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Ética Geral e Profissional

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Sennett desafia o leitor a decidir se a flexibiliza ção do capitalismo moderno oferece um ambiente melhor para o crescimento pessoal ou se é apenas uma nova forma de opressão Publishers Weekiy Você pode não concordar com os argumentos de Sennett mas ele o fará refletir Este é o desafio de todo escritor e Sennett o faz admiravelmente bem em seu livro Business Week Sennett não é um ludita mas este ensaio pro fundamente provocador expõe o constante custo humano do progresso Kirkus Reviews ISBN 9788501054616 9 H 7 8 8 5 0 1 I I 0 5 4 6 1 6II conseqüências pessoa do trabalho no novo Richard Sennett Hoje em dia as empresas americanas oferecem um ambiente de trabalho mais humano do que aquele do início do século quando o trabalho na linha de montagem era monótono e insalu bre No entanto Richard Sennett professor de sociologia da Universidade de Nova York e da London School of Economics acredita que essa melhoria é meramente ilusória Ele argumenta que o ambiente de trabalho moderno com ênfase nos trabalhos a curto prazo na exe cução de projetos e na flexibilidade não per mite que as pessoas desenvolvam experiências ou construam uma narrativa coerente para suas vidas E mais importante esta nova forma de trabalho impede a formação do caráter Para Sennett o desenvolvimento do caráter depende de virtudes estáveis como leal dade confiança comprometimento e ajuda mútua Características que estão desaparecen do no novo capitalismo Em alguns aspectos as mudanças que marcam este novo sistema são positivas e levaram a uma economia dinâmica mas também corroeram a idéia de objetivo a integridade e a confiança nos outros aspectos que gerações anteriores consideravam essen ciais para a formação do caráter Este ensaio essencial e oportuno de Sennett nos ajuda a A corrosão do caráter Richard Sennett A corrosão do caráter Tradução de MARCOS SANTARRITA 14a EDIÇÃO E D I T O R A R E C O R D RIO DE JANEIRO SÃO PAULO 2009 CIPBrasil Catalogaçãonafonte jindicato Nacional dos Editores de Livros RJ Sennett Richard 1943 S481c A corrosão do caráter as conseqüências pessoais 14 ed do trabalho no novo capitalismo Richard Sennett tradução Marcos Santarrita 14 ed Rio de Janeiro Record 2009 Tradução de The corrosion of character Inclui apêndice e bibliografia ISBN 9788501054616 1 Ética do trabalho 2 Trabalhadores Estados Unidos 3 Trabalho Estados Unidos I Título 990448 CDD 174 CDU 174 Em memória de Isaiah Berlin Título original norteamericano THE CORROSION OF CHARACTER Copyright 1999 1998 by Richard Sennett Capa Campos GeraisWashington Dias Lessa Todos os direitos reservados Proibida a reprodução armazenamento ou transmissão de partes deste livro através de quaisquer meios sem prévia autorização por escrito Proibida a venda desta edição para Portugal e resto da Europa Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela EDITORA RECORD LTDA Rua Argentina 171 Rio de Janeiro RJ 20921380 Tel 25852000 que se reserva a propriedade literária desta tradução Impresso no Brasil ISBN 9788501054616 PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL Caixa Postal 23052 Rio de Janeiro RJ 20922970 EDITORA AFILIADA Sumário Prefácio 9 1 DERIVA 13 Como o novo capitalismo ataca o caráter pessoal 2 ROTINA 35 Um mal do velho capitalismo 3 FLEXÍVEL 53 A restruturação do tempo 4 ILEGÍVEL 75 Por que as modernas formas de trabalho são difíceis de entender 5 RISCO 89 Por que o risco se tornou desnorteante e deprimente 6 A ÉTICA DO TRABALHO 117 Como mudou a ética do trabalho 7 FRACASSO 141 Enfrentando o fracasso 8 O PRONOME PERIGOSO 163 A comunidade como um remédio para os males do trabalho Apêndice Tabelas Estatísticas 177 Notas 187 índice 195 Prefácio A expressão capitalismo flexível descreve hoje um sis tema que é mais que uma variação sobre um velho tema Enfatizase a flexibilidade Atacamse as formas rígidas de burocracia e também os males da rotina cega Pedese aos trabalhadores que sejam ágeis estejam abertos a mudanças a curto prazo assumam riscos continuamente dependam cada vez menos de leis e procedimentos formais Essa ênfase na flexibilidade está mudando o próprio sig nificado do trabalho e também as palavras que empregamos para ele Carreira por exemplo significava originalmente na língua inglesa uma estrada para carruagens e como aca bou sendo aplicada ao trabalho um canal para as atividades econômicas de alguém durante a vida inteira O capitalismo flexível bloqueou a estrada reta da carreira desviando de re pente os empregados de um tipo de trabalho para outro A palavra jobserviço emprego em inglês do século quatorze queria dizer um bloco ou parte de alguma coisa que se podia transportar numa carroça de um lado para o outro A flexibi lidade hoje traz de volta esse sentido arcano de job na medi da em que as pessoas fazem blocos partes de trabalho no curso de uma vida É bastante natural que a flexibilidade cause ansiedade as pessoas não sabem que riscos serão compensados que cami nhos seguir Para tirar a maldição da expressão sistema capi talista antes criavamse circunlocuções como sistema de livre empresa ou empresa privada Hoje se usa a flexibi 10 Richard Sennett lidade como outra maneira de levantar a maldição da opres são do capitalismo Dizse que atacando a burocracia rígida e enfatizando o risco a flexibilidade dá às pessoas mais liber dade para moldar suas vidas Na verdade a nova ordem im põe novos controles em vez de simplesmente abolir as regras do passado mas também esses novos controles são difíceis de entender O novo capitalismo é um sistema de poder mui tas vezes ilegível Talvez o aspecto da flexibilidade que mais confusão causa seja seu impacto sobre o caráter pessoal Os antigos angló fonos e na verdade escritores que remontam à antigüidade não tinham dúvida sobre o significado de caráter é o valor ético que atribuímos aos nossos próprios desejos e às nossas relações com os outros Horácio escreve que o caráter de al guém depende de suas ligações com o mundo Neste sentido caráter é um termo mais abrangente que seu rebento mais moderno personalidade pois este se refere a desejos e sen timentos que podem apostemar por dentro sem que ninguém veja O termo caráter concentrase sobretudo no aspecto alongo prazo de nossa experiência emocional É expresso pela leal dade e o compromisso mútuo pela busca de metas a longo prazo ou pela prática de adiar a satisfação em troca de um fim futuro Da confusão de sentimentos em que todos estamos em algum momento em particular procuramos salvar e man ter alguns esses sentimentos sustentáveis servirão a nossos caracteres Caráter são os traços pessoais a que damos valor em nós mesmos e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem Como decidimos o que tem valor duradouro em nós numa sociedade impaciente que se concentra no momento imedia to Como se podem buscar metas de longo prazo numa eco nomia dedicada ao curto prazo Como se podem manter leal A corrosão do caráter 11 dades e compromissos mútuos em instituições que vivem se desfazendo ou sendo continuamente reprojetadas Estas as questões sobre o caráter impostas pelo novo capitalismo fle xível Há um quarto de século Jonathan Cobb e eu escrevemos um livro sobre americanos da classe operária The Hidden Inju ries ofClass Os males ocultos do sistema de classe EmA cor rosão do caráter abordei algumas das mesmas questões sobre trabalho e caráter numa economia que mudou radicalmente A corrosão do caráter pretende ser mais um longo ensaio que um breve livro quer dizer tentei escrever uma discussão única cujas seções se dividem em capítulos muito curtos Em The Hidden Injuries ofClass Jonathan Cobb e eu nos basea mos exclusivamente em entrevistas formais Aqui como cabe a um ensaiodiscussão recorri mais a fontes diversas e infor mais incluindo dados econômicos narrativas históricas e teo rias sociais examinei a vida diária à minha volta em grande parte como faria um antropólogo De saída devo observar duas coisas sobre este texto O leitor muitas vezes encontrará idéias filosóficas aplicadas a experiências concretas de indivíduos ou por elas testadas Não me desculpo por isso uma idéia precisa suportar o peso da experiência concreta senão se torna mera abstração Se gundo disfarcei de forma um pouco mais pesada as identida des individuais do que se faria ao relatar entrevistas formais isso significou trocar lugares e épocas e de vez em quando juntar várias vozes em uma ou dividir uma em muitas Esses disfarces forçam a confiança do leitor mas não a confiança que um romancista buscaria conquistar com uma narrativa bemfeita pois hoje falta essa coerência às vidas reais Minha esperança é ter refletido com exatidão o sentido do que ouvi embora não exatamente as circunstâncias 12 Richard Sennett Todas as notas do texto do ensaio vêm no fim Também pus no fim algumas tabelas estatísticas preparadas por Arturo Sanchez e eu que ajudam a ilustrar algumas tendências eco nômicas recentes Aprendi muita coisa sobre trabalho com Jonathan Cobb há um quarto de século Voltei a esse tema por insistência de Bennett Harrison Christopher Jencks e Saskia Sassen A corrosão do caráter tenta sondar algumas deduções pessoais das descober tas que todos eles fizeram sobre a economia moderna Com meu auxiliar diplomado Michael Laskawy tenho a dívida do companheirismo intelectual e também da paciência ao tratar das várias questões práticas que acompanharam a pesquisa e composição do livro Este ensaio começou como uma conferência feita na Uni versidade de Cambridge em 1996 O Centro de Estudo Avan çado em Ciências Comportamentais me proporcionou o tem po para escrever este livro Finalmente eu gostaria de agradecer a Donald Lamm e Alane Mason da WW Norton Company e a Arnulf Con radi e Elizabeth Ruge da Berlin Verlag que me ajudaram a dar forma ao original UM Deriva Encontrei há pouco num aeroporto uma pessoa a quem não via há quinze anos Eu tinha entrevistado o pai de Rico como o chamarei um quarto de século atrás quando escre vi um livro sobre os trabalhadores nos Estados Unidos The Hidden Injuries ofClass O pai dele Enrico trabalhava então como faxineiro e tinha grandes esperanças para o filho que apenas entrava na adolescência um garoto inteligente bom nos esportes Quando perdi contato com o pai uma década atrás o filho acabara de concluir a faculdade No saguão do aeroporto Rico parecia ter concretizado os sonhos do velho Trazia um computador numa maleta de couro elegante ves tia um terno que eu não podia pagar e exibia um anel de sinete com brasão Quando nos conhecemos Enrico já passara vinte anos limpando banheiros e lavando chãos num prédio comercial do centro Fazia isso sem se queixar mas também sem ne nhum entusiasmo com o Sonho Americano Seu trabalho ti nha um objetivo único e perene servir à família Levara quin ze anos para economizar o dinheiro de uma casa que com prara numa área residencial perto de Boston cortando os laços com seu antigo bairro italiano porque uma casa nos subúrbios era melhor para os filhos Nessa época sua espo sa Flavia fora trabalhar como passadeira numa lavanderia 14 Richard Sennett especializada em lavagem a seco quando conheci Enrico em 1970 eles economizavam para a educação universitária dos dois filhos homens O que mais me impressionou em Enrico e sua geração foi ver como o tempo era linear em suas vidas ano após ano tra balhando em empregos que raras vezes variavam de um dia para o outro E nessa linha de tempo a conquista era cumulativa toda semana Enrico e Flavia conferiam o aumento de suas poupanças mediam a vida doméstica pelas várias melhorias e acréscimos que haviam feito na casa de fazenda Finalmente o tempo que viviam era previsível As convulsões da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial haviamse esfuma do os sindicatos protegiam seus empregos embora tivesse apenas quarenta anos quando o conheci Enrico sabia exatamen te quando ia aposentarse e o pecúlio que teria Tempo é o único recurso que os que estão no fundo da sociedade têm de graça Para acumular tempo Enrico preci sava do que o sociólogo Max Weber chamou de jaula de fer ro uma estrutura burocrática que racionalizava o uso do tempo no caso de Enrico as regras de antigüidade de seu sindicato e as leis que organizavam sua pensão do governo proporcionavam esse andaime Acrescentando a esses recur sos sua própria autodisciplina o resultado era mais que eco nômico Enrico conquistou uma nítida história para si mesmo em que a experiência se acumulava material e fisicamente sua vida assim fazia sentido para ele numa narrativa linear Embora um esnobe pudesse descartálo como um chato ele sentia os anos como uma história dramática que avançava a cada conserto na casa a cada prestação da casa O faxineiro sentia que se tornava o autor de sua vida e embora fosse um homem inferior na escala social essa narrativa lhe dava um senso de respeito próprio A corrosão do caráter 15 Apesar de clara a história da vida de Enrico não era sim ples Fiquei particularmente impressionado ao ver como ele abarcava os mundos da antiga comunidade de imigrantes e da nova vida neutra suburbana Entre os vizinhos suburbanos vivia como um cidadão discreto modesto quando voltava ao velho bairro porém recebia muito mais atenção como uma pessoa que vencera lá fora um velho digno que voltava todo domingo para a missa seguida de um almoço nos botecos de fofoca Obtinha reconhecimento como um ser humano dis tinto daqueles que o conheciam há tempo suficiente para entender sua história obtinha um tipo mais anônimo de res peito dos novos vizinhos fazendo o que todos os demais fa ziam mantendo a casa e o jardim em ordem vivendo sem in cidentes A densa textura da existência particular de Enrico estava no fato de que ele era reconhecido nos dois aspectos dependendo de em qual comunidade andasse duas identida des oriundas do mesmo uso disciplinado de seu tempo Se o mundo fosse um lugar feliz e justo os que desfrutam de respeito retribuiriam em igual medida a consideração que lhes foi concedida Era a idéia de Fichte em Os fundamentos da lei nacional ele falou do efeito recíproco do reconheci mento Mas a vida real não procede de maneira tão generosa Enrico antipatizava com os negros embora houvesse tra balhado em paz por muitos anos com faxineiros negros antipatizava com estrangeiros não italianos como osirlande ses embora seu próprio pai mal soubesse falar inglês Não reconhecia lutas afins não tinha aliados de classe Acima de tudo porém Enrico antipatizava com pessoas da classe mé dia Dizia que nós o tratávamos como se fosse invisível como um zero o ressentimento do faxineiro era agravado pelo receio de que devido à sua falta de educação e sua condição de trabalhador braçal tivéssemos um secreto direito de fazer isso Aos seus poderes de resistência no tempo opunha a 16 Richard Sennett A corrosão do caráter 17 lamurienta autopiedade dos negros a injusta intrusão dos estrangeiros e os imerecidos privilégios da burguesia Embora sentisse que conquistara certo grau de honra so cial dificilmente quereria que o filho Rico repetisse sua vida Meu amigo era fortemente impelido pelo sonho americano de mobilidade ascendente para os filhos Eu não entendo patavina do que ele diz gabouse várias vezes comigo quando Rico voltava da escola para casa e estudava matemática Ouvi muitos outros pais de filhos e filhas como Rico di zerem coisa semelhante a Eu não o entendo em tom mais duro como se os jovens os houvessem abandonado Todos nós violamos de algum modo o lugar que nos é atribuído no mito da família mas a mobilidade ascendente dá a essa pas sagem um aspecto particular Rico e outros jovens encami nhados para cima na escada social às vezes traíam vergonha pelo sotaque operário e as maneiras rudes dos pais mas com mais freqüência se sentiam sufocados pelas infindáveis es tratégias sobre centavos e o cálculo do tempo em passos minúsculos Esses filhos favorecidos queriam embarcar numa viagem mais folgada Agora muitos anos depois graças ao encontro no aero porto eu tinha a oportunidade de ver como se saíra o filho de Enrico Devo confessar que no saguão do aeroporto não gostei muito do que vi O terno caro de Rico talvez fosse ape nas a plumagem dos negócios mas o anel de sinete com bra são sinal de origem familiar nobre parecia ao mesmo tempo uma mentira e uma traição ao pai Contudo as circuns tâncias nos juntaram a Rico e a mim num longo vôo Ele e eu não tivemos uma daquelas viagens americanas em que um estranho despeja as tripas emocionais em cima da gente pega bagagens mais tangíveis quando o avião pousa e desaparece para sempre Senteime na poltrona junto dele sem ser convi dado e durante a primeira hora de um longo vôo de Nova York a Viena tive de arrancarlhe informações Soube que Rico concretizara o desejo paterno de mobilidade ascendente mas na verdade rejeitara o estilo do pai Despre za os conformistas e outros protegidos pela armadura da burocracia acredita ao contrário em manterse aberto à mudança e correr riscos E prosperou enquanto Enrico tinha uma renda no último quarto da escala salarial a de Rico dis parara para os cinco por cento do topo Contudo para ele não é uma história inteiramente feliz Após diplomarse numa universidade local em engenha ria elétrica Rico foi para uma escola de comércio em Nova York Lá casouse com uma colega moça protestante de uma família melhor A escola preparou o jovem casal para freqüen tes mudanças e trocas de emprego e eles fizeram isso De pois da formatura em quatorze anos de trabalho Rico se mudara quatro vezes Começou como consultor tecnológico numa firma de in vestimentos na Costa Oeste nos primeiros e eufóricos dias da indústria de computadores do Vale do Silício depois mu douse para Chicago onde também se deu bem Mas a mu dança seguinte se deveu à carreira da esposa Se fosse uma personagem impelida pela ambição saída das páginas de Balzac Rico jamais teria feito isso pois não foi ganhar maio res salários e deixou os viveiros de atividade high tech por um escritório mais discreto embora mais arborizado no Mis souri Enrico sentiuse um tanto envergonhado quando Fla via foi trabalhar Rico vê Jeannette sua esposa como uma parceira igual de trabalho e adaptouse a ela Foi nessa altu ra quando a carreira dela começou a decolar que começa ram a chegar os filhos No shopping center do Missouri as incertezas da nova 18 Richard Sennett economia alcançaram o jovem Enquanto Jeannette era pro movida ele era demitido sua empresa foi absorvida por outra maior que tinha seus próprios analistas Assim o casal fez a quarta mudança de volta ao leste para uma área resi dencial nos arredores de No vá York Jeannette hoje dirige uma grande equipe de contadores e ele abriu uma pequena empresa de consultoria Por mais prósperos que estejam no auge mesmo do casal adaptado um apoiando o outro marido e mulher muitas ve zes receiam estar a ponto de perder o controle de suas vidas Esse medo está embutido em suas histórias de trabalho No caso de Rico o medo da perda de controle é direto referese ao controle do tempo Quando disse aos colegas que ia abrir sua própria empresa de consultoria a maioria apro vou a consultoria parece o caminho da independência Mas ao iniciar viuse mergulhado em muitas tarefas subalternas como fazer suas próprias fotocópias que antes tinha como certas Viuse mergulhado no puro fluxo das redes todo te lefonema tinha de ser respondido o menor conhecimento pessoal cavado Para arranjar serviço tornouse subserviente aos horários de pessoas que não estão de maneira alguma obrigadas a lhe corresponder Como outros consultores quer trabalhar de acordo com contratos que estabeleçam exatamen te o que terá de fazer Mas diz que esses contratos são em grande parte ficções O consultor em geral tem de correr de um lado para o outro em resposta aos mutáveis caprichos ou idéias daqueles que pagam Rico não tem um papel fixo que lhe permita dizer aos outros É isto que eu faço é por isso que sou responsável A falta de controle de Jeannette é mais sutil O pequeno grupo de contadores que hoje dirige se divide em pessoas que trabalham em casa outras no escritório e uma falange de funcionários de nível inferior a milhares de quilômetros de A corrosão do caráter 19 distância ligados a ela por cabo de computador Em sua atual empresa regras severas e vigilância de telefones e email dis ciplinam a conduta dos contadores que trabalham na própria firma para organizar o trabalho de empregados subalternos a milhares de quilômetros ela não pode fazer julgamentos in loco cara a cara mas ao contrário tem de trabalhar com diretivas formais escritas Jeannette não tem sentido menos burocracia nessa ordem de trabalho aparentemente flexível na verdade suas decisões contam menos que no tempo em que supervisionava trabalhadores agrupados o tempo todo no mesmo escritório Como já disse eu a princípio não me dispunha a derramar muitas lágrimas por esse casal do Sonho Americano Mas quando serviram o jantar em nosso vôo e Rico passou a falar num tom mais pessoal aumentaram as minhas simpatias Fi quei sabendo que seu receio de perder o controle ia muito mais fundo que a preocupação com a perda de poder no tra balho Ele temia que as medidas que precisava tomar e a ma neira como tinha de viver para sobreviver na economia mo derna houvessem posto sua vida emocional interior à deriva Rico me disse que ele e Jeannette fizeram amizade sobre tudo com pessoas que viam no trabalho e perderam muitas delas nas mudanças dos últimos doze anos embora continue mos em rede Ele busca nas comunicações eletrônicas o senso de comunidade que Enrico mais apreciava quando as sistia às reuniões do sindicato de faxineiros mas o filho acha as comunicações online breves e apressadas É como com os filhos da gente quando a gente não está presente só recebe notícias passadas Em cada uma de suas quatro mudanças os novos vizinhos de Rico trataram seu advento como uma chegada que encer ra capítulos passados de sua vida faziamlhe perguntas sobre o Vale do Silício ou o shopping center no Missouri mas diz 20 Richard Sennett não vêem outros lugares a imaginação deles não estava interessada É um receio bem americano A clássica área residencial americana era uma comunidadedormitório na última geração surgiu um tipo diferente de área residencial mais independente em termos econômicos do núcleo urba no mas na verdade tampouco chegando a ser uma cidadezi nha ou aldeia um lugar desses nasce com a varinha de con dão da incorporadora floresce e começa a decair numa gera ção Essas comunidades não deixam de ter vida social ou sen tido de vizinhança mas ninguém nelas se torna testemunha a longo prazo da vida de outra pessoa O aspecto fugitivo de amizade e comunidade local forma o pano de fundo da mais importante das preocupações de Rico sua família Como Enrico ele encara o trabalho como seu ser viço à família ao contrário de Enrico acha que as exigências do trabalho interferem com a conquista desse objetivo A prin cípio julguei que falávamos do conflito demasiado conhecido entre o tempo para o trabalho e o tempo para a família Chegamos em casa às sete jantamos tentamos encon trar uma hora para o dever de casa das crianças e depois para tratar de nossa própria papelada Quando as coisas ficam difíceis meses seguidos na empre sa de consultoria é como se eu não soubesse quem são meus filhos Ele se preocupa com a freqüente anarquia em que mergulha a família e com o abandono das crianças cujas necessidades não podem ser programadas para encaixarse nas necessidades de seu trabalho Ouvindo isso tentei tranqüilizálo minha esposa entea do e eu suportamos e sobrevivemos bem a uma vida de alta pressão semelhante Não está sendo justo consigo mesmo disse eu O fato de se preocupar tanto significa que está fazendo por sua família o melhor que pode A corrosão do caráter 21 Embora ele se animasse com isso eu havia entendido mal Eu já sabia que em criança Rico vivia sufocado sob a autoridade de Enrico ele me disse então que se sentia esma gado pelas regras mesquinhas que governavam a vida do faxineiro Agora que era ele próprio pai perseguiao o receio da falta de disciplina ética sobretudo o temor de os filhos se tornarem pequenos ratos rondando ao leu pelos estacio namentos dos shopping centers à tarde enquanto os pais per maneciam fora de alcance em seus escritórios Por conseguinte queria estabelecer para o filho e as filhas um exemplo de determinação e senso de objetivo mas não se pode simplesmente mandar que as crianças sejam assim tinha de dar o exemplo O exemplo de objetivo que poderia dar a mobilidade ascendente é coisa que eles tomam como natural uma história do passado não deles próprios uma história que já acabou Mas a mais profunda preocupação de Rico era que não podia oferecer aos filhos a substância de sua vida de trabalho como exemplo de como eles devem condu zirse eticamente As qualidades do bom trabalho não são as mesmas do bom caráter Como acabei entendendo mais tarde a gravidade de seu medo vem do fosso que separa as gerações de Enrico e Rico Os lí deres empresariais e os jornalistas enfatizam o mercado glo bal e o uso de novas tecnologias como as características dis tintivas do capitalismo de nossa época Isso é verdade sim mas não vê outra dimensão da mudança novas maneiras de organizar o tempo sobretudo o tempo de trabalho O sinal mais tangível dessa mudança talvez seja o lema Não há longo prazo No trabalho a carreira tradicional que avança passo a passo pelos corredores de uma ou duas insti tuições está fenecendo e também a utilização de um único conjunto de qualificações no decorrer de uma vida de traba 22 Richard Sennett lho Hoje um jovem americano com pelo menos dois anos de faculdade pode esperar mudar de emprego pelo menos onze vezes no curso do trabalho e trocar sua aptidão básica pelo menos outras três durante os quarenta anos de trabalho Um executivo da ATT observa que o lema Não há longo prazo está alterando o próprio sentido do trabalho Na ATT temos de promover todo o conceito de que a força de trabalho é contingente embora a maioria dos trabalhadores contingentes esteja dentro de nossas pare des Empregos está sendo substituído por projetos e campos de trabalho1 As empresas também distribuíram muitas das tarefas que an tes faziam permanentemente em suas instalações por peque nas firmas e indivíduos empregados com contratos de curto prazo O setor da força de trabalho americana que mais rápi do cresce por exemplo é o das pessoas que trabalham para agências de emprego temporário2 As pessoas estão famintas de mudança afirma o guru da administração James Champy porque o mercado pode ser motivado pelo consumidor como nunca antes na histó ria3 O mercado nessa visão é dinâmico demais para permi tir que se façam as coisas do mesmo jeito ano após ano ou que se faça a mesma coisa O economista Bennett Harrison acredita que a origem dessa fome de mudança é o capital impaciente o desejo de rápido retorno por exemplo o pe ríodo médio de tempo que os investidores seguram suas ações nas bolsas britânicas e americanas caiu 60 por cento nos últi mos quinze anos O mercado acredita que o rápido retorno é mais bem gerado pela rápida mudança institucional A ordem de longo prazo sob a mira do novo regime deve se dizer teve ela mesma vida curta as décadas que abran A corrosão do caráter 23 gem os meados do século vinte O capitalismo do século dezenove tropeçou de desastre em desastre nas bolsas de va lores e nos investimentos empresariais irracionais as loucas oscilações do ciclo comercial pouca segurança ofereciam às pessoas Na geração de Enrico após a Segunda Guerra Mun dial essa desordem foi de algum modo posta sob controle na maioria das economias avançadas sindicatos fortes garantias do estado assistencialista e empresas em grande escala com binaramse e produziram uma era de relativa estabilidade Esse período de mais ou menos trinta anos define o passado está vel hoje contestado por um novo regime Uma mudança na moderna estrutura institucional acom panhou o trabalho a curto prazo por contrato ou episódico As empresas buscaram eliminar camadas de burocracia tor narse organizações mais planas e flexíveis Em vez das orga nizações tipo pirâmide a administração quer agora pensar nas organizações como redes As arrumações tipo rede pesam menos sobre os pés do que as hierarquias piramidais decla ra o sociólogo Walter Powell podem ser mais facilmente decompostas ou redefinidas que as vantagens fixas das hie rarquias4 Isso quer dizer que as promoções e demissões ten dem a basearse em regras nítidas fixas e que as tarefas do trabalho não são claramente definidas a rede redefine cons tantemente sua estrutura Um executivo da IBM certa vez disse a Powell que a em presa flexível deve tornarse um arquipélago de atividades relacionadas5 O arquipélago é uma imagem adequada para as comunicações numa rede fazendose a comunicação como via gens entre ilhas mas à velocidade da luz graças às moder nas tecnologias O computador foi a chave para substituir as lentas e emperradas comunicações que se fazem nas tradicio nais cadeias de comando O setor da força de trabalho que mais rápido cresce lida com serviços de computação e processamento 24 Richard Sennett de dados a área em que trabalham Jeannette e Rico o compu tador é usado em praticamente todos os serviços de muitas formas por pessoas de todas as categorias Ver Tabelas l e 7 no Apêndice para ter um retrato estatístico Por todos esses motivos a experiência de Enrico de tem po a longo prazo narrativo em canais fixos tornouse dis funcional O que Rico tentava me explicar e talvez a si mesmo é que as mudanças materiais englobadas no lema Não há longo prazo se tornaram disfuncionais também para ele mas como diretivas para o caráter pessoal sobretudo em relação à sua vida familiar Vejam a questão do compromisso e lealdade Não há lon go prazo é um princípio que corrói a confiança a lealdade e o compromisso mútuo A confiança pode claro ser uma ques tão puramente formal como quando as pessoas concordam numa transação comercial ou dependem de que as outras observem as regras de um jogo Mas em geral as experiências mais profundas de confiança são mais informais como quan do as pessoas aprendem em quem podem confiar ou com quem podem contar ao receberem uma tarefa difícil ou impossível Esses laços sociais levam tempo para surgir enraizandose devagar nas fendas e brechas das instituições O esquema de curto prazo das instituições modernas li mita o amadurecimento da confiança informal Uma violação particularmente flagrante do compromisso mútuo muitas ve zes ocorre quando novas empresas são vendidas pela primei ra vez Nas empresas que estão começando exigemse lon gas horas e intenso esforço de todos quando a empresa abre o capital quer dizer oferece ações publicamente negocia das os fundadores podem vender e pegar o dinheiro dei xando atrás os empregados de níveis inferiores Se uma orga nização nova ou velha opera como uma estrutura de rede flexível frouxa e não com um rígido comando de cima para A corrosão do caráter 25 baixo a rede também pode afrouxar os laços sociais O soció logo Mark Granovetter diz que as redes institucionais moder nas se caracterizam pela força de laços fracos com o que quer dizer em parte que as formas passageiras de associação são mais úteis às pessoas que as ligações de longo prazo e em parte que fortes laços sociais como a lealdade deixaram de ser atraentes6 Esses laços fracos se concretizam no trabalho de equipe em que a equipe passa de tarefa em tarefa e muda de pessoal no caminho Os laços fortes em contraste dependem da associação a longo prazo E mais pessoalmente da disposição de estabe lecer compromissos com outros Em vista dos laços fracos tipicamente curtos nas instituições hoje John Kotter profes sor da Escola de Comércio de Harvard aconselha os jovens a trabalhar mais fora que dentro das organizações Ele defen de a consultoria em vez de enredarse no emprego a longo prazo a lealdade institucional é uma armadilha numa eco nomia em que conceitos comerciais projetos de produtos informação sobre concorrentes equipamento de capital e todo tipo de conhecimento têm períodos de vida dignos de crédito mais curtos7 Um consultor que administrou um recente enxugamento de funcionários na IBM declara que tão logo os empregados compreendem que não podem contar com a empresa são negociáveis8 O distanciamento e a coope ratividade superficial são uma blindagem melhor para lidar com as atuais realidades que o comportamento baseado em valores de lealdade e serviço É a dimensão do tempo do novo capitalismo e não a trans missão de dados hightech os mercados de ação globais ou o livre comércio que mais diretamente afeta a vida emocional das pessoas fora do local de trabalho Transposto para a área fami liar Não há longo prazo significa mudar não se comprome ter e não se sacrificar Rico de repente explodiu no avião 26 Richard Sennett Você não imagina como me sinto idiota quando falo em compromissos mútuos com meus filhos Para eles é uma vir tude abstrata não a vêem em parte alguma Durante o jantar eu simplesmente não entendi a explosão que me pareceu despropositada Mas seu sentido agora ficou claro para mim como uma reflexão sobre ele mesmo Queria dizer que as crianças não vêem o compromisso mútuo prati cado na vida dos pais ou da geração dos pais Do mesmo modo Rico detesta a ênfase no trabalho de equipe e na discussão franca que caracteriza um local de tra balho esclarecido e flexível assim que esses valores são trans postos para o campo íntimo Praticado em casa o trabalho de equipe é destrutivo assinalando uma ausência de autoridade e de orientação firme na criação dos filhos Ele diz que com Jeannette tem visto muitos pais discutindo cada questão fa miliar até a exaustão por receio de dizer Não pais que sabem ouvir muito bem que entendem magnificamente em vez de ditar a lei em conseqüência ambos têm visto muitas crianças desorientadas Tudo tem de vir junto declarou Mais uma vez não entendi direito e ele explicou o que queria dizer em termos de ver televisão Talvez como exce ção Rico e Jeannette costumam discutir com os filhos a rela ção entre os filmes e as comédias de situação que os garotos vêem na TV e as notícias nos jornais De outro modo seria apenas um amontoado de imagens Mas as ligações se referem sobretudo à violência e à se xualidade que as crianças vêem na televisão Enrico falava cons tantemente em pequenas parábolas para incutir questões de caráter extraía essas parábolas de seu trabalho de faxineiro como A gente pode ignorar a sujeira mas nem por isso ela vai embora Quando conheci Rico adolescente ele rea gia com certa vergonha a esses fiapos domésticos de sabedo A corrosão do caráter 27 ria Por isso pergunteilhe no avião se também construía pa rábolas ou mesmo extraía regras éticas de sua experiência no trabalho Ele primeiro evitou responder diretamente A TV não passa muito esse tipo de coisa e depois disse Bem não eu não falo desse jeito O comportamento que traz o sucesso ou mesmo apenas a sobrevivência no trabalho portanto pouco dá a Rico para oferecer como modelo paterno Na verdade para esse casal moderno o problema é exatamente o contrário como podem eles evitar que as relações familiares sucumbam ao compor tamento a curto prazo ao espírito de reunião e acima de tudo à fraqueza da lealdade e do compromisso mútuo que assina lam o moderno local de trabalho Em lugar dos valores de camaleão da nova economia a família como Rico a vê deve enfatizar ao contrário a obrigação formal a confiança o compromisso mútuo e o senso de objetivo Todas essas são virtudes de longo prazo Esse conflito entre família e trabalho impõe algumas ques tões sobre a própria experiência adulta Como se podem bus car objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo Como se podem manter relações sociais duráveis Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios e frag mentos As condições da nova economia alimentam ao con trário a experiência com a deriva no tempo de lugar em lu gar de emprego em emprego Se eu fosse explicar mais am plamente o dilema de Rico diria que o capitalismo de curto prazo corrói o caráter dele sobretudo aquelas qualidades de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros e dão a cada um deles um senso de identidade sustentável No fim do jantar estávamos os dois mergulhados em nossos pensamentos Eu imaginara um quarto de século atrás que o 28 Richard Sennett capitalismo tardio conseguira alguma coisa semelhante a uma consumação final se havia maior liberdade de mercado me nor controle do governo o sistema ainda entrava na expe riência cotidiana das pessoas como sempre fizera com suces so e fracasso dominação e submissão alienação e consumo As questões de cultura e caráter para mim encaixavamse nessas categorias conhecidas Mas agora não se podia captar a experiência de nenhuma pessoa jovem com esses velhos hábitos de pensamento A conversa de Rico sobre a família também o fizera evi dentemente pensar em seus valores éticos Quando nos reti ramos para fumar no fundo da cabine ele me observou que antes era liberal no generoso sentido americano de se preo cupar com os pobres e agir de maneira correta com as mino rias como os negros e homossexuais A intolerância de Enrico com os negros e estrangeiros envergonhava o filho Mas dis se que desde que fora trabalhar se tornara conservador cul tural Como a maioria de seus pares detesta os parasitas so ciais para ele encarnados na figura da mãe que vive da pre vidência e gasta os cheques que recebe do governo em bebida e drogas Também se tornou um crente dos padrões de com portamento comunal fixos draconianos em oposição aos valores de paternidade liberal que apenas reproduzem aque las reuniões que não chegam a nada no trabalho Como exem plo desse ideal comunal disseme que aprova a proposta atual em alguns círculos conservadores de tomar as crianças dos maus pais e pôlas em orfanatos Fiquei revoltado e debatemos furiosamente a fumaça pai rando acima de nós como uma nuvem Atropelávamonos um ao outro E quando revejo minhas anotações percebo que Rico também gostou um pouco de me provocar Ele sabe que seu conservadorismo é apenas isso uma comunidade sim bólica idealizada Não tem verdadeira expectativa de trancar A corrosão do caráter 29 crianças em orfanatos Certamente teve pouca experiência como adulto do conservadorismo que preserva o passado por exemplo outros americanos o trataram toda vez que se mu dou como se a vida estivesse apenas começando o passado entregue ao esquecimento O conservadorismo cultural que defende forma um testamento à coerência que sente faltar em sua vida E no que se refere à sua família seus valores não são sim ples questão de nostalgia Rico de fato detesta a experiência real de papel paterno rígido como a que sofrerá nas mãos de Enrico Não voltaria ao tempo linear que ordenava a existên cia de Enrico e Flavia mesmo que pudesse olhoume com certo desdém quando eu lhe disse que como professor de faculda de tenho um emprego vitalício Trata a incerteza e o correr risco como desafios no emprego como consultor aprendeu a ser um competente jogador de equipe Mas essas formas de comportamento flexível não lhe ser viram em seus papéis de pai ou membro de uma comunidade ele quer manter relações sociais e oferecer orientação durá vel É contra o corte dos laços no trabalho a deliberada amné sia dos vizinhos e o fantasma de ver os filhos como ratos de shopping center que ele afirma a idéia de valores duradouros E assim Rico viuse colhido numa armadilha Todos os valores específicos que citou são regras fixas o pai diz não a comunidade exige trabalho a dependência é um mal As incertezas das circunstâncias estão excluídas dessas regras éticas afinal é das incertezas aleatórias que Rico quer se defender Mas é difícil pôr em prática essas regras atem porais Essa dificuldade aparece na linguagem que ele usa para descrever suas mudanças pelo país nos últimos quatorze anos Embora muitas delas não tenham sido de seu próprio desejo raras vezes usou a voz passiva ao contar os fatos Por exem L 30 Richard Sennett pio não gosta da locução fui demitido em vez disso quan do esse fato desfez sua vida no shopping center no Missouri ele declarou Enfrentei uma crise e tive de tomar uma decisão E sobre essa crise disse Fiz minhas próprias opções assu mo toda a responsabilidade por tantas mudanças Parecia seu pai Assumir responsabilidade por si mesmo era a expressão mais importante do léxico de Enrico Mas Rico não via como agir com base nisso Pergunteilhe Quando você foi demitido no Missouri por que não protestou por que não resistiu Claro eu fiquei furioso mas isso não adianta nada Não havia nada de injusto no fato de a empresa enxugar suas ope rações O que quer que tenha acontecido eu tinha de lidar com as conseqüências Ia pedir a Jeannette mais uma vez que se mudasse por minha causa Devia pedir a ela A quem de veria escrever uma carta reclamando Não podia tomar medida alguma Mesmo assim sentese responsável por esse fato que transcendeu o seu controle tomao a si literalmente como um fardo Mas o que significa assumir responsabilidade Os filhos aceitam a mobilidade como uma realidade do mundo a esposa está na verdade agra decida pelo fato de ele terse disposto a mudarse por sua causa Mas a afirmação Eu assumo a responsabilidade por tantas mudanças sai de Rico como um desafio Àquela altura de nossa viagem compreendi que a última coisa que eu devia responder a esse desafio era Como você pôde se julgar res ponsável Seria uma pergunta razoável e um insulto você na verdade não conta Enrico tinha um senso meio fatalista estilo velho mundo de que as pessoas nasciam numa determinada classe ou