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COMPORTAMENTO ANIMAL Maria Emília Yamamoto Gilson Luiz Volpato Organizadores 2ª Edição 2 SUMÁRIO Prefácio Adalberto Val Prólogo Maria Emília Yamamoto Gilson Luiz Volpato Prólogo à segunda edição Maria Emília Yamamoto Gilson Luiz Volpato Cap 1 Percorrendo a história do estudo do comportamento animal origens e influências Maria Emília Yamamoto Cap 2 Ciência e Comportamento Animal Gilson Luiz Volpato Cap 3 Métodos de Estudo do Comportamento Eliane Gonçalves de Freitas Silvia Mitiko Nishida Cap 4 Causas Próximas e Causas Distais na Compreensão do Comportamento Animal Renata Gonçalves Ferreira Cap 5 Neurociência Cognitiva Alfredo Pereira Júnior Cap 6 Bases Neurobiológicas do Comportamento Anette Hoffmman Percilia Cardoso Giaquinto Cap 7 Ritmos Biológicos Nelson Marques Luís MennaBarreto Cap 8 Comunicação Charles T Snowdon Cap 9 Cognição Animal Briseida D Resende e Patrícia Izar Cap 10 Cooperação Animal Regina H F Macedo Cap 11 Agressão Felicity Ann Huntingford SathyabamaChellappa Cap 12 Reprodução Maria Bernadete Cordeiro de Sousa Hélderes Peregrino da Silva Cap 13 Emoções 3 Kastumasa Hoshino Cap 14 Comportamento Humano Vera Silvia Raad Bussab Fernando José Leite Ribeiro Emma Otta Cap 15 Bemestar Animal Donald Broom Cap 16 Práticas para o Ensino do Comportamento Animal Arrilton Araújo Fívia de Araújo Lopes Maria de Fátima Arruda Gilson Luiz Volpato 4 PREFÁCIO A Ciência tem percorrido caminhos jamais previstos Revela as entranhas do inimaginável explica o inexplicável matiza o que nos cerca Mais a Ciência contribui a passos largos para desvendar os segredos que nos constroem para desvendar de onde viemos e para onde vamos Projeta o futuro a partir dos efeitos que a nossa vida moderna tem causado sobre o ambiente Alertanos acerca do que deveríamos moderar quanto à nossa expansão unilateral sobre aquilo que não nos pertence Não se trata de fé cega na Ciência mas do único caminho possível do caminho que permite a co existência dos que fazem e dos que não fazem Ciência Os fatos podem ser interpretados de forma diferente pelos diferentes atores uma vez que a Ciência não é neutra mas jamais podem ser tomados para sempre sem os questionamentos metodológicos que permitem sua validação Nem o mais singelo jeito de ser do homem dos bichos e das plantas pode ser escondido da Ciência O estudo do comportamento do homem e dos bichos revela a fragilidade de cada um e de todos os organismos que interagem num mundo mutável num mundo ao mesmo tempo em construção num mundo em que os processos de codificação de comportamentos estão por serem explicitados O que dizer do que foi escondido nos ambientes que se construíram e evoluíram ao longo dos milhões de ano de existência da vida O que dizer dos peixes que estão ora misturados a um mundo quase desconhecido o mundo aquático ora enterrados no lodo que o suporta e parece ter dado origem a um mundo que a biologia busca entre outros conhecer Ainda que muitos pensem estar os recursos naturais todos disponíveis para nosso uso neste momento não estamos sós Neste mundo cohabitam e cohabitarão gente bichos e plantas que têm formas e jeitos que conhecemos quase nada formas jeitos e comportamentos que podem ser profundamente influenciados por nossas ações e reações Ações e reações que definem o que restará intacto para ser estudado No que tange ao comportamento a sensibilidade às nossas ações e reações são mais críticas pois há um mosaico de fatores que determinam os comportamentos de tudo e de todos Este livro reflete um esforço sem precedentes de dois colegas que buscaram reunir em torno de uma questão central da Biologia o Comportamento Animal cientistas com experiência singular São doze capítulos que nos tiram o fôlego 5 que projetam uma luz para além da Biologia Mexem com o eu pois explicitam como se comportam os animais Mexem com o eu de cada um nós por que comportamento também se compara e se questiona Mexem com o nosso eu porque evoluímos mas nossa diferenciação enquanto se deu a passos largos do ponto de vista morfológico não aconteceu tão significantemente no que tange ao comportamento Descrevemos de forma mais profunda o comportamento dos bichos do que o nosso próprio e isso tem nos permitido conhecer melhor Conhecendo como se comportam os bichos nos conhecemos Não não porque somos iguais aos bichos mas por que a Ciência permite derivar o que vamos explicitando de forma metodologicamente correta A isto se propõe esta bela contribuição busca nos limites do conhecido em raros exemplos da natureza em observações delicadamente planejadas em laboratório as explicações para o Comportamento Animal Adalberto Luis Val Biólogo INPA AM 6 PRÓLOGO O estudo do comportamento animal é uma área de pesquisa e investigação consolidada na Europa e nos Estados Unidos que tem suas raízes na teoria da evolução de Charles Darwin e mais recentemente na Etologia proposta por Lorenz Tinbergen e von Frisch Desde então essa área cresceu e se diversificou dando origem a várias disciplinas e abordagens de investigação entre elas a própria Etologia a Ecologia Comportamental a Neuroecologia a Psicologia e a Ecologia Fisiológicas a Psicologia Evolucionista a Neurociências entre outras No Brasil os primeiros estudos foram iniciados na década de 1960 pelo Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo a partir do qual se irradiou para vários pontos do país A mesma diversificação observada nos países europeus e nos Estados Unidos repetiuse aqui As várias sociedades científicas hoje existentes no Brasil refletem essa diversificação como a Sociedade Brasileira de Etologia a Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento antiga Sociedade Brasileira de Psicobiologia Sociedade Brasileira de Psicologia Sociedade Brasileira de Sociologia Sociedade Brasileira de Sono Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana entre outras No entanto essa pujança de grupos e investigações não se repete na produção de livros Nossa produção de livros sobre comportamento animal é ainda muito modesta e contrasta com o acelerado incremento dos estudos científicos nessa área aqui no Brasil Alguns livros foram traduzidos como Ecologia Comportamental de Krebs e Davies Explicando o Comportamento Animal de Marian Dawkins O Estudo do Comportamento Animal de Aubrey Manning Etologia de Renné Chauvant etc Como produção própria no entanto os livros de abordagem geral não existem sendo os títulos geralmente restritos a uma área ou abordagem O presente livro vem preencher essa lacuna na literatura brasileira relativa ao estudo do comportamento animal com capítulos que abrangem as várias orientações desta área de investigação compreendendo o comportamento animal em seu formato mais contemporâneo e multidisciplinar Cientistas representativos de suas áreas de especialização escreveram cada um dos capítulos usando em muitos casos suas próprias pesquisas para ilustrarem os conceitos principais da área Os autores estrangeiros 7 convidados pesquisadores de reconhecimento internacional e relevância incontestável mantêm todos vínculo com o Brasil através da colaboração com pesquisadores brasileiros e o estudo de espécies nativas do Brasil dessa forma contemplando a forte ênfase de se buscar produções nacionais ou a ela ligadas Consideramos também algumas características da estrutura deste livro como relevantes A linguagem é acessível para todos iniciantes e aqueles já familiares com a área sem deixar de lado a precisão e o rigor científico A estrutura básica do livro compreende 14 capítulos sendo um introdutório sobre os rudimentos históricos do estudo do comportamento animal no Brasil dois capítulos sobre as bases filosóficas e metodológicas da pesquisa nessa área seguem três capítulos onde se discute as bases neurobiológicas do comportamento os seis capítulos seguintes apresentam tópicos específicos ao estudo do comportamento animal e um último capítulo trata sobre o bemestar animal excursionando sobre o lado aplicado desses estudos e finalmente o último capítulo apresenta algumas sugestões de aulas práticas que serão úteis ao professor Essa estrutura reflete evidentemente a seleção dos editores para esta ampla área mas uma seleção que procurou incluir uma amostragem significativa dos tópicos e abordagens Ressaltamos no entanto que procuramos não nos manter atrelados a um único viés do estudo do comportamento defendendo assim uma concepção mais holística necessária para se entender o que por que e como os animais se comportam A disseminação de escolas mais fechadas na abordagem do comportamento animal pode distorcer a visão dos iniciantes levandoos a acreditar que o comportamento animal pode ser visto pó r um único ângulo Ao contrário tratase de uma área de síntese onde conhecimentos de bioquímica morfologia fisiologia evolução e ecologia interagem em estudos experimentais ou não de campo ou laboratório na tentativa de se conhecer as razões mais íntimas do comportamento animal É essa abordagem geral e ampla que dá força e beleza ao estudo do comportamento animal Maria Emília Yamamoto Gilson Luiz Volpato 8 PRÓLOGO À SEGUNDA EDIÇÃO É com grande satisfação que apresentamos à comunidade acadêmica a segunda edição do livro Comportamento Animal Quando ele foi lançado em 2007 não havia no Brasil um livro didático que abordasse a maior parte das questões relativas ao tema Fomos pioneiros neste sentido Tivemos a satisfação de ver a primeira edição esgotada e nosso livro utilizado em disciplinas de graduação nas ciências biológicas e na psicologia e como literatura de referência em processos de seleção na pósgraduação Acreditamos ter atingido nosso objetivo de oferecer à comunidade acadêmica um manual amplo consistente e de qualidade para o ensino do comportamento animal Porém como todo manual este também dever ser atualizado constantemente Com isso esperamos atender melhor aos leitores que nos prestigiam com sua utilização professores e estudantes Acreditamos também que esta segunda edição traz aperfeiçoamentos em relação à primeira Os capítulos foram em sua maioria revisados e atualizados um deles bem estar animal foi reescrito por outro autor e três novos capítulos foram adicionados O primeiro deles atende à necessidade de incluir de forma mais extensa a análise das quatro questões de Tinbergen no estudo do comportamento fundamental para todo estudante da área O segundo sobre cognição animal aborda um tema que ganha cada vez mais ênfase no estudo do comportamento trazendo resultados extremamente inovadores E finalmente o capítulo sobre ecologia comportamental trata da questão do forrageio e alimentação abordando o tema tanto do ponto de vista de estudos de campo quanto de cativeiro Esperamos que a continuidade desta iniciativa servirá de estímulo àqueles que se entusiamam com as questões do comportamento animal Não é nossa intenção apresentar uma visão única do estudo do comportamento e por essa razão demos liberdade aos diversos autores para mostrar seus olhares sobre os animais É exatamente esse perfil variado que dá à abordagem do comportamento animal um universo mais desafiador Enquanto disciplinas específicas procuram manter suas raízes e entender focos específicos do comportamento como a própria etologia a neurociências a ecologia comportamental entre outras este livro procura mostrar principalmente ao iniciante os vários caminhos que poderá percorrer Aos mais experientes talvez um momento de reflexão sobre a unicidade de um processo tão global quanto o comportamento Ele expressa a interface entre histórias evolutivas longínquas e 9 também experiências muito recentes na incrível dança das espécies num mundo em contínua mudança Entre um sistema digestório complexo e os sítios alimentares do ambiente é imperativo haver o comportamento alimentar Entre os sofisticados aparelhos reprodutores e os parceiros sexuais a interface é comportamental A próprias genética se beneficia ao mesmo tempo que influencia muitos aspectos do comportamento Mais ainda os universos psicológico fisiológico farmacológico e morfológico dos animais se entrelaçam e convergem muitas vezes no comportamento colocando esse mundo em conexão estreita com o meio que o cerca A leitura dos diversos capítulos cada um ao seu modo mostra exatamente isso Ao final como não poderia faltar questões educacionais e ligadas ao ensino do comportamento são estimuladas Agradecemos a todos que mais uma vez se propuseram a estimular esta obra seja atuando direta ou indiretamente na sua construção Em particular agradeço ao Dr Rodrigo Egydio Barreto que aceitou mesmo que numa situação difícil o desafio de traduzir o capítulo sobre bemestar animal Agradecemos também a todos os autores que nos responderam em tempo recorde para a revisão de seus capítulos já presentes na primeira edição ou a redação de novos que foram incluídos nesta segunda edição Esperamos que você leitor aproveite e se beneficie desta edição tanto quanto nós o fizemos ao organizálo Maria Emília Yamamoto Gilson Luiz Volpato 10 Capítulo 1 PERCORRENDO A HISTÓRIA DO ESTUDO DO COMPORTAMENTO ANIMAL ORIGENS E INFLUÊNCIAS Maria Emilia Yamamoto emiliayamamotouolcombr Departamento de Fisiologia Centro de Biociências Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Natal RN Brasil 11 INTRODUÇÃO O interesse do homem pelo comportamento animal data de quando nossa espécie ainda vivia em cavernas Informações sobre os hábitos de predadores e presas e a maneira de lidar com espécies que pudessem ser úteis eram extremamente importantes e estavam ligadas à própria sobrevivência dos indivíduos Exemplos mais recentes como as fábulas de Esopo e as Just So Stories de Rudyard Kipling codificam morais sobre o comportamento humano através de histórias de animais Também não é incomum na linguagem atual o uso de termos relativos a animais para exprimir características humanas como burro gata fera galinha etc Desnecessário dizer que esses termos geralmente não fazem jus ao animal que representam A interação dos homens com os animais e o interesse em seu comportamento têm acompanhado a própria história humana Porém por que estudar o comportamento animal O crescimento da área nos últimos anos Snowdon 1999 Alcock 2003 demonstra que este é um campo do conhecimento científico que adquiriu uma importância inegável O reconhecimento de sua importância foi explicitado de forma inegável na justificativa de concessão do Prêmio Nobel a Nikolaas Tinbergen Karl von Frisch e Konrad Lorenz em 1973 por tirar o estudo do comportamento do beco sem saída em que se encontrava à época Mas o estudo do comportamento não é relevante apenas pelo que tem produzido e pelas questões que têm sido esclarecidas de interesse para os pesquisadores da área Sua relevância também pode ser medida pelas importantes contribuições a outras áreas do conhecimento Snowdon 1999 destaca cinco áreas para as quais o estudo do comportamento animal fez contribuições importantes 1 A compreensão do comportamento humano A diversidade de comportamento de espécies e populações animais tem servido de base para o estudo e a compreensão do comportamento humano Dois exemplos bastante conhecidos são os estudos de Harlow Harlow Suomi 1974 com macacos e de Seligman Seligman Beagley 1975 com ratos sobre estresse e privação social O modelo do desamparo aprendido desenvolvido por Seligman através da apresentação de um choque inevitável a ratos é hoje considerado um modelo clássico de ansiedade e depressão Vollmayr Henn 2003 com aplicação a humanos Shors 2004 Os estudos de Harlow sobre privação social de macacos Resos em idade precoce tiveram grande influência sobre teorias de apego e desenvolvimento infantil 12 2 A neurobiologia A observação do comportamento pode fornecer informações importantes sobre processos cognitivos e correlatos de atividade cerebral Higley Highley Linnoila 1997 desenvolveu um modelo com macacos resos para a investigação do funcionamento do sistema serotonérgico e sua relação com comportamentos indicativos de dominância e impulsividade Os resultados mostraram de forma consistente que baixos níveis de serotonina no sistema nervoso central estão correlacionados com alta agressividade falta de controle isolamento social e habilidades sociais diminuídas Highley mostrou também que experiências precoces têm um efeito sobre a expressão desses comportamentos ressaltando a interação entre genes e o meio ambiente Estudos mais recentes mostram que essa relação também é verdadeira para humanos e que a serotonina tem influência sobre o humor o comportamento social Young Leyton 2002 e os níveis de impulsividade Crean et al 2002 3 A conservação do meio ambiente e o manejo de recursos naturais Animais são importantes indicadores ecológicos e o acompanhamento de seu comportamento permite avaliar riscos ao ambiente mais precocemente do que indicadores tradicionais como diminuição na taxa reprodutiva e no tamanho de populações Não só desse ponto de vista que o estudo do comportamento é importante Medidas conservacionistas precisam além do conhecimento sobre a ecologia e a genética das espécies ameaçadas também saber como o animal se comporta Trabalhos de reintrodução de animais ameaçados ao seu habitat natural necessitam de um programa de acompanhamento e treinamento intensivo para alcançar uma taxa de sobrevivência que nos casos bem sucedidos variou entre 34 e 71 Beck et al 1991 As dificuldades enfrentadas por esses animais vão da defesa e identificação de predadores a escolha de habitat procura e processamento de alimento locomoção e escolha de parceiro Shumway 1999 O conhecimento anterior do comportamento dessas espécies é necessário para que os animais possam ser treinados a enfrentar tais dificuldades O mesmo é verdadeiro para o manejo de populações selvagens o planejamento de reservas de conservação a redução de conflitos homemanimais e a criação bemsucedida em cativeiro 4 O bemestar animal Há uma história tristemente famosa na primatologia de um grupo de babuínos hamadrias selvagens que foi levado a um zoológico alemão para exibição ao público Na época meados do século XX esses animais eram completamente desconhecidos e o procedimento padrão de alojamento foi utilizado um número semelhante de machos e fêmeas foi alojado em um mesmo local O que se seguiu depois foi uma verdadeira guerra machos iniciaram uma disputa cruenta pelas fêmeas causando morte entre eles e entre as fêmeas em disputa Trabalhos posteriores principalmente de Hans Kummer 1984 em ambiente natural e no laboratório mostraram que esses animais tinham uma organização social extremamente complexa constituída de quatro níveis famílias clãs bandos e tropas A unidade básica as famílias é formada por um macho adulto ao menos uma mas em geral duas ou três fêmeas e 13 suas crias Há uma hierarquia entre os machos mas quando um macho dominante observa uma unidade familiar isto é ele associa um macho a uma fêmea ele respeita a ligação do par e não disputa a fêmea Na situação descrita acima o desconhecimento do comportamento e ecologia da espécie resultou em um comportamento aberrante que poderia ser evitado caso o alojamento dos animais fosse feito respeitando suas características específicas Uma questão mais emergente referese à pesca esportiva onde se inclui a prática do pesqueesolte na qual se pesca o peixe ele é retirado da água e posteriormente devolvido à água Essa prática pressupõe que esses animais não sintam dor uma conclusão que não se sustenta frente a uma abordagem mais ampla sobre os animais Volpato 2000 Como a dor é uma percepção que não é fácil de ser evidenciada nos animais não humanos a descrição comportamental foi fundamental Num desses estudos por exemplo Sneddon 2003 mostrou que um estímulo químico nocivo 01 ml de ácido acético 01 em salina estéril colocado nos lábios da truta arcoíris fazia esses animais balançarem o corpo apoiados na nadadeira peitoral rasparem os lábios contra o substrato e paredes do aquário e dobrarem a freqüência ventilatória Porém esses peixes aboliram essas reações comportamentais quando antes do estímulo doloroso recebiam dose de morfina um potente analgésico Outros estudos também corroboram essa idéia e hoje podem servir de norteamento para se abolir o pressuposto básico da prática da pesca esportiva Balon 2000 Chandroo 2004 Sneddon et al 2003ab Sneddon 2004 Como visto o conhecimento do comportamento é fundamental para que a criação em cativeiro e o tratamento com os animais sejam feitos de forma ao mesmo tempo eficiente e que atenda às necessidades dos animais 5 A educação em ciência e a atração para a carreira científica A atratividade desta área de pesquisa é uma porta de entrada para a carreira científica para muitos jovens com potencial Dados de Snowdon 1999 mostram que até 75 de alunos de graduação em biologia interessase em cursar disciplinas de comportamento animal nos EUA e no Reino Unido mesmo quando elas não são obrigatórias Minha experiência na Universidade Federal do Rio Grande do Norte sugere que este tipo de atração pela área também ocorre aqui no Brasil em alunos de Biologia e Psicologia O estudo do comportamento animal é feito atualmente por várias disciplinas e com objetivos diferentes embora complementares Como Laland e Brown 2002 sugerem o estudo do comportamento requer a investigação de questões amplas que incluam não apenas aquelas relativas a como o comportamento se desenvolve durante o período de vida de um indivíduo mas também as relativas à evolução do comportamento Essa amplitude de questões de investigação veio dar origem ao longo 14 do tempo a várias disciplinas científicas Um olhar na história do estudo do comportamento animal permite entender como isto veio a ocorrer O modelo teórico que abre a possibilidade do estudo do comportamento animal do ponto de vista evolutivo é proposto por Charles Darwin em seu livro A Origem das Espécies 18591981 Nele Darwin propõe a teoria da evolução1 através da seleção natural2 que parte do pressuposto que há uma continuidade entre todos os seres vivos o homem aí incluído3 Isso já havia sido proposto por Aristóteles com sua Scala Naturae porém ele via a evolução como uma escada com o homem em seu topo O grande mérito de Darwin foi descartar a linearidade e propor uma estrutura ramificada a árvore da vida nascida de uma única raiz evoluindo e diversificandose em inúmeros ramos evolutivos As diferenças perdem neste caso a conotação de grau ou status de melhor e pior de perfeito e imperfeito sem perder sua relação histórica com a raiz da vida Em um livro posterior A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais 18732000 Darwin faz descrições do comportamento de animais de forma anedótica como era o costume da época Essas descrições ilustravam seu ponto de vista de que as mentes de homens e animais mostravam diferenças apenas de complexidade e que portanto era possível compreender a mente e as emoções humanas através do estudo de animais George Romanes protegido e posteriormente assistente de pesquisa de Darwin pode ser considerado o fundador do estudo do comportamento animal em função de seus estudos do comportamento principalmente de invertebrados usando como pano de fundo a teoria da seleção natural Outros cientistas se interessaram pela área e desenvolveram estudos no final do século XIX e início do século XX como Herbert Spencer Jennings Ivan Pavlov Edward L Thorndike e T SchjelderupEbbe cujo estudo sobre a ordem das bicadas em galinhas deu origem ao conceito de dominância 1 A teoria da evolução propõe que as espécies hoje existentes evoluíram a partir da modificação genética de seus ancestrais através de alterações graduais e pelo mecanismo da seleção natural Após a formulação de Darwin várias adições foram propostas como as mutações neutras o efeito do fundador a deriva genética e a exaptação 2 A seleção natural é um processo através do qual indivíduos mostram sobrevivência eou reprodução diferencial Para que a seleção natural ocorra três condições devem ser satisfeitas a a população em que esse indivíduo se encontra deve mostrar variação genética b essa característica de base genética deve ser transmitida através da hereditariedade c algumas das variações devem prover vantagens reprodutivas eou de sobrevivência ao seu portador 3 Darwin desenvolveu a teoria da seleção natural sem qualquer conhecimento das leis mendelianas da genética o que torna o seu feito ainda mais notável Rose 1998 relata que após a morte de Darwin foi encontrado entre seus papéis uma correspondência com a cópia do trabalho de Mendel com ervilhas ainda por abrir Fica a cargo de nossa imaginação o que poderia advir desse encontro de idéias 15 Após a morte de Darwin a influência de sua teoria perdeu força Darwin e a teoria da evolução permaneceram mais ou menos esquecidos mesmo no início do século XX quando as leis de Mendel foram redescobertas O renascimento da doutrina darwinista coincide com dois movimentos aparentemente irreconciliáveis que sacudiram a psicologia entre 1930 e 1940 um deles claramente ligado à proposta darwiniana a etologia nascida na Europa e a psicologia comparada ou experimental com raízes nos Estados Unidos As duas abordagens tinham pontos de partida opostos mas a grande batalha travouse fundamentalmente sobre a questão do desenvolvimento Enquanto que os etólogos enfatizavam o papel da natureza do biológico os psicólogos consideravam que os comportamentos eram fundamentalmente aprendidos É claro que quando os pontos de partida são tão diferentes também o serão os procedimentos as condições de coleta de dados as questões estudadas e inevitavelmente os resultados obtidos Então enquanto os etólogos preferiam estudar uma ampla variedade de animais mas principalmente peixes e pássaros em ambiente natural à procura de características específicas das espécies os psicólogos estudavam mamíferos principalmente ratos em ambiente controlado de laboratório buscando por leis gerais de aprendizagem Não é de surpreender que os primeiros descreveram comportamentos estereotipados característicos de cada espécie dando origem a conceitos tais como padrão fixo de ação4 estímulo sinal5 e mecanismo liberador inato6 Já os outros com sua ênfase no controle e procedimentos padronizados descreveram leis gerais da aprendizagem como a lei do reforçamento7 o condicionamento clássico8 e o condicionamento operante9 4 Padrão fixo de ação uma resposta motora padronizada específica da espécie que pode ser iniciada por um estímulo ambiental mas que continua até que a seqüência se complete independente da influência de estímulos externos 5 Estímulo sinal estímulo simples tal como uma cor ou som que desencadeia um padrão fixo de ação 6 Mecanismo liberador inato um mecanismo neurosensorial especial que libera uma reação a um estímulosinal ou a uma combinação desses estímulos 7 Reforçamento qualquer ação ou evento que aumenta a probabilidade de que uma resposta seja repetida 8 Condicionamento clássico aprendizagem que ocorre através da associação de um estímulo neutro com um estímulo que causa uma resposta reflexa 9 Condicionamento operante aprendizagem que ocorre quando uma resposta aumenta em freqüência após a apresentação de um evento reforçador 16 Duas são as figuras mais representativas do primeiro movimento Konrad Lorenz e Nikolaas Tinbergen10 Apesar de terem sido amigos e colaborado durante a maior parte de suas carreiras não poderia haver duas pessoas mais diferentes Lorenz austríaco de família bem sucedida cujo pai era um ortopedista afamado cresceu na ampla propriedade familiar na qual conviveu com os animais de que tanto gostava Extrovertido exuberante Lorenz dominava e encantava a todos em congressos e conferências e talvez tenha sido o cientista que mais contribuiu para a divulgação da Etologia enquanto área de investigação Defensor intransigente da observação naturalista do comportamento é por muitos considerado um contador de histórias mais do que um cientista Tinbergen por outro lado é descrito como um homem gentil e discreto um cientista cuidadoso que planejava seus experimentos de forma elegante respondendo a questões sobre a evolução Seu legado é visível até hoje nos trabalhos científicos da área As quatro questões11 propostas por ele para estudar o comportamento animal são consideradas como a pedra de toque do estudo do comportamento ver Ferreira capítulo 4 deste volume Na Psicologia Comparada a figura mais conhecida do lado mais radical do espectro é B F Skinner Contemporâneo de Lorenz e Tinbergen ele criou a partir das idéias de John B Watson e Ivan Pavlov a teoria do behaviorismo Em completa oposição à Etologia Skinner pregava que indivíduos humanos e não humanos eram em grande parte o produto de seu ambiente devendo a maior parte de suas características à aprendizagem Extremamente criativo e habilidoso construía a maioria dos equipamentos que usava em seus experimentos o mais famoso deles a caixa de 10 O reconhecimento da área veio com a concessão do Prêmio Nobel de Medicina em 1973 a estes dois pesquisadores juntamente com Karl von Frisch A razão apresentada para a concessão do prêmio foi que esses pesquisadores com seu entendimento das bases evolutivas do comportamento haviam tirado esta área do beco sem saída das explicações divergentes fornecendo uma visão abrangente Curiosamente Jay Tinbergen irmão de Nikolaas já havia recebido o Prêmio em 1969 por seu trabalho na área de economia 11 Em resposta à divergência sobre que tipo de explicação sobre o comportamento era mais adequada Tinbergen propôs quatro questões complementares que deveriam ser respondidas para um completo entendimento da determinação do comportamento a quais são os mecanismos que regulam o comportamento b como o comportamento se desenvolve c qual o seu valor de sobrevivência d como ele evoluiu ou qual sua história filogenética As duas primeiras são também chamadas de questões próximas pois dizem respeito aos determinantes localizados no ambiente interno e externo do indivíduo As duas últimas são chamadas de questões finais ou funcionais no sentido de que procuram por determinantes evolutivos Poderíamos dizer que as questões próximas são questões do tipo como e as finais do tipo por que 17 Skinner ou caixa de condicionamento operante até hoje utilizada em laboratórios de ensino e pesquisa em todo o mundo12 Lorenz e Skinner representam os extremos no contínuo inatoadquirido no estudo do desenvolvimento embora nunca tenham se defrontado em um debate A polêmica levantada por essas duas posições no entanto foi longa e feroz Muito foi escrito e dito por defensores de ambos os lados mais para criticar a posição oposta do que para defender a própria posição Porém uma parte dos cientistas da época situava se em uma espécie de área cinzenta entre eles Daniel Lehrman que foi uma peça chave na integração das duas abordagens Lehrman era um homem tão carismático quanto Lorenz e alinhavase com os psicólogos experimentais Por formação e inclinação porém ele aliava aos estudos sobre hormônios e comportamento em pombos que realizava em seu laboratório a paixão pela observação naturalista de pássaros Em 1953 publicou um artigo no periódico Quarterly Review of Biology intitulado A critique of Konrad Lorenzs theory of instinctive behavior no qual ele criticava a dicotomia entre inato e aprendido defendida por Lorenz Lehrman criticava duramente a idéia de que todos os comportamentos pudessem ser classificados como inatos ou aprendidos e propunha como alternativa uma abordagem interacionista Ele argumentava que todo comportamento originase de uma interação entre um organismo em desenvolvimento e seu meio antecipando a posição predominante nos dias atuais Durante pelo menos as duas décadas seguintes foi travado um acirrado debate sobre a questão inatoaprendido biológicosocial naturezacriação em inglês naturenurture que constituiu o cerne da disputa entre os dois grupos Defensores de uma ou outra posição não conseguiam enxergar o mérito da posição oposta e acumulavam evidências favoráveis à posição que defendiam Do lado dos psicólogos experimentais o conceito de inato era amplamente criticado seja pela dificuldade de definição normalmente ele era definido pela sua negação aquilo que não é aprendido ou pelo acúmulo de evidências de que algumas das características associadas a ele podem facilmente ser atribuídas a outras causas Por exemplo o caráter estereotipado de um comportamento que para os etólogos era 12 Um exemplo da inventividade de Skinner foi a invenção da baby box um berço modificado que ele criou para sua segunda filha Deborah Consistia num espaço fechado com temperatura e umidade controladas no qual o bebê podia dormir A frente tinha uma vasta janela de acrílico que permitia visão do ambiente Skinner deu uma entrevista à revista Ladies Home Journal apresentando sua invenção Essa entrevista criou uma grande polêmica gerando o boato de que o cientista criava sua filha em uma caixa de observação o que é claro não correspondia à verdade pois a caixa era usada apenas para o bebê dormir 18 evidência de que era característico da espécie e inato podia ser também explicado por um ambiente extremamente uniforme para os animais de uma determinada espécie Além disso o caráter inato de um comportamento não podia ser demonstrado experimentalmente Os procedimentos habituais como os experimentos de isolamento13 e de cruzamento14 não permitiam a exclusão do ambiente como fator de influência sobre a expressão do comportamento O segundo tipo principalmente traz embutida uma falácia a de que a existência de uma base genética impede qualquer influência do ambiente O argumento inatista perdeu ainda mais força quando foi demonstrado que comportamentos tradicionalmente tidos como inatos e específicos da espécie podiam ser modificados pela experiência como é o caso do sugar em bebês Embora um bebê recémnascido mostrese capaz de sugar o bico do seio de uma mamadeira ou de uma chupeta este comportamento não é imune à experiência Vários estudos sugerem que o bebê aprimora essa habilidade à medida que se desenvolve e que a lactação é um importante canal de comunicação entre a mãe e a criança de forma que essa atividade tornase com o decorrer do tempo algo muito mais complexo do que apenas um episódio de alimentação atestando a plasticidade do comportamento humano Por outro lado os etólogos insistiam que a aprendizagem não podia ser encarada como uma regra sem limites Nesse sentido o envolvimento da aprendizagem na modelagem de um comportamento não significa que esse comportamento não tenha uma base genética Da mesma forma não se pode ensinar qualquer coisa a qualquer indivíduo as características biológicas de cada espécie impõem limites que não podem ser transpostos A famosa frase de Watson de que poderia transformar qualquer bebê saudável em um médico advogado comerciante ou mendigo independente de seus talentos peculiaridades habilidades vocação ou raça citado por Goodenough 1993 13 Experimentos de isolamento são experimentos nos quais os animais são separados de seus co específicos no momento do nascimento passando a viver isolado até que venha a ser testado A lógica por trás deste experimento é que o animal não teria oportunidades de aprender com outro animal da mesma espécie e porisso o comportamento resultante deveria ser inato Obviamente a aprendizagem também se dá por interação com o ambiente físico e esses experimentos não eliminavam a possibilidade de aprendizagem 14 Experimentos de cruzamento ou de hibridação há três variações deste experimento Na primeira indivíduos com variações em determinado traço ou comportamento são cruzados e observase como o traço se manifesta na prole No segundo caso linhagens de comportamento semelhante são cruzadas entre si para enfatizar o traço No terceiro caso fazse o cruzamento seletivo também chamado de seleção artificial no qual indivíduos com uma determinada característica são cruzados para acentuar essa característica Este tipo de experimento não fornece evidências para o caráter inato do comportamento apenas para sua base genética No entanto o fato de um comportamento apresentar base genética não significa que ele não sofre influência do ambiente não fornecendo portanto uma base segura para o caráter inato do comportamento ou traço 19 não podia ser aceita pelos etólogos Rapidamente até mesmo os psicólogos perceberam que ela era de fato uma afirmação muito ampla e extrema para ser verdadeira O trabalho de Keller e Marion Breland 1961 alunos de Skinner que treinavam animais para fins comerciais conta de sua dificuldade em treinar um guaxinim a depositar uma ou duas moedas em um cofrinho na vitrine de um banco de forma a encorajar os transeuntes a iniciarem uma poupança O guaxinim perdeu rapidamente seu emprego assim como o casal de psicólogos quando antes de colocar as moedas no cofrinho e assim receber um alimento como recompensa passava alguns bons minutos esfregando as moedas ou colocandoas na fenda do cofre e retirandoas em seguida Ao fazer a associação entre seu desempenho e o alimento essa associação remeteu a outra muito mais forte porque específica da espécie entre limpeza e alimento Um outro princípio da aprendizagem o da equivalência de associação também foi questionado Garcia e Koelling citados por Goodenough 1993 em um engenhoso experimento mostraram que alguns tipos de associação eram possíveis de ser estabelecidos como um gosto doce associado à náusea e uma luz a um choque resultando em comportamentos de esquiva15 em ratos Porém o contrário a associação da luz à náusea e do gosto doce ao choque não resultava em comportamento de esquiva As predisposições naturais da espécie resultam em diferentes habilidades de aprendizagem que refletem adaptações a diferentes habitats ou estilos de vida Essas adaptações são adquiridas ao longo de milhares muitas vezes milhões de anos de evolução e dificilmente podem ser erradicadas por um processo de aprendizagem em uma situação artificial Foi apenas a partir da década de 1970 que este debate começou a perder força A gradativa integração dos dois campos deve muito a Lehrman não apenas pela força de seus argumentos mas também pelo fato de que sua formação no estudo naturalista de pássaros derrubou barreiras do lado dos etólogos e também a Tinbergen que com sua mentalidade experimental aliada ao método naturalista estabeleceu os parâmetros para a pesquisa em psicologia comparada A posição dominante atualmente reconhece as predisposições biológicas presentes em todos os indivíduos e sua modulação pelo ambiente resultado de um sistema nervoso fundamentalmente plástico Embora o debate naturezacriação ainda perdure em alguns redutos na grande maioria das áreas há um entendimento de que não é possível falar em determinação genética ou ambiental 15 Comportamento caracterizado como de evitação de um estímulo aversivo pela apresentação de um comportamento que adia ou elimina tal estímulo 20 desvinculadas uma da outra A interação entre elas é que define a individualidade e as diferenças individuais mantendo não obstante um padrão específico que define a pertinência taxonômica do indivíduo DESENVOLVIMENTOS ATUAIS Na segunda metade do século XX novos conceitos foram propostos para explicar a evolução do comportamento entre eles a seleção de parentesco16 a aptidão abrangente17 e a teoria dos jogos18 lançando os fundamentos do chamado neo darwinismo Esses conceitos ampliaram o âmbito da explicação evolucionista e deram origem a duas novas áreas a ecologia comportamental mais ligada à biologia e herdeira direta da etologia de Tinbergen e a psicologia evolucionista uma combinação da biologia evolutiva e da psicologia cognitiva Essa abordagem propõe o estudo da mente humana adaptada Barkow et al 1992 e tem sido igualmente criticada e festejada Essa disciplina é ainda muito jovem para que possa ser adequadamente avaliada mas seu impacto não pode ser ignorado Boyer Heckhausen 2002 A psicologia evolucionista e a ecologia comportamental são disciplinas muito próximas e há um fluxo de informações entre elas fruto de sua raiz comum No Brasil a etologia e o estudo do comportamento animal têm sua origem na psicologia mas especificamente no laboratório de Psicologia Animal do Instituto de Psicologia da USP criado por Walter Hugo de Andrade Cunha em meados de 1960 Esse laboratório na realidade um sauveiro instalado de forma meio precária que por vezes necessitava de uma operação de recuperação de operárias em fuga Fuchs 1995 foi a origem dos primeiros pesquisadores na área de comportamento animal e etologia formados por Cunha Alguns deles seguiram carreira acadêmica na própria USP como Ana Maria Almeida de Carvalho Fernando José Leite Ribeiro Mário Guidi e César Ades Cunha e o IPUSP foram de certa forma um centro irradiador na formação de novos grupos voltados ao estudo do comportamento animal Dos grupos que hoje 16 Seleção de parentesco processo através do qual características são favorecidas em função de benefícios para a sobrevivência de parentes descendentes ou não 17 Aptidão abrangente soma da aptidão obtida através da própria reprodução e do esforço empregado na reprodução de parentes não descendentes como irmãos 18 Teoria dos jogos teoria originalmente desenvolvida por John Nash para aplicação na área de economia e adaptada por John Maynard Smith para analisar custos e benefícios de estratégias comportamentais complexas 21 trabalham nessa área a maior parte tem uma ligação com aquela instituição embora vários tenham incorporados em sua origem ou posteriormente profissionais formados em outras instituições e no exterior Alguns desses grupos estão localizados na Universidade Federal do Rio Grande do Norte na Universidade Católica de Goiás na Universidade Federal do Pará e na Universidade Federal de Santa Catarina A nova área de psicologia evolucionista é incipiente no país com alguns poucos pesquisadores espalhados em algumas instituições mas há um grande interesse entre alunos e profissionais prevendo seu crescimento A aprovaçãoo em 2005 de um projeto do Instituto do Milênio em Psicologia Evolucionista deu grande visibilidade a área tanto nacional como internacionalmente e permitiu a formação de mestres e doutores que representam o futuro do estudo da psicologia humana do ponto de vista evolutivo É importante destacar que esta é uma área por definição multidisciplinar Isso implica o envolvimento de profissionais de diferentes formações e a utilização de conceitos da biologia da psicologia das neurociências da genética e da antropologia entre outras Essa integração de conceitos de diferentes disciplinas amplia o escopo da explicação do comportamento permitindo uma visão mais ampla e integrada Essa visão tem ocupado um espaço crescente recentemente nas várias áreas de conhecimento já citadas mas também em outras que utilizavam tradicionalmente explicações evolucionistas como é o caso da medicina O crescimento do interesse no estudo do comportamento animal aqui incluindo nosso espécie reflete exatamente o aumento do interesse e da influência da teoria da evolução não apenas nas ciências mas também na vida prática Rose 1998 ressalta a utilização de conceitos evolucionistas a na agricultura e pecuária através do desenvolvimento de novas variedade de alimentos e da seleção artificial de animais visando a otimização da produção de alimentos b na conservação da natureza e dos animais através da compreensão das adaptações que permitem a reintrodução de animais ao ambiente natural e a recuperação de áreas devastadas c na medicina como no desenvolvimento de novos procedimentos para prevenir a resistência a antibióticos Bergstrom et al 2004 e d na sociedade através da compreensão dos mecanismos evolutivos que promovem comportamentos como a religiosidade a moralidade ou a discriminação Yamamoto Lopes 2009 Yamamoto et al 2009ab A idéia de Darwin já foi considerada perigosa capaz de sacudir os alicerces da sociedade Também já foi condenada ao esquecimento por um breve período histórico Dennet 1996 recupera essas idéias e reafirma que a proposta de Darwin é de 22 fato perigosa pois ela nos força a reconsiderar nossas crenças anteriores e vários dos conceitos tradicionais da sociologia e da filosofia Certamente a teoria da evolução mudou a biologia e a psicologia mudou também as perguntas e o conteúdo da pesquisa científica em várias áreas do conhecimento e mais importante nos esclareceu sobre nossas origens e nossa natureza O estudo do comportamento animal do ponto de vista evolutivo é um pujante desdobramento da teoria da evolução que muito vem contribuindo para essa compreensão REFERÊNCIAS Alcock J 2003 A textbook history of animal behaviour Animal Behaviour 65 310 Balon EK 2000 Defending fishes against recreational fishing an old problem to be solved in the new millennium Environmental Biology of Fishes 57 18 Barkow JH Cosmides L Tooby J 1992 The Adapted Mind Evolutionary Psychology and the Generation of Culture Oxford Oxford University Press Bergstrom CT Lo M Lipsitch M 2004 Ecological theory suggests that antimicrobial cycling will not reduce antimicrobial resistance in hospitals Proceedings of the National Academy of Science of the United States of America 101 1328590 Boyer P Heckhausen J 2002 Introductory notes American Behavioral Scientist 43 91725 Breland K Breland M 1961 The misbehavior of organisms American Psychologist 16 6814 Chandroo KP Duncan IJH Moccia RD 2004 Can fish suffer Perspectives on sentience pain fear and stress Applied Animal Behaviour Science 86 22550 Darwin CR 18591981 A Origem das Espécies São Paulo Hemus Darwin CR 18732000 A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais São Paulo Companhia das Letras Dennet D 1996 Darwins Dangerous Idea Evolution and the Meanings of Life New York Touchstone De Waal FBM 2001 The Ape and the Sushi Master Cultural Reflections of a Primatologist New York Basic Books 23 Desmond A Moore J 2000 Darwin A Vida de um Evolucionista Atormentado São Paulo Editorial Fuchs H 1995 Psicologia animal no Brasil o fundador e a fundação Psicologia USP 6 1542 Futuyma DJ 1992 Biologia Evolutiva Ribeirão Preto Sociedade Brasileira de Genética Goodenough J McGuire B Wallace R 1993 Perspective on Animal Behaviour New York John Wiley Sons Gould SJ 1977 Darwin e os Grandes Enigmas da Vida São Paulo Martins Fontes Lehrman D 1953 A critique of Konrad Lorenzs theory of instinctive behavior Quarterly Review of Biology 28 33763 Richards G 2002 Putting Psychology in its Place A Critical Historical Overview Sussex Routledge Rose MR 1998 Darwins Spectre Evolutionary Biology in the Modern World Princeton Princeton University Press Sneddon LU 2003 The evidence for pain in fish the use of morphine as an analgesic Applied Animal Behaviour Science 83 15362 Sneddon LU 2004 Evolution of nociception in vertebrates comparative analysis of lower vertebrates Brain Research Reviews 46 12330 Sneddon LU Braithwaite VA Gentle MJ 2003a Do fishes have nociceptors Evidence for the evolution of a vertebrate sensory system Proceedings of the Royal Society of London B 270 111521 Sneddon LU Braithwaite VA Gentle MJ 2003b Novel Object Test Examining Nociception and Fear in the Rainbow Trout The Journal of Pain 48 43140 Volpato GL 2000 Pesque e solte uma análise crítica Plural 1 920 Yamamoto ME Lopes FA 2009 Coalizões e etnocentrismo o ponto de vista da teoria evolucionista Oecologia Brasiliensis 13 2018 Yamamoto ME Alencar AI Lacerda ALR 2009a Comportamento moral ou como a cooperação pode trabalhar a favor de nossos genes egoístas PP 13343 In Otta E Yamamoto ME eds Psicologia Evolucionista São Paulo GuanabaraKoogan Yamamoto ME Leitão M Castelo Branco R Lopes FA 2009b Religious behavior and cooperation pp 21940 In Feierman J ed The Biology of Religious Behavior The Evolutionary Origins of Faith and Religions Westport Praeger 25 Capítulo 2 CIÊNCIA E COMPORTAMENTO ANIMAL Gilson Luiz Volpato volpgilgmailcom Departamento de Fisiologia Instituto de Biociências Caunesp Universidade Estadual Paulista UNESP Botucatu SP Brasil 26 A CIÊNCIA O comportamento animal fascina muitas pessoas É um objeto de estudo muito visível e que faz parte do mundo de qualquer um levando a indagações e tentativas de respostas desde bem cedo da formação infantil Além desse caráter de curiosidade o comportamento animal é assunto de interesse científico onde se procura entender sua forma suas causas e conseqüências Neste capítulo discorro sobre as bases mais gerais da ciência procurando mostrar o que é fazer ciência do comportamento animal Para isso recorro várias vezes às minhas próprias publicações nas áreas de Metodologia e Redação Científica onde procuro analisar as questões mais gerais do prisma particular de quem exerce a prática da investigação científica Utilizo também algumas das pesquisas desenvolvidas em meus laboratórios buscando com isso mostrar que os pontos de vista aqui apresentados são antes de tudo partes integrantes da vida cotidiana de um cientista comum mais do que exceções presentes apenas nas obras clássicas da história da ciência Evidentemente autores e obras clássicas não foram desprezados mas reduzidos ao mínimo essencial Embora a compreensão do comportamento animal contemple uma série de abordagens a mais freqüente é a científica que procura entender as leis do comportamento animal a partir da observação de fatos considerados até certo ponto concretos Ou seja cada explicação que se dá ou cada lei que se enuncia deve estar baseada em evidências que podem de certa forma ser consideradas de aceitação universal Se quisermos relacionar o estudo do comportamento animal com a ciência necessariamente temos que entender o que é ciência Essa necessidade de contrapor as idéias com constatações empíricas dados concretos do mundo real é uma característica da Ciência Moderna e que tem sido o principal responsável pelo seu desenvolvimento Enquanto na abordagem filosófica sejam aceitas conclusões apenas pela coerência interna do discurso sem incluir necessariamente evidências factuais na científica é necessário que as conclusões possuam uma base empírica no sentido de fato concreto algo observável Russel 1977 Assim o cientista não pode simplesmente dizer que acha que tal coisa seja de determinada forma É necessário mostrar fatos evidências que sustentam essa afirmação É a tal da história do matar a cobra e mostrar o pau Embora essa abordagem seja passível de crítica pois nem todo o universo necessita se acomodar a 27 esse pressuposto a prática da ciência tem mostrado vantagens interessantes desse método A tecnologia é um dos ramos do saber humano que muito se vale desse viés científico Quando ligamos um interruptor e a lâmpada acende percebemos que algo de correto deve haver nas teorias elétricas pressupostas nesse sistema Da mesma forma quando viajamos de avião e temos a grata percepção de que ele não caiu percebemos também que algo de correto deve haver nas muitas teorias pressupostas na aviação É essa confrontação entre o teórico e o concreto o prático o observável mesmo que em escala diminuta que dá ao conhecimento científico um status diferente e que permite que tecnologias funcionem Aliás dentro das abordagens humanas ciência filosofia religião arte e loucura vide Volpato 2007b a ciência é a única que fornece sobremaneira conhecimento que gera tecnologia Nesses quase 400 anos da utilização desse viés do método científico o desenvolvimento tecnológico foi imenso e isso não foi ao acaso A consistência que esse método dá aos conhecimentos gerais elaborados é bastante razoável embora saibamos que método algum garantirá a verdade de qualquer enunciado teórico Feyerabend 1996 Outro aspecto interessante da atividade científica é que se baseia geralmente em constatações de casos passados para aventar idéias sobre casos futuros Esse processo de generalização é conhecido como indução19 no qual se parte de observação de casos particulares para se generalizar sobre um todo maior gerando uma conclusão probabilística Por exemplo você observa uma amostra de ratos e conclui sobre a 19 Esse tipo de indução tem sido fortemente criticado por Sir Karl Popper e seus seguidores vide Popper 1972 e Lakatos Musgrave 1979 Segundo esse pensamento nem a observação de todos os casos passados garante que os casos futuros sejam como foi no passado Eles dizem que há apenas uma expectativa de que seja assim de forma que a confiabilidade da conclusão é apenas psicológica De fato esse parece ser o caso mas é assim que grande parte da ciência tem funcionado há séculos Mesmo com esse caráter provisório o estudo científico tem trazido seus frutos e permitido gerar tecnologia aceitável e confiável Portanto mesmo reconhecendo as razões lógicas dessa crítica na prática da pesquisa científica a indução ainda é usada Logicamente a questão é um pouco mais profunda Popper não apenas diz que ela é falha e diz textualmente isso mas diz que não existe Como algo que não existe pode ser falho Evidentemente aqui há uma mistura entre a teoria e a prática Popper diz que toda observação parte de uma teoria e portanto não há indução a partir da observação Mas reconhece que a indução feita por vários cientistas é uma expectativa psicológica Eu particularmente acho que a indução existe e é útil na pesquisa Observem que a constatação de um caso inusitado por exemplo a ocorrência de canibalismo num grupo de animais durante uma sessão de observações pode levar o pesquisador ao insight de uma nova conclusão o que fica difícil de ser atribuído senão a um processo de indução Nesse caso é difícil admitir que essa observação estivesse contaminada com teoria que levou à conclusão 28 população dessa espécie Nessa conclusão você deu um salto de uma amostra para um grupo maior Essa amostra é limitada e pertence ao passado você já observou mas sua conclusão é válida para a espécie que pertence ao passado presente e futuro Ou seja na ciência ninguém descreve o comportamento de alguns animais por causa desses animais mas sim para entender as leis do comportamento aplicáveis a grupos maiores por ex uma população ou uma espécie TIPOS DE ESTUDO Na busca por uma ciência do comportamento animal o cientista precisa mais do que conhecer os comportamentos Tem que saber o que significa fazer ciência e como construíla A seguir descrevo os principais tipos de pesquisa científica o que descreve situações e o que testa hipóteses Ambos são necessários e importantes para a ciência Mas envolvem propostas e métodos diferentes Mostro a contribuição de cada um na construção da rede de conhecimentos científicos sobre o comportamento animal Ressalto que os dados coletados nada significam a menos que o cientista lhes dê sentido e faça que esse sentido seja aceito pela comunidade científica Assim fazer ciência do comportamento é contar histórias mostrar um discurso coerente e embasado em fatos acerca do comportamento dos animais É mais que relatar um caso é buscar as generalizações as leis subjacentes aos casos observados É essa preocupação que separa o pesquisador do cientista Enquanto o primeiro pesquisa e levanta informações o segundo as entende e com isso compreende parte da natureza biológica Estudos Descritivos a Morfologia do Comportamento Muitos iniciantes no estudo do comportamento animal se deslumbram pela morfologia dos comportamentos Querem saber o repertório comportamental de determinada espécie geralmente se empolgam com um tipo de animal Desse desejo partem inevitavelmente para descrições pormenorizadas desses comportamentos coletando dados em várias situações muitas vezes preferindo as observações em condições de natureza Descrevem detalhadamente os comportamentos que observam mesmo que com auxílio de filmagens Essa é geralmente a primeira etapa do estudo do comportamento Conhecer os padrões motores do comportamento de escavar de um cachorro ou a dança nupcial de 29 um peixe ou ainda o comportamento de ingestão de água de uma ave é similar ao se conhecer a estrutura de um órgão ou a taxa de incidência de uma doença numa população Você apenas descreve o que vê mas precisa estar certo da validade dessa descrição Por serem estudos descritivos de uma situação não há necessidade do cientista elaborar hipóteses a priori Ele pode simplesmente observar e concluir Nesse caso prever antecipadamente o que será visto de nada adianta Por exemplo podemos imaginar que o comportamento a ser observado terá três itens comportamentais exibidos numa determinada seqüência sendo o primeiro item o mais freqüente Essa elucubração teórica de nada adianta frente às observações que você faz pois seus dados coletados não apenas testam essa idéia mas também já fornecem a resposta a ser aceita O que guia a metodologia a ser empregada é a pergunta e não a hipótese Além disso se tal hipótese é derrubada temos a conclusão do estudo que decorre da descrição que testou a própria hipótese Por essa razão é imperativo que os estudos descritivos que buscam caracterizar um comportamento não usem o recurso metodológico de elaboração de hipóteses pois elas de nada adiantam nesse caso O fato desses estudos não necessitarem de hipóteses não implica que sejam simples pois podem evoluir para a construção de conhecimento científico generalizações Envolvem planejamento e cuidado com detalhes que do contrário comprometeriam toda a validade das descrições realizadas Por exemplo imaginemos que você descreveu o comportamento de um indivíduo de certa espécie de pássaro Por mais detalhada que essa descrição tenha sido feita ela vale para aquele indivíduo Saber o quanto o comportamento desse indivíduo representa o comportamento das outras aves dessa espécie é outra questão Todos nós sabemos que certas aves migram O comportamento típico dessas espécies inclui a migração em certas condições Nessas populações cada indivíduo se comporta de uma mesma forma quanto a essa característica mesmo que possam existir exceções Portanto enquanto descrevemos o comportamento de um animal estamos procurando caracterizar o comportamento de um grupo maior Essa caracterização tem sentido para a ciência Conhecer que a cachorrinha hag descansa todos os dias no período da tarde sobre determinado sofá pode ser de relevância para seu dono mas só será de interesse aquilo que representar algo válido para um grupo maior de cachorros Isso é razoável pois certamente a cachorrinha hag morrerá algum dia e com ela esse conhecimento que só tinha significado em relação a ela Mas o conhecimento gerado e relativo ao grupo maior por 30 ex a raça permanecerá válido até que seja negado Portanto os estudos que buscam descrever o comportamento dos animais pelo simples prazer de descrevêlos no contexto científico são válidos apenas se fornecem generalizações sobre a população a espécie o gênero etc Isso é parte da ciência do comportamento animal A próxima questão é saber o quanto o comportamento de um indivíduo pode representar um grupo maior Evidentemente estamos falando de amostragem mas tudo depende do estágio de conhecimento em cada caso específico Se tivermos apenas um relato do comportamento de alimentação de um exemplar do pássaro amazônico uirapuru que sabemos ser raramente encontrado não podemos descartar essa informação simplesmente porque foi feita em um único exemplar Enquanto não tivermos mais dados nossas conclusões devem ser baseadas nesse relato Logicamente teremos a cautela suficiente para não imaginarmos que todos os uirapurus necessariamente se comportarão da mesma forma que o caso observado mas se tivermos que apostar certamente apostaremos com base no caso observado20 Da mesma forma casos assim raros são raros Evidentemente na maioria dos estudos descritivos do comportamento animal o cientista tem meios para planejar sua coleta de dados Ele planeja a forma como vai escolher os indivíduos para observar amostragem de forma que representem adequadamente a população à qual quer se referir Por exemplo se essa população possuir uma proporção sexual de 11 então sua amostra deverá manter uma relação igual ou bem próxima a essa Caso contrário o comportamento de um dos sexos estará prevalecendo causando um viés no estudo Da mesma forma se quisermos conhecer o que os universitários brasileiros pensam do atual governo federal teremos que fazer essa pergunta a universitários de várias instituições incluindo públicas e privadas turmas do noturno e do diurno escolas das várias regiões do país vários cursos etc de forma que a amostra investigada represente de forma adequada o perfil da população para a qual será direcionada a conclusão Com os cuidados metodológicos necessários o cientista estará em condições de concluir para um grupo maior a partir das observações pontuais que fez Assim se descrevemos um etograma para determinada espécie estamos na realidade procurando descrever o conjunto de padrões comportamentais de um grupo população espécie 20 Veja aqui a forte influência da base empírica observada na aceitação da conclusão Para o cientista é melhor se basear nessa observação do que em racionalizações teóricas sem contraposição com evidências concretas 31 Lembrese que para fazermos ciência precisamos ir além dos dados coletados fazendo inferências sobre um todo bem maior no caso uma população ou espécie Teresa GonçalvesdeFreitas 2003 descreveram o comportamento agonístico do ciclídeo Geophagus surinamensis um peixe amazônico mostrando os tipos de comportamento que ocorrem nas confrontações intraespecíficas Eles mostraram que os comportamentos descritos são iguais aos relatados para outras espécies de ciclídeos indicando aí uma generalização Mas vão além porque observam que um dos comportamentos descritos não foi ainda relatado nessa família Cichlidae Tratase de um comportamento em que o animal ataca o oponente com uma mordida na parte lateral do corpo e em seguida passa acima ou abaixo desse peixe e deflagra mordida no outro lado do corpo Ao considerarem isso um padrão diferente e concluírem que não foi relatado em outros ciclídeos estão construindo generalizações para além da amostra observada Do contado com vários estudantes do comportamento animal tenho percebido que os estudos descritivos do comportamento têm sido relegados a um segundo plano Isso não deve ocorrer pois é como qualquer outro estudo na ciência Parte de evidências pontuais os casos observados chegando a generalizações Esse processo é exatamente o mesmo que ocorre nos outros estudos que serão discutidos à frente A única diferença é que a elaboração metodológica pode ser muitas vezes mais simples onde o cuidado principal está na amostragem e nas técnicas de observação Mas essa é principalmente uma diferença de aparato mais do que de método de estudo ou qualidade da conclusão Testes de Hipótese Investigação das Relações entre Variáveis Uma outra categoria de estudos procura responder perguntas sobre causas e condições nas quais os comportamentos ocorrem O cientista na área biológica está envolto em um conjunto de variáveis que podem ser temperatura ambiental canibalismo fase do ciclo circadiano níveis hormonais ingestão de alimentos qualidade da água velocidade do vento etc Embora essas variáveis possam ser agrupadas considerandose as bióticas canibalismo níveis hormonais ingestão de alimentos e as abióticas temperatura ambiental fase do ciclo circadiano qualidade da água e velocidade do vento essa divisão tem pouco sentido num panorama mais geral da metodologia científica O que importa são as relações lógicas que se supõe entre 32 elas pois são essas relações que direcionam todo o trabalho científico da pesquisa à publicação Há apenas dois tipos fundamentais de associação entre as variáveis que são investigadas pelo cientista associação sem interferência de uma variável sobre as outras e associação com interferência entre elas Volpato 2007a 2007b 2010ab 2011 Nos estudos de associação o cientista procura saber se o comportamento de uma variável pode ser explicado por meio do comportamento da outra variável Por exemplo o aumento do número de igrejas numa cidade pode ser um indicador de aumento do consumo de combustível na população Ao que me consta esperase que não sejam as igrejas que estejam fomentando o uso de carros E o uso de carros estaria incentivando os atos religiosos O mais provável é que algum outro fator esteja aumentando tanto o número de igrejas quanto o consumo de combustível Nesta última possibilidade não existe qualquer associação de interferência entre as variáveis investigadas igrejas e consumo de combustível sendo a relação entre elas explicada pela existência de algum outro fator que as sincroniza No caso esse fator sincronizador poderia ser o aumento da população Aumentase a população elevase o número de fiéis potenciais com incremento do número de igrejas para atendêlos Da mesma forma aumentase o número de pessoas com carros o que leva ao aumento do consumo de combustível Em outro exemplo podemos associar o período de maior atividade de uma espécie de caranguejo de mangue com a maior atividade de determinada espécie de peixe desse local No entanto essas espécies podem não interagir entre si e a sincronia precisa ser explicada de outra forma Por exemplo pela interferência de algum temporizador interno relógio biológico presente nas duas espécies e sincronizado com os movimentos de maré No outro caso de relação temos a associação com interferência entre as variáveis onde o comportamento de uma variável claramente interfere com o comportamento da outra Neste caso faz sentido classificar o conjunto de variáveis em independentes as que interferem e dependentes as que são os efeitos Essa classificação é natural pois descreve uma ocorrência natural de uma causa levando a algum efeito ao contrário da classificação entre variáveis bióticas e abióticas descritas mais acima Por exemplo o metabolismo de um animal aquático pode interferir na qualidade da água mas a qualidade da água também pode interferir no metabolismo desses animais Nesse caso o sentido dessa relação entre fator interferente e efeito quem é causa e quem é efeito será dado pelo interesse do cientista dentro de sua pesquisa Assim se for 33 interessante a ele investigar como os peixes podem poluir certo ambiente tratará o metabolismo desses animais como variável independente causa e a qualidade da água como variável dependente efeito Um princípio importante a ser ressaltado nessa problemática é que se houver relação de interferência haverá associação entre as variáveis Porém fica claro que a ocorrência de associação não demonstra existência ou não de interferência entre elas mas sua inexistência permite concluir que a interferência não ocorra vide Volpato 2010ab 2011 Observem ainda que muitos estudos na natureza se valem de análises de associação para discutirem interferências Nesses casos dados adicionais devem ser adicionados da literatura para se melhor embasar a relação suposta Essas duas relações com ou sem interferência são as de maior interesse na pesquisa biológica Evidentemente podemos subdividilas em outras categorias mas de interesse para o norteamento da pesquisa e da construção do texto científico são essas duas categorias Volpato 2010ab 2011 Então parte do estudo do comportamento animal será direcionada para o entendimento das relações entre variáveis sejam elas quais forem Observem que aqui o cientista não está preocupado em descrever as variáveis como no primeiro caso discutido mas sim em entender como se relacionam com outras variáveleis O conhecimento gerado será a relação entre elas Obviamente nesses estudos muitas vezes o cientista terá que descrever algumas variáveis mas essa será apenas uma etapa intermediária para seu objetivo maior Por exemplo se o interesse for conhecer se doses subletais de determinado inseticida podem afetar o comportamento de determinada espécie a pesquisa se concentrará em descrever o comportamento dessa espécie em condições sem o inseticida para comparar com descrições desse comportamento em situações de contaminação com diferentes doses do inseticida considerado Caso as outras condições potencialmente interferentes por ex tamanho dos animais temperatura ambiente estresse etc sejam consideradas similares entre os grupos a serem comparados as variações nos padrões de comportamento entre esses grupos serão atribuídas ao agente interferente inseticida Nesse caso o estudo envolveu a descrição do comportamento mas o objetivo ultrapassava essa constatação pois envolvia comparálas para se decidir se o inseticida altera esse comportamento Ou seja descrições sempre ocorrerão mas o estudo pode ser muito diferente dependendo do objetivo do cientista descrever para generalizar para um grupo maior ou descrever para testar relação entre variáveis 34 Embora eu tenha enfatizado as causas mais próximas do comportamento aquelas que estão presentes durante a fase de vida desses animais vide capítulo 1 há delineamentos experimentais que permitem avaliar as causas últimas do comportamento como elegantemente detalhado em Dawkins 1995 No primeiro capitulo desse livro Dawkins mostra quatro estratégias para investigar as interferências do processo evolutivo no comportamento animal de forma que se possa entender um dos por quês do comportamento Mas mesmo nesses casos estamos tratando de relações de interferência Portanto não importa o quanto o agente interferente esteja distante mas sim o fato de ser uma interferência Embora eu tenha enfatizado a construção científica de generalizações a partir de observação de fatos processo de indução o método dedutivo é igualmente válido O cientista elabora hipóteses e deduz delas predições que são expectativas que devem ocorrer caso a hipótese esteja correta Ou seja a hipótese idéia vem antes da coleta de dados Por exemplo Hipótese no pintado Pseudoplatystoma corruscans a comunicação química é uma modalidade sensorial usada na comunicação intraespecífica de estados de alerta Predição exemplares de pintado recebendo água de coespecíficos em condição de alerta reagirão com resposta de alerta A partir daí o cientista usa uma estratégia experimental para avaliar se nas condições preconizadas a predição ocorre Caso ocorra terá corroborado sua hipótese mas nunca confirmado pois sempre dependerá de algum dado futuro vide Popper 1972 Se não ocorrer certamente terá falseado a hipótese COMPORTAMENTO E CIÊNCIA Nos casos descritos acima que englobam todos os casos presentes na ciência empírica houve a preocupação do cientista em usar fatos observáveis para elaborar generalizações que dizem respeito a casos ainda não observados Mas ele aceita essas generalizações apenas porque possuem essa base factual como preconizado pela ciência empírica Embora essa seja a temática principal no estudo do comportamento há fortes influências da abordagem filosófica em alguns setores que não podem ser desconsideradas Nesses casos os estudos baseiamse em discursos coerentes sobre uma realidade sem a preocupação de testar empiricamente o que se diz mas apenas 35 mostrar que as afirmações são logicamente válidas Nesse discurso filosófico os textos têm geralmente a seguinte forma introdução desenvolvimento e conclusão Observe que no caso do discurso científico é fundamental que o desenvolvimento inclua métodos e resultados Não se pode dizer que uma dessas abordagens seja mais verdadeira que a outra pois ambas produzem conhecimento provisório característica que distingue essas duas abordagens em relação à Religião Volpato 2007 Porém no momento da publicação há revistas com maior tendência para um ou outro lado o que pode ser elemento importante na aceitação ou negação de seu estudo Embora o cientista busque sempre elaborar generalizações com suporte no observável há muitas questões que ainda não podem ser tratadas dessa forma Por exemplo em muitas teorias sobre as relações cérebromente bem como em discussões sobre a filogenia do comportamento encontrar correlatos factuais não é simples Nesses casos onde faltam essas observações a abordagem filosófica floresce mais e tem certa aceitação no meio científico No entanto quando os dados estão presentes o cientista rejeita as especulações filosóficas mostrando que tais enunciados já foram ou podem ser testados empiricamente Um uso concomitante de uma análise puramente lógica e a contraposição com evidências podem ser vista na minha crítica à busca de evidências concretas para a senciência consciência de certos estados básicos emocionais nos animais não humanos Volpato et al 2007 um requisito para se considerar um animal digno de bons tratos Para que uma ciência do comportamento seja construída é necessário que o cientista elabore generalizações que expliquem os comportamentos Várias delas foram descritas e são aceitas até o momento Por exemplo a tilápiadoNilo reage a estressores como outros vertebrados mostrando a característica resposta de elevação do cortisol plasmático um hormônio produzido pelas células interrenais Barcellos et al 1999 Essa resposta dura cerca de 3 a 4 h e depois os níveis de cortisol voltam aos valores basais Isso tem sido extensivamente mostrado em outros peixes submetidos a vários tipos de estressores físicos Em um de nossos estudos procuramos saber se a simples lembrança de uma condição estressora vivida podia ser suficientemente potente para deflagrar essa resposta hormonal Moreira e Volpato 2004 Para isso durante 9 dias consecutivos submetemos tilápias a estressor de confinamento 1h dia1 que era oferecido sempre imediatamente após o acender de uma luz Após esse período constatamos no décimo 36 dia que apenas o acender da luz era suficiente para que as tilápias elevassem o cortisol a níveis iguais ao de um animal estressado Grupos controles mostraram que apenas a luz era insuficiente para desencadear essa resposta hormonal e que no décimo dia os níveis de cortisol estavam baixos antes de se impor o estressor Portanto fica evidente que a luz só provocou a elevação hormonal porque houve uma associação do estímulo luz com a presença do estressor confinamento Esse caso relata um fenômeno mas na realidade expressa uma generalização já bem conhecida na ciência do comportamento Tratase do condicionamento um dos tipos de aprendizagem Uns meses depois o alcance dessa generalização foi aumentado quando Moreira et al 2004 repetiram esse experimento na truta arcoíris constatando sua ocorrência em outra espécie Vários outros estudos têm trabalhado mostrando a ocorrência desse tipo de condicionamento Variase o estímulo luz campainha batida toque cheiro etc e a resposta do animal estresse alimentação ingestão de água busca por abrigo fuga de estímulo aversivo etc mas o processo continua ocorrendo Criar tais generalizações é fazer ciência do comportamento Na verdade essa generalização foi proposta por Ivan Petrovich Pavlov fisiologista russo nascido em 1849 na cidade de Ryazan Ele estudou a resposta de salivação em cães observando que era emitida quando um estímulo alimentar pó de carne era oferecido nas papilas gustativas língua desses animais mas não quando o cão ouvia o som de uma campainha Porém demonstrou que o som da campainha desencadeava a salivação caso esse som tivesse sido anteriormente associado ao estímulo alimentar por certo número de vezes Mas vejam que ele não se limitou a dizer apenas que isso ocorria naqueles animais Ele avançou e conseguiu abstrair generalizações que podiam ser sustentada pelos dados de seus experimentos Definiu uma das leis do comportamento que é o condicionamento clássico ou condicionamento Pavloviano Chegou inclusive a propor em 1903 no 14º Congresso Médico Internacional de Madrid que isso representava um fenômeno psicológico elementar Isso numa época em que a dicotomia cartesiana dividia drasticamente os animais irracionais do racional homem Seus estudos sobre o condicionamento lhe renderam o prêmio Nobel em 1904 e o assento na Academia Russa de Ciências no ano de 1907 Esse fisiologista fez ciência do comportamento Por coincidência no ano em que Pavlov recebia o prêmio Nobel nascia Burrhus Frederic Skinner na cidade de Susquehanna nos Estados Unidos Skinner iria mais tarde formalizar outra generalização pela qual ocorre aprendizado consumando assim as duas principais formas de condicionamento Em seus estudos generalizou que os 37 animais tendem a aumentar a freqüência de comportamentos que tenham sido seguidos de reforço positivo algo agradável ou negativo remoção de algo desagrável reduzindo a frequência mesmo que a zero se seguido de punição algo desagradável Assim se um animal sedento receber água toda vez que elevar a cabeça passará a elevála toda vez que quiser água Essa generalização mostra que esse cientista também não se limitou a descrever seus dados mas procurou encontrar as generalizações que se podia extrair a partir dos comportamentos observados fazendo ciência Muitas outras generalizações existem umas mais gerais e outras mais restritas O importante no estudo do comportamento animal é que o cientista não se limite à coleta de dados mas que procure dar sentido a eles O artigo de Kelley et al 1999 é muito interessante e elucida esses aspectos em discussão além de mostrar que em algumas áreas incluindo o comportamento a qualidade do trabalho não é definida pela complexidade metodológica Esses autores examinaram o comportamento de corte de machos do peixe Poecilia reticulata frente a fêmeas em duas situações básicas quando o casal se conhecia e quando o macho era pareado com uma fêmea não familiar A familiaridade foi conseguida em duas condições quando os peixes eram provenientes de lagoas temporárias tamanho reduzido em contraposição aos coletados em rio grande e quando mantidos em mesmo aquário no laboratório Esses autores constataram que os machos sempre exibiram maior freqüência de cortejamento reprodutivo para as fêmeas que não lhes eram familiares Mais ainda viram que isso só ocorria com os peixes provenientes das lagoas temporárias os provenientes de outro rio bem maior e que não forma esse tipo de lagoa cortejaram indistintamente as fêmeas familiares e as não familiares Esses foram os dados obtidos e os autores poderiam ter se contentado em dizer que a familiaridade afeta o cortejamento reprodutivo nessa espécie Já é uma boa conclusão mas eles foram além Discutiram os dados mostrando que na natureza deve ser adaptativo aos animais que vivem em ambientes de espaço restrito discriminar as fêmeas com as quais já se reproduziram familiaridade preferindo cortejar fêmeas não familiares Isso favorece o fluxo gênico na população dando maior variabilidade de formas nas descendências o que aumenta as chances de sobrevivência da população num ambiente em constante mudança No caso de machos que vivem em ambientes mais amplos a probabilidade de encontrarem no cortejamento a mesma fêmea é bem reduzida não sendo essencial a manutenção de mecanismos sofisticados de reconhecimento individual no grupo Essas explicações estão dentro de uma teoria mais 38 geral segundo a qual um macho poligâmico facilitará a dispersão de seus genes se copular preferencialmente com diferentes fêmeas Para isso deve ser capaz de reconhecer fêmeas familiares com quem já copulou e fêmeas não familiares ou possuir padrões comportamentais que aumentem a probabilidade de cópula com fêmeas não familiares O que Kelley et al 1999 fizeram foi ampliar o alcance dessa generalização mostrando que ocorre também em peixes Notem que foi feito ciência a partir das descrições E é por isso que esse estudo mesmo sendo metodologicamente simples contagem do número de cortejamentos está publicado numa das melhores revistas científicas do mundo a Nature Em estudo recente fizemos a primeira demonstração de que em peixes a lembrança de uma situação estressora provoca elevação dos níveis de cortisol Moreira Volpato 2004 discutido acima Esse hormônio é característico em várias situações de estresse mas ainda não havia sido mostrado nesses animais nem em anfíbios répteis e aves que a lembrança de situação estressora experienciada era suficiente para provocar tal elevação hormonal Considerando a filogenia dos vertebrados esse dado torna altamente provável que esse efeito ocorra também em espécies dos outros taxa de vertebrados contribuindo na corroboração de uma generalização até então bem estabelecida em mamíferos Mesmo sendo um trabalho restrito a tentativa foi ampliar as generalizações o que fez com que apresentássemos uma alteração na classificação dos estressores em peixes distinguindo claramente os três tipos que envolvem contato com o animal seja físico direto ou por meio de som visão ou outra modalidade sensorial desse novo tipo mostrado evocado pela lembrança onde o estressor não está de fato presente Essa tentativa mostra uma postura importante no estudo do comportamento que é a procura por leis e explicações teóricas sobre a conduta dos animais Mostra ainda que isso ocorre não apenas com as grandes teorias e casos clássicos registrados na literatura mas que é uma meta possível para generalizações de menor alcance e mais próximas do diaadia do cientista A relação entre os dados quantificados e as generalizações teóricas é uma difícil tarefa a ser aprendida pelos cientistas Digo difícil pois geralmente é aprendida no árduo vaievem dos manuscritos antes que seja conseguida a publicação na melhor das hipóteses Geralmente ocorrem dois casos extremos ou o cientista tem poucos dados e tenta construir generalizações muito amplas a partir deles ou apresenta uma série de resultados sem avançar em conclusões A tentativa de construir grandes teorias sem a devida base empírica é uma forte barreira à publicação principalmente para os 39 cientistas brasileiros de países fora da main stream que procuram colocar seus artigos em periódicos do exterior Parece que teorias são para os outros a nós é relegado o papel de coletor de dados Felizmente isso não é tão rígido e temos vários exemplos na ciência nacional que conseguem ultrapassar com maestria esses obstáculos Mas particularmente para quem está iniciando a vida de publicações científicas essa barreira é real No outro extremo estão aqueles que acham que fazer ciência é coletar uma série de dados Isso tem sido alegado por alguns editores internacionais como uma das importantes fontes de rejeição de artigos de brasileiros em periódicos estrangeiros de bom impacto internacional Volpato 2008 Parece contraditório mas não é O que existe é um tênue limite definindo até que ponto se pode avançar nas generalizações Evidentemente não se pode estabelecer uma relação simples de abrangência da generalização em função do número de dados coletados Imaginem por exemplo quantos dados Charles Darwin deveria ter coletado para permitir a imensa generalização que fez ao defender o mecanismo da seleção natural na evolução biológica Certamente ele possuía muito menos dados dado o alcance dessa teoria Se pensarmos em Einstein isso fica ainda mais discrepante mas certamente a força da evidência empírica foi definitiva para a aceitação de sua teoria da relatividade Outra confusão muito comum entre cientistas é a busca incessante pela confirmação das hipóteses Isso leva os indivíduos a centrarem suas atividades nas pesquisas mais restritas Vou ilustrar isso por meio de uma problemática que direcionou parte de minhas pesquisas sumarizadas em Volpato Fernandes 1994 Uma assertiva bastante geral nos estudos de peixes é que o agrupamento reduz o crescimento Se ela é correta esperase que todos os peixes agrupados cresçam menos ou a menores taxas que aqueles em isolamento social No entanto observações mais cuidadosas revelam casos em que certos animais do agrupamento crescem menos ou tanto quanto os que estão isolados Numa análise lógica restrita a existência desses casos é suficiente para negar a assertiva geral expressa acima E de fato é isso que precisa ser feito Uma forma seria mudar essa afirmação reescrevendoa como o agrupamento reduz o crescimento médio em peixes Evidentemente isso ocorre pois a grande maioria dos peixes em agrupamento tem o crescimento reduzido e apenas alguns não são afetados o que dá uma redução do crescimento médio Embora tenhamos solucionado a questão essa não é a postura científica adequada A primeira frase se referia a qualquer crescimento e qualquer peixe do agrupamento mas a segunda afirmação referese apenas ao crescimento médio Isso 40 significa que o alcance da primeira assertiva era maior que o da segunda Ou seja com a solução apresentada reduziuse o alcance da conclusão Costumase dizer que houve uma redução do alcance empírico no sentido de que o número de casos empírico a que se refere a generalização foi reduzido A conduta correta nesse caso é reconhecer essa redução do alcance da generalização e buscar outra explicação mais geral que englobe tanto a primeira quanto a segunda No caso isso foi feito mostrando que a taxa de crescimento nos peixes territoriais está inversamente associada ao grau hierárquico do indivíduo no grupo Volpato Fernandes 1994 Com isso entendemos que o dominante possa crescer a taxas similares às dos isolados uma vez que usa sua dominância para definir seu espaço individual Os demais ficam com espaços cada vez mais restritos Além disso as diferentes taxas de estresse presentes entre os animais também sesta associada ao grau hierárquico Fernandes Volpato 1993 sendo um fator que pode comprometer o crescimento dos animais Caso similar ocorre quando as pesquisas revelam diferenças entre os sexos dos animais estudados A reação mais imediata dos cientistas é reduzirem a conclusão geral para nos machos ou nas fêmeas É evidente que isso apenas restringe o alcance da generalização e deve ser aceita mesmo porque parece verdadeira Mas o problema é achar que com isso encerrouse a problemática Aí é que está o início do problema que agora é saber por que nos machos é de uma forma e nas fêmeas é diferente Quando isso é resolvido temse uma generalização maior que explica tanto os casos dos machos quanto os das fêmeas Equívocos como os explicitados acima são muito freqüentes e devem ser cuidadosamente considerados pelos iniciantes em Ciência e principalmente pelos orientadores A META FINAL NO ESTUDO DO COMPORTAMENTO ANIMAL Até aqui discorri sobre o que é fazer ciência do comportamento animal ou seja a criação de generalizações que caracterizem e expliquem o comportamento dos animais Porém esse é apenas o ponto de partida Há ainda pela frente uma longa e árdua caminhada A ciência é uma instituição formada por cientistas O conhecimento científico é por natureza provisório podendo ser mudado a qualquer momento Quem determina 41 isso são os cientistas São eles que aceitam ou rejeitam as idéias as generalizações construídas A ciência não é uma atividade individual mesmo que cada generalização possa ser construída por uma única pessoa O conhecimento gerado deve ser apresentado para essa comunidade de cientistas que aceitarão ou abortarão a idéia E nesse sistema o processo geralmente é muito árduo Tenho defendido a idéia de que para que um conhecimento generalização seja considerado científico precisa além de ser obtido dentro do viés científico ser aceito por parcela significativa da comunidade científica Volpato 2008 E de fato é assim Quando fazemos indagações à ciência representada pelos cientistas suas respostas serão baseadas nos conhecimentos aceitos no momento Isso não significa que para cada pergunta haja apenas uma resposta aceita e aprovada Pode haver controvérsias mas também há casos de quase unanimidade Na época de Lamarck por exemplo a explicação desse cientista era a aceita para se explicar a variabilidade de formas de organismos vivos existentes na natureza Mais tarde passou a prevalecer a explicação de Darwin e hoje aceitamos a idéia Darwiniana com adendos fundamentais muitos deles oferecidos pelos avanços da genética Portanto não basta que façamos nossa pesquisa e que cheguemos a certas conclusões É necessário que a comunidade científica aceite tais conclusões Para que os cientistas possam aceitar as conclusões de algum cientista devem primeiramente conhecêlas Para isso é estritamente necessário que esse trabalho seja publicado Sem isso a divulgação da idéia fica restrita ao alcance pessoal do cientista por meio da comunicação oral Mas mesmo a publicação do trabalho realizado não é suficiente Ela deve ser feita em veículo científico respeitado e que consiga atingir toda a comunidade científica de interesse potencial pela generalização apresentada Somente assim esse trabalho terá chances de ser avaliado Portanto a realização da pesquisa é o primeiro passo e a publicação o segundo mas não o último Uma vez que seu estudo tenha sido publicado resta agora saber seu impacto na comunidade científica Se ninguém ligou ficará esquecido e desaparecerá Óbvio que sua idéia pode ser tão genial que foi ignorada pelo fato de estar muitos anos à frente da comunidade científica dessa área Mas também pode ter sido ignorada por ser uma idéia equivocada E só há um jeito de saber observar os acontecimentos pois a história mostrará Mas nem sempre o cientista estará vivo tempo suficiente para conhecer o resultado final Portanto achar que todo trabalho ignorado pela comunidade científica 42 está necessariamente à frente dessa comunidade é mais uma resistência à crítica do que genialidade de pensamento O mais corriqueiro na ciência é que o cientista elabore generalizações publique e se adequadas que sejam aceitas pela comunidade científica Mas como sabemos que foram aceitas Obviamente é impossível saber exatamente o que cada cientista daquela especialidade está pensando sobre suas conclusões Portanto o que resta de possível é conhecer o uso que a comunidade científica tem feito dessas conclusões Na ciência o conhecimento existente é usado dentro de um discurso para se construir novo conhecimento Na sociedade não científica esse conhecimento gera tecnologia e é usado dessa forma Portanto restringindose à comunidade científica saberemos que nosso conhecimento foi usado caso seja citado por outros cientistas em seus trabalhos Na realidade uma citação pode ser feita para criticar e mostrar discórdia com o trabalho realizado Porém essa crítica mostra que o conhecimento foi considerado e a discussão resultante auxilia a ciência O que não auxilia é quando o conhecimento é ignorado Atualmente as pesquisas sobre as citações que os autores recebem têm sido ampliadas para várias bases de dados como o Institute of Scientific Information ISI Scopus e Scielo Desses sem dúvida o de maior credibilidade científica internacional ainda é o ISI Mesmo assim acredito que o melhor julgamento dos periódicos e dos estudos neles publicados seja feito pela comunidade científica quando usam esses estudos na construção de seus discursos As bases de dados representam apenas uma restrição prévia aos periódicos raramente fundada em preceitos científicos Sobre as questões de publicação científica veja detalhes em Volpato 2008 A busca do cientista nas ciências do comportamento tal qual em outras áreas é então a construção de conhecimento científico generalizações que sejam aceitas pela comunidade científica ao menos parte dela e que sejam usadas na construção de novos conhecimentos Nesse sentido a preocupação com publicação científica ultrapassa em muito o carreirismo na qual linhas a mais no currículo já representam um sucesso adentrandose na problemática da aceitação Frente a isso toda a proposta de redação científica deve ser redirecionada buscando agora não apenas publicar mas produzir conclusões com novidades interessantes para sua comunidade descritas em textos agradáveis e de fácil acesso Evidentemente para que a aceitação ocorra não basta que os passos acima sejam seguidos A comunidade científica é formada antes de tudo por um grupo de pessoas 43 com todos os vícios das atividades sociais humanas Assim discriminações de várias formas estão presentes e tornam a tarefa da aceitação difícil vide Gibb 1995 tendo o cientista que se preocupar com essa dinâmica Caso contrário ele corre o risco de ver seus trabalhos ignorados pela comunidade científica Mesmo que isso possa lhe parecer injusto certamente decorre da inabilidade do cientista que não soube considerar devidamente os meandros dessa comunidade nos aspectos relativos à aceitação de seus trabalhos científicos vide Volpato 2008 O Papel das Revistas Científicas para a Ciência do Comportamento Animal Recentemente tenho definido o que é uma revista científica internacional Primeiramente vamos entender porque é importante a preocupação com o aspecto internacional Ideias discutidas num universo restrito mesmo que restrito a um país uma cultura têm maior probabilidade de equívocos do que as discutidas num ambiente mais heterogêneo representado por cientistas de vários países Além disso considere que a publicação científica é uma discussão com o meio acadêmico envolvendo jargões e preceitos dos cientistas Uma vez que o conhecimento gerado passe por esse crivo ao menos seja publicado numa revista de bom nível internacional então estamos validados para divulgar esse conhecimento para a sociedade não científica Por exemplo quando um médico nos receita um medicamento a adequação daquele medicamento no respectivo quadro foi antes discutida arduamente entre médicos e outros cientistas Somente após a aceitação é que esse conhecimento passou a ser disseminado para a população não científica Isso é responsabilidade social Nesse quadro considerando as revistas como elemento de crítica note que as mais conceituadas são procuradas pelos principais cientistas da área Assim publicar nesses veículos significa que nosso artigo ganhou prioridade frente a outros de bom nível revista internacionais de boa qualidade não publicam apenas o que está correto mas aquilo que está correto e representa um grande avanço e isso é relativo ao conjunto de manuscritos analisados Agora temos que entender o que é uma revista internacional Ela é um veículo que divulga conhecimento científico no universo internacional e é acreditada nesse universo Assim uma revista internacional deve necessariamente publicar artigos de 44 cientistas de vários países e ser citada por cientistas de vários países vide Volpato 2011 Ou seja não basta estar em inglês temos que analisar sua abrangência A crítica da revista editores e revisores aos manuscritos representa ponto importante para o crescimento do artigo Embora muitos vejam isso com relutância temos que perceber que os artigos publicados geralmente estão em muito melhor qualidade do que quando o manuscrito foi apresentado pela primeira vez Assim encare essa crítica como forma de aprendizado Mas um cuidado deve ser tomado Se a crítica é correta aprendemos corretamente se é equivocada aprendemos erros Portanto não submeta artigos para revistas fracas priorize as de boa qualidade de sua área geralmente a de nível internacional como discutido acima Se você fez ciência do comportamento animal não importa em que nível esteja graduação pósgraduação ou níveis superiores a esse seu discurso deve ser de interesse para a ciência internacional ciência nacional é um equívoco Nesse panorama vemos hoje muitas revistas nacionais brasileiras lutando arduamente para conquistarem uma posição de revista internacional E como ajudálas Considero aqui apenas duas formas Não ajudaremos enviando a elas nossos artigos mais fracos e à ciência internacional os de melhor qualidade como geralmente ocorre Na fase de crescimento do cientista até próximo à metade de sua carreira profissional estará lutando para conquistar um lugar ao sol Nesse cenário deverá conquistar espaço na ciência internacional e dificilmente publicações mais restritas o ajudarão Assim sua forma de ajuda às revistas nacionais é não esquecer a boa ciência que pode haver nelas Ou seja quando possível não relegue os artigos nacionais citeos nas suas publicações em periódicos de nível internacional indiscutível desde que representem adequadamente o que quer mostrar e esteja em idioma internacional inglês Em geral o brasileiro cita todo mundo menos o próprio brasileiro21 Quando já tiver alcançado êxito na carreira científica sendo um cientista reconhecido internacionalmente então não se esqueça de fornecer alguns de seus bons trabalhos para a revista nacional em ascensão pois isso a fará ser vista uma vez que cientistas de outros países procurarão suas publicações Essas são as duas formas genuínas para ajudarmos nossas revistas REFERÊNCIAS 21 Note que quando algum brasileiro é sondado para o prêmio Nobel chegam cartas à comissão desqualificando esse profissional e são cartas de brasileiros Temos que desenvolver uma atitude nacionalista permeada pela competência 45 Barcellos LJG Nicolaiewsky S Souza SMG Lulhier F 1999 Plasmatic levels of cortisol in the response to acute stress in Nile tilapia Oreochromis niloticus L previously exposed to chronic stress Aquaculture Research 30 43744 Dawkins MS 1995 Unravelling Animal Behaviour Harlow Essex Fernandes MO Volpato GL 1993 Heterogeneous growth in the Nile tilapia social stress and carbohydrate metabolism Physiology and Behavior 542 319323 Feyerabend PK 1993 Against Method New York Verso Kelley JL Graves JA Magurran AE 1999 Familiarity breeds contempt in guppies Nature 401 6612 Lakatos I Musgrave A 1979 A Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento São Paulo Edusp Moreira PSA Pulman KGT Pottinger TG 2004 Extinction of a conditioned response in rainbow trout selected for high or low responsiveness to stress Hormones and Behavior 464 4507 Moreira PSA Volpato GL 2004 Conditioning of stress in the Nile tilapia Journal of Fish Biology 64 9619 Popper KR 1972 A Lógica da Pesquisa Científica São Paulo Editora Cultrix Russel B 1977 História da Filosofia Ocidental v 1 São Paulo Companhia Editora Nacional Teresa FB GonçalvesdeFreitas E 2003 Interação Agonística em Geophagus surinamensis Teleostei Cichlidae Revista de Etologia 5 1216 Volpato GL 2007a Bases Teóricas para Redação Científica Cultura Acadêmica Scripta São Paulo Vinhedo SP Volpato GL 2007b Ciência da filosofia à publicação 5ª ed Cultura Acadêmica Scripta São PauloVinhedo SP Volpato GL 2008 Publicação Científica Cultura Acadêmica São Paulo SP Volpato GL 2010a Dicas para Redação Científica 3ª ed Cultura Acadêmica São Paulo SP Volpato GL 2010b Pérolas da Redação Científica 1ª ed Cultura Acadêmica São Paulo SP Volpato GL 2011 Método Lógico para Redação Científica 1ª ed Best Writing Botucatu SP 46 Volpato GL Fernandes MO 1994 Social control of growth in fish Brazilian Journal of Medical and Biological Research 27 797810 Volpato GL GonçalvesdeFreitas E FernandesdeCastilho M 2007 Insights into the concept of fish welfare Diseases of Aquatic Organisms 75 165171 47 Capítulo 3 MÉTODOS DE ESTUDO DO COMPORTAMENTO ANIMAL Eliane Gonçalves de Freitas elianegibilceunespbr Departamento de Zoologia e Botânica IBILCE CAUNESP Universidade Estadual Paulista UNESP São José do Rio Preto SP Brasil Silvia Mitiko Nishida nishidaibbunespbr Departamento de Fisiologia Instituto de Biociências Universidade Estadual Paulista UNESP Botucatu SP Brasil 48 COMO INICIAR UM ESTUDO DE COMPORTAMENTO ANIMAL Faz parte da condição humana fazer perguntas e procurar respostas Conforme visto no Capítulo 2 a pesquisa científica começa com a elaboração de perguntas podendo incluir a elaboração inicial de respostas provisórias hipóteses Por exemplo considere a questão e as respostas provisórias abaixo Pergunta Por que o motor do carro não está funcionando Hipótese 1 Porque a acabou a gasolina Hipótese 2 Porque a bateria está descarregada Podemos facilmente testar as duas hipóteses propondo maneiras de investigar qual das duas está correta Para testar a primeira basta checar se o tanque de combustível está vazio Se não podemos rejeitar a primeira hipótese e partir para a segunda por exemplo trocando a bateria velha por uma nova Se o carro funcionar podemos concluir que o carro não estava funcionando devido a alguma falha elétrica Observem que a hipótese direcionou o que observar ou fazer olhar o tanque ou trocar a bateria com isso auxiliando na pesquisa sobre a pergunta inicial E no caso do estudo do comportamento como realizamos uma investigação cientifica Igualmente devemos formular perguntas As idéias revolucionárias de Konrad Lorenz sobre bases biológicas do comportamento animal foram experimentalmente demonstradas por Nikolaas Tinbergen Ambos junto com Karl Von Frisch que contribuiu com pesquisas sobre a fisiologia do comportamento marcaram a fundação de uma nova ciência chamada Etologia e foram laureados com o Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia em 1973 Em 1929 Tinbergen estava preparando a sua tese de doutorado e estava fascinado com o comportamento das vespas escavadoras Philanthus triagulum cujas fêmeas capturavam e transportavam abelhas que serviam de alimento para as larvas que eram criadas em ninhos subterrâneos Todas as vezes que a vespa deixava o ninho ela fechava a entrada e depois de 30 a 60 minutos retornava em meio a várias outras entradas de vespas vizinhas sem nunca errar a entrada da sua própria toca Tinbergen já havia constatado que durante as primeiras saídas do dia a vespa voava bem acima da própria entrada e fazia vôos circulares antes de partir para a caçada Intrigado 49 Tinbergen se perguntou Que fatores são importantes para a vespa reconhecer a entrada do seu próprio ninho Então lhe ocorreu a seguinte hipótese o sobrevôo que a vespa faz antes de sair à caça serve para memorização de referências espaciais próximas à entrada do ninho que servem de sinalizadores no momento de retorno ao ninho Ensaiou a sua hipótese predizendo que se as referências espaciais fossem modificadas a vespa ficaria desorientada e teria dificuldades para encontrar sua própria toca ao retornar da caçada Convencido de que estava no caminho certo precisava testar essa hipótese através de uma investigação experimental Primeiro Tinbergen esperou que as vespas deixassem o ninho e então removeu cuidadosamente as supostas referências espaciais da entrada do ninho gravetos tufos de gramas etc Ao voltar com a presa capturada ao invés de pousarem certeiramente na abertura do ninho como faziam regularmente as vespas voaram várias vezes em círculos logo acima da entrada Após algumas tentativas apenas uma ou outra vespa conseguiu achar corretamente a entrada Esses dados sugeriram a Tinbergen que de fato essas vespas utilizavam referências espaciais para localizar a entrada do ninho Em seguida ele delineou um outro experimento assegurouse de que a vespa estava dentro da toca e colocou várias pinhas formando um círculo ao redor da entrada Como de costume a vespa fez vôos em círculo e saiu para a caçada Antes que ela voltasse Tinbergen refez o arranjo circular de pinhas colocando as próximas à entrada real do ninho mas sem circundálo Quando a vespa retornou foi direto para o centro do círculo de pinhas onde estaria a entrada do ninho Desse modo a hipótese elaborada por Tinbergen foi elegantemente testada e corroborada Em resumo a pergunta feita por Tinbergen gerou hipóteses as quais nortearam os objetivos de sua pesquisa seus delineamentos experimentais e a coleta de dados comportamentais Esses dados corroboraram a sua hipótese esclarecendo assim aspectos sobre os mecanismos de orientação espacial da vespa cavadora Conforme salientado no capítulo anterior o estudo do comportamento envolve também pesquisas que não precisam testar hipóteses nesse caso o interesse é saber como é o comportamento ou seja conhecer sua descrição enquanto fenômeno natural Isso é importante porque antes de quantificar o comportamento devemos saber como ele é Nesse caso embora sem hipótese prévia a amostragem correta é fundamental 50 As Causas Últimas e Imediatas do Comportamento Animal Os estudos de Tinbergen sobre o comportamento dos animais sempre incluíram perguntas e hipóteses muito claras Tinbergen 1951 Ele não tinha apenas uma grande criatividade mas possuía conceitos muito nítidos sobre as propriedades biológicas dos animais e sobre as principais teorias causais sobre diversidade adaptação e evolução das espécies Para ele o repertório comportamental a morfologia e a fisiologia são propriedades inerentes ao organismo Vejamos a relação de causa e efeito do comportamento mencionado por Tinbergen sob a óptica de John Alcock o eminente estudioso do comportamento animal Alcock 2009 relata uma pesquisa de campo que fazia na Costa Rica sobre uma espécie de mariposa do gênero Automeris Ao tocar numa mariposa que estava sobre um galho subitamente ela abriu as asas e expôs um par de círculos escuros imitando dois grandes olhos Logo lhe veio à mente dois grupos de perguntas No primeiro havia perguntas do tipo 1 Como o sistema muscular move as asas e o que controla esses músculos 2 Como a mariposa sabe quando foi tocada 3 O modo de vida durante o desenvolvimento da mariposa influencia o comportamento quando adulto 4 Esse comportamento seria herdado dos progenitores Nesse grupo de perguntas estão implícitas questões que buscam esclarecer as causas imediatas do comportamento As duas primeiras perguntas enfocam questões fisiológicas sobre o mecanismo de abrir as asas da mariposa As duas últimas questões estão relacionadas às influências do desenvolvimento ontogenético sobre as causas do comportamento Porém a mente questionadora de Alcock produzia mais perguntas 5 Que vantagens a mariposa teria apresentando esse comportamento 6 Como o comportamento teria evoluído ao longo do tempo 7 Que padrão motor teria sido o predecessor desse comportamento 8 Se houve tais mudanças quais teriam sido as causas Essas quatro últimas perguntas enfocam as causas últimas do comportamento isto é são perguntas que geram hipóteses relacionadas aos aspectos evolutivos e 51 adaptativos do comportamento Elas dizem respeito aos efeitos sobre as chances de sobreviver e de deixar descendentes De fato ao abrir as asas e expor o par de manchas circulares diante de um predador natural a mariposa pode assustálo pois essas manchas simulam os olhos de uma coruja predador do pássaro que preda a mariposa Com isso essa mariposa pode ganhar alguns minutos preciosos para fuga dandolhe uma vantagem em relação àquelas que não apresentam essa reação Então podemos assumir que esse comportamento tem valor adaptativo para o individuo A Tabela 1 sumariza esses dois tipos de causas estabelecendo o nível da investigação sobre o comportamento Esta divisão entre causas próximas e últimas é análoga à divisão de abordagens horizontais que estão ocorrendo agora e verticais que decorrem do processo filogenético Tabela 1 Níveis causais do comportamento animal CAUSAS IMEDIATAS 1 Mecanismos genéticosontogenéticos do comportamento Efeitos da hereditariedade sobre o comportamento Interações genéticoambientais durante o desenvolvimento ontogenético que afetam o comportamento 2 Mecanismos sensóriomotores Detecção dos estímulos ambientais ação do sistema nervoso Ajustes da responsividade endógena ação dos sistemas hormonais Efetuação das respostas ação do sistema músculoesquelético CAUSAS ÚLTIMAS 1 História biológica do comportamento Origem do comportamento e suas mudanças no tempo 3 Resultado da seleção natural na determinação do comportamento atual História adaptativa do comportamento em termos reprodutivos COMO QUANTIFICAR O COMPORTAMENTO A metodologia científica consiste em um conjunto de procedimentos através dos quais os cientistas formulam perguntas a maioria respondida por meio de hipóteses descrevendo como quando e o que será utilizado e avaliado durante a 52 pesquisa Isso envolve um planejamento durante o qual as formas de registro métodos de quantificação e análise das informações são definidos Muitos iniciantes são induzidos a crer que a obtenção de maravilhosas imagens e a produção de descrições comportamentais atraentes como as dos documentários de TV sobre a vida dos animais sejam suficientes para a compreensão do comportamento animal Descrever a morfologia do comportamento como referido por Volpato no capítulo 2 corresponde a apenas uma etapa da investigação embora de grande importância no estudo do comportamento É o momento em que o observador se familiariza com os exemplares da espécie e dirige a ela um olhar contemplativo porém critico Tratase de uma fase analítica da estrutura dos padrões motores e suas variações A partir dela podemos realizar descrições criteriosas sobre como uma determinada espécie caça ou se acasala No entanto a ciência do comportamento não se restringe aos procedimentos descritivos do comportamento Como vimos no capítulo anterior temos necessidade de esclarecer as relações de causa e efeito do comportamento sejam elas de natureza imediata ou última Para realizarmos generalizações sobre as causas do comportamento e estendermos para a espécie toda precisamos de um método quantitativo e para isso de unidades de medida do comportamento Com uma metodologia quantitativa nas mãos podemos delinear estudos experimentais testar as hipóteses aventadas e proceder às análises comparativas e associativas sobre os aspectos do comportamento de interesse na investigação Antes de prosseguirmos temos que deixar claro que qualquer que seja a forma de quantificação do comportamento ela só tem sentido depois que a pergunta que se formulou for clara e precisa o bastante para ser transformada em pesquisa Assim é importante que os projetos sejam bem estruturados Para isso é necessário que o objetivo seja claro e bem fundamentado bem como as hipóteses que serão testadas O problema geral no qual se insere a pesquisa deve ser contemplado incluindo as teorias existentes na qual se insere a pesquisa Com isso em mente saberemos como delinear uma pesquisa e quais serão as formas de quantificação mais adequadas para o trabalho O Etograma O etograma é um o inventário ou uma lista de unidades comportamentais de uma determinada espécie acompanhado das respectivas descrições A construção de 53 um etograma é um passo importante no processo de quantificação do comportamento Ao contemplar atentamente o comportamento de um determinado animal facilmente identificaremos uma série contínua de posturas e de movimentos do corpo ou de partes dele Algumas atividades são de curtíssima duração e são chamadas de eventos Outras atividades são mais prolongadas e indicam estados comportamentais Cada item do catálogo corresponde a um verbo que indica um evento ex saltar capturar ou um estado comportamental ex repousar dormir podendo ser acompanhado de complementos verbais perseguir andando perseguir correndo repousar dentro da toca repousar fora da toca etc Depois de estabelecida a lista de eventos e de estados comportamentais é necessário descrevêlos o que podemos fazer de duas maneiras a Sob o ponto de vista estrutural no qual a descrição considera a aparência a forma física ou os padrões motores do comportamento e é feita em termos de sequência de posturas e movimentos de partes específicas do corpo Exemplos empurrar a alavanca com a pata dianteira abaixar a orelha esquerda b Sob o ponto de vista da consequência descrevendo o resultado comportamental que o animal produziu no ambiente em outros indivíduos ou sobre si mesmo Os descritores desse tipo são mais fáceis de serem memorizados e proporcionam descrições sucintas Exemplos ingerir alimento beber montar copular afastarse aproximarse etc Por outro lado não devemos usar descritores sobre cujas consequências não podemos ter certeza Ao invés usar um descritor como chamar filhote é preferível usar vocalizar piar ou ladrar conforme o caso Um exemplo de etograma é mostrado na Tabela 2 Teresa e Gonçalvesde Freitas 2003 propuseram o etograma sobre o comportamento agonístico de uma espécie de teleósteo da bacia amazônica Geophagus surinamensis redescrito como Geophagus proximus para o qual não havia qualquer descrição na literatura Levando em consideração que a espécie é territorial escolheram o paradigma intrusoresidente como condição de observação do comportamento e assim aumentaram a probabilidade de ocorrências das interações agressivas intraespecificas As repetidas observações dos animais possibilitaram tomadas de decisão sobre que posturas e movimentos constituiriam as unidades básicas do comportamento de interação agonística Depois de 54 relacionar o conjunto de unidades arbitrárias para o comportamento de interação agonística realizouse uma descrição com detalhes suficientes para que outros cientistas pudessem reconhecer os mesmos eventos e estados comportamentais A fase de elaboração do etograma é de suma importância pois se as unidades comportamentais apresentarem descrições dúbias criase uma fonte de erros comprometendo a qualidade da quantificação Esse problema é detalhado neste capítulo no item Confiabilidade e Validade das Medidas Comportamentais Um etograma fiel e completo serve de referência para vários cientistas que trabalham com a mesma espécie Ao iniciar uma pesquisa sobre o comportamento de uma determinada espécie é bastante recomendável que se pesquise na literatura a existência de um etograma previamente padronizado para poupar o seu tempo Por outro lado ele deve ser testado para verificar se os descritores utilizados são fiéis ao comportamento observado O rato Ratus norvegicus é um modelo animal amplamente utilizado nas pesquisas sobre as causas imediatas do comportamento e o seu etograma é baseado num consenso internacional que pode ser acessado pela Internet httpwwwratbehaviororgGlossaryhtm Aliás na Internet podemos encontrar vários sites que disponibilizam etogramas oficiais de várias espécies mas tomem cuidado e considerem apenas aqueles cientificamente reconhecidos publicados com sistema de peer review Um outro ótimo exemplo de construção de etograma é o trabalho Agonistic ethogram of the equid bachelor band de McDonnell e Haviland 1995 Tabela 2 Etograma das interações agonísticas de um peixe teleósteo Unidade Comportamental Descrição do comportamento Com o oponente próximo o peixe eriça a nadadeira dorsal e expande as nadadeiras pélvica e anal Durante esse comportamento a coloração corporal se torna clara e brilhante O peixe se aproxima lateralmente de outro e abre a boca sem encostála no corpo do oponente Esse comportamento pode culminar num ataque O peixe abre a boca e percute com ela o corpo do oponente fechandoa no momento do contato O ataque pode ocorrer nas laterais medianas do corpo no ventre no dorso nas nadadeiras ou na cabeça do peixe agredido O agressor ataca com a boca perpendicular ao corpo do oponente empurrandoo 55 O peixe ataca a lateral mediana do corpo do oponente com a boca descrevendo uma trajetória semicircular ao longo do eixo horizontal do peixe agredido O círculo é geralmente completado na direção do oponente que torna a ser atacado O peixe executa um ataque lateral e passa por cima ou por baixo do oponente atacandoo do outro lado do corpo O movimento é rápido e pode ocorrer várias vezes sucessivamente Dois peixes posicionam suas bocas que são subterminais abertas frente a frente sem contato com ondulações brandas do corpo Essa exibição geralmente antecede os confrontos frontais Dois peixes justapõem suas mandíbulas e um deles empurra o outro ou ambos se empurram mutuamente em movimentos rápidos O peixe prende a mandíbula do seu oponente com a boca podendo ficar nessa postura por mais de um minuto Dois peixes ficam lado a lado com as cabeças voltadas no mesmo sentido ou mais freqüentemente em sentido oposto ondulando o corpo vigorosamente Os peixes ficam em contato ou muito próximos um do outro Enquanto ondula o corpo um peixe pode atacar o seu oponente ou morder a porção final de sua nadadeira anal ou dorsal O peixe ondula o corpo no sentido ânteroposterior quando está próximo do oponente O peixe agredido exibe ondulações rápidas e intensas com o corpo que levam à repulsão do peixe agressor O peixe segue o oponente enquanto este foge Esse comportamento pode culminar em ataques por parte do perseguidor Na fuga o peixe se afasta do oponente que o persegue ou ataca Extraído de Teresa e GonçalvesdeFreitas 2003 com autorização do Editor da Revista de Etologia O Que Quantificar Suponha que nosso objetivo seja testar o efeito de um fator qualquer sobre a agressividade em codornas japonesas Coturnix coturnix japonica Primeiro é necessário saber como a agressão se manifesta e em seguida decidir como quantificá la Schlinger et al 1987 padronizaram um etograma para a codorna demontrando que a principal forma de expressão de agressividade ocorre por meio de bicadas desferidas 56 umas contra as outras Assim depois de reduzir a agressividade a variáveis operacionais mensuráveis podemos quantificálas por meio das formas abaixo 1 Latência tempo que um determinado comportamento demorou a ser exibido Assim se num teste um macho demorar 2 minutos para desferir a primeira bicada essa será a latência para o primeiro ataque 2 Frequência é número de vezes que um determinado evento ocorreu numa determinada unidade de tempo Suponha que em 20 minutos de observação a codorna 1 bicou 54 vezes a codorna 2 e essa bicou apenas 4 vezes a oponente Nesse caso dizemos que a codorna 1 bicou a codorna 2 com uma frequência de 27 bicadas por minuto 5420 enquanto a outra codorna emitiu 02 bicadas por minuto 420 3 Duração referese ao tempo gasto por um animal exibindo uma determinada unidade comportamental Imagine que durante os 20 minutos do exemplo anterior houve três episódios de perseguição da codorna 1 com durações de 20 13 e 40 minutos cada A soma dessas durações 75 minutos indica o tempo total do item perseguição e podemos expressar esse total na forma de proporção de tempo gasto com o comportamento de perseguição nesse caso 74 20 037 Essa proporção calculada não possui unidade e varia de 0 a 10 Podemos fazer o mesmo cálculo para a codorna 2 com a finalidade de comparar os respectivos desempenhos 4 Intensidade está relacionada com a força com que o comportamento é expresso Suponha que desejamos comparar a intensidade do comportamento agressivo entre vários machos de codornas Se bicar o outro é o item comportamental que melhor operacionaliza o conceito expressão agressiva o sujeito que apresentou a maior frequência de bicadas pode ser considerado o mais agressivo da amostra Alternativamente poderá ser o que mais gastou tempo perseguindo o outro A intensidade pode ser medida também por meio de indicadores físicos Por exemplo intensidade sonora do canto de um pássaro a intensidade em libras da força da mordida de um crocodilo Como Registrar o Comportamento O ser humano possui órgãos sensoriais com grande resolução espacial e temporal associada a uma fabulosa capacidade cognitiva para registrar e interpretar os eventos que ocorrem à sua volta No entanto somos limitados em alguns aspectos pois não compartilhamos as mesmas capacidades sensoriais de outros animais não ouvimos 57 os infrassons ou os ultrassons não enxergamos muito bem em ambientes pouca luminosidade ambiente noturno interior de águas profundas ou cavernas pouco iluminadas além de nossa resolução visual ser ruim para objetos muito pequenos ou distantes Não fazemos a mínima idéia do que seja a sensação proporcionada pela estimulação da linha lateral dos peixes ou oriunda de receptores que detectam campo elétrico ou de fotorreceptores sensíveis à luz ultravioleta Em relação à nossa motricidade não escrevemos ou falamos na velocidade do pensamento e temos muitas imprecisões ao tentarmos observar e registrar simultaneamente os acontecimentos que estamos testemunhando A superação dessas limitações foi resolvida em parte pela invenção de aparelhos analógicos e digitais que expandem os nossos sentidos e ampliam a nossa capacidade sensorial e motora além de armazenarem dados permanentemente O uso desses equipamentos no entanto deve ser tomado simplesmente como uma complementação metodológica pois nada disso pode substituir o processo criativo da mente humana para fazer perguntas propor hipóteses e delinear a pesquisa científica Lembrese que tanto Charles Darwin como os fundadores da Etologia não dispunham da parafernália tecnológica existente hoje quando fundamentaram respectivamente as teorias da seleção natural e das causas imediatas e últimas do comportamento animal Descrevemos abaixo os recursos mais usados para o registro do comportamento animal 1 Filmagens ou vídeotapes oferecem registros de imagens e de áudio bastante precisos sobre o comportamento e têm a vantagem de poder ser observado e analisado repetidas vezes São essenciais para registrar eventos extremamente rápidos que escapam à resolução visual humana fornecendo uma decodificação mais lenta quadro aquadro ou em slow motion Em outros casos a passagem acelerada fast moving possibilita identificar elementos imperceptíveis na velocidade normal É o meio mais eficaz para o registro e armazenamento do comportamento na forma exata como ocorreu Por outro lado devemos ter em mente que a qualidade do registro não depende de câmeras cinematográficas ou de vídeo de última geração mas primariamente da mente treinada de um observador que decide o que e quando observar Após a filmagem é necessário fazer a transcrição dos dados em unidades comportamentais para posterior quantificação e análise 58 2 Descrições verbais podem ser escritas ou gravadas em áudio As descrições verbais do comportamento são muito úteis especialmente durante testes pilotos A gravação em áudio proporciona um relato direto durante a ocorrência do comportamento Tendo padronizado previamente um etograma os itens comportamentais podem ser ditados em um gravador de áudio à medida que ocorrem ou podem ainda ser amostrados em determinados intervalos de tempo veja mais adiante Uma dica prática para se ditar o etograma em um gravador de áudio é usar um código verbal monossilábico ou dissilábico para cada item comportamental ao invés de perseguir ditar persê ou ao invés de construir ninho constrí e assim por diante Isso economiza palavras durante o ditado evitando as defasagens de tempo entre a ocorrência de um item e seu registro Como no caso anterior essa forma de registro também necessitará da transcrição dos dados para posterior quantificação e análise Só não esqueça de anotar o código para que possam ser entendidos por outra pessoa que venha a trabalhar com a gravação ou você mesmo caso o intervalo entre a gravação e a transcrição dos dados seja longa 3 Planilha de Registro Check sheet é a ferramenta mais simples prática e barata Os itens comportamentais são transcritos em uma planilha de papel e à medida que ocorrem são registrados Fig 1 A limitação deste método é o número restrito de itens que podemos registrar GrupoAnimal Observador Data Obs Condição Itens comportamentais Tempo Perseguição Fuga Confronto frontal Confronto paralelo Confronto lateral Ondulação Ameaça 1402 1404 1406 1408 1410 1412 1414 1416 59 1418 1420 1422 1424 1426 1428 1430 1500 Figura 1 Exemplo de uma planilha de registro A porção superior cabeçalho deve conter informações das condições de estudo identificação do animal grupo etc O corpo da planilha deve conter os itens comportamentais que serão registrados e o momento ou período de registro 4 Registradores automáticos de eventos podem ser eletromecânicos ou digitais No caso de um registrador eletromecânico um motor elétrico traciona o papel sobre o qual os eventos são registrados a uma velocidade constante Schmidek et al 1983 Nesse caso o observador assinala sobre o papel que está sendo tracionado os momentos de ocorrência dos eventos comportamentais seja a partir de uma gravação ou observando diretamente o comportamento O início de um outro evento marca o fim do evento anterior Completada a transcrição podemos calcular a frequência ou a duração de cada item comportamental ou a latência de um determinado item em particular Um exemplo clássico de automação de registro e análise comportamental é a famosa gaiola de Skinner desenvolvida pelo eminente behaviorista Burrhus Skinner que desenvolveu vários estudos sobre condicionamento operante Essa gaiola foi projetada de modo que o modelo animal por ex rato ou pombo ao apertar uma alavanca recebia uma pelota de ração ou seja um reforço ou recompensa O ato de apertar a alavanca mecânica gerava um sinal elétrico que automaticamente era convertido numa inscrição em papel não necessitando do observador A automação tem a vantagem de evitar os erros de transcrição do comportamento Atualmente qualquer sinal elétrico que for transduzido pode ser capturado por uma placa analógicodigital de um microcomputador Desde que o computador possua uma rotina programa que identifique e organize os sinais capturados poderá realizar automaticamente os cálculos de frequência duração ou latência 60 Um outro exemplo de automação são os registradores de eventos sonográficos como o sistema Loudspeaker Measurement System wwwlinearxcomproductsanalyzersLMSLMS01htm Ele adquire os sinais de ondas sonoras cantos de aves sons de insetos etc gravadas em fitas K7 ou discos digitais e realiza uma vasta quantidade de análises bioacústicas Esses softwares geralmente são bastante sofisticados captam e registram vocalizações de longa duração geram exibições gráficas de alta definição e realizam várias análises quantitativas e comparativas Mendes 2004 Outros registradores de eventos digitais populares atualmente mas de alto custo são aqueles produzidos pela Noldus wwwnolduscomproductsindexhtml os quais propiciam aquisição de dados diretamente do teclado do computador reduzindo a probabilidade de erros de transcrição e minimizando o tempo gasto pelo observador O programa Observer VideoPro da Noldus dispõe de um relógio interno possibilitando configurações quanto ao método de amostragem que se deseja fazer captura imagens de vídeo e permite o registro de duração frequência e latência de comportamentos Noldus et al 2000 Um registrador bastante prático e que está disponível gratuitamente pela Internet é o Etholog 22 Ottoni 2000 wwwgeocitiescomebottoniethohomehtml utilitário de produção totalmente nacional que é periodicamente atualizado INTERFERÊNCIA DO OBSERVADOR O registro do comportamento sempre vem acompanhado de uma variável que embora difícil temos que tentar controlar Tratase do efeito que o observador tem sobre o comportamento dos animais A presença do pesquisador é algo diferente no ambiente Para controlar essa variável podemos nos esconder atrás de anteparos visuais mas temos que nos lembrar que muitos animais percebem o ambiente por meio de odores Então o observador será notado mesmo se estiver visualmente escondido Podemos exemplicar com o seguinte fato Um pesquisador que estuda vespas sociais utilizou repelente de insetos para evitar as doloridas ferroadas durante as observações no campo O odor do repelente provocou o enxameamento impedindo a observação do comportamento das vespas na colônia No entanto o pesquisador foi esperto o suficiente para fazer dessa situação um método eficaz para estudar enxameamento Esse é um fato real que aconteceu com o Pósgraduando Carlos Alberto dos Santos pertencente ao grupo do Prof Dr Fernando Noll da UNESP de São José do Rio Preto SP Apesar de nossa presença afetar o comportamento dos animais várias espécies podem se habituar à nossa presença e com isso exibir o comportamento naturalmente Por 61 exemplo em nossos estudos com peixes notamos que os animais se refugiam no fundo do aquário quando entramos no laboratório Porém se nos sentarmos e não realizarmos movimentos bruscos os animais voltam a exibir o comportamento normal alimentação defesa de território corte em cerca de 10 min Outro exemplo famoso é o estudo com chimpanzés realizados pela grande pesquisadora Jane Goudall Ela conseguiu se aproximar dos grupos desses macacos para poder estudálos após um período de habituação MÉTODOS DE AMOSTRAGENS DE DADOS Tendo padronizado o etograma e tendo em mente os diferentes meios de registros comportamentais disponíveis restam ainda outras decisões a serem tomadas para o estudo do comportamento animal Boas decisões dependem muito de nossa reflexão que ocorre durante as observações preliminares ou estudospiloto É nessa fase inicial da pesquisa que os ajustes finos da metodologia são realizados Uma espécie animal é composta de inúmeros indivíduos e obviamente não podemos estudar todos eles A alternativa que nos resta é estudar um grupo representativo dessa população que é chamado de amostra ver adiante em análise de dados Além desse tipo de amostra há a amostragem do comportamento Uma unidade comportamental pode ocorrer várias vezes ao longo das 24 h de um dia e mesmo ao longo de vários dias Como é impossível observarmos o mesmo animal continuamente podemos recorrer a amostras de seu comportamento Alguns dos métodos mais usuais de amostragem dos comportamentos foram sistematizados por Altmann 1974 e são descritos abaixo a amostragem ad libitum neste caso o observador simplesmente registra tudo aquilo que acha relevante Esse tipo de registro é útil na etapa de observação preliminar mas é desvantajoso à medida que os animais mais ativos de um grupo em observação podem desviar a atenção do observador b amostragem do animal focal o observador escolhe aleatoriamente ou não um único indivíduo de um agrupamento ninhada tríade ou outra unidade social o qual servirá de foco das observações por um determinado período Registrase seu comportamento e no caso de situações de interação social por exemplo anotase com que indivíduos esse animalfocal interagiu Este método traz uma desvantagem para os estudos de campo pois é bastante comum nessas condições o animalfocal desaparecer do campo de visão embrenhandose em meio aos arbustos ou para dentro 62 da toca Caso isso aconteça a observação deve ser interrompida e anotado o tempo de observação amostrado para fins de futuros ajustes quantitativos c amostragem por escaneamento fixase um determinado número de intervalos regulares de tempo dentro de um período Ao final de cada intervalo as atividades comportamentais de todos os indivíduos à vista são instantaneamente registradas Este tipo de amostragem proporciona informações pontuais sobre a ocorrência ou não de determinados comportamentos identificando os indivíduos envolvidos Neste tipod e amostragem os comportamentos são registrados por amostragem de tempo instantânea ver abaixo A eficácia desse método depende do observador ter intimidade com a identificação dos animais seja por marcas naturais ou artificiais veja item mais adiante Também podemos combinar os métodos amostrais num mesmo período é possível amostrar dados comportamentais por escaneamento e os dados de um animal focal d amostragem comportamental neste caso o observador procura registrar um comportamento específico fornecendo todos os detalhes sobre os indivíduos envolvidos Esse tipo de registro é útil para comportamentos que ocorrem com baixa frquência Por exemplo número de cópulas num grupo de bonobos Anotase quantas vezes o comportamento ocorreu e se possível qual macho e qual fêmea Por Quanto Tempo Registrar Outra decisão importante a ser tomada no estudo do comportamento animal é sobre quando ou por quanto tempo registrar os comportamentos Devemos registrálo ininterruptamente por determinado tempo registro contínuo ou a intervalos regulares de tempo registro por amostragem de tempo a Registro contínuo permite registrar exatamente a sucessão dos itens comportamentais em um determinado período de tempo possibilitando a obtenção de dados absolutos sobre latência frequência e duração dos comportamentos além de possibilitar análises sequenciais do comportamento Esse é um método de registro bastante indicado se você deseja esclarecer a sequência e a duração dos eventos que caracterizam por exemplo o ritual de acasalamento ou da construção de ninho de uma determinada espécie Geralmente o registro de itens com maior probabilidade de ocorrência pode ser amostrado num intervalo de tempo menor do que itens que ocorrem 63 mais raramente A definição desse intervalo deve ser feita para garantir que o comportamento será de fato amostrado ao menos para a maioria das réplicas b Registro por amostragem de tempo ou intervalar neste caso os dados comportamentais são obtidos a intervalos prédefinidos no tempo Por exemplo podemos fazer observações a cada 20 segundos num período total de 20 minutos Com essa marcação de tempo teremos 60 momentos e 60 intervalos amostrais Durante esse período podemos registrar os dados comportamentais de duas maneiras 1 Amostragem instantânea A cada intervalo de tempo por ex 20 s registramos a ocorrência ou não de um determinado comportamento Quando obtemos dados comportamentais dessa maneira não podemos calcular a frequência ou duração dos comportamentos mas é uma amostragem muito útil quando queremos fazer registros de estados ou comportamentos de longa duração O tipo de dados que serão obtidos por esse tipo de amostragem são escores Por exemplo se dividimos um período de 10 minutos em intervalos de 10 segundos teremos 60 pontos amostrados Se um comportamento é registrado 15 desses 60 então o escore será 1560 ou 025 Outro comportamento que foi registrado 36 vezes o escore será 06 Assim quanto maior a duração do comportamento maior será o escore Por essa razão as amostragens intantâneas são usadas para estados 2 10 umzero Em intervalos regulares por ex a cada 10 s o observador registra se o comportamento ocorreu 1 ou não 0 no intervalo antecendente Esse tipo de amostragem também é particularmente útil para os registros de estados ao invés de eventos comportamentais de um ou mais animais Ao final do período de registros o observador também irá obter escores O critério utilizado para estabelecer o intervalo de tempo depende de quantos itens comportamentais serão registrados e da natureza dos mesmos É claro que quanto mais curto o intervalo mais adequada é a amostragem mas o bom senso e a experiência do observador determinarão o intervalo de tempo apropriado para cada caso CONFIABILIDADE E VALIDADE DAS MEDIDAS A confiabilidade diz respeito ao quanto uma medida é reprodutível e está livre de erros do tipo aleatório Por exemplo uma medida idealmente confiável é aquela cujos dados não apresentam oscilações entre as mensurações As medidas nem sempre 64 são exatas mas podem ser confiáveis dentro de uma margem de segurança Já a validade diz respeito ao quanto a medida representa aquilo que o cientista deseja quantificar e idealmente deve ser livre de erros sistemáticos Tanto a confiabilidade como a validade devem ser cuidadosamente determinadas pois é por meio delas que a qualidade do diálogo estabelecido entre o pesquisador e o animal em estudo ficará demonstrada Schmidek et al 1991 Lehner 1996 Confiabilidade entre intraobservadores Por mais que duas pessoas sejam bem treinadas no registro de dados comportamentais a confiabilidade interobservadores raramente será de 100 pois elas estão sujeitas a erros chamados interpessoais Do mesmo modo uma mesma pessoa raramente consegue reproduzir com precisão o mesmo registro em dois momentos diferentes devido ao que se chama erro intrapessoal Então como podemos confiar nas medidas sucessivas feitas por um mesmo observador E nas medidas feitas por observadores diferentes Para verificar o quanto uma medida é confiável entre observadores podemos usar os testes estatísticos de correlação e de concordância que ajudam a estabelecer uma margem de segurança para a confiabilidade do registro comportamental intra e interobservadores Lehner 1996 Martin Bateson 2007 Basicamente isso seria feito permitindose que duas ou mais pessoas registrem os mesmos comportamentos e posteriormente avaliandose estatisticamente se essas medidas estão correlacionadas ou são concordantes entre esses observadores De forma análoga os mesmos testes poderiam ser feitos para um único observador mas considerandose agora as concordâncias e correlações entre medidas sucessivas A confiabilidade ideal depende de alguns fatores relacionados ao que se deseja medir se é um comportamento e importância da ctegoria que está sendo medida No entanto Martin e Bateson 2007 consideram que devese considerar pelo menos uma correlação de 07 na confiabilidade inter ou intraobservador ANTROPOMORFISMO O comportamento de uma espécie animal é muitas vezes semelhante ao comportamento humano Quem possui animais de estimação particularmente cães é capaz de jurar o que o animal sente ou quer dependendo de sua vocalização expressão facial ou movimento de cauda Nesses casos é comum dizermos que o animal está feliz triste etc A atribuição de características humanas a entidades não humanas é 65 denominada antropomorfismo Essa atitude deve ser evitada no estudo do comportamento animal Isso não significa que as emoções humanas sejam exclusivas de nossa espécie mas muitas vezes podemos ser enganados por falsas semelhanças Por exemplo o chimpanzé durante interações agonísticas abre a boca expõe os caninos e vocaliza como se estivesse rindo quando na verdade está fazendo uma demonstração agressiva Da mesma forma o golfinho não sorri para o ser humano A primeira conclusão que elaboramos ao ver um peixe com larvas de peixes dentro da boca é que ele está se alimentando quando de fato está cuidando da sua prole Diferentemente da espécie humana que carrega os filhotes com os membros superiores essa espécie de peixe o faz com uma estrutura análoga a boca Assim a interpretação do comportamento nas outras espécies deve ser feita com muita cautela É imprescindível que o cientista leve em consideração o contexto em que o comportamento ocorre se durante as interações agonísticas entre adultos ou entre pais e filhotes etc É recomendável observar que as vias sensoriais utilizadas por determinadas espécies de animais não pertencem à sensibilidade humana como os sentidos da linha lateral e da eletrolocação dos peixes ou mesmo o sentido magnético e a visão da radiação ultravioleta de abelhas Ainda que haja um sentido compartilhado pelo homem e muitas outras espécies animais como a audição o ser humano não ouve necessariamente a mesma frequencia sonora de outras espécies Por exemplo as ondas mecânicas que estão abaixo de 20 Hz são denominadas infrasom e as acima de 20000 Hz ultrasom para os quais somos totalmente surdos Quando os cientistas passaram a analisar o mundo bioacústico sob o ponto de vista dos animais estudados descobriuse fenômenos surpreendentes os morcegos produzem ultrasons e ouvem os seus ecos para se orientarem no espaço os elefantes se comunicam à distância emitindo infra sons Como pode ser notado esses animais possuem um canal totalmente privado de comunicação e os sentidos humanos necessitam de mecanismos artificiais para ampliar a sua percepção sensorial Mas nem os mais sofisticados equipamentos garantem que estejamos registrando e conhecendo toda a comunicação animal Por outro lado o exagero em evitar antropomorfismos pode levar a uma simplificação demasiada do animal Não devemos ignorar os processos cognitivos em animais não humanos O autor que mais se empenhou nesse assunto nos últimos anos talvez tenha sido o norte americano Donald Griffin o qual defendia que só entenderemos completamente outras espécies quando soubermos o que elas pensam e sentem Griffin 1992 66 Algumas vezes o fato de não encontrarmos emoções semelhantes às nossas ou meios para demonstrar que elas existem pode validar práticas indesejáveis Por exemplo uma das questões bastante discutidas atualmente está relacionada com o fato de peixes sentirem dor e sofrerem com ela Até pouco tempo atrás a falta de um método adequado que demonstrasse que peixes sentem dor validou e estimulou a prática da pesca esportiva Rose 2002 onde o peixe é fisgado por um anzol admirado pesado e depois devolvido à água No entanto Sneddon 2003 demonstrou que substâncias irritantes administradas na região oral em trutas arcoíris fazem com que apareçam comportamentos anômalos indicadores de desconforto como rubbing esfregar a boca na parede do aquário ou no substrato e rocking ondular o corpo para os lados enquanto está no substrato Sneddon 2003 verificou ainda que esses comportamentos são abolidos quando os animais recebem morfina potente analgésico indicando que peixes sentem dor e portanto fornecendo fortes argumentos à abolição da pesca esportiva O PROBLEMA TAXONÔMICO Quando estudamos um animal devemos nos certificar de que a espécie com a qual estamos trabalhando seja de fato a que pensamos que é Para isso é essencial o auxílio de um taxonomista nessa identificação Um problema que podemos enfrentar é que mesmo conhecendo a espécie ela pode mudar de nome ou ser incluída em outro grupo taxonômico Pior é a situação onde se descobre que o que era considerado uma espécie corresponde na verdade a duas ou viceversa Para evitar que nossos dados se percam em dúvidas devemos depositar sempre que possível e nos esforçarmos para que seja possível alguns exemplares de nosso estudo em coleções zoológicas Esses exemplares receberão um número de registro e poderão ser consultados sempre que necessário por qualquer cientista do mundo Além disso o cientista precisa conhecer a história taxonômica de seu objeto de estudo Por exemplo a tilápiadoNilo um teleósteo da família Cichlidae foi nomeada por Linnaeus como Tilapia nilotica em 1758 Mais tarde com os estudos de Trewavas essa espécie passou para o gênero Sarotherodon tornandose Sarotherodon niloticus Mais tarde essa mesma autora redefiniu os gêneros da Tribo tilapiini com base no comportamento de cuidado parental Assim as espécies cujas fêmeas cuidam 67 da prole na boca passaram para o gênero Oreochromis e portanto a tilápiadoNilo mudou novamente para Oreochromis niloticus Trewavas 1982 Assim ao fazer uma revisão bibliográfica sobre essa espécie o pesquisador tem que englobar esses três nomes científicos do contrário deixará de considerar trabalhos que podem ser relevantes Pelas regras da nomenclatura zoológica a história taxonômica de uma espécie é expressa colocandose seguido do nome científico da espécie o nome do autor que fez a primeira descrição entre parênteses Oreochromis niloticus Linnaeus 1758 Caso fosse escrito sem o parânteses Oreochromis niloticus Linnaeus 1758 significaria que Linnaeus descreveu essa espécie originalmente no gênero Oreochromis ESTUDOS DE CAMPO E DE LABORATÓRIO ou em ambiente natural e artificial O que é melhor estudar comportamento animal no campo ou no laboratório Se você acha que é a primeira errou Se acha que é a segunda também errou Começar um projeto escolhendo o local de estudo cativeiro ou campo significa começar uma pesquisa pelo material e métodos o que infelizmente é um erro frequente Como visto neste e no Capítulo 2 uma pesquisa geralmente começa com uma pergunta que será respondida com ou sem elaboração de hipóteses e os materiais e métodos empregados devem ser adequados para responder à pergunta Algumas delas são melhor respondidas por meio de estudos em ambiente natural e outras em condições de laboratório Depende do objetivo do estudo Nas áreas etológica e zoológica ainda persiste para muitas pessoas no Brasil o preconceito em relação a estudos comportamentais desenvolvidos em laboratório Esse tipo de preconceito atrapalha em muito o desenvolvimento dos estudos sobre o comportamento animal mas não se trata de um viés gratuito Ao menos duas origens possíveis podem ser aventadas A primeira é associada ao próprio nascimento da Etologia que incrementou estudos de comportamento no ambiente natural em contraposição aos estudos dos behavioristas que eram totalmente realizados em laboratório ver o Capítulo 1 Tinbergen 1963 A segunda causa provável é atribuída a uma postura mais superficial sobre as bases e estrutura do conhecimento científico como já alertado no Capítulo 2 Não devemos nos esquecer de que muitos dos conceitos básicos da Etologia foram formulados a partir de estudos em laboratório Um exemplo 68 bem conhecido é o comportamento de defesa de território no peixe de 3 espinhos Gasterosteus aculeatus cuja condição de dominância depende da posição do indivíduo no espaço Essa conclusão foi experimentalmente obtida por Tinbergen em condições controladas de laboratório Ridley 1995 Isso não mudou a abordagem adaptativa característica da Etologia mas culminou na elaboração de leis gerais para o comportamento animal As duas formas de estudos são na verdade complementares e apresentam vantagens e desvantagens que devem ser consideradas na elaboração de um projeto e na interpretação dos resultados Por exemplo é muito difícil estudar os mecanismos fisiológicos de determinados comportamentos a partir de estudos desenvolvidos exclusivamente no campo De outro lado questões comportamentais que envolvem a interação com o ambiente devem ser estudadas no campo O que queremos deixar claro é que é a natureza da pergunta é que determina se devemos desenvolver o estudo no campo ou no laboratório e não uma preferência a priori do pesquisador Vantagens e Desvantagens de se Estudar o Comportamento no Ambiente Natural No ambiente natural todos os elementos que modulam o comportamento de um animal estão presentes as condições climáticas as plantas o tipo de solo os predadores as presas e outros animais que convivem com ele Apesar disso os estudos de campo apresentam dificuldades em 1 Visualizar a maioria dos animais o tempo todo 2 Controlar algumas variáveis como luminosidade temperatura densidade populacional disponibilidade de alimento tamanho e idade do animal 3 Encontrar ou estudar os animais que vivem em ambientes subterrâneos que são noturnos ou que habitam locais de difícil acesso 4 Discriminar animais crípticos Mesmo com essas dificuldades os estudos de campo permitem além dos estudos descritivos testes de hipóteses importantes como já mostrou o próprio Tinbergen com seus métodos criativos descritos no início deste capítulo Além disso é possível também controlar certas variáveis e realizar diversos trabalhos mesmo com as 69 dificuldades inerentes Por exemplo quando os animais são difíceis de serem encontrados eles podem ser capturados em armadilhas e marcados com um colar transmissor que permite que sejam encontrados ou seguidos por meio de ondas de rádio Locais de difícil acesso como árvores de elevada altura podem ser acessados por meio de equipamentos de alpinismo como ocorre em alguns estudos com aves Guedes 1993 O cientista pode ainda contar com câmeras de infravermelho quando o animal é de hábito noturno Mesmo medidas fisiológicas podem não ser um entrave definitivo pois nas últimas décadas têm sido desenvolvidos por exemplo métodos de análises de fezes que permitem avaliar condições reprodutivas Sousa et al 2005 Exemplos elegantes que envolvem testes de hipóteses no ambiente natural podem ser encontrados nos trabalhos de Paulo S Oliveira UNICAMP e Regina H F Macedo UNB Vantagens e Desvantagens de se Estudar o Comportamento no Cativeiro ou laboratório Por ambiente artificial devemos considerar todo aquele fora do ambiente natural do animal como laboratórios zoológicos e criadouros Muitos cientistas utilizam o termo seminatural para descrever ambientes artificiais que contenham várias características do ambiente natural Porém não podemos nos iludir que ambiente semi natural seja próximo do natural Por exemplo estudar muriquis em semicativeiro pode significar manter o animal ao ar livre sujeito às variações ambientais e incluir em sua alimentação vários itens de sua dieta natural No entanto a ausência de predadores naturais e de vários elementos que seguramente não conseguiremos reproduzir torna esse ambiente artificial Portanto o termo ambiente seminatural deve ser evitado O que existem são ambientes artificiais em condições mais pobres ou mais ricas em elementos naturais Mas nesses ambientes a situação totalmente natural já não existe Assim como no ambiente natural existem vantagens e desvantagens nos estudos em laboratório veja Campbell et al 2009 As principais vantagens das condições de laboratório residem na facilidade de observação dos animais pois eles estarão sempre lá e mais facilmente visíveis É por essa razão que a maioria dos estudos realizados com peixes de água doce é feita em laboratório Na água doce a turbidez e a presença de densa vegetação submersa dificultam a visibilidade e a observação dos 70 animais ao contrário do que acontece por exemplo em recifes de corais cuja visibilidade favorece estudos do comportamento de peixes no ambiente natural Outra vantagem dos estudos em laboratório é a possibilidade de controlar variáveis que possam modular o comportamento como temperatura fotoperíodo umidade densidade populacional idade tamanho e na medida do possível experiências prévias dos animais em estudo Apesar dessas considerações destacamos as seguintes dificuldades ou desvantagens dos estudos em laboratório 1 Possibilidade de alteração do comportamento Um dos grupos de difícil estudo em laboratório por exemplo é o dos anfíbios anuros Esses animais mudam rapidamente seu comportamento principalmente aqueles ligados à reprodução e à vocalização Mesmo nos casos em que são acondicionados em recintos externos e que mantém temperatura e luminosidade ambiental os anuros reduzem ou abolem sua vocalização principal meio de comunicação intraespecífica nesse grupo 2 Aparecimento de comportamento marginais que são aqueles que não são exibidos em condições naturais mas que passam a ser exibidos em condições artificiais 3 Desenvolvimento de estresse nos animais decorrente do ambiente artificial a que foram submetidos Este fator no entanto pode ser reduzido ou abolido deixandose o animal ajustarse por vários dias às condições de manutenção e tratamento O mais comum é que os estudos em campo e em laboratório sejam complementares Por exemplo RossaFeres et al 2000 estudaram no campo o comportamento reprodutivo de Psecas perviridis uma espécie de aranha saltadora que vive em bromélias gravatás associando o comportamento a fatores ambientais No entanto a descrição e quantificação das unidades comportamentais da corte incluindo análise de frequência e de sequência foram realizadas em laboratório pois isso permitia uma melhor visualização do comportamento em questão tornando os dados coletados mais confiáveis Além desse há vários estudos na literatura que conciliam estudos nos dois ambientes corroborando a idéia de que devemos sempre aproveitar ao máximo nossos recursos metodológicos para respondermos adequadamente nossas indagações de pesquisa ex Yamamoto et al 1996 Finalizando sempre que possível devemos conhecer o comportamento natural do animal ou do grupo taxonômico ao qual ele pertence para que possamos melhor planejar nossos estudos no campo ou no laboratório além de naturalmente melhor conduzir nossas análises para as conclusões 71 ANÁLISE DE DADOS Uma vez coletados os dados o passo seguinte é analisálos Se os estudos são descritivos a análise dos dados se restringe a encontrar padrões de comportamento e interpretálos à luz de algumas teorias préexistentes Porém a maioria dos estudos que envolvem testes de hipótese utiliza a estatística para analisar os dados Assim quando quantificamos o comportamento e pretendemos fazer generalizações a partir de amostras da população utilizamos inferências estatísticas Zar 1999 Ha Ha 2007 A análise estatística pode ser descritiva envolvida com o resumo e apresentação dos dados ou pode ser inferencial que ajuda a concluir sobre conjuntos maiores populações quando apenas partes desse conjunto as amostras foram estudadas CallegariJaques 2004 Com este tópico pretendemos apresentar alguns conhecimentos básicos que podem auxiliar na análise estatística inferencial de dados Porém pressupomos que já sejam de domínio conhecimentos mínimos como medidas de tendência central média moda e mediana e medidas de dispersão desvio padrão erro padrão e coeficiente de variação A análise estatística deve estar ligada ao objetivo e ao delineamento da pesquisa De acordo com Volpato 2007 o trabalho científico é um argumento lógico onde a metodologia e os resultados são premissas para as conclusões Assim quando se planeja um estudo é imprescindível que o teste estatístico a ser utilizado também seja planejado uma vez que ele faz parte das premissas dentro do argumento lógico Vários tipos de testes podem ser utilizados para a análise de dados e a escolha de qual teste usar depende de algumas características do experimento e dos dados Assim apresentaremos alguns conceitos básicos que irão auxiliar na escolha adequada do teste estatístico e fundamentalmente na interpretação adequada dos resultados Variáveis Variável é um atributo inerente ao objeto estudado e que como o próprio nome diz pode variar se o atributo é invariável estamos falando de uma constante Centeno 1999 A frequência de interação agonística duração da corte frequência de ingestão alimentar etc são exemplos de variáveis comportamentais As inferências estatísticas são feitas a partir de dados obtidos das variáveis consideradas no estudo De acordo com CallegariJaques 2004 as variáveis podem ser qualitativas 72 quando expressam atributos não numéricos como cor sexo etc ou quantitativas que expressam quantidade em dados numéricos como frequência de ocorrência duração latência etc As variáveis quantitativas podem ser classificadas em Variáveis Discretas que apresentam valores inteiros como número de filhotes ou número de células e Variáveis Contínuas cujos dados podem apresentar qualquer valor dentro de um intervalo de variação possível como peso comprimento duração etc As variáveis quantitativas ou qualitativas podem ainda ser classificadas como Dependentes ou Independentes De acordo com Volpato 2007 esse conceito é relativo pois dependerá sempre do objetivo da pesquisa Por exemplo vários estudos demonstraram que o aumento de andrógenos aumenta a agressividade em teleósteos ex Munro Pitcher 1985 Nesse caso a variável independente é o nível de hormônio e a agressividade é a variável dependente que depende do nível hormonal Por outro lado estudos mais recentes têm demonstrado que peixes mais agressivos apresentam elevação dos níveis de andrógenos circulantes ex Oliveira 2004 Nesse caso ocorre o contrário do primeiro pois os níveis hormonais passam a ser dependentes da condição agressiva variável independente Embora ambas as variáveis devam ser quantificadas a variável independente faz parte da condição dos grupos experimentais e a variável independente será aquela quantificada como resultado Volpato 2007 O conhecimento desse conceito é fundamental pois auxilia na elaboração do delineamento experimental e conseqüentemente na análise de dados Amostras De modo geral as populações nas quais o cientista está interessado são grandes demais para serem estudadas na sua totalidade pois muitas vezes as populações tendem ao infinito Por isso trabalhamos com amostras que se constituem em qualquer fração de uma população CallegariJacques 2004 De acordo com essa autora a finalidade da amostra é representar a população e portanto a amostra não deve ser tendenciosa Isso significa que devemos utilizar métodos adequados de amostragem para que não ocorram erros quando os dados são analisados e as conclusões elaboradas que serão generalizadas para a população e não apenas para a amostra Por exemplo se quisermos saber como é o comportamento sexual de estudantes da terceira série do ensino médio não devemos utilizar estudantes de um único colégio para esse estudo pois a amostra não seria representativa da população O 73 comportamento pode variar nas escolas cujos alunos pertencem a camadas sociais onde o poder aquisitivo é diferente e isso poderia contaminar os resultados Assim um procedimento bastante utilizado para se evitar equívocos é a amostragem aleatória obtida de tal modo que todos os indivíduos de uma população tenham igual probabilidade de serem amostrados Se a população for constituída por classes ou estratos devemos nos certificar de que amostramos indivíduos de cada estrato Por exemplo se uma população é composta por animais dominantes e submissos e a coleta de dados depende de captura dos indivíduos corremos o risco de coletar preferencialmente os submissos pois esses geralmente são mais vulneráveis Devemos então nos certificar de não estarmos amostrando somente submissos na hierarquia social pela maior facilidade na hora da coleta Amostras relacionadas e não relacionadas Amostras relacionadas são aquelas cujas respostas são dependentes entre si Geralmente elas ocorrem quando os mesmos animais são amostrados duas ou mais vezes Como exemplo citamos o registro do comportamento num mesmo indivíduo antes e após um estresse ou em presença e ausência de fêmeas São amostras relacionadas também aquelas nas quais um comportamento não pode ocorrer simultaneamente a outro Suponha que numa situação de competição alimentar dois peixes macho e fêmea recebam 10 peletes de ração Nenhum deles ficará saciado apenas com esses peletes de forma que irão competir por eles e nesse caso o que um peixe come depende do quanto o outro comeu Assim a quantidade de ração ingerida pela fêmea será dependente do que o macho comeu e viceversa O fato de um dado afetar o outro implica na condição de dependência Da mesma forma em estudos sobre tomada de decisão ao fazer uma escolha fica implícita a não ocorrência da outra no mesmo momento resultando daí a condição de dados relacionados Por outro lado amostras não relacionadas são aquelas cujas respostas não interferem umas nas outrasIsto é comum nos casos nos quais os resultados podem ser afetados quando o animal passa por mais de um procedimento Por exemplo GonçalvesdeFreitas 1999 testou o efeito da presença de fêmeas sobre o desenvolvimento gonadal do macho dominante na tilápiadoNillo Esses animais foram mortos ao final do experimento para que as gônadas fossem retiradas e seus estádios de desenvolvimento avaliados Então esse trabalho não poderia ser feito comparandose a condição do macho antes e após o contato com as fêmeas portanto 74 foram necessários dois grupos independentes o grupo com presença de fêmeas e o grupo com ausência delas Qualquer que fosse o resultado do desenvolvimento gonadal dos animais no primeiro grupo em nada afetaria o resultado dos animais do outro grupo pois são completamente independentes Dados com Distribuição Normal ou Nãonormal Em termos simplificados os dados que apresentam distribuição normal são aqueles com preponderância de valores em torno da média e com progressiva redução em direção aos limites extremos de uma escala de valores Zar 1999 Ha Ha 2007 Os dados que não apresentam essa distribuição são chamados nãonormais A distribuição normal é um dos principais critérios para decidir entre a utilização de testes paramétricos ou nãoparamétricos Lehner 1996 ver adiante Na realidade os testes estatísticos partem de pressupostos sobre a variável sendo um deles a sua distribuição normal ou nãonormal Portanto não se pode usar um teste que admite um tipo de distribuição para avaliar uma variável que apresenta outra forma de distribuição Homogeneidade de Variâncias Os indivíduos de uma população apresentam uma variação inerente que pode ser medida calculandose a variância Ha Ha 2007 Para definir o teste estatístico a ser utilizado é preciso conhecer como é a variação dos dados em torno da média entre os tratamentos testados Se a variância for semelhante entre as amostras dizemos que há homogeneidade variância homogênea homocedástica Isso significa por exemplo que se temos duas ou mais amostras tratamentos a variâncias de cada uma estima a mesma variância da população Zar 1999 Quando as variâncias não são homogêneas as amostras são chamadas de heterocedásticas Testes Paramétricos e Não Paramétricos Os testes paramétricos são utilizados para comparar amostras de variáveis contínuas quando a distribuição dos dados é normal e a variância é homocedásticaQuando uma dessas condições está ausente utilizamos testes não paramétricos De acordo com Lehner 1996 e Siegel e Castellan Jr 2006 análises não paramétricas devem ser utilizadas também quando o número de réplicas for pequeno pois nesse caso não é possível testar se os dados apresentam ou não 75 distribuição normal No entanto é comum encontrarmos na literatura análises paramétricas para comparação de amostras com número reduzido de réplicas Certamente isso ocorre porque os dados seguiram aos outros critérios citados distribuição normal e homocedasticidade Os dados obtidos nos estudos do comportamento animal muitas vezes não satisfazem aos critérios para utilização de testes paramétricos devido à grande variação dos dados Embora nesses casos possamos analisar os dados com os testes não paramétricos podemos também transformar esses dados para tornar a distribuição normal e homogeneizar a variância Três formas de transformação são utilizadas Sokal Rohlf 1995 Quin Keogh 2002 Raiz quadrada x12 ou se algum valor for zero x0512 Transformação logarítmica log10 x ou log10 x1 se algum valor for zero Transformação arcoseno 2arcsenx12 onde x é a porcentagem de aparecimento de um determinado caracter num total definido Dados de frequência por exemplo podem ser transformados pelas 2 primeiras formas Porém a transformação usando arcoseno deve ser utilizada para porcentagem ver Quin Keogh 2002 Analisando os Dados Alguns passos são sugeridos a seguir para a análise dos dados mas não serão discutidos os fundamentos de cada teste estatístico os quais podem ser encontrados detalhadamente em obras específicas sobre estatística Quando analisamos os resultados devemos levar em conta a etapa de planejamento da pesquisa Assim enquanto algumas informações são obtidas após a coleta de dados outras devem ser estabelecidas no planejamento do estudo 1 Estabeleça que variáveis serão analisadas latência frequência duração níveis de hormônios ganho de peso número de filhotes etc 2 Estabeleça se irá utilizar comparação entre amostras média ou mediana se irá utilizar correlação ou testar proporções 76 As análises estatísticas envolvem basicamente três tipos de inferências sobre amostras populacionais Uma delas fornece informações comparativas entre grupos experimentais ou grupos estudados testando se eles são semelhantes ou diferentes entre si O mesmo raciocínio pode ser feito para um mesmo grupo quando comparamos o que acontece ao longo do tempo Em ambos os casos é comum compararmos médias ou medianas Suponha que queremos comparar o efeito da redução do nível de água sobre as interações agonísticas em alguma espécie de peixe Suponha ainda que serão testados três níveis de água Assim podemos comparar a frequência média de eventos agressivos entre esses três grupos No entanto se quisermos acompanhar o ritmo de algum comportamento estaremos comparando variáveis média ou mediana ao longo do tempo Por outro lado podemos querer saber não apenas se grupos diferem entre si mas como eles estão relacionados Nesse caso temos um segundo tipo de inferência que são as correlações relação ou correspondência entre duas ou mais variáveis As correlações podem ser positivas ou diretas quando uma variável oscila na mesma direção da outra ou podem ser negativas ou inversas quando uma variável oscila na direção contrária da outra Por exemplo o aumento da densidade populacional leva ao aumento das interações agonísticas em animais territoriais Esse é um tipo de correlação direta pois a variável interação agonística oscila na mesma direção da densidade populacional Por outro lado quanto mais um animal subordinado é atacado menor será sua taxa de crescimento já que o aumento de ataques recebidos aumenta o estresse social e reduz a energia disponível para ganho de peso Nesse caso temos uma correlação negativa pois a taxa de crescimento oscila na direção contrária dos ataques recebidos Podemos ter correlações simples quando uma variável é associada a outra ou correlação múltipla quando uma variável é associada a 2 ou mais variáveis ou ainda quando um conjunto de variáveis é associado a outro conjunto Como visto no capítulo 2 sempre que houver uma ação causal de uma variável sobre outra haverá correlação porém nem sempre a existência de correlação implica em relação causal Volpato 2007 apresenta o seguinte exemplo o aumento de bebidas alcoólicas é correlacionado positivamente com o número de igrejas de uma cidade No entanto esses eventos não têm relação de causa e efeito pois a causa desses aumentos é um terceiro fator o crescimento populacional Assim devemos tomar certo cuidado ao interpretarmos e concluirmos sobre resultados provenientes de correlações Apesar dessa possibilidade os testes de correlação são excelentes ferramentas para 77 analisar o comportamento animal Um terceiro tipo de inferência estatística não está associado aos valores de tendência central média moda e mediana mas à frequência com que cada variável ou fenômeno ocorre num total definido comumente usado em variáveis qualitativas Por exemplo suponha que queremos saber se uma determinada espécie de gavião apresenta preferência pelo pé que usará para manipular a presa preferência pedal Haverá duas possibilidades para esse comportamento pé direito e pé esquerdo A frequência de animais que utilizaram um dos pés será indicada e comparada por análise de proporções Isso significa que iremos comparar se a proporção de animais que utiliza preferencialmente pé esquerdo ou pé direito difere na população Como outro exemplo GonçalvesdeFreitas e Ferreira 2004 estudaram se machos dominantes do peixe tilápiadoNilo acasalavam primeiro com fêmeas dominantes As possíveis respostas foram sim e não e a proporção de machos que acasalaram com dominantes foi comparada com a proporção de machos que acasalaram com fêmeas não dominantes Os exemplos citados são relacionados às variáveis dicotômicas com 2 categorias mas testes de proporções também podem ser utilizados quando o número de categorias é maior que 2 Por exemplo proporção de destros canhotos e ambidestros numa população Uma outra forma de analisar os dados é quando cada categoria pode estar associada a outra Por exemplo podemos querer saber se existe diferença na proporção de destros e canhotos entre machos e fêmeas Assim são duas categorias macho e fêmea que apresentam duas possibilidades destro e canhoto Esse caso é conhecido como tabela de contingência 2 x 2 Zar 1999 Em resumo os testes de proporções avaliam se a diferença encontrada nas proporções é casual ou não 3 Defina o número de amostras ou grupos experimentais que serão comparados Podemos ter duas amostras por exemplo quando comparamos o tempo de autolimpeza em machos e fêmeas de um determinado felino Macho é um grupo fêmea é outro Mas se quisermos fazer comparações entre machos adultos fêmeas adultas e filhotes teremos três grupos de dados ou três amostras A nomenclatura estatística referese a esses grupos como 2 amostras ou K amostras mais que 2 Essa informação é importante no momento da escolha do teste estatístico veja adiante 4 Verifique se as amostras são relacionadas ou não Alguns delineamentos não permitem que os mesmos animais sejam utilizados 78 em mais de um momento como citado anteriormente Porém em alguns casos isso é possível e desejável De acordo com Volpato 2007 se a variável em estudo apresentar grande variação entre os indivíduos numa mesma condição isso poderá camuflar diferenças significativas quando comparamos os grupos Nesse caso devemos optar por amostras relacionadas porque os testes estatísticos específicos consideram a variação dentro de cada par de dados o que não ocorre com testes para amostras não relacionadas os quais consideram cada grupo independentemente não levando em conta a variação de forma pareada Além disso em casos onde é possível optar são preferíveis amostras relacionadas do que as não relacionadas porque o número de animais utilizados pode ser reduzido à metade Por exemplo é perfeitamente viável medir os níveis de cortisol plasmático em animais submetidos a um determinado estressor Podemos utilizar dois grupos independentes um com e outro sem o estressor e comparálos ao final de um determinado período de tempo Por outro lado podemos comparar o cortisol nos mesmos animais antes e após a aplicação de um estressor Nesse caso serão aplicados testes para amostras relacionadas dependentes Esse procedimento permite que a resposta de cada animal seja ponderada pela sua condição anterior à imposição experimental estressor Com isso reduzse os efeitos da variabilidade individual no experimento Outra consequência do delineamento com amostras dependentes é que permite usar menor número de animais Dependendo da situação investigada ou do animal estudado o número de animais passa a ser uma restrição importante O uso de amostras dependentes reduz pela metade o número de animais a serem usados Assim além de solucionar a variabilidade dos dados as amostras dependentes também auxiliam na determinação do tamanho da amostra 5 Verifique se existem dados discrepantes outliers no conjunto de dados Dados discrepantes são valores que estão fora do intervalo média 2 x desvio padrão abaixo do intervalo Quartil inferior 15Quartil superior Quartil inferior ou acima do intervalo Quartil superior 15Quartil superior Quartil inferior Hoaglin et al 1986 Esses outliers podem representar indivíduos que se comportam diferentemente dos demais numa amostra por vários motivos como decorrentes de alguma patologia ou de diferentes experiências prévias Esses dados devem ser excluídos da amostra pois a manutenção deles aumenta a variância o que pode levar à falsa aceitação da hipótese de nulidade H0 não há diferença entre as médias ou medianas Como a 79 estatística procura padrões dentro das populações retirálos da amostra antes de aplicar os testes faz com que o conjunto de dados se torne mais homogêneo e melhor represente a população Isso não significa que os outleirs devam ser ignorados Eles podem ser discutidos e devem ser apresentados nos resultados vide exemplo em Giaquinto Volpato 1997 Bayley et al 2000 Assim a média dos dados sem o outlier e a apresentação dos valores outlier descrevem e representam da melhor forma a população em estudo Volpato 2007 6 Verifique se os dados apresentam distribuição normal e se as variâncias são homogêneas Os testes de KolgomorovSmirnov e o teste W de Shapiro Wilk são alguns exemplos de testes utilizados para verificar a normalidade das amostras Sokal Rolph 1995 Zar 1999 sendo o segundo considerado por Zar 1999 como de maior força em relação ao primeiro Já a homogeneidade das variâncias pode ser testada pelo teste de Bartlet Zar 1999 ou pelo teste FMAX Lehner 1996 Ha Ha 2007 O resultado desses testes irá definir se devemos usar testes paramétricos ou não paramétricos Se os dados apresentarem distribuição não normal e heterocedasticidade ainda é possível transformálos como citado anteriormente para a utilização de testes paramétricos Diante dessas informações é possível escolher um teste estatístico adequado Para isso veja um resumo na tabela 3 Tabela 3 Resumo de testes estatísticos que podem ser utilizados nas análises de dados em comportamento animal Análise de tendência central média ou mediana Paramétrica1 Não Paramétrica2 Amostras relacionadas Amostras não relacionadas Amostras relacionadas Amostras não relacionadas 2 amostras Teste t de Student pareado ou para amostras relacionadas Teste t de Student não pareado ou para amostras não relacionadas Teste de Wilcoxon Teste do sinal Sign Test Teste U de Mann Whitney Teste de Kolmogorov Smirnov para 2 amostras Mais de 2 Análise de variância Análise de Variância ANOVA de Teste de Kruskal 80 amostras para medidas repetidas ANOVA ANOVA Friedmann Wallis Análise de Correlação Paramétrica Não Paramétrica Correlações Simples Teste de Pearson Teste de Spearman Testes de Proporções Comparação dentro de 1 amostra Teste Binomial Teste de Goodman Quiquadrado Comparando 2 variáveis Tabelas 2 x 2 Teste Exato de Fisher Quiquadrado Teste Multinomial Teste de Goodman Comparando mais que 2 variáveis Quiquadrado Teste Multinomial Teste de Goodman 1Análise paramétrica compara médias 2Análise não paramétrica compara medianas Se a análise escolhida for a análise de variância ANOVA significa que serão comparadas ao menos três amostras independentes ou dependentes ANOVA para medidas repetidas Nesse caso se aparecer significância estatística significa que há diferença entre ao menos duas amostras Mas para saber quais amostras diferem entre si é necessário aplicar um teste para comparações múltiplas post hoc test que irá comparar os grupos e apontar onde estão as diferenças O teste de Tukey de Schefeé de NewmanKeuls e o Teste de Mínima Diferença Significativa LSD test são exemplos de testes para comparações múltiplas Todos podem ser utilizados e diferem quanto à sua robustez Tukey é mais robusto do que LSD e por isso tem sido preferido mas qualquer um pode ser utilizado Zar 1999 Testes de comparações múltiplas também são utilizados nos testes não paramétricos Se o teste utilizado for Kruskal Wallis as comparações podem ser feitas pelo teste de Dunn que equivale ao Tukey e para ANOVA de Friedman é utilizado o teste de Dunnet Zar 1999 CallegariJaques 81 2004 Os testes de proporções referidos na tabela podem ser utilizados em algumas condições De acordo com CallegariJacques 2004 o teste mais utilizado é o do Qui quadrado Mas esse teste só pode ser utilizado com frequências absolutas e nenhuma frequência deve ser inferior a 5 Zar 1999 CallegariJacques 2004 reporta ainda que o número de amostras não deve ser inferior a 25 Assim no caso onde não seja possível utilizar o teste do Quiquadrado utilizase os outros testes citados Obviamente existem vários testes estatísticos além dos que estão expostos neste capítulo como exemplo os testes multivariados que são aqueles que analisam a interação de vários fatores num mesmo fenômeno Zar 1999 Volpato 2007 Porém o resumo apresentado aqui pode resolver problemas básicos em muitos estudos de comportamento animal Interpretando os Dados O resultado da análise estatística de nada vale se não houver um estudioso do comportamento para interpretar biologicamente os resultados Para isso é necessário ter um bom conhecimento sobre a espécie que se está estudando que órgãos sensoriais ela utiliza como é o ambiente onde vive e como é sua história filogenética Além disso é muito importante um conhecimento atualizado e amplo sobre o assunto estudado isto é não basta conhecer o fenômeno apenas na espécie estudada é necessário comparar com outras espécies Às vezes basta um conhecimento sólido sobre o grupo estudado por exemplo teleósteos ou ainda sobre uma família desse grupo Porém algumas revistas como a Animal Behaviour exigem que os artigos não sejam limitados a um único grupo animal As conclusões devem estar associadas a teorias gerais e ser o mais abrangente possível Assim esse aspecto deve ser levado em conta não só no momento da interpretação biológica dos dados mas também no momento de definições dos objetivos Essa postura reforça o que entendemos por ciência do comportamento vide capítulo 2 ÉTICA NO ESTUDO DO COMPORTAMENTO ANIMAL Estudar o comportamento animal envolve manipulações que podem culminar em sofrimento dor estresse ou ao menos algum tipo de desconforto para o animal estudado principalmente quando os procedimentos utilizam métodos invasivos Assim 82 realizar pesquisas pautadas em procedimentos éticos significa utilizar métodos que reduzam o estresse evitem dor desconforto e assegurem o bemestar mínimo aos animais estudados vide capítulo 13 Várias sociedades e conselhos científicos têm formulado diretrizes para posturas eticamente corretas no estudo do comportamento animal Por exemplo o Conselho Canadense para o Cuidado dos Animais Canadian Council of Animal Care possui um tratado de recomendações para os estudos envolvendo pesquisas com animais Olfert et al 1993 bastante difundido na América do Norte Além desse também há um conjunto de recomendações nos estudos sobre a dor Zimmerman 1983 A Associação para o Estudo do Comportamento Animal Association for the Study of Animal Behaviour na Europa e a Sociedade de Comportamento Animal Animal Behavior Society na América do Norte produziram em conjunto um guia para o ensino e pesquisa em comportamento animal Guidelines for the treatment of animals in behavioural research and teaching publicado na revista Animal Behaviour V71 fasc1 2006 Os editores dessa e de outras revistas de renome internacional têm recusado artigos cujos procedimentos não seguem essas diretrizes No Brasil há uma lei que regulamenta o uso científico de animais lei no 11794 de 8 de outubro de 2008 Além disso as pesquisas experimentais devem ser aprovadas pleas Comissões de Ética na Experimentação Animal das Insituições de Ensino e Pesquisa Sugerimos também que sejam conhecidos os preceitos do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal wwwcobeagovbr A seguir listamos algumas das medidas éticas que devem ser respeitadas pelos cientistas para redução de desconforto e valorização da vida animal Utilizar anestésicos antes de vários tipos de manipulações pesagem medidas cirurgias marcação e também no momento de eutanásia dos animais Utilizar métodos adequados de manutenção evitar superpopulação manter corretos o ciclo de luz temperatura umidade oferta de água alimentação e outras variáveis próprias da espécie oferecer refúgio sempre que possível evitar manter presas e predadores em locais próximos Treinar técnicas cirúrgicas para evitar mortes inúteis de animais Habituar os animais ao tratador e ao observador atenuando os efeitos do estresse Se possível utilizar alternativas como modelos e simulação em computadores 83 Utilizar sempre que possível as marcas naturais para identificar os indivíduos ao invés de métodos invasivos inclusão de chips corte nos lobos auriculares ou caudas de peixes Evitar qualquer método que potencialmente possa provocar dor mesmo que não seja ainda clara a comprovação científica de que o animal em estudo sente dor Escolher um número mínimo de animais suficiente para garantir a boa qualidade das conclusões do estudo Isso pode ser obtido por meio de delineamentos bem elaborados utilização de testes com amostras relacionadas e utilização de testes estatísticos adequados REFERÊNCIAS Alcock J 2009 Comportamento Animal Uma abordagem evolutiva Porto Alegre Artmed Editora SA Altmann J 1974 Behaviour 49 227267 Bayley J Alanärä A Brännäs E 2000 Methods for assessing social status in Arctic charr Journal of Fish Biology 57 25861 Campbell DLM Weiner SA Starks PT Hauber ME 2009 Context and control behavioural ecology experiments in the laboratory Annales Zoologici Fennici 46 112123 CallegariJaques SM 2004 Bioestatística Princípios e Aplicações Porto Alegre Artmed Editora SA Centeno AJ 1999 Curso de Estatística Aplicada à Biologia Goiânia Editora da Universidade Federal de Goiás Giaquinto PC Volpato GL 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que respondem a pergunta Por que umo animal x se comporta da forma y Tratase de uma distinção didática mas ao mesmo tempo fundamental e conciliadora na área da Etologia tendo sido proposta por Tinbergen em 1963 no artigo agora clássico On Aims and Methods in Ethology MSDawkins 1989 compara os quatro porquês de Tinbergen com as quatro patas de um cavalo discutindo que sem a compreensão dos quatro fatores nossa interpretação sobre o comportamento animal é manca Para que o leitor possa apreciar a importância desta distinção conciliadora irei retomar brevemente o debate cientifico que precedeu a publicação deste artigo Em seguida irei apresentar alguns exemplos das diferentes abordagens metodológicas que caracterizam as pesquisas voltadas a responder perguntas em cada uma das quatro perspectivas Apesar de aparentemente simples e autoexplicativo é comum encontrar erros nas respostas dos alunos quando são apresentados exemplos de comportamentos e requisitados que sejam diferenciados os níveis de explicação proximal ou distal ou os 4porquês CDEF Assim este capitulo inclui também comentários sobre dificuldades observadas no aprendizado destes conceitos por alunos universitários O capitulo é finalizado com uma discussão sobre o cuidado que deve ser tomado ao tentarmos afirmar este animal x se comporta de forma y porque O DEBATE NATUREZA X CULTURA Como apresentado no início deste livro ver Yamamoto capítulo 1 deste livro a etologia do grego Ethos lugar habitual conduta Logos estudo surge como ciência 88 na Europa com a fundação da revista Zeitschrift für Tierpsychologie do alemão Jornal de Psicologia em 1936 como resposta ao behaviorismo norte americano Barfield 1997 Os behavioristas investigavam leis gerais para a apresentação dos diferentes comportamentos testando algumas poucas espécies normalmente ratos e pombos em laboratório e posteriormente generalizando os padrões para as outras espécies Os etólogos eram evolucionistas e faziam duas críticas principais ao behaviorismo defendiam que o comportamento não pode ser interpretado fora do ambiente natural do animal e que as espécies carregam consigo uma tendência a se comportar de determinada forma devido à sua herança evolutiva Konrad Lorenz a quem Nicholas Tinbergen 1963 atribui o título de pai da etologia moderna considera que o comportamento deve ser visto tal como um órgão e portanto voltado para um fim específico não sendo infinitamente plástico Os behavioristas eram em sua maioria psicólogos ou médicos fisiologistas enquanto os etólogos eram médicos com especialização em anatomia comparada ou zoólogos Ou seja os behavioristas exploravam o caráter aprendido e as diversas formas de aprendizado do comportamento enquanto os etólogos enfatizavam os diversos aspectos não aprendidos do comportamento e sua semelhança interespecífica O behaviorismo e a etologia diferiam na abordagem lógica o behaviorismo era dedutivo e a etologia indutiva O behaviorismo refutava a etologia argumentando que esta aceita acriticamente a teoria evolutiva fazendo rapidamente afirmações não comprovadas acerca do valor de sobrevivência do comportamento sua função vital e estruturas mentais ou corporais envolvidas A crítica da etologia ao behaviorismo era a de que a situação experimental criava um ambiente empobrecido que só poderia levar à confirmação das hipóteses previamente postuladas Esta diferença de pressupostos e métodos com conclusões consequentemente diferentes perdurou durante as décadas de 89 1935 a 1975 e ficou conhecido como o debate natureza x cultura nature x nurture Goodenough et al 2001 Bolhuis Giraldeau 2008 Tinbergen 1963 dedica a primeira parte de seu artigo a esclarecer estas diferenças Apesar das divergências ambos os lados eram contra a idéia vitalista e da Gestalt de que o todo é diferente da soma das partes sendo defensores e praticantes de análises detalhadas de seqüências comportamentais Hinde 2008 Assim tanto behavioristas quanto etólogos eram mecanicistas e analíticos e buscavam construir modelos para explicar os padrões comportamentais observados nos diferentes animais Os termos usados por Lorenz em seus modelos mecanismo liberador inato estímulo disparador padrão fixo de ação refletem o caráter mecanicista da etologia da época Ao mesmo tempo alguns pesquisadores já viam pontos de conexão entre as abordagens e alguns resultados já mostravam que nenhum dos dois extremos estava totalmente correto ver Yamamoto capítulo 1 deste livro Por exemplo os trabalhos de Garcia 1966 apud Alcock 2001 mostraram que nem tudo é condicionável no comportamento de ratos ou dito de outra forma que existem predisposições para aprender certas associações mais rapidamente que outras Do outro lado o próprio Lorenz já sabia da existência de janelas de aprendizado e estampagem no comportamento de animais selvagens mas não admitia alças de feedback em seu modelo hidráulico para explicação do comportamento como bem ressaltou Tinbergen 1963 Em 1963 Nicholas Tinbergen publica na revista Zeitschrift für Tierpsychologie o artigo On Aims and Methods in Ethology Um artigo conciliador que se tornou arcabouço teórico fundamental do estudo do comportamento animal contemporâneo Acerca das diferenças com o behaviorismo ele afirma Pode não ser supérfluo salientar que o reconhecimento da existência de muitos caracteres de comportamento espécieespecífico não implica necessariamente que esses caracteres são inatos no sentido de ontogeneticamente totalmente independentes do 90 ambiente A situação agora está mudando rapidamente A terra de ninguém entre Etologia e Neurofisiologia está sendo invadida pelos dois lados Enquanto etólogos estão a fazer progressos com a descendente repartição de fenômenos complexos neurofisiologistas estão ascendendo alargando a sua investigação de fenómenos de complexidade maior do que era habitual há 20 anos p414415 Tinbergen On Aims and Methods in Ethology 196322 Tinbergen argumenta ainda que as diferentes perspectivas são complementares O estudo da causação é o estudo dos eventos anteriores que pode ser mostrado que contribuiu para a ocorrência do comportamento e o estudante do valor de sobrevivência tenta descobrir se algum efeito do processo observado o Comportamento contribui para a sobrevivência se sim como a sobrevivência é promovida e se é melhor promovida pelo processo observado que por processos um pouco diferente ambos os tipos de trabalhadores estão portanto investigando as relações de causa e efeito e a única diferença é que o fisiologista olha para trás no tempo enquanto o estudante do valor de sobrevivência por assim dizer olha para frente no tempo idem p 41823 Partindo desta constatação Tinbergen enumera as quarto questões a serem tratadas pela etologia moderna a qual ele chama de biologia do comportamento Causa Desenvolvimento Evolução e Função Admitidamente ele baseou estas quatro questões nas três questões principais da Biologia definidas por Julian Huxley acrescentando a questão Desenvolvimento Bolhuis Giraldeu 2008 Esta não é uma contribuição pequena visto que grande parte das divergências residia no fato do que 22 It may not be superfluous to stress that the recognition of the existence of many speciesspecific behaviour characters does not necessarily imply that these characters are innate in the sense of ontogenetically wholly independent of the environment The situation is now changing rapidly The no mans land between Ethology and Neurophysiology is being invaded from both sides While ethologists are making progress with the descending breakdown of complex phenomena neurophysiologists are ascending extending their research to phenomena of greater complexity than was usual 20 years ago p414415 Tinbergen On Aims and Methods in Ethology 1963 23 The study of causation is the study of preceding events which can be shown to contribute to the occurrence of the behaviour and the student of survival value tries to find out whether any effect of the observed process contributes to survival if so how survival is promoted and whether it is promoted better by the observed process than by slightly different processes both types of workers are therefore investigating causeeffect relationships and the only difference is that the physiologist looks back in time whereas the student of survival value sotospeak looks forward in time p418 Tinbergen On Aims and Methods in Ethology 1963 91 significa um comportamento inato ou adquirido um comportamento instintivo ou aprendido O autor explicitamente discorda desta distinção chamandoa de heuristicamente prejudicial Finalmente Tinbergen assemelha o desenvolvimento comportamental ao desenvolvimento embriológico das outras estruturas corpóreas para o qual é incabível a separação inatoadquirido Ele afirma que é durante o desenvolvimento de cada individuo o momento em que as forças evolutivas e ontogenéticas estão mais imbricadas numa dinâmica que resulta em apresentação de comportamentos adequados na situação adequada Atualmente estas quatro questões são agrupadas como fatores proximais causa e desenvolvimento pois ocorrem durante o tempo de vida do individuo em observação e fatores distais pois se referem à bagagem trazida evolução ou a qual bagagem será deixada função em outras gerações Passemos então ao ABCDEF AB ANIMAL BEHAVIOUR O comportamento de um animal pode ser definido como uma seqüência de contrações musculares padronizadas no tempo EiblEibesfeldt 1989 Nesta definição podem ser albergados comportamentos desde correr voar e nadar até o dormir descansar ou hibernar Entretanto podem ser necessários maiores refinamentos na definição Se o objetivo é estudar comportamentos internos tais como comportamento de digestão gestação ou mesmo o comportamento de pensar a seqüências mensuradas incluem as reações bioquímicas24 Se o comportamento é social pode ser necessária a resposta de outros indivíduos além do animalfocal ou de todo grupo p ex o comportamento de coalizão em macacosprego que além dos 24 A definição do que é um comportamento já levou a um debate que ficou conhecido como comportamentos abertos overt x comportamentos cobertos covert Atualmente esta questão também já está resolvida 92 movimentos de aproximarse e emitir expressões faciais de agressão depende da posição relativa de três ou mais indivíduos no espaço Como defendido por Tinbergen 1963 a definição do etograma do grego ethos lugar habitual conduta grama equivalente de gramato letra escrito peso é o passo inicial de qualquer estudo do comportamento Apesar de 50 anos passados desde a publicação de Tinbergen um etograma básico para a maioria das espécies ainda não está publicado fato possivelmente devido às dificuldades práticas de coleta de dados em campo Entretanto mesmo para as espécies que têm um etograma conhecido é praxe incluir na sessão de métodos das publicações definições precisas sobre os comportamentos em análise O capítulo de Freitas e Nishida deste livro discute os principais cuidados para construção e análise de etogramas C CAUSA Os estudos da causa do comportamento referemse ao estudo do próprio mecanismo físicoquímico desde a ativação de diferentes genes e suas cadeias bioquímicas até a percepção do estímulo por diferentes receptores sua transmissão por diferentes nervos integração no sistema nervoso central e emissão das contrações musculares que levarão a apresentação do padrão comportamental em estudo Assim trabalham neste nível de análise as áreas de genética comportamental neuroetologia fisiologia sensorial cronobiologia endocrinologia comportamental e ecologia sensorial entre outras Bolhuis Giraldeau 2008 Alguns exemplos de estudos neste nível de análise são clássicos e podem ser encontrados em vários livros de comportamento animal Mann Dawkins 1998 Alcock 2001 Goodenough et al 2001 Scott 2005 Um deles é o comportamento de abelhas ao retirar a capa de um favo e remover de dentro do favo uma pupa morta Este 93 comportamento visivelmente elaborado é controlado por apenas dois genes o gene U de uncap e o gene R de remove Quando uma abelha é homozigota recessiva para ambos os genes uurr o comportamento de limpeza do favo é apresentado em sua forma completa Quando a abelha é heterozigota Uurr ela não remove a capa mas se encontrar um favo aberto ela retira a pupa morta de dentro Quando a abelha é heterozigota uuRr ela retira a capa do favo mas não remove a pupa Quando ela é UuRr ou UURR ela não realiza nenhum dos dois comportamentos Este exemplo é bastante utilizado por ser didático e seguir um padrão de herança mendeliana de um gene e dois alelos com dominância completa tal como os experimentos com ervilhas de Mendel São inúmeros os estudos de genética comportamental muitos deles envolvendo traços mendelianos com 3 ou mais alelos efeitos pleiotrópicos epistáticos e padrões de ativaçãoinativação gênica mais elaborados25 Por exemplo estudos realizados sobre o comportamento sexual de opiliões Arachnida Opillione no Parque Estadual Carlos Botelho em São Paulo mostram que os machos podem existir em dois morfos um maior que defende as fêmeas durante o período de acasalamento e um menor que realiza cópulas fortuitas com as fêmeas Análises genéticas mostraram que os machos não diferem em seus programas genéticos apenas na expressão gênica a qual parecer estar vinculada à alimentação da ninfa antes da muda e à densidade populacional Buzzato et al 2010 A área de fisiologia sensorial oferta vários exemplos em que toda a rota entre a percepção do estimulo por um neurônio receptor integração sensorial até a contração muscular que resulta no padrão comportamental está traçada Um exemplo clássico é a descrição de como apenas dois neurônios receptores diferentes localizados na membrana timpânica abaixo de cada asa da mariposa com diferentes potenciais de 25 Pleiotropia ocorre quando um único gene afeta muitos traços fenotípicos Epistasis ocorre quando a expressão de um gene é modificada pela presença de outro gene 94 ação estão envolvidos no complicado comportamento de fuga deste animal O neurônio tipo A1 reage a baixas intensidades de ultra sons e estimula a contração dos músculos do vôo Já o neurônio tipo A2 reage a altas intensidades de ultrasons e paralisa a contração dos músculos do vôo Assim quando o morcego predador está distante a intensidade do som percebida é fraca e o neurônio A1 estimula a aceleração do vôo causando o afastamento da mariposa Quando o morcego está próximo menos de 3 metros o receptor A2 provoca a paralisação dos músculos causando um movimento errático ou a queda da mariposa que se esconde no solo ver descrição detalhada em Alcock 2001 Ewert 2008 apresenta outros exemplos de como o componente bombykol presente no feromônio de fêmeas ativa os receptores nos pêlos das antenas de machos sendo suficiente para desencadear o comportamento de corte de diversas espécies de insetos O autor também mostra como pequenas diferenças na concentração de bombykol e no potencial de ação impedem a cópula entre machos e fêmeas de diferences espécies Jaffé et al 2007 mostram como uma escolha intraespecífica de fêmeas pelos machos está relacionada com a concentração de voláteis nos feromônios e o potencial de ação dos receptores dos machos em diferentes condições físicas Por fim já foi mapeado que o comportamento de postura de ovos em lesmas do mar Aplysia envolve a ação de 11 proteínas sintetizadas por um único gene com apenas 217 pares de base26 Scott 2005 Estes exemplos entretanto não devem ser entendidos como provas de que todo comportamento complexo pode ser explicado por apenas um ou dois genes ou neurônios A fisiologia sensorial busca determinar as estruturas neurais que correspondem aos mecanismos perceptuais aos mecanismos de controle central e integração e aos mecanismos motores do comportamento Estes geralmente são 26 Os genes podem ser compostos por milhares de pares de base havendo inclusive as notações kb kbp kilo pares de base 1000 bp Mb mega pares de base 1000000 bp Gb giga pares de base 1000000000 bp 95 compostos por vários neurônios que se sobrepõem e se diferenciam a depender do comportamento em análise sendo parte do trabalho do pesquisador modelar o que Ewert 2008 chama de algoritmo combinatório que integra os inputs sensoriais externos e internos e resulta num output comportamental efetivo A complexidade de causa comportamental é bem exemplificada pelos estudos em cronobiologia e endocrinologia comportamental Na cronobiologia os exemplos clássicos mostram como o ritmo circadiano dos comportamentos de atividade e inatividade envolve reações químicas com alças de feedback de proteínas codificadas por pelo menos 06 genes diferentes period timeless clock cycle doubletime e tau que são ativados e desativados por pistas luminosas no ambiente Goodenough et al 2001 Na área de endocrinologia comportamental os exemplos clássicos referemse a ação da testosterona e do estradiol no comportamento de canto de pássaros ou amplexo no sapos Bolhuis 2008 Um trabalho sobre cuidado maternal mapeou como cheirar o filhote ativa o gene fosB no hipotálamo que posteriormente ativa o gene oxt no cérebro de ratas que passam a sintetizar oxitocina desencadeando comportamento de apego e cuidado aos filhotes Ratas impedidas de cheirar o filhote por danos no órgão vomeronasal não apresentaram comportamento de cuidado Goodenough et al 200127 Uma dificuldade comum dos alunos é não visualizar as cadeias bioquímicas que vão do gene à proteína estrutural ou reguladora ou da recepção do estímulo e sua integração neuroendócrina à contração muscular Outra dificuldade é imaginar que o gene ou a presença de estímulo no ambiente funcionam como uma tomada que liga e desliga um comportamento de forma binária Neste caso os conceitos de fatores contínuos e análises multivariadas precisam ser trabalhados para superar esta concepção espontânea dos alunos 27 Para uma revisão didática sobre a neuroendocrinologia do apego e do amor ver Carter 1998 96 D DESENVOLVIMENTO Segundo Bolhuis 2008 ao inserir a questão do desenvolvimento como fundamental para o estudo do comportamento Tinbergen foi bastante influenciado pelos trabalhos do embriologista escocês Conrad Waddington em particular os conceitos de canalização e paisagem epigenética Basicamente estes conceitos significam que dentro das condições típicas de desenvolvimento as formas de divisão e multiplicação celular serão canalizadas seguindo padrões relativamente fixos e previsíveis nos embriões de uma mesma espécie A paisagem epigenética inclui desde a folhagem onde a fecundação externa ocorre ou se fecundação interna o oviduto até a composição bioquímica do ambiente intracelular do embrião A metáfora da paisagem com vales e montanhas e do desenvolvimento como uma bola rolando sobre a paisagem buscava realçar a homeostase de desenvolvimento indicando que pequenas variações ambientais não fariam a bola subir a montanha e passar para o outro lado ela tenderia a voltar para o vale e apenas grandes variações ambientais conseguiriam produzir aberrações lembrando que Waddington referiase a embriologia ou neste caso à teratologia Atualmente os pesquisadores do desenvolvimento comportamental estudam as mudanças no comportamento e nos mecanismos subjacentes desde a concepção até a morte dos indivíduos As análises podem ser feitas a partir de duas perspectivas de dentro para fora e de fora para dentro Numa análise de dentro para fora verificase como as próprias cadeias bioquímicas vão sendo alteradas devido à concentração de seus produtos e coação das diversas alças de feedback positivo e negativo Assim verificase que o organismo não é o mesmo ao longo do tempo Poucas