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Atividade de Filosofia

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Atividade de Filosofia

Filosofia

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FACULDADE INTERNACIONAL CIDADE VIVA EAD FILOSOFIA DA RELIGIÃO Filosofia da Religião FACULDADE INTERNACIONAL CIDADE VIVA EAD Olá Olá aluno Seja bemvindo à disciplina de Filosofia da Religião Bons estudos CONSELHO EDITORIAL Dr André Ricardo Fonseca da Silva Ms Gustavo Leite Castello Branco PRODUÇÃO EDITORIAL Criativa FICV COORDENAÇÃO EDITORIAL Ana Beatriz de Andrade Borba Delgado PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Ewerton Henrique Patrício REVISÃO ORTOGRÁFICA Joyce Henrique Barbosa de Lima Nascimento Bruno Ribeiro N244 Apostila Filosofia da Religião Bruno Ribeiro Nascimento Faculdade Internacional Cidade Viva EAD Curso de Teologia EAD João Pessoa 2022 205 p Apostila do Curso de Teologia EAD Publicação online httpseadcidadevivabr ISBN 9786584532441 digital 1 Filosofia da religião teoria 2 Filosofia aspecto religioso 3 Natureza da religião 4 Fenômeno da religião I Título II Faculdade Internacional Cidade Viva FICV CDU 21 Expediente Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Integrado de Biblioteca FICV EICV Bibliotecário Tirza Egito Rocha de Souza CRB15 0607 1 Filosofia da religião CDU 21 DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO CIP ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO Filosofia da Religião Bruno Ribeiro Nascimento Editora Associação Cidade Viva 2022 1ª impressão Os direitos desta edição pertencem à ASSOCIAÇÃO CIDADE VIVA R Luzia Simões Bertoline 50 Aeroclube João Pessoa PB 58036630 Contato 83 32467471 83 991279206 Site httpsescolacidadevivaorg email relacionamentocidadevivaorg Todos os direitos reservados desta obra Proibido toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma seja ela eletrônica ou mecânica fotocópia gravação ou qualquer meio SUMÁRIO Módulo 01 Conceito de Deus Módulo 02 Epistemologia Reformada Argumento de Paridade de Alvin Plantinga Módulo 03 Epistemologia Reformada Modelo AquinoCalvino Módulo 04 Epistemologia Reformada Modelo AquinoCalvino Estendido Módulo 05 Epistemologia Reformada Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston Módulo 06 Papel da Teologia Natural Módulo 07 Argumento Cosmológico Módulo 08 Argumento Teleológico do Ajuste Fino Módulo 09 Argumento Moral Módulo 10 Argumento da Ressurreição de Jesus Módulo 11 Argumento Probabilístico de Richard Swinburne Módulo 12 Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo Módulo 13 O Problema Lógico do Mal Módulo 14 O Problema Evidencial do Mal Módulo 15 O Problema do Pluralismo Referências 06 17 25 36 46 59 74 87 101 118 135 149 158 170 185 197 Filosofia da Religião 06 Conceito de Deus módulo 01 Olá Neste módulo vamos dar início à disciplina de Filosofia da Religião Nossa primeira tarefa será clarificar alguns conceitos fundamentais que serão trabalhados ao longo do curso termos como teísmo ateísmo naturalismo panteísmo deísmo evidencialismo teologia natural entre outros serão precisamente definidos Além disso vamos definir precisamente o conceito de Deus e alguns dos seus atributos Mais especificamente o que significa dizer que Deus é onipotente onipresente onisciente moralmente perfeito incorpóreo e pessoal Por fim vamos lidar com alguns paradoxos tradicionais presentes no conceito de Deus Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Aprender o objetivo da disciplina de Filosofia da Religião Compreender alguns conceitos importantes que serão trabalhados ao longo da disciplina Analisar o conceito de Deus Bons estudos 07 CONECTAR A Filosofia da Religião é uma disciplina que pertence ao subcampo da Filosofia e que é dedicada ao estudo do fenômeno religioso De acordo com o filósofo Charles Taliaferro 2013 p 489 a filosofia da religião explora questões filosóficas que nascem da reflexão sobre a natureza e a verdade da crença religiosa e sobre o significado das práticas religiosas Neste caso a filosofia da religião não diz respeito apenas à defesa filosófica das convicções religiosas Ela pode fazer isso também como faremos mas está mais interessada em fazer uma reflexão filosófica sobre o fenômeno religioso De acordo com John Hick a filosofia da religião faz uma A reflexão filosófica sobre a religião principalmente sobre a crença em Deus ou alguma forma de ser transcendente é um tema importante na Filosofia desde seu surgimento Contudo foi no século XX que esse debate ganhou dinamicidade e contornos mais precisos com a chamada filosofia analítica da religião disciplina que visa no pensamento contemporâneo aplicar as diversas técnicas e instrumentos desenvolvidos pelos chamados filósofos analíticos às questões religiosas levando em consideração sua complexa relação com a pesquisa epistemológica contemporânea MICHELETTI 2007 p 12 e 13 Assim em tal disciplina os filósofos tendem a se concentrar na avaliação das afirmações religiosas da verdade QUINN 2006 p 377 ou seja eles procuram avaliar racionalmente as afirmações religiosas a fim de saber se elas oferecem argumentação cogente se há boas razões para acreditar que há tal pessoa como Deus se é possível saber que Deus existe se estamos justificados em nosso conhecimento religioso qual a relação precisa entre fé e razão quais são os atributos de Deus entre outras coisas De acordo com Philip Quinn 2006 p 377 os filósofos da religião tendem a ser provenientes principalmente das várias tradições teístas judaísmo cristianismo e islamismo Para começar nossa disciplina a primeira coisa que precisamos fazer é definir precisamente alguns conceitos que serão empregados ao longo do curso Essa será nossa primeira tarefa filosófica neste módulo E isso porque a definição dos termos é algo essencial para podermos fazer uma reflexão filosófica precisa sobre qualquer fenômeno De acordo com Baggini Fosl Conceito de Deus reflexão filosófica sobre a religião Ela estuda os conceitos e as proposições da Teologia e o raciocínio dos teólogos bem como os fenômenos anteriores da experiência religiosa e as atividades do culto em que finalmente a Teologia repousa e de que ela se origina HICK 1970 p 11 Grande parte de nossa linguagem é ambígua mas se pretendemos discutir questões da maneira mais precisa possível como a filosofia visa fazer é preciso eliminar a ambiguidade ao máximo e definições adequadas são a ferramenta perfeita para nos ajudar a fazêlo BAGGINI FOSL 2012 p 46 A reflexão filosófica começa com a conceituação precisa dos termos O que queremos dizer com o termo Deus Qual é a importância de definir precisamente o significado dos atributos divinos como onipotência e onisciência PARA REFLETIR 08 Conceito de Deus CONECTAR Baggini Fosl 2012 p 48 afirmam que a definição é como uma fronteira de território pois ela demarca os limites que estabelecem os casos aos quais é apropriado aplicar um termo e os casos aos quais não é apropriado aplicálo No nosso caso como nossa principal preocupação será com relação à crença teísta isto é a crença em Deus nossa primeira tarefa filosófica consiste em fazer uma conceituação precisa do significado de termos como Deus teísmo ateísmo naturalismo entre outros Além disso é importante analisar as credenciais intelectuais dos conceitos divinos se elas são coerentes ou se há alguma contradição Conceito de Deus 09 CRESCER Vamos dividir este módulo em duas partes Na primeira traremos algumas definições que são importantes ao longo da disciplina na segunda parte iremos nos concentrar no conceito de Deus Conceitos Gerais Segundo as três principais religiões monoteístas do mundo cristianismo judaísmo e islamismo primeiro de tudo há Deus criador dos céus e da terra Ele é o ser principal do Universo não tendo princípio nem fim Essa crença é tradicionalmente chamada na filosofia analítica da religião de teísmo Por isso quando falamos da crença Porém essa não é a única definição filosófica de Deus Há também o deísmo isto é a crença de que Deus existe fez o mundo e sua existência pode ser descoberta através da religião natural De acordo com William Wainwright 2006 p 212 a maioria dos deístas descarta a religião revelada como sendo uma ficção Mais precisamente os deístas dão ênfase à religião natural isto é aquele conhecimento sobre Deus que é inato em cada pessoa ou que pode ser adquirido pelo uso da razão por isso eles geralmente rejeitam o conhecimento religioso quando adquirido por revelação eg o Novo Testamento ou pelo ensino de qualquer igreja Para os deístas Deus criou o mundo quer que suas criaturas sejam felizes ordenou a virtude como o meio para isso e garantiu que o conhecimento para tal fosse universalmente em Deus o que devemos ter em mente é a crença tal como entendida pela tradição ocidental clássica e que é comum às três principais religiões monoteístas do mundo cristianismo islamismo e judaísmo para esta concepção Deus é um ser pessoal isto é um ser que tem intelecto e vontade consciência e afeições propósitos para agir intencionalmente e que pode agir além disso mas não menos importante o teísmo afirma que Deus é um ser incorpóreo livre eterno onipotente onisciente moralmente perfeito totalmente amoroso criador e mantenedor do Universo e objeto adequado da obediência e da adoração humana Esse Deus e isso é algo importante revelouse à humanidade Claro que essas tradições diferem amplamente quanto ao modo de conceber Deus contudo essas distinções não precisam nos preocupar por enquanto O que é importante para nossos objetivos é que no teísmo Deus é tanto imanente ao Universo quanto transcendente Por um lado Deus não pode ser identificado com nada na natureza porque Ele como Criador está além da natureza criada Ao mesmo tempo Deus está intimamente ligado àquilo que Ele criou pois ainda mantém e sustenta o Universo Assim Deus não é distante e remoto mas imanente em relação a sua criação Conceito de Deus CRESCER 10 Outra definição de divindade é o panteísmo De acordo com Martinich 2006 p 691 o panteísmo é a ideia de que Deus se identifica com tudo Neste caso Deus é tão imanente a sua criação que ele permeia abrange e se encontra em todas as coisas toda realidade está de alguma maneira unida em Deus Deus é idêntico ao cosmos não existe nada que esteja fora de Deus aqui rejeitase qualquer visão que considere Deus como distinto do Universo Mas nem todos os filósofos acreditam em Deus Há aqueles que são considerados ateus De acordo com Baggini 2016 p 11 por ateísmo entendese a descrença na existência de Deus ou deuses Aqui é importante entender que o ateísmo é a descrença positiva na existência de Deus Ele é assim uma posição intrinsecamente negativa quando se trata da existência da divindade E isso é importante porque o termo vem sendo redefinido de forma enganosa nos últimos anos Algumas pessoas afirmam que o termo ateísmo deve ser entendido meramente como ausência de crença em alguma divindade qualquer Por exemplo em uma propaganda da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos ATEA eles afirmaram somos todos ateus com os deuses dos outros No livro Deus um delírio Richard Dawkins afirma Contudo essa é uma forma enganosa de definir o conceito de ateísmo O termo ateísmo é o que os filósofos chamam de negativa universal Na lógica isso implica que nenhum dos membros da classe dos ateus pode pertencer à classe dos que acreditam em Deus pois o termo descreve a negação de uma proposição Deus não existe e não meramente um estado psicológico não acredito em Deus O a em ateísmo deve ser entendido como negação em vez de ausência como não em vez de sem Neste caso é impossível ser ateu dos deuses dos outros pois o ateísmo implica necessariamente que não há tal pessoa como Deus Se alguém acredita em Deus então ele é por definição um O teísmo defende um conceito pessoal de divindade ou seja este é um agente capaz de ação intencional com base em poderes e crenças O caráter pessoal do teísmo somado à tese da necessidade da contínua intervenção de Deus para que o Universo se mantenha é o principal elemento de distinção do teísmo em relação ao deísmo CUOCO 2014 p 2 Eu me divirto com a estratégia quando me perguntam se sou ateu de lembrar que o autor da pergunta também é ateu no que diz respeito a Zeus Apolo Amon Rá Mithra Baal Thor Wotan o Bezerro de Ouro e o Monstro do Espaguete Voador Eu só fui um deus além DAWKINS 2007 p 84 acessível A verdadeira religião é expressão da natureza humana universal cuja essência é a razão e é a mesma em todos os tempos e lugares WAINWRIGHT 2006 p 212 Contudo esse Deus ficou tão transcendente à sua criação que não é possível conhecer mais detalhes dele pois ele não se revelou O que dele se pode conhecer está acessível apenas à razão Ele seria um grande e habilidoso relojoeiro o primeiro motor que deu origem ao Universo mas que não interage com sua criação Além disso os deístas geralmente pensam que este Deus não opera a partir de eventos sobrenaturais Deus seria o responsável pela criação do Universo mas uma vez isso tendo acontecido as leis naturais garantiriam a manutenção da ordem natural e não haveria espaço para eventuais intervenções do Criador tampouco para a atividade religiosa De acordo com Agnaldo Cuoco Conceito de Deus 11 CRESCER teísta deísta ou panteísta Em outras palavras o ateísmo faz uma afirmação universal a saber não existe nenhuma divindade ele não nega apenas uma divindade específica mas qualquer divindade Por isso caso alguém passe a afirmar que existe algum Deus deixou de ser ateu pois deixou de sustentar aquela afirmação universal Além disso o ateu faz uma afirmação filosófica mais forte ele não é alguém que meramente não acredita em Deus Ele sustenta a posição que Deus não existe De acordo com William Lane Craig 2011 p 166 definir ateísmo como meramente ausência de crença em Deus é uma definição inútil pois seria apenas uma descrição do estado psicológico de alguém Se o ateísmo fosse meramente definido como ausência de crença em Deus gatos cadeiras e árvores seriam ateus pois eles não têm crença em Deus Outra posição importante é o agnosticismo O agnóstico é aquele que suspendeu o julgamento sobre a crença de que há ou de que não há Deus depois de levar em consideração o assunto Neste caso o agnosticismo é uma forma de ceticismo sobre a questão da existência de Deus Geralmente pensase que a razão humana é incapaz de prover fundamentos racionais suficientes para justificar tanto a afirmação de que Deus existe quanto a afirmação de que Deus não existe É a posição contrária à ideia de que o teísmo ou o ateísmo podem ser conhecidos Há também o naturalismo Essa é oposição radical ao sobrenaturalismo Como afirma Ritchie 2012 p 12 os naturalistas se opõem ao sobrenatural Eles negam a existência de fantasmas duendes deuses e outras entidades assombrosas Qual é a diferença dos naturalistas para os ateus Enquanto os ateus negam a existência de Deus os naturalistas negam a existência de qualquer realidade sobrenatural É possível por exemplo ser um ateu e acreditar na imortalidade da alma ou que existe uma realidade espiritual Neste sentido o naturalismo é uma crença mais forte que o ateísmo pois o que se estar a negar não é apenas a existência de uma divindade Para o naturalista a única realidade que existe é o mundo natural Tudo que existe ou pode existir está incluído no mundo natural Não há uma pessoa como Deus nem qualquer coisa parecida com Deus Essa posição é conhecida também como naturalismo metafísico Uma clássica definição de naturalismo foi dada por Bertrand Russell Que o homem seja produto de causas que não o tinham previsão do fim que realizavam que sua origem crescimento suas esperanças e temores seus amores e suas crenças não passam do resultado das combinações acidentais de átomos RUSSELL 1977a p 5657 Com relação ao status da crença em Deus pode haver três posições A primeira tese é conhecida como evidencialismo esta posição defende que uma crença só pode ser intelectualmente apropriada caso o sujeito reúna argumentos em seu favor Mais precisamente os evidencialistas afirmam que crenças como Deus existe só são racionalmente justificadas caso haja evidências que possam corroborar em algum nível tais crenças Tais evidências são fornecidas por meio da teologia natural isto é da prática de refletir filosoficamente sobre a natureza e a existência de Deus independentemente de qualquer revelação divina ou escritura sagrada Uma posição oposta ao evidencialismo é o fideísmo Nesta concepção a crença em Deus não está sujeita a qualquer avaliação racional independente Assim a fé é completamente independente da razão O que é comum às duas posições é a ideia de que a razão é de algum modo desnecessária ou inadequada para o exercício e a justificação da crença religiosa Por fim a última posição é denominada epistemologia reformada A afirmação central feita por esta tese é que a crença na existência de Deus ou nas verdades centrais do cristianismo pode ser racional mesmo na ausência de qualquer evidência ou argumento Conceito de Deus 12 Dada estas definições básicas convém agora trabalhar o conceito de Deus Conceitos de Deus Como é Deus Essa é uma das questões filosóficas mais fascinantes dentro da filosofia da religião Aqui vamos apresentar uma lista de alguns dos principais atributos divinos As propriedades que vamos discutir aqui para o conceito de Deus dentro da filosofia da religião são exatamente aquelas comumente atribuídas a Deus por judeus cristãos e mulçumanos o Deus de Abraão Isaque e Jacó É claro que o teísmo cristão implica que Deus é trino mas não precisamos nos preocupar com isso neste momento Em primeiro lugar Deus é um ser de máxima grandeza De acordo com Anselmo 2012 p 157 acreditamos certamente que é alguma coisa em relação à qual não se pode pensar nenhuma outra maior Mais precisamente Deus é um ser de máxima grandeza isto é um ser maximamente perfeito em relação ao qual nada maior pode ser concebido Deus é o maior ser que existe o alfa e o ômega o primeiro e o último o princípio e o fim Isso faz com que ele seja onipresente onipotente onisciente e totalmente bom Isso é importante pois caso falte um desses atributos em Deus não estaremos mais a falar sobre o Deus do teísmo Por exemplo os deuses gregos eram imortais e poderosos mas não eternos e onipotentes Por isso não é correto afirmar que estamos a tratar do Deus do teísmo no caso da religião grega O teísmo também implica que Deus é uma pessoa De acordo com Richard Swinburne 2015b p 22 por uma pessoa quero dizer um indivíduo com poderes básicos para agir intencionalmente propósitos e crenças Isto é Deus é um tipo de ser que tem consciência e está ciente de tudo Ele não é um ser impessoal como o Tao ou o Brahma ou uma mera força a reger todas as coisas Peter van Inwagen 2018 p 81 diz que Deus ser uma pessoa significa que ele é o tipo de ser ao qual podemos nos dirigir no sentido mais literal e direto do termo pelo pronome Tu Além disso Deus tem crenças e afeições objetivos e intenções Deus é uma pessoa sem corpo que age e atua no mundo por meio de sua vontade CRESCER Deus é onipotente Um ser onipotente é aquele que é sumamente poderoso cujos poderes são infinitos Por mais estranho que pareça isso não significa que Deus pode fazer tudo As Escrituras por exemplo afirmam que Deus não pode mentir Hb 618 que Deus não pode mudar ou ser mudado Tg 117 nem pode negarse a si mesmo 2 Tm 213 Por um lado como explica Swinburne 2015b p 26 Deus não pode fazer o que é logicamente impossível Deus não pode fazer com que 22 seja igual a 13 5 ou fazer com que uma forma seja quadrada e redonda ao mesmo tempo ou mudar o passado ou ainda fazer com que o Universo exista e não exista Mas por quê Por que Deus não pode fazer aquilo que é logicamente impossível Para Swinburne 2015b p 25 a maior parte da tradição religiosa afirmou que Deus não pode fazer essas coisas não porque Deus seja fraco mas porque as palavras por exemplo fazer uma forma ser quadrada e redonda ao mesmo tempo não descrevem nada que faça sentido Ou seja não há nada que faça uma forma ser quadrada e redonda ao mesmo tempo pois parte daquilo que se afirma pelo termo quadrado implica necessariamente que não é redondo Há também coisas que não faz sentido atribuir a Deus Por exemplo Deus pode divorciar Se ele não pode divorciar então ele não pode tudo Contudo como aponta Agnaldo Cuoco 2014 p 4 além da questão da relevância esse não parece ser um tipo de poder dos mais interessantes que realmente faça falta a um ser divino podese questionar se faz sentido supor de uma pessoa não humana que possa se divorciar Mais precisamente divorciar só é possível para pessoas que estão casadas e casarse é um tipo de estado cabível apenas a seres Por isso não poder divorciarse não é um limite real para a onipotência divina porque simplesmente não faz sentido a ideia de Deus se casando ou se divorciando ou seja não se está realmente dizendo nada com real significado Esse exemplo simples nos ajuda a lançar luz sobre um problema mais sério chamado pelos filósofos de paradoxo da pedra Em termos simples Deus poderia criar uma pedra que ele mesmo não pudesse levantar Se ele não pudesse criála então ele já de início não poderia ser considerado onipotente Caso pudesse criála e ela tivesse a qualidade mencionada então Deus não seria onipotente por não poder levantála subsequentemente Há duas possíveis respostas para este paradoxo Primeiro podese afirmar que essa questão é sem sentido pois estaríamos esperando que Deus faça uma ação contraditória que é logicamente impossível Contudo podese procurar algum sentido na questão De acordo com Kerry Walters 2015 p 106 talvez a real questão por trás do paradoxo seja pode Deus desempenhar um ato que acarrete sua própria limitação Ou seja Deus poderia fazer algo que implicasse um limite para seu próprio poder Ainda assim isso não é um problema para a onipotência de Deus pois se Deus resolver impor a si mesmo um limite pode se manter o princípio de que não há nada que limite o poder de Deus além dele mesmo ou seja de sua própria decisão de evitar fazer algo CUOCO 2014 p 5 Deus pode escolher se autolimitar como ele fez ao se revelar aos seres humanos e isso não constitui qualquer problema para o conceito de onipotência Na verdade é justamente porque Deus é onipotente que ele pode decidir impor limite a si mesmo Como explica Taliaferro 2013 p 501 podese presumir que essas espécies de limite para a liberdade divina podem ser apreendidas como uma limitação de Deus pelos limites introduzidos por ele Assim Deus pode fazer qualquer coisa que seja logicamente possível não há limites externos ao que Deus pode fazer Os poderes básicos de Deus são infinitos apesar de haver coisas que não é possível para ele realizar como ir contra a lógica mentir ou quebrar uma promessa Deus é onisciente Deus sabe tudo que pode ser conhecido Ele sabe o valor de verdade de todas as proposições e é impossível que ele tenha crenças falsas Ou seja tudo que for verdadeiro Deus sabe que é verdadeiro e tudo que for falso Deus sabe que é falso Alguns filósofos acreditam que a onisciência de Deus gera um problema para a liberdade humana ocasionando um sério tipo de fatalismo Pois se Deus sabe tudo que vai acontecer então ele sabe que quando eu for interrogado amanhã mentirei ou contarei a verdade Neste caso se Deus não pode ter crenças falsas e se ele já sabe de antemão o que eu vou Conceito de Deus CRESCER Conceito de Deus 14 CRESCER fazer no tribunal como eu poderia ser livre para fazer o contrário Se Deus já sabe que eu vou mentir como eu poderia ser livre para não mentir De acordo com William Lane Craig JP Moreland 2005 p 631 Grifos do autor uma das principais confusões fatalistas é a fusão de certeza e necessidade A certeza é uma propriedade da pessoa enquanto a necessidade é uma propriedade da proposição Neste caso a onisciência de Deus não anula a liberdade humana pois não é a certeza do conhecimento de Deus que determina o que vou fazer amanhã mas a minha ação Se eu mentir amanhã no tribunal é verdade que Deus saberá disso mas não foi a onisciência de Deus que determinou isso Craig afirma que a onisciência de Deus seria mais próxima de um termômetro o termômetro mede a temperatura do corpo mas não a determina Se eu tiver 37º o termômetro vai apontar corretamente que tenho 37º mas ele não determinou isso De acordo com Alvin Plantinga 2012 p 94 o paradoxo desaparece quando pensamos que o que é essencial para a onisciência de Deus é a propriedade de ter apenas crenças verdadeiras Neste caso não é essencial para sua onisciência Deus ter as crenças que de fato tem Outros filósofos como Swinburne 2015b p 26 pensam que é logicamente impossível saber sem a possibilidade de erro o que alguém vai fazer livremente amanhã Neste caso Deus não poderia saber se eu mentirei ou contarei a verdade no tribunal amanhã pois isso seria logicamente impossível de se saber Essa posição é conhecida como teísmo aberto Contudo essa posição coloca vários outros problemas mais significativos Por exemplo ela parece colocar a salvação final e definitiva da humanidade bem como a shalom na nova Jerusalém que todos nós aguardamos fora do controle de Deus Pois ao enxugar dos nossos olhos toda lágrima como poderia o Senhor afirmar que não haverá mais morte nem tristeza nem choro nem dor Ap 214 se Ele não sabe disso Deus é perfeitamente livre Isso significa que os desejos nunca exercem influência causal sobre ele Nós seres humanos somos influenciados por desejos e inclinações interiores Esse não parece ser o caso de Deus Ele é perfeitamente livre para fazer sua escolha Deus criou livremente as estruturas do mundo tal como ele quis de modo que não foi obrigado a criar por sua natureza ou por alguma estrutura anterior Deus é perfeitamente bom Deus não tem quaisquer defeitos morais Seguese disso que Deus não está sujeito a nenhum tipo de crítica moral Como explica Inwagen 2018 p 93 se alguém disser algo com a forma Deus fez X e foi errado para Deus fazer X essa pessoa tem de estar enganada ou Deus não fez de fato X ou não foi errado para Deus fazer X É claro que dado que Deus é muito diferente dos seres humanos ele encontrase em relação diferente com as coisas criadas de modo que algo que seria um defeito moral grave em um ser humano não é automaticamente um defeito moral em Deus eg exigir adoração 15 Deus é eterno Deus existe Deus sempre existiu e Deus sempre existirá Mas o que isso significa exatamente Taliaferro 2013 p 505 explica que pode haver dois sentidos aqui No primeiro Deus é perpétuo isto é ele existe em cada momento de um tempo sem fim na segunda acepção Deus é atemporal isto é ele está fora do tempo de modo que não há um passado presente ou futuro para Deus pois ele percebe todas elas como se fossem um único instante No primeiro caso Deus está no curso do tempo no segundo Deus está fora do tempo Para Taliaferro o problema de achar que Deus é atemporal é que parece colocar Deus como um distante não pessoal sem uma relação real com suas criaturas passado presente e futuro não seriam realidades vividas por Deus O problema é que quanto mais enfatizamos a tese de que a suprema existência de Deus é independente do tempo mais corremos o risco de não tomar a sério o tempo tal como o conhecemos TALIAFERRO 2013 p 505 Ao mesmo tempo Cuoco 2014 p 6 afirma que a noção de eternidade divina como atemporalidade tem a vantagem de preservar uma ideia que está por trás de todos os ditos atributos de Deus ou seja Deus é antes de tudo perfeito Neste caso se Deus estivesse no tempo ele estaria submetido à mudança Contudo um Deus tão imutável e impassível se parece mais com o Deus distante do deísmo que com o Deus que age no mundo e interage com os seres humanos por meio da relação religiosa Esse é um dos mais acalorados debates dentro da filosofia da religião entre os teístas Deus é imutável Os atributos e outras propriedades importantes de Deus não podem mudar De acordo com o cântico de Isaac Watts ele é por incontáveis anos o mesmo Nada na natureza de Deus corresponde à mutabilidade que caracteriza a existência humana e a existência de todas as coisas dadas aos sentidos Mas a imutabilidade não significa que Deus é um motor imóvel como no deísmo A imutabilidade significa que Deus é constante e invariável em seu caráter e em seus atributos Deus é onipresente Deus está em todos os lugares Tal atributo é incompatível com Deus ter uma estrutura espacial ou física e portanto é incompatível com Deus ser masculino ou feminino Por isso Deus é incorpóreo isto é Deus é espírito Ele não é um pedaço de matéria ou algo físico Como afirma Swinburne 2015b p 29 ele pode agir sobre coisas em todo lugar e saber o que está acontecendo em todo lugar diretamente sem precisar de braços ou órgãos sensoriais ou da operação normal de raios de luz a fim de fazêlo Conceito de Deus COMPARTILHAR Deus existe independentemente de qualquer coisa Todos nós existimos de forma contingente isto é poderíamos não ter existido Esse não é o caso de Deus Deus é um ser necessário isto é Deus não poderia não existir Por isso a pergunta quem criou Deus é conceitualmente defeituosa pois Deus não poderia não ter existido Além disso nada há que existe que seja independente do poder criativo de Deus Ele é o único capaz de criar ex nihilo isto é a partir do nada Deus é o Criador e sustentador do mundo Ele criou todas as coisas das galáxias aos átomos Criou galáxias estrelas e planetas criou plantas animais e seres humanos Além disso Deus sustenta todas essas coisas sem tal sustentação o Universo inteiro desapareceria imediatamente como desaparece a chama de uma vela diante de um vendaval E Deus criou livremente as várias estruturas do mundo isto é ele não foi Conceito de Deus 16 COMPARTILHAR obrigado por sua natureza ou por uma estrutura anterior a criar qualquer coisa Por fim apenas Deus possui as propriedades que colocamos nesta lista Não é possível que outro ser tenha tais propriedades e se uma dessas propriedades falta então o ser descrito em questão não pode de modo apropriado ser denominado Deus Como explica Swinburne 2015b p 39 se Deus perdesse algum de seus poderes ele deixaria de existir tal como minha escrivaninha deixaria de existir se deixasse de ocupar espaço Esse é o conceito de Deus como o maior ser que pode ser concebível Nesta aula você Aprendeu o objetivo da disciplina de Filosofia da Religião Compreendeu alguns conceitos importantes que serão trabalhados ao longo da disciplina Analisou o conceito de Deus SWEETMAN Brendan Religião conceitoschave em filosofia Porto Alegre Penso 2013 Capítulo 04 SWINBURNE Richard Deus existe Brasília Academia Monergista 2015b Capítulo 01 PARA CRESCER MAIS 17 Epistemologia Reformada Argumento de Paridade de Alvin Plantinga módulo 02 Olá A Epistemologia Reformada é uma tese sobre a racionalidade da crença religiosa Uma afirmação central feita pelo epistemólogo reformado é que a crença na existência de Deus pode ser racional mesmo na ausência de qualquer evidência ou argumento Mas como pode ser isso Como pode a crença em Deus ser racionalmente aceita mesmo que não tenhamos argumentos ou evidências a seu favor Neste módulo vamos estudar o chamado argumento de paridade a fim de responder a estas questões a partir de uma das primeiras obras escritas por Alvin Plantinga God and Others Minds Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Perceber que grande parte das coisas que aceitamos como racionais não são baseadas em provas ou argumentos Compreender o que é um argumento de paridade Analisar porque a crença em Deus e a crença em outras mentes estão em paridade epistêmica Bons estudos 18 Argumento de Paridade de Alvin Plantinga CONECTAR Certa vez perguntaram ao grande filósofo Bertrand Russell o que ele diria se depois de sua morte fosse levado à presença divina posto diante do trono divino e envolto em toda glória e majestade do ambiente Deus tivesse lhe pedido que justificasse seu fracasso quando em vida em ter se tornado um crente Eu penso que estaria sonhando respondeu Russell ao jornalista Leo Rosten que fizera a pergunta Mas Rosten continuou com o questionamento Mas suponha que você percebeu que não estava sonhando Suponha que Deus estivesse realmente diante de seus olhos sem sombra de dúvidas O que você diria A resposta de Russell foi memorável Não havia evidências suficientes Deus não havia evidências suficientes A história de Russell ilustra uma das mais importantes questões dentro da epistemologia da crença religiosa a de saber se temos boas razões para acreditar que Deus existe Grande parte das pessoas no mundo aceita alguma forma de teísmo Elas acreditam que há um ser todopoderoso completamente bom infinitamente sábio e que criou o mundo Contudo por que as pessoas acreditam neste ser Como elas pensam que sabem esse tipo de coisa Mais precisamente como elas sabem que existe tal pessoa como Deus e de modo mais intrigante como seria possível saber que ele possui atributos como ser todopoderoso ou ser o criador do mundo O modo clássico de abordar tal questão tem a ver com evidência seguindo o exemplo de Bertrand Russell perguntase às pessoas que acreditam em Deus se elas têm evidências ou evidências suficientes para a existência de Deus Neste caso a crença em Deus é intelectualmente aceitável se e somente se os teístas possuírem algum argumento em favor da existência de Deus que seja bemsucedido isto é um bom argumento nãocircular cogente que conclua que Deus existe Ao longo da história foram apresentados os conhecidos argumentos em favor da existência de Deus como o argumento ontológico cosmológico teleológico moral entre outros Críticos da crença teísta como Bertrand Russell e Richard Dawkins afirmam que a crença em Deus é irracional injustificável ou carente de algum mérito intelectual necessário para sua racionalidade E quando eles são questionados por que razão a crença teísta é irracional ou injustificável eles pressupõem que é algo natural considerar que a questão da crença na existência de Deus deve ser resolvida a partir de provas e argumentos pois eles consideravam o princípio de que a aceitabilidade intelectual da crença teísta é idêntica à questão dos argumentos em favor da existência de Deus Como sintetizou certa vez Bertrand Russell 2014 p 52 uma das principais objeções ao teísmo é intelectual pois não existe razão para supor que religião alguma seja verdadeira e por razão Russell provavelmente quer dizer o hábito de embasar convicções em provas de dar a elas apenas aquele grau de certeza que a prova admite RUSSELL 2014 p 24 Contudo Alvin Plantinga notou que essa era uma questão sempre pressuposta mas nunca argumentada Ou seja afirmavase que os teístas precisam de provas ou argumentos para sustentar suas crenças mas nunca era explicado a razão do porquê a crença em Deus necessita de provas ou argumentos a fim de ser justificada racional ou avalizada Ao mesmo tempo Plantinga costumava lembrar que grande parte das coisas em que Pense em como boa parte de nossas crenças são aceitas mas não com base em provas ou argumentos Você acredita que o mundo tem mais de cinco minutos Que existe um passado Que existe um mundo externo fora de sua mente Que existem outras pessoas Todas essas crenças nós aceitamos como intelectualmente apropriadas e chegamos a duvidar de alguém que afirma não acreditar nelas mas não as aceitamos com base em uma prova ou argumentos O que diferencia então as crenças que são aceitas com base em argumentos como as crenças na ciência e as crenças que são aceitas sem provas ou argumentos PARA REFLETIR Argumento de Paridade de Alvin Plantinga 19 CRESCER A resposta dada a tais questões por Alvin Plantinga foi uma das mais criativas e sofisticadas da filosofia analítica da religião contemporânea Nos próximos três módulos vamos estudar aquilo que Plantinga denominou Epistemologia Reformada O conceito diz respeito a uma tese sobre a racionalidade da crença religiosa E uma afirmação central feita pelo epistemólogo reformado é que a crença em Deus pode ser racional sem qualquer apelo a evidências ou argumentos Para ver como a crença em Deus pode ser racionalmente aceita mesmo na ausência de provas ou argumentos convém analisar o primeiro trabalho de Alvin Plantinga God and Others Minds Argumento de Paridade Em seu primeiro trabalho publicado em 1967 God and Others Minds Plantinga produziu um interessante e criativo argumento em favor da racionalidade da crença em Deus mas sem apelar para os clássicos argumentos em favor da existência de Deus Ele recorre ao que a literatura filosófica chama de argumento de paridade De acordo com Quinn 1991 p 317 a ideia básica de tal argumento é que não se deve exigir nem mais nem menos justificativas para crenças em uma área de investigação do que em outra Mais precisamente os padrões de aceitabilidade racional de uma crença não são os mesmos para acreditamos e até de crenças que aceitamos como intelectualmente apropriadas nós não aceitamos com base em provas ou argumentos Assim não poderia o mesmo ser verdade para a crença na existência de Deus Grande parte das pessoas no mundo subscreve ou aceita alguma forma de teísmo Elas acreditam que há um ser todopoderoso completamente bom infinitamente sábio e que criou o mundo Contudo por que as pessoas acreditam nisso Como elas pensam que sabem esse tipo de coisa Mais precisamente como elas sabem que existe tal pessoa como Deus e de modo mais intrigante como seria possível saber que ele possui atributos como ser todopoderoso ou ser o criador do mundo 20 Argumento de Paridade de Alvin Plantinga CRESCER todas as áreas eles devem ser diferentes a depender da natureza do que está sendo tratado Ao mesmo tempo os padrões de exigência em duas áreas que estão em par de igualdade devem ser similares Aristóteles já reconhecia a ideia de que não é razoável esperar ou exigir o mesmo padrão de prova de um orador como se pede de um matemático mais precisamente é tão implausível aceitar conclusões gerais e prováveis de um matemático quanto exigir demonstrações rigorosas de um orador pois o grau de precisão e certeza de um assunto deve ser coerente com a natureza do assunto em particular Nossa discussão se mostrará adequada se atingir a clareza suficiente pertinente ao seu tema Não é de se esperar exatidão de forma indiscriminada em todas as discussões assim como tampouco nos produtos do artesanato Ética a Nicômaco 1094b1 I 3 p 47 No contexto Aristóteles pensa que não se pode oferecer o mesmo grau de rigor no debate sobre ética que se utiliza na matemática pois o rigor e a precisão devem ser relativos ao assunto é preciso buscar precisão mas apenas dentro dos limites estabelecidos pela própria natureza da investigação em questão Pois constitui a marca de alguém instruído esperar aquele grau de precisão em cada modalidade que é possível conforme a natureza do assunto em particular Ética a Nicômaco 1094b1 I 3 p 48 Por isso na ética podese contentar com conclusões amplas e generalizadas aceitando probabilidades em vez de fatos absolutos God and Others Minds O primeiro trabalho de Plantinga God and Others Minds faz uso dessa intuição Plantinga desenvolve um cuidadoso tratamento dos argumentos em favor e contra a existência de Deus e chega à conclusão de que com base neles a crença em Deus não pode ser nem provada nem negada Assim uma vez que os modos tradicionais de estabelecer a questão da aceitabilidade intelectual da crença em Deus não oferecem solução satisfatória Plantinga compara o status da crença em Deus com o status de outra crença que parece se encontrar no mesmo dilema epistêmico a crença em outras mentes O conhecimento sobre outras mentes constitui um problema filosófico tradicional Afinal nós podemos conhecer diretamente o nosso pensamento por um simples acesso mental conseguimos ter relativa clareza sobre o que sentimos e o que pensamos Contudo como nós sabemos que outras pessoas são capazes de pensar ou sentir algo como nós mesmos Como podemos saber que os outros além de nós mesmos possuem mentes Pois uma vez que não podemos perceber diretamente o pensamento e sentimento de outras pessoas como podemos saber se elas realmente têm sentimentos e pensamentos Como eu sei e quais as minhas razões para acreditar que eu não sou a única criatura que pensa e sente Esse é o tradicional problema de outras mentes Plantinga faz uma rigorosa análise do argumento mais promissor em favor de outras mentes o argumento analógico O problema é que verificase que o argumento analógico finalmente sucumbe à enfermidade que se assemelha exatamente àquela que aflige o argumento teleológico PLANTINGA 1967 p viii Mais precisamente o mais Argumento de Paridade de Alvin Plantinga 21 CRESCER promissor dos argumentos em favor de outras mentes o argumento analógico fica aquém do exame filosófico da mesma forma que o aquele que talvez seja o mais promissor dos argumentos em favor da existência de Deus o argumento teleológico De igual modo os argumentos contra a existência de outras mentes também não são bemsucedidos E aqui nos deparamos com o problema de que apesar de todos nós termos uma forte inclinação para sua aceitabilidade intelectual a crença em outras mentes possui insuficiente suporte evidencial Não é possível oferecer uma prova ou um argumento que seja forte o suficiente a fim de provar que outras pessoas tenham mente por mais simples que isso possa parecer Mais especificamente todos nós sabemos que as outras pessoas têm mente mas não conseguimos provar isso através de um bom argumento filosófico ou de uma evidência Deste modo Plantinga se questiona se deveria ser exigido que cada um de nós tem fundamentos para aceitar a proposição de que ele não é o único ser que pensa e raciocina ajuíza e sente como uma teoria científica PLANTINGA 1967 p 269 Grifos de Plantinga A pergunta retórica de Plantinga carrega uma suposição nenhuma pessoa razoável dúvida da existência de outras mentes apesar de ser significativamente difícil apresentar argumentos e evidências em seu favor E se todos nós sustentamos a razoabilidade da existência de outras mentes deve ser em bases diferentes do modo tradicional de pesar argumentos e contraargumentos O importante para nosso contexto é que o problema de como sabemos que os outros têm mente serve como um caso paradigmático para uma classe específica de crenças aquelas que todos nós aceitamos naturalmente como a crença de que existe um passado ou de que existe um mundo externo ou de que nossas faculdades cognitivas são confiáveis É extremamente difícil apresentar um argumento em favor de qualquer uma dessas crenças mas é perfeitamente razoável aceitálas você aceita todas elas Plantinga sugere que a crença em Deus e a crença em outras mentes estão em paridade de modo que a crença em Deus pode razoavelmente ser tratada da mesma forma que nós tratamos a crença em outras mentes É claro que o motivo da crença em Deus e da crença em outras mentes estarem em paridade epistêmica não se deve meramente à falta de um argumento decisivo em seu favor mas ao fato de mesmo em face da ausência de uma evidência que seja convincente para qualquer pessoa racional tais crenças ainda podem ser racionalmente aceitáveis Esse não é um argumento definitivo para a aceitação intelectual da crença em Deus mas contra a demanda de que o teísmo só pode ser aceito se tivermos provas ou evidências em seu favor E essa será uma estrutura que os filósofos que aderem à Epistemologia Reformada como William Alston e Alvin Plantinga vão recorrer primeiro eles destacam crenças que todos nós consideramos racionais e cuja aceitação é imediata não inferida de um argumento ou evidência Além disso elas devem ser crenças que se exigimos evidências ou argumentos teremos resultados desastrosos pois como afirma Plantinga É claro que pode haver outras razões para supor que embora a crença racional em outras mentes não exija uma resposta à questão epistemológica a crença racional na existência de Deus exige Mas é certamente difícil ver quais podem ser essas razões Daí minha conclusão provisória se minha crença em outras mentes é racional também o é minha crença em Deus Mas obviamente o primeiro é racional assim portanto é o último PLANTINGA 1967 p 271 22 Argumento de Paridade de Alvin Plantinga CRESCER Para compreender melhor a força do problema trazido por Plantinga considere o seguinte desafio proposto por Bertrand Russell sobre nossas crenças de memória Aquilo que constitui uma crençamemória está acontecendo agora não naquele tempo anterior a que a crença se refere Quando eu lembro do nascimento de minha filha Ana Sofia essa lembrança acontece no presente não no passado Seguese que não é logicamente necessário para a existência de uma crença da memória que o evento lembrado tenha efetivamente ocorrido ou sequer que o passado tenha existido Talvez o mundo tenha surgido há cinco minutos exatamente com as características que ele tem agora com todas as memórias humanas e todos os outros sinais da história completamente criados Nas palavras de Russell Grosso modo a ideia de Russell é que não há impossibilidade lógica na hipótese de que o mundo surgiu cinco minutos atrás exatamente como é com uma população que se lembra de um passado totalmente irreal E o mais significativo para nosso contexto não é possível apresentar um argumento ou evidência contra esta hipótese pois ninguém conhece sequer como poderia ser esse argumento e como vimos não há conexão logicamente necessária entre eventos em momentos diferentes Contudo uma pessoa que afirma que só devemos acreditar em uma crença se tivermos argumentos ou evidências deveria por coerência ser cética com relação a sua crença no passado Por isso ao invés de exigir um argumento a favor da existência do passado seria melhor ficar com a sábia sugestão de Russell de que não escapamos à necessidade de confiar até certo ponto na memória RUSSELL 1977b p 12 Portanto a ideia de Plantinga é que se pudermos desconsiderar as demandas por argumentos e evidências no caso de nossas crenças naturais como as crenças em outras mentes ou as crenças no passado então talvez devase reconsiderar as demandas por argumentos e evidências para a razoabilidade da crença em Deus nenhuma dessas crenças passa pelo escrutínio da tentativa de apresentar provas ou argumentos mas não se pode Uma das principais lições a serem aprendidas com a história da Filosofia moderna de Descartes a Hume é que parece não haver bons argumentos a favor da existência de outras mentes ou outros eus do passado de um mundo externo e de muitas outras coisas não obstante é de presumir que a crença em outras mentes do passado e em um mundo externo não seja irracional nem tampouco esteja em qualquer outro aspecto abaixo da paridade mínima epistêmica PLANTINGA 2018b p 53 Deixando de lado os argumentos destinados a provar a falibilidade da memória há uma consideração embaraçosa que o cético poderá opor Já que a recordação como foi visto não é possível dirá ele ela prova então que a coisa lembrada ocorreu em outro tempo porque o mundo pode ter emergido cinco minutos atrás exatamente como ele foi cheio de atos de recordação que eram inteiramente ilusórios Oponentes de Darwin tais como o pai de Edmund Gosse levantaram argumentos bem parecidos contra a evolução O mundo disseram foi criado em 4004 aC com fósseis introduzidos para tentar nossa fé O mundo foi criado de repente mas de tal maneira como se fruto de longa evolução Não há impossibilidade lógica a esta opinião E igualmente não há impossibilidade lógica à opinião segundo a qual o mundo foi criado cinco minutos atrás cheio de memórias e registros Talvez pareça uma hipótese improvável mas não refutável logicamente RUSSELL 1977b p 12 e 13 Argumento de Paridade de Alvin Plantinga 23 CRESCER dizer que nós como agentes intelectuais somos injustificados irracionais ou merecedores de algum tipo de reprovação por aceitar tais crenças Conforme o pensamento de Plantinga foi se desenvolvendo seu argumento de paridade entre nossas crenças comuns e a crença em Deus foi ganhando em sofisticação e em ousadia Como veremos na próximo módulo assim como nossas crenças comuns são prima facie avalizadas por serem imediatamente conhecidas a partir de nossas faculdades cognitivas Plantinga postula a existência de uma faculdade cognitiva o sensus divinitatis que forma em nós a crença em Deus de modo análogo a como trabalha as faculdades perceptivas ou de memória Por isso ela deveria desfrutar do mesmo status epistêmico compartilhado pelas nossas crenças naturais comuns Ao comentar uma passagem de Calvino Plantinga afirma Grosso modo a ideia de Plantinga é que a crença em Deus é possivelmente natural ou seja fruto do funcionamento natural de nossas faculdades cognitivas Por isso Plantinga pensa que sua racionalidade deve ser tratada do mesmo modo que tratamos a racionalidade de nossas outras crenças naturais como a de que existe um passado ou crença em outras mentes É preciso enfatizar que o argumento de paridade do Plantinga não afirma que a crença em Deus é exatamente como as crenças perceptivas crenças de memória e a crença em outras mentes Plantinga admite por exemplo que todos nós já acreditamos em outras mentes com um grau de firmeza significativo mas no caso da crença em Deus as coisas podem ser diferentes PLANTINGA 1991 p 311 A questão levantada por Plantinga é que nós devemos julgar a crença em Deus pelos mesmos padrões que julgamos a crença em outras mentes no mundo externo ou no passado de modo que a crença em Deus pode se manter intelectualmente aceitável quando considerada por esses padrões e de forma ainda mais sensata o objetivo de Plantinga é questionar o duplo padrão aplicado a afirmações religiosas mas não aplicado a afirmações em outras áreas como a ciência a epistemologia e a ética A afirmação de Calvino então é que Deus nos criou de tal maneira que temos uma forte propensão ou inclinação para crer nele Esta tendência tem sido em parte superada ou suprimida pelo pecado Se não fosse pela existência do pecado no mundo os seres humanos acreditariam em Deus no mesmo grau e com a mesma espontaneidade natural que acreditamos na existência de outras pessoas de um mundo externo ou do passado Esta é a condição humana natural é por causa de nossa atual condição pecaminosa antinatural que muitos de nós achamos a crença em Deus difícil ou absurda O fato é que Calvino pensa todo aquele que não acredita em Deus está numa posição epistemicamente inferior um pouco como um homem que não acredita que sua esposa existe ou pensa que ela é como um robô inteligentemente construído e que não tem pensamentos sentimentos ou consciência PLANTINGA 2017 p 192 Argumento de Paridade de Alvin Plantinga 24 COMPARTILHAR Nesta aula você Percebeu que grande parte das coisas que aceitamos como racionais não são baseadas em provas ou argumentos Compreendeu o que é um argumento de paridade Analisou por que a crença em Deus e a crença em outras mentes estão em paridade epistêmica PLANTINGA Alvin Conhecimento e crença cristã Brasília Monergismo 2016 A objeção reformada à teologia natural Disponível em httpsperiodicosunbbrindexphprbfrarticleview1770926025 PARA CRESCER MAIS 25 Epistemologia Reformada Modelo AquinoCalvino módulo 03 Olá Como vimos uma afirmação central feita pelo epistemólogo reformado é que a crença na existência de Deus pode ser racional mesmo na ausência de qualquer evidência ou argumento Contudo será realmente correto colocar a crença em Deus como uma crença apropriadamente básica Neste módulo vamos estudar a objeção do fundacionismo clássico contra a ideia de que a crença em Deus é apropriadamente básica Em seguida vamos estudar a resposta de Plantinga bem como o Modelo AquinoCalvino Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Examinar a teoria do fundacionismo clássico bem como as críticas apontadas por Alvin Plantinga Analisar a objeção de Freud e de Marx contra a garantia da crença teísta aceita de modo básico Compreender o Modelo AquinoCalvino Bons estudos 26 Modelo AquinoCalvino CONECTAR Os críticos da crença teísta parecem aceitar como ponto pacífico que a crença em Deus deve ter bons argumentos ou evidências a fim de que ela seja aceita como racional ou justificada Não apenas objetores mas teístas como John Locke Norman Geisler e Stephen Wykstra aceitam algum tipo de evidencialismo como modo da crença teísta ser aceita como intelectualmente aceitável Mas por que a crença em Deus precisa ser aceita nesses termos a fim de ser tida como justificada racional ou avalizada Por qual razão é preciso termos bons argumentos em favor da existência de Deus para que a crença em Deus seja racionalmente aceitável Afinal dificilmente alguém pensa que precisa de um bom argumento a favor da existência do passado para ser racional em acreditar que almoçou ontem De acordo com Plantinga a resposta passa por uma linha mais geral de pensamento chamada de fundacionismo clássico Tal tese está enraizada na obra de René Descartes e John Locke O fundacionismo clássico faz uma distinção entre crenças que são aceitas de forma básica e aquelas que não são aceitas dessa forma há um conjunto de crenças que são diretamente justificadas as crenças básicas sobre as quais devem se apoiar as outras crenças chamadas de crenças nãobásicas As crenças básicas são crenças aceitas de forma imediatamente justificada e que não se baseiam ou não se apoiam de alguma forma sobre outras crenças exemplos de crenças básicas são as de que existe um mundo fora da minha mente e que o passado existe Desse modo as crenças básicas são uma espécie de ponto de partida para o pensamento As crenças não básicas são aquelas derivadas ou baseadas em outras crenças exemplos de crenças não básicas são aquelas em que preciso de argumentos ou evidências a fim de aceitálas como a de que o Universo possui 13787 0020 bilhões de anos Contudo para o fundacionismo clássico uma crença não pode ser simplesmente aceita como básica Para entender o porquê pense na crença sincera de Linus melhor amigo de Charlie Brown na HQ da série Peanuts que acreditava de modo básico que todo ano a Grande Abóbora voava na noite de Halloween trazendo brinquedos para crianças sinceras e crentes em um canteiro de abóboras Seria apropriado para Linus aceitar tal crença de forma básica sem argumentos ou evidências É certo que não Uma pessoa pode alegar acreditar em algo de forma básica mas para que a crença seja aceita de modo apropriado é preciso mais do que uma alegação ela precisa satisfazer algumas condições a fim de especificar por que é racional e adequado para Linus tomar a crença em questão como básica sem ser arbitrário Assim de acordo com o fundacionismo clássico as únicas crenças que são apropriadamente básicas são as que se enquadram em uma das três categorias ou são i autoevidentes ie como as crenças sobre o próprio estado mental ou sobre verdades da matemática e da lógica básicas ou ii evidentes aos sentidos ie crenças produzidas pela experiência perceptiva ou ainda iii incorrigíveis ie crenças de que não se pode duvidar sem fugir da razoabilidade Estas proposições desfrutam de um tipo de imunidade que as qualificaria para estarem entre as crenças básicas Ora a partir disso a crença em Deus não pode ser colocada entre as crenças básicas de um sujeito pois ela não parece ser autoevidente incorrigível ou evidente aos sentidos Modelo AquinoCalvino 27 CRESCER O fundacionista clássico afirma que uma vez que a crença em Deus não é autoevidente incorrigível ou evidente aos sentidos ela só pode ser racionalmente aceita com base em argumentos e evidências Uma das contribuições mais importantes de Alvin Plantinga para a filosofia da religião e para a epistemologia foi apresentar razões do porquê essa linha de raciocínio que era muito comum entre os filósofos desde o iluminismo está equivocada Plantinga apresentou dois argumentos contra o fundacionismo clássico Em primeiro lugar afirma Plantinga 2016 p 57 ele parece contraproducente prendese na própria armadilha ele se coloca em dificuldade autorreferencial E isso porque o fundacionismo clássico não obedece internamente a seus próprios padrões Mais especificamente o fundacionismo clássico não é apropriadamente básico pelos próprios padrões pois tal teoria não é autoevidente incorrigível ou evidente aos sentidos Seguese daí que alguém só deveria aceitar o fundacionismo clássico se tiver evidências inferidas de outras crenças Contudo os adeptos do fundacionismo clássico não apresentaram tais evidências Por isso o fundacionista clássico é inconsistente a partir dos seus próprios padrões Uma segunda razão apontada por Plantinga é que se aceitarmos os padrões do fundacionismo clássico nossas crenças mais comuns que todos nós aceitamos como razoáveis tais como as crenças de que existe um passado as crenças de memória ou as crenças em outras mentes não seriam aprovadas por tais padrões A crença sobre a existência do passado ou de outras mentes por exemplo não seria aceita como básica pois não é autoevidente incorrigível ou evidente aos sentidos Se não é básica então ela precisa ser inferida a partir de outras crenças Contudo como vimos no módulo passado é extremamente difícil formular um argumento para tais crenças Assim Plantinga afirma que o fundacionismo clássico falha porque coloca fora da categoria de crenças apropriadamente básicas aquelas crenças formadas a partir da experiência humana mais comum tais como as crenças de memória e as crenças em outras mentes O ponto de Plantinga é que se tais crenças que se apresentam à nossa experiência A crença em Deus não é autoevidente pois não é o tipo de crença que caso você entenda seu significado por exemplo você veja imediatamente que Deus existe também não é evidente para os sentidos porque Deus por definição transcende o mundo sensorial e por isso não pode ser visto ouvido tocado provado ou cheirado pois Deus está além dos sentidos finalmente nós podemos estar errados sobre a existência de Deus e portanto a crença em Deus não pode ser incorrigível Seguese daí que a crença em Deus só pode ser racional se for sustentada por evidências adequadas isto é por outras crenças Por isso de acordo com o fundacionismo clássico a crença em Deus não possui status epistêmico positivo a menos que seja sustentada por evidências ou argumentos Como veremos essa foi uma linha de pensamento que Plantinga analisou e rejeitou Como veremos Plantinga analisou o desafio proposto pelo fundacionista clássico e procurou mostrar que a crença em Deus pode ser aceita como básica O que isso nos diz sobre a necessidade de ter mais coragem intelectual a fim de enfrentar teorias que parecem colocar em dificuldades o teísmo PARA REFLETIR 28 como apropriadamente básicas não se encaixam nos critérios do fundacionismo clássico então temse um problema com tais critérios não na aceitação destas crenças como básicas Se o fundacionista clássico estiver correto seremos todos injustificados em aceitar várias convicções que não são autoevidentes nem incorrigíveis nem evidentes aos sentidos como apropriadamente básicas mas que todos nós sustentamos de modo intelectualmente legítimo quando as tomamos como apropriadamente básicas É sensato acreditar que existem outras mentes ainda que não tenhamos evidências em favor dessa posição É sensato acreditar que o mundo existe há mais de cinco minutos apesar de eu não conseguir apresentar evidências que justifiquem isso Assim uma das questões centrais trazidas por Plantinga é que dadas nossas crenças naturais parece insensato exigir o dever de apresentar provas e argumentos para elas Qual é a questão Plantinga pensa que o critério apresentado pelo fundacionista clássico precisa ser revisado Ele não nega que crenças autoevidentes incorrigíveis ou evidentes aos sentidos sejam apropriadamente básicas o que ele nega é que elas sejam as únicas crenças apropriadamente básicas De acordo com Plantinga a crença em Deus pode ser intelectualmente aceitável mesmo que não se tenha um argumento ou evidência a favor da crença em Deus Contudo a fim de saber o que significa uma crença ser racional ou justificada precisamos clarificar alguns destes termos Quando se afirma que uma crença é justificada ou racional ou um caso de conhecimento o que se quer saber exatamente O que exatamente esses termos querem dizer A sugestão de Plantinga é que quando se pergunta se a crença em Deus é intelectualmente aceitável o que se quer saber é se ela é garantida ou avalizada Como podemos entender este termo Primeiro há um consenso entre os epistemólogos de que o conhecimento requer verdade MOSER MULDER TROUT p 2009 p 6784 uma pessoa sabe que todos os homens são mortais se realmente for verdade que todos os homens são mortais Há também um amplo consenso de que o conhecimento requer crença uma pessoa sabe que todos os homens são mortais se ele acredita que todos os homens são mortais MOSER MULDER TROUT p 2009 p 4865 Mas como vimos na disciplina de Introdução à Filosofia a crença e a verdade não são suficientes para o conhecimento Eu posso acreditar que o Treze PB vai ser o campeão da Copa do Brasil este ano e isso apesar de o time ser das divisões inferiores do futebol brasileiro ter sido rebaixado na temporada passada e ter vendido os melhores jogadores durante as férias Suponha que por alguma chance louca do futebol ele realmente ganhe o campeonato isso mostraria que eu sabia que o Treze venceria a Copa do Brasil Certamente que não Logo algo mais é necessário algo que junto com a crença e a verdade produza conhecimento Plantinga chama o nome dessa propriedade de warrant que no Brasil pode ser traduzido por garantia ou por aval Por garantia entendese a propriedade quantidade eou qualidade suficiente daquilo que distingue o conhecimento da mera crença verdadeira Mas o que é esta propriedade chamada garantia ou aval Há várias teorias da garantia entre os filósofos Tradicionalmente os fundacionistas clássicos como Descartes e Locke irão dizer que a teoria da garantia está ligada ao conceito de dever ou obrigação Mais precisamente existem deveres ou obrigações com respeito a nossas crenças tais deveres visam regular nossas crenças Neste caso a garantia é uma Modelo AquinoCalvino CRESCER Modelo AquinoCalvino 29 CRESCER questão de responsabilidade epistêmica em que uma crença está garantida se a pessoa que a detém não é culpada de irresponsabilidade epistêmica em formála ou mantêla A justificação aqui é uma questão deontológica algo associado a termos como dever obrigação culpa e inocência De acordo com Plantinga essa teoria do dever é problemática para nossas crenças E isso porque quando formo grande parte das minhas crenças de que existe um passado ou de que há uma estante de livros na minha frente eu não escolho acreditar nelas eu simplesmente me deparo crendo Mais precisamente tais crenças não estão sob nosso controle voluntário de modo que não é correto pensar que nós decidimos formálas Não escolho crer nisso ou não apenas me vejo acreditando No caso típico o que acredito não está sob meu controle isso de fato independe de mim PLANTINGA 2016 p 59 E se esse for o caso então seria falso aplicar categorias morais eg dever e obrigação para nossas crenças ou para nossa capacidade de acreditar Pois como eu poderia contrariar um dever que não depende de mim Plantinga fornece um exemplo depor que a categoria de dever é problemática quando aplicada a coisas que estão fora do nosso controle Plantinga pensa que a mesma coisa é verdade com relação às nossas crenças religiosas Suponha que eu acredite de modo básico que é óbvio que há tal pessoa como Deus suponha que depois de cuidadosa ponderação talvez por ter uma vida espiritual interior rica e vibrante eu me veja convencido de que Deus existe Talvez você sinta Deus falando com você ao ler as Escrituras ou no momento de oração do culto de sua igreja local Você estaria sendo irresponsável ou contrariando o dever ao acreditar em Deus Certamente que não Sou teísta acredito na existência de Deus entretanto jamais decidi ter essa crença Ela sempre me pareceu verdadeira Não é o caso que eu possa me livrar dessa crença só com um ato da vontade PLANTINGA 2016 p 60 Grifos do autor Neste caso Plantinga pensa que se o conceito de garantia tiver um sentido deontológico de dever ou obrigação não somente a crença em Deus mas qualquer outra crença por mais bizarra que fosse seriam garantidas Pois caso você realmente e sinceramente acredite que foi abduzido por extraterrestres como você estaria indo contra seu dever intelectual Pois como poderia merecer algum tipo de censura ou ser irresponsável se pensa cuidadosamente sobre a questão do modo mais responsável possível e ainda chega à conclusão de que realmente foi abduzido Podemos ter a impressão de que você não está garantido em acreditar em tal coisa mas se estivermos falando de garantia no sentido deontológico de proceder em conformidade com a responsabilidade intelectual você sem dúvida está garantido Assim Plantinga pensa que a garantia não pode envolver a noção de dever intelectual Mas se não envolve o dever envolveria o que então Existem várias possibilidades mas a sugestão de Plantinga começa a partir de nossas faculdades cognitivas e intelectuais como a percepção memória intuição racional e introspecção O Se pulo de um avião a 3 mil pés de altura caio em direção ao chão não subo e não dependeria de mim a direção a seguir Eu não poderia contrariar meu dever quando caio em direção ao chão cair não é algo que se possa avaliar moralmente não posso com razoabilidade ser elogiado ou censurado por cair em direção ao chão E o mesmo não vale para a crença Se não está em meu poder suspendêla nessas circunstâncias então nessas circunstâncias eu não poderia contrariar meu dever portanto nessas circunstâncias eu não poderia estar injustificado PLANTINGA 2016 p 60 30 Modelo AquinoCalvino CRESCER objetivo dessas faculdades parece ter sido concebido para nos permitir chegar a crenças verdadeiras sobre o mundo sobre o passado sobre o Universo e sobre outras mentes De uma posição natural nós confiamos nessas faculdades Mais especificamente confiamos que essas faculdades trabalham de tal forma que nas circunstâncias apropriadas formam crenças corretas ou adequadas Na verdade é mais correto afirmar que essas crenças se formam em nós Geralmente não decidimos ter tais crenças em questão simplesmente nos deparamos crendo quando alguém presta atenção no seu quarto por exemplo e o seu campo visual é preenchido com padrões detalhados de luz cor e formas ele forma a crença de que vê uma estante com livros Você não raciocina a partir de um argumento indutivo que dada a totalidade dos indícios é mais adequado acreditar que ali existe uma estante com livros você simplesmente é inclinado a ter tal crença perceptiva Da mesma forma você é inclinado a acreditar no passado na existência de um mundo externo e de outras mentes Como vimos em Introdução à Filosofia Plantinga sugere que as crenças formadas por nossas faculdades cognitivas podem ter garantia a partir da abordagem por ele denominada de função apropriada PLANTINGA 2016 p 7278 isto é uma crença só conta com garantia se for produzida por faculdades cognitivas funcionando apropriadamente sem estarem sujeitas a qualquer disfunção ou mau funcionamento quando produzem a crença Esta noção está intrinsecamente ligada à noção de design os seres humanos bem como suas faculdades foram feitos de tal forma que há um modo correto ou adequado pelo qual eles devem funcionar No entanto Plantinga lembra que tal aspecto é necessário para a garantia mas ainda não é suficiente em segundo lugar as faculdades precisam estar num ambiente cognitivo apropriado Mas esses dois critérios sendo necessários para a garantia ainda não são suficientes em terceiro lugar o propósito de tais faculdades é a produção de crença verdadeira além disso não basta a produção de crenças verdadeiras é preciso que tais faculdades que produzem crenças verdadeiras sejam bemsucedidas neste desígnio Por fim é preciso acrescentar um último critério para uma crença ser garantida quando uma crença obedece às quatro condições citadas e tem garantia o grau dessa garantia depende da força da crença da firmeza com que uma pessoa a sustenta Assim o ser humano dispõe de uma série de faculdades cognitivas que formam nele crenças verdadeiras sobre o mundo e sobre outras pessoas Por isso todos nós temos uma disposição natural de acreditar em crenças perceptuais como eu vejo uma estante com livros ou crenças sobre o passado sobre a existência do mundo externo ou de outras mentes neste sentido podese dizer que você sabe que tais crenças são verdadeiras quando você acredita nelas quando elas são verdadeiras e quando elas são produzidas em você por suas faculdades cognitivas atuando da forma que foram projetadas para funcionar sem estarem sujeitas a qualquer disfunção ou mau funcionamento em um ambiente cognitivo adequado de acordo com um projeto de design que vise com sucesso à verdade e seja bemsucedido de forma que você se sinta fortemente inclinado a adotar tais crenças Queixa Freud e Marx A garantia está ligada ao funcionamento apropriado de nossas faculdades cognitivas Mas o que dizer da crença em Deus A pessoa com as faculdades cognitivas funcionando apropriadamente do modo como deveriam funcionar poderia manter a crença Modelo AquinoCalvino 31 CRESCER Estas crenças religiosas que se proclamam ensinamentos não são precipitados da experiência ou resultados finais do pensamento são ilusões realizações dos mais antigos mais fortes e prementes desejos da humanidade o segredo de sua força é a força desses desejos FREUD 2014 VI p 214 Mediante a benévola ação da Providência divina a angústia ante os perigos da vida é atenuada o estabelecimento de uma ordem moral universal assegura o cumprimento da exigência de justiça que tão frequentemente deixou de ser cumprida no interior da cultura humana a continuação da existência terrena numa vida futura fornece a moldura especial e temporal em que devem se consumar essas realizações de desejos FREUD 2014 VI p 214 Este é o fundamento da crítica irreligiosa o homem faz a religião a religião não faz o homem E a religião é de fato a autoconsciência e o autossentimento do homem que ou ainda não conquistou a si mesmo ou já se perdeu novamente Mas o homem não é um ser abstrato acocorado fora do mundo O homem é o mundo do homem o Estado a sociedade Esse Estado e essa sociedade produzem a religião uma consciência invertida do mundo porque eles são um mundo invertido A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real A religião é o suspiro da criatura oprimida o ânimo de um mundo sem coração assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos Ela é o ópio do povo MARX 2013 p 151152 Grifos de Marx em Deus Plantinga apresenta as críticas de Karl Marx 18181883 e de Sigmund Freud 18561939 que ele denomina Queixa Freud Marx contra a crença teísta Ambos os autores pensam que a crença em Deus é resultado de alguma disfunção cognitiva Mas como seria isso Freud pensa que a crença teísta surge de um mecanismo psicológico denominado realização de desejos a crença teísta provém de um pensamento ilusório cuja finalidade última não é a produção de uma crença verdadeira mas uma forma de sobreviver em um mundo obscuro e cruel Podemos entender a crítica de Freud da seguinte maneira estamos diante de uma natureza impiedosa e desoladora Nela a vida humana é solitária pobre sórdida curta e cruel Cega às nossas necessidades e desejos ela gera dano medo e dor exigindo a nossa morte Por isso apavorados e desesperados criamos de modo inconsciente um pai celestial todopoderoso e benevolente que da mesma forma como nossos pais terrenos cuida de nós e promete estar conosco mesmo no vale da sombra da morte De acordo com Freud Assim dadas as injustiças deste mundo sórdido Deus um ser completamente justo e bondoso garante que compensará em meio a sua providência e numa existência futura quaisquer frustrações que uma pessoa tenha experimentado na vida presente Assim temos um pai benevolente que zela por nós de modo providencial suprindo os desejos e anseios do gênero humano Para Plantinga outra objeção que nos ajuda a elucidar a possível falta de garantia da crença teísta vem do filósofo alemão Karl Marx Em uma de suas clássicas afirmações sobre a religião ele afirma 32 Modelo AquinoCalvino CRESCER Grosso modo a ideia de Marx não é que a religião surge a partir de uma necessidade psíquica como em Freud mas a partir de uma consciência pervertida do mundo É a sociedade invertida que produz a consciência invertida do mundo que origina o sentimento religioso Em Marx existe uma condição correta ou natural pela qual deveríamos ver o mundo Essa condição seria diferente desse mundo invertido Contudo a religião nasce a partir de uma espécie de falsa consciência gerada por esse mundo invertido Há no mundo uma desordem ou condição social perversa e doentia há uma luta de classes bem como uma tentativa de fazer com que o status quo seja mantido devido a algum interesse social de um grupo particular da sociedade A religião surge dentro desse contexto Esse tipo de ambiente cognitivamente comprometido é que gera a religião Nesse sentido o teísta possuiria algum tipo de disfunção cognitiva que não permitiria que ele enxergasse a realidade tal como ela é mas apenas uma falsa consciência dessa realidade Marx pensa que a crença religiosa é resultado de uma disfunção cognitiva gerada pelo ambiente social disfuncional em que o teísta se encontra Assim o equipamento cognitivo do crente não funciona de modo apropriado levandoo a cair em tal ilusão Se esse tipo de coisa não acontecesse isto é se o teísta com seu equipamento cognitivo funcionando corretamente sem a mácula de um ambiente fomentador de crenças ilusórias ele iria se desvencilhar de tais ideias errôneas e ilusórias Por isso a crítica da religião é algo tão necessário para libertar o ser humano desse tipo de ilusão É dessa forma que Plantinga afirma que a Queixa FM pode prover uma crítica viável à garantia da crença em Deus Pois a crença em Deus não é produzida por faculdades cognitivas que estejam funcionando apropriadamente nem que visem à verdade Nesse sentido o problema não está na veracidade da crença teísta a alegação não é que a crença em Deus seja falsa mas que é de algum modo irracional acreditar nela seja ela verdadeira ou falsa pois há algo errado e inapropriado no fato de alguém acreditar em uma crença que ou não é produzida por faculdades cognitivas funcionando em um ambiente inapropriado Marx ou é produzida por mecanismos de formação de crença que não visam à verdade Freud Modelo AquinoCalvino Dentro desse contexto Plantinga busca responder à Queixa FM oferecendo um modelo pelo qual a crença teísta poderia ter garantia mesmo sem evidências e argumentos Por modelo Plantinga entende um estado de coisas possíveis Plantinga não argumenta que tal modelo é verdadeiro mas que pode ser verdadeiro Para isso ele busca inspiração tanto em alguns insights de São Tomás de Aquino quanto em comentários mais desenvolvidos de João Calvino por isso ele denomina tal concepção de Modelo AC O Modelo AC de Plantinga começa a partir da ideia de que há um conhecimento natural de Deus algo com que tanto Tomás de Aquino quanto João Calvino concordavam De acordo com Aquino AQUINO I q2 a1 ad 1 está impresso naturalmente em nós algum conhecimento geral e confuso da existência de Deus Calvino expande a proposta de Aquino afirmando que há uma espécie de conhecimento natural de Deus isto é uma tendência instinto humano ou inclinação natural para formar crenças acerca do divino Que existe na mente humana e na verdade por disposição natural certo senso da divindade consideramos como além de qualquer dúvida CALVINO I Capítulo iii Seção 1 Para Calvino Deus criou o ser humano com um sentido divino ou um sensus Modelo AquinoCalvino 33 CRESCER divinitatis Plantinga postula que essa seria uma faculdade ou mecanismo que produz em nós a crença em Deus ocasionado por uma ampla variedade de circunstâncias Mais especificamente quando o ser humano se encontra em determinadas circunstâncias ou passa por determinadas experiências o sensus divinitatis é desencadeado e assim surge no agente a crença em Deus Assim supondo que a crença teísta é verdadeira Deus criou o ser humano com um conjunto complexo sutil e bemarticulado de faculdades que permite a ele obter crenças verdadeiras sobre vários tópicos inclusive sobre Deus Essa capacidade para o conhecimento de Deus faz parte do nosso equipamento cognitivo original faz parte do perfil epistêmico fundamental com que Deus nos criou PLANTINGA 2018a p 196 Existiria assim dentro da mente humana uma consciência da divindade um instinto natural que aponta para Deus um sensus divinitatis Esse senso de divindade seria uma disposição ou um conjunto de disposições para formar crenças teístas em várias circunstâncias em respostas àquelas condições ou estímulos que desencadeiam o funcionamento desse sentido do divino PLANTINGA 2018a p 190 Essas faculdades análogas a outras faculdades como memória e percepção permitem aos seres humanos terem consciência da presença e das propriedades de Deus e são básicas em um sentido adequado ao conhecimento como são básicas as crenças geradas pela percepção e pela memória Essa faculdade permite ter com o divino o tipo de relacionamento que normalmente temos com outras pessoas como afeição conversação amor mútuo proximidade comunicação entre outros Quando funcionando de forma apropriada em um ambiente apropriado ao seu funcionamento o sensus divinitatis transforma a crença teísta em conhecimento O resultado deste modelo pode ser expresso resumidamente na seguinte proposição se Deus de fato existir e tiver criado o ser humano com o sensus divinitatis então a crença teísta é provavelmente um caso de conhecimento sendo racional ou justificadamente aceitável acreditar nela Para Plantinga aceitar a crença na existência de Deus como básica não implica que ela seja arbitrária ou gratuita há circunstâncias e condições que evocam a crença em Deus Pense em situações tais como momento de gratidão adoração culpa ou o ver a mão de Deus na natureza Suponha que você está em um ambiente apropriado seja orando seja lendo as Escrituras ou perante uma paisagem magnífica A partir daí seria formada em você a crença de que Deus me ama ou Deus me perdoa ou Deus está falando comigo ou ainda Deus criou tudo isso e tal circunstância ativaria a faculdade do sensus divinitatis gerando a garantia da crença independentemente de qualquer evidência ou demonstração racional uma vez que dado o modelo de Plantinga Deus teria implantado no ser humano a tendência natural para ver a sua mão no mundo A crença na existência de Deus não seria inferida de tais circunstâncias nem é resultado de alguma cadeia de raciocínios mas estar nas circunstâncias adequadas torna tal convicção apropriadamente básica por isso racional e garantida Não é uma questão de fazer uma inferência rápida e simples partindo da grandiosidade das montanhas ou da beleza da flor ou da luz do sol no topo das árvores para concluir pela existência de Deus em vez disso uma crença acerca de Deus surge espontaneamente nessas circunstâncias as circunstâncias que desencadeiam a operação do sensus divinitatis PLANTINGA 2018a p 193 34 Modelo AquinoCalvino CRESCER Logo quando se afirma que a crença em Deus está garantida não se afirma que ela seja gratuita mas sim que há circunstâncias justificantes para essa crença ou condições que justificam racionalmente quem a aceita como básica Quando funcionando apropriadamente essas situações ativam o sensus divinitatis que em quantidade suficiente transforma a crença teísta em conhecimento No entanto Plantinga argumenta que não se segue daí que seja possível provar tal crença para algum cético Essa é uma questão totalmente diferente Conhecimento é uma coisa ser capaz de provar tal conhecimento para um cético é outra Contudo para Plantinga disso se segue que o fato de você não poder provar ou apresentar evidências para a verdade do conhecimento em questão não significa que você não conhece tal questão Claro que você pode apresentar argumentos para demonstrar que você conhece X Mas tais argumentos não são necessários para a racionalidade ou para o conhecimento Dessa forma através do Modelo AC é possível demonstrar que dado tudo que sabemos a crença em Deus pode ser perfeitamente racional e garantida constituindo um caso de conhecimento para quem as tem No entanto essa conclusão não parece insignificante Qual a importância dela Para Plantinga uma das principais objeções contra a fé cristã não diz respeito à sua verdade mas à sua razoabilidade Essa objeção pode ser resumida da seguinte forma Eu não sei se a crença teísta é verdadeira quem poderia saber uma coisa dessas Mas sei o seguinte ela é irracional injustificada não racionalmente justificada contrária à razão intelectualmente irresponsável PLANTINGA 2016 p 95 e 96 Todavia o Modelo AC procura demonstrar que o teísta não pode ser tido como irracional injustificado ou infundado ao crer em Deus de modo básico mesmo na falta de evidências ou argumentos Para utilizar os termos de Plantinga não há até agora objeção de jure à crença teísta isto é oposições que afirmam que ela é injustificada irresponsável ou irracional que já não pressupõem a falsidade do teísmo objeções de facto Assim para argumentar que o teísmo é irracional ou não garantido o objetor precisará encontrar refutações contra a verdade da crença teísta a fim de mostrar por que elas são irracionais ou não garantidas Até agora as objeções de jure de alguma forma parecem sempre pressupor a falsidade da crença teísta isto é as objeções de facto Por exemplo as objeções de Freud e Marx à racionalidade do teísmo já pressupõem que Deus não existe Por isso as objeções bemsucedidas contra a crença teísta terão de incidir sobre a verdade do teísmo e não só sobre sua racionalidade Contudo se a crença em Deus é produto de uma faculdade cognitiva que faz parte da nossa constituição natural por que muitas pessoas não possuem tal crença Mais precisamente por que muitas pessoas não acreditam em Deus O sociólogo Phil Zuckerman 2010 p 82 afirma por exemplo que o fato de entre 500 e 750 milhões de pessoas em todo o mundo não acreditarem em Deus torna qualquer sugestão de que o ateísmo é inato ou que tem base neurológica manifestamente insustentável Estudos recentes sobre a demografia do ateísmo demonstram que esses números são menores De acordo com a revisão dos sociólogos Ariela Keysar e Juhem NavarroRivera 2013 p 553 a partir de numerosos estudos globais sobre ateísmo existem atualmente cerca de 450 a 500 milhões de ateus em todo o mundo o que equivaleria a 7 da população global Assim se a crença em Deus é natural por que tantas pessoas não são teístas Segundo o Modelo AC há uma resposta possível para tal desafio e ela tem a ver com uma disfunção cognitiva muitas das nossas faculdades cognitivas se encontram danificadas e com seu uso parcialmente ou completamente comprometido há no mundo cegueira surdez incapacidade para distinguir o bem do mal haveria assim estados Modelo AquinoCalvino 35 COMPARTILHAR análogos referentes à operação do sensus divinitatis Plantinga afirma que o pecado comprometeu significativamente o funcionamento dessa faculdade esse conhecimento natural de Deus foi comprometido enfraquecido reduzido sufocado coberto ou obstruído pelo pecado e pelas suas consequências PLANTINGA 2018a p 200 Assim o sensus divinitatis não opera de modo pleno atualmente nas condições atuais sua operação plena está restrita e inibida É possível que a própria faculdade esteja enferma e por isso parcial ou completamente desativada em uma grande quantidade de pessoas Nesse sentido é interessante que o Modelo AC inverte a Queixa FM é o descrente que carece do pleno funcionamento epistêmico aqueles que não acreditam em Deus é que estão distantes de sua condição natural resultado de uma disfunção no sensus divinitatis ou seja o ato de não acreditar poderia estar relacionado ao funcionamento impróprio dessa faculdade No próximo módulo vamos estudar melhor como o pecado pode afetar o sensus divinitatis e como Deus providenciou um meio de lidar com ele Nesta aula você Examinou a teoria do fundacionismo clássico bem como as críticas apontadas por Alvin Plantinga Analisou a objeção de Freud e de Marx contra a garantia da crença teísta aceita de modo básico Compreendeu o Modelo AquinoCalvino PLANTINGA Alvin Conhecimento e crença cristã Brasília Monergismo 2016 Cap 02 e 03 Epistemologia reformista Disponível em httpscriticanaredecomldsepistemologyhtml PARA CRESCER MAIS 36 Epistemologia Reformada Modelo AquinoCalvino estendido módulo 04 Olá O Modelo AC diz respeito apenas à crença de que há tal pessoa como Deus Mas a crença cristã ultrapassa a crença em Deus Por isso Plantinga estendeu o Modelo AC de tal modo que ele se aplique a crenças teístas cristãs mais específicas dentro de uma cosmovisão cristã envolvendo a narrativa cristã da criação queda e redenção Neste módulo vamos ver como os cristãos podem ter suas crenças específicas como a de que Jesus ressuscitou dos mortos ou de que Cristo morreu pelos nossos pecados formadas de modo garantido Para isso veremos que o conhecimento destas coisas envolve não apenas ter nosso aspecto cognitivo correto mas também ter os afetos devidamente calibrados Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Perceber os danos causados pelo pecado no nosso conhecimento natural de Deus e no sensus divinitatis Compreender o Modelo AC estendido Analisar por que a crença em Deus precisa ser corretamente calibrada pelo Espírito Santo tanto de uma perspectiva cognitiva quanto afetiva Bons estudos 37 CONECTAR O Modelo AC postula apenas a crença na existência de Deus Dada sua teoria da função apropriada Plantinga afirma que não há uma boa razão para pensar que a crença teísta não possa ter garantia É possível que o ser humano tenha sido criado por Deus com uma faculdade cognitiva natural o sensus divinitatis que funcionaria como uma disposição ou um conjunto de disposições para formar crenças teístas nas mais variadas circunstâncias em resposta a experiências que desencadeariam seu funcionamento Nesse sentido quaisquer crenças que resultem desta faculdade estarão em posição de terem algum tipo de garantia No entanto o Modelo AC diz respeito apenas à crença de que há tal pessoa como Deus Até aqui ficamos apenas com a crença em um Deus algo pouco preciso e inespecífico sobre quem é tal ser todopoderoso Mas a crença cristã ultrapassa a crença em Deus Dado apenas o Modelo AC talvez fosse possível pensar que apenas a crença em Deus pode ter garantia mas o mesmo não é verdade para outras crenças que são também significativamente importantes para a vasta maioria dos teístas ao redor do mundo Talvez fosse possível saber que há um ser poderoso e criador mas não conhecermos sua vontade seu interesse por nós ou como podemos desfrutar de algum tipo de relacionamento íntimo como ele Por isso Plantinga estendeu o Modelo AC de tal modo que ele se aplique a crenças teístas cristãs mais específicas dentro de uma cosmovisão cristã envolvendo a narrativa cristã da criação queda e redenção Para Plantinga caso a crença cristã seja verdadeira os cristãos estão garantidos em adotar não apenas a crença geral de que Deus existe mas crenças mais específicas tais como Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo ou Cristo morreu pelos nossos pecados Essas crenças seriam formadas naquilo que C S Lewis 2017a chamou de cristianismo puro e simples e estão presentes nos credos cristãos históricos O modelo de Plantinga envolve noções eminentemente teológicas como fé pecado e obras do Espírito Santo e seu objetivo é demonstrar que os cristãos podem ter garantia para sustentar a crença cristã plena Contudo como pode o cristão ser garantido em acreditar nessas crenças mais específicas Uma acusação muito comum contra o cristianismo é que não é possível ao teísta cristão saber ou ter qualquer tipo de crença com algum grau de garantia sobre essas coisas Pense por exemplo no chamado Padrão Sagan aforismo empregado por Carl Sagan na série Cosmos em referência a alegações sobre alienígenas que visitavam a Terra que afirmava que alegações extraordinárias requerem evidências extraordinárias No nosso caso os cristãos também acreditam numa multidão de coisas que são excepcionais ou incomuns Sagan fornece alguns exemplos imaginários de como o teísta poderia ter algum tipo de garantia para sua crença Modelo AquinoCalvino Estendido Deus poderia ter gravado os Dez Mandamentos na Lua Bem grande Cada mandamento com dez quilômetros de comprimento E ninguém poderia vêlos da Terra até que um dia grandes telescópios fossem inventados ou uma nave espacial se aproximasse da Lua e lá estariam eles gravados na superfície lunar As pessoas diriam Como aquilo foi parar lá E haveria então várias hipóteses a maioria delas extremamente interessante Ou por que não um crucifixo de cem quilômetros na órbita da Terra Certamente Deus seria capaz de fazer isso Certo É claro não criou o Universo Uma coisinha simples como colocar um crucifixo na órbita da Terra Perfeitamente possível Por que Deus não faz esse tipo de coisa Ou em outras palavras por que Deus seria tão claro na Bíblia e tão obscuro no mundo SAGAN 2008 p 187 O que temos é a afirmação de que um ser humano Jesus de Nazaré é também espantosamente o Filho único e divino de Deus que existiu desde toda a eternidade Além disso esse homem morreu o que não é invulgar mas depois decorridos três dias ressuscitou dos mortos o que é muitíssimo invulgar Mais ainda é por meio do seu sofrimento morte e ressurreição expiadores que nos justificamos que os nossos pecados são perdoados e que podemos ter vida e têla em abundância Estas são alegações pesadas e o mero fato de alguns autores antigos acreditarem nelas seria decerto insuficiente para uma convicção sensata da nossa parte PLANTINGA 2018a p 281 Grifo do autor 38 Modelo AquinoCalvino Estendido CONECTAR Nesse caso a acusação de Sagan é que uma alegação extraordinária como a de que Jesus ressuscitou dos mortos exigiria um modo extraordinário de saber sobre ela pois não estamos aqui a tratar de algo que se harmonize facilmente com nossa experiência cognitiva comum Não é como se pudéssemos analisar se Jesus ressuscitou dos mortos da mesma forma que podemos analisar se houve uma guerra na antiguidade ou sobre a extensão de domínio de um determinado império Para colocar nos termos de Plantinga Reflita sobre o desafio de Plantinga como alguém poderia saber que tais crenças mais específicas sobre o cristianismo são verdadeiras Seria possível saber sobre elas independentemente da revelação de Deus PARA REFLETIR Modelo AquinoCalvino Estendido 39 CRESCER O Modelo AC estendido de Alvin Plantinga busca apresentar como o teísta cristão pode sustentar de modo garantido suas crenças no cristianismo Para isso ele retém todas as características do Modelo AC tais como o sensus divinitatis e a basicidade da crença em Deus A essência do Modelo AC estendido começa com a ideia de que Deus criou o ser humano à sua imagem Um aspecto crucial aqui é que no Modelo AC estendido somos parecidos com Deus pelo fato de sermos pessoas isto é sermos seres que têm intelecto e vontade consciência e afeições propósitos para agir intencionalmente e que podem agir Plantinga entende que por sermos a imago dei uma parte importante de termos sido criados desse modo consiste em nos assemelharmos a Deus na capacidade de conhecer temos crença e entendimento Plantinga 2018a p 220 chama tal pacote que os seres humanos portam em si de imagem geral de Deus O Modelo AC estendido postula que de acordo com a criação original os seres humanos exibiam também uma imagem restrita como parte de sua constituição tinham conhecimento extenso e íntimo de Deus e afetos sãos incluindo a gratidão pela bondade de Deus PLANTINGA 2018a p 220 Mais especificamente os seres humanos possuíam seus amores de modo ordenado amavam e conheciam a Deus acima de tudo bem como amavam o próximo como a si mesmo amavam e odiavam o que era respectivamente amável e odiável Contudo quando olhamos ao redor parece que estamos no meio de uma grande confusão e de uma rebelião violenta O Modelo AC estendido de Plantinga acrescenta que os seres humanos caíram em pecado pois a visão de mundo cristã não para no ensino de que Deus criou o mundo e o ser humano Algo mais aconteceu e esse algo é o que a teologia cristã chama de queda No modelo o homem decidiu se alienar de Deus ocasionando consequências afetivas e cognitivas desastrosas Em termos afetivos o pecado distorceu completamente nossas afeições de modo que o coração humano abrigaria um mal profundo e radical agora tendemos a amar a nós mesmos acima de tudo em vez de amar a Deus sobre todas as coisas Em termos cognitivos nosso conhecimento original de Deus foi severamente comprometido O sensus divinitatis foi danificado e deformado de tal modo que não conhecemos Deus de modo natural e não conhecemos uns aos outros e o mundo que nos rodeia como era postulado em nossa constituição original Há além disso uma resistência tanto afetiva quanto cognitiva ao que ainda sobrou dos produtos do sensus divinitatis Por isso há algo importante no Modelo AC estendido que é enfatizado por Plantinga as crenças cristãs não são apenas produzidas por qualquer equipamento cognitivo natural como a percepção ou a memória nem mesmo através da faculdade original que forma em nós a crença em Deus como o sensus divinitatis Ao contrário surgem antes pela obra do Espírito Santo que nos faz aceitar essas verdades grandiosas do evangelho e causa em nós essas crenças PLANTINGA 2018a p 259 Mais precisamente a garantia das crenças do Modelo AC estendido são frutos não apenas da operação original dos nossos poderes epistêmicos mas também da operação sobrenatural de Deus É preciso este tipo de intervenção externa a fim de nos curar das consequências catastróficas do pecado sobre nossa vida cognitiva e afetiva no que diz respeito à crença em Deus No modelo de Plantinga o ser humano caiu em pecado mas ele não ficou nessa condição deplorável Incapazes pelos nossos próprios esforços de nos libertamos dessa difícil situação Deus instituiu um plano de salvação através da vida morte e ressurreição de Jesus Cristo A salvação envolve entre outras coisas novo nascimento e regeneração processo que envolve a restauração e reparação da imagem divina em nós Essa é a narrativa 40 encontrada no cristianismo puro e simples de C S Lewis 2017a e nos grandes credos cristãos Contudo como um cristão sabe dessas coisas Como ele pode ser garantido em acreditar nisso Para Plantinga Deus instituiu também um processo cognitivo em três níveis pela fé pelas Escrituras e pela instigação interna do Espírito Santo É por meio destas três fontes de conhecimento que um teísta reconhece as verdades centrais do cristianismo tais como Cristo morreu pelos nossos pecados Tais conhecimentos não surgem apenas por meio da operação normal de nossas faculdades naturais elas são uma dádiva sobrenatural PLANTINGA 2018a p 259 Vamos analisar de modo mais detalhado como se dá esse processo no Modelo AC estendido Efeitos do pecado Plantinga pensa que há disposições psicológicas e morais que impedem o funcionamento apropriado de nossas faculdades cognitivas Quando uma crença é formada por causa de uma disfunção cognitiva por mais que esteja propagada entre os seres humanos o equipamento cognitivo não está funcionando corretamente isto é não está funcionando da maneira que deveria funcionar E isso aconteceu com o sensus divinitatis No Modelo AC estendido o pecado original compromete o intelecto e a vontade tendo por isso tanto efeitos cognitivos quanto afetivos Ele traz vários tipos de limitações e distúrbios de natureza cognitiva como cegueira embotamento e estupidez Plantinga 2018a p 222 interpreta que a falta de conhecimento que as pessoas têm de Deus e dos seus atributos faz parte de uma dessas deficiências cognitivas Tratase de uma limitação cognitiva que antes de mais nada impede a vítima de ter um conhecimento apropriado de Deus da sua beleza glória e amor Ao mesmo tempo o pecado também traz disfunções afetivas em que amamos o que não deve ser amado e odiamos o que não deve ser odiado De acordo com o Modelo AC estendido o pecado afeta nosso conhecimento geral mas os efeitos noéticos do pecado têm mais peso com respeito ao nosso conhecimento das outras pessoas de nós mesmos e de Deus PLANTINGA 2018a p 228 Mais especificamente a consequência cognitiva mais significativa diz respeito ao nosso desconhecimento de Deus pois não fosse o pecado e os seus efeitos a presença e a glória de Deus seriam tão óbvias e incontroversas para todos nós quanto a presença de outras mentes dos objetos físicos e do passado PLANTINGA 2018a p 229 O pecado danificou o conhecimento de Deus de tal modo que a faculdade cognitiva responsável por gerar tal conhecimento o sensus divinitatis foi severamente lesionada O conhecimento original de Deus e de sua glória foi abafado obscurecido sufocado de modo que temos para com ele preguiça isto é uma espécie de paralisia insensibilidade ou torpor espiritual no que se refere à presença ao amor e às exigências de Deus para conosco Talvez para algumas pessoas o sensus divinitatis não funcione de modo algum para outras pessoas ela pode funcionar parcialmente mas nos afastamos dos seus produtos de modo deliberado ou semideliberado ou talvez ainda o sensus divinitatis pode ficar seriamente comprometido por conta do testemunho isto é as pessoas são criadas para acreditar que o conhecimento natural de Deus que elas possuem é fruto da mera superstição ou como algum tipo de neurose obsessiva ou ainda como uma espécie de ópio do povo O Modelo AC estendido afirma não apenas que nosso conhecimento de Deus foi danificado por causa da lesão ao sensus divinitatis mas que nossos afetos foram desajustados de tal modo que houve um tipo de loucura de vontade no projeto original de Modelo AquinoCalvino Estendido CRESCER Modelo AquinoCalvino Estendido 41 CRESCER Deus para os seres humanos o ser humano foi criado em uma ordem na qual os afetos funcionam bem quando funcionam do modo como deveriam funcionar nesse sentido os afetos do homem estavam ordenados isto é o homem amava devidamente cada coisa da boa criação de Deus de acordo com o grau que lhe era próprio amava Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo colocando os interesses dos outros na frente dos seus mas o pecado subverteu completamente este quadro rompendo com a ordem criada agora os seres humanos tendem a se amar acima de tudo e a não estar mais em harmonia com Deus nem com seus semelhantes tendendo a odiálos ou a reificálos para seus mais diversos fins Neste sentido qualquer garantia que a crença cristã venha a ter precisa reordenar tanto nossas faculdades cognitivas quanto nossos afetos Revelado a nossa mente Plantinga propõe a partir do Modelo AC estendido como Deus poderia informar aos seres humanos em diferentes tempos e lugares sobre o esquema da salvação por ele disponibilizado e sobre as crenças cristãs mais específicas No modelo há um esquema cognitivo de três partes i a produção da Escritura ii a instigação interna do Espírito Santo iii a produção da fé no coração dos crentes cristãos De acordo com Plantinga o objetivo do Modelo AC estendido é defender que o teísta pode ter garantia para acreditar nas principais diretrizes do evangelho cristão ou do plano de Deus pelo qual os seres humanos podem atingir a shalom a partir de um relacionamento correto com o divino Contudo este modelo não afirma que os cristãos estão igualmente garantidos em acreditar em toda e qualquer crença que podem surgir a partir do meio cristão tais como aquelas que envolvem as controvérsias arminianismo versus calvinismo ou criacionismo de terra jovem versus criacionismo evolucionário Para Plantinga o objeto da fé no Modelo AC estendido é todo o magnífico esquema de salvação que Deus concebeu PLANTINGA 2018a p 261 Outro ponto importante é que o cristão pode saber que todo esse esquema se aplica a ele Logo de acordo com o Modelo AC estendido o cristão pode saber tanto sobre as principais diretrizes da doutrina cristã quanto que tal modelo é dirigido e designado a ele No crente a fé é uma atividade sobrenatural do Espírito Santo não de nossas capacidades cognitivas comuns Neste caso haveria sempre os mesmos três processos i há um elemento cognitivo a ser crido ii há uma doutrina específica que é objeto da crença e finalmente iii há a atividade especial do Espírito Santo que nos confirma internamente que tais coisas são verdadeiras Nesse processo Plantinga 2018a p 263 afirma que as crenças que constituem a fé são tipicamente tomadas como básicas isto é não são aceitas por meio de argumentação a partir de outras proposições ou com base evidencial em outras proposições Mais precisamente a ideia de Plantinga é que a crença nas grandes coisas do evangelho não é fruto de uma argumentação histórica ou a partir da base evidencial de outras proposições o crente não reúne uma série de argumentos ou evidências sobre a confiabilidade da Bíblia a partir dos quais ele pode saber que as coisas grandiosas do evangelho são provavelmente verdadeiras Para Plantinga 2018a p 263264 haveria por um lado a apresentação da doutrina cristã central seja através da leitura ou da escuta do evangelho e por outro lado o Espírito Santo forma no crente a convicção ou a instigação de 42 que aquilo que ele está escutando ou lendo é verdadeiro e é uma doutrina divina Haveria assim sempre esse processo dual em que o testemunho das Escrituras e a instigação interna do Espírito Santo trabalhariam como fontes epistêmicas no crente formando de maneira apropriadamente básica e imediata a crença nas grandes coisas do evangelho E com isso a fé é capaz de satisfazer as condições necessárias e suficientes para uma crença ter garantia suficiente para o conhecimento Não é que o crente quer ou deseja meramente acreditar que tais coisas são verdadeiras também não é uma questão de apostar em qualquer sentido pragmático que as grandes coisas do evangelho são de algum modo reais É um tipo de conhecimento seguro e certo que se está a tratar de acordo com o Modelo AC estendido Não há qualquer semelhança seja interna ou externa com um salto no escuro Para a pessoa de fé pelo menos nos seus exemplos paradigmáticos as coisas grandiosas do evangelho são claramente verdadeiras óbvias convincentes Ela se vê convencida tal como no caso de crenças claras de memória ou da crença em verdades elementares da aritmética PLANTINGA 2018a p 275 Mas não haveria algo de errado em considerar como conhecimento algo que escapa aos nossos mecanismos comuns de formação de crença De acordo com o Modelo AC estendido ter fé é ter uma fonte especial de conhecimento que transcende nossos processos cognitivos naturais e comuns fornecido por uma dádiva divina E tal dádiva não deixa de ser conhecimento pelo mero fato de ser divina Pois se o Espírito Santo confirma no meu coração que o cristianismo é verdadeiro por que eu deveria desconfiar de tal experiência e não considerar isso como conhecimento Para Plantinga a crença em Deus foi danificada de tal forma pelo pecado que sem uma atividade especial do Senhor não acreditaríamos PLANTINGA 2018a p 279 Por isso que necessariamente de acordo com o Modelo AC estendido a fé precisa ser uma dádiva especial exigindo a atividade sobrenatural e extraordinária de Deus no crente É preciso algum tipo de ajuda ou auxílio divino algum tipo de renovação cognitiva juntamente com uma recalibragem dos afetos para que o crente possa enxergar a verdade das diretrizes centrais da fé cristã O Espírito Santo forneceria ao crente uma restauração da natureza com a qual a humanidade foi originalmente criada reparando a devastação tanto cognitiva quanto afetiva ocasionada pelo pecado Mais especificamente o Espírito Santo repara o sensus divinitatis permitindo mais uma vez que o crente possa ver a Deus em toda sua beleza e majestade mas agora de modo mais profundo ao contemplar o amor exibido na encarnação e expiação de Cristo por ele Além disso para o tipo de fé exigido pela definição de Plantinga qualquer tipo de argumentação histórica para a verdade do cristianismo por mais impressionante e sofisticada que fosse não são suficientemente fortes para produzir uma crença avalizada de que as linhas principais da doutrina cristã são verdadeiras PLANTINGA 2018a p 281 Selado nos nossos corações No Modelo AC estendido a fé não é um mero assentimento intelectual ou apenas um fenômeno cognitivo A devastação ocasionada pelo pecado não faz apenas com que os seres humanos tenham crenças falsas sobre Deus mas há aqui também uma questão de afetos desordenados A noção de fé que está aqui envolvida comporta duas atividades distintas primeiro há uma atividade cognitiva de crença de que exista tal pessoa como Deus e de que as Modelo AquinoCalvino Estendido CRESCER Modelo AquinoCalvino Estendido 43 CRESCER grandes coisas do evangelho como a crença de que Jesus morreu pelos nossos pecados são verdadeiras Essa é a parte proposicional da fé Como vimos no Modelo AC estendido mesmo com a devastação causada pelo pecado o Espírito Santo restaura o sensus divinitatis para que a pessoa passe a acreditar novamente que existe de fato tal pessoa totalmente boa completamente poderosa e que criou o mundo além disso dentro do Modelo AC estendido a fé envolve principalmente a crença nas diretrizes principais da narrativa cristã aquilo que Jonathan Edwards chamou de as grandes coisas do Evangelho No entanto a fé vai além da mera aceitabilidade intelectual pois ela não é apenas uma atividade cognitiva De acordo com Tiago até mesmo os demônios creem e tremem Tiago 219 A ideia básica aqui é que há mais do que crenças proposicionais envolvidas há também uma questão de compromisso de afetos de amores e de vontades De acordo com o Modelo AC estendido a pessoa de fé não acredita apenas nas afirmações centrais da fé cristã também considera paradigmaticamente o esquema da salvação no seu todo imensamente atraente encantador comovente uma fonte de reverente maravilhamento PLANTINGA 2018a p 302 Dessa forma apesar de os demônios acreditarem em uma dada proposição eles não a veem como algo comovente apaixonante encantador que exiba qualquer tipo de atração afetiva No texto de Tiago haveria uma diferença entre o teísta e o demônio e ela não residiria no conteúdo proposicional mas nas afeições um sente gratidão reverência e amor enquanto o outro sente repulsa ódio e desprezo Há aqui um tópico central para o Modelo AC estendido a saber que o pecado ocasionou não apenas a devastação do sensus divinitatis de modo a distorcer seus produtos mas também de nossos afetos de modo que nossa orientação da vontade ficou desordenada com isso a regeneração permite com que o crente tenha não somente as crenças corretas mas as afeições corretas Plantinga afirma que é o Espírito Santo que renova e redireciona os nossos afetos O Espírito Santo produz um conhecimento no crente ao selar esse conhecimento nos nossos corações contudo produz também as afeições corretas PLANTINGA 2018a p 303 Logo a instigação interna do Espírito Santo sela no coração do crente não apenas a crença de que Deus existe mas também a crença em Deus A conversão é uma questão de redirecionamento de vontade na cura da desordem afetiva ocasionada pelo pecado No Modelo AC estendido Plantinga segue de perto o pensamento de Jonathan Edwards sobre o lugar das afeições religiosas na vida cristã Para Edwards 2018 p 19 Grifos de Edwards a verdadeira religião em grande medida consiste em afeições santas Ter as afeições corretas é uma característica própria daqueles que tem o favor de Deus e a natureza da verdadeira religião O pecado seria uma questão de não ter as afeições corretas ainda que se tenha o conhecimento correto mais precisamente o pecado é mais uma questão de não ter afeição por algo que ser uma questão de deixar de ver algo Por isso em outro trecho Edwards 2018 p 26 afirma em toda parte as Sagradas Escrituras situam a religião principalmente nas afeições tais como o medo a esperança o amor o ódio o desejo a alegria o pesar a gratidão a compaixão e o zelo É importante esclarecer que Edwards 2018 p 184 não considera que a religião verdadeira consiste apenas em afeições pois as afeições santas são calor sem luz Ao contrário sempre decorrem de informações de conhecimento de alguma instrução espiritual que a mente recebe de alguma luz ou conhecimento verdadeiro Contudo o ponto de Edwards é que a crença em Deus não é apenas algo cognitivo como a crença em um conjunto de proposições mas envolve também elementos afetivos que concebem mais aval inclusive ao conhecimento do primeiro tipo É preciso fazer distinção entre o simples entendimento nocional com o qual a mente apenas contempla as coisas pela atividade de uma faculdade especulativa e o sendo do coração com o qual a mente não se limita a especular e contemplar mas também percebe e se compraz Esse tipo de conhecimento pelo qual o homem tem a percepção consciente da atratividade ou da repugnância do dulçor ou da asquerosidade não é do mesmo tipo daquele com que reconhece um triângulo ou um quadrado Um é o conhecimento meramente teórico o outro é sensível e se relaciona não apenas ao intelecto A sede inequívoca desse último é o coração ou alma como ente que não contempla mas também tem inclinação e se agrada ou desagrada Não obstante esse conhecimento também tem natureza de instrução visto que quem provou o doce sabor do mel tem muito mais conhecimento dele do que quem apenas o observou e tocou EDWARDS 2018 p 190 De acordo com o modelo a fé é questão de conhecimento firme e certo revelado à mente e selado no coração A pessoa tem o coração selado conforme o modelo caso existam os tipos corretos de afetos em essência ela ama a Deus acima de tudo e o próximo 44 No Modelo AC estendido a segunda atividade especial do Espírito Santo diz respeito à função afetiva a função de amar ou odiar ser atraído ou considerar repulsivo E como afirma Plantinga 2018a p 302 e 260 o crente a pessoa de fé tem não somente as crenças corretas mas também as afeições corretas ou seja a diferença entre ambos está na orientação da vontade nos afetos como função executiva Contudo Plantinga enfatiza que tal devastação foi causada principalmente na função afetiva da vontade amar ou odiar considerar repulsivo ou atraente e menos na função executiva tomar decisões procurar e evitar vários estados de coisas Mais especificamente mudar nossos afetos não é um estado de coisas que está sob nosso controle direto que podemos mudar por uma mera questão de vontade mas um redirecionamento que só pode ser feito a partir de algum tipo de dom sobrenatural externo No entanto também assim como as crenças as afeições podem ser cultivadas e educadas ainda que só possamos obter um tipo de êxito parcial A afeição como a crença não está sob nosso controle direto por exemplo não posso só porque o quero assumir a atitude correta perante alguém que me fez mal ou me ofendeu No entanto também a afeição de novo como a crença está em alguma medida sob nosso controle indireto podemos educarnos para não sermos tão sensíveis à desconsideração de que somos vítimas passando a vêla e a sentila como algo sem importância Podemos lutar contra o orgulho e o egocentrismo e às vezes obtemos um êxito parcial PLANTINGA 2018a p 319n No Modelo AC estendido Plantinga afirma que esse amor a Deus envolve uma relação entre o eros e a espiritualidade desenvolvida Tem ligação com um certo anseio uma saudade nostálgica que não sabemos bem de quê mas plena de desejos e de aspirações do amante para com o amado há uma forte e poderosa vontade de se estar em união com Deus de ser uno com ele algo que seria análogo ao nosso desejo sexual Esse desejo por Deus seria um desejo apaixonante que faz parte da nossa constituição original é como se os seres humanos fossem criados para percepcionar apreciar deleitarse e desfrutar da grandeza amabilidade doçura e da beleza de Deus Para Plantinga 2016 p 146 esses tipos de anseio desejo eros apontam para algo mais profundo São um sinal ou indício da realidade mais profunda um tipo de amor a Deus do qual agora não temos mais que pistas e indícios Plantinga resume o Modelo AC estendido da seguinte forma Modelo AquinoCalvino Estendido CRESCER assim como a si mesma Há uma relação íntima entre revelar e selar conhecimento e afeto intelecto e vontade na pessoa de fé eles cooperam de modo profundo complexo e íntimo E o amor envolvido é em parte erótico ele envolve o anseio e a aspiração que nos são conhecidos Por último o amor entre os seres humanos homens e mulheres pais e filhos e amigos é sinal ou indício de algo mais profundo o amor humano maduro a Deus por um lado e por outro o amor de Deus manifestado entre os membros da Trindade e no amor de Deus aos filhos PLANTINGA 2016 p 150 Modelo AquinoCalvino Estendido 45 COMPARTILHAR Nesta aula você Percebeu os danos causados pelo pecado no nosso conhecimento natural de Deus e no sensus divinitatis Compreendeu o Modelo AC estendido Analisou por que a crença em Deus precisa ser corretamente calibrada pelo Espírito Santo tanto de uma perspectiva cognitiva quanto afetiva PLANTINGA Alvin Conhecimento e crença cristã Brasília Monergismo 2016 Cap 04 05 e 06 Epistemologia reformista Disponível em httpscriticanaredecomldsepistemologyhtml PARA CRESCER MAIS 46 Epistemologia Reformada Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston módulo 05 Olá O Modelo AC diz respeito apenas à crença de que há tal pessoa como Deus Mas a crença cristã ultrapassa a crença em Deus Por isso Plantinga estendeu o Modelo AC de tal modo que ele se aplique a crenças teístas cristãs mais específicas dentro de uma cosmovisão cristã envolvendo a narrativa cristã da criação queda e redenção Neste módulo vamos ver como os cristãos podem ter suas crenças específicas como a de que Jesus ressuscitou dos mortos ou de que Cristo morreu pelos nossos pecados formadas de modo garantido Para isso veremos que o conhecimento destas coisas envolve não apenas ter nosso aspecto cognitivo correto mas também ter os afetos devidamente calibrados Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Perceber os danos causados pelo pecado no nosso conhecimento natural de Deus e no sensus divinitatis Compreender o Modelo AC estendido Analisar por que a crença em Deus precisa ser corretamente calibrada pelo Espírito Santo tanto de uma perspectiva cognitiva quanto afetiva Bons estudos 47 CONECTAR Santa Tereza dÁvila foi uma freira carmelita que viveu no século XVI em Ávila na Espanha Ela se tornou uma proeminente teóloga da vida contemplativa ganhando a raríssima distinção de ser declarada pela Igreja Católica como Doutora da Igreja Contudo ela ficou conhecida principalmente por sua busca pela santidade e por dedicar grande parte de sua vida à oração Isso permitiu com que Santa Tereza dÁvila tivesse algumas experiências religiosas mais intensas Em O livro da Vida considerado uma obraprima da literatura espanhola Santa Tereza dÁvila relatou por várias vezes que em oração sentia de forma imediata a presença de Deus Mais precisamente ela relatava que tinha uma consciência experiencial e direita de Deus de modo que parecia claramente que Deus estava ali presente Em uma dessas situações enquanto estava orando ela relata o seguinte Apesar de um pouco extensa há várias coisas interessantes nessa citação Quando estava em oração Santa Tereza dÁvila afirma que percebeu Cristo próximo dela mais precisamente ao seu lado Não é como se ela estivesse tendo uma visão de Cristo ou pensando de forma intensa em Cristo ela afirma claramente que não foi uma visão com os olhos do corpo O Senhor estava se apresentando claramente a ela a sua consciência O interessante é que ela afirma que sequer sabia que seria possível haver tal coisa como sentir Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston Estando em um dia do glorioso são Pedro em oração vi junto a mim ou senti melhor dizendo pois com os olhos do corpo nem com os da alma eu não vi nada mas pareceume que estava junto a mim Cristo e via ser Ele quem falava comigo me parecia Eu como andava ignorantíssima de que podia haver semelhante visão deume grande medo no começo e não fazia nada além de chorar ainda que dizendome uma só palavra para assegurarme ficava como costumava calma e com alegria e sem nenhum temor Pareciame que andava sempre a meu lado Jesus Cristo e como não era visão com imagens não via de que forma Mas parecia estar sempre do meu lado direito sentia muito claramente e que era testemunha de tudo o que eu fazia e que em nenhuma vez que eu me recolhia um pouco ou não estivesse muito distraída podia ignorar que estava junto de mim Porque se digo que nem com os olhos do corpo nem com os da alma o vejo porque não é uma visão por imagens como sei e afirmo que está junto de mim com mais clareza do que se o visse Porque dizer que parece uma pessoa que está no escuro que não vê a outra que está junto a ela ou se for cega não vai bem Alguma semelhança tem mas não muita porque nesse caso sentese com os sentidos ou a ouve falar ou se mexer ou a toca Aqui não há nada disso nem se vê escuridão mas se apresenta para a alma por uma noção mais clara do que o sol Não digo que se veja sol nem claridade mas sim uma luz que sem ver luz ilumina a inteligência para que a alma goze de tão grande bem Traz consigo grandes bens TEREZA DÁVILA 2010 cap 27 a presença de Deus dessa forma andava ignorantíssima de que podia haver semelhante visão Uma das coisas mais importantes nessa citação é que Jesus pareceu tão claramente a ela parecia tão óbvio que Ele estava ao seu lado que ela não tinha nenhuma dúvida sobre isso Era um tipo de conhecimento que se apresentou para ela mais claro que a luz do sol Em outra ocasião ela afirmou de modo mais impressionante Aconteceume uma ignorância no princípio pois não sabia que Deus estava em todas as coisas E como me parecia estar tão presente pareciame impossível Deixar de acreditar que estava ali eu não podia por me parecer que havia percebido quase com clareza estar ali sua presença própria Os que não tinham erudição me diziam que Ele estava só por meio da graça Eu não podia acreditar porque como disse parecia estar presente e assim ficava aflita TEREZA DÁVILA 2010 cap 18 48 Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston CONECTAR Essa citação é ainda mais significativa nesse caso Deus se apresentou a ela em um momento em que ela não buscou e de modo que ela não conseguia pensar de outra forma O caso aqui não envolve um esforço ou uma ação proposital É como a percepção de que você está vendo essa apostila na sua frente feche os olhos e ao abrir procure não ver a apostila Você não vai conseguir porque a experiência da percepção neste caso se impõe a você Santa Tereza dÁvila afirmou algo similar sobre a presença de Cristo naquele momento deixar de acreditar que estava ali eu não podia É como se o Senhor estivesse se apresentando à consciência dela de modo similar a como os objetos físicos se apresentam a nossa consciência Pense por um momento na experiência de Santa Tereza dÁvila ou pense em outras situações algumas pessoas alegam que sentiram Deus falando com elas no culto ou enquanto elas estavam orando Será que é racional acreditar nestas experiências religiosas PARA REFLETIR Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston 49 CRESCER sentido que o Espírito Santo está ao seu lado naquele momento Ou pense na experiência maravilhosa do caminho daqueles dois discípulos registrada no final do Evangelho de Lucas no caminho de Emaús e disseram um para o outro Porventura não ardia em nós o nosso coração quando pelo caminho nos falava e quando nos abria as Escrituras Lucas 2432 Há nos dois casos um forte senso da presença divina uma consciência de que Deus está presente e que está próximo dos sujeitos O que nos interessa aqui é o seguinte seria racional acreditar nestas experiências Caso eu sinta de forma poderosa a presença de Deus em oração seria racional acreditar que este é o caso isto é Deus realmente está presente ali comigo De início há uma dificuldade inicial aqui dado nosso contexto cético sobre experiências religiosas Pois parece muitas vezes que não é racionalmente correto formar a crença em Deus com base em tais experiências místicas ou religiosas Um exemplo desse ceticismo pode ser visto no ateu Richard Dawkins 2007 p 125 você diz que sentiu Deus diretamente Bem tem gente que sentiu um elefante corderosa mas isso provavelmente não vai impressionálo Assim suponha que o pentecostal ou Santa Tereza dÁvila afirmem que sua crença em Deus tem garantia pois eles tiveram experiências que descreveriam como sentido a presença de Deus Para Dawkins é muito claro que nem Santa Tereza dÁvila nem o pentecostal podem tratar tais experiências da presença de Deus como algum tipo de evidência ou forma de justificar que realmente eles falaram com Deus Para isso seria preciso de algum modo provar que tais experiências religiosas são legítimas provas que frisese devem estar fora da mente do crente e sejam publicamente acessíveis A experiência de Santa Tereza dÁvila pode se enquadrar naquilo que os filósofos da religião chamam de percepção mística de Deus Esse é um caso em que Deus parece se apresentar para alguém e tal pessoa forma uma consciência imediata da presença divina em virtude dessa experiência Por isso ela passa a acreditar que realmente Deus estava ao seu lado ou se apresentou a ela com base nessa experiência Pense em um pentecostal orando no culto e No entanto o filósofo William Alston pensa que esse não precisa ser o caso Ele escreveu uma das mais importantes obras do século XX dentro da filosofia da religião chamada Percebendo Deus a experiência religiosa justificada A proposta de Alston faz parte da Epistemologia Reformada isto é tese que afirma que a crença em Deus pode ser racionalmente aceitável mesmo na ausência de argumentos ou evidências em favor da existência de Deus Para Alston o teísta pode estar epistemicamente justificado em manter crenças acerca de Deus com base em experiências como as descritas anteriormente Alston chama tais experiências de prática doxástica perceptual mística cristã PMC A PMC se concentra em situações nas quais 50 Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston CRESCER Deus é relatado como aparecendo ou se apresentando de forma direta com uma dada característica Deus seria percebido como objeto da experiência de tais pessoas É claro que quando se afirma que Deus é objeto da experiência não se está a tratar Deus como qualquer objeto Para Alston 2020 p 65 dizer que Deus é o objeto de alguma experiência implica somente que algumas pessoas às vezes o experimentam ou estão experencialmente conscientes dele ou que ele às vezes se apresenta à nossa experiência Neste caso o trabalho de Alston foi afirmar que as pessoas que passam por tais experiências podem estar epistemicamente justificadas em manter crenças acerca de Deus por percebêlo como sendo ou fazendo algo A Teoria da Aparição Santa Tereza dÁvila afirmou que de algum modo percebeu Deus Mas o que significa perceber Para responder a essa pergunta Alston 2020 p 100 recorre à chamada Teoria da Aparição S perceber X é simplesmente X aparecer para S de determinado modo A comparação aqui pode se dar com nossa percepção sensorial A definição de Alston 2020 p 73 Grifos do autor de consciência perceptual faz referência a algo ou assim parece para o sujeito que se apresenta para a consciência dele como assim ou assado Neste caso para que uma experiência seja reconhecida como perceptual é preciso que ela tenha duas caraterísticas Em primeiro lugar quando percebemos algo o objeto da nossa percepção se apresenta ou se impõe a nós independentemente dos nossos esforços como algo que não podemos evitar perceber Mais especificamente eu não escolho acreditar que há tal apostila nas minhas mãos simplesmente me deparo crendo não é algo que depende de mim ou dos meus esforços E por mais que eu queria não consigo evitar formar tal crença Em segundo lugar há uma consciência imediata do objeto por parte do sujeito que percebe chamada por Alston de consciência direta Mais precisamente o sujeito apreende o objeto de um modo direto é diferente de lembrar pensar ou raciocinar a respeito dele Alston fornece um exemplo para ficar mais claro Para ver como isso é possível vamos dividir a ideia de Alston em três partes diferentes Primeiro vamos ver a descrição filosófica que Alston faz da teoria da percepção pois se Santa Tereza dÁvila afirmou que percebeu Deus é importante saber em primeiro lugar o que significa perceber Em seguida iremos ver como Alston pensa que nossas crenças perceptivas se justificam epistemicamente como podemos estar justificados em acreditar no que vemos Por fim veremos a aplicação de Alston de tais teorias aos fenômenos de percepção mística ou seja veremos como Alston faz defesa das teses de que há de fato um tipo de percepção que tem Deus como referente e de que essas percepções podem servir para fundamentar racionalmente a crença de que Deus existe Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston 51 CRESCER 2020 p 78 Podese até duvidar dado outras razões de que não era Cristo que estava ali contudo não parece nenhum pouco razoável duvidar de que a experiência foi dada como perceptiva De acordo com Alston Deus pode aparecer diretamente e de maneira não sensorial para a experiência de alguém além disso não existem restrições a priori ou empíricas que impossibilitem a percepção mística Por exemplo algumas pessoas podem afirmar que não é possível Deus se apresentar desse modo a alguém Podese pensar que Deus é grande demais de modo que não faz sentido falar em alguém perceber a Deus Além do mais como se dá essa percepção Como Deus trabalha O que ele faz Alston lembra que não precisamos saber exatamente o modo como percebemos a Deus para que estejamos justificados do mesmo modo que não precisamos saber como funciona nossa percepção para que estejamos justificados em acreditar nos dados dos nossos sentidos O conhecimento de que se esteja percebendo certos objetos é compatível com uma ampla ignorância acerca de como isso é causado ALSTON 2020 p 107 Além O cético pode tentar argumentar que Santa Tereza dÁvila se enganou Talvez ela pensou que tivesse tido tal experiência perceptiva que tivesse percebido Cristo ao seu lado que tivesse sentido o que sentiu Talvez ela foi meramente tomada por uma forte convicção extrema ou ela teve uma outra experiência que confundiu com a experiência de Deus Talvez tudo isso seja possível mas como questiona Alston quem está em posição melhor para determinar se uma pessoa teve realmente tal experiência perceptiva como a de Deus se apresentando para ela do que ela mesma Precisaríamos de fortes razões para anular o relato confiante do sujeito acerca do caráter de sua experiência E onde poderíamos encontrar tais razões ALSTON Por isso que há uma proximidade aqui entre a percepção mística e a percepção sensorial Pois as experiências místicas que vimos acima parecem ser perceptuais lembrese de que Santa Tereza dÁvila por exemplo relatou que estava consciente da presença de Deus de forma que independia de seus esforços deixar de acreditar que estava ali eu não podia além disso ela alegou ter tido uma consciência imediata de Deus algo completamente diferente de atividades como pensar argumentar ou lembrar de Deus mas pareceume que estava junto a mim Cristo e via ser Ele quem falava comigo me parecia Neste caso Alston 2020 p 77 Grifos do autor afirma que algo quer dizer Deus foi apresentado ou dado à consciência dele no mesmo modo genericamente em que objetos no meio ambiente são aparentemente apresentados para a consciência na percepção sensorial Quando fico em frente à minha escrivaninha com meus olhos fechados e então os abro a diferença mais marcante em minha consciência é que itens dos quais antes apenas pensava ou me lembrava se estou cônscio deles de algum modo estão agora presentes para mim eles ocupam espaço em meu campo visual Eles são dados a minha consciência em um modo que contrata fortemente com algo que possa fazer por meus próprios meios para formálos na imaginação memória ou pensamento abstrato ALSTON 2020 p 73 52 Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston CRESCER disso mesmo que Deus seja infinito é claramente possível que Deus possa ser percebido Aqueles que afirmam que não se pode perceber Deus dada sua grandeza esquecemse de que não precisamos perceber a totalidade de uma coisa para percebêla O objeto percebido não tem que literalmente passar a residir dentro de minha cabeça mente ou experiência a fim de que eu possa percebêlo ALSTON 2020 p 107 Mesmo que só captemos o ser de Deus de um modo imperfeito e adaptado a nossas limitações isso não significa que seja impossível ter alguma percepção de Deus Poderia haver aqui também uma objeção teológica Pois não é verdade que ninguém jamais viu a Deus I Jo 412 É verdade que as Escrituras afirmam isso categoricamente mas este texto não nega a possibilidade de uma apresentação não sensorial de Deus do tipo relatado mais acima por Santa Tereza dÁvila Se formos tomar tal texto literalmente o que é dito é que ninguém viu a Deus e nossa fonte não afirma ter visto Deus mas percebido ele Além disso Alston 2020 p 112 oferece também uma razão teológica para levar a sério tais experiências há uma forte ênfase na doutrina cristã e no pensamento cristão na ideia de que ele Deus nos criou para a comunhão amorosa consigo mesmo Neste caso a comunhão amorosa entre Deus e o homem possibilita que por meio de sua graça cada lado seja capaz de perceber o outro de modo que Deus se faça assim perceptível por suas criaturas caso contrário dificilmente isso poderia ser chamado de comunhão amorosa Assim uma vez que é possível perceber a Deus podese pensar a experiência religiosa em termos de uma teoria da percepção O que devemos agora perguntar é o seguinte será que tais experiências provêm justificação racional para tais crenças Mais precisamente como nossas crenças perceptuais se justificam racionalmente Esse é o tema do próximo tópico Justificação das Crenças Perceptuais Será que nossas crenças perpetuais estão justificadas Será que podemos racionalmente confiar naquilo que podemos ver ouvir sentir e tocar Em primeiro lugar precisamos nos perguntar o que é estar racionalmente ou epistemicamente justificado De acordo com Alston 2020 p 128129 Grifos do autor a fim de que eu acredite justificadamente que p é necessário não apenas que eu tenha uma base adequada mas que minha crença se baseie naquele fundamento que seja mantido por causa dele Ou seja para uma crença qualquer estar justificada é preciso que eu tenha uma base adequada Mas o que é preciso para tal base Para Alston 2020 p 128 a base de uma crença será o bastante para justificála apenas se ela for suficientemente indicativa da verdade da crença Mais precisamente a ideia de Alston é que eu estou justificado em acreditar em algo eg nas minhas crenças perceptuais caso eu tenha uma base ou um fundamento adequado para crer que tais crenças são verdadeiras Nesse sentido tratase de uma questão de grau pois se pode estar mais ou menos justificado em crer que uma dada crença é verdadeira Aqui é importante fazer uma distinção sutil que Alston faz Há uma diferença entre a atividade de justificação e o estado de justificação Enquanto justificar uma crença é ordenar considerações em seu apoio para estar justificado em acreditar que p não é necessário que eu tenha produzido qualquer coisa ao modo de um argumento em favor de p ou a favor da minha situação epistêmica em relação Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston 53 CRESCER A ideia de Alston aqui é que alguém pode estar justificado de modo imediato direito sem que isso seja resultado de uma atividade inferencial ou argumentativa de fundamentação Por exemplo olho para fora da minha janela e vejo uma árvore Automaticamente formo a crença vejo uma árvore Neste caso eu estou justificado em acreditar que vejo uma árvore ainda que eu não tenha uma razão explícita em forma de um argumento ou de uma evidência para defender tal crença Por outro lado Alston também pensa que alguém pode estar justificado de modo mediado indireto por meio do estado de justificação isto é a atividade de justificação que é sempre resultado de uma iniciativa consciente do sujeito epistêmico Por exemplo o que estamos fazendo neste módulo ao refletir sobre como como nossas crenças perpetuais podem estar justificadas diz respeito ao estado de justificação Essa é geralmente a atividade típica dos filósofos Mas perceba que você não precisa do estado de justificação isto é você não precisa construir uma justificação teórica para estar justificado em acreditar no que percebe Você pode estar justificado ao simplesmente ter a experiência visual de que vê uma árvore Na verdade poucas das nossas crenças estão justificadas de modo mediado Outra distinção importante é entre justificação prima facie e justificação incondicional Algo está justificado prima facie quando sua justificação é imediata evidente sem que seja preciso um exame melhor Contudo isso não significa que a justificação da crença não possa ser anulada pois pode ser possível apresentar anuladores para a crença Olho para fora da minha janela e vejo uma árvore ao formar a crença vejo uma árvore minha justificação para tal crença é prima facie Contudo é possível que alguém me mostre que eu não estou realmente vendo uma árvore talvez eu tenha sido vítima de um delírio ou de uma ilusão talvez eu esteja vendo um holograma Se uma crença é justificada prima facie não significa que ela é justificada de modo incondicional No nosso caso como nossas crenças perceptuais se justificam Geralmente não precisamos construir uma justificação teórica para estarmos justificados em nossas crenças perpetuais Quando eu percebo algo aquela experiência já contribui para a justificação da minha crença Neste caso Alston 2020 p 135 afirma que qualquer justificação simples de crenças perceptuais é apenas prima facie Seguese daí que podemos estar justificados em acreditar em nossas crenças perceptuais prima facie ou seja até que se mostre que tal crença não é justificada Se eu vejo uma árvore tal crença deve ser aceita como verdadeira independentemente de qualquer investigação posterior prima facie até que alguém me mostre motivos para eu duvidar da minha experiência Assim a atividade consciente de justificação só entra em cena quando nosso estado de justificação é posto em dúvida ou é desafiado de alguma maneira Mas será que a percepção é uma base adequada para formarmos crenças sobre o mundo exterior Há um desafio significativo na resposta a esta pergunta pois não é possível respondêla sem cair no problema da circularidade Grosso modo a ideia de Alston 2020 p 227 é que não somos capazes de dar uma demonstração não circular ou mesmo um forte argumento de apoio para a confiabilidade da Percepção Sensorial Ou seja para determinar se a maioria das crenças formadas a partir da percepção sensorial é confiável precisamos de algum modo contar com a própria percepção sensorial Mais precisamente é preciso usar a própria percepção sensorial como fonte das nossas premissas desse modo já assumindo que ela é confiável E isso é algo que não podemos evitar com relação as a p A menos que eu esteja fundamentado em muitas crenças sem defendêlas há muito pouco que eu acredite justificadamente ALSTON 2020 p 123 Grifos do autor Um sistema ou constelação de disposições ou hábitos ou para usar uma expressão da moda mecanismos cada um dos quais produz uma crença como resultado é que é relatado de certa maneira a uma dada entrada Percepção sensorial por exemplo é uma constelação de hábitos de formas crenças de certos modos com base em dados de entrada que consistem de experiências sensíveis ALSTON 2020 p 241 Dado que vamos inevitavelmente cair em circularidade epistêmica em certos pontos em qualquer tentativa de prover argumentos diretos para a confiabilidade de uma ou outra prática doxástica deveríamos tirar a conclusão de que não há recurso além das práticas que encontramos firmemente estabelecidas do ponto de vista psicológico e social Não podemos examinar qualquer problema sempre empregar algum modo de formar e avaliar crenças Assim não estamos em posição de ir além ou por trás de nossas práticas familiares e criticálas desde aquela posição mais profunda ou mais objetiva Nossa situação cognitiva humana não o permite ALSTON 2020 p 235236 Ao refletir sobre nossa situação quais considerações estão disponíveis para nós o que podemos saber como podemos provar e quais alternativas estão abertas para nós assim nos damos conta de que estamos procedendo racionalmente ao formar e avaliar crenças de maneira que estão estabelecidas em nossa sociedade e estão firmemente incrustadas em nossas psiques ALSTON 2020 p 261 54 Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston CRESCER nossas fontes de conhecimento Para analisar se sua memória é confiável você precisaria contar com a própria memória para analisar se sua razão é confiável você precisaria contar com a própria razão Para Alston 2020 p 169 não se pode mostrar de modo não circular que qualquer de nossas práticas doxásticas básicas de formação de crenças incluindo introspecção memória e raciocínio de vários tipos que elas sejam confiáveis Assim Alston pensa que uma vez que não temos como evitar formar crenças a partir da percepção sensorial a percepção sensorial deve ser avaliada com base em critérios determinados por ela mesma Ou seja precisamos da percepção sensorial para avaliarmos se ela produz crenças falsas demais a ponto de se tornar inconfiável A percepção sensorial faz parte do que Alston chama de prática doxástica Assim uma prática doxástica diz respeito a uma maneira de formar crenças como resultados de certas fontes tais como percepção sensorial o testemunho a memória e o raciocínio Neste caso o problema de saber se uma certa crença perceptual é justificada se torna o problema de se a prática doxástica correspondente é capaz de gerar crenças verdadeiras Quanto mais pudermos confiar no mecanismo de geração de crenças de uma prática doxástica mais adequada será nossa base para acreditar que tais crenças são verdadeiras E para responder se ela é confiável precisamos nos engajar com ela Alston pensa que nossas práticas doxásticas mais bemestabelecidas do ponto de vista social e psicológicos como a percepção sensorial a memória entre outras merecem ser consideradas como algo com que podemos nos engajar e aceitar como prima facie justificadas Nas palavras de Alston Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston 55 CRESCER Alston postula que as práticas doxásticas são autônomas e plurais Mais precisamente cada prática possui sua própria estrutura interna e modo de funcionamento ao mesmo tempo que não é correto submeter o modo de estrutura de uma prática a outra Ou seja a percepção sensorial tem seu próprio modo de funcionamento E não é correto julgar a percepção pelos mesmos critérios que empregamos para julgar outras práticas como a memória o método científico entre outros De acordo com ele há tal coisa como racionalidade prática isto é como não temos outra alternativa válida é racional o envolvimento com qualquer prática doxástica socialmente estabelecida desde que não haja razão suficiente para encarála como inconfiável Mas não correríamos o perigo de um vale tudo Ou seja se postularmos que a percepção deve ser avaliada conforme seus próprios critérios pois não há um pano de fundo neutro e comum para julgála isso não implica que outras práticas doxásticas de formação de crença como bola de cristal ou astrologia vão recorrer ao mesmo tipo de privilégio Para Alston a resposta é não pois é possível estabelecer alguns critérios que ao nos engajarmos podemos avaliar a confiabilidade de uma determinada prática Uma delas é a consistência interna se duas crenças perceptuais se contradizem ao menos uma delas é falsa ALSTON 2020 p 264 Assim se duas pessoas estão olhando o mesmo objeto e elas discordam sobre o que estão vendo é possível que no mínimo uma delas esteja enganada Outro critério importante é uma inconsistência com outras práticas bemestabelecidas uma inconsistência de grandes proporções e persistente entre os resultados de duas práticas é uma boa razão para encarar ao menos uma delas como inconfiável ALSTON 2020 p 266 Assim se a percepção contradiz a memória pode ser que a percepção ou a memória esteja nos pregando uma peça De todo modo o que temos aqui é uma análise coerentista ou seja uma prática será prima face confiável enquanto não se mostrar que ela tem inconsistências internas demais e enquanto não contradizer em demasia outras práticas mais arraigadas mais universais e menos sujeitas à crítica teórica Além disso há formas de autoapoio significativo que podem ajudar a mostrar que a prática doxástica em questão pode ter sua justificação reforçada Por exemplo quando nos engajamos na percepção nos tornamos capazes de fazer predições e controlar o curso de eventos somos também capazes de estabelecer fatos sobre a própria percepção que a descreveria como uma fonte confiável entendendo seu funcionamento Alston 2020 p 270271 postula que esse autoapoio significativo funciona como um modo de reforçar a postulação prima facie de uma prática doxástica de um tipo de racionalidade prática em vez de ser algo que confira probabilidade a uma postura de confiabilidade Assim a prática doxástica que produz a crença só é possível de ser justificada em termos práticos Dados os três critérios anteriores temos boas razões práticas para confiar em tal mecanismo gerador de crenças E uma vez que temos razão práticas para pensar ser razoável confiar na percepção sensorial para formarmos nossas crenças sobre o mundo físico temos uma justificação epistemológica para as crenças perceptivas sensoriais Seguese daí que se a prática doxástica não formar crenças inconsistentes entre si em demasia ou inconsistentes com outras práticas bemestabelecidas o fato de que nos parece ser inevitável formar crenças do modo como ela prescreve faz com que sejamos incoerentes ao considerála inconfiável até que se prove o contrário E isso exclui o perigo do relativismo pois as práticas doxásticas inconsistentes ou que contradizem outras práticas mais bemestabelecidas podem ser descartadas Uma vez que todas as práticas formam crenças acerca de um mesmo mundo seguese que há práticas mais confiáveis por serem mais 56 Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston CRESCER Nos engajamos racionalmente em PMC uma vez que ela é uma prática doxástica socialmente estabelecida que não é demonstrativamente inconfiável ou de outro modo desqualificada para aceitação racional Isso significa que é racional prima facie encarála como confiável o suficiente para ser uma fonte de justificação desse tipo para as crenças que ela engendra Se além disso ela não é desacreditada por se mostrar que é inconfiável ou deficiente de algum outro modo que vá anular sua racionalidade prima facie então podemos concluir que seja incondicionalmente racional encarála como suficientemente confiável para usar na formação de crença ALSTON 2020 p 297298 bemestabelecidas e universais que outras No final Alston pensa que uma vez que é racional se comprometer com uma dada prática doxástica de formação de crença é possível ver que isso acarreta a razoabilidade de confiar em tal prática o que é suficiente para a justificação prima facie das crenças geradas através dela Justificação da PMC Como essa discussão de Alston no tópico passado é relevante para a crença em Deus Como vimos Alston investigou como se dá a justificação epistêmica de crenças perceptuais em geral Assim podemos agora compreender o modo pelo qual as pessoas podem ter crenças místicas tais como aquelas descritas no começo deste módulo e como tais crenças podem ser aceitas como prima facie justificadas Há assim uma estrutura argumentativa que Alston segue primeiro destacamse crenças que todos nós consideramos como casos claros de racionalidade e de aceitabilidade intelectual e cuja aceitação é imediata não inferida de um argumento ou evidência Neste caso Alston destacou as crenças perceptivas Em seguida Alston vai demonstrar que a percepção de Deus tal como aquela apresentada por exemplo por Santa Tereza dÁvila segue esse mesmo padrão Logo por uma questão de coerência se nossas crenças perceptuais podem ser aceitas como justificadas nossas crenças místicas formadas a partir de PMC devem também desfrutar prima facie do mesmo privilégio Alston entende que a prática doxástica mística cristã PMC é um mecanismo formador de crenças religiosas a partir de percepções místicas Ela possui características de outras práticas doxásticas Por exemplo as pessoas geralmente aderem a ela bem antes de serem explicitamente conscientes dela Além disso PMC é uma dessas práticas bemestabelecidas pois os cristãos têm formado crenças dessa maneira há vários séculos quase dois milênios e a prática está profundamente enraizada na sociedade e na estrutura psicológica daqueles que se engajam com ela Por isso engajarse em tal prática seria prima facie justificado E enquanto não houver razões adequadas para pensar que o PMC não é confiável as crenças que resultam dessa prática serão prima facie justificadas Os participantes da PMC estão envolvidos em outras práticas com as quais ela interage PMC é transmitida e partilhada socialmente e como vimos no caso de Santa Tereza dÁvila seus participantes afirmam não conseguirem evitar formar crenças a partir das percepções envolvidas nesta prática Assim se se confere confiabilidade prima facie a outras práticas doxásticas com essas características não há por que não dar às práticas doxásticas místicas a mesma Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston 57 CRESCER PMC junto com outras fontes que são extraídas para construir o esquema cristão das coisas tem a função de nos dar uma imagem de Deus de seus propósitos atividades exigências e um plano para nós uma imagem que nos guiará em nossas interações com ele Assim PMC se provaria caso fosse o caso pelo fato de que oferece orientação na tarefa altamente importante de santificação um guia na peregrinação que leva se as coisas forem bem para a comunhão amorosa eterna com Deus Essa é uma longa história Ela envolve uma mudança radical conversão de si mesmo da preocupação com a satisfação de gratificação sensória do conforto prerrogativa Algumas pessoas podem resistir a essa conclusão Podem afirmar que diferentemente da PMC a percepção sensorial conta com distribuição universal e que podemos predizer o que observamos porque ela tem certa regularidade algo que não acontece com PMC Sobre este último ponto Alston 2020 p 333 lembra que como Deus é um ser pessoal não é possível exigir das nossas interações com ele a mesma regularidade que temos nas experiências com objetivos físicos pois o objeto sobre o qual buscamos informações não é regular ou previsível a pessoalidade de Deus implica que ele tem objetivos e intenções ele visa fazer com que determinadas coisas sejam de dada maneira tencionando que as coisas aconteçam da forma que ele quer E apesar de ser possível pensar que a natureza de Deus fornece padrões consistentes a partir dos quais podemos detectar algumas regularidades no agir divino eg Deus perdoa