con dição de vida e fazia o melhor possível dentro desses limites A corrosão do caráter 31 Coisas além do seu controle como dispensa do trabalho lhe aconteciam aí ele enfrentava Como deixa claro essa discus são que acabei de citar o senso de responsabilidade de Rico é mais absoluto O que ele chama a atenção é para sua inflexí vel disposição de ser responsabilizado por essa qualidade de caráter e não por um determinado curso de ação A flexibili dade forçouo a afirmar a pura força de vontade como a es sência de seu próprio caráter ético Assumir responsabilidade por fatos fora de nosso contro le pode parecer uma conhecida amiga nossaa culpa mas isso caracterizaria Rico de uma maneira errada pelo menos ao que me pareceu Não é do tipo que se entrega à autoacu sação Tampouco perdeu a coragem diante de uma socieda de que lhe parece toda fragmentada As regras que estabelece para o que uma pessoa de bom caráter deve fazer podem pa recer simplistas ou infantis mas também neste caso isso seria julgálo de maneira errada Ele é de certa forma realista de fato não faria sentido escrever uma carta aos patrões sobre o estrago que haviam causado em sua família Assim Rico se concentra em sua pura determinação de resistir não vai ficar à deriva Quer resistir sobretudo à ácida erosão daquelas qua lidades de caráter como lealdade compromisso propósito e resolução que são de longo prazo na natureza Afirma valo res atemporais que caracterizam quem ele é para sempre permanentemente essencialmente Tornouse estático está encurralado na pura e simples afirmação de valores O que falta entre os pólos opostos de experiência de deri va e afirmação estática é uma narrativa que organize essa conduta As narrativas são mais simples que as crônicas dos fatos dão forma ao movimento adiante do tempo sugerindo motivos pelos quais tudo acontece mostrando suas conseqüên cias Enrico tinha uma narrativa para a sua vida linear e cu mulativa uma narrativa que fazia sentido num mundo alta 32 Richard Sennett mente burocrático Rico vive num mundo caracterizado ao contrário pela flexibilidade e o fluxo a curto prazo esse mundo não oferece muita coisa econômica ou socialmente para a narrativa As empresas se dividem ou fundem empre gos surgem e desaparecem como fatos sem ligações A des truição criativa disse Schumpeter pensando nos empresários exige pessoas à vontade em relação a não calcular as conse qüências da mudança ou a não saber o que virá depois A maioria das pessoas porém não se sente à vontade com a mudança desse modo indiferente negligente Certamente Rico não quer viver como um schumpeteriano embora na luta feroz pela sobrevivência se tenha saído bem Mudança significa simplesmente deriva Rico preocupase com a possibilidade de seus filhos derivarem ética e emocio nalmente mas como aconteceu com os patrões não pode escrever uma carta aos filhos para orientálos no tempo As lições que quer ensinar a eles são tão atemporais quanto seu próprio senso de determinação o que significa que seus preceitos éticos se aplicam a qualquer um e a todos os casos As confusões e ansiedades da mudança criaram nele essa os cilação para o extremo oposto talvez por isso não possa mostrar sua própria vida como uma história ilustrativa aos filhos talvez porque ouvindoo não tenhamos senso do de senvolvimento de seu caráter da evolução de seus ideais Descrevi este encontro porque as experiências de Rico com tempo lugar e trabalho não são únicas tampouco o é a sua reação emocional As condições de tempo no novo capitalismo criaram um conflito entre caráter e experiência a experiência do tempo desconjuntado ameaçando a capacidade das pessoas transformar seus caracteres em narrativas sustentadas No fim do século quinze o poeta Thomas Hoccleve de clarou emTheRegiment ofPrínces Alias wherys this worldes A corrosão do caráter 33 stabylnesse Ai de mim onde anda essa estabilidade do mundo um lamento que aparece igualmente em Homero ou em Jeremias no Velho Testamento9 Durante a maior par te da história humana as pessoas têm aceito o fato de que suas vidas mudarão de repente devido a guerras fomes ou outros desastres e de que terão de improvisar para sobreviver Nos sos pais e avós viveram em grande ansiedade em 1940 depois de suportarem o naufrágio da Grande Depressão e enfren tando a iminente perspectiva de uma guerra mundial O que é singular na incerteza hoje é que ela existe sem qual quer desastre histórico iminente ao contrário está entremeada nas práticas cotidianas de um vigoroso capitalismo A instabili dade pretende ser normal o empresário de Schumpeter apare cendo como o Homem Comum ideal Talvez a corrosão de caracteres seja uma conseqüência inevitável Não há mais lon go prazo desorienta a ação a longo prazo afrouxa os laços de confiança e compromisso e divorcia a vontade do comporta mento Creio que Rico sabe que é ao mesmo tempo um homem bemsucedido e confuso O comportamento flexível que lhe trouxe o sucesso está enfraquecendo seu caráter de um modo para o qual não há remédio prático Se ele é o Homem Co mum de nossa época sua universalidade pode estar em seu dilema L DOIS Rotina Há bons motivos para Rico se esforçar por compreender a época em que vive A sociedade moderna está em revolta contra o tempo rotineiro burocrático que pode paralisar o trabalho o governo e outras instituições O problema de Rico é o que fazer de si mesmo quando essa revolta contra a rotina for vitoriosa Na aurora do capitalismo industrial porém não era tão evidente assim que a rotina fosse um mal Em meados do sé culo dezoito parecia que o trabalho repetitivo podia levar a duas diferentes direções uma positiva e frutífera outra destrutiva O lado positivo da rotina foi descrito na grande Enciclopédia de Diderot publicada de 1751 a 1772 o lado negativo do tempo de trabalho regular foi retratado da for ma mais dramática em A riqueza das nações de Adam Smith publicado em 1776 Diderot acreditava que a rotina no tra balho podia ser igual a qualquer outra forma de aprendiza do por repetição um professor necessário Smith que a rotina embotava o espírito Hoje a sociedade fica com Smith Diderot sugere o que poderíamos perder tomando o lado de seu oponente Os artigos que mais chamam a atenção na Enciclopédia do educado público de Diderot são os que tratam da vida diária 36 Richard Sennett textos de vários autores sobre a indústria os vários ofícios e a agricultura Vinham acompanhados de uma série de gravu ras que ilustram como fazer uma cadeira ou cinzelar uma pedra O desenho do século dezoito caracterizase pela ele gância do traço mas a maioria dos artistas usava essa elegân cia para descrever cenas de lazer aristocrático ou paisagens os ilustradores da Enciclopédia puseram essa elegância a ser viço de martelos prensas gráficas e empilhadeiras O objeti vo das imagens e textos era justificar a inerente dignidade do trabalho10 A dignidade particular da rotina aparece no Volume 5 da Enciclopédia numa série de lâminas que mostram uma fábri ca de papel UAnglée localizada a uns noventa quilômetros de Paris perto da cidade de Montargis A fábrica é disposta como um castelo com o bloco principal ligandose em dois ângulos retos a alas menores no exterior vemos parterres e allées em torno da fábrica exatamente como apareceriam no terreno de uma mansão aristocrática no campo O cenário dessa fábrica modelo tão bonito para nossos olhos na verdade dramatiza uma grande transformação que começa na época de Diderot ali a casa separavase do local de trabalho Até meados do século dezoito a família atuava como o centro físico da economia No campo as famílias fa ziam a maioria das coisas que consumiam em cidades como Paris ou Londres os ofícios também eram praticados na mo rada familiar Na casa de um padeiro por exemplo diaristas aprendizes e a família biológica do padeiro faziam as refei ções juntos e davase comida a todos juntos pois se esperava que todos dormissem e vivessem na mesma casa como ob serva o historiador Herbert Applebaum o custo da fabrica ção do pão incluía a habitação alimentação e roupa de to das as pessoas que trabalhavam para o amo Os salários em dinheiro eram uma fração do custo11 O antropólogo Daniel r A corrosão do caráter 37 Defert chama isso de economia do domus em vez da escravi dão do salário reinava uma inseparável combinação de abri go e subordinação à vontade do amo Diderot descreve em UAnglée uma nova ordem de traba lho liberada do domus A fábrica não oferecia habitação aos trabalhadores em suas instalações na verdade essa fábrica foi uma das primeiras na França a recrutar trabalhadores de tão longe que eles tinham de ir a cavalo para o trabalho em vez dê andar a pé Foi também uma das primeiras a pagar di retamente salários a trabalhadores adolescentes em vez de aos pais A aparência atraente e até mesmo elegante da fábrica de papel sugere que o gravador via essa separação sob uma luz positiva O que nos mostram do lado de dentro é também positivo reina a ordem Fazer polpa de papel era na verdade durante o século dezoito uma operação caótica e malcheirosa os tra pos usados muitas vezes eram retirados de cadáveres e de pois apodrecidos em cubas durante dois meses para decom por as fibras Em UAnglée porém os pisos são imaculados e nenhum trabalhador parece à beira do vômito No aposento onde as fibras são transformadas em polpa pelas marteladas de uma prensa a mais suja de todas as atividades não há nenhum ser humano No aposento onde ocorria a mais astuta divisão de trabalho a polpa retirada e prensada em finas fo lhas trabalham três artesãos com a coordenação de um bale O segredo dessa ordem industrial estava em suas rotinas precisas UAnglée é uma fábrica em que tudo tem seu lugar e todos sabem o que fazer Mas para Diderot esse tipo de ro tina não sugere a simples e interminável repetição mecânica de uma tarefa O mestreescola que insiste em que o aluno decore cinqüenta versos de um poema quer ver a poesia ar mazenada no cérebro dele para ser recuperada à vontade e usada no julgamento de outros poemas Em seu Paradoxo só L 38 Richard Sennett bre o ator Diderot tentou explicar como o ator ou atriz ex plora as profundezas de um papel repetindo as falas sem pa rar E esperava encontrar essas mesmas virtudes da repetição no trabalho industrial Fazer papel não é algo bruto Diderot acreditava nova mente por analogia às artes que esta rotina estava em cons tante evolução à medida que os trabalhadores aprendiam como manipular e alterar cada estágio do processo de traba lho De forma mais ampla o ritmo de trabalho significa que repetindo uma operação em particular se descobre como acelerar ou moderar a atividade fazer variações manejar os materiais desenvolver novas práticas assim como um mú sico aprende como conduzir o tempo ao executar uma peça musical Graças à repetição e ao ritmo o trabalhador pode alcançar disse Diderot a unidade mental e manual no tra balho12 Claro isso é um ideal Diderot apresenta provas visuais e sutis para tornálo convincente Na fábrica de papel os me ninos que cortam trapos rançosos são mostrados trabalhan do sozinhos num aposento sem supervisor adulto Nas salas de medição secagem e acabamento meninos meninas e ho mens corpulentos trabalham lado a lado ali o público da Enciclopédia literalmente via igualdade e fraternidade O que torna essas imagens em especial atraentes em termos visuais são as caras dos trabalhadores Por mais exigentes que sejam as tarefas em que se empenham têm os rostos serenos refle tindo a convicção de Diderot de que pelo trabalho os seres humanos atingem a paz consigo mesmos Vamos trabalhar sem teorizar diz Martin em Cândido de Voltaire É a úni ca forma de tornar a vida tolerável Embora mais inclinado a teorizar Diderot acreditava como Voltaire que dominando a rotina e seus ritmos as pessoas ao mesmo tempo assumem o controle e se acalmam A corrosão do caráter 39 Para Adam Smith essas imagens de ordeira evolução frater nidade e serenidade representam um sonho impossível A ro tina embrutece o espírito A rotina pelo menos como organi zada no capitalismo emergente que ele via parecia negar qualquer relação entre o trabalho comum e o papel positivo da repetição na criação do produto Quando Adam Smith publicou A riqueza das nações em 1776 foi visto e conti nua sendo como um apóstolo daquele novo capitalismo Isso se deveu à declaração que fez no início do livro em favor dos livres mercados Mas Smith é mais que um apóstolo da liber dade econômica tinha plena consciência do lado negro do mercado Essa consciência lhe vinha sobretudo ao considerar a organização da rotina no tempo nessa nova ordem econô mica A riqueza das nações se baseia numa única grande intuição Smith acreditava que a livre circulação de moeda bens e tra balho exigiria que as pessoas fizessem tarefas cada vez mais especializadas O surgimento de livres mercados vem acom panhado da divisão do trabalho na sociedade Entendemos facilmente sua idéia da divisão do trabalho observando uma colmeia à medida que a colmeia aumenta de tamanho cada uma de suas células se torna o local de um determinado tra balho Em termos formais as dimensões numéricas da mudan ça seja o volume de dinheiro ou a quantidade de bens no mercado estão inseparavelmente ligadas à especialização da função produtiva O exemplo prático de Smith é uma fábrica de alfinetes Não os modernos alfinetes de costura os alfinetes do século dezoito eram o equivalente das nossas tachas e pregos peque nos usados em carpintaria Ele calculava que um fabricante de alfinetes fazendo tudo sozinho podia produzir no máximo algumas centenas de unidades por dia numa fábrica operan do de acordo com as novas divisões de trabalho onde a fabri 40 Richard Sennett cação era dividida em todas as suas partes componentes e cada trabalhador fazia apenas uma delas um fabricante de alfine tes podia fazer mais de 16 mil unidades por dia13 Os negócios que a fábrica de alfinetes proporcionaria no livre mercado só estimulariam a demanda do produto levando a empresas maiores com divisões sempre mais elaboradas do trabalho Como a fábrica de papel de Diderot a de alfinetes de Smith é um lugar para trabalhar mas não para viver A separação de casa e trabalho é dizia Smith a mais importante de todas as modernas divisões de trabalho E como a fábrica de papel de Diderot a de alfinetes de Smith opera de forma ordeira gra ças à rotina cada trabalhador executando apenas uma fun ção A fábrica de alfinetes difere da de papel na visão de Smith de como é desastroso em termos humanos organizar o tem po de trabalho desse jeito O mundo em que Smith viveu há muito estava claro fa miliarizado com rotinas e horários Os sinos das igrejas desde o século seis marcavam o tempo em unidades religiosas do dia os beneditinos deram um passo importante no início da Idade Média tocando os sinos para marcar as horas de tra balhar e as de comer além das de rezar Mais próximo da época de Smith relógios mecânicos haviam substituído os sinos das igrejas e em meados do século dezoito os relógios de bolso achavamse em uso generalizado Agora podiase saber o tempo matematicamente exato onde quer que se estivesse ao alcance da vista ou do ouvido de uma igreja ou não o tempo deixara assim de depender do espaço Por que a extensão desse esquema de tempo iria revelarse uma tra gédia humana A riqueza das nações é um livro muito grande e os propo nentes da nova economia da época de Smith tenderam ape nas a referirse a seu início dramático e otimista À medida que o texto avança porém tornase sombrio a fábrica de A corrosão do caráter 41 alfinetes vira um lugar mais sinistro Smith reconhece que a decomposição das tarefas envolvida na fabricação de alfine tes condenaria os trabalhadores individuais a um dia de um tédio mortal hora após hora passadas num serviço mesqui nho Em certo ponto a rotina tornase autodestrutiva por que os seres humanos perdem o controle sobre seus próprios esforços falta de controle sobre o tempo de trabalho signifi ca morte espiritual Smith acreditava que o capitalismo de sua época cruzava esse grande abismo quando declarou que os que trabalham mais obtêm menos na nova ordem pensava mais nesses ter mos humanos que em salários14 Num dos trechos mais som brios de A riqueza das nações ele escreve No progresso da divisão de trabalho o emprego da parte muito maior daqueles que vivem do trabalho passa a limitarse a umas poucas operações muito simples fre qüentemente uma ou duas O homem que passa a vida realizando umas poucas operações simples em geral se torna tão estúpido e ignorante quanto é possível tornarse uma criatura humana15 O trabalhador industrial assim nada conhece do autodomínio e da plástica expressividade do ator que memorizou mil falas a comparação de Diderot do ator com o trabalhador é falsa porque este último não controla seu trabalho O fazedor de alfinetes tornase uma criatura estúpida e ignorante no cor rer da divisão do trabalho a natureza repetitiva de seu traba lho o apaziguou Por esses motivos a rotina industrial ameaça degradar o caráter humano em suas próprias profundezas Se esse parece um Adam Smith estranhamente pessimis ta talvez seja apenas porque ele foi um pensador político mais complexo do que a ideologia capitalista o faz parecer Em A L 42 Richard Sennett teoria dos sentimentos morais Smith já defendera antes as virtudes da simpatia mútua e da capacidade de identificarse com as necessidades dos outros Afirmava que a simpatia é um sentimento moral espontâneo explode quando um homem ou uma mulher de repente compreende os sofrimentos ou tensões de outro Mas a divisão do trabalho embrutece a ex plosão espontânea a rotina reprime o jorro de simpatia Cla ro Smith equiparava o surgimento dos mercados e a divisão do trabalho com o progresso material da sociedade mas não com o seu progresso moral E as virtudes da simpatia revelam uma coisa talvez mais sutil sobre o caráter individual O centro moral de Rico como vimos estava na decidida asserção de sua vontade para Smith a espontânea manifes tação de simpatia supera a vontade arrebata um homem ou mulher em emoções que fogem ao seu controle como a sú bita identificação com os fracassados da sociedade a com paixão pelos mentirosos habituais ou os covardes As mani festações de simpatia reino de tempo espontâneo nos empurram para fora de nossas fronteiras morais normais Nada há de previsível ou rotineiro na simpatia Ao enfatizar a importância ética dessas explosões de emo ção Smith falava com uma voz diferente entre seus contem porâneos Muitos deles viam o caráter humano em seu aspec to ético como pouco tendo a ver com sentimento espontâneo ou na verdade com a vontade humana Jefferson declarou em Bill for Establishing Religious Freedom 1779 que as opções e crenças dos homens dependem não da vontade deles mas seguem involuntariamente a prova proposta a suas mentes16 O caráter gira em torno do cumprimento do dever como dis se James Madison em 1785 seguir os ditames da consciência é também inalienável porque o que é aqui um direito para os homens é um dever para o Criador17 A Natureza e o Deus da Natureza propõem o homem obedece r A corrosão do caráter 43 Adam Smith fala uma linguagem de caráter talvez mais próxima da nossa O caráter parecelhe formado pela histó ria e suas voltas imprevisíveis Uma vez estabelecida uma rotina não permite muita coisa em termos de história para desenvolvermos nosso caráter temos de fugir da rotina Smith tornou específica essa proposição geral celebrou o caráter dos homens de negócios acreditando que eles agiam em reação e com simpatia às cambiantes exigências do momento assim como tinha pena do estado de caráter dos trabalhadores in dustriais atrelados à rotina O homem de negócios em sua opinião era o ser humano mais plenamente engajado Não nos deve surpreender o fato de que Marx era um lei tor atento de Adam Smith embora dificilmente um celebrante do comércio ou dos comerciantes Na juventude Marx ad mirava pelo menos a teoria geral da espontaneidade em A teo ria dos sentimentos morais como analista mais adulto e só brio concentrouse na descrição por Smith dos males da rotina divisão do trabalho sem o controle do trabalho pelo trabalhador estes são os ingredientes essenciais da análise marxista do tempo transformado em produto Marx acrescen tou à descrição da rotina da fábrica de alfinetes de Smith o contraste com práticas mais antigas como o sistema alemão de Tagwerk em que o trabalhador era pago por dia nessa prática o trabalhador podia adaptarse às condições de seu ambiente trabalhando diferente quando chovia ou fazia sol ou organizando tarefas para levar em conta a entrega dos su primentos havia ritmo nesse trabalho porque o trabalhador estava no controle18 Em contraste como escreveria mais tar de o historiador marxista E P Thompson no capitalismo moderno os empregados sentem uma distinção entre o tem po do patrão e o seu próprio tempo19 Os receios que Adam Smith e Marx tinham do tempo de rotina passaram para nosso século no fenômeno chamado 44 Richard Sennett A corrosão do caráter 45 fordismo É no fordismo que mais dramaticamente podemos documentar a apreensão que Smith sentia quanto ao capita lismo industrial que acabava de surgir em fins do século de zoito sobretudo no lugar do qual o fordismo recebeu o nome A fábrica de Highland Park da The Ford Motor Company era em geral considerada nos anos 191014 um ilustre exemplo da divisão do trabalho em bases tecnológicas Henry Ford era de certa forma um patrão humano dava bons salários aos trabalhadores graças a um esquema de pagamento de cinco dólares por dia o equivalente a 120 por dia em dólares de 1997 e incluiu os empregados num plano de participação nos lucros As operações nas instalações da fábrica eram outra questão Henry Ford considerava a preocupação com a qua lidade da vida de trabalho simples fantasia cinco dólares por dia eram recompensa suficientemente generosa pelo té dio Antes de Ford criar fábricas modelos como Highland Park a indústria automobilística se baseava no artesanato com tra balhadores altamente qualificados fazendo muitos serviços complexos num motor ou numa carroceria de automóvel no curso de um dia de trabalho Esses trabalhadores gozavam de grande autonomia e a indústria de automóveis era na verda de um conjunto de lojasdescentralizadas Muitos operários qualificados observa Stephan Meyer freqüentemente con tratavam e despediam seus ajudantes e pagavamlhes uma proporção fixa de seus ganhos20 Por volta de 1910 o regime do fazedor de alfinetes tomou conta da indústria automobi lística Quando Ford industrializou seu processo de produção favoreceu o emprego dos chamados trabalhadores especialis tas em relação aos artesãos qualificados os empregos dos trabalhadores especialistas eram aqueles tipos de operações em miniatura que exigiam pouco pensamento ou julgamento Ma fábrica de Highland Park de Ford a maioria desses traba lhadores especialistas era composta de imigrantes recentes enquanto os artesãos qualificados eram alemães e outros americanos mais estabelecidos tanto a administração quan to os americanos nativos julgavam que os novos imigrantes não tinham inteligência para fazer mais que um trabalho de rotina Em 1917 55 por cento da força de trabalho eram empregados especialistas outros 15 por cento eram limpado res e faxineiros não qualificados que pairavam nas laterais da linha de montagem e os artesãos e técnicos haviam caído para 15 por cento Homens baratos precisam de gabaritos caros disse Sterling Bunnell um dos primeiros defensores dessas mudan ças enquanto homens altamente qualificados precisam de pouca coisa além de suas caixas de ferramentas21 Essa in tuição sobre o uso de maquinaria complicada para simplifi car o trabalho humano deitou a base para a consumação dos receios de Smith Por exemplo o psicólogo industrial Frederick W Taylor acreditava que a maquinaria e o projeto industrial podiam ser imensamente complicados numa gran de empresa mas não havia necessidade de os trabalhadores compreenderem essa complexidade na verdade afirmou quanto menos fossem distraídos pela compreensão do pro jeto do todo mais eficientemente se ateriam a seus próprios serviços22 Os infames estudos de tempomovimento de Taylor foram feitos com um cronômetro medindo em frações de segundo quanto demorava a instalação de um farol ou de um párachoque A administração do tempomovimento levou a imagem smithiana da fábrica de alfinetes a um extremo sádi co mas Taylor tinha pouca dúvida de que suas cobaias huma nas aceitariam passivamente a medição e a manipulação De fato o que resultou dessa escravidão ao tempo roti 46 Richard Sennett neira não foi uma aceitação passiva David Noble observa que os trabalhadores mostraram um vasto repertório de técni cas para sabotar os estudos de tempomovimento e na ver dade ignoraram as especificações de métodos e processos sempre que atrapalhavam ou entravam em conflito com seus próprios interesses23 Além disso a criatura estúpida e ig norante de Smith ficava deprimida no trabalho e isso redu zia sua produtividade Experiências como as da fábrica de Hawthorn da General Electric mostraram que praticamente toda atenção dada aos trabalhadores como seres humanos sensíveis melhorava sua produtividade psicólogos industriais como Elton Mayo portanto exortaram os administradores a mostrar mais interesse pelos empregados e adaptaram práti cas psiquiátricas de consultoria ao local de trabalho Contu do os psicólogos como Mayo eram lúcidos Sabiam que po diam temperar as dores do tédio mas não as abolir naquela jaula de ferro de tempo As dores da rotina culminaram na geração de Enrico Num clássico estudo da década de 1950 Work and Its Discontents O trabalho e seus insatisfeitos Daniel Bell procurou anali sar essa apoteose em outra fábrica de automóveis a de Willow Run da General Motors em Michigan A colmeia de Smith tornarase agora verdadeiramente gigantesca Willow Run era uma estrutura com um quilômetro de comprimento e meio de largura Ali se reuniam sob um mesmo teto todos os materiais necessários para fabricar carros desde o aço bruto a blocos de vidro e curtumes sendo o trabalho coordenado por uma burocracia altamente disciplinada de analistas e administra dores Uma organização tão complexa só podia funcionar com regras precisas que Bell chamou de engenharia racional Essa jaula imensa bem engrenada operava com base em três princípios a lógica da dimensão a lógica do tempo métri co e a lógica da hierarquia24 A corrosão do caráter 47 A lógica da dimensão era simples maior mais eficiente A concentração de todos os elementos de produção num lugar como Willow Run economizava energia poupava no transpor te de materiais e interligava a fábrica com os trabalhadores de escritório e executivos A lógica da hierarquia não é tão simples Max Weber afir mou ao definir a jaula humana que não é preciso prova es pecial para mostrar que a disciplina militar é o modelo ideal para a fábrica do capitalismo moderno25 Em empresas como a General Motors na década de 1950 porém Bell observou um modelo meio diferente de controle A superestrutura que organiza e dirige a produção extrai todo trabalho cerebral possível da casa tudo é centralizado nos departamentos de planejamento cronograma e projeto Arquitetonicamente isso significava afastar os técnicos e administradores o máxi mo possível da maquinaria pulsante Os generais do trabalho assim perdiam o contato físico com suas tropas O resulta do porém só reforçava os males embrutecedores da rotina para o trabalhador da base cuidando só de detalhes divor ciado de qualquer decisão ou modificação em relação ao pro duto no qual está trabalhando26 Esses males de Willow Run continuavam a basearse na lógica taylorista do tempo métrico O tempo era minucio samente calculado em toda parte na vasta fábrica para que os altos administradores soubessem com precisão o que to dos deviam estar fazendo num dado momento Bell ficou im pressionado por exemplo com a maneira como a General Motors divide a hora em dez períodos de seis minutos o trabalhador é pago pelo número de décimos de hora que tra balha27 Esse planejamento minucioso do tempo de trabalho estava ligado a medidas de tempo muito longas também na empresa O pagamento por antigüidade era finamente sinto nizado com o número total de horas que um homem ou mu 48 Richard Sennett lher trabalhara para a General Motors um trabalhador po dia calcular minuciosamente os benefícios do tempo de férias e ausência por doença A micrométrica de tempo governava tanto os escalões inferiores dos escritórios como os trabalha dores braçais na linha de montagem em termos de promoção e benefícios Na geração de Enrico porém a métrica de tempo já se tornara outra coisa que não um ato de repressão e domina ção praticado pela administração em nome do crescimento da gigantesca organização industrial Intensas negociações sobre esses esquemas preocupavam o sindicato United Auto Workers e a administração da General Motors a arraiamiúda do sin dicato prestava cerrada e às vezes apaixonada atenção aos números envolvidos nessas negociações O tempo rotinizado se tornara uma arena onde os trabalhadores podiam afirmar suas próprias exigências uma arena que dava poder Foi um resultado político que Adam Smith não previu As tempestades empresariais que Schumpeter invocou na imagem de destruição criativa significavam que o tipo de fábrica de alfinetes de Smith faliu durante todo o século dezenove sen do sua colmeia racional um desenho no papel que muitas ve zes sobreviveu em metal e pedra apenas uns poucos anos De forma correspondente para preservarse desses tumultos os trabalhadores buscaram rotinizar o tempo por meio de pou panças em sociedades de ajuda mútua ou de hipotecas sobre casas adquiridas através de sociedades construtoras Dificil mente nos dispomos hoje a pensar no tempo rotinizado como uma conquista pessoal mas em vista das tensões prosperida des e depressões do capitalismo industrial foi o que se tor nou Isso complicou o sentido do planejamento do tempo de rotina que surgiu no Highland Park da Ford e encontrou uma espécie de consumação na Willow Run da General Motors Vimos como com sua atenção obsessiva aos horários rotinei A corrosão do caráter 49 ros Enrico criou uma narrativa positiva para a sua vida A rotina pode degradar mas também proteger pode decompor o trabalho mas também compor uma vida Contudo a substância do temor de Smith continuou vivi da para Daniel Bell que tentava então compreender por que os trabalhadores não se revoltavam contra o capitalismo Bell já se achava por assim dizer metade de fora da fé socialista Aprendera que as insatisfações do trabalho mesmo as pro fundas como o esvaziamento do seu conteúdo não levavam os homens e mulheres a revoltarse resistência à rotina não gera revolução Mas ainda assim Bell continuou sendo um bom filho na casa socialista Ele acreditava que na vasta fábrica de Willow Run visitara o cenário de uma tragédia Um fio ligava a Willow Run de Bell no tempo ao Highland Park de Ford e também à fábrica de alfinetes de Adam Smith A rotina parecia em todos esses cenários de trabalho pessoal mente degradante uma fonte de ignorância mental e igno rância de um determinado tipo O presente imediato pode ser bastante claro quando um trabalhador maneja a mesma ala vanca ou manivela horas a fio O que falta ao trabalhador da rotina é qualquer visão mais ampla de um futuro diferente ou o conhecimento de como fazer a mudança Refraseando essa crítica da rotina a atividade mecânica não gera um sen so de narrativa histórica maior as micronarrativas na vida de trabalhadores como Enrico teriam parecido a Marx negli genciáveis na escala maior da História ou meras acomoda ções a circunstâncias existentes É por isso que o velho debate entre Denis Diderot e Adam Smith permanece intensamente vivo Diderot não achava o trabalho de rotina degradante ao contrário julgava que as rotinas geram narrativas à medida que as regras e ritmos do trabalho evoluem aos poucos É irônico que esse boulevardier e philosophe uma criatura dos mais finos salons da Paris do 50 Richard Sennett r A corrosão do caráter 51 século dezoito pareça hoje mais um defensor da dignidade inerente do trabalho comum do que muitos dos que falaram em nome do povo O grande herdeiro moderno de Diderot o sociólogo Anthony Giddens tentou manter viva a intuição dele indicando o valor básico do hábito nas práticas sociais e no autoentendimento só testamos nossas alternativas em rela ção aos hábitos que já dominamos Imaginar uma vida de im pulsos momentâneos de ação a curto prazo despida de roti nas sustentáveis uma vida sem hábitos é imaginar na verdade uma existência irracional28 Hoje estamos numa linha divisória na questão da rotina A nova linguagem de flexibilidade sugere que a rotina está morrendo nos setores dinâmicos da economia Contudo a maior parte da mãodeobra permanece inscrita no círculo do fordismo Estatísticas simples são difíceis de encontrar mas uma boa estimativa dos trabalhos modernos descritos na Ta bela l é que pelo menos dois terços são repetitivos de uma forma que Adam Smith reconheceria como semelhante à de sua fábrica de alfinetes O uso do computador no trabalho retratado na Tabela 7 envolve do mesmo modo na maior par te tarefas bastante rotineiras como a entrada de dados Se acreditássemos com Diderot e Giddens que esse trabalho não precisa ser inerentemente degradante nos concentraríamos nas condições de trabalho em que ele é feito esperaríamos fazer as fábricas e escritórios se parecerem mais com as ce nas de trabalho cooperativo de apoio mútuo descritas nas gravuras de UAnglée Se no entanto estamos dispostos a encarar a rotina como inerentemente degradante atacaremos a natureza mesma do próprio processo de trabalho Detestaremos a rotina e sua mãe a mão morta da burocracia Podemos ser em grande parte leva dos pelo desejo prático de maior responsividade produtivida de e lucro do mercado Mas não precisamos ser apenas capita listas gananciosos podemos acreditar como herdeiros de Adam Smith que as pessoas são estimuladas pela experiência mais flexível no trabalho como em outras instituições Podemos acreditar nas virtudes da espontaneidade A questão se torna então a flexibilidade com todos os riscos e incertezas que implica remediará de fato o mal humano que ataca Mesmo supondo que a rotina tem um efeito pacificador sobre o cará ter exatamente como vai a flexibilidade fazer um ser humano mais engajado r TRÊS Flexível A palavra flexibilidade entrou na língua inglesa no sé culo quinze Seu sentido derivou originalmente da simples observação de que embora a árvore se dobrasse ao vento seus galhos sempre voltavam à posição normal Flexibilidade designa essa capacidade de ceder e recuperarse da árvore o teste e restauração de sua forma Em termos ideais o com portamento humano flexível deve ter a mesma força tênsil ser adaptável a circunstâncias variáveis mas não quebrado por elas A sociedade hoje busca meios de destruir os males da rotina com a criação de instituições mais flexíveis As práti cas de flexibilidade porém concentramse mais nas forças que dobram as pessoas Os primeiros filósofos modernos comparavam o dobrar se da flexibilidade com os poderes de sensação do eu Locke em seu Ensaio sobre o entendimento humano escreveu O eu é aquela coisa pensante consciente sensível ou conscien te de prazer e dor capaz de felicidade ou infelicidade Hume em Tratado sobre a natureza humana afirmava que quando entro mais intimamente no que chamo de eu sem pre dou com uma ou outra determinada percepção de calor ou frio luz ou sombra amor ou ódio dor ou prazer29 Es sas sensações vêm de estímulos do mundo externo que do bram o eu ora para um lado ora para outro A teoria dos L 54 Richard Sennett A corrosão do caráter 55 sentimentos morais de Smith baseavase nesses estímulos externos variáveis Desde então o pensamento filosófico sobre o caráter tem se esforçado para encontrar princípios de regulação e recu peração interiores que resgatem o senso de individualidade do fluxo sensório Nos textos após Adam Smith dedicados à eco nomia política porém enfatizouse a simples mudança Esse tipo de flexibilidade foi associado a virtudes empresariais após Smith economistas políticos do século dezenove opuse ram a agilidade do empresário à lerda morosidade do traba lhador industrial John Stuart Mill em seu Princípios de eco nomia política encarava os mercados como um teatro da vida ao mesmo tempo perigoso e desafiador e seus comerciantes como artistas da improvisação Enquanto Adam Smith era um moralista da simpatia os economistas políticos que o seguiram concentraramse num valor ético diferente Para Mill o comportamento flexível gera liberdade pessoal Ainda estamos dispostos a pensar que sim imaginamos o estar aberto à mudança ser adaptável como qualidades de caráter necessárias para a livre ação o ser humano livre porque capaz de mudança Em nossa época porém a nova economia política trai esse desejo pessoal de liberdade A repulsa à rotina burocrática e a busca da flexibi lidade produziram novas estruturas de poder e controle em vez de criarem as condições que nos libertam O sistema de poder que se esconde nas modernas formas de flexibilidade consiste em três elementos reinvenção des contínua de instituições especialização flexível de produção e concentração de poder sem centralização Os fatos que se encaixam em cada uma dessas categorias são conhecidos da maioria de nós nenhum mistério já avaliar a conseqüência deles é mais difícil Reinvenção descontínua de instituições Os manuais e re vistas de negócios hoje tendem a retratar o comportamento flexível como exigindo o desejo de mudança mas na verdade tratase de um determinado tipo de mudança com determi nadas conseqüências para nosso senso de tempo O antropó logo Edmund Leach buscou dividir a experiência de tempo mutante em dois tipos Em um sabemos que as coisas mudam mas parecem ter uma continuidade com o que veio antes No outro há um rompimento por causa de atos que alteraram irreversivelmente nossas vidas30 Vejam por exemplo um ritual religioso como a comunhão Quando recebemos a hóstia juntamonos no mesmo ato rea lizado por alguém duzentos anos atrás Se substituímos hós tias brancas por hóstias de trigo pardo não perturbamos mui to o sentido do ritual a nova farinha é incorporada ao rito Mas se insistimos em que se permita a mulheres casadas ofi ciar a comunhão podemos fazer com que o sentido mesmo de padre mude de maneira irreversível e também o da co munhão Na esfera do trabalho os ritmos que Diderot descrevia na fábrica de papel ou os hábitos retratados por Anthony Giddens exemplificam o primeiro sentido de tempo mutante mas con tínuo Em contraste a mudança flexível daquela que hoje ataca a rotina burocrática busca reinventar decisiva e irre vogavelmente as instituições para que o presente se torne descontínuo com o passado A pedra angular da prática administrativa moderna é a crença em que as redes elásticas são mais abertas à reinvenção decisi va que as hierarquias piramidais como as que governavam a era fordista A junção entre os nódulos na rede é mais frouxa podese tirar uma parte pelo menos em teoria sem destruir outras O sistema é fragmentado aí está a oportunidade de intervir Sua própria incoerência convida nossas revisões 56 Richard Sennett As técnicas específicas para assim reinventar instituições es tão a essa altura bastante resolvidas Os administradores usam programas de computador que padronizam procedimentos operacionais SIMS com o uso de programas SIMS uma em presa muito grande pode ver o que todas as células de sua col meia institucional estão produzindo e assim eliminar rapidamente as unidades repetitivas ou ineficientes Essas mesmas maquetes de computador possibilitam aos contadores e planejadores indus triais avaliar quantitativamente quais programas ou empregados podem ser cortados numa fusão de empresas Delayering re mover camadas é a prática específica de oferecer a um menor número de administradores controle sobre um maior número de subordinados a desagregação vertical dá aos membros de uma ilha empresarial múltiplas tarefas a cumprir O termo conhecido para essas práticas é reengenharia o fato mais destacado na reengenharia é a redução de empregos As estimativas dos números de trabalhadores empregados que foram reduzidos de 1980 a 1995 variaram de um mínimo de 13 milhões a um máximo de 39 milhões A redução tem tido uma relação direta com a crescente desigualdade uma vez que só uma minoria dos trabalhadores espremidos para fora encontrou ou tro trabalho com os mesmos salários ou maiores Numa bíblia moderna sobre esse assunto Reengineering the Corporation os autores Michael Hammer e James Champy defendem a reen genharia organizacional da acusação de ser uma mera cobertura para a demissão de pessoas afirmando que reduzir e restruturar significam apenas fazer menos com menos Reengenharia em contraste significa fazer mais com menos31 Essa declaração sugere eficiência a própria palavra reengenharia invoca uma operação mais compacta conseguida graças a um decisivo rom pimento com o passado Mas a sugestão de eficiência é engana dora A mudança irreversível se dá precisamente porque a reengenharia pode ser um processo altamente caótico A corrosão do caráter 57 Tornouse claro para muitos líderes empresariais em mea dos da década de 1990 por exemplo que só na vida de fanta sia e muitíssimo bem paga dos consultores pode uma grande organização definir um novo plano de negócios enxugarse e replanejarse à perfeição e depois tocar em frente o novo projeto Erik Clemons um dos mais sóbrios e práticos desses consultores observou autocriticamente que muitas até mes mo a maioria das tentativas de reengenharia fracassam em grande parte porque as instituições se