primeiras células totipotentes as famosas células 97 tronco dão origem a células pluripotentes as camadas germinativas e em seguida tornamse células diferenciadas nos diversos tecidos e órgãos apesar de todas elas terem o mesmo programa genético Esta diferenciação devese a diferenças mudanças na composição bioquímica das células O ambiente hormonal também não é o mesmo ao longo do desenvolvimento assim como existem modificações na rede neural presente no organismo ao longo de sua vida Tendo em vista o discutido no item anterior uma vez que a maquinaria do comportamento o substrato físicoquímico do organismo se modifica podese inferir que mudam as propensões ou probabilidades estatísticas de reações físicoquímicas para o organismo reagir de uma ou outra forma aos estímulos ambientais De fato diferenças comportamentais ao longo do desenvolvimento são observadas em todas as espécies animais O polietismo de abelhas em que cada faixa etária apresenta um comportamento diferente até 5 dias limpar células de 5 a 10 dias alimentar as larvas e outras abelhas de 15 a 20 dias empacotar o pólen de 20 a 25 dias forragear em flores é um exemplo de como um mesmo substrato químiconeuronal muscular modificase e passa a gerar padrões comportamentais extremamente distintos Similarmente alguns animais apresentam dois morfos ex girino e sapo lagarta e borboleta ou mesmo três morfos ex o platelminto Fasciola hepática que assume as formas de miracídio cercaria e indivíduo adulto durante sua historia de vida cada fase com um comportamento diferente e adequado ao ambiente Por outro lado e de forma mais conhecida por todos o comportamento muda ao longo do desenvolvimento como resposta ao ambiente Numa análise de fora para dentro buscase mapear como os estímulos ambientais causam mudanças comportamentais Estes estudos envolvem desde análises de reflexos e habituação do receptor a associação de estímulos condicionamento 98 clássico e operante aprendizado por imitação e facilitação social e aprendizado através do ensino Por exemplo os poliquetos marinhos ao sair dos tubos em maré seca primeiramente reagem às nuvens se escondendo Após cerca de meia hora neste movimento de entrar e sair da terra aparentemente ocorre habituação do receptor e os animais ficam expostos sem reagir a outras nuvens Ridley 1995 Estas são as análises tradicionais dos neurofisiologistas mais em invertebrados e behavioristas mais em vertebrados mas que atualmente são pesquisadas também por psicólogos cognitivos que admitem a existência da mente Hinde 2008 O capítulo de Pereira Júnior e de Rezende e Izar cap 5 e 9 deste volume detalham todos estes conceitos Atermeei aqui a dois conceitos clássicos que causam ainda bastante confusão entre os alunos períodos críticos e estampagem imprinting Lorenz 1935apud Goodenough et al 2001 definiu período crítico como uma fase do desenvolvimento em que a exposição a estímulos ambientais promove mudanças irreversíveis no comportamento do indivíduo Durante estas janelas de aprendizado um animal imaturo fixa sua atenção no primeiro objeto com o qual tem contato visual auditivo ou de outro tipo e a partir de então passa a ter preferência por estímulos semelhantes ou seja ocorre uma estampagem daquele objeto no animal Normalmente essa preferência é medida pelo comportamento de seguir caminhando ou apenas seguindo com o olhar o objeto Estas janelas de aprendizado teriam duas funções maiores aprender quem é o cuidador e aprender a espécie do parceiro sexual Estas estampagens poderiam ocorrer na mesma janela ou em janelas diferentes e o início e duração de cada janela varia de espécie para espécie Como normalmente a primeira coisa que um filhote vê é sua mãecuidador a estampagem asseguraria o reconhecimento dos pais pelos filhotes No entanto os filhotes podem sofrer estampagem por qualquer objeto sendo famosa a figura dos patos seguindo Lorenz 99 pois ele foi a primeira coisa que os animais viram após eclodir Lorenz considerava a estampagem uma forma diferente do aprendizado por associação de estímulos pois segundo o autor a estampagem i não precisa de reforço ii ocorre apenas nos períodos críticos e iii é irreversível A etologia contemporânea define estampagem imprinting como o desenvolvimento de uma preferência social e distingue a estampagem filial reconhecimento dos pais pelos filhos da estampagem sexual isto é desenvolvimento de preferências por parceiros de cópula podendo ocorrer estampagem parental reconhecimento dos filhos pelos pais em algumas espécies ex pingüins As três características da estampagem definidas por Lorenz são atualmente criticadas O fenômeno da estampagem é considerado uma forma de aprendizado por associação em que a mera visão do objeto é um reforço positivo Bolhuis 2008 A idéia de período crítico foi substituída pela de período sensível ou sensitivo ou suscetível sensitive periods Buscase com isto substituir a idéia de limites críticos como uma janela que abre e fecha para aprendizagem por outra em que o aprendizado é mais contínuo havendo momentos de maior sensibilidade e de menor sensibilidade a estímulos externos cuja duração varia de indivíduo para indivíduo Bolhuis 2008 A idéia de irreversibilidade também é contestada Num exemplo clássico de criação cruzada filhotes de mandarim Taenopygia guttata criados por pais manons Lonchura striata quando colocados em situação experimental de escolha de parceiros sexuais preferiram fazer a corte ou responder à corte no caso das fêmeas a indivíduos da espécie dos pais adotivos e não da própria espécie como esperado pela estampagem sexual Porém este padrão de escolha foi alterado após os animais passarem um período com os animais da mesma espécie mesmo após o pico do período sensitivo já haver passado indicando que a estampagem é reversível 100 Dentro deste contexto cabe distinguir o mecanismo de priming ou incitação28 Incitação é definido como um efeito motivador ou despertador ou provocador de um estímulo na apresentação do comportamento Assim a propensão para realizar um comportamento é aumentada pelo contato com um primer e esta estimulação continua a ter efeito mesmo após o contato ter cessado Por exemplo peixes beta Betta splendens tendem a ignorar a inserção de um termômetro no aquário mas se colocados em conflito com outros peixes ou se apenas observarem conflito entre outros dois peixes uma posterior inserção do termômetro desencadeará comportamentos agressivos em direção ao objeto Hogan 2008 Este autor discute que é possível medir os efeitos de incitação em vários comportamentos como agressão alimentação sexo e cuidado materno Curiosamente o comportamento de ingerir líquidos parecer ser pouco susceptível à incitação O ilustre pesquisador Robert Trivers apresentou um curioso exemplo durante sua palestra no Encontro da SBPC de 2010 O exemplo referiase a uma medida da capacidade matemática de mulheres asiáticas Em algumas folhas de teste era requisitado que a pessoa marcasse o sexo junto à sua idade no cabeçalho da folha de respostas em outras era requisitado que fosse marcada a naturalidade da pessoa e não o sexo Surpreendentemente os escores das provas das mulheres asiáticas que marcaram o sexo foi significativamente menor que os escores das mulheres asiáticas que marcaram sua naturalidade O pesquisador atribuiu esta diferença ao efeito incitador do estereótipo de mulheres serem ruins em matemática e de asiáticos serem bons em matemática Por fim dentro da análise do desenvolvimento do comportamento cabe destacar o crescente número de publicações descrevendo tradições comportamentais em animais ou seja padrões comportamentais que são aprendidos durante o desenvolvimento do 28 A tradução literal de priming é escorvamento Escorva é o dispositivo com que se dá início à explosão de uma carga principal geralmente constituído por um cordel detonante ou a porção de pólvora para comunicar o fogo à cargaAurelio 1986 101 indivíduo e que permanecem por gerações sendo herdadas de forma não genética Avital Jablonka 2000 E EVOLUÇÃO OU FILOGENIA Esta é uma das perguntas da etologia clássica e referese a traçar o padrão evolutivo da diversidade comportamental Ryan 2008 Tal como os estudos filogenéticos em morfologia e bioquímica tendo como base o fenômeno da descendência com modificação e utilizando o método comparativo os estudos em evolução comparam homologias e homoplasias convergências e divergências comportamentais tentando localizar as sinapomorfias comportamentais de cada espécie29 Existem duas formas de estudar a evolução comportamental A primeira é quando se conhece a filogenia do grupo em estudo a partir de outros métodos morfológicos ou bioquímicos Neste caso com base numa filogenia estabelecida buscase entender o padrão de mudança comportamental correlacionandoo ao ambiente ocupado por cada clado Um exemplo bastante ilustrativo Mann Dawkins 1998 Alcock 2001 Goodenough et al 2001 Scott 2005 referese a forma elaborada do ninho construída por 16 diferentes espécies de aves da família Ptilonorhynchidae Com base em análises de DNA mitocondrial foi possível verificar que as espécies que constroem ninhos mais elaborados derivaram são mais recentes que das três espécies 29 Caracteres homólogos são aqueles compartilhados por duas espécies devido à ancestralidade comum ex ossos dos membros superior dos vertebrados Caracteres homoplásicos são aqueles presentes em duas espécies mas que se desenvolveram devido a similaridade ambiental ex asas das aves e asas dos insetos A evolução convergente ocorre quando duas espécies que não compartilham um ancestral comum vivem em ambientes semelhantes e leva a aquisição de traços homoplásicos por diferentes espécies A evolução divergente ocorre quando espécies que compartilham ancestral comum ocupam ambientes diferentes e estruturas homólogas podem passar a ter formas diferentes ex asa do morcego nadadeira da baleia membro superior dos cavalos Sinapomorfias são caracteres derivados compartilhados por duas espécies com ancestral comum No caso da etologia os caracteres em questão são comportamentos 102 que não constroem ninhos O cladograma30 também mostra que existem dois clados irmãos um com 7 sete espécies que constroem ninhos elaborados suspensos e outro clado composto por 6 seis espécies que constroem ninhos elaborados no chão Dentro de cada clado as espécies que constroem ninhos mais simples são mais antigas que as espécies que constroem ninhos mais elaborados Com base neste cladograma é possível estudar quais mudanças ambientais levaram à crescente elaboração de ninhos O estudo da filogenia comportamental é necessário para garantir a independência de contrastes durante os estudos de função comportamental próximo por quê de Tinbergen A segunda forma é utilizar o padrão comportamental como um caractere independente e inserilo na análise de reconstrução filogenética junto com outros caracteres morfológicos ou bioquímicos Muitos comportamentos de várias espécies são estereotipados e experimentos de hibridismo pai de uma espécie mãe de outra espécie resultam em comportamentos intermediários nos descendentes Assim o pressuposto deste tipo de abordagem é que existem traços comportamentais que podem ser considerados típicos das espécies O pioneiro neste tipo de abordagem é próprio Konrad Lorenz que construiu uma filogenia dos patos da família Anatidae com base em semelhanças nos comportamentos de cortejo de fêmeas Ridley 1995 Entretanto este tipo de abordagem é atualmente menos comum Segundo De Queiroz e Winberger 1993 menos de 5 dos caracteres utilizados nas análises cladísticas são comportamentais Apesar disto segundo estes mesmos autores são verificadas congruências nas filogenias de invertebrados obtidas separandose caracteres morfológicos e comportamentais Kuntner et al 2008 também destacam a importância dos caracteres comportamentais para estudos filogenéticos Neste trabalho 34 comportamentos exemplos movimentos de balanço do corpo forma de aproximação e 30 Cladograma é um diagrama que mostra as relações de ancestralidade comum entre as espécies a famosa árvore da vida Clado é qualquer ramo deste cladograma 103 ângulo de ataque a presa foram utilizados juntamente com quase 200 caracteres morfológicos para desvendar a filogenia das aranhas construtoras de teias Araneae Nephilidae Os autores afirmam que a utilização dos comportamentos foi útil principalmente quando caracteres morfológicos homoplásicos não permitiam a distinção entre duas espécies Num outro trabalho Japyassu Caires 2008 mostram como a seqüência do comportamento de enrolar presas em fio de seda é uma homologia dos Araneoidea A constatação de que comportamentos podem seguir rotinas tão estereotipadas a ponto de poder ser utilizados em estudos de cladística não inviabiliza a flexibilidade comportamental a depender das condições ambientais em nível proximal Por exemplo Garcia e Japyassu 2005 analisando as rotinas dos comportamentos de predação construção de teia e corte nas famílias de araneoidea mostraram que existem de 3 a 6 diferentes tipos de comportamentos predatórios a depender da presa ex observase mais mordidas quando a presa é uma formiga do que quando a presa é um tenébrio Podese supor que o comportamento é pouco utilizado em análises filogenéticas porque a coleta de seqüência comportamentais de animais na natureza de forma sistemática que possa servir a análises comparativas é muito mais difícil que a mensuração de partes corpóreas de animais em coleções de museus Entretanto Japyassu e Machado 2010 apontam que o obstáculo ao uso de caracteres comportamentais reside em diferenças na concepção do que é uma espécie um conjunto de indivíduos históricos ou uma classe atemporal de indivíduos Ou seja do pressuposto do quanto o comportamento é estereotipado ou flexível nos diferentes indivíduos de uma espécie 104 Uma dificuldade no ensino deste tópico para os alunos é a falta de conhecimento da diversidade animal e da anatomia comparada no desconhecimento de termos e conceitos básicos de filogenia assim como de biogeografia Foi dito acima que os estudos em evolução mapeiam as semelhanças e diferenças comportamentais entre as espécies e que com base em cladogramas bioquímicos e comportamentais tentam estudar quais mudanças ambientais selecionaram as diferentes sinapomorfias Estas correlações ambiente x semelhançadiferença comportamental geralmente são feitas em escala geológica ex estudos com mudanças no comportamento de tecer teias das diferentes espécies de aranhas e mudanças no ambiente desde o Mioceno ou mesmo estudo do comportamento de uso de ferramentas pelo homem no PlioPleitoceno O quanto o ambiente atual exerce pressão sobre os diferentes comportamentos é assunto do próximo por quê de Tinbergen F FUNÇÃO O último por quê proposto por Tinbergen 1963 referese à função do comportamento ou seja para que serve o comportamento Qual o valor de sobrevivência do comportamento Segundo Danchin et al 2008 esta pergunta é respondida pelos pesquisadores da área de ecologia comportamental que nasceu ainda segundo os mesmos autores com a publicação do livro Behavioural Ecology por John Krebs e Nicholas David em 1978 na Inglaterra31 31 A tradição norteamericana chamase ecologia evolutiva Fox et al 2001 e em nada difere em termos de conceitos e modelos dos apresentados por Krebs e Davies 1978 A diferença parece residir no fato de que a ecologia evolutiva foca mais mas não apenas em animais de curta historia de vida tendo portanto acesso à quantificação genética enquanto a ecologia comportamental tem maior foco em animais com longa historia de vida Já existe uma tradução para o português de Krebs e Davies 1996 Introdução à Ecologia Comportamental Ed Atheneu 105 As análises em ecologia comportamental partem de três pressupostos O primeiro é o de que todo comportamento é adaptativo ou seja a função de todo comportamento é aumentar a sobrevivência eou reprodução do indivíduo Mesmo comportamentos à primeira vista incongruentes com esta visão como por exemplo a autotomia de patas pelo caranguejo ou o salto estrela das aranhasmacho de viúva negra jogandose na mandíbula da fêmea para ser devorado são interpretados como aumentando as chances de sobrevivência por distrair o predador no caso do caranguejo ou de reprodução pois enquanto come o macho a fêmea da aranha não sai a procura de outro parceiro dos indivíduos O segundo pressuposto é o de que os indivíduos baseiam seus comportamentos em escolhas frente às condições ambientais proximais O terceiro é o de que estas escolhas são racionais ou seja maximizam a relação benefíciocusto para o indivíduo Para a ecologia comportamental não faz diferença se esta otimização da relação benefíciocusto é alcançada por aprendizado no ambiente imediato ou pela presença de genes que resultem em padrões estereotipados existem modelos para ambos os casos MS Dawkins 1989 diferencia otimização de curto prazo e de longo prazo A otimização de curto prazo referese à melhor relação benefíciocusto em termos de calorias Por exemplo maior aquisição de calorias no menor tempo ou com menor exposição a risco de predação ou exposição a doenças A otimização de longo prazo referese a deixar o maior número de descendentes ou cópias do DNA Em espécies com curta história de vida é possível contar efetivamente o número de descendentes produzidos e comparálo de acordo com os comportamentos apresentados por diferentes indivíduos Entretanto para muitas espécies com longa história de vida a contabilização do número de descendentes é dificultada Ou seja dentro de um projeto de pesquisa é possível acompanhar o sucesso reprodutivo de várias gerações de borboletas mas 106 dificilmente de chimpanzés Neste caso a otimização de longo prazo é inferida a partir da otimização de curto prazo isto é se um animal apresenta um padrão comportamental que resulta em maior aquisição de calorias em menos tempo ou com menor risco supõese que estas calorias serão utilizadas para fazer mais cópias de DNA Na ecologia comportamental existem modelos para analisar diversos comportamentos tais como escolha ótima de presas tempo ótimo de forrageio numa mancha de alimentos antes de mudar para outra mancha rota ótima entre dois pontos tempo ótimo de cópula número ótimo de parceiros de acasalamento número ótimo de filhotes tempo ótimo de cuidado aos filhotes e tamanho ótimo de grupo Danchin et al 2008 Estes modelos são elaborados teoricamente e testados empiricamente com a observação dos animais em ambiente natural ou em laboratório Quando os dados empíricos não confirmam o esperado mudase o modelo mas o pressuposto da otimização é mantido MacArthur Pianka 1966 desenvolveram um dos primeiros modelos do otimização do comportamento que buscava entre outras coisas explicar a existência de animais especialistas e generalistas Este modelo de forrageio ótimo foi testado por Krebs et al 1977 apud Krebs Davies 1997 num experimento em que aves chapimreal Parus major eram expostos a uma espécie de esteira rolante sobre a qual havia pedaços de minhocas de diferentes tamanhos Os resultados confirmaram as expectativas do modelo de que os animais só passavam a coletar presas menores quando as presas preferidas as maiores diminuíam em freqüência independentemente do número de presas menores presentes Ou seja a experimentação comprovou uma predição construída a partir da modelagem matemática a de que os animais só ampliam sua dieta quando o alimento preferencial está raro e isto independe da freqüência do alimento menos preferencial Num exemplo mais recente Buzzato e Machado 2008 107 mostraram que opiliões mudam a estratégia de acasalamento durante a estação reprodutiva No início da estação reprodutiva quando ainda existem muitas fêmeas sem acasalar os machos exibem defesa de territórios para os quais as fêmeas são atraídas No final da estação reprodutiva quando a maioria das fêmeas está pareada os machos passam a defender as próprias fêmeas independente do ambiente Os autores discutem que esta flexibilidade comportamental observada em opiliões nos alerta para o perigo das classificações estáticas dos comportamentos das espécies Uma distinção importante entre os dois por quês do nível distal de análise é que as análises em evolução consideram o comportamento como uma adaptação ou seja uma característica já selecionada que conferiu maior aptidão aos indivíduos e portanto tornouse típica da espécie enquanto os estudos em função consideram o comportamento como adaptativo uma característica atual que aumenta a aptidão que pode ser uma adaptação ou não Danchin et al 2008 Um cuidado importante que se deve ter principalmente quando se estuda comportamentos sociais é de que o ótimo é mensurado em nível individual e não grupal E isto faz com que muitas vezes o comportamento observado não seja o ótimo teórico Por exemplo Baird Dill 1996 calcularam que o tamanho ótimo do grupo de orcas Orcinus orca era de três indivíduos isto é quando em grupos com três indivíduos cada animal capturava o maior número de presas por ataque Entretanto o número mais freqüente observado na natureza era de cinco indivíduos Esta aparente incongruência é resolvida quando observamos que a eficiência do quarto e do quinto indivíduos que entram no grupo é maior do que a caça solitária ou em dupla Ou seja mesmo que mais distantes do ótimo do forrageio estar num grupo de cinco indivíduos é melhor que caçar sozinho Já para um sexto indivíduo a eficiência é menor que a caça solitária Este fenômeno comumente observado é conhecido como o paradoxo do 108 tamanho do grupo Comportamentos cuja eficiência depende da freqüência dos comportamentos apresentados por outros indivíduos na população são modelados pela Teoria dos Jogos Giraldeau 2008ab Em resumo a análise da função vê o comportamento como uma seqüência de escolhas feitas pelos animais e busca modelar qual seria a melhor estratégia teórica de ação diante da realidade proximal tendo a otimização como um pressuposto Uma das maiores dificuldades dos estudos da função do comportamento reside justamente nas medidas dos ganhos e dos custos energéticos de cada comportamento para cada indivíduo ESTE ANIMAL x SE COMPORTA DE FORMA y PORQUE Algum tipo de etnoetologia já existia há pelo menos 35000 anos estando representada em cavernas como pinturas de lutas entre machos de bisões de fêmeas de renas grávidas e de cavalos em galope ou a relinchar Theodorides 1965 A compreensão do comportamento animal foi certamente importante para a sobrevivência de nossos ancestrais tanto para superar estratégias de fuga das nossas presas e para evitar as estratégias de ataque de nossos predadores quanto para melhor manejo pecuário que teve inicio há cerca de 8000 anos Atualmente a etologia aplicada é uma área em expansão tanto para aumentar o bemestar de espécies comerciais peixes aves porcos gado quanto para planejar recintos de zoológicos e criadouros mais adequados Goodenough et al 2001 p01 sugerem que a observação do comportamento animal e a tentativa de entendêlo precedem e pode ter sido combustível para o surgimento da própria consciência ou autoconsciência humana De fato explicar o comportamento humano comparandoo ao de outros animais parece ter sido atividade 109 antiga vejase por exemplo o calendário Chinês Ferrari 2010 mostrou que o hábito de identificarse a um animal ainda persiste em culturas de índios argentinos Áreas mais dedicadas ao estudo do comportamento humano como filosofia psicologia pedagogia antropologia e sociologia foram e são bastante influenciadas pelos conhecimentos biológicos em geral e isto inclui a biologia do comportamento Por exemplo a resignificação de períodos críticos teve implicações na psicologia e na pedagogia A possibilidade de desenvolver apego a vários indivíduos e ao longo da vida é um dos grandes avanços da teoria do apego de Bowlby 1965 em relação à visão psicanalista de Freud A possibilidade de aprendizado em diferentes idades também é pressuposto para as abordagens de pedagogia de jovens e adultos Um alerta é o de que ao tentarmos afirmar o animal x se comporta da forma y porque devemos lembrar que os mundos sensoriais das espécies são bastante diferentes pássaros vivem num mundo visual diferente do das abelhas que percebem mais a luz ultravioleta ou das cobras que percebem melhor o infravermelho o mundo da coruja é mais auditivo o dos cachorros e ratos mais olfativo as aranhas vivem num mundo vibracional golfinhos e morcegos realizam ecolocalização tubarões têm forte sensibilidade elétrica e tartarugas são capazes de perceber o campo geomagnético Sherry 2008 Cada indivíduo de uma mesma espécie também percebe o ambiente diferentemente Assim a complexidade ambiental percebida e a que efetiva o comportamento é bastante diferente entre os indivíduos e alerta para o cuidado com generalizações prematuras Neste século XXI vivemos num zeitgeist de retorno à natureza Isto inclui desde o cuidado com o que é vivo até a autoconsciência que fazemos parte desta teia vida Somos classificados como Reino Animalia Filo Chordata Classe Mammalia Ordem Primates Família Hominidae Gênero Homo Species H sapiens Subspecies H s 110 sapiens Entretanto é importante sempre lembrar que a resposta a questão por que o animal x se comporta de forma y é múltipla Tanto a antropomorfização dos animais quanto a animalização do homem devem ser utilizadas com cuidado para que consigamos visualizar as continuidades e rupturas entre padrões comportamentais Yamamoto 2009 Etologia tem a mesma raiz grega que a palavra Ética Ethos ἦθος Lugar habitual conduta Ética ἠθικός conduta moral conduta correta Análises das causas proximais e distais são necessárias para a mais justa compreensão do comportamento e para que possamos ser éticos tanto com os animais quanto com nós mesmos REFERÊNCIAS Alcock J 2001 Animal Behaviour an evolutionary approach 7th ed Sanderland Sinauer Avital E Jablonka E 2000 Animal Traditions Behavioral Inheritance in Evolution Cambridge Cambridge University Press Baird RN Dill LM 1996 Ecological and social determinants of group size in transient killer whales Behavioral Ecology 7 40816 Barfield T 1997 Blackwells Dictionary of Anthropology London Blackwell Bolhuis JJ Giraldeau LA 2008 The Behavior of animals mechanisms function and evolution London Blackwell Bolhuis JJ 2008 Development of Behavior 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Introdução Aspectos históricos Pp 18 In Otta E Yamamoto ME orgs Fundamentos em Psicologia Psicologia Evolucionista São Paulo Guanabara Koogan 114 Capítulo 5 NEUROCIÊNCIA COGNITIVA Alfredo Pereira Júnior apjibbunespbr Departamento de Educação Instituto de Biociências Universidade Estadual Paulista UNESP Botucatu SP Brasil 115 INTRODUÇÃO Historicamente a Filosofia e a Psicobiologia têm se ocupado de questões diferentes A Filosofia estuda o pensamento e a subjetividade humanos procurando elucidar as principais categorias cognitivas e existenciais que marcam a experiência humana A Psicologia e a Biologia experimentais têm se ocupado entre outras atividades do estudo empírico do comportamento com base em medições realizadas em laboratório ou no campo Enquanto a Psicologia e a Biologia se encarregam de tarefas descritivas seu trabalho se desenrola independentemente de questões filosóficas Do mesmo modo enquanto o filósofo elabora teorias metafísicas sobre o sujeito do conhecimento ou sobre a natureza última das coisas não precisa se debruçar sobre os fatos empíricos para estudálos em detalhe Porém quando a Filosofia concebe um sujeito que não só conhece o mundo mas também age guiando sua ação com base no conhecimento disponível a questão do comportamento se torna relevante De modo similar quando o biólogo ou psicólogo experimental se perguntam a respeito dos processos cognitivos eou emocionais que levam um animal a responder de certa forma à presença de um determinado estímulo algumas questões filosóficas se colocam Como se sabe o comportamento pode ser classificado em dois tipos o comportamento aberto as ações adaptativas do organismo no ambiente e coberto processos fisiológicos internos que suportam ações adaptativas Em ambos é característica fundamental da abordagem científica que o comportamento seja mensurável por parte do cientista Tal característica parece implicar que no estudo do comportamento animal as questões de natureza filosófica seriam deixadas em segundo plano se limitando tais estudos ao registro tabulação e discussão de dados objetivos De fato o paradigma dominante nos estudos comportamentais no Séc XX o behaviorismo pretendia estabelecer a Psicologia como ciência puramente factual deixando de lado questões teóricas a respeito de processos mentais subjacentes à produção do comportamento Contudo o desenvolvimento histórico da própria Psicologia Experimental ao lado de progressos na neurobiologia e ciências cognitivas tem trazido uma série de questões de natureza filosófica relativas ao estudo empírico do comportamento animal 116 Dois exemplos que indicam a necessidade de modelos mais elaborados de explicação são o processo de habituação e a aprendizagem de intervalos temporais As respostas que um animal apresenta frente a um mesmo estímulo em um mesmo contexto não são sempre as mesmas mas variam de acordo com o processo de habituação Estímulos repetitivos tendem a não serem registrados mas se são interrompidos sua ausência é percebida Sokolov 1975 Deste modo se conclui que para o animal só tem significado o estímulo que faça uma diferença Em outras situações o animal responde de forma idêntica a uma variedade de pares de estímulos desde que o intervalo temporal da apresentação seja o mesmo Esse fato leva à conclusão de que o animal aprendeu o próprio intervalo temporal ao invés de realizar uma associação entre os estímulos como fora planejado pelo experimentador Gallistel 1996 Tais situações nos conduzem para uma reflexão a respeito da complexidade dos fatores condicionantes do comportamento Seria possível abarcar os principais fatores e controlálos experimentalmente de modo a conseguir prever com segurança qual seria a resposta de um animal a um determinado estímulo em um determinado contexto Será que muitas das suposições que fazemos para tornar possível o controle experimental já viciam o resultado tornando nossas conclusões inválidas para outros tipos de contexto Estas perguntas nos levam para o âmbito da Filosofia da Ciência ou Epistemologia que é a área da Filosofia que se preocupa com as questões levantadas pela pesquisa científica Existem três tipos de questões filosóficas relacionadas ao estudo científico do comportamento a questões metodológicas que emergem do trabalho de descrição do comportamento como as suposições que são feitas na delimitação do objeto de estudo por exemplo a definição de referenciais espaciais e temporais adequados possibilidade de alteração dos hábitos de indivíduos de espécies selvagens ao serem estudados em cativeiro o risco de antropomorfização do comportamento de outras espécies b suposições feitas na explicação do comportamento distinção entre causas imediatas em nível fisiológico e ambiental e remotas em nível evolutivo ou entre fatores de origem genética e ambiental postulação de causas inobserváveis concepções de aprendizagem e memória sentimentos e emoções pensamento e consciência intencionalidade e no caso do comportamento social humano obediência a valores c questões éticas que surgem na pesquisa e aplicação do conhecimento biológico estas questões podem ser formuladas em termos de princípios da bioética como a beneficiência 117 procurar fazer o bem para o animal e nãomaleficiência evitar infligir um mal desnecessário ao animal Neste capítulo enfoco algumas questões filosóficas que emergem na explicação do comportamento animal discutindo as seguintes questões como se integram as determinações genéticas e ambientais na produção do comportamento será que os animais em especial os mamíferos eventualmente pensam operam com a memória de curto prazo controlam sua própria percepção através de mecanismos de atenção eou realizam inferências lógicas para decidir qual o comportamento mais adequado em um determinado contexto Ambas as questões conduzem à consideração dos processos cognitivos que se acredita ocorrer no cérebro animal Tal discussão que estava confinada à Filosofia especulativa até há poucas décadas pode hoje ser abordada de forma interdisciplinar no contexto das ciências da cognição Neste ensaio procuro integrar legítimas interrogações filosóficas com os dados e conjecturas presentes na Neurociência Cognitiva contemporânea Inicialmente considero alguns aspectos da função cerebral que controla grande parte do comportamento nos mamíferos Faço inicialmente uma breve revisão da constituição do sistema executivo responsável pela coordenação dos comportamentos mais complexos e difíceis de explicar Em seguida discuto a noção de esquema de ação e o processo de aprendizagem ativa me detendo na análise das funções de inferência lógica associatividade relacionada ao hipocampo e seqüenciamento hierárquico relacionada ao córtex préfrontal Finalmente abordo os conceitos filosóficos de coerência e autoorganização do sujeito procurando esclarecer sua pertinência para o estudo do comportamento animal PROCESSOS AFERENTES EFERENTES E REAFERENTES Os cérebros se desenvolveram ao longo de evolução como órgãos que recebem informação do ambiente processos aferentes transformam armazenam e usam o produto final desse processamento para comandar ações no ambiente processos eferentes Como a adaptação e sobrevivência de indivíduos e populações de animais dependem da ação que efetuam em seus ambientes é compreensível que durante a 118 filogenia se tenham desenvolvido mecanismos de realimentação feedback entre processos eferentes e aferentes ou seja mecanismos pelos quais um organismo vem a perceber e avaliar os resultados de uma ação que realiza no ambiente Esses mecanismos são chamados de reaferentes servindo hipoteticamente para se ajustar os processos internos às demandas da ação no sentido de se obter melhor eficácia e eficiência em termos adaptativos As interações entre subsistemas cerebrais dedicados à percepção e à ação ao longo de evolução aconteceriam em níveis superpostos como previsto no modelo clássico de HughlingsJackson as estruturas mais velhas são preservadas adquirindo novas funções na medida em que interagem com as novas estruturas emergentes A realimentação mais primitiva entre ação e percepção seria a interação pelo fluxo sangüíneo ou seja moléculas liberadas no sistema eferente são difundidas na corrente sanguínea vindo a reajustar a atividade do sistema aferente Por exemplo assim que um animal se alimenta são emitidos sinais químicos que eliciam a sensação de saciedade levando a um reajuste do sistema aferente que se dirige para outros estímulos ambientais Em sistemas nervosos primitivos uma interação relativamente lenta e difusa ocorreria por intermédio de sinais químicos os quais persistem em sistemas mais complexos perdendo contudo parte de suas funções para a interação sináptica que é mais rápida e específica Nos mamíferos os processos de reaferência interna por meios sinápticos aparentemente engendraram ao longo do tempo o desenvolvimento de novas estruturas neuronais dedicadas ao processamento da informação aferente servindo para um controle mais eficaz eficiente e versátil das ações Uma segunda modalidade de realimentação disponível para o cérebro seria a reaferência externa von Holst Mittelstadt 1950 também chamada de ciclo funcional de percepçãoação vide von Uexkull 1934 por exemplo mudanças na posição do corpo afetam a percepção subseqüente A reaferência externa também pode adquirir formas mais complexas como no caso de animais que constroem ninhos pássaros e barreiras castores Esses artefatos produzem mudanças no ambiente influenciando o modo como os animais o percebem Nesta perspectiva a linguagem humana a comunicação e o acúmulo de obras culturais seriam mecanismos sofisticados que possibilitam uma reaferência externa bastante elaborada Com o desenvolvimento das áreas perceptuais do córtex surgiu a segregação entre as áreas sensoriais primárias secundárias e áreas associativas intermodais assim 119 como uma série de conexões recíprocas entre elas Desenvolveramse mecanismos de sinalização por meio dessas conexões tanto no sentido dos sensores externos para as áreas primárias e destas para as associativas quanto das associativas para as primárias A existência de processos de pensamento dando suporte às decisões sobre o comportamento adequado depende crucialmente desse sistema de conexões com sinalização recíproca O córtex primata no topo de especialização evolutiva apresenta áreas associativas bem desenvolvidas que não só provêem integração intermodal mas também integração sensorimotor como por exemplo o sistema visuomotor centrado no córtex parietal Goodale e Milner 1992 mostraram que por meio desse sistema as representações perceptuais do espaço são monitoradas pela atividade motora Comentando as conexões corticais recíprocas entre as áreas préfrontal dorsolateral e o córtex parietal em primatas GoldmanRakic afirma que o circuito recíproco entre o sulco principal e córtex parietal provê um mecanismo regulatório para selecionar ajustar e manter um fluxo de informação pertinente do córtex parietal ao córtex pré frontal provendo coordenadas visuoespaciais para guiar o comportamento na ausência de pistas externas GoldmanRakic 1987 Devese ainda considerar as variedades diversas de realimentação subcortical cortical Algumas das estruturas envolvidas são o tálamo o sistema límbico o colículo superior os gânglios de base e o cerebelo Diversos estudos recentes têm demonstrado a ativação dessas estruturas em funções cognitivas como por exemplo o cerebelo Allen et al 1997 O SISTEMA EXECUTIVO MEMÓRIA ATENÇÃO INFERÊNCIA LÓGICA A conexão entre sinais aferentes e eferentes não pode ser invariante porque comportamentos diferentes requerem encadeamentos diferentes por ex a mesma informação visual pode ser usada para o movimento de uma mão ou da outra Em mamíferos o sistema executivo é a parte do cérebro responsável pela recuperação de informação previamente memorizada atenção seletiva a determinados objetos ou processos estabelecimento de metas e seqüenciamento de atividades necessárias para se atingir as metas estabelecidas Quando o organismo se acha em um determinado contexto o sistema executivo integra informações disponíveis à percepção e à 120 memória definindo o tipo de comportamento e a sucessão de ações adequados para a situação Em termos neuroanatômicos o sistema executivo é constituído pelas áreas associativas do neocortex préfrontal parietal e inferotemporal a maior parte do sistema límbico hipocampo e giro cingulado e as conexões entre as áreas acima por meio de estruturas subcorticais tálamo e gânglios de base Nos primatas o córtex pré frontal está conectado com todas as estruturas acima tendo um papel de coordenação em muitas funções cognitivas como foi sugerido em estudos de neuroimagem que confirmaram o modelo de memória de trabalho Baddeley 1986 DEsposito Grossman 1996 Funções executivas são definidas por DEsposito e Grossman 1996 como a ordem mais alta de habilidades cognitivas o planejamento flexibilidade organização e controle necessários para a execução de um comportamento apropriado incluindo a atenção contínua fluência e flexibilidade de pensamento na geração de soluções para problemas correntes o planejamento e controle adaptativo do comportamento Ao se analisar as funções executivas grande destaque tem sido dado pelos neurocientistas cognitivos ao papel da memória Jonides 1995 No estudo da memória de trabalho neurocientistas cognitivos costumam se referir à supervisão monitoramento e manipulação da informação para a resolução de problemas ao invés de uma simples manutenção de informação que corresponderia à concepção mais estreita da memória Há grande evidência a partir de estudos de efeitos cognitivos de lesões veja a revisão de Stuss et al 1994 de atividade neuronal medida por eletrodos singlecell em primatas nãohumanos Miller et al 1996 Petrides 1996 e de neuroimagem em humanos DEsposito Grossman 1996 Smith Jonides 1997 que o córtex préfrontal seria responsável pela manipulação de informação de origem perceptual e mnemônica A complexa relação entre funções mnemônicas dedicadas simplesmente à preservação de um padrão informacional memória passiva e funções cognitivas em que há um processamento ativo da informação como na inferência lógica apenas recentemente tem sido elaborada Seguramente ambos os tipos de função ocorrem de modo conjunto uma vez que entre as condições necessárias para o desempenho de inferências lógicas estão a capacidade de memorizar padrões de informação utilizados como premissas dos raciocínios e a capacidade de atender seletivamente a cada um deles Uma distinção absoluta entre memória atenção e inferência lógica seria 121 despropositada pois funções mnemônicas atencionais e lógicas são suportadas por redes neuronais altamente integradas Schacter 1989 Squire 1992 A característica básica da memória é o armazenamento de informação seja de modo estático como no hard disk de um computador seja por meio de processos dinâmicos Mais precisamente a memória consiste em uma atividade que torna possível a manutenção de um determinado padrão informacional tornandoo no todo ou em parte invariante durante um tempo curto ou longo e permitindo a recuperação desta informação no âmbito das experiências de um organismo Uma das maiores realizações da pesquisa de memória foi a descoberta de que o hipocampo mamífero tem um papel central para a formação da memória de longo prazo Cohen Eichenbaum 1994 Eichenbaum 1996 embora esta estrutura não seja o lugar ou o lugar exclusivo onde os traços de memória são armazenados ou seja preservados de forma dinâmica Esse conhecimento veio principalmente de estudos com HM um paciente que perdeu a capacidade de consolidar novas memórias de longo prazo depois da remoção cirúrgica de uma grande parte do hipocampo Milner et al 1968 Embora prejudicado na formação de memórias de longo prazo novas HM ainda se lembra de eventos memorizados antes da cirurgia uma evidência de que o hipocampo humano não é um dispositivo de armazenagem da informação nem um mecanismo responsável pela recuperação consciente da memória de longo prazo Esses dados sugerem que além de funções mnemônicas a função mais geral do hipocampo seria de natureza executiva DEsposito e Grossman 1986 o identificam como parte do sistema executivo criticando o erro comum de se usar o termo função executiva como sinônimo de função do lobo frontal Desse ponto de vista a consolidação e recuperação de traços de memória seriam componentes das funções executivas uma vez que ambas as operações sempre ocorrem no contexto de um determinado comportamento Devemos portanto considerar seriamente a hipótese de que a ativação de mecanismos mnemônicos seria controlada pelo sistema executivo como um todo A atenção por sua vez consiste no enfoque de determinados padrões de informação a cada momento em um sistema capaz de processamento distribuído em paralelo ou seja os padrões não enfocados continuam sendo parcialmente processados Para se definir o foco da atenção está implícita a necessidade de um processo de seleção da informação relevante ao organismo naquele momento razão pela qual muitos estudos se referem a uma atenção seletiva 122 A inferência lógica consiste em uma recombinação de padrões de informação interiorizados no sistema nervoso central chamados de representações operando conforme certas regularidades que garantem a coerência do pensamento regularidades estas que são descritas como regras lógicas ou lingüísticas e gerando produtos conclusões capazes de guiar o comportamento de forma adequada Um processador neuronal é definido como uma assembléia de neurônios conectados de modo a realizar uma operação lógica elementar específica Petrides 1994 propõe a existência de diversas redes neuronais especializadas ou processadores distribuídos pelo cérebro cada qual sendo depositário de diferentes esquemas operacionais que interagem entre si para engendrar as funções cognitivas Os diversos processadores são conectados por fibras corticocorticais formadas a partir de determinações genéticas e alterações plásticas processadas durante o desenvolvimento ontogenético gerando conexões reforçadas que atingem regiões cerebrais relativamente distantes O conjunto de processadores definiria a capacidade de inferência lógica de um cérebro Haveria uma hierarquia entre as funções executivas onde a memória se situa em nível mais básico a atenção em nível intermediário e a inferência lógica em nível de maior complexidade que incorpora os anteriores na geração de resultados que influenciarão o comportamento A performance de inferências lógicas sem dúvida requer mecanismos atencionais como mencionado anteriormente mas não se reduz a uma mera mudança do foco de atenção attentional shift Os mecanismos atencionais selecionam entre o repertório de traços de memória e padrões de informação disponíveis à percepção aqueles que são mais pertinentes para atuarem como premissas gerando conclusões que subsidiem o comportamento no contexto atual do animal Contudo os mecanismos atencionais não são responsáveis por estabelecer relações novas entre tais traços e padrões preexistentes engendrando conclusões novas Tomando como exemplo uma operação aritmética simples a atenção seria responsável por selecionar os elementos a ser operados por ex os números 2 e 3 a inferência lógica seria a operação de colocar tais elementos selecionados sob um esquema operatório por ex a adição do que coerentemente se extrai um elemento novo o número 5 Ou seja além de se enfocar os antecedentes e o conseqüente da operação cognitiva separadamente a inferência lógica inclui também o próprio cálculo o qual requer o uso de um esquema operatório vide Piaget 1985 que une elementos sucessivos e conduz a uma conclusão 123 OS ESQUEMAS DE AÇÃO E A APRENDIZAGEM ATIVA O sistema executivo utiliza um repertório de esquemas de ação próprios a cada espécie biológica oriundos da herança genética e de aprendizado prévio No funcionamento da rede neuronal esses esquemas podem ser concebidos como padrões específicos de conexão que controlam tipos específicos de comportamento Uma origem do conceito pode ser localizada na Filosofia a proposta de Kant de formas a priori atuando na cognição humana e Biologia Tinbergen e Lorenz que introduziram o conceito de padrões fixos Alguns etólogos estenderam o conceito como Schiller 1949 que identificou padrões motores no chimpanzé e Barlow 1968 que sugeriu que um padrão de ação teria diversas modalidades de realização Nesta visão a explicação do comportamento animal não pode ser feita em termos de estimulação reforçada e memória passiva pois é preciso levar em conta o papel coordenativo dos esquemas de ação O entendimento dos processos de aprendizagem e controle do comportamento em termos de uma dinâmica de conexões da rede neuronal segue a proposta avançada por Hebb 1949 atualmente desenvolvida em modelos computacionais chamados de conexionistas Os esquemas de ação estão codificados em redes neuronais especializadas e sua ativação corresponde à liberação de transmissores e ligação com receptores de membrana específicos Sua flexibilidade pode ser comparada com o papel das substâncias neuromoduladoras que conferem grande plasticidade ao sistema sináptico por meio da interferência na eficácia das ligações entre transmissores e receptores Um esquema de ação tem componentes diversos alguns diretamente relacionados com o comando de comportamento e outros que provêem uma série de ajustes que asseguram continuidade e coerência de operação para o sistema inteiro A orientação da ação no sentido de se definir o tipo de comportamento a ser executado em uma determinada situação e a facilitação das habilidades práticas envolvidas no comportamento definido são dois dos principais componentes Eles são integrados com componentes motivacionais concomitantes com a preparação e deflagração do comportamento específico neste aspecto o conceito de esquema de ação cobre um espectro mais amplo que o de padrões motores proposto por Schiller 1949 124 Comandos para outras áreas do cérebro notadamente para a seleção da informação aferente e recuperação de rastros de memória são comandadas por esquemas de ação atuantes no córtex préfrontal dos primatas No lado motivational ocorre a concomitante geração de sentimentos e emoções Damasio 1994 induzindo respostas psicofisiológicas imunológicas e endócrinas Tais processos presumivelmente dão ao organismo uma antecipação positiva ou negativa para uma ação que está sendo preparada No caso de uma reação positiva eles requerem ajustes que contribuam para aumentar a probabilidade de que a ação seja bem sucedida caso negativa conduz à inibição dos circuitos neuronais cuja ativação suporta o respectivo comportamento Considerando que a flexibilidade dos esquemas de ação possa ter gradações ao longo da escala filogenética podese distinguir dois extremos a esquemas que suportam uma ação estereotipada e automatizada os quais seriam equivalentes aos padrões fixos de ação propostos por Lorenz e Tinbergen 1938 Esses esquemas são encontrados em animais como o peixe e geralmente em espécies que não têm um sistema hipocampal desenvolvido esta exigência não é rigorosa porque a medida da inteligência animal é algo muito relativo e questionável veja Barlow 1968 e Bitterman 1975 b esquemas abertos ou plásticos que são especificados pela interação com o ambiente correspondendo ao sistema executivo de primatas e outros mamíferos com um córtex pré frontal desenvolvido inclusive algumas espécies de cetáceos ver Herman 1980 A coordenação de uma determinada ação nos animais que possuem esquemas abertos é de fato uma mistura de diversos esquemas que são combinados de acordo com o comportamento a ser executado e com os parâmetros ambientais que modulam esse comportamento à medida em que ele é executado Em outras palavras partes de esquemas de ação diversos cada qual desenvolvido em diferentes ocasiões da história evolutiva da espécie geneticamente transmitidos e modificados pela aprendizagem em cada indivíduo são dinamicamente recombinados a cada comportamento desse indivíduo para dar conta das situações novas com que continuamente se depara Esta visão está de acordo com o modelo de memória de trabalho de Baddeley 1986 onde o córtex prefrontal atua como centro executivo coordenando a recombinação de diversos esquemas de reconhecimento espacial e lingüístico distribuídos em várias partes do cérebro humano 125 Os esquemas de ação dos mamíferos têm a propriedade interessante de serem geneticamente determinados para serem especificado pela interação do indivíduo com o ambiente A afirmação acima pode parecer paradoxal porque muitas vezes as determinações genéticas e a aprendizagem com o ambiente físico e social são tidas como forças opostas Contudo para o sistema nervoso a capacidade de ser construtivamente influenciado pelo ambiente depende de mecanismos geneticamente determinados ou seja o cérebro dos animais e dos primatas em particular é geneticamente determinado para aprender É certo que muitas das habilidades adquiridas pelos indivíduos biológicos humanos ou não não são geneticamente transmissíveis Apenas os esquemas de ação que foram gerados por mutações genéticas ou recombinação gênica isto é os que desde o início derivam de fatores genéticos e posteriormente selecionados pelos efeitos comportamentais benéficos aos seus portadores são passíveis de serem herdados biologicamente pelos descendentes desses portadores Perguntase então quais seriam as diferenças entre tais esquemas de ação e padrões fixos de comportamento A primeira diferença é que os esquemas de ação automatizados que correspondem aos padrões fixos são disparados por um único estímulo mas os esquemas abertos só são ativados quando o animal executa uma ação que se encaixa com o esquema Se o animal não tem o esquema não poderá completar a ação A segunda diferença diz respeito ao processo de aprendizagem que sempre e necessariamente acompanha a ativação dos esquemas de ação abertos Um esquema automatizado é um programa fechado no sentido de que quando ativado o animal produz um comportamento estereotipado A experiência do animal por exemplo avaliando os resultados obtidos ao longo do comportamento não pode mudar o esquema ou a combinação de esquemas utilizados O animal apenas pode mudar de um determinado padrão fixo para um outro padrão fixo Por outro lado um esquema de ação aberto ou uma mistura desses esquemas é especificado caso a caso pelo uso que dele é feito na interação com o ambiente O tipo de ação efetivamente realizada que inicialmente eou repetidamente encaixa com os esquemas de ação existentes no cérebromente de um animal determina a função dos esquemas no seu comportamento Por exemplo macacos em ambiente natural desenvolveram um esquema de ação para colher frutas das árvores um de seus descendentes mantido em cativeiro pode usar o mesmo esquema para 126 executar uma tarefa em uma experiência científica de fato os pesquisadores consideram tais capacidades dos animais quando planejam seus experimentos Assim um esquema de ação pode ser usado em tarefas empíricas bastante diferentes se estas tarefas se baseiam em operações cognitivas semelhantes Podemos ainda comparar padrões fixos e esquemas de ação abertos com programas de computador os primeiros correspondem a programas lineares que obrigam o usuário do computador a seguir uma série prédeterminada de passos enquanto os segundos correspondem a programas interativos que permitem ao usuário um número grande de diferentes navegações Quando um animal possui um esquema aberto geneticamente determinado e se encontra em uma situação onde executa uma ação que se encaixa ou emparelha com o esquema ocorre um processo de aprendizagem ativa Quando tal encaixe ou emparelhamento acontece o sistema executivo do animal tem condições de exercer controle e coordenar a ação até que ela se complete sendo que tal tipo de ação se torna facilitada para quando uma situação semelhante é apresentada Portanto a aprendizagem ativa diz respeito a processos cognitivos em que um esquema de ação aberto se ajusta a uma variedade de situações permitindo manipular a informação ativamente de acordo com as características específicas de cada problema a ser resolvido Uma concepção semelhante de aprendizagem ativa é encontrada na hipótese de Piaget sobre a construção de operações abstratas por crianças com a ajuda de esquemas sensóriomotores Inhelder Piaget 1959 Piaget 1985 A identificação de uma rede biológica que suporta este tipo de aprendizagem sem dúvida veio trazer uma nova instância de confirmação desta hipótese Funções Executivas do Hipocampo Resultados experimentais sugerem que a inferência lógica não seria uma função exclusiva do córtex frontal Duas experiências realizadas por Eichenbaum e associados Bunsey Eichenbaum 1996 Dusek Eichenbaum 1997 indicam um papel do hipocampo do rato na realização de inferência lógica Os autores entendem esta capacidade como parte da função de memória também veja Einchenbaum 1996 Eichenbaum 1997 a qual de acordo com minhas considerações acima seria uma função que dá suporte à inferência lógica A primeira experiência testou o envolvimento do hipocampo do rato no desempenho de duas operações lógicas transitividade e simetria A primeira como se sabe consiste em se deduzir de por exemplo de A B e B C que AC A 127 segunda consiste em se deduzir de por exemplo D e E que E e D As tarefas foram elaboradas com a utilização de sinais familiares para ratos odores A performance das operações lógicas foi assumida como subjacente à associação entre odores feitas pelos ratos em busca de uma recompensa Na fase de treinamento era inicialmente apresentado um pote contendo uma mistura de areia e ração odorizada com uma recompensa enterrada um cereal doce Na etapa seguinte do treinamento eram apresentados dois novos potes com odores diferentes do da amostra Uma recompensa enterrada em um dos potes indicava a associação entre odores considerada como correta Na fase seguinte de teste da capacidade associativa dos ratos eram apresentados dois ou mais grupos de estímulos levando o animal a formar duas ou mais associações entre sinais por ex AeB e BeC e por fim era preparada uma situação na qual o animal deveria optar pela associação que indicasse a inferência lógica correta ou seja no caso do animal ter sido treinado para realizar a operação de transitividade AeC Na etapa final o primeiro pote no qual o rato começava a cavar era considerado indicador da inferência lógica realizada Bunsey Eichenbaum 1996 Os animais bem sucedidos nos testes eram então submetidos a uma lesão bem delimitada em uma parte do hipocampo por meio de injeção de substância tóxica passando depois por novos testes para se verificar se a capacidade de realização de inferências lógicas tinha sido preservada ou perdida Para o teste da transitividade foram apresentados dois grupos de treinamento grupos 1 e 2 com dois odores em cada A e X no grupo 1 e B e Y no grupo 2 e duas possíveis associações para cada odor B e Y para os odores do grupo 1 e C e Z para os odores do grupo 2 No treinamento foram fixadas as associações AeB e XeY no grupo 1 e BeC e YeZ no grupo 2 Na fase de teste foram apresentados os odores A e X a serem associados respectivamente com C e Z ou com distratores Vinte ratos previamente treinados associaram AeC e XeZ ou seja realizaram a inferência transitiva Neste momento foi feita a lesão hipocampal desses animas verificandose subsequentemente uma perda da capacidade de inferência lógica transitiva Animais utilizados como controle os quais foram submetidos a uma injeção placebo semelhante às demais porém sem toxicidade não perderam tal capacidade Mesmo os animais lesionados ainda puderam aprender novas associações binárias por ex AeB mas não conseguiram mais realizar a inferência transitiva que requer uma associação ternária a saber de A com B e com C 128 Para o teste da simetria ratos treinados no grupo 2 acima foram expostos a uma série temporalmente invertida dos mesmos odores utilizandose C como amostra para uma escolha entre B e Y Antes da lesão eles puderam executar tal tarefa porém depois da mesma os animais tiveram seu desempenho prejudicado Considerando que a inversão de uma relação binária como no caso do teste da simetria corresponde à realização de uma associação ternária na qual o primeiro elemento é repetido como o terceiro então a conclusão a ser obtida de ambos os testes seria que a lesão hipocampal conduz a uma perda da capacidade de realização de associações ternárias que seria necessária para a inferência de transitividade Em um estudo mais recente Dusek Eichenbaum 1997 os autores adaptaram para experimentação com ratos um teste usado por Piaget por avaliar a inferência lógica em crianças Aqui a ênfase dos autores recaiu explicitamente em duas funções executivas a capacidade de ordenar itens em uma seqüência e a inferência transitiva a mesma tratada nos experimentos acima definida como uma habilidade para deduzir uma relação entre itens que não foram apresentados juntos O experimento começou com o treinamento dos animais induzidos a aprender relações de ordem binárias entre cinco odores AB BC CD e DE O teste de inferência transitiva foi definido em termos da capacidade de se concluir B D e não AE devido a razões que não vou discutir aqui A maioria dos animais do experimento aprendeu as associações binárias e foi capaz de inferir a conclusão B D Após a lesão hipocampal desta vez uma transecção do fórnix os animais ainda eram capazes de realizar associações binárias mas a capacidade de inferir a conclusão BD foi completamente prejudicada Os autores concluíram que os resultados presentes identificam a região do hipocampo como crítica para a inferência transitiva e indica que o hipocampo representa um papel crítico no desenvolvimento ou expressão flexível de uma capacidade de representação de relações de ordem entre itens Os resultados obtidos por Eichenbaum e associados sugerem que a função lógica do hipocampo seria estabelecer associações nárias n2 entre itens perceptuais eou mnemônicos Por exemplo se dois itens são perceptualmente dados uma associação com um terceiro item não determinado perceptualmente requeriria tal função lógica do hipocampo se só um item é determinado perceptualmente a associação com dois itens memorizados requer o hipocampo etc Seguindo uma terminologia comum entre os pesquisadores da área eu usarei o termo comparador para me referir à função lógica de realizar associações entre três ou mais itens 129 Nesta perspectiva acredito que se possa interpretar a função de orientação espacial também atribuída ao hipocampo em termos da função acima proposta Sabe se que o hipocampo representa o chamado espaço egocêntrico ou a localização do animal no seu ambiente por meio do disparo de células de lugar place cells vide OKeefe Nadel 1978 Nos trinta anos em que foram estudadas tais células no rato uma ambigüidade permaneceu os referenciais para tal orientação espacial seriam construídos a partir de pistas perceptuais por ex marcos visuais ou derivados dos movimentos prévios do animal Em janeiro de 1996 Gothard Skaggs Moore e McNaughton discutiram a existência de referenciais múltiplos representados por três categorias de células de lugar Gothard 1996 a células que indicam o lugar onde o rato está em um determinado momento células de localização específica b células que indicam o lugar para onde o rato vai células relativas à meta ou destino do movimento c células que indicam o lugar de onde o rato está vindo células relativas à origem imediata do movimento Em dezembro do mesmo ano os mesmos autores com a exceção de Moore Gothard et al 1996 publicaram na mesma revista um novo estudo concluindo que a orientação espacial suportada pelo hipocampo constitui um mapa framework de referência que é dinamicamente atualizado para se corrigir o descompasso mismatch entre a rota atual de movimento e mudanças nas pistas perceptuais ambientais que decorrem do próprio curso do movimento Como os dizem os autores embora o mapa espacial possa ser controlado através de marcos perceptuais os neurônios do hipocampo não representam objetos ou eventos explicitamente o que significa que a orientação no espaço é uma função executiva e não perceptual Sendo uma função executiva ela implica um controle contínuo da ação a partir das mudanças do foco da atenção Quando o animal se locomove a partir de um marco inicial a orientação espacial é referida a este marco mas à medida em que se aproxima de seu destino seu mapa espacial é atualizado com relação a este novo marco Esta interpretação dos resultados é consistente com a concepção do hipocampo como um comparador lógico A construção e atualização de um mapa de referência espacial equivalente à construção de uma rede de relações entre marcos ou seja um 130 mapa espacial tridimensional requer a capacidade de associar no mínimo três itens A orientação no espaço para um animal capaz de autolocomoção como o rato requer o estabelecimento de relações entre pelo menos quatro pontos dois que definem o plano de fundo de onde o animal está vindo um ponto para definir a posição atual com relação àquele plano e um ponto para definir a posição de destino Para animais que se movem em um espaço tridimensional como o pombo a orientação requer relações entre pelo menos cinco pontos Estudos recentes têm confirmado que o sistema hipocampal é responsável pela função executiva de orientação de espaço Por exemplo McHugh et al 1996 mostraram que ratos geneticamente alterados nos receptores NMDA da região CA1 do hipocampo perderam a habilidade de associar sinais de origem cortical para a produção de comportamentos adequados Estudos com pombos têm mostrado que lesões no giro parahipocampal prejudicam o comportamento de retorno ao lar homing vide Bingman Mench 1990 Estudos com humanos usando neuroimagem por ressonância magnética funcional fMRI para monitorar a ativação cerebral durante a realização de uma tarefa de orientação de espaço em um labirinto virtual um videogame adaptado às condições do fMRI mostram que as áreas corticais adjacentes ao hipocampo são seletivamente ativadas para tarefas virtuais de orientação espacial e aprendizagem topográfica Aguirre et al 1996 Aguirre DEsposito 1997 A hipótese que o hipocampo trabalha como um comparador lógico satisfaz a esses dados uma vez que a orientação espacial equivaleria de acordo com a análise que fiz previamente à associação de três ou mais pontos de referência e à atualização deste mapa conforme os movimentos executados Da mesma forma outras funções conhecidas do hipocampo como a codificação de itens de memória novos mantendo relações pertinentes itens mais antigos poderiam ser reconstruídas em termos da mesma operação lógica Funções Executivas do Córtex PréFrontal A função dos lobos frontais era considerada até meados dos anos 60 na famosa expressão de HL Teuber um enigma Desde então têm sido documentados aspectos diversos da função préfrontal a partir dos modelos teóricos e de novas tecnologias experimentais que vieram a constituir a Neurociência Cognitiva veja Stuss et al 1994 Estudos de neuroimagem tornaram possível a distinção de regiões funcionalmente 131 especializadas como no caso da dissociação funcional entre as regiões ventrolateral e dorsolateral Petrides 1994 A conjunção de resultados tornou possível uma nova síntese teórica na qual se considera que haveria uma operação lógica comum às várias funções cognitivas dos lobos frontais a saber a operação de seqüenciamento a qual também pode ser interpretada como seqüenciamento hierárquico de submetas subgoals com relação a uma meta maior Duncan 1995 Diversas funções do córtex préfrontal bem estudadas na Neurociência Cognitiva têm em comum a operação lógica de seqüenciamento hierárquico Tomo como exemplos a capacidade de realizar inferências condicionais do tipo se ocorre X ocorre Y se ocorre Y então Z então se ocorre X ocorre Z e a capacidade de detecção de mudança de regras de um jogo a qual é freqüentemente estudada por meio do teste de cartas de Wisconsin Wisconsin Card Test Outros testes diversos como o da Torre de Hanói usados para avaliar não só a função préfrontal como também estabelecer índices aproximados de aspectos da inteligência veja Jonides 1995 também podem ser entendidos como relacionados à capacidade de executar um seqüenciamento hierárquico O teste de cartas de Wisconsin é um procedimento padrão para o diagnóstico da ocorrência de comprometimento das funções préfrontais em conseqüência de lesões cerebrais de diversas naturezas O teste requer do paciente a detecção da mudança de padrões de associação das cartas O experimentador começa o teste associando cartas de acordo com um determinado critério por ex a cor das cartas e solicita ao paciente que continue a fazer as associações corretas de acordo com o padrão observado Algum tempo depois ele volta a conduzir as associações porém alterando o critério por ex formando pares de acordo com o naipe e solicita novamente ao paciente que faça as associações que julgue corretas Nessa situação é preciso inibir o critério associativo prévio e assumir o novo para vir a fazer as associações corretas Quando há comprometimento préfrontal é grande a probabilidade de que o paciente tenha um baixo desempenho nesse teste Um desempenho bem sucedido implica a capacidade de se estabelecer uma sucessão de ações com relação a uma regra e alterar as ações quando se altera tal regra A formulação original do problema de seqüenciamento hierárquico ou seja como o cérebro elabora planos e coordena um comportamento composto de uma série ordenada de atos diferentes que não são dirigidos por estímulos e não têm uma ordem intrínseca foi feita por Karl Lashley há 50 anos em uma famosa conferência no 132 igualmente famoso Simpósio Hixon vide Lashley 1960 Ele começou dando alguns exemplos de ações consecutivas como falar tocar um instrumento musical e até mesmo de comportamentos animais como o trotar do cavalo e o desempenho de um rato que percorre um labirinto Esses comportamentos não podem ser explicados em termos de uma sucessão de estímulos pois implicam na existência de um mecanismo interno de seqüenciamento Lashley identificou duas tentativas de explicação a teoria da Rede Associativa Motora que propunha que cada ato motor efetuado causaria o ato seguinte e a teoria da Tendência Determinante que propunha a existência de um pensamento prévio determinante da sucessão de atos motores Depois de criticar tais teorias ele propôs a existência de esquemas gerais de ação que determinam a sucessão de atos Tomando como exemplo a linguagem humana ele sugeriu que a sintaxe é um padrão geral imposto aos atos específicos Restava ainda elucidar o que ele chamou de Problema da Ordem Consecutiva a saber a natureza do mecanismo seletivo pelo qual os atos particulares são escolhidos neste processo Lashley 1960 Cinqüenta anos depois notase que um número significativo de pesquisas têm mostrado que este mecanismo que chamamos aqui de seqüenciamento hierárquico ocorre principalmente nos primatas e cetáceos sendo suportado por estruturas do córtex préfrontal Tal tipo de operação lógica tem papel relevante em diversas funções executivas mobilizando uma grande rede neuronal cerebral envolvida no planejamento e seqüenciamento do comportamento Esta rede depende crucialmente das redes de realimentação com o sistema motor incluindo estruturas subcorticais como a formação reticular cerebelo e os gânglios de base Podese hipotetizar que as estruturas pré frontais têm o papel central de definir as seqüências de atos a serem executados enquanto o córtex motor deflagra o movimento voluntário e o cerebelo monitora a transição entre as fases da ação na medida em que as mesmas ocorrem monitoramento on line Coerência e AutoDeterminação do Pensamento A existência de coerência e autodeterminação nos processos de pensamento têm levado ao longo da história a diversas teorias filosóficas sobre a verdade e o livre arbítrio Não vou aqui abordar os aspectos metafísicos destas questões mas apenas discutir brevemente possíveis origens neurobiológicas da coerência e auto determinação do pensamento que seriam características que se manifestam não só no 133 comportamento humano como em diversas outras espécies a respeito das discussões sobre a cognição animal ver Thomas 1996 e Bekoff Jamieson 1996 para uma introdução ao assunto Pearce 1997 A coerência do pensamento pode ser considerada um resultado de princípios puramente internos ou o resultado das interações entre o organismo e o ambiente Como os processos de pensamento seriam suportados por esquemas operatórios encarnados em processadores neuronais e como tais processadores derivam em parte de fatores genéticos podese afirmar que as interações prévias entre os antepassados dos animais e seus respectivos ambientes que deram origem a tal herança genética estão implícitas em todos os tipos de processos de pensamento Mas esse fato por si só não garante a coerência lógica porque os mesmos esquemas também operam na constituição dos sonhos que são pobres em coerência lógica Durante o sono REM quando ocorrem os sonhos a ativação das assembléias neuronais que codificam os esquemas pode acontecer aleatoriamente como discutido por Hobson 1994 O funcionamento cerebral durante o sonho como se sabe é privado do mecanismo de reaferência o qual como salientamos anteriormente seria central para o desenvolvimento filogenético e ontogenético das funções executivas Durante o sono REM rapid eye movement praticamente nenhuma outra atividade motora ocorre uma vez que como se sabe as terminações efetoras do cérebro estão desconectadas do restante do corpo devido à ação de um relê químico localizado na altura do pescoço Portanto os esquemas operatórios usados na geração das sucessões de episódios durante os sonhos não são suficientes produzir coerência lógica Concluise portanto que a coerência do pensamento dependeria da interação do cérebro com o restante do corpo e com o ambiente por meio da reaferência como se induz também das análises feitas pelos filósofos pragmatistas por ex James 1907 Desse modo a existência de processos reaferentes em outras espécies que não a humana poderiam ser indicadores da existência de processos de pensamento logicamente coerentes dando suporte ao comportamento adaptativo vide os argumentos apresentados por Griffin 1984 Como processos de autoorganização têm sido identificados nos domínios da Física Química Biologia e Ciências Humanas a afirmação de que os processos de pensamento seriam autodeterminados pode parecer trivial Pergunto então que 134 mecanismos seriam subjacentes à autoorganização de pensamento ou melhor quais são os elementos que se organizam e por meio de que interações Para ilustrar este tipo de processo dou dois exemplos extraídos da vida cotidiana Primeiro o comportamento de cães treinados de se buscar um objeto bola anel de plástico lançado por seu dono segundo o comportamento de um músico que usa habilidades ancestrais para tocar um instrumento que não existia ao tempo de seus antepassados Os cachorros não têm um esquema de ação específico para o comportamento de buscar um objeto arremessado por um ser humano Possivelmente tal ação é coordenada por meio de uma recombinação de esquemas de ação desenvolvido pelos seus antepassados em contextos diferentes e com funções diferentes Esse comportamento não é portanto inato ou automatizado mas precisa ser aprendido ativamente O sucesso da aprendizagem é possível neste caso porque os cachorros têm os componentes de esquemas de ação necessários para o comportamento novo a ser aprendido Uma vez instruído o animal a recombinação desses esquemas pode ser espontaneamente reproduzida em outras situações Em um contexto adaptativo ancestral os cachorros desenvolveram um esquema de ação para caçar pequenos animais que se moviam de modo semelhante à bola ou anel de plástico recobrado Além disso os antepassados dos cachorros atuais viviam em grupos com uma hierarquia de domínio entre os indivíduos Uma presa apanhada por qualquer cachorro deveria presumivelmente ser trazida à presença de outro indivíduo mais alto na hierarquia Um esquema de ação para a coordenação deste comportamento social foi desenvolvido No contexto novo de domesticação humana os mesmos esquemas foram usados de novo para outra função agora o lugar do cachorro dominante está ocupado pelo ser humano e o pequeno animal foi substituído por um artefato humano Tal mudança de função requer associações novas que resultam de uma reorganização no sistema executivo a partir da recombinação de alguns componentes Os estímulos externos induzem tal reestruturação mas não determinam o processo Processos de condicionamento não podem ser tomados no sentido literal do termo condicionar pois neste caso seria possível ensinar o mesmo truque a diversas outras espécies contudo só haverá aprendizagem nas espécies que possuírem os componentes de esquemas de ação que são necessários para o desempenho da tarefa 135 O treinador não tem condições de ensinar os próprios esquemas na verdade ele se limita a induzir uma reorganização nos mesmos que se fará segundo as características dos próprios esquemas e também segundo o contexto no qual o animal se encontra Aplicase aqui portanto a idéia de autoorganização Os animais estão aprendendo a partir dos seus próprios esquemas de ação que interagem e espontaneamente se recombinam Quando o sistema cognitivo tem que se adaptar a uma situação nova e a informação perceptual e mnemônica disponível não é suficiente para a coordenação de ação pode ocorrer uma reestruturação dos esquemas de ação constituindo uma autoorganização no sentido de que uma configuração nova emerge da interação de elementos previamente existentes permitindo o desempenho uma nova função Outro exemplo de autoorganização do pensamento no caso o pensamento não verbal humano está na aprendizagem de um instrumento musical Por exemplo a bateria na forma em que existe contemporaneamente é uma combinação de pratos e tambores de forma a serem tocados por uma pessoa No passado os diversos pratos e tambores eram tocados por pessoas diferentes como ainda ocorre nas bandas escolares e militares e nos blocos de carnaval É claro que nós não possuímos esquemas de ação desenvolvidos para tocar bateria mas podemos fazer isto usando esquemas de ação desenvolvidos no passado para outras funções comportamentais completamente diferentes Os movimentos dos pés acionando pedais são coordenados através de esquemas originalmente usados para caminhar mover objetos ou mesmo lutar é praticamente impossível determinar estas origens Nas funções originais o movimento de um pé foi sincronizado com o outro e esta é possivelmente a razão pela qual os bateristas precisam desaprender esta dependência do movimento dos pés isto é precisam aprender a independência ou seja a capacidade de acionar um pedal com um pé independentemente do outro No caso de pensamento humano a autoorganização envolve outras dimensões além dos esquemas de ação motora a saber envolve esquemas que controlam a articulação da linguagem simbólica Tal linguagem opera no domínio da comunicação entre seres humanos sendo suportada por mecanismos específicos do cérebro O sistema executivo humano inclui áreas especializadas para a linguagem a área de Broca nos lobos frontais e a área de Wernicke na área associativa temporoparietal O feedback entre estas áreas pode ser interno o fenômeno que Luria 1970 chamou de fala interna ou externo percebendose a própria vocalização ou falando a outro 136 humano e recebendo uma resposta O uso significativo da linguagem no contexto da comunicação humana também requer outras áreas cerebrais veja Stuss Benson 1990 Goldberg 1990 Por outro lado como todo processo de autoorganização possui limites é esperado que determinados tipos de problemas que ocorram na interação entre os processadores não possam ser solucionados em nível eletroquímico e demandem outros tipos de interação A ocorrência de conflito sistêmico generalizado poderia conduzir a uma ruptura desse tipo de sistema caso não houvesse um mecanismo complementar operando em um outro nível que pudesse oferecer uma solução eficaz para tais conflitos Em trabalhos recentes Pereira Jr Rocha 2000 Rocha et al 2001 tenho proposto que a emergência dos processos de consciência teria ocorrido ao longo da evolução como forma de se resolver o conflito sistêmico interior aos sistemas nervosos que atingiram alto grau de complexidade Esses processos possivelmente envolveriam uma maior coerência dos sistemas cognitivos e afetivos dos animais que dariam suporte a um conceito de identidade pessoal o Eu ou o Self o qual por sua vez se manifestaria em comportamentos elaborados nos quais a inserção do indivíduo no grupo social é refletida pelos próprios agentes dando origem às formas simbólicas Deacon 1997 de representação do mundo e comunicação social REFERÊNCIAS Aguirre GK Detre JA Alsop DC DEsposito M 1996 The parahippocampus subserves topographical learning in man Cerebral Cortex 6 8239 Aguirre KA DEsposito M 1997 Environmental knowledge is subserved by separable dorsalventral neural areas The Journal of Neuroscience 17 25128 Allen G Buxton R Wong E Courchesne E 1997 Atentional activation of the cerebellum independent of motor involvement Science 275 19403 Baddeley AD 1986 Working Memory Oxford Oxford University Press Barlow GW 1968 Ethological units of behavior pp 21737 In Ingle D ed The Central Nervous System and Fish Behavior Chicago University of Chicago Press Bekoff M Jamielson D eds 1996 Readings in Animal Cognition Cambridge MIT Press Bingman VP Mench JA 1990 Homing behavior of hippocampus and parahippocampus lesioned pigeons following shortdistance realeases Behavioral Brain Research 40 22738 Bitterman ME 1975 The comparative analysis of learning Science 188 4189 699709 137 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de Medicina Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil 141 INTRODUÇÃO Duas são as funções básicas do sistema nervoso central promover a homeostase e organizar os comportamentos Timo Iaria 1985 Num dado comportamento podemos distinguir componentes somatomotores neurovegetativos inclusive hormonais e mentais o que nos autoriza definilo de forma abrangente como o conjunto destas manifestações Esta concepção expandida de comportamento encontra apoio no fato de que estes componentes se manifestam paralelamente e não secundariamente ao componente motor usualmente tido como o comportamento em si Destes componentes o mental adquiriu uma importância crescente na evolução filogenética dos vertebrados em função da extraordinária expansão do telencéfalo sobretudo das regiões neocorticais O grau de mobilização de cada um dos componentes dos comportamentos é bastante variável Naqueles com alto grau de envolvimento somático também as alterações neurovegetativas são consideráveis visto que necessárias para oferecer o suporte energético Mas mesmo quando o componente somático é mínimo como durante um ato mental por exemplo uma operação matemática ocorrem variações apreciáveis de fluxo sanguíneo nas áreas cerebrais implicadas Além disso os padrões somáticos e neurovegetativos dos comportamentos são organizados paralelamente nos diferentes níveis do sistema nervoso central Comportamentos são usualmente induzidos por estímulos ambientais que atuam sobre os exteroceptores mas podem igualmente sêlo por estímulos internos atuando sobre receptores viscerais e centrais As vísceras abrigam receptores de diferentes modalidades sendo que as informações procedentes dos nociceptores transitam por fibras que perifericamente acompanham o trajeto dos eferentes simpáticos e que à semelhança do que acontece com as fibras da sensibilidade somática penetram na medula espinhal pela raiz dorsal em cujo gânglio está seu corpo celular Estes aferentes primários fazem sinapse com neurônios de segunda ordem situados na medula espinhal que se projetam para o complexo talâmico ventroposterior e dali por um neurônio de terceira ordem para o córtex insular Saper 2002 Os aferentes dos demais receptores viscerais inclusive os arteriais baro e quimiorreceptores se incorporam aos nervos vago e glossofaríngeo e penetram no sistema nervoso central na região bulbar estabelecendo sua primeira sinapse no núcleo do trato solitárioDeste núcleo neurônios terciários levam a informação para o complexo talâmico ventroposterior que se projeta para o córtex insular visceral Saper 2002 É necessário considerar ainda a existência 142 de receptores centrais usualmente situados em regiões hipotalâmicas ou periventriculares A estimulação de receptores viscerais exceto dos nociceptores e centrais induz respostas homeostáticas envolvendo o sistema neurovegetativo destinadas a corrigir alterações do meio interno Caso não o consigam são acionados comportamentos neste caso também ditos homeostáticos Além dos efeitos específicos relatados a estimulação dos aferentes viscerais pode interferir com o estado geral do organismo como modular o grau de vigilância em decorrência da conexão do núcleo do trato solitário com regiões envolvidas com os sistemas reguladores Finalmente comportamentos podem ser induzidos voluntariamente por processos internos ainda pouco conhecidos e dependentes do grau de complexidade do sistema nervoso central Em qualquer das circunstâncias acima mencionadas no desenrolar de um comportamento novos estímulos são enviados ao sistema nervoso central induzindo respostas ao novo contexto Isto é o comportamento se desenrola no tempo e no espaço e é monitorado por retroalimentação sensorial Passaremos a analisar em seguida os diferentes níveis do sistema nervoso central implicados hierarquicamente na organização dos comportamentos Figs 1 e 2 Estes níveis em função das informações procedentes dos exteroceptores adicionam aos comportamentos em graus variáveis componentes reflexos préprogramados eou voluntários Veremos também como ocorre a interação entre estes níveis Evidentemente que em última instância para a expressão do componente objetivo do comportamento são acionados os sistemas motores somático e neurovegetativo inclusive o humoral 143 Figura 1 Divisões anatômicas do sistema nervoso central 144 Figura 2 Desenho esquemático mostrando a divisão do sistema nervoso central em níveis funcionais organizado hierarquicamente Esta hierarquia tem fundamentação filogenética e não exclui a interdependência dos 3 níveis funcionais propostos Modificado de Swanson et al 1999 O NÍVEL DE ORGANIZAÇÃO SEGMENTAR No nível segmentar Fig 2 portanto medula espinhal e rombencéfalo Fig1 informações exteroceptivas podem mobilizar reflexos somáticos pela estimulação de motoneurônios agonistas do corno anterior da medula espinhal e inibição dos antagonistas Mas eventualmente a mesma informação pode via conexões intrasegmentares estimular neurônios préganglionares autonômicos da coluna intermediolateral ou do tronco cerebral induzindo também alterações neurovegetativas reflexas No caso de um estímulo nociceptivo somático a mesma informação levada à medula espinhal por aferentes nociceptivos pode através de um colateral do neurônio aferente primário ativar interneurônios que aferentam neurônios simpáticos pré ganglionares da coluna intermediolateral Em decorrência da ativação destes neurônios simpáticos da coluna intermediolateral ocorre vasoconstricção local importante para reduzir o sangramento em caso de lesão da pele A resposta de retirada ou reflexo de flexão decorrente é acompanhada também de aumento de pressão arterial e de 145 freqüência cardíaca Este efeito cardiovascular decorre da ativação de neurônios nociceptivos de segunda ordem do trato espinotalâmico cujos colaterais axônicos chegam à área rostral ventrolateral do bulbo causando ativação simpática generalizada No passado as respostas segmentares ou reflexas foram estudadas em animais ditos espinhais portadores de transecções em diferentes níveis da medula espinhal ou do tronco cerebral Este tipo de preparação responde a estímulos externos mediante reflexos Reflexos são respostas elementares rápidas visto que dependentes de conexões paucissinápticas que facilitam o rápido acesso da informação vinda pelos aferentes sensoriais aos neurônios efetores Desde os primórdios da neurofisiologia as respostas reflexas chamaram atenção por seu aparente caráter estereotipado linear finalista inconsciente e previsível Delas valeuse Descartes 1596160 um dos ideólogos da ciência moderna para sustentar seu sistema filosófico de separação entre corpo e alma dualismo O corpo no seu entender funciona como um autômato natural uma máquina à qual não somos redutíveis Somos seres pensantes res cogitans Entretanto Descartes não foi um experimentador e preocupouse mais com a consistência lógica de seu sistema de pensamento do que com a realidade empírica do reflexo Afora a vinculação estímuloresposta e a ocorrência automática desta notadas por Descartes sua visão anatomofuncional do reflexo não tem apoio em dados experimentais mas é fruto de especulação Ele não inventou nem o termo nem o conceito de reflexo O que fez foi afirmar a constância da ligação entre excitação e reação Faltaramlhe o conhecimento da distinção das vias aferente e eferente e da natureza segmentar dos reflexos além da natureza do processo de condução da mensagem pelos nervos Por isso nesta questão historiadores da ciência como Canguilhen 1989 não o consideram um precursor No entanto sua visão dualista da relação mentecorpo se estende até nossos dias sobretudo no terreno da psicologia Outros pesquisadores se dedicaram ao estudo do reflexo nos séculos subseqüentes apontando seu caráter segmentar e seu significado fisiológico No século XIX o assunto mereceu a atenção dos clínicos entre eles Jendrassik Em decorrência de observações em pacientes humanos passouse a ver o reflexo como uma resposta que não é necessariamente linear finalista e rígida e que sua ausência não constitui necessariamente uma patologia Coube a Sherrington no final do século XIX e início do século XX mostrar por engenhosos experimentos que a resposta reflexa depende do estado geral do organismo O movimento reflexo é a reação de um todo orgânico No entender deste cientista a individualização do reflexo tal como feita em laboratório 146 é uma ficção conveniente sem sentido biológico Sherrington 1948 O acima dito para os reflexos somáticos vale igualmente para os reflexos autonômicos Assim por exemplo a habilidade do barorreflexo no controle da pressão arterial pode ser afetada pela chegada de outras mensagens sensoriais de aferentes autonômicos como aquelas dos quimiorreceptores de aferentes somáticos principalmente nociceptivos ou por estimulação de estruturas suprasegmentares envolvidas na organização dos comportamentos Nos comportamentos em que a mobilização somática é intensa em que há necessidade de maior aporte sanguíneo para o território muscular o ganho do barorreflexo pode estar reduzido È o que ocorre durante o comportamento defensivo A substância cinzenta periaquedutal considerada a via final comum deste comportamento envia projeções para estruturas bulbares Bandler et al 1991 envolvidas no baroreflexo podendo modulálo Portanto as funções homeostáticas destinadas a estabilizar intrinsecamente o organismo podem ser alteradas em benefício dos comportamentos Segundo estudos de Sherrington datados do início do século XX a medula espinhal opera apenas reflexamente e a função reflexa é dependente da entrada sensorial Um cientista contemporâneo de Sherrington mas menos conhecido que ele chamado Graham Brown mostrou que a locomoção pode ocorrer em animais espinhais com deaferentação bilateral da raiz dorsal postulando em decorrência que ela depende da atividade espontânea de circuitos neuronais da medula espinhal e do tronco cerebral Brown 1914 Seus trabalhos ficaram esquecidos por longos anos mas o assunto foi retomado na década de 1960 A atividade neuronal gerada intrinsecamente a nível segmentar responsável pela locomoção é autônoma podendo ser modulada pelo influxo sensorial e por influências suprasegmentares procedentes dos níveis intrínseco e cognitivo Bernstein 1967 O NÍVEL DE ORGANIZAÇÃO INTRÍNSECO Informações sensoriais podem também atingir regiões suprasegmentares e subcorticais do sistema nervoso onde se situam os substratos neurais dos diferentes comportamentos Este nível de análise é denominado intrínseco Fig 2 Para cada comportamento há um conjunto de regiões específicas envolvidas com suas conexões e neurotransmissores Esta organização é fixa e geneticamente programada Isto significa que a estimulação elétrica ou química destes sítios pode induzir um dado 147 comportamento ou fragmentos dele A análise sistemática deste nível de organização foi empreendida na década de 1920 pelo fisiologista suíço Walter Rudolf Hess prêmio Nobel de Medicina em 1949 Hess observou que a estimulação de regiões prosencefálicas em gatos acordados com eletrodos implantados induzia respostas ligadas a comportamentos alimentar defesa autolimpeza paralelamente a alterações neurovegetativas de suporte Hess 1954 Como notável pensador da ciência Hess não acreditava na existência de centros nucleares responsáveis pelos comportamentos como antes dele pensavam os frenologistas e seus seguidores No seu entender estruturas integradas em redes forneciam o substrato neural dos comportamentos Akert 1999 O mais notável de seus experimentos ou pelo menos aquele que forneceu substrato para reflexões em seus últimos 20 anos de vida faleceu aos 92 anos de idade foi a observação de respostas defensivoagressivas em decorrência da estimulação da região perifornical do hipotálamo Chamoulhe atenção além da já aludida concomitância de componentes somáticos e autonômicos retração das orelhas piloereção midríase arqueamento do dorso vocalização aumento de pressão arterial freqüência cardíaca e respiratória o fato de a resposta se manifestar de forma dramática podendo culminar em ataque ao observador O comportamento do animal parecia perfeitamente direcionado goal directed e emocionalmente afetado como em estados de ansiedade medo e ira manifestados por humanos Apesar de apregoar a necessidade de incorporar aspectos biológicos das funções psíquicas no domínio das ciências fisiológicas acreditava Hess que a natureza da experiência subjetiva não poderia ser causalmente inteligível A maneira como a natureza agia para transformar eventos orgânicos objetivos codificados por informação neural em experiências psíquicas subjetivas como sentimentos pensamentos impulsos voluntários willful possivelmente nunca será entendido dizia Em certo sentido os achados de Hess apoiaram idéias anteriores de Freud e Lorenz os quais viram a agressão como algo interno ao homem e com raízes evolutivas o primeiro pelo método interpretativo e a partir da observação em humanos e o outro a partir de estudos etológicos Na visão de Lorenz os comportamentos não são apenas reativos podem ser autoinduzidos O homem como outros animais desenvolveu um drive para agressão intraespecífica O sistema nervoso não necessita esperar por estímulos estes podem nascer internamente dando lugar a comportamentos espontâneos Haveria um drive interno uma energia que necessita encontrar expressão Dentro deste modelo o comportamento termina porque a energia é descarregada em ação Assim como existe um repertório de 148 movimentos expressivos de ameaça há outros de apaziguamento cujo significado é entendido por outros animais Posturas de submissão por exemplo Ou o sorriso nos humanos Na visão de Freud apenas a civilização superego poderia contraporse ou fazer recuar a agressividade interna O modelo energético da motivação não é aceito por neurobiologistas contemporâneos mas tem valor por exemplo na psicanálise Diferentemente de Freud e Lorenz Hess apontou para a existência de bases neurais para os componentes psíquicos dos comportamentos Em se tratando dos comportamentos ditos homeostáticos alimentar ingestão de líquidos etc o hipotálamo exerce uma função central dado seu envolvimento direto na regulação das funções endócrinas via hipófise das funções autonômicas graças a uma via descendente originada no núcleo paraventricular e da geração de padrões comportamentais básicos Neste contexto é preciso lembrar que o hipotálamo não só abriga osmo glico natrio e termoceptores sensíveis a alterações na composição sanguínea como informações ambientais e viscerais o alcançam levadas por vias das sensibilidades somática e visceral Foi demonstrado no rato que um trato espino hipotalâmico se projeta para o hipotálamo medial e lateral levando informações sensoriais tanto de fontes viscerais como somáticas Informações sensoriais devidamente processadas também podem vir de outras fontes como núcleo do trato solitário núcleo parabraquial e substância cinzenta periaquedutal Cameron 2002 COMPORTAMENTOS HOMEOSTÁTICOS o exemplo do comportamento alimentar A assimilação o armazenamento e a utilização de nutrientes energéticos constituem um sistema homeostático essencial para a vida O balanço energético é regulado por múltiplas informações neuroendócrinas e comportamentais que são integradas no hipotálamo Muito dessa regulação envolve modulação do comportamento alimentar através de neuropetídeos de saciedade e antisaciedade os quais atuam via receptores no controle do apetite Kalra et al 1999 Papel do Sistema Nervoso Central Por muitos anos o hipotálamo foi considerado a chave controladora da ingestão de alimentos Esta visão derivouse de experimentos clássicos em que a tomada de alimento foi estudada em ratos com lesões em várias áreas cerebrais Tais estudos 149 claramente identificaram duas regiões no hipotálamo que influenciam o comportamento alimentar Hipotálamo Lateral centro da fome animais com lesões nesta área tornamse anoréxicos e perdem peso Hipotálamo Ventromedial centro da saciedade animais com lesões nesta área comem em demasia e tornamse obesos Entretanto esse modelo logo provou ser muito simples O hipotálamo lateral não apenas contém neurônios mas também feixes de fibra de passagem sendo que uma lesão em ambos poderia provocar afagia Da mesma forma lesão das fibras que passam pelo hipotálamo ventromedial também causaria lesão no núcleo paraventricular do hipotálamo por si só causadora de hiperfagia Kolb Whishaw 2002 Assim concluiuse que o hipotálamo controla um maior número de funções da alimentação que apenas as atividades do hipotálamo lateral e ventromedial Estudos subseqüentes mostraram que apesar desses centros hipotalâmicos serem importantes no controle da fome e da saciedade eles não explicam todos os padrões comportamentais relacionados à alimentação Peptídeos Neuroendócrinos respostas a mudanças calóricas Uma outra maneira de entender como os animais mudam seu comportamento é examinando a regulação neuroendócrina do aumento de apetite Assim as perguntas para se investigar essa regulação são 1 Por que os organismos sentem fome quando as reservas calóricas estão baixas 2 Como o cérebro é informado de que a gordura do organismo está diminuindo após jejum prolongado 3 Como os sinais de déficit calórico são convertidos em comportamentos de procura de alimento Sabemos que a habilidade de monitorar as necessidades calóricas e gerar sinais de fome é crítica para a sobrevivência O hipotálamo é um centro integrativo do cérebro recebendo informações hormonais e neurais do organismo e do ambiente Assim como um termostato mantém a temperatura o hipotálamo produz respostas fisiológicas e comportamentais para manter um meio interno constante para o funcionamento adequado do organismo Em particular o hipotálamo é crítico para responder a mudanças de longo prazo do peso corporal e balanço calórico através do aumento ou diminuição da ingestão de alimento Os neuropeptídeos hipotalâmicos 150 estão envolvidos na mediação desses efeitos Neuropeptídeos são proteínas pequenas codificadas por genes Diferente das grandes proteínas estruturais os neuropetídeos são pequenos o suficiente para servirem como mensageiros químicos entre os neurônios ou entre os depósitos de gordura do organismo e o cérebro O hormônio leptina recentemente descoberto Friedman 2000 é um exemplo de um neuropeptídeo que é secretado pelas células de gordura adipócitos na corrente sanguínea e sinaliza para o sistema nervoso central via hipotálamo que as reservas calóricas estão altas Durante jejum prolongado ou restrição crônica de alimento a gordura é utilizada pelo organismo as células de gordura cessam a secreção de leptina caindo conseqüentemente os níveis de leptina na corrente sanguínea O hipotálamo detecta essa queda interpreta o baixo nível de leptina como falta de calorias e gera a sensação de fome No hipotálamo medial a leptina ativa os neurônios anoréxicos liberadores de neuropeptídeos supressores de apetite e ao mesmo tempo inibe um outro grupo de neurônios os chamados anorexigênicos liberadores de neuropeptídeos que estimulam o apetite O efeito conjunto dessa rede envia sinais para o hipotálamo lateral que por sua vez suprime o apetite através do controle de diversos comportamentos Existem muitos outros neuropeptídeos usados como sinais químicos nos circuitos hipotalâmicos e cada um possivelmente tem um papel diferente no balanço calórico Comparandose por exemplo os neuropeptídeos Y NPY e o peptídeo Agoutigenerelated AGRP ambos parecem estar envolvidos na sinalização da fome mas com características temporais diferentes Ida et al 1999 Em ratos em jejum prolongado os níveis de ambos neuroptídeos estão aumentados entretanto o nível de NPY aumenta rapidamente e a injeção de NPY induz comportamento alimentar somente por alguns minutos AGRP por outro lado tem um aumento lento durante o jejum e uma queda também lenta após a realimentação uma única injeção de AGRP estimula uma superalimentação em ratos por muitos dias Vimos que a regulação do comportamento alimentar em mamíferos é alcançada através de complexa rede neural hipotalâmica que integra sinais centrais e periféricos de apetite e saciedade Similarmente evidências sugerem que a regulação de tomada de alimento em peixes é mediada por um circuito neural hipotalâmico que integra sinais orexigênicos e anoréxigenicos Lin et al 2000 Existem atualmente evidências de que o neuropetídeo Y NPY orexinas galaninas e betaendorfinas podem estimular a 151 tomada de alimentos em peixes Enquanto que serotonina bombesina colicistoquinina parecem estar envolvidos na saciedade Existem também indicações de que a insulina o hormônio de crescimento e o cortisol atuem como sinais periféricos que são integrados pelo centro hipotalâmico RAÍZES FILOGENÉTICAS o exemplo do comportamento defensivo As estruturas suprasegmentares e subcorticais envolvidas na organização dos diferentes comportamentos estão interconectadas e arranjadas hierarquicamente no sentido de que a supressão de uma delas impede a indução do comportamento a partir da estimulação das demais O exemplo mais conhecido é o da substância cinzenta periaquedutal denominada por isso via final comum do comportamento defensivo Sua destruição impede a indução de respostas defensivas por estimulação da amígdala ou do hipotálamo que também fazem parte das estruturas envolvidas na defesa Bandler e Depaulis 1991 O contrário não é verdadeiro Há evidências de que estas estruturas básicas dos comportamentos são filogeneticamente conservadas nos vertebrados A estimulação elétrica de regiões periaquedutais do mesencéfalo do sapo Bufo paracnemis induz respostas ligadas ao repertório defensivo da espécie Hoffmann et al 1993 Franchi Vasconcelos Hoffmann 1994 Estas respostas são acompanhadas de alterações autonômicas características para cada modalidade fuga esquiva recuo imobilidade mostrando que a organização central dos dois componentes é paralela tal como ocorre nos mamíferos Situações conflitantes para o animal tais como se alimentar ou evitar a predação envolvem hierarquias comportamentais e frente ao dilema comer ou fugir dependendo do estado motivacional do animal e de variáveis ambientais um comportamento é suprimido em relação ao outro Peixes por exemplo quando estimulados com substância de alarme e confrontados com o dilema de permanecer alertas ou se alimentar tendem a escolher a segunda categoria quando são submetidos ao jejum Animais saciados por outro lado exibem a típica resposta de alarme Giaquinto Volpato 2001 Os sistemas motivacionais competem entre si para acessar a atenção do animal e os mecanismos de respostas Assim a hierarquia de prioridades pode ser mudada também pelo sistema nervoso simpático e parassimpático Sob a calma dominância do sistema parassimpático a respiração tem prioridade sobre a regulação da temperatura 152 que por sua vez precede beber e depois se alimentar e em última instância copular Em situações de emergência o sistema simpático é ativado e o comportamento agressivo ou fuga vem em primeiro copular pode preceder a alimentação dependendo das reservas energéticas do animal que por sua vez precede beber O Nível de Organização Defensivo Este terceiro nível de organização dos comportamentos Fig 2 envolve estruturas prosencefálicas Fig1 filogeneticamente recentes que desenvolveram uma capacidade crescente de análise dos sinais de entrada a ponto de adquirir subjetividade TimoIaria 1977 Esta análise refinada ocorre nos córtices de associação e multimodal de onde a informação é transferida para o córtex de associação préfrontal associado com planejamento e seqüenciamento de comportamentos complexos e precisos adequados para a manipulação do mundo externo Nieuwenhuys 1996 Os córtices prémotor e motor e o tracto córticoespinhal piramidal são as instâncias executoras dos movimentos relacionados à cognição Estímulos ambientais podem acionar o nível cognitivo mas isto pode também acontecer por um processo interno Voluntariamente podemos efetuar um ato motor ou modular a emissão de reflexos e os comportamentos organizados em níveis subcorticais Como a natureza transforma eventos orgânicos objetivos codificados por informação neural em experiências psíquicas subjetivas como sentimentos pensamentos impulsos voluntários possivelmente nunca será entendido na visão de Hess Akert 1999 Apesar dos muitos avanços além de onde os cientistas ousavam crer na época de Hess ainda pouco se sabe como fenômenos mentais emergem da atividade de redes neuronais Ou inversamente como estes fenômenos interferem na função cerebral a ponto de alterar respostas motoras e neurovegetativas Para os cientistas e filósofos fisicalistas as capacidades da mente humana são capacidades de seu cérebro Em outras palavras a mente é passível de análise empírica e a estratégia para entendêla é a reducionista isto é as propriedades das redes neurais explicariam propriedades psicológicas Churchland 1998 Segundo Llinás Llinás Pare 1991 e Llinás et al 1998 os processos decorrentes da interconexão tálamocortical por ele estudados durante longos anos propiciam a base para a consciência e os processos cognitivos Seus trabalhos mostram que o tálamo não é apenas o portão de entrada para o cérebro mas que a intensa projeção corticotalâmica mais densa que o tálamocortical garante uma 153 atividade intrínseca responsável por eventos internos como pensamento e imaginação A interconexão tálamocortical fazse por dois sistemas distintos Um deles o sistema específico abrange os núcleos talâmicos aferentados por projeções de neurônios sensoriais de segunda ordem e que recebem informação sensorial segregada quanto à modalidade e altamente discriminativa quanto à intensidade do estímulo e a sua localização espacial que se projetam por meio de neurônios de terceira ordem para regiões corticais onde estas características são preservadas que retroalimentam o tálamo O outro o sistema inespecífico interconecta os núcleos talâmicos inespecíficos núcleos intralaminares que são aferentados por regiões do tronco cerebral onde se originam os sistemas envolvidos no controle dos estados gerais do organismo com amplas áreas corticais que também neste sistema retroalimentam as regiões talâmicas de origem Em comum os neurônios de projeção do tálamo pertencentes aos dois sistemas fazem sinapses com células piramidais do córtex e são controlados pela atividade de interneurônios inibitórios talâmicos cujos corpos celulares estão situados nos núcleos reticulares do tálamo As células piramidais dos dois sistemas são também controladas por interneurônios corticais inibitórios No entender de Llinás a conjunção da atividade recursiva das alças funcionais específica e inespecífica coerência temporal suporta a geração de processos cognitivos A lesão dos núcleos talâmicos do sistema específico resulta em perda da capacidade sensorial discriminativa Já a dos núcleos ligados ao sistema inespecífico causa distúrbios profundos da consciência letargia ou coma A consciência seria pois um estado funcional interno modulado mas não gerado pelos sentidos PROCESSOS COGNITIVOS E EVOLUÇÃO FILOGENÉTICA Vimos acima que na visão de Llinás e cols 1998 os estados funcionais que caracterizam a cognição humana são gerados por coerência temporal da atividade nos sistemas tálamocortical específico e não específico Em tese o estudo da evolução filogenética destes sistemas nos vertebrados permitiria apontar em que etapa surgiu a faculdade cognitiva O advento das técnicas de tracejamento neuronal permitiu verificar que o telencéfalo dos ectotermos não é dominado por aferências olfatórias secundárias como supunham os pesquisadores embora elas sejam abundantes mormente nas áreas sub paliais Em peixes actinopterígeos impulsos relacionados a diferentes modalidades 154 sensoriais podem alcançar a área dorsalis pallium do telencéfalo procedentes de três estações diencefálicas distintas Nieuwenhuys Meek 1990 Destas a que fornece o maior contingente de aferências para a região palial não é o tálamo dorsal como ocorre nos mamíferos mas o complexo préglomerular que é uma parte migrada do tubérculo posterior Nos amniotas o tubérculo posterior não tem a mesma importância funcional o que mostra a capacidade do cérebro dos vertebrados em desenvolver soluções distintas para problemas comuns Apenas podemos assegurar que o telencéfalo neste estágio precoce da evolução é alvo de projeções ascendentes de diversas modalidades sensoriais e que as mesmas determinaram a expansão das regiões paliais Há mesmo evidências funcionais de segregação espacial na representação de modalidades sensoriais no pallium de teleósteos Prechtl et al 1998 Corrêa Hoffmann 1999 Além disso a região dorsocentral do pallium principal fonte de eferências telencefálicas aferenta as regiões talâmicas e o complexo préglomerular Nieuwenhuys Meek 1990 constituindo assim alças recorrentes que lembram a situação descrita nos mamíferos mas cujo significado funcional não é sabido O COMPORTAMENTO E AS EMOÇÕES bases neurais Durante a primeira metade do século XX neurocientistas estavam imensamente interessados nos mecanismos cerebrais do comportamento emocional Alguns dos pioneiros em neurociências trabalharam nesta área incluindo Sherrington Cannon Papez e Hebb Respostas que ocorrem quando nos defendemos de um perigo durante a interação sexual ou briga com um inimigo promovem a sobrevivência individual e conseqüentemente da espécie Respostas emocionais são portanto importantes de serem investigadas O que aconteceu então com os estudos dos mecanismos cerebrais da emoção Por um lado a pesquisa em emoção tornouse vítima da revolução cognitiva A emergência da ciência cognitiva mudou o alvo de interesse da relação entre funções psicológicas e mecanismos neurais percepção e memória por exemplo Questões cognitivas também pareciam mais tratáveis do que as questões emocionais em parte dada a nuvem negra de subjetividade que parece pairar sobre o tópico emoção Ainda com o desenvolvimento do conceito de sistema límbico na década de 50 MacLean 1949 1952 o problema de como o cérebro processa a emoção parecia resolvido Após este hiato uma integração entre emoção e cognição parece ser a chave para estudos 155 futuros Nas experiências emocionais medo ira prazer que acompanham os comportamentos podemos distinguir dois componentes um deles subjetivo sentimento consciente e outro objetivo sensação física Este último traduzse por alterações neurovegetativas endócrinas e somatomotoras algumas das quais podem ser percebidas na forma de alteração das freqüências cardíaca e respiratória sudorese alteração do fluxo sanguíneo cutâneo palidez ou rubor alterações gastrointestinais tensão muscular sobretudo na região facial etc percepção esta que pode retroalimentar o processamento central das emoções O sentimento consciente é mediado por estruturas corticais sobretudo o córtex cingular e os lobos frontais e as alterações funcionais por estruturas subcorticais como amígdala hipotálamo e tronco cerebral A consciência é uma parte importante do estudo da emoção e de outros processos mentais Apesar de estarmos longe de entender o que é a consciência teóricos propuseram que está relacionada a memória operacional onde uma série de processos mentais organizados podem ser comparados e mentalmente manipulados Baddeley 1992 Nas reações de medo por exemplo a amígdala modula memórias formadas em outros sistemas tais como a memória declarativa formada nos circuitos hipocampais ou memórias explícitas formadas nos circuitos estriados Packard et al 1994 Acessadas estas informações de memória a amígdala se projeta para sistemas envolvidos na regulação cortical de estado de alerta e seus respectivos controles nas respostas corporais A INTERAÇÃO ENTRE OS TRÊS NÍVEIS DE ORGANIZAÇÃO Dentro de nosso esquema um mesmo sinal sensorial é analisado diferentemente nos três níveis induzindo desde respostas reflexas respostas comportamentais espécie específicas e respostas voluntárias Evidentemente que o grau de mobilização de cada nível é variável O componente voluntário pode ser suficientemente intenso a ponto de interferir com os componentes inato e reflexo Ele como também o inato pode alterar a expressão das respostas reflexas mostrando como afinal estas embora previsíveis podem ser modificadas O componente voluntário pode ainda interferir na escolha da melhor estratégia comportamental num determinado contexto selecionando os programas inatos A interferência suprasegmentar de respostas inatas ou conscientes fazse não apenas sobre reflexos motores como sobre reflexos autonômicos 156 homeostáticos Assim por exemplo numa situação de confronto agonístico se um estímulo nocivo é aplicado à pele de um dos membros o reflexo de retirada bem como o baroreflexo podem ser amenizados ou mesmo bloqueados favorecendo uma resposta de fuga Devemos lembrar aqui que a estimulação de receptores centrais pode induzir comportamentos Em condições de desidratação osmorreceptores do prosencéfalo basal são estimulados por aumentos na osmolalidade plasmática do que resulta a ativação de sistemas efetores que promovem antidiurese e natriurese Se estes mecanismos forem insuficientes para alcançar o balanço homeostático a sensação de sede desperta comportamentos motivados homeostáticos de busca e ingestão de líquido Também aqui o componente voluntário pode interferir em maior ou menor grau com o comportamento acionado O alto grau de desenvolvimento dos processos cognitivos nos humanos possibilitou um maior controle dos circuitos envolvidos em respostas inatas portanto uma flexibilização voluntária dos comportamentos escapando assim ao estrito determinismo biológico Se nos animais o contexto ambiental pode ser importante para a determinação da resposta nos homens em acréscimo a cultura produto do desenvolvimento cognitivo exerce um papel central Embora o termo cultura comporte vários sentidos e definições muitos pensadores a comparam ao cimento do tecido social àquilo que nos une a nossos semelhantes A maior ou menor agregação deste tecido pode favorecer comportamentos agressivos ou cooperativos Visto ser ela produto de capacidades cerebrais adquiridas recentemente na evolução filogenética vale lembrar a advertência de Nietsche A consciência é a última e mais tardia evolução da vida orgânica e conseqüentemente o que existe de menos rematado e mais frágil nela REFERÊNCIAS Akert K 1999 Walter Rudolf Hess and his contribution to neuroscience Journal of the History of the Neurosciences 8 24863 Baddeley A 1992 Working memory Science 255 5569 Bandler R Depaulis A 1991 Midbrain periaqueductal gray control of defensive behavior in the cat and the rat pp17598 In Depaulis A Bandler R eds The 157 Midbrain Periaqueductal Gray Matter New York e Londres Plenum Press Bandler R Carrive P Depaulis A 1991 Emerging principles of organization of the midbrain periaqueductal gray matter pp110 In Depaulis A Bandler R eds The Midbrain Periaqueductal Gray Matter New York e 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problema biológico pp 2355 In Carlos Chagas Filho ed Ciência e Consciência Rio de Janeiro Tempo Brasileiro TimoIaria C 1985 Fisiologia do Sistema Nervoso pp 163300 In Aires MM ed Fisiologia Básica Rio de Janeiro Guanabara Koogan 160 Capítulo 7 RITMOS BIOLÓGICOS Nelson Marques marquesnelnataldigicombr NUDICT Núcleo de Comunicação em Cultura Ciência e Tecnologia Museu Câmara Cascudo Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Natal RN Brasil Luís MennaBarreto mennafisioicbuspbr GMDRB Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos Instituto de Ciências Biomédicas USP São Paulo SP Brasil 161 INTRODUÇÃO Desde há muito tempo sabese que os processos biológicos são cíclicos em sua essência ou seja consistem de seqüências de eventos que se repetem a intervalos regulares são recorrentes O ciclo atividaderepouso eou vigíliasono observado em animais plantas e na espécie humana é um exemplo claro de ciclo recorrente constituindo um ritmo na sua expressão mais evidente Marques 1987 Ritmo biológico é a expressão utilizada para identificar oscilações regulares nos sistemas biológicos Essa definição ampla abrange tanto ritmos gerados endogenamente pelos chamados sistemas de temporização32 como ritmos provocados diretamente por flutuações regulares do ambiente As seqüências ou recorrências podem ser simples ou extremamente complexas e o intervalo entre elas ou período de um determinado ritmo pode variar de milésimos de segundos até vários anos Algumas vezes são aparentes pela simples tabulação dos dados distribuídos no tempo Em outras há a necessidade de utilização de métodos derivados da matemática tradicional principalmente a estatística inferencial que permite descrição quantitativa destes fenômenos repetitivos A organização temporal dos seres vivos se expressa de duas formas enquanto reação a estímulos ambientais e enquanto ritmicidade Esta segunda forma é a menos evidente mas provavelmente a mais importante A ritmicidade se expressa em todos os níveis de organização biológica células do córtex adrenal mantidas em cultura apresentam atividade metabólica cíclica órgãos e sistemas variam regularmente como é o caso da excreção urinária de sódio e potássio nos mamíferos organismos alteram periodicamente o seu comportamento mesmo o comportamento de populações pode ser melhor compreendido com a aceitação da existência de ciclos como se verifica por exemplo na migração de insetos aves e mamíferos Os ritmos biológicos dos organismos têm períodos distribuídos em uma grande gama de intervalos Esses intervalos podem ser de alguns ciclos por segundo como nas descargas elétricas do sistema nervoso ou o batimento do flagelo dos espermatozóides até ciclos com períodos mais longos de meses e até mesmo anos como o ciclo reprodutivo da cigarra americana de 13 ou 17 anos ou do bambu chinês com ciclo de aproximadamente 100 anos Alguns têm períodos próximos ao de certos ciclos 32 A expressão sistemas de temporização vem sendo usada como alternativa mais adequada para relógios biológicos por refletir mais adequadamente o estado atual do conhecimento que aponta para mecanismos envolvendo múltiplos osciladores ao invés de um único relógio 162 geofísicos Por exemplo os relacionados com a rotação da Terra em torno de seu eixo ou seja o ciclo dianoite de claroescuro ou com período de 24 horas Ou então o da revolução da Terra em torno do Sol criando os chamados ciclos sazonais ou das estações do ano com período em torno de 365 dias Ambos são importantes para a adaptação dos organismos ao seu ambiente e envolvem necessariamente algum tipo de detecção fotossensível Os ciclos mais intensamente estudados têm sido aqueles que apresentam períodos em torno de 24 horas os chamados ritmos circadianos Halberg 1983 1987 O termo circadiano referese a um período médio de precisamente 24h ou de qualquer outra duração entre 20 e 28 horas É possível demonstrar ritmos circadianos em praticamente qualquer função biológica dos organismos vivos do nível molecular ao comportamental Ao lado desses é possível demonstrar também outros ciclos biológicos com períodos menores do que o circadiano os chamados ritmos ultradianos Apresentam sempre períodos menores do que 20h em geral sem correspondência com qualquer periodicidade externa conhecida Registros de níveis hormonais componentes do sangue e do sistema imunológico registros diversos de atividade neuronal entre outros mostram esta classe de ritmos distribuídos pelas funções bioquímicas fisiológicas e comportamentais Além dessas duas categorias de ritmos os circadianos e os ultradianos há uma outra que apresenta períodos maiores do que 28 horas os chamados ritmos infradianos Dentre esses há certas freqüências que têm maior proeminência do que outras como por exemplo o ritmo circaseptano período de 7 dias circamensal período de 30 dias e o circanual período de 365 dias De forma interessante alguns ritmos que são aqui classificados apresentam períodos correlacionados com eventos geofísicos externos enquanto que outros não Marques 1987 A Cronobiologia é a disciplina que se ocupa do estudo da estrutura temporal dos seres vivos incluindo aí os mecanismos e as propriedades das alterações fisiológicas e comportamentais recorrentes os chamados ritmos biológicos Halberg 1969 Marques MennaBarreto 2003 A cronobiologia é essencialmente nova enquanto disciplina científica formalizada o que de certa maneira contrasta com a antigüidade das primeiras descrições fundamentalmente fenomenológicas dos ritmos biológicos Rotenberg et al 2003 Os ritmos biológicos ocorrem em todas as formas de vida em diferentes níveis de organização e nos mais diversificados sistemas fisiológicos São observados no nível 163 molecular e celular em organelas e células no nível morfológico e fisiológico em órgãos e sistemas e no nível comportamental em níveis superiores de integração de órgãos e sistemas em indivíduos e sociedades em seus diferentes graus de organização São descritos e estudados nos processos bioquímicos e fisiológicos fundamentais por exemplo níveis de ácidos nucléicos proteínas enzimas e hormônios em características morfológicas e estruturais como o padrão de interação entre organelas subcelulares e mesmo entre diferentes células e em certos padrões comportamentais como o comer o beber a interação social a reprodução entre muitos outros A ocorrência rítmica de eventos apesar das demonstrações exaustivas promovidas pelos estudos cronobiológicos ao longo das últimas décadas ainda tem sido negligenciada e até mesmo menosprezada algumas vezes A organização temporal no entanto ao lado da organização espacial está na base da própria origem organização e evolução dos seres vivos Exige portanto de forma conseqüente que o planejamento experimental a coleta de dados e a sua análise sejam adequados à organização dinâmica dos seres vivos na qual a variabilidade que é natural aos sistemas vivos seja privilegiada em detrimento da constância pois somente a primeira refletirá o dinamismo da organização e das propriedades do material biológico É também importante destacar que muitos ritmos biológicos são adaptativos para a espécie e ajustáveis para os indivíduos Servem nitidamente para ajustar o organismo a alterações previsíveis de seu ambiente como pode ser exemplificado por fenômenos rítmicos como hibernação diapausa migração exploração alimentação etc É claro que os organismos com os vários tipos de ajustes possíveis graças à existência dos ritmos biológicos conseguem se preparar ou já estão antecipadamente preparados para os desafios oriundos das alterações cíclicas de seu ambiente PRINCÍPIOS GERAIS DA ORGANIZAÇÃO TEMPORAL BIOLÓGICA Em cada um dos elementos discutidos acima população indivíduo órgão tecido ou célula há algumas características básicas Além disso os ritmos biológicos fornecem evidências da existência de osciladores biológicos endógenos Existem alguns parâmetros que são usados de maneira corrente para descrever fenômenos oscilatórios físicos ou biológicos A freqüência o número de oscilações 164 por unidade de tempo é o inverso do período O período é a medida do intervalo médio entre repetições consecutivas Vimos também que há faixas de períodos mais importantes ou dominantes em relação a outras É importante destacar que a classificação apresentada ritmos ultradianos mais rápidos circadianos e infradianos mais lentos se refere à freqüência e não ao período o que historicamente é uma herança do estudo de fenômenos oscilatórios que veio diretamente da Física A amplitude é a extensão de uma oscilação enquanto que a fase é uma determinada fração de um ciclo ou um determinado ponto do ritmo Particularmente nesse caso a fase do ritmo em que a amplitude da oscilação é máxima é chamada de acrofase enquanto que a fase do ritmo onde a oscilação é mínima é chamada de batifase É importante chamar a atenção para o fato de que a acrofase ou a batifase ou qualquer uma das infinitas fases são medidas de localização temporal que podem ser expressas em unidades de tempo ou graus radianos se imaginarmos a oscilação como um círculo fechado em si mesmo O último parâmetro descritivo de um fenômeno oscilatório ou de um ritmo biológico é a média que em geral é um valor médio ajustado estatisticamente No caso de um método específico de ajuste de curvas cossenos aos valores experimentais ele é chamado de COSINOR BeneditoSilva 2003 sendo que nesse caso o termo utilizado é MESOR que é um acrônimo derivado de Midline Estimating Statistic Of Rhythm Caráter Endógeno Em 1729 o astrônomo francês Jean Jacques De Mairan utilizando uma espécie de Mimosa uma planta sensitiva heliotrópica descreve à Academia de Ciências da França em Paris os resultados de experimentos em que movimentos periódicos das folhas dessa planta ocorriam mesmo quando mantidas isoladas de ciclos ambientais de claroescuro Rotenberg et al 2003 Mesmo nessas condições as plantas continuaram a movimentar suas folhas de forma regular e periódica Essa observação foi seguida por outra comunicação à mesma Academia alguns anos depois em 1759 desta vez realizada por Du Fay onde o pesquisador afirmava explicitamente que a planta sensitiva sente o sol mesmo sem vêlo Rotenberg et al 2003 O relato de De Mairan representa a primeira observação formal da persistência de ritmos diários em condições que hoje chamamos de livrecurso ou seja na ausência de flutuações dos fatores do ambiente Aquela descrição feita à Academia de Ciências 165 da França é considerada hoje como o marco inicial dos trabalhos experimentais envolvendo ritmos biológicos É também uma das primeiras sugestões do possível caráter endógeno da ritmicidade biológica pois a planta mesmo mantida em condição de escuro constante ainda assim apresentava alternância cíclica dos movimentos foliares A afirmação de Du Fay 30 anos depois complementada por outros pesquisadores na mesma época confirmava e fortalecia a idéia da expressão endógena da ritmicidade biológica em condições de constância ambiental condição esta chamada de ritmo em livrecurso Rotenberg et al 2003 A persistência da ritmicidade em livre curso é uma das evidências mais fortes da natureza endógena dos osciladores biológicos os sistemas de temporização A possível natureza hereditária de mecanismos medidores eou geradores de tempo que estariam na base desses movimentos periódicos foram postulados por diversos outros pesquisadores nas décadas finais do século XIX entre os anos 1875 e 1894 Outros relatos agora já mais próximos a nós todos em torno da década de 30 do século XX apresentavam dados adicionais sugerindo o caráter endógeno e genético da ritmicidade biológica Esse caráter no entanto somente foi demonstrado de forma insofismável com os experimentos de genética clássica realizados por um botânico alemão Erwin Bünning em 1935 O cruzamento entre plantas de feijão que apresentavam períodos diferentes para os movimentos foliares gerou descendentes com períodos intermediários que eram a combinação dos períodos parentais Ou seja essa característica era geneticamente determinada A dissecção genética dos mecanismos de temporização principalmente em relação à freqüência circadiana foi retomada a partir dos anos 70 do século XX inicialmente pelas técnicas de análise de freqüência de mutação gênica em algas fungos insetos e mamíferos A demonstração cada vez mais generalizada da existência de ritmicidade endógena até mesmo em organismos unicelulares menos organizados como as algas azuis cianofíceas expandiu de tal forma esse conhecimento que hoje em dia podemos dizer que a ritmicidade biológica endogenamente gerada e geneticamente determinada é uma característica presente em todas as formas de organismos vivos e que deve ter surgido muito precocemente na escala filogenética Lopes et al 2003 Marques 2003b Marques et al 2003 MennaBarreto 2003 Rotenberg et al 2003 Val 2003 O Papel do Ambiente mecanismos arrastamento e seus limites 166 O final dos anos 20 do século passado também foi rico em outros experimentos que trouxeram contribuições importantes para a compreensão da regulação da expressão dos ritmos endógenos pela alternância claro e escuro Experimentos realizados pela botânica Antonia Kleinhoonte mostraram que pulsos de luz durante a fase de escuro podiam ter efeitos diferentes sobre o ritmo de movimentação foliar em função do momento em que esses pulsos eram apresentados Ou seja ocorria um aumento ou uma diminuição do período do ritmo como se o dia tivesse chegado mais cedo ou mais tarde dependendo dessas condições iniciais do horário do pulso de luz Rotenberg et al 2003 O mesmo tipo de trabalho foi retomado na década de 50 desta vez em experimentos realizados com animais Webb et al 1953 Pittendrigh 1954 Rawson 1956 citado em Schwassmann 1971 Esses experimentos permitiram que Rawson como discutido por Schwassmann 1971 propusesse uma hipótese explicativa segundo a qual a diferença de responsividade à luz que dependia do momento em que ela atuava seria a base para o que chamamos hoje de arrastamento dos ritmos circadianos pelo ciclo claroescuro outra propriedade fundamental dos ritmos biológicos Marques et al 2003 O estudo do papel de pulsos de luz incidindo nas diferentes fases de um ritmo biológico permitiu a construção de curvas de respostas dependentes de fase CRF ou PRC do inglês Phase Response Curve para os ritmos de eclosão do pupário em uma espécie de drosófila Pittendrigh Bruce 1957 e para o ritmo de atividaderepouso do esquilovoador De Coursey 1960 O ajuste temporal envolve diversas etapas todas mediadas pelos sistemas de temporização A origem endógena dos ritmos biológicos proporciona às espécies uma capacidade antecipatória importante para a organização dos recursos e das atividades antes que elas sejam necessárias Pittendrigh 1960 Através desses processos as transições entre estados fisiológicos e comportamentais como do repouso à atividade ou do sono à vigília ou do jejum à alimentação são preparadas progressivamente antes mesmo que o indivíduo acorde ou se alimente A preparação para a vigília em humanos e outros animais por exemplo implica na liberação de hormônios como o cortisol ou a corticosterona e na elevação da temperatura corporal na etapa final do repouso ou do sono Czeisler et al 1980 Além desse caráter antecipatório o ajuste temporal consiste também na harmonização das fases dos ritmos da espécie em questão com aquelas dos ciclos ambientais Isso implica que os estados dos ritmos fisiológicos e comportamentais 167 estejam associados às fases mais propícias do ciclo ambiental para a sobrevivência da espécie Esse ajuste de fases é alcançado por meio da sincronização onde o ritmo em livrecurso gerado endogenamente pelo oscilador interno tem a sua fase e a sua freqüência ajustadas pelos fatores cíclicos do ambiente Pittendrigh 1981 Quando a sincronização é obtida pela atuação de um oscilador ciclo ambiental mais comumente sobre outro sistema de temporização orgânico o processo é denominado arrastamento já quando a sincronização resulta da ação direta de um oscilador ambiental ou não sobre um sistema biológico o processo é denominado mascaramento A importância de um ciclo sincronizador depende das características da espécie sendo que os ritmos de uma mesma espécie podem ser sincronizados por sincronizadores diferentes organizados na maioria das vezes segundo uma hierarquia A própria sensibilidade diferencial em cada momento do ritmo biológico permite a construção de curvas de resposta de fase demonstrando mais uma vez a importância adaptativa da ritmicidade biológica Daan Pittendrigh 1976 Winfree 1980 As curvas de resposta de fase em seus termos atuais Johnson 1990 resgataram o conceito de fotoperiodismo formulado nos anos 20 do século passado nos trabalhos realizados com plantas por Allard 1920 e com animais por Marcovitch 1924 e Rowan 1926 como comentado por Bünning 1960 Esses resultados e os conceitos deles derivados mostram que fatores ambientais tais como luz ou temperatura têm efeitos importantes sobre a expressão dos ritmos endógenos Esses efeitos promovem ajustes os chamados arrastamentos por meio de mecanismos biológicos específicos e dentro de limites bem definidos para cada espécie É importante considerar também a possibilidade de atuação concomitante de processos de arrastamento mediados por sistemas de temporização e processos de mascaramento efeitos diretos de estímulos ambientais Sabese hoje que há um determinado intervalo dentro do qual o período da oscilação endógena pode ser ajustado sincronizado pelos ciclos ambientais exteriores As oscilações externas que são sincronizadoras dos ciclos endógenos foram chamadas de zeitgeber por Aschoff 1951 1954 sincronizadores por Halberg 1960 1967 e agentes arrastadores por Pittendrigh 1960 três dos principais pesquisadores na área da cronobiologia Se o período dos agentes externos estiver fora dos limites de sensibilidade do organismo o ritmo endógeno não será acoplado à periodicidade dos ciclos externos e o organismo entrará na condição de livrecurso apresentando então 168 um período endógeno que é diferente daquele observado em condições naturais de sincronização ambiental Marques et al 2003 O Conceito de Sistema de Temporização propriedades e compensação à temperatura A formalização do conceito de sistema de temporização foi uma somatória de informações ao longo do tempo A mudança do ritmo de pigmentação em crustáceos observada por Welsh 1930 e de ritmos de atividade em diversos outros organismos Bremer 1926 Kalmus 1934 Park Keller 1932 Brown Webb 1948 mostraram que deveria haver mecanismos temporizadores e interações destes com os sincronizadores ambientais Ao longo dos anos a manipulação das condições ambientais em laboratório tem permitido caracterizar algumas propriedades dos sistemas de temporização O conceito atual de relógio ou de sistema de temporização que é um sistema de temporização autosustentado continuamente oscilante fundamentase na demonstração de estruturas anatomicamente definidas Andrade et al 2003 Golombek AguillarRoblero 2003 Marques 2003a Marques et al 2003 Uma das mais importantes propriedades mencionada anteriormente é a sensibilidade dos sistemas de temporização às mudanças eou alterações de fatores ambientais que tenham papel de arrastadores Essa característica pode ser aferida pela curva de resposta dependente de fase CRF Johnson 1990 Outra propriedade importante é a relativa independência dos ritmos biológicos sempre dentro de certos limites frente a oscilações de temperatura Bünning 1958 Inicialmente se pensava que em sendo os ritmos biológicos baseados em processos que incluem reações químicas eles fossem sensíveis às variações de temperatura tanto quanto aqueles No entanto ritmos endógenos mostram apenas mudanças sutis quando submetidos a variações de temperatura desde que as mudanças estejam dentro da faixa de permissividade da espécie em questão As evidências experimentais relacionadas a este item compensação do período à temperatura foram resumidas por Sweeney e Hastings 1960 e Wilkins 1965 ainda na década de 60 do século passado A informação mais aceita hoje no entanto é a de que o período endógeno é fracamente dependente da temperatura Marques et al 2003 Outra característica interessante é a de que os ritmos ultradianos também mostram compensação à temperatura como o 169 ritmo de canção de corte estudado em diversas espécies de Drosophila Kyriacou Hall 1980 ou os ritmos de respiração e do conteúdo protéico em Acanthamoeba castellanii Lloyd et al 1982a ou no ritmo de atividade da enzima tirosina transaminase da alga Tetrahymena thermophila Michel Hardeland 1985 O mecanismo que permite a compensação à temperatura ainda não é totalmente compreendido Hastings et al 1991 No entanto a sua importância é evidente pois graças a esta característica é que os organismos podem se manter sincronizados com o seu ambiente independente da variação circadiana e circanual da temperatura Outra característica dos sistemas de temporização é a associação das alterações do período em livrecurso com alterações da intensidade luminosa do ambiente Isso foi observado em 1939 por Johnson nos seus estudos com ratos Esses animais mantidos sob iluminação constante aumentavam o período em livrecurso toda vez que se aumentava a intensidade luminosa Hoje após os trabalhos extensivos de Jürgen Aschoff 1952 1958 1959 sabemos que a duração do período em condições constantes aumenta com a elevação dos níveis de iluminação em animais ativos durante a noite ou seja naqueles com hábitos noturnos e diminui naqueles com hábitos diurnos que são ativos durante o dia O próprio Aschoff em 1990 rediscute esses dados chamando a atenção para algumas exceções importantes a esta regra como o ritmo de locomoção em baratas descrito por Hoffmann em 1965 Um aspecto importante dos sistemas de temporização circadianos é sua relação com fenômenos fotoperiódicos Araújo Marques 2003 Golombek Aguilar Roblero 2003 Marques et al 2003 Desde os anos 20 do século passado após os trabalhos pioneiros de Rowan 1926 citado em Bünning 1960 com animais e os de Marcovitch 1924 citado em Bünning 1960 com plantas sabese que há controle fotoperiódico sobre ciclos anuais A relação entre ritmos circadianos e circanuais foi explicitada pelos trabalhos de Erwin Bünning ainda em 1936 como discutido em Bünning 1960 Esse autor postulou que haveria uma base fisiológica da indução fotoperiódica no próprio ritmo diário de origem endógena Controles fotoperiódicos de ciclos anuais têm sido demonstrados à exaustão em processos de floração reprodução diapausa e ciclos migratórios de plantas e animais Farner 1985 Gwinner 1986 Golombek Aguilar Roblero 2003 Markus et al 2003 O mecanismo de arrastamento fundamentase na possibilidade de deslocamentos de fase do ritmo biológico causado pelo ciclo ambiental principalmente a alternância do claro e do escuro ou seja do dia e da noite Mesmo um único pulso de luz em condições 170 experimentais é capaz de provocar um deslocamento de fase Para determinados animais o efeito também é obtido com pulsos de temperatura Dependendo da fase do ritmo na qual é aplicado um pulso de luz ou temperatura irá provocar atrasos adiantamentos ou mesmo não ter efeito sobre o ritmo endógeno É importante destacar também que mais recentemente sabese que diversos outros ciclos físicos como os de pressão atmosférica campos eletrostáticos e eletromagnéticos podem atuar como zeitgebers mesmo que ainda não se tenha idéia dos possíveis mecanismos envolvidos Hastings et al 1991 por exemplo mostraram que alguns roedores são sensíveis a esses ciclos O ciclo diário de temperatura é um zeitgeber importante para plantas como determinado por Sweeney e Hastings 1960 São importantes também para insetos Saunders 1982 e vertebrados exotérmicos ou ectotérmicos Graham Hutchison 1979 Pulsos de temperatura são capazes de arrastar um ritmo em livrecurso ou então provocar o deslocamento de fase de um ritmo já arrastado É possível construir curvas de resposta de fase usandose pulsos de temperaturas altas e baixas Como no caso dos fenômenos fotoperiódicos o tamanho do deslocamento e o adiantamento ou atraso de fase vai depender da fase em que ocorre a administração do pulso de temperatura Roberts 1965 Zimmermann et al 1968 Chandrashekaran 1974 Em artigo recente Herzog e Huckfeldt 2003 mostram que ciclos de temperatura ambiental da ordem de 15o C são capazes de arrastar ritmos em culturas de neurônios identificados como parte do sistema de temporização circadiana núcleos supraquiasmáticos Essas culturas são também capazes de manter ciclos regulares quando mantidas sob temperaturas constantes que variavam entre 24 a 37o C Esses autores sugerem que o ciclo de temperatura central leiase temperatura do sangue arterial que atinge o Sistema Nervoso Central é capaz de agir sobre os neurônios dos núcleos supraquiasmáticos constituindose assim em uma alça de retroalimentação ajudando a regular o sistema temporizador No organismo íntegro as oscilações da temperatura ambiente são compensadas mas as oscilações da temperatura central dos próprios organismos podem funcionar como sinais temporais Evidentemente a importância relativa de cada um dos ciclos depende da espécie em consideração Por exemplo no caso da moscadafruta Dacus tryoni durante o estágio pupal apenas o ciclo de temperatura é importante Bateman 1955 Por outro lado a interação entre o ciclo claroescuro e o ciclo de temperatura é que determina o ritmo de atividade em Leucophaea maderae na qual ambos os ciclos arrastam 171 eficientemente o ritmo de atividade dessa espécie Roberts 1965 Como esses animais são mais ativos na fase escura e na fase mais quente do ciclo de temperatura explicase facilmente porque as baratas são mais vistas em atividade nas noites quentes se comparadas com as noites frias Para os endotérmicos a temperatura ambiente é em geral um zeitgeber fraco Sulzman et al 1977 Aschoff Tokura 1986 Francis Coleman 1988 Em hamsters no entanto a fase do ritmo de atividade que é arrastada pelo ciclo claroescuro é alterada também por ciclos de temperatura Tokura Oichi 1985 O conhecimento sobre o papel temporizador da oferta de alimento é bastante antigo Saunders na segunda edição de seu livro em 1982 cita os trabalhos pioneiros de von ButtelReepen em 1900 e o de Forel em 1910 que mostraram a existência de um sentido ou memória temporal nas abelhas É essa propriedade que permite às abelhas procurarem alimento diariamente em horários determinados e adequados Em condições de laboratório e sob condições de claro constante Frisch e Aschoff 1987 mostraram que o padrão de atividade da colônia de abelhas pode ser sincronizado de acordo com as características básicas dos ritmos circadianos A influência da disponibilidade de alimentos é percebida também em outros animais como os roedores e mamíferos Hastings et al 1991 Ratos por exemplo são muito sensíveis à manipulação dos ciclos de oferta de alimentos sendo capazes de antecipar a fase e a intensidade da atividade locomotora além da alteração da temperatura corporal entre outras alterações fisiológicas Boulos Terman 1980 Atualmente podemos dizer que os ciclos de alimentação têm alguma influência sobre o oscilador circadiano agindo na maior parte das vezes como um zeitgeber fraco Boulos et al 1980 Mistleberger 1994 Também os fatores sociais são capazes de afetar os ritmos biológicos quando em livrecurso tanto nas condições de claro quanto de escuro constantes Há evidências mostrando que a interação social em várias espécies é capaz de arrastar os ritmos de atividade Regal Connolly 1980 Por exemplo em ratos Halberg et al 1954 camundongos Crowley Bovet 1980 cobaias Büttner 1992 morcegos Marimuthu et al 1978 aves Menaker Eskin 1966 peixes Kavaliers 1980 e os humanos VernikosDaniellis Winget 1979 Wever 1979 A sincronização de períodos e a manutenção de fases estáveis entre si são observadas na relação existente entre as mães e seus filhotes em diversas espécies de mamíferos Durante a fase de gestação o feto em desenvolvimento recebe as 172 informações temporais diretamente da mãe através da circulação placentária Reppert Schwartz 1986 Com o nascimento os filhotes passam a ser sincronizados pelo ciclo de presença e ausência da mãe Andrade et al 2003 que nessa fase é um sincronizador muito mais potente do que o ciclo de claro e escuro ambiental Viswanathan Chandrashekaran 1985 Os processos de sincronização nãofótica evidentes nesses casos também são importantes na fase adulta dos animais Isso foi evidenciado de forma irrefutável pelos trabalhos de N Mrosovsky iniciados em 1988 Mrosovsky 1988 Esse e os trabalhos seguintes Mrosovsky et al 1989 Mrosovsky Salmon 1990 mostraram que em ratos de laboratório uma simples mudança de gaiola tem efeito importante sobre o sistema circadiano desses animais Sabemos hoje que a apresentação de novos estímulos estar em outra gaiola ou a própria manipulação dos animais na mudança de gaiola são os fatores geradores desses efeitos Os ritmos em livrecurso podem ser sincronizados a períodos definidos e precisos pela apresentação diária de pulsos de interação social apresentação de uma roda de atividade ou mesmo o bloqueio da atividade por meios mecânicos Mrosovsky 1995 As conseqüências desses fenômenos de sincronização e de deslocamentos de fase por variáveis nãofóticas são variadas e importantes para uma inserção adequada do animal em seu ambiente Aparentemente o sistema de temporização é sensível eou suscetível a processos de retroalimentação através do ciclo de atividade do animal ou seja a própria atividade locomotora estaria também modulando o ciclo de atividaderepouso dos animais Os trabalhos de Mrosovsky levam para essa linha de pensamento Face a esses dados foi possível retomar uma questão controversa formulada na década de 70 do século passado por Aschoff e Wever 1976 na qual os dois autores afirmavam que na espécie humana a interação social teria papel importante para a sincronização dos indivíduos Desde aquela época não se conseguia avançar muito em relação aos possíveis mecanismos envolvidos nesses processos Hoje em dia em razão dos resultados obtidos com experimentos com o uso de drogas por exemplo benzodiazepínicos Turek van Reeth 1988 Hastings et al 1991 que sabidamente interferem com a atividade locomotora se retomou a questão da interação entre drogas e atividade e os seus papéis diferenciais para os processos de sincronização e arrastamento Ralph Mrosovsky 1992 As Diferentes Freqüências o ambiente interior e o ambiente exterior 173 Desde o século XIX tem havido uma descrição generalizada da existência de ritmos biológicos nos mais diversos organismos tanto em plantas quanto em animais Essa demonstração foi extremamente importante em termos históricos para comprovar a existência real dos ritmos biológicos incluindo o seu caráter endógeno Hoje em dia tem se sobreposto a esses dados demonstrativos a visão dos ritmos biológicos como uma expressão conjunta e coordenada de fatores endógenos e exógenos resgatando de certa forma a importância do papel do ambiente na expressão da ritmicidade biológica Há uma tendência crescente na literatura mais atual em se considerar como igualmente importante a influência direta de fatores externos sobre o sistema de temporização assim como sobre a própria expressão dos ritmos como resultado dessas influências Waterhouse Minors 1988 Minors Waterhouse 1989 Marques et al 2003 Nessa visão mais moderna os ritmos biológicos refletem a contribuição em maior ou menor grau de componentes endógenos de alterações naturais sobre os sistemas de temporização da expressão direta sobre a expressão dos ritmos mascaramento e da própria interação entre os diferentes ritmos dentro do organismo Minors Waterhouse 1987 Marques et al 2003 Essa visão integrada de fatores internos e externos corresponde à observação de que as diversas funções em um determinado organismo não só se sincronizam ao ambiente externo mas também se relacionam temporalmente umas às outras Haveria então uma relação de fases estável entre diferentes ritmos caracterizando o que se chama de ordem temporal interna Marques et al 2003 Rotenberg et al 2003 requerendo para a sua consecução o acoplamento de ritmos endógenos Tal organização representativa de uma condição de saúde no seu sentido mais amplo pode ser rompida em determinadas condições ambientais Nesses casos há prejuízos irreversíveis que levam a alterações de crescimento e longevidade de diferentes espécies como demonstrado pelos trabalhos de Pittendrigh e Minis 1972 Saunders 1976 1982 Andrade et al 2003 e Moreno et al 2003 onde havia alteração freqüente dos sincronizadores externos A compreensão da ritmicidade biológica não passa portanto apenas pela avaliação de ritmos isoladamente mas envolve a interação de freqüências algumas com correlatos geofísicos e outras não Halberg et al 1979 Araújo Marques 1997 2003 É sabido que a endogenicidade dos ritmos biológicos proporciona à espécie uma capacidade antecipatória em relação a eventos que ainda irão ocorrer Essa característica permite ao organismo a organização prévia de recursos e de atividades 174 antes mesmo que sejam necessários Pittendrigh 1960 Isso significa que a expressão de um determinado ritmo biológico pode ser fundamental para antecipar uma mudança no ambiente antecipando uma fase mais propícia do ciclo ambiental para a sobrevivência da espécie Por outro lado a expressão de um ritmo biológico pode ser fundamental para garantir uma determinada função ou antecipar uma mudança no próprio meio interno como por exemplo a secreção de um determinado hormônio Os ritmos com correlatos com ciclos geofísicos estariam relacionados funcionalmente com a adaptação a alterações recorrentes portanto previsíveis no ambiente em que o organismo vive Por outro lado os ritmos sem correlatos com ciclos geofísicos estariam relacionados com antecipação de mudanças no próprio meio interno dos organismos Araújo Marques 2003 Dentre os ritmos com correlato com ciclos geofísicos o principal deles é o de freqüência circadiana O correlato geofísico sincronizador é a alternância recorrente do dia e da noite constituindo um ciclo claro e escuro alternância essa que serve como um desafio ambiental recorrente Animais de hábitos noturnos como os roedores de maneira geral ratos e camundongos de maneira específica têm um ritmo circadiano de atividade e repouso no qual a atividade concentrase mais durante a fase de escuro enquanto o repouso fica alocado mais à fase de claro do ciclo claroescuro ciclo dia noite Esse ritmo é gerado endogenamente como já sabemos Isso pode ser demonstrado de maneira relativamente fácil transferindo animais de laboratório para condições de ausência de pistas temporais ambientais Nessa condição observase a persistência da ritmicidade circadiana cuja expressão é chamada de livrecurso na qual o ritmo continua a se manifestar mesmo que apresentando algumas alterações no seu período A expressão da ritmicidade em condições de livrecurso implica na existência de um oscilador endógeno que continua gerando o ritmo circadiano de atividaderepouso independente das informações temporais provenientes do ambiente Quando na presença de informações temporais fornecidas pelo ambiente o ritmo de atividaderepouso é ajustado de acordo com o padrão temporal do ambiente Ou seja além do período agora imposto pelo zeitgeber ou sincronizador externo para o qual o animal ajusta o seu ritmo para o mesmo período do ciclo claroescuro há também uma relação de fase precisa na qual a atividade é realizada no escuro noite e o repouso no claro dia Esse é o chamado mecanismo de arrastamento ou sincronização como já discutido vide também Marques 2003 175 Hoje em dia há evidências experimentais mostrando que o sistema de temporização circadiana é um conjunto complexo de osciladores havendo ritmos gerados por um dos principais osciladores circadianos os núcleos supraquiasmáticos NSQ do hipotálamo e outros gerados de forma independente do NSQ É possível dissociar por exemplo ritmos circadianos da temperatura central e do ciclo atividaderepouso DiezNoguera Diambra 2003 É possível caracterizar também em alguns animais por ex ratos um sistema gerador de ritmicidade circadiana sensível a ciclos de alimentação eou sensíveis a determinadas drogas como a metanfetamina Stephan et al 1979 Kosobud et al 1998 Essa complexidade organizativa pode ser aumentada mais ainda se lembrarmos que já foi demonstrado que mesmo tecidos periféricos possuem a capacidade de gerar ritmos circadianos Por exemplo a retina de hamster mantida em cultura in vitro secreta melatonina com um padrão circadiano como descrito por Tosini e Menaker 1996 e mais recentemente por Balsalobre et al 2000 com outros tecidos Frente a todas essas informações o sistema de temporização circadiana é visto atualmente como um sistema multioscilatório envolvendo diversos elementos incluindo os próprios NSQ também eles considerados como uma estrutura multioscilatória Os mecanismos neurais envolvidos no processo de geração e sincronização dos ritmos circadianos são bem conhecidos pelo menos para o principal gerador que são os NSQ No caso dos outros osciladores praticamente nada se sabe nem sobre o processo de geração e nem sobre os processos de sincronização embora mais recentemente tenha sido sugerida a presença de relógios no fígado Stokkan et al 2001 Em face de todas essas informações é razoável supor que a compreensão da ritmicidade biológica como um todo deva contar não só com a contribuição dos ritmos circadianos mas também com a participação de ritmos com outras freqüências com e sem correlatos geofísicos como já vimos anteriormente A apreensão dessa idéia permitirá entender melhor todos os processos biológicos particularmente aqueles que envolvem desenvolvimento crescimento amadurecimento e envelhecimento dos organismos como discutido por Halberg et al 1972 1979 e mais recentemente por Araújo 1995 e Araújo e Marques 1997 2003 A Intermodulação de Freqüências como Princípio Organizativo 176 Podese pensar em um sistema mais complexo que englobe as diversas freqüências que temos discutido aqui A resposta é afirmativa havendo hoje em dia diversas evidências experimentais Araújo Marques 1997 2003 A compreensão da ritmicidade biológica não passa apenas pelos ritmos circadianos mas também pelos ritmos com outras freqüências tanto aquelas com correlatos com os ciclos geofísicos quanto as que não apresentam esta propriedade De uma certa maneira com esta abordagem é possível compreender melhor todos os processos naturais dos próprios ciclos biológicos como os processos de desenvolvimento de crescimento de amadurecimento de envelhecimento e também os aspectos filogenéticos Halberg et al 1972 Araújo Marques 1997 2003 A integração de fenômenos em diferentes níveis de organização dentro dos organismos e em torno deles o meio ambiente ocorre certamente no tempo e no espaço MennaBarreto Marques 2003 Os ritmos das diversas atividades e sistemas fisiológicos por exemplo estão numa variedade enorme de tempos de frações de segundos a horas Esses ritmos podem ser modulados pela expressão de outros ritmos Além disso vários desses ritmos de diferentes sistemas e funções fisiológicas e comportamentais se relacionam mutuamente por meio de processos de integração com ritmos de outros períodos por exemplo com os ritmos infradianos de 45 dias ou de aproximadamente 30 dias como dos ciclos estrais de ratos ou da menstruação da mulher e de alguns outros primatas Nos diversos ciclos reprodutivos dos diferentes animais e plantas vemos que a escala de tempo das interrelações de freqüências tornase mais e mais ampla e complexa A resolução dessas interações múltiplas e variadas é um desafio para a elaboração de uma visão integrada do fenômeno biológico Halberg 1981 Cornélissen et al 1982 Araújo 1995 Araújo Marques 1997 2003 Intermodulação entre Ritmos Ultradianos e Circadianos O possível significado biológico dos ritmos ultradianos pode ser explicado por dois modelos No primeiro o chamado modelo adaptativo as oscilações ultradianas podem ser consideradas como transições necessárias com a ocorrência de cada fase distinta sendo indispensável para uma eficiência máxima de todos os sistemas existentes nos organismos No segundo as oscilações são meramente reflexos dos limites imprecisos de um controle homeostático que ocorre através de mecanismos de 177 manutenção dos parâmetros biológicos em um nível constante Araújo Marques 1997 2003 No entanto a regularidade e a periodicidade consistente dos padrões ultradianos são fortalecedoras do modelo adaptativo Uma sincronização dos eventos intermitentes típico de um padrão ultradiano promove uma utilização econômica da energia necessária às funções biológicas Por esse procedimento haveria uma melhor distribuição temporal e espacial dos recursos energéticos disponíveis com a possibilidade de utilização mais econômica e completa de substratos e produtos por processos independentes Sendo assim a ritmicidade ultradiana seria de utilidade para a coordenação de processos metabólicos e comportamentais em uma série de eventos de ocorrência simultânea todos eles funcionando com eficiência máxima São conhecidos já há algum tempo ajustes de fase promovidos pela oscilação circadiana sobre uma série de oscilações ultradianas Aschoff Gerkema 1985 No ciclo vigíliasono por exemplo o início do sono tem um efeito de ajuste de fase para a ritmicidade ultradiana de secreção dos hormônios prolactina GH e LH van Cauter Refetoff 1985 O perfil do cortisol plasmático é o resultado de uma sucessão de pulsos da glândula suprarenal onde a magnitude desse perfil é modulada por um ritmo circadiano van Cauter Honickx 1985 Diversos fatores parecem ter efeitos pronunciados sobre o padrão ultradiano de secreção de determinados hormônios ligados aos ciclos estrais e reprodutivos Por exemplo a freqüência de liberação ultradiana de gonadotrofinas sofre mudanças durante o ciclo menstrual Veldhuis et al 1984 Soules et al 1985 Caldas et al 1993 Intermodulação entre Ritmos Circadianos e Infradianos Em alguns roedores ratos e camundongos já foi demonstrado que a ovulação ocorre a intervalos fixos relativos ao ciclo claroescuro em condições de iluminação rigidamente controlada Schwartz 1969 A ovulação circadiana ocorre aproximadamente na hora esperada nos animais mantidos em condições constantes McCormack Siridaran 1978 Mesmo aqueles eventos comportamentais que são induzidos por alterações hormonais próprias do ciclo ovariano mostram variações diárias Rusak 1981 Turek et al 1984 Em diversas espécies de roedores os eventos relacionados ao estro como a ovulação o aumento de secreção de progesterona após a ovulação e o início da 178 receptividade sexual estão todos relacionados ao sistema circadiano Esses eventos ocorrem de forma precisa apenas em determinados momentos do dia mas somente naqueles dias em que sua ocorrência é esperada Schwartz 1969 Fitzgerald Zucker 1976 Lloyd et al 1982b Keefe Turek 1985 Além disso todos os eventos circadianos relacionados aos ciclos reprodutivos devem ocorrer em uma época específica do ano Reiter Follet 1980 Follet Follet 1981 Bronson 1987 Não é sem razão portanto que há várias evidências mostrando ritmos circadianos de nascimento e morte incluindo a própria sazonalidade de nascimentos de animais humanos e não humanos Aschoff 1981 Smolensky et al 1982 Roenneberg Aschoff 1990 Lercherl et al 1993 A modulação de períodos circadianos e infradianos envolve diversos ritmos Por exemplo os períodos circadiano e circasseptano semanal nos casos das mitoses do epitélio corneal ou mesmo no contéudo de ácidos nucléicos do fígado de ratos Marques et al 1988 1989 Há modulação de períodos circadiano e circamensal nos ritmos da temperatura corporal pressão arterial ciclos hormonais e de comportamento incluindo a espécie humana Ferin et al 1974 Pengelly 1974 Halberg 1988 Intermodulação entre Ritmos Ultradianos Circadianos e Infradianos Uma questão de relacionamento de freqüências ainda mais complexa envolve os ritmos ultradianos circadianos e infradianos de diversas variáveis A persistência desses ritmos mesmo na ausência de qualquer indicação periódica externa leva necessariamente à idéia de que os diversos sistemas de temporização internos são os responsáveis pela geração de todos esses ritmos É claro que a natureza dos mecanismos biológicos que seriam a base da expressão desses diversos ritmos de diferentes freqüências deve envolver diferentes processos e sistemas fisiológicos A geração de ritmos infradianos incluindo por exemplo os ritmos circanuais parece depender da interação de vários orgãos e tecidos sistemas hormonais os mais diversos e sistemas de neuromodulação também diversos Por outro lado sabemos hoje também que a geração de sinais circadianos e ultradianos poderia surgir de interações inter eou intracelular como discutidos por Turek e van Cauter 1988 Os mecanismos envolvidos nos ciclos reprodutivos provavelmente são o melhor exemplo demonstrativo da riqueza de processos fisiológicos e comportamentais envolvendo diferentes freqüências em diferentes momentos Os próprios ritmos 179 associados com mecanismos e processos reprodutivos cobrem um amplo espectro de freqüências Essas vão desde as chamadas liberações pulsáteis ultradianas de hormônios até a faixa infradiana Mesmo aqui é possível descrever em diferentes sistemas e organismos diferentes períodos representativos dos diversos ciclos estrais e menstruais a característica sazonalidade da reprodução e do nascimento de filhotes passando pela marcação circadiana extremamente rígida para algumas variáveis do processo Follet Follet 1981 Há um outro ciclo biológico em que a presença simultânea de freqüências indo da faixa ultradiana até a infradiana se mostra muito claramente O ciclo atividaderepouso ou no caso específico dos humanos o ciclo vigíliasono é um bom exemplo da existência e da interação de diferentes freqüências seja nos seus aspectos fisiológicos ou ontogenéticos A presença de diferentes freqüências atuando inclusive com diferentes pesos ou contribuição de cada uma delas são descritas já há algum tempo ao longo do ciclo de vida dos humanos Benoit 1981 MennaBarreto et al 1993 Por outro lado os trabalhos de Sue Binkley registrando a atividade locomotora os níveis hormonais e o ciclo atividaderepouso em mulheres saudáveis permitiram descrever ritmos de freqüências circadiana semanais circasseptanos menstruais lunares e circanuais em todas essas variáveis Binkley et al 1989 Binkley 1990 1992 No presente momento podemos apenas especular sobre a importância e o papel fisiológico dessas interações em face das poucas informações que dispomos É lógico que os sistemas de temporização circadiana devem ter um papel central na organização temporal dos processos descritos acima sejam processos reprodutivos ou não Isso porque muitos eventos relacionados com a reprodução variam nitidamente com um padrão circadiano No entanto a expressão hormonal é caracteristicamente ultradiana seja ela pulsátil ou não mesmo que modulada de forma circadiana Isso pode ser observado nas suas características da amplitude de variação ou na sua própria freqüência Por outro lado como vimos anteriormente sabese há muito que o próprio sistema circadiano deve estar envolvido na avaliação de alterações fotoperiódicas ao longo do ano com o suceder das diferentes estações do ano Turek van Cauter 1988 Golombek AguilarRoblero 2003 Marques 2003a Marques et al 2003 CONCLUSÃO 180 Podese dizer que a partir dos anos 60 do século passado a Cronobiologia através da demonstração da ubiqüidade da organização temporal biológica e do funcionamento rítmico de estruturas e funções tem destacado o tempo como uma dimensão básica dos organismos vivos Os estudos cronobiológicos mostram e estabelecem de certa forma o princípio de uma coordenação para a ritmicidade biológica por meio de processos essencialmente dinâmicos melhor do que a visão um tanto simplista da regulação para manter a constância onde os ritmos eram vistos apenas como fenômenos secundários Segundo o nosso ponto de vista a cronobiologia fornece modelos mais adequados da função biológica integrando ritmos celulares e neuroendócrinos básicos através da construção de redes rítmicas em termos estruturais e funcionais O possível valor adaptativo desses esquemas de organização por meio de processos dinâmicos de integração e modulação é fortalecido em razão da possibilidade ampliada de ajustes finos aos ciclos ambientais REFERËNCIAS Andrade M MennaBarreto L Louzada F 2003 Ontogênese da ritmicidade biológica pp 24767 In Marques N MennaBarreto L orgs Cronobiologia Princípios e Aplicações 3ª ed São Paulo EDUSP Araújo JF 1995 Intermodulação de Freqüências Um Modelo Funcional para a Organização Temporal dos Seres Vivos Dissertação de Mestrado Instituto de Psicologia USP São Paulo SP Araújo JF Marques N 1997 Intermodulação 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Djungarian hamster Phodopus sungorus entrained by 12 hour light12 hour dark cycle Comparative Biochemical Physiology 81A 2715 Tosini G Menaker M 1996 Circadian rhythms in cultured mammalian retina Science 272 41921 Turek FW van Cauter E 1988 Rhythms in reproduction pp 1789830 In Knobil E Neil JD eds The Physiology of Reproduction New York Raven Press Turek FW van Reeth O 1988 Altering the mammalian circadian clock with the short acting benzodiazepine triazolam Trends in Neuroscience 11 53541 Turek FW Swann J Earnest DJ 1984 Role of the circadian system in reproductive phenomena Rec Prog Horm Res 40 14383 Val FC 2003 O tempo no estudo da evolução pp 28195 In Marques N Menna Barreto L orgs Cronobiologia Princípios e Aplicações 3ª ed São Paulo EDUSP van Cauter E Honickx E 1985 The pulsatility of pituitary hormones pp 4160 In Schulsz H Lavie P eds Ultradian Rhythms in Physiology and Behavior Berlin SpringerVerlag van Cauter E Refetoff S 1985 Multifactorial control of the 24hour secretory 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parceiro para se reproduzir e as espécies assexuadas competem de alguma forma entre si A comunicação envolve como os animais lidam suas relações sociais não apenas com os membros de sua própria espécie mas também com os de outras espécies com os quais podem competir por recursos ou ainda com predadores e presas Portanto compreender como e porque os animais se comunicam é importante para que se possa entender o comportamento e as relações sociais desses animais O modelo mais simples de comunicação consiste de três elementos um emissor um sinal e um receptor Smith 1977 Esse modelo é muito simplificado Um grupo de macacos muriqui Brachyteles sp da Mata Atlântica pode compreender entre 40 a 60 indivíduos com muitos deles produzindo diferentes sinais complexos em intervalos muito próximos e que podem ser recebidos pela maioria dos outros macacos do grupo Tais interações complexas são difíceis de serem entendidas A resposta que um animal receptor dá frente a um sinal pode ela própria também ser um sinal que por sua vez é recebido por outros indivíduos e respondido com outro sinal Tal situação de sinais entre indivíduos é mais razoável do que admitirse um sistema com um único emissor um único sinal e um receptor Snowdon 1988 No entanto para apresentarmos os aspectos importantes da comunicação inicialmente devemos focar nesta unidade mais simples emissor sinal receptor Mesmo essa simples unidade se torna extremamente complexa quando a analisamos integralmente Considere um pássaro macho cantando no início da estação de acasalamento O sinal é o canto que pode ser gravado para análise posterior Sua complexidade varia acentuadamente entre diferentes espécies Um caso é o dos papagaios amazonenses que produzem sons extremamente complexos e raramente repetem uma seqüência fixa Papagaios treinados por humanos podem até mesmo imitar a fala humana e alguns papagaios excepcionais conseguem usar sons semelhantes à fala para nomear objetos e identificar a cor a quantidade ou o material de diferentes objetos Pepperberg 1999 No outro extremo está um bemtevi norte americano que tem um canto com três notas uma nota parecida com um assobio seguida de uma a duas notas em um tom mais baixo na escala musical por ex Do Si Si Entre os papagaios e os bemtevis existem aves com vários graus de complexidade de canto 193 Uma vez identificado o canto como um sinal podemos apresentar mais questões por que alguns cantos são complexos e outros são simples Haveria riscos na emissão de cantos por ex um predador poderia estar ouvindo Diferentes tipos de ambientes afetam diferentemente a transmissão do canto pense nas diferenças de visibilidade entre a Mata Atlântica a floresta amazônica o cerrado e a caatinga Diferentes ambientes também influenciam a distância que os cantos podem atingir e sua duração Podemos ir ainda mais longe como os cantos são produzidos Que estruturas mecânicas estão envolvidas na produção do canto Como o cérebro controla o canto Que mecanismos um receptor necessita para decodificar o canto Que estruturas sensoriais estão envolvidas Como o cérebro interpreta os cantos Podemos estudar mais detalhadamente o animal emissor Por que um macho canta Uma explicação ao nível fisiológico é que o hormônio sexual a testosterona está aumentada no início da estação de acasalamento e aumenta na freqüência de canto associado ao aumento no comportamento agressivo e sexual Ao nível comportamental observamos que outros machos evitam o macho que canta ao contrário das fêmeas que são atraídas por ele de modo que os machos provavelmente cantam para comunicar a outros machos que estão defendendo um território e às fêmeas para informar que estão prontos para acasalamento Em termos de desenvolvimento sabemos que muitas aves jovens ouvem o canto dos adultos e praticam esse canto mais tarde de forma que podemos dizer que essas aves cantam porque aprenderam o canto num período sensível de seu desenvolvimento e o praticaram para excutalo com habilidade Finalmente podemos estudar o emissor ao nível evolutivo se pudéssemos amostrar vários machos e gravar seus cantos provavelmente encontraríamos que numa mesma espécie os indivíduos com cantos mais altos mais freqüentes e mais complexos foram mais bem sucedidos em afastar competidores e atrair parceiros sexuais e portanto têm maior sucesso reprodutivo o que levou a pressões evolutivas que selecionaram esses cantos mais complexos A análise dos animais receptores da mensagem é mais complicada Uma vez produzido um som no ambiente muitos animais receptores podem detectálo Uma ave macho da mesma espécie do emissor deve ser apta a identificar que o canto é produzido por um coespecífico e deve então avaliar se deve ou não desafiar o emissor do canto Uma fêmea da mesma espécie também precisa identificar se o canto é de algum coespecífico para então avaliar o vigor e a complexidade do canto antes de decidir acasalarse ou não com o macho emissor Uma ave recém eclodida de alguma forma 194 codifica no cérebro o padrão de canto do seu pai e lembrará desse padrão um ano depois quando inicia seu próprio canto Já o predador não distingue a espécie mas pode se aproximar dessa presa Um macho de outra espécie de ave provavelmente ouve o canto porém para ele o som é irrelevante representando simplesmente uma fonte adicional de ruído com a qual tem que lidar ao emitir seu próprio canto Uma pessoa inexperiente provavelmente interpretará o canto em termos musicais apreciando as melodias que o pássaro produz Um biólogo treinado pode utilizar o canto para contar o número de machos e o número de espécies presentes na área Como pode ser visto este modelo simplificado de emissorsinalreceptor suscita muitas questões e rapidamente se torna bastante complexo No restante deste capítulo serão explorados os tipos de sinais utilizados e serão examinados quais sinais são mais adequados para cada contexto Em seguida serão examinados diferentes modelos da função de comunicação e sobre os tipos de coisas que os animais comunicam O capítulo é concluído versando sobre o desenvolvimento da comunicação 2 SINAIS 21 Sinais Acústicos Provavelmente devido à grande importância da fala para a comunicação humana os sinais acústicos têm sido estudados mais amplamente do que qualquer das outras formas O som pode ser descrito simplesmente por três variáveis freqüências ou ondas amplitude ou altura e ritmo ou padrão temporal Gravadores portáteis tornam possível gravar sons de animais em praticamente qualquer lugar Durante a segunda guerra mundial as agências de espionagem necessitavam de equipamentos para identificar vozes e então foi inventado um aparelho Registrador de Voz que produzia um sinal visual da freqüência e de componentes temporais do som da voz o que permitia a identificação do emissor Após a guerra os biólogos começaram a usar esse equipamento para analisar relações de tempo e freqüência entre sinais dos animais Atualmente programas de análise de espectro em tempo real podem ser colocados em computadores portáteis de forma que é possível analisar sons no campo Beeman 1998 195 Os sinais acústicos são produzidos de diferentes formas Na maioria dos mamíferos incluindo os humanos há um órgão especializado localizado na garganta a laringe o qual pode ser estendido ou encurtado produzindo diferentes ondas de som O ar expelido dos pulmões produz uma vibração na laringe numa freqüência típica ou fundamental No homem adulto essa freqüência pode variar entre 100 e 150 Hz ou vibrações por segundo e na mulher adulta varia de 150 a 300 Hz Quando uma pessoa fala usa tipicamente essa freqüência fundamental mas quando canta muda constantemente a extensão da laringe para produzir sons de ondas mais longas ou mais curtas Rubin VatikiotisBateson 1998 No entanto apenas a vibração da laringe não é suficiente para a complexidade de sons dos humanos e dos outros animais A complexidade provém de mudanças rápidas em outras estruturas A corrente de ar pode ser direcionada através da boca e do nariz este último muito importante na produção do som de muitas palavras em Português A língua dentes e lábios podem se mover e moldarse de várias formas e mesmo a forma da cavidade oral pode também ser alterada para produzir diferentes sons A grande variedade do som dos mamíferos pode ser explicada pelas mudanças rápidas na forma e movimento dessas estruturas alterandose também o tempo dessas mudanças Hauser 1966 Por exemplo os macacos guariba machos Alouatta sp do Brasil têm grandes sacos na garganta que são usados para amplificar os sons Seus gritos podem ser ouvidos a grande distância até 2 km Em pássaros canoros os sinais acústicos são mais complexos Ao invés de uma única laringe vibratória localizada na traquéia muitos pássaros têm dois órgãos vibratórios chamados siringe cada um localizado em cada brônquio Cada siringe é independentemente controlada pelo cérebro Assim com dois órgãos vibratórios ao invés de um os pássaros produzem sons altamente complexos Gaunt Nowicki 1998 Os insetos têm um sistema respiratório muito diferente e não conseguem usar ar expirado para produzir sons de forma que usam outros meios Os grilos têm em suas pernas e corpo cristas na forma de pente de maneira que esfregando rapidamente suas pernas sobre esses pentes produzem sons para comunicação Hoy et al 1977 Uma vez produzido o som as vibrações difundemse do emissor por meio de ondas sucessivas Os sons podem variar numa ampla faixa de freqüências A espécie humana é acostumada a sons dentro da faixa de seu ouvido de 60 a 18000 Hz ou vibrações por segundos mas muitos animais produzem sons fora dessa faixa de audição Esses sons podem ser detectados somente com instrumentos especializados 196 Pye Langbauer 1998 Cada freqüência tem um comprimento de onda característico A velocidade do som no ar é de aproximadamente 300 m s1 de forma que um som com freqüência de 300 Hz tem comprimento de onda de 1 m Uma freqüência 10 vezes maior 3000 Hz tem comprimento de onda de 10 cm e uma freqüência 100 vezes maior tem comprimento de onda de 1 cm Ao contrário um som 10 vezes menor 30 Hz tem comprimento de onda de 10 m A velocidade do som na água é 5 vezes maior que no ar de forma que um som produzido com a mesma energia pode deslocarse 5 vezes mais na água Tyack 1998 Por que isso é importante Há duas razões Primeiro gasta mais energia produzir vibrações em alta taxa do que em baixa taxa de forma que sons de alta freqüência despendem mais energia para produzir a mesma emissão do que sons de baixa freqüência devido à inércia das moléculas de ar que precisam ser ativadas Segundo aspectos do ambiente como árvores folhas rochas etc refletirão sons de comprimentos de onda curtas alta freqüência mais prontamente do que sons de ondas longas baixa freqüência Essas características físicas da freqüência do som levam a algumas idéias interessantes sobre o desenho do sinal Wiley Richards 1978 Como você delinearia um som para longas distâncias Baseado nas propriedades físicas do som os de baixa freqüência percorreriam distâncias mais longas e passariam por obstáculos mais facilmente do que os sons de alta freqüência Alguns animais como os elefantes e algumas baleias produzem sons de freqüências muito baixas abaixo da faixa de audição humana Pye Langbauer 1998 Freqüentemente os seres humanos percebem esses sons de baixa freqüência simplesmente como vibrações no solo Pesquisadores na África têm usado altofalantes gigantes para reproduzir os sons dos elefantes e encontraram que esses animais ouvem e respondem a esses sons mesmo a distâncias de 2 a 3 km Langbauer et al 1991 Dado o enorme tamanho das baleias e pelo fato do som ser transmitido mais rapidamente na água os sons de baixa freqüência emitidos pelas baleias podem atingir várias centenas de quilômetros E com você delinearia um som para localizar coisas pequenas Novamente com base na física do som aqueles de alta freqüência seriam refletidos pelos objetos pequenos enquanto que os sons de baixa freqüência passariam ao redor de objetos pequenos Tanto morcegos quanto golfinhos usam ecolocação para localizar as presas Eles emitem pulsos de sons de alta freqüência acima da faixa de audição humana usando o tempo de pausa entre os pulsos para ouvirem os ecos O tempo entre a 197 produção de um pulso e a audição do eco é uma medida da distância que o objeto está do emissor menor o tempo para ouvir o eco mais próximo está o objeto Pyer Langbauer 1998 Experimentos têm mostrado que os morcegos podem navegar entre pequenos fios colocados em uma sala e podem capturar rapidamente uma grande quantidade de pequenos insetos Griffin 1958 Os fatores ambientais afetam o deslocamento do som Em florestas tropicais há grande diferença de temperatura entre o chão e a atmosfera no amanhecer e no anoitecer Essa diferença térmica atua como uma lente que reflete sons de volta para o chão significando que os sons produzidos no solo atingem distâncias até duas vezes maiores pela manhã e anoitecer do que ao meiodia Waser Waser 1977 Assim como esperado a maioria das aves e muitos macacos altamente vocalizadores como os macacos guariba e titi Callicebus sp emitem sinais sonoros mais freqüentemente pela manhã e final da tarde do que ao meiodia Sekulic 1982 Fatores ambientais podem distorcer mais alguns tipos de vocalizações do que outros Se há muita vegetação os sons são refletidos por essa vegetação produzindo reverberação ou o eco produzido por um sintetizador A reverberação dificulta a percepção dos intervalos entre diferentes notas ou partes das vocalizações Sons de alta freqüência deterioramse mais rápido do que os de alta freqüência não apenas porque necessitam de mais energia para serem produzidos mas também porque são mais facilmente refletidos e absorvidos pela vegetação Dois experimentos ilustram esses pontos Um estudo registrou chamadas naturais de macacos guariba emitidas próximas e a muitos metros de distância em local onde havia reverberação Whitehead 1987 Esses dois sons foram seqüenciados de duas formas normalreverberação que seria o padrão de se ouvir caso o macaco guariba estiva se afastando e reverberaçãonormal que é o padrão quando o macaco se aproxima Essas duas seqüências foram reproduzidas por altofalantes a vários grupos dos macacos guariba Eles basicamente ignoraram a seqüência que indicava que o macaco estava se afastando mas aproximaramse do altofalante e começaram a responder com chamadas e ameaças à seqüência representando a aproximação de um estranho ao grupo Esse resultado sugere que os macacos podem usar mudanças na reverberação das vocalizações para detectar se outros macacos estão se aproximando ou se afastando Whitehead 1987 O segundo experimento foi feito com mico leãozinho Cebuella pygmaea no oeste da Amazônia de la Torre Snowdon 2002 Eles são os menores macacos do 198 mundo cerca de 120 g e vivem em áreas muito pequenas 1 ha Eles têm três tipos de chamadas de contato Todos são de alta freqüência mas um tem uma modulação de freqüência variação em freqüência de 30 vezes por segundo o segundo é mais alto e tem várias notas curtas emitidas na freqüência de aproximadamente 16 notas por segundo e o terceiro tem somente duas notas Exemplos dessas chamadas foram tocados no ambiente natural e regravados a 10 20 40 and 80 m Aos 40 m foi impossível gravar o primeiro chamado e o segundo estava bastante distorcido perdendo componentes de alta freqüência e apresentando várias reverberações Ao contrário a terceira chamada pôde ser gravada a 80 m de distância A primeira chamada apresentou distorção mesmo quando gravada a 10 m de distância Os macacos ajustaram adequadamente o uso dessas chamadas Eles usaram a primeira apenas quando estavam numa faixa de 10 m do outro sagüi usaram a segunda chamada quando estavam mais longe e a última somente a maiores distâncias de la Torre Snowdon 2002 Um problema com qualquer forma de comunicação é que o emissor fica mais evidente não apenas para os coespecíficos mas também para predadores O micoleãozinho emite chamadas com altas freqüências 8 a 14 kHz Entre os principais predadores dos sagüis estão as aves como águias e falcões A maioria das aves não ouve muito bem os sons acima de 5 a 6 kHz de forma que as chamadas de alta freqüência dos micoleõeszinhos podem ser uma adaptação que evita predadores No entanto animais com corpos pequenos geralmente emitem chamadas com sons em freqüências maiores do que as emitidas por animais maiores É interessante notar que todos os outros sagüis e micos mesmo os relativamente grandes 700g micos leões do sudeste do Brasil têm chamadas de freqüência muito alta Isso sugere que essas chamadas não sejam simplesmente devido ao pequeno tamanho corporal mas provavelmente sejam adaptações contra predadores Snowdon de la Torre 2002 Muitos animais apresentam dois tipos de resposta a predadores Algumas vezes um animal produz um som de alta freqüência chamada de alarme e os outros animais ficam imóveis e permanecem assim por vários minutos Outras vezes vários membros do grupo movemse em direção ao predador atacandoo enquanto emitem gritos altos fáceis de serem localizados Aves e sagüis vivendo num mesmo habitat produzem sons de alarme e mobbing semelhantes entre si Estudos recentes desenvolvidos na África mostraram que os macacos podem entender os cantos de alarme contra predadores emitidos pelas aves Hauser 1998 Seyfarth Cheney 1990 e que as aves entendem os sons emitidos pelos macacos 199 Uma outra característica do som é que é difundido rapidamente A menos que o som seja repetido ou que o animal receptor tenha sido alertado quanto ao som ele pode ser difícil de ser detectado Isso é bom no caso de predadores mas não é bom se os outros membros do grupo não estão alertas ou ouvindo Algumas vezes os animais emitem vários sons para alertar o animal receptor sobre o que vai acontecer O silêncio também pode ser um sinal Ao meiodia a oeste da Amazônia a maioria dos membros de um grupo de micoleõeszinhos descansa ao sol No entanto um animal permanece separado do resto do grupo e produz a cada poucos segundos chamadas a uma taxa aproximadamente constante O restante do grupo relaxa à medida que essas chamadas continuam mas tão logo o animal vigia pára as chamadas os outros membros do grupo ficam em alerta e imóveis Nesse caso a informação é transmitida pelo silêncio Snowdon Hodun 1981 Sinais Visuais Os sinais visuais são potencialmente muito mais complexos que os acústicos Eles podem variar de acordo com a parte do corpo usada há grande variação na cor e nos padrões de cor pode haver uma ampla variedade de posturas e o movimento fornece um surpreendente potencial para complexidade uma vez que cada músculo do corpo pode ser ativado independentemente um do outro Hailman 1977 Embora os sinais visuais possam ser gravados em filmes ou discos de vídeo para análises posteriores são muito mais difíceis de serem analisados com precisão do que os sinais acústicos Além disso até que surgissem os recentes desenvolvimentos de programas para analisar imagens era difícil examinálas para trabalhos experimentais Os sinais visuais são produzidos de duas formas A bioluminescência é a produção de luz pelo organismo Alguns invertebrados marinhos e o inseto vagalume produzem uma luz brilhante a partir de reações químicas no corpo No entanto a maioria dos sinais visuais vem do reflexo da luz do sol ou da lua Isso significa que para a maioria dos animais os sinais visuais são efetivos apenas em certas horas do dia ou em habitas em que a luz seja disponível A maioria dos organismos apresenta algum tipo de olho que detecta luz No olho dos vertebrados a luz deve passar através da pupila na frente do olho e ser focalizada sobre células receptoras na retina Há dois tipos básicos de células os bastonetes respondem a mudanças de claro e escuro e são importantes em momentos de baixa luminosidade os cones respondem à cor e funcionam melhor em maiores 200 intensidades luminosas Diferentes tipos de cones respondem melhor a luzes de certos comprimentos de onda nos humanos correspondem ao vermelho verde e azul Cerca de 5 dos homens não conseguem distinguir entre vermelho e verde e são chamados daltônicos Menos de 1 das mulheres apresentam essa alteração Esse problema é acentuado nos primatas do novo mundo Todos os macacos machos do novo mundo testados até o momento não distinguem entre as cores vermelha e verde e cerca de metade das fêmeas são daltônicas e apenas o restante tem visão normal para cores Os macacos daltônicos para vermelho e verde têm dificuldade em perceber frutos maduros contra o fundo de folhas verdes da floresta Portanto um grupo pode se beneficiar de ter ao menos uma fêmea com visão normal Esses resultados sugerem que as cores vermelha e verde não são importantes para a comunicação nos macacos neotropicais Caine et al 2003 Muitos insetos não conseguem perceber luz na faixa que denominamos vermelha mas eles suplantam isso tendo uma boa visão na faixa de luz ultravioleta onde os humanos não vêem bem A maioria dos cones está localizada no centro da retina e os bastonetes mais na periferia Portanto sinais com cores serão mais efetivos quando o animal receptor olhar diretamente o emissor Hailman 1977 Os seres humanos e outros primatas fazem bom uso da visão binocular resultante dos dois olhos dirigidos para frente e com campos de visão sobrepostos O custo de uma visão dirigida para frente é que muito do mundo não fica visível para nós Estire seus braços para o lado e olhe diretamente para frente Você provavelmente não conseguirá ver seus dedos Agora mova lentamente seus braços para frente até que possa enxergar seus dedos Isso representa seu campo de visão e qualquer coisa fora desse campo está por definição invisível O problema principal de se usar sinais visuais é que para receber o sinal o animal receptor deve estar orientado em direção ao emissor Nós simplesmente não podemos detectar sinais atrás de nós ou ao nosso lado a menos que outro sinal nos faça orientar em direção ao emissor Os sinais visuais são facilmente encobertos pelo ambiente Vegetação prédios neblina e poluição se combinam limitando a faixa dos sinais visuais Os olhos também podem detectar mudanças súbitas de movimento dos objetos mas à medida que nos distanciamos desses objetos ou animais fica gradativamente mais difícil perceber tais movimentos súbitos Todos esses aspectos colocam sérias limitações à comunicação visual Os sinais visuais são usados mais por espécies diurnas do que por espécies noturnas Eles são mais efetivos para espécies que vivem em habitats abertos do que para aquelas que vivem em florestas e são mais efetivos para comunicação de curta 201 distância do que de longa distância Os sinais visuais produzidos a certa distância devem ter movimentos maiores mais exagerados para serem efetivos e sinais de alerta em outra modalidade sensorial digamos o som podem ser necessários para orientar o animal receptor para a direção do emissor Hailman 1977 Os sinais visuais podem ser visíveis por predadores assim como pelos coespecíficos do emissor mas muitos animais escondem as partes do corpo que possuem cores vivas em aves essas partes podem ser expostas por curtos períodos e posteriormente escondidas sob as asas Mariposas e borboletas geralmente têm as partes com cores vivas visíveis no vôo mas escondidas no repouso Supõese que as cores vivas e as cores altamente contrastantes têm importância na seleção intrasexual tornando um dos sexos mais atrativo que o outro Porém um estudo recente mostrou que aves de cores vivas têm maior probabilidade de extinção do que as de cores mais foscas Doherty et al 2003 Os micos leões do sul do Brasil com suas cores vivas e contrastantes estão em perigo enquanto que os sagüis comuns com cores mais fracas prosperam mesmo habitando a mesma área dos micosleões As cores vivas dos micos leões seriam parcialmente responsáveis pelo declínio dessa espécie Sinais Químicos Os seres humanos geralmente não percebem muitos odores e não imaginam os sinais químicos como importantes nossa comunicação No entanto sabemos que os odores afetam o comportamento de outras espécies Há sinais químicos que indicam a espécie o sexo o estágio reprodutivo e também marcam territórios sinalizam alarme e marcam trilhas para fontes de alimento Epple 1985 Estamos começando a aprender que os sinais químicos influenciam também o comportamento humano Os homens preferem odores de camisetas usadas por mulheres no dia em que ovularam do que odor de camisetas usadas em outras fases do ciclo menstrual Singh Bronstad 2001 Mulheres que são amigas próximas ou que vivem juntas freqüentemente sincronizam os períodos menstruais McClintock 1971 Odores obtidos das axilas de uma mulher num determinado estágio de seu ciclo menstrual e cheirado por outra mulher que esteja numa outra fase do ciclo acelerará ou retardará a menstruação da mulher receptora do cheiro Stern McClintock 1998 Os sinais químicos podem ser liberados de células de cheiro altamente especializadas como as glândulas nas axilas na região inferior do abdome e acima da região púbica na área anogenital ou ao redor da boca mas podem ser originados 202 também de subprodutos digestórios como urina fezes e suor Muitos mamíferos incluindo sagüis micos e possivelmente os humanos têm uma parte especializada no cérebro chamada órgão vomeronasal separada do sistema olfatório regular Esse órgão recebe uma conexão do teto da boca Freqüentemente os animais lambem as marcas de cheiro de outros animais ou inalam profundamente pela boca para transferir o cheiro para o órgão vomeronasal Conhecemos muito pouco sobre como as substâncias são separadas e processadas no cérebro Em alguns insetos há uma única substância que age como atrativo sexual É fácil supor que cada espécie de inseto tenha um receptor cerebral especial para o odor típico de sua espécie No entanto nos vertebrados os sinais químicos geralmente possuem um grande número de componentes Um estudo do saddleback tamarin Saguinus fuscicollis do oeste da Amazônia detectou mais de 200 componentes químicos na marca de cheiro e outros Calitriquídeos também têm assinaturas químicas complexas Epple et al 1993 É inclusive difícil supor como se pode determinar qual substância ou combinação de substâncias é a mais importante O tamanho molecular de um sinal químico pode afetar sua dispersão Um composto de baixo peso molecular é mais volátil e será disperso pelo ar a maiores distâncias do que um composto de maior peso molecular Uma vantagem de se produzir uma mistura de químicos seria que algumas substâncias se difundiriam e atrairiam a atenção de um animal receptor que estivesse mais longe atraindoo ao local da marca de cheiro onde um composto mais pesado pode ter um efeito mais específico Como podemos conhecer a função de um sinal químico que nós mesmos não conseguimos detectar Algumas observações comportamentais sugerem o uso de sinais químicos Algumas espécies apresentam posturas e ações que muito claramente indicam a deposição das marcas como por exemplo o esfregar a área anogenital numa superfície Outras vezes observamos comportamento que indica que outros indivíduos estão respondendo a odores Em muitos ungulados os machos cheiram de forma exagerada a urina das fêmeas snorting à medida que captam ar e levantam a cabeça uma ação chamada Flehmen a qual transfere substâncias ao órgão vomeronasal Nesse caso os sinais químicos são realmente hormônios reprodutivos que as fêmeas excretam na urina Asa et al 1979 Podemos também usar métodos experimentais para inferir a participação ativa de um sinal químico Apresentamos duas substâncias a um animal e examinamos como ele responde a cada uma delas Por exemplo podese colocar um camundongo em uma 203 caixa que contenha duas entradas de ar Uma dessas entradas vem de um local com um camundongo calmo e a outra de um camundongo que acabou de receber uma injeção de salina O camundongo receptor dos odores ficará mais tempo em frente à entrada de ar que vem do camundongo calmo Rottman Snowdon 1972 Num tipo diferente de teste cottontop tamarins Saguinus oedipus nativos da Colômbia receberam odores de uma fêmea doadora Nos dias em que essa fêmea ovulou o macho exposto ao cheiro teve ereção e aumentou a taxa de acasalamento com sua parceira em relação aos dias em que estava exposto ao cheiro da fêmea quando esta não estava ovulando Ziegler et al 1993 Os sagüis comuns têm preferência por odores de fêmeas que estão ovulando em relação aos de fêmeas fora da ovulação Smith Abbott 1998 Por meio de métodos não invasivos de ressonância magnética funcional sabemos que apenas o odor de uma fêmea ovulando pode aumentar a atividade em regiões do cérebro associadas à atenção sexual e à cópula Ferris et al 2001 2004 Os sinais químicos diferem dos outros sinais por terem um tempo de permanência muito longo Em alguns casos um sinal pode ser detectado por um coespecífico até vários dias ou mesmo semanas após ter sido liberado Isso significa que um animal pode deixar um sinal e se afastar da área antes que um predador detecte esse sinal Além disso o alto grau de complexidade dos sinais químicos e o fato de que não somos aptos a detectar muitos desses sinais dos outros animais fornece outra proteção contra a predação Os sinais químicos provavelmente fornecem mais proteção contra a predação do que qualquer outro tipo de sinal No entanto os sinais químicos possuem algumas desvantagens Embora possam atingir longas distâncias o emissor não pode controlar a direção que o sinal percorre A direção e a velocidade do meio vento ou água determinam a direção e a distância do percurso Além disso pelo fato dos sinais químicos durarem mais tempo é difícil produzir mudanças rápidas que acompanhem as mudanças sociais a cada momento Assim os sinais químicos são mais úteis na comunicação de longo prazo a delimitação de um território identificação de uma espécie do estado reprodutivo ou de eventos de curto prazo que não requeiram comunicação súbita como um alarme Sinais Tácteis O tato pode ser usado na comunicação Há duas formas de sinais tácteis aqueles que decorrem do contato direto de um indivíduo com o outro e aqueles resultantes das 204 vibrações induzidas por um indivíduo e que são percebidas à distância por outro indivíduo Conhecemos muito bem vários tipos de toques golpes e tapas indicam raiva ou frustração carícias e catação indicam afiliação ou prazer Em muitos animais a forma mais simples de sinal táctil é o encostarse no outro indivíduo Um sinal mais complexo é a catação Muitos animais fazem catação uns nos outros ou em aves preen os pais de cada um A catação pode funcionar para remover parasitas do couro ou da pele mas tem também uma importante função social Keverne et al 1989 A catação pode estimular liberação de endorfinas opiáceos naturais naquele que recebe esse comportamento e pode também liberar o hormônio ocitocina conhecido como um hormônio de recompensa social envolvido na formação dos pares Em muitas espécies a catação é assimétrica ou seja numa díade o animal A faz catação em B mais do que B faz em A Por muito tempo se pensou que o animal que mais realizava catação era subordinado ao que a recebia mas estudos sobre os macacos do novo mundo estão mudando essa idéia Em macacos prego os mais dominantes fazem catação mais freqüentemente nos subordinados Nos sagüis comuns a fêmea reprodutiva dominante faz catação nas fêmeas subordinadas mais do que recebem catação delas LazaroPerea et al 2004 Nesta espécie que apresenta cuidado cooperativo os ajudantes são essenciais para se cuidar de forma bem sucedida dos filhotes de maneira que é importante investir no agrado aos ajudantes e mantêlos no grupo Tanto nos sagüis comuns quanto nos cottontop tamarins a maioria da catação é feita entre os pares de acasalamento e em cada grupo estudado até agora o macho reprodutivo faz muito mais catação na fêmea que nele LazaroPerea et al 2004 C T Snowdon não publicado Como os machos são muito envolvidos com o cuidado dos filhotes é importante que tenham bastante certeza da paternidade Fazendo catação em suas parceiras os machos podem estar recompensandoas por não se acasalarem com outros machos As vibrações constituem o outro tipo de sinais tácteis Aranhas que constroem teias reagem agressivamente a qualquer movimento na teia e podem até atacar e comer um parceiro sexual potencial Portanto os machos vibram a teia de uma forma diferente da vibração produzida pelas presas capturadas na teia e geralmente conseguem se acasalar com a fêmea antes de serem comidos Jackson Wilcox 1990 Os ratos cangurus nos desertos do sudoeste dos Estados Unidos têm patas relativamente grandes e batem essas patas no solo com um padrão específico que delimita o território e 205 informa sua identidade individual Randall 1989 As rãs coqui de Porto Rico têm padrões especiais de batidas com os pés que atraem fêmeas Narins 1990 Os sons de baixa freqüência usados na comunicação entre elefantes também podem percorrer o chão e ser percebidos como vibrações sob os pés Assim alguns sinais podem ser