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Cursos Gerais ·
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Outros conhecidos estudos sobre a presença do negro na literatura brasileira tendem a confirmar esses dados apontando personagens inexpressivas com participações breves e pouco marcantes ou carregadas de elementos que reafirmam estigmas raciais Podemos perceber tais características em clássicos como O Cortiço de Aluísio de Azevedo em que a icônica Bertoleza é tratada de modo submisso e animalesco enquanto Rita Baiana sustenta os estereótipos da mulata sedutora Ou A Escrava Isaura de Bernardo Guimarães em que a personagem atravessa afrontas e brutalidades dos senhores por meio do branqueamento Desse modo representações eurocêntricas e estereotipadas existentes desde o século XVI são evidenciadas e perpetuamse enquanto referências históricas estabelecendo hegemonicamente a perspectiva branca e violentando até hoje as raízes da negritude Por outro lado embora historiografias da literatura brasileira ignorem outras vozes existiram Autoras e autores negros não se deixaram calar e aproveitaramse de brechas ainda que a estrutura racista desfavorecesse suas produções É assim que identificamos ainda no século XIX nomes como Domingos Caldas Barbosa 17381800 Maria Firmina dos Reis 18221927 Luís Gama 18301882 Machado de Assis 18391908 Cruz e Souza 18611898 que sobreviveram ao esquecimento e à invisibilização O papel da escola Em 2003 com a promulgação da lei 10639 institucionalizase então a presença da literatura afrobrasileira nas salas de aulas visando o trabalho com produções que tenham uma abordagem mais sensível às múltiplas existências A escola consequentemente tem um papel indispensável Os recursos didáticopedagógicos tanto por questões políticosociais quanto pela qualidade do material devem ter uma abordagem crítica e que inclua diferentes perspectivas Esse caminho é fundamental para a construção de um currículo apropriado amplo que evite os perigos das histórias únicas Se até pouco tempo a instituição escolar tem sido um espaço difusor de representações negativas sobre negras e negros GOMES 2005 é fundamental que assuma o compromisso de valorizar os grupos historicamente discriminados para o conjunto da comunidade escolar e que crie condições para que todas as pessoas reconheçam a si e ao outro como detentores de experiências positivas CARREIRA e SOUZA 2013 p 40 Do ponto de vista da formação do leitor literário na escola o trabalho em sala de aula com produções afrobrasileiras comprometidas com práticas antirracistas possibilita também o reconhecimento pelas alunas e alunos de figuras negras positivadas Dentre as muitas possibilidades essa prática incentiva também a discussão sobre questões raciais o rompimento do silenciamento histórico além de possibilitar a maior circulação de autores pouco conhecidos no mercado editorial Assim o trabalho com essa temática em sala de aula é acima de tudo uma ação de cidadania fortemente entrelaçada aos debates antirracistas contemporâneos oriundos de ações que visam desconstruir os efeitos da estrutura opressora sobre a população negra possibilitando uma positivação na esfera das relações raciais e da própria constituição da identidade da população negra Disponível em httpswwwescrevendoofuturoorgbrblogliteraturaemmovimentoliteraturaafrobrasileira Acesso em 03042023 Por que trabalhar literatura afrobrasileira na escola Geni Guimarães Quando buscamos relembrar as aulas em que personagens negrasos apareceram ao longo de nossa vida escolar frequentemente pensamos na escravidão ou em contos folclóricos Hoje enquanto professorases refletimos será que estudantes negrasos se sentiam representadaos por aquelas figuras Como será crescer vendo imagens que se parecem com você apenas em capítulos sobre o sofrimento e a exploração Que referências estudantes brancos terão sobre aos colegas Como construirão suas relações a partir desses exemplos Na tentativa de reverter esse quadro o Movimento Negro por décadas criou estratégias e pressionou o Estado de modo que em 2003 foi sancionada a Lei 10639 que altera a LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação ao incluir obrigatoriamente o ensino das histórias e culturas africanas e afrobrasileiras nos currículos escolares do ensino fundamental e médio Desse modo os cursos superiores principalmente os de formação de professores deveriam também adequarse para contemplar os aspectos citados na lei Essa legislação atende reivindicações históricas de movimentos sociais por uma pedagogia comprometida com a luta antirracista Em decorrência em 2004 o Conselho Nacional de Educação estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana em que Literatura assim como História do Brasil e Educação Artística consta como componente curricular que deve em especial contemplar sistematicamente as diretrizes