aqueles que se arrependem sinceramente tudo isso está longe de produzir receitas usáveis a respeito do que ele fará em determinadas circunstâncias ALSTON 2020 p 333 Logo Deus não é previsível do mesmo modo e nos mesmos termos que um objeto físico E é possível apresentar uma explicação muito sensata para tal falta de regularidade como Deus é um ser pessoal a revelação de si mesmo não está confinada às regularidades da ordem natural mas a sua vontade Assim dadas as características de Deus presentes no teísmo isso é exatamente o que se deveria esperar dada a natureza dinâmica das relações entre as pessoas e Deus Além disso depreciar PMC porque não é tão universalmente distribuído como nossas crenças perceptivas é uma espécie do que Alston 2020 p 304 chama de imperialismo epistêmico isto é tomar injustificadamente os padrões de uma prática doxástica como normativa para todas Pois há práticas doxásticas que são bemestabelecidas mas que não são universalmente distribuídas Um exemplo claro é aquele da física teórica Deveria então a física teórica ser considerada menos confiável porque nem todas as pessoas se engajam com ela Certamente que não Da mesma forma PMC não é inconfiável pelo mero fato de as pessoas não se engajarem com ela Quem discorda disso está implicitamente assumindo um duplo critério em relação a como julga PMC e como julga a física teórica Do mesmo modo que outras práticas de formação de crença há testes próprios de checagem presentes em PMC chamados por Alston de autoapoio Para ele a prática pode receber um grau de autoapoio pelo modo no qual o desenvolvimento espiritual constitui um cumprimento de promessas que pela prática viemos a acreditar que foram feitas por Deus ALSTON 2020 p 382 Assim um teste principal para PMC é o grau de santificação manifestado na vida daquele que diz ter tido uma percepção mística e o bem sentido por aqueles que desfrutam desse processo seria o autoapoio fornecido pela prática mística cristã ajudando a justificar em termos práticos a confiança manifestada por aqueles que formam crenças com base nela De modo mais detalhado Alston afirma 58 Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston COMPARTILHAR Assim aquele que faz parte da comunidade cristã estaria justificado em basear sua crença na existência de Deus nesse tipo de fenômeno do mesmo modo que a prática doxástica da percepção sensorial dá direito prima facie a quem participa dela de tomar como verdadeiras até prova em contrário as crenças geradas por ela da criatura de se manter em dia com os últimos bens de consumo da moda da própria paz e serenidade do próprio status e reputação e outros fins centrados no eu ela envolve dar as costas a essas coisas e virarse na direção de um objetivo de comunhão amorosa com Deus e o próximo Envolve abandonar nossa própria insistência em controlar nosso próprio destino e nos abrirmos para o Espírito recebendo os frutos deste amor alegria paz e assim por diante como dons gratuitos e não como algo que foi obtido pelo nosso próprio esforço ou nossos méritos Abrange viver na presença de Deus seguindo a vocação que venha a ser dada por ele Inclui nos abrirmos às outras pessoas e amálas na medida de nossa capacidade tal como Deus o faz ALSTON 2020 p 379380 Nesta aula você Entendeu em que consiste a prática doxástica mística cristã Compreendeu a teoria da justificação perceptual de Alston Analisou por que a crença perceptiva de Deus e a crença perceptiva sobre o mundo externo estão em paridade epistêmica ALSTON William Percebendo Deus a experiência religiosa justificada Natal Carisma 2020 Capítulo 05 PARA CRESCER MAIS 59 Papel da Teologia Natural módulo 06 Olá Por teologia natural entendese a prática de examinar filosoficamente a natureza e a existência de Deus utilizando nossos poderes cognitivos comuns e apelando para razões que podem ser encontradas no Universo físico na história ou na mente Essa proposta parece contrastar com a proposta da Epistemologia Reformada tese em que a crença em Deus pode ser racional mesmo sem um argumento teísta bemsucedido Neste módulo vamos ver quais são os limites e o papel da Teologia Natural para os cristãos Além disso vamos revisar rapidamente sobre o que é um bom argumento Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Compreender os dois sentidos de Teologia Natural Analisar o papel e os limites dos argumentos em favor da existência de Deus Revisar o que torna um argumento sólido Bons estudos 60 Papel da Teologia Natural CONECTAR Como vimos nos quatro últimos módulos uma afirmação central feita pela Epistemologia Reformada é que a crença na existência de Deus ou nas verdades centrais do cristianismo pode ser racional mesmo na ausência de qualquer evidência ou argumento Para isso tanto Alvin Plantinga quanto William Alston apresentaram algumas boas razões para pensar que a crença em Deus pode ser intelectualmente apropriada mesmo se não for aceita com base em provas No entanto nem todos se mostraram felizes dentro do arraiá cristão com tais propostas Como vimos no módulo 1 existe dentro da epistemologia da religião uma tese conhecida como evidencialismo esta posição defende que uma crença só pode ser intelectualmente apropriada caso o sujeito reúna argumentos a seu favor Hasker 2006 p 310 afirma que para o evidencialista as crenças religiosas podem ser racionalmente aceitas somente se forem apoiadas pela evidência total de alguém entendida como significando todas as outras proposições que este alguém conhece ou julga serem justificadamente verdadeiras Mais precisamente os evidencialistas afirmam que crenças como Deus existe só são racionalmente justificadas caso haja evidências que possam corroborar em algum nível tal crença além disso Hasker 2006 p 310 também afirma que para o evidencialista o grau de fé de alguém deverá ser proporcional à força do apoio comprobatório HASKER 2006 p 310 Ou seja se há muita evidência em favor de uma crença é apropriadamente racional acreditar nela com um grau elevado de certeza pouca evidência nos deve levar a ser mais cautelosos Um dos mais importantes e populares filósofos cristãos que segue esta perspectiva é Norman Geisler Nesta parte do Conectar vamos descrever de modo mais detalhado a posição de Geisler Como um bom evidencialista ele pensa que a justificação racional da crença teísta é idêntica à questão de haver provas ou evidências em favor da existência de Deus ou seja para saber se a crença no teísmo é racional precisamos consultar as evidências Geisler é adepto da apologética clássica isto é escola apologética que enfatiza argumentos racionais para a existência de Deus e evidência histórica que apóia sic a verdade do cristianismo GEISLER 2002 p 182 Esse tipo de apologética funciona em dois passos primeiro são estabelecidos argumentos válidos para a verdade do teísmo independentemente de qualquer revelação divina para a humanidade eg Escrituras Sagradas em seguida se compila a evidência histórica a fim de se testar as verdades básicas de alguma religião específica eg cristianismo Geisler entende que a religião não é apenas uma questão de fé mas também de fatos E os fatos podem ser avaliados objetivamente Dessa forma as religiões fazem afirmações sobre fatos do mundo e é possível avaliar racionalmente as muitas afirmações que elas fazem por meio da investigação histórica e científica Geisler reconhece que nem todas as afirmações religiosas estão abertas a esse tipo de investigação mas ainda assim a validade de muitas crenças religiosas pode ser verificada GEISLER TUREK 2006 p 24 Papel da Teologia Natural 61 CONECTAR Para Geisler toda crença requer algum grau de fé Um dos livros que ele escreveu com Frank Turek chamase Não tenho fé suficiente para ser ateu na obra ele afirma que alguém que não acredita em Deus precisa de mais fé do que o cristão pois quanto menos provas alguém tem para sua posição mais fé precisa para acreditar nela a fé cobre lacunas do conhecimento E acontece que os ateus têm maiores lacunas no conhecimento porque têm muito menos provas de suas crenças do que os cristãos GEISLER TUREK 2006 p 26 Assim todas as visões de mundo requerem fé além disso de acordo com Geisler é possível chegar a uma conclusão sobre a existência de Deus que seja praticamente correta apesar de não ser absolutamente certa por causa da nossa falibilidade Geisler pensa que as evidências são o meio mais seguro de alguém saber se uma dada crença é verdadeira Nas palavras dele a única maneira de estar razoavelmente certos é testar as crenças por meio das evidências GEISLER TUREK 2006 p 70 e a melhor maneira de descobrir os fatos é utilizar a lógica a evidência e a ciência GEISLER TUREK 2006 p 54 Assim Geisler afirma que para sabermos qual posição é mais racional precisamos perguntar quem tem mais provas de suas conclusões Que conclusão é mais racional GEISLER TUREK 2006 p 26 Para isso ele juntamente com outro apologista cristão Frank Turek segue um padrão tradicional que procura apontar 12 pontos que mostram que o cristianismo é verdadeiro caminhando de maneira lógica partindo da questão da verdade e prosseguindo rumo à conclusão de que a Bíblia é a Palavra de Deus GEISLER TUREK 2006 p 28 Como seres humanos limitados não possuímos o tipo de conhecimento que vai nos dar uma prova absoluta da existência ou não de Deus Fora do conhecimento de nossa própria existência eu sei que existo porque preciso existir para ponderar sobre esse aspecto lidamos no campo da probabilidade Independentemente daquilo que concluímos sobre a existência de Deus é sempre possível que a conclusão oposta seja verdadeira Mas achamos que nossas conclusões são verdadeiras ainda que passíveis de dúvida dizem que esse tipo de certeza de mais de 95 é o melhor que os seres humanos finitos e falíveis podem obter para a maioria das perguntas GEISLER TUREK 2006 p 25 62 Papel da Teologia Natural CONECTAR Norman Geisler faz uma crítica incisiva ao projeto de Alvin Plantinga em manter a crença em Deus como racional mesmo na ausência de evidências e argumentos Para ele a proposta de Plantinga minaria a teologia natural Mas será que essa crítica é bemsucedida Mesmo que a crença em Deus não seja aceita com base em evidências ou argumentos ainda há algum espaço para o papel das evidências ou argumentos dentro da fé cristã PARA REFLETIR A crença teísta pode encontrar garantia se pudermos mostrar de que maneira boas razões e evidências a apoiam através de 12 passos lógicos e concatenados que só poderiam ser rejeitados sob pena de insinceridade ou irracionalidade É verdade que o Deus teísta existe Essa afirmação não é verdade simplesmente porque estamos dizendo que é Ela precisa ser amparada por boas provas por boas razões GEISLER TUREK 2006 p 29 Neste caso a crença em Deus pode ser racional sem um argumento teísta bemsucedido isto é de forma apropriadamente básica não inferencial sem recorrer a provas ou a argumentos Para Geisler a resposta é não pois se verdadeiro isso minaria a teologia natural a necessidade de dar qualquer argumento a favor da existência de Deus e a apologética clássica GEISLER 2002 p 105 Geisler faz uma crítica a Alvin Plantinga por causa da defesa deste último de que a crença em Deus constitui uma crença apropriadamente básica Para Geisler isto é um tipo de fideísmo Plantinga não explora por que coloca sua crença em Deus na categoria de propriamente básica Um incrédulo pode simplesmente pedir suas razões de têla colocado nessa categoria de forma que ele é obrigado a dar uma justificação racional senão estará cometendo petição de princípio GEISLER 2002 p 105 Plantinga simplesmente coloca a crença de que Deus existe entre as fundações do pensamento de forma arbitrária pois ele não justifica seus critérios para colocar uma crença como adequadamente básica E esta não deveria ser a atitude apropriada de alguém que busca acreditar em uma crença racional Papel da Teologia Natural 63 CRESCER Plantinga e Geisler defendem duas teses opostas sobre a avaliação racional da crença teísta Em Plantinga a crença em Deus pode ser racional sem um argumento teísta bemsucedido pois elas podem ser apropriadamente básicas isto é crenças não inferenciais que temos sem recorrer a provas ou a argumentos Em Geisler a crença em Deus só pode ser tida como racional se aceita a partir de alguma boa prova ou argumento em seu favor Qual dos dois filósofos está com a razão Será que uma crença e mais precisamente a crença em Deus só pode ser racionalmente aceitável caso haja tais provas E se a crença em Deus não precisa de provas ou argumentos a fim de ser aceita como racional então tais argumentos servem para quê Antes de avaliar as afirmações dos dois autores convém fazer uma reflexão sobre o conceito de Teologia Natural Teologia Natural Por Teologia Natural entendese a prática de refletir filosoficamente sobre a natureza e a existência de Deus independentemente de qualquer revelação divina ou escritura sagrada O objetivo desse projeto é argumentar em favor da existência de Deus com base em fatos naturais observados empregando apenas nossas capacidades cognitivas comuns A visão mais conhecida sobre a teologia natural é aquela em que seus adeptos colocam entre parênteses seu compromisso com alguma revelação divina e investigam racionalmente questões sobre a existência de Deus ou sobre seus atributos usando como fontes de evidência aquilo que eles compartilham com outras pessoas em virtude de sua humanidade comum eg percepção razão ciência e história Assim tradicionalmente a teologia natural é contrastada com a teologia revelada De acordo com John Hick 1970 p 89 a teologia revelada consiste em verdades que não são acessíveis à razão humana e que só podem ser conhecidas se forem especialmente reveladas por Deus A teologia revelada apela explicitamente para algum tipo de revelação especial tais como milagres escrituras sagradas comentários divinamente inspirados e credos religiosos Exemplos de teologia revelada são as doutrinas da trindade e da expiação Já a teologia natural consiste em todas estas verdades teológicas que podem ser elaboradas pelo intelecto humano sem auxílio HICK 1970 p 89 Exemplo de teologia natural diz respeito à possibilidade de a razão humana apresentar razões de que há tal pessoa como Deus Neste caso adeptos da teologia natural como Richard Swinburne e Norman Geisler fazem uso dos mesmos padrões de investigação racional de outros empreendimentos filosóficos e científicos estando sujeitos aos mesmos métodos de avaliação e crítica Como já vimos Geisler afirma que a melhor maneira de descobrir os fatos é utilizar a lógica a evidência e a ciência GEISLER TUREK 2006 p 54 Richard Swinburne talvez seja o filósofo que fez o uso mais sofisticado deste tipo de metodologia Para Swinburne 2015b p 18 os mesmos critérios que os cientistas usam para chegar a suas próprias teorias nos levam a ir para além daquelas teorias rumo a um Deus criador que sustenta tudo na existência Dada tal definição sobre o conceito de teologia natural não é surpresa que ela seja uma peça importante para os evidencialistas Contudo há outros modelos de se fazer teologia natural Alister McGrath 2019 p 14 enxerga a teologia natural como a investigação sistemática de uma relação proposta entre o mundo cotidiano de nossa experiência e uma realidade transcendente afirmada 64 Papel da Teologia Natural CRESCER Defendemos que se a natureza deve revelar o transcendente ela deve ser percebida ou lida de certas formas específicas formas que não são em si necessariamente ordenadas pela própria natureza Argumentase que a teologia cristã fornece um quadro interpretativo pelo qual a natureza pode ser vista de uma forma que se relaciona com o transcendente Portanto a tarefa da teologia natural é de discernimento ver a natureza de uma forma específica vêla através de óculos únicos e precisos McGrath 2019 p 15 Essa ideia está fundamentada não em uma tentativa de provar a existência de Deus com base na observação da natureza mas na capacidade da cosmovisão cristã de entender o que é observado incluindo a capacidade humana de dar sentido às coisas MCGRATH 2019 p 27 Mais precisamente seu argumento central é que a cosmovisão cristã com sua própria base evidencial e racionalidade intrínseca nos fornece uma perspectiva a partir da qual podemos ver o mundo natural Pois a natureza não impõe uma única proposta de leitura é necessário colocar alguma lente para enxergála de algum modo Para McGrath A redefinição de teologia natural sugerida por McGrath propõe que o entendimento cristão de natureza seja um prérequisito intelectual para a interpretação correta da natureza e não algo que pode ser deduzido do mundo natural Neste sentido a teologia natural é vista como um modo de se engajar com a natureza a partir de uma perspectiva cristã enxergando no mundo criado a verdade beleza e bondade de Deus Esta perspectiva foi influenciada por C S Lewis 2017b p 138 quando afirmou creio no cristianismo assim como creio que o Sol nasceu não apenas porque o vejo mas porque por meio dele eu vejo tudo mais Por isso McGrath afirma o seguinte Assim a ideia de McGrath não é que a teologia natural prova a existência do Deus cristão mas que a cosmovisão cristã fornece um nível significativo de correspondência empírica entre o que observamos e o cristianismo E a importância disso é que a teologia natural apresentaria como o teísmo cristão fornece a melhor explicação ao oferecer uma consonância entre observação e teoria o cristianismo teria a capacidade de tornar as coisas inteligíveis de modo que se encaixa de forma natural e plausível com aquilo que observamos Comparado com outras cosmovisões o teísmo cristão ofereceria o foco mais nítido Serão os argumentos o melhor modo de sabermos alguma coisa Uma das crenças mais comuns entre as pessoas que se perguntam se Deus existe é a ideia de que o melhor modo de descobrir tal verdade se dá por meio de argumentos ou evidências e que tais evidências sejam preferencialmente baseadas grandemente em evidências científicas E isso porque muitas vezes partese do pressuposto que a ciência ou a utilização de evidências e argumentos oferecem o modo mais seguro de podermos conhecer alguma coisa Como vimos Geisler afirma que a melhor maneira de descobrir os fatos é utilizar a lógica a evidência e a ciência GEISLER TUREK 2006 p 54 O filósofo e matemático William Clifford defendeu esta ideia de modo mais forte De acordo com ele é sempre Papel da Teologia Natural 65 CRESCER A próxima vez que alguém lhe disser algo que soe importante pense consigo mesma será que esse é o tipo de coisa que as pessoas provavelmente sabem porque há evidências Ou será que é o tipo de coisa em que as pessoas só acreditam por causa da tradição da autoridade ou da revelação E quando alguém lhe disser que uma coisa é verdade por que não dizer a ela que tipo de evidência há para isso E se ela não puder lhe dar uma boa resposta espero que você pense com muito cuidado antes de acreditar numa só palavra DAWKINS 2005 p 437 errado em toda parte e para todos crer em qualquer coisa com base em evidência insuficiente CLIFFORD 2010 p 137 Mais precisamente Clifford pensa que um ser humano racional deve dar seu assentimento a uma proposição apenas quando ele tem evidências suficientes para tal sendo o grau do assentimento proporcional à evidência Se alguém não faz isso deixa de cumprir algum tipo de dever ético O biólogo Richard Dawkins pensa que esse é o principal motivo para duvidar da religião Ao se referir a crenças como a que Deus existe ou a de que orações são respondidas Dawkins 2005 p 436 afirma que nenhuma dessas crenças é sustentada por nenhum tipo de evidência satisfatória Em um ensaio dirigido a sua filha Juliet Dawkins afirma Assim enquanto Clifford pensa que qualquer crença precisa contar com evidências suficientes Dawkins e Geisler sustentam que há algo de epistemicamente superior em sustentar uma crença com base em evidências Vamos chamar esse conjunto de crenças de evidencialismo forte Mas o que podemos dizer sobre a posição de Geisler Clifford e Dawkins Será que a capacidade de apresentar evidências em favor de uma crença nos fornece o modo mais seguro de acreditar em alguma coisa E será que esse modo é o melhor no que diz respeito à crença em Deus Vamos analisar essas duas questões a partir de cinco pontos Em primeiro lugar há uma dificuldade inicial com o evidencialismo forte e ela diz respeito ao próprio conceito de evidência O que seria uma evidência Como podemos saber que estamos diante de uma De modo mais direto para Clifford como sabemos se temos evidências suficientes Presumivelmente alguém pode alegar ter evidências para uma crença completamente falsa Suponha então que alguém creia sinceramente ter evidências suficientes para a crença de que a terra é plana Tal pessoa estaria justificada em continuar acreditando nisso Seria ela irracional em acreditar que a terra é plana Se sim isso não perece abrir as comportas da irracionalidade para justificar todo tipo de crenças bizarras Se não por quê Superadas estas dificuldades iniciais há um segundo problema mais grave Diante de uma questão importante Dawkins sugere que devemos perguntar que tipo de evidência há para isso Contudo o evidencialista pode correr o perigo de ser incoerente Pois que evidências temos de que diante de uma questão importante deveríamos apelar para as evidências Que evidências temos de que a melhor maneira de descobrir os fatos é por meio das evidências É óbvio que o evidencialista não pode apresentar qualquer evidência em favor de sua posição pois ele estaria assumindo em seu argumento precisamente aquilo que ele está tentando provar o que seria petição de princípio Neste contexto Plantinga 2016 p 55 lembra que obviamente não pode existir evidência proposicional para tudo o que você acredita Toda cadeia de argumentos terá de começar em algum ponto Em terceiro lugar o evidencialismo forte é completamente irrealista para nós seres humanos De acordo com o filósofo Mikael Stenmark esse modelo de racionalidade não é de 66 Papel da Teologia Natural CRESCER Eu li em algum lugar que nós formamos cerca de 50000 pensamentos por dia sobre coisas que nós experenciamos isto é crenças sobre o clima pessoas que nós conhecemos e o que nós comemos crenças sobre carros bicicletas árvores casas notícias propaganda e assim por diante Suponha que isso seja verdade Agora se nós tomarmos a racionalidade evidencial forte como um modelo para a racionalidade humana em geral isto implica que nós devemos fazer juízos informados sobre todas estas questões Nós devemos estar conscientes da evidência que nós temos para nossos 50000 pensamentos ou crenças diárias e formas juízos sobre se estas evidências são boas evidências De fato nós devemos nos esforçar em encontrar as melhores evidências disponíveis para elas Além do mais nós devemos estar prontos para demonstrar aos outros a razoabilidade de nossos pensamentos escolhas e ações Se nós fazemos isso nós estamos nos comportando racionalmente e estamos usando nossa inteligência de modo inteligente Mas notese que se nós fizemos isso o número de crenças nós temos de processar todo o dia cresce drasticamente De repente nós temos que lidar digamos com 150000 crenças e talvez nós comecemos a ter pensamentos secundários sobre algumas destas crenças justificadas mas então nós de repente temos de processar 200000 crenças O risco que nós corremos é de nos tornarmos epistemicamente paralisados Nós temos portanto que usar nosso tempo e recursos cognitivos limitados mais sabiamente STENMARK 2021 p 139 modo algum adequado para seres finitos com o tempo eou os recursos cognitivos limitados como os que nós temos Se nós queremos ser seres racionais nós não podemos perder tempo e recursos para avaliar criticamente todas as nossas crenças STENMARK 2021 p 134 Grifos do autor Assim ao olhar para nossas capacidades cognitivas devemos buscar compreender o que se espera razoavelmente de seres humanos quando eles fazem uso inteligente de seus recursos e situações pois isto significa que um modelo próprio de racionalidade deve levar em conta a constituição e os dilemas reais do agente da racionalidade STENMARK 2021 p 132 Stenmark denomina tal princípio realista de axioma da demanda razoável ele estabelece que não se pode razoavelmente pedir de uma pessoa o que esta pessoa não pode possivelmente fazer STENMARK 2021 p 132 Para entender porque o evidencialismo forte não é adequado veja este exemplo O exemplo de Stenmark mostra de forma didática que se você segue realmente este modelo de racionalidade você não seria capaz de fazer muita coisa na vida pois você não tem o tempo nem os recursos cognitivos necessários para processar tão grande número de evidências suficientes com respeito às crenças que você forma no dia a dia mesmo sobre coisas importantes Conscientes de nossos próprios limites cognitivos não é racional tentar satisfazer as demandas do evidencialismo forte É claro que isso não significa que as evidências não são importantes todos nós precisamos e devemos exigir evidências sobre o status de algumas de nossas crenças Crenças científicas como a crença na teoria da evolução no Big Bang ou na relatividade espacial por exemplo precisam de evidências inferenciais para serem tidas como racionais de uma maneira que a crença de que Ana Sofia existe não precisa A maioria de nós é evidencialista em relação à composição química da água ou à idade do Universo ou à existência de prótons nêutrons e elétrons pois tais crenças requerem o apoio probatório de evidências Contudo na maioria das áreas da filosofia e da vida a maioria das pessoas inclusive os evidencialistas mais estridentes não são de fato sequer poderiam ser Papel da Teologia Natural 67 CRESCER Sabemos que nós temos conhecimento extracientífico De fato se nós não tivéssemos nós não seríamos capazes de ter qualquer conhecimento científico Pense por exemplo sobre crenças de memória isto é aquelas crenças que são sobre coisas que nós experenciamos ou pensamos anteriormente Eu não penso que as crenças da memória possam ser cientificamente provadas Antes para serem capazes de desenvolver uma hipótese científica em um certo alcance de dados os cientistas não têm de ser capazes de relembrar por exemplo o conteúdo das hipóteses os resultados dos testes anteriores e mais fundamentalmente que eles são cientistas e onde seus laboratórios estão localizados Seu conhecimento científico pressupõe memória A verdade é que a menos que nós possamos confiar em nossas memórias e obter conhecimento nós nunca poderíamos raciocinar ou fazer qualquer ciência porque em qualquer inferência nós devemos lembrar de nossas premissas como meios para nossa conclusão STENMARK 2021 p 206 evidencialistas fortes pois nos parece apropriado pensar que somos racionais em acreditar que existem outras mentes um passado um mundo externo sem que tenhamos alguma evidência que forneça algum tipo de apoio comprobatório para tais crenças Isso nos leva ao nosso quarto ponto é correto pensar que o modo mais seguro de nós conhecermos alguma coisa é por meio de nossas faculdades cognitivas percepção memória introspecção intuição a priori e no caso da crença em Deus o sensus divinitatis Faça a seguinte reflexão você sabe mais e por isso tem mais certeza de que você existe e de que o mundo tem mais de cinco minutos ou de que a fórmula da água é H2O Qual dessas crenças tem mais garantia para você Certamente a crença de que você existe e de que o mundo tem mais de cinco minutos são mais certas que a composição química da água Contudo nenhuma dessas duas crenças foi obtida por meio do método científico ambas são frutos de suas capacidades cognitivas comuns Na verdade seria impossível provar qualquer crença científica sem primeiro presumir que nossas faculdades cognitivas são confiáveis e que nossas crenças comuns existe um passado ou eu existo são verdadeiras Pois são justamente elas que permitem o conhecimento científico Como explica Stenmark De acordo com Plantinga boa parte de nossas crenças que contam com aval ou garantia é fruto de uma faculdade ou mecanismo cognitivo que forma em nós crenças de modo apropriadamente básico suponho que a maior parte das nossas crenças que têm aval o têm desse modo básico só em uma área muitíssimo pequena da nossa cidade cognitiva o aval que uma crença tem para nós deriva do fato de ela ser aceita com base evidencial em outras crenças PLANTINGA 2018a p 195 Ou seja para Plantinga grande parte das coisas que nós sabemos efetivamente sobre o mundo são aceitas de forma básica Poucas crenças da nossa vida cognitiva que possuem algum grau de aval ou garantia são cultivadas com base evidencial a partir de outras crenças Deus e os argumentos Mas aonde isso nos leva Será que a crença em Deus está mais próxima de nossas crenças científicas que precisam ser embasadas por evidências Ou ela está mais próxima de nossas crenças comuns Podese afirmar que há boas razões para pensar que a crença em Deus é mais próxima de nossas crenças comuns do que de crenças científicas A crença no 68 Papel da Teologia Natural CRESCER Nenhum desses argumentos nem sequer todos tomados em conjunto penso podem adequadamente ser denominar provas se por prova se entender um argumento que não é possível rejeitar sem irracionalidade Claro que isso não quer dizer grande coisa não há argumentos com esse nível de exigência em grande parte de qualquer área da filosofia PLANTINGA TOOLEY 2014 p 17 E por que razão um argumento não consegue ter aval suficiente para transformar a fé em conhecimento Primeiro por causa dos efeitos cognitivos e afetivos ocasionados pelo teísmo não é o tipo de crença em que as pessoas acreditam ou desacreditam por mera questão de vontade é uma crença que surge de modo natural através do nosso processamento cognitivo comum Como afirma o neurocientista Bruce Hood 2012 p 18 humanos são naturalmente propensos a crer no sobrenatural Hood afirma que nossa própria estrutura cognitiva nos leva a crer que a natureza não é tudo que existe Assim a crença teísta não é mais próxima de uma hipótese científica seria mais correto afirmar que ela é mais semelhante às nossas crenças do senso comuns como as crenças perceptivas ou a crença em outras mentes no passado E sendo assim ela deveria ser julgada por estes mesmos padrões de racionalidade com que julgamos tais crenças Além disso para os teístas o objetivo principal da fé não é explicar um corpo de evidências públicas ou eventos observáveis É claro que a evidência também ocupa um papel importante na crença religiosa e que ela pode explicar um corpo de evidências públicas como veremos nos próximos módulos mas é correto também afirmar que a crença em Deus está mais próxima de um relacionamento de fé confiança e amor a uma pessoa Como afirma Stenmark 2021 p 95 acreditar em Deus não é ao menos nas maiores fés teístas uma questão de assentimento mental a um grupo de proposições mas de se relacionar em confiar em Deus assim como nós nos relacionamos e confiamos em nossas esposas e amigos Logo a crença no teísmo é mais que uma questão racional é também uma questão afetiva Acreditar em Deus não é apenas aceitar uma dada proposição mas é entrar em uma relação de confiança com o divino Para o teísta o mundo inteiro parece diferente o crente enxerga o Universo como a boa criação de um Deus totalmente amoroso Sendo assim a crença em Deus parece mais uma expressão de uma experiência de encontro apaixonado do que uma hipótese científica E se isso estiver correto a crença teísta é mais como a crença em outras pessoas do que a crença na teoria da evolução ou no Big Bang é mais como a crença na existência de outras pessoas ou de outras mentes que na existência de matéria escura ou de prótons nêutrons e elétrons é mais como nossas crenças comuns que uma hipótese explanatória Plantinga 2017 p 193 sugere que basear a crença em Deus em argumentos pode parecer algo tão estranho como crer na existência do seu cônjuge com base no argumento analógico para outras mentes extravagante na melhor das hipóteses e de modo algum provavelmente encantador à pessoa em causa Outro ponto importante apontado por Plantinga diz respeito à possibilidade de argumentos e evidências serem fortes o suficiente para transformarem fé em conhecimento isto é transformar a crença em Deus em uma condição intelectual bastante alta O problema é que talvez nenhum argumento seria forte o suficiente para produzir o conhecimento de que há tal pessoa como Deus argumentos poderiam nos fazer obter outros méritos eg estarmos justificados em acreditar como acreditamos mas não fortes o suficiente a ponto de sabermos que Deus existe Em um debate com Tooley Plantinga afirma Papel da Teologia Natural 69 CRESCER pecado como vimos no módulo 04 a aceitação racional da crença em Deus não é apenas uma questão intelectual mas também afetiva Por isso que precisamos nascer de novo certamente nossos afetos objetivos e intenções devem ser recalibrados redirecionados revertidos e isso exige uma ajuda divina especial PLANTINGA 2018a p 281 Contudo mesmo descontando os efeitos do pecado sobre nossas capacidades cognitivas é preciso pensar se existe realmente a possibilidade de argumentos filosóficos ou históricos conseguirem fornecer um grau de garantia elevado para uma pessoa desfrutar da crença cristã plena No máximo poderia produzir a crença avalizada de que as linhas principais da doutrina cristã não são especialmente improváveis PLANTINGA 2018a p 282 Se a crença teísta cristã por exemplo fosse aceita com base em argumentos só algumas pessoas poderiam adquirir o conhecimento em questão e somente depois de muito esforço e de muito tempo além disso essa crença seria incerta e cheia de falsidades PLANTINGA 2018a p 280281 Contudo isso não se aplica apenas à crença em Deus é possível dizer que nenhum outro argumento filosófico com conclusões interessantes atende a esses elevados padrões O fato de os argumentos filosóficos não atingirem tal ideal não é um defeito dos filósofos isso não indica qualquer vício demérito deficiência ou impropriedade nos argumentos ou nos filósofos que os sustentam Se a maioria dos argumentos defendidos não está de acordo com tal padrão isso não implica algo contra os filósofos mas contra esse padrão Como veremos nos próximos módulos os argumentos em favor da existência de Deus são bons alguns deles tão bons quanto pode ser um argumento filosófico O problema não é com tais argumentos mas com os padrões exigidos para eles são totalmente irrealistas e inadequados pois eles não conseguem fornecer o grau de firmeza exigido pela fé cristã E há aqui uma diferença crucial entre Plantinga e Geisler que diz respeito ao conceito de fé Como vimos Geisler supõe que alguém que não acredita em Deus precisa de mais fé do que o teísta pois quanto menos provas alguém tem para sua posição mais fé precisa para acreditar nela a fé cobre lacunas do conhecimento E acontece que os ateus têm maiores lacunas no conhecimento porque têm muito menos provas de suas crenças do que os cristãos GEISLER TUREK 2006 p 26 Contudo Plantinga 2016 p 128 pensa que a fé não deve ser contrastada com o conhecimento a fé é conhecimento e conhecimento de um tipo especial A fé é menos como um salto no escuro e mais como um conhecimento firme e certo da bondade de Deus para conosco Esses dois conceitos de fé são importantes aqui porque eles expressam uma diferença fundamental entre Plantinga e Geisler sobre a relação entre fé e evidência Pois se a crença teísta for mais similar às nossas crenças comuns que a uma hipótese científica seguese que devemos reconhecer que nossas crenças comuns exigem um grau de firmeza e um nível de inclinação que não é possível de ser dado apelando para um argumento nenhuma evidência pode ser suficientemente bemsucedida a ponto de provar que o passado existe ou que há outras mentes além da minha O caso da fé é similar ela envolve acreditar em determinadas proposições com um grau de firmeza considerável Plantinga 2016 p 133 afirma que para a pessoa de fé pelo menos nos casos paradigmáticos as grandes coisas do evangelho parecem claramente verdadeiras atraentes Ela se vê convencida como no caso das crenças de memória claras ou a sua crença nas verdades elementares da aritmética Deste modo pelo menos para os casos paradigmáticos a crença teísta se mostra obviamente racional a existência de Deus parece convincente clara obviamente atraente mesmo na ausência de uma base evidencial de modo que de um ponto de vista interior não há qualquer similaridade com o 70 Papel da Teologia Natural CRESCER salto no escuro PLANTINGA 2016 p 133 Assim as evidências são insuficientes para que se acredite racionalmente com esse grau de firmeza Logo se é o caso de realmente conhecermos algumas das alegações centrais do cristianismo é necessário que tenhamos uma fonte independente de garantia para tal crença eg o sensus divinitatis ou a instigação interna do Espírito Santo pois argumentos e evidências não são suficientes para sustentarmos a crença cristã com tal grau de garantia Papel dos argumentos na crença em Deus Contudo se argumentos não servem para embasar nossa fé em Deus ou para sustentarmos nossas crenças de modo racional para que eles servem então Como vimos Geisler afirma que a crença teísta não pode ser aceita de modo apropriadamente básico pois se verdadeiro isso minaria a teologia natural a necessidade de dar qualquer argumento a favor da existência de Deus e a apologética clássica GEISLER 2002 p 105 Mas essa é uma confusão muito comum sobre a proposta de Plantinga Algumas pessoas pensam que dado o Modelo AC e o Modelo AC estendido uma vez que o teísta não necessita de argumentos ou evidências para a racionalidade da crença em Deus se seguiria que eles não são importantes ou não têm uma função dentro da fé cristã ou ainda que não existam tais argumentos Contudo o próprio Plantinga esquematizou mais de duas dúzias de argumentos em favor do teísmo Vamos explorar brevemente algumas funções que um argumento desempenha para a crença teísta Plantinga 2001 p 217 pensa que os teístas podem muito bem oferecer quaisquer argumentos para a verdade da crença cristã que eles achem adequados tais argumentos podem ser extremamente úteis de algumas formas diferentes Primeiro eles podem aproximar as pessoas que mantêm uma posição neutra fechada para a crença cristã levando a pessoa para perto do teísmo ao mostrar por exemplo que o teísmo é uma opção intelectual legítima Esse foi o caso de pessoas como C S Lewis e Alister McGrath Argumentos e evidências podem ser ferramentas poderosas nas mãos do Espírito Santo para mostrar que o cristianismo é uma religião intelectualmente plausível Em uma entrevista Plantinga certa vez afirmou pode ser também que o Espírito Santo em algumas ocasiões trabalhe por meio de argumentos Pode ser que em uma dada ocasião o Espírito Santo tome isso como uma ocasião para induzir ou aumentar as credenciais do teísmo Nesse sentido o Espírito Santo pode induzir diretamente a pessoa a perceber a força do argumento cosmológico teleológico ou moral por exemplo Assim pode ser que o Espírito Santo torne ou capacite uma pessoa a achar o argumento mais plausível mais convincente Em segundo lugar os argumentos podem fortalecer a fé cristã de alguém Pois como lembra Plantinga 2007 p 209 nem todos os crentes sustentam a crença teísta em uma certeza serena e ininterrupta muitos estão pelo menos ocasionalmente sujeitos a dúvidas Aqui esses argumentos podem ser úteis De acordo com Craig 2011 p 20 conhecer bons argumentos e evidências em favor da fé cristã poderá ajudálo a manter sua fé em tempos de dúvidas e tribulações Contudo talvez você não seja a pessoa que precise de tais argumentos ou evidências talvez alguém em sua igreja local esteja passando por uma crise de fé e neste caso conhecer argumentos e evidências pode fazer com que você se torne um canal de bênçãos para tal pessoa Assim o desprezo por argumentos ou Papel da Teologia Natural 71 CRESCER evidências pode ser fruto de um coração que ama mais a si mesmo que o bemestar espiritual dos outros Pense no teísta assombrado pela dúvida ou por aquilo que São João da Cruz e Santa Teresa de Lisieux chamam de A Noite Escura da Alma em que o crente se sentiria inseguro sobre a existência de Deus como se Deus estivesse ausente ou o abandonado Diante de uma crise nessas proporções seria possível para o teísta pensar sobre as implicações de que não há tal pessoa como Deus talvez ele pense que se não há Deus não há valores e deveres morais objetivos como postula o argumento moral ou que a probabilidade de que nossas faculdades cognitivas sejam confiáveis é baixa ou insondável como postula o argumento evolucionário contra o naturalismo Nesta situação argumentos podem fornecer ao teísta um significativo grau de apoio tanto racional quanto psicológico Neste caso bons argumentos teístas talvez possam desempenhar o papel de confirmar e fortalecer a fé em Deus aumentando o grau de garantia que a fé em Deus tem para o crente E mesmo que você não precise de tais argumentos talvez aprender sobre eles seja uma questão de amor ao próximo de ajudar aqueles que estão com dúvidas dentro da comunidade cristã O que é um bom argumento Por fim cabe uma última reflexão o que é um bom argumento Como vimos em Introdução à Filosofia um argumento é um conjunto de afirmações das quais uma é a conclusão e as demais são as premissas Para entender como devemos analisar um argumento é preciso diferenciar questões de validade e questões de verdade Mais precisamente um bom argumento precisa exibir uma forma correta validade e factual verdade Mas como se dá isso Em primeiro lugar um bom argumento precisa ser logicamente válido Neste caso a conclusão precisa se seguir logicamente das premissas Pense no clássico argumento abaixo Premissa 01 Todo homem é mortal Premissa 02 Sócrates é homem Conclusão Logo Sócrates é mortal Nesse caso temos um argumento válido pois os conteúdos das premissas são suficientes para garantir o que é dito na conclusão Pois se for verdade que todo homem é mortal e se for verdade que Sócrates é homem seguese logicamente e inescapavelmente que Sócrates é mortal Por outro lado um argumento inválido é aquele em que as premissas e a conclusão não estão ajustadas da forma correta Nele mesmo que a conclusão seja verdadeira ela não se segue logicamente das premissas Nosso primeiro argumento passa no teste da validade Mas será que ele passa no segundo teste Pois mesmo que ele tenha a forma correta o conteúdo das suas premissas poderia ser falso Mais precisamente um argumento pode possuir a propriedade de validade mesmo que suas premissas não sejam verdadeiras pois a validade é uma propriedade da estrutura do argumento e não do seu conteúdo No entanto para que tenhamos um bom argumento não basta que ele tenha a forma correta é preciso também que suas premissas sejam verdadeiras Quando temos uma boa premissa Aqui é necessário esclarecer que para que uma 72 Papel da Teologia Natural CRESCER premissa seja apropriada para um argumento não é necessário que tenhamos completa certeza de sua verdade Como afirma Brendan Sweetman 2013 p 23 no contexto da filosofia da religião os argumentos para a existência de Deus ainda são chamados de provas mas geralmente com a compreensão de que o que é apresentado fica um pouco aquém do que às vezes se chama prova irrefutável Para que possamos julgar um argumento como sólido não é preciso apresentar provas definitivas de sua verdade Tudo que precisamos é apresentar premissas que sejam mais plausíveis que sua negação As premissas apresentadas devem ser embasadas por razões Para saber se elas são mais plausíveis que sua negação é preciso olhar mais profundamente para elas e perguntar quais são as razões que embasam a negação ou a afirmação da premissa de tal modo que os dados que formam a base dos vários argumentos em favor da existência de Deus têm um preço alto SWEETMAN 2013 p 23 ou seja o teísta precisa apresentar premissas que sejam as mais fortes possíveis a fim de que aquele que discorda de uma das premissas só o faça ao custo de pegar um alto preço Por exemplo uma das premissas do argumento moral é que existem valores e deveres morais objetivos É preciso apresentar boas razões para tal premissa de modo que para negála a pessoa se comprometa com a ideia de que não há um certo e errado moral objetivo diferenciar amor e tortura opressão e liberdade seria algo moralmente subjetivo Perceba que ao negar tal premissa ela precisaria aceitar algo que parece negar nossa experiência moral mais básica Além disso é preciso saber se temos alguma boa razão para sustentar a premissa ou se devemos abandonála Caso seja o último tipo devese honrar a verdade o suficiente na admissão de que aquela premissa não é boa É claro que uma premissa não deve ser abandonada ao primeiro sinal de dificuldade É preciso analisar cuidadosamente se temos bons motivos para afirmála ou para negála Por fim um argumento é sólido quando ele reúne validade formal e premissas verdadeiras Nesse caso a conclusão do argumento sólido é aceita como verdadeira Qualificar um argumento como sólido é o maior tipo de aprovação que se pode conceder a um argumento Mas para isso é preciso combinar forma validade com conteúdo verdade a fim de se certificar que se está apresentando um argumento adequado Contudo isso não significa dizer que as pessoas vão prontamente aceitar o argumento pois a convencibilidade é algo pessoal que envolve fatores psicológicos volitivos teológicos emocionais entre outros Nesta disciplina os três primeiros argumentos serão dedutivos pois nele se todas as premissas forem verdadeiras os termos forem claros e as regras da lógica dedutiva forem seguidas a conclusão alcançada é necessariamente verdadeira Os dois últimos argumentos serão em favor da melhor explicação de modo que as premissas são vistas como fornecendo algum grau de evidência mas não garantia completa da verdade da conclusão Assim um argumento deste tipo é aquele em que a conclusão é uma decorrência provável das premissas Nesse caso ninguém que aceita as premissas está necessariamente obrigado a aceitar a conclusão Contudo tais argumentos apresentam graus de probabilidade evidencial sobre uma dada sentença ser ou não verdadeira de modo que mesmo que não seja fornecido algo certo sobre o argumento podem ser fornecidas razões para ele Papel da Teologia Natural 73 COMPARTILHAR Nesta aula você Compreendeu os dois sentidos de Teologia Natural Analisou o papel e os limites dos argumentos em favor da existência de Deus Revisou o que torna um argumento sólido STENMARK Mikael Como relacionar ciência e religião um modelo multidimensional São Paulo Editora Reflexão 2021 Cap 4 e 5 NASCIMENTO Bruno Precisamos de evidências para acreditar racionalmente em deus Uma comparação entre Alvin Plantinga e Norman Geisler Revista Summae Sapientiae n 2 1 2019 Disponível em httpsperiodicosficvedubrindexphpsummaesapientiaearticleview4918 PARA CRESCER MAIS 74 Argumento Cosmológico módulo 07 Olá Neste módulo vamos aprender um dos mais comentados argumentos em favor da existência de Deus dentro da filosofia contemporânea o Argumento Cosmológico Kalam A ideia básica é que uma vez que tudo que começa a existir tem uma causa e que o Universo começou a existir então o Universo tem uma causa Assim o argumento defende a existência de Deus com base no fato de que o Universo passou a existir em um tempo passado finito Veremos que há boas razões tanto filosóficas quanto científicas para postular que o Universo teve um início no tempo Além disso veremos algumas objeções clássicas contra tal argumento Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Aprender as três premissas do Argumento Cosmológico Kalam Analisar cada uma das premissas buscando entender por que elas são mais plausíveis que sua negação a partir de considerações filosóficas e científicas Avaliar algumas objeções clássicas contra cada uma das três premissas do argumento Bons estudos 75 CONECTAR Robert Jastrow 1925 2008 foi um astrônomo e físico planetário que trabalhou por vários anos como cientista da NASA Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço Além disso Jastrow foi também um importante divulgador científico com vários programas de televisão na PBS e CBS e vários livros sobre o que ele chamava de mistérios cósmicos a origem do Universo a origem da vida e a origem do homem alguns deles traduzidos para o português Um dos seus livros mais conhecidos é God and the Astronomers Nele Jastrow descreve várias descobertas da astronomia do século XX e faz um significativo debate sobre as implicações teológicas dos novos dados fornecidos pela ciência sobre a origem do Universo Mais uma idade finita Mesmo como agnóstico Jastrow 1992 p 103 percebeu tais implicações teológicas da teoria do Big Bang CINCO linhas de evidência INDEPENDENTES os movimentos das galáxias a descoberta da bola de fogo primordial as leis da termodinâmica a abundância de hélio no Universo e a história de vida das estrelas apontam para uma conclusão tudo indica que o Universo teve um começo Deste modo a teoria do Big Bang tem implicações teístas significativas primeiro porque ela postula que o Universo não é eterno mas que teve um começo no tempoespaço segundo ela afirma que tudo que existe as estrelas os planetas os átomos as partículas subatômicas o precisamente Jastrow discute durante o livro as implicações teológicas da teoria do Big Bang para a crença em Deus Na obra o astrônomo conta a história de como uma quantidade significativa de evidências descobertas durante o século XX forçou vários astrônomos e astrofísicos a aceitarem a validade do Big Bang e o fato de que o Universo teve um início no tempo Afinal como lembra o físico Stephen Hawking 1988 p 77 muitas pessoas não aceitam a ideia de que o tempo tenha um começo provavelmente porque ela cheira a intervenção divina O curioso é que parte significativa dos cristãos e mesmo teólogos acredita que o Big Bang é em algum sentido uma descoberta contra a existência de Deus Mas a teoria do Big Bang traz implicações significativas em favor do teísmo e que trazem sérias dificuldades para o ateísmo Pois a teoria postula que o Universo teve uma origem entre 13 e 15 bilhões de anos atrás E se o Universo teve uma origem é porque teve um originador Como explica Hawking 1988 p 197 assim como o Universo teve um começo podese supor que teve um criador Mas se realmente o Universo é completamente autocontido sem limite ou margem não teria havido começo nem haverá fim ele seria simplesmente O físico Paul Davies 1988 p 32 também afirma que se aceitarmos que o espaço e o tempo realmente irromperam do nada no big bang então é claro que houve uma criação e que o Universo tem Argumento Cosmológico Para o cientista que viveu pela fé no poder da razão a história termina como um pesadelo Ele escalou as montanhas da ignorância ele está prestes a conquistar o pico mais alto e enquanto se lança sobre a última pedra ele é cumprimentado por um grupo de teólogos que estão sentados ali há séculos JASTROW 1992 p 107 76 Argumento Cosmológico CONECTAR Os filósofos cristãos apontam que há várias implicações teístas importantes em uma das teorias científicas mais bem aceitas da comunidade científica a teoria do Big Bang Qual a importância disso para o debate público sobre a fé cristã PARA REFLETIR espaço o tempo a matéria surgiu naquele momento com o Big Bang Mais precisamente não havia matéria tempo ou espaço antes do Big Bang o Universo surge a partir do Big Bang Talvez não seja coincidência que o primeiro a propor tal modelo científico para a origem do Universo foi um padre cosmólogo cristão George Lemaître na época ele chamou de teoria do átomo primordial Contudo é um princípio metafísico importante essencial para a ciência que tudo o que começa a existir tem uma causa As coisas não podem surgir a partir do nada Logo se tudo o que começa a existir tem uma causa e se o Universo começou a existir como postula a teoria do Big Bang seguese que o Universo tem uma causa Por isso Jastrow 1992 p 14 afirma que agora vemos como a evidência astronômica leva a uma visão bíblica da origem do mundo Em 20 de maio de 1979 o livro de Jastrow chegou a ser matéria do programa Fantástico no Brasil1 Jastrow finaliza God and the Astronomers de um modo memorável 1 Especialistas unem ciência e religião na explicação do surgimento do Universo Disponível no YouTube em httpswwwyoutubecomwatchvoN3ZmANoqX4abchannelApocalipse3v20 e no Globoplay em httpsgloboplayglobocomv1036440 uma contagem dos artigos em revistas de filosofia mostra que se publicaram mais artigos sobre a defesa de Craig do argumento kalam do que qualquer outra formulação filosófica contemporânea de um argumento a favor da existência de Deus O facto de tanto os teístas quanto os ateus serem incapazes de deixar em paz o argumento kalam de Craig sugere que poderá ter um interesse filosófico pouco usual ou então que tem um núcleo atraente de plausibilidade que leva os filósofos a regressarem uma vez e outra ao argumento para voltarem a examinálo SMITH 2010 p 241 Argumento Cosmológico 77 CRESCER existir em um tempo passado finito A versão do argumento defendida por Craig é uma das mais debatidas na filosofia contemporânea De acordo com o proeminente ateu Michael Martin 1990 p 101 o argumento de Craig está entre os mais sofisticados e bem argumentados da filosofia teológica contemporânea Outro proeminente filósofo ateu Quentin Smith afirma o seguinte Os argumentos cosmológicos são uma família de argumentos que partem do pressuposto de que algo existe a fim de inferir que com base neste algo existente chegase à existência de um ser tal como Deus Essa família de argumentos tem raízes em Platão e Aristóteles e foi desenvolvida na idade média por filósofos cristãos judeus e mulçumanos como Aquino Leibniz Avicena AlGhazali e Maimônides Neste módulo vamos estudar um dos vários argumentos cosmológicos desenvolvido especificamente na Idade Média o Argumento Cosmológico Kalam Kalam é a palavra árabe para teologia O nome do argumento foi dado pelo filósofo William Lane Craig em honra aos primeiros proponentes mulçumanos do argumento no medievo Grosso modo o argumento defende a existência de Deus com base no fato de que o Universo passou a O Argumento Cosmológico Kalam possui três premissas 1 Tudo que começa a existir tem uma causa 2 O Universo começou a existir 3 Logo o Universo tem uma causa Além de ser simples sua formulação lógica é válida Pois a conclusão se segue logicamente das premissas Afinal se tudo que começa a existir tem uma causa e se o Universo começou a existir seguese logicamente que o Universo tem uma causa Logo quem quiser negar a conclusão precisa apresentar razões para negar ou a premissa 1 ou a premissa 2 Dessa forma precisamos fazer uma análise de cada uma das premissas assim como de algumas possíveis objeções Premissa 1 Tudo que começa a existir tem uma causa Para avaliar corretamente esta premissa precisamos nos perguntar o seguinte é Em primeiro lugar ela está arraigada na intuição metafísica de que uma coisa não pode vir a existir do nada Dizer que as coisas podem simplesmente começar a existir do nada sem causa alguma é abrir mão da metafísica séria e recorrer à magia Em segundo lugar se as coisas podem de fato vir a existir do nada sem causa alguma não há então como explicar por que uma coisa ou outra ou tudo não surge do nada Por fim a primeira premissa é constantemente confirmada em nossa experiência CRAIG 2012a p 107 78 Argumento Cosmológico CRESCER PARA REFLETIR começaram a existir sem uma causa As melhores razões estão a favor desta premissa ou contra ela Como argumentaremos a premissa 1 parece ser verdadeira ou ao menos mais razoável do que sua negação Essa premissa é baseada em uma forte razão metafísica a de que algo não pode vir a existir a partir do nada ex nihilo pois do nada nada vem Pelo termo nada entendese aqui a negação metafísica de qualquer coisa que exista tempo espaço matéria propriedades substâncias O nada é a negação de qualquer coisa seja ela o que for Neste sentido o nada não tem quaisquer poderes causais Nas palavras de Aristóteles o nada é aquilo com que as rochas sonham Assim é impossível que o nada dê origem a alguma coisa Craig oferece três razões para defender essa primeira premissa A ideia de Craig é que as coisas que começaram a existir precisam necessariamente de uma causa para sua existência Pois em primeiro lugar como pode o nada dar origem a qualquer coisa como relógios cavalos teses ou ao próprio Universo Por isso ele afirma que a ideia de que algo pode vir a existir sem uma causa é recorrer à magia pois quando o mágico tira o coelho da cartola pelo menos existem três coisas o mágico o coelho e a cartola Mas não é razoável afirmar que o Universo interior surgiu em algum ponto do passado sem qualquer causa absolutamente a partir do nada A segunda razão oferecida por Craig é discriminatória por que razão qualquer coisa ou todas as coisas não surgiram a partir do nada Por que o time do São Paulo ou esta apostila não vieram à existência a partir do nada Por que razão isso só aconteceu com o Universo Isso traz uma dificuldade significativa pois se o nada é a ausência de qualquer coisa o que quer que seja como seria possível ele favorecer a existência do Universo mas não de qualquer outra coisa dentro do Universo Neste sentido se o nada existia como pode o espaçotempo surgir espontaneamente do nada Como é possível discutir a probabilidade de que qualquer coisa em particular venha a existir a partir do nada Por fim todos nós vivemos a partir da verdade desta primeira premissa A própria ciência se baseia nela Nenhum cientista pensa a partir de algum dado eg um fóssil que tal evidência surgiu sem qualquer causa No senso comum trabalhamos com a ideia de que se algo aparece em nossa sala ou cozinha ele não surge ali a partir do nada mas tem uma causa que lhe deu origem Neste sentido a premissa 1 é constantemente confirmada no nosso cotidiano pois todos nós vemos que aquilo que começa a existir é sempre originado por causas prévias que lhe deram origem Objeção à Premissa 1 Por várias vezes o Argumento Cosmológico Kalam teve sua formulação distorcida Bertrand Russell 2014 p 29 formulouo do seguinte modo defendese que tudo o que vemos neste mundo tem uma causa e à medida que retrocedemos cada vez mais na Com o desenvolvimento da mecânica quântica na década de 20 ficou claro que pequenas violações na lei de conservação de energia são possíveis mesmo que por pouquíssimo tempo E como matéria e energia são interconvertíveis essas flutuações quânticas de energia podem criar matéria O vácuo quântico é repleto dessas flutuações partículas que aparecem e desaparecem continuamente numa dança de criação e destruição O vazio não existe GLEISER 1999 p 181 Argumento Cosmológico 79 CRESCER corrente de causas chegaremos obrigatoriamente à Causa Primordial e essa Causa Primordial recebe o nome de Deus Daniel Dennett 2006 p 258 afirma o Argumento Cosmológico declara que desde que tudo tem de ter uma causa o Universo tem de ter uma causa por fim Julian Baggini 2016 p 113 diz o argumento cosmológico afirma em resumo que se tudo precisa ter uma causa o Universo não seria exceção Mas estas são distorções do argumento e mais precisamente da premissa 1 que estamos analisando Pois a premissa 1 não afirma que tudo tem uma causa mas que tudo que começa a existir tem uma causa Não se está fazendo uma afirmação sobre tudo que existe nem muito menos se está a afirmar que tudo tem uma causa mas apenas que as coisas que se originam que começam a existir têm uma causa Há uma distância significativa entre essas duas afirmações Outra confusão tem a ver com o conceito de nada Dennett 2006 p 258 sugere que a física quântica nos ensina não ensina que nem tudo que acontece tem de ter uma causa A ideia é que a física parece ter demonstrado que partículas subatômicas vieram a existir do nada Ora caso isso seja verdade então temos uma objeção significativa à primeira premissa Contudo o problema aqui é que o sentido de nada empregado por muitos físicos é diferente do conceito nada como uma negação absoluta Como vimos o nada é a ausência do que quer que seja até mesmo do próprio tempo e espaço Contudo alguns físicos tendem a entender o conceito de nada como a de uma flutuação de energia contida no vácuo regida por leis da física Mas se estamos falando de coisas como vácuo leis e energia então já não é correto afirmar que estamos falando do nada metafísico pois o nada não tem propriedades nem características O físico Marcelo Gleiser explica tal fenômeno Perceba que Gleiser fala de violações na lei de conservação de energia que podem acontecer na mecânica quântica de modo que é possível por meio delas criar matéria Mas como Gleiser lembra no final esse vazio quântico repleto de flutuações e partículas é diferente de um vazio absoluto que Gleiser pontua que não existe Assim quando Krauss propôs que a mecânica quântica pode explicar como o espaçotempo e a matéria podem emergir a partir do vácuo quântico não estamos falando do nada Krauss 2013 p 12 também sugere que o nada é tão físico quanto o algo principalmente se for definido como ausência de algo Ora há aqui uma contradição na formulação de Krauss pois se o nada for a ausência de algo como pode ele ser físico Além disso a confusão na formulação do argumento dá origem a outra confusão a ideia de que Deus também precisa ter uma causa Russell 2014 p 30 diz se tudo precisa ter uma causa então também Deus deve ter uma causa Se é possível que exista qualquer coisa sem causa isso tanto pode ser o mundo quanto Deus de modo que não pode haver validação nesse argumento o físico Lawrence Krauss 2013 p 10 defende que a declaração de uma Primeira Causa ainda deixa aberta a questão quem criou o criador Mas como vimos a primeira premissa não diz que tudo tem uma causa mas tudo que começa a existir tem uma causa E sendo Deus eterno e não causado ele não começou a existir logo 80 Argumento Cosmológico CRESCER PARA REFLETIR não precisa de uma causa O ateu pode ser tentado a afirmar que o teísta está sendo arbitrário ao definir Deus como eterno Contudo como tudo que começa a existir tem uma causa é necessário que alguma coisa tenha sempre existido Ateus como Russell tradicionalmente afirmam que o Universo é eterno e não criado teístas afirmam que Deus é que é eterno e não criado Nas palavras de Carl Sagan 2008 p 175 há duas hipóteses conflitantes neste ponto duas hipóteses alternativas entre si Uma é que o Universo sempre esteve aqui e a outra é que Deus sempre esteve aqui Mas como veremos na defesa da premissa 02 temos boas razões para pensar que o Universo passou a existir Isso implica que ele deve ter sido causado por algo além dele mesmo Em suma há muitas boas razões para aceitar a premissa 1 Pois se originalmente não havia nada nem Deus nem espaço nem tempo como é possível que o Universo tenha vindo a existir A grande polêmica do Argumento Cosmológico Kalam se encontra na segunda premissa Premissa 2 O Universo começou a existir Para avaliar corretamente esta premissa precisamos nos perguntar é mais provável que o Universo sempre existiu ou que ele passou a existir As melhores razões estão a favor desta premissa ou contra ela Os filósofos ateus têm tradicionalmente defendido que o Universo sempre existiu Nas palavras de Bertrand Russell em debate na rádio BBC em 1948 com o padre Frederick Copleston o Universo simplesmente está aí só isso RUSSELL COPLESTON 2014 p 166 Contudo é falso que o Universo simplesmente está aí Como veremos há excelentes razões tanto filosóficas quanto científicas para pensar que o Universo veio a existir Impossibilidade de um número infinito real de eventos De acordo com Craig 2012a p 112 a primeira razão para argumentar a favor da origem do Universo é que o infinito real não pode existir E como um Universo que sempre existiu seria um exemplo de algo infinito ele teria um número infinito de eventos no tempo então um Universo eterno não pode existir Para entender o que isso significa é necessário fazer uma distinção entre infinito real e infinito potencial Grosso modo um infinito potencial é meramente um limite ideal mas que nunca é alcançado no mundo real Você sempre pode acrescentar algo a ele de modo que o conjunto aumenta rumo ao limite da infinidade mas o ponto é que nunca se chega realmente ao infinito Um conjunto assim é realmente indefinido e não infinito Por outro lado o infinito real é um conjunto em que o número de elementos realmente é infinito O ponto aqui não é que o conjunto pode crescer rumo ao infinito o ponto é que o conjunto já é infinito completo Ora a ideia aqui de Craig não é que um número potencialmente infinito de coisas não possa existir mas que um número realmente infinito de coisas não possa existir Pois se um número real infinito de coisas pudesse existir surgiriam todos os tipos de absurdos Assim é impossível que um número infinito de coisas realmente exista na realidade Para entender o porquê veja o exemplo fornecido por Douglas Geivett Suponha que você leitor antes de chegar a esta página em sua leitura deste livro tivesse de primeiro ler a página anterior a esta e que antes de ler a página anterior tivesse de ler à anterior a ela e assim sucessivamente até chegar à página inicial Uma vez que o livro tem uma primeira página sua jornada até esta página requer que você primeiro leia um número finito de páginas sendo que mais páginas poderiam ser adicionadas aos capítulos anteriores para aumentar o tempo que você necessitaria para chegar à página inicial GEIVETT 2006 p 77 Suponha que agora adicionemos uma quantidade infinita de páginas anteriores neste livro Quando você chegará à página atual se antes tiver de ler todas as páginas anteriores Resposta nunca Portanto se você descobrirse lendo esta página após completar a leitura de todas as anteriores já sabe que leu um número finito de páginas GEIVETT 2006 p 77 Argumento Cosmológico 81 CRESCER Para continuar no exemplo de Geivett suponha que você leia uma página em dois minutos e leia continuamente até alcançar a página inicial Quanto tempo levaria para ler dez páginas 20 minutos E quanto tempo você levaria para ler vinte páginas Ou cinquenta Ou mil O que importa no exemplo de Geivett 2006 p 1977 é que sempre haverá uma quantidade finita de tempo necessário para a leitura Mesmo que você tenha que ler 200 mil páginas e que você gaste um tempo extremamente longo 66667 horas o tempo é ainda assim finito No entanto para entender o problema trazido pelo infinito real suponha que haja um número infinito de páginas agora Qual a implicação do exemplo de Geivett É que o mesmo tipo de coisa acontece com a série de eventos que formam a história do Universo Pense no 11 de setembro de 2001 atentado contra o World Trade Center Tal evento só pode acontecer se um número finito de eventos ocorreu antes Se um número infinito de eventos tivesse ocorrido antes dos atentados ao WTC então os atentados jamais ocorreriam pois antes de chegar ao 11 de setembro seria preciso que um número infinito de eventos o tivesse precedido e o infinito é justamente algo que nunca tem fim A cadeia de eventos que resultou no WTC deve ter tido um primeiro membro Em suma um número infinito de eventos jamais pode transcorrer pois caso contrário jamais conseguiríamos chegar ao hoje pois para isso seria preciso atravessar um número infinito de momentos Mas isso nunca teria fim O fato de termos chegado ao hoje mostra que não há um número infinito de momentos no passado mas finito Isso significa que o Universo teve um começo Expansão do Universo Como vimos a teoria do Big Bang fornece boas razões para pensar que o Universo teve um início Vamos explorar duas consequências dela a fim de entender melhor o porquê a expansão do Universo e a segunda lei da termodinâmica Marcelo Gleiser 2006a p 356 afirma que os cosmólogos mostraram forte resistência à teoria do Big Bang pois acreditar na existência de um evento marcando o início de tudo com todas suas conotações religiosas era algo que muitos achavam repugnante Contudo uma série de evidências o levaram a aceitar a ideia de que o Universo teve uma origem Em 1929 o astrônomo Edward Hubble descobriu aquilo que ficou conhecido como desvio para o vermelho Gleiser 2006b explica a descoberta de Hubble do seguinte modo 82 Argumento Cosmológico CRESCER PARA REFLETIR Grosso modo a ideia de Hubble é que esse afastamento das galáxias podia ser detectado por uma marca que elas deixavam ao se afastar o desvio para o vermelho Isso acontece porque quando uma fonte de luz se afasta de um ponto de referência eg nossa galáxia a frequência da luz diminui quando a fonte se aproxima a frequência aumenta Isso é conhecido como efeito Doppler Quanto mais rápida a velocidade de aproximação ou afastamento mais dramática é a frequência da mudança No caso das galáxias Hubble percebeu que boa parte das galáxias tinha um espectro desviado para frequências mais baixas ou seja a luz vermelha delas parecia ser de menor frequência por causa do seu maior comprimento Mais precisamente as galáxias que estão mais distantes de nós parecem ter uma vermelhidão com o comprimento mais alongado as galáxias que estão mais próximas tinham tal vermelhidão de modo menos alongado Isso significava que as galáxias estavam se afastando da nossa galáxia a Via Láctea assim como nós estamos nos afastando delas de modo que as galáxias mais distantes estavam se afastando mais rápido Qual a implicação disso para a origem do Universo Gleiser explica Em suma Hubble mostrou que o Universo não é estático mas o desvio para o vermelho nos mostra que o Universo de fato está em expansão E ao rastrear a expansão de volta no tempo o Universo se torna cada vez mais denso até que atinja um ponto de densidade infinita a partir do qual o Universo começou a se expandir Em algum ponto no passado finito entre 13 e 15 bilhões de anos atrás todo o Universo conhecido se contraiu em um único ponto matemático que marcou a origem dele Essa explosão inicial veio a ser conhecida como o Big Bang Como o cosmólogo John Barrow 1995 p 11 aponta tempo espaço e matéria chamam a atenção para suas origens num evento explosivo de onde emergiu o Universo atual num estado de expansão total Ou seja o Universo começou a partir de um estado de densidade infinita que deu origem ao espaço e tempo bem como Entre 1924 e 1929 Hubble mediu o espectro de várias galáxias distantes comparandoos com os de galáxias vizinhas E o que descobriu deixou assombrado não só as galáxias flutuavam independentes pelo espaço ou seja a Via Láctea era uma dentre inúmeras outras hoje sabemos que são centenas de bilhões como também estavam se afastando de nós a velocidades proporcionais à sua distância quanto mais longe a galáxia mais rápido ela se afasta Esse resultado ficou conhecido como Lei de Hubble É ela que estabelece que o Universo está em expansão GLEISER 2006b p 134 Se o Universo está em expansão é porque foi menor no passado quando as galáxias estavam mais próximas Nesse caso se passarmos o filme para trás chegaremos a um momento em que a matéria cósmica estava amontoada em um volume minúsculo marcando o início do tempo Ou seja a expansão cósmica mostra que o Universo tem uma história um nascimento em algum momento do passado GLEISER 2006b p 137 Argumento Cosmológico 83 CRESCER toda a matéria no Universo Ora o mais significativo não pode haver nenhum objeto que possua densidade infinita Para Barrow isso indica que a teoria do Big Bang requer a criação da matéria a partir do nada pois à medida que se volta no tempo o Universo atinge um ponto em que encolheu para absolutamente zero Se o Universo está se expandindo quando retrocedermos na história e olharmos para o passado teremos a prova de que ele emergiu de um estado mais denso menor cujo tamanho parece ter sido um dia zero BARROW 1995 p 16 Isso implica que o modelo do Universo segundo o Big Bang requer que o Universo tenha começado a existir e tenha sido criado a partir do nada Termodinâmica do Universo Uma outra forte confirmação científica para a origem do Universo está na segunda lei da termodinâmica De acordo com ela a menos que um sistema esteja constantemente recebendo energia ele se tornará cada vez mais caótico e desordenado pois os processos que ocorrem em um sistema fechado sempre tendem a um estado de equilíbrio Craig 2011 p 102 fornece um bom exemplo a fim de explicar essa lei Suponha que você tenha uma garrafa fechada com vácuo em seu interior suponha também que você injete moléculas de gás nela Essas moléculas vão se espalhar de maneira uniforme por todo o interior da garrafa Qual a probabilidade de essas moléculas se aglutinarem todas juntas e organizadas em um canto da garrafa Ela é praticamente nula pois existem muito mais maneiras de as moléculas existirem em um estado desordenado do que em um estado ordenado Agora aplique a segunda lei da termodinâmica ao Universo como um todo O Universo é um sistema fechado gigante uma vez que ele é tudo o que fisicamente há e nenhuma energia lhe é introduzida de fora Isso parece implicar que dado tempo suficiente toda a energia do Universo se espalhará de maneira uniforme por todo o Universo em um estado de morte térmica Ora se o Universo existe desde sempre então por que ele já não atingiu este estado de morte térmica O físico Paul Davies 1988 p 32 explica o paradoxo Por isso que Davies 1998 p 22 pensa que a origem do Universo em um ponto finito do passado parece do ponto de vista científico quase compulsiva Objeção à Premissa 2 O filósofo ateu Kerry Walters 2015 p 89 sugere que se não existe infinito real então Deus não pode ser onisciente pois se por onisciência divina alguém quer dizer que há na mente divina uma infinidade de itens de conhecimento então a onisciência deve ser Se o Universo tem uma reserva limitada de ordem e está a mudarse irresistivelmente para a desordem até atingir o equilíbrio termodinâmico então há duas inferências muito importantes e que podemos tirar imediatamente A primeira é a de que o Universo há de um dia morrer dissolvendose por assim dizer na sua própria entropia Esse facto é conhecido entre os físicos como a morte térmica do Universo A segunda é a de que o Universo não pode ter existido sempre pois de outro modo já teria atingido o seu estado de equilíbrio terminal há um tempo infinito Conclusão o Universo nem sempre existiu DAVIES 1988 p 23 84 Argumento Cosmológico CRESCER Eu vou sugerir o teorema da eternidade quântica se você tiver um Universo que obedece às regras convencionais da mecânica quântica tendo uma energia diferente de zero e as próprias leis da física não sejam mutáveis em relação ao tempo esse Universo é necessariamente eterno O parâmetro de tempo na equação de Schrödinger informando como o Universo evolui vai de menos infinito a infinito Agora esta pode não ser a resposta definitiva para o mundo real porque você sempre pode violar as suposições do teorema mas porque ela leva a mecânica quântica a sério é um ponto de partida muito mais provável para analisar a história do Universo Mas novamente continuarei reiterando que o que importa são os modelos não os princípios abstratos e as próprias leis da física não mudam com o tempo então aquele Universo será necessariamente eterno Deus e a cosmologia 34min negada pela mesma razão que um número infinito de momentos foi negado O problema dessa objeção é que ela faz uma interpretação equivocada sobre a natureza de Deus pois como explica Craig 2012a p 46n quando se afirma que Deus é infinito eg infinito em sua onisciência o termo não é empregado em um sentido matemático para se referir a um agregado de número infinito de partes finitas A infinitude divina é por assim dizer qualitativa e não quantitativa Um argumento mais popular é que os cosmólogos têm proposto teorias alternativas com o propósito de evitar esse começo absoluto Em debate com William Lane Craig o cosmólogo Sean Carroll afirma que o Universo poderia ser eterno sem um começo pois há modelos construídos por cosmólogos que mostram como um Universo eterno se harmonizaria com os nossos dados científicos atuais2 Assim saber se o Universo teve um começo não pode ser discutido a partir de argumentos abstratos como o da impossibilidade de um infinito real mas é algo que diz respeito à possibilidade de construir modelos e ver qual fornece a melhor explicação para o que vemos o Universo está fazendo No debate ele fornece um exemplo Carroll está correto quando afirma que tais modelos de fato existem entre os cosmólogos O problema é que nenhum desses modelos que postulam um Universo eterno se mostrou bemsucedido como o próprio Carroll reconhece no debate O cosmólogo Alex Vilenkin afirma que não há modelos neste momento que forneçam um modelo satisfatório para um Universo sem um começo3 Nenhum dos modelos que postulam um Universo eterno se mostrou mais plausível que a teoria do Big Bang Conclusão O Universo tem uma causa Se tudo que vem a existir tem uma causa e se o Universo veio a existir seguese logicamente que o Universo tem uma causa E como deveria ser essa causa do Universo Como Craig 2012a p 148150 aponta uma vez que ela causou o espaço e o tempo ela deve necessariamente transcender o espaço e o tempo existindo fora do nosso tempo e espaço Essa causa também deve ser não física pois tudo que é físico e material surgiu com o Big 2 Deus e a cosmologia Sean Carroll vs William Lane Craig Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvm0zpPKrR7Qt6477sabchannelCanaldoDiego 2 Did the Universe have a Beginning Alexander Vilenkin Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvNXCQelhKJ7Aabchannelfirstcauseargument Argumento Cosmológico 85 CRESCER Objeção à conclusão Daniel Dennett 2006 p 258 pergunta retoricamente que se alguma coisa pode ser causada por si mesma Deus por que o Universo como um todo não pode ser a coisa que é causada por si mesma O problema da sugestão de Dennett é que isso implicaria que a causa do Universo é o próprio Universo E isso seria metafisicamente impossível pois o Universo teria trazido a si mesmo à existência Mas tal coisa é impossível pois para o Universo criar a si mesmo ele já teria de existir Mas como pode o Universo existir antes mesmo de existir Por isso a visão de Dennett é logicamente incoerente a causa do Universo deve transcender o próprio Universo Uma segunda objeção apela à natureza da causa Baggini 2016 p 114 afirma que mesmo que o argumento seja bemsucedido ele não nos leva a Deus pois chegaríamos apenas a uma causa maior e mais complexa do que o próprio Universo que por sua vez não tem nenhuma causa O argumento não consegue demonstrar que a causa do Universo seja necessariamente algo parecido com Deus E Richard Dawkins afirma mais precisamente que a causa do começo do universo é um agente pessoal que escolhe livremente criar um universo no tempo Os filósofos denominam esse tipo de causação como causação por um agente e como o agente é livre ele pode deflagar novos efeitos criando livremente condições que antes não estavam presentes CRAIG 2012a p 150 mesmo que nos dermos ao duvidoso luxo de conjurar arbitrariamente uma terminação para a regressão infinita e lhe dermos um nome não há absolutamente nenhum motivo para dar a essa terminação as propriedades normalmente atribuídas a Deus onipotência onisciência bondade criatividade de design sem falar em atributos humanos como atender preces perdoar pecados e ler os pensamentos mais íntimos DAWKINS 2007 p 112 Bang Logo ela deve ser imaterial Além disso essa causa deve não ter um começo e não ser causada Essa causa também deve ser inimaginavelmente poderosa já que criou todo o Universo Por fim essa causa deve ser pessoal Primeiro só há duas entidades capazes de ter as propriedades de ser imaterial e não causado uma mente e objetos abstratos eg os números Contudo objetos abstratos não sustentam relações causais Os números não podem causar coisa alguma por isso são chamados de abstratos Portanto a causa transcendente da origem do Universo deve ser uma mente incorpórea Segundo vimos que o começo do Universo foi o efeito de uma primeira causa Mas essa causa não pode ter um começo no tempo ela tão somente existe imutavelmente sem começo e num tempo finito do passado essa causa trouxe o Universo à existência Ora se a causa do Universo é eterna e todavia o efeito que ela produz o Universo não é eterno mas começou a existir em momento finito passado então é porque tal causa decidiu trazer o Universo à existência pois se o Universo fosse o mero efeito de uma causa impessoal como seria possível ele não existir desde toda a eternidade Por que o efeito não é coeterno com sua causa De acordo com Craig isso implica que 86 Argumento Cosmológico COMPARTILHAR Ora o argumento cosmológico não tenta derivar todos os atributos de Deus desse único argumento Ele apenas estabelece que há uma causa do Universo que é pessoal não causado sem começo imutável imaterial transcendendo tempo e espaço e inconcebivelmente poderoso E todos esses atributos se harmonizam perfeitamente com o Deus trino Pois que outra causa poderia haver que fosse um Criador pessoal não causado sem começo imutável imaterial não limitado por tempoespaço e inconcebivelmente poderoso Por isso é mais racional pensar que essa causa do Universo é aquilo em que todos nós podemos pensar como Deus Nesta aula você Aprendeu as três premissas do Argumento Cosmológico Kalam Analisou cada uma das premissas buscando entender por que elas são mais plausíveis que sua negação a partir de considerações filosóficas e científicas Avaliou algumas objeções clássicas contra cada uma das três premissas do argumento CRAIG William Em guarda defendendo a fé cristã com razão e precisão São Paulo Vida Nova 2011 capítulo 4 A existência de Deus e o começo do universo Disponível em httpsptreasonablefaithorgartigosescritosacademicosaexistenciadedeuse ocomecodouniverso PARA CRESCER MAIS 87 Argumento Teológico do Ajuste Fino módulo 08 Olá Nos últimos 50 anos emergiu da física e da cosmologia moderna um complexo e delicado equilíbrio de valores exatos das condições iniciais presentes no Big Bang e das constantes básicas da natureza para que a vida fosse possível no cosmo Físicos e astrônomos vieram a descobrir que o Universo é precisamente ajustado para a existência de vida inteligente com uma complexidade e delicadeza que desafiam o intelecto humano Esse delicado e intrincado equilíbrio é conhecido como ajuste fino do Universo para a vida Nesta lição vamos estudar o chamado Argumento Teleológico do Ajuste Fino em favor da existência de Deus Analisaremos também algumas objeções a este argumento Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Compreender o complexo e delicado equilíbrio das constantes básicas da natureza e das condições iniciais para que a vida fosse possível no cosmo Aprender as três premissas do Argumento Teleológico do Ajuste Fino Avaliar algumas objeções contra o argumento Bons estudos 88 Argumento Teleológico do Ajuste Fino CONECTAR Antony Flew 1923 2010 foi um importante filósofo da religião que lecionou nas Universidades de Oxford Aberdeen Keele e Reading e na York University em Toronto Durante sua carreira acadêmica ele foi considerado um dos filósofos ateus mais importantes do mundo fornecendo novos e criativos argumentos contra a existência e a racionalidade da crença em Deus argumentos que criaram um quadro de referência para os filósofos ateus como por exemplo o de que o ônus da prova sobre a existência de Deus não está com o ateu mas com o teísta ou seja devese pressupor o ateísmo até que surjam evidências que apontem que há um Deus Flew era um filósofo ateu tão proeminente que em 1998 ele foi convidado para representar o lado do ateísmo em um debate público com William Lane Craig convidado para representar o teísmo debate que visava comemorar o quinquagésimo aniversário do famoso debate entre Bertrand Russell e Frederick Copleston transmitido pela rádio BBC em 1948 o debate entre Flew e Craig pode ser encontrado legendado no YouTube4 Flew era um grande adepto do lema socrático temos de seguir o argumento para onde quer que ele conduza FLEW 1979 p 6 ele tinha uma grande preocupação em chamar atenção para a tentação que todos nós corremos de deixar que teorias préconcebidas modelem o modo como vemos as evidências em vez deixar que as evidências modelem nossas teorias FLEW 2008 p 92 Por isso Flew sempre buscava questionar que tipo de evidência nós podemos encontrar que pode nos fazer mudar de ideia Contudo depois de uma vida toda de investigação sobre a questão da existência de Deus Flew começou a nutrir sérias dúvidas sobre seu ateísmo principalmente depois das várias descobertas científicas que parecem apontar para o fato de que o Universo está precisamente ajustado para a vida argumento que você estudará neste módulo Em uma entrevista publicada em 9 de dezembro de 2004 Anthony Flew então com 81 anos passou a acreditar que existe um Deus A notícia foi recebida com muita surpresa principalmente entre os seus colegas ateus Em seu livro Deus existe Flew 2008 p 25 afirma agora fui persuadido a apresentar aqui o que pode ser chamado de meu testamento final Em resumo como diz o título agora acredito que existe um Deus Mais precisamente nas 4 Deus Existe Anthony Flew vs William Lane Craig 1998 Legendado Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv0gcm6izVkNoabchannelRafaelCampos Argumento Teleológico do Ajuste Fino 89 CONECTAR palavras dele agora acredito que o Universo foi criado por uma Inteligência infinita Acredito que as intrincadas leis deste Universo manifestam o que os cientistas têm chamado de Mente de Deus Acredito que a vida e a reprodução têm origem em uma Fonte divina FLEW 2008 p 94 E quais razões Flew aponta para sua mudança de crença Ou seja por que acredito nisso se ensinei e defendi o ateísmo por mais de meio século FLEW 2008 p 94 Ele afirma Isso não significa que Flew 2008 p 98 abraçou o cristianismo Como ele afirma minha descoberta do Divino tem sido uma peregrinação da razão não da fé Flew passou a adotar uma concepção deísta de Deus mais precisamente uma crença no Deus aristotélico Contudo ele deixou aberta a possibilidade de entrar em uma relação pessoal com Deus principalmente aquela revelada pela combinação carismática da figura de Jesus e o intelecto de São Paulo A resposta é curta esse é o retrato do mundo como eu o vejo e que emergiu da ciência moderna A ciência mostra três dimensões da natureza que apontam para Deus A primeira é o fato de que a natureza obedece a leis A segunda é a dimensão da vida de seres movidos por propósitos e inteligentemente organizados que surgiram da matéria A terceira é a própria existência da natureza Mas não é apenas a ciência que tem me guiado O fato de eu ter retomado o estudo dos argumentos filosóficos clássicos também tem me ajudado FLEW 2008 p 94 A descoberta de fenômenos como as leis da natureza tem levado cientistas filósofos e outros a aceitar a existência de uma Mente infinitamente inteligente Alguns alegam ter feito contato com essa Mente Eu não fiz ainda Mas quem sabe o que pode acontecer daqui para frente Algum dia eu talvez ouça uma Voz me perguntando Agora você pode me ouvir FLEW 2008 p 146 Flew mudou de posição principalmente por causa do argumento teleológico em favor da existência de Deus Em Deus existe ele afirma Faço a meus excompanheiros de ateísmo esta simples mas fundamental pergunta o que teria de acontecer ou de ter acontecido para dar a vocês uma razão para pelo menos pensar na possibilidade da existência de uma Mente superior FLEW 2008 p 93 Ou seja que tipo de evidência deveria ser apresentada para me fazer pensar o contrário O que podemos aprender com a disposição de Flew em seguir o argumento para onde quer que ele conduza PARA REFLETIR 90 Argumento Teleológico do Ajuste Fino CRESCER PARA REFLETIR O argumento teleológico em favor da existência de Deus é constituído por uma família de argumentos que supõe que há um design inteligente do Universo assim como todos nós supomos a existência de um design inteligente por trás de qualquer produto em que enxergamos evidência de uma adaptação intencional eg obras de arte marcas de escrita objetos tecnológicos Esse tipo de argumento é o mais conhecido e mais antigo argumento em favor da existência de Deus Por ser parte de uma família de argumentos o argumento teleológico se apresenta de vários modos diferentes a depender da forma ou do tipo de design a que se está apelando O filósofo cristão J P Moreland 2013 p 5478 enumera oito tipos diferentes de argumentos do design que podem ser defendidos de três modos distintos Neste módulo vamos analisar apenas um único tipomodo de argumento teleológico o chamado Argumento Teleológico do Ajuste Fino Esse argumento se baseia no extraordinário ajuste fino que é necessário para que o Universo possa comportar a possibilidade de vida algo que foi detectado por cosmólogos astrônomos e físicos nos últimos anos Mais precisamente por ajuste fino entendese o equilíbrio complexo e delicado das condições iniciais estabelecidas no próprio Big Bang e descoberto nos últimos 50 anos para que o Universo possibilitasse a existência de vida inteligente Tal como desenvolvido pelo filósofo William Lane Craig esse argumento possui as seguintes três premissas 1 O ajuste fino do Universo devese à necessidade física acaso ou design 2 O ajuste fino do Universo não se deve à necessidade física nem ao acaso 3 Logo o ajuste fino devese ao design Além de ser simples sua formulação lógica é válida Pois a conclusão se segue logicamente das premissas Afinal se o ajuste fino do Universo se deve à necessidade física ao acaso ou ao design e se tal ajuste fino não se deve nem à necessidade física nem ao acaso seguese logicamente que o ajuste fino do Universo se deve ao design Logo quem quiser negar a conclusão precisa apresentar razões para negar ou a premissa 1 ou a premissa 2 Então precisamos fazer uma análise de cada uma das premissas assim como de algumas possíveis objeções Mas antes da análise vamos explicar o que é o ajuste fino do Universo Ajuste fino do Universo Nos últimos 50 anos emergiu da física e da cosmologia moderna um cenário extraordinário as forças fundamentais do Universo estão delicadamente intrincadas e equilibradas para sustentar a vida Mais precisamente há um complexo e delicado equilíbrio de valores exatos das condições iniciais presentes no Big Bang e das constantes básicas da natureza para que a vida seja possível no cosmo Como vimos esse delicado e intrincado equilíbrio das condições iniciais é conhecido como ajuste fino ou sintonia fina ou ainda ajuste preciso do Universo para a vida Tal descoberta desafiou alguns paradigmas Como explica o matemático John Lennox 2011 p 97 se antes o pensamento científico era dominado pelo Princípio de Copérnico isto é pela ideia de que não há nada de especial com a vida na Terra os físicos e astrônomos vieram a descobrir que o Universo é precisamente ajustado para a existência de Argumento Teleológico do Ajuste Fino 91 CRESCER vida inteligente com uma complexidade e delicadeza que desafiam o intelecto humano Craig 2012a p 154 aponta para a existência de dois tipos de ajustes finos Em primeiro lugar as leis da natureza quando expressas como equações matemáticas apresentam várias constantes isto é uma quantidade física que geralmente se acredita ser universal e imutável e tem um valor constante no tempo Exemplos de constantes são a velocidade da luz constante gravitacional a constante de Planck a força eletromagnética e a força subatômica fraca O que é mais significativo aqui é que tais constantes não são determinadas pelas leis da natureza pois como afirma Craig 2011 p 118 é possível que tivessem existido universos governados por essas mesmas leis da natureza ainda que essas constantes tivessem tido outros valores O segundo tipo de ajuste fino está nos valores iniciais introduzidos precisamente como as condições iniciais nas quais operam as leis da natureza Mais precisamente há certos valores físicos que são colocados de modo arbitrário no Universo como condições limites para que as leis da natureza possam operar Essas condições iniciais também são independentes das leis da natureza Por exemplo é preciso que exista um equilíbrio delicadíssimo entre matéria e antimatéria no Universo para que as leis da natureza possam operar Tanto as constantes quanto as condições iniciais devem se encaixar em um âmbito de valores muitíssimo estreito e restrito a fim de poder favorecer a existência de vida no Universo O cosmólogo Martin Rees 2000 p 15 afirma o seguinte sobre os seis números definidos pelo Big Bang e que governam as características essenciais do cosmo físico os seis números constituem uma receita para um universo e o resultado é sensível aos seus valores se qualquer deles fosse desafinado não haveria estrelas e vida Os valores das constantes e das condições iniciais são tão finamente ajustados que qualquer alteração nestes valores menores que o da espessura de um fio de cabelo destruiria o equilíbrio favorável à existência de vida e não poderia existir nenhum organismo vivo de espécie alguma Para você entender a precisão desses ajustes vamos citar alguns exemplos Rees 2000 p 14 afirma que a vastidão dos cosmo é devida à constante N igual a 1036 que mede a intensidade das forças elétricas que mantêm nossos átomos coesos dividido pela força da gravidade que atua sobre eles Se N tivesse alguns zeros a menos somente um universo em miniatura e de curta duração poderia existir não haveria criaturas maiores que os insetos e não haveria tempo para a evolução biológica Para se ter uma ideia da precisão deste ajuste Craig 2011 p 119 afirma que o número de segundos em toda a história do Universo é cerca de 1017 Outro exemplo foi dado pelo físico Paul Davies Há duas escalas que precisam estar finamente ajustadas para que o Universo seja possível Com o Big Bang o Universo se expandiu de modo explosivo e significativamente acelerado mas a gravidade atuou para restringir tal expansão e desacelerar o Universo Como explica Davies O Universo é por isso o produto de uma competição entre o vigor explosivo do Big Bang e a força da gravidade que tenta voltar ao ponto inicial juntando as partes separadas Nos últimos anos os astrofísicos acabaram por cair na conta de como esta competição tem sido delicadamente equilibrada Se o Big Bang tivesse sido mais fraco o Universo teria rapidamente recuado para uma grande compressão Por outro lado se fosse mais forte o material cósmico terseia dispersado tão depressa que as galáxias não se teriam formado Seja como for a estrutura observada do Universo parece 92 Argumento Teleológico do Ajuste Fino CRESCER PARA REFLETIR Davies fornece um cálculo que revela a precisão desse equilíbrio tal combinação foi de 1 para 1060 Mais precisamente se o Universo tivesse diferido no equilíbrio entre a expansão do Big Bang e a força da gravidade numa só parte em 1060 teria havido um colapso Davies oferece um exemplo que pode dar um sentido maior a tal precisão vamos supor que se dispara uma bala para um alvo de 3 centímetros que fica do outro lado do universo observável a vinte bilhões de anos luz Para se acertar a pontaria deveria estar afinada na proporção de 1 para 1060 DAVIES 1988 p 191 Ou seja a probabilidade de você acertar um alvo de 3 centímetros que fica do outro lado do Universo a uma distância de 20 bilhões de anos luz é a mesma de o Universo manter o equilíbrio entre a expansão do Big Bang e a força da gravidade finamente ajustados Um último exemplo Davies estima que qualquer mínima mudança na força da gravidade ou na força fraca em apenas 1 parte em 10100 teria resultado em um Universo onde a vida não seria possível Para se ter uma ideia do delicado ajuste desse número veja a ilustração de Hugh Ross citada por John Lennox Por fim não basta que cada constante ou valor tenha de estar perfeitamente ajustado como lembra Rees 2000 as proporções entre os seis números apontados por ele também precisam estar ajustadas com a máxima precisão Há por volta de 50 quantidades e constantes que estão presentes no Big Bang e que devem ser finamente ajustadas não somente de modo independente entre si mas também em relação à razão de outras quantidades e constantes a fim de que a vida seja possível Assim Craig 2012b afirma que improbabilidade multiplica improbabilidade que multiplica improbabilidade até que nossa mente esteja emaranhada em números incompreensíveis Uma vez que compreendemos o que é o ajuste fino do Universo qual seria a melhor explicação para ele Premissa 1 O ajuste fino do Universo devese à necessidade física acaso ou design Essa primeira premissa é menos polêmica pois apresenta apenas uma lista de três possibilidades que explicariam a presença do ajuste fino do Universo necessidade física acaso ou design De acordo com a primeira alternativa o Universo tinha que ter esse ajuste fino do modo que tem e não haveria qualquer possibilidade de ele ser de outro modo assim tais números são devidos a uma necessidade física do próprio Universo de modo que o Universo não poderia não ser favorável à existência de vida A segunda alternativa declara que o ajuste fino é resultado do acaso É por algum tipo de acidente ou coincidência cósmica que o Universo se mostra favorável à existência de vida Por fim a terceira alternativa apela depender sensivelmente da combinação precisa de vigor explosivo com o poder gravitacional DAVIES 1988 p 191 Cubra a América com moedas formando uma pilha que alcance a Lua 380000 quilômetros ou 236000 milhas de distância Depois faça o mesmo para um bilhão de outros continentes do mesmo tamanho Coloque uma única moeda pintada de vermelho nalgum ponto de uma daquelas pilhas Vende os olhos de uma amiga e peçalhe para identificar a moeda vermelha As probabilidades de sucesso para sua amiga são de cerca de 1 em 1040 LENNOX 2011 p 99 Argumento Teleológico do Ajuste Fino 93 CRESCER para uma Mente inteligente que ajustou o cosmos projetando o Universo para que ele permitisse vida A questão a que devemos responder agora é a seguinte qual dessas alternativas é a melhor explicação para o ajuste fino do Universo Premissa 2 O ajuste fino do Universo não se deve à necessidade física nem ao acaso Essa é a premissa crucial deste argumento Vamos analisar o por que as duas alternativas necessidade física e acaso não fornecem uma explicação adequada para o ajuste fino do Universo Necessidade Física Segundo a primeira alternativa o Universo tem que necessariamente ter os valores que tem e assim admitir a existência de vida Não haveria probabilidade de que o Universo não pudesse abrigar vida Logo um Universo que não admite a existência de vida é algo fisicamente impossível Contudo os físicos e cosmólogos estão certos de que é possível um Universo que não permite a existência de vida De acordo com o físico e matemático Roger Penrose 2004 p 343 universos semelhantes àquele em que vivemos povoam apenas uma parte em 1010123 Ou seja há muito mais probabilidade de existir um Universo que não permite a vida do que um Universo que permite Assim apelar para a necessidade física é algo extraordinariamente implausível pois as constantes e as condições iniciais são independentes das leis da natureza As constantes poderiam operar a partir de outros valores e as condições iniciais poderiam ter começado com outros números Não há nenhuma lei da natureza que estipule necessariamente que as constantes e as condições iniciais precisam operar com os valores que têm Nem mesmo a possibilidade de uma Teoria do Tudo como a teoria de supercordas poderia mostrar que o Universo opera do modo que opera por uma questão de necessidade Como explica Paul Davies sobre as condições iniciais Deste modo Universos que não permitem a existência de vida são muitíssimo mais prováveis que os Universos que permitem a existência de vida e isso não se deve a uma necessidade física do próprio Universo Mesmo se as leis da física fossem únicas isto não implicaria que o Universo físico em si fosse único As leis da física devem ser justificadas pelas condições cósmicas iniciais Nada há nas atuais ideias sobre as leis das condições iniciais que possa sugerir nem remotamente que sua coerência com as leis da física levaria à unicidade Então parece que o Universo físico não tem de ser como é poderia ter sido diferente DAVIES 1994 p 168169 94 Argumento Teleológico do Ajuste Fino CRESCER PARA REFLETIR Acaso E o que dizer da segunda alternativa Será que o ajuste fino do Universo se deve ao acaso Será que é por mero acidente o fato de as constantes e quantidades presentes nas condições iniciais caírem no estreito âmbito em que se admite a existência de vida O problema desta alternativa é que as probabilidades contra as condições do Universo serem favoráveis à existência de vida são tão imensamente incompreensíveis que não é racionalmente apropriado apelar para o acaso A faixa de universos favoráveis à existência de vida é tão insondavelmente minúscula em comparação com o Universo que não permite a vida que a existência de um Universo favorável à vida é fantasticamente improvável Um número tão alto de coincidência e de ajustes finos faz com que ninguém apele para a hipótese do acaso em qualquer outra área da vida Como afirma Paul Davies 1994 p 15 meu trabalho científico levoume a acreditar cada vez mais intensamente que a constituição do Universo físico atesta um engenho tão assombroso que não posso aceitálo apenas como fato bruto Objeções à premissa 2 Alguns filósofos e astrônomos afirmam que qualquer Universo que existisse teria que exibir um nível de complexidade elevado e qualquer deles seria extremamente improvável Para usar uma ilustração de Carl Sagan 2008 p 79 é um pouco como a mão vencedora no bridge A chance de digamos receber doze cartas de espadas é uma probabilidade absurdamente pequena Mas é tão provável como receber qualquer outra combinação de cartas Para entender melhor a ilustração de Sagan pense na loteria é extremamente improvável que uma quantidade específica de números seja sorteada e que alguém ganhe contudo alguém tem que ganhar No caso do cosmo todos os Universos são igualmente improváveis contudo algum Universo veio a existir No entanto há dois problemas com esta objeção Em primeiro lugar não aceitaríamos tal raciocínio em outras áreas da vida Como ilustra Alvin Plantinga O exemplo de Plantinga mostra por que tal distribuição de cartas tenderia a provocar um tiroteio em algum cassino americano a probabilidade de que ela ocorra é muito maior considerando a hipótese de eu estar trapaceando do que as ter distribuído às cegas PLANTINGA 2018b p 180n Ou seja há aqui uma intuição que todos nós empregamos quando lidamos com grandes coincidências dada a natureza da coincidência em questão é mais provável que eu esteja trapaceando e por isso recebo sempre as cartas Uma das reações a essas coincidências aparentemente extraordinárias é afirmar que uma delas exige uma explicação afinal não importa como os fatos aconteceram é extremamente improvável que foram desse modo particular Adequadamente entendida essa afirmação talvez seja verdadeira Mas será que vem ao caso Estamos jogando pôquer Toda vez que dou as cartas saio com quatro ases e um coringa Você fica desconfiado Para mitigar sua suspeita observo que o fato de eu sair com esse jogo sempre que dou as cartas não é menos provável que qualquer outra distribuição específica dentro daquele número específico de rodadas Essa explicação seria aceita em Dodge City ou em Tombstone PLANTINGA 2018b p 180 Argumento Teleológico do Ajuste Fino 95 CRESCER favoráveis ao meu jogo do que eu tenha realmente aquela quantidade estrondosa de sorte Como explica Paul Davies 1987 p 137 não consideramos cada jogo recebido como um milagre Geralmente cada conjunto de cartas quando distribuídas de modo aleatório não faz muita diferença no jogo entre os participantes contudo acharíamos estranho que alguém tivesse a sorte de receber por mais de 100 vezes seguidas o conjunto estruturado e sortudo de cartas pensaríamos corretamente que tal coisa exige algum tipo de explicação No Brasil há o conhecido caso do exdeputado federal João Alves que ficou conhecido pelo seu envolvimento com a máfia dos Anões do Orçamento na década de 1990 De acordo com matéria da Folha de São Paulo Revista Folha 26 dez 1993 p 8 a explicação que o deputado forneceu para justificar a movimentação de US 50 milhões de dólares entre o período de 19891993 foi que Deus o ajudou a ganhar 409 vezes na loteria5 Pense especificamente nesse caso isto é o que parece ser mais provável que João Alves seja sortudo o suficiente para ter ganhado mais de 400 vezes na loteria ou que ele de alguma forma estava comprando bilhetes premiados para lavar dinheiro A história do exdeputado federal é alvo de risadas justamente porque é muitíssimo improvável que alguém seja tão sortudo Plantinga pensa que o mesmo vale para o ajuste fino Outro problema com o argumento de que qualquer Universo seria igualmente improvável foi apontado por Craig 2012a p 160 não estamos tentando explicar a existência do Universo pelo contrário é a existência de um Universo que permite a vida que requer explicação Craig oferece um exemplo que ajuda a ilustrar tal ponto suponha que exista uma loteria com bilhões e bilhões de bolas pretas e uma única bola branca suponha que uma bola é tirada de modo aleatório É verdade que qualquer bola que deslize pela canaleta será um evento fantástico e igualmente improvável todavia é muitíssimo mais provável que uma bola qualquer que saia pela canaleta seja preta e não branca CRAIG 2012a p 160 Alguns cientistas como Richard Dawkins e Stephen Hawking propõem que o ajuste fino seja explicado pelo princípio antrópico De acordo com Dawkins 2007 p 195 a resposta antrópica em sua forma mais genérica é que só poderíamos estar discutindo a questão num Universo que fosse capaz de nos produzir Ou seja dado que só poderíamos existir no tipo particular de Universo capaz de desenvolver e sustentar vida consciente tal coisa explicaria por que este Universo tem a idade e as constantes físicas fundamentais necessárias para acomodar a vida consciente pois se qualquer um dos dados fosse diferente não estaríamos aqui para fazer tais observações Como afirma Hawking apenas nos poucos Universos semelhantes ao nosso poderiam se desenvolver seres inteligentes que fariam a pergunta por que o Universo é da forma que o vemos A resposta então seria simples se fosse diferente nós não estaríamos aqui HAWKING 1988 p 176 Dawkins e Hawking estão corretos quando afirmam que nós estamos aqui para A probabilidade do ajuste fino considerando a proposição de que Deus criou o Universo é muito maior do que a proposição de que o Universo não foi criado consequentemente considerando o ajuste fino a probabilidade de Deus haver criado o Universo é maior do que seria se os valores dessas constantes fossem outros PLANTINGA 2018b p 180n 5 Há um trecho de uma reportagem do Globo Repórter em que ao tentar justificar os 200 prêmios que ganhou na loteria João Alves afirmou que Deus me ajudou e eu ganhei dinheiro Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv0iy98EM1yfoabchannelcomediadavidapublica Acesso em 01 jan 2021 96 Argumento Teleológico do Ajuste Fino CRESCER PARA REFLETIR observar tais constantes e condições iniciais porque elas têm o valor que têm e que se o Universo não apresentasse ajuste fino não estaríamos aqui para percebêlo Contudo isso é mero truísmo Richard Swinburne 2015b p 94 aponta corretamente que o ponto de partida para o teísta não é que nós percebemos ordem ao invés de desordem mas que existe ordem ao invés de desordem Talvez seja verdade que a existência da ordem é uma condição necessária para sabermos o que existe mas daí não se segue que aquilo que existe não precisa de uma explicação O fato de observarmos um Universo que permite a vida não elimina a necessidade de explicação nem é uma objeção sensata ao ajuste fino Ainda precisamos de uma explicação de por que esses valores são como são Como afirma Plantinga Outra objeção apontada por Kerry Walters 2015 p 83 é que fundamentalmente o argumento confunde a direção da sintonia fina É a vida baseada em carbono que se adaptou ao Universo não o contrário Sagan 2008 p 77 sugere que em algumas partes desse argumento há uma falta de imaginação Mais precisamente a objeção é que talvez se o Universo operasse a partir de outras constantes e outros valores iniciais poderíamos ter a evolução de outras formas de vida talvez não baseada em carbono mas baseada em outra propriedade química Craig mostra que há uma falha fatal nessa objeção A objeção de Walters e de Sagan subestima as consequências fatais de uma alteração mínima nessas constantes e quantidades Sequer grande parte do próprio Universo galáxias estrelas planetas existiria caso houve uma mudança mínima em tais números Além disso o ponto chave do argumento que apela para a sintonia fina é mostrar o porquê de um universo capaz de abrigar a vida é extremamente improvável dada a quantidade muito mais provável de existirem Universos que não comportem a vida Próximo dessa objeção Carl Sagan afirma também que o fato de grande parte do Universo ser vazia ou inóspita para a vida parece indicar falta de planejamento Certamente há muita ordem no Universo mas também há muito caos Os centros da galáxias costumam explodir e se houver mundos habitados ou civilizações ali elas são destruídas aos milhões com cada explosão do núcleo galáctico ou quasar SAGAN 2008 p 178179 Primeiro há uma suposição gratuita por parte de Sagan de que nos centros das galáxias que explodem há mundos habitados ou civilizações Segundo e mais importante Não deixa de ser surpreendente esses valores serem como são e ainda parecer pedir uma explicação Não vale simplesmente observar que essas constantes precisam ter ajuste fino para que possamos observar que elas a têm do mesmo modo que não posso explicar o fato de Deus haver decidido me criar em vez de criar outra pessoa por exemplo observando que caos ele não o tivesse feito eu não estaria aqui para levantar a questão PLANTINGA 2018b p 183 Por vida os cientistas entendem a propriedade dos organismos de se alimentar extrair energia dos alimentos crescer adaptarse ao seu meio ambiente e se reproduzir A questão é que para haver vida assim tão definida no universo não importa a forma que os organismos assumam o ajuste das constantes e quantidades teria de ser incrivelmente preciso Na ausência desse ajuste fino nem mesmo a matéria atômica ou a química existiriam para não falar dos planetas onde a vida evoluiria CRAIG 2012a p 155 Argumento Teleológico do Ajuste Fino 97 CRESCER por que pensar que o fato de haver caos ou algum tipo de distúrbio físico no Universo ou de grande parte dele parecer ser inóspita à vida indica algum tipo de falta de planejamento A verdade é que não sabemos se grande parte do Universo é realmente inóspita talvez nosso Universo esteja borbulhando de vida inclusive vida inteligente e nós não conhecemos Contudo e mais importante grande parte da desordem citada por Sagan se mostra extremamente necessária para a transformação do próprio Universo O próprio Sagan era conhecido pela frase de que somos poeira das estrelas apontando para o fato de que materiais como o ferro o carbono o ouro e o urânio que encontramos na Terra e em nossos próprios corpos vieram da explosão de uma estrela em nossa vizinhança cósmica Como explica o físico brasileiro Marcelo Gleiser Além disso Gleiser explica que o termo caos quando aplicado a sistemas físicos não significa necessariamente desorganização mas uma alta sensibilidade às condições iniciais Isso não significa que tais sistemas sejam completamente aleatórios mas que obedece a certos vínculos e comportamentos dentro de um sistema O que define um sistema físico caótico não seria a falta de organização mas sua nãolinearidade Gleiser cita como exemplo o clima Assim o caos e a desordem presentes no Universo e apontados por Sagan parece fortalecer mais o ajuste fino do Universo do que contribuir de algum modo para enfraquecêlo Por fim Martins Rees 2000 p 34 sugere que o ajuste fino talvez seja devido ao multiverso nosso Universo físico observável tudo que podemos ver até o limite de nossos telescópios é apenas uma parte de um conjunto dentro do qual há até uma diversidade de leis físicas Neste caso os seis números poderiam ser diferentes somente alguns Os grandes motores das transformações cósmicas da criação e da destruição de mundos da geração de elementos químicos que aparecem em planetas sapos e pessoas são as explosões que marcam o fim da vida das estrelas Pode parecer estranho falar em vida das estrelas como se elas fossem seres vivos mas a verdade é que a analogia é muito apropriada Estrelas também nascem evoluem e morrem e desse ciclo nascem outras estrelas e outros mundos Podemos até imaginar que as estrelas são uma espécie de reciclador de material cósmico A partir de hidrogênio e um pouco de hélio elas geram praticamente todos os outros elementos do Universo GLEISER 2005 p 246 O clima é um exemplo de sistema caótico é impossível prever com precisão qual será o clima em três ou quatro dias mesmo que tenhamos uma quantidade enorme de dados e equações descrevendo os movimentos dos gases na atmosfera o fluxo de calor as diferenças de pressão etc Qualquer variação em um determinado local pode afetar o clima em outro local distante Esse é o chamado efeito borboleta expressão cunhada por Edward Lorenz nos anos 60 o bater das asas de uma borboleta no Quênia pode afetar o clima no Canadá Como jamais saberemos todos os detalhes que podem influenciar o clima mundial jamais seremos capazes de prevêlo perfeitamente Por outro lado o clima não é completamente louco não neva no Rio de Janeiro em São Paulo nunca se sabe Há um limite para o caos climático GLEISER 2005 p 163 98 Argumento Teleológico do Ajuste Fino CRESCER PARA REFLETIR Universos seriam afinados para a vida REES 2000 p 34 Sagan sugere que a hipótese dos multiversos pode oferecer uma explicação plausível para o ajuste fino Contudo há vários problemas com a hipótese do multiverso Primeiro não há nenhuma evidência científica de que existe tal coisa como o multiverso Isso é apenas uma especulação Flew 2008 p 118 aponta corretamente que é logicamente possível que existam múltiplos Universos com suas próprias leis naturais mas isso não demonstra que eles realmente existem Assim em primeiro lugar precisaríamos de uma razão para supor que existem outros Universos além do nossos Um problema mais grave com tal hipótese é que geralmente tais Universos são tidos por seus proponentes como impossíveis de serem verificados É difícil ver como tal explicação pode ser aceitável do ponto de vista científico Como admite Davies 1988 p 186 poderá ser mais fácil acreditar numa quantidade infinita de Universos do que numa divindade mas uma tal opinião terá de basearse na fé e não na observação Um segundo problema com a teoria do multiverso é que ela não passa na Navalha de Ockham De acordo com esse princípio científico e filosófico devese postular a existência do mínimo possível de entidades Mais precisamente como aponta Baggini e Fosl 2012 p 138 quando duas teorias concorrentes podem explicar de modo igualmente adequado um dado fenômeno devese dar preferência à mais simples delas Ou seja a explicação mais simples é preferível do que a mais complexa Uma grande fraqueza da teoria do multiverso é que ela não é simples Como aponta Davies 1988 p 185 invocar uma infinidade de outros Universos só para explicar este é levar um excesso de bagagem até aos extremos cósmicos para já não mencionar o facto de que todos esses outros Universos são praticamente impossíveis de observar Um terceiro problema apontado por Davies 1994 p 190 para a hipótese do multiverso é que se torna praticamente impossível refutar tal teoria que descoberta levaria seus defensores a mudar de ideia O que se pode dizer para convencer alguém que nega a existência desses outros mundos No final das contas a teoria do multiverso pretende explicar muita coisa mas acaba sendo uma hipótese extravagante que não explica nada tornando a ciência ociosa Conclusão O ajuste fino devese ao design O ajuste fino do Universo portanto parece não ser devido à necessidade física nem ao acaso Logo seguese daí que tal ajuste é devido a um design Assim considerando o teísmo o ajuste fino não é algo improvável ou surpreendente se Deus quis que a vida existisse sobretudo formas de vida com que ele pudesse se relacionar pessoalmente então Se a cada microinstante de tempo o Universo se divide em Universos alternativos em que as coisas acontecem de modo diferente e se existe no mesmo momento uma série imensamente grande talvez infinitamente grande de outros Universos com outras leis da natureza e outras constantes então nossa existência não é tão impressionante assim Existem todos esses outros Universos em que não há vida Só calhamos por acidente de estar em um que tenha Portanto se jogarmos tempo suficiente algum Universo terá que ter nossas leis naturais SAGAN 2008 p 79 Argumento Teleológico do Ajuste Fino 99 CRESCER ele arranjou o Universo para comportar a existência de vida Por outro lado pressupondo a hipótese ateísta de que o Universo é fruto do acaso é extremamente improvável que ele fosse finamente ajustado no grau exato para permitir a existência de vida sem qualquer intenção ou supervisão inteligente Por isso Plantinga 2018b p 182 afirma que considerando o teísmo o ajuste fino não é nenhum pouco improvável considerando o ateísmo é improvável logo devese preferir o teísmo ao ateísmo Objeção à conclusão Dawkins procurou oferecer uma objeção a esta conclusão Ele afirma que a hipótese do design é mais improvável do que a de seus concorrentes mesmo ao multiverso e ao acaso E isso por duas razões em primeiro lugar Dawkins 2007 p 153 afirma que um Deus projetista não pode ser usado para explicar a complexidade organizacional porque qualquer Deus capaz de projetar qualquer coisa teria que ser complexo o suficiente para exigir o mesmo tipo de explicação para si mesmo Para Dawkins a hipótese de que haja um design que criou o Universo suscita imediatamente um problema maior de quem criou o design Em segundo lugar Dawkins 2007 p 213 pensa que não é solução postular uma coisa ainda mais improvável Mais precisamente postular algo mais complexo para explicar algo menos complexo não traz nenhum avanço para a explicação E como Deus seria o ser mais complexo do Universo ele seria o tipo de ser menos provável para explicar qualquer coisa Há vários problemas com esta objeção de Dawkins Primeiro Deus não é um ser complexo mas simples de acordo com Swinburne 2015b cap 3 como veremos no módulo 11 o ser mais simples que pode existir Segundo pela própria definição de Dawkins Deus não é um ser complexo Dawkins 2001 p 26 explica que uma coisa complexa é algo cujas partes constituintes encontramse arranjadas de tal modo que não seja provável esse arranjo ter ocorrido somente por acaso Assim algo é complexo quando é formado de várias partes diferentes de tal modo que se torna improvável que suas partes tenham sido arranjadas por acaso Contudo Deus não é um objeto físico composto de partes diferentes mas uma entidade espiritual notavelmente simples pois ele é espírito É claro que Deus pode ter ações e ideias complexas mas Deus em si é incrivelmente simples Além disso a fim de alguém reconhecer que uma explicação é melhor não é necessário ter a explicação da explicação Como elucida Craig Se um grupo de arqueólogos em suas escavações encontrassem objetos que se parecessem com flechas e alguns cacos de cerâmica seria plenamente justificável que eles inferissem que tais artefatos eram produtos de alguma civilização desconhecida e não um resultado aleatório da sedimentação e metamorfose mesmo que eles não tivessem ainda uma explicação de quem foi essa civilização ou de onde ela viera Da mesma forma se um grupo de astronautas se deparasse com um amontoado de máquinas em algum ponto da superfície lunar seria plenamente justificável que eles inferissem que isso era um produto de agentes inteligentes mesmo que eles não tivessem a mais remota ideia de quem fossem esses agentes e de como eles tinham chegado ali CRAIG 2011 p 134 100 Argumento Teleológico do Ajuste Fino COMPARTILHAR Tanto no caso do grupo de arqueólogos quanto dos astronautas não é necessário conseguir explicar a explicação para admitir que uma explicação seja a melhor De fato lembra Craig 2011 exigir a explicação da explicação levaria a uma regressão infinita de explicações de tal modo que nada jamais poderia ser explicado e a ciência seria destruída Pois antes que uma explicação pudesse ser aceita seria necessária uma explicação dela e depois uma explicação da explicação e assim por diante Nada poderia ser explicado Logo para reconhecer que o design seja a melhor explicação para a sintonia fina do Universo não é necessário poder explicar o design Nesta aula você Compreendeu o complexo e delicado equilíbrio das constantes básicas da natureza das condições iniciais para que a vida fosse possível no cosmo Aprendeu as três premissas do Argumento Teleológico do Ajuste Fino Avaliou algumas objeções contra o argumento CRAIG William Em guarda defendendo a fé cristã com razão e precisão São Paulo Vida Nova 2011 capítulo 5 PLANTINGA Alvin Ciência religião e naturalismo onde está o conflito São Paulo Vida Nova 2018b capítulo 7 PARA CRESCER MAIS 101 Argumento Moral módulo 09 Olá Neste módulo vamos aprender um dos mais fascinantes e fortes argumentos para pensar que há tal pessoa como Deus o Argumento Moral A ideia básica do argumento é que a existência objetiva de valores e deveres morais depende da existência ou inexistência de Deus Se Deus existir então há um fundamento sólido para a moralidade Se Deus não existir então nossos valores e deveres morais mais caros são uma ilusão sociobiológicas Como sabemos que valores e deveres morais existem seguese logicamente que Deus existe Logo a existência de valores e deveres morais objetivos serve para demonstrar a existência de Deus Além disso veremos algumas objeções clássicas contra tal argumento Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Aprender as três premissas do Argumento Moral Analisar cada uma das premissas buscando entender por que elas são mais plausíveis que sua negação a partir de considerações filosóficas e científicas Avaliar algumas objeções clássicas contra cada uma das três premissas do argumento Bons estudos 102 Argumento Moral CONECTAR O livro Cristianismo Puro e Simples de C S Lewis começa com um dos argumentos mais fortes em favor da existência de Deus o argumento moral Tal argumento se baseia na existência de certos fenômenos morais Lewis afirma que o principal deles era chamado pelos antigos de Lei Natural ou Lei da Natureza Humana De acordo com Lewis 2017a p 67 a ideia era que da mesma forma que todos os corpos são governados pela lei da gravidade e os organismos por leis biológicas a criatura chamada ser humano também tinha a sua lei Para Lewis a Lei Natural tinha três características Em primeiro lugar elas são leis universais isto é são leis que devem ser aplicadas a todas as pessoas Considere por exemplo a afirmação de que é moralmente errado matar judeus Se afirmo que essa asserção é universal estou querendo dizer que ela se aplica a todos os seres humanos quer eles tenham consciência disso quer não Algumas pessoas alegam que tal universalidade não existe dada a diferença de crenças morais entre as civilizações humanas Contudo Lewis argumenta que tais diferenças são aparentes não essenciais Para Lewis Uma segunda característica da Lei Moral é que ela é objetiva isto é ela é verdadeira independentemente das crenças sentimentos e convenções dos seres humanos Mais precisamente a Lei Natural é independente da opinião desejo ou da cultura humana Isso implica que se a Lei Natural afirma que é errado exterminar judeus isso ainda será errado mesmo que a maioria das pessoas não concordem com isso Se os nazistas tivessem vencido a II Guerra Mundial e convencido a humanidade de que exterminar judeus era um ato moralmente correto tal ato não passaria a ser moralmente correto pois ele é objetivamente errado de acordo com a Lei Natural Neste caso a Lei Moral não pode ser uma mera criação humana pois ela perderia seu caráter objetivo Ela precisa transcender as diversas opiniões particulares humanas a fim de se colocar acima delas e julgálas Para Lewis se a Lei Natural não tiver esse tipo de objetividade não faz sentido falar sobre o certo e o errado Nas palavras dele Sei que algumas pessoas consideram a Lei Natural ou lei do comportamento digno conhecida de todos os homens sem fundamento porque as diversas civilizações e os povos das várias épocas erigiram doutrinas morais muito diferentes Mas isso não é verdade Está certo que há diferenças entre as suas moralidades mas estas nunca chegaram a se configurar como uma diferença total Se alguém se desse ao trabalho de comparar o ensinamento moral dos antigos egípcios dos babilônios dos hindus dos chineses dos gregos e dos romanos ficaria de fato impressionado com a semelhança que têm entre si e também em relação ao nosso ensinamento moral Para o nosso propósito atual basta eu pedir ao leitor apenas para imaginar como seria uma moralidade totalmente diferente Imagine um país em que as pessoas fossem admiradas por fugir da batalha ou em que uma pessoa se orgulhasse de ter enganado todas aquelas que foram legais com ela Seria o mesmo que tentar imaginar um país em que dois mais dois fosse igual a cinco LEWIS 2017a p 32 Argumento Moral 103 CONECTAR Em terceiro lugar Lewis sugere que uma parte significativa da Lei Natural é conhecida pela maioria das pessoas Mais precisamente nós sabemos que existe um certo e um errado e que tal distinção possui um caráter normativo Essa lei foi chamada de Lei Natural porque as pessoas acreditavam que todos a conhecessem por natureza e não precisavam ser ensinados por outros LEWIS 2017a p 31 Você não precisa ver um judeu brutalmente morto para só depois saber que isso é errado Nós já temos esse conhecimento É claro que podemos encontrar algumas pessoas que afirmam que não é errado matar judeus eg os nazistas Contudo isso não desabona o conhecimento da lei moral da mesma forma que um erro aritmético não desabona a tabuada as pessoas podem muitas vezes enganarse sobre eles certo e errado da mesma forma que as pessoas às vezes erram os cálculos mas isso não é uma mera questão de gosto ou opinião mas de tabuada LEWIS 2017a p 33 Para Lewis a Lei Natural pode ser desobedecida isto é nós somos livres para transgredila Mas mesmo quando isso acontece somos atingidos por um certo conhecimento de que não deveríamos ter feito isso Isso parece tão verdadeiro que Lewis afirma que todo debate moral só faz sentido a partir desse conhecimento Afinal quando duas pessoas discordam sobre um comportamento moral o debate entre elas geralmente apela para um tipo de padrão de comportamento que espera que o outro conheça LEWIS 2017a p 29 Ou seja quando duas pessoas discutem sobre um comportamento moral quase sempre uma delas tenta convencer a pessoa de que o que esteve fazendo não infringe o padrão de verdade ou que no caso de infringir haja alguma desculpa especial LEWIS 2017a p 2930 Para Lewis isso implica que se existe tal debate é apenas porque elas apelam para um padrão moral que os dois indivíduos conhecem se suas ideias morais podem ser mais verdadeiras e aquelas dos nazistas menos deve haver algo alguma Moralidade Real de acordo com a qual sejam verdadeiras LEWIS 2017a p 41 Qual seria a melhor explicação para a existência dessa Lei Natural Mais precisamente se a Lei Natural não é fruto da criatividade humana então qual é sua origem Lewis pensa que há duas visões para tentar explicar a Lei Natural uma materialista outra religiosa O argumento de Lewis funciona da seguinte forma sabemos que as pessoas estão debaixo de uma lei moral que não foi criada por eles e de que não conseguem esquecer mesmo que tentem e à qual sabem que devem obedecer LEWIS 2017a p 54 Neste caso qual seria a melhor explicação para tal Lei De acordo com Lewis Que sentido teria dizer que o inimigo está errado se o certo não for algo real que no fundo os nazistas conheciam tão bem quanto nós e tinham o dever de pôr em prática Se não tivessem tido noção do que queríamos dizer com o certo e o errado então por mais que continuássemos tendo de combatêlos não poderíamos culpálos mais por isso do que pela cor do seu cabelo LEWIS 2017a p 3132 Se houvesse um poder controlador fora do universo ele não poderia se mostrar para nós como um dos fatos que se dão do lado de dentro do universo A única forma pela qual poderíamos esperar que isso se revelasse em nós seria por meio de uma influência ou um mandamento que nos induzisse a nos comportarmos de determinada maneira E isso é precisamente o que encontramos dentro de nós E isso não deveria fazer com que levantássemos suspeitas Descubro que não existo por mim mesmo que estou debaixo da lei que alguém ou alguma coisa deseja que eu me comporte de certa maneira Tudo o que obtive até aqui é Algo que está dirigindo o universo e que aparece em mim 104 Argumento Moral CONECTAR Em suma Lewis supõe que uma vez que a Lei Natural é uma realidade ela é mais bem explicada por meio de um Poder Superior que nos impele a nos comportar moralmente de determinada maneira Por isso se esse Poder nos fornece instruções é porque ele se parece mais com uma mente pessoal do que com qualquer outra coisa que conhecemos Tal Poder Superior é o que os teístas chamam de Deus Lewis afirma que a existência de Deus é a melhor explicação para a existência da Lei Natural Afinal que outro fundamento poderia ser possível a fim de embasála PARA REFLETIR como uma lei que me impele a fazer a coisa certa e que me faz sentir responsável e desconfortável quando ajo mal Pareceme que é forçoso presumir que se trata de Algo mais parecido com uma mente do que com qualquer outra coisa conhecida porque afinal de contas a única outra coisa que conhecemos é a matéria e nunca se viu uma porção de matéria dando instruções LEWIS 2017a p 5556 O argumento moral em favor da existência de Deus é considerado uma das mais fascinantes e fortes razões para pensar que há tal pessoa como Deus E isso acontece porque de acordo com o filósofo William Lane Craig ele atinge as pessoas em seu cotidiano enquanto o argumento cosmológico kalam e o argumento teleológico do ajuste fino parecem abstratos e distantes todos os dias que nos levantamos temos de responder à pergunta se há valores e deveres morais objetivos pelos quais devemos viver É inevitável CRAIG 2012a p 188 A ideia básica por trás dele é que a existência de valores e deveres morais objetivos é mais bem explicada pela existência de um ser como Deus Aqui é importante fazer algumas distinções logo no início O argumento moral não está afirmando que não seja possível levar uma vida moral sem acreditar em Deus também não se está afirmando que o ateu não possa reconhecer a existência de valores e deveres morais objetivos Em vez disso a ideia é que a existência de Deus fornece um fundamento objetivo para a fundamentação de tais valores e deveres Como afirma o ateu Kerry Walters 2015 p 151152 a questão é que sem uma garantia metafísica de que os valores são objetivos não há nenhuma razão compulsiva para se fazer a coisa certa Nessa situação de fato não existe nenhuma coisa certa Sabemos que o genocídio que Hitler promoveu contra os judeus é moralmente errado sabemos também que a abolição da escravatura promovida por Lincoln é moralmente correta Os dois juízos apelam para uma lei moral objetiva Qual a melhor explicação para tal lei Esse é o ponto principal do argumento moral De acordo com o filósofo William Lane Craig Outra distinção importante diz respeito ao significado dos termos valores e deveres morais De acordo com Craig 2011 valores dizem respeito a se algo é bom ou mau enquanto deveres dizem respeito a se algo é certo ou errado Essa distinção pode não parecer significativa pois tendemos a pensar que bom e certo significam a mesma coisa e do mesmo modo que mau e errado parecem ser sinônimos Contudo Craig 2011 p 142 argumenta que o dever tem a ver com uma obrigação moral com aquilo que se deve ou não fazer Mas é evidente que você não é moralmente obrigado a fazer algo somente porque seria bom que você fizesse aquilo Por exemplo seria bom para você tornarse teólogo mas isso não o obriga moralmente a cursar Teologia Pois poderia ser igualmente bom que você se tornasse filósofo ou dona a de casa ou médica ou vendedor ou diplomata mas é muito claro que você não pode fazer todas essas coisas Há também casos em que somos obrigados a fazer escolhas ruins embora não seja errado fazer uma escolha uma vez que tenha que escolher alguma Logo há uma diferença entre o bom e o mau e o certo e o errado Bom e mau têm a ver com o valor de alguma coisa e o certo e o errado têm a ver com o fato de alguma coisa ser obrigatória Argumento Moral 105 CRESCER Embora seja arrogante e uma atitude de ignorância dizer que as pessoas não podem ser boas sem acreditar em Deus não foi essa pergunta que fiz A minha pergunta foi Podemos ser bons sem Deus Ao fazer essa pergunta estamos propondo uma pergunta sobre a natureza dos valores morais Os valores que tanto prezamos são orientações que guiam nossa vida por meras convenções socais como dirigir do lado direito e não do esquerdo da rua Ou são meras expressões de preferências pessoais como o fato de gostarmos de determinados pratos Ou eles são de alguma forma válidos e obrigatórios independe do que pensamos sobre eles e se são objetivos dessa maneira qual o seu fundamento CRAIG 2011 p 139 Outra distinção importante apontada por Craig 2011 é que há uma diferença entre ser objetivo ou subjetivo Neste contexto objetivo significa independente da opinião das pessoas por sua vez subjetivo significa dependente da opinião das pessoas Para Craig Enquanto a objetividade é algo que independe da opinião humana a subjetividade depende da opinião humana questões ligadas ao gosto eg prefiro morango a chocolate parecem ser relativas a cada pessoa Contudo valores morais não parecem ser algo deste tipo Para relembrar um importante ponto trazido por Lewis sobre a Lei Natural se afirmamos que o Holocausto foi objetivamente errado queremos dizer que ele foi errado ainda que os nazistas pensassem sinceramente que era certo ou ainda que eles tivessem vencido a II Guerra Mundial e conseguido exterminar ou fazer lavagem cerebral em todos quantos discordassem deles de sorte que todos acreditassem que o Holocausto era certo O Argumento Moral possui três premissas 1 Se Deus não existe valores e deveres morais objetivos não existem 2 Valores e deveres morais objetivos existem 3 Logo Deus existe Além de ser simples sua formulação lógica é válida Pois a conclusão se segue logicamente das premissas Afinal se a existência de valores e deveres morais objetivos depende da existência de Deus e se valores e deveres morais objetivos de fato existem seguese logicamente que Deus existe Logo quem quiser negar a conclusão precisa apresentar razões para negar ou a premissa 1 ou a premissa 2 Então precisamos fazer uma análise de cada uma das premissas assim como de algumas possíveis objeções De acordo com Craig 2012a p 188 uma parte significativa da força deste argumento se deve ao fato de que os estudantes foram doutrinados a acreditar em ambas as premissas Acontece que eles nunca juntaram as duas e observaram a implicação inevitável Mais precisamente o ponto de Craig é que as pessoas geralmente tendem a acreditar nas duas premissas do argumento Pois em nossa era pluralista as pessoas têm medo de impor seus valores aos outros Assim a premissa 1 parecelhes obviamente correta de modo que valores e deveres morais não são realidades objetivas ou seja válidas e obrigatórias a despeito da opinião humana por lhes faltar um fundamento transcendente mas são opiniões meramente subjetivas imbuídas em nós seja pela evolução biológica seja por qualquer tipo de condicionamento social Ao mesmo tempo as pessoas acreditarem profundamente que certos valores e deveres morais como tolerância mente aberta e amor são objetivamente válidos e forçosos De modo até mesmo contraditório elas afirmam que é objetivamente errado impor seus valores aos outros Assim estão profundamente envolvidas também com a premissa 2 Por isso Craig 2012a p 188 afirma que na minha experiência o argumento moral é o mais eficaz para a defesa da existência de Deus 106 Argumento Moral CRESCER Afirmar que existem valores morais objetivos significa dizer que algo é bom ou mau independente do que as pessoas pensam a respeito De forma semelhante dizer que temos deveres morais objetivos é dizer que certas ações são certas ou erradas para nós independente do que as pessoas pensem CRAIG 2011 p 143 Premissa 1 se Deus não existe valores e deveres morais objetivos não existem Que razões podemos dar para fundamentar esta premissa Por que valores e deveres morais dependem da existência de Deus para serem objetivos De acordo com Paul Copan 2006 p 130 se Deus não existe então simplesmente não temos um alicerce adequado para uma ética objetiva incluindose dignidade direitos humanos intrínsecos responsabilidade pessoal e obrigação moral Mas por que razão Grosso modo a ideia é que não é possível fundamentar adequadamente valores morais e direitos humanos fora de uma estrutura teísta Para Copan 2006 p 130 o naturalismo não pode adequadamente responder por obrigação moral ou direitos humanos uma vez que processos em valor não podem de modo concebível produzir seres pessoais dotados de valor Comecemos avaliando os valores morais Se Deus não existe por que pensar que os seres humanos têm valor moral objetivo Qual seria a base de tais valores morais Uma forma muito popular de ateísmo é o naturalismo Neste caso como os seres humanos fazem parte do Universo material e como o Universo material é a única substância que existe há essencialmente apenas um tipo de objeto no Universo objetos materiais e a humanidade é um objeto deste tipo Neste caso não há coisas como valores pois não há valor na matéria uma partícula de poeira não é mais bondosa do que outra Seguese daí que não é possível fundamentar tais valores no mundo natural Assim de uma perspectiva naturalista não há nada de especial com os seres humanos Eles são subprodutos acidentais da natureza evoluídos recentemente numa partícula rochosa do sistema solar chamado planeta Terra perdidos em um Universo hostil e que irão desaparecer no futuro Assim os valores morais não existem na realidade mas são meras ilusões dos seres humanos frutos das pressões evolutivas e biológicas selecionadas pela seleção natural Os valores morais serão aqueles considerados mais vantajosos na luta pela sobrevivência de acordo com uma espécie de moralidade de rebanho Nos termos de Dawkins 1996 p 117 o DNA não sabe e nem se importa O DNA apenas é E nós dançamos de acordo com sua música De modo mais detalhado Dawkins afirma Qual a implicação disso para os valores morais É que eles não têm realidade objetiva Então o que é a desvirtude na prática questionou certa vez Bertrand Russell 2014 p 63 é na prática um comportamento de que o rebanho não gosta Russell é ainda mais claro sobre isso Nossos sentimentos e crenças a respeito do bem e do mal são assim como tudo o mais no que diz respeito fatos naturais desenvolvidos na batalha da existência sem qualquer origem divina ou sobrenatural RUSSELL 2014 p 73 E quanto aos deveres morais Aqui há problemas ainda mais significativos para o ateu Pois se Deus não existe qual a base para falarmos em deveres morais Dentro dessa perspectiva ateísta não parece haver nada de especial no Homo sapiens para que seus deveres morais se tornem objetivamente verdadeiros pois o ser humano seria um primata Argumento Moral 107 CRESCER A função da utilidade aquilo que está sendo maximizado é a sobrevivência do DNA Enquanto o DNA estiver sendo transmitido não importa quem ou o quê sai prejudicado no processo Os genes não se importam com o sofrimento pois eles não se importam com nada A natureza não é caridosa ou cruel Ela não é a favor ou contra o sofrimento A natureza não está interessada de uma forma ou outra no sofrimento a menos que ele afete a sobrevivência do DNA DAWKINS 1996 p 116 evoluído um macaco nu um tipo de mamífero que até agora conseguiu sobreviver na luta evolutiva para passar para frente seus genes Ele é mais uma espécie entre as várias espécies do reino animal Nas palavras de Desmond Morris 2006 p 9 existem atualmente centro e noventa e três espécies de macacos e símios Cento e noventa e duas delas têm o corpo coberto de pelos A única exceção é um símio pelado que a si próprio se cognominou Homo sapiens É claro que não costumamos ver o ser humano assim mas isso se deve a uma ilusão evolutiva quando olhamos com atenção para nós mesmo percebemos quem realmente somos apesar de ter se tornado tão erudito o Homo sapiens não deixou de ser um macaco pelado embora tenha adquirido motivações muito requintadas não perdeu nenhuma das mais primitivas e comezinhas MORRIS 2006 p 9 Ora se os seres humanos são macacos nus meros animais na luta pela sobrevivência é importante lembrar que os animais não têm deveres uns para com os outros Não há dimensão moral na natureza Neste caso se Deus não existe por que pensar que temos deveres morais Qual sua fundamentação Se a natureza é tudo que existe quem ou o que nos impõe tais deveres É difícil ver como isso pode não ser apenas fruto de um condicionamento social e familiar Ações abomináveis como incesto e estupro podem não ser vantajosas em termos biológicos e sociais tornandose tabu no curso da história Mas isso não os torna realmente errados Por isso em debate com Russell o padre Frederick Copleston 2014 p 180 afirmou a percepção de valores e a consciência da lei e da obrigação moral são mais bem explicadas por meio da hipótese de uma base transcendente de valor e de um autor da lei moral De acordo com Craig 2012a p 171 se Deus não existe fica difícil imaginar qualquer razão por que a moralidade de rebanho construída pelo homo sapiens seria objetivamente verdadeira ou por que a propriedade da bondade moral se somaria a certos estados naturais de tais criaturas Copan afirma de modo mais forte Um dos pontos que mais reforçam essa conexão entre Deus e a moralidade objetiva diz respeito ao fato de vários ateus e céticos terem percebido que um mundo sem tal pessoa como Deus acarreta que não há valores morais objetivos Neste caso eles admitem que a moralidade pode se basear em outra coisa talvez nas emoções na cultura ou em algum tipo de pressão sociobiológica mas não em Deus De acordo com o filósofo John Gray 108 Argumento Moral CRESCER Vivemos numa época em que muitos alegam que tudo é relativo embora todos acreditem que tenham direitos Contudo se a moralidade é apenas produto da evolução naturalista ou do desenvolvimento cultural ou da escolha pessoal então os direitos na verdade não existem No entanto se eles existem e se verdadeiramente as pessoas possuem valores intrínsecos não obstante o que suas culturas ou os sumo sacerdotes da ciência digam então qual é a base desse valor Esse valor intrínseco advém de um longo processo impessoal inconsciente desgovernando e sem valor ao longo do tempo naturalismo Esse feitio contextual não é bom Um contexto mais natural para os valores morais e para a dignidade humana é o do teísmo segundo o qual fomos criados por um Deus pessoal autoconsciente intencional e bom para ser semelhantes a Ele de forma significativa COPAN 2006 p 134135 a ideia de moralidade como um conjunto de leis tem uma raiz bíblica No Antigo Testamento a boa vida significa viver de acordo com a vontade de Deus Não há nada que diga que as leis dadas aos Richard Dawkins 1996 p 117 afirma de modo mais enfático que o Universo que observamos tem precisamente as propriedades que deveríamos esperar se no fundo não há projeto propósito bem ou mal nada a não ser uma indiferença cega e impiedosa Baggini afirma que a moralidade é independente de Deus ao mesmo tempo isso implica que talvez não haja uma fonte ou justificativa para a moralidade a que todas as pessoas racionais estejam dispostas a dar seu assentimento Eu diria que essa fonte não existe BAGGINI 2016 p 58 Neste caso a moralidade não é fruto de uma premissa lógica mas uma premissa psicológica BAGGINI 2016 p 59 Nas palavras dele Talvez ninguém tenha levantado esse ponto com mais força que JeanPaul Sartre Em um texto clássico Sartre chama atenção para o fato de os professores franceses não perceberem uma contradição óbvia ao afirmar que Deus não existe procuraram continuar acreditando que era possível continuar com os mesmos valores morais de uma cosmovisão teísta Contudo eles não perceberam como um existencialista perceberia que se Deus não existe seguese que não há a possibilidade de achar valores num céu inteligível pois não há como fundamentar tais valores a priori Vale a pena citar de forma mais extensa seu comentário Argumento Moral 109 CRESCER judeus têm aplicação universal A ideia de que as leis de Deus aplicamse igualmente a todos é uma invenção cristã Mas fora dessa cosmovisão que sentido faz a ideia de leis que se aplicam a todos Não seria essa ideia de moralidade apenas uma feia superstição GRAY 2011 p 106107 Se não existe nenhuma autoridade moral por que não nos tornamos soberanos de nossas próprias moralidades individuais Isso significa que alegações de moralidade não são verdadeiras ou falsas no mesmo sentido que as alegações factuais Como as alegações morais são julgamentos é sempre possível que alguém discorde sem incorrer em nenhum tipo de falsificação dos fatos Você pode discordar de mim mas não pode dizer que cometi um erro factual BAGGINI 2016 p 54 e 67 O existencialista opõese muito a um certo tipo de moral laica que gostaria de suprimir Deus com o menor dispêndio possível Quando à volta de 1880 alguns professores franceses tentaram construir uma moral laica disseram mais ou menos isto Deus é uma hipótese inútil e dispendiosa vamos pois suprimila mas tornase necessário para que haja uma moral uma sociedade um mundo policiado que certos valores sejam tomados a sério e considerados como existindo a priori é preciso que seja obrigatório a priori ser honesto não mentir não bater na mulher ter filhos etc etc Vamos pois aplicarnos a uma pequena tarefa que permita mostrar que estes valores existem apesar de tudo inscritos num céu inteligível embora no fim de contas Deus não exista Por outras palavras e é essa creio eu a tendência de tudo o que se chama na França o radicalismo nada será alterado ainda que Deus não exista reencontraremos as mesmas normas de honestidade de progresso de humanismo e quanto a Deus teremos feito dele uma hipótese caduca que morrerá em sossego e por si própria O existencialista pelo contrário pensa que é muito incomodativo que Deus não exista porque desaparece com ele toda a possibilidade de achar valores num céu inteligível não pode existir já o bem a priori visto não haver já uma consciência infinita e perfeita para pensálo não está escrito em parte alguma que o bem existe que é preciso Objeção à Premissa 1 Muitas vezes a premissa 1 pode ser malinterpretada Daniel Dennett afirma que o alinhamento da bondade moral com a espiritualidade e do mal moral com o materialismo é um dos males do nosso tempo De acordo com ele não há motivo algum pelo