se ajuste com facilidade aos dois ou quatro compartimentos que ele define Tal juiz poderia combinar posições conservadoras 3 0 juiz John Paul Stevens criticou recentemente certos colegas juízes que considera incoerentes De m o d o geral diz ele esses juízes são tidos como conservadores e ainda assim têm revisado radicalmente partes inteiras do direito constitucional em vez de decidirem cada caso que aparece em ba ses não mais amplas do que o necessário para tomarem sua decisão Ver New York Times 5 de agosto de 1984 A l col 1 430 O IMPÉRIO DO DIREITO quanto a alguns aspectos de adequação com opiniões mais fle xíveis quanto a outras Poderia pensar por exemplo que a Cons tituição não pode ser interpretada como proibindo a pena de morte pois os fundadores certamente não pensavam estar ex cluindo a pena de morte da doutrina jurídica americana e ainda assim poderia recusarse a aceitar como argumento oposto as decisões anteriores da Corte que consideravam a pena de morte inconstitucional em algumas circunstâncias Outro juiz poderia inverter essas premissas interpretativas poderia desinteressar se pelos pontos de vista dos remotos fundadores da Constituição e ainda assim mostrarse ansioso por preservar a continuidade na cadeia das decisões da Suprema Corte sobre um problema qualquer Um juiz poderia combinar pontos de vista fundamen tais tradicionalmente liberais e conservadores O presidente da Suprema Corte o juiz Earl Warren por exemplo aparentemente tinha convicções igualitárias sobre a justiça econômica e pontos de vista conservadores sobre a pornografia1 Historicismo A intenção do fundador como intenção do locutor A distinção entre juízes liberais e conservadores é por tanto inexata e é improvável que contribua de maneira signifi cativa para qualquer análise séria do julgamento da constitu cionalidade A erudição acadêmica explorou recentemente 4 Comparar com Roth vj United States 354 US 476 49496 1957 Warren C J de acordo com a maioria material obsceno não protegido pela Primeira Emenda e Jacobeüis vs Ohio 378 US 184199203 1964 Warren C J dissidente referindose ao direito da nação e dos estados a manter uma sociedade decente com Griffin vs Illinois 351 US 12 1956 acusados cri minais indigentes não podem ser constitucionalmente obrigados a pagar por uma transcrição do julgamento para obter a revisão judicial do processo Dou glas ví Califórnia 372 US 353 1963 o Estado deve fornecer aos acusados criminais indigentes um advogado para recorrer como de direito e Harper vj Virgínia Board of Eleclions 383 US 663 1966 subordinar o direito de voto ao pagamento de uma taxa cobrada aos votantes é inconstitucional A CONSTITUIÇÃO 431 uma distinção diferente que divide os juízes em dois campos o interpretativo e o não interpretativo Esses rótulos são também extremamente enganosos Sugerem uma distinção eníre os jui zes que acreditam que as decisões constitucionais devem ba searse somente ou principalmente na interpretação da pró pria Constituição e outros para os quais deveríamos funda mentálas em bases extraconstitucionais5 Essa é uma forma acadêmica do grosseiro equívoco popular de que alguns juízes obedecem à Constituição e outros a desconsideram É um erro que ignora o caráter filosófico do direito como interpretação Qualquer juiz consciencioso em qualquer desses campos opos tos é um adepto da interpretação em seu sentido mais amplo cada um tenta impor a melhor interpretação a nossa estrutura e prática constitucionais para poder vêlas em sua melhor pers pectiva Divergem sobre qual seja a melhor interpretação mas é um erro analítico uma infecção localizada deixada pelo agui lhão semântico confundir isso com uma divergência quanto a se o julgamento da constitucionalidade deve ser interpretativo Os grandes debates sobre o método constitucional são debates dentro da interpretação não a respeito de sua importância Se um juiz acha que as intenções dos fundadores da Constituição são muito mais relevantes do que um outro acredita que são isso é resultado de uma divergência interpretatiJfi mais funda mental O primeiro acha que a eqüidade ou a integridade exige que qualquer interpretação bem fundada corresponda ao esta do de espírito dos fundadores o último ngp concorda Ainda assim é bastante fácil corrigir a distinção acadêmi ca do modo que se segue Podemos utilizar o termo historicis ta para nos referir ao que ela chama de interpretativista Um historicista dizemos agora decidiuse por um tipo de presta 5 Ver John Hart Ely Democracy and Dislrusl A Theory of Judicial Review Cambridge Mass 1980 M Perry The Conslilulion lhe Couris and Human Rights An Inquiry inlo lhe Legitimacy of Conslilutional Policy making by lhe Judiciary New Haven 1982 R Bork Neutral Principies and Some First Amendment Problems 47 Indiana Lav Journal 1 1971 Thomas Grey Do W e Have an Unwritten Constitution 27 Sianford Luw Review 7031975 432 O IMPÉRIO DO DIREITO ção jurisdicional em matéria constitucional que limita as inter pretações aceitáveis da Constituição aos princípios que expri mem as intenções históricas dos fundadores Ele não aceitará que a cláusula de igualdade perante a lei tome injurídica a segregação imposta pelo Estado a menos que esteja convenci do de que aqueles que considera como fundadores da Cons tituição pensavam desse modo Ou um pouco mais fragilmen te a menos que esteja convencido de que os fundadores não achavam que a cláusula não proscrevia a segregação De fato a Décima Quarta Emenda foi proposta por legisladores que pen savam não estar proscrevendo a segregação racial na esfera da educação O chefe do plenário que apresentou a carta dos direitos civis que precedeu à emenda disse à Câmara que direitos civis não significam que todas as crianças devem fre qüentar a mesma escola6 e o mesmo Congresso manteve a segregação nas escolas do distrito de Colúmbia depois que a Décima Quarta Emenda passou a fazer parte da Constituição Para o historicista seguese que a cláusula de igualdade peran te a lei não toma a segregação inconstitucional À primeira vista o historicismo parece ser apenas uma forma constitucional da teoria popular que estudamos no capí tulo IX a teoria de que as leis devem ser interpretadas segundo as intenções de seus autores Se entendermos tratarse de uma versão tosca da teoria da intenção do locutor ela toma o estado de espírito daqueles que discutiram e promulgaram a Consti tuição um elemento decisivo sobre a interpretação a ser dada a sua linguagem abstrata Ela identifica para cada cláusula um momento canónico de criação e insiste em que aquilo que os fundadores pensavam na época por mais peculiar que possa nos parecer agora esgota a Constituição que temos No capitu lo IX rejeitamos a versão da intenção do locutor sobre a teoria da intenção legislativa por razões que também se sustentam na arena constitucional Consideramos uma versão diferente e mais atraente a de que as leis devem ser interpretadas de modo a con 6 Citado em Raoul Berger Government hy Judiciary 11819 Cambrid ge Mass 1977 A CONSTITUIÇÃO 433 formarse às convicções a partir das quais votaram seus auto res Quando Hermes explorou essa versão achou necessário identificar e reconciliar os conflitos dentro das convicções de cada legislador interpretando o histórico do legislador como um todo e então achou necessário combinar as convicções reestruturadas de diferentes legisladores individuais num siste ma geral de convicções institucionais Logo percebeu que seria melhor interpretar uma lei de modo direto perguntandose qual conjunto de convicções forneceria a melhor justificativa para ela em vez de a melhor interpretação dos votos a seu favor um a um pois nenhuma fórmula para combinar as convicções indi viduais seria apropriada a menos que produzisse o mesmo re sultado que uma interpretação construtiva da própria lei Um historicista convicto de que a interpretação da Cons tituição deve coincidir com as intenções dos fundadores irá de parar com as mesmas dificuldades encontradas por Hermes e se for criterioso acabará tendo o mesmo ponto de vista Em primeiro lugar dirá que a Décima Quarta Emenda deve ser in terpretada da rpaneira que melhor atenda às convicções dos congressistas e dos outros legisladores que votaram a favor Ele então descobrirá que esses estadistas tinham uma grande variedade de opiniões políticas pertinentes à segregação racial Sua convicção dominante era abstrata a Conltituição deve exigir que o direito trate todos os cidadãos como iguais É a convicção que realmente descreveram na linguagem que exigia a igualdade perante a lei Muitos delesralém disso tinham a convicção concreta de que a segregação racial não violava essa exigência mas o historicista comprometido em seguir suas convicções como um todo deve perguntarse se essa convic ção concreta era de fato coerente com a predominante ou se era um malentendido compreensível nas circunstâncias da quilo que a convicção dominante realmente exigia Se o pró prio historicista acreditar que a segregação racial é incoerente com a concepção de igualdade que os fundadores aceitavam num nível mais abstrato ele vai achar que a fidelidade às suas convicções como um todo exige que a segregação seja consi derada como anticonstitucional Ele pode adotar um ponto de 434 O IMPÉRIO DO DIREITO vista diferente o de que as circunstâncias mudaram de tal modo que embora a segregação fosse coerente com taf con cepção no final do século XIX agora deixou de sêio Então ele também pensará que a fidelidade exige que se declare a segregação inconstitucional Seria uma confusão filosófica aqui e nos casos da legislação que examinamos no capítulo IX negar que as convicções dos fundadores da Constituição pu dessem ter estado em conflito Eles estavam comprometidos com o princípio de que o direito deve tratar as pessoas como iguais e os compromissos são na linguagem por mim utiliza da naquele capítulo transparentes e não opacos Temos bons motivos para pensar que os próprios fundadores entenderam isso que não acreditavam que a Constituição devesse ser inter pretada de maneira opaca ou que nada poderia violar a Dé cima Quarta Emenda a não ser aquilo que achavam que a vio lava7 Contudo mesmo que realmente acreditassem que as Cons tituições deviam ser interpretadas como opacas um historicis ta ainda assim teria que decidir se cai convicção era coerente com sua convicção mais abstrata e necessariamente transpa rente de que os Estados Unidos deveriam a partir de então tratar todos como iguais perante a lei8 Assim o problema interpretativo do historicista não está resolvido mas tãosomente colocado ao se observar que os fundadores não pensavam que sua cláusula condenava a segre gação racial entre as escolas Ele precisa ainda recuperar suas convicções mais abstratas perguntandose que concepção de igualdade se deve entender que elas estabeleceram Poderia ten tar fazer isso para cada um dos fundadores estudando seus es 7 Ver H Jefferson Powell The Original Understanding of Original Inient 98 Harvard Law Review 885 1985 8 Explorei essa distinção entre uma interpretação opaca e uma inter pretação transparente de cláusulas constitucionais abstratas em Taking Rights Seriousty pp 134 ss Comparei a interpretação constitucional ao problema vivido por um filho cujo pai o ensinou a ser justo Afirmei que seu pai o imbuiu do conceito de justiça e não da concepção particular de justiça que o pai tinha quando deu as instruções Ver também Dworkin A Matler of Prin cipie cap 2 A CONSTITUIÇÃO 435 critos e declarações pertinentes se algo assim existe e seus votos em outras questões Mais uma vez porém seria melhor que olhasse diretamente para a estrutura geral das emendas que criaram em conjunto após a Guerra Civil vistas como parte do sistema constitucional mais geral que instituíram e perguntar que princípios de igualdade são necessários para justificar tai estrutura Só quando já identificou e apurou esses princípios poderá decidir sensatamente se em sua opinião a opinião con creta dos fundadores sobre a segregação é coerente com suas convicções mais abstratas sobre a igualdade Se decidir que não são seu voto de fidelidade exigiria que as ignorasse Seu historicismo está destruído ele está muito longe de apoiarse exclusivamente naquilo que os fundadores pensavam sobre essa questão em particular História eqüidade e integridade Poderíamos encontrar um argumento mais forte em favor do historicismo ao supor que o historicista rejeita qualquer forma da teoria da intenção do locutor e segue o método muito diferente de Hércules para interpretar as leis Elevê as afirma ções sobre a segregação racial nos primeiros detrates legislati vos não como chaves para as convicções ou os estados de espí rito interiores mas como fatos políticos e tem uma teoria polí tica que esclarece melhor a história constitucional quando a Constituição é interpretada exatamente como essas declara ções enunciam Mas que teoria política justificaria essa bizarra conclusão É fácil encontrar maus argumentos políticos que seriam claramente inadequados O historicista poderia dizer que as declarações históricas dos fundadores da Constituição devem ser decisivas porque a Constituição é direito e porque o conteúdo do direito é estabelecido pelas intenções publica mente declaradas por seus autores Tratase de uma petição de princípio demasiado grosseira Sua tarefa consiste em mostrar por que a Constituição enquanto direito deve ser compreendi da como aquilo que os fundadores pensaram concretamente que 436 O IMPÉRIO DO DIREITO fosse e ele não pode simplesmente pressupor que é preciso entendêla desse modo Ele poderia dizer que as declarações dos fundadores são decisivas porque eles pretenderam que assim o fossem Isso é tolç por duas razões não temos nenhum indício dessa metaintenção e mesmo que tivéssemos aplicá la equivaleria mais uma vez a incorrer em petição de prin cípio Suponhamos que um congressista dissesse oui quan do lhe perguntassem se suas leis eram válidas se escritas em francês O historicista poderia dizer que a democracia do modo como entende tal conceito exige que os governantes escolhidos pelo povo para criar uma Constituição tenham o poder de deci dir o que ela quer dizer Mas a descrição abstrata de democra cia a de que as pessoas devem escolher os seus governantes não indica em si mesma até que ponto as declarações não for malizadas em lei desses governantes entram no direito por eles criado Portanto ele deve adicionar algum argumento mais concreto sobre a eqüidade a seu apelo geral à democracia Deve mostrar por que o pressuposto da democracia de que as pes soas devem ter grosso modo uma influência igual sobre a legislação resulta em seu método de decidir o que a Consti tuição quer dizer Não pode ter a certeza de que será bemsuce dido Os fundadores da Constituição original eram extraordina riamente pouco representativos do povo como um todo Nào foram escolhidos de aigum modo sancionado por um direito na cional anterior e uma parcela majoritária da população inclusi ve mulheres escravos e pobres foi excluída do processo que os escolheu e ratificou a Constituição Tampouco a democracia era suficientemente avançada mesmo na época das emendas poste riores à Guerra Civil para oferecer um argumento democrático de eqüidade que nos permita considerar as opiniões concretas dos legisladores como bons indícios de qual era a opinião pública na época Além desses defeitos a eqüidade não pode explicar por que as pessoas agora devem ser governadas pelas 9 Temos indícios de que nào linham essa metaintençâo Ver Powell acima n 7 A CONSTITUIÇÃO 437 minúcias das convicções políticas de pessoas eleitas muito tempo atrás quando a moral popular as circunstâncias econô micas e quase tudo o mais era muito diferente Como pode a eqüidade afirmar que a Constituição permite que determinados estados pratiquem oficialmente a segregação racial apenas por que em outros tempos isso era aceitável para os detentores do poder em toda a nação sem levar em conta o que hoje pensa a maioria das pessoas na maior parte dos estados No capítulo anterior demos mais atenção a um argumento diferente em favor de se levarem em conta as declarações fei tas no processo legislativo pelo menos quando estas fossem feitas de modo formal Esse é o argumento proveniente da integridade no processo político segundo o qual tais declara ções são parte da história política de uma comunidade e a his tória política aparece em sua melhor luz quando as leis e po demos agora acrescentar as constituições são interpretadas de modo a se ajustarem às declarações formais de propósito e convicção Mas também observamos o quanto esse argumento é sensível ao tsmpo Não poderia ser mais frágil do que é no presente contexto quando as declarações foram feitas não ape nas em circunstâncias políticas diversas mas por e para uma forma de vida politica totalmente diferente Seri tolice consi derar as opiniões dos que primeiro votaram a Décima Quarta Emenda como um reflexo da moral pública dos Estados Uni dos um século depois quando a questão racial sofreu modifi cações em quase todos os aspectos Sefia também perverso negaria à comunidade o poder de mudar seu senso público de finalidade o que significa negar que ela possa ter quaisquer fi nalidades públicas Estabilidade Deveríamos parar de impingir maus argumentos ao histo ricista e tentar elaborar o melhor argumento que pudermos Este é acredito muito semelhante ao principal argumento que consideramos para o convencionalismo enquanto concepção 438 O IMPÉRIO DO DIREITO gerai do direito10 O direito serve melhor sua comunidade quando é tão preciso e estável quanto possível e isso se aplica particularmente ao direito fundamental constitucional Isso oferece uma razão geral para ligar a interpretação das leis e de uma constituição a algum fato histórico que seja pelo menos em princípio identificável e imune a convicções e alianças efêmeras O teste do autor histórico satisfaz essa condição me lhor que qualquer alternativa Em sua versão mais forte que não permite nenhuma interpretação de um dispositivo constitu cional não extraída das intenções concretas dos autores históri cos confere ao direito constitucional uma qualidade unilateral e portanto propicia a maior estabilidade e previsibilidade pos síveis A Constituição não será invocada para anular alguma decisão legislativa ou executiva a menos que o saber histórico tenha demonstrado que esse resultado era pretendido de algu ma forma concreta Contudo se essa restrição unilateralista for considerada por demais restritiva a forma mais frágil oferece rá mais estabilidade do que qualquer estilo interpretativo que menospreze as intenções históricas em sua totalidade Nenhu ma lei ou decisão será anulada se se puder demonstrar em bases históricas que os autores da Constituição esperavam que isso não acontecesse O historicismo secundado por esse argumento da estabi lidade oferece uma interpretação decente da prática constitu cional norteamericana A versão mais forte do historicismo não se ajusta de modo algum a essa prática A Suprema Corte não adotou uma atitude unilateralista a respeito da jurisdição constitucional reconheceu os direitos constitucionais que os fundadores da Constituição não contemplaram A versão mais frágil se ajusta melhor à prática exatamente por ser mais frágil e pode ajustarse bem o bastante para sobreviver se o argumen to da estabilidade for suficientemente forte em substância A 10 N i o quero dizer que nesse sentido o historicismo seja em si mesmo uma descrição convencionalista do direito constitucional Não pode sêlo pois não temos nenhuma convenção cuja extensão explicita inclua a proposição de que as intenções concretas dos fundadores fixam o direito constitucional A CONSTITUIÇÃO 439 Corte freqüentemente aplicou a Constituição com resultados que talvez tivessem desconcertado seus defensores dos sécu los XVIII e XIX O caso Brown é um exemplo a pena de mor te o aborto e as decisões de redistribuição eqüitativa são ou tros É possível porém que tais exemplos não sejam tão nu merosos e que em termos gerais sejam por demais limitados a tribunais e períodos específicos para permitirem que o histo ricista os veja como erros Não podemos simplesmente rejei tar essa afirmação como dissimulada como se mascarasse o que é realmente invenção e não interpretação Na verdade o argumento da estabilidade é bastante independente de qual quer concepção particular sobre a justiça ou a eqüidade da se gregação da pena de morte e da legislação antiaborto de mo do que um juiz que aceita o historicismo mais frágil pode muito bem ter dificuldade em pôr em prática suas outras ten dências e atitudes políticas Portanto devemos ver o argumento da estabilidade como um argumento de moral política Eis o que ele declara uma comunidade política com uma constituição escrita será melhor a longo prazo mais eqüitativa mais justa e portanto mais bemsucedida se assegurar a estabilidade subordinando a cor reta interpretação de tal constituição às opiniões concretas de seus autores não importando quão obsoletas possam ser e não às decisões interpretativas contemporâneas que podem contra dizêlas Será isso plausível Às vezes a certeza do direito é mais importante do que aquilo que o dirâfito é isso é verdadei ro para as leis de trânsito por exemplo e talvez para as regras que definem direitos e obrigações relativos a papéis comer ciais negociáveis Nem sempre porém é verdadeiro O direito como integridade é sensível ao diferente valor marginal da cer teza e da previsibilidade em diferentes circunstâncias Quando a certeza é especialmente importante como nos instrumentos negociáveis o fato de determinada regra ter sido reconhecida e aplicada a casos anteriores constituirá um forte argumento para o lugar que ocupa na melhor interpretação dessa parte do direito Quando a certeza for relativamente desimportante seu poder no argumento interpretativo será correspondentemente 440 O IMPÉRIO DO DIREITO mais fraco quando observei isso pela primeira vez no capítulo IV citei casos constitucionais como paradigmas O argumento político do historicista se baseia sobretudo na importância da certeza exatamente quando esta virtude é menos importante para um bom governo No que diz respeito a certos problemas constitucionais importa mais que o direito seja estabelecido do que saber exatamente o que é o direito Importa muito