tanto acústicos quanto tácteis dependendo dos receptores usados na detecção OConnell Rodwell et al 2000 O exemplo de comunicação táctil mais conhecido é a dança do requebrado das abelhas de mel Uma abelha que tenha encontrado uma fonte de alimento retorna para a colméia e dança com uma taxa de requebrados inversamente proporcional à distância da fonte de alimento A orientação vertical do corpo da abelha na colméia fornece pistas sobre a direção da fonte de alimento em relação ao sol No entanto como o interior da colméia é escuro as abelhas podem responder a essas pistas somente por meio de sinais tácteis von Frisch 1967 Nós ainda temos muito a aprender sobre a complexidade e significado dos sinais tácteis Agora que sabemos que várias formas de toques têm efeitos recompensadores positivos sobre o animal receptor o entendimento do papel dos sinais tácteis na formação e manutenção das relações sociais necessita muito mais estudos Sinais Elétricos Sinais elétricos são provavelmente os mais difíceis para os humanos imaginarem uma vez que estão muito distantes das formas pelas quais nos comunicamos No entanto várias espécies de peixes especialmente aqueles que vivem em rios de águas barrentas no Amazonas e na África onde a visibilidade é muito baixa usam sinais elétricos Possuem ao longo do corpo várias células musculares especializadas que são ligadas entre si num sistema em série o que amplifica os potenciais neuromusculares e gera uma corrente elétrica fraca que se difunde em velocidades entre 70000 e 1500000 m s1 dependendo da capacidade de condutância da água Células especializadas na linha lateral dos peixes servem como receptores dos sinais elétricos Hopkins 1974 Curtos pulsos elétricos são produzidos e podem ser descritos em termos da forma do campo elétrico ao redor do corpo do animal da forma da onda do pulso da taxa de descarga de padrões temporais e de mudança na taxa de descarga e parada do sinal Cada espécie estudada até aqui tem uma única forma de onda de maneira que o potencial é usado na comunicação intraspecífica Sinais tônicos são produzidos mais ou 206 menos continuamente e podem ser usados na navegação muito parecido com a ecolocação dos morcegos e golfinhos Sinais de fase são relativamente pouco freqüentes e com longas paradas entre eles provavelmente servindo como sinais de comunicação Hopkins 1974 Os pesquisadores têm estudado os sinais elétricos colocando eletrodos nos tanques e observando o comportamento entre os indivíduos ou registrando esses sinais em um tanque e transmitindoos para um peixe em outro tanque Numa espécie os machos têm taxas de descarga mais baixas que as fêmeas mas quando o macho de aproxima de uma fêmea a taxa de descarga aumenta e também aumenta a taxa de paradas de emissão Um animal agressivo emite muitas interrupções breves do sinal com uma taxa e duração da interrupção fornecendo informação e os animais submissos param de produzir sinais por vários segundos após um encontro Hopkins 1974 Poucos predadores possuem adaptações que detectam os sinais elétricos de forma que esse tipo de sinal pode proteger contra predação Os pulsos elétricos são geralmente de baixa voltagem e a distância que o pulso alcança depende da condutibilidade da água Do que sabemos o uso de sinais elétricos é relativamente limitado a comunicações a curtas distâncias Cada uma das cinco modalidades de sinais apresenta vantagens e desvantagens Nenhum sistema de uma única modalidade é ótimo para todas as funções e nem para todos os habitats Na tabela 1 resumo para cada modalidade de sinais os principais aspectos em relação à localização superação de ruídos transmissão de longa distância fuga de predadores tempo de permanência e potencial para complexidade Funções da Comunicação Por que os animais se comunicam Behavioristas têm debatido consideravelmente as funções da comunicação que podem ser sumarizados em três pontos 1 transferência de informação 2 manipulação de outros indivíduos e 3 controle e avaliação A visão mais antiga sobre a comunicação é a de transmissão de informação Hailman 1977 Smith 1977 De acordo com essa visão é adaptativo para os indivíduos que vivem em grupos sociais trocar informações acuradas entre si sobre quem eles são e sobre o que provavelmente farão em seguida Assim uma ave macho que cante comunica sua espécie sexo e nível de agressão aos outros machos e também informa para as fêmeas seu interesse em acasalarse De acordo com este modelo cada um no grupo se beneficia da vida em grupo social pela troca de informação honesta 207 No entanto a seleção natural atual sobre os indivíduos e a teoria prediz que a competição está sempre presente mesmo dentro do que se considera um grupo social coeso Se considerarmos o indivíduo sozinho então devemos questionar o valor de se fornecer informação honesta o tempo todo Se um pássaro quer defender com sucesso seu território e quer atrair fêmeas para acasalamento será melhor aparentarse maior mais seguro e assertivo do que realmente é Nesse caso mais do que dar sinais honestos que podem revelar ansiedade fraqueza vigor abaixo do desejável o macho pode cantar mais alto ou parecerse maior afofando suas penas e assim ficar mais vistoso Com isso ele usa sinais para manipular seus rivais e suas parceiras para que tenham uma visão menos realista dele Dawkins Krebs 1978 As fêmeas podem também se beneficiar do fato de serem enganadas Em várias espécies de primatas onde os machos são muito maiores que as fêmeas estas têm um longo período de receptividade sexual precedendo o momento exato da fertilização Durante esse tempo elas se acasalam com muitos machos Fêmeas de babuínos e chimpanzés têm inchaços genitais aumentados que parecem atrair o interesse do macho para a cópula Snowdon 2004 No entanto desde que esses inchaços e cópulas perdurem por um período muito maior do que aquele no qual uma fêmea está fértil o inchaço não é realmente um sinal honesto de reprodução No lado oposto em espécies que formam casais as fêmeas freqüentemente não dão informação sobre quando ovulam Por muito tempo pensouse que as fêmeas escondiam a ovulação como uma estratégia para manipular seus parceiros Se os machos nunca sabem quando a fêmea está ovulando eles devem ficar perto dela e copulála várias vezes ao longo do ciclo Burley 1979 Essa incerteza sobre a ovulação mantém os machos por perto e subseqüentemente ajuda no cuidado dos filhotes Como vimos anteriormente em mulheres e em sagüis e micos da América do Sul as pistas de odor alteram o ciclo menstrual e fornecem informação honesta sobre o estado reprodutivo Uma dificuldade em se conceber a comunicação apenas como elemento de manipulação é que freqüentemente ignoramos a possibilidade de que nos animais podem surgir contraestratégias que os protejam Assim se um pássaro canoro macho engana sobre sua robusteza e vigor outros machos o desafiariam freqüentemente para saber se ele é forte Se as fêmeas enganam os machos sobre quando ovulam então seria adaptativo para os machos terem desenvolvidas características perceptuais para detectar mais precisamente o momento da ovulação Babuínos machos podem observar o 208 tamanho relativo dos inchaços vaginais e predizer com relativa acurácia o momento da ovulação Snowdon 2004 Em Cayo Santiago em Porto Rico os macacos resos geralmente emitem chamadas quando descobrem alimento Hauser Marler 1993 À primeira vista isso parece um comportamento não usual Ao encontrar alimento provavelmente um indivíduo se beneficie mais se permanecer quieto até que tenha comido o quanto necessita No entanto se um macaco reso encontra alimento e não chama os demais mas é então descoberto com alimento é agredido pelos outros Ou seja um macaco que não emite esse chamado é punido pelos outros de seu grupo Hauser Marler 1993 Devido aos animais receptores se beneficiarem de sistemas de punição e de formas de detectar enganadores um modelo de comunicação de pura manipulação nunca será estável por muito tempo O modelo de manejoavaliação soluciona os problemas dos dois primeiros modelos Owings Morton 1998 Segundo este terceiro modelo os animais se beneficiam por avaliarem continuamente o estado dos que estão à volta e podem fazer isso de várias maneiras emitindo aproximações agressivas ou sexuais mas não realmente se engajando em brigas diretas ou acasalamentos a menos que o outro animal responda de acordo com seu comportamento emitido Além disso os animais usam a comunicação não pela vantagem da honestidade ou manipulação mas para controlar o comportamento dos demais o que beneficia o comunicador Desde que todos os animais estejam procurando manipular os comportamentos uns dos outros a comunicação se torna um processo altamente interativo e dinâmico que ultrapassa o simples modelo de emissorsinalreceptor comentado anteriormente Além disso a avaliação contínua sobre os outros torna extremamente difícil enganar os outros Um indivíduo pode fingir ser maior e mais forte por um curto espaço de tempo mas a menos que realmente o seja é difícil manter sinais falsos num meio com avaliações repetidas Um estudo recente sobre babuínos mostrou que a dominância em machos estava correlacionada com a estrutura de latidos Os machos dominantes produziram chamadas que eram mais longas e de maior freqüência presumivelmente é energeticamente mais custoso manter chamadas de alta freqüência Quando os machos perdem o status de dominante seus barks se tornam mais curtos e de menor freqüência Fischer et al 2004 Deixeme ilustrar com alguns exemplos que ocorrem no Brasil Sagüis comuns vivendo na floresta Nisia próxima à cidade de Natal RN na periferia dos territórios se 209 engajam em encontros com um outro grupo cerca de uma vez ao dia Superficialmente parecem ser encontros territoriais com alto nível de agressão Os animais de cada grupo cheiram marcas e emitem vocalizações complexas uns para os outros e freqüentemente perseguem animais do outro grupo No entanto no meio desses encontros agressivos o macho de um grupo e uma fêmea do outro podem fugir da área de brigas para uma rápida cópula Logo eles retornam para novamente atuarem agressivamente Lazaro Perea 2001 Em alguns desses grupos a fêmea reprodutiva morreu e o grupo se desfez em alguns meses Então as fêmeas irmãs formaram um novo grupo junto com alguns dos machos de outros grupos que haviam encontrado nas disputas territoriais Os machos pais e filhos formaram um novo grupo com as fêmeas de outro grupo com as quais tinham se encontrado anteriormente LazaroPerea et al 2000 Os sinais usados nos encontros territoriais comunicaram agressividade mas os encontros não serviram apenas para proteger o grupo e seu território eles também permitiram uma avaliação dos indivíduos dos grupos adjacentes Nos micoleãozinhos do oeste da Amazônia os filhotes emitem longas seqüências de chamadas semelhantes ao balbucio de crianças humanas veja item Desenvolvimento mais à frente Nos primeiros meses de vida esse balbucio parece espontâneo Elowson et al 1998 mas podese também ouvir balbucios em jovens e adultos Snowdon Elowson 2001 Por que esses animais mais velhos usam esse chamado de filhote Neles o balbucio é usado pelos subordinados em resposta a agressões e também como forma para obter acesso a recursos Um jovem ou subadulto pode obter acesso a alimento ou água se emitir balbucio Dados similares têm sido descritos em aves monomórficas onde os machos territoriais são agressivos em relação a qualquer animal que invada seu território As fêmeas não se aparentam diferentes dos machos rivais mas freqüentemente produzem chamadas de ajuda igual à dos filhotes o que inibe a agressão do macho Isso faz com que o macho responda à fêmea como uma parceira reprodutiva e não como uma rival As fêmeas dos micoleõeszinhos e das aves não estão comunicando honestamente mas com o chamado dos filhotes manipulam o comportamento dos outros membros do grupo O Que Os Animais Comunicam Para entender o que os animais comunicam é necessário ser um detetive sagaz São necessários tanto observações no ambiente natural quanto experimentos controlados vide integração dos métodos no capítulo 3 Um cientista que estuda a 210 comunicação em uma espécie animal é como um antropólogo que visita uma sociedade humana isolada Inicialmente precisa observar cuidadosamente descrever e registrar se possível o comportamento que precede e o que se segue à produção de um sinal É importante evitar elaboração de conclusões prematuras sobre a função ou o uso de um sinal Ou seja ao invés de achar que certo chamado representa um estado agressivo um chamado para alimento ou um chamado de alarme é melhor descrever cuidadosamente os contextos em que ele ocorre que indivíduos tipicamente emitem esse tipo de chamado e que resposta é dada de forma característica pelos demais animais após receberem o chamado Se estabelecermos prematuramente uma função para um chamado podemos ficar bloqueados para elaborarmos interpretações alternativas No Sri Lanka macacos Toque emitem chamados quando descobrem frutos maduros concentrados em uma ou duas árvores o que foi inicialmente identificado como chamado de alimento Dittus 1984 No entanto esses macacos também emitiam esse mesmo chamado nos dias ensolarados após a estação chuvosa e também para as primeiras nuvens que marcam o final da estação de seca Seria esse um chamado para o alimento ou um chamado que indica uma mudança positiva no ambiente Antropólogos culturais eventualmente aprendem a linguagem dos povos que estudam e dessa forma podem fazer as perguntas necessárias para confirmar as hipóteses que têm acerca do significado das palavras ou dos comportamentos que observam Não podemos fazer perguntas diretamente aos animais mas podemos planejar experimentos com animais cativos ou silvestres para testar hipóteses vide capítulos 2 e 3 É possível testar se um pássaro reconhece seus visinhos ao apresentarmos com altofalantes escondidos o som de uma gravação do canto de seus visinhos e de pássaros estranhos e em seguida observarmos a reação do animal testado Os machos de um modo geral ignoram o canto dos seus vizinhos se o alto falante estiver no território do visinho mas reagem agressivamente ao canto de um estranho reproduzido nesse mesmo local É interessante notar que eles também reagem agressivamente quando o canto do seu vizinho é reproduzido em território oposto ao do vizinho ou quando o altofalante está localizado dentro do território da ave que está sendo testada Com isso vemos que o reconhecimento do vizinho é baseado não apenas na estrutura do seu canto mas também no local de origem do canto Há uma espécie de aranha que tem dois tipos de machos os quais cortejam as fêmeas de maneira muito diferente um do outro Um tipo utiliza posturas bastante expansivas e o outro usa movimentos mais limitados e delicados A partir de um 211 sistema bastante interessante com monitores de televisão em miniatura apresentouse às fêmeas imagens desses comportamentos de cada tipo de macho Inicialmente as fêmeas se aproximavam do monitor com maior freqüência quando eram apresentados os machos com movimentos mais exagerados os quais normalmente iniciam a corte a partir de uma distância duas vezes maior do que aquela usada pelo tipo de macho que exibe movimentos mais delicados Quando a distância das imagens de vídeo foi ajustada para a que ocorre na condição natural de corte e relacionada a cada tipo de macho as fêmeas não mostraram preferência por um dos machos Os pesquisadores puderam assim demonstrar que o tamanho da imagem do macho cortejador no olho da fêmea era idêntico para ambos os tipos de machos A partir da perspectiva da fêmea os sinais de corte dos machos eram iguais A incapacidade das fêmeas em discriminar entre os dois tipos de machos explica como esses tipos podem ser mantidos na população Através da combinação entre a observação comportamental cuidadosa e experimentos como esse é possível decodificar como os animais se comunicam Stoddard 1996 A tabela 2 apresenta uma lista de diferentes informações que os animais podem ser comunicadas pelos animais Smith 1977 A primeira seção apresenta os tipos de mensagens comportamentais que têm sido observadas Não é todo tipo de mensagem que é observado em todas as espécies e essa lista apresenta uma compilação a partir de várias espécies A segunda seção indica que os sinais podem ser modificados para indicar sua intensidade relativa ou probabilidade de ação Um animal pode apresentar uma gama de sinais que indicam níveis de agressividade de pouca a moderada e de moderada a elevada ou pode usar sinais mais rápidos para indicar intensidade A última seção apresenta várias pistas de identificação que podem estar incorporadas nos sinais Nem todas as pistas irão aparecer em cada tipo de sinal Um chamado de alarme pode ser bastante similar entre várias espécies de pássaros e mamíferos fornecendo assim pouca ou nenhuma informação sobre a espécie Porém um sinal usado na corte deve ser espécieespecífico assim os como chamados afiliativos entre pais e filhos ou aqueles entre parceiros devem fornecer dicas sobre a identificação individual Tendo como base as 19 categorias comportamentais de sinais e os seus identificadores fica bastante ampla a complexidade potencial sobre o que os animais podem comunicar A seguir examinaremos alguns sinais complexos Quantos sinais estão envolvidos numa comunicação 212 Alguns cientistas têm argumentado que devido ao pequeno tamanho do cérebro os animais poderão emitir e interpretar um número limitado de sinais Moynihan 1970 Em interações sociais ou comportamentais complexas o contexto no qual o sinal ocorre pode ser usado para se compreender o que o emissor está expressando Vários estudos muitos deles com primatas têm mostrado que os animais podem apresentar muito mais sinais do que imaginamos O exemplo mais antigo é da década de 70 quando um estudo cuidadoso com macacos japoneses Macaca fuscata verificou que um chamado conhecido como coo na verdade tinha sete variações Green 1975 Os coos diferiam quanto à parte do chamado na qual ocorria o pico de freqüência à rapidez com que ocorria a mudança de freqüência à freqüência do chamado e se apareciam duas bandas de freqüência Essas variações não ocorriam ao acaso e eram extremamente correlacionadas com o contexto comportamental uma forma era usada pelos dominantes dirigida aos subordinados uma variação dela era emitida pelos subordinados aos dominantes uma outra pelos infantes para a mãe e assim por diante Isso significa que variações sutis na estrutura da vocalização transmitem diferentes significados para os macacos Ao invés de apenas um coo há então sete demonstrando que o repertório comportamental é maior do que o esperado Subseqüentemente foi visto que os cottontop tamarins da Colômbia e os micoleõezinhos da região oeste da Amazônia apresentam vocalizações com variações Nos cottontop tamarins há oito variações de um gorjeio onde eles variam em duração freqüência mais alta localização do pico de freqüência e quantidade de mudanças de freqüência Cada gorjeio é usado num contexto diferente um para cercar um predador outro para comunicar alarme um terceiro quando o animal descobre alimento um quarto quando o animal está comendo seu alimento preferido um quinto quando os macacos ouvem vocalizações de um estranho e um sexto para comunicação entre os membros do próprio grupo O que percebemos inicialmente como uma chamada tinha oito diferentes formas e funções Cleveland Snowdon 1981 Experimentos sobre percepção em macacos e micos mostram que esses animais descriminam e reagem diferentemente a cada uma dessas variações Zoloth et al 1979 Bauers Snowdon 1990 Uma outra forma de complexidade é o uso de diferentes seqüências nas vocalizações A pequena ave americana o chickadee Poecilla atricapillus produz seqüências de canto de quatro tipos de notas A D ou B C D A seqüência das 213 notas está sempre na mesma ordem Hailman et al 1985 Vários primatas sul americanos também têm seqüências simples de chamadas Os micoleõezinhos têm diferentes chamadas de alimento mas quando os sagüis que não se acasalaram encontram alimento eles incluem uma chamada longa uma chamada tanto longa na duração quanto alcança longa distância à frente da chamada de alimento como se a um possível parceiro sexual o alimento encontrado Addington 1998 Após os cottontop tamarins serem alarmados o primeiro animal a se mover emite tanto uma chamada de contato quanto uma de alarme na seqüência como se comunicasse sua ansiedade sobre se o predador ainda está ou não nas proximidades Cleveland Snowdon 1981 Macacos Titi usam seqüências previsíveis de chamadas nas vocalizações emitidas no início a manhã entre parceiros nas margens do território Robinson 1979 e os macacos capuchin e muriquis também usam seqüências complexas de chamadas Da forma como nós combinamos palavras em seqüências para expressarmos diferentes idéias os macacos do Novo Mundo exibem sintaxes simples de sinais sonoros Estrutura e Significado Os sinais são completamente arbitrários ou suas estruturas indicam algo sobre sua função Em várias espécies de aves e mamíferos os sons usados para comunicar ameaça são estridentes ruidosos e rosnados de baixa freqüência Ao contrário vocalizações afiliativas e de subordinação são geralmente tons puros de baixa freqüência sem muito ruído Owings Morton 1998 Isso faz sentido uma vez que um animal agressivo se beneficia em mostrarse maior do que realmente é Um animal que ameaça também eriça suas penas ou seus pêlos piloereção parecendo maior Os sons de alta freqüência de um animal subordinado indicam tamanho corporal pequeno como nos casos descritos anteriormente em que aves e macacos emitem chamadas de filhotes quando ameaçados e os animais submissos baixam suas penas ou pêlos parecendose menores Um outro conjunto de correlações entre estrutura e significado foi descoberto independentemente na forma como os humanos se comunicam com seus animais McConnell 1991 e como os pais se comunicam com os filhos Em muitos idiomas e culturas sons de aprovação têm um padrão comum de uma freqüência baixa no início aumentado a freqüência e depois caindo novamente Sons para um criança ou um cão são tipicamente de baixa freqüência abrupto com duas ou três notas Sons de conforto que acalmam um organismo iniciam com alta intensidade e diminuem em freqüência 214 Sons para alerta ou alerta possuem dois ou três sons ou clicks que cobrem uma ampla faixa de freqüência É notável que os mesmos sons sejam similares entre culturas e também sejam igualmente efetivos em crianças cães e cavalos Em um estudo cães foram criados sem contato com voz humana e então metade desses indivíduos foi treinada a se aproximar de uma pessoa quando sons de aproximação controlados por computador foram acionados e a outra metade treinada a se aproximar frente a sons de proibição Metade dos animais foi também treinada a esperar através de sons normais de proibição e a outra metade a sons normais de aproximação Os cães treinados aos sons normais aprenderam rapidamente enquanto que os treinados aos tipos opostos de sons tiveram problemas de aprendizagem sugerindo que apesar da variação cultural das pessoas elas têm escolhido tipos similares de sons por causa da efetividade desses sons McConnell 1990 Sinais motivação ou referência Cada uma das mensagens comportamentais gerais mostradas na tabela 2 comunica uma motivação interna ou emoção Os seres humanos podem comunicarse sobre objetos e eventos em seus ambientes E os animais também conseguem fazer isso O biólogo Karl Von Frisch ganhou o prêmio Nobel por demonstrar como as abelhas comunicam aos coespecíficos a localização do alimento Ele mostrou que quando uma operária retorna à colméia ela dança sobre o favo com uma taxa de requebrado do abdome inversamente proporcional à distância do alimento quanto mais ativa é a dança mais próximo está o alimento indicando um estado emocional ou motivacional No entanto a orientação da dança na colméia também informa a direção em que está o alimento Uma dança orientada 30 graus para a direita do topo da colméia indica que o alimento está localizado a 30 graus à direita do sol Uma dança orientada para o fundo da colméia indica que a localização é exatamente oposta ao sol Outras abelhas na colméia monitoram tanto a direção quanto a intensidade da dança e rapidamente voam para o local do alimento Von Frisch 1967 O exemplo mais impressionante de comunicação sobre objetos é o sistema de chamada de alarme do macaco vervet Cercopithecus aethiops Este pequeno macaco das savanas do leste da África é vulnerável a muitos predadores e possui diferentes chamadas de alarme Um tipo é emitido em relação a águias outro a 215 leopardos e um terceiro a serpentes Cada um desses sons tem uma estrutura muito diferente de forma que não são simples variações de uma única chamada de alarme Usando técnicas de gravação onde os sons de predadores são emitidos na ausência dos predadores os cientistas observaram que os macacos respondem como se cada chamada trouxesse informação específica sobre o tipo de predador Assim após um alarme de águia os macacos olharam para cima e então rapidamente desceram das árvores e se esconderam na vegetação Em resposta ao alarme de leopardo os macacos que estavam no solo rapidamente subiram nas árvores e observaram atentamente a savana A resposta específica e apropriada para cada chamada sugere que os macacos percebem as chamadas indicando o predador da forma como as palavras águia ou leopardo sugere imagens desses animais em nossas mentes Cheney Seyfarth 1990 Algumas outras espécies têm múltiplos alarmes como os macacos de Diana Cercopithecus diana e os de Campbell Cercopithecus campbelli ambos no oeste da África e os lêmures ringtailed Lemur catta de Madagascar Os macacos de Diana têm chamadas específicas para leopardos e águias e quando um macaco emite esse tipo de alarme o leopardo não consegue capturalo e afastase à procura de uma outra presa Ao contrário os macacos de Diana ficam imóveis e permanecem em silêncio quando ouvem chamadas que indicam presença de chimpanzés Se os chimpanzés ouvem os macacos eles se aproximam e os devoram Zuberbuhler 2003 Claramente os macacos conseguem reconhecer diferentes predadores e usam diferentes estratégias com cada um Muitos animais de galinhas a chimpanzés emitem chamados quando descobrem alimento Se a chamada é específica ao alimento e não de excitação geral veja seção prévia então elas podem também se referir a objetos ou eventos externos Filhotes de algumas espécies de macacos apresentam vários tipos de gritos agudos que usam nas brincadeiras e na agressão os quais informam sobre a seriedade do conflito e o grau hierárquico relativo do oponente As mães discriminam entre esses tipos de gritos e intervêm ou não dependendo da possibilidade de risco ao seu filhote Gouzoules et al 1984 Esses e dados similares indicam que estamos apenas no início para o entendimento da complexidade e sofisticação daquilo que os animais podem comunicar Desenvolvimento 216 Como um animal jovem adquire as habilidades de comunicação que necessita para seu desenvolvimento no grupo Eles nascem com uma habilidade inata para se comunicarem ou devem aprender à medida que se desenvolvem A maioria de nossas evidências sobre o desenvolvimento vem de estudos de pássaros canoros de espécies da América do Norte Baseados nesses estudos um jovem pássaro não nasce com a habilidade de cantar o canto natural de sua espécie mas deve ser exposto ao canto de um adulto num certo período sensível durante o desenvolvimento Marler Peters 1982 Isso significa que um pássaro deve ouvir o canto de um adulto macho entre o 2º e o 4º mês após o nascimento Ele se lembra desse canto e na primavera seguinte começa a vocalização inicialmente com notas muito barulhentas e incompletas que são chamadas de subcanto indo para uma fase progressiva de notas e estrutura iguais às dos adultos ou canto plástico finalmente atingindo a estrutura de canto dos adultos canto cristalizado Se um pássaro é criado em isolamento e ouve gravações de canto somente antes do 1º mês ou após o 4º mês ele não cantará no ano seguinte No entanto alguns estudos mostram que o período de aprendizagem pode ser estendido se o pássaro vive num ambiente social onde interage com outros pássaros Se a companhia é de outra espécie o pássaro jovem pode até aprender o canto dessa outra espécie Baptista Gaunt 1997 As fase de subcanto e canto plástico são necessárias para um pássaro praticar o canto do adulto Se o pássaro tem os ouvidos tampados no início da vida e não pode ouvir um canto de modelo ele não cantará bem Se ouve esse modelo de canto mas é impedido de ouvilo antes do estágio de subcanto ele não cantará bem Nordeen Nordeen 1992 Na maioria das espécies norte americanas que têm sido estudadas até aqui os machos emitem a maioria ou todos os cantos A canção é freqüentemente relacionada aos níveis de testosterona os quais estão aumentados no início da estação de acasalamento em cada primavera Um macho castrado não pode cantar E as fêmeas elas aprendem a cantar Pouquíssimos estudos têm sido feitos sobre as fêmeas de pássaros mas elas também necessitam ouvir logo cedo o canto do macho a fim de reconhecer mais tarde os cantos espécieespecíficos Uma fêmea pode cantar se for injetada com testosterona No entanto na região tropical o acasalamento ocorre ao longo de todo o ano e duetos entre machos e fêmeas são muito mais comuns do que na região temperada Farabaugh 1982 Em contraste aos pássaros norte americanos os pássaros 217 neotropicais não têm flutuações hormonais ao longo do ano e os níveis de testosterona são muito mais baixos Brenowitz et al 1985 O que controla o canto nesses pássaros neotropicais se os níveis hormonais são baixos e ambos os sexos cantam Eles precisam ouvir o canto no início da vida e praticar mais tarde Não sabemos Precisamos de muito mais pesquisas sobre o canto de pássaros dos trópicos Literalmente milhares de publicações científicas têm enfocado o desenvolvimento da canção em pássaros e os mecanismos cerebrais envolvidos principalmente em pássaros criados em isolamento social para se ter um bom controle experimental Muito menos tem sido feito para se saber como os pássaros aprendem a usar o canto num ambiente social A maioria das evidências vem de uma espécie norte americana o cowbird Molothrus sp que põe ovos no ninho de outras espécies Seus filhotes crescem com os pais e siblings de uma outra espécie de forma que não podem aprender o primeiro canto que ouvem no ninho Machos e fêmeas jovens de cowbirds se reúnem em grupos com adultos dessa espécie nas proximidades e o canto é aprendido nesses grupos Os machos praticam uma série de cantos e parecem aprender uns com os outros No entanto as fêmeas recompensam os machos com movimento de batida de asas tão súbitos que nós só podemos percebêlos com uma câmara fotográfica de alta velocidade Os machos não têm apenas que aprender a cantar mas precisam aprender também outras habilidades sociais Um cowbird jovem que foi limitado de interações sociais conforme cresce canta melhor do que um coespecífico em desenvolvimento normal No entanto esse melhor canto tem conseqüências negativas porque os pássaros mais velhos e mais dominantes atacam os jovens que cantam bem Uma habilidade social que tem que ser aprendida é não mostrarse na frente de machos mais dominantes Jovens cowbirds criados com outras espécies canários e starling cantam bem mas direcionam o canto mais para a outra espécie do que para sua própria espécie Um cowbird tem que aprender COMO cantar mas também QUANDO cantar e PARA QUEM cantar West et al 1997 Os pássaros têm muito mais vocalizações do que cantos e podem se ajustar para emitirem chamadas de acordo com o contexto social Esse ajuste ocorre ao longo da vida e não somente no início do desenvolvimento Starlings europeus Hausberger 1997 chickadees Nowicki 1989 goldfinches Mundinger 1970 norte americanos parrots tropicais e budgerigars Brown Farabaugh 1997 são espécies que mudam algumas de suas chamadas quando se juntam a um novo grupo social convergindo para um tipo de canto comum No goldfinch americano os 218 machos e as fêmeas têm repertórios de notas de chamadas separados mas quando se acasalam cada um adquire um pouco das chamadas de seu parceiro e descarta um pouco de suas próprias chamadas indo das chamadas dele e dela para a chamada deles Mundinger 1970 No entanto ao contrário de todas as evidências sobre aprendizagem em pássaros os mamíferos parecem mais prováveis de terem um sistema de comunicação inato Estudos sobre os squirrel monkeys Saimiri do Amazonas mostram que um filhote surdo adquiriu um repertório normal de canto Winter et al 1973 e que os macacos isolados desde o nascimento emitem as chamadas apropriadas quando expostos a uma serpente ou a outro tipo de ameaça Herzog Hopf 1984 parecendo tratarse de diferenças genéticas Squirrel monkeys no norte e do leste do Amazonas têm uma estrutura diferente para suas chamadas de separação em relação àqueles do sul ou do oeste do Amazonas Em estudos sobre percepção os macacos reagiram ao canto de separação somente quando este foi emitido por indivíduos de sua própria população Snowdon Hodun 1985 e quando os macacos de diferentes áreas eram intercruzados eles apresentaram a estrutura de chamada de suas mães sugerindo uma herança materna Newman Symmes 1982 Todos os mamíferos nascem com a habilidade de comunicarse sem qualquer necessidade de aprender a produzir os sinais ou de quando usálos A evidência mais forte para a aprendizagem está nos golfinhos os quais aprendem a imitar uma variedade de assobios e outros sons por meio de reforço McCowan Reiss 1997 Na natureza machos de golfinhos formam coalisões para conseguirem acasalarse com as fêmeas Cada macho tem uma assinatura de assobio mas os machos na coalizão podem produzir suas próprias assinaturas de assobio e também a de seus companheiros A aprendizagem deve estar envolvida na produção do assobio do companheiro Tyack Sayigh 1997 Morcegos de Trindade vivem em pequenos grupos de fêmeas não relacionadas mas todas elas dentro do grupo têm uma vocalização de contato comum que difere daquela de indivíduos de outros grupos na mesma caverna Manipulação experimental movendo juntos morcegos de diferentes grupos indicou que as fêmeas nos novos grupos sociais rapidamente desenvolveram uma nova vocalização comum Boughman 1997 1998 Golfinhos e morcegos são mais similares a pássaros do que a outros mamíferos porque podem nadar ou voar por longas distâncias podendo encontrar outros membros 219 da espécie mas que vieram de longe A maioria dos mamíferos tem mobilidade limitada de forma que eles interagem principalmente com parentes e membros de grupos familiares Talvez os sistemas vocais flexíveis sejam mais necessários aos mamíferos móveis do que aos sedentários A primeira indicação de que os pássaros podem aprender o canto vem de observações de variação geográfica ou dialetos Marler 19700 Inferimos que os seres humanos devem aprender idioma por causa das muitas línguas que falamos e devido à variação regional dentro da linguagem São conhecidos apenas três primatas não humanos que têm variação geográfica nas chamadas o chimpanzé panthoot Mitani et al 1999 as chamadas de contato dos micoleõezinhos De la Torre Yepes Snowdon in preparation e as chamadas de alimento dos macacos japoneses Masataka 1992 Muitas populações de macacos japoneses receberam alimento de pessoas e uma possível explicação sobre as diferentes formas de chamadas de alimento nesses macacos é que os seres humanos tenham sistematicamente reforçado esses animais a produzirem esses sons Masataka 1992 No caso dos chimpanzés e dos micoleõeszinhos ainda não sabemos se as diferenças na estrutura das chamadas têm base genética se representam adaptações ecológicas à variação de ruído em diferentes habitats ou se são alguma forma de cultura Há extensiva documentação mostrando que os chimpanzés têm variação cultural no uso de ferramentas e métodos de alimentação Whiten et al 1999 e assim é plausível que suas diferenças vocais sejam também aprendidas Há também evidências de que as diferenças de chamada nos micoleõeszinhos sejam aprendidas Quantificações de barulhos em habitats onde as diferenças nas chamadas dos sagüis têm sido observadas sugerem que as diferenças entre os habitats não explicam completamente as diferenças na estrutura das chamadas de la Torre 2000 Além disso quando dois micoleõeszinhos formam um novo casal eles alteram a estrutura individual de suas chamadas para formar um novo chamado convergente incorporando partes das chamadas dos dois indivíduos Elowson Snowdon 1999 muito semelhante ao caso dos goldfinches descrito acima Os micoleõeszinhos balbuciam muito semelhantemente aos filhos de seres humanos Elowson et al 1998 Filhos de sagüis produzem longas seqüências de vocalizações que duram até 2 a 3 min Essas seqüências incluem cerca de metade dos tipos de chamadas emitidas pelos sagüis adultos e uma chamada é repetida duas ou três vezes antes que uma nova chamada seja dada A seqüência de chamada não tem relação 220 com o uso do adulto ou com as mudanças no estado do filhote uma chamada afiliativa pode ser seguida por uma chamada de alarme a qual pode ser seguida por uma chamada de ameaça que pode ser seguida por uma chamada de alimento Os balbucios parecem mais casuais Mas os filhotes de macacos que balbuciam mais desenvolvem mais cedo a estrutura de chamada de adulto do que aqueles que são menos vocais Snowdon Elowson 2001 Uma função do balbuciar pode ser a prática vocal Seqüências vocais similares têm sido observadas em filhotes de sagüis comuns no nordeste brasileiro sugerindo que o balbuciar seja comum em todos os sagüis Estudos do desenvolvimento vocal em outras espécies como macacos vervet e cottontop tamarins indicam que os macacos precisam de experiência para aprender como produzir as chamadas e o melhor momento de usálas Macacos vervet podem produzir chamadas de alarme numa idade muito precoce mas têm que aprender como usálas apropriadamente Um macaco jovem pode dar uma chamada de águia para uma folha caindo ou um pequeno pássaro no céu ou pode dar uma chamada de serpente para um galho sobre o solo mas ao longo do tempo ele se torna mais específico e dirige essas chamadas apenas aos predadores Macacos vervet jovens também necessitam entender muito cedo as chamadas de alarme dos adultos para evitarem enganos com predadores Num outro conjunto de chamadas os grunhidos que são mais envolvidos nas relações sociais e entre grupos o desenvolvimento da estrutura de chamada do adulto caminha mais lentamente com os jovens macacos vervet não apresentando a estrutura dos adultos até a puberdade Seyfarth Cheney 1986 Sinais com diferentes funções devem ter diferentes seqüências de desenvolvimento Chamadas de alarme de predador e chamadas de separação de filhotes não devem ser aprendidas e nem variam muito É uma questão de vida ou morte que essas chamadas sejam acuradas quanto ao como são produzidas e entendidas Mas chamadas que são usadas para se lidar com as relações sociais precisam ser flexíveis e adaptáveis às condições locais Uma ave morcego ou macaco que mude a estrutura da chamada quando se acasala ou quando se junta a um novo grupo confirma uma solidariedade com o parceiro ou grupo e informa esse relacionamento aos demais As relações sociais são dinâmicas mudando rapidamente Os animais devem se beneficiar por terem um grande repertório de sinais para responderem dinamicamente Há muito para um jovem aprender e neste domínio dinâmico social o desenvolvimento de sinais de adultos e o uso adequado deles pode ser mais lento que o aprendizado das chamadas de alarme e de separação Além disso o desenvolvimento de habilidades 221 sociais continua ao longo da vida de forma que a mudança e a flexibilidade na comunicação podem ser tão importantes para os adultos quanto para os jovens Os cientistas apenas começaram a entender o desenvolvimento da comunicação especialmente em aves neotropicais e em mamíferos AGRADECIMENTOS Agradeço a Matthew W Campbell Stella M Joyce Gilson L Volpato e Maria Emília Yamamoto por valiosas críticas a uma primeira versão deste capítulo Minha pesquisa é financiada por USPHS Grant MH29775 REFERÊNCIAS Addington RL 1998 Social Foraging in Captive Pygmy Marmosets Cebuella pygmaea effects of food characteristics and social context on feeding competition and vocal behavior Tese de Doutoramento University of Wisconsin Madison Asa CS Goldfoot DA Ginther OJ 1979 Sociosexual behavior and the ovulatory cycle of ponies Equus caballus observed in harem groups Hormones and Behavior 13 4665 Baptista LF Gaunt SLL 1997 Social interaction and vocal development in birds pp 2340 In Snowdon CT Hausberger M eds Social Influences on Vocal Development Cambridge Cambridge 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diretamente na superfície corporal Potencialmente fácil em pequenas distâncias Potencial para superar ruídos Uso de diferentes canais amplitude aumentada todos os habitats e condições de luz Bom em dias claros e para distâncias curtas fraco em florestas com vegetação alta A especificidade das substâncias pode sobrepor o ruído mas a poluição química também pode interferir Fácil devido ao contato direto Resolve os problemas de pouca luz a especificidade da forma da onda protege de ruído elétrico Longa distância Bom especialmente com sinais de baixa freqüência Pobre Mesmo em boas condições névoa e obstáculos criam problemas Moderado depende da volatibilidade dos odores da direção e da velocidade do vento ou da água Pobre A maioria dos sinais envolve contato direto alguns sinais sísmicos podem percorrer longas distâncias Pobre O sinal tem pouca força a distância percorrida depende da condutividade na água Evitar predadores Fraco Os sinais devem ser usados brevemente serem crípticos ou fora do Fraco Se um coespecífico pode ver o sinal é provável que o predador também o Bom Os sinais permanecem depois que o animal se afasta Bom Geralmente não se espalha além de onde os indivíduos Bom Pouco predadores têm receptores elétricos os sinais não percorrem grandes 230 alcance do predador veja estão interagindo distâncias Duração Rápido necessita atenção ao sinal Muito rápido necessita atenção ao sinal Muito lento pode permanecer ativo por horas ou dias Moderado pode deixar sensações após o final do toque Muito rápido devido à alta velocidade de condução Complexidade potencial Alto potencial para variação na estrutura do sinal devido a mudanças na freqüência e no padrão temporal Alto potencial para variação na estrutura do sinal devido a diferentes cores movimentos e partes do corpo envolvidas Desconhecido os cheiros podem conter uma mistura complexa de odores mas não se sabe se a mistura pode mudar rapidamente em resposta a uma mudança rápida nas interações sociais Moderado devido às diferentes partes do corpo que podem ser tocadas ao padrão rítmico intensidade do toque Alta devido às diferentes formas de onda à modulação das taxas de descarga e ao ritmo Tabela 2 Mensagens a partir de sinais emitidos por animais Mensagens Comportamentais Gerais Procurando ou evitando interação Ataque Fuga Cópula Associação Hesitação ou indecisão Locomoção Permanência no local Receptividade Atenção ou Monitoramento Início da alimentação Localização de alimento Alarme Distresse Reunião ou recrutamento Catação Grooming ou início de Grooming Brincadeira ou convite à brincadeira Sincronização Conforto do Ninho ou cuidado de filhote Modificadores Probabilidade ou indicação de ação Intensidade relativa Estabilidade relativa Direção Localização Identificadores Sexo Idade Status de ligação do Par Família Grupo População Subespécie Espécie Condição Reprodutiva Maduro Imaturo Estágio do Ciclo Adaptado de Smith 1977 Capítulo 9 COGNIÇÃO ANIMAL Briseida D Resende briuspuolcombr Patrícia Izar patrizaruspbr Departamento de Psicologia Experimental Instituto de Psicologia Universidade de São Paulo São Paulo SP Brasil 1 Introdução As pessoas que se interessam por comportamento animal admiramse com as habilidades de algumas espécies que parecem indicar capacidades de planejamento e raciocínio tipicamente atribuídas aos humanos Por exemplo formigas da espécie Cataglyphis fortis quando saem de seu ninho em busca de alimento podem percorrer distâncias de até mais de cem metros dando voltas para um lado e para outro indo para a frente e para trás fazendo um caminho bastante tortuoso No entanto quando encontram um alimento não precisam refazer seus passos e retornam diretamente ao formigueiro em linha reta Macacosprego da espécie Cebus libidinosus quebram cocos para comer o nutritivo endosperma colocandoos sobre uma superfície estável e resistente como uma bigorna e usando pedras pesadas e arredondadas para bater como um martelo ou seja usam ferramentas para obter alimento Para os cientistas estes dois exemplos levantam hipóteses sobre quais habilidades cognitivas estão envolvidas na exibição do comportamento Mas o que é cognição Neste capítulo adotamos a perspectiva de que a cognição animal é uma característica biológica moldada pela seleção natural e portanto pode ser analisada como adaptação a demandas cognitivas enfrentadas pelas diferentes espécies em seu ambiente natural Dukas 1998 A cognição referese aos mecanismos pelos quais os animais adquirem processam e usam informações do ambiente incluindo percepção memória aprendizagem e tomada de decisão Shettleworth 2010 Por essa perspectiva cognição não é indicativo de consciência O processamento de informações pode ou não ser consciente De fato acessar a consciência animal pode ser impossível considerando que se trata de um estado subjetivo acessado em humanos por meio de relato verbal Assim o modo como os animais processam informações e se comportam adaptativamente pode e na maior parte das vezes deve ser estudado sem menção à consciência 11 O antropomorfismo no estudo da cognição Ao inferir cognição animal a partir de certos comportamentos ditos complexos como por exemplo o uso de ferramentas para obtenção de alimento é comum atribuir inteligência ao sujeito da ação Mas o que é inteligência Para Pearce 2008 por exemplo a inteligência teria como característica definidora o fato de permitir que os animais se comportem de forma adaptativa mas ressalta que essa definição possui limitações que ficam evidentes ao comparar espécies diferentes Nesse caso a capacidade de aprender poderia ser usada para acessar a inteligência aquele que aprende mais rápido e tem melhor memória seria mais adaptado e portanto mais inteligente Mas como comparar animais com histórias evolutivas tão diversas Para Shettleworth 2010 inteligência é um termo difícil de definir além de não ser muito útil para descrever o comportamento animal por dois motivos primeiro é um termo geralmente usado para se referir a habilidades gerais das pessoas enquanto as habilidades cognitivas são em grande parte modulares e segundo há a necessidade de se definir formalmente a meta específica à qual o comportamento está direcionado Grande parte da confusão entre os conceitos de cognição e inteligência se origina no antropocentrismo que historicamente tem caracterizado o estudo da cognição animal Em 1882 George Romanes inspirado por Darwin lançou o livro Animal Intelligence no qual relatava diferentes exemplos de comportamentos ditos inteligentes realizados por uma vasta gama de espécies de formigas a macacos Esse trabalho foi muito criticado especialmente por Lloyd Morgan por seu caráter anedótico e pela antropomorfia excessiva na sua interpretação das capacidades cognitivas dos animais Morgan apontava para o uso de explicações mais parcimoniosas na ausência de evidências científicas relevantes Ou seja se um comportamento pudesse ser interpretado como o resultado de uma faculdade mental mais simples ele assim o deveria ser Essa idéia embasou as pesquisas subseqüentes sobre inteligência e cognição animal Pearce 2008 Apesar de ser possível questionar sobre o que seria uma faculdade mental mais simples há um consenso na comunidade científica de que as explicações devem ser testadas e as conclusões devem ser tiradas a partir das evidências favorecendo as explicações mais simples Determinados comportamentos humanos apresentam semelhança em relação a comportamentos realizados por outros animais porém não podemos concluir que esteja ocorrendo o mesmo processo mental Pearce 2008 Ainda assim pesquisadores de psicologia comparada frequentemente utilizam modelos animais como ratos e pombos animais de porte e comportamento adequados para experimentos em laboratório para estudar por exemplo mecanismos de aprendizagem e memória Os resultados são extrapolados para humanos partindose do pressuposto de que humanos compartilham características cognitivas e comportamentais com outras espécies Este fundamento da psicologia comparada baseiase nas idéias de Darwin para quem a diferença entre os homens e os animais é uma diferença de grau não de tipo Darwin 1871 privilegiando as semelhanças entre as espécies e o compartilhamento de características herdadas Embora Darwin tenha proposto que as espécies tenham se ramificado de uma origem única descartando a idéia de linearidade Yamamoto 2007 a afirmação sobre uma diferença de grau e não de tipo foi por alguns perigosamente interpretada de forma antropocêntrica como uma corroboração de que os humanos estão no topo da evolução e apresentam sempre características mais complexas mais elaboradas mais evoluídas especialmente no que diz respeito à cognição Shettleworth 2010 12 A abordagem ecológica ao estudo da cognição A visão clássica antropomórfica considera que as capacidades cognitivas humanas são comparativamente mais complexas Uma abordagem mais moderna ao estudo da cognição animal também chamada de abordagem ecológica à cognição comparada valoriza a compreensão das habilidades de cada animal entendendo seu contexto evolutivo e ecológico Considerase que uma história evolutiva é até certo ponto compartilhada entre os táxons Porém cada espécie tem a sua história evolutiva E como diferentes espécies habitam diferentes ambientes e pertencem a diferentes contextos podem perceber estímulos e processar informações de maneiras diferentes Partindo desta perspectiva e considerando que a inteligência é a capacidade de solucionar problemas ecologicamente relevantes do ambiente no qual a evolução ocorreu a abordagem ecológica à cognição comparada pretende entender em que consiste a inteligência de cada espécie Sendo assim não classificamos hierarquicamente as capacidades cognitivas de uma formiga que volta em linha reta para o formigueiro após forragear por caminhos tortuosos de um papagaio que conta até seis e de fêmeas de aves que escolhem parceiros sexuais mais simétricos Enfatiza se como o animal utiliza sua cognição no ambiente selvagem por exemplo durante forrageamento ou escolha de parceiro Dados sobre história natural e evolução devem ser considerados bem como teorias e métodos desenvolvidos pela abordagem antropocêntrica O comportamento considerado como evidência de cognição pode ser uma habilidade nãoaprendida e pode ser estudado também fora do laboratório no ambiente natural Recentes discussões sobre evolução da inteligência consideram a existência de módulos cognitivos que seriam equivalentes a especializações adaptativas para lidar com certas particularidades do ambiente Ou seja a mente seria como um canivete suíço e não uma faca de lâmina simples pois seria o equivalente a uma ferramenta de uso geral mas com componentes especializados para cada situação evolutivamente relevante Barkow et al 1995 Mas os módulos ou especializações adaptativas e os processos cognitivos mais gerais não precisam ser encarados como conceitos opostos já que o compartilhamento de características e a diversidade entre espécies são dois aspectos de sua história evolutiva e portanto não seria correto enfatizar um em detrimento do outro Shettleworth 2010 Alguns processos cognitivos como a habituação ou a aprendizagem por associação seriam largamente compartilhados entre as espécies Outras habilidades apareceriam apenas em alguns táxons como a linguagem dos humanos ou a ecolocalização exibida pelos morcegos As diferentes espécies apresentam mecanismos cognitivos gerais e especializações para perceber aprender memorizar e classificar Por exemplo muitos dos princípios universais da percepção refletem a organização do mundo físico os animais diferem nos canais sensoriais que utilizam e nos padrões de sensibilidade destes canais Essas diferenças estão relacionadas a seus habitats e estilos de vida Porém todos os sistemas sensoriais compartilham algumas características como a resposta mais acentuada a um estímulo mais intenso sensibilidade ao contraste e uma tendência à habituação Partindo de mecanismos básicos gerais as espécies apresentam diferenças qualitativas referentes à maneira como a informação é processada estocada ou usada Esses mecanismos são utilizados pelos animais para aquisição de informações sobre o mundo físico habilidades numéricas temporais e espaciais e sobre o mundo social o que os indivíduos sabem sobre seus companheiros o que aprendem no ambiente social como se comunicam A partir dessas informações os animais podem tomar decisões como qual caminho percorrer onde se esconder o que comer com qual parceiro se acasalar qual a melhor forma de processar um alimento a quem se aliar ou manter uma relação próxima No capítulo quatro foram apresentadas as bases neurais da cognição animal Neste capítulo apresentamos estudos de caso que exemplificam como é possível fazer inferências sobre os processamentos cognitivos subjacentes ao comportamento observado Abordaremos a cognição espacial o uso de ferramentas atribuição de causalidade e cognição social como tópicos chave para exemplificar as pesquisas que adotam uma perspectiva ecológica 2 Cognição espacial 21 Sistemas de representação espacial Habilidades que permitam a um organismo navegar no ambiente orientandose para um objetivo isto é voltar a um local onde encontrou recursos como água alimento ou parceiro reprodutivo ou retornar à base de moradia após uma excursão em busca de recursos são essenciais à sobrevivência McNamara et al 2008 Essas habilidades envolvem a aquisição de uma representação interna da localização de um objetivo e de como atingilo o que se entende por cognição espacial Shetlleworth 2010 A partir do trabalho de Tolman 1948 os estudos sobre cognição espacial foram dominados pela concepção de que os animais e humanos por analogia navegariam com base em uma representação mental do espaço estruturada como um mapa cartográfico com propriedades euclidianas denominada mapa cognitivo O mapa cognitivo seria uma representação duradoura alocêntrica e abrangente do ambiente de navegação Wang Spelke 2002 Definese um sistema de representação como alocêntrico quando o organismo centra sua localização e orientação em objetos ou características do ambiente Iachini Ruggiero 2006 como o azimute solar ou o campo magnético McNamara et al 2003 localizando um objeto em relação a outros objetos Poti 2000 No entanto à medida que os estudos progrediram tal concepção deu lugar à noção de que grande parte das espécies de animais navega com base em representações dinâmicas egocêntricas e limitadas a uma parte do ambiente de navegação Dyer 1998 Wang Spelke 2002 Num sistema de representação egocêntrico o organismo representa a si mesmo como o centro do ambiente Iachini Ruggiero 2006 localizando um objeto ou característica do ambiente em relação ao seu próprio corpo Poti 2000 212 Integração de caminhos path integration Um dos mecanismos mais básicos de orientação egocêntrica encontrado em muitas espécies de insetos aves e mamíferos Dyer 1998 é a integração de caminhos path integration O sistema de integração de caminhos é típico de espécies que fazem ninho como formigas e roedores portanto deve ser adaptativo que o animal seja capaz de manter uma atualização de sua posição em relação ao ponto de partida e ser capaz de voltar em linha reta Shetlleworth 2010 Um exemplo clássico desta forma de navegação como citado no início deste capítulo são as formigas do deserto que saem de seu ninho navegando por rotas tortuosas e aleatórias em busca de alimento e ao encontrálo retornam para casa em linha reta Esse mecanismo consiste num senso interno de direção e distância que gera sinais durante a locomoção permitindo que os sujeitos atualizem sua posição em relação ao seu ponto de partida ou em relação a um objetivo específico Pearce 2008 O animal representa a posição egocêntrica do ponto de partida por exemplo o ninho como um vetor especificando a distância e direção radial de sua posição em relação à posição do ninho e continuamente subtrai deste vetor um segundo vetor que especifica a distância e a direção radial percorrida em relação ao último registro O vetor resultante corresponde à posição egocêntrica do ponto de partida Wang Spelke 2002 Mas como um animal que usa a integração de caminhos consegue manter a linha reta em seu deslocamento de volta para o ponto de partida Em geral uma característica do ambiente é usada como referência e muitas espécies de insetos como abelhas e formigas do deserto e de aves usam o azimute solar Dyer 1998 Para manter o curso do deslocamento o organismo precisa manter seu próprio corpo num ângulo constante em relação ao azimute solar ângulo no sentido horário entre o norte geográfico e a projeção perpendicular do centro do sol ao horizonte na perspectiva do observador Mas a posição do sol muda ao longo do dia das estações o sol não está visível durante a noite ou em dias nublados Estudos experimentais têm demonstrado que insetos e aves são capazes de extrapolar a posição do sol com base na taxa de movimento do azimute observada em outros dias ou horários do dia ou seja por efeito de aprendizagem combinado com uma representação inata do movimento solar Dyer 1998 Muitas aves migratórias utilizam o campo magnético da Terra como referência direcional O sistema de bússola magnética das aves detecta se o indivíduo está se movendo em direção a um pólo magnético ou ao equador e é insensível à polaridade magnética o que faz com que animais no hemisfério norte se dirijam ao pólo na direção do norte e animais no hemisfério sul dirijamse ao pólo na direção do sul Esse mecanismo permite que as aves em ambos os hemisférios se dirijam ao pólo na primavera e voltem em direção ao equador no outono Dyer 1998 No entanto aves migratórias que ultrapassam o equador precisam de um sistema adicional de orientação normalmente as estrelas De fato experimentos indicam que as aves são capazes de identificar o Norte com base na configuração das estrelas uma capacidade que é aprendida ao longo do desenvolvimento Shettleworth 2010 212 Marcos espaciais landmarks Outro mecanismo de orientação egocêntrica é um sistema de reconhecimento de locais com base na representação de marcos espaciais landmarks Esse tipo de orientação foi elegantemente demonstrado por Tinbergen 1972 para vespas escavadoras Philanthus triangulum Tinbergen observou que as fêmeas dessas vespas escavavam ninhos no solo onde depositavam seus ovos e então partiam em busca de alimento que traziam de volta ao ninho para alimentar a prole O pesquisador marcou as vespas e constatou que cada uma retornava exatamente ao seu ninho levandoo à hipótese de que as vespas usavam marcos espaciais para localizar seu ninho Para testar essa hipótese Tinbergen cercou a abertura de entrada dos ninhos com um anel de pinhas que era deslocado depois que as vespas saíam para forragear A hipótese foi confirmada uma vez que as vespas procuravam pela abertura do ninho no centro do anel de pinhas e não no local correto Estudos experimentais têm mostrado que formigas e abelhas usam a integração de caminhos para retornar à área familiar próxima ao ninho após excursões para áreas mais desconhecidas e distantes e usam o sistema de reconhecimento de locais com base na representação de marcos espaciais para a aproximação final ao ninho por exemplo Riley et al 2005 A integração entre sistemas de orientação pode depender das condições do ambiente tornando um ou outro tipo de informação mais relevante ou confiável Por exemplo abelhas utilizam a orientação com base em bússola solar quando o céu está aberto mas passam a usar informações de marcos espaciais quando o céu está encoberto De outro lado experimentos elaborados de forma a tornar os marcos espaciais pouco confiáveis isto é alternando a posição desses marcos em relação à posição original de treinamento das abelhas levam as abelhas a ignorálos como fonte de informação Shettleworth 2010 Experimentos clássicos com ratos e pombos também demonstram que esses animais usam marcos espaciais na sua orientação Shettleworth 2010 213 Mapa topológico Estudos recentes com primatas nãohumanos têm sugerido que esses animais também se utilizam de marcos espaciais para se orientar de forma egocêntrica num sistema de rede de rotas ou mapa topológico Noser Byrne 2007a Vários estudos mostram que muitas espécies de primatas de macacosaranha que vivem na floresta amazônica a babuínos da savana africana navegam por sua área de uso percorrendo rotas habituais isto é usam sempre os mesmos caminhos Esse tipo de observação sugere que primatas têm uma representação interna de várias seqüências de marcos espaciais ou rotas interconectadas em locais específicos preservando relações topológicas entre as localizações porém sem informações euclidianas e vetoriais Byrne 2000 Um sistema de orientação baseado na representação de redes de rotas seria bastante eficiente exigindo menos energia em processamento cognitivo Di Fiore Suarez 2007 porque em vez representar a exata localização de recursos recentemente encontrados em relação à posição atual do animal à posição de marcos do ambiente e dos marcos do ambiente em relação à sua posição atual o animal apenas precisa associar os recursos ao longo de rotas familiares e memorizar marcos espaciais associados a recursos Garber 2000 Poti et al 2005 Noser Byrne 2007a estudando babuínos Papio anubis mostraram que esse tipo de representação embora comumente resulte num sistema de rotas habituais permite a navegação por novos caminhos para atingir recursos já visitados desde que os marcos espaciais representados e associados aos recursos estejam visíveis Os autores estudaram os babuínos num ambiente de savana constituído de montanhas rochosas cercadas por amplas planícies de forma que os picos das montanhas eram marcos espaciais destacados Seguindo um grupo social diariamente marcando todos os recursos usados tanto fontes de alimento como de água e locais de dormida constataram que os animais planejavam rotas eficientes de forma a visitar locais onde esses recursos haviam sido encontrados Noser Byrne 2007b Na população estudada havia vários grupos sociais distintos que competiam agressivamente quando se encontravam durante o forrageamento de forma que encontros entre grupos frequentemente resultavam em fuga e os animais estudados muitas vezes eram obrigados a abandonar uma rota conhecida criando uma situação de experimento natural Os autores constataram que os animais conseguiam usar um desvio ou um caminho novo para chegar ao objetivo espacial original desde que tivessem visibilidade das montanhas Quando um encontro entre grupos acontecia numa área de planície sem marcos espaciais visíveis os animais após um longo tempo de espera retornavam exatamente ao ponto de onde haviam fugido e retomavam a rota habitual para atingir o objetivo espacial Esses estudos levaram Presotto e Izar 2010 a investigar se macacosprego Cebus nigritus também navegariam utilizando um sistema de rede de rotas A cognição espacial desses animais tem sido objeto de muitos estudos tanto no ambiente natural como em laboratório levando a resultados controversos Por exemplo os estudos de campo indicavam que macacosprego selvagens usam informação sobre a localização relativa de pelo menos dois recursos para decidir uma rota de forrageamento o que foi considerado consistente com um sistema de orientação alocêntrica Janson 1998 2007 enquanto experimentos de laboratório sugeriam que a utilização de orientação egocêntrica prevalece em relação ao reconhecimento baseado em dicas externas Poti 2000 Presotto e Izar 2010 consideraram que esses resultados controvertidos poderiam ser explicados se os achados de Noser e Byrne 2007 ab descritos acima também fossem observados em macacosprego As autoras estudaram as rotas diárias de um grupo selvagem de macacosprego vivendo na Mata Atlântica e marcaram todas as árvores em que os animais se alimentavam constatando que várias foram visitadas repetidas vezes a intervalos variando de um dia a mais de um mês Utilizando um mapa tridimensional da área de uso dos animais as autoras identificaram marcos espaciais destacados associados às fontes de alimento e determinaram a condição de visibilidade desse marcos ao longo de toda a rota percorrida pelos animais para chegar ao objetivo a cada visita Os resultados mostraram que os macacosprego chegavam a uma mesma fonte de alimento usando caminhos repetidos ou diferentes com ou sem marcos espaciais visíveis em freqüências similares sugerindo que a visibilidade do marco espacial não era condição necessária para localizar um objetivo As autoras consideraram que os macacosprego estudados usam um sistema de orientação alocêntrico para navegar entre fontes de alimento ricas que sustentam o grupo em várias visitas No entanto quando os animais não encontravam frutos e se alimentavam principalmente de invertebrados e bromélias recursos uniformemente distribuídos na mata navegavam utilizando um sistema de rotas preferenciais sugerindo o uso de um sistema de orientação egocêntrico Assim é possível que os macacos usem diferentes sistemas de orientação dependendo do tipo de recurso alimentar encontrado Portanto o contexto ecológico pode afetar o sistema de orientação usado por primatas não humanos Normand Boesch 2009 assim como discutido anteriormente para outros animais Essa conclusão e as diferenças de resultados obtidos em estudos com primatas selvagens e em condições de cativeiro sugerem que a cognição espacial desses animais também é fruto de interação entre capacidades inatas e aprendizagem assim como discutido para invertebrados Animais criados em cativeiro podem não apresentar certas habilidades de navegação que animais selvagens adquirem com a experiência e prática em deslocamentos por grandes espaços Menzel Beck 2000 22 Memória espacial Os estudos sobre cognição espacial também têm revelado o tipo de informação a respeito de objetivos espaciais que diferentes espécies são capazes de armazenar e por quanto tempo a memória perdura Por exemplo evidências comportamentais sugerem que primatas lembram o estado de maturação dos frutos de árvores que visitaram Janmaat et al 2006 e a quantidade de frutos em cada fonte Janson 1998 Estudos experimentais com aves estocadoras trazem os exemplos mais impressionantes Numa série de experimentos Clayton e Dickinson 1998 1999 mostraram que o gaio azul Aphelocoma californica é capaz de lembrar a localização exata de alimentos estocados dez dias antes por meio de marcos espaciais associados o tipo de item estocado o preferido larva de mariposa ou amendoim e o intervalo de tempo transcorrido desde a estocagem Isso ficou evidente quando os experimentadores submeteram as aves a uma condição em que o alimento preferido apodrecia após 124 horas de estocagem enquanto os amendoins permaneciam bons Quando testados antes de 124 horas após a estocagem os gaios sempre recapturavam primeiro as larvas mas se o teste ocorresse após 124 horas os gaios recapturavam os amendoins Estudos com quatro espécies diferentes de corvídeos estocadores incluindo o gaio azul sugerem que a duração e a capacidade da memória espacial de cada uma é diretamente relacionada ao grau de dependência do alimento estocado para sobrevivência no inverno Balda Kamil 2006 Em conclusão diferentes espécies apresentam diferentes capacidades cognitivas espaciais provavelmente em função de distintas pressões seletivas de seu modo de vida Além disso capacidades cognitivas dependem de predisposições inatas selecionadas mas há também efeito de aprendizagem e experiência No exemplo a seguir discutiremos que tais características podem envolver tanto aprendizagem individual como social 3 Uso de ferramentas e causalidade 31 Uso de ferramentas por animais e definições O uso de ferramentas foi por algum tempo considerado como uma habilidade exclusiva de humanos por ser cognitivamente complexa Atualmente com o aumento das pesquisas de campo sabemos que outras espécies exibem este comportamento Por exemplo lontras e abutres utilizam pedras para ter acesso à parte comestível de conchas e ovos vanLawickGoodall 1970 Outras espécies como os corvos da Nova Caledônia fabricam a ferramenta modificando gravetos que usam para cutucar larvas nos ocos das árvores Hunt 1996 Mas em que medida a manipulação de objetos expressa a inteligência dos animais Reznikova 2007 O uso de ferramentas não implica necessariamente em complexos processos de aprendizagem jogar uma pedra para abrir um marisco ou um ovo pode ser uma conseqüência de reforço alimentar que gera o desempenho de cadeias comportamentais Segundo Shettleworth 1998 isso não seria muito diferente do comportamento do abutre que joga o ovo em cima de uma pedra por exemplo Porém Lefevre et al 2002 consideram que o uso de ferramentas pode ser genuíno o que implica em manipulação da ferramenta como introduzir varetas em ocos golpear pedras contra alimento encapsulado ou limítrofe o que envolve o uso de objetos mas não sua real manipulação como a pedra sobre a qual um alimento pode ser jogado para se romper Em revisão sobre o uso de ferramentas por aves e tamanho de cérebro esses autores concluíram que pássaros que fazem uso genuíno de ferramentas para obter alimento e água possuem cérebros maiores do que aqueles que fazem uso limítrofe Dentre os primatas encontramse as espécies responsáveis pelo maior número de exemplos de uso genuíno de ferramentas seja em cativeiro ou em campo A maior parte dos exemplos é atribuída aos grandes macacos hominóides especialmente chimpanzés bonobos e orangotangos e aos macacos do Novo Mundo do gênero Cebus Tomasello Call 1997 Matsuzawa 1991 Visalberghi 1987 A intensificação das pesquisas de campo proporcionou um aumento do conhecimento a respeito do uso espontâneo de ferramentas por animais selvagens van Schaik et al 2003 Whiten et al 1999 Mannu e Ottoni 2009 Dentre os exemplos destacamos o uso de pedras ou troncos por chimpanzés para quebrar cocos Matsuzawa 1991 Boesch Boesch 1983 Comportamento similar é apresentado espontaneamente por macacosprego selvagens Fragaszy et al 2004 Langguth Alonso 1997 Mannu Ottoni 2009 ou que vivem em semiliberdade Ottoni Mannu 2001 Resende et al 2008 O uso espontâneo e sistemático de ferramentas em campo vem suscitando interesse científico especialmente no aspecto concernente à transmissão social das habilidades por ser um comportamento que precisa ser aprendido o que pode ocorrer de forma individual ou social van Schaik et al 2003 Fragaszy Perry 2003 Whiten et al 1999 32 Compreensão causal O estudo do uso e da fabricação de ferramentas tem sido utilizado por pesquisadores interessados em compreender a evolução das capacidades cognitivas de humanos na medida em que pode estar relacionado com a evolução das áreas cerebrais relacionadas a este comportamento e com o surgimento da cultura material McGrew 1992 Quando falamos do uso de ferramentas por humanos está implícito um entendimento causal a respeito de como a ferramenta funciona Shettleworth 2010 Mas o que um primata nãohumano compreende a respeito das ferramentas que usa Para investigar esse assunto Visalberghi e Trinca 1989 fizeram um experimento em que macacosprego deveriam obter alimento que estava dentro de um tubo transparente de acrílico por meio do uso de bastões Os animais tiveram sucesso na tarefa porém as autoras ressaltaram que isso poderia ser alcançado por tentativaeerro independente dos animais conseguirem realizar operações cognitivamente mais complexas Numa segunda etapa do experimento foi adicionado um novo nível de dificuldade os animais tinham à sua disposição bastões que deveriam ser modificados para que pudessem ser introduzidos no tubo Por exemplo vários bastões eram unidos por uma fita adesiva para usar era necessário retirar a fita ou eram coladas pequenas varas nas extremidades de um bastão tornando necessária sua remoção para a introdução no tubo ou então eram oferecidos três bastões curtos e aí era necessário introduzir os três de um lado só para conseguir retirar o alimento Os animais também tiveram sucesso mas exibiam tentativas equivocadas de retirada da recompensa por exemplo introduziam cada bastão curto em um lado diferente do tubo ficando a recompensa intocada no meio ou tentavam introduzir a fita no tubo ao invés dos bastões Assim as autoras concluíram que os resultados também poderiam ser explicados por tentativaeerro e que os animais só aprendiam após muito treino sobre quais propriedades dos objetos das superfícies e de suas ações eram mais importantes para o sucesso não havendo nenhuma indicação de compreensão de causalidade Visalberghi Limongelli 1996 Posteriormente Visalberghi e Lomongelli apresentaram uma nova variação do tubo para quatro macacosprego já proficientes na tarefa Desta vez havia um buraco no meio do tubo ao qual estava acoplado um recipiente que servia como armadilha para o alimento Ou seja se o sujeito inserisse o bastão pelo lado errado o alimento amendoim cairia nesta armadilha e não poderia ser retirado do tubo A idéia era verificar se os animais reconheceriam isso Dos quatro sujeitos testados apenas uma fêmea obteve taxa de sucesso acima do acaso As autoras sugeriram que ela conseguia resolver a tarefa com base em regras simples aprendidas por associação inserir o bastão pelo lado em que o alimento está mais longe da recompensa assim estaria posicionado após a armadilha Ela foi então submetida a outra variação do experimento para explorar sua compreensão da tarefa o tubo foi girado de forma que a armadilha ficava em cima portando não recolhia o amendoim Nesta situação ela continuava usando a mesma regra de distância embora isso não tivesse importância alguma para o sucesso nesta etapa Então as autoras concluíram que a fêmea em questão não entendia as relações de causaeefeito mas apresentava uma grande capacidade de aprendizagem por associação ver também Fragaszy et al 2004 capítulo 10 para uma discussão mais detalhada Estes experimentos foram replicados com chimpanzés orangotangos e bonobos como sujeitos e os resultados foram semelhantes o sucesso também poderia ser explicado por regras de associação simples Visalberghi et al 1995 A aprendizagem por associação compartilhada por um grande número de espécies é suficiente para explicar a grande maioria dos exemplos de uso de ferramentas Tratase de um processo cognitivo simples porém capaz de produzir ajustes sofisticados do comportamento ao ambiente Fragaszy Visalberghi 2001 Quando o experimento do tubo com a armadilha foi realizado com humanos apenas adultos e crianças maiores do que quatro anos conseguiram evitar a armadilha nas primeiras tentativas Shettleworth 2010 Em experimento realizado por Horner e Whiten 2007 chimpanzés de 2 a 7 anos e crianças divididas em dois grupos de idade grupo de 3 a 4 anos e grupo de 5 a 6 anos assistiam uma pessoa inserindo um bastão sempre pelo mesmo lado no tubo com armadilha e depois tinham a chance de executar a tarefa Os pesquisadores concluíram que as crianças mais novas tendiam a copiar indiscriminadamente a tarefa o que levava ao erro na hora do teste nos casos nos quais o modelo inseria o bastão pelo lado errado enquanto as mais velhas conseguiam compreender a causação implicada em suas ações Por volta dos quatro anos de idade emerge nas crianças a percepção de que o outro é um agente intencional fenômeno ao qual chamamos de teoria da mente Antes de completar dois anos de vida as crianças já compartilham com os adultos ou crianças mais velhas a atenção em relação a ações e objetos do meio Tomasello 2003 sendo capazes de replicar as ações de seus modelos mas não necessariamente conseguindo executar a tarefa pois não conseguem atribuir intenção aos outros 33 Teoria da Mente A Teoria da Mente é um conjunto de habilidades necessárias para interação social sofisticada em grupos humanos e é a base para formas mais avançadas de cognição social como as trocas sociais que envolvem a detecção de trapaça ou elaboração de acordos Bjorklund Pellegrini 2002 Este termo foi cunhado por Premack e Woodruff 1978 ao apresentar pesquisa com o objetivo de verificar se chimpanzés seriam capazes de atribuir estados mentais a outros Os pesquisadores não conseguiram então comprovar de maneira definitiva a existência de Teoria da Mente em chimpanzés porém este trabalho trouxe importantes avanços para os estudos sobre a cognição humana sendo a deficiência desta capacidade uma característica encontrada em síndromes autísticas Meltzoff Gopnik 1993 Mais recentemente Hare e colegas realizaram testes com chimpanzés que consideraram mais adequados para eliciar o fenômeno em questão dois chimpanzés um dominante e um subordinado eram colocados juntos em um recinto com alimento distribuído em locais que variavam quanto à possibilidade de visualização pelos dois indivíduos O chimpanzé subordinado só pegava o alimento na situação em que o dominante não podia ver Os autores concluíram que os chimpanzés sabem o que os outros podem ou não fazer e tomam decisões baseados nessa informação Hare et al 2000 Chimpanzés aculturados costumam apresentar o uso de sinais humanos como apontar Tomasello et al 1993 Se os chimpanzés aprendem a fazer isso porque percebem que estão dirigindo a atenção de outro sujeito para um objeto não percebido possuem rudimentos de Teoria da Mente pois perceberiam que detêm conhecimento que outros não tem e que podem dirigir a atenção apontando Bjorklund Pellegrini 2002 Provavelmente os chimpanzés têm a flexibilidade cognitiva necessária quando criados em ambientes humanos para desenvolver algumas características cognitivas semelhantes às de humanos associadas à Teoria da Mente e que refletem préadaptações para a aprendizagem social Bjorklund Pellegrini 2002 34 Percepção e Ação Apesar do refinamento dos experimentos realizados em laboratório os resultados obtidos podem ser sempre explicados por associação No entanto podese utilizar outro tipo de abordagem para compreender como se dá a aprendizagem de comportamentos relacionados ao mundo físico Por exemplo para entender de que forma ocorre a aquisição do uso de ferramentas alguns pesquisadores vêm utilizando a teoria da Percepção e Ação Esta abordagem considera os organismos como sistemas de desenvolvimento interagindo em níveis múltiplos que vão desde a biologia molecular do material genético e das proteínas até a interação do organismo com o ambiente preocupandose em entender como a mente emerge em um indivíduo em desenvolvimento O uso de ferramentas é visto como um fenômeno contínuo ao longo do desenvolvimento enraizado na aprendizagem perceptual originada das ações do sujeito com os objetos Gibson Pick 2000 Lockman 2000 e 2006 Resende et al 2008 A teoria prevê que ações diretas sobre objetos e superfícies precedem ações combinatórias entre objetos e superfícies e o início do uso de ferramentas deve refletir as ações que o indivíduo executava envolvendo os objetos e as superfícies Os aspectos temporais e espaciais da tarefa devem ser aprendidos e também é necessário aprender a monitorar as conseqüências das ações quando há um objetivo Para entender as origens do uso de ferramentas sob esta perspectiva é necessário analisar as rotinas exploratórias envolvendo objetos e considerar as demandas das tarefas dentro do contexto de uso de ferramentas Fragaszy CumminsSebree 2005 Os estudos com macacosprego em cativeiro mostraram que apesar de conseguirem solucionar a tarefa os animais não parecem compreender essas propriedades Porém o que acontece com os animais selvagens que usam rotineiramente ferramentas para obter alimentos Uma pesquisa de longa duração com macacosprego selvagens Cebus libidinosus tem sido bastante reveladora Fragaszy et al 2004 A população estudada já estava habituada à presença de humanos e apresentava uma tradição de quebra espontânea de cocos com o uso de pedras como martelo e bigorna Na área de estudo situada no interior do Piauí o tipo de pedra utilizada como martelo é rara Portanto os sítios de quebra de coco são limitados e conhecidos pelos pesquisadores porque os animais voltam sempre aos mesmos locais para esta atividade Isso possibilitou a condução de diferentes experimentos de campo Visalberghi et al 2009 verificaram que animais desta população ao deparar com pedras experimentais que diferiam em aspectos ligados ao peso e friabilidade escolhiam transportar e utilizar as pedras mais adequadas para a uma quebra de coco efetiva Além disso quando não era possível estipular o peso por atributos visuais porque as pedras eram de mesmo tamanho mas tinham densidade diferente os macacos agiam de forma a ganhar informação que pudesse guiar a seleção por exemplo batendo os dedos sobre a pedra Além disso a escolha da pedra a ser utilizada como martelo diferia de acordo com a dureza do fruto a ser quebrado Isso seria uma evidência de que assim como humanos e chimpanzés os macacosprego exibiriam planejamento Ao analisar a seqüência comportamental envolvida na quebra Fragaszy et al 2009 verificaram que os macacosprego posicionavam os cocos dentro das irregularidades que formam pequenas covas na superfície da bigorna pedra utilizada como apoio Isso diminui a possibilidade de que o coco se mova e portanto há uma otimização do número de golpes necessários para romper a casca do coco Tratase de um comportamento flexível e muita prática é necessária para que a eficiência seja alcançada Esses experimentos mostram que os macacos selvagens são capazes de identificar as potencialidades affordances dos objetos e ações envolvidos na tarefa de quebrar cocos Isso contrasta com os resultados obtidos por animais de cativeiro Visalberghi et al 2009 O animal selvagem nasce em um grupo com tradição de quebra de cocos e seu desenvolvimento ocorre em um ambiente rico em estímulos sociais e físicos relacionados a essa atividade Macacosprego são naturalmente curiosos e tendem a manipular bastante os objetos de seu ambiente Apresentam uma predisposição para executar tarefas com ferramentas e são sensíveis ao reforço e à facilitação social O efeito da experiência afeta a própria habilidade para realizar as tarefas intensificando sua destreza por meio de aprendizagem que influencia o curso do desenvolvimento do corpo do cérebro dos movimentos Nada disso ocorre em cativeiro e portanto os animais não apresentam desempenho semelhante em relação aos experimentos aos quais são submetidos 4 Conclusão O estudo da cognição animal tem progredido muito rapidamente com a multiplicação de estudos baseados em diversas disciplinas sobre um número cada vez maior de espécies permitindo a investigação de questões relacionadas a mecanismos proximais a desenvolvimento evolução e função adaptativa A partir dos exemplos discutidos nesse capítulo evidenciase que habilidades cognitivas são fruto de adaptação a problemas ecológicos enfrentados pelos organismos em seu ambiente natural característica herdada inata No entanto há forte evidência da interação entre essa capacidade inata e os efeitos de experiência e aprendizagem levando à flexibilidade comportamental observada em muitas espécies 5 Referências Balda R Kamil A 2006 The ecology and life history of seed caching corvids In MF Brown RG Cook eds Animal Spatial Cognition Comparative Neural and Computational Approaches Online Available wwwpigeonpsytuftseduascbalda Barkow JH Cosmides L Tooby J 1995 The adapted mind Evolutionary Psychology and the generation of culture Oxford Oxford University Press 688 pp Bjorklund DF Pellegrini AD 2002 The origins of human nature Evolutionary developmental psychology Washington DC American Psychological Association 444 pp Boesch C Boesch H 1983 Optimization of nutcracking with natural hammers by wild chimpanzees Behavior 83 26585 Byrne R 2000 How monkeys find their way leadership coordination and cognitive maps of African baboons In S Boinski PS Garber eds On the move how and why animals travel in groups Chicago The University of Chicago Press pp 491518 Clayton NS Dickinson A 1998 Episodiclike memory 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trabalhar normalmente envolve o gasto de energia e segundo que o benefício gerado deve beneficiar a outro indivíduo O estudo da cooperação remonta à antiguidade onde Aristóteles fez a seguinte observação O homem é por natureza uma criatura social um indivíduo que é naturalmente e não acidentalmente antisocial ou está abaixo de nossa consideração ou é mais que humano Sociedade é algo na natureza que precede o indivíduo Qualquer um que ou não consegue viver uma vida em comum ou é tão autosuficiente para não precisar de tal e portanto não participar de uma sociedade ou é uma besta ou um DeusAristóteles 328 aC citado em Dugatkin 1997 Tal afirmação assume que a cooperação envolve uma complexidade neurológica tão maciça que seria inviável sua existência em animais mais simples que o ser humano No entanto observações e estudos mostramnos que a capacidade de organismos se organizarem de forma cooperativa formando sociedades evoluiu inúmeras vezes entre os animais O estudo de observações de cooperação animal é bastante antigo A cooperação inclusive foi tópico de preocupação no trabalho de Charles Darwin vide capítulo 1 Em seu livro A Origem das Espécies Darwin 1859 estabeleceu a seleção natural como sendo o principal mecanismo através do qual organismos evoluem Seleção natural como definida por Darwin seria um processo que produz mudanças evolutivas quando indivíduos diferem em características hereditárias sendo essas mudanças correlacionadas com diferenças em sucesso reprodutivo Darwin mostrouse claramente preocupado com o conceito da cooperação e suas implicações para a teoria da seleção natural Dedicou numerosas páginas de seu livro para a análise de características de altruísmo e cooperação exibidas por animais sociais Sua preocupação devese naturalmente à pergunta gerada por comportamentos aparentemente altruístas como poderiam tais comportamentos evoluir através da seleção natural quando o indivíduo exibindoos estaria sofrendo um custo medido em termos de sucesso reprodutivo ao beneficiar outros membros do grupo Tais questões levaram Darwin a especular que comportamentos cooperativos seriam uma dificuldade especial que à primeira vista me pareceu insuperável e na verdade fatal para toda minha teoria No entanto o próprio Darwin delineou de forma brilhante a solução para o paradoxo da cooperação cem anos antes da magnífica contribuição de Hamilton 1963 1964ab Darwin assim como Hamilton sugeriu que a seleção natural poderia atuar sobre a família ao invés de sobre o indivíduo reconhecendo assim a importância de graus de parentesco no processo seletivo O termo cooperação como já mencionado tem sido objeto de interesse e estudo há centenas de anos em contextos dos mais variados desde políticos sociais econômicos ou biológicos Duas menções históricas relativas ao estudo da cooperação são importantes Uma delas referese aos pensamentos de Peter Kropotkin um príncipe da família real da Rússia Kropotkin geólogo e historiador natural argumentava que cooperação era uma faceta comum da vida animal Em suas freqüentes viagens pelo mundo registrou e descreveu em detalhe muitos exemplos de cooperação os quais reuniu em seu livro denominado Mutual Aid Dugatkin 1997 Um segundo grande estudioso que defendeu a ubiqüidade da cooperação foi W C Allee fundador do Chicago School de comportamento social em animais Em sua obra ele cita trabalhos que evidenciam fascinantes efeitos benéficos da socialidade Dugatkin 1997 menciona vários desses exemplos 1 peixes dourados e dafnia sobrevivem em ambientes tóxicos mais tempo quando vivendo em grupos maiores 2 sobrevivência de planárias em luz ultravioleta é função do tamanho de grupo assim como é a taxa de crescimento per capita de bactérias 3 peixes dourados crescem mais rapidamente quando em grupos 4 anfíbios regeneram suas caudas mais rapidamente quando em grupos Apesar de ser evidente que a cooperação ocorre em muitas espécies e serve de base para sociedades com maior ou menor grau de complexidade a vida social não é a regra no mundo animal Constituise de forma geral em exceção Antes de examinarmos as várias alternativas através das quais a cooperação pode evoluir é interessante a análise dos custos e benefícios da sociabilidade Tabela 1 É óbvio que em muitos casos a vida em sociedade ou a atividade cooperativa beneficiam os integrantes dos grupos Exemplos clássicos desses benefícios são bastante citados na literatura Grupos de leões Panthera leo defendem melhor seus territórios de caça do que indivíduos solitários Packer et al 1990 Corvos Corvus corax solitários transmitem informação sobre a localização de carcaças que servem de alimento para outros indivíduos nãoaparentados Heinrich Marzluff 1998 Tal aparente altruismo esconde uma motivação egoísta Grupos de corvos subadultos formam gangues que podem enfrentar adultos territoriais que de outra forma não permitiriam o acesso a indivíduos solitários a carcaças dentro de seus territórios Dentre os canídeos muitas espécies exibem sistemas cooperativos de reprodução onde o par reprodutivo conta com assistentes filhotes mais antigos para alimentar e proteger os filhotes mais novos Moehlman 1986 Apesar dos muitos exemplos de benefícios oriundos da vida social sociedades animais são relativamente raras Por exemplo dentre as aves aproximadamente 220 espécies são consideradas cooperativas em sua reprodução Brown 1987 o que representa apenas cerca de 2 das mais de 9000 espécies de aves do mundo Dentre os felinos somente leões exibem características de organização social Para entender o porquê dessa raridade é preciso reconhecer que a vida em sociedade é também imbuída de diversos custos ao indivíduo Tabela 1 Na maioria das sociedades existe uma organização hierárquica onde indivíduos dominantes exercem um monopólio de maior ou menor grau sobre recursos eou oportunidades reprodutivas Em muitas aves o controle reprodutivo ocorre através da destruição ou ejeção de ovos de subordinados em um ninho comunitário como nos casos do acorn woodpecker Melanerpes formicivorus Koenig et al 1995 do anu preto Crotophaga sulcirostris Vehrencamp 1977 da avestruz Struthio camelus Bertram 1979 Kimwele Graves 2003 e do anu branco Guira guira Sick 1997 Macedo 1992 O monopólio reprodutivo pode ser ainda exercido através do infanticídio já registrado para vários primatas Hrdy 1979 aves Stacey Edwards 1983 Macedo et al 2001 e espécies de carnívoros Creel Waser 1997 entre outros Tal monopólio de forma mais preventiva também pode ocorrer através da supressão reprodutiva de subordinados Isso às vezes dáse através da interferência durante a cópula ou via mecanismos endócrinos A supressão hormonal por exemplo é fato conhecido em Callithrix jacchus French 1997 Alencar et al 1995 e mangustos Helogale parvula Creel Waser 1994 Outros custos incidem sobre os integrantes de sociedades podendo ser diferencial ou igualitariamente distribuídos Desses a competição mais intensa por alimentos e o maior risco de contágio de doenças e parasitas são os mais comuns A EVOLUÇÃO DA COOPERAÇÃO Até meados dos anos 60 havia entre biólogos uma crença generalizada de que os indivíduos supostamente ajudariam uns aos outros para o bem da espécie ou do grupo Essa lógica pressupõe que o mecanismo evolutivo que levaria um comportamento a se estabelecer em uma população não esteja associado às diferenças em sucesso reprodutivo entre indivíduos mas sim às diferenças entre grupos em termos de viabilidade através do tempo Esse processo denominado de seleção de grupo foi formalmente disseminado por WynneEdwards 1962 Em seu livro ele argumenta que somente grupos que poderiam incluir espécies inteiras com mecanismos de regulação populacional têm potencial para sobreviver ao longo do tempo substituindo outros grupos sem tais mecanismos Esses mecanismos incluiriam a capacidade de indivíduos altruisticamente abdicarem de oportunidades reprodutivas para não esgotar os recursos disponíveis ao grupo como um todo Esse argumento foi fortemente refutado por Williams 1966 que argumentou que as diferenças genéticas entre indivíduos teriam conseqüências muito mais rápidas e fortes do que os efeitos devidos a diferenças entre grupos inteiros No entanto existem evidências de que a seleção de grupo ocorre mas de forma bem mais sutil e complexa do que como proposta por WynneEdwards Existe um consenso geral no presente de que a seleção individual também chamada de seleção Darwiniana tem efeitos muito mais potentes sobre o repertório comportamental do que a seleção de grupo Nesse contexto portanto a evolução de comportamentos cooperativos tornouse de grande interesse teórico pois como poderiam comportamentos altruístas evoluirem através da seleção individual Cabe aqui uma análise dos tipos de interações sociais possíveis e de suas potenciais conseqüências para o sucesso reprodutivo dos indivíduos envolvidos Na Figura 1 mostro uma matriz das conseqüências para o sucesso reprodutivo de dois indivíduos interagindo Em cada célula encontrase o efeito positivo ou negativo para o indivíduo executando o comportamento emissor e aquele recebendo a ação receptor e os nomes para tais interações Na categoria egoísmo o emissor se beneficia às custas do receptor um comportamento tão generalizado e de fácil entendimento quanto à sua origem e evolução que não exige grandes explicações Já as categorias de altruísmo puro e despeito dificilmente ocorrem no mundo animal Tais comportamentos não trazem qualquer benefício reprodutivo a seus executores e portanto não teriam como se fixar na população Quando dois indivíduos interagem de forma em que ambos lucram com um efeito positivo sobre seus sucessos reprodutivos a interação pode ser denominada de mutualismo cooperação ou altruísmo recíproco Aqui temos espaço para perguntar quais os mecanismos que levariam à evolução de comportamentos cooperativos que envolvem um custo a seus executores No caso do mutualismo ou cooperação ambos os indivíduos estão se beneficiando com a troca de comportamentos cooperativos algo também facilmente explicável por meio da seleção direta Comportamentos cooperativos com benefícios mútuos incluem exemplos como a caça cooperativa em canídeos Moehlman Hofer 1997 onde o dispêndio energético de cada um resulta em um bônus alimentar maior para todos do que seria possível com a caça solitária Exemplos como esse são interessantes de serem estudados porque apesar de superficialmente simples existem complexidades maiores pois sempre seria possível a um indivíduo tentar parasitar o esforço cooperativo de outro como veremos a seguir Outra categoria de interação comportamental de benefício mútuo é o altruísmo recíproco Figura 1 Nesse caso o executor concede um benefício a outro indivíduo inicialmente sofrendo um custo mas receberá somente mais tarde o favor recíproco do recebedor resultando em um ganho líquido Trivers 1971 Muitos dos estudos sobre a evolução da cooperação baseiamse sobre modelos de jogos teóricos Sem dúvida o modelo mais utilizado para compreenderse a evolução da reciprocidade é o jogo do dilema do prisioneiro um modelo amplamente utilizado na área da psicologia Jogos desse tipo sugerem que a reciprocidade não deveria evoluir O jogo básico consiste do seguinte cenário dois indivíduos cometeram um crime e têm um pacto de não confessarem se capturados um pacto de cooperação mútua A polícia apreende ambos para serem interrogados em salas separadas oferecendo a cada um a liberdade em troca da acusação do parceiro As recompensas do jogo são T liberdade para aquele que aceitar a proposta da polícia e trair o companheiro S penalidade máxima para aquele que for traído pelo parceiro enquanto mantiver o pacto de cooperação R recompensa pela colaboração mútua de manutenção do pacto de cooperação P punição pela traição mútua Em um cenário onde o ranqueamento do valor das recompensas for T R P S a resposta comportamental ideal para o indivíduo no jogo será sempre de optar pela traição Esse modelo portanto sugere que a cooperação recíproca não deveria nunca evoluir No entanto casos de reciprocidade ocorrem na natureza Aparentemente os mecanismos que possibilitam isso são 1 o número esperado de interações entre indivíduos que precisa ser alto e 2 indivíduos precisam de sistemas neurológicos suficientemente complexos para possibilitar o reconhecimento de outros indivíduos e a memória de interações passadas Brown 1983 Evidentemente em espécies que atendem tais condições é possível a ocorrência de cooperação recíproca A cooperação também poderia evoluir via um terceiro caminho Existem casos em que aprentemente o executor de um comportamento tem um custo que jamais é abatido por um favor recíproco futuro Esses casos são de especial interesse na Biologia pois pelo menos superficialmente tais comportamentos seriam difíceis de evoluir por meio da seleção individual A explicação para tais comportamentos foi delineada por Darwin 1859 como já mencionado mas foi Hamilton quem detalhou um modelo teórico em duas publicações Hamilton 1964ab que certamente são as mais citadas na literatura de ecologia comportamental e evolutiva Nesse modelo ele explica como um gene para o altruísmo se espalharia na população sem necessidade dos mecanismos sugeridos pela seleção de grupo Hamilton introduziu o conceito da aptidão inclusiva inclusive fitness que tem por premissa que o objetivo da reprodução é a propagação de alelos do indivíduo Esses alelos idênticos ao do indivíduo podem estar presentes não só na progênie direta daquele indivíduo mas também em seus parentes Portanto auxiliar indivíduos geneticamente semelhantes sendo na forma de prole direta ou parentes é uma maneira de replicar seus genes O modelo de Hamilton é apresentado através de equações matemáticas bastante complexas mas para o alívio daqueles com aversão a equações esses modelos podem ser bastante simplificados e expressos por uma simples equação conhecida como a regra de Hamilton Essa regra determina que um ato altruísta será adaptativo e o gene que o codifica aumentará em freqüência quando Br C onde B benefício reprodutivo para o indivíduo receptor gerado pelo gene que codifica o comportamento cooperativo C custo reprodutivo associado à expressão desse comportamento para o executor do mesmo r coeficiente de parentesco entre os indivíduos que estão interagindo probabilidade que o parente sendo ajudado partilhe o raro alelo do altruísmo Ou seja o benefício tem que ser maior que o custo levandose em consideração o elo de parentesco entre os indivíduos Essa regra ilustra uma simples predição quanto à possibilidade do altruísmo evoluir quanto menor o custo para o altruísta maior o benefício para o ajudado e quanto maior o elo de parentesco entre os dois mais facilmente deve ocorrer o altruísmo Inúmeras classes de comportamentos cooperativos já foram descritas envolvendo muitos grupos de animais Esses exemplos encontramse reunidos e descritos em vários livros e a cada dia surgem novas descrições na literatura Abaixo discuto em algum detalhe somente alguns exemplos para os vertebrados Excluí invertebrados onde numerosos exemplos de cooperação já foram observados Também resolvi não discutir o exemplo fascinante dos insetos que sozinhos merecem uma série inteira A literatura sobre cooperação em insetos é enorme e sobre os insetos eusociais maior ainda Aqui faço referência para o leitor interessado a algumas revisões e discussões sobre a evolução da cooperação nos insetos eusociais Hölldobler e Wilson 1990 Seeley 1985 Seger 1991 e Wilson 1971 Evidentemente essa lista de referências é extremamente limitada pois até mesmo a literatura a esse respeito tanto teórica quanto empírica ocuparia várias páginas REPRODUÇÃO SOCIAL A reprodução social é um fenômeno que já foi estudado em peixes aves e mamíferos É um sistema que pode ser subdividido em duas categorias Na primeira mais comumente denominada de reprodução cooperativa com assistentes jovens abdicam da reprodução própria e permanecem em seus territórios de origem e ajudam os pais a cuidar de proles mais recentes ou seja investem na criação de irmãos Nesse caso os únicos a reproduzir diretamente são os membros do casal primário Já na segunda categoria que aqui denomino de reprodução comunitária existem diferenças de opinião acerca da terminologia para essas categorias vários adultos partilham de oportunidades reprodutivas dentro do grupo e a prole produzida é geneticamente heterogênea Nesse caso os indivíduos podem estar auxiliando filhotes que são ou não seus descendentes diretos existindo sempre a possibilidade de que estariam dando assistência a filhotes com os quais não têm parentesco algum Reprodução Cooperativa com Assistentes Sistemas de reprodução cooperativa com assistentes geram duas perguntas fundamentais Brown 1987 1 por que jovens fisiologicamente aptos para reprodução não dispersam de seus territórios de origem e 2 por que esses jovens que permanecem em casa auxiliam os pais As respostas para essas duas perguntas aparentemente não são universais para diferentes taxa de animais e podem até mesmo variar de espécie para espécie dentro de um mesmo grupo pois em grande parte variam conforme as condições ecológicas e o sistema de acasalamento da espécie Dentre as aves os jovens muitas vezes não dispersam devido a uma saturação de habitat apropriado para reprodução o que reduz as chances de sucesso reprodutivo Brown 1987 Já para peixes saturação de habitat parece não ser a explicação mais apropriada para a retenção de assistentes pelos pais Taborsky 1985 mostrou que quando foi dada aos assistentes da espécie Lamprologus brichardi a oportunidade de sair de seus territórios de origem para ocupar áreas adequadas preferiram permanecer em casa Aparentemente a pressão de predação quando os peixes são menores nessa e outras espécies de peixes seria a razão seletiva mais forte que manteria o sistema de reprodução cooperativa nesse grupo McKaye McKaye 1977 Taborsky 1984 1985 As hipóteses que explicam a evolução da ajuda proporcionada pelos jovens podem ser resumidas nas quatro descritas brevemente abaixo veja revisão detalhada em Brown 1987 1 Seleção de parentesco Hamilton 1964ab Essa hipótese sugere que o auxílio prestado aos descendentes indiretos por ex irmãos poderia agir de forma tão crítica quanto o auxílio aos descendentes diretos por ex filhos No entanto essa hipótese seria insuficiente para explicar porque os jovens permanecem em seus territórios natais Apesar disso tem sido aplicada de forma indiscriminada em estudos de reprodução cooperativa O que parece mais correto é de que a seleção de parentesco é um dos fatores importantes dentre outros que explica a evolução desse sistema de reprodução 2 Seleção de grupo Apesar da seleção de grupo ter sido descartada por biólogos em muitos contextos a distinção entre esse tipo potencial de seleção e a seleção de parentesco é possivelmente artificial Koenig Mumme 1987 Dependendo do grau de diferenciação genética dentro e entre grupos esse fator poderia atuar na evolução de sistemas de reprodução cooperativa da mesma forma que a seleção de parentesco 3 Seleção individual Dentro dessa proposta encontramse várias hipóteses sugerindo que todo altruísmo exibido pelos assistentes tem por objetivo maiores ganhos em aptidão direta direct fitness Aqui seriam incluídos benefícios individuais tais como a aquisição de experiência elevação em status e acesso a recursos e proteção contra predação 4 Reciprocidade Trivers 1971 Em alguns sistemas de reprodução cooperativa em aves os assistentes no ninho freqüentemente não são aparentados aos ninhegos portanto a explicação para a evolução da cooperação não se enquadra dentro da seleção de parentesco Nesses casos ocorre uma reciprocidade onde os ninhegos após a saída do ninho acompanham os assistentes para auxiliálos em sua reprodução Dentre as aves a literatura referente à cooperação reprodutiva com assistentes de ninho é prolífica com novas espécies sendo freqüentemente incluídas na lista Duas das melhores revisões desse assunto foram publicadas por Brown 1978 1987 e indicam que mais de 200 espécies de aves podem ser consideradas cooperativas em sua reprodução Enquanto que em aves ao contrário de peixes a saturação de habitat ou outras restrições ecológicas aparentemente são responsáveis em grande parte pela formação de grupos Selander 1964 Stacey 1979 Koenig 1981ab Emlen 1982ab existe bem mais polêmica quanto à razão da ajuda desempenhada pelos jovens em seus territórios natais Para exemplificar o sistema de reprodução cooperativa descrevo sucintamente os estudos sobre o corvídeo Aphelocoma coerulescens Florida scrub jay Essa ave é pesquisada há décadas por Glen Woolfenden Fitzpatrick e colaboradores em uma área de 350 a 400 ha dentro da Estação Biológica Archbold na Flórida Woolfenden Fitzpatrick 1984 A população vem sendo acompanhada desde 1969 com praticamente todos os indivíduos anilhados e com registros completos para toda a população de atividades territoriais reprodução dispersão e morte Esse trabalho maciço permitiu a visualização clara de como funciona a reprodução cooperativa nessa espécie Essa ave está restrita a um habitat bastante raro e reduzido conhecido como oak scrub uma vegetação de carvalho americano anão Todo o habitat disponível está constantemente ocupado pela população de corvídeos que é extraordinariamente estável de ano a ano Cada território é ocupado por um par monogâmico de reprodutores que retém domínio de seu território por muitos anos Os pares normalmente persistem até que um dos membros do casal morra sendo o divórcio um evento raro com incidência de apenas 5 Ocorre um retardamento na reprodução mesmo o jovem estando fisiologicamente apto para tanto As fêmeas permanecem nos territórios dos pais como assistentes de ninho tipicamente por um a dois anos para então dispersarem e encontrarem um par e local adequados para a reprodução Já os machos permanecem como assistentes por períodos de até seis anos As tarefas de assistência incluem a defesa do território contra intrusos da própria espécie ou predadores e a alimentação de proles produzidas pelos pais Freqüentemente um dos assistentes machos mais velhos do grupo herda um pedaço do território dos pais e nele inicia sua própria reprodução com uma fêmea oriunda de outro território Em mamíferos a lactação surge como uma restrição aos tipos de auxílio que podem ser prestados por assistentes em potencial em comparação com as aves Apesar de tal restrição sistemas de reprodução cooperativa incluem muitos canídeos calitriquídeos e roedores O auxílio prestado pelos membros nãoreprodutores geralmente filhotes mais velhos do casal reprodutor pode tomar várias formas Pode incluir o transporte de filhotes comum entre calitriquídeos Yamamoto Box 1997 a partilha da caça com os filhotes comum em canídeos até a lactação e amamentação por fêmeas nãoreprodutoras registrado em raposas vermelhas Vulpes vulpes von Schantz 1981 e algumas espécies de lobo Moehlman Hofer 1997 A ajuda prestada por nãoreprodutores a filhotes do grupo pode incluir serviços como os de babá já observados em mangustos Rood 1974 1978 enquanto o grupo sai para forragear um indivíduo geralmente uma fêmea jovem permanece com os filhotes Essa fêmea os defende ativamente emitindo vocalizações de alarme ou perseguindo predadores Elefantes fêmeas dedicam boa parte de seu tempo a cuidados aloparentais que geralmente são fornecidos por fêmeas a filhotes aparentados Lee 1987 Já em morcegos Pteropus radricensis Kunz e Allgaier 1994 descrevem casos de fêmeas prestando assistência a outras fêmeas não aparentadas durante o processo de parto Nesse caso os autores sugeriram que o mecanismo evolutivo seria baseado em altruísmo recíproco pois esses morcegos têm vida longa e vivem em grupos coesos podendo ocorrer o reconhecimento e oportunidades de trocas de favores Reprodução Comunitária A segunda categoria de reprodução social mencionada anteriormente reprodução comunitária tem aspectos bastante diferentes que ocorrem como conseqüência do conflito reprodutivo no grupo Esse conflito surge devido às divergências genéticas entre membros do grupo e prováveis restrições de recursos Em sistemas comunitários as oportunidades reprodutivas são divididas entre membros de um grupo cooperativo Esses sistemas diferem do sistema cooperativo com assistentes por não ocorrer um monopólio completo da reprodução por somente um par No entanto a linha que separa um tipo de sistema do outro é um tanto tênue e é mais fácil imaginar uma gradação onde em um extremo temos sistemas cooperativos com assistentes e completo monopólio da reprodução e em outro extremo a reprodução comunitária onde todos têm as mesmas chances de obter sucesso reprodutivo Figura 2 Dificilmente encontraremos esse último extremo na natureza onde oportunidades reprodutivas seriam equivalentes para todos os membros do grupo Isso porque existem muitos mecanismos comportamentais e fisiológicos para que hierarquias sejam impostas Quando por exemplo os recursos ou espaço são limitados à criação de um determinado número de filhotes surge imediatamente a questão de quem irá abdicar da própria reprodução para ajudar a criar um filhote que não será o seu e às vezes nem remotamente aparentado Vários modelos teóricos tem sido desenvolvidos simulando uma diversidade de condições ecológicas e de parentesco entre membros do grupo e visando a compreensão de até onde iriam os limites da cooperação eou egoísmo em sistemas comunitários Exemplos de sistemas comunitários existem para invertebrados peixes aves e mamíferos mas abaixo descrevo apenas alguns casos O besouro Nicrophorus tomentosus é um exemplo de uma espécie de reprodução comunitária Como outros do mesmo gênero esses besouros usam pequenas carcaças de outros animais como recurso para a reprodução Scott 1997 A carcaça é enterrada e as fêmeas colocam seus ovos perto da mesma Quando as larvas eclodem os pais se alimentam da carcaça e regurgitam os recursos para a prole que depois também pode alimentarse diretamente da carcaça Dependendo do tamanho da carcaça vários adultos tomam posse e a defendem de outros besouros Nessa espécie a reprodução é partilhada de forma assimétrica entre fêmeas A fêmea dominante pode direcionar a reprodução em seu favor através de quatro mecanismos 1 com uma postura maior do que as fêmeas subordinadas 2 através da supressão ou retardamento vitelogênico das fêmeas subordinadas 3 através de ovicídio ou 4 após a eclosão dos ovos com infanticídio discriminativo de larvas Em aves comunitárias com postura em um único ninho mecanismos semelhantes são utilizados que podem tornar a reprodução mais ou menos igualitária entre os membros de um grupo No picapau M formicivorus grupos são poliginândricos ie onde ocorre tanto a poliginia quanto a poliandria com uma composição variada que inclui aves reprodutoras e não reprodutoras Há grupos que contêm entre dois a quinze adultos com média de 44 24 aves Koenig Mumme 1987 onde até três fêmeas depositam ovos no mesmo ninho Além disso até quatro machos podem contribuir geneticamente para a prole O parentesco genético nos grupos é alto para cada sexo os reprodutores machos geralmente são irmãos ou representam um grupo de pai e filhos sendo o mesmo é verdade para as fêmeas Os assistentes de ninho geralmente são filhotes mais velhos do grupo Apesar do alto grau de parentesco entre fêmeas reprodutoras estas usam a destruição de ovos umas das outras para sincronizar a postura e também como meio de aumentar o próprio número de ovos que serão incubados Koenig et al 1995 Cerca de 38 dos ovos produzidos na população estudada foram destruídos dessa forma Parecido com esse sistema é o sistema comunitário exibido pelos cuculídeos da subfamília neotropical Crotophaginae Esse grupo de aves é composto por três espécies do gênero Crotophaga C ani C sulcirostris e C major os anus e uma espécie monotípica Guira guira o anu branco Anus do gênero Crotophaga são comumente vistos em grupos de até oito indivíduos que constroem um único ninho De forma cooperativa defendem um território incubam os ovos e alimentam os ninhegos Skutch 1959 Sick 1997 No entanto aqui também ocorrem interações competitivas que geram desigualdades no sucesso reprodutivo Essas desigualdades são introduzidas por exemplo por fêmeas que ejetam os ovos umas das outras ou os cobrem com folhas para que não sejam incubados Vehrencamp 1977 1978 No anu branco também vemos que a cooperação convive lado a lado com competição Nessa espécie grupos de até quinze indivíduos defendem um território utilizam o mesmo ninho e cooperam na incubação e criação de filhotes Figura 3 Macedo 1992 Essas aves têm um repertório vocal variado e complexo Marino 1989 que possivelmente permite uma excelente coesão do grupo durante o forrageamento e contribui para o eficiente sistema de sentinelas observação pessoal A reprodução é ainda mais social do que a descrita para os outros anus pois métodos moleculares permitiram a identificação de ovos de até sete diferentes fêmeas na mesma ninhada um número expressivamente maior do que o já registrado para as outras aves do grupo Cariello et al 2003 Macedo et al no prelo Nesse sistema o fator de maior mortalidade para os ovos é a ativa ejeção dos mesmos por membros do grupo Macedo 1992 Depois dos filhotes eclodirem o infanticídio por membros do grupo é responsável pela maior parte das perdas de ninhadas Macedo et al 2001 Melo Macedo 1997 Diferentemente da monogamia proposta para o anu C sulcirostris por Vehrencamp 1977 o sistema de acasalamento do anu branco é um de poliginandria Quinn et al 1994 Isso tem por conseqüência a produção de ninhadas onde existem grandes assimetrias genéticas entre filhotes e entre adultos e filhotes Companheiros de ninho podem potencialmente ser irmãos meio irmãos ou até não aparentados Da mesma forma os adultos podem ou não ser aparentados aos filhotes que estão ajudando a criar COOPERAÇÃO NA CAÇA E NO FORRAGEAMENTO Quase qualquer organismo vivo pode servir de alimento para outro Nesse contexto a seleção natural atuou tanto sobre o forrageador quanto sobre seu alimento induzindo estruturas e comportamentos para otimizar o consumo por parte de um e a defesa pelo outro A teoria de forrageamento ótimo assume que os atributos físicos e comportamentais dos organismos evoluíram de forma a permitir ao indivíduo a escolha daqueles itens de consumo que mais contribuirão para seu sucesso reprodutivo ao menor custo possível Ou seja indivíduos devem preferir e utilizar estratégias para encontrar e consumir alimentos de valor calórico máximo relativo ao tempo e energia gastos no forrageamento Esses modelos não objetivam sugerir que as estratégias de forrageamento encontradas na natureza são perfeitas mas sim que é possível identificar as condições que determinaram a evolução de comportamentos e estratégias de forrageamento Alcock 1998 Uma das estratégias utilizadas por muitas espécies é o forrageamento ou caça cooperativos Um problema para determinar se um fenômeno seria ou não cooperativo é avaliar se a ação individual de cooperação gera um consumo maior per capita ou se a simples presença de um grupo de indivíduos forrageando sem qualquer ação cooperativa gera esse mesmo beneficio Nessa ultima categoria estaria o exemplo de gaivotas que quando em grupos capturam peixes mais rapidamente do que quando forrageam sozinhas Götmark et al 1986 Os peixes tentando fugir de uma gaivota acabam indo parar no bico da gaivota ao lado Nesse exemplo no entanto fica claro que apesar da sociabilidade gerar um benefício aos indivíduos agrupados possivelmente até favorecendo a formação de grupos não ocorre um esforço cooperativo por parte de cada um A distinção entre forrageamento cooperativo e outras formas menos complexas de agrupamentos para forragear sugerida por Schmitt e Strand 1982 baseiase sobre dois critérios 1 ocorre uma divisão de tarefas durante o forrageamento e 2 indivíduos são temporariamente comedidos e não se alimentam até que a presa esteja efetivamente incapacitada Esses autores sugerem que os peixes que estudaram savelhas Seriola lalandei exibem essas características necessárias Ao caçarem cavalinhas Trachurus symmetricus que ocorrem em cardumes as savelhas organizamse em grupo separam um subgrupo de presas do cardume de cavalinhas e utilizando uma organização espacial na forma de crescente tocam os peixes em direção à praia Aí então cercam o grupo de presas obrigandoas a se aglomerarem densamente Uma única savelha ataca o bando de cavalinhas provocando uma explosão dos pequenos peixes que caem diretamente nas bocas dos predadores ao redor A caça cooperativa também já foi descrita para aves e mamíferos Observações casuais sugerem que possivelmente muitas espécies de aves de rapina utilizam a caça cooperativa Porém poucos estudos criteriosos já foram feitos com esse grupo de aves O estudo de Bednarz 1988 com o gaviãoasadetelha Parabuteo unicinctus no entanto reúne muitos dados sobre caça cooperativa Grupos contendo um par reprodutor e vários subadultos prole do casal utilizam várias diferentes táticas de caça tais como ataques surpresa ataques com emboscada e estratégias de revezamento em perseguições de presas terrestres A caça cooperativa evoluiu em alguns membros de três famílias de carnívoros terrestres Felidae por ex leões Canidae por ex lobos e cães selvagens africanos e Hyaenidae por ex hienas pintadas A caça social nessas espécies permite o abate de presas que pesam de seis a doze vezes mais que um predador adulto em comparação com espécies solitárias desses grupos que consomem presas muito menores Alcock 1998 Apesar do termo cooperação ser aplicado à caça em grupo estudos e modelos recentes sugerem nuances complexas no comportamento de leões engajados na caça social O comportamento individual aparentemente varia bastante e os indivíduos usam estratégias diferentes que implicam em graus variados de gasto energético e cooperação Schell Packer 1991 Ou seja a razão custobenefício não é equivalente para todos os membros do grupo A cooperação no forrageamento ou na caça pode ou não se basear em padrões de parentesco dada a importância desse elemento na evolução de muitos comportamentos cooperativos Entre primatas por exemplo parentesco é um dos fatores mais relevantes que influencia o estabelecimento de comportamentos sociais No entanto estudos recentes têm evidenciado que um elevado nível de parentesco genético não é prérequisito absoluto para o estabelecimento de afiliações sociais Comportamentos cooperativos observados em um estudo de chimpanzés Pan troglodytes inclusive a partilha de carne obtida na caça indicam que a escolha de parceiros sociais não se baseou sobre elos de parentesco entre indivíduos Mitani et al 2000 COOPERAÇÃO NA PROTEÇÃO CONTRA PREDADORES Da mesma forma que inúmeras adaptações aumentam o sucesso na detecção e captura de presas também evoluíram contraadaptações por parte das presas de forma a lhes assegurar a sobrevivência Algumas adaptações envolvem comportamentos de agrupamento que proporcionam certa medida de segurança simplesmente pela diminuição da probabilidade de predação No entanto são os comportamentos que envolvem custos individuais que podem ser considerados cooperativos Abaixo descrevo algumas categorias de cooperação para defesa contra predadores Um dos exemplos mais curioso e bastante estudado é o de inspeção do predador descrito inicialmente por Pitcher et al 1986 para o comportamento de peixes que deixam o abrigo de seus cardumes e se movimentam vagarosamente em direção a um predador em potencial Esse comportamento já foi documentado pelo menos para meia dúzia de espécies e tornouse o sistema mais utilizado para a análise experimental da reciprocidade Dugatkin 1997 Aparentemente existe um custo para o indivíduo que executa tal inspeção que aumenta à medida que ele se aproxima mais do predador e vira a presa deste Dugatkin 1992 Além desse custo mais óbvio existem outros custos para o animal que inspeciona Dugatkin 1997 como o decréscimo no forrageamento e caso seja uma fêmea possibilidade de cópulas com machos satélites que aproveitam a oportunidade para assediar a fêmea enquanto essa está longe de seu cardume Evidências experimentais mostram que os inspetores transmitem informações para o resto do cardume sobre o real perigo representado pelo predador Magurran Hingham 1988 Então o cardume adota comportamentos de evasão de predador ou volta a forragear tranqüilamente As funções custos e benefícios desse comportamento exibido por peixes continuam sendo objeto de muita polêmica gerando novos estudos que visam determinar porque um indivíduo adotaria comportamento de tão alto risco e aparente altruísmo Uma segunda categoria de cooperação para evitar predação envolve vocalizações de alarme e a função de sentinela Muitos animais agrupados emitem vocalizações de alarme ao avistarem um predador Esses indivíduos assim como os inspetores nos peixes possivelmente pagam caro pelo comportamento caso o predador resolva atacálos por serem mais facilmente visualizados Mas vocalizações de alarme permitem que o resto do grupo se afaste do predador ou se organize para algum tipo de defesa agressiva Em algumas espécies existe evidência de que a vocalização de alarme é específica indicando o tipo de predador avistado Um exemplo clássico de uma análise aprofundada dessa questão é o estudo de esquilos terrestres Spermophilus beldingi publicado por Sherman 1977 Nesse estudo Sherman avaliou hipóteses alternativas em duas subclasses para determinar se vocalizações de alarme teriam evoluído em resposta à seleção direta benefícios para o sucesso reprodutivo do indivíduo dando o alarme ou seleção indireta benefícios para o indivíduo através de sua aptidão inclusiva Como benefícios diretos para o indivíduo as possibilidades sugeridas foram de que a o alarme causaria grande confusão para o predador e todos os esquilos inclusive o que gerou o pandemônio seriam beneficiados b o predador encerraria a tentativa de caça por saber que já teria sido avistado c pelo altruísmo recíproco o indivíduo mais tarde seria beneficiado quando outros no grupo assumissem a responsabilidade de soar o alarme d as vocalizações de alarme serviriam para beneficiar diretamente a sobrevivência da prole do indivíduo Já no caso da hipótese referente à seleção indireta Sherman 1977 sugeriu que indivíduos que vocalizassem seriam aqueles com uma extensa família no local e o alarme serviria para aumentar as chances de sobrevivência de parentes Sherman 1977 rapidamente eliminou várias hipóteses pois suas observações indicaram que os indivíduos dando o alarme eram mais freqüentemente as vítimas dos predadores Também verificou que o predador não ficava confuso ou tampouco desistia do ataque As hipóteses de investimento parental e aptidão inclusiva têm por predição básica que fêmeas vocalizariam o alarme mais do que machos pois nessa espécie os machos são nômades Portanto fêmeas teriam filhotes e parentes na colônia e machos não Os resultados de Sherman sustentam essas hipóteses Fêmeas emitem vocalizações de alarme mais freqüentemente que machos E ainda aquelas com parentes na vizinhança próxima emitem mais vocalizações de alarme do que aquelas sem parentes na vizinhança AGRADECIMENTOS Agradeço pela revisão editoria e sugestões no manuscrito Carlyle G Macedo Jr REFERËNCIAS Alcock J 1998 Animal Behavior An Evolutionary Approach 6ª ed Sunderland Sinauer Associates Alencar AI Yamamoto ME Oliveira MS Lopes FA Sousa MBC Silva NG 1995 Behavior and progesterone levels in Callithrix jacchus females Brazilian Journal of Medical and Biological Research 28 5915 Alexander RD 1974 The evolution of social behavior Annual Review of Ecology and Systematics 5 32583 Bednarz JC 1988 Cooperative hunting in Harris hawks Parabuteo unicinctus Science 239 15257 Bertram BCR 1979 Ostriches recognize their own eggs and discard others Nature 279 2334 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cooperativa 8 8 Construção cooperativa de abrigoninho CUSTOS 1 Competição dentro do grupo por alimento parceiros sexuais abrigo água e outros recursos limitados no ambiente 2 Risco de contágio de doenças e parasitas 3 Atração de predadores 4 Risco de cópulas extrapar 5 Possibilidades de canibalismo de filhotes 6 Risco de ovicídio e infanticídio gerado por disputas hierárquicas no grupo 7 Parasitismo de cuidados parentais 1 Referências Kruuk 1964 Alexander 1974 Brown 1978 Packer et al 1990 1991 Macedo et al 1991 Alcock 1998 Dierkes et al 1999 Koenig et al 1995 Figura 1 Matriz das conseqüências em aptidão reprodutiva de comportamentos para dois indivíduos interagindo que incluem um emissor de um dado comportamento e um receptor dessa ação MUTUALISMO COOPERAÇÃO ALTRUÍSMO RECÍPROCO COOPERAÇÃO VIA SELEÇÃO DE PARENTESCO EGOÍSMO ALTRUÍSMO PURO DESPEITO Figura 2 Gradação de sistemas reprodutivos sociais com características típicas associadas aos extremos alta assimetria reprodutiva e baixa assimetria reprodutiva ASSIMETRI A REPRODUTIVA ALTA MODERADA BAIXA Sistemas cooperativos Assistentes nãoreprodutores Monopólio reprodutivo Hierarquia de dominância forte Sistemas comunitários Reprodução egalitária Hierarquia fraca ou ausente Figura 3 Ninho comunitário do anu branco Guira guira no período de eclosão dos ovos Os ninhegos vocalizam intensamente para solicitar alimento dos adultos foto por Regina Macedo 289 Capítulo 11 AGRESSÃO Felicity Ann Huntingford FAHuntingfordbioglaacuk Division of Environmental and Evolutionary Biology Institute of Biomedical and Life Sciences Graham Kerr Building University of Glasgow Glasgow Reino Unido Sathyabama Chellappa bamadolufrnbr Departamento de Oceanografia e Limnologia Centro de Biociências Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Natal RN Brasil 290 O que é agressão A definição exata do termo agressão tem sido bastante discutida mas os biólogos em geral utilizam esse termo para se referir ao comportamento de um animal capaz de desencadear dano a um outro animal Esse dano pode ser tanto real como apenas uma ameaça bem como pode ser físico ou psicológico em que o objetivoalvo da agressão é geralmente um membro da mesma espécie Em outras palavras a maioria dos biólogos faz uma distinção entre predação em que um animal ataca mata e se alimenta de um membro de outra espécie e agressão Essa por sua vez ocorre entre membros de uma mesma espécie agressão coespecífica ou entre membros de espécies diferentes agressão heteroespecífica O termo agressão portanto engloba um amplo espectro de comportamento que envolve desde o ataque e a briga até a ameaça ou a submissão Em alguns casos esse leque de respostas é denominado comportamento agonístico Quais animais brigam e como fazem isso A agressão é bastante difundida no reino animal em que diferentes tipos de animais podem utilizar padrões comportamentais distintos em resposta ao conflito De um modo em geral a agressão depende do aparato físico disponível Muitos invertebrados simples não possuem os sistemas sensitivos e motores necessários para uma luta eficiente Mesmo entre animais mais complexos as características físicas podem freqüentemente restringir possíveis respostas agonísticas Um exemplo interessante desse tipo de situação é obtido pela comparação entre cães treinados para lutas por ex pit bulls e aqueles treinados para corridas pro ex greyhounds As especializações requeridas para uma corrida rápida e econômica podem limitar a performance da luta e viceversa como no caso da redução de massa muscular distal nas extremidades em algumas espécies Pasi Carrier 2003 As brigas também dependem do tipo de vida dos animais Animais de florestas densas ou de águas turvas provavelmente utilizam diferentes tipos de exibições agonísticas se comparados com aqueles que vivem em ambientes abertos por exemplo pistas auditivas elétricas e químicas ao invés de sinais visuais O desenvolvimento de um aparato mais pesado em aves é restringido pelo fato de o ar não ser um meio denso e pela necessidade de direcionamento dessas espécies Os encontros agressivos entre aves geralmente ocorrem 291 no solo sendo pontuados por lutas curtas o que contrasta com a natureza contínua de lutas dos peixes que vivem em um meio bem mais denso Diversos tipos de estruturas presentes em animais como as usadas na alimentação de filhotes na locomoção no cavar ou na desova são utilizados como armas para brigas entre rivais Como exemplos podem ser citados os dentes afiados dos babuínos as grandes presas de alguns camarões as extremidades afiadas dos lagartos o polegar em forma de lâmina do sapo gladiador macho as grandes modificações do aparato bucal das formigas guerreiras entre outros De um modo em geral as armas utilizadas pelos animais tornamse mais sofisticadas com o desenvolvimento de substâncias químicas irritantes ou tóxicas como é o caso do ferrão das abelhas Em outros casos os aparatos físicos desenvolvidos são estruturas especializadas utilizadas apenas em contextos agonísticos como os chifres e as garras Padrões de luta exibições escaladas e danos Os resultados finais das lutas entre os animais são muito similares apesar dos diferentes movimentos que apresentam Como conseqüência podem ser observadas estratégias alternativas visando recursos hierarquias de dominância territorialidade e guarda de parceiros sexuais em animais tão distintos quanto camarões e macacos Esses fenômenos serão discutidos com detalhes mais à frente Uma outra característica presente em lutas entre animais é o aumento da intensidade destas à medida que o encontro entre estes animais progride As lutas são iniciadas com movimentos energeticamente econômicos ou demonstrações de agressividade feitas à distância e com pouca probabilidade de desencadearem o ataque propriamente dito Posteriormente ocorrem padrões de comportamentos energeticamente mais dispendiosos e que envolvem contato sem desencadeamento de dano físico Nesse caso podem ser citadas as lutas de caudas ou os empurrões nos peixes ciclídeos Finalmente podese chegar a um estágio em que ocorrem ações energeticamente mais intensas e mais perigosas como mordidas chutes ou outros ataques O aumento progressivo da intensidade de luta é descrito como escalada Em alguns casos as lutas são intensas desde o início decrescendo gradualmente até se transformarem em ameaças Os conflitos podem ser resolvidos quando um participante se retrai em qualquer ponto da seqüência na escalada 292 As ações de baixo impacto existentes no início da luta geralmente levam a um aumento do tamanho aparente dos animais envolvidos como o eriçamento dos opérculos em peixes o achatamento e o alongamento da extensão do corpo em lagartos o aumento do volume do corpo em aves etc Da mesma forma pode ocorrer a exposição das armas dos animais como no caso do alargamento das pinças em crustáceos e das posturas de abertura da boca em iguanas Quando o contato físico ocorre durante a fase da luta sem danos são observados empurrões pegas ou brigas de cauda As interações desta natureza garantem que os oponentes avaliem sua força o que permite que o animal mais fraco desista da luta nesse momento O comportamento apresentado pelo animal perdedor após se retirar da luta tende a reduzir seu tamanho aparente salamandras achatamse ao chão e ocultar suas armas por ex os caranguejos dobram suas pinças escondendoas O rico repertório de ameaças e submissões vigentes em varias espécies bem como o fato das disputas serem encerradas majoritariamente sem danos sugeriam que as lutas entre animais consistiam em demonstrações inofensivas de força EiblEibesfeldt 1961 Lorenz 1966 Entretanto as lutas entre membros de uma mesma espécie freqüentemente aumentam de intensidade com o uso eficiente de armas que acarretam danos e até morte Os animais podem matar acidentalmente membros da mesma espécie sendo os danos e as mortes mais freqüentes quando as lutas ocorrem por motivos importantes como nas disputas por fêmeas receptivas Um exemplo de danos e mortes ocorre nas lutas de sapos machos por parceiras sexuais em que sapos fêmeas presentes entre eles morrem acidentalmente Outro exemplo são os filhotes de elefantes marinhos esmagados por grandes machos que lutam entre si por parceiras Assim apesar da acepção amplamente divulgada de que a agressão entre animais consiste em meras trocas de sinais lutas ferozes danos e mortes são características comuns entre membros da mesma espécie Agressão contextoespecífico dominância e territorialidade Uma razão para que as lutas não sejam tão comuns é que os animais freqüentemente adaptam a forma e a intensidade de suas respostas agonísticas ao contexto em que ocorre um encontro com um antagonista Caso a modificação dependa do resultado de encontros prévios em um mesmo grupo de oponentes o resultado é 293 dominância Assim quando dois oponentes se encontram com freqüência o subordinado tendo em vista suas derrotas em encontros prévios retraise em resposta à simples aproximação do individuo dominante Em animais que vivem em grupo os encontros ocorrem dentro de uma teia intrincada de interações sociais com alguns se destacando como superiores em relação aos demais Por conseqüência surge um sistema de organização linear ou hierarquia da dominância sintetizadores do padrão de relações agonísticas presente no grupo Na maioria dos casos os animais dominantes têm prioridade no acesso de recursos limitados como abrigos alimentos água cópulas entre outros As relações de dominânciasubordinação podem ser vistas em diversos animais desde baratas e lagostas até lobos e chimpanzés apesar de haver diferenças nos mecanismos intrínsecos nessas relações Em alguns casos as relações estáveis de dominância decorrem do animal dominante ser maior o que é averiguado pelo subordinado a cada novo encontro Em outros casos as vitórias freqüentes modificam o comportamento com os vencedores apresentando um comportamento mais agressivo aproximandose mais prontamente do rival Os possíveis oponentes conseguem detectar esse padrão a cada encontro submetendose sem luta Finalmente alguns animais podem se reconhecer mutuamente e utilizar a experiência de encontros prévios com indivíduos específicos com o intuito de obter uma avaliação direta de suas habilidades para a luta Caso os encontros prévios tenham levado à derrota o animal geralmente se submete ao vencedor Chase et al 2002 A territorialidade ocorre quando animais ajustam seus comportamentos de luta a sua posição no espaço defendendo assim uma área especifica Este padrão de comportamento é bastante difundido entre os animais Huntingford Turner 1987 O esganagatas macho durante o período reprodutivo restringe suas atividades a áreas particulares perseguindo quaisquer machos até as margens dessas áreas por meio de exibições e de ataque de forma combinada Tinbergen 1951 Chellappa et al 1999a Esse padrão consiste no território clássico que é uma área fixa do qual outros animais especialmente rivais na obtenção de recursos são expulsos mediante algum tipo de comportamento agonístico O esganagatas macho defende um território no qual constrói um ninho corteja as fêmeas e cria os filhotes Em outras espécies os territórios defendidos permitem a obtenção de alimentos como no caso dos beijaflores e de abrigo ou de parceiros como nos camarões e peixes ciclídeos Dependendo da espécie os territórios podem ser mantidos por diferentes períodos desde algumas horas até o 294 ano todo Podem ser citados os territórios destinados ao acasalamento como em alguns pássaros e à alimentação dos filhotes na migração dos beijaflores Em peixes donzela a defesa do território se estende ao longo do ano Deve ser salientado que os territórios podem ser defendidos por um único individuo como as libélulas por um casal de parceiros sexuais como os gibões e alguns peixes ciclídeos ou por um grupo de animais como chacais e formigas Formas alternativas de vencer as lutas Em algumas espécies a presença de membros agressivos e fortes impede que os demais membros tenham acesso aos recursos limitados Em decorrência disso os animais excluídos podem usar várias táticas a fim de ganhar uma parte dos recursos que lhes foram negados Krebs Davies 1996 Os animais sem território podem habitar de forma tolerada ou até valorizada os territórios pertencentes a outros mais bem sucedidos Os peixesdonzela desde que permaneçam estáveis e dominantes ignoram rivais presentes em seus territórios Ao jovem macho iguana é permitida a presença em territórios de machos em período reprodutivo desde que não disputem a fêmeas Outro exemplo é o caso de alguns pássaros satélites que ajudam a defender o território que habitam Alternativamente os animais sem território podem despender a maior parte do tempo nas margens do território de outro animal explorando os recursos presentes nessa região sem serem percebidos Algumas espécies de beijaflor subordinadas se alimentam em territórios de espécies dominantes de forma sorrateira durante o amanhecer e o anoitecer Alguns sapos machos podem por ex interceptar as fêmeas à medida que estas se locomovem em direção ao território do macho dominante Em casos extremos o uso de estratégias alternativas de competição pode estar associado a diferenças morfológicas como é o caso das lutas por fêmeas em besouros com chifres enquanto indivíduos desprovidos de chifres furtivamente as conseguem Simmons et al 1999 Em alguns casos o mesmo animal pode utilizar diferentes estratégias na obtenção de recursos em diversas circunstâncias como é o caso de sapos que em período reprodutivo alternam entre a sinalização por vocalização e o sneaking em segundos Paralelamente outros animais podem mudar de estratégias à medida que vão envelhecendo Como exemplo citamos o caso de veados machos jovens que conseguem 295 fertilizações com comportamento de sneaking enquanto os machos mais velhos lutam pelas fêmeas Por fim em alguns casos a mesma estratégia é utilizada ao longo da vida do animal como em besouros estercoreiros Questões sobre a agressão de animais Quando se indaga sobre por que os animais lutam podese procurar respostas para quatro questões diferentes Tinbergen 1951 Uma questão pode ser Quais são os mecanismos que levam um animal a lutar num dado momento Em outras palavras a questão pondera sobre as causas da agressão Por um lado a indagação pode ser Como os genes e as influências do ambiente interagiram de forma a produzir em um animal adulto determinado padrão de luta O questionamento nesse caso remete a questões sobre o desenvolvimento da agressão Uma outra questão relevante pode ser De que forma as lutas influenciam na aptidão darwiniana dos animais em questão cuja indagação se relaciona às funções adaptativas da agressão Finalmente uma outra questão pode ser Qual é a história filogenética de um comportamento de luta apresentado por determinada espécie Esta pergunta está relacionada diretamente com a evolução do comportamento de luta Uma compreensão completa sobre a biologia da agressão requer respostas às quatro questões assinaladas As seções a seguir mostram de forma breve selecionada e sob essas quatro perspectivas uma compreensão atual sobre o porquê de animais lutarem A Maquinaria da agressão A agressão é complexa e espécieespecífica sendo os mecanismos geradores deste comportamento igualmente complexos e variáveis no reino animal Assim é difícil elucidar um porquê sobre as causas da agressão No entanto há algumas importantes generalizações e alguns casos em que as causas da agressão são bem compreendidas As lutas e seus tipos exibidos entre os animais em quaisquer momentos dependem da interação dinâmica entre os estímulos externos que atuam sobre estes além das condições internas dos animais Dependendo da espécie a agressão pode ser 296 induzida ou suprimida por pistas visuais olfatórias auditivas mecânicas elétricas ou pela combinação de algumas dessas Por ex o ataque de um esganagatas macho dominante sobre um coespecífico é desencadeado pelo peito avermelhado do rival até o ponto em que este começa a ser inibido especialmente se o invasor for grande e luzente Rowland et al 1995 A agressão em camundongos adultos machos por sua vez é desencadeada por substâncias químicas derivadas de hormônios presentes na urina de outros camundongos machos adultos mas suprimidos se essas substâncias estiverem em fêmeas adultas Haug Brain 1979 Mugford Nowell 1970 As gravações de melodias espécieespecíficas tocadas em um território destinado à reprodução de alguns pássaros desencadeia o ataque por parte de aves que habitam esse lugar Entretanto essas gravações detêm a intrusão por parte de outros pássaros Searcy Nowicki 2000 Um outro exemplo é o caso do som emitido por veados adultos que resulta na retirada do rival CluttonBrock Albon 1979 Durante as lutas pelas conchas em que vivem um tipo de caranguejo Pagurus bernhardus golpeia com sua própria concha a do animal rival Dependendo do tamanho do caranguejo que ataca e da força dos golpes contra a concha este estímulo tátil pode levar o animal atacado a soltar sua concha cedendoa ao atacante Elwood Briffa 2001 Por sua vez no peixe elétrico Gymnotus carapo os pulsos elétricos gerados artificialmente e que mimetizam uma descarga elétrica sustentada do macho provocam ataque por parte de outros machos BlackCleworth 1970 As pistas que promovem ou inibem a agressão em determinadas espécies não são arbitrárias Ao invés disso são exatamente elas que garantem que o ataque seja direcionado aos alvos apropriados e que afastam da luta os combatentes potencialmente mais fortes Dessa forma em muitas espécies cujos machos em período reprodutivo lutam por fêmeas as pistas sinalizadoras da presença de outros machos adultos rivais da mesma espécie como cheiros e melodias podem desencadear o ataque Os membros da mesma espécie que não são familiares sendo assim mais perigosos são reconhecidos e atacados vigorosamente em várias espécies Por exemplo os lagartos machos Podarcis hispanica podem reconhecer cheiros de invasores familiares que são menos atacados que os invasores cujo cheiro não seja familiar Lopez Martin 2002 Da mesma forma os oponentes fortes como os veados adultos que podem emitir sons por um longo período são evitados ao invés de atacados Krebs Davies 1996 A resposta dos animais a tais pistas é variável tanto individualmente como entre si Alguns indivíduos são consistentemente mais agressivos que outros da mesma 297 espécie Huntingford Turner 1987 Em camundongos machos advindos de uma população selvagem um invasor territorial é atacado rapidamente Nesse contexto foi observado que a agressividade varia marcadamente entre os machos Benus 1988 Igualmente em determinadas situações o ataque de um indivíduo ao rival pode exibir pouca agressividade Huntingford Turner 1987 Tais diferenças na responsividade ao ataque e ao desencadeamento de estímulo devem resultar das diferenças existentes entre os próprios animais envolvidos Os processos internos moduladores de respostas agressivas podem ser descritos e estudados em diferentes níveis Em estágios anteriores de investigações ou em espécies pouco manipuláveis experimentalmente foram delineadas algumas conclusões obtidas mediante estudos sobre mudanças comportamentais relacionadas ao tempo ou às variações entre indivíduos Em outros casos as diferenças na agressividade estão relacionadas ao estado fisiológico dos animais tais como o aparato respiratório os níveis sangüíneos de hormônios e a atividade neurológica Nesta seção são dados alguns exemplos de cada tipo de estudo Durante as lutas por conchas entre caranguejos eremitas tanto os índices de batidas de conchas quanto o vigor dessas batidas diminuem à medida que a luta progride Isso está relacionado à maior prontidão em abandonar a luta em resposta a um estímulo novo e potencialmente perigoso Elwood et al 1998 Briffa Elwood 2000 Nesse caso a mudança no comportamento agressivo pode ser descrita e explicada pelo comportamento por meio das flutuações dos motivos de ataque Do ponto de vista fisiológico os níveis de lactato em circulação um produto da respiração anaeróbica e de glicose liberado pela mobilização do glicogênio aumentam no caranguejo dominante à medida que esse realiza mais batidas de concha Acreditase que isso seja diretamente responsável pela diminuição dos índices e do vigor das batidas de concha que ocorrem durante a luta Briffa Elwood 2001 Em virtude das demonstrações de ameaças serem energeticamente dispendiosas como as batidas de conchas dos caranguejos eremitas essas atuam como sinais eficientes Devese ressaltar que essas demonstrações fornecem informações importantes sobre a capacidade de resistência e de força do animal em ataque Briffa et al 2003 Brandt 2003 As mudanças nos níveis circulatórios dos produtos decorrentes da respiração não causam alterações diretas na agressividade exercendo no entanto seus efeitos sobre os sistemas neuroendócrinos que controlam este comportamento Esses sistemas têm sido estudados com considerável detalhe em crustáceos de grande porte como as lagostas 298 Nesses animais as lutas são geralmente bastante agressivas e complexas com relações evidentes de dominância e subordinação A identificação dos sistemas neurais moduladores do comportamento agressivo tem apresentado um progresso considerável Paralelamente há um progresso na caracterização do papel de substâncias neuroquímicas secretadas pelo cérebro e geradoras de diferenças na agressividade Por exemplo um sistema de neurônios que secreta serontonina neurônios serotoninérgicos foi mapeado no sistema nervoso central da lagosta havendo interação com neurônios motores implicados nas posturas agressivas e em outros padrões de comportamento agonístico Kravitz 2000 Quando se aumenta experimentalmente o nível de serotonina há agressividade em lagostas subordinadas Panksepp et al 2003 Assim é especulado que a diferença da agressividade das relações de dominânciasubordinação pode ser desencadeada por mudanças na atividade do sistema serototinérgico Há uma vasta literatura sobre os sistemas fisiológicos hormonal e neural norteadores do comportamento agressivo em vertebrados Nelson 2000 Esses mecanismos são complexos e os detalhes variam conforme a espécie apesar de algumas generalizações serem possíveis Primeiramente em várias espécies de animais adultos há uma evidente relação entre os níveis de andrógenos circulantes hormônios sexuais masculinos e a agressão Em algumas espécies cujas lutas mais drásticas são decorrentes da luta de machos para ter acesso às parceiras a associação com os andrógenos é bastante evidente Assim a agressividade varia conforme os níveis de andrógenos sendo a castração um meio capaz de tornar os machos menos agressivos Ao se fazer uma reposição hormonal de andrógenos o padrão de comportamento agressivo é reiniciado Esta relação é agravada pelo fato dos efeitos da agressividade decorrente dos níveis de andrógenos poderem ser mascarados por fatores sociais Este último ocorre principalmente em primatas que possuem cérebros maiores e sistemas sociais complexos Gordon et al 1979 As lutas têm efeitos marcantes e drásticos sobre os níveis circulatórios de andrógenos o que torna a relação hormônioagressão uma via de mão dupla Wingfield 1985 Yang Wilczynski 2002 Paralelamente outros hormônios como o cortisol também modulam o comportamento agressivo Breuner Wingfield 2000 Apesar das diversas complicações presentes as diferenças intraespecíficas na agressividade podem freqüentemente ser decorrentes das variações na atividade hormonal Em diversas espécies de peixes machos os níveis de 11cetotestosterona uma potente andrógeno em peixes são elevados nos machos territoriais em relação aos 299 invasores Brantley et al 1993 No caso do camundongo os machos agressivos possuem níveis basais de testosterona mais elevados do que os nãoagressivos além de apresentarem níveis mais baixos de cortisol Koolhaas et al 1999 Os hormônios além de produtos da respiração exercem influência sobre a agressão mediante um conjunto de estruturas complexas e pelo sistema nervoso central Dentre as regiões cerebrais relacionadas ao controle da agressividade entre machos rivais em camundongos e ratos Nelson 2000 estão os centros geradores de movimento o hipotálamo ventromedial e lateral na região septal e as áreas pré opticas Esta última deve estar intacta para que ocorra a expressão espontânea da agressão em diversos vertebrados como peixes e macacos resos Outra região cerebral envolvida é a amígdala pois a agressão territorial é marcadamente reduzida em ratos com lesões no núcleo corticomedial do hipotálamo Neste caso os mamíferos de várias espécies ficam hiperativos e às vezes mais agressivos após lesão nessa região Algumas dessas áreas estão envolvidas com os efeitos intrínsecos da agressão enquanto outras se relacionam aos efeitos mais gerais da agressividade e a outros aspectos comportamentais como a reatividade Muitas dessas regiões cerebrais como o hipotálamo e as áreas préópticas possuem receptores para hormônios esteróides com suas atividades moduladas pelos níveis de andrógeno na circulação Os camundongos agressivos e os nãoagressivos possuem padrões distintos de elevação de andrógeno em diversas partes do cérebro Por exemplo os machos nãoagressivos têm níveis altos de atividade da aromatase responsável pela conversão de testosterona em estrógeno no sistema nervoso central nas regiões préópticas Quando comparadas aos machos agressivos possuem mais atividade de aromatase possivelmente devido aos machos nãoagressivos apresentarem menores níveis de testosterona na circulação Compaan 1993 Vários neurohormônios como as bioaminas modulam a agressão tanto em invertebrados quanto em vertebrados Por exemplo injeções de noradrenalina e dopamina aumentam os níveis de agressividade enquanto injeções de 5hidróxi triptofano ou serotonina os reduzem Os níveis dessas mesmas substâncias químicas também podem ser alterados em decorrência da participação em lutas Como exemplo os animais subordinados de um grupo ou os que perdem uma luta têm maiores níveis absolutos de serotonina cerebral em diversas espécies de vertebrados incluindo peixes Maler Ellis 1987 Winberg Nilsson 1983 ratos Blanchard et al 1991 e macacos Reisner et al 1996 Como o efeito de inibiçãoagressão da serotonina é 300 difundido em vertebrados parece ser um mecanismo evolutivo que faz com que os indivíduos cujas competições são menos eficazes não participem em lutas desnecessárias Desenvolvimento da agressão O comportamento agressivo observado em animais adultos é desenvolvido de forma espécieespecífica e flexível Isso ocorre por meio de uma interação contínua entre os genes herdados dos pais e o ambiente social e nãosocial em que os animais se desenvolvem De um modo em geral os padrões motores espécieespecíficos utilizados pelos animais durante as lutas são relativamente resistentes às modificações impostas pelo ambiente No entanto é salientado que os padrões motores existentes nas lutas são desenvolvidos de uma forma mais flexível conforme o modo o porquê e a prontidão com que os animais reagem nos embates Huntingford 1984 Os padrões de comportamento coordenados e complexos observados nas lutas aumentam gradualmente durante o desenvolvimento a partir de movimentos sem coordenação de animais bastante jovens ou por padrões de comportamento usados em outros contextos Por exemplo os movimentos dos membros inferiores utilizados nos pulos de jovens aves selvagens são transformados em movimentos de chutes agressivos quando elas se tornam adultas e participantes de embates Kruijt 1964 Após o surgimento de ações agressivas nos animais em desenvolvimento suas formas e freqüências possivelmente variam consoante ao amadurecimento Alguns desses processos são hormonais e têm efeitos sobre a agressão em animais adultos e sobre a agressividade mediante ações ao longo do desenvolvimento Assim em certos vertebrados Huntingford Turner 1987 Nelson 2000 a exposição a andrógenos num estágio critico do desenvolvimento pode afetar os sistemas neurais com possíveis diferenças na agressividade entre os sexos Por exemplo pássaros zebras fêmeas jovens desenvolvem sistemas neurais que originam um canto semelhante ao dos machos quando expostas experimentalmente a andrógenos durante o desenvolvimento Gurney Konishi 1980 Paralelamente a exposição a andrógenos pode acarretar variações na agressividade em indivíduos do mesmo sexo Como exemplo fêmeas de camundongos em contato com dois machos durante o desenvolvimento no útero 301 materno apresentam níveis elevados de andrógenos resultando em adultos mais agressivos Von Saal 1983 Em alguns casos os efeitos desse hormônio são responsáveis pelo desenvolvimento de machos que adotam estratégias alternativas de acasalamento Por exemplo no peixe Poricthys notatus a maioria dos machos denominados machos tipo I utiliza cantos agressivos originados pela vibração da bexiga natatória A produção de cantos tem por objetivo defender o território em que constroem ninhos cortejam fêmeas e cuidam da prole Um outro tipo de macho reprodutivamente ativo denominado macho tipo II apresenta corpo menor sem produção de cantos nem defesa de territórios mas consegue fertilizações com comportamentos furtivos nos ninhos de machos tipo I Essas diferenças são fixas ao longo do desenvolvimento de forma que o macho tipo II nunca defende um território e viceversa Os machos adultos tipo I e II diferem drasticamente quanto ao desenvolvimento dos músculos que vibram a bexiga natatória aos neurônios motores que ativam esses músculos e aos núcleos de estruturas cerebrais responsáveis pelo controle da ativação desses neurônios As diferenças de estrutura e comportamento decorrem de o macho tipo I secretar testosterona quando é imaturo e apresentar rápido crescimento num período critico Os machos tipo II não apresentam a mesma secreção de andrógeno o que resulta em um menor desenvolvimento dos sistemas neurais e motores Bass 1992 Em lagartos que habitam árvores a exposição precoce aos andrógenos acarreta o desenvolvimento de machos com morfotipos mais agressivos Moore et al 1998 Os eventos endócrinos precoces não são fixos mas dependem de várias influências ambientais atuando sobre o animal em desenvolvimento Algumas influências sobre o desencadeamento da agressividade surgem do ambiente nãosocial Por exemplo breves períodos de alimentação inadequada durante o desenvolvimento tornam camundongos machos mais agressivos quando adultos Tonkiss Smart 1982 o mesmo ocorrendo em ratos jovens que tiveram a oportunidade de cavar tocas Nikoletseas Lore 1981 Uma outra influência importante na agressividade vem das interações sociais com coespecíficos principalmente com os pais Os filhotes de galinhas cuidados pelos pais são comparativamente menos agressivos em relação aos que não tiveram esses cuidados Falt 1978 Similarmente camundongos machos que tiveram cuidado parental são relativamente menos agressivos se comparados a outros machos Marler et al 2003 Em alguns tipos de macacos jovens o apoio materno auxilia na determinação da posição social Horrocks Hunte 1984 As experiências 302 diretas de perdas ou ganhos em lutas influenciam o desenvolvimento da agressão em animais jovens modulando a agressividade dos adultos de várias espécies como lesmas Zack 1975 peixes e camundongos Lagerspetz 1979 Evidências de diferentes tipos têm demonstrado diferenças herdadas na agressividade entre membros da uma mesma espécie Essas incluem o cruzamento entre indivíduos com diferentes comportamentos a comparação com animais de linhagens congênitas a reprodução seletiva para agressividade e o mapeamento quantitativo do comportamento analisado mediante modernas ferramentas moleculares As espécies usadas nesses estudos variam sendo usadas lagostas Finley Hayley 1983 galos silvestres Moss et al 1982 cães Fox 1978 camundongos machos Benus et al 1991 entre outras A reprodução seletiva de dois extremos da distribuição de agressividade em machos selvagens resultou em uma diferença marcada e continuada de agressividade entre as linhagens agressivas e nãoagressivas mesmo em filhotes criados por pais adotivos Isso evidencia que as diferenças de comportamento de uma população original são causadas em parte por variações genéticas Um complexo programa de cruzamentos entre as linhagens agressivas e nãoagressivas demonstra que as diferenças de agressão entre duas linhagens dependem dos elementos do cromossomo Y com ênfase à parte pseudoautossômica Sluijter 1994 A ecologia da agressão Os vencedores de lutas são freqüentemente capazes de se apropriar de algum recurso seja alimento como os beijaflores abrigos como os caranguejos eremitas parceiros sexuais diversas espécies ou vários recursos simultaneamente Uma resposta funcional a indagação Por que os animais lutam pode ser facilmente fornecida Lutam para obter um ganho preferencial ou o acesso exclusivo a recursos limitados Então surge uma questão diferente Tendo em vista que os vencedores ganham recursos valiosos por que os animais não lutam de forma igualmente agressiva A resposta vem do fato das lutas envolverem custos e benefícios potencialmente significantes e que devem ser avaliados considerando a aptidão do indivíduo A identificação das conseqüências da agressão provavelmente pode ter um efeito negativo sobre a aptidão Por exemplo as lutas envolvem tempo que pode ser alocado para outros fins Os peixes ciclídeos agressivos são menos vigilantes e mais vulneráveis 303 ao ataque predatório do que os peixes que não são lutadores principalmente quando os ciclídeos estão engajados em lutas escaladas Os embates constituemse em processo ativo com alto custo energético que se reflete em maior consumo de oxigênio no acúmulo de lactato e na depleção de reservas energéticas Chellappa et al 1989 Fernandes Volpato 1993 Alvarenga Volpato 1995 Huntingford et al 2000 Apesar de muitas lutas entre animais serem resolvidas mediante troca de exibições outros escalam para ataques agressivos e perigosos Há diversos relatos bem documentados de uma variedade de vertebrados e invertebrados com danos relativamente sérios Alguns exemplos são os danos oculares em sapos gladiadores Kluge 1981 ou a morte em vespas Hamilton 1979 Os custos das lutas podem desvalorizar os benefícios da vitória o que torna fácil a compreensão dos motivos de animais não lutarem tão ferozmente quando disputam um recurso Os biólogos teóricos têm utilizado um número de aproximações diferentes e freqüentemente complexos visando a exploração das implicações desse fato Kreb Davies 1996 Entretanto três amplas predições emergem 1 As lutas devem ser particularmente ferozes quando os animais estão lutando por um recurso valioso Muitos exemplos bem documentados podem ilustrar esta predição Enquist Leimar 1990 Em termos gerais as lutas mais ferozes e danosas ocorrem entre machos para o acasalamento com fêmeas mais receptivas com marcantes vantagens de aptidão Huntingford Turner 1987 Chellappa et al 1999b Com relação a outros recursos os caranguejos eremitas lutam mais ferozmente por conchas de melhor qualidade Elwood Neil 1992 Por sua vez os gafanhotos privados de alimento lutam mais agressivamente pelo alimento com maior probabilidade de vencer seus rivais que se alimentaram melhor Nosil 2002 2 As lutas devem ser menos agressivas quando os custos decorrentes do comportamento agressivo aumentam cujo efeito tem sido demonstrado em varias espécies Por exemplo o salmonídeo Salvelineus alpinus apresenta um comportamento menos agressivo quando há um aumento na velocidade da corrente de água pois essa corrente aumentada acarretaria ataques e exibições mais dispendiosas Jobling et al 1993 Os peixes ciclídeos lutam menos intensamente na presença de predadores em comparação com situações sem predadores Brick Jakobsson 2002 304 3 Durante os primeiros estágios de um encontro agressivo os oponentes geralmente trocam informações sobre suas habilidades de luta o que torna plausível a premissa de que as lutas devam ser resolvidas dessa forma A lógica dessa linha de raciocínio consiste em o oponente mais fraco provavelmente seja o perdedor Dessa maneira o animal mais fraco pode ganhar em aptidão ao retirarse da luta antes de despender alto custo numa perda inevitável Uma predição posterior a esta idéia é a de que quanto menor a diferença entre as habilidades de luta entre os oponentes maior será o tempo e intensidade da luta Muitos estudos empíricos sustentam essa predição como por exemplo os rugidos emitidos por veados machos numa luta e que se correlacionam com a força e a capacidade de resistência Dessa forma várias lutas são resolvidas tendo como base as diferenças entre os rugidos CluttonBrock Albon 1979 As lutas entre lagartos machos são geralmente ganhas pelo indivíduo que apresenta uma maior capacidade de resistência locomotora com exibições de empurrões servindo de indicadores sobre a habilidade de luta e de resistência Assim sendo é mediante esses indicadores que as lutas se resolvem Brandt 2003 Esses e outros exemplos demonstram como um animal se comporta ao longo de uma luta com conseqüências importantes para sua aptidão O comportamento nas lutas tem várias implicações em populações como por exemplo a influência da agressão sobre a emigração a mortalidade e a reprodução todos com impacto significativo sobre o crescimento populacional Huntingford Turner 1987 Os modelos ecológicos que incorporam tais processos podem potencialmente promover a compreensão e a previsão de eventos populacionais Sutherland 1996 Por exemplo alguns modelos desenvolvidos primeiramente por Fretwell Lucas 1970 descrevem como os animais se alimentam em grupos distribuindose entre as áreas de alimentos além de locomoverem livremente entre si a distribuição livre ideal Os modelos mais complexos incorporam interações dominantes de forma que alguns indivíduos despóticos sejam capazes de monopolizar as áreas mais ricas gerando a distribuição despótica ideal Fretwell Lucas 1970 Milinski Parker 1991 Huntingford 1993 Os modelos despóticos ideais podem prever como os animais são distribuídos no espaço e no que se refere ao aumento do tamanho e da biomassa da população Ruxton et al 1999 As premissas do ideal básico do modelo despótico 305 foram testadas em peixes salmonídeos jovens que num riacho simulado se alimentam em áreas de qualidades fixas mas diferentes Foi observado que o uso do padrão de áreas em relação ao ranqueamento ocorreu da forma prevista Hakoyama Iguchi 2001 No entanto ainda não está claro como o status serve para predizermos o desempenho em condições mais complexas presentes em rios e riachos naturais A evolução da agressão Há duas fontes principais de evidências sobre a reconstrução da história filogenética do comportamento agressivo para quaisquer espécies a dedução de onde surgiram as exibições de agressividade e os tipos de mudanças que ocorreram durante o passado evolutivo Huntingford Turner 1987 Em primeiro lugar podese usar o registro de fósseis Apesar de o comportamento não se fossilizar as estruturas vinculadas a ele podem servir de evidência Por exemplo na Europa e na Ásia há um extenso registro de fóssil de um veado gigante Megaloceros giganteus González et al 2000 Esse registro demonstra a história de um aumento progressivo do tamanho dos chifres particularmente em machos associado a um grosso arcabouço ósseo entre os chifres Além disso eles se tornaram mais complexos e mais oblíquos ao invés de se apresentarem na posição vertical As considerações sobre as estruturas e orientações dos chifres do veado gigante sugerem que eram utilizados nos embates entre machos com os chifres entrecruzandose à medida que os oponentes baixavam suas cabeças até quase atingiram a base Lister 1994 A modelagem dos custos em produzir os enormes chifres nesses animais tanto em termos de energia quanto de minerais demonstra como a seleção sexual por chifres grandes foi sobreposta pela seleção natural por um corpo e chifres menores acarretando na extinção progressiva dos veados gigantes Moen et al 1999 Uma segunda fonte de evidência sobre a evolução das lutas consiste na comparação dos comportamentos agressivos de animais cujas relações filogenéticas são conhecidas Esta linha de raciocínio tem obtido bastante respaldo atualmente devido ao desenvolvimento de filogenias específicas com bases em evidência molecular Por exemplo certas espécies de insetos apresentam duas ou mais formas distintas Algumas não possuem asas vivendo e reproduzindose dentro da área em que eclodiram enquanto outras possuem asas dispersandose para novas áreas de reprodução Em 306 algumas dessas por sua vez há uma casta de soldados que são indivíduos com asas curtas e membros dianteiros aumentados usados na defesa do território em casos de invasão As filogenias com base nas seqüências de DNA mitocondrial têm sido utilizadas para responder a diversas questões sobre a evolução de um determinado traço comportamental As castas de soldados provavelmente se originaram uma ou no máximo duas vezes na história evolutiva a partir das formas de insetos alados tendose separado de um número de linhagens Crespi et al 1998 Os detalhes do comportamento agressivo podem ser utilizados na reconstrução filogenética juntamente com os caracteres morfológicos e genéticos Stuart et al 2002 Por exemplo o comportamento observado durante embates agressivos em machos de diversas espécies de mamíferos foi utilizado para examinar a origem filogenética dos cetáceos Embates de cabeças presentes em lutas entre machos são observados somente em ruminantes hipopótamos e cetáceos respaldando a idéia de que estes últimos devam ser classificados com os Artiodátilos Lusseau 2003 Aplicações práticas de pesquisas sobre agressão As seções prévias forneceram uma visão geral dos diferentes tipos de respostas à questão Por que os animais lutam Este vasto conjunto de pesquisas interdisciplinares é de fundamental interesse a agressão é um padrão comportamental dramático e espetacular que é difundido no reino animal e o entendimento de por que ele ocorre e por que tem uma determinada forma é um desafio fascinante para os biólogos comportamentais Entretanto as respostas a essas perguntas são potencialmente também de importância prática pois se entendermos porque os animais lutam podemos controlar se ocorrerão quando e como serão expressas Uma demonstração particularmente dramática senão éticamente questionável do fato de que conhecimento é poder é fornecida pelo neurocientista espanhol Delgado Ele manteve um touro de carga parado por meio de estimulação do cérebro desse animal com um eletrodo implantado na amigdala Delgado 1967 Nesta última seção são fornecidos exemplos da aplicação do conhecimento sobre a biologia da agressão a partir de estudos sobre suas causas desenvolvimento função e evolução Uma boa demonstração é a compreensão do estímulo que ativa ou inibe a agressão através do uso de dispersores de feromônios para suprimir uma agressividade problemática em cães e gatos Mills Mills 2001 Um outro exemplo de aplicação 307 prática adequada é a relação entre a serotonina e o status de subordinação em vertebrados proposta por Winberg et al 2001 Nesse estudo foi observado que havia redução dos níveis de agressividadequando as trutas recebiam alimentos contendo altos níveis de um precursor natural da serotonina Devido à redução na agressividade sem a supressão de alimentos ou de crescimento este pode procedimento ser potencialmente utilizado para melhorar a produção dos peixes cultivados No que se refere aos processos de desenvolvimento os programas de reprodução seletiva para características comportamentais desejadas são bastante antigos como uma menor agressividade em animais em cultivo ou maior em animais lutadores como em cães de guarda e galos de briga A maior compreensão que temos atualmente sobre os mecanismos genéticos determinantes da agressão pode tornar esse processo mais eficiente Durante séculos os treinadores têm utilizado programas de reforço para aumentar ou diminuir a agressividade em cães e gatos No entanto um melhor entendimento sobre o papel da experiência social no desenvolvimento da agressão pode tornar esse processo bem mais eficiente Bradshaw 1992 Lockwood 1995 Salientamos que esse processo pode também auxiliar em programas de treinamento com espécies nãodomésticas Por exemplo a manipulação da experiência precoce na larvicultura de peixes salmonídeos pode melhorar a habilidade desses animais competirem por alimentos após serem reintroduzidos na natureza o que melhoraria sua sobrevivência Brown Laland 2002 A compreensão por uma perspectiva ecológica dos meios pelos quais o comportamento agressivo é modulado pelos benefícios do ganho e custos das lutas pode também ser aplicada com vantagens Por exemplo a agressão em grupos de salmões atlânticos cultivados pode ser drasticamente reduzida pela presença de coespecíficos Essa redução pode ser desencadeada pelo aumento da velocidade de corrente da água o que tornaria as interações agressivas energicamente mais dispendiosas Jobling et al 1993 As reconstruções da história filogenética da agressão em linhagens específicas são relativamente deslocadas no contexto atual de uma perspectiva prática apesar de serem interessantes do ponto de vista da biologia fundamental Entretanto muitas perspectivas derivadas de estudos sobre a evolução da agressão são importantes na dedução sobre o comportamento da espécie humana Huntingford Turner 1987 À medida que as ações agonísticas evoluem em uma dada linhagem elas tendem a se conservar por longos períodos havendo poucas mudanças Entretanto altos níveis de 308 manifestação de agressão como a ausência de territorialidade ou a natureza das interações de dominância são muito mais variáveis com uma história evolutiva de mudanças relativamente rápidas em resposta a alterações no meio ambiente especialmente em animais com cérebros grandes e sistemas sociais complexos Por essas razões as tentativas de se elaborar deduções sobre o comportamento agressivo natural na espécie humana a partir dos dados sobre outros animais Por ex que somos territoriais porque outros primatas são Ardrey 1966 que temos hierarquias de dominância porque os babuínos são hierárquicos Morris 1969 devem ser cautelosas REFERENCES Ardrey R 1966 The Territorial Imperative New York Atheneum Bass A 1992 Dimorphic male brains and alternative reproductive tactics in a vocalizing fish Trends in Neuroscience 15 13945 Benus I 1988 Aggression and coping differences in behavioural strategies between aggressive and nonaggressive male mice Tese de Doutoramento University of Groningen The Netherlands Benus RF Bohus B Koolhaas JM Van Oortmerssen GA 1991 Heritable variation of aggression as a reflection of individual coping strategies Experientia 47 100819 BlackCleworth P 1970 The role of electric discharges in the nonreproductive social behaviour of 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duplicação do material genético e alocação da nova cópia genômica e quantidades variáveis de material citoplasmático para a nova célula As partículas virais embora tenham a capacidade de replicar o seu material genético não reproduzem pois necessitam da maquinaria molecular presente nas células por elas infectadas que por sua vez geram as cópias do material genético viral Portanto embora a reprodução implique necessariamente em replicação e por esse motivo esteja intimamente relacionada ao próprio conceito de vida a replicação unicamente não define o fenômeno reprodutivo Segundo Margulis e Sagan 2002 a partir do paradoxo enunciado por Erwin Schrödinger durante o ano de 1943 no qual afirmava que a vida funcionava como um cristal aperiódico foi construída uma relação entre a Biologia e a Física que culminou com a busca por moléculas que codificassem a vida e conseguissem perpetuála A descoberta da estrutura da molécula do DNA que valeu a Watson e Crick o prêmio Nobel em 1962 e dos mecanismos de recombinação gênica a partir da troca ou junção de material genético de duas células ou organismos possibilitou além de todos os múltiplos desdobramentos alcançados pela moderna genética molecular a construção das teorias modernas que tentam explicar os diferentes modos de reprodução presentes na natureza No presente temos a coexistência dos dois tipos de reprodução uma produzindo cópias assexuada e a outra produzindo seres únicos sexuada Esses mecanismos garantem que os organismos vivos sejam eles unicelulares plantas ou animais se reproduzam Uma vez que a forma sexuada é o modo de reprodução predominante os pesquisadores concluem que deva ser a forma mais vantajosa para a geração de novos organismos Tradicionalmente o argumento central utilizado para explicar a primazia da reprodução sexuada é a suposição de que este modo de reprodução torna possível um maior número de combinações genéticas promovendo 319 por um lado o surgimento de variedade e por outro favorecendo tanto a fixação de mutações benéficas quanto a remoção de mutações deletérias Assim sendo a reprodução sexuada é o principal mecanismo para a geração de diversidade genética sobre a qual trabalha a seleção natural Alcock 1993 Embora esta seja uma explicação amplamente utilizada ao longo do tempo e principalmente em função do aprofundamento dos conhecimentos acerca dos mecanismos da hereditariedade vários biólogos evolucionistas buscaram desenvolver abordagens e modelos teóricos que permitissem testar os efeitos de cada modo de reprodução sobre a aptidão individual e populacional Nesses trabalhos são discutidos prováveis fatores responsáveis tanto pelo surgimento quanto pela manutenção da reprodução sexuada e do processo associado de recombinação gênica Assim é que desde o século XIX cientistas vêm apontando a necessidade de se compreender os mecanismos subjacentes ao surgimento e extinção de populações eou espécies Esta discussão apresentase esboçada por Darwin 1871 e outros cientistas do século XIX como Weissmann e Maupas citados em Mooney 1992 os quais já nesse período discutiam o papel da reprodução sexuada como origem de variabilidade genética Todavia somente a partir de meados do século XX essas idéias foram traduzidas em modelos teóricos mais gerais Desta fase inicial destacamse os trabalhos de Fisher 1930 e Haldane 1932 citado em West et al 1999 este último introduzindo o conceito de seleção dependente de freqüência que veio a dar suporte à hipótese da corrida armamentista entre parasita e hospedeiro como a principal pressão seletiva levando à primazia da reprodução sexuada Contudo a hipótese que citamos acima só foi plenamente desenvolvida nos modelos propostos por Jaenike 1978 Bremermann 1980 e principalmente no trabalho mais conhecido do importante teórico da biologia evolucionista W D Hamilton Sex versus nonsex versus parasite publicado em 1980 que foi o mais conhecido defensor da teoria da coevolução parasitahospedeiro como a principal pressão seletiva para a geração de diversidade genética e conseqüentemente da reprodução sexuada Essa teoria ficou conhecida como a Hipótese da Rainha de Copas a partir da publicação do trabalho de Bell 1982 que utiliza essa denominação em função da personagem do livro de Lewis Carrol 1871 Through the looking glass Alice no país das maravilhas Na história imaginada por Carrol a Rainha de Copas leva Alice em uma corrida alucinante que tem o seu final no ponto de partida Bell faz então uma analogia entre essa corrida e a corrida evolutiva que acontece entre parasita e 320 hospedeiro e entre presa e predador que ao final tem como resultante a volta ao ponto de partida ou seja o restabelecimento do equilíbrio entre essas populações A existência de coevolução entre parasita e hospedeiro presa e predador pressupõe que qualquer inovação novos alelos surgida em um dos membros do par que favoreça por exemplo um aumento da patogenicidade por parte do parasita ou aumento da eficiência predatória por parte do predador favoreceria imediatamente nas populações de hospedeiros e presas àqueles indivíduos que apresentassem mutações novas que também lhes conferissem vantagens adaptativas Assim a variabilidade genética dentro das populações favorecida pela reprodução sexual tornase uma arma importante e necessária na luta contra os fatores bióticos do meio conduzindo a uma verdadeira corrida armamentista na qual as armas são as inovações genotípicas Paralelamente a essas proposições outras hipóteses e teorias foram desenvolvidas com enfoque para o efeito da reprodução sexuada sobre a distribuição das mutações nas populações Segundo essas teorias denominadas mutacionais a principal força seletiva levando à reprodução sexuada seria a vantagem conferida pela recombinação gênica às populações de reprodução sexuada em comparação às populações de reprodução assexuada por facilitar a fixação das mutações adaptativas e a eliminação de mutações deletérias Fisher 1930 Muller 1932 1964 Kondrashov 1988 MaynardSmith 1988 Essas teorias vêm sendo desenvolvidas historicamente de forma independente como hipóteses alternativas e excludentes Assim West et al 1999 classificam os modelos para a evolução da reprodução sexuada em dois grandes grupos a modelos ambientais ou ecológicos incluindo a Hipótese da Rainha de Copas e suas variações b modelos baseados em mutações incluindo todos aqueles modelos que enfatizam a influência da recombinação gênica sobre a distribuição das mutações e suas conseqüências sobre a aptidão individual ou populacional Nas chamadas teorias mutacionais estocásticas Howard Lively 2002 argumentase que em populações finitas havendo uma distribuição casual das mutações em espécies de reprodução assexuada pode ocorrer a perda ocasional da fração da população com menor taxa de mutações deletérias o que geraria a diminuição gradual da aptidão média dessas populações em comparação àquelas que se 321 reproduzem sexuadamente ao longo das sucessivas gerações sendo a principal teoria conhecida como Mullers Ratchet Muller 1950 Posteriormente Muller 1964 adicionou à sua teoria a idéia de que além de levar a uma retirada de genes deletérios da população o processo de recombinação gênica favoreceria também a fixação de mutações benéficas Em algumas teorias mutacionais chamadas direcionais argumentase que em função da atuação de seleção direcional e ocorrência de sinergismo epistático33 determinadas combinações gênicas apresentam maior valor adaptativo do que outras A reprodução sexual por aumentar grandemente a probabilidade de ocorrência de combinações de novos alelos em um mesmo indivíduo favoreceria e tornaria mais rápido o processo de estabilização dessas inovações no pool gênico das espécies Além disso as combinações favorecidas poderiam mudar ao longo do tempo em função de flutuações ambientais que levam a modificações no valor adaptativo das novas combinações genéticas Howard Lively 1998 O mecanismo de recombinação pode levar também à acumulação de mutações deletérias em parte dos indivíduos da população Caso haja sinergismo epistático entre os genes deletérios presentes em diferentes loci e caso os indivíduos que carrearem esta elevada freqüência de genes deletérios representem uma reduzida fração da população estes tenderiam a ser exterminados seleção truncada truncation selection favorecendo a eliminação das mutações deletérias Todos esses modelos foram desenvolvidos na tentativa de responder à questão lançada por MaynardSmith 1978 e denominada de duplo custo do sexo Twofold sex cost que podemos resumir da seguinte maneira se cada fêmea produz um número constante de crias as fêmeas que se reproduzem sexuadamente possuem um custo duas vezes maior para produzir o mesmo número de cópias de seus genes do que as fêmeas com reprodução assexuada em outras palavras as fêmeas que se reproduzem sexuadamente propagam o seu genoma ou um dado elemento do seu genoma somente metade do que o fazem as fêmeas que se reproduzem assexuadamente Vários autores enfatizam que nenhum dos modelos isoladamente consegue conferir a vantagem necessária para sobrepor o duplo custo da reprodução sexuada e sugerem a adoção de modelos pluralistas que consideram a atuação simultânea de fatores ambientais e mutacionais para justificar a evolução da reprodução sexuada 33 Tratase de um efeito sinergético sobre o fenótipo ou sobre a adaptabilidade de dois ou mais loci gênicos pelo qual seu efeito conjugado difere da soma de locus quando tomados separadamente 322 Barton Charlesworth 1998 West et al 1999 Esses modelos consideram a atuação simultânea da coevolução parasitahospedeiro e da seleção truncada Hamilton et al 1990 ou de modelos mutacionais estocásticos Howard Lively 1994 2002 e podem envolver mecanismos relacionados à seleção sexual Howard Lively 2002 entre outros fatores Archetti 2003 Os modelos e mecanismos sucintamente discutidos acima representam parte do debate teórico sobre os mecanismos evolutivos responsáveis pelo surgimento e manutenção da reprodução sexuada Essa questão está longe de ser satisfatoriamente respondida e estudos empíricos demonstraram apenas de modo indireto que a reprodução sexuada remove mutações que de outro modo se acumulariam no indivíduo e na população Wuethrich 1998 Como Reproduzir A ocorrência natural de espécies que utilizam as duas formas de reprodução assexuada e sexuada durante seu ciclo de vida denominadas espécies com ciclo de vida haplodiplobionte34 ou que apresentam metagênese35 apresentase como excelente modelo para investigarmos sob quais condições as espécies lançam mão da reprodução sexual Richard et al 1993 Nessas espécies nem sempre as duas fases do ciclo de vida apresentamse igualmente desenvolvidas havendo espécies nas quais uma das fases assexuada ou sexuada predomina sobre a outra mais reduzida A metagênese ocorre regularmente em alguns protistas algas foraminíferos e apicomplexos em plantas e em cnidários hidrozoários e cifozoários Estudos com alguns representantes desses grupos sugerem que a reprodução sexual está sempre ligada a condições de imprevisibilidade ou condições ambientais desfavoráveis Na alface do mar Ulva sp uma macroalga amplamente distribuída e comum no litoral brasileiro as duas formas assexuada gametófito e sexuada esporófito são morfologicamente idênticas A alternância entre uma e outra forma parece depender do ciclo lunar da luminosidade Han et al 2003 e da disponibilidade de nitrogênio dissolvido no meio Naldi Viroli 2002 sendo a formação de esporos utilizada para a dispersão e ocupação de novos habitats Outra representante das clorofíceas a microalga Chlamydomonas reinharditii é normalmente haplóide e pertence a um de dois tipos reprodutivos mt ou mt 34 Ciclo de vida no qual há alternância de uma fase com indivíduos haplóides reprodução sexuada e uma fase com indivíduos diplóides reprodução assexuada 35 Forma de reprodução com alternância cíclica de gerações assexuadas e sexuadas 323 Quando privados de nitrogênio ambos os tipos diferenciamse em gametas sexualmente competentes A fusão dos pares sexuais começa nas porções sexoespecíficas presentes na região anterior da célula Após a fusão o novo zigoto permanece móvel por várias horas e a seguir ocorre a formação de uma cápsula rígida e impermeável gerando um zigósporo protegido contra condições adversas do meio Esses zigósporos podem permanecer viáveis no solo por muitos anos Harris 2001 A mesma estratégia é utilizada pelo rotífero Brachionus plicatilis A reprodução assexual permite aos rotíferos um crescimento populacional rápido enquanto a reprodução sexual é a única forma de produzir um estágio dormente que pode sobreviver às condições ambientais adversas Em B plicatilis a reprodução sexual é induzida por um sinal químico liberado que se acumula na água com o aumento da densidade populacional Stelzer Snell 2003 Em Plasmodium falciparum um parasito apicomplexo e agente causador da malária em humanos a reprodução sexual ocorre no vetor antes da transmissão para um novo hospedeiro humano precedendo uma situação de variação ambiental Talman et al 2004 Esses exemplos nos sugerem que a reprodução sexual traz vantagens aos organismos quando estes enfrentam situações adversas ou imprevisíveis embora existam outras explicações para a ocorrência de alternância de gerações em várias espécies Richard et al 1993 Quanto e Quando Reproduzir Além das questões relacionadas à prevalência do modo de reprodução sexuada sobre a assexuada outros aspectos reprodutivos podem ser incluídos em classificações que agrupam as diferentes espécies quanto à forma de produção dos gametas à forma de produção da prole e ao tipo de fertilização No que se refere à reprodução assexuada existem vários tipos de mecanismos reprodutivos desde a divisão simples incluídos ai a bipartição e esporulação em animais unicelulares e partenogênese em vertebrados e invertebrados Todavia devido à multiplicidade de mecanismos e ao fato de que um mesmo organismo pode utilizar mais de um tipo de mecanismo na dependência de variáveis ecológicas e demográficas tornase difícil a sistematização desse tipo de reprodução No que refere a reprodução sexuada na Tabela 1 apresentamos uma classificação dos organismos quanto aos aspectos reprodutivos mais importantes Mac Arthur 1962 citado por Daly Wilson 1983 baseado em conceitos da biologia de populações criou os termos estratégiar e estratégiak para agrupar a 324 diversidade de padrões reprodutivos entre as espécies com relação à quantidade de prole produzida ao longo da vida reprodutiva Os estrategistas r seriam aquelas espécies que submetidas a situações ambientais instáveis nas quais é possível um rápido crescimento populacional apresentam reprodução rápida e numerosa resultando em um melhor aproveitamento dos momentos de abundância de recursos Os estrategistas k por sua vez seriam aquelas espécies para as quais o tamanho da população está próximo à capacidade de suporte do ambiente e encontram maior eficiência reprodutiva por meio de um número menor de tentativas reprodutivas e produção de proles numericamente reduzidas sobre outros sistemas de classificação ver Charnov 2002 Um outro aspecto diz respeito à alocação temporal do esforço reprodutivo quando reproduzir Frente às pressões ambientais existem espécies que se reproduzem uma única vez ou de modo contínuo outras muitas vezes e ainda aquelas que apresentam freqüência reprodutiva intermediária entre esses extremos reproduzindose mais de uma vez geralmente de modo sazonal A ocorrência de algum nível de sazonalidade reprodutiva tem sido registrada desde organismos mais simples como algas Pang Luning 2004 plantas Putterill et al 2004 invertebrados aquáticos Lawrence Soame 2004 e terrestres Simonet et al 2004 a todos os grupos de vertebrados por ex aves Gwinner 2003 primatas Lindburg 1987 A principal causa próxima vide capítulo 1 sincronizando os ciclos reprodutivos sazonais às épocas de maior disponibilidade de recursos são as pistas ambientais de luminosidade e temperatura Flowerdew 1987 Variações na duração da fase clara do dia são os fatores imediatos mais eficazes em regular os ritmos reprodutivos A ampla utilização dessa pista ambiental justificase por ser este um sinal não susceptível a sofrer modificações ao longo dos anos Em vertebrados a duração da fase clara do dia é transduzida internamente através da produção de melatonina um hormônio produzido e secretado pela glândula pineal em maior quantidade durante as horas escuras do dia a partir da serotonina vide capítulo 6 A produção circadiana de melatonina pela glândula pineal é endogenamente controlada pelo núcleo supraquiasmático do hipotálamo uma das principais áreas cerebrais que atuam como relógio biológico Kowalewska et al 2004 Nas espécies consideradas como reprodutores de dias longos longday breeders um aumento no período diário de secreção de melatonina ou seja aumento na quantidade de horas de escuro durante as 24h é associado a uma diminuição na liberação de GnRH hormônio liberador das gonadotrofinas enquanto nas espécies consideradas reprodutoras de dias 325 curtos shortday breeders este mesmo estímulo causa um aumento na liberação de GnRH Gerlach Aurich 2000 Via de regra as espécies que apresentam ativação do comportamento reprodutivo durante os dias longos primavera e verão são aquelas que apresentam tempo gestacional curto e as que apresentam ativação desses comportamentos durante as estações de dias curtos outono e inverno correspondem àquelas que apresentam gestações longas Dessa forma os animais conseguem sincronizar o nascimento de suas crias aos períodos de maior abundância de recursos Exemplos extensivamente estudados desses diferentes tipos de sincronização são os estudos com hamster um reprodutor de dias longos por ex veja Freeman et al 2002 e com ovelhas reprodutores de dias curtos por ex veja Gundogan et al 2003 embora haja vários outros exemplos com espécies de diferentes grupos como os estudos de sincronização reprodutiva em aves migratórias Dawson et al 2001 Esses estudos mostram que tanto a intensidade quanto a qualidade do efeito causado pelas pistas ambientais sobre a atividade reprodutiva são bastante variáveis entre as espécies Em algumas espécies pode ocorrer uma diminuição nos níveis de testosterona e da fertilidade dos machos fora da estação reprodutiva por ex espécies tropicais de estorninhos Dittami 1987 enquanto em outras esta inibição pode levar à cessação total da espermatogênese durante os períodos não reprodutivos por ex o urso americano Tsubota et al 1997 lagartos Amey Whittier 2000 Em algumas espécies de aves os ritmos de secreção de melatonina modulam outras funções como a ativação de áreas neurais relacionadas ao canto que ocorre em machos de aves canoras que utilizam o canto para a corte e a defesa territorial Bentley Ball 2000 Além disso pistas ambientais não relacionadas à luminosidade como variações de temperatura podem exercer um forte efeito modulador sobre a atividade reprodutiva sendo bastante comum esse tipo de modulação em animais marinhos Em um experimento com o camarão peneídeo Penaeus semisulcatus Aktas et al 2003 observaram maturação ovariana em fêmeas quando estas foram submetidas a um regime de flutuação cíclica da temperatura da água 2028ºC durante dez dias em um regime de iluminação de dez horas de claro e 14 horas de escuro 10C 14E Aumento na duração da fase de claro por ciclo regime 14C 10E não produziu qualquer vantagem adicional nem foi observada maturação ovariana quando as fêmeas foram mantidas em um regime de iluminação de 14C 10E e a uma temperatura da água de 20ºC o que sugere um forte efeito modulador da temperatura sobre a atividade reprodutiva nessa espécie 326 No que diz respeito à intensidade do efeito das variações ambientais sobre a atividade reprodutiva até bem pouco tempo foi bastante negligenciada a idéia de ocorrência de sazonalidade reprodutiva em espécies que vivem em regiões próximas aos trópicos uma vez que nessas regiões as variações anuais em termos de duração da fase clara do dia e da temperatura são muito pequenas quando comparadas às variações presentes em latitudes altas Porém vários estudos vêm mostrando que não apenas uma variação significativa desses parâmetros pode servir como pista para modular a atividade reprodutiva Em aves tropicais consideradas como reprodutores oportunísticos foi observado que o sistema reprodutor permanece ativo durante a maior parte do ano sendo as pistas ambientais não ligadas à iluminação aquelas que atuam como principal causa próxima levando à temporização reprodutiva Dawson et al 2001 Nos peixes reofílicos36 no norte e nordeste brasileiro há meses próprios para a reprodução embora as pistas ambientais ainda não sejam claramente estabelecidas Volpato Trajano 2006 Em uma revisão sobre os padrões de sazonalidade reprodutiva em primatas neotropicais di Bitetti e Johnson 2000 sugerem que para todas as espécies de primatas neotropicais que apresentam algum nível de sazonalidade reprodutiva a disponibilidade de alimento é a principal causa última ver capítulo 1 para a ocorrência desta sazonalidade e que três fatores determinam a intensidade da sazonalidade reprodutiva presente em cada espécie o tipo de dieta a latitude do local e o tamanho corporal Em um estudo desenvolvido no Núcleo de Primatologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Sousa et al 1999b por meio do acompanhamento dos nascimentos ocorridos nessa colônia de criação de sagüi do nordeste Callithrix jacchus em um período de seis anos foi observada uma tendência à ocorrência de um maior número de nascimentos durante o final da estação seca e início da estação chuvosa Fig 1 épocas de maior abundância de itens alimentares utilizados pela espécie no ambiente natural Nesse caso os animais poderiam utilizar como pistas para a sincronização reprodutiva não só a pequena diminuição na duração da fase clara do dia que ocorre nessa região durante os meses chuvosos mas também a diminuição da intensidade luminosa decorrente do alto índice de precipitação pluviométrica característico da estação chuvosa da temperatura ou ambos A mesma sincronização reprodutiva às épocas de maior abundância de recursos foi observada para outras 36 Peixes que realizam migração de centenas de quilômetros antes da reprodução 327 populações de primatas do Velho Mundo vivendo em baixas latitudes como Erytrocebus patas e Cercopithecus aethiops Nakagawa 2000 embora nesses casos também não tenham sido mais diretamente investigadas quais seriam as pistas imediatas utilizadas pelos animais para sincronizar sua atividade reprodutiva Exemplo de efeito da luminosidade sobre a atividade reprodutiva não relacionado à duração da fase clara do dia foi encontrado por Volpato et al 2004 na tilápiadoNilo Oreochromis niloticus Esses autores observaram que em grupos compostos de dois machos e três fêmeas de O niloticus submetidos a um regime de iluminação de 12C 12E nos grupos que foram expostos à luz de cor azul n 13 um número significativamente maior de animais reproduziram do que nos grupos n 12 expostos à luz branca Os autores sugerem então que embora os mecanismos através dos quais a faixa de comprimento de onda da luz influencia a reprodução ainda não tenham sido elucidados no caso da tilápiadoNilo esse efeito parece estar relacionado à diminuição nos níveis de estresse estimado pelos níveis de cortisol que ocorre quando é utilizada a luz azul De fato em estudo anterior foi observado que a exposição desse peixe à luz azul abolia a de elevação do cortisol plasmático em condições de estresse um efeito que não pôde ser associado à intensidade luminosa Volpato Barreto 2001 A QUESTÃO DOS GÊNEROS estratégias reprodutivas de machos e fêmeas Diferenças de Forma e Tamanho entre os Gametas Definem os Sexos Daly e Wilson 1983 definem estratégia reprodutiva como um programa de alocação de esforço reprodutivo investimento em acasalamento e cuidado parental que se refere às escolhas de como e quando reproduzir podendo variar em função de fatores tais como a idade o sexo e as condições sociais e ecológicas dos animais A ocorrência de reprodução sexual com existência de fecundação cruzada na ampla maioria das espécies animais pressupõe a contribuição conjunta de dois indivíduos para a produção dos descendentes A quantidade de energia utilizada por um indivíduo com o objetivo de reproduzirse foi conceituada por Trivers 1972 como investimento parental Investimento em uma prole que aumente a probabilidade desta prole sobreviver até a idade reprodutiva às expensas da capacidade do indivíduo em gerar proles 328 adicionais37 Esse investimento parental por sua vez pode ocorrer em diferentes fases do processo reprodutivo podendo ser subdividido em investimento précopulatório copulatório e póscopulatório Sheldon 2000 Diferenças no nível de investimento parental inicial investimento gamético caracterizam a primeira e mais importante diferenciação nas estratégias reprodutivas entre indivíduos de uma mesma espécie as estratégias de machos e fêmeas Por definição fêmeas são indivíduos que produzem um número limitado de gametas com quantidades substanciais de vitelo material nutritivo associado ao material genético enquanto machos são aqueles indivíduos que produzem uma grande quantidade de gametas pequenos e quase sempre móveis que apresentam muito pouco ou nenhum vitelo associado A partir dessa constatação podemos hipotetizar então por que a evolução teria levado à diferenciação de apenas duas formas gaméticas distintas e não de três ou mesmo quatro tipos distintos de indivíduos uns produzindo gametas muito pequenos outros produzindo gametas de tamanhos intermediários enquanto outros ainda produziriam gametas grandes ricos em reservas nutritivas A resposta a essa questão reside no fato de que se em algum momento esses tipos intermediários tivessem de fato existido tenderiam a ser gradualmente eliminados através de seleção disruptiva tipo de seleção que favorece fenótipos extremos em detrimento das formas intermediárias Isso ocorreria porque os fenótipos gaméticos intermediários apresentariam menor sucesso reprodutivo do que os fenótipos extremos por não possuírem a vantagem de atingir a massa crítica quantidade de citoplasma e substâncias nutritivas suficiente para garantir a sobrevivência do zigoto nem a vantagem numérica possibilidade de produção massiva de gametas pequenos e desprovidos de reservas nutritivas Daly Wilson 1983 Desse modo ao final do processo seletivo observamse duas estratégias distintas