qual uma descrença na imaterialidade ou imortalidade da alma deva fazer uma pessoa ser menos solícita menos moral menos comprometida com o bemestar de todos na Terra do que alguém que acredita no espírito DENNETT 2006 p 322 Grifos do autor Dennett 2006 p 322 acrescenta ainda que um bom cientista materialista pode estar tão preocupado em saber se há bastante justiça amor alegria beleza liberdade política e sim até liberdade religiosa quanto uma pessoa que acredita que há tal pessoa como Deus Mas este é um malentendido significativo sobre a primeira premissa Como vimos a questão não é que devemos acreditar em Deus a fim de vivermos uma vida moral Isto está fora de questão Ateus podem viver uma vida boa e decente Copan 2016 p 146 Grifos do autor é muito claro neste ponto os Novos Ateus estão absolutamente corretos quando afirmam que não precisamos acreditar em Deus ou seguir a Bíblia para se ter um conhecimento geral do que é certo e errado A questão também não é que ateus não possam reconhecer que há tais valores e deveres morais objetivos Como afirma Copan 2016 p 247 Grifos do autor ateus podem saber que o estupro é errado mas isso não é nenhuma surpresa se eles foram feitos à imagem de Deus a quem eles se recusam a reconhecer O problema não diz respeito ao fundamento da crença ou do conhecimento sobre os valores e deveres morais mas sobre sua base objetiva Uma segunda objeção foi levantada recentemente por Sam Harris Grosso modo a ideia de Harris 2013 p 12 é que a moralidade deveria ser considerada como um ramo ainda não desenvolvido da ciência Para isso Harris pensa que os valores morais poderiam se fundamentar no mundo natural e poderiam ser descobertos pela ciência Mas como poderia ser isso Harris redefine os conceitos de bem e mal em termos nãomorais Para Harris 2013 p 10 o bemestar humano depende por completo de eventos externos e de estados do cérebro Logo deve necessariamente haver fatos científicos a descobrir sobre eles Mais precisamente a ideia de Harris é que o bom significa aquilo que apoia o bemestar de criaturas conscientes e o mal consiste em miséria contra o bemestar de criaturas conscientes Logo Harris 2013 p 20 afirma que parece claro que o que realmente queremos saber quando nos perguntamos se determinado estado de prazer é bom é se ele proporciona ou impede alguma forma mais profunda de bemestar O argumento de Harris assim é que quando falamos de moralidade estamos falando sobre fatos que dizem respeito ao bemestar humano Todas as outras noções de valores terão necessariamente alguma relação com a experiência real ou potencial dos seres conscientes HARRIS 2013 p 38 Grifos do autor Assim questões sobre valores são na verdade perguntas sobre o bemestar de criaturas conscientes Para Harris 110 Argumento Moral CRESCER ser honesto que não devemos mentir já que precisamente estamos agora num plano em que há somente homens Dostoiévski escreveu Se Deus não existisse tudo seria permitido Aí se situa o ponto de partida do existencialismo Com efeito tudo é permitido se Deus não existe fica o homem por conseguinte abandonado já que não encontra em si nem fora de si uma possibilidade a que se apegue SARTRE 1973 p 15 A moralidade para Harris seria objetiva pois o bom significa simplesmente o bemestar de criaturas conscientes Neste caso não precisamos de uma fundamentação transcendente ou um Deus bom a fim de fundamentar os valores e os deveres morais Há muitos problemas com o argumento de Harris Em primeiro lugar a ciência natural nos diz apenas o que é e não o que deveria ser o caso Mais precisamente a ciência diz respeito apenas a fatos não a normas a ciência consegue descrever como somos mas não se há algo errado na forma como somos O filósofo David Hume observou que tentar derivar uma prescrição moral de como as coisas efetivamente são constitui uma falácia que foi denominada de falácia naturalista Neste caso a proposta de Harris falha pois haveria uma diferença significativa entre proposições descritivas tais como aquelas da ciência e proposições prescritivas ou normativas tais como as da moralidade de modo que não se pode derivar as últimas das primeiras Mais precisamente Harris não pode deduzir o que deveria ser do que é pois enunciados descritivos puramente factuais somente podem vincular ou implicar outros enunciados descritivos factuais e nunca normas pronunciamentos éticos ou prescrições para se fazer alguma coisa Neste caso mesmo que a ciência diga que determinada ação contribui para o bemestar humano é preciso algo além da ciência para normatizar tal ação Como afirma o filósofo A C Grayling A ideia de Grayling é de que a ciência pode investigar a natureza e as fontes das nossas crenças morais mas daí ela não consegue derivar um procedimento normativo pois haveria aqui uma distinção fundamental entre questões de ética e questões de fatos naturais Ainda para Grayling Argumento Moral 111 CRESCER Acredito que entenderemos cada vez mais o bem e o mal o certo e o errado em termos científicos porque considerações morais se traduzem em fatos sobre nossos pensamentos e ações afetam o bemestar de criaturas conscientes como nós mesmos Se existem fatos a serem descobertos sobre o bemestar de tais criaturas e há então deve haver também respostas certas e erradas a perguntas de cunho moral HARRIS 2013 p 66 Em todo sistema de moral que até hoje encontrei sempre notei que o autor segue durante algum tempo o modo comum de raciocinar estabelecendo a existência de Deus ou fazendo observações a respeito dos assuntos humanos quando de repente surpreendome ao ver que em vez das cópulas proposicionais usuais como é e não é não encontro uma só proposição que não esteja conectada a outra por um deve ou não deve Essa mudança é imperceptível porém da maior importância Pois como esse deve ou não deve expressa uma nova relação ou afirmação esta precisaria ser notada e explicada ao mesmo tempo seria preciso que se desse uma razão para algo que parece totalmente inconcebível ou seja como essa nova relação pode ser deduzida de outras inteiramente diferentes HUME 2009 p 509 Ao se referir diretamente à moralidade a ciência não busca solucionar problemas morais e sim investigar a natureza e as fontes de opiniões e atitudes morais Esse é um procedimento empírico que visa a descobrir e a descrever fatos e não um procedimento normativo que tem o objetivo de nos dizer o que devemos pensar e fazer GRAYLING 2014 p 13 A orientação prudencial pode tipicamente ser enquadrada como um hiperativo hipotético se você quiser maximizar o lucro garanta que A moralidade em uma comparação com considerações desse tipo é categórica e não hipotética remete a questões intrínsecas de certo ou errado bom ou mau obrigação e dever consequências e intenções aplicadas a nossas condutas e relacionamentos considerandose o bom e o correto em si mesmos e não meramente como instrumento para algum objetivo que não seja moral como o lucro a imagem empresarial e coisas desse tipo GRAYLING 2014 p 21 Bertrand Russell faz uma afirmação similar Para ele se nós ajuizamos que a felicidade é mais desejável que a miséria por exemplo isso tem que se basear em algum tipo de juízo a priori Mais precisamente tais juízos apesar de poderem ser identificados pela experiência não podem ser provados ou fundamentados na experiência pois o fato de algo existir ou não existir não prova que esse algo é bom ou mau Segundo e mais preocupante há uma objeção fatal à tese de Harris Pois se os valores morais têm relação meramente com o bemestar de criaturas conscientes suponha que de algum modo o número de pessoas que sentem um extremo prazer na miséria dos outros eg psicopatas aumentasse drasticamente O próprio Harris 2013 p 99 estima que há nos EUA cerca de 3 milhões de psicopatas Seguese daí um tipo de relativismo significativo pois se pessoas como estupradores mentirosos e ladrões pudessem experimentar bemestar infligindo miséria a outras pessoas e se tal estado de coisas gerasse algum tipo de bemestar geral então a coisa certa a fazer seria seguir tais impulsos horrendos de autossatisfação o que é algo totalmente abominável Na ética de Harris a ciência poderia mostrar objetivamente que causar sofrimento a outra pessoa traz certo bemestar para o indivíduo e para a comunidade de psicopatas mas não se segue daí que essa é a coisa certa a fazer Outra objeção comum à primeira premissa é afirmar que os valores morais não podem ser derivados da Bíblia pois ela defende coisas imorais De acordo com Harris 2007 p 25 a ideia de que a Bíblia é o guia perfeito para a moralidade é simplesmente espantosa em vista do conteúdo do livro Em seguida ele cita várias prescrições do Antigo Testamento que parecem não fazer qualquer sentido em termos morais isto é passagens bíblicas que parecem apoiar o genocídio escravidão machismo etnocentrismo entre outros A descrição de Richard Dawkins sobre o Deus do AT toca no mesmo ponto 112 Argumento Moral CRESCER Ajuizamos por exemplo que a felicidade é mais desejável do que a miséria o conhecimento do que a ignorância a boa vontade do que é ódio e assim por diante Tais juízos têm de ser pelo menos em parte imediatos e a priori Como nossos juízos a priori anteriores podem ser suscitados pela experiência e na verdade têm de o ser pois não parece possível ajuizar se algo é intrinsecamente valioso a não ser que tenhamos tido a experiência de algo do tipo Mas é razoavelmente óbvio que não pode ser provados pela experiência pois o facto de uma coisa existir ou não existir não pode provar quer que é bom que exista quer que é mau A exploração desse tema pertence à ética onde a impossibilidade de deduzir o dever ser do ser tem de ser estabelecida RUSSELL 2008 p 135 O Deus do Antigo Testamento é talvez o personagem mais desagradável da ficção ciumento e com orgulho controlador Há dois problemas sérios com essa objeção A primeira é que Dawkins e Harris fazem interpretações completamente equivocadas sobre os textos do Antigo Testamento não levando em consideração a intenção original dos autores Como afirma Copan 2016 p 23 os Novos Ateus dificilmente se mostram pacientes em suas tentativas para entender um texto complexo seu contexto histórico e o Cânon bíblico mais amplo Copan escreveu todo um livro Deus é um monstro moral que mostra a correta interpretação dos textos que parecem moralmente problemáticos na Bíblia Em segundo lugar suponha que Dawkins e Harris estivessem corretos e que a Bíblia realmente contivesse preceitos morais duvidosos eles não estão corretos mas suponha por um momento que sim Ainda assim essa objeção é totalmente irrelevante contra a primeira premissa Pois os valores e deveres morais são determinados por Deus em resposta a sua natureza moral Apontar possíveis textos imorais na Bíblia não vai contra essa asserção No máximo isso levantaria problemas contra a inerrância da Bíblia mas o argumento moral ainda permaneceria intacto Pois mesmo que a Bíblia contivesse tais preceitos morais duvidosos ela não contém mas ainda que tivesse ainda seria um fato de que valores e deveres objetivos são incompatíveis com o ateísmo pois não passamos de animais de primatas relativamente avançados e animais não são agentes morais Outra objeção mais forte é denominada de Dilema de Eutífron nome de um personagem dos diálogos de Platão Nele Sócrates examina a definição apresentada por Eutífron sobre o conceito de piedade por piedade entendese aquilo que todos os deuses apreciam e o ímpio é aquilo que todos os deuses detestam PLATÃO 2013 p 29 Sócrates então apresenta o seguinte dilema será que o piedoso porque é piedoso é apreciado pelos deuses ou porque é apreciado é piedoso PLATÃO 2013 p 30 Em outras palavras o Dilema de Eutífron apresenta o seguinte ponto algo é bom porque Deus assim o quer Ou Deus quer alguma coisa porque ela já é boa Nas palavras de Walters 2015 p 159 lealdade caridade e justiça são intrinsecamente virtuosas ou são virtuosas porque Deus decide que elas o sejam Se você afirmar que alguma coisa é boa porque Deus assim a quer logo o que é bom tornase arbitrário pois Deus poderia querer que o ódio fosse bom e assim estaríamos moralmente obrigados a nos odiar uns aos outros Ao mesmo tempo se dissermos que Deus quer alguma coisa porque ela é boa então aquilo que é bom ou mau independe de Deus de modo que os valores e deveres morais existem independentes de Deus o que contradiz a premissa 1 Contudo há uma resposta para o Dilema de Eutífron De acordo com Craig há uma terceira alternativa a saber Deus quer alguma coisa porque ele é bom Uma vez que nossos deveres morais estão fundamentados em ordens divinas eles não são independentes de Deus Tampouco as ordens divinas são arbitrárias porque são expressões necessárias de sua natureza justa e amorosa CRAIG 2012a p 177 De acordo com Copan 2006 p 143 o caráter de Deus é a suprema e essencial realidade O caráter e a natureza de Deus fundamentam de forma suficiente a moralidade objetiva Seguese daí que a própria natureza de Deus é o padrão de bondade e seus bons mandamentos seriam expressões da sua natureza amorosa e justa Baggini 2016 p 52 afirma que isso ainda não salva o teísta pois o Dilema de Eutífron poderia ser reformulado para contemplar essa terceira alternativa podemos Argumento Moral 113 CRESCER mesquinho injusto e intransigente genocida étnico e vingativo sedento de sangue perseguidor misógino homofóbico racista infanticida filicida pestilento megalomaníaco sadomasoquista malévolo DAWKINS 2007 p 55 perguntar se Deus é bom porque ser bom é ser aquilo que Deus é ou se Deus é bom porque tem todas as propriedades do bem Se optamos pela primeira então o bem se torna arbitrário se optamos pela segunda então as propriedades do bem podem ser definidas independente de Deus Copan 2006 p 144146 afirma que há muitas respostas para tal dilema Primeiro se um Deus que é intrinsecamente bom não existe por que afinal pensamos que existiriam seres intrinsecamente dotados de valores e deveres Segundo o retrocesso naturalista de Baggini é sem propósito pois devemos em algum momento chegar a algum ponto de parada autossuficiente Se a natureza de Deus não fosse tal lócus de bondade o que mais poderia ser Por fim como Deus é por definição o maior ser que se pode conceber e tal ser é o paradigma de bondade então Deus é o ponto final menos arbitrário que poderíamos postular Seguese daí que nossos deveres morais são determinados pelos mandamentos de um Deus justo e amoroso Logo os valores morais não são independentes de Deus Na verdade é o próprio caráter de Deus que define o que é bom Uma vez que Deus é essencialmente por natureza compassivo justo bondoso imparcial e assim por diante então se segue que a sua natureza é o padrão moral que determina o bem e o mal para nós Neste caso seus mandamentos refletem sua natureza moral Portanto eles não são arbitrários O bem e o mal moral são determinados pela natureza de Deus e o moralmente certo e errado é determinado pela sua vontade Deus quer alguma coisa porque ele é bom e alguma coisa é certa porque Deus assim a quer Premissa 2 Valores e deveres morais objetivos existem A segunda premissa do nosso argumento afirma que há valores e deveres morais objetivos Esta premissa é importante pois como afirma Brendan Sweetman 2013 p 66 podese criticar o argumento moral para a existência de Deus afirmandose que na verdade não existem padrões morais objetivos não existe qualquer ordem moral objetiva e portanto não há nada em que fundamentar a existência de Deus O problema desse caminho para Sweetman 2013 p 66 é que a aceitação de qualquer versão do relativismo moral ou mesmo do ceticismo moral seria um preço alto a pagar para bloquear o argumento moral O ponto de Sweetman é que uma vantagem grandiosa do argumento moral é que ele cobra um alto preço para quem tenta negar esta segunda premissa Pois poderia ser mais óbvio de que os valores e os deveres morais objetivos realmente existirem De acordo com Craig 2012a p 174 temos algo chamado de experiência moral na qual apreendemos um reino de valores e deveres morais objetivos assim como na experiência sensorial apreendemos um reino de objetos físicos que existem objetivamente Neste caso a realidade objetiva dos nossos valores e deveres morais é tão certa quanto a realidade objetiva do nosso mundo físico Não há razão para negar a realidade objetiva do primeiro eg valores e deveres do que para negar a realidade objetiva do mundo externo fora de nossa mente O fato principal aqui é que realmente apreendemos que existem valores e deveres morais objetivos e todos sabemos disso Ações como estupro tortura abuso infantil e brutalidade não são apenas comportamentos sociais inaceitáveis são abominações morais Do mesmo modo amor generosidade equidade e autossacrifício são propriedades realmente boas De acordo com C S Lewis 114 Argumento Moral CRESCER Não se trata de mera fantasia pois não podemos nos livrar da ideia e a maioria das coisas que dizemos e pensamos sobre os seres humanos se reduziriam a bobagens se o fizéssemos E não se trata simplesmente de uma afirmação sobre como gostaríamos que a humanidade se comportasse para a nossa própria conveniência pois o comportamento que chamamos de mau ou injusto não é exatamente o mesmo que o comportamento que achamos conveniente aliás pode ser até o oposto Consequentemente essa Regra do Certo e do Errado ou Lei da Natureza Humana ou como quer que você queira chamála deve ser de uma forma ou de outra real algo que existe de verdade que não seja inventado por nós E ainda assim não se trata de um fato no sentido comum da mesma forma que o nosso comportamento real é um fato Parece que teremos de começar a admitir que exista mais de um tipo de realidade que nesse caso particular haja algo muito além dos fatos comuns do comportamento humano e ainda assim definitivamente bem real uma lei real que nenhum de nós construiu mas que exerce uma pressão sobre nós LEWIS 2017a p 4950 pessoas que não conseguem ver isso são as que simplesmente possuem alguma deficiência o equivalente moral de alguém que seja fisicamente cego e não há nenhum motivo para permitir que a incapacidade delas coloque em questão aquilo que vemos com clareza CRAIG 2011 p 155 A consciência revela coisas diferentes para pessoas diferentes A consciência leva algumas pessoas a condenar a explicação dos ricos pelos pobres como defendido pelos comunistas e outros a Mesmo que os nossos valores e deveres morais sejam descobertos gradualmente isso não contribui para a ideia de que eles são meramente inventados da mesma forma que a descoberta gradual do sistema de Euclides não faz da matemática algo subjetivo A apreensão gradual e falível do universo moral não mina a realidade objetiva desse âmbito da mesma forma que nossa apreensão gradual e falível do mundo matemático não mina a objetividade desse outro âmbito De acordo com Craig Objeção à Premissa 2 O preço a se pagar pela negação da premissa 2 é alto mas ele pode ser feito Bertrand Russell por exemplo duvidava de que existiam tais coisas como valores e deveres morais objetivos Em debate com o Padre Copleston ele afirmou Estou inclinado a pensar que o dever o sentimento que se tem a respeito do dever é um eco do que foi dito às pessoas pelos pais ou pelas babás RUSSELL COPLESTON 2014 p 181 Parte da justificativa de Russell para duvidar da objetividade dos valores e deveres morais dizia respeito à discordância entre as pessoas sobre o conteúdo dos nossos valores e deveres morais No mesmo debate ele afirma não gosto da palavra absoluto Não penso que exista qualquer coisa absoluta A lei moral por exemplo está sempre mudando Em um certo período do desenvolvimento da raça humana quase todo mundo considerava o canibalismo uma obrigação RUSSELL COPLESTON 2014 p 180 Assim o fato de que há diferenças morais entre as pessoas militaria contra a existência de valores e deveres morais objetivos Argumento Moral 115 CRESCER Há dois problemas significativos no argumento de Russell Em primeiro lugar o fato de haver desacordos morais não significa que não haja acordos No apêndice do livro A abolição do homem Lewis 2017c p 81109 apresenta uma série de preceitos morais que ele considera como universalmente reconhecidos coletados a partir de evidências textuais provenientes de diferentes tradições morais que indicam uma significativa concordância moral no interior de todas as tradições Em segundo lugar o fato de que pessoas têm consciências morais diferentes não implica que não existem valores e deveres morais objetivos No máximo isso pode indicar que elas estão erradas ou apenas uma delas Se duas pessoas discordam sobre o resultado de um cálculo aritmético não se segue daí que não haja uma resposta objetiva para ele No máximo seguese que ambas podem ter errado a conta ou apenas uma delas Conclusão Logo Deus existe O argumento moral afirma que a existência objetiva de valores e deveres morais depende da existência ou inexistência de Deus Se Deus existir há um fundamento sólido para a moralidade Se Deus não existir então nossos valores e deveres morais mais caros são uma ilusão sociobiológicas Negar que de fato existem valores e deveres morais objetivos é um preço alto demais a ser pago em favor do ateísmo Assim a escolha entre a existência ou a inexistência de valores e deveres morais não precisa ser feita arbitrariamente dada nossa experiência moral A maioria de nós reconhece que há uma diferença objetiva entre amar uma criança e torturála por diversão Dado o argumento moral nossa fonte de obrigações e valores morais consiste na concordância ou discordância com a natureza vontade ou mandamentos de um Deus santo e amoroso Portanto a existência de valores e deveres morais objetivos serve para demonstrar a existência de Deus Parece assim que um fundamento teológico transcendente é realmente indispensável à moralidade 116 Argumento Moral CRESCER condenar a exploração dos pobres pelos ricos como praticado pelos capitalistas A diversidade das expressões da consciência é presumível quando se entende sua origem No início da juventude certos tipos de ação recebem aprovação enquanto outros tipos não À medida que o tempo passa podemos esquecer tudo sobre nosso treinamento moral inicial mas ainda assim nos sentimos confortáveis sobre certos tipos de ações enquanto outras podem nos dar a plenitude da virtude Na introspecção esses sentimentos são misteriosos uma vez que já não lembramos mais das circunstâncias que originalmente os causaram sendo portanto natural atribuir a eles a voz de Deus em nosso íntimo Mas de fato a consciência é um produto da educação e pode ser treinada para aprovar ou desaprovar em grande parte da humanidade como os educadores acharem mais apropriado RUSSELL 2009 p 172174 Argumento Moral 117 COMPARTILHAR Nesta aula você Aprendeu as três premissas do Argumento Moral Analisou cada uma das premissas buscando entender por que elas são mais plausíveis que sua negação a partir de considerações filosóficas e científicas Avaliou algumas objeções clássicas contra cada uma das três premissas do argumento CRAIG William Em guarda defendendo a fé cristã com razão e precisão São Paulo Vida Nova 2011 capítulo 5 PLANTINGA Alvin Ciência religião e naturalismo onde está o conflito São Paulo Vida Nova 2018b capítulo 7 PARA CRESCER MAIS 118 Argumento da Ressurreição de Jesus módulo 10 Olá Neste módulo vamos aprender sobre o argumento em favor da ressurreição de Jesus A ideia básica é que existem quatro fatos históricos aceitos pela maioria dos historiadores e que precisam ser explicados por alguma hipótese histórica 1 o sepultamento de Jesus 2 a descoberta do seu túmulo vazio 3 suas aparições e 4 as origens da fé cristã Veremos que a melhor explicação para esses quatro fatos históricos bemestabelecidos é que Jesus ressuscitou dos mortos Além disso vamos buscar compreender também como estruturar um argumento histórico em favor da ressurreição de Jesus e como os historiadores testam a credibilidade dos evangelhos Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Aprender como estruturar um argumento histórico em favor da ressurreição de Jesus Analisar quatro fatos históricos que são bemaceitos pela maioria dos historiadores sobre o Jesus histórico Avaliar que a ressurreição de Jesus é a melhor explicação para os quatro fatos históricos Bons estudos 119 CONECTAR O termo Jesus histórico faz referência a uma área acadêmica de pesquisa que busca reconstruir ou retomar a vida e os ensinamentos de Jesus empregando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica Além disso essa área de pesquisa também busca resgatar os contextos históricos e culturais em que Jesus viveu e ensinou O cristianismo é uma religião enraizada na história Por isso uma parte considerável de suas reivindicações pode ser investigada historicamente Como explica N T Wright a Bíblia se propõe não apenas a oferecer ensinamentos espirituais ou teológicos mas também a descrever eventos do mundo natural WRIGHT 2021 p 13 Por isso o interesse no Jesus histórico é algo central para a fé cristã pois Jesus era um ser humano genuíno que nasceu viveu e morreu em um contexto histórico real da antiguidade Para Wright Algumas pessoas pensam que pelo fato de a Bíblia ser um livro religioso seguese que seus documentos não podem ser analisados historicamente Contudo N T Wright 2021 p 14 lembra que se Jesus era um ser humano real dentro do mundo natural e a Bíblia é um livro verdadeiramente humano então eles não podem ser excluídos desde o começo Neste caso Wright propõe que Jesus e o Novo Testamento devem ser incluídos como possíveis fontes para a Teologia Natural No nosso contexto importa que a ressurreição de Jesus é algo que aconteceu na história no solo natural deste mundo e não em um místico mundo espiritual Sendo assim ela pode ter deixado rastros na história de modo que seja possível formular um bom argumento histórico em favor da ressurreição de Jesus Para isso vamos nos aproximar dos escritos do Novo Testamento como os historiadores se aproximam de documentos antigos isto é como uma coleção de documentos do século I escritos em grego sem nenhuma suposição explícita quanto à sua inspiração ou fidedignidade exceto a maneira como consideramos normalmente outras fontes da história antiga Para entender como isso é possível o historiador e padre John Meier postula a fantasia do conclave sem papa Argumento da Ressurreição de Jesus Caso creiamos verdadeiramente na encarnação do Verbo a encararemos com seriedade e como o Verbo encarnado habitou entre nós no contexto do judaísmo do primeiro século todo avanço no nosso entendimento daquele contexto deve ser celebrado e aplicado em nossas leituras dos evangelhos WRIGHT 2012 p 28 Suponhamos que um católico um protestante um judeu e um agnóstico todos historiadores honestos e beminformados sobre os movimentos religiosos do século I ficassem trancafiados nos meandros da biblioteca da Havard Divinity School submetidos a uma dieta espartana e que só lhes fosse permitido reaparecer quando tivessem elaborado um documento de consenso sobre quem foi Jesus de Nazaré e o que pretendia em seu próprio tempo e lugar Como requisito essencial esse documento deveria se basear em fontes e argumentação puramente históricas MEIER 1992 p 11 120 Argumento da Ressurreição de Jesus CONECTAR Neste caso como podemos aplicar a metodologia histórica aos evangelhos Mais precisamente quais os critérios históricos apropriados para analisar os documentos do Novo Testamento a fim de testar sua credibilidade histórica Historiadores descreveram alguns destes critérios importantes que podem ser aplicados ao NT e que serão importantes para nosso argumento Critério da Múltipla Atestação Histórias que se encontram de forma independente em mais de uma fonte literária ou em mais de um gênero narrativo possuem uma alta probabilidade de serem históricas Por exemplo se um mesmo relato se encontra nas cartas de Paulo e no Evangelho de João há uma alta probabilidade de o fato relatado ser histórico pois os historiadores supõem que as cartas de Paulo e o Evangelho de João foram escritas de modo independentes Critério da Antiguidade Historiadores geralmente supõem que as fontes mais antigas são melhores e mais confiáveis que fontes posteriores Assim evangelhos do século II como o Evangelho de Pedro são menos confiáveis que os evangelhos do século I como Mateus Marcos Lucas e João do mesmo modo algo que se encontra em Marcos e nas cartas paulinas constitui material mais antigo que o Evangelho de João Critério do Constrangimento Historiadores identificam que há materiais nos evangelhos que dificilmente teriam sido inventados pela Igreja Primitiva porque criavam constrangimentos ou dificuldades teológicas para a igreja do período testamentário O batismo de Jesus por João Batista ou a afirmação de Jesus de que não sabe o dia ou a hora do fim são alguns exemplos Se alguém dificilmente criaria uma história como essas então ela é historicamente provável Critério do Contexto Jesus foi um judeu que viveu na Palestina do século I Por isso qualquer tradição sobre ele se tornará historicamente mais plausível caso se encaixe em seu próprio contexto histórico Como veremos o modo como Jesus foi sepultado é algo que se encaixa no conhecimento que temos de como os judeus sepultavam seus mortos no primeiro século Outros critérios secundários Há outras características suplementares que podem fornecer maior autenticidade para os relatos mas que possuem um peso inferior aos quatro critérios acima Por exemplo há alguns ditos de Jesus que possuem traços de aramaico os evangelhos foram escritos em Argumento da Ressurreição de Jesus 121 CONECTAR grego mas Jesus provavelmente falava aramaico o que indicaria sua antiguidade há o critério da vividez da narrativa enfatizando detalhes que não são importantes para o ponto principal da história ou narrando um dado evento de Jesus de modo direto não enfeitado por temas teológicos e apologéticos algo que caracterizaria um desenvolvimento lendário o que indicaria que tal história remonta a uma testemunho ocular Lembrese de que Mateus Marcos Lucas e João não são quatro fontes históricas diferentes Para boa parte dos historiadores Marcos foi escrito primeiro e Mateus e Lucas utilizaram Marcos como fonte essa é uma primeira fonte Além disso os historiadores postulam a existência uma outra fonte que hoje está perdida apelidada de Fonte Q abreviatura da palavra quelle que significa fonte em alemão empregada por Mateus e Lucas Esta seria uma segunda fonte Há também um conjunto de histórias e ensinos que só aparecem especificamente em Mateus e em Lucas Os historiadores afirmam que elas são baseadas em outras fontes apelidadas de Fonte M para o Por fim historiadores não pensam que Mateus Marcos Lucas e João são quatro fontes diferentes nem que as cartas de Paulo constituem cada uma uma fonte única de modo que se tivermos 13 cartas teríamos 13 fontes diferentes Os evangelhos foram escritos a partir de relatos de testemunhas oculares e por isso estão baseados em fontes que são anteriores à escrita deles Neste caso cada fonte independente seja a coleção de cartas paulinas seja o material em que os evangelhos se basearam constituiria uma fonte independente a fim de testarmos critérios como o da múltipla atestação Isso não é apenas uma constatação de historiadores ou de teólogos liberais mas algo que o próprio Lucas afirmou no começo do seu evangelho Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que se cumpriram entre nós conforme nos foram transmitidos por aqueles que desde o início foram testemunhas oculares e servos da palavra Eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente desde o começo e decidi escreverte um relato ordenado ó excelentíssimo Teófilo para que tenhas a certeza das coisas que te foram ensinadas Lucas 114 NVI material exclusivo de Mateus e Fonte L para o material exclusivo de Lucas Teríamos aí mais duas fontes O Evangelho de João provavelmente foi escrito de modo independente dos outros três evangelhos e constituiria assim uma quinta fonte à parte O modo como os sermões do livro de Atos estão estruturados no texto original nos leva a supor que eles são baseados em outras fontes empregadas pela Igreja Primitiva na transmissão do evangelho constituindo assim uma sexta fonte Por fim o conjunto das cartas de Paulo seria outro material que em conjunto formaria nossa sétima fonte Há também material fora dos evangelhos como os escritos de Flávio Josefo Tácito Suetônio Plínio o Jovem além de material judaico como a Mishná e o Talmude Alguns céticos afirmam que essas deveriam ser as únicas fontes primárias enquanto o material do NT deveria ser considerado como secundário Contudo essa é uma atitude irracional Em função da própria natureza do NT ele é a melhor fonte histórica para estudar o que aconteceu com Jesus Como afirma William Lane Craig Deste modo o argumento histórico em favor da ressurreição de Jesus está fundamentado no mesmo escrutínio e nos mesmos critérios históricos que os historiadores empregam para investigar outras fontes da história antiga como História dos Hebreus de Josefo Anais de Tácito e A guerra do Peloponeso de Tucídides Deste modo não estamos usando a Bíblia para provar a Bíblia como um leigo poderia supor antes estamos tratando o NT como os historiadores o tratam uma coletânea de escritos antigos que podem ter sua autenticidade avaliada pelos critérios apontados acima 122 Argumento da Ressurreição de Jesus CONECTAR O cristianismo é uma religião fortemente fundamentada na história Por isso a história é um elemento importante para entendermos corretamente os escritos do Novo Testamento Isto não significa que devemos aceitar todas as afirmações feitas por estudiosos críticos do Jesus histórico como John Dominic Crossan e Bart Ehrman há historiadores cristãos como N T Wright James Dunn Craig Evans e Craig Blomberg que também são especialistas no assunto e que fazem interessantes contrapontos a estes pensadores De todo modo a história pode ser empregada como uma peça importante na estruturação de um argumento cogente como o da ressurreição de Jesus algo que veremos neste módulo PARA REFLETIR As pessoas que insistem em evidências extraídas de fontes escritas exclusivamente externas ao Novo Testamento não sabem o que estão pedindo Estão exigindo que ignoremos as fontes primárias mais antigas sobre Jesus em favor de fontes posteriores secundárias e menos confiáveis o que é uma loucura arrematada em termos de metodologia histórica CRAIG 2011 p 206 O cristianismo sucumbe ou fica de pé a depender da ressurreição Essa é a principal diferença entre a fé cristã e as outras religiões do mundo enquanto as outras religiões podem ter bons ensinos morais e belos rituais sagrados o cristianismo tem o Cristo ressurreto A fé cristã sobrevive sem escolas confessionais editoras hospitais estrutura administrativa e prédios de igrejas contudo sem o laço orgânico entre o fato histórico da ressurreição de Jesus e o que dele a fé confessa que é o Cristo a fé cristã desmorona de forma contundente de modo que teríamos que transformar a Basílica de São Pedro e todas as nossas igrejas locais em vários museus Como afirma o apóstolo Paulo se Cristo não ressuscitou inútil é a fé que vocês têm 1 Cor 1517 Por isso é uma tarefa importante para a teologia natural estruturar um argumento em favor da ressurreição de Jesus Estrutura de um argumento histórico A estrutura do argumento em favor da ressurreição de Jesus será diferente dos três últimos argumentos apresentados nesta disciplina Pois não vamos montar um argumento dedutivo em favor da ressurreição de Jesus mas um argumento em favor da melhor explicação Mais precisamente o objetivo de nosso argumento é apontar que a ressurreição de Jesus é a melhor explicação para os quatro fatos históricos bemestabelecidos e aceita pela maioria dos historiadores Para isto vamos seguir a argumentação de filósofos e historiadores como William Lane Craig J P Moreland Gary Habermas Craig Evans e N T Wright De acordo com Craig 2012a p 334 qualquer argumento histórico em favor da ressurreição precisa ter dois passos 1 estabelecer os fatos que servirão de evidências históricas e 2 argumentar que a hipótese da ressurreição de Jesus é a melhor e mais provável explanação desses fatos Neste caso Craig aponta que um argumento em favor da ressurreição de Jesus deve fazer uma distinção entre a evidência que será utilizada e a melhor explicação para a evidência A evidência envolve investigação histórica de eventos tais como o sepultamento de Jesus e a descoberta do túmulo vazio Vamos recorrer a fatos que são geralmente aceitos pela maioria dos historiadores E aqui não se está falando apenas de historiadores evangélicos mas da ampla gama de críticos do Novo Testamento que não são cristãos O outro passo do argumento é apontar que a hipótese da ressurreição de Jesus é a melhor explicação para tais evidências Deste modo qual será nossa evidência Veremos que há quatro fatos acerca dos quais a maioria dos acadêmicos que pesquisaram sobre estas questões concorda com sua credibilidade histórica independentemente de eles serem historiadores cristãos judeus agnóstico ou ateus tais fatos são bemestabelecidos de modo que citaremos não apenas as razões que geralmente os historiadores dão para a credibilidade de tais evidências como também especialistas sobre o Jesus histórico que apoiam tais fatos Assim qualquer hipótese histórica adequada precisa levar em consideração os seguintes quatro fatos 1 o sepultamento de Jesus por José de Arimateia 2 a descoberta do túmulo vazio 3 as aparições de Jesus depois da sua morte e 4 a origem da crença dos discípulos na sua ressurreição Na segunda parte do argumento faremos a seguinte pergunta qual é a melhor explicação para esses quatro fatos históricos Procuraremos argumentar que a hipótese que melhor explica esses fatos é Deus ressuscitou Jesus dos mortos Faremos isso baseados no modo como C B McCullagh explica os seis testes que os historiadores usam Argumento da Ressurreição de Jesus 123 CRESCER para determinar qual seja a melhor explicação para determinados fatos históricos Os fatores levados em consideração por ele são os seguintes Âmbito explicativo A melhor hipótese será aquela que explica o maior número de evidências Das nossas quatro evidências a melhor hipótese será aquela que explica as quatro Caso ela explique apenas duas ou três terá um mérito inferior Poder Explanatório A melhor hipótese terá um poder explicativo maior do que as demais tornando a evidência mais provável Plausibilidade A melhor hipótese será a mais plausível isto é se encaixará melhor no nosso conhecimento das hipóteses de fundo Por exemplo a hipótese de que Jesus desmaiou na cruz e acordou três dias depois não é nenhum pouco plausível dado o que conhecemos sobre a morte por crucificação no século I Artificialidade Tal hipótese exige menor explicações artificiais chamada pelos filósofos de ad hoc Ou seja a melhor hipótese histórica é aquela que não postula outras hipóteses que não tenham evidência independente Contexto A melhor hipótese será refutada por menos hipóteses aceitas que as demais Mais precisamente ela não vai entrar em conflito com outras hipóteses mais bemestabelecidas e bemaceitas pelos historiadores Critério A melhor hipótese será aquela que irá satisfazer melhor os cinco requisitos anteriores Vamos para o primeiro passo do nosso argumento Existem quatros fatos históricos que precisam ser explicados por alguma hipótese histórica São eles Fato 01 Depois da crucificação Jesus foi sepultado por um membro do Sinédrio conhecido como José de Arimateia em uma tumba Este primeiro fato é muito importante pois ele sinaliza que o local onde estava o túmulo de Jesus era conhecido em Jerusalém tanto por judeus quanto por cristãos Isso implica que a crença na ressurreição de Jesus surgiu e se espalhou numa localidade em que as pessoas sabiam onde seu corpo havia sido sepultado Nesse caso os discípulos não poderiam ter anunciado a ressurreição de Jesus em Jerusalém se o túmulo não estivesse realmente vazio Esse é um dos fatos mais intrigantes sobre o cristianismo primitivo ele surgiu e floresceu justamente na cidade em que Jesus foi publicamente crucificado No entanto por que os historiadores pensam que esse fato 01 é histórico Em primeiro lugar o sepultamento de Jesus é atestado em múltiplas fontes independentes tais como I Cor 154 Mc 154247 Atos 1329 e Jo 193842 Além disso as diferenças entre os relatos de Mateus e de Lucas e ao mesmo tempo a concordância entre ambos sugerem que eles tinham outra fonte em comum para além de Marcos e que estaria por trás do seu relato sobre o sepultamento Assim temos um número notável de no mínimo cinco fontes independentes que relatam o sepultamento de Jesus 124 Argumento da Ressurreição de Jesus CRESCER Não é fácil explicar por que os cristãos primitivos teriam inventado uma narrativa positiva em torno de José de Arimateia se não houvesse nada A história da misericórdia desse membro do Sinédrio portanto um homem talvez conhecido por muitos em Jerusalém poderia terse mostrado muito constrangedora se fosse de fato uma ficção completa Ela é mais explicada como histórica EVANS 2020a p 320 Em segundo lugar o relato do sepultamento faz parte de um material extremamente antigo De acordo com Craig Evans 2020a p 317 a tradição que relata o sepultamento de Jesus é o material mais primitivo do Novo Testamento que pertence ao Jesus histórico O relato de Marcos é o mais antigo dos quatro evangelhos que afirma que Jesus foi realmente sepultado tal narrativa é única regular e fluente o que sugere que Marcos tem por trás uma fonte denominada de história da paixão Neste caso se Marcos é o evangelho mais antigo seguese que sua fonte sobre a paixão de Jesus é obviamente ainda mais antiga Há também a antiquíssima tradição citada por Paulo em 1Coríntios 1515 em que ele afirma ter recebido dos primeiros discípulos Provavelmente essa tradição foi transmitida a ele na época de sua visita a Jerusalém próximo do ano 36 dC Gl 118 Assim ela remonta a aproximadamente cinco ou seis anos posteriores à morte de Jesus que aconteceu por volta de 30 dC No relato Paulo não apenas emprega os típicos termos rabínicos recebi paredoka e entreguei parelabon com relação à informação que ele está passando aos coríntios neste texto mas os versículos 35 são uma fórmula de quatro linhas carregada de características não paulinas Isso tem convencido boa parte dos especialistas de que Paulo está de fato citando uma antiga tradição recebida por ele após tornarse cristão Isso é algo importante pois historiadores críticos como Bart Ehrman 2010 p 185 costumam afirmar que os evangelhos foram produzidos entre 35 e 65 anos depois da morte de Jesus por pessoas que não o conheceram não viram nada do que ele fez e não ouviram nada do que ele ensinou pessoas que falavam um idioma diferente do dele e viviam em outro país Contudo como vimos esses relatos são baseados em fontes que são anteriores à escrita dos evangelhos algumas delas datando da década de 30 dC o que é muito próximo ao evento histórico Ainda que Ehrman esteja certo sobre a composição escrita dos evangelhos estamos lidando com fontes muito antigas Por fim como um membro do sinédrio judaico que condenou Jesus dificilmente José de Arimateia seria uma invenção cristã Pois é altamente improvável que os primeiros cristãos inventassem que um membro do sinédrio instituição que levou Jesus à morte fosse aquele que sepultou a Jesus uma vez que havia uma hostilidade clara entre os dois grupos Como afirma Craig 2012a p 348 dada a sua condição de membro do Sinédrio dos quais Marcos relata todos votaram para condenar Jesus José é o último de quem esperaríamos que cuidasse apropriadamente de Jesus Logo esse fato passa pelo critério do constrangimento Além disso não existe nenhum outro relato concorrente que contradiga esse núcleo narrativo Se o relato do sepultamento de Jesus fosse fictício era de se esperar alguma lenda sobre o assunto que competisse com tal relato mas todas as fontes são unânimes em afirmar o honroso funeral por Jose de Arimateia Como afirma Evans Argumento da Ressurreição de Jesus 125 CRESCER Pelas expectativas romanas o corpo de Jesus e de quaisquer outros crucificados com ele teriam sido deixados na cruz como carniça para os corvos e os cães Mesmo que o fosse os soldados que crucificaram Jesus provavelmente o teriam feito rápida e indiferentemente numa cova rasa e em montículo em vez de num túmulo cavado na rocha Isto significaria argila no máximo e os cães novamente no mínimo Penso que sei o que aconteceu com seus corpos e não tenho motivos para pensar que o corpo de Jesus não se tivesse juntado a eles CROSSAN 1995 p 219 Como historiador não penso que possamos dizer categoricamente que seja uma tradição falsa embora eu ache exagero dizer categoricamente que Jesus foi comido pelos cães Por outro lado é certo que não sabemos se a tradição é verdadeira e de fato existem alguns motivos muito convincentes para duvidar dela Eu particularmente duvido Se os romanos seguiram sua política e costumes normais e se Pilatos era o homem que todas as nossas fontes indicam que fosse é altamente improvável que Jesus tenha sido sepultado de forma adequada no dia de sua execução em um túmulo que alguém pudesse identificar mais tarde EHRMAN 2014a p 222 Contudo alguns historiadores colocaram em xeque a historicidade do sepultamento de Jesus baseados no critério do contexto Ehrman 2014a p 217 por exemplo lembra que a prática romana comum era deixar o corpo de pessoas crucificadas decomporse na cruz e ser atacado por necrófagos como parte do desincentivo do crime Naquele tempo criminosos de todo tipo eram via de regra jogados em valas comuns O argumento de Ehrman é que há uma probabilidade significativa de que a história do sepultamento tenha sido criada dado que essa era a política comum dos romanos e que Pilatos não era um governador benevolente que se sensibilizaria por dar um sepultamento digno a um criminoso John Dominic Crossan é mais radical ao sugerir que o corpo de Jesus não foi sepultado mas comido por cães e corvos Bart Ehrman pensa que há aqui um exagero por parte de Crossan mas é certo que não podemos saber o que aconteceu com o corpo de Jesus Dado o que sabemos provavelmente aconteceu o que acontecia com o corpo de qualquer criminoso isto é ser deixado para se decompor e servir de alimento para animais necrófagos Nas palavras dele Contudo essa posição de Ehrman e de Crossan é equivocada Além de ignorar a atestação múltipla e a antiguidade do material a afirmação dos dois autores também não se harmoniza com o que sabemos sobre o contexto Evans 2020b faz um exame minucioso das práticas judaicas de sepultamento dos documentos históricos da antiguidade tardia e dos dados arqueológicos e chega à conclusão de que as narrativas nos evangelhos são depoimentos históricos confiáveis Diferentemente do que propõe Ehrman e Crossan a análise de Evans sobre o critério do contexto mostra que havia razões significativas para termos confiança na tradição dos evangelhos pois uma razão para o sepultamento dos mortos era evitar a contaminação da terra de Israel EVANS 2020b p 64 como mostram documentos antigos Neste caso a história do sepultamento está em conformidade com a prática judaica a qual as autoridades respeitavam durante o tempo de paz Evans mostra exemplos em fontes históricas primárias de que mesmo no caso do criminoso executado era previsto um sepultamento adequado EVANS 2020b p 67 Por isso podemos concordar com o estudioso do Novo Testamento Raymond Brown que afirma o seguinte 126 Argumento da Ressurreição de Jesus CRESCER Que Jesus foi sepultado é historicamente certo Que a sensibilidade judaica queria que isso fosse feito antes do próximo sábado que também pode ter sido um dia de festa também é certo e nossos registros não nos dão nenhuma razão para pensar que essa sensibilidade não foi respeitada Que o sepultamento foi feito por José de Arimateia é muito provável pois uma criação ficcional cristã a partir do nada de um membro do sinédrio judaico que faz o que é certo é quase inexplicável considerando a hostilidade nos escritos cristãos primitivos para com as autoridades judaicas responsáveis pela morte de Jesus Além disso a designação fixa dessa personagem como de Arimateia cidade muito difícil de identificar e que não recorda nenhum simbolismo bíblico torna uma tese de invenção mais implausível ainda O próprio fato de os Evangelhos mais tardios não terem de enobrecer José e aumentar a reverência do sepultamento dado a Jesus mostra que os instintos cristãos não formaram livremente o que pressupus ser o relato básico Embora alta probabilidade não seja certeza não há nada no relato préevangélico básico do sepultamento de Jesus por José que não possa ser plausivelmente considerado histórico BROWN 2011 p 439 Fato 02 No domingo seguinte à crucificação o túmulo de Jesus foi encontrado vazio por um grupo de suas seguidoras Há várias razões que levaram os estudiosos a acreditarem que o túmulo de Jesus foi encontrado realmente vazio por suas seguidoras Para se ter uma ideia da credibilidade histórica dessa evidência um dos maiores especialistas do mundo sobre a ressurreição Gary Habermas 2006 p 223n fez uma vasta pesquisa sobre a posição dos historiadores neste ponto a partir de mais de 2200 estudos eruditos e concluiu o seguinte o estudo que realizei com centenas de fontes eruditas sobre a ressurreição indicou mais de vinte argumentos para o túmulo vazio Cerca de 75 dos eruditos pesquisados aceitam um ou mais dos argumentos a favor Aqui vamos apenas ver algumas destas razões Em primeiro lugar a tumba vazia é atestada por múltiplas fontes independentes Temos o relato de Marcos da tumba vazia Mc 1618 há também relatos em Mateus e em João No caso de Mateus existe uma alta probabilidade de que ele esteja operando com uma fonte independente M que incluía a história da guarda no túmulo Craig 2012a p 350 aponta que há traços de uma tradição anterior no vocabulário não característicos de Mateus na sua narrativa Além disso Lucas parece trabalhar com uma fonte independente L ao relatar a história de dois discípulos que conferiram o relato das mulheres de que o túmulo estava vazio De modo significativo tal incidente é atestado de forma independente por João o que mostraria que não estamos diante de uma invenção de Lucas A história também é mencionada nos sermões de Atos 229 e 1336 e está implícita na carta da Paulo aos Coríntios I Co 154 No entanto Ehrman 2014a p 193 afirma que Paulo não fala nada sobre alguém descobrir um túmulo vazio e não menciona quaisquer aparições de ressurreição para mulheres Contudo Habermas 2006 p 223 lembra corretamente que o credo paulino pressupõe um túmulo vazio a sequência envolvendo três frases com e especialmente para um judeu expressa que se Jesus morreu foi sepultado ressuscitou e apareceu então o que antes vivia foi introduzido no chão e emergiu Em tal caso deixaria o sepulcro vazio Além disso Craig 2012a afirma que a expressão ao terceiro dia possivelmente faz referência à visita das mulheres ao túmulo no terceiro dia dado a contagem judaica após a Argumento da Ressurreição de Jesus 127 CRESCER A menção ao sepultamento de Jesus v 4a só poderia chegar a ocupar um papel tão importante numa narrativa tradicional breve e sucinta se ela fosse considerada importante em si mesma Muitos debates gravitaram em torno deste ponto mas a razão mais provável para sua menção compreende duas partes primeira certificar que Jesus esteve real e verdadeiramente morto segundo indicar que quando Paulo fala de ressurreição na frase seguinte devese supor como suponha qualquer pessoa que contava ou ouvia uma história sobre alguém sendo ressuscitado dentre os mortos tanto no mundo pagão quanto no mundo judaico que isso se referia ao corpo sendo ressuscitado para uma nova vida deixando para trás um túmulo vazio O fato do túmulo vazio tão proeminente nos relatos evangélicos parecer não ser especificamente mencionado nessa passagem não é importante a expressão foi sepultado então ressuscitou não precisa ser ampliada do que eu caminhei pela calçada com a determinação a pé A melhor hipótese sobre porque a expressão e foi sepultado ter passado a ser parte dessa breve tradição é que a expressão resumiu de forma muito sucinta todo esse elemento das narrativas pascais WRIGHT 2013 p 452453 O testemunho fornecido por mulheres não era respeitado numa sociedade judaica dominada por homens De fato segundo Lucas os apóstolos zombaram das mulheres Além disso a identidade e o número de testemunhas diferem nos vários Evangelhos assim como diferem os depoimentos Contudo tratase claramente de uma tradição antiga Se a história do túmulo vazio fosse manufaturada pela Igreja primitiva para demonstrar a realidade da ressurreição de Jesus seria de se esperar um relato uniforme e perfeitamente seguro atribuído a testemunhas claramente confiáveis VERMES 2013 p 165 crucificação N T Wright explica com mais detalhes porque o túmulo vazio está implícito na narrativa de Paulo Assim temos no mínimo seis fontes independentes que relatam a descoberta do túmulo vazio Em segundo lugar a tumba vazia é atestada por fontes muito antigas Pois o relato do túmulo vazio faz parte da antiga fonte sobre a paixão usada por Marcos No caso da fonte denominada história da paixão de Marcos ela forma uma única peça gramatical com o relato do sepultamento o que indica que ambos vieram da mesma fonte O relato de Marcos também é simples direto sem qualquer enfeite de temas apologéticos teológicos ou lendários o que atesta sua antiguidade Há também como vimos a antiga tradição citada por Paulo em 1Coríntios 1535 que pressupõe um túmulo vazio O interessante é que ambos os relatos são simples Em terceiro lugar o fato de o testemunho de mulheres não ser levado em consideração na Palestina do primeiro século ajuda a confirmar a historicidade do túmulo vazio por parte delas Mais precisamente as mulheres não eram consideradas testemunhas dignas de crédito De acordo com o historiador judeu Geza Vermes 2013 p 131 o valor legal dessa atestação é enfraquecido pelo fato de as testemunhas serem mulheres O testemunho feminino desdenhosamente chamado de desvario lêros pelos apóstolos em Lucas não contava na sociedade masculina judaica De modo mais significativo Vermes explica 128 Argumento da Ressurreição de Jesus CRESCER Mulheres simplesmente não eram aceitas como testemunhas legais Podemos lamentar mas é assim que o mundo judaico e muitos outros funcionava Se eles os autores dos evangelhos pudesse ter inventado histórias de que os primeiros a terem chegado no túmulo haviam sido testemunhas masculinas excelentes fortes e confiáveis eles teriam feito O fato deles não terem feito isso nos diz que todos na igreja primitiva sabiam que as mulheres conduzidas por Maria Madalena foram de fato as primeiras na cena ou que a igreja primitiva não era inventiva como os críticos têm rotineiramente imaginado ou ambas as coisas WRIGHT 2013 p 835 Assim qualquer relato lendário primitivo certamente teria feito com que os discípulos do sexo masculino descobrissem o túmulo vazio não as mulheres O preconceito contra as mulheres na época era tão forte que o historiador judeu do século I Flávio Josefo afirma que o testemunho de mulheres não seja admitido em função da leviandade e atrevimento desse sexo Antiguidades iv815 Como afirma NT Wright Por fim a primeira reação dos judeus relatada em Mateus 281115 pressupõe um túmulo vazio De acordo com Mateus esta versão se divulgou entre os judeus até o dia de hoje Mt 2815 o que demonstra que ele estaria reagindo a uma explicação dada pelos judeus à ressurreição e que tinha sido amplamente divulgada Mais precisamente as autoridades judaicas alegavam que os discípulos tinham roubado o corpo de Jesus Mt 2815 isso mostra que de fato faltava realmente um corpo naquela sepultura Em outras palavras a reação mais antiga dos judeus de que temos registro à proclamação dos discípulos de que Jesus ressurgiu dos mortos não foi apontar para o túmulo ocupado mas alegar que os seguidores de Jesus tinham levado embora o corpo dele Logo temos evidências do túmulo vazio a partir dos próprios oponentes dos cristãos primitivos Depois de apresentar um extenso debate sobre os argumentos a favor e contra a descoberta do túmulo vazio Annette Merz Gerd Theissen 2015 p 530 afirmam se se quisesse ordenar as reflexões aqui desenvolvidas no espectro de diferentes opiniões a balança penderia para a possibilidade de a tradição sobre o túmulo vazio ter um cerne histórico Fato 03 Em múltiplas ocasiões e em várias circunstâncias diferentes indivíduos e grupos de pessoas vivenciaram aparições de Jesus ressurreto dentre os mortos Esse fato é um dos mais bematestados e universalmente reconhecidos entre os estudiosos do Novo Testamento mesmo entre os principais críticos Bart Ehrman 2014a p 247 por exemplo afirma que nossos registros mais antigos são coerentes quanto a isso e acho que nos fornecem informação confiável em termos históricos em um ponto chave a crença dos discípulos na ressurreição se baseava em experiências visionárias Mas por qual razão a imensa maioria dos especialistas até mesmo dos principais críticos aceitam esse terceiro fato sobre o Jesus histórico Em primeiro lugar as tradições das aparições de Jesus nos evangelhos fornecem atestações múltiplas e independentes delas Por exemplo a aparição de Jesus a Pedro é atestada de forma independente por Paulo I Co 155 e Lucas Lc 2434 A aparição de Jesus aos doze é relatada de modo independente por Paulo I Co 155 Lucas Lc 243653 e João Argumento da Ressurreição de Jesus 129 CRESCER Irmãos quero lembrarlhes o evangelho que lhes preguei o qual vocês receberam e no qual estão firmes Por meio deste evangelho vocês são salvos desde que se apeguem firmemente à palavra que lhes preguei caso contrário vocês têm crido em vão Pois o que primeiramente lhes transmiti foi o que recebi que Cristo morreu pelos nossos pecados segundo as Escrituras foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia segundo as Escrituras e apareceu a Pedro e depois aos Doze Depois disso apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez a maioria dos quais ainda vive embora alguns já tenham adormecido Depois apareceu a Tiago e então a todos os apóstolos depois destes apareceu também a mim como a um que nasceu fora de tempo 1 Coríntios 1518 Jo 201931 A aparição para as seguidoras de Jesus é relatada de forma independente por Marcos Mc 1618 Mateus Mt 28910 e João Jo 201117 esta última também é atestada pelo critério do constrangimento dada a baixa credibilidade história do testemunho das mulheres na antiguidade Há por fim o aparecimento de Jesus aos discípulos na Galileia relatado de modo independente por Marcos Mc 16 Mateus 281620 e João Jo 21 Em segundo lugar a lista de testemunhas oculares das aparições de Jesus tal como citada por Paulo em 1Coríntios 1557 garante que tais aparecimentos ocorreram tendo marcas próprias de autenticidade O relato afirma o seguinte O interessante desta lista é que no momento em que Paulo escreveu tais informações ele tinha familiaridade com as pessoas envolvidas de modo que é historicamente difícil considerálas como simples lendas Neste texto Paulo cita aqui uma antiga tradição originada na igreja de Jerusalém de que Jesus apareceu a Pedro A partir do texto de Gálatas 118 sabemos que Paulo passou cerca de duas semanas com Pedro três anos após sua conversão O ponto aqui é que Paulo sabia pessoalmente que Pedro tinha tido essa experiência Paulo cita também a aparição a Tiago o irmão mais novo de Jesus Isso é algo significativo pois nem Tiago nem os outros irmãos de Jesus creram nele antes de sua morte Mc 3213135 e Jo 7110 Dada a proeminência de Tiago e o aparecimento dos irmãos de Jesus na comunidade cristã após a sua morte At 114 não há razão para imaginar que a Igreja Primitiva produziria relatos fictícios acerca da incredulidade dos familiares de Jesus se eles tivessem sido sempre seguidores fiéis Pois Tiago e seus irmãos se tornaram cristãos ativos após a morte de Jesus dentro da comunidade cristã o próprio Tiago era considerado apóstolo e ascendeu à posição de liderança da igreja de Jerusalém At 114 Paulo afirma que Tiago era uma das três colunas da igreja em Jerusalém Gl 29 e que conversou com ele pessoalmente em sua visita de duas semanas De acordo com Flávio Josefo Tiago foi martirizado por sua fé em Cristo no final da década de 60 dC Antiguidades 20200 Se por um lado Tiago não acreditava em Jesus durante a vida e depois de sua morte ele se tornou um ativo de Jesus alguma coisa muito forte aconteceu para ele dar essa virada Craig 2012a p 363 traz o seguinte ponto muitos de nós temos irmãos O que seria preciso para que você cresse que seu irmão é o Senhor a ponto de você morrer por sua fé A principal razão para haver tal notável transformação no irmão mais novo de Jesus foi porque nas palavras de Paulo depois apareceu a Tiago De modo significativo Paulo cita a aparição a mais de quinhentos irmãos de uma só vez Apesar dos evangelhos não registrarem tal aparição Paulo afirma ter recebido essa informação de uma tradição muito antiga e dá a entender que ele teve algum contato com essas pessoas uma vez que ele sabia que algumas delas já tinham morrido e que a maioria 130 Argumento da Ressurreição de Jesus CRESCER ainda estava viva Por que Paulo faria este comentário De acordo com N T Wright 2013 p 458 embora alguns já estejam mortos a maioria ainda vive e eis a implicação contundente eles poderiam ser interrogados e apresentar seus próprios relatos sobre o que viram e sabiam Ainda de acordo com Wright 2013 p 458 a tendência global do parágrafo tem a ver com provas com testemunhas sendo convocadas sobre algo que efetivamente aconteceu e para o que testemunhas oculares poderiam e dariam confirmação William Lane Craig 2012a p 362 reforça este ponto ao afirmar que Paulo nunca poderia ter dito isso se o fato não tivesse ocorrido Ele não poderia ter desafiado as pessoas a perguntar às testemunhas se o evento não tivesse acontecido e não existissem testemunhas Por fim a própria aparição a Paulo é significativa aqui Neste relato temos um testemunho de primeira mão do próprio Paulo que afirmou ter visto o Senhor Jesus Tal acontecimento mudou a vida de um dos mais fervorosos líderes do judaísmo que odiava o cristianismo e a perseguiu de forma implacável Então de repente Paulo desiste de sua elevada posição entre os fariseus e se torna um dos principais missionários cristãos da história Por causa disso ele foi chicoteado apedrejado surrado passando por muitos perigos privações e angústias 2 Co 112327 Uma transformação de mentalidade tão drástica é mais bem explicada pelo que o próprio Paulo afirma ter visto o Jesus ressurreto apareceu a ele Como afirma Geza Vermes 2013 p 172 não há dúvida os personagens do Novo Testamento acreditaram na realidade das suas visões de Jesus Fato 04 Os discípulos acreditavam que Jesus ressuscitara dos mortos apesar de terem toda predisposição para acreditar no contrário O último fato a ser explicado diz respeito à própria origem da fé cristã Este também é um fato que até os estudiosos mais críticos aceitam E esse fato é importante para nosso argumento porque como afirma N T Wright 2013 p 33 precisamente nesse ponto elas as origens cristãs em geral e a ressurreição em particular estão intrinsecamente relacionadas Para entender a razão disso vamos analisar algumas situações que os discípulos enfrentaram depois da crucificação de Jesus Em primeiro lugar o líder deles estava morto e os judeus não tinham nenhuma crença acerca de um Messias morto e ressurreto Como afirma Bart Ehrman 2014b p 161 esperavase que o Messias iria destruir o inimigo e estabelecer seu trono em Jerusalém onde governaria seu povo com força grandeza e justiça Mais precisamente os judeus esperavam que o Messias expulsasse os inimigos de Israel mais precisamente Roma e reinstaurasse o reino dravídico O Messias era esperado como uma figura poderosa triunfante inspirando o respeito de judeus e de gentios e governando sabiamente Israel como uma grande nação mundial Não era aguardado de forma alguma que o Messias sofresse a morte vergonhosa de um criminoso numa cruz Além disso de acordo com a lei judaica baseada em Deuteronômio 2123 a execução de Jesus como criminoso demonstrava que ele era herege um homem que estava literalmente debaixo da maldição de Deus Para os discípulos a catástrofe da crucificação não era simplesmente que seu Mestre se fora mas que a crucificação mostrou de fato que os fariseus estavam certos o tempo todo que durante três anos eles tinham seguido um herege um homem amaldiçoado por Deus Como explica N T Wright 2013 p 769 a Argumento da Ressurreição de Jesus 131 CRESCER Quem teria a ideia de um Messias crucificado Nenhum judeu que conhecemos E quem eram os seguidores de Jesus nos anos imediatamente posteriores à sua morte Judeus que viviam na Palestina Não é por menos que Paulo ficou revoltado com suas ideias Eles alegavam que Jesus era o ungido aquele que era especialmente favorecido por Deus o grande e poderoso regente de toda Israel Jesus o homem que foi executado por revolta contra o estado É ele o abençoado de Deus a solução definitiva para o sofrimento do povo escolhido Um criminoso crucificado Isso é pior do que loucura É uma ofensa contra Deus uma blasfêmia Ou assim pensava Paulo Por isso resolveu perseguir essa minúscula seita de judeus e tentar destruila Se é difícil imaginar que judeus tenham inventado um Messias crucificado de onde teria vindo a ideia A resposta é ela nasceu de realidades históricas Houve realmente um homem chamado Jesus Algumas das coisas que dizia e possivelmente fazia levaram seus seguidores a pensa que ele talvez fosse o Messias E realmente acabaram convencidos devia realmente ser o Messias Mas então ele provocou as autoridades que o prenderam julgaram e condenaram à morte Ele foi crucificado É evidente que isso contrariou radicalmente todas as ideias e esperanças de seus seguidores já que isso obviamente não tinha nada a ver com o Messias No entanto algo mais aconteceu Alguns seguidores começaram a dizer que ele foi ressuscitado por intervenção de Deus Isso reconfirmou em grande medida as esperanças que haviam sido severamente destroçadas por sua crucificação EHRMAN 2014b p 162163 crucificação de Jesus entendida do ponto de vista de qualquer observador simpático a ele ou não deve ter parecido como a completa destruição de quaisquer pretensões ou possibilidades messiânicas que ele ou seus seguidores possam ter dado a entender Ehrman coloca este ponto de modo ainda mais enfático Assim Jesus é o Messias que não triunfou não reinou e não libertou Israel dos seus inimigos pelo contrário foi brutalmente assassinado por eles A forma violenta como Jesus foi morto dizia poderosamente e irresistivelmente que ele não era o Messias e que o reino não havia chegado WRIGHT 2013 p 769 Contudo a crença dos discípulos na ressurreição reverteu de modo poderoso a catástrofe que foi a crucificação Uma vez que Deus o ressuscitou dos mortos Jesus foi novamente reconhecido como o Messias enviado da parte de Deus Por isso não é surpresa que a crença na ressurreição era universal no cristianismo desde o início do movimento cristão como demonstra o maciço estudo de N T Wright 2013 Por isso Craig 2012a p 378 afirma que a origem da fé cristã portanto é inexplicável a não ser que Jesus realmente tenha ressuscitado Um último ponto importante aqui é que as crenças judaicas a respeito da vida após a morte excluíam a possibilidade de alguém ressuscitar dos mortos para a glória e a imortalidade antes da ressurreição geral no fim do mundo Mais precisamente os discípulos não passaram a acreditar na ressurreição de Jesus devido a qualquer influência de sua cosmovisão judaica pois os antigos judeus acreditavam que a ressurreição ocorre após o fim da história não antes dele Não havia entre os judeus a possibilidade de ressurreição dentro da história Tudo o que os discípulos poderiam fazer seria preservar o túmulo do seu Mestre como um santuário onde seus ossos poderiam descansar até o dia em que todos os justos de Israel que estivessem mortos fossem ressuscitados por Deus Mas de forma alguma era esperado que eles acreditassem que seu líder executado tivesse sido executado porque ele era o Messias Como explica N T Wright mesmo que os discípulos estivessem convictos 132 Argumento da Ressurreição de Jesus CRESCER Essa crença não teria levado os primeiros discípulos a afirmar que ele teria sido ressuscitado dos mortos Uma mudança no significado de Messias sim desde que ninguém no primeiro século supusesse que o Messias morreria nas mãos dos pagãos mas não uma afirmação de sua ressurreição Nenhum texto judaico do Segundo Templo fala do Messias sendo ressuscitado dos mortos Ninguém teria dito eu acredito que Fulano de Tal era o Messias portanto ele deve ter sido ressuscitado dos mortos WRIGHT 2013 p 61 por outros motivos que não a ressurreição que Jesus era de fato o Messias Por isso se dependessem apenas de suas crenças judaicas os discípulos jamais iriam acreditar em que Jesus ressuscitou dos mortos restavam a eles apenas esperar ansiosamente pela ressurreição geral dos mortos Contudo a despeito de tudo isso os discípulos originais creram e estavam dispostos a enfrentar a morte pelo fato da ressurreição de Jesus A melhor explicação para estes quatro fatos históricos é que Jesus ressuscitou dos mortos Agora estamos prontos para concluir nosso argumento em favor da ressurreição de Jesus Vimos quatro fatos históricos aceitos pela maioria dos historiadores que precisam de alguma hipótese explicativa Nosso argumento segue que a ressurreição de Jesus é a melhor explicação para os quatro fatos históricos E isso por alguns motivos Em primeiro lugar ela tem um grande escopo explanatório pois a hipótese da ressurreição explica por que o túmulo foi encontrado vazio por que os discípulos viram aparições de Jesus após a morte e por que a fé cristã passou a existir Em segundo lugar a hipótese da ressurreição tem grande poder explanatório uma vez que ela explica por que o corpo de Jesus desapareceu por que as pessoas viram Jesus vivo várias vezes apesar da sua execução pública recente por que seu túmulo foi descoberto vazio no domingo pela manhã A hipótese da ressurreição também é a mais plausível dado o que sabemos sobre o contexto histórico da própria vida e reivindicações de Jesus de modo que a ressurreição parece um tipo de confirmação divina para suas reivindicações radicais Tal hipótese também não é ad hoc não precisando de mais acréscimos a não ser a hipótese auxiliar de que Deus existe Por fim a hipótese Deus ressuscitou Jesus dos mortos não entra em conflito com a crença estabelecida de que as pessoas não ressuscitam naturalmente dos mortos pois a ressurreição de Jesus não foi uma ressurreição natural Por isso a hipótese da ressurreição supera qualquer de suas hipóteses rivais no cumprimento das condições 15 que vimos no começo deste módulo Ao longo da história foram apresentadas várias explicações alternativas para os quatro fatos citados como a hipótese da conspiração dos discípulos a hipótese da morte aparente de Jesus a hipótese de que os discípulos tiveram algum tipo de alucinação entre outras Essas hipóteses têm sido rejeitadas quase universalmente pelos estudos contemporâneos pois nenhuma dessas hipóteses naturalistas consegue atender às condições tão bem como a hipótese da ressurreição Depois de analisar seis teorias naturalistas sobre a ressurreição de Jesus o historiador judeu Geza Vermes 2013 p 172 conclui de modo geral nenhuma das seis teorias suporta um escrutínio rigoroso Argumento da Ressurreição de Jesus 133 CRESCER 134 Argumento da Ressurreição de Jesus COMPARTILHAR Assim a melhor explicação para os quatro fatos históricos é que Jesus de Nazaré de fato ressuscitou dos mortos aquele cuja crucificação brutal foi publicamente acompanhada naquela tarde de sextafeira em Jerusalém Se Deus ressuscitou a Cristo dos mortos então tal Deus confirmou as suas reivindicações Logo a ressurreição de Jesus constituise a rocha sólida sobre a qual os cristãos podem fundamentar sua fé Nesta aula você Aprendeu como estruturar um argumento histórico em favor da ressurreição de Jesus Analisou quatro fatos históricos que são bemaceitos pela maioria dos historiadores sobre o Jesus histórico Avaliou que a ressurreição de Jesus é a melhor explicação para os quatro fatos históricos CRAIG William Em guarda defendendo a fé cristã com razão e precisão São Paulo Vida Nova 2011 capítulo 9 Jesus ressuscitou dos mortos COPAN Paul Org O Jesus dos Evangelhos mito ou realidade Um debate entre William Lane Craig e John Dominic Crossan São Paulo Vida Nova 2012 PARA CRESCER MAIS 135 Argumento Probalístico de Richard Swinburne módulo 11 Olá Richard Swinburne é o representante contemporâneo mais sofisticado da teologia natural clássica isto é da tentativa de oferecer provas ou evidências em favor da existência de Deus Ele forneceu aquele que talvez seja o argumento mais rigoroso e forte em favor da existência de Deus Neste módulo vamos estudar o argumento de Swinburne Para isto vamos primeiro entender como funciona um argumento probabilístico a partir do Teorema de Bayes e como ele pode ser aplicado no debate sobre a existência de Deus em seguida vamos calcular a probabilidade do teísmo Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Aprender a estrutura do argumento probabilístico de Swinburne em favor da existência de Deus Entender o funcionamento do Teorema de Bayes Avaliar a probabilidade do teísmo de acordo com Swinburne Bons estudos 136 Argumento Probabilístico de Richard Swinburne CONECTAR O trabalho de Richard Swinburne é celebrado com justiça como um dos mais importantes projetos filosóficos e apologéticos em defesa do teísmo cristão do nosso tempo Ele é considerado o representante contemporâneo mais sofisticado da teologia natural clássica isto é da tentativa de oferecer provas ou evidências em favor da existência de Deus Swinburne procura demonstrar que existe a possibilidade de se alcançar uma conclusão justificada por meio de argumentos racionais acerca da existência de Deus Sua principal obra A existência de Deus apresenta aquele que talvez seja o argumento mais sofisticado em favor do teísmo Outro livro de Swinburne Deus existe constitui o resumo do seu principal livro Swinburne não apenas produziu uma defesa rigorosa e clara da crença em Deus como também apresentou argumentos muito sofisticados em defesa de alguns dos principais ensinos do cristianismo como a ressurreição histórica de Jesus ou que a Bíblia é a revelação de Deus para a humanidade6 O trabalho de Swinburne possui duas características significativas Primeiro o modo como Swinburne estrutura seu argumento é baseado no raciocínio científico moderno Meu trabalho tem sido muito voltado para dar uma nova forma aos velhos argumentos para a existência de Deus a partir de premissas evidentes aos sentidos SWINBURNE 2004a p 61 Mais precisamente a proposta de Swinburne consiste em dar uma forma mais sofisticada aos antigos argumentos em favor da existência de Deus a partir de premissas que sejam publicamente evidentes para todos Esta nova forma consiste em apresentar tais argumentos como indutivos ou probabilísticos avaliando sua força com ajuda do cálculo da confirmação E isso porque a ideia do que conta como evidência conhecimento crença justificada e ciência é diferente de como era na antiguidade e no medievo Como veremos a estrutura argumentativa de Swinburne pode ser expressa resumidamente da seguinte forma cientistas historiadores e detetives ao observarem dados procuram chegar a alguma hipótese sobre o que explica melhor a ocorrência daqueles dados Ao analisar os critérios que eles usam a fim de chegar à conclusão de como uma hipótese é mais bem sustentada do que outra ou seja de como com base nesses dados é mais provável uma hipótese ser verdadeira que suas concorrentes é possível elucidar a questão da existência de Deus Os mesmos critérios que os cientistas usam para chegar a suas próprias teorias nos levam a ir para além daquelas teorias rumo a um Deus criador que sustenta tudo na existência SWINBURNE 2015b p 18 Uma segunda característica do trabalho de Swinburne tem a ver com a necessidade 6 Por exemplo veja o argumento de Swinburne 2004b em favor da ressurreição de Jesus Richard Swinburne procurou dar uma nova forma aos antigos argumentos em favor da existência de Deus O que isso nos diz sobre a necessidade defender a fé cristã em diálogo com a cultura intelectual mais ampla PARA REFLETIR Argumento Probabilístico de Richard Swinburne 137 CONECTAR da teologia natural uma vez que a adesão da crença em Deus parece ser menor no Ocidente principalmente nos círculos intelectuais O trabalho a partir da teologia natural tem sido uma parte da tradição intelectual cristã por quase toda sua história Contudo Swinburne afirma que essa tradição caiu em descrédito entre os filósofos como resultado de más razões apresentadas tanto por Hume quanto Kant sobre os limites da compreensão e do conhecimento humanos colocando em xeque a possibilidade da razão em alcançar uma conclusão bemjustificada em favor da existência de Deus No entanto a despeito da grande influência que os argumentos de Hume e Kant sobre os limites da inteligibilidade e do conhecimento tiveram sobre filósofos e teólogos esses filósofos não apresentaram qualquer boa razão para se negar a possibilidade de uma teologia natural cogente SWINBURNE 2016 p 196 Swinburne acredita e defende que tal teologia natural pode ser construída e defendida Veremos a proposta de Swinburne neste módulo Uma vez que existe muito mais dúvida sobre a existência de Deus no cético mundo ocidental de hoje do que havia na maioria das culturas dos séculos passados a necessidade da teologia natural é maior do que nunca tanto para aprofundar a fé do crente quanto para converter o nãocrente SWINBURNE 2004a p 6061 Durante os primeiros séculos da era cristã até o medievo grande parte das pessoas criadas em uma cultura cristã tomava a existência de Deus como certa Os teólogos cristãos geralmente não dedicavam muita energia em produzir argumentos em favor da existência de Deus Swinburne 2004a p 58 pensa que parte do motivo para isto é que eles não sentiam necessidade de fazer um esforço maior pois a maioria dos seus contemporâneos aceitava a existência de Deus ou de deuses Contudo a conversão envolvia muitas vezes a aceitação de reivindicações mais detalhadas como a de que havia apenas um Deus que ele tinha certas características e que havia atuado na história em Jesus Cristo Para tais ensinos foi preciso o desenvolvimento mais elaborado de argumentos Com a chegada do segundo milênio Swinburne 2004a afirma que argumentos mais rigorosos em favor da existência de Deus começaram a aparecer mesmo que tais argumentos não fossem necessários para a conversão ou para fundamentar a crença em Deus Muitos deles acreditavam em Deus com base na experiência religiosa ou no testemunho de outros Há algo de racionalmente ilegítimo em acreditar em Deus com base nas próprias experiências religiosas ou no testemunho Swinburne pensa que não Pois é um princípio básico da racionalidade chamado por Swinburne 2015b p 170171 de Princípio da Credulidade que nós devemos acreditar que as coisas são do modo como elas nos parecem ser no sentido epistêmico a menos e até que tenhamos indícios de que estamos enganados Ou seja aquilo que parece para uma pessoa ser de tal modo com base na experiência provavelmente é do modo que parece na ausência de boas evidências contrárias Se parece que estou lendo esta apostila então provavelmente estou lendo a apostila a não ser que você acorde e descubra que foi tudo um sonho Afinal se alguém pensa que só deveria confiar nas aparências até que prove que elas são confiáveis nunca teria crença alguma Esse mesmo princípio deve se estender para nossas crenças religiosas se você teve uma experiência aparentemente de Deus talvez quando estava em oração talvez quando lia as Escrituras você provavelmente a teve a menos que se possa mostrar indícios contrários Outro princípio básico da racionalidade é o que Swinburne 2015b p 172 chama de Princípio do Testemunho aqueles que não têm uma experiência de certo tipo devem acreditar nos outros quando eles dizem que tiveram novamente na ausência de indícios de fraude ou ilusão Em outras palavras aquilo que as pessoas lhe dizem provavelmente é verdade na ausência de uma contraevidência Se lemos no jornal que houve um terremoto na Turquia ou se o professor nos diz que a Terra gira em torno do sol essas coisas provavelmente são assim a não ser que você aprenda algo que lance dúvidas sobre elas E esse princípio é importante pois se não pudéssemos acreditar em geral no que os outros dizem acerca de suas experiências sem conferirmos isso de algum modo nosso conhecimento de história geografia ou ciência seria quase não existente SWINBURNE 2015b p 173 Esse mesmo princípio também se estende às nossas crenças religiosas se nossos pais nos dizem que existe um Deus é racional acreditar neles na ausência de uma contraevidência se alguém afirma que sentiu a presença de Deus enquanto lia as Escrituras é racional acreditar nela na ausência de contraevidências Swinburne 2004a afirma que as contraevidências podem assumir várias formas a quantidade monumental de dor e sofrimento no mundo pode nos parecer incompatível ou improvável com a existência de um Deus totalmente bom e todopoderoso outros familiares podem nos dizer que não existe tal pessoa como Deus eu posso assistir a um 138 Argumento Probabilístico de Richard Swinburne CRESCER documentário que parece refutar a existência de Deus Em todo caso tais contraevidências podem ser fortes ou fracas e mesmo quando são fortes podem não perturbar racionalmente a crença de alguém seja porque minha experiência com Deus parece mais vívida que a contraevidência seja porque eu estou mais disposto a acreditar na autoridade de alguém que teve uma experiência religiosa mais forte ou seja por algum outro motivo De qualquer modo Swinburne 2004a p 60 pensa que em geral a presença de um contraindício abre a questão da existência de Deus que precisa então ser amparada por argumentos positivos eou que precisa ter os argumentos negativos rebatidos se a crença em Deus for racional Mais precisamente o fato de encararmos uma contraevidência à existência de Deus que parece refutar nossas experiências religiosas ou o testemunho que anteriormente serviam de base para nossa crença como presentes no princípio da credulidade eou do testemunho faz com que ou precisemos de um argumento positivo ou da necessidade de refutar os argumentos que nos foram apresentados a fim de que a crença de que Deus existe volte a ser racional E isso é importante porque a religião cristã só faz sentido se existir tal pessoa como Deus Nas palavras de Swinburne Por isso é muito importante saber se existe tal pessoa como Deus principalmente no mundo ocidental de hoje onde a dúvida sobre a existência de Deus parece ser mais presente Mas como é possível alcançar uma conclusão bemjustificada por meio de argumentos racionais acerca da existência de Deus Swinburne defende que o raciocínio científico investigativo e histórico pode nos ajudar aqui Estrutura do raciocínio de Swinburne Richard Swinburne pensa que a força de um argumento racional está em fazer com que pessoas racionais aceitem sua conclusão Para Swinburne 2015a p 40 é necessário que as premissas sejam tidas como verdadeiras por aqueles que discutem acerca da conclusão Ou seja a fim de dar uma nova forma aos velhos argumentos em favor da existência é preciso partir de premissas que são evidentes a todos e não apenas a teístas ou ateístas Quais seriam alguns dos fenômenos indícios ou evidências que são geralmente visíveis a todos tanto a teístas quanto a ateus A ideia de que existe um universo físico seria um desses fenômenos outros são os seguintes este Universo opera a partir de leis naturais e é finamente sintonizado para a vida existem seres humanos conscientes milhares de pessoas ao longo dos séculos alegam ter tido experiências religiosas e existe o mal Todos Argumento Probabilístico de Richard Swinburne 139 CRESCER As práticas da religião cristã e de qualquer outra religião teísta apenas têm uma razão de ser se existe um Deus não existe razão para cultuar um criador inexistente ou para pedir a ele para fazer algo na Terra ou levarnos para o Céu se ele não existe ou para tentarmos viver nossas vidas de acordo com sua vontade se ele não tem qualquer vontade SWINBURNE 2008 p 275 O que é claramente de interesse das pessoas numa época de ceticismo religioso são argumentos em favor da existência ou não existência de Deus nos quais as premissas sejam tidas como verdadeiras por pessoas de todas as persuasões teístas ou ateias SWINBURNE 2015a p 41 esses fenômenos são cientificamente bemestabelecidos e observados por todas as pessoas de todos os lugares Para buscar uma explicação para tais fenômenos ou indícios Swinburne visa olhar o tipo de raciocínio que é desenvolvido na ciência e vai tentar aplicar esse raciocínio na questão da existência de Deus E isso significa que os argumentos empregados por Swinburne não são dedutivos como são os três primeiros argumentos que estudamos de William Lane Craig mas indutivos ou probabilísticos Lembrese que um argumento dedutivo é aquele em que se as premissas forem verdadeiras a conclusão será também verdadeira mas um argumento indutivo é aquele em que as premissas tornam a conclusão em algum grau provável talvez bastante provável mas não certa Neste caso a hipótese que estamos analisando pode ser mais ou menos fortalecida a depender de como um dado fenômeno fortalece ou enfraquece tal hipótese É preciso saber em que medida uma hipótese é mais ou menos provável em vista dos fenômenos ou indícios ou evidências disponíveis para nós Os argumentos na ciência na história e nas investigações criminais desde o modo em lidar com a evidência até o modo de lidar com teorias são indutivos Swinburne fornece o exemplo da uma investigação criminal Perceba que no exemplo de Swinburne cada indício eg as impressões digitais no cofre roubado o dinheiro escondido o relato da testemunha que viu John perto da cena do roubo aumenta a probabilidade da hipótese de que John de fato roubou o cofre No caso da crença em favor da existência de Deus a ideia é que os diferentes fenômenos que servem de premissa em um argumento sejam usados como indícios que confiram alguma probabilidade a tal hipótese Em outras palavras não se pretende que os argumentos demonstrem a existência de Deus de modo dedutivamente necessário mas que confiram algum grau de confirmação para o teísmo e dessa forma possam tornálo epistemologicamente justificada O problema crucial é se todos os argumentos tomados em conjunto tornam provável que Deus existe se o balanço de todos os indícios relevantes favorece a afirmação do teísmo ou não SWINBURNE 2015a p 51 Outro ponto importante levantado por Swinburne é que os argumentos em favor da existência de Deus como o argumento cosmológico ou teleológico não devem ser considerados isoladamente mas de modo cumulativo Ou seja os argumentos podem dar sustento uns aos outros ou alternativamente enfraquecer uns aos outros e precisamos considerar se isso se dá ou não SWINBURNE 2015a p 49 Assim um fenômeno ou indício levado em consideração em uma premissa pode oferecer uma certa quantidade de probabilidade à conclusão outra parte dos fenômenos ou indícios pode aumentar essa probabilidade ainda outra pode diminuir Os argumentos probabilísticos vão assim avaliando de modo detalhado os indícios que temos a fim de analisar se a hipótese se torna mais ou menos provável à luz de tais indícios E se cada indício ou fenômeno acrescenta algum grau de confirmação para a hipótese teísta podese ter ao final um resultado 140 Argumento Probabilístico de Richard Swinburne CRESCER Um detetive por exemplo encontra várias pistas as impressões digitais de John em um cofre roubado o fato de John ter bastante dinheiro escondido em sua casa o fato de John ter sido visto próximo à cena do roubo na ocasião em que ele foi cometido Ele então sugere que essas várias pistas embora possam bem ter outras explicações em geral não são esperáveis exceto se John tiver roubado o cofre Cada pista é evidência parcial de que ele roubou mesmo o cofre e confirma a hipótese de que John roubou o cofre e a evidência é cumulativa quando coletada ela torna a hipótese provável SWINBURNE 2008 p 278 satisfatório do ponto de vista da justificação Por fim Swinburne 2015b afirma que existem dois tipos de explicação para um fenômeno a primeira é a explicação inanimada isto é explicação que apela para a suscetibilidade de um fenômeno da natureza exercer seu poder sob certa condição quando a água se encontra a 0ºC ela congela e ela faz isso porque entre suas propriedades há o poder de fazêlo sob certas condições Ela tem de congelar sob aquelas condições e não tem a opção de não congelar A segunda é a explicação pessoal ela envolve crenças propósitos e intenções No caso da água eu posso ter decidido colocar água para congelar Para Swinburne 2015b p 43 fenômenos diferentes são explicados de modos diferentes alguns eventos são levados a efeito intencionalmente por pessoas e alguns eventos são levados a efeito por coisas inanimadas Assim a explicação inanimada envolve poderes e suscetibilidades a explicação pessoal envolve crenças e intenções Uma pergunta importante para Swinburne é a seguinte será que a existência e a ordem do Universo são mais bem explicadas por meio de uma explicação inanimada ou pessoal Em suma o argumento de Swinburne funciona da seguinte forma há alguns fenômenos gerais que todos nós reconhecemos como o de que existe um Universo físico de que existem leis científicas o de que há seres humanos conscientes o de que através dos séculos milhões de pessoas tiveram uma aparente experiência de estar em contato com Deus o de que existe tal coisa como o mal e muitos outros fenômenos Então temos uma hipótese h de que existe tal pessoa como Deus uma explicação de tipo pessoal Neste sentido a ocorrência de tais fenômenos fornece algum grau de probabilidade seja aumentando ou diminuindo a tal hipótese Mas como podemos avaliar tal hipótese O que justifica que um dado fenômeno aumenta ou diminui a probabilidade de uma hipótese Que critérios precisam ser satisfeitos a fim de que possamos ter um bom argumento isto é para fornecer evidência para nossas hipóteses Swinburne oferece quatro critérios que podem ser empregados tanto para explicações inanimadas quanto para explicações pessoais No próximo tópico vamos explicar de modo mais detalhado os quatro critérios a partir do Teorema de Bayes O mais importante aqui é que de acordo com Swinburne quando colocamos os quatro critérios em funcionamento a fim de determinar qual das nossas muitas afirmações sobre o mundo é a mais provavelmente verdadeira a probabilidade intrínseca do teísmo é relativamente às outras hipóteses acerca do que existe muito alta SWINBURNE 2015a p 195 Assim no balanço de probabilidades dentro de um raciocínio bayesiano levando em conta esses quatro critérios Swinburne afirma que dado nosso indício total o teísmo é mais provável que suas explicações alternativas Logo um ser racional está justificado em conceder seu assentimento tendo em vista tal grau de confirmação Argumento Probabilístico de Richard Swinburne 141 CRESCER 1 Ela nos leva a esperar com precisão muitos e variados eventos que observamos e não observamos nenhum evento cuja não ocorrência ela nos leva a esperar 2 O que é proposto é simples 3 Ela se adapta bem ao nosso conhecimento de fundo 4 Nós não esperaríamos de outro modo encontrar esses eventos ou seja não há nenhuma lei concorrente que nos leve a esperar esses eventos e que satisfaça os critérios 13 tão bem quanto a lei proposta SWINBURNE 2015b p 48 Teorema de Bayes Swinburne faz amplo uso da probabilidade lógica O que está em questão aqui é o quanto uma proposição torna a outra provável Para ver como alguns fenômenos gerais que todos nós reconhecemos eg existe um Universo físico e leis científicas existem seres humanos conscientes etc fornecem algum grau de probabilidade para uma hipótese vamos empregar a teoria da confirmação através do teorema de Bayes A teoria da confirmação diz respeito a um cálculo de probabilidade usado para estabelecer relações de confirmação entre as proposições Já o teorema de Bayes é uma fórmula matemática usada para calcular a probabilidade de um evento ou fenômeno dado que outro evento ou fenômeno já ocorreu O filósofo David Papineau explica o funcionamento do teorema de Bayes Para fazer uso do teorema de Bayes é preciso se familiarizar com alguns símbolos e com uma fórmula matemática como veremos abaixo Mas como você verá o entendimento de como funciona tal teorema não é difícil Assim como os livros de Swinburne vamos ter o cuidado neste módulo de exprimir em palavras também o argumento principal das passagens em que os símbolos ocorrem Para Swinburne o uso da teoria da confirmação é importante para dar mais rigor ao seu raciocínio Como então funciona um argumento no teorema de Bayes Vamos colocar em forma simbólica o que vimos no tópico anterior Ppq representa a probabilidade da proposição p em face do indício q h representa a hipótese que estamos considerando e representa o indício ou o fenômeno e k representa o conhecimento de fundo ou de outras probabilidades No nosso caso queremos saber qual a probabilidade de uma hipótese h Deus existe diante dos indícios observados e1 e2 e3 existe um Universo físico existem leis científicas existem seres humanos conscientes etc do conhecimento de fundo k e de outras probabilidades A formulação mais simples do teorema é a seguinte 142 Argumento Probabilístico de Richard Swinburne CRESCER Os bayesianos são filósofos que defendem que nossas crenças incluindo nossas crenças em teorias científicas obtêmse em graus Assim por exemplo posso crer em grau 05 que choverá hoje no sentido de que penso que há 50 de probabilidade de chuva hoje De forma similar posso atribuir um grau de 01 de crença a uma teoria segundo a qual as poderosas forças nucleares e as débeis forças elétricas são a mesma força penso que isso é improvável mas admito que há uma possibilidade em dez de que ela possa revelarse verdadeira PAPINEAU 2013 p 301 Meu uso da teoria da confirmação me permite expressar meus argumentos com o rigor apropriado a qualquer apresentação pormenorizada dos argumentos a favor e contra uma teoria em larga escala do universo e também me permite mostrar as fortes similaridades que existem entre teorias religiosas e teorias científicas de larga escala SWINBURNE 2015a p 35 Phek Pehk Phk Pek Swinburne afirma que o uso deste cálculo não pressupõe que tenhamos valores exatos frequentemente dados à probabilidade em questão mas que podemos ter algum valor aproximado por exemplo mais ou menos provável do que outra hipótese próximo de 100 muito alto muito baixo etc o cálculo delimita formalmente os fatores que determinam como uma evidência apoia uma hipótese Para colocar os aspectos relevantes em palavras a hipótese h será considerada provável tendo em vista a evidência de observação e1 e o conhecimento de fundo k na medida em que satisfaz três condições Em primeiro lugar a probabilidade posterior simbolizada por Phek deve ser alta isso significa que uma hipótese científica ou histórica é considerada provável na medida em que os indícios são tais que você esperasse encontrálos se a hipótese fosse verdadeira Swinburne fornece um exemplo de tal critério a partir da ilustração do roubo do cofre Ou seja se John realmente roubou o cofre é muito provável que suas impressões digitais sejam encontradas nele que o dinheiro seja encontrado em sua casa e que uma testemunho ocular afirme têlo visto perto do local do crime No entanto para cada indício ou fenômeno seria possível inventar um número infinito de hipóteses de modo que todas elas satisfizessem o critério anterior Phek mas que fossem completamente incompatíveis entre si Pense novamente no exemplo de Swinburne há a primeira hipótese de que John roubou o cofre e ela tem uma probabilidade posterior alta pois ela nos leva a esperar todos os indícios contudo há uma segunda hipótese que também nos leva a esperar todos os indícios que encontramos suponha que Brown plantou as impressões digitais de John no cofre que Smith se vestiu para ficar parecido com John e passou na cena do crime próximo do horário do roubo e que Robinson escondeu o dinheiro no apartamento de John sem qualquer acerto prévio com os outros Essa nova hipótese nos levaria a esperar os fenômenos tanto quanto a hipótese que John roubou o cofre Qual hipótese então um detetive irá preferir Ele irá preferir a primeira hipótese pois ela é mais simples Esse critério simbolizado na formulação acima por phk é denominado de probabilidade intrínseca de que a hipótese seja verdadeira mais precisamente ela funciona como uma navalha de corte e mede os fatores internos da hipótese independentemente dos indícios que a tornam provável Um dos fatores internos mais importantes para Swinburne é a simplicidade a hipótese deve postular a existência e a operação de poucas entidades com poucas propriedades comportandose de modos simples Para ilustrar esse critério com o exemplo do roubo do cofre Swinburne afirma o seguinte Argumento Probabilístico de Richard Swinburne 143 CRESCER As impressões digitais de Jones no cofre confirmam a suposição de que ele o roubou se e somente se for mais provável que elas estivessem no cofre se ele cometeu o crime do que se não Se for igualmente provável que elas estivessem no cofre caso Jones tivesse ou não o roubado por exemplo porque Jones é o gerente da loja na qual o cofre está situado e com frequência o abre elas não confirmam a suposição de que ele roubou o cofre SWINBURNE 2015a p 137 a prática de cientistas historiadores etc mostra que eles julgam que uma teoria muito simples é muito mais provável do que teorias menos simples Se você pode explicar muitas pistas pela hipótese de que um agente os as causou isso é muito mais provável do que uma teoria com o mesmo poder explanatório de explicar as pistas que postule que dois agentes causaram as pistas SWINBURNE 2015a p 137 Assim sempre podemos postular entidades novas com muitas propriedades complicadas para explicar algo que acharmos Mas nossas hipóteses só terão uma probabilidade intrínseca alta caso ela seja simples isto é caso ela postule poucas entidades que nos levem a esperar os diversos fenômenos que formam os indícios Como Swinburne explica no caso da hipótese de John ter roubado o cofre ela postula um objeto John fazendo uma ação roubar o cofre o que nos leva a esperar os diversos fenômenos que encontramos Já a segunda hipótese tem a desvantagem de postular três objetos Brown Smith Robinson fazendo três ações diferentes plantando impressões digitais imitando John e escondendo o dinheiro O terceiro critério é a chamada probabilidade prévia do fenômeno indício ou evidência simbolizado na formulação acima por Pek Esse critério implica que os fenômenos ou indícios devem ser menos prováveis de ocorrer no curso normal das coisas Para citar o exemplo do roubo do cofre qual a probabilidade de as impressões digitais de John aparecerem no cofre o dinheiro aparecer em sua casa e uma testemunha confiável afirmar que viu ele no local do crime dado o curso normal das coisas Neste caso quanto mais improvável é que tais indícios ocorram normalmente no curso normal das coisas melhor Por fim a hipótese deve se adequar bem ao nosso conhecimento de fundo isto é o conhecimento de como as coisas funcionam em áreas vizinhas SWINBURNE 2015b p 50 Por exemplo a hipótese de que John roubou o cofre deve se adequar bem àquilo que sabemos sobre John baseados em sua história por exemplo John pode ser conhecido por frequentemente roubar cofres e já ter sido pego mais de uma vez fazendo isso Para Swinburne um argumento indutivo a favor de uma causa será mais forte quanto melhor ele satisfizer os quatro critérios isto é 1 quanto mais plausível for que os fenômenos venham a acontecer se a causa postulada ocorrer 2 quanto mais simples for a causa postulada 3 quanto mais improvável for que a causa postulada ocorra no curso normal das coisas e 4 quanto melhor a hipótese se adeque ao nosso conhecimento de fundo Quanto melhor os quatro critérios são satisfeitos mais provável é que a hipótese proposta seja verdadeira A probabilidade do teísmo Quão provável é então a hipótese de que existe tal pessoa como Deus Vamos considerar aqui três indícios ou fenômenos a fim de analisar a hipótese de Deus e1 existe um universo físico e2 este universo opera a partir de leis naturais e está finamente sintonizado para a vida e3 existem seres humanos conscientes Primeiro Swinburne pensa que o conhecimento de fundo k pode ser ignorado Pois quando estamos lidando com uma hipótese que se propõe a explicar uma vasta amplitude de fenômenos este critério tende a ficar de fora pois não haverá campos de investigação mais amplos nos quais tenhamos conhecimento substancial sobre como as coisas operam Quando você está tentando explicar tudo que é observável não há campos vizinhos sobre os quais você pode ter conhecimento aos quais a sua teoria precisa se adaptar SWINBURNE 2015b p 68 Vamos considerar então a probabilidade prévia desses três indícios É bastante improvável que exista algo tão grandioso quanto um Universo complexo como o nosso surgindo a partir do nada Mais improvável ainda é que existindo tal Universo ele seja 144 Argumento Probabilístico de Richard Swinburne CRESCER regido por leis naturais simples finamente ajustado e sintonizado para a vida a partir de probabilidades que desafiam a compreensão humana Que existe um Universo e que ele é regido por leis naturais finamente sintonizadas para a vida são fenômenos tão gerais e difundidos que tendemos a ignorálos ou achálos banais e comuns Mas facilmente poderia não existir um Universo ou ele poderia existir como uma confusão caótica Além disso a probabilidade de seres complexos e conscientes como nós humanos existirem sendo regidos pelas leis naturais também é significativamente baixa O filósofo Richard Taylor fornece um exemplo do porquê de a existência em si requerer algum tipo de explicação suponha que você está passeando por um bosque e encontra uma bola translúcida no caminho de mais ou menos a sua altura certamente ela seria misteriosa e enigmática mas ela não é mais misteriosa do a que a existência de qualquer outra coisa como pedras e flores Se você topasse com bolas translúcidas de sua altura então o fato de se deparar no bosque com pedras e flores seria algo igualmente intrigante e misterioso Para Taylor Além da existência em si ser algo misterioso ela requer uma explicação Pois o exemplo de Taylor segue se você encontrou uma bola translúcida do seu tamanho em um bosque dificilmente vai pensar que a bola surgiu ali espontaneamente antes pensará que ela deve sua existência a alguma outra coisa imaginando assim que deve haver uma explicação Se ao olhar para o bosque perguntássemos por que não há nele nenhuma bola translúcida a resposta natural seria questionar e por que deveria haver tal bola Mas se encontrássemos tal bola e perguntássemos por que ela está ali não é natural ouvir como resposta que ela não deveria estar ali como se sua existência fosse tida como certa Para Taylor Assim que exista um Universo com leis naturais simples e finamente sintonizadas para a vida e que existam seres humanos conscientes é algo que requer uma explicação Além disso esses três indícios não são o tipo de fenômeno que ocorrem normalmente no curso normal das coisas Por isso a probabilidade prévia Pek dos três indícios ocorrerem normalmente é muitíssimo baixa Como então o teísmo se sai frente a esses três indícios Primeiro vamos considerar phk isto é a probabilidade intrínseca do teísmo Para Swinburne 2015b p 68 ela é altíssima pois o teísmo de longe oferece a explicação mais simples de todos os fenômenos Mais precisamente a hipótese de que há um Deus é a hipótese da existência do Argumento Probabilístico de Richard Swinburne 145 CRESCER Isso ilustra o fato de que alguma coisa que é misteriosa deixa de o ser simplesmente por sua presença habitual Com efeito é estranho que um mundo como o nosso exista contudo são raros os homens que se impressionam frequentemente com tal singularidade pois simplesmente aceitam o mundo como um fato axiomático TAYLOR 1969 p 119 Isso ilustra uma crença metafísica que parece constituir quase uma parte integrante da própria razão muito embora poucos homens meditem a tal respeito é a crença de que existe uma explicação para a existência de todas as coisas uma razão para que existam em vez de inexistirem A pura inexistência que não se deve confundir com o fim da existência de alguma coisa jamais requer uma explicação mas a existência exigea Que não exista qualquer bola na floresta é algo que não requer explicação ou razão mas tem de haver se a bola existir TAYLOR 1969 p 120 Ora o problema da ideia de Parsons é que o limite de poder de tal ser exigiria uma explicação específica do porquê de haver aquele limite particular de modo que a não limitação não exige Ainda que o ser onipotente descoberto pelos exploradores demandasse uma explicação sobre sua onipotência um ser com superpoderes limitados ser mais simples possível Swinburne explica detalhadamente o porquê de o teísmo ser a hipótese mais simples possível O filósofo David Hume postulou um desafio clássico à ideia de que Deus é o criador do Universo Ele supôs que talvez o nosso Universo tenha sido criado e é conservado por um comitê de deuses de poder limitado Um grande número de homens se alia para construir uma casa ou um navio ao erguer uma cidade ao forjar uma comunidade por que não podem combinarse várias Deidades ao engendrarem e forjarem um mundo HUME V 8 p 6667 A ideia é que o politeísmo ofereceria uma explicação tão boa para a existência do Universo quanto o teísmo Mas Swinburne argumenta que essas duas explicações não estão em paridade O problema da hipótese de Hume é que ela multiplica entidades de forma desnecessária postulando vários deuses ao invés de apenas um e por isso ela é menos simples além disso ela requer mais explicações sobre como e por que tais deuses cooperam na produção do Universo Assim Swinburne pensa que a hipótese de que existe uma pessoa como Deus é a hipótese da existência do tipo mais simples de pessoa que poderia existir Um ente físico terá extensão espacial consistindo assim em partes Por ser espírito Deus não precisa ter extensão espacial nem ser formado por partes Uma pessoa é um ser que existe por algum tempo com o poder de causar efeitos o conhecimento de como fazer isso e a liberdade de fazer escolhas em relação a quais efeitos causar Deus é por definição uma pessoa onipotente infinitamente poderosa onisciente que sabe tudo e perfeitamente livre ele é uma pessoa de poder conhecimento e liberdade infinitos uma pessoa para cuja existência poder conhecimento e liberdade não existem limites exceto os limites da lógica A hipótese de que existe um ser com infinitos graus de qualidades essenciais é a postulação de um ser muitíssimo simples Pois se Deus tivesse algum tipo de limite tal coisa clamaria por uma explicação do porquê de existir justamente aquele limite particular de uma maneira que o ilimitado não o faz O filósofo ateu Keith Parsons afirma que há dois problemas com essa ideia de Swinburne Primeiro o fato de Deus ter poderes infinitos também requer explicação Ele fornece o exemplo da onipotência 146 Argumento Probabilístico de Richard Swinburne CRESCER O teísmo afirma que todo objeto que existe tem como causa da sua existência e se mantém existindo por uma única substância Deus E ele afirma que toda propriedade que toda substância tem é devida a Deus causála ou permitir que ela exista É traço característico de uma explicação simples postular poucas causas Não poderia nesse sentido haver explicação mais simples que a postulação de uma única causa SWINBURNE 2015b p 70 Descobrissem os futuros exploradores um ser omnipotente no espaço profundo a razão pela qual este ser possuía tal poder e como possuía pareceria exigir uma resposta tão urgente quanto se este ser pudesse exercer apenas dez mil milhões de quilowatts de poder por exemplo PARSONS 2010 p 150 demandaria uma explicação não apenas dos seus superpoderes mas também de por que ele tem aquele limite particular No caso de Swinburne é mais simples postular que Deus tem poderes ilimitados do mesmo modo que na ciência a hipótese de que alguma partícula tem massa zero ou velocidade infinita é mais simples do que a hipótese de que ela tem 032147 de massa ou uma velocidade de 221000 kms Segundo Parsons afirma que mesmo que o teísmo seja mais simples ele só o faz ao custo de introduzir complexidades e obscuridades explicativas maiores O teísmo ortodoxo postula um ser essencialmente misterioso cuja natureza é largamente incompreensível e que tem poderes únicos que exerce de modo incognoscível com propósitos que só vagamente podemos apreender PARSON 2010 p 151 O problema é que o Deus do teísmo não é tão misterioso com propósitos obscuros Além de ele ter se revelado à humanidade a hipótese de sua existência se torna mais plausível principalmente quando consideramos seu poder explicativo como veremos no próximo critério de Swinburne Certamente o estado de coisas mais natural é simplesmente o nada nada de Universo nada de Deus Mas existem muitas coisas E o teísmo nos ajuda a explicar os muitos pedaços do Universo com um único ser simples que os mantém na existência De qualquer modo no teísmo phk é bastante alta A hipótese de que Deus existe também tem uma probabilidade posterior Phek alta dados os três indícios considerados Pois sendo onipotente Deus pode criar o Universo físico pelo tempo em que ele tem existido de modo que a existência do Universo é plausível caso Deus exista além disso a hipótese de Deus é considerada provável na medida em que a sintonia fina do Universo a simplicidade de suas leis e a existência de seres humanos conscientes são o tipo de indícios que esperaríamos encontrar se a hipótese de que Deus existe fosse verdadeira Assim se existe um Deus não é vastamente improvável que ele deveria criar um Universo tal como o nosso Além disso um Universo como o nosso é uma espécie de teatro no qual os humanos podem crescer e assumir responsabilidades reais A ordem desse Universo faz dele um local onde os humanos podem aprender a controlar e a mudar Um Deus bom desejará criar criaturas tais como seres humanos possuindo uma livre escolha real entre o bem e o mal uma profunda responsabilidade por si mesmos e uns pelos outros e uma habilidade para formarem seu próprio caráter de um modo a amarem a Deus e ao próximo Neste caso o teísmo tem um poder explicativo muitíssimo alto e os três indícios são exatamente o tipo de fenômeno que esperaríamos encontrar caso Deus exista Logo Phek é alta dado o teísmo Swinburne fornece mais alguns detalhes Argumento Probabilístico de Richard Swinburne 147 CRESCER A hipótese simples do teísmo nos leva a esperar todos os fenômenos que venho descrevendo com algum grau razoável de probabilidade Sendo onipotente Deus pode produzir um mundo ordenado nesses aspectos E ele tem boa razão de escolher fazêlo um mundo contendo pessoas humanas é uma coisa boa Pessoas têm experiências e pensamentos e podem fazer escolhas e suas escolhas podem fazer grandes diferenças para si mesmas para os outros e para o mundo inanimado E os homens têm disponíveis para eles um tipo particular de livre escolha a liberdade de escolher entre bem e mal que Deus mesmo não tem e assim terá muito fortes razões para levar a efeito Seguese de sua bondade que é provável que Deus produza seres humanos e é necessário para nossa sobrevivência que vivamos em um universo com o tipo de regularidade que encontramos Na hipótese materialista é mera coincidência que os objetos materiais têm os mesmos poderes entre si e não um ponto de parada simples para a explicação Porque o teísmo satisfaz os critérios tão bem a Assim Swinburne pensa que no cômputo geral a probabilidade do teísmo é alta pois é alta sua probabilidade prévia e seu poder explicativo para fenômenos que possuem uma probabilidade prévia baixa Ou seja a hipótese da existência de Deus satisfaz bem os três critérios fornecidos antes para os argumentos probabilísticos para uma explicação Como vimos a existência do Universo sua conformidade com leis naturais e sua sintonia fina e a existência de seres humanos conscientes não são fenômenos ordinariamente esperados eles devem ser esperados se a hipótese postulada for verdadeira e for simples Deus é uma pessoa muito simples e é grandemente improvável que os fenômenos citados viessem a ocorrer por acaso isto é que deveria existir um Universo finamente ajustado que produz a vida humana 148 Argumento Probabilístico de Richard Swinburne CRESCER existência e comportamento regular dos objetos materiais oferece um bom indício para a existência de Deus SWINBURNE 2015b p 80 e 84 Nesta aula você Aprendeu a estrutura do argumento probabilístico de Swinburne em favor da existência de Deus Entendeu o funcionamento do Teorema de Bayes Avaliou a probabilidade do teísmo de acordo com Swinburne SWINBURNE Richard Deus existe Brasília Academia Monergismo 2015b Argumentos probabilísticos para a existência de Deus Episteme n 18 Porto Alegre janjun 2004a p 5770 A Existência de Deus Princípios v15 n23 Natal janjun 2008 p 271290 Disponível em httpsperiodicosufrnbrprincipiosarticleview464399 PARA CRESCER MAIS 149 Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo módulo 12 Olá Neste módulo vamos aprender um dos argumentos mais sofisticados contra a racionalidade do naturalismo Grosso modo os naturalistas recorrem à moderna teoria da evolução como uma razão para abraçar seu naturalismo É como se a evolução apoiasse ou endossasse o naturalismo funcionando como uma espécie de fortaleza do naturalismo Contudo o problema é que o naturalismo e a evolução estão em conflito um com o outro de modo que não se pode racionalmente aceitar ambos evolução e naturalismo não se pode ser um naturalista e um evolucionista ao mesmo tempo Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Entender o conceito de naturalismo Analisar o argumento evolucionário contra o naturalismo desenvolvido por Alvin Plantinga Aprender por que a combinação entre naturalismo e teoria da evolução gera um ceticismo profundo sobre a confiabilidade de nossas faculdades cognitivas Bons estudos 150 Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo CONECTAR A teoria da evolução é uma das ideias mais bemaceitas entre os naturalistas De acordo com uma pesquisa do Datafolha a maioria dos ateus 56 acredita numa evolução não guiada isto é que Deus não guiou o processo evolutivo7 Na verdade uma parte significativa dos naturalistas incluindo quase a totalidade dos pensadores ateus afirma que a teoria da evolução implica ou de algum modo embasa o naturalismo eou o ateísmo Darwin seria de acordo com uma clássica matéria de capa da Revista Superinteressante o homem que matou Deus Por que haveria essa relação entre teoria da evolução e naturalismo Em algum sentido a teoria da evolução mostraria ou evidenciaria que o naturalismo eou o ateísmo são verdadeiros Para Richard Dawkins 2001 p 25 só depois de Darwin é possível ser um ateu intelectualmente satisfeito Daniel Dennett 2010 p 180 pensa que dado o modo como a evolução trabalha um Deus que fosse responsável por usar tal mecanismo teria uma inteligência que parece inquietantemente como a grosseria e displicência humanas Os naturalistas pensam que alguém que aceita a teoria da evolução deve pressupor que ela é não guiada De acordo com Dawkins 2001 p 42 a seleção natural é o relojoeiro cego cego porque não prevê não planeja consequências não tem propósito em vista Mais precisamente a seleção natural é um processo aleatório não dirigido de tal modo que nenhum agente pessoal orquestra molda guia conduz eou orienta o processo da evolução Não há na evolução qualquer planejamento prévio para os naturalistas o ser humano ou qualquer outra espécie não era objetivo da evolução esta aliás não possui objetivo algum A evolução é inconsciente acidental regida pelo acaso e pela necessidade Além disso os naturalistas insistem que faz parte da teoria contemporânea da evolução a ideia de que ela não é guiada nem muito menos planejada A teoria da evolução darwiniana é um processo conduzido principalmente por dois mecanismos distintos mutação genética e seleção natural O objetivo de ambos os processos se é que é possível falar de objetivo aqui é ser adaptado para fins de sobrevivência alimentação fuga e reprodução Como disse certa vez Dawkins Neste contexto os naturalistas pensam que nossas capacidades cognitivas são frutos das pressões biológicas na odisseia humana rumo à sobrevivência e à propagação dos nossos genes Embora não conheçamos nada acerca dos detalhes das forças seletivas a única coisa que importa para a seleção natural é que cada lado está se esforçando para superar o outro porque tanto para um quanto para o outro os indivíduos que forem bemsucedidos transmitirão seus genes que contribuíram para seu êxito DAWKINS2009 p 359 7 Disponível em httpsdatafolhafolhauolcombropiniaopublica201004122357359acreditamna evolucaoentreasespeciessobocomandodedeusshtml Os naturalistas são muito confiantes de que a teoria da evolução embasa de algum modo o naturalismo Mas qual seria o impacto de demonstrar que na verdade a teoria da evolução e o naturalismo estão em conflito um com o outro PARA REFLETIR Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo 151 CONECTAR que determinam a evolução das capacidades mentais e linguísticas dos seres humanos que evidentemente excedem em muito as de quaisquer outros animais não há nada particularmente misterioso em explicálas em termos evolutivos CHARLESWORTH CHARLESWORTH 2012 p 145 A sobrevivência humana é a razão última das nossas capacidades mentais Contudo o que veremos neste módulo é um dos argumentos mais sofisticados e intrigantes contra a racionalidade do naturalismo Mais precisamente apesar de os naturalistas e de os ateus acharem que a teoria da evolução apoia a teoria deles veremos que o naturalismo está numa dificuldade filosófica muito séria alguém que acredita na teoria da evolução e no naturalismo está acreditando em algo contraditório Mais precisamente o evolucionista não pode sensatamente acreditar no naturalismo Um dos argumentos mais interessantes e sofisticados desenvolvidos na filosofia da religião contemporânea é do filósofo Alvin Plantinga o chamado Argumento Evolucionário contra o Naturalismo Primeiro precisamos lembrar qual é o conceito de naturalismo Plantinga entende por naturalismo a ideia de que não há tal pessoa como Deus nem qualquer coisa que seja parecido com uma divindade Como afirma Ritchie 2012 p 12 os naturalistas se opõem ao sobrenatural Eles negam a existência de fantasmas duendes deuses e outras entidades assombrosas De acordo com Carl Sagan o cosmo é tudo o que existiu existe ou existirá SAGAN 2017 p 30 Neste sentido o naturalismo é uma crença mais forte que o ateísmo pois o que se está a negar não é apenas a existência de uma divindade Como vimos o ateísmo é a negação da existência de Deus o ateu é aquele que afirma que a proposição Deus não existe é verdadeira Mas o naturalismo é uma posição mais forte que o ateísmo de modo que é possível ser ateu sem ser naturalista é possível ser ateu e acreditar na Mente dos estoicos ou em um espírito sobrenatural ou ainda em uma alma imortal mas não é possível ser naturalista sem ser ateu Assim como lembra Plantinga em um debate com Tooley 2014 p 32 o naturalismo afirma que não há Deus mas também não existe espíritos vagando livremente nem anjos nem fadas não há demônios nem entidades não existe o Mundo das Ideias nem o Motor Imóvel nem o Absoluto não existe o atma do monismo panteísta oriental nem outras dimensões esotéricas da Nova Era O cosmo material é a realidade fundamental em última instância não há possibilidade de qualquer ser transcendente nem de transcender a realidade material pois ela é tudo que existe Uma clássica definição de naturalismo foi dada por Bertrand Russell Que o homem seja produto de causas que não o tinham previsão do fim que realizavam que sua origem crescimento suas esperanças e temores seus amores e suas crenças não passam do resultado das combinações acidentais de átomos RUSSELL 1977a p 5657 Por que essa definição de naturalismo nos interessa aqui A ideia básica de Russell é que o ser humano é produto de causas que nas palavras dele não o tinham qualquer previsão da finalidade que estavam atingindo se isso é verdade para o ser humano é verdade também para nossas faculdades cognitivas elas não foram projetadas para adquirirmos crenças verdadeiras mas devem sua origem e os produtos que ela gera ao resultado de arranjos acidentais de átomos Neste caso e isso é essencial ao naturalismo o Universo descrito por Russell opera de acordo com os princípios materiais e não por intervenção divina não há nenhum sábio autor da natureza providenciando o bom andar das coisas nem muito menos o Universo vem de uma mão paternal tudo na natureza é fruto de processos aleatórios físicoquímicos que acontecem dentro do cosmo sem qualquer tipo de governo providencial Plantinga 2018b p 273274 nos lembra que essa é uma crença amplamente aceita pelos naturalistas a saber que nossas faculdades cognitivas são produtos de processos evolutivos tal como descrito pela teoria da evolução Nosso cérebro e nossa impressionante mente são frutos diretos da seleção natural toda a complexidade organizada surgiu a partir da mente de símios e estes últimos a partir de criaturas cronologicamente anteriores sem nenhuma orientação deliberada Como afirma Carl Sagan 152 Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo CRESCER Poderosas forças seletivas estavam em jogo para produzir organismos com graça e agilidade visão binocular acurada habilidades manipulativas versáteis soberba coordenação oculomanual e uma concepção intuitiva da gravitação newtoniana Cada uma dessas habilidades entretanto exigia consideráveis O problema apontado por Plantinga é que esse naturalismo evolucionista parece nos conduzir a um tipo de ceticismo profundo e penetrante mais precisamente ele parece nos levar à conclusão de que nossas faculdades cognitivas eg memória percepção introspecção etc não são confiáveis a fim de produzir uma preponderância de crenças verdadeiras sobre crenças falsas Pois se alguém acredita no naturalismo e na teoria contemporânea da evolução ao mesmo tempo seguese que ele acredita que a seleção natural está exclusivamente preocupada com nossa sobrevivência como vimos em Dawkins e isso diz respeito também às nossas faculdades cognitivas elas foram geradas não para obter crenças verdadeiras sobre o mundo mas para dar conta de que o Homo sapiens alcance as quatro capacidades biológicas citadas acima alimentação fuga luta e reprodução Se tal adaptação gera crenças verdadeiras ou não não é a preocupação da seleção natural O conteúdo da crença do ponto de vista da evolução é completamente irrelevante para que esses desafios sejam superados Para colocar de modo mais claro por Churchland Assim dada a teoria da evolução e o naturalismo nossa mente não tem por objetivo a produção de crenças verdadeiras ou a produção de um aparato cognitivo confiável para a obtenção da verdade mas a produção de comportamento adaptado Ou para colocar de outro modo a evolução garante no máximo que nosso comportamento seja de certa maneira não garante que nosso aparato cognitivo produza crenças verdadeiras E o fato de o Homo sapiens ter sobrevivido e evoluído garante no máximo que o nosso comportamento foi bemsucedido para esse objetivo específico não garante que os nossos processos de produção de crenças sejam confiáveis É possível que as crenças geradas por tal processo sejam verdadeiras mas não há nenhuma razão para pensar que sejam Uma crença pode ser completamente falsa eg dada a cosmovisão naturalista a ideia de que Deus existe mas se ela ajuda na sobrevivência então será favorecida pela seleção natural A seleção natural não guiada não se preocupa minimamente com seu conteúdo Por isso mesmo naturalistas como Thomas Nagel haviam percebido o potencial cético trazido pela teoria da evolução em conjunto com o naturalismo Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo 153 CRESCER avanços na evolução dos cérebros e particularmente do neocórtex de nossos ancestrais A inteligência humana fundamentalmente deve muito aos milhões de anos em que nossos ancestrais pularam de galho em galho no alto das árvores SAGAN 1987 p 59 Em essência o sistema nervoso possibilita ao organismo ter êxito em quatro aspectos alimentação fuga luta e reprodução A principal tarefa do sistema nervoso é fazer com que as partes do corpo estejam onde devem estar para que o organismo possa sobreviver Qualquer melhora no controle sensóriomotor conferem uma vantagem evolutiva um estilo mais elegante de representar essas coisas só é vantajoso caso se atrele ao modo de vida do organismo e aumente suas chances de sobrevivência A verdade seja ela qual for fica em definitivo em segundo plano CHURCHLAND 1987 p 548 Grifos da autora Se chegássemos a acreditar que nossa capacidade cognitiva de criar teorias objetivas é produto da seleção natural tal coisa justificaria manter um sério ceticismo quanto a seus resultados quando estes ultrapassassem um âmbito muito restrito e conhecido NAGEL 2004 p 130 Plantinga 2018b p 278 cita uma carta em que o próprio autor da teoria da evolução demonstrou algum tipo de preocupação sobre este assunto Nas palavras de Darwin É claro que se a evolução foi guiada por um Deus bom e sábio então não é preciso se preocupar com tal questão Pois como afirma Plantinga 2018b p 276 da perspectiva do teísmo o natural é pensar que nossas faculdades de fato são confiáveis na maioria das vezes pelo menos em uma larga faixa de seu espectro de operação E isto porque uma vez que no teísmo Deus nos criou à sua imagem então mesmo que ele tenha nos moldado por meios evolucionários empregando a seleção natural e a mutação ele presumivelmente queria que nós parecêssemos com ele na capacidade de conhecer Deste modo a maior parte do que nós acreditamos pode ser verdade mesmo que nossas mentes tenham se desenvolvido a partir daquelas dos animais inferiores Mas o mesmo não é verdade para o naturalismo Assim Plantinga argumenta que 1 A probabilidade de que nossas faculdades cognitivas sejam confiáveis dado o naturalismo e a evolução é baixa Como vimos a evolução não está preocupada com a produção de crenças verdadeiras Mas por que razão dado o naturalismo a probabilidade de a evolução gerar crenças verdadeiras é baixa Plantinga nota que os naturalistas são geralmente também materialistas em relação ao ser humano eles pensam que os seres humanos são objetos materiais com nenhuma alma imaterial ou espiritual ou um self Dessa perspectiva materialista nossas crenças juntamente com o resto da nossa vida mental são causadas ou determinadas por processos neurofisiológicos pelo que acontece no cérebro e no sistema nervoso Nossas crenças seriam acontecimentos ou estruturas neurais presentes no cérebro ou no sistema nervoso Além disso essa neurofisiologia também causa o comportamento Como vimos na citação de Bertrand Russell mais acima sua origem crescimento suas esperanças e temores seus amores e suas crenças não passam do resultado das combinações acidentais de átomos De acordo com esta perspectiva vamos pensar sobre nossas crenças Presumese que esses neurônios disparam sinais elétricos através de sinapses ao longo de terminais neurais recebendo dados de uma parte do sistema nervoso e enviando para outras partes Esses sinais elétricos seguem por meios dos nervos aferentes dos órgãos sensoriais até o cérebro de lá alguns processos continuam de modo que impulsos elétricos caminhem via nervos eferentes do cérebro para outros órgãos incluindo músculos em resposta a estes sinais certos músculos se contraem assim causando movimento e comportamento Todo esse processo terá duas propriedades uma propriedade eletroquímica ou neurofisiológica e um conteúdo A primeira propriedade diz respeito à estrutura física que gera a crença a conexão entre os neurônios os impulsos elétricos correndo pelas várias partes do cérebro e os sinais de comunicação entre outros além disso se o evento em questão for uma crença então temos a segunda propriedade a saber um conteúdo A 154 Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo CRESCER Sempre surge em mim uma dúvida horrenda quanto a saber se as convicções da mente do homem desenvolvida a partir da mente dos animais inferiores têm algum valor ou são em alguma medida dignas de confiança Quem confiaria nas convicções da mente de um macaco se é que tal mente tem quaisquer convicções crença de que Platão é um filósofo mais sofisticado que Aristóteles tem como conteúdo a proposição Platão é um filósofo mais sofisticado que Aristóteles Essas propriedades de conteúdo são mentais Nesse sentido qual é a relação entre as propriedades físicas por um lado e as propriedades do conteúdo Plantinga prossegue afirmando que a evolução nos diz que nosso comportamento é adaptativo o que significa dizer que desde que os membros de nossa espécie têm sobrevivido e se reproduzido o comportamento de nossos ancestrais foi conduzido no seu meio à sobrevivência e à reprodução Logo seguese que a neurofisiologia que causou este comportamento também era adaptativa e assim permanece até hoje O que a evolução nos diz portanto é que nosso tipo de neurofisiologia promove ou causa comportamento adaptativo o tipo de comportamento que resulta em alimentação fuga luta e reprodução Neste sentido a seleção natural não se preocupa com a verdade ou com a falsidade do conteúdo de nossas crenças a seleção natural opera para selecionar propriedades neurofisiológicas adaptativas O conteúdo que surge daí não precisa ter qualquer relação com o que as estruturas indicam Ele pode ser completamente falso mas se a estrutura neurofisiológica gerada for adaptativa então você sobreviverá e reproduzirá O conteúdo da crença não precisa ser verdadeiro para que o organismo gere o comportamento adaptativo Como afirma Wilson a mente bemadaptada é em última análise um órgão de sobrevivência e reprodução WILSON 2002 p 228 Plantinga 2018b p 288 fornece o exemplo de um sapo sentado sobre uma vitória régia Uma mosca passa por ali e o sapo estende sua língua e a captura Agora suponha que a neurofisiologia que causa tal comportamento também cause crenças nesse sapo Até onde a sobrevivência e a reprodução sejam levadas em conta não importa para o sapo o conteúdo de sua crença as propriedades neurofisiológicas podem causar uma crença verdadeira ou uma crença falsa de fato as propriedades neurofisiológicas em questão podem causar crenças que não têm nada a ver com as circunstâncias presentes da criatura o importante é que no caso do sapo as propriedades neurofisiológicas causem o comportamento adaptativo se ela também causa crença verdadeira ao invés de crença falsa isso é irrelevante Desse modo tome qualquer crença eg Deus existe temos livrearbítrio etc qual a probabilidade de que qualquer dessas crenças seja verdadeira dado que elas foram produzidas por um aparato cognitivo não guiado sob a pressão da seleção natural O que sabemos é que tais crenças têm um certo conteúdo e ter tal crença é adaptativo nas circunstâncias em que nos encontramos Qual é então a probabilidade de que dadas tais circunstâncias o conteúdo da crença seja verdadeiro Para Plantinga dado que a verdade de nossa crença não faz diferença quanto à adaptabilidade do organismo esta poderia efetivamente ser verdadeira mas é igualmente provável que seja falsa o conteúdo é invisível para a seleção natural Neste caso precisamos calcular que a probabilidade de que é verdadeira é mais ou menos a mesma do que a probabilidade de que é falsa Contudo seria muito improvável que o agente em questão tenha faculdades cognitivas confiáveis mais precisamente seria improvável que as faculdades dele produzissem uma preponderância suficiente de crenças verdadeiras em relação às falsas Nas palavras de Plantinga Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo 155 CRESCER Em um grau modesto de exigência podemos dizer talvez que uma faculdade cognitiva confiável deva produzir pelo menos três vezes mais crenças verdadeiras que crenças falsas a proporção de crenças verdadeiras seria então de pelo menos três quartos Se Uma vez que dado o naturalismo não haveria eficácia causal sobre o conteúdo da crença a conclusão retirada é que é extremamente improvável que nossas faculdades cognitivas sejam confiáveis Isso implica que alguém que aceite o naturalismo evolucionista tem um anulador de racionalidade para a crença de que suas faculdades cognitivas são confiáveis Por isso ele não poderia acreditar racionalmente que suas faculdades cognitivas são confiáveis Disso se seguem outras considerações 2 Qualquer um que aceite ou creia no naturalismo e na teoria da evolução e veja que a probabilidade de que suas faculdades cognitivas sejam confiáveis é baixa adquire um anulador à crença de que suas faculdades cognitivas são confiáveis Para entender a força dessa premissa é necessário compreender que não é possível argumentar sensatamente para a confiabilidade de nossas capacidades cognitivas visto que seria preciso confiar na própria faculdade que está em causa Para determinar a confiabilidade de nossa cognição precisamos contar de algum modo com a verdade de que nossa cognição é confiável O problema é que ao contar com tal verdade já assumindo que ela é confiável bem como qualquer dos produtos que ela gere Nesse caso não temos como evitar formar crenças confiáveis de modo a pressupor a confiabilidade de nossas faculdades cognitivas No caso do naturalista certamente ele não poderia deixar de acreditar que suas faculdades cognitivas são confiáveis contudo sua crença seria irracional E aqui temos a terceira premissa a saber se o naturalista possui um anulador para a confiabilidade de suas faculdades cognitivas ele também tem um anulador para qualquer crença que sejam produzidas por estas faculdades isto é para todas as suas crenças Se ele não pode confiar nas suas faculdades cognitivas ele tem uma razão para não confiar nas crenças geradas por ele Ele está portanto enredada num ceticismo profundo e penetrante Além disso seria muito difícil construir um outro anulador que anulasse essa consequência pois quem construísse tal anulador estaria pressupondo que suas faculdades cognitivas são confiáveis Esse anulador portanto não pode ser anulado Assim 156 Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo CRESCER assim for então a probabilidade de que suas faculdades produzem preponderância de crenças verdadeiras sobre falsas exigidas pela confiabilidade é muito pequena Levandose em conta mil crenças independentes por exemplo a probabilidade nessas condições de que três quartos delas sejam verdadeiras será de menos de 1058 E se eu mesmo estou executando um modesto estabelecimento epistêmico de apenas cem crenças a probabilidade de três quartos delas serem verdadeiras considerando que a probabilidade de qualquer uma delas ser verdadeira é de 50 é muito baixa da ordem de 000001 PLANTINGA 2018b p 292 3 Quem quer que tenha se deparado com um anulador de que suas faculdades cognitivas são confiáveis deparouse com um anulador de qualquer outra crença que pense ter inclusive do naturalismo e da evolução Logo se temos um anulador para a confiabilidade de nossas faculdades cognitivas temos um anulador para qualquer crença produzida por tais faculdades Contudo uma dessas crenças é o próprio naturalismo evolucionista de modo que ela também é anulada pois foi gerada por faculdades cognitivas não confiáveis Portanto o naturalismo evolucionista é autorrefutante de modo que não é possível racionalmente aceitálo Assim 4 Se quem aceita o naturalismo e a teoria da evolução adquire assim um anulador para as duas crenças pois elas anulam a si mesmas e não podem ser racionalmente aceitas No argumento de Plantinga mesmo que o naturalismo e a teoria da evolução sejam verdadeiros é irracional sustentálos Deste modo o argumento não diz respeito à falsidade do naturalismo evolucionista mas para a conclusão de que não se pode racionalmente acreditar em ambos A evolução portanto é incompatível com o naturalismo e nesse sentido você não pode racionalmente acreditar nos dois Nas palavras de Plantinga Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo 157 COMPARTILHAR Se eu rejeitar o teísmo a favor do naturalismo comum e se vir também que PRN é baixa ou inescrutável terei um anulador de qualquer crença minha Nesse caso se eu formar crenças racionalmente não sustentarei qualquer crença com suficiente firmeza para constituir conhecimento O mesmo acontece se eu for meramente agnóstico quanto à minha origem e à origem das minhas faculdades cognitivas Assim a rejeição da crença teísta não produz automaticamente o ceticismo muitas pessoas que não acreditam em Deus sabem muitas coisas Contudo isso é assim apenas porque não pensam com rigor nas consequências dessa rejeição Quando o fazem perdem o conhecimento que tinham esse é consequentemente outro daqueles casos em que quando aprendemos algo passamos a saber menos PLANTINGA 2018b p 253 Nesta aula você Entendeu o conceito de naturalismo Analisou o argumento evolucionário contra o naturalismo desenvolvido por Alvin Plantinga Entendeu por que não se pode aceitar racionalmente a teoria da evolução e o naturalismo PLANTINGA Alvin Evolução vs Naturalismo Porque eles são como água e óleo Disponível em httpsteismocristaowordpresscom20120824evolucao vsnaturalismo PARA CRESCER MAIS 158 O Problema Lógico do Mal módulo 13 Olá Um dos argumentos mais tradicionais contra a existência de Deus é o chamado problema do mal Afirmase que a existência de um Deus totalmente bom e todopoderoso é incompatível com a realidade do mal em nosso mundo Mas será que isso é verdade Será que estamos diante de uma inconsistência lógica Nesta lição vamos analisar o chamado problema lógico do mal Além disso analisaremos também a resposta bemsucedida que o filósofo cristão Alvin Plantinga forneceu para tal dilema através da sua defesa do livrearbítrio Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Perceber que é possível provar uma afirmação negativa Compreender em que consiste o problema lógico do mal Analisar a possível inconsistência entre Deus e o mal bem como a defesa do livrearbítrio de Alvin Plantinga Bons estudos 159 CONECTAR É muito comum ler em fóruns da internet ou em debates entre teístas e ateístas que não se pode provar uma negativa Mais precisamente a ideia é que não se pode provar que algo não existe Geralmente tal coisa é colocada como se fosse um princípio lógico bemestabelecido A filósofa Ayn Rand disse certa vez em uma entrevista que não se pode provar o inexistente é questão de raciocínio lógico8 A implicação dessa ideia seria que ninguém pode provar que Deus não existe Por isso não faria sentido apresentar argumentos contra a existência de Deus Com isso os ateístas pensam que se livraram do ônus da prova pois isso significaria que eles não podem provar o seu lado ie Deus não existe Logo o ônus da prova estaria com o teístas em apresentar razões para pensar que Deus existe Contudo essa linha de raciocínio de Ayn Rand e do ateísmo popular é falsa pois é possível provar uma negativa Em primeiro lugar existem muitas provas de afirmações negativas na matemática nas ciências naturais na lógica na história na economia na filosofia entre outras áreas do conhecimento É possível provar que dinossauros não existem que não há um elefante na sala que não há um círculo quadrado que não há nenhum adventista no Congresso Nacional que não há um planeta entre a Terra e Marte ou ainda que não há o maior número primo Todas essas afirmações são negativas e todas elas são passíveis de serem provadas Dois modos de buscar provar que uma afirmação negativa é demonstrar que o conceito do objeto em questão é logicamente incoerente eg não existem círculos quadrados ou por observação direta eg não existem dinossauros vivos na cidade de SousaPB No caso da crença em Deus ateus podem tentar apresentar razões contra a existência de Deus ou razões para pensar que o conceito de Deus não faz sentido e é contraditório Em segundo lugar como afirma o ateu Richard Carrier 2014 não existe realmente algo como uma proposição puramente negativa porque toda negação está vinculada a uma afirmação e viceversa Mais precisamente a ideia de Carrier é que cada afirmação positiva implica também afirmações negativas assim como afirmações negativas implicam afirmações positivas Se eu afirmo que dinossauros não existem em SousaPB isto pode implicar um conjunto de afirmações positivas como por exemplo a de que os dinossauros foram extintos há muito tempo ou de que existem apenas fósseis de dinossauros em SousaPB Assim Carrier afirma que para cada conjunto A há um conjunto NãoA e viceversa de modo que cada negação resulta numa afirmação e viceversa E no caso de testar a existência de uma negativa sobre os dinossauros em SousaPB há um modo relativamente direto suponha que você quer saber se existe um argentinossauro na cidade de SousaPB um tipo de dinossauro com 35 metros de comprimento 20 metros de altura e que pesa entre 60 e 90 toneladas Para testar tal proposição negativa como a de que não existe argentinossauro em SousaPB só precisamos procurar tal animal pela cidade pois havendo argentinossauro em SousaPB isso implicaria que veríamos tal animal gigante quando procurássemos se depois de uma procura minuciosa não conseguíssemos encontrálo saberíamos que a proposição não existe argentinossauro em SousaPB é verdadeira e assim teríamos provado uma negativa No caso da crença em Deus o filósofo ateu Kerry Walters afirma O Problema Lógico do Mal 8 Entrevistas a Ayn Rand Deus não existe Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv4KKZ5pVWxiEabchannelMigueldoChapC3A9u 160 O Problema Lógico do Mal CONECTAR Além disso em um debate formal o ônus da prova se encontra com quem faz a reivindicação Como afirma Walters 2015 p 38 o bom senso exige que toda pessoa que afirma uma opinião tenha o ônus de defender essa opinião É claro que algumas afirmações negativas podem ser impossíveis de serem provadas talvez seja impossível provar que um indivíduo chamado Oséias não escutou o sermão do monte e não viveu no tempo de Jesus contudo o fato de que algumas coisas sejam impossíveis não significa que tudo é impossível Ainda de acordo com Walters 2015 p 99 Grifos do autor para o cético prudente não basta apenas demonstrar que os argumentos teístas a favor da existência de Deus são ilícitos É também necessário expor argumentos positivos contra a existência de Deus Ao longo da história da Filosofia os ateus forneceram alguns argumentos contra a existência de Deus Nos próximos módulos vamos analisar criticamente alguns deles Simplesmente não é verdade que a posição ateísta é sempre de negação em vez de asserção O ateísmo positivo ativamente declara a inexistência de Deus Isso é assumir uma posição definitiva e como tal razoavelmente exige alguma defesa O ateísmo e também o teísmo em última instância baseiam se em visões do mundo muito diferentes que fazem afirmações específicas e fortes sobre a natureza da realidade WALTERS 2015 p 3839 É falsa a ideia de que um ateu não poderia provar que Deus não existe Por isso se quiserem reafirmar sua posição os ateus precisam assumir a responsabilidade de procurar fornecer razões contra a existência de Deus PARA REFLETIR O Problema Lógico do Mal 161 CRESCER Neste módulo vamos analisar aquele que talvez seja o argumento mais forte contra a existência de Deus o chamado problema do mal Para Walters 2015 p 114 boa parte da força deste argumento se deve porque focaliza um fenômeno sofrimento que está pessoalmente próximo de todos os seres humanos O problema do mal é uma preocupação que assola tanto ateus quanto teístas pois é inegável que há uma quantidade devastadora de mal no mundo Os filósofos geralmente dividem o problema do mal em dois tipos o problema do mal natural e o problema do mal moral Há assim males naturais como terremotos maremotos e doenças contagiosas No dia 26 de dezembro de 2004 um terremoto de magnitude 91 atingiu o mar no norte da Indonésia dando origem a um enorme tsunami que varreu o Oceano Índico matando cerca de 230 mil pessoas a maioria na Indonésia Esse tipo de mal não tem origem nas açõesomissões de agentes morais como nós mas são provenientes do mundo natural Como se não bastassem os males relativos ao mundo natural há também aqueles provenientes da perversidade humana Estes são classificados como mal moral Tais tipos de males referemse ao mal causado por ações ou omissões de agentes morais tais como o assassinato o estupro e a tortura A história humana está repleta de abominações morais horrorosas deste tipo como a escravidão brasileira o genocídio armênio o campo de concentração de Auschwitz o holodomor soviético entre outros A natureza pavorosa do mal no mundo é de tal ordem que em um dos seus diálogos David Hume x 14 p 105 afirma que todos os bens da vida reunidos não fariam um homem verdadeiramente feliz mas todos os males reunidos de fato fariam um desgraçado Essa constatação de que o mundo contém estados de coisas terríveis e pavorosas constitui uma das mais fortes razões contra a existência de Deus O problema do mal constitui algo tão inquietante que levou várias pessoas ao longo dos anos a duvidar da bondade de Deus ou mesmo a perder a própria fé Em debate com NT Wright o historiador e teólogo Bart Ehrman explica a razão de ter deixado de acreditar em Deus e na fé cristã Há cerca de nove ou dez anos atrás eu vim perceber que eu simplesmente não acreditava mais na mensagem cristã Grande parte do meu afastamento da fé aconteceu por causa de minhas reflexões em relação ao sofrimento Eu simplesmente não conseguia mais abraçar a visão que eu considerava ser essencial à fé cristã de que Deus era ativo no mundo que ele respondia orações que ele intervinha no mundo de acordo com sua fidelidade que ele trouxe salvação no passado e que no futuro no eschaton ele endireitaria tudo o que estava errado que ele vindicaria seu nome e seu povo e que traria um novo reino seja na nossa morte ou aqui em uma Terra de existência futura utópica Nós vivemos em um mundo no qual uma criança morre a cada cinco segundos por não ter o que comer Cinco segundos A cada minuto vinte e cinco pessoas morrem por não ter água potável para beber A cada hora 700 pessoas morrem de malária Onde está Deus nisto tudo Nós vivemos em um mundo no qual terremotos no Himalaia matam 50 mil pessoas e deixam 3 milhões semteto à beira do inverno Nós vivemos em um mundo onde um furacão destrói Nova Orleans Onde um tsunami mata 300 mil pessoas em uma gigantesca inundação Onde milhões de crianças nascem com defeitos de nascimento horríveis E onde está Deus Dizer que ele algum dia vai endireitar tudo o que está