orientadas pela lei Assim nos vimos obrigadaos a pensar por que é tão importante falarmos desse assunto Se não tivemos aulas sobre este tema na universidade como poderemos ensinálo E mais como dar conta de trabalhar temas tão polêmicos e que podem ter repercussões inesperadas Com tantos desafios muitas vezes nos sentimos paralisadaos e evitamos incluir a Literatura Afrobrasileira em nossos planejamentos Para então reforçar a importância desse trabalho vamos começar nossa conversa retomando alguns aspectos da história da literatura brasileira Um breve olhar sobre o lugar de negraos na literatura brasileira Em primeiro lugar é notável que as participações da população negra no cânone se dão majoritariamente enquanto tema raramente negras e negros são enunciadores de suas histórias Tal característica por si só já soa insatisfatória mas tornase ainda mais grave quando relembramos a composição da população brasileira Em 2019 segundo a Pnad Contínua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua divulgada pelo IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística negraos pretaos e pardaos eram maioria representando 562 da população os brasileiraos que se declaravam brancaos eram 428 Sabendo disso por que conhecemos tão poucaos autoraes negraos Buscando hipóteses que justificassem tamanha ausência o professor e pesquisador Eduardo de Assis Duarte 2008 destaca os séculos de escravidão e discriminação sustentada mesmo após a abolição por meio de políticas de extermínio e de negação de direitos básicos como saúde e educação como principais fatores para a construção de um imaginário de superioridade e dominação impondo limites à cultura e identidade da população negra e impossibilitando que contassem suas próprias histórias Consequentemente a maior parte das obras literárias são construídas a partir de um ponto de vista branco e acabam evidenciando um olhar carregado de estereótipos que não contemplam a complexidade de sujeitos negros Em pesquisa acerca da produção literária do Brasil e dos modelos sociais que a constroem Regina Dalcastagnè 2005 elaborou uma espécie de perfil do escritor brasileiro homem branco heterossexual de classe média e do Sudeste Sobre as personagens 939 são brancas em sua maioria homens 621 e heterossexuais 81 Aos 79 de personagens negros estão relegados papeis como bandidos ou contraventores 204 empregadosas domésticosas 122 ou escravizados 92 Destes apenas 58 são protagonistas e 27 narradores
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Outros conhecidos estudos sobre a presença do negro na literatura brasileira tendem a confirmar esses dados apontando personagens inexpressivas com participações breves e pouco marcantes ou carregadas de elementos que reafirmam estigmas raciais Podemos perceber tais características em clássicos como O Cortiço de Aluísio de Azevedo em que a icônica Bertoleza é tratada de modo submisso e animalesco enquanto Rita Baiana sustenta os estereótipos da mulata sedutora Ou A Escrava Isaura de Bernardo Guimarães em que a personagem atravessa afrontas e brutalidades dos senhores por meio do branqueamento Desse modo representações eurocêntricas e estereotipadas existentes desde o século XVI são evidenciadas e perpetuamse enquanto referências históricas estabelecendo hegemonicamente a perspectiva branca e violentando até hoje as raízes da negritude Por outro lado embora historiografias da literatura brasileira ignorem outras vozes existiram Autoras e autores negros não se deixaram calar e aproveitaramse de brechas ainda que a estrutura racista desfavorecesse suas produções É assim que identificamos ainda no século XIX nomes como Domingos Caldas Barbosa 17381800 Maria Firmina dos Reis 18221927 Luís Gama 18301882 Machado de Assis 18391908 Cruz e Souza 18611898 que sobreviveram ao esquecimento e à invisibilização O papel da escola Em 2003 com a promulgação da lei 10639 institucionalizase então a presença da literatura afrobrasileira nas salas de aulas visando o trabalho com produções que tenham uma abordagem mais sensível às múltiplas existências A escola consequentemente tem um papel indispensável Os recursos didáticopedagógicos tanto por questões políticosociais quanto pela qualidade do material devem ter uma abordagem crítica e que inclua diferentes perspectivas Esse caminho é fundamental para a construção de um currículo apropriado amplo que evite os perigos das histórias únicas Se até pouco tempo a instituição escolar tem sido um espaço difusor de representações negativas sobre negras e negros GOMES 2005 é fundamental que assuma o compromisso de valorizar os grupos historicamente discriminados para o conjunto da comunidade escolar e que crie condições para que todas as pessoas reconheçam a si e ao outro como detentores de experiências positivas CARREIRA e SOUZA 2013 p 40 Do ponto de vista da formação do leitor literário