fêmeas que apresentam alto investimento energético na formação dos gametas e machos apresentando baixo investimento energético na produção de gametas Discussões recentes porém chamam a atenção para o fato de que como são produzidos vários gametas masculinos para fertilizar um gameta feminino os custos de produção dos muitos gametas necessários à fertilização também seria alto em machos TangMartinez 2000 Wedell et al 2002 Ainda considerando o investimento nos gametas Bateman 1948 argumentou que a diferença no investimento gamético geraria uma diferença de potencial 37 Tradução das autoras 329 reprodutivo entre machos e fêmeas Os machos apresentariam um potencial reprodutivo maior limitado apenas pelo número de parceiras sexuais que estes consigam monopolizar e as fêmeas um potencial reprodutivo menor limitado principalmente pela disponibilidade de recursos para provisionar ovos e filhotes Alcock 1993 Assim sendo os fatores limitantes para reprodução são diferentes para machos e para fêmeas o que faz com que o fato de pertencer a um ou outro sexo tenha conseqüências muito mais amplas na fisiologia e no comportamento dos indivíduos do que apenas na especialização gamética Diferenças Genéticas e Influências Ambientais Determinam o Sexo A definição de qual estratégia será adotada pelos indivíduos pode ser determinada geneticamente pode depender de fatores ambientais ou da interação entre ambos os fatores genética e ambiente Crews 2003 Em moscasdefruta Drosophila melanogaster o número de cromossomos sexuais determina o sexo do indivíduo Indivíduos com um único cromossomo X X0 ou XY tornamse machos enquanto indivíduos com dois ou mais cromossomos X XX XXX XXY tornamse fêmeas Pomiankowski et al 2004 Em 1990 cientistas identificaram em mamíferos uma região específica do braço curto do cromossomo Y denominada região determinante do sexo sry que produz o chamado fator de diferenciação testicular TDF A atividade dessa região do cromossomo Y bem como outros reguladores transcricionais relacionados leva a gônada indiferenciada a desenvolverse como uma gônada masculina A partir daí produtos secretados pela própria gônada hormônio protéico MIH fator de inibição dos ductos mullerianos e os andrógenos atuam para a diferenciação fenotípica dos machos Na ausência dessas influências o indivíduo irá desenvolverse como fêmea Knobil Neil 1994 Knower et al 2003 Atualmente já se sabe que o controle do processo de gonadogênese é bem mais complexo do que imaginado a princípio podendo ser descrito como uma cascata de eventos envolvendo vários fatores transcricionais interelacionados havendo genes relacionados ao X gene DAX1 dentro da região DSS Dosage Sensive Sex Reversal no braço curto do cromossomo X e também genes autossômicos envolvidos no processo como WT1 localizado no cromossomo 11 que podem atuar antes upstream genes ou depois downstream genes da determinação testicular Pallandi de Melo et al 2005 Um dos genes melhor estudado é o SOX9 localizado no cromossomo 17 que codifica um fator 330 de transcrição que em mamíferos tem sua atividade em níveis baixos antes da expressão de Sry sendo ativado em machos pela presença de Sry A capacidade de Sry em aumentar os níveis de SOX9 parece estar relacionada com a sua interação com outro fator de transcrição conhecido como SF1 Stereroidogenic Factor 1 codificado pelo gene Sf1 presente no cromossomo 9 A elevação dos níveis de SOX9 causa a diminuição da atividade de Sry parecendo atuar como uma alça de retroalimentação negativa Porém é proposto que ao atuar com SF1 o fator SOX9 consegue autoregular sua própria ativação mesmo depois da atividade de Sry ter cessado Sekido Lovell Badge 2008 Um aspecto interessante é que a proteína codificada por SOX9 que também regula a ativação do gene do colágeno do tipo II tem localização citoplasmática mas tornase de localização nuclear nas células progenitoras das células de Sertoli ao início da diferenciação gonadal Esta translocação que acontece apenas em machos parece ser um fator primordial para desencadear a diferenciação gonadal Gasga et al 2002 e sugerese que seja regulada autocrinamente pelos níveis de prostaglandina D2 Malki et al 2005 Ao contrário do que ocorre em mamíferos nos quais o sexo genético dos machos é XY e das fêmeas XX as fêmeas de aves são heterogaméticas ZW enquanto os machos são homogaméticos WW Nesse grupo ainda não foi identificado um fator específico responsável pela diferenciação gonadal semelhante ao sry dos mamíferos mas sabemos que outros genes como o já mencionado SOX9 parecem exercer importante papel na diferenciação gonadal em vertebrados nãomamíferos Mizuno et al 2002 Smith Koopman 2004 Além disso em aves a concentração adequada de estrógenos durante o período crítico é essencial para a diferenciação gonadal Villalpando et al 2000 Por outro lado em muitas espécies de peixes anfíbios e répteis a principal influência para a determinação sexual não é genética Para algumas espécies a determinação sexual é temperaturadependente ou seja o sexo depende da temperatura na qual os ovos foram incubados Esse sistema de controle ambiental da diferenciação sexual já foi registrado em 28 espécies de tartarugas várias espécies de lagartos e em virtualmente todas as espécies de crocodilos conhecidas Em algumas espécies de tartarugas marinhas ovos incubados a altas temperaturas diferenciamse em fêmeas enquanto o contrário é observado em alguns lagartos nos quais ovos incubados a altas temperaturas diferenciamse em machos Uguz et al 2003 Adicionalmente em várias espécies de peixes teleósteos ocorre o chamado hermafroditismo protrândrico ou 331 protogínico no qual os animais mudam de sexo ao longo da vida reprodutiva seja a mudança de macho para fêmea protrandria ou de fêmea para macho protoginia Nas espécies protrândicas o sucesso reprodutivo das fêmeas depende do seu tamanho diretamente relacionado à capacidade de gerar um maior número de ovos por desova Assim a adoção de uma ou outra tática depende do tamanho do animal bem como de outros fatores a serem considerados como o tamanho do parceiro e dos demais indivíduos da população os custos da troca de sexo e a forma de transferência dos gametas Angeloni et al 2002 Existem outros casos nos quais podem coexistir diferentes morfotipos de um mesmo sexo dentro da população cada um expressando um tipo diferente de estratégia reprodutiva É o caso de algumas espécies de peixes e anfíbios nas quais machos de pequeno tamanho adotam a estratégia de satélites mantendose próximos aos territórios defendidos pelos machos maiores e aproveitandose do momento em que estes estão copulando para liberar seus espermatozóides junto com os espermatozóides do macho territorial Embora estratégias alternativas como esta nem sempre garantam um alto nível de sucesso implicam em custos menores para os machos nesse caso eles não precisam defender territórios o que parece explicar a sua adoção Krebs Davies 1993 Competição por Parceiros Sexuais Cria Diferenças entre os Sexos As bases teóricas dos mecanismos seletivos responsáveis pela ocorrência de dimorfismo físico e comportamental entre os sexos foram descritas por Darwin 1871 por meio do conceito de seleção sexual Darwin desenvolveu o conceito de seleção sexual para tentar explicar a presença de determinadas características morfológicas em machos de algumas espécies como as longas penas coloridas dos pavões e aves do paraíso os grandes chifres dos alces e carneiros que não poderiam ser explicadas pela seleção natural uma vez que não pareciam contribuir para a sobrevivência dos indivíduos que as possuíam Ao contrário muitas dessas características tornavam esses machos mais visíveis aos predadores menos ágeis e portanto mais expostos à predação Assim observando atentamente a função dessas especializações em cada espécie Darwin propôs que algumas38 das adaptações morfológicas apresentadas por 38 É importante ressaltar que nem todas as diferenças de gênero relacionadas à reprodução devem ser consideradas como produto da seleção sexual Revisão sobre esse tema é encontrada em Arnold 1983 e Halliday 1980 332 machos e com menor freqüência por fêmeas de uma determinada espécie relacionadas à reprodução seriam resultantes de pressões seletivas decorrentes da competição por parceiros sexuais Esses traços confeririam ao indivíduo uma vantagem sobre indivíduos do mesmo sexo na quantidade eou qualidade de parceiros para o acasalamento A competição direta ou seleção intrasexual usualmente presente em machos levaria ao desenvolvimento de características físicas que lhes conferisse armas para o combate com outros machos garras dentes afiados chifres maior porte A escolha do parceiro ou seleção intersexual usualmente presente em fêmeas teria contribuído com o desenvolvimento de atributos ornamentais nos machos plumagem colorida tamanho da cauda coloração da face e da preferência das fêmeas por essas características A partir desse conceito de seleção sexual vários modelos teóricos vêm sendo construídos alguns deles enfocando os mecanismos imediatos genéticos e fisiológicos responsáveis pelo surgimento e perpetuação das diferenças entre os gêneros Brown 1997 Mead Arnold 2004 e de outros enfocando os fatores responsáveis pela ocorrência e intensidade da seleção sexual Ralls 1977 Andersson 1994 Com relação à evolução de traços utilizados na competição direta por parceiros vários estudos com diferentes grupos animais têm demonstrado a existência de correlação positiva entre a distribuição fenotípica do traço e o sucesso reprodutivo presumido ou comprovado por DNA fingerprinting dos indivíduos CluttonBrock 1989 Já no que diz respeito aos traços ornamentais relacionados à escolha do parceiro seleção intersexual existem diferentes modelos teóricos ou explicações que defendem diferentes mecanismos imediatos como responsáveis pelo surgimento e manutenção dessas características Esses modelos podem ser agrupados em dois grandes grupos a modelo surgido a partir do trabalho de Fisher 1930 o qual defende a existência de covariância genética entre a preferência da fêmea e a expressão do traço no macho seleção desenfreada runaway selection b modelos que seguem a idéia do princípio da desvantagem proposto inicialmente por Zahavi 1975 Segundo o modelo conhecido como seleção desenfreada as características que são o alvo da seleção sexual a preferência das fêmeas por determinado traço dos machos e o desenvolvimento desse traço nos machos são herdadas simultaneamente 333 havendo apenas uma diferença entre os sexos com relação à sua expressão Qualquer traço inicialmente favorecido pela seleção natural poderia tornarse um sinalizador para a escolha de parceiros por parte da fêmea caso ocorresse qualquer pequeno desvio ao acaso deriva genética na freqüência na qual indivíduos com forte preferência ou forte expressão do traço são representados na população Esse desvio desencadearia o processo de exacerbação do traço nos machos e da preferência nas fêmeas uma vez que os filhos desses cruzamentos agora em maior número herdariam tanto a forte preferência filhotes fêmeas quanto a vantagem atrativa filhotes machos Esse processo cessará apenas quando os custos em expressar o traço em termos de viabilidade superem os seus benefícios reprodutivos Os modelos de seleção desenfreada posteriormente complementados e testados por outros autores por ex ODonald 1980 Moller 1988 não consideram que o traço preferido tenha qualquer valor adaptativo ou função como sinalizador de viabilidade dos machos que os possuem O segundo grupo de modelos desenvolvidos a partir do trabalho de Zahavi 1975 baseiase no princípio da desvantagem handicap ou seja na idéia de que os traços escolhidos pelas fêmeas são aqueles com alto custo de manutenção e por esse motivo sinalizam a viabilidade do macho Diferentes versões do princípio da desvantagem foram desenvolvidas por diferentes autores por ex Pomiankowski 1987 Uma derivação importante dessa idéia básica foi apresentada por Hamilton e Zuk 1982 que argumentam que os traços ornamentais apresentadas pelos machos sinalizam a sua resistência aos parasitas uma vez que somente machos livres de infestações parasitárias poderiam apresentar cores e plumagens exuberantes Nenhum dos modelos acima descritos é facilmente testável na prática uma vez que a quantificação do sucesso reprodutivo individual é sempre uma tarefa complexa e pouco precisa ver Grafen 1988 Enquanto alguns autores procuram evidências a favor de um ou outro modelo Grafen 1990 Bakker 1993 paralelamente outros autores constroem modelos que sugerem que ambos os processos seleção desenfreada e princípio da desvantagem podem coexistir em situações específicas Eshel et al 2000 2002 Adicionalmente alguns modelos mais recentes consideram o desenvolvimento da preferência da fêmea não por um mas por vários traços simultaneamente Pomiankowski Isawa 1993 Alguns autores apontam ainda a necessidade de se estudar outros traços comportamentais que parecem terse desenvolvido por mecanismos de seleção sexual e que não foram abordados por Darwin 1871 como por 334 exemplo a competição por esperma a coerção sexual o infanticídio e a competição desordenada scramble competition Iwasa Andersson 1996 Nesta última os machos que são capazes de encontrar o maior número de fêmeas são os que obtêm o maior sucesso reprodutivo Nesse caso a seleção sexual favoreceria não o desenvolvimento de traços ligados a interações agressivas entre machos ou a atração das fêmeas mas sim o desenvolvimento adicional dos órgãos sensoriais e locomotores dos machos Como vemos a questão das causas próximas relacionadas ao desenvolvimento de características sexualmente dimórficas até hoje se apresenta como uma área intensamente estudada na qual muitas questões permanecem a ser respondidas Porém sabemos que quanto mais intensa for a atuação da seleção sexual maiores serão seus efeitos levando à diferenciação morfológica e comportamental entre os sexos A densidade populacional e a razão sexual operacional são os principais fatores apontados como determinantes da intensidade da atuação da seleção sexual em cada espécie Andersson 1994 Evidências concretas da ocorrência de variação no valor adaptativo das estratégias utilizadas pelos machos em função de variações na densidade populacional foram encontradas por Cezilly Bertin 2003 em Asellus aquaticus um crustáceo isópodo Esses autores investigaram a influência relativa do tamanho corporal e do comprimento da antênula órgão sensorial em crustáceos para o sucesso de pareamento dos machos dessa espécie Manipulando experimentalmente o tamanho da antênula dos machos esses autores encontraram que em baixas densidades o tamanho da antênula relacionado á habilidade em encontrar uma fêmea tem tanta ou maior importância que o tamanho corporal dos machos relacionado à defesa da fêmea contra outros machos A razão sexual operacional é definida por Emlen Oring 1977 como a razão entre o número de fêmeas fertilizáveis com relação ao número de machos sexualmente ativos na população em um dado momento Seguindo esse conceito um alto nível de competição por parceiros pode ocorrer mesmo em espécies nas quais não ocorram desvios na razão sexual se houver variação no nível de fertilidade ou assincronia reprodutiva entre as fêmeas Esses fatores determinam o ganho potencial dos machos na competição por parceiros Ou seja a capacidade de monopolização de fêmeas por parte dos machos depende do nível de agrupamento espacial e temporal das fêmeas sexualmente receptivas Wrangham 1987 van Schaik 1989 335 SISTEMAS DE ACASALAMENTO E CUIDADO PARENTAL Distribuição dos Recursos e do Cuidado Parental Define o Sistema de Acasalamento A capacidade de monopolização de parceiros é um conceito central para a previsão da intensidade da atuação da seleção sexual e também para a definição do sistema de acasalamento adotado pelas espécies Tabela 2 Para explicar a ocorrência de poliginia de defesa de recursos em espécies territoriais de aves e mamíferos Orians 1969 desenvolveu o modelo de limiar de poliginia Segundo esse modelo em ambientes nos quais os recursos estão condensados em áreas pequenas e defensáveis o número de fêmeas que um macho consegue monopolizar depende do padrão de distribuição espacial dos recursos A heterogeneidade na distribuição dos recursos leva à ocorrência de diferenças expressivas na qualidade dos territórios defendidos pelos machos Se essa diferença for de tal magnitude que torne mais vantajoso para uma fêmea ser a segunda fêmea a reproduzir em um território rico de um macho já acasalado do que ser a primeira fêmea a reproduzir em um território pobre de um macho não acasalado é alcançado o limiar de poliginia Caso essa diferença de qualidade entre os territórios não seja tão grande será mais vantajoso para a fêmea reproduzir com o macho não acasalado já que nesse caso a fêmea não precisará dividir nem o alimento nem o cuidado parental do macho com a prole de outra fêmea levando ao desenvolvimento de um sistema monogâmico Esse modelo mostrou ser aplicável a muitas espécies Wittenberger 1979 Todavia outros fatores podem influenciar na definição do sistema de acasalamento Nos casos em que os machos não oferecem recursos como em espécies nas quais as fêmeas são sociais e movemse por áreas extensas em busca de alimento os machos não defendem territórios e sim as fêmeas sob seu controle ocorrendo nesses casos a chamada poliginia de defesa da fêmea Em função do nível de sincronicidade reprodutiva das fêmeas esses haréns podem ser sazonais por ex cervos Cervus elaphus ou permanentes por ex babuínos Papio hamadryas Os machos podem também se agrupar temporariamente durante a estação reprodutiva nos chamados territórios de exibição o que dá origem aos chamados sistemas de arena nos quais os machos exibemse para as fêmeas revisão em Wittenberger 1979 Nos casos em que os machos oferecem algum tipo de recurso os recursos alimentares do território não são os 336 únicos que podem ser oferecidos Entre os recursos críticos para a reprodução o cuidado parental que pode incluir desde a construção de ninhos a alimentação defesa e transporte dos filhotes é um dos principais fatores que determinam o sistema de acasalamento Nos casos em que o sucesso reprodutivo do par seja expressivamente maior com cuidado biparental do que com cuidado uniparental e houver poucas chances de novos acasalamentos para o macho este deverá manterse ao lado da fêmea e auxiliar no cuidado à prole MaynardSmith 1977 Este parece ser o caso para a maioria das espécies de aves Nesse grupo 90 das espécies são monogâmicas e o macho oferece algum tipo de cuidado parental Wittenberger Tilson 1980 tais como construção do ninho incubação dos ovos proteção e alimentação das fêmeas e dos filhotes Em mamíferos nos quais o embrião desenvolvese no interior do corpo da fêmea e o leite oferecido pela fêmea é a principal fonte de nutrição dos filhotes os machos têm menores oportunidades de intervir de forma efetiva Provavelmente por esse motivo o cuidado paternal seja um evento raro entre mamíferos ocorrendo em cerca de 9 a 10 dos gêneros Kleiman e Malcolm 1981 classificam o cuidado oferecido por machos de mamíferos em dois tipos cuidado direto que inclui as atividades que o macho exerce que têm uma influência imediata sobre a sobrevivência dos filhotes e cuidado indireto que inclui aquelas atividades que o macho pode exercer na ausência dos filhotes e têm efeitos de longo prazo sobre a sobrevivência destes Como exemplos de cuidado direto esses autores citam atividades tais como alimentar carregar catar dormir e brincar com os filhotes exemplos de cuidado indireto incluem a proteção do território construção de abrigos e proteção da fêmea muitos dos quais podem ser incidentais ou seja expressos sem o objetivo de aumentar a probabilidade de sobrevivência dos filhotes Entre os mamíferos a maioria das espécies que apresenta cuidado paternal pertence a três ordens primatas carnívoros e perissodátilos 30 a 40 dos gêneros ocorrendo também em insetívoros morcegos lagomorfos roedores cetáceos e artiodáctilos 10 dos gêneros embora nesses casos possa ser raro ou irregular CluttonBrock 1991 A ocorrência de cuidado paternal em mamíferos assim como em aves está fortemente relacionada à monogamia e ao sistema de cuidado comunal Mock Fugioka 1990 Embora a definição de cuidado comunal esteja baseada em padrões comportamentais relacionados ao comportamento reprodutivo o sistema de cuidado comunal caracterizase mais acuradamente como um sistema social e não como um sistema de acasalamento podendo ocorrer diferentes sistemas de acasalamento em 337 espécies que apresentam cuidado comunal Alcock 1993 Ziegler 2000 Além disso existe certa controvérsia na utilização desse termo Historicamente os termos cuidado comunal communal care e reprodução cooperativa cooperative breeding têm sido utilizados e entendidos por alguns autores como intercambiáveis embora possa haver grande variação no nível de monopolização reprodutiva em espécies que apresentam cuidado comunal A presença de ajudantes que auxiliam no cuidado aos filhotes não necessariamente implica que todos os envolvidos no cuidado produzam filhotes Brown et al 1982 Tardif 1993 A participação coletiva tanto na produção quanto na criação dos filhotes parece mais presente em aves enquanto em mamíferos a ocorrência de cuidado comunal está via de regra ligada a algum nível de monopolização reprodutiva Abbott et al 1998 Entre primatas aqueles pertencentes à família Callitrichidae caracterizamse por apresentar cuidado comunal à prole Ingram 1977 Esses animais organizamse em grupos familiares ampliados nos quais o pai e os demais membros nãoreprodutivos do grupo atuam como ajudantes no cuidado à prole Snowdon 1996 Além do fato de apresentarem cuidado aloparental os calitriquídeos possuem outras características únicas entre primatas relacionadas à fisiologia reprodutiva e padrões motores do comportamento reprodutivo que fizeram com que o comportamento social desses animais fosse extensivamente investigado ao longo das três últimas décadas Influências Hormonais Modulam a Expressão do Cuidado Parental O cuidado parental apresenta forte modulação hormonal e conforme anteriormente discutido as fêmeas são na grande maioria dos casos as provedoras desse cuidado já estando amplamente demonstrado na literatura a participação dos hormônios da gravidez estrógeno e progesterona e da lactação prolactina ocitocina na modulação da resposta de cuidado materno Em aves roedores e alguns primatas a participação dos hormônios particularmente da prolactina é crítica para a expressão do cuidado parental Nas espécies em que o pai auxilia no cuidado à prole há evidências de que a resposta dos machos também recebe forte modulação hormonal Assim sendo muitos hormônios covariam com as atividades de cuidado parental e segundo Ziegler 2000 a co evolução entre os hormônios e os comportamentos por eles modulados podem ter 338 contribuído para a diversidade de sistemas de reprodução encontrados atualmente o que reforça a indissociação entre os aspectos fisiológicos e motores do comportamento Dentre as estratégias dos machos de calitriquídeos destacase o cuidado com a prole a partir dos primeiros dias do nascimento das crias até o período de desmame o qual ocorre geralmente em torno do terceiro mês de vida pósnatal Ximenes et al 1996 Oliveira et al 1996 Dados obtidos para machos de C jacchus indicam que a prolactina se eleva quando os animais estão carregando os filhotes Dixson George 1982 Posteriormente Mota e Sousa 2000 demonstraram que nessa espécie os níveis de prolactina dos machos após o nascimento dos filhotes são mais elevados do que os níveis apresentados por machos não reprodutores Também nos ajudantes não reprodutores a prolactina se eleva sugerindo uma ligação funcional entre o hormônio e a atividade comportamental de cuidado com a prole Fig 2 Em primatas assim como em outros grupos de mamíferos e em aves os hormônios sexuais também têm sido relacionados ao cuidado parental Ziegler 2000 Em C jacchus embora não tenha sido observada nenhuma modificação nos níveis de andrógenos ou estradiol fecais após o nascimento das crias os machos apresentaram elevação significativa nos níveis de estradiol em torno do 2º mês de gestação das parceiras período em que os níveis de gonadotrofinas coriônica decrescem e ocorre aumento significativo nos níveis de progesterona no sangue das fêmeas grávidas Barbosa 2003 Ou seja nessa espécie de primata que forma grupos familiares e na qual os machos são os principais cuidadores para os filhotes Snowdon 1996 os hormônios estão intimamente ligados à expressão dos comportamentos de cuidado parental Devese considerar contudo que a complexa vida social desses primatas juntamente com os elevados custos energéticos relacionados à reprodução levam também ao desenvolvimento de mecanismos complexos e precisos para a coordenação dos eventos reprodutivos Na acirrada competição pela monopolização das oportunidades reprodutivas o padrão das interações entre os membros do grupo também modula o comportamento e o perfil hormonal dos indivíduos EFEITO DO AMBIENTE SOCIAL SOBRE A REPRODUÇÃO Competição e hormônios sexuais em machos 339 O fato de ser o sexo masculino aquele que geralmente compete pelo acesso a parceiras sexuais levou ao desenvolvimento de adaptações não só anatômicas mas também fisiológicas e comportamentais nos machos que lhes favorecesse alcançar o sucesso nas interações competitivas A partir dessa constatação há muito os pesquisadores vem investigando o possível papel dos hormônios sexuais masculinos como facilitadores e indutores da expressão de comportamentos territoriais e agressivos em machos culminando com o desenvolvimento da chamada Hipótese do Desafio Challenge Hypothesis considerada como uma das principais teorias gerais no campo da endocrinologia comportamental A Hipótese do Desafio foi inicialmente proposta por Wingfield 1990 com o objetivo de explicar os complexos padrões de variação sazonal nos níveis de andrógenos observados em muitas espécies de aves Este autor postulou que a testosterona e outros andrógenos podem assumir três níveis crescentes 1 Um nível basal nível A característico dos períodos nãoreprodutivos 2 um nível sazonal nível B presente no período reprodutivo e induzido por pistas ambientais sazonais como a variação na duração da fase clara do dia e 3 um nível C ou nível máximo com duração e magnitude variáveis que seria alcançado durante interações competitivas com outros machos ou com fêmeas receptivas A razão entre os níveis C e B CB foi chamado de R responsividade dos andrógenos que seria maior em espécies poligínicas com baixo nível de cuidado parental e menor em espécies monogâmicas com altos níveis de cuidado parental Ao longo do tempo resultados de estudos em diferentes taxa apóiam a hipótese do desafio ao mesmo tempo que apontam para alguns ajustes e derivações Hirschenauser et al 2003 não encontraram um efeito significativo do nível de cuidado parental sobre a responsividade dos andrógenos e Goymann et al 2007 propõem que essa responsividade seria melhor quantificada diferenciandose a variação sazonal R sazonal da variação imediata aos diferentes desafios sociais e ambientais Rmachomacho Rmachofêmea Rambiental e que esta correta quantificação necessita também do conhecimento sobre a resposta fisiológica máxima para a espécie Rpotencial A Hipótese do Desafio vem mostrando sua aplicabilidade em diferentes grupos de vertebrados revisão em Hirschenhauser e Oliveira 2006 havendo estudos também para a espécie humana para a qual foi observado que a vitória em interações competitivas esportivas causa elevação dos níveis de testosterona em homens Archer 2006 Todavia muitas questões ainda permanecem a ser investigadas como por exemplo o papel dos andrógenos na modulação da resposta sexual e agressiva em 340 fêmeas e a aplicabilidade da teoria para as espécies tropicais submetidas a pressões e pistas ambientais diferentes das espécies que habitam áreas de clima temperado Moore 2007 Teichroeb Sicotte 2008 Competição e inibição reprodutiva em fêmeas Além dos efeitos das variáveis ambientais anteriormente apresentadas em espécies sociais a reprodução das fêmeas varia dentro de dois extremos por um lado sociedades nas quais apenas um indivíduo reproduz eusocialidade como por exemplo no caso das abelhas e por outro espécies nas quais todas as fêmeas se reproduzem como no caso das hienas Abbott et al 1998 A ocorrência de inibição reprodutiva em fêmeas ligada à competição social também tem sido registrada em fêmeas de primatas entre elas as fêmeas de sagüi do Nordeste C jacchus Nessa espécie embora não ocorram diferenças morfológicas entre os sexos são encontradas diferenças expressivas de estratégia reprodutiva entre machos e fêmeas Abbott et al 1998 Saltzman et al 1997ab Silva Sousa 1997 As estratégias sexuais das fêmeas de C jacchus estão fortemente associadas aos mecanismos de disputa pelo posto social com o estabelecimento de hierarquia de dominância podendo levar à inibição reprodutiva das fêmeas que então se tornam socialmente subordinadas Abbott 1978 1984 Abbott George 1991 Todavia podem ocorrer falhas nesses mecanismos inibitórios o que parece ser modulado pelo ambiente social e nível de parentesco entre as fêmeas Saltzman et al 1997ab Sousa Ziegler 1998 Ziegler Sousa 2002 Diante do escape nos mecanismos de inibição estudos realizados no ambiente natural demonstram que o infanticídio dos filhotes da fêmea subordinada é uma provável estratégia utilizada pelas fêmeas dominantes Albuquerque 2003 Arruda et al 2005 As fêmeas subordinadas por sua vez apresentam estratégias alternativas à inibição ovariana e insucesso produzido pelo infanticídio de sua prole emigrando dos grupos naturais Essa emigração pode ocorrer em diferentes condições reprodutivas das fêmeas durante a ovulação gravidez ou quando estão funcionalmente inibidas de reproduzir Albuquerque 2003 Feromônios e Reprodução As influências que os membros de um grupo têm sobre os demais são muitas vezes mediadas por odores ou componentes químicos menos voláteis feromônios 341 provenientes de glândulas excretoras especializadas Flowerdew 1987 ver Snowdon capítulo 7 deste livro A importância dos feromônios para a reprodução é amplamente estudada em artrópodes especialmente em insetos e crustáceos pex Gade Hoffmann 2005 Dunham 1978 Dentre os crustáceos a liberação de sinais químicos envolvidos na localização reconhecimento e interação com potenciais parceiros sexuais é bem estabelecida para vários grupos como copépodes Lonsdale et al 1997 e decápodos como caranguejos e lagostas Bushmann 1999 Cowan 1991 sugerindo que nos artrópodes a comunicação química exerce um papel fundamental para a reprodução Os vertebrados também apresentam elaborados sistemas de comunicação feromonal Os odores são processados pelo sistema olfatório principal ou acessório órgão vômeronasal modificando o comportamento ou a fisiologia do animal receptor Firestein 2001 Diferentes exemplos da atuação dos feromônios em roedores caprinos e primatas mostram efeitos dramáticos sobre a reprodução Em roedores a partir dos trabalhos clássicos de Whitten 1959 investigações sobre o efeito do ambiente social sobre a reprodução mostraram que pode ocorrer um aumento do período entre estros quando as fêmeas estão convivendo em um mesmo ambiente com outras fêmeas ou apenas com o odor de outras fêmeas adultas o que foi denominado de Efeito LeeBoot A capacidade apresentada pelo odor da urina de machos em sincronizar o estro das fêmeas foi denominada Efeito Whitten O fato de que a retirada do macho familiar e a colocação de um novo macho na gaiola leve fêmeas de camundongos recém inseminadas a abortar e entrar em estro ficou conhecido como Efeito Bruce Todos esses fenômenos evidenciam a importância do ambiente social na modulação da fisiologia e do comportamento reprodutivo em roedores Em primatas a inibição reprodutiva a qual as fêmeas subordinadas de C jacchus são submetidas parece ser mediada por sinais visuais e químicos Smith e Abbott 1998 observaram que machos e fêmeas de C jacchus que apresentam órgão vomeonasal bem desenvolvido quando expostos ao odor uma fêmea foram capazes de discriminar se a fêmea estava na fase periovulatória ou luteal do ciclo Em humanos é também proposta a existência de feromônios sexuais que seriam moléculas derivadas dos hormônios sexuais Em um estudo utilizando tomografia por emissão de pósitrons Savic et al 2005 demonstraram que áreas do hipotálamo anterior eram ativadas pelo feromônio masculino AND 416androestadie3nona em mulheres heterossexuais e homens homossexuais enquanto o cérebro de homens 342 heterossexuais e mulheres homossexuais era ativado pelo feromônio feminino EST estra1351016tetrae3nol Isto sugere uma base biológica para a preferência sexual em humanos o que tem gerado acirrados debates no meio científico e nos movimentos sociais ambos com representantes tanto contra quanto a favor dessa possibilidade Estresse e Reprodução Além das alterações hormonais sexuais decorrentes das estratégias diferenciadas de machos e fêmeas o funcionamento adrenal também se expressa de modo dimórfico em muitas espécies de mamíferos estudadas Batle Vale 2003 incluindo a espécie humana Jezova et al 1996 Troisi 2001 Em algumas espécies de primatas não humanos ocorrem adaptações no eixo hipotálamohipófiseadrenal HHA Mendoza Mason 1986 Crepeau Newnan 1991 provavelmente dando suporte às estratégias reprodutivas de machos e fêmeas Em C jacchus são observadas variações nos níveis de cortisol fecal tanto em função do sexo quanto em resposta às variações no ambiente social Fig 3 Estudo desenvolvido por nosso grupo permitiu demonstrar a ocorrência de diferenças individuais nos níveis basais de cortisol que apresentam correlação com o nível de responsividade ao estresse em uma população cativa de C jacchus Galvão Coelho et al 2008 o que somandose a já conhecida ocorrência de diferença entre gêneros na resposta ao estresse nessa espécie aponta o sagüi como excelente modelo para a compreensão da resposta de estresse em humanos caracterizada por diferenças entre gêneros e forte variação individual Felder et al 2009 Dessa forma o estudo sobre o dimorfismo endócrino de machos e fêmeas relacionado às estratégias reprodutivas constitui hoje um campo de investigação importante com repercussões na fisiologia reprodutiva resposta ao estresse e novas abordagens terapêuticas Registros de infertilidade relacionados a quadros de estresse bem como com a inibição reprodutiva sazonal são exemplos de interações entre diferentes partes dos sistemas de regulação endócrina respectivamente o adrenal e pineal interferindo na reprodução Vêse portanto que além da regulação dentro do eixo hipotálamohipófisegonadal a reprodução sofre modulação por outros ramos do sistema endócrino conferindo ainda mais complexidade à sua regulação e a possibilidade de otimização do esforço reprodutivo em função tanto das condições do ambiente físico quanto do social 343 REFERÊNCIAS Abbott DH 1978 The physical hormonal and behavioural development of the common marmoset Callithrix jacchus jacchus pp 99106 In Rothe H Wolter HJ Hearn JP eds Biology and Behaviour of Marmosets Göttingen Eigenverlag Abbott DH 1984 Behavioral and 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Chicago Press Wuethrich B 1998 Why sex Putting theory to the test Science 281 19802 352 Ximenes MFFM Sousa MBC 1996 Family composition and the characteristics of parental care during the nursing phase of common marmosets Callithrix jacchus Primates 37 17583 Zahavi A 1975 Mate selection a selection for a handicap Journal of Theoretical Biology 53 20514 Ziegler TE 2000 Hormones associated with nonmaternal infant care A review of mammalian and avian studies Folia Primatologica 7 621 Ziegler TE Epple G Snowdon CT Porter TA Belcher AM Kuderling I 1993 Detection of the chemical signals of ovulation in the cottontop tamarin Saguinus oedipus Animal Behaviour 45 31322 Ziegler TE Sousa MBC 2002 Parentdaughter relationships and social controls on fertility in female common marmosets Callithrix jacchus Hormones and Behavior 42 35667 353 FIGURAS Figura 1 Valores absolutos de nascimentos de filhotes na colônia do Núcleo de Primatologia Natal RN durante estações secas e chuvosas coligidos durante seis anos consecutivos 1990 a 1995 Adaptado de Sousa et al 1999a 354 Figura 2 Níveis plasmáticos de prolactina em pais e ajudantes do sagüi Callithrix jacchus antes e após o nascimento dos infantes no grupo familiar ANAVA p 005 Adaptado de Mota Sousa 2000 Após Nascimento 355 Figura 3 Efeito do tipo de convívio social nos níveis de cortisol fecal em machos e fêmeas subadultas em sagüis Callitrhix jacchus Concentração média de cortisol fecal EPM n 7 Grupo familiar animal focal vivendo em seu grupo familiar Díade de gêmeos animal focal isolado de seu grupo familiar mas em companhia dao irmãao gêmeao 356 Tabela 1 Classificação dos organismos sexuados quanto à produção de gametas presença de gônadas forma de fecundação e desenvolvimento do embrião Reprodução Sexuada GAMETAS Iguais Isogamia Diferentes para e Heterogamia grande pequeno Oogamia grande pequeno e móvel GÕNADAS Indivíduo com gametas e Monóico espécies hermafroditas simultâneos e seqüenciais Indivíduo com gameta ou Dióico espécies gonocóricas FECUNDAÇÃO Quanto ao meio Interna interior do organismo parental Externa ambiente externo Quanto à ocorrência Ausente Espécies que apresentam Partenogênese ocasional Presente Autofecundação monóicos Cruzada monóicosdióicos PRODUÇÃO DA PROLE Quanto ao local de crescimento do embrião Ovípara fora do organismo parental Ovovivípara predominantemente fora Vivípara dentro do organismo parental DESENVOLV DO EMBRIÃO Quanto às fases larvais Ausente Direto Presente Indireto TABELA 2 Classificação dos sistemas de acasalamento segundo critério espacial temporal ecológico e genético Classificação geral Classificação Espaciala Classificação Temporala Classificação Ecológicab Classificação Genéticac I MONOGAMIA Associação prolongada e acasalamentos essencialmente exclusivos entre um macho e uma fêmea por vez Monogamia Territorial O par monogâmico compartilha um território comum Monogamia Serial Indivíduos de ambos os sexos usualmente acasalam com novos parceiros a cada ano ou a cada estação reprodutiva Monogamia Permanente Pares permanecem juntos por toda a vida só havendo troca de parceiro se não houver sucesso reprodutivo Monogamia Quando nenhum dos sexos tem oportunidade de monopolizar parceiros adicionais seja diretamente ou através do controle de recursos Pode ocorrer em seqüência Igual número de machos e fêmeas contribui com gametas para a formação dos zigotos Monogamia de Defesa da fêmea Cada macho defende o acesso a uma fêmea em vez de defender um território Monogamia baseada em Dominância Fêmeas mantêm associações monogâmicas em um grupo social dominando as fêmeas mais subordinadas IIPOLIGINIA Associação prolongada e acasalamentos essencialmente exclusivos entre um macho e duas ou mais Poliginia Territorial Diversas fêmeas se acasalam com ao menos alguns machos territoriais Poliginia Sucessiva Machos adquirem as parceiras em sucessão temporal Poliginia de defesa de recursos Machos defendem recursos essenciais às fêmeas quando estes estão irregularmente distribuídos ou agregados em algumas áreas Mais fêmeas do que machos contribuem com gametas para a formação dos zigotos 358 fêmeas por vez Poliginia de Defesa da fêmea de harém Um único macho defende o acesso a um grupo de fêmeas Poliginia Simultânea Machos adquirem todas as suas parceiras ao mesmo tempo Poliginia de Defesa da fêmea de harémFêmeas mantêmse agregadas por razões não reprodutivas ocorrência de assincronia reprodutiva entre fêmeas 359 Poliginia de dominância Quando o ambiente não permite monopolização direta das fêmeas ou de recursos machos definem relações de dominância entre eles podendo levar à a Poliginia de lek quando os movimentos das fêmeas são previsíveis as fêmeas são relativamente assincrônicas b Agregações de reprodução explosiva quando o período de acasalamento é altamente sincrônico para machos e fêmeas IIIPOLIANDRIA Associação prolongada e acasalamentos essencialmente exclusivos entre uma Poliandria Territorial Diversos machos se acasalam com ao menos algumas fêmeas territoriais Poliandria sucessiva Fêmeas adquirem os parceiros em sucessão temporal Poliandria de defesa de recursos Fêmeas controlam ou têm acesso a vários machos monopolizando recursos essenciais Mais machos do que fêmeas contribuem com gametas para a formação dos zigotos 360 fêmea e dois ou mais machos por vez Poliandria não Territorial Fêmeas abandonam o primeiro parceiro e acasalam com um novo macho em outro local Poliandria Simultânea Fêmeas adquirem todos os suas parceiros ao mesmo tempo Poliandria de acesso à fêmea Fêmeas limitam o acesso de outras fêmeas aos machos através de nterações agressivas entre si IV PROMISCUIDADE Ausência de associação prolongada entre os sexos e ocorrência de acasalamentos múltiplos em pelo menos um dos sexos Promiscuidade de Disseminação gametas são lançados no ambiente prevalecendo a competição por esperma Poligamia de múltiplos CLUTCHS machos e fêmeas têm igual oportunidades e vantagens em múltiplos acasalamentos em seqüência Semelhante à monogamia Promiscuidade de Sobreposição Ocorrência de acasalamentos promíscuos durante breves visitas de um sexo ao território do outro sexo Promiscuidade de Arena Macho defende uma área de exibição usada exclusiva ou predominantemente para atrair parceiras 361 Promiscuidade Hierárquica Machos estabelecem hierarquias de dominância que afetam sua possibilidade de inseminar fêmeas o mesmo que poliginia de lek na classificação ecológica a adaptado de Wittemberger 1979 b adaptado de Emlen Orians 1977 c adaptado de Anderson 1994 TABELA 3 Classificação dos sistemas de acasalamento segundo critérios de ordem espacial temporal adaptado de Wittemberger 1979 ecológico adaptado de Emlen Orians 1977 e genético adaptado de Anderson 1994 Classificação geral Classificação espacial Classificação temporal Classificação ecológica Classificação genética I MONOGAMIA Associação prolongada e acasalamentos essencialmente exclusivos entre um macho e uma fêmea por vez Monogamia Territorial O par monogâmico compartilha um território comum Monogamia Serial Indivíduos de ambos os sexos usualmente acasalam com novos parceiros a cada ano ou a cada estação reprodutiva Monogamia Permanente Pares permanecem juntos por toda a vida só havendo troca de parceiro se não houver sucesso reprodutivo Monogamia Quando nenhum dos sexos tem oportunidade de monopolizar parceiros adicionais seja diretamente ou através do controle de recursos Pode ocorrer em seqüência Igual número de machos e fêmeas contribui com gametas para a formação dos zigotos Monogamia de Defesa da fêmea Cada macho defende o acesso a uma fêmea em vez de defender um território Monogamia baseada em Dominância Fêmeas mantêm associações monogâmicas em um grupo social dominando as fêmeas mais subordinadas 363 IIPOLIGINIA Associação prolongada e acasalamentos essencialmente exclusivos entre um macho e duas ou mais fêmeas por vez Poliginia Territorial Diversas fêmeas se acasalam com ao menos alguns machos territoriais Poliginia Sucessiva Machos adquirem as parceiras em sucessão temporal Poliginia de defesa de recursos Machos defendem recursos essenciais às fêmeas quando estes estão irregularmente distribuídos ou agregados em algumas áreas Mais fêmeas do que machos contribuem com gametas para a formação dos zigotos Poliginia de Defesa da fêmea de harém Um único macho defende o acesso a um grupo de fêmeas Poliginia Simultânea Machos adquirem todas as suas parceiras ao mesmo tempo Poliginia de Defesa da fêmea de harémFêmeas mantêmse agregadas por razões não reprodutivas ocorrência de assincronia reprodutiva entre fêmeas 364 Capítulo 13 EMOÇÕES Katsumasa Hoshino hoshinofcunespbr Departamento de Ciências Biológicas Faculdade de Ciências Universidade Estadual Paulista UNESP Bauru SP Brasil 365 Um convite para analisar os problemas do estudo das emoções O Professor Walter Hugo de Andrade Cunha foi sem dúvida o pioneiro brasileiro no ensino da Etologia área que ele foi abandonando progressivamente nos seus últimos anos de atividade acadêmica visto que esta nova disciplina da Biologia não era suficiente para responder as questões fundamentais que haviam mudado a direção de sua vida Com seu sorriso meio constrangido recordava que em sua mocidade estando deitado na cama entediado por não ter o que fazer dentro de um quarto de hotel após o almoço de um domingo notou que formigas andavam ordenadamente na trilha feita na parede ao lado da cama Amassou uma delas para ver o que acontecia e ajudar a afastar o tédio Um raio em sua cabeça não teria causado maior surpresa do que aquilo que viu e sua vida não foi mais a mesma Uma após outra após inspecionar a companheira amassada as formigas entraram em um ziguezague alvoroçado contatando e induzindo o mesmo comportamento em outras culminando em verdadeira manifestação coletiva de pânico vide Cunha 2004 onde a Revista de Etologia fornece um relato histórico dessas iniciativas desse autor Como As formigas percebem a morte e fogem com medo à procura de lugares seguros Era a década dos anos de 1950 e a característica de suas dúvidas o levou para o curso de Filosofia na antiga Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo tornandose professor de Psicologia Comparativa posteriormente Conhecio quando estava em sua fase etológica após suas incursões na Psicologia da Gestalt e nas proposições de Tolman para a análise dessas suas preocupações teóricas Na época a Etologia era entendida como o estudo dos comportamentos instintivos inatos em um contexto biológico vide capítulo 1 Somente mais tarde ela foi proposta como o estudo biológico do comportamento animal Você leitor interessado no comportamento animal acredita que as formigas sentem medo Aumentando a extensão da pergunta além da espécie humana as outras espécies animais têm emoções Faço essas perguntas porque a sua resposta é fundamental para ser um bom pesquisador nas áreas de estudo do comportamento Tenho visto muitos jovens começarem a pesquisar emoções e comportamentos emocionais sem uma preocupação maior além de descrever e contar alguns padrões comportamentais sugestivos de serem similares às manifestações emocionais humanas Muitos deles argumentaram que as 366 posições teóricas e conhecimentos a respeito de outros temas não eram de seu interesse Essa posição é sem dúvida insustentável Por exemplo constatei uma pesquisa em que se avaliavam os efeitos tranqüilizantes das substâncias de certas plantas usando um comportamento que ocorre nas situações de medo intenso que é o bater os dentes Esse comportamento tomado como variável dependente no estudo se baseava na observação de que parcela de ratos quando ameaçados entram em estado de imobilidade e batem os dentes involuntariamente à semelhança dos seres humanos quando sentem medo intenso Quando informei que tais batimentos de dentes são manifestações epilépticas do tipo pequeno mal que acomete algumas linhagens de roedores LennebergHoshino 1999 constatei decepção e desistência Vêse nesse caso que a pesquisa era inadequada para os objetivos buscados mas adequada se a intenção fosse avaliar a propriedade antiepiléptica dessas plantas Extraímos desse exemplo que a posse de conhecimentos a respeito de diferentes aspectos dos comportamentos é um trunfo para ser um bom pesquisador na área Constatei casos inversos também ou seja de pessoas que presenciaram fatos importantes em suas pesquisas mas que por desconhecimento não perceberam do que se tratava Por exemplo diversos autores demonstraram que a privação da fase do sono em que ocorrem os sonhos usando o método da plataforma que é altamente estressante provoca aumento de agressividade em ratos Tufik Lindsey Carlini 1978 Embora muitos pesquisadores tenham trabalhado com esse fenômeno escapoulhes que essa agressividade é tipicamente defensiva e tratase de manifestação de pânico que acomete os animais mais ansiosos segundo pesquisas de nosso laboratório De Paula Hoshino 2002 O conhecimento dos diferentes referenciais teóricos também é importante para a pesquisa na área do comportamento vide capítulo 2 Por exemplo Antonio Turino Vaz de Moura preocupado com a progressiva dispersão dos escorpiões amarelos Tytius serrulatus no sudoeste brasileiroavaliou na UNESP campus de Bauru a possibilidade da temperatura ambiente ser uma barreira à sua expansão geográfica Vaz de Moura 2001 Ele constatou que os animais dessa espécie se escondem no meio de cubos de gelo e morrem congelados após um torpor temporário quando o ambiente está bem iluminado fato que não ocorre no escuro Como interpretar esses resultados A Ciência não é um uma coleção de almanaques que acumulam dados embora a atividade de muitos pesquisadores não ultrapasse esse estágio vide capítulo 1 A Ciência procura em sua última instância formular leis gerais e agrupandoas formar uma teoria unificadora coerente Para isso é necessário que os dados sejam analisados e 367 interpretados para classificação determinação de relações avaliação dos mecanismos etc dentro de um contexto de conhecimentos já existentes Em casos de discrepância explicativa a validade da teoria geral precisa ser questionada e reformulada com o acúmulo de mais dados indicativos de sua inadequação Tentando fazer isso com o comportamento do escorpião podemos pensar que a luz direta induziria medo uma vez que na vida natural desses animais esse tipo de iluminação só ocorre quando o animal está em campo aberto e sob o sol portanto com alta probabilidade de ser detectado e predado No escuro eles têm pouca possibilidade de serem detectados exceto pelos predadores que detectam o ultravioleta e podem realizar a termorregulação comportamental evitando áreas excessivamente frias Essa hipótese nos faz retornar às preocupações do Prof Walter Cunha os animais têm emoções Será que as formigas percebem o perigo da morte e entram em fuga desordenada pelo terror de morrerem Será que os escorpiões sentem tanto medo que os levam a se esconder em locais não adequados Admitir que formigas escorpiões e outros animais percebem a situação sentem medo e emitem comportamentos de defesa implica na admissão de que o animal tem a capacidade de experiência consciente isto é que o animal exerce uma atividade mental equivalente à humana e organiza os comportamentos que lhes aumentam a probabilidade de sobrevivência Essa idéia choca frontalmente com a crença que nos é inculcada desde a infância de que o homem é racional e os animais irracionais Foi o caso do Prof Walter Cunha com as formigas O raciocínio não é só humano Ou os animais pensam e a maioria das pessoas vive a vida acreditando em coisas que não são verdadeiras O filósofo francês René Descartes por volta de 1630 já havia levado essas dúvidas ao extremo chegando à única conclusão que lhe parecera verdadeira penso logo existo Esse pensador se preocupou também com a questão da atividade racional nos animais e foi talvez o maior contribuinte para a concepção de que os animais eram irracionais e que os comportamentos por eles emitidos eram decorrentes da atividade de uma maquinaria mecânica complexa acionada reflexamente por diferentes estímulos Tal concepção geral que muitas pessoas gostam de denominar de contexto ou referencial teórico ou teoria leva a interpretar os dados dos comportamentos das formigas e escorpiões como sendo decorrentes de fugas automáticas reflexas e inconscientes similares ao fechamento ou abertura de nossas pupilas de acordo com a intensidade da luz 368 O referencial teórico adotado pelos pesquisadores é que vai determinar o tipo de interpretação dos dados e conclusões que são fundamentais para a construção do conhecimento científico De fato admitir que os animais não têm consciência perceptual questiona a visão evolucionista da espécie humana e de suas capacidades o que favorece a consolidação da visão emergentista de que houve o surgimento único repentino e especial das propriedades mentais na espécie Homo sapiens ou a da visão criacionista que defende que somos realmente descendentes de Adão e Eva Estudos feitos com chimpanzés ensinados a se comunicarem pela linguagem dos gestos dos deficientes auditivos mostram que eles são capazes de ter dúvidas e que formam conceitos Os estudos de Kohler um dos fundadores da psicologia da Gestalt mostram que esses animais conseguem mentalmente resolver problemas César Ades um dos discípulos mais proeminentes do Prof Walter Cunha demonstrou que as aranhas têm memória e que com os dados memorizados e os estímulos presentes elas constroem um mapa cognitivo da situação Da mesma maneira o Prof Walter Cunha havia demonstrado que as formigas não seguem automaticamente a trilha de odor das outras formigas Ele colocou três velas acesas ao lado direito de uma trilha de formigas e esperou algumas horas para ter certeza que a maioria das formigas tivesse passado pelo local Mudou em seguida a vela para o lado esquerdo da trilha As saúvas se desorientaram andando em diferentes direções até que ao final de duas horas aproximadamente uma nova trilha foi refeita mantendo as velas do lado direito da trilha Todos esses e outros exemplos mostram que deixando o preconceito de que apenas o homem é racional podese constatar que muitos animais têm atividades racionais E você leitor vai passar a vida fazendo pesquisas baseado em suposições que podem não ser válidas Convidoo a analisar alguns aspectos teóricos envolvidos no estudo das emoções pois este tema não tem ainda um referencial teórico único aceito por todos A tarefa parece enfadonha mas a empreitada pode ser provocativa se começarmos a pensar que a questão do homem racional e animal irracional pode ter provindo da questão religiosa de se os animais entram ou não no céu após a morte Se os animais entram no céu os pecadores também podem entrar pois eles assim como os animais dão vazão aos seus instintos e desejos que são pecados Mesmo que você não tenha interesse pelas emoções é preciso também ter em mente que um conhecimento mais amplo do tema é importante para a vida cotidiana Primeiro a persistência de algumas emoções pode levar a doenças psicossomáticas tais 369 como as úlceras gástricas hipertensão diabetes asma etc Segundo muitas afirmações a respeito das emoções podem ser usadas para fins sociais ou políticos Recentemente em um destes primeiros anos do século XXI lançouse uma hipótese aparentemente inocente para explicar o sucesso freqüente dos filmes de terror catástrofes e hiper violência Afirma a hipótese que o medo é a emoção prevalente na espécie humana e como vivemos atualmente em cidades seguras com baixos índices de perigo preenchemos a falta de estimulação dessa natureza ficticiamente nos cinemas para manter em prontidão os nossos mecanismos de defesa Imaginese entretanto um possível uso de tal hipótese Podese defender interesses econômicos não declaráveis matandose milhares de pessoas com a justificativa de que defenderse é a reação mais natural visto o medo ser a emoção mais preponderante da natureza humana A parte dessa manipulação que cabe à pessoas comuns é o pagamento com sua vida em guerras ou o gasto de seu dinheiro para uma corrida armamentista que atende somente o interesse de uns poucos indivíduos As tentativas de saber o que são emoções A humanidade sempre buscou conhecer e explicar tudo que podia perceber e conceber As emoções não são exceções As emoções foram concebidas inicialmente em termos de raciocínio mágico ou místicoreligioso à semelhança dos estágios de desenvolvimento mental da criança Diversos contos dos indígenas brasileiros admitem as emoções como características determinantes dos grandes eventos dos antepassados ou nas lendas de sua origem Os deuses do Olimpo agiam também segundo suas emoções A inveja e o ciúme parecem ter criado os habitantes dos infernos e a vergonha surgiu espontaneamente em Adão e Eva com a descoberta de que estavam nus As tentativas de explicação das coisas sem admitir a existência de divindades correspondentes aos estágios préformais levaram à formulação de algumas explicações filosóficoespeculativas De particular relevância são as suposições de que as emoções são manifestações de uma das três partes ou categorias de propriedades da mente juntamente com a razão responsável pelo pensamento racional e a volição responsável pela vontade e o livrearbítrio A propriedade das emoções de inibir ou sobrepujar os comportamentos ditos civilizados levou muitos a acreditar que as emoções humanas são heranças irracionais da parte animal dos seres humanos que supostamente por força de algo superior foram os únicos privilegiados com a razão e o 370 livrearbítrio O estágio de raciocínio lógicoformal da humanidade se iniciou com a consolidação da Ciência Embora Charles Darwin tenha abordado as emoções como manifestações biológicas naturais na segunda metade do século XIX o estudo das emoções ficou a cargo da Psicologia que se estabeleceu como o ramo dedicado ao estudo científico da psique mente humana A Psicologia separouse oficialmente da Filosofia com a instalação dos laboratórios de Wundt em Leipzig Alemanha também na segunda metade do século dezenove Tendo em vista a concepção arraigada de que as emoções eram uma das partes da mente a abordagem biológica iniciada por Darwin foi relegada a um segundo plano No entanto o aumento esperado na compreensão das emoções com o advento de sua abordagem do ponto de vista científico não ocorreu Constatouse em menos de 100 anos que nenhum dos temas da Psicologia tinha produzido tanta controvérsia inútil como o das emoções Woodworth Schlosberg 1958 Diversas causas contribuíram para o enorme volume de discussões a respeito das emoções A primeira delas foi sem dúvida a falta de uma definição adequada do que é emoção A definição de emoção por exclusão não é atividade mental racional e não é livrearbítrio não permite saber o que ela é exatamente e não se presta para o seu estudo mais profundo A definição por princípio deve ser a proposição frase que caracteriza o elemento definido pelo que lhe é particular e essencial isto é por algo importante que é somente dele O que de comum importante e exclusivo existe nas emoções Os dicionários não nos ajudam muito pois caracterizam tautologicamente as emoções isto é definem as emoções como sentimentos e afetos e esses são definidos como emoções refletindo a confusão discutida pelos psicólogos A falta de limites impostos por uma definição gerou uma confusão de terminologia Alguns psicólogos defenderam que os sentimentos seriam as emoções mais leves ou seja aquelas que podem ser controladas tal como saudade descontentamento etc enquanto as emoções seriam os sentimentos fortes como a raiva o medo etc Outros autores definiram que os sentimentos são as percepções das emoções Afeto e emoção também são aceitos freqüentemente como sinônimos entretanto o termo afeto também é usado por outros pesquisadores como sendo o caráter agradável ou desagradável das informações percebidas Alguns autores denominam o afeto tonus emocional Entretanto muitas outras coisas tais como olhar as nuvens e o sabor doce têm conotação afetiva agradável e não são emoções Isso indica que afeto e emoção não são propriamente sinônimos 371 As emoções têm a mesma capacidade de evocar comportamentos específicos como as motivações Por exemplo a sede ou a fome leva os animais a se locomover à procura de água ou comida cuja falta excessiva seria perigosa De modo similar o medo leva os animais a se locomoverem para se afastarem de um local potencialmente perigoso É interessante notar que as palavras emotion e motivation têm o núcleo mot que significa movimento A dor é tida como uma sensação Ela também tem a capacidade de fazer os animais se moverem Baseados na propriedade eliciadora de comportamentos alguns autores propuseram que o conceito de emoções é desnecessário e fonte de confusão devendo portanto ser eliminado da Ciência ver Delgado 1971 As tentativas iniciais da Psicologia foram direcionadas no sentido de determinar a natureza dos eventos mentais incluindo as emoções ou seja propondo abordar os fenômenos vivenciados subjetivamente para determinar suas leis e sua constituição seguindo em linhas gerais o paradigma modelo da Física que já estava bastante adiantada na época Assim como a observação e análise de diferentes coisas se movendo levou à formulação das leis da mecânica e permitiu a identificação dos elementos fundamentais dessas leis que são o espaço a matéria e o tempo esperouse que o mesmo procedimento fosse adequado para a Psicologia O acesso à experiência subjetiva das pessoas só é possível através do relato verbal e a Psicologia usouo denominando de método introspectivo Perguntavam por exemplo o que os sujeitos percebiam quando estavam em situações desagradáveis e em situações agradáveis Uma parte das pessoas respondia que percebem uma sensação surda e pesada no estômago no primeiro caso e uma sensação aguda na região do colo parte superior do tronco no segundo Outras não relatavam isso Verificouse rapidamente que o método era inadequado e não permitia ir além de uma descrição muito superficial e individual dos fenômenos conscientizados A Psicologia chegou a um impasse no início do século XX e a crise foi superada por diferentes proposições originando as diferentes correntes dentro da Psicologia Psicologia da Gestalt Behaviorismo etc Watson em 1912 propôs que o objetivo da Psicologia deve ser o comportamento visto que ele é observável e mensurável Embora sua ênfase estivesse no comportamento as experiências subjetivas como as emoções foram foco de seu interesse na medida em que elas determinam comportamentos Ele admitiu verificando as reações de bebês recémnascidos submetidos a diferentes estimulações que o prazer a raiva e o medo eram inatos não dependentes da aprendizagem vide capítulo 1 sendo considerados emoções primárias e as demais secundárias por dependerem de aprendizagem A 372 proposição do behaviorismo enfatizou que processos como emoções diferentemente de outros fenômenos naturais como as moléculas o coração etc podem ser conhecidos de dois modos diferentes o primeiro como experiências perceptuais pessoais e o segundo como fenômeno responsável por uma classe de manifestações comportamentais observáveis em outros indivíduos Esta segunda abordagem permitiu o estabelecimento de um volume imenso de conhecimentos e tal sucesso diminuiu aos poucos o interesse a respeito dos aspectos subjetivos das emoções Os estudos dos comportamentos emocionais levam a conhecer as emoções Algumas pessoas criticam a abordagem comportamental das emoções dizendo que ela é inadequada para a sua compreensão completa Diversos tipos de argumentos são usados para a defesa dessa premissa Uma delas é que as experiências emocionais tal como os outros processos mentais não podem ser reduzidas a substâncias químicas ou aos eventos bioelétricos que ocorrem nos nervos músculos e glândulas crítica reducionista O fundamento para essa crítica é que o todo é maior que a soma das partes base essa enunciada pelos psicólogos da Gestalt para os fenômenos perceptuais e mais generalizadamente pelos atuais holistas O raciocínio clássico é o quadrado não é a mera soma de quatro retas pois nestas não tem ângulos Assim não adianta vasculhar o cérebro circuitos neurônios e seus componentes químicos porque não se chega a fenômenos mentais como as emoções Admitir o surgimento de qualquer coisa a partir do nada contraria a lei fundamental da química de que na natureza nada se cria tudo se transforma Lei de Lavoisier A conclusão correta é que esses teóricos se esquecem que definimos as coisas pelas características mais marcantes dos elementos e não precisamos ressaltar todas as suas propriedades A reta é pois definida como sendo a linha mais curta de união entre dois pontos e não supõe todas as propriedades das retas incluindo a possibilidade de formarem ângulos quando duas delas são sobrepostas no mesmo plano O tipo de organização é fundamental para ressaltar as propriedades dos elementos Este fato era conhecido pelas pessoas que trabalhavam com circuitos elétricos As tomadas elétricas apenas fecham ou abrem circuitos elétricos permitindo ou interrompendo a passagem de corrente elétrica que pode acender ou apagar uma lâmpada Todos já devem ter visto casas onde uma lâmpada pode ser acesa do terraço e apagada de dentro da casa e viceversa Funções mais complexas podem ser obtidas a partir de circuitos complexos com elementos também mais complexos como nas redes 373 neurais construídas com modelos artificiais de neurônios vide capítulo 4 A possibilidade de se criar inteligência artificial com o uso de computadores indica que o todo da atividade racional humana provém da organização de elementos Um outro argumento para a negação da abordagem comportamental das emoções é a afirmação de que elas são manifestações de outra dimensão ou natureza além da energia espaço e tempo Consideram que os eventos psicológicos são de uma quarta dimensão a espiritual Assim os métodos científicos que se baseiam no observável dos aspectos físicos químicos e biológicos vide capítulo 1 são inadequados para a apreensão e estudo de propriedades espirituais As pessoas que defendem essa posição são denominadas de dualistas ou seja aquelas que admitem a priori a oposição idealizada por Platão de que existe uma dualidade entre mente e corpo psique e soma a qual a religião soube posteriormente propagar de modo profundo na civilização ocidental A posição dualista não deixa de ter as características dos defensores da exclusividade racional à espécie humana Os pensadores que admitem os processos mentais como decorrentes da atividade físicoquímica do sistema nervoso que é parte do corpo são denominados monistas A história da ciência mostra que as hipóteses dualistas tal como a de uma força vital especial que abandonava o corpo na morte foram sendo abandonadas à medida que se descobriram as explicações corretas dos fenômenos Existem várias outras evidências a favor da posição monista Sua discussão exaustiva não cabe aqui mas alguns exemplos ilustram essa posição A estimulação elétrica de certas áreas cerebrais possível de ser feita apenas com anestesia local em pacientes humanos necessitados de remover tumores ou focos epilépticos no sistema nervoso central induz uma experiência de prazer intenso Parece ser correto pela obediência ao princípio da parcimônia39 admitir que a experiência de prazer foi gerada pela ativação dos neurônios de um circuito selecionado pelos processos evolutivos pois a possibilidade alternativa teria de admitir que a corrente elétrica ou o cérebro é uma ponte de conexão entre a dimensão física e a dimensão espiritual O avanço que se verificou na Biologia Molecular mostrou a possibilidade de se conseguir produzir animais de laboratório muito ansiosos ou pouco ansiosos por meio da manipulação de partes das moléculas de DNA Tschenett et al 2003 Essa possibilidade aliada a tantas outras como a fabricação de psicofármacos com moléculas acopláveis a certos sítios de 39Princípio segundo o qual devese testar primeiro as idéias mais simples 374 ligação dos neurotransmissores mostram que não é mais possível sustentar a idéia de que os eventos psicológicos não são do plano físico Algumas pessoas negam a validade da abordagem monista substituindo a dimensão espiritual da posição dualista pela dimensão sóciocultural que é mais palpável É grande o número de pessoas que defende essa idéia Uma parcela desses defensores que eu conheci na realidade não tem argumentos lógicos para defender essa posição Elas incorporaram essa idéia por se graduarem nas áreas humanísticas eou em instituições universitárias que costumam dividir as ciências em humanas biológicas e exatas sem que as interrelações entre elas fossem focalizadas Digno de nota é que uma fração pequena dessas pessoas hipervaloriza os aspectos sócioculturais porque tem pouco conhecimento de Biologia ou perdem o controle ou desmaiam quando vêem sangue ou peças anatômicas Outra parcela tem essa posição baseada na velha dicotomia racional x irracional os racionais criam culturas complexas e os irracionais só agem por instinto Seriam os fenômenos sócioculturais independentes dos biológicos Ter naturezas diferentes implica que os elementos constituintes de uma não têm relação com os de outra natureza A divisão biológico e sóciocultural não atende a este quesito lógico uma vez que se baseiam no indivíduo As sociedades são compostas por conjuntos de indivíduos que interagem entre si o indivíduo é um ser social e os fenômenos culturais envolvem a psique dos indivíduos o indivíduo é um ser psicológico Os indivíduos têm um corpo material portanto ele é um ser biológico O indivíduo é três coisas ao mesmo tempo Ou ele é um só com três partes com naturezas distintas Essa controvérsia decorreu em grande parte do desejo precoce de dar status científicos equivalentes ao da Física e da Química à Sociologia e à Psicologia A caracterização de uma natureza específica ao objeto de estudo confere autonomia e reconhecimento como uma área particular de conhecimento uma vez que métodos específicos e construções teóricas diferentes explicariam segmentos de fenômenos inacessíveis pelas outras áreas da Ciência Essa estratégia parece não ter sido adequada A Biologia é por definição a área do conhecimento científico que tem por objetivo estudar os fenômenos relacionados aos seres vivos sem exceção Portanto a Psicologia e a Sociologia por estudarem os fatos relativos aos grupamentos de indivíduos ou a suas produções pertencem também ao conjunto de conhecimentos da Biologia da mesma maneira que a Anatomia Fisiologia e demais disciplinas biológicas ver capítulo 1 A Biologia tem um outro aspecto importante que é a de procurar as explicações dos fenômenos dos 375 seres vivos em termos físicoquímicos Isso não desmerece tampouco implica em reducionismo na Biologia ao contrário indica que existe uma continuidade no universo e que é possível elaborar enfoques em cada nível de organização da matéria sem contradições com as leis e teorias de outros níveis Essa continuidade que se observa ao nível do indivíduo permite o enfoque do mesmo indivíduo enquanto membro de grupos social por suas atividades no grupo cultural por um de seus mecanismos de interação com o ambiente psicológico ou pelo seu aspecto corporal anatomia e fisiologia Essa visão mostra que a constatação de que o homem é um ser biopsico social que muitos autores descrevem como sendo uma grande descoberta ou conclusão é na realidade dizer o óbvio e corrobora que a divisão como coisas diferentes foi arbitrária ver capítulo 1 Essa continuidade permite encerrar a questão da dualidade entre o biológico e sóciocultural pois a ênfase particular dada a um dos aspectos do indivíduo não quer dizer que existe diferença na natureza dos fenômenos Essa conclusão é pertinente pois coaduna com o conhecimento de que muitas emoções têm papel social e que existem manifestações culturais para o controle emocional A experiência do medo quando há perigo predatório leva algumas espécies de macacos a se agruparem de maneira especial mantendo as fêmeas e filhotes no centro do grupo enquanto na periferia ficam os machos para a defesa vide capítulos 5 6 e 10 Os ritos de muitas práticas religiosas são exemplos de manifestações culturais para atenuar o medo da morte Por outro lado a existência da continuidade na natureza impõe que o conhecimento pleno e cabal de um fenômeno necessite o domínio dos conhecimentos nos diferentes níveis de organização não se podendo abordálos independentemente Isso quer dizer que os processos de neuroquímica cerebral não devem ser contraditórios com os princípios de comportamento assim como estes últimos não devem ser com os eventos sociais Em outras palavras as emoções não são uma coisa para a Fisiologia outra para a Psicologia e uma terceira coisa para a Sociologia Uma caricatura para entender a inadequação dessa posição é imaginar que em uma partida de futebol entre o Corinthians e o Flamengo cada time definisse regras diferentes entre si A existência de pessoas que acreditam nas emoções como processos holísticos irredutíveis à atividade do sistema nervoso é contrabalançada por aquelas que relegam os processos cognitivos para um segundo plano devido à impossibilidade de abordálos objetivamente ou pela crença de que as leis de comportamento podem ser formuladas sem a necessidade de admitir os eventos subjetivos O neobehaviorismo iniciado por 376 Skinner na década de 1930 vide capítulo 1 é a corrente teórica mais radical nesse aspecto Ao final de suas atividades científicas porém ele foi levado a considerar a existência de processos subjetivos Para salvaguardar o corpo de seu sistema teórico conceituouos como comportamentos de acesso apenas individual Skinner entretanto havia inicialmente definido que o comportamento era aquilo que um outro organismo vê que um animal está fazendo Considerar que os processos subjetivos podem ser excluídos ou relegados a um segundo plano no estudo do comportamento não parece acertado Primeiro as emoções e outros processos que aportam à percepção consciente atendem ao quesito reprodutibilidade Esse quesito estabelece que só é possível estudar um fenômeno e formular as suas leis se ele ocorrer diversas vezes Existe uma posição herdada da corrente filosófica segundo a qual o mundo existe enquanto eu existo que pode ser particularizada para a emoção só existe enquanto eu me emociono Tal dedução leva a considerar que a reprodutibilidade dos eventos cognitivos não existe Gosto de provocar os meus alunos que citam esses argumentos dizendo que já vi muitas pessoas que acreditam nisso morrerem e mesmo assim o mundo continuou existindo É preciso reconhecer que uma emoção como a raiva pode ser experienciada diversas vezes por uma mesma pessoa portanto é reprodutível reprodutibilidade intraindividual Por outro lado o fato de existir em todos os povos a palavra medo e o entendimento de seu significado indica que ele também ocorre nas outras pessoas reprodutibilidade inter individual A existência de livros de romance filmes peças de teatro etc com grande conteúdo emocional e sucessos internacionais mostra que as experiências subjetivas obedecem a regularidades As regularidades permitem a formulação de leis Vêse portanto que o a dificuldade em estudar os aspectos subjetivos das emoções está baseada na falta de um método objetivo para a sua abordagem Isso não deve ser um entrave pois a Química evoluiu baseada na suposição da existência de átomos mesmo que ninguém os tivesse visto ou documentado diretamente a sua existência A concepção de átomo foi progressivamente reformulada e refinada a cada descoberta das propriedades dos elementos químicos até que se tornou a entidade explicativa central da química Sua existência foi demonstrada somente muito mais tarde com o desenvolvimento de métodos especiais Uma pausa para um resumo 377 Você leitor que se aventurou a analisar o problema das emoções conseguiu chegar comigo à visão de que a existe uma controvérsia grande incluindo coisas básicas como de terminologia definições e conceitos b que apesar das controvérsias se reconhece que as emoções são experiências subjetivas cognitivas ou da consciência perceptual que levam às alterações viscerais e à emissão de atos motores que categorizamos como comportamentos emocionais c que essas controvérsias são decorrentes das diferenças nas suposições ou premissas de caráter mais geral tais como a do monismodualismo das interrelações entre os diferentes ramos da Ciência d que as emoções são fenômenos naturais portanto processos com continuidade lógica independentemente da fragmentação artificial que fazemos em Psicologia Fisiologia ou Sociologia para dar ênfase a um de seus aspectos Algumas tentativas de se definir emoções Você já deve ter visto em desenhos ou ouvido as pessoas descreverem que quando estão com medo sentem um frio na barriga as pernas ficam moles e tremendo que os cabelos ficam em pé e que o coração dispara William James e Carl Lange definiram as emoções exatamente da mesma forma que o leigo relata e essa definição é aceita ainda hoje por eminentes pesquisadores com pequenas alterações as emoções são as percepções das alterações que ocorrem no organismo de um indivíduo em situações específicas Kandel et al 1997 Essa definição foi muito questionada uma vez que o nosso conhecimento indica que são os estímulos que desencadeiam as respostas Como pode com as emoções ser ao contrário É inconcebível aceitar que foi a abertura da boca e a exposição dos caninos que induziu a raiva em um sagui Callithrix jacchus do laboratório de Psicobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte o qual empurrou um outro agressivamente para ter melhor acesso ao alimento Alguns experimentos injetando drogas como a adrenalina para provocar as modificações corporais similares à do medo não induziram essa emoção Apesar disso mostrouse mais recentemente que em indivíduos com medo a injeção de adrenalina pode aumentar a intensidade da emoção experimentada Uma variante dessa concepção usando os conhecimentos derivados da fisiologia da visão foi proposta por Schachter e estabelece que as emoções são construções percepções finais que o córtex cerebral faz a partir dos sinais freqüentemente ambíguos que recebe da periferia de modo análogo ao que faz a visão esse sistema transduz e decompõe as informações luminosas vindas do 378 exterior processando cada característica em módulos neurais diferentes para ao final fazer uma síntese que atribui significado O processamento das informações viscerais dos estímulos ambientais da situação dos dados de memória e outros poderiam levar analogamente à síntese final percebida como uma modalidade de emoção A proposição variante conhecida como de JamesLangeSchachterDamasio define a emoção como uma história síntese perceptual que o cérebro inventa para explicar as reações corporais A evolução das pesquisas a respeito da Fisiologia do sistema nervoso promovida por Cannon Bard Hess e muitos outros neurofisiologistas levou à descoberta de que a estimulação de áreas bem limitadas no tálamo e hipotálamo induz comportamentos emocionais específicos e completos em cães e gatos Esses dados levaram Cannon e Bard a propor que as emoções seriam decorrentes da percepção elaborada corticalmente pela ativação provinda do tálamo e hipotálamo estruturas onde os circuitos emocionais importantes para a emissão dos componentes motores e viscerais das emoções se localizariam A tentativa de definição das emoções conciliando as teorias de JamesLange e CannonBard conhecida como teoria cognitivofisiológica propôs que os ajustes viscerais informam o cérebro e dependendo do contexto e da experiência passada essas informações são interpretadas como emoções Papez em 1937 ampliou a proposição de CannonBard propondo que o fluxo de informações emocionais ocorre com envolvimento do córtex sensorial tálamo giro do cíngulo hipocampo e hipotálamo formando um verdadeiro circuito Circuito de Papez Nesse circuito as mensagens sensoriais são distribuídas em paralelo para o córtex cerebral resultando na experiência subjetiva da emoção e para o hipotálamo na ativação somatovisceral McLean nas décadas seguintes adicionou a amígdala estrutura localizada no lobo temporal o septo e o córtex préfrontal ao circuito de Papez permitindo considerar a existência de um sistema neural específico o sistema límbico para a elaboração da atividade emocional A substância cinzenta periaqueductal grupamento de neurônios ao redor do aqueduto canal que liga o terceiro ao quarto ventrículo encefálico se conecta reciprocamente a estruturas do sistema límbico e sua estimulação induz fuga ou luta defensiva Sua localização no tronco cerebral indica ser filogeneticamente mais antiga O estágio atual dessas pesquisas procura determinar os circuitos específicos para cada modalidade emocional Uma visão abrangente das teorias das emoções pode ser obtida em Brandão 2004 Kandel et al 1997 e Zigmond et al 1999 379 Lindsley propôs por sua vez na década de 1950 que as emoções seriam as percepções produzidas pelo nível de ativação cortical Malmo 1962 A definição foi proposta na descoberta de Moruzzi e Magoun em 1949 de que o nível de atividade dos neurônios da formação reticular uma estrutura do tronco cerebral está envolvido na manutenção dos níveis de sono e vigília A formação reticular junto com os núcleos40 talâmicos de projeção difusa para o córtex formam o sistema reticular ascendente de ativação ARAS A estimulação elétrica de estruturas desse sistema com intensidades progressivamente mais altas havia mostrado que os animais passam de um estado de alerta para um estado de ansiedade depois para o de medo e por fim pânico ou terror dando os fundamentos para a teoria proposta por Lindsley 1951 A ativação do ARAS ativaria também o hipotálamo para desencadear as reações comportamentais e viscerais Avaliando as definições e tentativa de uma outra definição Os textos que tratam das emoções enfatizam em sua maioria que nenhuma das definições propostas até hoje é plenamente satisfatória Apesar disso analisandose as definições acima apresentadas verificase que são citadas com maior freqüência devido à relevância de alguns pontos que enfocam A análise e reunião desses aspectos sugerem a possibilidade de ao menos apontar a direção de uma definição ou conceito mais pertinente de emoções Um fato é claro Entre todas as definições parece haver concordância de que as emoções são eventos da consciência perceptual cognitivos Um problema surge quando se quer acrescentar o que de especial desses eventos perceptuais caracteriza e permite reconhecer que são emoções As motivações sede fome etc também são eventos perceptuais como diferencialos das emoções Acrescentar que são aqueles acompanhados de alterações motoras ou viscerais particulares não auxilia muito Basta ver que eventos perceptuais também ocorrem acompanhados de modificações motoras e viscerais quando se está praticando algum esporte ou trabalhando em um serviço pesado As definições das emoções que se baseiam na percepção consciente das modificações corporais são mais sólidas do que parecem à primeira vista As emoções não ocorrem a partir do nada Por exemplo quando os mecanismos centrais de análise 40 são os locais do sistema nervoso central onde os corpos celulares dos neurônios se agrupa 380 dos estímulos de uma situação a percebem como perigosa as modificações motoras e viscerais são ativadas permitindo que o organismo se mantenha em prontidão ou execute imediatamente as respostas motoras adequadas à situação É possível afirmar que os animais em perigo necessitam monitorar o que está ocorrendo a cada instante até que o perigo termine ou eles saiam dessa situação A coleta de informações para esse monitoramento detecta também o que está ocorrendo no próprio organismo quando a atenção não está focalizada a aspectos mais prementes da situação Algumas alterações como no batimento cardíaco na respiração no relaxamento de alguns e contração de outros músculos lisos são muito proeminentes e provavelmente consistem nas próprias emoções A percepção dessas informações mescladas e processadas conjuntamente com as informações ambientais e as provenientes do sistema límbico envolvido na organização das emoções parecem promover um tipo particular de experiência cognitiva que podemos denominar de história ou construções que o cérebro inventa as quais chamamos de emoções O fato de elementos da resposta serem mesclados à percepção consciente encontra similaridade em muitas respostas do organismo incluindo os atos reflexos simples Quando pegamos a tampa de uma panela que está bastante quente imediatamente a largamos e flexionamos o braço para retirar as mãos de perto do perigo Esse reflexo de defesa é denominado de retirada alguns chamam de reflexo de flexão e ocorre antes que haja a conscientização de que a tampa estava quente demais A percepção consciente do que ocorreu envolve o cômputo da resposta emitida Algumas definições reconhecem que as emoções são evocadas pela percepção prévia de um estímulo ou constelação de estímulos de uma situação Essa condição pode ser considerada necessária para a evocação de todas as emoções pois a ocorrência de uma emoção sem causa justificada seria de pouco valor adaptativo e considerada loucura em casos humanos Esses estímulos evocadores podem ser inatos ou aprendidos Ou seja os animais precisam detectar estímulossinais termo dos etólogos para designar os estímulos específicos que disparam comportamentos inatos importantes para a sobrevivência da espécie vide capítulo 1 ou terem tido experiência prévia de que certos estímulos estão associados a outros que são agradáveis ou desagradáveis Como se sabe as serpentes são estímulossinais que induzem medo inato em chimpanzés vide capítulo 7 e esse medo pode ser abolido com cirurgias de ablação dos lobos temporais do cérebro descobriuse mais tarde que esse efeito se deve aos núcleos amigdalóides uma das estruturas do sistema límbico É preciso reconhecer que a 381 demonstração de um comportamento como inato embora necessário em muitos estudos é uma tarefa difícil Os casos de zoofobia humana podem ilustrar esta dificuldade Todos reconhecem que existem pessoas que têm pavor de baratas outras de ratos outras de outros animais incluindo serpentes Eu tenho defendido a idéia de que a zoofobia humana é um caso de estampagem um tipo especial de aprendizagem onde o animal fixa para o resto da vida o primeiro estímulo com que teve contato vide capítulo 1 É possível que este processo de estampagem tenha a participação das manifestações de pavor demonstradas pelos familiares por exemplo a mãe que faz uma gritaria porque viu uma barata A possibilidade de que o filhote de chimpanzé passe por processo similar questiona se o medo às serpentes é realmente inato porém experimentos com reações de defesa em outros animais indicam que existem estímulos inatos que evocam comportamentos de defesa Tinbergen um dos fundadores da Etologia vide capítulo 1 demonstrou que os pintinhos se agacham e ficam imóveis quando detectam uma silhueta de gavião movendose no ar Essa mesma figura movendose em sentido oposto se transforma na silhueta de um ganso e não evoca os comportamentos de defesa Muitas vezes uma criança que está aprendendo o significado das coisas estímulos específicos ou situações consegue apreender a grande importância de uma situação devido à mudança de comportamento dos adultos mas a percepção dessa situação lhe fica vaga por ser incompreensível ou por falta de explicações A percepção vaga da situação de separação dos pais junto com a surpresa de ver pela primeira vez a mãe chorando pode ser uma aprendizagem que fará as crianças reagirem com alta ansiedade ao longo da vida a todas as situações vagas sem que compreendam o porque dessa reação Em outros casos um estímulo específico da situação que seja vago para a criança pode ser associado por exemplo ao medo Conto uma passagem de minha vida para ilustrar esta afirmação Filho de japoneses nasci em uma fazenda em uma colônia só de japoneses Tinha quatro anos no auge da II Guerra Mundial e os membros da colônia eram mantidos sob vigilância policial O primeiro contato com uma pessoa fardada foi quando um militante disfarçado com roupas de policial invadiu a nossa casa roubou tudo que era de valor alegando ser confisco de guerra A segunda vez foi quando meu avô morreu logo depois e a colônia se reuniu para o velório Um policial foi destacado para evitar confabulações políticas Em ambos os casos não compreendi o que estava acontecendo mas o comportamento receoso dos adultos me fez associar gente fardada ao perigo Até os meus 12 anos tinha um pavor incontrolável de gente 382 fardada que depois voltou mais tarde por ter sido preso pelo golpe militar de 64 Ao contrário do que negam muitos autores esses dados indicam que experiências infantis de conteúdo emocional podem alterar os caminhos da vida de uma pessoa tal como já apontavam Freud e seus seguidores O desencadeamento da experiência emocional subseqüentemente à percepção do significado do estímulo é sem dúvida fundamental porque induz a reorientação da atenção mantemna alta e focada para a evocação de dados da memória seleção das informações da situação avaliações de possibilidades ou riscos e programação das respostas comportamentais A maior duração dos eventos emocionais em relação ao tempo consumido no reconhecimento dos estímulos é sem dúvida importante para que esses processos sejam mantidos enquanto os estímulos significantes estiverem presentes ou tiverem a possibilidade de ocorrer novamente Em outras palavras a emoção seria uma sinalização para manter o organismo preparado para a ação por tempo suficientemente seguro O fato do circuito de Papez que faz parte do sistema límbico ser um circuito neural fechado parece significativo para a manutenção prolongada da experiência emocional Os circuitos fechados mantêm uma atividade ao longo do tempo pela retroativação o último elemento ativa o primeiro e assim indefinidamente até que alguma informação inibitória interrompa essa reverberação A importância da manutenção prolongada de uma emoção tem a mesma importância da manutenção prolongada da sensação dolorosa O sistema da dor tem uma via de condução rápida percebida cognitivamente como dor precoce aguda para o desencadeamento de respostas rápidas de defesa e uma via de condução lenta dor tardia surda e contínua para proteção contínua das regiões afetadas para a sua cura A localização da ocorrência do evento perceptual da emoção no córtex cerebral leva a restringir sua ocorrência apenas aos animais que têm essa estrutura neural Os animais com estruturas corticais pouco desenvolvidas tal como peixes e anfíbios não teriam moções E os invertebrados Teriam estruturas alternativas responsável por emoções Concentrandonos apenas em mamíferos o ponto importante é a maneira como essa estrutura é ativada A teoria de CannonBard admite que o processo de elaboração cognitiva da emoção ocorreria no córtex decorrente da transmissão da atividade dos circuitos hipotalâmicos Não seria o reconhecimento do significado dos estímulos ao menos nos mamíferos recentes elaborado no neocórtex e transmitido ao sistema límbico que ativaria as alterações viscerais motoras e cognitivas da emoção A resposta parece provir da análise geral da organização dos comportamentos 383 O comportamento é uma propriedade inerente dos organismos e a possibilidade de interação ativa com o meio ambiente é uma das propriedades fundamentais que garante a sobrevivência Os organismos vivos são sistemas organizados em base celular em equilíbrio dinâmico temporário dentro de uma natureza altamente entrópica desorganizadora Este equilíbrio dinâmico pode ser representado por uma interrelação constante de agressãodefesa e o organismo sobrevive enquanto suas defesas superarem a agressão do ambiente Para isso o organismo se defende extraindo elementos da natureza principalmente energia que é necessária para essa luta constante Essas maneiras de se interrelacionar são os comportamentos e sem eles não se consegue viver Tanto assim é que dizemos que um indivíduo está morto quando ele não mais interage ativamente com o meio O sistema nervoso foi a estrutura que se originou e evoluiu com a função de organizar o comportamento e promover a manutenção das condições do meio interno aproximadamente constantes Esta segunda função é denominada de homeostase Parte dos processos homeostáticos que corrigem os desequilíbrios que ocorrem dentro do organismo envolve interação com o meio ambiente Exemplificando a quantidade de água no organismo é regulada pelo comportamento de beber a taxa de glicose no sangue glicemia pelos alimentos Outros desses processos como a regulação do equilíbrio ácidobásico da pressão arterial e muitos outros não requerem interação com o meio ambiente em condições normais de vida casos anormais de queda excessiva da pressão arterial como na hemorragia intensa desencadeiam sede e comportamentos de busca e ingestão de água Nos vertebrados e em grande parte dos invertebrados o sistema nervoso está organizado de tal maneira que os comportamentos têm sempre três componentes o motor que ativa os músculos esqueléticos o visceral que ativa coração pulmão fígado etc e o cognitivo perceptual Não há mais dúvidas de que as informações coletadas pelos órgãos sensoriais dos invertebrados olhos por exemplo são processadas em seus sistemas nervosos para conferir um mapa cognitivo do ambiente e permitir que os animais consigam emitir respostas orientadas dentro do ambiente O componente motor é o efetor das interações com o ambiente e o visceral tem a função de dar condições ótimas para que os componentes motores possam ser executados com maior eficácia Assim ao lado de dezenas de ajustes o coração bate mais depressa e mais forte para mandar mais sangue aos músculos coração e diversas partes do cérebro locais onde os vasos sangüíneos se dilatam Há relaxamento da musculatura do tubo digestivo para reduzir a digestão e deslocar mais sangue para circular assim como a 384 vasoconstrição periférica com o mesmo fim Esta última reação tem a função protetora de evitar a perda de sangue em caso de luta O interessante é que essas reações viscerais ocorrem antecipadamente à execução de um movimento TimoIaria 1985 Por exemplo quando se decide levantar o braço ocorre vasodilatação nos músculos desse braço De modo semelhante a estimulação de circuitos neurais responsáveis pela motricidade também evoca respostas viscerais também em animais descerebrados Cravo 1982 Mesmo reflexos simples como o de flexão são acompanhados por uma constelação de ajustes viscerais Esses dados indicam que os circuitos motores e viscerais da organização do comportamento estão em paralelo ou seja que têm ligações entre si que promovem ativação dos dois componentes ao mesmo tempo A função do componente cognitivo do comportamento é fácil de entender Os peixes estudados pelo Prof Gilson Volpato em seu laboratório no campus de Botucatu da Universidade Estadual Paulista mostram uma modificação progressiva do comportamento que é muito comum Trazidos ao laboratório eles inicialmente comem pouco ou permanecem em jejum por um tempo Em uma etapa seguinte eles aprendem que as pessoas significam possibilidade de alimento percebem os estímulos e seus significados e nadam agitados de um lugar para outro Ao final eles aprendem que o alimento é colocado no lado do aquário mais próximo ao corredor de passagem das pessoas e se condicionam a irem esperar o alimento nesse local Este exemplo mostra que o componente cognitivo organiza os comportamentos A fome é um dado cognitivo que entra na organização do comportamento de ir em busca do alimento e comer Detalhando melhor a fome é um sinal cognitivo que informa a redução dos estoques de nutrientes energéticos no organismo e aciona os comportamentos que culminam na elevação do nível de reservas energéticas A emoção também tem as mesmas características Jogar futebol pode ser uma atividade expressa por uma seqüência mínima de comportamentos quando é praticada por obrigação entretanto se existe alegria em ir jogar futebol com os amigos um conjunto de outros comportamentos ocorre encontrar os amigos rir juntos maior empenho e menos agressividade nas disputas da bola Isso mostra que a participação do componente emocional na organização do comportamento se faz evocando e direcionando cadeias específicas de comportamentos Da mesma maneira o medo de ser atacado no escuro ou cair em um buraco evita que as crianças saiam de suas casas e se aventurem pelas ruas não iluminadas mesmo que desejem encontrar seus amigos 385 O sistema nervoso central detecta as informações do ambiente analisaas e determina os seus significados podendo simplesmente descartálas estocálas ou programar um comportamento em resposta pôlo em execução conferir e corrigir os movimentos em execução e monitorar os efeitos conseqüentes das respostas emitidas Diversas etapas dessa seqüência de eventos são processos cognitivos e a sua impossibilidade de ocorrência pode alterar drasticamente o comportamento e alterar a vida dos animais A visão é o canal sensorial predominante de coleta de informações do ambiente no ser humano e sua perda por problemas nos olhos ou dentro do sistema nervoso central elimina a possibilidade de emissão de uma série de comportamentos reduz muito a eficácia de outros além de colocar a vida em risco caso não tenha ajuda de outras pessoas com visão normal Assim como na cegueira todas as limitações cognitivas incluindo a qualidade e quantidade de informações levam a prejuízos no comportamento Podese extrair desta análise que o componente cognitivo além de organizar comportamentos específicos confere eficácia ou seja contribui direta ou indiretamente para a sobrevivência Escolher um caminho pensando nos possíveis obstáculos dos demais é sem dúvida um comportamento eficaz organizado pelo processo cognitivo de pensar O pensar neste caso é conscientizar a viabilidade eou demora de passagem nos possíveis caminhos O Prof César TimoIaria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo tem defendido essas idéias em nosso meio há décadas TimoIaria 1977 1985 Para ele a consciência é a propriedade do sistema nervoso que tem a função de detectar analisar e atribuir significado aos estímulos Construindo uma definição A seleção dos elementos da análise das definições mais freqüentemente citadas permite elaborar uma outra definição as emoções são sinalizações cognitivas que dão eficácia aos comportamentos que procuram solucionar problemas impostos pelo meio ambiente Seria essa definição adequada A sua adequação pode ser avaliada pela coerência eou poder heurístico que confere aos dados conhecidos A definição e os diferentes tipos de emoções 386 O primeiro ponto desta tarefa é analisar se a definição é universal isto é se ela é adequada para todas as emoções É tarefa difícil sabermos quantas e quais são as emoções existentes Há mais de 30 anos o Prof Arno Engelman do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo se defrontou com esta questão Ele levantou todas as palavras existentes na língua portuguesa que denotavam relação com sentimentos emoções ou estados afetivos e tentou agrupálas pela proximidade semântica Todos conseguem perceber que apreensão temor ansiedade medo terror pavor e pânico são experiências subjetivas da mesma classe e que variam segundo a intensidade Um eixo de polarização diferente seria o da alegria estar disposto animado contente feliz alegre eufórico Os estudiosos principalmente os biólogos logo perceberam que o fator comum do eixo da ansiedademedopânico é o perigo A propriedade de evocar e direcionar os comportamentos de fuga esquiva ou luta tornou patente que as emoções desse eixo são sinais cognitivos que indicam perigo e dão eficácia aos comportamentos de defesa Essa dedução mostra adequação da definição proposta para o caso do medo Serviria para o eixo da raiva Esse eixo não permite gradação da intensidade emocional que vai da irritação para a raiva que é usada como sinônimo de ira cólera e ódio Essa emoção ocorre nas situações onde a execução ou o prosseguimento do comportamento em curso é impedido Esse eixo emocional evoca intensificação dos comportamentos e na falta de solução evoca comportamentos agressivos para a remoção do impedimento Vêse aqui que o comportamento agressivo pode ser gerado e direcionado pela raiva agressividade ofensiva que pode ir de apenas um insulto ao homicídio com requintes de perversidade e pelo medo agressividade defensiva com objetivos funcionais diferentes A definição proposta parece se adequar a este eixo emocional Contentamentoalegriafelicidade ocorre quando expectativas ou necessidades de um indivíduo vão ser ou são satisfeitas Um bom amigo desperta alegria porque traz a expectativa de passar novamente bons momentos juntos Ser salvo de um incêndio traz alegria Receber presentes significa ter amigos ou que algo de bom foi recebido e traz alegria As festas são atividades sociais para aumentar e prolongar a alegria por exemplo a partilha dos povos primitivos quando retornavam com caça ou para realização de expectativas encontrar uma parceira por exemplo que darão alegria Esses dados sugerem que sua função é a de indicar que uma sucessão de comportamentos está em um curso adequado ou que levou ao objetivo almejado e portanto devem ser mantida e repetida Essa função entretanto é exercida pelo sistema 387 de prazeraversão O sistema de prazer parece se sobrepor ao eixo da alegria porém não parece ser a mesma coisa Como se verá mais adiante esse sistema prazeraversão ocorre em animais onde a alegria parece não ocorrer O contentamentoalegria evoca um padrão específico de comportamento pulos abanar o rabo e correr no cão ou o sorriso na espécie humana e a função desse comportamento não é evidente É possível aventarse e pesquisar a hipótese de que a alegria seja uma emoção de função social exclusiva de vertebrados filogeneticamente mais recentes sendo expressões equivalentes àquelas mediadas pelo sistema de prazer nos demais animais A falta de determinação da função biológica da alegria não invalida a definição de emoção que estamos avaliando Dois pontos adicionais podem ser considerados neste tipo de emoção Primeiro a alegria excessiva caracteriza estado de euforia com agitação motora que lembra a induzida também por drogas principalmente aquelas que agem liberando a dopamina nas terminações nervosas centrais O sistema cerebral de prazer envolve também este neurotransmissor central Bressan Crippa 2005 Segundo o excesso de expectativa pode gerar ansiedade pela possibilidade de não realização mesclarse à alegria ou predominar completamente As manifestações comportamentais do eixo do desânimo tristeza depressão incluem a redução da mobilidade corporal adoção de postura específica tronco arqueado cabeça baixa membros soltos etc Que função teriam esses comportamentos A tristeza está associada à perda ou impossibilidade de obtenção de coisas desejadas Podese pensar então que a sua função seria a de induzir mudança de comportamento ou situação Essa hipótese não se sustenta pois a imobilidade e apatia que se observam na tristeza não se coadunam com a emissão de novos comportamentos ou locomoção para a mudança de lugar e situação Seria a tristeza uma emoção selecionada evolutivamente nos vertebrados sociais com a função de despertar comportamentos de ajuda A definição de emoções e a necessidade de sua conceituação A especificação de que as emoções são relativas aos comportamentos que solucionam os problemas impostos pelo meio ambiente é fundamental para a sua diferenciação entre outros dois processos cognitivos que também têm a propriedade de evocar comportamentos e lhes conferir eficácia as motivações homeostáticas fome sede desejo sexual etc e as sensações dor calor frio etc 388 Vimos anteriormente que durante a evolução do sistema nervoso foi mantida sua função de organizar os comportamentos e o componente cognitivo incluindo as emoções participa da organização desses comportamentos dandolhes eficácia A emissão de respostas comportamentais adequadas a cada situação de tal maneira que os custos não sejam de maior monta que os benefícios exige necessariamente informações a respeito de cada situação particular As informações importantes para a organização do comportamento podem provir de três fontes principais o meio ambiente onde os estímulos podem ser extremamente numerosos e extremamente mutáveis a superfície do corpo que é a interface de contato térmico e mecânico com o ambiente e o interior do corpo Para cada uma dessas fontes existe um sistema de detecção condução análise e elaboração do significado A visão audição e olfação são os sistemas de detecção de informações à distância enquanto a sensibilidade geral somática tato pressão frio calor e dor informa eventos que ocorrem na superfície de contato corporal com o ambiente os receptores vestibulares musculares articulares ósseos e de dor detectam informações da parte interna do corpo importantes para a organização da postura e dos movimentos Receptores importantes e especializados detectam a temperatura a taxa de glicose do sangue a quantidade de água do volume de sangue etc e constituem um verdadeiro sistema para monitorar as condições do meio interno e disparar correções O grupo de eventos perceptuais gerado pelas informações do ambiente interno obedece a ritmos tais como a fome a sede o sono etc As experiências cognitivas denominadas motivações homeostáticas se referem àquelas que culminam em correção homeostática Elas diferentemente das emoções e sensações não têm a propriedade de servir como estímulos incondicionados reforços para o processo de aprendizagem Um animal aprende que um comportamento é adequado ou inadequado quando é punido com um estímulo doloroso ou amedrontador As sensações tal como a dor são experiências cognitivas inatas que sinalizam eventos da superfície e do interior do corpo As emoções se referem aos eventos cognitivos gerados por estímulos e situações do meio ambiente Os seus estímulos indutores são variáveis ao contrário das sensações que são induzidas por um estímulo particular ou um conjunto de estímulos fixos Essa variabilidade de estímulos ou situações indutoras das emoções parece ser extremamente adaptativa para a grande mutabilidade que ocorre na natureza É fácil entender isso As fontes de perigo para um animal são inúmeras Apesar dessas diferenças temse utilizado o termo motivação para todas as três modalidades de manifestações cognitivas 389 devido à suas capacidade de evocarem comportamentos seqüenciados e não reflexos simples A definição e o problema da terminologia Como vimos anteriormente a falta de uma definição adequada do que são as emoções levou a confusões de terminologia Os sentimentos seriam emoções menos intensas ou seriam coisas diversas Os sentimentos tais como a saudade e o orgulho não mudam o curso do comportamento em ação como as emoções Tampouco não mostram alterações viscerais ou comportamentais evidentes em sua grande maioria É da experiência da maioria das pessoas que não conseguimos acelerar a freqüência das batidas do coração lembrandonos das situações de medo pelas quais passamos O que podemos sentir são receios Os sentimentos poderiam ser os substitutos das emoções para a reevocação de experiências emocionais anteriores da memória Ou poderiam os sentimentos ser a própria memória das emoções já experienciadas Ao que tudo indica os sentimentos possuem o mesmo papel funcional apontado na definição proposta para as emoções O receio que uma situação nova evoca mostra que a associação dos sentimentos exclusivamente aos dados de memória é errônea O receio além de promover um aumento da atenção aos estímulos importantes da situação e colocar em prontidão o organismo para o imprevisível leva a pessoa a reconsiderar a emissão ou não de prosseguir nessa situação processo que é altamente adaptativo Ou seja ele tem o papel sinalizador para que o comportamento não ocorra de maneira aleatória e ineficaz O receio de passar novamente por uma situação perigosa orienta o comportamento para que se evite o encontro de sinais associados a esse contexto Em ambos os exemplos verificase que o receio é uma experiência cognitiva que dá eficácia ao comportamento aspecto fundamental que permite definir as emoções Sendo emoção ele se polariza no eixo da ansiedademedo De fato o aumento do receio pode se transformar em ansiedade ou medo que ocorre com mudança visível do comportamento em curso A combinação de poucas emoções denominadas primárias ou básicas em número e proporções diferentes dariam origem às emoções categorizadas como sentimentos Assim a saudade envolveria a evocação das alegrias tidas junto a uma pessoa ou lugar mescladas com a tristeza de sua perda Sem sombra de dúvida o conjunto de experiências agradáveis que o saudoso sente decorre da aprendizagem das 390 pessoas e das coisas que lhe deram prazer e alegria anteriormente A função óbvia seria a de induzir ou manter o desejo de um retorno junto a essa pessoa ou lugar e dependendo da intensidade orientar os comportamentos atuais para que possa realizar esse objetivo por exemplo trabalhar em dobro para juntar dinheiro e possibilitar o retorno O sistema gustativo mostra que tal mescla é possível pois com a estimulação dos quatro tipos de receptores em diferentes combinações e proporções podese perceber uma gama de outros sabores O mesmo acontece com a percepção das diferentes cores a partir dos receptores retinianos para o vermelho também sensível ao amarelo verde e azul A ocorrência de dois eventos cognitivos de categorias diferentes é possível É patente que em alguns casos tal como o do receio existe uma mescla de uma pequena quantidade de medo e um outro dado cognitivo que é de natureza motivacional É este último que predominando sobre o receio mantem em ação o comportamento que estava em curso Essa predominância explicaria porque uma pessoa choraria de saudades É quando o componente tristeza supera em intensidade a alegria ou o prazer rememorado Os sentimentos seriam também emoções secundárias visto envolverem claramente processos de aprendizagem Isso parece ser intuitivo uma vez que elas requerem que as emoções básicas ou primárias estejam já associadas às situações ambientais específicas para que a combinação delas em uma proporção específica desperte uma nova experiência cognitiva Os dados da ontogênese e a definição proposta A inexistência de comunicação verbal nos bebês limita a pesquisa apenas aos componentes motor e visceral que são os parâmetros acessíveis também nos animais nãohumanos Sabemos atualmente que sons intensos nas gestantes aceleram a freqüência cardíaca dos fetos Muitas pessoas consideram por essa reação que os bebês ouvem Não se pode descartar entretanto a possibilidade da adrenalina materna promover essa manifestação no feto A mesma consideração pode ser feita com a suposição de que as emoções maternas também emocionam os fetos Ao contrário de Watson que concluiu haver três emoções inatas ou primárias nos bebês recém nascidos observações mais rigorosas indicam que elas manifestam apenas agitação generalizada em resposta aos estímulos ou situações que evocam emoções em crianças mais velhas Somente aos três meses que é possível a discriminação de comportamentos 391 que indicam satisfação e desagrado e que progressivamente de cada uma delas vão se diferenciando de outras mais específicas até que aos seis meses são possíveis de serem observados comportamentos indicadores de medo raiva desgosto alegria e de afeição nos vínculos sociais Este aumento do número de modalidades se verifica até a idade adulta e envolve sem dúvida processos de aprendizagem como apontado anteriormente O tópico da aprendizagem no estudo das emoções é fundamental por estar implicado na formação da personalidade no entendimento de diferentes distúrbios de fundo emocional e em suas terapias Como vimos as emoções são evocadas pelo significado dos estímulos que são formados em grande parte por aprendizagem Muitas tribos de índios brasileiros criam os filhos sem proibições ou castigos e estes se tornam adultos confiantes Um contato eventual violento com os brancos os faz medrosos Da mesma maneira crianças de um a três anos não têm vergonha ou medo e exploram o mundo para aprender o significado das coisas É somente mais tarde após as experiências emocionais repetidas ser agradada por exemplo ou traumáticas tal como o susto de se perder dos pais na multidão é que se tornam extrovertidas ou retraídas É bem documentado o fato de uma criança vítima de violência doméstica tornarse um novo praticante desse tipo de crime no qual a ansiedade e o alcoolismo desempenham papel importante É evidente que os processos terapêuticos podem se beneficiar com a determinação e recondicionamento dos significados dos estímulos e situações Dados filogenéticos Os comportamentos e atividades cognitivas incluindo as emoções não têm a propriedade de serem preservados como fósseis Isso determina que os estudos filogenéticos dessas manifestações se baseiem primordialmente no estudo comparativo das espécies hoje existentes Apesar desse fato os dados existentes permitem deduzir alguns pontos importantes da evolução das emoções Ao que tudo indica os primeiros organismos que não tinham a propriedade de liberar oxigênio pela fotossíntese e necessitavam obter energia às custas de outros organismos devem ter ensaiado uma série de mutações e seleções ao longo de milhões de anos Ao longo da história evolutiva existem muito mais casos de mutações mal sucedidas do que as espécies existentes atualmente As espécies que sofreram mutações que levaram à capacidade de emitir respostas automáticas específicas a cada tipo de estímulo foram selecionadas Aqueles portadores de associações vantajosas para defender ou proteger o organismo de estímulos prejudiciais assim como reações 392 favoráveis à manutenção trófica e à reprodução quando associadas a certa classe de estímulos foram mantidas ao longo da evolução Assim os organismos desse estágio teriam um estímulo A nocivo evocando uma resposta de defesa a um estímulo B por exemplo luz evocando uma resposta b fuga e outras associações Cc Dd etc Esse mecanismo de organização do comportamento representou uma revolução em relação àqueles em que as necessidades como a alimentação crescimento e reprodução eram dependentes de mecanismos passivos difusão osmose etc e dependentes do acaso morte de outros organismos nas proximidades temperatura ambiente correntes de água etc A vantagem adaptativa desse tipo de organização comportamental parece ter levado à multiplicação de outras espécies com um número cada vez maior emitindo respostas específicas a estímulos específicos Este estágio da evolução do comportamento poderia ser denominado de estágio de respostas incondicionadas ou estágio respondente adotandose respectivamente os termos criados por Pavlov e por Skinner Esse tipo de organização do comportamento foi preservado em espécies metazoárias que surgiram mais tarde e adquiriram outros mecanismos de elaboração de respostas O ramo evolutivo que se desenvolveu no sentido de tornar os animais progressivamente independentes em relação às condições imposta pelo meio ambiente adquiriu a capacidade de locomoção Essa aquisição parece estar fortemente associada ou ter sido responsável por outra etapa fundamental na evolução dos mecanismos de organização do comportamento A locomoção acarretou o contato inevitável com um número elevado de informações devido à mudança progressiva nos locais do meio ambiente Considerando que muitos estímulos podem ser favoráveis enquanto outros são perigosos para a sobrevivência o desenvolvimento de outras capacidades foi importante Um ramo da evolução caminhou no sentido de manter uma forma radial de corpo partes iguais em torno de muitos eixos radiais do corpo e muitos outros evoluíram para a forma bilateral partes iguais em torno de um só eixo A simetria radial se manteve em apenas alguns filos cnidarias e equinodermas de movimentação relativamente lenta A predominância da simetria bilateral em diferentes filos se deve às propriedades hidro e aerodinâmicas que ela confere devido à redução de atrito Esse tipo de simetria determina um sentido de locomoção e isso condiciona a existência de uma parte anterior e posterior Em função dos primeiros contatos com os estímulos ocorrerem na parte anterior do corpo a concentração de sensores nessa área foi vantajosa A necessidade de transmissão das informações desses sensores aumentou 393 significativamente o número de neurônios e de conexões para processamento e transmissão de informações para outras áreas do corpo com a função de coordenar de modo coerente as diferentes partes do corpo para a emissão de comportamentos Dethier Stelar 1973 Esse processo é denominado encefalização O aumento na complexidade do sistema nervoso trouxe a possibilidade adicional de executar ações motoras sem a necessidade de estímulos ambientais específicos para evocálas Esse tipo de comportamento é denominado de operante por Skinner e esse estágio pode ser denominado de estágio de aquisição dos comportamentos operantes ou simplesmente estágio dos operantes A conciliação entre a mudança da configuração de estímulos ambientais e a necessidade de emissão de comportamentos direcionados a alguns estímulos deles por exemplo detectar um alimento à esquerda e nadar em sua direção foi conseguida evolutivamente pelo desenvolvimento da propriedade de formar representações internas cognições mesmo que rudimentares e fugazes do meio ambiente e organizar o comportamento em função desses dados Uma outra necessidade associada a esse desenvolvimento foi a determinação do significado das ações emitidas e dos estímulos detectados Ou seja não basta ao animal formar representações internas dos inúmeros estímulos ambientais e das ações corporais realizadas Os estímulos ambientais com os quais o animal entra em contato e as ações emitidas podem ser favoráveis indiferentes ou desfavoráveis para a sobrevivência Um animal pode entrar em contato com um novo tipo de alimento e ele pode ser nutritivo ou venenoso ou uma ação infantil como a de se colocar à beira de precipícios são coisas freqüentes Excetuandose os estímulos incondicionados aos quais respondem reflexamente os animais não nascem com a informação de se os outros estímulos e ações são favoráveis ou desfavoráveis Isso parece lógico em virtude do caráter mutável da natureza e da variabilidade de estímulos existentes na natureza Além do mais um mecanismo de reconhecimento inato do valor de sobrevivência de cada estímulo demandaria um número muito maior de neurônios e necessitaria multiplicar o tamanho do corpo A solução para esse problema foi sem dúvida o desenvolvimento evolutivo de um sistema básico de sinalização interna que conferiu uma experiência cognitiva agradável que leva a emitir comportamentos para sua busca e uma desagradável que leva os animais a evitálas ou se afastarem dos estímulos que a provocam Esse sistema é denominado pelos neobehavioristas sistema primário de reforçamento porque reforçam a emissão de respostas que pode ser positivo quando há busca ou negativo quando ocorre rejeição Outros autores denominam esses dados cognitivos de afetos Essa 394 proposição dos neobehavioristas se baseia na impossibilidade de se dizer que os animais têm as mesmas experiências que os humanos É bem provável que não sejam iguais devido à maior complexidade do sistema nervoso humano entretanto eles são equivalentes do ponto de vista funcional Os animais com associações de estímulos e respostas inatas adquiridas no estágio respondente anterior se beneficiaram com o acoplamento do sistema de sinalização agradáveldesagradável prazeravesão pois os estímulos passaram a adquirir significados e orientar o comportamento Assim estímulos nocivos como a dor passaram a evocar experiências extremamente aversivas enquanto sensações como a de sabor doce passaram a evocar sinalizações agradáveis Os animais que adquiriram a capacidade de coletar informações a respeito do nível das reservas alimentares alimentos energéticos e água também aumentaram a probabilidade de sobrevivência por acoplarem esse sistema de sinalização Os animais com o acréscimo dos operantes foram beneficiados pela possibilidade de extensão de significado a uma gama muito maior de estímulos e ações feita pelo processo da aprendizagem associativa Os estímulos e ações que ocorrem associados a uma relação estímuloresposta inata positiva passam a ter sinalização agradável reforço secundário ou condicionado o mesmo acontecendo com aquelas que são negativas Este tópico me reporta às longas conversas com o Prof Laurival De Lucca Jr atualmentee professor de neurofisiologia da Faculdade de Odontologia do campus de Araraquara da UNESP que no tempo em que estagiou em meu laboratório passou tardes discutindo o sistema de prazeraversão dos mamíferos Lembrome da analogia do sistema prazeraversão àquela da brincadeira em que se esconde um objeto e pedese à criança para achálo com as informações de frio quando está distante do objetivo e quente quando está próxima Lembrome também de sua proposta em investigar se os camarões de água doce Machrobachium iheringi têm um sistema equivalente ao de prazeraversão dos mamíferos O número de estímulos e situações com os quais os vertebrados têm contato ao longo de suas vidas foi aumentando à medida que os novos filos foram surgindo Esse aumento tornou insuficiente a sinalização por um sistema binário de agradável desagradável ou positivonegativo O surgimento de um sistema adicional o das emoções foi o mecanismo evolutivo que permitiu uma sinalização complementar mais específica às situações mais freqüentes e importantes da vida cuja solução é conseguida por comportamentos específicos A análise das funções das emoções feita anteriormente 395 fundamenta essa afirmação É fácil entender que a ocorrência de uma sinalização adicional o medo justaposto à sinalização de aversivo é muito mais vantajosa do que apenas a variação na intensidade do aversivo Considere um animal com fome que está em uma situação de perigo de predação Não tendo sinalização do medo ele sentiria apenas aversão e poderia tentar comer o predador porque a fome tem conotação aversiva Caso ele tivesse apenas o medo não se preocuparia com isso uma vez que não seria nem aversivo ou prazeiroso e nenhum comportamento importante seria emitido Uma última aquisição importante nesta linha de processos cognitivos para a organização do comportamento é a da atividade mental denominada pensamento que varia desde uma imagem evocada por sinais simbólicos por exemplo a palavra saída em um local público leva à locomoção em uma determinada direção mesmo que a saída propriamente dita não esteja á vista até as elaboradas por processos racionais comprar ações na bolsa de valores com a dedução racional de que o valor das ações de uma determina empresa irá aumentar futuramente A ocorrência de uma prevalência dos comportamentos emocionais sobre os organizados pelo pensamento racional indica uma hieraquização dos diferentes mecanismos de organização do comportamento com predomínio daqueles mais primitivos Ilustra bem este ponto a afirmação de alguém que disse fugir de medo de um pedaço de pau porque o confundiu com uma cobra é muito mais vantajoso do que pegar uma cobra pensando ser um pedaço de pau O predomínio da organização emocional mais básica sobre a organização racional do comportamento pode ser entendido como a utilização de uma capacidade filogeneticamente mais antiga preservada pela sua eficiência uma vez que a mais recente não tem possibilidade de solucionar ou que precisa ser reforçada A possibilidade de se traçar ao menos em linhas gerais uma visão filogenética das emoções como sendo sinalizações que dão eficácia aos comportamentos parece contribuir para a validade da definição que estamos discutindo Mecanismos fisiológicos das emoções Os vertebrados filogeneticamente mais antigos possuem cérebros constituídos apenas pelo diencéfalo e núcleos da base É o caso dos peixes anfíbios e répteis cujos cérebros constituem o grupo denominado de protoreptílicos A pergunta que se pode fazer é se os animais com esse tipo de cérebro podem ter emoções sem o neocórtex responsável pelos processos cognitivos e sem o sistema límbico para elaborar o 396 comportamento emocional Podemos constatar que os peixes anfíbios e répteis fogem quando ameaçados O comportamento desses animais é orientado pelo sistema básico de reforçamento prazeraversão e por um sistema primitivo de formação de mapas cognitivos ambos localizados no tronco cerebral A porção anterior do tronco cerebral denominada mesencéfalo possui duas porções distintas A parte dorsal é denominada teto e a parte ventral de tegmento Em peixes anfíbios e em menor grau nos répteis as diferentes modalidades sensoriais convergem ao teto mesencefálico que possibilita a formação de mapas cognitivos primitivos do ambiente e sinalização prazeraversão São clássicos os estudos mostrando que um sapo salta e captura um inseto colorido em vôo Se o inseto é possuidor de mecanismos de defesa por exemplo tem substâncias químicas venenosas que são amargas o animal aprende a não capturálo uma segunda vez Isso mostra que os possuidores de cérebros protoreptilianos têm mecanismos de sinalização e um mapa cognitivo que lhes permite reconhecer que insetos com aquelas cores não são alimentos Segundo Romero 2000 o teto parece ser o verdadeiro coração do sistema nervoso o centro controlador de toda atividade do corpo em peixes e anfíbios É preciso ressaltar que o controle cognitivo foi progressivamente transferido para o córtex e com isso o teto deixou de ter importância para a elaboração dos processos cognitivos nos cérebros filogeneticamente mais recentes As estruturas do sistema básico de sinalização prazeraversão com sua conexão íntima com o hipotálamo que é o grande sistema de saída para diferentes efetores viscerais e comportamentais foram mantidas ao longo da evolução Assim os comportamentos dos animais com cérebros protoreptilianos parecem ser orientados apenas pelo sistema básico de sinalização prazeraversão Algumas vias como a da dor ativam os circuitos de aversão provavelmente por conexão inata enquanto outras conexões se formam pelo processo da aprendizagem A evolução do cérebro se deu no sentido de aumentar progressivamente as estruturas corticais córtex quer dizer capa nos hemisférios cerebrais A porção mais antiga do córtex tem papel no processamento das informações olfativas Em virtude desse tipo de informação estar envolvido em diferentes processos importantes da vida dos vertebrados mais antigos da filogênese como disputa por parceiros reprodutivos competição por alimento etc acreditase que sobre o córtex olfativo córtex piriforme se desenvolveu uma série de outras estruturas em íntima conexão com o tálamo e hipotálamo subjacente levando a sinalização emoções e organização de 397 comportamentos eficientes Essas estruturas constituem o sistema límbico Cérebros com essa aquisição sem terem ainda o desenvolvimento neocortical são denominados de paleomamíferos Inicialmente foi proposto que o sistema límbico envolvia o córtex sensorial tálamo giro do cíngulo hipocampo e hipotálamo circuito de Papez entretanto outras estruturas foram sendo progressivamente incluídas como amígdala septo córtex préfrontal e área cinzenta periaqueductal O Prof Frederico G Graeff do campus de Ribeirão Preto da USP tem contribuições valiosas ao estudo do tema das quais se destaca a determinação do sistema cerebral aversivo envolvendo a amígdala dos lobos temporais o hipotálamo e a substância cinzenta periaqueductal Graeff 1990 e a atribuição de tipos particulares de emoções dos comportamentos de defesa a estruturas distintas Graeff 1990 1994 O Prof Marcus Lyra Brandão da mesma Universidade e seus colaboradores têm coletado evidências de que o colículo inferior também participa desse sistema cerebral aversivo Brandão 2004 A parte filogeneticamente mais recente do sistema nervoso é sem dúvida a estrutura responsável pela atividade cognitiva tal como nós a experienciamos As características de nossa cognição são determinadas marcadamente pelo tamanho das áreas de associação representadas principalmente pelo córtex préfrontal que no homem atinge 29 de todo o neocórtex enquanto nas espécies mais primitivas de macacos representa apenas 8 O córtex de associação tem esse nome porque associa informações das outras áreas de integração sensorial córtex primário e secundário das diferentes modalidades sensoriais e área de associação geral e áreas de comando da atividade motora Os cérebros com presença de neocórtex desenvolvido são denominados de neomamíferos e seus portadores constituem o grupo de animais que têm a propriedade de organizar o comportamento por mecanismos cognitivos mais elaborados pensamentos previsões deduções etc As Professoras Anette Hoffmann e Sonia Maria Brazil Romero ambas do campus da USP em Ribeirão Preto se destacam em nosso meio pelas suas investigações e divulgação dos estudos comparativos do sistema nervoso Em suas publicações e aulas é possível constatar que o desenvolvimento progressivo de novas estruturas encefálicas não ocorreu independentemente das estruturas filogeneticamente mais antigas e isso resultou em um controle cada vez mais complexo do comportamento Esse princípio encontra fundamento quando se observa que é possível efetuar neurocirurgias que acabam ao menos temporariamente com o caráter aversivo da dor renitente sem afetar a percepção de sua existência A validade desse princípio então permite explicar 398 porque a amígdala se associa intimamente à substância cinzenta e ao hipotálamo na intermediação das emoções envolvidas nos comportamentos de defesa ou porque o sistema de prazer envolve circuitos extensos límbicomesencefálicos Esse princípio permite entender também porque sensações como a dolorosa ou o sabor doce as emoções medo ou alegria e as motivações homeostáticas sede fome etc têm um caráter afetivo agradáveldesagradável que impulsiona os organismos a emitirem comportamentos que culminam em objetivos Os dados anatomofisiológicos das emoções são coerentes com a possível história filogenética dos sinalizadores cognitivos que dão eficácia ao comportamento A convergência aos mesmos aspectos da definição nas abordagens feitas de diferentes perspectivas indica que se completou o conjunto de argumentos a respeito da validade da definição discutida Epílogo Os invertebrados pertencem a diversos filos que seguiram diferentes padrões de organização do sistema nervoso ao longo da evolução A falta de uma homologia entre os diferentes tipos de organização não permite uma dedução linear na evolução das emoções nesse grupo de animais As observações do Profs Walter Cunha e César Ades com as formigas e aranhas indicam que alguns invertebrados têm ao menos mapas cognitivos As abelhas lançam uma substância odorosa feromônios quando alguém lhes tenta roubar o mel Essa substância evoca o comportamento de ataque em outras abelhas de maneira automática pois o feromônio é o estímulosinal de perigo Tentar saber se o feromônio evoca algum sinal cognitivo equivalente ao medo ou pânico nos faz voltar caro leitor ao ponto inicial de se as formigas sentem medo quando percebem o odor de uma companheira que foi esmagada e com isso fogem O Prof Isaías Pessotti atualmente na Universidade de Brasília demonstrou que as abelhas melíferas têm a capacidade de aprender por condicionamento operante Isso sugere fortemente a existência de um sistema básico de sinalização cognitiva Isso porque estímulos indiferentes sem conotação positiva ou negativa associados a uma ação do animal não alteram a freqüência de emissão dessa ação ou seja não possibilitam a sua aprendizagem Assim ao que tudo indica a possibilidade de aprendizagem por condicionamento pode ser proposta como critério para a existência de processos 399 cognitivos de sinalização Isso leva a considerar que o condicionamento pavloviano embora tenha uma estrutura diversa necessita também de uma sinalização positiva agradável ou negativa desagradável A apresentação de um estímulo neutro antes de outro não possibilita fixar uma resposta particular e a repetição da relação temporal dos estímulos é quando muito percebida como uma relação natural e eliminada do campo perceptual pelos mecanismos de atenção As formigas aprendem por condicionamento Responder a essa pergunta é um novo convite para se tentar responder se elas têm emoções e esse é o caminho da construção do conhecimento científico Vale a pena trilhálo REFERÊNCIAS Brandão ML 2004 As Bases Biológicas do Comportamento Introdução à Neurociência São Paulo Editora Pedagógica e Universitária Bressan RA Crippa JA 2005 The role of dopamine in reward and pleasure behaviour review of data from preclinical research Acta Psychiatr Scand 427 supl 1421 Cravo SL 1982 Ajustes vegetativos provocados pela estimulação algesiógena em gatos rombencefálicos e espinais Dissertação de Mestrado São Paulo Universidade de São Paulo Cunha WH de A 2004 On the panic reaction of ants to a crushed conspecific a contribution to a psychoethology of fear Revista de Etologia 62 13340 Delgado JMR 1971 Emoções São Paulo José Olympio Editora De Paula HMG Hoshino K 2002 Correlation between the fighting rates of REM sleep deprived rats and susceptibility to the wild running of audiogenic seizures Brain Research 926 805 Graeff FG 1990 Brain defense systems and anxiety pp 307354 In Burrows GD Roth M Noyes Jr R ed Handbook of Anxiety The Neurobiology of Anxiety Amsterdam 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de Fisiologia Centro de Biociências Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal Brasil 402 Buscar e obter uma fonte de recursos nutricionais constitui um dos princípios básicos para a sobrevivência de qualquer indivíduo independente da espécie e do ambiente em que viva Neste capítulo abordaremos a busca e obtenção de recursos nutricionais efetuados por indivíduos solitários ou sociais ao longo de suas vidas As estratégias de busca e obtenção de alimentos estratégias de forrageamento serão abordadas sob a óptica dos modelos de otimização41 que tem como base as noções de benefícios42 e custos43 associados à execução dos comportamentos envolvidos Serão abordados fatores individuais eou sociais que interferem nas tomadas de decisão associadas às estratégias de forrageamento como neofobia alimentar e suas relações com o modo de organização social e reprodutivo da espécie Os recursos alimentares são fatores ambientais críticos para a sobrevivência dos indivíduos Uma dieta composta de todos os nutrientes essenciais em quantidades adequadas de recursos se faz necessária para manter o funcionamento adequado de um organismo A identificação dos recursos alimentares selecionados por indivíduos de uma determinada espécie permite caracterizar os hábitos e requerimentos energéticos desses animais Muitas vezes essa caracterização se dá de modo indireto através do registro comportamental em condições naturais onde na maioria das vezes é impossível determinar com precisão as reais necessidades nutricionais em função da idade e sexo do indivíduo estudado Assumimos então que as espécies podem selecionar recursos que melhor satisfaçam as necessidades básicas nutricionais para a sua sobrevivência e a partir daí descrever sua dieta e os modos de obtenção da mesma também que recursos de alta qualidade sejam preferidos e consumidos mais que recursos de baixa qualidade Além disso os recursos quase sempre não estão distribuídos de modo uniforme mas em parcelas que variam no tempo e no espaço É possível que um recurso seja utilizado de forma desproporcional em relação à sua disponibilidade significando uma importância crucial na vida dos consumidores Modelos de Forrageamento Ótimo Todas essas questões levantadas acima começaram a ser estudadas com base em modelos teóricos e matemáticos a partir do final dos anos 60 e cada vez mais tem sido uma importante ferramenta no estudo do comportamento alimentar MacArthur Pianka 1966 foram os primeiros a lançar um modelo de seleção de presas baseado no princípio de otimização optimal foraging theory Em 1978 J R Krebs N B Davies publicaram o livro Behavioural Ecology An evolutionary approach no qual apresentaram as bases para uma abordagem do estudo do comportamento integrando noções de economia e modelização matemática criando assim uma área do estudo do comportamento chamada ecologia comportamental Os modelos de otimização têm como componentes básicos a existência de decisões de valor currency e de limitações ou restrições no que se refere à aquisição de itens alimentares Em 1986 Stephens Krebs lançaram o livro Foraging theory que explicita a lógica formal e os elementos dos modelos de forrageamento ótimo 41 Neologismo para o termo em inglês optimization que é a busca de melhor benefício possível numa dada situação em que o animal se encontra 42 Efeito positivo de uma característica ou comportamento executado que aumente a possibilidade de sobrevivência eou reprodução dos indivíduos envolvidos Exemplo a obtenção de energia através da ingestão de alimentos 43 Efeito negativo de uma característica ou comportamento executado que irá reduzir a sobrevivência eou a reprodução de um indivíduo Exemplo a energia e tempo gastos na procura de alimento 403 Teoria do forrageamento ótimo A análise dos comportamentos por meio de modelos implica em estratégias que pressupõe tomada de decisão Para o estudo de decisões realizadas por animais entendemos que não há escolha consciente como discutimos comumente com relação a humanos No entanto animais confrontados com diferentes opções deverão adotar uma delas a partir da utilização de seus mecanismos sensoriais e cognitivos que permitam a escolha da opção que resulte em maior aptidão Nos modelos de forrageamento ótimo as decisões são basicamente aplicadas a dois tipos de problemas que presas consumir e quando deixar a parcela44 que contém o alimento No primeiro caso o indivíduo que encontra uma fonte de alimentos deverá decidir se consome ou não o alimento Se for uma presa móvel o predador deverá decidir se a persegue e durante quanto tempo e quando ele deverá abandonar a perseguição se não capturar a presa No segundo caso o indivíduo deverá decidir se permanece numa área após um determinado tempo ou se muda para outras parcelas de presas Stephens Krebs 1986 Em todos esses casos a decisão ótima depende do rendimento de cada uma das alternativas ou seja da assunção de valor das opções O segundo componente dos modelos de otimização é a assunção de que a existência de valores diferentes entre as opções é o critério usado para comparar as possíveis decisões tomadas pelo indivíduo Supomos que tão logo o indivíduo seja confrontado com uma escolha ele opte por aquela que irá maximizar a aptidão ou minimizar os custos Esse valor é uma representação quantitativa e hipotética da aptidão que corresponde a uma decisão De acordo com o modelo haveria uma característica Z ao invés de outras se ela atende ao critério do valor em si pe número de presas ingeridas e a um princípio de escolha pe maximização45 O terceiro componente é o pressuposto de restrições que são todos os fatores que limitam e definem a relação entre o valor do recurso e a decisão As restrições não podem ser modificadas pelos animais e podem advir de parâmetros matemáticos todas as formigas são iguais que podem aparecer em modelos de otimização simplificados de parâmetros físicos um rato não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo e de parâmetros biológicos formigas não conseguem distinguir uma semente que pese 001g de outra que pese 002g ou um peixe não consegue permanecer 5 min fora da água A existência de restrições podem não ter importância real para o modelo em desenvolvimento Outras restrições são encontradas em modelos de forrageamento como procurar e manipular a presa são atividades incompatíveis encontro de presas é sequencial e não simultâneo energia e tempo de manipulação das presas são fixos e característicos de cada presa forrageadores reconhecem a presa instantaneamente e têm informação completa sobre a mesma incluindo o seu valor Com base nesse modelo supomos que há uma ligação direta entre a aquisição de energia e a aptidão biológica e que fatores ecológicos têm papel importante na taxa de aquisição de energia de um animal que realiza seleção de alimento Nesta seleção fatores como conteúdo energético do alimento tempo e energia gastos na busca captura e consumo têm forte influência na economia do indivíduo Stephens Krebs 1986 Isso resulta num parâmetro a ser levado em conta no modelo que é a rentabilidade do alimento isto é a relação entre o aporte energético e o tempo de captura manipulação e 44 Parte do ambiente onde está distribuído um determinado recurso de modo espacialmente agrupado Na literatura em inglês é usado o termo patch 45 Obter a maior quantidade de benefícios com a menor quantidade de custos A maximização perfeita é benefício total e custo zero 404 consumo do alimento Esse parâmetro de rentabilidade tem uma limitação automática ligada diretamente a ela mesmo diante de outra presa o predador por estar manipulando uma presa não poderá teoricamente detectar buscar capturar e manipular outra presa Outro parâmetro a ser considerado é a taxa de encontro do alimento que é expressa em número de presas consumidasunidade de tempo Dessa forma como descrito acima o modelo impõe a limitação de que um indivíduo encontre suas presas de modo sequencial e nunca simultâneo Em função dos parâmetros de rentabilidade de um alimento e de sua taxa de encontro o modelo apresenta algumas predições tais como a inclusão de um novo alimento na dieta não é dependente da disponibilidade mas da rentabilidade dos alimentos que já fazem parte da dieta o aumento absoluto de disponibilidade do alimento pode incluir a redução da variabilidade de dieta visto que as presas ótimas estão mais numerosas um alimento não pode ser parcialmente preferido ou ele faz parte da dieta ou é excluído Quando recursos são utilizados de modo desproporcional à sua disponibilidade tornase fácil demonstrar que ele está sendo selecionado Johnson 1980 Essa seleção de um recurso alimentar ocorre em função das necessidades de um animal para adquirir energia e elementos estruturais suficientes para o crescimento eou manutenção do bom funcionamento de seu corpo combater parasitas e doenças em geral Louw Mitchell 1996 respeitando é claro a relação entre os benefícios que o alimento pode oferecer e os custos de aquisição do mesmo A seleção de presas pode estar portanto ligada a fatores como disponibilidade estratégias de escapedefesa tempo de manipulação tamanho e reconhecimento da presa Em seu estudo clássico sobre a seleção de presas e estratégias de forrageamento em papamoscas cinzentos Muscicapa striata Davies 1977 descreve a dieta dessa espécie composta essencialmente por dípteros além de outros insetos como coleópteros afídeos vespas Ichneumonoidea e larvas Duas são as suas estratégias de forrageamento o sentar e esperar próximo ao solo e voos na copa das árvores A frequência de uso do sentaresperar está diretamente ligada à abundância de presas grandes mas não é alterada se há abundância de presas pequenas Papamoscas adultos consomem mais dípteros grandes quanto maior a disponibilidade dessas presas Isso é consistente com a ideia de que há preferência por presas grandes e que somente quando a abundância das presas preferidas é reduzida há o consumo de pequenas presas dípteros e pulgões caracterizando uma tomada de decisão Davies 1977 mostra ainda que dípteros grandes mediam até 8 mm e os pequenos 3 mm Baseado em Bryant 1973 Davies estimou que grandes presas valessem 30 calorias e pequenas presas 3 calorias Assim com o aumento de abundância de presas grandes os papamoscas adultos adotariam a estratégia de sentar esperar que seria mais vantajosa por ela permitir incorporar presas mais rentáveis energeticamente O fato de presas grandes estarem disponíveis no ambiente não significa que elas serão as mais consumidas pelo predador No mesmo artigo Davies 1977 relata que existem seis tipos de presas grandes que estão disponíveis em proporções diferentes no ambiente contudo o consumo dessas presas não é diretamente proporcional a sua disponibilidade Dípteros da família Mucidae são as presas mais comumente encontradas no ambiente 615 são muito rápidos em seu vôo e portanto uma presa de captura difícil representando apenas 227 da dieta Já os dípteros da família Scatophagidae correspondem a 108 das presas grandes disponíveis e 438 da dieta A razão apontada pelo autor é que estas são presas fáceis de serem capturadas Ao mesmo tempo abelhas do gênero Bombus estão disponíveis em proporção semelhante 405 aos Scatophagidae 101 e praticamente não são consumidas em função do perigo representado pelo ferrão e do tempo de manipulação requerido antes do consumo Assim papamoscas adultos podem rejeitar presas pequenas que não compensam em termos de ganhos energéticos o esforço de captura enquanto presas muito grandes podem ser rejeitadas por gerar tempo de manipulação desproporcionalmente elevado e riscos O maçarico de pés vermelhos Tringa totanus apresenta preferência por determinados tipos de presas os poliquetas Nereis diversicolor e Nephytes hombergi e o crustáceo Corophium de modo semelhante ao descrito por Davies GossCustad 1977a 1977b Os dois poliquetas são escolhidos de modo semelhante e aporta mais energia que o crustáceo No entanto GossCustard observa que apesar de menos rentável energeticamente o crustáceo continua sendo ingerido a escolha ocorrendo em função de outra razão que poderia ser a presença de algum componente imprescindível Esse tipo de escolha parece também acontecer com o sagui do nordeste brasileiro Callithrix jacchus Callitrichidae considerado generalista em sua dieta consumindo presas animais frutos néctar e exsudados Ferrari Lopes Ferrari 1989 Mittermeier et al 1988 Rylands 1996 Sussman Kinzey 1984 Frutos apesar de apresentarem disponibilidade sazonal fornecem um retorno energético mais rápido quando comparado à obtenção dos exsudados Os carboidratos provenientes dos frutos são digeridos mais facilmente do que aqueles dos exsudados visto que nesses últimos há a presença de taninos que aumentam o tempo de digestãoabsorção Garber 1994 Melo et al 1997 Os exsudados se tornam o principal alimento nos períodos de carência de frutos Castro et al 2000 Castro Araújo 2007 Rylands Farias 1993 mas continuam a ser consumidos mesmo com abundância dos frutos em função da presença de cálcio e magnésio na sua composição Garber 1994 Melo et al 1997 itens importantes no período de reprodução em particular durante a lactação embora contenha pouca proteína Garber 1994 Mittermeier et al 1988 Assim tanto os maçaricos de pésvermelhos como os saguis estão de fato realizando escolhas em relação a suas dietas Podemos imaginar que os indivíduos estão deixando de maximizar a escolha do item alimentar reduzindo do ponto de vista energético o seu provável benefício Por outro lado estará maximizando a obtenção de recursos que atendam a necessidades específicas de componentes da dieta O que se espera na realidade é que os indivíduos combinem energia e nutrientes indispensáveis gerando uma curva de benefícios máximos para todos os itens Esse balanço obviamente ocorre em função da disponibilidade de alimentos no ambiente Considerando que na teoria do forrageamento ótimo o predador seleciona a presa para maximizar o seu ganho é possível inferir que o predador que tenha a capacidade de estimar corretamente a rentabilidade da presa em termos de benefícios e custos certamente aumentará a sua aptidão O ajuste em relação à disponibilidade do alimento pode ser observada em diversas espécies Os alimentos provêm em última instância proteínas carboidratos lipídeos fibras e vitaminas além de diversos sais minerais que mantêm ativos os processos biológicos Dunbar 1988 Louw Mitchell 1996 Apesar de todas as espécies utilizarem esses elementos da dieta elas diferem enormemente nas proporções de ingestão e necessidades dos mesmos Pequenos animais têm taxa metabólica elevada necessitando ingerir alimentos em intervalos mais curtos correndo riscos de sofrerem com restrições se não obtiver novos pacotes de energia Pequenos pássaros como o chapimreal Parus major Paridae espécie européia e asiática para manter o peso corporal e as atividades comportamentais tem que se alimentar a intervalos de tempo 406 curtos Como durante a noite isto se torna impossível essa espécie usa a estratégia de reduzir a temperatura corporal e consequentemente o consumo de energia Bednekoff et al 1994 O mesmo parece ocorrer com C jacchus Hetherington 1978 relata que a temperatura corporal é reduzida em até 5C durante a noite como consequência da redução no metabolismo Essa queda no metabolismo também é relatada para Saguinus oedipus sauim de cabeça branca e S fuscicollis sauim de cara suja Hampton Jr 1973 e para Leontopithecus rosalia micoleãodourado Thompson et al 1994 todas espécies da mesma família de primatas Callitrichidae Outros animais são capazes de estocar energia e podem passar longos períodos sem ingerir alimentos como camelos dromedários e ursos Essas espécies ingerem a maior quantidade de alimento possível de modo a gerar reservas sob a forma de gordura corporal No caso de camelos e dromedários a reserva é utilizada nos deslocamentos em áreas desérticas onde a disponibilidade alimentar é reduzida Já ursos utilizarão os estoques de gordura corporal durante o inverno visto que o alimento estará ausente ou reduzido em função das condições climáticas Turquier 1994 O animal é obrigado a procurar alimento suportando diferentes pressões ambientais atendendo suas limitações fisiológicas Dunbar 1988 e suas adaptações morfológicas e comportamentais Ferrari 1996 Rylands 1996 Outro fator a ser levado em conta de acordo com a teoria do forrageamento ótimo é a tomada de decisão não somente em função dos benefícios do alimento mas também dos riscos associados à decisão de forrageamento A estrutura do ambiente em termos de maior ou menor proteção pode influenciar na decisão tomada pelo predador além da disponibilidade de alimento A característica do ambiente pode servir como informação indireta dos riscos de predação tais como locais para esconderijo e áreas de escape Arcis Desor 2003 testaram a disponibilidade de alimento e a estrutura física do ambiente como fatores passíveis de modificar o comportamento de forrageamento em ratos adultos em laboratório Esses autores num primeiro experimento ofereceram aos ratos duas áreas de forrageamento que diferiam apenas na proteção representada pela densidade de colunas blocos plásticos preenchidos com cimento na proporção 113 entre os lados de uma arena No segundo experimento o ambiente era constante mesma densidade de colunas com densidades diferentes de alimentos proporção de itens alimentares 13 entre os lados da arena E no terceiro experimento esses dois fatores eram cruzados No primeiro experimento os ratos gastaram a maior parte do tempo no lado da arena com maior proteção densidade de colunas e consumiram mais alimento nesse lado O mesmo aconteceu com relação à densidade de alimentos a maior parte do tempo eles permaneceram no lado da arena onde havia mais alimento embora o consumo tenha sido igual Além disso escolheram a arena com maior proteção e com consumo semelhante entre as disponibilidades de alimento Esses resultados mostram claramente que os indivíduos levam em conta vários fatores ambientais como disponibilidade de alimento e proteção contra predadores no momento de tomada de decisão parecendo a proteção contra predadores o primeiro fator a ser levado em conta pelo menos em animais sem privação alimentar A tomada de decisão pode depender do estado interno do indivíduo mostrando que a suposta ligação linear entre a taxa de aquisição de energia e a aptidão não explica todas as situações encontradas na natureza Real Caraco 1986 propõem então a teoria do forrageamento sensível ao risco onde a variância pode afetar a aptidão do indivíduo em função da relação entre a taxa de aquisição requerida e a taxa corrente disponível Imaginemos um animal que tem que ingerir 10 presasdia sob o risco de morrer caso não obtenha essa ingestão Ele tem de escolher entre dois ambientes onde 407 são encontras suas presas em Z a probabilidade de encontrar o alimento é constante de 5 presasdia em X ele poderá encontrar 10 presasdia ou nenhuma Se ele escolhe o primeiro ambiente certamente morrerá pois a taxa de aquisição de energia atende apenas a metade de suas necessidades Se escolher o segundo ambiente ele correrá o risco de nada obter ou de obter a taxa necessária Em resumo o animal terá a escolha entre certeza de morte ou o risco de morrer A expectativa é que o animal escolha o ambiente X adotando a estratégia prórisco Porém se outra espécie de predador também ocupa esse ambiente e tem uma necessidade mínima de 4 presasdia o animal escolherá o ambiente Z que oferece a estabilidade sendo aversiva ao risco Teoria de ponto central Outro modelo de otimização aplicado ao forrageamento é o modelo de ponto central O modelo considera que o indivíduo buscacaptura o alimento em uma parcela e deve transportar esse alimento a um determinado lugar fixo como por exemplo o ninho de uma ave uma colônia de formigas ou mesmo um local de estocagem de alimento no caso de um esquilo Orians Pearson 1979 Schoener 1979 Um dos pressupostos desse modelo é que o número de presas coletadas pelo predador é diretamente proporcional ao tempo de permanência na parcela e à distância entre a parcela e o ponto central um ninho pe Isso seria explicado pelo custo de permanência eou transporte e aumenta na forma de gasto de energiatempo diminuindo o ganho líquido de energia Charnov 1976 Utilizando as ideias da teoria do forrageamento de ponto central Martin Vinson 2008 estudaram a influência da distância no forrageamento de formigas lava pés Solenopsis invicta Eles dispuseram fontes de alimento solução de sucrose em 3 locais diferentes 8 16 e 32 m distantes do ninho e mediram a carga transportada pelas operárias Os autores constataram que as operárias carregavam maior quantidade de alimento na distância de 32m enquanto nos demais não foram diferentes Além disso só havia passagem de alimento de uma operária a outra no meio da trilha entre as operárias que iam para a fonte mais distante e por isso cada indivíduo chegava à fonte dos 32 m já portando uma carga de alimento No entanto fatores como tamanho da operária e a umidade do ambiente pareceram influenciar esse transporte visto que operárias que se deslocavam à fonte mais distante eram menores e voltavam desidratadas Assim o balanço hídrico corporal é uma limitação ao modelo de forrageamento de ponto central em animais sensíveis a variações de umidade do ambiente resultando em perda maior para a colônia que a energia ganha Teorema do valor marginal Podemos observar na natureza que em grande parte do tempo os recursos estão dispostos de modo descontínuo no ambiente onde parcelas contêm altas concentrações do recurso e o espaço entre elas inexiste ou é bastante reduzido Do mesmo modo algumas parcelas são mais ricas que outras em termos de quantidade eou qualidade de recursos Um indivíduo que forrageia numa determinada parcela levará à diminuição da concentração de recursos chegando o momento em que ele deverá deixar essa parcela e buscar outra A tomada de decisão será de continuar nessa parcela ou deixála e buscar outra com quantidades adequadas de recursos Imaginemos um pombo que busca alimento numa praça pública e encontra uma área A de 2 m2 com 100 grãos de milho jogados por uma senhora Quanto mais tempo ele permanece nessa área mais ele consegue ingerir grãos e ao mesmo tempo diminui a probabilidade de encontrar novos grãos nessa mesma área pois a medida que ele acumula milhos no papo diminui a densidade de grãos sobre a calçada da praça Num determinado momento ele deverá decidir se continua nessa área A ou se a abandona e 408 busca uma nova área Assim no modelo teórico a taxa de encontro dos grãos pelo pombo será uma função exponencial e decrescente da densidade de presas No modelo teórico há ainda a suposição de que o pombo conhece todas as parcelas com grãos na praça bem como a quantidade de recursos em cada uma delas O tempo passado entre as parcelas é função da distância entre as parcelas e a velocidade será fixa O gasto energético da viagem entre as parcelas será compensado pelos recursos da parcela seguinte Na realidade nosso pombo só terá informações sobre a qualidade das parcelas dispostas na praça se ele monitora regularmente ou faz uso de dicas de outros pombos que podem vocalizar ou voar em direção a determinados locais Em função do estado nutricional da presença de competidores e de predadores esse pombo pode permanecer mais ou menos tempo numa parcela mesmo que os recursos estejam reduzidos bem como viajar com maior ou menor velocidade entre as parcelas Esses fatores são considerados como custos adicionais a serem levados em conta no momento de aplicação do modelo Dessa forma o modelo tem sido modificado para incluir essas variáveis que não foram previstas no modelo simplificado proposto inicialmente Devemos ter em mente que o delineamento de modelos em algumas situações pode não incluir todas as variáveis que influenciam a decisão nos indivíduos No entanto tal fato não os invalida como proposição de compreensão das decisões tomadas pelos animais Por outro lado precisamos estar atentos e explorar alguns elementos não previstos pelos modelos Um desses elementos será discutido na seção seguinte Neofobia alimentar Apesar de não estar previsto na teoria do forrageamento ótimo o reconhecimento de um item disponível no ambiente como alimento por parte do animal pode ser um fator importante em suas tomadas de decisão A teoria prevê o reconhecimento de presas ou seja parte do princípio que o animal já identifica o item como alimento mas não discute propriamente a neofobia alimentar Considerando que o ambiente passa por constantes mudanças um animal apresentar a capacidade de inovar e de aceitar alimentos novos e dessa forma diversificar sua dieta pode desempenhar um papel essencial para sua sobrevivência uma vez que a flexibilidade comportamental permite aos animais lidarem com as mudanças ambientais Day et al 2003 Para algumas espécies de animais sobretudo onívoros a flexibilidade no que se refere ao uso de recursos alimentares pode ser essencial uma vez que a inclusão de novos itens em sua dieta é parte importante de sua estratégia alimentar Por outro lado os animais devem apresentar também certa cautela quanto à ingestão de alimentos novos devendo ser capazes de evitar o consumo de alimentos tóxicos Galef Jr 1996 Laska Metzker 1998 Tal dilema do onívoro assim denominado por Rozin em 1996 que retrata a ambivalência das espécies onívoras em relação aos alimentos novos remete a um questionamento Como equilibrar a possibilidade de ampliação da dieta e o risco de envenenamento Visalberghi 1994 propõe que a neofobia alimentar evitação dirigida a alimentos novos é uma forma efetiva de reduzir os riscos de ingestão de alimentos venenosos Essa evitação pode caracterizarse não somente pela ausência de consumo do item alimentar em questão mas também pela ingestão de apenas pequenas quantidades de alimento Visalberghi Fragaszy 1995 Voelk et al 2006 e é uma resposta que tem sido descrita em ratos Galef Jr 1993 1996 macacos prego Fragaszy et al 1997 Visalberghi 1994 Visalberghi Fragaszy 1995 saguis Yamamoto Lopes 2004 e mesmo em seres humanos Birch 1999 Pliner et al 409 1995 Raudenbush Frank 1999 A reação pode ser intensa de modo que o animal mesmo privado de alimento se recusa a ingerir um item alimentar não familiar como observado em macacos rhesus Johnson 2000 O animal deve buscar equilibrar então a eficiência de forrageio e a evitação de intoxicação otimizando a busca pelo alimento Para isso ele precisa ter condições de detectar discriminar e aprender sobre os sinais que indicam o que poderia representar um alimento em potencial Laska et al 2006 Esse reconhecimento do alimento pode ocorrer a partir de experiências do próprio animal na interação com o item alimentar nas quais ele faz uso do tato do olfato e mesmo da sensação fornecida pela textura do alimento para tomar a decisão de consumilo ou não Dominy et al 2001 Johnson 2007 A composição do alimento também pode reduzir a resposta neofóbica Testes realizados por Visalberghi 2003 utilizando macacos prego Cebus apella demonstraram que ao receberem a oportunidade de escolha entre sete alimentos desconhecidos a preferência foi positivamente correlacionada aos alimentos contendo maiores quantidades tanto de glicose quanto de frutose o que pode remeter a experiências anteriores do próprio animal com outros alimentos já conhecidos inclusive no que diz respeito às consequências pósingestacionais Estudos adicionais têm mostrado ainda que a experiência de indivíduos do grupo com um determinado tipo de alimento exerce influência sobre as preferências alimentares bem como sobre a ingestão de alimentos de uma forma geral de outros animais do mesmo grupo podendo atenuar a resposta neofóbica A facilitação social tal como proposta por Clayton 1978 implica num aumento da frequência de um padrão comportamental na presença de outros que estejam simultaneamente apresentando o mesmo comportamento O processo não envolve imitação de um determinado comportamento ou resposta mas o animal tem a oportunidade de aprender através da interação com outros animais sobre o ambiente em que ocorre a apresentação do estímulo e sobre o próprio estímulo Heyes 1993 Tal processo de facilitação social tem sido demonstrado de forma bastante consistente através de trabalhos como o de Galef Jr 1993 Nesse trabalho foi observado que ratos Rattus norvegicus são influenciados pela exposição a elementos não familiares nas dietas de coespecíficos aumentando a probabilidade de ingestão de alimentos não familiares em comparação a alimentos familiares A partir da observação desse padrão Galef Jr sugeriu que a facilitação social seria de grande importância para a expansão do repertório alimentar do animal Tal hipótese pôde ser confirmada através de trabalhos posteriores Galef Jr Whiskin 1994 2000 enfatizando a importância da modificação de padrões comportamentais graças à presença de outros indivíduos do próprio grupo Visalberghi Fragaszy 1995 e Visalberghi et al 1998 também observaram a ocorrência de tal processo de facilitação em macacos prego C apella Os animais apresentaram maior probabilidade de provar e consumir um alimento novo na presença de companheiros do que quando se encontravam isolados A facilitação pôde ser observada inclusive quando o animal inexperiente tinha apenas contato visual com os outros membros de seu grupo Visalberghi Addessi 2000 Vitale Queyras 1997 também verificaram a influência do grupo nos padrões alimentares de um indivíduo em sagui comum Animais juvenis aumentaram o consumo de alimentos novos quando da presença do seu grupo familiar em comparação à situação em que estavam sozinhos Mais do que isso Queyras et al 2000 observaram a influência do contexto social na indução da preferência por um determinado alimento Também em saguis Yamamoto Lopes 2004 observaram que quando isolados 410 animais juvenis apresentaram baixo consumo de itens alimentares desconhecidos quando comparados à situação de grupo sugerindo que a facilitação social exerce uma forte influência no que se refere ao sucesso da introdução de novos itens alimentares na dieta Tal padrão também foi evidenciado nos estudos de Voelk et al 2006 que observaram que infantes na presença de membros do grupo tiveram latência reduzida para consumo de alimentos novos diminuída sendo os itens não familiares mais prontamente aceitos sugerindo que a facilitação social atua na diminuição da neofobia em infantes O que se pode observar quanto à neofobia alimentar é que apesar de ser um traço individual as experiências ao longo do desenvolvimento ou até mesmo antes do nascimento como sugerido no trabalho de Engelmann 2010 que demonstrou que filhotes cujas mães tiveram contato com um alimento novo no final da gravidez apresentam neofobia alimentar reduzida quando diante do mesmo alimento e mesmo as experiências sociais podem modular a expressão desse traço favorecendo o consumo de novos itens e em última instância ampliando a dieta dos animais Forrageamento social Para compreender as relações de cooperação eou competição em relação à obtenção de energia há duas formas possíveis de abordar o problema acúmulo de dados relativos a populações de várias espécies método comparativo ou o emprego de modelos teóricos para gerar hipóteses sobre o comportamento alimentar modelos de otimização Até então estamos discutindo tomada de decisão e aplicação de modelos de otimização aplicados aos indivíduos No entanto vários grupos taxonômicos vivem ou desenvolvem parte de suas atividades diárias em agregações ou grupos sociais Os indivíduos que compõem as agregações ou grupos sociais têm sexo idade relações de parentesco experiência e postos em hierarquias de dominância diferentes Essas características impõem ao modelo de forrageio ótimo limitações de aplicação pois o que se aplica ao indivíduo não é observado quando consideramos o grupoagregação Com os modelos de forrageamento solitários podíamos comparar diferentes estratégias empregadas pelo indivíduo focando a rentabilidade das presas adquiridas por ele e simplesmente indicar qual a mais vantajosa para determinadas situações Agora temos que levar em conta as estratégias adotadas pelos outros componentes da agregação ou grupo social Então o forrageio social caracterizase pela interdependência econômica entre diferentes indivíduos seja na obtenção de recompensa aumento de benefícios eou redução de custos seja em situação de punição redução de benefícios eou aumento de custos Giraldeau Caraco 2000 Podemos caracterizar qualquer indivíduo social em uma das três categorias de forrageador produtores que procuram ativamente o alimento no seu ambiente e quando o encontram podem protegêlo de outros indivíduos mas podem anunciar voluntariamente ou não o alimento encontrado para outros indivíduos aproveitadores que esperam que os produtores busquem e encontrem o alimento e se apoderam via agressão ou sequestro do alimento ou oportunistas que procuram ativamente o alimento mas podem se apossar dos recursos encontrados por outros oportunistas ou produtores Em teoria um indivíduo pode adotar uma ou todas as estratégias Além disso um indivíduo diante de certa quantidade de presas terá a probabilidade de atacar as diferentes presas em encontros sequenciais Facilmente poderemos prever uma taxa de líquida de obtenção de energia as estratégias poderiam ser capture todas as presas ou capture pelo menos as presas mais rentáveis Se agora imaginarmos dois ou mais indivíduos predadores diante das mesmas presas a resposta 411 para a melhor estratégia seria depende do que o parceiro irá fazer depende da fome da experiência do sexo da existência de hierarquia do parentesco do parceiro e assim por diante O que percebemos é que um modelo simples de forrageamento solitário pode não ser capaz de prever a estratégia adotada ou o ganho provável do indivíduo Apesar de levarmos em conta questões de parentesco na aplicação do modelo ele não é condição obrigatória Na realidade o modelo de tomada de decisão no forrageamento social é aplicado a agregações onde não existe necessariamente parentesco eou relações sociais em longo prazo O termo social do modelo serve para um conjunto de indivíduos identificáveis e que tenham relações mútuas O critério requer que pelo menos dois indivíduos influenciem os ganhos ou perdas entre si Para aplicar essas ideias teremos então que buscar o emprego da Teoria dos Jogos e a noção de Estratégia Evolutivamente Estável EEE Quadro 1 Para um animal se associar a outro indivíduo em uma agregação ele deverá em teoria ter algum benefício com essa associação Os benefícios comumente relacionados à alimentação são o aumento de eficiência no forrageamento e a redução da probabilidade de predação O aumento de eficiência de forrageio está ligado ao fato de que mais indivíduos procurando o alimento aumentam a probabilidade de encontrálo Além disso por se engajarem em atividades de rotina diárias os outros indivíduos se beneficiarão pela passagem de informação sendo capazes de ajustar suas atividade e decidir quando onde o que e como forragear Galef Jr Giraldeau 2001 Isso tem algumas consequências imediatas como a diminuição do risco de não encontrar alimento numa parcela o aumento quanto à probabilidade de ingestão ou mesmo facilitação de inclusão de um item na dieta caso seja um alimento desconhecido como discutido anteriormente A cooperação para aquisição de alimento muitas vezes remete a exemplos com mamíferos sobretudo correlacionando suas habilidades cognitivas como um requisito para o desempenho adequado da coordenação de ações para a ocorrência de cooperação Drea Carter 2009 desenvolveram um estudo extremamente elegante no qual demonstraram a cooperação para aquisição de alimento em hienas Crocuta crocuta As hienas são animais carnívoros e rotineiramente caçam para obter alimento mas frequentemente não podem matar presas grandes ou combativas sem ajuda de uma equipe O ponto de partida era exatamente evidenciar o aparato biológico adequado para desenvolver a cooperação nas hienas particularmente a possibilidade de focar atenção nas atividades de um parceiro potencial de cooperação As hienas foram testadas em duplas e em pequenos grupos numa tarefa que envolvia a coordenação de movimentos para aquisição de uma recompensa alimentar e todas as duplas obtiveram sucesso nessa tarefa que requeria um nível sofisticado de complexidade organizacional Além da habilidade para cooperar as hienas também demonstraram percepção das circunstâncias sociais bem como para os parceiros em cada dupla ajustando o comportamento de acordo com o tamanho do grupo relações de dominância entre os parceiros e a experiência do parceiro Outra vantagem relatada comumente é a redução na probabilidade de predação Essa redução pode acontecer pela existência de efeito de diluição aumento no número de indivíduos na agregaçãogrupo social diminui a probabilidade que o indivíduo em questão seja o escolhido pelo predador efeito de confusão visto que as presas em maior número se deslocam em padrão aleatório não permitindo ao predador fixar por tempo suficiente e atacar a presa escolhida redução no tempo de vigilância individual embora a agregaçãogrupo permaneça com o mesmo tempo médio de vigilância e possibilidade de existência de sinalização de alarme vocal ou odorífera mais 412 comuns Schultz Finlayson 2010 aplicaram a ideia de seleção de presas sociabilidadeforrageio a 16 comunidades de vertebrados demonstrando que algumas características das presas fazem com que elas sejam escolhidas ou não pelo predador Dentre essas características estão o tamanho da presa o número de indivíduos no grupo e a terrestrialidade As escolhas recaem em sua maioria sobre presas grandes terrestres jovens e que fazem parte de grupos pequenos Uma explicação provável em relação ao tamanho do grupo é que grupos grandes detectam eou escapam de predador pelo aumento na probabilidade de ocorrência dos efeitos de diluição enquanto presa e de detecção do predador pelo maior número de indivíduos vigiando O mesmo é mostrado por Cresswell Quinn 2010 que estudaram a frequência e o sucesso de ataques a bandos de maçaricos de pésvermelhos Tringa totonatus de tamanhos diferentes por duas espécies de facões Accipiter nisus e Falco peregrinus Eles observaram que a frequência de ataque e o sucesso de captura da presa diminuíam com o aumento no tamanho do bando de maçaricos resultante do efeito de detecção e escape coletivo Apesar dos benefícios forragear em grupo também gera custos que deverão ser geridos pelo indivíduo visando obter a maior rentabilidade possível Os forrageadores não são iguais e por isso irão procurar o alimento com eficiência experiência e motivação diferentes Além disso os indivíduos procurarão reduzir os custos ao máximo porém alguns podem ter mais competência que outros nessa redução Os modelos de forrageamento social em princípio assumem que o alimento encontrado será dividido entre os membros da agregaçãogrupo social Na realidade ele pode ser dividido igualmente entre forrageadores equivalentes ou dividido assimetricamente em função de fatores sociais de idade e de sexo Então obrigatoriamente a presença de outros indivíduos na parcela onde o alimento se encontra implica em redução da disponibilidade do mesmo à medida que transcorre o tempo Mesmo que dois indivíduos sejam colaboradores na busca ao alimento numa parcela eles sempre serão ao mesmo tempo dois concorrentes Ilustrando a presença desses dois elementos colaboração e competição o estudo de Thomsen et al 2010 com porcos domésticos Sus scrofa oferece um exemplo interessante Em seu trabalho os autores ofereceram alimentos a grupos compostos por quatro animais em três condições recurso concentrado fontes alimentares distribuídas a uma distância intermediária umas das outras e fontes distribuídas a longa distância vale salientar que não havia diferenças na quantidade de recurso oferecida nas situações apresentadas aos animais somente mudança na distribuição espacial Os pesquisadores observaram uma elevada frequência de agressão entre os indivíduos quando o alimento estava concentrado sugerindo competição e uma redução gradativa na medida em que as fontes encontravamse mais afastadas Apesar desse resultado esperado os autores chamaram a atenção para dois aspectos o primeiro foi de que apesar de mais frequente as agressões foram menos severas e tiveram menor duração da situação mais concentrado para mais distribuído no ambiente o segundo aspecto foi o que os autores denominaram de contágio comportamental pois mesmo estando satisfeitos o fato de um porco observar outro animal de seu grupo se alimentando era suficiente para aumentar sua taxa ingestiva o que pode ser compreendido como colaboração favorecendo um consumo de alimento mais elevado na situação alimento mais concentrado quando comparada às demais situações A competição entre os indivíduos de um grupo pelo acesso ao alimento pode ser classificada em dois tipos competição por exploração ou por interferência Na competição por exploração os competidores reduzem a disponibilidade de recursos 413 alimentares pela posseconsumo dos mesmos de modo que a rentabilidade do parceiro será também reduzida Esse tipo de competição foi demonstrado no peixe alcaboz Cottus gobio por Davey et al 2006 os quais demonstraram que a taxa de crescimento dos peixes está correlacionada à densidade populacional bem como ao tipo de presa disponível durante o desenvolvimento Esses peixes apesar de apresentarem uma estratégia de forrageio flexível consumindo vários tipos de invertebrados apresentam uma preferência clara por um tipo de crustáceo maior e mais móvel Gammarus pulex que não está disponível na mesma proporção que os demais invertebrados Por essa razão o consumo do G pulex por alguns indivíduos quando disponível reduz ou elimina a oportunidade do consumo por outros indivíduos presentes na área do animal bem sucedido que terá seu crescimento favorecido em relação aos demais Já na competição por interferência há a interação direta entre os indivíduos como no caso de relações dominantesubordinado de modo que a rentabilidade será desigual entre os membros do grupo Dentro da competição por interferência um elemento que surge para controlar o acesso de outros indivíduos à fonte de recurso alimentar é a emissão de comportamentos agonísticos Se nos referimos a uma situação de grupos organizados em hierarquia de dominância é bastante comum os indivíduos de postos mais elevados assegurarem o acesso aos recursos utilizandose de agonismo sobretudo em se tratando de itens alimentares preferidos pelos animais Em cabras leiteiras por exemplo o acesso aos recursos por parte dos animais de posto hierárquico mais baixo é controlado por comportamentos agonísticos dos animais dominantes Jørgensen et al 2007 observaram o agonismo aumentava de acordo com o aumento do tamanho do grupo de cabras bem como de acordo com a preferência alimentar Mesmo em espécies que não se apresentam organizadas em hierarquias como os caranguejos Carcinus maenas o agonismo pode agir nas situações de competição pelo alimento No entanto esses animais expressam agonismo de forma flexível variando de acordo com a distribuição do recurso Tanner et al 2011 observaram que os níveis de agonismo são mais elevados quando os alimentos se apresentam agrupados do que quando estão distribuídos de maneira dispersa no ambiente demonstrando uma clara relação custobenefício na expressão do agonismo Essa flexibilidade pôde ser observada em salmões juvenis Oncorhynchus keta Ryer Olla 1995 que ao serem criados se alimentando em locais com recursos concentrados são mais agressivos do que aqueles cuja alimentação ocorreu em locais com recursos dispersos No entanto ao serem colocados em situações com recursos concentrados os salmões imediatamente se tornaram tão agressivos quanto os que já haviam se desenvolvido num ambiente semelhante Apesar da existência de competição dentro dos grupos no momento de escolha entre duas parcelas semelhantes a tendência é que o indivíduo escolha aquela que já tem alguns indivíduos Animais que forrageiam em grupo podem aumentar sua eficiência usando a expressão comportamental de outros membros do grupo para estimar a qualidade de uma parcela compartilhada Galef Jr Giraldeau 2001 Em função da qualidade da parcela e do número de indivíduos teremos um efeito agregativo ou repulsivo Uma das formas de explicar a distribuição dos animais no tempo e espaço foi a aplicação do modelo de Distribuição Livre Ideal em ambientes heterogêneos criada por Fretwel Lucas 1969 A teoria de distribuição livre ideal prediz que os animais irão se distribuir por decisão individual em diferentes parcelas de recursos de modo que ao final de um tempo todos obtenham quantidades de recursosunidade de tempo equivalentes entre si e proporcional à quantidade de recursos que surge Essa 414 equivalência não dependerá somente do tamanho da parcela mas da densidade de indivíduos presentes na mesma Parcelas ricas em alimentos por exemplo devem atrair mais indivíduos que parcelas pobres Calculando os ganhos para todos os indivíduos em todas as parcelas se a teoria estiver correta deveríamos encontrar valores semelhantes O termo ideal dessa teoria significa que os indivíduos têm igual capacidade de competição que são oniscientes mudam de parcela de forma livre e sem restrições ou custos não tem interferência de competidores os recursos são fixos no tempo e espaço a taxa de obtenção de energia é o único fator que determina a escolha da parcela e por fim a distribuição dos indivíduos é inteiramente determinada pela maximização da aptidão Trezenga 1995 Ao longo das décadas seguintes à publicação de Fretwel Lucas 1969 vários outros modelos sugiram utilizando a Distribuição Livre Ideal como ponto de partida ver Trezenga et al 1996 e vários testes do modelo continuam sendo realizados inclusive com a entrada do risco de predação Krivan 2010 Matsumura et al 2010 Miller Coll 2010 Dupuch et al 2009 testaram a predição de que a distribuição espacial de presas será determinada principalmente pelo grau de risco inerente ao habitat Isto é a presa evitará os habitats mais arriscados estando a distribuição de recursos relegada a um segundo plano Esses autores testaram essa hipótese com experimentos em laboratório onde peixes predadores Semotilus atromaculatus e peixes presas Phoxinus eos tinham movimentação livre mas sem possibilidade de contato físico entre elas entre diferentes parcelas com quantidades de alimentos e grau de risco diferentes O que eles observaram é que tanto a espécie predadora quanto a presa na ausência uma da outra preferiram a parcela mais rica em alimentos Na presença uma da outra P eos exibiu distribuição espacial inversamente relacionada com a presença de S atromaculatus Quando as parcelas diferem tanto no grau de risco inerente local onde sempre fica o predador e quantidade de recursos a distribuição espacial da presa foi influenciada principalmente pela distribuição de recursos e em menor medida pelo grau de risco inerente se o predador está ausente Se o predador está presente na área de risco a presa diminuiu significativamente o uso dessa parcela em comparação aos períodos em que predadores estavam ausentes No entanto contrariamente à previsão dos modelos a distribuição de alimentos ainda foi o fator que mais influenciou a distribuição de P eos mesmo quando os predadores estavam presentes Assim a influência da distribuição de recursos e do grau de risco inerente ao habitat sobre a distribuição de presas varia com o nível de risco de predação como previsto no modelo de distribuição livre ideal Considerações finais Como discutido ao longo do capítulo vários são os fatores intervenientes no momento da tomada de decisão de um animal diante do consumo de alimento O que em princípio poderia parecer uma decisão simples afinal o animal precisa se alimentar e assim atender às suas necessidades nutricionais se desdobra num sem número de elementos que culminam ou não no consumo Além disso em se tratando de comportamento alimentar cada espécie por apresentar necessidades nutricionais distintas estar submetida a condições ambientais diferentes e por conseguinte a pressões seletivas específicas que precisam ser analisadas de acordo com os modelos que melhor possam lidar com essas especificidades Referências bibliográficas Arcis V Desor D 2003 Influence of environment structure and food availability on the 415 foraging behaviour of the laboratory rat Behavioural Process 60 191198 Bednekoff PA Biebach HG Krebs JR 1994 Great tit fat reserves under unpredictable temperatures Journal of Avian Biology 25 156160 Birch LL 1999 Development of food preferences Annual Review of Nutrition 19 41 62 Bryant D 1973 The factors influencing the selection of food by the house martin Delichon urbica Journal of Animal Ecology 42 539564 Castro CS Araujo A 2007 Diet and feeding behavior of marmoset Callithrix jacchus Brazilian Journal of Ecology 7 14 19 Castro CS Araujo A Alho C DiasFilho M 2000 Influência da distribuição espacial e temporal dos frutos na dieta e no padrão de uso do espaço em um grupo de saguisdonordeste Callithrix jacchus pp 6580 In Langguth A Alonso C Orgs A Primatologia no Brasil vol 7 João Pessoa SBPrUFPB Charnov EL 1976 Optimal foraging the marginal value theorem Theoretical Population Biology 9 129136 Clayton DA 1978 Socially facilitated behavior Quaterly Review of Biology 53 373 392 Cressweel W Quinn JL 2010 Attack frequency attack success and choice of prey group size for two predators with contrasting hunting strategies Animal Behaviour 80 643648 Davey AJH Turner GF Hawkins SJ Doncaster CP 2006 Mechanisms of density dependence in stream fish exploitation competition for food reduces growth of adult European bullheads Cottus gobio Canadian Journal of Fisheries and Aquatic Sciences 63 597606 Davies N 1977 Prey selection and 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Neumann Morgenstern 1944 que tratava de estudos econômicos Lewontin 1961 foi o primeiro a utilizála em estudos de evolução aplicando os princípios da teoria a uma espécie lutando para não ser extinta Em 1967 Hamilton usou o termo no contexto de competição individual descrevendo uma estratégia imbatível muito semelhante a uma Estratégia Evolutivamente Estável como foi definida mais tarde por Maynard Smith Price 1973 que também elaboraram o primeiro modelo de um jogo evolutivo A teoria dos jogos é uma aplicação lógica matemática no processo de tomada de decisões usada em situações em que existam conflitos de interesse para prever a melhor estratégia a ser adotada para cada um dos jogadores Para se elaborar um bom modelo com base na Teoria dos Jogos é necessário saber com precisão como é o cenário da competição Hammerstein 1998 ou seja devese saber quem está envolvido no jogo quais são as ações possíveis e como o sucesso de cada indivíduo depende do comportamento dos outros Um dos problemas mais famosos da teoria dos jogos é o Dilema do Prisioneiro Nesse problema dois criminosos estão presos por terem cometido um crime e a polícia tem evidências para mantêlos presos por um ano mas não para condenálos a uma pena de cinco ou vinte anos Cada preso é posto em uma cela separada sem qualquer comunicação entre eles As decisões dos prisioneiros são simultâneas os quais não sabem da decisão tomada pelo outro parceiro de prisão Em cada decisão o prisioneiro pode atender ao seu próprio interesse e cooperar com a polícia reduzindo assim a pena ou mesmo ficando em liberdade Alternativamente cada prisioneiro poderá não delatar e purgar uma pena de 1 ano Mas se ele calar e o parceiro delatar ele irá purgar uma pena de 20 anos Então o dilema é permanecer calado mas correr o risco de ser delatado ou delatar e torcer que o parceiro fique calado Então a escolha racional é delatar o colega Se os dois traem ambos purgarão uma pena de 5 anos e obviamente não obterão o grau máximo de otimização PRISIONEIRO B Delata o parceiro Não delata o parceiro PRISIONEIR O A Delata o parceiro 5 anos de prisão A 5 anos de prisão B 0 anos de prisão A 20 anos de prisão B Não delata o parceiro 20 anos de prisão A 0 anos de prisão B 1 ano de prisão A 1 ano de prisão B Na biologia essa escolha na maioria das vezes não é consciente visto que dentre as estratégias possíveis serão selecionadas aquelas que tiverem o maior resultado de aptidão considerando que o número de estratégias possíveis foi formado ao longo da história evolutiva da espécie Num determinado jogo cada participante tentará atingir a maior aptidão possível competindo com as estratégias dos outros jogadores Com a aptidão alcançada em determinado momento o jogador não estará motivado a mudar de estratégia unilateralmente ou seja sem que outros indivíduos mudem atingindo uma estabilidade entre as estratégias adotadas na população o equilíbrio de Nash O ganho máximo para cada indivíduo poderia ser maior mas na situação estável irá depender do 420 comportamento dos outros indivíduos Na biologia os jogos são interpretados como uma medida de adaptação voltado para o que pode ser mantido pelo processo evolutivo John Maynard Smith adaptou o equilíbrio de Nash para o que ele chamou de Estratégia Evolutivamente Estável EEE em 1982 em que a estabilidade passa a ser controlada pela seleção natural e pelo aparecimento de novas estratégias A EEE apresenta algumas características importantes para o funcionamento teórico da mesma A primeira delas é quese os indivíduos de uma população possuem uma base genética para uma estratégia qualquer mutante será inibido por pressão seletiva ou seja nenhuma nova estratégia terá êxito e não invadirá uma população Outra característica é que nenhuma outra opção não é a melhor do que ela mesma Para que uma nova estratégia possa invadir uma população é necessário que a nova estratégia traga mais benefícios do que a estratégia vigente e quem usa a estratégia antiga terá menos lucro comparativamente à nova a frequência na população da nova estratégia tem que aumentar a cada geração de indivíduos Por exemplo se numa população todos os indivíduos têm como estratégia a cooperação cada um deles ganhará 5X de recompensa de um recurso qualquer Um indivíduo que desenvolva a estratégia egoísta ao ser confrontado com outro que coopera sempre irá obter 10X de recompensa enquanto quem cooperou perderá todo o recurso 0X É de se esperar que indivíduos egoístas se tornem maioria na população Nesse caso a estratégia do egoísmo pagará tudo ou nada aos jogadores Os poucos indivíduos que ainda adotam a estratégia de cooperação quando confrontados a outro cooperante receberão 5X que é a recompensa maior do que a do egoísta que perdeu o confronto Assim a frequência de indivíduos que adotam a estratégia de cooperação volta a aumentar chegando a uma estabilidade entre estrategistas cooperantes e egoístas o equilíbrio de Nash Uma estratégia não consegue fazer desaparecer a outra estratégia evolutivamente estável Várias outras estratégias evolutivamente estáveis expostas a partir desse modelo inicial do dilema do prisioneiro são descritas por Matt Ridley no livro As origens da virtude Um estudo biológico da solidariedade em 2000 421 Capítulo 15 COMPORTAMENTO HUMANO Vera Silvia Raad Bussab vsbussabuspbr Fernando Leite Ribeiro fjlribeiuspbr Emma Otta emmaottauspbr Departamento de Psicologia Experimental Instituto de Psicologia Universidade de São Paulo USP São Paulo SP Brasil 422 INTRODUÇÃO O mais inteligente o mais bonito o mais sensual o mais que bicho é esse A curiosidade humana filha da necessidade e a serviço da sobrevivência volta se também para o próprio homem e nele encontra seu objeto mais complexo e perturbador Ora pó ora divino obraprima da Criação e lobo do próprio homem extravagância ou cume da evolução biológica os contrastes de avaliação e percepção revelam apenas uma certeza a precariedade do autoretrato Talvez o poeta grego Píndaro ao descrever o Homem como a sombra de um sonho tenha conseguido expressar o que sobra ou o que se atinge ao tentar cumprir o conhecete a ti mesmo Ainda que sua evanescente descrição deva permanecer como um advertência sobre a dificuldade ou a impossibilidade do autoconhecimento o esforço científico lento e fragmentado é uma tentativa razoável de construir um ser humano no qual possamos vislumbrar algumas formas daquela sombra onírica Com audácia e humildade pagando o preço dessas duas atitudes opostas o exercício paciente e criativo da investigação científica tenta encontrar aquelas formas Embora uma análise superficial até possa respaldar algumas das crenças antropocêntricas ao revelar especializações humanas espetaculares tais como a inteligência cultural sem precedentes e a sexualidade exagerada os mais mais referidos no título um exame científico mostra que nossas peculiaridades não nos retiram de nossa natureza animal Cada espécie que se examinar terá suas peculiaridades tão notáveis quanto as nossas Não somos a única espécie dotada de aptidões impressionantes A busca mediante comparações competitivas de superioridades humanas é um resquício da divinização do homem um esforço para negar ou limitar nossa condição biológica O ponto de partida verdadeiramente heurístico para o nosso autoconhecimento está no reconhecimento de nossa evidente natureza animal POR QUE SOMOS COMO SOMOS A abordagem etológica pode ser um auxiliar ao ampliar a perspectiva de compreensão ao fornecer parâmetros comparativos ao redimensionar problemas e ao gerar diferentes níveis de análise As contribuições da abordagem são decorrentes em última análise da adoção de uma atitude de investigação que inclui a compreensão da 423 natureza humana e de suas complexas interdeterminações com o ambiente de desenvolvimento Não se trata de separar o que é inato do que é aprendido nem de trabalhar com modelos de tabula rasa que sejam um pouco menos rasos nos quais a experiência constrói repertórios a partir de uma base genética mais ou menos distante Tratase de desvendar um processo que mais parece caber em um modelo de águas revoltas Somos o resultado de um processo evolutivo que nos modelou assim como deu forma a cada um dos outros seres vivos Existe na literatura científica sobre a origem do comportamento humano uma antiga e permanente controvérsia a respeito de instintoaprendizado inatoaprendido herdadoadquirido No decorrer dessa longa história o pêndulo oscila ora se concebe o comportamento animal aí incluído o humano como um repertório quase só construído empiricamente durante o desenvolvimento ora se relega esse aprendizado a um papel meramente auxiliar do repertório instintivo A abordagem que adotamos desfaz essa dicotomia incluindo o repertório aprendido na noção de adaptação resultante do processo evolutivo De certa forma poderíamos ser acusados de imperialismo biológico pois estamos trazendo para a discussão da evolução os padrões culturais humanos que à primeira vista são tão arbitrários E essa aparente arbitrariedade leva muitos estudiosos a desprezar o processo evolutivo como uma forma de entender o comportamento humano Esta história é realmente pendular Não faltam exemplos antigos de pensadores que perceberam a insuficiência da abordagem empirista Na filosofia grega já se encontra a noção de uma natureza humana não totalmente determinada pela experiência No nosso modo de ver quando se levam em conta não apenas a aquisição ou a herança das informações mas também motivações e emoções vêse que essa natureza humana impõe limites ao repertório de ações humanas A capacidade de aprender não é abstrata nem genérica há enormes diferenças entre tarefas de dificuldade teoricamente equivalentes nascemos preparados para aprender com facilidade tarefas cuja dificuldade é muito maior do que outras que só conseguimos aprender com grande esforço Vejase por exemplo o contraste entre a aprendizagem da linguagem e a da matemática Nossa capacidade de aprender é fruto da evolução e tem especificidades e facilidades muito bem definidas Yamamoto Lopes 2004 Além disso a aquisição de informações é apenas um fragmento do problema de entender e explicar o comportamento E quando se incluem outras coisas tais como freqüências intensidades e ocasiões de uso das informações percebese mais e mais o efeito das predisposições 424 genéticas A escolha desta concepção resulta não apenas de sua consistência teórica mas também de uma crescente base factual em seu favor apesar da extrema dificuldade de evidenciar relações entre genes e coisas tão complexas como padrões culturais Não nos faltam traços característicos Dentro dos parâmetros dos primatas nossa lista de peculiaridades inclui traços comportamentais ajustados para um modo de viver dependente da cultura inclinação para a formação de vínculos afetivos e para uma troca social permanente formação de pares associada a uma sexualidade exagerada uso intensivo de instrumentos ligado a uma transmissão cultural constante infância e velhice prolongadas propensão natural à linguagem inclinação natural para deixarse educar Em certo sentido podemos nos considerar os mais sensuais os mais brincalhões e os mais agressivos ainda que outros primatas sejam até bem brincalhões a agressividade do chimpanzé seja hoje inquestionável e a nossa supremacia sexual venha sendo empanada por alguns desempenhos como o dos bonobos Seja como for acompanhar o estabelecimento dessas características através de estudos filogenéticos e ontogenéticos pode ser tão revelador e porque não dizer tão emocionante como acompanhar um enredo fictício de mistério A EVOLUÇÃO CULTURAL indicadores filogenéticos Uma chave para a compreensão do conjunto de características humanas parece estar na importância evolutiva da cultura Assim que nossos ancestrais enveredaram por esse caminho começaram a ser selecionados os genes facilitadores do comportamento cultural Bussab Ribeiro 1998 Quando o homem entrou no caminho da cultura tudo teve de se ajustar a essa nova condição Praticamente nenhum aspecto da psicologia humana características sociais e afetivas a coesão do grupo a formação de pares emoções e afetos cognição e razão ficou imune ao processo Em outros primatas e ainda em outros grupos animais existem evidências suficientes de padrões comportamentais que satisfazem qualquer critério razoável de cultura Muitos grupos animais transmitem conhecimentos geração após geração A descoberta feita por Goodall 1991 de uso e fabricação de instrumentos por chimpanzés em ambiente natural obrigou a uma nova definição do homem e da humanidade Embora à primeira vista o feito desses animais possa parecer muito simples não há dúvida de que revela capacidades complexas desde a seleção da matéria prima até o preparo e a execução da tarefa O padrão analisado envolve a 425 escolha de um galho com flexibilidade tal que depois da retirada das folhas se transforma numa vara de pescar que pode ser colocada dentro de um cupinzeiro ou formigueiro sem vergar nem quebrar Retirada na velocidade correta a vara traz consigo diversos insetos que podem ser comidos As observações sucessivas permitiram suposições sobre propagação no grupo e estabelecimento do padrão nos filhotes por exposição contínua à habilidade dos adultos e em especial à da mãe Num dos casos relatados um filhote que perdeu a mãe não desenvolveu o comportamento Usos não estereotipados de instrumentos não ficam restritos aos grandes antropóides nossos parentes vivos geneticamente mais próximos Por exemplo o emprego espontâneo de martelos e bigornas de pedra ajustados à quebra de coquinhos em macacospregos vem sendo sistematicamente estudado entre nós por Ottoni e colaboradores ver Ottoni Mannu 2001 2003 Fragaszy et al 2004 Se a descoberta de Goodall chocou mas foi aos poucos assimilada por causa da extrema semelhança entre o chimpanzé e o homem a de Ottoni requer uma nova e maior assimilação em face da maior distância biológica do macaco prego Podese ir mais longe apontandose ainda usos plásticos de instrumentos como soluções aprendidas individualmente e facilitadas socialmente nos vertebrados de um modo geral A diferença está em que no caso humano a transmissão e o desenvolvimento da cultura passaram a ter importância central e as culturas em outros animais não chegaram a se tornar um crivo fundamental do processo evolutivo Em torno da tradição de pesca dos chimpanzés não parece ter ocorrido nenhuma pressão seletiva especial Nem a quebra da prática parece representar ameaça substancial Eles podem perfeitamente viver sem pescar insetos Caso oposto pode ser acompanhado no enredo da evolução humana O homem não pode sobreviver sem seus recursos culturais sejam eles materiais ou imateriais Seguindo a pista que vem dos estudos paleoantropológicos o primeiro marco cultural notável é o registro de instrumentos de pedra há cerca de dois e meio milhões de anos no leste da África associado a Homo habilis A lasca de pedra produzida pela técnica designada olduvaiense ampliava acesso a uma fonte de recurso alimentar A própria capacidade de lascamento apesar da singeleza do instrumento mostrava