mais que a duração do mandato do presidente seja estabelecida e não aberta a considerações por parte da Su prema Corte de tempos em tempos do que saber exatamente qual é essa duração A certeza remete à essência e a questão deve ser mantida ao longe dos interesses pessoais e do oportu nismo político a curto prazo Se os fundadores não tivessem compreendido isso se nâo tivessem redigido suas decisões or ganizacionais básicas em uma linguagem que admitisse ape nas uma única interpretação sua constituição não teria sobre vivido de modo a estar hoje preocupando a doutrina Contu do nem todos os problemas constitucionais sào desse tipo Em alguns importa muito que se chegue a uma determinação mas nem sempre importa mais que a natureza dos detalhes de tal determinação Para o funcionamento de um sistema de gover no federal é certamente muito importante que a distribuição do poder entre as administrações nacionais e locais seja tão es tável e precisa quanto possível Mas também é importante saber a qual unidade política se atribui um poder ou uma responsabi lidade específicos o poder de regular uma forma particular de comércio por exemplo ou a responsabilidade de financiar a educação pública ou a política educacional Quando o direito como integridade interpreta a prática constitucional para deci dir como a Constituição distribui alguma responsabilidade es pecífica entre as jurisdições leva em consideração a estabilida de mas também observa que uma decisão poderia combinar melhor com o esquema geral de federalismo existente Há uma terceira classe de problemas constitucionais cujo equilíbrio é diferente Em qualquer interpretação aceitável al gumas cláusulas reconhecem os direitos individuais contra o Estado e a nação liberdade de expressão processo legal devi A CONSTITUIÇÃO 441 do em ações criminais tratamento igualitário na disposição dos recursos públicos aí incluída a educação A estabilidade na in terpretação de cada um desses direitos considerados um por um tem alguma importância prática Mas por se tratar de questões de princípio a substância é mais importante do que esse tipo de estabilidade Em qualquer caso a estabilidade cru cial é a da integridade na medida do possível o sistema de direitos deve ser interpretado como a expressão de ama con cepção coerente de justiça Isso não poderia ser obtido através da forma frágil de historicismo que liga os juízes às opiniões concretas dos governantes históricos que criaram cada direito até onde tais opiniões concretas possam ser descobertas mas pedelhes para utilizar algum outro método de interpretação quando os fundadores da Constituição não tinham nenhuma opinião ou quando esta se perdeu para a história É uma fór mula infalível para produzir incoerência no esquema constitu cional que gera porque os fundadores em diferentes épocas tinham opiniões concretas diferentes sobre as exigências da justiça e porque os juízes que usam métodos nãohistóricos quando essas Jpiniões não podem ser recuperadas terão opi niões concretas diferentes daquelas de qualquer fundador O historicismo forte liga os juízes às intenções históricas concre tas de modo ainda mais firme exige que tratejh essas inten ções como se esgotassem totalmente a Constituição Mas isso equivale a negar que a Constituição expressa princípios pois não se pode considerar que estes parem ali onde também pa ram o tempo a imaginação e os interessís de algum governan te histórico A Constituição leva os direitos a sério já o mesmo não se pode dizer do historicismo Passivismo Algumas confusões conhecidas É preciso distinguir o historicismo de uma teoria ainda mais influente da prática constitucional que chamarei de passi vismo Seus partidários distinguem entre o que chamam de 442 O IMPÉRIO DO DIREITO abordagem ativa e passiva da Constituição Os juízes pas sivos dizem eles mostram grande deferência para com as decisões de outros poderes do Estado o que é uma qualidade do estadista enquanto os ativos declaram essas decisões incons titucionais sempre que a desaprovam o que é tirania Eis aqui uma afirmação e uma defesa representativas da doutrina passi va As grandes cláusulas constitucionais que nossos irmãos ativos invocam para anular o que foi feito pelo Congresso pelo presidente ou pela legislação de algum estado são apresentadas em uma linguagem muito genérica e abstrata Todos terão uma opinião diferente sobre o que querem dizer Seu sentido tam bém não pode ser determinado do modo como pensam os his toricistas mediante uma consulta às intenções concretas dos fundadores pois estes freqüentemente não tinham intenções pertinentes e não temos um modo confiável de descobrir quais eram suas intenções Em tais circunstâncias a teoria democrá tica insiste em que as próprias pessoas devem decidir se a Cons tituição proscreve a segregação assegura a liberdade de aborto ou proíbe a pena de morte Isso significa atribuir ao Estado e aos legislativos nacionais a última palavra sobre essas questões As pessoas só podem contrariar a Suprema Corte mediante o processo complicado e improvável da emenda constitucional que de qualquer modo exige muito mais do que uma maioria simples Podem modificar o legislativo na eleição seguinte 11 Como esse argumento começa pelo pressuposto de que estamos comprometidos com a democracia e que nossas eleições são democráticas o bastante para exigir deferência para com as decisões legislativas é particular mente fraco quando se pede à Corte que decida o que a Constituição conside ra como democracia Ver Ely acima n 5 Assim um passivista precisa de uma outra distinção precisa distinguir as cláusulas constitucionais que prote gem a eqüidade do processo político daquelas que pretendem garantir a justi ça de seus resultados Se ele acredita que o direito à liberdade de expressão ou os direitos que asseguram um tratamento igualitário aos grupos minoritários por exemplo são mais bem interpretados como proteção à eqüidade da demo cracia norteamericana então nào tem motivo para acatar a opinião das auto ridades eleitas a propósito dc quando esses direitos foram violados De modo geral essa ressalva nào põe em risco a abordagem passiva uma vez que não se aplica a direitos que não são corretamente compreendidos desse modo como os supostos direitos ao aborto ou contra a pena de morte Um juiz passi A CONSTITUIÇÃO 443 Mas essa afirmação de passivismo mistura problemas dife rentes e nosso exame deve começar por uma distinção deles A afirmação parece dirigirse a três questões diferentes ao mesmo tempo A primeira é a questão da aprovação Quem deve fazer a Constituição O direito fundamentai deve ser escolhido por juí zes que não foram eleitos mas nomeados por toda a vida ou de algum modo mais democrático por legisladores eleitos peto povo perante o qual se toma responsável A segunda questão é de competência Que instituição no sistema político norteame ricano tem autoridade para decidir o que a atual Constituição devidamente interpretada realmente exige A terceira é a ques tão jurídica O que a atual Constituição devidamente interpreta da realmente exige Alguns passivistas pensam estar respon dendo à segunda questão a maioria age como se estivesse res pondendo à primeira Mas a terceira a questão jurídica é aquela à qual se devem dirigir se pretendem que sua teoria tenha algu ma importância prática O caso Marbury vs Madison decidiu a segunda a questão da competência pelo menos para o futuro previsível a Su prema Corte queira ou não deve decidir por si mesma se a Constituição proíbe que os estados criminalizem o aborto em certas circunstâncias O passivismo afirma q u e Corte deve exercer esse poder ao adotar como sua a resposta do legislati vo mas esse conselho só se sustenta se decorrer da resposta certa à terceira questão a jurídica Se a resposta certa a essa questão afirmar que a Constituição realmente proíbe que os estados criminalizem o aborto então submeterse à opinião contrária de uma legislatura significaria emendar a Constitui ção exatamente da maneira que o passivismo considera estar recedora A primeira questão a da aprovação depende da ter ceira a jurídica exatamente do mesmo modo Os passivistas denunciam a criação judicial de normas de nível constitucio nal afirmam que democracia significa que o povo deve criar o vo que acha que esses direitos putativos são bem fundados na justiça mais do que na eqüidade deixará que as autoridades eleitas decidam se a Constituição os abarca 444 O IMPÈRiO DO DIREITO direito fundamental Mas a relevância dessa atraente proposta pressupõe uma vez mais uma resposta particular à terceira questão a jurídica Se a Constituição devidamente interpreta da não proíbe a pena de morte então certamente um juiz que declarasse ser inconstitucional que os estados executem crimi nosos estaria mudando a Constituição Mas se a Constituição devidamente interpretada de fato proíbe a pena de morte um juiz que se recusasse a anular leis estaduais que estabelecem as penas de morte estaria mudando a Constituição por decreto usurpando autoridade em desafio ao princípio constitucional A questão do direito em outras palavras é inevitável Deve mos entender o passivismo para declarar que juridicamente as cláusulas abstratas da Constituição não concedem aos cida dãos nenhum direito a não ser os direitos concretos que indis cutivelmente decorrem somente da linguagem dessas cláusu las De outro modo toda sua indignação sobre a usurpação judicial todo o seu fervor pela democracia serão irrelevantes à prática jurídica uma profusão de pistas falsas Se o convencionalismo estrito fosse a melhor interpreta ção geral da prática jurídica norteamericana essa concepção austera dos direitos constitucionais seria sem dúvida correta Como é polêmica a questão de se a cláusula de processo justo ou a cláusula de igual proteção proíbem que os estados crimi nalizem o aborto por exemplo e não há nenhum consenso mesmo entre os constitucionalistas a propósito de como resol vêla um convencionalista deve negar que juridicamente a Constituição proíba essa legislação Assim um convenciona lista que afirme que a Suprema Corte deve não obstante decla rar inconstitucionais as leis contra o aborto na verdade estaria supondo que o direito fundamental de uma nação deveria ser criado por autoridades nomeadas para a vida toda sujeito a revisão somente pelas maiorias extraordinárias exigidas pelo processo de emendas Mas isso só acrescenta outro argumento aos que apresentamos no capítulo i y mostrando por que o con vencionalismo é uma interpretação pobre do direito norteameri cano se o passivismo depende do convencionalismo já o rejei tamos Sob o regime de direito como integridade os proble A CONSTITUIÇÃO 445 mas constitucionais polêmicos pedem uma interpretação não uma emenda Tribunais e legislativos autoridades e cidadãos confrontam com esses problemas sob o pressuposto normativo de que em geral uma interpretação um ponto de vista sobre o que realmente exige a liberdade de expressão a igual proteção ou o processo justo oferece uma justificativa melhor da práti ca constitucional atuante do que qualquer outra isto é que uma interpretação é uma resposta melhor à terceira questão a do direito E evidente que as questões do primeiro tipo de apro vação são apropriadas em alguns contextos Talvez a nação não devesse ter a Constituição que tem talvez não devesse con tinuar a ser governada pelos princípios que oferecem a melhor explicação de sua história constitucional até o momento Mas a Constituição é inegavelmente clara sobre como deveriam ser decididos esses problemas específicos de aprovação São pro blemas de emenda não de interpretação e a Constituição deixa claro que as emendas não devem ser aprovadas exceto da manei ra canhestra que ela prescreve É possível que isso em si confi gure um erro Talvez ao contrário do que a maioria dos norte americanos hdje pensa uma maioria contemporânea deveria ter o poder de modificar o direito fundamental por meio de um referendo por exemplo Mas esta também não é nossa questão O passivista pode defender sua austera resposta à ques tão jurídica de outro modo que não seja através do apelo ao convencionalismo Alguns passivistas pelo contrário se ba seiam no ceticismo A melhor interpretação das cláusulas abs tratas da Constituição dizem eles mesifio sob o regime do di reito como integridade é a interpretação cética de que elas nem permitem nem proíbem nada além daquilo que decorre exclusivamente da mais rigorosa interpretação de sua lingua gem Se isso fosse verdade qualquer decisão da corte sobre o aborto por exemplo seria uma emenda constitucional disfar çada Então a questão da aprovação iria mostrarse relevante poderia ser melhor pois de algum modo seria mais democrá tico que a Corte aceitasse o ponto de vista do legislativo sobre o modo como a Constituição deveria ser silenciosamente emen dada em vez de impor sua própria opinião contrária Mas o passivista terá algum argumento em defesa de seu ceticismo 446 O IMPÉRIO DO DIREITO O argumento que ele tem em mente é bem conhecido já deparamos com ele antes Alguém considerará uma inter pretação da cláusula do processo justo ou da cláusula de igual proteção melhor que outra somente por considerar uma teoria de justiça ou igualdade melhor que outra Mas as teorias de justiça e igualdade são apenas subjetivas não existe uma res posta certa sobre qual é a melhor só respostas diferentes12 Por tanto se isso é um apelo ao ceticismo exterior sobre a moral política é irrelevante para a prática constitucional pelas razões que estudamos no capítulo II e de novo no capítulo VII É tam bém causa do próprio fracasso pois pressupõe que existe uma resposta certa à questão que coloca a da eqüidade sobre quais opiniões devem prevalecer quando um problema for apenas ama questão de opinião Se o ceticismo do passivista é por outro lado ceticismo interior global sobre a moral em termos gerais então é totalmente dogmático pois não apresenta ne nhum dos argumentos morais que o ceticismo moral interior exige e é também razão do próprio fracasso porque isenta sua própria posição moral de que é mais equitativo que o legisla tivo e não um tribunal faça as emendas constitucionais de seu ceticismo geralmente depurador Se a resposta certa a to das as questões sobre os direitos políticos das minorias é que nào existe uma resposta certa como então pode haver uma resposta certa às questões relativas a quais opiniões devem re ger nossas vidas Apesar de toda sua popularidade o argumen to do ceticismo é singularmente inepto Justiça eqüidade e governo da maioria Desse modo o passivismo não tem nenhuma saída para a resposta negativa que sempre dá em casos constitucionais po lêmicos Pressupõe que todas as cláusulas abstratas que garan 12 Ver R Bork Neutral Principies and Some First Amendment Pro blems 47 Indiana Law Journal 1 10 1971 A CONSTITUIÇÃO 447 tem os direitos individuais contra as decisões majoritárias são corretamente interpretadas de modo extremamente rigoroso que só proíbem aquilo que sua linguagem inquestionavelmente proíbe Deve defender esse pressuposto por meio de um argu mento do tipo exigido pelo direito como integridade Essa in terpretação estrita será uma interpretação bem fundada da prá tica constitucional norteamericana Ajustase melhor atai prática do que o historicismo mas não se ajusta muito bem muitas de cisões tomadas pela Suprema Corte no passado inclusive a do caso Brown não podiam ser justificadas por meio de uma análise passivista e portanto teriam de ser vistas como erros Por outro lado a maioria dos juristas pensa que algumas das decisões às quais o passivismo não se ajusta estavam erradas o caso Dred Scott em que os juízes anularam o Acordo do Missouri por acharem que os donos de escravos tinham direitos constitucio nalmente protegidos sobre seus escravos e o caso Lochner1 em que afirmaram ser uma violação da liberdade por um estado limitar o número de horas de trabalho de um padeiro E a dou trina do passivismo tem tido um apoio considerável por parte das opiniões judiciais e de tratados acadêmicos ao longo de quase todas as etapas da história constitucional Poderíamos pensar portanto que o passivismo se sai bem nofeste preliminar de adequação na primeira dimensão da interpretação devemos então nos voltar para a questão mais complexa de como se sai no caso de outros testes mais importantes A prática constitucional seria de algum modo mais marcante se as vedações constitucio nais fossem muito estritas permitindo que os legislativos fizes sem praticamente tudo o que a maioria quer Essa pergunta exige uma avaliação complexa cuja estrutu ra estudamos em capítulos anteriores Reconhecemos virtudes políticas diferentes que podem competir entre si ao decidir mos qual interpretação da cláusula de igual proteção ou da que garante um processo legal justo por exemplo poderia aperfei 13 Scott vi Sandford 60 US 19 How 393 1856 14 Lochner vs New York 198 US 45 1905 448 O IMPÉRIO DO DIREITO çoálas em termos de moral política A justiça é uma dessas virtudes uma interpretação da igualdade perante a lei será me lhor portanto se perceber mais claramente o que a justiça exi ge A eqüidade é outra uma interpretação também será me lhor portanto se refletir convicções que são dominantes ou pelo menos comuns na comunidade como um todo do que se ria se expressasse convicções inabituais ou rejeitadas Pode mos usar essa estrutura para identificar argumentos que o pas sivista poderia apresentar para mostrar por que sua análise ge ral da Constituição que interpreta muito estritamente suas li mitações ao predomínio da maioria faz deia um documento mais atraente A Constituição será mais justa se suas restrições ao gover no da maioria forem mínimas Poderíamos pensar assim por duas razões distintas A primeira é simples e direta Se uma pes soa concorda com Bentham e com alguns marxistas e mem bros de comunidades que as pessoas não têm direitos enquanto indivíduos poderia considerar a Constituição tanto melhor quanto menos restrições impuser à vontade da maioria Ou pelo menos que qualquer restrição se destinasse a proteger o caráter democrático do processo legislativo e não a verificar aquilo que a maioria realmente quer ou exige12 Contudo esse argumento simples e direto em favor do passivismo seria pou co convincente para a maioria dos norteamericanos que não aceita essa concepção de justiça O segundo argumento da justiça não nega que os indiví duos tenham direitos como uma questão de justiça contra a maioria Opõese às restrições constitucionais pela razão mais complexa de que a longo prazo os legislativos são mais pro pensos a desenvolver uma teoria mais bem fundada de quais direitos a justiça exige em vez de os tribunais tentarem inter pretar a linguagem nebulosa das disposições constitucionais abstratas Existe uma óbvia objeção a essa afirmação Os le gisladores que foram eleitos e precisam ser reeleitos por uma maioria política tendem mais a tomar o partido de tal maioria 15 Ver Ely acima n 5 A CONSTITUIÇÃO 449 em qualquer discussão séria sobre os direitos de uma minoria contrária se se opuserem com excessiva firmeza aos desejos da maioria esta irá substituílos por aqueles que nào se opõem Por esse motivo os legisladores parecem menos inclinados a tomar decisões bem fundadas sobre os direitos das minorias do que as autoridades que são menos vulneráveis nesse sentido Disso não decorre que os juízes à margem da censura da maio ria sejam as pessoas ideais para decidir sobre esses direitos Os juízes têm seus próprios interesses ideológicos e pessoais no resultado dos casos e também podem ser tirânicos A prio ri porém não há motivo para considerálos teóricos políticos menos competentes do que os legisladores estaduais ou os pro curadores gerais Tampouco a história sugere que o sejam Os passivistas citam o caso Lochner e outros nos quais a Suprema Corte erradamente como hoje se pensa recorreu aos direitos indi viduais para impedir ou frustrar programas legislativos justos e desejáveis Mas teríamos mais a lamentar se a Corte tivesse aceitado irrestritamente o passivismo as escolas do Sul pode riam ainda estar segregadas por exemplo Na verdade se fôs semos reunir as decisões mais lamentadas da Corte ao longo da história constitucional acharíamos muitas outras nas quais o erro esteve na falta de intervenção em momentos nos quais como hoje pensamos os princípios constitucionais de justiça exigiam uma intervenção Os norteamericanos sentiriam mais orgulho de sua história política se esta nio incluísse por exem plo os casos Plessy ou Korematsu Nesses dois casos a deci são majoritária do legislativo foi profundamente injusta e tam bém como muitos juristas hoje acreditam inconstitucional lamentamos que a Suprema Corte não tenha intervindo para fazer justiça em nome da Constituição Desse modo se existe uma boa alegação política favorá vel ao passivismo esta deve ser encontrada na segunda linha 16 Em Korematsu 323 US 214 1944 a Corte recusouse a proteger os japoneses norteamericanos contra o internamento injustificado no inicio da Segunda Guerra Mundial 4 5 0 O IMPÉRIO DO DIREITO de argumento que distinguimos na idéia de eqüidade política Contudo um passivista que recorrer à eqüidade deverá defen der duas afirmações dúbias Deve argumentar primeiro que a eqüidade corretamente compreendida exige que a maioria dos votantes de qualquer jurisdição legislativa só seja restrin gida naquilo que pode fazer a uma minoria por princípios que ela própria endossa ou ao menos aceita no momento em que a restrição é utilizada contra ela Em segundo lugar deve susten tar que a eqüidade política assim entendida é de importância fundamental no contexto constitucional que deve ser firme mente preferida à justiça sempre que se pensar que ambas es tão em conflito Tomadas em conjunto essas duas afirmações se ajustam à estrutura geral da Constituição de modo ainda pior que as conclusões do passivismo sobre a deferência se ajustam à prática constitucional porque não podem explicar restrições claras e precisas como as exigências processuais da Consti tuição para os processos criminais Se as duas afirmações fos sem bem fundadas as restrições seriam desnecessárias quando a maioria as aceitasse como apropriadas e injustas quando assim não fosse Qualquer interpretação competente da Cons tituição como um todo deve portanto reconhecer ao contrário das duas