errado me parece agora ser puro wishful thinking EHRMAN WRIGHT 2008 p 67 Com base em tais males podese construir um raciocínio contra a existência de Deus Pois se Deus existe então ele sabe da existência de tais males uma vez que ele é onisciente Deus também tem o poder para os eliminar ou prevenir tais males dada a sua onipotência além disso um Deus bom não quer ou não deseja tais brutalidades Contudo tais males pavorosos como os descritos por Ehrman não são eliminados ou prevenidos eles são uma realidade do nosso mundo Assim isso parece constituir uma razão para acreditar que não há tal pessoa como Deus De modo conciso esse é o chamado problema do mal o teísmo afirma que Deus é um ser completamente bom e todopoderoso ao mesmo tempo nosso mundo possui uma quantidade assombrosa de males dos mais diversos tipos Alguns filósofos afirmam que esse tipo de crença teísta específica juntamente com os fatos sobre o mal são incompatíveis contraditórios de forma que ou é verdade que há tais males existem ou que existe um Deus bom e onipotente Como é óbvio que o mal existe seguese que Deus não existe Nas palavras de Hume Assim pensa Hume se Deus é tão benevolente como afirma o teísmo a existência do mal constituiria uma prova da não existência de Deus Para Hume tal problema colocaria o teísta em um dilema chamado de Dilema de Epicuro pois ele foi formulado pela primeira vez pelo filósofo grego Epicuro é a divindade desejosa de prevenir o mal mas incapaz Então é impotente É capaz mas não é desejosa Então é malevolente É capaz e desejosa ao mesmo tempo Donde vem então o mal HUME x 25 p 109 A pergunta retórica de Hume aqui resume a problemática se Deus é bom ele quer acabar com o mal se Deus é todopoderoso ele pode acabar com o mal Assim se Deus quer e se Deus pode de onde vem então o mal O filósofo J L Mackie afirma que esse problema do mal se corretamente formulado mostraria um argumento contra a existência de Deus O problema lógico do mal O problema do mal se divide em uma imensa variedade de tipos Nesta disciplina vamos estudar dois deles O primeiro que iremos analisar neste módulo foi apontado aqui por Mackie ele é chamado de problema lógico do mal o outro tipo será estudado no próximo módulo o problema evidencial do mal Grosso modo o problema lógico do mal afirma que há uma contradição lógica entre as seguintes três afirmações 162 O Problema Lógico do Mal CRESCER Afinal isso não é de jeito nenhum o que esperamos do poder infinito sabedoria infinita e bondade infinita Por que há alguma miséria no mundo Certamente não por acaso Por alguma causa então É pela intenção da Deidade Mas ela é perfeitamente benevolente É contrária à sua intenção Mas ela é toda poderosa Nada pode abalar a solidez deste raciocínio tão curto tão claro tão decisivo HUME x 34 p 112 Penso que uma crítica mais efetiva pode ser feita por meio do tradicional problema do mal Então não se mostrará que as crenças religiosas carecem de uma base racional mas sim que elas são decisivamente irracionais que as várias partes da doutrina teológica fundamental são inconsistentes entre si de tal modo que o teólogo só pode manter inteiramente a sua posição por meio de uma rejeição mais radical do que aquela no caso anterior MACKIE 2013 p 38 1 Deus é onipotente 2 Deus é totalmente bom 3 O mal existe Mais precisamente o problema que Mackie aponta é que parece haver uma contradição irreconciliável entre essas três proposições de tal modo que se duas delas forem verdadeiras sejam elas quais forem então a terceira será falsa Mais especificamente a afirmação de Mackie é que essas três crenças são inconsistentes Baggini Fosl 2012 p 33 afirmam que uma pessoa sustenta crenças inconsistentes quando uma crença contradiz outra ou quando as crenças em questão mantidas conjuntamente implicam contradição ou oposição No caso de Mackie seu ponto é que não é possível que essas três proposições sejam verdadeiras ao mesmo tempo Assim não é possível racionalmente aceitar essas três afirmações como fazem a maioria dos teístas Logo o Dilema de Epicuro tal como interpretado por Mackie colocaria que ou Deus é totalmente bom ou onipotente ou o mal existe E uma vez que o mal existe então ou Deus não é totalmente bom ou não é onipotente e um teísta que dá adesão a todas as três ao mesmo tempo não pode fazêlo de modo consistente MACKIE 2013 p 39 Contudo do jeito que se encontra Mackie reconhece que ainda não temos uma contradição lógica explícita Para ele precisamos de algumas premissas adicionais ou talvez de algumas regras quase lógicas conectando os termos bem mal e onipotente MACKIE 2013 p 39 Por isso Mackie faz o seguinte acréscimo a fim de explicitar no argumento uma possível contradição 1 Deus é onipotente 11 Não há limites ao que um ser onipotente pode fazer 2 Deus é totalmente bom 21 Uma coisa boa elimina sempre o mal na medida em que pode fazêlo 3 O mal existe Mackie afirma que o teísta aqui se contradiz Vamos chamar essas cinco afirmações de conjunto A Mas terá Mackie razão Será que o conjunto A demonstra logicamente que o mal e a existência de Deus tal como o Deus cristão são logicamente irreconciliáveis Uma das respostas mais significativas para esse desafio foi fornecida pelo filósofo cristão Alvin Plantinga 2012 Dentro da filosofia analítica da religião é aceito que Plantinga conseguiu reconhecidamente apresentar uma bemsucedida tentativa de mostrar que a existência do mal não é inconsistente com a existência de um ser onipotente totalmente bom e onisciente Como Plantinga conseguiu responder a tal desafio Lembrese que estamos analisando o problema lógico do mal o ateísta está afirmando que há uma inconsistência entre um Deus bom e todopoderoso e a existência do mal Isso significaria que o conjunto A é necessariamente falso Mas o que significa dizer que algo é necessariamente verdadeiro ou necessariamente falso Baggini Fosl 2012 explicam de modo didático O Problema Lógico do Mal 163 CRESCER Asserções que são sempre verdadeiras em todos os casos infalivelmente são asserções necessárias Simplesmente não é possível que asserções que são necessariamente verdadeiras sejam falsas e que asserções que são necessariamente falsas sejam verdadeiras Baggini Fosl 2012 p 198 Grifos do autor Ou seja para que o conjunto A possa ser inconsistente todas as suas premissas precisam ser necessariamente verdadeiras ou seja as proposições que formam o conjunto A precisam mostrar que em todos os contextos e em todas as situações elas sempre se mostram verdadeiras Se houver alguma situação em que uma proposição do conjunto A se mostre falsa então o problema da inconsistência lógica desaparece pois se teria demonstrado que ela não é necessariamente verdadeira Parte do trabalho de Plantinga foi demonstrar que há situações em que proposições do conjunto A não são necessariamente verdadeiras Há uma contradição entre Deus e o mal O ateu afirma que um Deus totalmente bom e todopoderoso é incompatível com o mal Neste caso lembrese de que Mackie afirma que o que caracteriza o conjunto A é o fato de ele ser inconsistente Contudo a análise rigorosa de Plantinga mostra que tal inconsistência é falsa Para vermos isso vamos começar analisando a seguinte proposição 11 Não há limites ao que um ser onipotente pode fazer Mas será mesmo que essa proposição é necessariamente verdadeira Plantinga afirma que não Como vimos no módulo 1 um ser onipotente é aquele que é sumamente poderoso Contudo isso não significa que não haja limites ao que ele pode fazer As Escrituras por exemplo afirmam que Deus não pode mentir Hb 618 que Deus não pode mudar ou ser mudado Tg 117 nem pode negarse a si mesmo 2 Tm 213 Por isso é um ensino cristão comum desde São Tomás de Aquino que o atributo da onipotência significa que Deus pode fazer apenas o que é logicamente possível neste caso Deus não pode fazer um quadrado redondo ou fazer um solteiro casado De acordo com Plantinga Alguns teístas como Martinho Lutero afirmaram que Deus pode fazer qualquer coisa inclusive dar origem a um estado de coisas contraditórias pois o poder de Deus não teria qualquer limite Mas há dois problemas com essa ideia A primeira é que ela é incoerente pois afirma que Deus pode dar origens a estado de coisas que não têm qualquer sentido lógico como fazer alguém existir e não existir ao mesmo tempo Segundo tal ideia é teologicamente problemática pois se como os teístas têm afirmado tradicionalmente a lógica procede da natureza racional de Deus se Deus pudesse dar origem a um estado de coisas contraditórias ele estaria negandose a si mesmo algo que a Escritura afirma ser impossível 2 Tm 213 Alguém pode objetar sobre os milagres pois não é verdade que Deus faz o impossível como dar vista aos cegos fazer da estéril mãe de filhos ou ressuscitar mortos Sim Deus fez essas coisas ao longo da história mas elas não são logicamente impossíveis 164 O Problema Lógico do Mal CRESCER Esses teólogos e filósofos podem sustentar que não há limites não lógicos ao que um ser onipotente pode fazer mas concedem que nem mesmo um ser onipotente pode dar origem a um estado de coisas logicamente impossíveis nem fazer proposições necessariamente falsas serem verdadeiras PLANTINGA 2012 p 31 Grifos do autor Aqui é preciso fazer a distinção entre a impossibilidade lógica e a impossibilidade física Como explica Baggini Fosl 2012 Assim quando se afirma que Deus faz o impossível numa discussão filosófica é preciso saber exatamente o que se quer dizer pelo termo impossível Pois há coisas que são impossíveis para nós seres humanos ou que são fisicamente impossíveis como aponta Baggini e Fosl mas não são logicamente impossíveis De qualquer modo a proposição não há limites ao que um ser onipotente pode fazer não é necessariamente verdadeira Mas e quanto à proposição 21 Será que ela é necessariamente verdadeira Lembrese 21 Uma coisa boa elimina sempre o mal na medida em que pode fazêlo Plantinga 2012 p 32 mostra um contraexemplo que afirmaria que a proposição 21 não é necessariamente verdadeira Suponha por exemplo que você tem um amigo chamado Paulo que está dirigindo numa estrada deserta extremamente fria 10º No meio do caminho Paulo fica sem telefone e sem gasolina Você está perto dali mas em casa com gasolina extra para emergência e aquecido de modo confortável Você também tem um carro que pode ajudar Paulo O perigo de Paulo é um mal um mal que você poderia eliminar mas você não sabe disso Assim você não perde com isso o direito de ser alguém bom pois você apenas não sabia do apuro de Paulo Ora como vimos mais acima se houver alguma situação em que a proposição 21 se mostre falsa então ela não é necessariamente verdadeira Plantinga deu um exemplo de tal situação Logo não é uma verdade necessária que uma coisa boa elimina sempre o mal na medida em que pode fazêlo Contudo talvez Mackie possa rever a premissa 21 pois Deus não tem a limitação da falta de conhecimento exibida pelo contraexemplo de Plantinga Assim Plantinga 2012 p 33 reformula a premissa de Mackie a fim de que ela fique mais forte Antes de apresentar a reformulação você pode estar se perguntando mas não basta Plantinga já ter demonstrado que a premissa 21 não é uma verdade necessária Por que ele precisa fortalecer o argumento de Mackie fazendo algo que o próprio Mackie não fez Isso não seria ajudar a causa dos ateus Plantinga é um filósofo cristão e seu compromisso é para com a verdade Logo não interessa a ele demonstrar meramente a fragilidade do argumento de Mackie como alguém realmente interessado na verdade ele quer mostrar que mesmo que o argumento de Mackie possa ser fortalecido ainda assim o conjunto A não é logicamente O Problema Lógico do Mal 165 CRESCER Algo é logicamente possível desde que não contenha nenhuma contradição ou de modo mais geral desde que não viole as regras da lógica Por exemplo um círculo quadrado é logicamente impossível pois tal conceito é uma contradição em termos Mas um porco voador não é logicamente impossível pois não há nada nos conceitos de porco e de algo que voa que torne a ideia de porco voador incoerente Isso explica por que você pode ver um filme de ficção no qual um porco voa mas não um filme no qual não há um círculo quadrado Quando porém pensamos no que é impossível normalmente não pensamos somente no que é logicamente impossível Temos uma outra ideia de possibilidade que poderíamos chamar de possibilidade física Algo é fisicamente possível se não contradiz nenhuma lei natural quer haja ou não tecnologias ou meios para leválo a efeito no momento BAGGINI FOSL 2012 p 252253 inconsistente E como poderia ser tal reformulação 22 Toda coisa boa elimina sempre todo o mal de que tem conhecimento e que pode eliminar Como 21 não se mostrou logicamente inconsistente Plantinga a reformula para a premissa 22 Neste caso a premissa se aplica melhor a Deus especificando que Deus tem conhecimento de todo o estado de coisas mau Contudo será que 22 é uma verdade necessária Ou seja será que 22 é uma verdade em todos os contextos e em todas as situações Plantinga mostra que não Pois suponha que você sabe que Paulo está isolado mas também sabe de outro amigo seu Tiago que está isolado numa situação semelhante mas a 80km na direção oposta Suponha também que apesar de você saber da situação dos dois e poder salvar um ou outro deles não pode salvar ambos Assim a situação de Paulo e de Tiago são dois males Cada um desses males é tal que você pode eliminar e que você tem conhecimento de ambos mas não pode eliminar ambos Logo o fato de você escolher um deles não significa que você não seja uma pessoa boa Assim 22 não é necessariamente verdadeiro e por isso não pode ser usado para mostrar que o conjunto A é contraditório Podese então revistar mais uma vez tal premissa dando ela outra formulação a fim de tornála mais forte 23 Um ser bom elimina todo o mal de que tem conhecimento e que pode eliminar sem dar origem a um mal maior ou sem eliminar um estado de coisas bom que supere tal maldade Será que 23 é necessariamente verdadeiro Plantinga demonstra que também não Pois eliminar apropriadamente um mal significa a possibilidade de eliminar esse mal sem dar origem a um estado de mal maior Contudo é possível que uma pessoa se encontre numa situação tal em que poderia eliminar apropriadamente um mal poderia eliminar apropriadamente um segundo mal mas não pode eliminar apropriadamente ambos Pois suponha que Paulo e Tiago estão escalando uma montanha Por um descuido os dois ficam presos e uma tempestade perigosa se aproxima Você tem tempo para salvar apenas um dos dois montanhistas antes de a tempestade chegar Você pode eliminar apropriadamente um mal salvar Paulo sem dar origem a um mal maior não salvar nenhum dos dois Assim o fato de você não salvar Tiago não significa que você não é bom Neste caso cada um dos males é tal que você pode eliminar apropriadamente salvando um ou outro mas não pode eliminar apropriadamente ambos e assim não pode ser acusado de não eliminar um deles Até aqui nem 21 22 ou 23 se mostraram necessariamente verdadeiros Mas Plantinga 2012 p 35 lembra que você pode achar todos esses exemplos irrelevantes no caso de um ser como Deus pois Deus é onipotente e onisciente Assim Deus poderia salvar tanto Paulo quanto Tiago Ainda assim isso não é relevante para nosso contexto pois lembrese que para que o conjunto A seja contraditório é preciso que 21 22 ou 23 sejam verdades necessárias E os exemplos de Plantinga demonstram que há situações em que 21 22 ou 23 se mostram falsos Assim Mackie precisa fazer outra reformulação 24 Se Deus é onisciente e onipotente então pode eliminar apropriadamente todo o estado de coisas mau 166 O Problema Lógico do Mal CRESCER Finalmente será que 24 é uma verdade necessária Plantinga também mostra que não Pois poderia haver condições em que um ser onipotente pode ser incapaz de eliminar um dado mal sem eliminar um bem que o supere Assim suponha que exista um mal que está incluído de tal forma em um estado de coisas bom que supere este mal Suponha por exemplo que Paulo sofra uma pequena escoriação que seja levemente incômoda e suponha que dessa escoriação surja um bem a felicidade eterna de Paulo Logo a escoriação e a sua felicidade eterna juntas é um estado de coisas bom Assim é melhor que Paulo sofra uma leve escoriação e tenha a vida eterna Mas a escoriação não deixa de ser um mal e é ainda uma verdade necessária que se Paulo tem a vida eterna e Paulo sofre uma escoriação Paulo sofre ainda um mal a escoriação Um ponto importante apontado por Plantinga 2012 p 38 é que certos tipos de valores certos tipos comuns de bons estados de coisas não podem existir sem um mal de um gênero qualquer Pense por exemplo numa situação de heroísmo Neste caso o mal continua a ser um mal mas o estado de coisas geral uma mulher que se sacrifica pelo seu bebê de modo admirável pode ser bom Se for então o bem presente supera o mal Mas nesse caso não é possível que exista tal estado de coisas bom a menos que algum mal também exista Assim 24 não é necessariamente verdadeiro Defesa do livrearbítrio Revisitando o que vimos até agora os ateus geralmente afirmam que o conjunto A possui uma contradição Ou seja há uma inconsistência lógica em afirmar que Deus é onipotente Deus é todopoderoso e que o mal existe Contudo uma vez que a contradição não aparece claramente Mackie buscou acrescentar algumas premissas que procuraram mostrar que o conjunto A é inconsistente Mas mesmo com a reformulação das premissas do argumento de Mackie vimos que não é possível derivar do conjunto A uma contradição Mas Plantinga vai além ele demonstra não apenas que o conjunto A não é explicitamente contraditório Plantinga 2012 p 40 mostrou que as afirmações de Deus ser onipotente e totalmente bom são perfeitamente compatíveis com a existência do mal Mais precisamente Plantinga formulou um exemplo de um estado de coisas ou uma situação em que é possível mostrar que um Deus onipotente e totalmente bom pode ter motivos para permitir o mal Que estado de coisas seria esse Seria um que demonstrasse a consistência do seguinte conjunto 1 Deus é onipotente 2 Deus é totalmente bom 3 O mal existe 4 Deus cria um mundo com mal e tem uma boa razão para fazêlo Neste caso Plantinga 2012 p 4551 apresenta sua defesa do livrearbítrio É importante lembrar que o objetivo de Plantinga não é apresentar que o livrearbítrio é a razão de por que Deus permite o sofrimento Essa é a diferença de uma defesa para uma teodiceia enquanto a teodiceia busca apresentar qual a razão do porquê de Deus permitir o sofrimento uma defesa busca apresentar qual poderia ser a razão de Deus permitir o sofrimento No caso do problema lógico do mal uma vez que o ateu argumenta que é logicamente impossível um Deus bom e todopoderoso permitir o mal Plantinga visa O Problema Lógico do Mal 167 CRESCER refutar tal argumento mostrando apenas que Deus poderia com o livrearbítrio mostrar que tais proposições são compatíveis E para isso ele só precisa mostrar que tal situação de compatibilidade é logicamente possível Como explica William Lane Craig 2010 p 93 para refutar a versão lógica do problema do mal o cristão não tem de sugerir uma solução plausível ou provável tudo o que ele tem de fazer é sugerir uma solução possível Vimos anteriormente que há estados de coisas bons que nem mesmo Deus pode ocasionar sem causar algum mal Por exemplo mesmo Deus sendo onipotente ele não pode ocasionar que a mãe do nosso último exemplo seja uma heroína admirável para com seu bebê sem permitir algum tipo de mal De acordo com Plantinga O ponto importante aqui para a defesa de Plantinga do livrearbítrio é lembrar o que significa ser livre com respeito a uma ação Se uma pessoa for livre com respeito a uma dada ação então ela é livre para realizar ou se abster de realizar tal ação de modo que nenhuma lei causal ou condições anteriores determinam se ela realizará ou não a ação Ser livre com relação à leitura de um livro significa que eu posso ler o livro ou posso me abster de ler o livro nenhuma lei causal ou condições anteriores determinam se vou ou não ler o livro A defesa do livrearbítrio de Plantinga inclui a ideia de ação moralmente significativa Mais precisamente uma ação é moralmente significativa se fosse incorreto para uma pessoa realizar e correto para uma pessoa não realizar Manter uma promessa para uma pessoa é um exemplo de ação moralmente significativa Por fim uma ação é moralmente significativamente livre se numa dada ocasião for livre com respeito a uma ação moralmente significativa Assim dada essas definições Plantinga formula sua defesa do livrearbítrio do seguinte modo Lembrese mais uma vez de que Plantinga está procurando encontrar um estado de coisas ou situação que é consistente com as proposições Deus é totalmente bom Deus é todopoderoso e o mal existe E é relevante ressaltar aqui que para demonstrar tal coisa 168 O Problema Lógico do Mal CRESCER A defesa do livrearbítrio pode ser vista como um esforço para mostrar que pode haver um tipo muito diferente de bem que Deus não pode criar sem permitir o mal Estes são estados de coisas bons que não incluem o mal não implicam a existência de qualquer mal no entanto o próprio Deus não pode trazêlos à existência sem permitir o mal PLANTINGA 2012 p 4546 Um mundo com criaturas que sejam significativamente livres e que livremente executem mais ações boas do que más é mais valioso se não houver complicações de outros fatores do que um mundo sem quaisquer criaturas livres Ora Deus pode criar criaturas livres mas não pode causar ou determinar que façam apenas o que é correto Afinal se o fizer então elas não são afinal significativamente livres não fazem livremente o que é correto Para criar criaturas com capacidade para o bem moral portanto Deus tem de criar criaturas com capacidade para o mal moral e não pode dar a essas criaturas a liberdade de executar o mal e ao mesmo tempo impedilas de executálo E aconteceu infelizmente que algumas das criaturas livres que Deus criou erraram no exercício de sua liberdade essa é a fonte do mal moral O fato de algumas criaturas errarem contudo não depõe contra a onipotência de Deus nem contra a sua bondade pois ele só poderia ter impedido a ocorrência do mal moral removendo a possibilidade do bem moral PLANTINGA 2012 p 47 esta defesa do livrearbítrio proposta por Plantinga não precisa ser verdadeira ou plausível mas precisa apenas ser possível a fim de demonstrar a consistência das proposições que o ateu disse que são contraditórias Assim a defesa do livrearbítrio sustenta em primeiro lugar que um mundo com criaturas significativamente livres e que livremente executem mais ações boas do que más é mais valioso sendo todo o resto igual do que um mundo sem tais criaturas livres Assim é logicamente possível que esta conceção de livrearbítrio seja um bem tal que Deus queira incluir na sua criação Ora se essa noção de livrearbítrio é logicamente possível e se é melhor um mundo com livrearbítrio do que um mundo sem livrearbítrio então é possível que Deus visa criar um mundo com criaturas livres Porém Deus mesmo sendo onipotente não pode causar ou determinar que suas criaturas façam apenas o que é correto pois se o fizesse então elas não seriam significativamente livres e assim não fariam livremente o que é correto Logo seguese que para Deus fazer criaturas com capacidade para o bem moral Deus tem de conceber criaturas com capacidade para o mal moral Deste modo Deus não pode dar a estas criaturas a liberdade de realizar o mal e ao mesmo tempo impedilas de fazer mal E se tais criaturas fazem o mal livremente então Deus mesmo sendo onipotente não pode criar um mundo com bem moral sem criar também um mundo com a possibilidade do mal moral Em suma Plantinga demonstrou através da defesa do livrearbítrio que não há uma contradição entre as asserções Deus é onipotente Deus é totalmente bom e o mal existe Ao contrário a defesa do livrearbítrio mostra que Deus teria uma possível boa razão para criar o mundo com a possibilidade do mal Assim o ateu precisa recorrer a um outro argumento contra a existência de Deus a partir do mal pois ele não pode mais apelar para a inconsistência lógica entre Deus e a realidade do mal O Problema Lógico do Mal 169 COMPARTILHAR Nesta aula você Percebeu que é possível provar uma afirmação negativa Compreendeu em que consiste o problema lógico do mal Analisou a possível inconsistência entre Deus e o mal bem como a defesa do livre arbítrio de Alvin Plantinga CRAIG William Lane Apologética para questões difíceis da vida São Paulo Vida Nova 2010 cap 4 PLANTINGA Alvin Deus a liberdade e o mal São Paulo Vida Nova 2012 p 1784 PARA CRESCER MAIS 170 O Problema Evidencial do Mal módulo 14 Olá O chamado problema evidencial do mal busca mostrar que a existência da dor e do sofrimento embora logicamente consistente com a existência de Deus oferece uma razão para pensar que Deus não existe ou que o mal aponta que a existência de tal pessoa como Deus é muitíssimo improvável Neste módulo vamos analisar o problema evidencial do mal proposto pelo filósofo William Rowe Além disso vamos também estudar algumas respostas teístas oferecidas a essa nova versão propostas pelos filósofos cristãos Peter van Inwagen Alvin Plantinga e William Lane Craig Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Compreender em que consiste o problema evidencial do mal a partir de William Rowe Analisar a resposta de Peter van Inwagen Alvin Plantinga e William Lane Craig ao problema evidencial do mal Entender a posição conhecida como teísmo cético Bons estudos 171 CONECTAR No módulo passado vimos a resposta r e c o n h e c i d a m e n t e bemsucedida de Alvin Plantinga para o chamado problema lógico do mal tal como proposto por J L Mackie Contudo os ateus não baixaram a guarda e desistiram do problema do mal Como afirma Walters 2015 p 121 o argumento do mal ronda os outras formulações a fim de servir como um bom argumento contra o teísmo Assim no lugar do problema lógico do mal os filósofos ateus apresentaram o chamado problema evidencial do mal em favor da inexistência de Deus De acordo com Brendan Sweetman 2013 p 92 essa versão abandona a forte afirmação de Mackie de que o mal e a existência de Deus são logicamente incompatíveis e faz uma afirmação menos intensa de que a existência do mal no mundo torna improvável a existência de Deus Mais precisamente há um recuo por parte dos filósofos ateus pois esta versão do problema do mal faz uma afirmação menos forte e mais modesta ao mesmo tempo ela é mais difícil de ser refutada Essa nova formulação não pretende demonstrar que Deus não existe por ser sua existência incompatível com o mal mas que dada certa quantidade de mal é muito muitíssimo improvável que Deus exista Um dos filósofos que melhor desenvolveu essa nova versão do problema do mal foi William Rowe Grosso modo Rowe afirma que um Deus onipotente poderia impedir o mal sem perder algum bem maior ou sem permitir algum mal igualmente terrível e um Deus completamente bom impediria o mal sem perder algum bem maior ou sem permitir algum mal igualmente terrível Contudo parece haver males gratuitos demais no mundo que parecem não conduzir a um bem maior Mesmo que todos nós concordássemos que alguns males são necessários para trazer algum tipo de bem ao mundo ainda há uma quantidade terrível de males de todo tipo no nosso mundo muitos deles parecendo completamente sem sentido Para ver isso considere um caso concreto de sofrimento animal O Problema Evidencial do Mal Suponha que em uma floresta distante um raio atinja uma árvore morta resultando em um incêndio florestal Um cervo é apanhado no incêndio sofre queimaduras horríveis agonizando terrivelmente por vários dias antes que a morte alivie o seu sofrimento Até onde podemos ver o intenso sofrimento do cervo não tem propósito nenhum Pois não parece haver qualquer bem maior tal que o impedimento do sofrimento do cervo exigiria ou a perda desse bem ou a ocorrência de um mal igualmente mau ou pior Nem parece haver qualquer mal igualmente mau ou pior tão conectado com o sofrimento do cervo que ele teria de ocorrer caso o sofrimento do cervo fosse impedido Um ser onipotente e onisciente poderia ter impedido o sofrimento aparentemente sem propósito do cervo A resposta é óbvia como até mesmo o teísta dirá Um ser onipotente e onisciente poderia ter facilmente impedido o cervo de sofrer queimaduras horríveis ou dadas as queimaduras poderia têlo poupado do sofrimento intenso colocando rapidamente um fim à sua vida ao invés de permitir que ele padeça em agonia horrível por vários dias Visto que o intenso 172 O Problema Evidencial do Mal CONECTAR A questão por trás do exemplo de Rowe é a seguinte um Deus onipotente poderia ter evitado o sofrimento desse cervo É certo que sim Será que algum bem maior seria perdido caso aquele cervo específico não sofresse Parece que não Assim Deus poderia muito bem gerar um bem maior sem a necessidade de todo o sofrimento daquele cervo específico Além disso o horror do cervo parece não levar a nenhum bem discernível e parece não ter qualquer relação com o mal uso do livrearbítrio Mas suponha por exemplo que um homem caminhando no segundo dia do incêndio ouça os gritos do cervo alerte as pessoas que moram no local e salve a cidade de um incêndio pavoroso Certamente isso seria um caso de um bem maior um bem parece justificar a ocorrência de sofrimento intenso do cervo contudo o argumento de Rowe é que mesmo neste caso um ser onipotente poderia ter salvado a cidade de alguma outra forma sem a necessidade do sofrimento intenso do cervo ou poderia ter evitado o sofrimento do cervo sem permitir a ocorrência de um mal maior Alguém pode argumentar que não podemos saber com certeza se a morte do cervo não serve a um bem maior Contudo Rowe pensa que há aqui uma boa base racional para acreditar que um Deus bom e todopoderoso não permitiria conseguir algum fim com este tipo de coisa sofrimento do cervo era passível de ser impedido e até onde podemos ver que nele não havia propósito algum parece que existem casos de sofrimento intenso que um ser onipotente e onisciente poderia ter impedido sem que com isso fosse perdido algum bem maior ou permitido algum mal igualmente mau ou pior ROWE 2013 p 71 Perceba que mesmo que Plantinga tenha apresentado uma resposta bemsucedida ao problema lógico do mal Rowe apresenta uma nova formulação do problema do mal O que isso nos diz sobre a necessidade de pensar de modo cauteloso e paciente sobre uma importante questão filosófica PARA REFLETIR O Problema Evidencial do Mal 173 CRESCER Mesmo com a resposta bemsucedida ao problema lógico do mal fornecida pelo filósofo cristão Alvin Plantinga os teístas ainda se encontram diante de uma dificuldade monumental perante o problema do mal Pois se é verdade que Plantinga demonstrou que não há qualquer incompatibilidade lógica entre um Deus completamente bom e todopoderoso e a existência do mal é verdade também que demonstrar meramente que duas teses são logicamente compatíveis não ajuda a tirar o teísta de apuros Pois não há nada de logicamente contraditório em afirmar que a terra é plana ou como fantasiou Bertrand Russell que o mundo tem apenas cinco minutos e que todas as nossas memórias são fictícias Contudo essas crenças mesmo que logicamente coerentes são completamente irracionais Com o problema do mal parece acontecer algo similar Há no mundo uma enorme quantidade de mal aparentemente desnecessário males terríveis que parecem não cumprir qualquer finalidade boa ou edificante que possamos imaginar O filósofo William Rowe 2011 p 124 Grifos do autor denomina de mal sem sentido um mal que Deus se existe poderia ter impedido sem com isso perder um bem superior ou sem ter de permitir um mal igualmente mau ou pior Rowe pensa que mesmo que seja compatível com a existência de um Deus totalmente bom e onipotente o mal oferece bons indícios ou evidências contra a existência de Deus Para ver isso ele pede para que nos concentremos em um mal particular o sofrimento do cervo que lemos na seção anterior E isso é importante para o argumento porque ao partir da ocorrência de um mal particular gratuito Rowe visa mostrar que aparentemente não há razões para Deus permitir aquele mal específico de modo que aquele fato a morte do cervo constitui uma razão contra a existência de Deus Assim pense novamente no sofrimento do cervo ele passou vários dias suportando queimaduras horríveis agonizando terrivelmente até que a morte aliviou seu sofrimento O horror que ele passou parece não fazer qualquer sentido do nosso ponto de vista não é fácil perceber qualquer bem superior cuja realização dependa de Deus permitir que aquele cervo sofra de modo tão repulsivo Além disso dadas as onisciência e onipotência de Deus seria muito fácil ele ter impedido que o cervo fosse apanhado pelas chamas ou que o bem que ele queria trazer viesse à existência sem a morte do cervo Logo segue o argumento de Rowe parece muito razoável pensar que o sofrimento do cervo é um mal sem sentido um mal que Deus podia impedir sem com isso perder um bem superior ou ter de permitir um mal equivalente ou pior Rowe afirma que sofrimentos intensos como esse ocorrem cotidianamente e É razoável acreditar que há algum bem maior tão intimamente conectado com esse sofrimento que mesmo um ser onipotente e onisciente não poderia realizálo sem permitir esse sofrimento ou algum mal pelo menos tão mau Certamente não parece razoável acreditar nisso Nem parece ser razoável acreditar que há algum mal pelo menos tão mau quanto o sofrimento do cervo tal que um ser onipotente simplesmente não poderia têlo impedido sem permitir o sofrimento do cervo Mas mesmo se fosse de algum modo razoável acreditar em uma dessas coisas relacionadas com o sofrimento do cervo temos então de perguntar se é razoável acreditar em uma dessas coisas a respeito de todos os casos de sofrimento humano e animal que ocorrem diariamente em nosso mundo e que aparentemente não têm propósito algum E seguramente a resposta a essa questão mais geral tem de ser não ROWE 2013 p 7273 Grifos do autor abundantemente em nosso mundo Tais eventos são exemplos inequívocos de males Mesmo sofrimento que de algum modo parece ser justificado parece conduzir a um bem que não poderíamos obter sem ele ainda assim continua a ser um mal Como afirma Rowe 2011 p 123 não podemos confundir o sofrimento intenso em si e por si com as coisas boas a que por vezes conduz ou das quais pode ser uma parte necessária Em alguns casos parece ser discernível o bem que seria inalcançável sem tal sofrimento bem tal que Deus teria justificativas morais suficientes para permitir tal mal Contudo e talvez em boa parte das situações esse parece não ser o caso Depois de descrever dois males horrendos que aconteceram com duas pequenas crianças o filósofo William Lane Craig 2010 p 85 chegou a admitir que sendo bem franco com você quando vejo este tipo de coisas acontecendo sinto o como é difícil acreditar em Deus nessas horas Como vimos no módulo passado o historiador e teólogo Bart Ehrman afirma que a razão de ele ter deixado de acreditar em Deus e na fé cristã foi a quantidade de males terríveis encontrados no mundo Ao narrar sua trajetória ele afirma À luz da quantidade abundante de males horríveis Rowe 2011 p 124 formulou um argumento evidencial contra a existência de Deus que está estruturado da seguinte maneira 1 Provavelmente há males sem sentido por exemplo o sofrimento do cervo 2 Se Deus existe não há males sem sentido 3 Logo provavelmente Deus não existe Mas será este argumento cogente Em primeiro lugar é importante afirmar que ele passa no primeiro teste pois sua formulação lógica é válida uma vez que a conclusão se segue logicamente das premissas Afinal se provavelmente há males sem sentido e se um Deus bom e todopoderoso não permitiria tais males sem sentido seguese logicamente que Deus provavelmente não existe Logo quem quiser negar a conclusão precisa apresentar razões para negar ou a premissa 1 ou a premissa 2 Assim precisamos analisar as duas premissas do argumento a fim de verificar sua solidez Mas primeiro é necessário dizer algo sobre probabilidade E se o mal realmente tornar a existência de Deus improvável Rowe parte da premissa de que a morte horrenda e aparentemente gratuita do 174 O Problema Evidencial do Mal CRESCER Eu cheguei a um ponto em que simplesmente não podia acreditar que há um Senhor bom e bemintencionado encarregado do mundo Para mim o problema do sofrimento se tornou o problema da fé Após muitos anos me digladiando com o problema tentando explicálo pensando nas explicações que outros tinham oferecido algumas delas respostas fáceis e encantadoras por sua simplicidade outras reflexões altamente sofisticadas e matizadas de filósofos e teólogos sérios após pensar nas supostas respostas e continuar enfrentando o problema há nove ou dez anos eu finalmente reconheci a derrota me dei conta de que já não podia acreditar no Deus da minha tradição e reconheci que era um agnóstico eu não sei se existe um Deus mas acho que se houver um ele certamente não é aquele proclamado pela tradição judaicocristã aquele poderosa e ativamente envolvido com este mundo E assim deixei de ir à igreja EHRMAN 2008 p 13 cervo provavelmente traz um problema para o teísta pois sendo Deus onipotente e completamente bom poderia ter evitado ou tornado menos dolorosa esta morte específica Logo isso ofereceria razões para pensar que Deus não existe Assim o argumento evidencial do mal afirma que dada a quantidade de mal no mundo ou dada a ocorrência de um mal específico é improvável que Deus exista Suponha que o argumento de Rowe seja persuasivo o suficiente em demonstrar que a morte do cervo ou a totalidade de males no mundo torna a existência de Deus improvável O que se segue daí A primeira coisa a ser observada tem a ver com o conceito de probabilidade Quando se afirma que a morte do cervo ou a quantidade de males no mundo torna a existência de Deus improvável é preciso perguntar improvável em relação a quê Uma resposta sensata é afirmar que ela é improvável em relação à base de informações que devem ser consideradas Mas qual seria esta base Se ela consistir apenas nos males deste mundo talvez o ateu esteja certo Pois talvez seja verdade que a quantidade de males neste mundo torna a existência de Deus improvável Craig 2010 p 96 afirma que seria uma importante façanha filosófica se os cristãos pudessem demonstrar que apenas com base na existência do mal no mundo a existência de Deus não seja improvável Contudo o teísta não precisa se comprometer com uma base de informações tão enxuta Pois como afirma Plantinga mesmo que a existência de Deus seja improvável com relação ao mal temos conhecimento de muitas outras coisas para além do mal Ou seja ainda que o problema do mal torne a existência de Deus improvável Plantinga argumenta que nós temos conhecimento de muitas outras razões para pensar que Deus existe há os vários argumentos cosmológicos teleológicos e morais há os vários tipos de argumentos em favor da ressurreição de Jesus há a experiência religiosa a instigação interna do Espírito Santo e o sensus divinitatis A própria fé cristã pressupõe que nosso mundo está caído e por isso ele é coberto por uma quantidade espantosa de dor e sofrimento O filósofo que visa mostrar que a existência de Deus é improvável em relação à totalidade dos nossos indícios precisaria mostrar que nenhum desses argumentos ou a combinação deles tem menos força que o argumento evidencial de Rowe Além disso o teísta pode concordar que dado aquilo que sabemos sobre o nosso mundo específico é improvável que exista tal pessoa todopoderosa e completamente boa Mas talvez esse não seja o único mundo que exista Talvez Deus tenha criado inúmeros outros mundos mundos estes não caídos que se levados em consideração veríamos que há na verdade uma preponderância de bem sobre o mal Como coloca Plantinga 2018a p 461462 em alguns desses mundos não há sofrimento nem mal em outros há bastante por acaso encontramonos num dos mundos onde há muito No entanto a probabilidade do teísmo dado todo o conjunto de mundos não é particularmente baixa Mas suponha que Rowe ainda esteja certo suponha que o teísmo seja de fato improvável em relação à morte do cervo ou à quantidade de males no mundo O que se segue daí Plantinga pensa que não muito Pois há muitas das minhas crenças verdadeiras e perfeitamente racionais que são improváveis dada a totalidade das minhas crenças Minha O Problema Evidencial do Mal 175 CRESCER Para demonstrar isso o teólogo precisaria examinar a totalidade das evidências a favor da existência de Deus os argumentos tradicionais o ontológico o cosmológico e o teleológico assim como muitos outros seria obrigado a pesar os méritos relativos de todos eles pesandoos contra o argumento evidencialista do mal para chegar à conclusão indicada PLANTINGA 2018a p 461 Grifos do autor biblioteca tem mil livros Minha filha Ana Sofia pegou um deles Em Guarda William Lane Craig e riscou a página 73 Considerando tudo que eu sei ou acredito qual a probabilidade de Ana Sofia riscar essa página específica no meio de milhares de outras páginas Muitíssimo baixa No entanto não se segue daí que eu não tenha razões para acreditar que ela realmente fez isso pois essa crença não depende de ser provável com relação a tudo que acredito mas depende de outras fontes de conhecimento a percepção vi a página 73 riscada Alvin Plantinga oferece um outro exemplo Assim o fato de o teísta acreditar em algo que parece improvável em relação a tudo que ele sabe não compromete sua racionalidade Pois se o teísta tem outras fontes de conhecimento sobre Deus para além de argumentos ou evidências como a instigação interna do Espírito Santo ou o sensus divinitatis então não há um problema de racionalidade em acreditar em algo que parece ser improvável com relação ao mal no mundo pois todos nós acreditamos em várias coisas que são significativamente improváveis Para citar ainda um outro exemplo Craig 2010 p 97 afirma que no que diz respeito ao nosso conhecimento da biologia reprodutiva humana sua própria existência pessoal é astronomicamente improvável No entanto não se segue daí que é irracional acreditar que você existe Por isso é importante questionar o que o ateu pretende provar com o argumento evidencial do mal Que o teísmo é falso Que a quantidade de males no mundo torna a crença em Deus irracional Que se eu estiver ciente de alguns males terríveis no mundo como no exemplo do cervo então parece ser mais racional acreditar que não há tal pessoa como Deus Essa é uma questão fundamental dentro do contexto deste argumento Peter van Inwagen e o problema da arbitrariedade Contudo não parece que estamos concedendo muito a Rowe Mais precisamente não há nada de mais cogente a ser respondido ao desafio evidencial do mal Ou simplesmente deveríamos levantar as tendas e garantir a razão neste ponto para o ateísta Na verdade os filósofos cristãos não deixaram as coisas deste modo Eles levantaram várias respostas satisfatórias ao problema proposto por Rowe Uma das mais significativas foi apresentada por Peter van Inwagem Lembrese de que para Rowe a morte aparentemente gratuita e horrenda do cervo ofereceria razões para pensar que Deus não existe pois um ser onipotente e totalmente bom ou poderia facilmente ter evitado aquela morte ou poderia têla tornado menos 176 O Problema Evidencial do Mal CRESCER Estou jogando pôquer é improvável considerandose tudo o mais que sei ou acredito que eu tenha tirado um inside straight não se segue mesmo que haja a menor irracionalidade em minha crença de que de que acabei de completar um inside straight A razão obviamente é que essa crença não depende para sua garantia de ser provável por conta do restante do que acredito ela tem uma fonte bem diferente de garantia a percepção O mesmo ocorre em relação ao teísmo tudo se volta aqui para a questão de como tenho argumentado o teísmo ter ou poder ter alguma fonte de garantia a percepção de Deus ou o sensus divinitatis ou a fé e a instigação interna do Espírito Santo distinta da probabilidade quando consideradas as outras proposições de minha crença PLANTINGA 2016 p 210211 dolorosa ou ainda poderia ter obtido um bem maior sem precisar daquele sofrimento específico O filósofo Erik Wielenberg apresenta um outro exemplo de um mau gratuito o sofrimento infantil Pense nas crianças que sofrem de doenças naturais como a leucodistrofia uma desordem genética que afeta crianças de modo que à medida que a doença progride os sintomas incluem cegueira demência paralisia dificuldade para engolir entre outros as crianças afligidas por tal doença ficam acamadas tornamse cegas entram em estado vegetativo e morrem por volta dos dez anos de idade O ponto de Wielenberg é que as respostas tradicionais dadas ao problema do mal parecem não funcionar neste caso específico Ao analisar a resposta de C S Lewis ao problema do mal ele notou que a ideia de Lewis é que por exemplo Deus permite o sofrimento para que possamos reconhecer nossas próprias deficiências morais ou para que este mundo caído não se torne agradável para nós Contudo crianças suficientemente novas não são capazes de compreender esses conceitos Simplesmente falta a elas o requerido equipamento cognitivo WIELENBERG 2010 p 73 Além disso parece não ser moralmente permissível para um Deus completamente bom permitir o sofrimento de uma criança para que outra pessoa atinja algum tipo de genuíno bem Neste caso tanto Rowe quanto Wielenberg pensam que a existência desses males gratuitos e específicos apresenta razões plausíveis para se pensar que Deus não existe Contudo Inwagem discorda desse argumento Ele concede que a premissa 1 possa ser verdadeira isto é que provavelmente há males sem sentido males que provavelmente não trazem nenhum bem maior como no exemplo do sofrimento do cervo ou mesmo da criança com leucodistrofia talvez esses sejam horrores gratuitos que se não tivessem ocorrido ou se Deus tivesse interferido a fim de deixálos de fora do mundo o mundo não seria um lugar pior O ataque de Inwagen é contra a premissa dois Se Deus existe não há males sem sentido O problema desta premissa é que o princípio moral por trás dela é duvidoso Pode ser verdade que sem a morte gratuita e horrenda do cervo ou da criança com leucodistrofia o mundo não seria um lugar pior Contudo não se segue daí que Deus tem que intervir a fim de impedir que o cervo ou a criança sofram Para perceber por que este é um princípio moral duvidoso Inwagen 2018 p 225 estrutura o que ele chama de defesa do livrearbítrio Relembre a diferença entre uma defesa e uma teodiceia enquanto a teodiceia busca apresentar qual a razão do porquê de Deus permitir o sofrimento uma defesa busca apresentar qual poderia ser a razão de Deus permitir o sofrimento A defesa de Inwagen começa com a queda os seres humanos fizeram mau uso do livrearbítrio e se separaram de Deus e a existência de horrores é uma das consequências naturais e inevitáveis dessa separação Neste sentido tanto o caso do cervo quanto o da criança com leucodistrofia são consequências mais ou menos desconectadas de O Problema Evidencial do Mal 177 CRESCER Creio que mesmo que a felicidade tivesse mais valor do que o sofrimento da criança a justiça requer que a felicidade seja recusada pois não é a criança que adquire o grande bem da felicidade mas outra pessoa Uma pessoa cuja genuína felicidade somente pode ser adquirida por meio do sofrimento horroroso de uma criança não deveria receber a genuína felicidade WIELENBERG 2010 p 75 incontáveis milhões de abusos humanos do livrearbítrio também em grande medida desconectados Há na cosmovisão cristã um enredo significativo que envolve criação rebelião e expulsão do paraíso Suponha que essa rebelião terrível contra Deus ocasionou uma separação danosa entre nós e o Criador mergulhando o mundo em dores e males terríveis Os seres humanos agora passaram a enfrentar todo tipo de calamidade de destruição pelas forças cegas da natureza ficando sujeita a vários tipos de males naturais Neste caso pode ser concebível que o horror pelo qual passaram o cervo e a criança com leucodistrofia é um mal gratuito devido ao acaso Mas então por que Deus não impede miraculosamente a morte do cervo ou algum outro horror gratuito De acordo com Inwagen Talvez Deus remova muitos dos males e dos horrores do mundo Contudo e isso é central ao argumento de Inwagen Deus não pode remover todos os horrores do mundo pois isso frustraria seu plano redentivo Sendo assim se Deus impede alguns males e outros não onde devemos traçar o limite Mais precisamente qual é o limite entre os horrores gratuitos que Deus permite e os horrores gratuitos que Deus irá impedir que ocorram Parte da resposta de Inwagen 2018 p 228 é que seja onde for que seja traçado esse limite será arbitrário É verdade que se Deus houvesse acrescentado o horror particular da morte gratuita do cervo ou da criança com leucodistrofia à sua lista de horrores que serão impedidos e apenas estes horrores o mundo não seria um lugar menos horrível e Deus ainda poderia atingir seus propósitos redentivos Contudo isso ainda é arbitrário pois esse limite não existe Como afirma Inwagen 2018 p 229 não há um limite não arbitrário Seja onde for que Deus trace o limite incontáveis horrores seriam deixados no mundo o plano divino requer a existência real de incontáveis horrores Mais precisamente 178 O Problema Evidencial do Mal CRESCER Ele não fez isso porque desse modo as suas ações frustrariam o plano de restaurar a união original dele com os seres humanos removendo um motivo essencial para os seres humanos cooperarem com Deus ou seja a compreensão de que há algo terrivelmente errado com o mundo em que vivemos O melhor que poderia advir de uma prevenção milagrosa de cada um dos horrores que resultaram da nossa separação de Deus seria um estado de felicidade natural perfeita Mas permitir que os horrores ocorram abre a possibilidade de um bem sobrenatural para a humanidade infinitamente melhor do que uma felicidade natural perfeita Pode ser que Deus impeça alguns horrores E até onde sabemos Deus reduz o número de horrores deste mundo a alguma fração menor do que a quantidade de horrores que ocorreria sem a sua ação milagrosa específica e local Ainda assim ele tem de deixar que o mundo não redimido seja um lugar horrível pois do contrário o seu plano de redenção para a humanidade falhará INWAGEN 2018 p 226227 Não há uma quantidade mínima de horrores consistentes com o plano de Deus de reconciliação porque o impedimento de qualquer horror particular possivelmente não poderia ter efeito sobre o plano divino Deus tinha de traçar um limite arbitrário e assim o fez E isso é tudo o que há para ser dito INWAGEN 2018 p 229 e 232 Assim procurar um limite de onde Deus poderia impedir o mal poderia levar à paralisia Deus poderia impedir um mal gratuito dois males gratuitos três males gratuitos mas quantos males gratuitos Deus deve permitir ou impedir a fim de que ele seja moralmente justificável em realizar seus propósitos de reconciliarse com a humanidade Parece não ser possível dar qualquer resposta sensata Logo o princípio de que se Deus existe ele não permitiria a existência de males gratuitos parece inaceitável Teísmo Cético E o que podemos falar da premissa 1 do argumento de Rowe Seria correto afirmar que provavelmente há males sem sentido como no exemplo do sofrimento do cervo Talvez seja possível dizer que os desenvolvimentos mais sofisticados sobre o problema do mal envolvem uma resposta negativa a esta premissa Em primeiro lugar é claro que todos nós gostaríamos muito de saber a razão por que Deus permite o mal em geral ou um dado mal em particular que parece completamente gratuito Contudo suponha que nós admitamos que não sabemos disso suponha que os teístas afirmem que desconhecem a razão do porquê de Deus permitir o mal O que se segue daí De acordo com Plantinga nada de muito interessante Deste modo o argumento de Plantinga é que o fato de o teísta não saber por que Deus permite o mal não mostra por si só que não há tal razão ou que aqueles que acreditam em Deus são irracionais ao pensar que Deus realmente tem uma razão Para que o ateu mostre que há males sem sentido é preciso mais do que apontar para a ignorância do teísta é preciso mostrar que de fato há realmente males gratuitos e sem sentido O problema aqui é que é muitíssimo difícil demonstrar que Deus não teria razões suficientes para permitir o mal ou que há males gratuitos Essa posição é conhecida na filosofia da religião como teísmo cético Grosso modo ela afirma que argumentos contra a verdade do teísmo como o argumento de Rowe cometem o erro de pressupor a verdade de determinadas afirmações que não são demonstráveis Mais precisamente não estamos em posição de conseguir demonstrar que Deus não tem razões suficientes para permitir o mal Mas por que não estaríamos em posição de fazer esse julgamento De acordo com Plantinga O Problema Evidencial do Mal 179 CRESCER Por que supor que se Deus tem uma boa razão para permitir o mal o teísta seria o primeiro a sabêlo Talvez Deus tenha uma boa razão mas esta seja demasiadamente complicada para que compreendamos Ou talvez ele não a tenha revelado por qualquer outra razão O fato de que o teísta não sabe por que Deus permite o mal é talvez um fator interessante sobre o próprio teísta mas em si pouco ou nada mostra de relevante quanto à racionalidade da crença em Deus PLANTINGA 2012 p 23 A razão principal é a distância epistêmica entre nós e Deus mesmo que Deus tenha uma razão para permitir aqueles males por que pensar que seríamos os primeiros a saber Dado que ele é onisciente e dadas as nossas substanciais limitações epistêmicas não é nada surpreendente que suas razões para algumas das ações que faz ou permite nos ultrapassem completamente Mas nesse caso do fato de nenhum bem conhecido por nós ser tal que sabemos que justifica sirva de razão para que Deus permita o Há assim uma admissão de ignorância com relação aos desígnios de Deus sobre este ponto Pode ser que muitos males como o da morte dolorosa do cervo ou da criança com leucodistrofia pareçam ser males gratuitos sem propósitos que não servem a qualquer bem Ficamos comovidos e profundamente entristecidos com a presença de tais males no mundo Contudo que segurança podemos ter de que eles realmente não servem a qualquer bem Do fato de que eles parecem serem gratuitos não se segue que eles são gratuitos As avaliações de probabilidade neste caso podem não ser possíveis para seres com nossas limitações cognitivas Este tipo de resposta está enraizado no livro de Jó Seguiremos aqui a leitura que Alvin Plantinga 2018a p 490494 faz desta narrativa Na abertura do livro Satanás desafia Deus a deixálo atormentar Jó uma vez que este último acusa Satanás perante toda a corte celeste é um tipo egoísta de oportunista que se voltará severamente contra Deus caso sofra Deus permite que Satanás atormente Jó De acordo com N T Wright 2009 p 61 somos convidados a ver o tormento de Jó e seu questionamento tendo a informação privilegiada de que não se trata de fato de um embate entre Jó e Deus como pensa Jó e seus pseudoconsoladores Os amigos de Jó insistem que ele precisa se arrepender e se reformar moralmente Jó sabe que há alguma coisa errada acontecendo mas dadas as suas limitações ele não consegue ver a razão por que Deus permitiu tamanho infortúnio de modo que ele infere que Deus provavelmente não tem tal razão Por isso quando Deus responde a Jó ele não explica quais são as razões para permitir os males que vieram sobre Jó antes Deus ataca o possível pressuposto impensado de que se Jó não consegue ver que razões Deus poderia ter então provavelmente Deus não as tem E o Senhor faz isso apontando para o imenso abismo cognitivo que existe entre o conhecimento de Jó e o conhecimento de alguém onisciente e Criador do mundo 180 O Problema Evidencial do Mal CRESCER estupro e o homicídio de uma menina de cinco anos e a morte dolorosa do cervo na floresta não se segue pura e simplesmente que é provável com respeito ao que sabemos que tais bens não existam ou que Deus não tenha razão para permitir esses males PLANTINGA 2018a p 464 Grifos do autor Acaso não puseste uma cerca em volta dele da família dele e de tudo o que ele possui Tu mesmo tens abençoado tudo o que ele faz de modo que todos os seus rebanhos estão espalhados por toda a terra Mas estende a tua mão e fere tudo o que ele tem e com certeza ele te amaldiçoará na tua face Jó 11011 NVI Então o Senhor respondeu a Jó do meio da tempestade Disse ele Quem é esse que obscurece o meu conselho com palavras sem conhecimento Preparese como simples homem vou fazerlhe perguntas e você me responderá Onde você estava quando lancei os alicerces da terra Respondame se é que você sabe tanto Quem marcou os limites das suas dimensões Vai ver que você sabe E quem estendeu sobre ela a linha de medir E as suas bases sobre o que foram postas E quem colocou sua pedra de esquina enquanto as estrelas matutinas juntas cantavam e todos os anjos se regozijavam Jó 3817 NVI Jó não conseguia ver que razões Deus poderia ter para permitir tal quantidade de sofrimento inferiu que provavelmente Deus não as tem Deus responde atacando tal pressuposto o fato de Jó não ter conseguido ver as razões de Deus é um fato interessante sobre a própria limitação cognitiva de Jó não sobre as razões de Deus Onde você estava Jó pergunta Deus quando eu criei o Universo Você não é tão esperto e sabe tanta coisa Jó então se coloca no seu lugar Certo é que falei de coisas que eu não entendia coisas tão maravilhosas que eu não poderia saber Jó 423 NVI Inspirado no livro de Jó o teísta cético irá afirmar que não estamos racionalmente justificados em afirmar que Deus não tenha um propósito com a morte dolorosa do cervo ou da criança com leucodistrofia ou com qualquer outro mal de que tenhamos consciência Pense mais uma vez na história do cervo de Rowe ele está agonizante terrivelmente queimado deixado no chão por longos cinco dias na floresta até finalmente a morte lhe oferecer algum tipo de descanso Haveria algum bem importante que um Deus todopoderoso onisciente e criador do mundo pudesse originar mas apenas permitindo que aquele cervo sofresse durante aqueles exatos cinco dias Tanto quanto sabemos parece que não No entanto e essa é a principal ideia aqui o problema é que não sabemos o suficiente Talvez se soubéssemos todas as variáveis envolvidas próximas daquilo que Deus sabe então veríamos claramente que Deus tinha razões suficientes para permitir tal sofrimento Talvez haja aí bens que Deus saiba bens que seriam perdidos caso Deus tivesse impedido aquele cervo de ficar terrivelmente queimado por longos cinco dias ou talvez haja males equivalentes ou até mesmo piores que a morte do cervo evitou No entanto o fato de não sabermos quais poderiam ser esses bens ou males não é nada surpreendente dada a distância epistêmica entre nós e Deus ou seja entre aquilo que um ser onisciente sabe e aquilo que nós sabemos Somos muitíssimos limitados e simplesmente incapazes de conhecer as variáveis que Deus conhece sobre o mundo que ele criou de modo que não é nenhum pouco espantoso o fato de que não conseguimos ver razões suficientes que um ser onisciente e completamente bom tem para permitir a morte do cervo agonizante ou da criança com leucodistrofia Na verdade dado o imenso abismo entre nosso conhecimento e o de Deus é até esperado que não conheçamos tais razões Um Deus que nos consola Contudo talvez o problema do sofrimento não seja argumentativo Por mais paradoxal que seja talvez a experiência do mal forneça um tipo de dificuldade intelectual que não vem em forma de argumentos ou evidências O Antigo e o Novo Testamento estão repletos de exemplos de como o mal constitui dificuldades para o teísta Neste caso assim como o teísta sabe que há tal pessoa como Deus devido ao sensus divinitatis e independentemente de qualquer argumento ou evidência uma pessoa sensível que tem consciência da quantidade e brutalidade dos males que são exibidos neste mundo sombrio veria que um Deus bom e todopoderoso não permitiria tais situações de sofrimento independentemente de qualquer argumento ou evidência Assim talvez não haja um bom argumento contra a existência de Deus mas a experiência repugnante de um puro horror pode me fazer algo que um argumento não pode isto é ver claramente que um Deus completamente bom e todopoderoso não permitiria essa situação de sofrimento Essa parece ser a sugestão de Bart Ehrman O Problema Evidencial do Mal 181 CRESCER Em debate com N T Wright Ehrman parece argumentar que o pleno horror que ele descreve várias vezes funcionou mais como uma experiência que como um argumento filosófico ou uma razão Não posso acreditar mais naquele Deus é a resposta dele Ainda assim mesmo com a experiência horripilante do mal o cristão ainda pode ser racional em acreditar no teísmo cristão Como argumenta Plantinga 2016 p 214 talvez o teísta cristão tenha a instigação interna do Espírito Santo tal como proposto pelo Modelo AC estendido de modo que seu sensus divinitatis foi regenerado e a presença divina lhe seja em algumas ocasiões de todo evidente A pessoa em quem esse processo funciona detém um conhecimento íntimo detalhado vívido e explícito de Deus ela está tão convencida da existência dele como da própria existência Neste caso ela pode ficar perplexa atônita e irada perguntandose por que Deus permitiria o mal mas a ideia de que Deus não existe não passaria pela sua cabeça Neste caso a resposta à cosmovisão cristã é crucial para lidar com o problema do mal Pois o teísta cristão conhece o amor divino revelado na encarnação de nosso Senhor Jesus Cristo ele sabe que não adora um Deus distante mas conhece o esplendor inimaginável do sofrimento e morte do Messias por nós ele mesmo o divino filho unigênito de Deus a segunda pessoa da Trindade Talvez o teísta não duvida do fato de que Deus tenha suas boas razões para permitir o mal Afinal sendo onipotente e onisciente certamente ele terá tais razões Entretanto Plantinga sugere que talvez o problema aqui não seja intelectual mas de outra natureza talvez seja pastoral e espiritual Ao se deparar com um exemplo de horror isso pode o levar para algum tipo de mágoa para com nosso Criador Ficamos ressentidos e furiosos com Deus devido aos vários tipos de males Talvez questionemos igual a Davi Até quando Senhor Para sempre te esquecerás de mim Até quando esconderás de mim o teu rosto Salmos 131 NVI Talvez ninguém tenha colocado tal quadro de modo tão comovente quanto Alvin Plantinga Vale a pena citar um trecho extenso do seu livro Crença Cristã avalizada 182 O Problema Evidencial do Mal CRESCER O Deus no qual eu um dia acreditei era um Deus atuante neste mundo Ele salvou os israelitas da escravidão ele enviou Jesus para a salvação do mundo ele respondeu a preces ele interferiu em prol de seu povo quando ele precisava desesperadamente de ajuda ele esteve diretamente envolvido em minha vida Mas não posso acreditar mais naquele Deus porque em função do que hoje vejo ao redor do mundo ele não intervém EHRMAN 2018 p 23 Confrontada com o mal e o sofrimento essa pessoa poderia se perguntar por que Deus permite isso os fatos do mal podem servir de aguilhão para a pesquisa e para a ação Se não encontrar a resposta ela com certeza concluirá que Deus tem uma razão que ultrapassa seu conhecimento ela não ficará minimamente inclinada a duvidar da existência divina PLANTINGA 2016 p 214215 Leio acerca de mais uma atrocidade gigantesca e fico talvez abalado Mas então penso na grandiosidade inconcebível do amor exibido no sofrimento e morte de Cristo na sua vontade de se despojar e assumir a natureza de um servo sua disponibilidade para sofrer e morrer de modo que os seres humanos pecadores possam atingir a redenção e a minha fé pode ser restaurada Assim ao se deparar com um tipo particular de horror holocausto holodomor genocídio fico abalado Neste caso o que Plantinga propõe aqui é que não é uma questão de não saber que Deus não tenha tais razões certamente magníficas e acima de qualquer dúvida razoável mas é uma questão de se rebelar contra Deus de não mais amálo nem de confiar nossa vida a Ele Contudo quando penso na grandiosidade do amor de Deus em oferecer seu único filho para morrer em meu favor por causa da minha multidão de pecados quando penso na disponibilidade divina em dar a sua vida em favor de mim minha fé se regenera quando penso que Deus não está de modo frio e distante contemplando sua criação mas efetivamente envolvido encontro algum tipo de paz Como sugere N T Wright 2009 p 41 Grifos do autor o que o Antigo Testamento faz é falar intensamente não sobre o que Deus diz a respeito do mal mas sobre o que ele pode fazer está fazendo e fará com relação a ele Posso ficar triste magoado e melancólico mas duvidar da existência de Deus não me parecerá uma opção Assim confrontando pessoalmente com um exemplo particularmente horripilante de mal fico chocado e irado pois parece que o ímpio prospera enquanto o justo tem que lidar com todo tipo de males terríveis Talvez lamente igual a Asafe assim são os ímpios sempre despreocupados aumentam suas riquezas Certamente foime inútil manter puro o coração e lavar as mãos na inocência pois o dia inteiro sou afligido e todas as manhãs sou castigado Salmos 731214 NVI No entanto quando vejo o que o Deushomem fez por mim na cruz do calvário quando penso nas palavras de N T Wright 2013 p 87 a cruz é o lugar e o meio pelo qual Deus mais nos amou então os tumultos do meu coração se acalmam e volto a amar o Senhor Poderiam ser ditas várias coisas sobre o significado cristão do sofrimento que ofereceriam recursos intelectuais e afetivos para lidar com o problema do mal O Papa João Paulo II em uma comovente carta apostólica Salvific doloris traz uma meditação profunda sobre o sofrimento humano a partir de um ponto de vista cristão De modo misterioso talvez nosso sofrimento esteja de algum modo ligado ao plano da redenção como Paulo parece sugerir aos Colossenses agora me alegro em meus sofrimentos por vocês e completo no meu corpo o que resta das aflições de Cristo em favor do seu corpo que é a igreja Cl 124 NVI Por isso João Paulo 1983 sugere que cada um dos homens é também chamado a participar naquele sofrimento por meio do qual se realizou a Redenção é chamado a participar naquele sofrimento por meio do qual foi redimido também todo o sofrimento humano De modo também enigmático o sofrimento tem algum tipo de ligação intrínseca com a glorificação como sugere Paulo ao afirmar que os nossos sofrimentos leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todos eles 2 Cor 417 NVI e mais emblemático ainda quando afirma que se somos filhos então somos herdeiros herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo se de fato participamos dos seus sofrimentos para que também participemos da sua glória Rm 817 É claro que diante do horror nada disso pode passar pela minha cabeça na presença de opressões e injustiças terríveis sou tentado a pensar que Deus mata o justo com o ímpio tratando o justo e o ímpio O Problema Evidencial do Mal 183 CRESCER Leio acerca de mais uma atrocidade gigantesca e fico talvez abalado Mas então penso na grandiosidade inconcebível do amor exibido no sofrimento e morte de Cristo na sua vontade de se despojar e assumir a natureza de um servo sua disponibilidade para sofrer e morrer de modo que os seres humanos pecadores possam atingir a redenção e a minha fé pode ser restaurada Oh impressionante infinito e ousado amor de Deus 184 O Problema Evidencial do Mal CRESCER É plausível pensar que os melhores mundos possíveis que Deus poderia ter efetivado contêm o bem inimaginavelmente grandioso da encarnação e redenção divinas mas então é claro também contêm o pecado e o sofrimento Deus escolhe efetivar um desses mundos e nele a humanidade sofre Contudo nesse mundo há também a oportunidade maravilhosa da redenção e da irmandade eterna com Deus um bem inconcebivelmente grandioso que ultrapassa em muito o sofrimento que somos chamados a suportar Além disso ao sernos oferecida a proximidade eterna com Deus os seres humanos são convidados a juntarse ao cativante círculo da própria Trindade e talvez esse convite só possa ser feito a criaturas que caíram sofreram e foram redimidas Nesse caso a condição da humanidade é muitíssimo melhor do que teria sido caso não tivesse havido pecado nem sofrimento O Felix Culpa de fato PLANTINGA 2018a p 486 da mesma maneira como se não houvesse diferença entre eles reconheço igual a Asafe que quando tentei entender tudo isso achei muito difícil para mim Sl 7316 mas quando penso na bondade de Deus para comigo admito igual a Asafe quando o meu coração estava amargurado e no íntimo eu sentia inveja agi como insensato e ignorante minha atitude para contigo era a de um animal irracional Sl 732122 entro no santuário de Deus e percebo claramente que no fim das contas o mal não prevalecerá e Deus há de implantar justiça de uma vez por todas Sl 7317 Então oro como Davi sei Senhor que as tuas ordenanças são justas e que por tua fidelidade me castigaste Seja o teu amor o meu consolo conforme a tua promessa ao teu servo Sl 1197576 Noto inclusive que em sua onisciente e infinita bondade Deus transformou os sofrimentos do tempo presente em uma ocasião magnífica de gratidão como sugere Plantinga Nesta aula você Compreendeu em que consiste o problema evidencial do mal a partir de William Rowe Analisou a resposta de Peter van Inwagen Alvin Plantinga e William Lane Craig ao problema evidencial do mal Entendeu a posição conhecida como teísmo cético CRAIG William Lane Apologética para questões difíceis da vida São Paulo Vida Nova 2010 cap 5 PLANTINGA Alvin Conhecimento e crença cristã Brasília Monergismo 2016 cap 10 PARA CRESCER MAIS 185 O Problema do Pluralismo módulo 15 Olá Há no mundo uma diversidade assombrosa de religiões diferentes Será que essa pluralidade de crenças coloca o teísmo cristão em alguma dificuldade intelectual Será que dada a consciência da multiplicidade de crenças diferentes o cristão ainda pode saber e afirmar que sua religião é verdadeira Ou isso implica em algum tipo de intolerância religiosa para com as pessoas de outros credos Neste módulo vamos estudar os argumentos de John Hick e Don Cupitt em favor do pluralismo religioso Vamos também estudar algumas respostas ao problema do pluralismo fornecidas por Alvin Plantinga Brendan Sweetman e William Lane Craig Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Compreender o problema do pluralismo religioso Analisar as teorias de John Hick e Don Cupitt contra o particularismo ou o inclusivismo cristão Examinar as objeções de Alvin Plantinga Brendan Sweetman e William Lane Craig ao pluralismo religioso Bons estudos 186 O Problema do Pluralismo CONECTAR Há no mundo uma diversidade assombrosa de religiões diferentes Essa miríade de crenças a maioria diferentes da crença cristã é cultivada por pessoas de grande inteligência e seriedade Há as três grandes religiões monoteístas do mundo cristianismo islamismo e judaísmo em cada uma delas há um número significativo de divisões internas há também religiões teístas na tradição oriental africana e americana há uma imensa quantidade de religiões não teístas englobadas em correntes do hinduísmo e do budismo há também um número expressivo de ateus agnósticos naturalistas e mesmo antirreligiosos Essa enorme pluralidade coloca um desafio sério para o teísta cristão pelo fato de termos conhecimento dessa enorme diversidade não parece agora arbitrário irracional ou até mesmo imoral afirmar que apenas uma religião está correta em detrimento das outras Não seria de algum modo irracional eleger apenas uma crença específica como a crença verdadeira e afirmar que todos aqueles que não seguem aquele credo estão errados Na filosofia da religião esse é o chamado problema do pluralismo religioso Na Filosofia ninguém apresentou esse desafio de modo tão forte quanto John Hick Um dos filósofos da religião mais importantes e influentes da segunda metade do século XX Hick era um cristão da Igreja Presbiteriana da Inglaterra que se converteu na adolescência Mas no final dos anos 1960 o filósofo inglês teve um conjunto de experiências que afetou dramaticamente sua vida e seu trabalho Enquanto trabalhava com questões relacionadas aos direitos civis na cidade Birmingham Inglaterra Hick se viu trabalhando e adorando ao lado de pessoas de outras religiões não cristãs Ao conhecer tais pessoas Hick viu nelas os mesmos valores comprometimentos seriedade inteligência e ações morais que reconhecia em outros cristãos Essa observação o levou a começar a questionar como um Deus completamente amoroso poderia condenar ao inferno pessoas não cristãs que claramente defendem valores que são reverenciados no cristianismo Isso o levou a cada vez mais adotar uma abordagem pluralista sobre a religião e sobre a crença em Deus Ele começou a tentar descobrir os meios pelos quais todos aqueles devotados a uma religião teísta poderiam receber a salvação Hick passou a ser um dos principais defensores dentro da filosofia da religião do pluralismo religioso Para ele todas as religiões buscam entrar em contato com alguma estrutura transcendente chamada por ele de Realidade que pode se apresentar tanto como uma deidade como nas religiões teístas quanto como o absoluto nas religiões não teístas Os adeptos sinceros de outras religiões vivenciam a Realidade assim como os cristãos embora com variações devido a fatores culturais e históricos Com isso Hick 2018 p 57 sugere que a função da religião em cada caso é oferecer contextos para a salvaçãolibertação que consiste em várias formas de transformação da existência humana do autocentramento para a centralidade na Realidade As religiões buscam centrarse na Realidade fazendo os indivíduos se centrarem no Real não em si mesmos pois isso seria a fonte do egoísmo e da injustiça Esta mudança de centramento é o que se pode chamar de salvaçãolibertação Neste caso o objetivo da religião é salvífico há muitos caminhos diferentes que levam à salvação nas várias religiões do mundo e todas elas têm sua legitimidade Essas tradições devem ser consideradas As tradições religiosas e seus vários componentes crenças modos de experiência escrituras rituais disciplinas éticas e estilos de vida regras sociais e organizações têm maior ou menor valor dependendo de se elas promovem ou atrapalham a transformação salvífica HICK 2018 p 322 Pense em como a ideia de Hick entra em conflito com a perspectiva de Pedro presente no livro de Atos que afirmou Não há salvação em nenhum outro pois debaixo do céu não há nenhum outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos Atos 412 PARA REFLETIR O Problema do Pluralismo 187 CONECTAR como espaços soteriológicos alternativos dentro dos quais ou modos ao longo dos quais homens e mulheres podem encontrar salvaçãolibertaçãorealização última HICK 2018 p 266 Como então as religiões devem ser avaliadas De acordo com ele O mundo de hoje tem cada vez mais consciência da diversidade caleidoscópica de crenças religiosas diferentes Em face disso três problemas afetam filosoficamente a crença em Deus e nas verdades do cristianismo i a relativização da crença religiosa pela dificuldade em saber qual religião é verdadeira ii a ideia de que o único caminho racional a ser tomado é o do pluralismo religioso e iii a questão de que o cristianismo é o único caminho salvífico que leva a Deus implica em algum tipo de intolerância religiosa Mas antes de adentrarmos neste debate vamos definir alguns termos O exclusivismo religioso é a crença de que o único caminho correto para a salvação só pode ser encontrado em uma religião Essa posição também é conhecida como particularismo De acordo com Brendan Sweetman 2013 p 157158 os exclusivistas religiosos defendem que pode haver verdades profundas em outras religiões mas sua principal afirmação é de que não se pode alcançar salvação seguindo a religião errada Outra visão o inclusivismo religioso sustenta que há apenas uma religião verdadeira mas que pessoas de outras religiões podem ser salvas por causa da natureza dessa visão de salvação Sweetman fornece um exemplo Os cristãos ortodoxos geralmente se dividem entre essas duas visões o exclusivismo e o inclusivismo Contudo há uma terceira alternativa que desafia estas duas perspectivas o pluralismo religioso Nesta concepção há muitos caminhos diferentes que levam à salvação nas várias religiões do mundo todas elas com certo grau de legitimidade Como vimos em Hick o valor da religião está em guiar as pessoas para a autotransformação pessoal a fim de criar contextos dentro dos quais a transformação da existência humana da centralidade em si mesmo para a centralidade na Realidade pode se realizar HICK 2018 p 322 Conscientes destas definições vamos entender que desafios filosóficos significativos o pluralismo pode fornecer para a crença cristã Relativização da crença religiosa O primeiro problema que o teísmo cristão enfrenta é que dado o pluralismo religioso as crenças religiosas passaram a ser relativizadas de modo que agora se pensa que nenhuma religião particular pode ter validade universal Para os pluralistas religiosos o melhor caminho a ser tomado é o que Don Cupitt 1999 p 124 chama de pluralismo permissivo 188 O Problema do Pluralismo CRESCER Essa posição sustenta que a salvação depende de um ato específico a morte e ressurreição de Jesus por exemplo ser metafisicamente verdadeiro realmente aconteceu na história e realmente teve determinado efeito mas não é necessário acreditar que esse evento tenha ocorrido nem mesmo ser membro da religião que tem a visão correta do que tinha que acontecer para a salvação ser possível metafisicamente De acordo com os inclusivistas cristãos são os principais fatos da religião cristã que tornam a salvação possível quer as pessoas reconheçam esses fatos quer não SWEETMAN 2013 p 165166 A posição de Cupitt é relativista ele pensa que dada a consciência da pluralidade religiosa não há critérios objetivos e racionais pelos quais se possa saber qual religião é verdadeira ou falsa Logo cada religião deve ser verdadeira ao seu modo para quem acredita nela Pois para Cupitt 1999 p 107 podemos compreender o mundo como e apenas como o nosso mundo um mundo colorido pelos nossos próprios sentimentos formado pela nossa linguagem e estruturado pelas nossas teorias O que vemos no mundo religioso não é um mundo de significados já pronto que nossa mente apenas capta mas aquilo que nós mesmos desenvolvemos durante séculos e milênios nós inventamos tudo Nós desenvolvemos todo o roteiro Lentamente fomos desenvolvendo nossas próprias linguagens nossos valores nossos sistemas de conhecimento nossas religiões e nossas visões de mundo CUPITT 1999 p 127 Mas por que devemos pensar que a crença em Deus foi criada por nós Cupitt 1999 p 107 afirma que isso é assim porque todo o aspecto narrativo cosmológico ou grandioso da religião entrou em colapso pois Como poderíamos pensar sobre essa relativização da crença religiosa Vamos analisar o desafio de Cupitt a partir de dois pontos Primeiro por que pensar que não há critérios racionais para julgar as verdades das afirmações religiosas Como seria possível saber disso Cupitt afirma que sabemos se é que sabemos alguma coisa que não existe um esquema racionalmente ordenado de coisas lá fora Mas como ele sabe disso Como ele sabe que não há ordem racionalmente ordenada de coisas lá fora Ou que não há sobrenatural ou vida após a morte A proposta de Cupitt parece ser autorreferencialmente incoerente pois à medida que ele relativiza a crença religiosa afirmando que não é possível saber como discernir entre uma crença verdadeira e falsa ele pressupõe saber alguma coisa E isso pode ser paradoxal pois como ele sabe que não há um critério racional para julgar a verdade das diversas religiões Que razões pode fornecer para acreditar nisso Segundo Cupitt 1999 p 9394 parece oferecer algumas razões Ele afirma que o O Problema do Pluralismo 189 CRESCER Sem dúvida devemos ficar felizes em ver os trezentos ou mais Novos Movimentos Religiosos os mil e tantos grupos New Age e as centenas de seitas dos principais credos que se encontram florescendo proliferando nos países ocidentais hoje em dia Se suas crenças funcionam bem para eles então elas são verdadeiras para eles e como não há uma Verdade independente externa e todos nós somos inteiramente livres para construir o nosso mundo da melhor maneira que nos parece não temos nenhuma base para chamarmos o mundo de outras pessoas de irracionais Que uma centena de flores desabroche O velho tipo espelhado de racionalidade que consistia na conformidade da mente humana com as coisas do jeito que elas são externamente morreu CUPITT 1999 p 125 sabemos se é que sabemos alguma coisa que não existe um esquema racionalmente ordenado de coisas lá fora nenhum significadodavida inserido em uma narrativa grandiosa já preparada onde nossas vidas possam ser enquadradas Sabemos se é que isso é possível que não há literalmente nenhuma ordem sobrenatural e não há literalmente nenhuma vida após a morte É só isto e como todos sabem quando você morreu morreu e ponto final CUPITT 1999 p 107 conhecimento moderno sugere que o mundo consiste em e apenas em um fluxo transbordante de diminutas energias Não há nada inalterável e nada externo ao fluxo Não temos acesso a nenhuma ordem objetiva e independente de nós E para ele consequentemente nós somos os únicos produtores de significado e valor CUPITT 1999 p 94 Mais precisamente Cupitt assume que algum tipo de naturalismo é verdadeiro e que as religiões são criações nossas Cupitt não argumenta a favor dessas proposições como fazem os ateus clássicos ele apenas pressupõe que essas razões são verdadeiras Mas como vimos durante toda esta disciplina há boas razões para pensar que essas pressuposições são falsas mais precisamente há boas razões para pensar tanto que o teísmo cristão é verdadeiro quanto para pensar que o naturalismo não pode ser racionalmente crido Pluralismo religioso Hick oferece um desafio mais forte A sua hipótese pluralística está baseada na noção de que o mundo é religiosamente ambíguo mais precisamente o mundo pode ser pode ser experimentado de modo religioso ou naturalista sem provas convincentes a favor ou contra qualquer interpretação religiosa ou naturalista Essa ambiguidade traz várias questões epistemológicas Primeiro tal ambiguidade permite que o mundo seja interpretado religiosamente de várias maneiras diferentes segundo parece haver algum tipo de paridade entre essas diversas interpretações Nenhuma religião ou experiência religiosa parece oferecer critérios para se mostrar como a única religião autêntica Por isso as religiões são em certo sentido frutos de algum tipo de condicionamento históricocultural Pois suponha que uma pessoa tenha certa crença religiosa como a do cristianismo o argumento é que caso ela tivesse nascido em outro tempo e lugar não aceitaria o cristianismo Logo o cristianismo não tem garantia para quem o aceita por conta de um acidente geográfico Como afirma John Hick Neste caso Hick pensa que é preciso obedecer à Regra de Ouro em acreditar que as experiências religiosas dos outros são tão racionalmente válidas quanto as nossas Para Hick então uma vez que alguém aceita que sua própria experiência religiosa é racionalmente válida devese estar disposto a conceder a mesma validade racional para aqueles que formam suas próprias crenças religiosas bastante diferentes com base em suas experiências religiosas De modo mais detalhado Hick afirma 190 O Problema do Pluralismo CRESCER O ponto de partida é a ambiguidade religiosa do universo o fato de que este pode ser entendido e experimentado tanto de modo religioso quanto naturalista Porém dada essa ambiguidade defendo eu é inteiramente racional para aqueles que o experimentam em termos religiosos confiar em sua experiência religiosa e basear sua vivência e crença nela HICK 2018 p 18 Em cerca de 99 dos casos a religião que um indivíduo professa e à qual ele adere depende de acidentes de nascimento Alguém que nasceu de pais budistas na Tailândia vai muito provavelmente ser budista alguém que nasceu de pais mulçumanos na Arábia Saudita será mulçumano alguém que nasceu de pais cristãos no México será cristão e assim por diante HICK 2018 p 44 Neste sentido a hipótese pluralista de Hick propõe que cada fé mundial seja vista como uma forma culturalmente condicionada pela qual a Realidade Última pode ser experimentada Neste caso a aparente contrariedade entre diferentes religiões é apenas aparente mas não real Para embasar isso Hick leva em conta a distinção do filósofo Immanuel Kant entre o mundo numênico e o mundo fenomênico O mundo numênico seria a realidade verdadeira o mundo como de fato ele é o mundo fenomênico seria o mundo tal como ele aparece para nós o mundo tal como a gente o percebe o mundo das experiências que processamos Ora Hick sugere que esse modelo nos ajuda a entender por que as diferentes religiões parecem ser tão distintas Pois há uma realidade última à qual eu me refiro como o Real que é em si mesmo transcategorial inefável para além do alcance de nossos sistemas conceituais humanos HICK 2018 p 19 Esse Real é experimentado humanamente de modo diverso nas várias religiões do mundo Ou seja existe o Real em si e existem as várias formas diferentes como esse real é interpretado pelas diversas religiões A razão para a variedade de religiões seria basicamente a de que o Real é experimentado de muitas maneiras e descrito de modos diferentes Os deuses pessoais descritos pelas várias religiões como Yahweh o Deus Trino cristão Allah Shiva e Vishnu assim como as várias representações não pessoais que são características das religiões orientais como o Absoluto Brahman e Dharmakaya são modos diferentes de interpretar o Real Para ilustrar melhor isso é interessante citar um uso que Hick faz de uma clássica parábola indiana dos cegos e do elefante Uma vez que o Real está em última instância para além de nossas categorias sendo experimentado de diferentes formas toda linguagem religiosa ou linguagem sobre o Real é mitológica em vez de literal As alegações teológicas devem ser interpretadas de O Problema do Pluralismo 191 CRESCER Não podemos afirmar razoavelmente que nossa própria forma de experiência religiosa junto com a da tradição à qual pertencemos é verídica enquanto outras não são Podemos é claro afirmar isso e de fato virtualmente toda tradição religiosa já o fez considerando formas alternativas de religião ou falsas ou confusas ou versões inferiores delas mesmas Pessoas que vivem em outras tradições estão igualmente justificadas em confiar em sua própria experiência religiosa distintiva e em formas suas crenças com base nela Pois a única razão para tratar da própria tradição de modo diferente do que tratamos as outras é a razão muito humana mas não muito forçosa de que ela é nossa própria HICK 2018 p 261 Um elefante foi trazido até onde se encontrava um grupo de homens cegos que nunca antes haviam estado diante deste animal Um deles apalpou uma de suas pernas e disse que um elefante é uma grande coluna viva Outro apalpou sua tromba e disse que um elefante é uma grande serpente Outro apalpou uma de suas presas e disse que um elefante é como um grande arado E assim por diante E então eles iniciaram uma grande discussão cada um afirmando que sua própria explicação era a verdadeira e portanto todas as outras eram falsas Na verdade obviamente todas eram verdadeiras mas cada uma se referia a um aspecto da realidade total e todas expressas em analogias bastante imperfeitas HICK 1977 p 140 modo não literal mas mitologicamente verdadeiro ou seja quando os cristãos afirmam que Jesus encarnou há dois mil anos como a segunda pessoa da Trindade isso deve ser interpretado como literalmente verdadeira mas verdadeira no sentido de tender a evocar uma resposta disposicional adequada HICK 2018 p 366 Por isso Hick pensa que devemos repensar o cristianismo como uma fé cristã que assume ser Jesus o nosso guia espiritual supremo mas não necessariamente único o nosso senhor líder guru exemplar e mestre pessoal e comunitário mas não o próprio Deus em termos literais HICK 2000 p 218 É interessante que Cupitt afirma algo similar só que mais radical Para ele não se deve compreender as crenças religiosas como uma afirmação de fatos sobrenaturais porque sua verdadeira função é apenas a de produzir um estilo de vida CUPITT 1999 p 11 Mais precisamente quando os teístas afirmam que confiam em Deus isso não deve implicar nenhum compromisso com a realidade de que Deus existe Em vez disso as crenças religiosas são tidas como ficções culturalmente construídas sobre Deus e seus grandes atos salvadores que no final servem apenas para transmitir instruções codificadas para a construção do mundo mensagens sobre valores padrões recomendados de comportamentos e coisas assim CUPITT 1999 p 98 Hick não afirma que as afirmações religiosas são um tipo de ficção Ele acredita que os objetos de crença religiosa o Real existem mas são interpretados de modos diferentes Por isso Hick argumenta que a principal função de cada uma das principais religiões do mundo é a transformação da existência humana do egocentrismo para o centramento no Real Por isso a fim de avaliar as várias religiões do mundo e mesmo julgálas e até purificálas é preciso examinar suas respectivas habilidades para realizar tal transformação Pois parece que quase todas as tradições religiosas mudam positivamente a vida de seus seguidores produzindo sua própria parcela de santos isto é alguém que foi reconhecido por ter saído da autocentralidade para a centralidade no Real Logo as principais religiões do mundo devem ser julgadas como caminhos soteriológicos autênticos Como a proposta de Hick pode ser pensada Em primeiro lugar é falso pensar que o teísta cristão deve se comprometer com a ideia de que as religiões estão completamente equivocadas Cristãos judeus e mulçumanos afirmam que o teísmo é verdadeiro Neste ponto os cristãos vão defender que judeus e mulçumanos estão corretos Cristãos e 192 O Problema do Pluralismo CRESCER Concentremonos na ideia de salvação uma ideia que é absolutamente central para o pensamento cristão Se definirmos a salvação como o perdão e a aceitação por Deus pela morte expiatória de Jesus então temos a tautologia de que o cristianismo é o único a saber e ensinar a verdade salvífica segundo a qual devemos aceitar Jesus como nosso Senhor e salvador confessar sua morte redentora e ingressar na Igreja entendida como a comunidade dos redimidos na qual abundam os frutos do Espírito Todavia vimos que este círculo de ideias contradiz nossa observação de que os frutos do Espírito parecem ser tão ou tão pouco evidentes fora da Igreja quanto dentro dela Sugiro que deveríamos continuar a seguir a pista fornecida por estes frutos pois Jesus evidentemente se preocupava mais com a vida dos homens e mulheres do que com qualquer conjunto de proposições teológicas que pudessem ter em suas cabeças HICK 2005 p 3940 budistas afirmam que é um dever religioso buscar justiça Neste ponto os cristãos defendem que os budistas estão corretos Como afirma C S Lewis Hick estaria disposto a aceitar isso pois ele pensa que todas as religiões são manifestações da mesma Realidade última Contudo ao mesmo tempo as diferenças entre as religiões são profundas demais para postular que elas estão afirmando a mesma coisa Assim é importante esclarecer algo com que o próprio Hick está de acordo que as religiões não são modos diferentes de ensinar a mesma coisa Como afirma Craig 2010 p 165 qualquer um que estudou religiões comparadas sabe que as cosmovisões propostas são com frequência diametralmente opostas As várias religiões do mundo apresentam visões contraditórias sobre a natureza da realidade última do mundo do ser humano dos valores morais E não é possível afirmar racionalmente que elas defendem as mesmas coisas pois elas fazem afirmações conflitantes que são impossíveis de serem conciliadas Além disso Alvin Plantinga 2018a afirma que a ideia do Real de Hick se mostra epistemologicamente problemática Pois que razões há para pensar que se existe tal ser o Real ele está minimamente preocupado com algo como a salvação da autocentralidade para a centralidade no Real Por que pensar que esse ser está conectado de algum modo com o cristianismo ou com qualquer outra religião Por que pensar que esse ser quer a transformação da existência humana Não poderia ser justamente tal ser o responsável pelo sectarismo racismo ou qualquer outro tipo de opressão Por que pensar que esse não é o caso do Real Como vimos a partir da proposta de Plantinga é verdade que o teísta cristão geralmente pressupõe que há uma diferença epistêmica importante entre a sua posição o cristianismo e a posição dos outros religiosos que discordam dele mesmo que todos os envolvidos estejam igualmente convencidos da veracidade das próprias crenças Afinal no modelo AC e no modelo AC estendido o teísta cristão pensa ter uma fonte de crença garantida que as outras pessoas não têm Ele pensa ter o sensus divinitatis a instigação interna do Espírito Santo as sagradas escrituras fontes de conhecimento que o não cristão parece ignorar de alguma forma Além disso o teísta cristão tem vários bons argumentos em favor da existência de Deus e da veracidade do cristianismo Assim por que ele seria arbitrário em pensar que está em uma posição epistêmica melhor Por que não seria possível com base nessas fontes de conhecimento fazer um julgamento razoável que apontasse que o cristianismo é verdadeiro Talvez o pluralista contraargumentaria que o teísta só pensa deste modo porque foi culturalmente condicionado Se ele tivesse nascido no Paquistão provavelmente seria um mulçumano Mas esse é um exemplo de falácia genética isto é uma falácia que tenta desqualificar uma visão ao mostrar o modo como a pessoa veio a sustentála Pode ser verdade que se o teísta cristão tivesse nascido em outro país ele não seria um teísta cristão O Problema do Pluralismo 193 CRESCER Se você é cristão não precisa acreditar que todas as outras religiões estão simplesmente erradas de cabo a rabo Se você é ateu é obrigado a acreditar que o ponto de vista central de todas as religiões do mundo não passa de um gigantesco erro Se você é cristão está livre para pensar que todas as religiões mesmo as mais esquisitas possuem pelo menos um fundo de verdade Quando eu era ateu tentei me convencer de que a raça humana sempre estivera enganada sobre o assunto que lhe era mais caro quando me tornei cristão pude adotar uma opinião mais liberal sobre o assunto LEWIS 2017a p 67 Contudo como isso desqualifica a crença no cristianismo em si Como afirma Plantinga 2018a p 429 tivesse Einstein nascido no século 18 não teria acreditado na relatividade espacial mas daí nada se segue com respeito à relatividade espacial Craig oferece um exemplo mais claro Além disso a própria ideia de condicionamento cultural quando usada pelo pluralista se mostra irracional Pois se o pluralista tivesse nascido no Paquistão ele provavelmente seria mulçumano se tivesse nascido no Brasil ele provavelmente seria cristão se tivesse nascido no Japão provavelmente seria budista Assim por seu próprio argumento o pluralismo deveria ser desqualificado Problema da intolerância Ainda assim o pluralista pensa que seria arbitrário ou irracional postular que o teísta cristão está em uma posição epistêmica melhor do que aqueles que negam o cristianismo Além disso postulase que há algo de intolerante em pensar assim Para Hick o efeito de encarar a religião como a única factualmente verdadeira possibilita que um grupo específico se sinta privilegiado em contraste com a maioria da raça humana Assim uma crença como a da deidade de Cristo juntamente com o aspecto predatório da natureza humana contribuiu para os males do colonialismo a destruição de civilizações indígenas o antissemitismo as guerras de religião destrutivas e a queima na fogueira de hereges e bruxas HICK 2018 p 389 Contudo o fato de o teísta cristão acreditar na deidade de Cristo e pensar que aqueles discordam disso estão errados não o torna arrogante e egoísta por si só pois o fato de alguém acreditar em algo que outras pessoas não acreditam não faz dele alguém egoísta ou arrogante Essa é a situação humana todos nós acreditamos em coisas importantes de que outras pessoas tão inteligentes e sérias quanto nós discordam Plantinga oferece um exemplo do porquê de o teísta cristão mesmo em face do pluralismo não precisar pensar que sua posição é intelectualmente ou moralmente carente de algum modo 194 O Problema do Pluralismo CRESCER Como um ocidental do século vinte e um você crê que a terra é relativamente esférica e gira em torno do sol Mas se você tivesse nascido na antiga Grécia você teria provavelmente crido que o sol gira em torno da terra e talvez até que a terra fosse plana Assim isso significa que a sua crença de que a terra gira em torno do sol ou de que a terra é redonda é portanto falsa ou injustificada Obviamente não CRAIG 2010 p 167168 Obviamente é preciso conceder que há vários modos em que posso ser e posso ter sido intelectualmente arrogante e egoísta sem dúvida incorri nesse erro no passado e cairei no futuro e não estou livre dele agora Mesmo assim suponha que eu pense toda a questão considere as objeções com todo o cuidado possível perceba minha finitude e além disso pecaminosidade com certeza não sou melhor que as pessoas das quais discordo e de fato sou inferior em sentido moral e intelectual a muitos descrentes de minhas crenças Todavia suponha que ainda me pareça claro que as proposições em questão são verdadeiras sou realmente imoral por continuar a crer Os quacres do século XVIII acreditavam que a escravidão era errada Eles sabiam obviamente que a maioria de Além disso parece haver uma contradição fatal nesse tipo de proposta de Hick Pois ele afirma que alguém que assume a posição de que o teísmo é certo e o budismo é errado constituiria algum tipo de imperialismo intelectual uma maneira de nos exaltarmos a nós mesmos à custa de outras pessoas Mas isso não acontece o tempo todo E o mesmo não pode ser aplicado também à própria posição de Hick Afinal afirmar que os cristãos que afirmam que Deus realmente existe tal como concebido pelo teísmo cristão estão enganados também não constituiria um tipo de exaltação de Hick à custa dos teístas cristãos Ele não está se colocando numa posição epistemicamente melhor ao dizer no que o cristãos podem ou não crer Pense por exemplo na parábola do elefante e dos cegos tal como contada por Hick Como sabemos que os cegos estavam descrevendo o mesmo elefante Como sabemos que os cegos descreviam aspectos do elefante que eram verdadeiros mas cada uma se referindo a aspectos da realidade total o elefante de modo imperfeito Ora é irônico que a parábola do elefante e dos cegos tenha uma falha mortal ela presume exatamente o que está tentando criticar Pois ela afirma que todos os cegos estavam tocando em partes diferentes de um elefante e isso seria uma analogia para as religiões mundiais elas descrevem diferentes partes do Real Mas coloquese na posição da pessoa que viu que cada um dos cegos estava tocando em partes diferentes do elefante o pluralista Ela não se coloca em uma posição epistêmica melhor e mais privilegiada do que os outros Ele não afirma implicitamente estar vendo algo que os outros não estão vendo Quando Hick pede para repensar o cristianismo ele não está se colocando numa posição epistemicamente melhor ou superior ao cristão que acredita literalmente que Jesus encarnou e que ressuscitou dos mortos Assim é verdade que o cristão afirma que sua situação epistêmica é melhor que a mulçumano judeu ou budista Contudo mulçumano judeu ou budista afirmam a mesma coisa E mesmo o pluralista implicitamente defende isso Pois a posição de Hick implica que sua atitude epistêmica sobre o Real é superior à de todas as religiões sua hipótese é que afirmações como Jesus é o caminho a verdade e a vida não são literalmente verdadeiras mas mitologicamente verdadeiras E isso porque as religiões não conseguem descrever o Real tal como ele é em si Mas isso já não seria um tipo de descrição literal Quando Hick afirma que as religiões não fazem descrições literais sobre o Real ele já está fazendo uma descrição literal sobre a relação entre as religiões e o Real E com isso ele se coloca numa posição epistêmica superior Como afirma Sweetman 2013 p 163 o próprio Hick está assumindo uma perspectiva maior pois nos apresenta uma descrição de como as coisas realmente são Um outro problema com a parábola é que ela é uma falsa analogia Pois nenhuma das descrições dos cegos sobre o elefante foi contraditória mas apenas diferentes Mas e se cada um dos cegos fizesse afirmações que contradissessem um ao outro Ainda seria plausível defender que elas estão descrevendo o mesmo elefante Pois esse é o caso das religiões elas fazem afirmações que são diametralmente opostas Cristãos afirmam que Jesus é o Messias judeus negam que Jesus seja o Messias cristãos afirmam que Jesus é o O Problema do Pluralismo 195 CRESCER seus contemporâneos não compartilhava dessa crença e também percebiam não dispor de argumentos para convencêlos Por estarem em descompasso com a maioria eles sem dúvida refletiram com cuidado sobre essa crença Após a reflexão se a escravidão ainda lhes parecesse muito errada eles ainda estariam fazendo algo imoral se continuassem a crer na escravidão como algo errado Penso que não PLANTINGA 2016 p 197198 filho de Deus a segunda pessoa da Trindade mulçumanos afirmam que Jesus era apenas um profeta de Deus Não é possível conciliar logicamente essas afirmações contraditórias Dada nossa efetiva situação humana finita não é possível evitar a discordância séria em assuntos importantes da vida Se algumas pessoas acreditam no teísmo cristão e outras acreditam em algo incompatível com o teísmo cristão eg judaísmo ou budismo não há como evitar a discordância séria entre os dois 196 O Problema do Pluralismo COMPARTILHAR Nesta aula você Compreendeu o problema do pluralismo religioso Analisou as teorias de John Hick e Don Cupitt contra o particularismo ou o inclusivismo cristão Examinou as objeções de Alvin Plantinga Brendan Sweetman e William Lane Craig ao pluralismo religioso CRAIG William Lane Apologética para questões difíceis da vida São Paulo Vida Nova 2010 cap 8 PLANTINGA Alvin Conhecimento e crença cristã Brasília Monergismo 2016 cap 9 PARA CRESCER MAIS 197 ALSTON William Percebendo Deus a experiência religiosa justificada Natal Carisma 2020 ANSELMO A prova ontológica In SMITH P J org Dez provas da existência de Deus São Paulo Alameda 2012 AQUINO Tomás Suma teológica Vol 9 São Paulo Loyola 2001 ARISTÓTELES Ética a Nicômaco São Paulo Edipro 2014 BAGGINI Julian Ateísmo uma breve introdução Porto Alegre LPM 2016 BAGGINI Julian FOSL Peter As ferramentas dos 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a partir da proposta de Alvin Plantinga de que a crença em Deus pode ser intelectualmente aceita mesmo na ausência de argumentos e evidências usando os conhecimentos adquiridos entre os módulos 02 e 06 2 Apresenta à Russell uma razão para pensar que Deus existe usando os conhecimentos adquiridos entre os módulos 07 e 11 3 Comente a resposta de pelo menos um outro colega O comentário visa fortalecer a resposta apresentada incluindo algo que foi esquecido trazendo outra perspectiva ignorada acrescentando algo relevante ao argumento ou destacando algum aspecto Ps façam sua postagem em um texto único e caprichado Caso vocês tenham alguma dúvida peço que coloquem no fórum de dúvidas e não aqui Deixem esse fórum exclusivamente para responder a questão proposta e interagir com os colegas sobre o tópico proposto Além disso vocês devem ter estudado até o módulo 11 a fim de responder essa atividade Não esqueçam de colocar as referências da pesquisa de vocês Boa avaliação a todos Segundo a epistemologia reformada proposta por Alvin Plantinga a exigência por evidências suficientes talvez não seja o único caminho válido para o conhecimento de Deus Plantinga argumenta que assim como confiamos diretamente em nossas faculdades cognitivas para perceber o mundo físico também podemos estar justificados racionalmente em crer em Deus sem a necessidade de inferência ou argumento lógico Ele chama isso de crença basicamente adequada uma crença que nasce de faculdades cognitivas funcionando adequadamente em um ambiente propício conforme o propósito para o qual foram criadas A crença em Deus pode portanto ser racional e epistemicamente justificada mesmo sem argumentos evidenciais explícitos Assim como confiamos diretamente na memória percepção ou empatia o crente pode ter uma experiência do divino que fundamente sua fé de maneira racional A ausência de evidência para Plantinga não é necessariamente evidência de ausência Um argumento mais tradicional para dar a Russel mais razões de que Deus existe é o Argumento Cosmológico Kalam Tudo que começa a existir tem uma causa O Universo começou a existir Logo o Universo tem uma causa Essa causa que transcende o tempo o espaço e a matéria não pode ser o próprio Universo Como mostram os avanços da cosmologia moderna especialmente a teoria do Big Bang o Universo teve um início há aproximadamente 138 bilhões de anos O físico Robert Jastrow afirmou que a evidência astronômica leva a uma visão bíblica da origem do mundo e Stephen Hawking reconheceu que a ideia de um começo no tempo sugere a necessidade de um Criador Se o nada absoluto não tem poder causal então o surgimento do Universo exige uma causa externa a ele eterna imaterial e pessoal o que muitos identificam como Deus Assim mesmo no campo da ciência não faltam razões que apontem para a existência de uma Causa Primeira Outra ponto é o argumento moral conforme apresentado por C S Lewis e reformulado na filosofia analítica Se há valores morais objetivos e muitos reconhecem que há então é razoável pensar que eles são fundamentados em algo além de preferências humanas Deus se apresenta como a melhor explicação para a existência de um padrão moral objetivo e universal Referências PLANTINGA Alvin Warranted Christian Belief Oxford Oxford University Press 2000 PLANTINGA Alvin Deus liberdade e o mal São Paulo Vida Nova 2017 LEWIS CS Cristianismo puro e simples São Paulo Martins Fontes 2001 CRAIG William Lane Em guarda Defenda a fé cristã com razão e precisão Vida Nova 2010 HICK John God Has Many Names Westminster John Knox Press 1982 JASTROW R 1992 God and the Astronomers W W Norton Company HAWKING S 1988 Uma Breve História do Tempo Rocco SMITH Q 2010 Theism Atheism and Big Bang Cosmology Oxford University Press httpsficvedubr 83 32467471 suporteeadcidadevivaorg Copyright 2024 Faculdade Internacional Cidade Viva Todos os direitos reservados Contate o suporte do site Baixar o aplicativo móvel Participantes Notas Fórum da AV2 Assinar este fórum Ver notas Fórum da AV2 sexta 10 jan 2025 1653 Olá minha gente Certa vez perguntaram ao grande filósofo Bertrand Russell o que ele diria se depois de sua morte fosse levado à presença de Deus posto diante do trono divino e envolto em toda glória e majestade do ambiente lhe fosse pedido que justificasse seu fracasso quando em vida em ter se tornado um crente Eu penso que estaria sonhando respondeu Russell O questionamento continuou Mas suponha que você percebeu que não estava Suponha que Deus estivesse realmente diante de seus olhos sem sombra de dúvidas O que você diria A resposta de Russell foi memorável Não havia evidências suficientes Deus não havia evidências suficientes Suponha agora que você precisa responder à provocação de Russell 1 Escreva uma resposta ao desafio de Russell a partir da proposta de Alvin Plantinga de que a crença em Deus pode ser intelectualmente aceita mesmo na ausência de argumentos e evidências usando os conhecimentos adquiridos entre os módulos 02 e 06 2 Apresenta à Russell uma razão para pensar que Deus existe usando os conhecimentos adquiridos entre os módulos 07 e 11 3 Comente a resposta de pelo menos um outro colega O comentário visa fortalecer a resposta apresentada incluindo algo que foi esquecido trazendo outra perspectiva ignorada acrescentando algo relevante ao argumento ou destacando algum aspecto Ps façam sua postagem em um texto único e caprichado Caso vocês tenham alguma dúvida peço que coloquem no fórum de dúvidas e não aqui Deixem esse fórum exclusivamente para responder a questão proposta e interagir com os colegas sobre o tópico proposto Além disso vocês devem ter estudado até o módulo 11 a fim de responder essa atividade Não esqueçam de colocar as referências da pesquisa de vocês Boa avaliação a todos Link direto Re Fórum da AV2 por Vladmiro Ventura Caluyombo segunda 14 abr 2025 1456 1 Resposta ao desafio de Russell A proposta de Alvin Plantinga sugere que a crença em Deus pode ser considerada uma crença justificada mesmo sem evidências empíricas concretas Plantinga argumenta que a crença em Deus é uma crença básica que pode ser percebida como verdadeira de forma imediata semelhante a crenças sobre o mundo físico Assim a experiência pessoal a intuição e a sensibilidade espiritual podem fornecer uma forma de conhecimento que transcende a evidência empírica Portanto mesmo na ausência de provas tangíveis a crença em Deus pode ser racional e intelectualmente válida 2 Razão para pensar que Deus existe Um argumento clássico que pode ser apresentado a Russell é o argumento cosmológico que sugere que tudo que existe tem uma causa Se olharmos para o universo tudo que observamos parece ter uma origem A questão que se coloca é qual é a causa do universo A resposta mais lógica segundo muitos filósofos e teólogos é que essa causa não pode ser outra coisa senão Deus Esse argumento não apenas aponta para a necessidade de uma causa primeira mas também sugere que essa causa deve ser transcendente e não limitada pelo tempo e espaço características atribuídas a um ser divino 3 Comentário sobre a resposta de um colega Eu gostaria de destacar um ponto que talvez não tenha sido considerado na resposta do colega Além da crença básica defendida por Plantinga é importante mencionar que muitos filósofos contemporâneos como William Lane Craig defendem a ideia de que a experiência religiosa pessoal pode servir como uma evidência subjetiva da existência de Deus Essa experiência embora não empírica é profundamente transformadora e significativa para muitos indivíduos Portanto a experiência subjetiva não deve ser desconsiderada na discussão sobre a existência de Deus pois pode oferecer um suporte adicional à crença Russell B 1903 The Principles of Mathematic Boolos G Burgess J P Jeffrey R C 2002 Computability and Logic Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Filipe Elton Fernandes Lordao quinta 17 abr 2025 1044 A provocação de Bertrand Russell é instigante e desafiadora especialmente porque coloca em xeque a racionalidade da crença em Deus diante da suposta ausência de evidências No entanto essa crítica pode ser enfrentada com seriedade e profundidade a partir da filosofia da religião contemporânea especialmente com a contribuição de Alvin Plantinga um dos mais influentes filósofos cristãos do século XX 1 A crença em Deus como racional sem evidências Plantinga e o modelo AC Segundo Plantinga por meio do chamado modelo AC AquinasCalvino a crença em Deus pode ser apropriadamente básica isto é pode ser racionalmente aceita mesmo na ausência de argumentos e evidências explícitas Ele compara essa crença a outras crenças básicas que temos na vida cotidiana como acreditar que o mundo externo existe que outras pessoas têm mente ou que o passado aconteceu nenhuma das quais exige provas formais para serem razoáveis Plantinga defende que Deus dotou os seres humanos de uma faculdade natural de perceber Sua existência o que ele chama de sensus divinitatis Essa faculdade embora obscurecida pelo pecado pode operar em circunstâncias normais levandonos a crer em Deus de maneira imediata sem mediação de raciocínios complexos Por fim mesmo que Bertrand Russell afirme que não havia evidências suficientes o teísta pode responder que a crença em Deus não depende apenas de evidências externas mas pode ser fruto de um tipo de conhecimento direto e básico tão confiável quanto nossas crenças sensoriais ou morais 2 Uma razão positiva para crer o argumento da contingência Além da defesa da racionalidade da crença sem evidência é possível apresentar a Russell uma razão filosófica robusta para crer na existência de Deus o argumento da contingência reformulado por pensadores como Richard Swinburne e Thomas Nagel Esse argumento parte da constatação de que o universo é contingente ou seja ele poderia não existir e nada nele parece necessário em si mesmo Tudo aquilo que é contingente requer uma explicação fora de si Assim o conjunto de todas as coisas contingentes não pode ser explicado por outra coisa também contingente Logo deve haver um ser necessário que existe por si mesmo e que é a causa do universo Esse ser é o que chamamos de Deus Essa explicação vai além das causas físicas e científicas oferecendo uma razão metafísica fundamental para a existência de tudo o que há Portanto não é irracional crer em Deus mas sim perfeitamente coerente com a busca por explicações últimas sobre a realidade 3 Resposta ao comentário do colega O colega acima levantou um ponto interessante sobre a experiência religiosa pessoal e seu papel como uma evidência subjetiva da existência de Deus Concordo que muitos filósofos contemporâneos como William Lane Craig argumentam que a experiência de Deus pode de fato funcionar como um suporte válido à crença mesmo que não seja empírica Essa experiência pessoal embora não seja evidência objetiva no sentido tradicional tem um peso significativo para aqueles que a vivenciam Ela pode ser transformadora e para muitos serve como uma convicção interna de que Deus existe No entanto gostaria de destacar que a experiência religiosa não está isolada de outros argumentos teológicos como os apresentados por Plantinga que afirmam que crenças religiosas podem ser apropriadamente básicas e racionais Ou seja a experiência subjetiva de Deus pode ser entendida dentro de um quadro mais amplo em que a crença em Deus é também uma crença que se justifica por meio da natureza humana e da experiência religiosa Assim a experiência religiosa não apenas complementa mas também se encaixa em uma estrutura de crença racional de acordo com as propostas de Plantinga Portanto ao considerar a existência de Deus a experiência religiosa subjetiva é um elemento legítimo a ser incluído na discussão mas deve ser analisada em conjunto com outras evidências e abordagens filosóficas como o argumento da contingência a racionalidade da crença básica e o problema do mal Referências PLANTINGA Alvin Warranted Christian Belief Oxford University Press 2000 PLANTINGA Alvin Deus e outras mentes Vida Nova 2011 SWINBURNE Richard The Existence of God Oxford University Press 2004 HICK John Philosophy of Religion Prentice Hall 2004 RUSSELL Bertrand Why I Am Not a Christian George Allen Unwin 1927 CRAIG William Lane Reasonable Faith Crossway 2008 Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Hiago Aquino De Morais quinta 24 abr 2025 2208 Muito bom Achei muito pertinente sua articulação entre a crítica de Russell e as propostas de Plantinga especialmente com o modelo AC e a ideia de crença apropriadamente básica Também considero interessante como você relacionou a experiência religiosa subjetiva a um quadro racional mais amplo isso enriquece bastante o debate sobre a racionalidade da fé Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Hiago Aquino De Morais quinta 24 abr 2025 2201 Segundo a epistemologia reformada proposta por Alvin Plantinga a exigência por evidências suficientes talvez não seja o único caminho válido para o conhecimento de Deus Plantinga argumenta que assim como confiamos diretamente em nossas faculdades cognitivas para perceber o mundo físico também podemos estar justificados racionalmente em crer em Deus sem a necessidade de inferência ou argumento lógico Ele chama isso de crença basicamente adequada uma crença que nasce de faculdades cognitivas funcionando adequadamente em um ambiente propício conforme o propósito para o qual foram criadas A crença em Deus pode portanto ser racional e epistemicamente justificada mesmo sem argumentos evidenciais explícitos Assim como confiamos diretamente na memória percepção ou empatia o crente pode ter uma experiência do divino que fundamente sua fé de maneira racional A ausência de evidência para Plantinga não é necessariamente evidência de ausência Um argumento mais tradicional para dar a Russel mais razões de que Deus existe é o Argumento Cosmológico Kalam Tudo que começa a existir tem uma causa O Universo começou a existir Logo o Universo tem uma causa Essa causa que transcende o tempo o espaço e a matéria não pode ser o próprio Universo Como mostram os avanços da cosmologia moderna especialmente a teoria do Big Bang o Universo teve um início há aproximadamente 138 bilhões de anos O físico Robert Jastrow afirmou que a evidência astronômica leva a uma visão bíblica da origem do mundo e Stephen Hawking reconheceu que a ideia de um começo no tempo sugere a necessidade de um Criador Se o nada absoluto não tem poder causal então o surgimento do Universo exige uma causa externa a ele eterna imaterial e pessoal o que muitos identificam como Deus Assim mesmo no campo da ciência não faltam razões que apontem para a existência de uma Causa Primeira Outra ponto é o argumento moral conforme apresentado por C S Lewis e reformulado na filosofia analítica Se há valores morais objetivos e muitos reconhecem que há então é razoável pensar que eles são fundamentados em algo além de preferências humanas Deus se apresenta como a melhor explicação para a existência de um padrão moral objetivo e universal Referências PLANTINGA Alvin Warranted Christian Belief Oxford Oxford University Press 2000 PLANTINGA Alvin Deus liberdade e o mal São Paulo Vida Nova 2017 LEWIS CS Cristianismo puro e simples São Paulo Martins Fontes 2001 CRAIG William Lane Em guarda Defenda a fé cristã com razão e precisão Vida Nova 2010 HICK John God Has Many Names Westminster John Knox Press 1982 JASTROW R 1992 God and the Astronomers W W Norton Company HAWKING S 1988 Uma Breve História do Tempo Rocco SMITH Q 2010 Theism Atheism and Big Bang Cosmology Oxford University Press Link direto Mostrar principal Vencimento sexta 13 jun 2025 2359 Mostrar respostas aninhadas Responder Responder Responder Responder Responder Seguir para Painel Minhas disciplinas Faculdade Internacional Cidade Viva EAD Graduação Teologia TEOLOGIA EAD 20251 P4 FIL Avaliação 2 Fórum da AV2 Buscar no fórum AV1 Módulo 13 Módulo 14 Rótulo O problema do mal AV1 Módulo 14 Módulo 15 Rótulo AV1 Módulo 15 Avaliação 2 Fórum da AV2 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precisa responder à provocação de Russell 1 Escreva uma resposta ao desafio de Russell a partir da proposta de Alvin Plantinga de que a crença em Deus pode ser intelectualmente aceita mesmo na ausência de argumentos e evidências usando os conhecimentos adquiridos entre os módulos 02 e 06 2 Apresenta à Russell uma razão para pensar que Deus existe usando os conhecimentos adquiridos entre os módulos 07 e 11 3 Comente a resposta de pelo menos um outro colega O comentário visa fortalecer a resposta apresentada incluindo algo que foi esquecido trazendo outra perspectiva ignorada acrescentando algo relevante ao argumento ou destacando algum aspecto Ps façam sua postagem em um texto único e caprichado Caso vocês tenham alguma dúvida peço que coloquem no fórum de dúvidas e não aqui Deixem esse fórum exclusivamente para responder a questão proposta e interagir com os colegas sobre o tópico proposto Além disso vocês devem ter estudado até o módulo 11 a fim de responder essa atividade Não esqueçam de colocar as referências da pesquisa de vocês Boa avaliação a todos Link direto Re Fórum da AV2 por Vladmiro Ventura Caluyombo segunda 14 abr 2025 1456 1 Resposta ao desafio de Russell A proposta de Alvin Plantinga sugere que a crença em Deus pode ser considerada uma crença justificada mesmo sem evidências empíricas concretas Plantinga argumenta que a crença em Deus é uma crença básica que pode ser percebida como verdadeira de forma imediata semelhante a crenças sobre o mundo físico Assim a experiência pessoal a intuição e a sensibilidade espiritual podem fornecer uma forma de conhecimento que transcende a evidência empírica Portanto mesmo na ausência de provas tangíveis a crença em Deus pode ser racional e intelectualmente válida 2 Razão para pensar que Deus existe Um argumento clássico que pode ser apresentado a Russell é o argumento cosmológico que sugere que tudo que existe tem uma causa Se olharmos para o universo tudo que observamos parece ter uma origem A questão que se coloca é qual é a causa do universo A resposta mais lógica segundo muitos filósofos e teólogos é que essa causa não pode ser outra coisa senão Deus Esse argumento não apenas aponta para a necessidade de uma causa primeira mas também sugere que essa causa deve ser transcendente e não limitada pelo tempo e espaço características atribuídas a um ser divino 3 Comentário sobre a resposta de um colega Eu gostaria de destacar um ponto que talvez não tenha sido considerado na resposta do colega Além da crença básica defendida por Plantinga é importante mencionar que muitos filósofos contemporâneos como William Lane Craig defendem a ideia de que a experiência religiosa pessoal pode servir como uma evidência subjetiva da existência de Deus Essa experiência embora não empírica é profundamente transformadora e significativa para muitos indivíduos Portanto a experiência subjetiva não deve ser desconsiderada na discussão sobre a existência de Deus pois pode oferecer um suporte adicional à crença Russell B 1903 The Principles of Mathematic Boolos G Burgess J P Jeffrey R C 2002 Computability and Logic Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Filipe Elton Fernandes Lordao quinta 17 abr 2025 1044 A provocação de Bertrand Russell é instigante e desafiadora especialmente porque coloca em xeque a racionalidade da crença em Deus diante da suposta ausência de evidências No entanto essa crítica pode ser enfrentada com seriedade e profundidade a partir da filosofia da religião contemporânea especialmente com a contribuição de Alvin Plantinga um dos mais influentes filósofos cristãos do século XX 1 A crença em Deus como racional sem evidências Plantinga e o modelo AC Segundo Plantinga por meio do chamado modelo AC AquinasCalvino a crença em Deus pode ser apropriadamente básica isto é pode ser racionalmente aceita mesmo na ausência de argumentos e evidências explícitas Ele compara essa crença a outras crenças básicas que temos na vida cotidiana como acreditar que o mundo externo existe que outras pessoas têm mente ou que o passado aconteceu nenhuma das quais exige provas formais para serem razoáveis Plantinga defende que Deus dotou os seres humanos de uma faculdade natural de perceber Sua existência o que ele chama de sensus divinitatis Essa faculdade embora obscurecida pelo pecado pode operar em circunstâncias normais levandonos a crer em Deus de maneira imediata sem mediação de raciocínios complexos Por fim mesmo que Bertrand Russell afirme que não havia evidências suficientes o teísta pode responder que a crença em Deus não depende apenas de evidências externas mas pode ser fruto de um tipo de conhecimento direto e básico tão confiável quanto nossas crenças sensoriais ou morais 2 Uma razão positiva para crer o argumento da contingência Além da defesa da racionalidade da crença sem evidência é possível apresentar a Russell uma razão filosófica robusta para crer na existência de Deus o argumento da contingência reformulado por pensadores como Richard Swinburne e Thomas Nagel Esse argumento parte da constatação de que o universo é contingente ou seja ele poderia não existir e nada nele parece necessário em si mesmo Tudo aquilo que é contingente requer uma explicação fora de si Assim o conjunto de todas as coisas contingentes não pode ser explicado por outra coisa também contingente Logo deve haver um ser necessário que existe por si mesmo e que é a causa do universo Esse ser é o que chamamos de Deus Essa explicação vai além das causas físicas e científicas oferecendo uma razão metafísica fundamental para a existência de tudo o que há Portanto não é irracional crer em Deus mas sim perfeitamente coerente com a busca por explicações últimas sobre a realidade 3 Resposta ao comentário do colega O colega acima levantou um ponto interessante sobre a experiência religiosa pessoal e seu papel como uma evidência subjetiva da existência de Deus Concordo que muitos filósofos contemporâneos como William Lane Craig argumentam que a experiência de Deus pode de fato funcionar como um suporte válido à crença mesmo que não seja empírica Essa experiência pessoal embora não seja evidência objetiva no sentido tradicional tem um peso significativo para aqueles que a vivenciam Ela pode ser transformadora e para muitos serve como uma convicção interna de que Deus existe No entanto gostaria de destacar que a experiência religiosa não está isolada de outros argumentos teológicos como os apresentados por Plantinga que afirmam que crenças religiosas podem ser apropriadamente básicas e racionais Ou seja a experiência subjetiva de Deus pode ser entendida dentro de um quadro mais amplo em que a crença em Deus é também uma crença que se justifica por meio da natureza humana e da experiência religiosa Assim a experiência religiosa não apenas complementa mas também se encaixa em uma estrutura de crença racional de acordo com as propostas de Plantinga Portanto ao considerar a existência de Deus a experiência religiosa subjetiva é um elemento legítimo a ser incluído na discussão mas deve ser analisada em conjunto com outras evidências e abordagens filosóficas como o argumento da contingência a racionalidade da crença básica e o problema do mal Referências PLANTINGA Alvin Warranted Christian Belief Oxford University Press 2000 PLANTINGA Alvin Deus e outras mentes Vida Nova 2011 SWINBURNE Richard The Existence of God Oxford University Press 2004 HICK John Philosophy of Religion Prentice Hall 2004 RUSSELL Bertrand Why I Am Not a Christian George Allen Unwin 1927 CRAIG William Lane Reasonable Faith Crossway 2008 Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Hiago Aquino De Morais quinta 24 abr 2025 2208 Muito bom Achei muito pertinente sua articulação entre a crítica de Russell e as propostas de Plantinga especialmente com o modelo AC e a ideia de crença apropriadamente básica Também considero interessante como você relacionou a experiência religiosa subjetiva a um quadro racional mais amplo isso enriquece bastante o debate sobre a racionalidade da fé Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Hiago Aquino De Morais quinta 24 abr 2025 2201 Segundo a epistemologia reformada proposta por Alvin Plantinga a exigência por evidências suficientes talvez não seja o único caminho válido para o conhecimento de Deus Plantinga argumenta que assim como confiamos diretamente em nossas faculdades cognitivas para perceber o mundo físico também podemos estar justificados racionalmente em crer em Deus sem a necessidade de inferência ou argumento lógico Ele chama isso de crença basicamente adequada uma crença que nasce de faculdades cognitivas funcionando adequadamente em um ambiente propício conforme o propósito para o qual foram criadas A crença em Deus pode portanto ser racional e epistemicamente justificada mesmo sem argumentos evidenciais explícitos Assim como confiamos diretamente na memória percepção ou empatia o crente pode ter uma experiência do divino que fundamente sua fé de maneira racional A ausência de evidência para Plantinga não é necessariamente evidência de ausência Um argumento mais tradicional para dar a Russel mais razões de que Deus existe é o Argumento Cosmológico Kalam Tudo que começa a existir tem uma causa O Universo começou a existir Logo o Universo tem uma causa Essa causa que transcende o tempo o espaço e a matéria não pode ser o próprio Universo Como mostram os avanços da cosmologia moderna especialmente a teoria do Big Bang o Universo teve um início há aproximadamente 138 bilhões de anos O físico Robert Jastrow afirmou que a evidência astronômica leva a uma visão bíblica da origem do mundo e Stephen Hawking reconheceu que a ideia de um começo no tempo sugere a necessidade de um Criador Se o nada absoluto não tem poder causal então o surgimento do Universo exige uma causa externa a ele eterna imaterial e pessoal o que muitos identificam como Deus Assim mesmo no campo da ciência não faltam razões que apontem para a existência de uma Causa Primeira Outra ponto é o argumento moral conforme apresentado por C S Lewis e reformulado na filosofia analítica Se há valores morais objetivos e muitos reconhecem que há então é razoável pensar que eles são fundamentados em algo além de preferências humanas Deus se apresenta como a melhor explicação para a existência de um padrão moral objetivo e universal Referências PLANTINGA Alvin Warranted Christian Belief Oxford Oxford University Press 2000 PLANTINGA Alvin Deus liberdade e o mal São Paulo Vida Nova 2017 LEWIS CS Cristianismo puro e simples São Paulo Martins Fontes 2001 CRAIG William Lane Em guarda Defenda a fé cristã com razão e precisão Vida Nova 2010 HICK John God Has Many Names Westminster John Knox Press 1982 JASTROW R 1992 God and the Astronomers W W Norton Company HAWKING S 1988 Uma Breve História do Tempo Rocco SMITH Q 2010 Theism Atheism and Big Bang Cosmology Oxford University Press Link direto Mostrar principal Vencimento sexta 13 jun 2025 2359 Mostrar respostas aninhadas Responder Responder 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respondeu Russell O questionamento continuou Mas suponha que você percebeu que não estava Suponha que Deus estivesse realmente diante de seus olhos sem sombra de dúvidas O que você diria A resposta de Russell foi memorável Não havia evidências suficientes Deus não havia evidências suficientes Suponha agora que você precisa responder à provocação de Russell 1 Escreva uma resposta ao desafio de Russell a partir da proposta de Alvin Plantinga de que a crença em Deus pode ser intelectualmente aceita mesmo na ausência de argumentos e evidências usando os conhecimentos adquiridos entre os módulos 02 e 06 2 Apresenta à Russell uma razão para pensar que Deus existe usando os conhecimentos adquiridos entre os módulos 07 e 11 3 Comente a resposta de pelo menos um outro colega O comentário visa fortalecer a resposta apresentada incluindo algo que foi esquecido trazendo outra perspectiva ignorada acrescentando algo relevante ao argumento ou destacando algum aspecto Ps façam sua postagem em um texto único e caprichado Caso vocês tenham alguma dúvida peço que coloquem no fórum de dúvidas e não aqui Deixem esse fórum exclusivamente para responder a questão proposta e interagir com os colegas sobre o tópico proposto Além disso vocês devem ter estudado até o módulo 11 a fim de responder essa atividade Não esqueçam de colocar as referências da pesquisa de vocês Boa avaliação a todos Link direto Re Fórum da AV2 por Vladmiro Ventura Caluyombo segunda 14 abr 2025 1456 1 Resposta ao desafio de Russell A proposta de Alvin Plantinga sugere que a crença em Deus pode ser considerada uma crença justificada mesmo sem evidências empíricas concretas Plantinga argumenta que a crença em Deus é uma crença básica que pode ser percebida como verdadeira de forma imediata semelhante a crenças sobre o mundo físico Assim a experiência pessoal a intuição e a sensibilidade espiritual podem fornecer uma forma de conhecimento que transcende a evidência empírica Portanto mesmo na ausência de provas tangíveis a crença em Deus pode ser racional e intelectualmente válida 2 Razão para pensar que Deus existe Um argumento clássico que pode ser apresentado a Russell é o argumento cosmológico que sugere que tudo que existe tem uma causa Se olharmos para o universo tudo que observamos parece ter uma origem A questão que se coloca é qual é a causa do universo A resposta mais lógica segundo muitos filósofos e teólogos é que essa causa não pode ser outra coisa senão Deus Esse argumento não apenas aponta para a necessidade de uma causa primeira mas também sugere que essa causa deve ser transcendente e não limitada pelo tempo e espaço características atribuídas a um ser divino 3 Comentário sobre a resposta de um colega Eu gostaria de destacar um ponto que talvez não tenha sido considerado na resposta do colega Além da crença básica defendida por Plantinga é importante mencionar que muitos filósofos contemporâneos como William Lane Craig defendem a ideia de que a experiência religiosa pessoal pode servir como uma evidência subjetiva da existência de Deus Essa experiência embora não empírica é profundamente transformadora e significativa para muitos indivíduos Portanto a experiência subjetiva não deve ser desconsiderada na discussão sobre a existência de Deus pois pode oferecer um suporte adicional à crença Russell B 1903 The Principles of Mathematic Boolos G Burgess J P Jeffrey R C 2002 Computability and Logic Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Filipe Elton Fernandes Lordao quinta 17 abr 2025 1044 A provocação de Bertrand Russell é instigante e desafiadora especialmente porque coloca em xeque a racionalidade da crença em Deus diante da suposta ausência de evidências No entanto essa crítica pode ser enfrentada com seriedade e profundidade a partir da filosofia da religião contemporânea especialmente com a contribuição de Alvin Plantinga um dos mais influentes filósofos cristãos do século XX 1 A crença em Deus como racional sem evidências Plantinga e o modelo AC Segundo Plantinga por meio do chamado modelo AC AquinasCalvino a crença em Deus pode ser apropriadamente básica isto é pode ser racionalmente aceita mesmo na ausência de argumentos e evidências explícitas Ele compara essa crença a outras crenças básicas que temos na vida cotidiana como acreditar que o mundo externo existe que outras pessoas têm mente ou que o passado aconteceu nenhuma das quais exige provas formais para serem razoáveis Plantinga defende que Deus dotou os seres humanos de uma faculdade natural de perceber Sua existência o que ele chama de sensus divinitatis Essa faculdade embora obscurecida pelo pecado pode operar em circunstâncias normais levandonos a crer em Deus de maneira imediata sem mediação de raciocínios complexos Por fim mesmo que Bertrand Russell afirme que não havia evidências suficientes o teísta pode responder que a crença em Deus não depende apenas de evidências externas mas pode ser fruto de um tipo de conhecimento direto e básico tão confiável quanto nossas crenças sensoriais ou morais 2 Uma razão positiva para crer o argumento da contingência Além da defesa da racionalidade da crença sem evidência é possível apresentar a Russell uma razão filosófica robusta para crer na existência de Deus o argumento da contingência reformulado por pensadores como Richard Swinburne e Thomas Nagel Esse argumento parte da constatação de que o universo é contingente ou seja ele poderia não existir e nada nele parece necessário em si mesmo Tudo aquilo que é contingente requer uma explicação fora de si Assim o conjunto de todas as coisas contingentes não pode ser explicado por outra coisa também contingente Logo deve haver um ser necessário que existe por si mesmo e que é a causa do universo Esse ser é o que chamamos de Deus Essa explicação vai além das causas físicas e científicas oferecendo uma razão metafísica fundamental para a existência de tudo o que há Portanto não é irracional crer em Deus mas sim perfeitamente coerente com a busca por explicações últimas sobre a realidade 3 Resposta ao comentário do colega O colega acima levantou um ponto interessante sobre a experiência religiosa pessoal e seu papel como uma evidência subjetiva da existência de Deus Concordo que muitos filósofos contemporâneos como William Lane Craig argumentam que a experiência de Deus pode de fato funcionar como um suporte válido à crença mesmo que não seja empírica Essa experiência pessoal embora não seja evidência objetiva no sentido tradicional tem um peso significativo para aqueles que a vivenciam Ela pode ser transformadora e para muitos serve como uma convicção interna de que Deus existe No entanto gostaria de destacar que a experiência religiosa não está isolada de outros argumentos teológicos como os apresentados por Plantinga que afirmam que crenças religiosas podem ser apropriadamente básicas e racionais Ou seja a experiência subjetiva de Deus pode ser entendida dentro de um quadro mais amplo em que a crença em Deus é também uma crença que se justifica por meio da natureza humana e da experiência religiosa Assim a experiência religiosa não apenas complementa mas também se encaixa em uma estrutura de crença racional de acordo com as propostas de Plantinga Portanto ao considerar a existência de Deus a experiência religiosa subjetiva é um elemento legítimo a ser incluído na discussão mas deve ser analisada em conjunto com outras evidências e abordagens filosóficas como o argumento da contingência a racionalidade da crença básica e o problema do mal Referências PLANTINGA Alvin Warranted Christian Belief Oxford University Press 2000 PLANTINGA Alvin Deus e outras mentes Vida Nova 2011 SWINBURNE Richard The Existence of God Oxford University Press 2004 HICK John Philosophy of Religion Prentice Hall 2004 RUSSELL Bertrand Why I Am Not a Christian George Allen Unwin 1927 CRAIG William Lane Reasonable Faith Crossway 2008 Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Hiago Aquino De Morais quinta 24 abr 2025 2208 Muito bom Achei muito pertinente sua articulação entre a crítica de Russell e as propostas de Plantinga especialmente com o modelo AC e a ideia de crença apropriadamente básica Também considero interessante como você relacionou a experiência religiosa subjetiva a um quadro racional mais amplo isso enriquece bastante o debate sobre a racionalidade da fé Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Hiago Aquino De Morais quinta 24 abr 2025 2201 Segundo a epistemologia reformada proposta por Alvin Plantinga a exigência por evidências suficientes talvez não seja o único caminho válido para o conhecimento de Deus Plantinga argumenta que assim como confiamos diretamente em nossas faculdades cognitivas para perceber o mundo físico também podemos estar justificados racionalmente em crer em Deus sem a necessidade de inferência ou argumento lógico Ele chama isso de crença basicamente adequada uma crença que nasce de faculdades cognitivas funcionando adequadamente em um ambiente propício conforme o propósito para o qual foram criadas A crença em Deus pode portanto ser racional e epistemicamente justificada mesmo sem argumentos evidenciais explícitos Assim como confiamos diretamente na memória percepção ou empatia o crente pode ter uma experiência do divino que fundamente sua fé de maneira racional A ausência de evidência para Plantinga não é necessariamente evidência de ausência Um argumento mais tradicional para dar a Russel mais razões de que Deus existe é o Argumento Cosmológico Kalam Tudo que começa a existir tem uma causa O Universo começou a existir Logo o Universo tem uma causa Essa causa que transcende o tempo o espaço e a matéria não pode ser o próprio Universo Como mostram os avanços da cosmologia moderna especialmente a teoria do Big Bang o Universo teve um início há aproximadamente 138 bilhões de anos O físico Robert Jastrow afirmou que a evidência astronômica leva a uma visão bíblica da origem do mundo e Stephen Hawking reconheceu que a ideia de um começo no tempo sugere a necessidade de um Criador Se o nada absoluto não tem poder causal então o surgimento do Universo exige uma causa externa a ele eterna imaterial e pessoal o que muitos identificam como Deus Assim mesmo no campo da ciência não faltam razões que apontem para a existência de uma Causa Primeira Outra ponto é o argumento moral conforme apresentado por C S Lewis e reformulado na filosofia analítica Se há valores morais objetivos e muitos reconhecem que há então é razoável pensar que eles são fundamentados em algo além de preferências humanas Deus se apresenta como a melhor explicação para a existência de um padrão moral objetivo e universal Referências PLANTINGA Alvin Warranted Christian Belief Oxford Oxford University Press 2000 PLANTINGA Alvin Deus liberdade e o mal São Paulo Vida Nova 2017 LEWIS CS Cristianismo puro e simples São Paulo Martins Fontes 2001 CRAIG William Lane Em guarda Defenda a fé cristã com razão e precisão Vida Nova 2010 HICK John God Has Many Names Westminster John Knox Press 1982 JASTROW R 1992 God and the Astronomers W W Norton Company HAWKING S 1988 Uma Breve História do Tempo Rocco SMITH Q 2010 Theism Atheism and Big Bang Cosmology Oxford University Press Link direto Mostrar principal Vencimento sexta 13 jun 2025 2359 Mostrar respostas aninhadas Responder Responder Responder Responder Responder Seguir para Painel Minhas disciplinas Faculdade Internacional Cidade Viva EAD Graduação Teologia TEOLOGIA EAD 20251 P4 FIL Avaliação 2 Fórum da AV2 Buscar no fórum AV1 Módulo 13 Módulo 14 Rótulo O problema do mal AV1 Módulo 14 Módulo 15 Rótulo AV1 Módulo 15 Avaliação 2 Fórum da AV2 Avaliação 3 Agendamento da AV3 Prova final Prova final ATIVIDADE DE FILISOFIA A provocação de Bertrand Russell sobre a racionalidade da crença em Deus na ausência de evidências investigáveis tem sido um ponto de debate na filosofia da religião Assim a literatura aborda essa questão de maneira inovadora através de sua epistemologia reformada conforme discutido no livro Filosofia da Religião de Bruno Ribeiro Nascimento e também em suas próprias obras É argumentado que a crença em Deus é uma crença apropriadamente básica similar a outras crenças fundamentais que aceitamos sem a necessidade de evidências empíricas explícitas como a existência de outras mentes ou a realidade do mundo externo NASCIMENTO P 59 PLANTINGA 2000 Resposta ao Desafio de Russell A epistemologia reformada de Plantinga como exposta no livro Warranted Christian Belief postula que a crença em Deus pode ser considerada racional mesmo sem evidências concretas pois como outras crenças básicas ela é instilada naturalmente pelo sensus divinitatis Nascimento p372022 em sua explanação afirma que essas crenças surgem naturalmente de nossas faculdades cognitivas funcionando apropriadamente Essa abordagem desafia a perspectiva evidencialista como apresentado por Russell em Why I Am Not a Christian onde ele demanda evidências para a crença teísta RUSSELL 1927 Plantinga essencialmente expande o escopo do que pode ser considerado racional ao sugerir que o ser humano foi projetado com a capacidade inata de perceber o divino PLANTINGA 2017 Razão para Pensar que Deus Existe O argumento cosmológico como discutido por William Lane Craig em Em Guarda sustenta que tudo o que começa a existir requer uma causa e o universo tendo tido um início requer uma causa transcendente Deus A cosmologia moderna com a teoria do Big Bang oferece suporte a esta ideia postulando uma origem do universo Plantinga reforça este conceito ao dizer que uma causa transcendente fornece uma estrutura robusta de sustentação filosófica para acreditar na existência de Deus NASCIMENTO P 74 CRAIG 2010 Dessa forma em The Existence of God é defendido ainda que a própria estrutura moral do universo aponta para um criador um argumento que complementa a discussão cosmológica SWINBURNE 2004 Comentário sobre a Resposta de um Colega Na resposta de Vladmiro Ventura Caluyombo destacase a importância da experiência religiosa pessoal como evidência subjetiva significativa na discussão da existência de Deus Concordo que assim como notado por John Hick em Philosophy of Religion essa experiência é profundamente significativa e fornece uma riqueza subjetiva que transcende argumentos empíricos HICK 2004 Isso sugere que a crença religiosa é embasada não apenas em lógica e racionalidade mas também em vivências pessoais que justificam e fortalecem a crença NASCIMENTO P 46 2022 Esta perspectiva coadunase com a visão de Plantinga de que a crença em Deus se insere naturalmente em uma estrutura epistemológica coerente onde o sensus divinitatis promove uma conexão direta com o divino Portanto no conjunto a epistemologia reformada de Plantinga defende que a crença em Deus é justificável em termos racionais e pode coexistir de forma harmoniosa com práticas comuns de crença como o argumento cosmológico e experiências religiosas pessoais que reforçam a validade desta crença dentro de uma estrutura filosófica e teológica ampliada REFERÊNCIAS CRAIG William Lane Em Guarda Defenda a Fé Cristã com Razão e Precisão Vida Nova 2010 HICK John Philosophy of Religion Prentice Hall 2004 NASCIMENTO Bruno Ribeiro Filosofia da Religião Aspectos Teóricos e Práticos Faculdade Internacional Cidade Viva 2022 PLANTINGA Alvin Warranted Christian Belief Oxford Oxford University Press 2000 PLANTINGA Alvin Deus liberdade e o mal São Paulo Vida Nova 2017 RUSSELL Bertrand Why I Am Not a Christian George Allen Unwin 1927 SWINBURNE Richard The Existence of God Oxford University Press 2004