tornam disfuncionais durante o processo de contração de pessoal os planos comer ciais são descartados e revisados os benefícios esperados acabam sendo efêmeros a organização perde o rumo32 As mudanças institucionais em vez de seguirem como uma seta dirigida vão para lados diferentes e muitas vezes conflitantes uma unidade que opera com lucro de repente é vendida por exemplo mas anos depois a empresamãe tenta retornar ao negócio no qual sabia fazer dinheiro antes de buscar rein ventarse Tais reviravoltas levaram os sociólogos Scott Lash e John Urry a falar com mais largueza da flexibilidade como o fim do capitalismo organizado33 A expressão pode ser extrema Contudo como a ideolo gia administrativa apresenta a pressão por mudança insti tucional mais como uma questão de ganhar maior eficiência do que de realizar uma experiência de resultado incerto pre cisamos perguntar se deu certo Especificamente o novo re gime atacou os males da rotina em nome da maior produtivi dade No início dos anos 1990 a Associação Americana de Ad ministração e as empresas Wyatt fizeram estudos de empre sas que se empenharam em sérias reduções A entidade cons tatou que repetidas reduções produzem lucros mais baixos e declínio na produtividade do trabalhador o estudo da Wyatt descobriu que menos da metade das empresas atingiu suas 58 Richard Sennett metas de redução de despesas menos de um terço aumentou a lucratividade34 Os motivos desse fracasso são em parte evidentes por si mesmos o moral e a motivação dos trabalha dores caíram acentuadamente nos vários arrochos de redução Os trabalhadores sobreviventes ficaram mais à espera do pró ximo golpe do machado que exultantes com a vitória compe titiva sobre os demitidos Em termos mais gerais embora as medições de produtivi dade em larga escala sejam de infinita complexidade há pelo menos bons motivos para duvidar de que a era atual seja mais produtiva que o passado recente Vejam por exemplo uma medida específica de crescimento o produto interno bruto Por esse padrão o crescimento foi maior na era dos dinossauros burocráticos as taxas de produtividade reduziramse em to das as grandes sociedades industriais Tabela 3 Devido aos avanços na tecnologia houve um significativo aumento no setor de manufatura de alguns países Mas considerandose todas as formas de trabalho de escritório e de fábrica a pro dutividade reduziuse no todo quer seja medida em termos de produção de trabalhadores individuais ou de hora de tra balho Alguns economistas têm mesmo afirmado que quando se somam todos os custos do trabalho computadorizado a tecnologia mostrou de fato um déficit de produtividade35 Ineficiência ou desorganização não significam porém que não há sentido na prática da mudança aguda demolidora Es sas reorganizações institucionais avisam que a mudança é para valer e como sabemos muitíssimo bem os preços das ações de instituições em processo de reorganização muitas vezes sobem como se qualquer mudança fosse melhor do que permanecer como antes Na operação dos mercados modernos a demoli ção de organizações se tornou lucrativa Embora possa não ser justificável em termos de produtividade os retornos a curto prazo para os acionistas proporcionam um forte incentivo aos r A corrosão do caráter 59 poderes do caos disfarçados pela palavra reengenharia que parece convincente Empresas perfeitamente viáveis são estri padas ou abandonadas empregados capazes ficam à deriva em vez de ser recompensados simplesmente porque a organização deve provar ao mercado que pode mudar Mas há motivos mais fundamentais por trás do moderno capitalismo para buscar uma mudança decisiva irreversível por mais desorganizada ou improdutiva que seja Referemse à volatilidade da demanda do consumidor Essa volatilidade produz uma segunda característica dos regimes flexíveis a especialização flexível de produção Especialização flexível Em termos simples a especialização flexível tenta pôr cada vez mais rápido produtos mais varia dos no mercado Em The Second Industrial Divide os econo mistas Michael Piore e Charles Sabei descrevem como a espe cialização flexível atua nas maleáveis relações entre empresas mais ou menos pequenas do norte da Itália permitindolhes responder com rapidez as mudanças na demanda do consumo Essas empresas cooperam e competem ao mesmo tempo bus cando nichos no mercado que cada uma ocupa temporariamen te e não permanentemente adaptando a curta vida de produto de roupas têxteis ou peças de máquinas O governo desempe nha um papel positivo ajudando essas empresas italianas a ino var juntas em vez de engalfinharse em batalhas de vida ou morte Piore e Sabei chamam o sistema que estudaram de es tratégia de inovação permanente adaptação à mudança inces sante em vez de esforço para controlála36 A especialização flexível é a antítese do sistema de produ ção incorporado no fordismo E de uma forma muito especí fica na fabricação de carros e caminhões hoje a velha linha de montagem quilométrica observada por Daniel Bell foi substituída por ilhas de produção especializada Deborah Morales que estudou várias dessas fábricas flexíveis na auto 60 Richard Sennett r A corrosão do caráter 61 indústria enfatiza como é importante a inovação em respos ta à demanda do mercado mudandose as tarefas semanais e às vezes até diárias que os operários têm de cumprir37 Os ingredientes necessários para a especialização flexível também aqui nos são conhecidos A especialização flexível ser ve à alta tecnologia graças ao computador é fácil reprogramar e configurar as máquinas industriais A rapidez das modernas comunicações também favoreceu a especialização flexível pon do dados do mercado global ao alcance imediato da empresa Além disso essa forma de produção exige rápidas tomadas de decisões e assim serve ao grupo de trabalho pequeno numa grande pirâmide burocrática em contraste a tomada de decisões perde rapidez à medida que os documentos sobem ao topo para obter aprovação da sede O ingrediente de mais forte sabor nes se novo processo produtivo é a disposição de deixar que as mutantes demandas do mundo externo determinem a estrutura interna das instituições Todos esses elementos de responsividade contribuem para a aceitação da mudança decisiva demolidora Talvez pareça estranho pelo menos para os americanos extrair da Itália um exemplo de destacada vantagem na inova ção produtiva Embora empresas americanas e européias tenham aprendido muita coisa com técnicas japonesas de especializa ção flexível a retórica empresarial americana muitas vezes pressupõe que a economia americana é no todo mais flexível que as outras devido à liberdade de interferência do governo em seu país maior que na Europa e no Japão uma rede de nepotismo mais fraca sindicatos mais fracos e um público dis posto a tolerar mudanças econômicas demolidoras Tabela 10 Esse preconceito americano se baseia no reconhecimento implícito de que o regime flexível é tão político quanto eco nômico As questões de flexibilidade tratam de coisas de eco nomia política propriamente dita e de encontrar formulações contrastantes hoje nos Estados Unidos e em partes da Euro pa Haverá limites para até onde as pessoas são obrigadas a dobrarse Pode o governo dar às pessoas alguma coisa seme lhante à força tênsil de uma árvore para que os indivíduos não se partam sob a força da mudança O banqueiro francês Michel Albert estabelece o contras te entre respostas dividindo as economias políticas dos países avançados nos modelos do Reno e angloamericano O primeiro existe há mais de um século na Holanda Alemanha e França nele os sindicatos de trabalhadores e a administra ção dividem poder e o aparelho assistencial do governo pro porciona uma rede de segurança aparentemente compacta de benefícios em pensões educação e saúde Esse modelo do Reno serviu também à Itália Japão Escandinávia e Israel O outro modelo o angloamericano referese mais à condição da GrãBretanha e Estados Unidos hoje do que no passado Esse modelo dá maior espaço ao capitalismo de li vre mercado Enquanto o modelo do Reno enfatiza certas obri gações das instituições econômicas com o estado o modelo angloamericano acentua a subordinação da burocracia do estado à economia e assim está disposto a afrouxar a rede de segurança proporcionada pelo governo38 O modelo do Reno pode comportarse de maneira tão fle xível e decisiva quanto o angloamericano em termos de mer cados O norte da Itália por exemplo é bastante renano em sua mistura de empresa governamental e privada e tam bém flexível ao responder com rapidez e eficiência à mutante demanda do mercado Em algumas formas de manufatura hightech a densa rede renana de associações mutantes pode na verdade ser mais responsiva à demanda do consumo que sua prima neoliberal engalfinhada numa batalha incerta con tra a interferência do governo e decidida a aniquilar os com petidores A relação entre o mercado e o estado contribui para a verdadeira diferença entre os dois regimes 62 Richard Sennett Os regimes do Reno tendem a pôr freios na mudança quan do seus cidadãos menos poderosos sofrem enquanto o anglo americano tende mais a seguir as mudanças na organização e nas práticas do trabalho mesmo quando os fracos podem pagar o preço O modelo do Reno é de certa forma mais amistoso com a burocracia do governo enquanto o angloamericano opera com base no princípio de que o governo é culpado até prova em con trário Ruud Lubbers exprimeiro ministro da Holanda afirmou que a confiança holandesa no governo na verdade possibilitou mais ajustes econômicos dolorosos governamentais do que uma cidadania mais adversária teria aceitado39 Assim muitas vezes se aplica o rótulo de neoliberalismo ao modelo angloamerica no liberal no sentido de não regulado e o de capitalismo de estado ao do Reno Esses regimes têm diferentes defeitos O angloamerica no tem tido baixo desemprego mas desigualdade salarial Os fatos brutos da atual desigualdade de riqueza no regime angloamericano são de fato atordoantes O economista Simon Head calculou que para os 80 por cento de menor renda da população trabalhadora americana a média dos salários semanais ajustados pela inflação caiu 18 por cen to de 1973 a 1995 enquanto o salário da elite empresarial subiu 19 por cento e 66 por cento depois da magia da con tabilidade fiscal40 Outro economista Paul Krugman afirma que o l por cento de maior renda dos assalariados america nos mais que duplicou sua renda real na década de 197989 em comparação com uma taxa muito inferior de riqueza acumulada nas décadas anteriores41 Na GrãBretanha The Economist calculou recentemente que os 20 por cento de maior renda da população trabalhadora ganham sete vezes mais que os 20 por cento de menor renda quando há vinte anos a proporção era de apenas quatro vezes42 Um secretá rio do trabalho assim argumentou Estamos a caminho de A corrosão do caráter 63 nos tornar uma sociedade de duas camadas composta de uns poucos vencedores e um grande grupo deixado para trás opinião secundada pelo presidente do Federal Reserve Bank o Banco Central americano que declarou há pouco que a renda desigual pode tornarse uma grande ameaça à nossa sociedade43 Embora nos regimes do Reno a distância salarial não tenha aumentado tanto na última geração o desemprego se tornou uma praga Durante três anos entre 1993 e 1996 a economia americana gerou quase 86 milhões de empregos e de 1992 em diante o mercado de emprego britânico também começou a flo rescer enquanto na última década quase todo o mercado de trabalho europeu e japonês estagnou44 Tabela 2 O estabelecimento dessas diferenças enfatiza um fato sim ples A operação da produção flexível depende de como uma sociedade define o bem comum O regime angloamericano tem poucas limitações políticas à desigualdade de riqueza mas pleno emprego enquanto as redes assistenciais dos estados renanos mais sensíveis aos trabalhadores comuns são um estorvo à criação de emprego Qual dos males vamos tolerar depende do bem que buscamos Por isso é útil a palavra regi me sugere os termos de poder nos quais se permite que operem os mercados e a produção Concentração sem centralização Um regime flexível tem uma terceira característica As mudanças nas redes mercados e produção que ele utiliza permitem o que parece ser um oxímoro a concentração de poder sem centralização de poder Uma das afirmações em favor da nova organização do tra balho é que descentraliza o poder quer dizer dá às pessoas nas categorias inferiores dessas organizações mais controle sobre suas atividades Certamente é uma afirmação falsa em termos das técnicas empregadas para desmontar os velhos colossos burocráticos Os novos sistemas de informação ofe 64 Richard Sennett recém um quadro abrangente da organização aos altos admi nistradores de uma forma que deixa a indivíduos em qualquer parte da rede pouco espaço para esconderse os SIMS subs tituem as negociações que poderiam proteger os indivíduos ao lidar apenas com seus superiores intermediários Do mes mo modo a desagregação vertical e a eliminação de camadas são tudo menos processos descentralizantes Há um conti nente de poder no arquipélago de poder flexível alguém no continente decide que Barbados pode fazer o trabalho an tes feito por Trinidad e Guadalupe Barbados raramente prefere aumentar seus próprios fardos A sobrecarga administrativa de pequenos grupos de trabalho com muitas tarefas diversas é uma característica freqüente da reorganização empresarial e contrária às divisões cada vez mais sutis do trabalho que Adam Smith imaginou na fábrica de alfinetes Fazer tais experiências com dezenas ou centenas de milhares de empregados exige imensos poderes de comando À economia da desigualdade a nova ordem acrescenta assim no vas formas de poder desigual arbitrário dentro da organização Em termos de especialização flexível vejam os computado res pessoais de marcas famosas que compramos são uma cola gem de peças e montagens parciais feitas em todo o mundo a marca representando no máximo um enquadramento final do todo A produção deles se dá num mercado global de trabalho e resulta numa prática produtiva chamada de esvaziamento hollowing uma vez que a marca é um símbolo vazio Em seu estudo clássico Lean and Mean Bennett Harrison mostra com exatidão como o poder hierárquico permanece firmemente no lugar nesse tipo de produção a grande empresa tem em seu po der o mutante corps de ballet de empresas dependentes e passa as quedas no ciclo dos negócios ou fracassos de produtos para os parceiros mais fracos que são espremidos com mais força As ilhas de trabalho ficam ao largo de um continente de poder A corrosão do caráter 65 Harrison chama essa rede de relações desiguais e instáveis concentração sem centralização complementa o poder de reorganizar uma instituição de alto a baixo em fragmentos e nódulos de uma rede O controle pode ser estabelecido instituin dose metas de produção ou lucro para uma ampla variedade de grupos na organização que cada unidade tem liberdade de cumprir da maneira que julgar adequada Essa liberdade no entanto é especiosa É raro as organizações flexíveis estabele cerem metas de fácil cumprimento em geral as unidades são pressionadas a produzir ou ganhar muito mais do que está em suas capacidades imediatas As realidades de oferta e procura raramente estão em sincronia com essas metas o esforço é para forçar cada vez mais as unidades apesar dessas realidades uma pressão que vem da alta administração da instituição45 Outra maneira de entender o sistema de poder descrito por Harrison é dizer que a contestação da velha ordem burocrá tica não significou menos estrutura institucional A estrutura permanece nas forças que impelem as unidades ou indivíduos a realizar o que fica em aberto é como fazer isso e o topo da organização flexível raras vezes oferece as respostas Está mais em posição de fazer a contabilidade de suas próprias exigên cias do que de indicar um sistema pelo qual elas podem ser cumpridas Concentração sem centralização é uma manei ra de transmitir a operação de comando numa estrutura que não mais tem a clareza de uma pirâmide e a estrutura institucional se tornou mais complexa não mais simples Por isso a própria palavra desburocratizacão é enganadora além de desgraciosa Nas modernas organizações que praticam a concentração sem centralização a dominação do alto é ao mesmo tempo forte e informe Uma maneira de compreender como os três elementos do regime flexível se juntam está na organização do tempo no 66 Richard Sennett local de trabalho As organizações flexíveis hoje estão fazen do experiências com vários horários do chamado flexi tempo Em vez de turnos fixos que não mudam de mês para mês o dia de trabalho é um mosaico de pessoas trabalhando em horários diferentes mais individualizados como no es critório de Jeannette Esse mosaico de tempo de trabalho parece distante da monótona organização do trabalho na fábrica de alfinetes na verdade parece uma liberação do tempo de trabalho um verdadeiro benefício do ataque da or ganização moderna à rotina padronizada As realidades do flexitempo são bem diferentes O flexitempo surgiu do novo influxo de mulheres no mun do do trabalho Mulheres pobres como Flavia sempre traba lharam em maior número que as da burguesia Na última ge ração como observamos números significativos de mulheres entraram nas fileiras da mãodeobra de classe média nos Es tados Unidos Europa e Japão e continuaram na força de tra balho mesmo depois de ter filhos juntaramse às mulheres já empregadas em níveis inferiores dos serviços e da manufatu ra Em 1960 cerca de 30 por cento das americanas estavam na força de trabalho assalariada e 70 por cento não em 1990 quase 60 por cento estavam na força de trabalho assalariada e só 40 por cento não Nas economias desenvolvidas do mun do em 1990 quase 50 por cento da força de trabalho profis sional liberal e técnica já eram de mulheres a maioria empre gada em tempo integral46 A necessidade assim como o desejo pessoal motivou esse trabalho um padrão de vida de classe média em geral exige hoje dois assalariados adultos Essas trabalhadoras precisavam porém de horas de trabalho mais flexíveis em todas as classes muitas delas são empregadas de meio período e mães em período integral Tabela 5 A entrada de mais mulheres da classe média na força de trabalho ajudou assim a causar maior inovação no planeja A corrosão do caráter 67 mento flexível do tempo integral e de meio período A essa altura tais mudanças já cruzaram a barreira dos gêneros de modo que também os homens têm horários elásticos O flexitempo hoje atua de várias maneiras A mais simples usada de alguma forma por cerca de 70 por cento das em presas americanas é o trabalhador dar uma semana inte gral de trabalho mas determinando quando durante o dia estará na fábrica ou no escritório No extremo oposto cerca de 20 por cento das empresas permitem horários de traba lho comprimidos como quando o empregado faz o tra balho de toda uma semana em quatro dias Trabalhar em casa é hoje uma opção em cerca de 16 por cento das em presas sobretudo para trabalhadores em serviços vendas e técnicos o que se tornou possível em grande parte devi do ao desenvolvimento de intraredes de comunicação Nos Estados Unidos homens e mulheres brancos de classe mé dia têm hoje mais acesso a horários flexíveis de trabalho que os que trabalham em fábricas ou os trabalhadores his pânicos O flexitempo é um privilégio do dia de trabalho o trabalho noturno ainda é passado para as classes menos privilegiadas Tabela 6 Esse fato assinala outra maneira em que o flexitempo embora parecendo prometer maior liberdade que a do traba lhador atrelado à rotina da fábrica de alfinetes de Smith está ao contrário entretecido numa nova trama de controle O flexitempo não é como o calendário de folgas em que os tra balhadores sabem o que esperar tampouco é comparável com o simples total de horas semanais de trabalho que uma em presa pode estabelecer para seus empregados de nível infe rior A programação flexível do tempo é mais um benefício concedido a trabalhadores favorecidos diz a analista admi nistrativa Lotte Bailyn do que um direito trabalhista é um benefício distribuído de maneira desigual e estritamente racio 68 Richard Sennett nado Isso hoje se aplica aos Estados Unidos outros países estão chegando à prática americana47 Se o flexitempo é a recompensa do empregado também o põe no domínio íntimo da instituição Vejam o mais flexível dos flexitempos o trabalho em casa Esse prêmio causa gran de ansiedade entre os empregadores eles temem perder o controle sobre os trabalhadores ausentes e desconfiam de que os que ficam em casa abusam dessa liberdade48 Em con seqüência criouse um monte de controles para regular os pro cessos de trabalho concreto dos ausentes do escritório Exi gese que as pessoas telefonem regularmente para o escritório ou usamse controles de intrarede para monitorar o traba lhador ausente os emails são freqüentemente abertos pelos supervisores Poucas organizações que montam esquemas de flexitempo dizem a seus trabalhadores Aqui está a tarefa façaa como quiser contanto que seja feita no modelo do Tagwerk Um trabalhador em flexitempo controla o local do trabalho mas não adquire maior controle sobre o processo de trabalho em si A essa altura vários estudos sugerem que a supervisão do trabalho muitas vezes é na verdade maior para os ausentes do escritório que para os presentes49 Os trabalhadores assim trocam uma forma de submissão ao poder cara a cara por outra eletrônica foi o que descobriu Jeannette por exemplo quando se mudou para um local de trabalho mais flexível no Leste A microadministração do tempo avança rapidamente mesmo quando o tempo pare ce desregulado em comparação com os males da fábrica de alfinetes de Smith ou o fordismo A lógica métrica do tem po de Daniel Bell passou do relógio de ponto para a tela do computador O trabalho é fisicamente descentralizado o po der sobre o trabalhador mais direto Trabalhar em casa é a ilha última do novo regime A corrosão do caráter 69 Estas pois são as forças que dobram as pessoas à mudança reinvenção da burocracia especialização flexível de produção concentração sem centralização Na revolta contra a rotina a aparência de nova liberdade é enganosa O tempo nas insti tuições e para os indivíduos não foi libertado da jaula de fer ro do passado mas sujeito a novos controles do alto para baixo O tempo da flexibilidade é o tempo de um novo poder Flexibilidade gera desordem mas não livra das limitações A versão iluminista da flexibilidade de Smith imaginava que ela enriqueceria tanto ética quanto materialmente as pessoas seu indivíduo flexível é capaz de súbitas explosões de simpa tia pelos outros Uma estrutura de caráter bastante diferente surge entre os que exercem o poder dentro desse complicado regime moderno Eles são livres mas é uma liberdade amoral Nos últimos anos tenho ido no inverno a um encontro de líderes empresariais e políticos no balneário montanhês suí ço de Davos Chegase à aldeia subindo uma estreita estrada por entre os Alpes a própria Davos é uma rua principal ladeada por hotéis lojas e cabanas de esqui Thomas Mann situou ali A montanha mágica num grande hotel que foi ou trora um sanatório para pacientes de tuberculose Durante a semana do Fórum Econômico Mundial Davos é mais sede de poder que de saúde Ao longo da rua principal uma serpente de limusines re torcese diante do palácio de conferências onde há guardas cães policiais e detetores de metal Cada uma das duas mil pessoas que baixam na aldeia precisa de um crachá de segu rança eletrônica para entrar no palácio mas o crachá faz mais do que manter a ralé a distância Contém um código eletrôni co que permite ao portador ler e mandar mensagens num so fisticado sistema de computadores e assim marcar encontros e fazer negócios nas salas de café nas encostas de esqui ou 70 Richard Sennett nos perfeitos banquetes cujos esquemas de lugares são mui tas vezes destruídos pela pressão dos negócios Davos dedicase ao aquecimento econômico global o cen tro de conferências cheio de excomunistas louvando as vir tudes do livre comércio e do consumo conspícuo A língua franca é o inglês assinalando o papel dominante dos Estados Unidos no novo capitalismo e a maioria das pessoas o fala extremamente bem O Fórum Econômico Mundial funciona mais como uma corte que como uma conferência Seus mo narcas são chefes de grandes bancos ou empresas internacio nais bons ouvintes Os cortesãos falam fluentemente e em voz baixa tentando um empréstimo ou um negócio Davos custa aos homens de negócios são sobretudo homens muito dinhei ro e só vão lá os do topo Mas a atmosfera cortesã é conta minada por um certo medo o medo de ser deixado de fora do circuito nessa Versalhes coberta de neve Uma espécie de ressentimento de família temme feito voltar sempre a Davos como observador Minha família se compunha sobretudo de organizadores esquerdistas Meu pai e meu tio lutaram na Guerra Civil espanhola a princípio con tra os fascistas mas no fim da guerra também contra os co munistas A desilusão póscombate tem sido em maior parte a história da esquerda americana Minha própria geração teve de abrir mão das esperanças que nos cativavam em 1969 quando a revolução parecia estar a um passo a maioria de nós acabou indo parar constrangida nessa zona nebulosa um pouco à esquerda do centro onde as palavras bombásticas contam mais que os atos E ali nas encostas de esqui da Suíça vestidos como para praticar esportes estão os vencedores Aprendi uma coisa do meu passado seria fatal tratálos como apenas pérfidos En quanto os de minha espécie se tornaram adeptos de uma es pécie de desconfiança passiva da realidade existente a corte A corrosão do caráter 71 de Davos estua de energia Defende as grandes mudanças que assinalaram nossa época novas tecnologias ataque às buro cracias rígidas economia transnacional Poucas das pessoas que conheci em Davos começaram a vida ricas ou poderosas como se tornaram depois E um reino de conquistadores e devem muitas de suas conquistas à prática da flexibilidade O Homem de Davos está mais publicamente encarnado em Bill Gates o ubíquo presidente do conselho da Microsoft Corporation Ele apareceu há pouco como fazem muitos ora dores na reunião tanto em pessoa quanto ampliado numa imensa tela de televisão Ouviramse murmúrios de alguns maníacos da tecnologia na sala quando a cabeça gigante fa lou acham medíocre a qualidade dos produtos da Microsoft Mas para a maioria dos executivos ele é uma figura heróica e não só porque ergueu uma empresa enorme do nada É o pró prio epítome do magnata flexível como ficou demonstrado mais recentemente quando descobriu que não tinha previsto as possibilidades da Internet Gates volveu suas imensas ope rações num minuto reorganizando seu foco empresarial em busca da nova oportunidade de mercado Quando eu era criança tinha uma coleção de livros inti tulada Pequena Biblioteca Lênin que mostrava em detalhes gráficos o caráter do capitalista que se faz a si mesmo Uma ilustração particularmente espantosa mostrava o velho John D Rockefeller como um elefante esmagando infelizes ope rários sob as patas enormes a tromba agarrando máquinas de trem e perfuradoras de petróleo O Homem de Davos pode ser implacável e ganancioso mas só essas qualidades animais não bastam para explicar os traços de caráter dos magnatas da tecnologia dos capitalistas de risco e dos expertos em reengenharia empresarial ali reunidos Gates por exemplo parece não ter a obsessão de se ape gar às coisas Seus produtos surgem numa fúria e desapare 72 Richard Sennett cem com a mesma rapidez enquanto Rockefeller queria ser dono de perfuradoras de petróleo prédios máquinas ou es tradas de ferro a longo prazo A falta de apego a longo prazo parece assinalar a atitude de Gates em relação ao trabalho ele falou mais de alguém tomar posição numa rede de possi bilidades do que ficar paralisado num determinado emprego Em todos os aspectos é um competidor brutal e a prova de sua ganância é do conhecimento público dedicou apenas uma minúscula fatia de seus bilhões à beneficência ou ao bem pú blico Mas sua disposição a dobrarse é evidenciada por estar pronto para destruir o que fez diante das demandas do mo mento imediato tem a capacidade de largar embora não de dar Essa ausência de apego temporal está ligada a um segundo traço de flexibilidade de caráter a tolerância com a fragmen tação Quando Gates conferenciou no ano passado deu um determinado conselho Dissenos que o crescimento das em presas tecnológicas é um caos assinalado por algumas expe riências erros e contradições Outros tecnocratas america nos disseram a mesma coisa aos colegas renoeuropeus que aparentemente presos em velhos modos formalistas querem criar uma política tecnológica coerente para suas empresas ou países O crescimento disseram os americanos não se dá dessa forma clara burocraticamente planejada Talvez o que leva o capitalista hoje a buscar muitas possi bilidades ao mesmo tempo não seja mais que a necessidade econômica Tais realidades práticas exigem no entanto uma determinada força de caráter a de alguém que tem a con fiança de permanecer na desordem alguém que prospera em meio ao deslocamento Rico como vimos sofria emocional mente com os deslocamentos sociais que acompanharam o seu sucesso Os verdadeiros vencedores não sofrem com a frag mentação Ao contrário são estimulados por trabalhar em A corrosão do caráter 73 muitas frentes diferentes ao mesmo tempo é parte da ener gia da mudança irreversível Capacidade de desprenderse do próprio passado confian ça para aceitar a fragmentação estes são dois traços de caráter que aparecem em Davos entre pessoas realmente à vontade no novo capitalismo São traços que encorajam a espontaneidade mas ali na montanha essa espontaneidade é na melhor das hi póteses neutra Esses mesmos traços de caráter que geram a espontaneidade se tornam mais autodestrutivos para os que trabalham mais embaixo no regime flexível Os três elementos do sistema de poder flexível corroem o caráter de empregados mais comuns que tentam jogar segundo as mesmas regras Ou pelo menos foi o que constatei descendo da montanha mágica e voltando a Boston QUATRO Ilegível Um ano depois de minha conversa com Rico voltei à pa daria de Boston onde vinte e cinco anos antes fazendo pesqui sa paiaThe Hidden Injuries ofClass tinha entrevistado um gru po de padeiros Fora lá inicialmente perguntar como eles viam o sistema de classes nos Estados Unidos Como quase todos os americanos me disseram que pertenciam à classe média em si a idéia de classes sociais pouco significava para eles Os eu ropeus de Tocqueville em diante tendem a tomar a aparência por realidade alguns deduziram que nós americanos somos de fato uma sociedade sem classes pelo menos em nossas manei ras e crenças uma democracia de consumidores outros como Simone de Beauvoir afirmaram que somos irremediavel mente confusos sobre nossas verdadeiras diferenças Meus entrevistados de um quarto de século atrás não eram cegos tinham uma maneira suficientemente legível de avaliar classe social embora não a maneira européia Classe envolvia uma estimativa muito mais pessoal do eu e das circunstâncias Podemse traçar linhas bem definidas entre as pessoas dessa for ma os fregueses dos restaurantes de fast food americanos por exemplo tratam os que os servem com uma indiferença e ru deza que seriam insultantes e inaceitáveis num pub inglês ou num café francês As massas parecem não ser dignas de nota como seres humanos e assim o que importa é o quanto as pés 76 Richard Sennett soas se destacam das massas A obsessão americana com o in dividualismo expressa a necessidade de status nesses termos a pessoa quer ser respeitada por si mesma Classe nos Estados Unidos tende a ser interpretada como uma questão de caráter pessoal E assim quando 80 por cento de um grupo de padei ros diz Eu sou classe média a verdadeira pergunta que está sendo respondida não é o quanto alguém é rico ou poderoso mas como se vê a si mesmo A resposta é Sou bom o bastante As medições objetivas de posição social como fazem os europeus economicamente em termos de classe são com mais freqüência feitas pelos americanos em termos de raça e etnicidade Ao entrevistar os padeiros de Boston quando a padaria tinha um nome italiano e fazia pães italianos a maio ria deles era grega esses gregos eram filhos de padeiros que haviam trabalhado para a mesma empresa Para tais greco americanos negro era sinônimo de pobre e pobre se tornava pela alquimia que traduzia posição social objetiva em caráter pessoal um sinal cognato de degradado Enfurecia as pessoas que entrevistei na época o fato de que a elite quer dizer médicos advogados professores e outros brancos privilegiados sentisse mais pena daqueles negros suposta mente preguiçosos e dependentes do que pelos esforços dos americanos trabalhadores de espírito independente O ódio racial traía assim uma espécie de consciência de classe A etnicidade grega dos padeiros também os ajudava a me dir sua posição relativamente inferior na escala social Eles ex ploravam muito o fato de os administradores da padaria serem italianos Muitos italianos de Boston eram tão pobres quanto outros grupos étnicos mas era um lugarcomum nessas outras comunidades de imigrantes dizer que os italianos que haviam subido na sociedade tinham ajuda da Máfia Os padeiros se preocupavam com a mobilidade social ascendente entre eles temiam que os filhos perdessem as raízes gregas ao se torna A corrosão do caráter 77 rem mais americanos E estavam certos de que os brancos anglo saxões protestantes de Boston olhavam de cima os americanos imigrantes como eles talvez uma avaliação realista A visão marxista tradicional da consciência de classe se ba seia no processo de trabalho especificamente em como os tra balhadores se relacionam uns com os outros através do seu tra balho A padaria mantinha os padeiros constrangidamente juntos O lugar em um aspecto assemelhavase mais à fábrica de papel de Diderot que à de alfinetes de Smith sendo a fabricação de pães um exercício de bale que exigia anos de treinamento para funcionar direito Contudo era muito barulhenta o cheiro de fermento misturavase ao de suor humano nos quentes aposen tos os padeiros tinham as mãos constantemente mergulhadas em farinha e água os homens usavam tanto o nariz quanto os olhos para julgar quando o pão estava pronto Era forte o orgulho da profissão mas eles diziam não gostar de seu trabalho e eu acre ditei Os fornos muitas vezes os queimavam o primitivo rolo de massa exigia músculos humanos e era trabalho noturno o que significava que aqueles homens tão centrados na família raras vezes viam as suas durante a semana Mas me pareceu vendoos labutar que a solidariedade étni ca de ser gregos possibilitava a solidariedade naquele duro labor bom trabalhador significava bom grego A equiparação de bom trabalho com bom grego fazia mais sentido no concreto que no abstrato Os padeiros precisavam cooperar intimamente para coordenar as variadas tarefas da padaria Quando dois deles ir mãos alcoólatras se apresentavam sujos ao trabalho os outros os censuravam falando do caos que estavam criando em suas famí lias e da perda de prestígio das famílias na comunidade em que viviam todos os gregos Não ser um bom grego era um forte ins trumento para envergonhar e assim o trabalho era disciplinado Como Enrico os padeiros gregos na padaria italiana ti nham um conjunto de orientações burocráticas para organi 78 Richard Sennett A corrosão do caráter 79 zar sua experiência a longo prazo Os serviços de padaria haviam passado dos pais para eles pelo sindicato local que também estruturava rigidamente salários benefícios e pensões Certo as clarezas nesse mundo dos padeiros exigiam algumas ficções O primeiro dono da padaria fora um judeu muito pobre que transformara o negócio em alguma coisa depois a vendera a uma organização de médio porte e capital aberto que empregava administradores de sobrenomes italianos mas as coisas eram esclarecidas simplesmente equiparando Patrão com Máfia O sindicato que organizava suas vidas era na verdade um caos o fundo de pensão saqueado e esgotado Contudo disseramme os padeiros esses funcionários sindi cais corruptos compreendiam as necessidades deles Essas eram algumas das maneiras como um grupo de tra balhadores tornava legível numa linguagem mais pessoal as condições que um europeu teria lido em termos de classe A raça media para baixo a etnicidade para cima e para nós O caráter dos trabalhadores expressavase no trabalho no agir com honra trabalhando cooperativa e honestamente com outros padeiros porque pertenciam à mesma comunidade Quando voltei à padaria após conversar com Rico fiquei espantado ao ver como mudara Um gigantesco conglomerado da área de alimentos é hoje dono do negócio mas não se trata de uma operação em massa Funciona segundo os princípios de organização flexível de Pio re e Sabei usando máquinas sofisticadas reconfiguráveis Um dia os padeiros podem fazer mil pães franceses no dia seguinte mil croissants dependendo da demanda de mercado imediata em Boston A padaria não mais cheira a suor e é surpreenden temente fria quando antes os padeiros vomitavam com freqüên cia por causa do calor Sob as tranqüilizantes lâmpadas fluo rescentes tudo agora se passa num estranho silêncio Socialmente não é mais um estabelecimento grego Todos os homens que eu conhecera haviamse aposentado alguns jovens italianos hoje trabalham lá como padeiros junto com dois vietnamitas um maduro e incompetente hippie anglo saxão protestante branco e vários indivíduos sem identidade étnica visível Além disso a casa não é mais composta apenas de homens um dos italianos era uma moça mal saída da ado lescência outra mulher tinha dois filhos crescidos Trabalha dores entram e saem durante o dia a padaria é uma intricada rede de horários de meio período para as mulheres e mesmo para os homens o velho turno da noite substituído por um horário de trabalho muito mais flexível O poder do sindicato dos padeiros desgastouse na loja em conseqüência os mais jovens não são cobertos por contratos sindicais e trabalham em base contingente além de horários flexíveis Mais impres sionante ainda em vista dos preconceitos que dominavam a velha padaria o supervisor dos padeiros é negro Vistas da perspectiva do passado todas essas mudanças de vem confundir Essa caldeirada de etnicidade gênero e raça sem dúvida dificulta a interpretação à maneira antiga Mas ainda pre valece a disposição tipicamente americana de traduzir classe nos termos mais pessoais de status O que é realmente novo é que na padaria percebi um terrível paradoxo Nesse local de traba lho hightech flexível onde tudo é fácil de usar os empregados se sentem pessoalmente degradados pela maneira como traba lham Nesse paraíso do padeiro tal reação ao trabalho é uma coisa que eles próprios não entendem Operacionalmente tudo é muito claro emocionalmente muito ilegível A panificação computadorizada mudou profundamente as atividades físicas de bale da padaria Agora os padeiros não têm contato físico com os materiais ou as bisnagas de pão moni torando todo o processo por ícones em telas que mostram por exemplo imagens da cor do pão extraídas de dados sobre a temperatura e tempo de cozimento dos fornos poucos padei 80 Richard Sennett A corrosão do caráter 81 ros vêem de fato as bisnagas que fazem Suas telas de trabalho são organizadas da conhecida maneira do Windows numa de las aparecem ícones para muito mais tipos diferentes de pão do que os que eram preparados antes bisnagas russas italia nas francesas todas possíveis tocandose a tela O pão tornou se uma representação numa tela Como conseqüência de trabalhar dessa forma os padei ros não mais sabem de fato como fazer pão O pão auto matizado não é nenhuma maravilha de perfeição tecnológica as máquinas muitas vezes contam uma história diferente dos pães que crescem lá dentro por exemplo não avaliando com precisão a força do fermento ou a verdadeira cor da bisnaga Os trabalhadores podem mexer na tela para corrigir um pou co tais defeitos o que não podem é consertar as máquinas ou o mais importante fazer de fato o pão por controle ma nual quando elas demasiadas vezes pifam Trabalhadores dependentes de programas eles também não podem ter co nhecimento prático O trabalho não é mais legível para eles no sentido de entender o que estão fazendo Os horários flexíveis na padaria agravam os problemas do trabalho nesse esquema As pessoas muitas vezes vão para casa exatamente quando a tragédia está saindo do forno Não que ro dizer que sejam irresponsáveis antes que têm outras de mandas de seu tempo filhos para cuidar ou outros empregos aonde têm de chegar na hora Para lidar com as fornadas computadorizadas que dão errado é mais fácil jogar fora os pães estragados reprogramar o computador e recomeçar tudo de novo Nos velhos tempos vi muito pouco desperdício na padaria hoje todo dia se enchem imensos toneis plásticos de lixo com montes de pães queimados Os toneis de lixo pare cem símbolos adequados do que aconteceu à arte do padeiro Mas não há necessariamente motivo para romantizar essa perda de artesanato humano como ávido cozinheiro amador constatei que a qualidade do pão que sobrevive ao processo de produção é excelente opinião evidentemente partilhada por muitos bostonianos pois a padaria é popular e lucrativa Segundo antigas idéias de classe marxistas os próprios tra balhadores deviam ser alienados por essa perda de qualifica ção deviam ficar furiosos com as condições assombrosas do local de trabalho Mas a única pessoa que encontrei na padaria que se encaixa nessa descrição foi o supervisor negro que es tava no mais baixo degrau da escada administrativa Rodney Everts