afirmações do passivista que alguns direitos consti tucionais se destinam exatamente a impedir que as maiorias si gam suas próprias convicções quanto ao que a justiça requer A Constituição insiste em que a eqüidade entendida do modo como o passivista deve entendêla deve renderse a certos di reitos fundamentais Contudo uma vez que a concepção passi vista do caráter e da importância da eqüidade seja rejeitada pela interpretação constitucional por não poder explicar direitos constitucionais explícitos não poderá ressurgir como decisiva para os casos polêmicos que perguntam até que ponto a integri dade exige que esses direitos explícitos sejam válidos também para os direitos implícitos ainda não reconhecidos As afirmações paralelas do passivista também não são plausíveis em substância como uma análise daquilo que a eqüi dade deveria significar em uma estrutura constitucional ideal A eqüidade no contexto constitucional requer que a interpreta A CONSTITUIÇÃO 451 ção de alguma cláusula seja fortemente apenada se se basear em princípios de justiça que não têm nenhuma influência na história e na cultura norteamericanas que nào tenham desem penhado papel algum na retórica da autocrítica e do debate na cionais A eqüidade exige deferência para com as característi cas estáveis e abstratas da cultura política nacional isto é não aos pontos de vista de uma maioria política local ou passageira apenas por haverem triunfado em uma ocasião politica especi fica Se a segregação racial ofende os princípios de igualdade aceitos pela maioria da nação a eqüidade não é violada quan do as maiorias de alguns estados vêem negado seu direito de se gregar Se em termos gerais a história do país endossa a idéia de independência moral mas nega essa independência aos homossexuais ainda que a distinção não possa ser plausivel mente justificada em princípio não se ofende a eqüidade por se insistir numa aplicação coerente dessa idéia Podemos resumir O passivismo parece à primeira vista uma teoria atraente sobre a medida em qQe os juízes devem impor sua vontade às maiorias políticas Mas quando tomamos o cuidado de desemaranhar os diferentes problemas que mistu ra seus fundamentos intelectuais tomamse invariavelmente mais frágeis Deve ser ou conter uma teoria sobree que a Cons tituição já é enquanto direito fundamental o que significa que deve ser uma interpretação da prática constitucional entendida em sentido amplo O passivismo apenas precariamente se ajus ta a essa prática e só a mostra em sua meffior perspectiva se ad mitirmos que como questão de justiça os indivíduos não têm direitos contra as maiorias políticas o que é estranho à nossa cultura constitucional ou que a eqüidade definida de um modo especial que zomba da própria idéia de direitos constitu cionais é a virtude constitucional mais importante Se rejeitar mos essas idéias nada atraentes rejeitaremos o passivismo Isso significa que devemos aceitar a teoria contrária a teoria bicho papão que os passivistas chamam de ativismo O ativismo é uma forma virulenta de pragmatismo jurídi co Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição a histó ria de sua promulgação as decisões anteriores da Suprema Cor 452 O IMPÉRIO DO DIREITO te que buscaram interpretála e as duradouras tradições de nos sa cultura política O ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige O direito como integridade condena o ati vismo e qualquer prática de jurisdição constitucional que lhe esteja próxima Insiste em que os juízes apliquem a Constitui ção por meio da interpretação e não por fiat querendo com isso dizer que suas decisões devem ajustarse à prática consti tucional e não ignorála Um julgamento interpretativo envol ve a moral política e o faz da maneira complexa que estuda mos em vários capítulos Mas põe em prática não apenas a jus tiça mas uma variedade de virtudes políticas que às vezes entram em conflito e questionam umas às outras Uma delas é a eqüidade o direito como integridade é sensível às tradições e à cultura politica de uma nação e portanto também a uma concepção de eqüidade que convém a uma Constituição A al ternativa ao passivismo não é um ativismo tosco atrelado ape nas ao senso de justiça de um juiz mas uni julgamento muito mais apurado e discriminatório caso por caso que dá lugar a muitas virtudes políticas mas ao contrário tanto do ativismo quanto do passivismo não cede espaço algum à tirania Está concluído nosso breve exame do estado atual da teo ria constitucional acadêmica dos Estados Unidos Contudo cabe ainda uma última observação Tenho argumentado contra o historicismo e o passivismo enquanto interpretações gerais da prática constitucional norteamericana Não afirmei que cada nação deve ter uina constituição escrita com disposições abstratas sobre os direitos individuais ou que cada uma dessas constituições deve ser interpretada por um tribunal cujos mem bros são escolhidos do mesmo modo que são indicados os juí zes da Suprema Corte Muitos outros arranjos são possíveis além desses que hoje permeiam a prática jurídica norteameri cana e alguns podem ser muito melhores do ponto de vista da teoria ideal A esta altura de nossa argumentação mais geral estamos diante de uma questão interpretativa da teoria corren te não da teoria ideal Os juízes e advogados norteamericanos precisam de uma interpretação de sua prática constitucional A CONSTITUIÇÃO 453 uma interpretação bemsucedida em seu conjunto avaliada nos termos das dimensões de qualquer interpretação 0 passi vismo e o historicismo não podem oferecer uma boa interpre tação Podemos aprender com seu fracasso devemos descon fiar de qualquer estratégia interpretativa apriorística fixada numa orientação estreita e formada pela justaposição de idéias para decidir o que é uma constituição Uma vez mais o cenário está pronto graças a essa amigável advertência para um novo começo Hércules no Olimpo Hércules é promovido apesar da extraordinária e às ve zes entediante extensão de seus pareceres nos tribunais infe riores Vai para a Suprema Corte dos Estados Unidos como juiz Hércules Suponhamos que o caso Brown o último dos exemplos que utilizamos no capítulo I ainda não tenha sido decidido Chega agora à Corte de Hércules na situação em que estava em 1953 Os escolares pleiteantes afirmam que o esque ma de segregação racial entre as escolas públicas do Kansas é inconstitucional porque lhes nega a igualdade perante a lei apesar da sua longa história nos estados do Sul e apesar da decisão aparentemente contrária da Corte no caso Plessy vr Ferguson que colocava as mesmas questões de princípio a qual vigorava desde 1896 De que modo paladino do direito como integridade vai responder a essas alegações A Constituição afinal é um tipo de lei e Hércules tem seu jeito de lidar com as leis Interpreta cada uma delas de modo a considerados todos os aspectos fazer seu histórico che gar ao melhor resultado possível Isso exige julgamentos polí ticos mas estes são especiais e complexos e de modo algum iguais aos que faria se estivesse votando uma lei a respeito dos mesmos problemas Suas convicções sobre a justiça ou a polí tica sábia se vêem inibidas em seu julgamento interpretativo 17 163 US 5371896 454 O IMPÉRIO DO DIREITO geral não apenas pelo texto da lei mas também por um grande número de considerações sobre a eqüidade e a integridade Ele continuará usando essa estratégia em sua nova posição mas como a Constituição é uma lei muito incomum vai desenvol ver uma aplicação muito especial da estratégia a casos consti tucionais Transformará sua estratégia para as leis em uma teo ria operacional do julgamento de matéria constitucional Há uma diferença muito grande entre a Constituição e as leis comuns A Constituição é o fundamento para a criação de outras leis e por esse motivo a interpretação dada por Hércules ao documento como um todo bem como a suas cláusulas abs tratas deve ser também fundamental Deve ajustarse às dispo sições mais básicas do poder político da comunidade e ser capaz de justificálas o que significa que deve ser uma justifi cativa extraída dos aspectos mais filosóficos da teoria política Os juristas são sempre filósofos pois a doutrina faz parte da análise de cada jurista sobre a natureza do direito mesmo quan do mecânica e de contornos pouco nítidos Na teoria constitu cionai a filosofia é mais próxima da superfície do argumento e se a teoria for boa explicitase nela Já é tempo porém de repetir uma das advertências que fiz anteriormente Hércuies serve a nosso propósito porque é livre para concentrarse nas questões de princípio que segun do o direito como integridade formam o direito constitucional que ele aplica Não precisa preocuparse com a urgência do tempo e dos casos pendentes e não tem dificuldade alguma como inevitavelmente acontece com qualquer juiz mortal de encontrar uma linguagem e uma argumentação suficientemen te ponderadas para introduzir quaisquer ressalvas que julgue necessárias inclusive a suas caracterizações iniciais do direito Também não se preocupa podemos dizer agora com um pro blema prático adicional que é particularmente sério nos casos constitucionais Um verdadeiro juiz deve às vezes introduzir ajustes naquilo que acredita ser o certo enquanto questão de prin cípio e portanto também questão de direito para poder ga nhar os votos de outros juízes e tornar a decisão conjunta sufi cientemente aceitável à comunidade que desse modo poderá A CONSTITUIÇÃO 455 continuar atuando como uma comunidade de princípios no ní vel constitucional Servimonos de Hércules para fazer uma abstração desses problemas de ordem prática como deve fazer qualquer análise bem fundada para assim podermos ver quais soluções de compromisso os juízes reais consideram necessá rias enquanto compromissos com o direito Teorias de igualdade racial Estamos interessados agora na teoria de Hércules sobre as partes da Constituição que declaram os direitos individuais constitucionais contra o Estado e em particular em sua teoria sobre a cláusula de igualdade perante a lei Ele começará pela idéia igualitária abstrata que já discutimos no capítulo VIII Esta afirma que o governo deve tratar todos os seus cidadãos como iguais no seguinte sentido as decisões e disposições políticas devem demonstrar igual interesse pelo dfestino de todos No capítulo VIII consideramos de que modo um Estado que respei tasse esse princípio abstrato deveria distribuir e regular o uso da propriedade privada Distinguimos diversas concepções de igualdade libertária utilitária com base no tmestar e nos recursos cada uma das quais oferecia uma reposta um tanto diferente àquela pergunta Também chamamos a atenção para uma distinção que precisamos retomar e desenvolver aqui Estabelecemos uma distinção entrí as estratégias coleti vas gerais que um governo usa para assegurar o interesse geral enquanto questão de política e os direitos individuais que reco nhece enquanto questão de princípio como trunfos sobre es sas estratégias coletivas Hércules agora faz uma pergunta es quecida que é de importância fundamental para a teoria consti tucional Até que ponto a Constituição limita a liberdade do Congresso e dos vários estados de tomarem suas próprias deci sões sobre questões de política e princípio Será que a Cons tituição corretamente interpretada estabelece uma concepção particular de igualdade que cada estado deve seguir em seus julgamentos políticos coletivos e em seu esquema geral de dis 456 O IMPÉRIO DO DIREITO tribuição e regulamentação da propriedade por exemplo Se não será que estipula em nome da igualdade certos direitos individuais que todo estado deve respeitar como trunfos sobre suas decisões políticas coletivas seja qual for a concepção de igualdade que o estado tenha adotado Essas são perguntas diferentes e a distinção é importante Hércules responderá à primeira de forma negativa A Consti tuição não pode de maneira sensata ser interpretada como se exigisse que a nação e cada estado seguisse uma concepção de igualdade utilitária libertária ou de igualdade de recursos ou qualquer outra concepção específica de igualdade estabele cendo estratégias voltadas para o bemestar geral A Constitui ção estabelece que cada jurisdição aceite o princípio abstrato igualitário de que as pessoas devem ser tratadas como iguais portanto cada uma deve respeitar alguma concepção plausível de igualdade em cada uma de suas decisões sobre a proprieda de e outras questões políticas Essa norma constitucional rela tivamente permissiva é pelo menos parte daquilo que os cons titucionalistas chamam um tanto erradamente de exigência de racionalidade A segunda questão sobre os direitos consti tucionais individuais acima de qualquer justificativa coletiva é uma outra coisa Na verdade Hércules vai chegar a essa con clusão a partir da história e da prática constitucionais embora a Constituição deixe cada estado livre em questões de política sujeitos apenas à restrição há pouco descrita insiste em que cada estado reconheça certos direitos limitando qualquer jus tificativa coletiva que venha a utilizar qualquer ponto de vista que possa ter sobre o interesse geral A questão interpretativa crucial que se coloca é então a de saber que direitos são esses Hércules está agora preocupado com uma série de direitos constitucionais putativos Parece evidente que a Constituição estabelece algum direito individual contra a discriminação ra cial oficialmente imposta pelo estado Mas qual é o caráter e quais são as dimensões desse direito Ele elabora três descri ções de um direito contra a discriminação racial Testará cada uma como uma interpretação competente da prática constitu cional sob a Décima Quarta Emenda 4 CONSTITUIÇÃO 457 1 Classificações suspeitas A primeira descrição pressu põe que o direito contra a discriminação é apenas uma conse qüência do direito mais geral que as pessoas têm de ser trata das como iguais segundo qualquer concepção de igualdade que seu estado pratique Pressupõe em outras palavras que as pessoas não têm o direito específico de não ser vítimas da dis criminação racial ou de qualquer outro tipo além daquilo que já constituía exigência da racionalidade Se um estado adota uma concepção de bemestar geral como aquela proposta pelo utilitarismo ou pela igualdade de recursos segundo o modelo de mercado na quai os ganhos de alguns são contrabalançados pelas perdas de outros então tal Estado cumpre a norma cons titucional contra a discriminação ao considerar da mesma ma neira o bemestar e as escolhas de cada um A raça e outras ba ses de distinção semelhantes só são especiais nesta descrição porque a história sugere que existe uma tendência a negar a devida consideração a alguns grupos mais que a outros razão pela qual as decisões políticas que os colocam em desvanta gem devem servistas com especial desconfiança Ainda que em geral os tribunais não costumem rever as decisões políti cas que beneficiam alguns grupos em detrimento de outros a menos que se demonstre que estas são irracionais no sentido há pouco descrito verificarão essas decisões de modo mais criterioso quando as minorias historicamente maltratadas esti verem em desvantagem Não obstante a norma exige apenawque esses grupos re cebam a devida consideração dentro do equilíbrio geral e um estado pode cumprir essa norma mesmo quando os tratar dife rentemente dos outros Poderia justificar a segregação das es colas por exemplo ao mostrar que a integração criaria um ambiente educacional inferior pois atentaria contra antigas tra dições de separação racial e que os prejuízos às crianças bran cas superariam em muito as vantagens que obteriam as crian ças negras mesmo considerando essas vantagens igualmente importantes em si mesmas criança por criança Poderia acres centar que as instalações que designou aos negros apesar de separadas têm a mesma qualidade Ou se não forem iguais 458 O IMPÉRIO DO DIREITO que não podem ser melhoradas a não ser mediante um gasto es pecial que consideraria os interesses de cada criança negra como mais importantes no cômputo geral do que os interesses das crianças brancas que formam um grupo mais numeroso 2 Categorias banidas A segunda teoria na lista de Hér cules insiste em que a Constituição reconheça um direito pre ciso contra a discriminação como um trunfo sobre a concepção do interesse geral de qualquer Estado Esse é o direito de que certos atributos ou categorias inclusive a raça os antecedentes étnicos e talvez o sexo não sejam utilizados para distinguir os grupos de cidadãos com a finalfdade de darlhes tratamen tos diferentes mesmo quando a distinção promovesse o inte resse geral por uma concepção de outro modo admissível Nesta descrição um sistema de segregação racial das escolas é inconstitucional em todas as circunstâncias 3 Fontes banidas A terceira categoria reconhece um di reito especial e diferente contra a discriminação A maioria das concepções de igualdade inclusive o utilitarismo e a igualdade de recursos torna o interesse público e portanto a política ade quada sensível aos gostos às preferências e às escolhas das pessoas Uma comunidade comprometida com tal concepção pensará que certas decisões políticas são bem fundadas sim plesmente porque as preferências e escolhas são distribuídas de maneira específica o fato de que mais pessoas prefiram um ginásio de esportes a um teatro ou que aquelas que querem o ginásio o queiram muito mais intensamente vai justificar essa escolha sem nenhum pressuposto de que os que têm tal prefe rência sejam mais dignos de consideração ou tenham preferên cias mais admiráveis A terceira teoria insiste em que as pes soas têm o direito contra esse tipo de justificativa coletiva de que certas fontes tipos de preferências ou escolhas não sejam levados em consideração desse modo Insiste em que as prefe rências que têm por base alguma forma de preconceito contra um grupo nunca possam contar em favor de uma política que inclua a desvantagem desse grupo Esse direito a exemplo da quele proposto pela segunda teoria condena o programa de educação com segregação racial apresentado no caso Brown A CONSTITUIÇÃO 4 5 9 ainda que não o faça tão automaticamente A segregação trata os negros diferentemente e a história mostra que a origem do tratamento desigual encontrase no preconceito Assim a se gregação não pode ser preservada segundo a terceira descri ção pelo tipo de argumento que imaginamos poderia fazêlo na primeira Pouco importaria que um cálculo que atribuísse a todas as preferências de cada pessoa a mesma importância in clusive àquelas que têm por base o preconceito pudesse mos trar que a segregação se voltava para o interesse geral assim compreendido Quando Hércules considerar cada uma dessas teorias so bre a força da exigência de igual proteção contida na Décima Quarta Emenda recorrerá à distinção que utilizamos no capí tulo VIII Estabelecerá uma distinção entre a elaboração acadê mica e prática de cada teoria perguntará não apenas qual é o atra tivo de cada teoria em termos abstratos tal como seria desenvol vida e aplicada por um filósofo político sofisticado mas como cada uma poderia ser colocada em práticaem uma comunida de como a dela como uma norma constitucional que os tribu nais poderiam utilizar efetivamente para decidir qual legisla ção ela desqualifica Levei em consideração as exigências de aplicação prática para descrever a primeira teoria Ela especifi ca certas classificações suspeitas que quandiJ usadas na le gislação fazem supor que os interesses de algum grupo não fo ram devidamente levados em conta Mas essa suposição pode ser refutada ao se demonstrar que na vstdade a classificação põe igualmente em prática todas as preferências demonstradas na comunidade sem nenhuma distinção quanto ao caráter ou à origem de tais preferências A segunda teoria a das categorias banidas não precisa de nenhuma elaboração prática específica pois sua elaboração acadêmica já é suficientemente prática Estabelece categorias particulares e insiste em que o direito constitucional terá sido violado sempre que a lei fizer distinções entre grupos de cida dãos que utilizam qualquer dessas categorias A segunda teoria insiste segundo a estranha máxima freqüentemente usada para expressála em que a Constituição é cega no que diz respeito a 4 6 0 O IMPÉRIO DO DIREITO cores bem como a certos outros atributos que estabelecem dis tinções entre grupos A terceira categoria a das fontes banidas de fato precisa de uma elaboração prática distinta pois para juízes e outras autoridadesseria extremamente difícil aplicar seu princípio fundamental diretamente caso por caso Esse princípio proíbe a legislação que só pudesse ser justificada pela inclusão dentro da avaliação geral que determina onde se encontra o interesse geral de preferências direta ou indireta mente decorrentes do preconceito Mesmo em teoria será qua se sempre difícil decidir que preferências são essas pois os de sejos das pessoas geralmente têm origens complexas quando não indeterminadas Também será difícil decidir caso por caso que legislação teria sido justificada mesmo que preferências contaminadas não tivessem sido incluídas no cálculo Poderia ser impossível decidir por exemplo até que ponto o desejo pessoal de alguns pais de verem seus filhos educados ao lado de crianças provenientes de meios semelhantes expressa uma concepção racialmente neutra de que a educação é sempre mais eficaz nessas circunstâncias e até que ponto isso é o reflexo de um preconceito de raça Assim os juízes que aceitassem a teoria das fontes bani das teriam de conceber uma aplicação prática baseada em ava liações sobre os tipos de preferências que freqüentemente ou de modo característico foram gerados pelo preconceito e sobre os tipos de decisões políticas que em circunstâncias nor mais não pudessem ser justificados se tais preferências não fossem contadas como parte da justificativa Essa elaboração prática designaria uma série de classificações suspeitas mui to semelhantes àquelas da primeira teoria classificações que geralmente colocam em posição de desvantagem grupos como negros judeus mulheres ou homossexuais que historicamente têm sido alvo de preconceitos daria origem à suposição de que qualquer decisão política capaz de provocar uma desvantagem específica a tais grupos viola o direito constitucional contra a discriminação Mas o argumento necessário para refutar