um avanço na técnica de percussão que exigia um ângulo específico e uma escolha adequada de material Tal tecnologia não foi ainda igualada por nenhum outro primata mesmo em circunstâncias facilitadoras de laboratório Lewin 1999 Porém mais do que isso revelava um arranjo social de aproveitamento de carne e coleta de vegetais e 426 uma transmissão cultural que garantiu a manutenção da técnica por cerca de um milhão de anos A lasca de pedra pode ser considerada a ponta de um iceberg da organização social do hominida ancestral Análises dos sítios de lascamento mostravam uso continuado do mesmo local durante anos sugerindo que se tratava de uma área dedicada ao processamento de carne Gemas de pedra não modificadas designadas manuportes Lewin 1999 eram transportadas por longas distâncias para esse local e ali eram lascadas e usadas Aparentemente a tecnologia de lascamento não progrediu durante esse longo período Isso pode ser visto como estagnação mas também realça a sua importância Caso se tratasse de um desenvolvimento espúrio que apenas acrescentasse algum poder ao grupo que a usasse essa técnica não teria se conservado por tanto tempo e de modo tão generalizado É difícil duvidar de seu papel decisivo para a sobrevivência humana Em torno do uso intensivo e contínuo dessa tecnologia foram evoluindo as bases do viver cultural caracterizado pelo modo de vida caçadorcoletor considerado o berço da humanidade por ter acompanhado 90 do processo de evolução hominida Nessas bases culturais estavam implicadas questões que envolviam a inteligência de um modo complexo O crescimento cerebral que se seguiu foi notável O ser humano tem um cérebro três vezes maior do que seria de esperar para um primata do seu tamanho considerando se o quociente de encefalização que relativiza o tamanho do cérebro em relação ao corpo O tamanho absoluto não vale pelo tamanho as baleias seriam imbatíveis Os mamíferos têm quocientes de encefalização relativamente grandes em comparação com répteis e aves os primatas e os cetáceos destacamse entre os mamíferos e dentre os primatas os hominidas Lewin 1999 O homem atual apresenta um quociente da ordem de 58 contra 20 dos chimpanzés Para Australopithecus afarensis o hominida que viveu entre 4 e 3 milhões de anos atrás calculase um quociente de 25 enquanto que para o Homo ergaster e para o H erectus entre 18 milhões a 300 mil anos um quociente de 31 Aquela pedra lascada entendida como um símbolo de todo o uso de instrumentos não teve apenas um efeito quantitativo sobre o cérebro fazendoo crescer O crescimento em si mesmo já indica uma ampliação da capacidade de processar as complexidades das novas tarefas Além disso alterações qualitativas importantes estavam acontecendo É provável que a nossa lateralidade acentuada tenha surgido neste período O exame das lascas olduvaienses sugere que os hominidas eram destros e não ambidestros Esta assimetria de habilidade motora está associada a uma assimetria 427 funcional dos hemisférios cerebrais por muitos autores considerada a base da linguagem e decisiva para a nossa competência cognitiva Frost 1980 Passingham 1982 Toth 1987 Essas pedras lascadas cujo valor como indicador de cultura não pode ser subestimado são o que conseguimos encontrar nas escavações Não devemos imaginar que elas fossem o único instrumento desses nossos ancestrais É muito razoável ainda que não se tenha evidência empírica que um vasto conjunto de outros instrumentos feitos de material perecível estivesse à disposição dos lascadores de pedra E conseqüentemente é razoável imaginar também que a fabricação e o uso de abrigos sacolas armas de madeira ou ossos exigisse complexas regulações das relações entre seus fabricantes E assim a cultura vai entrando no centro do processo e exercendo pressão seletiva sobre nossos ancestrais O VIVER SOCIAL NA ESSÊNCIA DA CULTURA emoção afeto e inteligência E não foi só a razão aqui entendida como o conjunto de nossas habilidades cognitivas que sofreu os efeitos da conquista tecnológica Recentemente começase a achar que o funcionamento da razão não se dá de forma independente da emoção Onde pensamos encontrar a razão às vezes há pura emoção onde suspeitamos haver só emoção encontramos muita razão O inventor da pedra lascada teve antepassados desprovidos de tecnologia ou pelo menos de uma tecnologia central em suas vidas porém dotados de um cérebro que já vinha conquistando habilidades para atender a funções sociais Há hoje em dia pelo menos um acordo crescente quanto ao motor propulsor da evolução cerebral nas mais diversas teorias temse recorrido a explicações que vão além dos motivos ligados à resolução de problemas em sentido mais estrito Um dos candidatos mais cotados tem sido a inteligência social por ex Dunbar 1996 Foley 1996 Por que os primatas em geral parecem ser bem mais inteligentes do que requerem as tarefas concretas de sua vida cotidiana A resposta parece estar na vida social Os primatas são reconhecidos como estrategistas sociais consumados cujo sucesso baseiase na rede de amizades e alianças o que exige previsão e manipulação do comportamento do outro ver por ex Aureli de Waal 2000 O córtex cerebral aumentado das espécies de primatas com interações sociais mais complexas corrobora essa hipótese Segundo Lewin 1999 uma vez que uma linhagem adote o estilo de aliança social para obter sucesso reprodutivo surge uma situação de alavanca evolutiva em que novas pressões atuam no sentido de 428 aumentar ainda mais essa complexidade A própria evolução da consciência entraria nesse rol como um olho interno ferramenta por excelência do animal social Ligações entre razão e emoção têm sido elucidadas de diversas maneiras A teoria do marcador somático desenvolvida por Damásio 1994 2000 ilustra uma dessas demonstrações Pacientes com determinadas lesões nos lobos préfrontais apresentaram uma grande perturbação na organização de suas vidas Exames de laboratório revelaram bom desempenho em testes de inteligência memória aprendizado e cálculos aritméticos Onde estaria a alteração A primeira peculiaridade observada foi uma espécie de emocionalidade contida que à primeira vista não parecia ser um problema Ao contrário tal característica costuma ser vista como favorável ao raciocínio Entretanto foi ficando claro que a imparcialidade apresentada não se ajustava à dimensão dos acontecimentos Os pacientes percebiam bem a gravidade dos problemas mas estranhamente pareciam não se dar conta daquilo que percebiam como se soubessem mas não sentissem Não obstante seus bons resultados nos testes na vida real tinham dificuldades surpreendentes de tomar decisões Damásio concluiu que a aparente frieza de raciocínio parecia impedir a atribuição de valores e perturbar a tomada de decisão A partir disso Damásio fez uma teoria sobre o raciocínio e as decisões na qual marcadores emocionais atuam como parte essencial do processo Essa teoria estimula investigações que procurem desvendar esse tipo de enredo da razão humana ou seja a ligação entre cognições e emoções e também a natureza de processos inconscientes Ainda estamos tentando entender a nossa própria inteligência e já percebemos que em vez de uma pura expansão de uma habilidade para cálculos lógicos ela tem um estilo e um jeito de ser peculiar de nossa espécie A EVOLUÇÃO CULTURAL indicadores ontogenéticos Marcas da seleção da natureza cultural humana podem ser identificadas com clareza na investigação da ontogênese individual os estudos do desenvolvimento humano inicial a partir dos seus primeiros meses e anos não têm deixado margem para dúvidas Desde o nascimento apresentamos inclinações para a regulação social para o referenciamento no outro para uma intersubjetividade compartilhada e para a formação de ligações afetivas As crianças nascem prontas para aprender verdadeiras esponjas de assimilação ativa do mundo social e afetivamente referido à sua volta 429 O recémnascido consegue imitar expressões faciais de um adulto à sua frente na primeira hora de vida Kugiumutzakis 1998 o que prova que ele é capaz não só de enxergar bem como também de realizar integrações sensóriomotoras até recentemente inesperadas pelas teorias de desenvolvimento vigentes Demonstrações dessas capacidades de igualação em crianças bem pequenas vêm se acumulando a partir de Meltzoff e Moore 1977 1998 No início do século XX eram muito difundidas as idéias de William James e de Freud acerca da incompetência do bebê humano para o relacionamento com o mundo e com as pessoas O bebê era visto como um ser autocentrado e autista e para ele o mundo era uma confusão atordoante Essas idéias estão hoje superadas por exemplo Seidl de Moura 1999 descrevendo interações entre mães e bebês verificou que eles têm capacidades préadaptadas para iniciar o conhecimento do mundo ao seu redor têm motivação para detectar contingências e para experimentar calor emocional O contato de olhar do recémnascido parece ser um ponto de partida fundamental À chegada de um estranho crianças de dois meses olham para a mãe anunciando o mecanismo fundamental de busca de segurança em sua figura de apego e busca de referenciamento do mundo nos indivíduos significativos O conhecimento já nasce social e afetivamente mediado Regulações recíprocas peculiares nas interações bebêsadultos com sincronização dos ritmos interacionais e sensibilidade aos sinais mútuos vêm sendo desvendadas O contato de olhar eleva o nível de envolvimento de ambos O espelhamento de emoções também aumenta o engajamento os bebês respondem ao espelhamento facial de suas emoções feito pela mãe o que faz crescer seu envolvimento interacional Field et al 1982 E quando a mãe pára de responder os bebês exibem perturbações interacionais Murray Trevarthen 1985 Murray 1988 Trevarthen 2003 O conceito de intersubjetividade Bräten 1998 referese a este tipo de comunhão entre pessoas através de ligações e ajustamentos entre seus estados e expressões emotivas Trevarthen 1979 1998 chamou de intersubjetividade primária a capacidade inata dos bebês para o estabelecimento de uma ligação motivada sujeito sujeito o que caracteriza um tipo de protoconversação Para esse autor essa capacidade comunicativa tem efeitos no desenvolvimento humano Num contexto interacional desse tipo com partilha de atenção e compartilhamento emocional a palavra parece se encaixar como uma luva não é de estranhar que o papel dessa intersubjetividade venha 430 sendo reconhecido como crucial para o desenvolvimento da linguagem Akhtar Tomasello 1998 Outros aspectos do desenvolvimento ocorrem nesse mesmo contexto interacional Na teoria de apego Bowlby 1969 salientou exatamente o mesmo aspecto a vinculação afetiva decorre de interações afetuosas e de trocas lúdicas contingentes e não da satisfação de outras necessidades primárias Está claro que existe uma predisposição natural para a formação de vinculação afetiva observável nas motivações e nos repertórios das crianças nas mais diversas culturas a formação do vínculo o medo de estranhos e a ansiedade de separação aparecem de modo típico tanto nas famílias nucleares urbanas quanto nas famílias ampliadas de caçadorescoletores Eibl Eibesfeldt 1989 De novo constatase uma interdeterminação entre aspectos diversos do desenvolvimento pois uma vez estabelecida a base de segurança afetiva criamse as condições para a exploração do ambiente físico e social assim como para a brincadeira Ao lado dessa outra interdeterminação a ser examinada diz respeito às ligações entre natureza e cultura É difícil imaginar que a cultura fosse possível sem essa sutil e intensa comunicação A LINGUAGEM COMO CARACTERÍSTICA BIOLÓGICA O ser humano é biologicamente lingüístico nasce com os recursos cognitivos motivacionais fisiológicos e anatômicos para entender e usar a linguagem humana que é falada em seu ambiente Bussab Ribeiro 1998 Para começar os bebês nascem com capacidades especiais para a percepção dos sons da fala Essa peculiaridade humana merece destaque e compreensão específica embora nunca seja demais registrar uma precaução antiantropocêntrica tratase apenas de mais um produto da seleção natural de capacidades exuberantes de comunicação no reino animal Assim como somos prépreparados para a comunicação verbal temos limites para a capacidade de detectar formas de comunicação químicas sonoras eletromagnéticas e mímicas típicas de outras espécies por ex ver Alcock 2001 Existem inúmeras indicações quanto à capacidade lingüística humana natural É possível demonstrar mediante procedimentos criativos por exemplo que antes de falar os bebês já conseguem discriminar os fonemas unidades básicas de sons significativos numa língua que os adultos da sua comunidade lingüística discriminam 431 De fato sua discriminação parece mais ampla do que a dos adultos e por isso Pinker 1994 diz que eles são foneticistas universais Psicólogos ligaram uma chupeta a um gravador Quando o bebê de menos de seis meses sugava a chupeta o gravador emitia repetidamente os sons ba ba ba ba Esses sons fazem o ritmo da sucção ficar rápido em seguida ele vai ficando mais lento indicando uma habituação ao estímulo Mudando os sons para pa pa pa pa o ritmo da sucção volta a acelerarse revelando a discriminação da mudança Eimas et al 1971 Os bebês nascem equipados para discriminar os sons da fala Não é ouvindo a fala dos pais que eles adquirem essa discriminação Bebês com menos de seis meses distinguem fonemas usados em diferentes línguas até mesmo de línguas muito distantes das que predominam no mundo de hoje Os adultos não conseguem fazer essas discriminações Com aproximadamente 10 meses os bebês deixam de ser foneticistas universais e passam a se comportar como seus pais discriminando apenas os fonemas da língua falada pelo grupo cultural a que pertencem Assim como a base emocional e interacional indispensável para o desenvolvimento da cultura humana já estava presente em nossos primatas ancestrais também a discriminação fonêmica tem precedentes Testes feitos com chinchilas gatos e macacos mostraram discriminações finas entre vogais e entre sílabas pronunciadas por seres humanos Dewson 1964 Burdick Miller 1975 Kuhl Miller 1975 Passingham 1982 Por exemplo macacos do Velho Mundo discriminam ba e ta E essa discriminação resistiu a um teste em que o locutor era ora homem e ora mulher Sinnott et al 1976 Contudo tais discriminações feitas por animais estão muito aquém das capacidades humanas especiais ligadas à linguagem que vão desde a seleção de um aparelho fonador eficiente até a de uma gramática universal Investigando a capacidade lingüística de outros primatas psicólogos criaram filhotes de chimpanzés em condições estimuladoras procurando simular as condições de criação de uma criança humana Hayes Hayes 1952 Apesar do intenso esforço os resultados foram frustrantes Ouvintes generosos conseguiram no máximo ouvir a fêmea Viki falando papa mama e cup Esse estudo exigindo o uso do aparelho fonador do chimpanzé dificultou o reconhecimento de uma certa capacidade nesse primata No ser humano a laringe está numa posição baixa no trato vocal O som produzido é modificado pela faringe e pela boca que através de alterações de forma 432 permitem a articulação de diferentes sons A laringe do chimpanzé assim como de um bebê nos primeiros meses de vida está numa posição elevada o que limita a possibilidade de articulação Lieberman 1975 1984 Outros projetos que usaram a Linguagem de Sinais de Surdos com chimpanzés foram mais bem sucedidos Com 51 meses de idade Washoe que começou a ser treinada com 11 meses tinha um vocabulário de 132 sinais Gardner Gardner 1975 Ainda assim podese dizer que esse desenvolvimento exigiu uma verdadeira operação de guerra com treinamento intenso e constante de um lado e com uma aprendiz tremendamente entediada do outro É gritante o contraste entre esse esforço e a facilidade da criança humana que aprende a falar sem atitude didática por parte dos adultos e mesmo em ambientes lingüísticos bastante adversos A predisposição natural para o desenvolvimento da linguagem humana pode ser evidenciada pelas demonstrações de aquisição em condições prejudicadas como no caso de pais surdos ou em casas onde a televisão é a principal fonte de estimulação Lenneberg 1969 comparou bebês de 10 dias a três meses de idade filhos de pais surdos e de pais com audição normal Os filhos de pais surdos emitiram vários tipos de sons com a mesma freqüência daqueles de pais normais o que levou Lenneberg a concluir que o desenvolvimento inicial dos sons da fala parece relativamente independente da qualidade e da quantidade do ambiente lingüístico Crianças com retardo mental criadas em instituições muitas vezes passam o dia inteiro tendo a televisão como principal fonte de estimulação Apesar disso algumas crianças dominam a linguagem de modo surpreendente Lenneberg 1969 As culturas variam quanto à importância atribuída ao falar com bebês para o desenvolvimento da linguagem No entanto é bem possível que as crianças aprendam a falar na mesma velocidade em todas as culturas independentemente do esforço didático dos adultos Não se quer dizer que diferentes graus de estimulação sejam totalmente desprovidos de efeito mas sim que a criança um aprendiz natural tende a apresentar um domínio que não seria previsto por uma concepção ambientalista extrema Haggan 2002 ressalva que é preciso verificar se o comportamento verbal dos adultos diante das crianças corresponde na prática às suas idéias de como se deve falar Numa pesquisa feita numa cultura árabe contemporânea os Kuwaiti observouse que os adultos que declaravam que não simplificavam sua linguagem ao falar com crianças na realidade faziam algumas simplificações ao falar com crianças de 2 a 3 anos como repetições uso de sentenças mais curtas e de fragmentos de sentenças 433 Exercícios repetitivos com gramática simplificada podem ser proporcionados pelos adultos como por exemplo na seqüência Olhe o cachorrinho Está vendo o cachorrinho Aquilo é um cachorrinho Seriam essenciais segundo algumas culturas por ex classe média americana para que a criancinha indefesa não ficasse para trás na corrida da vida Pinker 1994 ridiculariza o procedimento comparandoo à compra de luvinhas que tenham um alvo desenhado para os bebês encontrarem as mãos mais rapidamente Na cultura Kung os pais acham que precisam treinar as crianças a sentar ficar em pé e andar mas não falam com elas antes que tenham adquirido o domínio da linguagem a não ser para pedidos e repreensões ocasionais Pinker 1994 Portanto essas crianças aprendem na ausência total de atitude didática por parte dos pais Acumulamse desse modo evidências da seleção natural de predisposições para o desenvolvimento da linguagem O papel dos fatores genéticos também fica evidente nos estudos de herança de distúrbios de linguagem O estudo de uma família que apresentava diversos casos de Transtorno Específico de Linguagem TEL feito por lingüistas e geneticistas sugeriu herança do problema por controle de um único gene dominante como as flores corderosa das ervilhas de Mendel Pinker 1994 No Transtorno Específico de Linguagem encontrase um distúrbio da linguagem na ausência de desordens cognitivas perceptuais ou sociais A fala é lenta são evitadas as situações em que é preciso falar e uma conversa normal é um trabalho mental extenuante Os erros gramaticais são freqüentes com uso incorreto de pronomes e de sufixos Por exemplo Carol está chora na igreja Ela lembrou de quando ela se machuca outro dia Essas pessoas têm dificuldade em provas realizadas facilmente por crianças de quatro anos Por exemplo mostrase um desenho de uma criatura semelhante a um pássaro dizendo que é um WUG Em seguida mostrase um desenho com duas criaturas dizendo Agora são dois são dois Uma criança de quatro anos responde WUGS mas o adulto com TEL não consegue responder Na família estudada a avó era portadora do TEL uma de suas filhas era normal e quatro filhos eram portadores do TEL A filha normal teve filhos também normais Os quatro portadores tiveram 23 filhos 11 portadores e 12 normais Se a causa fosse ambiental associada à escuta dos erros da fala de um genitor ou irmão deficiente por que a síndrome afetaria alguns membros da família poupando outros até mesmo um gêmeo fraterno num dos casos 434 Estudos comparativos do desenvolvimento da linguagem em gêmeos também têm contribuído para a compreensão dos efeitos de fatores genéticos A história de desenvolvimento dos gêmeos idênticos tende a ser mais sincrônica do que a de gêmeos fraternos quanto ao início da fala ao aparecimento das primeiras palavras à reunião de palavras em expressões e à diminuição dos erros gramaticais Quanto ao início da fala constatouse atraso igual em 65 de gêmeos idênticos versus 35 de gêmeos fraternos Quanto ao desenvolvimento da fala constatouse história equivalente em 90 de gêmeos idênticos versus 35 de gêmeos fraternos Lenneberg 1967 1969 Há consenso geral entre os pesquisadores que essas divergências não podem ser simplesmente explicadas por imitação ou tratamento diferencial pelos pais Essa maior semelhança entre os gêmeos idênticos também ocorre em outros aspectos do desenvolvimento tais como menarca mudança de voz ritmo de crescimento e desempenho motor por ex em Holden 1980 Segundo Chomski 1972 proponente da teoria da linguagem como instinto as crianças vêm ao mundo dotadas de uma Gramática Universal um plano comum às gramáticas de todas as línguas que orienta a extração de padrões sintáticos da fala A linguagem falada é muito variável mas subjacente à diversidade há mecanismos mentais universais A pauta de problemas da linguagem humana não se restringe à origem ontogenética Se estamos apenas começando a entender os papéis da herança genética e do ambiente lingüístico na aquisição da linguagem também engatinhamos a respeito de sua função As perguntas por que falamos e por que falamos tanto parecem mais difíceis hoje do que há algumas décadas Se muitos autores examinam essas duas perguntas no plano pragmático e cognitivo outros realçam seus pontos mais sociais emocionais e sexuais As considerações feitas por Dunbar 1996 ilustram o destaque de aspectos sócioemocionais Esse autor chama a atenção para um aspecto fundamental dos chimpanzés que também parece constituir uma das bases do comportamento social humano o intenso interesse e curiosidade que demonstram em relação uns aos outros estando permanentemente atentos a quem está fazendo o que onde e com quem No chimpanzé a observação do comportamento alheio está longe de ser desinteressada mas envolve um permanente fundo emocional que vai desde mera curiosidade até cobiça ciúme medo desconfiança prepotência submissão cautela alegria prazer e expectativa de ajuda O interesse pelo que os outros estão fazendo baliza um constante 435 ajustamento do comportamento e implica complexos processos mentais que envolvem a previsão da reação dos parceiros ao comportamento do sujeito a capacidade de identificação com o outro e a memória de relações passadas Nisso eles são extremamente semelhantes a nós Há porém uma diferença notável para os chimpanzés assim como para muitos outros primatas a organização social aparece refletida numa corrente de contatos físicos concretizada pela catação grooming recíproca A catação percorre a rede de relações sociais constituindoa e refletindoa Aliás Dunbar 1996 começa seu livro com uma descrição detalhada de ter sido ele mesmo alvo de uma sessão de catação por parte de um babuíno associada a um intenso prazer corporal tranqüilizador Diz ele Ser objeto de uma sessão de catação nas mãos de um macaco é experimentar emoções primordiais começase a relaxar submetendose com prazer ao vai e vem das ondas de sinais neurais que percorrem seu caminho da periferia do corpo até o cérebro dedilhando sinais para a mente consciente e atingindo algum lugar do centro profundo do ser p 1 Através de descrições feitas por Bastide sobre a vida no Brasil colonial Queiroz e Otta 1999 referiram reações semelhantes a essas no hábito de as senhoras do engenho deixaremse agradar pelos cafunés das mucamas recolhidas ao interior dos aposentos deitamse no colo da mucama favorita entregandolhe a cabeça Vencidas pelo fluido que se espalha em todo o seu corpo algumas sucumbem à deliciosa sensação e desfalecem de prazer sobre os joelhos da mucama p 27 Considerado o padrão de catação dos primatas e apesar do efeito que parecem produzir trocas de contato desse tipo ocorrem de modo muito mais restrito entre nós Entretanto para Dunbar 1996 a conversa humana funciona como catação Ou seja cumpre a função de constituir e reforçar a rede social de alianças O assunto humano predileto também é segundo esse autor indicativo da importância social da linguagem Nas pesquisas que realizou com seus alunos sobre o que acontece nas reuniões sociais em bares restaurantes festas e inclusive reuniões de universidades chegou à conclusão que mais de dois terços das conversas são dedicados à discussão de sentimentos pessoais e ao quem está fazendo o que com quem Somase a isso o fato de que a grande maioria das produções culturais escritas e os programas de rádio e televisão e certamente os de maior público estão voltados para a vida dos outros sejam personagens reais ou fictícios A sede das pessoas pelos detalhes da vida particular dos outros é insaciável Seja como for ainda que esta análise não esgote a 436 funcionalidade da linguagem e da inteligência nem os mistérios da evolução humana ela parece abrir uma janela para aspectos essenciais da nossa natureza Podese continuar nesta linha de abertura de possibilidades com as considerações feitas por Miller 2000 sobre a evolução da linguagem Esse autor dá como secundária a utilidade da linguagem para a sobrevivência em sentido estrito e acredita que a linguagem humana é um ornamento sexual um instrumento de sedução tanto quanto a cauda do pavão Foi o sucesso sexual dos mais inteligentes e hábeis no uso da linguagem que promoveu seu desenvolvimento durante a evolução muito mais do que resolver o problema das pedras lascadas da captura de presas e da busca de alimentos PARA QUE UMA SEXUALIDADE TÃO EXAGERADA A eficiência reprodutiva do Homo sapiens é muito baixa em comparação com seu investimento de tempo e energia em sexo Centenas de cópulas resultam em dois a três filhos durante a vida da maioria das pessoas hoje Mesmo considerando os raros casos de mais de dez filhos a eficiência reprodutiva continua sendo baixa em comparação com outras espécies Diferentemente das mulheres cuja eficiência reprodutiva não aumenta pelo fato de se relacionarem com mais de um parceiro os homens podem aumentar consideravelmente sua prole por meio da poligamia Numa comunidade mórmon do século XIX homens com uma esposa tinham em média sete filhos enquanto aqueles com duas ou três esposas tinham 16 a 20 filhos e os líderes da igreja mórmon com cinco esposas chegavam a ter 25 filhos Diamond 1997 Mesmo que a razão coito filho fique abaixo da estimativa de 10001 feita por van den Berghe 1979 não chega a impressionar quanto à eficiência reprodutiva Há espécies como a formiga Atta sexdens que acasalam apenas um dia na vida produzindo milhões de descendentes Espermatozóides são guardados na espermateca e usados durante duas ou três décadas Na maioria dos mamíferos e aves o sexo não é uma atividade contínua está sujeito a variações cíclicas e sazonais Em muitos casos a receptividade feminina é nula fora do período fértil A receptividade é sinalizada através de feromônios alterações físicas e comportamentais Macacos resos e chimpanzés por exemplo apresentam inchaço conspícuo da região perivaginal que é tão acentuado a ponto de já ter sido confundido com doença e de ter levado um diretor de zoológico a retirar fêmeas da visitação pública Durante a estação de acasalamento a freqüência de conflitos costuma 437 aumentar entre os primatas nãohumanos Nagel Kummer 1974 Passingham 1982 Por exemplo em Cayo Santiago a freqüência de macacos resos feridos e mortos em brigas é maior na estação de acasalamento do que em outros períodos Wilson Boelkins 1970 A fêmea humana diferenciase das outras fêmeas de mamíferos pela perda da periodicidade estral e pela disponibilidade sexual contínua incluindo a gravidez e o período pósmenopausa A ovulação ficou silenciosa durante a evolução humana em vez de ser sinalizada como entre os primatas nãohumanos Não sabendo quando a fêmea está fértil o macho precisa copular regularmente com ela para gerar um filho Fisher 1982 1992 Os seios conspícuos das fêmeas humanas evoluíram segundo Smith 1984 no contexto de retirada de informação sobre o estado reprodutivo Nas fêmeas dos primatas nãohumanos as mamas só ficam ligeiramente aumentadas durante a gestação preparandose para a amamentação Na fêmea humana seios conspícuos aparecem na puberdade e permanecem aumentados daí em diante Morris 1967 interpreta os seios como resultantes de um processo de automímica corporal Levantou essa hipótese por comparação com os babuínos gelada que diferentemente de outros Macacos do Velho Mundo passam grande parte do tempo sentados em posição vertical As fêmeas apresentam no peito uma mancha com coloração vermelha cercada por papilas brancas que é muito semelhante à região em torno dos genitais e que acompanha as alterações que ocorrem durante o ciclo estral A região que fica intumescida e especialmente colorida durante o estro funciona como uma sinalização frontal cumprindo o papel da sinalização genital que se oculta quando ela se senta Nas fêmeas humanas os seios evoluíram segundo a hipótese da automímica corporal como imitação das nádegas Não há indícios de que a forma típica do seio humano tenha evoluído sob a pressão seletiva de aumento de eficiência da amamentação dos bebês Do ponto de vista da amamentação mamas discretas como as das primatas nãohumanas ofereceriam menos dificuldade para o bebê humano É mais plausível interpretálas como sinal sexual Em vez de ser silenciosa a fêmea humana poderia sinalizar estro contínuo Ao comunicar fertilidade permanente a fêmea está ocultando seu período estéril Uma interpretação para a substituição dos sinais de estro por sinais permanentes de receptividade é o fortalecimento do vínculo com o macho aumentando seu investimento alimento proteção na prole Na espécie humana o investimento parental masculino é maior que entre os primatas nãohumanos em geral Uma exceção é o 438 sagüi um pequeno primata do Novo Mundo em que há nascimento de gêmeos e a fêmea apresenta estro pósparto A sobrecarga representada pelo cuidado de dois filhotes grandes proporcionalmente ao tamanho da fêmea com peso correspondente a 25 do peso da mãe Leutenegger 1973 somada a uma nova gestação 5 a 17 dias após o parto Hearn 1978 obrigou o macho a compartilhar tarefas e assim garantir a sobrevivência da prole Yamamoto Sousa 1998 Embora a ovulação não seja sinalizada na espécie humana e a receptividade sexual da mulher possa ser contínua há alterações do desejo sexual ao longo do ciclo menstrual Na ovulação o desejo é maior do que em outros períodos do ciclo Stanislaw Rice 1988 Num estudo feito em bares para solteiros um dos pesquisadores fazia observações dentro do bar e outro fotografava as mulheres quando saiam e as entrevistava para verificar em que momento do ciclo menstrual se encontravam As mulheres que estavam ovulando usavam roupas mais justas e curtas e eram mais freqüentemente tocadas pelos homens dentro do bar em comparação com as que não estavam ovulando Grammer 1996 Há indicações de que no período de ovulação o rosto fica mais avermelhado na região das bochechas e de que a razão cintura quadril diminui Apesar dessas pistas no entanto Buss 1999 conclui que ainda não foram realizados estudos conclusivos mostrando que homens são capazes de detectar a ovulação das mulheres Mesmo que exista alguma capacidade de detecção da fertilidade por parte do homem a sinalização de receptividade permanente é indiscutível e sua função vai além da fecundação provavelmente fortalecendo a união do par em torno do investimento parental As características do bebê humano ajudam a esclarecer a necessidade de aumento de investimento paterno Rodrigues 1998 Ele nasce imaturo em comparação com os filhotes dos primatas nãohumanos O cérebro humano ao nascer tem apenas 23 do seu tamanho final enquanto o do resos 65 e o do chimpanzé 40 Gould 1977 Enquanto o cérebro do chimpanzé atinge 70 do seu tamanho final no primeiro ano de vida o humano não chega a isso antes do final do terceiro ano Em comparação com os demais primatas nosso desenvolvimento é lento No entanto a gestação é apenas alguns dias mais longa que a dos chimpanzés A gestação não desacelerou tanto quanto o resto do desenvolvimento Gould 1977 estima que os bebês humanos deveriam nascer com 16 a 21 meses de gestação se a duração da gestação tivesse desacelerado tanto quanto o resto do nosso crescimento Um jogo de pressões seletivas deve ter atuado na nossa evolução de um lado o cérebro cresceu durante a evolução 439 humana de outro lado o canal pélvico estreitou em razão do bipedalismo A solução foi o encurtamento da gestação para permitir a passagem dos bebês Por essa razão cérebro dos bebês tem apenas ¼ do tamanho final São filhotes muito imaturos E essa fragilidade é reveladora da necessidade de um investimento parental aumentado As diferenças físicas entre machos e fêmeas têm relação com a competição sexual Acentuado dimorfismo sexual de tamanho é sugestivo de competição entre machos pelo acesso às fêmeas e está associado a sucesso reprodutivo Alexander et al 1979 Em algumas espécies o macho é muito maior que a fêmea os leões marinhos por exemplo chegam a ser 60 mais compridos que suas fêmea Alcock 2001 Quanto maior a razão comprimento do corpo do macho comprimento do corpo da fêmea maior o tamanho do harém de um leão marinho Os machos maiores chegam a monopolizar até 100 fêmeas Na espécie humana é pequeno o dimorfismo sexual de tamanho A ausência de marcante dimorfismo sexual em tamanho somada à ovulação silenciosa da fêmea associada a sinais contínuos de fertilidade e à imaturidade do bebê humano sugere que a sexualidade humana manifestase no contexto de uma vinculação de par mais próxima do estilo dos sagüis do que dos leões marinhos Além do baixo dimorfismo sexual em tamanho da ordem de 7 Crawford 1998 constatamos que os machos humanos são desprovidos de armas naturais poderosas Espécies animais em que os machos competem entre si pelo acesso às fêmeas além de apresentar acentuado dimorfismo sexual quanto ao tamanho físico têm armas naturais poderosas nas quais há considerável investimento energético Os alces por exemplo exibem uma galhada vistosa e energeticamente custosa que é trocada anualmente No alce irlandês hoje extinto a galhada chegava a ter 365 metros de ponta a ponta e 41 quilos o que segundo Gould 1977 parece representar um investimento militar superior ao dos Estados Unidos É interessante notar que as pontas da galhada estão voltadas para trás indicando tratarse mais de uma arma para ostentação do que para ferir de fato o oponente Embora na espécie humana o dimorfismo sexual não seja acentuado e os machos não possuam armas naturais poderosas o tamanho físico é importante assim como exibições de força Nas empresas constatouse que homens mais altos recebem salários maiores que homens de menor estatura mesmo que a diferença não tenha nada a ver com o trabalho Hensley Cooper 1987 Frieze et al 1990 Não estamos falando de jogadores de basquete e sim de executivos e funcionários administrativos Sugestivamente não apareceu nos estudos nenhuma relação entre a altura e o salário das 440 mulheres A altura do homem também é um critério na seleção de parceiros por mulheres Lynn Shurgot 1984 Jackson Ervin 1991 inclusive na escolha das características de doadores potenciais de esperma Scheib et al 1997 Ombros largos são valorizados no homem e o formato do corpo masculino considerado mais atraente é o formato em V com quadris mais estreitos que os ombros Esse atributo é exagerado nas representações artísticas como em representações de Apolo e Dionísio EiblEibesfeldt 1970 Em várias culturas os ombros são enfatizados através de roupas ou adornos EiblEibesfeldt 1989 Músculos peitorais desenvolvidos são também valorizados levando Etcoff 1999 pp 206207 a comentar Os músculos peitorais são os chifres do macho humano suas armas de guerra Talvez os homens não cacem nem combatam com armas de arremesso mas um peito largo ainda repercute a capacidade de sobrevivência Muitos homens se consideram abaixo do peso Mas não querem ficar mais gordos querem ganhar massa muscular Alguns homens desenvolvem uma obsessão doentia por músculos Assim como mulheres com anorexia nervosa têm uma imagem corporal distorcida e embora possam correr risco de vida não conseguem ver como estão magras Garner 1993 Papalia Olds 1998 homens com dismorfia muscular não conseguem ver como são grandes e musculosos seus corpos achandose sempre fracos e pequenos Pope et al 1997 Enquanto mulheres com bulimia fazem uso de laxantes e diuréticos para neutralizar excessos alimentares homens com dismorfia muscular fazem uso de anabolizantes que estimulam o desenvolvimento muscular Há casos de hospitalização de rapazes com problemas hepáticos graves em decorrência do uso de anabolizantes assim como de garotas com perda extrema de peso e irritação gástrica A Etologia e a Psicologia Evolutiva dão um referencial teórico em que a patologia pode ser mais bem contextualizada A valorização da aparência em sociedades industrializadas ricas vem ao encontro de traços psicológicos que foram moldados durante milhares de anos de evolução Como lembra Morris 1967 só podemos adquirir uma compreensão objetiva e equilibrada da nossa existência se lançarmos um olhar sobre as nossas origens e estudarmos os aspectos biológicos do comportamento atual da nossa espécie Apesar de suas enormes conquistas no plano tecnológico o Homo sapiens ainda não conseguiu resolver problemas humanos básicos O reconhecimento da natureza primata com 441 freqüência ignorada pela psicologia pode ser um importante passo na busca de solução para esses problemas Um passo importante porém difícil porque estamos longe de um conhecimento pleno de nossa natureza primata e também de conhecer o ambiente cultural dentro do qual evoluímos Desse modo esse reconhecimento requer uma compreensão mais profunda do comportamento dos primatas mas não apenas isso Como a cultura em algum ponto da nossa evolução tornouse uma característica preponderante do ser humano o reconhecimento de nossa natureza primata requer também o entendimento de culturas de pequenos grupos humanos com modo de vida de caça e coleta Por exemplo no pouco que resta de culturas humanas primitivas o dimorfismo sexual é acentuado por um conjunto de recursos tais como corte de cabelo adereços pinturas do corpo e divisão de trabalho Em tese a cultura humana poderia muito bem reduzir ainda mais o dimorfismo O que se vê no entanto é sua acentuação como se não bastassem as diferenças naturais Pelo que vimos acima acerca da relação entre dimorfismo e competitividade masculina essa acentuação cultural poderia levar à idéia de que a cultura acentua a disputa entre os homens pelas mulheres Contudo isso não é necessariamente assim A acentuação do dimorfismo pode ter outras origens e não ter relação com a competição entre machos É preciso evitar raciocínios simplificadores nos quais haja relações quase automáticas entre conceitos Voltando ao nosso exame comparativo de características físicas para inferir predisposições comportamentais constatamos que o macho humano destacase entre os primatas nãohumanos mais próximos por seu longo pênis 710 cm quando flácido e 9524 cm sendo 1218 cm a faixa mais freqüente quando ereto segundo dados do Kinsey Institute for Sex Research Etcoff 1999 Sparling 1997 fez um levantamento com mil homens de 20 a 69 anos e encontrou valores ligeiramente mais baixos Quarenta por cento desses homens tinham pênis ereto entre 11145 cm Embora a variação individual seja considerável e possa haver alguma divergência de uma pesquisa para outra a supremacia humana é notável entre os primatas O pênis de um gorila de 220 kg alcança pouco mais de 25 cm quando ereto Um pênis longo pode permitir aos espermatozóides chegar mais perto do óvulo por avançar mais no trato reprodutivo feminino em comparação com um pênis pequeno É possível também que o grande pênis humano tenha sido selecionado pelo gosto da fêmea Etcoff 1999 Embora já tenham pênis longos em comparação com os dos outros primatas nãohumanos o tamanho dessa parte do corpo é uma preocupação para os homens levando Woody Allen a brincar 442 Trabalhei com Freud em Viena rompemos por causa do conceito de inveja do pênis Freud achava que devia se restringir à mulher em Etcoff 1999 p 196 Alguns homens chegam a recorrer a um procedimento cirúrgico para aumentar o pênis que envolve o corte de dois ligamentos que o prendem ao púbis exteriorizando uma região que normalmente fica oculta dentro do corpo Com esse procedimento o pênis pode ganhar algo como 2cm de comprimento embora o ângulo de ereção fique prejudicado Stubbs 1997 Embora o pênis humano se destaque pelo seu tamanho outras espécies de animais Eberardt 1985 Etcoff 1999 Lloyd 1979 têm genitália masculina mais elaborada e complexa do que seria necessário para um mero depósito de esperma Em insetos a genitália masculina constitui freqüentemente um critério fidedigno de identificação da espécie É interessante notar que nas espécies de insetos em que as fêmeas acasalam com vários machos as genitálias masculinas são mais variadas em comparação com aquelas em que a fêmea acasala só uma vez Arnqvist 1998 Quanto ao tamanho dos testículos é o chimpanzé que se destaca por possuir os maiores 027 do peso corporal e o gorila os menores 001 do peso corporal O macho Homo sapiens possui testículos com dimensões intermediárias 008 do peso corporal Buss 1999 Short 1979 O que isso significa Em lugar de competir pelo acesso às fêmeas os chimpanzés travam entre si uma intensa guerra de esperma Eles vivem em grupos de muitos machos nos quais não há monopólio de acesso às fêmeas Já os gorilas têm um sistema de acasalamento diferente em que um macho monopoliza várias fêmeas Nesse sistema é baixa a probabilidade de uma fêmea fértil receber ejaculação de mais de um macho Alcock 2001 A posição intermediária de H sapiens é interpretada por Smith 1984 como indicação de que os homens podem ter enfrentado durante a evolução uma probabilidade moderada de as parceiras copularem pouco antes ou pouco depois de estar com seu companheiro Um contexto desse tipo premiaria os homens capazes de ejacular uma quantidade maior de esperma mais perto do óvulo Quando há espermatozóides de dois ou mais homens no corpo de uma mulher travase entre eles uma competição pela fertilização do óvulo Baker 1996 referese a essa competição como uma verdadeira guerra de esperma entre dois ou mais exércitos e 443 estima que aproximadamente 4 das pessoas sejam concebidas no contexto dessa guerra Wrangham 1993 estimou que para cada parto uma fêmea de gorila teve apenas um parceiro uma fêmea humana 11 parceiros uma fêmea de chimpanzé 13 e uma fêmea de bonobo 9 Na guerra de espermas os espermatozóides especializaramse para o desempenho de diferentes funções podendose distinguir espermatozóides fertilizadores bloqueadores e assassinos na proporção 1 100 500 Os fertilizadores possuem uma cabeça onde se localiza o DNA que será levado ao óvulo e uma cauda longa e fina Os bloqueadores têm a cabeça maior e às vezes têm duas ou três cabeças e a cauda enrolada são lentos e ficam alojados no muco cervical Em lugar de DNA os assassinos transportam um fluído na cabeça com o qual atacam espermatozóides rivais Há considerável variação no volume dos testículos humanos Baker 1997 encontrou variação entre 7 e 52cm3 a partir de mensurações feitas do testículo esquerdo Quanto maior o testículo maior a produção de esperma Na sua amostra os homens que se engajaram em cópulas extrapar tinham testículos significativamente maiores com média de 38cm3 em comparação com aqueles que apenas se engajaram em cópulas intrapar média de 25cm3 Foi feita uma pesquisa com 35 casais que concordaram em fornecer preservativos usados para medida da ejaculação após tempos variados de separação Baker Bellis 1995 Quando o casal passou 100 do tempo junto a ejaculação foi de 389 milhões de espermatozóides em média mas quando passou 5 do tempo junto foi de 712 milhões Portanto o período de ausência da mulher provocou um aumento da quantidade de esperma Entretanto segundo os autores a quantidade de esperma não depende do tempo desde a última ejaculação Mesmo que o homem tivesse se masturbado até atingir o orgasmo durante o tempo em que estava longe da mulher ao voltar ainda ejaculava uma quantidade de esperma correspondente ao tempo de afastamento Esse resultado se corroborado por novas observações pode ser interpretado como uma defesa contra a infidelidade O ciúme sexual pode ser interpretado como um mecanismo psicológico que evoluiu nos homens contrapondose aos custos da traição Daly et al 1982 Buss 1999 Tendo em vista o desenvolvimento longo da criança os custos do investimento no filho de outro homem são inaceitáveis Entre os gregos como em tantas outras culturas era bem mais fácil uma mulher tolerar um marido infiel do que ter sua infidelidade tolerada por ele O marido traído era chamado keratas o pior insulto para um homem que tem o significado de fraqueza inadequação e falta de masculinidade SaafiliosRothschild 444 1969 Wilson e Daly 1993 1996 levantam a hipótese de que ameaças e violência são estratégias masculinas para limitar a autonomia da parceira e diminuir o risco de traição DETERMINAÇÃO GENÉTICA DO COMPORTAMENTO Passamos até aqui por uma variedade de assuntos tais como a formação de vínculos afetivos iniciais a sexualidade e o desenvolvimento da linguagem Discutimos por evidências filogenéticas ontogenéticas e comparativas a natureza dessas características humanas Falamos em última análise da evolução natural da determinação genética e de suas intrincadas relações com efeitos do ambiente Neste tópico vamos discutir dados provenientes do estudo de gêmeos que permitem uma compreensão mais direta dos efeitos da determinação genética no comportamento A comparação de gêmeos idênticos com gêmeos fraternos criados juntos ou em separado delineia em ambiente natural os controles experimentais necessários para o estudo de efeitos do ambiente e da genética sobre a fisiologia e o comportamento nos casos de mesma genética e de ambientes diferentes as semelhanças comportamentais devem ser atribuídas a fatores genéticos Hinde 1970 Estratégias metodológicas apropriadas permitem avaliações do efeito da herança e correções dos efeitos ambientais As diferenças entre as correlações de gêmeos idênticos criados juntos e as correlações de gêmeos idênticos criados em separado apontam a magnitude da influência genética bem como a do ambiente para cada traço psicológico investigado Bouchard 1997 A probabilidade de gêmeos monozigóticos serem obesos é duas vezes maior que a de gêmeos dizigóticos Stunkard et al 1990 Os monozigóticos também são mais concordantes quanto a problemas de saúde como hipertensão doença cardíaca epilepsia Plomin et al 1994 e acidentes vasculares cerebrais Brass et al 1990 Os resultados dos estudos de gêmeos dão uma demonstração inequívoca do efeito da genética sobre o comportamento A pesquisa que ficou conhecida como o Estudo de Minnesota de gêmeos criados em separado Minnesota Study of Twins Reared Apart MISTRA fornece diversos exemplos ilustrativos Bouchard 1997 reanalisou os dados da aplicação de um teste vocacional a medida de correlação dos gêmeos idênticos criados em separado é da ordem de 050 enquanto a correlação nos gêmeos dizigóticos também separados é da ordem de 007 Considerandose os dizigóticos como grupo controle é possível dizer que a diferença entre os grupos da ordem de 043 é determinada por efeito genético Diferenças dessa mesma magnitude são encontradas 445 para traços de personalidade como extroversão e medidas de psicopatologia entre muitas outras Ridley 2003 Os gêmeos monozigóticos são mais semelhantes entre si em características de temperamento choro irritabilidade medo impulsividade sorriso e sociabilidade Goldsmith Campos 1982 Newcombe 1996 A concordância entre monozigóticos MZ para autismo é da ordem de 96 enquanto para os dizigóticos DZ é de 23 Ritvo et al 1985 para transtorno bipolar a concordância é de 67 MZ versus 16 DZ e para esquizofrenia é de 50 MZ versus 10 DZ Rosenthal 1970 Kessler 1980 ORourke et al 1982 Os gêmeos monozigóticos são mais parecidos quanto à inteligência a correlação é de 086 contra 062 dos dizigóticos a correlação é de 072 para monozigóticos criados separadamente Newcombe 1996 Dados sobre o desenvolvimento de quociente de inteligência QI se prestam à problematização das questões de desenvolvimento As semelhanças de QI entre os gêmeos idênticos criados à parte não podem ser explicadas por idade de separação quantidade de contato entre eles ou características gerais das famílias adotivas Superestimativas de efeitos ambientais têm sido contestadas de várias maneiras por exemplo medidas feitas na infância revelam uma influência ambiental da ordem de 30 que cai com o passar do tempo Esse tipo de resultado é provocativo e merece não passar despercebido Do mesmo modo revendo dados da literatura sobre QI de gêmeos e organizandoos em função da idade Bouchard e McGue 1981 mostraram aumento do efeito da herdabilidade em função da idade ao contrário do que seria esperado por uma lógica de acúmulo de efeitos ambientais Serve como um alerta contra raciocínios simplistas Não se trata de negar a influência do ambiente nem negar a existência de ambientes inadequados nem tampouco minimizar os efeitos da aprendizagem como os autores comentam mas de entender o ser humano como um organismo complexo para o qual a oportunidade de aprender e a experiência em novos ambientes podem até amplificar os efeitos do genótipo no fenótipo Devemos admitir e enfrentar complexidades em todos os níveis Um outro exemplo pode ser ilustrado pela idéia de igualdade de ambiente que também requer a consideração de aspectos muito diferenciados Nem mesmo o ambiente intrauterino de gêmeos idênticos é completamente comum Quanto ao envelope placentário todos os gêmeos fraternos são dicoriônicos desenvolvemse em envelopes separados enquanto cerca de 70 dos gêmeos idênticos são monocoriônicos Gêmeos idênticos que se desenvolvem no mesmo envelope placentário diferem dos gêmeos idênticos que 446 se desenvolvem em envelopes separados Curiosamente os gêmeos idênticos monocoriônicos embora tendam a nascer com maior diferença de peso do que os dicoriônicos são os que mais tarde vão apresentar maiores semelhanças psicológicas Spitz 1996 o que é um complicador do raciocínio que opõe de maneira simplificada a determinação herdada e a determinação ambiental O AMBIENTE DE ADAPTAÇÃO EVOLUTIVA VERSUS OS AMBIENTES EM QUE VIVEMOS HOJE A adaptação é uma das idéias mais importantes da Biologia A observação da natureza mostra com uma infinidade de exemplos magníficos que os seres vivos por suas formas e seu funcionamento estão como que planejados para otimizar sua reprodução em conjuntos específicos de características ambientais Dizemos que eles são dotados de adaptações ajustadas a essas características ambientais sejam elas físicas ou biológicas incluindo clima substratos presas e predadores nutrientes relações de parasitismo e mutualismo e assim por diante No caso humano como em outros animais intensamente sociais o ambiente de adaptabilidade evolutiva inclui a rede social As adaptações não impedem que plantas e animais sobrevivam em ambientes diferentes daqueles nos quais evoluíram Dentro de limites e com variações de espécie para espécie os seres vivos conseguem enfrentar novas regiões e até eventualmente dar se melhor nelas do que nos locais de origem São vários os casos de animais e plantas levados com êxito pelo homem de um continente para outro Ao examinar esses êxitos vêse que apesar da distância geográfica as adaptações estavam adequadas ao novo local ou seja a distância por si só não é uma diferença ambiental Além disso o próprio processo evolutivo seleciona uma certa plasticidade cuja utilidade resulta do fato de os ambientes não serem rigidamente estáticos Os ambientes em que vivemos hoje são muito diferentes daqueles onde fomos nos transformando no que somos Buss 2000 Avaliar o efeito dessas mudanças sobre nós nem sempre é tarefa simples É evidente que nos beneficiamos de uma tecnologia médica por ex diabéticos sobrevivem graças a essa tecnologia No entanto as mudanças nas condições de vida trouxeram novos problemas e desafios por ex sedentarismo e consumo excessivo de gordura e açúcar são fatores de risco para o desenvolvimento de diabetes e outros problemas de saúde 447 Implicações de mudanças ambientais são proporcionais à importância evolutiva da característica em questão No caso do homem mudanças no ambiente social podem ter grandes implicações Estimase que os humanos tenham evoluído em grupos de 50 a 200 indivíduos Dunbar 1993 O período de milhões de anos em que vivemos assim em pequenos grupos autosuficientes não se compara ao período recente de poucos milhares de anos em que rapidamente fomos abandonando a maneira tribal de viver e graças à agricultura passamos a viver em grupos grandes Num só dia podemos encontrar mais pessoas do que nossos ancestrais encontravam durante toda a vida Estimase que eles vivessem inseridos em redes de parentesco enquanto os humanos modernos muitas vezes vivem em famílias nucleares isoladas privados de amplo apoio social Se o bemestar depende da inserção em contextos pessoais duradouros e profundos então a vida moderna associada à redução de apoio social e elevada freqüência de contatos passageiros e superficiais pode ter um efeito danoso sobre a qualidade de vida das pessoas Se as necessidades básicas estão minimamente satisfeitas o fator mais significativo para a felicidade da maioria das pessoas parece ser as relações favoráveis com amigos e familiares Como aponta Grinde 1996 nossa sociabilidade provavelmente é o aspecto da vida das sociedades modernas que mudou de forma mais dramática em comparação com a vida das comunidades tribais Talvez esteja aí a principal limitação à felicidade da maioria das pessoas o tendão de Aquiles da sociedade moderna Ao considerar a importância dessas relações o número de pessoas de uma comunidade embora relevante para o ajustamento não é o único fator a ser levado em conta Uma vila de 100 habitantes é mais semelhante como ambiente a uma grande metrópole do que a uma tribo ancestral A autonomia da tribo ancestral é uma diferença ainda maior do que o número de habitantes Os estudos antropológicos descobriram que essas tribos ainda que totalmente separadas por oceanos e não obstante a enorme variedade de usos costumes e crenças constituem como disse Levi Strauss 1967 não outras culturas mas uma outra humanidade Ora foi nesse ambiente tribal que se formaram os homens e mulheres que vivem hoje nas grandes metrópoles Não houve tempo para se criarem novas adaptações Nascemos preparados para viver numa pequena comunidade autosuficiente e dotada de uma cultura que não é exatamente a nossa mas aquela da outra humanidade Na verdade nós é que somos uma outra 448 humanidade Somos um animal deslocado de seu ambiente de adaptação Contudo não somos o único caso plantas e animais domésticos também estão deslocados Ofuscados e embevecidos pela enorme sofisticação tecnológica de nossa sociedade industrial tendemos a subestimar as conquistas culturais do ambiente tribal A tecnologia atual não é muito mais do que uma sucessão de desdobramentos da base de nossos ancestrais coletorescaçadores Essa base está mais distante da vida não cultural anterior do que das conquistas dos últimos séculos Se o leitor nos permite uma fantasia ilustrativa imagine um pequeno grupo de pessoas que por acidente se vejam perdidas em alguma área desabitada da floresta amazônica Imagine também que essas pessoas consigam quase por milagre manterse vivas por um período relativamente longo encontrando precaríssimas fontes de alimento aqui e ali Não há dúvida no entanto que levariam uma vida miserável paupérrima em desespero e angústia Agora imagine que um belo dia perambulando um pouco mais longe essas pessoas encontrem uma tribo de índios e sejam por ela acolhidas A experiência de sobreviver com falta de quase tudo teria desfeito o ofuscamento tecnológico e as levaria a perceber em cheio a opulência da cultura primitiva Os índios seriam imediatamente percebidos como ricos donos de uma abundância de recursos e de conhecimentos O nosso grupo de sobreviventes veria o valor e a inteligência desse patrimônio cultural Se permanecessem bastante tempo teriam a oportunidade de contemplar o fácil acesso das crianças a todo esse patrimônio e até conceber o ser humano como naturalmente cultural O ambiente de desenvolvimento exige competência para a conquista desse patrimônio e essa exigência foi durante alguns milhões de anos um fator de seleção para todos os aspectos da cultura Passado o impacto de perceber o poder de ação da tribo sobre o ambiente nossos visitantes aprendendo a língua começariam a perceber a música a dança e toda uma variedade de práticas crenças e regras que não têm nenhum valor óbvio e imediato para a sobrevivência O que eles não conseguiriam fazer e nós mesmos ainda estamos longe de conseguir é entender o papel de tudo isso Com a abordagem etológica e evolutiva a indagação desse papel se coloca plenamente Talvez essas coisas sejam soluções para problemas criados pelo próprio desenvolvimento cognitivo e tecnológico Soluções para lidar com a partilha de alimentos com o sexo com a guerra com as incertezas e com a morte Há alguns milhões de anos a cultura começou a ganhar importância como recurso auxiliar das tarefas da eficácia reprodutiva As pedras lascadas e os outros 449 recursos materiais e imateriais traziam soluções e abriam possibilidades de expansão Pari passu exigiam indivíduos aptos para seu uso fluente Selecionavase assim uma aptidão especial que não se restringia às habilidades motoras e cognitivas mas incluía novas disposições sociais motivacionais e emocionais Na mesma medida em que foi dando forma a esse novo primata a cultura deu origem a novos problemas Assim como a postura ereta criou problemas para o parto e a elevação da laringe dificultou a relação entre deglutição e respiração assim também a cultura decerto colocou o homemem formação diante de novas dificuldades Com o desenvolvimento da cognição e da linguagem a reorganização da busca e do consumo de alimentos a construção de abrigos a consciência do futuro e tudo o mais novos problemas da convivência efetiva encontraram soluções não apenas nas alterações genéticas mas na própria cultura Ela passou a resolver os problemas resultantes das soluções que lhe permitiram assumir um certo controle da evolução Ritos e mitos usos e costumes regras de conduta valores e estruturas sociais foram as soluções encontradas No caso de outros animais a análise funcional com a qual procuramos entender o papel de cada ação na vida da espécie já encontra desafios consideráveis E quando dentro dessa perspectiva fazemos comparação entre o homem e os outros o que se destaca é a quantidade de ações cujas funções exigem um quadro explicativo mais complexo A grande diferença já não é mais a inteligência nem a sexualidade exacerbada nem a agressividade absurda nem mesmo a própria cultura O que nos parece é que a maneira mais aguda de perceber a originalidade humana está na descrição da complexidade funcional As indagações iniciais Como somos Por que somos como somos se transformam em Qual é o sentido adaptativo das nossas ações Essa pergunta parece crescer notavelmente em dificuldade no caso humano Parecenos mais fácil por contraste entender os outros animais Imagine o leitor um registro competente de todas as suas atividades num dia qualquer de sua vida A identificação das funções dessas atividades não é nada simples O sentido de cada atividade está imerso numa trama social e cultural que ofusca a percepção das funções biológicas A própria idéia de função biológica precisa ampliar se para dar conta dos significados culturais Em nenhuma outra espécie encontrase tal complexidade Não se trata apenas de uma relação remota no tempo entre a ação e suas conseqüências Portanto não é numa ingênua competição de inteligência ou sensualidade ou em qualquer outro atributo singular que se encontra a originalidade humana A abundância cultural humana é o candidato óbvio porém do ponto de vista biológico a complexidade funcional do comportamento humano é a forma de integrar o 450 estudo do ser humano no panorama evolutivo E é tão grande essa complexidade funcional que a sombra de um sonho tornase uma esfinge e voltamos a ser o mais enigmático dos animais REFERËNCIAS Akhtar N Tomasello M 1998 Intersubjectivity in early language and use pp 1546 In Bräten S ed Intersubjective Communication and Emotion in Early Ontogeny Cambridge Cambridge University Press Alcock J 2001 Animal Behavior An Evolutionary Approach Sunderland Sinauer Alexander RD Hoogland JL Howard RD Noonan KM Sherman PW 1979 Sexual dimorphism and breeding systems in pinnipeds ungulates primates and human pp 43653 In Chagnon NA Irons W eds Evolutionary Biology and Human Social Behavior An Anthropological Perspective North Scituate MA Duxbury Press Arnqvist G 1998 Comparative evidence for the evolution of genitalia by sexual selection Nature 393 7846 Aureli F 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chimpanzees and bonobos Human Nature 4 479 Yamamoto ME Sousa MBC 1998 Sistema social dos calitriquídeos dados atuais e novas perspectivas de investigação pp 24772 In Souza L Freitas MFQ Rodrigues MMP eds Psicologia Reflexões ImPertinentes São Paulo Casa do Psicólogo Yamamoto ME Lopes FA 2004 Dizeme o que falas e te direi o que comes aquisição da linguagem e composição da dieta em crianças pp 20527 In Moura MLS ed O Bebê do Século XXI e a Psicologia em Desenvolvimento São Paulo Casa do Psicólogo 457 Capítulo 16 BEMESTAR ANIMAL46 Donald M Broom dmb16camacuk Centre for Animal Welfare and Anthrozoology Department of Veterinary Medicine University of Cambridge Madingley Road Cambridge CB3 0ES United Kingdom 46 Tradução Dr Rodrigo Egydio Barreto Depto Fisiologia Instituto de Biociências Botucatu SP Unesp 458 A HISTÓRIA DO CONCEITO DE BEMESTAR ANIMAL O bemestar animal é um termo que descreve uma qualidade potencialmente mensuráveis de um animal vivo em um determinado momento e portanto é um conceito científico Grande parte da discussão sobre bemestar animal recai no que os seres humanos fazem sobre isso ou deveriam fazer sobre Tal questão sobre o que as pessoas devem fazer é uma questão ética O estudo científico do bemestar animal deve ser separado da ética Os animais sempre tiveram bemestar mas o que os seres humanos sabem sobre isso modificase ao longo do tempo Ajudar os outros e não prejudicar os outros são estratégias eficazes especialmente para os animais que vivem em grandes grupos sociais longevos Assim sistemas morais evoluíram em seres humanos e outros animais tal como explicado em detalhes por de Waal 1996 Ridley 1996 e Broom 2003 As pessoas consideram que tem deveres para com os outros assim como todos os animais sociais em nós evoluíram tais características que nos tornam sensíveis aos outros nas nossas sociedades de uma maneira que promova preferências à obediência e às ações Essa posição deontológica surgiu em cada sociedade humana e os mecanismos envolvidos têm paralelos nas sociedades animais Outras características que evoluíram aumentam a habilidades para avaliar as consequências das ações e avaliar custos e benefícios ou seja algumas decisões utilitárias47 Em 1964 livro de Ruth Harrison Animal Machines foi publicado e salientou que os envolvidos na indústria de produção animal muitas vezes tratam os animais como máquinas inanimadas em vez de indivíduos vivos Como consequência desse livro em 1965 o governo britânico instituiu o Comitê Brambell e um dos seus membros foi WH Thorpe um etólogo da Universidade de Cambridge Thorpe enfatizou que o entendimento da biologia dos animais é importante e explicou o que os animais tem necessidades considerando uma base biológica incluindo algumas necessidades para mostrar determinados comportamentos e que os animais teriam problemas se tais necessidades fossem frustradas Thorpe 1965 Essa visão veio a ser escrita no relatório Brambell como as cinco liberdades O conceito de liberdade tem algumas dificuldades lógicas e científicas Broom 2003 A idéia das necessidades dos animais é o que é chave para a compreensão do bemestar animal A motivação dos animais em situações difíceis e as bases biológicas das necessidades foram explicadas por Duncan Gush 47 Utilitarian NT 459 Wood 1971 1972 Hughes Duncan 1988 e Toates Jensen 1991 Muitos etólogos que trabalharam com o tema motivação na década de 1980 e 1990 mudaram para estudos de etologia aplicada e em particular ao bemestar animal Broom no prelo Ao mesmo tempo o uso científico do termo estresse vinha sendo melhor estabelecido Seu uso por Selye 1956 foi claramente ambígua e até certo ponto errada em que o HPA e mecanismos fisiológicos SAM foram apresentados por Selye como algo geral a todas as situações quando na verdade elas não estavam presentes Mason 1968 Dantzer Mormède 1979 Erroneamente algumas pessoas utilizaram o termo estresse para indicar a atividade do eixo HPA enquanto outros o utilizaram para qualquer estimulação Broom sugeriu 1983 ver também Broom Johnson 1993 que deve ser limitada aos efeitos adversos ou potencialmente negativos com redução de fitness48 como critério Essa visão foi apoiada por alguns fisiologistas e pesquisadores de bemestar animal mas a maioria foi ignorada pelos pesquisadores da área médica A visão que os animais domésticos têm menor poder cerebral para comportamentos complexos em comparação aos seus ancestrais selvagens Hemmer 1983 foi subsequentemente considerada em grande parte incorreta Estudos experimentais sobre a aprendizagem têm demonstrado que os animais domésticos têm uma gama de habilidades sofisticadas Fraser Broom 2007 2010 Broom 2010 Por exemplo ovelhas e vacas reconhecem muitos indivíduos e as ovelhas têm unidades em seus cérebros que tornam isso possível Kendrick Baldwin de 1987 Kendrick et al 1995 2001 bovinos juvenis podem mostrar uma resposta de excitação quando aprendem alguma coisa Hagen Broom 2004 e os porcos podem usar informação de espelhos depois de algumas horas de experiência com um Broom et al 2009 A principal forma em que os animais domésticos foram alterados por seleção humana é que ao contrário de seus ancestrais eles podem ter alguma tolerância de proximidade humana e uma capacidade de se reproduzir em situações restritas subótimas Price 2002 Até recentemente grande parte da discussão sobre o uso de animais foi centrada sobre se eles devem ou não ser mortos Filósofos e o público ficaram principalmente receosos em relação à ética de matar animais para alimentação humana roupas humanas investigação científica ou como animais de estimação não desejados Regan 1990 Fraser 2008 Esta é uma questão ética importante mas não é uma questão de bemestar animal A questão do bemestar animal é o que acontece antes da morte incluindo a 48 Fitness foi usado pelo autor e aqui não foi traduzido Por essa razão aparece em itálico NT 460 forma como são tratados durante a última parte de suas vidas muitas vezes o período préabate e então o método pelo qual eles seriam mortos Animais e seus sistemas de resposta estão sujeitos aos desafios de seu ambiente Esses desafios incluem patógenos danos aos tecidos ataque ou ameaça de ataque por um predador ou de animal da mesma espécie e outras competições sociais a complexidade do processamento da informação em uma situação onde um indivíduo recebe estimulação excessiva a falta de estímuloschaves como uma teta para um jovem mamífero ou aquelas associadas com o convívio social por um animal social e uma falta total de estímulo Em geral a incapacidade de controlar suas interações com o meio ambiente causa problemas para os seres humanos e outros animais Depois de alguns pontos de vista geralmente aceitos sobre o funcionamento dos animais e também os escritos de Lorca Hughes 1982 propôs que o termo bemestar animal significava que o animal estava em harmonia com a natureza ou com seu ambiente Esta é uma constatação de interesse biológico e um precursor de pontos de vista mais atuais mas não é uma definição útil Estar em harmonia é um estado único de modo que não permitem uma avaliação científica A questão fundamental é o quanto o indivíduo está em harmonia Broom 1986 apresentou a sua definição de bemestar O bemestar de um indivíduo é seu estado no que se diz respeito às suas tentativas de lidar coping com seu ambiente Em uma série de publicações Broom 1988 1991ab Broom Johnson 1993 Broom Molento 2004 vários pontos relativos a esta definição incluindo os que estão abaixo foram enfatizadas Coping49 significa ter controle da estabilidade mental e corporal Broom Johnson 1993 Bemestar pode ser medido cientificamente Duncan 1993 Fraser 2008 e varia em um intervalo de muito bom a muito ruim Bem estar será pobre se houver dificuldade em lidar ou o fracasso em lidar Existem várias estratégias de enfrentamento com os componentes comportamentais fisiológicos imunológicos e outros que são coordenados a partir do cérebro Sentimentos tais como dor medo e as várias formas de prazer podem ser parte de uma estratégia de enfrentamento e os sentimentos são uma parte fundamental do bemestar Cabanac 1979 Broom 1991b 1998 Fraser Broom 2007 2010 Broom 2008 e Panksepp 1998 O sistema pode funcionar com sucesso de modo que o enfrentamento50 é alcançado ou pode ser mal sucedido condição em que o indivíduo é prejudicado Uma ou mais estratégias de enfrentamento podem ser utilizadas para tentar lidar com um 49 Itálico incluído pelo tradutor Traduzido por enfrentamento N T 50 Coping N T 461 desafio particular de modo que uma ampla gama de medidas de bemestar pode ser necessária para avaliar o bemestar Lidar com a uma patologia é necessário se o bem estar deve ser bom então a saúde é uma parte importante do bemestar Embora os cientistas do bemestar animal concordem que o bemestar animal é mensurável a definição de Broom tem sido referido por alguns como uma definição funcional que contrasta com as definições ligadas a sentimentos51 Duncan Petherick 1991 Duncan 1993 A posição mais comum foi a de Dawkins 1980 1990 que afirma que os sentimentos do indivíduo são a questão central do bemestar mas outros aspectos como a saúde desse indivíduo também são importantes Ao mesmo tempo aqueles com formação médica ou veterinária por vezes apresentam a visão de que a saúde é tudo ou quase tudo no caso do bemestar Bom bemestar está geralmente associado a sentimentos de prazer ou contentamento Cabanac 1992 Keeling Jensen 2002 A sensação é construída pelo cérebro envolvendo pelo menos a consciência perceptiva a qual está associada a um sistema de regulação da vida que é reconhecido pelo indivíduo quando esta se repete e pode mudar o comportamento ou o modo de agir como um reforço na aprendizagem Broom 1998 O sofrimento ocorre quando um ou mais sentimentos negativos continuem por mais de alguns segundos Broom 1998 Há problemas com uma definição de bemestar que se refere apenas aos sentimentos Por exemplo não é apropriado dizer que o bem estar é bom uma pessoa com uma perna quebrada dorme um viciado que acaba de tomar heroína um indivíduo gravemente afetado por uma doença mas que desconhece que a possui ou uma pessoa ferida cujo sistema de dor não funciona Broom 1991b 1998 O artigo sobre a avaliação da dor e angústia em animais de laboratório publicado por Morton e Griffiths 1985 teve influência significativa mas a maioria dos cientistas neste momento não considera o bemestar animal como uma disciplina científica que deve ser ensinado aos estudantes de veterinária e outros estudantes O comportamento animal e a função cerebral foram pensados para ser de menor importância para o trabalho veterinário Esses pontos de vista tem paralelos estreitos com a profissão médica em que aqueles que estudaram os problemas comportamentais e mentais são muitas vezes considerados periféricos em relação às grandes tarefas da medicina humana A maioria das pessoas nas profissões veterinárias médicas e científicas não 51 Feelingrelated definitions N T 462 estavam dispostos a se referir aos sentimentos dos animais Panksepp 2005 A maior parte do desenvolvimento da ciência do bemestar dos animais ocorreu após 1990 OUTROS CONCEITOS DE BEMESTAR ANIMAL O quão bem poderia os nossos animais domésticos se adaptar às condições que impomos a eles Podem os animais selvagens se adaptar ao nosso impacto sobre eles Quando nos referimos a animais individuais a adaptação é o uso de sistemas de regulação com seus componentes fisiológicos e comportamentais que ajudam um indivíduo a lidar com as suas condições ambientais Broom 2006a Os animais podem se adaptar melhor se as suas necessidades forem atendidas Quais são os limites para a adaptação A idéia de que há limites tem sido amplamente aceitos na biologia Monte 1979 Moberg 1985 mas rejeitada por alguns dos envolvidos na produção animal Um indivíduo que tenta lidar com um ou mais desafios ambientais pode falhar em fazêlo Por exemplo pode ser difícil ou impossível para lidar com a temperatura externa extrema a multiplicação do patógeno ou elevado risco de predação ou difíceis condições sociais Os estados do corpo podem ser deslocados para fora da faixa tolerável e a morte pode acontecer Um indivíduo pode se adaptar a uma situação ambiental com dificuldade caso em que o bemestar é ruim Por exemplo se um indivíduo está se adaptando ou se adaptou mas sente dor ou depressão Lidar com os desafios normalmente significa que todos os sistemas corporais e mentais tem funcionado de modo que o impacto ambiental é nulo Portanto enfrentar52 é mais do que adaptar A adaptação não significa necessariamente bom bemestar Para a maioria das pessoas estresse são os efeitos de um desafio para o indivíduo que perturba a homeostase resultando em efeitos adversos Não é apenas um estímulo que ativa os mecanismos de controle de liberação de energia Estímulos cujos efeitos são benéficos não seriam estressores como chamado pela maioria das pessoas Além disso para a maioria das pessoas situações que ativam o eixo hipotálamo hipófise adrenal cortical mas cujos efeitos são úteis para o indivíduo não seriam chamados de estressores A definição de estresse que está em consonância com o uso público da palavra é O estresse é um efeito ambiental sobre um indivíduo que sobretaxa sistemas de controle e resulta em consequências negativas e eventualmente reduzida aptidão Broom Johnson 1993 Broom 1983 Não há estresse bom Durante o 52 to cope N T 463 desenvolvimento dos indivíduos os estímulos que resultam de situações difíceis tanto podem ser experiências úteis mas estes são melhores referidos como sendo não estressantes Sempre que houver estresse o bemestar será pobre mas pode ser temporariamente pobre sem qualquer efeito adverso de longa duração ou seja sem estresse Saúde referese ao que está acontecendo nos sistemas do corpo incluindo as do cérebro que luta contra patógenos danos no tecido ou distúrbios fisiológicos Saúde é o estado de um indivíduo no que diz respeito as suas tentativas de lidar com a patologia Broom 2000 2006b Com o desafio da doença bem como com outros desafios dificuldades ou adaptação inadequada resulta em pobre bemestar A relação entre a doença e o bemestar é resumida na figura 1 Saúde é uma parte importante do bem estar 464 Efeitos da doença levam a pobre bemestar Condições difíceis e consequente pobre bemestar leva a imunossupressão e aumento de doenças Global Pobre bemestar Doença Fig1 Relações entre bemestar e doença 465 A necessidade é uma exigência que faz parte da biologia básica de um animal para obter um determinado recurso ou responder a um estímulo ambiental específico ou corporal Broom Johnson 1993 A necessidade em si está no cérebro Ele permite o funcionamento eficaz do animal Pode ser cumprida pela fisiologia ou comportamento mas a necessidade não é fisiológica ou comportamental Há necessidades de recursos tais como comida água ou calor mas também há necessidade de se realizar ações cuja função é a de atingir um objetivo Hughes Duncan 1988 Toates Jensen 1991 Por exemplo um porco chafurdando no solo ou manipulando materiais como palha ou galhos ou uma galinha fazendo banho de terra para manter as penas em boas condições ou uma galinha ou uma porca construindo um ninho quando está prestes a dar à luz ou pondo um ovo A idéia de fornecer para as cinco liberdades sugerida pela primeira vez no Relatório Brambell em 1965 mas não muito em linha com o conceito de Thorpe das necessidades é agora substituído pelo conceito mais científico de necessidades A lista das liberdades apenas fornece uma orientação geral para nãoespecialistas Os animais têm muitas necessidades e estes têm sido investigados para muitas espécies Esse é o ponto de partida para avaliações do bemestar de uma espécie A lista de necessidades tem sido o ponto de partida para recomendações do Conselho da Europa e dos relatórios científicos da União Européia sobre bemestar animal há mais de 20 anos As liberdades não são precisas o suficiente para ser usado como base para uma avaliação do bemestar Atualmente essa é uma abordagem fora do prazo de validade que ainda pode até ser útil como uma orientação preliminar mas não deve ser usado se as provas científicas sobre as necessidades estão disponíveis Os 12 fatores apontados pelo programa de Qualidade do BemEstar é um guia melhor do que as cinco liberdades mas uma lista das necessidades dos animais em particular em análise com base em evidências científicas publicadas é mais útil Como devemos descrever o que deve ou não ser feito para outras pessoas A maioria das pessoas diria que todos nós temos obrigações de não prejudicar os outros De outra perspectiva podese dizer que cada outro indivíduo tem o direito de não ser prejudicado por nós No entanto as afirmações dos direitos e liberdades podem causar problemas Broom 2003 Devemos descrever as obrigações do ator em vez de os direitos do sujeito Se continuarmos ou não a interagir com os animais nós então temos obrigações em relação ao bemestar deles 466 BEMESTAR AVALIAÇÕES E DECISÕES Efeitos sobre o bemestar dos animais que podem ser descritos incluem os de doença ferimentos a fome a estimulação benéfica as interações sociais positivas ou negativas outras formas de sucesso em ações condições de moradia positivas ou negativas maustratos deliberados ou acidentais a manipulação humana positiva ou negativa transporte os procedimentos laboratoriais mutilações diversas tratamento veterinário positivo ou negativo alteração genética por melhoramento convencional ou outro Broom 2008 2010a Indicadores de bemestar são descritos por Broom Fraser 2007 2010 Existem diferenças entre os indicadores de bemestar para os problemas de curto prazo e longo prazo Medidas a curto prazo como frequência cardíaca e da concentração de cortisol plasmático são apropriadas para avaliar o bemestar durante o manuseio ou transporte mas não durante a habitação a longo prazo Algumas medidas de comportamento a função do sistema imunológico e do estado da doença são mais adequadas para os problemas de longo prazo Bemestar durante longos períodos é por vezes referido como qualidade de vida Este termo é muito utilizado pelos médicos mas isso significa bemestar ao longo de um período de mais de alguns dias Broom 2007b A avaliação do bemestar deve ser completamente separada de qualquer juízo ético mas uma vez que a avaliação é concluída as informações produzidas podem ser utilizadas para se tomar decisões sobre a ética de uma situação Se temos que avaliar a qualidade de vida devemos utilizar métodos quantitativos de avaliação do bemestar sempre que possível A avaliação do bemestar pelas pessoas pode variar consideravelmente a menos que métodos estabelecidos sejam usados Uma questão fundamental a ser abordada é o quão bom é o bemestar do ponto de vista do animal Os métodos gerais para avaliar o bemestar estão resumidos na Tabela 1 e uma lista de medidas de bemestar está apresentada na Tabela 2 A maioria dos indicadores contribuirá para identificar o estado do animal onde quer que seja na escala de muito bom a muito ruim Algumas medidas são mais relevantes para os problemas de curto prazo tais como aqueles associados à manipulação humana ou um breve período de condições físicas adversas enquanto outras são mais adequadas para problemas de longo prazo Essas medidas de bemestar não são medidas subjetivas e é possível avaliar a qualidade de vida pela utilização de tais medidas e não apenas por perguntar questões subjetivas Medidas subjetivas em seres humanos podem estar incorretas ou inconsistentemente corretas No entanto aqueles que utilizam a metodologia utilizada 467 na pesquisa médica no bemestarqualidade de vida e aqueles que avaliam o bemestar dos animais nãohumanos têm muito a aprender uns com os outros ver Lutgendorf de 2001 e outros capítulos nesse livro Para uma discussão detalhada das medidas de bem estar consulte Broom Johnson 2000 468 Tabela 1 Sumário de avaliações de bemestar Métodos gerais Avaliação Indicadores indiretos de bemestar pobre O quão pobre ele é Testes de a esquiva avoidance a Qual é a extensão que os animais tem que viver com a situação ou estímulo aversivo and b preferências positivas b Em que grau está disponível o que é fortemente preferido Medidas de capacidade de realizar Quanto é importante a não ocorrência do comportamento normal ou o comportamento normal e o desenvolvimento de outras funções biológicas anatômicas e fisiológicas Outros indicadores diretos de bem estar Quão bom ele é modificado de Broom 1999a Tabela 2 Medidas de bemestar Indicadores fisiológicos de prazer Indicadores comportamentais de prazer O grau cujos comportamentos altamente preferidos podem ser exibidos A variedade de comportamentos normais exibidos ou suprimidos O grau que o desenvolvimento de processos fisiológicos e anatômicos é possível O grau de aversão comportamental exibido 469 Tentativas fisiológicas de enfrentamento coping N T Imunossupressão Prevalência de doenças Tentativas comportamentais de enfrentamento coping N T Patologias comportamentais Alterações cerebrais Prevalência de danos corporais Capacidade reduzida de crescer e se reproduzir Expectativa de vida reduzida Broom 2000 470 Alguns sinais de pobre bemestar surgem a partir de medições fisiológicas Por exemplo aumento da frequência cardíaca atividade adrenal a atividade adrenal após desafio com ACTH ou a resposta imunológica reduzida na sequência de um desafio podem indicar que o bemestar é mais pobre do que em indivíduos que não apresentam tais mudanças Cuidados devem ser tomados na interpretação dos resultados tal como com muitas outras medidas descritas aqui A função do sistema imunológico prejudicado e algumas das alterações fisiológicas podem indicar o que tem sido chamado de um estado prépatológico Moberg 1985 Como consequência da elevada proporção de mecanismos de enfrentamento que envolvem o funcionamento dos centros superiores do cérebro alguma avaliação do bemestar deve envolver medidas da função cerebral Broom Zanella 2004 As medidas comportamentais também são de especial importância na avaliação do bem estar O fato de que um animal evitar um objeto ou evento fortemente dá informações sobre seus sentimentos e consequentemente sobre o seu bemestar Quanto mais forte evitar o pior o bemestar enquanto o objeto estiver presente ou o evento estiver ocorrendo Uma pessoa que é completamente incapaz de adotar uma postura preferencial ao deitar apesar das repetidas tentativas será avaliada como tendo um bem estar mais pobre do que uma que pode adotar a postura de preferência Outros comportamentos anormais tais como estereotipias automutilação caudofagia em suínos penas bicadas em galinhas ou comportamento excessivamente agressivo em cães indica que o bemestar do autor do ato é pobre Em algumas destas medidas fisiológicas e comportamentais é evidente que o indivíduo está tentando lidar com a adversidade e a extensão das tentativas de lidar pode ser medida Em outros casos no entanto algumas respostas são unicamente patológicas e o indivíduo falha a lidar Em qualquer caso a medida indica pobre bemestar As doenças os ferimentos os problemas de circulação e as anomalias de crescimento tudo indica pobre bemestar Se dois sistemas de alojamento são comparados em uma experiência cuidadosamente controlada e a incidência de alguma das situações acima é significativamente aumentada em um deles o bemestar dos animais é pior nesse sistema O bemestar de qualquer animal doente é pior que a de um animal que não está doente mas ainda há muito a ser descoberto sobre a magnitude dos efeitos da doença sobre o bemestar Pouco se sabe sobre quanto sofrimento está associado com doenças diferentes Um exemplo específico de um efeito das condições de habitação que levam a um pobre bemestar é a consequência da redução severa na frequência de execução de 471 exercícios para a resistência óssea Em estudos com galinhas Knowles Broom 1990 Norgaard Nielsen 1990 as aves que não podiam se exercitar suficientemente as suas asas e pernas porque eles foram alojados em baterias de gaiolas tinha ossos consideravelmente mais fracos do que as aves em poleiros onde havia espaço suficiente para o exercício Da mesma forma Marchant Broom 1996 encontraram que as porcas em baias tinham os ossos da perna apenas 65 mais forte que as porcas em sistemas de criação em grupo A fraqueza real dos ossos significa que os animais estão lidando de maneira pior com o seu ambiente de modo que o bemestar é mais pobre no confinamento Se tais ossos de um animal são quebrados haverá uma dor considerável e o bemestar vai ser pior A dor pode ser avaliada pela aversão medidas fisiológicas os efeitos de analgésicos por exemplo Duncan et al 1991 Stilwell et al 2009 ou pela existência de neuromas Gentle 1986 Seja qual for a medida os dados coletados em estudos de bemestar animal dá informações sobre a posição do animal em uma escala de bemestar de muito bom a muito ruim A maioria dos indicadores de bom bemestar que podemos usar são obtidos por estudos que demonstram preferência positivas pelos animais positivos Em testes operantes um custo é imposto ao acesso ao recurso exigindo que o sujeito realize uma tarefa O desempenho da tarefa exige tempo e esforço que poderia ter sido gasto fazendose outras coisas A tarefa também pode ser desagradável para o sujeito Em testes de escolha o custo é normalmente aplicado ao invés da consumação O animal deve dividir o tempo entre consumir os recursos Como é que vamos descobrir a partir dos animais o d que eles precisam O que é preferível Quão difícil será o trabalho individual por um recurso Um rato pode facilmente aprender a levantar uma porta pesada e o montante levantado dá uma indicação de sua força de preferência para o recurso Manser et al 1996 estudando as preferências de andares em ratos de laboratório descobriu que ratos levantariam uma pesada porta para chegar a um chão sólido em que podiam descansar ao invés de chegar a um piso de grade A terminologia utilizada na estimativa da força motivacional inclui o seguinte Kirkden et al 2003 Um recurso é uma mercadoria ou uma oportunidade de realizar uma atividade A demanda é uma quantidade medida de ação que permite que recursos sejam obtidos O preço é o montante dessas ações que são necessárias para uma unidade de recurso A renda é a quantidade de tempo ou outra variável que limita a ação A elasticidade do preço da demanda é a taxa proporcional em que em que o consumo ou demanda mudam como preço O excedente do consumidor é uma medida 472 da maior quantia que um sujeito está disposto a gastar em uma determinada quantidade do recurso Ela corresponde a uma área sob uma curva de demanda inversa Onde a demanda de um recurso é medido em uma escala de preços a importância do recurso é indicado mais pelo excedente do consumidor do que pela elasticidadepreço da demanda Kirkden et al 2003 Um exemplo da utilização desta metodologia é o trabalho de Mason et al 2001 A questãochave foi determinar a força da preferência de vison uma espécie parcialmente aquática para vários recursos incluindo a água em que se podia nadar Os visons foram treinados para executar atividades operantes para chegar em um ninho extra a vários objetos a uma plataforma elevada a um túnel a uma gaiola vazia e a uma piscina de água para nadar dentro A natação foi dada alta prioridade pelo vison O terceiro método geral de avaliação do bemestar listadas na Tabela 2 envolve medir o comportamento e outras funções que não podem ser efetuados em determinadas condições de vida As galinhas batem as asas em intervalos mas não conseguem em uma bateria de gaiolas enquanto que vitelos e alguns animais de laboratório enjaulados se esforçam para limparse bem mas não podem em uma pequena jaula grade ou aparelho de contenção Em toda a avaliação do bemestar é necessário ter em conta a variação individual na tentativa de lidar com a adversidade e os efeitos que a adversidade tem sobre o animal Quando os porcos foram confinados em baias ou amarras por algum tempo um boa parte apresenta níveis elevados de estereotipias enquanto outros indivíduos são muito inativos e não reativos Broom 1987 Broom Johnson 1993 Pode haver também uma mudança com o tempo de permanência na condição na quantidade e no tipo de comportamento anormal mostrado Cronin Wiepkema 1984 Em ratos camundongos e musaranhos sabese que diferentes respostas fisiológicas e comportamentais são mostradas por um indivíduo confinado com um agressor e essas respostas de enfrentamento foram classificadas como ativas e passivas von Holst 1986 Koolhaas et al 1983 Benus 1988 Os animais ativos lutam vigorosamente enquanto os animais passivos se submetem Um estudo sobre as estratégias adotadas pelas fêmeas em uma situação social competitiva mostrou que algumas fêmeas foram agressivas e bem sucedidas uma segunda categoria de animais se defendeu vigorosamente se foi atacado enquanto uma terceira categoria de porcas evitou confronto social se possível Estas categorias de animais diferiam em suas respostas adrenais e no sucesso reprodutivo Mendl et al 1992 Como resultado das diferenças na extensão das 473 diferentes respostas fisiológicas e comportamentais para os problemas é necessário que qualquer avaliação do bemestar deva incluir uma vasta gama de medidas Nosso conhecimento de como combinar as várias medições para indicar a gravidade do problema também deve ser melhorado Também é importante compreender que as estratégias utilizadas pelos animais em diferentes situações de enfrentamento podem ser diferentes daqueles usados por seres humanos Um exemplo é a resposta à dor severa em ovinos e algumas outras espécies de presas nas quais não é adaptativo mostrar respostas comportamentais óbvias Broom Johnson 2000 Para qualquer escala de tempo medidas de intensidades de efeitos sobre o bemestar tem que estar relacionada com a duração do estado Quando o bemestar é avaliado a relação entre a sua intensidade a palavra severidade é usada às vezes quando o efeito é negativo e a duração deve ser levada em conta Fig 2 foi inicialmente desenhada para exemplificar o pobre bemestar durante o abate Broom 2001b mas o princípio é o mesmo para os efeitos positivos 474 Fig2 A medida de intensidade de bemestar pobre ou bom está disposto contra o tempo em dois exemplos a poderia ser um animal sendo abatido por meio de um método que envolve dor prolongada e outros bemestar pobres b poderia ser um animal abatido por um método que tem um efeito mais rápido Modificado de Broom 2001b Alta Intensidade do Efeito Baixa Tempo Alta Intensidade do Efeito Baixa Tempo a b 475 Onde há um impacto negativo na fig 2 a área sob a curva de intensidade contra o tempo é a magnitude do pobre bemestar Quando o impacto é positivo a magnitude do bom bemestar é a área sob a curva NATURALIDADE E BEMESTAR Onde naturalidade se encaixa com o conceito de bemestar Fraser 1999 assinalou que quando membros do publico falam sobre bemestar animal suas idéias incluem o funcionamento dos animais os sentimentos dos animais e a naturalidade do ambiente Os sentimentos referido por Fraser e outros se encaixam confortavelmente na definição de Broom de bemestar visto que são componentes importantes de mecanismos de enfrentamento53 e de funcionamento biológico Rollin 1990 1995 Fraser et al 1997 e Fraser 2008 têm defendido que os animais devem ser capazes de levar uma vida razoavelmente natural e se referem a importância da compreensão das necessidades dos animais No entanto eles não dizem no que a naturalidade contribui para uma definição do conceito de bemestar ou deveria ser parte da avaliação do bemestar O estado de um indivíduo tentando lidar com seu meio ambiente será necessariamente depende do seu funcionamento biológico ou dito de outra forma de sua natureza As condições naturais afetaram as necessidades dos animais e a evolução de mecanismos de enfrentamento na espécie O estado de um indivíduo tentando lidar com seu ambiente dependerá do seu funcionamento biológico As condições naturais afetaram as necessidades dos animais e a evolução de mecanismos de enfrentamento na espécie O ambiente fornecido deverá satisfazer as necessidades do animal mas não tem que ser o mesmo que o ambiente na natureza BEMESTAR LEIS E SENCIÊNCIA Nos últimos anos a pressão pública em relação aos códigos de conduta leis e aplicação da legislação têm aumentado em todos os países sobre saúde humana bemestar animal e o impacto sobre o meio ambiente Na Europa uma das grandes pressões de leis etc nessas áreas tem sido a visão de que é não civilizado permitir que as pessoas adoeçam os animais sejam maltratados ou o ambiente danificado Um sistema ou procedimento é sustentável se for aceitável agora e se os seus efeitos serão aceitáveis no futuro principalmente no que se diz respeito à disponibilidade de recursos as consequências do 53 Coping N T 476 funcionamento e da moralidade da ação Bemestar animal é um dos critérios utilizados pelo público para decidir se um procedimento ou sistema é aceitável por isso é uma consideração necessária para a sustentabilidade Broom 2001a 2002 2010a Para os consumidores e produtores de produtos de origem animal o conceito de qualidade tem aumentado Boa qualidade agora significa bom gosto e também algo sustentável especialmente aceitável em relação à saúde humana bemestar animal e impacto ambiental O termo bemestar embora não aplicável a objetos inanimados ou plantas é relevante para todos os animais porque eles têm uma capacidade de detectar e responder rapidamente aos impactos sobre os ambientes geralmente através do funcionamento do seu sistema nervoso Embora muitas respostas de animais mais complexos são controladas por processos sofisticados em seus cérebros os de animais mais simples também fazem parte das tentativas de lidar com o ambiente Podemos avaliar e considerar o bemestar de qualquer animal Uma questão separada é sobre quais os animais que devem ser protegidos e até que ponto eles devem ser protegidos Para a maioria das pessoas animais com consciência são considerados dignos de maior proteção Um ser senciente é aquele que tem alguma habilidade de avaliar as ações dos outros em relação a si próprio e de terceiros lembrar algumas de suas próprias ações e suas consequências avaliar o risco ter alguns sentimentos e ter algum grau de consciência Broom 2006c 2007a As pessoas contemplam a muito tempo a senciência dos diversos animais domésticos e outros e muitas vezes pensam neles como um exemplo a seguir ou um amigo que iria ajudar e não apenas como um recurso objeto No entanto um coelho é visto de forma diferente conforme é considerado um animal de estimação da família animais de laboratório animais criados para a produção de carne ou um animal selvagem que se alimenta de suas colheitas Isso não é cientificamente sólido Um coelho é um coelho e cada um sente dor ou tem função cognitiva Um desenvolvimento em relação aos conceitos de bemestar e aplicações é a medida do bemestar em fazendas ou outros lugares onde os animais são utilizados Indicadores de resultados de bemestar que podem ser utilizados pelos fiscais veterinários agricultores e outros já foram discutidos com considerável precisão Welfare Quality 2009 abc É provável que os progressos sejam feitos com as medidas de dor e outros aspectos do bemestar ao serem utilizados por cientistas do bemestar animal As avaliações estão sendo feitos agora se considerando o risco de pobre bemestar e da probabilidade de benefícios ao bemestar Smulders Argel 2009 477 REFERÊNCIAS Benus I 1988 Aggression and Coping Differences in Behavioural Strategies between Aggresive and Nonaggressive Male mice Tese de Doutoramento University of Groningen Broom DM 1981 Biology of Behaviour Cambridge Cambridge University Press Broom DM 1983 The stress concept and ways of assessing the effects of stress in farm animals Applied Animal Ethology 11 79 Broom DM 1986 Indicators of poor welfare British Veterinary Journal 142 524526 Broom D M 1987 Applications of 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ocorrido quando Konrad Lorenz Nikolaas Tinbergen e Karl Von Frisch foram laureados com o prêmio Nobel em 1976 hoje o reconhecimento da importância dessa área ultrapassa os limites dos modismos Ao lado do crescente interesse que os estudos sobre o comportamento animal vêm despertando na comunidade em parte por tratar de fenômenos facilmente observáveis no cotidiano das pessoas as aplicações práticas desses estudos estão cada vez mais reconhecidas Manejos de fauna cuidados em zoológicos biotérios e em criações zootécnicas estão hoje entre os principais direcionadores do estudo do comportamento animal Nesse ambiente a formação de cientistas e outros profissionais na área de comportamento animal se torna imperativa Sem essa perspectiva a continuidade e crescimento do processo formativo não ficam assegurados No entanto a forma de condução desse processo deve ser meticulosamente discutida Como em muitos outros temas educacionais a formação de um profissional numa determinada área envolve reflexões e posturas críticas para que a atividade não se perca no pragmatismo do como fazer mas adentre também nas temáticas sobre que tipo de profissional estamos formando e o que esse profissional deve aprender O ensino formal repercute há vários anos na temática precária de um orador e vários ouvintes levando com isso à criação de mentes pouco criativas e passivas frente às novas conquistas e questões Modell 1996 já lembrava que a busca por um ambiente de aprendizagem ativa em ciência não é uma problemática nova Isso reforça que o ensino tradicional não cumpre as exigências para a formação de mentes mais críticas e independentes como requerido na formação de cientistas Assim alternativas de ensino têm sido propostas Segundo Brown et al 1989 há um envolvimento cognitivo muito positivo quando os aprendizes estão engajados em questões e atividadesproblema que lhes sejam significativas É nesse contexto que a aprendizagem pode se tornar um processo no qual o aluno participa ativamente na aquisição do conhecimento Uma abordagem atualmente em moda é a aprendizagem baseada em problemas Problem Based learning PBL uma postura pela qual devemse apresentar questões aos alunos os quais elaboram hipóteses e as avaliam pela literatura seguindose daí um sistema de idas e vindas consultas a especialistas e discussões culminando com as 485 conclusões finais que sintetizam a resposta à questão Nessa metodologia mais que uma forma menos usual está embutido o conceito de uma aprendizagem ativa nos termos de Cross 1987 pela qual o aluno aprende que frente ao desconhecido deve criar idéias testálas e concluir ou seja aprende justamente a base do processo científico vide capítulo 2 Na busca para a formação de profissionais críticos a aprendizagem ativa é fundamental seja ela na forma em que for ministrada Mas uma coisa parece certa o envolvimento emocional dos alunos com o tema a ser aprendido é necessário Freitas 2004 Modell 2004 Uma vez que a curiosidade permeia o estudo do comportamento animal ela não seria apenas a base para a compreensão do comportamento mas também para o próprio desenvolvimento dos estudos nessa área A etologia é caracterizada por fenômenos observáveis Tinbergen 1963 vide capítulos 2 e 3 Desse modo nada mais lógico do que estudar o comportamento animal utilizando não apenas a abordagem teórica mas também a abordagem prática a fim de preparar o aluno de forma mais abrangente e mais consistente nessa área do conhecimento uma vez que ela oferece um aprendizado com o aluno imerso e interagindo diretamente com o objeto do estudo Um outro aspecto a se considerar na formação de um conhecedor do comportamento animal é ter em mente uma questão o que ensinar Antes de mais nada ele deve conhecer as leis que regem o comportamento tendo o animal apenas como uma matéria prima para essa compreensão É esse ensino mais geral que lhe permitirá elaborar conclusões estabelecer medidas práticas e ter as bases necessárias para tentar entender o comportamento de um animal em particular E isso deve ser vivenciado pelo aluno O entendimento das generalizações hipóteses teorias leis etc sobre o comportamento animal é um fascinante desafio à intelectualidade humana Não basta saber o que o animal faz mas qual a lei geral que melhor expressa esse fazer No capítulo 2 vimos que a ciência do comportamento busca exatamente esse tipo de compreensão Não basta saber que quando entramos no laboratório para alimentar os animais eles nos percebem e já emitem comportamentos que evidenciam a espera pelo alimento É necessário compreendermos os princípios biológicos desse fato o que nos leva à compreensão das leis do condicionamento por exemplo É este último conhecimento que nos permite avaliar entender e explicar comportamentos condicionados específicos em situações diversas Do contrário estaríamos tentando 486 memorizar vários padrões comportamentais sem entender seus elementos causais causas últimas e próximas vide capítulo 1 e significados biológicos Em disciplinas com vasto conteúdo de conhecimento específico como fisiologia e morfologia é importante enfatizar ao aluno os conceitos fundamentais ODrobinaki Woods 2002 O mesmo parece válido para o estudo do comportamento animal onde há uma variedade de padrões motores do comportamento e é fundamental discernir entre esses padrões e as leis gerais subjacentes Nesse sentido as aulas que apresentamos neste capítulo visam propiciar que os alunos descubram e entendam algumas leis do comportamento ou generalizações para seu estudo numa perspectiva de aprendizagem ativa Evidentemente muitas aulas poderiam ser acrescentadas mas não é o número delas que fará diferença Elas apenas exemplificam as posturas mais gerais que queremos enfatizar para a formação de profissionais adequados para o nosso país É nosso interesse imediato possibilitar que essas aulas apresentadas sirvam de estímulo para que outras possam ser pensadas dentro das posturas educacionais acima apresentadas RELAÇÃO DE PRÁTICAS PRÁTICA 1 CONSTRUÇÃO DE ETOGRAMA Introdução O etograma é um catálogo de categorias que compõem o repertório comportamental de um animal espécie grupo sexo etc Consiste na identificação das categorias comportamentais e na sua descrição detalhada precisa e objetiva Envolve também a classificação dessas categorias em ordens mais ou menos gerais Pode incluir a quantificação freqüência ou duração de cada categoria É uma ferramenta importantíssima para o estudo do comportamento pois essas categorias podem ser comparadas e mesmo quantificadas avaliandose esse perfil dos animais em diferentes condições vide capítulo 3 Por exemplo podemos fazer um etograma do comportamento agressivo de uma espécie incluindo aí 7 tipos de confrontos Numa situação experimental podemos avaliar os efeitos que algumas variáveis têm sobre esse etograma como efeitos do sexo dos animais idade densidade populacional contaminação por poluentes etc Da mesma forma que comparamos essas categorias podemos quantificar a freqüência com que cada uma aparece e então 487 avaliar fatores que podem afetar essas freqüências por exemplo aumentar um tipo e diminuir outro etc Objetivo O objetivo desta prática é treinar o aluno na identificação e definição dos comportamentos que compõem o repertório comportamental de uma espécie animal e em seguida classificálos como categorias comportamentais Material Tendo em vista a espécie animal que o professor utiliza nos seus estudos ou acessível em campo ou em cativeiro escolha um grupoagrupamento que possa ser facilmente observado Caso os animais fiquem expostos no ambiente em que vivem criar um anteparo para evitar que a presença dos observadores interfira na expressão natural do comportamento dos animais É interessante atentarmos para a expressão comportamental da espécie escolhida que deve ser bastante evidente para permitir o melhor desenvolvimento da atividade prática Será necessário ainda caneta cronômetro e um bloco de papel para fazer as anotações e esboçar uma planilha onde deverão ser registrados os comportamentos e a seqüência das atividades Cuidados Ao descrever as categorias de um etograma a linguagem deve ser essencialmente objetiva Ou seja não se deve usar expressões que requeiram interpretação subjetiva que necessitam de um referencial que não é fornecido Por exemplo evite palavras como vagarosamente bastante grande próximo distante etc Palavras como essas e similares podem ser entendidas de forma diferente daquela que o descritor pretendia O que pode ser próximo para um observador pode não ser para outro Nesse caso é preferível dizer por exemplo que os animais estavam próximos até uma medida de comprimento corporal um do outro Aqui fica claro o que se quer dizer por próximo Outro problema de objetividade é distinguir claramente o que foi observado e o que é interpretação sobre o observado Devese relatar apenas o que foi observado Por exemplo descreva que o cão abana a cauda mas não antropomorfise esse padrão evite 488 dizer que está feliz ou ansioso Durante as observações devese evitar ao máximo a interferência do observador As descrições devem ser repetidas em mais animais caracterizando uma amostra válida para o nível que se quer inferir espécie grupo gênero status etc vide capítulo 2 Analisar repetidas vezes um mesmo animal não garante esse tipo de réplicas Procedimento Observe o grupoagrupamento durante um intervalo de tempo préestabelecido Em seguida escolha um indivíduo e observeo durante 10 min tentando identificar os comportamentos do mesmo Uma vez identificados os comportamentos tente definilos Ao concluir esta etapa observe então o indivíduo por mais 10 min registrando as suas atividades ao longo desse período Se no grupoagrupamento há indivíduos de ambos os sexos ou de diferentes faixas etárias repita a etapa anterior para cada sexo e faixa etária Sugestões de discussão Após a prática esperase que o aluno consiga demonstrar a importância da identificação e da definição das categorias que compõem o repertório comportamental de uma espécie animal contextualizandoa no desenvolvimento de um projeto de pesquisa A partir de então será possível questionar Por que é necessário conhecer o repertório de uma espécie animal antes de se iniciar um projeto de pesquisa com a mesma Como definir o repertório comportamental de uma espécie animal Existem diferenças comportamentais entre gêneros e entre faixas etárias Sugestões de leitura textos 1 2 6 10 12 13 e 15 ver relação ao final PRÁTICA 2 TÉCNICAS DE OBSERVAÇÃO Introdução Para estudar o comportamento de uma espécie animal o primeiro passo é conhecer efetivamente o seu repertório comportamental etograma O passo seguinte é definir como vão ser registradas as atividades que compõem esse repertório As técnicas de registro permitem a coleta de dados para se obter informações representativas da espécie ou da população estudada 489 Um grande avanço na forma de registro dos dados se deu a partir da publicação de Jeanne Altmann em 1974 com a sistematização das técnicas de registro para o estudo do homem e de outras espécies de animais Além da descrição detalhada de diversas técnicas essa autora aponta as vantagens e desvantagens de cada uma delas bem como erros metodológicos na área tais como o registro de atividades comportamentais mais visíveis em detrimento de outras realizadas de forma discreta Porém um dos fatores de erro mais comum é a confusão entre duas classes de comportamentos os estados e os eventos vide também o capítulo 2 A diferenciação errada entre essas duas classes interfere diretamente sobre a forma de registro comportamental e conseqüentemente sobre a análise de resultados obtidos e a sua interpretação A caracterização de um comportamento em estado ou evento depende de dois fatores o primeiro é a sua duração real com comportamentos de duração muito curta sendo freqüentemente classificados como eventos O segundo fator é a decisão arbitrária do observador que registrará os comportamentos como evento ou estado No entanto o observador deverá ter claro que ele pode registrar estados como eventos sem que isso venha a ser considerado um erro metodológico Objetivo O objetivo desta prática é treinar o aluno nos diferentes tipos de técnicas de registro utilizadas no estudo do comportamento tendo como base a sua expressão como evento ou como estado comportamental Cuidados Um dos primeiros cuidados que se deve ter é o de descrever as categorias comportamentais a serem registradas de forma clara somente a partir de uma definição precisa do que será observado será possível aplicar as técnicas de forma adequada Além disso é importante caracterizar se o comportamento é um evento ou um estado uma vez que isso será importante para a escolha da técnica de registro comportamental mais adequada Procedimento Baseado nos conhecimentos previamente adquiridos sobre as técnicas empregadas na observação comportamental vide as técnicas de registro descritas no capítulo 3 os seguintes passos deverão ser seguidos para a realização da atividade prática 490 Definir a espécie o número de indivíduos e a duração dos períodos de observação Observar os indivíduos utilizando a técnica de ad libitum A partir dessa observação escolher um conjunto de categorias comportamentais realizadas pelos indivíduos observados e definilas por escrito Após a escolha e definição das categorias comportamentais voltar a observar os mesmos indivíduos utilizando a técnica de focal contínuo Totalizar a freqüência e duração das categorias ao final do período de observação Depois de concluída essa fase observar os mesmos indivíduos utilizando a técnica de focal instantâneo focal time sampling com registro em intervalos préestabelecidos Concluída a observação totalizar a freqüência dos comportamentos e calcular uma estimativa para a duração dos mesmos Repetir a observação com registro em intervalos préestabelecidos utilizando a técnica de varredura scan sampling Totalizar a freqüência dos comportamentos e calcular uma estimativa para a duração dos mesmos Após esta última fase escolher um comportamento e observar os indivíduos empregando a técnica do umzero onezero com registro em intervalos pré estabelecidos Concluída a observação totalizar a freqüência do comportamento Sugestões de discussão Após a conclusão de todas as fases compare cada técnica de observação apontando Vantagens e desvantagens Quais técnicas são mais apropriadas para a espécie Quais técnicas são mais apropriadas para estudo no campo e em situação de cativeirolaboratório Quais técnicas são mais apropriadas para estudo de indivíduo ou de grupo Sugestões de leitura textos 1 2 6 10 12 13 e 15 ver relação abaixo 491 PRÁTICA 3 COMUNICAÇÃO REGISTRO DE SINAIS DE COMUNICAÇÃO Introdução A comunicação animal implica na transferência de informação entre indivíduos sendo portanto a base para os diferentes tipos de interação que permeiam a organização social de uma espécie No capítulo 7 está discutido amplamente os vários aspectos da comunicação Aqui nos preocuparemos apenas com a questão do registro de alguns dos tipos explicitados nesse capítulo Como componentes básicos deste processo podemos destacar o indivíduo que emite um sinal o emissor o sinal de comunicação a informação e o indivíduo que recebe a informação o receptor Entre os tipos de comunicação podemos destacar a comunicação visual química acústica elétrica e tátil Os canais de comunicação apresentados por uma espécie animal foram moldados ao longo da sua história evolutiva de modo que as características da transferência de informação intraespecífica são espécieespecíficas Objetivo O objetivo desta atividade prática é identificar os tipos de comunicação utilizados por uma espécie animal atentando para os contextos em que são registrados os diferentes sinais de comunicação Cuidados Evitar que a presença do observador represente um fator de interferência na interação entre os animais estudados Além disso descrever os sinais numa linguagem essencialmente objetiva evitando o caráter interpretativo Por último atentar para as diferenças de canais sensoriais que existe entre a nossa espécie e as demais que pode limitar a identificação de alguns sinais apresentados pela espécie escolhida Procedimento O procedimento proposto a seguir pode ser adequado para várias espécies atendendo às especificidades de cada uma Durante um intervalo de tempo pré estabelecido observe um grupo de indivíduos da espécie escolhida para tentar identificar comportamentos que possam ser indicativos de passagem de informação 492 entre eles tais como movimentos de partes ou de todo o corpo exibição de alguma estrutura anatômica emissão de sons marcações químicas etc A seguir selecione os indivíduos machos e fêmeas e observeos nos seguintes contextos a Introdução de um macho estranho em gaiola ou arena onde se encontra um casal de adultos por um intervalo de tempo préestabelecido Retirar o intruso e deixar o casal só por igual período b Introdução de uma fêmea estranha em gaiola ou arena onde se encontra um casal de adultos por um intervalo de tempo préestabelecido Retirar o intruso e deixar o casal só por igual período c Introdução de animal estranho do mesmo sexo e a seguir do sexo oposto em gaiola onde se encontra um macho adulto solitário por um intervalo de tempo pré estabelecido d Introdução de um animal estranho do mesmo sexo e a seguir do sexo oposto em gaiola onde se encontra uma fêmea adulta solitária por um intervalo de tempo pré estabelecido Imediatamente após a introdução doa intrusoa observar a reação de cada um dos componentes do par ou do indivíduo solitário e do animal intruso de modo a identificar os comportamentos que possam ser caracterizados como sinal acústico sinal químico sinal visual ou tátil conforme definidos anteriormente e outros que você identifique como tal Registrar a freqüência de todos os comportamentos Como segunda etapa observar durante um intervalo de tempo préestabelecido um grupo com indivíduos jovens ainda em fase de dependência na presença de um intruso ou na presença de um potencial predador Registrar a freqüência de todos os comportamentos Identificar os indivíduos envolvidos nas interações e o contexto das mesmas Numa terceira etapa observar um grupo de adultos e jovens no momento de introdução do alimento Registrar a freqüência de todos os comportamentos caracterizados acima como sinais de comunicação Sugestões de discussão o Os tipos de comunicação identificados na espécie e a relação com o contexto e com o seu ambiente natural 493 o Comparação com a expressão dos sinais de comunicação em outras espécies animais o A consistência do sinal como forma de transferência de informação a não variabilidade na sua expressão quando da sua repetição Sugestões de leitura textos 1 4 5 6 7 9 12 14 16 18 ver relação abaixo PRÁTICA 4 COMUNICAÇÃO QUÍMICA OLFAÇÃO Introdução Nos mamíferos a quimiorrecepção tem papel importante em diversas atividades como a alimentação e a reprodução Na atividade alimentar a olfação intervém na detecção de fontes alimentares e na gustação Da mesma forma durante a atividade sexual grande parte dos mamíferos utiliza a olfação na procura de parceiros sexuais e na detecção da fase do ciclo reprodutivo com implicações importantes na fisiologia e no comportamento Para a emissão de sinais de comunicação por via olfativa os mamíferos utilizam algumas secreções glândulas da região facial torácica e anogenital ou excreções urina fezes saliva Para a recepção dos sinais químicos utilizam em geral dois sistemas o sistema olfativo principal e o sistema olfativo acessório Diferentemente da maioria dos mamíferos os primatas homem incluído são animais que utilizam predominantemente a visão para obter informações necessárias para a sua sobrevivência No entanto o sistema de comunicação química tem relativa importância mesmo para os primatas diurnos como o homem Objetivo Demonstrar no homem uma das espécies que mais utiliza a visão na Ordem Primates a utilização do sistema olfativo através da discriminação de odores de congêneres de sexos diferentes Material 03 Camisetas brancas sem uso anterior 494 Cuidados Evitar a interferência de odores artificiais no momento da realização da coletas de dados Procedimento Duas das camisetas deverão ser usadas respectivamente por um homem e por uma mulher durante 24 horas ininterruptas Após iniciar o uso da camiseta os usuários não poderão utilizar desodorante perfume ou qualquer outro tipo de substância visando modificar o odor corporal Recomendase escolher pessoas jovens e com relação à mulher especificamente que não faça uso de anticoncepcionais e não esteja grávida Após 24 horas de uso recolha as camisetas dobreas e coloqueas em caixas ou sacos plásticos separados com uma abertura suficiente para que o odor possa ser percebido Os alunos não devem saber qual camiseta foi usada e por qual sexo Coloqueas lado a lado juntamente com a terceira camiseta não utilizada sobre uma mesa Solicite a alunos do sexo masculino e do sexo feminino em igual número que identifiquem a partir da percepção de odor quais camisetas foram usadas e o sexo dos usuários das camisetas Durante a identificação olfativa o voluntário deverá cheirar a camiseta a uma distância mínima de 15 cm e durante um período de no máximo 10 segundos Entre a identificação das camisetas mantenha um intervalo de 10 a 15 segundos Registre as indicações dos alunos e calcule o percentual de acertos para cada condição Sugestões de discussão Discutir os resultados enfatizando o papel da olfação na atividade reprodutiva animal e humana e a sua relação com feromônios Avaliar o papel da olfação tendo como base os aspectos evolutivos e filogenéticos que a caracterizam Sugestões de leitura textos 1 4 5 6 7 9 12 14 16 18 ver relação abaixo 495 PRÁTICA 5 LUTA RITUALIZADA Introdução Entre as diferentes formas de comunicação animal estão as exibições de partes do corpo do indivíduo movimentos e vocalizações Um aspecto importante na transmissão desses sinais é a ritualização na sua expressão caracterizada por um padrão estereotipado de exibição A estereotipia facilita a identificação do sinal que se mostra repetitivo na sua expressão e exagerado em forma Em alguns contextos de interação entre membros de uma espécie podemos ilustrar de forma bastante evidente a ritualização dos sinais de comunicação entre eles o de competição entre indivíduos na obtenção de recursos alimentares na defesa de território ou de parceiros de acasalamento A competição entre indivíduos é expressa através de comportamentos indicativos de ameaça e de submissão que abrange um conjunto de sinais indicativos do estado motivacional de cada indivíduo envolvido Assim a disputa pode se desenvolver em passos ritualizados que indicam o nível de agonismo de cada participante de modo que a condição extrema seria caracterizada pelo ataque propriamente dito Objetivo Esta prática consiste na observação de luta ritualizada utilizando exemplares do peixe beta Beta splendens machos com o objetivo de demonstrar a variedade de comportamentos que se manifestam de modo estereotipado em função do contexto Material Um par de aquários 25x20x15 cm para cada grupo de alunos 01 adulto macho por aquário Espelhos Objetos coloridos e brancos de preferência peixes artificiais apresentando tamanho equivalente ao do sujeito experimental Cuidados Evitar objetos coloridos nas proximidades do aquário que possam servir de estímulos visuais para os animais e atentar para a duração de cada janela de observação 496 para evitar a exposição acentuada dos animais experimentais aos estímulos apresentados Procedimento A prática é subdividida em etapas com intervalos de tempo préestabelecidos FASE I Observação livre Ad libitum Nesta fase o peixe beta deverá ser observado numa situação neutra O observador deverá dirigir atenção para a movimentação coloração e volume corporal do animal Em seguida deverá categorizar os comportamentos que serão observados nas fases seguintes e a definição da técnica de registro FASE II O animal diante do espelho Deverá ser colocado um espelho diante do aquário de modo que a imagem do peixe seja refletida para o seu interior Com base na definição prévia dos comportamentos e da técnica de registro deverão ser anotadas possíveis alterações no padrão comportamental do animal focal FASE III Comparação de situações competitivas Esta fase será subdividida nas seguintes etapas a Observação do beta sozinho b Observação do beta diante de outro indivíduo Nesta etapa os aquários devem ser alinhados na face de maior comprimento c Observação do beta após o encontro com o outro indivíduo d Observação do beta diante do estímulo artificial colorido e Observação do beta após a apresentação do estimulo artificial colorido f Observação do beta diante do estimulo artificial de cor branca g Observação do beta após a apresentação do estímulo artificial de cor branca Sugestões de discussão Discutir a função da ritualização 497 Comparar as respostas do animal diante do espelho do congênere e de modelos artificiais Comparar as respostas em função das cores dos objetos artificiais Sugestões de leitura textos 1 6 7 11 12 14 16 18 ver relação abaixo PRÁTICA 6 FORRAGEAMENTO CUSTOS E BENEFÍCIOS Introdução A busca do alimento é crítica para a sobrevivência do animal Encontrar o alimento e ingerilo caracterizam o forrageio atividade quer requer um investimento do indivíduo para a sua obtenção Assim o animal deverá avaliar tendo como base a relação custos versus benefícios o quanto ele deverá investir na atividade para otimizála de modo a maximizar os seus benefícios Os animais utilizam diferentes estratégias para otimizar o forrageio cuja avaliação por parte do indivíduo pode resultar em decisão entre a menor ou maior exploração do ambiente entre a defesa ou não de um território ou do próprio recurso entre a busca em maiores ou menores intervalos de tempo para preencher os requerimentos energéticos condizentes com o estado fisiológico adequado para a interação com o seu ambiente físico e social Objetivo Demonstrar a existência de otimização no processo de escolha e decisão durante a atividade de busca e ingestão de alimento baseada numa relação custobenefício Material Quatro depósitos pequenos A B C D de mesmo volume e com abertura suficiente para que uma mão possa penetrar em seu interior Um depósito E com o dobro do volume e abertura com relação aos anteriores Um depósito F também com o dobro do volume porém apresentando a abertura suficientemente reduzida para dificultar a introdução de uma mão Todos os depósitos deverão ser transparentes e com a mesma tonalidade 498 Doces ou salgados diferindo apenas no tamanho 1 e 2 porém com a mesma composição sabor odor cor e consistência Cuidados Os voluntários não devem ter tido uma refeição substancial antes da atividade prática É importante que sejam do mesmo sexo e no caso do sexo feminino não incluir grávidas entre os voluntários Procedimento Deverão ser escolhidos três alunos de mesmo sexo antes de iniciada a atividade prática Estes alunos deverão sair do laboratório enquanto o professor estiver explicando o procedimento ao restante da turma Fase I O professor disporá os depósitos A cheio do alimento do tipo 1 tamanho pequeno e B cheio de alimento do tipo 2 tamanho grande Os alunos que permaneceram na sala deverão ser orientados para que anotem quantos itens cada voluntário apanhou e comeu o tamanho e de qual depósito Em seguida um dos alunos voluntários deverá ser chamado Serlheá dito que durante 5 minutos ele poderá comer quantos itens quiser de qualquer um dos dois depósitos No entanto não poderá deslocar ou retirar os depósitos da mesa Depois de encerrada esta fase mantenha o voluntário na sala para evitar o contato com os demais voluntários que ainda deverão estar fora do laboratório Fase II Após a conclusão da Fase I os depósitos deverão ser retirados da mesa O professor disporá os depósitos C e E sobre a mesa os quais deverão ser abastecidos com os tipos de alimento 1 e 2 em igual quantidade de forma misturada Os 2 depósitos deverão conter a mesma quantidade de ítens Mais uma vez os alunos deverão anotar quantos itens o voluntário apanhou e comeu o tamanho e de qual depósito O segundo aluno voluntário deverá ser chamado Serlheá dito que durante 5 minutos poderá comer quantos itens quiser de qualquer um dos dois depósitos No entanto não poderá deslocar ou retirar os depósitos da mesa Depois de encerrada esta 499 fase mantenha o aluno voluntário na sala para evitar o contato com o terceiro voluntário que ainda deverá estar fora do laboratório Fase III Após a conclusão da Fase II os depósitos deverão ser retirados da mesa O professor disporá os depósitos D e F sobre a mesa os quais deverão ser abastecidos com os tipos de alimento 1 e 2 em igual quantidade de forma misturada Os 2 depósitos deverão conter a mesma quantidade de itens Mais uma vez os alunos deverão anotar quantos itens o voluntário comeu o tamanho e de qual depósito O terceiro voluntário deverá ser chamado Durante 5 minutos ele poderá comer quantos itens quiser de qualquer um dos dois depósitos No entanto não poderá deslocar ou retirar os depósitos da mesa Sugestão de discussão Os resultados podem ser discutidos com base no modelo de custobenefício da atividade de forrageamento e da tomada de decisão que cada indivíduo é induzido a fazer no transcorrer de suas atividades diárias Há dessa forma a possibilidade para a introdução do conceito e da aplicação dos modelos de otimização no caso específico optimal foraging theory Sugestões de leitura textos 1 6 9 12 14 16 18 ver relação abaixo PRÁTICA 7 CONFUSÃODILUIÇÃO COMO ESTRATÉGIA ANTI PREDATÓRIA Introdução A relação presapredador está baseada no conflito de interesses entre as duas partes envolvidas no processo A presa é crítica para a sobrevivência do predador enquanto a fuga é critica para a sobrevivência da presa Neste cenário temos estratégias e contraestratégias utilizadas pelas espécies envolvidas as quais são importantes para o resultado de cada interação presapredador As presas podem adotar diversas estratégias de antipredação tais como camuflagem mimetismo ou estratégias de agrupamento gerando o efeito de diluição ou confusão durante a fuga 500 Objetivo Demonstrar os efeitos da confusão e diluição na interação presapredador Material o 20 bolas plásticas todas com tamanho e cor semelhantes Duas das 20 bolas devem receber uma marcação específica para serem identificadas como as presas Cuidados Na simulação é importante que haja um limite de área de realização da atividade Áreas muito amplas podem dificultar a percepção do efeito esperado Além disso cada jogador deve atirar as presas necessariamente na direção do outro jogador Procedimento ETAPA PREPARATÓRIA o Escolher cinco alunos dois jogadores dois abastecedores alunos que apanharão as bolas para repassálas aos jogadores e um interceptador predador o Os dois jogadores deverão se posicionar a uma distância de pelo menos 5 metros cada um com 10 bolas atentando para que cada jogador receba uma das bolas marcadas o O predador deverá escolher o local onde se posicionará guardado o limite de pelo menos 15 m de um dos jogadores FASE I Inicialmente os jogadores deverão jogar um para o outro somente as bolas marcadas tentando evitar a captura das mesmas pelo predador Esta fase deverá durar 5 minutos e ao final deverá ser contabilizado o sucesso na captura da presa FASE II 501 Os jogadores deverão lançar simultaneamente as bolas que receberam inclusive a marcada sempre aumentando o número de bolas lançadas Nesta fase os abastecedores deverão estar posicionados para suprir os jogadores com as bolas não capturadas Contabilize o sucesso de captura das bolas tanto das marcadas quanto das não marcadas após 5 minutos de lançamentos e compare em seguida o sucesso de captura entre as duas fases Sugestão de discussão Discutir o efeito do número e movimentação das presas no sucesso de captura e em função das características distintivas das mesmas Sugestões de leitura textos 1 6 9 12 14 16 18 ver relação abaixo PRÁTICA 8 CORTE Introdução Um dos aspectos importantes da atividade reprodutiva de uma espécie é a corte de modo a sinalizar para o indivíduo do sexo oposto a motivação para a cópula Em várias espécies são observadas posturas ou exibições de partes do corpo que servem para chamar a atenção do parceiro potencial Os sinais de corte são espécieespecíficos e se apresentam de forma ritualizada sendo importantes para o sucesso reprodutivo dos indivíduos envolvidos A informação contida num sinal de corte deve ser compreendida de forma clara para que o indivíduo do sexo oposto possa reagir a ela adequadamente tendo como base o contexto de interação sexual Objetivo Esta prática consiste na observação de exibições que caracterizam o ritual de corte em espécies que utilizam a comunicação visual no caso o peixe beta Beta splendens com o objetivo de demonstrar a variedade de comportamentos que se manifestam de modo estereotipado em função do contexto 502 Material Um par de aquários 25x20x15 cm por grupo de alunos cada um contendo um indivíduo de cada sexo Um espelho Cuidados Evitar objetos coloridos nas proximidades do aquário que possam servir de estímulos visuais para os animais e atentar para a duração de cada janela de observação para evitar a exposição acentuada dos animais experimentais aos estímulos apresentados Cada macho deve ser mantido em um aquário isolado sem contato visual com fêmeas ou machos da sua espécie antes de iniciada a prática Procedimento A prática é subdividida em etapas com intervalos de tempo préestabelecidos FASE I Observação livre Ad libitum Nesta fase o macho beta deverá ser observado numa situação neutra sem contato visual com outros indivíduos O observador deverá dirigir atenção especial para a movimentação coloração e volume corporal do animal Em seguida deverá ser feita a categorização dos comportamentos que serão observados e a definição da técnica de registro Tal procedimento deverá ser repetido para a fêmea FASE II O beta macho diante de um espelho Deverá ser colocado um espelho diante do aquário de modo que a imagem do peixe seja refletida para o interior do mesmo Com base na definição acima dos comportamentos e da técnica de registro deverão ser anotadas possíveis alterações no padrão comportamental do animal focal O beta fêmea diante de um espelho Deverá ser colocado um espelho diante do aquário de modo que a imagem do peixe seja refletida para o interior do aquário Com base na definição acima dos comportamentos e da técnica de registro deverão ser anotadas possíveis alterações no padrão comportamental do animal focal 503 A seguir os peixes deverão ser deixados em repouso durante um intervalo de tempo registrandose os comportamentos neste período FASE III Os aquários do macho e da fêmea devem ser colocados lado a lado na maior face do aquário Com base na definição acima dos comportamentos e da técnica de registro deverão ser anotadas possíveis alterações no padrão comportamental dos animais focais Os peixes deverão ser deixados em repouso após terem sido afastados os aquários sem contato visual entre eles Registrar então os comportamentos neste período FASE IV A fêmea deverá ser transportada para o aquário do macho onde deverá permanecer durante um período de tempo prédefinido Com base na escolha dos comportamentos e da técnica de registro deverão ser anotadas possíveis alterações no padrão comportamental dos animais focais A fêmea deverá então ser retirada do aquário do macho e colocada de volta no seu aquário Os peixes devem ser deixados em repouso com os aquários afastados sem que haja contato visual entre eles Durante o mesmo intervalo já utilizado registrar os comportamentos dos 2 indivíduos isolados Sugestão de Discussão Discutir as semelhanças e diferenças da ritualização na luta e na corte Sugestões de leitura textos 1 6 7 9 11 12 14 16 18 ver relação abaixo PRÁTICA 9 BALAS COMUNS TERRAS COMUNS Introdução A utilização de bens públicos e também a conservação ambiental são assuntos amplamente discutidos e o que se observa é a dificuldade de se chegar a soluções possíveis para refrear a destruição desses bens de uso comum Apesar de conscientes acerca das formas de se chegar a uma utilização harmoniosa desses bens muitos indivíduos ainda se comportam de forma a obter o maior benefício imediato para si mesmo quando da utilização de um recurso comum sem preocupação com os demais 504 envolvidos ou com a utilização posterior daquele mesmo recurso A possibilidade de discutir tal comportamento a partir da base teórica da teoria dos jogos pode ser bastante proveitosa no intuito de tentar compreender e ajustar esse padrão comportamental às necessidades impostas pela convivência em grupos que é característica da espécie humana Objetivo Discutir aspectos relacionados à ecologia e conservação abrindo espaço para a explorar a abordagem das terras comuns Material o Balas Cuidados É importante evitar sugestões quanto a posturas ideais no consumo das balas bem como procurar não dar pistas de que a distribuição de balas faz parte de uma atividade prática Procedimento Como a atividade é realizada em longo prazo sugerese que as balas sejam oferecidas em pelo menos seis oportunidades Instruções Gerais Antes de iniciar a prática propriamente dita sugerimos a aplicação do seguinte questionário Responda sem se identificar Os resultados serão divulgados e discutidos posteriormente 1 Você considera que é importante trabalhar para a conservação do meio ambiente Por que 2 Se cada pessoa se conscientizasse quanto ao seu papel para a conservação do meio você acredita que seria possível mudar a situação atual 3 Que coisas você pode fazer que seriam importantes para ajudar na conservação do meio ambiente Numa aula posterior o professor oferece algumas balas para os alunos É extremamente importante que o número de balas supere o número de alunos em sala de 505 aula Tais valores devem ser anotados Ao final o professor aguarda que todos os alunos se retirem da sala e recolhe os papéis que os alunos tenham jogado no chão ou colocado em outras partes da sala contandoos O procedimento deve ser repetido em aulas posteriores e gradativamente o professor deve diminuir o número de balas oferecidas A expectativa é que o número de papéis deixados na sala apresente um aumento como também alguns alunos não consigam sequer uma bala pois seus colegas acabam por pegar mais de uma logo de início Além disso com a redução do número alguns podem ficar sem balas Os resultados sobre a quantidade de papéis de bala deixados na sala são apresentados bem como o questionário aplicado no início da atividade Os dados são então confrontados Sugestão de Discussão A questão da exploração e conservação do ambiente contrapondo o relato sobre as intenções de preservação e a postura adotada Sugestões de leitura textos 3 8 17 19 ver relação abaixo PRÁTICA 10 O JOGO DA GUERRA Introdução Os conflitos entre sociedades humanas mostramse ao longo da história como situações que emergem ciclicamente a partir do momento em que os interesses de determinados grupos começam a divergir As disputas muitas vezes são desencadeadas quando o diálogo não tem mais eficácia para amenizar as divergências Vários indivíduos unemse em torno de um objetivo comum e se confrontam com outro grupo cujos indivíduos também têm um objetivo comum Estabelecese então a divisão entre nós e eles que pela lógica dos envolvidos só pode ser resolvida de forma beligerante Objetivo Vivenciar uma situação que pode desencadear um conflito entre grupos 506 Material o Bexigas de duas cores para formar duas equipes Cuidados O principal cuidado a ser considerado é quanto à integridade física dos participantes da atividade Durante a discussão o professor deve estar atento para demonstrar a base teórica das posturas adotadas durante a prática Procedimentos Instruções Iniciais o Cada aluno enche uma bexiga o Cada grupo tem um território marcado um local dentro do espaço físico disponível É importante que os territórios dos dois grupos sejam bem afastados um do outro o Cada grupo tem um ou dois anjos da morte o anjo da morte é um integrante do grupo que tem a função de retirar os integrantes do outro grupo de dentro do território dele à medida que suas bexigas vão sendo estouradas o É estabelecido um tempo máximo de duração da atividade guerra Em seguida são passadas as seguintes instruções adicionais de como transcorrerá a atividade Os alunos deverão ter como objetivos 1 Não deixar as bexigas do seu grupo caírem no chão 2 Destruir as bexigas do outro grupo Regras 1 Manter as bexigas do seu grupo sempre no alto 2 O indivíduo que deixar uma bexiga cair será retirado do território pelo anjo da morte do grupo adversário e estará fora do jogo morreu 3 A bexiga que estava de posse do indivíduo que morreu fica sob responsabilidade do grupo 4 Se um indivíduo tiver a bexiga estourada pelo oponente ele será considerado morto e será retirado pelo anjo da morte do grupo adversário 507 5 São permitidas invasões ao grupo adversário para estourar as bexigas do inimigo desde que o grupo mantenha pelo menos um integrante no próprio território Fim do jogo Sairá vitoriosa a equipe que conseguir destruir as bexigas da outra ou aquela com maior número de integrantes sobreviventes Sugestão de Discussão Identificar as diferentes etapas de um conflito a elaboração de estratégias a ação coordenada dentro de cada grupo para poder atingir um objetivo comum e até mesmo as reações pósconflito enquanto vencedor ou perdedor Sugestão de leitura textos 17 e 20 ver relação abaixo LEITURAS SUGERIDAS 1 Alcock J 2001 Animal Behavior An Evolutionary Approach 7a ed Sunderland Sinauer Associates 2 Altmann J 1974 Observational study of behavior sampling methods Behaviour 49 22767 3 Axelrod R Hamilton WD 1981 The evolution of cooperation Science 2113906 4 Bradbury JW Vehrencamp SL 1998 Priciples of Animal Communication Sunderland Sinauer Associates 5 Brossut R 1996 Phéromones La Communication Chimique chez les Animaux Paris Editions du CNRS 6 Campan R Scapini F 2002 Éthologie Approche systématique du comportement Bruxelas DeBoeck Université 7 Dawkins MS 1989 Explicando o Comportamento Animal São Paulo Editora Manole 8 Hardin G 1968 The tragedy of the commons Science 16212438 9 Krebs JR Davies NB 1996 Introdução à Ecologia Comportamental São Paulo Atheneu Editora 10 Lehner PN 1996 Handbook of Ethological Methods 2a ed Cambridge Cambridge 508 University Press 11 Lorenz K 1986 Evolução e Modificação do Comportamento Rio de Janeiro Interciência 12 Manning A Dawkins MS 1992 An Introduction to Animal Behaviour 4a ed Cambridge Cambridge University Press 13 Martin P Bateson P 1999 Measuring Behaviour An Introductory Guide 2a ed Cambridge Cambridge University Press 14 McFarland D 1999 Animal Behaviour 3a ed Harlow Longman 15 Paterson JD 1992 Primate Behavior An exercise workbook Prospect Heights Waveland Press 16 Ridley M 1995 Animal Behavior An Introduction to Behavioral Mechanisms Development and Ecology 2a ed Boston Blackwell Scientific Publications 17 Ridley M 2000 As origens da virtude Rio de Janeiro Editora Record 18 Slater PJB 1999 Essentials of Animal Behaviour Cambridge Cambridge University Press 19 Trives RL 1972 The evolution of reciprocal altruism The Quartely Review of Biology 46 3557 20 Wright R 2000 Não Zero a Lógica do Destino Humano Rio de janeiro Campus REFERÊNCIAS Brown JS Collins A Duguid P 1989 Situated cognition and the culture of learning Educational Researcher 18 3242 Cross PK 1987 Teaching for learning American Association for Higher Education Bull 39 37 Freitas MTA 2004 O pensamento de Vygotsky nas reuniões da ANPEd 19982003 Educação e Pesquisa São Paulo 30 109138 ODrobinak DM Woods CB 2002 Compelling classroom demonstrations that link visual system anatomy physiology and behavior Advances in Physiology Education 263 204209 Lehner PN 1996 Handbook of Ethological Methods London Cambridge University Press Martin P Bateson P 1993 Measuring Behaviour London Cambridge University Press 509 Modell HI 1996 Preparing students to participate in an active learning environment Advances in Physiology Education 15 S69S77 Modell HI 2004 Evolution of an educator lessons learned and challenges ahead Advances in Physiology Education 28 8894 Tinbergen N 1963 On aims and methods of Ethology Zeitschrift fur Tierpsychologie 20 41043 510 SOBRE OS AUTORES Maria Emilia Yamamoto Pesquisadora 1A do CNPq doutorouse em 1990 pelo Programa de Psicobiologia da UNIFESP Realizou pósdoutorado na University of Reading UK em 19941995 É professora titular do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte com vínculo desde 1979 Trabalha com cuidado à prole e organização social em sagüis Investiga também a composição da dieta em humanos e o comportamento moral do ponto de vista evolutivo É coordenadora do Grupo de Pesquisa Ecologia e Comportamento Animal do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e do Grupo de Trabalho da ANPEPP Psicologia Evolucionista Coordenou de 2005 a 2009 o projeto do Instituto do Milênio em Psicologia Evolucionista Publicou vários trabalhos em periódicos de circulação internacional como Folia Primatologica International Journal of Primatology Primates Comparative Medicine American Journal of Primatology Acta Ethologica Evolution and Human Behavior Faz parte do corpo editorial dos periódicos Neotropical Primates e Estudos de Psicologia É assessora científica de várias revistas nacionais e internacionais Atualmente é coordenadora do Programa de PósGraduação em Psicobiologia no qual orienta alunos de mestrado e doutorado Gilson Luiz Volpato Sou biólogo 1978 formado pela Universidade Estadual Paulista Unesp Botucatu SP Mestre 1979 e Doutor 1986 por essa universidade Rio Claro SP Pós doutorado 1992 no Institute of Animal Sciences BetDagan Israel Desde 1981 sou docente do Departamento de Fisiologia Instituto de Biociências de Botucatu Unesp Atuo também como membro associado do Centro de Aqüicultura da Unesp Caunesp Pesquisador de produtividade científica do CNPq 1B Desenvolvo pesquisas na área de Bemestar animal estudando peixes dentro dos seguintes temas agressão estresse comunicação crescimento e efeitos da cor ambiente na vida desses animais Publico regularmente artigos em periódicos internacionais destacando nos últimos anos três revisões conceituais sobre o bemestar Diseases of Aquatic Organisms 75 165171 2007 ILAR Journal 50 329337 2009 Oecologia Brasiliensis 13 0515 2009 Sou bolsista de produtividade pelo CNPq nível 1B Coordeno o grupo de pesquisa Centro 511 de Estudos sobre BemEstar Animal junto ao Diretório do CNPq Fui fundador e editorchefe do periódico ARBS Annual Review of Biomedical Sciences Há 25 me dedico ao estudo e ensino da redação científica no Brasil atividade que resultou em 7 livros 15 edições e dezenas de cursospalestras anuais Durante 4 anos fui Presidente do Conselho Editorial dos Periódicos Científicos da Unesp compreendendo revistas das três grandes áreas Eliane Gonçalves de Freitas Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista UNESP Mestre em Zoologia e Doutora em Ciências 1999 pelo Programa de PósGraduação em Zoologia Instituto de Biociências UNESP Botucatu SP Realizou pósdoutoramento junto ao Instituto Superior de Psicologia Aplicada ISPA Lisboa Portugal na área de Endocrinologia Comportamental Atualmente é Livredocente em Comportamento Animal pelo Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas IBILCE da UNESP Atua na área de comportamento de peixes tendo como principal linha de pesquisa os fatores moduladores do comportamento social em ciclídeos É docente dos Cursos de Bacharelado e Licenciatura em Ciências Biológicas Orientadora nos programas de Pós Graduação em Biologia Animal do IBILCE UNESP São José do Rio Preto SP e em Aquicultura do Centro de Aquicultura da UNESP CAUNESP Jaboticabal SP nos quais ministra as disciplinas de Comunicação Científica Comportamento Animal e Comportamento de Peixes Silvia Mitiko Nishida Formouse em Ciências Biológicas modalidade médica e pósgraduouse na área de Fisiologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP durante a qual sob a orientação do Dr Werner Robert Schmidek desenvolveu estudos sobre o significado biológico das diferenças individuais na organização do comportamento social de ratos Atualmente está lotada junto ao Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências UNESP Botucatu SP ministrando aulas de Neurofisiologia e Comportamento Animal além de desenvolver linhas de pesquisa sobre agressão e seleção sexual tendo como modelos experimentais os peixes e a codorna japonesa Outra atividade de seu grande interesse é o desenvolvimento de material didático sobre comportamento animal para o ensino de Ciências e Biologia 512 Renata Gonçalves Ferreira Bacharel em Ciências Biológicas pela UFPE mestre em Psicologia Comparativa pela USPSP e doutora em Antropologia Biológica pela Universidade de Cambridge Inglaterra Atualmente é Professora Adjunta no Departamento de Fisiologia e pesquisadora da Pósgraduação em Psicobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte onde ministra aulas de comportamento animal e ecologia comportamental para graduação e de bioestatística cognição social e antropologia biológica para pósgraduação De formação eminentemente interdisciplinar tem interesse em comportamentos prósociais evolução da cooperação e padrões de organização social desenvolvendo pesquisas com macacosprego saguis e golfinhos Tem mais de 15 trabalhos publicados em revistas internacionais e capítulos de livro nacionais e internacionais Alfredo Pereira Júnior Graduouse em Filosofia Univ Federal de Juiz de Fora 1983 posteriormente concluindo Mestrado em Filosofia Contemporânea UFMG 1986 com Doutorado em Lógica e Filosofia da Ciência UNICAMP 1994 e PósDoutorado em Neurociência Cognitiva Massachusetts Institute of Technology 199698 Atualmente é Professor Livre Docente e Adjunto no Departamento de Educação do Instituto de Biociências de Botucatu UNESP onde ministra as disciplinas de graduação História da Filosofia da Ciência Filosofia da Ciência e Metodologia e Filosofia da Ciência É orientador nos cursos de pósgraduação em Filosofia UNESP Marília e Saúde Coletiva Unesp Botucatu ministrando disciplinas de Conhecimento e Complexidade Filosofia das Neurociências e Epistemologia É também editor associado da revista Interface Saúde Comunicação e Educação Anette Hoffmann É professora titular do Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão PretoUSP FMRPUSP Graduada em Medicina pela Universidade Federal de Santa Catarina com doutorado em Fisiologia pela FMRPUSP e pósdoutorado realizado no Centre National de la Recherche Scientifique CNRS França Trabalha nas áreas de neurofisiologia e neuroanatomia comparadas com enfoque no estudo do comportamento defensivo em peixes e anfíbios Nos últimos anos tem atuado em projetos culturais procurando concretizar a criação do Centro de Memória e Museu 513 Histórico da FMRPUSP e promovendo cursos e exposições que visam a formação humanística dos alunos de graduação e pósgraduação Atua na preservação da natureza tendo criado uma Reserva Particular do Patrimônio Natural RPPN que abriga uma área de Mata Atlântica de cerca de 400 hectares Percília Giaquinto É docente do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências de Botucatu Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP Bióloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas com doutorado em Zoologia subárea Fisiologia e Comportamento Animal pela UNESP Botucatu e doutorado sanduíche no Freshwater Institute Winnipeg Canadá e University of Alberta Edmonton Canadá Desenvolve pesquisas na área de comportamento animal especificamente sobre o papel de substâncias químicas liberadas por peixes mediando comportamentos intra e interespecíficos Além de estudos comportamentais desenvolve pesquisas relativas à fisiologia olfatória e mais recentemente estudos neuroanatômicos das conexões olfatórias Nelson Marques Bacharel e Licenciado em Biologia pelo Instituto de Biociências da USP com pós graduação em Bioquímica e Biologia Molecular pelo Instituto de Química da USP Criador em 1981 e coordenador de 1981 a 1999 com Luiz MennaBarreto do GMDRB Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos do Instituto de Ciências Biomédicas da USP que introduziu a cronobiologia no Brasil Realizou estágio de pósdoutoramento no Laboratório de Cronobiologia da Universidade de Minnesota EUA de 1984 a 1986 e em 1989 Dirigiu linhas de pesquisa em ritmicidade comportamental e intermodulação de freqüências em vertebrados até 1999 quando passa a se dedicar com mais intensidade à divulgação científica Foi professor doutor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP de 1970 a 2003 quando se aposentou desenvolvendo atividades de pesquisa no Instituto de Ciências Biomédicas da USP de 1981 a 1999 Foi professor visitante de 1999 a 2002 do Departamento de Fisiologia do Centro de Biociências da UFRN e de 2003 até 2009 do Museu Câmara Cascudo sendo o coordenador do NUDICT Núcleo de Comunicação em Cultura Ciência e Tecnologia do Museu Câmara Cascudo da UFRN Desde 2010 é professor colaborador voluntário da UFRN 514 Luiz MennaBarreto Biomédico pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP com pósgraduação em Fisiologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP Criador em 1981 com Nelson Marques e coordenador de 1981 até o presente do GMDRB Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos do Instituto de Ciências Biomédicas da USP que introduziu a cronobiologia no Brasil Realizou estágio de pós doutoramento no Laboratório de Psicofisiologia da Universidade FrancheComté Besançon França de 1986 a 1987 Dirige linhas de pesquisa em ontogênese do ciclo vigíliasono Foi professor doutor do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas da USP de 1980 a 2005 sendo atualmente professor titular da Escola de Artes Ciências e Humanidades da USP USP Leste Charles T Snowdon Recebeu seu diploma de bacharel em Psicologia no College Oberlin e o seu mestrado e doutorado em Psicologia na Universidade da Pennsylvania Atualmente é professor de Psicologia e Zoologia na Universidade de Wisconsin Madison Ele e seus alunos estudam o comportamento de primatas principalmente os da América do Sul com maior ênfase nos macacos com sistema de reprodução cooperativa os sagüis e os micos Estuda comunicação cognição e comportamento reprodutivo dos micos de tufo branco em cativeiro e como seus orientandos já realizou pesquisa de campo na Argentina Belize Brasil Colômbia Equador e Peru Foi editor das revistas científicas Animal Behaviour e Journal of Comparative Psychology e foi Presidente da Animal Behavior Society Briseida D Rezende Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo 1994 mestrado em Psicologia Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo 1999 e doutorado em Psicologia Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo 2004 Atualmente é professor doutor da Universidade de São Paulo Tem experiência na área de Zoologia com ênfase em Comportamento Animal atuando principalmente nos seguintes temas aprendizagem Cebus Cebus apella utilização de ferramentas e macacoprego 515 Patricia Izar Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo 1990 mestrado em Psicologia Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo 1994 e doutorado em Psicologia Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo 1999 Atualmente é bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e professor doutor da Universidade de São Paulo Tem experiência na área de Psicologia com ênfase em Estudos Naturalísticos do Comportamento Animal atuando principalmente nos seguintes temassocioecologia de primatas neotropicais psicologia evolucionista cognição espacial de primatas Katsumasa Hoshino Formado em Psicologia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo Trabalhou inicialmente na área de Psicofarmacologia e posteriormente em Neurofisiologia na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e na Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu atual UNESP onde se aposentou Montou laboratórios e grupos de pesquisa orientando várias pessoas em diferentes áreas Fisiologia eletrofisiologia comportamento fisiologia de invertebrados Estagiou nos laboratórios do Prof G Moruzzi em Pisa Itália e participou de diversas expedições brasileiras à Antártica É atualmente professor de Psicofisiologia com pesquisas centradas na fisiologia do sono Vera Silvia Raad Bussab Doutorouse em 1981 no Programa de PósGraduação em Psicologia Experimental da USP É professora do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo desde 1975 Atua na linha de pesquisa Comportamento Animal e Etologia do Programa de PósGraduação em Psicologia Experimental É membro do Grupo de Trabalho da ANPEPP Contextos sociais de desenvolvimento aspectos evolutivos e culturais e do Grupo de Pesquisa Comportamento e Evolução do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq Entre as principais publicações destacamse Bussab VS Ribeiro FL 1998 Biologicamente cultural In Lídio de Souza et al org Psicologia Reflexões ImPertinentes São Paulo Casa do Psicólogo e Gosso Y Morais MLSE Otta E Ribeiro FL Bussab VSR 2004 Play in huntergatherer society pp 213253 In Smith PK Pellegrini A eds The Nature of Play great apes and humans New York Guilford Press e Bussab VSR 516 2000 Fatores hereditários e ambientais no desenvolvimento a adoção de uma perspectiva interacionista Psicologia Reflexão e Crítica 132 23343 Fernando Leite Ribeiro Doutorouse em 1972 no Programa de PósGraduação em Psicologia Experimental da USP É professor do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo desde 1968 Atua na linha de pesquisa Comportamento Animal e Etologia do Programa de PósGraduação em Psicologia Experimental Ministra as disciplinas de PósGraduação PSE 5778 Comportamento Humano Origens Evolutivas PSE 5834 Seminários de Pesquisa em Etologia I e PSE 5841 Seminários de Pesquisa em Etologia II É membro do Grupo de Pesquisa Comportamento e Evolução do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq Entre as principais publicações destacamse Ribeiro FJL Otta E Bussab V 2004 pp 22984 In ML Seidl de Moura ed O Bebê do Século XXI a psicologia em desenvolvimento Gosso Y Morais MLSE Otta E Ribeiro FL Bussab VSR 200 Play in huntergatherer society pp 213253 In Smith PK Peter K Pellegrini A eds The Nature of Play Great Apes and Humans New York Guilford Press e Otta E Ribeiro FL Bussab VSR 2004 Inatoadquirido e a persistência de uma dicotomia Revista de Ciências Humanas 34 283311 Emma Otta Doutorouse em 1984 no Programa de PósGraduação em Psicologia Experimental da USP É professora doutora do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo desde 1980 Atua na linha de pesquisa Comportamento Animal e Etologia do Programa de PósGraduação em Psicologia Experimental É coordenadora do Grupo de Pesquisa Comportamento e Evolução do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e membro do Grupo de trabalho da ANPEPP Psicologia Evolucionista Entre as principais publicações destacamse Campos LS Otta E Siqueira JO 2002 Sex differences in mate selection strategies Content analyses and responses to personal advertisements in Brazil Evolution and Human Behavior 5 395406 e Otta E Queiroz RS Campos LS Silva MWD Silveira MT 1999 Age differences between spouses in a Brazilian marriage sample Evolution and Human Behavior 2 99103 517 Regina H F Macedo Concluiu o bacharelado em Ciências Biológicas pela Universidade de Brasília UnB em 1983 No ano seguinte 1984 concluiu um mestrado em Educação pelo Lesley College EUA Obteve um mestrado e PhD em Zoologia na University of Oklahoma EUA em 1986 e 1991 respectivamente Sua tese de PhD foi dedicada ao estudo do comportamento e sistema social de Guira guira Cuculidae Aves É professora adjunta no Departamento de Zoologia Universidade de Brasília desde 1993 Finalizou em 2003 um pósdoutorado na University of St Andrews Escócia onde desenvolveu uma linha de pesquisa relacionada à utilização de métodos moleculares aplicados ao estudo do comportamento Na UnB coordena o Laboratório de Comportamento Animal dedicase ao ensino na graduação e na pósgraduação sendo credenciada para orientar alunos nos Programas de PósGraduação em Ecologia e em Biologia Animal É pesquisadora do CNPq desde 1997 e integra o Grupo de Pesquisa Biologia e Conservação da Fauna do Cerrado do CNPq GRPesq Com o intuito de aumentar o perfil de latinoamericanos no cenário internacional na área de comportamento animal atua desde 1998 no Latin American Affairs Committee do Animal Behavior Society EUA sendo a atual coordenadora Atuou também como membro do Developing Nations Grant Committee dessa mesma sociedade entre 1999 e 2000 Participou da comissão de organização do XXVIII International Ethological Society Conference Florianópolis 2003 Tem diversas publicações em periódicos internacionais Animal Behaviour Behavioral Ecology Sociobiology The Auk Molecular Ecology Journal of Avian Biology etc Felicity Ann Huntingford Natural de Londres GrãBretanha é formada em Ciências Biológicas tendo concluído o Doutorado pela Universidade de Oxford GrãBretanha em 1978 É Professora Titular e Chefe da Divisão do Environmental Evolutionary Biology do Instituto de Biomedicina e Ciências da Vida Institute of Biomedical and Life Sciences Universidade de Glasgow Escócia onde participa em Cursos de Graduação Bacharelado em Ciências Biológicas e em Ecologia e Programas de PósGraduação em Ciências Biológicas É pesquisadora prestigiada pela Royal Society of Edinburgh GrãBretanha É autora dos livros Animal Conflict e The Study of Animal Behaviour Orientou vários alunos de graduação e pósgraduação É autora de vários trabalhos 518 científicos e capítulos de livros publicados além de participar na assessoria científica de várias revistas internacionais Sathyabama Chellappa Natural de Sri Lanka naturalizada brasileira é formada em Ciências Biológicas Bacharelado em Sri Lanka e Mestrado na Índia tendo concluído o Doutorado pela Universidade de Glasgow Escócia em 1988 e pósdoutoramento na Universidade de Stirling GrãBretanha em 1994 É professora titular lotada no Departamento de Oceanografia e Limnologia Centro de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Norte desde 1977 onde participa em cursos de graduação e Programas de PósGraduação em Ciências Biológicas em Bioecologia Aquática e em Psicobiologia É bolsista de produtividade nível 1C do CNPq e desenvolve pesquisas nas áreas de Piscicultura Ecologia e Comportamento dos Peixes É Coordenadora da Base de Pesquisa em Ecologia Aquática e Aqüicultura do Centro de Biociências UFRN Foi Coordenadora 19951999 e ViceCoordenadora 20002003 do PPG em Bioecologia Aquática da UFRN e desde 2004 é ViceCoordenadora do PPG em Ciências Biológicas da UFRN Foi membro do Comitê de Avaliação da CAPESMEC em 2002 Orientou 22 bolsistas de Iniciação Cientifica 20 Monografias de Graduação 12 alunos de Especialização 17 de Mestrado e 5 de Doutorado É autora de vários trabalhos científicos e capítulos de livros publicados além de participar na assessoria científica de várias revistas nacionais e internacionais Maria Bernardete Cordeiro de Sousa Graduada em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN em 1977 Concluiu o Mestrado e o Doutorado em Neurofisiologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP São Paulo em 1980 e 1983 respectivamente Realizou o pósdoutorado em Etologia Fisiológica no Wisconsin National Primate Research Center na Universidade de Wisconsin EUA em 1996 e 1997 Atualmente é professora titular do Departamento de Fisiologia da UFRN onde atua como orientadora no Programa de Pósgraduação em Psicobiologia do Centro de Biociências e também no Programa de Pósgraduação em Ciências da Saúde Pesquisadora do CNPq e líder do grupo de Pesquisa do Laboratório de Endocrinologia Comportamental da UFRN Hélderes Peregrino Alves da Silva 519 Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte em 1988 Mestre em Psicobiologia pela UFRN 1995 e Doutora em Psicologia Experimental pela USP 2003 Atualmente é professora Adjunta do Departamento de Fisiologia e do Programa de Pósgraduação em Psicobiologia Centro de Biociências UFRN e pesquisadora do grupo de Pesquisa do Laboratório de Endocrinologia Comportamental Donald D Broom54 Foi o primeiro professor de bemestar animal lotado no Departamento de Medicina Veterinária na universidade de Cambridge desde 1986 Seu Centro para o Bemestar Animal e Antrozoologia tem desenvolvido conceitos e métodos de avaliação científica do bemestar animal Publicou cerca de 500 artigos sobre habilidades cognitivas dos animais o bemestar de bezerros porcos galinhas animais de laboratório de zoológicos etc em relação a manutenção e transporte problemas comportamentais de animais de estimação atitudes em relação aos animais e ética no uso dos animais Proferiu conferências sobre bemestar animal em 37 países e tem colaborado no Reino Unido FAWC e APC e em comitês do Conselho Europeu sobre bemestar animal Foi presidente ou vicepresidente de comitês científicos europeus sobre bemestar animal desde 1990 Entre seus oito livros estão Stress and Animal Welfare Coping with Challenge Welfare in Animals including Humans The Evolution of Morality and Religion and Domestic Animal Behaviour and Welfare Arrilton Araújo Doutor em Biologie Des Organismes pela Universite de Paris XIII ParisNord França É professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e foi coordenador do programa de PósGraduação em Psicobiologia da mesma universidade Ministra as disciplinas de Ecologia Comportamental Comportamento Animal e Etologia Aplicada para a graduação e pósgraduação Áreas de pesquisa Ecologia e comportamento de sagüis comuns Ecologia da formiga Dinoponera quadríceps Principais publicações Foraging Behavior of the Queenless Ant Dinoponera quadriceps Santschi Hymenoptera Formicidae Neotropical Entomology 36 16 2006 Behavioral strategies and hormonal profile of dominant and subordinate common marmoset 54 Informações obtidas na revista Annual Review of Biomedical Sciences 10 T7990 2008 com permissão do editor 520 Callithrix jacchus female in wild monogamous groups American Journal of Primatology 67 3750 2006 Fívia de Araújo Lopes É professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e do Programa de Pós Graduação em Psicobiologia UFRN Fez seu doutorado na UFRN em Psicobiologia Trabalha atualmente com evolução do comportamento humano e investiga o comportamento social e alimentar em outras espécies animais Faz parte da Base de Pesquisa Ecologia e Comportamento Animal Ministra aulas nas disciplinas de Comportamento animal graduação e pósgraduação Evolução do Comportamento Humano graduação e pósgraduação Bases Evolutivas do Comportamento pós graduação e Métodos e Técnicas no Estudo do Comportamento pósgraduação Maria de Fátima Arruda É doutora em Psicobiologia pela Escola Paulista de Medicina Professora do Departamento de Fisiologia e do Programa de Pósgraduação em Psicobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte As principais áreas de pesquisa são comportamento social em saguis e comportamento alimentar em camarões Publicações mais relevantes Two breeding females within freeliving groups may not always mean polygyny Alternative subordinate female strategies in common marmosets Callithrix jacchus Folia Primatologia 76 1020 2005 Comportamento de Litopenaeus vannamei Boone 1931 Crustacea Decapoda Penaeidae em função da oferta do alimento artificial nas fases clara e escura do período de 24 horas Revista Brasileira de Zoologia 223 648652 2005
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COMPORTAMENTO ANIMAL Maria Emília Yamamoto Gilson Luiz Volpato Organizadores 2ª Edição 2 SUMÁRIO Prefácio Adalberto Val Prólogo Maria Emília Yamamoto Gilson Luiz Volpato Prólogo à segunda edição Maria Emília Yamamoto Gilson Luiz Volpato Cap 1 Percorrendo a história do estudo do comportamento animal origens e influências Maria Emília Yamamoto Cap 2 Ciência e Comportamento Animal Gilson Luiz Volpato Cap 3 Métodos de Estudo do Comportamento Eliane Gonçalves de Freitas Silvia Mitiko Nishida Cap 4 Causas Próximas e Causas Distais na Compreensão do Comportamento Animal Renata Gonçalves Ferreira Cap 5 Neurociência Cognitiva Alfredo Pereira Júnior Cap 6 Bases Neurobiológicas do Comportamento Anette Hoffmman Percilia Cardoso Giaquinto Cap 7 Ritmos Biológicos Nelson Marques Luís MennaBarreto Cap 8 Comunicação Charles T Snowdon Cap 9 Cognição Animal Briseida D Resende e Patrícia Izar Cap 10 Cooperação Animal Regina H F Macedo Cap 11 Agressão Felicity Ann Huntingford SathyabamaChellappa Cap 12 Reprodução Maria Bernadete Cordeiro de Sousa Hélderes Peregrino da Silva Cap 13 Emoções 3 Kastumasa Hoshino Cap 14 Comportamento Humano Vera Silvia Raad Bussab Fernando José Leite Ribeiro Emma Otta Cap 15 Bemestar Animal Donald Broom Cap 16 Práticas para o Ensino do Comportamento Animal Arrilton Araújo Fívia de Araújo Lopes Maria de Fátima Arruda Gilson Luiz Volpato 4 PREFÁCIO A Ciência tem percorrido caminhos jamais previstos Revela as entranhas do inimaginável explica o inexplicável matiza o que nos cerca Mais a Ciência contribui a passos largos para desvendar os segredos que nos constroem para desvendar de onde viemos e para onde vamos Projeta o futuro a partir dos efeitos que a nossa vida moderna tem causado sobre o ambiente Alertanos acerca do que deveríamos moderar quanto à nossa expansão unilateral sobre aquilo que não nos pertence Não se trata de fé cega na Ciência mas do único caminho possível do caminho que permite a co existência dos que fazem e dos que não fazem Ciência Os fatos podem ser interpretados de forma diferente pelos diferentes atores uma vez que a Ciência não é neutra mas jamais podem ser tomados para sempre sem os questionamentos metodológicos que permitem sua validação Nem o mais singelo jeito de ser do homem dos bichos e das plantas pode ser escondido da Ciência O estudo do comportamento do homem e dos bichos revela a fragilidade de cada um e de todos os organismos que interagem num mundo mutável num mundo ao mesmo tempo em construção num mundo em que os processos de codificação de comportamentos estão por serem explicitados O que dizer do que foi escondido nos ambientes que se construíram e evoluíram ao longo dos milhões de ano de existência da vida O que dizer dos peixes que estão ora misturados a um mundo quase desconhecido o mundo aquático ora enterrados no lodo que o suporta e parece ter dado origem a um mundo que a biologia busca entre outros conhecer Ainda que muitos pensem estar os recursos naturais todos disponíveis para nosso uso neste momento não estamos sós Neste mundo cohabitam e cohabitarão gente bichos e plantas que têm formas e jeitos que conhecemos quase nada formas jeitos e comportamentos que podem ser profundamente influenciados por nossas ações e reações Ações e reações que definem o que restará intacto para ser estudado No que tange ao comportamento a sensibilidade às nossas ações e reações são mais críticas pois há um mosaico de fatores que determinam os comportamentos de tudo e de todos Este livro reflete um esforço sem precedentes de dois colegas que buscaram reunir em torno de uma questão central da Biologia o Comportamento Animal cientistas com experiência singular São doze capítulos que nos tiram o fôlego 5 que projetam uma luz para além da Biologia Mexem com o eu pois explicitam como se comportam os animais Mexem com o eu de cada um nós por que comportamento também se compara e se questiona Mexem com o nosso eu porque evoluímos mas nossa diferenciação enquanto se deu a passos largos do ponto de vista morfológico não aconteceu tão significantemente no que tange ao comportamento Descrevemos de forma mais profunda o comportamento dos bichos do que o nosso próprio e isso tem nos permitido conhecer melhor Conhecendo como se comportam os bichos nos conhecemos Não não porque somos iguais aos bichos mas por que a Ciência permite derivar o que vamos explicitando de forma metodologicamente correta A isto se propõe esta bela contribuição busca nos limites do conhecido em raros exemplos da natureza em observações delicadamente planejadas em laboratório as explicações para o Comportamento Animal Adalberto Luis Val Biólogo INPA AM 6 PRÓLOGO O estudo do comportamento animal é uma área de pesquisa e investigação consolidada na Europa e nos Estados Unidos que tem suas raízes na teoria da evolução de Charles Darwin e mais recentemente na Etologia proposta por Lorenz Tinbergen e von Frisch Desde então essa área cresceu e se diversificou dando origem a várias disciplinas e abordagens de investigação entre elas a própria Etologia a Ecologia Comportamental a Neuroecologia a Psicologia e a Ecologia Fisiológicas a Psicologia Evolucionista a Neurociências entre outras No Brasil os primeiros estudos foram iniciados na década de 1960 pelo Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo a partir do qual se irradiou para vários pontos do país A mesma diversificação observada nos países europeus e nos Estados Unidos repetiuse aqui As várias sociedades científicas hoje existentes no Brasil refletem essa diversificação como a Sociedade Brasileira de Etologia a Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento antiga Sociedade Brasileira de Psicobiologia Sociedade Brasileira de Psicologia Sociedade Brasileira de Sociologia Sociedade Brasileira de Sono Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana entre outras No entanto essa pujança de grupos e investigações não se repete na produção de livros Nossa produção de livros sobre comportamento animal é ainda muito modesta e contrasta com o acelerado incremento dos estudos científicos nessa área aqui no Brasil Alguns livros foram traduzidos como Ecologia Comportamental de Krebs e Davies Explicando o Comportamento Animal de Marian Dawkins O Estudo do Comportamento Animal de Aubrey Manning Etologia de Renné Chauvant etc Como produção própria no entanto os livros de abordagem geral não existem sendo os títulos geralmente restritos a uma área ou abordagem O presente livro vem preencher essa lacuna na literatura brasileira relativa ao estudo do comportamento animal com capítulos que abrangem as várias orientações desta área de investigação compreendendo o comportamento animal em seu formato mais contemporâneo e multidisciplinar Cientistas representativos de suas áreas de especialização escreveram cada um dos capítulos usando em muitos casos suas próprias pesquisas para ilustrarem os conceitos principais da área Os autores estrangeiros 7 convidados pesquisadores de reconhecimento internacional e relevância incontestável mantêm todos vínculo com o Brasil através da colaboração com pesquisadores brasileiros e o estudo de espécies nativas do Brasil dessa forma contemplando a forte ênfase de se buscar produções nacionais ou a ela ligadas Consideramos também algumas características da estrutura deste livro como relevantes A linguagem é acessível para todos iniciantes e aqueles já familiares com a área sem deixar de lado a precisão e o rigor científico A estrutura básica do livro compreende 14 capítulos sendo um introdutório sobre os rudimentos históricos do estudo do comportamento animal no Brasil dois capítulos sobre as bases filosóficas e metodológicas da pesquisa nessa área seguem três capítulos onde se discute as bases neurobiológicas do comportamento os seis capítulos seguintes apresentam tópicos específicos ao estudo do comportamento animal e um último capítulo trata sobre o bemestar animal excursionando sobre o lado aplicado desses estudos e finalmente o último capítulo apresenta algumas sugestões de aulas práticas que serão úteis ao professor Essa estrutura reflete evidentemente a seleção dos editores para esta ampla área mas uma seleção que procurou incluir uma amostragem significativa dos tópicos e abordagens Ressaltamos no entanto que procuramos não nos manter atrelados a um único viés do estudo do comportamento defendendo assim uma concepção mais holística necessária para se entender o que por que e como os animais se comportam A disseminação de escolas mais fechadas na abordagem do comportamento animal pode distorcer a visão dos iniciantes levandoos a acreditar que o comportamento animal pode ser visto pó r um único ângulo Ao contrário tratase de uma área de síntese onde conhecimentos de bioquímica morfologia fisiologia evolução e ecologia interagem em estudos experimentais ou não de campo ou laboratório na tentativa de se conhecer as razões mais íntimas do comportamento animal É essa abordagem geral e ampla que dá força e beleza ao estudo do comportamento animal Maria Emília Yamamoto Gilson Luiz Volpato 8 PRÓLOGO À SEGUNDA EDIÇÃO É com grande satisfação que apresentamos à comunidade acadêmica a segunda edição do livro Comportamento Animal Quando ele foi lançado em 2007 não havia no Brasil um livro didático que abordasse a maior parte das questões relativas ao tema Fomos pioneiros neste sentido Tivemos a satisfação de ver a primeira edição esgotada e nosso livro utilizado em disciplinas de graduação nas ciências biológicas e na psicologia e como literatura de referência em processos de seleção na pósgraduação Acreditamos ter atingido nosso objetivo de oferecer à comunidade acadêmica um manual amplo consistente e de qualidade para o ensino do comportamento animal Porém como todo manual este também dever ser atualizado constantemente Com isso esperamos atender melhor aos leitores que nos prestigiam com sua utilização professores e estudantes Acreditamos também que esta segunda edição traz aperfeiçoamentos em relação à primeira Os capítulos foram em sua maioria revisados e atualizados um deles bem estar animal foi reescrito por outro autor e três novos capítulos foram adicionados O primeiro deles atende à necessidade de incluir de forma mais extensa a análise das quatro questões de Tinbergen no estudo do comportamento fundamental para todo estudante da área O segundo sobre cognição animal aborda um tema que ganha cada vez mais ênfase no estudo do comportamento trazendo resultados extremamente inovadores E finalmente o capítulo sobre ecologia comportamental trata da questão do forrageio e alimentação abordando o tema tanto do ponto de vista de estudos de campo quanto de cativeiro Esperamos que a continuidade desta iniciativa servirá de estímulo àqueles que se entusiamam com as questões do comportamento animal Não é nossa intenção apresentar uma visão única do estudo do comportamento e por essa razão demos liberdade aos diversos autores para mostrar seus olhares sobre os animais É exatamente esse perfil variado que dá à abordagem do comportamento animal um universo mais desafiador Enquanto disciplinas específicas procuram manter suas raízes e entender focos específicos do comportamento como a própria etologia a neurociências a ecologia comportamental entre outras este livro procura mostrar principalmente ao iniciante os vários caminhos que poderá percorrer Aos mais experientes talvez um momento de reflexão sobre a unicidade de um processo tão global quanto o comportamento Ele expressa a interface entre histórias evolutivas longínquas e 9 também experiências muito recentes na incrível dança das espécies num mundo em contínua mudança Entre um sistema digestório complexo e os sítios alimentares do ambiente é imperativo haver o comportamento alimentar Entre os sofisticados aparelhos reprodutores e os parceiros sexuais a interface é comportamental A próprias genética se beneficia ao mesmo tempo que influencia muitos aspectos do comportamento Mais ainda os universos psicológico fisiológico farmacológico e morfológico dos animais se entrelaçam e convergem muitas vezes no comportamento colocando esse mundo em conexão estreita com o meio que o cerca A leitura dos diversos capítulos cada um ao seu modo mostra exatamente isso Ao final como não poderia faltar questões educacionais e ligadas ao ensino do comportamento são estimuladas Agradecemos a todos que mais uma vez se propuseram a estimular esta obra seja atuando direta ou indiretamente na sua construção Em particular agradeço ao Dr Rodrigo Egydio Barreto que aceitou mesmo que numa situação difícil o desafio de traduzir o capítulo sobre bemestar animal Agradecemos também a todos os autores que nos responderam em tempo recorde para a revisão de seus capítulos já presentes na primeira edição ou a redação de novos que foram incluídos nesta segunda edição Esperamos que você leitor aproveite e se beneficie desta edição tanto quanto nós o fizemos ao organizálo Maria Emília Yamamoto Gilson Luiz Volpato 10 Capítulo 1 PERCORRENDO A HISTÓRIA DO ESTUDO DO COMPORTAMENTO ANIMAL ORIGENS E INFLUÊNCIAS Maria Emilia Yamamoto emiliayamamotouolcombr Departamento de Fisiologia Centro de Biociências Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Natal RN Brasil 11 INTRODUÇÃO O interesse do homem pelo comportamento animal data de quando nossa espécie ainda vivia em cavernas Informações sobre os hábitos de predadores e presas e a maneira de lidar com espécies que pudessem ser úteis eram extremamente importantes e estavam ligadas à própria sobrevivência dos indivíduos Exemplos mais recentes como as fábulas de Esopo e as Just So Stories de Rudyard Kipling codificam morais sobre o comportamento humano através de histórias de animais Também não é incomum na linguagem atual o uso de termos relativos a animais para exprimir características humanas como burro gata fera galinha etc Desnecessário dizer que esses termos geralmente não fazem jus ao animal que representam A interação dos homens com os animais e o interesse em seu comportamento têm acompanhado a própria história humana Porém por que estudar o comportamento animal O crescimento da área nos últimos anos Snowdon 1999 Alcock 2003 demonstra que este é um campo do conhecimento científico que adquiriu uma importância inegável O reconhecimento de sua importância foi explicitado de forma inegável na justificativa de concessão do Prêmio Nobel a Nikolaas Tinbergen Karl von Frisch e Konrad Lorenz em 1973 por tirar o estudo do comportamento do beco sem saída em que se encontrava à época Mas o estudo do comportamento não é relevante apenas pelo que tem produzido e pelas questões que têm sido esclarecidas de interesse para os pesquisadores da área Sua relevância também pode ser medida pelas importantes contribuições a outras áreas do conhecimento Snowdon 1999 destaca cinco áreas para as quais o estudo do comportamento animal fez contribuições importantes 1 A compreensão do comportamento humano A diversidade de comportamento de espécies e populações animais tem servido de base para o estudo e a compreensão do comportamento humano Dois exemplos bastante conhecidos são os estudos de Harlow Harlow Suomi 1974 com macacos e de Seligman Seligman Beagley 1975 com ratos sobre estresse e privação social O modelo do desamparo aprendido desenvolvido por Seligman através da apresentação de um choque inevitável a ratos é hoje considerado um modelo clássico de ansiedade e depressão Vollmayr Henn 2003 com aplicação a humanos Shors 2004 Os estudos de Harlow sobre privação social de macacos Resos em idade precoce tiveram grande influência sobre teorias de apego e desenvolvimento infantil 12 2 A neurobiologia A observação do comportamento pode fornecer informações importantes sobre processos cognitivos e correlatos de atividade cerebral Higley Highley Linnoila 1997 desenvolveu um modelo com macacos resos para a investigação do funcionamento do sistema serotonérgico e sua relação com comportamentos indicativos de dominância e impulsividade Os resultados mostraram de forma consistente que baixos níveis de serotonina no sistema nervoso central estão correlacionados com alta agressividade falta de controle isolamento social e habilidades sociais diminuídas Highley mostrou também que experiências precoces têm um efeito sobre a expressão desses comportamentos ressaltando a interação entre genes e o meio ambiente Estudos mais recentes mostram que essa relação também é verdadeira para humanos e que a serotonina tem influência sobre o humor o comportamento social Young Leyton 2002 e os níveis de impulsividade Crean et al 2002 3 A conservação do meio ambiente e o manejo de recursos naturais Animais são importantes indicadores ecológicos e o acompanhamento de seu comportamento permite avaliar riscos ao ambiente mais precocemente do que indicadores tradicionais como diminuição na taxa reprodutiva e no tamanho de populações Não só desse ponto de vista que o estudo do comportamento é importante Medidas conservacionistas precisam além do conhecimento sobre a ecologia e a genética das espécies ameaçadas também saber como o animal se comporta Trabalhos de reintrodução de animais ameaçados ao seu habitat natural necessitam de um programa de acompanhamento e treinamento intensivo para alcançar uma taxa de sobrevivência que nos casos bem sucedidos variou entre 34 e 71 Beck et al 1991 As dificuldades enfrentadas por esses animais vão da defesa e identificação de predadores a escolha de habitat procura e processamento de alimento locomoção e escolha de parceiro Shumway 1999 O conhecimento anterior do comportamento dessas espécies é necessário para que os animais possam ser treinados a enfrentar tais dificuldades O mesmo é verdadeiro para o manejo de populações selvagens o planejamento de reservas de conservação a redução de conflitos homemanimais e a criação bemsucedida em cativeiro 4 O bemestar animal Há uma história tristemente famosa na primatologia de um grupo de babuínos hamadrias selvagens que foi levado a um zoológico alemão para exibição ao público Na época meados do século XX esses animais eram completamente desconhecidos e o procedimento padrão de alojamento foi utilizado um número semelhante de machos e fêmeas foi alojado em um mesmo local O que se seguiu depois foi uma verdadeira guerra machos iniciaram uma disputa cruenta pelas fêmeas causando morte entre eles e entre as fêmeas em disputa Trabalhos posteriores principalmente de Hans Kummer 1984 em ambiente natural e no laboratório mostraram que esses animais tinham uma organização social extremamente complexa constituída de quatro níveis famílias clãs bandos e tropas A unidade básica as famílias é formada por um macho adulto ao menos uma mas em geral duas ou três fêmeas e 13 suas crias Há uma hierarquia entre os machos mas quando um macho dominante observa uma unidade familiar isto é ele associa um macho a uma fêmea ele respeita a ligação do par e não disputa a fêmea Na situação descrita acima o desconhecimento do comportamento e ecologia da espécie resultou em um comportamento aberrante que poderia ser evitado caso o alojamento dos animais fosse feito respeitando suas características específicas Uma questão mais emergente referese à pesca esportiva onde se inclui a prática do pesqueesolte na qual se pesca o peixe ele é retirado da água e posteriormente devolvido à água Essa prática pressupõe que esses animais não sintam dor uma conclusão que não se sustenta frente a uma abordagem mais ampla sobre os animais Volpato 2000 Como a dor é uma percepção que não é fácil de ser evidenciada nos animais não humanos a descrição comportamental foi fundamental Num desses estudos por exemplo Sneddon 2003 mostrou que um estímulo químico nocivo 01 ml de ácido acético 01 em salina estéril colocado nos lábios da truta arcoíris fazia esses animais balançarem o corpo apoiados na nadadeira peitoral rasparem os lábios contra o substrato e paredes do aquário e dobrarem a freqüência ventilatória Porém esses peixes aboliram essas reações comportamentais quando antes do estímulo doloroso recebiam dose de morfina um potente analgésico Outros estudos também corroboram essa idéia e hoje podem servir de norteamento para se abolir o pressuposto básico da prática da pesca esportiva Balon 2000 Chandroo 2004 Sneddon et al 2003ab Sneddon 2004 Como visto o conhecimento do comportamento é fundamental para que a criação em cativeiro e o tratamento com os animais sejam feitos de forma ao mesmo tempo eficiente e que atenda às necessidades dos animais 5 A educação em ciência e a atração para a carreira científica A atratividade desta área de pesquisa é uma porta de entrada para a carreira científica para muitos jovens com potencial Dados de Snowdon 1999 mostram que até 75 de alunos de graduação em biologia interessase em cursar disciplinas de comportamento animal nos EUA e no Reino Unido mesmo quando elas não são obrigatórias Minha experiência na Universidade Federal do Rio Grande do Norte sugere que este tipo de atração pela área também ocorre aqui no Brasil em alunos de Biologia e Psicologia O estudo do comportamento animal é feito atualmente por várias disciplinas e com objetivos diferentes embora complementares Como Laland e Brown 2002 sugerem o estudo do comportamento requer a investigação de questões amplas que incluam não apenas aquelas relativas a como o comportamento se desenvolve durante o período de vida de um indivíduo mas também as relativas à evolução do comportamento Essa amplitude de questões de investigação veio dar origem ao longo 14 do tempo a várias disciplinas científicas Um olhar na história do estudo do comportamento animal permite entender como isto veio a ocorrer O modelo teórico que abre a possibilidade do estudo do comportamento animal do ponto de vista evolutivo é proposto por Charles Darwin em seu livro A Origem das Espécies 18591981 Nele Darwin propõe a teoria da evolução1 através da seleção natural2 que parte do pressuposto que há uma continuidade entre todos os seres vivos o homem aí incluído3 Isso já havia sido proposto por Aristóteles com sua Scala Naturae porém ele via a evolução como uma escada com o homem em seu topo O grande mérito de Darwin foi descartar a linearidade e propor uma estrutura ramificada a árvore da vida nascida de uma única raiz evoluindo e diversificandose em inúmeros ramos evolutivos As diferenças perdem neste caso a conotação de grau ou status de melhor e pior de perfeito e imperfeito sem perder sua relação histórica com a raiz da vida Em um livro posterior A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais 18732000 Darwin faz descrições do comportamento de animais de forma anedótica como era o costume da época Essas descrições ilustravam seu ponto de vista de que as mentes de homens e animais mostravam diferenças apenas de complexidade e que portanto era possível compreender a mente e as emoções humanas através do estudo de animais George Romanes protegido e posteriormente assistente de pesquisa de Darwin pode ser considerado o fundador do estudo do comportamento animal em função de seus estudos do comportamento principalmente de invertebrados usando como pano de fundo a teoria da seleção natural Outros cientistas se interessaram pela área e desenvolveram estudos no final do século XIX e início do século XX como Herbert Spencer Jennings Ivan Pavlov Edward L Thorndike e T SchjelderupEbbe cujo estudo sobre a ordem das bicadas em galinhas deu origem ao conceito de dominância 1 A teoria da evolução propõe que as espécies hoje existentes evoluíram a partir da modificação genética de seus ancestrais através de alterações graduais e pelo mecanismo da seleção natural Após a formulação de Darwin várias adições foram propostas como as mutações neutras o efeito do fundador a deriva genética e a exaptação 2 A seleção natural é um processo através do qual indivíduos mostram sobrevivência eou reprodução diferencial Para que a seleção natural ocorra três condições devem ser satisfeitas a a população em que esse indivíduo se encontra deve mostrar variação genética b essa característica de base genética deve ser transmitida através da hereditariedade c algumas das variações devem prover vantagens reprodutivas eou de sobrevivência ao seu portador 3 Darwin desenvolveu a teoria da seleção natural sem qualquer conhecimento das leis mendelianas da genética o que torna o seu feito ainda mais notável Rose 1998 relata que após a morte de Darwin foi encontrado entre seus papéis uma correspondência com a cópia do trabalho de Mendel com ervilhas ainda por abrir Fica a cargo de nossa imaginação o que poderia advir desse encontro de idéias 15 Após a morte de Darwin a influência de sua teoria perdeu força Darwin e a teoria da evolução permaneceram mais ou menos esquecidos mesmo no início do século XX quando as leis de Mendel foram redescobertas O renascimento da doutrina darwinista coincide com dois movimentos aparentemente irreconciliáveis que sacudiram a psicologia entre 1930 e 1940 um deles claramente ligado à proposta darwiniana a etologia nascida na Europa e a psicologia comparada ou experimental com raízes nos Estados Unidos As duas abordagens tinham pontos de partida opostos mas a grande batalha travouse fundamentalmente sobre a questão do desenvolvimento Enquanto que os etólogos enfatizavam o papel da natureza do biológico os psicólogos consideravam que os comportamentos eram fundamentalmente aprendidos É claro que quando os pontos de partida são tão diferentes também o serão os procedimentos as condições de coleta de dados as questões estudadas e inevitavelmente os resultados obtidos Então enquanto os etólogos preferiam estudar uma ampla variedade de animais mas principalmente peixes e pássaros em ambiente natural à procura de características específicas das espécies os psicólogos estudavam mamíferos principalmente ratos em ambiente controlado de laboratório buscando por leis gerais de aprendizagem Não é de surpreender que os primeiros descreveram comportamentos estereotipados característicos de cada espécie dando origem a conceitos tais como padrão fixo de ação4 estímulo sinal5 e mecanismo liberador inato6 Já os outros com sua ênfase no controle e procedimentos padronizados descreveram leis gerais da aprendizagem como a lei do reforçamento7 o condicionamento clássico8 e o condicionamento operante9 4 Padrão fixo de ação uma resposta motora padronizada específica da espécie que pode ser iniciada por um estímulo ambiental mas que continua até que a seqüência se complete independente da influência de estímulos externos 5 Estímulo sinal estímulo simples tal como uma cor ou som que desencadeia um padrão fixo de ação 6 Mecanismo liberador inato um mecanismo neurosensorial especial que libera uma reação a um estímulosinal ou a uma combinação desses estímulos 7 Reforçamento qualquer ação ou evento que aumenta a probabilidade de que uma resposta seja repetida 8 Condicionamento clássico aprendizagem que ocorre através da associação de um estímulo neutro com um estímulo que causa uma resposta reflexa 9 Condicionamento operante aprendizagem que ocorre quando uma resposta aumenta em freqüência após a apresentação de um evento reforçador 16 Duas são as figuras mais representativas do primeiro movimento Konrad Lorenz e Nikolaas Tinbergen10 Apesar de terem sido amigos e colaborado durante a maior parte de suas carreiras não poderia haver duas pessoas mais diferentes Lorenz austríaco de família bem sucedida cujo pai era um ortopedista afamado cresceu na ampla propriedade familiar na qual conviveu com os animais de que tanto gostava Extrovertido exuberante Lorenz dominava e encantava a todos em congressos e conferências e talvez tenha sido o cientista que mais contribuiu para a divulgação da Etologia enquanto área de investigação Defensor intransigente da observação naturalista do comportamento é por muitos considerado um contador de histórias mais do que um cientista Tinbergen por outro lado é descrito como um homem gentil e discreto um cientista cuidadoso que planejava seus experimentos de forma elegante respondendo a questões sobre a evolução Seu legado é visível até hoje nos trabalhos científicos da área As quatro questões11 propostas por ele para estudar o comportamento animal são consideradas como a pedra de toque do estudo do comportamento ver Ferreira capítulo 4 deste volume Na Psicologia Comparada a figura mais conhecida do lado mais radical do espectro é B F Skinner Contemporâneo de Lorenz e Tinbergen ele criou a partir das idéias de John B Watson e Ivan Pavlov a teoria do behaviorismo Em completa oposição à Etologia Skinner pregava que indivíduos humanos e não humanos eram em grande parte o produto de seu ambiente devendo a maior parte de suas características à aprendizagem Extremamente criativo e habilidoso construía a maioria dos equipamentos que usava em seus experimentos o mais famoso deles a caixa de 10 O reconhecimento da área veio com a concessão do Prêmio Nobel de Medicina em 1973 a estes dois pesquisadores juntamente com Karl von Frisch A razão apresentada para a concessão do prêmio foi que esses pesquisadores com seu entendimento das bases evolutivas do comportamento haviam tirado esta área do beco sem saída das explicações divergentes fornecendo uma visão abrangente Curiosamente Jay Tinbergen irmão de Nikolaas já havia recebido o Prêmio em 1969 por seu trabalho na área de economia 11 Em resposta à divergência sobre que tipo de explicação sobre o comportamento era mais adequada Tinbergen propôs quatro questões complementares que deveriam ser respondidas para um completo entendimento da determinação do comportamento a quais são os mecanismos que regulam o comportamento b como o comportamento se desenvolve c qual o seu valor de sobrevivência d como ele evoluiu ou qual sua história filogenética As duas primeiras são também chamadas de questões próximas pois dizem respeito aos determinantes localizados no ambiente interno e externo do indivíduo As duas últimas são chamadas de questões finais ou funcionais no sentido de que procuram por determinantes evolutivos Poderíamos dizer que as questões próximas são questões do tipo como e as finais do tipo por que 17 Skinner ou caixa de condicionamento operante até hoje utilizada em laboratórios de ensino e pesquisa em todo o mundo12 Lorenz e Skinner representam os extremos no contínuo inatoadquirido no estudo do desenvolvimento embora nunca tenham se defrontado em um debate A polêmica levantada por essas duas posições no entanto foi longa e feroz Muito foi escrito e dito por defensores de ambos os lados mais para criticar a posição oposta do que para defender a própria posição Porém uma parte dos cientistas da época situava se em uma espécie de área cinzenta entre eles Daniel Lehrman que foi uma peça chave na integração das duas abordagens Lehrman era um homem tão carismático quanto Lorenz e alinhavase com os psicólogos experimentais Por formação e inclinação porém ele aliava aos estudos sobre hormônios e comportamento em pombos que realizava em seu laboratório a paixão pela observação naturalista de pássaros Em 1953 publicou um artigo no periódico Quarterly Review of Biology intitulado A critique of Konrad Lorenzs theory of instinctive behavior no qual ele criticava a dicotomia entre inato e aprendido defendida por Lorenz Lehrman criticava duramente a idéia de que todos os comportamentos pudessem ser classificados como inatos ou aprendidos e propunha como alternativa uma abordagem interacionista Ele argumentava que todo comportamento originase de uma interação entre um organismo em desenvolvimento e seu meio antecipando a posição predominante nos dias atuais Durante pelo menos as duas décadas seguintes foi travado um acirrado debate sobre a questão inatoaprendido biológicosocial naturezacriação em inglês naturenurture que constituiu o cerne da disputa entre os dois grupos Defensores de uma ou outra posição não conseguiam enxergar o mérito da posição oposta e acumulavam evidências favoráveis à posição que defendiam Do lado dos psicólogos experimentais o conceito de inato era amplamente criticado seja pela dificuldade de definição normalmente ele era definido pela sua negação aquilo que não é aprendido ou pelo acúmulo de evidências de que algumas das características associadas a ele podem facilmente ser atribuídas a outras causas Por exemplo o caráter estereotipado de um comportamento que para os etólogos era 12 Um exemplo da inventividade de Skinner foi a invenção da baby box um berço modificado que ele criou para sua segunda filha Deborah Consistia num espaço fechado com temperatura e umidade controladas no qual o bebê podia dormir A frente tinha uma vasta janela de acrílico que permitia visão do ambiente Skinner deu uma entrevista à revista Ladies Home Journal