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FACULDADE INTERNACIONAL CIDADE VIVA EAD FILOSOFIA DA RELIGIÃO Filosofia da Religião FACULDADE INTERNACIONAL CIDADE VIVA EAD Olá Olá aluno Seja bemvindo à disciplina de Filosofia da Religião Bons estudos CONSELHO EDITORIAL Dr André Ricardo Fonseca da Silva Ms Gustavo Leite Castello Branco PRODUÇÃO EDITORIAL Criativa FICV COORDENAÇÃO EDITORIAL Ana Beatriz de Andrade Borba Delgado PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Ewerton Henrique Patrício REVISÃO ORTOGRÁFICA Joyce Henrique Barbosa de Lima Nascimento Bruno Ribeiro N244 Apostila Filosofia da Religião Bruno Ribeiro Nascimento Faculdade Internacional Cidade Viva EAD Curso de Teologia EAD João Pessoa 2022 205 p Apostila do Curso de Teologia EAD Publicação online httpseadcidadevivabr ISBN 9786584532441 digital 1 Filosofia da religião teoria 2 Filosofia aspecto religioso 3 Natureza da religião 4 Fenômeno da religião I Título II Faculdade Internacional Cidade Viva FICV CDU 21 Expediente Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Integrado de Biblioteca FICV EICV Bibliotecário Tirza Egito Rocha de Souza CRB15 0607 1 Filosofia da religião CDU 21 DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO CIP ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO Filosofia da Religião Bruno Ribeiro Nascimento Editora Associação Cidade Viva 2022 1ª impressão Os direitos desta edição pertencem à ASSOCIAÇÃO CIDADE VIVA R Luzia Simões Bertoline 50 Aeroclube João Pessoa PB 58036630 Contato 83 32467471 83 991279206 Site httpsescolacidadevivaorg email relacionamentocidadevivaorg Todos os direitos reservados desta obra Proibido toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma seja ela eletrônica ou mecânica fotocópia gravação ou qualquer meio SUMÁRIO Módulo 01 Conceito de Deus Módulo 02 Epistemologia Reformada Argumento de Paridade de Alvin Plantinga Módulo 03 Epistemologia Reformada Modelo AquinoCalvino Módulo 04 Epistemologia Reformada Modelo AquinoCalvino Estendido Módulo 05 Epistemologia Reformada Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston Módulo 06 Papel da Teologia Natural Módulo 07 Argumento Cosmológico Módulo 08 Argumento Teleológico do Ajuste Fino Módulo 09 Argumento Moral Módulo 10 Argumento da Ressurreição de Jesus Módulo 11 Argumento Probabilístico de Richard Swinburne Módulo 12 Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo Módulo 13 O Problema Lógico do Mal Módulo 14 O Problema Evidencial do Mal Módulo 15 O Problema do Pluralismo Referências 06 17 25 36 46 59 74 87 101 118 135 149 158 170 185 197 Filosofia da Religião 06 Conceito de Deus módulo 01 Olá Neste módulo vamos dar início à disciplina de Filosofia da Religião Nossa primeira tarefa será clarificar alguns conceitos fundamentais que serão trabalhados ao longo do curso termos como teísmo ateísmo naturalismo panteísmo deísmo evidencialismo teologia natural entre outros serão precisamente definidos Além disso vamos definir precisamente o conceito de Deus e alguns dos seus atributos Mais especificamente o que significa dizer que Deus é onipotente onipresente onisciente moralmente perfeito incorpóreo e pessoal Por fim vamos lidar com alguns paradoxos tradicionais presentes no conceito de Deus Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Aprender o objetivo da disciplina de Filosofia da Religião Compreender alguns conceitos importantes que serão trabalhados ao longo da disciplina Analisar o conceito de Deus Bons estudos 07 CONECTAR A Filosofia da Religião é uma disciplina que pertence ao subcampo da Filosofia e que é dedicada ao estudo do fenômeno religioso De acordo com o filósofo Charles Taliaferro 2013 p 489 a filosofia da religião explora questões filosóficas que nascem da reflexão sobre a natureza e a verdade da crença religiosa e sobre o significado das práticas religiosas Neste caso a filosofia da religião não diz respeito apenas à defesa filosófica das convicções religiosas Ela pode fazer isso também como faremos mas está mais interessada em fazer uma reflexão filosófica sobre o fenômeno religioso De acordo com John Hick a filosofia da religião faz uma A reflexão filosófica sobre a religião principalmente sobre a crença em Deus ou alguma forma de ser transcendente é um tema importante na Filosofia desde seu surgimento Contudo foi no século XX que esse debate ganhou dinamicidade e contornos mais precisos com a chamada filosofia analítica da religião disciplina que visa no pensamento contemporâneo aplicar as diversas técnicas e instrumentos desenvolvidos pelos chamados filósofos analíticos às questões religiosas levando em consideração sua complexa relação com a pesquisa epistemológica contemporânea MICHELETTI 2007 p 12 e 13 Assim em tal disciplina os filósofos tendem a se concentrar na avaliação das afirmações religiosas da verdade QUINN 2006 p 377 ou seja eles procuram avaliar racionalmente as afirmações religiosas a fim de saber se elas oferecem argumentação cogente se há boas razões para acreditar que há tal pessoa como Deus se é possível saber que Deus existe se estamos justificados em nosso conhecimento religioso qual a relação precisa entre fé e razão quais são os atributos de Deus entre outras coisas De acordo com Philip Quinn 2006 p 377 os filósofos da religião tendem a ser provenientes principalmente das várias tradições teístas judaísmo cristianismo e islamismo Para começar nossa disciplina a primeira coisa que precisamos fazer é definir precisamente alguns conceitos que serão empregados ao longo do curso Essa será nossa primeira tarefa filosófica neste módulo E isso porque a definição dos termos é algo essencial para podermos fazer uma reflexão filosófica precisa sobre qualquer fenômeno De acordo com Baggini Fosl Conceito de Deus reflexão filosófica sobre a religião Ela estuda os conceitos e as proposições da Teologia e o raciocínio dos teólogos bem como os fenômenos anteriores da experiência religiosa e as atividades do culto em que finalmente a Teologia repousa e de que ela se origina HICK 1970 p 11 Grande parte de nossa linguagem é ambígua mas se pretendemos discutir questões da maneira mais precisa possível como a filosofia visa fazer é preciso eliminar a ambiguidade ao máximo e definições adequadas são a ferramenta perfeita para nos ajudar a fazêlo BAGGINI FOSL 2012 p 46 A reflexão filosófica começa com a conceituação precisa dos termos O que queremos dizer com o termo Deus Qual é a importância de definir precisamente o significado dos atributos divinos como onipotência e onisciência PARA REFLETIR 08 Conceito de Deus CONECTAR Baggini Fosl 2012 p 48 afirmam que a definição é como uma fronteira de território pois ela demarca os limites que estabelecem os casos aos quais é apropriado aplicar um termo e os casos aos quais não é apropriado aplicálo No nosso caso como nossa principal preocupação será com relação à crença teísta isto é a crença em Deus nossa primeira tarefa filosófica consiste em fazer uma conceituação precisa do significado de termos como Deus teísmo ateísmo naturalismo entre outros Além disso é importante analisar as credenciais intelectuais dos conceitos divinos se elas são coerentes ou se há alguma contradição Conceito de Deus 09 CRESCER Vamos dividir este módulo em duas partes Na primeira traremos algumas definições que são importantes ao longo da disciplina na segunda parte iremos nos concentrar no conceito de Deus Conceitos Gerais Segundo as três principais religiões monoteístas do mundo cristianismo judaísmo e islamismo primeiro de tudo há Deus criador dos céus e da terra Ele é o ser principal do Universo não tendo princípio nem fim Essa crença é tradicionalmente chamada na filosofia analítica da religião de teísmo Por isso quando falamos da crença Porém essa não é a única definição filosófica de Deus Há também o deísmo isto é a crença de que Deus existe fez o mundo e sua existência pode ser descoberta através da religião natural De acordo com William Wainwright 2006 p 212 a maioria dos deístas descarta a religião revelada como sendo uma ficção Mais precisamente os deístas dão ênfase à religião natural isto é aquele conhecimento sobre Deus que é inato em cada pessoa ou que pode ser adquirido pelo uso da razão por isso eles geralmente rejeitam o conhecimento religioso quando adquirido por revelação eg o Novo Testamento ou pelo ensino de qualquer igreja Para os deístas Deus criou o mundo quer que suas criaturas sejam felizes ordenou a virtude como o meio para isso e garantiu que o conhecimento para tal fosse universalmente em Deus o que devemos ter em mente é a crença tal como entendida pela tradição ocidental clássica e que é comum às três principais religiões monoteístas do mundo cristianismo islamismo e judaísmo para esta concepção Deus é um ser pessoal isto é um ser que tem intelecto e vontade consciência e afeições propósitos para agir intencionalmente e que pode agir além disso mas não menos importante o teísmo afirma que Deus é um ser incorpóreo livre eterno onipotente onisciente moralmente perfeito totalmente amoroso criador e mantenedor do Universo e objeto adequado da obediência e da adoração humana Esse Deus e isso é algo importante revelouse à humanidade Claro que essas tradições diferem amplamente quanto ao modo de conceber Deus contudo essas distinções não precisam nos preocupar por enquanto O que é importante para nossos objetivos é que no teísmo Deus é tanto imanente ao Universo quanto transcendente Por um lado Deus não pode ser identificado com nada na natureza porque Ele como Criador está além da natureza criada Ao mesmo tempo Deus está intimamente ligado àquilo que Ele criou pois ainda mantém e sustenta o Universo Assim Deus não é distante e remoto mas imanente em relação a sua criação Conceito de Deus CRESCER 10 Outra definição de divindade é o panteísmo De acordo com Martinich 2006 p 691 o panteísmo é a ideia de que Deus se identifica com tudo Neste caso Deus é tão imanente a sua criação que ele permeia abrange e se encontra em todas as coisas toda realidade está de alguma maneira unida em Deus Deus é idêntico ao cosmos não existe nada que esteja fora de Deus aqui rejeitase qualquer visão que considere Deus como distinto do Universo Mas nem todos os filósofos acreditam em Deus Há aqueles que são considerados ateus De acordo com Baggini 2016 p 11 por ateísmo entendese a descrença na existência de Deus ou deuses Aqui é importante entender que o ateísmo é a descrença positiva na existência de Deus Ele é assim uma posição intrinsecamente negativa quando se trata da existência da divindade E isso é importante porque o termo vem sendo redefinido de forma enganosa nos últimos anos Algumas pessoas afirmam que o termo ateísmo deve ser entendido meramente como ausência de crença em alguma divindade qualquer Por exemplo em uma propaganda da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos ATEA eles afirmaram somos todos ateus com os deuses dos outros No livro Deus um delírio Richard Dawkins afirma Contudo essa é uma forma enganosa de definir o conceito de ateísmo O termo ateísmo é o que os filósofos chamam de negativa universal Na lógica isso implica que nenhum dos membros da classe dos ateus pode pertencer à classe dos que acreditam em Deus pois o termo descreve a negação de uma proposição Deus não existe e não meramente um estado psicológico não acredito em Deus O a em ateísmo deve ser entendido como negação em vez de ausência como não em vez de sem Neste caso é impossível ser ateu dos deuses dos outros pois o ateísmo implica necessariamente que não há tal pessoa como Deus Se alguém acredita em Deus então ele é por definição um O teísmo defende um conceito pessoal de divindade ou seja este é um agente capaz de ação intencional com base em poderes e crenças O caráter pessoal do teísmo somado à tese da necessidade da contínua intervenção de Deus para que o Universo se mantenha é o principal elemento de distinção do teísmo em relação ao deísmo CUOCO 2014 p 2 Eu me divirto com a estratégia quando me perguntam se sou ateu de lembrar que o autor da pergunta também é ateu no que diz respeito a Zeus Apolo Amon Rá Mithra Baal Thor Wotan o Bezerro de Ouro e o Monstro do Espaguete Voador Eu só fui um deus além DAWKINS 2007 p 84 acessível A verdadeira religião é expressão da natureza humana universal cuja essência é a razão e é a mesma em todos os tempos e lugares WAINWRIGHT 2006 p 212 Contudo esse Deus ficou tão transcendente à sua criação que não é possível conhecer mais detalhes dele pois ele não se revelou O que dele se pode conhecer está acessível apenas à razão Ele seria um grande e habilidoso relojoeiro o primeiro motor que deu origem ao Universo mas que não interage com sua criação Além disso os deístas geralmente pensam que este Deus não opera a partir de eventos sobrenaturais Deus seria o responsável pela criação do Universo mas uma vez isso tendo acontecido as leis naturais garantiriam a manutenção da ordem natural e não haveria espaço para eventuais intervenções do Criador tampouco para a atividade religiosa De acordo com Agnaldo Cuoco Conceito de Deus 11 CRESCER teísta deísta ou panteísta Em outras palavras o ateísmo faz uma afirmação universal a saber não existe nenhuma divindade ele não nega apenas uma divindade específica mas qualquer divindade Por isso caso alguém passe a afirmar que existe algum Deus deixou de ser ateu pois deixou de sustentar aquela afirmação universal Além disso o ateu faz uma afirmação filosófica mais forte ele não é alguém que meramente não acredita em Deus Ele sustenta a posição que Deus não existe De acordo com William Lane Craig 2011 p 166 definir ateísmo como meramente ausência de crença em Deus é uma definição inútil pois seria apenas uma descrição do estado psicológico de alguém Se o ateísmo fosse meramente definido como ausência de crença em Deus gatos cadeiras e árvores seriam ateus pois eles não têm crença em Deus Outra posição importante é o agnosticismo O agnóstico é aquele que suspendeu o julgamento sobre a crença de que há ou de que não há Deus depois de levar em consideração o assunto Neste caso o agnosticismo é uma forma de ceticismo sobre a questão da existência de Deus Geralmente pensase que a razão humana é incapaz de prover fundamentos racionais suficientes para justificar tanto a afirmação de que Deus existe quanto a afirmação de que Deus não existe É a posição contrária à ideia de que o teísmo ou o ateísmo podem ser conhecidos Há também o naturalismo Essa é oposição radical ao sobrenaturalismo Como afirma Ritchie 2012 p 12 os naturalistas se opõem ao sobrenatural Eles negam a existência de fantasmas duendes deuses e outras entidades assombrosas Qual é a diferença dos naturalistas para os ateus Enquanto os ateus negam a existência de Deus os naturalistas negam a existência de qualquer realidade sobrenatural É possível por exemplo ser um ateu e acreditar na imortalidade da alma ou que existe uma realidade espiritual Neste sentido o naturalismo é uma crença mais forte que o ateísmo pois o que se estar a negar não é apenas a existência de uma divindade Para o naturalista a única realidade que existe é o mundo natural Tudo que existe ou pode existir está incluído no mundo natural Não há uma pessoa como Deus nem qualquer coisa parecida com Deus Essa posição é conhecida também como naturalismo metafísico Uma clássica definição de naturalismo foi dada por Bertrand Russell Que o homem seja produto de causas que não o tinham previsão do fim que realizavam que sua origem crescimento suas esperanças e temores seus amores e suas crenças não passam do resultado das combinações acidentais de átomos RUSSELL 1977a p 5657 Com relação ao status da crença em Deus pode haver três posições A primeira tese é conhecida como evidencialismo esta posição defende que uma crença só pode ser intelectualmente apropriada caso o sujeito reúna argumentos em seu favor Mais precisamente os evidencialistas afirmam que crenças como Deus existe só são racionalmente justificadas caso haja evidências que possam corroborar em algum nível tais crenças Tais evidências são fornecidas por meio da teologia natural isto é da prática de refletir filosoficamente sobre a natureza e a existência de Deus independentemente de qualquer revelação divina ou escritura sagrada Uma posição oposta ao evidencialismo é o fideísmo Nesta concepção a crença em Deus não está sujeita a qualquer avaliação racional independente Assim a fé é completamente independente da razão O que é comum às duas posições é a ideia de que a razão é de algum modo desnecessária ou inadequada para o exercício e a justificação da crença religiosa Por fim a última posição é denominada epistemologia reformada A afirmação central feita por esta tese é que a crença na existência de Deus ou nas verdades centrais do cristianismo pode ser racional mesmo na ausência de qualquer evidência ou argumento Conceito de Deus 12 Dada estas definições básicas convém agora trabalhar o conceito de Deus Conceitos de Deus Como é Deus Essa é uma das questões filosóficas mais fascinantes dentro da filosofia da religião Aqui vamos apresentar uma lista de alguns dos principais atributos divinos As propriedades que vamos discutir aqui para o conceito de Deus dentro da filosofia da religião são exatamente aquelas comumente atribuídas a Deus por judeus cristãos e mulçumanos o Deus de Abraão Isaque e Jacó É claro que o teísmo cristão implica que Deus é trino mas não precisamos nos preocupar com isso neste momento Em primeiro lugar Deus é um ser de máxima grandeza De acordo com Anselmo 2012 p 157 acreditamos certamente que é alguma coisa em relação à qual não se pode pensar nenhuma outra maior Mais precisamente Deus é um ser de máxima grandeza isto é um ser maximamente perfeito em relação ao qual nada maior pode ser concebido Deus é o maior ser que existe o alfa e o ômega o primeiro e o último o princípio e o fim Isso faz com que ele seja onipresente onipotente onisciente e totalmente bom Isso é importante pois caso falte um desses atributos em Deus não estaremos mais a falar sobre o Deus do teísmo Por exemplo os deuses gregos eram imortais e poderosos mas não eternos e onipotentes Por isso não é correto afirmar que estamos a tratar do Deus do teísmo no caso da religião grega O teísmo também implica que Deus é uma pessoa De acordo com Richard Swinburne 2015b p 22 por uma pessoa quero dizer um indivíduo com poderes básicos para agir intencionalmente propósitos e crenças Isto é Deus é um tipo de ser que tem consciência e está ciente de tudo Ele não é um ser impessoal como o Tao ou o Brahma ou uma mera força a reger todas as coisas Peter van Inwagen 2018 p 81 diz que Deus ser uma pessoa significa que ele é o tipo de ser ao qual podemos nos dirigir no sentido mais literal e direto do termo pelo pronome Tu Além disso Deus tem crenças e afeições objetivos e intenções Deus é uma pessoa sem corpo que age e atua no mundo por meio de sua vontade CRESCER Deus é onipotente Um ser onipotente é aquele que é sumamente poderoso cujos poderes são infinitos Por mais estranho que pareça isso não significa que Deus pode fazer tudo As Escrituras por exemplo afirmam que Deus não pode mentir Hb 618 que Deus não pode mudar ou ser mudado Tg 117 nem pode negarse a si mesmo 2 Tm 213 Por um lado como explica Swinburne 2015b p 26 Deus não pode fazer o que é logicamente impossível Deus não pode fazer com que 22 seja igual a 13 5 ou fazer com que uma forma seja quadrada e redonda ao mesmo tempo ou mudar o passado ou ainda fazer com que o Universo exista e não exista Mas por quê Por que Deus não pode fazer aquilo que é logicamente impossível Para Swinburne 2015b p 25 a maior parte da tradição religiosa afirmou que Deus não pode fazer essas coisas não porque Deus seja fraco mas porque as palavras por exemplo fazer uma forma ser quadrada e redonda ao mesmo tempo não descrevem nada que faça sentido Ou seja não há nada que faça uma forma ser quadrada e redonda ao mesmo tempo pois parte daquilo que se afirma pelo termo quadrado implica necessariamente que não é redondo Há também coisas que não faz sentido atribuir a Deus Por exemplo Deus pode divorciar Se ele não pode divorciar então ele não pode tudo Contudo como aponta Agnaldo Cuoco 2014 p 4 além da questão da relevância esse não parece ser um tipo de poder dos mais interessantes que realmente faça falta a um ser divino podese questionar se faz sentido supor de uma pessoa não humana que possa se divorciar Mais precisamente divorciar só é possível para pessoas que estão casadas e casarse é um tipo de estado cabível apenas a seres Por isso não poder divorciarse não é um limite real para a onipotência divina porque simplesmente não faz sentido a ideia de Deus se casando ou se divorciando ou seja não se está realmente dizendo nada com real significado Esse exemplo simples nos ajuda a lançar luz sobre um problema mais sério chamado pelos filósofos de paradoxo da pedra Em termos simples Deus poderia criar uma pedra que ele mesmo não pudesse levantar Se ele não pudesse criála então ele já de início não poderia ser considerado onipotente Caso pudesse criála e ela tivesse a qualidade mencionada então Deus não seria onipotente por não poder levantála subsequentemente Há duas possíveis respostas para este paradoxo Primeiro podese afirmar que essa questão é sem sentido pois estaríamos esperando que Deus faça uma ação contraditória que é logicamente impossível Contudo podese procurar algum sentido na questão De acordo com Kerry Walters 2015 p 106 talvez a real questão por trás do paradoxo seja pode Deus desempenhar um ato que acarrete sua própria limitação Ou seja Deus poderia fazer algo que implicasse um limite para seu próprio poder Ainda assim isso não é um problema para a onipotência de Deus pois se Deus resolver impor a si mesmo um limite pode se manter o princípio de que não há nada que limite o poder de Deus além dele mesmo ou seja de sua própria decisão de evitar fazer algo CUOCO 2014 p 5 Deus pode escolher se autolimitar como ele fez ao se revelar aos seres humanos e isso não constitui qualquer problema para o conceito de onipotência Na verdade é justamente porque Deus é onipotente que ele pode decidir impor limite a si mesmo Como explica Taliaferro 2013 p 501 podese presumir que essas espécies de limite para a liberdade divina podem ser apreendidas como uma limitação de Deus pelos limites introduzidos por ele Assim Deus pode fazer qualquer coisa que seja logicamente possível não há limites externos ao que Deus pode fazer Os poderes básicos de Deus são infinitos apesar de haver coisas que não é possível para ele realizar como ir contra a lógica mentir ou quebrar uma promessa Deus é onisciente Deus sabe tudo que pode ser conhecido Ele sabe o valor de verdade de todas as proposições e é impossível que ele tenha crenças falsas Ou seja tudo que for verdadeiro Deus sabe que é verdadeiro e tudo que for falso Deus sabe que é falso Alguns filósofos acreditam que a onisciência de Deus gera um problema para a liberdade humana ocasionando um sério tipo de fatalismo Pois se Deus sabe tudo que vai acontecer então ele sabe que quando eu for interrogado amanhã mentirei ou contarei a verdade Neste caso se Deus não pode ter crenças falsas e se ele já sabe de antemão o que eu vou Conceito de Deus CRESCER Conceito de Deus 14 CRESCER fazer no tribunal como eu poderia ser livre para fazer o contrário Se Deus já sabe que eu vou mentir como eu poderia ser livre para não mentir De acordo com William Lane Craig JP Moreland 2005 p 631 Grifos do autor uma das principais confusões fatalistas é a fusão de certeza e necessidade A certeza é uma propriedade da pessoa enquanto a necessidade é uma propriedade da proposição Neste caso a onisciência de Deus não anula a liberdade humana pois não é a certeza do conhecimento de Deus que determina o que vou fazer amanhã mas a minha ação Se eu mentir amanhã no tribunal é verdade que Deus saberá disso mas não foi a onisciência de Deus que determinou isso Craig afirma que a onisciência de Deus seria mais próxima de um termômetro o termômetro mede a temperatura do corpo mas não a determina Se eu tiver 37º o termômetro vai apontar corretamente que tenho 37º mas ele não determinou isso De acordo com Alvin Plantinga 2012 p 94 o paradoxo desaparece quando pensamos que o que é essencial para a onisciência de Deus é a propriedade de ter apenas crenças verdadeiras Neste caso não é essencial para sua onisciência Deus ter as crenças que de fato tem Outros filósofos como Swinburne 2015b p 26 pensam que é logicamente impossível saber sem a possibilidade de erro o que alguém vai fazer livremente amanhã Neste caso Deus não poderia saber se eu mentirei ou contarei a verdade no tribunal amanhã pois isso seria logicamente impossível de se saber Essa posição é conhecida como teísmo aberto Contudo essa posição coloca vários outros problemas mais significativos Por exemplo ela parece colocar a salvação final e definitiva da humanidade bem como a shalom na nova Jerusalém que todos nós aguardamos fora do controle de Deus Pois ao enxugar dos nossos olhos toda lágrima como poderia o Senhor afirmar que não haverá mais morte nem tristeza nem choro nem dor Ap 214 se Ele não sabe disso Deus é perfeitamente livre Isso significa que os desejos nunca exercem influência causal sobre ele Nós seres humanos somos influenciados por desejos e inclinações interiores Esse não parece ser o caso de Deus Ele é perfeitamente livre para fazer sua escolha Deus criou livremente as estruturas do mundo tal como ele quis de modo que não foi obrigado a criar por sua natureza ou por alguma estrutura anterior Deus é perfeitamente bom Deus não tem quaisquer defeitos morais Seguese disso que Deus não está sujeito a nenhum tipo de crítica moral Como explica Inwagen 2018 p 93 se alguém disser algo com a forma Deus fez X e foi errado para Deus fazer X essa pessoa tem de estar enganada ou Deus não fez de fato X ou não foi errado para Deus fazer X É claro que dado que Deus é muito diferente dos seres humanos ele encontrase em relação diferente com as coisas criadas de modo que algo que seria um defeito moral grave em um ser humano não é automaticamente um defeito moral em Deus eg exigir adoração 15 Deus é eterno Deus existe Deus sempre existiu e Deus sempre existirá Mas o que isso significa exatamente Taliaferro 2013 p 505 explica que pode haver dois sentidos aqui No primeiro Deus é perpétuo isto é ele existe em cada momento de um tempo sem fim na segunda acepção Deus é atemporal isto é ele está fora do tempo de modo que não há um passado presente ou futuro para Deus pois ele percebe todas elas como se fossem um único instante No primeiro caso Deus está no curso do tempo no segundo Deus está fora do tempo Para Taliaferro o problema de achar que Deus é atemporal é que parece colocar Deus como um distante não pessoal sem uma relação real com suas criaturas passado presente e futuro não seriam realidades vividas por Deus O problema é que quanto mais enfatizamos a tese de que a suprema existência de Deus é independente do tempo mais corremos o risco de não tomar a sério o tempo tal como o conhecemos TALIAFERRO 2013 p 505 Ao mesmo tempo Cuoco 2014 p 6 afirma que a noção de eternidade divina como atemporalidade tem a vantagem de preservar uma ideia que está por trás de todos os ditos atributos de Deus ou seja Deus é antes de tudo perfeito Neste caso se Deus estivesse no tempo ele estaria submetido à mudança Contudo um Deus tão imutável e impassível se parece mais com o Deus distante do deísmo que com o Deus que age no mundo e interage com os seres humanos por meio da relação religiosa Esse é um dos mais acalorados debates dentro da filosofia da religião entre os teístas Deus é imutável Os atributos e outras propriedades importantes de Deus não podem mudar De acordo com o cântico de Isaac Watts ele é por incontáveis anos o mesmo Nada na natureza de Deus corresponde à mutabilidade que caracteriza a existência humana e a existência de todas as coisas dadas aos sentidos Mas a imutabilidade não significa que Deus é um motor imóvel como no deísmo A imutabilidade significa que Deus é constante e invariável em seu caráter e em seus atributos Deus é onipresente Deus está em todos os lugares Tal atributo é incompatível com Deus ter uma estrutura espacial ou física e portanto é incompatível com Deus ser masculino ou feminino Por isso Deus é incorpóreo isto é Deus é espírito Ele não é um pedaço de matéria ou algo físico Como afirma Swinburne 2015b p 29 ele pode agir sobre coisas em todo lugar e saber o que está acontecendo em todo lugar diretamente sem precisar de braços ou órgãos sensoriais ou da operação normal de raios de luz a fim de fazêlo Conceito de Deus COMPARTILHAR Deus existe independentemente de qualquer coisa Todos nós existimos de forma contingente isto é poderíamos não ter existido Esse não é o caso de Deus Deus é um ser necessário isto é Deus não poderia não existir Por isso a pergunta quem criou Deus é conceitualmente defeituosa pois Deus não poderia não ter existido Além disso nada há que existe que seja independente do poder criativo de Deus Ele é o único capaz de criar ex nihilo isto é a partir do nada Deus é o Criador e sustentador do mundo Ele criou todas as coisas das galáxias aos átomos Criou galáxias estrelas e planetas criou plantas animais e seres humanos Além disso Deus sustenta todas essas coisas sem tal sustentação o Universo inteiro desapareceria imediatamente como desaparece a chama de uma vela diante de um vendaval E Deus criou livremente as várias estruturas do mundo isto é ele não foi Conceito de Deus 16 COMPARTILHAR obrigado por sua natureza ou por uma estrutura anterior a criar qualquer coisa Por fim apenas Deus possui as propriedades que colocamos nesta lista Não é possível que outro ser tenha tais propriedades e se uma dessas propriedades falta então o ser descrito em questão não pode de modo apropriado ser denominado Deus Como explica Swinburne 2015b p 39 se Deus perdesse algum de seus poderes ele deixaria de existir tal como minha escrivaninha deixaria de existir se deixasse de ocupar espaço Esse é o conceito de Deus como o maior ser que pode ser concebível Nesta aula você Aprendeu o objetivo da disciplina de Filosofia da Religião Compreendeu alguns conceitos importantes que serão trabalhados ao longo da disciplina Analisou o conceito de Deus SWEETMAN Brendan Religião conceitoschave em filosofia Porto Alegre Penso 2013 Capítulo 04 SWINBURNE Richard Deus existe Brasília Academia Monergista 2015b Capítulo 01 PARA CRESCER MAIS 17 Epistemologia Reformada Argumento de Paridade de Alvin Plantinga módulo 02 Olá A Epistemologia Reformada é uma tese sobre a racionalidade da crença religiosa Uma afirmação central feita pelo epistemólogo reformado é que a crença na existência de Deus pode ser racional mesmo na ausência de qualquer evidência ou argumento Mas como pode ser isso Como pode a crença em Deus ser racionalmente aceita mesmo que não tenhamos argumentos ou evidências a seu favor Neste módulo vamos estudar o chamado argumento de paridade a fim de responder a estas questões a partir de uma das primeiras obras escritas por Alvin Plantinga God and Others Minds Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Perceber que grande parte das coisas que aceitamos como racionais não são baseadas em provas ou argumentos Compreender o que é um argumento de paridade Analisar porque a crença em Deus e a crença em outras mentes estão em paridade epistêmica Bons estudos 18 Argumento de Paridade de Alvin Plantinga CONECTAR Certa vez perguntaram ao grande filósofo Bertrand Russell o que ele diria se depois de sua morte fosse levado à presença divina posto diante do trono divino e envolto em toda glória e majestade do ambiente Deus tivesse lhe pedido que justificasse seu fracasso quando em vida em ter se tornado um crente Eu penso que estaria sonhando respondeu Russell ao jornalista Leo Rosten que fizera a pergunta Mas Rosten continuou com o questionamento Mas suponha que você percebeu que não estava sonhando Suponha que Deus estivesse realmente diante de seus olhos sem sombra de dúvidas O que você diria A resposta de Russell foi memorável Não havia evidências suficientes Deus não havia evidências suficientes A história de Russell ilustra uma das mais importantes questões dentro da epistemologia da crença religiosa a de saber se temos boas razões para acreditar que Deus existe Grande parte das pessoas no mundo aceita alguma forma de teísmo Elas acreditam que há um ser todopoderoso completamente bom infinitamente sábio e que criou o mundo Contudo por que as pessoas acreditam neste ser Como elas pensam que sabem esse tipo de coisa Mais precisamente como elas sabem que existe tal pessoa como Deus e de modo mais intrigante como seria possível saber que ele possui atributos como ser todopoderoso ou ser o criador do mundo O modo clássico de abordar tal questão tem a ver com evidência seguindo o exemplo de Bertrand Russell perguntase às pessoas que acreditam em Deus se elas têm evidências ou evidências suficientes para a existência de Deus Neste caso a crença em Deus é intelectualmente aceitável se e somente se os teístas possuírem algum argumento em favor da existência de Deus que seja bemsucedido isto é um bom argumento nãocircular cogente que conclua que Deus existe Ao longo da história foram apresentados os conhecidos argumentos em favor da existência de Deus como o argumento ontológico cosmológico teleológico moral entre outros Críticos da crença teísta como Bertrand Russell e Richard Dawkins afirmam que a crença em Deus é irracional injustificável ou carente de algum mérito intelectual necessário para sua racionalidade E quando eles são questionados por que razão a crença teísta é irracional ou injustificável eles pressupõem que é algo natural considerar que a questão da crença na existência de Deus deve ser resolvida a partir de provas e argumentos pois eles consideravam o princípio de que a aceitabilidade intelectual da crença teísta é idêntica à questão dos argumentos em favor da existência de Deus Como sintetizou certa vez Bertrand Russell 2014 p 52 uma das principais objeções ao teísmo é intelectual pois não existe razão para supor que religião alguma seja verdadeira e por razão Russell provavelmente quer dizer o hábito de embasar convicções em provas de dar a elas apenas aquele grau de certeza que a prova admite RUSSELL 2014 p 24 Contudo Alvin Plantinga notou que essa era uma questão sempre pressuposta mas nunca argumentada Ou seja afirmavase que os teístas precisam de provas ou argumentos para sustentar suas crenças mas nunca era explicado a razão do porquê a crença em Deus necessita de provas ou argumentos a fim de ser justificada racional ou avalizada Ao mesmo tempo Plantinga costumava lembrar que grande parte das coisas em que Pense em como boa parte de nossas crenças são aceitas mas não com base em provas ou argumentos Você acredita que o mundo tem mais de cinco minutos Que existe um passado Que existe um mundo externo fora de sua mente Que existem outras pessoas Todas essas crenças nós aceitamos como intelectualmente apropriadas e chegamos a duvidar de alguém que afirma não acreditar nelas mas não as aceitamos com base em uma prova ou argumentos O que diferencia então as crenças que são aceitas com base em argumentos como as crenças na ciência e as crenças que são aceitas sem provas ou argumentos PARA REFLETIR Argumento de Paridade de Alvin Plantinga 19 CRESCER A resposta dada a tais questões por Alvin Plantinga foi uma das mais criativas e sofisticadas da filosofia analítica da religião contemporânea Nos próximos três módulos vamos estudar aquilo que Plantinga denominou Epistemologia Reformada O conceito diz respeito a uma tese sobre a racionalidade da crença religiosa E uma afirmação central feita pelo epistemólogo reformado é que a crença em Deus pode ser racional sem qualquer apelo a evidências ou argumentos Para ver como a crença em Deus pode ser racionalmente aceita mesmo na ausência de provas ou argumentos convém analisar o primeiro trabalho de Alvin Plantinga God and Others Minds Argumento de Paridade Em seu primeiro trabalho publicado em 1967 God and Others Minds Plantinga produziu um interessante e criativo argumento em favor da racionalidade da crença em Deus mas sem apelar para os clássicos argumentos em favor da existência de Deus Ele recorre ao que a literatura filosófica chama de argumento de paridade De acordo com Quinn 1991 p 317 a ideia básica de tal argumento é que não se deve exigir nem mais nem menos justificativas para crenças em uma área de investigação do que em outra Mais precisamente os padrões de aceitabilidade racional de uma crença não são os mesmos para acreditamos e até de crenças que aceitamos como intelectualmente apropriadas nós não aceitamos com base em provas ou argumentos Assim não poderia o mesmo ser verdade para a crença na existência de Deus Grande parte das pessoas no mundo subscreve ou aceita alguma forma de teísmo Elas acreditam que há um ser todopoderoso completamente bom infinitamente sábio e que criou o mundo Contudo por que as pessoas acreditam nisso Como elas pensam que sabem esse tipo de coisa Mais precisamente como elas sabem que existe tal pessoa como Deus e de modo mais intrigante como seria possível saber que ele possui atributos como ser todopoderoso ou ser o criador do mundo 20 Argumento de Paridade de Alvin Plantinga CRESCER todas as áreas eles devem ser diferentes a depender da natureza do que está sendo tratado Ao mesmo tempo os padrões de exigência em duas áreas que estão em par de igualdade devem ser similares Aristóteles já reconhecia a ideia de que não é razoável esperar ou exigir o mesmo padrão de prova de um orador como se pede de um matemático mais precisamente é tão implausível aceitar conclusões gerais e prováveis de um matemático quanto exigir demonstrações rigorosas de um orador pois o grau de precisão e certeza de um assunto deve ser coerente com a natureza do assunto em particular Nossa discussão se mostrará adequada se atingir a clareza suficiente pertinente ao seu tema Não é de se esperar exatidão de forma indiscriminada em todas as discussões assim como tampouco nos produtos do artesanato Ética a Nicômaco 1094b1 I 3 p 47 No contexto Aristóteles pensa que não se pode oferecer o mesmo grau de rigor no debate sobre ética que se utiliza na matemática pois o rigor e a precisão devem ser relativos ao assunto é preciso buscar precisão mas apenas dentro dos limites estabelecidos pela própria natureza da investigação em questão Pois constitui a marca de alguém instruído esperar aquele grau de precisão em cada modalidade que é possível conforme a natureza do assunto em particular Ética a Nicômaco 1094b1 I 3 p 48 Por isso na ética podese contentar com conclusões amplas e generalizadas aceitando probabilidades em vez de fatos absolutos God and Others Minds O primeiro trabalho de Plantinga God and Others Minds faz uso dessa intuição Plantinga desenvolve um cuidadoso tratamento dos argumentos em favor e contra a existência de Deus e chega à conclusão de que com base neles a crença em Deus não pode ser nem provada nem negada Assim uma vez que os modos tradicionais de estabelecer a questão da aceitabilidade intelectual da crença em Deus não oferecem solução satisfatória Plantinga compara o status da crença em Deus com o status de outra crença que parece se encontrar no mesmo dilema epistêmico a crença em outras mentes O conhecimento sobre outras mentes constitui um problema filosófico tradicional Afinal nós podemos conhecer diretamente o nosso pensamento por um simples acesso mental conseguimos ter relativa clareza sobre o que sentimos e o que pensamos Contudo como nós sabemos que outras pessoas são capazes de pensar ou sentir algo como nós mesmos Como podemos saber que os outros além de nós mesmos possuem mentes Pois uma vez que não podemos perceber diretamente o pensamento e sentimento de outras pessoas como podemos saber se elas realmente têm sentimentos e pensamentos Como eu sei e quais as minhas razões para acreditar que eu não sou a única criatura que pensa e sente Esse é o tradicional problema de outras mentes Plantinga faz uma rigorosa análise do argumento mais promissor em favor de outras mentes o argumento analógico O problema é que verificase que o argumento analógico finalmente sucumbe à enfermidade que se assemelha exatamente àquela que aflige o argumento teleológico PLANTINGA 1967 p viii Mais precisamente o mais Argumento de Paridade de Alvin Plantinga 21 CRESCER promissor dos argumentos em favor de outras mentes o argumento analógico fica aquém do exame filosófico da mesma forma que o aquele que talvez seja o mais promissor dos argumentos em favor da existência de Deus o argumento teleológico De igual modo os argumentos contra a existência de outras mentes também não são bemsucedidos E aqui nos deparamos com o problema de que apesar de todos nós termos uma forte inclinação para sua aceitabilidade intelectual a crença em outras mentes possui insuficiente suporte evidencial Não é possível oferecer uma prova ou um argumento que seja forte o suficiente a fim de provar que outras pessoas tenham mente por mais simples que isso possa parecer Mais especificamente todos nós sabemos que as outras pessoas têm mente mas não conseguimos provar isso através de um bom argumento filosófico ou de uma evidência Deste modo Plantinga se questiona se deveria ser exigido que cada um de nós tem fundamentos para aceitar a proposição de que ele não é o único ser que pensa e raciocina ajuíza e sente como uma teoria científica PLANTINGA 1967 p 269 Grifos de Plantinga A pergunta retórica de Plantinga carrega uma suposição nenhuma pessoa razoável dúvida da existência de outras mentes apesar de ser significativamente difícil apresentar argumentos e evidências em seu favor E se todos nós sustentamos a razoabilidade da existência de outras mentes deve ser em bases diferentes do modo tradicional de pesar argumentos e contraargumentos O importante para nosso contexto é que o problema de como sabemos que os outros têm mente serve como um caso paradigmático para uma classe específica de crenças aquelas que todos nós aceitamos naturalmente como a crença de que existe um passado ou de que existe um mundo externo ou de que nossas faculdades cognitivas são confiáveis É extremamente difícil apresentar um argumento em favor de qualquer uma dessas crenças mas é perfeitamente razoável aceitálas você aceita todas elas Plantinga sugere que a crença em Deus e a crença em outras mentes estão em paridade de modo que a crença em Deus pode razoavelmente ser tratada da mesma forma que nós tratamos a crença em outras mentes É claro que o motivo da crença em Deus e da crença em outras mentes estarem em paridade epistêmica não se deve meramente à falta de um argumento decisivo em seu favor mas ao fato de mesmo em face da ausência de uma evidência que seja convincente para qualquer pessoa racional tais crenças ainda podem ser racionalmente aceitáveis Esse não é um argumento definitivo para a aceitação intelectual da crença em Deus mas contra a demanda de que o teísmo só pode ser aceito se tivermos provas ou evidências em seu favor E essa será uma estrutura que os filósofos que aderem à Epistemologia Reformada como William Alston e Alvin Plantinga vão recorrer primeiro eles destacam crenças que todos nós consideramos racionais e cuja aceitação é imediata não inferida de um argumento ou evidência Além disso elas devem ser crenças que se exigimos evidências ou argumentos teremos resultados desastrosos pois como afirma Plantinga É claro que pode haver outras razões para supor que embora a crença racional em outras mentes não exija uma resposta à questão epistemológica a crença racional na existência de Deus exige Mas é certamente difícil ver quais podem ser essas razões Daí minha conclusão provisória se minha crença em outras mentes é racional também o é minha crença em Deus Mas obviamente o primeiro é racional assim portanto é o último PLANTINGA 1967 p 271 22 Argumento de Paridade de Alvin Plantinga CRESCER Para compreender melhor a força do problema trazido por Plantinga considere o seguinte desafio proposto por Bertrand Russell sobre nossas crenças de memória Aquilo que constitui uma crençamemória está acontecendo agora não naquele tempo anterior a que a crença se refere Quando eu lembro do nascimento de minha filha Ana Sofia essa lembrança acontece no presente não no passado Seguese que não é logicamente necessário para a existência de uma crença da memória que o evento lembrado tenha efetivamente ocorrido ou sequer que o passado tenha existido Talvez o mundo tenha surgido há cinco minutos exatamente com as características que ele tem agora com todas as memórias humanas e todos os outros sinais da história completamente criados Nas palavras de Russell Grosso modo a ideia de Russell é que não há impossibilidade lógica na hipótese de que o mundo surgiu cinco minutos atrás exatamente como é com uma população que se lembra de um passado totalmente irreal E o mais significativo para nosso contexto não é possível apresentar um argumento ou evidência contra esta hipótese pois ninguém conhece sequer como poderia ser esse argumento e como vimos não há conexão logicamente necessária entre eventos em momentos diferentes Contudo uma pessoa que afirma que só devemos acreditar em uma crença se tivermos argumentos ou evidências deveria por coerência ser cética com relação a sua crença no passado Por isso ao invés de exigir um argumento a favor da existência do passado seria melhor ficar com a sábia sugestão de Russell de que não escapamos à necessidade de confiar até certo ponto na memória RUSSELL 1977b p 12 Portanto a ideia de Plantinga é que se pudermos desconsiderar as demandas por argumentos e evidências no caso de nossas crenças naturais como as crenças em outras mentes ou as crenças no passado então talvez devase reconsiderar as demandas por argumentos e evidências para a razoabilidade da crença em Deus nenhuma dessas crenças passa pelo escrutínio da tentativa de apresentar provas ou argumentos mas não se pode Uma das principais lições a serem aprendidas com a história da Filosofia moderna de Descartes a Hume é que parece não haver bons argumentos a favor da existência de outras mentes ou outros eus do passado de um mundo externo e de muitas outras coisas não obstante é de presumir que a crença em outras mentes do passado e em um mundo externo não seja irracional nem tampouco esteja em qualquer outro aspecto abaixo da paridade mínima epistêmica PLANTINGA 2018b p 53 Deixando de lado os argumentos destinados a provar a falibilidade da memória há uma consideração embaraçosa que o cético poderá opor Já que a recordação como foi visto não é possível dirá ele ela prova então que a coisa lembrada ocorreu em outro tempo porque o mundo pode ter emergido cinco minutos atrás exatamente como ele foi cheio de atos de recordação que eram inteiramente ilusórios Oponentes de Darwin tais como o pai de Edmund Gosse levantaram argumentos bem parecidos contra a evolução O mundo disseram foi criado em 4004 aC com fósseis introduzidos para tentar nossa fé O mundo foi criado de repente mas de tal maneira como se fruto de longa evolução Não há impossibilidade lógica a esta opinião E igualmente não há impossibilidade lógica à opinião segundo a qual o mundo foi criado cinco minutos atrás cheio de memórias e registros Talvez pareça uma hipótese improvável mas não refutável logicamente RUSSELL 1977b p 12 e 13 Argumento de Paridade de Alvin Plantinga 23 CRESCER dizer que nós como agentes intelectuais somos injustificados irracionais ou merecedores de algum tipo de reprovação por aceitar tais crenças Conforme o pensamento de Plantinga foi se desenvolvendo seu argumento de paridade entre nossas crenças comuns e a crença em Deus foi ganhando em sofisticação e em ousadia Como veremos na próximo módulo assim como nossas crenças comuns são prima facie avalizadas por serem imediatamente conhecidas a partir de nossas faculdades cognitivas Plantinga postula a existência de uma faculdade cognitiva o sensus divinitatis que forma em nós a crença em Deus de modo análogo a como trabalha as faculdades perceptivas ou de memória Por isso ela deveria desfrutar do mesmo status epistêmico compartilhado pelas nossas crenças naturais comuns Ao comentar uma passagem de Calvino Plantinga afirma Grosso modo a ideia de Plantinga é que a crença em Deus é possivelmente natural ou seja fruto do funcionamento natural de nossas faculdades cognitivas Por isso Plantinga pensa que sua racionalidade deve ser tratada do mesmo modo que tratamos a racionalidade de nossas outras crenças naturais como a de que existe um passado ou crença em outras mentes É preciso enfatizar que o argumento de paridade do Plantinga não afirma que a crença em Deus é exatamente como as crenças perceptivas crenças de memória e a crença em outras mentes Plantinga admite por exemplo que todos nós já acreditamos em outras mentes com um grau de firmeza significativo mas no caso da crença em Deus as coisas podem ser diferentes PLANTINGA 1991 p 311 A questão levantada por Plantinga é que nós devemos julgar a crença em Deus pelos mesmos padrões que julgamos a crença em outras mentes no mundo externo ou no passado de modo que a crença em Deus pode se manter intelectualmente aceitável quando considerada por esses padrões e de forma ainda mais sensata o objetivo de Plantinga é questionar o duplo padrão aplicado a afirmações religiosas mas não aplicado a afirmações em outras áreas como a ciência a epistemologia e a ética A afirmação de Calvino então é que Deus nos criou de tal maneira que temos uma forte propensão ou inclinação para crer nele Esta tendência tem sido em parte superada ou suprimida pelo pecado Se não fosse pela existência do pecado no mundo os seres humanos acreditariam em Deus no mesmo grau e com a mesma espontaneidade natural que acreditamos na existência de outras pessoas de um mundo externo ou do passado Esta é a condição humana natural é por causa de nossa atual condição pecaminosa antinatural que muitos de nós achamos a crença em Deus difícil ou absurda O fato é que Calvino pensa todo aquele que não acredita em Deus está numa posição epistemicamente inferior um pouco como um homem que não acredita que sua esposa existe ou pensa que ela é como um robô inteligentemente construído e que não tem pensamentos sentimentos ou consciência PLANTINGA 2017 p 192 Argumento de Paridade de Alvin Plantinga 24 COMPARTILHAR Nesta aula você Percebeu que grande parte das coisas que aceitamos como racionais não são baseadas em provas ou argumentos Compreendeu o que é um argumento de paridade Analisou por que a crença em Deus e a crença em outras mentes estão em paridade epistêmica PLANTINGA Alvin Conhecimento e crença cristã Brasília Monergismo 2016 A objeção reformada à teologia natural Disponível em httpsperiodicosunbbrindexphprbfrarticleview1770926025 PARA CRESCER MAIS 25 Epistemologia Reformada Modelo AquinoCalvino módulo 03 Olá Como vimos uma afirmação central feita pelo epistemólogo reformado é que a crença na existência de Deus pode ser racional mesmo na ausência de qualquer evidência ou argumento Contudo será realmente correto colocar a crença em Deus como uma crença apropriadamente básica Neste módulo vamos estudar a objeção do fundacionismo clássico contra a ideia de que a crença em Deus é apropriadamente básica Em seguida vamos estudar a resposta de Plantinga bem como o Modelo AquinoCalvino Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Examinar a teoria do fundacionismo clássico bem como as críticas apontadas por Alvin Plantinga Analisar a objeção de Freud e de Marx contra a garantia da crença teísta aceita de modo básico Compreender o Modelo AquinoCalvino Bons estudos 26 Modelo AquinoCalvino CONECTAR Os críticos da crença teísta parecem aceitar como ponto pacífico que a crença em Deus deve ter bons argumentos ou evidências a fim de que ela seja aceita como racional ou justificada Não apenas objetores mas teístas como John Locke Norman Geisler e Stephen Wykstra aceitam algum tipo de evidencialismo como modo da crença teísta ser aceita como intelectualmente aceitável Mas por que a crença em Deus precisa ser aceita nesses termos a fim de ser tida como justificada racional ou avalizada Por qual razão é preciso termos bons argumentos em favor da existência de Deus para que a crença em Deus seja racionalmente aceitável Afinal dificilmente alguém pensa que precisa de um bom argumento a favor da existência do passado para ser racional em acreditar que almoçou ontem De acordo com Plantinga a resposta passa por uma linha mais geral de pensamento chamada de fundacionismo clássico Tal tese está enraizada na obra de René Descartes e John Locke O fundacionismo clássico faz uma distinção entre crenças que são aceitas de forma básica e aquelas que não são aceitas dessa forma há um conjunto de crenças que são diretamente justificadas as crenças básicas sobre as quais devem se apoiar as outras crenças chamadas de crenças nãobásicas As crenças básicas são crenças aceitas de forma imediatamente justificada e que não se baseiam ou não se apoiam de alguma forma sobre outras crenças exemplos de crenças básicas são as de que existe um mundo fora da minha mente e que o passado existe Desse modo as crenças básicas são uma espécie de ponto de partida para o pensamento As crenças não básicas são aquelas derivadas ou baseadas em outras crenças exemplos de crenças não básicas são aquelas em que preciso de argumentos ou evidências a fim de aceitálas como a de que o Universo possui 13787 0020 bilhões de anos Contudo para o fundacionismo clássico uma crença não pode ser simplesmente aceita como básica Para entender o porquê pense na crença sincera de Linus melhor amigo de Charlie Brown na HQ da série Peanuts que acreditava de modo básico que todo ano a Grande Abóbora voava na noite de Halloween trazendo brinquedos para crianças sinceras e crentes em um canteiro de abóboras Seria apropriado para Linus aceitar tal crença de forma básica sem argumentos ou evidências É certo que não Uma pessoa pode alegar acreditar em algo de forma básica mas para que a crença seja aceita de modo apropriado é preciso mais do que uma alegação ela precisa satisfazer algumas condições a fim de especificar por que é racional e adequado para Linus tomar a crença em questão como básica sem ser arbitrário Assim de acordo com o fundacionismo clássico as únicas crenças que são apropriadamente básicas são as que se enquadram em uma das três categorias ou são i autoevidentes ie como as crenças sobre o próprio estado mental ou sobre verdades da matemática e da lógica básicas ou ii evidentes aos sentidos ie crenças produzidas pela experiência perceptiva ou ainda iii incorrigíveis ie crenças de que não se pode duvidar sem fugir da razoabilidade Estas proposições desfrutam de um tipo de imunidade que as qualificaria para estarem entre as crenças básicas Ora a partir disso a crença em Deus não pode ser colocada entre as crenças básicas de um sujeito pois ela não parece ser autoevidente incorrigível ou evidente aos sentidos Modelo AquinoCalvino 27 CRESCER O fundacionista clássico afirma que uma vez que a crença em Deus não é autoevidente incorrigível ou evidente aos sentidos ela só pode ser racionalmente aceita com base em argumentos e evidências Uma das contribuições mais importantes de Alvin Plantinga para a filosofia da religião e para a epistemologia foi apresentar razões do porquê essa linha de raciocínio que era muito comum entre os filósofos desde o iluminismo está equivocada Plantinga apresentou dois argumentos contra o fundacionismo clássico Em primeiro lugar afirma Plantinga 2016 p 57 ele parece contraproducente prendese na própria armadilha ele se coloca em dificuldade autorreferencial E isso porque o fundacionismo clássico não obedece internamente a seus próprios padrões Mais especificamente o fundacionismo clássico não é apropriadamente básico pelos próprios padrões pois tal teoria não é autoevidente incorrigível ou evidente aos sentidos Seguese daí que alguém só deveria aceitar o fundacionismo clássico se tiver evidências inferidas de outras crenças Contudo os adeptos do fundacionismo clássico não apresentaram tais evidências Por isso o fundacionista clássico é inconsistente a partir dos seus próprios padrões Uma segunda razão apontada por Plantinga é que se aceitarmos os padrões do fundacionismo clássico nossas crenças mais comuns que todos nós aceitamos como razoáveis tais como as crenças de que existe um passado as crenças de memória ou as crenças em outras mentes não seriam aprovadas por tais padrões A crença sobre a existência do passado ou de outras mentes por exemplo não seria aceita como básica pois não é autoevidente incorrigível ou evidente aos sentidos Se não é básica então ela precisa ser inferida a partir de outras crenças Contudo como vimos no módulo passado é extremamente difícil formular um argumento para tais crenças Assim Plantinga afirma que o fundacionismo clássico falha porque coloca fora da categoria de crenças apropriadamente básicas aquelas crenças formadas a partir da experiência humana mais comum tais como as crenças de memória e as crenças em outras mentes O ponto de Plantinga é que se tais crenças que se apresentam à nossa experiência A crença em Deus não é autoevidente pois não é o tipo de crença que caso você entenda seu significado por exemplo você veja imediatamente que Deus existe também não é evidente para os sentidos porque Deus por definição transcende o mundo sensorial e por isso não pode ser visto ouvido tocado provado ou cheirado pois Deus está além dos sentidos finalmente nós podemos estar errados sobre a existência de Deus e portanto a crença em Deus não pode ser incorrigível Seguese daí que a crença em Deus só pode ser racional se for sustentada por evidências adequadas isto é por outras crenças Por isso de acordo com o fundacionismo clássico a crença em Deus não possui status epistêmico positivo a menos que seja sustentada por evidências ou argumentos Como veremos essa foi uma linha de pensamento que Plantinga analisou e rejeitou Como veremos Plantinga analisou o desafio proposto pelo fundacionista clássico e procurou mostrar que a crença em Deus pode ser aceita como básica O que isso nos diz sobre a necessidade de ter mais coragem intelectual a fim de enfrentar teorias que parecem colocar em dificuldades o teísmo PARA REFLETIR 28 como apropriadamente básicas não se encaixam nos critérios do fundacionismo clássico então temse um problema com tais critérios não na aceitação destas crenças como básicas Se o fundacionista clássico estiver correto seremos todos injustificados em aceitar várias convicções que não são autoevidentes nem incorrigíveis nem evidentes aos sentidos como apropriadamente básicas mas que todos nós sustentamos de modo intelectualmente legítimo quando as tomamos como apropriadamente básicas É sensato acreditar que existem outras mentes ainda que não tenhamos evidências em favor dessa posição É sensato acreditar que o mundo existe há mais de cinco minutos apesar de eu não conseguir apresentar evidências que justifiquem isso Assim uma das questões centrais trazidas por Plantinga é que dadas nossas crenças naturais parece insensato exigir o dever de apresentar provas e argumentos para elas Qual é a questão Plantinga pensa que o critério apresentado pelo fundacionista clássico precisa ser revisado Ele não nega que crenças autoevidentes incorrigíveis ou evidentes aos sentidos sejam apropriadamente básicas o que ele nega é que elas sejam as únicas crenças apropriadamente básicas De acordo com Plantinga a crença em Deus pode ser intelectualmente aceitável mesmo que não se tenha um argumento ou evidência a favor da crença em Deus Contudo a fim de saber o que significa uma crença ser racional ou justificada precisamos clarificar alguns destes termos Quando se afirma que uma crença é justificada ou racional ou um caso de conhecimento o que se quer saber exatamente O que exatamente esses termos querem dizer A sugestão de Plantinga é que quando se pergunta se a crença em Deus é intelectualmente aceitável o que se quer saber é se ela é garantida ou avalizada Como podemos entender este termo Primeiro há um consenso entre os epistemólogos de que o conhecimento requer verdade MOSER MULDER TROUT p 2009 p 6784 uma pessoa sabe que todos os homens são mortais se realmente for verdade que todos os homens são mortais Há também um amplo consenso de que o conhecimento requer crença uma pessoa sabe que todos os homens são mortais se ele acredita que todos os homens são mortais MOSER MULDER TROUT p 2009 p 4865 Mas como vimos na disciplina de Introdução à Filosofia a crença e a verdade não são suficientes para o conhecimento Eu posso acreditar que o Treze PB vai ser o campeão da Copa do Brasil este ano e isso apesar de o time ser das divisões inferiores do futebol brasileiro ter sido rebaixado na temporada passada e ter vendido os melhores jogadores durante as férias Suponha que por alguma chance louca do futebol ele realmente ganhe o campeonato isso mostraria que eu sabia que o Treze venceria a Copa do Brasil Certamente que não Logo algo mais é necessário algo que junto com a crença e a verdade produza conhecimento Plantinga chama o nome dessa propriedade de warrant que no Brasil pode ser traduzido por garantia ou por aval Por garantia entendese a propriedade quantidade eou qualidade suficiente daquilo que distingue o conhecimento da mera crença verdadeira Mas o que é esta propriedade chamada garantia ou aval Há várias teorias da garantia entre os filósofos Tradicionalmente os fundacionistas clássicos como Descartes e Locke irão dizer que a teoria da garantia está ligada ao conceito de dever ou obrigação Mais precisamente existem deveres ou obrigações com respeito a nossas crenças tais deveres visam regular nossas crenças Neste caso a garantia é uma Modelo AquinoCalvino CRESCER Modelo AquinoCalvino 29 CRESCER questão de responsabilidade epistêmica em que uma crença está garantida se a pessoa que a detém não é culpada de irresponsabilidade epistêmica em formála ou mantêla A justificação aqui é uma questão deontológica algo associado a termos como dever obrigação culpa e inocência De acordo com Plantinga essa teoria do dever é problemática para nossas crenças E isso porque quando formo grande parte das minhas crenças de que existe um passado ou de que há uma estante de livros na minha frente eu não escolho acreditar nelas eu simplesmente me deparo crendo Mais precisamente tais crenças não estão sob nosso controle voluntário de modo que não é correto pensar que nós decidimos formálas Não escolho crer nisso ou não apenas me vejo acreditando No caso típico o que acredito não está sob meu controle isso de fato independe de mim PLANTINGA 2016 p 59 E se esse for o caso então seria falso aplicar categorias morais eg dever e obrigação para nossas crenças ou para nossa capacidade de acreditar Pois como eu poderia contrariar um dever que não depende de mim Plantinga fornece um exemplo depor que a categoria de dever é problemática quando aplicada a coisas que estão fora do nosso controle Plantinga pensa que a mesma coisa é verdade com relação às nossas crenças religiosas Suponha que eu acredite de modo básico que é óbvio que há tal pessoa como Deus suponha que depois de cuidadosa ponderação talvez por ter uma vida espiritual interior rica e vibrante eu me veja convencido de que Deus existe Talvez você sinta Deus falando com você ao ler as Escrituras ou no momento de oração do culto de sua igreja local Você estaria sendo irresponsável ou contrariando o dever ao acreditar em Deus Certamente que não Sou teísta acredito na existência de Deus entretanto jamais decidi ter essa crença Ela sempre me pareceu verdadeira Não é o caso que eu possa me livrar dessa crença só com um ato da vontade PLANTINGA 2016 p 60 Grifos do autor Neste caso Plantinga pensa que se o conceito de garantia tiver um sentido deontológico de dever ou obrigação não somente a crença em Deus mas qualquer outra crença por mais bizarra que fosse seriam garantidas Pois caso você realmente e sinceramente acredite que foi abduzido por extraterrestres como você estaria indo contra seu dever intelectual Pois como poderia merecer algum tipo de censura ou ser irresponsável se pensa cuidadosamente sobre a questão do modo mais responsável possível e ainda chega à conclusão de que realmente foi abduzido Podemos ter a impressão de que você não está garantido em acreditar em tal coisa mas se estivermos falando de garantia no sentido deontológico de proceder em conformidade com a responsabilidade intelectual você sem dúvida está garantido Assim Plantinga pensa que a garantia não pode envolver a noção de dever intelectual Mas se não envolve o dever envolveria o que então Existem várias possibilidades mas a sugestão de Plantinga começa a partir de nossas faculdades cognitivas e intelectuais como a percepção memória intuição racional e introspecção O Se pulo de um avião a 3 mil pés de altura caio em direção ao chão não subo e não dependeria de mim a direção a seguir Eu não poderia contrariar meu dever quando caio em direção ao chão cair não é algo que se possa avaliar moralmente não posso com razoabilidade ser elogiado ou censurado por cair em direção ao chão E o mesmo não vale para a crença Se não está em meu poder suspendêla nessas circunstâncias então nessas circunstâncias eu não poderia contrariar meu dever portanto nessas circunstâncias eu não poderia estar injustificado PLANTINGA 2016 p 60 30 Modelo AquinoCalvino CRESCER objetivo dessas faculdades parece ter sido concebido para nos permitir chegar a crenças verdadeiras sobre o mundo sobre o passado sobre o Universo e sobre outras mentes De uma posição natural nós confiamos nessas faculdades Mais especificamente confiamos que essas faculdades trabalham de tal forma que nas circunstâncias apropriadas formam crenças corretas ou adequadas Na verdade é mais correto afirmar que essas crenças se formam em nós Geralmente não decidimos ter tais crenças em questão simplesmente nos deparamos crendo quando alguém presta atenção no seu quarto por exemplo e o seu campo visual é preenchido com padrões detalhados de luz cor e formas ele forma a crença de que vê uma estante com livros Você não raciocina a partir de um argumento indutivo que dada a totalidade dos indícios é mais adequado acreditar que ali existe uma estante com livros você simplesmente é inclinado a ter tal crença perceptiva Da mesma forma você é inclinado a acreditar no passado na existência de um mundo externo e de outras mentes Como vimos em Introdução à Filosofia Plantinga sugere que as crenças formadas por nossas faculdades cognitivas podem ter garantia a partir da abordagem por ele denominada de função apropriada PLANTINGA 2016 p 7278 isto é uma crença só conta com garantia se for produzida por faculdades cognitivas funcionando apropriadamente sem estarem sujeitas a qualquer disfunção ou mau funcionamento quando produzem a crença Esta noção está intrinsecamente ligada à noção de design os seres humanos bem como suas faculdades foram feitos de tal forma que há um modo correto ou adequado pelo qual eles devem funcionar No entanto Plantinga lembra que tal aspecto é necessário para a garantia mas ainda não é suficiente em segundo lugar as faculdades precisam estar num ambiente cognitivo apropriado Mas esses dois critérios sendo necessários para a garantia ainda não são suficientes em terceiro lugar o propósito de tais faculdades é a produção de crença verdadeira além disso não basta a produção de crenças verdadeiras é preciso que tais faculdades que produzem crenças verdadeiras sejam bemsucedidas neste desígnio Por fim é preciso acrescentar um último critério para uma crença ser garantida quando uma crença obedece às quatro condições citadas e tem garantia o grau dessa garantia depende da força da crença da firmeza com que uma pessoa a sustenta Assim o ser humano dispõe de uma série de faculdades cognitivas que formam nele crenças verdadeiras sobre o mundo e sobre outras pessoas Por isso todos nós temos uma disposição natural de acreditar em crenças perceptuais como eu vejo uma estante com livros ou crenças sobre o passado sobre a existência do mundo externo ou de outras mentes neste sentido podese dizer que você sabe que tais crenças são verdadeiras quando você acredita nelas quando elas são verdadeiras e quando elas são produzidas em você por suas faculdades cognitivas atuando da forma que foram projetadas para funcionar sem estarem sujeitas a qualquer disfunção ou mau funcionamento em um ambiente cognitivo adequado de acordo com um projeto de design que vise com sucesso à verdade e seja bemsucedido de forma que você se sinta fortemente inclinado a adotar tais crenças Queixa Freud e Marx A garantia está ligada ao funcionamento apropriado de nossas faculdades cognitivas Mas o que dizer da crença em Deus A pessoa com as faculdades cognitivas funcionando apropriadamente do modo como deveriam funcionar poderia manter a crença Modelo AquinoCalvino 31 CRESCER Estas crenças religiosas que se proclamam ensinamentos não são precipitados da experiência ou resultados finais do pensamento são ilusões realizações dos mais antigos mais fortes e prementes desejos da humanidade o segredo de sua força é a força desses desejos FREUD 2014 VI p 214 Mediante a benévola ação da Providência divina a angústia ante os perigos da vida é atenuada o estabelecimento de uma ordem moral universal assegura o cumprimento da exigência de justiça que tão frequentemente deixou de ser cumprida no interior da cultura humana a continuação da existência terrena numa vida futura fornece a moldura especial e temporal em que devem se consumar essas realizações de desejos FREUD 2014 VI p 214 Este é o fundamento da crítica irreligiosa o homem faz a religião a religião não faz o homem E a religião é de fato a autoconsciência e o autossentimento do homem que ou ainda não conquistou a si mesmo ou já se perdeu novamente Mas o homem não é um ser abstrato acocorado fora do mundo O homem é o mundo do homem o Estado a sociedade Esse Estado e essa sociedade produzem a religião uma consciência invertida do mundo porque eles são um mundo invertido A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real A religião é o suspiro da criatura oprimida o ânimo de um mundo sem coração assim como o espírito de estados de coisas embrutecidos Ela é o ópio do povo MARX 2013 p 151152 Grifos de Marx em Deus Plantinga apresenta as críticas de Karl Marx 18181883 e de Sigmund Freud 18561939 que ele denomina Queixa Freud Marx contra a crença teísta Ambos os autores pensam que a crença em Deus é resultado de alguma disfunção cognitiva Mas como seria isso Freud pensa que a crença teísta surge de um mecanismo psicológico denominado realização de desejos a crença teísta provém de um pensamento ilusório cuja finalidade última não é a produção de uma crença verdadeira mas uma forma de sobreviver em um mundo obscuro e cruel Podemos entender a crítica de Freud da seguinte maneira estamos diante de uma natureza impiedosa e desoladora Nela a vida humana é solitária pobre sórdida curta e cruel Cega às nossas necessidades e desejos ela gera dano medo e dor exigindo a nossa morte Por isso apavorados e desesperados criamos de modo inconsciente um pai celestial todopoderoso e benevolente que da mesma forma como nossos pais terrenos cuida de nós e promete estar conosco mesmo no vale da sombra da morte De acordo com Freud Assim dadas as injustiças deste mundo sórdido Deus um ser completamente justo e bondoso garante que compensará em meio a sua providência e numa existência futura quaisquer frustrações que uma pessoa tenha experimentado na vida presente Assim temos um pai benevolente que zela por nós de modo providencial suprindo os desejos e anseios do gênero humano Para Plantinga outra objeção que nos ajuda a elucidar a possível falta de garantia da crença teísta vem do filósofo alemão Karl Marx Em uma de suas clássicas afirmações sobre a religião ele afirma 32 Modelo AquinoCalvino CRESCER Grosso modo a ideia de Marx não é que a religião surge a partir de uma necessidade psíquica como em Freud mas a partir de uma consciência pervertida do mundo É a sociedade invertida que produz a consciência invertida do mundo que origina o sentimento religioso Em Marx existe uma condição correta ou natural pela qual deveríamos ver o mundo Essa condição seria diferente desse mundo invertido Contudo a religião nasce a partir de uma espécie de falsa consciência gerada por esse mundo invertido Há no mundo uma desordem ou condição social perversa e doentia há uma luta de classes bem como uma tentativa de fazer com que o status quo seja mantido devido a algum interesse social de um grupo particular da sociedade A religião surge dentro desse contexto Esse tipo de ambiente cognitivamente comprometido é que gera a religião Nesse sentido o teísta possuiria algum tipo de disfunção cognitiva que não permitiria que ele enxergasse a realidade tal como ela é mas apenas uma falsa consciência dessa realidade Marx pensa que a crença religiosa é resultado de uma disfunção cognitiva gerada pelo ambiente social disfuncional em que o teísta se encontra Assim o equipamento cognitivo do crente não funciona de modo apropriado levandoo a cair em tal ilusão Se esse tipo de coisa não acontecesse isto é se o teísta com seu equipamento cognitivo funcionando corretamente sem a mácula de um ambiente fomentador de crenças ilusórias ele iria se desvencilhar de tais ideias errôneas e ilusórias Por isso a crítica da religião é algo tão necessário para libertar o ser humano desse tipo de ilusão É dessa forma que Plantinga afirma que a Queixa FM pode prover uma crítica viável à garantia da crença em Deus Pois a crença em Deus não é produzida por faculdades cognitivas que estejam funcionando apropriadamente nem que visem à verdade Nesse sentido o problema não está na veracidade da crença teísta a alegação não é que a crença em Deus seja falsa mas que é de algum modo irracional acreditar nela seja ela verdadeira ou falsa pois há algo errado e inapropriado no fato de alguém acreditar em uma crença que ou não é produzida por faculdades cognitivas funcionando em um ambiente inapropriado Marx ou é produzida por mecanismos de formação de crença que não visam à verdade Freud Modelo AquinoCalvino Dentro desse contexto Plantinga busca responder à Queixa FM oferecendo um modelo pelo qual a crença teísta poderia ter garantia mesmo sem evidências e argumentos Por modelo Plantinga entende um estado de coisas possíveis Plantinga não argumenta que tal modelo é verdadeiro mas que pode ser verdadeiro Para isso ele busca inspiração tanto em alguns insights de São Tomás de Aquino quanto em comentários mais desenvolvidos de João Calvino por isso ele denomina tal concepção de Modelo AC O Modelo AC de Plantinga começa a partir da ideia de que há um conhecimento natural de Deus algo com que tanto Tomás de Aquino quanto João Calvino concordavam De acordo com Aquino AQUINO I q2 a1 ad 1 está impresso naturalmente em nós algum conhecimento geral e confuso da existência de Deus Calvino expande a proposta de Aquino afirmando que há uma espécie de conhecimento natural de Deus isto é uma tendência instinto humano ou inclinação natural para formar crenças acerca do divino Que existe na mente humana e na verdade por disposição natural certo senso da divindade consideramos como além de qualquer dúvida CALVINO I Capítulo iii Seção 1 Para Calvino Deus criou o ser humano com um sentido divino ou um sensus Modelo AquinoCalvino 33 CRESCER divinitatis Plantinga postula que essa seria uma faculdade ou mecanismo que produz em nós a crença em Deus ocasionado por uma ampla variedade de circunstâncias Mais especificamente quando o ser humano se encontra em determinadas circunstâncias ou passa por determinadas experiências o sensus divinitatis é desencadeado e assim surge no agente a crença em Deus Assim supondo que a crença teísta é verdadeira Deus criou o ser humano com um conjunto complexo sutil e bemarticulado de faculdades que permite a ele obter crenças verdadeiras sobre vários tópicos inclusive sobre Deus Essa capacidade para o conhecimento de Deus faz parte do nosso equipamento cognitivo original faz parte do perfil epistêmico fundamental com que Deus nos criou PLANTINGA 2018a p 196 Existiria assim dentro da mente humana uma consciência da divindade um instinto natural que aponta para Deus um sensus divinitatis Esse senso de divindade seria uma disposição ou um conjunto de disposições para formar crenças teístas em várias circunstâncias em respostas àquelas condições ou estímulos que desencadeiam o funcionamento desse sentido do divino PLANTINGA 2018a p 190 Essas faculdades análogas a outras faculdades como memória e percepção permitem aos seres humanos terem consciência da presença e das propriedades de Deus e são básicas em um sentido adequado ao conhecimento como são básicas as crenças geradas pela percepção e pela memória Essa faculdade permite ter com o divino o tipo de relacionamento que normalmente temos com outras pessoas como afeição conversação amor mútuo proximidade comunicação entre outros Quando funcionando de forma apropriada em um ambiente apropriado ao seu funcionamento o sensus divinitatis transforma a crença teísta em conhecimento O resultado deste modelo pode ser expresso resumidamente na seguinte proposição se Deus de fato existir e tiver criado o ser humano com o sensus divinitatis então a crença teísta é provavelmente um caso de conhecimento sendo racional ou justificadamente aceitável acreditar nela Para Plantinga aceitar a crença na existência de Deus como básica não implica que ela seja arbitrária ou gratuita há circunstâncias e condições que evocam a crença em Deus Pense em situações tais como momento de gratidão adoração culpa ou o ver a mão de Deus na natureza Suponha que você está em um ambiente apropriado seja orando seja lendo as Escrituras ou perante uma paisagem magnífica A partir daí seria formada em você a crença de que Deus me ama ou Deus me perdoa ou Deus está falando comigo ou ainda Deus criou tudo isso e tal circunstância ativaria a faculdade do sensus divinitatis gerando a garantia da crença independentemente de qualquer evidência ou demonstração racional uma vez que dado o modelo de Plantinga Deus teria implantado no ser humano a tendência natural para ver a sua mão no mundo A crença na existência de Deus não seria inferida de tais circunstâncias nem é resultado de alguma cadeia de raciocínios mas estar nas circunstâncias adequadas torna tal convicção apropriadamente básica por isso racional e garantida Não é uma questão de fazer uma inferência rápida e simples partindo da grandiosidade das montanhas ou da beleza da flor ou da luz do sol no topo das árvores para concluir pela existência de Deus em vez disso uma crença acerca de Deus surge espontaneamente nessas circunstâncias as circunstâncias que desencadeiam a operação do sensus divinitatis PLANTINGA 2018a p 193 34 Modelo AquinoCalvino CRESCER Logo quando se afirma que a crença em Deus está garantida não se afirma que ela seja gratuita mas sim que há circunstâncias justificantes para essa crença ou condições que justificam racionalmente quem a aceita como básica Quando funcionando apropriadamente essas situações ativam o sensus divinitatis que em quantidade suficiente transforma a crença teísta em conhecimento No entanto Plantinga argumenta que não se segue daí que seja possível provar tal crença para algum cético Essa é uma questão totalmente diferente Conhecimento é uma coisa ser capaz de provar tal conhecimento para um cético é outra Contudo para Plantinga disso se segue que o fato de você não poder provar ou apresentar evidências para a verdade do conhecimento em questão não significa que você não conhece tal questão Claro que você pode apresentar argumentos para demonstrar que você conhece X Mas tais argumentos não são necessários para a racionalidade ou para o conhecimento Dessa forma através do Modelo AC é possível demonstrar que dado tudo que sabemos a crença em Deus pode ser perfeitamente racional e garantida constituindo um caso de conhecimento para quem as tem No entanto essa conclusão não parece insignificante Qual a importância dela Para Plantinga uma das principais objeções contra a fé cristã não diz respeito à sua verdade mas à sua razoabilidade Essa objeção pode ser resumida da seguinte forma Eu não sei se a crença teísta é verdadeira quem poderia saber uma coisa dessas Mas sei o seguinte ela é irracional injustificada não racionalmente justificada contrária à razão intelectualmente irresponsável PLANTINGA 2016 p 95 e 96 Todavia o Modelo AC procura demonstrar que o teísta não pode ser tido como irracional injustificado ou infundado ao crer em Deus de modo básico mesmo na falta de evidências ou argumentos Para utilizar os termos de Plantinga não há até agora objeção de jure à crença teísta isto é oposições que afirmam que ela é injustificada irresponsável ou irracional que já não pressupõem a falsidade do teísmo objeções de facto Assim para argumentar que o teísmo é irracional ou não garantido o objetor precisará encontrar refutações contra a verdade da crença teísta a fim de mostrar por que elas são irracionais ou não garantidas Até agora as objeções de jure de alguma forma parecem sempre pressupor a falsidade da crença teísta isto é as objeções de facto Por exemplo as objeções de Freud e Marx à racionalidade do teísmo já pressupõem que Deus não existe Por isso as objeções bemsucedidas contra a crença teísta terão de incidir sobre a verdade do teísmo e não só sobre sua racionalidade Contudo se a crença em Deus é produto de uma faculdade cognitiva que faz parte da nossa constituição natural por que muitas pessoas não possuem tal crença Mais precisamente por que muitas pessoas não acreditam em Deus O sociólogo Phil Zuckerman 2010 p 82 afirma por exemplo que o fato de entre 500 e 750 milhões de pessoas em todo o mundo não acreditarem em Deus torna qualquer sugestão de que o ateísmo é inato ou que tem base neurológica manifestamente insustentável Estudos recentes sobre a demografia do ateísmo demonstram que esses números são menores De acordo com a revisão dos sociólogos Ariela Keysar e Juhem NavarroRivera 2013 p 553 a partir de numerosos estudos globais sobre ateísmo existem atualmente cerca de 450 a 500 milhões de ateus em todo o mundo o que equivaleria a 7 da população global Assim se a crença em Deus é natural por que tantas pessoas não são teístas Segundo o Modelo AC há uma resposta possível para tal desafio e ela tem a ver com uma disfunção cognitiva muitas das nossas faculdades cognitivas se encontram danificadas e com seu uso parcialmente ou completamente comprometido há no mundo cegueira surdez incapacidade para distinguir o bem do mal haveria assim estados Modelo AquinoCalvino 35 COMPARTILHAR análogos referentes à operação do sensus divinitatis Plantinga afirma que o pecado comprometeu significativamente o funcionamento dessa faculdade esse conhecimento natural de Deus foi comprometido enfraquecido reduzido sufocado coberto ou obstruído pelo pecado e pelas suas consequências PLANTINGA 2018a p 200 Assim o sensus divinitatis não opera de modo pleno atualmente nas condições atuais sua operação plena está restrita e inibida É possível que a própria faculdade esteja enferma e por isso parcial ou completamente desativada em uma grande quantidade de pessoas Nesse sentido é interessante que o Modelo AC inverte a Queixa FM é o descrente que carece do pleno funcionamento epistêmico aqueles que não acreditam em Deus é que estão distantes de sua condição natural resultado de uma disfunção no sensus divinitatis ou seja o ato de não acreditar poderia estar relacionado ao funcionamento impróprio dessa faculdade No próximo módulo vamos estudar melhor como o pecado pode afetar o sensus divinitatis e como Deus providenciou um meio de lidar com ele Nesta aula você Examinou a teoria do fundacionismo clássico bem como as críticas apontadas por Alvin Plantinga Analisou a objeção de Freud e de Marx contra a garantia da crença teísta aceita de modo básico Compreendeu o Modelo AquinoCalvino PLANTINGA Alvin Conhecimento e crença cristã Brasília Monergismo 2016 Cap 02 e 03 Epistemologia reformista Disponível em httpscriticanaredecomldsepistemologyhtml PARA CRESCER MAIS 36 Epistemologia Reformada Modelo AquinoCalvino estendido módulo 04 Olá O Modelo AC diz respeito apenas à crença de que há tal pessoa como Deus Mas a crença cristã ultrapassa a crença em Deus Por isso Plantinga estendeu o Modelo AC de tal modo que ele se aplique a crenças teístas cristãs mais específicas dentro de uma cosmovisão cristã envolvendo a narrativa cristã da criação queda e redenção Neste módulo vamos ver como os cristãos podem ter suas crenças específicas como a de que Jesus ressuscitou dos mortos ou de que Cristo morreu pelos nossos pecados formadas de modo garantido Para isso veremos que o conhecimento destas coisas envolve não apenas ter nosso aspecto cognitivo correto mas também ter os afetos devidamente calibrados Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Perceber os danos causados pelo pecado no nosso conhecimento natural de Deus e no sensus divinitatis Compreender o Modelo AC estendido Analisar por que a crença em Deus precisa ser corretamente calibrada pelo Espírito Santo tanto de uma perspectiva cognitiva quanto afetiva Bons estudos 37 CONECTAR O Modelo AC postula apenas a crença na existência de Deus Dada sua teoria da função apropriada Plantinga afirma que não há uma boa razão para pensar que a crença teísta não possa ter garantia É possível que o ser humano tenha sido criado por Deus com uma faculdade cognitiva natural o sensus divinitatis que funcionaria como uma disposição ou um conjunto de disposições para formar crenças teístas nas mais variadas circunstâncias em resposta a experiências que desencadeariam seu funcionamento Nesse sentido quaisquer crenças que resultem desta faculdade estarão em posição de terem algum tipo de garantia No entanto o Modelo AC diz respeito apenas à crença de que há tal pessoa como Deus Até aqui ficamos apenas com a crença em um Deus algo pouco preciso e inespecífico sobre quem é tal ser todopoderoso Mas a crença cristã ultrapassa a crença em Deus Dado apenas o Modelo AC talvez fosse possível pensar que apenas a crença em Deus pode ter garantia mas o mesmo não é verdade para outras crenças que são também significativamente importantes para a vasta maioria dos teístas ao redor do mundo Talvez fosse possível saber que há um ser poderoso e criador mas não conhecermos sua vontade seu interesse por nós ou como podemos desfrutar de algum tipo de relacionamento íntimo como ele Por isso Plantinga estendeu o Modelo AC de tal modo que ele se aplique a crenças teístas cristãs mais específicas dentro de uma cosmovisão cristã envolvendo a narrativa cristã da criação queda e redenção Para Plantinga caso a crença cristã seja verdadeira os cristãos estão garantidos em adotar não apenas a crença geral de que Deus existe mas crenças mais específicas tais como Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo ou Cristo morreu pelos nossos pecados Essas crenças seriam formadas naquilo que C S Lewis 2017a chamou de cristianismo puro e simples e estão presentes nos credos cristãos históricos O modelo de Plantinga envolve noções eminentemente teológicas como fé pecado e obras do Espírito Santo e seu objetivo é demonstrar que os cristãos podem ter garantia para sustentar a crença cristã plena Contudo como pode o cristão ser garantido em acreditar nessas crenças mais específicas Uma acusação muito comum contra o cristianismo é que não é possível ao teísta cristão saber ou ter qualquer tipo de crença com algum grau de garantia sobre essas coisas Pense por exemplo no chamado Padrão Sagan aforismo empregado por Carl Sagan na série Cosmos em referência a alegações sobre alienígenas que visitavam a Terra que afirmava que alegações extraordinárias requerem evidências extraordinárias No nosso caso os cristãos também acreditam numa multidão de coisas que são excepcionais ou incomuns Sagan fornece alguns exemplos imaginários de como o teísta poderia ter algum tipo de garantia para sua crença Modelo AquinoCalvino Estendido Deus poderia ter gravado os Dez Mandamentos na Lua Bem grande Cada mandamento com dez quilômetros de comprimento E ninguém poderia vêlos da Terra até que um dia grandes telescópios fossem inventados ou uma nave espacial se aproximasse da Lua e lá estariam eles gravados na superfície lunar As pessoas diriam Como aquilo foi parar lá E haveria então várias hipóteses a maioria delas extremamente interessante Ou por que não um crucifixo de cem quilômetros na órbita da Terra Certamente Deus seria capaz de fazer isso Certo É claro não criou o Universo Uma coisinha simples como colocar um crucifixo na órbita da Terra Perfeitamente possível Por que Deus não faz esse tipo de coisa Ou em outras palavras por que Deus seria tão claro na Bíblia e tão obscuro no mundo SAGAN 2008 p 187 O que temos é a afirmação de que um ser humano Jesus de Nazaré é também espantosamente o Filho único e divino de Deus que existiu desde toda a eternidade Além disso esse homem morreu o que não é invulgar mas depois decorridos três dias ressuscitou dos mortos o que é muitíssimo invulgar Mais ainda é por meio do seu sofrimento morte e ressurreição expiadores que nos justificamos que os nossos pecados são perdoados e que podemos ter vida e têla em abundância Estas são alegações pesadas e o mero fato de alguns autores antigos acreditarem nelas seria decerto insuficiente para uma convicção sensata da nossa parte PLANTINGA 2018a p 281 Grifo do autor 38 Modelo AquinoCalvino Estendido CONECTAR Nesse caso a acusação de Sagan é que uma alegação extraordinária como a de que Jesus ressuscitou dos mortos exigiria um modo extraordinário de saber sobre ela pois não estamos aqui a tratar de algo que se harmonize facilmente com nossa experiência cognitiva comum Não é como se pudéssemos analisar se Jesus ressuscitou dos mortos da mesma forma que podemos analisar se houve uma guerra na antiguidade ou sobre a extensão de domínio de um determinado império Para colocar nos termos de Plantinga Reflita sobre o desafio de Plantinga como alguém poderia saber que tais crenças mais específicas sobre o cristianismo são verdadeiras Seria possível saber sobre elas independentemente da revelação de Deus PARA REFLETIR Modelo AquinoCalvino Estendido 39 CRESCER O Modelo AC estendido de Alvin Plantinga busca apresentar como o teísta cristão pode sustentar de modo garantido suas crenças no cristianismo Para isso ele retém todas as características do Modelo AC tais como o sensus divinitatis e a basicidade da crença em Deus A essência do Modelo AC estendido começa com a ideia de que Deus criou o ser humano à sua imagem Um aspecto crucial aqui é que no Modelo AC estendido somos parecidos com Deus pelo fato de sermos pessoas isto é sermos seres que têm intelecto e vontade consciência e afeições propósitos para agir intencionalmente e que podem agir Plantinga entende que por sermos a imago dei uma parte importante de termos sido criados desse modo consiste em nos assemelharmos a Deus na capacidade de conhecer temos crença e entendimento Plantinga 2018a p 220 chama tal pacote que os seres humanos portam em si de imagem geral de Deus O Modelo AC estendido postula que de acordo com a criação original os seres humanos exibiam também uma imagem restrita como parte de sua constituição tinham conhecimento extenso e íntimo de Deus e afetos sãos incluindo a gratidão pela bondade de Deus PLANTINGA 2018a p 220 Mais especificamente os seres humanos possuíam seus amores de modo ordenado amavam e conheciam a Deus acima de tudo bem como amavam o próximo como a si mesmo amavam e odiavam o que era respectivamente amável e odiável Contudo quando olhamos ao redor parece que estamos no meio de uma grande confusão e de uma rebelião violenta O Modelo AC estendido de Plantinga acrescenta que os seres humanos caíram em pecado pois a visão de mundo cristã não para no ensino de que Deus criou o mundo e o ser humano Algo mais aconteceu e esse algo é o que a teologia cristã chama de queda No modelo o homem decidiu se alienar de Deus ocasionando consequências afetivas e cognitivas desastrosas Em termos afetivos o pecado distorceu completamente nossas afeições de modo que o coração humano abrigaria um mal profundo e radical agora tendemos a amar a nós mesmos acima de tudo em vez de amar a Deus sobre todas as coisas Em termos cognitivos nosso conhecimento original de Deus foi severamente comprometido O sensus divinitatis foi danificado e deformado de tal modo que não conhecemos Deus de modo natural e não conhecemos uns aos outros e o mundo que nos rodeia como era postulado em nossa constituição original Há além disso uma resistência tanto afetiva quanto cognitiva ao que ainda sobrou dos produtos do sensus divinitatis Por isso há algo importante no Modelo AC estendido que é enfatizado por Plantinga as crenças cristãs não são apenas produzidas por qualquer equipamento cognitivo natural como a percepção ou a memória nem mesmo através da faculdade original que forma em nós a crença em Deus como o sensus divinitatis Ao contrário surgem antes pela obra do Espírito Santo que nos faz aceitar essas verdades grandiosas do evangelho e causa em nós essas crenças PLANTINGA 2018a p 259 Mais precisamente a garantia das crenças do Modelo AC estendido são frutos não apenas da operação original dos nossos poderes epistêmicos mas também da operação sobrenatural de Deus É preciso este tipo de intervenção externa a fim de nos curar das consequências catastróficas do pecado sobre nossa vida cognitiva e afetiva no que diz respeito à crença em Deus No modelo de Plantinga o ser humano caiu em pecado mas ele não ficou nessa condição deplorável Incapazes pelos nossos próprios esforços de nos libertamos dessa difícil situação Deus instituiu um plano de salvação através da vida morte e ressurreição de Jesus Cristo A salvação envolve entre outras coisas novo nascimento e regeneração processo que envolve a restauração e reparação da imagem divina em nós Essa é a narrativa 40 encontrada no cristianismo puro e simples de C S Lewis 2017a e nos grandes credos cristãos Contudo como um cristão sabe dessas coisas Como ele pode ser garantido em acreditar nisso Para Plantinga Deus instituiu também um processo cognitivo em três níveis pela fé pelas Escrituras e pela instigação interna do Espírito Santo É por meio destas três fontes de conhecimento que um teísta reconhece as verdades centrais do cristianismo tais como Cristo morreu pelos nossos pecados Tais conhecimentos não surgem apenas por meio da operação normal de nossas faculdades naturais elas são uma dádiva sobrenatural PLANTINGA 2018a p 259 Vamos analisar de modo mais detalhado como se dá esse processo no Modelo AC estendido Efeitos do pecado Plantinga pensa que há disposições psicológicas e morais que impedem o funcionamento apropriado de nossas faculdades cognitivas Quando uma crença é formada por causa de uma disfunção cognitiva por mais que esteja propagada entre os seres humanos o equipamento cognitivo não está funcionando corretamente isto é não está funcionando da maneira que deveria funcionar E isso aconteceu com o sensus divinitatis No Modelo AC estendido o pecado original compromete o intelecto e a vontade tendo por isso tanto efeitos cognitivos quanto afetivos Ele traz vários tipos de limitações e distúrbios de natureza cognitiva como cegueira embotamento e estupidez Plantinga 2018a p 222 interpreta que a falta de conhecimento que as pessoas têm de Deus e dos seus atributos faz parte de uma dessas deficiências cognitivas Tratase de uma limitação cognitiva que antes de mais nada impede a vítima de ter um conhecimento apropriado de Deus da sua beleza glória e amor Ao mesmo tempo o pecado também traz disfunções afetivas em que amamos o que não deve ser amado e odiamos o que não deve ser odiado De acordo com o Modelo AC estendido o pecado afeta nosso conhecimento geral mas os efeitos noéticos do pecado têm mais peso com respeito ao nosso conhecimento das outras pessoas de nós mesmos e de Deus PLANTINGA 2018a p 228 Mais especificamente a consequência cognitiva mais significativa diz respeito ao nosso desconhecimento de Deus pois não fosse o pecado e os seus efeitos a presença e a glória de Deus seriam tão óbvias e incontroversas para todos nós quanto a presença de outras mentes dos objetos físicos e do passado PLANTINGA 2018a p 229 O pecado danificou o conhecimento de Deus de tal modo que a faculdade cognitiva responsável por gerar tal conhecimento o sensus divinitatis foi severamente lesionada O conhecimento original de Deus e de sua glória foi abafado obscurecido sufocado de modo que temos para com ele preguiça isto é uma espécie de paralisia insensibilidade ou torpor espiritual no que se refere à presença ao amor e às exigências de Deus para conosco Talvez para algumas pessoas o sensus divinitatis não funcione de modo algum para outras pessoas ela pode funcionar parcialmente mas nos afastamos dos seus produtos de modo deliberado ou semideliberado ou talvez ainda o sensus divinitatis pode ficar seriamente comprometido por conta do testemunho isto é as pessoas são criadas para acreditar que o conhecimento natural de Deus que elas possuem é fruto da mera superstição ou como algum tipo de neurose obsessiva ou ainda como uma espécie de ópio do povo O Modelo AC estendido afirma não apenas que nosso conhecimento de Deus foi danificado por causa da lesão ao sensus divinitatis mas que nossos afetos foram desajustados de tal modo que houve um tipo de loucura de vontade no projeto original de Modelo AquinoCalvino Estendido CRESCER Modelo AquinoCalvino Estendido 41 CRESCER Deus para os seres humanos o ser humano foi criado em uma ordem na qual os afetos funcionam bem quando funcionam do modo como deveriam funcionar nesse sentido os afetos do homem estavam ordenados isto é o homem amava devidamente cada coisa da boa criação de Deus de acordo com o grau que lhe era próprio amava Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo colocando os interesses dos outros na frente dos seus mas o pecado subverteu completamente este quadro rompendo com a ordem criada agora os seres humanos tendem a se amar acima de tudo e a não estar mais em harmonia com Deus nem com seus semelhantes tendendo a odiálos ou a reificálos para seus mais diversos fins Neste sentido qualquer garantia que a crença cristã venha a ter precisa reordenar tanto nossas faculdades cognitivas quanto nossos afetos Revelado a nossa mente Plantinga propõe a partir do Modelo AC estendido como Deus poderia informar aos seres humanos em diferentes tempos e lugares sobre o esquema da salvação por ele disponibilizado e sobre as crenças cristãs mais específicas No modelo há um esquema cognitivo de três partes i a produção da Escritura ii a instigação interna do Espírito Santo iii a produção da fé no coração dos crentes cristãos De acordo com Plantinga o objetivo do Modelo AC estendido é defender que o teísta pode ter garantia para acreditar nas principais diretrizes do evangelho cristão ou do plano de Deus pelo qual os seres humanos podem atingir a shalom a partir de um relacionamento correto com o divino Contudo este modelo não afirma que os cristãos estão igualmente garantidos em acreditar em toda e qualquer crença que podem surgir a partir do meio cristão tais como aquelas que envolvem as controvérsias arminianismo versus calvinismo ou criacionismo de terra jovem versus criacionismo evolucionário Para Plantinga o objeto da fé no Modelo AC estendido é todo o magnífico esquema de salvação que Deus concebeu PLANTINGA 2018a p 261 Outro ponto importante é que o cristão pode saber que todo esse esquema se aplica a ele Logo de acordo com o Modelo AC estendido o cristão pode saber tanto sobre as principais diretrizes da doutrina cristã quanto que tal modelo é dirigido e designado a ele No crente a fé é uma atividade sobrenatural do Espírito Santo não de nossas capacidades cognitivas comuns Neste caso haveria sempre os mesmos três processos i há um elemento cognitivo a ser crido ii há uma doutrina específica que é objeto da crença e finalmente iii há a atividade especial do Espírito Santo que nos confirma internamente que tais coisas são verdadeiras Nesse processo Plantinga 2018a p 263 afirma que as crenças que constituem a fé são tipicamente tomadas como básicas isto é não são aceitas por meio de argumentação a partir de outras proposições ou com base evidencial em outras proposições Mais precisamente a ideia de Plantinga é que a crença nas grandes coisas do evangelho não é fruto de uma argumentação histórica ou a partir da base evidencial de outras proposições o crente não reúne uma série de argumentos ou evidências sobre a confiabilidade da Bíblia a partir dos quais ele pode saber que as coisas grandiosas do evangelho são provavelmente verdadeiras Para Plantinga 2018a p 263264 haveria por um lado a apresentação da doutrina cristã central seja através da leitura ou da escuta do evangelho e por outro lado o Espírito Santo forma no crente a convicção ou a instigação de 42 que aquilo que ele está escutando ou lendo é verdadeiro e é uma doutrina divina Haveria assim sempre esse processo dual em que o testemunho das Escrituras e a instigação interna do Espírito Santo trabalhariam como fontes epistêmicas no crente formando de maneira apropriadamente básica e imediata a crença nas grandes coisas do evangelho E com isso a fé é capaz de satisfazer as condições necessárias e suficientes para uma crença ter garantia suficiente para o conhecimento Não é que o crente quer ou deseja meramente acreditar que tais coisas são verdadeiras também não é uma questão de apostar em qualquer sentido pragmático que as grandes coisas do evangelho são de algum modo reais É um tipo de conhecimento seguro e certo que se está a tratar de acordo com o Modelo AC estendido Não há qualquer semelhança seja interna ou externa com um salto no escuro Para a pessoa de fé pelo menos nos seus exemplos paradigmáticos as coisas grandiosas do evangelho são claramente verdadeiras óbvias convincentes Ela se vê convencida tal como no caso de crenças claras de memória ou da crença em verdades elementares da aritmética PLANTINGA 2018a p 275 Mas não haveria algo de errado em considerar como conhecimento algo que escapa aos nossos mecanismos comuns de formação de crença De acordo com o Modelo AC estendido ter fé é ter uma fonte especial de conhecimento que transcende nossos processos cognitivos naturais e comuns fornecido por uma dádiva divina E tal dádiva não deixa de ser conhecimento pelo mero fato de ser divina Pois se o Espírito Santo confirma no meu coração que o cristianismo é verdadeiro por que eu deveria desconfiar de tal experiência e não considerar isso como conhecimento Para Plantinga a crença em Deus foi danificada de tal forma pelo pecado que sem uma atividade especial do Senhor não acreditaríamos PLANTINGA 2018a p 279 Por isso que necessariamente de acordo com o Modelo AC estendido a fé precisa ser uma dádiva especial exigindo a atividade sobrenatural e extraordinária de Deus no crente É preciso algum tipo de ajuda ou auxílio divino algum tipo de renovação cognitiva juntamente com uma recalibragem dos afetos para que o crente possa enxergar a verdade das diretrizes centrais da fé cristã O Espírito Santo forneceria ao crente uma restauração da natureza com a qual a humanidade foi originalmente criada reparando a devastação tanto cognitiva quanto afetiva ocasionada pelo pecado Mais especificamente o Espírito Santo repara o sensus divinitatis permitindo mais uma vez que o crente possa ver a Deus em toda sua beleza e majestade mas agora de modo mais profundo ao contemplar o amor exibido na encarnação e expiação de Cristo por ele Além disso para o tipo de fé exigido pela definição de Plantinga qualquer tipo de argumentação histórica para a verdade do cristianismo por mais impressionante e sofisticada que fosse não são suficientemente fortes para produzir uma crença avalizada de que as linhas principais da doutrina cristã são verdadeiras PLANTINGA 2018a p 281 Selado nos nossos corações No Modelo AC estendido a fé não é um mero assentimento intelectual ou apenas um fenômeno cognitivo A devastação ocasionada pelo pecado não faz apenas com que os seres humanos tenham crenças falsas sobre Deus mas há aqui também uma questão de afetos desordenados A noção de fé que está aqui envolvida comporta duas atividades distintas primeiro há uma atividade cognitiva de crença de que exista tal pessoa como Deus e de que as Modelo AquinoCalvino Estendido CRESCER Modelo AquinoCalvino Estendido 43 CRESCER grandes coisas do evangelho como a crença de que Jesus morreu pelos nossos pecados são verdadeiras Essa é a parte proposicional da fé Como vimos no Modelo AC estendido mesmo com a devastação causada pelo pecado o Espírito Santo restaura o sensus divinitatis para que a pessoa passe a acreditar novamente que existe de fato tal pessoa totalmente boa completamente poderosa e que criou o mundo além disso dentro do Modelo AC estendido a fé envolve principalmente a crença nas diretrizes principais da narrativa cristã aquilo que Jonathan Edwards chamou de as grandes coisas do Evangelho No entanto a fé vai além da mera aceitabilidade intelectual pois ela não é apenas uma atividade cognitiva De acordo com Tiago até mesmo os demônios creem e tremem Tiago 219 A ideia básica aqui é que há mais do que crenças proposicionais envolvidas há também uma questão de compromisso de afetos de amores e de vontades De acordo com o Modelo AC estendido a pessoa de fé não acredita apenas nas afirmações centrais da fé cristã também considera paradigmaticamente o esquema da salvação no seu todo imensamente atraente encantador comovente uma fonte de reverente maravilhamento PLANTINGA 2018a p 302 Dessa forma apesar de os demônios acreditarem em uma dada proposição eles não a veem como algo comovente apaixonante encantador que exiba qualquer tipo de atração afetiva No texto de Tiago haveria uma diferença entre o teísta e o demônio e ela não residiria no conteúdo proposicional mas nas afeições um sente gratidão reverência e amor enquanto o outro sente repulsa ódio e desprezo Há aqui um tópico central para o Modelo AC estendido a saber que o pecado ocasionou não apenas a devastação do sensus divinitatis de modo a distorcer seus produtos mas também de nossos afetos de modo que nossa orientação da vontade ficou desordenada com isso a regeneração permite com que o crente tenha não somente as crenças corretas mas as afeições corretas Plantinga afirma que é o Espírito Santo que renova e redireciona os nossos afetos O Espírito Santo produz um conhecimento no crente ao selar esse conhecimento nos nossos corações contudo produz também as afeições corretas PLANTINGA 2018a p 303 Logo a instigação interna do Espírito Santo sela no coração do crente não apenas a crença de que Deus existe mas também a crença em Deus A conversão é uma questão de redirecionamento de vontade na cura da desordem afetiva ocasionada pelo pecado No Modelo AC estendido Plantinga segue de perto o pensamento de Jonathan Edwards sobre o lugar das afeições religiosas na vida cristã Para Edwards 2018 p 19 Grifos de Edwards a verdadeira religião em grande medida consiste em afeições santas Ter as afeições corretas é uma característica própria daqueles que tem o favor de Deus e a natureza da verdadeira religião O pecado seria uma questão de não ter as afeições corretas ainda que se tenha o conhecimento correto mais precisamente o pecado é mais uma questão de não ter afeição por algo que ser uma questão de deixar de ver algo Por isso em outro trecho Edwards 2018 p 26 afirma em toda parte as Sagradas Escrituras situam a religião principalmente nas afeições tais como o medo a esperança o amor o ódio o desejo a alegria o pesar a gratidão a compaixão e o zelo É importante esclarecer que Edwards 2018 p 184 não considera que a religião verdadeira consiste apenas em afeições pois as afeições santas são calor sem luz Ao contrário sempre decorrem de informações de conhecimento de alguma instrução espiritual que a mente recebe de alguma luz ou conhecimento verdadeiro Contudo o ponto de Edwards é que a crença em Deus não é apenas algo cognitivo como a crença em um conjunto de proposições mas envolve também elementos afetivos que concebem mais aval inclusive ao conhecimento do primeiro tipo É preciso fazer distinção entre o simples entendimento nocional com o qual a mente apenas contempla as coisas pela atividade de uma faculdade especulativa e o sendo do coração com o qual a mente não se limita a especular e contemplar mas também percebe e se compraz Esse tipo de conhecimento pelo qual o homem tem a percepção consciente da atratividade ou da repugnância do dulçor ou da asquerosidade não é do mesmo tipo daquele com que reconhece um triângulo ou um quadrado Um é o conhecimento meramente teórico o outro é sensível e se relaciona não apenas ao intelecto A sede inequívoca desse último é o coração ou alma como ente que não contempla mas também tem inclinação e se agrada ou desagrada Não obstante esse conhecimento também tem natureza de instrução visto que quem provou o doce sabor do mel tem muito mais conhecimento dele do que quem apenas o observou e tocou EDWARDS 2018 p 190 De acordo com o modelo a fé é questão de conhecimento firme e certo revelado à mente e selado no coração A pessoa tem o coração selado conforme o modelo caso existam os tipos corretos de afetos em essência ela ama a Deus acima de tudo e o próximo 44 No Modelo AC estendido a segunda atividade especial do Espírito Santo diz respeito à função afetiva a função de amar ou odiar ser atraído ou considerar repulsivo E como afirma Plantinga 2018a p 302 e 260 o crente a pessoa de fé tem não somente as crenças corretas mas também as afeições corretas ou seja a diferença entre ambos está na orientação da vontade nos afetos como função executiva Contudo Plantinga enfatiza que tal devastação foi causada principalmente na função afetiva da vontade amar ou odiar considerar repulsivo ou atraente e menos na função executiva tomar decisões procurar e evitar vários estados de coisas Mais especificamente mudar nossos afetos não é um estado de coisas que está sob nosso controle direto que podemos mudar por uma mera questão de vontade mas um redirecionamento que só pode ser feito a partir de algum tipo de dom sobrenatural externo No entanto também assim como as crenças as afeições podem ser cultivadas e educadas ainda que só possamos obter um tipo de êxito parcial A afeição como a crença não está sob nosso controle direto por exemplo não posso só porque o quero assumir a atitude correta perante alguém que me fez mal ou me ofendeu No entanto também a afeição de novo como a crença está em alguma medida sob nosso controle indireto podemos educarnos para não sermos tão sensíveis à desconsideração de que somos vítimas passando a vêla e a sentila como algo sem importância Podemos lutar contra o orgulho e o egocentrismo e às vezes obtemos um êxito parcial PLANTINGA 2018a p 319n No Modelo AC estendido Plantinga afirma que esse amor a Deus envolve uma relação entre o eros e a espiritualidade desenvolvida Tem ligação com um certo anseio uma saudade nostálgica que não sabemos bem de quê mas plena de desejos e de aspirações do amante para com o amado há uma forte e poderosa vontade de se estar em união com Deus de ser uno com ele algo que seria análogo ao nosso desejo sexual Esse desejo por Deus seria um desejo apaixonante que faz parte da nossa constituição original é como se os seres humanos fossem criados para percepcionar apreciar deleitarse e desfrutar da grandeza amabilidade doçura e da beleza de Deus Para Plantinga 2016 p 146 esses tipos de anseio desejo eros apontam para algo mais profundo São um sinal ou indício da realidade mais profunda um tipo de amor a Deus do qual agora não temos mais que pistas e indícios Plantinga resume o Modelo AC estendido da seguinte forma Modelo AquinoCalvino Estendido CRESCER assim como a si mesma Há uma relação íntima entre revelar e selar conhecimento e afeto intelecto e vontade na pessoa de fé eles cooperam de modo profundo complexo e íntimo E o amor envolvido é em parte erótico ele envolve o anseio e a aspiração que nos são conhecidos Por último o amor entre os seres humanos homens e mulheres pais e filhos e amigos é sinal ou indício de algo mais profundo o amor humano maduro a Deus por um lado e por outro o amor de Deus manifestado entre os membros da Trindade e no amor de Deus aos filhos PLANTINGA 2016 p 150 Modelo AquinoCalvino Estendido 45 COMPARTILHAR Nesta aula você Percebeu os danos causados pelo pecado no nosso conhecimento natural de Deus e no sensus divinitatis Compreendeu o Modelo AC estendido Analisou por que a crença em Deus precisa ser corretamente calibrada pelo Espírito Santo tanto de uma perspectiva cognitiva quanto afetiva PLANTINGA Alvin Conhecimento e crença cristã Brasília Monergismo 2016 Cap 04 05 e 06 Epistemologia reformista Disponível em httpscriticanaredecomldsepistemologyhtml PARA CRESCER MAIS 46 Epistemologia Reformada Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston módulo 05 Olá O Modelo AC diz respeito apenas à crença de que há tal pessoa como Deus Mas a crença cristã ultrapassa a crença em Deus Por isso Plantinga estendeu o Modelo AC de tal modo que ele se aplique a crenças teístas cristãs mais específicas dentro de uma cosmovisão cristã envolvendo a narrativa cristã da criação queda e redenção Neste módulo vamos ver como os cristãos podem ter suas crenças específicas como a de que Jesus ressuscitou dos mortos ou de que Cristo morreu pelos nossos pecados formadas de modo garantido Para isso veremos que o conhecimento destas coisas envolve não apenas ter nosso aspecto cognitivo correto mas também ter os afetos devidamente calibrados Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Perceber os danos causados pelo pecado no nosso conhecimento natural de Deus e no sensus divinitatis Compreender o Modelo AC estendido Analisar por que a crença em Deus precisa ser corretamente calibrada pelo Espírito Santo tanto de uma perspectiva cognitiva quanto afetiva Bons estudos 47 CONECTAR Santa Tereza dÁvila foi uma freira carmelita que viveu no século XVI em Ávila na Espanha Ela se tornou uma proeminente teóloga da vida contemplativa ganhando a raríssima distinção de ser declarada pela Igreja Católica como Doutora da Igreja Contudo ela ficou conhecida principalmente por sua busca pela santidade e por dedicar grande parte de sua vida à oração Isso permitiu com que Santa Tereza dÁvila tivesse algumas experiências religiosas mais intensas Em O livro da Vida considerado uma obraprima da literatura espanhola Santa Tereza dÁvila relatou por várias vezes que em oração sentia de forma imediata a presença de Deus Mais precisamente ela relatava que tinha uma consciência experiencial e direita de Deus de modo que parecia claramente que Deus estava ali presente Em uma dessas situações enquanto estava orando ela relata o seguinte Apesar de um pouco extensa há várias coisas interessantes nessa citação Quando estava em oração Santa Tereza dÁvila afirma que percebeu Cristo próximo dela mais precisamente ao seu lado Não é como se ela estivesse tendo uma visão de Cristo ou pensando de forma intensa em Cristo ela afirma claramente que não foi uma visão com os olhos do corpo O Senhor estava se apresentando claramente a ela a sua consciência O interessante é que ela afirma que sequer sabia que seria possível haver tal coisa como sentir Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston Estando em um dia do glorioso são Pedro em oração vi junto a mim ou senti melhor dizendo pois com os olhos do corpo nem com os da alma eu não vi nada mas pareceume que estava junto a mim Cristo e via ser Ele quem falava comigo me parecia Eu como andava ignorantíssima de que podia haver semelhante visão deume grande medo no começo e não fazia nada além de chorar ainda que dizendome uma só palavra para assegurarme ficava como costumava calma e com alegria e sem nenhum temor Pareciame que andava sempre a meu lado Jesus Cristo e como não era visão com imagens não via de que forma Mas parecia estar sempre do meu lado direito sentia muito claramente e que era testemunha de tudo o que eu fazia e que em nenhuma vez que eu me recolhia um pouco ou não estivesse muito distraída podia ignorar que estava junto de mim Porque se digo que nem com os olhos do corpo nem com os da alma o vejo porque não é uma visão por imagens como sei e afirmo que está junto de mim com mais clareza do que se o visse Porque dizer que parece uma pessoa que está no escuro que não vê a outra que está junto a ela ou se for cega não vai bem Alguma semelhança tem mas não muita porque nesse caso sentese com os sentidos ou a ouve falar ou se mexer ou a toca Aqui não há nada disso nem se vê escuridão mas se apresenta para a alma por uma noção mais clara do que o sol Não digo que se veja sol nem claridade mas sim uma luz que sem ver luz ilumina a inteligência para que a alma goze de tão grande bem Traz consigo grandes bens TEREZA DÁVILA 2010 cap 27 a presença de Deus dessa forma andava ignorantíssima de que podia haver semelhante visão Uma das coisas mais importantes nessa citação é que Jesus pareceu tão claramente a ela parecia tão óbvio que Ele estava ao seu lado que ela não tinha nenhuma dúvida sobre isso Era um tipo de conhecimento que se apresentou para ela mais claro que a luz do sol Em outra ocasião ela afirmou de modo mais impressionante Aconteceume uma ignorância no princípio pois não sabia que Deus estava em todas as coisas E como me parecia estar tão presente pareciame impossível Deixar de acreditar que estava ali eu não podia por me parecer que havia percebido quase com clareza estar ali sua presença própria Os que não tinham erudição me diziam que Ele estava só por meio da graça Eu não podia acreditar porque como disse parecia estar presente e assim ficava aflita TEREZA DÁVILA 2010 cap 18 48 Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston CONECTAR Essa citação é ainda mais significativa nesse caso Deus se apresentou a ela em um momento em que ela não buscou e de modo que ela não conseguia pensar de outra forma O caso aqui não envolve um esforço ou uma ação proposital É como a percepção de que você está vendo essa apostila na sua frente feche os olhos e ao abrir procure não ver a apostila Você não vai conseguir porque a experiência da percepção neste caso se impõe a você Santa Tereza dÁvila afirmou algo similar sobre a presença de Cristo naquele momento deixar de acreditar que estava ali eu não podia É como se o Senhor estivesse se apresentando à consciência dela de modo similar a como os objetos físicos se apresentam a nossa consciência Pense por um momento na experiência de Santa Tereza dÁvila ou pense em outras situações algumas pessoas alegam que sentiram Deus falando com elas no culto ou enquanto elas estavam orando Será que é racional acreditar nestas experiências religiosas PARA REFLETIR Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston 49 CRESCER sentido que o Espírito Santo está ao seu lado naquele momento Ou pense na experiência maravilhosa do caminho daqueles dois discípulos registrada no final do Evangelho de Lucas no caminho de Emaús e disseram um para o outro Porventura não ardia em nós o nosso coração quando pelo caminho nos falava e quando nos abria as Escrituras Lucas 2432 Há nos dois casos um forte senso da presença divina uma consciência de que Deus está presente e que está próximo dos sujeitos O que nos interessa aqui é o seguinte seria racional acreditar nestas experiências Caso eu sinta de forma poderosa a presença de Deus em oração seria racional acreditar que este é o caso isto é Deus realmente está presente ali comigo De início há uma dificuldade inicial aqui dado nosso contexto cético sobre experiências religiosas Pois parece muitas vezes que não é racionalmente correto formar a crença em Deus com base em tais experiências místicas ou religiosas Um exemplo desse ceticismo pode ser visto no ateu Richard Dawkins 2007 p 125 você diz que sentiu Deus diretamente Bem tem gente que sentiu um elefante corderosa mas isso provavelmente não vai impressionálo Assim suponha que o pentecostal ou Santa Tereza dÁvila afirmem que sua crença em Deus tem garantia pois eles tiveram experiências que descreveriam como sentido a presença de Deus Para Dawkins é muito claro que nem Santa Tereza dÁvila nem o pentecostal podem tratar tais experiências da presença de Deus como algum tipo de evidência ou forma de justificar que realmente eles falaram com Deus Para isso seria preciso de algum modo provar que tais experiências religiosas são legítimas provas que frisese devem estar fora da mente do crente e sejam publicamente acessíveis A experiência de Santa Tereza dÁvila pode se enquadrar naquilo que os filósofos da religião chamam de percepção mística de Deus Esse é um caso em que Deus parece se apresentar para alguém e tal pessoa forma uma consciência imediata da presença divina em virtude dessa experiência Por isso ela passa a acreditar que realmente Deus estava ao seu lado ou se apresentou a ela com base nessa experiência Pense em um pentecostal orando no culto e No entanto o filósofo William Alston pensa que esse não precisa ser o caso Ele escreveu uma das mais importantes obras do século XX dentro da filosofia da religião chamada Percebendo Deus a experiência religiosa justificada A proposta de Alston faz parte da Epistemologia Reformada isto é tese que afirma que a crença em Deus pode ser racionalmente aceitável mesmo na ausência de argumentos ou evidências em favor da existência de Deus Para Alston o teísta pode estar epistemicamente justificado em manter crenças acerca de Deus com base em experiências como as descritas anteriormente Alston chama tais experiências de prática doxástica perceptual mística cristã PMC A PMC se concentra em situações nas quais 50 Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston CRESCER Deus é relatado como aparecendo ou se apresentando de forma direta com uma dada característica Deus seria percebido como objeto da experiência de tais pessoas É claro que quando se afirma que Deus é objeto da experiência não se está a tratar Deus como qualquer objeto Para Alston 2020 p 65 dizer que Deus é o objeto de alguma experiência implica somente que algumas pessoas às vezes o experimentam ou estão experencialmente conscientes dele ou que ele às vezes se apresenta à nossa experiência Neste caso o trabalho de Alston foi afirmar que as pessoas que passam por tais experiências podem estar epistemicamente justificadas em manter crenças acerca de Deus por percebêlo como sendo ou fazendo algo A Teoria da Aparição Santa Tereza dÁvila afirmou que de algum modo percebeu Deus Mas o que significa perceber Para responder a essa pergunta Alston 2020 p 100 recorre à chamada Teoria da Aparição S perceber X é simplesmente X aparecer para S de determinado modo A comparação aqui pode se dar com nossa percepção sensorial A definição de Alston 2020 p 73 Grifos do autor de consciência perceptual faz referência a algo ou assim parece para o sujeito que se apresenta para a consciência dele como assim ou assado Neste caso para que uma experiência seja reconhecida como perceptual é preciso que ela tenha duas caraterísticas Em primeiro lugar quando percebemos algo o objeto da nossa percepção se apresenta ou se impõe a nós independentemente dos nossos esforços como algo que não podemos evitar perceber Mais especificamente eu não escolho acreditar que há tal apostila nas minhas mãos simplesmente me deparo crendo não é algo que depende de mim ou dos meus esforços E por mais que eu queria não consigo evitar formar tal crença Em segundo lugar há uma consciência imediata do objeto por parte do sujeito que percebe chamada por Alston de consciência direta Mais precisamente o sujeito apreende o objeto de um modo direto é diferente de lembrar pensar ou raciocinar a respeito dele Alston fornece um exemplo para ficar mais claro Para ver como isso é possível vamos dividir a ideia de Alston em três partes diferentes Primeiro vamos ver a descrição filosófica que Alston faz da teoria da percepção pois se Santa Tereza dÁvila afirmou que percebeu Deus é importante saber em primeiro lugar o que significa perceber Em seguida iremos ver como Alston pensa que nossas crenças perceptivas se justificam epistemicamente como podemos estar justificados em acreditar no que vemos Por fim veremos a aplicação de Alston de tais teorias aos fenômenos de percepção mística ou seja veremos como Alston faz defesa das teses de que há de fato um tipo de percepção que tem Deus como referente e de que essas percepções podem servir para fundamentar racionalmente a crença de que Deus existe Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston 51 CRESCER 2020 p 78 Podese até duvidar dado outras razões de que não era Cristo que estava ali contudo não parece nenhum pouco razoável duvidar de que a experiência foi dada como perceptiva De acordo com Alston Deus pode aparecer diretamente e de maneira não sensorial para a experiência de alguém além disso não existem restrições a priori ou empíricas que impossibilitem a percepção mística Por exemplo algumas pessoas podem afirmar que não é possível Deus se apresentar desse modo a alguém Podese pensar que Deus é grande demais de modo que não faz sentido falar em alguém perceber a Deus Além do mais como se dá essa percepção Como Deus trabalha O que ele faz Alston lembra que não precisamos saber exatamente o modo como percebemos a Deus para que estejamos justificados do mesmo modo que não precisamos saber como funciona nossa percepção para que estejamos justificados em acreditar nos dados dos nossos sentidos O conhecimento de que se esteja percebendo certos objetos é compatível com uma ampla ignorância acerca de como isso é causado ALSTON 2020 p 107 Além O cético pode tentar argumentar que Santa Tereza dÁvila se enganou Talvez ela pensou que tivesse tido tal experiência perceptiva que tivesse percebido Cristo ao seu lado que tivesse sentido o que sentiu Talvez ela foi meramente tomada por uma forte convicção extrema ou ela teve uma outra experiência que confundiu com a experiência de Deus Talvez tudo isso seja possível mas como questiona Alston quem está em posição melhor para determinar se uma pessoa teve realmente tal experiência perceptiva como a de Deus se apresentando para ela do que ela mesma Precisaríamos de fortes razões para anular o relato confiante do sujeito acerca do caráter de sua experiência E onde poderíamos encontrar tais razões ALSTON Por isso que há uma proximidade aqui entre a percepção mística e a percepção sensorial Pois as experiências místicas que vimos acima parecem ser perceptuais lembrese de que Santa Tereza dÁvila por exemplo relatou que estava consciente da presença de Deus de forma que independia de seus esforços deixar de acreditar que estava ali eu não podia além disso ela alegou ter tido uma consciência imediata de Deus algo completamente diferente de atividades como pensar argumentar ou lembrar de Deus mas pareceume que estava junto a mim Cristo e via ser Ele quem falava comigo me parecia Neste caso Alston 2020 p 77 Grifos do autor afirma que algo quer dizer Deus foi apresentado ou dado à consciência dele no mesmo modo genericamente em que objetos no meio ambiente são aparentemente apresentados para a consciência na percepção sensorial Quando fico em frente à minha escrivaninha com meus olhos fechados e então os abro a diferença mais marcante em minha consciência é que itens dos quais antes apenas pensava ou me lembrava se estou cônscio deles de algum modo estão agora presentes para mim eles ocupam espaço em meu campo visual Eles são dados a minha consciência em um modo que contrata fortemente com algo que possa fazer por meus próprios meios para formálos na imaginação memória ou pensamento abstrato ALSTON 2020 p 73 52 Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston CRESCER disso mesmo que Deus seja infinito é claramente possível que Deus possa ser percebido Aqueles que afirmam que não se pode perceber Deus dada sua grandeza esquecemse de que não precisamos perceber a totalidade de uma coisa para percebêla O objeto percebido não tem que literalmente passar a residir dentro de minha cabeça mente ou experiência a fim de que eu possa percebêlo ALSTON 2020 p 107 Mesmo que só captemos o ser de Deus de um modo imperfeito e adaptado a nossas limitações isso não significa que seja impossível ter alguma percepção de Deus Poderia haver aqui também uma objeção teológica Pois não é verdade que ninguém jamais viu a Deus I Jo 412 É verdade que as Escrituras afirmam isso categoricamente mas este texto não nega a possibilidade de uma apresentação não sensorial de Deus do tipo relatado mais acima por Santa Tereza dÁvila Se formos tomar tal texto literalmente o que é dito é que ninguém viu a Deus e nossa fonte não afirma ter visto Deus mas percebido ele Além disso Alston 2020 p 112 oferece também uma razão teológica para levar a sério tais experiências há uma forte ênfase na doutrina cristã e no pensamento cristão na ideia de que ele Deus nos criou para a comunhão amorosa consigo mesmo Neste caso a comunhão amorosa entre Deus e o homem possibilita que por meio de sua graça cada lado seja capaz de perceber o outro de modo que Deus se faça assim perceptível por suas criaturas caso contrário dificilmente isso poderia ser chamado de comunhão amorosa Assim uma vez que é possível perceber a Deus podese pensar a experiência religiosa em termos de uma teoria da percepção O que devemos agora perguntar é o seguinte será que tais experiências provêm justificação racional para tais crenças Mais precisamente como nossas crenças perceptuais se justificam racionalmente Esse é o tema do próximo tópico Justificação das Crenças Perceptuais Será que nossas crenças perpetuais estão justificadas Será que podemos racionalmente confiar naquilo que podemos ver ouvir sentir e tocar Em primeiro lugar precisamos nos perguntar o que é estar racionalmente ou epistemicamente justificado De acordo com Alston 2020 p 128129 Grifos do autor a fim de que eu acredite justificadamente que p é necessário não apenas que eu tenha uma base adequada mas que minha crença se baseie naquele fundamento que seja mantido por causa dele Ou seja para uma crença qualquer estar justificada é preciso que eu tenha uma base adequada Mas o que é preciso para tal base Para Alston 2020 p 128 a base de uma crença será o bastante para justificála apenas se ela for suficientemente indicativa da verdade da crença Mais precisamente a ideia de Alston é que eu estou justificado em acreditar em algo eg nas minhas crenças perceptuais caso eu tenha uma base ou um fundamento adequado para crer que tais crenças são verdadeiras Nesse sentido tratase de uma questão de grau pois se pode estar mais ou menos justificado em crer que uma dada crença é verdadeira Aqui é importante fazer uma distinção sutil que Alston faz Há uma diferença entre a atividade de justificação e o estado de justificação Enquanto justificar uma crença é ordenar considerações em seu apoio para estar justificado em acreditar que p não é necessário que eu tenha produzido qualquer coisa ao modo de um argumento em favor de p ou a favor da minha situação epistêmica em relação Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston 53 CRESCER A ideia de Alston aqui é que alguém pode estar justificado de modo imediato direito sem que isso seja resultado de uma atividade inferencial ou argumentativa de fundamentação Por exemplo olho para fora da minha janela e vejo uma árvore Automaticamente formo a crença vejo uma árvore Neste caso eu estou justificado em acreditar que vejo uma árvore ainda que eu não tenha uma razão explícita em forma de um argumento ou de uma evidência para defender tal crença Por outro lado Alston também pensa que alguém pode estar justificado de modo mediado indireto por meio do estado de justificação isto é a atividade de justificação que é sempre resultado de uma iniciativa consciente do sujeito epistêmico Por exemplo o que estamos fazendo neste módulo ao refletir sobre como como nossas crenças perpetuais podem estar justificadas diz respeito ao estado de justificação Essa é geralmente a atividade típica dos filósofos Mas perceba que você não precisa do estado de justificação isto é você não precisa construir uma justificação teórica para estar justificado em acreditar no que percebe Você pode estar justificado ao simplesmente ter a experiência visual de que vê uma árvore Na verdade poucas das nossas crenças estão justificadas de modo mediado Outra distinção importante é entre justificação prima facie e justificação incondicional Algo está justificado prima facie quando sua justificação é imediata evidente sem que seja preciso um exame melhor Contudo isso não significa que a justificação da crença não possa ser anulada pois pode ser possível apresentar anuladores para a crença Olho para fora da minha janela e vejo uma árvore ao formar a crença vejo uma árvore minha justificação para tal crença é prima facie Contudo é possível que alguém me mostre que eu não estou realmente vendo uma árvore talvez eu tenha sido vítima de um delírio ou de uma ilusão talvez eu esteja vendo um holograma Se uma crença é justificada prima facie não significa que ela é justificada de modo incondicional No nosso caso como nossas crenças perceptuais se justificam Geralmente não precisamos construir uma justificação teórica para estarmos justificados em nossas crenças perpetuais Quando eu percebo algo aquela experiência já contribui para a justificação da minha crença Neste caso Alston 2020 p 135 afirma que qualquer justificação simples de crenças perceptuais é apenas prima facie Seguese daí que podemos estar justificados em acreditar em nossas crenças perceptuais prima facie ou seja até que se mostre que tal crença não é justificada Se eu vejo uma árvore tal crença deve ser aceita como verdadeira independentemente de qualquer investigação posterior prima facie até que alguém me mostre motivos para eu duvidar da minha experiência Assim a atividade consciente de justificação só entra em cena quando nosso estado de justificação é posto em dúvida ou é desafiado de alguma maneira Mas será que a percepção é uma base adequada para formarmos crenças sobre o mundo exterior Há um desafio significativo na resposta a esta pergunta pois não é possível respondêla sem cair no problema da circularidade Grosso modo a ideia de Alston 2020 p 227 é que não somos capazes de dar uma demonstração não circular ou mesmo um forte argumento de apoio para a confiabilidade da Percepção Sensorial Ou seja para determinar se a maioria das crenças formadas a partir da percepção sensorial é confiável precisamos de algum modo contar com a própria percepção sensorial Mais precisamente é preciso usar a própria percepção sensorial como fonte das nossas premissas desse modo já assumindo que ela é confiável E isso é algo que não podemos evitar com relação as a p A menos que eu esteja fundamentado em muitas crenças sem defendêlas há muito pouco que eu acredite justificadamente ALSTON 2020 p 123 Grifos do autor Um sistema ou constelação de disposições ou hábitos ou para usar uma expressão da moda mecanismos cada um dos quais produz uma crença como resultado é que é relatado de certa maneira a uma dada entrada Percepção sensorial por exemplo é uma constelação de hábitos de formas crenças de certos modos com base em dados de entrada que consistem de experiências sensíveis ALSTON 2020 p 241 Dado que vamos inevitavelmente cair em circularidade epistêmica em certos pontos em qualquer tentativa de prover argumentos diretos para a confiabilidade de uma ou outra prática doxástica deveríamos tirar a conclusão de que não há recurso além das práticas que encontramos firmemente estabelecidas do ponto de vista psicológico e social Não podemos examinar qualquer problema sempre empregar algum modo de formar e avaliar crenças Assim não estamos em posição de ir além ou por trás de nossas práticas familiares e criticálas desde aquela posição mais profunda ou mais objetiva Nossa situação cognitiva humana não o permite ALSTON 2020 p 235236 Ao refletir sobre nossa situação quais considerações estão disponíveis para nós o que podemos saber como podemos provar e quais alternativas estão abertas para nós assim nos damos conta de que estamos procedendo racionalmente ao formar e avaliar crenças de maneira que estão estabelecidas em nossa sociedade e estão firmemente incrustadas em nossas psiques ALSTON 2020 p 261 54 Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston CRESCER nossas fontes de conhecimento Para analisar se sua memória é confiável você precisaria contar com a própria memória para analisar se sua razão é confiável você precisaria contar com a própria razão Para Alston 2020 p 169 não se pode mostrar de modo não circular que qualquer de nossas práticas doxásticas básicas de formação de crenças incluindo introspecção memória e raciocínio de vários tipos que elas sejam confiáveis Assim Alston pensa que uma vez que não temos como evitar formar crenças a partir da percepção sensorial a percepção sensorial deve ser avaliada com base em critérios determinados por ela mesma Ou seja precisamos da percepção sensorial para avaliarmos se ela produz crenças falsas demais a ponto de se tornar inconfiável A percepção sensorial faz parte do que Alston chama de prática doxástica Assim uma prática doxástica diz respeito a uma maneira de formar crenças como resultados de certas fontes tais como percepção sensorial o testemunho a memória e o raciocínio Neste caso o problema de saber se uma certa crença perceptual é justificada se torna o problema de se a prática doxástica correspondente é capaz de gerar crenças verdadeiras Quanto mais pudermos confiar no mecanismo de geração de crenças de uma prática doxástica mais adequada será nossa base para acreditar que tais crenças são verdadeiras E para responder se ela é confiável precisamos nos engajar com ela Alston pensa que nossas práticas doxásticas mais bemestabelecidas do ponto de vista social e psicológicos como a percepção sensorial a memória entre outras merecem ser consideradas como algo com que podemos nos engajar e aceitar como prima facie justificadas Nas palavras de Alston Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston 55 CRESCER Alston postula que as práticas doxásticas são autônomas e plurais Mais precisamente cada prática possui sua própria estrutura interna e modo de funcionamento ao mesmo tempo que não é correto submeter o modo de estrutura de uma prática a outra Ou seja a percepção sensorial tem seu próprio modo de funcionamento E não é correto julgar a percepção pelos mesmos critérios que empregamos para julgar outras práticas como a memória o método científico entre outros De acordo com ele há tal coisa como racionalidade prática isto é como não temos outra alternativa válida é racional o envolvimento com qualquer prática doxástica socialmente estabelecida desde que não haja razão suficiente para encarála como inconfiável Mas não correríamos o perigo de um vale tudo Ou seja se postularmos que a percepção deve ser avaliada conforme seus próprios critérios pois não há um pano de fundo neutro e comum para julgála isso não implica que outras práticas doxásticas de formação de crença como bola de cristal ou astrologia vão recorrer ao mesmo tipo de privilégio Para Alston a resposta é não pois é possível estabelecer alguns critérios que ao nos engajarmos podemos avaliar a confiabilidade de uma determinada prática Uma delas é a consistência interna se duas crenças perceptuais se contradizem ao menos uma delas é falsa ALSTON 2020 p 264 Assim se duas pessoas estão olhando o mesmo objeto e elas discordam sobre o que estão vendo é possível que no mínimo uma delas esteja enganada Outro critério importante é uma inconsistência com outras práticas bemestabelecidas uma inconsistência de grandes proporções e persistente entre os resultados de duas práticas é uma boa razão para encarar ao menos uma delas como inconfiável ALSTON 2020 p 266 Assim se a percepção contradiz a memória pode ser que a percepção ou a memória esteja nos pregando uma peça De todo modo o que temos aqui é uma análise coerentista ou seja uma prática será prima face confiável enquanto não se mostrar que ela tem inconsistências internas demais e enquanto não contradizer em demasia outras práticas mais arraigadas mais universais e menos sujeitas à crítica teórica Além disso há formas de autoapoio significativo que podem ajudar a mostrar que a prática doxástica em questão pode ter sua justificação reforçada Por exemplo quando nos engajamos na percepção nos tornamos capazes de fazer predições e controlar o curso de eventos somos também capazes de estabelecer fatos sobre a própria percepção que a descreveria como uma fonte confiável entendendo seu funcionamento Alston 2020 p 270271 postula que esse autoapoio significativo funciona como um modo de reforçar a postulação prima facie de uma prática doxástica de um tipo de racionalidade prática em vez de ser algo que confira probabilidade a uma postura de confiabilidade Assim a prática doxástica que produz a crença só é possível de ser justificada em termos práticos Dados os três critérios anteriores temos boas razões práticas para confiar em tal mecanismo gerador de crenças E uma vez que temos razão práticas para pensar ser razoável confiar na percepção sensorial para formarmos nossas crenças sobre o mundo físico temos uma justificação epistemológica para as crenças perceptivas sensoriais Seguese daí que se a prática doxástica não formar crenças inconsistentes entre si em demasia ou inconsistentes com outras práticas bemestabelecidas o fato de que nos parece ser inevitável formar crenças do modo como ela prescreve faz com que sejamos incoerentes ao considerála inconfiável até que se prove o contrário E isso exclui o perigo do relativismo pois as práticas doxásticas inconsistentes ou que contradizem outras práticas mais bemestabelecidas podem ser descartadas Uma vez que todas as práticas formam crenças acerca de um mesmo mundo seguese que há práticas mais confiáveis por serem mais 56 Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston CRESCER Nos engajamos racionalmente em PMC uma vez que ela é uma prática doxástica socialmente estabelecida que não é demonstrativamente inconfiável ou de outro modo desqualificada para aceitação racional Isso significa que é racional prima facie encarála como confiável o suficiente para ser uma fonte de justificação desse tipo para as crenças que ela engendra Se além disso ela não é desacreditada por se mostrar que é inconfiável ou deficiente de algum outro modo que vá anular sua racionalidade prima facie então podemos concluir que seja incondicionalmente racional encarála como suficientemente confiável para usar na formação de crença ALSTON 2020 p 297298 bemestabelecidas e universais que outras No final Alston pensa que uma vez que é racional se comprometer com uma dada prática doxástica de formação de crença é possível ver que isso acarreta a razoabilidade de confiar em tal prática o que é suficiente para a justificação prima facie das crenças geradas através dela Justificação da PMC Como essa discussão de Alston no tópico passado é relevante para a crença em Deus Como vimos Alston investigou como se dá a justificação epistêmica de crenças perceptuais em geral Assim podemos agora compreender o modo pelo qual as pessoas podem ter crenças místicas tais como aquelas descritas no começo deste módulo e como tais crenças podem ser aceitas como prima facie justificadas Há assim uma estrutura argumentativa que Alston segue primeiro destacamse crenças que todos nós consideramos como casos claros de racionalidade e de aceitabilidade intelectual e cuja aceitação é imediata não inferida de um argumento ou evidência Neste caso Alston destacou as crenças perceptivas Em seguida Alston vai demonstrar que a percepção de Deus tal como aquela apresentada por exemplo por Santa Tereza dÁvila segue esse mesmo padrão Logo por uma questão de coerência se nossas crenças perceptuais podem ser aceitas como justificadas nossas crenças místicas formadas a partir de PMC devem também desfrutar prima facie do mesmo privilégio Alston entende que a prática doxástica mística cristã PMC é um mecanismo formador de crenças religiosas a partir de percepções místicas Ela possui características de outras práticas doxásticas Por exemplo as pessoas geralmente aderem a ela bem antes de serem explicitamente conscientes dela Além disso PMC é uma dessas práticas bemestabelecidas pois os cristãos têm formado crenças dessa maneira há vários séculos quase dois milênios e a prática está profundamente enraizada na sociedade e na estrutura psicológica daqueles que se engajam com ela Por isso engajarse em tal prática seria prima facie justificado E enquanto não houver razões adequadas para pensar que o PMC não é confiável as crenças que resultam dessa prática serão prima facie justificadas Os participantes da PMC estão envolvidos em outras práticas com as quais ela interage PMC é transmitida e partilhada socialmente e como vimos no caso de Santa Tereza dÁvila seus participantes afirmam não conseguirem evitar formar crenças a partir das percepções envolvidas nesta prática Assim se se confere confiabilidade prima facie a outras práticas doxásticas com essas características não há por que não dar às práticas doxásticas místicas a mesma Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston 57 CRESCER PMC junto com outras fontes que são extraídas para construir o esquema cristão das coisas tem a função de nos dar uma imagem de Deus de seus propósitos atividades exigências e um plano para nós uma imagem que nos guiará em nossas interações com ele Assim PMC se provaria caso fosse o caso pelo fato de que oferece orientação na tarefa altamente importante de santificação um guia na peregrinação que leva se as coisas forem bem para a comunhão amorosa eterna com Deus Essa é uma longa história Ela envolve uma mudança radical conversão de si mesmo da preocupação com a satisfação de gratificação sensória do conforto prerrogativa Algumas pessoas podem resistir a essa conclusão Podem afirmar que diferentemente da PMC a percepção sensorial conta com distribuição universal e que podemos predizer o que observamos porque ela tem certa regularidade algo que não acontece com PMC Sobre este último ponto Alston 2020 p 333 lembra que como Deus é um ser pessoal não é possível exigir das nossas interações com ele a mesma regularidade que temos nas experiências com objetivos físicos pois o objeto sobre o qual buscamos informações não é regular ou previsível a pessoalidade de Deus implica que ele tem objetivos e intenções ele visa fazer com que determinadas coisas sejam de dada maneira tencionando que as coisas aconteçam da forma que ele quer E apesar de ser possível pensar que a natureza de Deus fornece padrões consistentes a partir dos quais podemos detectar algumas regularidades no agir divino eg Deus perdoa aqueles que se arrependem sinceramente tudo isso está longe de produzir receitas usáveis a respeito do que ele fará em determinadas circunstâncias ALSTON 2020 p 333 Logo Deus não é previsível do mesmo modo e nos mesmos termos que um objeto físico E é possível apresentar uma explicação muito sensata para tal falta de regularidade como Deus é um ser pessoal a revelação de si mesmo não está confinada às regularidades da ordem natural mas a sua vontade Assim dadas as características de Deus presentes no teísmo isso é exatamente o que se deveria esperar dada a natureza dinâmica das relações entre as pessoas e Deus Além disso depreciar PMC porque não é tão universalmente distribuído como nossas crenças perceptivas é uma espécie do que Alston 2020 p 304 chama de imperialismo epistêmico isto é tomar injustificadamente os padrões de uma prática doxástica como normativa para todas Pois há práticas doxásticas que são bemestabelecidas mas que não são universalmente distribuídas Um exemplo claro é aquele da física teórica Deveria então a física teórica ser considerada menos confiável porque nem todas as pessoas se engajam com ela Certamente que não Da mesma forma PMC não é inconfiável pelo mero fato de as pessoas não se engajarem com ela Quem discorda disso está implicitamente assumindo um duplo critério em relação a como julga PMC e como julga a física teórica Do mesmo modo que outras práticas de formação de crença há testes próprios de checagem presentes em PMC chamados por Alston de autoapoio Para ele a prática pode receber um grau de autoapoio pelo modo no qual o desenvolvimento espiritual constitui um cumprimento de promessas que pela prática viemos a acreditar que foram feitas por Deus ALSTON 2020 p 382 Assim um teste principal para PMC é o grau de santificação manifestado na vida daquele que diz ter tido uma percepção mística e o bem sentido por aqueles que desfrutam desse processo seria o autoapoio fornecido pela prática mística cristã ajudando a justificar em termos práticos a confiança manifestada por aqueles que formam crenças com base nela De modo mais detalhado Alston afirma 58 Racionalidade da Experiência Religiosa