essa suposição segundo a elaboração prática da terceira teoria se ria muito diferente do argumento necessário para refutar a sus A CONSTITUIÇÃO 461 peita de violação segundo a primeira teoria Segundo a pri meira é possível afastar a desconfiança demonstrandose que um cálculo neutro entre todas as preferências justificaria a distinção de raça Segundo a terceira isso não seria suficien te seria necessário demonstrar que a classificação estava jus tificada por preferências populares isentas de preconceito ou oferecer alguma forma diferente de justificativa que absoluta mente não se fundamentasse em preferências A terceira teo ria mesmo quando assim elaborada em termos práticos é tam bém diferente da segunda a das categorias banidas As duas se separam ao confrontar a legislação cujo propósito e efeito é beneficiar e não prejudicar as pessoas que historicamente têm sido vítimas do preconceito A teoria das fontes banidas estabeleceria uma distinção entre programas de ação afirmati va destinados a ajudar os negros e as leis de Jim Crow desti nadas a mantêlos em um estado de submissão econômica e social A teoria das categorias banidas daria a ambos o mesmo tratamento A decisão do caso Brown Qual é a teoria da constituição f Hércules agora está pronto para pôr à prova essas três aná lises do direito constitucional contra a dcriminação pergun tandose até que ponto cada uma delas se ajusta à estrutura e à prática constitucionais norteamericanas e as justifica ofere cendo assim uma justificativa aceitável delas Ele rejeitará a primeira teoria que nega qualquer direito especial contra a dis criminação e apenas insiste em que o bemestar ou as preferên cias de cada cidadão sejam considerados na mesma escala sem restrição de fonte ou caráter Essa teoria talvez tivesse si do adequada se submetida a testes de eqüidade e adequação em algum momento de nossa história talvez tivesse sido ade quada quando da decisão do caso Plessy Não é adequada agora assim como não o foi em 1954 quando Hércules teve de deci 462 O IMPÉRIO DO DIREITO dir o caso Brown Conta com pouco apoio dos ideais de eqüi dade política O povo norteamericano a teria rejeitado quase por unanimidade mesmo em 1954 por não considerála fiel a suas convicções sobre justiça racial Os que apoiavam a segre gação racial não tentavaníjustificála recorrendo apenas ao fato de suas preferências tal como as pessoas poderiam apoiar uma decisão que favorecesse a construção de um ginásio de esportes em vez de um teatro Achavam que a segregação era a vontade de Deus ou que todos tinham o direito de viver com sua própria gente ou coisa semelhante E os que se opunham à segregação também não fundamentavam seu argumento em avaliações de preferência irrestrita não teriam considerado o argumento em favor da segregação mais forte se houvesse mais racistas ou se estes sentissem mais prazer com ela Hér cules vai considerar a primeira avaliação inadequada também no que diz respeito à justiça e desse modo a rejeitará se uma das outras se ajustar suficientemente bem à prática constitu cional a ponto de tomarse aceitável Ele precisa desenvolver sua teoria funcional da jurisdição constitucional apenas com os detalhes suficientes para decidir o caso Brown e por isso não teria de fazer uma escolha entre as categorias banidas e as fontes banidas a segunda e a terceira teorias de sua lista As duas condenam a segregação racial ofi cialmente patrocinada nas escolas As duas se ajustam sufi cientemente bem ao modelo de decisões adotado pela Corte no passado e à estrutura geral da Constituição para que se possam considerálas aceitáveis As duas eram coerentes em 1954 com atitudes éticas muito difundidas na comunidade nenhu ma dessas teorias se ajustou a essas atitudes de modo visivel mente melhor que a outra porque a diferença entre elas só apa rece em um nível de análise que a opinião pública ainda não se vira forçada a alcançar O sentimento cada vez maior nos Es tados Unidos de que a segregação racial era errada em princí pio por ser incoerente com a decência tratar uma raça como inerentemente inferior a outra pode ser sustentado de duas ma neiras distintas ou com base nas fontes banidas em que algumas 4 CONSTITUIÇÃO 463 preferências devem ser desconsideradas em qualquer avalia ção aceitável daquilo que contribui para melhorar a comunida de como um todo ou com base nas categorias banidas em que alguns atributos inclusive a raça nunca devem tornarse a base de distinções legais Hércules portanto está pronto para decidir em favor dos pleiteantes que a segregação racial imposta pelo estado é in constitucional Ele sabe que os congressistas que propuseram a Décima Quarta Emenda tinham um ponto de vista diferente o que declararam durante a elaboração da emenda Mas por razões que assinalamos ao descrever o historicismo e o passi vismo ele não acredita que isso importe muito agora Não po de ser à evidência de nenhuma opinião contemporânea profun da e dominante que deva reportarse como um aspecto ou uma dimensão da interpretação por razões de eqüidade A velha história legislativa não é mais um ato da nação personificada declarando algum propósito público contemporâneo Esse tam bém não é o tipo de problema no qual sejq mais importante estabelecer a pratica institucional do que estabelecêla da ma neira correta Em casos anteriores a Corte já havia dado às pessoas motivos para duvidar que os modelos estabelecidos de distinção racial seriam protegidos ainda por muito tempo Os escolares pleiteantes estão sendo logrados naqlilo que sua Constituição devidamente interpretada define como uma po sição de independência e igualdade na república tratase de um insulto que é preciso reconhecer e exjarpar Portanto se o caso Plessy é de fato um precedente contra a integração deve ser revogado agora Tudo conspira para que se chegue à mesma decisão As escolas públicas segregadas não tratam os alunos negros como iguais sob nenhuma interpretação competente dos direitos que a Décima Quarta Emenda apresenta em nome da igualdade racial e a segregação oficial é portanto incons titucional 18 Ver McLaurin ws Oktakoma Siaie Regents 339 US 637 1950 Sweatt vs Painter 339 US 629 1950 Sipnel w Board of Regents 332 US 631 per curiam Missouri exrel Gaines vs Canada 305 US 337 1938 464 O IMPÉRIO DO DIREITO Direitos e remédios Surge agora porém a questão dos remédios Deve Hér cules votar para que as escolas segregadas sejam imediatamen te proscritas de modo que todos os distritos escolares agora segregados acabem imediatamente com a segregação Ou será que deve votar a favor de um processo de mudança mais gra dual caso em que terá de encontrar uma linguagem para des crever os prazos permitidos Aqui estão alguns argumentos em favor dos prazos Um sistema escolar não pode reverter as principais estruturas institucionais da noite para o dia Se as escolas segregadas em junho tentarem reabrir como escolas in tegradas em setembro haverá o caos e a educação de um gru po de alunos tanto negros quanto brancos será prejudicada ou destruída É preciso traçar novas fronteiras de captação de alu nos e pode ser difícil respeitar a tradição de vizinhança ou mesmo de agrupar a educação por área territorial os professo res e os alunos devem ser redistribuídos e os custos pessoais de tais decisões variados e difíceis Os problemas com as rea ções adversas serão bem mais urgentes e ameaçadores A se gregação racial duradoura é uma parte importante da vida da queles que desejam mantêla o seu sentido de autoidentidade é desafiado por qualquer enfraquecimento substancial da se gregação e estas são as sementes tanto da violência quanto do desespero Os problemas poderiam ser aplacados ou mesmo completamente solucionados por meio de um processo de mu dança mais gradual Alguém que examinasse esses argumentos poderia des crever o resultado da seguinte maneira A lei exige o desman telamento imediato da segregação mas tal atitude é desacon selhada por várias razões práticas de política do gênero acima descrito cabe a Hércules portanto decidir se deve haver um compromisso entre direito e a política Essa análise porém é parcialmente enganosa algumas das razões que apresentei em favor dos prazos são razões poiíticas práticas do tipo que como afirmei não seriam observadas por Hércules ainda que os juí zes de verdade pudessem ter de observálas outros porém in A CONSTITUIÇÃO 465 sistem na questão do princípio a questão daquilo que a Cons tituição exige em matéria de direito Qualquer interpretação plausível dos direitos das pessoas segundo a Constituição deve ser complexa o suficiente para tratar tanto do remédio quanto da substância Assim a decisão de Hércules sobre o remédio é também uma decisão de direito uma decisão sobre os direitos secundários que as pessoas têm quanto ao método e à maneira de fazer valer seus direitos substantivos primários Hércules deve decidir como unia questão liminar geral se a melhor in terpretação das práticas remediadoras dos tribunais em geral e da Suprema Corte em particular exige que os direitos das pes soas ao remédio sejam sensíveis às conseqüências Ele decidi rá que sim o objetivo da decisão judicial constitucional não é meramente nomear os direitos mas assegurálos e fazer isso no interesse daqueles que têm tais direitos Assim ele deve perguntarse qual procedimento acarreta rá a melhor proteção para as crianças negras que buscam uma educação integrada e pode bem descobrirue a exigência de que a integraçãoseja efetuada da noite para o dia não resultará em proteção alguma Contudo embora sua decisão deva ser sensível às conseqüências deve também discriminar entre as conseqüências e ele então tratará os problemas técnicos da integração de modo diferente do problema da ameaça de uma reação adversa pois a deferência para com esta última recom pensaria atos e atitudes que a Constituição proscreve e deplora A decisão de Hércules então mesmo soJre o remédio não é de caráter simplesmente ou diretamente voltado para os resul tados como o seria uma decisão política banal Ele pretende desenvolver uma teoria geral do cumprimento da lei que se ajuste ao poder que a Constituição lhe atribui e o justifique e isso significa uma teoria que não contradiz por meio do pro cedimento processual aquilo que o documento exige em subs tância Poderia chegar à seguinte teoria ou a algo muito pare cido as estratégias de decreto da Corte devem visar ao cum 19 Para uma discussão mais aprofundada dessa distinção ver A Maiter of Principie cap 3 466 O IMPÉRIO DO DIREITO primento mais imediato e eficaz dos direitos constitucionais substantivos coerente com os interesses daqueles que os rei vindicam mas não deve por outro lado acatar ou tentar aco modar os interesses das pessoas que tencionam subverter tais direitos No caso Brown a Suprema Corte estabeleceu uma fórmu la de cumprimento que pelo menos em retrospecto não atin giu tal padrão2 Nela se dizia que a dessegregação deveria prosseguir a toda velocidade deliberada e essa linguagem mostrou ser um veículo para a obstrução e a demora Teria sido melhor se a Corte tivesse tentado fornecer uma programação mais precisa mesmo que tal estratégia pudesse ter ameaçado a unanimidade de sua decisão Contudo boa parte do litígio que se seguiu ao caso Brown teria sido inevitável de qualquer mo do pois a revolução social que tal caso anunciou foi tanto nacional quanto fundamental e exigiu dezenas de outras deci sões posteriores em circunstâncias e em terreno muito diferen tes daqueles do caso Brown Os problemas de direito mais difí ceis na verdade apareceram não nos estados do Sul com uma longa história de segregação determinada pelo direito mas nos estados do Norte nos quais a segregação nas escolas tinha sido praticada não por separação racial explícita mas por meio de decisões bem mais sutis que por exemplo demarcaram os li mites dos distritos escolares Os tribunais federais tiveram de decidir em quais circunstâncias a incapacidade de um estado em reverter essa história mais sutil de segregação era uma vio lação dos princípios anunciados no caso Brown e quando tal violação ocorria que providências os tribunais poderiam e de veriam tomar como forma de remédio jurídico Os tribunais desenvolveram uma jurisprudência específi ca para a integração racial sem que fosse completamente bem sucedida ou inteiramente coerente mas que ainda assim repre sentou em grande medida um crédito ao direito21 Durante al 20 Brown vi Board ofEducalicn 349 US 2941955 21 Ver Keyes vs School Dislricl No I Denver Colorado 413 US 189 1973 Miüiken vj BraãteyA 18 U S 717 1974 MiUiken vs Bradley 433 US A CONSTITUIÇÃO 461 gum tempo os juízes federais promulgaram e supervisionaram decretos que os levaram a interferir na jurisdição normal de di retores de escola e outras autoridades locais Exigiram mudan ças radicais na organização escolar e traçaram planos detalha dos para tais mudanças criaram programas para transportar crianças negras para escolas localizadas em bairros de bran cos e viceversa Nunca na história norteamericana suas de cisões pareceram tão diferentes do trabalho normal dos juízes ou atraíram tanta hostilidade do público e da imprensa Alguns intelectuais inclusive vários que deram sua aprovação ao pro jeto afirmaram que as decisões judiciais assinalaram uma im portante mudança na natureza e no caráter do cargo de juiz2 Em certo sentido esses intelectuais tinham razão Os juízes vêm tradicionalmente exercendo papéis de supervisão tendo em vista a prestação jurisdicional ao administrarem proces sos falimentares por exemplo ou decretos antitruste ou de custódia Mas tanto a escala quanto os detalhes da supervisão foram muito maiçres nos decretos de dessegregação e trouxe ram os juízes paa muito mais perto dos domínios convencio nais das autoridades executivas eleitas De acordo com o direito como integridade porém essa inusitada intrusão judicial nas funções administrativas é ape nas a conseqüência em circunstâncias extremamente especiais e conturbadas de uma visão perfeitamente tradicional do car go de juiz A tese de Hércules é pelo menos plausível os juí zes têm a obrigação de fazer cumprir osjdireitos constitucio nais até o ponto em que o cumprimento deixa de ocorrer no interesse daqueles que os direitos deveriam proteger e essa tese ofereceu uma interpretação aceitável e atraente da prática constitucional do passado Suas aplicaçõçs mais extremas nos casos raciais como os decretos relativos ao transporte das crian 267 1977 Duvton Soareiof Eclitcalion vs Brinkman 433 US 406 1977 Columbiis Board of Education vs Penick 443 US 449 1979 Dayion Board of Education vs Brinkman 443 US 526 1979 22 Ver por exemplo Chayes The Role of lhe Judge in Public Law Liligalion 89 Harvard Law Reviev 1281 1976 Fiss Foreword The Forms of Justice 93 Harxard Law Review 1 1979 468 O IMPÉRIO DO DIREITO ças podem certamente ser contestadas como aplicações equi vocadas e em dois níveis distintos essa contestação parecerá plausível a alguns juristas Eles acham que a Suprema Corte ou os tribunais federais inferiores foram longe demais em re conhecer o direito constitucional a uma educação integrada nos estados em que não havia segregação por iei e que muitos dos remédios impostos pelos tribunais em apoio a tais direitos inclusive o do transporte na verdade não se voltavam para os interesses dos negros Devemos ser cuidadosos ao distinguir essas contestações duvidosas às aplicações recentes da tese de Hércules da contestação à própria tese A decisão do caso Bakke Não me debruçarei mais sobre a história das conseqüên cias do caso Brown nem sobre a defesa das decisões mais in tervencionistas que se seguiram a ele pois nenhuma delas é particularmente importante para o aparato constitucional do direito como integridade Vamos nos ocupar de um problema diferente um produto do sucesso mais que das falhas da re volução iniciada pelo caso Brown Nos Estados Unidos a cons ciência das empresas e do setor educacional bem como sua prudência foram orientadas pelos conflitos raciais dos anos 60 e programas coletivamente chamados de ação afirmativa ou discriminação inversa fizeram parte de sua resposta Pode mos elaborar uma descrição bastante superficial desses pro gramas tinham por objetivo melhorar a colocação e o número de negros e de outras minorias nas indústrias no comércio e nas profissões liberais assegurandolhes alguma forma de preferência na contratação promoção e admissão em faculda des e escolas profissionalizantes A preferência era às vezes imperceptível uma questão de considerar os antecedentes étni cos e raciais de uma pessoa como uma vantagem que poderia garantirlhe uma colocação tudo o mais sendo igual o que nunca ocorreu Às vezes porém a preferência era explícita e mecânica A CONSTITUIÇÃO 469 A faculdade de medicina da Universidade da Califórnia em Davis por exemplo utilizou um sistema dicotômico para avaliar os candidatos uma cota foi separada para os candidatos pertencentes a uma minoria os quais competiam somente en tre si por um determinado número de vagas com a conseqüên cia de que se aceitaram alguns negros cuja pontuação nos exa mes e em outras qualificações convencionais ficavam muito aquém daquelas de brancos que eram rejeitados Alan Bakke estava entre estes últimos e no litígio que provocou reconhe ceuse que ele teria sido aceito se fosse negro Bakke afirmou que esse sistema de cotas era ilegal porque não dispensava tra tamento igual na disputa por vagas e a Suprema Corte justifi cando sua decisão em um conjunto de opiniões divididas e um tanto confusas concordou Como teria votado o juiz Hércules O caso obrigao a en frentar o problema que achava desnecessário para a decisão do caso Brown A teoria das categorias banidas será uma interpre tação mais bemsucedida da prática constitucional pertinente levando todos osaspectos em consideração do que a teoria das fontes banidas Uma norma constitucional prática que fizesse vigorar a teoria das fontes banidas consideraria suspeitas certas classificações raciais Mas não seria necessário iifcluir na lista de classificações suspeitas uma distinção obviamente criada para auxiliar vítimas históricas do preconceito Talvez as insti tuições que utilizaram o sistema de cotas raciais devessem ter a obrigação de acordo com tal teoria de mostrar que tais cotas não refletiam o preconceito velado contra algum outro grupo Mas a universidade de Davis poderia ter cumprido tal obriga ção de tal modo que segundo a teoria das fontes banidas não teria violado o direito constitucional de Bakke Contudo teria violado os direitos dele de acordo com a teona das categorias banidas A elaboração dessa teoria tanto acadêmica quanto prática é apenas uma lista de atributos que não devem ser usa dos para diferenciar grupos um dos quais por essa razão re 23 Regents of he University oj Califórnia vs Bakke 438 US 265 1978 470 O IMPÉRIO DO DIREITO cebe uma vantagem em relação a outro A raça deve ser proe minente em qualquer lista desse tipo e Davis utilizou classifi cações raciais que puseram em desvantagem brancos como Bakke Desse modo Hércules deve fazer uma escolha entre as duas teorias e vai preferir a teoria das fontes banidas à teoria das categorias banidas Embora a teoria das categorias banidas se ajuste às decisões sobre a discriminação racial até o caso Bakke tal como o faz a teoria das fontes banidas ajustase me lhor à linguagem utilizada nessas decisões não se ajusta à prática política ou constitucional em termos mais gerais Tai como é a teoria das categorias banidas é arbitrária demais para ser considerada uma interpretação genuína de acordo com o direito como integridade Deve ser amparada por alguma ava liação baseada em princípios que justifique por que são espe ciais os atributos particulares por ela banidos e o único princí pio disponível é o de que as pessoas nunca devem ser tratadas de modo diferente em virtude de atributos que estejam além de seu controle Tal proposição foi terminantemente rejeitada tan to na política quanto no direito norteamericanos Quase inva riavelmente as leis estabelecem distinções entre as diferenças naturais geográficas de saúde e de capacidade subvencio nam os trabalhadores que por acaso vieram trabalhar numa indústria ou mesmo numa firma e não em outra por exemplo e restringem as licenças para dirigir ou exercer a medicina a pessoas com certas capacidades físicas ou mentais As oportu nidades educacionais nas universidades e escolas profissiona lizantes em particular foram sempre e sem nenhuma contesta ção constitucional concedidas em flagrante violação do su posto princípio Os candidatos são escolhidos com base nos testes que se supõe revelar as diferenças na capacidade natu ral e em muitas escolas também são escolhidos de modo a promover um equilíbrio geográfico em certas classes ou até mesmo o sucesso da escola nas competições de atletismo Os candidatos não são mais responsáveis por sua capacidade de obter uma boa pontuação nos testes de inteligência convencio nais por seu local de nascimento ou sua habilidade no futebol 4 CONSTITUIÇÃO 471 do que por sua raça se a raça fosse uma categoria banida por que as pessoas não podem escolher aquela a que pertencem então inteligência antecedentes geográficos e capacidade fí sica teriam de ser também categorias banidas A discrimina ção racial que prejudica os negros é injusta não porque as pes soas não podem escolher sua raça mas porque essa discrimi nação expressa preconceito Isto é sua injustiça é explicada pela teoria das fontes banidas e não pela teoria das categorias banidas Suponhamos que os advogados de Bakke argumentem que a estratégia das categorias banidas deve ser aceita no caso da raça e talvez nos de alguns outros casos especiais como os antecedentes étnicos e o sexo mesmo que não possa ser am parada por nenhum princípio geral de que as pessoas nunca devem ser divididas segundo atributos que não podem contro lar Eles não devem dizer que essa alegação especial em favor da raça e de alguns outros atributos é apenas uma questão de fato constitucional que a própria Constituição escolhe e des qualifica somente a raça e esses outros atributos Pois isso in corre em petição de principio a correta interpretação de nossa prática constitucional é exatamente o que está em questão agora e eles precisam de um argumento que justifique sua afirmação sobre o que a Constituição