apresentando sua invenção Essa entrevista criou uma grande polêmica gerando o boato de que o cientista criava sua filha em uma caixa de observação o que é claro não correspondia à verdade pois a caixa era usada apenas para o bebê dormir 18 evidência de que era característico da espécie e inato podia ser também explicado por um ambiente extremamente uniforme para os animais de uma determinada espécie Além disso o caráter inato de um comportamento não podia ser demonstrado experimentalmente Os procedimentos habituais como os experimentos de isolamento13 e de cruzamento14 não permitiam a exclusão do ambiente como fator de influência sobre a expressão do comportamento O segundo tipo principalmente traz embutida uma falácia a de que a existência de uma base genética impede qualquer influência do ambiente O argumento inatista perdeu ainda mais força quando foi demonstrado que comportamentos tradicionalmente tidos como inatos e específicos da espécie podiam ser modificados pela experiência como é o caso do sugar em bebês Embora um bebê recémnascido mostrese capaz de sugar o bico do seio de uma mamadeira ou de uma chupeta este comportamento não é imune à experiência Vários estudos sugerem que o bebê aprimora essa habilidade à medida que se desenvolve e que a lactação é um importante canal de comunicação entre a mãe e a criança de forma que essa atividade tornase com o decorrer do tempo algo muito mais complexo do que apenas um episódio de alimentação atestando a plasticidade do comportamento humano Por outro lado os etólogos insistiam que a aprendizagem não podia ser encarada como uma regra sem limites Nesse sentido o envolvimento da aprendizagem na modelagem de um comportamento não significa que esse comportamento não tenha uma base genética Da mesma forma não se pode ensinar qualquer coisa a qualquer indivíduo as características biológicas de cada espécie impõem limites que não podem ser transpostos A famosa frase de Watson de que poderia transformar qualquer bebê saudável em um médico advogado comerciante ou mendigo independente de seus talentos peculiaridades habilidades vocação ou raça citado por Goodenough 1993 13 Experimentos de isolamento são experimentos nos quais os animais são separados de seus co específicos no momento do nascimento passando a viver isolado até que venha a ser testado A lógica por trás deste experimento é que o animal não teria oportunidades de aprender com outro animal da mesma espécie e porisso o comportamento resultante deveria ser inato Obviamente a aprendizagem também se dá por interação com o ambiente físico e esses experimentos não eliminavam a possibilidade de aprendizagem 14 Experimentos de cruzamento ou de hibridação há três variações deste experimento Na primeira indivíduos com variações em determinado traço ou comportamento são cruzados e observase como o traço se manifesta na prole No segundo caso linhagens de comportamento semelhante são cruzadas entre si para enfatizar o traço No terceiro caso fazse o cruzamento seletivo também chamado de seleção artificial no qual indivíduos com uma determinada característica são cruzados para acentuar essa característica Este tipo de experimento não fornece evidências para o caráter inato do comportamento apenas para sua base genética No entanto o fato de um comportamento apresentar base genética não significa que ele não sofre influência do ambiente não fornecendo portanto uma base segura para o caráter inato do comportamento ou traço 19 não podia ser aceita pelos etólogos Rapidamente até mesmo os psicólogos perceberam que ela era de fato uma afirmação muito ampla e extrema para ser verdadeira O trabalho de Keller e Marion Breland 1961 alunos de Skinner que treinavam animais para fins comerciais conta de sua dificuldade em treinar um guaxinim a depositar uma ou duas moedas em um cofrinho na vitrine de um banco de forma a encorajar os transeuntes a iniciarem uma poupança O guaxinim perdeu rapidamente seu emprego assim como o casal de psicólogos quando antes de colocar as moedas no cofrinho e assim receber um alimento como recompensa passava alguns bons minutos esfregando as moedas ou colocandoas na fenda do cofre e retirandoas em seguida Ao fazer a associação entre seu desempenho e o alimento essa associação remeteu a outra muito mais forte porque específica da espécie entre limpeza e alimento Um outro princípio da aprendizagem o da equivalência de associação também foi questionado Garcia e Koelling citados por Goodenough 1993 em um engenhoso experimento mostraram que alguns tipos de associação eram possíveis de ser estabelecidos como um gosto doce associado à náusea e uma luz a um choque resultando em comportamentos de esquiva15 em ratos Porém o contrário a associação da luz à náusea e do gosto doce ao choque não resultava em comportamento de esquiva As predisposições naturais da espécie resultam em diferentes habilidades de aprendizagem que refletem adaptações a diferentes habitats ou estilos de vida Essas adaptações são adquiridas ao longo de milhares muitas vezes milhões de anos de evolução e dificilmente podem ser erradicadas por um processo de aprendizagem em uma situação artificial Foi apenas a partir da década de 1970 que este debate começou a perder força A gradativa integração dos dois campos deve muito a Lehrman não apenas pela força de seus argumentos mas também pelo fato de que sua formação no estudo naturalista de pássaros derrubou barreiras do lado dos etólogos e também a Tinbergen que com sua mentalidade experimental aliada ao método naturalista estabeleceu os parâmetros para a pesquisa em psicologia comparada A posição dominante atualmente reconhece as predisposições biológicas presentes em todos os indivíduos e sua modulação pelo ambiente resultado de um sistema nervoso fundamentalmente plástico Embora o debate naturezacriação ainda perdure em alguns redutos na grande maioria das áreas há um entendimento de que não é possível falar em determinação genética ou ambiental 15 Comportamento caracterizado como de evitação de um estímulo aversivo pela apresentação de um comportamento que adia ou elimina tal estímulo 20 desvinculadas uma da outra A interação entre elas é que define a individualidade e as diferenças individuais mantendo não obstante um padrão específico que define a pertinência taxonômica do indivíduo DESENVOLVIMENTOS ATUAIS Na segunda metade do século XX novos conceitos foram propostos para explicar a evolução do comportamento entre eles a seleção de parentesco16 a aptidão abrangente17 e a teoria dos jogos18 lançando os fundamentos do chamado neo darwinismo Esses conceitos ampliaram o âmbito da explicação evolucionista e deram origem a duas novas áreas a ecologia comportamental mais ligada à biologia e herdeira direta da etologia de Tinbergen e a psicologia evolucionista uma combinação da biologia evolutiva e da psicologia cognitiva Essa abordagem propõe o estudo da mente humana adaptada Barkow et al 1992 e tem sido igualmente criticada e festejada Essa disciplina é ainda muito jovem para que possa ser adequadamente avaliada mas seu impacto não pode ser ignorado Boyer Heckhausen 2002 A psicologia evolucionista e a ecologia comportamental são disciplinas muito próximas e há um fluxo de informações entre elas fruto de sua raiz comum No Brasil a etologia e o estudo do comportamento animal têm sua origem na psicologia mas especificamente no laboratório de Psicologia Animal do Instituto de Psicologia da USP criado por Walter Hugo de Andrade Cunha em meados de 1960 Esse laboratório na realidade um sauveiro instalado de forma meio precária que por vezes necessitava de uma operação de recuperação de operárias em fuga Fuchs 1995 foi a origem dos primeiros pesquisadores na área de comportamento animal e etologia formados por Cunha Alguns deles seguiram carreira acadêmica na própria USP como Ana Maria Almeida de Carvalho Fernando José Leite Ribeiro Mário Guidi e César Ades Cunha e o IPUSP foram de certa forma um centro irradiador na formação de novos grupos voltados ao estudo do comportamento animal Dos grupos que hoje 16 Seleção de parentesco processo através do qual características são favorecidas em função de benefícios para a sobrevivência de parentes descendentes ou não 17 Aptidão abrangente soma da aptidão obtida através da própria reprodução e do esforço empregado na reprodução de parentes não descendentes como irmãos 18 Teoria dos jogos teoria originalmente desenvolvida por John Nash para aplicação na área de economia e adaptada por John Maynard Smith para analisar custos e benefícios de estratégias comportamentais complexas 21 trabalham nessa área a maior parte tem uma ligação com aquela instituição embora vários tenham incorporados em sua origem ou posteriormente profissionais formados em outras instituições e no exterior Alguns desses grupos estão localizados na Universidade Federal do Rio Grande do Norte na Universidade Católica de Goiás na Universidade Federal do Pará e na Universidade Federal de Santa Catarina A nova área de psicologia evolucionista é incipiente no país com alguns poucos pesquisadores espalhados em algumas instituições mas há um grande interesse entre alunos e profissionais prevendo seu crescimento A aprovaçãoo em 2005 de um projeto do Instituto do Milênio em Psicologia Evolucionista deu grande visibilidade a área tanto nacional como internacionalmente e permitiu a formação de mestres e doutores que representam o futuro do estudo da psicologia humana do ponto de vista evolutivo É importante destacar que esta é uma área por definição multidisciplinar Isso implica o envolvimento de profissionais de diferentes formações e a utilização de conceitos da biologia da psicologia das neurociências da genética e da antropologia entre outras Essa integração de conceitos de diferentes disciplinas amplia o escopo da explicação do comportamento permitindo uma visão mais ampla e integrada Essa visão tem ocupado um espaço crescente recentemente nas várias áreas de conhecimento já citadas mas também em outras que utilizavam tradicionalmente explicações evolucionistas como é o caso da medicina O crescimento do interesse no estudo do comportamento animal aqui incluindo nosso espécie reflete exatamente o aumento do interesse e da influência da teoria da evolução não apenas nas ciências mas também na vida prática Rose 1998 ressalta a utilização de conceitos evolucionistas a na agricultura e pecuária através do desenvolvimento de novas variedade de alimentos e da seleção artificial de animais visando a otimização da produção de alimentos b na conservação da natureza e dos animais através da compreensão das adaptações que permitem a reintrodução de animais ao ambiente natural e a recuperação de áreas devastadas c na medicina como no desenvolvimento de novos procedimentos para prevenir a resistência a antibióticos Bergstrom et al 2004 e d na sociedade através da compreensão dos mecanismos evolutivos que promovem comportamentos como a religiosidade a moralidade ou a discriminação Yamamoto Lopes 2009 Yamamoto et al 2009ab A idéia de Darwin já foi considerada perigosa capaz de sacudir os alicerces da sociedade Também já foi condenada ao esquecimento por um breve período histórico Dennet 1996 recupera essas idéias e reafirma que a proposta de Darwin é de 22 fato perigosa pois ela nos força a reconsiderar nossas crenças anteriores e vários dos conceitos tradicionais da sociologia e da filosofia Certamente a teoria da evolução mudou a biologia e a psicologia mudou também as perguntas e o conteúdo da pesquisa científica em várias áreas do conhecimento e mais importante nos esclareceu sobre nossas origens e nossa natureza O estudo do comportamento animal do ponto de vista evolutivo é um pujante desdobramento da teoria da evolução que muito vem contribuindo para essa compreensão REFERÊNCIAS Alcock J 2003 A textbook history of animal behaviour Animal Behaviour 65 310 Balon EK 2000 Defending fishes against recreational fishing an old problem to be solved in the new millennium Environmental Biology of Fishes 57 18 Barkow JH Cosmides L Tooby J 1992 The Adapted Mind Evolutionary Psychology and the Generation of Culture Oxford Oxford University Press Bergstrom CT Lo M Lipsitch M 2004 Ecological theory suggests that antimicrobial cycling will not reduce antimicrobial resistance in hospitals Proceedings of the National Academy of Science of the United States of America 101 1328590 Boyer P Heckhausen J 2002 Introductory notes American Behavioral Scientist 43 91725 Breland K Breland M 1961 The misbehavior of organisms American Psychologist 16 6814 Chandroo KP Duncan IJH Moccia RD 2004 Can fish suffer Perspectives on sentience pain fear and stress Applied Animal Behaviour Science 86 22550 Darwin CR 18591981 A Origem das Espécies São Paulo Hemus Darwin CR 18732000 A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais São Paulo Companhia das Letras Dennet D 1996 Darwins Dangerous Idea Evolution and the Meanings of Life New York Touchstone De Waal FBM 2001 The Ape and the Sushi Master Cultural Reflections of a Primatologist New York Basic Books 23 Desmond A Moore J 2000 Darwin A Vida de um Evolucionista Atormentado São Paulo Editorial Fuchs H 1995 Psicologia animal no Brasil o fundador e a fundação Psicologia USP 6 1542 Futuyma DJ 1992 Biologia Evolutiva Ribeirão Preto Sociedade Brasileira de Genética Goodenough J McGuire B Wallace R 1993 Perspective on Animal Behaviour New York John Wiley Sons Gould SJ 1977 Darwin e os Grandes Enigmas da Vida São Paulo Martins Fontes Lehrman D 1953 A critique of Konrad Lorenzs theory of instinctive behavior Quarterly Review of Biology 28 33763 Richards G 2002 Putting Psychology in its Place A Critical Historical Overview Sussex Routledge Rose MR 1998 Darwins Spectre Evolutionary Biology in the Modern World Princeton Princeton University Press Sneddon LU 2003 The evidence for pain in fish the use of morphine as an analgesic Applied Animal Behaviour Science 83 15362 Sneddon LU 2004 Evolution of nociception in vertebrates comparative analysis of lower vertebrates Brain Research Reviews 46 12330 Sneddon LU Braithwaite VA Gentle MJ 2003a Do fishes have nociceptors Evidence for the evolution of a vertebrate sensory system Proceedings of the Royal Society of London B 270 111521 Sneddon LU Braithwaite VA Gentle MJ 2003b Novel Object Test Examining Nociception and Fear in the Rainbow Trout The Journal of Pain 48 43140 Volpato GL 2000 Pesque e solte uma análise crítica Plural 1 920 Yamamoto ME Lopes FA 2009 Coalizões e etnocentrismo o ponto de vista da teoria evolucionista Oecologia Brasiliensis 13 2018 Yamamoto ME Alencar AI Lacerda ALR 2009a Comportamento moral ou como a cooperação pode trabalhar a favor de nossos genes egoístas PP 13343 In Otta E Yamamoto ME eds Psicologia Evolucionista São Paulo GuanabaraKoogan Yamamoto ME Leitão M Castelo Branco R Lopes FA 2009b Religious behavior and cooperation pp 21940 In Feierman J ed The Biology of Religious Behavior The Evolutionary Origins of Faith and Religions Westport Praeger 25 Capítulo 2 CIÊNCIA E COMPORTAMENTO ANIMAL Gilson Luiz Volpato volpgilgmailcom Departamento de Fisiologia Instituto de Biociências Caunesp Universidade Estadual Paulista UNESP Botucatu SP Brasil 26 A CIÊNCIA O comportamento animal fascina muitas pessoas É um objeto de estudo muito visível e que faz parte do mundo de qualquer um levando a indagações e tentativas de respostas desde bem cedo da formação infantil Além desse caráter de curiosidade o comportamento animal é assunto de interesse científico onde se procura entender sua forma suas causas e conseqüências Neste capítulo discorro sobre as bases mais gerais da ciência procurando mostrar o que é fazer ciência do comportamento animal Para isso recorro várias vezes às minhas próprias publicações nas áreas de Metodologia e Redação Científica onde procuro analisar as questões mais gerais do prisma particular de quem exerce a prática da investigação científica Utilizo também algumas das pesquisas desenvolvidas em meus laboratórios buscando com isso mostrar que os pontos de vista aqui apresentados são antes de tudo partes integrantes da vida cotidiana de um cientista comum mais do que exceções presentes apenas nas obras clássicas da história da ciência Evidentemente autores e obras clássicas não foram desprezados mas reduzidos ao mínimo essencial Embora a compreensão do comportamento animal contemple uma série de abordagens a mais freqüente é a científica que procura entender as leis do comportamento animal a partir da observação de fatos considerados até certo ponto concretos Ou seja cada explicação que se dá ou cada lei que se enuncia deve estar baseada em evidências que podem de certa forma ser consideradas de aceitação universal Se quisermos relacionar o estudo do comportamento animal com a ciência necessariamente temos que entender o que é ciência Essa necessidade de contrapor as idéias com constatações empíricas dados concretos do mundo real é uma característica da Ciência Moderna e que tem sido o principal responsável pelo seu desenvolvimento Enquanto na abordagem filosófica sejam aceitas conclusões apenas pela coerência interna do discurso sem incluir necessariamente evidências factuais na científica é necessário que as conclusões possuam uma base empírica no sentido de fato concreto algo observável Russel 1977 Assim o cientista não pode simplesmente dizer que acha que tal coisa seja de determinada forma É necessário mostrar fatos evidências que sustentam essa afirmação É a tal da história do matar a cobra e mostrar o pau Embora essa abordagem seja passível de crítica pois nem todo o universo necessita se acomodar a 27 esse pressuposto a prática da ciência tem mostrado vantagens interessantes desse método A tecnologia é um dos ramos do saber humano que muito se vale desse viés científico Quando ligamos um interruptor e a lâmpada acende percebemos que algo de correto deve haver nas teorias elétricas pressupostas nesse sistema Da mesma forma quando viajamos de avião e temos a grata percepção de que ele não caiu percebemos também que algo de correto deve haver nas muitas teorias pressupostas na aviação É essa confrontação entre o teórico e o concreto o prático o observável mesmo que em escala diminuta que dá ao conhecimento científico um status diferente e que permite que tecnologias funcionem Aliás dentro das abordagens humanas ciência filosofia religião arte e loucura vide Volpato 2007b a ciência é a única que fornece sobremaneira conhecimento que gera tecnologia Nesses quase 400 anos da utilização desse viés do método científico o desenvolvimento tecnológico foi imenso e isso não foi ao acaso A consistência que esse método dá aos conhecimentos gerais elaborados é bastante razoável embora saibamos que método algum garantirá a verdade de qualquer enunciado teórico Feyerabend 1996 Outro aspecto interessante da atividade científica é que se baseia geralmente em constatações de casos passados para aventar idéias sobre casos futuros Esse processo de generalização é conhecido como indução19 no qual se parte de observação de casos particulares para se generalizar sobre um todo maior gerando uma conclusão probabilística Por exemplo você observa uma amostra de ratos e conclui sobre a 19 Esse tipo de indução tem sido fortemente criticado por Sir Karl Popper e seus seguidores vide Popper 1972 e Lakatos Musgrave 1979 Segundo esse pensamento nem a observação de todos os casos passados garante que os casos futuros sejam como foi no passado Eles dizem que há apenas uma expectativa de que seja assim de forma que a confiabilidade da conclusão é apenas psicológica De fato esse parece ser o caso mas é assim que grande parte da ciência tem funcionado há séculos Mesmo com esse caráter provisório o estudo científico tem trazido seus frutos e permitido gerar tecnologia aceitável e confiável Portanto mesmo reconhecendo as razões lógicas dessa crítica na prática da pesquisa científica a indução ainda é usada Logicamente a questão é um pouco mais profunda Popper não apenas diz que ela é falha e diz textualmente isso mas diz que não existe Como algo que não existe pode ser falho Evidentemente aqui há uma mistura entre a teoria e a prática Popper diz que toda observação parte de uma teoria e portanto não há indução a partir da observação Mas reconhece que a indução feita por vários cientistas é uma expectativa psicológica Eu particularmente acho que a indução existe e é útil na pesquisa Observem que a constatação de um caso inusitado por exemplo a ocorrência de canibalismo num grupo de animais durante uma sessão de observações pode levar o pesquisador ao insight de uma nova conclusão o que fica difícil de ser atribuído senão a um processo de indução Nesse caso é difícil admitir que essa observação estivesse contaminada com teoria que levou à conclusão 28 população dessa espécie Nessa conclusão você deu um salto de uma amostra para um grupo maior Essa amostra é limitada e pertence ao passado você já observou mas sua conclusão é válida para a espécie que pertence ao passado presente e futuro Ou seja na ciência ninguém descreve o comportamento de alguns animais por causa desses animais mas sim para entender as leis do comportamento aplicáveis a grupos maiores por ex uma população ou uma espécie TIPOS DE ESTUDO Na busca por uma ciência do comportamento animal o cientista precisa mais do que conhecer os comportamentos Tem que saber o que significa fazer ciência e como construíla A seguir descrevo os principais tipos de pesquisa científica o que descreve situações e o que testa hipóteses Ambos são necessários e importantes para a ciência Mas envolvem propostas e métodos diferentes Mostro a contribuição de cada um na construção da rede de conhecimentos científicos sobre o comportamento animal Ressalto que os dados coletados nada significam a menos que o cientista lhes dê sentido e faça que esse sentido seja aceito pela comunidade científica Assim fazer ciência do comportamento é contar histórias mostrar um discurso coerente e embasado em fatos acerca do comportamento dos animais É mais que relatar um caso é buscar as generalizações as leis subjacentes aos casos observados É essa preocupação que separa o pesquisador do cientista Enquanto o primeiro pesquisa e levanta informações o segundo as entende e com isso compreende parte da natureza biológica Estudos Descritivos a Morfologia do Comportamento Muitos iniciantes no estudo do comportamento animal se deslumbram pela morfologia dos comportamentos Querem saber o repertório comportamental de determinada espécie geralmente se empolgam com um tipo de animal Desse desejo partem inevitavelmente para descrições pormenorizadas desses comportamentos coletando dados em várias situações muitas vezes preferindo as observações em condições de natureza Descrevem detalhadamente os comportamentos que observam mesmo que com auxílio de filmagens Essa é geralmente a primeira etapa do estudo do comportamento Conhecer os padrões motores do comportamento de escavar de um cachorro ou a dança nupcial de 29 um peixe ou ainda o comportamento de ingestão de água de uma ave é similar ao se conhecer a estrutura de um órgão ou a taxa de incidência de uma doença numa população Você apenas descreve o que vê mas precisa estar certo da validade dessa descrição Por serem estudos descritivos de uma situação não há necessidade do cientista elaborar hipóteses a priori Ele pode simplesmente observar e concluir Nesse caso prever antecipadamente o que será visto de nada adianta Por exemplo podemos imaginar que o comportamento a ser observado terá três itens comportamentais exibidos numa determinada seqüência sendo o primeiro item o mais freqüente Essa elucubração teórica de nada adianta frente às observações que você faz pois seus dados coletados não apenas testam essa idéia mas também já fornecem a resposta a ser aceita O que guia a metodologia a ser empregada é a pergunta e não a hipótese Além disso se tal hipótese é derrubada temos a conclusão do estudo que decorre da descrição que testou a própria hipótese Por essa razão é imperativo que os estudos descritivos que buscam caracterizar um comportamento não usem o recurso metodológico de elaboração de hipóteses pois elas de nada adiantam nesse caso O fato desses estudos não necessitarem de hipóteses não implica que sejam simples pois podem evoluir para a construção de conhecimento científico generalizações Envolvem planejamento e cuidado com detalhes que do contrário comprometeriam toda a validade das descrições realizadas Por exemplo imaginemos que você descreveu o comportamento de um indivíduo de certa espécie de pássaro Por mais detalhada que essa descrição tenha sido feita ela vale para aquele indivíduo Saber o quanto o comportamento desse indivíduo representa o comportamento das outras aves dessa espécie é outra questão Todos nós sabemos que certas aves migram O comportamento típico dessas espécies inclui a migração em certas condições Nessas populações cada indivíduo se comporta de uma mesma forma quanto a essa característica mesmo que possam existir exceções Portanto enquanto descrevemos o comportamento de um animal estamos procurando caracterizar o comportamento de um grupo maior Essa caracterização tem sentido para a ciência Conhecer que a cachorrinha hag descansa todos os dias no período da tarde sobre determinado sofá pode ser de relevância para seu dono mas só será de interesse aquilo que representar algo válido para um grupo maior de cachorros Isso é razoável pois certamente a cachorrinha hag morrerá algum dia e com ela esse conhecimento que só tinha significado em relação a ela Mas o conhecimento gerado e relativo ao grupo maior por 30 ex a raça permanecerá válido até que seja negado Portanto os estudos que buscam descrever o comportamento dos animais pelo simples prazer de descrevêlos no contexto científico são válidos apenas se fornecem generalizações sobre a população a espécie o gênero etc Isso é parte da ciência do comportamento animal A próxima questão é saber o quanto o comportamento de um indivíduo pode representar um grupo maior Evidentemente estamos falando de amostragem mas tudo depende do estágio de conhecimento em cada caso específico Se tivermos apenas um relato do comportamento de alimentação de um exemplar do pássaro amazônico uirapuru que sabemos ser raramente encontrado não podemos descartar essa informação simplesmente porque foi feita em um único exemplar Enquanto não tivermos mais dados nossas conclusões devem ser baseadas nesse relato Logicamente teremos a cautela suficiente para não imaginarmos que todos os uirapurus necessariamente se comportarão da mesma forma que o caso observado mas se tivermos que apostar certamente apostaremos com base no caso observado20 Da mesma forma casos assim raros são raros Evidentemente na maioria dos estudos descritivos do comportamento animal o cientista tem meios para planejar sua coleta de dados Ele planeja a forma como vai escolher os indivíduos para observar amostragem de forma que representem adequadamente a população à qual quer se referir Por exemplo se essa população possuir uma proporção sexual de 11 então sua amostra deverá manter uma relação igual ou bem próxima a essa Caso contrário o comportamento de um dos sexos estará prevalecendo causando um viés no estudo Da mesma forma se quisermos conhecer o que os universitários brasileiros pensam do atual governo federal teremos que fazer essa pergunta a universitários de várias instituições incluindo públicas e privadas turmas do noturno e do diurno escolas das várias regiões do país vários cursos etc de forma que a amostra investigada represente de forma adequada o perfil da população para a qual será direcionada a conclusão Com os cuidados metodológicos necessários o cientista estará em condições de concluir para um grupo maior a partir das observações pontuais que fez Assim se descrevemos um etograma para determinada espécie estamos na realidade procurando descrever o conjunto de padrões comportamentais de um grupo população espécie 20 Veja aqui a forte influência da base empírica observada na aceitação da conclusão Para o cientista é melhor se basear nessa observação do que em racionalizações teóricas sem contraposição com evidências concretas 31 Lembrese que para fazermos ciência precisamos ir além dos dados coletados fazendo inferências sobre um todo bem maior no caso uma população ou espécie Teresa GonçalvesdeFreitas 2003 descreveram o comportamento agonístico do ciclídeo Geophagus surinamensis um peixe amazônico mostrando os tipos de comportamento que ocorrem nas confrontações intraespecíficas Eles mostraram que os comportamentos descritos são iguais aos relatados para outras espécies de ciclídeos indicando aí uma generalização Mas vão além porque observam que um dos comportamentos descritos não foi ainda relatado nessa família Cichlidae Tratase de um comportamento em que o animal ataca o oponente com uma mordida na parte lateral do corpo e em seguida passa acima ou abaixo desse peixe e deflagra mordida no outro lado do corpo Ao considerarem isso um padrão diferente e concluírem que não foi relatado em outros ciclídeos estão construindo generalizações para além da amostra observada Do contado com vários estudantes do comportamento animal tenho percebido que os estudos descritivos do comportamento têm sido relegados a um segundo plano Isso não deve ocorrer pois é como qualquer outro estudo na ciência Parte de evidências pontuais os casos observados chegando a generalizações Esse processo é exatamente o mesmo que ocorre nos outros estudos que serão discutidos à frente A única diferença é que a elaboração metodológica pode ser muitas vezes mais simples onde o cuidado principal está na amostragem e nas técnicas de observação Mas essa é principalmente uma diferença de aparato mais do que de método de estudo ou qualidade da conclusão Testes de Hipótese Investigação das Relações entre Variáveis Uma outra categoria de estudos procura responder perguntas sobre causas e condições nas quais os comportamentos ocorrem O cientista na área biológica está envolto em um conjunto de variáveis que podem ser temperatura ambiental canibalismo fase do ciclo circadiano níveis hormonais ingestão de alimentos qualidade da água velocidade do vento etc Embora essas variáveis possam ser agrupadas considerandose as bióticas canibalismo níveis hormonais ingestão de alimentos e as abióticas temperatura ambiental fase do ciclo circadiano qualidade da água e velocidade do vento essa divisão tem pouco sentido num panorama mais geral da metodologia científica O que importa são as relações lógicas que se supõe entre 32 elas pois são essas relações que direcionam todo o trabalho científico da pesquisa à publicação Há apenas dois tipos fundamentais de associação entre as variáveis que são investigadas pelo cientista associação sem interferência de uma variável sobre as outras e associação com interferência entre elas Volpato 2007a 2007b 2010ab 2011 Nos estudos de associação o cientista procura saber se o comportamento de uma variável pode ser explicado por meio do comportamento da outra variável Por exemplo o aumento do número de igrejas numa cidade pode ser um indicador de aumento do consumo de combustível na população Ao que me consta esperase que não sejam as igrejas que estejam fomentando o uso de carros E o uso de carros estaria incentivando os atos religiosos O mais provável é que algum outro fator esteja aumentando tanto o número de igrejas quanto o consumo de combustível Nesta última possibilidade não existe qualquer associação de interferência entre as variáveis investigadas igrejas e consumo de combustível sendo a relação entre elas explicada pela existência de algum outro fator que as sincroniza No caso esse fator sincronizador poderia ser o aumento da população Aumentase a população elevase o número de fiéis potenciais com incremento do número de igrejas para atendêlos Da mesma forma aumentase o número de pessoas com carros o que leva ao aumento do consumo de combustível Em outro exemplo podemos associar o período de maior atividade de uma espécie de caranguejo de mangue com a maior atividade de determinada espécie de peixe desse local No entanto essas espécies podem não interagir entre si e a sincronia precisa ser explicada de outra forma Por exemplo pela interferência de algum temporizador interno relógio biológico presente nas duas espécies e sincronizado com os movimentos de maré No outro caso de relação temos a associação com interferência entre as variáveis onde o comportamento de uma variável claramente interfere com o comportamento da outra Neste caso faz sentido classificar o conjunto de variáveis em independentes as que interferem e dependentes as que são os efeitos Essa classificação é natural pois descreve uma ocorrência natural de uma causa levando a algum efeito ao contrário da classificação entre variáveis bióticas e abióticas descritas mais acima Por exemplo o metabolismo de um animal aquático pode interferir na qualidade da água mas a qualidade da água também pode interferir no metabolismo desses animais Nesse caso o sentido dessa relação entre fator interferente e efeito quem é causa e quem é efeito será dado pelo interesse do cientista dentro de sua pesquisa Assim se for 33 interessante a ele investigar como os peixes podem poluir certo ambiente tratará o metabolismo desses animais como variável independente causa e a qualidade da água como variável dependente efeito Um princípio importante a ser ressaltado nessa problemática é que se houver relação de interferência haverá associação entre as variáveis Porém fica claro que a ocorrência de associação não demonstra existência ou não de interferência entre elas mas sua inexistência permite concluir que a interferência não ocorra vide Volpato 2010ab 2011 Observem ainda que muitos estudos na natureza se valem de análises de associação para discutirem interferências Nesses casos dados adicionais devem ser adicionados da literatura para se melhor embasar a relação suposta Essas duas relações com ou sem interferência são as de maior interesse na pesquisa biológica Evidentemente podemos subdividilas em outras categorias mas de interesse para o norteamento da pesquisa e da construção do texto científico são essas duas categorias Volpato 2010ab 2011 Então parte do estudo do comportamento animal será direcionada para o entendimento das relações entre variáveis sejam elas quais forem Observem que aqui o cientista não está preocupado em descrever as variáveis como no primeiro caso discutido mas sim em entender como se relacionam com outras variáveleis O conhecimento gerado será a relação entre elas Obviamente nesses estudos muitas vezes o cientista terá que descrever algumas variáveis mas essa será apenas uma etapa intermediária para seu objetivo maior Por exemplo se o interesse for conhecer se doses subletais de determinado inseticida podem afetar o comportamento de determinada espécie a pesquisa se concentrará em descrever o comportamento dessa espécie em condições sem o inseticida para comparar com descrições desse comportamento em situações de contaminação com diferentes doses do inseticida considerado Caso as outras condições potencialmente interferentes por ex tamanho dos animais temperatura ambiente estresse etc sejam consideradas similares entre os grupos a serem comparados as variações nos padrões de comportamento entre esses grupos serão atribuídas ao agente interferente inseticida Nesse caso o estudo envolveu a descrição do comportamento mas o objetivo ultrapassava essa constatação pois envolvia comparálas para se decidir se o inseticida altera esse comportamento Ou seja descrições sempre ocorrerão mas o estudo pode ser muito diferente dependendo do objetivo do cientista descrever para generalizar para um grupo maior ou descrever para testar relação entre variáveis 34 Embora eu tenha enfatizado as causas mais próximas do comportamento aquelas que estão presentes durante a fase de vida desses animais vide capítulo 1 há delineamentos experimentais que permitem avaliar as causas últimas do comportamento como elegantemente detalhado em Dawkins 1995 No primeiro capitulo desse livro Dawkins mostra quatro estratégias para investigar as interferências do processo evolutivo no comportamento animal de forma que se possa entender um dos por quês do comportamento Mas mesmo nesses casos estamos tratando de relações de interferência Portanto não importa o quanto o agente interferente esteja distante mas sim o fato de ser uma interferência Embora eu tenha enfatizado a construção científica de generalizações a partir de observação de fatos processo de indução o método dedutivo é igualmente válido O cientista elabora hipóteses e deduz delas predições que são expectativas que devem ocorrer caso a hipótese esteja correta Ou seja a hipótese idéia vem antes da coleta de dados Por exemplo Hipótese no pintado Pseudoplatystoma corruscans a comunicação química é uma modalidade sensorial usada na comunicação intraespecífica de estados de alerta Predição exemplares de pintado recebendo água de coespecíficos em condição de alerta reagirão com resposta de alerta A partir daí o cientista usa uma estratégia experimental para avaliar se nas condições preconizadas a predição ocorre Caso ocorra terá corroborado sua hipótese mas nunca confirmado pois sempre dependerá de algum dado futuro vide Popper 1972 Se não ocorrer certamente terá falseado a hipótese COMPORTAMENTO E CIÊNCIA Nos casos descritos acima que englobam todos os casos presentes na ciência empírica houve a preocupação do cientista em usar fatos observáveis para elaborar generalizações que dizem respeito a casos ainda não observados Mas ele aceita essas generalizações apenas porque possuem essa base factual como preconizado pela ciência empírica Embora essa seja a temática principal no estudo do comportamento há fortes influências da abordagem filosófica em alguns setores que não podem ser desconsideradas Nesses casos os estudos baseiamse em discursos coerentes sobre uma realidade sem a preocupação de testar empiricamente o que se diz mas apenas 35 mostrar que as afirmações são logicamente válidas Nesse discurso filosófico os textos têm geralmente a seguinte forma introdução desenvolvimento e conclusão Observe que no caso do discurso científico é fundamental que o desenvolvimento inclua métodos e resultados Não se pode dizer que uma dessas abordagens seja mais verdadeira que a outra pois ambas produzem conhecimento provisório característica que distingue essas duas abordagens em relação à Religião Volpato 2007 Porém no momento da publicação há revistas com maior tendência para um ou outro lado o que pode ser elemento importante na aceitação ou negação de seu estudo Embora o cientista busque sempre elaborar generalizações com suporte no observável há muitas questões que ainda não podem ser tratadas dessa forma Por exemplo em muitas teorias sobre as relações cérebromente bem como em discussões sobre a filogenia do comportamento encontrar correlatos factuais não é simples Nesses casos onde faltam essas observações a abordagem filosófica floresce mais e tem certa aceitação no meio científico No entanto quando os dados estão presentes o cientista rejeita as especulações filosóficas mostrando que tais enunciados já foram ou podem ser testados empiricamente Um uso concomitante de uma análise puramente lógica e a contraposição com evidências podem ser vista na minha crítica à busca de evidências concretas para a senciência consciência de certos estados básicos emocionais nos animais não humanos Volpato et al 2007 um requisito para se considerar um animal digno de bons tratos Para que uma ciência do comportamento seja construída é necessário que o cientista elabore generalizações que expliquem os comportamentos Várias delas foram descritas e são aceitas até o momento Por exemplo a tilápiadoNilo reage a estressores como outros vertebrados mostrando a característica resposta de elevação do cortisol plasmático um hormônio produzido pelas células interrenais Barcellos et al 1999 Essa resposta dura cerca de 3 a 4 h e depois os níveis de cortisol voltam aos valores basais Isso tem sido extensivamente mostrado em outros peixes submetidos a vários tipos de estressores físicos Em um de nossos estudos procuramos saber se a simples lembrança de uma condição estressora vivida podia ser suficientemente potente para deflagrar essa resposta hormonal Moreira e Volpato 2004 Para isso durante 9 dias consecutivos submetemos tilápias a estressor de confinamento 1h dia1 que era oferecido sempre imediatamente após o acender de uma luz Após esse período constatamos no décimo 36 dia que apenas o acender da luz era suficiente para que as tilápias elevassem o cortisol a níveis iguais ao de um animal estressado Grupos controles mostraram que apenas a luz era insuficiente para desencadear essa resposta hormonal e que no décimo dia os níveis de cortisol estavam baixos antes de se impor o estressor Portanto fica evidente que a luz só provocou a elevação hormonal porque houve uma associação do estímulo luz com a presença do estressor confinamento Esse caso relata um fenômeno mas na realidade expressa uma generalização já bem conhecida na ciência do comportamento Tratase do condicionamento um dos tipos de aprendizagem Uns meses depois o alcance dessa generalização foi aumentado quando Moreira et al 2004 repetiram esse experimento na truta arcoíris constatando sua ocorrência em outra espécie Vários outros estudos têm trabalhado mostrando a ocorrência desse tipo de condicionamento Variase o estímulo luz campainha batida toque cheiro etc e a resposta do animal estresse alimentação ingestão de água busca por abrigo fuga de estímulo aversivo etc mas o processo continua ocorrendo Criar tais generalizações é fazer ciência do comportamento Na verdade essa generalização foi proposta por Ivan Petrovich Pavlov fisiologista russo nascido em 1849 na cidade de Ryazan Ele estudou a resposta de salivação em cães observando que era emitida quando um estímulo alimentar pó de carne era oferecido nas papilas gustativas língua desses animais mas não quando o cão ouvia o som de uma campainha Porém demonstrou que o som da campainha desencadeava a salivação caso esse som tivesse sido anteriormente associado ao estímulo alimentar por certo número de vezes Mas vejam que ele não se limitou a dizer apenas que isso ocorria naqueles animais Ele avançou e conseguiu abstrair generalizações que podiam ser sustentada pelos dados de seus experimentos Definiu uma das leis do comportamento que é o condicionamento clássico ou condicionamento Pavloviano Chegou inclusive a propor em 1903 no 14º Congresso Médico Internacional de Madrid que isso representava um fenômeno psicológico elementar Isso numa época em que a dicotomia cartesiana dividia drasticamente os animais irracionais do racional homem Seus estudos sobre o condicionamento lhe renderam o prêmio Nobel em 1904 e o assento na Academia Russa de Ciências no ano de 1907 Esse fisiologista fez ciência do comportamento Por coincidência no ano em que Pavlov recebia o prêmio Nobel nascia Burrhus Frederic Skinner na cidade de Susquehanna nos Estados Unidos Skinner iria mais tarde formalizar outra generalização pela qual ocorre aprendizado consumando assim as duas principais formas de condicionamento Em seus estudos generalizou que os 37 animais tendem a aumentar a freqüência de comportamentos que tenham sido seguidos de reforço positivo algo agradável ou negativo remoção de algo desagrável reduzindo a frequência mesmo que a zero se seguido de punição algo desagradável Assim se um animal sedento receber água toda vez que elevar a cabeça passará a elevála toda vez que quiser água Essa generalização mostra que esse cientista também não se limitou a descrever seus dados mas procurou encontrar as generalizações que se podia extrair a partir dos comportamentos observados fazendo ciência Muitas outras generalizações existem umas mais gerais e outras mais restritas O importante no estudo do comportamento animal é que o cientista não se limite à coleta de dados mas que procure dar sentido a eles O artigo de Kelley et al 1999 é muito interessante e elucida esses aspectos em discussão além de mostrar que em algumas áreas incluindo o comportamento a qualidade do trabalho não é definida pela complexidade metodológica Esses autores examinaram o comportamento de corte de machos do peixe Poecilia reticulata frente a fêmeas em duas situações básicas quando o casal se conhecia e quando o macho era pareado com uma fêmea não familiar A familiaridade foi conseguida em duas condições quando os peixes eram provenientes de lagoas temporárias tamanho reduzido em contraposição aos coletados em rio grande e quando mantidos em mesmo aquário no laboratório Esses autores constataram que os machos sempre exibiram maior freqüência de cortejamento reprodutivo para as fêmeas que não lhes eram familiares Mais ainda viram que isso só ocorria com os peixes provenientes das lagoas temporárias os provenientes de outro rio bem maior e que não forma esse tipo de lagoa cortejaram indistintamente as fêmeas familiares e as não familiares Esses foram os dados obtidos e os autores poderiam ter se contentado em dizer que a familiaridade afeta o cortejamento reprodutivo nessa espécie Já é uma boa conclusão mas eles foram além Discutiram os dados mostrando que na natureza deve ser adaptativo aos animais que vivem em ambientes de espaço restrito discriminar as fêmeas com as quais já se reproduziram familiaridade preferindo cortejar fêmeas não familiares Isso favorece o fluxo gênico na população dando maior variabilidade de formas nas descendências o que aumenta as chances de sobrevivência da população num ambiente em constante mudança No caso de machos que vivem em ambientes mais amplos a probabilidade de encontrarem no cortejamento a mesma fêmea é bem reduzida não sendo essencial a manutenção de mecanismos sofisticados de reconhecimento individual no grupo Essas explicações estão dentro de uma teoria mais 38 geral segundo a qual um macho poligâmico facilitará a dispersão de seus genes se copular preferencialmente com diferentes fêmeas Para isso deve ser capaz de reconhecer fêmeas familiares com quem já copulou e fêmeas não familiares ou possuir padrões comportamentais que aumentem a probabilidade de cópula com fêmeas não familiares O que Kelley et al 1999 fizeram foi ampliar o alcance dessa generalização mostrando que ocorre também em peixes Notem que foi feito ciência a partir das descrições E é por isso que esse estudo mesmo sendo metodologicamente simples contagem do número de cortejamentos está publicado numa das melhores revistas científicas do mundo a Nature Em estudo recente fizemos a primeira demonstração de que em peixes a lembrança de uma situação estressora provoca elevação dos níveis de cortisol Moreira Volpato 2004 discutido acima Esse hormônio é característico em várias situações de estresse mas ainda não havia sido mostrado nesses animais nem em anfíbios répteis e aves que a lembrança de situação estressora experienciada era suficiente para provocar tal elevação hormonal Considerando a filogenia dos vertebrados esse dado torna altamente provável que esse efeito ocorra também em espécies dos outros taxa de vertebrados contribuindo na corroboração de uma generalização até então bem estabelecida em mamíferos Mesmo sendo um trabalho restrito a tentativa foi ampliar as generalizações o que fez com que apresentássemos uma alteração na classificação dos estressores em peixes distinguindo claramente os três tipos que envolvem contato com o animal seja físico direto ou por meio de som visão ou outra modalidade sensorial desse novo tipo mostrado evocado pela lembrança onde o estressor não está de fato presente Essa tentativa mostra uma postura importante no estudo do comportamento que é a procura por leis e explicações teóricas sobre a conduta dos animais Mostra ainda que isso ocorre não apenas com as grandes teorias e casos clássicos registrados na literatura mas que é uma meta possível para generalizações de menor alcance e mais próximas do diaadia do cientista A relação entre os dados quantificados e as generalizações teóricas é uma difícil tarefa a ser aprendida pelos cientistas Digo difícil pois geralmente é aprendida no árduo vaievem dos manuscritos antes que seja conseguida a publicação na melhor das hipóteses Geralmente ocorrem dois casos extremos ou o cientista tem poucos dados e tenta construir generalizações muito amplas a partir deles ou apresenta uma série de resultados sem avançar em conclusões A tentativa de construir grandes teorias sem a devida base empírica é uma forte barreira à publicação principalmente para os 39 cientistas brasileiros de países fora da main stream que procuram colocar seus artigos em periódicos do exterior Parece que teorias são para os outros a nós é relegado o papel de coletor de dados Felizmente isso não é tão rígido e temos vários exemplos na ciência nacional que conseguem ultrapassar com maestria esses obstáculos Mas particularmente para quem está iniciando a vida de publicações científicas essa barreira é real No outro extremo estão aqueles que acham que fazer ciência é coletar uma série de dados Isso tem sido alegado por alguns editores internacionais como uma das importantes fontes de rejeição de artigos de brasileiros em periódicos estrangeiros de bom impacto internacional Volpato 2008 Parece contraditório mas não é O que existe é um tênue limite definindo até que ponto se pode avançar nas generalizações Evidentemente não se pode estabelecer uma relação simples de abrangência da generalização em função do número de dados coletados Imaginem por exemplo quantos dados Charles Darwin deveria ter coletado para permitir a imensa generalização que fez ao defender o mecanismo da seleção natural na evolução biológica Certamente ele possuía muito menos dados dado o alcance dessa teoria Se pensarmos em Einstein isso fica ainda mais discrepante mas certamente a força da evidência empírica foi definitiva para a aceitação de sua teoria da relatividade Outra confusão muito comum entre cientistas é a busca incessante pela confirmação das hipóteses Isso leva os indivíduos a centrarem suas atividades nas pesquisas mais restritas Vou ilustrar isso por meio de uma problemática que direcionou parte de minhas pesquisas sumarizadas em Volpato Fernandes 1994 Uma assertiva bastante geral nos estudos de peixes é que o agrupamento reduz o crescimento Se ela é correta esperase que todos os peixes agrupados cresçam menos ou a menores taxas que aqueles em isolamento social No entanto observações mais cuidadosas revelam casos em que certos animais do agrupamento crescem menos ou tanto quanto os que estão isolados Numa análise lógica restrita a existência desses casos é suficiente para negar a assertiva geral expressa acima E de fato é isso que precisa ser feito Uma forma seria mudar essa afirmação reescrevendoa como o agrupamento reduz o crescimento médio em peixes Evidentemente isso ocorre pois a grande maioria dos peixes em agrupamento tem o crescimento reduzido e apenas alguns não são afetados o que dá uma redução do crescimento médio Embora tenhamos solucionado a questão essa não é a postura científica adequada A primeira frase se referia a qualquer crescimento e qualquer peixe do agrupamento mas a segunda afirmação referese apenas ao crescimento médio Isso 40 significa que o alcance da primeira assertiva era maior que o da segunda Ou seja com a solução apresentada reduziuse o alcance da conclusão Costumase dizer que houve uma redução do alcance empírico no sentido de que o número de casos empírico a que se refere a generalização foi reduzido A conduta correta nesse caso é reconhecer essa redução do alcance da generalização e buscar outra explicação mais geral que englobe tanto a primeira quanto a segunda No caso isso foi feito mostrando que a taxa de crescimento nos peixes territoriais está inversamente associada ao grau hierárquico do indivíduo no grupo Volpato Fernandes 1994 Com isso entendemos que o dominante possa crescer a taxas similares às dos isolados uma vez que usa sua dominância para definir seu espaço individual Os demais ficam com espaços cada vez mais restritos Além disso as diferentes taxas de estresse presentes entre os animais também sesta associada ao grau hierárquico Fernandes Volpato 1993 sendo um fator que pode comprometer o crescimento dos animais Caso similar ocorre quando as pesquisas revelam diferenças entre os sexos dos animais estudados A reação mais imediata dos cientistas é reduzirem a conclusão geral para nos machos ou nas fêmeas É evidente que isso apenas restringe o alcance da generalização e deve ser aceita mesmo porque parece verdadeira Mas o problema é achar que com isso encerrouse a problemática Aí é que está o início do problema que agora é saber por que nos machos é de uma forma e nas fêmeas é diferente Quando isso é resolvido temse uma generalização maior que explica tanto os casos dos machos quanto os das fêmeas Equívocos como os explicitados acima são muito freqüentes e devem ser cuidadosamente considerados pelos iniciantes em Ciência e principalmente pelos orientadores A META FINAL NO ESTUDO DO COMPORTAMENTO ANIMAL Até aqui discorri sobre o que é fazer ciência do comportamento animal ou seja a criação de generalizações que caracterizem e expliquem o comportamento dos animais Porém esse é apenas o ponto de partida Há ainda pela frente uma longa e árdua caminhada A ciência é uma instituição formada por cientistas O conhecimento científico é por natureza provisório podendo ser mudado a qualquer momento Quem determina 41 isso são os cientistas São eles que aceitam ou rejeitam as idéias as generalizações construídas A ciência não é uma atividade individual mesmo que cada generalização possa ser construída por uma única pessoa O conhecimento gerado deve ser apresentado para essa comunidade de cientistas que aceitarão ou abortarão a idéia E nesse sistema o processo geralmente é muito árduo Tenho defendido a idéia de que para que um conhecimento generalização seja considerado científico precisa além de ser obtido dentro do viés científico ser aceito por parcela significativa da comunidade científica Volpato 2008 E de fato é assim Quando fazemos indagações à ciência representada pelos cientistas suas respostas serão baseadas nos conhecimentos aceitos no momento Isso não significa que para cada pergunta haja apenas uma resposta aceita e aprovada Pode haver controvérsias mas também há casos de quase unanimidade Na época de Lamarck por exemplo a explicação desse cientista era a aceita para se explicar a variabilidade de formas de organismos vivos existentes na natureza Mais tarde passou a prevalecer a explicação de Darwin e hoje aceitamos a idéia Darwiniana com adendos fundamentais muitos deles oferecidos pelos avanços da genética Portanto não basta que façamos nossa pesquisa e que cheguemos a certas conclusões É necessário que a comunidade científica aceite tais conclusões Para que os cientistas possam aceitar as conclusões de algum cientista devem primeiramente conhecêlas Para isso é estritamente necessário que esse trabalho seja publicado Sem isso a divulgação da idéia fica restrita ao alcance pessoal do cientista por meio da comunicação oral Mas mesmo a publicação do trabalho realizado não é suficiente Ela deve ser feita em veículo científico respeitado e que consiga atingir toda a comunidade científica de interesse potencial pela generalização apresentada Somente assim esse trabalho terá chances de ser avaliado Portanto a realização da pesquisa é o primeiro passo e a publicação o segundo mas não o último Uma vez que seu estudo tenha sido publicado resta agora saber seu impacto na comunidade científica Se ninguém ligou ficará esquecido e desaparecerá Óbvio que sua idéia pode ser tão genial que foi ignorada pelo fato de estar muitos anos à frente da comunidade científica dessa área Mas também pode ter sido ignorada por ser uma idéia equivocada E só há um jeito de saber observar os acontecimentos pois a história mostrará Mas nem sempre o cientista estará vivo tempo suficiente para conhecer o resultado final Portanto achar que todo trabalho ignorado pela comunidade científica 42 está necessariamente à frente dessa comunidade é mais uma resistência à crítica do que genialidade de pensamento O mais corriqueiro na ciência é que o cientista elabore generalizações publique e se adequadas que sejam aceitas pela comunidade científica Mas como sabemos que foram aceitas Obviamente é impossível saber exatamente o que cada cientista daquela especialidade está pensando sobre suas conclusões Portanto o que resta de possível é conhecer o uso que a comunidade científica tem feito dessas conclusões Na ciência o conhecimento existente é usado dentro de um discurso para se construir novo conhecimento Na sociedade não científica esse conhecimento gera tecnologia e é usado dessa forma Portanto restringindose à comunidade científica saberemos que nosso conhecimento foi usado caso seja citado por outros cientistas em seus trabalhos Na realidade uma citação pode ser feita para criticar e mostrar discórdia com o trabalho realizado Porém essa crítica mostra que o conhecimento foi considerado e a discussão resultante auxilia a ciência O que não auxilia é quando o conhecimento é ignorado Atualmente as pesquisas sobre as citações que os autores recebem têm sido ampliadas para várias bases de dados como o Institute of Scientific Information ISI Scopus e Scielo Desses sem dúvida o de maior credibilidade científica internacional ainda é o ISI Mesmo assim acredito que o melhor julgamento dos periódicos e dos estudos neles publicados seja feito pela comunidade científica quando usam esses estudos na construção de seus discursos As bases de dados representam apenas uma restrição prévia aos periódicos raramente fundada em preceitos científicos Sobre as questões de publicação científica veja detalhes em Volpato 2008 A busca do cientista nas ciências do comportamento tal qual em outras áreas é então a construção de conhecimento científico generalizações que sejam aceitas pela comunidade científica ao menos parte dela e que sejam usadas na construção de novos conhecimentos Nesse sentido a preocupação com publicação científica ultrapassa em muito o carreirismo na qual linhas a mais no currículo já representam um sucesso adentrandose na problemática da aceitação Frente a isso toda a proposta de redação científica deve ser redirecionada buscando agora não apenas publicar mas produzir conclusões com novidades interessantes para sua comunidade descritas em textos agradáveis e de fácil acesso Evidentemente para que a aceitação ocorra não basta que os passos acima sejam seguidos A comunidade científica é formada antes de tudo por um grupo de pessoas 43 com todos os vícios das atividades sociais humanas Assim discriminações de várias formas estão presentes e tornam a tarefa da aceitação difícil vide Gibb 1995 tendo o cientista que se preocupar com essa dinâmica Caso contrário ele corre o risco de ver seus trabalhos ignorados pela comunidade científica Mesmo que isso possa lhe parecer injusto certamente decorre da inabilidade do cientista que não soube considerar devidamente os meandros dessa comunidade nos aspectos relativos à aceitação de seus trabalhos científicos vide Volpato 2008 O Papel das Revistas Científicas para a Ciência do Comportamento Animal Recentemente tenho definido o que é uma revista científica internacional Primeiramente vamos entender porque é importante a preocupação com o aspecto internacional Ideias discutidas num universo restrito mesmo que restrito a um país uma cultura têm maior probabilidade de equívocos do que as discutidas num ambiente mais heterogêneo representado por cientistas de vários países Além disso considere que a publicação científica é uma discussão com o meio acadêmico envolvendo jargões e preceitos dos cientistas Uma vez que o conhecimento gerado passe por esse crivo ao menos seja publicado numa revista de bom nível internacional então estamos validados para divulgar esse conhecimento para a sociedade não científica Por exemplo quando um médico nos receita um medicamento a adequação daquele medicamento no respectivo quadro foi antes discutida arduamente entre médicos e outros cientistas Somente após a aceitação é que esse conhecimento passou a ser disseminado para a população não científica Isso é responsabilidade social Nesse quadro considerando as revistas como elemento de crítica note que as mais conceituadas são procuradas pelos principais cientistas da área Assim publicar nesses veículos significa que nosso artigo ganhou prioridade frente a outros de bom nível revista internacionais de boa qualidade não publicam apenas o que está correto mas aquilo que está correto e representa um grande avanço e isso é relativo ao conjunto de manuscritos analisados Agora temos que entender o que é uma revista internacional Ela é um veículo que divulga conhecimento científico no universo internacional e é acreditada nesse universo Assim uma revista internacional deve necessariamente publicar artigos de 44 cientistas de vários países e ser citada por cientistas de vários países vide Volpato 2011 Ou seja não basta estar em inglês temos que analisar sua abrangência A crítica da revista editores e revisores aos manuscritos representa ponto importante para o crescimento do artigo Embora muitos vejam isso com relutância temos que perceber que os artigos publicados geralmente estão em muito melhor qualidade do que quando o manuscrito foi apresentado pela primeira vez Assim encare essa crítica como forma de aprendizado Mas um cuidado deve ser tomado Se a crítica é correta aprendemos corretamente se é equivocada aprendemos erros Portanto não submeta artigos para revistas fracas priorize as de boa qualidade de sua área geralmente a de nível internacional como discutido acima Se você fez ciência do comportamento animal não importa em que nível esteja graduação pósgraduação ou níveis superiores a esse seu discurso deve ser de interesse para a ciência internacional ciência nacional é um equívoco Nesse panorama vemos hoje muitas revistas nacionais brasileiras lutando arduamente para conquistarem uma posição de revista internacional E como ajudálas Considero aqui apenas duas formas Não ajudaremos enviando a elas nossos artigos mais fracos e à ciência internacional os de melhor qualidade como geralmente ocorre Na fase de crescimento do cientista até próximo à metade de sua carreira profissional estará lutando para conquistar um lugar ao sol Nesse cenário deverá conquistar espaço na ciência internacional e dificilmente publicações mais restritas o ajudarão Assim sua forma de ajuda às revistas nacionais é não esquecer a boa ciência que pode haver nelas Ou seja quando possível não relegue os artigos nacionais citeos nas suas publicações em periódicos de nível internacional indiscutível desde que representem adequadamente o que quer mostrar e esteja em idioma internacional inglês Em geral o brasileiro cita todo mundo menos o próprio brasileiro21 Quando já tiver alcançado êxito na carreira científica sendo um cientista reconhecido internacionalmente então não se esqueça de fornecer alguns de seus bons trabalhos para a revista nacional em ascensão pois isso a fará ser vista uma vez que cientistas de outros países procurarão suas publicações Essas são as duas formas genuínas para ajudarmos nossas revistas REFERÊNCIAS 21 Note que quando algum brasileiro é sondado para o prêmio Nobel chegam cartas à comissão desqualificando esse profissional e são cartas de brasileiros Temos que desenvolver uma atitude nacionalista permeada pela competência 45 Barcellos LJG Nicolaiewsky S Souza SMG Lulhier F 1999 Plasmatic levels of cortisol in the response to acute stress in Nile tilapia Oreochromis niloticus L previously exposed to chronic stress Aquaculture Research 30 43744 Dawkins MS 1995 Unravelling Animal Behaviour Harlow Essex Fernandes MO Volpato GL 1993 Heterogeneous growth in the Nile tilapia social stress and carbohydrate metabolism Physiology and Behavior 542 319323 Feyerabend PK 1993 Against Method New York Verso Kelley JL Graves JA Magurran AE 1999 Familiarity breeds contempt in guppies Nature 401 6612 Lakatos I Musgrave A 1979 A Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento São Paulo Edusp Moreira PSA Pulman KGT Pottinger TG 2004 Extinction of a conditioned response in rainbow trout selected for high or low responsiveness to stress Hormones and Behavior 464 4507 Moreira PSA Volpato GL 2004 Conditioning of stress in the Nile tilapia Journal of Fish Biology 64 9619 Popper KR 1972 A Lógica da Pesquisa Científica São Paulo Editora Cultrix Russel B 1977 História da Filosofia Ocidental v 1 São Paulo Companhia Editora Nacional Teresa FB GonçalvesdeFreitas E 2003 Interação Agonística em Geophagus surinamensis Teleostei Cichlidae Revista de Etologia 5 1216 Volpato GL 2007a Bases Teóricas para Redação Científica Cultura Acadêmica Scripta São Paulo Vinhedo SP Volpato GL 2007b Ciência da filosofia à publicação 5ª ed Cultura Acadêmica Scripta São PauloVinhedo SP Volpato GL 2008 Publicação Científica Cultura Acadêmica São Paulo SP Volpato GL 2010a Dicas para Redação Científica 3ª ed Cultura Acadêmica São Paulo SP Volpato GL 2010b Pérolas da Redação Científica 1ª ed Cultura Acadêmica São Paulo SP Volpato GL 2011 Método Lógico para Redação Científica 1ª ed Best Writing Botucatu SP 46 Volpato GL Fernandes MO 1994 Social control of growth in fish Brazilian Journal of Medical and Biological Research 27 797810 Volpato GL GonçalvesdeFreitas E FernandesdeCastilho M 2007 Insights into the concept of fish welfare Diseases of Aquatic Organisms 75 165171 47 Capítulo 3 MÉTODOS DE ESTUDO DO COMPORTAMENTO ANIMAL Eliane Gonçalves de Freitas elianegibilceunespbr Departamento de Zoologia e Botânica IBILCE CAUNESP Universidade Estadual Paulista UNESP São José do Rio Preto SP Brasil Silvia Mitiko Nishida nishidaibbunespbr Departamento de Fisiologia Instituto de Biociências Universidade Estadual Paulista UNESP Botucatu SP Brasil 48 COMO INICIAR UM ESTUDO DE COMPORTAMENTO ANIMAL Faz parte da condição humana fazer perguntas e procurar respostas Conforme visto no Capítulo 2 a pesquisa científica começa com a elaboração de perguntas podendo incluir a elaboração inicial de respostas provisórias hipóteses Por exemplo considere a questão e as respostas provisórias abaixo Pergunta Por que o motor do carro não está funcionando Hipótese 1 Porque a acabou a gasolina Hipótese 2 Porque a bateria está descarregada Podemos facilmente testar as duas hipóteses propondo maneiras de investigar qual das duas está correta Para testar a primeira basta checar se o tanque de combustível está vazio Se não podemos rejeitar a primeira hipótese e partir para a segunda por exemplo trocando a bateria velha por uma nova Se o carro funcionar podemos concluir que o carro não estava funcionando devido a alguma falha elétrica Observem que a hipótese direcionou o que observar ou fazer olhar o tanque ou trocar a bateria com isso auxiliando na pesquisa sobre a pergunta inicial E no caso do estudo do comportamento como realizamos uma investigação cientifica Igualmente devemos formular perguntas As idéias revolucionárias de Konrad Lorenz sobre bases biológicas do comportamento animal foram experimentalmente demonstradas por Nikolaas Tinbergen Ambos junto com Karl Von Frisch que contribuiu com pesquisas sobre a fisiologia do comportamento marcaram a fundação de uma nova ciência chamada Etologia e foram laureados com o Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia em 1973 Em 1929 Tinbergen estava preparando a sua tese de doutorado e estava fascinado com o comportamento das vespas escavadoras Philanthus triagulum cujas fêmeas capturavam e transportavam abelhas que serviam de alimento para as larvas que eram criadas em ninhos subterrâneos Todas as vezes que a vespa deixava o ninho ela fechava a entrada e depois de 30 a 60 minutos retornava em meio a várias outras entradas de vespas vizinhas sem nunca errar a entrada da sua própria toca Tinbergen já havia constatado que durante as primeiras saídas do dia a vespa voava bem acima da própria entrada e fazia vôos circulares antes de partir para a caçada Intrigado 49 Tinbergen se perguntou Que fatores são importantes para a vespa reconhecer a entrada do seu próprio ninho Então lhe ocorreu a seguinte hipótese o sobrevôo que a vespa faz antes de sair à caça serve para memorização de referências espaciais próximas à entrada do ninho que servem de sinalizadores no momento de retorno ao ninho Ensaiou a sua hipótese predizendo que se as referências espaciais fossem modificadas a vespa ficaria desorientada e teria dificuldades para encontrar sua própria toca ao retornar da caçada Convencido de que estava no caminho certo precisava testar essa hipótese através de uma investigação experimental Primeiro Tinbergen esperou que as vespas deixassem o ninho e então removeu cuidadosamente as supostas referências espaciais da entrada do ninho gravetos tufos de gramas etc Ao voltar com a presa capturada ao invés de pousarem certeiramente na abertura do ninho como faziam regularmente as vespas voaram várias vezes em círculos logo acima da entrada Após algumas tentativas apenas uma ou outra vespa conseguiu achar corretamente a entrada Esses dados sugeriram a Tinbergen que de fato essas vespas utilizavam referências espaciais para localizar a entrada do ninho Em seguida ele delineou um outro experimento assegurouse de que a vespa estava dentro da toca e colocou várias pinhas formando um círculo ao redor da entrada Como de costume a vespa fez vôos em círculo e saiu para a caçada Antes que ela voltasse Tinbergen refez o arranjo circular de pinhas colocando as próximas à entrada real do ninho mas sem circundálo Quando a vespa retornou foi direto para o centro do círculo de pinhas onde estaria a entrada do ninho Desse modo a hipótese elaborada por Tinbergen foi elegantemente testada e corroborada Em resumo a pergunta feita por Tinbergen gerou hipóteses as quais nortearam os objetivos de sua pesquisa seus delineamentos experimentais e a coleta de dados comportamentais Esses dados corroboraram a sua hipótese esclarecendo assim aspectos sobre os mecanismos de orientação espacial da vespa cavadora Conforme salientado no capítulo anterior o estudo do comportamento envolve também pesquisas que não precisam testar hipóteses nesse caso o interesse é saber como é o comportamento ou seja conhecer sua descrição enquanto fenômeno natural Isso é importante porque antes de quantificar o comportamento devemos saber como ele é Nesse caso embora sem hipótese prévia a amostragem correta é fundamental 50 As Causas Últimas e Imediatas do Comportamento Animal Os estudos de Tinbergen sobre o comportamento dos animais sempre incluíram perguntas e hipóteses muito claras Tinbergen 1951 Ele não tinha apenas uma grande criatividade mas possuía conceitos muito nítidos sobre as propriedades biológicas dos animais e sobre as principais teorias causais sobre diversidade adaptação e evolução das espécies Para ele o repertório comportamental a morfologia e a fisiologia são propriedades inerentes ao organismo Vejamos a relação de causa e efeito do comportamento mencionado por Tinbergen sob a óptica de John Alcock o eminente estudioso do comportamento animal Alcock 2009 relata uma pesquisa de campo que fazia na Costa Rica sobre uma espécie de mariposa do gênero Automeris Ao tocar numa mariposa que estava sobre um galho subitamente ela abriu as asas e expôs um par de círculos escuros imitando dois grandes olhos Logo lhe veio à mente dois grupos de perguntas No primeiro havia perguntas do tipo 1 Como o sistema muscular move as asas e o que controla esses músculos 2 Como a mariposa sabe quando foi tocada 3 O modo de vida durante o desenvolvimento da mariposa influencia o comportamento quando adulto 4 Esse comportamento seria herdado dos progenitores Nesse grupo de perguntas estão implícitas questões que buscam esclarecer as causas imediatas do comportamento As duas primeiras perguntas enfocam questões fisiológicas sobre o mecanismo de abrir as asas da mariposa As duas últimas questões estão relacionadas às influências do desenvolvimento ontogenético sobre as causas do comportamento Porém a mente questionadora de Alcock produzia mais perguntas 5 Que vantagens a mariposa teria apresentando esse comportamento 6 Como o comportamento teria evoluído ao longo do tempo 7 Que padrão motor teria sido o predecessor desse comportamento 8 Se houve tais mudanças quais teriam sido as causas Essas quatro últimas perguntas enfocam as causas últimas do comportamento isto é são perguntas que geram hipóteses relacionadas aos aspectos evolutivos e 51 adaptativos do comportamento Elas dizem respeito aos efeitos sobre as chances de sobreviver e de deixar descendentes De fato ao abrir as asas e expor o par de manchas circulares diante de um predador natural a mariposa pode assustálo pois essas manchas simulam os olhos de uma coruja predador do pássaro que preda a mariposa Com isso essa mariposa pode ganhar alguns minutos preciosos para fuga dandolhe uma vantagem em relação àquelas que não apresentam essa reação Então podemos assumir que esse comportamento tem valor adaptativo para o individuo A Tabela 1 sumariza esses dois tipos de causas estabelecendo o nível da investigação sobre o comportamento Esta divisão entre causas próximas e últimas é análoga à divisão de abordagens horizontais que estão ocorrendo agora e verticais que decorrem do processo filogenético Tabela 1 Níveis causais do comportamento animal CAUSAS IMEDIATAS 1 Mecanismos genéticosontogenéticos do comportamento Efeitos da hereditariedade sobre o comportamento Interações genéticoambientais durante o desenvolvimento ontogenético que afetam o comportamento 2 Mecanismos sensóriomotores Detecção dos estímulos ambientais ação do sistema nervoso Ajustes da responsividade endógena ação dos sistemas hormonais Efetuação das respostas ação do sistema músculoesquelético CAUSAS ÚLTIMAS 1 História biológica do comportamento Origem do comportamento e suas mudanças no tempo 3 Resultado da seleção natural na determinação do comportamento atual História adaptativa do comportamento em termos reprodutivos COMO QUANTIFICAR O COMPORTAMENTO A metodologia científica consiste em um conjunto de procedimentos através dos quais os cientistas formulam perguntas a maioria respondida por meio de hipóteses descrevendo como quando e o que será utilizado e avaliado durante a 52 pesquisa Isso envolve um planejamento durante o qual as formas de registro métodos de quantificação e análise das informações são definidos Muitos iniciantes são induzidos a crer que a obtenção de maravilhosas imagens e a produção de descrições comportamentais atraentes como as dos documentários de TV sobre a vida dos animais sejam suficientes para a compreensão do comportamento animal Descrever a morfologia do comportamento como referido por Volpato no capítulo 2 corresponde a apenas uma etapa da investigação embora de grande importância no estudo do comportamento É o momento em que o observador se familiariza com os exemplares da espécie e dirige a ela um olhar contemplativo porém critico Tratase de uma fase analítica da estrutura dos padrões motores e suas variações A partir dela podemos realizar descrições criteriosas sobre como uma determinada espécie caça ou se acasala No entanto a ciência do comportamento não se restringe aos procedimentos descritivos do comportamento Como vimos no capítulo anterior temos necessidade de esclarecer as relações de causa e efeito do comportamento sejam elas de natureza imediata ou última Para realizarmos generalizações sobre as causas do comportamento e estendermos para a espécie toda precisamos de um método quantitativo e para isso de unidades de medida do comportamento Com uma metodologia quantitativa nas mãos podemos delinear estudos experimentais testar as hipóteses aventadas e proceder às análises comparativas e associativas sobre os aspectos do comportamento de interesse na investigação Antes de prosseguirmos temos que deixar claro que qualquer que seja a forma de quantificação do comportamento ela só tem sentido depois que a pergunta que se formulou for clara e precisa o bastante para ser transformada em pesquisa Assim é importante que os projetos sejam bem estruturados Para isso é necessário que o objetivo seja claro e bem fundamentado bem como as hipóteses que serão testadas O problema geral no qual se insere a pesquisa deve ser contemplado incluindo as teorias existentes na qual se insere a pesquisa Com isso em mente saberemos como delinear uma pesquisa e quais serão as formas de quantificação mais adequadas para o trabalho O Etograma O etograma é um o inventário ou uma lista de unidades comportamentais de uma determinada espécie acompanhado das respectivas descrições A construção de 53 um etograma é um passo importante no processo de quantificação do comportamento Ao contemplar atentamente o comportamento de um determinado animal facilmente identificaremos uma série contínua de posturas e de movimentos do corpo ou de partes dele Algumas atividades são de curtíssima duração e são chamadas de eventos Outras atividades são mais prolongadas e indicam estados comportamentais Cada item do catálogo corresponde a um verbo que indica um evento ex saltar capturar ou um estado comportamental ex repousar dormir podendo ser acompanhado de complementos verbais perseguir andando perseguir correndo repousar dentro da toca repousar fora da toca etc Depois de estabelecida a lista de eventos e de estados comportamentais é necessário descrevêlos o que podemos fazer de duas maneiras a Sob o ponto de vista estrutural no qual a descrição considera a aparência a forma física ou os padrões motores do comportamento e é feita em termos de sequência de posturas e movimentos de partes específicas do corpo Exemplos empurrar a alavanca com a pata dianteira abaixar a orelha esquerda b Sob o ponto de vista da consequência descrevendo o resultado comportamental que o animal produziu no ambiente em outros indivíduos ou sobre si mesmo Os descritores desse tipo são mais fáceis de serem memorizados e proporcionam descrições sucintas Exemplos ingerir alimento beber montar copular afastarse aproximarse etc Por outro lado não devemos usar descritores sobre cujas consequências não podemos ter certeza Ao invés usar um descritor como chamar filhote é preferível usar vocalizar piar ou ladrar conforme o caso Um exemplo de etograma é mostrado na Tabela 2 Teresa e Gonçalvesde Freitas 2003 propuseram o etograma sobre o comportamento agonístico de uma espécie de teleósteo da bacia amazônica Geophagus surinamensis redescrito como Geophagus proximus para o qual não havia qualquer descrição na literatura Levando em consideração que a espécie é territorial escolheram o paradigma intrusoresidente como condição de observação do comportamento e assim aumentaram a probabilidade de ocorrências das interações agressivas intraespecificas As repetidas observações dos animais possibilitaram tomadas de decisão sobre que posturas e movimentos constituiriam as unidades básicas do comportamento de interação agonística Depois de 54 relacionar o conjunto de unidades arbitrárias para o comportamento de interação agonística realizouse uma descrição com detalhes suficientes para que outros cientistas pudessem reconhecer os mesmos eventos e estados comportamentais A fase de elaboração do etograma é de suma importância pois se as unidades comportamentais apresentarem descrições dúbias criase uma fonte de erros comprometendo a qualidade da quantificação Esse problema é detalhado neste capítulo no item Confiabilidade e Validade das Medidas Comportamentais Um etograma fiel e completo serve de referência para vários cientistas que trabalham com a mesma espécie Ao iniciar uma pesquisa sobre o comportamento de uma determinada espécie é bastante recomendável que se pesquise na literatura a existência de um etograma previamente padronizado para poupar o seu tempo Por outro lado ele deve ser testado para verificar se os descritores utilizados são fiéis ao comportamento observado O rato Ratus norvegicus é um modelo animal amplamente utilizado nas pesquisas sobre as causas imediatas do comportamento e o seu etograma é baseado num consenso internacional que pode ser acessado pela Internet httpwwwratbehaviororgGlossaryhtm Aliás na Internet podemos encontrar vários sites que disponibilizam etogramas oficiais de várias espécies mas tomem cuidado e considerem apenas aqueles cientificamente reconhecidos publicados com sistema de peer review Um outro ótimo exemplo de construção de etograma é o trabalho Agonistic ethogram of the equid bachelor band de McDonnell e Haviland 1995 Tabela 2 Etograma das interações agonísticas de um peixe teleósteo Unidade Comportamental Descrição do comportamento Com o oponente próximo o peixe eriça a nadadeira dorsal e expande as nadadeiras pélvica e anal Durante esse comportamento a coloração corporal se torna clara e brilhante O peixe se aproxima lateralmente de outro e abre a boca sem encostála no corpo do oponente Esse comportamento pode culminar num ataque O peixe abre a boca e percute com ela o corpo do oponente fechandoa no momento do contato O ataque pode ocorrer nas laterais medianas do corpo no ventre no dorso nas nadadeiras ou na cabeça do peixe agredido O agressor ataca com a boca perpendicular ao corpo do oponente empurrandoo 55 O peixe ataca a lateral mediana do corpo do oponente com a boca descrevendo uma trajetória semicircular ao longo do eixo horizontal do peixe agredido O círculo é geralmente completado na direção do oponente que torna a ser atacado O peixe executa um ataque lateral e passa por cima ou por baixo do oponente atacandoo do outro lado do corpo O movimento é rápido e pode ocorrer várias vezes sucessivamente Dois peixes posicionam suas bocas que são subterminais abertas frente a frente sem contato com ondulações brandas do corpo Essa exibição geralmente antecede os confrontos frontais Dois peixes justapõem suas mandíbulas e um deles empurra o outro ou ambos se empurram mutuamente em movimentos rápidos O peixe prende a mandíbula do seu oponente com a boca podendo ficar nessa postura por mais de um minuto Dois peixes ficam lado a lado com as cabeças voltadas no mesmo sentido ou mais freqüentemente em sentido oposto ondulando o corpo vigorosamente Os peixes ficam em contato ou muito próximos um do outro Enquanto ondula o corpo um peixe pode atacar o seu oponente ou morder a porção final de sua nadadeira anal ou dorsal O peixe ondula o corpo no sentido ânteroposterior quando está próximo do oponente O peixe agredido exibe ondulações rápidas e intensas com o corpo que levam à repulsão do peixe agressor O peixe segue o oponente enquanto este foge Esse comportamento pode culminar em ataques por parte do perseguidor Na fuga o peixe se afasta do oponente que o persegue ou ataca Extraído de Teresa e GonçalvesdeFreitas 2003 com autorização do Editor da Revista de Etologia O Que Quantificar Suponha que nosso objetivo seja testar o efeito de um fator qualquer sobre a agressividade em codornas japonesas Coturnix coturnix japonica Primeiro é necessário saber como a agressão se manifesta e em seguida decidir como quantificá la Schlinger et al 1987 padronizaram um etograma para a codorna demontrando que a principal forma de expressão de agressividade ocorre por meio de bicadas desferidas 56 umas contra as outras Assim depois de reduzir a agressividade a variáveis operacionais mensuráveis podemos quantificálas por meio das formas abaixo 1 Latência tempo que um determinado comportamento demorou a ser exibido Assim se num teste um macho demorar 2 minutos para desferir a primeira bicada essa será a latência para o primeiro ataque 2 Frequência é número de vezes que um determinado evento ocorreu numa determinada unidade de tempo Suponha que em 20 minutos de observação a codorna 1 bicou 54 vezes a codorna 2 e essa bicou apenas 4 vezes a oponente Nesse caso dizemos que a codorna 1 bicou a codorna 2 com uma frequência de 27 bicadas por minuto 5420 enquanto a outra codorna emitiu 02 bicadas por minuto 420 3 Duração referese ao tempo gasto por um animal exibindo uma determinada unidade comportamental Imagine que durante os 20 minutos do exemplo anterior houve três episódios de perseguição da codorna 1 com durações de 20 13 e 40 minutos cada A soma dessas durações 75 minutos indica o tempo total do item perseguição e podemos expressar esse total na forma de proporção de tempo gasto com o comportamento de perseguição nesse caso 74 20 037 Essa proporção calculada não possui unidade e varia de 0 a 10 Podemos fazer o mesmo cálculo para a codorna 2 com a finalidade de comparar os respectivos desempenhos 4 Intensidade está relacionada com a força com que o comportamento é expresso Suponha que desejamos comparar a intensidade do comportamento agressivo entre vários machos de codornas Se bicar o outro é o item comportamental que melhor operacionaliza o conceito expressão agressiva o sujeito que apresentou a maior frequência de bicadas pode ser considerado o mais agressivo da amostra Alternativamente poderá ser o que mais gastou tempo perseguindo o outro A intensidade pode ser medida também por meio de indicadores físicos Por exemplo intensidade sonora do canto de um pássaro a intensidade em libras da força da mordida de um crocodilo Como Registrar o Comportamento O ser humano possui órgãos sensoriais com grande resolução espacial e temporal associada a uma fabulosa capacidade cognitiva para registrar e interpretar os eventos que ocorrem à sua volta No entanto somos limitados em alguns aspectos pois não compartilhamos as mesmas capacidades sensoriais de outros animais não ouvimos 57 os infrassons ou os ultrassons não enxergamos muito bem em ambientes pouca luminosidade ambiente noturno interior de águas profundas ou cavernas pouco iluminadas além de nossa resolução visual ser ruim para objetos muito pequenos ou distantes Não fazemos a mínima idéia do que seja a sensação proporcionada pela estimulação da linha lateral dos peixes ou oriunda de receptores que detectam campo elétrico ou de fotorreceptores sensíveis à luz ultravioleta Em relação à nossa motricidade não escrevemos ou falamos na velocidade do pensamento e temos muitas imprecisões ao tentarmos observar e registrar simultaneamente os acontecimentos que estamos testemunhando A superação dessas limitações foi resolvida em parte pela invenção de aparelhos analógicos e digitais que expandem os nossos sentidos e ampliam a nossa capacidade sensorial e motora além de armazenarem dados permanentemente O uso desses equipamentos no entanto deve ser tomado simplesmente como uma complementação metodológica pois nada disso pode substituir o processo criativo da mente humana para fazer perguntas propor hipóteses e delinear a pesquisa científica Lembrese que tanto Charles Darwin como os fundadores da Etologia não dispunham da parafernália tecnológica existente hoje quando fundamentaram respectivamente as teorias da seleção natural e das causas imediatas e últimas do comportamento animal Descrevemos abaixo os recursos mais usados para o registro do comportamento animal 1 Filmagens ou vídeotapes oferecem registros de imagens e de áudio bastante precisos sobre o comportamento e têm a vantagem de poder ser observado e analisado repetidas vezes São essenciais para registrar eventos extremamente rápidos que escapam à resolução visual humana fornecendo uma decodificação mais lenta quadro aquadro ou em slow motion Em outros casos a passagem acelerada fast moving possibilita identificar elementos imperceptíveis na velocidade normal É o meio mais eficaz para o registro e armazenamento do comportamento na forma exata como ocorreu Por outro lado devemos ter em mente que a qualidade do registro não depende de câmeras cinematográficas ou de vídeo de última geração mas primariamente da mente treinada de um observador que decide o que e quando observar Após a filmagem é necessário fazer a transcrição dos dados em unidades comportamentais para posterior quantificação e análise 58 2 Descrições verbais podem ser escritas ou gravadas em áudio As descrições verbais do comportamento são muito úteis especialmente durante testes pilotos A gravação em áudio proporciona um relato direto durante a ocorrência do comportamento Tendo padronizado previamente um etograma os itens comportamentais podem ser ditados em um gravador de áudio à medida que ocorrem ou podem ainda ser amostrados em determinados intervalos de tempo veja mais adiante Uma dica prática para se ditar o etograma em um gravador de áudio é usar um código verbal monossilábico ou dissilábico para cada item comportamental ao invés de perseguir ditar persê ou ao invés de construir ninho constrí e assim por diante Isso economiza palavras durante o ditado evitando as defasagens de tempo entre a ocorrência de um item e seu registro Como no caso anterior essa forma de registro também necessitará da transcrição dos dados para posterior quantificação e análise Só não esqueça de anotar o código para que possam ser entendidos por outra pessoa que venha a trabalhar com a gravação ou você mesmo caso o intervalo entre a gravação e a transcrição dos dados seja longa 3 Planilha de Registro Check sheet é a ferramenta mais simples prática e barata Os itens comportamentais são transcritos em uma planilha de papel e à medida que ocorrem são registrados Fig 1 A limitação deste método é o número restrito de itens que podemos registrar GrupoAnimal Observador Data Obs Condição Itens comportamentais Tempo Perseguição Fuga Confronto frontal Confronto paralelo Confronto lateral Ondulação Ameaça 1402 1404 1406 1408 1410 1412 1414 1416 59 1418 1420 1422 1424 1426 1428 1430 1500 Figura 1 Exemplo de uma planilha de registro A porção superior cabeçalho deve conter informações das condições de estudo identificação do animal grupo etc O corpo da planilha deve conter os itens comportamentais que serão registrados e o momento ou período de registro 4 Registradores automáticos de eventos podem ser eletromecânicos ou digitais No caso de um registrador eletromecânico um motor elétrico traciona o papel sobre o qual os eventos são registrados a uma velocidade constante Schmidek et al 1983 Nesse caso o observador assinala sobre o papel que está sendo tracionado os momentos de ocorrência dos eventos comportamentais seja a partir de uma gravação ou observando diretamente o comportamento O início de um outro evento marca o fim do evento anterior Completada a transcrição podemos calcular a frequência ou a duração de cada item comportamental ou a latência de um determinado item em particular Um exemplo clássico de automação de registro e análise comportamental é a famosa gaiola de Skinner desenvolvida pelo eminente behaviorista Burrhus Skinner que desenvolveu vários estudos sobre condicionamento operante Essa gaiola foi projetada de modo que o modelo animal por ex rato ou pombo ao apertar uma alavanca recebia uma pelota de ração ou seja um reforço ou recompensa O ato de apertar a alavanca mecânica gerava um sinal elétrico que automaticamente era convertido numa inscrição em papel não necessitando do observador A automação tem a vantagem de evitar os erros de transcrição do comportamento Atualmente qualquer sinal elétrico que for transduzido pode ser capturado por uma placa analógicodigital de um microcomputador Desde que o computador possua uma rotina programa que identifique e organize os sinais capturados poderá realizar automaticamente os cálculos de frequência duração ou latência 60 Um outro exemplo de automação são os registradores de eventos sonográficos como o sistema Loudspeaker Measurement System wwwlinearxcomproductsanalyzersLMSLMS01htm Ele adquire os sinais de ondas sonoras cantos de aves sons de insetos etc gravadas em fitas K7 ou discos digitais e realiza uma vasta quantidade de análises bioacústicas Esses softwares geralmente são bastante sofisticados captam e registram vocalizações de longa duração geram exibições gráficas de alta definição e realizam várias análises quantitativas e comparativas Mendes 2004 Outros registradores de eventos digitais populares atualmente mas de alto custo são aqueles produzidos pela Noldus wwwnolduscomproductsindexhtml os quais propiciam aquisição de dados diretamente do teclado do computador reduzindo a probabilidade de erros de transcrição e minimizando o tempo gasto pelo observador O programa Observer VideoPro da Noldus dispõe de um relógio interno possibilitando configurações quanto ao método de amostragem que se deseja fazer captura imagens de vídeo e permite o registro de duração frequência e latência de comportamentos Noldus et al 2000 Um registrador bastante prático e que está disponível gratuitamente pela Internet é o Etholog 22 Ottoni 2000 wwwgeocitiescomebottoniethohomehtml utilitário de produção totalmente nacional que é periodicamente atualizado INTERFERÊNCIA DO OBSERVADOR O registro do comportamento sempre vem acompanhado de uma variável que embora difícil temos que tentar controlar Tratase do efeito que o observador tem sobre o comportamento dos animais A presença do pesquisador é algo diferente no ambiente Para controlar essa variável podemos nos esconder atrás de anteparos visuais mas temos que nos lembrar que muitos animais percebem o ambiente por meio de odores Então o observador será notado mesmo se estiver visualmente escondido Podemos exemplicar com o seguinte fato Um pesquisador que estuda vespas sociais utilizou repelente de insetos para evitar as doloridas ferroadas durante as observações no campo O odor do repelente provocou o enxameamento impedindo a observação do comportamento das vespas na colônia No entanto o pesquisador foi esperto o suficiente para fazer dessa situação um método eficaz para estudar enxameamento Esse é um fato real que aconteceu com o Pósgraduando Carlos Alberto dos Santos pertencente ao grupo do Prof Dr Fernando Noll da UNESP de São José do Rio Preto SP Apesar de nossa presença afetar o comportamento dos animais várias espécies podem se habituar à nossa presença e com isso exibir o comportamento naturalmente Por 61 exemplo em nossos estudos com peixes notamos que os animais se refugiam no fundo do aquário quando entramos no laboratório Porém se nos sentarmos e não realizarmos movimentos bruscos os animais voltam a exibir o comportamento normal alimentação defesa de território corte em cerca de 10 min Outro exemplo famoso é o estudo com chimpanzés realizados pela grande pesquisadora Jane Goudall Ela conseguiu se aproximar dos grupos desses macacos para poder estudálos após um período de habituação MÉTODOS DE AMOSTRAGENS DE DADOS Tendo padronizado o etograma e tendo em mente os diferentes meios de registros comportamentais disponíveis restam ainda outras decisões a serem tomadas para o estudo do comportamento animal Boas decisões dependem muito de nossa reflexão que ocorre durante as observações preliminares ou estudospiloto É nessa fase inicial da pesquisa que os ajustes finos da metodologia são realizados Uma espécie animal é composta de inúmeros indivíduos e obviamente não podemos estudar todos eles A alternativa que nos resta é estudar um grupo representativo dessa população que é chamado de amostra ver adiante em análise de dados Além desse tipo de amostra há a amostragem do comportamento Uma unidade comportamental pode ocorrer várias vezes ao longo das 24 h de um dia e mesmo ao longo de vários dias Como é impossível observarmos o mesmo animal continuamente podemos recorrer a amostras de seu comportamento Alguns dos métodos mais usuais de amostragem dos comportamentos foram sistematizados por Altmann 1974 e são descritos abaixo a amostragem ad libitum neste caso o observador simplesmente registra tudo aquilo que acha relevante Esse tipo de registro é útil na etapa de observação preliminar mas é desvantajoso à medida que os animais mais ativos de um grupo em observação podem desviar a atenção do observador b amostragem do animal focal o observador escolhe aleatoriamente ou não um único indivíduo de um agrupamento ninhada tríade ou outra unidade social o qual servirá de foco das observações por um determinado período Registrase seu comportamento e no caso de situações de interação social por exemplo anotase com que indivíduos esse animalfocal interagiu Este método traz uma desvantagem para os estudos de campo pois é bastante comum nessas condições o animalfocal desaparecer do campo de visão embrenhandose em meio aos arbustos ou para dentro 62 da toca Caso isso aconteça a observação deve ser interrompida e anotado o tempo de observação amostrado para fins de futuros ajustes quantitativos c amostragem por escaneamento fixase um determinado número de intervalos regulares de tempo dentro de um período Ao final de cada intervalo as atividades comportamentais de todos os indivíduos à vista são instantaneamente registradas Este tipo de amostragem proporciona informações pontuais sobre a ocorrência ou não de determinados comportamentos identificando os indivíduos envolvidos Neste tipod e amostragem os comportamentos são registrados por amostragem de tempo instantânea ver abaixo A eficácia desse método depende do observador ter intimidade com a identificação dos animais seja por marcas naturais ou artificiais veja item mais adiante Também podemos combinar os métodos amostrais num mesmo período é possível amostrar dados comportamentais por escaneamento e os dados de um animal focal d amostragem comportamental neste caso o observador procura registrar um comportamento específico fornecendo todos os detalhes sobre os indivíduos envolvidos Esse tipo de registro é útil para comportamentos que ocorrem com baixa frquência Por exemplo número de cópulas num grupo de bonobos Anotase quantas vezes o comportamento ocorreu e se possível qual macho e qual fêmea Por Quanto Tempo Registrar Outra decisão importante a ser tomada no estudo do comportamento animal é sobre quando ou por quanto tempo registrar os comportamentos Devemos registrálo ininterruptamente por determinado tempo registro contínuo ou a intervalos regulares de tempo registro por amostragem de tempo a Registro contínuo permite registrar exatamente a sucessão dos itens comportamentais em um determinado período de tempo possibilitando a obtenção de dados absolutos sobre latência frequência e duração dos comportamentos além de possibilitar análises sequenciais do comportamento Esse é um método de registro bastante indicado se você deseja esclarecer a sequência e a duração dos eventos que caracterizam por exemplo o ritual de acasalamento ou da construção de ninho de uma determinada espécie Geralmente o registro de itens com maior probabilidade de ocorrência pode ser amostrado num intervalo de tempo menor do que itens que ocorrem 63 mais raramente A definição desse intervalo deve ser feita para garantir que o comportamento será de fato amostrado ao menos para a maioria das réplicas b Registro por amostragem de tempo ou intervalar neste caso os dados comportamentais são obtidos a intervalos prédefinidos no tempo Por exemplo podemos fazer observações a cada 20 segundos num período total de 20 minutos Com essa marcação de tempo teremos 60 momentos e 60 intervalos amostrais Durante esse período podemos registrar os dados comportamentais de duas maneiras 1 Amostragem instantânea A cada intervalo de tempo por ex 20 s registramos a ocorrência ou não de um determinado comportamento Quando obtemos dados comportamentais dessa maneira não podemos calcular a frequência ou duração dos comportamentos mas é uma amostragem muito útil quando queremos fazer registros de estados ou comportamentos de longa duração O tipo de dados que serão obtidos por esse tipo de amostragem são escores Por exemplo se dividimos um período de 10 minutos em intervalos de 10 segundos teremos 60 pontos amostrados Se um comportamento é registrado 15 desses 60 então o escore será 1560 ou 025 Outro comportamento que foi registrado 36 vezes o escore será 06 Assim quanto maior a duração do comportamento maior será o escore Por essa razão as amostragens intantâneas são usadas para estados 2 10 umzero Em intervalos regulares por ex a cada 10 s o observador registra se o comportamento ocorreu 1 ou não 0 no intervalo antecendente Esse tipo de amostragem também é particularmente útil para os registros de estados ao invés de eventos comportamentais de um ou mais animais Ao final do período de registros o observador também irá obter escores O critério utilizado para estabelecer o intervalo de tempo depende de quantos itens comportamentais serão registrados e da natureza dos mesmos É claro que quanto mais curto o intervalo mais adequada é a amostragem mas o bom senso e a experiência do observador determinarão o intervalo de tempo apropriado para cada caso CONFIABILIDADE E VALIDADE DAS MEDIDAS A confiabilidade diz respeito ao quanto uma medida é reprodutível e está livre de erros do tipo aleatório Por exemplo uma medida idealmente confiável é aquela cujos dados não apresentam oscilações entre as mensurações As medidas nem sempre 64 são exatas mas podem ser confiáveis dentro de uma margem de segurança Já a validade diz respeito ao quanto a medida representa aquilo que o cientista deseja quantificar e idealmente deve ser livre de erros sistemáticos Tanto a confiabilidade como a validade devem ser cuidadosamente determinadas pois é por meio delas que a qualidade do diálogo estabelecido entre o pesquisador e o animal em estudo ficará demonstrada Schmidek et al 1991 Lehner 1996 Confiabilidade entre intraobservadores Por mais que duas pessoas sejam bem treinadas no registro de dados comportamentais a confiabilidade interobservadores raramente será de 100 pois elas estão sujeitas a erros chamados interpessoais Do mesmo modo uma mesma pessoa raramente consegue reproduzir com precisão o mesmo registro em dois momentos diferentes devido ao que se chama erro intrapessoal Então como podemos confiar nas medidas sucessivas feitas por um mesmo observador E nas medidas feitas por observadores diferentes Para verificar o quanto uma medida é confiável entre observadores podemos usar os testes estatísticos de correlação e de concordância que ajudam a estabelecer uma margem de segurança para a confiabilidade do registro comportamental intra e interobservadores Lehner 1996 Martin Bateson 2007 Basicamente isso seria feito permitindose que duas ou mais pessoas registrem os mesmos comportamentos e posteriormente avaliandose estatisticamente se essas medidas estão correlacionadas ou são concordantes entre esses observadores De forma análoga os mesmos testes poderiam ser feitos para um único observador mas considerandose agora as concordâncias e correlações entre medidas sucessivas A confiabilidade ideal depende de alguns fatores relacionados ao que se deseja medir se é um comportamento e importância da ctegoria que está sendo medida No entanto Martin e Bateson 2007 consideram que devese considerar pelo menos uma correlação de 07 na confiabilidade inter ou intraobservador ANTROPOMORFISMO O comportamento de uma espécie animal é muitas vezes semelhante ao comportamento humano Quem possui animais de estimação particularmente cães é capaz de jurar o que o animal sente ou quer dependendo de sua vocalização expressão facial ou movimento de cauda Nesses casos é comum dizermos que o animal está feliz triste etc A atribuição de características humanas a entidades não humanas é 65 denominada antropomorfismo Essa atitude deve ser evitada no estudo do comportamento animal Isso não significa que as emoções humanas sejam exclusivas de nossa espécie mas muitas vezes podemos ser enganados por falsas semelhanças Por exemplo o chimpanzé durante interações agonísticas abre a boca expõe os caninos e vocaliza como se estivesse rindo quando na verdade está fazendo uma demonstração agressiva Da mesma forma o golfinho não sorri para o ser humano A primeira conclusão que elaboramos ao ver um peixe com larvas de peixes dentro da boca é que ele está se alimentando quando de fato está cuidando da sua prole Diferentemente da espécie humana que carrega os filhotes com os membros superiores essa espécie de peixe o faz com uma estrutura análoga a boca Assim a interpretação do comportamento nas outras espécies deve ser feita com muita cautela É imprescindível que o cientista leve em consideração o contexto em que o comportamento ocorre se durante as interações agonísticas entre adultos ou entre pais e filhotes etc É recomendável observar que as vias sensoriais utilizadas por determinadas espécies de animais não pertencem à sensibilidade humana como os sentidos da linha lateral e da eletrolocação dos peixes ou mesmo o sentido magnético e a visão da radiação ultravioleta de abelhas Ainda que haja um sentido compartilhado pelo homem e muitas outras espécies animais como a audição o ser humano não ouve necessariamente a mesma frequencia sonora de outras espécies Por exemplo as ondas mecânicas que estão abaixo de 20 Hz são denominadas infrasom e as acima de 20000 Hz ultrasom para os quais somos totalmente surdos Quando os cientistas passaram a analisar o mundo bioacústico sob o ponto de vista dos animais estudados descobriuse fenômenos surpreendentes os morcegos produzem ultrasons e ouvem os seus ecos para se orientarem no espaço os elefantes se comunicam à distância emitindo infra sons Como pode ser notado esses animais possuem um canal totalmente privado de comunicação e os sentidos humanos necessitam de mecanismos artificiais para ampliar a sua percepção sensorial Mas nem os mais sofisticados equipamentos garantem que estejamos registrando e conhecendo toda a comunicação animal Por outro lado o exagero em evitar antropomorfismos pode levar a uma simplificação demasiada do animal Não devemos ignorar os processos cognitivos em animais não humanos O autor que mais se empenhou nesse assunto nos últimos anos talvez tenha sido o norte americano Donald Griffin o qual defendia que só entenderemos completamente outras espécies quando soubermos o que elas pensam e sentem Griffin 1992 66 Algumas vezes o fato de não encontrarmos emoções semelhantes às nossas ou meios para demonstrar que elas existem pode validar práticas indesejáveis Por exemplo uma das questões bastante discutidas atualmente está relacionada com o fato de peixes sentirem dor e sofrerem com ela Até pouco tempo atrás a falta de um método adequado que demonstrasse que peixes sentem dor validou e estimulou a prática da pesca esportiva Rose 2002 onde o peixe é fisgado por um anzol admirado pesado e depois devolvido à água No entanto Sneddon 2003 demonstrou que substâncias irritantes administradas na região oral em trutas arcoíris fazem com que apareçam comportamentos anômalos indicadores de desconforto como rubbing esfregar a boca na parede do aquário ou no substrato e rocking ondular o corpo para os lados enquanto está no substrato Sneddon 2003 verificou ainda que esses comportamentos são abolidos quando os animais recebem morfina potente analgésico indicando que peixes sentem dor e portanto fornecendo fortes argumentos à abolição da pesca esportiva O PROBLEMA TAXONÔMICO Quando estudamos um animal devemos nos certificar de que a espécie com a qual estamos trabalhando seja de fato a que pensamos que é Para isso é essencial o auxílio de um taxonomista nessa identificação Um problema que podemos enfrentar é que mesmo conhecendo a espécie ela pode mudar de nome ou ser incluída em outro grupo taxonômico Pior é a situação onde se descobre que o que era considerado uma espécie corresponde na verdade a duas ou viceversa Para evitar que nossos dados se percam em dúvidas devemos depositar sempre que possível e nos esforçarmos para que seja possível alguns exemplares de nosso estudo em coleções zoológicas Esses exemplares receberão um número de registro e poderão ser consultados sempre que necessário por qualquer cientista do mundo Além disso o cientista precisa conhecer a história taxonômica de seu objeto de estudo Por exemplo a tilápiadoNilo um teleósteo da família Cichlidae foi nomeada por Linnaeus como Tilapia nilotica em 1758 Mais tarde com os estudos de Trewavas essa espécie passou para o gênero Sarotherodon tornandose Sarotherodon niloticus Mais tarde essa mesma autora redefiniu os gêneros da Tribo tilapiini com base no comportamento de cuidado parental Assim as espécies cujas fêmeas cuidam 67 da prole na boca passaram para o gênero Oreochromis e portanto a tilápiadoNilo mudou novamente para Oreochromis niloticus Trewavas 1982 Assim ao fazer uma revisão bibliográfica sobre essa espécie o pesquisador tem que englobar esses três nomes científicos do contrário deixará de considerar trabalhos que podem ser relevantes Pelas regras da nomenclatura zoológica a história taxonômica de uma espécie é expressa colocandose seguido do nome científico da espécie o nome do autor que fez a primeira descrição entre parênteses Oreochromis niloticus Linnaeus 1758 Caso fosse escrito sem o parânteses Oreochromis niloticus Linnaeus 1758 significaria que Linnaeus descreveu essa espécie originalmente no gênero Oreochromis ESTUDOS DE CAMPO E DE LABORATÓRIO ou em ambiente natural e artificial O que é melhor estudar comportamento animal no campo ou no laboratório Se você acha que é a primeira errou Se acha que é a segunda também errou Começar um projeto escolhendo o local de estudo cativeiro ou campo significa começar uma pesquisa pelo material e métodos o que infelizmente é um erro frequente Como visto neste e no Capítulo 2 uma pesquisa geralmente começa com uma pergunta que será respondida com ou sem elaboração de hipóteses e os materiais e métodos empregados devem ser adequados para responder à pergunta Algumas delas são melhor respondidas por meio de estudos em ambiente natural e outras em condições de laboratório Depende do objetivo do estudo Nas áreas etológica e zoológica ainda persiste para muitas pessoas no Brasil o preconceito em relação a estudos comportamentais desenvolvidos em laboratório Esse tipo de preconceito atrapalha em muito o desenvolvimento dos estudos sobre o comportamento animal mas não se trata de um viés gratuito Ao menos duas origens possíveis podem ser aventadas A primeira é associada ao próprio nascimento da Etologia que incrementou estudos de comportamento no ambiente natural em contraposição aos estudos dos behavioristas que eram totalmente realizados em laboratório ver o Capítulo 1 Tinbergen 1963 A segunda causa provável é atribuída a uma postura mais superficial sobre as bases e estrutura do conhecimento científico como já alertado no Capítulo 2 Não devemos nos esquecer de que muitos dos conceitos básicos da Etologia foram formulados a partir de estudos em laboratório Um exemplo 68 bem conhecido é o comportamento de defesa de território no peixe de 3 espinhos Gasterosteus aculeatus cuja condição de dominância depende da posição do indivíduo no espaço Essa conclusão foi experimentalmente obtida por Tinbergen em condições controladas de laboratório Ridley 1995 Isso não mudou a abordagem adaptativa característica da Etologia mas culminou na elaboração de leis gerais para o comportamento animal As duas formas de estudos são na verdade complementares e apresentam vantagens e desvantagens que devem ser consideradas na elaboração de um projeto e na interpretação dos resultados Por exemplo é muito difícil estudar os mecanismos fisiológicos de determinados comportamentos a partir de estudos desenvolvidos exclusivamente no campo De outro lado questões comportamentais que envolvem a interação com o ambiente devem ser estudadas no campo O que queremos deixar claro é que é a natureza da pergunta é que determina se devemos desenvolver o estudo no campo ou no laboratório e não uma preferência a priori do pesquisador Vantagens e Desvantagens de se Estudar o Comportamento no Ambiente Natural No ambiente natural todos os elementos que modulam o comportamento de um animal estão presentes as condições climáticas as plantas o tipo de solo os predadores as presas e outros animais que convivem com ele Apesar disso os estudos de campo apresentam dificuldades em 1 Visualizar a maioria dos animais o tempo todo 2 Controlar algumas variáveis como luminosidade temperatura densidade populacional disponibilidade de alimento tamanho e idade do animal 3 Encontrar ou estudar os animais que vivem em ambientes subterrâneos que são noturnos ou que habitam locais de difícil acesso 4 Discriminar animais crípticos Mesmo com essas dificuldades os estudos de campo permitem além dos estudos descritivos testes de hipóteses importantes como já mostrou o próprio Tinbergen com seus métodos criativos descritos no início deste capítulo Além disso é possível também controlar certas variáveis e realizar diversos trabalhos mesmo com as 69 dificuldades inerentes Por exemplo quando os animais são difíceis de serem encontrados eles podem ser capturados em armadilhas e marcados com um colar transmissor que permite que sejam encontrados ou seguidos por meio de ondas de rádio Locais de difícil acesso como árvores de elevada altura podem ser acessados por meio de equipamentos de alpinismo como ocorre em alguns estudos com aves Guedes 1993 O cientista pode ainda contar com câmeras de infravermelho quando o animal é de hábito noturno Mesmo medidas fisiológicas podem não ser um entrave definitivo pois nas últimas décadas têm sido desenvolvidos por exemplo métodos de análises de fezes que permitem avaliar condições reprodutivas Sousa et al 2005 Exemplos elegantes que envolvem testes de hipóteses no ambiente natural podem ser encontrados nos trabalhos de Paulo S Oliveira UNICAMP e Regina H F Macedo UNB Vantagens e Desvantagens de se Estudar o Comportamento no Cativeiro ou laboratório Por ambiente artificial devemos considerar todo aquele fora do ambiente natural do animal como laboratórios zoológicos e criadouros Muitos cientistas utilizam o termo seminatural para descrever ambientes artificiais que contenham várias características do ambiente natural Porém não podemos nos iludir que ambiente semi natural seja próximo do natural Por exemplo estudar muriquis em semicativeiro pode significar manter o animal ao ar livre sujeito às variações ambientais e incluir em sua alimentação vários itens de sua dieta natural No entanto a ausência de predadores naturais e de vários elementos que seguramente não conseguiremos reproduzir torna esse ambiente artificial Portanto o termo ambiente seminatural deve ser evitado O que existem são ambientes artificiais em condições mais pobres ou mais ricas em elementos naturais Mas nesses ambientes a situação totalmente natural já não existe Assim como no ambiente natural existem vantagens e desvantagens nos estudos em laboratório veja Campbell et al 2009 As principais vantagens das condições de laboratório residem na facilidade de observação dos animais pois eles estarão sempre lá e mais facilmente visíveis É por essa razão que a maioria dos estudos realizados com peixes de água doce é feita em laboratório Na água doce a turbidez e a presença de densa vegetação submersa dificultam a visibilidade e a observação dos 70 animais ao contrário do que acontece por exemplo em recifes de corais cuja visibilidade favorece estudos do comportamento de peixes no ambiente natural Outra vantagem dos estudos em laboratório é a possibilidade de controlar variáveis que possam modular o comportamento como temperatura fotoperíodo umidade densidade populacional idade tamanho e na medida do possível experiências prévias dos animais em estudo Apesar dessas considerações destacamos as seguintes dificuldades ou desvantagens dos estudos em laboratório 1 Possibilidade de alteração do comportamento Um dos grupos de difícil estudo em laboratório por exemplo é o dos anfíbios anuros Esses animais mudam rapidamente seu comportamento principalmente aqueles ligados à reprodução e à vocalização Mesmo nos casos em que são acondicionados em recintos externos e que mantém temperatura e luminosidade ambiental os anuros reduzem ou abolem sua vocalização principal meio de comunicação intraespecífica nesse grupo 2 Aparecimento de comportamento marginais que são aqueles que não são exibidos em condições naturais mas que passam a ser exibidos em condições artificiais 3 Desenvolvimento de estresse nos animais decorrente do ambiente artificial a que foram submetidos Este fator no entanto pode ser reduzido ou abolido deixandose o animal ajustarse por vários dias às condições de manutenção e tratamento O mais comum é que os estudos em campo e em laboratório sejam complementares Por exemplo RossaFeres et al 2000 estudaram no campo o comportamento reprodutivo de Psecas perviridis uma espécie de aranha saltadora que vive em bromélias gravatás associando o comportamento a fatores ambientais No entanto a descrição e quantificação das unidades comportamentais da corte incluindo análise de frequência e de sequência foram realizadas em laboratório pois isso permitia uma melhor visualização do comportamento em questão tornando os dados coletados mais confiáveis Além desse há vários estudos na literatura que conciliam estudos nos dois ambientes corroborando a idéia de que devemos sempre aproveitar ao máximo nossos recursos metodológicos para respondermos adequadamente nossas indagações de pesquisa ex Yamamoto et al 1996 Finalizando sempre que possível devemos conhecer o comportamento natural do animal ou do grupo taxonômico ao qual ele pertence para que possamos melhor planejar nossos estudos no campo ou no laboratório além de naturalmente melhor conduzir nossas análises para as conclusões 71 ANÁLISE DE DADOS Uma vez coletados os dados o passo seguinte é analisálos Se os estudos são descritivos a análise dos dados se restringe a encontrar padrões de comportamento e interpretálos à luz de algumas teorias préexistentes Porém a maioria dos estudos que envolvem testes de hipótese utiliza a estatística para analisar os dados Assim quando quantificamos o comportamento e pretendemos fazer generalizações a partir de amostras da população utilizamos inferências estatísticas Zar 1999 Ha Ha 2007 A análise estatística pode ser descritiva envolvida com o resumo e apresentação dos dados ou pode ser inferencial que ajuda a concluir sobre conjuntos maiores populações quando apenas partes desse conjunto as amostras foram estudadas CallegariJaques 2004 Com este tópico pretendemos apresentar alguns conhecimentos básicos que podem auxiliar na análise estatística inferencial de dados Porém pressupomos que já sejam de domínio conhecimentos mínimos como medidas de tendência central média moda e mediana e medidas de dispersão desvio padrão erro padrão e coeficiente de variação A análise estatística deve estar ligada ao objetivo e ao delineamento da pesquisa De acordo com Volpato 2007 o trabalho científico é um argumento lógico onde a metodologia e os resultados são premissas para as conclusões Assim quando se planeja um estudo é imprescindível que o teste estatístico a ser utilizado também seja planejado uma vez que ele faz parte das premissas dentro do argumento lógico Vários tipos de testes podem ser utilizados para a análise de dados e a escolha de qual teste usar depende de algumas características do experimento e dos dados Assim apresentaremos alguns conceitos básicos que irão auxiliar na escolha adequada do teste estatístico e fundamentalmente na interpretação adequada dos resultados Variáveis Variável é um atributo inerente ao objeto estudado e que como o próprio nome diz pode variar se o atributo é invariável estamos falando de uma constante Centeno 1999 A frequência de interação agonística duração da corte frequência de ingestão alimentar etc são exemplos de variáveis comportamentais As inferências estatísticas são feitas a partir de dados obtidos das variáveis consideradas no estudo De acordo com CallegariJaques 2004 as variáveis podem ser qualitativas 72 quando expressam atributos não numéricos como cor sexo etc ou quantitativas que expressam quantidade em dados numéricos como frequência de ocorrência duração latência etc As variáveis quantitativas podem ser classificadas em Variáveis Discretas que apresentam valores inteiros como número de filhotes ou número de células e Variáveis Contínuas cujos dados podem apresentar qualquer valor dentro de um intervalo de variação possível como peso comprimento duração etc As variáveis quantitativas ou qualitativas podem ainda ser classificadas como Dependentes ou Independentes De acordo com Volpato 2007 esse conceito é relativo pois dependerá sempre do objetivo da pesquisa Por exemplo vários estudos demonstraram que o aumento de andrógenos aumenta a agressividade em teleósteos ex Munro Pitcher 1985 Nesse caso a variável independente é o nível de hormônio e a agressividade é a variável dependente que depende do nível hormonal Por outro lado estudos mais recentes têm demonstrado que peixes mais agressivos apresentam elevação dos níveis de andrógenos circulantes ex Oliveira 2004 Nesse caso ocorre o contrário do primeiro pois os níveis hormonais passam a ser dependentes da condição agressiva variável independente Embora ambas as variáveis devam ser quantificadas a variável independente faz parte da condição dos grupos experimentais e a variável independente será aquela quantificada como resultado Volpato 2007 O conhecimento desse conceito é fundamental pois auxilia na elaboração do delineamento experimental e conseqüentemente na análise de dados Amostras De modo geral as populações nas quais o cientista está interessado são grandes demais para serem estudadas na sua totalidade pois muitas vezes as populações tendem ao infinito Por isso trabalhamos com amostras que se constituem em qualquer fração de uma população CallegariJacques 2004 De acordo com essa autora a finalidade da amostra é representar a população e portanto a amostra não deve ser tendenciosa Isso significa que devemos utilizar métodos adequados de amostragem para que não ocorram erros quando os dados são analisados e as conclusões elaboradas que serão generalizadas para a população e não apenas para a amostra Por exemplo se quisermos saber como é o comportamento sexual de estudantes da terceira série do ensino médio não devemos utilizar estudantes de um único colégio para esse estudo pois a amostra não seria representativa da população O 73 comportamento pode variar nas escolas cujos alunos pertencem a camadas sociais onde o poder aquisitivo é diferente e isso poderia contaminar os resultados Assim um procedimento bastante utilizado para se evitar equívocos é a amostragem aleatória obtida de tal modo que todos os indivíduos de uma população tenham igual probabilidade de serem amostrados Se a população for constituída por classes ou estratos devemos nos certificar de que amostramos indivíduos de cada estrato Por exemplo se uma população é composta por animais dominantes e submissos e a coleta de dados depende de captura dos indivíduos corremos o risco de coletar preferencialmente os submissos pois esses geralmente são mais vulneráveis Devemos então nos certificar de não estarmos amostrando somente submissos na hierarquia social pela maior facilidade na hora da coleta Amostras relacionadas e não relacionadas Amostras relacionadas são aquelas cujas respostas são dependentes entre si Geralmente elas ocorrem quando os mesmos animais são amostrados duas ou mais vezes Como exemplo citamos o registro do comportamento num mesmo indivíduo antes e após um estresse ou em presença e ausência de fêmeas São amostras relacionadas também aquelas nas quais um comportamento não pode ocorrer simultaneamente a outro Suponha que numa situação de competição alimentar dois peixes macho e fêmea recebam 10 peletes de ração Nenhum deles ficará saciado apenas com esses peletes de forma que irão competir por eles e nesse caso o que um peixe come depende do quanto o outro comeu Assim a quantidade de ração ingerida pela fêmea será dependente do que o macho comeu e viceversa O fato de um dado afetar o outro implica na condição de dependência Da mesma forma em estudos sobre tomada de decisão ao fazer uma escolha fica implícita a não ocorrência da outra no mesmo momento resultando daí a condição de dados relacionados Por outro lado amostras não relacionadas são aquelas cujas respostas não interferem umas nas outrasIsto é comum nos casos nos quais os resultados podem ser afetados quando o animal passa por mais de um procedimento Por exemplo GonçalvesdeFreitas 1999 testou o efeito da presença de fêmeas sobre o desenvolvimento gonadal do macho dominante na tilápiadoNillo Esses animais foram mortos ao final do experimento para que as gônadas fossem retiradas e seus estádios de desenvolvimento avaliados Então esse trabalho não poderia ser feito comparandose a condição do macho antes e após o contato com as fêmeas portanto 74 foram necessários dois grupos independentes o grupo com presença de fêmeas e o grupo com ausência delas Qualquer que fosse o resultado do desenvolvimento gonadal dos animais no primeiro grupo em nada afetaria o resultado dos animais do outro grupo pois são completamente independentes Dados com Distribuição Normal ou Nãonormal Em termos simplificados os dados que apresentam distribuição normal são aqueles com preponderância de valores em torno da média e com progressiva redução em direção aos limites extremos de uma escala de valores Zar 1999 Ha Ha 2007 Os dados que não apresentam essa distribuição são chamados nãonormais A distribuição normal é um dos principais critérios para decidir entre a utilização de testes paramétricos ou nãoparamétricos Lehner 1996 ver adiante Na realidade os testes estatísticos partem de pressupostos sobre a variável sendo um deles a sua distribuição normal ou nãonormal Portanto não se pode usar um teste que admite um tipo de distribuição para avaliar uma variável que apresenta outra forma de distribuição Homogeneidade de Variâncias Os indivíduos de uma população apresentam uma variação inerente que pode ser medida calculandose a variância Ha Ha 2007 Para definir o teste estatístico a ser utilizado é preciso conhecer como é a variação dos dados em torno da média entre os tratamentos testados Se a variância for semelhante entre as amostras dizemos que há homogeneidade variância homogênea homocedástica Isso significa por exemplo que se temos duas ou mais amostras tratamentos a variâncias de cada uma estima a mesma variância da população Zar 1999 Quando as variâncias não são homogêneas as amostras são chamadas de heterocedásticas Testes Paramétricos e Não Paramétricos Os testes paramétricos são utilizados para comparar amostras de variáveis contínuas quando a distribuição dos dados é normal e a variância é homocedásticaQuando uma dessas condições está ausente utilizamos testes não paramétricos De acordo com Lehner 1996 e Siegel e Castellan Jr 2006 análises não paramétricas devem ser utilizadas também quando o número de réplicas for pequeno pois nesse caso não é possível testar se os dados apresentam ou não 75 distribuição normal No entanto é comum encontrarmos na literatura análises paramétricas para comparação de amostras com número reduzido de réplicas Certamente isso ocorre porque os dados seguiram aos outros critérios citados distribuição normal e homocedasticidade Os dados obtidos nos estudos do comportamento animal muitas vezes não satisfazem aos critérios para utilização de testes paramétricos devido à grande variação dos dados Embora nesses casos possamos analisar os dados com os testes não paramétricos podemos também transformar esses dados para tornar a distribuição normal e homogeneizar a variância Três formas de transformação são utilizadas Sokal Rohlf 1995 Quin Keogh 2002 Raiz quadrada x12 ou se algum valor for zero x0512 Transformação logarítmica log10 x ou log10 x1 se algum valor for zero Transformação arcoseno 2arcsenx12 onde x é a porcentagem de aparecimento de um determinado caracter num total definido Dados de frequência por exemplo podem ser transformados pelas 2 primeiras formas Porém a transformação usando arcoseno deve ser utilizada para porcentagem ver Quin Keogh 2002 Analisando os Dados Alguns passos são sugeridos a seguir para a análise dos dados mas não serão discutidos os fundamentos de cada teste estatístico os quais podem ser encontrados detalhadamente em obras específicas sobre estatística Quando analisamos os resultados devemos levar em conta a etapa de planejamento da pesquisa Assim enquanto algumas informações são obtidas após a coleta de dados outras devem ser estabelecidas no planejamento do estudo 1 Estabeleça que variáveis serão analisadas latência frequência duração níveis de hormônios ganho de peso número de filhotes etc 2 Estabeleça se irá utilizar comparação entre amostras média ou mediana se irá utilizar correlação ou testar proporções 76 As análises estatísticas envolvem basicamente três tipos de inferências sobre amostras populacionais Uma delas fornece informações comparativas entre grupos experimentais ou grupos estudados testando se eles são semelhantes ou diferentes entre si O mesmo raciocínio pode ser feito para um mesmo grupo quando comparamos o que acontece ao longo do tempo Em ambos os casos é comum compararmos médias ou medianas Suponha que queremos comparar o efeito da redução do nível de água sobre as interações agonísticas em alguma espécie de peixe Suponha ainda que serão testados três níveis de água Assim podemos comparar a frequência média de eventos agressivos entre esses três grupos No entanto se quisermos acompanhar o ritmo de algum comportamento estaremos comparando variáveis média ou mediana ao longo do tempo Por outro lado podemos querer saber não apenas se grupos diferem entre si mas como eles estão relacionados Nesse caso temos um segundo tipo de inferência que são as correlações relação ou correspondência entre duas ou mais variáveis As correlações podem ser positivas ou diretas quando uma variável oscila na mesma direção da outra ou podem ser negativas ou inversas quando uma variável oscila na direção contrária da outra Por exemplo o aumento da densidade populacional leva ao aumento das interações agonísticas em animais territoriais Esse é um tipo de correlação direta pois a variável interação agonística oscila na mesma direção da densidade populacional Por outro lado quanto mais um animal subordinado é atacado menor será sua taxa de crescimento já que o aumento de ataques recebidos aumenta o estresse social e reduz a energia disponível para ganho de peso Nesse caso temos uma correlação negativa pois a taxa de crescimento oscila na direção contrária dos ataques recebidos Podemos ter correlações simples quando uma variável é associada a outra ou correlação múltipla quando uma variável é associada a 2 ou mais variáveis ou ainda quando um conjunto de variáveis é associado a outro conjunto Como visto no capítulo 2 sempre que houver uma ação causal de uma variável sobre outra haverá correlação porém nem sempre a existência de correlação implica em relação causal Volpato 2007 apresenta o seguinte exemplo o aumento de bebidas alcoólicas é correlacionado positivamente com o número de igrejas de uma cidade No entanto esses eventos não têm relação de causa e efeito pois a causa desses aumentos é um terceiro fator o crescimento populacional Assim devemos tomar certo cuidado ao interpretarmos e concluirmos sobre resultados provenientes de correlações Apesar dessa possibilidade os testes de correlação são excelentes ferramentas para 77 analisar o comportamento animal Um terceiro tipo de inferência estatística não está associado aos valores de tendência central média moda e mediana mas à frequência com que cada variável ou fenômeno ocorre num total definido comumente usado em variáveis qualitativas Por exemplo suponha que queremos saber se uma determinada espécie de gavião apresenta preferência pelo pé que usará para manipular a presa preferência pedal Haverá duas possibilidades para esse comportamento pé direito e pé esquerdo A frequência de animais que utilizaram um dos pés será indicada e comparada por análise de proporções Isso significa que iremos comparar se a proporção de animais que utiliza preferencialmente pé esquerdo ou pé direito difere na população Como outro exemplo GonçalvesdeFreitas e Ferreira 2004 estudaram se machos dominantes do peixe tilápiadoNilo acasalavam primeiro com fêmeas dominantes As possíveis respostas foram sim e não e a proporção de machos que acasalaram com dominantes foi comparada com a proporção de machos que acasalaram com fêmeas não dominantes Os exemplos citados são relacionados às variáveis dicotômicas com 2 categorias mas testes de proporções também podem ser utilizados quando o número de categorias é maior que 2 Por exemplo proporção de destros canhotos e ambidestros numa população Uma outra forma de analisar os dados é quando cada categoria pode estar associada a outra Por exemplo podemos querer saber se existe diferença na proporção de destros e canhotos entre machos e fêmeas Assim são duas categorias macho e fêmea que apresentam duas possibilidades destro e canhoto Esse caso é conhecido como tabela de contingência 2 x 2 Zar 1999 Em resumo os testes de proporções avaliam se a diferença encontrada nas proporções é casual ou não 3 Defina o número de amostras ou grupos experimentais que serão comparados Podemos ter duas amostras por exemplo quando comparamos o tempo de autolimpeza em machos e fêmeas de um determinado felino Macho é um grupo fêmea é outro Mas se quisermos fazer comparações entre machos adultos fêmeas adultas e filhotes teremos três grupos de dados ou três amostras A nomenclatura estatística referese a esses grupos como 2 amostras ou K amostras mais que 2 Essa informação é importante no momento da escolha do teste estatístico veja adiante 4 Verifique se as amostras são relacionadas ou não Alguns delineamentos não permitem que os mesmos animais sejam utilizados 78 em mais de um momento como citado anteriormente Porém em alguns casos isso é possível e desejável De acordo com Volpato 2007 se a variável em estudo apresentar grande variação entre os indivíduos numa mesma condição isso poderá camuflar diferenças significativas quando comparamos os grupos Nesse caso devemos optar por amostras relacionadas porque os testes estatísticos específicos consideram a variação dentro de cada par de dados o que não ocorre com testes para amostras não relacionadas os quais consideram cada grupo independentemente não levando em conta a variação de forma pareada Além disso em casos onde é possível optar são preferíveis amostras relacionadas do que as não relacionadas porque o número de animais utilizados pode ser reduzido à metade Por exemplo é perfeitamente viável medir os níveis de cortisol plasmático em animais submetidos a um determinado estressor Podemos utilizar dois grupos independentes um com e outro sem o estressor e comparálos ao final de um determinado período de tempo Por outro lado podemos comparar o cortisol nos mesmos animais antes e após a aplicação de um estressor Nesse caso serão aplicados testes para amostras relacionadas dependentes Esse procedimento permite que a resposta de cada animal seja ponderada pela sua condição anterior à imposição experimental estressor Com isso reduzse os efeitos da variabilidade individual no experimento Outra consequência do delineamento com amostras dependentes é que permite usar menor número de animais Dependendo da situação investigada ou do animal estudado o número de animais passa a ser uma restrição importante O uso de amostras dependentes reduz pela metade o número de animais a serem usados Assim além de solucionar a variabilidade dos dados as amostras dependentes também auxiliam na determinação do tamanho da amostra 5 Verifique se existem dados discrepantes outliers no conjunto de dados Dados discrepantes são valores que estão fora do intervalo média 2 x desvio padrão abaixo do intervalo Quartil inferior 15Quartil superior Quartil inferior ou acima do intervalo Quartil superior 15Quartil superior Quartil inferior Hoaglin et al 1986 Esses outliers podem representar indivíduos que se comportam diferentemente dos demais numa amostra por vários motivos como decorrentes de alguma patologia ou de diferentes experiências prévias Esses dados devem ser excluídos da amostra pois a manutenção deles aumenta a variância o que pode levar à falsa aceitação da hipótese de nulidade H0 não há diferença entre as médias ou medianas Como a 79 estatística procura padrões dentro das populações retirálos da amostra antes de aplicar os testes faz com que o conjunto de dados se torne mais homogêneo e melhor represente a população Isso não significa que os outleirs devam ser ignorados Eles podem ser discutidos e devem ser apresentados nos resultados vide exemplo em Giaquinto Volpato 1997 Bayley et al 2000 Assim a média dos dados sem o outlier e a apresentação dos valores outlier descrevem e representam da melhor forma a população em estudo Volpato 2007 6 Verifique se os dados apresentam distribuição normal e se as variâncias são homogêneas Os testes de KolgomorovSmirnov e o teste W de Shapiro Wilk são alguns exemplos de testes utilizados para verificar a normalidade das amostras Sokal Rolph 1995 Zar 1999 sendo o segundo considerado por Zar 1999 como de maior força em relação ao primeiro Já a homogeneidade das variâncias pode ser testada pelo teste de Bartlet Zar 1999 ou pelo teste FMAX Lehner 1996 Ha Ha 2007 O resultado desses testes irá definir se devemos usar testes paramétricos ou não paramétricos Se os dados apresentarem distribuição não normal e heterocedasticidade ainda é possível transformálos como citado anteriormente para a utilização de testes paramétricos Diante dessas informações é possível escolher um teste estatístico adequado Para isso veja um resumo na tabela 3 Tabela 3 Resumo de testes estatísticos que podem ser utilizados nas análises de dados em comportamento animal Análise de tendência central média ou mediana Paramétrica1 Não Paramétrica2 Amostras relacionadas Amostras não relacionadas Amostras relacionadas Amostras não relacionadas 2 amostras Teste t de Student pareado ou para amostras relacionadas Teste t de Student não pareado ou para amostras não relacionadas Teste de Wilcoxon Teste do sinal Sign Test Teste U de Mann Whitney Teste de Kolmogorov Smirnov para 2 amostras Mais de 2 Análise de variância Análise de Variância ANOVA de Teste de Kruskal 80 amostras para medidas repetidas ANOVA ANOVA Friedmann Wallis Análise de Correlação Paramétrica Não Paramétrica Correlações Simples Teste de Pearson Teste de Spearman Testes de Proporções Comparação dentro de 1 amostra Teste Binomial Teste de Goodman Quiquadrado Comparando 2 variáveis Tabelas 2 x 2 Teste Exato de Fisher Quiquadrado Teste Multinomial Teste de Goodman Comparando mais que 2 variáveis Quiquadrado Teste Multinomial Teste de Goodman 1Análise paramétrica compara médias 2Análise não paramétrica compara medianas Se a análise escolhida for a análise de variância ANOVA significa que serão comparadas ao menos três amostras independentes ou dependentes ANOVA para medidas repetidas Nesse caso se aparecer significância estatística significa que há diferença entre ao menos duas amostras Mas para saber quais amostras diferem entre si é necessário aplicar um teste para comparações múltiplas post hoc test que irá comparar os grupos e apontar onde estão as diferenças O teste de Tukey de Schefeé de NewmanKeuls e o Teste de Mínima Diferença Significativa LSD test são exemplos de testes para comparações múltiplas Todos podem ser utilizados e diferem quanto à sua robustez Tukey é mais robusto do que LSD e por isso tem sido preferido mas qualquer um pode ser utilizado Zar 1999 Testes de comparações múltiplas também são utilizados nos testes não paramétricos Se o teste utilizado for Kruskal Wallis as comparações podem ser feitas pelo teste de Dunn que equivale ao Tukey e para ANOVA de Friedman é utilizado o teste de Dunnet Zar 1999 CallegariJaques 81 2004 Os testes de proporções referidos na tabela podem ser utilizados em algumas condições De acordo com CallegariJacques 2004 o teste mais utilizado é o do Qui quadrado Mas esse teste só pode ser utilizado com frequências absolutas e nenhuma frequência deve ser inferior a 5 Zar 1999 CallegariJacques 2004 reporta ainda que o número de amostras não deve ser inferior a 25 Assim no caso onde não seja possível utilizar o teste do Quiquadrado utilizase os outros testes citados Obviamente existem vários testes estatísticos além dos que estão expostos neste capítulo como exemplo os testes multivariados que são aqueles que analisam a interação de vários fatores num mesmo fenômeno Zar 1999 Volpato 2007 Porém o resumo apresentado aqui pode resolver problemas básicos em muitos estudos de comportamento animal Interpretando os Dados O resultado da análise estatística de nada vale se não houver um estudioso do comportamento para interpretar biologicamente os resultados Para isso é necessário ter um bom conhecimento sobre a espécie que se está estudando que órgãos sensoriais ela utiliza como é o ambiente onde vive e como é sua história filogenética Além disso é muito importante um conhecimento atualizado e amplo sobre o assunto estudado isto é não basta conhecer o fenômeno apenas na espécie estudada é necessário comparar com outras espécies Às vezes basta um conhecimento sólido sobre o grupo estudado por exemplo teleósteos ou ainda sobre uma família desse grupo Porém algumas revistas como a Animal Behaviour exigem que os artigos não sejam limitados a um único grupo animal As conclusões devem estar associadas a teorias gerais e ser o mais abrangente possível Assim esse aspecto deve ser levado em conta não só no momento da interpretação biológica dos dados mas também no momento de definições dos objetivos Essa postura reforça o que entendemos por ciência do comportamento vide capítulo 2 ÉTICA NO ESTUDO DO COMPORTAMENTO ANIMAL Estudar o comportamento animal envolve manipulações que podem culminar em sofrimento dor estresse ou ao menos algum tipo de desconforto para o animal estudado principalmente quando os procedimentos utilizam métodos invasivos Assim 82 realizar pesquisas pautadas em procedimentos éticos significa utilizar métodos que reduzam o estresse evitem dor desconforto e assegurem o bemestar mínimo aos animais estudados vide capítulo 13 Várias sociedades e conselhos científicos têm formulado diretrizes para posturas eticamente corretas no estudo do comportamento animal Por exemplo o Conselho Canadense para o Cuidado dos Animais Canadian Council of Animal Care possui um tratado de recomendações para os estudos envolvendo pesquisas com animais Olfert et al 1993 bastante difundido na América do Norte Além desse também há um conjunto de recomendações nos estudos sobre a dor Zimmerman 1983 A Associação para o Estudo do Comportamento Animal Association for the Study of Animal Behaviour na Europa e a Sociedade de Comportamento Animal Animal Behavior Society na América do Norte produziram em conjunto um guia para o ensino e pesquisa em comportamento animal Guidelines for the treatment of animals in behavioural research and teaching publicado na revista Animal Behaviour V71 fasc1 2006 Os editores dessa e de outras revistas de renome internacional têm recusado artigos cujos procedimentos não seguem essas diretrizes No Brasil há uma lei que regulamenta o uso científico de animais lei no 11794 de 8 de outubro de 2008 Além disso as pesquisas experimentais devem ser aprovadas pleas Comissões de Ética na Experimentação Animal das Insituições de Ensino e Pesquisa Sugerimos também que sejam conhecidos os preceitos do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal wwwcobeagovbr A seguir listamos algumas das medidas éticas que devem ser respeitadas pelos cientistas para redução de desconforto e valorização da vida animal Utilizar anestésicos antes de vários tipos de manipulações pesagem medidas cirurgias marcação e também no momento de eutanásia dos animais Utilizar métodos adequados de manutenção evitar superpopulação manter corretos o ciclo de luz temperatura umidade oferta de água alimentação e outras variáveis próprias da espécie oferecer refúgio sempre que possível evitar manter presas e predadores em locais próximos Treinar técnicas cirúrgicas para evitar mortes inúteis de animais Habituar os animais ao tratador e ao observador atenuando os efeitos do estresse Se possível utilizar alternativas como modelos e simulação em computadores 83 Utilizar sempre que possível as marcas naturais para identificar os indivíduos ao invés de métodos invasivos inclusão de chips corte nos lobos auriculares ou caudas de peixes Evitar qualquer método que potencialmente possa provocar dor mesmo que não seja ainda clara a comprovação científica de que o animal em estudo sente dor Escolher um número mínimo de animais suficiente para garantir a boa qualidade das conclusões do estudo Isso pode ser obtido por meio de delineamentos bem elaborados utilização de testes com amostras relacionadas e utilização de testes estatísticos adequados REFERÊNCIAS Alcock J 2009 Comportamento Animal Uma abordagem evolutiva Porto Alegre Artmed Editora SA Altmann J 1974 Behaviour 49 227267 Bayley J Alanärä A Brännäs E 2000 Methods for assessing social status in Arctic charr Journal of Fish Biology 57 25861 Campbell DLM Weiner SA Starks PT Hauber ME 2009 Context and control behavioural ecology experiments in the laboratory Annales Zoologici Fennici 46 112123 CallegariJaques SM 2004 Bioestatística Princípios e Aplicações Porto Alegre Artmed Editora SA Centeno AJ 1999 Curso de Estatística Aplicada à Biologia Goiânia Editora da Universidade Federal de Goiás Giaquinto PC Volpato GL 1997 Chemical communication aggression and conspecific recognition in the fish Nile tilapia Physiology and Behavior 62 1333 8 GonçalvesdeFreitas E 1999 Investimento reprodutivo e crescimento em machos de tilápiadoNilo Tese de doutoramento Instituto de Biociências UNESP Botucatu SP GonçalvesdeFreitas E Ferreira AC 2004 Female social dominance does not establish mating priority in Nile tilapia Revista de Etologia 6 337 Griffin DR 1992 Animal Minds Chicago The University of Chicago Press 84 Guedes NMR 1993 Biologia reprodutiva da arara azul Anodorhyncus hyacinthinus no Pantanal MS Brasil Dissertação de Mestrado ESALQ Piracicaba SP Ha RR Ha JC 2007 Integrative statistics for behavioral sciences Boston Pearson Custom Publishing Hoaglin DC Iglewicz B Tukey JW 1986 Source performance of some resistant rules for outlier labeling Journal of the American Statistical Association 81 991999 Lehner PN 1996 Handbook of Ethological Methods London Cambridge University Press Martin P Bateson P 2007 Measuring Behaviour London Cambridge University Press McDonell SM HAviland JCS 1995 Agonistic ethogram of the equid bachelor band Applied Animal Behaviour Science 43 147188 Mendes FDC Ades C 2004 Vocal sequential exchanges and intragroup spacing in the Northern Muriqui Brachyteles arachnoides hypoxanthus Anais da Academia Brasileira de Ciências 76 399404 Munro AD Pitcher TJ 1985 Steroid hormones and agonistic behaviour in a cichlid teleost Aequidens pulcher Hormones and Behavior 19353371 Noldus LPJJ Trienes RJH Hendriksen AHM Jansen H Jansen RG 2000 The Observer videoPro new software for the collection management and presentation of timestructured data from videotapes and digital media files Behavior Research Methods Instruments and computers 32 197206 Olfert ED Cross BM McWilliam AA 1993 Guide to the Care and Use of Experimental Animals Ottawa Canadian Council on Animal Care Oliveira RF 2004 Social modulation of androgens in vertebrates mechanisms and function Advances in the Study of Behavior 34 165239 Ottoni EB 2000 EthoLog 22 a tool for the transcription and timing of behavior observation sessions Behavior Research Methods Instruments Computers 32 446 9 Quin GP Keough MJ 2002 Experimental Design and Data Analysis for Biologists London Cambridge University Press Ridley M 1995 Animal Behavior Boston Blackwell Scientific Publications RossaFeres DC Romero GQ GonçalvesdeFreitas E Feres RJF 2000 Reproductive behavior and seasonal occurrence of Psecas viridipurpureus Salticidae Araneae Revista Brasileira de Biologia 60 2218 85 Rose JD 2002 The neurobehavioral nature of fishes and the question of awareness and pain Fisheries Sciences 10 138 Schimidek WR Negrão N Nishida SM Vieira R 1983 An inexpensive event recorder for continuous behavioral recording Brazilian Journal of Medical and Biological Research 16 1614 Schmidek WR Nishida SM Pinto CMH Schmidek M 1991 Diferenças individuais no comportamento de roedores Biotemas 4 5361 Schlinger BA Palter B Callard GV 1987 A method to quantify aggressiveness in Japanese quail Coturnix c japonica Physiology and Behavior 40 3438 Siegel S Castellan Jr N 2006 Estatística NãoParamétrica para Ciências do Comportamento Porto Alegre Artmed Editora SA Sneddon LU 2003 The evidence for pain in fish the use of morphine as an analgesic Applied Animal Behaviour Science 83 15362 Sokal RR Rohlf FJ 1995 Biometry New York WH Freeman and Company Sousa MBC Albuquerque ACSR Araújo A Albuquerque F Yamamoto ME Arruda MF 2005 Behavioral strategies and hormonal profiles of dominant and subordinate common marmoset Callithrix jacchus females in wild monogamous groups American Journal of Primatology 67 3750 Teresa FB GonçalvesdeFreitas E 2003 Interação Agonística em Geophagus surinamensis Teleostei Cichlidae Revista de Etologia 5 1216 Tinbergen N 1963 On aims and methods of Ethology Zeitschrift fur Tierpsychologie 20 41043 Tinbergen N 1951 The Study of Instinct New York Oxford University Press Trewavas E 1982 Generic groupings of Tilapiini used in aquaculture Aquaculture 27 7981 Volpato GL 2007 Ciência da Filosofia à Publicação São Paulo Cultura Acadêmica Editora Página 85Yamamoto ME Box HO Albuquerque FA Miranda MFA 1996 Carrying behaviour in captive and wild marmosets Callithrix jacchus a comparison between two colonies and a field site Primates 37 295302 Zar JH 1999 Biostatistical Analysis New York Prentice Hall Zimmerman M 1983 Ethical guidelines for investigations of experimental pain in conscious animals Pain 16 10910 86 Capítulo 4 CAUSAS PRÓXIMAS E CAUSAS DISTAIS NA COMPREENSÃO DO COMPORTAMENTO ANIMAL Renata Gonçalves Ferreira rgf27bryahoocombr Departamento de Fisiologia Centro de Biociências Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal RN Brasil 87 Este capítulo irá discutir o ABCDEF Animal Behavior Cause Development Evolution and Function para o estudo do comportamento animal Ou conjuntamente os fatores proximais causa e desenvolvimento e os fatores distais ou últimos ou finais evolução e função que respondem a pergunta Por que umo animal x se comporta da forma y Tratase de uma distinção didática mas ao mesmo tempo fundamental e conciliadora na área da Etologia tendo sido proposta por Tinbergen em 1963 no artigo agora clássico On Aims and Methods in Ethology MSDawkins 1989 compara os quatro porquês de Tinbergen com as quatro patas de um cavalo discutindo que sem a compreensão dos quatro fatores nossa interpretação sobre o comportamento animal é manca Para que o leitor possa apreciar a importância desta distinção conciliadora irei retomar brevemente o debate cientifico que precedeu a publicação deste artigo Em seguida irei apresentar alguns exemplos das diferentes abordagens metodológicas que caracterizam as pesquisas voltadas a responder perguntas em cada uma das quatro perspectivas Apesar de aparentemente simples e autoexplicativo é comum encontrar erros nas respostas dos alunos quando são apresentados exemplos de comportamentos e requisitados que sejam diferenciados os níveis de explicação proximal ou distal ou os 4porquês CDEF Assim este capitulo inclui também comentários sobre dificuldades observadas no aprendizado destes conceitos por alunos universitários O capitulo é finalizado com uma discussão sobre o cuidado que deve ser tomado ao tentarmos afirmar este animal x se comporta de forma y porque O DEBATE NATUREZA X CULTURA Como apresentado no início deste livro ver Yamamoto capítulo 1 deste livro a etologia do grego Ethos lugar habitual conduta Logos estudo surge como ciência 88 na Europa com a fundação da revista Zeitschrift für Tierpsychologie do alemão Jornal de Psicologia em 1936 como resposta ao behaviorismo norte americano Barfield 1997 Os behavioristas investigavam leis gerais para a apresentação dos diferentes comportamentos testando algumas poucas espécies normalmente ratos e pombos em laboratório e posteriormente generalizando os padrões para as outras espécies Os etólogos eram evolucionistas e faziam duas críticas principais ao behaviorismo defendiam que o comportamento não pode ser interpretado fora do ambiente natural do animal e que as espécies carregam consigo uma tendência a se comportar de determinada forma devido à sua herança evolutiva Konrad Lorenz a quem Nicholas Tinbergen 1963 atribui o título de pai da etologia moderna considera que o comportamento deve ser visto tal como um órgão e portanto voltado para um fim específico não sendo infinitamente plástico Os behavioristas eram em sua maioria psicólogos ou médicos fisiologistas enquanto os etólogos eram médicos com especialização em anatomia comparada ou zoólogos Ou seja os behavioristas exploravam o caráter aprendido e as diversas formas de aprendizado do comportamento enquanto os etólogos enfatizavam os diversos aspectos não aprendidos do comportamento e sua semelhança interespecífica O behaviorismo e a etologia diferiam na abordagem lógica o behaviorismo era dedutivo e a etologia indutiva O behaviorismo refutava a etologia argumentando que esta aceita acriticamente a teoria evolutiva fazendo rapidamente afirmações não comprovadas acerca do valor de sobrevivência do comportamento sua função vital e estruturas mentais ou corporais envolvidas A crítica da etologia ao behaviorismo era a de que a situação experimental criava um ambiente empobrecido que só poderia levar à confirmação das hipóteses previamente postuladas Esta diferença de pressupostos e métodos com conclusões consequentemente diferentes perdurou durante as décadas de 89 1935 a 1975 e ficou conhecido como o debate natureza x cultura nature x nurture Goodenough et al 2001 Bolhuis Giraldeau 2008 Tinbergen 1963 dedica a primeira parte de seu artigo a esclarecer estas diferenças Apesar das divergências ambos os lados eram contra a idéia vitalista e da Gestalt de que o todo é diferente da soma das partes sendo defensores e praticantes de análises detalhadas de seqüências comportamentais Hinde 2008 Assim tanto behavioristas quanto etólogos eram mecanicistas e analíticos e buscavam construir modelos para explicar os padrões comportamentais observados nos diferentes animais Os termos usados por Lorenz em seus modelos mecanismo liberador inato estímulo disparador padrão fixo de ação refletem o caráter mecanicista da etologia da época Ao mesmo tempo alguns pesquisadores já viam pontos de conexão entre as abordagens e alguns resultados já mostravam que nenhum dos dois extremos estava totalmente correto ver Yamamoto capítulo 1 deste livro Por exemplo os trabalhos de Garcia 1966 apud Alcock 2001 mostraram que nem tudo é condicionável no comportamento de ratos ou dito de outra forma que existem predisposições para aprender certas associações mais rapidamente que outras Do outro lado o próprio Lorenz já sabia da existência de janelas de aprendizado e estampagem no comportamento de animais selvagens mas não admitia alças de feedback em seu modelo hidráulico para explicação do comportamento como bem ressaltou Tinbergen 1963 Em 1963 Nicholas Tinbergen publica na revista Zeitschrift für Tierpsychologie o artigo On Aims and Methods in Ethology Um artigo conciliador que se tornou arcabouço teórico fundamental do estudo do comportamento animal contemporâneo Acerca das diferenças com o behaviorismo ele afirma Pode não ser supérfluo salientar que o reconhecimento da existência de muitos caracteres de comportamento espécieespecífico não implica necessariamente que esses caracteres são inatos no sentido de ontogeneticamente totalmente independentes do 90 ambiente A situação agora está mudando rapidamente A terra de ninguém entre Etologia e Neurofisiologia está sendo invadida pelos dois lados Enquanto etólogos estão a fazer progressos com a descendente repartição de fenômenos complexos neurofisiologistas estão ascendendo alargando a sua investigação de fenómenos de complexidade maior do que era habitual há 20 anos p414415 Tinbergen On Aims and Methods in Ethology 196322 Tinbergen argumenta ainda que as diferentes perspectivas são complementares O estudo da causação é o estudo dos eventos anteriores que pode ser mostrado que contribuiu para a ocorrência do comportamento e o estudante do valor de sobrevivência tenta descobrir se algum efeito do processo observado o Comportamento contribui para a sobrevivência se sim como a sobrevivência é promovida e se é melhor promovida pelo processo observado que por processos um pouco diferente ambos os tipos de trabalhadores estão portanto investigando as relações de causa e efeito e a única diferença é que o fisiologista olha para trás no tempo enquanto o estudante do valor de sobrevivência por assim dizer olha para frente no tempo idem p 41823 Partindo desta constatação Tinbergen enumera as quarto questões a serem tratadas pela etologia moderna a qual ele chama de biologia do comportamento Causa Desenvolvimento Evolução e Função Admitidamente ele baseou estas quatro questões nas três questões principais da Biologia definidas por Julian Huxley acrescentando a questão Desenvolvimento Bolhuis Giraldeu 2008 Esta não é uma contribuição pequena visto que grande parte das divergências residia no fato do que 22 It may not be superfluous to stress that the recognition of the existence of many speciesspecific behaviour characters does not necessarily imply that these characters are innate in the sense of ontogenetically wholly independent of the environment The situation is now changing rapidly The no mans land between Ethology and Neurophysiology is being invaded from both sides While ethologists are making progress with the descending breakdown of complex phenomena neurophysiologists are ascending extending their research to phenomena of greater complexity than was usual 20 years ago p414415 Tinbergen On Aims and Methods in Ethology 1963 23 The study of causation is the study of preceding events which can be shown to contribute to the occurrence of the behaviour and the student of survival value tries to find out whether any effect of the observed process contributes to survival if so how survival is promoted and whether it is promoted better by the observed process than by slightly different processes both types of workers are therefore investigating causeeffect relationships and the only difference is that the physiologist looks back in time whereas the student of survival value sotospeak looks forward in time p418 Tinbergen On Aims and Methods in Ethology 1963 91 significa um comportamento inato ou adquirido um comportamento instintivo ou aprendido O autor explicitamente discorda desta distinção chamandoa de heuristicamente prejudicial Finalmente Tinbergen assemelha o desenvolvimento comportamental ao desenvolvimento embriológico das outras estruturas corpóreas para o qual é incabível a separação inatoadquirido Ele afirma que é durante o desenvolvimento de cada individuo o momento em que as forças evolutivas e ontogenéticas estão mais imbricadas numa dinâmica que resulta em apresentação de comportamentos adequados na situação adequada Atualmente estas quatro questões são agrupadas como fatores proximais causa e desenvolvimento pois ocorrem durante o tempo de vida do individuo em observação e fatores distais pois se referem à bagagem trazida evolução ou a qual bagagem será deixada função em outras gerações Passemos então ao ABCDEF AB ANIMAL BEHAVIOUR O comportamento de um animal pode ser definido como uma seqüência de contrações musculares padronizadas no tempo EiblEibesfeldt 1989 Nesta definição podem ser albergados comportamentos desde correr voar e nadar até o dormir descansar ou hibernar Entretanto podem ser necessários maiores refinamentos na definição Se o objetivo é estudar comportamentos internos tais como comportamento de digestão gestação ou mesmo o comportamento de pensar a seqüências mensuradas incluem as reações bioquímicas24 Se o comportamento é social pode ser necessária a resposta de outros indivíduos além do animalfocal ou de todo grupo p ex o comportamento de coalizão em macacosprego que além dos 24 A definição do que é um comportamento já levou a um debate que ficou conhecido como comportamentos abertos overt x comportamentos cobertos covert Atualmente esta questão também já está resolvida 92 movimentos de aproximarse e emitir expressões faciais de agressão depende da posição relativa de três ou mais indivíduos no espaço Como defendido por Tinbergen 1963 a definição do etograma do grego ethos lugar habitual conduta grama equivalente de gramato letra escrito peso é o passo inicial de qualquer estudo do comportamento Apesar de 50 anos passados desde a publicação de Tinbergen um etograma básico para a maioria das espécies ainda não está publicado fato possivelmente devido às dificuldades práticas de coleta de dados em campo Entretanto mesmo para as espécies que têm um etograma conhecido é praxe incluir na sessão de métodos das publicações definições precisas sobre os comportamentos em análise O capítulo de Freitas e Nishida deste livro discute os principais cuidados para construção e análise de etogramas C CAUSA Os estudos da causa do comportamento referemse ao estudo do próprio mecanismo físicoquímico desde a ativação de diferentes genes e suas cadeias bioquímicas até a percepção do estímulo por diferentes receptores sua transmissão por diferentes nervos integração no sistema nervoso central e emissão das contrações musculares que levarão a apresentação do padrão comportamental em estudo Assim trabalham neste nível de análise as áreas de genética comportamental neuroetologia fisiologia sensorial cronobiologia endocrinologia comportamental e ecologia sensorial entre outras Bolhuis Giraldeau 2008 Alguns exemplos de estudos neste nível de análise são clássicos e podem ser encontrados em vários livros de comportamento animal Mann Dawkins 1998 Alcock 2001 Goodenough et al 2001 Scott 2005 Um deles é o comportamento de abelhas ao retirar a capa de um favo e remover de dentro do favo uma pupa morta Este 93 comportamento visivelmente elaborado é controlado por apenas dois genes o gene U de uncap e o gene R de remove Quando uma abelha é homozigota recessiva para ambos os genes uurr o comportamento de limpeza do favo é apresentado em sua forma completa Quando a abelha é heterozigota Uurr ela não remove a capa mas se encontrar um favo aberto ela retira a pupa morta de dentro Quando a abelha é heterozigota uuRr ela retira a capa do favo mas não remove a pupa Quando ela é UuRr ou UURR ela não realiza nenhum dos dois comportamentos Este exemplo é bastante utilizado por ser didático e seguir um padrão de herança mendeliana de um gene e dois alelos com dominância completa tal como os experimentos com ervilhas de Mendel São inúmeros os estudos de genética comportamental muitos deles envolvendo traços mendelianos com 3 ou mais alelos efeitos pleiotrópicos epistáticos e padrões de ativaçãoinativação gênica mais elaborados25 Por exemplo estudos realizados sobre o comportamento sexual de opiliões Arachnida Opillione no Parque Estadual Carlos Botelho em São Paulo mostram que os machos podem existir em dois morfos um maior que defende as fêmeas durante o período de acasalamento e um menor que realiza cópulas fortuitas com as fêmeas Análises genéticas mostraram que os machos não diferem em seus programas genéticos apenas na expressão gênica a qual parecer estar vinculada à alimentação da ninfa antes da muda e à densidade populacional Buzzato et al 2010 A área de fisiologia sensorial oferta vários exemplos em que toda a rota entre a percepção do estimulo por um neurônio receptor integração sensorial até a contração muscular que resulta no padrão comportamental está traçada Um exemplo clássico é a descrição de como apenas dois neurônios receptores diferentes localizados na membrana timpânica abaixo de cada asa da mariposa com diferentes potenciais de 25 Pleiotropia ocorre quando um único gene afeta muitos traços fenotípicos Epistasis ocorre quando a expressão de um gene é modificada pela presença de outro gene 94 ação estão envolvidos no complicado comportamento de fuga deste animal O neurônio tipo A1 reage a baixas intensidades de ultra sons e estimula a contração dos músculos do vôo Já o neurônio tipo A2 reage a altas intensidades de ultrasons e paralisa a contração dos músculos do vôo Assim quando o morcego predador está distante a intensidade do som percebida é fraca e o neurônio A1 estimula a aceleração do vôo causando o afastamento da mariposa Quando o morcego está próximo menos de 3 metros o receptor A2 provoca a paralisação dos músculos causando um movimento errático ou a queda da mariposa que se esconde no solo ver descrição detalhada em Alcock 2001 Ewert 2008 apresenta outros exemplos de como o componente bombykol presente no feromônio de fêmeas ativa os receptores nos pêlos das antenas de machos sendo suficiente para desencadear o comportamento de corte de diversas espécies de insetos O autor também mostra como pequenas diferenças na concentração de bombykol e no potencial de ação impedem a cópula entre machos e fêmeas de diferences espécies Jaffé et al 2007 mostram como uma escolha intraespecífica de fêmeas pelos machos está relacionada com a concentração de voláteis nos feromônios e o potencial de ação dos receptores dos machos em diferentes condições físicas Por fim já foi mapeado que o comportamento de postura de ovos em lesmas do mar Aplysia envolve a ação de 11 proteínas sintetizadas por um único gene com apenas 217 pares de base26 Scott 2005 Estes exemplos entretanto não devem ser entendidos como provas de que todo comportamento complexo pode ser explicado por apenas um ou dois genes ou neurônios A fisiologia sensorial busca determinar as estruturas neurais que correspondem aos mecanismos perceptuais aos mecanismos de controle central e integração e aos mecanismos motores do comportamento Estes geralmente são 26 Os genes podem ser compostos por milhares de pares de base havendo inclusive as notações kb kbp kilo pares de base 1000 bp Mb mega pares de base 1000000 bp Gb giga pares de base 1000000000 bp 95 compostos por vários neurônios que se sobrepõem e se diferenciam a depender do comportamento em análise sendo parte do trabalho do pesquisador modelar o que Ewert 2008 chama de algoritmo combinatório que integra os inputs sensoriais externos e internos e resulta num output comportamental efetivo A complexidade de causa comportamental é bem exemplificada pelos estudos em cronobiologia e endocrinologia comportamental Na cronobiologia os exemplos clássicos mostram como o ritmo circadiano dos comportamentos de atividade e inatividade envolve reações químicas com alças de feedback de proteínas codificadas por pelo menos 06 genes diferentes period timeless clock cycle doubletime e tau que são ativados e desativados por pistas luminosas no ambiente Goodenough et al 2001 Na área de endocrinologia comportamental os exemplos clássicos referemse a ação da testosterona e do estradiol no comportamento de canto de pássaros ou amplexo no sapos Bolhuis 2008 Um trabalho sobre cuidado maternal mapeou como cheirar o filhote ativa o gene fosB no hipotálamo que posteriormente ativa o gene oxt no cérebro de ratas que passam a sintetizar oxitocina desencadeando comportamento de apego e cuidado aos filhotes Ratas impedidas de cheirar o filhote por danos no órgão vomeronasal não apresentaram comportamento de cuidado Goodenough et al 200127 Uma dificuldade comum dos alunos é não visualizar as cadeias bioquímicas que vão do gene à proteína estrutural ou reguladora ou da recepção do estímulo e sua integração neuroendócrina à contração muscular Outra dificuldade é imaginar que o gene ou a presença de estímulo no ambiente funcionam como uma tomada que liga e desliga um comportamento de forma binária Neste caso os conceitos de fatores contínuos e análises multivariadas precisam ser trabalhados para superar esta concepção espontânea dos alunos 27 Para uma revisão didática sobre a neuroendocrinologia do apego e do amor ver Carter 1998 96 D DESENVOLVIMENTO Segundo Bolhuis 2008 ao inserir a questão do desenvolvimento como fundamental para o estudo do comportamento Tinbergen foi bastante influenciado pelos trabalhos do embriologista escocês Conrad Waddington em particular os conceitos de canalização e paisagem epigenética Basicamente estes conceitos significam que dentro das condições típicas de desenvolvimento as formas de divisão e multiplicação celular serão canalizadas seguindo padrões relativamente fixos e previsíveis nos embriões de uma mesma espécie A paisagem epigenética inclui desde a folhagem onde a fecundação externa ocorre ou se fecundação interna o oviduto até a composição bioquímica do ambiente intracelular do embrião A metáfora da paisagem com vales e montanhas e do desenvolvimento como uma bola rolando sobre a paisagem buscava realçar a homeostase de desenvolvimento indicando que pequenas variações ambientais não fariam a bola subir a montanha e passar para o outro lado ela tenderia a voltar para o vale e apenas grandes variações ambientais conseguiriam produzir aberrações lembrando que Waddington referiase a embriologia ou neste caso à teratologia Atualmente os pesquisadores do desenvolvimento comportamental estudam as mudanças no comportamento e nos mecanismos subjacentes desde a concepção até a morte dos indivíduos As análises podem ser feitas a partir de duas perspectivas de dentro para fora e de fora para dentro Numa análise de dentro para fora verificase como as próprias cadeias bioquímicas vão sendo alteradas devido à concentração de seus produtos e coação das diversas alças de feedback positivo e negativo Assim verificase que o organismo não é o mesmo ao longo do tempo Poucas primeiras células totipotentes as famosas células 97 tronco dão origem a células pluripotentes as camadas germinativas e em seguida tornamse células diferenciadas nos diversos tecidos e órgãos apesar de todas elas terem o mesmo programa genético Esta diferenciação devese a diferenças mudanças na composição bioquímica das células O ambiente hormonal também não é o mesmo ao longo do desenvolvimento assim como existem modificações na rede neural presente no organismo ao longo de sua vida Tendo em vista o discutido no item anterior uma vez que a maquinaria do comportamento o substrato físicoquímico do organismo se modifica podese inferir que mudam as propensões ou probabilidades estatísticas de reações físicoquímicas para o organismo reagir de uma ou outra forma aos estímulos ambientais De fato diferenças comportamentais ao longo do desenvolvimento são observadas em todas as espécies animais O polietismo de abelhas em que cada faixa etária apresenta um comportamento diferente até 5 dias limpar células de 5 a 10 dias alimentar as larvas e outras abelhas de 15 a 20 dias empacotar o pólen de 20 a 25 dias forragear em flores é um exemplo de como um mesmo substrato químiconeuronal muscular modificase e passa a gerar padrões comportamentais extremamente distintos Similarmente alguns animais apresentam dois morfos ex girino e sapo lagarta e borboleta ou mesmo três morfos ex o platelminto Fasciola hepática que assume as formas de miracídio cercaria e indivíduo adulto durante sua historia de vida cada fase com um comportamento diferente e adequado ao ambiente Por outro lado e de forma mais conhecida por todos o comportamento muda ao longo do desenvolvimento como resposta ao ambiente Numa análise de fora para dentro buscase mapear como os estímulos ambientais causam mudanças comportamentais Estes estudos envolvem desde análises de reflexos e habituação do receptor a associação de estímulos condicionamento 98 clássico e operante aprendizado por imitação e facilitação social e aprendizado através do ensino Por exemplo os poliquetos marinhos ao sair dos tubos em maré seca primeiramente reagem às nuvens se escondendo Após cerca de meia hora neste movimento de entrar e sair da terra aparentemente ocorre habituação do receptor e os animais ficam expostos sem reagir a outras nuvens Ridley 1995 Estas são as análises tradicionais dos neurofisiologistas mais em invertebrados e behavioristas mais em vertebrados mas que atualmente são pesquisadas também por psicólogos cognitivos que admitem a existência da mente Hinde 2008 O capítulo de Pereira Júnior e de Rezende e Izar cap 5 e 9 deste volume detalham todos estes conceitos Atermeei aqui a dois conceitos clássicos que causam ainda bastante confusão entre os alunos períodos críticos e estampagem imprinting Lorenz 1935apud Goodenough et al 2001 definiu período crítico como uma fase do desenvolvimento em que a exposição a estímulos ambientais promove mudanças irreversíveis no comportamento do indivíduo Durante estas janelas de aprendizado um animal imaturo fixa sua atenção no primeiro objeto com o qual tem contato visual auditivo ou de outro tipo e a partir de então passa a ter preferência por estímulos semelhantes ou seja ocorre uma estampagem daquele objeto no animal Normalmente essa preferência é medida pelo comportamento de seguir caminhando ou apenas seguindo com o olhar o objeto Estas janelas de aprendizado teriam duas funções maiores aprender quem é o cuidador e aprender a espécie do parceiro sexual Estas estampagens poderiam ocorrer na mesma janela ou em janelas diferentes e o início e duração de cada janela varia de espécie para espécie Como normalmente a primeira coisa que um filhote vê é sua mãecuidador a estampagem asseguraria o reconhecimento dos pais pelos filhotes No entanto os filhotes podem sofrer estampagem por qualquer objeto sendo famosa a figura dos patos seguindo Lorenz 99 pois ele foi a primeira coisa que os animais viram após eclodir Lorenz considerava a estampagem uma forma diferente do aprendizado por associação de estímulos pois segundo o autor a estampagem i não precisa de reforço ii ocorre apenas nos períodos críticos e iii é irreversível A etologia contemporânea define estampagem imprinting como o desenvolvimento de uma preferência social e distingue a estampagem filial reconhecimento dos pais pelos filhos da estampagem sexual isto é desenvolvimento de preferências por parceiros de cópula podendo ocorrer estampagem parental reconhecimento dos filhos pelos pais em algumas espécies ex pingüins As três características da estampagem definidas por Lorenz são atualmente criticadas O fenômeno da estampagem é considerado uma forma de aprendizado por associação em que a mera visão do objeto é um reforço positivo Bolhuis 2008 A idéia de período crítico foi substituída pela de período sensível ou sensitivo ou suscetível sensitive periods Buscase com isto substituir a idéia de limites críticos como uma janela que abre e fecha para aprendizagem por outra em que o aprendizado é mais contínuo havendo momentos de maior sensibilidade e de menor sensibilidade a estímulos externos cuja duração varia de indivíduo para indivíduo Bolhuis 2008 A idéia de irreversibilidade também é contestada Num exemplo clássico de criação cruzada filhotes de mandarim Taenopygia guttata criados por pais manons Lonchura striata quando colocados em situação experimental de escolha de parceiros sexuais preferiram fazer a corte ou responder à corte no caso das fêmeas a indivíduos da espécie dos pais adotivos e não da própria espécie como esperado pela estampagem sexual Porém este padrão de escolha foi alterado após os animais passarem um período com os animais da mesma espécie mesmo após o pico do período sensitivo já haver passado indicando que a estampagem é reversível 100 Dentro deste contexto cabe distinguir o mecanismo de priming ou incitação28 Incitação é definido como um efeito motivador ou despertador ou provocador de um estímulo na apresentação do comportamento Assim a propensão para realizar um comportamento é aumentada pelo contato com um primer e esta estimulação continua a ter efeito mesmo após o contato ter cessado Por exemplo peixes beta Betta splendens tendem a ignorar a inserção de um termômetro no aquário mas se colocados em conflito com outros peixes ou se apenas observarem conflito entre outros dois peixes uma posterior inserção do termômetro desencadeará comportamentos agressivos em direção ao objeto Hogan 2008 Este autor discute que é possível medir os efeitos de incitação em vários comportamentos como agressão alimentação sexo e cuidado materno Curiosamente o comportamento de ingerir líquidos parecer ser pouco susceptível à incitação O ilustre pesquisador Robert Trivers apresentou um curioso exemplo durante sua palestra no Encontro da SBPC de 2010 O exemplo referiase a uma medida da capacidade matemática de mulheres asiáticas Em algumas folhas de teste era requisitado que a pessoa marcasse o sexo junto à sua idade no cabeçalho da folha de respostas em outras era requisitado que fosse marcada a naturalidade da pessoa e não o sexo Surpreendentemente os escores das provas das mulheres asiáticas que marcaram o sexo foi significativamente menor que os escores das mulheres asiáticas que marcaram sua naturalidade O pesquisador atribuiu esta diferença ao efeito incitador do estereótipo de mulheres serem ruins em matemática e de asiáticos serem bons em matemática Por fim dentro da análise do desenvolvimento do comportamento cabe destacar o crescente número de publicações descrevendo tradições comportamentais em animais ou seja padrões comportamentais que são aprendidos durante o desenvolvimento do 28 A tradução literal de priming é escorvamento Escorva é o dispositivo com que se dá início à explosão de uma carga principal geralmente constituído por um cordel detonante ou a porção de pólvora para comunicar o fogo à cargaAurelio 1986 101 indivíduo e que permanecem por gerações sendo herdadas de forma não genética Avital Jablonka 2000 E EVOLUÇÃO OU FILOGENIA Esta é uma das perguntas da etologia clássica e referese a traçar o padrão evolutivo da diversidade comportamental Ryan 2008 Tal como os estudos filogenéticos em morfologia e bioquímica tendo como base o fenômeno da descendência com modificação e utilizando o método comparativo os estudos em evolução comparam homologias e homoplasias convergências e divergências comportamentais tentando localizar as sinapomorfias comportamentais de cada espécie29 Existem duas formas de estudar a evolução comportamental A primeira é quando se conhece a filogenia do grupo em estudo a partir de outros métodos morfológicos ou bioquímicos Neste caso com base numa filogenia estabelecida buscase entender o padrão de mudança comportamental correlacionandoo ao ambiente ocupado por cada clado Um exemplo bastante ilustrativo Mann Dawkins 1998 Alcock 2001 Goodenough et al 2001 Scott 2005 referese a forma elaborada do ninho construída por 16 diferentes espécies de aves da família Ptilonorhynchidae Com base em análises de DNA mitocondrial foi possível verificar que as espécies que constroem ninhos mais elaborados derivaram são mais recentes que das três espécies 29 Caracteres homólogos são aqueles compartilhados por duas espécies devido à ancestralidade comum ex ossos dos membros superior dos vertebrados Caracteres homoplásicos são aqueles presentes em duas espécies mas que se desenvolveram devido a similaridade ambiental ex asas das aves e asas dos insetos A evolução convergente ocorre quando duas espécies que não compartilham um ancestral comum vivem em ambientes semelhantes e leva a aquisição de traços homoplásicos por diferentes espécies A evolução divergente ocorre quando espécies que compartilham ancestral comum ocupam ambientes diferentes e estruturas homólogas podem passar a ter formas diferentes ex asa do morcego nadadeira da baleia membro superior dos cavalos Sinapomorfias são caracteres derivados compartilhados por duas espécies com ancestral comum No caso da etologia os caracteres em questão são comportamentos 102 que não constroem ninhos O cladograma30 também mostra que existem dois clados irmãos um com 7 sete espécies que constroem ninhos elaborados suspensos e outro clado composto por 6 seis espécies que constroem ninhos elaborados no chão Dentro de cada clado as espécies que constroem ninhos mais simples são mais antigas que as espécies que constroem ninhos mais elaborados Com base neste cladograma é possível estudar quais mudanças ambientais levaram à crescente elaboração de ninhos O estudo da filogenia comportamental é necessário para garantir a independência de contrastes durante os estudos de função comportamental próximo por quê de Tinbergen A segunda forma é utilizar o padrão comportamental como um caractere independente e inserilo na análise de reconstrução filogenética junto com outros caracteres morfológicos ou bioquímicos Muitos comportamentos de várias espécies são estereotipados e experimentos de hibridismo pai de uma espécie mãe de outra espécie resultam em comportamentos intermediários nos descendentes Assim o pressuposto deste tipo de abordagem é que existem traços comportamentais que podem ser considerados típicos das espécies O pioneiro neste tipo de abordagem é próprio Konrad Lorenz que construiu uma filogenia dos patos da família Anatidae com base em semelhanças nos comportamentos de cortejo de fêmeas Ridley 1995 Entretanto este tipo de abordagem é atualmente menos comum Segundo De Queiroz e Winberger 1993 menos de 5 dos caracteres utilizados nas análises cladísticas são comportamentais Apesar disto segundo estes mesmos autores são verificadas congruências nas filogenias de invertebrados obtidas separandose caracteres morfológicos e comportamentais Kuntner et al 2008 também destacam a importância dos caracteres comportamentais para estudos filogenéticos Neste trabalho 34 comportamentos exemplos movimentos de balanço do corpo forma de aproximação e 30 Cladograma é um diagrama que mostra as relações de ancestralidade comum entre as espécies a famosa árvore da vida Clado é qualquer ramo deste cladograma 103 ângulo de ataque a presa foram utilizados juntamente com quase 200 caracteres morfológicos para desvendar a filogenia das aranhas construtoras de teias Araneae Nephilidae Os autores afirmam que a utilização dos comportamentos foi útil principalmente quando caracteres morfológicos homoplásicos não permitiam a distinção entre duas espécies Num outro trabalho Japyassu Caires 2008 mostram como a seqüência do comportamento de enrolar presas em fio de seda é uma homologia dos Araneoidea A constatação de que comportamentos podem seguir rotinas tão estereotipadas a ponto de poder ser utilizados em estudos de cladística não inviabiliza a flexibilidade comportamental a depender das condições ambientais em nível proximal Por exemplo Garcia e Japyassu 2005 analisando as rotinas dos comportamentos de predação construção de teia e corte nas famílias de araneoidea mostraram que existem de 3 a 6 diferentes tipos de comportamentos predatórios a depender da presa ex observase mais mordidas quando a presa é uma formiga do que quando a presa é um tenébrio Podese supor que o comportamento é pouco utilizado em análises filogenéticas porque a coleta de seqüência comportamentais de animais na natureza de forma sistemática que possa servir a análises comparativas é muito mais difícil que a mensuração de partes corpóreas de animais em coleções de museus Entretanto Japyassu e Machado 2010 apontam que o obstáculo ao uso de caracteres comportamentais reside em diferenças na concepção do que é uma espécie um conjunto de indivíduos históricos ou uma classe atemporal de indivíduos Ou seja do pressuposto do quanto o comportamento é estereotipado ou flexível nos diferentes indivíduos de uma espécie 104 Uma dificuldade no ensino deste tópico para os alunos é a falta de conhecimento da diversidade animal e da anatomia comparada no desconhecimento de termos e conceitos básicos de filogenia assim como de biogeografia Foi dito acima que os estudos em evolução mapeiam as semelhanças e diferenças comportamentais entre as espécies e que com base em cladogramas bioquímicos e comportamentais tentam estudar quais mudanças ambientais selecionaram as diferentes sinapomorfias Estas correlações ambiente x semelhançadiferença comportamental geralmente são feitas em escala geológica ex estudos com mudanças no comportamento de tecer teias das diferentes espécies de aranhas e mudanças no ambiente desde o Mioceno ou mesmo estudo do comportamento de uso de ferramentas pelo homem no PlioPleitoceno O quanto o ambiente atual exerce pressão sobre os diferentes comportamentos é assunto do próximo por quê de Tinbergen F FUNÇÃO O último por quê proposto por Tinbergen 1963 referese à função do comportamento ou seja para que serve o comportamento Qual o valor de sobrevivência do comportamento Segundo Danchin et al 2008 esta pergunta é respondida pelos pesquisadores da área de ecologia comportamental que nasceu ainda segundo os mesmos autores com a publicação do livro Behavioural Ecology por John Krebs e Nicholas David em 1978 na Inglaterra31 31 A tradição norteamericana chamase ecologia evolutiva Fox et al 2001 e em nada difere em termos de conceitos e modelos dos apresentados por Krebs e Davies 1978 A diferença parece residir no fato de que a ecologia evolutiva foca mais mas não apenas em animais de curta historia de vida tendo portanto acesso à quantificação genética enquanto a ecologia comportamental tem maior foco em animais com longa historia de vida Já existe uma tradução para o português de Krebs e Davies 1996 Introdução à Ecologia Comportamental Ed Atheneu 105 As análises em ecologia comportamental partem de três pressupostos O primeiro é o de que todo comportamento é adaptativo ou seja a função de todo comportamento é aumentar a sobrevivência eou reprodução do indivíduo Mesmo comportamentos à primeira vista incongruentes com esta visão como por exemplo a autotomia de patas pelo caranguejo ou o salto estrela das aranhasmacho de viúva negra jogandose na mandíbula da fêmea para ser devorado são interpretados como aumentando as chances de sobrevivência por distrair o predador no caso do caranguejo ou de reprodução pois enquanto come o macho a fêmea da aranha não sai a procura de outro parceiro dos indivíduos O segundo pressuposto é o de que os indivíduos baseiam seus comportamentos em escolhas frente às condições ambientais proximais O terceiro é o de que estas escolhas são racionais ou seja maximizam a relação benefíciocusto para o indivíduo Para a ecologia comportamental não faz diferença se esta otimização da relação benefíciocusto é alcançada por aprendizado no ambiente imediato ou pela presença de genes que resultem em padrões estereotipados existem modelos para ambos os casos MS Dawkins 1989 diferencia otimização de curto prazo e de longo prazo A otimização de curto prazo referese à melhor relação benefíciocusto em termos de calorias Por exemplo maior aquisição de calorias no menor tempo ou com menor exposição a risco de predação ou exposição a doenças A otimização de longo prazo referese a deixar o maior número de descendentes ou cópias do DNA Em espécies com curta história de vida é possível contar efetivamente o número de descendentes produzidos e comparálo de acordo com os comportamentos apresentados por diferentes indivíduos Entretanto para muitas espécies com longa história de vida a contabilização do número de descendentes é dificultada Ou seja dentro de um projeto de pesquisa é possível acompanhar o sucesso reprodutivo de várias gerações de borboletas mas 106 dificilmente de chimpanzés Neste caso a otimização de longo prazo é inferida a partir da otimização de curto prazo isto é se um animal apresenta um padrão comportamental que resulta em maior aquisição de calorias em menos tempo ou com menor risco supõese que estas calorias serão utilizadas para fazer mais cópias de DNA Na ecologia comportamental existem modelos para analisar diversos comportamentos tais como escolha ótima de presas tempo ótimo de forrageio numa mancha de alimentos antes de mudar para outra mancha rota ótima entre dois pontos tempo ótimo de cópula número ótimo de parceiros de acasalamento número ótimo de filhotes tempo ótimo de cuidado aos filhotes e tamanho ótimo de grupo Danchin et al 2008 Estes modelos são elaborados teoricamente e testados empiricamente com a observação dos animais em ambiente natural ou em laboratório Quando os dados empíricos não confirmam o esperado mudase o modelo mas o pressuposto da otimização é mantido MacArthur Pianka 1966 desenvolveram um dos primeiros modelos do otimização do comportamento que buscava entre outras coisas explicar a existência de animais especialistas e generalistas Este modelo de forrageio ótimo foi testado por Krebs et al 1977 apud Krebs Davies 1997 num experimento em que aves chapimreal Parus major eram expostos a uma espécie de esteira rolante sobre a qual havia pedaços de minhocas de diferentes tamanhos Os resultados confirmaram as expectativas do modelo de que os animais só passavam a coletar presas menores quando as presas preferidas as maiores diminuíam em freqüência independentemente do número de presas menores presentes Ou seja a experimentação comprovou uma predição construída a partir da modelagem matemática a de que os animais só ampliam sua dieta quando o alimento preferencial está raro e isto independe da freqüência do alimento menos preferencial Num exemplo mais recente Buzzato e Machado 2008 107 mostraram que opiliões mudam a estratégia de acasalamento durante a estação reprodutiva No início da estação reprodutiva quando ainda existem muitas fêmeas sem acasalar os machos exibem defesa de territórios para os quais as fêmeas são atraídas No final da estação reprodutiva quando a maioria das fêmeas está pareada os machos passam a defender as próprias fêmeas independente do ambiente Os autores discutem que esta flexibilidade comportamental observada em opiliões nos alerta para o perigo das classificações estáticas dos comportamentos das espécies Uma distinção importante entre os dois por quês do nível distal de análise é que as análises em evolução consideram o comportamento como uma adaptação ou seja uma característica já selecionada que conferiu maior aptidão aos indivíduos e portanto tornouse típica da espécie enquanto os estudos em função consideram o comportamento como adaptativo uma característica atual que aumenta a aptidão que pode ser uma adaptação ou não Danchin et al 2008 Um cuidado importante que se deve ter principalmente quando se estuda comportamentos sociais é de que o ótimo é mensurado em nível individual e não grupal E isto faz com que muitas vezes o comportamento observado não seja o ótimo teórico Por exemplo Baird Dill 1996 calcularam que o tamanho ótimo do grupo de orcas Orcinus orca era de três indivíduos isto é quando em grupos com três indivíduos cada animal capturava o maior número de presas por ataque Entretanto o número mais freqüente observado na natureza era de cinco indivíduos Esta aparente incongruência é resolvida quando observamos que a eficiência do quarto e do quinto indivíduos que entram no grupo é maior do que a caça solitária ou em dupla Ou seja mesmo que mais distantes do ótimo do forrageio estar num grupo de cinco indivíduos é melhor que caçar sozinho Já para um sexto indivíduo a eficiência é menor que a caça solitária Este fenômeno comumente observado é conhecido como o paradoxo do 108 tamanho do grupo Comportamentos cuja eficiência depende da freqüência dos comportamentos apresentados por outros indivíduos na população são modelados pela Teoria dos Jogos Giraldeau 2008ab Em resumo a análise da função vê o comportamento como uma seqüência de escolhas feitas pelos animais e busca modelar qual seria a melhor estratégia teórica de ação diante da realidade proximal tendo a otimização como um pressuposto Uma das maiores dificuldades dos estudos da função do comportamento reside justamente nas medidas dos ganhos e dos custos energéticos de cada comportamento para cada indivíduo ESTE ANIMAL x SE COMPORTA DE FORMA y PORQUE Algum tipo de etnoetologia já existia há pelo menos 35000 anos estando representada em cavernas como pinturas de lutas entre machos de bisões de fêmeas de renas grávidas e de cavalos em galope ou a relinchar Theodorides 1965 A compreensão do comportamento animal foi certamente importante para a sobrevivência de nossos ancestrais tanto para superar estratégias de fuga das nossas presas e para evitar as estratégias de ataque de nossos predadores quanto para melhor manejo pecuário que teve inicio há cerca de 8000 anos Atualmente a etologia aplicada é uma área em expansão tanto para aumentar o bemestar de espécies comerciais peixes aves porcos gado quanto para planejar recintos de zoológicos e criadouros mais adequados Goodenough et al 2001 p01 sugerem que a observação do comportamento animal e a tentativa de entendêlo precedem e pode ter sido combustível para o surgimento da própria consciência ou autoconsciência humana De fato explicar o comportamento humano comparandoo ao de outros animais parece ter sido atividade 109 antiga vejase por exemplo o calendário Chinês Ferrari 2010 mostrou que o hábito de identificarse a um animal ainda persiste em culturas de índios argentinos Áreas mais dedicadas ao estudo do comportamento humano como filosofia psicologia pedagogia antropologia e sociologia foram e são bastante influenciadas pelos conhecimentos biológicos em geral e isto inclui a biologia do comportamento Por exemplo a resignificação de períodos críticos teve implicações na psicologia e na pedagogia A possibilidade de desenvolver apego a vários indivíduos e ao longo da vida é um dos grandes avanços da teoria do apego de Bowlby 1965 em relação à visão psicanalista de Freud A possibilidade de aprendizado em diferentes idades também é pressuposto para as abordagens de pedagogia de jovens e adultos Um alerta é o de que ao tentarmos afirmar o animal x se comporta da forma y porque devemos lembrar que os mundos sensoriais das espécies são bastante diferentes pássaros vivem num mundo visual diferente do das abelhas que percebem mais a luz ultravioleta ou das cobras que percebem melhor o infravermelho o mundo da coruja é mais auditivo o dos cachorros e ratos mais olfativo as aranhas vivem num mundo vibracional golfinhos e morcegos realizam ecolocalização tubarões têm forte sensibilidade elétrica e tartarugas são capazes de perceber o campo geomagnético Sherry 2008 Cada indivíduo de uma mesma espécie também percebe o ambiente diferentemente Assim a complexidade ambiental percebida e a que efetiva o comportamento é bastante diferente entre os indivíduos e alerta para o cuidado com generalizações prematuras Neste século XXI vivemos num zeitgeist de retorno à natureza Isto inclui desde o cuidado com o que é vivo até a autoconsciência que fazemos parte desta teia vida Somos classificados como Reino Animalia Filo Chordata Classe Mammalia Ordem Primates Família Hominidae Gênero Homo Species H sapiens Subspecies H s 110 sapiens Entretanto é importante sempre lembrar que a resposta a questão por que o animal x se comporta de forma y é múltipla Tanto a antropomorfização dos animais quanto a animalização do homem devem ser utilizadas com cuidado para que consigamos visualizar as continuidades e rupturas entre padrões comportamentais Yamamoto 2009 Etologia tem a mesma raiz grega que a palavra Ética Ethos ἦθος Lugar habitual conduta Ética ἠθικός conduta moral conduta correta Análises das causas proximais e distais são necessárias para a mais justa compreensão do comportamento e para que possamos ser éticos tanto com os animais quanto com nós mesmos REFERÊNCIAS Alcock J 2001 Animal Behaviour an evolutionary approach 7th ed Sanderland Sinauer Avital E Jablonka E 2000 Animal Traditions Behavioral Inheritance in Evolution Cambridge Cambridge University Press Baird RN Dill LM 1996 Ecological and social determinants of group size in transient killer whales Behavioral Ecology 7 40816 Barfield T 1997 Blackwells Dictionary of Anthropology London Blackwell Bolhuis JJ Giraldeau LA 2008 The Behavior of animals mechanisms function and evolution London Blackwell Bolhuis JJ 2008 Development of Behavior 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Introdução Aspectos históricos Pp 18 In Otta E Yamamoto ME orgs Fundamentos em Psicologia Psicologia Evolucionista São Paulo Guanabara Koogan 114 Capítulo 5 NEUROCIÊNCIA COGNITIVA Alfredo Pereira Júnior apjibbunespbr Departamento de Educação Instituto de Biociências Universidade Estadual Paulista UNESP Botucatu SP Brasil 115 INTRODUÇÃO Historicamente a Filosofia e a Psicobiologia têm se ocupado de questões diferentes A Filosofia estuda o pensamento e a subjetividade humanos procurando elucidar as principais categorias cognitivas e existenciais que marcam a experiência humana A Psicologia e a Biologia experimentais têm se ocupado entre outras atividades do estudo empírico do comportamento com base em medições realizadas em laboratório ou no campo Enquanto a Psicologia e a Biologia se encarregam de tarefas descritivas seu trabalho se desenrola independentemente de questões filosóficas Do mesmo modo enquanto o filósofo elabora teorias metafísicas sobre o sujeito do conhecimento ou sobre a natureza última das coisas não precisa se debruçar sobre os fatos empíricos para estudálos em detalhe Porém quando a Filosofia concebe um sujeito que não só conhece o mundo mas também age guiando sua ação com base no conhecimento disponível a questão do comportamento se torna relevante De modo similar quando o biólogo ou psicólogo experimental se perguntam a respeito dos processos cognitivos eou emocionais que levam um animal a responder de certa forma à