em William Alston COMPARTILHAR Assim aquele que faz parte da comunidade cristã estaria justificado em basear sua crença na existência de Deus nesse tipo de fenômeno do mesmo modo que a prática doxástica da percepção sensorial dá direito prima facie a quem participa dela de tomar como verdadeiras até prova em contrário as crenças geradas por ela da criatura de se manter em dia com os últimos bens de consumo da moda da própria paz e serenidade do próprio status e reputação e outros fins centrados no eu ela envolve dar as costas a essas coisas e virarse na direção de um objetivo de comunhão amorosa com Deus e o próximo Envolve abandonar nossa própria insistência em controlar nosso próprio destino e nos abrirmos para o Espírito recebendo os frutos deste amor alegria paz e assim por diante como dons gratuitos e não como algo que foi obtido pelo nosso próprio esforço ou nossos méritos Abrange viver na presença de Deus seguindo a vocação que venha a ser dada por ele Inclui nos abrirmos às outras pessoas e amálas na medida de nossa capacidade tal como Deus o faz ALSTON 2020 p 379380 Nesta aula você Entendeu em que consiste a prática doxástica mística cristã Compreendeu a teoria da justificação perceptual de Alston Analisou por que a crença perceptiva de Deus e a crença perceptiva sobre o mundo externo estão em paridade epistêmica ALSTON William Percebendo Deus a experiência religiosa justificada Natal Carisma 2020 Capítulo 05 PARA CRESCER MAIS 59 Papel da Teologia Natural módulo 06 Olá Por teologia natural entendese a prática de examinar filosoficamente a natureza e a existência de Deus utilizando nossos poderes cognitivos comuns e apelando para razões que podem ser encontradas no Universo físico na história ou na mente Essa proposta parece contrastar com a proposta da Epistemologia Reformada tese em que a crença em Deus pode ser racional mesmo sem um argumento teísta bemsucedido Neste módulo vamos ver quais são os limites e o papel da Teologia Natural para os cristãos Além disso vamos revisar rapidamente sobre o que é um bom argumento Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Compreender os dois sentidos de Teologia Natural Analisar o papel e os limites dos argumentos em favor da existência de Deus Revisar o que torna um argumento sólido Bons estudos 60 Papel da Teologia Natural CONECTAR Como vimos nos quatro últimos módulos uma afirmação central feita pela Epistemologia Reformada é que a crença na existência de Deus ou nas verdades centrais do cristianismo pode ser racional mesmo na ausência de qualquer evidência ou argumento Para isso tanto Alvin Plantinga quanto William Alston apresentaram algumas boas razões para pensar que a crença em Deus pode ser intelectualmente apropriada mesmo se não for aceita com base em provas No entanto nem todos se mostraram felizes dentro do arraiá cristão com tais propostas Como vimos no módulo 1 existe dentro da epistemologia da religião uma tese conhecida como evidencialismo esta posição defende que uma crença só pode ser intelectualmente apropriada caso o sujeito reúna argumentos a seu favor Hasker 2006 p 310 afirma que para o evidencialista as crenças religiosas podem ser racionalmente aceitas somente se forem apoiadas pela evidência total de alguém entendida como significando todas as outras proposições que este alguém conhece ou julga serem justificadamente verdadeiras Mais precisamente os evidencialistas afirmam que crenças como Deus existe só são racionalmente justificadas caso haja evidências que possam corroborar em algum nível tal crença além disso Hasker 2006 p 310 também afirma que para o evidencialista o grau de fé de alguém deverá ser proporcional à força do apoio comprobatório HASKER 2006 p 310 Ou seja se há muita evidência em favor de uma crença é apropriadamente racional acreditar nela com um grau elevado de certeza pouca evidência nos deve levar a ser mais cautelosos Um dos mais importantes e populares filósofos cristãos que segue esta perspectiva é Norman Geisler Nesta parte do Conectar vamos descrever de modo mais detalhado a posição de Geisler Como um bom evidencialista ele pensa que a justificação racional da crença teísta é idêntica à questão de haver provas ou evidências em favor da existência de Deus ou seja para saber se a crença no teísmo é racional precisamos consultar as evidências Geisler é adepto da apologética clássica isto é escola apologética que enfatiza argumentos racionais para a existência de Deus e evidência histórica que apóia sic a verdade do cristianismo GEISLER 2002 p 182 Esse tipo de apologética funciona em dois passos primeiro são estabelecidos argumentos válidos para a verdade do teísmo independentemente de qualquer revelação divina para a humanidade eg Escrituras Sagradas em seguida se compila a evidência histórica a fim de se testar as verdades básicas de alguma religião específica eg cristianismo Geisler entende que a religião não é apenas uma questão de fé mas também de fatos E os fatos podem ser avaliados objetivamente Dessa forma as religiões fazem afirmações sobre fatos do mundo e é possível avaliar racionalmente as muitas afirmações que elas fazem por meio da investigação histórica e científica Geisler reconhece que nem todas as afirmações religiosas estão abertas a esse tipo de investigação mas ainda assim a validade de muitas crenças religiosas pode ser verificada GEISLER TUREK 2006 p 24 Papel da Teologia Natural 61 CONECTAR Para Geisler toda crença requer algum grau de fé Um dos livros que ele escreveu com Frank Turek chamase Não tenho fé suficiente para ser ateu na obra ele afirma que alguém que não acredita em Deus precisa de mais fé do que o cristão pois quanto menos provas alguém tem para sua posição mais fé precisa para acreditar nela a fé cobre lacunas do conhecimento E acontece que os ateus têm maiores lacunas no conhecimento porque têm muito menos provas de suas crenças do que os cristãos GEISLER TUREK 2006 p 26 Assim todas as visões de mundo requerem fé além disso de acordo com Geisler é possível chegar a uma conclusão sobre a existência de Deus que seja praticamente correta apesar de não ser absolutamente certa por causa da nossa falibilidade Geisler pensa que as evidências são o meio mais seguro de alguém saber se uma dada crença é verdadeira Nas palavras dele a única maneira de estar razoavelmente certos é testar as crenças por meio das evidências GEISLER TUREK 2006 p 70 e a melhor maneira de descobrir os fatos é utilizar a lógica a evidência e a ciência GEISLER TUREK 2006 p 54 Assim Geisler afirma que para sabermos qual posição é mais racional precisamos perguntar quem tem mais provas de suas conclusões Que conclusão é mais racional GEISLER TUREK 2006 p 26 Para isso ele juntamente com outro apologista cristão Frank Turek segue um padrão tradicional que procura apontar 12 pontos que mostram que o cristianismo é verdadeiro caminhando de maneira lógica partindo da questão da verdade e prosseguindo rumo à conclusão de que a Bíblia é a Palavra de Deus GEISLER TUREK 2006 p 28 Como seres humanos limitados não possuímos o tipo de conhecimento que vai nos dar uma prova absoluta da existência ou não de Deus Fora do conhecimento de nossa própria existência eu sei que existo porque preciso existir para ponderar sobre esse aspecto lidamos no campo da probabilidade Independentemente daquilo que concluímos sobre a existência de Deus é sempre possível que a conclusão oposta seja verdadeira Mas achamos que nossas conclusões são verdadeiras ainda que passíveis de dúvida dizem que esse tipo de certeza de mais de 95 é o melhor que os seres humanos finitos e falíveis podem obter para a maioria das perguntas GEISLER TUREK 2006 p 25 62 Papel da Teologia Natural CONECTAR Norman Geisler faz uma crítica incisiva ao projeto de Alvin Plantinga em manter a crença em Deus como racional mesmo na ausência de evidências e argumentos Para ele a proposta de Plantinga minaria a teologia natural Mas será que essa crítica é bemsucedida Mesmo que a crença em Deus não seja aceita com base em evidências ou argumentos ainda há algum espaço para o papel das evidências ou argumentos dentro da fé cristã PARA REFLETIR A crença teísta pode encontrar garantia se pudermos mostrar de que maneira boas razões e evidências a apoiam através de 12 passos lógicos e concatenados que só poderiam ser rejeitados sob pena de insinceridade ou irracionalidade É verdade que o Deus teísta existe Essa afirmação não é verdade simplesmente porque estamos dizendo que é Ela precisa ser amparada por boas provas por boas razões GEISLER TUREK 2006 p 29 Neste caso a crença em Deus pode ser racional sem um argumento teísta bemsucedido isto é de forma apropriadamente básica não inferencial sem recorrer a provas ou a argumentos Para Geisler a resposta é não pois se verdadeiro isso minaria a teologia natural a necessidade de dar qualquer argumento a favor da existência de Deus e a apologética clássica GEISLER 2002 p 105 Geisler faz uma crítica a Alvin Plantinga por causa da defesa deste último de que a crença em Deus constitui uma crença apropriadamente básica Para Geisler isto é um tipo de fideísmo Plantinga não explora por que coloca sua crença em Deus na categoria de propriamente básica Um incrédulo pode simplesmente pedir suas razões de têla colocado nessa categoria de forma que ele é obrigado a dar uma justificação racional senão estará cometendo petição de princípio GEISLER 2002 p 105 Plantinga simplesmente coloca a crença de que Deus existe entre as fundações do pensamento de forma arbitrária pois ele não justifica seus critérios para colocar uma crença como adequadamente básica E esta não deveria ser a atitude apropriada de alguém que busca acreditar em uma crença racional Papel da Teologia Natural 63 CRESCER Plantinga e Geisler defendem duas teses opostas sobre a avaliação racional da crença teísta Em Plantinga a crença em Deus pode ser racional sem um argumento teísta bemsucedido pois elas podem ser apropriadamente básicas isto é crenças não inferenciais que temos sem recorrer a provas ou a argumentos Em Geisler a crença em Deus só pode ser tida como racional se aceita a partir de alguma boa prova ou argumento em seu favor Qual dos dois filósofos está com a razão Será que uma crença e mais precisamente a crença em Deus só pode ser racionalmente aceitável caso haja tais provas E se a crença em Deus não precisa de provas ou argumentos a fim de ser aceita como racional então tais argumentos servem para quê Antes de avaliar as afirmações dos dois autores convém fazer uma reflexão sobre o conceito de Teologia Natural Teologia Natural Por Teologia Natural entendese a prática de refletir filosoficamente sobre a natureza e a existência de Deus independentemente de qualquer revelação divina ou escritura sagrada O objetivo desse projeto é argumentar em favor da existência de Deus com base em fatos naturais observados empregando apenas nossas capacidades cognitivas comuns A visão mais conhecida sobre a teologia natural é aquela em que seus adeptos colocam entre parênteses seu compromisso com alguma revelação divina e investigam racionalmente questões sobre a existência de Deus ou sobre seus atributos usando como fontes de evidência aquilo que eles compartilham com outras pessoas em virtude de sua humanidade comum eg percepção razão ciência e história Assim tradicionalmente a teologia natural é contrastada com a teologia revelada De acordo com John Hick 1970 p 89 a teologia revelada consiste em verdades que não são acessíveis à razão humana e que só podem ser conhecidas se forem especialmente reveladas por Deus A teologia revelada apela explicitamente para algum tipo de revelação especial tais como milagres escrituras sagradas comentários divinamente inspirados e credos religiosos Exemplos de teologia revelada são as doutrinas da trindade e da expiação Já a teologia natural consiste em todas estas verdades teológicas que podem ser elaboradas pelo intelecto humano sem auxílio HICK 1970 p 89 Exemplo de teologia natural diz respeito à possibilidade de a razão humana apresentar razões de que há tal pessoa como Deus Neste caso adeptos da teologia natural como Richard Swinburne e Norman Geisler fazem uso dos mesmos padrões de investigação racional de outros empreendimentos filosóficos e científicos estando sujeitos aos mesmos métodos de avaliação e crítica Como já vimos Geisler afirma que a melhor maneira de descobrir os fatos é utilizar a lógica a evidência e a ciência GEISLER TUREK 2006 p 54 Richard Swinburne talvez seja o filósofo que fez o uso mais sofisticado deste tipo de metodologia Para Swinburne 2015b p 18 os mesmos critérios que os cientistas usam para chegar a suas próprias teorias nos levam a ir para além daquelas teorias rumo a um Deus criador que sustenta tudo na existência Dada tal definição sobre o conceito de teologia natural não é surpresa que ela seja uma peça importante para os evidencialistas Contudo há outros modelos de se fazer teologia natural Alister McGrath 2019 p 14 enxerga a teologia natural como a investigação sistemática de uma relação proposta entre o mundo cotidiano de nossa experiência e uma realidade transcendente afirmada 64 Papel da Teologia Natural CRESCER Defendemos que se a natureza deve revelar o transcendente ela deve ser percebida ou lida de certas formas específicas formas que não são em si necessariamente ordenadas pela própria natureza Argumentase que a teologia cristã fornece um quadro interpretativo pelo qual a natureza pode ser vista de uma forma que se relaciona com o transcendente Portanto a tarefa da teologia natural é de discernimento ver a natureza de uma forma específica vêla através de óculos únicos e precisos McGrath 2019 p 15 Essa ideia está fundamentada não em uma tentativa de provar a existência de Deus com base na observação da natureza mas na capacidade da cosmovisão cristã de entender o que é observado incluindo a capacidade humana de dar sentido às coisas MCGRATH 2019 p 27 Mais precisamente seu argumento central é que a cosmovisão cristã com sua própria base evidencial e racionalidade intrínseca nos fornece uma perspectiva a partir da qual podemos ver o mundo natural Pois a natureza não impõe uma única proposta de leitura é necessário colocar alguma lente para enxergála de algum modo Para McGrath A redefinição de teologia natural sugerida por McGrath propõe que o entendimento cristão de natureza seja um prérequisito intelectual para a interpretação correta da natureza e não algo que pode ser deduzido do mundo natural Neste sentido a teologia natural é vista como um modo de se engajar com a natureza a partir de uma perspectiva cristã enxergando no mundo criado a verdade beleza e bondade de Deus Esta perspectiva foi influenciada por C S Lewis 2017b p 138 quando afirmou creio no cristianismo assim como creio que o Sol nasceu não apenas porque o vejo mas porque por meio dele eu vejo tudo mais Por isso McGrath afirma o seguinte Assim a ideia de McGrath não é que a teologia natural prova a existência do Deus cristão mas que a cosmovisão cristã fornece um nível significativo de correspondência empírica entre o que observamos e o cristianismo E a importância disso é que a teologia natural apresentaria como o teísmo cristão fornece a melhor explicação ao oferecer uma consonância entre observação e teoria o cristianismo teria a capacidade de tornar as coisas inteligíveis de modo que se encaixa de forma natural e plausível com aquilo que observamos Comparado com outras cosmovisões o teísmo cristão ofereceria o foco mais nítido Serão os argumentos o melhor modo de sabermos alguma coisa Uma das crenças mais comuns entre as pessoas que se perguntam se Deus existe é a ideia de que o melhor modo de descobrir tal verdade se dá por meio de argumentos ou evidências e que tais evidências sejam preferencialmente baseadas grandemente em evidências científicas E isso porque muitas vezes partese do pressuposto que a ciência ou a utilização de evidências e argumentos oferecem o modo mais seguro de podermos conhecer alguma coisa Como vimos Geisler afirma que a melhor maneira de descobrir os fatos é utilizar a lógica a evidência e a ciência GEISLER TUREK 2006 p 54 O filósofo e matemático William Clifford defendeu esta ideia de modo mais forte De acordo com ele é sempre Papel da Teologia Natural 65 CRESCER A próxima vez que alguém lhe disser algo que soe importante pense consigo mesma será que esse é o tipo de coisa que as pessoas provavelmente sabem porque há evidências Ou será que é o tipo de coisa em que as pessoas só acreditam por causa da tradição da autoridade ou da revelação E quando alguém lhe disser que uma coisa é verdade por que não dizer a ela que tipo de evidência há para isso E se ela não puder lhe dar uma boa resposta espero que você pense com muito cuidado antes de acreditar numa só palavra DAWKINS 2005 p 437 errado em toda parte e para todos crer em qualquer coisa com base em evidência insuficiente CLIFFORD 2010 p 137 Mais precisamente Clifford pensa que um ser humano racional deve dar seu assentimento a uma proposição apenas quando ele tem evidências suficientes para tal sendo o grau do assentimento proporcional à evidência Se alguém não faz isso deixa de cumprir algum tipo de dever ético O biólogo Richard Dawkins pensa que esse é o principal motivo para duvidar da religião Ao se referir a crenças como a que Deus existe ou a de que orações são respondidas Dawkins 2005 p 436 afirma que nenhuma dessas crenças é sustentada por nenhum tipo de evidência satisfatória Em um ensaio dirigido a sua filha Juliet Dawkins afirma Assim enquanto Clifford pensa que qualquer crença precisa contar com evidências suficientes Dawkins e Geisler sustentam que há algo de epistemicamente superior em sustentar uma crença com base em evidências Vamos chamar esse conjunto de crenças de evidencialismo forte Mas o que podemos dizer sobre a posição de Geisler Clifford e Dawkins Será que a capacidade de apresentar evidências em favor de uma crença nos fornece o modo mais seguro de acreditar em alguma coisa E será que esse modo é o melhor no que diz respeito à crença em Deus Vamos analisar essas duas questões a partir de cinco pontos Em primeiro lugar há uma dificuldade inicial com o evidencialismo forte e ela diz respeito ao próprio conceito de evidência O que seria uma evidência Como podemos saber que estamos diante de uma De modo mais direto para Clifford como sabemos se temos evidências suficientes Presumivelmente alguém pode alegar ter evidências para uma crença completamente falsa Suponha então que alguém creia sinceramente ter evidências suficientes para a crença de que a terra é plana Tal pessoa estaria justificada em continuar acreditando nisso Seria ela irracional em acreditar que a terra é plana Se sim isso não perece abrir as comportas da irracionalidade para justificar todo tipo de crenças bizarras Se não por quê Superadas estas dificuldades iniciais há um segundo problema mais grave Diante de uma questão importante Dawkins sugere que devemos perguntar que tipo de evidência há para isso Contudo o evidencialista pode correr o perigo de ser incoerente Pois que evidências temos de que diante de uma questão importante deveríamos apelar para as evidências Que evidências temos de que a melhor maneira de descobrir os fatos é por meio das evidências É óbvio que o evidencialista não pode apresentar qualquer evidência em favor de sua posição pois ele estaria assumindo em seu argumento precisamente aquilo que ele está tentando provar o que seria petição de princípio Neste contexto Plantinga 2016 p 55 lembra que obviamente não pode existir evidência proposicional para tudo o que você acredita Toda cadeia de argumentos terá de começar em algum ponto Em terceiro lugar o evidencialismo forte é completamente irrealista para nós seres humanos De acordo com o filósofo Mikael Stenmark esse modelo de racionalidade não é de 66 Papel da Teologia Natural CRESCER Eu li em algum lugar que nós formamos cerca de 50000 pensamentos por dia sobre coisas que nós experenciamos isto é crenças sobre o clima pessoas que nós conhecemos e o que nós comemos crenças sobre carros bicicletas árvores casas notícias propaganda e assim por diante Suponha que isso seja verdade Agora se nós tomarmos a racionalidade evidencial forte como um modelo para a racionalidade humana em geral isto implica que nós devemos fazer juízos informados sobre todas estas questões Nós devemos estar conscientes da evidência que nós temos para nossos 50000 pensamentos ou crenças diárias e formas juízos sobre se estas evidências são boas evidências De fato nós devemos nos esforçar em encontrar as melhores evidências disponíveis para elas Além do mais nós devemos estar prontos para demonstrar aos outros a razoabilidade de nossos pensamentos escolhas e ações Se nós fazemos isso nós estamos nos comportando racionalmente e estamos usando nossa inteligência de modo inteligente Mas notese que se nós fizemos isso o número de crenças nós temos de processar todo o dia cresce drasticamente De repente nós temos que lidar digamos com 150000 crenças e talvez nós comecemos a ter pensamentos secundários sobre algumas destas crenças justificadas mas então nós de repente temos de processar 200000 crenças O risco que nós corremos é de nos tornarmos epistemicamente paralisados Nós temos portanto que usar nosso tempo e recursos cognitivos limitados mais sabiamente STENMARK 2021 p 139 modo algum adequado para seres finitos com o tempo eou os recursos cognitivos limitados como os que nós temos Se nós queremos ser seres racionais nós não podemos perder tempo e recursos para avaliar criticamente todas as nossas crenças STENMARK 2021 p 134 Grifos do autor Assim ao olhar para nossas capacidades cognitivas devemos buscar compreender o que se espera razoavelmente de seres humanos quando eles fazem uso inteligente de seus recursos e situações pois isto significa que um modelo próprio de racionalidade deve levar em conta a constituição e os dilemas reais do agente da racionalidade STENMARK 2021 p 132 Stenmark denomina tal princípio realista de axioma da demanda razoável ele estabelece que não se pode razoavelmente pedir de uma pessoa o que esta pessoa não pode possivelmente fazer STENMARK 2021 p 132 Para entender porque o evidencialismo forte não é adequado veja este exemplo O exemplo de Stenmark mostra de forma didática que se você segue realmente este modelo de racionalidade você não seria capaz de fazer muita coisa na vida pois você não tem o tempo nem os recursos cognitivos necessários para processar tão grande número de evidências suficientes com respeito às crenças que você forma no dia a dia mesmo sobre coisas importantes Conscientes de nossos próprios limites cognitivos não é racional tentar satisfazer as demandas do evidencialismo forte É claro que isso não significa que as evidências não são importantes todos nós precisamos e devemos exigir evidências sobre o status de algumas de nossas crenças Crenças científicas como a crença na teoria da evolução no Big Bang ou na relatividade espacial por exemplo precisam de evidências inferenciais para serem tidas como racionais de uma maneira que a crença de que Ana Sofia existe não precisa A maioria de nós é evidencialista em relação à composição química da água ou à idade do Universo ou à existência de prótons nêutrons e elétrons pois tais crenças requerem o apoio probatório de evidências Contudo na maioria das áreas da filosofia e da vida a maioria das pessoas inclusive os evidencialistas mais estridentes não são de fato sequer poderiam ser Papel da Teologia Natural 67 CRESCER Sabemos que nós temos conhecimento extracientífico De fato se nós não tivéssemos nós não seríamos capazes de ter qualquer conhecimento científico Pense por exemplo sobre crenças de memória isto é aquelas crenças que são sobre coisas que nós experenciamos ou pensamos anteriormente Eu não penso que as crenças da memória possam ser cientificamente provadas Antes para serem capazes de desenvolver uma hipótese científica em um certo alcance de dados os cientistas não têm de ser capazes de relembrar por exemplo o conteúdo das hipóteses os resultados dos testes anteriores e mais fundamentalmente que eles são cientistas e onde seus laboratórios estão localizados Seu conhecimento científico pressupõe memória A verdade é que a menos que nós possamos confiar em nossas memórias e obter conhecimento nós nunca poderíamos raciocinar ou fazer qualquer ciência porque em qualquer inferência nós devemos lembrar de nossas premissas como meios para nossa conclusão STENMARK 2021 p 206 evidencialistas fortes pois nos parece apropriado pensar que somos racionais em acreditar que existem outras mentes um passado um mundo externo sem que tenhamos alguma evidência que forneça algum tipo de apoio comprobatório para tais crenças Isso nos leva ao nosso quarto ponto é correto pensar que o modo mais seguro de nós conhecermos alguma coisa é por meio de nossas faculdades cognitivas percepção memória introspecção intuição a priori e no caso da crença em Deus o sensus divinitatis Faça a seguinte reflexão você sabe mais e por isso tem mais certeza de que você existe e de que o mundo tem mais de cinco minutos ou de que a fórmula da água é H2O Qual dessas crenças tem mais garantia para você Certamente a crença de que você existe e de que o mundo tem mais de cinco minutos são mais certas que a composição química da água Contudo nenhuma dessas duas crenças foi obtida por meio do método científico ambas são frutos de suas capacidades cognitivas comuns Na verdade seria impossível provar qualquer crença científica sem primeiro presumir que nossas faculdades cognitivas são confiáveis e que nossas crenças comuns existe um passado ou eu existo são verdadeiras Pois são justamente elas que permitem o conhecimento científico Como explica Stenmark De acordo com Plantinga boa parte de nossas crenças que contam com aval ou garantia é fruto de uma faculdade ou mecanismo cognitivo que forma em nós crenças de modo apropriadamente básico suponho que a maior parte das nossas crenças que têm aval o têm desse modo básico só em uma área muitíssimo pequena da nossa cidade cognitiva o aval que uma crença tem para nós deriva do fato de ela ser aceita com base evidencial em outras crenças PLANTINGA 2018a p 195 Ou seja para Plantinga grande parte das coisas que nós sabemos efetivamente sobre o mundo são aceitas de forma básica Poucas crenças da nossa vida cognitiva que possuem algum grau de aval ou garantia são cultivadas com base evidencial a partir de outras crenças Deus e os argumentos Mas aonde isso nos leva Será que a crença em Deus está mais próxima de nossas crenças científicas que precisam ser embasadas por evidências Ou ela está mais próxima de nossas crenças comuns Podese afirmar que há boas razões para pensar que a crença em Deus é mais próxima de nossas crenças comuns do que de crenças científicas A crença no 68 Papel da Teologia Natural CRESCER Nenhum desses argumentos nem sequer todos tomados em conjunto penso podem adequadamente ser denominar provas se por prova se entender um argumento que não é possível rejeitar sem irracionalidade Claro que isso não quer dizer grande coisa não há argumentos com esse nível de exigência em grande parte de qualquer área da filosofia PLANTINGA TOOLEY 2014 p 17 E por que razão um argumento não consegue ter aval suficiente para transformar a fé em conhecimento Primeiro por causa dos efeitos cognitivos e afetivos ocasionados pelo teísmo não é o tipo de crença em que as pessoas acreditam ou desacreditam por mera questão de vontade é uma crença que surge de modo natural através do nosso processamento cognitivo comum Como afirma o neurocientista Bruce Hood 2012 p 18 humanos são naturalmente propensos a crer no sobrenatural Hood afirma que nossa própria estrutura cognitiva nos leva a crer que a natureza não é tudo que existe Assim a crença teísta não é mais próxima de uma hipótese científica seria mais correto afirmar que ela é mais semelhante às nossas crenças do senso comuns como as crenças perceptivas ou a crença em outras mentes no passado E sendo assim ela deveria ser julgada por estes mesmos padrões de racionalidade com que julgamos tais crenças Além disso para os teístas o objetivo principal da fé não é explicar um corpo de evidências públicas ou eventos observáveis É claro que a evidência também ocupa um papel importante na crença religiosa e que ela pode explicar um corpo de evidências públicas como veremos nos próximos módulos mas é correto também afirmar que a crença em Deus está mais próxima de um relacionamento de fé confiança e amor a uma pessoa Como afirma Stenmark 2021 p 95 acreditar em Deus não é ao menos nas maiores fés teístas uma questão de assentimento mental a um grupo de proposições mas de se relacionar em confiar em Deus assim como nós nos relacionamos e confiamos em nossas esposas e amigos Logo a crença no teísmo é mais que uma questão racional é também uma questão afetiva Acreditar em Deus não é apenas aceitar uma dada proposição mas é entrar em uma relação de confiança com o divino Para o teísta o mundo inteiro parece diferente o crente enxerga o Universo como a boa criação de um Deus totalmente amoroso Sendo assim a crença em Deus parece mais uma expressão de uma experiência de encontro apaixonado do que uma hipótese científica E se isso estiver correto a crença teísta é mais como a crença em outras pessoas do que a crença na teoria da evolução ou no Big Bang é mais como a crença na existência de outras pessoas ou de outras mentes que na existência de matéria escura ou de prótons nêutrons e elétrons é mais como nossas crenças comuns que uma hipótese explanatória Plantinga 2017 p 193 sugere que basear a crença em Deus em argumentos pode parecer algo tão estranho como crer na existência do seu cônjuge com base no argumento analógico para outras mentes extravagante na melhor das hipóteses e de modo algum provavelmente encantador à pessoa em causa Outro ponto importante apontado por Plantinga diz respeito à possibilidade de argumentos e evidências serem fortes o suficiente para transformarem fé em conhecimento isto é transformar a crença em Deus em uma condição intelectual bastante alta O problema é que talvez nenhum argumento seria forte o suficiente para produzir o conhecimento de que há tal pessoa como Deus argumentos poderiam nos fazer obter outros méritos eg estarmos justificados em acreditar como acreditamos mas não fortes o suficiente a ponto de sabermos que Deus existe Em um debate com Tooley Plantinga afirma Papel da Teologia Natural 69 CRESCER pecado como vimos no módulo 04 a aceitação racional da crença em Deus não é apenas uma questão intelectual mas também afetiva Por isso que precisamos nascer de novo certamente nossos afetos objetivos e intenções devem ser recalibrados redirecionados revertidos e isso exige uma ajuda divina especial PLANTINGA 2018a p 281 Contudo mesmo descontando os efeitos do pecado sobre nossas capacidades cognitivas é preciso pensar se existe realmente a possibilidade de argumentos filosóficos ou históricos conseguirem fornecer um grau de garantia elevado para uma pessoa desfrutar da crença cristã plena No máximo poderia produzir a crença avalizada de que as linhas principais da doutrina cristã não são especialmente improváveis PLANTINGA 2018a p 282 Se a crença teísta cristã por exemplo fosse aceita com base em argumentos só algumas pessoas poderiam adquirir o conhecimento em questão e somente depois de muito esforço e de muito tempo além disso essa crença seria incerta e cheia de falsidades PLANTINGA 2018a p 280281 Contudo isso não se aplica apenas à crença em Deus é possível dizer que nenhum outro argumento filosófico com conclusões interessantes atende a esses elevados padrões O fato de os argumentos filosóficos não atingirem tal ideal não é um defeito dos filósofos isso não indica qualquer vício demérito deficiência ou impropriedade nos argumentos ou nos filósofos que os sustentam Se a maioria dos argumentos defendidos não está de acordo com tal padrão isso não implica algo contra os filósofos mas contra esse padrão Como veremos nos próximos módulos os argumentos em favor da existência de Deus são bons alguns deles tão bons quanto pode ser um argumento filosófico O problema não é com tais argumentos mas com os padrões exigidos para eles são totalmente irrealistas e inadequados pois eles não conseguem fornecer o grau de firmeza exigido pela fé cristã E há aqui uma diferença crucial entre Plantinga e Geisler que diz respeito ao conceito de fé Como vimos Geisler supõe que alguém que não acredita em Deus precisa de mais fé do que o teísta pois quanto menos provas alguém tem para sua posição mais fé precisa para acreditar nela a fé cobre lacunas do conhecimento E acontece que os ateus têm maiores lacunas no conhecimento porque têm muito menos provas de suas crenças do que os cristãos GEISLER TUREK 2006 p 26 Contudo Plantinga 2016 p 128 pensa que a fé não deve ser contrastada com o conhecimento a fé é conhecimento e conhecimento de um tipo especial A fé é menos como um salto no escuro e mais como um conhecimento firme e certo da bondade de Deus para conosco Esses dois conceitos de fé são importantes aqui porque eles expressam uma diferença fundamental entre Plantinga e Geisler sobre a relação entre fé e evidência Pois se a crença teísta for mais similar às nossas crenças comuns que a uma hipótese científica seguese que devemos reconhecer que nossas crenças comuns exigem um grau de firmeza e um nível de inclinação que não é possível de ser dado apelando para um argumento nenhuma evidência pode ser suficientemente bemsucedida a ponto de provar que o passado existe ou que há outras mentes além da minha O caso da fé é similar ela envolve acreditar em determinadas proposições com um grau de firmeza considerável Plantinga 2016 p 133 afirma que para a pessoa de fé pelo menos nos casos paradigmáticos as grandes coisas do evangelho parecem claramente verdadeiras atraentes Ela se vê convencida como no caso das crenças de memória claras ou a sua crença nas verdades elementares da aritmética Deste modo pelo menos para os casos paradigmáticos a crença teísta se mostra obviamente racional a existência de Deus parece convincente clara obviamente atraente mesmo na ausência de uma base evidencial de modo que de um ponto de vista interior não há qualquer similaridade com o 70 Papel da Teologia Natural CRESCER salto no escuro PLANTINGA 2016 p 133 Assim as evidências são insuficientes para que se acredite racionalmente com esse grau de firmeza Logo se é o caso de realmente conhecermos algumas das alegações centrais do cristianismo é necessário que tenhamos uma fonte independente de garantia para tal crença eg o sensus divinitatis ou a instigação interna do Espírito Santo pois argumentos e evidências não são suficientes para sustentarmos a crença cristã com tal grau de garantia Papel dos argumentos na crença em Deus Contudo se argumentos não servem para embasar nossa fé em Deus ou para sustentarmos nossas crenças de modo racional para que eles servem então Como vimos Geisler afirma que a crença teísta não pode ser aceita de modo apropriadamente básico pois se verdadeiro isso minaria a teologia natural a necessidade de dar qualquer argumento a favor da existência de Deus e a apologética clássica GEISLER 2002 p 105 Mas essa é uma confusão muito comum sobre a proposta de Plantinga Algumas pessoas pensam que dado o Modelo AC e o Modelo AC estendido uma vez que o teísta não necessita de argumentos ou evidências para a racionalidade da crença em Deus se seguiria que eles não são importantes ou não têm uma função dentro da fé cristã ou ainda que não existam tais argumentos Contudo o próprio Plantinga esquematizou mais de duas dúzias de argumentos em favor do teísmo Vamos explorar brevemente algumas funções que um argumento desempenha para a crença teísta Plantinga 2001 p 217 pensa que os teístas podem muito bem oferecer quaisquer argumentos para a verdade da crença cristã que eles achem adequados tais argumentos podem ser extremamente úteis de algumas formas diferentes Primeiro eles podem aproximar as pessoas que mantêm uma posição neutra fechada para a crença cristã levando a pessoa para perto do teísmo ao mostrar por exemplo que o teísmo é uma opção intelectual legítima Esse foi o caso de pessoas como C S Lewis e Alister McGrath Argumentos e evidências podem ser ferramentas poderosas nas mãos do Espírito Santo para mostrar que o cristianismo é uma religião intelectualmente plausível Em uma entrevista Plantinga certa vez afirmou pode ser também que o Espírito Santo em algumas ocasiões trabalhe por meio de argumentos Pode ser que em uma dada ocasião o Espírito Santo tome isso como uma ocasião para induzir ou aumentar as credenciais do teísmo Nesse sentido o Espírito Santo pode induzir diretamente a pessoa a perceber a força do argumento cosmológico teleológico ou moral por exemplo Assim pode ser que o Espírito Santo torne ou capacite uma pessoa a achar o argumento mais plausível mais convincente Em segundo lugar os argumentos podem fortalecer a fé cristã de alguém Pois como lembra Plantinga 2007 p 209 nem todos os crentes sustentam a crença teísta em uma certeza serena e ininterrupta muitos estão pelo menos ocasionalmente sujeitos a dúvidas Aqui esses argumentos podem ser úteis De acordo com Craig 2011 p 20 conhecer bons argumentos e evidências em favor da fé cristã poderá ajudálo a manter sua fé em tempos de dúvidas e tribulações Contudo talvez você não seja a pessoa que precise de tais argumentos ou evidências talvez alguém em sua igreja local esteja passando por uma crise de fé e neste caso conhecer argumentos e evidências pode fazer com que você se torne um canal de bênçãos para tal pessoa Assim o desprezo por argumentos ou Papel da Teologia Natural 71 CRESCER evidências pode ser fruto de um coração que ama mais a si mesmo que o bemestar espiritual dos outros Pense no teísta assombrado pela dúvida ou por aquilo que São João da Cruz e Santa Teresa de Lisieux chamam de A Noite Escura da Alma em que o crente se sentiria inseguro sobre a existência de Deus como se Deus estivesse ausente ou o abandonado Diante de uma crise nessas proporções seria possível para o teísta pensar sobre as implicações de que não há tal pessoa como Deus talvez ele pense que se não há Deus não há valores e deveres morais objetivos como postula o argumento moral ou que a probabilidade de que nossas faculdades cognitivas sejam confiáveis é baixa ou insondável como postula o argumento evolucionário contra o naturalismo Nesta situação argumentos podem fornecer ao teísta um significativo grau de apoio tanto racional quanto psicológico Neste caso bons argumentos teístas talvez possam desempenhar o papel de confirmar e fortalecer a fé em Deus aumentando o grau de garantia que a fé em Deus tem para o crente E mesmo que você não precise de tais argumentos talvez aprender sobre eles seja uma questão de amor ao próximo de ajudar aqueles que estão com dúvidas dentro da comunidade cristã O que é um bom argumento Por fim cabe uma última reflexão o que é um bom argumento Como vimos em Introdução à Filosofia um argumento é um conjunto de afirmações das quais uma é a conclusão e as demais são as premissas Para entender como devemos analisar um argumento é preciso diferenciar questões de validade e questões de verdade Mais precisamente um bom argumento precisa exibir uma forma correta validade e factual verdade Mas como se dá isso Em primeiro lugar um bom argumento precisa ser logicamente válido Neste caso a conclusão precisa se seguir logicamente das premissas Pense no clássico argumento abaixo Premissa 01 Todo homem é mortal Premissa 02 Sócrates é homem Conclusão Logo Sócrates é mortal Nesse caso temos um argumento válido pois os conteúdos das premissas são suficientes para garantir o que é dito na conclusão Pois se for verdade que todo homem é mortal e se for verdade que Sócrates é homem seguese logicamente e inescapavelmente que Sócrates é mortal Por outro lado um argumento inválido é aquele em que as premissas e a conclusão não estão ajustadas da forma correta Nele mesmo que a conclusão seja verdadeira ela não se segue logicamente das premissas Nosso primeiro argumento passa no teste da validade Mas será que ele passa no segundo teste Pois mesmo que ele tenha a forma correta o conteúdo das suas premissas poderia ser falso Mais precisamente um argumento pode possuir a propriedade de validade mesmo que suas premissas não sejam verdadeiras pois a validade é uma propriedade da estrutura do argumento e não do seu conteúdo No entanto para que tenhamos um bom argumento não basta que ele tenha a forma correta é preciso também que suas premissas sejam verdadeiras Quando temos uma boa premissa Aqui é necessário esclarecer que para que uma 72 Papel da Teologia Natural CRESCER premissa seja apropriada para um argumento não é necessário que tenhamos completa certeza de sua verdade Como afirma Brendan Sweetman 2013 p 23 no contexto da filosofia da religião os argumentos para a existência de Deus ainda são chamados de provas mas geralmente com a compreensão de que o que é apresentado fica um pouco aquém do que às vezes se chama prova irrefutável Para que possamos julgar um argumento como sólido não é preciso apresentar provas definitivas de sua verdade Tudo que precisamos é apresentar premissas que sejam mais plausíveis que sua negação As premissas apresentadas devem ser embasadas por razões Para saber se elas são mais plausíveis que sua negação é preciso olhar mais profundamente para elas e perguntar quais são as razões que embasam a negação ou a afirmação da premissa de tal modo que os dados que formam a base dos vários argumentos em favor da existência de Deus têm um preço alto SWEETMAN 2013 p 23 ou seja o teísta precisa apresentar premissas que sejam as mais fortes possíveis a fim de que aquele que discorda de uma das premissas só o faça ao custo de pegar um alto preço Por exemplo uma das premissas do argumento moral é que existem valores e deveres morais objetivos É preciso apresentar boas razões para tal premissa de modo que para negála a pessoa se comprometa com a ideia de que não há um certo e errado moral objetivo diferenciar amor e tortura opressão e liberdade seria algo moralmente subjetivo Perceba que ao negar tal premissa ela precisaria aceitar algo que parece negar nossa experiência moral mais básica Além disso é preciso saber se temos alguma boa razão para sustentar a premissa ou se devemos abandonála Caso seja o último tipo devese honrar a verdade o suficiente na admissão de que aquela premissa não é boa É claro que uma premissa não deve ser abandonada ao primeiro sinal de dificuldade É preciso analisar cuidadosamente se temos bons motivos para afirmála ou para negála Por fim um argumento é sólido quando ele reúne validade formal e premissas verdadeiras Nesse caso a conclusão do argumento sólido é aceita como verdadeira Qualificar um argumento como sólido é o maior tipo de aprovação que se pode conceder a um argumento Mas para isso é preciso combinar forma validade com conteúdo verdade a fim de se certificar que se está apresentando um argumento adequado Contudo isso não significa dizer que as pessoas vão prontamente aceitar o argumento pois a convencibilidade é algo pessoal que envolve fatores psicológicos volitivos teológicos emocionais entre outros Nesta disciplina os três primeiros argumentos serão dedutivos pois nele se todas as premissas forem verdadeiras os termos forem claros e as regras da lógica dedutiva forem seguidas a conclusão alcançada é necessariamente verdadeira Os dois últimos argumentos serão em favor da melhor explicação de modo que as premissas são vistas como fornecendo algum grau de evidência mas não garantia completa da verdade da conclusão Assim um argumento deste tipo é aquele em que a conclusão é uma decorrência provável das premissas Nesse caso ninguém que aceita as premissas está necessariamente obrigado a aceitar a conclusão Contudo tais argumentos apresentam graus de probabilidade evidencial sobre uma dada sentença ser ou não verdadeira de modo que mesmo que não seja fornecido algo certo sobre o argumento podem ser fornecidas razões para ele Papel da Teologia Natural 73 COMPARTILHAR Nesta aula você Compreendeu os dois sentidos de Teologia Natural Analisou o papel e os limites dos argumentos em favor da existência de Deus Revisou o que torna um argumento sólido STENMARK Mikael Como relacionar ciência e religião um modelo multidimensional São Paulo Editora Reflexão 2021 Cap 4 e 5 NASCIMENTO Bruno Precisamos de evidências para acreditar racionalmente em deus Uma comparação entre Alvin Plantinga e Norman Geisler Revista Summae Sapientiae n 2 1 2019 Disponível em httpsperiodicosficvedubrindexphpsummaesapientiaearticleview4918 PARA CRESCER MAIS 74 Argumento Cosmológico módulo 07 Olá Neste módulo vamos aprender um dos mais comentados argumentos em favor da existência de Deus dentro da filosofia contemporânea o Argumento Cosmológico Kalam A ideia básica é que uma vez que tudo que começa a existir tem uma causa e que o Universo começou a existir então o Universo tem uma causa Assim o argumento defende a existência de Deus com base no fato de que o Universo passou a existir em um tempo passado finito Veremos que há boas razões tanto filosóficas quanto científicas para postular que o Universo teve um início no tempo Além disso veremos algumas objeções clássicas contra tal argumento Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Aprender as três premissas do Argumento Cosmológico Kalam Analisar cada uma das premissas buscando entender por que elas são mais plausíveis que sua negação a partir de considerações filosóficas e científicas Avaliar algumas objeções clássicas contra cada uma das três premissas do argumento Bons estudos 75 CONECTAR Robert Jastrow 1925 2008 foi um astrônomo e físico planetário que trabalhou por vários anos como cientista da NASA Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço Além disso Jastrow foi também um importante divulgador científico com vários programas de televisão na PBS e CBS e vários livros sobre o que ele chamava de mistérios cósmicos a origem do Universo a origem da vida e a origem do homem alguns deles traduzidos para o português Um dos seus livros mais conhecidos é God and the Astronomers Nele Jastrow descreve várias descobertas da astronomia do século XX e faz um significativo debate sobre as implicações teológicas dos novos dados fornecidos pela ciência sobre a origem do Universo Mais uma idade finita Mesmo como agnóstico Jastrow 1992 p 103 percebeu tais implicações teológicas da teoria do Big Bang CINCO linhas de evidência INDEPENDENTES os movimentos das galáxias a descoberta da bola de fogo primordial as leis da termodinâmica a abundância de hélio no Universo e a história de vida das estrelas apontam para uma conclusão tudo indica que o Universo teve um começo Deste modo a teoria do Big Bang tem implicações teístas significativas primeiro porque ela postula que o Universo não é eterno mas que teve um começo no tempoespaço segundo ela afirma que tudo que existe as estrelas os planetas os átomos as partículas subatômicas o precisamente Jastrow discute durante o livro as implicações teológicas da teoria do Big Bang para a crença em Deus Na obra o astrônomo conta a história de como uma quantidade significativa de evidências descobertas durante o século XX forçou vários astrônomos e astrofísicos a aceitarem a validade do Big Bang e o fato de que o Universo teve um início no tempo Afinal como lembra o físico Stephen Hawking 1988 p 77 muitas pessoas não aceitam a ideia de que o tempo tenha um começo provavelmente porque ela cheira a intervenção divina O curioso é que parte significativa dos cristãos e mesmo teólogos acredita que o Big Bang é em algum sentido uma descoberta contra a existência de Deus Mas a teoria do Big Bang traz implicações significativas em favor do teísmo e que trazem sérias dificuldades para o ateísmo Pois a teoria postula que o Universo teve uma origem entre 13 e 15 bilhões de anos atrás E se o Universo teve uma origem é porque teve um originador Como explica Hawking 1988 p 197 assim como o Universo teve um começo podese supor que teve um criador Mas se realmente o Universo é completamente autocontido sem limite ou margem não teria havido começo nem haverá fim ele seria simplesmente O físico Paul Davies 1988 p 32 também afirma que se aceitarmos que o espaço e o tempo realmente irromperam do nada no big bang então é claro que houve uma criação e que o Universo tem Argumento Cosmológico Para o cientista que viveu pela fé no poder da razão a história termina como um pesadelo Ele escalou as montanhas da ignorância ele está prestes a conquistar o pico mais alto e enquanto se lança sobre a última pedra ele é cumprimentado por um grupo de teólogos que estão sentados ali há séculos JASTROW 1992 p 107 76 Argumento Cosmológico CONECTAR Os filósofos cristãos apontam que há várias implicações teístas importantes em uma das teorias científicas mais bem aceitas da comunidade científica a teoria do Big Bang Qual a importância disso para o debate público sobre a fé cristã PARA REFLETIR espaço o tempo a matéria surgiu naquele momento com o Big Bang Mais precisamente não havia matéria tempo ou espaço antes do Big Bang o Universo surge a partir do Big Bang Talvez não seja coincidência que o primeiro a propor tal modelo científico para a origem do Universo foi um padre cosmólogo cristão George Lemaître na época ele chamou de teoria do átomo primordial Contudo é um princípio metafísico importante essencial para a ciência que tudo o que começa a existir tem uma causa As coisas não podem surgir a partir do nada Logo se tudo o que começa a existir tem uma causa e se o Universo começou a existir como postula a teoria do Big Bang seguese que o Universo tem uma causa Por isso Jastrow 1992 p 14 afirma que agora vemos como a evidência astronômica leva a uma visão bíblica da origem do mundo Em 20 de maio de 1979 o livro de Jastrow chegou a ser matéria do programa Fantástico no Brasil1 Jastrow finaliza God and the Astronomers de um modo memorável 1 Especialistas unem ciência e religião na explicação do surgimento do Universo Disponível no YouTube em httpswwwyoutubecomwatchvoN3ZmANoqX4abchannelApocalipse3v20 e no Globoplay em httpsgloboplayglobocomv1036440 uma contagem dos artigos em revistas de filosofia mostra que se publicaram mais artigos sobre a defesa de Craig do argumento kalam do que qualquer outra formulação filosófica contemporânea de um argumento a favor da existência de Deus O facto de tanto os teístas quanto os ateus serem incapazes de deixar em paz o argumento kalam de Craig sugere que poderá ter um interesse filosófico pouco usual ou então que tem um núcleo atraente de plausibilidade que leva os filósofos a regressarem uma vez e outra ao argumento para voltarem a examinálo SMITH 2010 p 241 Argumento Cosmológico 77 CRESCER existir em um tempo passado finito A versão do argumento defendida por Craig é uma das mais debatidas na filosofia contemporânea De acordo com o proeminente ateu Michael Martin 1990 p 101 o argumento de Craig está entre os mais sofisticados e bem argumentados da filosofia teológica contemporânea Outro proeminente filósofo ateu Quentin Smith afirma o seguinte Os argumentos cosmológicos são uma família de argumentos que partem do pressuposto de que algo existe a fim de inferir que com base neste algo existente chegase à existência de um ser tal como Deus Essa família de argumentos tem raízes em Platão e Aristóteles e foi desenvolvida na idade média por filósofos cristãos judeus e mulçumanos como Aquino Leibniz Avicena AlGhazali e Maimônides Neste módulo vamos estudar um dos vários argumentos cosmológicos desenvolvido especificamente na Idade Média o Argumento Cosmológico Kalam Kalam é a palavra árabe para teologia O nome do argumento foi dado pelo filósofo William Lane Craig em honra aos primeiros proponentes mulçumanos do argumento no medievo Grosso modo o argumento defende a existência de Deus com base no fato de que o Universo passou a O Argumento Cosmológico Kalam possui três premissas 1 Tudo que começa a existir tem uma causa 2 O Universo começou a existir 3 Logo o Universo tem uma causa Além de ser simples sua formulação lógica é válida Pois a conclusão se segue logicamente das premissas Afinal se tudo que começa a existir tem uma causa e se o Universo começou a existir seguese logicamente que o Universo tem uma causa Logo quem quiser negar a conclusão precisa apresentar razões para negar ou a premissa 1 ou a premissa 2 Dessa forma precisamos fazer uma análise de cada uma das premissas assim como de algumas possíveis objeções Premissa 1 Tudo que começa a existir tem uma causa Para avaliar corretamente esta premissa precisamos nos perguntar o seguinte é Em primeiro lugar ela está arraigada na intuição metafísica de que uma coisa não pode vir a existir do nada Dizer que as coisas podem simplesmente começar a existir do nada sem causa alguma é abrir mão da metafísica séria e recorrer à magia Em segundo lugar se as coisas podem de fato vir a existir do nada sem causa alguma não há então como explicar por que uma coisa ou outra ou tudo não surge do nada Por fim a primeira premissa é constantemente confirmada em nossa experiência CRAIG 2012a p 107 78 Argumento Cosmológico CRESCER PARA REFLETIR começaram a existir sem uma causa As melhores razões estão a favor desta premissa ou contra ela Como argumentaremos a premissa 1 parece ser verdadeira ou ao menos mais razoável do que sua negação Essa premissa é baseada em uma forte razão metafísica a de que algo não pode vir a existir a partir do nada ex nihilo pois do nada nada vem Pelo termo nada entendese aqui a negação metafísica de qualquer coisa que exista tempo espaço matéria propriedades substâncias O nada é a negação de qualquer coisa seja ela o que for Neste sentido o nada não tem quaisquer poderes causais Nas palavras de Aristóteles o nada é aquilo com que as rochas sonham Assim é impossível que o nada dê origem a alguma coisa Craig oferece três razões para defender essa primeira premissa A ideia de Craig é que as coisas que começaram a existir precisam necessariamente de uma causa para sua existência Pois em primeiro lugar como pode o nada dar origem a qualquer coisa como relógios cavalos teses ou ao próprio Universo Por isso ele afirma que a ideia de que algo pode vir a existir sem uma causa é recorrer à magia pois quando o mágico tira o coelho da cartola pelo menos existem três coisas o mágico o coelho e a cartola Mas não é razoável afirmar que o Universo interior surgiu em algum ponto do passado sem qualquer causa absolutamente a partir do nada A segunda razão oferecida por Craig é discriminatória por que razão qualquer coisa ou todas as coisas não surgiram a partir do nada Por que o time do São Paulo ou esta apostila não vieram à existência a partir do nada Por que razão isso só aconteceu com o Universo Isso traz uma dificuldade significativa pois se o nada é a ausência de qualquer coisa o que quer que seja como seria possível ele favorecer a existência do Universo mas não de qualquer outra coisa dentro do Universo Neste sentido se o nada existia como pode o espaçotempo surgir espontaneamente do nada Como é possível discutir a probabilidade de que qualquer coisa em particular venha a existir a partir do nada Por fim todos nós vivemos a partir da verdade desta primeira premissa A própria ciência se baseia nela Nenhum cientista pensa a partir de algum dado eg um fóssil que tal evidência surgiu sem qualquer causa No senso comum trabalhamos com a ideia de que se algo aparece em nossa sala ou cozinha ele não surge ali a partir do nada mas tem uma causa que lhe deu origem Neste sentido a premissa 1 é constantemente confirmada no nosso cotidiano pois todos nós vemos que aquilo que começa a existir é sempre originado por causas prévias que lhe deram origem Objeção à Premissa 1 Por várias vezes o Argumento Cosmológico Kalam teve sua formulação distorcida Bertrand Russell 2014 p 29 formulouo do seguinte modo defendese que tudo o que vemos neste mundo tem uma causa e à medida que retrocedemos cada vez mais na Com o desenvolvimento da mecânica quântica na década de 20 ficou claro que pequenas violações na lei de conservação de energia são possíveis mesmo que por pouquíssimo tempo E como matéria e energia são interconvertíveis essas flutuações quânticas de energia podem criar matéria O vácuo quântico é repleto dessas flutuações partículas que aparecem e desaparecem continuamente numa dança de criação e destruição O vazio não existe GLEISER 1999 p 181 Argumento Cosmológico 79 CRESCER corrente de causas chegaremos obrigatoriamente à Causa Primordial e essa Causa Primordial recebe o nome de Deus Daniel Dennett 2006 p 258 afirma o Argumento Cosmológico declara que desde que tudo tem de ter uma causa o Universo tem de ter uma causa por fim Julian Baggini 2016 p 113 diz o argumento cosmológico afirma em resumo que se tudo precisa ter uma causa o Universo não seria exceção Mas estas são distorções do argumento e mais precisamente da premissa 1 que estamos analisando Pois a premissa 1 não afirma que tudo tem uma causa mas que tudo que começa a existir tem uma causa Não se está fazendo uma afirmação sobre tudo que existe nem muito menos se está a afirmar que tudo tem uma causa mas apenas que as coisas que se originam que começam a existir têm uma causa Há uma distância significativa entre essas duas afirmações Outra confusão tem a ver com o conceito de nada Dennett 2006 p 258 sugere que a física quântica nos ensina não ensina que nem tudo que acontece tem de ter uma causa A ideia é que a física parece ter demonstrado que partículas subatômicas vieram a existir do nada Ora caso isso seja verdade então temos uma objeção significativa à primeira premissa Contudo o problema aqui é que o sentido de nada empregado por muitos físicos é diferente do conceito nada como uma negação absoluta Como vimos o nada é a ausência do que quer que seja até mesmo do próprio tempo e espaço Contudo alguns físicos tendem a entender o conceito de nada como a de uma flutuação de energia contida no vácuo regida por leis da física Mas se estamos falando de coisas como vácuo leis e energia então já não é correto afirmar que estamos falando do nada metafísico pois o nada não tem propriedades nem características O físico Marcelo Gleiser explica tal fenômeno Perceba que Gleiser fala de violações na lei de conservação de energia que podem acontecer na mecânica quântica de modo que é possível por meio delas criar matéria Mas como Gleiser lembra no final esse vazio quântico repleto de flutuações e partículas é diferente de um vazio absoluto que Gleiser pontua que não existe Assim quando Krauss propôs que a mecânica quântica pode explicar como o espaçotempo e a matéria podem emergir a partir do vácuo quântico não estamos falando do nada Krauss 2013 p 12 também sugere que o nada é tão físico quanto o algo principalmente se for definido como ausência de algo Ora há aqui uma contradição na formulação de Krauss pois se o nada for a ausência de algo como pode ele ser físico Além disso a confusão na formulação do argumento dá origem a outra confusão a ideia de que Deus também precisa ter uma causa Russell 2014 p 30 diz se tudo precisa ter uma causa então também Deus deve ter uma causa Se é possível que exista qualquer coisa sem causa isso tanto pode ser o mundo quanto Deus de modo que não pode haver validação nesse argumento o físico Lawrence Krauss 2013 p 10 defende que a declaração de uma Primeira Causa ainda deixa aberta a questão quem criou o criador Mas como vimos a primeira premissa não diz que tudo tem uma causa mas tudo que começa a existir tem uma causa E sendo Deus eterno e não causado ele não começou a existir logo 80 Argumento Cosmológico CRESCER PARA REFLETIR não precisa de uma causa O ateu pode ser tentado a afirmar que o teísta está sendo arbitrário ao definir Deus como eterno Contudo como tudo que começa a existir tem uma causa é necessário que alguma coisa tenha sempre existido Ateus como Russell tradicionalmente afirmam que o Universo é eterno e não criado teístas afirmam que Deus é que é eterno e não criado Nas palavras de Carl Sagan 2008 p 175 há duas hipóteses conflitantes neste ponto duas hipóteses alternativas entre si Uma é que o Universo sempre esteve aqui e a outra é que Deus sempre esteve aqui Mas como veremos na defesa da premissa 02 temos boas razões para pensar que o Universo passou a existir Isso implica que ele deve ter sido causado por algo além dele mesmo Em suma há muitas boas razões para aceitar a premissa 1 Pois se originalmente não havia nada nem Deus nem espaço nem tempo como é possível que o Universo tenha vindo a existir A grande polêmica do Argumento Cosmológico Kalam se encontra na segunda premissa Premissa 2 O Universo começou a existir Para avaliar corretamente esta premissa precisamos nos perguntar é mais provável que o Universo sempre existiu ou que ele passou a existir As melhores razões estão a favor desta premissa ou contra ela Os filósofos ateus têm tradicionalmente defendido que o Universo sempre existiu Nas palavras de Bertrand Russell em debate na rádio BBC em 1948 com o padre Frederick Copleston o Universo simplesmente está aí só isso RUSSELL COPLESTON 2014 p 166 Contudo é falso que o Universo simplesmente está aí Como veremos há excelentes razões tanto filosóficas quanto científicas para pensar que o Universo veio a existir Impossibilidade de um número infinito real de eventos De acordo com Craig 2012a p 112 a primeira razão para argumentar a favor da origem do Universo é que o infinito real não pode existir E como um Universo que sempre existiu seria um exemplo de algo infinito ele teria um número infinito de eventos no tempo então um Universo eterno não pode existir Para entender o que isso significa é necessário fazer uma distinção entre infinito real e infinito potencial Grosso modo um infinito potencial é meramente um limite ideal mas que nunca é alcançado no mundo real Você sempre pode acrescentar algo a ele de modo que o conjunto aumenta rumo ao limite da infinidade mas o ponto é que nunca se chega realmente ao infinito Um conjunto assim é realmente indefinido e não infinito Por outro lado o infinito real é um conjunto em que o número de elementos realmente é infinito O ponto aqui não é que o conjunto pode crescer rumo ao infinito o ponto é que o conjunto já é infinito completo Ora a ideia aqui de Craig não é que um número potencialmente infinito de coisas não possa existir mas que um número realmente infinito de coisas não possa existir Pois se um número real infinito de coisas pudesse existir surgiriam todos os tipos de absurdos Assim é impossível que um número infinito de coisas realmente exista na realidade Para entender o porquê veja o exemplo fornecido por Douglas Geivett Suponha que você leitor antes de chegar a esta página em sua leitura deste livro tivesse de primeiro ler a página anterior a esta e que antes de ler a página anterior tivesse de ler à anterior a ela e assim sucessivamente até chegar à página inicial Uma vez que o livro tem uma primeira página sua jornada até esta página requer que você primeiro leia um número finito de páginas sendo que mais páginas poderiam ser adicionadas aos capítulos anteriores para aumentar o tempo que você necessitaria para chegar à página inicial GEIVETT 2006 p 77 Suponha que agora adicionemos uma quantidade infinita de páginas anteriores neste livro Quando você chegará à página atual se antes tiver de ler todas as páginas anteriores Resposta nunca Portanto se você descobrirse lendo esta página após completar a leitura de todas as anteriores já sabe que leu um número finito de páginas GEIVETT 2006 p 77 Argumento Cosmológico 81 CRESCER Para continuar no exemplo de Geivett suponha que você leia uma página em dois minutos e leia continuamente até alcançar a página inicial Quanto tempo levaria para ler dez páginas 20 minutos E quanto tempo você levaria para ler vinte páginas Ou cinquenta Ou mil O que importa no exemplo de Geivett 2006 p 1977 é que sempre haverá uma quantidade finita de tempo necessário para a leitura Mesmo que você tenha que ler 200 mil páginas e que você gaste um tempo extremamente longo 66667 horas o tempo é ainda assim finito No entanto para entender o problema trazido pelo infinito real suponha que haja um número infinito de páginas agora Qual a implicação do exemplo de Geivett É que o mesmo tipo de coisa acontece com a série de eventos que formam a história do Universo Pense no 11 de setembro de 2001 atentado contra o World Trade Center Tal evento só pode acontecer se um número finito de eventos ocorreu antes Se um número infinito de eventos tivesse ocorrido antes dos atentados ao WTC então os atentados jamais ocorreriam pois antes de chegar ao 11 de setembro seria preciso que um número infinito de eventos o tivesse precedido e o infinito é justamente algo que nunca tem fim A cadeia de eventos que resultou no WTC deve ter tido um primeiro membro Em suma um número infinito de eventos jamais pode transcorrer pois caso contrário jamais conseguiríamos chegar ao hoje pois para isso seria preciso atravessar um número infinito de momentos Mas isso nunca teria fim O fato de termos chegado ao hoje mostra que não há um número infinito de momentos no passado mas finito Isso significa que o Universo teve um começo Expansão do Universo Como vimos a teoria do Big Bang fornece boas razões para pensar que o Universo teve um início Vamos explorar duas consequências dela a fim de entender melhor o porquê a expansão do Universo e a segunda lei da termodinâmica Marcelo Gleiser 2006a p 356 afirma que os cosmólogos mostraram forte resistência à teoria do Big Bang pois acreditar na existência de um evento marcando o início de tudo com todas suas conotações religiosas era algo que muitos achavam repugnante Contudo uma série de evidências o levaram a aceitar a ideia de que o Universo teve uma origem Em 1929 o astrônomo Edward Hubble descobriu aquilo que ficou conhecido como desvio para o vermelho Gleiser 2006b explica a descoberta de Hubble do seguinte modo 82 Argumento Cosmológico CRESCER PARA REFLETIR Grosso modo a ideia de Hubble é que esse afastamento das galáxias podia ser detectado por uma marca que elas deixavam ao se afastar o desvio para o vermelho Isso acontece porque quando uma fonte de luz se afasta de um ponto de referência eg nossa galáxia a frequência da luz diminui quando a fonte se aproxima a frequência aumenta Isso é conhecido como efeito Doppler Quanto mais rápida a velocidade de aproximação ou afastamento mais dramática é a frequência da mudança No caso das galáxias Hubble percebeu que boa parte das galáxias tinha um espectro desviado para frequências mais baixas ou seja a luz vermelha delas parecia ser de menor frequência por causa do seu maior comprimento Mais precisamente as galáxias que estão mais distantes de nós parecem ter uma vermelhidão com o comprimento mais alongado as galáxias que estão mais próximas tinham tal vermelhidão de modo menos alongado Isso significava que as galáxias estavam se afastando da nossa galáxia a Via Láctea assim como nós estamos nos afastando delas de modo que as galáxias mais distantes estavam se afastando mais rápido Qual a implicação disso para a origem do Universo Gleiser explica Em suma Hubble mostrou que o Universo não é estático mas o desvio para o vermelho nos mostra que o Universo de fato está em expansão E ao rastrear a expansão de volta no tempo o Universo se torna cada vez mais denso até que atinja um ponto de densidade infinita a partir do qual o Universo começou a se expandir Em algum ponto no passado finito entre 13 e 15 bilhões de anos atrás todo o Universo conhecido se contraiu em um único ponto matemático que marcou a origem dele Essa explosão inicial veio a ser conhecida como o Big Bang Como o cosmólogo John Barrow 1995 p 11 aponta tempo espaço e matéria chamam a atenção para suas origens num evento explosivo de onde emergiu o Universo atual num estado de expansão total Ou seja o Universo começou a partir de um estado de densidade infinita que deu origem ao espaço e tempo bem como Entre 1924 e 1929 Hubble mediu o espectro de várias galáxias distantes comparandoos com os de galáxias vizinhas E o que descobriu deixou assombrado não só as galáxias flutuavam independentes pelo espaço ou seja a Via Láctea era uma dentre inúmeras outras hoje sabemos que são centenas de bilhões como também estavam se afastando de nós a velocidades proporcionais à sua distância quanto mais longe a galáxia mais rápido ela se afasta Esse resultado ficou conhecido como Lei de Hubble É ela que estabelece que o Universo está em expansão GLEISER 2006b p 134 Se o Universo está em expansão é porque foi menor no passado quando as galáxias estavam mais próximas Nesse caso se passarmos o filme para trás chegaremos a um momento em que a matéria cósmica estava amontoada em um volume minúsculo marcando o início do tempo Ou seja a expansão cósmica mostra que o Universo tem uma história um nascimento em algum momento do passado GLEISER 2006b p 137 Argumento Cosmológico 83 CRESCER toda a matéria no Universo Ora o mais significativo não pode haver nenhum objeto que possua densidade infinita Para Barrow isso indica que a teoria do Big Bang requer a criação da matéria a partir do nada pois à medida que se volta no tempo o Universo atinge um ponto em que encolheu para absolutamente zero Se o Universo está se expandindo quando retrocedermos na história e olharmos para o passado teremos a prova de que ele emergiu de um estado mais denso menor cujo tamanho parece ter sido um dia zero BARROW 1995 p 16 Isso implica que o modelo do Universo segundo o Big Bang requer que o Universo tenha começado a existir e tenha sido criado a partir do nada Termodinâmica do Universo Uma outra forte confirmação científica para a origem do Universo está na segunda lei da termodinâmica De acordo com ela a menos que um sistema esteja constantemente recebendo energia ele se tornará cada vez mais caótico e desordenado pois os processos que ocorrem em um sistema fechado sempre tendem a um estado de equilíbrio Craig 2011 p 102 fornece um bom exemplo a fim de explicar essa lei Suponha que você tenha uma garrafa fechada com vácuo em seu interior suponha também que você injete moléculas de gás nela Essas moléculas vão se espalhar de maneira uniforme por todo o interior da garrafa Qual a probabilidade de essas moléculas se aglutinarem todas juntas e organizadas em um canto da garrafa Ela é praticamente nula pois existem muito mais maneiras de as moléculas existirem em um estado desordenado do que em um estado ordenado Agora aplique a segunda lei da termodinâmica ao Universo como um todo O Universo é um sistema fechado gigante uma vez que ele é tudo o que fisicamente há e nenhuma energia lhe é introduzida de fora Isso parece implicar que dado tempo suficiente toda a energia do Universo se espalhará de maneira uniforme por todo o Universo em um estado de morte térmica Ora se o Universo existe desde sempre então por que ele já não atingiu este estado de morte térmica O físico Paul Davies 1988 p 32 explica o paradoxo Por isso que Davies 1998 p 22 pensa que a origem do Universo em um ponto finito do passado parece do ponto de vista científico quase compulsiva Objeção à Premissa 2 O filósofo ateu Kerry Walters 2015 p 89 sugere que se não existe infinito real então Deus não pode ser onisciente pois se por onisciência divina alguém quer dizer que há na mente divina uma infinidade de itens de conhecimento então a onisciência deve ser Se o Universo tem uma reserva limitada de ordem e está a mudarse irresistivelmente para a desordem até atingir o equilíbrio termodinâmico então há duas inferências muito importantes e que podemos tirar imediatamente A primeira é a de que o Universo há de um dia morrer dissolvendose por assim dizer na sua própria entropia Esse facto é conhecido entre os físicos como a morte térmica do Universo A segunda é a de que o Universo não pode ter existido sempre pois de outro modo já teria atingido o seu estado de equilíbrio terminal há um tempo infinito Conclusão o Universo nem sempre existiu DAVIES 1988 p 23 84 Argumento Cosmológico CRESCER Eu vou sugerir o teorema da eternidade quântica se você tiver um Universo que obedece às regras convencionais da mecânica quântica tendo uma energia diferente de zero e as próprias leis da física não sejam mutáveis em relação ao tempo esse Universo é necessariamente eterno O parâmetro de tempo na equação de Schrödinger informando como o Universo evolui vai de menos infinito a infinito Agora esta pode não ser a resposta definitiva para o mundo real porque você sempre pode violar as suposições do teorema mas porque ela leva a mecânica quântica a sério é um ponto de partida muito mais provável para analisar a história do Universo Mas novamente continuarei reiterando que o que importa são os modelos não os princípios abstratos e as próprias leis da física não mudam com o tempo então aquele Universo será necessariamente eterno Deus e a cosmologia 34min negada pela mesma razão que um número infinito de momentos foi negado O problema dessa objeção é que ela faz uma interpretação equivocada sobre a natureza de Deus pois como explica Craig 2012a p 46n quando se afirma que Deus é infinito eg infinito em sua onisciência o termo não é empregado em um sentido matemático para se referir a um agregado de número infinito de partes finitas A infinitude divina é por assim dizer qualitativa e não quantitativa Um argumento mais popular é que os cosmólogos têm proposto teorias alternativas com o propósito de evitar esse começo absoluto Em debate com William Lane Craig o cosmólogo Sean Carroll afirma que o Universo poderia ser eterno sem um começo pois há modelos construídos por cosmólogos que mostram como um Universo eterno se harmonizaria com os nossos dados científicos atuais2 Assim saber se o Universo teve um começo não pode ser discutido a partir de argumentos abstratos como o da impossibilidade de um infinito real mas é algo que diz respeito à possibilidade de construir modelos e ver qual fornece a melhor explicação para o que vemos o Universo está fazendo No debate ele fornece um exemplo Carroll está correto quando afirma que tais modelos de fato existem entre os cosmólogos O problema é que nenhum desses modelos que postulam um Universo eterno se mostrou bemsucedido como o próprio Carroll reconhece no debate O cosmólogo Alex Vilenkin afirma que não há modelos neste momento que forneçam um modelo satisfatório para um Universo sem um começo3 Nenhum dos modelos que postulam um Universo eterno se mostrou mais plausível que a teoria do Big Bang Conclusão O Universo tem uma causa Se tudo que vem a existir tem uma causa e se o Universo veio a existir seguese logicamente que o Universo tem uma causa E como deveria ser essa causa do Universo Como Craig 2012a p 148150 aponta uma vez que ela causou o espaço e o tempo ela deve necessariamente transcender o espaço e o tempo existindo fora do nosso tempo e espaço Essa causa também deve ser não física pois tudo que é físico e material surgiu com o Big 2 Deus e a cosmologia Sean Carroll vs William Lane Craig Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvm0zpPKrR7Qt6477sabchannelCanaldoDiego 2 Did the Universe have a Beginning Alexander Vilenkin Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvNXCQelhKJ7Aabchannelfirstcauseargument Argumento Cosmológico 85 CRESCER Objeção à conclusão Daniel Dennett 2006 p 258 pergunta retoricamente que se alguma coisa pode ser causada por si mesma Deus por que o Universo como um todo não pode ser a coisa que é causada por si mesma O problema da sugestão de Dennett é que isso implicaria que a causa do Universo é o próprio Universo E isso seria metafisicamente impossível pois o Universo teria trazido a si mesmo à existência Mas tal coisa é impossível pois para o Universo criar a si mesmo ele já teria de existir Mas como pode o Universo existir antes mesmo de existir Por isso a visão de Dennett é logicamente incoerente a causa do Universo deve transcender o próprio Universo Uma segunda objeção apela à natureza da causa Baggini 2016 p 114 afirma que mesmo que o argumento seja bemsucedido ele não nos leva a Deus pois chegaríamos apenas a uma causa maior e mais complexa do que o próprio Universo que por sua vez não tem nenhuma causa O argumento não consegue demonstrar que a causa do Universo seja necessariamente algo parecido com Deus E Richard Dawkins afirma mais precisamente que a causa do começo do universo é um agente pessoal que escolhe livremente criar um universo no tempo Os filósofos denominam esse tipo de causação como causação por um agente e como o agente é livre ele pode deflagar novos efeitos criando livremente condições que antes não estavam presentes CRAIG 2012a p 150 mesmo que nos dermos ao duvidoso luxo de conjurar arbitrariamente uma terminação para a regressão infinita e lhe dermos um nome não há absolutamente nenhum motivo para dar a essa terminação as propriedades normalmente atribuídas a Deus onipotência onisciência bondade criatividade de design sem falar em atributos humanos como atender preces perdoar pecados e ler os pensamentos mais íntimos DAWKINS 2007 p 112 Bang Logo ela deve ser imaterial Além disso essa causa deve não ter um começo e não ser causada Essa causa também deve ser inimaginavelmente poderosa já que criou todo o Universo Por fim essa causa deve ser pessoal Primeiro só há duas entidades capazes de ter as propriedades de ser imaterial e não causado uma mente e objetos abstratos eg os números Contudo objetos abstratos não sustentam relações causais Os números não podem causar coisa alguma por isso são chamados de abstratos Portanto a causa transcendente da origem do Universo deve ser uma mente incorpórea Segundo vimos que o começo do Universo foi o efeito de uma primeira causa Mas essa causa não pode ter um começo no tempo ela tão somente existe imutavelmente sem começo e num tempo finito do passado essa causa trouxe o Universo à existência Ora se a causa do Universo é eterna e todavia o efeito que ela produz o Universo não é eterno mas começou a existir em momento finito passado então é porque tal causa decidiu trazer o Universo à existência pois se o Universo fosse o mero efeito de uma causa impessoal como seria possível ele não existir desde toda a eternidade Por que o efeito não é coeterno com sua causa De acordo com Craig isso implica que 86 Argumento Cosmológico COMPARTILHAR Ora o argumento cosmológico não tenta derivar todos os atributos de Deus desse único argumento Ele apenas estabelece que há uma causa do Universo que é pessoal não causado sem começo imutável imaterial transcendendo tempo e espaço e inconcebivelmente poderoso E todos esses atributos se harmonizam perfeitamente com o Deus trino Pois que outra causa poderia haver que fosse um Criador pessoal não causado sem começo imutável imaterial não limitado por tempoespaço e inconcebivelmente poderoso Por isso é mais racional pensar que essa causa do Universo é aquilo em que todos nós podemos pensar como Deus Nesta aula você Aprendeu as três premissas do Argumento Cosmológico Kalam Analisou cada uma das premissas buscando entender por que elas são mais plausíveis que sua negação a partir de considerações filosóficas e científicas Avaliou algumas objeções clássicas contra cada uma das três premissas do argumento CRAIG William Em guarda defendendo a fé cristã com razão e precisão São Paulo Vida Nova 2011 capítulo 4 A existência de Deus e o começo do universo Disponível em httpsptreasonablefaithorgartigosescritosacademicosaexistenciadedeuse ocomecodouniverso PARA CRESCER MAIS 87 Argumento Teológico do Ajuste Fino módulo 08 Olá Nos últimos 50 anos emergiu da física e da cosmologia moderna um complexo e delicado equilíbrio de valores exatos das condições iniciais presentes no Big Bang e das constantes básicas da natureza para que a vida fosse possível no cosmo Físicos e astrônomos vieram a descobrir que o Universo é precisamente ajustado para a existência de vida inteligente com uma complexidade e delicadeza que desafiam o intelecto humano Esse delicado e intrincado equilíbrio é conhecido como ajuste fino do Universo para a vida Nesta lição vamos estudar o chamado Argumento Teleológico do Ajuste Fino em favor da existência de Deus Analisaremos também algumas objeções a este argumento Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Compreender o complexo e delicado equilíbrio das constantes básicas da natureza e das condições iniciais para que a vida fosse possível no cosmo Aprender as três premissas do Argumento Teleológico do Ajuste Fino Avaliar algumas objeções contra o argumento Bons estudos 88 Argumento Teleológico do Ajuste Fino CONECTAR Antony Flew 1923 2010 foi um importante filósofo da religião que lecionou nas Universidades de Oxford Aberdeen Keele e Reading e na York University em Toronto Durante sua carreira acadêmica ele foi considerado um dos filósofos ateus mais importantes do mundo fornecendo novos e criativos argumentos contra a existência e a racionalidade da crença em Deus argumentos que criaram um quadro de referência para os filósofos ateus como por exemplo o de que o ônus da prova sobre a existência de Deus não está com o ateu mas com o teísta ou seja devese pressupor o ateísmo até que surjam evidências que apontem que há um Deus Flew era um filósofo ateu tão proeminente que em 1998 ele foi convidado para representar o lado do ateísmo em um debate público com William Lane Craig convidado para representar o teísmo debate que visava comemorar o quinquagésimo aniversário do famoso debate entre Bertrand Russell e Frederick Copleston transmitido pela rádio BBC em 1948 o debate entre Flew e Craig pode ser encontrado legendado no YouTube4 Flew era um grande adepto do lema socrático temos de seguir o argumento para onde quer que ele conduza FLEW 1979 p 6 ele tinha uma grande preocupação em chamar atenção para a tentação que todos nós corremos de deixar que teorias préconcebidas modelem o modo como vemos as evidências em vez deixar que as evidências modelem nossas teorias FLEW 2008 p 92 Por isso Flew sempre buscava questionar que tipo de evidência nós podemos encontrar que pode nos fazer mudar de ideia Contudo depois de uma vida toda de investigação sobre a questão da existência de Deus Flew começou a nutrir sérias dúvidas sobre seu ateísmo principalmente depois das várias descobertas científicas que parecem apontar para o fato de que o Universo está precisamente ajustado para a vida argumento que você estudará neste módulo Em uma entrevista publicada em 9 de dezembro de 2004 Anthony Flew então com 81 anos passou a acreditar que existe um Deus A notícia foi recebida com muita surpresa principalmente entre os seus colegas ateus Em seu livro Deus existe Flew 2008 p 25 afirma agora fui persuadido a apresentar aqui o que pode ser chamado de meu testamento final Em resumo como diz o título agora acredito que existe um Deus Mais precisamente nas 4 Deus Existe Anthony Flew vs William Lane Craig 1998 Legendado Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv0gcm6izVkNoabchannelRafaelCampos Argumento Teleológico do Ajuste Fino 89 CONECTAR palavras dele agora acredito que o Universo foi criado por uma Inteligência infinita Acredito que as intrincadas leis deste Universo manifestam o que os cientistas têm chamado de Mente de Deus Acredito que a vida e a reprodução têm origem em uma Fonte divina FLEW 2008 p 94 E quais razões Flew aponta para sua mudança de crença Ou seja por que acredito nisso se ensinei e defendi o ateísmo por mais de meio século FLEW 2008 p 94 Ele afirma Isso não significa que Flew 2008 p 98 abraçou o cristianismo Como ele afirma minha descoberta do Divino tem sido uma peregrinação da razão não da fé Flew passou a adotar uma concepção deísta de Deus mais precisamente uma crença no Deus aristotélico Contudo ele deixou aberta a possibilidade de entrar em uma relação pessoal com Deus principalmente aquela revelada pela combinação carismática da figura de Jesus e o intelecto de São Paulo A resposta é curta esse é o retrato do mundo como eu o vejo e que emergiu da ciência moderna A ciência mostra três dimensões da natureza que apontam para Deus A primeira é o fato de que a natureza obedece a leis A segunda é a dimensão da vida de seres movidos por propósitos e inteligentemente organizados que surgiram da matéria A terceira é a própria existência da natureza Mas não é apenas a ciência que tem me guiado O fato de eu ter retomado o estudo dos argumentos filosóficos clássicos também tem me ajudado FLEW 2008 p 94 A descoberta de fenômenos como as leis da natureza tem levado cientistas filósofos e outros a aceitar a existência de uma Mente infinitamente inteligente Alguns alegam ter feito contato com essa Mente Eu não fiz ainda Mas quem sabe o que pode acontecer daqui para frente Algum dia eu talvez ouça uma Voz me perguntando Agora você pode me ouvir FLEW 2008 p 146 Flew mudou de posição principalmente por causa do argumento teleológico em favor da existência de Deus Em Deus existe ele afirma Faço a meus excompanheiros de ateísmo esta simples mas fundamental pergunta o que teria de acontecer ou de ter acontecido para dar a vocês uma razão para pelo menos pensar na possibilidade da existência de uma Mente superior FLEW 2008 p 93 Ou seja que tipo de evidência deveria ser apresentada para me fazer pensar o contrário O que podemos aprender com a disposição de Flew em seguir o argumento para onde quer que ele conduza PARA REFLETIR 90 Argumento Teleológico do Ajuste Fino CRESCER PARA REFLETIR O argumento teleológico em favor da existência de Deus é constituído por uma família de argumentos que supõe que há um design inteligente do Universo assim como todos nós supomos a existência de um design inteligente por trás de qualquer produto em que enxergamos evidência de uma adaptação intencional eg obras de arte marcas de escrita objetos tecnológicos Esse tipo de argumento é o mais conhecido e mais antigo argumento em favor da existência de Deus Por ser parte de uma família de argumentos o argumento teleológico se apresenta de vários modos diferentes a depender da forma ou do tipo de design a que se está apelando O filósofo cristão J P Moreland 2013 p 5478 enumera oito tipos diferentes de argumentos do design que podem ser defendidos de três modos distintos Neste módulo vamos analisar apenas um único tipomodo de argumento teleológico o chamado Argumento Teleológico do Ajuste Fino Esse argumento se baseia no extraordinário ajuste fino que é necessário para que o Universo possa comportar a possibilidade de vida algo que foi detectado por cosmólogos astrônomos e físicos nos últimos anos Mais precisamente por ajuste fino entendese o equilíbrio complexo e delicado das condições iniciais estabelecidas no próprio Big Bang e descoberto nos últimos 50 anos para que o Universo possibilitasse a existência de vida inteligente Tal como desenvolvido pelo filósofo William Lane Craig esse argumento possui as seguintes três premissas 1 O ajuste fino do Universo devese à necessidade física acaso ou design 2 O ajuste fino do Universo não se deve à necessidade física nem ao acaso 3 Logo o ajuste fino devese ao design Além de ser simples sua formulação lógica é válida Pois a conclusão se segue logicamente das premissas Afinal se o ajuste fino do Universo se deve à necessidade física ao acaso ou ao design e se tal ajuste fino não se deve nem à necessidade física nem ao acaso seguese logicamente que o ajuste fino do Universo se deve ao design Logo quem quiser negar a conclusão precisa apresentar razões para negar ou a premissa 1 ou a premissa 2 Então precisamos fazer uma análise de cada uma das premissas assim como de algumas possíveis objeções Mas antes da análise vamos explicar o que é o ajuste fino do Universo Ajuste fino do Universo Nos últimos 50 anos emergiu da física e da cosmologia moderna um cenário extraordinário as forças fundamentais do Universo estão delicadamente intrincadas e equilibradas para sustentar a vida Mais precisamente há um complexo e delicado equilíbrio de valores exatos das condições iniciais presentes no Big Bang e das constantes básicas da natureza para que a vida seja possível no cosmo Como vimos esse delicado e intrincado equilíbrio das condições iniciais é conhecido como ajuste fino ou sintonia fina ou ainda ajuste preciso do Universo para a vida Tal descoberta desafiou alguns paradigmas Como explica o matemático John Lennox 2011 p 97 se antes o pensamento científico era dominado pelo Princípio de Copérnico isto é pela ideia de que não há nada de especial com a vida na Terra os físicos e astrônomos vieram a descobrir que o Universo é precisamente ajustado para a existência de Argumento Teleológico do Ajuste Fino 91 CRESCER vida inteligente com uma complexidade e delicadeza que desafiam o intelecto humano Craig 2012a p 154 aponta para a existência de dois tipos de ajustes finos Em primeiro lugar as leis da natureza quando expressas como equações matemáticas apresentam várias constantes isto é uma quantidade física que geralmente se acredita ser universal e imutável e tem um valor constante no tempo Exemplos de constantes são a velocidade da luz constante gravitacional a constante de Planck a força eletromagnética e a força subatômica fraca O que é mais significativo aqui é que tais constantes não são determinadas pelas leis da natureza pois como afirma Craig 2011 p 118 é possível que tivessem existido universos governados por essas mesmas leis da natureza ainda que essas constantes tivessem tido outros valores O segundo tipo de ajuste fino está nos valores iniciais introduzidos precisamente como as condições iniciais nas quais operam as leis da natureza Mais precisamente há certos valores físicos que são colocados de modo arbitrário no Universo como condições limites para que as leis da natureza possam operar Essas condições iniciais também são independentes das leis da natureza Por exemplo é preciso que exista um equilíbrio delicadíssimo entre matéria e antimatéria no Universo para que as leis da natureza possam operar Tanto as constantes quanto as condições iniciais devem se encaixar em um âmbito de valores muitíssimo estreito e restrito a fim de poder favorecer a existência de vida no Universo O cosmólogo Martin Rees 2000 p 15 afirma o seguinte sobre os seis números definidos pelo Big Bang e que governam as características essenciais do cosmo físico os seis números constituem uma receita para um universo e o resultado é sensível aos seus valores se qualquer deles fosse desafinado não haveria estrelas e vida Os valores das constantes e das condições iniciais são tão finamente ajustados que qualquer alteração nestes valores menores que o da espessura de um fio de cabelo destruiria o equilíbrio favorável à existência de vida e não poderia existir nenhum organismo vivo de espécie alguma Para você entender a precisão desses ajustes vamos citar alguns exemplos Rees 2000 p 14 afirma que a vastidão dos cosmo é devida à constante N igual a 1036 que mede a intensidade das forças elétricas que mantêm nossos átomos coesos dividido pela força da gravidade que atua sobre eles Se N tivesse alguns zeros a menos somente um universo em miniatura e de curta duração poderia existir não haveria criaturas maiores que os insetos e não haveria tempo para a evolução biológica Para se ter uma ideia da precisão deste ajuste Craig 2011 p 119 afirma que o número de segundos em toda a história do Universo é cerca de 1017 Outro exemplo foi dado pelo físico Paul Davies Há duas escalas que precisam estar finamente ajustadas para que o Universo seja possível Com o Big Bang o Universo se expandiu de modo explosivo e significativamente acelerado mas a gravidade atuou para restringir tal expansão e desacelerar o Universo Como explica Davies O Universo é por isso o produto de uma competição entre o vigor explosivo do Big Bang e a força da gravidade que tenta voltar ao ponto inicial juntando as partes separadas Nos últimos anos os astrofísicos acabaram por cair na conta de como esta competição tem sido delicadamente equilibrada Se o Big Bang tivesse sido mais fraco o Universo teria rapidamente recuado para uma grande compressão Por outro lado se fosse mais forte o material cósmico terseia dispersado tão depressa que as galáxias não se teriam formado Seja como for a estrutura observada do Universo parece 92 Argumento Teleológico do Ajuste Fino CRESCER PARA REFLETIR Davies fornece um cálculo que revela a precisão desse equilíbrio tal combinação foi de 1 para 1060 Mais precisamente se o Universo tivesse diferido no equilíbrio entre a expansão do Big Bang e a força da gravidade numa só parte em 1060 teria havido um colapso Davies oferece um exemplo que pode dar um sentido maior a tal precisão vamos supor que se dispara uma bala para um alvo de 3 centímetros que fica do outro lado do universo observável a vinte bilhões de anos luz Para se acertar a pontaria deveria estar afinada na proporção de 1 para 1060 DAVIES 1988 p 191 Ou seja a probabilidade de você acertar um alvo de 3 centímetros que fica do outro lado do Universo a uma distância de 20 bilhões de anos luz é a mesma de o Universo manter o equilíbrio entre a expansão do Big Bang e a força da gravidade finamente ajustados Um último exemplo Davies estima que qualquer mínima mudança na força da gravidade ou na força fraca em apenas 1 parte em 10100 teria resultado em um Universo onde a vida não seria possível Para se ter uma ideia do delicado ajuste desse número veja a ilustração de Hugh Ross citada por John Lennox Por fim não basta que cada constante ou valor tenha de estar perfeitamente ajustado como lembra Rees 2000 as proporções entre os seis números apontados por ele também precisam estar ajustadas com a máxima precisão Há por volta de 50 quantidades e constantes que estão presentes no Big Bang e que devem ser finamente ajustadas não somente de modo independente entre si mas também em relação à razão de outras quantidades e constantes a fim de que a vida seja possível Assim Craig 2012b afirma que improbabilidade multiplica improbabilidade que multiplica improbabilidade até que nossa mente esteja emaranhada em números incompreensíveis Uma vez que compreendemos o que é o ajuste fino do Universo qual seria a melhor explicação para ele Premissa 1 O ajuste fino do Universo devese à necessidade física acaso ou design Essa primeira premissa é menos polêmica pois apresenta apenas uma lista de três possibilidades que explicariam a presença do ajuste fino do Universo necessidade física acaso ou design De acordo com a primeira alternativa o Universo tinha que ter esse ajuste fino do modo que tem e não haveria qualquer possibilidade de ele ser de outro modo assim tais números são devidos a uma necessidade física do próprio Universo de modo que o Universo não poderia não ser favorável à existência de vida A segunda alternativa declara que o ajuste fino é resultado do acaso É por algum tipo de acidente ou coincidência cósmica que o Universo se mostra favorável à existência de vida Por fim a terceira alternativa apela depender sensivelmente da combinação precisa de vigor explosivo com o poder gravitacional DAVIES 1988 p 191 Cubra a América com moedas formando uma pilha que alcance a Lua 380000 quilômetros ou 236000 milhas de distância Depois faça o mesmo para um bilhão de outros continentes do mesmo tamanho Coloque uma única moeda pintada de vermelho nalgum ponto de uma daquelas pilhas Vende os olhos de uma amiga e peçalhe para identificar a moeda vermelha As probabilidades de sucesso para sua amiga são de cerca de 1 em 1040 LENNOX 2011 p 99 Argumento Teleológico do Ajuste Fino 93 CRESCER para uma Mente inteligente que ajustou o cosmos projetando o Universo para que ele permitisse vida A questão a que devemos responder agora é a seguinte qual dessas alternativas é a melhor explicação para o ajuste fino do Universo Premissa 2 O ajuste fino do Universo não se deve à necessidade física nem ao acaso Essa é a premissa crucial deste argumento Vamos analisar o por que as duas alternativas necessidade física e acaso não fornecem uma explicação adequada para o ajuste fino do Universo Necessidade Física Segundo a primeira alternativa o Universo tem que necessariamente ter os valores que tem e assim admitir a existência de vida Não haveria probabilidade de que o Universo não pudesse abrigar vida Logo um Universo que não admite a existência de vida é algo fisicamente impossível Contudo os físicos e cosmólogos estão certos de que é possível um Universo que não permite a existência de vida De acordo com o físico e matemático Roger Penrose 2004 p 343 universos semelhantes àquele em que vivemos povoam apenas uma parte em 1010123 Ou seja há muito mais probabilidade de existir um Universo que não permite a vida do que um Universo que permite Assim apelar para a necessidade física é algo extraordinariamente implausível pois as constantes e as condições iniciais são independentes das leis da natureza As constantes poderiam operar a partir de outros valores e as condições iniciais poderiam ter começado com outros números Não há nenhuma lei da natureza que estipule necessariamente que as constantes e as condições iniciais precisam operar com os valores que têm Nem mesmo a possibilidade de uma Teoria do Tudo como a teoria de supercordas poderia mostrar que o Universo opera do modo que opera por uma questão de necessidade Como explica Paul Davies sobre as condições iniciais Deste modo Universos que não permitem a existência de vida são muitíssimo mais prováveis que os Universos que permitem a existência de vida e isso não se deve a uma necessidade física do próprio Universo Mesmo se as leis da física fossem únicas isto não implicaria que o Universo físico em si fosse único As leis da física devem ser justificadas pelas condições cósmicas iniciais Nada há nas atuais ideias sobre as leis das condições iniciais que possa sugerir nem remotamente que sua coerência com as leis da física levaria à unicidade Então parece que o Universo físico não tem de ser como é poderia ter sido diferente DAVIES 1994 p 168169 94 Argumento Teleológico do Ajuste Fino CRESCER PARA REFLETIR Acaso E o que dizer da segunda alternativa Será que o ajuste fino do Universo se deve ao acaso Será que é por mero acidente o fato de as constantes e quantidades presentes nas condições iniciais caírem no estreito âmbito em que se admite a existência de vida O problema desta alternativa é que as probabilidades contra as condições do Universo serem favoráveis à existência de vida são tão imensamente incompreensíveis que não é racionalmente apropriado apelar para o acaso A faixa de universos favoráveis à existência de vida é tão insondavelmente minúscula em comparação com o Universo que não permite a vida que a existência de um Universo favorável à vida é fantasticamente improvável Um número tão alto de coincidência e de ajustes finos faz com que ninguém apele para a hipótese do acaso em qualquer outra área da vida Como afirma Paul Davies 1994 p 15 meu trabalho científico levoume a acreditar cada vez mais intensamente que a constituição do Universo físico atesta um engenho tão assombroso que não posso aceitálo apenas como fato bruto Objeções à premissa 2 Alguns filósofos e astrônomos afirmam que qualquer Universo que existisse teria que exibir um nível de complexidade elevado e qualquer deles seria extremamente improvável Para usar uma ilustração de Carl Sagan 2008 p 79 é um pouco como a mão vencedora no bridge A chance de digamos receber doze cartas de espadas é uma probabilidade absurdamente pequena Mas é tão provável como receber qualquer outra combinação de cartas Para entender melhor a ilustração de Sagan pense na loteria é extremamente improvável que uma quantidade específica de números seja sorteada e que alguém ganhe contudo alguém tem que ganhar No caso do cosmo todos os Universos são igualmente improváveis contudo algum Universo veio a existir No entanto há dois problemas com esta objeção Em primeiro lugar não aceitaríamos tal raciocínio em outras áreas da vida Como ilustra Alvin Plantinga O exemplo de Plantinga mostra por que tal distribuição de cartas tenderia a provocar um tiroteio em algum cassino americano a probabilidade de que ela ocorra é muito maior considerando a hipótese de eu estar trapaceando do que as ter distribuído às cegas PLANTINGA 2018b p 180n Ou seja há aqui uma intuição que todos nós empregamos quando lidamos com grandes coincidências dada a natureza da coincidência em questão é mais provável que eu esteja trapaceando e por isso recebo sempre as cartas Uma das reações a essas coincidências aparentemente extraordinárias é afirmar que uma delas exige uma explicação afinal não importa como os fatos aconteceram é extremamente improvável que foram desse modo particular Adequadamente entendida essa afirmação talvez seja verdadeira Mas será que vem ao caso Estamos jogando pôquer Toda vez que dou as cartas saio com quatro ases e um coringa Você fica desconfiado Para mitigar sua suspeita observo que o fato de eu sair com esse jogo sempre que dou as cartas não é menos provável que qualquer outra distribuição específica dentro daquele número específico de rodadas Essa explicação seria aceita em Dodge City ou em Tombstone PLANTINGA 2018b p 180 Argumento Teleológico do Ajuste Fino 95 CRESCER favoráveis ao meu jogo do que eu tenha realmente aquela quantidade estrondosa de sorte Como explica Paul Davies 1987 p 137 não consideramos cada jogo recebido como um milagre Geralmente cada conjunto de cartas quando distribuídas de modo aleatório não faz muita diferença no jogo entre os participantes contudo acharíamos estranho que alguém tivesse a sorte de receber por mais de 100 vezes seguidas o conjunto estruturado e sortudo de cartas pensaríamos corretamente que tal coisa exige algum tipo de explicação No Brasil há o conhecido caso do exdeputado federal João Alves que ficou conhecido pelo seu envolvimento com a máfia dos Anões do Orçamento na década de 1990 De acordo com matéria da Folha de São Paulo Revista Folha 26 dez 1993 p 8 a explicação que o deputado forneceu para justificar a movimentação de US 50 milhões de dólares entre o período de 19891993 foi que Deus o ajudou a ganhar 409 vezes na loteria5 Pense especificamente nesse caso isto é o que parece ser mais provável que João Alves seja sortudo o suficiente para ter ganhado mais de 400 vezes na loteria ou que ele de alguma forma estava comprando bilhetes premiados para lavar dinheiro A história do exdeputado federal é alvo de risadas justamente porque é muitíssimo improvável que alguém seja tão sortudo Plantinga pensa que o mesmo vale para o ajuste fino Outro problema com o argumento de que qualquer Universo seria igualmente improvável foi apontado por Craig 2012a p 160 não estamos tentando explicar a existência do Universo pelo contrário é a existência de um Universo que permite a vida que requer explicação Craig oferece um exemplo que ajuda a ilustrar tal ponto suponha que exista uma loteria com bilhões e bilhões de bolas pretas e uma única bola branca suponha que uma bola é tirada de modo aleatório É verdade que qualquer bola que deslize pela canaleta será um evento fantástico e igualmente improvável todavia é muitíssimo mais provável que uma bola qualquer que saia pela canaleta seja preta e não branca CRAIG 2012a p 160 Alguns cientistas como Richard Dawkins e Stephen Hawking propõem que o ajuste fino seja explicado pelo princípio antrópico De acordo com Dawkins 2007 p 195 a resposta antrópica em sua forma mais genérica é que só poderíamos estar discutindo a questão num Universo que fosse capaz de nos produzir Ou seja dado que só poderíamos existir no tipo particular de Universo capaz de desenvolver e sustentar vida consciente tal coisa explicaria por que este Universo tem a idade e as constantes físicas fundamentais necessárias para acomodar a vida consciente pois se qualquer um dos dados fosse diferente não estaríamos aqui para fazer tais observações Como afirma Hawking apenas nos poucos Universos semelhantes ao nosso poderiam se desenvolver seres inteligentes que fariam a pergunta por que o Universo é da forma que o vemos A resposta então seria simples se fosse diferente nós não estaríamos aqui HAWKING 1988 p 176 Dawkins e Hawking estão corretos quando afirmam que nós estamos aqui para A probabilidade do ajuste fino considerando a proposição de que Deus criou o Universo é muito maior do que a proposição de que o Universo não foi criado consequentemente considerando o ajuste fino a probabilidade de Deus haver criado o Universo é maior do que seria se os valores dessas constantes fossem outros PLANTINGA 2018b p 180n 5 Há um trecho de uma reportagem do Globo Repórter em que ao tentar justificar os 200 prêmios que ganhou na loteria João Alves afirmou que Deus me ajudou e eu ganhei dinheiro Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv0iy98EM1yfoabchannelcomediadavidapublica Acesso em 01 jan 2021 96 Argumento Teleológico do Ajuste Fino CRESCER PARA REFLETIR observar tais constantes e condições iniciais porque elas têm o valor que têm e que se o Universo não apresentasse ajuste fino não estaríamos aqui para percebêlo Contudo isso é mero truísmo Richard Swinburne 2015b p 94 aponta corretamente que o ponto de partida para o teísta não é que nós percebemos ordem ao invés de desordem mas que existe ordem ao invés de desordem Talvez seja verdade que a existência da ordem é uma condição necessária para sabermos o que existe mas daí não se segue que aquilo que existe não precisa de uma explicação O fato de observarmos um Universo que permite a vida não elimina a necessidade de explicação nem é uma objeção sensata ao ajuste fino Ainda precisamos de uma explicação de por que esses valores são como são Como afirma Plantinga Outra objeção apontada por Kerry Walters 2015 p 83 é que fundamentalmente o argumento confunde a direção da sintonia fina É a vida baseada em carbono que se adaptou ao Universo não o contrário Sagan 2008 p 77 sugere que em algumas partes desse argumento há uma falta de imaginação Mais precisamente a objeção é que talvez se o Universo operasse a partir de outras constantes e outros valores iniciais poderíamos ter a evolução de outras formas de vida talvez não baseada em carbono mas baseada em outra propriedade química Craig mostra que há uma falha fatal nessa objeção A objeção de Walters e de Sagan subestima as consequências fatais de uma alteração mínima nessas constantes e quantidades Sequer grande parte do próprio Universo galáxias estrelas planetas existiria caso houve uma mudança mínima em tais números Além disso o ponto chave do argumento que apela para a sintonia fina é mostrar o porquê de um universo capaz de abrigar a vida é extremamente improvável dada a quantidade muito mais provável de existirem Universos que não comportem a vida Próximo dessa objeção Carl Sagan afirma também que o fato de grande parte do Universo ser vazia ou inóspita para a vida parece indicar falta de planejamento Certamente há muita ordem no Universo mas também há muito caos Os centros da galáxias costumam explodir e se houver mundos habitados ou civilizações ali elas são destruídas aos milhões com cada explosão do núcleo galáctico ou quasar SAGAN 2008 p 178179 Primeiro há uma suposição gratuita por parte de Sagan de que nos centros das galáxias que explodem há mundos habitados ou civilizações Segundo e mais importante Não deixa de ser surpreendente esses valores serem como são e ainda parecer pedir uma explicação Não vale simplesmente observar que essas constantes precisam ter ajuste fino para que possamos observar que elas a têm do mesmo modo que não posso explicar o fato de Deus haver decidido me criar em vez de criar outra pessoa por exemplo observando que caos ele não o tivesse feito eu não estaria aqui para levantar a questão PLANTINGA 2018b p 183 Por vida os cientistas entendem a propriedade dos organismos de se alimentar extrair energia dos alimentos crescer adaptarse ao seu meio ambiente e se reproduzir A questão é que para haver vida assim tão definida no universo não importa a forma que os organismos assumam o ajuste das constantes e quantidades teria de ser incrivelmente preciso Na ausência desse ajuste fino nem mesmo a matéria atômica ou a química existiriam para não falar dos planetas onde a vida evoluiria CRAIG 2012a p 155 Argumento Teleológico do Ajuste Fino 97 CRESCER por que pensar que o fato de haver caos ou algum tipo de distúrbio físico no Universo ou de grande parte dele parecer ser inóspita à vida indica algum tipo de falta de planejamento A verdade é que não sabemos se grande parte do Universo é realmente inóspita talvez nosso Universo esteja borbulhando de vida inclusive vida inteligente e nós não conhecemos Contudo e mais importante grande parte da desordem citada por Sagan se mostra extremamente necessária para a transformação do próprio Universo O próprio Sagan era conhecido pela frase de que somos poeira das estrelas apontando para o fato de que materiais como o ferro o carbono o ouro e o urânio que encontramos na Terra e em nossos próprios corpos vieram da explosão de uma estrela em nossa vizinhança cósmica Como explica o físico brasileiro Marcelo Gleiser Além disso Gleiser explica que o termo caos quando aplicado a sistemas físicos não significa necessariamente desorganização mas uma alta sensibilidade às condições iniciais Isso não significa que tais sistemas sejam completamente aleatórios mas que obedece a certos vínculos e comportamentos dentro de um sistema O que define um sistema físico caótico não seria a falta de organização mas sua nãolinearidade Gleiser cita como exemplo o clima Assim o caos e a desordem presentes no Universo e apontados por Sagan parece fortalecer mais o ajuste fino do Universo do que contribuir de algum modo para enfraquecêlo Por fim Martins Rees 2000 p 34 sugere que o ajuste fino talvez seja devido ao multiverso nosso Universo físico observável tudo que podemos ver até o limite de nossos telescópios é apenas uma parte de um conjunto dentro do qual há até uma diversidade de leis físicas Neste caso os seis números poderiam ser diferentes somente alguns Os grandes motores das transformações cósmicas da criação e da destruição de mundos da geração de elementos químicos que aparecem em planetas sapos e pessoas são as explosões que marcam o fim da vida das estrelas Pode parecer estranho falar em vida das estrelas como se elas fossem seres vivos mas a verdade é que a analogia é muito apropriada Estrelas também nascem evoluem e morrem e desse ciclo nascem outras estrelas e outros mundos Podemos até imaginar que as estrelas são uma espécie de reciclador de material cósmico A partir de hidrogênio e um pouco de hélio elas geram praticamente todos os outros elementos do Universo GLEISER 2005 p 246 O clima é um exemplo de sistema caótico é impossível prever com precisão qual será o clima em três ou quatro dias mesmo que tenhamos uma quantidade enorme de dados e equações descrevendo os movimentos dos gases na atmosfera o fluxo de calor as diferenças de pressão etc Qualquer variação em um determinado local pode afetar o clima em outro local distante Esse é o chamado efeito borboleta expressão cunhada por Edward Lorenz nos anos 60 o bater das asas de uma borboleta no Quênia pode afetar o clima no Canadá Como jamais saberemos todos os detalhes que podem influenciar o clima mundial jamais seremos capazes de prevêlo perfeitamente Por outro lado o clima não é completamente louco não neva no Rio de Janeiro em São Paulo nunca se sabe Há um limite para o caos climático GLEISER 2005 p 163 98 Argumento Teleológico do Ajuste Fino CRESCER PARA REFLETIR Universos seriam afinados para a vida REES 2000 p 34 Sagan sugere que a hipótese dos multiversos pode oferecer uma explicação plausível para o ajuste fino Contudo há vários problemas com a hipótese do multiverso Primeiro não há nenhuma evidência científica de que existe tal coisa como o multiverso Isso é apenas uma especulação Flew 2008 p 118 aponta corretamente que é logicamente possível que existam múltiplos Universos com suas próprias leis naturais mas isso não demonstra que eles realmente existem Assim em primeiro lugar precisaríamos de uma razão para supor que existem outros Universos além do nossos Um problema mais grave com tal hipótese é que geralmente tais Universos são tidos por seus proponentes como impossíveis de serem verificados É difícil ver como tal explicação pode ser aceitável do ponto de vista científico Como admite Davies 1988 p 186 poderá ser mais fácil acreditar numa quantidade infinita de Universos do que numa divindade mas uma tal opinião terá de basearse na fé e não na observação Um segundo problema com a teoria do multiverso é que ela não passa na Navalha de Ockham De acordo com esse princípio científico e filosófico devese postular a existência do mínimo possível de entidades Mais precisamente como aponta Baggini e Fosl 2012 p 138 quando duas teorias concorrentes podem explicar de modo igualmente adequado um dado fenômeno devese dar preferência à mais simples delas Ou seja a explicação mais simples é preferível do que a mais complexa Uma grande fraqueza da teoria do multiverso é que ela não é simples Como aponta Davies 1988 p 185 invocar uma infinidade de outros Universos só para explicar este é levar um excesso de bagagem até aos extremos cósmicos para já não mencionar o facto de que todos esses outros Universos são praticamente impossíveis de observar Um terceiro problema apontado por Davies 1994 p 190 para a hipótese do multiverso é que se torna praticamente impossível refutar tal teoria que descoberta levaria seus defensores a mudar de ideia O que se pode dizer para convencer alguém que nega a existência desses outros mundos No final das contas a teoria do multiverso pretende explicar muita coisa mas acaba sendo uma hipótese extravagante que não explica nada tornando a ciência ociosa Conclusão O ajuste fino devese ao design O ajuste fino do Universo portanto parece não ser devido à necessidade física nem ao acaso Logo seguese daí que tal ajuste é devido a um design Assim considerando o teísmo o ajuste fino não é algo improvável ou surpreendente se Deus quis que a vida existisse sobretudo formas de vida com que ele pudesse se relacionar pessoalmente então Se a cada microinstante de tempo o Universo se divide em Universos alternativos em que as coisas acontecem de modo diferente e se existe no mesmo momento uma série imensamente grande talvez infinitamente grande de outros Universos com outras leis da natureza e outras constantes então nossa existência não é tão impressionante assim Existem todos esses outros Universos em que não há vida Só calhamos por acidente de estar em um que tenha Portanto se jogarmos tempo suficiente algum Universo terá que ter nossas leis naturais SAGAN 2008 p 79 Argumento Teleológico do Ajuste Fino 99 CRESCER ele arranjou o Universo para comportar a existência de vida Por outro lado pressupondo a hipótese ateísta de que o Universo é fruto do acaso é extremamente improvável que ele fosse finamente ajustado no grau exato para permitir a existência de vida sem qualquer intenção ou supervisão inteligente Por isso Plantinga 2018b p 182 afirma que considerando o teísmo o ajuste fino não é nenhum pouco improvável considerando o ateísmo é improvável logo devese preferir o teísmo ao ateísmo Objeção à conclusão Dawkins procurou oferecer uma objeção a esta conclusão Ele afirma que a hipótese do design é mais improvável do que a de seus concorrentes mesmo ao multiverso e ao acaso E isso por duas razões em primeiro lugar Dawkins 2007 p 153 afirma que um Deus projetista não pode ser usado para explicar a complexidade organizacional porque qualquer Deus capaz de projetar qualquer coisa teria que ser complexo o suficiente para exigir o mesmo tipo de explicação para si mesmo Para Dawkins a hipótese de que haja um design que criou o Universo suscita imediatamente um problema maior de quem criou o design Em segundo lugar Dawkins 2007 p 213 pensa que não é solução postular uma coisa ainda mais improvável Mais precisamente postular algo mais complexo para explicar algo menos complexo não traz nenhum avanço para a explicação E como Deus seria o ser mais complexo do Universo ele seria o tipo de ser menos provável para explicar qualquer coisa Há vários problemas com esta objeção de Dawkins Primeiro Deus não é um ser complexo mas simples de acordo com Swinburne 2015b cap 3 como veremos no módulo 11 o ser mais simples que pode existir Segundo pela própria definição de Dawkins Deus não é um ser complexo Dawkins 2001 p 26 explica que uma coisa complexa é algo cujas partes constituintes encontramse arranjadas de tal modo que não seja provável esse arranjo ter ocorrido somente por acaso Assim algo é complexo quando é formado de várias partes diferentes de tal modo que se torna improvável que suas partes tenham sido arranjadas por acaso Contudo Deus não é um objeto físico composto de partes diferentes mas uma entidade espiritual notavelmente simples pois ele é espírito É claro que Deus pode ter ações e ideias complexas mas Deus em si é incrivelmente simples Além disso a fim de alguém reconhecer que uma explicação é melhor não é necessário ter a explicação da explicação Como elucida Craig Se um grupo de arqueólogos em suas escavações encontrassem objetos que se parecessem com flechas e alguns cacos de cerâmica seria plenamente justificável que eles inferissem que tais artefatos eram produtos de alguma civilização desconhecida e não um resultado aleatório da sedimentação e metamorfose mesmo que eles não tivessem ainda uma explicação de quem foi essa civilização ou de onde ela viera Da mesma forma se um grupo de astronautas se deparasse com um amontoado de máquinas em algum ponto da superfície lunar seria plenamente justificável que eles inferissem que isso era um produto de agentes inteligentes mesmo que eles não tivessem a mais remota ideia de quem fossem esses agentes e de como eles tinham chegado ali CRAIG 2011 p 134 100 Argumento Teleológico do Ajuste Fino COMPARTILHAR Tanto no caso do grupo de arqueólogos quanto dos astronautas não é necessário conseguir explicar a explicação para admitir que uma explicação seja a melhor De fato lembra Craig 2011 exigir a explicação da explicação levaria a uma regressão infinita de explicações de tal modo que nada jamais poderia ser explicado e a ciência seria destruída Pois antes que uma explicação pudesse ser aceita seria necessária uma explicação dela e depois uma explicação da explicação e assim por diante Nada poderia ser explicado Logo para reconhecer que o design seja a melhor explicação para a sintonia fina do Universo não é necessário poder explicar o design Nesta aula você Compreendeu o complexo e delicado equilíbrio das constantes básicas da natureza das condições iniciais para que a vida fosse possível no cosmo Aprendeu as três premissas do Argumento Teleológico do Ajuste Fino Avaliou algumas objeções contra o argumento CRAIG William Em guarda defendendo a fé cristã com razão e precisão São Paulo Vida Nova 2011 capítulo 5 PLANTINGA Alvin Ciência religião e naturalismo onde está o conflito São Paulo Vida Nova 2018b capítulo 7 PARA CRESCER MAIS 101 Argumento Moral módulo 09 Olá Neste módulo vamos aprender um dos mais fascinantes e fortes argumentos para pensar que há tal pessoa como Deus o Argumento Moral A ideia básica do argumento é que a existência objetiva de valores e deveres morais depende da existência ou inexistência de Deus Se Deus existir então há um fundamento sólido para a moralidade Se Deus não existir então nossos valores e deveres morais mais caros são uma ilusão sociobiológicas Como sabemos que valores e deveres morais existem seguese logicamente que Deus existe Logo a existência de valores e deveres morais objetivos serve para demonstrar a existência de Deus Além disso veremos algumas objeções clássicas contra tal argumento Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Aprender as três premissas do Argumento Moral Analisar cada uma das premissas buscando entender por que elas são mais plausíveis que sua negação a partir de considerações filosóficas e científicas Avaliar algumas objeções clássicas contra cada uma das três premissas do argumento Bons estudos 102 Argumento Moral CONECTAR O livro Cristianismo Puro e Simples de C S Lewis começa com um dos argumentos mais fortes em favor da existência de Deus o argumento moral Tal argumento se baseia na existência de certos fenômenos morais Lewis afirma que o principal deles era chamado pelos antigos de Lei Natural ou Lei da Natureza Humana De acordo com Lewis 2017a p 67 a ideia era que da mesma forma que todos os corpos são governados pela lei da gravidade e os organismos por leis biológicas a criatura chamada ser humano também tinha a sua lei Para Lewis a Lei Natural tinha três características Em primeiro lugar elas são leis universais isto é são leis que devem ser aplicadas a todas as pessoas Considere por exemplo a afirmação de que é moralmente errado matar judeus Se afirmo que essa asserção é universal estou querendo dizer que ela se aplica a todos os seres humanos quer eles tenham consciência disso quer não Algumas pessoas alegam que tal universalidade não existe dada a diferença de crenças morais entre as civilizações humanas Contudo Lewis argumenta que tais diferenças são aparentes não essenciais Para Lewis Uma segunda característica da Lei Moral é que ela é objetiva isto é ela é verdadeira independentemente das crenças sentimentos e convenções dos seres humanos Mais precisamente a Lei Natural é independente da opinião desejo ou da cultura humana Isso implica que se a Lei Natural afirma que é errado exterminar judeus isso ainda será errado mesmo que a maioria das pessoas não concordem com isso Se os nazistas tivessem vencido a II Guerra Mundial e convencido a humanidade de que exterminar judeus era um ato moralmente correto tal ato não passaria a ser moralmente correto pois ele é objetivamente errado de acordo com a Lei Natural Neste caso a Lei Moral não pode ser uma mera criação humana pois ela perderia seu caráter objetivo Ela precisa transcender as diversas opiniões particulares humanas a fim de se colocar acima delas e julgálas Para Lewis se a Lei Natural não tiver esse tipo de objetividade não faz sentido falar sobre o certo e o errado Nas palavras dele Sei que algumas pessoas consideram a Lei Natural ou lei do comportamento digno conhecida de todos os homens sem fundamento porque as diversas civilizações e os povos das várias épocas erigiram doutrinas morais muito diferentes Mas isso não é verdade Está certo que há diferenças entre as suas moralidades mas estas nunca chegaram a se configurar como uma diferença total Se alguém se desse ao trabalho de comparar o ensinamento moral dos antigos egípcios dos babilônios dos hindus dos chineses dos gregos e dos romanos ficaria de fato impressionado com a semelhança que têm entre si e também em relação ao nosso ensinamento moral Para o nosso propósito atual basta eu pedir ao leitor apenas para imaginar como seria uma moralidade totalmente diferente Imagine um país em que as pessoas fossem admiradas por fugir da batalha ou em que uma pessoa se orgulhasse de ter enganado todas aquelas que foram legais com ela Seria o mesmo que tentar imaginar um país em que dois mais dois fosse igual a cinco LEWIS 2017a p 32 Argumento Moral 103 CONECTAR Em terceiro lugar Lewis sugere que uma parte significativa da Lei Natural é conhecida pela maioria das pessoas Mais precisamente nós sabemos que existe um certo e um errado e que tal distinção possui um caráter normativo Essa lei foi chamada de Lei Natural porque as pessoas acreditavam que todos a conhecessem por natureza e não precisavam ser ensinados por outros LEWIS 2017a p 31 Você não precisa ver um judeu brutalmente morto para só depois saber que isso é errado Nós já temos esse conhecimento É claro que podemos encontrar algumas pessoas que afirmam que não é errado matar judeus eg os nazistas Contudo isso não desabona o conhecimento da lei moral da mesma forma que um erro aritmético não desabona a tabuada as pessoas podem muitas vezes enganarse sobre eles certo e errado da mesma forma que as pessoas às vezes erram os cálculos mas isso não é uma mera questão de gosto ou opinião mas de tabuada LEWIS 2017a p 33 Para Lewis a Lei Natural pode ser desobedecida isto é nós somos livres para transgredila Mas mesmo quando isso acontece somos atingidos por um certo conhecimento de que não deveríamos ter feito isso Isso parece tão verdadeiro que Lewis afirma que todo debate moral só faz sentido a partir desse conhecimento Afinal quando duas pessoas discordam sobre um comportamento moral o debate entre elas geralmente apela para um tipo de padrão de comportamento que espera que o outro conheça LEWIS 2017a p 29 Ou seja quando duas pessoas discutem sobre um comportamento moral quase sempre uma delas tenta convencer a pessoa de que o que esteve fazendo não infringe o padrão de verdade ou que no caso de infringir haja alguma desculpa especial LEWIS 2017a p 2930 Para Lewis isso implica que se existe tal debate é apenas porque elas apelam para um padrão moral que os dois indivíduos conhecem se suas ideias morais podem ser mais verdadeiras e aquelas dos nazistas menos deve haver algo alguma Moralidade Real de acordo com a qual sejam verdadeiras LEWIS 2017a p 41 Qual seria a melhor explicação para a existência dessa Lei Natural Mais precisamente se a Lei Natural não é fruto da criatividade humana então qual é sua origem Lewis pensa que há duas visões para tentar explicar a Lei Natural uma materialista outra religiosa O argumento de Lewis funciona da seguinte forma sabemos que as pessoas estão debaixo de uma lei moral que não foi criada por eles e de que não conseguem esquecer mesmo que tentem e à qual sabem que devem obedecer LEWIS 2017a p 54 Neste caso qual seria a melhor explicação para tal Lei De acordo com Lewis Que sentido teria dizer que o inimigo está errado se o certo não for algo real que no fundo os nazistas conheciam tão bem quanto nós e tinham o dever de pôr em prática Se não tivessem tido noção do que queríamos dizer com o certo e o errado então por mais que continuássemos tendo de combatêlos não poderíamos culpálos mais por isso do que pela cor do seu cabelo LEWIS 2017a p 3132 Se houvesse um poder controlador fora do universo ele não poderia se mostrar para nós como um dos fatos que se dão do lado de dentro do universo A única forma pela qual poderíamos esperar que isso se revelasse em nós seria por meio de uma influência ou um mandamento que nos induzisse a nos comportarmos de determinada maneira E isso é precisamente o que encontramos dentro de nós E isso não deveria fazer com que levantássemos suspeitas Descubro que não existo por mim mesmo que estou debaixo da lei que alguém ou alguma coisa deseja que eu me comporte de certa maneira Tudo o que obtive até aqui é Algo que está dirigindo o universo e que aparece em mim 104 Argumento Moral CONECTAR Em suma Lewis supõe que uma vez que a Lei Natural é uma realidade ela é mais bem explicada por meio de um Poder Superior que nos impele a nos comportar moralmente de determinada maneira Por isso se esse Poder nos fornece instruções é porque ele se parece mais com uma mente pessoal do que com qualquer outra coisa que conhecemos Tal Poder Superior é o que os teístas chamam de Deus Lewis afirma que a existência de Deus é a melhor explicação para a existência da Lei Natural Afinal que outro fundamento poderia ser possível a fim de embasála PARA REFLETIR como uma lei que me impele a fazer a coisa certa e que me faz sentir responsável e desconfortável quando ajo mal Pareceme que é forçoso presumir que se trata de Algo mais parecido com uma mente do que com qualquer outra coisa conhecida porque afinal de contas a única outra coisa que conhecemos é a matéria e nunca se viu uma porção de matéria dando instruções LEWIS 2017a p 5556 O argumento moral em favor da existência de Deus é considerado uma das mais fascinantes e fortes razões para pensar que há tal pessoa como Deus E isso acontece porque de acordo com o filósofo William Lane Craig ele atinge as pessoas em seu cotidiano enquanto o argumento cosmológico kalam e o argumento teleológico do ajuste fino parecem abstratos e distantes todos os dias que nos levantamos temos de responder à pergunta se há valores e deveres morais objetivos pelos quais devemos viver É inevitável CRAIG 2012a p 188 A ideia básica por trás dele é que a existência de valores e deveres morais objetivos é mais bem explicada pela existência de um ser como Deus Aqui é importante fazer algumas distinções logo no início O argumento moral não está afirmando que não seja possível levar uma vida moral sem acreditar em Deus também não se está afirmando que o ateu não possa reconhecer a existência de valores e deveres morais objetivos Em vez disso a ideia é que a existência de Deus fornece um fundamento objetivo para a fundamentação de tais valores e deveres Como afirma o ateu Kerry Walters 2015 p 151152 a questão é que sem uma garantia metafísica de que os valores são objetivos não há nenhuma razão compulsiva para se fazer a coisa certa Nessa situação de fato não existe nenhuma coisa certa Sabemos que o genocídio que Hitler promoveu contra os judeus é moralmente errado sabemos também que a abolição da escravatura promovida por Lincoln é moralmente correta Os dois juízos apelam para uma lei moral objetiva Qual a melhor explicação para tal lei Esse é o ponto principal do argumento moral De acordo com o filósofo William Lane Craig Outra distinção importante diz respeito ao significado dos termos valores e deveres morais De acordo com Craig 2011 valores dizem respeito a se algo é bom ou mau enquanto deveres dizem respeito a se algo é certo ou errado Essa distinção pode não parecer significativa pois tendemos a pensar que bom e certo significam a mesma coisa e do mesmo modo que mau e errado parecem ser sinônimos Contudo Craig 2011 p 142 argumenta que o dever tem a ver com uma obrigação moral com aquilo que se deve ou não fazer Mas é evidente que você não é moralmente obrigado a fazer algo somente porque seria bom que você fizesse aquilo Por exemplo seria bom para você tornarse teólogo mas isso não o obriga moralmente a cursar Teologia Pois poderia ser igualmente bom que você se tornasse filósofo ou dona a de casa ou médica ou vendedor ou diplomata mas é muito claro que você não pode fazer todas essas coisas Há também casos em que somos obrigados a fazer escolhas ruins embora não seja errado fazer uma escolha uma vez que tenha que escolher alguma Logo há uma diferença entre o bom e o mau e o certo e o errado Bom e mau têm a ver com o valor de alguma coisa e o certo e o errado têm a ver com o fato de alguma coisa ser obrigatória Argumento Moral 105 CRESCER Embora seja arrogante e uma atitude de ignorância dizer que as pessoas não podem ser boas sem acreditar em Deus não foi essa pergunta que fiz A minha pergunta foi Podemos ser bons sem Deus Ao fazer essa pergunta estamos propondo uma pergunta sobre a natureza dos valores morais Os valores que tanto prezamos são orientações que guiam nossa vida por meras convenções socais como dirigir do lado direito e não do esquerdo da rua Ou são meras expressões de preferências pessoais como o fato de gostarmos de determinados pratos Ou eles são de alguma forma válidos e obrigatórios independe do que pensamos sobre eles e se são objetivos dessa maneira qual o seu fundamento CRAIG 2011 p 139 Outra distinção importante apontada por Craig 2011 é que há uma diferença entre ser objetivo ou subjetivo Neste contexto objetivo significa independente da opinião das pessoas por sua vez subjetivo significa dependente da opinião das pessoas Para Craig Enquanto a objetividade é algo que independe da opinião humana a subjetividade depende da opinião humana questões ligadas ao gosto eg prefiro morango a chocolate parecem ser relativas a cada pessoa Contudo valores morais não parecem ser algo deste tipo Para relembrar um importante ponto trazido por Lewis sobre a Lei Natural se afirmamos que o Holocausto foi objetivamente errado queremos dizer que ele foi errado ainda que os nazistas pensassem sinceramente que era certo ou ainda que eles tivessem vencido a II Guerra Mundial e conseguido exterminar ou fazer lavagem cerebral em todos quantos discordassem deles de sorte que todos acreditassem que o Holocausto era certo O Argumento Moral possui três premissas 1 Se Deus não existe valores e deveres morais objetivos não existem 2 Valores e deveres morais objetivos existem 3 Logo Deus existe Além de ser simples sua formulação lógica é válida Pois a conclusão se segue logicamente das premissas Afinal se a existência de valores e deveres morais objetivos depende da existência de Deus e se valores e deveres morais objetivos de fato existem seguese logicamente que Deus existe Logo quem quiser negar a conclusão precisa apresentar razões para negar ou a premissa 1 ou a premissa 2 Então precisamos fazer uma análise de cada uma das premissas assim como de algumas possíveis objeções De acordo com Craig 2012a p 188 uma parte significativa da força deste argumento se deve ao fato de que os estudantes foram doutrinados a acreditar em ambas as premissas Acontece que eles nunca juntaram as duas e observaram a implicação inevitável Mais precisamente o ponto de Craig é que as pessoas geralmente tendem a acreditar nas duas premissas do argumento Pois em nossa era pluralista as pessoas têm medo de impor seus valores aos outros Assim a premissa 1 parecelhes obviamente correta de modo que valores e deveres morais não são realidades objetivas ou seja válidas e obrigatórias a despeito da opinião humana por lhes faltar um fundamento transcendente mas são opiniões meramente subjetivas imbuídas em nós seja pela evolução biológica seja por qualquer tipo de condicionamento social Ao mesmo tempo as pessoas acreditarem profundamente que certos valores e deveres morais como tolerância mente aberta e amor são objetivamente válidos e forçosos De modo até mesmo contraditório elas afirmam que é objetivamente errado impor seus valores aos outros Assim estão profundamente envolvidas também com a premissa 2 Por isso Craig 2012a p 188 afirma que na minha experiência o argumento moral é o mais eficaz para a defesa da existência de Deus 106 Argumento Moral CRESCER Afirmar que existem valores morais objetivos significa dizer que algo é bom ou mau independente do que as pessoas pensam a respeito De forma semelhante dizer que temos deveres morais objetivos é dizer que certas ações são certas ou erradas para nós independente do que as pessoas pensem CRAIG 2011 p 143 Premissa 1 se Deus não existe valores e deveres morais objetivos não existem Que razões podemos dar para fundamentar esta premissa Por que valores e deveres morais dependem da existência de Deus para serem objetivos De acordo com Paul Copan 2006 p 130 se Deus não existe então simplesmente não temos um alicerce adequado para uma ética objetiva incluindose dignidade direitos humanos intrínsecos responsabilidade pessoal e obrigação moral Mas por que razão Grosso modo a ideia é que não é possível fundamentar adequadamente valores morais e direitos humanos fora de uma estrutura teísta Para Copan 2006 p 130 o naturalismo não pode adequadamente responder por obrigação moral ou direitos humanos uma vez que processos em valor não podem de modo concebível produzir seres pessoais dotados de valor Comecemos avaliando os valores morais Se Deus não existe por que pensar que os seres humanos têm valor moral objetivo Qual seria a base de tais valores morais Uma forma muito popular de ateísmo é o naturalismo Neste caso como os seres humanos fazem parte do Universo material e como o Universo material é a única substância que existe há essencialmente apenas um tipo de objeto no Universo objetos materiais e a humanidade é um objeto deste tipo Neste caso não há coisas como valores pois não há valor na matéria uma partícula de poeira não é mais bondosa do que outra Seguese daí que não é possível fundamentar tais valores no mundo natural Assim de uma perspectiva naturalista não há nada de especial com os seres humanos Eles são subprodutos acidentais da natureza evoluídos recentemente numa partícula rochosa do sistema solar chamado planeta Terra perdidos em um Universo hostil e que irão desaparecer no futuro Assim os valores morais não existem na realidade mas são meras ilusões dos seres humanos frutos das pressões evolutivas e biológicas selecionadas pela seleção natural Os valores morais serão aqueles considerados mais vantajosos na luta pela sobrevivência de acordo com uma espécie de moralidade de rebanho Nos termos de Dawkins 1996 p 117 o DNA não sabe e nem se importa O DNA apenas é E nós dançamos de acordo com sua música De modo mais detalhado Dawkins afirma Qual a implicação disso para os valores morais É que eles não têm realidade objetiva Então o que é a desvirtude na prática questionou certa vez Bertrand Russell 2014 p 63 é na prática um comportamento de que o rebanho não gosta Russell é ainda mais claro sobre isso Nossos sentimentos e crenças a respeito do bem e do mal são assim como tudo o mais no que diz respeito fatos naturais desenvolvidos na batalha da existência sem qualquer origem divina ou sobrenatural RUSSELL 2014 p 73 E quanto aos deveres morais Aqui há problemas ainda mais significativos para o ateu Pois se Deus não existe qual a base para falarmos em deveres morais Dentro dessa perspectiva ateísta não parece haver nada de especial no Homo sapiens para que seus deveres morais se tornem objetivamente verdadeiros pois o ser humano seria um primata Argumento Moral 107 CRESCER A função da utilidade aquilo que está sendo maximizado é a sobrevivência do DNA Enquanto o DNA estiver sendo transmitido não importa quem ou o quê sai prejudicado no processo Os genes não se importam com o sofrimento pois eles não se importam com nada A natureza não é caridosa ou cruel Ela não é a favor ou contra o sofrimento A natureza não está interessada de uma forma ou outra no sofrimento a menos que ele afete a sobrevivência do DNA DAWKINS 1996 p 116 evoluído um macaco nu um tipo de mamífero que até agora conseguiu sobreviver na luta evolutiva para passar para frente seus genes Ele é mais uma espécie entre as várias espécies do reino animal Nas palavras de Desmond Morris 2006 p 9 existem atualmente centro e noventa e três espécies de macacos e símios Cento e noventa e duas delas têm o corpo coberto de pelos A única exceção é um símio pelado que a si próprio se cognominou Homo sapiens É claro que não costumamos ver o ser humano assim mas isso se deve a uma ilusão evolutiva quando olhamos com atenção para nós mesmo percebemos quem realmente somos apesar de ter se tornado tão erudito o Homo sapiens não deixou de ser um macaco pelado embora tenha adquirido motivações muito requintadas não perdeu nenhuma das mais primitivas e comezinhas MORRIS 2006 p 9 Ora se os seres humanos são macacos nus meros animais na luta pela sobrevivência é importante lembrar que os animais não têm deveres uns para com os outros Não há dimensão moral na natureza Neste caso se Deus não existe por que pensar que temos deveres morais Qual sua fundamentação Se a natureza é tudo que existe quem ou o que nos impõe tais deveres É difícil ver como isso pode não ser apenas fruto de um condicionamento social e familiar Ações abomináveis como incesto e estupro podem não ser vantajosas em termos biológicos e sociais tornandose tabu no curso da história Mas isso não os torna realmente errados Por isso em debate com Russell o padre Frederick Copleston 2014 p 180 afirmou a percepção de valores e a consciência da lei e da obrigação moral são mais bem explicadas por meio da hipótese de uma base transcendente de valor e de um autor da lei moral De acordo com Craig 2012a p 171 se Deus não existe fica difícil imaginar qualquer razão por que a moralidade de rebanho construída pelo homo sapiens seria objetivamente verdadeira ou por que a propriedade da bondade moral se somaria a certos estados naturais de tais criaturas Copan afirma de modo mais forte Um dos pontos que mais reforçam essa conexão entre Deus e a moralidade objetiva diz respeito ao fato de vários ateus e céticos terem percebido que um mundo sem tal pessoa como Deus acarreta que não há valores morais objetivos Neste caso eles admitem que a moralidade pode se basear em outra coisa talvez nas emoções na cultura ou em algum tipo de pressão sociobiológica mas não em Deus De acordo com o filósofo John Gray 108 Argumento Moral CRESCER Vivemos numa época em que muitos alegam que tudo é relativo embora todos acreditem que tenham direitos Contudo se a moralidade é apenas produto da evolução naturalista ou do desenvolvimento cultural ou da escolha pessoal então os direitos na verdade não existem No entanto se eles existem e se verdadeiramente as pessoas possuem valores intrínsecos não obstante o que suas culturas ou os sumo sacerdotes da ciência digam então qual é a base desse valor Esse valor intrínseco advém de um longo processo impessoal inconsciente desgovernando e sem valor ao longo do tempo naturalismo Esse feitio contextual não é bom Um contexto mais natural para os valores morais e para a dignidade humana é o do teísmo segundo o qual fomos criados por um Deus pessoal autoconsciente intencional e bom para ser semelhantes a Ele de forma significativa COPAN 2006 p 134135 a ideia de moralidade como um conjunto de leis tem uma raiz bíblica No Antigo Testamento a boa vida significa viver de acordo com a vontade de Deus Não há nada que diga que as leis dadas aos Richard Dawkins 1996 p 117 afirma de modo mais enfático que o Universo que observamos tem precisamente as propriedades que deveríamos esperar se no fundo não há projeto propósito bem ou mal nada a não ser uma indiferença cega e impiedosa Baggini afirma que a moralidade é independente de Deus ao mesmo tempo isso implica que talvez não haja uma fonte ou justificativa para a moralidade a que todas as pessoas racionais estejam dispostas a dar seu assentimento Eu diria que essa fonte não existe BAGGINI 2016 p 58 Neste caso a moralidade não é fruto de uma premissa lógica mas uma premissa psicológica BAGGINI 2016 p 59 Nas palavras dele Talvez ninguém tenha levantado esse ponto com mais força que JeanPaul Sartre Em um texto clássico Sartre chama atenção para o fato de os professores franceses não perceberem uma contradição óbvia ao afirmar que Deus não existe procuraram continuar acreditando que era possível continuar com os mesmos valores morais de uma cosmovisão teísta Contudo eles não perceberam como um existencialista perceberia que se Deus não existe seguese que não há a possibilidade de achar valores num céu inteligível pois não há como fundamentar tais valores a priori Vale a pena citar de forma mais extensa seu comentário Argumento Moral 109 CRESCER judeus têm aplicação universal A ideia de que as leis de Deus aplicamse igualmente a todos é uma invenção cristã Mas fora dessa cosmovisão que sentido faz a ideia de leis que se aplicam a todos Não seria essa ideia de moralidade apenas uma feia superstição GRAY 2011 p 106107 Se não existe nenhuma autoridade moral por que não nos tornamos soberanos de nossas próprias moralidades individuais Isso significa que alegações de moralidade não são verdadeiras ou falsas no mesmo sentido que as alegações factuais Como as alegações morais são julgamentos é sempre possível que alguém discorde sem incorrer em nenhum tipo de falsificação dos fatos Você pode discordar de mim mas não pode dizer que cometi um erro factual BAGGINI 2016 p 54 e 67 O existencialista opõese muito a um certo tipo de moral laica que gostaria de suprimir Deus com o menor dispêndio possível Quando à volta de 1880 alguns professores franceses tentaram construir uma moral laica disseram mais ou menos isto Deus é uma hipótese inútil e dispendiosa vamos pois suprimila mas tornase necessário para que haja uma moral uma sociedade um mundo policiado que certos valores sejam tomados a sério e considerados como existindo a priori é preciso que seja obrigatório a priori ser honesto não mentir não bater na mulher ter filhos etc etc Vamos pois aplicarnos a uma pequena tarefa que permita mostrar que estes valores existem apesar de tudo inscritos num céu inteligível embora no fim de contas Deus não exista Por outras palavras e é essa creio eu a tendência de tudo o que se chama na França o radicalismo nada será alterado ainda que Deus não exista reencontraremos as mesmas normas de honestidade de progresso de humanismo e quanto a Deus teremos feito dele uma hipótese caduca que morrerá em sossego e por si própria O existencialista pelo contrário pensa que é muito incomodativo que Deus não exista porque desaparece com ele toda a possibilidade de achar valores num céu inteligível não pode existir já o bem a priori visto não haver já uma consciência infinita e perfeita para pensálo não está escrito em parte alguma que o bem existe que é preciso Objeção à Premissa 1 Muitas vezes a premissa 1 pode ser malinterpretada Daniel Dennett afirma que o alinhamento da bondade moral com a espiritualidade e do mal moral com o materialismo é um dos males do nosso tempo De acordo com ele não há motivo algum pelo qual uma descrença na imaterialidade ou imortalidade da alma deva fazer uma pessoa ser menos solícita menos moral menos comprometida com o bemestar de todos na Terra do que alguém que acredita no espírito DENNETT 2006 p 322 Grifos do autor Dennett 2006 p 322 acrescenta ainda que um bom cientista materialista pode estar tão preocupado em saber se há bastante justiça amor alegria beleza liberdade política e sim até liberdade religiosa quanto uma pessoa que acredita que há tal pessoa como Deus Mas este é um malentendido significativo sobre a primeira premissa Como vimos a questão não é que devemos acreditar em Deus a fim de vivermos uma vida moral Isto está fora de questão Ateus podem viver uma vida boa e decente Copan 2016 p 146 Grifos do autor é muito claro neste ponto os Novos Ateus estão absolutamente corretos quando afirmam que não precisamos acreditar em Deus ou seguir a Bíblia para se ter um conhecimento geral do que é certo e errado A questão também não é que ateus não possam reconhecer que há tais valores e deveres morais objetivos Como afirma Copan 2016 p 247 Grifos do autor ateus podem saber que o estupro é errado mas isso não é nenhuma surpresa se eles foram feitos à imagem de Deus a quem eles se recusam a reconhecer O problema não diz respeito ao fundamento da crença ou do conhecimento sobre os valores e deveres morais mas sobre sua base objetiva Uma segunda objeção foi levantada recentemente por Sam Harris Grosso modo a ideia de Harris 2013 p 12 é que a moralidade deveria ser considerada como um ramo ainda não desenvolvido da ciência Para isso Harris pensa que os valores morais poderiam se fundamentar no mundo natural e poderiam ser descobertos pela ciência Mas como poderia ser isso Harris redefine os conceitos de bem e mal em termos nãomorais Para Harris 2013 p 10 o bemestar humano depende por completo de eventos externos e de estados do cérebro Logo deve necessariamente haver fatos científicos a descobrir sobre eles Mais precisamente a ideia de Harris é que o bom significa aquilo que apoia o bemestar de criaturas conscientes e o mal consiste em miséria contra o bemestar de criaturas conscientes Logo Harris 