quer dizerfe não de um argumento que já comece pela própria alegação Suponhamos que eles afirmem o seguinte os fundadores da cláusula de igualdade perante a lei concentraramsçespecificamente na questão da raça pois a Décima Quarta Emenda foi uma conse qüência da escravidão e da Guerra Civil Isso é historicismo e todos os nossos argumentos anteriores contrários a ele são per tinentes Mas é uma forma particularmente débil de historicis mo nesse contexto Pois sabemos que os fundadores da Déci ma Quarta Emenda não acreditavam que estivessem tornando inconstitucional qualquer tipo de discriminação racial na edu cação mesmo a segregação voltada contra os negros e dificil mente podemos considerar sua opinião como um argumento de que toda distinção racial mesmo aquela destinada a ajudar os negros é declarada ilegal 472 O IMPÉRIO DO DIREITO Suponhamos que os advogados de Bakke agora digam que seja o que for que os fundadores poderiam ou não ter pretendi do uma política constitucional criteriosa defende a teoria da categoria banida somente para a raça e para algumas outras categorias pois de qualquer modo os programas de admissões e contratações que utilizam classificações raciais irão exacer bar a tensão racial e assim prolongar a discriminação o ódio e a violência Esse é exatamente o tipo de cálculo antecipatório e complexo da política que até mesmo uma forma sensível e enfraquecida de passivismo deixaria ao julgamento de autori dades eleitas ou de executivos indicados por tais autoridades e responsáveis perante elas Se o Congresso decidir que uma política nacional que proíba qualquer tipo de ação afirmativa é desejável ele tem o poder de promulgar uma leí que ao menos em parte a realize24 A Suprema Corte não deveria se responsa bilizar portal julgamento político Assim sendo Hércules rejeitará a teoria de igualdade das categorias banidas tanto em sua forma geral que é impossível de ajustar quanto em sua forma especial que é arbitrária de mais para ser considerada como baseada em princípios Acei tará a teoria das fontes banidas como a melhor interpretação disponível25 depois fará uma elaboração prática apropriada dessa teoria para fins constitucionais selecionando uma lista sujeita a revisões à medida que os padrões sociais forem sendo alterados de classificações suspeitas cuja utilização para colocar em desvantagem um grupo historicamente alvo do pre conceito é à primeira vista inconstitucional A lista que ele elabora não proibiria programas de ação afirmativa em princí pio pois estes não atuam no sentido de prejudicar nenhum desses grupos Mas Bakke tem outro argumento possível o de que a cláusula de igual proteção interpretada agora de acordo com a concepção de Hércules proíbe a forma específica de ação afir 24 Não foi esse o caso na Lei dos Direitos Civis de 1964 Ver A Muller of principie cap 16 25 íd cap 14 A CONSTITUIÇÃO 473 mativa utilizada por Davis aquela baseada em cotas A teoria das fontes banidas explica um direito especial como um suple mento à exigência geral da Décima Quarta Emenda a exigên cia de que a avaliação feita por qualquer estado sobre o interes se gerai deve ievar em conta os interesses de todos os cidadãos mesmo que seja prejudicial a alguns nesse sentido deve ser compreendida como uma avaliação racional que se conside re a serviço de algum tipo de concepção aceitável de como as pessoas são tratadas como iguais O governo viola essa exigên cia mais geral sempre que ignora o bemestar de um grupo em sua avaliação daquilo que torna mais próspera a comunidade como um todo Mesmo que Bakke não encontre nenhuma ajuda no direito especial contra a discriminação racial reco nhecido por Hércules poderia recorrer à exigência geral Davis argumenta que seu sistema de cotas contribui para o bemestar geral ao ajudar a aumentar o número de médicos negros qualificados Bakke poderia argumentar o contrário que o sistema de cotas de Davis impede a Universidade até mesmo de cuidar âo impacto produzido por suas decisões rela tivas à admissão sobre as pessoas na posição dele Hércules decidiria creio eu que essa alegação é confusa um sistema de cotas dá a mesma consideração à classe toda de candidatos como o faria qualquer outro sistema que se fundamente como deve ser o caso de todos em classificações gerais26 Mas juizes sensatos poderiam discordar dessa parte de sua conclusão geral do caso Hércules é um tirano Acompanhamos Hércules ao longo de apenas uma série de decisões pois aqui como em qualquer outra parte da dou trina o detalhe é mais esclarecedor que o todo Mas a argu mentação dos capítulos anteriores nos dá alguma idéia de suas 26 Mcap 15 27 Ver a opinião do juiz Powell em Bakke 438 US 215 474 O IMPÉRIO DO DIREITO atitudes com relação a outras questões constitucionais18 e pu demos inferir elementos suficientes sobre seus métodos cons titucionais para justificar um resumo sucinto Hércules não é um historicista tampouco tem o estilo aventureiro às vezes sati rizado sob o epíteto de direito natural Ele não acha que a Cons tituição é apenas o que de melhor produziria a teoria da justiça e da eqüidade abstratas à guisa de teoria ideal É guiado em vez disso por um senso de integridade constitucional acredita que a Constituição norteamericana consiste na melhor inter pretação possível da prática e do texto constitucionais norte americanos como um todo e seu julgamento sobre qual é a melhor interpretação é sensível à grande complexidade das virtudes politicas subjacentes a essa questão Seus argumentos abrangem a convicção popular e a tradi ção nacional sempre que estas forem pertinentes à questão da soberania qual interpretação da história constitucional apre senta essa história geral em sua melhor luz Pela mesma razlo e com o mesmo objetivo eles se baseiam em suas próprias convicções sobre justiça e eqüidade e na correta relação entre elas Ele não é um passivista pois rejeita a idéia rígida de que os juízes devem subordinarse às autoridades eleitas indepen dentemente da parte do sistema constitucional em questão Considerará que o objetivo de algumas disposições é ou in clui a proteção da democracia e que irá interpretar tais dispo sições nesse espírito em vez de subordinarse às convicções daqueles cuja legitimidade elas poderiam desafiar Decidirá que o objetivo de outras disposições é ou inclui a proteção de indivíduos e de minorias contra a vontade da maioria e que ao decidir sobre as exigências de tais disposições não irá ceder àquilo que os representantes da maioria consideram correto Ele também não é um ativista Vai recusarse a substi tuir seu julgamento por aquele do legislador quando acreditar que a questão em jogo é fundamentalmente poiítica e não de 28 Ver meu Reagans Justice New York Review of Books 8 de novembro de 1984 e l a w s Ambitions for Itself 71 University of Yirginia Law Revíew 73 1985 A CONSTITUIÇÃO 475 princípio quando o argumento for sobre as melhores estraté gias para satisfazer inteiramente o interesse coletivo por meio de metas tais como a prosperidade a erradicação da pobreza ou o correto equilíbrio entre economia e preservação2 Não te ria aderido à maioria no caso Lochner por exemplo porque teria rejeitado o princípio de liberdade citado pela Suprema Corte nesse caso por considerálo claramente incoerente com a prática norteamericana e errado de qualquer forma e teria se recusado a reexaminar o julgamento do legislativo de Nova York sobre as questões de política que na época ficaram por resolver Hércules portanto foge à classificação acadêmica padrão dos juízes Afinal se se encaixasse claramente em alguma das categorias populares não seria Hércules Será ele muito con servador Ou demasiado liberal ou progressista O leitor ainda não tem como dizêlo pois seu julgamento dependeria do quão próximas suas convicções estivessem das de Hércules na vasta gama dos diferentes tipos de convicções que envolve uma interpretação da prática constitucional Isso porque ainda não fiz uma exposição suficiente das convicções de Hércules nem mostrei de que modo elas poderiam ser utilizadas para ga rantir um procedimento justo nos processos crimmais ou nos casos que envolvem a liberdade de expressão oi ainda na queles que dizem respeito à divisão dos distritos eleitorais e ao bom andamento das eleições Também não discuti como um problema distinto no contexto constitucional suas convicções sobre o papel do precedente sobre as decisões tomadas pela 29 Ele não substituirá seu julgamento em bases constitucionais quando suas técnicas de interpretação das leis tiverem levado a uma conclusão sobre o que diz a lei devidamente interpretada Suas convicções sobre a política terão contudo um papel a desempenhar em sua última decisão pelas razões e da forma descrita no capítulo IX 30 Lochner vs New York acima n 14 A opinião nesse caso iratao problema como uma questão de principio de saber se os padeiros e seus em pregados têm o direito de estipular em contrato mais horas de trabalho se as sim o desejarem Hércules teria respondido que a interpretação particular do princípio de liberdade de contrato que isso pressupõe não pode ser justifica da por nenhuma interpretação bem fundada da Constituição 476 O IMPÉRIO DO DIREITO Suprema Corte no passado O leitor poderá ter uma idéia dessa atitude no capítulo VII e a partir do fato de que ele não se deixou perturbar pela revogação do caso Plessy em sua decisão do caso Brown mas esta não é a história toda pois sua atitude com relação aos precedentesseria mais respeitosa quando lhe pedissem para restringir os direitos constitucionais que haviam feito vigorar do que quando lhe pedissem para reafirmar suas recusas a tais direitos Portanto o leitor deve reservar seus jul gamentos políticos gerais às carreiras dos juízes que conhece melhor Mas já vimos o suficiente para saber que uma acusação que certos juristas fariam a Hércules é injusta e o que é ainda pior obscurantista Hércules não é um tirano usurpador que tenta enganar o povo privandoo de seu poder democrático Quando intervém no processo de governo para declarar in constitucional alguma lei ou outro ato do governo ele o faz a serviço de seu julgamento mais consciencioso sobre o que é de fato a democracia e sobre o que a Constituição mãe e guar diã da democracia realmente quer dizer O leitor pode discor dar de alguns julgamentos que apresentei em seu nome se eu lhe contasse um pouco mais sobre sua carreira no Olimpo é bem possível que discordasse de outros mais Mas se Hércules tivesse renunciado à responsabilidade que descrevi que inclui a responsabilidade de decidir quando deve basearse em suas próprias convicções sobre o caráter de seu país teria sido um traidor e não um herói da limitação judicial Capítulo XI O direito além do direito A autopurificação do direito A integridade pode ser impura Os juristas saudosistas reverenciam uma antiga idéia a de que o direito se aútopurifica Tal imagem concebe duas formas ou estágios do mfesmo sistema jurídico a forma mais nobre la tente na menos nobre o direito contemporâneo impuro que gradualmente se transforma na sua própria ambição mais pura a duras penas sem dúvida tanto com deslizes quhto com ga nhos nunca atingindo a pureza final mas aprimorandose sem pre com relação à geração anterior Há problemas nessa miste riosa imagem e estes vêm somarse tanto à complexidade j quanto ao poder do direito como integridade Tal concepção é capaz de reconhecer uma forma mais pura de direito que a que possuímos Temos aqui um argumento que nega essa possibilidade para Hércules o direito real con temporâneo consiste nos princípios que proporcionam a me lhor justificativa disponível para as doutrinas e dispositivos do direito como um todo Seu deus é o princípio de integridade na prestação jurisdicional que o força a ver na medida do possí vel o direito como um todo coerente e estruturado Parece não haver espaço neste cenário para a idéia do direito convertido numa forma mais coerente e mais pura do que realmente é Se é possível tornar o sistema mais coerente então esse sistema 478 O IMPÉRIO DO DIREITO mais coerente é o direito atual contemporâneo tanto que uma vez que Hércules tenha elaborado o que é o direito agora não poderá haver um direito mais puro nele latente O direito como integridade poderíamos afirmar consiste na idéia do direito purificado Tal afirmação é excessivamente tosca a distinção senti mental ocupa um lugar no direito como integridade Nosso conceito de direito vincula o direito à justificativa atual de for ça coercitiva e portanto vinculao à prestação jurisdicional o direito é uma questão de direitos defensáveis no tribunal Esse aspecto torna o conteúdo do direito sensível a diversos tipos de limitações institucionais especialmente para os juízes que não são necessariamente limitações para outras autoridades ou instituições Quando os juízes interpretam a prática legal como um todo encontram razões de diferentes tipos especifi camente no que diz respeito aos juízes esclarecendo por que não devem reconhecer como o direito em vigor os princípios e as normas que forneceriam a avaliação mais coerente das deci sões substantivas da prática As doutrinas estritas de precedente que exigem que al guns juízes sigam as decisões passadas de outros juízes mes mo quando pensam que tais decisões são equivocadas são um fato bastante comum Recordemos um exemplo que utilizei an teriormente a Câmara dos Lordes continua a isentar os advo gados da responsabilidade por negligência em certas circuns tâncias A integridade condena esse tratamento especial e o Parlamento com base na integridade deveria revogálo1 Mas 1 Essa característica da prática jurídica é a fonte da complexidade lin güística Em certas circunstâncias qualquer julgamento preciso sobre a natu reza do direito deve de alguma forma reportarse ao nível do tribunal em que se supõe que o problema vá surgir Suponhamos que um advogado pense que o mais alto tribunal de alguma jurisdição tem o dever que decorre do direito como integridade de anular um precedente e desse modo manifestarse favoravelmente ao pleiteante mas que um tribunal inferior limitado por uma doutrina estrita do precedente tem o dever de fazer cumprir esse precedente e desse modo tomar uma decisão favorável ao acusado Ele poderia dizer esta é uma maneira de se colocar a questão que o direito para um tribunal superior é diferente do direito para um tribunal inferior Ou poderia dizer es O DIREITO ALÉM DO DIREITO 479 um tribunal inglês de nível inferior não pode fazêlo pois o precedente o proíbe 0 precedente estrito varia de jurisdição para jurisdição e os tribunais superiores ficam normalmente isentos Mas a supremacia legislativa constitui uma outra limi tação institucional e isso geralmente abrange todos os tribu nais Se um juiz está convencido de que uma lei admite apenas uma interpretação então excetuandose o impedimento cons titucional ele deve colocar em prática essa interpretação como sendo o direito mesmo que considere tal lei incoerente em princípio com o direito entendido em seu sentido mais amplo2 Ele pode pensar que o legislativo deveria corrigir a incoerência com uma legislação posterior não apenas ou necessariamente com base em um sentido de justiça mas porque o legislativo é também um guardião da integridade Mas isso não afetará o que para ele é o direito Se Hércules houvesse decidido ignorar a supremacia le gislativa e o precedente estrito sempre que a ignorância dessas doutrinas lhe permitisse aperfeiçoar a integridade do direito considerada por si só matéria relevante então ele teria viola do totalmente a integridade Pois qualquer interpretação geral bemsucedida de nossa prática legal deve reconhecer essas limitações institucionais Outras limitações judiciais são me nos doutrinárias e mais uma questão de diferentesjaspectos da compreensão que tem o juiz do devido processo legal no tribu ta é outra maneira que como o tribunal superior tem a última palavra o di reito é realmente favorável ao pleiteante ainda que ele deva apelar para ter esse direito reconhecido e aplicado O vocabulário do direito aqui como no caso dos sistemas jurídicos perversos no capítulo III é flexível o bastante para permitir que descrevamos a mesma estrutura complexa de relações jurí dicas direitos e deveres aplicáveis em circunstâncias especificas de dife rentes maneiras dependendo do público do contexto e da finalidade 2 Abstenhome de repetir a iiçio principal do capitulo IX de que a inte gridade substantiva desempenhará um grande papel na decisão de Hércules sobre o modo de interpretar os termos vagos ambíguos ou de alguma outra forma problemáticos dessa lei Estou pressupondo aqui que o texto o con texto e a história legislativa são suficientemente claros para que mesmo o estilo adotado por Hércules para interpretar as leis produz a incoerência com o resto do direito que pressuponho no texto 480 O IMPÉRIO DO DIREITO nal O juiz Hércules poderia pensar que desobrigar os advoga dos das normas gerais do direito sobre negligência é indefen sável e mesmo se ele possuísse o poder técnico de revogar os precedentes que protegem os advogados nessa situação pode ria acreditar que seria incorreto repentinamente imputar res ponsabilidade a um advogado específico por atos do passado se nenhum tribunal tivesse previamente indicado alguma mudança pois esse advogado provavelmente não teria que se assegurar contra tal responsabilidade Hércules então poderia pensar em mudar o direito apenas em perspectiva da maneira que no capítulo V imaginamos que um pragmatista poderia fazer Mas a prática britânica é bastante escassa em relação a esse dispositivo e ele poderia procurar encontrar alguma outra maneira de alertar os advogados por meio de suas opiniões sobre as mudanças futuras5 O juiz Hércules poderia pensar que a melhor interpretação da cláusula da igualdade perante a lei anula as distinções entre os direitos dos adultos e aqueles das crianças que nunca foram questionados na comunidade e ainda assim poderia pensar que seria politicamente injusto no sentido assinalado no capítulo III que o direito impusesse tal concepção a uma comunidade cujas práticas sociais e familia res aceitaram as distinções como adequadas e fundamentais Não quero dizer com isso que em tais casos Hércules sempre aceitaria a incoerência substantiva para manter a fidelidade aos princípios mais processuais mas apenas que o caráter comple xo da prestação jurisdicional torna inevitável que ele às vezes assim o faça O princípio da prioridade local da interpretação estudado no capítulo VIII é outro tipo mais sutil de restrição que pode ago ra ser considerada como relacionada funcionalmente às restri ções que acabamos de perceber Se um juiz que aceita o direito 3 SaiAH citado no capítulo VI n 28 pode mostrarse uma advertência precoce desse tipo Se Hércules acredita que a integridade exige o reconheci mento da restrição processual no caso em que ele faz a advertência ele então pensa que o direito favorece o advogado de defesa Contudo uma vez feita a advertência essa restrição deixa de existir de tal modo que o direito tilo mais estará a favor do advogado de defesa em um caso posterior O DIREITO ALÉM DO DIREITO 481 como integridade considera que duas interpretações se ajus tam cada uma na área de seu interesse imediato bem o sufi ciente para satisfazer as limitações interpretativas então am pliará o alcance de seu estudo numa série de círculos concên tricos para incluir outras áreas do direito e assim determinar qual das duas melhor se adapta ao âmbito mais abrangente Mas respeitará normalmente a prioridade da área do direito na qual desponta seu problema imediato considerará de menor valor rigorosamente algum princípio como uma interpretação acei tável do direito de acidentes se ele for estranho a esse ramo do direito mesmo que se ajuste bem a outras áreas A topologia das áreas é como vimos parte do seu problema interpretativo e os seus julgamentos sobre os limites das áreas pode ser polêmico e de todo modo irá modificarse com a evolução do direito No entanto restrições específicas aplicamse a seus julgamentos sobre os limites devem em princípio respeitar opiniões públi cas e profissionais estabelecidas que dividem o direito em áreas impotfantes de conduta pública e privada Integridade e igualdade Podemos tirar proveito das discussões anteriores para mos trar o poder acumulativo dessas várias restrições cada uma das quais recorre à integridade do processo para verificar a integri dade substantiva No capítulo VIII Hércutes decidiu que uma grande parte do direito dos danos involuntários em sua jurisdi ção pode ser considerada como expressão do conceito de igualdade que ele pensa ser o melhor do ponto de vista da jus tiça abstrata que é a igualdade de recursos por esse motivo então ele adotou essa concepção ao construir sua interpreta ção dessas partes do direito No capítulo X ele rejeitou rapi damente a sugestão de que essa concepção de igualdade ou qualquer outra tornase obrigatória nos estados por meio da cláusula de igualdade perante a lei da Décima Quarta Emenda Ele teria de reconhecer que além do mais tanto o estado quan to a nação estão muito aquém do que a igualdade de recursos 482 O IMPÉRIO DO DIREITO mesmo em sua elaboração prática exigiria à guisa de distribui ção de riquezas embora alguns dos programas de redistribui ção que o Congresso e os estados adotaram sejam passos nessa direção Essa concessão não ameaça sua opinião sobre a melhor interpretação do direito dos danos involuntários pois nenhuma outra concepção de igualdade ajustase melhor ao direito e ne nhuma outra ofereceria uma adequação melhor aos programas fiscais e de redistribuição aos quais a igualdade de recursos consegue adequarse apenas de modo imperfeito Ele deve então decidirse por uma versão da igualdade e do direito que seja menos elegante e uniforme do que poderia ter esperado A igualdade de recursos é a chave para o direito sobre acidentes e outras formas de danos involuntários Mas ele não pode recorrer à Constituição para obrigar o Congresso ou os legislativos estaduais a adotar os programas econômicos e de redistribuição que a igualdade de recursos exige Tam pouco dadas as várias restrições que ele aceita sobre o quanto é livre para ler as leis a fim de promover sua visão da justiça pode encontrar nos sistemas de tributação e bemestar social as disposições