como o chamarei aqui é um jamaicano que veio para Boston quando tinha dez anos e subiu no trabalho à maneira antiga de aprendiz a mestre padeiro e supervisor Essa trajetória representa vinte anos de luta Ele foi imposto à anti ga administração como parte de uma lei de igualdade racial suportou a frieza diária dos velhos gregos mas subiu por pura determinação e merecimento Sinais da luta aparecem em seu corpo está gordo demais come por ansiedade nossa conver sa a princípio girou em torno de culturas de fermentos e dietas Rodney Everts recebeu a mudança de administração como uma liberação uma vez que a nova empresa nacional tinha um caráter menos racista e acolheu as mudanças tecnológicas na padaria como reduzindo seu risco de ataque cardíaco Recebeu bem sobretudo a aposentadoria dos gregos e a contratação da força de trabalho poliglota Ele é responsável na verdade pela escolha da maioria dos padeiros Mas também fica furioso com a maneira como eles trabalham cegamente embora entenda que o baixo nível de solidariedade e qualificação não é culpa dos trabalhadores A maioria das pessoas que escolhe fica no má ximo dois anos na padaria os jovens trabalhadores não sindi calizados são especialmente transitórios Também fica furioso com a empresa por preferir esses trabalhadores não sindicali zados Everts está convencido de que se fossem mais bem pa gos eles ficariam mais tempo E fica furioso com a empresa por 82 Richard Sennett A corrosão do caráter 83 usar horários de flexitempo como um atrativo para o trabalho de nível inferior Quer todo o seu pessoal junto na padaria ao mesmo tempo para cuidar dos problemas da melhor maneira possível Os toneis de lixo o deixam furibundo Eu me entusiasmei com Rodney Everts quando ele me dis se acreditar que muitos desses problemas podiam ser escla recidos se os próprios trabalhadores fossem donos da pada ria Não é nada passivo diante da incapacidade dos padeiros de fazer pão deu vários seminários voluntários sobre essa arte assistidos apenas pelos dois vietnamitas que mal compreen dem seu inglês Mas fiquei mais impressionado por sua capa cidade de recuar para ver com clareza Quando eu era aprendiz sabe como é tinha a raiva cega do negro Leitor devoto da Bíblia mostra um pouco das cadências do Rei James em seu discurso Agora eu vejo este lugar Essa clareza era o que o Marx humanista queria dizer com alienação a infeliz consciência dissociada que revela no en tanto as coisas como elas são e onde está a pessoa Mas o supervisor está sozinho As pessoas abaixo dele não se vêem com a mesma clareza Em vez de alienação o senso que têm da vida diária na padaria se caracteriza pela indife rença Por exemplo para ser contratadas hoje as pessoas dos fornos têm de provar que entendem de computador Contu do não usam muito desse conhecimento no emprego onde simplesmente apertam botões num programa de Windows projetado por outros Padaria sapataria gráfica é só dizer eu tenho as qua lificações disse uma das mulheres com uma risada quan do olhávamos os toneis de lixo Os padeiros têm uma vivida consciência de que executam tarefas simples e broncas fazendo menos do que sabem Um dos italianos me disse Eu vou para casa faço pão mesmo sou um padeiro Aqui aperto botões Quando lhe perguntei por que não assistira ao seminário de Everts respondeu Não importa não vou ficar fazendo isso o resto da vida Repetidas vezes as pessoas me disseram a mesma coisa com palavras diferentes Não sou padeiro mesmo Eis aí pessoas cuja identificação com o trabalho é fraca Se Bill Gates não é muito apegado a produtos específicos essa nova geração é indiferente a trabalhos específicos Mas a falta de apego também se combina com confusão Essa flexível força de trabalho poliglota tinha um pouco mais de cla reza sobre seu lugar na sociedade Os padrões de medida raciais e étnicos são menos úteis para eles que para os gregos que traba lharam ali antes Aceitavam o negro Rodney Everts como seu chefe legítimo a autoridade baseada na verdadeira qualificação As mulheres da padaria usavam a palavra feminismo com acrimônia Quando fiz as pessoas as mesmas perguntas que fize ra vinte e cinco anos antes A que classe você pertence obtive a mesma resposta classe média Mas agora desaparece ram os velhos subtextos de organização Ao fazer essa generali zação tenho de excetuar os vietnamitas com os quais tinha de falar em francês em suas ligações comunais eles se assemelha vam aos gregos que haviam trabalhado ali antes A falta de apego a determinadas tarefas e a confusão sobre posição social poderiam ser toleráveis se também houvesse de saparecido a disposição tipicamente americana de traduzir cir cunstâncias materiais em questões de caráter pessoal Mas isso não aconteceu A experiência do trabalho ainda parece intensa mente pessoal Essas pessoas são fortemente impelidas a inter pretar seu trabalho como refletindo sobre si mesmas como in divíduos Vinte e cinco anos atrás eu perguntara aos padeiros gregos Por qual motivo você quer ser respeitado A resposta 84 Richard Sennett era simples ser um bom pai e depois um bom trabalhador Quando fiz a umas vinte pessoas a mesma pergunta ao voltar sexo e idade complicaram o lado familiar da questão mas como an tes ser um bom trabalhador continuava sendo importante Ago ra porém no regime flexível as qualidades pessoais para ser um bom trabalhador pareciam mais difíceis de definir A tecnologia na padaria é importante para essa fraca identida de com o trabalho mas não exatamente como se esperava Em vez de hostis as máquinas nesse local de trabalho se destinam todas a ser fáceis de usar têm ícones visuais claros e janelas bem organizadas que se assemelham às telas dos computado res domésticos Um vietnamita que mal fala inglês e que não tem um verdadeiro entendimento da diferença entre uma ba guette e um croissant pode operálas Há um motivo econômi co para essas misturadoras prensas e fornos fáceis de usar permitem à empresa contratar trabalhadores com salários mais baixos que antes quando eram os trabalhadores e não as má quinas que possuíam as qualificações embora hoje todos tenham qualificações técnicas formais mais elevadas Acabei compreendendo que é a própria facilidade de uso da padaria que pode explicar em parte a confusão que as pes soas sentem sobre si mesmas como padeiras Em todas as for mas de trabalho desde esculpir a servir refeições as pessoas se identificam com tarefas que as desafiam as tarefas difíceis Mas nesse local de trabalho flexível com seus trabalhadores poliglotas sempre indo e vindo e ordens radicalmente dife rentes a cada dia a maquinaria é o único verdadeiro padrão de ordem e por isso tem de ser fácil para qualquer um não importa quem operar A dificuldade é contraprodutiva num regime flexível Por um terrível paradoxo quando diminuímos a dificuldade e a resistência criamos as condições mesmas para a atividade acrílica e indiferente por parte dos usuários A corrosão do caráter 85 Nesse aspecto dei a sorte de estar na padaria quando uma das máquinas de socar a massa pifou Embora simples de usar a máquina tinha um projeto complexo o sistema operacional do computador era mais opaco como dizem os projetistas industriais que transparente Fácil de usar significava uma versão meio unilateral de facilidade Na padaria nesse dia desligouse a força deuse um telefonema e ficamos duas horas sentados esperando que chegassem da empresa que projetara as máquinas os salvadores da assistência técnica Assim que se desligou a força os trabalhadores que espe ravam ficaram malhumorados e irritados Já acontecera an tes mas não havia como alguém ali entrar naquela arquitetu ra de sistema opaco para entender e muito menos resolver o problema Os padeiros não eram indiferentes ao fato elemen tar de que se fizesse o serviço Num estudo de empregados dos restaurantes McDonalds Katherine Newman descobriu que trabalhadores supostamente não qualificados de repente despertam a atenção mental e usam todo tipo de aptidão im provisada para manter a operação funcionando diante de uma crise como essa50 Os padeiros sentiam o impulso de enfren tar o problema mas a tecnologia os deixava perplexos Seria absurdo claro culpar as máquinas Elas foram proje tadas e construídas para trabalhar de uma certa forma a empresa tolerava o desperdício e o colapso como simplesmen te parte do custo dos negócios Em níveis superiores de tra balho técnico o advento do computador enriqueceu o con teúdo de muitos serviços O lado muito mais positivo da tecnologia aparece por exemplo no estudo que Stanley Aronowitz e William DiFazio fizeram do impacto do progra ma AutoCAD ou desenho com auxílio de computador num grupo de engenheiros civis e arquitetos que trabalhavam na cidade de Nova York As pessoas acostumadas a desenhar a mão ficaram excitadas com a possibilidade de manipular imã 86 Richard Sennett A corrosão do caráter 87 gens de uma forma flexível na tela Um arquiteto disse aos pesquisadores A princípio pensei que seriam apenas máquinas de desenhar mas estou de fato excitado com isto é como se eu pudesse manipular e desmontar qualquer desenho Posso esticálo mudálo de lugar tirar uma parte51 Esse uso da máquina sem dúvida estimulou seus usuários de alto nível a pensar Contudo seria igualmente errado excluir a maquinaria do distanciamento e confusões da flexibilidade Isso se dá por que a nova ferramenta do capitalismo é uma máquina muito mais inteligente que os aparelhos mecânicos do passado Pode substituir a inteligência dos usuários pela sua própria e as sim levar a novos extremos o pesadelo do trabalho bronco de Smith Quando o AutoCAD foi introduzido no programa de arquitetura do Instituto de Tecnologia de Massachusetts por exemplo um arquiteto protestou que quando se desenha um local quando o pomos no papel quadriculado ele se entranha em nossa mente Passamos a conhecer o local de uma maneira que não é possível no computador Passamos a conhecer o terreno traçandoo e retraçandoo não deixando o computador regenerá lo para nós52 Do mesmo modo o físico Victor Weisskopf certa vez disse a alunos que trabalhavam exclusivamente com experiências computadorizadas Quando vocês me mostram esse resultado o computa dor entende a resposta mas não creio que vocês a entendam53 Como qualquer ato de pensar a inteligência no uso de má quinas é chata quando mais operacional que autocrítica A ana lista tecnológica Sherry Turkle conta que entrevistou uma me nina muito inteligente sobre como melhor jogar o SimCity um jogo de planejamento urbano para crianças no computador uma das regras mais eficazes era Elevar impostos sempre leva a motins54 A criança não questionava por que elevar impos tos sempre leva a motins só sabia que essa regra tornava o jogo fácil de jogar No AutoCAD podese desenhar na máquina uma pequena parte de um objeto e ver quase imediatamente ele todo se imaginamos como ficaria uma cena ampliada reduzida in vertida por detrás umas poucas teclas nos mostram Mas não nos dirá se a imagem serve para alguma coisa O desligamento e a confusão que constatei entre os padei ros de Boston são uma resposta a essas propriedades típicas do uso do computador num local de trabalho flexível Não seria novidade para esses homens e mulheres saber que a resistência e a dificuldade são importantes fontes de estímulo mental que quando temos de nos esforçar para conhecer uma coisa a co nhecemos bem Mas essas virtudes não têm lugar Dificuldade e flexibilidade são opostos no processo de produção comum do padeiro Nos momentos em que as máquinas entram em pane eles se vêem de repente impedidos de cuidar do seu trabalho e isso ricocheteia no senso do próprio trabalho Quando a mulher na padaria diz padaria sapataria gráfica é só dizer seu sentimento pela máquina é de um tipo descontraído sim pático Mas também como me disse repetidas vezes não é padeira Essas duas declarações estão intimamente relaciona das A compreensão que ela tem do trabalho é superficial sua identidade como trabalhadora leve É um lugarcomum dizer que as identidades modernas são mais fluidas que as divisões categóricas das pessoas nas socie dades submetidas a classes do passado Fluido pode querer dizer adaptável Mas em outra cadeia de associações tam bém significa descontração o movimento fluido exige que não haja impedimentos Quando tudo nos é facilitado como no 88 Richard Sennett trabalho que descrevi tornamonos fracos nosso compromis so com o trabalho se torna superficial uma vez que não en tendemos o que fazemos Não é esse o mesmo dilema que preocupava Adam Smith Creio que não Nada era escondido do trabalhador na fábrica de alfinetes muita coisa é escondida dos trabalhadores da padaria O trabalho deles é muito claro e no entanto muito obscuro A flexibilidade cria distinções entre superfície e pro fundidade aqueles que são objetos menos poderosos da fle xibilidade são obrigados a permanecer na superfície Os velhos trabalhadores gregos tinham grande dificuldade física para fazer seu trabalho ninguém desejaria o seu retor no O trabalho não era nada superficial para eles devido a seus laços étnicos e na moderna Boston esses laços de honra comuna talvez tenham também desaparecido para sempre O que importa agora é o que tomou o lugar deles a associação do flexível e do fluido com o familiar São demasiado conhecidos o papel brilhante e as mensagens simples dos anúncios de pro dutos globais cada vez mais fáceis de entender Mas um pouco da mesma linha divisória entre superfície e profundidade assi nala o processo produtivo com suas tarefas fáceis de cumprir mas cuja lógica mais profunda não se pode decifrar Da mesma maneira as pessoas podem sofrer de superfida lidade ao tentar ler o mundo em torno delas e a si mesmas As imagens de uma sociedade sem classes com uma maneira comum de falar vestir e ver também podem servir para esconder dife renças mais profundas numa determinada superfície todos pa recem estar num plano igual mas abrir a superfície pode exigir um código que as pessoas não têm E se o que elas sabem sobre si mesmas é fácil e imediato talvez seja demasiado pouco As superfícies opacas do trabalho contrastam com os en tusiasmos de Davos No regime flexível as dificuldades cris talizamse num determinado ato o ato de correr riscos CINCO Risco Até fechar o Trout Bar era um dos meus lugares de des contração favoritos em Nova York Localizado no prédio de uma velha fábrica no Soho não era convidativo a gente en trava num meio porão e a vista das janelas oferecia uma pers pectiva democrática de sapatos e tornozelos não identificáveis O Trout era o reino de Rose Quando mal saíra do ginásio ela se casara com um fabri cante de chapéus de meiaidade na época em que os homens usavam chapéu Como acontecia há trinta anos logo teve dois bebês O fabricante de chapéus morrera quase com a mesma rapidez com o apurado na venda de sua empresa Rose com prara o TrouL Aparentemente abrese caminho no ramo de bares em Nova York tornandose quente ou ficando morno a primeira hipótese supõe pegar a população flutuante de mo delos ricos entediados e cobras da imprensa que passam por ser a turma de classe da cidade a segunda exige atrair uma clientela sedentária local Rose escolheu o último caminho como o mais seguro e o Trout correspondeu A comida do Trout era apenas para os mais ousados Os cozinheiros Ernesto e Manolo não tinham a menor idéia da função do calor no processo de cozinhar de modo que o raro cheeseburger pedido em geral vinha como uma coisa seca parecendo sola que exigia uma faca afiada Mas os dois eram 90 Richard Sennett os meninos de Rose ela brincava com eles berrava com eles e eles lhe respondiam com rudes comentários em espa nhol Na fachada a vida social era diferente as pessoas iam ali para ficar sós Creio que toda cidade grande tem uns oásis assim Vi os mesmos fregueses durante uma geração inteira e tive intermináveis conversas com eles sem jamais fazer amigos Apesar de na verdade novaiorquina da gema não gos tando de gracinhas Rose parecia e falava como a persona gem que o pessoal da vida boêmia de Nova York prefere Tinha os olhos ampliados por uns enormes óculos quadra dos que apenas pareciam enfatizar sua voz uma trombeta nasal que emitia freqüentes observações cortantes A verda deira personalidade escondiase por trás dessa fachada Bu faria de escárnio se eu algum dia lhe dissesse que ela era sensível e inteligente Mas seu problema era que não se dava muito valor servindo café e bebidas aos atores fracassados escritores cansados e comerciantes rubicundos do bairro Teve a necessária crise de meiaidade Poucos anos atrás decidira dar o fora do aconchegante e lucrativo reino que construíra no Trout Foi um momento ló gico de mudança uma das filhas casarase a outra formara se finalmente na faculdade Em várias épocas Rose fora en trevistada por pesquisadores de uma agência de publicidade especializada em bebidas que punha anúncios em revistas de luxo Agora falavamlhe de um contrato de dois anos na agên cia para alguém trabalhar na revitalização das bebidas fortes uma vez que o mercado de scotch e bourbon andava em bai xa Rose agarrou a oportunidade candidatouse e foi aceita Nova York é a pátria internacional do ramo publicitário e as pessoas empregadas na indústria da imagem são facilmen te identificadas por outros novaiorquinos Os homens da imprensa cultivam menos a aparência do funcionário estável A corrosão do caráter 91 que do artista próspero camisas de seda preta ternos pretos muito preto caro Homens e mulheres do ramo prosperam numa rede de compromissos para almoços e drinques festas em galerias noitadas de boate em boate Um publicitário da cidade certa vez me disse que só há quinhentas pessoas im portantes de fato no ramo da publicidade de Nova York por que estão em evidência e visíveis os milhares de outros que dão duro nos escritórios habitam uma espécie de Sibéria A rede de elite atua na base do zunzum a corrente de alta voltagem de fofocas que flui dia e noite na cidade Não parecia um bom ambiente para Rose abrir as asas Por outro lado podese chegar a um ponto em que se não se faz alguma coisa nova a vida como um terno muito usa do vaise tornando cada vez mais esmolambado Rose pe gou a oportunidade com a sensatez do pequeno comercian te arrendou em vez de vender o Trout para o caso de as coisas não darem certo O Trout na opinião de todos os fregueses sofreu um declínio sutil mas profundo com a saída de Rose A nova ad ministradora era de uma simpatia incansável Encheu as jane las de plantas salsa e outros tiragostos saudáveis substituí ram os gordurosos amendoins há muito preferidos pela clien tela Ela tinha aquela combinação de indiferença humana e limpeza física que eu associo à cultura californiana Passado um ano apenas porém Rose estava de volta A visão desobstruída de pés andando quase imediatamente subs tituiu as plantas os amendoins gordurosos retornaram Du rante uma semana a mulher da Califórnia permaneceu e depois também ela se foi Ficamos imensamente aliviados claro mas intrigados A princípio Rose explicava apenas que não se faz dinheiro mesmo numa empresa uma declaração aparentemente lógica para os atores desempregados Comi go mostrouse atipicamente evasiva De vez em quando nas 92 Richard Sennett primeiras semanas deixava escapar um comentário amargo sobre os garotos alinhadinhos da alta Acabou dizendo a propósito de nada Perdi a coragem O mais simples motivo pelo qual achei que Rose voltara foi o choque de cultura Em marcante contraste com as avalia ções diárias de sucesso e fracasso lucro e perda que usava na administração de um pequeno negócio a agência de publi cidade atuava misteriosamente embora nesse ramo os enig mas tenham mais a ver com sucesso e fracasso humanos que com a operação de máquinas Um dia no Trout ela me ob servou uma coisa estranha nas pessoas que vencem no ramo da imagem As bemsucedidas na publicidade não são neces sariamente as mais ambiciosas uma vez que todos o são Os realmente bemsucedidos parecem os mais capazes de se afas tar do desastre deixando que outros segurem a barra o su cesso consiste em evitar o balanço do contador O segredo é não deixar que nada se grude na gente Claro em toda empresa no fim há uma totalização O que impressionou Rose foi que mesmo após essa conta a ficha passada de fracassos da pessoa contava menos para os patrões que os contatos e habilidades com a rede Esse desconto do fracasso pessoal aplicouse também a ela Embora tivesse um contrato formal de dois anos deixaram claro que podiam pagar minha saída e me dispensar a qual quer momento Como arrendara o bar isso não se revelou uma ameaça mortal O que a irritava era mais sutil sentiase constantemente em teste mas nunca sabia exatamente em que posição estava Não havia medidas objetivas que se aplicas sem a fazer um bom serviço além do zunzum e das aptidões necessárias a não deixar nada grudar na gente E isso era sobretudo irritante porque Rose fazia uma experiência pes soal Não entrara naquele mundo para vencer financeiramente A corrosão do caráter 93 só para fazer alguma coisa mais interessante na vida Mas após um ano disseme Achei que não estava indo a parte alguma simplesmen te não sabia Em situações fluidas como essa as pessoas tendem a con centrarse nas minúcias dos fatos diários buscando nos deta lhes algum portento de significado mais ou menos como sacerdotes antigos estudando as entranhas de animais mortos Como o chefe dábomdia de manhã quem foi convidado ape nas paralomar drinques no lançamento da vodca limão e quem para o jantar depois são esses os portentos do que realmente está acontecendo no escritório Rose podia lidar em termos práticos com esse tipo de ansiedade trivial diária era um dos seres humanos mais fortes que conheci Mas a sensação de que não tinha âncora no mar faiscante do ramo de imagens desgastoua por dentro Além disso na agência de publicidade aprendeu uma amarga verdade sobre a experiência passada que a levara a apostar numa vida diferente as pessoas de meiaidade como ela são tratadas como madeira morta a experiência que acumularam é tida como de pouco valor Tudo no escritório se concentrava no momento imediato o que estava na iminência de surgir em chegar além da curva olhos vidramse no ramo da imagem quando alguém co meça uma frase com Uma coisa que aprendi é que É preciso coragem para uma mulher de meiaidade como Rose arriscar uma coisa nova mas a incerteza sobre sua posi ção combinada com a negação da experiência que vivera minou sua coragem Mudança oportunidade novo tudo soava vazio quando ela decidiu voltar ao Trout Embora sua disposição de arriscar fosse incomum embora o ramo da mídia seja incomumente fluido e superficial seu fracasso ilus tra algumas confusões mais gerais sobre a orientação da pes soa num mundo flexível 94 Richard Sennett Correr riscos pode ser em muitas circunstâncias diferentes um teste de alta carga do caráter Nos romances do século dezenove figuras como Julien Sorel de Stendhal ou Vautrin de Balzac se desenvolvem psicologicamente correndo gran des riscos e em sua disposição de arriscar tudo tornamse figuras heróicas Quando o economista Joseph Schumpeter evoca a criação destrutiva praticada pelo empresário escre ve no espírito desses romancistas os seres humanos excepcio nais se desenvolvem vivendo constantemente no limite Os traços de caráter evidenciados em Davos abrir mão do pas sado e habitar a desordem são também formas de viver no limite A disposição de arriscar porém não mais deve ser domí nio apenas de capitalistas de risco ou indivíduos extremamente aventureiros O risco vai se tornar uma necessidade diária enfrentada pelas massas O sociólogo Ulrich Beck declara que na modernidade avançada a produção social de riqueza é sistematicamente acompanhada pelas produções sociais de riscos55 Numa veia mais caseira os autores de Upsizing the Individual and Downsizing Corporation invocam a imagem do trabalho sendo continuamente trocado de vaso como uma muda de planta e do trabalhador como jardineiro A própria instabilidade das organizações flexíveis impõe aos trabalha dores a necessidade de trocar de vasos isto é correr ris cos com seu trabalho Esse manual de negócios é típico de muitos outros no fazer dessa necessidade uma virtude A teo ria é que rejuvenescemos nossas energias correndo riscos e nos recarregamos continuamente56 Essa imagem da troca de vasos é reconfortante domestica o heroísmo do risco Em vez do drama trepidante das jogadas de Julien Sorel o risco tornase normal e comum A própria palavra risco descende da palavra renas centista italiana para desafiar risicare A raiz sugere de fato A corrosão do caráter 95 uma atitude de bravata e confiança mas essa não é a história toda Até tempos relativamente recentes os jogos de azar e o correr riscos pareciam um desafio aos deuses A expressão moderna tentar a sorte vem da tragédia grega em que Ate a força do destino pune homens e mulheres pelo orgulho de desafiar demais de ter presunções sobre o futuro Acredita vase que Fortuna a deusa romana da sorte determinava todo lance de dados Nesse universo governado por deuses e Deus havia espaço para desafiar mas não muito para a sorte Um famoso livro sobre o risco LiberAbaci de Fibonacci marcou época ao afirmar o caráter puramente aleatório dos fatos e a capacidade dos seres humanos de administrar seus riscos O livro de Fibonacci foi publicado em 1202 e baseou se na prática dos matemáticos árabes de escrever números como l 2 ou 804738 que permitiam um tipo de cálculo que não se podia fazer facilmente com os velhos numerais roma nos I II ou MCIY Os coelhos de Fibonacci formavam a parte mais festejada do livro ele tentou prever quantos coelhos nasceriam num ano de um único casal de pais Desses cálcu los derivou toda uma ciência matemática para prever resulta dos Matemáticos do Renascimento italiano como Paccioli e Cardano adotaram a nova ciência de calcular risco como fi zeram Pascal e Fermat na França Muitas das estratégias de cálculo usadas nos modernos computadores por sua vez derivam do trabalho de Jacob Bernoulli e seu sobrinho Daniel Bernoulli no alvorecer do Iluminismo Já em meados do século dezoito as pessoas ainda tenta vam entender o risco simplesmente pela discussão verbal a empresa de seguros Lloyds de Londres por exemplo come çou como uma taverna onde os estrangeiros conversavam e trocavam informação sobre embarques e outros empreendi mentos arriscados alguns dos participantes tomando decisões de investimentos com base no que ouviam37 A revolução 96 Richard Sennett lançada por Fibonacci acabou substituindo a discussão pelo cálculo impessoal como nas projeções que tornam possíveis as elaboradas apostas laterais derivativos e apostas dos dois lados da moderna máquina financeira Contudo o medo de tentar a sorte paira sobre a administra ção do risco Quem pode pretender ter penetrado tão profun damente na natureza da mente humana ou na maravilhosa es trutura das quais depende o jogo perguntava Jacob Bernoulli em 1710 que arriscaria predizer quando esse ou aquele joga dor iria perder ou ganhar í8 O cálculo puramente matemático não pode deslocar os aspectos psicológicos da análise de riscos em seu Treatíse on Probability John Maynard Keynes declarou que há pouca chance de descobrirmos um método de reconhe cer determinadas probabilidades sem qualquer ajuda da intui ção ou julgamento direto59 As pessoas se concentram emoáo nalmente afirmou o psicólogo Amos Tversky é na perda Em conseqüência de numerosas experiências de laborató rio Tversky chegou à conclusão de que na vida diária as pes soas se interessam mais pelas perdas que pelos ganhos quan do assumem riscos em suas carreiras ou casamentos assim como na mesa de jogo que as pessoas são muito mais sensí veis a estímulos negativos que positivos Umas poucas coi sas nos fariam sentir melhor mas o número das que nos fariam sentir pior é ilimitado60 Tversky e seu colega Daniel Kahne man tentaram descobrir em particular o que se poderia cha mar de medo matemático A obra deles se baseia no fenôme no da regressão o fato de que qualquer aposta vitoriosa no rolar dos dados não leva a outra aposta vitoriosa mas antes regride para uma média indeterminada o próximo rolar dos dados pode ser bom ou ruim41 O momento imediato é gover nado pela sorte cega não por Deus Por esse motivo é que o risco é bem diferente de um ale gre cálculo das possibilidades contidas no presente A mate A corrosão do caráter 97 mática do risco não oferece garantias e a psicologia do cor rer risco se concentra muito razoavelmente no que se pode perder Foi assim que se deu a aposta vital de Rose Fiquei eufórica nas primeiras semanas nada mais de Manolo nem mesmo do queridinho Richard nada mais de vocês Eu era executiva de uma empresa Depois claro co mecei a ter saudades de vocês todos só um pouquinho e cla ro que odiava o que aquela loura estava fazendo no meu ne gócio Rose fez uma pausa Mas o que me pegou não foi de fato tão claro Claro eu disse qualquer pessoa na sua idade vai se sentir apreensiva o lugar parecia caótico e irracional Não nem mesmo isso Fiquei deprimida apenas pelo simples fato de estar fazendo uma coisa nova A pesquisa de Tversky e Kahneman sugere que ao falarmos de risco usamos a locução estar em risco estar em risco é inerentemente mais deprimente que promissor Permanecer num estado contínuo de vulnerabilidade é a proposta que talvez sem o saber os autores dos manuais de negócios fazem quando ce lebram o risco diário na empresa flexível Claro no caso de Rose ela não ficou clinicamente deprimida parece ter feito seu trabalho com vigor Em vez disso conheceu uma espécie de preocupação surda contínua reforçada pela exagerada ambi güidade do sucesso e fracasso no ramo da publicidade Inerente em todo risco está a regressão à média Cada rolar dos dados é aleatório Posto em outros termos falta matemati camente ao risco a qualidade de uma narrativa em que um acontecimento leva ao seguinte e o condiciona As pessoas po dem claro negar o fato da regressão O jogador faz isso quan do diz que está com sorte numa maré de sorte quente fala como se os lances dos dados estivessem relacionados e o ato de arriscar portanto assume as qualidades de uma narrativa 98 Richard Sennett Mas é uma história perigosa Na evocativa formulação de Peter Bernstein damos demasiada atenção a aconteci mentos de baixa probabilidade acompanhados por grande drama e ignoramos os que acontecem de forma rotineira em conseqüência esquecemos da regressão à média ficamos demais em nossas posições e acabamos encrencados62 O jogador de Dostoievski poderia ter servido a Bernstein Tversky e Kahneman como um exemplo de como o desejo de uma narrativa dramática de risco é esvaziado pelo conhe cimento das personagens de sorte fictícias No romance a necessidade de que tudo dê certo se combina com o conhe cimento do jogador de que não é obrigatório que dê Fiz a Rose uma versão mais objetiva da pergunta sobre a narrativa de vida que fiz a Rico qual é a história que você contaria sobre esse ano na parte elegante da cidade História Como as coisas mudaram no curso de um ano Bem dessa forma não mudaram eu estava sempre de volta a casa um Mas não pode ser eles a mantiveram quando mandavam outros embora Ééé eu sobrevivi Então devem ter gostado do seu trabalho Escuta aqueles cavalheiros têm memórias muito cur tas Como eu disse a gente está sempre começando de novo tem de se provar todo dia Estar continuamente exposto ao risco pode assim corroer nosso senso de caráter Não há narrativa que supere a regres são à média estamos sempre sempre começando de novo Essa história básica porém poderia ter tido um colorido di ferente numa sociedade diferente A dimensão sociológica da exposição de Rose ao risco está no modo como as instituições A corrosão do caráter 99 moldam os esforços do indivíduo para mudar sua vida Vimos alguns dos motivos pelos quais as instituições modernas não são elas próprias rígidas e claramente definidas a incerteza delas resulta de atacar a rotina embora enfatizando ativida des de curto prazo pela criação de redes amorfas altamente complexas em lugar das burocracias de estilo militar O ris co de Rose ocorreu numa sociedade que busca desregular o tempo e o espaço Risco é uma questão de passar de uma posição para outra Uma das mais poderosas análises do movimento na socieda de moderna veio do sociólogo Ronald Burt O título de um de seus livros Structural Holes sugere a peculiaridade da troca de lugares numa organização frouxa quanto mais brechas desvios ou intermediários entre as pessoas numa rede mais fácil será a movimentação dos indivíduos A incerteza na rede favorece as chances de movimento o indivíduo pode aprovei tarse de oportunidades não previstas por outros explorar controles fracos da autoridade central Os buracos numa organização são os locais de oportunidade não as vagas cla ramente definidas de promoção numa pirâmide burocrática tradicional Claro o simples caos não pode por si só ser amigo de quem corre risco O sociólogo James Coleman observa que as pessoas devem sacar contra um fundo de capital social tanto experiências passadas partilhadas quanto realizações e talentos pessoais como ajuda para navegar numa rede frou xa Outros sociólogos de mobilidade nas redes enfatizam que a pessoa que se apresenta ao novo patrão ou grupo de traba lho tem de ser atraente além de estar disponível o risco en volve mais que simplesmente oportunidade63 A obra de Burt indica um importante fator humano tam bém transmitido pela corte de Davos aquele que gosta de arriscar tem de permanecer na ambigüidade e incerteza Os 100 Richard Sennett homens de Davos mostraramse à vontade nessa condição Os indivíduos menos poderosos que tentam explorar a ambigüi dade acabam sentindose exilados Ou ao andarem perdem o caminho No capitalismo flexível a desorientação envolvi da no marchar para a incerteza para os tais buracos estrutu rais se dá de três formas específicas por mudanças laterais ambíguas perdas retrospectivas ou resultados salariais imprevisíveis À medida que as hierarquias piramidais são substituídas por redes mais frouxas as pessoas que mudam de emprego experimentam muitas vezes o que os sociólogos chamaram de mudanças laterais ambíguas São mudanças em que a pes soa na verdade se mexe para o lado embora acreditando que está subindo na rede frouxa Esse movimento de caranguejo ocorre afirma o sociólogo Manuel Castells mesmo que as rendas se tornem mais polarizadas e desiguais as categorias de emprego se tornam mais amorfas64 Outros estudiosos da mobilidade social enfatizam o que se chama de perda retros pectiva na rede flexível Como as pessoas que arriscam fa zendo mudanças em organizações flexíveis muitas vezes têm pouca informação concreta sobre o que implicará uma nova posição só em retrospecto compreendem que tomaram más decisões Não teriam corrido o risco se soubessem Mas as organizações tantas vezes se acham em estado de fluxo inter no que é inútil alguém tentar tomar decisões racionais sobre seu futuro com base na atual estrutura de sua empresa65 O mais obstinado cálculo que as pessoas querem fazer ao mudarse é se vão ganhar mais dinheiro as estatísticas sobre os salários da mudança na atual economia são desencora jadoras Hoje mais pessoas perdem que ganham mudando de cargo dentro da empresa 34 por cento perdem significativa mente 24 por cento ganham significativamente Tabela 8 Uma geração atrás os números eram mais ou menos o con A corrosão do caráter 101 trário melhoravase um pouco mais mudando para uma nova empresa do que com a promoção interna Mesmo assim a taxa de mudança de emprego entre empresas era mais baixa que hoje fatores como segurança do emprego e compromisso com a empresa mantinham as pessoas em seus lugares Seguir a trilha estatística que estabelece esses padrões quero enfatizar exige uma completa incursão num emaranha do de idade origem de classe dos pais raça educação e sim ples sorte As coisas dificilmente ficam mais claras corn dis tinções mais sutis Parece por exemplo duas vezes mais provável que corretores de ações demitidos por desempenho medíocre ganhem com a mudança do que os que dizem ter deixado voluntariamente a empresa Por que isso não é evi dente por si mesmo Poucas pessoas podem fazer sua própria pesquisa Por esses três motivos a mobilidade ocupacional nas so ciedades contemporâneas é muitas vezes um processo ilegí vel Contrasta por exemplo com as negociações entre sindi catos que representam grandes blocos de trabalhadores e administradores que controlam instituições igualmente gran des Estas resultam em ganhos e perdas coletivas de renda nítidos além de determinar a promoção ou rebaixamento tais negociações entre mãodeobra e administração eram intei ramente categóricas Na apropriada expressão da analista de negócios Rosabeth Moss Kantor hoje os velhos elefantes burocráticos estão aprendendo a dançar66 Parte dessa nova dança é resistir a negociações categóricas em grandes insti tuições e em vez disso traçar caminhos mais fluidos e indivi dualizados para promoções ou salários Na General Motors as escalas de salário e definições de cargos são infinitamente mais complicadas hoje do que em meados do século quando Daniel Bell constatou que dirigia um rígido regime coletivo Se as pessoas não sabem o que vai acontecer quando as 102 Richard Sennett sumem o risco de mudar por que jogar A padaria de Boston é um caso interessante nesse aspecto porque a empresa ja mais teve de reduzir suas operações ao contrário está cons tantemente precisando de trabalhadores As pessoas não são forçadas a sair em vez disso os empregados saem voluntaria mente como na verdade fez o homem que me declarou Não vou ficar fazendo isto o resto de minha vida Os altos ad ministradores mostramse defensivos sobre essas saídas mostram como o lugar de trabalho é seguro atraente e atua lizado Rodney Everts é menos defensivo mas igualmente perplexo Quando eles me dizem que não há futuro aqui pergunto o que querem Não sabem me respondem que não se deve ficar preso num lugar Felizmente o mercado de trabalho em Boston para traba lhadores de baixos salários está forte no momento mas há alguma coisa intrigante no simples impulso de sair Quando falei a Everts do texto sociológico sobre buracos estruturais ele respondeu Assim a ciência nos mostra que os seres humanos são atraídos para o perigo como a mariposa para a chama Como eu já disse ele é um leitor atento da prosa do Rei James Mas o impulso de correr risco por mais cego incer to ou perigoso que seja fala a um conjunto mais cultural de motivações Se todo risco é uma viagem pelo desconhecido o viajante em geral tem em mente um destino Julien Sorel queria che gar às classes altas A moderna cultura do risco é peculiar naquilo que não se mexer é tomado como sinal de fracasso parecendo a estabilidade quase uma morte em vida O desti no portanto conta menos que o ato de partir Imensas forças sociais e econômicas moldam a insistência na partida o desordenamento das instituições o sistema de produção fle A corrosão do caráter 103 xível realidades materiais que se fazem elas mesmas ao mar Ficar firme é ser deixado de fora A decisão de partir portanto parece já uma consumação o que importa é que decidimos sair Numerosos estudos do risco indicam que as pessoas sentem o barato estimulante quando decidem sair partir Foi assim com Rose também Mas após essa exaltação inicial a história não acabou Ela estava sempre recomeçando exposta todo dia A matemática do aca so inerentemente deprimente foi agravada para ela por um mundo empresarial em que ela jamais sabia quais as apostas na mesa Essa indeterminação se aplica a outros que buscam mais dinheiro ou uma melhor posição Para pessoas com ligações tênues ou superficiais com o trabalho como os padeiros pouco motivo existe para perma necerem Alguns marcos materiais da viagem seriam ganhos ocupacionais ou salariais mas as mudanças laterais perdas retrospectivas e padrões de salário ilegíveis apagam esses marcos de progresso Assim fica difícil a pessoa orientarse socialmente mais do que no sistema de classes do passado Não é que tenham desaparecido a desigualdade e a distin ção sociais tudo menos isso Ao contrário é como se pondose em movimento a pessoa de repente suspenda a sua realidade não é tanto um cálculo uma escolha racional mas apenas a esperança de que com a libertação alguma coisa apareça Grande parte da literatura sobre o risco discute es tratégias e planos de jogo custos e benefícios numa espécie de sonho acadêmico O risco na vida real é tocado num nível mais elementar pelo temor de deixar de agir Numa socieda de dinâmica as pessoas passivas murcham Pareceria assim que o assumir riscos poderia ser menos deses timulante se fosse de fato possível realizar o sonho do estrategis ta acadêmico calcular racionalmente ganhos e perdas tornar o 104 Richard Sennett risco legível Mas o capitalismo moderno organizou certos tipos de risco de um modo que não torna mais inspiradora essa clare za As novas condições de mercado obrigam grandes números de pessoas a assumir riscos mesmo sabendo os jogadores que as possibilidades de retorno são tênues Para ilustrar isso eu gostaria de analisar uma observação casual que Rose me fez uma tarde sobre o que acontecera cada vez que um dos homens de terno preto foi despedido na agên cia de publicidade A gente tinha pessoas fazendo fila nos corredores cen tenas de currículos garotos implorando por uma chance de ser entrevistado O problema é demasiado conhecido há uma enorme oferta de jovens trabalhadores qualificados em muitas outras carrei ras como arquitetura o mundo acadêmico e o direito Há claro motivos concretos para obter um diploma Dados americanos representativos de todas as economias avançadas mostram que os aumentos de renda na última dé