na escola o trabalho em sala de aula com produções afrobrasileiras comprometidas com práticas antirracistas possibilita também o reconhecimento pelas alunas e alunos de figuras negras positivadas Dentre as muitas possibilidades essa prática incentiva também a discussão sobre questões raciais o rompimento do silenciamento histórico além de possibilitar a maior circulação de autores pouco conhecidos no mercado editorial Assim o trabalho com essa temática em sala de aula é acima de tudo uma ação de cidadania fortemente entrelaçada aos debates antirracistas contemporâneos oriundos de ações que visam desconstruir os efeitos da estrutura opressora sobre a população negra possibilitando uma positivação na esfera das relações raciais e da própria constituição da identidade da população negra Disponível em httpswwwescrevendoofuturoorgbrblogliteraturaemmovimentoliteraturaafrobrasileira Acesso em 03042023 Por que trabalhar literatura afrobrasileira na escola Geni Guimarães Quando buscamos relembrar as aulas em que personagens negrasos apareceram ao longo de nossa vida escolar frequentemente pensamos na escravidão ou em contos folclóricos Hoje enquanto professorases refletimos será que estudantes negrasos se sentiam representadaos por aquelas figuras Como será crescer vendo imagens que se parecem com você apenas em capítulos sobre o sofrimento e a exploração Que referências estudantes brancos terão sobre aos colegas Como construirão suas relações a partir desses exemplos Na tentativa de reverter esse quadro o Movimento Negro por décadas criou estratégias e pressionou o Estado de modo que em 2003 foi sancionada a Lei 10639 que altera a LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação ao incluir obrigatoriamente o ensino das histórias e culturas africanas e afrobrasileiras nos currículos escolares do ensino fundamental e médio Desse modo os cursos superiores principalmente os de formação de professores deveriam também adequarse para contemplar os aspectos citados na lei Essa legislação atende reivindicações históricas de movimentos sociais por uma pedagogia comprometida com a luta antirracista Em decorrência em 2004 o Conselho Nacional de Educação estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana em que Literatura assim como História do Brasil e Educação Artística consta como componente curricular que deve em especial contemplar sistematicamente as diretrizes orientadas pela lei Assim nos vimos obrigadaos a pensar por que é tão importante falarmos desse assunto Se não tivemos aulas sobre este tema na universidade como poderemos ensinálo E mais como dar conta de trabalhar temas tão polêmicos e que podem ter repercussões inesperadas Com tantos desafios muitas vezes nos sentimos paralisadaos e evitamos incluir a Literatura Afrobrasileira em nossos planejamentos Para então reforçar a importância desse trabalho vamos começar nossa conversa retomando alguns aspectos da história da literatura brasileira Um breve olhar sobre o lugar de negraos na literatura brasileira Em primeiro lugar é notável que as participações da população negra no cânone se dão majoritariamente enquanto tema raramente negras e negros são enunciadores de suas histórias Tal característica por si só já soa insatisfatória mas tornase ainda mais grave quando relembramos a composição da população brasileira Em 2019 segundo a Pnad Contínua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua divulgada pelo IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística negraos pretaos e pardaos eram maioria representando 562 da população os brasileiraos que se declaravam brancaos eram 428 Sabendo disso por que conhecemos tão poucaos autoraes negraos Buscando hipóteses que justificassem tamanha ausência o professor e pesquisador Eduardo de Assis Duarte 2008 destaca os séculos de escravidão e discriminação sustentada mesmo após a abolição por meio de políticas de extermínio e de negação de direitos básicos como saúde e educação como principais fatores para a construção de um imaginário de superioridade e dominação impondo limites à cultura e identidade da população negra e impossibilitando que contassem suas próprias histórias Consequentemente a maior parte das obras literárias são construídas a partir de um ponto de vista branco e acabam evidenciando um olhar carregado de estereótipos que não contemplam a complexidade de sujeitos negros Em pesquisa acerca da produção literária do Brasil e dos modelos sociais que a constroem Regina Dalcastagnè 2005 elaborou uma espécie de perfil do escritor brasileiro homem branco heterossexual de classe média e do Sudeste Sobre as personagens 939 são brancas em sua maioria homens 621 e heterossexuais 81 Aos 79 de personagens negros estão relegados papeis como bandidos ou contraventores 204 empregadosas domésticosas 122 ou escravizados 92 Destes apenas 58 são protagonistas e 27 narradores