que a igualdade de recursos aprovaria A inte gridade política e a justiça estariam em melhor situação em sua opinião se o governo local e o nacional tivessem adotado de forma mais consistente a igualdade de recursos como a meta de seus programas econômicos No entanto ele próprio estaria violando a integridade se ignorasse as decisões que eles tomaram Integridade pura e inclusiva O direito como integridade portanto não apenas permite como também promove formas de conflito ou tensão substan tivos dentro da melhor interpretação geral do direito Agora estamos em posição de explicar o porquê Aceitamos a integri dade como um ideal político distinto e aceitamos o princípio de integridade na prestação jurisdicional como soberano era todo o direito pois queremos tratar a nós mesmos como uma O DIREITO ALÉM DO DIREITO 4 8 3 associação de princípios como uma comunidade governada por uma visão simples e coerente de justiça eqüidade e devido processo legal adjetivo na proporção adequada Já notamos que essas três virtudes componentes eqüidade justiça e devi do processo às vezes entram em conflito Hércules evita ob ter a integridade a partir do ponto de vista da justiça apenas coerência nos princípios substantivos de justiça que permeiam sua descrição do que é o direito agora pois tem buscado uma integridade mais ampla que também confira eficácia a princí pios de eqüidade e devido processo legal adjetivo A justiça como dissemos diz respeito ao resultado corre to do sistema político a distribuição correta de bens oportuni dades e outros recursos A eqüidade é uma questão da estrutu ra correta para esse sistema a estrutura que distribui a influên cia sobre as decisões políticas da maneira adequada O devido processo legal adjetivo é uma questão dos procedimentos cor retos para a aplicação de regras e regulamentos que o sistema produziu A supremacia legislativa que obriga Hércules a apli car as leis mesm0 quando produz uma incoerência substan tiva é uma questão de eqüidade porque protege o poder da maioria de fazer o direito que quer As doutrinas rigorosas do precedente as práticas da história legislativa e él prioridade local são em grande parte embora de maneiras distintas ques tões de processo legal adjetivo porque estimulam os cidadãos a confiar em suposições e pronunciamentos doutrinários que seria errado trair ao julgálos depois do fato Podemos consolidar essa explicação estabelecendo uma nova distinção entre os dois níveis ou tipos de integridade O princípio adjudicativo que governa nosso direito aplica a inte gridade inclusiva isso exige que um juiz considere todas as virtudes componentes Ele constrói sua teoria geral do direito contemporâneo a fim de que reflita tanto quanto possível os princípios coerentes de eqüidade política justiça substantiva e devido processo legal adjetivo e de que reflita todos esses as pectos combinados na proporção adequada A ressalva tanto quanto possível reconhece o que já vínhamos percebendo que a devida atenção a uma dessas virtudes numa demonstra 484 O IMPÉRIO DO DIREITO ção geral do direito implicará às vezes um acordo quanto ao ní veJ de integridade que pode ser alcançado em outro Hércules deve revelar em suas avaliações a respeito de qual é o direito a melhor interpretação dos princípios de eqüidade da sua comu nidade que define seus próprios poderes contra os de outras instituições e autoridades e seus princípios de devido processo legal adjetivo que se tornam pertinentes pelo fato de os julga mentos do direito serem predicados para a atribuição de culpa e responsabilidade baseada em experiências anteriores Ele deve então aplicar leis que se contrapõem à coerência substan tiva a precedentes e prioridades locais que se interpõem no caminho da coerência entre diferentes áreas do direito Ele es tará portanto consciente de uma avaliação diferente mais abs trata a integridade pura abstraída dessas várias limitações da eqüidade e do processo Tal conceito convidao a considerar o que o direito seria se os juízes fossem livres simplesmente para buscar coerência nos princípios de justiça que permeiam e unem as diferentes áreas do direito Destacamos a justiça entre as virtudes políticas criando para ela uma forma especial de integridade Entretanto a honra não é arbitrária As conseqüências práticas da eqüidade e do devido processo legal adjetivo são muito mais contingentes do que as da justiça e freqüentemente lamentáveis Esperamos que nos sa legislatura reconheça o que a justiça exige de forma que nenhum conflito prático permaneça entre a justiça e a suprema cia legislativa esperamos que as áreas do direito sejam reorga nizadas na compreensão pública e dos profissionais para ma pear as verdadeiras distinções de princípio de forma que a prioridade local não apresente impedimento para um juiz que procura um fluxo natural de princípios por todo o direito Nossa profunda ambição de tratar a nós mesmos como uma comunidade de princípios recomenda um papel especial para a justiça Os cidadãos de tal comunidade almejam ser go vernados com justiça eqüidade e processo justo mas as três vir tudes componentes possuem diferentes significados para eles mesmo como ideais Tanto a eqüidade quanto o processo justo estão embora de maneiras diferentes ligados a instituições es O DIREITO ALÉM DO DIREITO 485 pecíficas dentro da comunidade Atribuem responsabilidades diferentes a diferentes autoridades diferentemente situadas A justiça por outro lado referese àquilo a que a comunidade personificada abstraindose de responsabilidades institucio nais deve por si só obter Há então uma importância prática em isolarse a pergunta sobre o que a integridade permite e exige a partir apenas do ponto de vista da justiça Pois essa questão constitui para a comunidade como um todo um pré requisito além de formular questões adicionais sobre quais decisões institucionais seriam necessárias para obtêla Podemos agora esquecer a imagem que os juristas nostál gicos celebram do direito dentro e além do direito O direito que temos o direito contemporâneo e concreto para nós é de terminado pela integridade inclusiva Esse é o direito do juiz o direito que ele é obrigado a declarar e colocar em vigor O di reito contemporâneo entretanto contém um outro direito que delimita suas ambições para si próprio esse direito mais puro é definido peia integridade pura Compõesesde princípios de justiça que ofereqem a melhor justificativa do direito contem porâneo posto que não são vistos a partir da perspectiva de nenhuma instituição em particular abstraindo desse modo to das as restrições de eqüidade e de processo que a integridade inclusiva exige Essa interpretação purificada se dirige não aos deveres distintos de juízes ou legisladores ou a qualquer órgão ou instituição política mas diretamente à comunidade personi ficada Declara como as práticas da comunidade devem ser reformuladas para servirem de modo mais coerente e abran gente à visão de justiça social que parcialmente adotou mas não estabelece qual a função que cada autoridade possui nesse grande projeto O direito contemporâneo tateia em direção ao direito pu ro quando surgem estilos de decisão que parecem satisfazer a eqüidade e o processo trazendo o direito para mais perto de sua própria ambição os juristas declaram estar otimistas em relação a esse processo quando afirmam que o direito se puri fica O otimismo pode estar deslocado Uma avaliação cética parece melhor para alguns críticos de nosso direito primeira 486 O IMPÉRIO DO DIREITO mente eles prevêem o triunfo da entropia o direito perdendo sua coerência substantiva geral no caos produzido pelo egoís mo e por concentrações desiguais de poder político Qual ati tude seja pessimista ou otimista é sábia e qual é tola Isso depende da energia e da imaginação tanto quanto da previsão pois cada atitude se suficientemente aceita contribui para a sua própria reivindicação Os sonhos do direito Os tribunais são as capitais do império do direito e os juí zes são seus príncipes mas não seus videntes e profetas Com pete aos filósofos caso estejam dispostos a tarefa de colocar em prática as ambições do direito quanto a si mesmo a forma mais pura dentro e além do direito que possuímos Encontra mos no common law sobre acidentes uma concepção de igualdade que caso fluísse livremente pela estrutura político econômica norteamericana até seus limites naturais exigiria mudanças radicais na distribuição de propriedades e outros re cursos em geral Podemos encontrar outros alicerces dessa concepção de igualdade em outras áreas do direito Podemos citar por exemplo o progresso às vezes esporádico e vaci lante da redistribuição em favor dos deficientes ou menos favorecidos em outros aspectos e podemos afirmar que esse desenvolvimento global é mais bem explicado pela igualdade de recursos do que por outras concepções daquilo que signifi ca tratar as pessoas como iguais Nós mesmos favorecemos essa concepção e agora afirmamos que ela é o objetivo do direito purificado a estrela da comunidade em sua busca pela integri dade entendida do ponto de vista da justiça apenas A que tipo de debate demos início Um outro filósofo do nosso direito sustenta um ponto de vista concorrente e contrário Ele considera o direito purifica do como o direito mais completamente utilitário num sentido irrestrito mais coerente e precisamente dedicado a maximizar a satisfação sem reservas das preferências da maioria das pes O DIREITO ALÉM DO DIREITO 487 soas Outro descreve uma visão mais comunitária tal visão pres supõe o direito purificado dos direitos individuais que corrom pem a percepção da comunidade endossada por essa visão de que o único bem é o bem comum que as vidas são mais bem vividas sob normas compartilhadas a respeito de que tipo de vida é melhor Não podemos derrotar essas opiniões avaliando e comparando os sistemas jurídicos que se ajustam ao nosso e ao deles Nenhum se adapta bem o suficiente para dominar o direito contemporâneo por completo e todos ajustamse bem o suficiente para afirmar uma base dentro dele O debate deve caminhar agora para o plano da moral política abstrata deve moverse em direção a debates de teoria utópica Entretanto o debate ainda pertencerá ao direito pelo menos num sentido atenuado pois cada competidor começará a estabelecer um es boço contemporâneo do futuro que celebra nenhum marxista ou fascista poderia encontrar suficiente direito contemporâneo distintivamente explicado por sua política filosófica para qua lificarse a entrartna competição A ligaçãòom o debate jurí dico comum embora atenuada é crucial pois confere ao de bate filosófico um papel distinto ainda que complementar no âmbito mais geral da política do direito Cada uma das filosofias rivais usa e respeita integridade dessa forma bem como os valores que a sustentam Cada uma propõe mostrar como o direito pode desenvolverse em direção à justiça enquanto preserva a integridade em todas as suas eta pas Cada uma alega que seu ponto de vistS pode ser assegura do pela comunidade que avança através de uma série de pas sos nenhum dos quais seria revolucionário e todos eles iriam fundamentarse e ocorrer dentro de uma estrutura já existente Observamos esse processo a partir de um ponto de vista exter no e histórico em nossa pesquisa inicial sobre o desenvolvi mento do direito através dos tempos no capítulo III e também ao rejeitar a alegação no capítulo IV de que o direito é princi palmente uma questão de convenção Afirmei que embora o conteúdo do direito seja muito diferente de uma época para ou tra ainda assim num sistema legal próspero até mesmo mu danças importantes podem ser vistas como decorrentes do di 488 O IMPÉRIO DO DIREITO reito existente enriquecendo esse direito mudando sua base e assim provocando uma mudança adicional Dessa forma nesse sentido amplo a política jurídica utó pica continua sendo direito Seus filósofos oferecem extensos programas que podem caso seduzam a imaginação dos juris tas tornar seu progresso mais deliberado e reflexivo São ro mancistas em cadeia com épicos em mente imaginando o tra balho desenrolandose através de volumes que podem levar gerações para serem escritos Nesse sentido cada um de seus sonhos já é latente no direito contemporâneo cada sonho pode ser o direito do futuro Entretanto os sonhos são competitivos os pontos de vista são diferentes escolhas devem ser feitas as grandes escolhas feitas por estadistas que ocupam altos car gos legislativos e judiciais escolhas em menor escala por aqueles cujas decisões sâo mais limitadas e imediatas Nenhum programa coerente pode valer por tanto tempo e para tantas pessoas afinal podemos deixarnos conduzir pelas mãos da habilidade do direito que é apenas um outro nome para a habi lidade dos juizes competentes em impor qualquer ordem que puderem como Hércules teve de fazer nos capítulos anterio res num processo historicamente casual Mas os filósofos são parte da história do direito mesmo assim mesmo quando dis cordam e nenhuma opinião obtém um apoio dominante por muito tempo pois seus argumentos mesmo assim lembram à profissão a pressão do direito além do direito que os imperati vos da integridade sempre desafiam o direito de hoje com as possibilidades de amanhã e que toda decisão em um caso difí cil é um voto para um dos sonhos do direito Epílogo o que é o direito O direito é um conceito interpretativo Os juízes devem decidir o que é o direito interpretando o modo usual como os outros juízes decidiram o que é o direito Teorias gerais do di reito são para nós interpretações gerais da nossa própria prá tica judicial Rejeitamos o convencionalismo que considera a O DIREITO ALÉM DO DIREITO 489 melhor interpretação a de que os juízes descobrem e aplicam convenções legais especiais e o pragmatismo que a encontra na história dos juízes vistos como arquitetos de um futuro me lhor livres da exigência inibidora de que em princípio devem agir coerentemente uns com os outros Ressalto a terceira con cepção do direito como integridade que compreende a doutri na e a jurisdição Faz com que o conteúdo do direito não de penda de convenções especiais ou de cruzadas independentes mas de interpretações mais refinadas e concretas da mesma prática jurídica que começou a interpretar Essas interpretações mais concretas são indubitavelmente jurídicas porque dominadas pelo princípio de integridade in clusiva na prestação jurisdicional A jurisdição é diferente da legislação não de uma forma única e unívoca mas como acom plexa conseqüência da predominância desse princípio Ava liamos seu impacto reconhecendo a força superior da integri dade na prestação jurisdicional que a torna soberana nos jul gamentos de direito embora não inevitavelmente nos vereditos dos tribunais ao observar como a legislação convida a juízos políticos diferentemente da jurisdição e como a integridade inclusiva aplica distintas restrições à função judicial A inte gridade não se impõe por si mesma é necessário ojulgamento Esse julgamento é estruturado por diferentes dimfnsões de in terpretação e diferentes aspectos destas Percebemos como as convicções a respeito da adequação são conflitantes e restrin gem os julgamentos de substância e comovas convicções a res peito de eqüidade justiça e devido processo legal adjetivo são conflitantes entre si O julgamento interpretativo deve obser var e considerar essas dimensões se não o fizer é incompetente ou de màfé simples política disfarçada Entretanto também de ve fundir essas dimensões numa opinião geral sobre a inter pretação que todos os aspectos considerados torna o histórico legal da comunidade o melhor possível do ponto de vista da moral política Dessa forma os julgamentos legais são difusa mente contestáveis Essa é a versão do direito como integridade Acredito que oferece uma explicação melhor de nosso direito do que o fa 490 O IMPÉRIO DO DIREITO zem o convencionalismo e o pragmatismo em cada uma das duas principais dimensões da interpretação de modo que ne nhuma troca entre essas dimensões fazse necessária no nível em que a integridade compete com outras concepções O direi to como integridade fornece tarito uma melhor adequação quan to uma melhor justificativa de nossa prática jurídica como um todo Defendo as exigências da justificativa identificando e estudando a integridade como uma qualidade claramente per ceptível da política comum diversa das virtudes da justiça e da eqüidade e às vezes entrando em conflito com ela Devemos aceitar a integridade como uma virtude da política comum pois devemos tentar conceber nossa comunidade política como uma associação de princípios devemos almejar isso porque entre outras razões essa concepção de comunidade oferece uma base atraente para exigências de legitimação política em uma comunidade de pessoas livres e independentes que diver gem sobre moral política e sabedoria Discuti a primeira alegação de que o direito como inte gridade fornece uma adequação esclarecedora com a nossa prática jurídica ao mostrar como um juiz ideal comprometi do com o direito como integridade decidiria três tipos de casos difíceis pertinentes ao common law à legislação e nos Es tados Unidos à Constituição Fiz com que Hércules decidisse vários casos que ofereci como exemplos práticos no capítulo I e minhas alegações de adequação podem ser verificadas se compararmos seu raciocínio com o tipo de argumentos que pa reciam apropriados aos juristas e juízes de ambas as posições naqueles casos Contudo esse é um teste muito limitado para ser decisivo os estudantes de direito e os juristas poderão tes tar o poder esclarecedor do direito como integridade em oposi ção a uma experiência muito mais ampla e variada do direito em funcionamento Já disse o que vem a ser o direito A melhor resposta se ria até certo ponto Não concebi um algoritmo para o tribunal Nenhuma mágica eletrônica poderia elaborar a partir de meus argumentos um programa de computador que fornecesse um veredito aceito por todos uma vez que os fatos do caso e o O DIREITO ALÉM DO DIREITO 491 texto de todas as leis e decisões judiciais passadas fossem co locados à disposição do computador Mas não cheguei à con clusão que muitos leitores considerariam de senso comum Não afirmei que nunca há um caminho certo apenas caminhos diferentes para decidirse um caso difícil Ao contrário afir mei que essa conclusão aparentemente sofisticada é um sério equívoco filosófico se a entendermos como um exemplo de ceticismo externo ou uma posição política polêmica apoiada em convicções políticas dúbias se a tratarmos da maneira que estou inclinado a fazer como uma perigosa incursão pelo ceti cismo interno global Descrevi as questões interpretativas freqüentes que um juiz deveria se colocar e também as respostas que acredito deveria dar às questões mais abstratas e básicas Aprofundei o processo em alguns casos passando pelos vasos capilares bem como pelas artérias da decisão mas somente como um exem plo e sem maiores detalhes do que os necessários para ilustrar o caráter das decisões que os juízes devem tomar Nossa preo cupação principaí foi identificar os pontos 3e ramificação do argumento jurídifco os pontos em que a opinião se divide da maneira proporcionada pelo direito como integridade Para cada caminho seguido por Hércules com base nessa concepção geral um outro jurista ou juiz que partisse da mefma concep ção encontraria um caminho diferente e terminaria em um lu gar diferente tal como o fizeram os juízes de nossos casos ex perimentais Ele terminaria de forma diferente pois se afastaria de Hércules seguindo suas próprias considerações mais cedo ou mais tarde em algum ponto polêmico da discussão Se fui bemsucedido em mostrar o que é o direito todavia cada leitor tem uma pergunta distinta Ele deve perguntarse até que ponto iria seguirme nessa linha de argumentação dadas as várias convicções morais políticas e interpretativas que pensa ter após a reflexão que tentei provocar Se ele abandonar meu argumento precocemente em algum estágio abstrato crucial então terei em boa medida falhado com ele Caso o abandone mais tarde num assunto relativamente detalhado então terei sido bemsucedido Terei contudo falhado por completo se ele nunca abandonar meu argumento 492 O IMPÉRIO DO DIREITO O que é o direito Ofereço agora um tipo diferente de resposta O direito não é esgotado por nenhum catálogo de re gras ou princípios cada qual com seu próprio domínio sobre uma diferente esfera de comportamentos Tampouco por algu ma lista de autoridades com seus poderes sobre parte de nossas vidas O império do direito é definido pela atitude não pelo território o poder ou o processo Estudamos essa atitude prin cipalmente em tribunais de apelação onde ela está disposta para a inspeção mas deve ser onipresente em nossas vidas co muns se for para servirnos bem inclusive nos tribunais É uma atitude interpretativa e autoreflexiva dirigida à política no mais amplo sentido É uma atitude contestadora que toma todo cidadão responsável por imaginar quais são os compro missos públicos de sua sociedade com os princípios e o que tais compromissos exigem em cada nova circunstância O caráter contestador do direito é confirmado assim como é re conhecido o papel criativo das decisões privadas pela retros pectiva da natureza judiciosa das decisões tomadas pelos tribu nais e também pelo pressuposto regulador de que ainda que os juízes devam sempre ter a última palavra sua palavra não será a melhor por essa razão A atitude do direito é construtiva sua Finalidade no espírito interpretativo é colocar o princípio acima da prática para mostrar o melhor caminho para um futu ro melhor mantendo a boafé com relação ao passado É por último uma atitude fraterna uma expressão de como somos unidos pela comunidade apesar de divididos por nossos proje tos interesses e convicções Isto é de qualquer forma o que o direito representa para nós para as pessoas que queremos ser e para a comunidade que pretendemos ter índice remissivo Abordagem econômica do direito 323 Aborto problema do e integrida de política 216 2245 Ação afirmativa 468 e teorias con tra a discriminação 4601 e ca so Bakke 4687j Acidentes direito sobre Ver direi to dos danos involuntários Acontextual significado interpreta ção22 2911241454212 Acordo o remédio jurídico de Brown como 38 entre as virtu des politicas 2135 e leis con ciliatórias 21623 interno vs externo 