2013 p 20 afirma que parece claro que o que realmente queremos saber quando nos perguntamos se determinado estado de prazer é bom é se ele proporciona ou impede alguma forma mais profunda de bemestar O argumento de Harris assim é que quando falamos de moralidade estamos falando sobre fatos que dizem respeito ao bemestar humano Todas as outras noções de valores terão necessariamente alguma relação com a experiência real ou potencial dos seres conscientes HARRIS 2013 p 38 Grifos do autor Assim questões sobre valores são na verdade perguntas sobre o bemestar de criaturas conscientes Para Harris 110 Argumento Moral CRESCER ser honesto que não devemos mentir já que precisamente estamos agora num plano em que há somente homens Dostoiévski escreveu Se Deus não existisse tudo seria permitido Aí se situa o ponto de partida do existencialismo Com efeito tudo é permitido se Deus não existe fica o homem por conseguinte abandonado já que não encontra em si nem fora de si uma possibilidade a que se apegue SARTRE 1973 p 15 A moralidade para Harris seria objetiva pois o bom significa simplesmente o bemestar de criaturas conscientes Neste caso não precisamos de uma fundamentação transcendente ou um Deus bom a fim de fundamentar os valores e os deveres morais Há muitos problemas com o argumento de Harris Em primeiro lugar a ciência natural nos diz apenas o que é e não o que deveria ser o caso Mais precisamente a ciência diz respeito apenas a fatos não a normas a ciência consegue descrever como somos mas não se há algo errado na forma como somos O filósofo David Hume observou que tentar derivar uma prescrição moral de como as coisas efetivamente são constitui uma falácia que foi denominada de falácia naturalista Neste caso a proposta de Harris falha pois haveria uma diferença significativa entre proposições descritivas tais como aquelas da ciência e proposições prescritivas ou normativas tais como as da moralidade de modo que não se pode derivar as últimas das primeiras Mais precisamente Harris não pode deduzir o que deveria ser do que é pois enunciados descritivos puramente factuais somente podem vincular ou implicar outros enunciados descritivos factuais e nunca normas pronunciamentos éticos ou prescrições para se fazer alguma coisa Neste caso mesmo que a ciência diga que determinada ação contribui para o bemestar humano é preciso algo além da ciência para normatizar tal ação Como afirma o filósofo A C Grayling A ideia de Grayling é de que a ciência pode investigar a natureza e as fontes das nossas crenças morais mas daí ela não consegue derivar um procedimento normativo pois haveria aqui uma distinção fundamental entre questões de ética e questões de fatos naturais Ainda para Grayling Argumento Moral 111 CRESCER Acredito que entenderemos cada vez mais o bem e o mal o certo e o errado em termos científicos porque considerações morais se traduzem em fatos sobre nossos pensamentos e ações afetam o bemestar de criaturas conscientes como nós mesmos Se existem fatos a serem descobertos sobre o bemestar de tais criaturas e há então deve haver também respostas certas e erradas a perguntas de cunho moral HARRIS 2013 p 66 Em todo sistema de moral que até hoje encontrei sempre notei que o autor segue durante algum tempo o modo comum de raciocinar estabelecendo a existência de Deus ou fazendo observações a respeito dos assuntos humanos quando de repente surpreendome ao ver que em vez das cópulas proposicionais usuais como é e não é não encontro uma só proposição que não esteja conectada a outra por um deve ou não deve Essa mudança é imperceptível porém da maior importância Pois como esse deve ou não deve expressa uma nova relação ou afirmação esta precisaria ser notada e explicada ao mesmo tempo seria preciso que se desse uma razão para algo que parece totalmente inconcebível ou seja como essa nova relação pode ser deduzida de outras inteiramente diferentes HUME 2009 p 509 Ao se referir diretamente à moralidade a ciência não busca solucionar problemas morais e sim investigar a natureza e as fontes de opiniões e atitudes morais Esse é um procedimento empírico que visa a descobrir e a descrever fatos e não um procedimento normativo que tem o objetivo de nos dizer o que devemos pensar e fazer GRAYLING 2014 p 13 A orientação prudencial pode tipicamente ser enquadrada como um hiperativo hipotético se você quiser maximizar o lucro garanta que A moralidade em uma comparação com considerações desse tipo é categórica e não hipotética remete a questões intrínsecas de certo ou errado bom ou mau obrigação e dever consequências e intenções aplicadas a nossas condutas e relacionamentos considerandose o bom e o correto em si mesmos e não meramente como instrumento para algum objetivo que não seja moral como o lucro a imagem empresarial e coisas desse tipo GRAYLING 2014 p 21 Bertrand Russell faz uma afirmação similar Para ele se nós ajuizamos que a felicidade é mais desejável que a miséria por exemplo isso tem que se basear em algum tipo de juízo a priori Mais precisamente tais juízos apesar de poderem ser identificados pela experiência não podem ser provados ou fundamentados na experiência pois o fato de algo existir ou não existir não prova que esse algo é bom ou mau Segundo e mais preocupante há uma objeção fatal à tese de Harris Pois se os valores morais têm relação meramente com o bemestar de criaturas conscientes suponha que de algum modo o número de pessoas que sentem um extremo prazer na miséria dos outros eg psicopatas aumentasse drasticamente O próprio Harris 2013 p 99 estima que há nos EUA cerca de 3 milhões de psicopatas Seguese daí um tipo de relativismo significativo pois se pessoas como estupradores mentirosos e ladrões pudessem experimentar bemestar infligindo miséria a outras pessoas e se tal estado de coisas gerasse algum tipo de bemestar geral então a coisa certa a fazer seria seguir tais impulsos horrendos de autossatisfação o que é algo totalmente abominável Na ética de Harris a ciência poderia mostrar objetivamente que causar sofrimento a outra pessoa traz certo bemestar para o indivíduo e para a comunidade de psicopatas mas não se segue daí que essa é a coisa certa a fazer Outra objeção comum à primeira premissa é afirmar que os valores morais não podem ser derivados da Bíblia pois ela defende coisas imorais De acordo com Harris 2007 p 25 a ideia de que a Bíblia é o guia perfeito para a moralidade é simplesmente espantosa em vista do conteúdo do livro Em seguida ele cita várias prescrições do Antigo Testamento que parecem não fazer qualquer sentido em termos morais isto é passagens bíblicas que parecem apoiar o genocídio escravidão machismo etnocentrismo entre outros A descrição de Richard Dawkins sobre o Deus do AT toca no mesmo ponto 112 Argumento Moral CRESCER Ajuizamos por exemplo que a felicidade é mais desejável do que a miséria o conhecimento do que a ignorância a boa vontade do que é ódio e assim por diante Tais juízos têm de ser pelo menos em parte imediatos e a priori Como nossos juízos a priori anteriores podem ser suscitados pela experiência e na verdade têm de o ser pois não parece possível ajuizar se algo é intrinsecamente valioso a não ser que tenhamos tido a experiência de algo do tipo Mas é razoavelmente óbvio que não pode ser provados pela experiência pois o facto de uma coisa existir ou não existir não pode provar quer que é bom que exista quer que é mau A exploração desse tema pertence à ética onde a impossibilidade de deduzir o dever ser do ser tem de ser estabelecida RUSSELL 2008 p 135 O Deus do Antigo Testamento é talvez o personagem mais desagradável da ficção ciumento e com orgulho controlador Há dois problemas sérios com essa objeção A primeira é que Dawkins e Harris fazem interpretações completamente equivocadas sobre os textos do Antigo Testamento não levando em consideração a intenção original dos autores Como afirma Copan 2016 p 23 os Novos Ateus dificilmente se mostram pacientes em suas tentativas para entender um texto complexo seu contexto histórico e o Cânon bíblico mais amplo Copan escreveu todo um livro Deus é um monstro moral que mostra a correta interpretação dos textos que parecem moralmente problemáticos na Bíblia Em segundo lugar suponha que Dawkins e Harris estivessem corretos e que a Bíblia realmente contivesse preceitos morais duvidosos eles não estão corretos mas suponha por um momento que sim Ainda assim essa objeção é totalmente irrelevante contra a primeira premissa Pois os valores e deveres morais são determinados por Deus em resposta a sua natureza moral Apontar possíveis textos imorais na Bíblia não vai contra essa asserção No máximo isso levantaria problemas contra a inerrância da Bíblia mas o argumento moral ainda permaneceria intacto Pois mesmo que a Bíblia contivesse tais preceitos morais duvidosos ela não contém mas ainda que tivesse ainda seria um fato de que valores e deveres objetivos são incompatíveis com o ateísmo pois não passamos de animais de primatas relativamente avançados e animais não são agentes morais Outra objeção mais forte é denominada de Dilema de Eutífron nome de um personagem dos diálogos de Platão Nele Sócrates examina a definição apresentada por Eutífron sobre o conceito de piedade por piedade entendese aquilo que todos os deuses apreciam e o ímpio é aquilo que todos os deuses detestam PLATÃO 2013 p 29 Sócrates então apresenta o seguinte dilema será que o piedoso porque é piedoso é apreciado pelos deuses ou porque é apreciado é piedoso PLATÃO 2013 p 30 Em outras palavras o Dilema de Eutífron apresenta o seguinte ponto algo é bom porque Deus assim o quer Ou Deus quer alguma coisa porque ela já é boa Nas palavras de Walters 2015 p 159 lealdade caridade e justiça são intrinsecamente virtuosas ou são virtuosas porque Deus decide que elas o sejam Se você afirmar que alguma coisa é boa porque Deus assim a quer logo o que é bom tornase arbitrário pois Deus poderia querer que o ódio fosse bom e assim estaríamos moralmente obrigados a nos odiar uns aos outros Ao mesmo tempo se dissermos que Deus quer alguma coisa porque ela é boa então aquilo que é bom ou mau independe de Deus de modo que os valores e deveres morais existem independentes de Deus o que contradiz a premissa 1 Contudo há uma resposta para o Dilema de Eutífron De acordo com Craig há uma terceira alternativa a saber Deus quer alguma coisa porque ele é bom Uma vez que nossos deveres morais estão fundamentados em ordens divinas eles não são independentes de Deus Tampouco as ordens divinas são arbitrárias porque são expressões necessárias de sua natureza justa e amorosa CRAIG 2012a p 177 De acordo com Copan 2006 p 143 o caráter de Deus é a suprema e essencial realidade O caráter e a natureza de Deus fundamentam de forma suficiente a moralidade objetiva Seguese daí que a própria natureza de Deus é o padrão de bondade e seus bons mandamentos seriam expressões da sua natureza amorosa e justa Baggini 2016 p 52 afirma que isso ainda não salva o teísta pois o Dilema de Eutífron poderia ser reformulado para contemplar essa terceira alternativa podemos Argumento Moral 113 CRESCER mesquinho injusto e intransigente genocida étnico e vingativo sedento de sangue perseguidor misógino homofóbico racista infanticida filicida pestilento megalomaníaco sadomasoquista malévolo DAWKINS 2007 p 55 perguntar se Deus é bom porque ser bom é ser aquilo que Deus é ou se Deus é bom porque tem todas as propriedades do bem Se optamos pela primeira então o bem se torna arbitrário se optamos pela segunda então as propriedades do bem podem ser definidas independente de Deus Copan 2006 p 144146 afirma que há muitas respostas para tal dilema Primeiro se um Deus que é intrinsecamente bom não existe por que afinal pensamos que existiriam seres intrinsecamente dotados de valores e deveres Segundo o retrocesso naturalista de Baggini é sem propósito pois devemos em algum momento chegar a algum ponto de parada autossuficiente Se a natureza de Deus não fosse tal lócus de bondade o que mais poderia ser Por fim como Deus é por definição o maior ser que se pode conceber e tal ser é o paradigma de bondade então Deus é o ponto final menos arbitrário que poderíamos postular Seguese daí que nossos deveres morais são determinados pelos mandamentos de um Deus justo e amoroso Logo os valores morais não são independentes de Deus Na verdade é o próprio caráter de Deus que define o que é bom Uma vez que Deus é essencialmente por natureza compassivo justo bondoso imparcial e assim por diante então se segue que a sua natureza é o padrão moral que determina o bem e o mal para nós Neste caso seus mandamentos refletem sua natureza moral Portanto eles não são arbitrários O bem e o mal moral são determinados pela natureza de Deus e o moralmente certo e errado é determinado pela sua vontade Deus quer alguma coisa porque ele é bom e alguma coisa é certa porque Deus assim a quer Premissa 2 Valores e deveres morais objetivos existem A segunda premissa do nosso argumento afirma que há valores e deveres morais objetivos Esta premissa é importante pois como afirma Brendan Sweetman 2013 p 66 podese criticar o argumento moral para a existência de Deus afirmandose que na verdade não existem padrões morais objetivos não existe qualquer ordem moral objetiva e portanto não há nada em que fundamentar a existência de Deus O problema desse caminho para Sweetman 2013 p 66 é que a aceitação de qualquer versão do relativismo moral ou mesmo do ceticismo moral seria um preço alto a pagar para bloquear o argumento moral O ponto de Sweetman é que uma vantagem grandiosa do argumento moral é que ele cobra um alto preço para quem tenta negar esta segunda premissa Pois poderia ser mais óbvio de que os valores e os deveres morais objetivos realmente existirem De acordo com Craig 2012a p 174 temos algo chamado de experiência moral na qual apreendemos um reino de valores e deveres morais objetivos assim como na experiência sensorial apreendemos um reino de objetos físicos que existem objetivamente Neste caso a realidade objetiva dos nossos valores e deveres morais é tão certa quanto a realidade objetiva do nosso mundo físico Não há razão para negar a realidade objetiva do primeiro eg valores e deveres do que para negar a realidade objetiva do mundo externo fora de nossa mente O fato principal aqui é que realmente apreendemos que existem valores e deveres morais objetivos e todos sabemos disso Ações como estupro tortura abuso infantil e brutalidade não são apenas comportamentos sociais inaceitáveis são abominações morais Do mesmo modo amor generosidade equidade e autossacrifício são propriedades realmente boas De acordo com C S Lewis 114 Argumento Moral CRESCER Não se trata de mera fantasia pois não podemos nos livrar da ideia e a maioria das coisas que dizemos e pensamos sobre os seres humanos se reduziriam a bobagens se o fizéssemos E não se trata simplesmente de uma afirmação sobre como gostaríamos que a humanidade se comportasse para a nossa própria conveniência pois o comportamento que chamamos de mau ou injusto não é exatamente o mesmo que o comportamento que achamos conveniente aliás pode ser até o oposto Consequentemente essa Regra do Certo e do Errado ou Lei da Natureza Humana ou como quer que você queira chamála deve ser de uma forma ou de outra real algo que existe de verdade que não seja inventado por nós E ainda assim não se trata de um fato no sentido comum da mesma forma que o nosso comportamento real é um fato Parece que teremos de começar a admitir que exista mais de um tipo de realidade que nesse caso particular haja algo muito além dos fatos comuns do comportamento humano e ainda assim definitivamente bem real uma lei real que nenhum de nós construiu mas que exerce uma pressão sobre nós LEWIS 2017a p 4950 pessoas que não conseguem ver isso são as que simplesmente possuem alguma deficiência o equivalente moral de alguém que seja fisicamente cego e não há nenhum motivo para permitir que a incapacidade delas coloque em questão aquilo que vemos com clareza CRAIG 2011 p 155 A consciência revela coisas diferentes para pessoas diferentes A consciência leva algumas pessoas a condenar a explicação dos ricos pelos pobres como defendido pelos comunistas e outros a Mesmo que os nossos valores e deveres morais sejam descobertos gradualmente isso não contribui para a ideia de que eles são meramente inventados da mesma forma que a descoberta gradual do sistema de Euclides não faz da matemática algo subjetivo A apreensão gradual e falível do universo moral não mina a realidade objetiva desse âmbito da mesma forma que nossa apreensão gradual e falível do mundo matemático não mina a objetividade desse outro âmbito De acordo com Craig Objeção à Premissa 2 O preço a se pagar pela negação da premissa 2 é alto mas ele pode ser feito Bertrand Russell por exemplo duvidava de que existiam tais coisas como valores e deveres morais objetivos Em debate com o Padre Copleston ele afirmou Estou inclinado a pensar que o dever o sentimento que se tem a respeito do dever é um eco do que foi dito às pessoas pelos pais ou pelas babás RUSSELL COPLESTON 2014 p 181 Parte da justificativa de Russell para duvidar da objetividade dos valores e deveres morais dizia respeito à discordância entre as pessoas sobre o conteúdo dos nossos valores e deveres morais No mesmo debate ele afirma não gosto da palavra absoluto Não penso que exista qualquer coisa absoluta A lei moral por exemplo está sempre mudando Em um certo período do desenvolvimento da raça humana quase todo mundo considerava o canibalismo uma obrigação RUSSELL COPLESTON 2014 p 180 Assim o fato de que há diferenças morais entre as pessoas militaria contra a existência de valores e deveres morais objetivos Argumento Moral 115 CRESCER Há dois problemas significativos no argumento de Russell Em primeiro lugar o fato de haver desacordos morais não significa que não haja acordos No apêndice do livro A abolição do homem Lewis 2017c p 81109 apresenta uma série de preceitos morais que ele considera como universalmente reconhecidos coletados a partir de evidências textuais provenientes de diferentes tradições morais que indicam uma significativa concordância moral no interior de todas as tradições Em segundo lugar o fato de que pessoas têm consciências morais diferentes não implica que não existem valores e deveres morais objetivos No máximo isso pode indicar que elas estão erradas ou apenas uma delas Se duas pessoas discordam sobre o resultado de um cálculo aritmético não se segue daí que não haja uma resposta objetiva para ele No máximo seguese que ambas podem ter errado a conta ou apenas uma delas Conclusão Logo Deus existe O argumento moral afirma que a existência objetiva de valores e deveres morais depende da existência ou inexistência de Deus Se Deus existir há um fundamento sólido para a moralidade Se Deus não existir então nossos valores e deveres morais mais caros são uma ilusão sociobiológicas Negar que de fato existem valores e deveres morais objetivos é um preço alto demais a ser pago em favor do ateísmo Assim a escolha entre a existência ou a inexistência de valores e deveres morais não precisa ser feita arbitrariamente dada nossa experiência moral A maioria de nós reconhece que há uma diferença objetiva entre amar uma criança e torturála por diversão Dado o argumento moral nossa fonte de obrigações e valores morais consiste na concordância ou discordância com a natureza vontade ou mandamentos de um Deus santo e amoroso Portanto a existência de valores e deveres morais objetivos serve para demonstrar a existência de Deus Parece assim que um fundamento teológico transcendente é realmente indispensável à moralidade 116 Argumento Moral CRESCER condenar a exploração dos pobres pelos ricos como praticado pelos capitalistas A diversidade das expressões da consciência é presumível quando se entende sua origem No início da juventude certos tipos de ação recebem aprovação enquanto outros tipos não À medida que o tempo passa podemos esquecer tudo sobre nosso treinamento moral inicial mas ainda assim nos sentimos confortáveis sobre certos tipos de ações enquanto outras podem nos dar a plenitude da virtude Na introspecção esses sentimentos são misteriosos uma vez que já não lembramos mais das circunstâncias que originalmente os causaram sendo portanto natural atribuir a eles a voz de Deus em nosso íntimo Mas de fato a consciência é um produto da educação e pode ser treinada para aprovar ou desaprovar em grande parte da humanidade como os educadores acharem mais apropriado RUSSELL 2009 p 172174 Argumento Moral 117 COMPARTILHAR Nesta aula você Aprendeu as três premissas do Argumento Moral Analisou cada uma das premissas buscando entender por que elas são mais plausíveis que sua negação a partir de considerações filosóficas e científicas Avaliou algumas objeções clássicas contra cada uma das três premissas do argumento CRAIG William Em guarda defendendo a fé cristã com razão e precisão São Paulo Vida Nova 2011 capítulo 5 PLANTINGA Alvin Ciência religião e naturalismo onde está o conflito São Paulo Vida Nova 2018b capítulo 7 PARA CRESCER MAIS 118 Argumento da Ressurreição de Jesus módulo 10 Olá Neste módulo vamos aprender sobre o argumento em favor da ressurreição de Jesus A ideia básica é que existem quatro fatos históricos aceitos pela maioria dos historiadores e que precisam ser explicados por alguma hipótese histórica 1 o sepultamento de Jesus 2 a descoberta do seu túmulo vazio 3 suas aparições e 4 as origens da fé cristã Veremos que a melhor explicação para esses quatro fatos históricos bemestabelecidos é que Jesus ressuscitou dos mortos Além disso vamos buscar compreender também como estruturar um argumento histórico em favor da ressurreição de Jesus e como os historiadores testam a credibilidade dos evangelhos Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Aprender como estruturar um argumento histórico em favor da ressurreição de Jesus Analisar quatro fatos históricos que são bemaceitos pela maioria dos historiadores sobre o Jesus histórico Avaliar que a ressurreição de Jesus é a melhor explicação para os quatro fatos históricos Bons estudos 119 CONECTAR O termo Jesus histórico faz referência a uma área acadêmica de pesquisa que busca reconstruir ou retomar a vida e os ensinamentos de Jesus empregando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica Além disso essa área de pesquisa também busca resgatar os contextos históricos e culturais em que Jesus viveu e ensinou O cristianismo é uma religião enraizada na história Por isso uma parte considerável de suas reivindicações pode ser investigada historicamente Como explica N T Wright a Bíblia se propõe não apenas a oferecer ensinamentos espirituais ou teológicos mas também a descrever eventos do mundo natural WRIGHT 2021 p 13 Por isso o interesse no Jesus histórico é algo central para a fé cristã pois Jesus era um ser humano genuíno que nasceu viveu e morreu em um contexto histórico real da antiguidade Para Wright Algumas pessoas pensam que pelo fato de a Bíblia ser um livro religioso seguese que seus documentos não podem ser analisados historicamente Contudo N T Wright 2021 p 14 lembra que se Jesus era um ser humano real dentro do mundo natural e a Bíblia é um livro verdadeiramente humano então eles não podem ser excluídos desde o começo Neste caso Wright propõe que Jesus e o Novo Testamento devem ser incluídos como possíveis fontes para a Teologia Natural No nosso contexto importa que a ressurreição de Jesus é algo que aconteceu na história no solo natural deste mundo e não em um místico mundo espiritual Sendo assim ela pode ter deixado rastros na história de modo que seja possível formular um bom argumento histórico em favor da ressurreição de Jesus Para isso vamos nos aproximar dos escritos do Novo Testamento como os historiadores se aproximam de documentos antigos isto é como uma coleção de documentos do século I escritos em grego sem nenhuma suposição explícita quanto à sua inspiração ou fidedignidade exceto a maneira como consideramos normalmente outras fontes da história antiga Para entender como isso é possível o historiador e padre John Meier postula a fantasia do conclave sem papa Argumento da Ressurreição de Jesus Caso creiamos verdadeiramente na encarnação do Verbo a encararemos com seriedade e como o Verbo encarnado habitou entre nós no contexto do judaísmo do primeiro século todo avanço no nosso entendimento daquele contexto deve ser celebrado e aplicado em nossas leituras dos evangelhos WRIGHT 2012 p 28 Suponhamos que um católico um protestante um judeu e um agnóstico todos historiadores honestos e beminformados sobre os movimentos religiosos do século I ficassem trancafiados nos meandros da biblioteca da Havard Divinity School submetidos a uma dieta espartana e que só lhes fosse permitido reaparecer quando tivessem elaborado um documento de consenso sobre quem foi Jesus de Nazaré e o que pretendia em seu próprio tempo e lugar Como requisito essencial esse documento deveria se basear em fontes e argumentação puramente históricas MEIER 1992 p 11 120 Argumento da Ressurreição de Jesus CONECTAR Neste caso como podemos aplicar a metodologia histórica aos evangelhos Mais precisamente quais os critérios históricos apropriados para analisar os documentos do Novo Testamento a fim de testar sua credibilidade histórica Historiadores descreveram alguns destes critérios importantes que podem ser aplicados ao NT e que serão importantes para nosso argumento Critério da Múltipla Atestação Histórias que se encontram de forma independente em mais de uma fonte literária ou em mais de um gênero narrativo possuem uma alta probabilidade de serem históricas Por exemplo se um mesmo relato se encontra nas cartas de Paulo e no Evangelho de João há uma alta probabilidade de o fato relatado ser histórico pois os historiadores supõem que as cartas de Paulo e o Evangelho de João foram escritas de modo independentes Critério da Antiguidade Historiadores geralmente supõem que as fontes mais antigas são melhores e mais confiáveis que fontes posteriores Assim evangelhos do século II como o Evangelho de Pedro são menos confiáveis que os evangelhos do século I como Mateus Marcos Lucas e João do mesmo modo algo que se encontra em Marcos e nas cartas paulinas constitui material mais antigo que o Evangelho de João Critério do Constrangimento Historiadores identificam que há materiais nos evangelhos que dificilmente teriam sido inventados pela Igreja Primitiva porque criavam constrangimentos ou dificuldades teológicas para a igreja do período testamentário O batismo de Jesus por João Batista ou a afirmação de Jesus de que não sabe o dia ou a hora do fim são alguns exemplos Se alguém dificilmente criaria uma história como essas então ela é historicamente provável Critério do Contexto Jesus foi um judeu que viveu na Palestina do século I Por isso qualquer tradição sobre ele se tornará historicamente mais plausível caso se encaixe em seu próprio contexto histórico Como veremos o modo como Jesus foi sepultado é algo que se encaixa no conhecimento que temos de como os judeus sepultavam seus mortos no primeiro século Outros critérios secundários Há outras características suplementares que podem fornecer maior autenticidade para os relatos mas que possuem um peso inferior aos quatro critérios acima Por exemplo há alguns ditos de Jesus que possuem traços de aramaico os evangelhos foram escritos em Argumento da Ressurreição de Jesus 121 CONECTAR grego mas Jesus provavelmente falava aramaico o que indicaria sua antiguidade há o critério da vividez da narrativa enfatizando detalhes que não são importantes para o ponto principal da história ou narrando um dado evento de Jesus de modo direto não enfeitado por temas teológicos e apologéticos algo que caracterizaria um desenvolvimento lendário o que indicaria que tal história remonta a uma testemunho ocular Lembrese de que Mateus Marcos Lucas e João não são quatro fontes históricas diferentes Para boa parte dos historiadores Marcos foi escrito primeiro e Mateus e Lucas utilizaram Marcos como fonte essa é uma primeira fonte Além disso os historiadores postulam a existência uma outra fonte que hoje está perdida apelidada de Fonte Q abreviatura da palavra quelle que significa fonte em alemão empregada por Mateus e Lucas Esta seria uma segunda fonte Há também um conjunto de histórias e ensinos que só aparecem especificamente em Mateus e em Lucas Os historiadores afirmam que elas são baseadas em outras fontes apelidadas de Fonte M para o Por fim historiadores não pensam que Mateus Marcos Lucas e João são quatro fontes diferentes nem que as cartas de Paulo constituem cada uma uma fonte única de modo que se tivermos 13 cartas teríamos 13 fontes diferentes Os evangelhos foram escritos a partir de relatos de testemunhas oculares e por isso estão baseados em fontes que são anteriores à escrita deles Neste caso cada fonte independente seja a coleção de cartas paulinas seja o material em que os evangelhos se basearam constituiria uma fonte independente a fim de testarmos critérios como o da múltipla atestação Isso não é apenas uma constatação de historiadores ou de teólogos liberais mas algo que o próprio Lucas afirmou no começo do seu evangelho Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que se cumpriram entre nós conforme nos foram transmitidos por aqueles que desde o início foram testemunhas oculares e servos da palavra Eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente desde o começo e decidi escreverte um relato ordenado ó excelentíssimo Teófilo para que tenhas a certeza das coisas que te foram ensinadas Lucas 114 NVI material exclusivo de Mateus e Fonte L para o material exclusivo de Lucas Teríamos aí mais duas fontes O Evangelho de João provavelmente foi escrito de modo independente dos outros três evangelhos e constituiria assim uma quinta fonte à parte O modo como os sermões do livro de Atos estão estruturados no texto original nos leva a supor que eles são baseados em outras fontes empregadas pela Igreja Primitiva na transmissão do evangelho constituindo assim uma sexta fonte Por fim o conjunto das cartas de Paulo seria outro material que em conjunto formaria nossa sétima fonte Há também material fora dos evangelhos como os escritos de Flávio Josefo Tácito Suetônio Plínio o Jovem além de material judaico como a Mishná e o Talmude Alguns céticos afirmam que essas deveriam ser as únicas fontes primárias enquanto o material do NT deveria ser considerado como secundário Contudo essa é uma atitude irracional Em função da própria natureza do NT ele é a melhor fonte histórica para estudar o que aconteceu com Jesus Como afirma William Lane Craig Deste modo o argumento histórico em favor da ressurreição de Jesus está fundamentado no mesmo escrutínio e nos mesmos critérios históricos que os historiadores empregam para investigar outras fontes da história antiga como História dos Hebreus de Josefo Anais de Tácito e A guerra do Peloponeso de Tucídides Deste modo não estamos usando a Bíblia para provar a Bíblia como um leigo poderia supor antes estamos tratando o NT como os historiadores o tratam uma coletânea de escritos antigos que podem ter sua autenticidade avaliada pelos critérios apontados acima 122 Argumento da Ressurreição de Jesus CONECTAR O cristianismo é uma religião fortemente fundamentada na história Por isso a história é um elemento importante para entendermos corretamente os escritos do Novo Testamento Isto não significa que devemos aceitar todas as afirmações feitas por estudiosos críticos do Jesus histórico como John Dominic Crossan e Bart Ehrman há historiadores cristãos como N T Wright James Dunn Craig Evans e Craig Blomberg que também são especialistas no assunto e que fazem interessantes contrapontos a estes pensadores De todo modo a história pode ser empregada como uma peça importante na estruturação de um argumento cogente como o da ressurreição de Jesus algo que veremos neste módulo PARA REFLETIR As pessoas que insistem em evidências extraídas de fontes escritas exclusivamente externas ao Novo Testamento não sabem o que estão pedindo Estão exigindo que ignoremos as fontes primárias mais antigas sobre Jesus em favor de fontes posteriores secundárias e menos confiáveis o que é uma loucura arrematada em termos de metodologia histórica CRAIG 2011 p 206 O cristianismo sucumbe ou fica de pé a depender da ressurreição Essa é a principal diferença entre a fé cristã e as outras religiões do mundo enquanto as outras religiões podem ter bons ensinos morais e belos rituais sagrados o cristianismo tem o Cristo ressurreto A fé cristã sobrevive sem escolas confessionais editoras hospitais estrutura administrativa e prédios de igrejas contudo sem o laço orgânico entre o fato histórico da ressurreição de Jesus e o que dele a fé confessa que é o Cristo a fé cristã desmorona de forma contundente de modo que teríamos que transformar a Basílica de São Pedro e todas as nossas igrejas locais em vários museus Como afirma o apóstolo Paulo se Cristo não ressuscitou inútil é a fé que vocês têm 1 Cor 1517 Por isso é uma tarefa importante para a teologia natural estruturar um argumento em favor da ressurreição de Jesus Estrutura de um argumento histórico A estrutura do argumento em favor da ressurreição de Jesus será diferente dos três últimos argumentos apresentados nesta disciplina Pois não vamos montar um argumento dedutivo em favor da ressurreição de Jesus mas um argumento em favor da melhor explicação Mais precisamente o objetivo de nosso argumento é apontar que a ressurreição de Jesus é a melhor explicação para os quatro fatos históricos bemestabelecidos e aceita pela maioria dos historiadores Para isto vamos seguir a argumentação de filósofos e historiadores como William Lane Craig J P Moreland Gary Habermas Craig Evans e N T Wright De acordo com Craig 2012a p 334 qualquer argumento histórico em favor da ressurreição precisa ter dois passos 1 estabelecer os fatos que servirão de evidências históricas e 2 argumentar que a hipótese da ressurreição de Jesus é a melhor e mais provável explanação desses fatos Neste caso Craig aponta que um argumento em favor da ressurreição de Jesus deve fazer uma distinção entre a evidência que será utilizada e a melhor explicação para a evidência A evidência envolve investigação histórica de eventos tais como o sepultamento de Jesus e a descoberta do túmulo vazio Vamos recorrer a fatos que são geralmente aceitos pela maioria dos historiadores E aqui não se está falando apenas de historiadores evangélicos mas da ampla gama de críticos do Novo Testamento que não são cristãos O outro passo do argumento é apontar que a hipótese da ressurreição de Jesus é a melhor explicação para tais evidências Deste modo qual será nossa evidência Veremos que há quatro fatos acerca dos quais a maioria dos acadêmicos que pesquisaram sobre estas questões concorda com sua credibilidade histórica independentemente de eles serem historiadores cristãos judeus agnóstico ou ateus tais fatos são bemestabelecidos de modo que citaremos não apenas as razões que geralmente os historiadores dão para a credibilidade de tais evidências como também especialistas sobre o Jesus histórico que apoiam tais fatos Assim qualquer hipótese histórica adequada precisa levar em consideração os seguintes quatro fatos 1 o sepultamento de Jesus por José de Arimateia 2 a descoberta do túmulo vazio 3 as aparições de Jesus depois da sua morte e 4 a origem da crença dos discípulos na sua ressurreição Na segunda parte do argumento faremos a seguinte pergunta qual é a melhor explicação para esses quatro fatos históricos Procuraremos argumentar que a hipótese que melhor explica esses fatos é Deus ressuscitou Jesus dos mortos Faremos isso baseados no modo como C B McCullagh explica os seis testes que os historiadores usam Argumento da Ressurreição de Jesus 123 CRESCER para determinar qual seja a melhor explicação para determinados fatos históricos Os fatores levados em consideração por ele são os seguintes Âmbito explicativo A melhor hipótese será aquela que explica o maior número de evidências Das nossas quatro evidências a melhor hipótese será aquela que explica as quatro Caso ela explique apenas duas ou três terá um mérito inferior Poder Explanatório A melhor hipótese terá um poder explicativo maior do que as demais tornando a evidência mais provável Plausibilidade A melhor hipótese será a mais plausível isto é se encaixará melhor no nosso conhecimento das hipóteses de fundo Por exemplo a hipótese de que Jesus desmaiou na cruz e acordou três dias depois não é nenhum pouco plausível dado o que conhecemos sobre a morte por crucificação no século I Artificialidade Tal hipótese exige menor explicações artificiais chamada pelos filósofos de ad hoc Ou seja a melhor hipótese histórica é aquela que não postula outras hipóteses que não tenham evidência independente Contexto A melhor hipótese será refutada por menos hipóteses aceitas que as demais Mais precisamente ela não vai entrar em conflito com outras hipóteses mais bemestabelecidas e bemaceitas pelos historiadores Critério A melhor hipótese será aquela que irá satisfazer melhor os cinco requisitos anteriores Vamos para o primeiro passo do nosso argumento Existem quatros fatos históricos que precisam ser explicados por alguma hipótese histórica São eles Fato 01 Depois da crucificação Jesus foi sepultado por um membro do Sinédrio conhecido como José de Arimateia em uma tumba Este primeiro fato é muito importante pois ele sinaliza que o local onde estava o túmulo de Jesus era conhecido em Jerusalém tanto por judeus quanto por cristãos Isso implica que a crença na ressurreição de Jesus surgiu e se espalhou numa localidade em que as pessoas sabiam onde seu corpo havia sido sepultado Nesse caso os discípulos não poderiam ter anunciado a ressurreição de Jesus em Jerusalém se o túmulo não estivesse realmente vazio Esse é um dos fatos mais intrigantes sobre o cristianismo primitivo ele surgiu e floresceu justamente na cidade em que Jesus foi publicamente crucificado No entanto por que os historiadores pensam que esse fato 01 é histórico Em primeiro lugar o sepultamento de Jesus é atestado em múltiplas fontes independentes tais como I Cor 154 Mc 154247 Atos 1329 e Jo 193842 Além disso as diferenças entre os relatos de Mateus e de Lucas e ao mesmo tempo a concordância entre ambos sugerem que eles tinham outra fonte em comum para além de Marcos e que estaria por trás do seu relato sobre o sepultamento Assim temos um número notável de no mínimo cinco fontes independentes que relatam o sepultamento de Jesus 124 Argumento da Ressurreição de Jesus CRESCER Não é fácil explicar por que os cristãos primitivos teriam inventado uma narrativa positiva em torno de José de Arimateia se não houvesse nada A história da misericórdia desse membro do Sinédrio portanto um homem talvez conhecido por muitos em Jerusalém poderia terse mostrado muito constrangedora se fosse de fato uma ficção completa Ela é mais explicada como histórica EVANS 2020a p 320 Em segundo lugar o relato do sepultamento faz parte de um material extremamente antigo De acordo com Craig Evans 2020a p 317 a tradição que relata o sepultamento de Jesus é o material mais primitivo do Novo Testamento que pertence ao Jesus histórico O relato de Marcos é o mais antigo dos quatro evangelhos que afirma que Jesus foi realmente sepultado tal narrativa é única regular e fluente o que sugere que Marcos tem por trás uma fonte denominada de história da paixão Neste caso se Marcos é o evangelho mais antigo seguese que sua fonte sobre a paixão de Jesus é obviamente ainda mais antiga Há também a antiquíssima tradição citada por Paulo em 1Coríntios 1515 em que ele afirma ter recebido dos primeiros discípulos Provavelmente essa tradição foi transmitida a ele na época de sua visita a Jerusalém próximo do ano 36 dC Gl 118 Assim ela remonta a aproximadamente cinco ou seis anos posteriores à morte de Jesus que aconteceu por volta de 30 dC No relato Paulo não apenas emprega os típicos termos rabínicos recebi paredoka e entreguei parelabon com relação à informação que ele está passando aos coríntios neste texto mas os versículos 35 são uma fórmula de quatro linhas carregada de características não paulinas Isso tem convencido boa parte dos especialistas de que Paulo está de fato citando uma antiga tradição recebida por ele após tornarse cristão Isso é algo importante pois historiadores críticos como Bart Ehrman 2010 p 185 costumam afirmar que os evangelhos foram produzidos entre 35 e 65 anos depois da morte de Jesus por pessoas que não o conheceram não viram nada do que ele fez e não ouviram nada do que ele ensinou pessoas que falavam um idioma diferente do dele e viviam em outro país Contudo como vimos esses relatos são baseados em fontes que são anteriores à escrita dos evangelhos algumas delas datando da década de 30 dC o que é muito próximo ao evento histórico Ainda que Ehrman esteja certo sobre a composição escrita dos evangelhos estamos lidando com fontes muito antigas Por fim como um membro do sinédrio judaico que condenou Jesus dificilmente José de Arimateia seria uma invenção cristã Pois é altamente improvável que os primeiros cristãos inventassem que um membro do sinédrio instituição que levou Jesus à morte fosse aquele que sepultou a Jesus uma vez que havia uma hostilidade clara entre os dois grupos Como afirma Craig 2012a p 348 dada a sua condição de membro do Sinédrio dos quais Marcos relata todos votaram para condenar Jesus José é o último de quem esperaríamos que cuidasse apropriadamente de Jesus Logo esse fato passa pelo critério do constrangimento Além disso não existe nenhum outro relato concorrente que contradiga esse núcleo narrativo Se o relato do sepultamento de Jesus fosse fictício era de se esperar alguma lenda sobre o assunto que competisse com tal relato mas todas as fontes são unânimes em afirmar o honroso funeral por Jose de Arimateia Como afirma Evans Argumento da Ressurreição de Jesus 125 CRESCER Pelas expectativas romanas o corpo de Jesus e de quaisquer outros crucificados com ele teriam sido deixados na cruz como carniça para os corvos e os cães Mesmo que o fosse os soldados que crucificaram Jesus provavelmente o teriam feito rápida e indiferentemente numa cova rasa e em montículo em vez de num túmulo cavado na rocha Isto significaria argila no máximo e os cães novamente no mínimo Penso que sei o que aconteceu com seus corpos e não tenho motivos para pensar que o corpo de Jesus não se tivesse juntado a eles CROSSAN 1995 p 219 Como historiador não penso que possamos dizer categoricamente que seja uma tradição falsa embora eu ache exagero dizer categoricamente que Jesus foi comido pelos cães Por outro lado é certo que não sabemos se a tradição é verdadeira e de fato existem alguns motivos muito convincentes para duvidar dela Eu particularmente duvido Se os romanos seguiram sua política e costumes normais e se Pilatos era o homem que todas as nossas fontes indicam que fosse é altamente improvável que Jesus tenha sido sepultado de forma adequada no dia de sua execução em um túmulo que alguém pudesse identificar mais tarde EHRMAN 2014a p 222 Contudo alguns historiadores colocaram em xeque a historicidade do sepultamento de Jesus baseados no critério do contexto Ehrman 2014a p 217 por exemplo lembra que a prática romana comum era deixar o corpo de pessoas crucificadas decomporse na cruz e ser atacado por necrófagos como parte do desincentivo do crime Naquele tempo criminosos de todo tipo eram via de regra jogados em valas comuns O argumento de Ehrman é que há uma probabilidade significativa de que a história do sepultamento tenha sido criada dado que essa era a política comum dos romanos e que Pilatos não era um governador benevolente que se sensibilizaria por dar um sepultamento digno a um criminoso John Dominic Crossan é mais radical ao sugerir que o corpo de Jesus não foi sepultado mas comido por cães e corvos Bart Ehrman pensa que há aqui um exagero por parte de Crossan mas é certo que não podemos saber o que aconteceu com o corpo de Jesus Dado o que sabemos provavelmente aconteceu o que acontecia com o corpo de qualquer criminoso isto é ser deixado para se decompor e servir de alimento para animais necrófagos Nas palavras dele Contudo essa posição de Ehrman e de Crossan é equivocada Além de ignorar a atestação múltipla e a antiguidade do material a afirmação dos dois autores também não se harmoniza com o que sabemos sobre o contexto Evans 2020b faz um exame minucioso das práticas judaicas de sepultamento dos documentos históricos da antiguidade tardia e dos dados arqueológicos e chega à conclusão de que as narrativas nos evangelhos são depoimentos históricos confiáveis Diferentemente do que propõe Ehrman e Crossan a análise de Evans sobre o critério do contexto mostra que havia razões significativas para termos confiança na tradição dos evangelhos pois uma razão para o sepultamento dos mortos era evitar a contaminação da terra de Israel EVANS 2020b p 64 como mostram documentos antigos Neste caso a história do sepultamento está em conformidade com a prática judaica a qual as autoridades respeitavam durante o tempo de paz Evans mostra exemplos em fontes históricas primárias de que mesmo no caso do criminoso executado era previsto um sepultamento adequado EVANS 2020b p 67 Por isso podemos concordar com o estudioso do Novo Testamento Raymond Brown que afirma o seguinte 126 Argumento da Ressurreição de Jesus CRESCER Que Jesus foi sepultado é historicamente certo Que a sensibilidade judaica queria que isso fosse feito antes do próximo sábado que também pode ter sido um dia de festa também é certo e nossos registros não nos dão nenhuma razão para pensar que essa sensibilidade não foi respeitada Que o sepultamento foi feito por José de Arimateia é muito provável pois uma criação ficcional cristã a partir do nada de um membro do sinédrio judaico que faz o que é certo é quase inexplicável considerando a hostilidade nos escritos cristãos primitivos para com as autoridades judaicas responsáveis pela morte de Jesus Além disso a designação fixa dessa personagem como de Arimateia cidade muito difícil de identificar e que não recorda nenhum simbolismo bíblico torna uma tese de invenção mais implausível ainda O próprio fato de os Evangelhos mais tardios não terem de enobrecer José e aumentar a reverência do sepultamento dado a Jesus mostra que os instintos cristãos não formaram livremente o que pressupus ser o relato básico Embora alta probabilidade não seja certeza não há nada no relato préevangélico básico do sepultamento de Jesus por José que não possa ser plausivelmente considerado histórico BROWN 2011 p 439 Fato 02 No domingo seguinte à crucificação o túmulo de Jesus foi encontrado vazio por um grupo de suas seguidoras Há várias razões que levaram os estudiosos a acreditarem que o túmulo de Jesus foi encontrado realmente vazio por suas seguidoras Para se ter uma ideia da credibilidade histórica dessa evidência um dos maiores especialistas do mundo sobre a ressurreição Gary Habermas 2006 p 223n fez uma vasta pesquisa sobre a posição dos historiadores neste ponto a partir de mais de 2200 estudos eruditos e concluiu o seguinte o estudo que realizei com centenas de fontes eruditas sobre a ressurreição indicou mais de vinte argumentos para o túmulo vazio Cerca de 75 dos eruditos pesquisados aceitam um ou mais dos argumentos a favor Aqui vamos apenas ver algumas destas razões Em primeiro lugar a tumba vazia é atestada por múltiplas fontes independentes Temos o relato de Marcos da tumba vazia Mc 1618 há também relatos em Mateus e em João No caso de Mateus existe uma alta probabilidade de que ele esteja operando com uma fonte independente M que incluía a história da guarda no túmulo Craig 2012a p 350 aponta que há traços de uma tradição anterior no vocabulário não característicos de Mateus na sua narrativa Além disso Lucas parece trabalhar com uma fonte independente L ao relatar a história de dois discípulos que conferiram o relato das mulheres de que o túmulo estava vazio De modo significativo tal incidente é atestado de forma independente por João o que mostraria que não estamos diante de uma invenção de Lucas A história também é mencionada nos sermões de Atos 229 e 1336 e está implícita na carta da Paulo aos Coríntios I Co 154 No entanto Ehrman 2014a p 193 afirma que Paulo não fala nada sobre alguém descobrir um túmulo vazio e não menciona quaisquer aparições de ressurreição para mulheres Contudo Habermas 2006 p 223 lembra corretamente que o credo paulino pressupõe um túmulo vazio a sequência envolvendo três frases com e especialmente para um judeu expressa que se Jesus morreu foi sepultado ressuscitou e apareceu então o que antes vivia foi introduzido no chão e emergiu Em tal caso deixaria o sepulcro vazio Além disso Craig 2012a afirma que a expressão ao terceiro dia possivelmente faz referência à visita das mulheres ao túmulo no terceiro dia dado a contagem judaica após a Argumento da Ressurreição de Jesus 127 CRESCER A menção ao sepultamento de Jesus v 4a só poderia chegar a ocupar um papel tão importante numa narrativa tradicional breve e sucinta se ela fosse considerada importante em si mesma Muitos debates gravitaram em torno deste ponto mas a razão mais provável para sua menção compreende duas partes primeira certificar que Jesus esteve real e verdadeiramente morto segundo indicar que quando Paulo fala de ressurreição na frase seguinte devese supor como suponha qualquer pessoa que contava ou ouvia uma história sobre alguém sendo ressuscitado dentre os mortos tanto no mundo pagão quanto no mundo judaico que isso se referia ao corpo sendo ressuscitado para uma nova vida deixando para trás um túmulo vazio O fato do túmulo vazio tão proeminente nos relatos evangélicos parecer não ser especificamente mencionado nessa passagem não é importante a expressão foi sepultado então ressuscitou não precisa ser ampliada do que eu caminhei pela calçada com a determinação a pé A melhor hipótese sobre porque a expressão e foi sepultado ter passado a ser parte dessa breve tradição é que a expressão resumiu de forma muito sucinta todo esse elemento das narrativas pascais WRIGHT 2013 p 452453 O testemunho fornecido por mulheres não era respeitado numa sociedade judaica dominada por homens De fato segundo Lucas os apóstolos zombaram das mulheres Além disso a identidade e o número de testemunhas diferem nos vários Evangelhos assim como diferem os depoimentos Contudo tratase claramente de uma tradição antiga Se a história do túmulo vazio fosse manufaturada pela Igreja primitiva para demonstrar a realidade da ressurreição de Jesus seria de se esperar um relato uniforme e perfeitamente seguro atribuído a testemunhas claramente confiáveis VERMES 2013 p 165 crucificação N T Wright explica com mais detalhes porque o túmulo vazio está implícito na narrativa de Paulo Assim temos no mínimo seis fontes independentes que relatam a descoberta do túmulo vazio Em segundo lugar a tumba vazia é atestada por fontes muito antigas Pois o relato do túmulo vazio faz parte da antiga fonte sobre a paixão usada por Marcos No caso da fonte denominada história da paixão de Marcos ela forma uma única peça gramatical com o relato do sepultamento o que indica que ambos vieram da mesma fonte O relato de Marcos também é simples direto sem qualquer enfeite de temas apologéticos teológicos ou lendários o que atesta sua antiguidade Há também como vimos a antiga tradição citada por Paulo em 1Coríntios 1535 que pressupõe um túmulo vazio O interessante é que ambos os relatos são simples Em terceiro lugar o fato de o testemunho de mulheres não ser levado em consideração na Palestina do primeiro século ajuda a confirmar a historicidade do túmulo vazio por parte delas Mais precisamente as mulheres não eram consideradas testemunhas dignas de crédito De acordo com o historiador judeu Geza Vermes 2013 p 131 o valor legal dessa atestação é enfraquecido pelo fato de as testemunhas serem mulheres O testemunho feminino desdenhosamente chamado de desvario lêros pelos apóstolos em Lucas não contava na sociedade masculina judaica De modo mais significativo Vermes explica 128 Argumento da Ressurreição de Jesus CRESCER Mulheres simplesmente não eram aceitas como testemunhas legais Podemos lamentar mas é assim que o mundo judaico e muitos outros funcionava Se eles os autores dos evangelhos pudesse ter inventado histórias de que os primeiros a terem chegado no túmulo haviam sido testemunhas masculinas excelentes fortes e confiáveis eles teriam feito O fato deles não terem feito isso nos diz que todos na igreja primitiva sabiam que as mulheres conduzidas por Maria Madalena foram de fato as primeiras na cena ou que a igreja primitiva não era inventiva como os críticos têm rotineiramente imaginado ou ambas as coisas WRIGHT 2013 p 835 Assim qualquer relato lendário primitivo certamente teria feito com que os discípulos do sexo masculino descobrissem o túmulo vazio não as mulheres O preconceito contra as mulheres na época era tão forte que o historiador judeu do século I Flávio Josefo afirma que o testemunho de mulheres não seja admitido em função da leviandade e atrevimento desse sexo Antiguidades iv815 Como afirma NT Wright Por fim a primeira reação dos judeus relatada em Mateus 281115 pressupõe um túmulo vazio De acordo com Mateus esta versão se divulgou entre os judeus até o dia de hoje Mt 2815 o que demonstra que ele estaria reagindo a uma explicação dada pelos judeus à ressurreição e que tinha sido amplamente divulgada Mais precisamente as autoridades judaicas alegavam que os discípulos tinham roubado o corpo de Jesus Mt 2815 isso mostra que de fato faltava realmente um corpo naquela sepultura Em outras palavras a reação mais antiga dos judeus de que temos registro à proclamação dos discípulos de que Jesus ressurgiu dos mortos não foi apontar para o túmulo ocupado mas alegar que os seguidores de Jesus tinham levado embora o corpo dele Logo temos evidências do túmulo vazio a partir dos próprios oponentes dos cristãos primitivos Depois de apresentar um extenso debate sobre os argumentos a favor e contra a descoberta do túmulo vazio Annette Merz Gerd Theissen 2015 p 530 afirmam se se quisesse ordenar as reflexões aqui desenvolvidas no espectro de diferentes opiniões a balança penderia para a possibilidade de a tradição sobre o túmulo vazio ter um cerne histórico Fato 03 Em múltiplas ocasiões e em várias circunstâncias diferentes indivíduos e grupos de pessoas vivenciaram aparições de Jesus ressurreto dentre os mortos Esse fato é um dos mais bematestados e universalmente reconhecidos entre os estudiosos do Novo Testamento mesmo entre os principais críticos Bart Ehrman 2014a p 247 por exemplo afirma que nossos registros mais antigos são coerentes quanto a isso e acho que nos fornecem informação confiável em termos históricos em um ponto chave a crença dos discípulos na ressurreição se baseava em experiências visionárias Mas por qual razão a imensa maioria dos especialistas até mesmo dos principais críticos aceitam esse terceiro fato sobre o Jesus histórico Em primeiro lugar as tradições das aparições de Jesus nos evangelhos fornecem atestações múltiplas e independentes delas Por exemplo a aparição de Jesus a Pedro é atestada de forma independente por Paulo I Co 155 e Lucas Lc 2434 A aparição de Jesus aos doze é relatada de modo independente por Paulo I Co 155 Lucas Lc 243653 e João Argumento da Ressurreição de Jesus 129 CRESCER Irmãos quero lembrarlhes o evangelho que lhes preguei o qual vocês receberam e no qual estão firmes Por meio deste evangelho vocês são salvos desde que se apeguem firmemente à palavra que lhes preguei caso contrário vocês têm crido em vão Pois o que primeiramente lhes transmiti foi o que recebi que Cristo morreu pelos nossos pecados segundo as Escrituras foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia segundo as Escrituras e apareceu a Pedro e depois aos Doze Depois disso apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez a maioria dos quais ainda vive embora alguns já tenham adormecido Depois apareceu a Tiago e então a todos os apóstolos depois destes apareceu também a mim como a um que nasceu fora de tempo 1 Coríntios 1518 Jo 201931 A aparição para as seguidoras de Jesus é relatada de forma independente por Marcos Mc 1618 Mateus Mt 28910 e João Jo 201117 esta última também é atestada pelo critério do constrangimento dada a baixa credibilidade história do testemunho das mulheres na antiguidade Há por fim o aparecimento de Jesus aos discípulos na Galileia relatado de modo independente por Marcos Mc 16 Mateus 281620 e João Jo 21 Em segundo lugar a lista de testemunhas oculares das aparições de Jesus tal como citada por Paulo em 1Coríntios 1557 garante que tais aparecimentos ocorreram tendo marcas próprias de autenticidade O relato afirma o seguinte O interessante desta lista é que no momento em que Paulo escreveu tais informações ele tinha familiaridade com as pessoas envolvidas de modo que é historicamente difícil considerálas como simples lendas Neste texto Paulo cita aqui uma antiga tradição originada na igreja de Jerusalém de que Jesus apareceu a Pedro A partir do texto de Gálatas 118 sabemos que Paulo passou cerca de duas semanas com Pedro três anos após sua conversão O ponto aqui é que Paulo sabia pessoalmente que Pedro tinha tido essa experiência Paulo cita também a aparição a Tiago o irmão mais novo de Jesus Isso é algo significativo pois nem Tiago nem os outros irmãos de Jesus creram nele antes de sua morte Mc 3213135 e Jo 7110 Dada a proeminência de Tiago e o aparecimento dos irmãos de Jesus na comunidade cristã após a sua morte At 114 não há razão para imaginar que a Igreja Primitiva produziria relatos fictícios acerca da incredulidade dos familiares de Jesus se eles tivessem sido sempre seguidores fiéis Pois Tiago e seus irmãos se tornaram cristãos ativos após a morte de Jesus dentro da comunidade cristã o próprio Tiago era considerado apóstolo e ascendeu à posição de liderança da igreja de Jerusalém At 114 Paulo afirma que Tiago era uma das três colunas da igreja em Jerusalém Gl 29 e que conversou com ele pessoalmente em sua visita de duas semanas De acordo com Flávio Josefo Tiago foi martirizado por sua fé em Cristo no final da década de 60 dC Antiguidades 20200 Se por um lado Tiago não acreditava em Jesus durante a vida e depois de sua morte ele se tornou um ativo de Jesus alguma coisa muito forte aconteceu para ele dar essa virada Craig 2012a p 363 traz o seguinte ponto muitos de nós temos irmãos O que seria preciso para que você cresse que seu irmão é o Senhor a ponto de você morrer por sua fé A principal razão para haver tal notável transformação no irmão mais novo de Jesus foi porque nas palavras de Paulo depois apareceu a Tiago De modo significativo Paulo cita a aparição a mais de quinhentos irmãos de uma só vez Apesar dos evangelhos não registrarem tal aparição Paulo afirma ter recebido essa informação de uma tradição muito antiga e dá a entender que ele teve algum contato com essas pessoas uma vez que ele sabia que algumas delas já tinham morrido e que a maioria 130 Argumento da Ressurreição de Jesus CRESCER ainda estava viva Por que Paulo faria este comentário De acordo com N T Wright 2013 p 458 embora alguns já estejam mortos a maioria ainda vive e eis a implicação contundente eles poderiam ser interrogados e apresentar seus próprios relatos sobre o que viram e sabiam Ainda de acordo com Wright 2013 p 458 a tendência global do parágrafo tem a ver com provas com testemunhas sendo convocadas sobre algo que efetivamente aconteceu e para o que testemunhas oculares poderiam e dariam confirmação William Lane Craig 2012a p 362 reforça este ponto ao afirmar que Paulo nunca poderia ter dito isso se o fato não tivesse ocorrido Ele não poderia ter desafiado as pessoas a perguntar às testemunhas se o evento não tivesse acontecido e não existissem testemunhas Por fim a própria aparição a Paulo é significativa aqui Neste relato temos um testemunho de primeira mão do próprio Paulo que afirmou ter visto o Senhor Jesus Tal acontecimento mudou a vida de um dos mais fervorosos líderes do judaísmo que odiava o cristianismo e a perseguiu de forma implacável Então de repente Paulo desiste de sua elevada posição entre os fariseus e se torna um dos principais missionários cristãos da história Por causa disso ele foi chicoteado apedrejado surrado passando por muitos perigos privações e angústias 2 Co 112327 Uma transformação de mentalidade tão drástica é mais bem explicada pelo que o próprio Paulo afirma ter visto o Jesus ressurreto apareceu a ele Como afirma Geza Vermes 2013 p 172 não há dúvida os personagens do Novo Testamento acreditaram na realidade das suas visões de Jesus Fato 04 Os discípulos acreditavam que Jesus ressuscitara dos mortos apesar de terem toda predisposição para acreditar no contrário O último fato a ser explicado diz respeito à própria origem da fé cristã Este também é um fato que até os estudiosos mais críticos aceitam E esse fato é importante para nosso argumento porque como afirma N T Wright 2013 p 33 precisamente nesse ponto elas as origens cristãs em geral e a ressurreição em particular estão intrinsecamente relacionadas Para entender a razão disso vamos analisar algumas situações que os discípulos enfrentaram depois da crucificação de Jesus Em primeiro lugar o líder deles estava morto e os judeus não tinham nenhuma crença acerca de um Messias morto e ressurreto Como afirma Bart Ehrman 2014b p 161 esperavase que o Messias iria destruir o inimigo e estabelecer seu trono em Jerusalém onde governaria seu povo com força grandeza e justiça Mais precisamente os judeus esperavam que o Messias expulsasse os inimigos de Israel mais precisamente Roma e reinstaurasse o reino dravídico O Messias era esperado como uma figura poderosa triunfante inspirando o respeito de judeus e de gentios e governando sabiamente Israel como uma grande nação mundial Não era aguardado de forma alguma que o Messias sofresse a morte vergonhosa de um criminoso numa cruz Além disso de acordo com a lei judaica baseada em Deuteronômio 2123 a execução de Jesus como criminoso demonstrava que ele era herege um homem que estava literalmente debaixo da maldição de Deus Para os discípulos a catástrofe da crucificação não era simplesmente que seu Mestre se fora mas que a crucificação mostrou de fato que os fariseus estavam certos o tempo todo que durante três anos eles tinham seguido um herege um homem amaldiçoado por Deus Como explica N T Wright 2013 p 769 a Argumento da Ressurreição de Jesus 131 CRESCER Quem teria a ideia de um Messias crucificado Nenhum judeu que conhecemos E quem eram os seguidores de Jesus nos anos imediatamente posteriores à sua morte Judeus que viviam na Palestina Não é por menos que Paulo ficou revoltado com suas ideias Eles alegavam que Jesus era o ungido aquele que era especialmente favorecido por Deus o grande e poderoso regente de toda Israel Jesus o homem que foi executado por revolta contra o estado É ele o abençoado de Deus a solução definitiva para o sofrimento do povo escolhido Um criminoso crucificado Isso é pior do que loucura É uma ofensa contra Deus uma blasfêmia Ou assim pensava Paulo Por isso resolveu perseguir essa minúscula seita de judeus e tentar destruila Se é difícil imaginar que judeus tenham inventado um Messias crucificado de onde teria vindo a ideia A resposta é ela nasceu de realidades históricas Houve realmente um homem chamado Jesus Algumas das coisas que dizia e possivelmente fazia levaram seus seguidores a pensa que ele talvez fosse o Messias E realmente acabaram convencidos devia realmente ser o Messias Mas então ele provocou as autoridades que o prenderam julgaram e condenaram à morte Ele foi crucificado É evidente que isso contrariou radicalmente todas as ideias e esperanças de seus seguidores já que isso obviamente não tinha nada a ver com o Messias No entanto algo mais aconteceu Alguns seguidores começaram a dizer que ele foi ressuscitado por intervenção de Deus Isso reconfirmou em grande medida as esperanças que haviam sido severamente destroçadas por sua crucificação EHRMAN 2014b p 162163 crucificação de Jesus entendida do ponto de vista de qualquer observador simpático a ele ou não deve ter parecido como a completa destruição de quaisquer pretensões ou possibilidades messiânicas que ele ou seus seguidores possam ter dado a entender Ehrman coloca este ponto de modo ainda mais enfático Assim Jesus é o Messias que não triunfou não reinou e não libertou Israel dos seus inimigos pelo contrário foi brutalmente assassinado por eles A forma violenta como Jesus foi morto dizia poderosamente e irresistivelmente que ele não era o Messias e que o reino não havia chegado WRIGHT 2013 p 769 Contudo a crença dos discípulos na ressurreição reverteu de modo poderoso a catástrofe que foi a crucificação Uma vez que Deus o ressuscitou dos mortos Jesus foi novamente reconhecido como o Messias enviado da parte de Deus Por isso não é surpresa que a crença na ressurreição era universal no cristianismo desde o início do movimento cristão como demonstra o maciço estudo de N T Wright 2013 Por isso Craig 2012a p 378 afirma que a origem da fé cristã portanto é inexplicável a não ser que Jesus realmente tenha ressuscitado Um último ponto importante aqui é que as crenças judaicas a respeito da vida após a morte excluíam a possibilidade de alguém ressuscitar dos mortos para a glória e a imortalidade antes da ressurreição geral no fim do mundo Mais precisamente os discípulos não passaram a acreditar na ressurreição de Jesus devido a qualquer influência de sua cosmovisão judaica pois os antigos judeus acreditavam que a ressurreição ocorre após o fim da história não antes dele Não havia entre os judeus a possibilidade de ressurreição dentro da história Tudo o que os discípulos poderiam fazer seria preservar o túmulo do seu Mestre como um santuário onde seus ossos poderiam descansar até o dia em que todos os justos de Israel que estivessem mortos fossem ressuscitados por Deus Mas de forma alguma era esperado que eles acreditassem que seu líder executado tivesse sido executado porque ele era o Messias Como explica N T Wright mesmo que os discípulos estivessem convictos 132 Argumento da Ressurreição de Jesus CRESCER Essa crença não teria levado os primeiros discípulos a afirmar que ele teria sido ressuscitado dos mortos Uma mudança no significado de Messias sim desde que ninguém no primeiro século supusesse que o Messias morreria nas mãos dos pagãos mas não uma afirmação de sua ressurreição Nenhum texto judaico do Segundo Templo fala do Messias sendo ressuscitado dos mortos Ninguém teria dito eu acredito que Fulano de Tal era o Messias portanto ele deve ter sido ressuscitado dos mortos WRIGHT 2013 p 61 por outros motivos que não a ressurreição que Jesus era de fato o Messias Por isso se dependessem apenas de suas crenças judaicas os discípulos jamais iriam acreditar em que Jesus ressuscitou dos mortos restavam a eles apenas esperar ansiosamente pela ressurreição geral dos mortos Contudo a despeito de tudo isso os discípulos originais creram e estavam dispostos a enfrentar a morte pelo fato da ressurreição de Jesus A melhor explicação para estes quatro fatos históricos é que Jesus ressuscitou dos mortos Agora estamos prontos para concluir nosso argumento em favor da ressurreição de Jesus Vimos quatro fatos históricos aceitos pela maioria dos historiadores que precisam de alguma hipótese explicativa Nosso argumento segue que a ressurreição de Jesus é a melhor explicação para os quatro fatos históricos E isso por alguns motivos Em primeiro lugar ela tem um grande escopo explanatório pois a hipótese da ressurreição explica por que o túmulo foi encontrado vazio por que os discípulos viram aparições de Jesus após a morte e por que a fé cristã passou a existir Em segundo lugar a hipótese da ressurreição tem grande poder explanatório uma vez que ela explica por que o corpo de Jesus desapareceu por que as pessoas viram Jesus vivo várias vezes apesar da sua execução pública recente por que seu túmulo foi descoberto vazio no domingo pela manhã A hipótese da ressurreição também é a mais plausível dado o que sabemos sobre o contexto histórico da própria vida e reivindicações de Jesus de modo que a ressurreição parece um tipo de confirmação divina para suas reivindicações radicais Tal hipótese também não é ad hoc não precisando de mais acréscimos a não ser a hipótese auxiliar de que Deus existe Por fim a hipótese Deus ressuscitou Jesus dos mortos não entra em conflito com a crença estabelecida de que as pessoas não ressuscitam naturalmente dos mortos pois a ressurreição de Jesus não foi uma ressurreição natural Por isso a hipótese da ressurreição supera qualquer de suas hipóteses rivais no cumprimento das condições 15 que vimos no começo deste módulo Ao longo da história foram apresentadas várias explicações alternativas para os quatro fatos citados como a hipótese da conspiração dos discípulos a hipótese da morte aparente de Jesus a hipótese de que os discípulos tiveram algum tipo de alucinação entre outras Essas hipóteses têm sido rejeitadas quase universalmente pelos estudos contemporâneos pois nenhuma dessas hipóteses naturalistas consegue atender às condições tão bem como a hipótese da ressurreição Depois de analisar seis teorias naturalistas sobre a ressurreição de Jesus o historiador judeu Geza Vermes 2013 p 172 conclui de modo geral nenhuma das seis teorias suporta um escrutínio rigoroso Argumento da Ressurreição de Jesus 133 CRESCER 134 Argumento da Ressurreição de Jesus COMPARTILHAR Assim a melhor explicação para os quatro fatos históricos é que Jesus de Nazaré de fato ressuscitou dos mortos aquele cuja crucificação brutal foi publicamente acompanhada naquela tarde de sextafeira em Jerusalém Se Deus ressuscitou a Cristo dos mortos então tal Deus confirmou as suas reivindicações Logo a ressurreição de Jesus constituise a rocha sólida sobre a qual os cristãos podem fundamentar sua fé Nesta aula você Aprendeu como estruturar um argumento histórico em favor da ressurreição de Jesus Analisou quatro fatos históricos que são bemaceitos pela maioria dos historiadores sobre o Jesus histórico Avaliou que a ressurreição de Jesus é a melhor explicação para os quatro fatos históricos CRAIG William Em guarda defendendo a fé cristã com razão e precisão São Paulo Vida Nova 2011 capítulo 9 Jesus ressuscitou dos mortos COPAN Paul Org O Jesus dos Evangelhos mito ou realidade Um debate entre William Lane Craig e John Dominic Crossan São Paulo Vida Nova 2012 PARA CRESCER MAIS 135 Argumento Probalístico de Richard Swinburne módulo 11 Olá Richard Swinburne é o representante contemporâneo mais sofisticado da teologia natural clássica isto é da tentativa de oferecer provas ou evidências em favor da existência de Deus Ele forneceu aquele que talvez seja o argumento mais rigoroso e forte em favor da existência de Deus Neste módulo vamos estudar o argumento de Swinburne Para isto vamos primeiro entender como funciona um argumento probabilístico a partir do Teorema de Bayes e como ele pode ser aplicado no debate sobre a existência de Deus em seguida vamos calcular a probabilidade do teísmo Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Aprender a estrutura do argumento probabilístico de Swinburne em favor da existência de Deus Entender o funcionamento do Teorema de Bayes Avaliar a probabilidade do teísmo de acordo com Swinburne Bons estudos 136 Argumento Probabilístico de Richard Swinburne CONECTAR O trabalho de Richard Swinburne é celebrado com justiça como um dos mais importantes projetos filosóficos e apologéticos em defesa do teísmo cristão do nosso tempo Ele é considerado o representante contemporâneo mais sofisticado da teologia natural clássica isto é da tentativa de oferecer provas ou evidências em favor da existência de Deus Swinburne procura demonstrar que existe a possibilidade de se alcançar uma conclusão justificada por meio de argumentos racionais acerca da existência de Deus Sua principal obra A existência de Deus apresenta aquele que talvez seja o argumento mais sofisticado em favor do teísmo Outro livro de Swinburne Deus existe constitui o resumo do seu principal livro Swinburne não apenas produziu uma defesa rigorosa e clara da crença em Deus como também apresentou argumentos muito sofisticados em defesa de alguns dos principais ensinos do cristianismo como a ressurreição histórica de Jesus ou que a Bíblia é a revelação de Deus para a humanidade6 O trabalho de Swinburne possui duas características significativas Primeiro o modo como Swinburne estrutura seu argumento é baseado no raciocínio científico moderno Meu trabalho tem sido muito voltado para dar uma nova forma aos velhos argumentos para a existência de Deus a partir de premissas evidentes aos sentidos SWINBURNE 2004a p 61 Mais precisamente a proposta de Swinburne consiste em dar uma forma mais sofisticada aos antigos argumentos em favor da existência de Deus a partir de premissas que sejam publicamente evidentes para todos Esta nova forma consiste em apresentar tais argumentos como indutivos ou probabilísticos avaliando sua força com ajuda do cálculo da confirmação E isso porque a ideia do que conta como evidência conhecimento crença justificada e ciência é diferente de como era na antiguidade e no medievo Como veremos a estrutura argumentativa de Swinburne pode ser expressa resumidamente da seguinte forma cientistas historiadores e detetives ao observarem dados procuram chegar a alguma hipótese sobre o que explica melhor a ocorrência daqueles dados Ao analisar os critérios que eles usam a fim de chegar à conclusão de como uma hipótese é mais bem sustentada do que outra ou seja de como com base nesses dados é mais provável uma hipótese ser verdadeira que suas concorrentes é possível elucidar a questão da existência de Deus Os mesmos critérios que os cientistas usam para chegar a suas próprias teorias nos levam a ir para além daquelas teorias rumo a um Deus criador que sustenta tudo na existência SWINBURNE 2015b p 18 Uma segunda característica do trabalho de Swinburne tem a ver com a necessidade 6 Por exemplo veja o argumento de Swinburne 2004b em favor da ressurreição de Jesus Richard Swinburne procurou dar uma nova forma aos antigos argumentos em favor da existência de Deus O que isso nos diz sobre a necessidade defender a fé cristã em diálogo com a cultura intelectual mais ampla PARA REFLETIR Argumento Probabilístico de Richard Swinburne 137 CONECTAR da teologia natural uma vez que a adesão da crença em Deus parece ser menor no Ocidente principalmente nos círculos intelectuais O trabalho a partir da teologia natural tem sido uma parte da tradição intelectual cristã por quase toda sua história Contudo Swinburne afirma que essa tradição caiu em descrédito entre os filósofos como resultado de más razões apresentadas tanto por Hume quanto Kant sobre os limites da compreensão e do conhecimento humanos colocando em xeque a possibilidade da razão em alcançar uma conclusão bemjustificada em favor da existência de Deus No entanto a despeito da grande influência que os argumentos de Hume e Kant sobre os limites da inteligibilidade e do conhecimento tiveram sobre filósofos e teólogos esses filósofos não apresentaram qualquer boa razão para se negar a possibilidade de uma teologia natural cogente SWINBURNE 2016 p 196 Swinburne acredita e defende que tal teologia natural pode ser construída e defendida Veremos a proposta de Swinburne neste módulo Uma vez que existe muito mais dúvida sobre a existência de Deus no cético mundo ocidental de hoje do que havia na maioria das culturas dos séculos passados a necessidade da teologia natural é maior do que nunca tanto para aprofundar a fé do crente quanto para converter o nãocrente SWINBURNE 2004a p 6061 Durante os primeiros séculos da era cristã até o medievo grande parte das pessoas criadas em uma cultura cristã tomava a existência de Deus como certa Os teólogos cristãos geralmente não dedicavam muita energia em produzir argumentos em favor da existência de Deus Swinburne 2004a p 58 pensa que parte do motivo para isto é que eles não sentiam necessidade de fazer um esforço maior pois a maioria dos seus contemporâneos aceitava a existência de Deus ou de deuses Contudo a conversão envolvia muitas vezes a aceitação de reivindicações mais detalhadas como a de que havia apenas um Deus que ele tinha certas características e que havia atuado na história em Jesus Cristo Para tais ensinos foi preciso o desenvolvimento mais elaborado de argumentos Com a chegada do segundo milênio Swinburne 2004a afirma que argumentos mais rigorosos em favor da existência de Deus começaram a aparecer mesmo que tais argumentos não fossem necessários para a conversão ou para fundamentar a crença em Deus Muitos deles acreditavam em Deus com base na experiência religiosa ou no testemunho de outros Há algo de racionalmente ilegítimo em acreditar em Deus com base nas próprias experiências religiosas ou no testemunho Swinburne pensa que não Pois é um princípio básico da racionalidade chamado por Swinburne 2015b p 170171 de Princípio da Credulidade que nós devemos acreditar que as coisas são do modo como elas nos parecem ser no sentido epistêmico a menos e até que tenhamos indícios de que estamos enganados Ou seja aquilo que parece para uma pessoa ser de tal modo com base na experiência provavelmente é do modo que parece na ausência de boas evidências contrárias Se parece que estou lendo esta apostila então provavelmente estou lendo a apostila a não ser que você acorde e descubra que foi tudo um sonho Afinal se alguém pensa que só deveria confiar nas aparências até que prove que elas são confiáveis nunca teria crença alguma Esse mesmo princípio deve se estender para nossas crenças religiosas se você teve uma experiência aparentemente de Deus talvez quando estava em oração talvez quando lia as Escrituras você provavelmente a teve a menos que se possa mostrar indícios contrários Outro princípio básico da racionalidade é o que Swinburne 2015b p 172 chama de Princípio do Testemunho aqueles que não têm uma experiência de certo tipo devem acreditar nos outros quando eles dizem que tiveram novamente na ausência de indícios de fraude ou ilusão Em outras palavras aquilo que as pessoas lhe dizem provavelmente é verdade na ausência de uma contraevidência Se lemos no jornal que houve um terremoto na Turquia ou se o professor nos diz que a Terra gira em torno do sol essas coisas provavelmente são assim a não ser que você aprenda algo que lance dúvidas sobre elas E esse princípio é importante pois se não pudéssemos acreditar em geral no que os outros dizem acerca de suas experiências sem conferirmos isso de algum modo nosso conhecimento de história geografia ou ciência seria quase não existente SWINBURNE 2015b p 173 Esse mesmo princípio também se estende às nossas crenças religiosas se nossos pais nos dizem que existe um Deus é racional acreditar neles na ausência de uma contraevidência se alguém afirma que sentiu a presença de Deus enquanto lia as Escrituras é racional acreditar nela na ausência de contraevidências Swinburne 2004a afirma que as contraevidências podem assumir várias formas a quantidade monumental de dor e sofrimento no mundo pode nos parecer incompatível ou improvável com a existência de um Deus totalmente bom e todopoderoso outros familiares podem nos dizer que não existe tal pessoa como Deus eu posso assistir a um 138 Argumento Probabilístico de Richard Swinburne CRESCER documentário que parece refutar a existência de Deus Em todo caso tais contraevidências podem ser fortes ou fracas e mesmo quando são fortes podem não perturbar racionalmente a crença de alguém seja porque minha experiência com Deus parece mais vívida que a contraevidência seja porque eu estou mais disposto a acreditar na autoridade de alguém que teve uma experiência religiosa mais forte ou seja por algum outro motivo De qualquer modo Swinburne 2004a p 60 pensa que em geral a presença de um contraindício abre a questão da existência de Deus que precisa então ser amparada por argumentos positivos eou que precisa ter os argumentos negativos rebatidos se a crença em Deus for racional Mais precisamente o fato de encararmos uma contraevidência à existência de Deus que parece refutar nossas experiências religiosas ou o testemunho que anteriormente serviam de base para nossa crença como presentes no princípio da credulidade eou do testemunho faz com que ou precisemos de um argumento positivo ou da necessidade de refutar os argumentos que nos foram apresentados a fim de que a crença de que Deus existe volte a ser racional E isso é importante porque a religião cristã só faz sentido se existir tal pessoa como Deus Nas palavras de Swinburne Por isso é muito importante saber se existe tal pessoa como Deus principalmente no mundo ocidental de hoje onde a dúvida sobre a existência de Deus parece ser mais presente Mas como é possível alcançar uma conclusão bemjustificada por meio de argumentos racionais acerca da existência de Deus Swinburne defende que o raciocínio científico investigativo e histórico pode nos ajudar aqui Estrutura do raciocínio de Swinburne Richard Swinburne pensa que a força de um argumento racional está em fazer com que pessoas racionais aceitem sua conclusão Para Swinburne 2015a p 40 é necessário que as premissas sejam tidas como verdadeiras por aqueles que discutem acerca da conclusão Ou seja a fim de dar uma nova forma aos velhos argumentos em favor da existência é preciso partir de premissas que são evidentes a todos e não apenas a teístas ou ateístas Quais seriam alguns dos fenômenos indícios ou evidências que são geralmente visíveis a todos tanto a teístas quanto a ateus A ideia de que existe um universo físico seria um desses fenômenos outros são os seguintes este Universo opera a partir de leis naturais e é finamente sintonizado para a vida existem seres humanos conscientes milhares de pessoas ao longo dos séculos alegam ter tido experiências religiosas e existe o mal Todos Argumento Probabilístico de Richard Swinburne 139 CRESCER As práticas da religião cristã e de qualquer outra religião teísta apenas têm uma razão de ser se existe um Deus não existe razão para cultuar um criador inexistente ou para pedir a ele para fazer algo na Terra ou levarnos para o Céu se ele não existe ou para tentarmos viver nossas vidas de acordo com sua vontade se ele não tem qualquer vontade SWINBURNE 2008 p 275 O que é claramente de interesse das pessoas numa época de ceticismo religioso são argumentos em favor da existência ou não existência de Deus nos quais as premissas sejam tidas como verdadeiras por pessoas de todas as persuasões teístas ou ateias SWINBURNE 2015a p 41 esses fenômenos são cientificamente bemestabelecidos e observados por todas as pessoas de todos os lugares Para buscar uma explicação para tais fenômenos ou indícios Swinburne visa olhar o tipo de raciocínio que é desenvolvido na ciência e vai tentar aplicar esse raciocínio na questão da existência de Deus E isso significa que os argumentos empregados por Swinburne não são dedutivos como são os três primeiros argumentos que estudamos de William Lane Craig mas indutivos ou probabilísticos Lembrese que um argumento dedutivo é aquele em que se as premissas forem verdadeiras a conclusão será também verdadeira mas um argumento indutivo é aquele em que as premissas tornam a conclusão em algum grau provável talvez bastante provável mas não certa Neste caso a hipótese que estamos analisando pode ser mais ou menos fortalecida a depender de como um dado fenômeno fortalece ou enfraquece tal hipótese É preciso saber em que medida uma hipótese é mais ou menos provável em vista dos fenômenos ou indícios ou evidências disponíveis para nós Os argumentos na ciência na história e nas investigações criminais desde o modo em lidar com a evidência até o modo de lidar com teorias são indutivos Swinburne fornece o exemplo da uma investigação criminal Perceba que no exemplo de Swinburne cada indício eg as impressões digitais no cofre roubado o dinheiro escondido o relato da testemunha que viu John perto da cena do roubo aumenta a probabilidade da hipótese de que John de fato roubou o cofre No caso da crença em favor da existência de Deus a ideia é que os diferentes fenômenos que servem de premissa em um argumento sejam usados como indícios que confiram alguma probabilidade a tal hipótese Em outras palavras não se pretende que os argumentos demonstrem a existência de Deus de modo dedutivamente necessário mas que confiram algum grau de confirmação para o teísmo e dessa forma possam tornálo epistemologicamente justificada O problema crucial é se todos os argumentos tomados em conjunto tornam provável que Deus existe se o balanço de todos os indícios relevantes favorece a afirmação do teísmo ou não SWINBURNE 2015a p 51 Outro ponto importante levantado por Swinburne é que os argumentos em favor da existência de Deus como o argumento cosmológico ou teleológico não devem ser considerados isoladamente mas de modo cumulativo Ou seja os argumentos podem dar sustento uns aos outros ou alternativamente enfraquecer uns aos outros e precisamos considerar se isso se dá ou não SWINBURNE 2015a p 49 Assim um fenômeno ou indício levado em consideração em uma premissa pode oferecer uma certa quantidade de probabilidade à conclusão outra parte dos fenômenos ou indícios pode aumentar essa probabilidade ainda outra pode diminuir Os argumentos probabilísticos vão assim avaliando de modo detalhado os indícios que temos a fim de analisar se a hipótese se torna mais ou menos provável à luz de tais indícios E se cada indício ou fenômeno acrescenta algum grau de confirmação para a hipótese teísta podese ter ao final um resultado 140 Argumento Probabilístico de Richard Swinburne CRESCER Um detetive por exemplo encontra várias pistas as impressões digitais de John em um cofre roubado o fato de John ter bastante dinheiro escondido em sua casa o fato de John ter sido visto próximo à cena do roubo na ocasião em que ele foi cometido Ele então sugere que essas várias pistas embora possam bem ter outras explicações em geral não são esperáveis exceto se John tiver roubado o cofre Cada pista é evidência parcial de que ele roubou mesmo o cofre e confirma a hipótese de que John roubou o cofre e a evidência é cumulativa quando coletada ela torna a hipótese provável SWINBURNE 2008 p 278 satisfatório do ponto de vista da justificação Por fim Swinburne 2015b afirma que existem dois tipos de explicação para um fenômeno a primeira é a explicação inanimada isto é explicação que apela para a suscetibilidade de um fenômeno da natureza exercer seu poder sob certa condição quando a água se encontra a 0ºC ela congela e ela faz isso porque entre suas propriedades há o poder de fazêlo sob certas condições Ela tem de congelar sob aquelas condições e não tem a opção de não congelar A segunda é a explicação pessoal ela envolve crenças propósitos e intenções No caso da água eu posso ter decidido colocar água para congelar Para Swinburne 2015b p 43 fenômenos diferentes são explicados de modos diferentes alguns eventos são levados a efeito intencionalmente por pessoas e alguns eventos são levados a efeito por coisas inanimadas Assim a explicação inanimada envolve poderes e suscetibilidades a explicação pessoal envolve crenças e intenções Uma pergunta importante para Swinburne é a seguinte será que a existência e a ordem do Universo são mais bem explicadas por meio de uma explicação inanimada ou pessoal Em suma o argumento de Swinburne funciona da seguinte forma há alguns fenômenos gerais que todos nós reconhecemos como o de que existe um Universo físico de que existem leis científicas o de que há seres humanos conscientes o de que através dos séculos milhões de pessoas tiveram uma aparente experiência de estar em contato com Deus o de que existe tal coisa como o mal e muitos outros fenômenos Então temos uma hipótese h de que existe tal pessoa como Deus uma explicação de tipo pessoal Neste sentido a ocorrência de tais fenômenos fornece algum grau de probabilidade seja aumentando ou diminuindo a tal hipótese Mas como podemos avaliar tal hipótese O que justifica que um dado fenômeno aumenta ou diminui a probabilidade de uma hipótese Que critérios precisam ser satisfeitos a fim de que possamos ter um bom argumento isto é para fornecer evidência para nossas hipóteses Swinburne oferece quatro critérios que podem ser empregados tanto para explicações inanimadas quanto para explicações pessoais No próximo tópico vamos explicar de modo mais detalhado os quatro critérios a partir do Teorema de Bayes O mais importante aqui é que de acordo com Swinburne quando colocamos os quatro critérios em funcionamento a fim de determinar qual das nossas muitas afirmações sobre o mundo é a mais provavelmente verdadeira a probabilidade intrínseca do teísmo é relativamente às outras hipóteses acerca do que existe muito alta SWINBURNE 2015a p 195 Assim no balanço de probabilidades dentro de um raciocínio bayesiano levando em conta esses quatro critérios Swinburne afirma que dado nosso indício total o teísmo é mais provável que suas explicações alternativas Logo um ser racional está justificado em conceder seu assentimento tendo em vista tal grau de confirmação Argumento Probabilístico de Richard Swinburne 141 CRESCER 1 Ela nos leva a esperar com precisão muitos e variados eventos que observamos e não observamos nenhum evento cuja não ocorrência ela nos leva a esperar 2 O que é proposto é simples 3 Ela se adapta bem ao nosso conhecimento de fundo 4 Nós não esperaríamos de outro modo encontrar esses eventos ou seja não há nenhuma lei concorrente que nos leve a esperar esses eventos e que satisfaça os critérios 13 tão bem quanto a lei proposta SWINBURNE 2015b p 48 Teorema de Bayes Swinburne faz amplo uso da probabilidade lógica O que está em questão aqui é o quanto uma proposição torna a outra provável Para ver como alguns fenômenos gerais que todos nós reconhecemos eg existe um Universo físico e leis científicas existem seres humanos conscientes etc fornecem algum grau de probabilidade para uma hipótese vamos empregar a teoria da confirmação através do teorema de Bayes A teoria da confirmação diz respeito a um cálculo de probabilidade usado para estabelecer relações de confirmação entre as proposições Já o teorema de Bayes é uma fórmula matemática usada para calcular a probabilidade de um evento ou fenômeno dado que outro evento ou fenômeno já ocorreu O filósofo David Papineau explica o funcionamento do teorema de Bayes Para fazer uso do teorema de Bayes é preciso se familiarizar com alguns símbolos e com uma fórmula matemática como veremos abaixo Mas como você verá o entendimento de como funciona tal teorema não é difícil Assim como os livros de Swinburne vamos ter o cuidado neste módulo de exprimir em palavras também o argumento principal das passagens em que os símbolos ocorrem Para Swinburne o uso da teoria da confirmação é importante para dar mais rigor ao seu raciocínio Como então funciona um argumento no teorema de Bayes Vamos colocar em forma simbólica o que vimos no tópico anterior Ppq representa a probabilidade da proposição p em face do indício q h representa a hipótese que estamos considerando e representa o indício ou o fenômeno e k representa o conhecimento de fundo ou de outras probabilidades No nosso caso queremos saber qual a probabilidade de uma hipótese h Deus existe diante dos indícios observados e1 e2 e3 existe um Universo físico existem leis científicas existem seres humanos conscientes etc do conhecimento de fundo k e de outras probabilidades A formulação mais simples do teorema é a seguinte 142 Argumento Probabilístico de Richard Swinburne CRESCER Os bayesianos são filósofos que defendem que nossas crenças incluindo nossas crenças em teorias científicas obtêmse em graus Assim por exemplo posso crer em grau 05 que choverá hoje no sentido de que penso que há 50 de probabilidade de chuva hoje De forma similar posso atribuir um grau de 01 de crença a uma teoria segundo a qual as poderosas forças nucleares e as débeis forças elétricas são a mesma força penso que isso é improvável mas admito que há uma possibilidade em dez de que ela possa revelarse verdadeira PAPINEAU 2013 p 301 Meu uso da teoria da confirmação me permite expressar meus argumentos com o rigor apropriado a qualquer apresentação pormenorizada dos argumentos a favor e contra uma teoria em larga escala do universo e também me permite mostrar as fortes similaridades que existem entre teorias religiosas e teorias científicas de larga escala SWINBURNE 2015a p 35 Phek Pehk Phk Pek Swinburne afirma que o uso deste cálculo não pressupõe que tenhamos valores exatos frequentemente dados à probabilidade em questão mas que podemos ter algum valor aproximado por exemplo mais ou menos provável do que outra hipótese próximo de 100 muito alto muito baixo etc o cálculo delimita formalmente os fatores que determinam como uma evidência apoia uma hipótese Para colocar os aspectos relevantes em palavras a hipótese h será considerada provável tendo em vista a evidência de observação e1 e o conhecimento de fundo k na medida em que satisfaz três condições Em primeiro lugar a probabilidade posterior simbolizada por Phek deve ser alta isso significa que uma hipótese científica ou histórica é considerada provável na medida em que os indícios são tais que você esperasse encontrálos se a hipótese fosse verdadeira Swinburne fornece um exemplo de tal critério a partir da ilustração do roubo do cofre Ou seja se John realmente roubou o cofre é muito provável que suas impressões digitais sejam encontradas nele que o dinheiro seja encontrado em sua casa e que uma testemunho ocular afirme têlo visto perto do local do crime No entanto para cada indício ou fenômeno seria possível inventar um número infinito de hipóteses de modo que todas elas satisfizessem o critério anterior Phek mas que fossem completamente incompatíveis entre si Pense novamente no exemplo de Swinburne há a primeira hipótese de que John roubou o cofre e ela tem uma probabilidade posterior alta pois ela nos leva a esperar todos os indícios contudo há uma segunda hipótese que também nos leva a esperar todos os indícios que encontramos suponha que Brown plantou as impressões digitais de John no cofre que Smith se vestiu para ficar parecido com John e passou na cena do crime próximo do horário do roubo e que Robinson escondeu o dinheiro no apartamento de John sem qualquer acerto prévio com os outros Essa nova hipótese nos levaria a esperar os fenômenos tanto quanto a hipótese que John roubou o cofre Qual hipótese então um detetive irá preferir Ele irá preferir a primeira hipótese pois ela é mais simples Esse critério simbolizado na formulação acima por phk é denominado de probabilidade intrínseca de que a hipótese seja verdadeira mais precisamente ela funciona como uma navalha de corte e mede os fatores internos da hipótese independentemente dos indícios que a tornam provável Um dos fatores internos mais importantes para Swinburne é a simplicidade a hipótese deve postular a existência e a operação de poucas entidades com poucas propriedades comportandose de modos simples Para ilustrar esse critério com o exemplo do roubo do cofre Swinburne afirma o seguinte Argumento Probabilístico de Richard Swinburne 143 CRESCER As impressões digitais de Jones no cofre confirmam a suposição de que ele o roubou se e somente se for mais provável que elas estivessem no cofre se ele cometeu o crime do que se não Se for igualmente provável que elas estivessem no cofre caso Jones tivesse ou não o roubado por exemplo porque Jones é o gerente da loja na qual o cofre está situado e com frequência o abre elas não confirmam a suposição de que ele roubou o cofre SWINBURNE 2015a p 137 a prática de cientistas historiadores etc mostra que eles julgam que uma teoria muito simples é muito mais provável do que teorias menos simples Se você pode explicar muitas pistas pela hipótese de que um agente os as causou isso é muito mais provável do que uma teoria com o mesmo poder explanatório de explicar as pistas que postule que dois agentes causaram as pistas SWINBURNE 2015a p 137 Assim sempre podemos postular entidades novas com muitas propriedades complicadas para explicar algo que acharmos Mas nossas hipóteses só terão uma probabilidade intrínseca alta caso ela seja simples isto é caso ela postule poucas entidades que nos levem a esperar os diversos fenômenos que formam os indícios Como Swinburne explica no caso da hipótese de John ter roubado o cofre ela postula um objeto John fazendo uma ação roubar o cofre o que nos leva a esperar os diversos fenômenos que encontramos Já a segunda hipótese tem a desvantagem de postular três objetos Brown Smith Robinson fazendo três ações diferentes plantando impressões digitais imitando John e escondendo o dinheiro O terceiro critério é a chamada probabilidade prévia do fenômeno indício ou evidência simbolizado na formulação acima por Pek Esse critério implica que os fenômenos ou indícios devem ser menos prováveis de ocorrer no curso normal das coisas Para citar o exemplo do roubo do cofre qual a probabilidade de as impressões digitais de John aparecerem no cofre o dinheiro aparecer em sua casa e uma testemunha confiável afirmar que viu ele no local do crime dado o curso normal das coisas Neste caso quanto mais improvável é que tais indícios ocorram normalmente no curso normal das coisas melhor Por fim a hipótese deve se adequar bem ao nosso conhecimento de fundo isto é o conhecimento de como as coisas funcionam em áreas vizinhas SWINBURNE 2015b p 50 Por exemplo a hipótese de que John roubou o cofre deve se adequar bem àquilo que sabemos sobre John baseados em sua história por exemplo John pode ser conhecido por frequentemente roubar cofres e já ter sido pego mais de uma vez fazendo isso Para Swinburne um argumento indutivo a favor de uma causa será mais forte quanto melhor ele satisfizer os quatro critérios isto é 1 quanto mais plausível for que os fenômenos venham a acontecer se a causa postulada ocorrer 2 quanto mais simples for a causa postulada 3 quanto mais improvável for que a causa postulada ocorra no curso normal das coisas e 4 quanto melhor a hipótese se adeque ao nosso conhecimento de fundo Quanto melhor os quatro critérios são satisfeitos mais provável é que a hipótese proposta seja verdadeira A probabilidade do teísmo Quão provável é então a hipótese de que existe tal pessoa como Deus Vamos considerar aqui três indícios ou fenômenos a fim de analisar a hipótese de Deus e1 existe um universo físico e2 este universo opera a partir de leis naturais e está finamente sintonizado para a vida e3 existem seres humanos conscientes Primeiro Swinburne pensa que o conhecimento de fundo k pode ser ignorado Pois quando estamos lidando com uma hipótese que se propõe a explicar uma vasta amplitude de fenômenos este critério tende a ficar de fora pois não haverá campos de investigação mais amplos nos quais tenhamos conhecimento substancial sobre como as coisas operam Quando você está tentando explicar tudo que é observável não há campos vizinhos sobre os quais você pode ter conhecimento aos quais a sua teoria precisa se adaptar SWINBURNE 2015b p 68 Vamos considerar então a probabilidade prévia desses três indícios É bastante improvável que exista algo tão grandioso quanto um Universo complexo como o nosso surgindo a partir do nada Mais improvável ainda é que existindo tal Universo ele seja 144 Argumento Probabilístico de Richard Swinburne CRESCER regido por leis naturais simples finamente ajustado e sintonizado para a vida a partir de probabilidades que desafiam a compreensão humana Que existe um Universo e que ele é regido por leis naturais finamente sintonizadas para a vida são fenômenos tão gerais e difundidos que tendemos a ignorálos ou achálos banais e comuns Mas facilmente poderia não existir um Universo ou ele poderia existir como uma confusão caótica Além disso a probabilidade de seres complexos e conscientes como nós humanos existirem sendo regidos pelas leis naturais também é significativamente baixa O filósofo Richard Taylor fornece um exemplo do porquê de a existência em si requerer algum tipo de explicação suponha que você está passeando por um bosque e encontra uma bola translúcida no caminho de mais ou menos a sua altura certamente ela seria misteriosa e enigmática mas ela não é mais misteriosa do a que a existência de qualquer outra coisa como pedras e flores Se você topasse com bolas translúcidas de sua altura então o fato de se deparar no bosque com pedras e flores seria algo igualmente intrigante e misterioso Para Taylor Além da existência em si ser algo misterioso ela requer uma explicação Pois o exemplo de Taylor segue se você encontrou uma bola translúcida do seu tamanho em um bosque dificilmente vai pensar que a bola surgiu ali espontaneamente antes pensará que ela deve sua existência a alguma outra coisa imaginando assim que deve haver uma explicação Se ao olhar para o bosque perguntássemos por que não há nele nenhuma bola translúcida a resposta natural seria questionar e por que deveria haver tal bola Mas se encontrássemos tal bola e perguntássemos por que ela está ali não é natural ouvir como resposta que ela não deveria estar ali como se sua existência fosse tida como certa Para Taylor Assim que exista um Universo com leis naturais simples e finamente sintonizadas para a vida e que existam seres humanos conscientes é algo que requer uma explicação Além disso esses três indícios não são o tipo de fenômeno que ocorrem normalmente no curso normal das coisas Por isso a probabilidade prévia Pek dos três indícios ocorrerem normalmente é muitíssimo baixa Como então o teísmo se sai frente a esses três indícios Primeiro vamos considerar phk isto é a probabilidade intrínseca do teísmo Para Swinburne 2015b p 68 ela é altíssima pois o teísmo de longe oferece a explicação mais simples de todos os fenômenos Mais precisamente a hipótese de que há um Deus é a hipótese da existência do Argumento Probabilístico de Richard Swinburne 145 CRESCER Isso ilustra o fato de que alguma coisa que é misteriosa deixa de o ser simplesmente por sua presença habitual Com efeito é estranho que um mundo como o nosso exista contudo são raros os homens que se impressionam frequentemente com tal singularidade pois simplesmente aceitam o mundo como um fato axiomático TAYLOR 1969 p 119 Isso ilustra uma crença metafísica que parece constituir quase uma parte integrante da própria razão muito embora poucos homens meditem a tal respeito é a crença de que existe uma explicação para a existência de todas as coisas uma razão para que existam em vez de inexistirem A pura inexistência que não se deve confundir com o fim da existência de alguma coisa jamais requer uma explicação mas a existência exigea Que não exista qualquer bola na floresta é algo que não requer explicação ou razão mas tem de haver se a bola existir TAYLOR 1969 p 120 Ora o problema da ideia de Parsons é que o limite de poder de tal ser exigiria uma explicação específica do porquê de haver aquele limite particular de modo que a não limitação não exige Ainda que o ser onipotente descoberto pelos exploradores demandasse uma explicação sobre sua onipotência um ser com superpoderes limitados ser mais simples possível Swinburne explica detalhadamente o porquê de o teísmo ser a hipótese mais simples possível O filósofo David Hume postulou um desafio clássico à ideia de que Deus é o criador do Universo Ele supôs que talvez o nosso Universo tenha sido criado e é conservado por um comitê de deuses de poder limitado Um grande número de homens se alia para construir uma casa ou um navio ao erguer uma cidade ao forjar uma comunidade por que não podem combinarse várias Deidades ao engendrarem e forjarem um mundo HUME V 8 p 6667 A ideia é que o politeísmo ofereceria uma explicação tão boa para a existência do Universo quanto o teísmo Mas Swinburne argumenta que essas duas explicações não estão em paridade O problema da hipótese de Hume é que ela multiplica entidades de forma desnecessária postulando vários deuses ao invés de apenas um e por isso ela é menos simples além disso ela requer mais explicações sobre como e por que tais deuses cooperam na produção do Universo Assim Swinburne pensa que a hipótese de que existe uma pessoa como Deus é a hipótese da existência do tipo mais simples de pessoa que poderia existir Um ente físico terá extensão espacial consistindo assim em partes Por ser espírito Deus não precisa ter extensão espacial nem ser formado por partes Uma pessoa é um ser que existe por algum tempo com o poder de causar efeitos o conhecimento de como fazer isso e a liberdade de fazer escolhas em relação a quais efeitos causar Deus é por definição uma pessoa onipotente infinitamente poderosa onisciente que sabe tudo e perfeitamente livre ele é uma pessoa de poder conhecimento e liberdade infinitos uma pessoa para cuja existência poder conhecimento e liberdade não existem limites exceto os limites da lógica A hipótese de que existe um ser com infinitos graus de qualidades essenciais é a postulação de um ser muitíssimo simples Pois se Deus tivesse algum tipo de limite tal coisa clamaria por uma explicação do porquê de existir justamente aquele limite particular de uma maneira que o ilimitado não o faz O filósofo ateu Keith Parsons afirma que há dois problemas com essa ideia de Swinburne Primeiro o fato de Deus ter poderes infinitos também requer explicação Ele fornece o exemplo da onipotência 146 Argumento Probabilístico de Richard Swinburne CRESCER O teísmo afirma que todo objeto que existe tem como causa da sua existência e se mantém existindo por uma única substância Deus E ele afirma que toda propriedade que toda substância tem é devida a Deus causála ou permitir que ela exista É traço característico de uma explicação simples postular poucas causas Não poderia nesse sentido haver explicação mais simples que a postulação de uma única causa SWINBURNE 2015b p 70 Descobrissem os futuros exploradores um ser omnipotente no espaço profundo a razão pela qual este ser possuía tal poder e como possuía pareceria exigir uma resposta tão urgente quanto se este ser pudesse exercer apenas dez mil milhões de quilowatts de poder por exemplo PARSONS 2010 p 150 demandaria uma explicação não apenas dos seus superpoderes mas também de por que ele tem aquele limite particular No caso de Swinburne é mais simples postular que Deus tem poderes ilimitados do mesmo modo que na ciência a hipótese de que alguma partícula tem massa zero ou velocidade infinita é mais simples do que a hipótese de que ela tem 032147 de massa ou uma velocidade de 221000 kms Segundo Parsons afirma que mesmo que o teísmo seja mais simples ele só o faz ao custo de introduzir complexidades e obscuridades explicativas maiores O teísmo ortodoxo postula um ser essencialmente misterioso cuja natureza é largamente incompreensível e que tem poderes únicos que exerce de modo incognoscível com propósitos que só vagamente podemos apreender PARSON 2010 p 151 O problema é que o Deus do teísmo não é tão misterioso com propósitos obscuros Além de ele ter se revelado à humanidade a hipótese de sua existência se torna mais plausível principalmente quando consideramos seu poder explicativo como veremos no próximo critério de Swinburne Certamente o estado de coisas mais natural é simplesmente o nada nada de Universo nada de Deus Mas existem muitas coisas E o teísmo nos ajuda a explicar os muitos pedaços do Universo com um único ser simples que os mantém na existência De qualquer modo no teísmo phk é bastante alta A hipótese de que Deus existe também tem uma probabilidade posterior Phek alta dados os três indícios considerados Pois sendo onipotente Deus pode criar o Universo físico pelo tempo em que ele tem existido de modo que a existência do Universo é plausível caso Deus exista além disso a hipótese de Deus é considerada provável na medida em que a sintonia fina do Universo a simplicidade de suas leis e a existência de seres humanos conscientes são o tipo de indícios que esperaríamos encontrar se a hipótese de que Deus existe fosse verdadeira Assim se existe um Deus não é vastamente improvável que ele deveria criar um Universo tal como o nosso Além disso um Universo como o nosso é uma espécie de teatro no qual os humanos podem crescer e assumir responsabilidades reais A ordem desse Universo faz dele um local onde os humanos podem aprender a controlar e a mudar Um Deus bom desejará criar criaturas tais como seres humanos possuindo uma livre escolha real entre o bem e o mal uma profunda responsabilidade por si mesmos e uns pelos outros e uma habilidade para formarem seu próprio caráter de um modo a amarem a Deus e ao próximo Neste caso o teísmo tem um poder explicativo muitíssimo alto e os três indícios são exatamente o tipo de fenômeno que esperaríamos encontrar caso Deus exista Logo Phek é alta dado o teísmo Swinburne fornece mais alguns detalhes Argumento Probabilístico de Richard Swinburne 147 CRESCER A hipótese simples do teísmo nos leva a esperar todos os fenômenos que venho descrevendo com algum grau razoável de probabilidade Sendo onipotente Deus pode produzir um mundo ordenado nesses aspectos E ele tem boa razão de escolher fazêlo um mundo contendo pessoas humanas é uma coisa boa Pessoas têm experiências e pensamentos e podem fazer escolhas e suas escolhas podem fazer grandes diferenças para si mesmas para os outros e para o mundo inanimado E os homens têm disponíveis para eles um tipo particular de livre escolha a liberdade de escolher entre bem e mal que Deus mesmo não tem e assim terá muito fortes razões para levar a efeito Seguese de sua bondade que é provável que Deus produza seres humanos e é necessário para nossa sobrevivência que vivamos em um universo com o tipo de regularidade que encontramos Na hipótese materialista é mera coincidência que os objetos materiais têm os mesmos poderes entre si e não um ponto de parada simples para a explicação Porque o teísmo satisfaz os critérios tão bem a Assim Swinburne pensa que no cômputo geral a probabilidade do teísmo é alta pois é alta sua probabilidade prévia e seu poder explicativo para fenômenos que possuem uma probabilidade prévia baixa Ou seja a hipótese da existência de Deus satisfaz bem os três critérios fornecidos antes para os argumentos probabilísticos para uma explicação Como vimos a existência do Universo sua conformidade com leis naturais e sua sintonia fina e a existência de seres humanos conscientes não são fenômenos ordinariamente esperados eles devem ser esperados se a hipótese postulada for verdadeira e for simples Deus é uma pessoa muito simples e é grandemente improvável que os fenômenos citados viessem a ocorrer por acaso isto é que deveria existir um Universo finamente ajustado que produz a vida humana 148 Argumento Probabilístico de Richard Swinburne CRESCER existência e comportamento regular dos objetos materiais oferece um bom indício para a existência de Deus SWINBURNE 2015b p 80 e 84 Nesta aula você Aprendeu a estrutura do argumento probabilístico de Swinburne em favor da existência de Deus Entendeu o funcionamento do Teorema de Bayes Avaliou a probabilidade do teísmo de acordo com Swinburne SWINBURNE Richard Deus existe Brasília Academia Monergismo 2015b Argumentos probabilísticos para a existência de Deus Episteme n 18 Porto Alegre janjun 2004a p 5770 A Existência de Deus Princípios v15 n23 Natal janjun 2008 p 271290 Disponível em httpsperiodicosufrnbrprincipiosarticleview464399 PARA CRESCER MAIS 149 Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo módulo 12 Olá Neste módulo vamos aprender um dos argumentos mais sofisticados contra a racionalidade do naturalismo Grosso modo os naturalistas recorrem à moderna teoria da evolução como uma razão para abraçar seu naturalismo É como se a evolução apoiasse ou endossasse o naturalismo funcionando como uma espécie de fortaleza do naturalismo Contudo o problema é que o naturalismo e a evolução estão em conflito um com o outro de modo que não se pode racionalmente aceitar ambos evolução e naturalismo não se pode ser um naturalista e um evolucionista ao mesmo tempo Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Entender o conceito de naturalismo Analisar o argumento evolucionário contra o naturalismo desenvolvido por Alvin Plantinga Aprender por que a combinação entre naturalismo e teoria da evolução gera um ceticismo profundo sobre a confiabilidade de nossas faculdades cognitivas Bons estudos 150 Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo CONECTAR A teoria da evolução é uma das ideias mais bemaceitas entre os naturalistas De acordo com uma pesquisa do Datafolha a maioria dos ateus 56 acredita numa evolução não guiada isto é que Deus não guiou o processo evolutivo7 Na verdade uma parte significativa dos naturalistas incluindo quase a totalidade dos pensadores ateus afirma que a teoria da evolução implica ou de algum modo embasa o naturalismo eou o ateísmo Darwin seria de acordo com uma clássica matéria de capa da Revista Superinteressante o homem que matou Deus Por que haveria essa relação entre teoria da evolução e naturalismo Em algum sentido a teoria da evolução mostraria ou evidenciaria que o naturalismo eou o ateísmo são verdadeiros Para Richard Dawkins 2001 p 25 só depois de Darwin é possível ser um ateu intelectualmente satisfeito Daniel Dennett 2010 p 180 pensa que dado o modo como a evolução trabalha um Deus que fosse responsável por usar tal mecanismo teria uma inteligência que parece inquietantemente como a grosseria e displicência humanas Os naturalistas pensam que alguém que aceita a teoria da evolução deve pressupor que ela é não guiada De acordo com Dawkins 2001 p 42 a seleção natural é o relojoeiro cego cego porque não prevê não planeja consequências não tem propósito em vista Mais precisamente a seleção natural é um processo aleatório não dirigido de tal modo que nenhum agente pessoal orquestra molda guia conduz eou orienta o processo da evolução Não há na evolução qualquer planejamento prévio para os naturalistas o ser humano ou qualquer outra espécie não era objetivo da evolução esta aliás não possui objetivo algum A evolução é inconsciente acidental regida pelo acaso e pela necessidade Além disso os naturalistas insistem que faz parte da teoria contemporânea da evolução a ideia de que ela não é guiada nem muito menos planejada A teoria da evolução darwiniana é um processo conduzido principalmente por dois mecanismos distintos mutação genética e seleção natural O objetivo de ambos os processos se é que é possível falar de objetivo aqui é ser adaptado para fins de sobrevivência alimentação fuga e reprodução Como disse certa vez Dawkins Neste contexto os naturalistas pensam que nossas capacidades cognitivas são frutos das pressões biológicas na odisseia humana rumo à sobrevivência e à propagação dos nossos genes Embora não conheçamos nada acerca dos detalhes das forças seletivas a única coisa que importa para a seleção natural é que cada lado está se esforçando para superar o outro porque tanto para um quanto para o outro os indivíduos que forem bemsucedidos transmitirão seus genes que contribuíram para seu êxito DAWKINS2009 p 359 7 Disponível em httpsdatafolhafolhauolcombropiniaopublica201004122357359acreditamna evolucaoentreasespeciessobocomandodedeusshtml Os naturalistas são muito confiantes de que a teoria da evolução embasa de algum modo o naturalismo Mas qual seria o impacto de demonstrar que na verdade a teoria da evolução e o naturalismo estão em conflito um com o outro PARA REFLETIR Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo 151 CONECTAR que determinam a evolução das capacidades mentais e linguísticas dos seres humanos que evidentemente excedem em muito as de quaisquer outros animais não há nada particularmente misterioso em explicálas em termos evolutivos CHARLESWORTH CHARLESWORTH 2012 p 145 A sobrevivência humana é a razão última das nossas capacidades mentais Contudo o que veremos neste módulo é um dos argumentos mais sofisticados e intrigantes contra a racionalidade do naturalismo Mais precisamente apesar de os naturalistas e de os ateus acharem que a teoria da evolução apoia a teoria deles veremos que o naturalismo está numa dificuldade filosófica muito séria alguém que acredita na teoria da evolução e no naturalismo está acreditando em algo contraditório Mais precisamente o evolucionista não pode sensatamente acreditar no naturalismo Um dos argumentos mais interessantes e sofisticados desenvolvidos na filosofia da religião contemporânea é do filósofo Alvin Plantinga o chamado Argumento Evolucionário contra o Naturalismo Primeiro precisamos lembrar qual é o conceito de naturalismo Plantinga entende por naturalismo a ideia de que não há tal pessoa como Deus nem qualquer coisa que seja parecido com uma divindade Como afirma Ritchie 2012 p 12 os naturalistas se opõem ao sobrenatural Eles negam a existência de fantasmas duendes deuses e outras entidades assombrosas De acordo com Carl Sagan o cosmo é tudo o que existiu existe ou existirá SAGAN 2017 p 30 Neste sentido o naturalismo é uma crença mais forte que o ateísmo pois o que se está a negar não é apenas a existência de uma divindade Como vimos o ateísmo é a negação da existência de Deus o ateu é aquele que afirma que a proposição Deus não existe é verdadeira Mas o naturalismo é uma posição mais forte que o ateísmo de modo que é possível ser ateu sem ser naturalista é possível ser ateu e acreditar na Mente dos estoicos ou em um espírito sobrenatural ou ainda em uma alma imortal mas não é possível ser naturalista sem ser ateu Assim como lembra Plantinga em um debate com Tooley 2014 p 32 o naturalismo afirma que não há Deus mas também não existe espíritos vagando livremente nem anjos nem fadas não há demônios nem entidades não existe o Mundo das Ideias nem o Motor Imóvel nem o Absoluto não existe o atma do monismo panteísta oriental nem outras dimensões esotéricas da Nova Era O cosmo material é a realidade fundamental em última instância não há possibilidade de qualquer ser transcendente nem de transcender a realidade material pois ela é tudo que existe Uma clássica definição de naturalismo foi dada por Bertrand Russell Que o homem seja produto de causas que não o tinham previsão do fim que realizavam que sua origem crescimento suas esperanças e temores seus amores e suas crenças não passam do resultado das combinações acidentais de átomos RUSSELL 1977a p 5657 Por que essa definição de naturalismo nos interessa aqui A ideia básica de Russell é que o ser humano é produto de causas que nas palavras dele não o tinham qualquer previsão da finalidade que estavam atingindo se isso é verdade para o ser humano é verdade também para nossas faculdades cognitivas elas não foram projetadas para adquirirmos crenças verdadeiras mas devem sua origem e os produtos que ela gera ao resultado de arranjos acidentais de átomos Neste caso e isso é essencial ao naturalismo o Universo descrito por Russell opera de acordo com os princípios materiais e não por intervenção divina não há nenhum sábio autor da natureza providenciando o bom andar das coisas nem muito menos o Universo vem de uma mão paternal tudo na natureza é fruto de processos aleatórios físicoquímicos que acontecem dentro do cosmo sem qualquer tipo de governo providencial Plantinga 2018b p 273274 nos lembra que essa é uma crença amplamente aceita pelos naturalistas a saber que nossas faculdades cognitivas são produtos de processos evolutivos tal como descrito pela teoria da evolução Nosso cérebro e nossa impressionante mente são frutos diretos da seleção natural toda a complexidade organizada surgiu a partir da mente de símios e estes últimos a partir de criaturas cronologicamente anteriores sem nenhuma orientação deliberada Como afirma Carl Sagan 152 Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo CRESCER Poderosas forças seletivas estavam em jogo para produzir organismos com graça e agilidade visão binocular acurada habilidades manipulativas versáteis soberba coordenação oculomanual e uma concepção intuitiva da gravitação newtoniana Cada uma dessas habilidades entretanto exigia consideráveis O problema apontado por Plantinga é que esse naturalismo evolucionista parece nos conduzir a um tipo de ceticismo profundo e penetrante mais precisamente ele parece nos levar à conclusão de que nossas faculdades cognitivas eg memória percepção introspecção etc não são confiáveis a fim de produzir uma preponderância de crenças verdadeiras sobre crenças falsas Pois se alguém acredita no naturalismo e na teoria contemporânea da evolução ao mesmo tempo seguese que ele acredita que a seleção natural está exclusivamente preocupada com nossa sobrevivência como vimos em Dawkins e isso diz respeito também às nossas faculdades cognitivas elas foram geradas não para obter crenças verdadeiras sobre o mundo mas para dar conta de que o Homo sapiens alcance as quatro capacidades biológicas citadas acima alimentação fuga luta e reprodução Se tal adaptação gera crenças verdadeiras ou não não é a preocupação da seleção natural O conteúdo da crença do ponto de vista da evolução é completamente irrelevante para que esses desafios sejam superados Para colocar de modo mais claro por Churchland Assim dada a teoria da evolução e o naturalismo nossa mente não tem por objetivo a produção de crenças verdadeiras ou a produção de um aparato cognitivo confiável para a obtenção da verdade mas a produção de comportamento adaptado Ou para colocar de outro modo a evolução garante no máximo que nosso comportamento seja de certa maneira não garante que nosso aparato cognitivo produza crenças verdadeiras E o fato de o Homo sapiens ter sobrevivido e evoluído garante no máximo que o nosso comportamento foi bemsucedido para esse objetivo específico não garante que os nossos processos de produção de crenças sejam confiáveis É possível que as crenças geradas por tal processo sejam verdadeiras mas não há nenhuma razão para pensar que sejam Uma crença pode ser completamente falsa eg dada a cosmovisão naturalista a ideia de que Deus existe mas se ela ajuda na sobrevivência então será favorecida pela seleção natural A seleção natural não guiada não se preocupa minimamente com seu conteúdo Por isso mesmo naturalistas como Thomas Nagel haviam percebido o potencial cético trazido pela teoria da evolução em conjunto com o naturalismo Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo 153 CRESCER avanços na evolução dos cérebros e particularmente do neocórtex de nossos ancestrais A inteligência humana fundamentalmente deve muito aos milhões de anos em que nossos ancestrais pularam de galho em galho no alto das árvores SAGAN 1987 p 59 Em essência o sistema nervoso possibilita ao organismo ter êxito em quatro aspectos alimentação fuga luta e reprodução A principal tarefa do sistema nervoso é fazer com que as partes do corpo estejam onde devem estar para que o organismo possa sobreviver Qualquer melhora no controle sensóriomotor conferem uma vantagem evolutiva um estilo mais elegante de representar essas coisas só é vantajoso caso se atrele ao modo de vida do organismo e aumente suas chances de sobrevivência A verdade seja ela qual for fica em definitivo em segundo plano CHURCHLAND 1987 p 548 Grifos da autora Se chegássemos a acreditar que nossa capacidade cognitiva de criar teorias objetivas é produto da seleção natural tal coisa justificaria manter um sério ceticismo quanto a seus resultados quando estes ultrapassassem um âmbito muito restrito e conhecido NAGEL 2004 p 130 Plantinga 2018b p 278 cita uma carta em que o próprio autor da teoria da evolução demonstrou algum tipo de preocupação sobre este assunto Nas palavras de Darwin É claro que se a evolução foi guiada por um Deus bom e sábio então não é preciso se preocupar com tal questão Pois como afirma Plantinga 2018b p 276 da perspectiva do teísmo o natural é pensar que nossas faculdades de fato são confiáveis na maioria das vezes pelo menos em uma larga faixa de seu espectro de operação E isto porque uma vez que no teísmo Deus nos criou à sua imagem então mesmo que ele tenha nos moldado por meios evolucionários empregando a seleção natural e a mutação ele presumivelmente queria que nós parecêssemos com ele na capacidade de conhecer Deste modo a maior parte do que nós acreditamos pode ser verdade mesmo que nossas mentes tenham se desenvolvido a partir daquelas dos animais inferiores Mas o mesmo não é verdade para o naturalismo Assim Plantinga argumenta que 1 A probabilidade de que nossas faculdades cognitivas sejam confiáveis dado o naturalismo e a evolução é baixa Como vimos a evolução não está preocupada com a produção de crenças verdadeiras Mas por que razão dado o naturalismo a probabilidade de a evolução gerar crenças verdadeiras é baixa Plantinga nota que os naturalistas são geralmente também materialistas em relação ao ser humano eles pensam que os seres humanos são objetos materiais com nenhuma alma imaterial ou espiritual ou um self Dessa perspectiva materialista nossas crenças juntamente com o resto da nossa vida mental são causadas ou determinadas por processos neurofisiológicos pelo que acontece no cérebro e no sistema nervoso Nossas crenças seriam acontecimentos ou estruturas neurais presentes no cérebro ou no sistema nervoso Além disso essa neurofisiologia também causa o comportamento Como vimos na citação de Bertrand Russell mais acima sua origem crescimento suas esperanças e temores seus amores e suas crenças não passam do resultado das combinações acidentais de átomos De acordo com esta perspectiva vamos pensar sobre nossas crenças Presumese que esses neurônios disparam sinais elétricos através de sinapses ao longo de terminais neurais recebendo dados de uma parte do sistema nervoso e enviando para outras partes Esses sinais elétricos seguem por meios dos nervos aferentes dos órgãos sensoriais até o cérebro de lá alguns processos continuam de modo que impulsos elétricos caminhem via nervos eferentes do cérebro para outros órgãos incluindo músculos em resposta a estes sinais certos músculos se contraem assim causando movimento e comportamento Todo esse processo terá duas propriedades uma propriedade eletroquímica ou neurofisiológica e um conteúdo A primeira propriedade diz respeito à estrutura física que gera a crença a conexão entre os neurônios os impulsos elétricos correndo pelas várias partes do cérebro e os sinais de comunicação entre outros além disso se o evento em questão for uma crença então temos a segunda propriedade a saber um conteúdo A 154 Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo CRESCER Sempre surge em mim uma dúvida horrenda quanto a saber se as convicções da mente do homem desenvolvida a partir da mente dos animais inferiores têm algum valor ou são em alguma medida dignas de confiança Quem confiaria nas convicções da mente de um macaco se é que tal mente tem quaisquer convicções crença de que Platão é um filósofo mais sofisticado que Aristóteles tem como conteúdo a proposição Platão é um filósofo mais sofisticado que Aristóteles Essas propriedades de conteúdo são mentais Nesse sentido qual é a relação entre as propriedades físicas por um lado e as propriedades do conteúdo Plantinga prossegue afirmando que a evolução nos diz que nosso comportamento é adaptativo o que significa dizer que desde que os membros de nossa espécie têm sobrevivido e se reproduzido o comportamento de nossos ancestrais foi conduzido no seu meio à sobrevivência e à reprodução Logo seguese que a neurofisiologia que causou este comportamento também era adaptativa e assim permanece até hoje O que a evolução nos diz portanto é que nosso tipo de neurofisiologia promove ou causa comportamento adaptativo o tipo de comportamento que resulta em alimentação fuga luta e reprodução Neste sentido a seleção natural não se preocupa com a verdade ou com a falsidade do conteúdo de nossas crenças a seleção natural opera para selecionar propriedades neurofisiológicas adaptativas O conteúdo que surge daí não precisa ter qualquer relação com o que as estruturas indicam Ele pode ser completamente falso mas se a estrutura neurofisiológica gerada for adaptativa então você sobreviverá e reproduzirá O conteúdo da crença não precisa ser verdadeiro para que o organismo gere o comportamento adaptativo Como afirma Wilson a mente bemadaptada é em última análise um órgão de sobrevivência e reprodução WILSON 2002 p 228 Plantinga 2018b p 288 fornece o exemplo de um sapo sentado sobre uma vitória régia Uma mosca passa por ali e o sapo estende sua língua e a captura Agora suponha que a neurofisiologia que causa tal comportamento também cause crenças nesse sapo Até onde a sobrevivência e a reprodução sejam levadas em conta não importa para o sapo o conteúdo de sua crença as propriedades neurofisiológicas podem causar uma crença verdadeira ou uma crença falsa de fato as propriedades neurofisiológicas em questão podem causar crenças que não têm nada a ver com as circunstâncias presentes da criatura o importante é que no caso do sapo as propriedades neurofisiológicas causem o comportamento adaptativo se ela também causa crença verdadeira ao invés de crença falsa isso é irrelevante Desse modo tome qualquer crença eg Deus existe temos livrearbítrio etc qual a probabilidade de que qualquer dessas crenças seja verdadeira dado que elas foram produzidas por um aparato cognitivo não guiado sob a pressão da seleção natural O que sabemos é que tais crenças têm um certo conteúdo e ter tal crença é adaptativo nas circunstâncias em que nos encontramos Qual é então a probabilidade de que dadas tais circunstâncias o conteúdo da crença seja verdadeiro Para Plantinga dado que a verdade de nossa crença não faz diferença quanto à adaptabilidade do organismo esta poderia efetivamente ser verdadeira mas é igualmente provável que seja falsa o conteúdo é invisível para a seleção natural Neste caso precisamos calcular que a probabilidade de que é verdadeira é mais ou menos a mesma do que a probabilidade de que é falsa Contudo seria muito improvável que o agente em questão tenha faculdades cognitivas confiáveis mais precisamente seria improvável que as faculdades dele produzissem uma preponderância suficiente de crenças verdadeiras em relação às falsas Nas palavras de Plantinga Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo 155 CRESCER Em um grau modesto de exigência podemos dizer talvez que uma faculdade cognitiva confiável deva produzir pelo menos três vezes mais crenças verdadeiras que crenças falsas a proporção de crenças verdadeiras seria então de pelo menos três quartos Se Uma vez que dado o naturalismo não haveria eficácia causal sobre o conteúdo da crença a conclusão retirada é que é extremamente improvável que nossas faculdades cognitivas sejam confiáveis Isso implica que alguém que aceite o naturalismo evolucionista tem um anulador de racionalidade para a crença de que suas faculdades cognitivas são confiáveis Por isso ele não poderia acreditar racionalmente que suas faculdades cognitivas são confiáveis Disso se seguem outras considerações 2 Qualquer um que aceite ou creia no naturalismo e na teoria da evolução e veja que a probabilidade de que suas faculdades cognitivas sejam confiáveis é baixa adquire um anulador à crença de que suas faculdades cognitivas são confiáveis Para entender a força dessa premissa é necessário compreender que não é possível argumentar sensatamente para a confiabilidade de nossas capacidades cognitivas visto que seria preciso confiar na própria faculdade que está em causa Para determinar a confiabilidade de nossa cognição precisamos contar de algum modo com a verdade de que nossa cognição é confiável O problema é que ao contar com tal verdade já assumindo que ela é confiável bem como qualquer dos produtos que ela gere Nesse caso não temos como evitar formar crenças confiáveis de modo a pressupor a confiabilidade de nossas faculdades cognitivas No caso do naturalista certamente ele não poderia deixar de acreditar que suas faculdades cognitivas são confiáveis contudo sua crença seria irracional E aqui temos a terceira premissa a saber se o naturalista possui um anulador para a confiabilidade de suas faculdades cognitivas ele também tem um anulador para qualquer crença que sejam produzidas por estas faculdades isto é para todas as suas crenças Se ele não pode confiar nas suas faculdades cognitivas ele tem uma razão para não confiar nas crenças geradas por ele Ele está portanto enredada num ceticismo profundo e penetrante Além disso seria muito difícil construir um outro anulador que anulasse essa consequência pois quem construísse tal anulador estaria pressupondo que suas faculdades cognitivas são confiáveis Esse anulador portanto não pode ser anulado Assim 156 Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo CRESCER assim for então a probabilidade de que suas faculdades produzem preponderância de crenças verdadeiras sobre falsas exigidas pela confiabilidade é muito pequena Levandose em conta mil crenças independentes por exemplo a probabilidade nessas condições de que três quartos delas sejam verdadeiras será de menos de 1058 E se eu mesmo estou executando um modesto estabelecimento epistêmico de apenas cem crenças a probabilidade de três quartos delas serem verdadeiras considerando que a probabilidade de qualquer uma delas ser verdadeira é de 50 é muito baixa da ordem de 000001 PLANTINGA 2018b p 292 3 Quem quer que tenha se deparado com um anulador de que suas faculdades cognitivas são confiáveis deparouse com um anulador de qualquer outra crença que pense ter inclusive do naturalismo e da evolução Logo se temos um anulador para a confiabilidade de nossas faculdades cognitivas temos um anulador para qualquer crença produzida por tais faculdades Contudo uma dessas crenças é o próprio naturalismo evolucionista de modo que ela também é anulada pois foi gerada por faculdades cognitivas não confiáveis Portanto o naturalismo evolucionista é autorrefutante de modo que não é possível racionalmente aceitálo Assim 4 Se quem aceita o naturalismo e a teoria da evolução adquire assim um anulador para as duas crenças pois elas anulam a si mesmas e não podem ser racionalmente aceitas No argumento de Plantinga mesmo que o naturalismo e a teoria da evolução sejam verdadeiros é irracional sustentálos Deste modo o argumento não diz respeito à falsidade do naturalismo evolucionista mas para a conclusão de que não se pode racionalmente acreditar em ambos A evolução portanto é incompatível com o naturalismo e nesse sentido você não pode racionalmente acreditar nos dois Nas palavras de Plantinga Argumento Evolucionário Contra o Naturalismo 157 COMPARTILHAR Se eu rejeitar o teísmo a favor do naturalismo comum e se vir também que PRN é baixa ou inescrutável terei um anulador de qualquer crença minha Nesse caso se eu formar crenças racionalmente não sustentarei qualquer crença com suficiente firmeza para constituir conhecimento O mesmo acontece se eu for meramente agnóstico quanto à minha origem e à origem das minhas faculdades cognitivas Assim a rejeição da crença teísta não produz automaticamente o ceticismo muitas pessoas que não acreditam em Deus sabem muitas coisas Contudo isso é assim apenas porque não pensam com rigor nas consequências dessa rejeição Quando o fazem perdem o conhecimento que tinham esse é consequentemente outro daqueles casos em que quando aprendemos algo passamos a saber menos PLANTINGA 2018b p 253 Nesta aula você Entendeu o conceito de naturalismo Analisou o argumento evolucionário contra o naturalismo desenvolvido por Alvin Plantinga Entendeu por que não se pode aceitar racionalmente a teoria da evolução e o naturalismo PLANTINGA Alvin Evolução vs Naturalismo Porque eles são como água e óleo Disponível em httpsteismocristaowordpresscom20120824evolucao vsnaturalismo PARA CRESCER MAIS 158 O Problema Lógico do Mal módulo 13 Olá Um dos argumentos mais tradicionais contra a existência de Deus é o chamado problema do mal Afirmase que a existência de um Deus totalmente bom e todopoderoso é incompatível com a realidade do mal em nosso mundo Mas será que isso é verdade Será que estamos diante de uma inconsistência lógica Nesta lição vamos analisar o chamado problema lógico do mal Além disso analisaremos também a resposta bemsucedida que o filósofo cristão Alvin Plantinga forneceu para tal dilema através da sua defesa do livrearbítrio Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Perceber que é possível provar uma afirmação negativa Compreender em que consiste o problema lógico do mal Analisar a possível inconsistência entre Deus e o mal bem como a defesa do livrearbítrio de Alvin Plantinga Bons estudos 159 CONECTAR É muito comum ler em fóruns da internet ou em debates entre teístas e ateístas que não se pode provar uma negativa Mais precisamente a ideia é que não se pode provar que algo não existe Geralmente tal coisa é colocada como se fosse um princípio lógico bemestabelecido A filósofa Ayn Rand disse certa vez em uma entrevista que não se pode provar o inexistente é questão de raciocínio lógico8 A implicação dessa ideia seria que ninguém pode provar que Deus não existe Por isso não faria sentido apresentar argumentos contra a existência de Deus Com isso os ateístas pensam que se livraram do ônus da prova pois isso significaria que eles não podem provar o seu lado ie Deus não existe Logo o ônus da prova estaria com o teístas em apresentar razões para pensar que Deus existe Contudo essa linha de raciocínio de Ayn Rand e do ateísmo popular é falsa pois é possível provar uma negativa Em primeiro lugar existem muitas provas de afirmações negativas na matemática nas ciências naturais na lógica na história na economia na filosofia entre outras áreas do conhecimento É possível provar que dinossauros não existem que não há um elefante na sala que não há um círculo quadrado que não há nenhum adventista no Congresso Nacional que não há um planeta entre a Terra e Marte ou ainda que não há o maior número primo Todas essas afirmações são negativas e todas elas são passíveis de serem provadas Dois modos de buscar provar que uma afirmação negativa é demonstrar que o conceito do objeto em questão é logicamente incoerente eg não existem círculos quadrados ou por observação direta eg não existem dinossauros vivos na cidade de SousaPB No caso da crença em Deus ateus podem tentar apresentar razões contra a existência de Deus ou razões para pensar que o conceito de Deus não faz sentido e é contraditório Em segundo lugar como afirma o ateu Richard Carrier 2014 não existe realmente algo como uma proposição puramente negativa porque toda negação está vinculada a uma afirmação e viceversa Mais precisamente a ideia de Carrier é que cada afirmação positiva implica também afirmações negativas assim como afirmações negativas implicam afirmações positivas Se eu afirmo que dinossauros não existem em SousaPB isto pode implicar um conjunto de afirmações positivas como por exemplo a de que os dinossauros foram extintos há muito tempo ou de que existem apenas fósseis de dinossauros em SousaPB Assim Carrier afirma que para cada conjunto A há um conjunto NãoA e viceversa de modo que cada negação resulta numa afirmação e viceversa E no caso de testar a existência de uma negativa sobre os dinossauros em SousaPB há um modo relativamente direto suponha que você quer saber se existe um argentinossauro na cidade de SousaPB um tipo de dinossauro com 35 metros de comprimento 20 metros de altura e que pesa entre 60 e 90 toneladas Para testar tal proposição negativa como a de que não existe argentinossauro em SousaPB só precisamos procurar tal animal pela cidade pois havendo argentinossauro em SousaPB isso implicaria que veríamos tal animal gigante quando procurássemos se depois de uma procura minuciosa não conseguíssemos encontrálo saberíamos que a proposição não existe argentinossauro em SousaPB é verdadeira e assim teríamos provado uma negativa No caso da crença em Deus o filósofo ateu Kerry Walters afirma O Problema Lógico do Mal 8 Entrevistas a Ayn Rand Deus não existe Disponível em httpswwwyoutubecomwatchv4KKZ5pVWxiEabchannelMigueldoChapC3A9u 160 O Problema Lógico do Mal CONECTAR Além disso em um debate formal o ônus da prova se encontra com quem faz a reivindicação Como afirma Walters 2015 p 38 o bom senso exige que toda pessoa que afirma uma opinião tenha o ônus de defender essa opinião É claro que algumas afirmações negativas podem ser impossíveis de serem provadas talvez seja impossível provar que um indivíduo chamado Oséias não escutou o sermão do monte e não viveu no tempo de Jesus contudo o fato de que algumas coisas sejam impossíveis não significa que tudo é impossível Ainda de acordo com Walters 2015 p 99 Grifos do autor para o cético prudente não basta apenas demonstrar que os argumentos teístas a favor da existência de Deus são ilícitos É também necessário expor argumentos positivos contra a existência de Deus Ao longo da história da Filosofia os ateus forneceram alguns argumentos contra a existência de Deus Nos próximos módulos vamos analisar criticamente alguns deles Simplesmente não é verdade que a posição ateísta é sempre de negação em vez de asserção O ateísmo positivo ativamente declara a inexistência de Deus Isso é assumir uma posição definitiva e como tal razoavelmente exige alguma defesa O ateísmo e também o teísmo em última instância baseiam se em visões do mundo muito diferentes que fazem afirmações específicas e fortes sobre a natureza da realidade WALTERS 2015 p 3839 É falsa a ideia de que um ateu não poderia provar que Deus não existe Por isso se quiserem reafirmar sua posição os ateus precisam assumir a responsabilidade de procurar fornecer razões contra a existência de Deus PARA REFLETIR O Problema Lógico do Mal 161 CRESCER Neste módulo vamos analisar aquele que talvez seja o argumento mais forte contra a existência de Deus o chamado problema do mal Para Walters 2015 p 114 boa parte da força deste argumento se deve porque focaliza um fenômeno sofrimento que está pessoalmente próximo de todos os seres humanos O problema do mal é uma preocupação que assola tanto ateus quanto teístas pois é inegável que há uma quantidade devastadora de mal no mundo Os filósofos geralmente dividem o problema do mal em dois tipos o problema do mal natural e o problema do mal moral Há assim males naturais como terremotos maremotos e doenças contagiosas No dia 26 de dezembro de 2004 um terremoto de magnitude 91 atingiu o mar no norte da Indonésia dando origem a um enorme tsunami que varreu o Oceano Índico matando cerca de 230 mil pessoas a maioria na Indonésia Esse tipo de mal não tem origem nas açõesomissões de agentes morais como nós mas são provenientes do mundo natural Como se não bastassem os males relativos ao mundo natural há também aqueles provenientes da perversidade humana Estes são classificados como mal moral Tais tipos de males referemse ao mal causado por ações ou omissões de agentes morais tais como o assassinato o estupro e a tortura A história humana está repleta de abominações morais horrorosas deste tipo como a escravidão brasileira o genocídio armênio o campo de concentração de Auschwitz o holodomor soviético entre outros A natureza pavorosa do mal no mundo é de tal ordem que em um dos seus diálogos David Hume x 14 p 105 afirma que todos os bens da vida reunidos não fariam um homem verdadeiramente feliz mas todos os males reunidos de fato fariam um desgraçado Essa constatação de que o mundo contém estados de coisas terríveis e pavorosas constitui uma das mais fortes razões contra a existência de Deus O problema do mal constitui algo tão inquietante que levou várias pessoas ao longo dos anos a duvidar da bondade de Deus ou mesmo a perder a própria fé Em debate com NT Wright o historiador e teólogo Bart Ehrman explica a razão de ter deixado de acreditar em Deus e na fé cristã Há cerca de nove ou dez anos atrás eu vim perceber que eu simplesmente não acreditava mais na mensagem cristã Grande parte do meu afastamento da fé aconteceu por causa de minhas reflexões em relação ao sofrimento Eu simplesmente não conseguia mais abraçar a visão que eu considerava ser essencial à fé cristã de que Deus era ativo no mundo que ele respondia orações que ele intervinha no mundo de acordo com sua fidelidade que ele trouxe salvação no passado e que no futuro no eschaton ele endireitaria tudo o que estava errado que ele vindicaria seu nome e seu povo e que traria um novo reino seja na nossa morte ou aqui em uma Terra de existência futura utópica Nós vivemos em um mundo no qual uma criança morre a cada cinco segundos por não ter o que comer Cinco segundos A cada minuto vinte e cinco pessoas morrem por não ter água potável para beber A cada hora 700 pessoas morrem de malária Onde está Deus nisto tudo Nós vivemos em um mundo no qual terremotos no Himalaia matam 50 mil pessoas e deixam 3 milhões semteto à beira do inverno Nós vivemos em um mundo onde um furacão destrói Nova Orleans Onde um tsunami mata 300 mil pessoas em uma gigantesca inundação Onde milhões de crianças nascem com defeitos de nascimento horríveis E onde está Deus Dizer que ele algum dia vai endireitar tudo o que está errado me parece agora ser puro wishful thinking EHRMAN WRIGHT 2008 p 67 Com base em tais males podese construir um raciocínio contra a existência de Deus Pois se Deus existe então ele sabe da existência de tais males uma vez que ele é onisciente Deus também tem o poder para os eliminar ou prevenir tais males dada a sua onipotência além disso um Deus bom não quer ou não deseja tais brutalidades Contudo tais males pavorosos como os descritos por Ehrman não são eliminados ou prevenidos eles são uma realidade do nosso mundo Assim isso parece constituir uma razão para acreditar que não há tal pessoa como Deus De modo conciso esse é o chamado problema do mal o teísmo afirma que Deus é um ser completamente bom e todopoderoso ao mesmo tempo nosso mundo possui uma quantidade assombrosa de males dos mais diversos tipos Alguns filósofos afirmam que esse tipo de crença teísta específica juntamente com os fatos sobre o mal são incompatíveis contraditórios de forma que ou é verdade que há tais males existem ou que existe um Deus bom e onipotente Como é óbvio que o mal existe seguese que Deus não existe Nas palavras de Hume Assim pensa Hume se Deus é tão benevolente como afirma o teísmo a existência do mal constituiria uma prova da não existência de Deus Para Hume tal problema colocaria o teísta em um dilema chamado de Dilema de Epicuro pois ele foi formulado pela primeira vez pelo filósofo grego Epicuro é a divindade desejosa de prevenir o mal mas incapaz Então é impotente É capaz mas não é desejosa Então é malevolente É capaz e desejosa ao mesmo tempo Donde vem então o mal HUME x 25 p 109 A pergunta retórica de Hume aqui resume a problemática se Deus é bom ele quer acabar com o mal se Deus é todopoderoso ele pode acabar com o mal Assim se Deus quer e se Deus pode de onde vem então o mal O filósofo J L Mackie afirma que esse problema do mal se corretamente formulado mostraria um argumento contra a existência de Deus O problema lógico do mal O problema do mal se divide em uma imensa variedade de tipos Nesta disciplina vamos estudar dois deles O primeiro que iremos analisar neste módulo foi apontado aqui por Mackie ele é chamado de problema lógico do mal o