cada foram cerca de 34 por cento mais para trabalhadores com diploma universitário do que para aqueles com diploma do segundo grau quer dizer os de formação universitária que começaram ganhando mais aumentaram a disparidade entre eles e seus colegas menos educados em 34 por cento numa única década A maioria das sociedades ocidentais abriu as portas das instituições de educação superior estimase que ern 2010 das pessoas com vinte e cinco anos 41 por cento nos Estados Unidos terão um grau universitário de quatro anos e 62 por cento pelo menos um de dois anos prevêse que as porcentagens para a GrãBretanha e Europa Ociden tal serão 10 por cento mais baixas67 Contudo só um quinto dos empregos na força de trabalho americana exigem diplo ma universitário e a porcentagem desses empregos de alta qualificação sobe apenas lentamente Tabela 9 A corrosão do caráter 105 O excesso de qualificação é um sinal da polarização que caracteriza o novo regime O economista Paul Krugman ex plica a crescente desigualdade em termos do valor da qualifi cação técnica Nós elevamos o salário das pessoas qualifica das que produzem aviões e outros produtos de alta tecno logia escreve baixamos o dos não qualificados68 Um destacado banqueiro de investimentos e diplomata concorda Felix Rohatyn acredita que está havendo uma enorme mudança na sociedade uma imensa transferência de riqueza dos tra balhadores americanos de qualificação inferior classe média para os donos dos bens de capital e uma nova tecnocracia tecnológica69 Essa elite tecnológica previu o sociólogo Michael Young há cinqüenta anos em seu ensaio Meritocracy é definida e atestada pela educação formal70 Nessas condições toma forma um tipo de risco extremo em que grandes números de jovens apostam que serão eles os novos escolhidos Essa aceitação do risco ocorre no que os economistas Robert Frank e Philip Cook chamam de merca dos em que o vencedor leva tudo Nessa paisagem competi tiva os bemsucedidos levam a mesa toda enquanto a massa dos perdedores fica com migalhas para dividir entre si A fle xibilidade é um elementochave para permitir a formação desse mercado Sem um sistema burocrático que canalize os ganhos de riqueza através de uma hierarquia as recompen sas gravitam para os mais poderosos numa instituição sem peias os que estão em posição de açambarcar tudo o fazem A flexibilidade assim acentua a desigualdade pelo mercado em que o vencedor leva tudo71 Na opinião desses economistas a estrutura de suborno da economia moderna levou demasiados indivíduos a aban donar alternativas em busca dos prêmios máximos72 Claro é um bom conselho paterno seja realista Mas esse conselho é matizado por uma crença que podemos remontar a Adam 106 Richard Sennett Smith de que tais riscos são tomados num espírito de auto avaliação irrealista Em A riqueza das nações Smith escreveu sobre o conceito demasiado alienante que a maioria dos ho mens faz de suas capacidades a chance de ganho é mais ou menos supervalorizada por todos os homens e a de perda subvalorizada pela maioria73 Frank e Cook comunicam a esse respeito um recente estudo com um milhão de secundaristas americanos no qual 70 por cento julgavam ter capacidade de liderança acima da média e 2 por cento que estavam abaixo da média Mas conceito demasiado alienante me parece uma má interpretação da relação entre risco e caráter Não jogar é aceitarmonos antecipadamente como um fracasso A maioria das pessoas que entra no mercado em que o vencedor leva tudo sabe da probabilidade de fracasso mas suspende esse conhe cimento Como acontece com o risco que ocorre em condi ções menos determinadas a excitação imediata da sorte grande ajuda a apagar o conhecimento racional sobre a probabilida de de sucesso Mas mesmo que alguém que entra num mer cado em que o vencedor leva tudo permaneça lúcido até o fim não fazer nada parece mais passividade que prudência Podese remontar essa atitude como idéia às primeiras celebrações do homem de negócios na política econômica de Smith e Mill O imperativo de assumir riscos está mais larga mente distribuído O risco é um teste de caráter o importan te é fazer o esforço arriscar a sorte mesmo sabendose ra cionalmente que se está condenado a fracassar Essa atitude é reforçada por uni fenômeno psicológico comum Diante de alguma coisa conflituosa a atenção da pessoa fica pregada mais em suas circunstâncias imediatas que numa visão de perspectiva A psicologia social chama a atenção ge rada dessa forma de dissonância cognitiva esquemas de referência conflitantes Trabalhos sobre dissonância cognitiva A corrosão do caráter 107 foram feitos por Gregory Bateson Lionel Festinger e por mim mesmo74 A necessidade que Rose tinha de alguma prova de que estava fazendo um bom trabalho quando a empresa de Park Avenue não oferecia essa prova é uma forma clássica de dissonância cognitiva A luta com tais conflitos desperta a atenção focai que significa simplesmente que assinala mos o problema como precisando de atenção focai imediata Quando falta a crença em que se pode fazer alguma coisa para resolver o problema o pensamento a longo prazo é suspenso como inútil Contudo a atenção focai pode perma necer ativa Nesse estado as pessoas girarão repetidas vezes em torno das circunstâncias imediatas em que foram colhi das cientes de que é preciso fazer alguma coisa mesmo que nada façam A suspensão da atenção focai é uma reação trau mática encontrada em todos os animais superiores os olhos do coelho fixamse nas patas da raposa Para o ser humano o resultado de um ato de risco pode levar ao mesmo tipo de suspensão da atenção focai Nunca chegar a parte alguma sempre na casa um diante de um sucesso aparentemente sem sentido ou da impossibilidade de recompensa pelo esforço em todos esses estados emocionais o tempo parece parar a pessoa nessa labuta tornase prisio neira do presente fixada nos dilemas do presente Esse trau ma paralisante manteve Rose em seu poder por vários meses até que ela se recuperou do seu risco na parte alta da cidade e voltou ao Trout A declaração de Rose perdi a coragem indica uma manei ra mais brutal e menos complexa de como as pessoas se sen tem quando em risco Resulta simplesmente de entrar na meia idade As atuais condições da vida empresarial encerram muitos preconceitos contra a meiaidade dispostos a negar o valor da experiência passada da pessoa A cultura empresa 108 Richard Sennett A corrosão do caráter 109 rial trata a meiaidade como avessa ao risco no sentido do jo gador Mas esses preconceitos são difíceis de combater No mundo de alta pressão mutante da moderna empresa as pessoas de meiaidade podem facilmente vir a temer estarse erodindo por dentro Para Rose o choque inicial que recebeu ao mudarse para a colmeia escritório de Park Avenue na parte elegante da ci dade foi tomar consciência de repente de como estava velha não apenas biologicamente mas também socialmente Eu olhava em volta aquelas garotas de carreira e eram garotas são bonitas têm aquela determinação de Locust Valley E também um sotaque da classe alta novaiorquina Rose jamais pôde desfazer sua fala anasalada de baixa classe mé dia mas tentou alterar a aparência para parecer mais jovem Paguei a uma mulher da Bloomingdales para me com prar roupas melhores comprei lentes de contato gelatinosas horríveis Por algum motivo as lentes irritavam seus olhos no es critório parecia uma mulher constantemente à beira das lá grimas Os preconceitos contra sua idade se manifestaram para ela de formas não necessariamente destinadas a magoar Quando comprei as lentes de contato as garotas do escritório soltaram exclamações Oh como você está boni ta Eu não sabia se acreditava nelas ou não Talvez mais importante ainda sua experiência acumulada sobre como as pessoas bebem e se comportam nos bares pou co contava Numa reunião chegou um momento em que eles diziam lite isso llitel aquilo e eu disse Ninguém vai a um bar para perder peso Como os outros receberam isso Como se eu fosse uma peça de um museu a Velha Cria da do Bar A mordaz capacidade de comunicação de Rose devese dizer não era a que ensinam nas escolas de comércio Mas ela jamais deixou de sentir o ferrão da idade sobretudo quan do vinha em forma de simpatia das companheiras de trabalho que sentiam que ela estava por fora como os chefões da em presa elas agiam com base em seus preconceitos não a con vidando para as boates e barzinhos da madrugada onde se faz a maior parte do trabalho da publicidade Rose ficou genui namente perplexa por ter sido contratada por seu conhecimen to prático e depois desconsiderada como uma pessoa velha passada já descendo a ladeira Uma base estatística para as atitudes em relação à idade no moderno local de trabalho aparece no esquema de traba lho cada vez menor em que as pessoas são empregadas O número de homens de cinqüenta e cinco a sessenta e quatro anos empregados nos Estados Unidos caiu de quase 80 por cento em 1970 para 65 por cento em 1990 As cifras para o Reino Unido são praticamente as mesmas na França o nú mero de homens empregados em fins da meiaidade caiu de quase 75 por cento para pouco mais de 40 por cento na Ale manha de quase 80 por cento para pouco mais de 50 por cen to75 Há uma abreviação mais leve no início da vida de traba lho a idade em que os jovens entram na força de trabalho foi retardada alguns anos devido à maior ênfase na educação Nos Estados Unidos e na Europa Ocidental o sociólogo Ma nuel Castells assim prevê que ávida de trabalho de fato pode ser encurtada para cerca de 30 anos de 25 a 54 de um perío do de vida real de cerca de 7080 anos76 Quer dizer o pe ríodo de vida produtiva está sendo comprimido para menos de metade da vida biológica com os trabalhadores mais ve lhos deixando o cenário muito antes de estarem física ou men talmente incapazes Muitas pessoas da idade de Rose tinha cinqüenta e três anos quando se mudou para a parte elegante da cidade estão se preparando para aposentarse 110 Richard Sennett A ênfase na juventude é uma conseqüência da compres são da vida de trabalho No século dezenove a preferência pela juventude era uma questão de mãodeobra barata as moças de fábrica de Lowell Massachusetts e os meninos da mina do norte da Inglaterra trabalhavam por salários bem abaixo daqueles dos adultos No capitalismo de hoje ainda existe essa preferência pelos jovens por motivos de salário mais notadamente nas fábricas e oficinas insalubres de partes menos desenvolvidas do mundo Mas outros atributos da ju ventude hoje parecem tornála atraente em altos escalões da mãodeobra e estes estão mais na área do preconceito Um número recente da Califórnia Management Review por exemplo tentou explicar os aspectos positivos da juven tude e os negativos da idade nas organizações flexíveis Fez isso afirmando que os trabalhadores mais velhos têm esque mas mentais inflexíveis e são avessos ao risco além de não terem a simples energia física necessária para enfrentar as exigências da vida no local de trabalho flexível77 A imagem da madeira morta expressa essas convicções Um executi vo publicitário disse à socióloga Katherine Newman Se você está na publicidade está morto depois dos trin ta A idade mata Um executivo de Wall Street disse a ela Os patrões acham que se você tem mais de quarenta anos não pode mais pensar Depois dos cinqüenta eles acham você está liquidado78 Flexibilidade eqüivale a juventude rigidez a idade Esses preconceitos servem a vários fins Por exemplo vi sam os trabalhadores mais velhos como um grupo de candi datos fáceis à demissão durante a reengenharia da empresa No regime angloamericano a taxa de demissão involuntária dobrou nos últimos vinte anos para os homens na casa dos quarenta e início dos cinqüenta A associação de idade com A corrosão do caráter 111 rigidez também explica grande parte da pressão que as em presas hoje exercem sobre os executivos para que se aposen tem ao beirar os sessenta mesmo que mentalmente estejam no apogeu Os trabalhadores mais velhos experientes tendem mais a julgar os superiores que os que apenas estão começando Seu conhecimento acumulado os dota do que o economista Albert Hirschmann chama de poderes de voz o que significa que é mais provável os empregados mais velhos falarem contra o que encaram como más decisões Farão isso com mais freqüên cia por lealdade à instituição do que a um determinado admi nistrador Muitos trabalhadores são mais tolerantes ao acei tar más ordens Se ficam insatisfeitos é mais provável saírem do que lutarem dentro da organização e por ela Estão dis postos como diz Hirschmann a sair79 Na agência de pu blicidade Rose descobriu que os publicitários mais velhos de fato falavam com mais freqüência contra os chefes muitas vezes mais novos que eles em idade do que os empregados novos Um desses membros veteranos da empresa foi por sua vez provocado pelo chefe Você pode não gostar daqui mas está velho demais para arranjar emprego em qualquer outro lugar Para os trabalhadores mais velhos os preconceitos contra a idade mandam um poderoso recado à medida que se acumu la a experiência da pessoa vai perdendo valor O que um tra balhador mais velho aprendeu no correr dos anos sobre uma determinada empresa ou profissão pode atrapalhar novas mu danças ditadas pelos superiores Do ponto de vista da institui ção a flexibilidade dos jovens os torna mais maleáveis tanto em termos de assumir riscos quanto de submissão imediata Con tudo esse poderoso recado tem um significado mais pessoal para os trabalhadores além dos preconceitos de poder Foi Rico quem me fez ver isso quando falou da erosão de 112 Richard Sennett suas qualificações em engenharia A certa altura no avião observeilhe que sinto que tenho de começar do nada toda vez que escrevo não adquiro maior confiança por mais livros que publique Jovem sólido estuante de energia ele respondeu solidário que muitas vezes se sentia já passado como enge nheiro Preocupavase com a possibilidade de suas aptidões estaremse erodindo por dentro embora fosse vinte anos mais jovem que eu disse que como engenheiro era agora apenas um observador Isso a princípio pareceu um absurdo O que ele me disse como explicação foi que o conhecimento científico que ad quirira na escola não era mais de ponta compreendia o que estava acontecendo no florescente campo da tecnologia de informação mas não podia mais manterse um passo à fren te Jovens engenheiros de vinte e poucos anos tratavamno a ele já beirando os quarenta como de algum modo desbota do Pergunteilhe se pensava em voltar à universidade para um retreinamento e ele me lançou um olhar azedo Não estamos falando em apertar um novo conjunto de botões Estou velho demais para começar de novo Segundo Rico aptidões complexas como as suas não são mais aditivas permitindo à pessoa acumular cada vez mais sobre a mesma base o desenvolvimento de novos campos exige uma nova visão desde o começo uma visão adotada com mais eficácia por caras novas O engenheiro americano ou europeu que perde o empre go para um colega na índia que trabalha por salários mais baixos teve tomada de si a prática das aptidões que é uma versão do que os sociólogos chamam de desqualificar Nin guém tomou o conhecimento de engenharia de Rico Seu medo se refere a uma fraqueza que ele sente ocorrendo dentro dele devido à simples passagem do tempo Disse que muitas ve zes fica furioso quando lê publicações técnicas A corrosão do caráter 113 Eu encontro alguma coisa e digo a mim mesmo Eu devia ter pensado nisso Mas não pensei Também aqui ele dificilmente se encaixa no estereótipo de madeira morta mas em relação à sua competência téc nica acredita com a mesma firmeza que está ladeira abaixo Dessa forma se combinam a ênfase na juventude e a sua in terpretação individual O preconceito social reforça o medo interior de perder a potência Rico vê os dois lados se combinarem em seu escritório Emprega três jovens engenheiros dez anos mais jovens que ele em sua empresa de consultoria Meu principal problema é segurálos Na verdade sabe que aqueles cuja engenharia é mais atualizada vão aban donálo Os que podem sair saem assim que podem Com pouca lealdade os jovens cobras estão dispostos a sair mesmo que Rico se disponha a darlhes verdadeira voz na empresa Ele acha que pouco pode fazer a respeito Não tenho autoridade sobre eles você sabe Sua experiência não lhes impõe respeito Em seu canto muito mais modesto o tempo de Rose em Park Avenue lhe deu a sensação de que seu conhecimento se erodia por dentro Para seu crédito imorredouro em minha opinião ela jamais preparara e muito menos ouvira falar em novos co quetéis exóticos como Highland Landmine uma parte descotch de um só malte e duas partes de vodca sobre gelo picado Mas preocupavaa não saber sobretudo quando disfarçava falsifi cando numa reunião uma longa dissertação sobre tais poções juvenis Teria feito melhor claro dizendo a verdade mas tinha medo de que fazêlo fosse mais um sinal de que estava passada Duvido que Rico esteja tão superado quanto pensa sei que Rose não estava Mas os dois quando testados receiam que a expe riência passada não conte A nova ordem não leva em conta que a simples passagem 114 Richard Sennett do tempo necessário para acumular aptidões dá a uma pessoa posição e direitos valor no sentido material encara as afir mações baseadas na passagem do tempo como representando mais uma face do mal do velho sistema burocrático em que os direitos de antigüidade paralisavam as instituições O regi me concentrase na capacidade imediata A prática empresarial flexível como a política de mãode obra do atual governo na GrãBretanha e nos Estados Unidos se baseia na suposição de que a rápida mudança de qualifica ção é a norma Na verdade historicamente o afastamento de pessoas com velhas qualificações se deu lentamente Foram necessárias duas gerações para deslocar a aptidão de uma arte como a tecelagem em fins do século dezoito por exemplo e as mudanças da fábrica de Highland Park de Ford exigiram quase trinta anos no início do século vinte Talvez de forma surpreendente em muitas profissões fabris e de escritório hoje o ritmo da mudança tecnológica ainda seja moderada mente lento como observaram muitos sociólogos industriais as instituições levam um longo tempo para digerir as tecno logias que ingerem80 A passagem do tempo também é neces sária para desenvolver novas aptidões alguém que simples mente leu um livro de marcenaria não é um marceneiro O esquema de tempo do risco oferece pouco consolo pes soal apesar dessas tendências históricas de longo prazo Na verdade a ansiedade pessoal com o tempo está profundamente entrelaçada com o novo capitalismo Um redator do The New York Times declarou recentemente que a apreensão com o emprego se impôs em toda parte diluindo a autoestima ra chando famílias fragmentando comunidades alterando a química dos locais de trabalho81 Muitos economistas trata ram isso como besteira os fatos da criação de empregos na ordem neoliberal pareciam tornálo transparentemente falso Contudo o autor escreveu com precisão quando usou a pala A corrosão do caráter 115 vra apreensão Apreensão é uma ansiedade sobre o que pode acontecer é criada num clima que enfatiza o risco constante e aumenta quando as experiências passadas parecem não ser vir de guia para o presente Se a negação da experiência fosse simplesmente um pre conceito imposto nós de meiaidade seríamos simplesmente vítimas do culto institucional da juventude Mas a apreensão com o tempo está gravada mais fundo em nós A passagem dos anos parece esvaziarnos Nossa experiência parece uma ci tação vergonhosa Essas convicções põem em risco nosso senso de valor pessoal mais pela inexorável passagem do tempo do que pela decisão de jogar No Trout Rose recuperou a coragem estava de novo no con trole até morrer de câncer no pulmão Acho que foi um erro disse ela uma vez sobre o tem po que passou na parte bacana da cidade enquanto conver sávamos fumando e bebendo mas eu tinha de fazer isso SEIS A Ética do Trabalho Toda arte declarou Oscar Wilde no prefácio de O re trato de Dorian Cray é ao mesmo tempo superfície e símbo lo Os que vão abaixo da superfície o fazem por sua própria conta e risco82 As superficialidades da sociedade moderna são mais degradantes que as superfícies e máscaras da arte Os vizinhos de Rico não foram muito abaixo da superfície com ele Os padeiros operam máquinas simples fáceis de usar Rose foi trabalhar numa empresa de Park Avenue onde a ên fase na juventude e na boa aparência as mais fugidias ai das qualidades humanas significava que sua experiência acumulada de vida tinha pouco valor Um dos motivos para essa superficialidade degradante é a desorganização do tempo A seta do tempo se partiu não tem trajetória numa economia política continuamente replanejada que detesta a rotina e de curto prazo As pessoas sentem fal ta de relações humanas constantes e objetivos duráveis To das as pessoas que descrevi até agora tentaram descobrir a profundidade do tempo abaixo da superfície quando nada registrando inquietação e angústia com o presente A ética do trabalho é a arena em que mais se contesta hoje a profundidade da experiência A ética do trabalho como a entendemos comumente afirma o uso autodisciplinado de nosso tempo e o valor da satisfação adiada Essa disciplina de 118 Richard Sennett tempo moldou a vida de Enrico como a dos trabalhadores na indústria automobilística de Willow Run e dos padeiros gre gos de Boston Eles deram duro e esperaram foi essa a sua experiência de profundidade Essa ética de trabalho depende em parte de instituições suficientemente estáveis para a pes soa praticar o adiamento A satisfação adiada perde seu va lor porém num regime cujas instituições mudam rapidamen te tornase absurdo trabalhar arduamente por muito tempo e para um patrão que só pensa em vender o negócio e subir Seria um malhumorado sentimentalismo lamentar o declínio do trabalho árduo da autodisciplina para não fa lar da boa educação do respeito aos mais velhos e de todos os outros prazeres dos bons velhos tempos A seriedade da velha ética de trabalho impunha pesados fardos ao eu traba lhador As pessoas tentavam provar seu próprio valor pelo seu trabalho em forma de ascetismo leigo como o cha mou Max Weber o adiamento da satisfação podia tornarse uma prática profundamente autodestrutiva Mas a alterna tiva moderna para a longa disciplina de tempo não é um ver dadeiro remédio para essa autonegação A moderna ética do trabalho concentrase no trabalho de equipe Celebra a sensibilidade aos outros exige aptidões delicadas como ser bom ouvinte e cooperativo acima de tudo o trabalho em equipe enfatiza a adaptabilidade às cir cunstâncias O trabalho de equipe é a ética de trabalho que serve a uma economia política flexível Apesar de todo o ar quejar psicológico da administração moderna sobre o traba lho de equipe no escritório e na fábrica é o etos de trabalho que permanece na superfície da experiência O trabalho de equipe é a prática de grupo da superficialidade degradante A velha ética do trabalho revelou conceitos de caráter que ainda contam mesmo que essas qualidades não mais encontrem A corrosão do caráter 119 expressão na mãodeobra A velha ética do trabalho basea vase no uso autodisciplinado do nosso tempo pondose a ênfase mais na prática voluntária autoimposta que na sim ples submissão passiva a horários ou rotinas No mundo anti go achavase que essa disciplina autoimposta era a única maneira de enfrentar o caos da natureza Era uma necessida de exigida todo dia dos agricultores Eis o conselho que Hesíodo dá a eles em Os trabalhos e os dias Não adie para amanhã ou depois de amanhã os celeiros não são cheios por aqueles que adiam e desperdiçam tem po sem sentido O trabalho prospera com o cuidado quem adia luta com a ruína83 A natureza é incerta indiferente o mundo do agricultor é rude Os homens jamais repousam do labor e da dor duran te o dia declarou Hesíodo e da morte durante a noite84 No mundo de Hesíodo porém a disciplina autoimposta no uso do tempo parecia mais necessidade bruta que virtude humana A maioria dos agricultores de sua época se compu nha mais de escravos que de pequenos fazendeiros livres es cravo ou livre a luta do agricultor com a natureza parecia de menor importância que as batalhas dos homens da cidade uns com os outros Tucídides observou mais tarde com certa in diferença que espartanos e atenienses arrasavam os campos de seus inimigos como se os esforços dos agricultores não ti vessem direito moral a ser poupados Com o correr do tempo a estatura moral do agricultor se eleva A necessidade de trabalhar duro tornase uma vir tude Virgílio quase quinhentos anos depois de Hesíodo ainda evoca a anarquia da Natureza como na primeira das Geórgicas 120 Richard Sennett Muitas vezes vi os ventos furiosos Arrancarem uma gorda safra pelas raízes E lançaremna longe justo quando o camponês Trazia seus ceifeiros para despir a cevada A tempestade numa nuvem negra a rodopiar Varria juntos a lâmina e o grão sofredor Virgílio como Hesíodo compreende que o máximo que o agricultor pode fazer diante desse redemoinho é tentar or denar o uso de seu tempo Mas graças à sua própria determi nação de resistir tornouse uma espécie de herói Aí está o sentido do famoso trecho no segundo livro das Geórgicas em que Virgílio descreve soldados empenhados em dúbio combate o camponês fica à parte das lutas deles e das do Estado romano e impérios condenados a morrer86 O cam ponês sabe que não há vitórias decisivas sobre a natureza a vitória é uma ilusão Para Virgílio a virtude moral da agricultu ra é que ensina resolução permanente independente de resul tado E nas Geórgicas dá um novo sentido ao adágio de Hesíodo Quem adia luta com a ruína O camponês em todos nós luta com a capacidade de arruinarse As Geórgicas transpõem a anarquia da natureza para uma visão de anarquia interior psíquica contra essas tempestades interiores a única defesa do indivíduo é organizar bem o seu tempo Quando a idéia de autodisciplina tomou forma continha assim uma forte dose de estoicismo não do tipo filosófico mas uma espécie de estoicismo prático que ditava a necessida de permanente de combater a anarquia interior sem esperan ça de vitória Passando para as primeiras crenças cristãs esse estoicismo prático moldou as primeiras doutrinas da igreja so bre a preguiça que aparecia mais como um estado de prazer sibarita que urna decomposição interior do eu Durante quase mil anos da descrição da preguiça por Santo Agostinho nas A corrosão do caráter 121 Confissões até o início do Renascimento esse estoicismo práti co manteve firme seu domínio épico A programação do tem po como no bater dos sinos das igrejas podia ajudar homens e mulheres a organizar seu tempo mas não instilar o desejo de autodisciplina que só podia ser gerado por uma apreensão mais profunda do generalizado caos interno e externo Alguma coisa aconteceu no início do Renascimento a esse estoicismo prático de raízes profundas Ele não foi diretamen te contestado como valor ético mas ainda assim foi afetado por uma nova apreciação dos seres humanos como criaturas históricas criaturas que não simplesmente agüentam ano após ano mas antes evoluem e mudam O estoicismo perma nente do camponês não bastaria para o homem histórico os termos de disciplina teriam de adaptarse a um eu em fluxo Mas como Foi esse o dilema que enfrentou o filósofo renascentista florentino Pico delia Mirandola em sua Oração sobre a digni dade do homem É a primeira voz moderna do homo faber ou seja do homem como seu próprio criador Pico afirma va que o homem é um animal de natureza diversa multiforme e destrutível87 Nessa condição maleável cabe ao homem ter o que preferir e ser o que quiser88 Em vez de manter o mundo como o herdamos temos de moldálo de novo nossa dignidade depende de fazer isso Pico declara É ignóbil não dar à luz nada de nós mesmos89 Nosso trabalho no mundo é criar e a maior criação é moldar a história de nossas pró prias vidas A virtude de impor uma forma à nossa experiên cia continua sendo uma maneira fundamental de definir alguém que tem um caráter forte Mas o homo faber ia contra o dogma tradicional cristão Santo Agostinho advertiu Tira as mãos de ti mesmo tenta construirte a ti e construirás uma ruína O cristão que obe decesse a Santo Agostinho buscaria imitar em vez disso a vida 122 Richard Sennett e o exemplo de Jesus Assim o bispo renascentista Tyndale aconselhou um paroquiano a sentirse a si mesmo altera do e modelado como em Cristo Qualquer criação puramen te pessoal será necessariamente inferior90 É uma virtude dis ciplinar o uso de nosso tempo mas um pecado projetar nossa própria experiência Pico não era surdo a essas convicções Também ele acre ditava que a conduta cristã exige autodisciplina e imitação de vidas exemplares Mas contra isso sua imaginação do tempo histórico é formada por modelos literários da jornada espiri tual ele evoca o marinheiro Odisseu cujas andanças criam sua própria história autosuficiente embora o marinheiro ja mais duvide de sua meta última O cristão em Pico está certo do destino final mas também quer fazerse ao mar É um dos primeiros filósofos renascentistas a celebrar os riscos psíqui cos sabendo que o mar interior como os oceanos navegados pelos exploradores renascentistas é território não mapeado Essas duas meadas éticas contrárias a autodisciplina e a automodelação vinham juntas no mais famoso ensaio sobre a ética do trabalho A ética protestante e o espírito do capita lismo de Max Weber Ele procurou mostrar mais a combina ção que a contradição delas ao analisar a alvorada do capita lismo moderno Claro Weber acreditava que a velha ordem de Hesíodo ao camponês Não adie era em parte in vertida no capitalismo tornandose Você deve adiar O que devemos adiar é nosso desejo de satisfação e realização te mos de moldar a história de nossa vida de modo a que no fim tenhamos conseguido alguma coisa então e só então nesse tempo futuro estaremos realizados Quanto ao presente de vemos ainda agir como o camponês de Virgílio combatendo a preguiça e as forças do caos interior com uma distribuição rígida e implacável do nosso tempo Essa ética de trabalho para ser direto Weber julgava uma fraude O adiamento é A corrosão do caráter 123 interminável a autonegação no presente inexorável as recom pensas prometidas jamais chegam A visão do tempo de trabalho serve a Weber como uma maneira de criticar as crenças modernas sobre o caráter es pecificamente a crença no homem como seu próprio criador A versão do ensaio de Weber com mais freqüência veiculada na escola diz mais ou menos o que vem a seguir O protestan te do século dezessete buscava apresentar prova de seu valor à vista de Deus disciplinandose mas ao contrário do peni tente católico num mosteiro mostrava que era digno com o seu trabalho negandose o presente acumulando pequenos sinais de virtude pelo sacrifício diário Essa autonegação tor nouse então o ascetismo leigo da prática capitalista do sécu lo dezoito com sua ênfase mais em poupar que em gastar sua rotinização da atividade do diaadia seu medo do prazer Este pequeno resumo ordenado consegue esvaziar o texto de Weber de sua grandeza trágica O cristianismo na opinião dele é uma fé à parte porque mergulha homens e mulheres numa dúvida profundamente dolorosa ao exigir que se perguntem Sou um ser humano digno A Queda e suas conseqüências parecem responder decisivamente a esta pergunta Não sou Mas nenhuma reli gião poderia afirmar uma visão não atenuada da indignidade humana seria uma receita para o suicídio O catolicismo antes do advento do protestantismo buscara tranqüilizar a maculada humanidade embora aconselhando a rendição às instituições da Igreja seus rituais e os poderes mágicos de seus sacerdotes O protestantismo buscou urn remédio mais indi vidual para a dúvida do eu Curiosamente Martinho Lutero deveria ter sido a figura exemplar de Weber mas não foi Nas 95 Teses o pastor rebelde opunha aos confortos do ritual uma experiência mais despida da fé afirmava que a fé não poderia vir pelo cheiro 124 Richard Sennett do incenso ou pelas preces a estátuas e pinturas Os ataques aos ícones têm uma longa história na Igreja como no islã e no judaísmo Mas Lutero foi diferente ao afirmar que o homem ou mulher que renunciasse à idolatria tinha de enfrentar sem ajuda e só as questões da fé e não como membro de uma comunidade Sua teologia é a do indivíduo O indivíduo protestante tinha de moldar sua história de modo a somar um todo significativo digno O indivíduo tor nase então eticamente responsável por seu próprio tempo vivido particular o viajante de Pico será julgado moralmente pela narrativa de como viveu até os mínimos detalhes de quanto sono se permitiu como ensinou os filhos a falar Po demos controlar muito pouco do que acontece na história de nossa vida mas Lutero insiste em que devemos assumir res ponsabilidade por toda ela91 NaÉíca protestante Weber concentrouse num aspecto da doutrina protestante que tornava impossível assumirmos res ponsabilidade por nossa vida Lutero declarou que ninguém está seguro da integridade de sua própria contrição92 O cris tão permanece em total dúvida sobre se pode justificar a histó ria de sua vida Na teologia protestante essa dúvida total é trans mitida pela doutrina teológica aparentemente arcana da predes tinação Calvino declara nas Instituições que só Deus sabe se uma alma será salva ou amaldiçoada após a morte não pode mos ter pretensões sobre a divina Providência Esmagados pelo peso do pecado os seres humanos assim permanecem num estado de constante insegurança sem saber se a vida irá levar a uma eternidade de tormentos pelo fogo Esse é o infeliz desti no da humanidade protestante devemos conquistar nossa po sição moral mas jamais ter a confiante presunção de dizer Eu sou bom e nem mesmo Fiz o que é bom tudo que se pode dizer é Tive boa intenção O Deus de Calvino responde Continue tentando Seja o que for não basta A corrosão do caráter 125 Também aqui isso corria o risco de ser uma receita para o suicídio Mas oferecia ao protestante em vez do bálsamo do ritual um remédio mais amargo trabalho árduo implacável voltado para o futuro A organização da história de nossa vida pelo trabalho árduo pode servir como uma pequena luz na escuridão um sinal de eleição de que podemos estar entre os que serão salvos do inferno Ao contrário das boas obras católicas porém o trabalho árduo não pode conquistar para o protestante nenhum grande favor junto ao Criador apenas oferece sinais de intenções dignas a um Juiz divino que já decidiu cada caso de antemão Esse é o terror que se esconde por trás do conceito abstrato de ascetismo leigo Na opinião de Weber a maior disposição de poupar do que de gastar passou do protestante para o capita lista como um ato de autodisciplina e autonegação Essa mesma passagem deu origem a um novo tipo de caráter É o homem motivado decidido a provar seu valor moral pelo trabalho Weber evocou um ícone americano como um dos primei ros exemplos do homem motivado Benjamin Franklin o espi rituoso e mundano diplomata inventor e estadista aparece nas páginas de Weber como temendo o prazer e obcecado pelo tra balho por trás de seu exterior afável contando cada momento de tempo como se fosse dinheiro negandose constantemente uma cerveja ou um cachimbo para poupar pois cada centavo guardado servia em sua mente como um pequeno sinal de vir tude Por mais diligentemente que um homem ou mulher prati que a ética do trabalho porém persiste a dúvida sobre si mes mo Franklin carrega o medo persistente de não ser bastante bom como é mas nenhuma conquista jamais parece suficien te não há consumações nesse esquema de coisas O homem motivado não se encaixa nas velhas imagens ca tólicas dos vícios da riqueza como a gula ou a luxúria é inten samente competitivo mas não pode gozar do que ganha A his 126 Richard Sennett tória de sua vida tornase uma interminável busca de reconhe cimento dos outros e de autoestima Contudo mesmo que os outros o elogiassem por seu ascetismo leigo ele temeria acei tar esse elogio pois isso significaria aceitarse a si mesmo Tudo no presente é tratado como instrumento para um destino final nada no momento importa por si mesmo Foi isso que se tor nou na sociedade secular da teologia do indivíduo Como história econômica A ética protestante e o espírito do capitalismo está eivado de erros Como análise econômica omite estranhamente qualquer consideração do consumo como força motivadora no capitalismo Como crítica de um certo tipo de caráter porém o propósito e a execução são coerentes A ética do trabalho do homem motivado não parece a Max Weber motivo de felicidade humana nem na verdade de força psico lógica O homem motivado é demasiado oprimido pela impor tância que tem de atribuir ao trabalho Disciplina diznos Michel Foucault é um ato de autopunição e sem dúvida é o que parece mesmo nessa exposição da ética do trabalho93 Entrei um tanto detalhadamente nessa história porque o uso disciplinado do nosso tempo não é a virtude simples direta que a princípio parece Luta implacável inexorável no mundo an tigo enigma para os crentes renascentistas no homo faber motivo de autopunição na teologia do indivíduo certamente o enfraquecimento da ética do trabalho seria um ganho para a civilização Certamente precisamos exorcizar as fúrias que acossam o homem motivado Depende porém de como se alivia o peso sobre o eu trabalha dor As formas modernas de trabalho em equipe são em muitos aspectos o oposto da ética do trabalho como a concebia Max Weber Ética de grupo em oposição à ética do indivíduo o tra balho em equipe enfatiza mais a responsividade mútua que a confirmação pessoal O tempo das equipes é mais flexível e A corrosão do caráter 127 voltado para tarefas específicas de curto prazo do que para a soma de décadas caracterizadas pela contenção e a espera O trabalho em equipe porém nos leva ao domínio da superficia lidade degradante que assedia o moderno local de trabalho Na verdade o trabalho em equipe deixa o reino da tragédia para encenar as relações humanas como uma farsa Vejam o caso da vodca Durante o ano que Rose passou em Park Avenue sua firma de publicidade enfrentou um pro blema evidentemente perene Como essa bebida não tem gos to a tarefa de marketing é convencer o comprador de que uma marca é apesar disso superior a qualquer outra Rose sinto dizer aproveitouse financeiramente desse enigma no Trout enchia garrafas vazias de vodca Stolichnaya importada da Rússia com uma vodca de marca barata feita no Canadá Ninguém ainda notou a diferençaconfessoume com certo orgulho Durante seu ano na parte alta uma das empresas de bebi das propôs jogar uma montanha de dinheiro nesse dilema e fez uma espécie de concorrência entre agências de publicida de para obter uma solução Novas formas de garrafas nomes russos impossíveis de pronunciar sabores novos e estranhos até a forma da caixa em que a vodca era vendida tudo foi submetido a discussão Nessa pequena comédia Rose teve sua própria solução que desconfio que apresentou com certa iro nia Observou que algumas vodcas tinham sabor de mel po diam ser empurradas como saudáveis O que tornou essa comédia séria para ela foi que logo aca bou sendo deixada fora do círculo quer dizer da rede de comunicações de sugestões mútuas e boatos sobre o que ou tras empresas estavam fazendo que animavam a turma da vodca e seus jogadores de equipe A tecnologia das comuni cações modernas em alguns aspectos acelerou o processo de colaboração mas na indústria da mídia pelo menos em Nova 128 Richard Sennett York o cara a cara ainda é o grande meio de transmissão Rose não fazia parte desse zunzum cara a cara das festas boates e restaurantes fora do escritório sua idade e aparência como vimos atuavam contra ela Porém mais que isso Rose não parava de impor informa ções sobre como as pessoas de fato bebem nos bares que esta vam fora do campo dos que participavam do circuito Por exem plo disse que a vodca é a bebida preferida dos alcoólatras secretos pois acreditam que ninguém sente pelo cheiro que andaram bebendo Os colegas reagiram como se isso fosse um conhecimento privado dela perturbando as discussões deles A informação especializada muitas vezes tende a interferir no sistema de informação No trabalho de grupo de tipo não ma terial onde as pessoas trabalham juntas numa imagem o ato de comunicação é mais importante que os fatos comunicados para comunicar o campo de jogo da conversa precisa ser aber to e acessível Uma vez que isso ocorre a formação e partilha do rumor se torna a substância da colaboração O zunzum so bre os concorrentes proporciona energia às comunicações fa tos concretos enfraquecem as energias do diálogo Na verda de a troca de informação tende a exaurirse a si mesma e na agência de publicidade o zunzum sobre a resposta de nome russo durou até ele ser plenamente transmitido na rede e de pois começou o zunzum sobre a embalagem hexagonal O fato mais duro nesse esforço de grupo foi que a agência não conseguiu o contrato Rose esperou que se seguisse um período de recriminações mútuas e atribuição de culpa à equi pe uma vez que as conseqüências financeiras para a agência foram sérias Além disso disseme esperava que as pessoas sentissem dor pela perda com o que pretendia dizer que os agressivos publicitários iam realmente ligar para a derro ta Mas como grupo eles tiveram uma reação diferente mais autoprotetora Não houve recriminação mútua Tampouco A corrosão do caráter 129 alguém tentou justificarse Não havia tempo Em poucos dias o grupo de bebidas fortes já tinha passado para outro proje to e passado como equipe Um especialista em comportamento de grupo bem poderia esperar isso Os grupos tendem a manterse juntos ficando na superfície das coisas a superficialidade partilhada