presença de um determinado estímulo algumas questões filosóficas se colocam Como se sabe o comportamento pode ser classificado em dois tipos o comportamento aberto as ações adaptativas do organismo no ambiente e coberto processos fisiológicos internos que suportam ações adaptativas Em ambos é característica fundamental da abordagem científica que o comportamento seja mensurável por parte do cientista Tal característica parece implicar que no estudo do comportamento animal as questões de natureza filosófica seriam deixadas em segundo plano se limitando tais estudos ao registro tabulação e discussão de dados objetivos De fato o paradigma dominante nos estudos comportamentais no Séc XX o behaviorismo pretendia estabelecer a Psicologia como ciência puramente factual deixando de lado questões teóricas a respeito de processos mentais subjacentes à produção do comportamento Contudo o desenvolvimento histórico da própria Psicologia Experimental ao lado de progressos na neurobiologia e ciências cognitivas tem trazido uma série de questões de natureza filosófica relativas ao estudo empírico do comportamento animal 116 Dois exemplos que indicam a necessidade de modelos mais elaborados de explicação são o processo de habituação e a aprendizagem de intervalos temporais As respostas que um animal apresenta frente a um mesmo estímulo em um mesmo contexto não são sempre as mesmas mas variam de acordo com o processo de habituação Estímulos repetitivos tendem a não serem registrados mas se são interrompidos sua ausência é percebida Sokolov 1975 Deste modo se conclui que para o animal só tem significado o estímulo que faça uma diferença Em outras situações o animal responde de forma idêntica a uma variedade de pares de estímulos desde que o intervalo temporal da apresentação seja o mesmo Esse fato leva à conclusão de que o animal aprendeu o próprio intervalo temporal ao invés de realizar uma associação entre os estímulos como fora planejado pelo experimentador Gallistel 1996 Tais situações nos conduzem para uma reflexão a respeito da complexidade dos fatores condicionantes do comportamento Seria possível abarcar os principais fatores e controlálos experimentalmente de modo a conseguir prever com segurança qual seria a resposta de um animal a um determinado estímulo em um determinado contexto Será que muitas das suposições que fazemos para tornar possível o controle experimental já viciam o resultado tornando nossas conclusões inválidas para outros tipos de contexto Estas perguntas nos levam para o âmbito da Filosofia da Ciência ou Epistemologia que é a área da Filosofia que se preocupa com as questões levantadas pela pesquisa científica Existem três tipos de questões filosóficas relacionadas ao estudo científico do comportamento a questões metodológicas que emergem do trabalho de descrição do comportamento como as suposições que são feitas na delimitação do objeto de estudo por exemplo a definição de referenciais espaciais e temporais adequados possibilidade de alteração dos hábitos de indivíduos de espécies selvagens ao serem estudados em cativeiro o risco de antropomorfização do comportamento de outras espécies b suposições feitas na explicação do comportamento distinção entre causas imediatas em nível fisiológico e ambiental e remotas em nível evolutivo ou entre fatores de origem genética e ambiental postulação de causas inobserváveis concepções de aprendizagem e memória sentimentos e emoções pensamento e consciência intencionalidade e no caso do comportamento social humano obediência a valores c questões éticas que surgem na pesquisa e aplicação do conhecimento biológico estas questões podem ser formuladas em termos de princípios da bioética como a beneficiência 117 procurar fazer o bem para o animal e nãomaleficiência evitar infligir um mal desnecessário ao animal Neste capítulo enfoco algumas questões filosóficas que emergem na explicação do comportamento animal discutindo as seguintes questões como se integram as determinações genéticas e ambientais na produção do comportamento será que os animais em especial os mamíferos eventualmente pensam operam com a memória de curto prazo controlam sua própria percepção através de mecanismos de atenção eou realizam inferências lógicas para decidir qual o comportamento mais adequado em um determinado contexto Ambas as questões conduzem à consideração dos processos cognitivos que se acredita ocorrer no cérebro animal Tal discussão que estava confinada à Filosofia especulativa até há poucas décadas pode hoje ser abordada de forma interdisciplinar no contexto das ciências da cognição Neste ensaio procuro integrar legítimas interrogações filosóficas com os dados e conjecturas presentes na Neurociência Cognitiva contemporânea Inicialmente considero alguns aspectos da função cerebral que controla grande parte do comportamento nos mamíferos Faço inicialmente uma breve revisão da constituição do sistema executivo responsável pela coordenação dos comportamentos mais complexos e difíceis de explicar Em seguida discuto a noção de esquema de ação e o processo de aprendizagem ativa me detendo na análise das funções de inferência lógica associatividade relacionada ao hipocampo e seqüenciamento hierárquico relacionada ao córtex préfrontal Finalmente abordo os conceitos filosóficos de coerência e autoorganização do sujeito procurando esclarecer sua pertinência para o estudo do comportamento animal PROCESSOS AFERENTES EFERENTES E REAFERENTES Os cérebros se desenvolveram ao longo de evolução como órgãos que recebem informação do ambiente processos aferentes transformam armazenam e usam o produto final desse processamento para comandar ações no ambiente processos eferentes Como a adaptação e sobrevivência de indivíduos e populações de animais dependem da ação que efetuam em seus ambientes é compreensível que durante a 118 filogenia se tenham desenvolvido mecanismos de realimentação feedback entre processos eferentes e aferentes ou seja mecanismos pelos quais um organismo vem a perceber e avaliar os resultados de uma ação que realiza no ambiente Esses mecanismos são chamados de reaferentes servindo hipoteticamente para se ajustar os processos internos às demandas da ação no sentido de se obter melhor eficácia e eficiência em termos adaptativos As interações entre subsistemas cerebrais dedicados à percepção e à ação ao longo de evolução aconteceriam em níveis superpostos como previsto no modelo clássico de HughlingsJackson as estruturas mais velhas são preservadas adquirindo novas funções na medida em que interagem com as novas estruturas emergentes A realimentação mais primitiva entre ação e percepção seria a interação pelo fluxo sangüíneo ou seja moléculas liberadas no sistema eferente são difundidas na corrente sanguínea vindo a reajustar a atividade do sistema aferente Por exemplo assim que um animal se alimenta são emitidos sinais químicos que eliciam a sensação de saciedade levando a um reajuste do sistema aferente que se dirige para outros estímulos ambientais Em sistemas nervosos primitivos uma interação relativamente lenta e difusa ocorreria por intermédio de sinais químicos os quais persistem em sistemas mais complexos perdendo contudo parte de suas funções para a interação sináptica que é mais rápida e específica Nos mamíferos os processos de reaferência interna por meios sinápticos aparentemente engendraram ao longo do tempo o desenvolvimento de novas estruturas neuronais dedicadas ao processamento da informação aferente servindo para um controle mais eficaz eficiente e versátil das ações Uma segunda modalidade de realimentação disponível para o cérebro seria a reaferência externa von Holst Mittelstadt 1950 também chamada de ciclo funcional de percepçãoação vide von Uexkull 1934 por exemplo mudanças na posição do corpo afetam a percepção subseqüente A reaferência externa também pode adquirir formas mais complexas como no caso de animais que constroem ninhos pássaros e barreiras castores Esses artefatos produzem mudanças no ambiente influenciando o modo como os animais o percebem Nesta perspectiva a linguagem humana a comunicação e o acúmulo de obras culturais seriam mecanismos sofisticados que possibilitam uma reaferência externa bastante elaborada Com o desenvolvimento das áreas perceptuais do córtex surgiu a segregação entre as áreas sensoriais primárias secundárias e áreas associativas intermodais assim 119 como uma série de conexões recíprocas entre elas Desenvolveramse mecanismos de sinalização por meio dessas conexões tanto no sentido dos sensores externos para as áreas primárias e destas para as associativas quanto das associativas para as primárias A existência de processos de pensamento dando suporte às decisões sobre o comportamento adequado depende crucialmente desse sistema de conexões com sinalização recíproca O córtex primata no topo de especialização evolutiva apresenta áreas associativas bem desenvolvidas que não só provêem integração intermodal mas também integração sensorimotor como por exemplo o sistema visuomotor centrado no córtex parietal Goodale e Milner 1992 mostraram que por meio desse sistema as representações perceptuais do espaço são monitoradas pela atividade motora Comentando as conexões corticais recíprocas entre as áreas préfrontal dorsolateral e o córtex parietal em primatas GoldmanRakic afirma que o circuito recíproco entre o sulco principal e córtex parietal provê um mecanismo regulatório para selecionar ajustar e manter um fluxo de informação pertinente do córtex parietal ao córtex pré frontal provendo coordenadas visuoespaciais para guiar o comportamento na ausência de pistas externas GoldmanRakic 1987 Devese ainda considerar as variedades diversas de realimentação subcortical cortical Algumas das estruturas envolvidas são o tálamo o sistema límbico o colículo superior os gânglios de base e o cerebelo Diversos estudos recentes têm demonstrado a ativação dessas estruturas em funções cognitivas como por exemplo o cerebelo Allen et al 1997 O SISTEMA EXECUTIVO MEMÓRIA ATENÇÃO INFERÊNCIA LÓGICA A conexão entre sinais aferentes e eferentes não pode ser invariante porque comportamentos diferentes requerem encadeamentos diferentes por ex a mesma informação visual pode ser usada para o movimento de uma mão ou da outra Em mamíferos o sistema executivo é a parte do cérebro responsável pela recuperação de informação previamente memorizada atenção seletiva a determinados objetos ou processos estabelecimento de metas e seqüenciamento de atividades necessárias para se atingir as metas estabelecidas Quando o organismo se acha em um determinado contexto o sistema executivo integra informações disponíveis à percepção e à 120 memória definindo o tipo de comportamento e a sucessão de ações adequados para a situação Em termos neuroanatômicos o sistema executivo é constituído pelas áreas associativas do neocortex préfrontal parietal e inferotemporal a maior parte do sistema límbico hipocampo e giro cingulado e as conexões entre as áreas acima por meio de estruturas subcorticais tálamo e gânglios de base Nos primatas o córtex pré frontal está conectado com todas as estruturas acima tendo um papel de coordenação em muitas funções cognitivas como foi sugerido em estudos de neuroimagem que confirmaram o modelo de memória de trabalho Baddeley 1986 DEsposito Grossman 1996 Funções executivas são definidas por DEsposito e Grossman 1996 como a ordem mais alta de habilidades cognitivas o planejamento flexibilidade organização e controle necessários para a execução de um comportamento apropriado incluindo a atenção contínua fluência e flexibilidade de pensamento na geração de soluções para problemas correntes o planejamento e controle adaptativo do comportamento Ao se analisar as funções executivas grande destaque tem sido dado pelos neurocientistas cognitivos ao papel da memória Jonides 1995 No estudo da memória de trabalho neurocientistas cognitivos costumam se referir à supervisão monitoramento e manipulação da informação para a resolução de problemas ao invés de uma simples manutenção de informação que corresponderia à concepção mais estreita da memória Há grande evidência a partir de estudos de efeitos cognitivos de lesões veja a revisão de Stuss et al 1994 de atividade neuronal medida por eletrodos singlecell em primatas nãohumanos Miller et al 1996 Petrides 1996 e de neuroimagem em humanos DEsposito Grossman 1996 Smith Jonides 1997 que o córtex préfrontal seria responsável pela manipulação de informação de origem perceptual e mnemônica A complexa relação entre funções mnemônicas dedicadas simplesmente à preservação de um padrão informacional memória passiva e funções cognitivas em que há um processamento ativo da informação como na inferência lógica apenas recentemente tem sido elaborada Seguramente ambos os tipos de função ocorrem de modo conjunto uma vez que entre as condições necessárias para o desempenho de inferências lógicas estão a capacidade de memorizar padrões de informação utilizados como premissas dos raciocínios e a capacidade de atender seletivamente a cada um deles Uma distinção absoluta entre memória atenção e inferência lógica seria 121 despropositada pois funções mnemônicas atencionais e lógicas são suportadas por redes neuronais altamente integradas Schacter 1989 Squire 1992 A característica básica da memória é o armazenamento de informação seja de modo estático como no hard disk de um computador seja por meio de processos dinâmicos Mais precisamente a memória consiste em uma atividade que torna possível a manutenção de um determinado padrão informacional tornandoo no todo ou em parte invariante durante um tempo curto ou longo e permitindo a recuperação desta informação no âmbito das experiências de um organismo Uma das maiores realizações da pesquisa de memória foi a descoberta de que o hipocampo mamífero tem um papel central para a formação da memória de longo prazo Cohen Eichenbaum 1994 Eichenbaum 1996 embora esta estrutura não seja o lugar ou o lugar exclusivo onde os traços de memória são armazenados ou seja preservados de forma dinâmica Esse conhecimento veio principalmente de estudos com HM um paciente que perdeu a capacidade de consolidar novas memórias de longo prazo depois da remoção cirúrgica de uma grande parte do hipocampo Milner et al 1968 Embora prejudicado na formação de memórias de longo prazo novas HM ainda se lembra de eventos memorizados antes da cirurgia uma evidência de que o hipocampo humano não é um dispositivo de armazenagem da informação nem um mecanismo responsável pela recuperação consciente da memória de longo prazo Esses dados sugerem que além de funções mnemônicas a função mais geral do hipocampo seria de natureza executiva DEsposito e Grossman 1986 o identificam como parte do sistema executivo criticando o erro comum de se usar o termo função executiva como sinônimo de função do lobo frontal Desse ponto de vista a consolidação e recuperação de traços de memória seriam componentes das funções executivas uma vez que ambas as operações sempre ocorrem no contexto de um determinado comportamento Devemos portanto considerar seriamente a hipótese de que a ativação de mecanismos mnemônicos seria controlada pelo sistema executivo como um todo A atenção por sua vez consiste no enfoque de determinados padrões de informação a cada momento em um sistema capaz de processamento distribuído em paralelo ou seja os padrões não enfocados continuam sendo parcialmente processados Para se definir o foco da atenção está implícita a necessidade de um processo de seleção da informação relevante ao organismo naquele momento razão pela qual muitos estudos se referem a uma atenção seletiva 122 A inferência lógica consiste em uma recombinação de padrões de informação interiorizados no sistema nervoso central chamados de representações operando conforme certas regularidades que garantem a coerência do pensamento regularidades estas que são descritas como regras lógicas ou lingüísticas e gerando produtos conclusões capazes de guiar o comportamento de forma adequada Um processador neuronal é definido como uma assembléia de neurônios conectados de modo a realizar uma operação lógica elementar específica Petrides 1994 propõe a existência de diversas redes neuronais especializadas ou processadores distribuídos pelo cérebro cada qual sendo depositário de diferentes esquemas operacionais que interagem entre si para engendrar as funções cognitivas Os diversos processadores são conectados por fibras corticocorticais formadas a partir de determinações genéticas e alterações plásticas processadas durante o desenvolvimento ontogenético gerando conexões reforçadas que atingem regiões cerebrais relativamente distantes O conjunto de processadores definiria a capacidade de inferência lógica de um cérebro Haveria uma hierarquia entre as funções executivas onde a memória se situa em nível mais básico a atenção em nível intermediário e a inferência lógica em nível de maior complexidade que incorpora os anteriores na geração de resultados que influenciarão o comportamento A performance de inferências lógicas sem dúvida requer mecanismos atencionais como mencionado anteriormente mas não se reduz a uma mera mudança do foco de atenção attentional shift Os mecanismos atencionais selecionam entre o repertório de traços de memória e padrões de informação disponíveis à percepção aqueles que são mais pertinentes para atuarem como premissas gerando conclusões que subsidiem o comportamento no contexto atual do animal Contudo os mecanismos atencionais não são responsáveis por estabelecer relações novas entre tais traços e padrões preexistentes engendrando conclusões novas Tomando como exemplo uma operação aritmética simples a atenção seria responsável por selecionar os elementos a ser operados por ex os números 2 e 3 a inferência lógica seria a operação de colocar tais elementos selecionados sob um esquema operatório por ex a adição do que coerentemente se extrai um elemento novo o número 5 Ou seja além de se enfocar os antecedentes e o conseqüente da operação cognitiva separadamente a inferência lógica inclui também o próprio cálculo o qual requer o uso de um esquema operatório vide Piaget 1985 que une elementos sucessivos e conduz a uma conclusão 123 OS ESQUEMAS DE AÇÃO E A APRENDIZAGEM ATIVA O sistema executivo utiliza um repertório de esquemas de ação próprios a cada espécie biológica oriundos da herança genética e de aprendizado prévio No funcionamento da rede neuronal esses esquemas podem ser concebidos como padrões específicos de conexão que controlam tipos específicos de comportamento Uma origem do conceito pode ser localizada na Filosofia a proposta de Kant de formas a priori atuando na cognição humana e Biologia Tinbergen e Lorenz que introduziram o conceito de padrões fixos Alguns etólogos estenderam o conceito como Schiller 1949 que identificou padrões motores no chimpanzé e Barlow 1968 que sugeriu que um padrão de ação teria diversas modalidades de realização Nesta visão a explicação do comportamento animal não pode ser feita em termos de estimulação reforçada e memória passiva pois é preciso levar em conta o papel coordenativo dos esquemas de ação O entendimento dos processos de aprendizagem e controle do comportamento em termos de uma dinâmica de conexões da rede neuronal segue a proposta avançada por Hebb 1949 atualmente desenvolvida em modelos computacionais chamados de conexionistas Os esquemas de ação estão codificados em redes neuronais especializadas e sua ativação corresponde à liberação de transmissores e ligação com receptores de membrana específicos Sua flexibilidade pode ser comparada com o papel das substâncias neuromoduladoras que conferem grande plasticidade ao sistema sináptico por meio da interferência na eficácia das ligações entre transmissores e receptores Um esquema de ação tem componentes diversos alguns diretamente relacionados com o comando de comportamento e outros que provêem uma série de ajustes que asseguram continuidade e coerência de operação para o sistema inteiro A orientação da ação no sentido de se definir o tipo de comportamento a ser executado em uma determinada situação e a facilitação das habilidades práticas envolvidas no comportamento definido são dois dos principais componentes Eles são integrados com componentes motivacionais concomitantes com a preparação e deflagração do comportamento específico neste aspecto o conceito de esquema de ação cobre um espectro mais amplo que o de padrões motores proposto por Schiller 1949 124 Comandos para outras áreas do cérebro notadamente para a seleção da informação aferente e recuperação de rastros de memória são comandadas por esquemas de ação atuantes no córtex préfrontal dos primatas No lado motivational ocorre a concomitante geração de sentimentos e emoções Damasio 1994 induzindo respostas psicofisiológicas imunológicas e endócrinas Tais processos presumivelmente dão ao organismo uma antecipação positiva ou negativa para uma ação que está sendo preparada No caso de uma reação positiva eles requerem ajustes que contribuam para aumentar a probabilidade de que a ação seja bem sucedida caso negativa conduz à inibição dos circuitos neuronais cuja ativação suporta o respectivo comportamento Considerando que a flexibilidade dos esquemas de ação possa ter gradações ao longo da escala filogenética podese distinguir dois extremos a esquemas que suportam uma ação estereotipada e automatizada os quais seriam equivalentes aos padrões fixos de ação propostos por Lorenz e Tinbergen 1938 Esses esquemas são encontrados em animais como o peixe e geralmente em espécies que não têm um sistema hipocampal desenvolvido esta exigência não é rigorosa porque a medida da inteligência animal é algo muito relativo e questionável veja Barlow 1968 e Bitterman 1975 b esquemas abertos ou plásticos que são especificados pela interação com o ambiente correspondendo ao sistema executivo de primatas e outros mamíferos com um córtex pré frontal desenvolvido inclusive algumas espécies de cetáceos ver Herman 1980 A coordenação de uma determinada ação nos animais que possuem esquemas abertos é de fato uma mistura de diversos esquemas que são combinados de acordo com o comportamento a ser executado e com os parâmetros ambientais que modulam esse comportamento à medida em que ele é executado Em outras palavras partes de esquemas de ação diversos cada qual desenvolvido em diferentes ocasiões da história evolutiva da espécie geneticamente transmitidos e modificados pela aprendizagem em cada indivíduo são dinamicamente recombinados a cada comportamento desse indivíduo para dar conta das situações novas com que continuamente se depara Esta visão está de acordo com o modelo de memória de trabalho de Baddeley 1986 onde o córtex prefrontal atua como centro executivo coordenando a recombinação de diversos esquemas de reconhecimento espacial e lingüístico distribuídos em várias partes do cérebro humano 125 Os esquemas de ação dos mamíferos têm a propriedade interessante de serem geneticamente determinados para serem especificado pela interação do indivíduo com o ambiente A afirmação acima pode parecer paradoxal porque muitas vezes as determinações genéticas e a aprendizagem com o ambiente físico e social são tidas como forças opostas Contudo para o sistema nervoso a capacidade de ser construtivamente influenciado pelo ambiente depende de mecanismos geneticamente determinados ou seja o cérebro dos animais e dos primatas em particular é geneticamente determinado para aprender É certo que muitas das habilidades adquiridas pelos indivíduos biológicos humanos ou não não são geneticamente transmissíveis Apenas os esquemas de ação que foram gerados por mutações genéticas ou recombinação gênica isto é os que desde o início derivam de fatores genéticos e posteriormente selecionados pelos efeitos comportamentais benéficos aos seus portadores são passíveis de serem herdados biologicamente pelos descendentes desses portadores Perguntase então quais seriam as diferenças entre tais esquemas de ação e padrões fixos de comportamento A primeira diferença é que os esquemas de ação automatizados que correspondem aos padrões fixos são disparados por um único estímulo mas os esquemas abertos só são ativados quando o animal executa uma ação que se encaixa com o esquema Se o animal não tem o esquema não poderá completar a ação A segunda diferença diz respeito ao processo de aprendizagem que sempre e necessariamente acompanha a ativação dos esquemas de ação abertos Um esquema automatizado é um programa fechado no sentido de que quando ativado o animal produz um comportamento estereotipado A experiência do animal por exemplo avaliando os resultados obtidos ao longo do comportamento não pode mudar o esquema ou a combinação de esquemas utilizados O animal apenas pode mudar de um determinado padrão fixo para um outro padrão fixo Por outro lado um esquema de ação aberto ou uma mistura desses esquemas é especificado caso a caso pelo uso que dele é feito na interação com o ambiente O tipo de ação efetivamente realizada que inicialmente eou repetidamente encaixa com os esquemas de ação existentes no cérebromente de um animal determina a função dos esquemas no seu comportamento Por exemplo macacos em ambiente natural desenvolveram um esquema de ação para colher frutas das árvores um de seus descendentes mantido em cativeiro pode usar o mesmo esquema para 126 executar uma tarefa em uma experiência científica de fato os pesquisadores consideram tais capacidades dos animais quando planejam seus experimentos Assim um esquema de ação pode ser usado em tarefas empíricas bastante diferentes se estas tarefas se baseiam em operações cognitivas semelhantes Podemos ainda comparar padrões fixos e esquemas de ação abertos com programas de computador os primeiros correspondem a programas lineares que obrigam o usuário do computador a seguir uma série prédeterminada de passos enquanto os segundos correspondem a programas interativos que permitem ao usuário um número grande de diferentes navegações Quando um animal possui um esquema aberto geneticamente determinado e se encontra em uma situação onde executa uma ação que se encaixa ou emparelha com o esquema ocorre um processo de aprendizagem ativa Quando tal encaixe ou emparelhamento acontece o sistema executivo do animal tem condições de exercer controle e coordenar a ação até que ela se complete sendo que tal tipo de ação se torna facilitada para quando uma situação semelhante é apresentada Portanto a aprendizagem ativa diz respeito a processos cognitivos em que um esquema de ação aberto se ajusta a uma variedade de situações permitindo manipular a informação ativamente de acordo com as características específicas de cada problema a ser resolvido Uma concepção semelhante de aprendizagem ativa é encontrada na hipótese de Piaget sobre a construção de operações abstratas por crianças com a ajuda de esquemas sensóriomotores Inhelder Piaget 1959 Piaget 1985 A identificação de uma rede biológica que suporta este tipo de aprendizagem sem dúvida veio trazer uma nova instância de confirmação desta hipótese Funções Executivas do Hipocampo Resultados experimentais sugerem que a inferência lógica não seria uma função exclusiva do córtex frontal Duas experiências realizadas por Eichenbaum e associados Bunsey Eichenbaum 1996 Dusek Eichenbaum 1997 indicam um papel do hipocampo do rato na realização de inferência lógica Os autores entendem esta capacidade como parte da função de memória também veja Einchenbaum 1996 Eichenbaum 1997 a qual de acordo com minhas considerações acima seria uma função que dá suporte à inferência lógica A primeira experiência testou o envolvimento do hipocampo do rato no desempenho de duas operações lógicas transitividade e simetria A primeira como se sabe consiste em se deduzir de por exemplo de A B e B C que AC A 127 segunda consiste em se deduzir de por exemplo D e E que E e D As tarefas foram elaboradas com a utilização de sinais familiares para ratos odores A performance das operações lógicas foi assumida como subjacente à associação entre odores feitas pelos ratos em busca de uma recompensa Na fase de treinamento era inicialmente apresentado um pote contendo uma mistura de areia e ração odorizada com uma recompensa enterrada um cereal doce Na etapa seguinte do treinamento eram apresentados dois novos potes com odores diferentes do da amostra Uma recompensa enterrada em um dos potes indicava a associação entre odores considerada como correta Na fase seguinte de teste da capacidade associativa dos ratos eram apresentados dois ou mais grupos de estímulos levando o animal a formar duas ou mais associações entre sinais por ex AeB e BeC e por fim era preparada uma situação na qual o animal deveria optar pela associação que indicasse a inferência lógica correta ou seja no caso do animal ter sido treinado para realizar a operação de transitividade AeC Na etapa final o primeiro pote no qual o rato começava a cavar era considerado indicador da inferência lógica realizada Bunsey Eichenbaum 1996 Os animais bem sucedidos nos testes eram então submetidos a uma lesão bem delimitada em uma parte do hipocampo por meio de injeção de substância tóxica passando depois por novos testes para se verificar se a capacidade de realização de inferências lógicas tinha sido preservada ou perdida Para o teste da transitividade foram apresentados dois grupos de treinamento grupos 1 e 2 com dois odores em cada A e X no grupo 1 e B e Y no grupo 2 e duas possíveis associações para cada odor B e Y para os odores do grupo 1 e C e Z para os odores do grupo 2 No treinamento foram fixadas as associações AeB e XeY no grupo 1 e BeC e YeZ no grupo 2 Na fase de teste foram apresentados os odores A e X a serem associados respectivamente com C e Z ou com distratores Vinte ratos previamente treinados associaram AeC e XeZ ou seja realizaram a inferência transitiva Neste momento foi feita a lesão hipocampal desses animas verificandose subsequentemente uma perda da capacidade de inferência lógica transitiva Animais utilizados como controle os quais foram submetidos a uma injeção placebo semelhante às demais porém sem toxicidade não perderam tal capacidade Mesmo os animais lesionados ainda puderam aprender novas associações binárias por ex AeB mas não conseguiram mais realizar a inferência transitiva que requer uma associação ternária a saber de A com B e com C 128 Para o teste da simetria ratos treinados no grupo 2 acima foram expostos a uma série temporalmente invertida dos mesmos odores utilizandose C como amostra para uma escolha entre B e Y Antes da lesão eles puderam executar tal tarefa porém depois da mesma os animais tiveram seu desempenho prejudicado Considerando que a inversão de uma relação binária como no caso do teste da simetria corresponde à realização de uma associação ternária na qual o primeiro elemento é repetido como o terceiro então a conclusão a ser obtida de ambos os testes seria que a lesão hipocampal conduz a uma perda da capacidade de realização de associações ternárias que seria necessária para a inferência de transitividade Em um estudo mais recente Dusek Eichenbaum 1997 os autores adaptaram para experimentação com ratos um teste usado por Piaget por avaliar a inferência lógica em crianças Aqui a ênfase dos autores recaiu explicitamente em duas funções executivas a capacidade de ordenar itens em uma seqüência e a inferência transitiva a mesma tratada nos experimentos acima definida como uma habilidade para deduzir uma relação entre itens que não foram apresentados juntos O experimento começou com o treinamento dos animais induzidos a aprender relações de ordem binárias entre cinco odores AB BC CD e DE O teste de inferência transitiva foi definido em termos da capacidade de se concluir B D e não AE devido a razões que não vou discutir aqui A maioria dos animais do experimento aprendeu as associações binárias e foi capaz de inferir a conclusão B D Após a lesão hipocampal desta vez uma transecção do fórnix os animais ainda eram capazes de realizar associações binárias mas a capacidade de inferir a conclusão BD foi completamente prejudicada Os autores concluíram que os resultados presentes identificam a região do hipocampo como crítica para a inferência transitiva e indica que o hipocampo representa um papel crítico no desenvolvimento ou expressão flexível de uma capacidade de representação de relações de ordem entre itens Os resultados obtidos por Eichenbaum e associados sugerem que a função lógica do hipocampo seria estabelecer associações nárias n2 entre itens perceptuais eou mnemônicos Por exemplo se dois itens são perceptualmente dados uma associação com um terceiro item não determinado perceptualmente requeriria tal função lógica do hipocampo se só um item é determinado perceptualmente a associação com dois itens memorizados requer o hipocampo etc Seguindo uma terminologia comum entre os pesquisadores da área eu usarei o termo comparador para me referir à função lógica de realizar associações entre três ou mais itens 129 Nesta perspectiva acredito que se possa interpretar a função de orientação espacial também atribuída ao hipocampo em termos da função acima proposta Sabe se que o hipocampo representa o chamado espaço egocêntrico ou a localização do animal no seu ambiente por meio do disparo de células de lugar place cells vide OKeefe Nadel 1978 Nos trinta anos em que foram estudadas tais células no rato uma ambigüidade permaneceu os referenciais para tal orientação espacial seriam construídos a partir de pistas perceptuais por ex marcos visuais ou derivados dos movimentos prévios do animal Em janeiro de 1996 Gothard Skaggs Moore e McNaughton discutiram a existência de referenciais múltiplos representados por três categorias de células de lugar Gothard 1996 a células que indicam o lugar onde o rato está em um determinado momento células de localização específica b células que indicam o lugar para onde o rato vai células relativas à meta ou destino do movimento c células que indicam o lugar de onde o rato está vindo células relativas à origem imediata do movimento Em dezembro do mesmo ano os mesmos autores com a exceção de Moore Gothard et al 1996 publicaram na mesma revista um novo estudo concluindo que a orientação espacial suportada pelo hipocampo constitui um mapa framework de referência que é dinamicamente atualizado para se corrigir o descompasso mismatch entre a rota atual de movimento e mudanças nas pistas perceptuais ambientais que decorrem do próprio curso do movimento Como os dizem os autores embora o mapa espacial possa ser controlado através de marcos perceptuais os neurônios do hipocampo não representam objetos ou eventos explicitamente o que significa que a orientação no espaço é uma função executiva e não perceptual Sendo uma função executiva ela implica um controle contínuo da ação a partir das mudanças do foco da atenção Quando o animal se locomove a partir de um marco inicial a orientação espacial é referida a este marco mas à medida em que se aproxima de seu destino seu mapa espacial é atualizado com relação a este novo marco Esta interpretação dos resultados é consistente com a concepção do hipocampo como um comparador lógico A construção e atualização de um mapa de referência espacial equivalente à construção de uma rede de relações entre marcos ou seja um 130 mapa espacial tridimensional requer a capacidade de associar no mínimo três itens A orientação no espaço para um animal capaz de autolocomoção como o rato requer o estabelecimento de relações entre pelo menos quatro pontos dois que definem o plano de fundo de onde o animal está vindo um ponto para definir a posição atual com relação àquele plano e um ponto para definir a posição de destino Para animais que se movem em um espaço tridimensional como o pombo a orientação requer relações entre pelo menos cinco pontos Estudos recentes têm confirmado que o sistema hipocampal é responsável pela função executiva de orientação de espaço Por exemplo McHugh et al 1996 mostraram que ratos geneticamente alterados nos receptores NMDA da região CA1 do hipocampo perderam a habilidade de associar sinais de origem cortical para a produção de comportamentos adequados Estudos com pombos têm mostrado que lesões no giro parahipocampal prejudicam o comportamento de retorno ao lar homing vide Bingman Mench 1990 Estudos com humanos usando neuroimagem por ressonância magnética funcional fMRI para monitorar a ativação cerebral durante a realização de uma tarefa de orientação de espaço em um labirinto virtual um videogame adaptado às condições do fMRI mostram que as áreas corticais adjacentes ao hipocampo são seletivamente ativadas para tarefas virtuais de orientação espacial e aprendizagem topográfica Aguirre et al 1996 Aguirre DEsposito 1997 A hipótese que o hipocampo trabalha como um comparador lógico satisfaz a esses dados uma vez que a orientação espacial equivaleria de acordo com a análise que fiz previamente à associação de três ou mais pontos de referência e à atualização deste mapa conforme os movimentos executados Da mesma forma outras funções conhecidas do hipocampo como a codificação de itens de memória novos mantendo relações pertinentes itens mais antigos poderiam ser reconstruídas em termos da mesma operação lógica Funções Executivas do Córtex PréFrontal A função dos lobos frontais era considerada até meados dos anos 60 na famosa expressão de HL Teuber um enigma Desde então têm sido documentados aspectos diversos da função préfrontal a partir dos modelos teóricos e de novas tecnologias experimentais que vieram a constituir a Neurociência Cognitiva veja Stuss et al 1994 Estudos de neuroimagem tornaram possível a distinção de regiões funcionalmente 131 especializadas como no caso da dissociação funcional entre as regiões ventrolateral e dorsolateral Petrides 1994 A conjunção de resultados tornou possível uma nova síntese teórica na qual se considera que haveria uma operação lógica comum às várias funções cognitivas dos lobos frontais a saber a operação de seqüenciamento a qual também pode ser interpretada como seqüenciamento hierárquico de submetas subgoals com relação a uma meta maior Duncan 1995 Diversas funções do córtex préfrontal bem estudadas na Neurociência Cognitiva têm em comum a operação lógica de seqüenciamento hierárquico Tomo como exemplos a capacidade de realizar inferências condicionais do tipo se ocorre X ocorre Y se ocorre Y então Z então se ocorre X ocorre Z e a capacidade de detecção de mudança de regras de um jogo a qual é freqüentemente estudada por meio do teste de cartas de Wisconsin Wisconsin Card Test Outros testes diversos como o da Torre de Hanói usados para avaliar não só a função préfrontal como também estabelecer índices aproximados de aspectos da inteligência veja Jonides 1995 também podem ser entendidos como relacionados à capacidade de executar um seqüenciamento hierárquico O teste de cartas de Wisconsin é um procedimento padrão para o diagnóstico da ocorrência de comprometimento das funções préfrontais em conseqüência de lesões cerebrais de diversas naturezas O teste requer do paciente a detecção da mudança de padrões de associação das cartas O experimentador começa o teste associando cartas de acordo com um determinado critério por ex a cor das cartas e solicita ao paciente que continue a fazer as associações corretas de acordo com o padrão observado Algum tempo depois ele volta a conduzir as associações porém alterando o critério por ex formando pares de acordo com o naipe e solicita novamente ao paciente que faça as associações que julgue corretas Nessa situação é preciso inibir o critério associativo prévio e assumir o novo para vir a fazer as associações corretas Quando há comprometimento préfrontal é grande a probabilidade de que o paciente tenha um baixo desempenho nesse teste Um desempenho bem sucedido implica a capacidade de se estabelecer uma sucessão de ações com relação a uma regra e alterar as ações quando se altera tal regra A formulação original do problema de seqüenciamento hierárquico ou seja como o cérebro elabora planos e coordena um comportamento composto de uma série ordenada de atos diferentes que não são dirigidos por estímulos e não têm uma ordem intrínseca foi feita por Karl Lashley há 50 anos em uma famosa conferência no 132 igualmente famoso Simpósio Hixon vide Lashley 1960 Ele começou dando alguns exemplos de ações consecutivas como falar tocar um instrumento musical e até mesmo de comportamentos animais como o trotar do cavalo e o desempenho de um rato que percorre um labirinto Esses comportamentos não podem ser explicados em termos de uma sucessão de estímulos pois implicam na existência de um mecanismo interno de seqüenciamento Lashley identificou duas tentativas de explicação a teoria da Rede Associativa Motora que propunha que cada ato motor efetuado causaria o ato seguinte e a teoria da Tendência Determinante que propunha a existência de um pensamento prévio determinante da sucessão de atos motores Depois de criticar tais teorias ele propôs a existência de esquemas gerais de ação que determinam a sucessão de atos Tomando como exemplo a linguagem humana ele sugeriu que a sintaxe é um padrão geral imposto aos atos específicos Restava ainda elucidar o que ele chamou de Problema da Ordem Consecutiva a saber a natureza do mecanismo seletivo pelo qual os atos particulares são escolhidos neste processo Lashley 1960 Cinqüenta anos depois notase que um número significativo de pesquisas têm mostrado que este mecanismo que chamamos aqui de seqüenciamento hierárquico ocorre principalmente nos primatas e cetáceos sendo suportado por estruturas do córtex préfrontal Tal tipo de operação lógica tem papel relevante em diversas funções executivas mobilizando uma grande rede neuronal cerebral envolvida no planejamento e seqüenciamento do comportamento Esta rede depende crucialmente das redes de realimentação com o sistema motor incluindo estruturas subcorticais como a formação reticular cerebelo e os gânglios de base Podese hipotetizar que as estruturas pré frontais têm o papel central de definir as seqüências de atos a serem executados enquanto o córtex motor deflagra o movimento voluntário e o cerebelo monitora a transição entre as fases da ação na medida em que as mesmas ocorrem monitoramento on line Coerência e AutoDeterminação do Pensamento A existência de coerência e autodeterminação nos processos de pensamento têm levado ao longo da história a diversas teorias filosóficas sobre a verdade e o livre arbítrio Não vou aqui abordar os aspectos metafísicos destas questões mas apenas discutir brevemente possíveis origens neurobiológicas da coerência e auto determinação do pensamento que seriam características que se manifestam não só no 133 comportamento humano como em diversas outras espécies a respeito das discussões sobre a cognição animal ver Thomas 1996 e Bekoff Jamieson 1996 para uma introdução ao assunto Pearce 1997 A coerência do pensamento pode ser considerada um resultado de princípios puramente internos ou o resultado das interações entre o organismo e o ambiente Como os processos de pensamento seriam suportados por esquemas operatórios encarnados em processadores neuronais e como tais processadores derivam em parte de fatores genéticos podese afirmar que as interações prévias entre os antepassados dos animais e seus respectivos ambientes que deram origem a tal herança genética estão implícitas em todos os tipos de processos de pensamento Mas esse fato por si só não garante a coerência lógica porque os mesmos esquemas também operam na constituição dos sonhos que são pobres em coerência lógica Durante o sono REM quando ocorrem os sonhos a ativação das assembléias neuronais que codificam os esquemas pode acontecer aleatoriamente como discutido por Hobson 1994 O funcionamento cerebral durante o sonho como se sabe é privado do mecanismo de reaferência o qual como salientamos anteriormente seria central para o desenvolvimento filogenético e ontogenético das funções executivas Durante o sono REM rapid eye movement praticamente nenhuma outra atividade motora ocorre uma vez que como se sabe as terminações efetoras do cérebro estão desconectadas do restante do corpo devido à ação de um relê químico localizado na altura do pescoço Portanto os esquemas operatórios usados na geração das sucessões de episódios durante os sonhos não são suficientes produzir coerência lógica Concluise portanto que a coerência do pensamento dependeria da interação do cérebro com o restante do corpo e com o ambiente por meio da reaferência como se induz também das análises feitas pelos filósofos pragmatistas por ex James 1907 Desse modo a existência de processos reaferentes em outras espécies que não a humana poderiam ser indicadores da existência de processos de pensamento logicamente coerentes dando suporte ao comportamento adaptativo vide os argumentos apresentados por Griffin 1984 Como processos de autoorganização têm sido identificados nos domínios da Física Química Biologia e Ciências Humanas a afirmação de que os processos de pensamento seriam autodeterminados pode parecer trivial Pergunto então que 134 mecanismos seriam subjacentes à autoorganização de pensamento ou melhor quais são os elementos que se organizam e por meio de que interações Para ilustrar este tipo de processo dou dois exemplos extraídos da vida cotidiana Primeiro o comportamento de cães treinados de se buscar um objeto bola anel de plástico lançado por seu dono segundo o comportamento de um músico que usa habilidades ancestrais para tocar um instrumento que não existia ao tempo de seus antepassados Os cachorros não têm um esquema de ação específico para o comportamento de buscar um objeto arremessado por um ser humano Possivelmente tal ação é coordenada por meio de uma recombinação de esquemas de ação desenvolvido pelos seus antepassados em contextos diferentes e com funções diferentes Esse comportamento não é portanto inato ou automatizado mas precisa ser aprendido ativamente O sucesso da aprendizagem é possível neste caso porque os cachorros têm os componentes de esquemas de ação necessários para o comportamento novo a ser aprendido Uma vez instruído o animal a recombinação desses esquemas pode ser espontaneamente reproduzida em outras situações Em um contexto adaptativo ancestral os cachorros desenvolveram um esquema de ação para caçar pequenos animais que se moviam de modo semelhante à bola ou anel de plástico recobrado Além disso os antepassados dos cachorros atuais viviam em grupos com uma hierarquia de domínio entre os indivíduos Uma presa apanhada por qualquer cachorro deveria presumivelmente ser trazida à presença de outro indivíduo mais alto na hierarquia Um esquema de ação para a coordenação deste comportamento social foi desenvolvido No contexto novo de domesticação humana os mesmos esquemas foram usados de novo para outra função agora o lugar do cachorro dominante está ocupado pelo ser humano e o pequeno animal foi substituído por um artefato humano Tal mudança de função requer associações novas que resultam de uma reorganização no sistema executivo a partir da recombinação de alguns componentes Os estímulos externos induzem tal reestruturação mas não determinam o processo Processos de condicionamento não podem ser tomados no sentido literal do termo condicionar pois neste caso seria possível ensinar o mesmo truque a diversas outras espécies contudo só haverá aprendizagem nas espécies que possuírem os componentes de esquemas de ação que são necessários para o desempenho da tarefa 135 O treinador não tem condições de ensinar os próprios esquemas na verdade ele se limita a induzir uma reorganização nos mesmos que se fará segundo as características dos próprios esquemas e também segundo o contexto no qual o animal se encontra Aplicase aqui portanto a idéia de autoorganização Os animais estão aprendendo a partir dos seus próprios esquemas de ação que interagem e espontaneamente se recombinam Quando o sistema cognitivo tem que se adaptar a uma situação nova e a informação perceptual e mnemônica disponível não é suficiente para a coordenação de ação pode ocorrer uma reestruturação dos esquemas de ação constituindo uma autoorganização no sentido de que uma configuração nova emerge da interação de elementos previamente existentes permitindo o desempenho uma nova função Outro exemplo de autoorganização do pensamento no caso o pensamento não verbal humano está na aprendizagem de um instrumento musical Por exemplo a bateria na forma em que existe contemporaneamente é uma combinação de pratos e tambores de forma a serem tocados por uma pessoa No passado os diversos pratos e tambores eram tocados por pessoas diferentes como ainda ocorre nas bandas escolares e militares e nos blocos de carnaval É claro que nós não possuímos esquemas de ação desenvolvidos para tocar bateria mas podemos fazer isto usando esquemas de ação desenvolvidos no passado para outras funções comportamentais completamente diferentes Os movimentos dos pés acionando pedais são coordenados através de esquemas originalmente usados para caminhar mover objetos ou mesmo lutar é praticamente impossível determinar estas origens Nas funções originais o movimento de um pé foi sincronizado com o outro e esta é possivelmente a razão pela qual os bateristas precisam desaprender esta dependência do movimento dos pés isto é precisam aprender a independência ou seja a capacidade de acionar um pedal com um pé independentemente do outro No caso de pensamento humano a autoorganização envolve outras dimensões além dos esquemas de ação motora a saber envolve esquemas que controlam a articulação da linguagem simbólica Tal linguagem opera no domínio da comunicação entre seres humanos sendo suportada por mecanismos específicos do cérebro O sistema executivo humano inclui áreas especializadas para a linguagem a área de Broca nos lobos frontais e a área de Wernicke na área associativa temporoparietal O feedback entre estas áreas pode ser interno o fenômeno que Luria 1970 chamou de fala interna ou externo percebendose a própria vocalização ou falando a outro 136 humano e recebendo uma resposta O uso significativo da linguagem no contexto da comunicação humana também requer outras áreas cerebrais veja Stuss Benson 1990 Goldberg 1990 Por outro lado como todo processo de autoorganização possui limites é esperado que determinados tipos de problemas que ocorram na interação entre os processadores não possam ser solucionados em nível eletroquímico e demandem outros tipos de interação A ocorrência de conflito sistêmico generalizado poderia conduzir a uma ruptura desse tipo de sistema caso não houvesse um mecanismo complementar operando em um outro nível que pudesse oferecer uma solução eficaz para tais conflitos Em trabalhos recentes Pereira Jr Rocha 2000 Rocha et al 2001 tenho proposto que a emergência dos processos de consciência teria ocorrido ao longo da evolução como forma de se resolver o conflito sistêmico interior aos sistemas nervosos que atingiram alto grau de complexidade Esses processos possivelmente envolveriam uma maior coerência dos sistemas cognitivos e afetivos dos animais que dariam suporte a um conceito de identidade pessoal o Eu ou o Self o qual por sua vez se manifestaria em comportamentos elaborados nos quais a inserção do indivíduo no grupo social é refletida pelos próprios agentes dando origem às formas simbólicas Deacon 1997 de representação do mundo e comunicação social REFERÊNCIAS Aguirre GK Detre JA Alsop DC DEsposito M 1996 The parahippocampus subserves topographical learning in man Cerebral Cortex 6 8239 Aguirre KA DEsposito M 1997 Environmental knowledge is subserved by separable dorsalventral neural areas The Journal of Neuroscience 17 25128 Allen G Buxton R Wong E Courchesne E 1997 Atentional activation of the cerebellum independent of motor involvement Science 275 19403 Baddeley AD 1986 Working Memory Oxford Oxford University Press Barlow GW 1968 Ethological units of behavior pp 21737 In Ingle D ed The Central Nervous System and Fish Behavior Chicago University of Chicago Press Bekoff M Jamielson D eds 1996 Readings in Animal Cognition Cambridge MIT Press Bingman VP Mench JA 1990 Homing behavior of hippocampus and parahippocampus lesioned pigeons following shortdistance realeases Behavioral Brain Research 40 22738 Bitterman ME 1975 The comparative analysis of learning Science 188 4189 699709 137 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de Medicina Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil 141 INTRODUÇÃO Duas são as funções básicas do sistema nervoso central promover a homeostase e organizar os comportamentos Timo Iaria 1985 Num dado comportamento podemos distinguir componentes somatomotores neurovegetativos inclusive hormonais e mentais o que nos autoriza definilo de forma abrangente como o conjunto destas manifestações Esta concepção expandida de comportamento encontra apoio no fato de que estes componentes se manifestam paralelamente e não secundariamente ao componente motor usualmente tido como o comportamento em si Destes componentes o mental adquiriu uma importância crescente na evolução filogenética dos vertebrados em função da extraordinária expansão do telencéfalo sobretudo das regiões neocorticais O grau de mobilização de cada um dos componentes dos comportamentos é bastante variável Naqueles com alto grau de envolvimento somático também as alterações neurovegetativas são consideráveis visto que necessárias para oferecer o suporte energético Mas mesmo quando o componente somático é mínimo como durante um ato mental por exemplo uma operação matemática ocorrem variações apreciáveis de fluxo sanguíneo nas áreas cerebrais implicadas Além disso os padrões somáticos e neurovegetativos dos comportamentos são organizados paralelamente nos diferentes níveis do sistema nervoso central Comportamentos são usualmente induzidos por estímulos ambientais que atuam sobre os exteroceptores mas podem igualmente sêlo por estímulos internos atuando sobre receptores viscerais e centrais As vísceras abrigam receptores de diferentes modalidades sendo que as informações procedentes dos nociceptores transitam por fibras que perifericamente acompanham o trajeto dos eferentes simpáticos e que à semelhança do que acontece com as fibras da sensibilidade somática penetram na medula espinhal pela raiz dorsal em cujo gânglio está seu corpo celular Estes aferentes primários fazem sinapse com neurônios de segunda ordem situados na medula espinhal que se projetam para o complexo talâmico ventroposterior e dali por um neurônio de terceira ordem para o córtex insular Saper 2002 Os aferentes dos demais receptores viscerais inclusive os arteriais baro e quimiorreceptores se incorporam aos nervos vago e glossofaríngeo e penetram no sistema nervoso central na região bulbar estabelecendo sua primeira sinapse no núcleo do trato solitárioDeste núcleo neurônios terciários levam a informação para o complexo talâmico ventroposterior que se projeta para o córtex insular visceral Saper 2002 É necessário considerar ainda a existência 142 de receptores centrais usualmente situados em regiões hipotalâmicas ou periventriculares A estimulação de receptores viscerais exceto dos nociceptores e centrais induz respostas homeostáticas envolvendo o sistema neurovegetativo destinadas a corrigir alterações do meio interno Caso não o consigam são acionados comportamentos neste caso também ditos homeostáticos Além dos efeitos específicos relatados a estimulação dos aferentes viscerais pode interferir com o estado geral do organismo como modular o grau de vigilância em decorrência da conexão do núcleo do trato solitário com regiões envolvidas com os sistemas reguladores Finalmente comportamentos podem ser induzidos voluntariamente por processos internos ainda pouco conhecidos e dependentes do grau de complexidade do sistema nervoso central Em qualquer das circunstâncias acima mencionadas no desenrolar de um comportamento novos estímulos são enviados ao sistema nervoso central induzindo respostas ao novo contexto Isto é o comportamento se desenrola no tempo e no espaço e é monitorado por retroalimentação sensorial Passaremos a analisar em seguida os diferentes níveis do sistema nervoso central implicados hierarquicamente na organização dos comportamentos Figs 1 e 2 Estes níveis em função das informações procedentes dos exteroceptores adicionam aos comportamentos em graus variáveis componentes reflexos préprogramados eou voluntários Veremos também como ocorre a interação entre estes níveis Evidentemente que em última instância para a expressão do componente objetivo do comportamento são acionados os sistemas motores somático e neurovegetativo inclusive o humoral 143 Figura 1 Divisões anatômicas do sistema nervoso central 144 Figura 2 Desenho esquemático mostrando a divisão do sistema nervoso central em níveis funcionais organizado hierarquicamente Esta hierarquia tem fundamentação filogenética e não exclui a interdependência dos 3 níveis funcionais propostos Modificado de Swanson et al 1999 O NÍVEL DE ORGANIZAÇÃO SEGMENTAR No nível segmentar Fig 2 portanto medula espinhal e rombencéfalo Fig1 informações exteroceptivas podem mobilizar reflexos somáticos pela estimulação de motoneurônios agonistas do corno anterior da medula espinhal e inibição dos antagonistas Mas eventualmente a mesma informação pode via conexões intrasegmentares estimular neurônios préganglionares autonômicos da coluna intermediolateral ou do tronco cerebral induzindo também alterações neurovegetativas reflexas No caso de um estímulo nociceptivo somático a mesma informação levada à medula espinhal por aferentes nociceptivos pode através de um colateral do neurônio aferente primário ativar interneurônios que aferentam neurônios simpáticos pré ganglionares da coluna intermediolateral Em decorrência da ativação destes neurônios simpáticos da coluna intermediolateral ocorre vasoconstricção local importante para reduzir o sangramento em caso de lesão da pele A resposta de retirada ou reflexo de flexão decorrente é acompanhada também de aumento de pressão arterial e de 145 freqüência cardíaca Este efeito cardiovascular decorre da ativação de neurônios nociceptivos de segunda ordem do trato espinotalâmico cujos colaterais axônicos chegam à área rostral ventrolateral do bulbo causando ativação simpática generalizada No passado as respostas segmentares ou reflexas foram estudadas em animais ditos espinhais portadores de transecções em diferentes níveis da medula espinhal ou do tronco cerebral Este tipo de preparação responde a estímulos externos mediante reflexos Reflexos são respostas elementares rápidas visto que dependentes de conexões paucissinápticas que facilitam o rápido acesso da informação vinda pelos aferentes sensoriais aos neurônios efetores Desde os primórdios da neurofisiologia as respostas reflexas chamaram atenção por seu aparente caráter estereotipado linear finalista inconsciente e previsível Delas valeuse Descartes 1596160 um dos ideólogos da ciência moderna para sustentar seu sistema filosófico de separação entre corpo e alma dualismo O corpo no seu entender funciona como um autômato natural uma máquina à qual não somos redutíveis Somos seres pensantes res cogitans Entretanto Descartes não foi um experimentador e preocupouse mais com a consistência lógica de seu sistema de pensamento do que com a realidade empírica do reflexo Afora a vinculação estímuloresposta e a ocorrência automática desta notadas por Descartes sua visão anatomofuncional do reflexo não tem apoio em dados experimentais mas é fruto de especulação Ele não inventou nem o termo nem o conceito de reflexo O que fez foi afirmar a constância da ligação entre excitação e reação Faltaramlhe o conhecimento da distinção das vias aferente e eferente e da natureza segmentar dos reflexos além da natureza do processo de condução da mensagem pelos nervos Por isso nesta questão historiadores da ciência como Canguilhen 1989 não o consideram um precursor No entanto sua visão dualista da relação mentecorpo se estende até nossos dias sobretudo no terreno da psicologia Outros pesquisadores se dedicaram ao estudo do reflexo nos séculos subseqüentes apontando seu caráter segmentar e seu significado fisiológico No século XIX o assunto mereceu a atenção dos clínicos entre eles Jendrassik Em decorrência de observações em pacientes humanos passouse a ver o reflexo como uma resposta que não é necessariamente linear finalista e rígida e que sua ausência não constitui necessariamente uma patologia Coube a Sherrington no final do século XIX e início do século XX mostrar por engenhosos experimentos que a resposta reflexa depende do estado geral do organismo O movimento reflexo é a reação de um todo orgânico No entender deste cientista a individualização do reflexo tal como feita em laboratório 146 é uma ficção conveniente sem sentido biológico Sherrington 1948 O acima dito para os reflexos somáticos vale igualmente para os reflexos autonômicos Assim por exemplo a habilidade do barorreflexo no controle da pressão arterial pode ser afetada pela chegada de outras mensagens sensoriais de aferentes autonômicos como aquelas dos quimiorreceptores de aferentes somáticos principalmente nociceptivos ou por estimulação de estruturas suprasegmentares envolvidas na organização dos comportamentos Nos comportamentos em que a mobilização somática é intensa em que há necessidade de maior aporte sanguíneo para o território muscular o ganho do barorreflexo pode estar reduzido È o que ocorre durante o comportamento defensivo A substância cinzenta periaquedutal considerada a via final comum deste comportamento envia projeções para estruturas bulbares Bandler et al 1991 envolvidas no baroreflexo podendo modulálo Portanto as funções homeostáticas destinadas a estabilizar intrinsecamente o organismo podem ser alteradas em benefício dos comportamentos Segundo estudos de Sherrington datados do início do século XX a medula espinhal opera apenas reflexamente e a função reflexa é dependente da entrada sensorial Um cientista contemporâneo de Sherrington mas menos conhecido que ele chamado Graham Brown mostrou que a locomoção pode ocorrer em animais espinhais com deaferentação bilateral da raiz dorsal postulando em decorrência que ela depende da atividade espontânea de circuitos neuronais da medula espinhal e do tronco cerebral Brown 1914 Seus trabalhos ficaram esquecidos por longos anos mas o assunto foi retomado na década de 1960 A atividade neuronal gerada intrinsecamente a nível segmentar responsável pela locomoção é autônoma podendo ser modulada pelo influxo sensorial e por influências suprasegmentares procedentes dos níveis intrínseco e cognitivo Bernstein 1967 O NÍVEL DE ORGANIZAÇÃO INTRÍNSECO Informações sensoriais podem também atingir regiões suprasegmentares e subcorticais do sistema nervoso onde se situam os substratos neurais dos diferentes comportamentos Este nível de análise é denominado intrínseco Fig 2 Para cada comportamento há um conjunto de regiões específicas envolvidas com suas conexões e neurotransmissores Esta organização é fixa e geneticamente programada Isto significa que a estimulação elétrica ou química destes sítios pode induzir um dado 147 comportamento ou fragmentos dele A análise sistemática deste nível de organização foi empreendida na década de 1920 pelo fisiologista suíço Walter Rudolf Hess prêmio Nobel de Medicina em 1949 Hess observou que a estimulação de regiões prosencefálicas em gatos acordados com eletrodos implantados induzia respostas ligadas a comportamentos alimentar defesa autolimpeza paralelamente a alterações neurovegetativas de suporte Hess 1954 Como notável pensador da ciência Hess não acreditava na existência de centros nucleares responsáveis pelos comportamentos como antes dele pensavam os frenologistas e seus seguidores No seu entender estruturas integradas em redes forneciam o substrato neural dos comportamentos Akert 1999 O mais notável de seus experimentos ou pelo menos aquele que forneceu substrato para reflexões em seus últimos 20 anos de vida faleceu aos 92 anos de idade foi a observação de respostas defensivoagressivas em decorrência da estimulação da região perifornical do hipotálamo Chamoulhe atenção além da já aludida concomitância de componentes somáticos e autonômicos retração das orelhas piloereção midríase arqueamento do dorso vocalização aumento de pressão arterial freqüência cardíaca e respiratória o fato de a resposta se manifestar de forma dramática podendo culminar em ataque ao observador O comportamento do animal parecia perfeitamente direcionado goal directed e emocionalmente afetado como em estados de ansiedade medo e ira manifestados por humanos Apesar de apregoar a necessidade de incorporar aspectos biológicos das funções psíquicas no domínio das ciências fisiológicas acreditava Hess que a natureza da experiência subjetiva não poderia ser causalmente inteligível A maneira como a natureza agia para transformar eventos orgânicos objetivos codificados por informação neural em experiências psíquicas subjetivas como sentimentos pensamentos impulsos voluntários willful possivelmente nunca será entendido dizia Em certo sentido os achados de Hess apoiaram idéias anteriores de Freud e Lorenz os quais viram a agressão como algo interno ao homem e com raízes evolutivas o primeiro pelo método interpretativo e a partir da observação em humanos e o outro a partir de estudos etológicos Na visão de Lorenz os comportamentos não são apenas reativos podem ser autoinduzidos O homem como outros animais desenvolveu um drive para agressão intraespecífica O sistema nervoso não necessita esperar por estímulos estes podem nascer internamente dando lugar a comportamentos espontâneos Haveria um drive interno uma energia que necessita encontrar expressão Dentro deste modelo o comportamento termina porque a energia é descarregada em ação Assim como existe um repertório de 148 movimentos expressivos de ameaça há outros de apaziguamento cujo significado é entendido por outros animais Posturas de submissão por exemplo Ou o sorriso nos humanos Na visão de Freud apenas a civilização superego poderia contraporse ou fazer recuar a agressividade interna O modelo energético da motivação não é aceito por neurobiologistas contemporâneos mas tem valor por exemplo na psicanálise Diferentemente de Freud e Lorenz Hess apontou para a existência de bases neurais para os componentes psíquicos dos comportamentos Em se tratando dos comportamentos ditos homeostáticos alimentar ingestão de líquidos etc o hipotálamo exerce uma função central dado seu envolvimento direto na regulação das funções endócrinas via hipófise das funções autonômicas graças a uma via descendente originada no núcleo paraventricular e da geração de padrões comportamentais básicos Neste contexto é preciso lembrar que o hipotálamo não só abriga osmo glico natrio e termoceptores sensíveis a alterações na composição sanguínea como informações ambientais e viscerais o alcançam levadas por vias das sensibilidades somática e visceral Foi demonstrado no rato que um trato espino hipotalâmico se projeta para o hipotálamo medial e lateral levando informações sensoriais tanto de fontes viscerais como somáticas Informações sensoriais devidamente processadas também podem vir de outras fontes como núcleo do trato solitário núcleo parabraquial e substância cinzenta periaquedutal Cameron 2002 COMPORTAMENTOS HOMEOSTÁTICOS o exemplo do comportamento alimentar A assimilação o armazenamento e a utilização de nutrientes energéticos constituem um sistema homeostático essencial para a vida O balanço energético é regulado por múltiplas informações neuroendócrinas e comportamentais que são integradas no hipotálamo Muito dessa regulação envolve modulação do comportamento alimentar através de neuropetídeos de saciedade e antisaciedade os quais atuam via receptores no controle do apetite Kalra et al 1999 Papel do Sistema Nervoso Central Por muitos anos o hipotálamo foi considerado a chave controladora da ingestão de alimentos Esta visão derivouse de experimentos clássicos em que a tomada de alimento foi estudada em ratos com lesões em várias áreas cerebrais Tais estudos 149 claramente identificaram duas regiões no hipotálamo que influenciam o comportamento alimentar Hipotálamo Lateral centro da fome animais com lesões nesta área tornamse anoréxicos e perdem peso Hipotálamo Ventromedial centro da saciedade animais com lesões nesta área comem em demasia e tornamse obesos Entretanto esse modelo logo provou ser muito simples O hipotálamo lateral não apenas contém neurônios mas também feixes de fibra de passagem sendo que uma lesão em ambos poderia provocar afagia Da mesma forma lesão das fibras que passam pelo hipotálamo ventromedial também causaria lesão no núcleo paraventricular do hipotálamo por si só causadora de hiperfagia Kolb Whishaw 2002 Assim concluiuse que o hipotálamo controla um maior número de funções da alimentação que apenas as atividades do hipotálamo lateral e ventromedial Estudos subseqüentes mostraram que apesar desses centros hipotalâmicos serem importantes no controle da fome e da saciedade eles não explicam todos os padrões comportamentais relacionados à alimentação Peptídeos Neuroendócrinos respostas a mudanças calóricas Uma outra maneira de entender como os animais mudam seu comportamento é examinando a regulação neuroendócrina do aumento de apetite Assim as perguntas para se investigar essa regulação são 1 Por que os organismos sentem fome quando as reservas calóricas estão baixas 2 Como o cérebro é informado de que a gordura do organismo está diminuindo após jejum prolongado 3 Como os sinais de déficit calórico são convertidos em comportamentos de procura de alimento Sabemos que a habilidade de monitorar as necessidades calóricas e gerar sinais de fome é crítica para a sobrevivência O hipotálamo é um centro integrativo do cérebro recebendo informações hormonais e neurais do organismo e do ambiente Assim como um termostato mantém a temperatura o hipotálamo produz respostas fisiológicas e comportamentais para manter um meio interno constante para o funcionamento adequado do organismo Em particular o hipotálamo é crítico para responder a mudanças de longo prazo do peso corporal e balanço calórico através do aumento ou diminuição da ingestão de alimento Os neuropeptídeos hipotalâmicos 150 estão envolvidos na mediação desses efeitos Neuropeptídeos são proteínas pequenas codificadas por genes Diferente das grandes proteínas estruturais os neuropetídeos são pequenos o suficiente para servirem como mensageiros químicos entre os neurônios ou entre os depósitos de gordura do organismo e o cérebro O hormônio leptina recentemente descoberto Friedman 2000 é um exemplo de um neuropeptídeo que é secretado pelas células de gordura adipócitos na corrente sanguínea e sinaliza para o sistema nervoso central via hipotálamo que as reservas calóricas estão altas Durante jejum prolongado ou restrição crônica de alimento a gordura é utilizada pelo organismo as células de gordura cessam a secreção de leptina caindo conseqüentemente os níveis de leptina na corrente sanguínea O hipotálamo detecta essa queda interpreta o baixo nível de leptina como falta de calorias e gera a sensação de fome No hipotálamo medial a leptina ativa os neurônios anoréxicos liberadores de neuropeptídeos supressores de apetite e ao mesmo tempo inibe um outro grupo de neurônios os chamados anorexigênicos liberadores de neuropeptídeos que estimulam o apetite O efeito conjunto dessa rede envia sinais para o hipotálamo lateral que por sua vez suprime o apetite através do controle de diversos comportamentos Existem muitos outros neuropeptídeos usados como sinais químicos nos circuitos hipotalâmicos e cada um possivelmente tem um papel diferente no balanço calórico Comparandose por exemplo os neuropeptídeos Y NPY e o peptídeo Agoutigenerelated AGRP ambos parecem estar envolvidos na sinalização da fome mas com características temporais diferentes Ida et al 1999 Em ratos em jejum prolongado os níveis de ambos neuroptídeos estão aumentados entretanto o nível de NPY aumenta rapidamente e a injeção de NPY induz comportamento alimentar somente por alguns minutos AGRP por outro lado tem um aumento lento durante o jejum e uma queda também lenta após a realimentação uma única injeção de AGRP estimula uma superalimentação em ratos por muitos dias Vimos que a regulação do comportamento alimentar em mamíferos é alcançada através de complexa rede neural hipotalâmica que integra sinais centrais e periféricos de apetite e saciedade Similarmente evidências sugerem que a regulação de tomada de alimento em peixes é mediada por um circuito neural hipotalâmico que integra sinais orexigênicos e anoréxigenicos Lin et al 2000 Existem atualmente evidências de que o neuropetídeo Y NPY orexinas galaninas e betaendorfinas podem estimular a 151 tomada de alimentos em peixes Enquanto que serotonina bombesina colicistoquinina parecem estar envolvidos na saciedade Existem também indicações de que a insulina o hormônio de crescimento e o cortisol atuem como sinais periféricos que são integrados pelo centro hipotalâmico RAÍZES FILOGENÉTICAS o exemplo do comportamento defensivo As estruturas suprasegmentares e subcorticais envolvidas na organização dos diferentes comportamentos estão interconectadas e arranjadas hierarquicamente no sentido de que a supressão de uma delas impede a indução do comportamento a partir da estimulação das demais O exemplo mais conhecido é o da substância cinzenta periaquedutal denominada por isso via final comum do comportamento defensivo Sua destruição impede a indução de respostas defensivas por estimulação da amígdala ou do hipotálamo que também fazem parte das estruturas envolvidas na defesa Bandler e Depaulis 1991 O contrário não é verdadeiro Há evidências de que estas estruturas básicas dos comportamentos são filogeneticamente conservadas nos vertebrados A estimulação elétrica de regiões periaquedutais do mesencéfalo do sapo Bufo paracnemis induz respostas ligadas ao repertório defensivo da espécie Hoffmann et al 1993 Franchi Vasconcelos Hoffmann 1994 Estas respostas são acompanhadas de alterações autonômicas características para cada modalidade fuga esquiva recuo imobilidade mostrando que a organização central dos dois componentes é paralela tal como ocorre nos mamíferos Situações conflitantes para o animal tais como se alimentar ou evitar a predação envolvem hierarquias comportamentais e frente ao dilema comer ou fugir dependendo do estado motivacional do animal e de variáveis ambientais um comportamento é suprimido em relação ao outro Peixes por exemplo quando estimulados com substância de alarme e confrontados com o dilema de permanecer alertas ou se alimentar tendem a escolher a segunda categoria quando são submetidos ao jejum Animais saciados por outro lado exibem a típica resposta de alarme Giaquinto Volpato 2001 Os sistemas motivacionais competem entre si para acessar a atenção do animal e os mecanismos de respostas Assim a hierarquia de prioridades pode ser mudada também pelo sistema nervoso simpático e parassimpático Sob a calma dominância do sistema parassimpático a respiração tem prioridade sobre a regulação da temperatura 152 que por sua vez precede beber e depois se alimentar e em última instância copular Em situações de emergência o sistema simpático é ativado e o comportamento agressivo ou fuga vem em primeiro copular pode preceder a alimentação dependendo das reservas energéticas do animal que por sua vez precede beber O Nível de Organização Defensivo Este terceiro nível de organização dos comportamentos Fig 2 envolve estruturas prosencefálicas Fig1 filogeneticamente recentes que desenvolveram uma capacidade crescente de análise dos sinais de entrada a ponto de adquirir subjetividade TimoIaria 1977 Esta análise refinada ocorre nos córtices de associação e multimodal de onde a informação é transferida para o córtex de associação préfrontal associado com planejamento e seqüenciamento de comportamentos complexos e precisos adequados para a manipulação do mundo externo Nieuwenhuys 1996 Os córtices prémotor e motor e o tracto córticoespinhal piramidal são as instâncias executoras dos movimentos relacionados à cognição Estímulos ambientais podem acionar o nível cognitivo mas isto pode também acontecer por um processo interno Voluntariamente podemos efetuar um ato motor ou modular a emissão de reflexos e os comportamentos organizados em níveis subcorticais Como a natureza transforma eventos orgânicos objetivos codificados por informação neural em experiências psíquicas subjetivas como sentimentos pensamentos impulsos voluntários possivelmente nunca será entendido na visão de Hess Akert 1999 Apesar dos muitos avanços além de onde os cientistas ousavam crer na época de Hess ainda pouco se sabe como fenômenos mentais emergem da atividade de redes neuronais Ou inversamente como estes fenômenos interferem na função cerebral a ponto de alterar respostas motoras e neurovegetativas Para os cientistas e filósofos fisicalistas as capacidades da mente humana são capacidades de seu cérebro Em outras palavras a mente é passível de análise empírica e a estratégia para entendêla é a reducionista isto é as propriedades das redes neurais explicariam propriedades psicológicas Churchland 1998 Segundo Llinás Llinás Pare 1991 e Llinás et al 1998 os processos decorrentes da interconexão tálamocortical por ele estudados durante longos anos propiciam a base para a consciência e os processos cognitivos Seus trabalhos mostram que o tálamo não é apenas o portão de entrada para o cérebro mas que a intensa projeção corticotalâmica mais densa que o tálamocortical garante uma 153 atividade intrínseca responsável por eventos internos como pensamento e imaginação A interconexão tálamocortical fazse por dois sistemas distintos Um deles o sistema específico abrange os núcleos talâmicos aferentados por projeções de neurônios sensoriais de segunda ordem e que recebem informação sensorial segregada quanto à modalidade e altamente discriminativa quanto à intensidade do estímulo e a sua localização espacial que se projetam por meio de neurônios de terceira ordem para regiões corticais onde estas características são preservadas que retroalimentam o tálamo O outro o sistema inespecífico interconecta os núcleos talâmicos inespecíficos núcleos intralaminares que são aferentados por regiões do tronco cerebral onde se originam os sistemas envolvidos no controle dos estados gerais do organismo com amplas áreas corticais que também neste sistema retroalimentam as regiões talâmicas de origem Em comum os neurônios de projeção do tálamo pertencentes aos dois sistemas fazem sinapses com células piramidais do córtex e são controlados pela atividade de interneurônios inibitórios talâmicos cujos corpos celulares estão situados nos núcleos reticulares do tálamo As células piramidais dos dois sistemas são também controladas por interneurônios corticais inibitórios No entender de Llinás a conjunção da atividade recursiva das alças funcionais específica e inespecífica coerência temporal suporta a geração de processos cognitivos A lesão dos núcleos talâmicos do sistema específico resulta em perda da capacidade sensorial discriminativa Já a dos núcleos ligados ao sistema inespecífico causa distúrbios profundos da consciência letargia ou coma A consciência seria pois um estado funcional interno modulado mas não gerado pelos sentidos PROCESSOS COGNITIVOS E EVOLUÇÃO FILOGENÉTICA Vimos acima que na visão de Llinás e cols 1998 os estados funcionais que caracterizam a cognição humana são gerados por coerência temporal da atividade nos sistemas tálamocortical específico e não específico Em tese o estudo da evolução filogenética destes sistemas nos vertebrados permitiria apontar em que etapa surgiu a faculdade cognitiva O advento das técnicas de tracejamento neuronal permitiu verificar que o telencéfalo dos ectotermos não é dominado por aferências olfatórias secundárias como supunham os pesquisadores embora elas sejam abundantes mormente nas áreas sub paliais Em peixes actinopterígeos impulsos relacionados a diferentes modalidades 154 sensoriais podem alcançar a área dorsalis pallium do telencéfalo procedentes de três estações diencefálicas distintas Nieuwenhuys Meek 1990 Destas a que fornece o maior contingente de aferências para a região palial não é o tálamo dorsal como ocorre nos mamíferos mas o complexo préglomerular que é uma parte migrada do tubérculo posterior Nos amniotas o tubérculo posterior não tem a mesma importância funcional o que mostra a capacidade do cérebro dos vertebrados em desenvolver soluções distintas para problemas comuns Apenas podemos assegurar que o telencéfalo neste estágio precoce da evolução é alvo de projeções ascendentes de diversas modalidades sensoriais e que as mesmas determinaram a expansão das regiões paliais Há mesmo evidências funcionais de segregação espacial na representação de modalidades sensoriais no pallium de teleósteos Prechtl et al 1998 Corrêa Hoffmann 1999 Além disso a região dorsocentral do pallium principal fonte de eferências telencefálicas aferenta as regiões talâmicas e o complexo préglomerular Nieuwenhuys Meek 1990 constituindo assim alças recorrentes que lembram a situação descrita nos mamíferos mas cujo significado funcional não é sabido O COMPORTAMENTO E AS EMOÇÕES bases neurais Durante a primeira metade do século XX neurocientistas estavam imensamente interessados nos mecanismos cerebrais do comportamento emocional Alguns dos pioneiros em neurociências trabalharam nesta área incluindo Sherrington Cannon Papez e Hebb Respostas que ocorrem quando nos defendemos de um perigo durante a interação sexual ou briga com um inimigo promovem a sobrevivência individual e conseqüentemente da espécie Respostas emocionais são portanto importantes de serem investigadas O que aconteceu então com os estudos dos mecanismos cerebrais da emoção Por um lado a pesquisa em emoção tornouse vítima da revolução cognitiva A emergência da ciência cognitiva mudou o alvo de interesse da relação entre funções psicológicas e mecanismos neurais percepção e memória por exemplo Questões cognitivas também pareciam mais tratáveis do que as questões emocionais em parte dada a nuvem negra de subjetividade que parece pairar sobre o tópico emoção Ainda com o desenvolvimento do conceito de sistema límbico na década de 50 MacLean 1949 1952 o problema de como o cérebro processa a emoção parecia resolvido Após este hiato uma integração entre emoção e cognição parece ser a chave para estudos 155 futuros Nas experiências emocionais medo ira prazer que acompanham os comportamentos podemos distinguir dois componentes um deles subjetivo sentimento consciente e outro objetivo sensação física Este último traduzse por alterações neurovegetativas endócrinas e somatomotoras algumas das quais podem ser percebidas na forma de alteração das freqüências cardíaca e respiratória sudorese alteração do fluxo sanguíneo cutâneo palidez ou rubor alterações gastrointestinais tensão muscular sobretudo na região facial etc percepção esta que pode retroalimentar o processamento central das emoções O sentimento consciente é mediado por estruturas corticais sobretudo o córtex cingular e os lobos frontais e as alterações funcionais por estruturas subcorticais como amígdala hipotálamo e tronco cerebral A consciência é uma parte importante do estudo da emoção e de outros processos mentais Apesar de estarmos longe de entender o que é a consciência teóricos propuseram que está relacionada a memória operacional onde uma série de processos mentais organizados podem ser comparados e mentalmente manipulados Baddeley 1992 Nas reações de medo por exemplo a amígdala modula memórias formadas em outros sistemas tais como a memória declarativa formada nos circuitos hipocampais ou memórias explícitas formadas nos circuitos estriados Packard et al 1994 Acessadas estas informações de memória a amígdala se projeta para sistemas envolvidos na regulação cortical de estado de alerta e seus respectivos controles nas respostas corporais A INTERAÇÃO ENTRE OS TRÊS NÍVEIS DE ORGANIZAÇÃO Dentro de nosso esquema um mesmo sinal sensorial é analisado diferentemente nos três níveis induzindo desde respostas reflexas respostas comportamentais espécie específicas e respostas voluntárias Evidentemente que o grau de mobilização de cada nível é variável O componente voluntário pode ser suficientemente intenso a ponto de interferir com os componentes inato e reflexo Ele como também o inato pode alterar a expressão das respostas reflexas mostrando como afinal estas embora previsíveis podem ser modificadas O componente voluntário pode ainda interferir na escolha da melhor estratégia comportamental num determinado contexto selecionando os programas inatos A interferência suprasegmentar de respostas inatas ou conscientes fazse não apenas sobre reflexos motores como sobre reflexos autonômicos 156 homeostáticos Assim por exemplo numa situação de confronto agonístico se um estímulo nocivo é aplicado à pele de um dos membros o reflexo de retirada bem como o baroreflexo podem ser amenizados ou mesmo bloqueados favorecendo uma resposta de fuga Devemos lembrar aqui que a estimulação de receptores centrais pode induzir comportamentos Em condições de desidratação osmorreceptores do prosencéfalo basal são estimulados por aumentos na osmolalidade plasmática do que resulta a ativação de sistemas efetores que promovem antidiurese e natriurese Se estes mecanismos forem insuficientes para alcançar o balanço homeostático a sensação de sede desperta comportamentos motivados homeostáticos de busca e ingestão de líquido Também aqui o componente voluntário pode interferir em maior ou menor grau com o comportamento acionado O alto grau de desenvolvimento dos processos cognitivos nos humanos possibilitou um maior controle dos circuitos envolvidos em respostas inatas portanto uma flexibilização voluntária dos comportamentos escapando assim ao estrito determinismo biológico Se nos animais o contexto ambiental pode ser importante para a determinação da resposta nos homens em acréscimo a cultura produto do desenvolvimento cognitivo exerce um papel central Embora o termo cultura comporte vários sentidos e definições muitos pensadores a comparam ao cimento do tecido social àquilo que nos une a nossos semelhantes A maior ou menor agregação deste tecido pode favorecer comportamentos agressivos ou cooperativos Visto ser ela produto de capacidades cerebrais adquiridas recentemente na evolução filogenética vale lembrar a advertência de Nietsche A consciência é a última e mais tardia evolução da vida orgânica e conseqüentemente o que existe de menos rematado e mais frágil nela REFERÊNCIAS Akert K 1999 Walter Rudolf Hess and his contribution to neuroscience Journal of the History of the Neurosciences 8 24863 Baddeley A 1992 Working memory Science 255 5569 Bandler R Depaulis A 1991 Midbrain periaqueductal gray control of defensive behavior in the cat and the rat pp17598 In Depaulis A Bandler R eds The 157 Midbrain Periaqueductal Gray Matter New York e Londres Plenum Press Bandler R Carrive P Depaulis A 1991 Emerging principles of organization of the midbrain periaqueductal gray matter pp110 In Depaulis A Bandler R eds The Midbrain Periaqueductal Gray Matter New York e Londres Plenum Press Bernstein N 1967 The Coordination and Regulation of Movements Londres Pergamon Press Brown G 1914 The intrinsic factors in the act of progression in the mammal Proceedings of the Royal Society of London 84 30819 Cameron OG 2002 Visceral Sensory Neuroscience New York Oxford University Press Canguilhem G 1989 Études dHistoire et de Philosophie des Sciences Paris Librairie Philosophique J Vrin Churchland PS 1998 Can neurobiology teach us anything about consciousness pp 12740 In Block N Flanagan O Guzeldere G eds The Nature of Consciousness Boston The MIT Press FranchiVasconcelos C Hoffmann A 1994 Involvement of the cholinergic system and the basal midbrain in the organization of tonic immobility in the toad Bufo paracnemis Physiology and Behavior 55 8317 Friedman JM 2000 Leptin and the neural circuit regulating body weight American Journal of Medical Genetics 96 4534 Hess WR 1954 Diencephalon Autonomic and Extrapyramidal Functions New York Brune Stratton Hoffmann A 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1987 Ritmo biológico é a expressão utilizada para identificar oscilações regulares nos sistemas biológicos Essa definição ampla abrange tanto ritmos gerados endogenamente pelos chamados sistemas de temporização32 como ritmos provocados diretamente por flutuações regulares do ambiente As seqüências ou recorrências podem ser simples ou extremamente complexas e o intervalo entre elas ou período de um determinado ritmo pode variar de milésimos de segundos até vários anos Algumas vezes são aparentes pela simples tabulação dos dados distribuídos no tempo Em outras há a necessidade de utilização de métodos derivados da matemática tradicional principalmente a estatística inferencial que permite descrição quantitativa destes fenômenos repetitivos A organização temporal dos seres vivos se expressa de duas formas enquanto reação a estímulos ambientais e enquanto ritmicidade Esta segunda forma é a menos evidente mas provavelmente a mais importante A ritmicidade se expressa em todos os níveis de organização biológica células do córtex adrenal mantidas em cultura apresentam atividade metabólica cíclica órgãos e sistemas variam regularmente como é o caso da excreção urinária de sódio e potássio nos mamíferos organismos alteram periodicamente o seu comportamento mesmo o comportamento de populações pode ser melhor compreendido com a aceitação da existência de ciclos como se verifica por exemplo na migração de insetos aves e mamíferos Os ritmos biológicos dos organismos têm períodos distribuídos em uma grande gama de intervalos Esses intervalos podem ser de alguns ciclos por segundo como nas descargas elétricas do sistema nervoso ou o batimento do flagelo dos espermatozóides até ciclos com períodos mais longos de meses e até mesmo anos como o ciclo reprodutivo da cigarra americana de 13 ou 17 anos ou do bambu chinês com ciclo de aproximadamente 100 anos Alguns têm períodos próximos ao de certos ciclos 32 A expressão sistemas de temporização vem sendo usada como alternativa mais adequada para relógios biológicos por refletir mais adequadamente o estado atual do conhecimento que aponta para mecanismos envolvendo múltiplos osciladores ao invés de um único relógio 162 geofísicos Por exemplo os relacionados com a rotação da Terra em torno de seu eixo ou seja o ciclo dianoite de claroescuro ou com período de 24 horas Ou então o da revolução da Terra em torno do Sol criando os chamados ciclos sazonais ou das estações do ano com período em torno de 365 dias Ambos são importantes para a adaptação dos organismos ao seu ambiente e envolvem necessariamente algum tipo de detecção fotossensível Os ciclos mais intensamente estudados têm sido aqueles que apresentam períodos em torno de 24 horas os chamados ritmos circadianos Halberg 1983 1987 O termo circadiano referese a um período médio de precisamente 24h ou de qualquer outra duração entre 20 e 28 horas É possível demonstrar ritmos circadianos em praticamente qualquer função biológica dos organismos vivos do nível molecular ao comportamental Ao lado desses é possível demonstrar também outros ciclos biológicos com períodos menores do que o circadiano os chamados ritmos ultradianos Apresentam sempre períodos menores do que 20h em geral sem correspondência com qualquer periodicidade externa conhecida Registros de níveis hormonais componentes do sangue e do sistema imunológico registros diversos de atividade neuronal entre outros mostram esta classe de ritmos distribuídos pelas funções bioquímicas fisiológicas e comportamentais Além dessas duas categorias de ritmos os circadianos e os ultradianos há uma outra que apresenta períodos maiores do que 28 horas os chamados ritmos infradianos Dentre esses há certas freqüências que têm maior proeminência do que outras como por exemplo o ritmo circaseptano período de 7 dias circamensal período de 30 dias e o circanual período de 365 dias De forma interessante alguns ritmos que são aqui classificados apresentam períodos correlacionados com eventos geofísicos externos enquanto que outros não Marques 1987 A Cronobiologia é a disciplina que se ocupa do estudo da estrutura temporal dos seres vivos incluindo aí os mecanismos e as propriedades das alterações fisiológicas e comportamentais recorrentes os chamados ritmos biológicos Halberg 1969 Marques MennaBarreto 2003 A cronobiologia é essencialmente nova enquanto disciplina científica formalizada o que de certa maneira contrasta com a antigüidade das primeiras descrições fundamentalmente fenomenológicas dos ritmos biológicos Rotenberg et al 2003 Os ritmos biológicos ocorrem em todas as formas de vida em diferentes níveis de organização e nos mais diversificados sistemas fisiológicos São observados no nível 163 molecular e celular em organelas e células no nível morfológico e fisiológico em órgãos e sistemas e no nível comportamental em níveis superiores de integração de órgãos e sistemas em indivíduos e sociedades em seus diferentes graus de organização São descritos e estudados nos processos bioquímicos e fisiológicos fundamentais por exemplo níveis de ácidos nucléicos proteínas enzimas e hormônios em características morfológicas e estruturais como o padrão de interação entre organelas subcelulares e mesmo entre diferentes células e em certos padrões comportamentais como o comer o beber a interação social a reprodução entre muitos outros A ocorrência rítmica de eventos apesar das demonstrações exaustivas promovidas pelos estudos cronobiológicos ao longo das últimas décadas ainda tem sido negligenciada e até mesmo menosprezada algumas vezes A organização temporal no entanto ao lado da organização espacial está na base da própria origem organização e evolução dos seres vivos Exige portanto de forma conseqüente que o planejamento experimental a coleta de dados e a sua análise sejam adequados à organização dinâmica dos seres vivos na qual a variabilidade que é natural aos sistemas vivos seja privilegiada em detrimento da constância pois somente a primeira refletirá o dinamismo da organização e das propriedades do material biológico É também importante destacar que muitos ritmos biológicos são adaptativos para a espécie e ajustáveis para os indivíduos Servem nitidamente para ajustar o organismo a alterações previsíveis de seu ambiente como pode ser exemplificado por fenômenos rítmicos como hibernação diapausa migração exploração alimentação etc É claro que os organismos com os vários tipos de ajustes possíveis graças à existência dos ritmos biológicos conseguem se preparar ou já estão antecipadamente preparados para os desafios oriundos das alterações cíclicas de seu ambiente PRINCÍPIOS GERAIS DA ORGANIZAÇÃO TEMPORAL BIOLÓGICA Em cada um dos elementos discutidos acima população indivíduo órgão tecido ou célula há algumas características básicas Além disso os ritmos biológicos fornecem evidências da existência de osciladores biológicos endógenos Existem alguns parâmetros que são usados de maneira corrente para descrever fenômenos oscilatórios físicos ou biológicos A freqüência o número de oscilações 164 por unidade de tempo é o inverso do período O período é a medida do intervalo médio entre repetições consecutivas Vimos também que há faixas de períodos mais importantes ou dominantes em relação a outras É importante destacar que a classificação apresentada ritmos ultradianos mais rápidos circadianos e infradianos mais lentos se refere à freqüência e não ao período o que historicamente é uma herança do estudo de fenômenos oscilatórios que veio diretamente da Física A amplitude é a extensão de uma oscilação enquanto que a fase é uma determinada fração de um ciclo ou um determinado ponto do ritmo Particularmente nesse caso a fase do ritmo em que a amplitude da oscilação é máxima é chamada de acrofase enquanto que a fase do ritmo onde a oscilação é mínima é chamada de batifase É importante chamar a atenção para o fato de que a acrofase ou a batifase ou qualquer uma das infinitas fases são medidas de localização temporal que podem ser expressas em unidades de tempo ou graus radianos se imaginarmos a oscilação como um círculo fechado em si mesmo O último parâmetro descritivo de um fenômeno oscilatório ou de um ritmo biológico é a média que em geral é um valor médio ajustado estatisticamente No caso de um método específico de ajuste de curvas cossenos aos valores experimentais ele é chamado de COSINOR BeneditoSilva 2003 sendo que nesse caso o termo utilizado é MESOR que é um acrônimo derivado de Midline Estimating Statistic Of Rhythm Caráter Endógeno Em 1729 o astrônomo francês Jean Jacques De Mairan utilizando uma espécie de Mimosa uma planta sensitiva heliotrópica descreve à Academia de Ciências da França em Paris os resultados de experimentos em que movimentos periódicos das folhas dessa planta ocorriam mesmo quando mantidas isoladas de ciclos ambientais de claroescuro Rotenberg et al 2003 Mesmo nessas condições as plantas continuaram a movimentar suas folhas de forma regular e periódica Essa observação foi seguida por outra comunicação à mesma Academia alguns anos depois em 1759 desta vez realizada por Du Fay onde o pesquisador afirmava explicitamente que a planta sensitiva sente o sol mesmo sem vêlo Rotenberg et al 2003 O relato de De Mairan representa a primeira observação formal da persistência de ritmos diários em condições que hoje chamamos de livrecurso ou seja na ausência de flutuações dos fatores do ambiente Aquela descrição feita à Academia de Ciências 165 da França é considerada hoje como o marco inicial dos trabalhos experimentais envolvendo ritmos biológicos É também uma das primeiras sugestões do possível caráter endógeno da ritmicidade biológica pois a planta mesmo mantida em condição de escuro constante ainda assim apresentava alternância cíclica dos movimentos foliares A afirmação de Du Fay 30 anos depois complementada por outros pesquisadores na mesma época confirmava e fortalecia a idéia da expressão endógena da ritmicidade biológica em condições de constância ambiental condição esta chamada de ritmo em livrecurso Rotenberg et al 2003 A persistência da ritmicidade em livre curso é uma das evidências mais fortes da natureza endógena dos osciladores biológicos os sistemas de temporização A possível natureza hereditária de mecanismos medidores eou geradores de tempo que estariam na base desses movimentos periódicos foram postulados por diversos outros pesquisadores nas décadas finais do século XIX entre os anos 1875 e 1894 Outros relatos agora já mais próximos a nós todos em torno da década de 30 do século XX apresentavam dados adicionais sugerindo o caráter endógeno e genético da ritmicidade biológica Esse caráter no entanto somente foi demonstrado de forma insofismável com os experimentos de genética clássica realizados por um botânico alemão Erwin Bünning em 1935 O cruzamento entre plantas de feijão que apresentavam períodos diferentes para os movimentos foliares gerou descendentes com períodos intermediários que eram a combinação dos períodos parentais Ou seja essa característica era geneticamente determinada A dissecção genética dos mecanismos de temporização principalmente em relação à freqüência circadiana foi retomada a partir dos anos 70 do século XX inicialmente pelas técnicas de análise de freqüência de mutação gênica em algas fungos insetos e mamíferos A demonstração cada vez mais generalizada da existência de ritmicidade endógena até mesmo em organismos unicelulares menos organizados como as algas azuis cianofíceas expandiu de tal forma esse conhecimento que hoje em dia podemos dizer que a ritmicidade biológica endogenamente gerada e geneticamente determinada é uma característica presente em todas as formas de organismos vivos e que deve ter surgido muito precocemente na escala filogenética Lopes et al 2003 Marques 2003b Marques et al 2003 MennaBarreto 2003 Rotenberg et al 2003 Val 2003 O Papel do Ambiente mecanismos arrastamento e seus limites 166 O final dos anos 20 do século passado também foi rico em outros experimentos que trouxeram contribuições importantes para a compreensão da regulação da expressão dos ritmos endógenos pela alternância claro e escuro Experimentos realizados pela botânica Antonia Kleinhoonte mostraram que pulsos de luz durante a fase de escuro podiam ter efeitos diferentes sobre o ritmo de movimentação foliar em função do momento em que esses pulsos eram apresentados Ou seja ocorria um aumento ou uma diminuição do período do ritmo como se o dia tivesse chegado mais cedo ou mais tarde dependendo dessas condições iniciais do horário do pulso de luz Rotenberg et al 2003 O mesmo tipo de trabalho foi retomado na década de 50 desta vez em experimentos realizados com animais Webb et al 1953 Pittendrigh 1954 Rawson 1956 citado em Schwassmann 1971 Esses experimentos permitiram que Rawson como discutido por Schwassmann 1971 propusesse uma hipótese explicativa segundo a qual a diferença de responsividade à luz que dependia do momento em que ela atuava seria a base para o que chamamos hoje de arrastamento dos ritmos circadianos pelo ciclo claroescuro outra propriedade fundamental dos ritmos biológicos Marques et al 2003 O estudo do papel de pulsos de luz incidindo nas diferentes fases de um ritmo biológico permitiu a construção de curvas de respostas dependentes de fase CRF ou PRC do inglês Phase Response Curve para os ritmos de eclosão do pupário em uma espécie de drosófila Pittendrigh Bruce 1957 e para o ritmo de atividaderepouso do esquilovoador De Coursey 1960 O ajuste temporal envolve diversas etapas todas mediadas pelos sistemas de temporização A origem endógena dos ritmos biológicos proporciona às espécies uma capacidade antecipatória importante para a organização dos recursos e das atividades antes que elas sejam necessárias Pittendrigh 1960 Através desses processos as transições entre estados fisiológicos e comportamentais como do repouso à atividade ou do sono à vigília ou do jejum à alimentação são preparadas progressivamente antes mesmo que o indivíduo acorde ou se alimente A preparação para a vigília em humanos e outros animais por exemplo implica na liberação de hormônios como o cortisol ou a corticosterona e na elevação da temperatura corporal na etapa final do repouso ou do sono Czeisler et al 1980 Além desse caráter antecipatório o ajuste temporal consiste também na harmonização das fases dos ritmos da espécie em questão com aquelas dos ciclos ambientais Isso implica que os estados dos ritmos fisiológicos e comportamentais 167 estejam associados às fases mais propícias do ciclo ambiental para a sobrevivência da espécie Esse ajuste de fases é alcançado por meio da sincronização onde o ritmo em livrecurso gerado endogenamente pelo oscilador interno tem a sua fase e a sua freqüência ajustadas pelos fatores cíclicos do ambiente Pittendrigh 1981 Quando a sincronização é obtida pela atuação de um oscilador ciclo ambiental mais comumente sobre outro sistema de temporização orgânico o processo é denominado arrastamento já quando a sincronização resulta da ação direta de um oscilador ambiental ou não sobre um sistema biológico o processo é denominado mascaramento A importância de um ciclo sincronizador depende das características da espécie sendo que os ritmos de uma mesma espécie podem ser sincronizados por sincronizadores diferentes organizados na maioria das vezes segundo uma hierarquia A própria sensibilidade diferencial em cada momento do ritmo biológico permite a construção de curvas de resposta de fase demonstrando mais uma vez a importância adaptativa da ritmicidade biológica Daan Pittendrigh 1976 Winfree 1980 As curvas de resposta de fase em seus termos atuais Johnson 1990 resgataram o conceito de fotoperiodismo formulado nos anos 20 do século passado nos trabalhos realizados com plantas por Allard 1920 e com animais por Marcovitch 1924 e Rowan 1926 como comentado por Bünning 1960 Esses resultados e os conceitos deles derivados mostram que fatores ambientais tais como luz ou temperatura têm efeitos importantes sobre a expressão dos ritmos endógenos Esses efeitos promovem ajustes os chamados arrastamentos por meio de mecanismos biológicos específicos e dentro de limites bem definidos para cada espécie É importante considerar também a possibilidade de atuação concomitante de processos de arrastamento mediados por sistemas de temporização e processos de mascaramento efeitos diretos de estímulos ambientais Sabese hoje que há um determinado intervalo dentro do qual o período da oscilação endógena pode ser ajustado sincronizado pelos ciclos ambientais exteriores As oscilações externas que são sincronizadoras dos ciclos endógenos foram chamadas de zeitgeber por Aschoff 1951 1954 sincronizadores por Halberg 1960 1967 e agentes arrastadores por Pittendrigh 1960 três dos principais pesquisadores na área da cronobiologia Se o período dos agentes externos estiver fora dos limites de sensibilidade do organismo o ritmo endógeno não será acoplado à periodicidade dos ciclos externos e o organismo entrará na condição de livrecurso apresentando então 168 um período endógeno que é diferente daquele observado em condições naturais de sincronização ambiental Marques et al 2003 O Conceito de Sistema de Temporização propriedades e compensação à temperatura A formalização do conceito de sistema de temporização foi uma somatória de informações ao longo do tempo A mudança do ritmo de pigmentação em crustáceos observada por Welsh 1930 e de ritmos de atividade em diversos outros organismos Bremer 1926 Kalmus 1934 Park Keller 1932 Brown Webb 1948 mostraram que deveria haver mecanismos temporizadores e interações destes com os sincronizadores ambientais Ao longo dos anos a manipulação das condições ambientais em laboratório tem permitido caracterizar algumas propriedades dos sistemas de temporização O conceito atual de relógio ou de sistema de temporização que é um sistema de temporização autosustentado continuamente oscilante fundamentase na demonstração de estruturas anatomicamente definidas Andrade et al 2003 Golombek AguillarRoblero 2003 Marques 2003a Marques et al 2003 Uma das mais importantes propriedades mencionada anteriormente é a sensibilidade dos sistemas de temporização às mudanças eou alterações de fatores ambientais que tenham papel de arrastadores Essa característica pode ser aferida pela curva de resposta dependente de fase CRF Johnson 1990 Outra propriedade importante é a relativa independência dos ritmos biológicos sempre dentro de certos limites frente a oscilações de temperatura Bünning 1958 Inicialmente se pensava que em sendo os ritmos biológicos baseados em processos que incluem reações químicas eles fossem sensíveis às variações de temperatura tanto quanto aqueles No entanto ritmos endógenos mostram apenas mudanças sutis quando submetidos a variações de temperatura desde que as mudanças estejam dentro da faixa de permissividade da espécie em questão As evidências experimentais relacionadas a este item compensação do período à temperatura foram resumidas por Sweeney e Hastings 1960 e Wilkins 1965 ainda na década de 60 do século passado A informação mais aceita hoje no entanto é a de que o período endógeno é fracamente dependente da temperatura Marques et al 2003 Outra característica interessante é a de que os ritmos ultradianos também mostram compensação à temperatura como o 169 ritmo de canção de corte estudado em diversas espécies de Drosophila Kyriacou Hall 1980 ou os ritmos de respiração e do conteúdo protéico em Acanthamoeba castellanii Lloyd et al 1982a ou no ritmo de atividade da enzima tirosina transaminase da alga Tetrahymena thermophila Michel Hardeland 1985 O mecanismo que permite a compensação à temperatura ainda não é totalmente compreendido Hastings et al 1991 No entanto a sua importância é evidente pois graças a esta característica é que os organismos podem se manter sincronizados com o seu ambiente independente da variação circadiana e circanual da temperatura Outra característica dos sistemas de temporização é a associação das alterações do período em livrecurso com alterações da intensidade luminosa do ambiente Isso foi observado em 1939 por Johnson nos seus estudos com ratos Esses animais mantidos sob iluminação constante aumentavam o período em livrecurso toda vez que se aumentava a intensidade luminosa Hoje após os trabalhos extensivos de Jürgen Aschoff 1952 1958 1959 sabemos que a duração do período em condições constantes aumenta com a elevação dos níveis de iluminação em animais ativos durante a noite ou seja naqueles com hábitos noturnos e diminui naqueles com hábitos diurnos que são ativos durante o dia O próprio Aschoff em 1990 rediscute esses dados chamando a atenção para algumas exceções importantes a esta regra como o ritmo de locomoção em baratas descrito por Hoffmann em 1965 Um aspecto importante dos sistemas de temporização circadianos é sua relação com fenômenos fotoperiódicos Araújo Marques 2003 Golombek Aguilar Roblero 2003 Marques et al 2003 Desde os anos 20 do século passado após os trabalhos pioneiros de Rowan 1926 citado em Bünning 1960 com animais e os de Marcovitch 1924 citado em Bünning 1960 com plantas sabese que há controle fotoperiódico sobre ciclos anuais A relação entre ritmos circadianos e circanuais foi explicitada pelos trabalhos de Erwin Bünning ainda em 1936 como discutido em Bünning 1960 Esse autor postulou que haveria uma base fisiológica da indução fotoperiódica no próprio ritmo diário de origem endógena Controles fotoperiódicos de ciclos anuais têm sido demonstrados à exaustão em processos de floração reprodução diapausa e ciclos migratórios de plantas e animais Farner 1985 Gwinner 1986 Golombek Aguilar Roblero 2003 Markus et al 2003 O mecanismo de arrastamento fundamentase na possibilidade de deslocamentos de fase do ritmo biológico causado pelo ciclo ambiental principalmente a alternância do claro e do escuro ou seja do dia e da noite Mesmo um único pulso de luz em condições 170 experimentais é capaz de provocar um deslocamento de fase Para determinados animais o efeito também é obtido com pulsos de temperatura Dependendo da fase do ritmo na qual é aplicado um pulso de luz ou temperatura irá provocar atrasos adiantamentos ou mesmo não ter efeito sobre o ritmo endógeno É importante destacar também que mais recentemente sabese que diversos outros ciclos físicos como os de pressão atmosférica campos eletrostáticos e eletromagnéticos podem atuar como zeitgebers mesmo que ainda não se tenha idéia dos possíveis mecanismos envolvidos Hastings et al 1991 por exemplo mostraram que alguns roedores são sensíveis a esses ciclos O ciclo diário de temperatura é um zeitgeber importante para plantas como determinado por Sweeney e Hastings 1960 São importantes também para insetos Saunders 1982 e vertebrados exotérmicos ou ectotérmicos Graham Hutchison 1979 Pulsos de temperatura são capazes de arrastar um ritmo em livrecurso ou então provocar o deslocamento de fase de um ritmo já arrastado É possível construir curvas de resposta de fase usandose pulsos de temperaturas altas e baixas Como no caso dos fenômenos fotoperiódicos o tamanho do deslocamento e o adiantamento ou atraso de fase vai depender da fase em que ocorre a administração do pulso de temperatura Roberts 1965 Zimmermann et al 1968 Chandrashekaran 1974 Em artigo recente Herzog e Huckfeldt 2003 mostram que ciclos de temperatura ambiental da ordem de 15o C são capazes de arrastar ritmos em culturas de neurônios identificados como parte do sistema de temporização circadiana núcleos supraquiasmáticos Essas culturas são também capazes de manter ciclos regulares quando mantidas sob temperaturas constantes que variavam entre 24 a 37o C Esses autores sugerem que o ciclo de temperatura central leiase temperatura do sangue arterial que atinge o Sistema Nervoso Central é capaz de agir sobre os neurônios dos núcleos supraquiasmáticos constituindose assim em uma alça de retroalimentação ajudando a regular o sistema temporizador No organismo íntegro as oscilações da temperatura ambiente são compensadas mas as oscilações da temperatura central dos próprios organismos podem funcionar como sinais temporais Evidentemente a importância relativa de cada um dos ciclos depende da espécie em consideração Por exemplo no caso da moscadafruta Dacus tryoni durante o estágio pupal apenas o ciclo de temperatura é importante Bateman 1955 Por outro lado a interação entre o ciclo claroescuro e o ciclo de temperatura é que determina o ritmo de atividade em Leucophaea maderae na qual ambos os ciclos arrastam 171 eficientemente o ritmo de atividade dessa espécie Roberts 1965 Como esses animais são mais ativos na fase escura e na fase mais quente do ciclo de temperatura explicase facilmente porque as baratas são mais vistas em atividade nas noites quentes se comparadas com as noites frias Para os endotérmicos a temperatura ambiente é em geral um zeitgeber fraco Sulzman et al 1977 Aschoff Tokura 1986 Francis Coleman 1988 Em hamsters no entanto a fase do ritmo de atividade que é arrastada pelo ciclo claroescuro é alterada também por ciclos de temperatura Tokura Oichi 1985 O conhecimento sobre o papel temporizador da oferta de alimento é bastante antigo Saunders na segunda edição de seu livro em 1982 cita os trabalhos pioneiros de von ButtelReepen em 1900 e o de Forel em 1910 que mostraram a existência de um sentido ou memória temporal nas abelhas É essa propriedade que permite às abelhas procurarem alimento diariamente em horários determinados e adequados Em condições de laboratório e sob condições de claro constante Frisch e Aschoff 1987 mostraram que o padrão de atividade da colônia de abelhas pode ser sincronizado de acordo com as características básicas dos ritmos circadianos A influência da disponibilidade de alimentos é percebida também em outros animais como os roedores e mamíferos Hastings et al 1991 Ratos por exemplo são muito sensíveis à manipulação dos ciclos de oferta de alimentos sendo capazes de antecipar a fase e a intensidade da atividade locomotora além da alteração da temperatura corporal entre outras alterações fisiológicas Boulos Terman 1980 Atualmente podemos dizer que os ciclos de alimentação têm alguma influência sobre o oscilador circadiano agindo na maior parte das vezes como um zeitgeber fraco Boulos et al 1980 Mistleberger 1994 Também os fatores sociais são capazes de afetar os ritmos biológicos quando em livrecurso tanto nas condições de claro quanto de escuro constantes Há evidências mostrando que a interação social em várias espécies é capaz de arrastar os ritmos de atividade Regal Connolly 1980 Por exemplo em ratos Halberg et al 1954 camundongos Crowley Bovet 1980 cobaias Büttner 1992 morcegos Marimuthu et al 1978 aves Menaker Eskin 1966 peixes Kavaliers 1980 e os humanos VernikosDaniellis Winget 1979 Wever 1979 A sincronização de períodos e a manutenção de fases estáveis entre si são observadas na relação existente entre as mães e seus filhotes em diversas espécies de mamíferos Durante a fase de gestação o feto em desenvolvimento recebe as 172 informações temporais diretamente da mãe através da circulação placentária Reppert Schwartz 1986 Com o nascimento os filhotes passam a ser sincronizados pelo ciclo de presença e ausência da mãe Andrade et al 2003 que nessa fase é um sincronizador muito mais potente do que o ciclo de claro e escuro ambiental Viswanathan Chandrashekaran 1985 Os processos de sincronização nãofótica evidentes nesses casos também são importantes na fase adulta dos animais Isso foi evidenciado de forma irrefutável pelos trabalhos de N Mrosovsky iniciados em 1988 Mrosovsky 1988 Esse e os trabalhos seguintes Mrosovsky et al 1989 Mrosovsky Salmon 1990 mostraram que em ratos de laboratório uma simples mudança de gaiola tem efeito importante sobre o sistema circadiano desses animais Sabemos hoje que a apresentação de novos estímulos estar em outra gaiola ou a própria manipulação dos animais na mudança de gaiola são os fatores geradores desses efeitos Os ritmos em livrecurso podem ser sincronizados a períodos definidos e precisos pela apresentação diária de pulsos de interação social apresentação de uma roda de atividade ou mesmo o bloqueio da atividade por meios mecânicos Mrosovsky 1995 As conseqüências desses fenômenos de sincronização e de deslocamentos de fase por variáveis nãofóticas são variadas e importantes para uma inserção adequada do animal em seu ambiente Aparentemente o sistema de temporização é sensível eou suscetível a processos de retroalimentação através do ciclo de atividade do animal ou seja a própria atividade locomotora estaria também modulando o ciclo de atividaderepouso dos animais Os trabalhos de Mrosovsky levam para essa linha de pensamento Face a esses dados foi possível retomar uma questão controversa formulada na década de 70 do século passado por Aschoff e Wever 1976 na qual os dois autores afirmavam que na espécie humana a interação social teria papel importante para a sincronização dos indivíduos Desde aquela época não se conseguia avançar muito em relação aos possíveis mecanismos envolvidos nesses processos Hoje em dia em razão dos resultados obtidos com experimentos com o uso de drogas por exemplo benzodiazepínicos Turek van Reeth 1988 Hastings et al 1991 que sabidamente interferem com a atividade locomotora se retomou a questão da interação entre drogas e atividade e os seus papéis diferenciais para os processos de sincronização e arrastamento Ralph Mrosovsky 1992 As Diferentes Freqüências o ambiente interior e o ambiente exterior 173 Desde o século XIX tem havido uma descrição generalizada da existência de ritmos biológicos nos mais diversos organismos tanto em plantas quanto em animais Essa demonstração foi extremamente importante em termos históricos para comprovar a existência real dos ritmos biológicos incluindo o seu caráter endógeno Hoje em dia tem se sobreposto a esses dados demonstrativos a visão dos ritmos biológicos como uma expressão conjunta e coordenada de fatores endógenos e exógenos resgatando de certa forma a importância do papel do ambiente na expressão da ritmicidade biológica Há uma tendência crescente na literatura mais atual em se considerar como igualmente importante a influência direta de fatores externos sobre o sistema de temporização assim como sobre a própria expressão dos ritmos como resultado dessas influências Waterhouse Minors 1988 Minors Waterhouse 1989 Marques et al 2003 Nessa visão mais moderna os ritmos biológicos refletem a contribuição em maior ou menor grau de componentes endógenos de alterações naturais sobre os sistemas de temporização da expressão direta sobre a expressão dos ritmos mascaramento e da própria interação entre os diferentes ritmos dentro do organismo Minors Waterhouse 1987 Marques et al 2003 Essa visão integrada de fatores internos e externos corresponde à observação de que as diversas funções em um determinado organismo não só se sincronizam ao ambiente externo mas também se relacionam temporalmente umas às outras Haveria então uma relação de fases estável entre diferentes ritmos caracterizando o que se chama de ordem temporal interna Marques et al 2003 Rotenberg et al 2003 requerendo para a sua consecução o acoplamento de ritmos endógenos Tal organização representativa de uma condição de saúde no seu sentido mais amplo pode ser rompida em determinadas condições ambientais Nesses casos há prejuízos irreversíveis que levam a alterações de crescimento e longevidade de diferentes espécies como demonstrado pelos trabalhos de Pittendrigh e Minis 1972 Saunders 1976 1982 Andrade et al 2003 e Moreno et al 2003 onde havia alteração freqüente dos sincronizadores externos A compreensão da ritmicidade biológica não passa portanto apenas pela avaliação de ritmos isoladamente mas envolve a interação de freqüências algumas com correlatos geofísicos e outras não Halberg et al 1979 Araújo Marques 1997 2003 É sabido que a endogenicidade dos ritmos biológicos proporciona à espécie uma capacidade antecipatória em relação a eventos que ainda irão ocorrer Essa característica permite ao organismo a organização prévia de recursos e de atividades 174 antes mesmo que sejam necessários Pittendrigh 1960 Isso significa que a expressão de um determinado ritmo biológico pode ser fundamental para antecipar uma mudança no ambiente antecipando uma fase mais propícia do ciclo ambiental para a sobrevivência da espécie Por outro lado a expressão de um ritmo biológico pode ser fundamental para garantir uma determinada função ou antecipar uma mudança no próprio meio interno como por exemplo a secreção de um determinado hormônio Os ritmos com correlatos com ciclos geofísicos estariam relacionados funcionalmente com a adaptação a alterações recorrentes portanto previsíveis no ambiente em que o organismo vive Por outro lado os ritmos sem correlatos com ciclos geofísicos estariam relacionados com antecipação de mudanças no próprio meio interno dos organismos Araújo Marques 2003 Dentre os ritmos com correlato com ciclos geofísicos o principal deles é o de freqüência circadiana O correlato geofísico sincronizador é a alternância recorrente do dia e da noite constituindo um ciclo claro e escuro alternância essa que serve como um desafio ambiental recorrente Animais de hábitos noturnos como os roedores de maneira geral ratos e camundongos de maneira específica têm um ritmo circadiano de atividade e repouso no qual a atividade concentrase mais durante a fase de escuro enquanto o repouso fica alocado mais à fase de claro do ciclo claroescuro ciclo dia noite Esse ritmo é gerado endogenamente como já sabemos Isso pode ser demonstrado de maneira relativamente fácil transferindo animais de laboratório para condições de ausência de pistas temporais ambientais Nessa condição observase a persistência da ritmicidade circadiana cuja expressão é chamada de livrecurso na qual o ritmo continua a se manifestar mesmo que apresentando algumas alterações no seu período A expressão da ritmicidade em condições de livrecurso implica na existência de um oscilador endógeno que continua gerando o ritmo circadiano de atividaderepouso independente das informações temporais provenientes do ambiente Quando na presença de informações temporais fornecidas pelo ambiente o ritmo de atividaderepouso é ajustado de acordo com o padrão temporal do ambiente Ou seja além do período agora imposto pelo zeitgeber ou sincronizador externo para o qual o animal ajusta o seu ritmo para o mesmo período do ciclo claroescuro há também uma relação de fase precisa na qual a atividade é realizada no escuro noite e o repouso no claro dia Esse é o chamado mecanismo de arrastamento ou sincronização como já discutido vide também Marques 2003 175 Hoje em dia há evidências experimentais mostrando que o sistema de temporização circadiana é um conjunto complexo de osciladores havendo ritmos gerados por um dos principais osciladores circadianos os núcleos supraquiasmáticos NSQ do hipotálamo e outros gerados de forma independente do NSQ É possível dissociar por exemplo ritmos circadianos da temperatura central e do ciclo atividaderepouso DiezNoguera Diambra 2003 É possível caracterizar também em alguns animais por ex ratos um sistema gerador de ritmicidade circadiana sensível a ciclos de alimentação eou sensíveis a determinadas drogas como a metanfetamina Stephan et al 1979 Kosobud et al 1998 Essa complexidade organizativa pode ser aumentada mais ainda se lembrarmos que já foi demonstrado que mesmo tecidos periféricos possuem a capacidade de gerar ritmos circadianos Por exemplo a retina de hamster mantida em cultura in vitro secreta melatonina com um padrão circadiano como descrito por Tosini e Menaker 1996 e mais recentemente por Balsalobre et al 2000 com outros tecidos Frente a todas essas informações o sistema de temporização circadiana é visto atualmente como um sistema multioscilatório envolvendo diversos elementos incluindo os próprios NSQ também eles considerados como uma estrutura multioscilatória Os mecanismos neurais envolvidos no processo de geração e sincronização dos ritmos circadianos são bem conhecidos pelo menos para o principal gerador que são os NSQ No caso dos outros osciladores praticamente nada se sabe nem sobre o processo de geração e nem sobre os processos de sincronização embora mais recentemente tenha sido sugerida a presença de relógios no fígado Stokkan et al 2001 Em face de todas essas informações é razoável supor que a compreensão da ritmicidade biológica como um todo deva contar não só com a contribuição dos ritmos circadianos mas também com a participação de ritmos com outras freqüências com e sem correlatos geofísicos como já vimos anteriormente A apreensão dessa idéia permitirá entender melhor todos os processos biológicos particularmente aqueles que envolvem desenvolvimento crescimento amadurecimento e envelhecimento dos organismos como discutido por Halberg et al 1972 1979 e mais recentemente por Araújo 1995 e Araújo e Marques 1997 2003 A Intermodulação de Freqüências como Princípio Organizativo 176 Podese pensar em um sistema mais complexo que englobe as diversas freqüências que temos discutido aqui A resposta é afirmativa havendo hoje em dia diversas evidências experimentais Araújo Marques 1997 2003 A compreensão da ritmicidade biológica não passa apenas pelos ritmos circadianos mas também pelos ritmos com outras freqüências tanto aquelas com correlatos com os ciclos geofísicos quanto as que não apresentam esta propriedade De uma certa maneira com esta abordagem é possível compreender melhor todos os processos naturais dos próprios ciclos biológicos como os processos de desenvolvimento de crescimento de amadurecimento de envelhecimento e também os aspectos filogenéticos Halberg et al 1972 Araújo Marques 1997 2003 A integração de fenômenos em diferentes níveis de organização dentro dos organismos e em torno deles o meio ambiente ocorre certamente no tempo e no espaço MennaBarreto Marques 2003 Os ritmos das diversas atividades e sistemas fisiológicos por exemplo estão numa variedade enorme de tempos de frações de segundos a horas Esses ritmos podem ser modulados pela expressão de outros ritmos Além disso vários desses ritmos de diferentes sistemas e funções fisiológicas e comportamentais se relacionam mutuamente por meio de processos de integração com ritmos de outros períodos por exemplo com os ritmos infradianos de 45 dias ou de aproximadamente 30 dias como dos ciclos estrais de ratos ou da menstruação da mulher e de alguns outros primatas Nos diversos ciclos reprodutivos dos diferentes animais e plantas vemos que a escala de tempo das interrelações de freqüências tornase mais e mais ampla e complexa A resolução dessas interações múltiplas e variadas é um desafio para a elaboração de uma visão integrada do fenômeno biológico Halberg 1981 Cornélissen et al 1982 Araújo 1995 Araújo Marques 1997 2003 Intermodulação entre Ritmos Ultradianos e Circadianos O possível significado biológico dos ritmos ultradianos pode ser explicado por dois modelos No primeiro o chamado modelo adaptativo as oscilações ultradianas podem ser consideradas como transições necessárias com a ocorrência de cada fase distinta sendo indispensável para uma eficiência máxima de todos os sistemas existentes nos organismos No segundo as oscilações são meramente reflexos dos limites imprecisos de um controle homeostático que ocorre através de mecanismos de 177 manutenção dos parâmetros biológicos em um nível constante Araújo Marques 1997 2003 No entanto a regularidade e a periodicidade consistente dos padrões ultradianos são fortalecedoras do modelo adaptativo Uma sincronização dos eventos intermitentes típico de um padrão ultradiano promove uma utilização econômica da energia necessária às funções biológicas Por esse procedimento haveria uma melhor distribuição temporal e espacial dos recursos energéticos disponíveis com a possibilidade de utilização mais econômica e completa de substratos e produtos por processos independentes Sendo assim a ritmicidade ultradiana seria de utilidade para a coordenação de processos metabólicos e comportamentais em uma série de eventos de ocorrência simultânea todos eles funcionando com eficiência máxima São conhecidos já há algum tempo ajustes de fase promovidos pela oscilação circadiana sobre uma série de oscilações ultradianas Aschoff Gerkema 1985 No ciclo vigíliasono por exemplo o início do sono tem um efeito de ajuste de fase para a ritmicidade ultradiana de secreção dos hormônios prolactina GH e LH van Cauter Refetoff 1985 O perfil do cortisol plasmático é o resultado de uma sucessão de pulsos da glândula suprarenal onde a magnitude desse perfil é modulada por um ritmo circadiano van Cauter Honickx 1985 Diversos fatores parecem ter efeitos pronunciados sobre o padrão ultradiano de secreção de determinados hormônios ligados aos ciclos estrais e reprodutivos Por exemplo a freqüência de liberação ultradiana de gonadotrofinas sofre mudanças durante o ciclo menstrual Veldhuis et al 1984 Soules et al 1985 Caldas et al 1993 Intermodulação entre Ritmos Circadianos e Infradianos Em alguns roedores ratos e camundongos já foi demonstrado que a ovulação ocorre a intervalos fixos relativos ao ciclo claroescuro em condições de iluminação rigidamente controlada Schwartz 1969 A ovulação circadiana ocorre aproximadamente na hora esperada nos animais mantidos em condições constantes McCormack Siridaran 1978 Mesmo aqueles eventos comportamentais que são induzidos por alterações hormonais próprias do ciclo ovariano mostram variações diárias Rusak 1981 Turek et al 1984 Em diversas espécies de roedores os eventos relacionados ao estro como a ovulação o aumento de secreção de progesterona após a ovulação e o início da 178 receptividade sexual estão todos relacionados ao sistema circadiano Esses eventos ocorrem de forma precisa apenas em determinados momentos do dia mas somente naqueles dias em que sua ocorrência é esperada Schwartz 1969 Fitzgerald Zucker 1976 Lloyd et al 1982b Keefe Turek 1985 Além disso todos os eventos circadianos relacionados aos ciclos reprodutivos devem ocorrer em uma época específica do ano Reiter Follet 1980 Follet Follet 1981 Bronson 1987 Não é sem razão portanto que há várias evidências mostrando ritmos circadianos de nascimento e morte incluindo a própria sazonalidade de nascimentos de animais humanos e não humanos Aschoff 1981 Smolensky et al 1982 Roenneberg Aschoff 1990 Lercherl et al 1993 A modulação de períodos circadianos e infradianos envolve diversos ritmos Por exemplo os períodos circadiano e circasseptano semanal nos casos das mitoses do epitélio corneal ou mesmo no contéudo de ácidos nucléicos do fígado de ratos Marques et al 1988 1989 Há modulação de períodos circadiano e circamensal nos ritmos da temperatura corporal pressão arterial ciclos hormonais e de comportamento incluindo a espécie humana Ferin et al 1974 Pengelly 1974 Halberg 1988 Intermodulação entre Ritmos Ultradianos Circadianos e Infradianos Uma questão de relacionamento de freqüências ainda mais complexa envolve os ritmos ultradianos circadianos e infradianos de diversas variáveis A persistência desses ritmos mesmo na ausência de qualquer indicação periódica externa leva necessariamente à idéia de que os diversos sistemas de temporização internos são os responsáveis pela geração de todos esses ritmos É claro que a natureza dos mecanismos biológicos que seriam a base da expressão desses diversos ritmos de diferentes freqüências deve envolver diferentes processos e sistemas fisiológicos A geração de ritmos infradianos incluindo por exemplo os ritmos circanuais parece depender da interação de vários orgãos e tecidos sistemas hormonais os mais diversos e sistemas de neuromodulação também diversos Por outro lado sabemos hoje também que a geração de sinais circadianos e ultradianos poderia surgir de interações inter eou intracelular como discutidos por Turek e van Cauter 1988 Os mecanismos envolvidos nos ciclos reprodutivos provavelmente são o melhor exemplo demonstrativo da riqueza de processos fisiológicos e comportamentais envolvendo diferentes freqüências em diferentes momentos Os próprios ritmos 179 associados com mecanismos e processos reprodutivos cobrem um amplo espectro de freqüências Essas vão desde as chamadas liberações pulsáteis ultradianas de hormônios até a faixa infradiana Mesmo aqui é possível descrever em diferentes sistemas e organismos diferentes períodos representativos dos diversos ciclos estrais e menstruais a característica sazonalidade da reprodução e do nascimento de filhotes passando pela marcação circadiana extremamente rígida para algumas variáveis do processo Follet Follet 1981 Há um outro ciclo biológico em que a presença simultânea de freqüências indo da faixa ultradiana até a infradiana se mostra muito claramente O ciclo atividaderepouso ou no caso específico dos humanos o ciclo vigíliasono é um bom exemplo da existência e da interação de diferentes freqüências seja nos seus aspectos fisiológicos ou ontogenéticos A presença de diferentes freqüências atuando inclusive com diferentes pesos ou contribuição de cada uma delas são descritas já há algum tempo ao longo do ciclo de vida dos humanos Benoit 1981 MennaBarreto et al 1993 Por outro lado os trabalhos de Sue Binkley registrando a atividade locomotora os níveis hormonais e o ciclo atividaderepouso em mulheres saudáveis permitiram descrever ritmos de freqüências circadiana semanais circasseptanos menstruais lunares e circanuais em todas essas variáveis Binkley et al 1989 Binkley 1990 1992 No presente momento podemos apenas especular sobre a importância e o papel fisiológico dessas interações em face das poucas informações que dispomos É lógico que os sistemas de temporização circadiana devem ter um papel central na organização temporal dos processos descritos acima sejam processos reprodutivos ou não Isso porque muitos eventos relacionados com a reprodução variam nitidamente com um padrão circadiano No entanto a expressão hormonal é caracteristicamente ultradiana seja ela pulsátil ou não mesmo que modulada de forma circadiana Isso pode ser observado nas suas características da amplitude de variação ou na sua própria freqüência Por outro lado como vimos anteriormente sabese há muito que o próprio sistema circadiano deve estar envolvido na avaliação de alterações fotoperiódicas ao longo do ano com o suceder das diferentes estações do ano Turek van Cauter 1988 Golombek AguilarRoblero 2003 Marques 2003a Marques et al 2003 CONCLUSÃO 180 Podese dizer que a partir dos anos 60 do século passado a Cronobiologia através da demonstração da ubiqüidade da organização temporal biológica e do funcionamento rítmico de estruturas e funções tem destacado o tempo como uma dimensão básica dos organismos vivos Os estudos cronobiológicos mostram e estabelecem de certa forma o princípio de uma coordenação para a ritmicidade biológica por meio de processos essencialmente dinâmicos melhor do que a visão um tanto simplista da regulação para manter a constância onde os ritmos eram vistos apenas como fenômenos secundários Segundo o nosso ponto de vista a cronobiologia fornece modelos mais adequados da função biológica integrando ritmos celulares e neuroendócrinos básicos através da construção de redes rítmicas em termos estruturais e funcionais O possível valor adaptativo desses esquemas de organização por meio de processos dinâmicos de integração e modulação é fortalecido em razão da possibilidade ampliada de ajustes finos aos ciclos ambientais REFERËNCIAS Andrade M MennaBarreto L Louzada F 2003 Ontogênese da ritmicidade biológica pp 24767 In Marques N MennaBarreto L orgs Cronobiologia Princípios e Aplicações 3ª ed São Paulo EDUSP Araújo JF 1995 Intermodulação de Freqüências Um Modelo Funcional para a Organização Temporal dos Seres Vivos Dissertação de Mestrado Instituto de Psicologia USP São Paulo SP Araújo JF Marques N 1997 Intermodulação 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parceiro para se reproduzir e as espécies assexuadas competem de alguma forma entre si A comunicação envolve como os animais lidam suas relações sociais não apenas com os membros de sua própria espécie mas também com os de outras espécies com os quais podem competir por recursos ou ainda com predadores e presas Portanto compreender como e porque os animais se comunicam é importante para que se possa entender o comportamento e as relações sociais desses animais O modelo mais simples de comunicação consiste de três elementos um emissor um sinal e um receptor Smith 1977 Esse modelo é muito simplificado Um grupo de macacos muriqui Brachyteles sp da Mata Atlântica pode compreender entre 40 a 60 indivíduos com muitos deles produzindo diferentes sinais complexos em intervalos muito próximos e que podem ser recebidos pela maioria dos outros macacos do grupo Tais interações complexas são difíceis de serem entendidas A resposta que um animal receptor dá frente a um sinal pode ela própria também ser um sinal que por sua vez é recebido por outros indivíduos e respondido com outro sinal Tal situação de sinais entre indivíduos é mais razoável do que admitirse um sistema com um único emissor um único sinal e um receptor Snowdon 1988 No entanto para apresentarmos os aspectos importantes da comunicação inicialmente devemos focar nesta unidade mais simples emissor sinal receptor Mesmo essa simples unidade se torna extremamente complexa quando a analisamos integralmente Considere um pássaro macho cantando no início da estação de acasalamento O sinal é o canto que pode ser gravado para análise posterior Sua complexidade varia acentuadamente entre diferentes espécies Um caso é o dos papagaios amazonenses que produzem sons extremamente complexos e raramente repetem uma seqüência fixa Papagaios treinados por humanos podem até mesmo imitar a fala humana e alguns papagaios excepcionais conseguem usar sons semelhantes à fala para nomear objetos e identificar a cor a quantidade ou o material de diferentes objetos Pepperberg 1999 No outro extremo está um bemtevi norte americano que tem um canto com três notas uma nota parecida com um assobio seguida de uma a duas notas em um tom mais baixo na escala musical por ex Do Si Si Entre os papagaios e os bemtevis existem aves com vários graus de complexidade de canto 193 Uma vez identificado o canto como um sinal podemos apresentar mais questões por que alguns cantos são complexos e outros são simples Haveria riscos na emissão de cantos por ex um predador poderia estar ouvindo Diferentes tipos de ambientes afetam diferentemente a transmissão do canto pense nas diferenças de visibilidade entre a Mata Atlântica a floresta amazônica o cerrado e a caatinga Diferentes ambientes também influenciam a distância que os cantos podem atingir e sua duração Podemos ir ainda mais longe como os cantos são produzidos Que estruturas mecânicas estão envolvidas na produção do canto Como o cérebro controla o canto Que mecanismos um receptor necessita para decodificar o canto Que estruturas sensoriais estão envolvidas Como o cérebro interpreta os cantos Podemos estudar mais detalhadamente o animal emissor Por que um macho canta Uma explicação ao nível fisiológico é que o hormônio sexual a testosterona está aumentada no início da estação de acasalamento e aumenta na freqüência de canto associado ao aumento no comportamento agressivo e sexual Ao nível comportamental observamos que outros machos evitam o macho que canta ao contrário das fêmeas que são atraídas por ele de modo que os machos provavelmente cantam para comunicar a outros machos que estão defendendo um território e às fêmeas para informar que estão prontos para acasalamento Em termos de desenvolvimento sabemos que muitas aves jovens ouvem o canto dos adultos e praticam esse canto mais tarde de forma que podemos dizer que essas aves cantam porque aprenderam o canto num período sensível de seu desenvolvimento e o praticaram para excutalo com habilidade Finalmente podemos estudar o emissor ao nível evolutivo se pudéssemos amostrar vários machos e gravar seus cantos provavelmente encontraríamos que numa mesma espécie os indivíduos com cantos mais altos mais freqüentes e mais complexos foram mais bem sucedidos em afastar competidores e atrair parceiros sexuais e portanto têm maior sucesso reprodutivo o que levou a pressões evolutivas que selecionaram esses cantos mais complexos A análise dos animais receptores da mensagem é mais complicada Uma vez produzido um som no ambiente muitos animais receptores podem detectálo Uma ave macho da mesma espécie do emissor deve ser apta a identificar que o canto é produzido por um coespecífico e deve então avaliar se deve ou não desafiar o emissor do canto Uma fêmea da mesma espécie também precisa identificar se o canto é de algum coespecífico para então avaliar o vigor e a complexidade do canto antes de decidir acasalarse ou não com o macho emissor Uma ave recém eclodida de alguma forma 194 codifica no cérebro o padrão de canto do seu pai e lembrará desse padrão um ano depois quando inicia seu próprio canto Já o predador não distingue a espécie mas pode se aproximar dessa presa Um macho de outra espécie de ave provavelmente ouve o canto porém para ele o som é irrelevante representando simplesmente uma fonte adicional de ruído com a qual tem que lidar ao emitir seu próprio canto Uma pessoa inexperiente provavelmente interpretará o canto em termos musicais apreciando as melodias que o pássaro produz Um biólogo treinado pode utilizar o canto para contar o número de machos e o número de espécies presentes na área Como pode ser visto este modelo simplificado de emissorsinalreceptor suscita muitas questões e rapidamente se torna bastante complexo No restante deste capítulo serão explorados os tipos de sinais utilizados e serão examinados quais sinais são mais adequados para cada contexto Em seguida serão examinados diferentes modelos da função de comunicação e sobre os tipos de coisas que os animais comunicam O capítulo é concluído versando sobre o desenvolvimento da comunicação 2 SINAIS 21 Sinais Acústicos Provavelmente devido à grande importância da fala para a comunicação humana os sinais acústicos têm sido estudados mais amplamente do que qualquer das outras formas O som pode ser descrito simplesmente por três variáveis freqüências ou ondas amplitude ou altura e ritmo ou padrão temporal Gravadores portáteis tornam possível gravar sons de animais em praticamente qualquer lugar Durante a segunda guerra mundial as agências de espionagem necessitavam de equipamentos para identificar vozes e então foi inventado um aparelho Registrador de Voz que produzia um sinal visual da freqüência e de componentes temporais do som da voz o que permitia a identificação do emissor Após a guerra os biólogos começaram a usar esse equipamento para analisar relações de tempo e freqüência entre sinais dos animais Atualmente programas de análise de espectro em tempo real podem ser colocados em computadores portáteis de forma que é possível analisar sons no campo Beeman 1998 195 Os sinais acústicos são produzidos de diferentes formas Na maioria dos mamíferos incluindo os humanos há um órgão especializado localizado na garganta a laringe o qual pode ser estendido ou encurtado produzindo diferentes ondas de som O ar expelido dos pulmões produz uma vibração na laringe numa freqüência típica ou fundamental No homem adulto essa freqüência pode variar entre 100 e 150 Hz ou vibrações por segundo e na mulher adulta varia de 150 a 300 Hz Quando uma pessoa fala usa tipicamente essa freqüência fundamental mas quando canta muda constantemente a extensão da laringe para produzir sons de ondas mais longas ou mais curtas Rubin VatikiotisBateson 1998 No entanto apenas a vibração da laringe não é suficiente para a complexidade de sons dos humanos e dos outros animais A complexidade provém de mudanças rápidas em outras estruturas A corrente de ar pode ser direcionada através da boca e do nariz este último muito importante na produção do som de muitas palavras em Português A língua dentes e lábios podem se mover e moldarse de várias formas e mesmo a forma da cavidade oral pode também ser alterada para produzir diferentes sons A grande variedade do som dos mamíferos pode ser explicada pelas mudanças rápidas na forma e movimento dessas estruturas alterandose também o tempo dessas mudanças Hauser 1966 Por exemplo os macacos guariba machos Alouatta sp do Brasil têm grandes sacos na garganta que são usados para amplificar os sons Seus gritos podem ser ouvidos a grande distância até 2 km Em pássaros canoros os sinais acústicos são mais complexos Ao invés de uma única laringe vibratória localizada na traquéia muitos pássaros têm dois órgãos vibratórios chamados siringe cada um localizado em cada brônquio Cada siringe é independentemente controlada pelo cérebro Assim com dois órgãos vibratórios ao invés de um os pássaros produzem sons altamente complexos Gaunt Nowicki 1998 Os insetos têm um sistema respiratório muito diferente e não conseguem usar ar expirado para produzir sons de forma que usam outros meios Os grilos têm em suas pernas e corpo cristas na forma de pente de maneira que esfregando rapidamente suas pernas sobre esses pentes produzem sons para comunicação Hoy et al 1977 Uma vez produzido o som as vibrações difundemse do emissor por meio de ondas sucessivas Os sons podem variar numa ampla faixa de freqüências A espécie humana é acostumada a sons dentro da faixa de seu ouvido de 60 a 18000 Hz ou vibrações por segundos mas muitos animais produzem sons fora dessa faixa de audição Esses sons podem ser detectados somente com instrumentos especializados 196 Pye Langbauer 1998 Cada freqüência tem um comprimento de onda característico A velocidade do som no ar é de aproximadamente 300 m s1 de forma que um som com freqüência de 300 Hz tem comprimento de onda de 1 m Uma freqüência 10 vezes maior 3000 Hz tem comprimento de onda de 10 cm e uma freqüência 100 vezes maior tem comprimento de onda de 1 cm Ao contrário um som 10 vezes menor 30 Hz tem comprimento de onda de 10 m A velocidade do som na água é 5 vezes maior que no ar de forma que um som produzido com a mesma energia pode deslocarse 5 vezes mais na água Tyack 1998 Por que isso é importante Há duas razões Primeiro gasta mais energia produzir vibrações em alta taxa do que em baixa taxa de forma que sons de alta freqüência despendem mais energia para produzir a mesma emissão do que sons de baixa freqüência devido à inércia das moléculas de ar que precisam ser ativadas Segundo aspectos do ambiente como árvores folhas rochas etc refletirão sons de comprimentos de onda curtas alta freqüência mais prontamente do que sons de ondas longas baixa freqüência Essas características físicas da freqüência do som levam a algumas idéias interessantes sobre o desenho do sinal Wiley Richards 1978 Como você delinearia um som para longas distâncias Baseado nas propriedades físicas do som os de baixa freqüência percorreriam distâncias mais longas e passariam por obstáculos mais facilmente do que os sons de alta freqüência Alguns animais como os elefantes e algumas baleias produzem sons de freqüências muito baixas abaixo da faixa de audição humana Pye Langbauer 1998 Freqüentemente os seres humanos percebem esses sons de baixa freqüência simplesmente como vibrações no solo Pesquisadores na África têm usado altofalantes gigantes para reproduzir os sons dos elefantes e encontraram que esses animais ouvem e respondem a esses sons mesmo a distâncias de 2 a 3 km Langbauer et al 1991 Dado o enorme tamanho das baleias e pelo fato do som ser transmitido mais rapidamente na água os sons de baixa freqüência emitidos pelas baleias podem atingir várias centenas de quilômetros E com você delinearia um som para localizar coisas pequenas Novamente com base na física do som aqueles de alta freqüência seriam refletidos pelos objetos pequenos enquanto que os sons de baixa freqüência passariam ao redor de objetos pequenos Tanto morcegos quanto golfinhos usam ecolocação para localizar as presas Eles emitem pulsos de sons de alta freqüência acima da faixa de audição humana usando o tempo de pausa entre os pulsos para ouvirem os ecos O tempo entre a 197 produção de um pulso e a audição do eco é uma medida da distância que o objeto está do emissor menor o tempo para ouvir o eco mais próximo está o objeto Pyer Langbauer 1998 Experimentos têm mostrado que os morcegos podem navegar entre pequenos fios colocados em uma sala e podem capturar rapidamente uma grande quantidade de pequenos insetos Griffin 1958 Os fatores ambientais afetam o deslocamento do som Em florestas tropicais há grande diferença de temperatura entre o chão e a atmosfera no amanhecer e no anoitecer Essa diferença térmica atua como uma lente que reflete sons de volta para o chão significando que os sons produzidos no solo atingem distâncias até duas vezes maiores pela manhã e anoitecer do que ao meiodia Waser Waser 1977 Assim como esperado a maioria das aves e muitos macacos altamente vocalizadores como os macacos guariba e titi Callicebus sp emitem sinais sonoros mais freqüentemente pela manhã e final da tarde do que ao meiodia Sekulic 1982 Fatores ambientais podem distorcer mais alguns tipos de vocalizações do que outros Se há muita vegetação os sons são refletidos por essa vegetação produzindo reverberação ou o eco produzido por um sintetizador A reverberação dificulta a percepção dos intervalos entre diferentes notas ou partes das vocalizações Sons de alta freqüência deterioramse mais rápido do que os de alta freqüência não apenas porque necessitam de mais energia para serem produzidos mas também porque são mais facilmente refletidos e absorvidos pela vegetação Dois experimentos ilustram esses pontos Um estudo registrou chamadas naturais de macacos guariba emitidas próximas e a muitos metros de distância em local onde havia reverberação Whitehead 1987 Esses dois sons foram seqüenciados de duas formas normalreverberação que seria o padrão de se ouvir caso o macaco guariba estiva se afastando e reverberaçãonormal que é o padrão quando o macaco se aproxima Essas duas seqüências foram reproduzidas por altofalantes a vários grupos dos macacos guariba Eles basicamente ignoraram a seqüência que indicava que o macaco estava se afastando mas aproximaramse do altofalante e começaram a responder com chamadas e ameaças à seqüência representando a aproximação de um estranho ao grupo Esse resultado sugere que os macacos podem usar mudanças na reverberação das vocalizações para detectar se outros macacos estão se aproximando ou se afastando Whitehead 1987 O segundo experimento foi feito com mico leãozinho Cebuella pygmaea no oeste da Amazônia de la Torre Snowdon 2002 Eles são os menores macacos do 198 mundo cerca de 120 g e vivem em áreas muito pequenas 1 ha Eles têm três tipos de chamadas de contato Todos são de alta freqüência mas um tem uma modulação de freqüência variação em freqüência de 30 vezes por segundo o segundo é mais alto e tem várias notas curtas emitidas na freqüência de aproximadamente 16 notas por segundo e o terceiro tem somente duas notas Exemplos dessas chamadas foram tocados no ambiente natural e regravados a 10 20 40 and 80 m Aos 40 m foi impossível gravar o primeiro chamado e o segundo estava bastante distorcido perdendo componentes de alta freqüência e apresentando várias reverberações Ao contrário a terceira chamada pôde ser gravada a 80 m de distância A primeira chamada apresentou distorção mesmo quando gravada a 10 m de distância Os macacos ajustaram adequadamente o uso dessas chamadas Eles usaram a primeira apenas quando estavam numa faixa de 10 m do outro sagüi usaram a segunda chamada quando estavam mais longe e a última somente a maiores distâncias de la Torre Snowdon 2002 Um problema com qualquer forma de comunicação é que o emissor fica mais evidente não apenas para os coespecíficos mas também para predadores O micoleãozinho emite chamadas com altas freqüências 8 a 14 kHz Entre os principais predadores dos sagüis estão as aves como águias e falcões A maioria das aves não ouve muito bem os sons acima de 5 a 6 kHz de forma que as chamadas de alta freqüência dos micoleõeszinhos podem ser uma adaptação que evita predadores No entanto animais com corpos pequenos geralmente emitem chamadas com sons em freqüências maiores do que as emitidas por animais maiores É interessante notar que todos os outros sagüis e micos mesmo os relativamente grandes 700g micos leões do sudeste do Brasil têm chamadas de freqüência muito alta Isso sugere que essas chamadas não sejam simplesmente devido ao pequeno tamanho corporal mas provavelmente sejam adaptações contra predadores Snowdon de la Torre 2002 Muitos animais apresentam dois tipos de resposta a predadores Algumas vezes um animal produz um som de alta freqüência chamada de alarme e os outros animais ficam imóveis e permanecem assim por vários minutos Outras vezes vários membros do grupo movemse em direção ao predador atacandoo enquanto emitem gritos altos fáceis de serem localizados Aves e sagüis vivendo num mesmo habitat produzem sons de alarme e mobbing semelhantes entre si Estudos recentes desenvolvidos na África mostraram que os macacos podem entender os cantos de alarme contra predadores emitidos pelas aves Hauser 1998 Seyfarth Cheney 1990 e que as aves entendem os sons emitidos pelos macacos 199 Uma outra característica do som é que é difundido rapidamente A menos que o som seja repetido ou que o animal receptor tenha sido alertado quanto ao som ele pode ser difícil de ser detectado Isso é bom no caso de predadores mas não é bom se os outros membros do grupo não estão alertas ou ouvindo Algumas vezes os animais emitem vários sons para alertar o animal receptor sobre o que vai acontecer O silêncio também pode ser um sinal Ao meiodia a oeste da Amazônia a maioria dos membros de um grupo de micoleõeszinhos descansa ao sol No entanto um animal permanece separado do resto do grupo e produz a cada poucos segundos chamadas a uma taxa aproximadamente constante O restante do grupo relaxa à medida que essas chamadas continuam mas tão logo o animal vigia pára as chamadas os outros membros do grupo ficam em alerta e imóveis Nesse caso a informação é transmitida pelo silêncio Snowdon Hodun 1981 Sinais Visuais Os sinais visuais são potencialmente muito mais complexos que os acústicos Eles podem variar de acordo com a parte do corpo usada há grande variação na cor e nos padrões de cor pode haver uma ampla variedade de posturas e o movimento fornece um surpreendente potencial para complexidade uma vez que cada músculo do corpo pode ser ativado independentemente um do outro Hailman 1977 Embora os sinais visuais possam ser gravados em filmes ou discos de vídeo para análises posteriores são muito mais difíceis de serem analisados com precisão do que os sinais acústicos Além disso até que surgissem os recentes desenvolvimentos de programas para analisar imagens era difícil examinálas para trabalhos experimentais Os sinais visuais são produzidos de duas formas A bioluminescência é a produção de luz pelo organismo Alguns invertebrados marinhos e o inseto vagalume produzem uma luz brilhante a partir de reações químicas no corpo No entanto a maioria dos sinais visuais vem do reflexo da luz do sol ou da lua Isso significa que para a maioria dos animais os sinais visuais são efetivos apenas em certas horas do dia ou em habitas em que a luz seja disponível A maioria dos organismos apresenta algum tipo de olho que detecta luz No olho dos vertebrados a luz deve passar através da pupila na frente do olho e ser focalizada sobre células receptoras na retina Há dois tipos básicos de células os bastonetes respondem a mudanças de claro e escuro e são importantes em momentos de baixa luminosidade os cones respondem à cor e funcionam melhor em maiores 200 intensidades luminosas Diferentes tipos de cones respondem melhor a luzes de certos comprimentos de onda nos humanos correspondem ao vermelho verde e azul Cerca de 5 dos homens não conseguem distinguir entre vermelho e verde e são chamados daltônicos Menos de 1 das mulheres apresentam essa alteração Esse problema é acentuado nos primatas do novo mundo Todos os macacos machos do novo mundo testados até o momento não distinguem entre as cores vermelha e verde e cerca de metade das fêmeas são daltônicas e apenas o restante tem visão normal para cores Os macacos daltônicos para vermelho e verde têm dificuldade em perceber frutos maduros contra o fundo de folhas verdes da floresta Portanto um grupo pode se beneficiar de ter ao menos uma fêmea com visão normal Esses resultados sugerem que as cores vermelha e verde não são importantes para a comunicação nos macacos neotropicais Caine et al 2003 Muitos insetos não conseguem perceber luz na faixa que denominamos vermelha mas eles suplantam isso tendo uma boa visão na faixa de luz ultravioleta onde os humanos não vêem bem A maioria dos cones está localizada no centro da retina e os bastonetes mais na periferia Portanto sinais com cores serão mais efetivos quando o animal receptor olhar diretamente o emissor Hailman 1977 Os seres humanos e outros primatas fazem bom uso da visão binocular resultante dos dois olhos dirigidos para frente e com campos de visão sobrepostos O custo de uma visão dirigida para frente é que muito do mundo não fica visível para nós Estire seus braços para o lado e olhe diretamente para frente Você provavelmente não conseguirá ver seus dedos Agora mova lentamente seus braços para frente até que possa enxergar seus dedos Isso representa seu campo de visão e qualquer coisa fora desse campo está por definição invisível O problema principal de se usar sinais visuais é que para receber o sinal o animal receptor deve estar orientado em direção ao emissor Nós simplesmente não podemos detectar sinais atrás de nós ou ao nosso lado a menos que outro sinal nos faça orientar em direção ao emissor Os sinais visuais são facilmente encobertos pelo ambiente Vegetação prédios neblina e poluição se combinam limitando a faixa dos sinais visuais Os olhos também podem detectar mudanças súbitas de movimento dos objetos mas à medida que nos distanciamos desses objetos ou animais fica gradativamente mais difícil perceber tais movimentos súbitos Todos esses aspectos colocam sérias limitações à comunicação visual Os sinais visuais são usados mais por espécies diurnas do que por espécies noturnas Eles são mais efetivos para espécies que vivem em habitats abertos do que para aquelas que vivem em florestas e são mais efetivos para comunicação de curta 201 distância do que de longa distância Os sinais visuais produzidos a certa distância devem ter movimentos maiores mais exagerados para serem efetivos e sinais de alerta em outra modalidade sensorial digamos o som podem ser necessários para orientar o animal receptor para a direção do emissor Hailman 1977 Os sinais visuais podem ser visíveis por predadores assim como pelos coespecíficos do emissor mas muitos animais escondem as partes do corpo que possuem cores vivas em aves essas partes podem ser expostas por curtos períodos e posteriormente escondidas sob as asas Mariposas e borboletas geralmente têm as partes com cores vivas visíveis no vôo mas escondidas no repouso Supõese que as cores vivas e as cores altamente contrastantes têm importância na seleção intrasexual tornando um dos sexos mais atrativo que o outro Porém um estudo recente mostrou que aves de cores vivas têm maior probabilidade de extinção do que as de cores mais foscas Doherty et al 2003 Os micos leões do sul do Brasil com suas cores vivas e contrastantes estão em perigo enquanto que os sagüis comuns com cores mais fracas prosperam mesmo habitando a mesma área dos micosleões As cores vivas dos micos leões seriam parcialmente responsáveis pelo declínio dessa espécie Sinais Químicos Os seres humanos geralmente não percebem muitos odores e não imaginam os sinais químicos como importantes nossa comunicação No entanto sabemos que os odores afetam o comportamento de outras espécies Há sinais químicos que indicam a espécie o sexo o estágio reprodutivo e também marcam territórios sinalizam alarme e marcam trilhas para fontes de alimento Epple 1985 Estamos começando a aprender que os sinais químicos influenciam também o comportamento humano Os homens preferem odores de camisetas usadas por mulheres no dia em que ovularam do que odor de camisetas usadas em outras fases do ciclo menstrual Singh Bronstad 2001 Mulheres que são amigas próximas ou que vivem juntas freqüentemente sincronizam os períodos menstruais McClintock 1971 Odores obtidos das axilas de uma mulher num determinado estágio de seu ciclo menstrual e cheirado por outra mulher que esteja numa outra fase do ciclo acelerará ou retardará a menstruação da mulher receptora do cheiro Stern McClintock 1998 Os sinais químicos podem ser liberados de células de cheiro altamente especializadas como as glândulas nas axilas na região inferior do abdome e acima da região púbica na área anogenital ou ao redor da boca mas podem ser originados 202 também de subprodutos digestórios como urina fezes e suor Muitos mamíferos incluindo sagüis micos e possivelmente os humanos têm uma parte especializada no cérebro chamada órgão vomeronasal separada do sistema olfatório regular Esse órgão recebe uma conexão do teto da boca Freqüentemente os animais lambem as marcas de cheiro de outros animais ou inalam profundamente pela boca para transferir o cheiro para o órgão vomeronasal Conhecemos muito pouco sobre como as substâncias são separadas e processadas no cérebro Em alguns insetos há uma única substância que age como atrativo sexual É fácil supor que cada espécie de inseto tenha um receptor cerebral especial para o odor típico de sua espécie No entanto nos vertebrados os sinais químicos geralmente possuem um grande número de componentes Um estudo do saddleback tamarin Saguinus fuscicollis do oeste da Amazônia detectou mais de 200 componentes químicos na marca de cheiro e outros Calitriquídeos também têm assinaturas químicas complexas Epple et al 1993 É inclusive difícil supor como se pode determinar qual substância ou combinação de substâncias é a mais importante O tamanho molecular de um sinal químico pode afetar sua dispersão Um composto de baixo peso molecular é mais volátil e será disperso pelo ar a maiores distâncias do que um composto de maior peso molecular Uma vantagem de se produzir uma mistura de químicos seria que algumas substâncias se difundiriam e atrairiam a atenção de um animal receptor que estivesse mais longe atraindoo ao local da marca de cheiro onde um composto mais pesado pode ter um efeito mais específico Como podemos conhecer a função de um sinal químico que nós mesmos não conseguimos detectar Algumas observações comportamentais sugerem o uso de sinais químicos Algumas espécies apresentam posturas e ações que muito claramente indicam a deposição das marcas como por exemplo o esfregar a área anogenital numa superfície Outras vezes observamos comportamento que indica que outros indivíduos estão respondendo a odores Em muitos ungulados os machos cheiram de forma exagerada a urina das fêmeas snorting à medida que captam ar e levantam a cabeça uma ação chamada Flehmen a qual transfere substâncias ao órgão vomeronasal Nesse caso os sinais químicos são realmente hormônios reprodutivos que as fêmeas excretam na urina Asa et al 1979 Podemos também usar métodos experimentais para inferir a participação ativa de um sinal químico Apresentamos duas substâncias a um animal e examinamos como ele responde a cada uma delas Por exemplo podese colocar um camundongo em uma 203 caixa que contenha duas entradas de ar Uma dessas entradas vem de um local com um camundongo calmo e a outra de um camundongo que acabou de receber uma injeção de salina O camundongo receptor dos odores ficará mais tempo em frente à entrada de ar que vem do camundongo calmo Rottman Snowdon 1972 Num tipo diferente de teste cottontop tamarins Saguinus oedipus nativos da Colômbia receberam odores de uma fêmea doadora Nos dias em que essa fêmea ovulou o macho exposto ao cheiro teve ereção e aumentou a taxa de acasalamento com sua parceira em relação aos dias em que estava exposto ao cheiro da fêmea quando esta não estava ovulando Ziegler et al 1993 Os sagüis comuns têm preferência por odores de fêmeas que estão ovulando em relação aos de fêmeas fora da ovulação Smith Abbott 1998 Por meio de métodos não invasivos de ressonância magnética funcional sabemos que apenas o odor de uma fêmea ovulando pode aumentar a atividade em regiões do cérebro associadas à atenção sexual e à cópula Ferris et al 2001 2004 Os sinais químicos diferem dos outros sinais por terem um tempo de permanência muito longo Em alguns casos um sinal pode ser detectado por um coespecífico até vários dias ou mesmo semanas após ter sido liberado Isso significa que um animal pode deixar um sinal e se afastar da área antes que um predador detecte esse sinal Além disso o alto grau de complexidade dos sinais químicos e o fato de que não somos aptos a detectar muitos desses sinais dos outros animais fornece outra proteção contra a predação Os sinais químicos provavelmente fornecem mais proteção contra a predação do que qualquer outro tipo de sinal No entanto os sinais químicos possuem algumas desvantagens Embora possam atingir longas distâncias o emissor não pode controlar a direção que o sinal percorre A direção e a velocidade do meio vento ou água determinam a direção e a distância do percurso Além disso pelo fato dos sinais químicos durarem mais tempo é difícil produzir mudanças rápidas que acompanhem as mudanças sociais a cada momento Assim os sinais químicos são mais úteis na comunicação de longo prazo a delimitação de um território identificação de uma espécie do estado reprodutivo ou de eventos de curto prazo que não requeiram comunicação súbita como um alarme Sinais Tácteis O tato pode ser usado na comunicação Há duas formas de sinais tácteis aqueles que decorrem do contato direto de um indivíduo com o outro e aqueles resultantes das 204 vibrações induzidas por um indivíduo e que são percebidas à distância por outro indivíduo Conhecemos muito bem vários tipos de toques golpes e tapas indicam raiva ou frustração carícias e catação indicam afiliação ou prazer Em muitos animais a forma mais simples de sinal táctil é o encostarse no outro indivíduo Um sinal mais complexo é a catação Muitos animais fazem catação uns nos outros ou em aves preen os pais de cada um A catação pode funcionar para remover parasitas do couro ou da pele mas tem também uma importante função social Keverne et al 1989 A catação pode estimular liberação de endorfinas opiáceos naturais naquele que recebe esse comportamento e pode também liberar o hormônio ocitocina conhecido como um hormônio de recompensa social envolvido na formação dos pares Em muitas espécies a catação é assimétrica ou seja numa díade o animal A faz catação em B mais do que B faz em A Por muito tempo se pensou que o animal que mais realizava catação era subordinado ao que a recebia mas estudos sobre os macacos do novo mundo estão mudando essa idéia Em macacos prego os mais dominantes fazem catação mais freqüentemente nos subordinados Nos sagüis comuns a fêmea reprodutiva dominante faz catação nas fêmeas subordinadas mais do que recebem catação delas LazaroPerea et al 2004 Nesta espécie que apresenta cuidado cooperativo os ajudantes são essenciais para se cuidar de forma bem sucedida dos filhotes de maneira que é importante investir no agrado aos ajudantes e mantêlos no grupo Tanto nos sagüis comuns quanto nos cottontop tamarins a maioria da catação é feita entre os pares de acasalamento e em cada grupo estudado até agora o macho reprodutivo faz muito mais catação na fêmea que nele LazaroPerea et al 2004 C T Snowdon não publicado Como os machos são muito envolvidos com o cuidado dos filhotes é importante que tenham bastante certeza da paternidade Fazendo catação em suas parceiras os machos podem estar recompensandoas por não se acasalarem com outros machos As vibrações constituem o outro tipo de sinais tácteis Aranhas que constroem teias reagem agressivamente a qualquer movimento na teia e podem até atacar e comer um parceiro sexual potencial Portanto os machos vibram a teia de uma forma diferente da vibração produzida pelas presas capturadas na teia e geralmente conseguem se acasalar com a fêmea antes de serem comidos Jackson Wilcox 1990 Os ratos cangurus nos desertos do sudoeste dos Estados Unidos têm patas relativamente grandes e batem essas patas no solo com um padrão específico que delimita o território e 205 informa sua identidade individual Randall 1989 As rãs coqui de Porto Rico têm padrões especiais de batidas com os pés que atraem fêmeas Narins 1990 Os sons de baixa freqüência usados na comunicação entre elefantes também podem percorrer o chão e ser percebidos como vibrações sob os pés Assim alguns sinais podem ser tanto acústicos quanto tácteis dependendo dos receptores usados na detecção OConnell Rodwell et al 2000 O exemplo de comunicação táctil mais conhecido é a dança do requebrado das abelhas de mel Uma abelha que tenha encontrado uma fonte de alimento retorna para a colméia e dança com uma taxa de requebrados inversamente proporcional à distância da fonte de alimento A orientação vertical do corpo da abelha na colméia fornece pistas sobre a direção da fonte de alimento em relação ao sol No entanto como o interior da colméia é escuro as abelhas podem responder a essas pistas somente por meio de sinais tácteis von Frisch 1967 Nós ainda temos muito a aprender sobre a complexidade e significado dos sinais tácteis Agora que sabemos que várias formas de toques têm efeitos recompensadores positivos sobre o animal receptor o entendimento do papel dos sinais tácteis na formação e manutenção das relações sociais necessita muito mais estudos Sinais Elétricos Sinais elétricos são provavelmente os mais difíceis para os humanos imaginarem uma vez que estão muito distantes das formas pelas quais nos comunicamos No entanto várias espécies de peixes especialmente aqueles que vivem em rios de águas barrentas no Amazonas e na África onde a visibilidade é muito baixa usam sinais elétricos Possuem ao longo do corpo várias células musculares especializadas que são ligadas entre si num sistema em série o que amplifica os potenciais neuromusculares e gera uma corrente elétrica fraca que se difunde em velocidades entre 70000 e 1500000 m s1 dependendo da capacidade de condutância da água Células especializadas na linha lateral dos peixes servem como receptores dos sinais elétricos Hopkins 1974 Curtos pulsos elétricos são produzidos e podem ser descritos em termos da forma do campo elétrico ao redor do corpo do animal da forma da onda do pulso da taxa de descarga de padrões temporais e de mudança na taxa de descarga e parada do sinal Cada espécie estudada até aqui tem uma única forma de onda de maneira que o potencial é usado na comunicação intraspecífica Sinais tônicos são produzidos mais ou 206 menos continuamente e podem ser usados na navegação muito parecido com a ecolocação dos morcegos e golfinhos Sinais de fase são relativamente pouco freqüentes e com longas paradas entre eles provavelmente servindo como sinais de comunicação Hopkins 1974 Os pesquisadores têm estudado os sinais elétricos colocando eletrodos nos tanques e observando o comportamento entre os indivíduos ou registrando esses sinais em um tanque e transmitindoos para um peixe em outro tanque Numa espécie os machos têm taxas de descarga mais baixas que as fêmeas mas quando o macho de aproxima de uma fêmea a taxa de descarga aumenta e também aumenta a taxa de paradas de emissão Um animal agressivo emite muitas interrupções breves do sinal com uma taxa e duração da interrupção fornecendo informação e os animais submissos param de produzir sinais por vários segundos após um encontro Hopkins 1974 Poucos predadores possuem adaptações que detectam os sinais elétricos de forma que esse tipo de sinal pode proteger contra predação Os pulsos elétricos são geralmente de baixa voltagem e a distância que o pulso alcança depende da condutibilidade da água Do que sabemos o uso de sinais elétricos é relativamente limitado a comunicações a curtas distâncias Cada uma das cinco modalidades de sinais apresenta vantagens e desvantagens Nenhum sistema de uma única modalidade é ótimo para todas as funções e nem para todos os habitats Na tabela 1 resumo para cada modalidade de sinais os principais aspectos em relação à localização superação de ruídos transmissão de longa distância fuga de predadores tempo de permanência e potencial para complexidade Funções da Comunicação Por que os animais se comunicam Behavioristas têm debatido consideravelmente as funções da comunicação que podem ser sumarizados em três pontos 1 transferência de informação 2 manipulação de outros indivíduos e 3 controle e avaliação A visão mais antiga sobre a comunicação é a de transmissão de informação Hailman 1977 Smith 1977 De acordo com essa visão é adaptativo para os indivíduos que vivem em grupos sociais trocar informações acuradas entre si sobre quem eles são e sobre o que provavelmente farão em seguida Assim uma ave macho que cante comunica sua espécie sexo e nível de agressão aos outros machos e também informa para as fêmeas seu interesse em acasalarse De acordo com este modelo cada um no grupo se beneficia da vida em grupo social pela troca de informação honesta 207 No entanto a seleção natural atual sobre os indivíduos e a teoria prediz que a competição está sempre presente mesmo dentro do que se considera um grupo social coeso Se considerarmos o indivíduo sozinho então devemos questionar o valor de se fornecer informação honesta o tempo todo Se um pássaro quer defender com sucesso seu território e quer atrair fêmeas para acasalamento será melhor aparentarse maior mais seguro e assertivo do que realmente é Nesse caso mais do que dar sinais honestos que podem revelar ansiedade fraqueza vigor abaixo do desejável o macho pode cantar mais alto ou parecerse maior afofando suas penas e assim ficar mais vistoso Com isso ele usa sinais para manipular seus rivais e suas parceiras para que tenham uma visão menos realista dele Dawkins Krebs 1978 As fêmeas podem também se beneficiar do fato de serem enganadas Em várias espécies de primatas onde os machos são muito maiores que as fêmeas estas têm um longo período de receptividade sexual precedendo o momento exato da fertilização Durante esse tempo elas se acasalam com muitos machos Fêmeas de babuínos e chimpanzés têm inchaços genitais aumentados que parecem atrair o interesse do macho para a cópula Snowdon 2004 No entanto desde que esses inchaços e cópulas perdurem por um período muito maior do que aquele no qual uma fêmea está fértil o inchaço não é realmente um sinal honesto de reprodução No lado oposto em espécies que formam casais as fêmeas freqüentemente não dão informação sobre quando ovulam Por muito tempo pensouse que as fêmeas escondiam a ovulação como uma estratégia para manipular seus parceiros Se os machos nunca sabem quando a fêmea está ovulando eles devem ficar perto dela e copulála várias vezes ao longo do ciclo Burley 1979 Essa incerteza sobre a ovulação mantém os machos por perto e subseqüentemente ajuda no cuidado dos filhotes Como vimos anteriormente em mulheres e em sagüis e micos da América do Sul as pistas de odor alteram o ciclo menstrual e fornecem informação honesta sobre o estado reprodutivo Uma dificuldade em se conceber a comunicação apenas como elemento de manipulação é que freqüentemente ignoramos a possibilidade de que nos animais podem surgir contraestratégias que os protejam Assim se um pássaro canoro macho engana sobre sua robusteza e vigor outros machos o desafiariam freqüentemente para saber se ele é forte Se as fêmeas enganam os machos sobre quando ovulam então seria adaptativo para os machos terem desenvolvidas características perceptuais para detectar mais precisamente o momento da ovulação Babuínos machos podem observar o 208 tamanho relativo dos inchaços vaginais e predizer com relativa acurácia o momento da ovulação Snowdon 2004 Em Cayo Santiago em Porto Rico os macacos resos geralmente emitem chamadas quando descobrem alimento Hauser Marler 1993 À primeira vista isso parece um comportamento não usual Ao encontrar alimento provavelmente um indivíduo se beneficie mais se permanecer quieto até que tenha comido o quanto necessita No entanto se um macaco reso encontra alimento e não chama os demais mas é então descoberto com alimento é agredido pelos outros Ou seja um macaco que não emite esse chamado é punido pelos outros de seu grupo Hauser Marler 1993 Devido aos animais receptores se beneficiarem de sistemas de punição e de formas de detectar enganadores um modelo de comunicação de pura manipulação nunca será estável por muito tempo O modelo de manejoavaliação soluciona os problemas dos dois primeiros modelos Owings Morton 1998 Segundo este terceiro modelo os animais se beneficiam por avaliarem continuamente o estado dos que estão à volta e podem fazer isso de várias maneiras emitindo aproximações agressivas ou sexuais mas não realmente se engajando em brigas diretas ou acasalamentos a menos que o outro animal responda de acordo com seu comportamento emitido Além disso os animais usam a comunicação não pela vantagem da honestidade ou manipulação mas para controlar o comportamento dos demais o que beneficia o comunicador Desde que todos os animais estejam procurando manipular os comportamentos uns dos outros a comunicação se torna um processo altamente interativo e dinâmico que ultrapassa o simples modelo de emissorsinalreceptor comentado anteriormente Além disso a avaliação contínua sobre os outros torna extremamente difícil enganar os outros Um indivíduo pode fingir ser maior e mais forte por um curto espaço de tempo mas a menos que realmente o seja é difícil manter sinais falsos num meio com avaliações repetidas Um estudo recente sobre babuínos mostrou que a dominância em machos estava correlacionada com a estrutura de latidos Os machos dominantes produziram chamadas que eram mais longas e de maior freqüência presumivelmente é energeticamente mais custoso manter chamadas de alta freqüência Quando os machos perdem o status de dominante seus barks se tornam mais curtos e de menor freqüência Fischer et al 2004 Deixeme ilustrar com alguns exemplos que ocorrem no Brasil Sagüis comuns vivendo na floresta Nisia próxima à cidade de Natal RN na periferia dos territórios se 209 engajam em encontros com um outro grupo cerca de uma vez ao dia Superficialmente parecem ser encontros territoriais com alto nível de agressão Os animais de cada grupo cheiram marcas e emitem vocalizações complexas uns para os outros e freqüentemente perseguem animais do outro grupo No entanto no meio desses encontros agressivos o macho de um grupo e uma fêmea do outro podem fugir da área de brigas para uma rápida cópula Logo eles retornam para novamente atuarem agressivamente Lazaro Perea 2001 Em alguns desses grupos a fêmea reprodutiva morreu e o grupo se desfez em alguns meses Então as fêmeas irmãs formaram um novo grupo junto com alguns dos machos de outros grupos que haviam encontrado nas disputas territoriais Os machos pais e filhos formaram um novo grupo com as fêmeas de outro grupo com as quais tinham se encontrado anteriormente LazaroPerea et al 2000 Os sinais usados nos encontros territoriais comunicaram agressividade mas os encontros não serviram apenas para proteger o grupo e seu território eles também permitiram uma avaliação dos indivíduos dos grupos adjacentes Nos micoleãozinhos do oeste da Amazônia os filhotes emitem longas seqüências de chamadas semelhantes ao balbucio de crianças humanas veja item Desenvolvimento mais à frente Nos primeiros meses de vida esse balbucio parece espontâneo Elowson et al 1998 mas podese também ouvir balbucios em jovens e adultos Snowdon Elowson 2001 Por que esses animais mais velhos usam esse chamado de filhote Neles o balbucio é usado pelos subordinados em resposta a agressões e também como forma para obter acesso a recursos Um jovem ou subadulto pode obter acesso a alimento ou água se emitir balbucio Dados similares têm sido descritos em aves monomórficas onde os machos territoriais são agressivos em relação a qualquer animal que invada seu território As fêmeas não se aparentam diferentes dos machos rivais mas freqüentemente produzem chamadas de ajuda igual à dos filhotes o que inibe a agressão do macho Isso faz com que o macho responda à fêmea como uma parceira reprodutiva e não como uma rival As fêmeas dos micoleõeszinhos e das aves não estão comunicando honestamente mas com o chamado dos filhotes manipulam o comportamento dos outros membros do grupo O Que Os Animais Comunicam Para entender o que os animais comunicam é necessário ser um detetive sagaz São necessários tanto observações no ambiente natural quanto experimentos controlados vide integração dos métodos no capítulo 3 Um cientista que estuda a 210 comunicação em uma espécie animal é como um antropólogo que visita uma sociedade humana isolada Inicialmente precisa observar cuidadosamente descrever e registrar se possível o comportamento que precede e o que se segue à produção de um sinal É importante evitar elaboração de conclusões prematuras sobre a função ou o uso de um sinal Ou seja ao invés de achar que certo chamado representa um estado agressivo um chamado para alimento ou um chamado de alarme é melhor descrever cuidadosamente os contextos em que ele ocorre que indivíduos tipicamente emitem esse tipo de chamado e que resposta é dada de forma característica pelos demais animais após receberem o chamado Se estabelecermos prematuramente uma função para um chamado podemos ficar bloqueados para elaborarmos interpretações alternativas No Sri Lanka macacos Toque emitem chamados quando descobrem frutos maduros concentrados em uma ou duas árvores o que foi inicialmente identificado como chamado de alimento Dittus 1984 No entanto esses macacos também emitiam esse mesmo chamado nos dias ensolarados após a estação chuvosa e também para as primeiras nuvens que marcam o final da estação de seca Seria esse um chamado para o alimento ou um chamado que indica uma mudança positiva no ambiente Antropólogos culturais eventualmente aprendem a linguagem dos povos que estudam e dessa forma podem fazer as perguntas necessárias para confirmar as hipóteses que têm acerca do significado das palavras ou dos comportamentos que observam Não podemos fazer perguntas diretamente aos animais mas podemos planejar experimentos com animais cativos ou silvestres para testar hipóteses vide capítulos 2 e 3 É possível testar se um pássaro reconhece seus visinhos ao apresentarmos com altofalantes escondidos o som de uma gravação do canto de seus visinhos e de pássaros estranhos e em seguida observarmos a reação do animal testado Os machos de um modo geral ignoram o canto dos seus vizinhos se o alto falante estiver no território do visinho mas reagem agressivamente ao canto de um estranho reproduzido nesse mesmo local É interessante notar que eles também reagem agressivamente quando o canto do seu vizinho é reproduzido em território oposto ao do vizinho ou quando o altofalante está localizado dentro do território da ave que está sendo testada Com isso vemos que o reconhecimento do vizinho é baseado não apenas na estrutura do seu canto mas também no local de origem do canto Há uma espécie de aranha que tem dois tipos de machos os quais cortejam as fêmeas de maneira muito diferente um do outro Um tipo utiliza posturas bastante expansivas e o outro usa movimentos mais limitados e delicados A partir de um 211 sistema bastante interessante com monitores de televisão em miniatura apresentouse às fêmeas imagens desses comportamentos de cada tipo de macho Inicialmente as fêmeas se aproximavam do monitor com maior freqüência quando eram apresentados os machos com movimentos mais exagerados os quais normalmente iniciam a corte a partir de uma distância duas vezes maior do que aquela usada pelo tipo de macho que exibe movimentos mais delicados Quando a distância das imagens de vídeo foi ajustada para a que ocorre na condição natural de corte e relacionada a cada tipo de macho as fêmeas não mostraram preferência por um dos machos Os pesquisadores puderam assim demonstrar que o tamanho da imagem do macho cortejador no olho da fêmea era idêntico para ambos os tipos de machos A partir da perspectiva da fêmea os sinais de corte dos machos eram iguais A incapacidade das fêmeas em discriminar entre os dois tipos de machos explica como esses tipos podem ser mantidos na população Através da combinação entre a observação comportamental cuidadosa e experimentos como esse é possível decodificar como os animais se comunicam Stoddard 1996 A tabela 2 apresenta uma lista de diferentes informações que os animais podem ser comunicadas pelos animais Smith 1977 A primeira seção apresenta os tipos de mensagens comportamentais que têm sido observadas Não é todo tipo de mensagem que é observado em todas as espécies e essa lista apresenta uma compilação a partir de várias espécies A segunda seção indica que os sinais podem ser modificados para indicar sua intensidade relativa ou probabilidade de ação Um animal pode apresentar uma gama de sinais que indicam níveis de agressividade de pouca a moderada e de moderada a elevada ou pode usar sinais mais rápidos para indicar intensidade A última seção apresenta várias pistas de identificação que podem estar incorporadas nos sinais Nem todas as pistas irão aparecer em cada tipo de sinal Um chamado de alarme pode ser bastante similar entre várias espécies de pássaros e mamíferos fornecendo assim pouca ou nenhuma informação sobre a espécie Porém um sinal usado na corte deve ser espécieespecífico assim os como chamados afiliativos entre pais e filhos ou aqueles entre parceiros devem fornecer dicas sobre a identificação individual Tendo como base as 19 categorias comportamentais de sinais e os seus identificadores fica bastante ampla a complexidade potencial sobre o que os animais podem comunicar A seguir examinaremos alguns sinais complexos Quantos sinais estão envolvidos numa comunicação 212 Alguns cientistas têm argumentado que devido ao pequeno tamanho do cérebro os animais poderão emitir e interpretar um número limitado de sinais Moynihan 1970 Em interações sociais ou comportamentais complexas o contexto no qual o sinal ocorre pode ser usado para se compreender o que o emissor está expressando Vários estudos muitos deles com primatas têm mostrado que os animais podem apresentar muito mais sinais do que imaginamos O exemplo mais antigo é da década de 70 quando um estudo cuidadoso com macacos japoneses Macaca fuscata verificou que um chamado conhecido como coo na verdade tinha sete variações Green 1975 Os coos diferiam quanto à parte do chamado na qual ocorria o pico de freqüência à rapidez com que ocorria a mudança de freqüência à freqüência do chamado e se apareciam duas bandas de freqüência Essas variações não ocorriam ao acaso e eram extremamente correlacionadas com o contexto comportamental uma forma era usada pelos dominantes dirigida aos subordinados uma variação dela era emitida pelos subordinados aos dominantes uma outra pelos infantes para a mãe e assim por diante Isso significa que variações sutis na estrutura da vocalização transmitem diferentes significados para os macacos Ao invés de apenas um coo há então sete demonstrando que o repertório comportamental é maior do que o esperado Subseqüentemente foi visto que os cottontop tamarins da Colômbia e os micoleõezinhos da região oeste da Amazônia apresentam vocalizações com variações Nos cottontop tamarins há oito variações de um gorjeio onde eles variam em duração freqüência mais alta localização do pico de freqüência e quantidade de mudanças de freqüência Cada gorjeio é usado num contexto diferente um para cercar um predador outro para comunicar alarme um terceiro quando o animal descobre alimento um quarto quando o animal está comendo seu alimento preferido um quinto quando os macacos ouvem vocalizações de um estranho e um sexto para comunicação entre os membros do próprio grupo O que percebemos inicialmente como uma chamada tinha oito diferentes formas e funções Cleveland Snowdon 1981 Experimentos sobre percepção em macacos e micos mostram que esses animais descriminam e reagem diferentemente a cada uma dessas variações Zoloth et al 1979 Bauers Snowdon 1990 Uma outra forma de complexidade é o uso de diferentes seqüências nas vocalizações A pequena ave americana o chickadee Poecilla atricapillus produz seqüências de canto de quatro tipos de notas A D ou B C D A seqüência das 213 notas está sempre na mesma ordem Hailman et al 1985 Vários primatas sul americanos também têm seqüências simples de chamadas Os micoleõezinhos têm diferentes chamadas de alimento mas quando os sagüis que não se acasalaram encontram alimento eles incluem uma chamada longa uma chamada tanto longa na duração quanto alcança longa distância à frente da chamada de alimento como se a um possível parceiro sexual o alimento encontrado Addington 1998 Após os cottontop tamarins serem alarmados o primeiro animal a se mover emite tanto uma chamada de contato quanto uma de alarme na seqüência como se comunicasse sua ansiedade sobre se o predador ainda está ou não nas proximidades Cleveland Snowdon 1981 Macacos Titi usam seqüências previsíveis de chamadas nas vocalizações emitidas no início a manhã entre parceiros nas margens do território Robinson 1979 e os macacos capuchin e muriquis também usam seqüências complexas de chamadas Da forma como nós combinamos palavras em seqüências para expressarmos diferentes idéias os macacos do Novo Mundo exibem sintaxes simples de sinais sonoros Estrutura e Significado Os sinais são completamente arbitrários ou suas estruturas indicam algo sobre sua função Em várias espécies de aves e mamíferos os sons usados para comunicar ameaça são estridentes ruidosos e rosnados de baixa freqüência Ao contrário vocalizações afiliativas e de subordinação são geralmente tons puros de baixa freqüência sem muito ruído Owings Morton 1998 Isso faz sentido uma vez que um animal agressivo se beneficia em mostrarse maior do que realmente é Um animal que ameaça também eriça suas penas ou seus pêlos piloereção parecendo maior Os sons de alta freqüência de um animal subordinado indicam tamanho corporal pequeno como nos casos descritos anteriormente em que aves e macacos emitem chamadas de filhotes quando ameaçados e os animais submissos baixam suas penas ou pêlos parecendose menores Um outro conjunto de correlações entre estrutura e significado foi descoberto independentemente na forma como os humanos se comunicam com seus animais McConnell 1991 e como os pais se comunicam com os filhos Em muitos idiomas e culturas sons de aprovação têm um padrão comum de uma freqüência baixa no início aumentado a freqüência e depois caindo novamente Sons para um criança ou um cão são tipicamente de baixa freqüência abrupto com duas ou três notas Sons de conforto que acalmam um organismo iniciam com alta intensidade e diminuem em freqüência 214 Sons para alerta ou alerta possuem dois ou três sons ou clicks que cobrem uma ampla faixa de freqüência É notável que os mesmos sons sejam similares entre culturas e também sejam igualmente efetivos em crianças cães e cavalos Em um estudo cães foram criados sem contato com voz humana e então metade desses indivíduos foi treinada a se aproximar de uma pessoa quando sons de aproximação controlados por computador foram acionados e a outra metade treinada a se aproximar frente a sons de proibição Metade dos animais foi também treinada a esperar através de sons normais de proibição e a outra metade a sons normais de aproximação Os cães treinados aos sons normais aprenderam rapidamente enquanto que os treinados aos tipos opostos de sons tiveram problemas de aprendizagem sugerindo que apesar da variação cultural das pessoas elas têm escolhido tipos similares de sons por causa da efetividade desses sons McConnell 1990 Sinais motivação ou referência Cada uma das mensagens comportamentais gerais mostradas na tabela 2 comunica uma motivação interna ou emoção Os seres humanos podem comunicarse sobre objetos e eventos em seus ambientes E os animais também conseguem fazer isso O biólogo Karl Von Frisch ganhou o prêmio Nobel por demonstrar como as abelhas comunicam aos coespecíficos a localização do alimento Ele mostrou que quando uma operária retorna à colméia ela dança sobre o favo com uma taxa de requebrado do abdome inversamente proporcional à distância do alimento quanto mais ativa é a dança mais próximo está o alimento indicando um estado emocional ou motivacional No entanto a orientação da dança na colméia também informa a direção em que está o alimento Uma dança orientada 30 graus para a direita do topo da colméia indica que o alimento está localizado a 30 graus à direita do sol Uma dança orientada para o fundo da colméia indica que a localização é exatamente oposta ao sol Outras abelhas na colméia monitoram tanto a direção quanto a intensidade da dança e rapidamente voam para o local do alimento Von Frisch 1967 O exemplo mais impressionante de comunicação sobre objetos é o sistema de chamada de alarme do macaco vervet Cercopithecus aethiops Este pequeno macaco das savanas do leste da África é vulnerável a muitos predadores e possui diferentes chamadas de alarme Um tipo é emitido em relação a águias outro a 215 leopardos e um terceiro a serpentes Cada um desses sons tem uma estrutura muito diferente de forma que não são simples variações de uma única chamada de alarme Usando técnicas de gravação onde os sons de predadores são emitidos na ausência dos predadores os cientistas observaram que os macacos respondem como se cada chamada trouxesse informação específica sobre o tipo de predador Assim após um alarme de águia os macacos olharam para cima e então rapidamente desceram das árvores e se esconderam na vegetação Em resposta ao alarme de leopardo os macacos que estavam no solo rapidamente subiram nas árvores e observaram atentamente a savana A resposta específica e apropriada para cada chamada sugere que os macacos percebem as chamadas indicando o predador da forma como as palavras águia ou leopardo sugere imagens desses animais em nossas mentes Cheney Seyfarth 1990 Algumas outras espécies têm múltiplos alarmes como os macacos de Diana Cercopithecus diana e os de Campbell Cercopithecus campbelli ambos no oeste da África e os lêmures ringtailed Lemur catta de Madagascar Os macacos de Diana têm chamadas específicas para leopardos e águias e quando um macaco emite esse tipo de alarme o leopardo não consegue capturalo e afastase à procura de uma outra presa Ao contrário os macacos de Diana ficam imóveis e permanecem em silêncio quando ouvem chamadas que indicam presença de chimpanzés Se os chimpanzés ouvem os macacos eles se aproximam e os devoram Zuberbuhler 2003 Claramente os macacos conseguem reconhecer diferentes predadores e usam diferentes estratégias com cada um Muitos animais de galinhas a chimpanzés emitem chamados quando descobrem alimento Se a chamada é específica ao alimento e não de excitação geral veja seção prévia então elas podem também se referir a objetos ou eventos externos Filhotes de algumas espécies de macacos apresentam vários tipos de gritos agudos que usam nas brincadeiras e na agressão os quais informam sobre a seriedade do conflito e o grau hierárquico relativo do oponente As mães discriminam entre esses tipos de gritos e intervêm ou não dependendo da possibilidade de risco ao seu filhote Gouzoules et al 1984 Esses e dados similares indicam que estamos apenas no início para o entendimento da complexidade e sofisticação daquilo que os animais podem comunicar Desenvolvimento 216 Como um animal jovem adquire as habilidades de comunicação que necessita para seu desenvolvimento no grupo Eles nascem com uma habilidade inata para se comunicarem ou devem aprender à medida que se desenvolvem A maioria de nossas evidências sobre o desenvolvimento vem de estudos de pássaros canoros de espécies da América do Norte Baseados nesses estudos um jovem pássaro não nasce com a habilidade de cantar o canto natural de sua espécie mas deve ser exposto ao canto de um adulto num certo período sensível durante o desenvolvimento Marler Peters 1982 Isso significa que um pássaro deve ouvir o canto de um adulto macho entre o 2º e o 4º mês após o nascimento Ele se lembra desse canto e na primavera seguinte começa a vocalização inicialmente com notas muito barulhentas e incompletas que são chamadas de subcanto indo para uma fase progressiva de notas e estrutura iguais às dos adultos ou canto plástico finalmente atingindo a estrutura de canto dos adultos canto cristalizado Se um pássaro é criado em isolamento e ouve gravações de canto somente antes do 1º mês ou após o 4º mês ele não cantará no ano seguinte No entanto alguns estudos mostram que o período de aprendizagem pode ser estendido se o pássaro vive num ambiente social onde interage com outros pássaros Se a companhia é de outra espécie o pássaro jovem pode até aprender o canto dessa outra espécie Baptista Gaunt 1997 As fase de subcanto e canto plástico são necessárias para um pássaro praticar o canto do adulto Se o pássaro tem os ouvidos tampados no início da vida e não pode ouvir um canto de modelo ele não cantará bem Se ouve esse modelo de canto mas é impedido de ouvilo antes do estágio de subcanto ele não cantará bem Nordeen Nordeen 1992 Na maioria das espécies norte americanas que têm sido estudadas até aqui os machos emitem a maioria ou todos os cantos A canção é freqüentemente