218 aceitação conven cionalista do 254 uy princípio de comparação de danos 3645 nas intenções dos legisladores 388 Afirmações construtivas cio dicei to 274 Aguilhão semântico 556 84 86 89 109 e sistema jurídico 114 e paradigmas jurídicos 145 e direito perverso 128 e a decisão de Hércules 313 e prestação jurisdicional em matéria consti tucional 431 Alemanha nazista e regra de reco nhecimento 43 o direito na 12634 e responsabilidade de grupo 20910 Alpers Svetlana 52 n 35 Ambigiiidadf e interpretação das leis 41922 Analogia da corda e instituição da cortesia 856 e direito nazis ta 128 Ver também Cadeia do direito tf Argumentos políticos no caso McLoughlin 345 vs princípio 26692923 37254056 455 e remédios jurídicos 465 na le gislação vi prestação jurisdicio nal 489 Ver também Teoria eco nômica dos danos involuntários Arte e intenção do autor 6780 Associações fraternais 2423 Ver também Obrigações associativas Atitude de protesto contra a lei 492 e integridade 2301 e compar timentalização 3012 Atitude interpretativa e divergên cia 567 com relação à corte sia 579 ver também Cortesia 494 O IMPÉRIO DO DIREITO e ponto de vista interior 5994 e etapas da interpretação 814 objetiva 94101 e ceticismo in terior 968 ver também Ceti cismo interior e sistemas jurí dicos estrangeiros 1279 132 e direito perverso 1314 do con vencionalismo 1445 sobre as práticas convencionais 151 e a necessidade de paradigmas não de convenções 1689 com re lação às obrigações associati vas 24012467 Ativismo na interpretação consti tucional vs passivismo 4412 vs direito como integridade 452 e Hércules 4745 Atos performativos promessas co mo 413 legislação como 414 Austin J L 413 n 10 Austin John 403 135143 n 2 Automóveis como exemplo de in tenção 1245 fabricantes de em exemplo de responsabilidade ins titucional 2058 Autonomia de governo e integri dade política 22930 Autoridade o direito como 1167 n 3 Bakke caso 46873 Bemestar no utilitarismo 34755 Bentham Jeremy sobre direitos 448 e positivismo jurídico 1701 06 Berger R432 n 6 Bickel Alexander M 215 n 4 Bork R431 n 5 4 4 6 n l 2 Brest Paul 385 n Brown caso 368 como revolu ção social 4 466 468 remédio jurídico no 37 4648 e positi vismo jurídico 456 e conven cionalismo 1467 160 e inte gridade vs pragmatismo 265 e moral popular 299 e 14 Emen da 425 e historicismo 4389 e passivismo 4467 a interpreta ção de Hércules do 45368 4756 a teoria das fontes bani das 4589 Ver também Décima Quarta Emenda Burger Warren 2 7 2 9 4 7 Busing transporte escolar de crian ças de bairros brancos para es colas de bairros negros e vice versa com o objetivo de criar integração racia nas escolas 2654678 Cadeia do direito e romance em cadeia 2759 e o personagem Scrooge 27985 e o respeito ao texto 2856 interação entre ade quação e justificativa 2867 in terpretação das leis na 377 Ver também Analogia da corda CalabresiG 189n l336n4 338 n 5 Câmara dos Lordes e decisões so bre os relatórios confidenciais 45 e precedente 312 no caso McLoughlin 345 47 do ponto de vista convencionalista 1412 e imunidade dos advogados 264 4789 Cardozo Benjamin 14 n 7 Carro de som exemplo no jogo limpo 235 ÍNDICE REMISSIVO 495 Casos criminais e importância do direito 34 Ver também Casos Casos difíceis o direito como sim ples questão de fato 14 nas teo rias semânticas 489 54 ques tões de pósinterpretação nos 124 no sistema nazista 131 e interpretação 1312 abordagem convencionalista dos 1423154 1578 i 62169 192 tratamen to pragmático dos 19261989 no direito como integridade 272 3 276 306 308 3167 490 Hércules vs juizes reais nos 3156 e casos fáceis 3167 4223 ponto de vista popular sobre os 317 e estudos jurídi cos críticos 32831 e aborda gem da simulação do mercado 3612 e os sonhçs do direito 488 e ponto de yísta da solu ção única 491 Ver também Lacunas no direito Criar lei Casos essenciais vs defesa limí trofe do positivismo 502 e divergência 556 Ver também Paradigmas Casos fáceis problema dos 4223 Casos parecidos tratamento seme lhante dado aos 2012 e inte gridade política 2639 Ver tam bém Coerência com o passado Precedente Categorias banidas 45863469 Causalidade exemplo do conceito de 391045n27 Cavell Stanley 6970 73 Certeza valor da 43940 Ceticismo e interpretação 946 1045 n 27 2845 interior e exterior 96106 318 ver tam bém Ceticismo exterior Ceti cismo interior sobre a moral 981045 n 27 106 com rela ção ao direito 98 107 31920 pragmatismo jurídico como 119 195 com relação à instituição associativa 246 248 com rela ção ao direito como integridade 2745 312 31722 sobre o ro mance em cadeia 2768 2845 nos estudos jurídicos críticos 3226 argumento interpretativo vj argumento histórico no 3245 e passivismo 4456 sobre os ca sos difíceis 491 e liberalismo 3278 n 19 Ceticismo exterior 96106 318 324446491 Ceticismo interior 96106 491 so bre o romajjce em cadeia 2768 em relação áo direito como inte gridade 31822 nos estudos ju rídicos críticos 3246 no passi vismo 446 sobre a moral 1045 n 27 Ver também Ceticismo Chayes A 467 n 12 Ciência social e interpretação 67 78 84 Ver também História Clareza de linguagem e interpre tação das leis 41922 Coerência e integridade política 2639 e direito como integrida de 2734 Coerência com o passado e con vencionalismo 15965 17980 e pragmatismo jurídico 185 1945 1978 e integridade po lítica 2042634 e direito como integridade 2734 Coerência do direito e caso Él mer 23 Ver também Integridade direito como 496 O IMPÉRIO DO DIREITO Coleman Jules 154 n 4 Common law cadeia do 2867 conflito de direitos no 3745 Ver também Danos emocionais Leis dos danos involuntários Precedente Compartimentalizaçào do direito 3014 Comunidade e atitude interpreta tiva 568 60 personificação da 7880 20412 2267 271 356 e direito como integridade 11920 em integridade politica 2289 básica vs verdadei ra 24342467 251 sociedade política como 2512 modelo de facto de 252255 modelo ba seado em códigos de 2534256 413 e o amor 259 riqueza da 3348 ver também Riqueza tes te da interpretação pura do direi to dirigido à 4856 e atitude de direito 492 Comunidade de princípios 254 e legitimidade 258260 no direi to como integridade 25860 e integridade 2912 314 4823 490 e responsabilidade priva da 361 371 e convicções dos legisladores 3946 403 e his tória legislativa 4134 e justi ça 484 Conceito do direito 1157 1346 e f o r ç a d e lei 1356231 Concepções do direito 11720 pro blemas para 1246 e direito per verso 1269 34sobreosfunda mentos e a força do direito 134 38 e práticajurídica 169 e legi timidade 231 Ver também Con vencionalismo Integridade direi to como Pragmatismo jurídico Conflito entre virtudes políticas 2135 228 dos direitos abstra tos 353 356 363 368 372 374 das convicções 396400 Consciência coletiva 7879 n 15 Consciência de grupo 7879 n 15 Consenso na etapa préinterpreta tiva 81 vj convenção 1659 Consentimento legitimidade por meio do 2334 Cotiseqüencialismo Ver Teoria eco nômica dos danos involuntários Normas de atuação Utilitarismo Conservadorismo dos juízes 428 30 e Hércules 475 Constituição dos Estados Unidos e cânone jurídico 113 e ponto de vista convencionalista 142 168 e cláusulas sobre a escravi dão 223 e moral popular 299 limitações na 425 e o papel da Suprema Corte 4258 fundado res não representativos da 436 como lei 453 exigência de ra cionalidade na 4567 473 Ver também Suprema Corte Conto de Natal como romance em cadeia 27984 Contradição e ponto de vista céti co da integridade 320322324 6 no liberalismo 326 32831 n 20 Contrafactuais estados de espíri to 3904 Convenção na teoria de Hart 423 vs consenso 1659 coordenação por meio da 1769 Ver também Regras Convencionalismo 118201415 488 490 e pretensões juridica mente protegidas 119186 pon ÍNDICE REMISSIVO 497 to de vista popular por trás do 1412 144 146 148 e teorias semânticas positivistas 1434 como apelo às expectativas pro tegidas 1458 16970 e con venções jurídicas 14852 estri to w moderado 1529 e coe rência com o passado 1604 179 e atenção às leis ou aos precedentes 15962 165 e di reito como integridade 164 2712 311 48990 c distinção convençãoconsenso 1659 Í77 vs desenvolvimento do direito 1678 192 487 e democracia 1701 e eqüidade de 1703 e redução da surpresa 1726 uni lateral 1735 17980 4378 e coordenação 1769182191 e pragmatismo jurídico 17983 1921967 315 e igualdade for mal 225 e modelo de comuni dade baseada em códigos 254 256 e compartimentalizaçào 301 e casos fáceis 3167 e o argumento da estabilidade 437 e passivismo 444 e regra de re conhecimento 143 n 2 e hábito de obediência 143 n 2 Convencionalismo moderado 1527 Convencionalismo unilateral unüa teralismo 1735179804378 Convenções jurídicas 142 14852 Ver também Convencionalismo Convicções na intenção legislati va 390 393403432 na inter pretação constitucional 4334 Coordenação por meio de conven ções 1769 e ponto de vista pragmático 1801 por meio de regulamentação retrospectiva 191 e pragmatismo jurídico 1923 Corporações em exemplo de res ponsabilidade institucional 2068 Cortesia atitude interpretativa com relação a 579 interpretação construtiva da 634 intenções na 701 e etapas da interpreta ção 82 exposição filosófica da 849 e ceticismo 98 1001 co mo convenção 151 e função do juiz 275 vs justiça 901 n 20 Cover Robert 263 n 27 Criar lei vs divergência teóri ca 89 e convencionalismo 145 147155 161 173 e direi to como integridade 1478 e coerência com o passado 162 Ver também Lacunas na lei Ca sos difícei Crítica literária comparada à fun ção dos juízes275 Custo comparativo e igualdade 36271 Custos das transações 3358 346 Danos morais e c a s o McLoughlin 30 33 28899 309 ver tam bém McLoughlin caso e con vencionalismo 1445 Danos previsíveis princípio do di reito consuetudinário sobre os 33 na abordagem de Hércules 289 2938 Davidson Donald 245 n 22 Décima Quarta Emenda 36 e se gregação nas escolas 37 acor do interior anulado pela 224 como limitação 425 e papel da Suprema Corte 4278 e histo 498 O IMPÉRIO DO DIREITO ricismo 4323 471 e educação com segregação racial 432 e mudança de circunstâncias 437 e o direito contra a discrimina ção 45668 e ação afirmativa 4713 Ver também Igual proteção Defesa fingercrossed 4950 Defesa limítrofe do ponto de vista do positivismo 4952 Deficientes físicos ou mentais e igualdade de recursos 3667486 Democracia e expectativas prote gidas 1701 e intenção dos le gisladores 436 e passivismo constitucional 4435 e a abor dagem de Hércules 474476 e positivismo jurídico 1701 n 6 Descoberta do direito vs diver s gência teórica 89 Desobediência civil e força de lei 139 Dever de obedecer à lei 139 de ser justo 234 de aumentar a rique za 3457 Ver também Obriga ção política Devido processo legal adjetivo 203 em conflito com outras vir tudes 21454823 e integrida de na prestação jurisdicional 2623 no direito como integri dade 2712291 na interpretação de Hércules 4045 na integri dade política 4823 e integrida de pura 484 Dilthey Wilhelm 623 n 2 Direito divergência empírica so bre o 841 46 fundamentos do 89 15 138 ver também Fun damentos do direito divergên cia teórica sobre o 81115 ver também Divergência teórica em direito o direito como simples questão de fato 105192538 ver também direito como sim ples questão de fato e justiça 11122 diretrizes vagas no 123 como fenómeno social 168 401 n 29 perspectivas inte riores e exteriores sobre o 189 como um todo coerente 245 e ceticismo 98 107 31920 for ças centrífugas e convergentes no 110 paradigmas do 1101 114 desenvolvimento do 111 2 1678 192 487 conceito de 11571345231 questões fun damentais sobre o 118 concep ções do 11720 1236 vertam bém Concepções do direito e moral 1203 125 em lugares perversos 12634 24950 ca deia do 27586 377 comparti mentalização do 3004 aborda gem econômica do 323 purifi cado 4774858 limitações ao 4801 489 império do 485 492 sonhos utópicos do 4868 astúcia do 487 como autoridade 1167 n 3 ver também Leis Direito civil e unilateralismo 174 Direito como conceito de interpre tação 10915 489 e análise da interpretação 60 e direito em lugares perversos 126 e força de lei 137 e direito como inte gridade 2735 e cadeia do direi to 27586 377 e distinção entre liberal e conservador 428 e dis tinção entre interpretativista e não interpretativista 4312 Direito como integridade Ver In tegridade direito como ÍNDICE REMISSIVO 499 Direito penal unilateralismo no 174 Direito sobre a negligência e lei sobre o mau uso da propriedade 3034 interpretação da 333 3523 3745 ver também Lei dos danos involuntários Direitos em mercados simulados 3345 vs estratégias coletivas 3523 4556 e custo compara tivo 36871 e passivismo cons titucional 44852 e remédios jurídicos 465 vs bem público 487 Ver também Princípio Direitos como se no pragmatis mo jurídico 18791921967 Direitos legais 116 187 e con vencionalismo 11920188 vs outras formas de direito 145 e pragmatismo jurídico 18790 193 e direito como integridade 2923 prima facie abstratos 352 356 362 368 372 374 proteção judicial aos 427 e his toricismo 441 contra a discri minação racial 45668 aplicação dos 4658 protegendo a eqüi dade Vi justiça 4423 n l i Direitos políticos e personificação da comunidade 2101 e integri dade 268 e políticas 3745 Discriminação Ver Discriminação racial Discriminação inversa Ver Ação afirmativa Discriminação racial e obrigação associativa 245 direito consti tucional contra a 3417 Distinção conceisoconeepção 87 8 para a justiça 912 Distinção de precedentes no caso McLoughlin 324 Distinções perspectiva exterior vs perspectiva interior em direito 189 doutrina estrita vj doutrina moderada do precedente 303 usos padrão vs usos limítrofes de direito 489 casos limí trofes vs casos essenciais 502 ver também Casos fáceis proble ma dos interpretação da prática vs atos ou pensamentos de parti cipantes 77 significado vs ex tensão 87 conceito vs concep ção 878 justificativa w con teúdo dos direitos 1312 direitos frágeis vs ausência de direitos nos sistemas perversos 133 fundamentos vs força de lei 1356 426 extensão implícita VÍ extensão explícita da conven ção l5l2íconvencionalismo es trito vs convencionalismo mode rado 1523 convenção vs con senso acordo de convicção 165 1778 argumentos sobre vs argu mentos no intepor das regras 1678 paradigmas vs conven ções 1689 comunidade em estado bruto vs comunidade verdadeira 2434 competi ção vs contradição de princípio 320 elaboração acadêmica vs elaboração prática da teoria mo ral 3445 direitos vs estratégias coletivas 353 4556 uso vs atribuição de propriedade 361 linguagem ciara VÍ linguagem obscura 419 integridade inclu siva vs integridade pura 4B34 Divergência dilema sobre a 536 concepção interpretativa de 567 ver também Interpretação sub 500 O IMPÉRIO DO DIREITO jetiva vs objetiva 945981012 ver também Ceticismo sobre fundamentos e força de lei 137 9 sobre convenções jurídicas 150 Ver também Divergência empírica Divergência teórica em direito Divergência empírica sobre o di reito 8 384146 Vertambém Verdade e falsidade Divergência teórica em direito 8 15 vs inventar o direito 910 e o direito como simples ques tão de fato 105 3846vertam bém Ponto de vista do direito cen trado nos fatos e caso Élmer 25 e caso do snaildarter 29 e caso Brown 38 e teorias semân ticas 3852 ver também Teorias semânticas do direito e critérios factuais comuns 524 interpre tativa 109 Divisão proporcional de custos princípio da 320 Dominação parental como exem plo de integridade 2458 e igual proteção 480 DredScott caso e passivismo 447 Earl juiz 235 27 44 49 53 160 Eliot T S 73 n 11 Élmer caso 205 e princípio de que ninguém deve beneficiarse de seu próprio erro 25 e caso do snail darter 26 e interpretação do direito natural 44 e positi vismo jurídico 456e interpre tação das leis 109 e etapa pós interpretativa 125 e convencio nalismo 1423 1501 153 159 e pragmatismo jurídico 192 Ver também Lei sobre testamentos Ely John Hart 431 n 5 442 n 11 448 n 15 Equidade 2003 e convencionalis mo 1712 e integridade 202 314483 e justiça 214 em con flito com outras virtudes 2145 228 483 e leis conciliatórias 2162189 2212 e igual prote ção 225 do ponto de vista prag mático 227 comunidade de prin cípios 257 no direito como inte gridade 2712 291306 no tra tamento dado por Hércules ao caso McLoughlin 292 2989 30910 e interpretação das leis 3845 405 4078 409 415 4178 e história legislativa 409 4367 e historicismo 431 e pas sivismo 4484501 vs maioria transitória 451 e ativismo 452 e teoria da classificação da jus tiça racial 4612 e integridade pura 4845 Erdlich G 167 n 5 Escolha obrigação comunitária de 23940 244 em comunidades políticas 250 e responsabilida de pública 3589 Escravidão e integridade política 2234 Estabilidade como fundamento lógico do historicismo 43741 Estado de natureza e legitimida de 2356 Estado personificação do 20412 2267 Estados de espírito dos legislado res 379 382 3869 402 co ÍNDICE REMISSIVO 501 municação dos 379 e método de Hércules 380 contrafactuais 3904 e legislação como comu nicação 416 e historicismo 4323 Ver também Intenções dos legisladores Estudos jurídicos críticos 3226 e liberalismo 32631 Etapa interpretativa 81 e direi to nazista 129 Etapa pósinterpretativa 812 e problemas jurídicos 1246 e afir mações convencionalistas 1445 e interpretação da Constituição 428 Etapa préinterpretativa 81 para ajustiça 923 contingente e lo cal 113 para o direito 115 e direito nazista 12830 Ewald William S9 n 2 Exigência de ecionalidade da Constituição 4567473 Expectativas Ver Previsibilidade Expectativas protegidas Expectativas asseguradas como ideal convencionalista 146 148 1589 16970 e convenciona lismo moderado 157 e democra cia 170 e eqüidade das 1703 e previsibilidade vs flexibilida de 17583 Extensão e significado 87 Extensão explícita da convenção 1523 158 173 Fairman Charles 37 n 28 Fascismo fora do direito atual 487 Fato questões de 516 Feinberg Joel 206 n 10 Felicidade no utilitarismo 34755 Fellini Federico intenção de 69 Fessler D 294 n 9 Fidelidade ao direito questão da 56 8 e ponto de vista de sim ples fato II e caso do snail darter 29 como obrigação poli tica 251 e historicismo 433435 Filosofia do direito Ver Jurispru dência Finalidade propósito e inter pretação 71 do direito 110 1189 172 183 426 da deci são judicial 168 da lei 410 Ver também Propósito Finnis John 44 n 32 Fish Stanley 82 n 16 95 n 23 FissOwen 467 n 22 Fontes banidas 4584602469 Força do direito e fundamentos do direi 1367 e concepções do direito 1378edesobediência ci vil 1389 vs integridade na de cisão judicial 2623 Ver tam bém Legitimidade Frank Jerome lfn 6 Frankfurter Felix 428 fundamentos do direito 715 ver dade ejalsidade dos 79 e ponto de viára da simples questão de fato 105 e teorias semânticas 3852 critérios comuns para os 53 e força de lei 136 2623 e concepções do direito 1378 e desobediência civil 1389 no direito como integridade 271 3123 Gadamer H G 63 n 2 67 75 Gavison Ruth 40 n 29 Goodman Nelson 391 n 5 Gordon Robert 79 n 15 325 n 18 502 O IMPÉRIO DO DIREITO Gray juiz 223 25 27 44 47 53 160 Gray J C 114 n 2 Grey Thomas 68 n 6 431 n 5 Habermas Jürgen 63 n 2 78 n 14 Hare R M 350 n 11 Harr C 294 n 9 Hart H L A 423135143 n 2 Hegel GW F 18 Hércules 287 333 4545 491 sobre ocaso McLoughlin 28899 309 31822 e prioridade local 300 3024 e compartimentali zação 301 e aplicação de con vicções pessoais 310 como impostor 3114 317 arrogan te 3145 como mito 315 pres suposto não contraditório de 31920 e estudos jurídicos crí ticos 3226 interpretação da lei 3778 380 396 40411 41524 435 4534 e casos di fíceis vs casos fáceis 4234 e interpretação constitucional 453 704726 como tirano 476 e o direito puro 477 e limitações 47980 divergência com 491 Hermes sua interpretação da lei 381403433 Hipótese de previsão e a opinião do juiz como 45 História e prática jurídica 169 da justiça 901 do desenvolvimento do direito 1112 1678 192 487 e o direito como integrida de 2734 nos estudos jurídicos críticos 3245 legislativa 3789 40915418463483 Vertam bem Coerência com o passado História legislativa 3789 da Lei das Espécies Ameaçadas 28 415 e declarações oficiais de pro pósito 40915 ao longo do tem po 4189 e os direitos da Décima Quarta Emenda 463 e devido processo legal adjetivo 483 Historicismo na prestação jurisdi cional em matéria constitucional 4307 e estabilidade 43741 e ação afirmativa 471 Holmes Oliver Wendell 18 19 n 9 Hutchinson Allan 329 n 20 423 n 13 Hyek F 176n 13 Ideais políticos Ver Virtudes polí ticas Identidade institucional 846 Igual proteção e segregação na edu cação 367427843124345 e fundadores da Décima Quarta Emenda 374334 e integridade política 225 e papel da Suprema Corte 4278 interpretação his tórica da 431 2 do modo como se requer dos estados 4556 4812 e abordagem de Hércules à 45568 480 e ação afirmati va 471 Igualdade e relações familiares 2478 480 e aumento da rique za 3515 concepções de 357 60 de recursos 3579 36271 374 4812 486 e responsabili dade pública vs responsabilida de privada 35962 ceticismo a respeito da 446 Ver também Princípio igualitário ÍNDICE REMISSIVO 503 Igualdade de recursos 3579362 71374 4812486 Imunidade do advogado como exemplo de integridade 264 4801 Integridade o direito como 11920 2601 2713 3057 48991 e precedente 146 288 47880 sobre a criação de novas leis 1478 convencionalismo mode rado como 1567 e convencio nalismo 164271231148890 e direitos legais 1863745 co m o interpretação contínua 273 5 2867 e história 2735 324 5 e cadeia do direito 27587 377 e Hércules sobre o caso McLoughlin 287993093202 e prioridade local 3004 479 80 4834 e as ipessoas como intérpretes 3012 e objeções a Hércules 30917 e casos difí ceis vs casos fáceis 3167 ce ticismo com relação ao 31722 e estudos jurídicos críticos 32231 e lei sobre os acidentes 362371 e interpretação das leis 3778 380 ver também Inter pretação das leis e interpreta ção das leis segundo Hércules 4057 4094154189 e o argu mento de Marshall 4267 na dis tinção liberalconservador 428 9 e historicismo 4301 e vator da certeza 43940 e passivismo 4445 vs ativismo 4301 e su pervisão judicial 4667 e teoria das categorias banidas 470 e autopuriflcação do direito 478 e supremacia legislativa 47980 e restrições à igualdade 4812 inclusiva vs pura 4826 e di reito mais puro 485 e sonhos utópicos 4868 Ver também Hércules Integridade inclusiva 483485489 Integridade legislativa 203 213 2612 Ver também Integridade Integridade pessoal 202 Integridade política 202 como vir tude política distinta 203 213 216 223 2278 313 490 e di reitos 203 e eficiência da 