mantém as pessoas juntas evitando questões difíceis divisivas pessoais O trabalho de equipe poderia parecer mais um exemplo portan to dos laços do conformismo de grupo Mas o etos de comuni cação e partilha de informação dá ao conformismo um traço particular a ênfase na flexibilidade e abertura à mudança tor na os membros da equipe susceptíveis aos mais leves fiapos de rumor ou sugestão dos outros na rede festaescritórioalmoço boate Como já observei os publicitários de Nova York não são conformistas empresariais do tipo teso e certinho Na velha cultura de trabalho o conformista empresarial era uma perso nagem demasiado previsível e confiável a gente sabia cada reação Nessa cultura flexível da imagem e sua informação previsibilidade e confiabilidade são traços de caráter menos destacados aqui não há base firme como não pode haver res posta final ao problema colocado pela vodca O ditado de Rose Não deixe que nada se grude em você aplicavase nesse caso de forma particular ao chefe da equi pe O líder da equipe de bebidas fortes atuara durante toda a campanha da vodca mais como um igual junto aos outros que como chefe em administres seu papel era facilitar uma solução entre o grupo e mediar entre cliente e equipe É um administrador do processo Seu trabalho facilitação e mediação pode ser com suficiente savoirfaire separado do resultado A palavra líder assim se aplica a ele no sentido tradicional de autoridade Tampouco são a facilitação e mediação atos de von tade implacáveis decididos como os que formavam o caráter dos pequenos agricultores livres em combate com a natureza 130 Richard Sennett O que descrevi talvez dificilmente pareça digno do termo ética do trabalho E na verdade foi um choque para Rose pas sar para esse ambiente empresarial Quando trabalhava no Trout ela praticava uma coisa semelhante à ultrapassada ética do tra balho As tarefas imediatas de obter fornecimento e produzir hambúrgueres e drinques podem não lhe ter dado satisfação pro funda mas ela também trabalhava para o futuro acumular dinheiro suficiente para mandar as filhas à faculdade e construir um negócio suficientemente valioso para um dia poder aposen tarse com a soma pela qual conseguisse vendêlo A autonegação lhe vinha naturalmente até o momento talvez equívoco em que decidiu que não podia mais esperar podia fazer alguma coi sa de sua vida podia partir na viagem de fico O ascetismo leigo de Weber como vimos realizava a teo logia do indivíduo de Lutero num mundo secular O indivíduo colhido nos labores do ascetismo leigo luta para adquirir po der sobre si mesmo Mais o homem motivado busca justifi carse Na agência de publicidade Rose encontrou uma ética de trabalho diferente adequada a uma empresa inteiramente voltada para o presente suas imagens e superfícies Nesse mundo a ética do trabalho assumia uma forma diferente aparentemente em termos mais colaborativos que individuais e podemos dizer mais clemente Contudo não é tão benigna assim As pessoas ainda fazem jogos de poder nas equipes mas a ênfase em aptidões leves de comunicação facilitação e mediação muda radicalmente um aspecto do poder desaparece a autoridade aquela que pro clama autoconfiante Assim é que está certo ou Me obe deça porque eu sei o que estou dizendo A pessoa com po der não justifica a ordem o poderoso apenas facilita capacita os outros Esse poder sem autoridade desorienta os empregados eles ainda podem sentirse levados a justificar se mas agora não há ninguém mais acima que responda O A corrosão do caráter 131 Deus de Calvino fugiu Esse desaparecimento das figuras de autoridade da equipe de trabalho se dá de um modo muito específico e tangível O trabalho em equipe adquiriu uma espécie de sanção oficial na moderna prática administrativa americana num estudo encomendado pela secretária do Trabalho Elizabeth Dole A Comissão de Obtenção de Qualificações Necessárias da Se cretaria SCANS em inglês produziu seu relatório em 1991 Devia ser um relatório sobre as qualificações que as pessoas precisam numa economia flexível Como seria de esperar tem em alta conta as aptidões básicas verbais e matemáticas além da de saber lidar com tecnologia O surpreendente é que Eliza beth e seus colegas que não são conhecidos por seu sentimen talismo lacrimogêneo deram muita ênfase ao saber ouvir ensinar aos outros e à arte da facilitação nas equipes94 A imagem que a SCANS faz da equipe é de um grupo de pessoas reunidas mais para executar uma tarefa específica imediata que para permanecer juntas como numa aldeia Os autores argumentam que o trabalhador tem de trazer a tare fas de curto prazo a capacidade instantânea de trabalhar bem com um cambiante elenco de caracteres Isso significa que as aptidões que as pessoas levam para o trabalho são portáteis saber ouvir e ajudar aos outros ao passar de equipe em equi pe à medida que muda o pessoal das equipes como se pas sa de janela em janela numa tela de computador Também se exige distanciamento do bom jogador de equipe ele deve ter a capacidade de distanciarse de relacionamentos estabeleci dos e julgar como podem ser mudados deve imaginar a tare fa imediata em vez de mergulhar nas longas histórias de in trigas traições passadas e ciumeiras As realidades da equipe no local de trabalho flexível são caracterizadas pela enganadora metáfora esportiva que im 132 Richard Sennett pregna esse relatório nas formas de trabalho flexível os jo gadores fazem as regras à medida que prosseguem O estudo da SCANS enfatiza a arte de ouvir por exemplo porque os autores pensam em discutir tudo mais por regras improvisa das e livres que por regras escritas num manual de procedi mentos E o esporte no escritório difere dos outros porque os jogadores no trabalho não mantêm a tabela do mesmo jeito Só o jogo atual conta O estudo da SCANS enfatiza que o desempenho passado não serve de guia para recompensas presentes em cada jogo de escritório a gente recomeça do começo É uma maneira de dar a entender que a antigüidade conta cada vez menos no moderno local de trabalho Os autores do estudo da SCANS e outros semelhantes são realistas sabem que a economia hoje enfatiza o desempenho imediato e o curto prazo os resultados do saldo final Contu do os administradores também sabem que uma competição individual acirrada pode destroçar o desempenho de um gru po Assim na equipe de trabalho moderna surge uma ficção os patrões não competem de fato entre si E mais importante ainda surge a ficção de que trabalhadores e chefes não são antagonistas o chefe em vez disso administra o processo de grupo Ele ou ela é líder a palavra mais esperta no moder no léxico administrativo o líder está do nosso lado em vez de ser nosso governante O jogo de poder é jogado pela equi pe contra equipes de outras empresas Foi assim que o antropólogo Charles Darrah encontrou trabalhadores induzidos a essa ficção no treinamento de re cursos humanos de duas empresas hightech Sua pesquisa é abundante em deliciosas ironias que a realidade traz à teoria por exemplo os trabalhadores vietnamitas que compunham cerca de 40 por cento da força de trabalho de uma empresa temiam em especial o conceito de equipe que equiparavam às equipes de trabalho comunistas95 O treinamento em vir A corrosão do caráter 133 tudes sociáveis como a partilha de informação revelouse tudo menos fácil e benigno Os trabalhadores de status superior temiam ensinar aos novos ou de status inferior suas próprias aptidões poderiam ser substituídos depois Os empregados aprenderam as aptidões portáteis do tra balho de equipe pelo ensinamento de como interpretar vários papéis da empresa de modo que cada um deles soubesse como se comportar nas variadas janelas de trabalho Num dos sites de Darrah os trabalhadores eram informados de que cada equipe devia agir como uma empresa distinta com os mem bros pensando em si mesmos como seus vicepresidentes96 A maioria dos trabalhadores achou isso meio esquisito pois sabiase que a empresa tratava os operadores vietnamitas da fábrica com muito pouco respeito mas julgouse que os no vos empregados que aderiram haviam tido sucesso no trei namento de recursos humanos O tempo concedido a essas sessões era breve alguns dias às vezes apenas algumas horas Essa brevidade refletia a realidade que os trabalhado res iam enfrentar no trabalho flexível exigindo rápido estu do de novas relações e novas pessoas A platéia é composta claro dos novos administradores que o novo recruta tenta im pressionar a arte de fingir na equipe de trabalho é agir como se ele estivesse se dirigindo apenas aos outros empregados como se o chefe não estivesse de fato olhando Quando a socióloga Laurie Graham foi trabalhar na linha de montagem de uma fábrica da SubaruIsuzu descobriu que a metáfora da equipe era usada em todos os níveis da empresa sendo a equipe mais alta a Comissão de Operação A analogia esportiva estava em plena força os líderes de equipe segundo um documento da empresa são associados altamente qualifi cados como capitães de times de basquetebol O conceito de equipe justificava o trabalho flexível como uma forma de desen volver as aptidões pessoais a empresa declarava que todos os 134 Richard Sennett membros associados serão treinados em várias funções e nelas trabalharão Isso aumenta seu valor para a equipe e para a SubaruIsuzu além de seus próprios sentimentos de autoesti ma97 Laurie Graham viuse mergulhada numa cultura de coo peração por meio de símbolos igualitários98 O sociólogo Gideon Kunda chama esse trabalho de equipe de uma espécie de teatro profundo porque obriga os indiví duos a manipular suas aparências e comportamentos com os outros99 Mas que interessante O que acabei de ouvir você dizer Como poderíamos fazer isso melhor São as más caras de cooperação do ator Os jogadores bemsucedidos nos grupos de treinamento de Darrah raramente se comportavam em particular do mesmo modo que quando os chefes estavam olhando Na verdade o sociólogo Robin Leidner estudou os vários roteiros escritos que são de fato entregues aos emprega dos em empresas de serviços o que eles visam é mais estabele cer a simpatia do empregado que cuidar da substância dos interesses do cliente Num mundo de trabalho estilo roleta as máscaras de cooperatividade estão entre os únicos cabedais que os trabalhadores levam consigo de uma tarefa para outra de uma empresa para outra janelas de aptidão social cujo hipertexto é um sorriso cativante Se esse treinamento de recursos humanos é apenas uma encenação tratase porém de uma questão de simples sobrevivência Observando as pes soas que não desenvolvem logo as máscaras da cooperatividade um supervisor disse a Darrah que a maioria vai acabar bom beando gasolina100 E dentro da equipe as ficções que negam a luta individual pelo poder ou o conflito mútuo servem para fortalecer a posição dos que estão em cima Laurie Graham encontrou pessoas particularmente oprimi das pela própria superficialidade das ficções do trabalho em equi pe A pressão dos outros colegas sobre sua própria equipe de trabalho tomava o lugar dos chefes de chicote na mão para fazer A corrosão do caráter 135 os carros avançarem o mais rápido possível na linha de monta gem a ficção de empregados cooperativos servia à implacável campanha da empresa por uma produtividade cada vez maior Após um período inicial de entusiasmo um colega lhe disse Eu achava que este lugar ia ser diferente com o con ceito de equipe e tudo mais mas a administração está apenas tentando matar os operários de tanto trabalhar Os vários grupos de trabalho eram coletivamente respon sáveis pelos esforços individuais de seus membros e as equi pes se criticavam umas às outras Um trabalhador que Laurie entrevistou disse que um líder de equipe se aproximou de mim e me deu uma breve aula sobre como trabalhamos melhor como equipe detectando o erro de outro e comunicando logo antes que chegue ao fim da linha Os trabalhadores respon sabilizavam uns aos outros eram obrigados a fazer isso nas reu niões em que passavam pelo que parecia uma terapia de grupo uma terapia voltada para o saldo final101 Mas a recompensa para o indivíduo é a reintegração no grupo A ficção de que trabalhadores e administração estão na mesma equipe se mostrou igualmente útil na SubaruIsuzu no trato com o mundo externo A fábrica usa essa ficção de co munidade no trabalho para ajudar a justificar sua feroz resis tência aos sindicatos operários além disso a ficção da comu nidade ajuda a justificar a existência de uma empresa japonesa que extrai lucros nos Estados Unidos e manda para casa A SubaruIsuzu representa um caso extremo naquilo que as empresas japonesas tendem a forçar a equipe de trabalho ao limite máximo Mas amplia uma ordem mais geral do traba lho em equipe em instituições flexíveis O que essas medi das têm em comum acreditam as economistas Eileen Appelbaum e Rosemary Batt é que não mudam a natureza fundamental do sistema de produção nem ameaçam a organi zação básica da estrutura de poder das empresas102 136 Richard Sennett Mais importante neste aspecto é o fato de que os admi nistradores se apegam à panacéia de fazerem o trabalho ime diato todos juntos todos na mesma equipe para resistir à con testação interna Quando Michael Hammer e James Champy insistem em Reengineering the Corporation em que os admi nistradores parem de agir como supervisores e ajam mais como treinadores o fazem mais pelo patrão que pelo empre gado103 O chefe evita ser responsável por suas ações tudo re cai nos ombros do jogador Pondo a coisa em termos mais formais o poder está pre sente nas cenas superficiais de trabalho de equipe mas a au toridade está ausente Figura de autoridade é alguém que as sume responsabilidade pelo poder que usa Numa hierarquia de trabalho do velho estilo o chefe pode fazer isso abertamen te declarando Eu tenho o poder sei o que é melhor me obedeçam As modernas técnicas de administração buscam fugir do aspecto autoritário de tais declarações mas fazen do isso os administradores conseguem escapar também de ser responsáveis por seus atos As pessoas precisam reconhecer que somos trabalha dores contingentes de uma forma ou de outra disse um administrador da ATT durante uma recente onda de redução Somos vítimas da época e lugar104 Se a mudança é o agente responsável se todo mundo é vítima a autoridade desaparece pois ninguém quer ser res ponsabilizado certamente não esse administrador que des pede pessoas Em vez disso a pressão dos colegas faz o tra balho do administrador O repúdio da autoridade e da responsabilidade nas pró prias superficialidades do trabalho em equipe flexível estru tura a vida de trabalho diária e também os momentos de cri se como uma greve ou uma redução Um excelente trabalho de campo sobre esse repúdio diário de autoridade pelos que A corrosão do caráter 137 têm poder foi feito pelo sociólogo Harley Shaiken e vale a pena citar o que um trabalhador braçal de uma equipe mis ta de empregados de oficina e de escritório lhe disse sobre como se dá a fuga à responsabilidade Realmente o que acontece é que a gente não está operando a máquina sozinho são três ou quatro pessoaso enge nheiro o programador o cara que fez a engenhoca o ope rador Uma coisa que acontece é que é difícil a gente se comunicar com as outras pessoas envolvidas no processo Eles não querem saber Têm aqueles cursos todos aqueles diplomas todos Realmente não querem ouvir da gente nada sobre qualquer coisa que deu errado Tudo tem de ser culpa da gente Claro que não vão admitir queeles cometeram um erro Quando eu descubro um meio de melhorar uma ope ração posso fazer isso sem ninguém ver não conto a nin guém Pra começar ninguém jamais me pergunta105 O sociólogo sueco Malin Âkerstrõm conclui de tais experiências que a neutralidade é uma forma de traição A ausência de verda deiros seres humanos dizendo Eu lhe digo o que fazer ou no caso extremo Vou fazer você pagar por isso é mais que um ato defensivo dentro da empresa essa ausência de autoridade deixa livres os que estão no controle para mudar adaptar reor ganizar sem ter de justificarse ou a seus atos Em outras pala vras permite a liberdade do momento um foco apenas no pre sente A mudança é o agente responsável e não é uma pessoa Além disso poder sem autoridade permite aos líderes de uma equipe dominar os empregados negando legitimidade às suas necessidades e desejos Na fábrica da SubaruIsuzu onde os administradores usavam a metáfora dos esportes chaman dose de treinadores Laurie Graham constatou que era difícil senão fatal um trabalhador falar diretamente de problemas a um chefetreinador em outros termos que não de cooperação 138 Richard Sennett de equipe a conversa direta envolvendo reivindicações de maior salário ou menos pressão para aumentar a produtividade era vista como falta de cooperatividade do empregado O bom jo gador de equipe não se queixa As ficções de trabalho em equi pe pela própria superficialidade de seu conteúdo e seu foco no momento imediato sua fuga à resistência e ao confronto são assim úteis no exercício da dominação Compromissos lealda des e confiança partilhados mais profundos exigiram mais tem po e por isso mesmo não seriam tão manipuláveis O admi nistrador que declara que somos todos vítimas da época e lugar é talvez a figura mais astuta a aparecer nas páginas deste livro Ele dominou a arte de exercer o poder sem ser responsabiliza do transcendeu essa responsabilidade para si mesmo repon do os males do trabalho nos ombros dos irmãos vítimas que por acaso trabalham para ele Esse jogo de poder sem autoridade na verdade gera um novo tipo de caráter Em lugar do homem motivado surge o homem irônico Richard Rorty escreve sobre a ironia que é um estado de espírito em que as pessoas jamais são exata mente capazes de se levar a sério porque sempre sabem que os termos em que se descrevem estão sujeitos a mudança sempre sabem da contingência e fragilidade de seus vocabu lários finais e portanto de seus eus106 Uma visão irônica de si mesmo é a conseqüência lógica de viver no tempo flexível sem padrões de autoridade e responsabilidade Contudo Rorty compreende que nenhuma sociedade pode manterse pela iro nia sobre a educação ele declara Não posso imaginar uma cultura que socializou sua juventude de maneira a deixála continuamente em dúvida sobre seu próprio processo de so cialização107 Tampouco a ironia estimula as pessoas a con testar o poder ele diz que esse senso de eu não fará você mais capaz de vencer as forças reunidas contra você108 O caráter irônico do tipo descrito por Rorty tornase autodes A corrosão do caráter 139 trutivo no mundo moderno passamos da crença em que nada é fixo para Eu não sou inteiramente real minhas necessida des não têm substância Não há ninguém nenhuma autori dade para reconhecer nosso valor O etos do trabalho de equipe com suas suspensões e ironias internas levanos para muito longe do universo moral do cam ponês determinado e heróico de Virgílio E as relações de poder contidas na equipe de trabalho o poder exercido sem reivindicações de autoridade está muito distante da ética de responsabilidade própria que caracterizava a velha ética do trabalho com seu ascetismo leigo de uma seriedade mortal A clássica ética do trabalho de adiar a satisfação e provarse pelo trabalho árduo dificilmente pode exigir nossa afeição Mas tampouco o pode o trabalho em equipe com suas ficções e fingimentos de comunidade Nem a velha nem a nova éticas do trabalho oferecem uma resposta satisfatória à pergunta de Pico delia Mirandola Como devo moldar minha vida A pergunta na verdade leva ao clímax todas as questões que discutimos sobre tempo e caráter no novo capitalismo A cultura da nova ordem perturba profundamente a auto organização Pode separar a experiência flexível da ética pessoal estática como aconteceu com Rico Pode separar o trabalho fá cil superficial da compreensão e do empenho como aconteceu com os padeiros de Boston Pode tornar o constante correr ris cos um exercício de depressão como aconteceu com Rose A mudança irreversível e múltipla a atividade fragmentada podem ser confortáveis para os senhores do novo regime como a corte de Davos mas podem desorientar os servos do regime E o novo etos cooperativo do trabalho em equipe instala como senhores os facilitadores e administradores de processo que fogem ao verdadeiro compromisso com seus servos 140 Richard Sennett Ao traçar este quadro tenho plena consciência de que ele corre o risco apesar de todas as reservas de parecer uma comparação entre o antes que era melhor e o agora que é pior Nenhum de nós poderia desejar o retorno da segurança de Enrico ou da geração dos padeiros gregos Em perspecti va era claustrofóbica seus termos de autoorganização rígi dos Numa visão de longo prazo embora a conquista de se gurança pessoal servisse a uma profunda necessidade prática e psicológica no capitalismo moderno essa conquista custa va um alto preço Uma debilitante política de antigüidade e direitos por tempo de serviço governava os trabalhadores sin dicalizados de Willow Run continuar esse estado mental hoje seria uma receita de autodestruição nos atuais mercados e redes flexíveis O problema que enfrentamos é como organi zar as histórias de nossas vidas agora num capitalismo que nos deixa à deriva O dilema de como organizar uma narrativa de vida é em parte esclarecido sondandose como no capitalismo de hoje as pessoas enfrentam o futuro SETE Fracasso O fracasso é o grande tabu moderno A literatura popular está cheia de receitas de como vencer mas em grande parte calada sobre como enfrentar o fracasso Aceitar o fracasso darlhe uma forma e lugar na história de nossa vida pode ser uma obsessão interior nossa mas raras vezes a discutimos com os outros Em vez disso buscamos a segurança dos clichês é o que fazem os defensores dos pobres quando buscam desviar o lamento Fracassei com a resposta supostamente curativa Não não fracassou você é uma vítima Como acontece com qualquer coisa da qual tememos falar abertamente a obses são interior e a vergonha só por isso se tornam maiores Sem tratamento fica a bruta frase interior Eu não sou bom o bastante O fracasso não é mais a perspectiva normal apenas dos muito pobres ou desprivilegiados tornouse mais conhecido como um fato regular nas vidas da classe média A dimensão decrescente da elite torna mais fugidia a realização O mer cado em que o vencedor leva tudo é uma estrutura competiti va que predispõe ao fracasso grandes números de pessoas educadas As reduções e reengenharias impõem as pessoas da classe média tragédias súbitas que nos primeiros tempos do capitalismo ficavam muito mais limitadas às classes trabalha doras O senso de faltar à própria família comportandose de 142 Richard Sennett maneira flexível e adaptável no trabalho como o que perse gue Rico é mais sutil mas igualmente forte A própria oposição de sucesso e fracasso é uma maneira de evitar aceitar o fracasso Essa simples divisão sugere que se temos suficientes indícios de conquistas materiais não se remos perseguidos por sentimentos de insuficiência ou incom petência o que não acontecia com o homem motivado de Weber que sentia que fosse o que fosse não era o bastante Um dos motivos pelos quais é difícil aliviar com dólares os sentimentos de fracasso é que ele pode ser de um tipo mais profundo não tornar coerente o nosso futuro não realizar alguma coisa valiosa em nós mesmos não viver mais do que simplesmente existir O fracasso pode ocorrer quando a via gem de Pico é ao leu e interminável Na véspera da Primeira Guerra Mundial o comentarista Walter Lippmann insatisfeito com o cálculo de sucesso em dólares que preocupava seus contemporâneos estudou a per turbada vida deles num vigoroso livro intitulado Drift and Mastery Deriva e controle Buscou transformar o cálculo material de fracasso e sucesso em experiências de tempo mais pessoais opondo a experiência à deriva errática ao controle dos fatos Lippmann viveu numa era em que se consolidavam as gi gantescas empresas industriais dos Estados Unidos e da Eu ropa Todos conhecem os males desse capitalismo ele disse a morte das pequenas firmas o colapso do governo exercido em nome do bem público as massas enfiadas nas fauces ca pitalistas Observou que o problema de seus colegas refor madores era que sabiam contra o que estavam mas não a favor do que estavam109 As pessoas sofriam se queixavam mas nem o nascente programa marxista nem a empresa indi vidual renovada ofereciam um remédio promissor Os marxis tas propunham uma explosão social em massa os empresários A corrosão do caráter 143 individuais maior liberdade para competir nenhuma das duas era uma receita para uma ordem alternativa Lippmann no entanto não tinha dúvida alguma sobre o que fazer Vendo a resoluta e esforçada determinação dos imigrantes que então inchavam os Estados Unidos proclamou numa frase memorável Todos nós somos imigrantes espiritualmente110 As qualidades pessoais de determinação evocadas por Hesíodo e Virgílio Lippmann as via de novo encarnadas no implacável trabalho duro dos imigrantes no Baixo East Side de Nova York O que ele detestava era a antipatia do esteta sensível pelo capi talismo personificada julgava em Henry James que encarava os imigrantes de Nova York como uma raça enérgica estranha descabelada e anárquica em suas lutas111 O que devia orientar aquelas pessoas separadas de sua terra que agora tentavam criar uma nova narrativa de vida Para Lippmann era o exercício de uma carreira Não fazer do próprio trabalho uma carreira por mais modesto que fos se o conteúdo ou salário era deixarse cair presa do senso de falta de objetivo que constitui a mais profunda experiência de incompetência deviase na gíria moderna arranjar um galho Assim ele recuperava o mais velho significado da pa lavra carreira que citei na abertura deste ensaio carreira como uma estrada bemfeita Abrir essa estrada era o antídoto do fracasso pessoal Podemos nós praticar esse remédio para o fracasso no ca pitalismo flexível Embora possamos pensar hoje em carreira como sinônimo de profissão liberal um de seus elementos a posse da qualificação não se limita ao reino profissional li beral ou mesmo burocrático O historiador Edward Thompson observa que no século dezenove mesmo os trabalhadores me nos favorecidos com maus empregos desempregados ou sim plesmente sobrevivendo de emprego em emprego tentavam definirse como tecelões metalúrgicos ou camponeses112 O 144 Richard Sennett status no trabalho resulta de ser mais que apenas duas mãos os trabalhadores braçais assim como os criados nas casas vitorianas buscavamno usando as palavras carreira pro fissão e arte de uma maneira mais indiscriminada do que julgaríamos admissível O desejo de tal status era igualmente forte entre empregados da classe média das novas empresas como mostrou o historiador Olivier Zunz as pessoas do mun do dos negócios na época de Lippmann buscaram pela primeira vez elevar seu trabalho tratando a contabilidade as vendas ou gerências como semelhantes às atividades profissionais do médico ou engenheiro113 O desejo de status ou de uma carreira não é portanto nada novo Tampouco o é o senso de que as carreiras mais que os empregos desenvolvem nosso caráter Mas Lippmann elevou as apostas do arranjar um galho Em sua opinião a narrati va de vida de uma carreira é uma história de desenvolvimento interior que se desenrola por habilidade e luta Temos de lidar com a vida deliberadamente imaginar sua organização so cial alterar seus instrumentos formular seu método114 A pessoa que segue uma carreira define objetivos de longo pra zo padrões de comportamento profissional ou não profissio nal e o senso de responsabilidade por sua conduta Duvido que Lippmann tenha lido Max Weber quando escreveu Dríft and Mastery mas os dois escritores partilhavam um conceito semelhante de carreira No uso de Weber Beruf o equivalen te alemão de carreira também acentua a importância do trabalho como narrativa e o desenvolvimento de caráter só possível pelo esforço organizado a longo prazo Controle significa declara Lippmann a substituição da luta incons ciente pela intenção consciente115 A geração de Lippmann acreditava que se achava no iní cio de uma nova era da ciência assim como do capitalismo Todos estavam convencidos de que o uso adequado da ciên A corrosão do caráter 145 cia das aptidões técnicas e mais geralmente do conhecimento profissional podia ajudar homens e mulheres a formar fortes histórias de carreira e com isso assumir um controle mais firme sobre suas vidas Nessa dependência da ciência para o controle pessoal Lippmann assemelhavase a outros contem porâneos progressistas nos Estados Unidos e a socialistas fabianos como Sidney e Beatrice Webb na GrãBretanha ou ao jovem Leon Blum na França além de a Max Weber A receita de Lippmann para o controle também tinha uma meta política objetiva Ele via os imigrantes novaiorquinos esforçandose para aprender inglês e educarse a fim de co meçar suas carreiras mas barrados das instituições de ensino superior da cidade na época fechadas aos judeus e negros e hostis aos gregos italianos e irlandeses Pedindo uma socie dade mais voltada para as carreiras ele exigia que essas insti tuições abrissem suas portas uma versão americana do lema francês carreiras abertas ao talento Os textos de Lippmann constituem um enorme ato de fé no indivíduo no fazer alguma coisa de si mesmo o sonho de Pico concretizado nas ruas do Baixo East Side entre po vos que Lippmann via como seres humanos particulares e dis tintos Em seus textos ele tentou assim opor o Golias do ca pitalismo empresarial ao Davi da vontade e talento pessoais O prazer de ler Lippmann é sua própria justificação a voz dele é a de um mestreescola eduardiano reto de vida limpa que também parece ter passado muitas horas em filas de pi quetes ou em companhia de homens cujas palavras mal enten dia Contudo será sua crença na carreira uma receita viável para nós hoje quase um século depois Em particular será um remédio para o fracasso aquele fracasso que consiste na falta de objetivo em não unificar nossa vida Conhecemos formas de burocracia diferentes das que Lippmann e Weber conheceram o capitalismo hoje age com 146 Richard Sennett A corrosão do caráter 147 base em diferentes princípios de produção O tempo de curto prazo flexível do novo capitalismo parece excluir que faça mos uma narrativa constante de nossos labores e portanto uma carreira Mas não arrancar dessas condições algum sen so de continuidade e propósito seria literalmente faltarmos a nós mesmos Muitas vezes pensei em Lippmann ao freqüentar um grupo de programadores de meiaidade que vim a conhecer homens recentemente despedidos na redução de um escritório da IBM americana Antes de perderem o emprego eles um tanto complacentemente endossavam a crença no desenvolvimen to a longo prazo de suas carreiras profissionais Como pro gramadores hightech destinavamse a ser senhores da nova ciência Depois de demitidos tiveram de tentar diferentes interpretações dos fatos que destruíram suas vidas não podiam evocar nenhuma narrativa óbvia instantânea que explicasse seu fracasso E no entanto por meios que Lippmann talvez não previsse resgataramse a si mesmos da sensação de deri va e na verdade descobriram no próprio fracasso uma certa revelação da carreira de sua vida Deixemme primeiro estabelecer o contexto da empresa deles pois é característica Até meados da década de 1980 a IBM praticava o capitalismo paternalista com força total116 O homem responsável pelo crescimento da empresa Thomas Watson Sr a dirigia como um feudo pessoal e referiase a si mesmo como o pai moral da firma O velho hino da empresa dizia Com o Sr Watson conduzindo A maiores alturas su biremos E manteremos nossa IBM Respeitada aos olhos de todos117 A empresa era dirigida como um exército e as de cisões pessoais de Watson sobre todos os seus aspectos tor navamse leis instantâneas da IBM A lealdade ele dizia poupa o desgaste de tomar decisões diárias sobre o melhor a fazer118 Institucionalmente a IBM assemelhavase à empre sa estatal da França ou Itália com emprego vitalício para a maioria dos empregados e uma espécie de contrato social entre administração e mãodeobra Em 1956 Thomas Watson Jr assumiu o lugar do pai De legava mais e ouvia melhor mas o contrato social continuou em vigor A IBM proporcionava a seus trabalhadores excelen tes seguro social educação e benefícios de aposentadoria apoiava a vida social dos funcionários da empresa com cam pos de golfe creches e hipotecas acima de tudo proporcio nava uma escada vitalícia de emprego todos os estágios de uma carreira estabelecidos para pessoas que se esperava ficassem e subissem A IBM podia fazer isso porque exercia um quase monopólio em seus mercados Devido a graves erros de cálculo sobre o crescimento da indústria de computadores na década de 1980 a IBM prati camente jogou fora seu controle do computador pessoal em princípios da de 1990 a empresa estava lutando em meio ao tumulto Watson Jr se aposentara novos presidentes afunda ram Em 1992 a empresa sofreu uma enorme perda 66 bilhões de dólares quando oito anos antes amealhara o maior lucro empresarial americano já registrado Uma complexa burocra cia interna revelouse paralisante quando a empresa foi driblada pela Microsoft de Bill Gates A IBM também enfrentava forte competição de arrogantes japoneses e americanos Em 1993 começou com mais um novo presidente Louis Gerstner a transformarse numa máquina empresarial competitiva e deu uma reviravolta igualmente sensacional Procurou substituir as rígidas estruturas de trabalho hierárquicas por formas mais fle xíveis de organização e com uma produção flexível orientada para pôr mais produtos no mercado com maior rapidez A estabilidade de seus 400 mil trabalhadores foi um alvo básico nessa campanha A princípio alguns foram seduzidos 148 Richard Sennett depois muitos outros obrigados a ir embora Nos primeiros seis meses de 1993 um terço dos empregados nas três fábri cas da IBM situadas no Vale do Hudson em Nova York foi demitido e a empresa reduziu outras operações sempre que possível A nova administração fechou os campos de golfe e retirouse do apoio a comunidades onde a IBM atuava Eu quis saber mais sobre como foi essa grande virada para uma IBM mais enxuta mais flexível em parte porque muitos dos administradores e engenheiros de meiaidade colhidos na mudança são meus vizinhos no norte do estado de Nova York Tornados supérfluos numa idade demasiado prematura cava ram empregos como consultores o que significa explorar suas agendas de endereços na esperança muitas vezes vã de que alguns contatos fora da empresa ainda se lembrem que eles existem Alguns voltaram a trabalhar para a empresa mas corno empregados de curto prazo com contratos sem benefí cios nem posição na instituição Como quer que tenham con seguido sobreviver nos últimos quatro anos não podem viver sem acompanhar os fatos concretos da mudança empresarial e seus efeitos em suas vidas O River Winds Café não distante dos velhos escritórios de meus vizinhos é uma movimentada espelunca que vende hambúrguer antes freqüentado durante o dia apenas por mulheres em saídas para compras ou carrancudos adolescen tes matando tempo após a escola Foi ali que ouvi esses ho mens de camisa branca e gravata escura sentados atentos com xícaras de café como numa reunião de negócios contarem suas histórias Um grupo de cinco ou sete homens permanece junto eram programadores de centrais de computadores e analistas de sistema na antiga IBM Os mais comunicativos eram Jason um analista de sistema que passara quase vinte anos na empresa e Paul um jovem programador que Jason demitira na primeira onda de redução A corrosão do caráter 149 Comecei a passar de vez em quando fins de tarde com eles em 1994 um ano depois que todos com exceção de Jason haviam sido demitidos e depois que encontrei Rico no vôo para Viena No River Winds Café a tentativa dos engenhei ros de compreender o que acontecera se enquadrou mais ou menos em três estágios Quando entrei nas discussões eles se sentiam vítimas passivas da empresa Mas quando as dis cussões chegaram a uma conclusão os empregados demitidos haviam mudado o foco para seu próprio comportamento Quando a dor da demissão ainda estava crua a discussão girava em torno das traições da IBM como se a empresa os houvesse trapaceado Os programadores desencavavam fatos ou comportamentos da empresa que pareciam anunciar as mudanças depois ocorridas Tais lembranças incluíam frag mentos de prova como o fato de se negar a um determinado engenheiro o uso do campo de golfe durante oito rodadas completas ou viagens inexplicadas de um chefe de programa dores para destinos não designados Nesse estágio eles que riam indícios de premeditação dos superiores que justificariam então sua própria indignação Ser trapaceado ou traído signi fica que uma tragédia dificilmente é culpa nossa Na verdade o senso de traição empresarial impressionou a maioria dos observadores externos que foram à IBM na época Era uma história dramática profissionais altamente qualificados de uma empresa paternalista agora tratados sem mais consideração que escriturários inferiores ou faxineiros A empresa parecia terse despedaçado ao fazer isso O jorna lista inglês Anthony Sampson que visitou o escritório sede da IBM em meados da década de 1990 encontrou mais uma desorganização generalizada dentro da empresa que uma for ça de trabalho revigorada Um funcionário admitiu Há muito mais tensão violência doméstica e necessi dade de assistência psiquiátrica diretamente ligadas às de 150 Richard Sennett missões Mesmo dentro da IBM o ambiente mudou radical mente há muito nervosismo sem a segurança119 As pessoas que haviam sobrevivido agiam como se vives sem um tempo emprestado achando que não haviam sobre vivido por um bom motivo Quanto aos demitidos um pastor local e exfuncionário da IBM comentou com Sampson Eles estão ressentidos e se sentem traídos nos fize ram achar que fomos nós a causa do fracasso deles quando os caras lá de cima faturavam milhões Paul Carroll outro estudioso dessa debacle informa que numa pesquisa sobre o moral dos empregados uma pessoa respondeu à nova insistência da empresa em que respeitava mais o esforço individual que a lealdade empresarial Que respeito A IBM é uma empresa muito incoe rente fazendo declarações bombásticas sobre respeito sin ceridade e sensibilidade e praticando ao mesmo tempo uma administração opressiva e discriminatória num nível mais baixo A lealdade à empresa morreu declarou sem rodeios um consultor administrativo120 E na ATT um monstro empresarial irmão que passou pelo mesmo processo havia nas palavras de um executivo um cli ma de medo Também havia medo nos velhos tempos mas quando cortam 40 mil empregos quem vai criticar um supervisor121 Mas no River Winds Café essas primeiras reações não pegaram Os programadores descobriram que como explica ção a traição premeditada não resistia em termos lógicos Entre outras coisas porque muitos dos superiores que os ti nham demitido nas primeiras fases da restruturação da em presa haviam sido eles mesmos demitidos em fases posterio res como Jason podiam ser igualmente encontrados agora no River Winds Também aqui como a empresa estivera de fato se saindo mal durante grande parte da década de 1980 e iní A corrosão do caráter 151 cio da de 90 os fatos impalatáveis estavam mais que ampla mente registrados em seu balancete as disfunções da velha cultura empresarial ficavam bem à vista e não ocultas Acima de tudo como adultos racionais os programado res acabaram entendendo que a teoria da traição planejada ou não transformava os chefes em caricaturas do mal Quan do Paul falou pela quarta ou quinta vez das misteriosas via gens do programador chefe os outros à mesa finalmente caí ram em cima dele Ora vamos disse Jason você sabe que ele era um cara decente Na certa ia visitar a namorada Ninguém sabia o que vinha pela frente Os outros acabaram concordando com essa hipótese E o efeito desse consenso foi tornar os males intragáveis da em presa mais reais no fato que na fantasia Assim num segundo estágio de interpretação concentra ramse na busca de forças externas para culpar No River Winds Café a economia global aparecia agora como a ori gem de seus infortúnios sobretudo pelo uso de trabalhado res estrangeiros A IBM começara a dar para fora parte do trabalho de programação pagando a pessoas na índia uma fração dos salários pagos aos americanos Os baixos salários desses profissionais estrangeiros eram citados como motivo de a empresa ter tornado os americanos supérfluos Mais surpreendente ainda a rede de comunicações da empresa atua va para os indianos como uma espécie de Ellis Island um porto de imigração uma vez que um código escrito em Amenadabab chegava à mesa de um supervisor com a mesma rapidez de um escrito na casa Sobre isso Jason me contou um fato um tan to paradoxal que soubera por sobreviventes de sua onda de demissão as pessoas nessa empresa tão hightech raras vezes punham online suas opiniões ou críticas não queriam deixar traços pelos quais pudessem ser responsabilizados 152 Richard Sennett O medo de que os estrangeiros solapem os esforços dos trabalhadores americanos nativos tem raízes profundas No século dezenove eram os imigrantes paupérrimos e não qua lificados que pareciam tomar os empregos com a disposição de trabalhar por menor salário Hoje a economia global ser ve à função de despertar esse medo antigo só que agora os americanos ameaçados parecem ser não apenas os não quali ficados mas também as classes médias e os profissionais li berais colhidos no fluxo do mercado de mãodeobra global Muitos médicos americanos têm citado por exemplo a inun dação dê médicos baratos vindos de países do Terceiro Mundo como um dos motivos pelos quais