outro tipo será estudado no próximo módulo o problema evidencial do mal Grosso modo o problema lógico do mal afirma que há uma contradição lógica entre as seguintes três afirmações 162 O Problema Lógico do Mal CRESCER Afinal isso não é de jeito nenhum o que esperamos do poder infinito sabedoria infinita e bondade infinita Por que há alguma miséria no mundo Certamente não por acaso Por alguma causa então É pela intenção da Deidade Mas ela é perfeitamente benevolente É contrária à sua intenção Mas ela é toda poderosa Nada pode abalar a solidez deste raciocínio tão curto tão claro tão decisivo HUME x 34 p 112 Penso que uma crítica mais efetiva pode ser feita por meio do tradicional problema do mal Então não se mostrará que as crenças religiosas carecem de uma base racional mas sim que elas são decisivamente irracionais que as várias partes da doutrina teológica fundamental são inconsistentes entre si de tal modo que o teólogo só pode manter inteiramente a sua posição por meio de uma rejeição mais radical do que aquela no caso anterior MACKIE 2013 p 38 1 Deus é onipotente 2 Deus é totalmente bom 3 O mal existe Mais precisamente o problema que Mackie aponta é que parece haver uma contradição irreconciliável entre essas três proposições de tal modo que se duas delas forem verdadeiras sejam elas quais forem então a terceira será falsa Mais especificamente a afirmação de Mackie é que essas três crenças são inconsistentes Baggini Fosl 2012 p 33 afirmam que uma pessoa sustenta crenças inconsistentes quando uma crença contradiz outra ou quando as crenças em questão mantidas conjuntamente implicam contradição ou oposição No caso de Mackie seu ponto é que não é possível que essas três proposições sejam verdadeiras ao mesmo tempo Assim não é possível racionalmente aceitar essas três afirmações como fazem a maioria dos teístas Logo o Dilema de Epicuro tal como interpretado por Mackie colocaria que ou Deus é totalmente bom ou onipotente ou o mal existe E uma vez que o mal existe então ou Deus não é totalmente bom ou não é onipotente e um teísta que dá adesão a todas as três ao mesmo tempo não pode fazêlo de modo consistente MACKIE 2013 p 39 Contudo do jeito que se encontra Mackie reconhece que ainda não temos uma contradição lógica explícita Para ele precisamos de algumas premissas adicionais ou talvez de algumas regras quase lógicas conectando os termos bem mal e onipotente MACKIE 2013 p 39 Por isso Mackie faz o seguinte acréscimo a fim de explicitar no argumento uma possível contradição 1 Deus é onipotente 11 Não há limites ao que um ser onipotente pode fazer 2 Deus é totalmente bom 21 Uma coisa boa elimina sempre o mal na medida em que pode fazêlo 3 O mal existe Mackie afirma que o teísta aqui se contradiz Vamos chamar essas cinco afirmações de conjunto A Mas terá Mackie razão Será que o conjunto A demonstra logicamente que o mal e a existência de Deus tal como o Deus cristão são logicamente irreconciliáveis Uma das respostas mais significativas para esse desafio foi fornecida pelo filósofo cristão Alvin Plantinga 2012 Dentro da filosofia analítica da religião é aceito que Plantinga conseguiu reconhecidamente apresentar uma bemsucedida tentativa de mostrar que a existência do mal não é inconsistente com a existência de um ser onipotente totalmente bom e onisciente Como Plantinga conseguiu responder a tal desafio Lembrese que estamos analisando o problema lógico do mal o ateísta está afirmando que há uma inconsistência entre um Deus bom e todopoderoso e a existência do mal Isso significaria que o conjunto A é necessariamente falso Mas o que significa dizer que algo é necessariamente verdadeiro ou necessariamente falso Baggini Fosl 2012 explicam de modo didático O Problema Lógico do Mal 163 CRESCER Asserções que são sempre verdadeiras em todos os casos infalivelmente são asserções necessárias Simplesmente não é possível que asserções que são necessariamente verdadeiras sejam falsas e que asserções que são necessariamente falsas sejam verdadeiras Baggini Fosl 2012 p 198 Grifos do autor Ou seja para que o conjunto A possa ser inconsistente todas as suas premissas precisam ser necessariamente verdadeiras ou seja as proposições que formam o conjunto A precisam mostrar que em todos os contextos e em todas as situações elas sempre se mostram verdadeiras Se houver alguma situação em que uma proposição do conjunto A se mostre falsa então o problema da inconsistência lógica desaparece pois se teria demonstrado que ela não é necessariamente verdadeira Parte do trabalho de Plantinga foi demonstrar que há situações em que proposições do conjunto A não são necessariamente verdadeiras Há uma contradição entre Deus e o mal O ateu afirma que um Deus totalmente bom e todopoderoso é incompatível com o mal Neste caso lembrese de que Mackie afirma que o que caracteriza o conjunto A é o fato de ele ser inconsistente Contudo a análise rigorosa de Plantinga mostra que tal inconsistência é falsa Para vermos isso vamos começar analisando a seguinte proposição 11 Não há limites ao que um ser onipotente pode fazer Mas será mesmo que essa proposição é necessariamente verdadeira Plantinga afirma que não Como vimos no módulo 1 um ser onipotente é aquele que é sumamente poderoso Contudo isso não significa que não haja limites ao que ele pode fazer As Escrituras por exemplo afirmam que Deus não pode mentir Hb 618 que Deus não pode mudar ou ser mudado Tg 117 nem pode negarse a si mesmo 2 Tm 213 Por isso é um ensino cristão comum desde São Tomás de Aquino que o atributo da onipotência significa que Deus pode fazer apenas o que é logicamente possível neste caso Deus não pode fazer um quadrado redondo ou fazer um solteiro casado De acordo com Plantinga Alguns teístas como Martinho Lutero afirmaram que Deus pode fazer qualquer coisa inclusive dar origem a um estado de coisas contraditórias pois o poder de Deus não teria qualquer limite Mas há dois problemas com essa ideia A primeira é que ela é incoerente pois afirma que Deus pode dar origens a estado de coisas que não têm qualquer sentido lógico como fazer alguém existir e não existir ao mesmo tempo Segundo tal ideia é teologicamente problemática pois se como os teístas têm afirmado tradicionalmente a lógica procede da natureza racional de Deus se Deus pudesse dar origem a um estado de coisas contraditórias ele estaria negandose a si mesmo algo que a Escritura afirma ser impossível 2 Tm 213 Alguém pode objetar sobre os milagres pois não é verdade que Deus faz o impossível como dar vista aos cegos fazer da estéril mãe de filhos ou ressuscitar mortos Sim Deus fez essas coisas ao longo da história mas elas não são logicamente impossíveis 164 O Problema Lógico do Mal CRESCER Esses teólogos e filósofos podem sustentar que não há limites não lógicos ao que um ser onipotente pode fazer mas concedem que nem mesmo um ser onipotente pode dar origem a um estado de coisas logicamente impossíveis nem fazer proposições necessariamente falsas serem verdadeiras PLANTINGA 2012 p 31 Grifos do autor Aqui é preciso fazer a distinção entre a impossibilidade lógica e a impossibilidade física Como explica Baggini Fosl 2012 Assim quando se afirma que Deus faz o impossível numa discussão filosófica é preciso saber exatamente o que se quer dizer pelo termo impossível Pois há coisas que são impossíveis para nós seres humanos ou que são fisicamente impossíveis como aponta Baggini e Fosl mas não são logicamente impossíveis De qualquer modo a proposição não há limites ao que um ser onipotente pode fazer não é necessariamente verdadeira Mas e quanto à proposição 21 Será que ela é necessariamente verdadeira Lembrese 21 Uma coisa boa elimina sempre o mal na medida em que pode fazêlo Plantinga 2012 p 32 mostra um contraexemplo que afirmaria que a proposição 21 não é necessariamente verdadeira Suponha por exemplo que você tem um amigo chamado Paulo que está dirigindo numa estrada deserta extremamente fria 10º No meio do caminho Paulo fica sem telefone e sem gasolina Você está perto dali mas em casa com gasolina extra para emergência e aquecido de modo confortável Você também tem um carro que pode ajudar Paulo O perigo de Paulo é um mal um mal que você poderia eliminar mas você não sabe disso Assim você não perde com isso o direito de ser alguém bom pois você apenas não sabia do apuro de Paulo Ora como vimos mais acima se houver alguma situação em que a proposição 21 se mostre falsa então ela não é necessariamente verdadeira Plantinga deu um exemplo de tal situação Logo não é uma verdade necessária que uma coisa boa elimina sempre o mal na medida em que pode fazêlo Contudo talvez Mackie possa rever a premissa 21 pois Deus não tem a limitação da falta de conhecimento exibida pelo contraexemplo de Plantinga Assim Plantinga 2012 p 33 reformula a premissa de Mackie a fim de que ela fique mais forte Antes de apresentar a reformulação você pode estar se perguntando mas não basta Plantinga já ter demonstrado que a premissa 21 não é uma verdade necessária Por que ele precisa fortalecer o argumento de Mackie fazendo algo que o próprio Mackie não fez Isso não seria ajudar a causa dos ateus Plantinga é um filósofo cristão e seu compromisso é para com a verdade Logo não interessa a ele demonstrar meramente a fragilidade do argumento de Mackie como alguém realmente interessado na verdade ele quer mostrar que mesmo que o argumento de Mackie possa ser fortalecido ainda assim o conjunto A não é logicamente O Problema Lógico do Mal 165 CRESCER Algo é logicamente possível desde que não contenha nenhuma contradição ou de modo mais geral desde que não viole as regras da lógica Por exemplo um círculo quadrado é logicamente impossível pois tal conceito é uma contradição em termos Mas um porco voador não é logicamente impossível pois não há nada nos conceitos de porco e de algo que voa que torne a ideia de porco voador incoerente Isso explica por que você pode ver um filme de ficção no qual um porco voa mas não um filme no qual não há um círculo quadrado Quando porém pensamos no que é impossível normalmente não pensamos somente no que é logicamente impossível Temos uma outra ideia de possibilidade que poderíamos chamar de possibilidade física Algo é fisicamente possível se não contradiz nenhuma lei natural quer haja ou não tecnologias ou meios para leválo a efeito no momento BAGGINI FOSL 2012 p 252253 inconsistente E como poderia ser tal reformulação 22 Toda coisa boa elimina sempre todo o mal de que tem conhecimento e que pode eliminar Como 21 não se mostrou logicamente inconsistente Plantinga a reformula para a premissa 22 Neste caso a premissa se aplica melhor a Deus especificando que Deus tem conhecimento de todo o estado de coisas mau Contudo será que 22 é uma verdade necessária Ou seja será que 22 é uma verdade em todos os contextos e em todas as situações Plantinga mostra que não Pois suponha que você sabe que Paulo está isolado mas também sabe de outro amigo seu Tiago que está isolado numa situação semelhante mas a 80km na direção oposta Suponha também que apesar de você saber da situação dos dois e poder salvar um ou outro deles não pode salvar ambos Assim a situação de Paulo e de Tiago são dois males Cada um desses males é tal que você pode eliminar e que você tem conhecimento de ambos mas não pode eliminar ambos Logo o fato de você escolher um deles não significa que você não seja uma pessoa boa Assim 22 não é necessariamente verdadeiro e por isso não pode ser usado para mostrar que o conjunto A é contraditório Podese então revistar mais uma vez tal premissa dando ela outra formulação a fim de tornála mais forte 23 Um ser bom elimina todo o mal de que tem conhecimento e que pode eliminar sem dar origem a um mal maior ou sem eliminar um estado de coisas bom que supere tal maldade Será que 23 é necessariamente verdadeiro Plantinga demonstra que também não Pois eliminar apropriadamente um mal significa a possibilidade de eliminar esse mal sem dar origem a um estado de mal maior Contudo é possível que uma pessoa se encontre numa situação tal em que poderia eliminar apropriadamente um mal poderia eliminar apropriadamente um segundo mal mas não pode eliminar apropriadamente ambos Pois suponha que Paulo e Tiago estão escalando uma montanha Por um descuido os dois ficam presos e uma tempestade perigosa se aproxima Você tem tempo para salvar apenas um dos dois montanhistas antes de a tempestade chegar Você pode eliminar apropriadamente um mal salvar Paulo sem dar origem a um mal maior não salvar nenhum dos dois Assim o fato de você não salvar Tiago não significa que você não é bom Neste caso cada um dos males é tal que você pode eliminar apropriadamente salvando um ou outro mas não pode eliminar apropriadamente ambos e assim não pode ser acusado de não eliminar um deles Até aqui nem 21 22 ou 23 se mostraram necessariamente verdadeiros Mas Plantinga 2012 p 35 lembra que você pode achar todos esses exemplos irrelevantes no caso de um ser como Deus pois Deus é onipotente e onisciente Assim Deus poderia salvar tanto Paulo quanto Tiago Ainda assim isso não é relevante para nosso contexto pois lembrese que para que o conjunto A seja contraditório é preciso que 21 22 ou 23 sejam verdades necessárias E os exemplos de Plantinga demonstram que há situações em que 21 22 ou 23 se mostram falsos Assim Mackie precisa fazer outra reformulação 24 Se Deus é onisciente e onipotente então pode eliminar apropriadamente todo o estado de coisas mau 166 O Problema Lógico do Mal CRESCER Finalmente será que 24 é uma verdade necessária Plantinga também mostra que não Pois poderia haver condições em que um ser onipotente pode ser incapaz de eliminar um dado mal sem eliminar um bem que o supere Assim suponha que exista um mal que está incluído de tal forma em um estado de coisas bom que supere este mal Suponha por exemplo que Paulo sofra uma pequena escoriação que seja levemente incômoda e suponha que dessa escoriação surja um bem a felicidade eterna de Paulo Logo a escoriação e a sua felicidade eterna juntas é um estado de coisas bom Assim é melhor que Paulo sofra uma leve escoriação e tenha a vida eterna Mas a escoriação não deixa de ser um mal e é ainda uma verdade necessária que se Paulo tem a vida eterna e Paulo sofre uma escoriação Paulo sofre ainda um mal a escoriação Um ponto importante apontado por Plantinga 2012 p 38 é que certos tipos de valores certos tipos comuns de bons estados de coisas não podem existir sem um mal de um gênero qualquer Pense por exemplo numa situação de heroísmo Neste caso o mal continua a ser um mal mas o estado de coisas geral uma mulher que se sacrifica pelo seu bebê de modo admirável pode ser bom Se for então o bem presente supera o mal Mas nesse caso não é possível que exista tal estado de coisas bom a menos que algum mal também exista Assim 24 não é necessariamente verdadeiro Defesa do livrearbítrio Revisitando o que vimos até agora os ateus geralmente afirmam que o conjunto A possui uma contradição Ou seja há uma inconsistência lógica em afirmar que Deus é onipotente Deus é todopoderoso e que o mal existe Contudo uma vez que a contradição não aparece claramente Mackie buscou acrescentar algumas premissas que procuraram mostrar que o conjunto A é inconsistente Mas mesmo com a reformulação das premissas do argumento de Mackie vimos que não é possível derivar do conjunto A uma contradição Mas Plantinga vai além ele demonstra não apenas que o conjunto A não é explicitamente contraditório Plantinga 2012 p 40 mostrou que as afirmações de Deus ser onipotente e totalmente bom são perfeitamente compatíveis com a existência do mal Mais precisamente Plantinga formulou um exemplo de um estado de coisas ou uma situação em que é possível mostrar que um Deus onipotente e totalmente bom pode ter motivos para permitir o mal Que estado de coisas seria esse Seria um que demonstrasse a consistência do seguinte conjunto 1 Deus é onipotente 2 Deus é totalmente bom 3 O mal existe 4 Deus cria um mundo com mal e tem uma boa razão para fazêlo Neste caso Plantinga 2012 p 4551 apresenta sua defesa do livrearbítrio É importante lembrar que o objetivo de Plantinga não é apresentar que o livrearbítrio é a razão de por que Deus permite o sofrimento Essa é a diferença de uma defesa para uma teodiceia enquanto a teodiceia busca apresentar qual a razão do porquê de Deus permitir o sofrimento uma defesa busca apresentar qual poderia ser a razão de Deus permitir o sofrimento No caso do problema lógico do mal uma vez que o ateu argumenta que é logicamente impossível um Deus bom e todopoderoso permitir o mal Plantinga visa O Problema Lógico do Mal 167 CRESCER refutar tal argumento mostrando apenas que Deus poderia com o livrearbítrio mostrar que tais proposições são compatíveis E para isso ele só precisa mostrar que tal situação de compatibilidade é logicamente possível Como explica William Lane Craig 2010 p 93 para refutar a versão lógica do problema do mal o cristão não tem de sugerir uma solução plausível ou provável tudo o que ele tem de fazer é sugerir uma solução possível Vimos anteriormente que há estados de coisas bons que nem mesmo Deus pode ocasionar sem causar algum mal Por exemplo mesmo Deus sendo onipotente ele não pode ocasionar que a mãe do nosso último exemplo seja uma heroína admirável para com seu bebê sem permitir algum tipo de mal De acordo com Plantinga O ponto importante aqui para a defesa de Plantinga do livrearbítrio é lembrar o que significa ser livre com respeito a uma ação Se uma pessoa for livre com respeito a uma dada ação então ela é livre para realizar ou se abster de realizar tal ação de modo que nenhuma lei causal ou condições anteriores determinam se ela realizará ou não a ação Ser livre com relação à leitura de um livro significa que eu posso ler o livro ou posso me abster de ler o livro nenhuma lei causal ou condições anteriores determinam se vou ou não ler o livro A defesa do livrearbítrio de Plantinga inclui a ideia de ação moralmente significativa Mais precisamente uma ação é moralmente significativa se fosse incorreto para uma pessoa realizar e correto para uma pessoa não realizar Manter uma promessa para uma pessoa é um exemplo de ação moralmente significativa Por fim uma ação é moralmente significativamente livre se numa dada ocasião for livre com respeito a uma ação moralmente significativa Assim dada essas definições Plantinga formula sua defesa do livrearbítrio do seguinte modo Lembrese mais uma vez de que Plantinga está procurando encontrar um estado de coisas ou situação que é consistente com as proposições Deus é totalmente bom Deus é todopoderoso e o mal existe E é relevante ressaltar aqui que para demonstrar tal coisa 168 O Problema Lógico do Mal CRESCER A defesa do livrearbítrio pode ser vista como um esforço para mostrar que pode haver um tipo muito diferente de bem que Deus não pode criar sem permitir o mal Estes são estados de coisas bons que não incluem o mal não implicam a existência de qualquer mal no entanto o próprio Deus não pode trazêlos à existência sem permitir o mal PLANTINGA 2012 p 4546 Um mundo com criaturas que sejam significativamente livres e que livremente executem mais ações boas do que más é mais valioso se não houver complicações de outros fatores do que um mundo sem quaisquer criaturas livres Ora Deus pode criar criaturas livres mas não pode causar ou determinar que façam apenas o que é correto Afinal se o fizer então elas não são afinal significativamente livres não fazem livremente o que é correto Para criar criaturas com capacidade para o bem moral portanto Deus tem de criar criaturas com capacidade para o mal moral e não pode dar a essas criaturas a liberdade de executar o mal e ao mesmo tempo impedilas de executálo E aconteceu infelizmente que algumas das criaturas livres que Deus criou erraram no exercício de sua liberdade essa é a fonte do mal moral O fato de algumas criaturas errarem contudo não depõe contra a onipotência de Deus nem contra a sua bondade pois ele só poderia ter impedido a ocorrência do mal moral removendo a possibilidade do bem moral PLANTINGA 2012 p 47 esta defesa do livrearbítrio proposta por Plantinga não precisa ser verdadeira ou plausível mas precisa apenas ser possível a fim de demonstrar a consistência das proposições que o ateu disse que são contraditórias Assim a defesa do livrearbítrio sustenta em primeiro lugar que um mundo com criaturas significativamente livres e que livremente executem mais ações boas do que más é mais valioso sendo todo o resto igual do que um mundo sem tais criaturas livres Assim é logicamente possível que esta conceção de livrearbítrio seja um bem tal que Deus queira incluir na sua criação Ora se essa noção de livrearbítrio é logicamente possível e se é melhor um mundo com livrearbítrio do que um mundo sem livrearbítrio então é possível que Deus visa criar um mundo com criaturas livres Porém Deus mesmo sendo onipotente não pode causar ou determinar que suas criaturas façam apenas o que é correto pois se o fizesse então elas não seriam significativamente livres e assim não fariam livremente o que é correto Logo seguese que para Deus fazer criaturas com capacidade para o bem moral Deus tem de conceber criaturas com capacidade para o mal moral Deste modo Deus não pode dar a estas criaturas a liberdade de realizar o mal e ao mesmo tempo impedilas de fazer mal E se tais criaturas fazem o mal livremente então Deus mesmo sendo onipotente não pode criar um mundo com bem moral sem criar também um mundo com a possibilidade do mal moral Em suma Plantinga demonstrou através da defesa do livrearbítrio que não há uma contradição entre as asserções Deus é onipotente Deus é totalmente bom e o mal existe Ao contrário a defesa do livrearbítrio mostra que Deus teria uma possível boa razão para criar o mundo com a possibilidade do mal Assim o ateu precisa recorrer a um outro argumento contra a existência de Deus a partir do mal pois ele não pode mais apelar para a inconsistência lógica entre Deus e a realidade do mal O Problema Lógico do Mal 169 COMPARTILHAR Nesta aula você Percebeu que é possível provar uma afirmação negativa Compreendeu em que consiste o problema lógico do mal Analisou a possível inconsistência entre Deus e o mal bem como a defesa do livre arbítrio de Alvin Plantinga CRAIG William Lane Apologética para questões difíceis da vida São Paulo Vida Nova 2010 cap 4 PLANTINGA Alvin Deus a liberdade e o mal São Paulo Vida Nova 2012 p 1784 PARA CRESCER MAIS 170 O Problema Evidencial do Mal módulo 14 Olá O chamado problema evidencial do mal busca mostrar que a existência da dor e do sofrimento embora logicamente consistente com a existência de Deus oferece uma razão para pensar que Deus não existe ou que o mal aponta que a existência de tal pessoa como Deus é muitíssimo improvável Neste módulo vamos analisar o problema evidencial do mal proposto pelo filósofo William Rowe Além disso vamos também estudar algumas respostas teístas oferecidas a essa nova versão propostas pelos filósofos cristãos Peter van Inwagen Alvin Plantinga e William Lane Craig Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Compreender em que consiste o problema evidencial do mal a partir de William Rowe Analisar a resposta de Peter van Inwagen Alvin Plantinga e William Lane Craig ao problema evidencial do mal Entender a posição conhecida como teísmo cético Bons estudos 171 CONECTAR No módulo passado vimos a resposta r e c o n h e c i d a m e n t e bemsucedida de Alvin Plantinga para o chamado problema lógico do mal tal como proposto por J L Mackie Contudo os ateus não baixaram a guarda e desistiram do problema do mal Como afirma Walters 2015 p 121 o argumento do mal ronda os outras formulações a fim de servir como um bom argumento contra o teísmo Assim no lugar do problema lógico do mal os filósofos ateus apresentaram o chamado problema evidencial do mal em favor da inexistência de Deus De acordo com Brendan Sweetman 2013 p 92 essa versão abandona a forte afirmação de Mackie de que o mal e a existência de Deus são logicamente incompatíveis e faz uma afirmação menos intensa de que a existência do mal no mundo torna improvável a existência de Deus Mais precisamente há um recuo por parte dos filósofos ateus pois esta versão do problema do mal faz uma afirmação menos forte e mais modesta ao mesmo tempo ela é mais difícil de ser refutada Essa nova formulação não pretende demonstrar que Deus não existe por ser sua existência incompatível com o mal mas que dada certa quantidade de mal é muito muitíssimo improvável que Deus exista Um dos filósofos que melhor desenvolveu essa nova versão do problema do mal foi William Rowe Grosso modo Rowe afirma que um Deus onipotente poderia impedir o mal sem perder algum bem maior ou sem permitir algum mal igualmente terrível e um Deus completamente bom impediria o mal sem perder algum bem maior ou sem permitir algum mal igualmente terrível Contudo parece haver males gratuitos demais no mundo que parecem não conduzir a um bem maior Mesmo que todos nós concordássemos que alguns males são necessários para trazer algum tipo de bem ao mundo ainda há uma quantidade terrível de males de todo tipo no nosso mundo muitos deles parecendo completamente sem sentido Para ver isso considere um caso concreto de sofrimento animal O Problema Evidencial do Mal Suponha que em uma floresta distante um raio atinja uma árvore morta resultando em um incêndio florestal Um cervo é apanhado no incêndio sofre queimaduras horríveis agonizando terrivelmente por vários dias antes que a morte alivie o seu sofrimento Até onde podemos ver o intenso sofrimento do cervo não tem propósito nenhum Pois não parece haver qualquer bem maior tal que o impedimento do sofrimento do cervo exigiria ou a perda desse bem ou a ocorrência de um mal igualmente mau ou pior Nem parece haver qualquer mal igualmente mau ou pior tão conectado com o sofrimento do cervo que ele teria de ocorrer caso o sofrimento do cervo fosse impedido Um ser onipotente e onisciente poderia ter impedido o sofrimento aparentemente sem propósito do cervo A resposta é óbvia como até mesmo o teísta dirá Um ser onipotente e onisciente poderia ter facilmente impedido o cervo de sofrer queimaduras horríveis ou dadas as queimaduras poderia têlo poupado do sofrimento intenso colocando rapidamente um fim à sua vida ao invés de permitir que ele padeça em agonia horrível por vários dias Visto que o intenso 172 O Problema Evidencial do Mal CONECTAR A questão por trás do exemplo de Rowe é a seguinte um Deus onipotente poderia ter evitado o sofrimento desse cervo É certo que sim Será que algum bem maior seria perdido caso aquele cervo específico não sofresse Parece que não Assim Deus poderia muito bem gerar um bem maior sem a necessidade de todo o sofrimento daquele cervo específico Além disso o horror do cervo parece não levar a nenhum bem discernível e parece não ter qualquer relação com o mal uso do livrearbítrio Mas suponha por exemplo que um homem caminhando no segundo dia do incêndio ouça os gritos do cervo alerte as pessoas que moram no local e salve a cidade de um incêndio pavoroso Certamente isso seria um caso de um bem maior um bem parece justificar a ocorrência de sofrimento intenso do cervo contudo o argumento de Rowe é que mesmo neste caso um ser onipotente poderia ter salvado a cidade de alguma outra forma sem a necessidade do sofrimento intenso do cervo ou poderia ter evitado o sofrimento do cervo sem permitir a ocorrência de um mal maior Alguém pode argumentar que não podemos saber com certeza se a morte do cervo não serve a um bem maior Contudo Rowe pensa que há aqui uma boa base racional para acreditar que um Deus bom e todopoderoso não permitiria conseguir algum fim com este tipo de coisa sofrimento do cervo era passível de ser impedido e até onde podemos ver que nele não havia propósito algum parece que existem casos de sofrimento intenso que um ser onipotente e onisciente poderia ter impedido sem que com isso fosse perdido algum bem maior ou permitido algum mal igualmente mau ou pior ROWE 2013 p 71 Perceba que mesmo que Plantinga tenha apresentado uma resposta bemsucedida ao problema lógico do mal Rowe apresenta uma nova formulação do problema do mal O que isso nos diz sobre a necessidade de pensar de modo cauteloso e paciente sobre uma importante questão filosófica PARA REFLETIR O Problema Evidencial do Mal 173 CRESCER Mesmo com a resposta bemsucedida ao problema lógico do mal fornecida pelo filósofo cristão Alvin Plantinga os teístas ainda se encontram diante de uma dificuldade monumental perante o problema do mal Pois se é verdade que Plantinga demonstrou que não há qualquer incompatibilidade lógica entre um Deus completamente bom e todopoderoso e a existência do mal é verdade também que demonstrar meramente que duas teses são logicamente compatíveis não ajuda a tirar o teísta de apuros Pois não há nada de logicamente contraditório em afirmar que a terra é plana ou como fantasiou Bertrand Russell que o mundo tem apenas cinco minutos e que todas as nossas memórias são fictícias Contudo essas crenças mesmo que logicamente coerentes são completamente irracionais Com o problema do mal parece acontecer algo similar Há no mundo uma enorme quantidade de mal aparentemente desnecessário males terríveis que parecem não cumprir qualquer finalidade boa ou edificante que possamos imaginar O filósofo William Rowe 2011 p 124 Grifos do autor denomina de mal sem sentido um mal que Deus se existe poderia ter impedido sem com isso perder um bem superior ou sem ter de permitir um mal igualmente mau ou pior Rowe pensa que mesmo que seja compatível com a existência de um Deus totalmente bom e onipotente o mal oferece bons indícios ou evidências contra a existência de Deus Para ver isso ele pede para que nos concentremos em um mal particular o sofrimento do cervo que lemos na seção anterior E isso é importante para o argumento porque ao partir da ocorrência de um mal particular gratuito Rowe visa mostrar que aparentemente não há razões para Deus permitir aquele mal específico de modo que aquele fato a morte do cervo constitui uma razão contra a existência de Deus Assim pense novamente no sofrimento do cervo ele passou vários dias suportando queimaduras horríveis agonizando terrivelmente até que a morte aliviou seu sofrimento O horror que ele passou parece não fazer qualquer sentido do nosso ponto de vista não é fácil perceber qualquer bem superior cuja realização dependa de Deus permitir que aquele cervo sofra de modo tão repulsivo Além disso dadas as onisciência e onipotência de Deus seria muito fácil ele ter impedido que o cervo fosse apanhado pelas chamas ou que o bem que ele queria trazer viesse à existência sem a morte do cervo Logo segue o argumento de Rowe parece muito razoável pensar que o sofrimento do cervo é um mal sem sentido um mal que Deus podia impedir sem com isso perder um bem superior ou ter de permitir um mal equivalente ou pior Rowe afirma que sofrimentos intensos como esse ocorrem cotidianamente e É razoável acreditar que há algum bem maior tão intimamente conectado com esse sofrimento que mesmo um ser onipotente e onisciente não poderia realizálo sem permitir esse sofrimento ou algum mal pelo menos tão mau Certamente não parece razoável acreditar nisso Nem parece ser razoável acreditar que há algum mal pelo menos tão mau quanto o sofrimento do cervo tal que um ser onipotente simplesmente não poderia têlo impedido sem permitir o sofrimento do cervo Mas mesmo se fosse de algum modo razoável acreditar em uma dessas coisas relacionadas com o sofrimento do cervo temos então de perguntar se é razoável acreditar em uma dessas coisas a respeito de todos os casos de sofrimento humano e animal que ocorrem diariamente em nosso mundo e que aparentemente não têm propósito algum E seguramente a resposta a essa questão mais geral tem de ser não ROWE 2013 p 7273 Grifos do autor abundantemente em nosso mundo Tais eventos são exemplos inequívocos de males Mesmo sofrimento que de algum modo parece ser justificado parece conduzir a um bem que não poderíamos obter sem ele ainda assim continua a ser um mal Como afirma Rowe 2011 p 123 não podemos confundir o sofrimento intenso em si e por si com as coisas boas a que por vezes conduz ou das quais pode ser uma parte necessária Em alguns casos parece ser discernível o bem que seria inalcançável sem tal sofrimento bem tal que Deus teria justificativas morais suficientes para permitir tal mal Contudo e talvez em boa parte das situações esse parece não ser o caso Depois de descrever dois males horrendos que aconteceram com duas pequenas crianças o filósofo William Lane Craig 2010 p 85 chegou a admitir que sendo bem franco com você quando vejo este tipo de coisas acontecendo sinto o como é difícil acreditar em Deus nessas horas Como vimos no módulo passado o historiador e teólogo Bart Ehrman afirma que a razão de ele ter deixado de acreditar em Deus e na fé cristã foi a quantidade de males terríveis encontrados no mundo Ao narrar sua trajetória ele afirma À luz da quantidade abundante de males horríveis Rowe 2011 p 124 formulou um argumento evidencial contra a existência de Deus que está estruturado da seguinte maneira 1 Provavelmente há males sem sentido por exemplo o sofrimento do cervo 2 Se Deus existe não há males sem sentido 3 Logo provavelmente Deus não existe Mas será este argumento cogente Em primeiro lugar é importante afirmar que ele passa no primeiro teste pois sua formulação lógica é válida uma vez que a conclusão se segue logicamente das premissas Afinal se provavelmente há males sem sentido e se um Deus bom e todopoderoso não permitiria tais males sem sentido seguese logicamente que Deus provavelmente não existe Logo quem quiser negar a conclusão precisa apresentar razões para negar ou a premissa 1 ou a premissa 2 Assim precisamos analisar as duas premissas do argumento a fim de verificar sua solidez Mas primeiro é necessário dizer algo sobre probabilidade E se o mal realmente tornar a existência de Deus improvável Rowe parte da premissa de que a morte horrenda e aparentemente gratuita do 174 O Problema Evidencial do Mal CRESCER Eu cheguei a um ponto em que simplesmente não podia acreditar que há um Senhor bom e bemintencionado encarregado do mundo Para mim o problema do sofrimento se tornou o problema da fé Após muitos anos me digladiando com o problema tentando explicálo pensando nas explicações que outros tinham oferecido algumas delas respostas fáceis e encantadoras por sua simplicidade outras reflexões altamente sofisticadas e matizadas de filósofos e teólogos sérios após pensar nas supostas respostas e continuar enfrentando o problema há nove ou dez anos eu finalmente reconheci a derrota me dei conta de que já não podia acreditar no Deus da minha tradição e reconheci que era um agnóstico eu não sei se existe um Deus mas acho que se houver um ele certamente não é aquele proclamado pela tradição judaicocristã aquele poderosa e ativamente envolvido com este mundo E assim deixei de ir à igreja EHRMAN 2008 p 13 cervo provavelmente traz um problema para o teísta pois sendo Deus onipotente e completamente bom poderia ter evitado ou tornado menos dolorosa esta morte específica Logo isso ofereceria razões para pensar que Deus não existe Assim o argumento evidencial do mal afirma que dada a quantidade de mal no mundo ou dada a ocorrência de um mal específico é improvável que Deus exista Suponha que o argumento de Rowe seja persuasivo o suficiente em demonstrar que a morte do cervo ou a totalidade de males no mundo torna a existência de Deus improvável O que se segue daí A primeira coisa a ser observada tem a ver com o conceito de probabilidade Quando se afirma que a morte do cervo ou a quantidade de males no mundo torna a existência de Deus improvável é preciso perguntar improvável em relação a quê Uma resposta sensata é afirmar que ela é improvável em relação à base de informações que devem ser consideradas Mas qual seria esta base Se ela consistir apenas nos males deste mundo talvez o ateu esteja certo Pois talvez seja verdade que a quantidade de males neste mundo torna a existência de Deus improvável Craig 2010 p 96 afirma que seria uma importante façanha filosófica se os cristãos pudessem demonstrar que apenas com base na existência do mal no mundo a existência de Deus não seja improvável Contudo o teísta não precisa se comprometer com uma base de informações tão enxuta Pois como afirma Plantinga mesmo que a existência de Deus seja improvável com relação ao mal temos conhecimento de muitas outras coisas para além do mal Ou seja ainda que o problema do mal torne a existência de Deus improvável Plantinga argumenta que nós temos conhecimento de muitas outras razões para pensar que Deus existe há os vários argumentos cosmológicos teleológicos e morais há os vários tipos de argumentos em favor da ressurreição de Jesus há a experiência religiosa a instigação interna do Espírito Santo e o sensus divinitatis A própria fé cristã pressupõe que nosso mundo está caído e por isso ele é coberto por uma quantidade espantosa de dor e sofrimento O filósofo que visa mostrar que a existência de Deus é improvável em relação à totalidade dos nossos indícios precisaria mostrar que nenhum desses argumentos ou a combinação deles tem menos força que o argumento evidencial de Rowe Além disso o teísta pode concordar que dado aquilo que sabemos sobre o nosso mundo específico é improvável que exista tal pessoa todopoderosa e completamente boa Mas talvez esse não seja o único mundo que exista Talvez Deus tenha criado inúmeros outros mundos mundos estes não caídos que se levados em consideração veríamos que há na verdade uma preponderância de bem sobre o mal Como coloca Plantinga 2018a p 461462 em alguns desses mundos não há sofrimento nem mal em outros há bastante por acaso encontramonos num dos mundos onde há muito No entanto a probabilidade do teísmo dado todo o conjunto de mundos não é particularmente baixa Mas suponha que Rowe ainda esteja certo suponha que o teísmo seja de fato improvável em relação à morte do cervo ou à quantidade de males no mundo O que se segue daí Plantinga pensa que não muito Pois há muitas das minhas crenças verdadeiras e perfeitamente racionais que são improváveis dada a totalidade das minhas crenças Minha O Problema Evidencial do Mal 175 CRESCER Para demonstrar isso o teólogo precisaria examinar a totalidade das evidências a favor da existência de Deus os argumentos tradicionais o ontológico o cosmológico e o teleológico assim como muitos outros seria obrigado a pesar os méritos relativos de todos eles pesandoos contra o argumento evidencialista do mal para chegar à conclusão indicada PLANTINGA 2018a p 461 Grifos do autor biblioteca tem mil livros Minha filha Ana Sofia pegou um deles Em Guarda William Lane Craig e riscou a página 73 Considerando tudo que eu sei ou acredito qual a probabilidade de Ana Sofia riscar essa página específica no meio de milhares de outras páginas Muitíssimo baixa No entanto não se segue daí que eu não tenha razões para acreditar que ela realmente fez isso pois essa crença não depende de ser provável com relação a tudo que acredito mas depende de outras fontes de conhecimento a percepção vi a página 73 riscada Alvin Plantinga oferece um outro exemplo Assim o fato de o teísta acreditar em algo que parece improvável em relação a tudo que ele sabe não compromete sua racionalidade Pois se o teísta tem outras fontes de conhecimento sobre Deus para além de argumentos ou evidências como a instigação interna do Espírito Santo ou o sensus divinitatis então não há um problema de racionalidade em acreditar em algo que parece ser improvável com relação ao mal no mundo pois todos nós acreditamos em várias coisas que são significativamente improváveis Para citar ainda um outro exemplo Craig 2010 p 97 afirma que no que diz respeito ao nosso conhecimento da biologia reprodutiva humana sua própria existência pessoal é astronomicamente improvável No entanto não se segue daí que é irracional acreditar que você existe Por isso é importante questionar o que o ateu pretende provar com o argumento evidencial do mal Que o teísmo é falso Que a quantidade de males no mundo torna a crença em Deus irracional Que se eu estiver ciente de alguns males terríveis no mundo como no exemplo do cervo então parece ser mais racional acreditar que não há tal pessoa como Deus Essa é uma questão fundamental dentro do contexto deste argumento Peter van Inwagen e o problema da arbitrariedade Contudo não parece que estamos concedendo muito a Rowe Mais precisamente não há nada de mais cogente a ser respondido ao desafio evidencial do mal Ou simplesmente deveríamos levantar as tendas e garantir a razão neste ponto para o ateísta Na verdade os filósofos cristãos não deixaram as coisas deste modo Eles levantaram várias respostas satisfatórias ao problema proposto por Rowe Uma das mais significativas foi apresentada por Peter van Inwagem Lembrese de que para Rowe a morte aparentemente gratuita e horrenda do cervo ofereceria razões para pensar que Deus não existe pois um ser onipotente e totalmente bom ou poderia facilmente ter evitado aquela morte ou poderia têla tornado menos 176 O Problema Evidencial do Mal CRESCER Estou jogando pôquer é improvável considerandose tudo o mais que sei ou acredito que eu tenha tirado um inside straight não se segue mesmo que haja a menor irracionalidade em minha crença de que de que acabei de completar um inside straight A razão obviamente é que essa crença não depende para sua garantia de ser provável por conta do restante do que acredito ela tem uma fonte bem diferente de garantia a percepção O mesmo ocorre em relação ao teísmo tudo se volta aqui para a questão de como tenho argumentado o teísmo ter ou poder ter alguma fonte de garantia a percepção de Deus ou o sensus divinitatis ou a fé e a instigação interna do Espírito Santo distinta da probabilidade quando consideradas as outras proposições de minha crença PLANTINGA 2016 p 210211 dolorosa ou ainda poderia ter obtido um bem maior sem precisar daquele sofrimento específico O filósofo Erik Wielenberg apresenta um outro exemplo de um mau gratuito o sofrimento infantil Pense nas crianças que sofrem de doenças naturais como a leucodistrofia uma desordem genética que afeta crianças de modo que à medida que a doença progride os sintomas incluem cegueira demência paralisia dificuldade para engolir entre outros as crianças afligidas por tal doença ficam acamadas tornamse cegas entram em estado vegetativo e morrem por volta dos dez anos de idade O ponto de Wielenberg é que as respostas tradicionais dadas ao problema do mal parecem não funcionar neste caso específico Ao analisar a resposta de C S Lewis ao problema do mal ele notou que a ideia de Lewis é que por exemplo Deus permite o sofrimento para que possamos reconhecer nossas próprias deficiências morais ou para que este mundo caído não se torne agradável para nós Contudo crianças suficientemente novas não são capazes de compreender esses conceitos Simplesmente falta a elas o requerido equipamento cognitivo WIELENBERG 2010 p 73 Além disso parece não ser moralmente permissível para um Deus completamente bom permitir o sofrimento de uma criança para que outra pessoa atinja algum tipo de genuíno bem Neste caso tanto Rowe quanto Wielenberg pensam que a existência desses males gratuitos e específicos apresenta razões plausíveis para se pensar que Deus não existe Contudo Inwagem discorda desse argumento Ele concede que a premissa 1 possa ser verdadeira isto é que provavelmente há males sem sentido males que provavelmente não trazem nenhum bem maior como no exemplo do sofrimento do cervo ou mesmo da criança com leucodistrofia talvez esses sejam horrores gratuitos que se não tivessem ocorrido ou se Deus tivesse interferido a fim de deixálos de fora do mundo o mundo não seria um lugar pior O ataque de Inwagen é contra a premissa dois Se Deus existe não há males sem sentido O problema desta premissa é que o princípio moral por trás dela é duvidoso Pode ser verdade que sem a morte gratuita e horrenda do cervo ou da criança com leucodistrofia o mundo não seria um lugar pior Contudo não se segue daí que Deus tem que intervir a fim de impedir que o cervo ou a criança sofram Para perceber por que este é um princípio moral duvidoso Inwagen 2018 p 225 estrutura o que ele chama de defesa do livrearbítrio Relembre a diferença entre uma defesa e uma teodiceia enquanto a teodiceia busca apresentar qual a razão do porquê de Deus permitir o sofrimento uma defesa busca apresentar qual poderia ser a razão de Deus permitir o sofrimento A defesa de Inwagen começa com a queda os seres humanos fizeram mau uso do livrearbítrio e se separaram de Deus e a existência de horrores é uma das consequências naturais e inevitáveis dessa separação Neste sentido tanto o caso do cervo quanto o da criança com leucodistrofia são consequências mais ou menos desconectadas de O Problema Evidencial do Mal 177 CRESCER Creio que mesmo que a felicidade tivesse mais valor do que o sofrimento da criança a justiça requer que a felicidade seja recusada pois não é a criança que adquire o grande bem da felicidade mas outra pessoa Uma pessoa cuja genuína felicidade somente pode ser adquirida por meio do sofrimento horroroso de uma criança não deveria receber a genuína felicidade WIELENBERG 2010 p 75 incontáveis milhões de abusos humanos do livrearbítrio também em grande medida desconectados Há na cosmovisão cristã um enredo significativo que envolve criação rebelião e expulsão do paraíso Suponha que essa rebelião terrível contra Deus ocasionou uma separação danosa entre nós e o Criador mergulhando o mundo em dores e males terríveis Os seres humanos agora passaram a enfrentar todo tipo de calamidade de destruição pelas forças cegas da natureza ficando sujeita a vários tipos de males naturais Neste caso pode ser concebível que o horror pelo qual passaram o cervo e a criança com leucodistrofia é um mal gratuito devido ao acaso Mas então por que Deus não impede miraculosamente a morte do cervo ou algum outro horror gratuito De acordo com Inwagen Talvez Deus remova muitos dos males e dos horrores do mundo Contudo e isso é central ao argumento de Inwagen Deus não pode remover todos os horrores do mundo pois isso frustraria seu plano redentivo Sendo assim se Deus impede alguns males e outros não onde devemos traçar o limite Mais precisamente qual é o limite entre os horrores gratuitos que Deus permite e os horrores gratuitos que Deus irá impedir que ocorram Parte da resposta de Inwagen 2018 p 228 é que seja onde for que seja traçado esse limite será arbitrário É verdade que se Deus houvesse acrescentado o horror particular da morte gratuita do cervo ou da criança com leucodistrofia à sua lista de horrores que serão impedidos e apenas estes horrores o mundo não seria um lugar menos horrível e Deus ainda poderia atingir seus propósitos redentivos Contudo isso ainda é arbitrário pois esse limite não existe Como afirma Inwagen 2018 p 229 não há um limite não arbitrário Seja onde for que Deus trace o limite incontáveis horrores seriam deixados no mundo o plano divino requer a existência real de incontáveis horrores Mais precisamente 178 O Problema Evidencial do Mal CRESCER Ele não fez isso porque desse modo as suas ações frustrariam o plano de restaurar a união original dele com os seres humanos removendo um motivo essencial para os seres humanos cooperarem com Deus ou seja a compreensão de que há algo terrivelmente errado com o mundo em que vivemos O melhor que poderia advir de uma prevenção milagrosa de cada um dos horrores que resultaram da nossa separação de Deus seria um estado de felicidade natural perfeita Mas permitir que os horrores ocorram abre a possibilidade de um bem sobrenatural para a humanidade infinitamente melhor do que uma felicidade natural perfeita Pode ser que Deus impeça alguns horrores E até onde sabemos Deus reduz o número de horrores deste mundo a alguma fração menor do que a quantidade de horrores que ocorreria sem a sua ação milagrosa específica e local Ainda assim ele tem de deixar que o mundo não redimido seja um lugar horrível pois do contrário o seu plano de redenção para a humanidade falhará INWAGEN 2018 p 226227 Não há uma quantidade mínima de horrores consistentes com o plano de Deus de reconciliação porque o impedimento de qualquer horror particular possivelmente não poderia ter efeito sobre o plano divino Deus tinha de traçar um limite arbitrário e assim o fez E isso é tudo o que há para ser dito INWAGEN 2018 p 229 e 232 Assim procurar um limite de onde Deus poderia impedir o mal poderia levar à paralisia Deus poderia impedir um mal gratuito dois males gratuitos três males gratuitos mas quantos males gratuitos Deus deve permitir ou impedir a fim de que ele seja moralmente justificável em realizar seus propósitos de reconciliarse com a humanidade Parece não ser possível dar qualquer resposta sensata Logo o princípio de que se Deus existe ele não permitiria a existência de males gratuitos parece inaceitável Teísmo Cético E o que podemos falar da premissa 1 do argumento de Rowe Seria correto afirmar que provavelmente há males sem sentido como no exemplo do sofrimento do cervo Talvez seja possível dizer que os desenvolvimentos mais sofisticados sobre o problema do mal envolvem uma resposta negativa a esta premissa Em primeiro lugar é claro que todos nós gostaríamos muito de saber a razão por que Deus permite o mal em geral ou um dado mal em particular que parece completamente gratuito Contudo suponha que nós admitamos que não sabemos disso suponha que os teístas afirmem que desconhecem a razão do porquê de Deus permitir o mal O que se segue daí De acordo com Plantinga nada de muito interessante Deste modo o argumento de Plantinga é que o fato de o teísta não saber por que Deus permite o mal não mostra por si só que não há tal razão ou que aqueles que acreditam em Deus são irracionais ao pensar que Deus realmente tem uma razão Para que o ateu mostre que há males sem sentido é preciso mais do que apontar para a ignorância do teísta é preciso mostrar que de fato há realmente males gratuitos e sem sentido O problema aqui é que é muitíssimo difícil demonstrar que Deus não teria razões suficientes para permitir o mal ou que há males gratuitos Essa posição é conhecida na filosofia da religião como teísmo cético Grosso modo ela afirma que argumentos contra a verdade do teísmo como o argumento de Rowe cometem o erro de pressupor a verdade de determinadas afirmações que não são demonstráveis Mais precisamente não estamos em posição de conseguir demonstrar que Deus não tem razões suficientes para permitir o mal Mas por que não estaríamos em posição de fazer esse julgamento De acordo com Plantinga O Problema Evidencial do Mal 179 CRESCER Por que supor que se Deus tem uma boa razão para permitir o mal o teísta seria o primeiro a sabêlo Talvez Deus tenha uma boa razão mas esta seja demasiadamente complicada para que compreendamos Ou talvez ele não a tenha revelado por qualquer outra razão O fato de que o teísta não sabe por que Deus permite o mal é talvez um fator interessante sobre o próprio teísta mas em si pouco ou nada mostra de relevante quanto à racionalidade da crença em Deus PLANTINGA 2012 p 23 A razão principal é a distância epistêmica entre nós e Deus mesmo que Deus tenha uma razão para permitir aqueles males por que pensar que seríamos os primeiros a saber Dado que ele é onisciente e dadas as nossas substanciais limitações epistêmicas não é nada surpreendente que suas razões para algumas das ações que faz ou permite nos ultrapassem completamente Mas nesse caso do fato de nenhum bem conhecido por nós ser tal que sabemos que justifica sirva de razão para que Deus permita o Há assim uma admissão de ignorância com relação aos desígnios de Deus sobre este ponto Pode ser que muitos males como o da morte dolorosa do cervo ou da criança com leucodistrofia pareçam ser males gratuitos sem propósitos que não servem a qualquer bem Ficamos comovidos e profundamente entristecidos com a presença de tais males no mundo Contudo que segurança podemos ter de que eles realmente não servem a qualquer bem Do fato de que eles parecem serem gratuitos não se segue que eles são gratuitos As avaliações de probabilidade neste caso podem não ser possíveis para seres com nossas limitações cognitivas Este tipo de resposta está enraizado no livro de Jó Seguiremos aqui a leitura que Alvin Plantinga 2018a p 490494 faz desta narrativa Na abertura do livro Satanás desafia Deus a deixálo atormentar Jó uma vez que este último acusa Satanás perante toda a corte celeste é um tipo egoísta de oportunista que se voltará severamente contra Deus caso sofra Deus permite que Satanás atormente Jó De acordo com N T Wright 2009 p 61 somos convidados a ver o tormento de Jó e seu questionamento tendo a informação privilegiada de que não se trata de fato de um embate entre Jó e Deus como pensa Jó e seus pseudoconsoladores Os amigos de Jó insistem que ele precisa se arrepender e se reformar moralmente Jó sabe que há alguma coisa errada acontecendo mas dadas as suas limitações ele não consegue ver a razão por que Deus permitiu tamanho infortúnio de modo que ele infere que Deus provavelmente não tem tal razão Por isso quando Deus responde a Jó ele não explica quais são as razões para permitir os males que vieram sobre Jó antes Deus ataca o possível pressuposto impensado de que se Jó não consegue ver que razões Deus poderia ter então provavelmente Deus não as tem E o Senhor faz isso apontando para o imenso abismo cognitivo que existe entre o conhecimento de Jó e o conhecimento de alguém onisciente e Criador do mundo 180 O Problema Evidencial do Mal CRESCER estupro e o homicídio de uma menina de cinco anos e a morte dolorosa do cervo na floresta não se segue pura e simplesmente que é provável com respeito ao que sabemos que tais bens não existam ou que Deus não tenha razão para permitir esses males PLANTINGA 2018a p 464 Grifos do autor Acaso não puseste uma cerca em volta dele da família dele e de tudo o que ele possui Tu mesmo tens abençoado tudo o que ele faz de modo que todos os seus rebanhos estão espalhados por toda a terra Mas estende a tua mão e fere tudo o que ele tem e com certeza ele te amaldiçoará na tua face Jó 11011 NVI Então o Senhor respondeu a Jó do meio da tempestade Disse ele Quem é esse que obscurece o meu conselho com palavras sem conhecimento Preparese como simples homem vou fazerlhe perguntas e você me responderá Onde você estava quando lancei os alicerces da terra Respondame se é que você sabe tanto Quem marcou os limites das suas dimensões Vai ver que você sabe E quem estendeu sobre ela a linha de medir E as suas bases sobre o que foram postas E quem colocou sua pedra de esquina enquanto as estrelas matutinas juntas cantavam e todos os anjos se regozijavam Jó 3817 NVI Jó não conseguia ver que razões Deus poderia ter para permitir tal quantidade de sofrimento inferiu que provavelmente Deus não as tem Deus responde atacando tal pressuposto o fato de Jó não ter conseguido ver as razões de Deus é um fato interessante sobre a própria limitação cognitiva de Jó não sobre as razões de Deus Onde você estava Jó pergunta Deus quando eu criei o Universo Você não é tão esperto e sabe tanta coisa Jó então se coloca no seu lugar Certo é que falei de coisas que eu não entendia coisas tão maravilhosas que eu não poderia saber Jó 423 NVI Inspirado no livro de Jó o teísta cético irá afirmar que não estamos racionalmente justificados em afirmar que Deus não tenha um propósito com a morte dolorosa do cervo ou da criança com leucodistrofia ou com qualquer outro mal de que tenhamos consciência Pense mais uma vez na história do cervo de Rowe ele está agonizante terrivelmente queimado deixado no chão por longos cinco dias na floresta até finalmente a morte lhe oferecer algum tipo de descanso Haveria algum bem importante que um Deus todopoderoso onisciente e criador do mundo pudesse originar mas apenas permitindo que aquele cervo sofresse durante aqueles exatos cinco dias Tanto quanto sabemos parece que não No entanto e essa é a principal ideia aqui o problema é que não sabemos o suficiente Talvez se soubéssemos todas as variáveis envolvidas próximas daquilo que Deus sabe então veríamos claramente que Deus tinha razões suficientes para permitir tal sofrimento Talvez haja aí bens que Deus saiba bens que seriam perdidos caso Deus tivesse impedido aquele cervo de ficar terrivelmente queimado por longos cinco dias ou talvez haja males equivalentes ou até mesmo piores que a morte do cervo evitou No entanto o fato de não sabermos quais poderiam ser esses bens ou males não é nada surpreendente dada a distância epistêmica entre nós e Deus ou seja entre aquilo que um ser onisciente sabe e aquilo que nós sabemos Somos muitíssimos limitados e simplesmente incapazes de conhecer as variáveis que Deus conhece sobre o mundo que ele criou de modo que não é nenhum pouco espantoso o fato de que não conseguimos ver razões suficientes que um ser onisciente e completamente bom tem para permitir a morte do cervo agonizante ou da criança com leucodistrofia Na verdade dado o imenso abismo entre nosso conhecimento e o de Deus é até esperado que não conheçamos tais razões Um Deus que nos consola Contudo talvez o problema do sofrimento não seja argumentativo Por mais paradoxal que seja talvez a experiência do mal forneça um tipo de dificuldade intelectual que não vem em forma de argumentos ou evidências O Antigo e o Novo Testamento estão repletos de exemplos de como o mal constitui dificuldades para o teísta Neste caso assim como o teísta sabe que há tal pessoa como Deus devido ao sensus divinitatis e independentemente de qualquer argumento ou evidência uma pessoa sensível que tem consciência da quantidade e brutalidade dos males que são exibidos neste mundo sombrio veria que um Deus bom e todopoderoso não permitiria tais situações de sofrimento independentemente de qualquer argumento ou evidência Assim talvez não haja um bom argumento contra a existência de Deus mas a experiência repugnante de um puro horror pode me fazer algo que um argumento não pode isto é ver claramente que um Deus completamente bom e todopoderoso não permitiria essa situação de sofrimento Essa parece ser a sugestão de Bart Ehrman O Problema Evidencial do Mal 181 CRESCER Em debate com N T Wright Ehrman parece argumentar que o pleno horror que ele descreve várias vezes funcionou mais como uma experiência que como um argumento filosófico ou uma razão Não posso acreditar mais naquele Deus é a resposta dele Ainda assim mesmo com a experiência horripilante do mal o cristão ainda pode ser racional em acreditar no teísmo cristão Como argumenta Plantinga 2016 p 214 talvez o teísta cristão tenha a instigação interna do Espírito Santo tal como proposto pelo Modelo AC estendido de modo que seu sensus divinitatis foi regenerado e a presença divina lhe seja em algumas ocasiões de todo evidente A pessoa em quem esse processo funciona detém um conhecimento íntimo detalhado vívido e explícito de Deus ela está tão convencida da existência dele como da própria existência Neste caso ela pode ficar perplexa atônita e irada perguntandose por que Deus permitiria o mal mas a ideia de que Deus não existe não passaria pela sua cabeça Neste caso a resposta à cosmovisão cristã é crucial para lidar com o problema do mal Pois o teísta cristão conhece o amor divino revelado na encarnação de nosso Senhor Jesus Cristo ele sabe que não adora um Deus distante mas conhece o esplendor inimaginável do sofrimento e morte do Messias por nós ele mesmo o divino filho unigênito de Deus a segunda pessoa da Trindade Talvez o teísta não duvida do fato de que Deus tenha suas boas razões para permitir o mal Afinal sendo onipotente e onisciente certamente ele terá tais razões Entretanto Plantinga sugere que talvez o problema aqui não seja intelectual mas de outra natureza talvez seja pastoral e espiritual Ao se deparar com um exemplo de horror isso pode o levar para algum tipo de mágoa para com nosso Criador Ficamos ressentidos e furiosos com Deus devido aos vários tipos de males Talvez questionemos igual a Davi Até quando Senhor Para sempre te esquecerás de mim Até quando esconderás de mim o teu rosto Salmos 131 NVI Talvez ninguém tenha colocado tal quadro de modo tão comovente quanto Alvin Plantinga Vale a pena citar um trecho extenso do seu livro Crença Cristã avalizada 182 O Problema Evidencial do Mal CRESCER O Deus no qual eu um dia acreditei era um Deus atuante neste mundo Ele salvou os israelitas da escravidão ele enviou Jesus para a salvação do mundo ele respondeu a preces ele interferiu em prol de seu povo quando ele precisava desesperadamente de ajuda ele esteve diretamente envolvido em minha vida Mas não posso acreditar mais naquele Deus porque em função do que hoje vejo ao redor do mundo ele não intervém EHRMAN 2018 p 23 Confrontada com o mal e o sofrimento essa pessoa poderia se perguntar por que Deus permite isso os fatos do mal podem servir de aguilhão para a pesquisa e para a ação Se não encontrar a resposta ela com certeza concluirá que Deus tem uma razão que ultrapassa seu conhecimento ela não ficará minimamente inclinada a duvidar da existência divina PLANTINGA 2016 p 214215 Leio acerca de mais uma atrocidade gigantesca e fico talvez abalado Mas então penso na grandiosidade inconcebível do amor exibido no sofrimento e morte de Cristo na sua vontade de se despojar e assumir a natureza de um servo sua disponibilidade para sofrer e morrer de modo que os seres humanos pecadores possam atingir a redenção e a minha fé pode ser restaurada Assim ao se deparar com um tipo particular de horror holocausto holodomor genocídio fico abalado Neste caso o que Plantinga propõe aqui é que não é uma questão de não saber que Deus não tenha tais razões certamente magníficas e acima de qualquer dúvida razoável mas é uma questão de se rebelar contra Deus de não mais amálo nem de confiar nossa vida a Ele Contudo quando penso na grandiosidade do amor de Deus em oferecer seu único filho para morrer em meu favor por causa da minha multidão de pecados quando penso na disponibilidade divina em dar a sua vida em favor de mim minha fé se regenera quando penso que Deus não está de modo frio e distante contemplando sua criação mas efetivamente envolvido encontro algum tipo de paz Como sugere N T Wright 2009 p 41 Grifos do autor o que o Antigo Testamento faz é falar intensamente não sobre o que Deus diz a respeito do mal mas sobre o que ele pode fazer está fazendo e fará com relação a ele Posso ficar triste magoado e melancólico mas duvidar da existência de Deus não me parecerá uma opção Assim confrontando pessoalmente com um exemplo particularmente horripilante de mal fico chocado e irado pois parece que o ímpio prospera enquanto o justo tem que lidar com todo tipo de males terríveis Talvez lamente igual a Asafe assim são os ímpios sempre despreocupados aumentam suas riquezas Certamente foime inútil manter puro o coração e lavar as mãos na inocência pois o dia inteiro sou afligido e todas as manhãs sou castigado Salmos 731214 NVI No entanto quando vejo o que o Deushomem fez por mim na cruz do calvário quando penso nas palavras de N T Wright 2013 p 87 a cruz é o lugar e o meio pelo qual Deus mais nos amou então os tumultos do meu coração se acalmam e volto a amar o Senhor Poderiam ser ditas várias coisas sobre o significado cristão do sofrimento que ofereceriam recursos intelectuais e afetivos para lidar com o problema do mal O Papa João Paulo II em uma comovente carta apostólica Salvific doloris traz uma meditação profunda sobre o sofrimento humano a partir de um ponto de vista cristão De modo misterioso talvez nosso sofrimento esteja de algum modo ligado ao plano da redenção como Paulo parece sugerir aos Colossenses agora me alegro em meus sofrimentos por vocês e completo no meu corpo o que resta das aflições de Cristo em favor do seu corpo que é a igreja Cl 124 NVI Por isso João Paulo 1983 sugere que cada um dos homens é também chamado a participar naquele sofrimento por meio do qual se realizou a Redenção é chamado a participar naquele sofrimento por meio do qual foi redimido também todo o sofrimento humano De modo também enigmático o sofrimento tem algum tipo de ligação intrínseca com a glorificação como sugere Paulo ao afirmar que os nossos sofrimentos leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todos eles 2 Cor 417 NVI e mais emblemático ainda quando afirma que se somos filhos então somos herdeiros herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo se de fato participamos dos seus sofrimentos para que também participemos da sua glória Rm 817 É claro que diante do horror nada disso pode passar pela minha cabeça na presença de opressões e injustiças terríveis sou tentado a pensar que Deus mata o justo com o ímpio tratando o justo e o ímpio O Problema Evidencial do Mal 183 CRESCER Leio acerca de mais uma atrocidade gigantesca e fico talvez abalado Mas então penso na grandiosidade inconcebível do amor exibido no sofrimento e morte de Cristo na sua vontade de se despojar e assumir a natureza de um servo sua disponibilidade para sofrer e morrer de modo que os seres humanos pecadores possam atingir a redenção e a minha fé pode ser restaurada Oh impressionante infinito e ousado amor de Deus 184 O Problema Evidencial do Mal CRESCER É plausível pensar que os melhores mundos possíveis que Deus poderia ter efetivado contêm o bem inimaginavelmente grandioso da encarnação e redenção divinas mas então é claro também contêm o pecado e o sofrimento Deus escolhe efetivar um desses mundos e nele a humanidade sofre Contudo nesse mundo há também a oportunidade maravilhosa da redenção e da irmandade eterna com Deus um bem inconcebivelmente grandioso que ultrapassa em muito o sofrimento que somos chamados a suportar Além disso ao sernos oferecida a proximidade eterna com Deus os seres humanos são convidados a juntarse ao cativante círculo da própria Trindade e talvez esse convite só possa ser feito a criaturas que caíram sofreram e foram redimidas Nesse caso a condição da humanidade é muitíssimo melhor do que teria sido caso não tivesse havido pecado nem sofrimento O Felix Culpa de fato PLANTINGA 2018a p 486 da mesma maneira como se não houvesse diferença entre eles reconheço igual a Asafe que quando tentei entender tudo isso achei muito difícil para mim Sl 7316 mas quando penso na bondade de Deus para comigo admito igual a Asafe quando o meu coração estava amargurado e no íntimo eu sentia inveja agi como insensato e ignorante minha atitude para contigo era a de um animal irracional Sl 732122 entro no santuário de Deus e percebo claramente que no fim das contas o mal não prevalecerá e Deus há de implantar justiça de uma vez por todas Sl 7317 Então oro como Davi sei Senhor que as tuas ordenanças são justas e que por tua fidelidade me castigaste Seja o teu amor o meu consolo conforme a tua promessa ao teu servo Sl 1197576 Noto inclusive que em sua onisciente e infinita bondade Deus transformou os sofrimentos do tempo presente em uma ocasião magnífica de gratidão como sugere Plantinga Nesta aula você Compreendeu em que consiste o problema evidencial do mal a partir de William Rowe Analisou a resposta de Peter van Inwagen Alvin Plantinga e William Lane Craig ao problema evidencial do mal Entendeu a posição conhecida como teísmo cético CRAIG William Lane Apologética para questões difíceis da vida São Paulo Vida Nova 2010 cap 5 PLANTINGA Alvin Conhecimento e crença cristã Brasília Monergismo 2016 cap 10 PARA CRESCER MAIS 185 O Problema do Pluralismo módulo 15 Olá Há no mundo uma diversidade assombrosa de religiões diferentes Será que essa pluralidade de crenças coloca o teísmo cristão em alguma dificuldade intelectual Será que dada a consciência da multiplicidade de crenças diferentes o cristão ainda pode saber e afirmar que sua religião é verdadeira Ou isso implica em algum tipo de intolerância religiosa para com as pessoas de outros credos Neste módulo vamos estudar os argumentos de John Hick e Don Cupitt em favor do pluralismo religioso Vamos também estudar algumas respostas ao problema do pluralismo fornecidas por Alvin Plantinga Brendan Sweetman e William Lane Craig Ao final desta aula você deve apresentar os seguintes aprendizados Compreender o problema do pluralismo religioso Analisar as teorias de John Hick e Don Cupitt contra o particularismo ou o inclusivismo cristão Examinar as objeções de Alvin Plantinga Brendan Sweetman e William Lane Craig ao pluralismo religioso Bons estudos 186 O Problema do Pluralismo CONECTAR Há no mundo uma diversidade assombrosa de religiões diferentes Essa miríade de crenças a maioria diferentes da crença cristã é cultivada por pessoas de grande inteligência e seriedade Há as três grandes religiões monoteístas do mundo cristianismo islamismo e judaísmo em cada uma delas há um número significativo de divisões internas há também religiões teístas na tradição oriental africana e americana há uma imensa quantidade de religiões não teístas englobadas em correntes do hinduísmo e do budismo há também um número expressivo de ateus agnósticos naturalistas e mesmo antirreligiosos Essa enorme pluralidade coloca um desafio sério para o teísta cristão pelo fato de termos conhecimento dessa enorme diversidade não parece agora arbitrário irracional ou até mesmo imoral afirmar que apenas uma religião está correta em detrimento das outras Não seria de algum modo irracional eleger apenas uma crença específica como a crença verdadeira e afirmar que todos aqueles que não seguem aquele credo estão errados Na filosofia da religião esse é o chamado problema do pluralismo religioso Na Filosofia ninguém apresentou esse desafio de modo tão forte quanto John Hick Um dos filósofos da religião mais importantes e influentes da segunda metade do século XX Hick era um cristão da Igreja Presbiteriana da Inglaterra que se converteu na adolescência Mas no final dos anos 1960 o filósofo inglês teve um conjunto de experiências que afetou dramaticamente sua vida e seu trabalho Enquanto trabalhava com questões relacionadas aos direitos civis na cidade Birmingham Inglaterra Hick se viu trabalhando e adorando ao lado de pessoas de outras religiões não cristãs Ao conhecer tais pessoas Hick viu nelas os mesmos valores comprometimentos seriedade inteligência e ações morais que reconhecia em outros cristãos Essa observação o levou a começar a questionar como um Deus completamente amoroso poderia condenar ao inferno pessoas não cristãs que claramente defendem valores que são reverenciados no cristianismo Isso o levou a cada vez mais adotar uma abordagem pluralista sobre a religião e sobre a crença em Deus Ele começou a tentar descobrir os meios pelos quais todos aqueles devotados a uma religião teísta poderiam receber a salvação Hick passou a ser um dos principais defensores dentro da filosofia da religião do pluralismo religioso Para ele todas as religiões buscam entrar em contato com alguma estrutura transcendente chamada por ele de Realidade que pode se apresentar tanto como uma deidade como nas religiões teístas quanto como o absoluto nas religiões não teístas Os adeptos sinceros de outras religiões vivenciam a Realidade assim como os cristãos embora com variações devido a fatores culturais e históricos Com isso Hick 2018 p 57 sugere que a função da religião em cada caso é oferecer contextos para a salvaçãolibertação que consiste em várias formas de transformação da existência humana do autocentramento para a centralidade na Realidade As religiões buscam centrarse na Realidade fazendo os indivíduos se centrarem no Real não em si mesmos pois isso seria a fonte do egoísmo e da injustiça Esta mudança de centramento é o que se pode chamar de salvaçãolibertação Neste caso o objetivo da religião é salvífico há muitos caminhos diferentes que levam à salvação nas várias religiões do mundo e todas elas têm sua legitimidade Essas tradições devem ser consideradas As tradições religiosas e seus vários componentes crenças modos de experiência escrituras rituais disciplinas éticas e estilos de vida regras sociais e organizações têm maior ou menor valor dependendo de se elas promovem ou atrapalham a transformação salvífica HICK 2018 p 322 Pense em como a ideia de Hick entra em conflito com a perspectiva de Pedro presente no livro de Atos que afirmou Não há salvação em nenhum outro pois debaixo do céu não há nenhum outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos Atos 412 PARA REFLETIR O Problema do Pluralismo 187 CONECTAR como espaços soteriológicos alternativos dentro dos quais ou modos ao longo dos quais homens e mulheres podem encontrar salvaçãolibertaçãorealização última HICK 2018 p 266 Como então as religiões devem ser avaliadas De acordo com ele O mundo de hoje tem cada vez mais consciência da diversidade caleidoscópica de crenças religiosas diferentes Em face disso três problemas afetam filosoficamente a crença em Deus e nas verdades do cristianismo i a relativização da crença religiosa pela dificuldade em saber qual religião é verdadeira ii a ideia de que o único caminho racional a ser tomado é o do pluralismo religioso e iii a questão de que o cristianismo é o único caminho salvífico que leva a Deus implica em algum tipo de intolerância religiosa Mas antes de adentrarmos neste debate vamos definir alguns termos O exclusivismo religioso é a crença de que o único caminho correto para a salvação só pode ser encontrado em uma religião Essa posição também é conhecida como particularismo De acordo com Brendan Sweetman 2013 p 157158 os exclusivistas religiosos defendem que pode haver verdades profundas em outras religiões mas sua principal afirmação é de que não se pode alcançar salvação seguindo a religião errada Outra visão o inclusivismo religioso sustenta que há apenas uma religião verdadeira mas que pessoas de outras religiões podem ser salvas por causa da natureza dessa visão de salvação Sweetman fornece um exemplo Os cristãos ortodoxos geralmente se dividem entre essas duas visões o exclusivismo e o inclusivismo Contudo há uma terceira alternativa que desafia estas duas perspectivas o pluralismo religioso Nesta concepção há muitos caminhos diferentes que levam à salvação nas várias religiões do mundo todas elas com certo grau de legitimidade Como vimos em Hick o valor da religião está em guiar as pessoas para a autotransformação pessoal a fim de criar contextos dentro dos quais a transformação da existência humana da centralidade em si mesmo para a centralidade na Realidade pode se realizar HICK 2018 p 322 Conscientes destas definições vamos entender que desafios filosóficos significativos o pluralismo pode fornecer para a crença cristã Relativização da crença religiosa O primeiro problema que o teísmo cristão enfrenta é que dado o pluralismo religioso as crenças religiosas passaram a ser relativizadas de modo que agora se pensa que nenhuma religião particular pode ter validade universal Para os pluralistas religiosos o melhor caminho a ser tomado é o que Don Cupitt 1999 p 124 chama de pluralismo permissivo 188 O Problema do Pluralismo CRESCER Essa posição sustenta que a salvação depende de um ato específico a morte e ressurreição de Jesus por exemplo ser metafisicamente verdadeiro realmente aconteceu na história e realmente teve determinado efeito mas não é necessário acreditar que esse evento tenha ocorrido nem mesmo ser membro da religião que tem a visão correta do que tinha que acontecer para a salvação ser possível metafisicamente De acordo com os inclusivistas cristãos são os principais fatos da religião cristã que tornam a salvação possível quer as pessoas reconheçam esses fatos quer não SWEETMAN 2013 p 165166 A posição de Cupitt é relativista ele pensa que dada a consciência da pluralidade religiosa não há critérios objetivos e racionais pelos quais se possa saber qual religião é verdadeira ou falsa Logo cada religião deve ser verdadeira ao seu modo para quem acredita nela Pois para Cupitt 1999 p 107 podemos compreender o mundo como e apenas como o nosso mundo um mundo colorido pelos nossos próprios sentimentos formado pela nossa linguagem e estruturado pelas nossas teorias O que vemos no mundo religioso não é um mundo de significados já pronto que nossa mente apenas capta mas aquilo que nós mesmos desenvolvemos durante séculos e milênios nós inventamos tudo Nós desenvolvemos todo o roteiro Lentamente fomos desenvolvendo nossas próprias linguagens nossos valores nossos sistemas de conhecimento nossas religiões e nossas visões de mundo CUPITT 1999 p 127 Mas por que devemos pensar que a crença em Deus foi criada por nós Cupitt 1999 p 107 afirma que isso é assim porque todo o aspecto narrativo cosmológico ou grandioso da religião entrou em colapso pois Como poderíamos pensar sobre essa relativização da crença religiosa Vamos analisar o desafio de Cupitt a partir de dois pontos Primeiro por que pensar que não há critérios racionais para julgar as verdades das afirmações religiosas Como seria possível saber disso Cupitt afirma que sabemos se é que sabemos alguma coisa que não existe um esquema racionalmente ordenado de coisas lá fora Mas como ele sabe disso Como ele sabe que não há ordem racionalmente ordenada de coisas lá fora Ou que não há sobrenatural ou vida após a morte A proposta de Cupitt parece ser autorreferencialmente incoerente pois à medida que ele relativiza a crença religiosa afirmando que não é possível saber como discernir entre uma crença verdadeira e falsa ele pressupõe saber alguma coisa E isso pode ser paradoxal pois como ele sabe que não há um critério racional para julgar a verdade das diversas religiões Que razões pode fornecer para acreditar nisso Segundo Cupitt 1999 p 9394 parece oferecer algumas razões Ele afirma que o O Problema do Pluralismo 189 CRESCER Sem dúvida devemos ficar felizes em ver os trezentos ou mais Novos Movimentos Religiosos os mil e tantos grupos New Age e as centenas de seitas dos principais credos que se encontram florescendo proliferando nos países ocidentais hoje em dia Se suas crenças funcionam bem para eles então elas são verdadeiras para eles e como não há uma Verdade independente externa e todos nós somos inteiramente livres para construir o nosso mundo da melhor maneira que nos parece não temos nenhuma base para chamarmos o mundo de outras pessoas de irracionais Que uma centena de flores desabroche O velho tipo espelhado de racionalidade que consistia na conformidade da mente humana com as coisas do jeito que elas são externamente morreu CUPITT 1999 p 125 sabemos se é que sabemos alguma coisa que não existe um esquema racionalmente ordenado de coisas lá fora nenhum significadodavida inserido em uma narrativa grandiosa já preparada onde nossas vidas possam ser enquadradas Sabemos se é que isso é possível que não há literalmente nenhuma ordem sobrenatural e não há literalmente nenhuma vida após a morte É só isto e como todos sabem quando você morreu morreu e ponto final CUPITT 1999 p 107 conhecimento moderno sugere que o mundo consiste em e apenas em um fluxo transbordante de diminutas energias Não há nada inalterável e nada externo ao fluxo Não temos acesso a nenhuma ordem objetiva e independente de nós E para ele consequentemente nós somos os únicos produtores de significado e valor CUPITT 1999 p 94 Mais precisamente Cupitt assume que algum tipo de naturalismo é verdadeiro e que as religiões são criações nossas Cupitt não argumenta a favor dessas proposições como fazem os ateus clássicos ele apenas pressupõe que essas razões são verdadeiras Mas como vimos durante toda esta disciplina há boas razões para pensar que essas pressuposições são falsas mais precisamente há boas razões para pensar tanto que o teísmo cristão é verdadeiro quanto para pensar que o naturalismo não pode ser racionalmente crido Pluralismo religioso Hick oferece um desafio mais forte A sua hipótese pluralística está baseada na noção de que o mundo é religiosamente ambíguo mais precisamente o mundo pode ser pode ser experimentado de modo religioso ou naturalista sem provas convincentes a favor ou contra qualquer interpretação religiosa ou naturalista Essa ambiguidade traz várias questões epistemológicas Primeiro tal ambiguidade permite que o mundo seja interpretado religiosamente de várias maneiras diferentes segundo parece haver algum tipo de paridade entre essas diversas interpretações Nenhuma religião ou experiência religiosa parece oferecer critérios para se mostrar como a única religião autêntica Por isso as religiões são em certo sentido frutos de algum tipo de condicionamento históricocultural Pois suponha que uma pessoa tenha certa crença religiosa como a do cristianismo o argumento é que caso ela tivesse nascido em outro tempo e lugar não aceitaria o cristianismo Logo o cristianismo não tem garantia para quem o aceita por conta de um acidente geográfico Como afirma John Hick Neste caso Hick pensa que é preciso obedecer à Regra de Ouro em acreditar que as experiências religiosas dos outros são tão racionalmente válidas quanto as nossas Para Hick então uma vez que alguém aceita que sua própria experiência religiosa é racionalmente válida devese estar disposto a conceder a mesma validade racional para aqueles que formam suas próprias crenças religiosas bastante diferentes com base em suas experiências religiosas De modo mais detalhado Hick afirma 190 O Problema do Pluralismo CRESCER O ponto de partida é a ambiguidade religiosa do universo o fato de que este pode ser entendido e experimentado tanto de modo religioso quanto naturalista Porém dada essa ambiguidade defendo eu é inteiramente racional para aqueles que o experimentam em termos religiosos confiar em sua experiência religiosa e basear sua vivência e crença nela HICK 2018 p 18 Em cerca de 99 dos casos a religião que um indivíduo professa e à qual ele adere depende de acidentes de nascimento Alguém que nasceu de pais budistas na Tailândia vai muito provavelmente ser budista alguém que nasceu de pais mulçumanos na Arábia Saudita será mulçumano alguém que nasceu de pais cristãos no México será cristão e assim por diante HICK 2018 p 44 Neste sentido a hipótese pluralista de Hick propõe que cada fé mundial seja vista como uma forma culturalmente condicionada pela qual a Realidade Última pode ser experimentada Neste caso a aparente contrariedade entre diferentes religiões é apenas aparente mas não real Para embasar isso Hick leva em conta a distinção do filósofo Immanuel Kant entre o mundo numênico e o mundo fenomênico O mundo numênico seria a realidade verdadeira o mundo como de fato ele é o mundo fenomênico seria o mundo tal como ele aparece para nós o mundo tal como a gente o percebe o mundo das experiências que processamos Ora Hick sugere que esse modelo nos ajuda a entender por que as diferentes religiões parecem ser tão distintas Pois há uma realidade última à qual eu me refiro como o Real que é em si mesmo transcategorial inefável para além do alcance de nossos sistemas conceituais humanos HICK 2018 p 19 Esse Real é experimentado humanamente de modo diverso nas várias religiões do mundo Ou seja existe o Real em si e existem as várias formas diferentes como esse real é interpretado pelas diversas religiões A razão para a variedade de religiões seria basicamente a de que o Real é experimentado de muitas maneiras e descrito de modos diferentes Os deuses pessoais descritos pelas várias religiões como Yahweh o Deus Trino cristão Allah Shiva e Vishnu assim como as várias representações não pessoais que são características das religiões orientais como o Absoluto Brahman e Dharmakaya são modos diferentes de interpretar o Real Para ilustrar melhor isso é interessante citar um uso que Hick faz de uma clássica parábola indiana dos cegos e do elefante Uma vez que o Real está em última instância para além de nossas categorias sendo experimentado de diferentes formas toda linguagem religiosa ou linguagem sobre o Real é mitológica em vez de literal As alegações teológicas devem ser interpretadas de O Problema do Pluralismo 191 CRESCER Não podemos afirmar razoavelmente que nossa própria forma de experiência religiosa junto com a da tradição à qual pertencemos é verídica enquanto outras não são Podemos é claro afirmar isso e de fato virtualmente toda tradição religiosa já o fez considerando formas alternativas de religião ou falsas ou confusas ou versões inferiores delas mesmas Pessoas que vivem em outras tradições estão igualmente justificadas em confiar em sua própria experiência religiosa distintiva e em formas suas crenças com base nela Pois a única razão para tratar da própria tradição de modo diferente do que tratamos as outras é a razão muito humana mas não muito forçosa de que ela é nossa própria HICK 2018 p 261 Um elefante foi trazido até onde se encontrava um grupo de homens cegos que nunca antes haviam estado diante deste animal Um deles apalpou uma de suas pernas e disse que um elefante é uma grande coluna viva Outro apalpou sua tromba e disse que um elefante é uma grande serpente Outro apalpou uma de suas presas e disse que um elefante é como um grande arado E assim por diante E então eles iniciaram uma grande discussão cada um afirmando que sua própria explicação era a verdadeira e portanto todas as outras eram falsas Na verdade obviamente todas eram verdadeiras mas cada uma se referia a um aspecto da realidade total e todas expressas em analogias bastante imperfeitas HICK 1977 p 140 modo não literal mas mitologicamente verdadeiro ou seja quando os cristãos afirmam que Jesus encarnou há dois mil anos como a segunda pessoa da Trindade isso deve ser interpretado como literalmente verdadeira mas verdadeira no sentido de tender a evocar uma resposta disposicional adequada HICK 2018 p 366 Por isso Hick pensa que devemos repensar o cristianismo como uma fé cristã que assume ser Jesus o nosso guia espiritual supremo mas não necessariamente único o nosso senhor líder guru exemplar e mestre pessoal e comunitário mas não o próprio Deus em termos literais HICK 2000 p 218 É interessante que Cupitt afirma algo similar só que mais radical Para ele não se deve compreender as crenças religiosas como uma afirmação de fatos sobrenaturais porque sua verdadeira função é apenas a de produzir um estilo de vida CUPITT 1999 p 11 Mais precisamente quando os teístas afirmam que confiam em Deus isso não deve implicar nenhum compromisso com a realidade de que Deus existe Em vez disso as crenças religiosas são tidas como ficções culturalmente construídas sobre Deus e seus grandes atos salvadores que no final servem apenas para transmitir instruções codificadas para a construção do mundo mensagens sobre valores padrões recomendados de comportamentos e coisas assim CUPITT 1999 p 98 Hick não afirma que as afirmações religiosas são um tipo de ficção Ele acredita que os objetos de crença religiosa o Real existem mas são interpretados de modos diferentes Por isso Hick argumenta que a principal função de cada uma das principais religiões do mundo é a transformação da existência humana do egocentrismo para o centramento no Real Por isso a fim de avaliar as várias religiões do mundo e mesmo julgálas e até purificálas é preciso examinar suas respectivas habilidades para realizar tal transformação Pois parece que quase todas as tradições religiosas mudam positivamente a vida de seus seguidores produzindo sua própria parcela de santos isto é alguém que foi reconhecido por ter saído da autocentralidade para a centralidade no Real Logo as principais religiões do mundo devem ser julgadas como caminhos soteriológicos autênticos Como a proposta de Hick pode ser pensada Em primeiro lugar é falso pensar que o teísta cristão deve se comprometer com a ideia de que as religiões estão completamente equivocadas Cristãos judeus e mulçumanos afirmam que o teísmo é verdadeiro Neste ponto os cristãos vão defender que judeus e mulçumanos estão corretos Cristãos e 192 O Problema do Pluralismo CRESCER Concentremonos na ideia de salvação uma ideia que é absolutamente central para o pensamento cristão Se definirmos a salvação como o perdão e a aceitação por Deus pela morte expiatória de Jesus então temos a tautologia de que o cristianismo é o único a saber e ensinar a verdade salvífica segundo a qual devemos aceitar Jesus como nosso Senhor e salvador confessar sua morte redentora e ingressar na Igreja entendida como a comunidade dos redimidos na qual abundam os frutos do Espírito Todavia vimos que este círculo de ideias contradiz nossa observação de que os frutos do Espírito parecem ser tão ou tão pouco evidentes fora da Igreja quanto dentro dela Sugiro que deveríamos continuar a seguir a pista fornecida por estes frutos pois Jesus evidentemente se preocupava mais com a vida dos homens e mulheres do que com qualquer conjunto de proposições teológicas que pudessem ter em suas cabeças HICK 2005 p 3940 budistas afirmam que é um dever religioso buscar justiça Neste ponto os cristãos defendem que os budistas estão corretos Como afirma C S Lewis Hick estaria disposto a aceitar isso pois ele pensa que todas as religiões são manifestações da mesma Realidade última Contudo ao mesmo tempo as diferenças entre as religiões são profundas demais para postular que elas estão afirmando a mesma coisa Assim é importante esclarecer algo com que o próprio Hick está de acordo que as religiões não são modos diferentes de ensinar a mesma coisa Como afirma Craig 2010 p 165 qualquer um que estudou religiões comparadas sabe que as cosmovisões propostas são com frequência diametralmente opostas As várias religiões do mundo apresentam visões contraditórias sobre a natureza da realidade última do mundo do ser humano dos valores morais E não é possível afirmar racionalmente que elas defendem as mesmas coisas pois elas fazem afirmações conflitantes que são impossíveis de serem conciliadas Além disso Alvin Plantinga 2018a afirma que a ideia do Real de Hick se mostra epistemologicamente problemática Pois que razões há para pensar que se existe tal ser o Real ele está minimamente preocupado com algo como a salvação da autocentralidade para a centralidade no Real Por que pensar que esse ser está conectado de algum modo com o cristianismo ou com qualquer outra religião Por que pensar que esse ser quer a transformação da existência humana Não poderia ser justamente tal ser o responsável pelo sectarismo racismo ou qualquer outro tipo de opressão Por que pensar que esse não é o caso do Real Como vimos a partir da proposta de Plantinga é verdade que o teísta cristão geralmente pressupõe que há uma diferença epistêmica importante entre a sua posição o cristianismo e a posição dos outros religiosos que discordam dele mesmo que todos os envolvidos estejam igualmente convencidos da veracidade das próprias crenças Afinal no modelo AC e no modelo AC estendido o teísta cristão pensa ter uma fonte de crença garantida que as outras pessoas não têm Ele pensa ter o sensus divinitatis a instigação interna do Espírito Santo as sagradas escrituras fontes de conhecimento que o não cristão parece ignorar de alguma forma Além disso o teísta cristão tem vários bons argumentos em favor da existência de Deus e da veracidade do cristianismo Assim por que ele seria arbitrário em pensar que está em uma posição epistêmica melhor Por que não seria possível com base nessas fontes de conhecimento fazer um julgamento razoável que apontasse que o cristianismo é verdadeiro Talvez o pluralista contraargumentaria que o teísta só pensa deste modo porque foi culturalmente condicionado Se ele tivesse nascido no Paquistão provavelmente seria um mulçumano Mas esse é um exemplo de falácia genética isto é uma falácia que tenta desqualificar uma visão ao mostrar o modo como a pessoa veio a sustentála Pode ser verdade que se o teísta cristão tivesse nascido em outro país ele não seria um teísta cristão O Problema do Pluralismo 193 CRESCER Se você é cristão não precisa acreditar que todas as outras religiões estão simplesmente erradas de cabo a rabo Se você é ateu é obrigado a acreditar que o ponto de vista central de todas as religiões do mundo não passa de um gigantesco erro Se você é cristão está livre para pensar que todas as religiões mesmo as mais esquisitas possuem pelo menos um fundo de verdade Quando eu era ateu tentei me convencer de que a raça humana sempre estivera enganada sobre o assunto que lhe era mais caro quando me tornei cristão pude adotar uma opinião mais liberal sobre o assunto LEWIS 2017a p 67 Contudo como isso desqualifica a crença no cristianismo em si Como afirma Plantinga 2018a p 429 tivesse Einstein nascido no século 18 não teria acreditado na relatividade espacial mas daí nada se segue com respeito à relatividade espacial Craig oferece um exemplo mais claro Além disso a própria ideia de condicionamento cultural quando usada pelo pluralista se mostra irracional Pois se o pluralista tivesse nascido no Paquistão ele provavelmente seria mulçumano se tivesse nascido no Brasil ele provavelmente seria cristão se tivesse nascido no Japão provavelmente seria budista Assim por seu próprio argumento o pluralismo deveria ser desqualificado Problema da intolerância Ainda assim o pluralista pensa que seria arbitrário ou irracional postular que o teísta cristão está em uma posição epistêmica melhor do que aqueles que negam o cristianismo Além disso postulase que há algo de intolerante em pensar assim Para Hick o efeito de encarar a religião como a única factualmente verdadeira possibilita que um grupo específico se sinta privilegiado em contraste com a maioria da raça humana Assim uma crença como a da deidade de Cristo juntamente com o aspecto predatório da natureza humana contribuiu para os males do colonialismo a destruição de civilizações indígenas o antissemitismo as guerras de religião destrutivas e a queima na fogueira de hereges e bruxas HICK 2018 p 389 Contudo o fato de o teísta cristão acreditar na deidade de Cristo e pensar que aqueles discordam disso estão errados não o torna arrogante e egoísta por si só pois o fato de alguém acreditar em algo que outras pessoas não acreditam não faz dele alguém egoísta ou arrogante Essa é a situação humana todos nós acreditamos em coisas importantes de que outras pessoas tão inteligentes e sérias quanto nós discordam Plantinga oferece um exemplo do porquê de o teísta cristão mesmo em face do pluralismo não precisar pensar que sua posição é intelectualmente ou moralmente carente de algum modo 194 O Problema do Pluralismo CRESCER Como um ocidental do século vinte e um você crê que a terra é relativamente esférica e gira em torno do sol Mas se você tivesse nascido na antiga Grécia você teria provavelmente crido que o sol gira em torno da terra e talvez até que a terra fosse plana Assim isso significa que a sua crença de que a terra gira em torno do sol ou de que a terra é redonda é portanto falsa ou injustificada Obviamente não CRAIG 2010 p 167168 Obviamente é preciso conceder que há vários modos em que posso ser e posso ter sido intelectualmente arrogante e egoísta sem dúvida incorri nesse erro no passado e cairei no futuro e não estou livre dele agora Mesmo assim suponha que eu pense toda a questão considere as objeções com todo o cuidado possível perceba minha finitude e além disso pecaminosidade com certeza não sou melhor que as pessoas das quais discordo e de fato sou inferior em sentido moral e intelectual a muitos descrentes de minhas crenças Todavia suponha que ainda me pareça claro que as proposições em questão são verdadeiras sou realmente imoral por continuar a crer Os quacres do século XVIII acreditavam que a escravidão era errada Eles sabiam obviamente que a maioria de Além disso parece haver uma contradição fatal nesse tipo de proposta de Hick Pois ele afirma que alguém que assume a posição de que o teísmo é certo e o budismo é errado constituiria algum tipo de imperialismo intelectual uma maneira de nos exaltarmos a nós mesmos à custa de outras pessoas Mas isso não acontece o tempo todo E o mesmo não pode ser aplicado também à própria posição de Hick Afinal afirmar que os cristãos que afirmam que Deus realmente existe tal como concebido pelo teísmo cristão estão enganados também não constituiria um tipo de exaltação de Hick à custa dos teístas cristãos Ele não está se colocando numa posição epistemicamente melhor ao dizer no que o cristãos podem ou não crer Pense por exemplo na parábola do elefante e dos cegos tal como contada por Hick Como sabemos que os cegos estavam descrevendo o mesmo elefante Como sabemos que os cegos descreviam aspectos do elefante que eram verdadeiros mas cada uma se referindo a aspectos da realidade total o elefante de modo imperfeito Ora é irônico que a parábola do elefante e dos cegos tenha uma falha mortal ela presume exatamente o que está tentando criticar Pois ela afirma que todos os cegos estavam tocando em partes diferentes de um elefante e isso seria uma analogia para as religiões mundiais elas descrevem diferentes partes do Real Mas coloquese na posição da pessoa que viu que cada um dos cegos estava tocando em partes diferentes do elefante o pluralista Ela não se coloca em uma posição epistêmica melhor e mais privilegiada do que os outros Ele não afirma implicitamente estar vendo algo que os outros não estão vendo Quando Hick pede para repensar o cristianismo ele não está se colocando numa posição epistemicamente melhor ou superior ao cristão que acredita literalmente que Jesus encarnou e que ressuscitou dos mortos Assim é verdade que o cristão afirma que sua situação epistêmica é melhor que a mulçumano judeu ou budista Contudo mulçumano judeu ou budista afirmam a mesma coisa E mesmo o pluralista implicitamente defende isso Pois a posição de Hick implica que sua atitude epistêmica sobre o Real é superior à de todas as religiões sua hipótese é que afirmações como Jesus é o caminho a verdade e a vida não são literalmente verdadeiras mas mitologicamente verdadeiras E isso porque as religiões não conseguem descrever o Real tal como ele é em si Mas isso já não seria um tipo de descrição literal Quando Hick afirma que as religiões não fazem descrições literais sobre o Real ele já está fazendo uma descrição literal sobre a relação entre as religiões e o Real E com isso ele se coloca numa posição epistêmica superior Como afirma Sweetman 2013 p 163 o próprio Hick está assumindo uma perspectiva maior pois nos apresenta uma descrição de como as coisas realmente são Um outro problema com a parábola é que ela é uma falsa analogia Pois nenhuma das descrições dos cegos sobre o elefante foi contraditória mas apenas diferentes Mas e se cada um dos cegos fizesse afirmações que contradissessem um ao outro Ainda seria plausível defender que elas estão descrevendo o mesmo elefante Pois esse é o caso das religiões elas fazem afirmações que são diametralmente opostas Cristãos afirmam que Jesus é o Messias judeus negam que Jesus seja o Messias cristãos afirmam que Jesus é o O Problema do Pluralismo 195 CRESCER seus contemporâneos não compartilhava dessa crença e também percebiam não dispor de argumentos para convencêlos Por estarem em descompasso com a maioria eles sem dúvida refletiram com cuidado sobre essa crença Após a reflexão se a escravidão ainda lhes parecesse muito errada eles ainda estariam fazendo algo imoral se continuassem a crer na escravidão como algo errado Penso que não PLANTINGA 2016 p 197198 filho de Deus a segunda pessoa da Trindade mulçumanos afirmam que Jesus era apenas um profeta de Deus Não é possível conciliar logicamente essas afirmações contraditórias Dada nossa efetiva situação humana finita não é possível evitar a discordância séria em assuntos importantes da vida Se algumas pessoas acreditam no teísmo cristão e outras acreditam em algo incompatível com o teísmo cristão eg judaísmo ou budismo não há como evitar a discordância séria entre os dois 196 O Problema do Pluralismo COMPARTILHAR Nesta aula você Compreendeu o problema do pluralismo religioso Analisou as teorias de John Hick e Don Cupitt contra o particularismo ou o inclusivismo cristão Examinou as objeções de Alvin Plantinga Brendan Sweetman e William Lane Craig ao pluralismo religioso CRAIG William Lane Apologética para questões difíceis da vida São Paulo Vida Nova 2010 cap 8 PLANTINGA Alvin Conhecimento e crença cristã Brasília Monergismo 2016 cap 9 PARA CRESCER MAIS 197 ALSTON William Percebendo Deus a experiência religiosa justificada Natal Carisma 2020 ANSELMO A prova ontológica In SMITH P J org Dez provas da existência de Deus São Paulo Alameda 2012 AQUINO Tomás Suma teológica Vol 9 São Paulo Loyola 2001 ARISTÓTELES Ética a Nicômaco São Paulo Edipro 2014 BAGGINI Julian Ateísmo uma breve introdução Porto Alegre LPM 2016 BAGGINI Julian FOSL Peter As ferramentas dos filósofos um compêndio sobre conceitos e métodos filosóficos São Paulo Loyola 2012 BARROW John A origem do universo Rio de Janeiro Rocco 1995 BROWN Raymond A morte do Messias comentário das narrativas da Paixão nos quatro Evangelhos vol II São Paulo Paulinas 2011 CARRIER Richard Provando uma negação Universo racionalista 2014 Disponível em encurtadorcombrkHLX0 Acesso em 01 jan 2022 CALVINO João As Institutas São Paulo Cultura Cristã 2003 CHARLESWORTH Brian CHARLESWORTH Deborah Evolução Porto Alegre LPM 2012 CHURCHLAND Patrícia Epistemology in the Age of Neuroscience Journal of Philosophy vol 84 nº 10 1987 CLIFFORD W C A ética da crença In Cadernos UFS Filosofia Fasc XIII vol 8 ago dez 2010 COPAN Paul Deus é um monstro moral Entendendo Deus no contexto do Antigo Testamento Maceió Sal Cultural 2016 O argumento moral In In BECKWITH F MORELAND JP CRAIG W L Ensaios apologéticos um estudo para uma cosmovisão cristã São Paulo Hagnos 2006 CRAIG William Lane Apologética contemporânea a 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Acesso em 12 jan 2022 Conhecimento e crença cristã Brasília Academia Monergista 2016 Deus a liberdade e o mal São Paulo Vida Nova 2012 Appendix Two Dozen or so Theistic Arguments In BAKER DP Org Alvin Plantinga Cambridge Cambridge University Press 2007 Rationality and Public Evidence Religious Studies v 37 2001 The Prospects for Natural Theology Philosophical Perspectives v 5 1991 God and other minds a study of the rational justification of belief in god Ithaca Cornell University Press 1967 PLANTINGA A TOOLEY M Conhecimento de Deus São Paulo Vida Nova 2014 QUINN Philip Filosofia da Religião In AUDI Robert org Dicionário de Filosofia de Cambridge São Paulo Paulus 2006 Epistemic parity and religious argument Philosophical perspectives v 5 1991 RITCHIE Jack Naturalismo Petrópolis Vozes 2012 REES Martin Apenas seis números as forças profundas que controlam o universo Rio de Janeiro Rocco 2000 ROWE William O problema do mal e algumas variedades de ateísmo In MIRANDA Sérgio Org O problema do Mal uma antologia de textos filosóficos v 1 Marília Poiesis Editora 2013 Introdução à Filosofia da Religião Lisboa Verbo 2011 RUSSELL Bertrand Por que não sou cristão e outros ensaios a respeito da religião e assuntos afins Porto Alegre LPM 2014 Religião e ciência Ribeirão Preto FUNPECEditora 2009 Os problemas da filosofia Lisboa Edições 70 2008 Misticismo e lógica Rio de Janeiro Zahar 1977a Fundamentos de filosofia Rio de Janeiro Zahar 1977b 203 RUSSELL B COPLESTON F A existência de Deus um debate entre Bertrand Russell e o padre F C Copleston da Sociedade de Jesus In RUSSELL Bertrand Por que não sou cristão e outros ensaios a respeito da religião e assuntos afins Porto Alegre LPM 2014 SAGAN Carl Cosmos São Paulo Companhia das Letras 2017 Variedades da experiência científica uma visão pessoal da busca por Deus São Paulo Companhia das Letras 2008 Os dragões do Éden especulações sobre a evolução da inteligência humana Rio de Janeiro Francisco Alves 1987 SARTRE JeanPaul O existencialismo 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probabilidade da ressurreição de Jesus Episteme n 18 Porto Alegre n 18 p 87102 janjun 2004b TALIAFERRO Charles Filosofia da Religião In BUNNIN Nicholas TSUIJAMES E P org Compêndio de Filosofia São Paulo Loyola 2013 TAYLOR Richard Metafísica Rio de Janeiro Zahar 1969 TEREZA DÁVILA Livro da vida São Paulo PenguinCompanhia 2010 204 VERMES Geza Ressurreição Rio de Janeiro Record 2013 WAINWRIGHT William Deísmo In AUDI Robert org Dicionário de Filosofia de Cambridge São Paulo Paulus 2006 WALTERS Kerry Ateísmo um guia para crentes e não crentes São Paulo Paulinas 2015 WIELENBERG Eric Deus e o alcance da razão CS Lewis David Hume e Bertrand Russell São Paulo Ideias Letras 2010 WILSON David Darwins cathedral Evolution Religion and the Nature of Society Chicago University of Chicago Press 2002 WRIGHT N T História e escatologia Jesus e a promessa da Teologia Natural Rio de Janeiro Thomas Nelson Brasil 2021 A ressurreição do filho de Deus Santo André Academia Cristã São Paulo Paulus 2013 Os desafios de Jesus Brasília Palavra 2012 O mal e a justiça de Deus Viçosa Ultimato 2009 ZUCKERMAN Phil Ateísmo números e padrões contemporâneos In MARTIN Michael org Um mundo sem Deus ensaio sobre o Ateísmo Lisboa Edições 70 2010 FACULDADE INTERNACIONAL CIDADE VIVA EAD Certa vez perguntaram ao grande filósofo Bertrand Russell o que ele diria se depois de sua morte fosse levado à presença de Deus posto diante do trono divino e envolto em toda glória e majestade do ambiente lhe fosse pedido que justificasse seu fracasso quando em vida em ter se tornado um crente Eu penso que estaria sonhando respondeu Russell O questionamento continuou Mas suponha que você percebeu que não estava Suponha que Deus estivesse realmente diante de seus olhos sem sombra de dúvidas O que você diria A resposta de Russell foi memorável Não havia evidências suficientes Deus não havia evidências suficientes Suponha agora que você precisa responder à provocação de Russell 1 Escreva uma resposta ao desafio de Russell a partir da proposta de Alvin Plantinga de que a crença em Deus pode ser intelectualmente aceita mesmo na ausência de argumentos e evidências usando os conhecimentos adquiridos entre os módulos 02 e 06 2 Apresenta à Russell uma razão para pensar que Deus existe usando os conhecimentos adquiridos entre os módulos 07 e 11 3 Comente a resposta de pelo menos um outro colega O comentário visa fortalecer a resposta apresentada incluindo algo que foi esquecido trazendo outra perspectiva ignorada acrescentando algo relevante ao argumento ou destacando algum aspecto Ps façam sua postagem em um texto único e caprichado Caso vocês tenham alguma dúvida peço que coloquem no fórum de dúvidas e não aqui Deixem esse fórum exclusivamente para responder a questão proposta e interagir com os colegas sobre o tópico proposto Além disso vocês devem ter estudado até o módulo 11 a fim de responder essa atividade Não esqueçam de colocar as referências da pesquisa de vocês Boa avaliação a todos Segundo a epistemologia reformada proposta por Alvin Plantinga a exigência por evidências suficientes talvez não seja o único caminho válido para o conhecimento de Deus Plantinga argumenta que assim como confiamos diretamente em nossas faculdades cognitivas para perceber o mundo físico também podemos estar justificados racionalmente em crer em Deus sem a necessidade de inferência ou argumento lógico Ele chama isso de crença basicamente adequada uma crença que nasce de faculdades cognitivas funcionando adequadamente em um ambiente propício conforme o propósito para o qual foram criadas A crença em Deus pode portanto ser racional e epistemicamente justificada mesmo sem argumentos evidenciais explícitos Assim como confiamos diretamente na memória percepção ou empatia o crente pode ter uma experiência do divino que fundamente sua fé de maneira racional A ausência de evidência para Plantinga não é necessariamente evidência de ausência Um argumento mais tradicional para dar a Russel mais razões de que Deus existe é o Argumento Cosmológico Kalam Tudo que começa a existir tem uma causa O Universo começou a existir Logo o Universo tem uma causa Essa causa que transcende o tempo o espaço e a matéria não pode ser o próprio Universo Como mostram os avanços da cosmologia moderna especialmente a teoria do Big Bang o Universo teve um início há aproximadamente 138 bilhões de anos O físico Robert Jastrow afirmou que a evidência astronômica leva a uma visão bíblica da origem do mundo e Stephen Hawking reconheceu que a ideia de um começo no tempo sugere a necessidade de um Criador Se o nada absoluto não tem poder causal então o surgimento do Universo exige uma causa externa a ele eterna imaterial e pessoal o que muitos identificam como Deus Assim mesmo no campo da ciência não faltam razões que apontem para a existência de uma Causa Primeira Outra ponto é o argumento moral conforme apresentado por C S Lewis e reformulado na filosofia analítica Se há valores morais objetivos e muitos reconhecem que há então é razoável pensar que eles são fundamentados em algo além de preferências humanas Deus se apresenta como a melhor explicação para a existência de um padrão moral objetivo e universal Referências PLANTINGA Alvin Warranted Christian Belief Oxford Oxford University Press 2000 PLANTINGA Alvin Deus liberdade e o mal São Paulo Vida Nova 2017 LEWIS CS Cristianismo puro e simples São Paulo Martins Fontes 2001 CRAIG William Lane Em guarda Defenda a fé cristã com razão e precisão Vida Nova 2010 HICK John God Has Many Names Westminster John Knox Press 1982 JASTROW R 1992 God and the Astronomers W W Norton Company HAWKING S 1988 Uma Breve História do Tempo Rocco SMITH Q 2010 Theism Atheism and Big Bang Cosmology Oxford University Press httpsficvedubr 83 32467471 suporteeadcidadevivaorg Copyright 2024 Faculdade Internacional Cidade Viva Todos os direitos reservados Contate o suporte do site Baixar o aplicativo móvel Participantes Notas Fórum da AV2 Assinar este fórum Ver notas Fórum da AV2 sexta 10 jan 2025 1653 Olá minha gente Certa vez perguntaram ao grande filósofo Bertrand Russell o que ele diria se depois de sua morte fosse levado à presença de Deus posto diante do trono divino e envolto em toda glória e majestade do ambiente lhe fosse pedido que justificasse seu fracasso quando em vida em ter se tornado um crente Eu penso que estaria sonhando respondeu Russell O questionamento continuou Mas suponha que você percebeu que não estava Suponha que Deus estivesse realmente diante de seus olhos sem sombra de dúvidas O que você diria A resposta de Russell foi memorável Não havia evidências suficientes Deus não havia evidências suficientes Suponha agora que você precisa responder à provocação de Russell 1 Escreva uma resposta ao desafio de Russell a partir da proposta de Alvin Plantinga de que a crença em Deus pode ser intelectualmente aceita mesmo na ausência de argumentos e evidências usando os conhecimentos adquiridos entre os módulos 02 e 06 2 Apresenta à Russell uma razão para pensar que Deus existe usando os conhecimentos adquiridos entre os módulos 07 e 11 3 Comente a resposta de pelo menos um outro colega O comentário visa fortalecer a resposta apresentada incluindo algo que foi esquecido trazendo outra perspectiva ignorada acrescentando algo relevante ao argumento ou destacando algum aspecto Ps façam sua postagem em um texto único e caprichado Caso vocês tenham alguma dúvida peço que coloquem no fórum de dúvidas e não aqui Deixem esse fórum exclusivamente para responder a questão proposta e interagir com os colegas sobre o tópico proposto Além disso vocês devem ter estudado até o módulo 11 a fim de responder essa atividade Não esqueçam de colocar as referências da pesquisa de vocês Boa avaliação a todos Link direto Re Fórum da AV2 por Vladmiro Ventura Caluyombo segunda 14 abr 2025 1456 1 Resposta ao desafio de Russell A proposta de Alvin Plantinga sugere que a crença em Deus pode ser considerada uma crença justificada mesmo sem evidências empíricas concretas Plantinga argumenta que a crença em Deus é uma crença básica que pode ser percebida como verdadeira de forma imediata semelhante a crenças sobre o mundo físico Assim a experiência pessoal a intuição e a sensibilidade espiritual podem fornecer uma forma de conhecimento que transcende a evidência empírica Portanto mesmo na ausência de provas tangíveis a crença em Deus pode ser racional e intelectualmente válida 2 Razão para pensar que Deus existe Um argumento clássico que pode ser apresentado a Russell é o argumento cosmológico que sugere que tudo que existe tem uma causa Se olharmos para o universo tudo que observamos parece ter uma origem A questão que se coloca é qual é a causa do universo A resposta mais lógica segundo muitos filósofos e teólogos é que essa causa não pode ser outra coisa senão Deus Esse argumento não apenas aponta para a necessidade de uma causa primeira mas também sugere que essa causa deve ser transcendente e não limitada pelo tempo e espaço características atribuídas a um ser divino 3 Comentário sobre a resposta de um colega Eu gostaria de destacar um ponto que talvez não tenha sido considerado na resposta do colega Além da crença básica defendida por Plantinga é importante mencionar que muitos filósofos contemporâneos como William Lane Craig defendem a ideia de que a experiência religiosa pessoal pode servir como uma evidência subjetiva da existência de Deus Essa experiência embora não empírica é profundamente transformadora e significativa para muitos indivíduos Portanto a experiência subjetiva não deve ser desconsiderada na discussão sobre a existência de Deus pois pode oferecer um suporte adicional à crença Russell B 1903 The Principles of Mathematic Boolos G Burgess J P Jeffrey R C 2002 Computability and Logic Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Filipe Elton Fernandes Lordao quinta 17 abr 2025 1044 A provocação de Bertrand Russell é instigante e desafiadora especialmente porque coloca em xeque a racionalidade da crença em Deus diante da suposta ausência de evidências No entanto essa crítica pode ser enfrentada com seriedade e profundidade a partir da filosofia da religião contemporânea especialmente com a contribuição de Alvin Plantinga um dos mais influentes filósofos cristãos do século XX 1 A crença em Deus como racional sem evidências Plantinga e o modelo AC Segundo Plantinga por meio do chamado modelo AC AquinasCalvino a crença em Deus pode ser apropriadamente básica isto é pode ser racionalmente aceita mesmo na ausência de argumentos e evidências explícitas Ele compara essa crença a outras crenças básicas que temos na vida cotidiana como acreditar que o mundo externo existe que outras pessoas têm mente ou que o passado aconteceu nenhuma das quais exige provas formais para serem razoáveis Plantinga defende que Deus dotou os seres humanos de uma faculdade natural de perceber Sua existência o que ele chama de sensus divinitatis Essa faculdade embora obscurecida pelo pecado pode operar em circunstâncias normais levandonos a crer em Deus de maneira imediata sem mediação de raciocínios complexos Por fim mesmo que Bertrand Russell afirme que não havia evidências suficientes o teísta pode responder que a crença em Deus não depende apenas de evidências externas mas pode ser fruto de um tipo de conhecimento direto e básico tão confiável quanto nossas crenças sensoriais ou morais 2 Uma razão positiva para crer o argumento da contingência Além da defesa da racionalidade da crença sem evidência é possível apresentar a Russell uma razão filosófica robusta para crer na existência de Deus o argumento da contingência reformulado por pensadores como Richard Swinburne e Thomas Nagel Esse argumento parte da constatação de que o universo é contingente ou seja ele poderia não existir e nada nele parece necessário em si mesmo Tudo aquilo que é contingente requer uma explicação fora de si Assim o conjunto de todas as coisas contingentes não pode ser explicado por outra coisa também contingente Logo deve haver um ser necessário que existe por si mesmo e que é a causa do universo Esse ser é o que chamamos de Deus Essa explicação vai além das causas físicas e científicas oferecendo uma razão metafísica fundamental para a existência de tudo o que há Portanto não é irracional crer em Deus mas sim perfeitamente coerente com a busca por explicações últimas sobre a realidade 3 Resposta ao comentário do colega O colega acima levantou um ponto interessante sobre a experiência religiosa pessoal e seu papel como uma evidência subjetiva da existência de Deus Concordo que muitos filósofos contemporâneos como William Lane Craig argumentam que a experiência de Deus pode de fato funcionar como um suporte válido à crença mesmo que não seja empírica Essa experiência pessoal embora não seja evidência objetiva no sentido tradicional tem um peso significativo para aqueles que a vivenciam Ela pode ser transformadora e para muitos serve como uma convicção interna de que Deus existe No entanto gostaria de destacar que a experiência religiosa não está isolada de outros argumentos teológicos como os apresentados por Plantinga que afirmam que crenças religiosas podem ser apropriadamente básicas e racionais Ou seja a experiência subjetiva de Deus pode ser entendida dentro de um quadro mais amplo em que a crença em Deus é também uma crença que se justifica por meio da natureza humana e da experiência religiosa Assim a experiência religiosa não apenas complementa mas também se encaixa em uma estrutura de crença racional de acordo com as propostas de Plantinga Portanto ao considerar a existência de Deus a experiência religiosa subjetiva é um elemento legítimo a ser incluído na discussão mas deve ser analisada em conjunto com outras evidências e abordagens filosóficas como o argumento da contingência a racionalidade da crença básica e o problema do mal Referências PLANTINGA Alvin Warranted Christian Belief Oxford University Press 2000 PLANTINGA Alvin Deus e outras mentes Vida Nova 2011 SWINBURNE Richard The Existence of God Oxford University Press 2004 HICK John Philosophy of Religion Prentice Hall 2004 RUSSELL Bertrand Why I Am Not a Christian George Allen Unwin 1927 CRAIG William Lane Reasonable Faith Crossway 2008 Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Hiago Aquino De Morais quinta 24 abr 2025 2208 Muito bom Achei muito pertinente sua articulação entre a crítica de Russell e as propostas de Plantinga especialmente com o modelo AC e a ideia de crença apropriadamente básica Também considero interessante como você relacionou a experiência religiosa subjetiva a um quadro racional mais amplo isso enriquece bastante o debate sobre a racionalidade da fé Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Hiago Aquino De Morais quinta 24 abr 2025 2201 Segundo a epistemologia reformada proposta por Alvin Plantinga a exigência por evidências suficientes talvez não seja o único caminho válido para o conhecimento de Deus Plantinga argumenta que assim como confiamos diretamente em nossas faculdades cognitivas para perceber o mundo físico também podemos estar justificados racionalmente em crer em Deus sem a necessidade de inferência ou argumento lógico Ele chama isso de crença basicamente adequada uma crença que nasce de faculdades cognitivas funcionando adequadamente em um ambiente propício conforme o propósito para o qual foram criadas A crença em Deus pode portanto ser racional e epistemicamente justificada mesmo sem argumentos evidenciais explícitos Assim como confiamos diretamente na memória percepção ou empatia o crente pode ter uma experiência do divino que fundamente sua fé de maneira racional A ausência de evidência para Plantinga não é necessariamente evidência de ausência Um argumento mais tradicional para dar a Russel mais razões de que Deus existe é o Argumento Cosmológico Kalam Tudo que começa a existir tem uma causa O Universo começou a existir Logo o Universo tem uma causa Essa causa que transcende o tempo o espaço e a matéria não pode ser o próprio Universo Como mostram os avanços da cosmologia moderna especialmente a teoria do Big Bang o Universo teve um início há aproximadamente 138 bilhões de anos O físico Robert Jastrow afirmou que a evidência astronômica leva a uma visão bíblica da origem do mundo e Stephen Hawking reconheceu que a ideia de um começo no tempo sugere a necessidade de um Criador Se o nada absoluto não tem poder causal então o surgimento do Universo exige uma causa externa a ele eterna imaterial e pessoal o que muitos identificam como Deus Assim mesmo no campo da ciência não faltam razões que apontem para a existência de uma Causa Primeira Outra ponto é o argumento moral conforme apresentado por C S Lewis e reformulado na filosofia analítica Se há valores morais objetivos e muitos reconhecem que há então é razoável pensar que eles são fundamentados em algo além de preferências humanas Deus se apresenta como a melhor explicação para a existência de um padrão moral objetivo e universal Referências PLANTINGA Alvin Warranted Christian Belief Oxford Oxford University Press 2000 PLANTINGA Alvin Deus liberdade e o mal São Paulo Vida Nova 2017 LEWIS CS Cristianismo puro e simples São Paulo Martins Fontes 2001 CRAIG William Lane Em guarda Defenda a fé cristã com razão e precisão Vida Nova 2010 HICK John God Has Many Names Westminster John Knox Press 1982 JASTROW R 1992 God and the Astronomers W W Norton Company HAWKING S 1988 Uma Breve História do Tempo Rocco SMITH Q 2010 Theism Atheism and Big Bang Cosmology Oxford University Press Link direto Mostrar principal Vencimento sexta 13 jun 2025 2359 Mostrar respostas aninhadas Responder Responder Responder Responder Responder Seguir para Painel Minhas disciplinas Faculdade Internacional Cidade Viva EAD Graduação Teologia TEOLOGIA EAD 20251 P4 FIL Avaliação 2 Fórum da AV2 Buscar no fórum AV1 Módulo 13 Módulo 14 Rótulo O problema do mal AV1 Módulo 14 Módulo 15 Rótulo AV1 Módulo 15 Avaliação 2 Fórum da AV2 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precisa responder à provocação de Russell 1 Escreva uma resposta ao desafio de Russell a partir da proposta de Alvin Plantinga de que a crença em Deus pode ser intelectualmente aceita mesmo na ausência de argumentos e evidências usando os conhecimentos adquiridos entre os módulos 02 e 06 2 Apresenta à Russell uma razão para pensar que Deus existe usando os conhecimentos adquiridos entre os módulos 07 e 11 3 Comente a resposta de pelo menos um outro colega O comentário visa fortalecer a resposta apresentada incluindo algo que foi esquecido trazendo outra perspectiva ignorada acrescentando algo relevante ao argumento ou destacando algum aspecto Ps façam sua postagem em um texto único e caprichado Caso vocês tenham alguma dúvida peço que coloquem no fórum de dúvidas e não aqui Deixem esse fórum exclusivamente para responder a questão proposta e interagir com os colegas sobre o tópico proposto Além disso vocês devem ter estudado até o módulo 11 a fim de responder essa atividade Não 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se coloca é qual é a causa do universo A resposta mais lógica segundo muitos filósofos e teólogos é que essa causa não pode ser outra coisa senão Deus Esse argumento não apenas aponta para a necessidade de uma causa primeira mas também sugere que essa causa deve ser transcendente e não limitada pelo tempo e espaço características atribuídas a um ser divino 3 Comentário sobre a resposta de um colega Eu gostaria de destacar um ponto que talvez não tenha sido considerado na resposta do colega Além da crença básica defendida por Plantinga é importante mencionar que muitos filósofos contemporâneos como William Lane Craig defendem a ideia de que a experiência religiosa pessoal pode servir como uma evidência subjetiva da existência de Deus Essa experiência embora não empírica é profundamente transformadora e significativa para muitos indivíduos Portanto a experiência subjetiva não deve ser desconsiderada na discussão sobre a existência de Deus pois pode oferecer um suporte adicional à crença Russell B 1903 The Principles of Mathematic Boolos G Burgess J P Jeffrey R C 2002 Computability and Logic Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Filipe Elton Fernandes Lordao quinta 17 abr 2025 1044 A provocação de Bertrand Russell é instigante e desafiadora especialmente porque coloca em xeque a racionalidade da crença em Deus diante da suposta ausência de evidências No entanto essa crítica pode ser enfrentada com seriedade e profundidade a partir da filosofia da religião contemporânea especialmente com a contribuição de Alvin Plantinga um dos mais influentes filósofos cristãos do século XX 1 A crença em Deus como racional sem evidências Plantinga e o modelo AC Segundo Plantinga por meio do chamado modelo AC AquinasCalvino a crença em Deus pode ser apropriadamente básica isto é pode ser racionalmente aceita mesmo na ausência de argumentos e evidências explícitas Ele compara essa crença a outras crenças básicas que temos na vida cotidiana como acreditar que o mundo externo existe que outras pessoas têm mente ou que o passado aconteceu nenhuma das quais exige provas formais para serem razoáveis Plantinga defende que Deus dotou os seres humanos de uma faculdade natural de perceber Sua existência o que ele chama de sensus divinitatis Essa faculdade embora obscurecida pelo pecado pode operar em circunstâncias normais levandonos a crer em Deus de maneira imediata sem mediação de raciocínios complexos Por fim mesmo que Bertrand Russell afirme que não havia evidências suficientes o teísta pode responder que a crença em Deus não depende apenas de evidências externas mas pode ser fruto de um tipo de conhecimento direto e básico tão confiável quanto nossas crenças sensoriais ou morais 2 Uma razão positiva para crer o argumento da contingência Além da defesa da racionalidade da crença sem evidência é possível apresentar a Russell uma razão filosófica robusta para crer na existência de Deus o argumento da contingência reformulado por pensadores como Richard Swinburne e Thomas Nagel Esse argumento parte da constatação de que o universo é contingente ou seja ele poderia não existir e nada nele parece necessário em si mesmo Tudo aquilo que é contingente requer uma explicação fora de si Assim o conjunto de todas as coisas contingentes não pode ser explicado por outra coisa também contingente Logo deve haver um ser necessário que existe por si mesmo e que é a causa do universo Esse ser é o que chamamos de Deus Essa explicação vai além das causas físicas e científicas oferecendo uma razão metafísica fundamental para a existência de tudo o que há Portanto não é irracional crer em Deus mas sim perfeitamente coerente com a busca por explicações últimas sobre a realidade 3 Resposta ao comentário do colega O colega acima levantou um ponto interessante sobre a experiência religiosa pessoal e seu papel como uma evidência subjetiva da existência de Deus Concordo que muitos filósofos contemporâneos como William Lane Craig argumentam que a experiência de Deus pode de fato funcionar como um suporte válido à crença mesmo que não seja empírica Essa experiência pessoal embora não seja evidência objetiva no sentido tradicional tem um peso significativo para aqueles que a vivenciam Ela pode ser transformadora e para muitos serve como uma convicção interna de que Deus existe No entanto gostaria de destacar que a experiência religiosa não está isolada de outros argumentos teológicos como os apresentados por Plantinga que afirmam que crenças religiosas podem ser apropriadamente básicas e racionais Ou seja a experiência subjetiva de Deus pode ser entendida dentro de um quadro mais amplo em que a crença em Deus é também uma crença que se justifica por meio da natureza humana e da experiência religiosa Assim a experiência religiosa não apenas complementa mas também se encaixa em uma estrutura de crença racional de acordo com as propostas de Plantinga Portanto ao considerar a existência de Deus a experiência religiosa subjetiva é um elemento legítimo a ser incluído na discussão mas deve ser analisada em conjunto com outras evidências e abordagens filosóficas como o argumento da contingência a racionalidade da crença básica e o problema do mal Referências PLANTINGA Alvin Warranted Christian Belief Oxford University Press 2000 PLANTINGA Alvin Deus e outras mentes Vida Nova 2011 SWINBURNE Richard The Existence of God Oxford University Press 2004 HICK John Philosophy of Religion Prentice Hall 2004 RUSSELL Bertrand Why I Am Not a Christian George Allen Unwin 1927 CRAIG William Lane Reasonable Faith Crossway 2008 Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Hiago Aquino De Morais quinta 24 abr 2025 2208 Muito bom Achei muito pertinente sua articulação entre a crítica de Russell e as propostas de Plantinga especialmente com o modelo AC e a ideia de crença apropriadamente básica Também considero interessante como você relacionou a experiência religiosa subjetiva a um quadro racional mais amplo isso enriquece bastante o debate sobre a racionalidade da fé Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Hiago Aquino De Morais quinta 24 abr 2025 2201 Segundo a epistemologia reformada proposta por Alvin Plantinga a exigência por evidências suficientes talvez não seja o único caminho válido para o conhecimento de Deus Plantinga argumenta que assim como confiamos diretamente em nossas faculdades cognitivas para perceber o mundo físico também podemos estar justificados racionalmente em crer em Deus sem a necessidade de inferência ou argumento lógico Ele chama isso de crença basicamente adequada uma crença que nasce de faculdades cognitivas funcionando adequadamente em um ambiente propício conforme o propósito para o qual foram criadas A crença em Deus pode portanto ser racional e epistemicamente justificada mesmo sem argumentos evidenciais explícitos Assim como confiamos diretamente na memória percepção ou empatia o crente pode ter uma experiência do divino que fundamente sua fé de maneira racional A ausência de evidência para Plantinga não é necessariamente evidência de ausência Um argumento mais tradicional para dar a Russel mais razões de que Deus existe é o Argumento Cosmológico Kalam Tudo que começa a existir tem uma causa O Universo começou a existir Logo o Universo tem uma causa Essa causa que transcende o tempo o espaço e a matéria não pode ser o próprio Universo Como mostram os avanços da cosmologia moderna especialmente a teoria do Big Bang o Universo teve um início há aproximadamente 138 bilhões de anos O físico Robert Jastrow afirmou que a evidência astronômica leva a uma visão bíblica da origem do mundo e Stephen Hawking reconheceu que a ideia de um começo no tempo sugere a necessidade de um Criador Se o nada absoluto não tem poder causal então o surgimento do Universo exige uma causa externa a ele eterna imaterial e pessoal o que muitos identificam como Deus Assim mesmo no campo da ciência não faltam razões que apontem para a existência de uma Causa Primeira Outra ponto é o argumento moral conforme apresentado por C S Lewis e reformulado na filosofia analítica Se há valores morais objetivos e muitos reconhecem que há então é razoável pensar que eles são fundamentados em algo além de preferências humanas Deus se apresenta como a melhor explicação para a existência de um padrão moral objetivo e universal Referências PLANTINGA Alvin Warranted Christian Belief Oxford Oxford University Press 2000 PLANTINGA Alvin Deus liberdade e o mal São Paulo Vida Nova 2017 LEWIS CS Cristianismo puro e simples São Paulo Martins Fontes 2001 CRAIG William Lane Em guarda Defenda a fé cristã com razão e precisão Vida Nova 2010 HICK John God Has Many Names Westminster John Knox Press 1982 JASTROW R 1992 God and the Astronomers W W Norton Company HAWKING S 1988 Uma Breve História do Tempo Rocco SMITH Q 2010 Theism Atheism and Big Bang Cosmology Oxford University Press Link direto Mostrar principal Vencimento sexta 13 jun 2025 2359 Mostrar respostas aninhadas Responder Responder 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respondeu Russell O questionamento continuou Mas suponha que você percebeu que não estava Suponha que Deus estivesse realmente diante de seus olhos sem sombra de dúvidas O que você diria A resposta de Russell foi memorável Não havia evidências suficientes Deus não havia evidências suficientes Suponha agora que você precisa responder à provocação de Russell 1 Escreva uma resposta ao desafio de Russell a partir da proposta de Alvin Plantinga de que a crença em Deus pode ser intelectualmente aceita mesmo na ausência de argumentos e evidências usando os conhecimentos adquiridos entre os módulos 02 e 06 2 Apresenta à Russell uma razão para pensar que Deus existe usando os conhecimentos adquiridos entre os módulos 07 e 11 3 Comente a resposta de pelo menos um outro colega O comentário visa fortalecer a resposta apresentada incluindo algo que foi esquecido trazendo outra perspectiva ignorada acrescentando algo relevante ao argumento ou destacando algum aspecto Ps façam sua postagem em um texto único e caprichado Caso vocês tenham alguma dúvida peço que coloquem no fórum de dúvidas e não aqui Deixem esse fórum exclusivamente para responder a questão proposta e interagir com os colegas sobre o tópico proposto Além disso vocês devem ter estudado até o módulo 11 a fim de responder essa atividade Não esqueçam de colocar as referências da pesquisa de vocês Boa avaliação a todos Link direto Re Fórum da AV2 por Vladmiro Ventura Caluyombo segunda 14 abr 2025 1456 1 Resposta ao desafio de Russell A proposta de Alvin Plantinga sugere que a crença em Deus pode ser considerada uma crença justificada mesmo sem evidências empíricas concretas Plantinga argumenta que a crença em Deus é uma crença básica que pode ser percebida como verdadeira de forma imediata semelhante a crenças sobre o mundo físico Assim a experiência pessoal a intuição e a sensibilidade espiritual podem fornecer uma forma de conhecimento que transcende a evidência empírica Portanto mesmo na ausência de provas tangíveis a crença em Deus pode ser racional e intelectualmente válida 2 Razão para pensar que Deus existe Um argumento clássico que pode ser apresentado a Russell é o argumento cosmológico que sugere que tudo que existe tem uma causa Se olharmos para o universo tudo que observamos parece ter uma origem A questão que se coloca é qual é a causa do universo A resposta mais lógica segundo muitos filósofos e teólogos é que essa causa não pode ser outra coisa senão Deus Esse argumento não apenas aponta para a necessidade de uma causa primeira mas também sugere que essa causa deve ser transcendente e não limitada pelo tempo e espaço características atribuídas a um ser divino 3 Comentário sobre a resposta de um colega Eu gostaria de destacar um ponto que talvez não tenha sido considerado na resposta do colega Além da crença básica defendida por Plantinga é importante mencionar que muitos filósofos contemporâneos como William Lane Craig defendem a ideia de que a experiência religiosa pessoal pode servir como uma evidência subjetiva da existência de Deus Essa experiência embora não empírica é profundamente transformadora e significativa para muitos indivíduos Portanto a experiência subjetiva não deve ser desconsiderada na discussão sobre a existência de Deus pois pode oferecer um suporte adicional à crença Russell B 1903 The Principles of Mathematic Boolos G Burgess J P Jeffrey R C 2002 Computability and Logic Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Filipe Elton Fernandes Lordao quinta 17 abr 2025 1044 A provocação de Bertrand Russell é instigante e desafiadora especialmente porque coloca em xeque a racionalidade da crença em Deus diante da suposta ausência de evidências No entanto essa crítica pode ser enfrentada com seriedade e profundidade a partir da filosofia da religião contemporânea especialmente com a contribuição de Alvin Plantinga um dos mais influentes filósofos cristãos do século XX 1 A crença em Deus como racional sem evidências Plantinga e o modelo AC Segundo Plantinga por meio do chamado modelo AC AquinasCalvino a crença em Deus pode ser apropriadamente básica isto é pode ser racionalmente aceita mesmo na ausência de argumentos e evidências explícitas Ele compara essa crença a outras crenças básicas que temos na vida cotidiana como acreditar que o mundo externo existe que outras pessoas têm mente ou que o passado aconteceu nenhuma das quais exige provas formais para serem razoáveis Plantinga defende que Deus dotou os seres humanos de uma faculdade natural de perceber Sua existência o que ele chama de sensus divinitatis Essa faculdade embora obscurecida pelo pecado pode operar em circunstâncias normais levandonos a crer em Deus de maneira imediata sem mediação de raciocínios complexos Por fim mesmo que Bertrand Russell afirme que não havia evidências suficientes o teísta pode responder que a crença em Deus não depende apenas de evidências externas mas pode ser fruto de um tipo de conhecimento direto e básico tão confiável quanto nossas crenças sensoriais ou morais 2 Uma razão positiva para crer o argumento da contingência Além da defesa da racionalidade da crença sem evidência é possível apresentar a Russell uma razão filosófica robusta para crer na existência de Deus o argumento da contingência reformulado por pensadores como Richard Swinburne e Thomas Nagel Esse argumento parte da constatação de que o universo é contingente ou seja ele poderia não existir e nada nele parece necessário em si mesmo Tudo aquilo que é contingente requer uma explicação fora de si Assim o conjunto de todas as coisas contingentes não pode ser explicado por outra coisa também contingente Logo deve haver um ser necessário que existe por si mesmo e que é a causa do universo Esse ser é o que chamamos de Deus Essa explicação vai além das causas físicas e científicas oferecendo uma razão metafísica fundamental para a existência de tudo o que há Portanto não é irracional crer em Deus mas sim perfeitamente coerente com a busca por explicações últimas sobre a realidade 3 Resposta ao comentário do colega O colega acima levantou um ponto interessante sobre a experiência religiosa pessoal e seu papel como uma evidência subjetiva da existência de Deus Concordo que muitos filósofos contemporâneos como William Lane Craig argumentam que a experiência de Deus pode de fato funcionar como um suporte válido à crença mesmo que não seja empírica Essa experiência pessoal embora não seja evidência objetiva no sentido tradicional tem um peso significativo para aqueles que a vivenciam Ela pode ser transformadora e para muitos serve como uma convicção interna de que Deus existe No entanto gostaria de destacar que a experiência religiosa não está isolada de outros argumentos teológicos como os apresentados por Plantinga que afirmam que crenças religiosas podem ser apropriadamente básicas e racionais Ou seja a experiência subjetiva de Deus pode ser entendida dentro de um quadro mais amplo em que a crença em Deus é também uma crença que se justifica por meio da natureza humana e da experiência religiosa Assim a experiência religiosa não apenas complementa mas também se encaixa em uma estrutura de crença racional de acordo com as propostas de Plantinga Portanto ao considerar a existência de Deus a experiência religiosa subjetiva é um elemento legítimo a ser incluído na discussão mas deve ser analisada em conjunto com outras evidências e abordagens filosóficas como o argumento da contingência a racionalidade da crença básica e o problema do mal Referências PLANTINGA Alvin Warranted Christian Belief Oxford University Press 2000 PLANTINGA Alvin Deus e outras mentes Vida Nova 2011 SWINBURNE Richard The Existence of God Oxford University Press 2004 HICK John Philosophy of Religion Prentice Hall 2004 RUSSELL Bertrand Why I Am Not a Christian George Allen Unwin 1927 CRAIG William Lane Reasonable Faith Crossway 2008 Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Hiago Aquino De Morais quinta 24 abr 2025 2208 Muito bom Achei muito pertinente sua articulação entre a crítica de Russell e as propostas de Plantinga especialmente com o modelo AC e a ideia de crença apropriadamente básica Também considero interessante como você relacionou a experiência religiosa subjetiva a um quadro racional mais amplo isso enriquece bastante o debate sobre a racionalidade da fé Link direto Mostrar principal Re Fórum da AV2 por Hiago Aquino De Morais quinta 24 abr 2025 2201 Segundo a epistemologia reformada proposta por Alvin Plantinga a exigência por evidências suficientes talvez não seja o único caminho válido para o conhecimento de Deus Plantinga argumenta que assim como confiamos diretamente em nossas faculdades cognitivas para perceber o mundo físico também podemos estar justificados racionalmente em crer em Deus sem a necessidade de inferência ou argumento lógico Ele chama isso de crença basicamente adequada uma crença que nasce de faculdades cognitivas funcionando adequadamente em um ambiente propício conforme o propósito para o qual foram criadas A crença em Deus pode portanto ser racional e epistemicamente justificada mesmo sem argumentos evidenciais explícitos Assim como confiamos diretamente na memória percepção ou empatia o crente pode ter uma experiência do divino que fundamente sua fé de maneira racional A ausência de evidência para Plantinga não é necessariamente evidência de ausência Um argumento mais tradicional para dar a Russel mais razões de que Deus existe é o Argumento Cosmológico Kalam Tudo que começa a existir tem uma causa O Universo começou a existir Logo o Universo tem uma causa Essa causa que transcende o tempo o espaço e a matéria não pode ser o próprio Universo Como mostram os avanços da cosmologia moderna especialmente a teoria do Big Bang o Universo teve um início há aproximadamente 138 bilhões de anos O físico Robert Jastrow afirmou que a evidência astronômica leva a uma visão bíblica da origem do mundo e Stephen Hawking reconheceu que a ideia de um começo no tempo sugere a necessidade de um Criador Se o nada absoluto não tem poder causal então o surgimento do Universo exige uma causa externa a ele eterna imaterial e pessoal o que muitos identificam como Deus Assim mesmo no campo da ciência não faltam razões que apontem para a existência de uma Causa Primeira Outra ponto é o argumento moral conforme apresentado por C S Lewis e reformulado na filosofia analítica Se há valores morais objetivos e muitos reconhecem que há então é razoável pensar que eles são fundamentados em algo além de preferências humanas Deus se apresenta como a melhor explicação para a existência de um padrão moral objetivo e universal Referências PLANTINGA Alvin Warranted Christian Belief Oxford Oxford University Press 2000 PLANTINGA Alvin Deus liberdade e o mal São Paulo Vida Nova 2017 LEWIS CS Cristianismo puro e simples São Paulo Martins Fontes 2001 CRAIG William Lane Em guarda Defenda a fé cristã com razão e precisão Vida Nova 2010 HICK John God Has Many Names Westminster John Knox Press 1982 JASTROW R 1992 God and the Astronomers W W Norton Company HAWKING S 1988 Uma Breve História do Tempo Rocco SMITH Q 2010 Theism Atheism and Big Bang Cosmology Oxford University Press Link direto Mostrar principal Vencimento sexta 13 jun 2025 2359 Mostrar respostas aninhadas Responder Responder Responder Responder Responder Seguir para Painel Minhas disciplinas Faculdade Internacional Cidade Viva EAD Graduação Teologia TEOLOGIA EAD 20251 P4 FIL Avaliação 2 Fórum da AV2 Buscar no fórum AV1 Módulo 13 Módulo 14 Rótulo O problema do mal AV1 Módulo 14 Módulo 15 Rótulo AV1 Módulo 15 Avaliação 2 Fórum da AV2 Avaliação 3 Agendamento da AV3 Prova final Prova final ATIVIDADE DE FILISOFIA A provocação de Bertrand Russell sobre a racionalidade da crença em Deus na ausência de evidências investigáveis tem sido um ponto de debate na filosofia da religião Assim a literatura aborda essa questão de maneira inovadora através de sua epistemologia reformada conforme discutido no livro Filosofia da Religião de Bruno Ribeiro Nascimento e também em suas próprias obras É argumentado que a crença em Deus é uma crença apropriadamente básica similar a outras crenças fundamentais que aceitamos sem a necessidade de evidências empíricas explícitas como a existência de outras mentes ou a realidade do mundo externo NASCIMENTO P 59 PLANTINGA 2000 Resposta ao Desafio de Russell A epistemologia reformada de Plantinga como exposta no livro Warranted Christian Belief postula que a crença em Deus pode ser considerada racional mesmo sem evidências concretas pois como outras crenças básicas ela é instilada naturalmente pelo sensus divinitatis Nascimento p372022 em sua explanação afirma que essas crenças surgem naturalmente de nossas faculdades cognitivas funcionando apropriadamente Essa abordagem desafia a perspectiva evidencialista como apresentado por Russell em Why I Am Not a Christian onde ele demanda evidências para a crença teísta RUSSELL 1927 Plantinga essencialmente expande o escopo do que pode ser considerado racional ao sugerir que o ser humano foi projetado com a capacidade inata de perceber o divino PLANTINGA 2017 Razão para Pensar que Deus Existe O argumento cosmológico como discutido por William Lane Craig em Em Guarda sustenta que tudo o que começa a existir requer uma causa e o universo tendo tido um início requer uma causa transcendente Deus A cosmologia moderna com a teoria do Big Bang oferece suporte a esta ideia postulando uma origem do universo Plantinga reforça este conceito ao dizer que uma causa transcendente fornece uma estrutura robusta de sustentação filosófica para acreditar na existência de Deus NASCIMENTO P 74 CRAIG 2010 Dessa forma em The Existence of God é defendido ainda que a própria estrutura moral do universo aponta para um criador um argumento que complementa a discussão cosmológica SWINBURNE 2004 Comentário sobre a Resposta de um Colega Na resposta de Vladmiro Ventura Caluyombo destacase a importância da experiência religiosa pessoal como evidência subjetiva significativa na discussão da existência de Deus Concordo que assim como notado por John Hick em Philosophy of Religion essa experiência é profundamente significativa e fornece uma riqueza subjetiva que transcende argumentos empíricos HICK 2004 Isso sugere que a crença religiosa é embasada não apenas em lógica e racionalidade mas também em vivências pessoais que justificam e fortalecem a crença NASCIMENTO P 46 2022 Esta perspectiva coadunase com a visão de Plantinga de que a crença em Deus se insere naturalmente em uma estrutura epistemológica coerente onde o sensus divinitatis promove uma conexão direta com o divino Portanto no conjunto a epistemologia reformada de Plantinga defende que a crença em Deus é justificável em termos racionais e pode coexistir de forma harmoniosa com práticas comuns de crença como o argumento cosmológico e experiências religiosas pessoais que reforçam a validade desta crença dentro de uma estrutura filosófica e teológica ampliada REFERÊNCIAS CRAIG William Lane Em Guarda Defenda a Fé Cristã com Razão e Precisão Vida Nova 2010 HICK John Philosophy of Religion Prentice Hall 2004 NASCIMENTO Bruno Ribeiro Filosofia da Religião Aspectos Teóricos e Práticos Faculdade Internacional Cidade Viva 2022 PLANTINGA Alvin Warranted Christian Belief Oxford Oxford University Press 2000 PLANTINGA Alvin Deus liberdade e o mal São Paulo Vida Nova 2017 RUSSELL Bertrand Why I Am Not a Christian George Allen Unwin 1927 SWINBURNE Richard The Existence of God Oxford University Press 2004

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