203 2289 na legislação e na presta ção jurisdicional 204 213 2613 e coerência 203 2639 e personificação da comunidade 20412 2267 em conflito com outras virtudes 2135 226 e leis conciliatórias 2Í623226 2612 e fConstituição dos Es tados Unidos 2236 e comunida de 2289 e legitimidade 2323 na comunidade de princípios 2548 3144834 490 ver tam bém Comunidadde princípios soberania da 2613 e convic ções legislativas 395 4023 estabilidade como 440 e igual dade derecursos 482 486 ver também Igualdade de recursos e julgamento 489 Integridade pura 4845 Integridade textual das leis 4057 409415418 Intenção na interpretação da con versação 61 e interpretação construtiva 66 e interpretação social 66 701 7580 e inter pretação artística 6771 e es trutura da interpretação 71 e valor estético 72 declaração de 504 O IMPÉRIO DO DIREITO vs promessa 413 Ver também Propósito Intenção do falante ponto de vista do na interpretação das leis 378 82 e problemas de autoria 3825 intenção combinada no 3856 4023 esperanças e expectati vas no 38690 e convicção do legislador 390 393403 mo mento canónico em 4169 e obscuridade 420 e historicis mo sobre a Constituição 433 Intenções dos legisladores e caso Élmer 234 e caso do snail dar ter 269 como problema 125 mudança de atitude com relação às 1678 do ponto de vista prag mático 1923 ponto de vista de Hércules sobre as 3778 381 416 418 ponto de vista da in tenção do locutor 37993 402 404 416 418 420 433 contra a revogação ou a emenda 383 e alternativas realistas 387 e convicções 390 393403 433 e história legislativa 40915 e tempo 4169 e Décima Quarta Emenda 4324 437 463 471 e historicismo 43041 w pas sivismo 44i2 Interpretação 60 como conceito in terpretativo 60 cientifica 601 65 e propósito 604 68 71 7580275 da conversação 617 7880 construtiva 646 68 745 80 112 379 402 e atos individuais vs práticas coletivas 667 7780 e método da inten ção do artista 6575 literária 72 81 etapas da 814 VJ in venção 812 hipóteses ou con vicções na 834 e identidade ins titucional 846 e distinção con ceitoconcepçlo 868 ver tam bém Concepções do direito e paradigmas 8891145 da jus tiça 8993 ver também Justi ça ceticismo sobre a 94108 2845 o direito como 10915 126 2734 4889 adequação e justificativa na 16970 2778 286 3056 4889 da justiça pelos cidadãos 22930 2545 da comunidade 2467 251 ver também Comunidade das prá ticas políticas 25960 e o direi to como integridade 2715 287 ver também Integridade direi to como vi dicotomia entre descobrir e inventar o direito 2745 romance em cadeia 275 86 e dicotomia entre liberdade e restrição 2812 e opiniões formais e substantivas 2834 e respeito pelo texto 286 e Hércules no caso McLoughlin 28899 309 31922 ver tam bém Hércules princípios com petitivos e contraditórios na 289 320 como adequação às decisões judiciais vs opiniões 2967 343 prioridade local na 300448014834 convicções políticas na 310 Interpretação artística 61 6575 Interpretação construtiva 646 68 745 80 teoria jurídica como 112 vs ponto de vista da inten ção do falante 379 402 Ver também Interpretação Interpretação criativa 6266871 7580275 ÍNDICE REMISSIVO 505 Interpretação da Constituição e o caso Brown 367 liberalismo vs conservadorismo na 42830 historicismo na 43041 471 passivismo na 44153472 ati vismo na 442452 474 e práti ca jurídica norteamericana vs a de outros países 4523 abor dagem de Hércules à 45376 e direitos individuais 4556 e dis criminação racial 45668 e re médios jurídicos 4648 e ação afirmativa 46873 Ver também Constituição dos Estados Unidos interpretação da conversação 617 7880379 Interpretação da legislação Ver In tenções dos legisladores Inter pretação das leis Interpretação das leis 212 3778 literal 22 124 159 intenção dos legisladores na 234 279 37793 ver também Intenções dos legisladores do ponto de vista convencionalista 1412 151 15960 divergência sobre 151 e coerência com o passado 1614 do ponto de vista prag mático 180 1889 197 método de Hércules 3778 381 396 4041241524 4354534 his tória legislativa na 379 40910 convicções dos legisladores 390 393403 e tempo 4169 e obs curidade da linguagem 41922 Ver também Leis Interpretação do direito Ver Con cepções do direito Convenciona lismo Integridade direito como Pragmatismo jurídico Interpretação literal 22 como pro blema 124 como cntério do con vencionalismo estrito 159 Interpretação literária intenção do autor na 72 e etapa préinter pretativa 81 Interpretação social 607 717680 Invenção vs interpretação 81 83 Inventar lei w divergência teó rica 89 Ver também Criar lei Jogo limpo como defesa da legiti midade 2357 e comunidade ba seada em códigos 256 Johnson J W 167 n 5 Juízes mecânicos 1123 poder dis cricionário dos 12 e a tomada de decisões intuitivas 14 opinião púbíica sobre os 15 na explo ração da pçtica jurídica 19 e doutrinas do precedente 303 e ponto de vista do realismo jurí dico 45 interpretação dos 109 104889 e jurisprudência 113 e f o r ç a d e l e i 1382623 e con vencionalismo 12 145 147 1545 158 180 192 272 e expectativas protegidas 1589 e coerêncicom o passado 1614 e pragmatismo jurídico 181 18599 272 e integridade polí tica 204 e integridade na pres tação jurisdicional 2613 271 e direito como integridade 273 4 2867 292 294 3058 como autores e críticos 275 e Hér cules 287 3156 ver também Hércules e declaração explíci ta de princípio 296 e interpre tação das leis 3789 389 399 400 40910 ver também Inter pretação das leis liberais vs con 506 O IMPÉRIO DO DIREITO servadores 42830 e direitos das minorias 4489 nos casos de dessegregaçào nas escolas 446 7 restrições que incidem sobre os 47881 489 questões de in terpretação colocadas aos 491 Jurisprudência filosofia do direito e divergência teórica no direito 910 ceticismo com relação à 106 nos argumentos jurídicos 1123 e fundamentos w força de lei 1378 e advogados 454 da integração racial 4467 e seus sonhos quanto ao direito 4868 Justiça 2001 e direito 10 122 e teoria do direito natural 44 co mo conceito de interpretação 89 93 no pragmatismo jurídico 185 227 e integridade 202 229303144823 no compor tamento pessoal 211 eqüidade como 214 em conflito com ou tras virtudes 215228483 e leis conciliatórias 21623 e igual proteção 225 e o dever de man têla 234 vj obrigações comu nitárias 2449 na comunidade de princípios 2578 no direito como integridade 2712 291 306 313 no tratamento dado pnr Hércules ao caso McLoughlin 290 2989 309 elaboração aca dêmica VJ elaboração prática da 3446 3501 e o dever de au mentar a riqueza 3457 utilitá ria 34755 ver também Utilita rismo na interpretação das leis segundo Hércules 4045 ceti cismo quanto a 446 e passivis mo 4469 na imegridade pura 4834 Kant Immanuel e autolegislaçâo 229 Kennedy Duncan 259 n 26 323 n 16 325 n 18 Klare K 323 n 16 325 n 18 Korematsu caso 449 Kuhn Thomas 65 n 4 Lacunas no direito e ponto de vis ta do direito como simples ma téria de fato 112 e positivis i mo 457 e convencionalismo 1426155 176 VertambémCz sos difíceis Criar leis Langen P 167 n 5 Leader Sheldon 418 n 11 Learned Hand 3 Legislação nas concepções do di reito 124 como comunicação 379 395416 Ver também Leis Legitimidade 2313 por acordo tácito 2334 e o dever de ser justo 234 por meio do jogo lim po 2357 por meio das obriga ções comunitárias 24951 e co munidade de princípios 25860 Lei das Espécies Ameaçadas 26 história legislativa da 278415 e intenções sobre a construção de uma barragem 278 como exemplo de interpretação 377 380 3869 3904 4069 417 421 2 Ver também snail darter caso do Lei dos danos involuntários teoria i econômica da 33343 372 ver também Teoria econômica dos danos involuntários e utilitaris mo 34755 interpretação iguali tária da 35571 3745 e igual ÍNDICE REMISSIVO 507 dade de recursos 3576036271 3745 4812 argumento antili beral da 32831 n 20 Lei dos delitos civis ceticismo so bre a 319 Ver também Lei dos danos involuntários Lei dos escravos fugitivos 137263 Lei sobre o mau uso da propriedade e lei sobre a negligência 3034 interpretação da 3333523374 5 ver também Lei dos danos in voluntários Lei sobre testamentos 2023150 161382414420 Leis como documento vs direito 21 conciliatória 21623226 7 258 262 e comunidade de princípios 258 a Constituição como 453 Ver também Interpre tação das leis Leis conciliatórias como acor do político 21623 226 e per sonificação do Estado 227 e integridade 262 Lewis David 151 n 3 177 n 14 Liberalismo estudos jurídicos crí ticos sobre o 32631 dos juízes 42830 e Hércules 475 Libertarismo 357359362 e agui Ihâo semântico 8994 Linguagem jurídica flexibilidade da 12934 Lochner caso 447449475 Lukes Stephen 92 n 2 Lyons David 154 n 4 Madison James 223 n 9 Marbury vs Madison 443 Marshall John 4267 Marxismo e justiça 923 fora da esfera do direito 487 McLoughtin caso 293547 e in terpretação segundo o direito na tural 44 e positivismo jurídico 46 e expectativas protegidas ou asseguradas 146 no direito co mo integridade 148econvenção jurídica 150 e convencionalismo moderado 156 e convenciona lismo estrito 155 e coerência com o passado 162 sob o uni lateralismo 174 e a surpresa 1723 e pragmatismo jurídico 19341978 e integridade 214 e integridade VÍ pragmatismo 2645 e cadeia do direito 2867 tratamento dado por Hércules ao 28999309318 Melamed A Douglas 336 n 4 338 n 5 Mill James 24n2 Miller Jonathan 68 n 7 Moral no julgamento jurídico 3 4 e ponto de vista do direito co mo simples matéria de fato 10 12 e o precedente do caso McLoughlin 35 156 V5 políti cos 35 e teoria do direito natu ral 44 ceticismo quanto à 96 108 VÍ preferência 1012 e o direito 1203 125 VJ conven cionalismo 1467 na interpre tação das convenções 151 e convencionalismo moderado 157 no pragmatismo jurídico 1856 195 227 e integridade política 202 22930 da comu nidade personificada 20412 e obrigação politica 2312 obri gações associativas na 23744 na eqüidade das decisões 299 e compartimentalização do di 508 O IMPÉRIO DO DIREITO reito 301 e decisão de Hér cules 3123 e elaboração aca dêmica w elaboração prática 3446 3501 e o dever de au mentar a riqueza 3457 utilita rismo 34755 ver também Uti litarismo e o cumprimento das promessas 4124 e Décima Quarta Emenda 437 e libera lismo 3278 n 19 Ver tam bém Moral política Moral política problemas de 56 e caso Brown 378 e direito como integridade 120 2867 3134 e concepções do direito 1256 e direito perverso 130 1334 vs expectativas protegi das 145 e surpresas 172 vs força de lei 2623 e formula ção explícita de princípios 296 7 e casos difíceis 306 308 e interpretação 3101 452 489 e interpretação das leis 381 3845 411 4134 na interpre tação constitucional 43940 4478 na politica jurídica utó pica 488 Ver também Moral Nagel Thomas 99 n 24 211 Negligência culposa 3412 com parativa 341 Nelson William 224 nn 910 Neurath Otto 137 169 Nietzsche Friedrich e paradigmas dajustiça 93 Niilismo no direito e medo dos teó ricos semânticos 54 e o direito como ilusão 126 Nozick Robert 235 nn 1819 359 n 14 Oakley John 25 n 13 Objetividade 1001 e atitude in terpretativa 946 98 1001 e casos difíceis 317 e ceticismo exterior 318 Ver também Di vergência empírica Verdade e falsidade Obrigação Ver Moral Moral po lítica Obrigação política Obrigação política 231 e obriga ções associativas 237 244 248 9260 e emigração 250 Obrigações associativas comuni tárias 23744 atribuições obri gatórias como 2378 condições das 2414 vs justiça 2449 le gitimidade por meio das 24951 e comunidade de facto 252255 e comunidade baseada em códi gos 254 256 e comunidade de princípios 2547 260 ver tam bém Comunidade de princípios Obrigações comunitárias Ver Obri gações associativas Obrigações da comunidade Ver Obrigações associativas Obscuridade da linguagem e in terpretação das leis 41922 Oitava Emenda 425427 Opacidade das declarações e con vicções 3978 434 Paradigmas 889 dajustiça 93 do direito 1102 1145 conven cionalistas 149 e atitude inter pretativa 1689 preservação das espécies como 408 e casos di fíceis vs casos fáceis 4234 Ver lambem Casos essenciais Parfit Derek 86 n 19 ÍNDICE REMISSIVO 509 Parlamento e interpretação das leis 411 Passivismo na prestação jurisdi cional constitucional 44152 problemas de 443 e eqüidade 4485 e justiça 44851 e ação afirmativa 472 e Hércules 474 Pensamento e expressão 379 Perry M 431 n 5 Personificação da comunidade ou do Estado e integridade políti ca 204122267271356 Plessy vj Ferguson 36 147 449 453 461463476 Polinsky M 343 n 7 Política o direito como 1113 da prestação jurisdicional 164545 e casos duvidosos 501 como debate 2S4 Ponto de vista do direito como sim ples matéria de Ipto 105 e exemplos de casos 1920 25 38 e teorias semânticas positi vistas 389 41456 4850 so bre as opiniões dos juízes 112 e a máxima de Marshall 426 Popper Karl 65 n 4 Positivismo jurídico 413 4552 e relação justiçadireito 122 e relação moraldireito 122 e di reito perverso 1267 e uso ín flexíve no 12930 e natureza do direito vs força de lei 134 e o direito como autoridade 116 7 n 3 e democracia 1701 n 6 Ver também Teorias se mânticas do direito Posnei Richard 334 n 1 343 n 7 Postema G 176n 13 Powell H J 434 n 7 Powell Lewis 289 Pragmatismo jurídico 119 1857 1926 489 e relação justiça direito 122 e convencionalis mo 17983 192 1967 315 e moral 1856 195 227 e estra tégia como se do 1879 192 1967 e direitos 1879 192 1959 e elaboração de regras prospectivas 1902 e desenvol vimento da cultura jurídica 192 e direito como integridade 264 2712 2923 311 48990 e compartimentalização 30 L ati vismo como4512 Prática jurídica argumentativa 17 identificação da 113 conven ções na 14852 e pragmatismo jurídico 1925 e direito como integridade371 e ascensão da Suprema Corte 426 e restrições 47981 489 e impossibilidade de informatização 4901 Práticas tradicionais Ç interpreta ção sexista da cortçsia 889 e gMWade 2VS 241 480 e dis criminação racial 457463 Ver também Cortesia Precedente Soutrina atenuada do 313 doutrina estrita do 312 478 e convergência da interpre tação 110 na concepção do direi to 123convencionalismo 141 1502159161 divergência so bre a interpretação do 151 e coerência com o passado 161 163 mudanças na doutrina do 168 do ponto de vista juridico pragmático 180 18890 193 197 na abordagem de Hércules 288993094044756 47980 5 i O O IMPÉRIO DO DIREITO como restrição 4789 como de vido processo legal adjetivo 483 Ver também Cadeia do direito Prestação jurisdicional constitucio nal Ver Interpretação da Cons tituição Prestação jurisdicional política prá tica de 16 e integridade inclu siva 489 Ver também Juízes Previsibilidade vs flexibilidade 17883 188 por meio da com partimentalização 301 valor da 440 Ver também Expectativas protegidas Princípio e acordo 21623 co munidade de 25425674834 ver também Comunidade de princípios na integridade poli tica 2669 vs políticas 2669 292 3725 4056 455 contra ditório vs competitivo 289320 3278 reconhecimento explícito do 2967 na justificativa utili tarista 34950 Ver também Di reitos Principio adjudicativo da integri dade 203 213 2623 403 Ver também Integridade politica Principio igualitário e integrida de 267 e governo 356 e igual dade racial 455 e direitos cons titucionais 4556 Ver também Igualdade Prioridade local nos juízos inter pretativos 300448014834 Problemas de direito 6 de fideli dade 6 8 11 de moral 6 11 de fato 6 156 ver também Di vergência empírica Verdade e falsidade de reparação 12 na etapa pósinterpretativa 1246 Processo criminal coerência e in tegridade no 269 Ver também devido processo legal adjetivo Processo legal justo Ver devido pro cesso legal adjetivo Processos civis importância dos 1 Ver também Processos judiciais Processos judiciais importância dos 35 problemas colocados pelos 56 sob o unilateralismo 175 Ver também Casos Casos difíceis Processos que estabelecem prece dentes Ver Casos essenciais Promessas e responsabilidades das autoridades públicas 212 leis como412 Propósito e interpretação 61468 71 7580 275 na interpretação das leis 124 na história legisla tiva 4115 na Décima Quarta Emenda 437 Ver também In tenção Finalidade Propriedade direitos abstratos na 352 3612 ver também Direi tos nas concepções de igualda de 35662 e igualdade de re cursos 3579 486 política VJ princípio sobre a 3723 Ver tam bém Lei dos danos involuntários Quine W V O 65 n 3 398 n6 Quinta Emenda 425 Rawls John82 n 172l4n 1 2334 235 n 18 327 n 19 Raz Joseph 85 n 18 114 n 1 117 n 3 ÍNDICE REMISSIVO 511 Realismo jurídico 45 188 1967 vs direito como integridade 274 e estudos jurídicos críticos 324 Regra da pessoa razoável 33842 368 Regra de reconhecimento na teo ria de Hart 43 Regra do direito 116 Regras coordenação por meio de 778 na justificativa militaris ta 3501 Ver também Conven ção Princípio Regras de simulação de mercado 3345 no dever de aumentar a riqueza 3457 no utilitarismo 34755 e igualitarismo 355 36271 Regulamentação prospectiva VJ re trospectiva 1902 Relações familiare e igualdade 2452478480 Relato de classificação subjetiva so bre um direito contra a discrimi nação 45745961 Responsabilidade institucional 2058 coletiva 20910 212 229 das autoridades políticas 2102 princípio de 3201 pú blica vs privada 3557 361 3712 ver também Direitos le gais legislativa 3845408 Responsabilidade legislativa 3845 408 Reparação 12eponto de vista po sitivista 4749 Riqueza comunidade definição de 3343457 o dever de aumentar 3457 no utilitarismo 34755 Riqueza teste da 3348 e regra da pessoa razoável 33841 e ne gligência culposa 3412 e ade quação 3423 Romance em cadeia 2759 e Scrooge 27985 e romance ver dadeiro 286 e o direito 286 Rousseau JeanJacques e autole gislação 229 Scarman lorde 3547 Scrooge interpretação de 27985 Segregação racial nas escolas e direito descoberto w direito inventado 9 e caso Brown 368 4613 ver também Caso Brown e busing transporte es colar de crianças de áreas bran cas a escolas de áreas negras e viceversa para criar escolas ra cialmente integradas 2654667 e papel da Suprema Corte 4278 e interpretado historicista 4315 e eqüidade 4501 remédios ju rídicos contra 4648 e ação afir mativa 46873 Sensibilidade contextual da lin guagem jurídica130 e teorias semânticas 1334 Shavell S 343 n 7 Significado na atitude interpreta tiva 578 61 da pratica vs dos indivíduos 667 7780 e exten são 87 Significado do direito 38 Ver tam bém T tonas semânticas do direito Sistema de cotas Ver Ação afir mativa Sistema federal integridade poli tica no 2256 e poder da Su prema Corte 4278 certeza vi substância de alocação no 4401 injunção de igualdade no 4556 4812 Biblioteca SANTO AGOSTINHO 512 O IMPÉRIO DO DIREITO Sistema majoritário integridade no 201 215 e utilitarismo 34950 vs direitos constitucionais 4267 e passivismo 44651 na abor dagem de Hércules 474 e eqüi dade 215 n 3 Ver também Democracia Skinner B F 18 Snail Darter caso do 259 e po sitivismo jurídico 456 e con vencionalismo estrito 155160 e convencionalismo moderado 1556 como exemplo de inter pretação 377 382 394 3969 404410415 Sociedade Ver Comunidade Sociologia e prática jurídica 169 no caso Brown 38 Solidariedade coletiva princípio da 320 Soper Philip 154 n 4 Stevens John Paul 429 n 3 Supremacia legislativa como res trição 479 como eqüidade 483 e justiça 484 Suprema Corte dos Estados Uni dos poder da 4 4257 no caso do snail darter 27 160 e pre cedente 31 no caso Brown 368 no ponto de vista convenciona íista 1467 sobre uma vaga de finição dos crimes 174 regula mentação do aborto pela 224 226 e liberais VÍ conservado res 42830 segundo a interpre tação historicista 4389 e Mar bury vs Madison 443 e passi vismo 449 Ver também Brown caso Snail darter caso do Sutherland A 167 n 5 Swift Jonathan 198 n 2 Teoria acadêmica vy teoria práti ca 344 Teoria da legislação e interpreta ção das leis 22 289 mudanças na 166 Teoria do contrato social 2334 Teoria econômica dos danos invo luntários 3338 e regra da pes soa razoável 33841 e negligên cia culposa 3412 adequação da 3423 e aumento da rique za 3457 e utilitarismo 34755 Teoria igualitária sobre dano invo luntário 355 374 e responsabi lidade pública vs responsabili dade privada 3557 361 371 custo comparativo na 36271 Teoria jurídica aspectos da 156 exterior 189 fundamentos e força do direito na 1356 Ver também Divergência teórica em direito Teoria da legislação Teoria jurídica do comando 412 Ver também Positivismo juridico Teorias do direito Ver Conven cionalismo Integridade direito como Realismo jurídico Ponto de vista do direito como simples matéria de fato Positivismo ju ridico Pragmatismo jurídico Teorias semânticas do direito Teorias do direito natural 44 e re lação moraldireito 122 relação justiçadireito nas 122 127 e o direito como integridade 313 e Hércules 4734 Teorias semânticas do direito 38 45 positivismo jurídico 413 4552 ver também Positivismo jurídico teorias do direito na ÍNDICE REMISSIVO 513 tural 44 122 127 313 4734 realismo jurídico 45 188 196 7275 324 defesas das 4552 e usos centrais vs usos nebulo sos 4852 e casos essenciais 502 como fuga ao niilismo ju rídico 53 e justiça 89 91 obje tivo impossível das 112 confli to entre o positivismo e o direito natural nas 122 e direito per verso 1268 134 uso inflexí vel nas 12930 e natureza do direito vj força de lei l35econ vencionalismo 1434 e coerên cia de princípio 1646 Proposições jurídicas 67 funda mentos das 7 9 1 5 ver também Fundamentos do direito verda de ou falsidade das 740 teorias semânticas sobre ai 3854 e ana logia por causalidade 39 usos essenciais VJ usos nebulosos 4852 e casos essenciais 502 no direito como integridade 271 Transparência das declarações e convicções 3989435 Transporte escolar 265467 Tribe Laurence 224 nn 910 Tushnet Mark 327 n 19 Utilitarismo 34755 e aguilhão se mântico 89 e igualdade 3525 3578 e responsabilidade pes soal 3 1 2 e discriminação ra cial 4578 no direito purifica do 4867 Utopia filosofia política como 199 200 na política jurídica 4867 Valores e atitude interpretativa 578 na interpretação construti va 64 e interpretação artística 66 69 da arte 725 da integri dade 228 da certeza 440 Verdade e falsidade dos funda mentos do direito 7 9 das pro posições jurídicas 78 40 Ver também Divergência empírica Objetividade Verstehen 63 n 2 Virtudes políticas 199201 con flitos entreis 145 228 4823 Ver também Eqüidade Integri dade Justiça devido processo legal adjetivo f Wakefield John 423 n 13 Waldron Jeremy 229 n 14 Waízer Mihael 90 n 20 Warren Earl 37430 Williams Bernard 99 n 24 Wittgenstein Ludwig e forma de vida 77 e analogia da corda 85 sobre a comunicação do pensa mento 379