sua segurança pode ser ameaçada por seguradoras e empresas de saúde Econo mistas como Lester Thurow buscaram generalizar essa amea ça afirmando que a transferência do trabalho para locais de baixos salários no mundo todo arrasta os salários para baixo em economias avançadas como os Estados Unidos Racional mente podese discutir esse medo do mercado global de tra balho Paul Krugman observa por exemplo que apenas 2 por cento da renda nacional nos Estados Unidos vêm da importa ção de economias de baixos salários em outra parte do mun do Mas a crença no perigo pessoal causado pela ameaça ex terna está enraizada e ignora os fatos Por exemplo nessa fase protecionista da discussão que durou vários meses os homens no boteco tentavam explicar seus apuros equiparando a influência estrangeira com os ame ricanos marginais que haviam tomado conta da empresa observaram repetidas vezes o fato de o novo presidente da IBM Louis Gerstner ser judeu Infelizmente essa fase ocor reu durante as eleições de 1994 vários dos homens votaram em candidatos da extrema direita que julgariam absurdos em tempos mais seguros Também neste caso porém essa interpretação partilhada A corrosão do caráter 153 não pegou O ponto decisivo na rejeição da perfídia dos de fora se deu quando os empregados começaram a discutir suas próprias carreiras sobretudo seus valores profissionais Como engenheiros cientistas os programadores acreditavam nas virtudes de fatos tecnológicos como as comunicações globais digitais Também reconheceram a qualidade do trabalho que vinha da índia Esses reconhecimentos significavam mais do que prestar abstrata obediência a padrões profissionais O fato de esta rem discutindo juntos contava Durante o estágio em que os programadores inventavam a perfídia dos arrasasalários in dianos e as maquinações do presidente judeu da IBM pouco tiveram a partilhar uns com os outros sobre o conteúdo de seu trabalho Muitas vezes silêncios abatiamse sobre a mesa a traição dentro da empresa e a vitimização mantinham a con versa nos limites da queixa A concentração em inimigos ex ternos na verdade não dava aos programadores posição algu ma A história referiase apenas às ações dos outros desco nhecidos e invisíveis em outras partes os engenheiros torna vamse pacientes passivos de forças globais Jim o mais velho dos empregados da IBM e portanto o que tinha mais problema para restabelecerse me disse Sabe durante a guerra da Coréia eu pensava Eu sou um peão ninguém no meio desta lama Mas me tornei mais peão na IBM Quando começou o terceiro estágio de interpretação Paul que antes desconfiara da perfídia de um superior viajante completou Jim a quem muito admirava Lembroulhe que não tinham apenas dado horas de trabalho à IBM Claro antes acreditavam na empresa mas ainda mais importante disse Paul nós adorávamos nosso trabalho Ao que Jim respondeu É uma grande verdade Eu ainda adoro fazêlo quan do posso 154 Richard Sennett E assim aos poucos os homens começaram a falar de maneira diferente O terceiro estágio de explicação devolveu um pouco do senso de integridade deles como programadores mas a um alto custo Agora o foco era mais na história do trabalho hightech em seu imenso crescimento recente nas aptidões necessárias para lidar com desafios industriais e científicos Aconteceu al guma coisa com a voz dos homens que falavam no boteco quan do abandonaram a obsessão com a maneira como tinham sido prejudicados por outros Ao se concentrarem na profissão os programadores começaram a falar do que poderiam e deveriam ter feito pessoalmente antes em suas carreiras para prevenir o apuro atual Nesse terceiro estágio aparecera finalmente o dis curso da carreira carreira como Walter Lippmann a teria ima ginado Questões de vontade e opção pessoais padrões profis sionais narrativas de trabalho tudo surgiu só que o tema desse discurso sobre carreira era mais o fracasso que o con trole Essas discussões na verdade tinham como premissa o fato de que a IBM permanecera empenhada nas centrais de com putadores numa época em que o crescimento da indústria se dava no setor do computador pessoal a maioria dos progra madores era de homens das centrais Os homens da IBM co meçaram a censurarse por terem ficado demasiado dependen tes da empresa por terem acreditado nas promessas da cultura empresarial por terem desempenhado um roteiro de sua pró pria criação Censura significa culpa Não ouvi isso na voz deles pelo menos não aquele tipo de culpa floreado de auto piedade A conversa era sobre centrais de computadores es tações de trabalho as possibilidades da linguagem Java os problemas da largura de faixa e o eu Nesse terceiro está gio os desempregados falaram dos sucessos de pessoas que dez ou doze anos antes haviam entrado no setor do computa A corrosão do caráter 155 dor pessoal através de pequenas empresas arriscadas ou pre visto as possibilidades da Internet Era o que os programado res do River Winds Café achavam que deviam ter feito De viam terse tornado empresários como os garotos do Vale do Silício pátria dos pequenos adventícios da tecnologia Tivemos o exemplo declarou um dia Kim especia lista em redes Sabíamos tudo que acontecia na Costa Oes te e não fizemos nada Todos assentiram com exceção de Jim que falou do problema de levantar capital Boba gem respondeu Kim Esse negócio não é sobre hoje é sobre o que poderia acontecer Para isso se arranja dinheiro A história dos erros internos da IBM a reorganização da empresa motivada pelo desejo de flexibilidade o advento do mercado global de trabalho evidenciado pelos programadores indianos tudo foi reordenado como sinais de que era hora de dar o fora Eles deviam ter corrido o risco No último ano a história do que acontecera à IBM e a eles ficou por aí E notei que essa última interpretação coincidiu com uma mudança do comportamento de meus vizinhos na comunidade Antes vereadores e membros de conselhos es colares abandonaram a busca desses cargos Não têm medo de erguer a cabeça na comunidade já que tanta gente em nossa cidade foi demitida pela IBM ou sofreu financeiramente como donos de lojas ou homens de negócio com o abalo Simples mente perderam o interesse por questões cívicas O único compromisso comunitário que eles mantêm na verdade buscam com vigor cada vez maior é a participação na administração de suas igrejas locais Isso é importante para eles por causa do contato pessoal que têm com outros membros da igreja Nessa parte da região rural como em outras formas fundamentalistas e evangélicas de cristianis mo se acham em acentuada ascensão O mais novo Paul me disse 156 Richard Sennett T A corrosão do caráter 157 Quando renasci em Cristo me tornei mais tolerante e esforçado Se meus vizinhos assumiram responsabilidade pelas histó rias de suas vidas esse ato ético levou sua conduta numa de terminada direção eles se voltaram para dentro Um bemsucedido empresário do Vale do Silício que leia esta história bem pode comentar Isso mostra de fato que eles deviam ter corrido mais riscos Uma vez que esses homens compreenderam a natureza de uma carreira moderna tinham razão em se julgar responsáveis Deixaram de agir Claro esse duro julgamento presume que os programadores eram dota dos do poder de prever Mesmo assim as discussões no River Winds Café podiam ser tomadas simplesmente como uma his tória de advertência sobre a maior vulnerabilidade embutida nas carreiras hoje Mas deixar a questão por aí seria excluir o verdadeiro tra balho em que esses homens se empenharam enfrentar seu fracasso entendêlo em termos de seus próprios caracteres Numa entrevista que Michel Foucault concedeu pouco antes de morrer fez ao entrevistador uma pergunta como nós nos governamos Como nos governamos realizando atos em que somos nós mesmos o objeto de tais atos os campos em que eles são aplicados os instrumentos aos quais eles recorrem e o sujeito que age122 Os programadores precisavam responder a esta pergunta en contrando formas de enfrentar a realidade do fracasso e de seus próprios limites Esse esforço de interpretação também está no espírito do controle de Lippmann de deixar de so frer a mudança passiva e cegamente Claro a ação que em preendem é conversar uns com os outros Mas é concreta ainda assim Estão quebrando o tabu do fracasso trazendoo à luz Por esse motivo a maneira como conversam é importante para compreender Os homens experimentam três histórias Todas as três ver sões giram em torno de um ponto crucial na primeira o ponto ocorre quando a administração existente começa a trair os pro fissionais na segunda quando intrusos chegam à cena e a ter ceira no momento em que os programadores deixam de sair na hora certa Nenhuma assume a forma de uma história em que a tragédia pessoal é de lenta e longa gestação da época de Thomas Watson Sr em diante Compor uma narrativa em torno de momentos cruciais súbitos de mudança é claro uma convenção conhecida de romances e autobiografias Em suas Confissões por exemplo JeanJacques Rousseau declara sobre uma surra que levou de Mlle Lambercier quando menino Quem poderia saber que esse castigo infantil recebido aos oito anos das mãos de uma mulher de trinta iria determinar meus gostos e desejos mi nhas paixões meu próprio eu pelo resto da vida123 Esse marco de mudança ajuda Rousseau a definir uma forma para a história de sua vida apesar do desenfreado fluxo dentro dele como quando declara que às vezes sou tão diferente de mim mesmo que poderia ser tomado por outra pessoa de caráter inteiramente oposto124 A convenção do momento crucial é uma maneira de tornar legível e clara a mudança em vez de uma combustão caótica cega ou simplesmente espontânea O último tipo de mudança aparece na autobiografia de Goethe decidindo abandonar sua vida passada diz sobre si mesmo Aondeele vai quem sabe Mal se lembra de onde veio125 Como para Rousseau a convenção dos momentos defi nidores esclarecedores ajuda os programadores a entender a forma de suas carreiras Suas discussões não foram claro 158 Richard Sennett A corrosão do caráter 159 três capítulos nítidos bemfeitos a conversa descontraída inevitavelmente vagueia e serpeia Mas nas duas primeiras versões verdades chatas atrapalham os fatos definidores A primeira versão é esvaziada pelo conhecimento factual da condição da IBM a segunda pela crença deles no progresso tecnológico e seu senso de qualidade profissional A terceira versão porém liberta a pessoa que fala para assumir o con trole da narrativa Agora a história pode fluir tem um centro sólido eu e uma trama bemfeita O que eu devia ter feito era tomar minha vida em minhas próprias mãos O momento definidor ocorre quando os programadores passam da condição de vítima passiva para uma condição mais ativa Agora suas próprias ações contam para a história Ser demiti do não é mais o fato definidor da terceira versão a ação crucial é a que eles deviam ter empreendido em 1984 ou 1985 Esse momento definidor tornase responsabilidade deles Só fazen do essa passagem é que podem começar a enfrentar o fato de que fracassaram em suas carreiras Os tabus que cercam o fracasso significam que ele é uma experiência que muitas vezes causa profunda confusão Um golpe único firme de rejeição não conterá o fracasso Num soberbo estudo da mobilidade descendente da classe média a antropóloga Katherine Newman observa que apesar de seus vários resultados a mobilidade empresarial descendente gera uma condição liminar flutuante ambígua Ser um executivo de mobilidade descendente diz ela é primeiro descobrir que não se é uma pessoa tão boa quanto se pensava e depois aca bar não sabendo quem ou o que se é126 Os homens do River Winds Café acabaram resgatandose dessa ambigüidade sub jetiva Pode parecer que essa saída narrativa do fracasso é arbitrá ria Nietzsche diz em Assim falou Zaratustra que o homem co mum é um espectador furioso do passado sem o poder da von tade retrospectiva127 Porém os programadores não podiam viver como espectadores furiosos de seu passado e assim do braram de fato suas vontades para trás no tempo E na evolu ção da narrativa os homens do River Winds Café acabaram deixando de falar como filhos de uma empresa paternalista abandonaram a visão de que os poderosos são demônios cons piradores e seus substitutos de Bombaim intrusos ilegítimos Sua interpretação tornouse dessa forma mais realista Como essa forma narrativa quebra o senso de deriva inte rior sem destino que Lippmann julgava tão corrosiva Vejam outro tipo de narrativa que pode se sintonizar melhor com as circunstâncias atuais O romancista Salman Rushdie afirma que o eu moderno é um edifício instável que construímos com raspas dogmas mágoas da infância artigos de jornal obser vações casuais velhos filmes pequenas vitórias pessoas odia das pessoas amadas128 Para ele a narrativa de uma vida aparece como uma colagem uma montagem do acidental do encontrado e do improvisado A mesma ênfase na descon tinuidade aparece nos textos do filósofo Zygmunt Bauman e do teólogo Mark Taylor eles celebram os esforços de roman cistas como Joyce ou Calvino para subverter as tramas bem feitas como uma forma de mostrar o fluxo da experiência comum129 A psique permanece num estado de interminável vir a ser um eu jamais acabado Nessas circunstâncias não pode haver uma narrativa de vida coerente um momento esclarecedor de mudança iluminando o todo Essas visões da narrativa às vezes chamadas pósmoder nas refletem na verdade a experiência do tempo na moder na economia política Um eu maleável uma colagem de frag mentos em incessante vir a ser sempre aberto a novas ex periências essas são as condições adequadas à experiência de trabalho de curto prazo a instituições flexíveis e ao cons tante correr riscos Mas há pouco espaço para compreender 160 Richard Sennett o colapso de uma carreira se se acredita que toda história de vida é apenas uma montagem de fragmentos Tampouco há qualquer espaço para avaliar a gravidade e a dor do fracasso se o fracasso é apenas mais um incidente A fragmentação do tempo narrativo é particularmente acentuada no ambiente profissional dos programadores Em City of Bits o arquiteto William Mitchell descreve o cibe respaço como uma cidade sem raízes em qualquer ponto definido na superfície da Terra e habitada por sujeitos incorpóreos e fragmentados que existem como coleções de alcunhas e agentes130 A analista de tecnologia Sherry Turkle diz que uma pessoa lhe disse Eu simplesmente ligo uma parte de minha mente e de pois outra quando vou de janela em janela Estou numa espé cie de discussão numa janela e tentando pegar uma garota em outra e outra janela pode estar rodando um programa de planilha de cálculo131 Fredric Jameson fala da incessante rotação de elementos na experiência moderna como a que ocorre na passagem de uma janela para outra na tela132 Os programadores recuperaram conversando a ligação ausente na tela do computador A narrativa deles parece de fato pósmoderna em sua luta por coerência e um sólido eu autoral Podese dizer que a narrativa deles é para usar outra expressão da moda de resistência Mas em seu alcance ético o desfecho dessa conversa foi mais profundo No fim os programadores falavam com um ar mais de resignada finalidade que de raiva sobre o fato de estarem pas sados de terem destruído suas chances embora não estejam no auge físico Nessa terceira versão os homens sentiramse desobrigados de continuar lutando sentiram a profunda fadiga da vida que se apodera de muitas pessoas de meiaida de Quem provou profundamente um fracasso reconhecerá o A corrosão do caráter 161 impulso diante da destruição da esperança e do desejo a preservação de nossa voz ativa é a única maneira de tornálo suportável Simplesmente declarar nossa vontade de agüen tar não basta Rico está cheio de princípios orientadores e tem muitos conselhos absolutos para dar a si mesmo mas essas panacéias não curam seus medos O conselho que os engenhei ros dão a si mesmos consiste em locuções como Eu devia ter sabido e Se eu ao menos Nessa dicção o alívio não é estranho da resignação E resignação é um reconhecimento do peso da realidade objetiva A narrativa deles tentou assim uma espécie de autocura Mas a narrativa em geral efetua o trabalho de cura por sua es trutura não oferecendo conselho Mesmo grandes alegorias incluindo as tão impudicas no moralizar comoPilgrimsProgress de Bunyan transcendem a intenção de mostrar ao leitor como agir Bunyan por exemplo torna as tentações do mal tão com plexas que o leitor se atem aos problemas do cristão em vez de buscar imitar as soluções A cura da narrativa vem precisamente dessa luta com o problema O trabalho curativo do criar uma narrativa não limita seu interesse a fazer os fatos saírem da maneira certa Em vez disso uma boa narrativa reconhece e sonda a realidade de todas as formas erradas que a vida pode produzir e produz O leitor de um romance o espectador de uma peça experimentam o conforto particular de ver pessoas e fatos se enquadrarem num padrão de tempo a moral da nar rativa está na forma não no conselho Podese dizer finalmente que esses homens enfrentaram o fracasso no passado elucidaram os valores de suas carrei ras mas não encontraram meios de ir em frente No presente flexível e fragmentado talvez pareça possível criar narrativas apenas sobre o que foi e não mais narrativas previsivas sobre o que será O fato de os homens do River Winds Café se ha verem retirado agora do compromisso ativo com a comuni 162 Richard Sennett dade local talvez pareça apenas confirmar essa condição de particípio passado O regime flexível talvez pareça gerar uma estrutura de caráter constantemente em recuperação Ironicamente esses são os Davis que enfrentam o Golias do regime flexível Foi como indivíduos daqueles que Walter Lippmann admirava que os programadores descobriram uma forma de discutir o fracasso uns com os outros e com isso encontrar um senso coerente de eu e de tempo Embora de vamos admirar a força individual o voltarse para dentro de si próprios para as relações íntimas mostra os limites da coe rência que alcançaram Exigese um senso maior de comuni dade e um senso mais pleno de caráter do crescente número de pessoas que no capitalismo moderno estão condenadas a fracassar OITO O Pronome Perigoso As propostas práticas mais convincentes que ouvi para enfrentar os problemas do novo capitalismo concentramse nos lugares onde ele opera As empresas modernas gostam de apre sentarse como tendose libertado das exigências de lugar uma fábrica no México um escritório em Bombaim um centro de comunicações na baixa Manhattan aparecem como meros nódulos na rede global Hoje localidades cidades ou países receiam que se exercerem sua soberania por exemplo impon do impostos ou restringindo as demissões sumárias uma em presa possa com a mesma facilidade encontrar outra ilha na rede uma fábrica no Canadá em vez de no México um escritório em Boston em vez de Manhattan Por receio de provocar a IBM a irse embora de vez muitas localidades no Vale do Hudson recuaram de contestar a decisão da empresa de devastar a vida de trabalho de cidadãos como os programadores Já há sinais porém de que a economia não é tão indiferen te à localização quanto se supunha podese comprar qualquer ação que se queira em Dubuque lowa mas não fazer um mer cado de ações nos campos de milho A IBM estava de fato de masiado enraizada em sua rede de fornecedores e distribuido res em sua proximidade das atividades financeiras na cidade de Nova York para simplesmente fugir para o exterior Corno observou a economista Saskia Sassen a economia global não 164 Richard Sennett flutua no espaço cósmico Mesmo nos mercados de mãode obra mais flexíveis do globo no Sudeste Asiático está se tor nando claro que geografias sociais e culturais locais contam muito para determinadas decisões de investimentos133 O lugar tem poder e a nova economia pode ser restringida por ele É mais eficaz contestar o novo capitalismo de fora nos lugares onde ele atua ou tentar reformar suas operações de dentro Dos três aspectos estruturais da flexibilidade reinvenção descontínua produção flexível e concentração de poder sem centralização parece de fato possível conter de fora algumas conseqüências destrutivas da reinvenção des contínua a redução podia ser limitada por exemplo Seria mais difícil regular as outras de fora Mas contenção apenas é a questão errada O esforço para controlar de fora o funcionamento do novo capitalismo precisa ter um raciocínio diferente deve pergun tar o valor da empresa para a comunidade como ela serve mais a interesses cívicos que apenas ao livrocaixa de lucros e per das A imposição de padrões externos de comportamento muitas vezes gera reforma interna precisamente porque o mundo da rede é tão amorfo tão inconstante os padrões ex ternos de comportamento podem mostrar à empresa um qua dro de como você deve ser aqui onde você está neste mo mento Contudo o objetivo de tornar as empresas melhores cidadãs embora digno também tem seus limites Os novos donos da padaria de Boston por exemplo na verdade agem como bons cidadãos partilhando seus lucros e funcionários Rodney Everts que tentou em vão ensinar o fabrico de pão a seus cotrabalhadores é liberado um dia por semana para ensinar isso numa escola técnica local Contudo esse ato de boa vontade física nada faz dentro da padaria para tornar o trabalho mais atraente nem fortalece as identidades de tra balho dos empregados de Everts A corrosão do caráter 165 Lugar é geografia um local para a política comunidade evoca as dimensões sociais e pessoais de lugar Um lugar se torna uma comunidade quando as pessoas usam o pronome nós Falar desse jeito exige uma ligação particular embora não lo cal um país pode constituir uma comunidade quando nele as pessoas traduzem crenças e valores partilhados em práticas diárias concretas Rousseau foi o primeiro escritor moderno a compreender como o funcionamento da política se baseia pro fundamente nesses rituais da vida diária como a política de pende do nós comunal Uma das conseqüências não preten didas do capitalismo moderno é que fortaleceu o valor do lugar despertou o anseio de comunidade Todas as condições emocio nais que estudamos no local de trabalho animam esse desejo as incertezas da flexibilidade a ausência de confiança e com promisso com raízes fundas a superficialidade do trabalho em equipe acima de tudo o espectro de não fazermos nada de nós mesmos no mundo de não arranjarmos um galho com o nosso trabalho Todas essas condições levam as pessoas a buscar ou tra cena de ligação e profundidade Hoje no novo regime de tempo esse uso do nós se tor nou um ato de autoproteção O desejo de comunidade é de fensivo muitas vezes manifestado como rejeição a imigran tes e outros marginais sendo a arquitetura comunal mais importante que as muralhas contra uma ordem econômica hostil Claro é quase uma lei universal que o nós pode ser usado como defesa contra a confusão e a deslocação A atual política baseada nesse desejo de refugio visa mais aos fracos os que viajam pelos circuitos do mercado de mãodeobra glo bal mais que aos fortes as instituições que põem pobres tra balhadores em movimento ou exploram sua relativa privação Os programadores da IBM como vimos acabaram voltando se psicologicamente para dentro de si próprios mas num as pecto importante transcenderam esse senso defensivo de co 166 Richard Sennett munidade quando deixaram de culpar os colegas indianos e seu próprio presidente judeu Nós é muitas vezes uma locução falsa quando usada como ponto de referência contra o mundo externo Rico co nhecia demasiado bem os dois lados dessa falsa locução Por um lado observou que seus vizinhos toda vez que se muda va tinham laços tênues uns com os outros ele teve de come çar de novo em cada nova área residencial pela qual passou lugares em que as pessoas aparecem e desaparecem a cada três ou quatro anos E seu próprio senso de nós expresso na linguagem dos padrões comunitários e valores da família era uma abstração estática cujo próprio conteúdo ele detestava antes e não podia praticar agora O nós pode mais larga mente se ocultar na desconjuntada montagem de etnicidades num país ou em suas histórias de conflito étnico Agora esse nós fictício retornou à vida como defesa contra uma vigo rosa nova forma de capitalismo Apesar de tudo também se pode usar o perigoso prono me para exames mais minuciosos e positivos Vejam os dois elementos da expressão destino partilhado Que espécie de partilha é necessária para resistir em vez de fugir diante da nova economia política Que tipo de relações pessoais cons tantes pode conter o uso de nós A ligação social nasce de forma mais elementar do senso de mútua dependência Todos os jargões da nova ordem tratam a dependência como uma condição vergonhosa o ataque à rígida hierarquia burocrática quer libertar estruturalmente as pessoas da dependência o assumir riscos destinase mais a estimular a autoafirmação que a submissão ao que existe Dentro das empresas modernas não há lugar honroso para o serviço a própria palavra invoca o último refúgio do con formista A celebração por John Kotter da consultoria como A corrosão do caráter 167 o ápice do comportamento empresarial flexível pressupõe que o consultor não deve nada a ninguém Tais atitudes são mais que preconceitos psicológicos O ataque ao estado assistência iniciado no regime neoliberal angloamericano e que agora se espalha para outras econo mias políticas mais renanas trata os dependentes do esta do com a desconfiança de que são parasitas sociais mais do que desvalidos de fato A destruição das redes assistenciais e dos direitos é por sua vez justificada como libertando a eco nomia política para agir com mais flexibilidade como se os parasitas puxassem para baixo os membros mais dinâmicos da sociedade Vêemse também os parasitas sociais como pro fundamente alojados no corpo produtivo ou pelo menos isso é o que passa o desprezo pelos trabalhadores aos quais se precisa dizer o que fazer que não tomam iniciativa por conta própria A ideologia do parasitismo social é um poderoso ins trumento no local de trabalho o trabalhador precisa mostrar que não está se aproveitando do trabalho dos outros Uma visão mais positiva da dependência antes de mais nada contestaria o lugarcomum da oposição dependência e independência Quase sem pensar aceitamos contrastar o eu fraco dependente com o forte e independente Mas como o contraste entre sucesso e fracasso essa oposição achata a realidade A pessoa realmente autosuficiente não se revela de modo algum tão independente quanto supõem os estereó tipos culturais observa o psicólogo John Bowlby na vida adulta a pessoa autosuficiente saudável é capaz de depen der de outras quando a ocasião exige e saber em quem con vém confiar134 Nas relações íntimas o medo de tornarse dependente de outra pessoa é uma falta de confiança nela em vez disso prevalecem nossas defesas Do mesmo modo em muitas sociedades pouca ou nenhu ma vergonha se ligou a experiências mais públicas de depen 168 Richard Sennett dência onde o fraco precisa do forte O antigo dependente romano pedia a seu protetor favores ou ajuda como uma coi sa natural e o protetor perdia prestígio se não pudesse cui dar dos que dependiam dele Louis Dumont e Takeo Dói do cumentaram como nas sociedades indiana e japonesa a de pendência não trazia igualmente nenhuma sugestão de humi lhação135 No início do capitalismo como mostrou Albert Hirschrnann a confiança nas relações comerciais surgiu pelo franco reconhecimento da dependência mútua que não é exatamente o mesmo que uma honrosa relação entre forte e fraco mas ainda um reconhecimento de que um só não basta para sustentarse Jacques Savary autor de Lê parfait négotiant do século dezessete declarava que a divina providência quer que os homens negociem entre si e portanto que a necessi dade mútua de ajudar um ao outro estabeleça laços de amiza de entre si136 E quando comerciantes admitem necessidade mútua observou Montesquieu um século depois o comér cio lustra e suaviza modos bárbaros137 Claro a necessidade mútua também governa as modernas transações comerciais se não há necessidade de outro não há troca E para a maioria das pessoas essa necessidade é de sigual porque no moderno mercado de mãodeobra a maio ria trabalha para outros A nova ordem não apagou o fato concreto da dependência a taxa de trabalho autônomo em tempo integral nos Estados Unidos por exemplo mantevese constante em cerca de 8 por cento nos últimos quarenta anos Um acentuado fracasso é a experiência pessoal que leva a maioria das pessoas a reconhecer que a longo prazo elas não se bastam O que mais impressiona na experiência dos pro gramadores da IBM é que acabaram falando claramente em fracasso sem culpa nem vergonha Mas esse resultado exigiu a presença de outros e aproximouos mais uns dos outros A conquista deles que não é uma palavra demasiado forte A corrosão do caráter 169 é ter chegado a um estado em que não se envergonhavam nem de sua necessidade nem de sua incompetência Uma visão positiva dos próprios limites e da dependência mútua parece ser mais da área da ética religiosa que da eco nomia política Mas a vergonha da dependência tem uma con seqüência prática Corrói a confiança e o compromisso mú tuos e a ausência desses laços ameaça o funcionamento de qualquer empreendimento coletivo Os problemas de confiança assumem duas formas numa a confiança simplesmente está ausente na outra há uma des confiança mais ativa dos outros O laço de confiança como vimos desenvolvese informalmente nas brechas e fendas das burocracias à medida que as pessoas aprendem de quem po dem depender Os laços de confiança são testados quando as coisas dão errado e a necessidade de ajuda se torna aguda Um dos motivos pelos quais os padeiros de Boston têm uma soli dariedade tão fraca é que ficam impotentes quando as máqui nas quebram Não acreditam que possam confiar uns nos outros numa crise e essa crença é correta Ninguém entende as máquinas as pessoas entram e saem em horários flexíveis têm outros empregos e responsabilidades Em vez de descon fiança mútua há uma falta de confiança não há base para ela A falta de confiança também pode ser criada pelo exercício flexível do poder Durante os anos de redução da IBM como observou Anthony Sampson a empresa passou uma falta de confiança aos empregados que sobreviveram dizendolhes que agora estavam por conta própria não eram mais seus filhos Isso manda um forte recado contraditório estamos todos unidos na crise por outro lado se não se cuidarem passare mos sem vocês Quando as pessoas acham vergonhoso estar em necessida de podem tornarse mais decididamente desconfiadas das outras Vejam a profunda ambivalência de Rose em relação às mulheres 170 Richard Sennett mais jovens em sua agência de publicidade Ir trabalhar na parte alta inaugurou uma crise sobre sua idade expressa na maneira corno se sentia em relação às roupas até à forma de seus óculos Tinha vergonha de sua aparência mas também de precisar ser tranqüilizada dependia das mais jovens para isso mas quando elas o faziam ela não acreditava Nos meses de conversa que tive com ela surgiu repetidas vezes a atitude condescendente des sas mulheres ela se concentrava muito mais em saber se podia realmente acreditar no que elas diziam e como se comportavam com ela do que se preocupava com o facilitador da equipe ao qual tratava apenas como uma piada Podese dizer que se trata apenas do orgulho ferido de uma pessoa mas eu acho que não O tom ácido das atuais discus sões das necessidades assistenciais direitos e redes de segu rança está impregnado de insinuações de parasitismo de um lado enfrentado pela raiva dos humilhados do outro Quanto mais vergonhoso nosso senso de dependência mais inclina dos estamos à raiva dos humilhados Restaurar a confiança nos outros é um ato reflexo exige menos medo de vulnerabilidade em nós mesmos Mas esse ato reflexo tem um contexto social As organizações que celebram a independência e a autonomia longe de inspirarem seus empregados podem despertar esse senso de vulnerabilidade E as estruturas sociais que não pro movem positivamente a dependência dos outros numa crise instilam a mais neutra e vazia falta de confiança Confiança responsabilidade mútua compromisso to das são palavras que acabaram sendo apropriadas pelo movi mento chamado comunitarismo Esse movimento quer for talecer os padrões morais exigir dos indivíduos que se sa crifiquem por outros prometendo que se as pessoas obede cerem a padrões comuns encontrarão uma força e realização emocional mútuas que não podem sentir como indivíduos iso A corrosão do caráter 171 lados O comunitarismo em minha opinião tem um direito de posse bastante dúbio em relação à confiança ou ao com promisso enfatiza falsamente a unidade como fonte de força numa comunidade e teme erroneamente que quando surgem conflitos os laços sociais sejam ameaçados Uma visão mais realista de como as comunidades se mantêm juntas aparece no clássico ensaio de Lewis Coser The Functíons of Social Conflictm Ele afirmou que as pessoas são mais ligadas pelo conflito verbal que pela concordância verbal pelo menos concordância imediata Em conflito elas têm de se esforçar mais para comunicarse como muitas vezes acontece nas negociações trabalhistas ou diplomáticas aos poucos as regras básicas da luta unem os partidos em contenda Coser observou que as diferen ças de opinião muitas vezes se tornam mais agudas e explícitas embora as partes possam acabar chegando a um acordo a cena do conflito tornase uma comunidade no sentido de que as pes soas aprendem a ouvir e responder umas às outras mesmo quando mais agudamente sentem suas diferenças Essa visão do nós comuna é muito mais profunda que a partilha muitas vezes superficial de valores comuns que com freqüência aparece no moderno comunitarismo ou na estáti ca declaração de Rico sobre valores de família Os laços cria dos pelo conflito interno estão muito distantes das declara ções defensivas de solidariedade comuna que caracterizam a reação ao deslocamento econômico hoje na opinião de Co ser não há comunidade enquanto não se reconhecem diferen ças dentro dela O trabalho em equipe por exemplo não re conhece diferenças em privilégio ou poder e por isso é uma forma fraca de comunidade supõese que todos os membros da equipe de trabalho partilham uma motivação comum e é exatamente essa suposição que enfraquece a verdadeira co municação Fortes laços entre as pessoas significam enfren tar com o tempo suas diferenças Rico teve literalmente 172 Richard Sennett muito pouco tempo em cada um dos lugares em que viveu para experimentar esse tipo de comunidade As opiniões pósmodernas do eu como as de Salman Rushdie enfatizam a ruptura e o conflito mas não a comunicação entre os eus fragmentados A visão de processo da comunidade re fletese mais nos atuais estudos políticos sobre democracia deliberada notadamente na obra de Amy Gutmann e Dennis Thompson em que se toma a expressão de desacordo em evo lução como unindo mais as pessoas que a simples declaração de princípios corretos139 O processo de conflito comunitá rio reflete na psicologia social dissonância cognitiva e aten ção focai numa comunidade a atenção focai é partilhada E há um curioso reflexo nessa visão do ataque de Adam Smith à rotina e em sua celebração da simpatia A rotina é uma ação repetitiva e portanto não tem história evolução a simpatia é uma súbita explosão de compreensão de outra pessoa que não vem diz Smith imediatamente mas só após um longo período de resistência ou percepção errônea A compreensão da comunidade como um processo em desdobramento no tempo apareceu na Enciclopédia de Di derot embora UAnglée não fosse cenário de conflito Os rit mos de tempo que Diderot celebrou ali mais tarde afirmados nos textos de Anthony Giddens sobre o hábito enfatizavam a evolução gradual como uma forma civilizada de mudança Os sociólogos da disputa e do confronto não acreditam que o confronto verbal constante seja incivilizado em vez disso forma uma base mais realista para a ligação entre pessoas de poder desigual ou com interesses diferentes Dirseia que esse tipo de comunidade pejada de conflito é exatamente o que um regime flexível deveria inspirar As rupturas de tempo a desorganização social que implica de vem obrigar as pessoas à articulação e negociação de suas diferenças mais do que provocar a cooperatividade superfi A corrosão do caráter 173 ciai do trabalho em equipe Mesmo que os superiores tentem se esquivar do confronto os subordinados estudados por Harley Shaiken e Laurie Graham devem buscálo Claro os que têm o poder de evitar responsabilidade tam bém têm os meios de reprimir a dissensão Fazem isso reprimin do o poder de voz como o chama Albert Hirschmann entre os trabalhadores mais velhos transformando a voz da experiên cia num sinal negativo de envelhecimento de que se está dema siado envolvido no modo como tudo se fazia antes Mas ainda assim por que algumas pessoas têm o desejo de voz por que estariam dispostas a continuar discutindo e deliberando mesmo em prejuízo próprio Não se pode restringir a decisão de conti nuar na luta ao senso de ofensa institucional ou lealdade ins titucional Saem feridos muitos mais do que os que choram Para imaginar comunidades dispostas a enfrentar o novo capitalismo devemos também pensar na força do caráter Foi por esses motivos que os programadores da IBM me parece ram os caracteres mais fortes que encontrei Assumiram juntos a responsabilidade por seus fracassos e insuficiências Isso lhes deu força também proporcionou um esquema narrativo para sua experiência Que espécie de coerência no tempo conseguiram Alguns filósofos franceses buscaram definir a disposição de permanecer na luta estabelecendo uma distinção entre maintien de sói manutenção de si e constance à sói fidelida de a si a primeira mantém uma identidade no correr do tem po a segunda invoca virtudes como honestidade consigo mes mo sobre os seus defeitos140 A manutenção de si é uma ati vidade mutável uma vez que nossas circunstâncias mudam e nossa experiência se acumula a fidelidade a si como em ser honesto sobre os próprios defeitos deve ser constante inde pendentemente do lugar ou idade em que nos encontremos Emmanuel Levinas tentou esclarecer porém que nconstance T 174 Richard Sennett à sói tem uma dimensão social em termos de ser responsável por outras pessoas Essa é uma idéia ao mesmo tempo muito simples e muito complexa Simples porque afirma que meu senso de valor próprio depende de os outros poderem contar comigo Complexo porque preciso agir responsavelmente mesmo que não me conheça e independentemente do grau de confusão ou despedaçamento de meu próprio senso de identi dade141 Isso não era abstração para Levinas durante a Segun da Guerra Mundial ele viu milhares de irmãos judeus france ses lutarem para agir confiavelmente uns com os outros diante da perseguição nazista e de Vichy embora a maioria antes não partilhasse uma forte identidade comum como judeus A idéia de responsabilidade e autoconstância de caráter de Levinas foi por sua vez desenvolvida pelo filósofo Paul Ricoeur da seguinte maneira Como alguém conta comigo eu sou res ponsável por minha ação perante outro142 Independentemente da vida errática que vivamos nosso mundo deve ser bom Mas Ricoeur afirma que só podemos seguir esse padrão imaginando constantemente que há uma testemunha para tudo que fazemos e dizemos e que além disso essa testemunha não é um observa dor passivo mas alguém que conta conosco Para sermos dignos de confiança devemos nos sentir necessários para nos sentir mos necessários esse Outro tem de estar em necessidade Quem precisa de mim é uma questão de caráter que sofre um desafio radical no capitalismo moderno O sistema irradia indiferença Faz isso em termos dos resultados do esforço hu mano como nos mercados em que o vencedor leva tudo onde há pouca relação entre risco e recompensa Irradia indiferença na organização da falta de confiança onde não há motivo para se ser necessário E também na reengenharia das instituições em que as pessoas são tratadas como descartáveis Essas práti cas óbvia e brutalmente reduzem o senso de que contamos como pessoa de que somos necessários aos outros A corrosão do caráter 175 Podese dizer que o capitalismo foi sempre assim Mas não do mesmo jeito A indiferença do antigo capitalismo ligado à classe era cruamente material a indiferença que se irradia do capitalismo flexível é mais pessoal porque o próprio sistema é menos cruamente esboçado menos legível na forma Enrico sabia onde estava os velhos padeiros gregos tinham imagens claras verdadeiras ou falsas de seus amigos e inimigos O velho hábito do marxismo era tratar a confusão como uma espécie de falsa consciência em nossas circunstâncias é um reflexo exato da realidade Daí a confusão pessoal hoje sobre a resposta à questão Quem na sociedade precisa de mim A falta de responsividade é uma reação lógica ao sentimen to de que não somos necessários Isso se aplica tanto às co munidades de trabalho quanto aos mercados de mãodeobra que demitem os trabalhadores de meiaidade As redes e equi pes enfraquecem o caráter o caráter como Horácio o des creveu pela primeira vez como ligação com o mundo como ser necessário aos outros Ou mais uma vez nos conflitos comunais é difícil nos engajarmos se nosso antagonista decla ra como o administrador da ATT Somos todos vítimas da época e do lugar Está faltando o Outro e assim estamos desligados As verdadeiras ligações feitas com outros pelo reconhecimento da incompreensão mútua são mais reduzidas ainda pelo comunitarismo e o protecionismo moral pelas claras afirmações daqueles valores partilhados pelo nós do trabalho em equipe de rala comunidade O filósofo HansGeorg Gadamer declara que o eu que somos não se possui a si mesmo podese dizer que o eu acontece sujeito aos acidentes do tempo e aos fragmentos da história Assim a consciência de si do indivíduo declara Gadamer é apenas um piscar do circuito fechado de vida histórica143 Esse é o problema do caráter no capitalismo moderno Há história mas não narrativa partilhada de difi 176 Richard Sennett culdade e portanto tampouco destino partilhado Nessas con dições o caráter se corrói a pergunta Quem precisa de mim não tem resposta imediata Nem a comunidade de pro gramadores pôde mais responder além de que precisavam dos outros em volta da mesa do River Winds Café Contudo tive uma espécie de epifania em Davos ouvindo os governantes do reino flexível Também para eles nós é um pronome perigoso Eles habitam confortavelmente a desordem econômica mas temem o confronto organizado Temem cla ro o ressurgimento dos sindicatos mas ficam aguda e pessoal mente desconfortáveis mexendose ou evitando olhar nos olhos ou retirandose para trás de anotações se obrigados a discutir as pessoas que em seu jargão foram deixadas para trás Sabem que a grande maioria dos que mourejam no regi me flexível é deixada para trás e claro que lamentam isso Mas a flexibilidade que festejam não dá não pode dar qualquer orientação para a conduta de uma vida comum Os novos se nhores rejeitaram carreiras no velho sentido inglês da palavra estradas pelas quais as pessoas podem viajar os caminhos de ação duráveis e constantes são territórios estrangeiros Pareceume portanto quando entrava e saía das salas de conferência passava pelo emaranhado de limusines e policiais nas ruas da aldeia montanhesa que esse regime poderia pelo menos perder o atual domínio que exerce sobre as imagina ções e sentimentos dos que estão embaixo Aprendi com o amargo passado radical de minha família se ocorre mudan ça ela se dá no chão entre pessoas que falam por necessida de interior mais do que por levantes de massa Que progra mas políticos resultam dessas necessidades interiores eu simplesmente não sei Mas sei que um regime que não ofere ce aos seres humanos motivos para ligarem uns para os ou tros não pode preservar sua legitimidade por muito tempo APÊNDICE Tabelas Estatísticas TABELA 1 EMPREGO POR INDÚSTRIAS ESCOLHIDAS COM PROJEÇÕES 1979 a 2005 INDÚSTRIA EMPREGO 1000 1979 Manufatura 21 Finanças seguro e bens imobiliários 4 Oferta de serviços pessoais Serviços de computação e processamento de dados 040 975 508 271 Governo federal 2773 Governo estadual e local 13174 1992 18040 6571 1649 831 2969 15683 2005 Proj1 17523 7969 2581 1626 2815 19206 TAXA DE CRESCIMENTO ANUAL 197992 12 22 95 90 05 14 19922005 Proj1 02 15 35 53 04 16 Com base em suposições de crescimento moderado Dados extraídos do Departamento de Censo dos EUA Resumo Estatístico dos Estados Unidos 1995 Washington DC 1995 p 417 178 Richard Sennett A corrosão do caráter 179 TABELA 2 DESIGUALDADE SALARIAL E DESEMPREGO 8 6 2 4 i l 2 Alemar ha França W 4 Itália i Japão Canadá Inglaterra Estados Unidos 8 4 0 4 8 12 Mudança na taxa de desemprego 198095 pontos percentuais Medida pela taxa dos ganhos do mais baixo decil salarial para o salário médio Fonte OECD 16 TABELA 3 AUMENTO DE PRODUTIVIDADE EM CINCO PAÍSES INDUSTRIALIZADOS 195086 PERÍODO FRANÇA ALEMANHA JAPÃO Aumento de PIB 195073 197379 197986 195073 197379 197984 195073 197379 197986 455 265 185 Aumento 501 383 324 Aumento de 593 490 350 499 278 158 por Pessoa 721 287 272 REINO ESTADOS UNIDO UNIDOS Empregada 253 130 171 196 003 082 de PIB por Hora Economia Total 583 391 188 PIB por 631 422 278 741 340 306 Hora Setor 948 539 547 315 218 295 de Manufatura 325 083 428 244 080 109 262 137 310 Extraído de Martin Neil Baily e Margaret M Blair Productivity and American Management em Robert E Litan Robert Z Lawrence e Charles L Schultze eds American Living Standards Threals and Challenges Washington DC Brookings Institute 1988 p 180 180 Richard Sennett TABELA 4 MEMBROS DE SINDICATOS NOS ANO FORÇADE TRABALHO1 1000 1940 32376 1945 40394 1950 45222 1955 50675 1960 54234 1965 60815 1970 70920 1975 76945 1980 90564 1985 94521 1990 103905 1991 102786 1992 103688 1993 105067 Não inclui emprego agrícola Dados extraídos de The World Almanac and the EUA 194093 MEMBROS DE PORCENTAGEM SINDICATOS 1 8717 14322 14267 16802 17049 17299 19381 19611 19843 16996 16740 16568 16390 16598 000 269 355 315 332 314 284 273 255 219 180 161 161 158 158 Book ofFacts 1995 Mahwah NJ 1995 p 154 A corrosão do caráter 181 TABELA 5 COMPOSIÇÃO POR IDADE E GÊNERO DA FORÇA DE TRABALHO E TAXA DE EMPREGO EM MEIO PERÍODO 1969 1979 e 19891 1969 1979 pop meio pop meio empreg per empreg per Todos 1621 128 406 140 417 Mulheres 2244 173 227 231 225 Mulheres 4564 132 225 113 244 Homens 2264 532 37 489 48 Todos 65 35 410 27 529 Total 1000 155 1000 176 1989 pop meio empreg per 103 463 277 219 116 238 478 67 26 524 1000 181 Inclui apenas trabalhadores nãoagrícolas empregados Extraído de Chris Tilly Short Hours Short Shrift The Causes and Consequences of PartTíme Employrnent in Virgínia L duRivage ed New Policies for the WortfoKe Armonk NJ M E Sharpe 1992 p 27 Partltme and Contingent 182 Richard Sennett TABELA 6 A ORGANIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO EM 1991 HORÁRIOS DE TRABALHO DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL Características Emprego Total Horários Diurnos Regiüares Trabalhadores de Turno Trabalhadores Total 1991 80452 Total 818 em horários flexíveis1 151 Total 178 Tarde 5 Noite 37 Rotativo 34 Sexo Homem Mulher 46308 34145 795 850 155 145 202 146 54 46 42 29 40 26 Raça e origem hispânica Brancos Negros Hispânicos 68795 8943 6598 826 760 803 155 121 106 171 233 191 46 84 64 34 56 46 33 47 27 Ocupação Chefias e liberais Técnica vendas administração Serviço ocupações Operadores fabricantes e trabalhadores braçais 22630 24116 8389 13541 896 859 571 734 221 177 105 73 100 138 425 262 16 35 147 86 14 24 87 68 18 27 79 48 O horário flexível permite aos trabalhadores variar a hora e o local onde trabalham Dados extraídos do Departamento de Censo dos EUA Resumo Estatístico dos Estados Unidos 199S OJshington DC 1995 p 410 A corrosão do caráter 183 TABELA 7 TRABALHADORES USANDO COMPUTADORES EM TRABALHOS DE ESCRITÓRIO 1993 TIPO DE APLICAÇÃO1 Categoria Nde Contabi Processador Comu Análise Bancos Editoração Vendas computa lidadeIn de Texto nicações Planilha de eletrônica e dores usa ventário Dados Televendas dos 1000 Sexo Homem 24414 411 452 394 352 253 181 407 Mulher 26692 316 448 381 338 196 145 478 RaçaEtnia Brancos 43020 372 Negros 4016 275 Hispânios 2492 291 Outros 1578 397 458 393 383 373 456 321 394 372 352 230 312 168 276 187 335 226 167 459 129 355 160 336 102 445 Grau de Instrução Sem se cundário completo 1190 191 Secundário completo 13307 237 Univer sitário in completo 11548 335 Diploma de adjunto 5274 375 Diploma de ba charel 13162 469 Diploma de mes trado 4628 479 Diploma de douto rado ou de professor 1999 428 544 204 222 99 206 160 525 294 258 133 176 308 495 385 339 206 180 409 470 397 347 217 149 416 400 451 415 288 170 548 293 485 419 353 104 638 279 459 392 283 52 665 lUma pessoa não pode ser contada em mais de uma aplicação Dados extraídos do Departamento de Censo dos EUA Resumo Estatístico dos Estados Unidos 1995 Washington DC 1995 p 430 184 Richard Sennett TABELA 8 GANHOS DE TRABALHADORES NA DÉCADA DE 1980 ATÉ TRÊS ANOS DEPOIS DE DEIXAR os EMPREGOS GANHOS PORCENTAGEM DE TRABALHADORES Não empregado quando pesquisado Ganhando menos de 80 dos ganhos anteriores Ganhando 8094 dos ganhos anteriores Ganhando 95104 dos ganhos anteriores Ganhando 105120 dos ganhos anteriores Ganhando pelo menos 120 dos ganhos anteriores TOTAL 27 24 10 11 10 18 100 Extraído de Departamento de Orçamento do Congresso Displaced Workers Trends in the 1980s and Implícatíons for the Future Washington DC Congress of the United States 1990 p xii TABELA 9 EMPREGO E EDUCAÇÃO EM 1990 E PROJEÇÃO PARA2005 1 Empregos que não exigem diploma universitário 2 Empregos que exigem diploma universitário 2a Emprego específico que exige diploma universitário executivo administrativo e chefia especialidades liberais técnicos representantes e supervisores de vendas todas as demais ocupações 3 Número total de trabalhadores 1990 810 190 55 96 10 18 09 122573000 2005 781 219 62 108 14 23 11 147191 de MUDANÇA 29 29 07 12 04 05 02 000 Fonte Departamento de Estatística do Trabalho Monthly LaborRewiew 115 7 julho de 1992 p 15 A corrosão do caráter 185 TABELA 10 MEMBROS DE SINDICATOS POR SETOR 19831994 SETOR 1983 1985 1990 1994 Total 1000 Trabalhadores sindicalizados no setor público Trabalhadores sindicalizados no setor privado 57372 57431 64850 70910 119802 112530 102548 96494 Porcentagem Trabalhadores sindicalizados no setor público 367 357 365 387 Trabalhadores sindicalizados no setor privado 165 143 119 108 Dados extraídos do Departamento de Censo dos EUA Resumo Estatístico dos Estados Unidos 1995 Vfeshington DC 1995 p 443 Notas 1 Citado emNew York Times 13 de fevereiro de 1996 pp Dl D6 2 Empresas como a Manpower cresceram 240 por cento de 1985 a 1995 Quando escrevo a Manpower com 600 mil pessoas em sua folha de pagamento comparadas com 400 mil na General Motors e 350 mil na IBM é hoje a maior empregadora do país 3 James Champy Reengineering Management Nova York HarperBusiness 1995 p 119 pp 3940 4 Walter Powell e Laurel SmithDoerr Networks and Economic Life em The Handbook of Economic Sociology Neil Smelser e Richard Swedberg eds Princeton Princeton University Press 1994 p 381 5 Ibid 6 Mark Granovetter The Strength of Weak Ties American Journal of Sociology 78 1973 136080 7 John Kotter TheNewRules Nova York Dutton 1995 pp 81159 8 Anthony Sampson Company Man Nova York Random House 1995 pp 22627 9 Citado em Ray Pahl After Success Fin de SiècleAnxiety and Identity Cambridge RU Polity Press 1995 pp 16364 10 A história dessas lâminas é a mixórdia editorial de sempre do século dezoito Diderot e seu coeditor dAlembert roubaram muitas delas de artistas antigos como Réamur ou contemporâneos como Patte Cf John LoughTheEncyclopédte Nova York McKay 1971 pp 8590 11 Herbert Applebaum The Concept ofWork Albany State University of New York Press 1992 p 340 12 Ibid p 379 13 AdamSmithTeWeaMcNaíios1776 Londres Methuen 1961 110912 14 Ibid 1353 15 Ibid 13023 16 Thomas Jefferson Writings ed Merrill D Peterson Nova York Library of America 1984 p 346 17 James Madison Memorial and Remonstrance Against Religious Assessements citado em Marvin Meyers ed TheMind oftheFounder ed rev Hanover NH University Press of New England 1981 p 7 188 Richard Sennett 18 Cf a excelente discussão em Barbara Adam Time and Social Theory Philadelphia Temple University Press 1990 pp 11213 19 Edward Thompson Time WorkDiscipline and Industrial Capitalism Past andPresent 36 1967 p 61 20 Stephen Meyer The Five Dollar Day Labor Management and Social Contrai in the Ford Motor Company 19081921 Albany State University of New York Press 1981 p 12 21 Citado em David Montgomery Workers Contrai in America Studies in the History ofWork Technology and Labor Struggles Cambridge RU Cambridge University Press 1979 p 118 22 Frederick W Taylor The Principies of Scientific Management Nova York W W Norton 1967 23 David F Nobel Forces of Production A Social History of Industrial Auíomation Nova York Alfred A Knopf 1984 p 37 24 Daniel Bell Work and Its Discontents em Bell The End ofldeology reed Cambridge Mass Harvard University Press 1988 p 230 25 Max Weber Economy and Society vol 2 ed Guenther Roth e Claus Wittich Berkeley University of Califórnia Press 1978 p 1156 26 Bell p 235 27 Ibidp233 28 Cf Anthony Giddens The Constitution of Society Outline ofa Theory of Structuration Cambridge RU Polity Press 1984 29 John LockeEssúry Conceming Human Understanding ed A C Fraser Nova York Dover 1959 145859 David Hume A Treatise of Human Nature emThe Philosophy ofDavidHume ed V C Chappell Nova York Modern Library 1963 p 176 30 Cf Edmund Leach Two Essays Conceming the Symbolic Representation of Time em Leach Rethinking Anthropology Lon dres Athlone 1968 pp 12436 31 Michael Hammer e James Champy Reengineering the Corporation Nova York Harper Business 1993 p 48 32 Eric K Clemons Using Scenario Analysis to Manage the Strategic Risks of Reengineering SloanManagement Review 364 Verão de 1995 p 62 33 Cf Scott Lash e John Urry TheEnd ofOrganized Capitalism Madison University of Wisconsin Press 1987 pp 196231 34 Os dois resultados foram comunicados em The New American Workplace Eileen Applebaum e Rosemary Batt Ithaca NY Cornell University Press 1993 p 23 35 Bennett Harrison Lean and Mean Nova York Basic Books 1994 PP 7273 36 Michael J Piore e Charles F Sabei The Second Industrial Divide PossibilitiesforProsperiíy Nova York Basic Books 1984 p 17 A corrosão do caráter 189 37 Deborah MotaesFlexibleProduction Restructuring of the International AutomobileIndustry Cambridge RU Polity Press 1994 p 6 38 Cf Michel Albert Capitalism Against Capitalism traduzido para o inglês por Paul Haviland Londres Whurr 1993 39 Rood Lubbers Globalization and the Third Way trabalho apre sentado ao Fórum sobre Democracia da Fundação Bertelsmann ou tubro de 1997 40 Simon Head The New Ruthless Economy New York Review of Books 29 de fevereiro de 1996 p 47 Tenho uma grande dívida com este excelente ensaio por sua clara explicação da desigualdade de renda 41 Paul Krugman The Right The Rich and the Facts American Prospect 11 Outono de 1992 pp 1931 42 Economist 5 de novembro de 1994 p 19 43 Alan Greenspan citado em Wall Street Journal 20 de julho de 1995 Robert Reich The Revolt of the Anxious Class discurso feito no Conselho de Liderança Democrática 22 de novembro de 1994 p 3 44 Cf Making Companies Efficient Economist 21 de dezembro de 1996 p 97 45 Harrison p 47 46 Dados sobre emprego de The Network Society de Manuel Castells vol l Oxford RU Blackwell 1997 pp 16263 Dados sobre gênero e renda de Trends in the Levei of Inequality of Wages and Incomes in the United States de David Card trabalho apresentado em conferência no Conselho do Trabalho 1997 47 Cf Lotte Bailyn Breaking the Mold Men Women and Ttme in the New Workplace Nova York Free Press 1993 48 Cf Genevieve Capowski The Joy of Flex Management Review American Management Association março de 1996 pp 1218 49 Jeremy Rifkin TheEnd ofWork Nova York Putnam 1995 50 Katherine Newman School Skill and Human Capital in the Low Wage World trabalho a ser apresentado em conferência próxima no Conselho do Trabalho 51 Stanley Aronowitz e William DiFazio TheJobless Future Minneapolis University of Minnesota Press 1994 p 110 52 Sherry Turkle Life on the Screen Nova York Simon Schuster 1995 primeira frase p 64 nota 20 da segunda frase p 281 53 Citado em Sherry Turkle Seeing Through Computers American Prospect 31 marçoabril de 1997 p 81 54 Ibid p 82 55 Ulrich Beck Risk Society traduzido para o inglês por Mark Ritter Londres Sage 1992 p 19 190 Richard Sennett 56 Cf Robertjohansen e Rob Swigart Upstzingthelndividualin theDownsized Organization Reading Mass AddisonWesley 1994 p 137 57 RichardSennett7fceFaoJFlWícMzNovaYork Knopf 1977 p 81 58 Citado em Peter Bernstein Agawsí the Gods TheRemarkable Story of Risk Nova York Wiley 1996 p 119 59 John Maynard KeynesA Treatise on Probability Londres Macmillan 1921 pp 34 60 Amos Tversky The Psychology of Risk emQuantifying theMarket Risk Premium Phenomenon forlnvestment Decision Making William Sharpe ed Charlottesville Institute of Chartered Financial Analysts 1990 p 75 61 Cf Daniel Kahneman e Amos Tversky Prospect Theory An Analysis of Decision under Risk Econometrica 472 1979 pp 26391 62 Bernstein p 272 63 Cf Ronald Burt Stntctural Holes The Social Structure ofCompetition Cambridge Mass Harvard University Press 1992 e em contras te James Coleman Social Capital in the Creation of Human Capi tal American Journal of Sociology 94 1988 pp S95S120 64 Manuel Castells TheNetworkSodety l Oxford Blackwell 1996 pp 21920 65 Cf Lash e Urry 66 Cf Rosabeth Moss Kantor When Giants Dance Nova York Simon Schuster 1989 67 Departamento de Estatística de MãodeObra Monthly Labor Review 1157 julho de 1992 p 7 68 Krugman citado no New York Times 16 de fevereiro de 1997 edi ção nacional seção 3 p 10 69 Felix Rohatyn Requiem for a Democrat discurso feito na Wake Forest University 17 de março de 1995 70 Cf Michael Young Meritocracy Londres Penguin 1971 71 Cf Robert Frank e Philip Cook The WinnerTakeAll Sodety Nova York Free Press 1995 72 Ibid p 101 73 Smith pp 107 109 74 Cf Gregory Bateson Steps to an Ecology ofMind San Francisco Chandler 1972 Leon Festinger Conflict Decision and Dissonance Stanford Calif Stanford University Press 1967 Richard Sennett The Uses of Disorder Nova York Knopf 1970 75 Cf Anne Marie Guillemard Travailleurs vieillissants et marche du travail en Europe in Travail et emploi setembro de 1993 pp 60 79 Meus agradecimentos a Manuel Castells pelo gráfico contendo estes números A corrosão do caráter 191 76 Castells p 443 77 Katherine Newman Falling from Grace Nova York Free Press 1988 p 70 78 Ibid p 65 79 Cf Albert Hirschmann Exit Voice Loyalty Cambridge Mass Harvard University Press 1970 80 Cf Jon Ckrke lan McLoughlin Howard Rose e Robin King The Process of Technological Change Cambridge RU Cambridge University Press 1988 81 The DownsizingofAmerica Nova York Times Books 1996 pp 78 82 OscarWtdeThePictureofDorianGrayLondresPenguin 1984p6 83 Hesíodo Works and Days traduzido para o inglês por A N Athanassakis Baltimore Johns Hopkins 1983 versos 41013 84 Hesíodo Works and Days versos 17678 citados em The Ancient Economy M I Finley 2a ed Londres Hogarth Press 1985 p 81 85 Virgílio Georgics 1318ff tradução minha 86 Ibid 2497ff 87 Pico delia Mirandola Oration on the Dignity ofMan traduzido para o inglês por Charles Glenn Wallis Nova York BobbsMerrill 1965 p 6 88 Ibid p 5 89 Ibid p 24 90 St Agostinho e Bispo Tyndale Citados em Renaissance SelfFashioning Stephen Greenblatt Chicago University of Chicago Press 1980 p 2 91 Minha interpretação de Lutero baseiase no soberbo comentário de Jaroslav Pelikan emReformation ofChurch and Dogma vol 4 de The Christian Tradition Chicago University of Chicago Press 1984 esp pp 12767 92 Ibid p 131 93 Cf Michel Foucault Discipline and Punish traduzido para o inglês por Alan Sheridan Nova York Pantheon 1977 94 Departamento do Trabalho dos Estados Unidos What Work Requires ofSchools A SCANS Report for America 2000 Washington DC 1991 95 Charles N Darrah Leaming and Work An Exploration in Industrial Ethnography Nova York Garland Publishing 1996 p 27 96 Ibid 97 Laurie Graham On the Line at SubaruIsuzu Ithaca NY Cornell University Press 1995 p 108 98 Ibid pp06ff 99 Gideon Kunda Engineering Culture Control and Commitment in a High Tech Corporation Filadélfia Temple University Press 1992 p 156 100 Darrah p 167 192 Richard Sennett 101 Graham p 116 102 Eileen Applebaum e Rosemary Batt The New American Workplace Ithaca NY Cornell University Press 1994 p 22 103 Hammer e Champy p 65 104 Citado no New York Times 13 de fevereiro de 1996 pp Dl D6 105 Harley Shaikin Work Transformed Automation and Labor in the ComputerAge Nova York Henry Holt 1985 p 82 106 Richard Rorty Contingency Irony and Solidarity Cambridge RU Cambridge University Press 1989 pp 7374 107 Ibid 108 Ibid p 91 109 Walter LippmannDriftandMastery Nova York Mitchell Kennerly 1914 p xvi 110 Ibid pp 196211 111 Cf Henry James The American Scene Bloomington Ind Indiana University Press 1968 112 Cf Edward Thompson TheMakingoftheEngIishWorkingClassNova York Vmtage 1978 113 Olivier Zunz Making America Corporate Nova York Oxford University Press 1990 114 Lippmann p 267 115 Ibid p 269 116 A melhor história geral da IBM é até hoeBigBlues The Unmakingof IBM Paul Carroll Nova York Crown Paperbacks 1993 117 Richard Thomas DeLamarter Big Blue IBMs Use and Abuse of Power Nova York Dodd Mead 1986 p 3 118 William Rodgers Think A Biography ofthe Watsons and IBM Nova York Stein and Day 1969 p 100 119 William Sampson Compawy Man Nova York RandomHouse 1995 p 224 120 Ibid p 256 121 Citado no New York Times 13 de fevereiro de 1996 pp D1 D6 122 MichelToucau Résumédescours 19701982 ParisJulliard 1989 p 123 tradução minha 123 JeanJacques Rousseau The Confessions traduzido para o inglês por J H Cohen Nova York Penguin 1954 p 26 124 Ibid p 126 125 Johann Wolfgang von Goethe Poetry and Truth traduzido para o inglês por R O Moon Washington DC Public Affairs Press 1949 p 692 126 Katherine Newman Falling from Grace The Experience ofDoumward Mobility in the American MiddleClass Nova York Free Press 1988 pp 9394 A corrosão do caráter 193 127 Friedrich Nietzsche Thus Spoke Zarathustra traduzido para o inglês por R J Hollingdale Londres Penguin 1969 p 163 128 Salman Rushdie Imaginary Homelands Londres Granta Books 1991 p 12 129 Cf Zygmunt üíumanPostmodernEthics Oxford Blackwell 1993 Mark Taylor Disfiguring Chicago University of Chicago Press 1993 130 William Mitchell City ofBits Cambridge Mass MIT Press 1995 p 28 131 Turkle Life on the Screen p 13 132 Fredric Jameson PostModernism or the Cultural Logic of Late Capitalism Chapei Hill Duke University Press p 90 133 Cf Saskia Sassen The Global City Princeton NJ Princeton University Press 1990 134 John Bowlby Separaíion Nova York Basic Books 1973 p 359 135 Cf Louis Dumont Homo Hierarchicus The Caste System and Its Implications traduzido para o inglês por Mark Sainsbury et ai Chi cago University of Chicago Press 1980 Takeo Dói TheAnatomy of Dependence traduzido para o inglês por John Bester Nova York Kodansha 1973 136 Jacques Savary Lê parfait négotiant Paris 1675 1713 p 1 137 Robert de Montesquieu Esprit dês Lois XX i 138 Cf Lewis Coser TheFunctions of Social Conflict Nova York Free Press 1976 139 Cf Amy Gutmann e Dennis ThompsonDemocracy andDisagreement Cambridge Mass Harvard University Press 1996 140 Tais distinções feitas por Jean Martineau se baseiam no conceito de SelbStandigkeit de Heidegger como ern Being and Time de Heidegger traduzido para o inglês por John MacQuarrie et ai Nova York Harper 1967 p 351 141 Emmanuel Levinas Otherwise Than Being traduzido para o inglês por A Lingis Haia M Nijhoff 1974 pp 180ff 142 Paul Ricoeur Oneself as Another traduzido para o inglês por K Blamey Chicago University of Chicago Press 1992 pp 16568 143 HansGeorg Gadamer PhilosophicalHermeneutics traduzido para o inglês por David Linge Berkeley University of Califórnia Press 1976 p 55 HansGeorg Gadamer Truth and Method traduzido para o inglês por Garrett Barden e John Cumming Nova York Seabury Press 1975 p 245 ríndice administração de programas de computador 56 64 administração desafios à 111 172175 mudança de 81 trei nadores 137138 flexível 18 19 35 41 64 101102 131 140 mãodeobra vs 46 5558 63 64 101102 132 140 153154 programas de computador para 55 63 tra balho de equipe e 131140 Agostinho Santo 120121 agricultura 118121 Âkerstrõm Malin 137 Albert Michel 61 alcoólatras 128 aleatório 95 102 103 Alemanha 109 alienação 10 ambição 17 9194 ansiedade 9 29 9293 106107 115 aposentadoria 14 111 130 Appelbaum Eileen 135 Applebaum Herbert 36 aprendizado de cor 35 Aronowitz Stanley 85 arquipélago de organização 23 64 arquitetos 8586 asceticismo leigo 118123125 130 139 asserção da vontade 30 42 Assim falou Zaratustra Nietzsche 158 assistência médica 61 Associação Americana de Adminis tração 57 Ate 95 atenção focai 105106 172173 ATT 22 136 150 175 atuação 3738 41 autônomos 168169 autoridade 21 26 29 99 113 114 129130 136139 Bailyn Lotte 67 bairros residenciais 1415 1920 Balzac Honoré de 94 Bateson Gregory 107 Batt Rosemary 135 Bauman Zygmunt 159 Beauvoir Simone de 75 Beck Ulrich 94 Bell Daniel 46 49 59 68101 bemestar 28 67 170 Beneditinos 40 Bernoulli Daniel 95 Bernoulli Jacob 95 96 Bernstein Peter 98 Beruf 144 Bill for Establishing Religious Freedom Jefferson 42 Blum Leon 145 Bowlby John 167 196 Richard Sennett Bunnell Sterling 45 Bunyan John 161 buracos estruturais 99102 esva ziamento 64 burocracia descentralizada 18 19 29 56 64 66 disciplinada 46 flexibilidade vs 910545865 144151 169 do governo 63 67 hierarquia da 46 47 153 risco e 9899105106166 es tabilidade e 14 23 3233 77 estagnação e 17 35 5051 54 58 113114 Burt Ronald 99 100 ciclo comer cial 226465 empresas peque nas 91 zunzum 91 92 128 Califórnia Management Review 110 Calvino João 124 130 Cândido Voltaire 38 capital impaciente 2129 social 100 oferta de 154155 capitalismo antipatia do esteta por 143 comunidade e 163167 175176 flexível 910100139 140 144146 175176 indus trial 35 4344 48 6970 142 144145 167168 174175 paternalista 146147 149150 159 estado 62 ética do trabalho e 123 125126 capitalistas 7172 80 caráter classe e 7576 83 comu nidade e 161162 163176 corrosão do 4142 98 175 176 definição de 10 natureza ética do 10 30 história pessoal e 42145 personalidade vs 10 risco e 9495 9899106 139 140 autoconstância de 175 176 ética do trabalho e 117 119 123 139 carreiras definição de 9 143 175176 fracasso e 14246 ex tensão de 109110 relocação e17212230101104184 ver também empregos Carroll Paul 150 Castells Manuel 100 109 castigo 126127 catolicismo 123124 Champy James 22 56 114 mudança conseqüências de 3133 flexibilidade e 5459 129136 irreversível 5657 139140 narrativa e 157158 abertura para 17 129 necessidades pes soais e 176177 tecnológica 111115 caos 9596 99100 118119121123 choque cultural 9294 CííyoBíísMitchell 160 classe caráter e 7577 83 consciên cia de 7578 83 87 definição de 7576 83 divisões de 87 etnicidade e 7678 83 88 mãodeobra e 7677 visão marxista de 76 81 raça e 15 16 28 76 78 81 83 status e 1516 75 78144 ver também classe média classe operária classe média definição de 7583 fra casso e 141 144 158 status e 144 valores da 1415 mulheres da 6667 crise da meiaidade 90 classe operária etnicidade e 7679 83 88 117118 Clemons Erik 57 Cobb Jonathan 11 13 76 Coleman James 99 comerciantes 434454106167 168 compromisso 10 2427 3233 72 8283 165 170171 176 A corrosão do caráter 197 computadores colapso de 8491 indústria de 146162 163 165169170 173174176 empregos influenciados por 18 19 4950 60 79 8292 183 mainframe 154 pessoal 65 147 154 computerassisted design CAD 85 87 comunhão 55 comunicação conflito e 111 res ponsabilidade e 136137 infor mação especializada e 127128 comunidades capitalismo e 163 167 174176 caráter e 155 156 161162 163176 local 1920 competição 125 132 141 147 comunismo 132 comunitarismo 170 confiança 24 95 167171 Confissões Rousseau 157 Confissões Santo Agostinho 121 conformismo 129 conservadorismo 2829 constance à sói 173 consumismo 2258597588125 contratos 18 22 9293 128 129 148149 controle 1819 2833 8081 contadores 1819 contrato social 153 Cook Philip 105 106 cooperação 118119 133134 137 corporações cultura de 107 151 154155 169170 fusão de 5556 organização de 2122 29 ofertas públicas de 24 reinvenção de 5759 6364 corretores de ações 101 Coser Lewis 171 criados 143144 crianças trabalho de 3637 40 110 relocação e 30 valores aprendidos por 2021 27 29 3133 cristianismo 121127 culpa 31 141 167169 Darrah Charles 132 134 Davos Suíça 6973 88 94 100 139 176 Defert Daniel 3637 democracia 75 dependência mútua 166170 depressão 97 140 desagregação vertical 5657 63 64 desemprego 75 178 desorientação 100104 desqualificar 112 destruição criativa 32 48 94 Diderot Denis 3541 4951 55 172 DiFazio William 85 dispensa por doença 47 dissonância cognitiva 106107 172 Dói Takeo 168 Dole Elizabeth 131 domus 37 Dostoievski Fiodor 98 DriftandMasteryÇLippmann 142 146 Dumont Louis 168 economia flexibilidade de 10 60 131 global 2122 6465 151 153 154155163 modelos de 6164 educação 13 1516 35 7273 104 138139 184 Economist The 62 email 19 68 198 Richard Sennett empregados responsabilidade de 135139143152155156 de fábrica 1317 5758 136137 experiência de 107115 117 131 tempo integral 6667 leal dade de 1024262794113 114146147 150 173 de meiaidade 5657 90 9394 107115 146 148 160161 172174175 moral de 5758 150151 sem sindicato 8182 meio período 6667 7879 181 relocação de 1720 101 102 consciência própria de 53 54 8283 8788 173176 vigilância de 19 6768 tempo rário 22 de escritório 5758 136138 183 emprego 6264 177 178 empregos categorias de 100101 mudança de 1718 22 101 103 184 computadorizaçáo e 181949506079808287 183 definição de 9 143144 famílias e 132025283031 4065687778 mercado para 6264 102105 113 ver tam bém empregados empresários 3133 4849 54 94 142 175176 empresas de capital de risco 17 empresas de consultoria 182021 25 5657 112114 148149 166167 Enciclopédia Diderot 3539172 engenharia racional 46 engenheiros 8586 111114 Enrico nome fictício 1317 18 2021 27 28 3031 49 77 117 139 Ensaio sobre o entendimento huma no Locke 53 entrada de dados 2324 4950 escuta 118 131132 171 espontaneidade 4142 5354 68 80 estabilidade 29 Estados Unidos como sociedade sem classes 7576 economia dos 6263 resultados salariais imprevisíveis 100101 103 104 estoicismo 121 estudos de movimento do tempo 4546 Ética protestante e o espírito do capi talismo A Weber 122126 etnicidade 7679 8384 88 117 118 Everts Rodney nome fictício 81 84 102 fábrica de Hawthorn 46 fábrica de Highland Park 44 56 113 fábrica de papel de LAnglée 36 39 50 172 fábrica de SubaruIsuzu 134 135 137 fábricas de alfinetes 454850 63 64 6668 76 88 fábricas de automóvel 5960114 117118 134 135 139 fábricas de papel 3639 5051 172 fácil de usar 84 117 família autoridade na 2021 25 27 29 flexibilidade e 2527 empregos e 13 20 2527 30 31 36 6669 7778 mitos de 1516 valores do 177 fastfood restaurantes 75 8485 faxineiros 1314 21 26 férias 47 A corrosão do caráter 199 Festinger Lionel 107 Fibonacci Leonardo 9596 Fichte Johann Gottlieb 15 Flavia nome fictício 13 18 66 flexibilidade 5373 idade e 107115 burocracia vs 91054 58 65 66144151169 capitalismo e 910 100 139140 143146 174176 mudança e 5460 129 136 compromisso e 71 72 8283 175 controle e 29 33 6768 definição de 53 da economia 10 72 131 elemen tos de 5466164 famílias e 25 27 fragmentação e 7273 na administração 1819 29 63 65 101102 131140 liberda de pessoal e 54 6770 7280 aspecto político da 6064 na produção 54 5965 68 102 147 risco e 53 7273 88 94 95 105115 rotina vs 5051 54 consciência própria e 5354 8284 8788 aptidão vs 84 87 especialização e 59 7879 trabalho de equipe e 127128 129 139140 tecnologia e 60 7879 flexitempo 6669 7879 82 Ford Motor Company 44 114 Ford Henry 44 Fortuna 95 Fórum Econômico Mundial 6973 88 Foucault Michel 126 fracasso 141162 carreiras e 142 146 conseqüências do 9194 128130 deriva e 142 146 158160 medo de 149152 160 165 classe média e 141 143 158 narrativas de 141 146 154155 169 173174 176 responsabilidade por 153 162 risco e 8994 106107 154155 sucesso versus 141142 tabus do 141158 vitimização e 141 153 158 França 109 Frank Robert 105 106 Franklin Benjamin 125 Functions of Social Convict The Caser 171 Fundamentos da lei nacional 15 Gadamer HansGeorg 175 Gates Bill 7172 83 General Electric 46 General Motors 4649 101 Geórgicas Virgílio 120 germanoamericanos 45 Gerstner Louis 147 152153 Giddens Anthony 50 55 172 Goethe Johann Wolfgang von 157158 governo burocracia do 5564 controle pelo 28 6164 142 GrãBretanha 62 109 114 Graham Laurie 134135 137 172 Grande Depressão 14 33 Granovetter Mark 25 grecoamericanos 7677 81 83 88 117118 Guerra Civil espanhola 70 Gutmann Amy 172 Hammer Michael 56 136 Harrison Bennett 22 65 Head Simon 62 Hesíodo 119122 142 hierarquia lógica da 4647 hipotecas 48 Hirschmann Albert 111168173 Hoccleve Thomas 32 200 Richard Sennett Holanda 62 homem motivado 125126130 138 142 homo faber 121 126 Horácio 10 146 Hume David 53 Hidden Injuries ofClass The Sennett eCobb 11 13 75 IBM 146162 165 169170 imigrantes 14 76 142144 152 índia 151 153 154 169170 individualismo 75 125 130 135 145 167168 170176 indolência 121123 indústria automobilística 4348 5960114117118134135 138 140 informação partilha da 132 espe cializada 127128 Instituições Calvino 124 instituições sociais 5459 68102 118 145 164 Instituto de Tecnologia de Mas sachusetts 86 Internet 71 155 investimentos financeiros 95 irlandoamericanos 1516 ironia 138 Israel 61 Itália 59 61 ítaloamericanos 7779 James Henry 143 Jameson Fredric 160 Japão 6062 66 135 Jason nome fictício 148 151 jaula de ferro 14 Jeannette nome fictício 1718 30 66 68 Jefferson Thornas 42 Jesus Cristo 122 Jim nome fictício 154155 jogador O Dostoievski 98 jogo 9699 Kahneman Daniel 96 97 Kantor Rosabeth Moss 101 Keynes John Maynard 96 Kim nome fictício 155 Kotter John 166 Krugman Paul 62 105 152 Kunda Gideon 134 Lash Scott 57 Leach Edmund 55 lealdade 10 2427 3132 113 114 146147 149150 173 Lean and Mean Harrison 64 Leidner Robin 134 Levinas Emmanuel 173 LiberAbaci Fibonacci 95 liberdade pessoal 54 6770 72 73 liderança 106 129130 132134 141 linha de montagem 5960 135 Lippmann Walter 142146 154 155 157 159 161162 livre empresa 9 3840 67 Lloyds 95 Locke John 53 Lubbers Ruud 62 lucro 4344 5051 5658 135 147 Lutero Martinho 123124 130 Madison James 42 maestria 131146 Máfia 7678 maintien de sói 173 Mann Thomas 69 mãodeobra ligação e 8284 ba rata 3638 82 84 102 110 A corrosão do caráter 201 148 infantil 3738117 classe 78 esquemas comprimidos de 67 aviltante 53 7984 117 126 a visão de Diderot 3539 41 4951 55 106 172 digni dade do 104 divisão do 3944 45 78 eficiência 4546 56 69 empenho no 7588 120 139 140164173 feminino 1317 18 6668 83 estrangeiro 150 153 154 157 159 165166 doméstico 40 42 7881 legibilidade do 80 localização do 6768 159161 163166 longo prazo 19212467171 administração vs 46 5557 58 77 6465 101103 139 140 153 braçal 143144 visão marxista do 49 mecanização do 45 7879 80 8386 117 169 substituição 56 ritmo do 9899 100 43 5556 rotina no 3551 54 6869 123172 curto prazo 25 28 9899 126127 131 132 148 quali ficado 3145 7678818492 104105 113115 118 153 a visão de Smith 35 39105 45 46 48 49 53 54 63 68 88 106 172 especializado 44 59 78 padrões de 153 154 164 173175 oferta de 103105 150 152 153 154 174 não qualificado 8388 105 ver também empregos máquinas 45 78 79 8386 117 169 marcas 64 Marx Karl 43 49 82 marxismo 497781105142175 Mayo Elton 46 McDonaWs restaurantes 85 mediação 129 130 139140 médicos 152 medo 96 149151 152 meninos de mina 110 mercados de ações 2229 71 mercados motivado pelo consumi dor 21 livre 9 38 39 61 glo bal 21 65 crescimento de 42 emprego 64 75 102 103 105 115 nichos em 59 responsividade para 50 79 imprevisibilidade de 54 59 vencedor leva tudo 105106 141 174 Meritocracy Young 105 metas longo prazo 10 21 curto prazo 10 2128 Meyer Stephen 44 Microsoft 71 147 Mill John Stuart 54 106 Mitchell William 160 mobilidade ascendente 1417 20 21 76 100 mobilidade descendente 158 moças de fábrica 110 modelo angloamericano 6164 167 modelo do Reno 6164 montanha mágica A Mann 69 Montesquieu 168 Morales Deborah 59 mudanças laterais ambíguas 100 103 não há longo prazo 22242533 narrativas 14 24 31 49 9798 124140 de fracasso 142143 146 155 157162 168 173 175 natureza 119120 130 negros 15 28 76 79 81 83 202 Richard Sennett neoliberalismo 62 neutralidade 137 NewYorkTimeslU Newman Katherine 85 110 158 Nietzsche Friedrich 158 Noble David 44 nós 165166 176 ofertas públicas iniciais 24 ofícios 7677 Oração sobre a dignidade do homem Pico delia Mirandola 121 orfanatos 28 29 organização de rede 23556599 163164 175 padarias 367588101104117 118 140 164 169 175 papel 3639 5051 77 172 alfi netes 4044 6364 6669 76 88 Paradoxo sobre o ator Diderot 37 38 parasitas sociais 17 28167 170 parfait négotiant Lê Savary 168 patrões 132136 140 151 Paul nome fictício 148151155 pensões 14 61 77 Pequena Biblioteca Lenin 71 perdas retrospectivas 100 103r 104 Pico delia Mirandola Giovanni 121 124 130 139 142 145 PilgrimsProgressEinyan 161 Piore Michael 59 poder concentração de 546466 6869 164 submissão ao 68 69 trabalho de equipe e 130 132139 Powell Walter 23 preconceito social 107115 167 predestinação 124125 pressão dos colegas 135136 Princípios da economia política Mill 54 probabilidade 9596 produção computadorizada 60 flexível 5459646869102 147 164 trabalho de equipe e 135 produtividade 46 5051 5758 141 179 produto interno bruto PIB 58 produtos marca 65 fácil de usar 88 variedade de 59 147 programa SIMS 56 64 programadores computador 146 162 163 165 169 173174 175176 protestantismo 123126 Providência 124 publicidade agências 9094 97 98 104 107115 117 126 131 170 qualificações 44 77 81 85 87 105 114 118 131 143144 153 raça 1516 28 7779 81 83 ratos de shopping centers 21 29 realização cumulativa 14 3132 55 rede de segurança 61 170 rede 18 19 90105 128129 redução 18 31 5657 69 101 136 141 174175 reengenharia 5657 59 110111 136 141 Reengineering the Corporation Hammer and Champy 56136 Regiment ofPrinces TfreHoccIeve 32 regressão ao mal 96 97 A corrosão do caráter 203 relógios 40 remover camadas 56 64 Renascimento 121 reorganização da pirâmide 29 55 60 6566 9899 101 responsabilidade 2930124135 139 145 153162 173 Retrato deDorían Gray 0117 retreinamento 113114 Rico nome fictício 13 42 98 111114 117 140 141 160 166 171 Ricoeur Paul 174 riqueza criação de 94 transferên cia de 105 Riqueza das nações A Smith 35 3944 risco 89115 idade e 94107115 ambigüidade e 94 100 ansie dade e 993106107115 bu rocracia e 9899105106166 cálculo de 9599 caráter e 94 95 99 106 140 cultura do 102166167 definição do 95 96 desorientação e 100104 fracasso e 8994 106107 154 165 medo de 96 flexibili dade e 5051 7280 88 94 95 105115 necessidade de 17 29 psíquico 122 troca de vasos imagem para 9495 re compensa e 174175 social produções de 94 Rockefeller John D 71 Rohatyn Felix 105 Rorty Richard 138 Rose nome fictício 89949798 102 107115 117 126130 140 170 rotina 3540 46 81 123 172 Rousseau JeanJacques 157 Rushdie Salman 159 171 Sabei Charles 59 79 sacerdotes 55 salários desigualdade de 6263 104 178 baixos 82 8485 102 110 151 tendência no 100101 104 184 Sampson Anthony 149 169 Sanchez Arturo 12 Savary Jacques 168 Schumpeter Joseph 33 48 94 Second Industrial Divide The Piore and Sabei 59 Secretarys Committee on Achieving Necessary Skills SCANS 132 Segunda Guerra Mundial 14 33 sensações 5354 sexualidade 27 Shaiken Harley 137 173 SimCity 87 simpatia 434450515468173 sindicatos de trabalhadores 1419 234755727779101141 169 180 sinos igreja 40121 Smith Adam 454649516364 68 86 89 106 172 sobrevivência 134 149150 151 socialismo 55 solução de problemas 107 Sonho Americano 13 19 sorte 98 status 1516 75 79 144 Stendhal 94 Structural Holes Burt 99 successo fracasso versus 141142 medição de 9194 superficialidade 8788 117118 127 129130 136 139140 tabelas estatísticas 12 24 50 69 70 177185 Tagwerk 43 68 204 Richard Sennett tamanho lógica do 4647 Taylor Frederick W 45 Taylor Mark 159 tecnologia mudança na 111115 flexibilidade e 60 79 cresci mento de 22 575872 conhe cimento de 111116 televisão 27 tempo métrico 4649 55 tempo continuidade de 5455 eclesiástico 40 121 flex 66 68 79 82 fragmentação do 2228 7273 117 histórico 122 linear 1316 17 22 32 mecânico 40 métrico 4649 55 organização do 1819 22 40 48 50 81 121123 124 126 rotina e 35 3839 qualifi cações e passagem do 114 es paço e 40 Teoria dos sentimentos morais A 42 43 Thompson Dennis 172 Thompson E E 43 143 Thurow Lester 152 Tocqueville Alexis de 75 tomada de decisão 2930 60100 111 146147 trabalhadores de escritório 1819 Trabalhadores e os dias Os Hesíodo 119 trabalho de equipe 24 27 118 126140 170 176 flexibilida de e 126129139 administra ção e 131140 poder e 130 133139 produção e 141 ética do trabalho e 126140 traição 137 148151 153 157 Tratado sobre a natureza humana Hume 53 Treatise on Probability Keynes 96 Tucídides 119 Turkle Sherry 86 160 Tversky Amos 96 Tyndale William 122 United Auto Workers 48 Upsizing the Individual in th e Down sized Corporate Johansen and Swigart 94 Urry John 57 Vale do Silício 1719155 valores comuns 175176 família 166171 fixos 29 perda de 19 20 29 classe média 15 social 10 2829 ensino de 2021 26 29 32 classe operária 1317 velhice 14 4748 114 131 140 vitimizaçáo 136 137 141 148 151 153 175 vietnamitaamericanos 7879 82 83 133 Virgílio 120 122139142 vodca 126129 Voltaire 38 voz 111 173 vulnerabilidade 156 170 Watson Thomas Jr146 WatsonThomasSr 146147157 Webb Beatrice 145 Webb Sidney 145 Weber Max 14 118 122126 142 144 Weisskopf Victor 86 Wilde Oscar 117 Wyatt Companies 57 Young Michael 105 Zunz Olivier 144 Este livro foi composto na tipologia Classical Garamond em corpo 1114 e impresso em papel offwhite 80gm2 no Sistema Cameron da Divisão Gráfica da Distribuidora Record Seja um Leitor Preferencial Record e receba informações sobre nossos lançamentos Escreva para RP Record Caixa Postal 23052 Rio de Janeiro RJ CEP 20922970 dando seu nome e endereço e tenha acesso a nossas ofertas especiais Válido somente no Brasil Ou visite a nossa home page httpwwwrecordcombr compreender nossas dúvidas dentro do contex to político e social e sugere que precisamos recriar tanto o caráter da comunidade quanto o do indivíduo para que possamos enfrentar uma economia baseada no princípio de sem com prometimentos a longo prazo A partir de entrevistas com executivos demitidos da IBM em Nova York funcionários de uma padaria ultramoderna em Boston e muitos outros Sennett estuda os efeitos deso rientadores do novo capitalismo Ele revela o intenso contraste entre dois mundos de traba lho aquele da rigidez das organizações hierárquicas no qual o que importava era um senso de caráter pessoal e que está desapare cendo e o admirável mundo novo da reenge nharia das corporações com risco flexibili dade trabalho em rede e equipes que traba lham juntas durante um curto espaço de tempo no qual o que importa é cada um ser capaz de se reinventar a toda hora Richard Sennett é autor de Carne e pedra ensaio publicado pela Record O declínio do homem público e The Hidden Injuries of Class com Jonathan Cobb A corrosão do cará ter foi escolhido pela revista Business Week como um dos dez melhores livros de 1998