relacionada aos níveis de testosterona os quais estão aumentados no início da estação de acasalamento em cada primavera Um macho castrado não pode cantar E as fêmeas elas aprendem a cantar Pouquíssimos estudos têm sido feitos sobre as fêmeas de pássaros mas elas também necessitam ouvir logo cedo o canto do macho a fim de reconhecer mais tarde os cantos espécieespecíficos Uma fêmea pode cantar se for injetada com testosterona No entanto na região tropical o acasalamento ocorre ao longo de todo o ano e duetos entre machos e fêmeas são muito mais comuns do que na região temperada Farabaugh 1982 Em contraste aos pássaros norte americanos os pássaros 217 neotropicais não têm flutuações hormonais ao longo do ano e os níveis de testosterona são muito mais baixos Brenowitz et al 1985 O que controla o canto nesses pássaros neotropicais se os níveis hormonais são baixos e ambos os sexos cantam Eles precisam ouvir o canto no início da vida e praticar mais tarde Não sabemos Precisamos de muito mais pesquisas sobre o canto de pássaros dos trópicos Literalmente milhares de publicações científicas têm enfocado o desenvolvimento da canção em pássaros e os mecanismos cerebrais envolvidos principalmente em pássaros criados em isolamento social para se ter um bom controle experimental Muito menos tem sido feito para se saber como os pássaros aprendem a usar o canto num ambiente social A maioria das evidências vem de uma espécie norte americana o cowbird Molothrus sp que põe ovos no ninho de outras espécies Seus filhotes crescem com os pais e siblings de uma outra espécie de forma que não podem aprender o primeiro canto que ouvem no ninho Machos e fêmeas jovens de cowbirds se reúnem em grupos com adultos dessa espécie nas proximidades e o canto é aprendido nesses grupos Os machos praticam uma série de cantos e parecem aprender uns com os outros No entanto as fêmeas recompensam os machos com movimento de batida de asas tão súbitos que nós só podemos percebêlos com uma câmara fotográfica de alta velocidade Os machos não têm apenas que aprender a cantar mas precisam aprender também outras habilidades sociais Um cowbird jovem que foi limitado de interações sociais conforme cresce canta melhor do que um coespecífico em desenvolvimento normal No entanto esse melhor canto tem conseqüências negativas porque os pássaros mais velhos e mais dominantes atacam os jovens que cantam bem Uma habilidade social que tem que ser aprendida é não mostrarse na frente de machos mais dominantes Jovens cowbirds criados com outras espécies canários e starling cantam bem mas direcionam o canto mais para a outra espécie do que para sua própria espécie Um cowbird tem que aprender COMO cantar mas também QUANDO cantar e PARA QUEM cantar West et al 1997 Os pássaros têm muito mais vocalizações do que cantos e podem se ajustar para emitirem chamadas de acordo com o contexto social Esse ajuste ocorre ao longo da vida e não somente no início do desenvolvimento Starlings europeus Hausberger 1997 chickadees Nowicki 1989 goldfinches Mundinger 1970 norte americanos parrots tropicais e budgerigars Brown Farabaugh 1997 são espécies que mudam algumas de suas chamadas quando se juntam a um novo grupo social convergindo para um tipo de canto comum No goldfinch americano os 218 machos e as fêmeas têm repertórios de notas de chamadas separados mas quando se acasalam cada um adquire um pouco das chamadas de seu parceiro e descarta um pouco de suas próprias chamadas indo das chamadas dele e dela para a chamada deles Mundinger 1970 No entanto ao contrário de todas as evidências sobre aprendizagem em pássaros os mamíferos parecem mais prováveis de terem um sistema de comunicação inato Estudos sobre os squirrel monkeys Saimiri do Amazonas mostram que um filhote surdo adquiriu um repertório normal de canto Winter et al 1973 e que os macacos isolados desde o nascimento emitem as chamadas apropriadas quando expostos a uma serpente ou a outro tipo de ameaça Herzog Hopf 1984 parecendo tratarse de diferenças genéticas Squirrel monkeys no norte e do leste do Amazonas têm uma estrutura diferente para suas chamadas de separação em relação àqueles do sul ou do oeste do Amazonas Em estudos sobre percepção os macacos reagiram ao canto de separação somente quando este foi emitido por indivíduos de sua própria população Snowdon Hodun 1985 e quando os macacos de diferentes áreas eram intercruzados eles apresentaram a estrutura de chamada de suas mães sugerindo uma herança materna Newman Symmes 1982 Todos os mamíferos nascem com a habilidade de comunicarse sem qualquer necessidade de aprender a produzir os sinais ou de quando usálos A evidência mais forte para a aprendizagem está nos golfinhos os quais aprendem a imitar uma variedade de assobios e outros sons por meio de reforço McCowan Reiss 1997 Na natureza machos de golfinhos formam coalisões para conseguirem acasalarse com as fêmeas Cada macho tem uma assinatura de assobio mas os machos na coalizão podem produzir suas próprias assinaturas de assobio e também a de seus companheiros A aprendizagem deve estar envolvida na produção do assobio do companheiro Tyack Sayigh 1997 Morcegos de Trindade vivem em pequenos grupos de fêmeas não relacionadas mas todas elas dentro do grupo têm uma vocalização de contato comum que difere daquela de indivíduos de outros grupos na mesma caverna Manipulação experimental movendo juntos morcegos de diferentes grupos indicou que as fêmeas nos novos grupos sociais rapidamente desenvolveram uma nova vocalização comum Boughman 1997 1998 Golfinhos e morcegos são mais similares a pássaros do que a outros mamíferos porque podem nadar ou voar por longas distâncias podendo encontrar outros membros 219 da espécie mas que vieram de longe A maioria dos mamíferos tem mobilidade limitada de forma que eles interagem principalmente com parentes e membros de grupos familiares Talvez os sistemas vocais flexíveis sejam mais necessários aos mamíferos móveis do que aos sedentários A primeira indicação de que os pássaros podem aprender o canto vem de observações de variação geográfica ou dialetos Marler 19700 Inferimos que os seres humanos devem aprender idioma por causa das muitas línguas que falamos e devido à variação regional dentro da linguagem São conhecidos apenas três primatas não humanos que têm variação geográfica nas chamadas o chimpanzé panthoot Mitani et al 1999 as chamadas de contato dos micoleõezinhos De la Torre Yepes Snowdon in preparation e as chamadas de alimento dos macacos japoneses Masataka 1992 Muitas populações de macacos japoneses receberam alimento de pessoas e uma possível explicação sobre as diferentes formas de chamadas de alimento nesses macacos é que os seres humanos tenham sistematicamente reforçado esses animais a produzirem esses sons Masataka 1992 No caso dos chimpanzés e dos micoleõeszinhos ainda não sabemos se as diferenças na estrutura das chamadas têm base genética se representam adaptações ecológicas à variação de ruído em diferentes habitats ou se são alguma forma de cultura Há extensiva documentação mostrando que os chimpanzés têm variação cultural no uso de ferramentas e métodos de alimentação Whiten et al 1999 e assim é plausível que suas diferenças vocais sejam também aprendidas Há também evidências de que as diferenças de chamada nos micoleõeszinhos sejam aprendidas Quantificações de barulhos em habitats onde as diferenças nas chamadas dos sagüis têm sido observadas sugerem que as diferenças entre os habitats não explicam completamente as diferenças na estrutura das chamadas de la Torre 2000 Além disso quando dois micoleõeszinhos formam um novo casal eles alteram a estrutura individual de suas chamadas para formar um novo chamado convergente incorporando partes das chamadas dos dois indivíduos Elowson Snowdon 1999 muito semelhante ao caso dos goldfinches descrito acima Os micoleõeszinhos balbuciam muito semelhantemente aos filhos de seres humanos Elowson et al 1998 Filhos de sagüis produzem longas seqüências de vocalizações que duram até 2 a 3 min Essas seqüências incluem cerca de metade dos tipos de chamadas emitidas pelos sagüis adultos e uma chamada é repetida duas ou três vezes antes que uma nova chamada seja dada A seqüência de chamada não tem relação 220 com o uso do adulto ou com as mudanças no estado do filhote uma chamada afiliativa pode ser seguida por uma chamada de alarme a qual pode ser seguida por uma chamada de ameaça que pode ser seguida por uma chamada de alimento Os balbucios parecem mais casuais Mas os filhotes de macacos que balbuciam mais desenvolvem mais cedo a estrutura de chamada de adulto do que aqueles que são menos vocais Snowdon Elowson 2001 Uma função do balbuciar pode ser a prática vocal Seqüências vocais similares têm sido observadas em filhotes de sagüis comuns no nordeste brasileiro sugerindo que o balbuciar seja comum em todos os sagüis Estudos do desenvolvimento vocal em outras espécies como macacos vervet e cottontop tamarins indicam que os macacos precisam de experiência para aprender como produzir as chamadas e o melhor momento de usálas Macacos vervet podem produzir chamadas de alarme numa idade muito precoce mas têm que aprender como usálas apropriadamente Um macaco jovem pode dar uma chamada de águia para uma folha caindo ou um pequeno pássaro no céu ou pode dar uma chamada de serpente para um galho sobre o solo mas ao longo do tempo ele se torna mais específico e dirige essas chamadas apenas aos predadores Macacos vervet jovens também necessitam entender muito cedo as chamadas de alarme dos adultos para evitarem enganos com predadores Num outro conjunto de chamadas os grunhidos que são mais envolvidos nas relações sociais e entre grupos o desenvolvimento da estrutura de chamada do adulto caminha mais lentamente com os jovens macacos vervet não apresentando a estrutura dos adultos até a puberdade Seyfarth Cheney 1986 Sinais com diferentes funções devem ter diferentes seqüências de desenvolvimento Chamadas de alarme de predador e chamadas de separação de filhotes não devem ser aprendidas e nem variam muito É uma questão de vida ou morte que essas chamadas sejam acuradas quanto ao como são produzidas e entendidas Mas chamadas que são usadas para se lidar com as relações sociais precisam ser flexíveis e adaptáveis às condições locais Uma ave morcego ou macaco que mude a estrutura da chamada quando se acasala ou quando se junta a um novo grupo confirma uma solidariedade com o parceiro ou grupo e informa esse relacionamento aos demais As relações sociais são dinâmicas mudando rapidamente Os animais devem se beneficiar por terem um grande repertório de sinais para responderem dinamicamente Há muito para um jovem aprender e neste domínio dinâmico social o desenvolvimento de sinais de adultos e o uso adequado deles pode ser mais lento que o aprendizado das chamadas de alarme e de separação Além disso o desenvolvimento de habilidades 221 sociais continua ao longo da vida de forma que a mudança e a flexibilidade na comunicação podem ser tão importantes para os adultos quanto para os jovens Os cientistas apenas começaram a entender o desenvolvimento da comunicação especialmente em aves neotropicais e em mamíferos AGRADECIMENTOS Agradeço a Matthew W Campbell Stella M Joyce Gilson L Volpato e Maria Emília Yamamoto por valiosas críticas a uma primeira versão deste capítulo Minha pesquisa é financiada por USPHS Grant MH29775 REFERÊNCIAS Addington RL 1998 Social Foraging in Captive Pygmy Marmosets Cebuella pygmaea effects of food characteristics and social context on feeding competition and vocal behavior Tese de Doutoramento University of Wisconsin Madison Asa CS Goldfoot DA Ginther OJ 1979 Sociosexual behavior and the ovulatory cycle of ponies Equus caballus observed in harem groups Hormones and Behavior 13 4665 Baptista LF Gaunt SLL 1997 Social interaction and vocal development in birds pp 2340 In Snowdon CT Hausberger M eds Social Influences on Vocal Development Cambridge Cambridge 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diretamente na superfície corporal Potencialmente fácil em pequenas distâncias Potencial para superar ruídos Uso de diferentes canais amplitude aumentada todos os habitats e condições de luz Bom em dias claros e para distâncias curtas fraco em florestas com vegetação alta A especificidade das substâncias pode sobrepor o ruído mas a poluição química também pode interferir Fácil devido ao contato direto Resolve os problemas de pouca luz a especificidade da forma da onda protege de ruído elétrico Longa distância Bom especialmente com sinais de baixa freqüência Pobre Mesmo em boas condições névoa e obstáculos criam problemas Moderado depende da volatibilidade dos odores da direção e da velocidade do vento ou da água Pobre A maioria dos sinais envolve contato direto alguns sinais sísmicos podem percorrer longas distâncias Pobre O sinal tem pouca força a distância percorrida depende da condutividade na água Evitar predadores Fraco Os sinais devem ser usados brevemente serem crípticos ou fora do Fraco Se um coespecífico pode ver o sinal é provável que o predador também o Bom Os sinais permanecem depois que o animal se afasta Bom Geralmente não se espalha além de onde os indivíduos Bom Pouco predadores têm receptores elétricos os sinais não percorrem grandes 230 alcance do predador veja estão interagindo distâncias Duração Rápido necessita atenção ao sinal Muito rápido necessita atenção ao sinal Muito lento pode permanecer ativo por horas ou dias Moderado pode deixar sensações após o final do toque Muito rápido devido à alta velocidade de condução Complexidade potencial Alto potencial para variação na estrutura do sinal devido a mudanças na freqüência e no padrão temporal Alto potencial para variação na estrutura do sinal devido a diferentes cores movimentos e partes do corpo envolvidas Desconhecido os cheiros podem conter uma mistura complexa de odores mas não se sabe se a mistura pode mudar rapidamente em resposta a uma mudança rápida nas interações sociais Moderado devido às diferentes partes do corpo que podem ser tocadas ao padrão rítmico intensidade do toque Alta devido às diferentes formas de onda à modulação das taxas de descarga e ao ritmo Tabela 2 Mensagens a partir de sinais emitidos por animais Mensagens Comportamentais Gerais Procurando ou evitando interação Ataque Fuga Cópula Associação Hesitação ou indecisão Locomoção Permanência no local Receptividade Atenção ou Monitoramento Início da alimentação Localização de alimento Alarme Distresse Reunião ou recrutamento Catação Grooming ou início de Grooming Brincadeira ou convite à brincadeira Sincronização Conforto do Ninho ou cuidado de filhote Modificadores Probabilidade ou indicação de ação Intensidade relativa Estabilidade relativa Direção Localização Identificadores Sexo Idade Status de ligação do Par Família Grupo População Subespécie Espécie Condição Reprodutiva Maduro Imaturo Estágio do Ciclo Adaptado de Smith 1977 Capítulo 9 COGNIÇÃO ANIMAL Briseida D Resende briuspuolcombr Patrícia Izar patrizaruspbr Departamento de Psicologia Experimental Instituto de Psicologia Universidade de São Paulo São Paulo SP Brasil 1 Introdução As pessoas que se interessam por comportamento animal admiramse com as habilidades de algumas espécies que parecem indicar capacidades de planejamento e raciocínio tipicamente atribuídas aos humanos Por exemplo formigas da espécie Cataglyphis fortis quando saem de seu ninho em busca de alimento podem percorrer distâncias de até mais de cem metros dando voltas para um lado e para outro indo para a frente e para trás fazendo um caminho bastante tortuoso No entanto quando encontram um alimento não precisam refazer seus passos e retornam diretamente ao formigueiro em linha reta Macacosprego da espécie Cebus libidinosus quebram cocos para comer o nutritivo endosperma colocandoos sobre uma superfície estável e resistente como uma bigorna e usando pedras pesadas e arredondadas para bater como um martelo ou seja usam ferramentas para obter alimento Para os cientistas estes dois exemplos levantam hipóteses sobre quais habilidades cognitivas estão envolvidas na exibição do comportamento Mas o que é cognição Neste capítulo adotamos a perspectiva de que a cognição animal é uma característica biológica moldada pela seleção natural e portanto pode ser analisada como adaptação a demandas cognitivas enfrentadas pelas diferentes espécies em seu ambiente natural Dukas 1998 A cognição referese aos mecanismos pelos quais os animais adquirem processam e usam informações do ambiente incluindo percepção memória aprendizagem e tomada de decisão Shettleworth 2010 Por essa perspectiva cognição não é indicativo de consciência O processamento de informações pode ou não ser consciente De fato acessar a consciência animal pode ser impossível considerando que se trata de um estado subjetivo acessado em humanos por meio de relato verbal Assim o modo como os animais processam informações e se comportam adaptativamente pode e na maior parte das vezes deve ser estudado sem menção à consciência 11 O antropomorfismo no estudo da cognição Ao inferir cognição animal a partir de certos comportamentos ditos complexos como por exemplo o uso de ferramentas para obtenção de alimento é comum atribuir inteligência ao sujeito da ação Mas o que é inteligência Para Pearce 2008 por exemplo a inteligência teria como característica definidora o fato de permitir que os animais se comportem de forma adaptativa mas ressalta que essa definição possui limitações que ficam evidentes ao comparar espécies diferentes Nesse caso a capacidade de aprender poderia ser usada para acessar a inteligência aquele que aprende mais rápido e tem melhor memória seria mais adaptado e portanto mais inteligente Mas como comparar animais com histórias evolutivas tão diversas Para Shettleworth 2010 inteligência é um termo difícil de definir além de não ser muito útil para descrever o comportamento animal por dois motivos primeiro é um termo geralmente usado para se referir a habilidades gerais das pessoas enquanto as habilidades cognitivas são em grande parte modulares e segundo há a necessidade de se definir formalmente a meta específica à qual o comportamento está direcionado Grande parte da confusão entre os conceitos de cognição e inteligência se origina no antropocentrismo que historicamente tem caracterizado o estudo da cognição animal Em 1882 George Romanes inspirado por Darwin lançou o livro Animal Intelligence no qual relatava diferentes exemplos de comportamentos ditos inteligentes realizados por uma vasta gama de espécies de formigas a macacos Esse trabalho foi muito criticado especialmente por Lloyd Morgan por seu caráter anedótico e pela antropomorfia excessiva na sua interpretação das capacidades cognitivas dos animais Morgan apontava para o uso de explicações mais parcimoniosas na ausência de evidências científicas relevantes Ou seja se um comportamento pudesse ser interpretado como o resultado de uma faculdade mental mais simples ele assim o deveria ser Essa idéia embasou as pesquisas subseqüentes sobre inteligência e cognição animal Pearce 2008 Apesar de ser possível questionar sobre o que seria uma faculdade mental mais simples há um consenso na comunidade científica de que as explicações devem ser testadas e as conclusões devem ser tiradas a partir das evidências favorecendo as explicações mais simples Determinados comportamentos humanos apresentam semelhança em relação a comportamentos realizados por outros animais porém não podemos concluir que esteja ocorrendo o mesmo processo mental Pearce 2008 Ainda assim pesquisadores de psicologia comparada frequentemente utilizam modelos animais como ratos e pombos animais de porte e comportamento adequados para experimentos em laboratório para estudar por exemplo mecanismos de aprendizagem e memória Os resultados são extrapolados para humanos partindose do pressuposto de que humanos compartilham características cognitivas e comportamentais com outras espécies Este fundamento da psicologia comparada baseiase nas idéias de Darwin para quem a diferença entre os homens e os animais é uma diferença de grau não de tipo Darwin 1871 privilegiando as semelhanças entre as espécies e o compartilhamento de características herdadas Embora Darwin tenha proposto que as espécies tenham se ramificado de uma origem única descartando a idéia de linearidade Yamamoto 2007 a afirmação sobre uma diferença de grau e não de tipo foi por alguns perigosamente interpretada de forma antropocêntrica como uma corroboração de que os humanos estão no topo da evolução e apresentam sempre características mais complexas mais elaboradas mais evoluídas especialmente no que diz respeito à cognição Shettleworth 2010 12 A abordagem ecológica ao estudo da cognição A visão clássica antropomórfica considera que as capacidades cognitivas humanas são comparativamente mais complexas Uma abordagem mais moderna ao estudo da cognição animal também chamada de abordagem ecológica à cognição comparada valoriza a compreensão das habilidades de cada animal entendendo seu contexto evolutivo e ecológico Considerase que uma história evolutiva é até certo ponto compartilhada entre os táxons Porém cada espécie tem a sua história evolutiva E como diferentes espécies habitam diferentes ambientes e pertencem a diferentes contextos podem perceber estímulos e processar informações de maneiras diferentes Partindo desta perspectiva e considerando que a inteligência é a capacidade de solucionar problemas ecologicamente relevantes do ambiente no qual a evolução ocorreu a abordagem ecológica à cognição comparada pretende entender em que consiste a inteligência de cada espécie Sendo assim não classificamos hierarquicamente as capacidades cognitivas de uma formiga que volta em linha reta para o formigueiro após forragear por caminhos tortuosos de um papagaio que conta até seis e de fêmeas de aves que escolhem parceiros sexuais mais simétricos Enfatiza se como o animal utiliza sua cognição no ambiente selvagem por exemplo durante forrageamento ou escolha de parceiro Dados sobre história natural e evolução devem ser considerados bem como teorias e métodos desenvolvidos pela abordagem antropocêntrica O comportamento considerado como evidência de cognição pode ser uma habilidade nãoaprendida e pode ser estudado também fora do laboratório no ambiente natural Recentes discussões sobre evolução da inteligência consideram a existência de módulos cognitivos que seriam equivalentes a especializações adaptativas para lidar com certas particularidades do ambiente Ou seja a mente seria como um canivete suíço e não uma faca de lâmina simples pois seria o equivalente a uma ferramenta de uso geral mas com componentes especializados para cada situação evolutivamente relevante Barkow et al 1995 Mas os módulos ou especializações adaptativas e os processos cognitivos mais gerais não precisam ser encarados como conceitos opostos já que o compartilhamento de características e a diversidade entre espécies são dois aspectos de sua história evolutiva e portanto não seria correto enfatizar um em detrimento do outro Shettleworth 2010 Alguns processos cognitivos como a habituação ou a aprendizagem por associação seriam largamente compartilhados entre as espécies Outras habilidades apareceriam apenas em alguns táxons como a linguagem dos humanos ou a ecolocalização exibida pelos morcegos As diferentes espécies apresentam mecanismos cognitivos gerais e especializações para perceber aprender memorizar e classificar Por exemplo muitos dos princípios universais da percepção refletem a organização do mundo físico os animais diferem nos canais sensoriais que utilizam e nos padrões de sensibilidade destes canais Essas diferenças estão relacionadas a seus habitats e estilos de vida Porém todos os sistemas sensoriais compartilham algumas características como a resposta mais acentuada a um estímulo mais intenso sensibilidade ao contraste e uma tendência à habituação Partindo de mecanismos básicos gerais as espécies apresentam diferenças qualitativas referentes à maneira como a informação é processada estocada ou usada Esses mecanismos são utilizados pelos animais para aquisição de informações sobre o mundo físico habilidades numéricas temporais e espaciais e sobre o mundo social o que os indivíduos sabem sobre seus companheiros o que aprendem no ambiente social como se comunicam A partir dessas informações os animais podem tomar decisões como qual caminho percorrer onde se esconder o que comer com qual parceiro se acasalar qual a melhor forma de processar um alimento a quem se aliar ou manter uma relação próxima No capítulo quatro foram apresentadas as bases neurais da cognição animal Neste capítulo apresentamos estudos de caso que exemplificam como é possível fazer inferências sobre os processamentos cognitivos subjacentes ao comportamento observado Abordaremos a cognição espacial o uso de ferramentas atribuição de causalidade e cognição social como tópicos chave para exemplificar as pesquisas que adotam uma perspectiva ecológica 2 Cognição espacial 21 Sistemas de representação espacial Habilidades que permitam a um organismo navegar no ambiente orientandose para um objetivo isto é voltar a um local onde encontrou recursos como água alimento ou parceiro reprodutivo ou retornar à base de moradia após uma excursão em busca de recursos são essenciais à sobrevivência McNamara et al 2008 Essas habilidades envolvem a aquisição de uma representação interna da localização de um objetivo e de como atingilo o que se entende por cognição espacial Shetlleworth 2010 A partir do trabalho de Tolman 1948 os estudos sobre cognição espacial foram dominados pela concepção de que os animais e humanos por analogia navegariam com base em uma representação mental do espaço estruturada como um mapa cartográfico com propriedades euclidianas denominada mapa cognitivo O mapa cognitivo seria uma representação duradoura alocêntrica e abrangente do ambiente de navegação Wang Spelke 2002 Definese um sistema de representação como alocêntrico quando o organismo centra sua localização e orientação em objetos ou características do ambiente Iachini Ruggiero 2006 como o azimute solar ou o campo magnético McNamara et al 2003 localizando um objeto em relação a outros objetos Poti 2000 No entanto à medida que os estudos progrediram tal concepção deu lugar à noção de que grande parte das espécies de animais navega com base em representações dinâmicas egocêntricas e limitadas a uma parte do ambiente de navegação Dyer 1998 Wang Spelke 2002 Num sistema de representação egocêntrico o organismo representa a si mesmo como o centro do ambiente Iachini Ruggiero 2006 localizando um objeto ou característica do ambiente em relação ao seu próprio corpo Poti 2000 212 Integração de caminhos path integration Um dos mecanismos mais básicos de orientação egocêntrica encontrado em muitas espécies de insetos aves e mamíferos Dyer 1998 é a integração de caminhos path integration O sistema de integração de caminhos é típico de espécies que fazem ninho como formigas e roedores portanto deve ser adaptativo que o animal seja capaz de manter uma atualização de sua posição em relação ao ponto de partida e ser capaz de voltar em linha reta Shetlleworth 2010 Um exemplo clássico desta forma de navegação como citado no início deste capítulo são as formigas do deserto que saem de seu ninho navegando por rotas tortuosas e aleatórias em busca de alimento e ao encontrálo retornam para casa em linha reta Esse mecanismo consiste num senso interno de direção e distância que gera sinais durante a locomoção permitindo que os sujeitos atualizem sua posição em relação ao seu ponto de partida ou em relação a um objetivo específico Pearce 2008 O animal representa a posição egocêntrica do ponto de partida por exemplo o ninho como um vetor especificando a distância e direção radial de sua posição em relação à posição do ninho e continuamente subtrai deste vetor um segundo vetor que especifica a distância e a direção radial percorrida em relação ao último registro O vetor resultante corresponde à posição egocêntrica do ponto de partida Wang Spelke 2002 Mas como um animal que usa a integração de caminhos consegue manter a linha reta em seu deslocamento de volta para o ponto de partida Em geral uma característica do ambiente é usada como referência e muitas espécies de insetos como abelhas e formigas do deserto e de aves usam o azimute solar Dyer 1998 Para manter o curso do deslocamento o organismo precisa manter seu próprio corpo num ângulo constante em relação ao azimute solar ângulo no sentido horário entre o norte geográfico e a projeção perpendicular do centro do sol ao horizonte na perspectiva do observador Mas a posição do sol muda ao longo do dia das estações o sol não está visível durante a noite ou em dias nublados Estudos experimentais têm demonstrado que insetos e aves são capazes de extrapolar a posição do sol com base na taxa de movimento do azimute observada em outros dias ou horários do dia ou seja por efeito de aprendizagem combinado com uma representação inata do movimento solar Dyer 1998 Muitas aves migratórias utilizam o campo magnético da Terra como referência direcional O sistema de bússola magnética das aves detecta se o indivíduo está se movendo em direção a um pólo magnético ou ao equador e é insensível à polaridade magnética o que faz com que animais no hemisfério norte se dirijam ao pólo na direção do norte e animais no hemisfério sul dirijamse ao pólo na direção do sul Esse mecanismo permite que as aves em ambos os hemisférios se dirijam ao pólo na primavera e voltem em direção ao equador no outono Dyer 1998 No entanto aves migratórias que ultrapassam o equador precisam de um sistema adicional de orientação normalmente as estrelas De fato experimentos indicam que as aves são capazes de identificar o Norte com base na configuração das estrelas uma capacidade que é aprendida ao longo do desenvolvimento Shettleworth 2010 212 Marcos espaciais landmarks Outro mecanismo de orientação egocêntrica é um sistema de reconhecimento de locais com base na representação de marcos espaciais landmarks Esse tipo de orientação foi elegantemente demonstrado por Tinbergen 1972 para vespas escavadoras Philanthus triangulum Tinbergen observou que as fêmeas dessas vespas escavavam ninhos no solo onde depositavam seus ovos e então partiam em busca de alimento que traziam de volta ao ninho para alimentar a prole O pesquisador marcou as vespas e constatou que cada uma retornava exatamente ao seu ninho levandoo à hipótese de que as vespas usavam marcos espaciais para localizar seu ninho Para testar essa hipótese Tinbergen cercou a abertura de entrada dos ninhos com um anel de pinhas que era deslocado depois que as vespas saíam para forragear A hipótese foi confirmada uma vez que as vespas procuravam pela abertura do ninho no centro do anel de pinhas e não no local correto Estudos experimentais têm mostrado que formigas e abelhas usam a integração de caminhos para retornar à área familiar próxima ao ninho após excursões para áreas mais desconhecidas e distantes e usam o sistema de reconhecimento de locais com base na representação de marcos espaciais para a aproximação final ao ninho por exemplo Riley et al 2005 A integração entre sistemas de orientação pode depender das condições do ambiente tornando um ou outro tipo de informação mais relevante ou confiável Por exemplo abelhas utilizam a orientação com base em bússola solar quando o céu está aberto mas passam a usar informações de marcos espaciais quando o céu está encoberto De outro lado experimentos elaborados de forma a tornar os marcos espaciais pouco confiáveis isto é alternando a posição desses marcos em relação à posição original de treinamento das abelhas levam as abelhas a ignorálos como fonte de informação Shettleworth 2010 Experimentos clássicos com ratos e pombos também demonstram que esses animais usam marcos espaciais na sua orientação Shettleworth 2010 213 Mapa topológico Estudos recentes com primatas nãohumanos têm sugerido que esses animais também se utilizam de marcos espaciais para se orientar de forma egocêntrica num sistema de rede de rotas ou mapa topológico Noser Byrne 2007a Vários estudos mostram que muitas espécies de primatas de macacosaranha que vivem na floresta amazônica a babuínos da savana africana navegam por sua área de uso percorrendo rotas habituais isto é usam sempre os mesmos caminhos Esse tipo de observação sugere que primatas têm uma representação interna de várias seqüências de marcos espaciais ou rotas interconectadas em locais específicos preservando relações topológicas entre as localizações porém sem informações euclidianas e vetoriais Byrne 2000 Um sistema de orientação baseado na representação de redes de rotas seria bastante eficiente exigindo menos energia em processamento cognitivo Di Fiore Suarez 2007 porque em vez representar a exata localização de recursos recentemente encontrados em relação à posição atual do animal à posição de marcos do ambiente e dos marcos do ambiente em relação à sua posição atual o animal apenas precisa associar os recursos ao longo de rotas familiares e memorizar marcos espaciais associados a recursos Garber 2000 Poti et al 2005 Noser Byrne 2007a estudando babuínos Papio anubis mostraram que esse tipo de representação embora comumente resulte num sistema de rotas habituais permite a navegação por novos caminhos para atingir recursos já visitados desde que os marcos espaciais representados e associados aos recursos estejam visíveis Os autores estudaram os babuínos num ambiente de savana constituído de montanhas rochosas cercadas por amplas planícies de forma que os picos das montanhas eram marcos espaciais destacados Seguindo um grupo social diariamente marcando todos os recursos usados tanto fontes de alimento como de água e locais de dormida constataram que os animais planejavam rotas eficientes de forma a visitar locais onde esses recursos haviam sido encontrados Noser Byrne 2007b Na população estudada havia vários grupos sociais distintos que competiam agressivamente quando se encontravam durante o forrageamento de forma que encontros entre grupos frequentemente resultavam em fuga e os animais estudados muitas vezes eram obrigados a abandonar uma rota conhecida criando uma situação de experimento natural Os autores constataram que os animais conseguiam usar um desvio ou um caminho novo para chegar ao objetivo espacial original desde que tivessem visibilidade das montanhas Quando um encontro entre grupos acontecia numa área de planície sem marcos espaciais visíveis os animais após um longo tempo de espera retornavam exatamente ao ponto de onde haviam fugido e retomavam a rota habitual para atingir o objetivo espacial Esses estudos levaram Presotto e Izar 2010 a investigar se macacosprego Cebus nigritus também navegariam utilizando um sistema de rede de rotas A cognição espacial desses animais tem sido objeto de muitos estudos tanto no ambiente natural como em laboratório levando a resultados controversos Por exemplo os estudos de campo indicavam que macacosprego selvagens usam informação sobre a localização relativa de pelo menos dois recursos para decidir uma rota de forrageamento o que foi considerado consistente com um sistema de orientação alocêntrica Janson 1998 2007 enquanto experimentos de laboratório sugeriam que a utilização de orientação egocêntrica prevalece em relação ao reconhecimento baseado em dicas externas Poti 2000 Presotto e Izar 2010 consideraram que esses resultados controvertidos poderiam ser explicados se os achados de Noser e Byrne 2007 ab descritos acima também fossem observados em macacosprego As autoras estudaram as rotas diárias de um grupo selvagem de macacosprego vivendo na Mata Atlântica e marcaram todas as árvores em que os animais se alimentavam constatando que várias foram visitadas repetidas vezes a intervalos variando de um dia a mais de um mês Utilizando um mapa tridimensional da área de uso dos animais as autoras identificaram marcos espaciais destacados associados às fontes de alimento e determinaram a condição de visibilidade desse marcos ao longo de toda a rota percorrida pelos animais para chegar ao objetivo a cada visita Os resultados mostraram que os macacosprego chegavam a uma mesma fonte de alimento usando caminhos repetidos ou diferentes com ou sem marcos espaciais visíveis em freqüências similares sugerindo que a visibilidade do marco espacial não era condição necessária para localizar um objetivo As autoras consideraram que os macacosprego estudados usam um sistema de orientação alocêntrico para navegar entre fontes de alimento ricas que sustentam o grupo em várias visitas No entanto quando os animais não encontravam frutos e se alimentavam principalmente de invertebrados e bromélias recursos uniformemente distribuídos na mata navegavam utilizando um sistema de rotas preferenciais sugerindo o uso de um sistema de orientação egocêntrico Assim é possível que os macacos usem diferentes sistemas de orientação dependendo do tipo de recurso alimentar encontrado Portanto o contexto ecológico pode afetar o sistema de orientação usado por primatas não humanos Normand Boesch 2009 assim como discutido anteriormente para outros animais Essa conclusão e as diferenças de resultados obtidos em estudos com primatas selvagens e em condições de cativeiro sugerem que a cognição espacial desses animais também é fruto de interação entre capacidades inatas e aprendizagem assim como discutido para invertebrados Animais criados em cativeiro podem não apresentar certas habilidades de navegação que animais selvagens adquirem com a experiência e prática em deslocamentos por grandes espaços Menzel Beck 2000 22 Memória espacial Os estudos sobre cognição espacial também têm revelado o tipo de informação a respeito de objetivos espaciais que diferentes espécies são capazes de armazenar e por quanto tempo a memória perdura Por exemplo evidências comportamentais sugerem que primatas lembram o estado de maturação dos frutos de árvores que visitaram Janmaat et al 2006 e a quantidade de frutos em cada fonte Janson 1998 Estudos experimentais com aves estocadoras trazem os exemplos mais impressionantes Numa série de experimentos Clayton e Dickinson 1998 1999 mostraram que o gaio azul Aphelocoma californica é capaz de lembrar a localização exata de alimentos estocados dez dias antes por meio de marcos espaciais associados o tipo de item estocado o preferido larva de mariposa ou amendoim e o intervalo de tempo transcorrido desde a estocagem Isso ficou evidente quando os experimentadores submeteram as aves a uma condição em que o alimento preferido apodrecia após 124 horas de estocagem enquanto os amendoins permaneciam bons Quando testados antes de 124 horas após a estocagem os gaios sempre recapturavam primeiro as larvas mas se o teste ocorresse após 124 horas os gaios recapturavam os amendoins Estudos com quatro espécies diferentes de corvídeos estocadores incluindo o gaio azul sugerem que a duração e a capacidade da memória espacial de cada uma é diretamente relacionada ao grau de dependência do alimento estocado para sobrevivência no inverno Balda Kamil 2006 Em conclusão diferentes espécies apresentam diferentes capacidades cognitivas espaciais provavelmente em função de distintas pressões seletivas de seu modo de vida Além disso capacidades cognitivas dependem de predisposições inatas selecionadas mas há também efeito de aprendizagem e experiência No exemplo a seguir discutiremos que tais características podem envolver tanto aprendizagem individual como social 3 Uso de ferramentas e causalidade 31 Uso de ferramentas por animais e definições O uso de ferramentas foi por algum tempo considerado como uma habilidade exclusiva de humanos por ser cognitivamente complexa Atualmente com o aumento das pesquisas de campo sabemos que outras espécies exibem este comportamento Por exemplo lontras e abutres utilizam pedras para ter acesso à parte comestível de conchas e ovos vanLawickGoodall 1970 Outras espécies como os corvos da Nova Caledônia fabricam a ferramenta modificando gravetos que usam para cutucar larvas nos ocos das árvores Hunt 1996 Mas em que medida a manipulação de objetos expressa a inteligência dos animais Reznikova 2007 O uso de ferramentas não implica necessariamente em complexos processos de aprendizagem jogar uma pedra para abrir um marisco ou um ovo pode ser uma conseqüência de reforço alimentar que gera o desempenho de cadeias comportamentais Segundo Shettleworth 1998 isso não seria muito diferente do comportamento do abutre que joga o ovo em cima de uma pedra por exemplo Porém Lefevre et al 2002 consideram que o uso de ferramentas pode ser genuíno o que implica em manipulação da ferramenta como introduzir varetas em ocos golpear pedras contra alimento encapsulado ou limítrofe o que envolve o uso de objetos mas não sua real manipulação como a pedra sobre a qual um alimento pode ser jogado para se romper Em revisão sobre o uso de ferramentas por aves e tamanho de cérebro esses autores concluíram que pássaros que fazem uso genuíno de ferramentas para obter alimento e água possuem cérebros maiores do que aqueles que fazem uso limítrofe Dentre os primatas encontramse as espécies responsáveis pelo maior número de exemplos de uso genuíno de ferramentas seja em cativeiro ou em campo A maior parte dos exemplos é atribuída aos grandes macacos hominóides especialmente chimpanzés bonobos e orangotangos e aos macacos do Novo Mundo do gênero Cebus Tomasello Call 1997 Matsuzawa 1991 Visalberghi 1987 A intensificação das pesquisas de campo proporcionou um aumento do conhecimento a respeito do uso espontâneo de ferramentas por animais selvagens van Schaik et al 2003 Whiten et al 1999 Mannu e Ottoni 2009 Dentre os exemplos destacamos o uso de pedras ou troncos por chimpanzés para quebrar cocos Matsuzawa 1991 Boesch Boesch 1983 Comportamento similar é apresentado espontaneamente por macacosprego selvagens Fragaszy et al 2004 Langguth Alonso 1997 Mannu Ottoni 2009 ou que vivem em semiliberdade Ottoni Mannu 2001 Resende et al 2008 O uso espontâneo e sistemático de ferramentas em campo vem suscitando interesse científico especialmente no aspecto concernente à transmissão social das habilidades por ser um comportamento que precisa ser aprendido o que pode ocorrer de forma individual ou social van Schaik et al 2003 Fragaszy Perry 2003 Whiten et al 1999 32 Compreensão causal O estudo do uso e da fabricação de ferramentas tem sido utilizado por pesquisadores interessados em compreender a evolução das capacidades cognitivas de humanos na medida em que pode estar relacionado com a evolução das áreas cerebrais relacionadas a este comportamento e com o surgimento da cultura material McGrew 1992 Quando falamos do uso de ferramentas por humanos está implícito um entendimento causal a respeito de como a ferramenta funciona Shettleworth 2010 Mas o que um primata nãohumano compreende a respeito das ferramentas que usa Para investigar esse assunto Visalberghi e Trinca 1989 fizeram um experimento em que macacosprego deveriam obter alimento que estava dentro de um tubo transparente de acrílico por meio do uso de bastões Os animais tiveram sucesso na tarefa porém as autoras ressaltaram que isso poderia ser alcançado por tentativaeerro independente dos animais conseguirem realizar operações cognitivamente mais complexas Numa segunda etapa do experimento foi adicionado um novo nível de dificuldade os animais tinham à sua disposição bastões que deveriam ser modificados para que pudessem ser introduzidos no tubo Por exemplo vários bastões eram unidos por uma fita adesiva para usar era necessário retirar a fita ou eram coladas pequenas varas nas extremidades de um bastão tornando necessária sua remoção para a introdução no tubo ou então eram oferecidos três bastões curtos e aí era necessário introduzir os três de um lado só para conseguir retirar o alimento Os animais também tiveram sucesso mas exibiam tentativas equivocadas de retirada da recompensa por exemplo introduziam cada bastão curto em um lado diferente do tubo ficando a recompensa intocada no meio ou tentavam introduzir a fita no tubo ao invés dos bastões Assim as autoras concluíram que os resultados também poderiam ser explicados por tentativaeerro e que os animais só aprendiam após muito treino sobre quais propriedades dos objetos das superfícies e de suas ações eram mais importantes para o sucesso não havendo nenhuma indicação de compreensão de causalidade Visalberghi Limongelli 1996 Posteriormente Visalberghi e Lomongelli apresentaram uma nova variação do tubo para quatro macacosprego já proficientes na tarefa Desta vez havia um buraco no meio do tubo ao qual estava acoplado um recipiente que servia como armadilha para o alimento Ou seja se o sujeito inserisse o bastão pelo lado errado o alimento amendoim cairia nesta armadilha e não poderia ser retirado do tubo A idéia era verificar se os animais reconheceriam isso Dos quatro sujeitos testados apenas uma fêmea obteve taxa de sucesso acima do acaso As autoras sugeriram que ela conseguia resolver a tarefa com base em regras simples aprendidas por associação inserir o bastão pelo lado em que o alimento está mais longe da recompensa assim estaria posicionado após a armadilha Ela foi então submetida a outra variação do experimento para explorar sua compreensão da tarefa o tubo foi girado de forma que a armadilha ficava em cima portando não recolhia o amendoim Nesta situação ela continuava usando a mesma regra de distância embora isso não tivesse importância alguma para o sucesso nesta etapa Então as autoras concluíram que a fêmea em questão não entendia as relações de causaeefeito mas apresentava uma grande capacidade de aprendizagem por associação ver também Fragaszy et al 2004 capítulo 10 para uma discussão mais detalhada Estes experimentos foram replicados com chimpanzés orangotangos e bonobos como sujeitos e os resultados foram semelhantes o sucesso também poderia ser explicado por regras de associação simples Visalberghi et al 1995 A aprendizagem por associação compartilhada por um grande número de espécies é suficiente para explicar a grande maioria dos exemplos de uso de ferramentas Tratase de um processo cognitivo simples porém capaz de produzir ajustes sofisticados do comportamento ao ambiente Fragaszy Visalberghi 2001 Quando o experimento do tubo com a armadilha foi realizado com humanos apenas adultos e crianças maiores do que quatro anos conseguiram evitar a armadilha nas primeiras tentativas Shettleworth 2010 Em experimento realizado por Horner e Whiten 2007 chimpanzés de 2 a 7 anos e crianças divididas em dois grupos de idade grupo de 3 a 4 anos e grupo de 5 a 6 anos assistiam uma pessoa inserindo um bastão sempre pelo mesmo lado no tubo com armadilha e depois tinham a chance de executar a tarefa Os pesquisadores concluíram que as crianças mais novas tendiam a copiar indiscriminadamente a tarefa o que levava ao erro na hora do teste nos casos nos quais o modelo inseria o bastão pelo lado errado enquanto as mais velhas conseguiam compreender a causação implicada em suas ações Por volta dos quatro anos de idade emerge nas crianças a percepção de que o outro é um agente intencional fenômeno ao qual chamamos de teoria da mente Antes de completar dois anos de vida as crianças já compartilham com os adultos ou crianças mais velhas a atenção em relação a ações e objetos do meio Tomasello 2003 sendo capazes de replicar as ações de seus modelos mas não necessariamente conseguindo executar a tarefa pois não conseguem atribuir intenção aos outros 33 Teoria da Mente A Teoria da Mente é um conjunto de habilidades necessárias para interação social sofisticada em grupos humanos e é a base para formas mais avançadas de cognição social como as trocas sociais que envolvem a detecção de trapaça ou elaboração de acordos Bjorklund Pellegrini 2002 Este termo foi cunhado por Premack e Woodruff 1978 ao apresentar pesquisa com o objetivo de verificar se chimpanzés seriam capazes de atribuir estados mentais a outros Os pesquisadores não conseguiram então comprovar de maneira definitiva a existência de Teoria da Mente em chimpanzés porém este trabalho trouxe importantes avanços para os estudos sobre a cognição humana sendo a deficiência desta capacidade uma característica encontrada em síndromes autísticas Meltzoff Gopnik 1993 Mais recentemente Hare e colegas realizaram testes com chimpanzés que consideraram mais adequados para eliciar o fenômeno em questão dois chimpanzés um dominante e um subordinado eram colocados juntos em um recinto com alimento distribuído em locais que variavam quanto à possibilidade de visualização pelos dois indivíduos O chimpanzé subordinado só pegava o alimento na situação em que o dominante não podia ver Os autores concluíram que os chimpanzés sabem o que os outros podem ou não fazer e tomam decisões baseados nessa informação Hare et al 2000 Chimpanzés aculturados costumam apresentar o uso de sinais humanos como apontar Tomasello et al 1993 Se os chimpanzés aprendem a fazer isso porque percebem que estão dirigindo a atenção de outro sujeito para um objeto não percebido possuem rudimentos de Teoria da Mente pois perceberiam que detêm conhecimento que outros não tem e que podem dirigir a atenção apontando Bjorklund Pellegrini 2002 Provavelmente os chimpanzés têm a flexibilidade cognitiva necessária quando criados em ambientes humanos para desenvolver algumas características cognitivas semelhantes às de humanos associadas à Teoria da Mente e que refletem préadaptações para a aprendizagem social Bjorklund Pellegrini 2002 34 Percepção e Ação Apesar do refinamento dos experimentos realizados em laboratório os resultados obtidos podem ser sempre explicados por associação No entanto podese utilizar outro tipo de abordagem para compreender como se dá a aprendizagem de comportamentos relacionados ao mundo físico Por exemplo para entender de que forma ocorre a aquisição do uso de ferramentas alguns pesquisadores vêm utilizando a teoria da Percepção e Ação Esta abordagem considera os organismos como sistemas de desenvolvimento interagindo em níveis múltiplos que vão desde a biologia molecular do material genético e das proteínas até a interação do organismo com o ambiente preocupandose em entender como a mente emerge em um indivíduo em desenvolvimento O uso de ferramentas é visto como um fenômeno contínuo ao longo do desenvolvimento enraizado na aprendizagem perceptual originada das ações do sujeito com os objetos Gibson Pick 2000 Lockman 2000 e 2006 Resende et al 2008 A teoria prevê que ações diretas sobre objetos e superfícies precedem ações combinatórias entre objetos e superfícies e o início do uso de ferramentas deve refletir as ações que o indivíduo executava envolvendo os objetos e as superfícies Os aspectos temporais e espaciais da tarefa devem ser aprendidos e também é necessário aprender a monitorar as conseqüências das ações quando há um objetivo Para entender as origens do uso de ferramentas sob esta perspectiva é necessário analisar as rotinas exploratórias envolvendo objetos e considerar as demandas das tarefas dentro do contexto de uso de ferramentas Fragaszy CumminsSebree 2005 Os estudos com macacosprego em cativeiro mostraram que apesar de conseguirem solucionar a tarefa os animais não parecem compreender essas propriedades Porém o que acontece com os animais selvagens que usam rotineiramente ferramentas para obter alimentos Uma pesquisa de longa duração com macacosprego selvagens Cebus libidinosus tem sido bastante reveladora Fragaszy et al 2004 A população estudada já estava habituada à presença de humanos e apresentava uma tradição de quebra espontânea de cocos com o uso de pedras como martelo e bigorna Na área de estudo situada no interior do Piauí o tipo de pedra utilizada como martelo é rara Portanto os sítios de quebra de coco são limitados e conhecidos pelos pesquisadores porque os animais voltam sempre aos mesmos locais para esta atividade Isso possibilitou a condução de diferentes experimentos de campo Visalberghi et al 2009 verificaram que animais desta população ao deparar com pedras experimentais que diferiam em aspectos ligados ao peso e friabilidade escolhiam transportar e utilizar as pedras mais adequadas para a uma quebra de coco efetiva Além disso quando não era possível estipular o peso por atributos visuais porque as pedras eram de mesmo tamanho mas tinham densidade diferente os macacos agiam de forma a ganhar informação que pudesse guiar a seleção por exemplo batendo os dedos sobre a pedra Além disso a escolha da pedra a ser utilizada como martelo diferia de acordo com a dureza do fruto a ser quebrado Isso seria uma evidência de que assim como humanos e chimpanzés os macacosprego exibiriam planejamento Ao analisar a seqüência comportamental envolvida na quebra Fragaszy et al 2009 verificaram que os macacosprego posicionavam os cocos dentro das irregularidades que formam pequenas covas na superfície da bigorna pedra utilizada como apoio Isso diminui a possibilidade de que o coco se mova e portanto há uma otimização do número de golpes necessários para romper a casca do coco Tratase de um comportamento flexível e muita prática é necessária para que a eficiência seja alcançada Esses experimentos mostram que os macacos selvagens são capazes de identificar as potencialidades affordances dos objetos e ações envolvidos na tarefa de quebrar cocos Isso contrasta com os resultados obtidos por animais de cativeiro Visalberghi et al 2009 O animal selvagem nasce em um grupo com tradição de quebra de cocos e seu desenvolvimento ocorre em um ambiente rico em estímulos sociais e físicos relacionados a essa atividade Macacosprego são naturalmente curiosos e tendem a manipular bastante os objetos de seu ambiente Apresentam uma predisposição para executar tarefas com ferramentas e são sensíveis ao reforço e à facilitação social O efeito da experiência afeta a própria habilidade para realizar as tarefas intensificando sua destreza por meio de aprendizagem que influencia o curso do desenvolvimento do corpo do cérebro dos movimentos Nada disso ocorre em cativeiro e portanto os animais não apresentam desempenho semelhante em relação aos experimentos aos quais são submetidos 4 Conclusão O estudo da cognição animal tem progredido muito rapidamente com a multiplicação de estudos baseados em diversas disciplinas sobre um número cada vez maior de espécies permitindo a investigação de questões relacionadas a mecanismos proximais a desenvolvimento evolução e função adaptativa A partir dos exemplos discutidos nesse capítulo evidenciase que habilidades cognitivas são fruto de adaptação a problemas ecológicos enfrentados pelos organismos em seu ambiente natural característica herdada inata No entanto há forte evidência da interação entre essa capacidade inata e os efeitos de experiência e aprendizagem levando à flexibilidade comportamental observada em muitas espécies 5 Referências Balda R Kamil A 2006 The ecology and life history of seed caching corvids In MF Brown RG Cook eds Animal Spatial Cognition Comparative Neural and Computational Approaches Online Available wwwpigeonpsytuftseduascbalda Barkow JH Cosmides L Tooby J 1995 The adapted mind Evolutionary Psychology and the generation of culture Oxford Oxford University Press 688 pp Bjorklund DF Pellegrini AD 2002 The origins of human nature Evolutionary developmental psychology Washington DC American Psychological Association 444 pp Boesch C Boesch H 1983 Optimization of nutcracking with natural hammers by wild chimpanzees Behavior 83 26585 Byrne R 2000 How monkeys find their way leadership coordination and cognitive maps of African baboons In S Boinski PS Garber eds On the move how and why animals travel in groups Chicago The University of Chicago Press pp 491518 Clayton NS Dickinson A 1998 Episodiclike memory 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trabalhar normalmente envolve o gasto de energia e segundo que o benefício gerado deve beneficiar a outro indivíduo O estudo da cooperação remonta à antiguidade onde Aristóteles fez a seguinte observação O homem é por natureza uma criatura social um indivíduo que é naturalmente e não acidentalmente antisocial ou está abaixo de nossa consideração ou é mais que humano Sociedade é algo na natureza que precede o indivíduo Qualquer um que ou não consegue viver uma vida em comum ou é tão autosuficiente para não precisar de tal e portanto não participar de uma sociedade ou é uma besta ou um DeusAristóteles 328 aC citado em Dugatkin 1997 Tal afirmação assume que a cooperação envolve uma complexidade neurológica tão maciça que seria inviável sua existência em animais mais simples que o ser humano No entanto observações e estudos mostramnos que a capacidade de organismos se organizarem de forma cooperativa formando sociedades evoluiu inúmeras vezes entre os animais O estudo de observações de cooperação animal é bastante antigo A cooperação inclusive foi tópico de preocupação no trabalho de Charles Darwin vide capítulo 1 Em seu livro A Origem das Espécies Darwin 1859 estabeleceu a seleção natural como sendo o principal mecanismo através do qual organismos evoluem Seleção natural como definida por Darwin seria um processo que produz mudanças evolutivas quando indivíduos diferem em características hereditárias sendo essas mudanças correlacionadas com diferenças em sucesso reprodutivo Darwin mostrouse claramente preocupado com o conceito da cooperação e suas implicações para a teoria da seleção natural Dedicou numerosas páginas de seu livro para a análise de características de altruísmo e cooperação exibidas por animais sociais Sua preocupação devese naturalmente à pergunta gerada por comportamentos aparentemente altruístas como poderiam tais comportamentos evoluir através da seleção natural quando o indivíduo exibindoos estaria sofrendo um custo medido em termos de sucesso reprodutivo ao beneficiar outros membros do grupo Tais questões levaram Darwin a especular que comportamentos cooperativos seriam uma dificuldade especial que à primeira vista me pareceu insuperável e na verdade fatal para toda minha teoria No entanto o próprio Darwin delineou de forma brilhante a solução para o paradoxo da cooperação cem anos antes da magnífica contribuição de Hamilton 1963 1964ab Darwin assim como Hamilton sugeriu que a seleção natural poderia atuar sobre a família ao invés de sobre o indivíduo reconhecendo assim a importância de graus de parentesco no processo seletivo O termo cooperação como já mencionado tem sido objeto de interesse e estudo há centenas de anos em contextos dos mais variados desde políticos sociais econômicos ou biológicos Duas menções históricas relativas ao estudo da cooperação são importantes Uma delas referese aos pensamentos de Peter Kropotkin um príncipe da família real da Rússia Kropotkin geólogo e historiador natural argumentava que cooperação era uma faceta comum da vida animal Em suas freqüentes viagens pelo mundo registrou e descreveu em detalhe muitos exemplos de cooperação os quais reuniu em seu livro denominado Mutual Aid Dugatkin 1997 Um segundo grande estudioso que defendeu a ubiqüidade da cooperação foi W C Allee fundador do Chicago School de comportamento social em animais Em sua obra ele cita trabalhos que evidenciam fascinantes efeitos benéficos da socialidade Dugatkin 1997 menciona vários desses exemplos 1 peixes dourados e dafnia sobrevivem em ambientes tóxicos mais tempo quando vivendo em grupos maiores 2 sobrevivência de planárias em luz ultravioleta é função do tamanho de grupo assim como é a taxa de crescimento per capita de bactérias 3 peixes dourados crescem mais rapidamente quando em grupos 4 anfíbios regeneram suas caudas mais rapidamente quando em grupos Apesar de ser evidente que a cooperação ocorre em muitas espécies e serve de base para sociedades com maior ou menor grau de complexidade a vida social não é a regra no mundo animal Constituise de forma geral em exceção Antes de examinarmos as várias alternativas através das quais a cooperação pode evoluir é interessante a análise dos custos e benefícios da sociabilidade Tabela 1 É óbvio que em muitos casos a vida em sociedade ou a atividade cooperativa beneficiam os integrantes dos grupos Exemplos clássicos desses benefícios são bastante citados na literatura Grupos de leões Panthera leo defendem melhor seus territórios de caça do que indivíduos solitários Packer et al 1990 Corvos Corvus corax solitários transmitem informação sobre a localização de carcaças que servem de alimento para outros indivíduos nãoaparentados Heinrich Marzluff 1998 Tal aparente altruismo esconde uma motivação egoísta Grupos de corvos subadultos formam gangues que podem enfrentar adultos territoriais que de outra forma não permitiriam o acesso a indivíduos solitários a carcaças dentro de seus territórios Dentre os canídeos muitas espécies exibem sistemas cooperativos de reprodução onde o par reprodutivo conta com assistentes filhotes mais antigos para alimentar e proteger os filhotes mais novos Moehlman 1986 Apesar dos muitos exemplos de benefícios oriundos da vida social sociedades animais são relativamente raras Por exemplo dentre as aves aproximadamente 220 espécies são consideradas cooperativas em sua reprodução Brown 1987 o que representa apenas cerca de 2 das mais de 9000 espécies de aves do mundo Dentre os felinos somente leões exibem características de organização social Para entender o porquê dessa raridade é preciso reconhecer que a vida em sociedade é também imbuída de diversos custos ao indivíduo Tabela 1 Na maioria das sociedades existe uma organização hierárquica onde indivíduos dominantes exercem um monopólio de maior ou menor grau sobre recursos eou oportunidades reprodutivas Em muitas aves o controle reprodutivo ocorre através da destruição ou ejeção de ovos de subordinados em um ninho comunitário como nos casos do acorn woodpecker Melanerpes formicivorus Koenig et al 1995 do anu preto Crotophaga sulcirostris Vehrencamp 1977 da avestruz Struthio camelus Bertram 1979 Kimwele Graves 2003 e do anu branco Guira guira Sick 1997 Macedo 1992 O monopólio reprodutivo pode ser ainda exercido através do infanticídio já registrado para vários primatas Hrdy 1979 aves Stacey Edwards 1983 Macedo et al 2001 e espécies de carnívoros Creel Waser 1997 entre outros Tal monopólio de forma mais preventiva também pode ocorrer através da supressão reprodutiva de subordinados Isso às vezes dáse através da interferência durante a cópula ou via mecanismos endócrinos A supressão hormonal por exemplo é fato conhecido em Callithrix jacchus French 1997 Alencar et al 1995 e mangustos Helogale parvula Creel Waser 1994 Outros custos incidem sobre os integrantes de sociedades podendo ser diferencial ou igualitariamente distribuídos Desses a competição mais intensa por alimentos e o maior risco de contágio de doenças e parasitas são os mais comuns A EVOLUÇÃO DA COOPERAÇÃO Até meados dos anos 60 havia entre biólogos uma crença generalizada de que os indivíduos supostamente ajudariam uns aos outros para o bem da espécie ou do grupo Essa lógica pressupõe que o mecanismo evolutivo que levaria um comportamento a se estabelecer em uma população não esteja associado às diferenças em sucesso reprodutivo entre indivíduos mas sim às diferenças entre grupos em termos de viabilidade através do tempo Esse processo denominado de seleção de grupo foi formalmente disseminado por WynneEdwards 1962 Em seu livro ele argumenta que somente grupos que poderiam incluir espécies inteiras com mecanismos de regulação populacional têm potencial para sobreviver ao longo do tempo substituindo outros grupos sem tais mecanismos Esses mecanismos incluiriam a capacidade de indivíduos altruisticamente abdicarem de oportunidades reprodutivas para não esgotar os recursos disponíveis ao grupo como um todo Esse argumento foi fortemente refutado por Williams 1966 que argumentou que as diferenças genéticas entre indivíduos teriam conseqüências muito mais rápidas e fortes do que os efeitos devidos a diferenças entre grupos inteiros No entanto existem evidências de que a seleção de grupo ocorre mas de forma bem mais sutil e complexa do que como proposta por WynneEdwards Existe um consenso geral no presente de que a seleção individual também chamada de seleção Darwiniana tem efeitos muito mais potentes sobre o repertório comportamental do que a seleção de grupo Nesse contexto portanto a evolução de comportamentos cooperativos tornouse de grande interesse teórico pois como poderiam comportamentos altruístas evoluirem através da seleção individual Cabe aqui uma análise dos tipos de interações sociais possíveis e de suas potenciais conseqüências para o sucesso reprodutivo dos indivíduos envolvidos Na Figura 1 mostro uma matriz das conseqüências para o sucesso reprodutivo de dois indivíduos interagindo Em cada célula encontrase o efeito positivo ou negativo para o indivíduo executando o comportamento emissor e aquele recebendo a ação receptor e os nomes para tais interações Na categoria egoísmo o emissor se beneficia às custas do receptor um comportamento tão generalizado e de fácil entendimento quanto à sua origem e evolução que não exige grandes explicações Já as categorias de altruísmo puro e despeito dificilmente ocorrem no mundo animal Tais comportamentos não trazem qualquer benefício reprodutivo a seus executores e portanto não teriam como se fixar na população Quando dois indivíduos interagem de forma em que ambos lucram com um efeito positivo sobre seus sucessos reprodutivos a interação pode ser denominada de mutualismo cooperação ou altruísmo recíproco Aqui temos espaço para perguntar quais os mecanismos que levariam à evolução de comportamentos cooperativos que envolvem um custo a seus executores No caso do mutualismo ou cooperação ambos os indivíduos estão se beneficiando com a troca de comportamentos cooperativos algo também facilmente explicável por meio da seleção direta Comportamentos cooperativos com benefícios mútuos incluem exemplos como a caça cooperativa em canídeos Moehlman Hofer 1997 onde o dispêndio energético de cada um resulta em um bônus alimentar maior para todos do que seria possível com a caça solitária Exemplos como esse são interessantes de serem estudados porque apesar de superficialmente simples existem complexidades maiores pois sempre seria possível a um indivíduo tentar parasitar o esforço cooperativo de outro como veremos a seguir Outra categoria de interação comportamental de benefício mútuo é o altruísmo recíproco Figura 1 Nesse caso o executor concede um benefício a outro indivíduo inicialmente sofrendo um custo mas receberá somente mais tarde o favor recíproco do recebedor resultando em um ganho líquido Trivers 1971 Muitos dos estudos sobre a evolução da cooperação baseiamse sobre modelos de jogos teóricos Sem dúvida o modelo mais utilizado para compreenderse a evolução da reciprocidade é o jogo do dilema do prisioneiro um modelo amplamente utilizado na área da psicologia Jogos desse tipo sugerem que a reciprocidade não deveria evoluir O jogo básico consiste do seguinte cenário dois indivíduos cometeram um crime e têm um pacto de não confessarem se capturados um pacto de cooperação mútua A polícia apreende ambos para serem interrogados em salas separadas oferecendo a cada um a liberdade em troca da acusação do parceiro As recompensas do jogo são T liberdade para aquele que aceitar a proposta da polícia e trair o companheiro S penalidade máxima para aquele que for traído pelo parceiro enquanto mantiver o pacto de cooperação R recompensa pela colaboração mútua de manutenção do pacto de cooperação P punição pela traição mútua Em um cenário onde o ranqueamento do valor das recompensas for T R P S a resposta comportamental ideal para o indivíduo no jogo será sempre de optar pela traição Esse modelo portanto sugere que a cooperação recíproca não deveria nunca evoluir No entanto casos de reciprocidade ocorrem na natureza Aparentemente os mecanismos que possibilitam isso são 1 o número esperado de interações entre indivíduos que precisa ser alto e 2 indivíduos precisam de sistemas neurológicos suficientemente complexos para possibilitar o reconhecimento de outros indivíduos e a memória de interações passadas Brown 1983 Evidentemente em espécies que atendem tais condições é possível a ocorrência de cooperação recíproca A cooperação também poderia evoluir via um terceiro caminho Existem casos em que aprentemente o executor de um comportamento tem um custo que jamais é abatido por um favor recíproco futuro Esses casos são de especial interesse na Biologia pois pelo menos superficialmente tais comportamentos seriam difíceis de evoluir por meio da seleção individual A explicação para tais comportamentos foi delineada por Darwin 1859 como já mencionado mas foi Hamilton quem detalhou um modelo teórico em duas publicações Hamilton 1964ab que certamente são as mais citadas na literatura de ecologia comportamental e evolutiva Nesse modelo ele explica como um gene para o altruísmo se espalharia na população sem necessidade dos mecanismos sugeridos pela seleção de grupo Hamilton introduziu o conceito da aptidão inclusiva inclusive fitness que tem por premissa que o objetivo da reprodução é a propagação de alelos do indivíduo Esses alelos idênticos ao do indivíduo podem estar presentes não só na progênie direta daquele indivíduo mas também em seus parentes Portanto auxiliar indivíduos geneticamente semelhantes sendo na forma de prole direta ou parentes é uma maneira de replicar seus genes O modelo de Hamilton é apresentado através de equações matemáticas bastante complexas mas para o alívio daqueles com aversão a equações esses modelos podem ser bastante simplificados e expressos por uma simples equação conhecida como a regra de Hamilton Essa regra determina que um ato altruísta será adaptativo e o gene que o codifica aumentará em freqüência quando Br C onde B benefício reprodutivo para o indivíduo receptor gerado pelo gene que codifica o comportamento cooperativo C custo reprodutivo associado à expressão desse comportamento para o executor do mesmo r coeficiente de parentesco entre os indivíduos que estão interagindo probabilidade que o parente sendo ajudado partilhe o raro alelo do altruísmo Ou seja o benefício tem que ser maior que o custo levandose em consideração o elo de parentesco entre os indivíduos Essa regra ilustra uma simples predição quanto à possibilidade do altruísmo evoluir quanto menor o custo para o altruísta maior o benefício para o ajudado e quanto maior o elo de parentesco entre os dois mais facilmente deve ocorrer o altruísmo Inúmeras classes de comportamentos cooperativos já foram descritas envolvendo muitos grupos de animais Esses exemplos encontramse reunidos e descritos em vários livros e a cada dia surgem novas descrições na literatura Abaixo discuto em algum detalhe somente alguns exemplos para os vertebrados Excluí invertebrados onde numerosos exemplos de cooperação já foram observados Também resolvi não discutir o exemplo fascinante dos insetos que sozinhos merecem uma série inteira A literatura sobre cooperação em insetos é enorme e sobre os insetos eusociais maior ainda Aqui faço referência para o leitor interessado a algumas revisões e discussões sobre a evolução da cooperação nos insetos eusociais Hölldobler e Wilson 1990 Seeley 1985 Seger 1991 e Wilson 1971 Evidentemente essa lista de referências é extremamente limitada pois até mesmo a literatura a esse respeito tanto teórica quanto empírica ocuparia várias páginas REPRODUÇÃO SOCIAL A reprodução social é um fenômeno que já foi estudado em peixes aves e mamíferos É um sistema que pode ser subdividido em duas categorias Na primeira mais comumente denominada de reprodução cooperativa com assistentes jovens abdicam da reprodução própria e permanecem em seus territórios de origem e ajudam os pais a cuidar de proles mais recentes ou seja investem na criação de irmãos Nesse caso os únicos a reproduzir diretamente são os membros do casal primário Já na segunda categoria que aqui denomino de reprodução comunitária existem diferenças de opinião acerca da terminologia para essas categorias vários adultos partilham de oportunidades reprodutivas dentro do grupo e a prole produzida é geneticamente heterogênea Nesse caso os indivíduos podem estar auxiliando filhotes que são ou não seus descendentes diretos existindo sempre a possibilidade de que estariam dando assistência a filhotes com os quais não têm parentesco algum Reprodução Cooperativa com Assistentes Sistemas de reprodução cooperativa com assistentes geram duas perguntas fundamentais Brown 1987 1 por que jovens fisiologicamente aptos para reprodução não dispersam de seus territórios de origem e 2 por que esses jovens que permanecem em casa auxiliam os pais As respostas para essas duas perguntas aparentemente não são universais para diferentes taxa de animais e podem até mesmo variar de espécie para espécie dentro de um mesmo grupo pois em grande parte variam conforme as condições ecológicas e o sistema de acasalamento da espécie Dentre as aves os jovens muitas vezes não dispersam devido a uma saturação de habitat apropriado para reprodução o que reduz as chances de sucesso reprodutivo Brown 1987 Já para peixes saturação de habitat parece não ser a explicação mais apropriada para a retenção de assistentes pelos pais Taborsky 1985 mostrou que quando foi dada aos assistentes da espécie Lamprologus brichardi a oportunidade de sair de seus territórios de origem para ocupar áreas adequadas preferiram permanecer em casa Aparentemente a pressão de predação quando os peixes são menores nessa e outras espécies de peixes seria a razão seletiva mais forte que manteria o sistema de reprodução cooperativa nesse grupo McKaye McKaye 1977 Taborsky 1984 1985 As hipóteses que explicam a evolução da ajuda proporcionada pelos jovens podem ser resumidas nas quatro descritas brevemente abaixo veja revisão detalhada em Brown 1987 1 Seleção de parentesco Hamilton 1964ab Essa hipótese sugere que o auxílio prestado aos descendentes indiretos por ex irmãos poderia agir de forma tão crítica quanto o auxílio aos descendentes diretos por ex filhos No entanto essa hipótese seria insuficiente para explicar porque os jovens permanecem em seus territórios natais Apesar disso tem sido aplicada de forma indiscriminada em estudos de reprodução cooperativa O que parece mais correto é de que a seleção de parentesco é um dos fatores importantes dentre outros que explica a evolução desse sistema de reprodução 2 Seleção de grupo Apesar da seleção de grupo ter sido descartada por biólogos em muitos contextos a distinção entre esse tipo potencial de seleção e a seleção de parentesco é possivelmente artificial Koenig Mumme 1987 Dependendo do grau de diferenciação genética dentro e entre grupos esse fator poderia atuar na evolução de sistemas de reprodução cooperativa da mesma forma que a seleção de parentesco 3 Seleção individual Dentro dessa proposta encontramse várias hipóteses sugerindo que todo altruísmo exibido pelos assistentes tem por objetivo maiores ganhos em aptidão direta direct fitness Aqui seriam incluídos benefícios individuais tais como a aquisição de experiência elevação em status e acesso a recursos e proteção contra predação 4 Reciprocidade Trivers 1971 Em alguns sistemas de reprodução cooperativa em aves os assistentes no ninho freqüentemente não são aparentados aos ninhegos portanto a explicação para a evolução da cooperação não se enquadra dentro da seleção de parentesco Nesses casos ocorre uma reciprocidade onde os ninhegos após a saída do ninho acompanham os assistentes para auxiliálos em sua reprodução Dentre as aves a literatura referente à cooperação reprodutiva com assistentes de ninho é prolífica com novas espécies sendo freqüentemente incluídas na lista Duas das melhores revisões desse assunto foram publicadas por Brown 1978 1987 e indicam que mais de 200 espécies de aves podem ser consideradas cooperativas em sua reprodução Enquanto que em aves ao contrário de peixes a saturação de habitat ou outras restrições ecológicas aparentemente são responsáveis em grande parte pela formação de grupos Selander 1964 Stacey 1979 Koenig 1981ab Emlen 1982ab existe bem mais polêmica quanto à razão da ajuda desempenhada pelos jovens em seus territórios natais Para exemplificar o sistema de reprodução cooperativa descrevo sucintamente os estudos sobre o corvídeo Aphelocoma coerulescens Florida scrub jay Essa ave é pesquisada há décadas por Glen Woolfenden Fitzpatrick e colaboradores em uma área de 350 a 400 ha dentro da Estação Biológica Archbold na Flórida Woolfenden Fitzpatrick 1984 A população vem sendo acompanhada desde 1969 com praticamente todos os indivíduos anilhados e com registros completos para toda a população de atividades territoriais reprodução dispersão e morte Esse trabalho maciço permitiu a visualização clara de como funciona a reprodução cooperativa nessa espécie Essa ave está restrita a um habitat bastante raro e reduzido conhecido como oak scrub uma vegetação de carvalho americano anão Todo o habitat disponível está constantemente ocupado pela população de corvídeos que é extraordinariamente estável de ano a ano Cada território é ocupado por um par monogâmico de reprodutores que retém domínio de seu território por muitos anos Os pares normalmente persistem até que um dos membros do casal morra sendo o divórcio um evento raro com incidência de apenas 5 Ocorre um retardamento na reprodução mesmo o jovem estando fisiologicamente apto para tanto As fêmeas permanecem nos territórios dos pais como assistentes de ninho tipicamente por um a dois anos para então dispersarem e encontrarem um par e local adequados para a reprodução Já os machos permanecem como assistentes por períodos de até seis anos As tarefas de assistência incluem a defesa do território contra intrusos da própria espécie ou predadores e a alimentação de proles produzidas pelos pais Freqüentemente um dos assistentes machos mais velhos do grupo herda um pedaço do território dos pais e nele inicia sua própria reprodução com uma fêmea oriunda de outro território Em mamíferos a lactação surge como uma restrição aos tipos de auxílio que podem ser prestados por assistentes em potencial em comparação com as aves Apesar de tal restrição sistemas de reprodução cooperativa incluem muitos canídeos calitriquídeos e roedores O auxílio prestado pelos membros nãoreprodutores geralmente filhotes mais velhos do casal reprodutor pode tomar várias formas Pode incluir o transporte de filhotes comum entre calitriquídeos Yamamoto Box 1997 a partilha da caça com os filhotes comum em canídeos até a lactação e amamentação por fêmeas nãoreprodutoras registrado em raposas vermelhas Vulpes vulpes von Schantz 1981 e algumas espécies de lobo Moehlman Hofer 1997 A ajuda prestada por nãoreprodutores a filhotes do grupo pode incluir serviços como os de babá já observados em mangustos Rood 1974 1978 enquanto o grupo sai para forragear um indivíduo geralmente uma fêmea jovem permanece com os filhotes Essa fêmea os defende ativamente emitindo vocalizações de alarme ou perseguindo predadores Elefantes fêmeas dedicam boa parte de seu tempo a cuidados aloparentais que geralmente são fornecidos por fêmeas a filhotes aparentados Lee 1987 Já em morcegos Pteropus radricensis Kunz e Allgaier 1994 descrevem casos de fêmeas prestando assistência a outras fêmeas não aparentadas durante o processo de parto Nesse caso os autores sugeriram que o mecanismo evolutivo seria baseado em altruísmo recíproco pois esses morcegos têm vida longa e vivem em grupos coesos podendo ocorrer o reconhecimento e oportunidades de trocas de favores Reprodução Comunitária A segunda categoria de reprodução social mencionada anteriormente reprodução comunitária tem aspectos bastante diferentes que ocorrem como conseqüência do conflito reprodutivo no grupo Esse conflito surge devido às divergências genéticas entre membros do grupo e prováveis restrições de recursos Em sistemas comunitários as oportunidades reprodutivas são divididas entre membros de um grupo cooperativo Esses sistemas diferem do sistema cooperativo com assistentes por não ocorrer um monopólio completo da reprodução por somente um par No entanto a linha que separa um tipo de sistema do outro é um tanto tênue e é mais fácil imaginar uma gradação onde em um extremo temos sistemas cooperativos com assistentes e completo monopólio da reprodução e em outro extremo a reprodução comunitária onde todos têm as mesmas chances de obter sucesso reprodutivo Figura 2 Dificilmente encontraremos esse último extremo na natureza onde oportunidades reprodutivas seriam equivalentes para todos os membros do grupo Isso porque existem muitos mecanismos comportamentais e fisiológicos para que hierarquias sejam impostas Quando por exemplo os recursos ou espaço são limitados à criação de um determinado número de filhotes surge imediatamente a questão de quem irá abdicar da própria reprodução para ajudar a criar um filhote que não será o seu e às vezes nem remotamente aparentado Vários modelos teóricos tem sido desenvolvidos simulando uma diversidade de condições ecológicas e de parentesco entre membros do grupo e visando a compreensão de até onde iriam os limites da cooperação eou egoísmo em sistemas comunitários Exemplos de sistemas comunitários existem para invertebrados peixes aves e mamíferos mas abaixo descrevo apenas alguns casos O besouro Nicrophorus tomentosus é um exemplo de uma espécie de reprodução comunitária Como outros do mesmo gênero esses besouros usam pequenas carcaças de outros animais como recurso para a reprodução Scott 1997 A carcaça é enterrada e as fêmeas colocam seus ovos perto da mesma Quando as larvas eclodem os pais se alimentam da carcaça e regurgitam os recursos para a prole que depois também pode alimentarse diretamente da carcaça Dependendo do tamanho da carcaça vários adultos tomam posse e a defendem de outros besouros Nessa espécie a reprodução é partilhada de forma assimétrica entre fêmeas A fêmea dominante pode direcionar a reprodução em seu favor através de quatro mecanismos 1 com uma postura maior do que as fêmeas subordinadas 2 através da supressão ou retardamento vitelogênico das fêmeas subordinadas 3 através de ovicídio ou 4 após a eclosão dos ovos com infanticídio discriminativo de larvas Em aves comunitárias com postura em um único ninho mecanismos semelhantes são utilizados que podem tornar a reprodução mais ou menos igualitária entre os membros de um grupo No picapau M formicivorus grupos são poliginândricos ie onde ocorre tanto a poliginia quanto a poliandria com uma composição variada que inclui aves reprodutoras e não reprodutoras Há grupos que contêm entre dois a quinze adultos com média de 44 24 aves Koenig Mumme 1987 onde até três fêmeas depositam ovos no mesmo ninho Além disso até quatro machos podem contribuir geneticamente para a prole O parentesco genético nos grupos é alto para cada sexo os reprodutores machos geralmente são irmãos ou representam um grupo de pai e filhos sendo o mesmo é verdade para as fêmeas Os assistentes de ninho geralmente são filhotes mais velhos do grupo Apesar do alto grau de parentesco entre fêmeas reprodutoras estas usam a destruição de ovos umas das outras para sincronizar a postura e também como meio de aumentar o próprio número de ovos que serão incubados Koenig et al 1995 Cerca de 38 dos ovos produzidos na população estudada foram destruídos dessa forma Parecido com esse sistema é o sistema comunitário exibido pelos cuculídeos da subfamília neotropical Crotophaginae Esse grupo de aves é composto por três espécies do gênero Crotophaga C ani C sulcirostris e C major os anus e uma espécie monotípica Guira guira o anu branco Anus do gênero Crotophaga são comumente vistos em grupos de até oito indivíduos que constroem um único ninho De forma cooperativa defendem um território incubam os ovos e alimentam os ninhegos Skutch 1959 Sick 1997 No entanto aqui também ocorrem interações competitivas que geram desigualdades no sucesso reprodutivo Essas desigualdades são introduzidas por exemplo por fêmeas que ejetam os ovos umas das outras ou os cobrem com folhas para que não sejam incubados Vehrencamp 1977 1978 No anu branco também vemos que a cooperação convive lado a lado com competição Nessa espécie grupos de até quinze indivíduos defendem um território utilizam o mesmo ninho e cooperam na incubação e criação de filhotes Figura 3 Macedo 1992 Essas aves têm um repertório vocal variado e complexo Marino 1989 que possivelmente permite uma excelente coesão do grupo durante o forrageamento e contribui para o eficiente sistema de sentinelas observação pessoal A reprodução é ainda mais social do que a descrita para os outros anus pois métodos moleculares permitiram a identificação de ovos de até sete diferentes fêmeas na mesma ninhada um número expressivamente maior do que o já registrado para as outras aves do grupo Cariello et al 2003 Macedo et al no prelo Nesse sistema o fator de maior mortalidade para os ovos é a ativa ejeção dos mesmos por membros do grupo Macedo 1992 Depois dos filhotes eclodirem o infanticídio por membros do grupo é responsável pela maior parte das perdas de ninhadas Macedo et al 2001 Melo Macedo 1997 Diferentemente da monogamia proposta para o anu C sulcirostris por Vehrencamp 1977 o sistema de acasalamento do anu branco é um de poliginandria Quinn et al 1994 Isso tem por conseqüência a produção de ninhadas onde existem grandes assimetrias genéticas entre filhotes e entre adultos e filhotes Companheiros de ninho podem potencialmente ser irmãos meio irmãos ou até não aparentados Da mesma forma os adultos podem ou não ser aparentados aos filhotes que estão ajudando a criar COOPERAÇÃO NA CAÇA E NO FORRAGEAMENTO Quase qualquer organismo vivo pode servir de alimento para outro Nesse contexto a seleção natural atuou tanto sobre o forrageador quanto sobre seu alimento induzindo estruturas e comportamentos para otimizar o consumo por parte de um e a defesa pelo outro A teoria de forrageamento ótimo assume que os atributos físicos e comportamentais dos organismos evoluíram de forma a permitir ao indivíduo a escolha daqueles itens de consumo que mais contribuirão para seu sucesso reprodutivo ao menor custo possível Ou seja indivíduos devem preferir e utilizar estratégias para encontrar e consumir alimentos de valor calórico máximo relativo ao tempo e energia gastos no forrageamento Esses modelos não objetivam sugerir que as estratégias de forrageamento encontradas na natureza são perfeitas mas sim que é possível identificar as condições que determinaram a evolução de comportamentos e estratégias de forrageamento Alcock 1998 Uma das estratégias utilizadas por muitas espécies é o forrageamento ou caça cooperativos Um problema para determinar se um fenômeno seria ou não cooperativo é avaliar se a ação individual de cooperação gera um consumo maior per capita ou se a simples presença de um grupo de indivíduos forrageando sem qualquer ação cooperativa gera esse mesmo beneficio Nessa ultima categoria estaria o exemplo de gaivotas que quando em grupos capturam peixes mais rapidamente do que quando forrageam sozinhas Götmark et al 1986 Os peixes tentando fugir de uma gaivota acabam indo parar no bico da gaivota ao lado Nesse exemplo no entanto fica claro que apesar da sociabilidade gerar um benefício aos indivíduos agrupados possivelmente até favorecendo a formação de grupos não ocorre um esforço cooperativo por parte de cada um A distinção entre forrageamento cooperativo e outras formas menos complexas de agrupamentos para forragear sugerida por Schmitt e Strand 1982 baseiase sobre dois critérios 1 ocorre uma divisão de tarefas durante o forrageamento e 2 indivíduos são temporariamente comedidos e não se alimentam até que a presa esteja efetivamente incapacitada Esses autores sugerem que os peixes que estudaram savelhas Seriola lalandei exibem essas características necessárias Ao caçarem cavalinhas Trachurus symmetricus que ocorrem em cardumes as savelhas organizamse em grupo separam um subgrupo de presas do cardume de cavalinhas e utilizando uma organização espacial na forma de crescente tocam os peixes em direção à praia Aí então cercam o grupo de presas obrigandoas a se aglomerarem densamente Uma única savelha ataca o bando de cavalinhas provocando uma explosão dos pequenos peixes que caem diretamente nas bocas dos predadores ao redor A caça cooperativa também já foi descrita para aves e mamíferos Observações casuais sugerem que possivelmente muitas espécies de aves de rapina utilizam a caça cooperativa Porém poucos estudos criteriosos já foram feitos com esse grupo de aves O estudo de Bednarz 1988 com o gaviãoasadetelha Parabuteo unicinctus no entanto reúne muitos dados sobre caça cooperativa Grupos contendo um par reprodutor e vários subadultos prole do casal utilizam várias diferentes táticas de caça tais como ataques surpresa ataques com emboscada e estratégias de revezamento em perseguições de presas terrestres A caça cooperativa evoluiu em alguns membros de três famílias de carnívoros terrestres Felidae por ex leões Canidae por ex lobos e cães selvagens africanos e Hyaenidae por ex hienas pintadas A caça social nessas espécies permite o abate de presas que pesam de seis a doze vezes mais que um predador adulto em comparação com espécies solitárias desses grupos que consomem presas muito menores Alcock 1998 Apesar do termo cooperação ser aplicado à caça em grupo estudos e modelos recentes sugerem nuances complexas no comportamento de leões engajados na caça social O comportamento individual aparentemente varia bastante e os indivíduos usam estratégias diferentes que implicam em graus variados de gasto energético e cooperação Schell Packer 1991 Ou seja a razão custobenefício não é equivalente para todos os membros do grupo A cooperação no forrageamento ou na caça pode ou não se basear em padrões de parentesco dada a importância desse elemento na evolução de muitos comportamentos cooperativos Entre primatas por exemplo parentesco é um dos fatores mais relevantes que influencia o estabelecimento de comportamentos sociais No entanto estudos recentes têm evidenciado que um elevado nível de parentesco genético não é prérequisito absoluto para o estabelecimento de afiliações sociais Comportamentos cooperativos observados em um estudo de chimpanzés Pan troglodytes inclusive a partilha de carne obtida na caça indicam que a escolha de parceiros sociais não se baseou sobre elos de parentesco entre indivíduos Mitani et al 2000 COOPERAÇÃO NA PROTEÇÃO CONTRA PREDADORES Da mesma forma que inúmeras adaptações aumentam o sucesso na detecção e captura de presas também evoluíram contraadaptações por parte das presas de forma a lhes assegurar a sobrevivência Algumas adaptações envolvem comportamentos de agrupamento que proporcionam certa medida de segurança simplesmente pela diminuição da probabilidade de predação No entanto são os comportamentos que envolvem custos individuais que podem ser considerados cooperativos Abaixo descrevo algumas categorias de cooperação para defesa contra predadores Um dos exemplos mais curioso e bastante estudado é o de inspeção do predador descrito inicialmente por Pitcher et al 1986 para o comportamento de peixes que deixam o abrigo de seus cardumes e se movimentam vagarosamente em direção a um predador em potencial Esse comportamento já foi documentado pelo menos para meia dúzia de espécies e tornouse o sistema mais utilizado para a análise experimental da reciprocidade Dugatkin 1997 Aparentemente existe um custo para o indivíduo que executa tal inspeção que aumenta à medida que ele se aproxima mais do predador e vira a presa deste Dugatkin 1992 Além desse custo mais óbvio existem outros custos para o animal que inspeciona Dugatkin 1997 como o decréscimo no forrageamento e caso seja uma fêmea possibilidade de cópulas com machos satélites que aproveitam a oportunidade para assediar a fêmea enquanto essa está longe de seu cardume Evidências experimentais mostram que os inspetores transmitem informações para o resto do cardume sobre o real perigo representado pelo predador Magurran Hingham 1988 Então o cardume adota comportamentos de evasão de predador ou volta a forragear tranqüilamente As funções custos e benefícios desse comportamento exibido por peixes continuam sendo objeto de muita polêmica gerando novos estudos que visam determinar porque um indivíduo adotaria comportamento de tão alto risco e aparente altruísmo Uma segunda categoria de cooperação para evitar predação envolve vocalizações de alarme e a função de sentinela Muitos animais agrupados emitem vocalizações de alarme ao avistarem um predador Esses indivíduos assim como os inspetores nos peixes possivelmente pagam caro pelo comportamento caso o predador resolva atacálos por serem mais facilmente visualizados Mas vocalizações de alarme permitem que o resto do grupo se afaste do predador ou se organize para algum tipo de defesa agressiva Em algumas espécies existe evidência de que a vocalização de alarme é específica indicando o tipo de predador avistado Um exemplo clássico de uma análise aprofundada dessa questão é o estudo de esquilos terrestres Spermophilus beldingi publicado por Sherman 1977 Nesse estudo Sherman avaliou hipóteses alternativas em duas subclasses para determinar se vocalizações de alarme teriam evoluído em resposta à seleção direta benefícios para o sucesso reprodutivo do indivíduo dando o alarme ou seleção indireta benefícios para o indivíduo através de sua aptidão inclusiva Como benefícios diretos para o indivíduo as possibilidades sugeridas foram de que a o alarme causaria grande confusão para o predador e todos os esquilos inclusive o que gerou o pandemônio seriam beneficiados b o predador encerraria a tentativa de caça por saber que já teria sido avistado c pelo altruísmo recíproco o indivíduo mais tarde seria beneficiado quando outros no grupo assumissem a responsabilidade de soar o alarme d as vocalizações de alarme serviriam para beneficiar diretamente a sobrevivência da prole do indivíduo Já no caso da hipótese referente à seleção indireta Sherman 1977 sugeriu que indivíduos que vocalizassem seriam aqueles com uma extensa família no local e o alarme serviria para aumentar as chances de sobrevivência de parentes Sherman 1977 rapidamente eliminou várias hipóteses pois suas observações indicaram que os indivíduos dando o alarme eram mais freqüentemente as vítimas dos predadores Também verificou que o predador não ficava confuso ou tampouco desistia do ataque As hipóteses de investimento parental e aptidão inclusiva têm por predição básica que fêmeas vocalizariam o alarme mais do que machos pois nessa espécie os machos são nômades Portanto fêmeas teriam filhotes e parentes na colônia e machos não Os resultados de Sherman sustentam essas hipóteses Fêmeas emitem vocalizações de alarme mais freqüentemente que machos E ainda aquelas com parentes na vizinhança próxima emitem mais vocalizações de alarme do que aquelas sem parentes na vizinhança AGRADECIMENTOS Agradeço pela revisão editoria e sugestões no manuscrito Carlyle G Macedo Jr REFERËNCIAS Alcock J 1998 Animal Behavior An Evolutionary Approach 6ª ed Sunderland Sinauer Associates Alencar AI Yamamoto ME Oliveira MS Lopes FA Sousa MBC Silva NG 1995 Behavior and progesterone levels in Callithrix jacchus females Brazilian Journal of Medical and Biological Research 28 5915 Alexander RD 1974 The evolution of social behavior Annual Review of Ecology and Systematics 5 32583 Bednarz JC 1988 Cooperative hunting in Harris hawks Parabuteo unicinctus Science 239 15257 Bertram BCR 1979 Ostriches recognize their own eggs and discard others Nature 279 2334 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cooperativa 8 8 Construção cooperativa de abrigoninho CUSTOS 1 Competição dentro do grupo por alimento parceiros sexuais abrigo água e outros recursos limitados no ambiente 2 Risco de contágio de doenças e parasitas 3 Atração de predadores 4 Risco de cópulas extrapar 5 Possibilidades de canibalismo de filhotes 6 Risco de ovicídio e infanticídio gerado por disputas hierárquicas no grupo 7 Parasitismo de cuidados parentais 1 Referências Kruuk 1964 Alexander 1974 Brown 1978 Packer et al 1990 1991 Macedo et al 1991 Alcock 1998 Dierkes et al 1999 Koenig et al 1995 Figura 1 Matriz das conseqüências em aptidão reprodutiva de comportamentos para dois indivíduos interagindo que incluem um emissor de um dado comportamento e um receptor dessa ação MUTUALISMO COOPERAÇÃO ALTRUÍSMO RECÍPROCO COOPERAÇÃO VIA SELEÇÃO DE PARENTESCO EGOÍSMO ALTRUÍSMO PURO DESPEITO Figura 2 Gradação de sistemas reprodutivos sociais com características típicas associadas aos extremos alta assimetria reprodutiva e baixa assimetria reprodutiva ASSIMETRI A REPRODUTIVA ALTA MODERADA BAIXA Sistemas cooperativos Assistentes nãoreprodutores Monopólio reprodutivo Hierarquia de dominância forte Sistemas comunitários Reprodução egalitária Hierarquia fraca ou ausente Figura 3 Ninho comunitário do anu branco Guira guira no período de eclosão dos ovos Os ninhegos vocalizam intensamente para solicitar alimento dos adultos foto por Regina Macedo 289 Capítulo 11 AGRESSÃO Felicity Ann Huntingford FAHuntingfordbioglaacuk Division of Environmental and Evolutionary Biology Institute of Biomedical and Life Sciences Graham Kerr Building University of Glasgow Glasgow Reino Unido Sathyabama Chellappa bamadolufrnbr Departamento de Oceanografia e Limnologia Centro de Biociências Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Natal RN Brasil 290 O que é agressão A definição exata do termo agressão tem sido bastante discutida mas os biólogos em geral utilizam esse termo para se referir ao comportamento de um animal capaz de desencadear dano a um outro animal Esse dano pode ser tanto real como apenas uma ameaça bem como pode ser físico ou psicológico em que o objetivoalvo da agressão é geralmente um membro da mesma espécie Em outras palavras a maioria dos biólogos faz uma distinção entre predação em que um animal ataca mata e se alimenta de um membro de outra espécie e agressão Essa por sua vez ocorre entre membros de uma mesma espécie agressão coespecífica ou entre membros de espécies diferentes agressão heteroespecífica O termo agressão portanto engloba um amplo espectro de comportamento que envolve desde o ataque e a briga até a ameaça ou a submissão Em alguns casos esse leque de respostas é denominado comportamento agonístico Quais animais brigam e como fazem isso A agressão é bastante difundida no reino animal em que diferentes tipos de animais podem utilizar padrões comportamentais distintos em resposta ao conflito De um modo em geral a agressão depende do aparato físico disponível Muitos invertebrados simples não possuem os sistemas sensitivos e motores necessários para uma luta eficiente Mesmo entre animais mais complexos as características físicas podem freqüentemente restringir possíveis respostas agonísticas Um exemplo interessante desse tipo de situação é obtido pela comparação entre cães treinados para lutas por ex pit bulls e aqueles treinados para corridas pro ex greyhounds As especializações requeridas para uma corrida rápida e econômica podem limitar a performance da luta e viceversa como no caso da redução de massa muscular distal nas extremidades em algumas espécies Pasi Carrier 2003 As brigas também dependem do tipo de vida dos animais Animais de florestas densas ou de águas turvas provavelmente utilizam diferentes tipos de exibições agonísticas se comparados com aqueles que vivem em ambientes abertos por exemplo pistas auditivas elétricas e químicas ao invés de sinais visuais O desenvolvimento de um aparato mais pesado em aves é restringido pelo fato de o ar não ser um meio denso e pela necessidade de direcionamento dessas espécies Os encontros agressivos entre aves geralmente ocorrem 291 no solo sendo pontuados por lutas curtas o que contrasta com a natureza contínua de lutas dos peixes que vivem em um meio bem mais denso Diversos tipos de estruturas presentes em animais como as usadas na alimentação de filhotes na locomoção no cavar ou na desova são utilizados como armas para brigas entre rivais Como exemplos podem ser citados os dentes afiados dos babuínos as grandes presas de alguns camarões as extremidades afiadas dos lagartos o polegar em forma de lâmina do sapo gladiador macho as grandes modificações do aparato bucal das formigas guerreiras entre outros De um modo em geral as armas utilizadas pelos animais tornamse mais sofisticadas com o desenvolvimento de substâncias químicas irritantes ou tóxicas como é o caso do ferrão das abelhas Em outros casos os aparatos físicos desenvolvidos são estruturas especializadas utilizadas apenas em contextos agonísticos como os chifres e as garras Padrões de luta exibições escaladas e danos Os resultados finais das lutas entre os animais são muito similares apesar dos diferentes movimentos que apresentam Como conseqüência podem ser observadas estratégias alternativas visando recursos hierarquias de dominância territorialidade e guarda de parceiros sexuais em animais tão distintos quanto camarões e macacos Esses fenômenos serão discutidos com detalhes mais à frente Uma outra característica presente em lutas entre animais é o aumento da intensidade destas à medida que o encontro entre estes animais progride As lutas são iniciadas com movimentos energeticamente econômicos ou demonstrações de agressividade feitas à distância e com pouca probabilidade de desencadearem o ataque propriamente dito Posteriormente ocorrem padrões de comportamentos energeticamente mais dispendiosos e que envolvem contato sem desencadeamento de dano físico Nesse caso podem ser citadas as lutas de caudas ou os empurrões nos peixes ciclídeos Finalmente podese chegar a um estágio em que ocorrem ações energeticamente mais intensas e mais perigosas como mordidas chutes ou outros ataques O aumento progressivo da intensidade de luta é descrito como escalada Em alguns casos as lutas são intensas desde o início decrescendo gradualmente até se transformarem em ameaças Os conflitos podem ser resolvidos quando um participante se retrai em qualquer ponto da seqüência na escalada 292 As ações de baixo impacto existentes no início da luta geralmente levam a um aumento do tamanho aparente dos animais envolvidos como o eriçamento dos opérculos em peixes o achatamento e o alongamento da extensão do corpo em lagartos o aumento do volume do corpo em aves etc Da mesma forma pode ocorrer a exposição das armas dos animais como no caso do alargamento das pinças em crustáceos e das posturas de abertura da boca em iguanas Quando o contato físico ocorre durante a fase da luta sem danos são observados empurrões pegas ou brigas de cauda As interações desta natureza garantem que os oponentes avaliem sua força o que permite que o animal mais fraco desista da luta nesse momento O comportamento apresentado pelo animal perdedor após se retirar da luta tende a reduzir seu tamanho aparente salamandras achatamse ao chão e ocultar suas armas por ex os caranguejos dobram suas pinças escondendoas O rico repertório de ameaças e submissões vigentes em varias espécies bem como o fato das disputas serem encerradas majoritariamente sem danos sugeriam que as lutas entre animais consistiam em demonstrações inofensivas de força EiblEibesfeldt 1961 Lorenz 1966 Entretanto as lutas entre membros de uma mesma espécie freqüentemente aumentam de intensidade com o uso eficiente de armas que acarretam danos e até morte Os animais podem matar acidentalmente membros da mesma espécie sendo os danos e as mortes mais freqüentes quando as lutas ocorrem por motivos importantes como nas disputas por fêmeas receptivas Um exemplo de danos e mortes ocorre nas lutas de sapos machos por parceiras sexuais em que sapos fêmeas presentes entre eles morrem acidentalmente Outro exemplo são os filhotes de elefantes marinhos esmagados por grandes machos que lutam entre si por parceiras Assim apesar da acepção amplamente divulgada de que a agressão entre animais consiste em meras trocas de sinais lutas ferozes danos e mortes são características comuns entre membros da mesma espécie Agressão contextoespecífico dominância e territorialidade Uma razão para que as lutas não sejam tão comuns é que os animais freqüentemente adaptam a forma e a intensidade de suas respostas agonísticas ao contexto em que ocorre um encontro com um antagonista Caso a modificação dependa do resultado de encontros prévios em um mesmo grupo de oponentes o resultado é 293 dominância Assim quando dois oponentes se encontram com freqüência o subordinado tendo em vista suas derrotas em encontros prévios retraise em resposta à simples aproximação do individuo dominante Em animais que vivem em grupo os encontros ocorrem dentro de uma teia intrincada de interações sociais com alguns se destacando como superiores em relação aos demais Por conseqüência surge um sistema de organização linear ou hierarquia da dominância sintetizadores do padrão de relações agonísticas presente no grupo Na maioria dos casos os animais dominantes têm prioridade no acesso de recursos limitados como abrigos alimentos água cópulas entre outros As relações de dominânciasubordinação podem ser vistas em diversos animais desde baratas e lagostas até lobos e chimpanzés apesar de haver diferenças nos mecanismos intrínsecos nessas relações Em alguns casos as relações estáveis de dominância decorrem do animal dominante ser maior o que é averiguado pelo subordinado a cada novo encontro Em outros casos as vitórias freqüentes modificam o comportamento com os vencedores apresentando um comportamento mais agressivo aproximandose mais prontamente do rival Os possíveis oponentes conseguem detectar esse padrão a cada encontro submetendose sem luta Finalmente alguns animais podem se reconhecer mutuamente e utilizar a experiência de encontros prévios com indivíduos específicos com o intuito de obter uma avaliação direta de suas habilidades para a luta Caso os encontros prévios tenham levado à derrota o animal geralmente se submete ao vencedor Chase et al 2002 A territorialidade ocorre quando animais ajustam seus comportamentos de luta a sua posição no espaço defendendo assim uma área especifica Este padrão de comportamento é bastante difundido entre os animais Huntingford Turner 1987 O esganagatas macho durante o período reprodutivo restringe suas atividades a áreas particulares perseguindo quaisquer machos até as margens dessas áreas por meio de exibições e de ataque de forma combinada Tinbergen 1951 Chellappa et al 1999a Esse padrão consiste no território clássico que é uma área fixa do qual outros animais especialmente rivais na obtenção de recursos são expulsos mediante algum tipo de comportamento agonístico O esganagatas macho defende um território no qual constrói um ninho corteja as fêmeas e cria os filhotes Em outras espécies os territórios defendidos permitem a obtenção de alimentos como no caso dos beijaflores e de abrigo ou de parceiros como nos camarões e peixes ciclídeos Dependendo da espécie os territórios podem ser mantidos por diferentes períodos desde algumas horas até o 294 ano todo Podem ser citados os territórios destinados ao acasalamento como em alguns pássaros e à alimentação dos filhotes na migração dos beijaflores Em peixes donzela a defesa do território se estende ao longo do ano Deve ser salientado que os territórios podem ser defendidos por um único individuo como as libélulas por um casal de parceiros sexuais como os gibões e alguns peixes ciclídeos ou por um grupo de animais como chacais e formigas Formas alternativas de vencer as lutas Em algumas espécies a presença de membros agressivos e fortes impede que os demais membros tenham acesso aos recursos limitados Em decorrência disso os animais excluídos podem usar várias táticas a fim de ganhar uma parte dos recursos que lhes foram negados Krebs Davies 1996 Os animais sem território podem habitar de forma tolerada ou até valorizada os territórios pertencentes a outros mais bem sucedidos Os peixesdonzela desde que permaneçam estáveis e dominantes ignoram rivais presentes em seus territórios Ao jovem macho iguana é permitida a presença em territórios de machos em período reprodutivo desde que não disputem a fêmeas Outro exemplo é o caso de alguns pássaros satélites que ajudam a defender o território que habitam Alternativamente os animais sem território podem despender a maior parte do tempo nas margens do território de outro animal explorando os recursos presentes nessa região sem serem percebidos Algumas espécies de beijaflor subordinadas se alimentam em territórios de espécies dominantes de forma sorrateira durante o amanhecer e o anoitecer Alguns sapos machos podem por ex interceptar as fêmeas à medida que estas se locomovem em direção ao território do macho dominante Em casos extremos o uso de estratégias alternativas de competição pode estar associado a diferenças morfológicas como é o caso das lutas por fêmeas em besouros com chifres enquanto indivíduos desprovidos de chifres furtivamente as conseguem Simmons et al 1999 Em alguns casos o mesmo animal pode utilizar diferentes estratégias na obtenção de recursos em diversas circunstâncias como é o caso de sapos que em período reprodutivo alternam entre a sinalização por vocalização e o sneaking em segundos Paralelamente outros animais podem mudar de estratégias à medida que vão envelhecendo Como exemplo citamos o caso de veados machos jovens que conseguem 295 fertilizações com comportamento de sneaking enquanto os machos mais velhos lutam pelas fêmeas Por fim em alguns casos a mesma estratégia é utilizada ao longo da vida do animal como em besouros estercoreiros Questões sobre a agressão de animais Quando se indaga sobre por que os animais lutam podese procurar respostas para quatro questões diferentes Tinbergen 1951 Uma questão pode ser Quais são os mecanismos que levam um animal a lutar num dado momento Em outras palavras a questão pondera sobre as causas da agressão Por um lado a indagação pode ser Como os genes e as influências do ambiente interagiram de forma a produzir em um animal adulto determinado padrão de luta O questionamento nesse caso remete a questões sobre o desenvolvimento da agressão Uma outra questão relevante pode ser De que forma as lutas influenciam na aptidão darwiniana dos animais em questão cuja indagação se relaciona às funções adaptativas da agressão Finalmente uma outra questão pode ser Qual é a história filogenética de um comportamento de luta apresentado por determinada espécie Esta pergunta está relacionada diretamente com a evolução do comportamento de luta Uma compreensão completa sobre a biologia da agressão requer respostas às quatro questões assinaladas As seções a seguir mostram de forma breve selecionada e sob essas quatro perspectivas uma compreensão atual sobre o porquê de animais lutarem A Maquinaria da agressão A agressão é complexa e espécieespecífica sendo os mecanismos geradores deste comportamento igualmente complexos e variáveis no reino animal Assim é difícil elucidar um porquê sobre as causas da agressão No entanto há algumas importantes generalizações e alguns casos em que as causas da agressão são bem compreendidas As lutas e seus tipos exibidos entre os animais em quaisquer momentos dependem da interação dinâmica entre os estímulos externos que atuam sobre estes além das condições internas dos animais Dependendo da espécie a agressão pode ser 296 induzida ou suprimida por pistas visuais olfatórias auditivas mecânicas elétricas ou pela combinação de algumas dessas Por ex o ataque de um esganagatas macho dominante sobre um coespecífico é desencadeado pelo peito avermelhado do rival até o ponto em que este começa a ser inibido especialmente se o invasor for grande e luzente Rowland et al 1995 A agressão em camundongos adultos machos por sua vez é desencadeada por substâncias químicas derivadas de hormônios presentes na urina de outros camundongos machos adultos mas suprimidos se essas substâncias estiverem em fêmeas adultas Haug Brain 1979 Mugford Nowell 1970 As gravações de melodias espécieespecíficas tocadas em um território destinado à reprodução de alguns pássaros desencadeia o ataque por parte de aves que habitam esse lugar Entretanto essas gravações detêm a intrusão por parte de outros pássaros Searcy Nowicki 2000 Um outro exemplo é o caso do som emitido por veados adultos que resulta na retirada do rival CluttonBrock Albon 1979 Durante as lutas pelas conchas em que vivem um tipo de caranguejo Pagurus bernhardus golpeia com sua própria concha a do animal rival Dependendo do tamanho do caranguejo que ataca e da força dos golpes contra a concha este estímulo tátil pode levar o animal atacado a soltar sua concha cedendoa ao atacante Elwood Briffa 2001 Por sua vez no peixe elétrico Gymnotus carapo os pulsos elétricos gerados artificialmente e que mimetizam uma descarga elétrica sustentada do macho provocam ataque por parte de outros machos BlackCleworth 1970 As pistas que promovem ou inibem a agressão em determinadas espécies não são arbitrárias Ao invés disso são exatamente elas que garantem que o ataque seja direcionado aos alvos apropriados e que afastam da luta os combatentes potencialmente mais fortes Dessa forma em muitas espécies cujos machos em período reprodutivo lutam por fêmeas as pistas sinalizadoras da presença de outros machos adultos rivais da mesma espécie como cheiros e melodias podem desencadear o ataque Os membros da mesma espécie que não são familiares sendo assim mais perigosos são reconhecidos e atacados vigorosamente em várias espécies Por exemplo os lagartos machos Podarcis hispanica podem reconhecer cheiros de invasores familiares que são menos atacados que os invasores cujo cheiro não seja familiar Lopez Martin 2002 Da mesma forma os oponentes fortes como os veados adultos que podem emitir sons por um longo período são evitados ao invés de atacados Krebs Davies 1996 A resposta dos animais a tais pistas é variável tanto individualmente como entre si Alguns indivíduos são consistentemente mais agressivos que outros da mesma 297 espécie Huntingford Turner 1987 Em camundongos machos advindos de uma população selvagem um invasor territorial é atacado rapidamente Nesse contexto foi observado que a agressividade varia marcadamente entre os machos Benus 1988 Igualmente em determinadas situações o ataque de um indivíduo ao rival pode exibir pouca agressividade Huntingford Turner 1987 Tais diferenças na responsividade ao ataque e ao desencadeamento de estímulo devem resultar das diferenças existentes entre os próprios animais envolvidos Os processos internos moduladores de respostas agressivas podem ser descritos e estudados em diferentes níveis Em estágios anteriores de investigações ou em espécies pouco manipuláveis experimentalmente foram delineadas algumas conclusões obtidas mediante estudos sobre mudanças comportamentais relacionadas ao tempo ou às variações entre indivíduos Em outros casos as diferenças na agressividade estão relacionadas ao estado fisiológico dos animais tais como o aparato respiratório os níveis sangüíneos de hormônios e a atividade neurológica Nesta seção são dados alguns exemplos de cada tipo de estudo Durante as lutas por conchas entre caranguejos eremitas tanto os índices de batidas de conchas quanto o vigor dessas batidas diminuem à medida que a luta progride Isso está relacionado à maior prontidão em abandonar a luta em resposta a um estímulo novo e potencialmente perigoso Elwood et al 1998 Briffa Elwood 2000 Nesse caso a mudança no comportamento agressivo pode ser descrita e explicada pelo comportamento por meio das flutuações dos motivos de ataque Do ponto de vista fisiológico os níveis de lactato em circulação um produto da respiração anaeróbica e de glicose liberado pela mobilização do glicogênio aumentam no caranguejo dominante à medida que esse realiza mais batidas de concha Acreditase que isso seja diretamente responsável pela diminuição dos índices e do vigor das batidas de concha que ocorrem durante a luta Briffa Elwood 2001 Em virtude das demonstrações de ameaças serem energeticamente dispendiosas como as batidas de conchas dos caranguejos eremitas essas atuam como sinais eficientes Devese ressaltar que essas demonstrações fornecem informações importantes sobre a capacidade de resistência e de força do animal em ataque Briffa et al 2003 Brandt 2003 As mudanças nos níveis circulatórios dos produtos decorrentes da respiração não causam alterações diretas na agressividade exercendo no entanto seus efeitos sobre os sistemas neuroendócrinos que controlam este comportamento Esses sistemas têm sido estudados com considerável detalhe em crustáceos de grande porte como as lagostas 298 Nesses animais as lutas são geralmente bastante agressivas e complexas com relações evidentes de dominância e subordinação A identificação dos sistemas neurais moduladores do comportamento agressivo tem apresentado um progresso considerável Paralelamente há um progresso na caracterização do papel de substâncias neuroquímicas secretadas pelo cérebro e geradoras de diferenças na agressividade Por exemplo um sistema de neurônios que secreta serontonina neurônios serotoninérgicos foi mapeado no sistema nervoso central da lagosta havendo interação com neurônios motores implicados nas posturas agressivas e em outros padrões de comportamento agonístico Kravitz 2000 Quando se aumenta experimentalmente o nível de serotonina há agressividade em lagostas subordinadas Panksepp et al 2003 Assim é especulado que a diferença da agressividade das relações de dominânciasubordinação pode ser desencadeada por mudanças na atividade do sistema serototinérgico Há uma vasta literatura sobre os sistemas fisiológicos hormonal e neural norteadores do comportamento agressivo em vertebrados Nelson 2000 Esses mecanismos são complexos e os detalhes variam conforme a espécie apesar de algumas generalizações serem possíveis Primeiramente em várias espécies de animais adultos há uma evidente relação entre os níveis de andrógenos circulantes hormônios sexuais masculinos e a agressão Em algumas espécies cujas lutas mais drásticas são decorrentes da luta de machos para ter acesso às parceiras a associação com os andrógenos é bastante evidente Assim a agressividade varia conforme os níveis de andrógenos sendo a castração um meio capaz de tornar os machos menos agressivos Ao se fazer uma reposição hormonal de andrógenos o padrão de comportamento agressivo é reiniciado Esta relação é agravada pelo fato dos efeitos da agressividade decorrente dos níveis de andrógenos poderem ser mascarados por fatores sociais Este último ocorre principalmente em primatas que possuem cérebros maiores e sistemas sociais complexos Gordon et al 1979 As lutas têm efeitos marcantes e drásticos sobre os níveis circulatórios de andrógenos o que torna a relação hormônioagressão uma via de mão dupla Wingfield 1985 Yang Wilczynski 2002 Paralelamente outros hormônios como o cortisol também modulam o comportamento agressivo Breuner Wingfield 2000 Apesar das diversas complicações presentes as diferenças intraespecíficas na agressividade podem freqüentemente ser decorrentes das variações na atividade hormonal Em diversas espécies de peixes machos os níveis de 11cetotestosterona uma potente andrógeno em peixes são elevados nos machos territoriais em relação aos 299 invasores Brantley et al 1993 No caso do camundongo os machos agressivos possuem níveis basais de testosterona mais elevados do que os nãoagressivos além de apresentarem níveis mais baixos de cortisol Koolhaas et al 1999 Os hormônios além de produtos da respiração exercem influência sobre a agressão mediante um conjunto de estruturas complexas e pelo sistema nervoso central Dentre as regiões cerebrais relacionadas ao controle da agressividade entre machos rivais em camundongos e ratos Nelson 2000 estão os centros geradores de movimento o hipotálamo ventromedial e lateral na região septal e as áreas pré opticas Esta última deve estar intacta para que ocorra a expressão espontânea da agressão em diversos vertebrados como peixes e macacos resos Outra região cerebral envolvida é a amígdala pois a agressão territorial é marcadamente reduzida em ratos com lesões no núcleo corticomedial do hipotálamo Neste caso os mamíferos de várias espécies ficam hiperativos e às vezes mais agressivos após lesão nessa região Algumas dessas áreas estão envolvidas com os efeitos intrínsecos da agressão enquanto outras se relacionam aos efeitos mais gerais da agressividade e a outros aspectos comportamentais como a reatividade Muitas dessas regiões cerebrais como o hipotálamo e as áreas préópticas possuem receptores para hormônios esteróides com suas atividades moduladas pelos níveis de andrógeno na circulação Os camundongos agressivos e os nãoagressivos possuem padrões distintos de elevação de andrógeno em diversas partes do cérebro Por exemplo os machos nãoagressivos têm níveis altos de atividade da aromatase responsável pela conversão de testosterona em estrógeno no sistema nervoso central nas regiões préópticas Quando comparadas aos machos agressivos possuem mais atividade de aromatase possivelmente devido aos machos nãoagressivos apresentarem menores níveis de testosterona na circulação Compaan 1993 Vários neurohormônios como as bioaminas modulam a agressão tanto em invertebrados quanto em vertebrados Por exemplo injeções de noradrenalina e dopamina aumentam os níveis de agressividade enquanto injeções de 5hidróxi triptofano ou serotonina os reduzem Os níveis dessas mesmas substâncias químicas também podem ser alterados em decorrência da participação em lutas Como exemplo os animais subordinados de um grupo ou os que perdem uma luta têm maiores níveis absolutos de serotonina cerebral em diversas espécies de vertebrados incluindo peixes Maler Ellis 1987 Winberg Nilsson 1983 ratos Blanchard et al 1991 e macacos Reisner et al 1996 Como o efeito de inibiçãoagressão da serotonina é 300 difundido em vertebrados parece ser um mecanismo evolutivo que faz com que os indivíduos cujas competições são menos eficazes não participem em lutas desnecessárias Desenvolvimento da agressão O comportamento agressivo observado em animais adultos é desenvolvido de forma espécieespecífica e flexível Isso ocorre por meio de uma interação contínua entre os genes herdados dos pais e o ambiente social e nãosocial em que os animais se desenvolvem De um modo em geral os padrões motores espécieespecíficos utilizados pelos animais durante as lutas são relativamente resistentes às modificações impostas pelo ambiente No entanto é salientado que os padrões motores existentes nas lutas são desenvolvidos de uma forma mais flexível conforme o modo o porquê e a prontidão com que os animais reagem nos embates Huntingford 1984 Os padrões de comportamento coordenados e complexos observados nas lutas aumentam gradualmente durante o desenvolvimento a partir de movimentos sem coordenação de animais bastante jovens ou por padrões de comportamento usados em outros contextos Por exemplo os movimentos dos membros inferiores utilizados nos pulos de jovens aves selvagens são transformados em movimentos de chutes agressivos quando elas se tornam adultas e participantes de embates Kruijt 1964 Após o surgimento de ações agressivas nos animais em desenvolvimento suas formas e freqüências possivelmente variam consoante ao amadurecimento Alguns desses processos são hormonais e têm efeitos sobre a agressão em animais adultos e sobre a agressividade mediante ações ao longo do desenvolvimento Assim em certos vertebrados Huntingford Turner 1987 Nelson 2000 a exposição a andrógenos num estágio critico do desenvolvimento pode afetar os sistemas neurais com possíveis diferenças na agressividade entre os sexos Por exemplo pássaros zebras fêmeas jovens desenvolvem sistemas neurais que originam um canto semelhante ao dos machos quando expostas experimentalmente a andrógenos durante o desenvolvimento Gurney Konishi 1980 Paralelamente a exposição a andrógenos pode acarretar variações na agressividade em indivíduos do mesmo sexo Como exemplo fêmeas de camundongos em contato com dois machos durante o desenvolvimento no útero 301 materno apresentam níveis elevados de andrógenos resultando em adultos mais agressivos Von Saal 1983 Em alguns casos os efeitos desse hormônio são responsáveis pelo desenvolvimento de machos que adotam estratégias alternativas de acasalamento Por exemplo no peixe Poricthys notatus a maioria dos machos denominados machos tipo I utiliza cantos agressivos originados pela vibração da bexiga natatória A produção de cantos tem por objetivo defender o território em que constroem ninhos cortejam fêmeas e cuidam da prole Um outro tipo de macho reprodutivamente ativo denominado macho tipo II apresenta corpo menor sem produção de cantos nem defesa de territórios mas consegue fertilizações com comportamentos furtivos nos ninhos de machos tipo I Essas diferenças são fixas ao longo do desenvolvimento de forma que o macho tipo II nunca defende um território e viceversa Os machos adultos tipo I e II diferem drasticamente quanto ao desenvolvimento dos músculos que vibram a bexiga natatória aos neurônios motores que ativam esses músculos e aos núcleos de estruturas cerebrais responsáveis pelo controle da ativação desses neurônios As diferenças de estrutura e comportamento decorrem de o macho tipo I secretar testosterona quando é imaturo e apresentar rápido crescimento num período critico Os machos tipo II não apresentam a mesma secreção de andrógeno o que resulta em um menor desenvolvimento dos sistemas neurais e motores Bass 1992 Em lagartos que habitam árvores a exposição precoce aos andrógenos acarreta o desenvolvimento de machos com morfotipos mais agressivos Moore et al 1998 Os eventos endócrinos precoces não são fixos mas dependem de várias influências ambientais atuando sobre o animal em desenvolvimento Algumas influências sobre o desencadeamento da agressividade surgem do ambiente nãosocial Por exemplo breves períodos de alimentação inadequada durante o desenvolvimento tornam camundongos machos mais agressivos quando adultos Tonkiss Smart 1982 o mesmo ocorrendo em ratos jovens que tiveram a oportunidade de cavar tocas Nikoletseas Lore 1981 Uma outra influência importante na agressividade vem das interações sociais com coespecíficos principalmente com os pais Os filhotes de galinhas cuidados pelos pais são comparativamente menos agressivos em relação aos que não tiveram esses cuidados Falt 1978 Similarmente camundongos machos que tiveram cuidado parental são relativamente menos agressivos se comparados a outros machos Marler et al 2003 Em alguns tipos de macacos jovens o apoio materno auxilia na determinação da posição social Horrocks Hunte 1984 As experiências 302 diretas de perdas ou ganhos em lutas influenciam o desenvolvimento da agressão em animais jovens modulando a agressividade dos adultos de várias espécies como lesmas Zack 1975 peixes e camundongos Lagerspetz 1979 Evidências de diferentes tipos têm demonstrado diferenças herdadas na agressividade entre membros da uma mesma espécie Essas incluem o cruzamento entre indivíduos com diferentes comportamentos a comparação com animais de linhagens congênitas a reprodução seletiva para agressividade e o mapeamento quantitativo do comportamento analisado mediante modernas ferramentas moleculares As espécies usadas nesses estudos variam sendo usadas lagostas Finley Hayley 1983 galos silvestres Moss et al 1982 cães Fox 1978 camundongos machos Benus et al 1991 entre outras A reprodução seletiva de dois extremos da distribuição de agressividade em machos selvagens resultou em uma diferença marcada e continuada de agressividade entre as linhagens agressivas e nãoagressivas mesmo em filhotes criados por pais adotivos Isso evidencia que as diferenças de comportamento de uma população original são causadas em parte por variações genéticas Um complexo programa de cruzamentos entre as linhagens agressivas e nãoagressivas demonstra que as diferenças de agressão entre duas linhagens dependem dos elementos do cromossomo Y com ênfase à parte pseudoautossômica Sluijter 1994 A ecologia da agressão Os vencedores de lutas são freqüentemente capazes de se apropriar de algum recurso seja alimento como os beijaflores abrigos como os caranguejos eremitas parceiros sexuais diversas espécies ou vários recursos simultaneamente Uma resposta funcional a indagação Por que os animais lutam pode ser facilmente fornecida Lutam para obter um ganho preferencial ou o acesso exclusivo a recursos limitados Então surge uma questão diferente Tendo em vista que os vencedores ganham recursos valiosos por que os animais não lutam de forma igualmente agressiva A resposta vem do fato das lutas envolverem custos e benefícios potencialmente significantes e que devem ser avaliados considerando a aptidão do indivíduo A identificação das conseqüências da agressão provavelmente pode ter um efeito negativo sobre a aptidão Por exemplo as lutas envolvem tempo que pode ser alocado para outros fins Os peixes ciclídeos agressivos são menos vigilantes e mais vulneráveis 303 ao ataque predatório do que os peixes que não são lutadores principalmente quando os ciclídeos estão engajados em lutas escaladas Os embates constituemse em processo ativo com alto custo energético que se reflete em maior consumo de oxigênio no acúmulo de lactato e na depleção de reservas energéticas Chellappa et al 1989 Fernandes Volpato 1993 Alvarenga Volpato 1995 Huntingford et al 2000 Apesar de muitas lutas entre animais serem resolvidas mediante troca de exibições outros escalam para ataques agressivos e perigosos Há diversos relatos bem documentados de uma variedade de vertebrados e invertebrados com danos relativamente sérios Alguns exemplos são os danos oculares em sapos gladiadores Kluge 1981 ou a morte em vespas Hamilton 1979 Os custos das lutas podem desvalorizar os benefícios da vitória o que torna fácil a compreensão dos motivos de animais não lutarem tão ferozmente quando disputam um recurso Os biólogos teóricos têm utilizado um número de aproximações diferentes e freqüentemente complexos visando a exploração das implicações desse fato Kreb Davies 1996 Entretanto três amplas predições emergem 1 As lutas devem ser particularmente ferozes quando os animais estão lutando por um recurso valioso Muitos exemplos bem documentados podem ilustrar esta predição Enquist Leimar 1990 Em termos gerais as lutas mais ferozes e danosas ocorrem entre machos para o acasalamento com fêmeas mais receptivas com marcantes vantagens de aptidão Huntingford Turner 1987 Chellappa et al 1999b Com relação a outros recursos os caranguejos eremitas lutam mais ferozmente por conchas de melhor qualidade Elwood Neil 1992 Por sua vez os gafanhotos privados de alimento lutam mais agressivamente pelo alimento com maior probabilidade de vencer seus rivais que se alimentaram melhor Nosil 2002 2 As lutas devem ser menos agressivas quando os custos decorrentes do comportamento agressivo aumentam cujo efeito tem sido demonstrado em varias espécies Por exemplo o salmonídeo Salvelineus alpinus apresenta um comportamento menos agressivo quando há um aumento na velocidade da corrente de água pois essa corrente aumentada acarretaria ataques e exibições mais dispendiosas Jobling et al 1993 Os peixes ciclídeos lutam menos intensamente na presença de predadores em comparação com situações sem predadores Brick Jakobsson 2002 304 3 Durante os primeiros estágios de um encontro agressivo os oponentes geralmente trocam informações sobre suas habilidades de luta o que torna plausível a premissa de que as lutas devam ser resolvidas dessa forma A lógica dessa linha de raciocínio consiste em o oponente mais fraco provavelmente seja o perdedor Dessa maneira o animal mais fraco pode ganhar em aptidão ao retirarse da luta antes de despender alto custo numa perda inevitável Uma predição posterior a esta idéia é a de que quanto menor a diferença entre as habilidades de luta entre os oponentes maior será o tempo e intensidade da luta Muitos estudos empíricos sustentam essa predição como por exemplo os rugidos emitidos por veados machos numa luta e que se correlacionam com a força e a capacidade de resistência Dessa forma várias lutas são resolvidas tendo como base as diferenças entre os rugidos CluttonBrock Albon 1979 As lutas entre lagartos machos são geralmente ganhas pelo indivíduo que apresenta uma maior capacidade de resistência locomotora com exibições de empurrões servindo de indicadores sobre a habilidade de luta e de resistência Assim sendo é mediante esses indicadores que as lutas se resolvem Brandt 2003 Esses e outros exemplos demonstram como um animal se comporta ao longo de uma luta com conseqüências importantes para sua aptidão O comportamento nas lutas tem várias implicações em populações como por exemplo a influência da agressão sobre a emigração a mortalidade e a reprodução todos com impacto significativo sobre o crescimento populacional Huntingford Turner 1987 Os modelos ecológicos que incorporam tais processos podem potencialmente promover a compreensão e a previsão de eventos populacionais Sutherland 1996 Por exemplo alguns modelos desenvolvidos primeiramente por Fretwell Lucas 1970 descrevem como os animais se alimentam em grupos distribuindose entre as áreas de alimentos além de locomoverem livremente entre si a distribuição livre ideal Os modelos mais complexos incorporam interações dominantes de forma que alguns indivíduos despóticos sejam capazes de monopolizar as áreas mais ricas gerando a distribuição despótica ideal Fretwell Lucas 1970 Milinski Parker 1991 Huntingford 1993 Os modelos despóticos ideais podem prever como os animais são distribuídos no espaço e no que se refere ao aumento do tamanho e da biomassa da população Ruxton et al 1999 As premissas do ideal básico do modelo despótico 305 foram testadas em peixes salmonídeos jovens que num riacho simulado se alimentam em áreas de qualidades fixas mas diferentes Foi observado que o uso do padrão de áreas em relação ao ranqueamento ocorreu da forma prevista Hakoyama Iguchi 2001 No entanto ainda não está claro como o status serve para predizermos o desempenho em condições mais complexas presentes em rios e riachos naturais A evolução da agressão Há duas fontes principais de evidências sobre a reconstrução da história filogenética do comportamento agressivo para quaisquer espécies a dedução de onde surgiram as exibições de agressividade e os tipos de mudanças que ocorreram durante o passado evolutivo Huntingford Turner 1987 Em primeiro lugar podese usar o registro de fósseis Apesar de o comportamento não se fossilizar as estruturas vinculadas a ele podem servir de evidência Por exemplo na Europa e na Ásia há um extenso registro de fóssil de um veado gigante Megaloceros giganteus González et al 2000 Esse registro demonstra a história de um aumento progressivo do tamanho dos chifres particularmente em machos associado a um grosso arcabouço ósseo entre os chifres Além disso eles se tornaram mais complexos e mais oblíquos ao invés de se apresentarem na posição vertical As considerações sobre as estruturas e orientações dos chifres do veado gigante sugerem que eram utilizados nos embates entre machos com os chifres entrecruzandose à medida que os oponentes baixavam suas cabeças até quase atingiram a base Lister 1994 A modelagem dos custos em produzir os enormes chifres nesses animais tanto em termos de energia quanto de minerais demonstra como a seleção sexual por chifres grandes foi sobreposta pela seleção natural por um corpo e chifres menores acarretando na extinção progressiva dos veados gigantes Moen et al 1999 Uma segunda fonte de evidência sobre a evolução das lutas consiste na comparação dos comportamentos agressivos de animais cujas relações filogenéticas são conhecidas Esta linha de raciocínio tem obtido bastante respaldo atualmente devido ao desenvolvimento de filogenias específicas com bases em evidência molecular Por exemplo certas espécies de insetos apresentam duas ou mais formas distintas Algumas não possuem asas vivendo e reproduzindose dentro da área em que eclodiram enquanto outras possuem asas dispersandose para novas áreas de reprodução Em 306 algumas dessas por sua vez há uma casta de soldados que são indivíduos com asas curtas e membros dianteiros aumentados usados na defesa do território em casos de invasão As filogenias com base nas seqüências de DNA mitocondrial têm sido utilizadas para responder a diversas questões sobre a evolução de um determinado traço comportamental As castas de soldados provavelmente se originaram uma ou no máximo duas vezes na história evolutiva a partir das formas de insetos alados tendose separado de um número de linhagens Crespi et al 1998 Os detalhes do comportamento agressivo podem ser utilizados na reconstrução filogenética juntamente com os caracteres morfológicos e genéticos Stuart et al 2002 Por exemplo o comportamento observado durante embates agressivos em machos de diversas espécies de mamíferos foi utilizado para examinar a origem filogenética dos cetáceos Embates de cabeças presentes em lutas entre machos são observados somente em ruminantes hipopótamos e cetáceos respaldando a idéia de que estes últimos devam ser classificados com os Artiodátilos Lusseau 2003 Aplicações práticas de pesquisas sobre agressão As seções prévias forneceram uma visão geral dos diferentes tipos de respostas à questão Por que os animais lutam Este vasto conjunto de pesquisas interdisciplinares é de fundamental interesse a agressão é um padrão comportamental dramático e espetacular que é difundido no reino animal e o entendimento de por que ele ocorre e por que tem uma determinada forma é um desafio fascinante para os biólogos comportamentais Entretanto as respostas a essas perguntas são potencialmente também de importância prática pois se entendermos porque os animais lutam podemos controlar se ocorrerão quando e como serão expressas Uma demonstração particularmente dramática senão éticamente questionável do fato de que conhecimento é poder é fornecida pelo neurocientista espanhol Delgado Ele manteve um touro de carga parado por meio de estimulação do cérebro desse animal com um eletrodo implantado na amigdala Delgado 1967 Nesta última seção são fornecidos exemplos da aplicação do conhecimento sobre a biologia da agressão a partir de estudos sobre suas causas desenvolvimento função e evolução Uma boa demonstração é a compreensão do estímulo que ativa ou inibe a agressão através do uso de dispersores de feromônios para suprimir uma agressividade problemática em cães e gatos Mills Mills 2001 Um outro exemplo de aplicação 307 prática adequada é a relação entre a serotonina e o status de subordinação em vertebrados proposta por Winberg et al 2001 Nesse estudo foi observado que havia redução dos níveis de agressividadequando as trutas recebiam alimentos contendo altos níveis de um precursor natural da serotonina Devido à redução na agressividade sem a supressão de alimentos ou de crescimento este pode procedimento ser potencialmente utilizado para melhorar a produção dos peixes cultivados No que se refere aos processos de desenvolvimento os programas de reprodução seletiva para características comportamentais desejadas são bastante antigos como uma menor agressividade em animais em cultivo ou maior em animais lutadores como em cães de guarda e galos de briga A maior compreensão que temos atualmente sobre os mecanismos genéticos determinantes da agressão pode tornar esse processo mais eficiente Durante séculos os treinadores têm utilizado programas de reforço para aumentar ou diminuir a agressividade em cães e gatos No entanto um melhor entendimento sobre o papel da experiência social no desenvolvimento da agressão pode tornar esse processo bem mais eficiente Bradshaw 1992 Lockwood 1995 Salientamos que esse processo pode também auxiliar em programas de treinamento com espécies nãodomésticas Por exemplo a manipulação da experiência precoce na larvicultura de peixes salmonídeos pode melhorar a habilidade desses animais competirem por alimentos após serem reintroduzidos na natureza o que melhoraria sua sobrevivência Brown Laland 2002 A compreensão por uma perspectiva ecológica dos meios pelos quais o comportamento agressivo é modulado pelos benefícios do ganho e custos das lutas pode também ser aplicada com vantagens Por exemplo a agressão em grupos de salmões atlânticos cultivados pode ser drasticamente reduzida pela presença de coespecíficos Essa redução pode ser desencadeada pelo aumento da velocidade de corrente da água o que tornaria as interações agressivas energicamente mais dispendiosas Jobling et al 1993 As reconstruções da história filogenética da agressão em linhagens específicas são relativamente deslocadas no contexto atual de uma perspectiva prática apesar de serem interessantes do ponto de vista da biologia fundamental Entretanto muitas perspectivas derivadas de estudos sobre a evolução da agressão são importantes na dedução sobre o comportamento da espécie humana Huntingford Turner 1987 À medida que as ações agonísticas evoluem em uma dada linhagem elas tendem a se conservar por longos períodos havendo poucas mudanças Entretanto altos níveis de 308 manifestação de agressão como a ausência de territorialidade ou a natureza das interações de dominância são muito mais variáveis com uma história evolutiva de mudanças relativamente rápidas em resposta a alterações no meio ambiente especialmente em animais com cérebros grandes e sistemas sociais complexos Por essas razões as tentativas de se elaborar deduções sobre o comportamento agressivo natural na espécie humana a partir dos dados sobre outros animais Por ex que somos territoriais porque outros primatas são Ardrey 1966 que temos hierarquias de dominância porque os babuínos são hierárquicos Morris 1969 devem ser cautelosas REFERENCES Ardrey R 1966 The Territorial Imperative New York Atheneum Bass A 1992 Dimorphic male brains and alternative reproductive tactics in a vocalizing fish Trends in Neuroscience 15 13945 Benus I 1988 Aggression and coping differences in behavioural strategies between aggressive and nonaggressive male mice Tese de Doutoramento University of Groningen The Netherlands Benus RF Bohus B Koolhaas JM Van Oortmerssen GA 1991 Heritable variation of aggression as a reflection of individual coping strategies Experientia 47 100819 BlackCleworth P 1970 The role of electric discharges in the nonreproductive social behaviour of 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duplicação do material genético e alocação da nova cópia genômica e quantidades variáveis de material citoplasmático para a nova célula As partículas virais embora tenham a capacidade de replicar o seu material genético não reproduzem pois necessitam da maquinaria molecular presente nas células por elas infectadas que por sua vez geram as cópias do material genético viral Portanto embora a reprodução implique necessariamente em replicação e por esse motivo esteja intimamente relacionada ao próprio conceito de vida a replicação unicamente não define o fenômeno reprodutivo Segundo Margulis e Sagan 2002 a partir do paradoxo enunciado por Erwin Schrödinger durante o ano de 1943 no qual afirmava que a vida funcionava como um cristal aperiódico foi construída uma relação entre a Biologia e a Física que culminou com a busca por moléculas que codificassem a vida e conseguissem perpetuála A descoberta da estrutura da molécula do DNA que valeu a Watson e Crick o prêmio Nobel em 1962 e dos mecanismos de recombinação gênica a partir da troca ou junção de material genético de duas células ou organismos possibilitou além de todos os múltiplos desdobramentos alcançados pela moderna genética molecular a construção das teorias modernas que tentam explicar os diferentes modos de reprodução presentes na natureza No presente temos a coexistência dos dois tipos de reprodução uma produzindo cópias assexuada e a outra produzindo seres únicos sexuada Esses mecanismos garantem que os organismos vivos sejam eles unicelulares plantas ou animais se reproduzam Uma vez que a forma sexuada é o modo de reprodução predominante os pesquisadores concluem que deva ser a forma mais vantajosa para a geração de novos organismos Tradicionalmente o argumento central utilizado para explicar a primazia da reprodução sexuada é a suposição de que este modo de reprodução torna possível um maior número de combinações genéticas promovendo 319 por um lado o surgimento de variedade e por outro favorecendo tanto a fixação de mutações benéficas quanto a remoção de mutações deletérias Assim sendo a reprodução sexuada é o principal mecanismo para a geração de diversidade genética sobre a qual trabalha a seleção natural Alcock 1993 Embora esta seja uma explicação amplamente utilizada ao longo do tempo e principalmente em função do aprofundamento dos conhecimentos acerca dos mecanismos da hereditariedade vários biólogos evolucionistas buscaram desenvolver abordagens e modelos teóricos que permitissem testar os efeitos de cada modo de reprodução sobre a aptidão individual e populacional Nesses trabalhos são discutidos prováveis fatores responsáveis tanto pelo surgimento quanto pela manutenção da reprodução sexuada e do processo associado de recombinação gênica Assim é que desde o século XIX cientistas vêm apontando a necessidade de se compreender os mecanismos subjacentes ao surgimento e extinção de populações eou espécies Esta discussão apresentase esboçada por Darwin 1871 e outros cientistas do século XIX como Weissmann e Maupas citados em Mooney 1992 os quais já nesse período discutiam o papel da reprodução sexuada como origem de variabilidade genética Todavia somente a partir de meados do século XX essas idéias foram traduzidas em modelos teóricos mais gerais Desta fase inicial destacamse os trabalhos de Fisher 1930 e Haldane 1932 citado em West et al 1999 este último introduzindo o conceito de seleção dependente de freqüência que veio a dar suporte à hipótese da corrida armamentista entre parasita e hospedeiro como a principal pressão seletiva levando à primazia da reprodução sexuada Contudo a hipótese que citamos acima só foi plenamente desenvolvida nos modelos propostos por Jaenike 1978 Bremermann 1980 e principalmente no trabalho mais conhecido do importante teórico da biologia evolucionista W D Hamilton Sex versus nonsex versus parasite publicado em 1980 que foi o mais conhecido defensor da teoria da coevolução parasitahospedeiro como a principal pressão seletiva para a geração de diversidade genética e conseqüentemente da reprodução sexuada Essa teoria ficou conhecida como a Hipótese da Rainha de Copas a partir da publicação do trabalho de Bell 1982 que utiliza essa denominação em função da personagem do livro de Lewis Carrol 1871 Through the looking glass Alice no país das maravilhas Na história imaginada por Carrol a Rainha de Copas leva Alice em uma corrida alucinante que tem o seu final no ponto de partida Bell faz então uma analogia entre essa corrida e a corrida evolutiva que acontece entre parasita e 320 hospedeiro e entre presa e predador que ao final tem como resultante a volta ao ponto de partida ou seja o restabelecimento do equilíbrio entre essas populações A existência de coevolução entre parasita e hospedeiro presa e predador pressupõe que qualquer inovação novos alelos surgida em um dos membros do par que favoreça por exemplo um aumento da patogenicidade por parte do parasita ou aumento da eficiência predatória por parte do predador favoreceria imediatamente nas populações de hospedeiros e presas àqueles indivíduos que apresentassem mutações novas que também lhes conferissem vantagens adaptativas Assim a variabilidade genética dentro das populações favorecida pela reprodução sexual tornase uma arma importante e necessária na luta contra os fatores bióticos do meio conduzindo a uma verdadeira corrida armamentista na qual as armas são as inovações genotípicas Paralelamente a essas proposições outras hipóteses e teorias foram desenvolvidas com enfoque para o efeito da reprodução sexuada sobre a distribuição das mutações nas populações Segundo essas teorias denominadas mutacionais a principal força seletiva levando à reprodução sexuada seria a vantagem conferida pela recombinação gênica às populações de reprodução sexuada em comparação às populações de reprodução assexuada por facilitar a fixação das mutações adaptativas e a eliminação de mutações deletérias Fisher 1930 Muller 1932 1964 Kondrashov 1988 MaynardSmith 1988 Essas teorias vêm sendo desenvolvidas historicamente de forma independente como hipóteses alternativas e excludentes Assim West et al 1999 classificam os modelos para a evolução da reprodução sexuada em dois grandes grupos a modelos ambientais ou ecológicos incluindo a Hipótese da Rainha de Copas e suas variações b modelos baseados em mutações incluindo todos aqueles modelos que enfatizam a influência da recombinação gênica sobre a distribuição das mutações e suas conseqüências sobre a aptidão individual ou populacional Nas chamadas teorias mutacionais estocásticas Howard Lively 2002 argumentase que em populações finitas havendo uma distribuição casual das mutações em espécies de reprodução assexuada pode ocorrer a perda ocasional da fração da população com menor taxa de mutações deletérias o que geraria a diminuição gradual da aptidão média dessas populações em comparação àquelas que se 321 reproduzem sexuadamente ao longo das sucessivas gerações sendo a principal teoria conhecida como Mullers Ratchet Muller 1950 Posteriormente Muller 1964 adicionou à sua teoria a idéia de que além de levar a uma retirada de genes deletérios da população o processo de recombinação gênica favoreceria também a fixação de mutações benéficas Em algumas teorias mutacionais chamadas direcionais argumentase que em função da atuação de seleção direcional e ocorrência de sinergismo epistático33 determinadas combinações gênicas apresentam maior valor adaptativo do que outras A reprodução sexual por aumentar grandemente a probabilidade de ocorrência de combinações de novos alelos em um mesmo indivíduo favoreceria e tornaria mais rápido o processo de estabilização dessas inovações no pool gênico das espécies Além disso as combinações favorecidas poderiam mudar ao longo do tempo em função de flutuações ambientais que levam a modificações no valor adaptativo das novas combinações genéticas Howard Lively 1998 O mecanismo de recombinação pode levar também à acumulação de mutações deletérias em parte dos indivíduos da população Caso haja sinergismo epistático entre os genes deletérios presentes em diferentes loci e caso os indivíduos que carrearem esta elevada freqüência de genes deletérios representem uma reduzida fração da população estes tenderiam a ser exterminados seleção truncada truncation selection favorecendo a eliminação das mutações deletérias Todos esses modelos foram desenvolvidos na tentativa de responder à questão lançada por MaynardSmith 1978 e denominada de duplo custo do sexo Twofold sex cost que podemos resumir da seguinte maneira se cada fêmea produz um número constante de crias as fêmeas que se reproduzem sexuadamente possuem um custo duas vezes maior para produzir o mesmo número de cópias de seus genes do que as fêmeas com reprodução assexuada em outras palavras as fêmeas que se reproduzem sexuadamente propagam o seu genoma ou um dado elemento do seu genoma somente metade do que o fazem as fêmeas que se reproduzem assexuadamente Vários autores enfatizam que nenhum dos modelos isoladamente consegue conferir a vantagem necessária para sobrepor o duplo custo da reprodução sexuada e sugerem a adoção de modelos pluralistas que consideram a atuação simultânea de fatores ambientais e mutacionais para justificar a evolução da reprodução sexuada 33 Tratase de um efeito sinergético sobre o fenótipo ou sobre a adaptabilidade de dois ou mais loci gênicos pelo qual seu efeito conjugado difere da soma de locus quando tomados separadamente 322 Barton Charlesworth 1998 West et al 1999 Esses modelos consideram a atuação simultânea da coevolução parasitahospedeiro e da seleção truncada Hamilton et al 1990 ou de modelos mutacionais estocásticos Howard Lively 1994 2002 e podem envolver mecanismos relacionados à seleção sexual Howard Lively 2002 entre outros fatores Archetti 2003 Os modelos e mecanismos sucintamente discutidos acima representam parte do debate teórico sobre os mecanismos evolutivos responsáveis pelo surgimento e manutenção da reprodução sexuada Essa questão está longe de ser satisfatoriamente respondida e estudos empíricos demonstraram apenas de modo indireto que a reprodução sexuada remove mutações que de outro modo se acumulariam no indivíduo e na população Wuethrich 1998 Como Reproduzir A ocorrência natural de espécies que utilizam as duas formas de reprodução assexuada e sexuada durante seu ciclo de vida denominadas espécies com ciclo de vida haplodiplobionte34 ou que apresentam metagênese35 apresentase como excelente modelo para investigarmos sob quais condições as espécies lançam mão da reprodução sexual Richard et al 1993 Nessas espécies nem sempre as duas fases do ciclo de vida apresentamse igualmente desenvolvidas havendo espécies nas quais uma das fases assexuada ou sexuada predomina sobre a outra mais reduzida A metagênese ocorre regularmente em alguns protistas algas foraminíferos e apicomplexos em plantas e em cnidários hidrozoários e cifozoários Estudos com alguns representantes desses grupos sugerem que a reprodução sexual está sempre ligada a condições de imprevisibilidade ou condições ambientais desfavoráveis Na alface do mar Ulva sp uma macroalga amplamente distribuída e comum no litoral brasileiro as duas formas assexuada gametófito e sexuada esporófito são morfologicamente idênticas A alternância entre uma e outra forma parece depender do ciclo lunar da luminosidade Han et al 2003 e da disponibilidade de nitrogênio dissolvido no meio Naldi Viroli 2002 sendo a formação de esporos utilizada para a dispersão e ocupação de novos habitats Outra representante das clorofíceas a microalga Chlamydomonas reinharditii é normalmente haplóide e pertence a um de dois tipos reprodutivos mt ou mt 34 Ciclo de vida no qual há alternância de uma fase com indivíduos haplóides reprodução sexuada e uma fase com indivíduos diplóides reprodução assexuada 35 Forma de reprodução com alternância cíclica de gerações assexuadas e sexuadas 323 Quando privados de nitrogênio ambos os tipos diferenciamse em gametas sexualmente competentes A fusão dos pares sexuais começa nas porções sexoespecíficas presentes na região anterior da célula Após a fusão o novo zigoto permanece móvel por várias horas e a seguir ocorre a formação de uma cápsula rígida e impermeável gerando um zigósporo protegido contra condições adversas do meio Esses zigósporos podem permanecer viáveis no solo por muitos anos Harris 2001 A mesma estratégia é utilizada pelo rotífero Brachionus plicatilis A reprodução assexual permite aos rotíferos um crescimento populacional rápido enquanto a reprodução sexual é a única forma de produzir um estágio dormente que pode sobreviver às condições ambientais adversas Em B plicatilis a reprodução sexual é induzida por um sinal químico liberado que se acumula na água com o aumento da densidade populacional Stelzer Snell 2003 Em Plasmodium falciparum um parasito apicomplexo e agente causador da malária em humanos a reprodução sexual ocorre no vetor antes da transmissão para um novo hospedeiro humano precedendo uma situação de variação ambiental Talman et al 2004 Esses exemplos nos sugerem que a reprodução sexual traz vantagens aos organismos quando estes enfrentam situações adversas ou imprevisíveis embora existam outras explicações para a ocorrência de alternância de gerações em várias espécies Richard et al 1993 Quanto e Quando Reproduzir Além das questões relacionadas à prevalência do modo de reprodução sexuada sobre a assexuada outros aspectos reprodutivos podem ser incluídos em classificações que agrupam as diferentes espécies quanto à forma de produção dos gametas à forma de produção da prole e ao tipo de fertilização No que se refere à reprodução assexuada existem vários tipos de mecanismos reprodutivos desde a divisão simples incluídos ai a bipartição e esporulação em animais unicelulares e partenogênese em vertebrados e invertebrados Todavia devido à multiplicidade de mecanismos e ao fato de que um mesmo organismo pode utilizar mais de um tipo de mecanismo na dependência de variáveis ecológicas e demográficas tornase difícil a sistematização desse tipo de reprodução No que refere a reprodução sexuada na Tabela 1 apresentamos uma classificação dos organismos quanto aos aspectos reprodutivos mais importantes Mac Arthur 1962 citado por Daly Wilson 1983 baseado em conceitos da biologia de populações criou os termos estratégiar e estratégiak para agrupar a 324 diversidade de padrões reprodutivos entre as espécies com relação à quantidade de prole produzida ao longo da vida reprodutiva Os estrategistas r seriam aquelas espécies que submetidas a situações ambientais instáveis nas quais é possível um rápido crescimento populacional apresentam reprodução rápida e numerosa resultando em um melhor aproveitamento dos momentos de abundância de recursos Os estrategistas k por sua vez seriam aquelas espécies para as quais o tamanho da população está próximo à capacidade de suporte do ambiente e encontram maior eficiência reprodutiva por meio de um número menor de tentativas reprodutivas e produção de proles numericamente reduzidas sobre outros sistemas de classificação ver Charnov 2002 Um outro aspecto diz respeito à alocação temporal do esforço reprodutivo quando reproduzir Frente às pressões ambientais existem espécies que se reproduzem uma única vez ou de modo contínuo outras muitas vezes e ainda aquelas que apresentam freqüência reprodutiva intermediária entre esses extremos reproduzindose mais de uma vez geralmente de modo sazonal A ocorrência de algum nível de sazonalidade reprodutiva tem sido registrada desde organismos mais simples como algas Pang Luning 2004 plantas Putterill et al 2004 invertebrados aquáticos Lawrence Soame 2004 e terrestres Simonet et al 2004 a todos os grupos de vertebrados por ex aves Gwinner 2003 primatas Lindburg 1987 A principal causa próxima vide capítulo 1 sincronizando os ciclos reprodutivos sazonais às épocas de maior disponibilidade de recursos são as pistas ambientais de luminosidade e temperatura Flowerdew 1987 Variações na duração da fase clara do dia são os fatores imediatos mais eficazes em regular os ritmos reprodutivos A ampla utilização dessa pista ambiental justificase por ser este um sinal não susceptível a sofrer modificações ao longo dos anos Em vertebrados a duração da fase clara do dia é transduzida internamente através da produção de melatonina um hormônio produzido e secretado pela glândula pineal em maior quantidade durante as horas escuras do dia a partir da serotonina vide capítulo 6 A produção circadiana de melatonina pela glândula pineal é endogenamente controlada pelo núcleo supraquiasmático do hipotálamo uma das principais áreas cerebrais que atuam como relógio biológico Kowalewska et al 2004 Nas espécies consideradas como reprodutores de dias longos longday breeders um aumento no período diário de secreção de melatonina ou seja aumento na quantidade de horas de escuro durante as 24h é associado a uma diminuição na liberação de GnRH hormônio liberador das gonadotrofinas enquanto nas espécies consideradas reprodutoras de dias 325 curtos shortday breeders este mesmo estímulo causa um aumento na liberação de GnRH Gerlach Aurich 2000 Via de regra as espécies que apresentam ativação do comportamento reprodutivo durante os dias longos primavera e verão são aquelas que apresentam tempo gestacional curto e as que apresentam ativação desses comportamentos durante as estações de dias curtos outono e inverno correspondem àquelas que apresentam gestações longas Dessa forma os animais conseguem sincronizar o nascimento de suas crias aos períodos de maior abundância de recursos Exemplos extensivamente estudados desses diferentes tipos de sincronização são os estudos com hamster um reprodutor de dias longos por ex veja Freeman et al 2002 e com ovelhas reprodutores de dias curtos por ex veja Gundogan et al 2003 embora haja vários outros exemplos com espécies de diferentes grupos como os estudos de sincronização reprodutiva em aves migratórias Dawson et al 2001 Esses estudos mostram que tanto a intensidade quanto a qualidade do efeito causado pelas pistas ambientais sobre a atividade reprodutiva são bastante variáveis entre as espécies Em algumas espécies pode ocorrer uma diminuição nos níveis de testosterona e da fertilidade dos machos fora da estação reprodutiva por ex espécies tropicais de estorninhos Dittami 1987 enquanto em outras esta inibição pode levar à cessação total da espermatogênese durante os períodos não reprodutivos por ex o urso americano Tsubota et al 1997 lagartos Amey Whittier 2000 Em algumas espécies de aves os ritmos de secreção de melatonina modulam outras funções como a ativação de áreas neurais relacionadas ao canto que ocorre em machos de aves canoras que utilizam o canto para a corte e a defesa territorial Bentley Ball 2000 Além disso pistas ambientais não relacionadas à luminosidade como variações de temperatura podem exercer um forte efeito modulador sobre a atividade reprodutiva sendo bastante comum esse tipo de modulação em animais marinhos Em um experimento com o camarão peneídeo Penaeus semisulcatus Aktas et al 2003 observaram maturação ovariana em fêmeas quando estas foram submetidas a um regime de flutuação cíclica da temperatura da água 2028ºC durante dez dias em um regime de iluminação de dez horas de claro e 14 horas de escuro 10C 14E Aumento na duração da fase de claro por ciclo regime 14C 10E não produziu qualquer vantagem adicional nem foi observada maturação ovariana quando as fêmeas foram mantidas em um regime de iluminação de 14C 10E e a uma temperatura da água de 20ºC o que sugere um forte efeito modulador da temperatura sobre a atividade reprodutiva nessa espécie 326 No que diz respeito à intensidade do efeito das variações ambientais sobre a atividade reprodutiva até bem pouco tempo foi bastante negligenciada a idéia de ocorrência de sazonalidade reprodutiva em espécies que vivem em regiões próximas aos trópicos uma vez que nessas regiões as variações anuais em termos de duração da fase clara do dia e da temperatura são muito pequenas quando comparadas às variações presentes em latitudes altas Porém vários estudos vêm mostrando que não apenas uma variação significativa desses parâmetros pode servir como pista para modular a atividade reprodutiva Em aves tropicais consideradas como reprodutores oportunísticos foi observado que o sistema reprodutor permanece ativo durante a maior parte do ano sendo as pistas ambientais não ligadas à iluminação aquelas que atuam como principal causa próxima levando à temporização reprodutiva Dawson et al 2001 Nos peixes reofílicos36 no norte e nordeste brasileiro há meses próprios para a reprodução embora as pistas ambientais ainda não sejam claramente estabelecidas Volpato Trajano 2006 Em uma revisão sobre os padrões de sazonalidade reprodutiva em primatas neotropicais di Bitetti e Johnson 2000 sugerem que para todas as espécies de primatas neotropicais que apresentam algum nível de sazonalidade reprodutiva a disponibilidade de alimento é a principal causa última ver capítulo 1 para a ocorrência desta sazonalidade e que três fatores determinam a intensidade da sazonalidade reprodutiva presente em cada espécie o tipo de dieta a latitude do local e o tamanho corporal Em um estudo desenvolvido no Núcleo de Primatologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Sousa et al 1999b por meio do acompanhamento dos nascimentos ocorridos nessa colônia de criação de sagüi do nordeste Callithrix jacchus em um período de seis anos foi observada uma tendência à ocorrência de um maior número de nascimentos durante o final da estação seca e início da estação chuvosa Fig 1 épocas de maior abundância de itens alimentares utilizados pela espécie no ambiente natural Nesse caso os animais poderiam utilizar como pistas para a sincronização reprodutiva não só a pequena diminuição na duração da fase clara do dia que ocorre nessa região durante os meses chuvosos mas também a diminuição da intensidade luminosa decorrente do alto índice de precipitação pluviométrica característico da estação chuvosa da temperatura ou ambos A mesma sincronização reprodutiva às épocas de maior abundância de recursos foi observada para outras 36 Peixes que realizam migração de centenas de quilômetros antes da reprodução 327 populações de primatas do Velho Mundo vivendo em baixas latitudes como Erytrocebus patas e Cercopithecus aethiops Nakagawa 2000 embora nesses casos também não tenham sido mais diretamente investigadas quais seriam as pistas imediatas utilizadas pelos animais para sincronizar sua atividade reprodutiva Exemplo de efeito da luminosidade sobre a atividade reprodutiva não relacionado à duração da fase clara do dia foi encontrado por Volpato et al 2004 na tilápiadoNilo Oreochromis niloticus Esses autores observaram que em grupos compostos de dois machos e três fêmeas de O niloticus submetidos a um regime de iluminação de 12C 12E nos grupos que foram expostos à luz de cor azul n 13 um número significativamente maior de animais reproduziram do que nos grupos n 12 expostos à luz branca Os autores sugerem então que embora os mecanismos através dos quais a faixa de comprimento de onda da luz influencia a reprodução ainda não tenham sido elucidados no caso da tilápiadoNilo esse efeito parece estar relacionado à diminuição nos níveis de estresse estimado pelos níveis de cortisol que ocorre quando é utilizada a luz azul De fato em estudo anterior foi observado que a exposição desse peixe à luz azul abolia a de elevação do cortisol plasmático em condições de estresse um efeito que não pôde ser associado à intensidade luminosa Volpato Barreto 2001 A QUESTÃO DOS GÊNEROS estratégias reprodutivas de machos e fêmeas Diferenças de Forma e Tamanho entre os Gametas Definem os Sexos Daly e Wilson 1983 definem estratégia reprodutiva como um programa de alocação de esforço reprodutivo investimento em acasalamento e cuidado parental que se refere às escolhas de como e quando reproduzir podendo variar em função de fatores tais como a idade o sexo e as condições sociais e ecológicas dos animais A ocorrência de reprodução sexual com existência de fecundação cruzada na ampla maioria das espécies animais pressupõe a contribuição conjunta de dois indivíduos para a produção dos descendentes A quantidade de energia utilizada por um indivíduo com o objetivo de reproduzirse foi conceituada por Trivers 1972 como investimento parental Investimento em uma prole que aumente a probabilidade desta prole sobreviver até a idade reprodutiva às expensas da capacidade do indivíduo em gerar proles 328 adicionais37 Esse investimento parental por sua vez pode ocorrer em diferentes fases do processo reprodutivo podendo ser subdividido em investimento précopulatório copulatório e póscopulatório Sheldon 2000 Diferenças no nível de investimento parental inicial investimento gamético caracterizam a primeira e mais importante diferenciação nas estratégias reprodutivas entre indivíduos de uma mesma espécie as estratégias de machos e fêmeas Por definição fêmeas são indivíduos que produzem um número limitado de gametas com quantidades substanciais de vitelo material nutritivo associado ao material genético enquanto machos são aqueles indivíduos que produzem uma grande quantidade de gametas pequenos e quase sempre móveis que apresentam muito pouco ou nenhum vitelo associado A partir dessa constatação podemos hipotetizar então por que a evolução teria levado à diferenciação de apenas duas formas gaméticas distintas e não de três ou mesmo quatro tipos distintos de indivíduos uns produzindo gametas muito pequenos outros produzindo gametas de tamanhos intermediários enquanto outros ainda produziriam gametas grandes ricos em reservas nutritivas A resposta a essa questão reside no fato de que se em algum momento esses tipos intermediários tivessem de fato existido tenderiam a ser gradualmente eliminados através de seleção disruptiva tipo de seleção que favorece fenótipos extremos em detrimento das formas intermediárias Isso ocorreria porque os fenótipos gaméticos intermediários apresentariam menor sucesso reprodutivo do que os fenótipos extremos por não possuírem a vantagem de atingir a massa crítica quantidade de citoplasma e substâncias nutritivas suficiente para garantir a sobrevivência do zigoto nem a vantagem numérica possibilidade de produção massiva de gametas pequenos e desprovidos de reservas nutritivas Daly Wilson 1983 Desse modo ao final do processo seletivo observamse duas estratégias distintas fêmeas que apresentam alto investimento energético na formação dos gametas e machos apresentando baixo investimento energético na produção de gametas Discussões recentes porém chamam a atenção para o fato de que como são produzidos vários gametas masculinos para fertilizar um gameta feminino os custos de produção dos muitos gametas necessários à fertilização também seria alto em machos TangMartinez 2000 Wedell et al 2002 Ainda considerando o investimento nos gametas Bateman 1948 argumentou que a diferença no investimento gamético geraria uma diferença de potencial 37 Tradução das autoras 329 reprodutivo entre machos e fêmeas Os machos apresentariam um potencial reprodutivo maior limitado apenas pelo número de parceiras sexuais que estes consigam monopolizar e as fêmeas um potencial reprodutivo menor limitado principalmente pela disponibilidade de recursos para provisionar ovos e filhotes Alcock 1993 Assim sendo os fatores limitantes para reprodução são diferentes para machos e para fêmeas o que faz com que o fato de pertencer a um ou outro sexo tenha conseqüências muito mais amplas na fisiologia e no comportamento dos indivíduos do que apenas na especialização gamética Diferenças Genéticas e Influências Ambientais Determinam o Sexo A definição de qual estratégia será adotada pelos indivíduos pode ser determinada geneticamente pode depender de fatores ambientais ou da interação entre ambos os fatores genética e ambiente Crews 2003 Em moscasdefruta Drosophila melanogaster o número de cromossomos sexuais determina o sexo do indivíduo Indivíduos com um único cromossomo X X0 ou XY tornamse machos enquanto indivíduos com dois ou mais cromossomos X XX XXX XXY tornamse fêmeas Pomiankowski et al 2004 Em 1990 cientistas identificaram em mamíferos uma região específica do braço curto do cromossomo Y denominada região determinante do sexo sry que produz o chamado fator de diferenciação testicular TDF A atividade dessa região do cromossomo Y bem como outros reguladores transcricionais relacionados leva a gônada indiferenciada a desenvolverse como uma gônada masculina A partir daí produtos secretados pela própria gônada hormônio protéico MIH fator de inibição dos ductos mullerianos e os andrógenos atuam para a diferenciação fenotípica dos machos Na ausência dessas influências o indivíduo irá desenvolverse como fêmea Knobil Neil 1994 Knower et al 2003 Atualmente já se sabe que o controle do processo de gonadogênese é bem mais complexo do que imaginado a princípio podendo ser descrito como uma cascata de eventos envolvendo vários fatores transcricionais interelacionados havendo genes relacionados ao X gene DAX1 dentro da região DSS Dosage Sensive Sex Reversal no braço curto do cromossomo X e também genes autossômicos envolvidos no processo como WT1 localizado no cromossomo 11 que podem atuar antes upstream genes ou depois downstream genes da determinação testicular Pallandi de Melo et al 2005 Um dos genes melhor estudado é o SOX9 localizado no cromossomo 17 que codifica um fator 330 de transcrição que em mamíferos tem sua atividade em níveis baixos antes da expressão de Sry sendo ativado em machos pela presença de Sry A capacidade de Sry em aumentar os níveis de SOX9 parece estar relacionada com a sua interação com outro fator de transcrição conhecido como SF1 Stereroidogenic Factor 1 codificado pelo gene Sf1 presente no cromossomo 9 A elevação dos níveis de SOX9 causa a diminuição da atividade de Sry parecendo atuar como uma alça de retroalimentação negativa Porém é proposto que ao atuar com SF1 o fator SOX9 consegue autoregular sua própria ativação mesmo depois da atividade de Sry ter cessado Sekido Lovell Badge 2008 Um aspecto interessante é que a proteína codificada por SOX9 que também regula a ativação do gene do colágeno do tipo II tem localização citoplasmática mas tornase de localização nuclear nas células progenitoras das células de Sertoli ao início da diferenciação gonadal Esta translocação que acontece apenas em machos parece ser um fator primordial para desencadear a diferenciação gonadal Gasga et al 2002 e sugerese que seja regulada autocrinamente pelos níveis de prostaglandina D2 Malki et al 2005 Ao contrário do que ocorre em mamíferos nos quais o sexo genético dos machos é XY e das fêmeas XX as fêmeas de aves são heterogaméticas ZW enquanto os machos são homogaméticos WW Nesse grupo ainda não foi identificado um fator específico responsável pela diferenciação gonadal semelhante ao sry dos mamíferos mas sabemos que outros genes como o já mencionado SOX9 parecem exercer importante papel na diferenciação gonadal em vertebrados nãomamíferos Mizuno et al 2002 Smith Koopman 2004 Além disso em aves a concentração adequada de estrógenos durante o período crítico é essencial para a diferenciação gonadal Villalpando et al 2000 Por outro lado em muitas espécies de peixes anfíbios e répteis a principal influência para a determinação sexual não é genética Para algumas espécies a determinação sexual é temperaturadependente ou seja o sexo depende da temperatura na qual os ovos foram incubados Esse sistema de controle ambiental da diferenciação sexual já foi registrado em 28 espécies de tartarugas várias espécies de lagartos e em virtualmente todas as espécies de crocodilos conhecidas Em algumas espécies de tartarugas marinhas ovos incubados a altas temperaturas diferenciamse em fêmeas enquanto o contrário é observado em alguns lagartos nos quais ovos incubados a altas temperaturas diferenciamse em machos Uguz et al 2003 Adicionalmente em várias espécies de peixes teleósteos ocorre o chamado hermafroditismo protrândrico ou 331 protogínico no qual os animais mudam de sexo ao longo da vida reprodutiva seja a mudança de macho para fêmea protrandria ou de fêmea para macho protoginia Nas espécies protrândicas o sucesso reprodutivo das fêmeas depende do seu tamanho diretamente relacionado à capacidade de gerar um maior número de ovos por desova Assim a adoção de uma ou outra tática depende do tamanho do animal bem como de outros fatores a serem considerados como o tamanho do parceiro e dos demais indivíduos da população os custos da troca de sexo e a forma de transferência dos gametas Angeloni et al 2002 Existem outros casos nos quais podem coexistir diferentes morfotipos de um mesmo sexo dentro da população cada um expressando um tipo diferente de estratégia reprodutiva É o caso de algumas espécies de peixes e anfíbios nas quais machos de pequeno tamanho adotam a estratégia de satélites mantendose próximos aos territórios defendidos pelos machos maiores e aproveitandose do momento em que estes estão copulando para liberar seus espermatozóides junto com os espermatozóides do macho territorial Embora estratégias alternativas como esta nem sempre garantam um alto nível de sucesso implicam em custos menores para os machos nesse caso eles não precisam defender territórios o que parece explicar a sua adoção Krebs Davies 1993 Competição por Parceiros Sexuais Cria Diferenças entre os Sexos As bases teóricas dos mecanismos seletivos responsáveis pela ocorrência de dimorfismo físico e comportamental entre os sexos foram descritas por Darwin 1871 por meio do conceito de seleção sexual Darwin desenvolveu o conceito de seleção sexual para tentar explicar a presença de determinadas características morfológicas em machos de algumas espécies como as longas penas coloridas dos pavões e aves do paraíso os grandes chifres dos alces e carneiros que não poderiam ser explicadas pela seleção natural uma vez que não pareciam contribuir para a sobrevivência dos indivíduos que as possuíam Ao contrário muitas dessas características tornavam esses machos mais visíveis aos predadores menos ágeis e portanto mais expostos à predação Assim observando atentamente a função dessas especializações em cada espécie Darwin propôs que algumas38 das adaptações morfológicas apresentadas por 38 É importante ressaltar que nem todas as diferenças de gênero relacionadas à reprodução devem ser consideradas como produto da seleção sexual Revisão sobre esse tema é encontrada em Arnold 1983 e Halliday 1980 332 machos e com menor freqüência por fêmeas de uma determinada espécie relacionadas à reprodução seriam resultantes de pressões seletivas decorrentes da competição por parceiros sexuais Esses traços confeririam ao indivíduo uma vantagem sobre indivíduos do mesmo sexo na quantidade eou qualidade de parceiros para o acasalamento A competição direta ou seleção intrasexual usualmente presente em machos levaria ao desenvolvimento de características físicas que lhes conferisse armas para o combate com outros machos garras dentes afiados chifres maior porte A escolha do parceiro ou seleção intersexual usualmente presente em fêmeas teria contribuído com o desenvolvimento de atributos ornamentais nos machos plumagem colorida tamanho da cauda coloração da face e da preferência das fêmeas por essas características A partir desse conceito de seleção sexual vários modelos teóricos vêm sendo construídos alguns deles enfocando os mecanismos imediatos genéticos e fisiológicos responsáveis pelo surgimento e perpetuação das diferenças entre os gêneros Brown 1997 Mead Arnold 2004 e de outros enfocando os fatores responsáveis pela ocorrência e intensidade da seleção sexual Ralls 1977 Andersson 1994 Com relação à evolução de traços utilizados na competição direta por parceiros vários estudos com diferentes grupos animais têm demonstrado a existência de correlação positiva entre a distribuição fenotípica do traço e o sucesso reprodutivo presumido ou comprovado por DNA fingerprinting dos indivíduos CluttonBrock 1989 Já no que diz respeito aos traços ornamentais relacionados à escolha do parceiro seleção intersexual existem diferentes modelos teóricos ou explicações que defendem diferentes mecanismos imediatos como responsáveis pelo surgimento e manutenção dessas características Esses modelos podem ser agrupados em dois grandes grupos a modelo surgido a partir do trabalho de Fisher 1930 o qual defende a existência de covariância genética entre a preferência da fêmea e a expressão do traço no macho seleção desenfreada runaway selection b modelos que seguem a idéia do princípio da desvantagem proposto inicialmente por Zahavi 1975 Segundo o modelo conhecido como seleção desenfreada as características que são o alvo da seleção sexual a preferência das fêmeas por determinado traço dos machos e o desenvolvimento desse traço nos machos são herdadas simultaneamente 333 havendo apenas uma diferença entre os sexos com relação à sua expressão Qualquer traço inicialmente favorecido pela seleção natural poderia tornarse um sinalizador para a escolha de parceiros por parte da fêmea caso ocorresse qualquer pequeno desvio ao acaso deriva genética na freqüência na qual indivíduos com forte preferência ou forte expressão do traço são representados na população Esse desvio desencadearia o processo de exacerbação do traço nos machos e da preferência nas fêmeas uma vez que os filhos desses cruzamentos agora em maior número herdariam tanto a forte preferência filhotes fêmeas quanto a vantagem atrativa filhotes machos Esse processo cessará apenas quando os custos em expressar o traço em termos de viabilidade superem os seus benefícios reprodutivos Os modelos de seleção desenfreada posteriormente complementados e testados por outros autores por ex ODonald 1980 Moller 1988 não consideram que o traço preferido tenha qualquer valor adaptativo ou função como sinalizador de viabilidade dos machos que os possuem O segundo grupo de modelos desenvolvidos a partir do trabalho de Zahavi 1975 baseiase no princípio da desvantagem handicap ou seja na idéia de que os traços escolhidos pelas fêmeas são aqueles com alto custo de manutenção e por esse motivo sinalizam a viabilidade do macho Diferentes versões do princípio da desvantagem foram desenvolvidas por diferentes autores por ex Pomiankowski 1987 Uma derivação importante dessa idéia básica foi apresentada por Hamilton e Zuk 1982 que argumentam que os traços ornamentais apresentadas pelos machos sinalizam a sua resistência aos parasitas uma vez que somente machos livres de infestações parasitárias poderiam apresentar cores e plumagens exuberantes Nenhum dos modelos acima descritos é facilmente testável na prática uma vez que a quantificação do sucesso reprodutivo individual é sempre uma tarefa complexa e pouco precisa ver Grafen 1988 Enquanto alguns autores procuram evidências a favor de um ou outro modelo Grafen 1990 Bakker 1993 paralelamente outros autores constroem modelos que sugerem que ambos os processos seleção desenfreada e princípio da desvantagem podem coexistir em situações específicas Eshel et al 2000 2002 Adicionalmente alguns modelos mais recentes consideram o desenvolvimento da preferência da fêmea não por um mas por vários traços simultaneamente Pomiankowski Isawa 1993 Alguns autores apontam ainda a necessidade de se estudar outros traços comportamentais que parecem terse desenvolvido por mecanismos de seleção sexual e que não foram abordados por Darwin 1871 como por 334 exemplo a competição por esperma a coerção sexual o infanticídio e a competição desordenada scramble competition Iwasa Andersson 1996 Nesta última os machos que são capazes de encontrar o maior número de fêmeas são os que obtêm o maior sucesso reprodutivo Nesse caso a seleção sexual favoreceria não o desenvolvimento de traços ligados a interações agressivas entre machos ou a atração das fêmeas mas sim o desenvolvimento adicional dos órgãos sensoriais e locomotores dos machos Como vemos a questão das causas próximas relacionadas ao desenvolvimento de características sexualmente dimórficas até hoje se apresenta como uma área intensamente estudada na qual muitas questões permanecem a ser respondidas Porém sabemos que quanto mais intensa for a atuação da seleção sexual maiores serão seus efeitos levando à diferenciação morfológica e comportamental entre os sexos A densidade populacional e a razão sexual operacional são os principais fatores apontados como determinantes da intensidade da atuação da seleção sexual em cada espécie Andersson 1994 Evidências concretas da ocorrência de variação no valor adaptativo das estratégias utilizadas pelos machos em função de variações na densidade populacional foram encontradas por Cezilly Bertin 2003 em Asellus aquaticus um crustáceo isópodo Esses autores investigaram a influência relativa do tamanho corporal e do comprimento da antênula órgão sensorial em crustáceos para o sucesso de pareamento dos machos dessa espécie Manipulando experimentalmente o tamanho da antênula dos machos esses autores encontraram que em baixas densidades o tamanho da antênula relacionado á habilidade em encontrar uma fêmea tem tanta ou maior importância que o tamanho corporal dos machos relacionado à defesa da fêmea contra outros machos A razão sexual operacional é definida por Emlen Oring 1977 como a razão entre o número de fêmeas fertilizáveis com relação ao número de machos sexualmente ativos na população em um dado momento Seguindo esse conceito um alto nível de competição por parceiros pode ocorrer mesmo em espécies nas quais não ocorram desvios na razão sexual se houver variação no nível de fertilidade ou assincronia reprodutiva entre as fêmeas Esses fatores determinam o ganho potencial dos machos na competição por parceiros Ou seja a capacidade de monopolização de fêmeas por parte dos machos depende do nível de agrupamento espacial e temporal das fêmeas sexualmente receptivas Wrangham 1987 van Schaik 1989 335 SISTEMAS DE ACASALAMENTO E CUIDADO PARENTAL Distribuição dos Recursos e do Cuidado Parental Define o Sistema de Acasalamento A capacidade de monopolização de parceiros é um conceito central para a previsão da intensidade da atuação da seleção sexual e também para a definição do sistema de acasalamento adotado pelas espécies Tabela 2 Para explicar a ocorrência de poliginia de defesa de recursos em espécies territoriais de aves e mamíferos Orians 1969 desenvolveu o modelo de limiar de poliginia Segundo esse modelo em ambientes nos quais os recursos estão condensados em áreas pequenas e defensáveis o número de fêmeas que um macho consegue monopolizar depende do padrão de distribuição espacial dos recursos A heterogeneidade na distribuição dos recursos leva à ocorrência de diferenças expressivas na qualidade dos territórios defendidos pelos machos Se essa diferença for de tal magnitude que torne mais vantajoso para uma fêmea ser a segunda fêmea a reproduzir em um território rico de um macho já acasalado do que ser a primeira fêmea a reproduzir em um território pobre de um macho não acasalado é alcançado o limiar de poliginia Caso essa diferença de qualidade entre os territórios não seja tão grande será mais vantajoso para a fêmea reproduzir com o macho não acasalado já que nesse caso a fêmea não precisará dividir nem o alimento nem o cuidado parental do macho com a prole de outra fêmea levando ao desenvolvimento de um sistema monogâmico Esse modelo mostrou ser aplicável a muitas espécies Wittenberger 1979 Todavia outros fatores podem influenciar na definição do sistema de acasalamento Nos casos em que os machos não oferecem recursos como em espécies nas quais as fêmeas são sociais e movemse por áreas extensas em busca de alimento os machos não defendem territórios e sim as fêmeas sob seu controle ocorrendo nesses casos a chamada poliginia de defesa da fêmea Em função do nível de sincronicidade reprodutiva das fêmeas esses haréns podem ser sazonais por ex cervos Cervus elaphus ou permanentes por ex babuínos Papio hamadryas Os machos podem também se agrupar temporariamente durante a estação reprodutiva nos chamados territórios de exibição o que dá origem aos chamados sistemas de arena nos quais os machos exibemse para as fêmeas revisão em Wittenberger 1979 Nos casos em que os machos oferecem algum tipo de recurso os recursos alimentares do território não são os 336 únicos que podem ser oferecidos Entre os recursos críticos para a reprodução o cuidado parental que pode incluir desde a construção de ninhos a alimentação defesa e transporte dos filhotes é um dos principais fatores que determinam o sistema de acasalamento Nos casos em que o sucesso reprodutivo do par seja expressivamente maior com cuidado biparental do que com cuidado uniparental e houver poucas chances de novos acasalamentos para o macho este deverá manterse ao lado da fêmea e auxiliar no cuidado à prole MaynardSmith 1977 Este parece ser o caso para a maioria das espécies de aves Nesse grupo 90 das espécies são monogâmicas e o macho oferece algum tipo de cuidado parental Wittenberger Tilson 1980 tais como construção do ninho incubação dos ovos proteção e alimentação das fêmeas e dos filhotes Em mamíferos nos quais o embrião desenvolvese no interior do corpo da fêmea e o leite oferecido pela fêmea é a principal fonte de nutrição dos filhotes os machos têm menores oportunidades de intervir de forma efetiva Provavelmente por esse motivo o cuidado paternal seja um evento raro entre mamíferos ocorrendo em cerca de 9 a 10 dos gêneros Kleiman e Malcolm 1981 classificam o cuidado oferecido por machos de mamíferos em dois tipos cuidado direto que inclui as atividades que o macho exerce que têm uma influência imediata sobre a sobrevivência dos filhotes e cuidado indireto que inclui aquelas atividades que o macho pode exercer na ausência dos filhotes e têm efeitos de longo prazo sobre a sobrevivência destes Como exemplos de cuidado direto esses autores citam atividades tais como alimentar carregar catar dormir e brincar com os filhotes exemplos de cuidado indireto incluem a proteção do território construção de abrigos e proteção da fêmea muitos dos quais podem ser incidentais ou seja expressos sem o objetivo de aumentar a probabilidade de sobrevivência dos filhotes Entre os mamíferos a maioria das espécies que apresenta cuidado paternal pertence a três ordens primatas carnívoros e perissodátilos 30 a 40 dos gêneros ocorrendo também em insetívoros morcegos lagomorfos roedores cetáceos e artiodáctilos 10 dos gêneros embora nesses casos possa ser raro ou irregular CluttonBrock 1991 A ocorrência de cuidado paternal em mamíferos assim como em aves está fortemente relacionada à monogamia e ao sistema de cuidado comunal Mock Fugioka 1990 Embora a definição de cuidado comunal esteja baseada em padrões comportamentais relacionados ao comportamento reprodutivo o sistema de cuidado comunal caracterizase mais acuradamente como um sistema social e não como um sistema de acasalamento podendo ocorrer diferentes sistemas de acasalamento em 337 espécies que apresentam cuidado comunal Alcock 1993 Ziegler 2000 Além disso existe certa controvérsia na utilização desse termo Historicamente os termos cuidado comunal communal care e reprodução cooperativa cooperative breeding têm sido utilizados e entendidos por alguns autores como intercambiáveis embora possa haver grande variação no nível de monopolização reprodutiva em espécies que apresentam cuidado comunal A presença de ajudantes que auxiliam no cuidado aos filhotes não necessariamente implica que todos os envolvidos no cuidado produzam filhotes Brown et al 1982 Tardif 1993 A participação coletiva tanto na produção quanto na criação dos filhotes parece mais presente em aves enquanto em mamíferos a ocorrência de cuidado comunal está via de regra ligada a algum nível de monopolização reprodutiva Abbott et al 1998 Entre primatas aqueles pertencentes à família Callitrichidae caracterizamse por apresentar cuidado comunal à prole Ingram 1977 Esses animais organizamse em grupos familiares ampliados nos quais o pai e os demais membros nãoreprodutivos do grupo atuam como ajudantes no cuidado à prole Snowdon 1996 Além do fato de apresentarem cuidado aloparental os calitriquídeos possuem outras características únicas entre primatas relacionadas à fisiologia reprodutiva e padrões motores do comportamento reprodutivo que fizeram com que o comportamento social desses animais fosse extensivamente investigado ao longo das três últimas décadas Influências Hormonais Modulam a Expressão do Cuidado Parental O cuidado parental apresenta forte modulação hormonal e conforme anteriormente discutido as fêmeas são na grande maioria dos casos as provedoras desse cuidado já estando amplamente demonstrado na literatura a participação dos hormônios da gravidez estrógeno e progesterona e da lactação prolactina ocitocina na modulação da resposta de cuidado materno Em aves roedores e alguns primatas a participação dos hormônios particularmente da prolactina é crítica para a expressão do cuidado parental Nas espécies em que o pai auxilia no cuidado à prole há evidências de que a resposta dos machos também recebe forte modulação hormonal Assim sendo muitos hormônios covariam com as atividades de cuidado parental e segundo Ziegler 2000 a co evolução entre os hormônios e os comportamentos por eles modulados podem ter 338 contribuído para a diversidade de sistemas de reprodução encontrados atualmente o que reforça a indissociação entre os aspectos fisiológicos e motores do comportamento Dentre as estratégias dos machos de calitriquídeos destacase o cuidado com a prole a partir dos primeiros dias do nascimento das crias até o período de desmame o qual ocorre geralmente em torno do terceiro mês de vida pósnatal Ximenes et al 1996 Oliveira et al 1996 Dados obtidos para machos de C jacchus indicam que a prolactina se eleva quando os animais estão carregando os filhotes Dixson George 1982 Posteriormente Mota e Sousa 2000 demonstraram que nessa espécie os níveis de prolactina dos machos após o nascimento dos filhotes são mais elevados do que os níveis apresentados por machos não reprodutores Também nos ajudantes não reprodutores a prolactina se eleva sugerindo uma ligação funcional entre o hormônio e a atividade comportamental de cuidado com a prole Fig 2 Em primatas assim como em outros grupos de mamíferos e em aves os hormônios sexuais também têm sido relacionados ao cuidado parental Ziegler 2000 Em C jacchus embora não tenha sido observada nenhuma modificação nos níveis de andrógenos ou estradiol fecais após o nascimento das crias os machos apresentaram elevação significativa nos níveis de estradiol em torno do 2º mês de gestação das parceiras período em que os níveis de gonadotrofinas coriônica decrescem e ocorre aumento significativo nos níveis de progesterona no sangue das fêmeas grávidas Barbosa 2003 Ou seja nessa espécie de primata que forma grupos familiares e na qual os machos são os principais cuidadores para os filhotes Snowdon 1996 os hormônios estão intimamente ligados à expressão dos comportamentos de cuidado parental Devese considerar contudo que a complexa vida social desses primatas juntamente com os elevados custos energéticos relacionados à reprodução levam também ao desenvolvimento de mecanismos complexos e precisos para a coordenação dos eventos reprodutivos Na acirrada competição pela monopolização das oportunidades reprodutivas o padrão das interações entre os membros do grupo também modula o comportamento e o perfil hormonal dos indivíduos EFEITO DO AMBIENTE SOCIAL SOBRE A REPRODUÇÃO Competição e hormônios sexuais em machos 339 O fato de ser o sexo masculino aquele que geralmente compete pelo acesso a parceiras sexuais levou ao desenvolvimento de adaptações não só anatômicas mas também fisiológicas e comportamentais nos machos que lhes favorecesse alcançar o sucesso nas interações competitivas A partir dessa constatação há muito os pesquisadores vem investigando o possível papel dos hormônios sexuais masculinos como facilitadores e indutores da expressão de comportamentos territoriais e agressivos em machos culminando com o desenvolvimento da chamada Hipótese do Desafio Challenge Hypothesis considerada como uma das principais teorias gerais no campo da endocrinologia comportamental A Hipótese do Desafio foi inicialmente proposta por Wingfield 1990 com o objetivo de explicar os complexos padrões de variação sazonal nos níveis de andrógenos observados em muitas espécies de aves Este autor postulou que a testosterona e outros andrógenos podem assumir três níveis crescentes 1 Um nível basal nível A característico dos períodos nãoreprodutivos 2 um nível sazonal nível B presente no período reprodutivo e induzido por pistas ambientais sazonais como a variação na duração da fase clara do dia e 3 um nível C ou nível máximo com duração e magnitude variáveis que seria alcançado durante interações competitivas com outros machos ou com fêmeas receptivas A razão entre os níveis C e B CB foi chamado de R responsividade dos andrógenos que seria maior em espécies poligínicas com baixo nível de cuidado parental e menor em espécies monogâmicas com altos níveis de cuidado parental Ao longo do tempo resultados de estudos em diferentes taxa apóiam a hipótese do desafio ao mesmo tempo que apontam para alguns ajustes e derivações Hirschenauser et al 2003 não encontraram um efeito significativo do nível de cuidado parental sobre a responsividade dos andrógenos e Goymann et al 2007 propõem que essa responsividade seria melhor quantificada diferenciandose a variação sazonal R sazonal da variação imediata aos diferentes desafios sociais e ambientais Rmachomacho Rmachofêmea Rambiental e que esta correta quantificação necessita também do conhecimento sobre a resposta fisiológica máxima para a espécie Rpotencial A Hipótese do Desafio vem mostrando sua aplicabilidade em diferentes grupos de vertebrados revisão em Hirschenhauser e Oliveira 2006 havendo estudos também para a espécie humana para a qual foi observado que a vitória em interações competitivas esportivas causa elevação dos níveis de testosterona em homens Archer 2006 Todavia muitas questões ainda permanecem a ser investigadas como por exemplo o papel dos andrógenos na modulação da resposta sexual e agressiva em 340 fêmeas e a aplicabilidade da teoria para as espécies tropicais submetidas a pressões e pistas ambientais diferentes das espécies que habitam áreas de clima temperado Moore 2007 Teichroeb Sicotte 2008 Competição e inibição reprodutiva em fêmeas Além dos efeitos das variáveis ambientais anteriormente apresentadas em espécies sociais a reprodução das fêmeas varia dentro de dois extremos por um lado sociedades nas quais apenas um indivíduo reproduz eusocialidade como por exemplo no caso das abelhas e por outro espécies nas quais todas as fêmeas se reproduzem como no caso das hienas Abbott et al 1998 A ocorrência de inibição reprodutiva em fêmeas ligada à competição social também tem sido registrada em fêmeas de primatas entre elas as fêmeas de sagüi do Nordeste C jacchus Nessa espécie embora não ocorram diferenças morfológicas entre os sexos são encontradas diferenças expressivas de estratégia reprodutiva entre machos e fêmeas Abbott et al 1998 Saltzman et al 1997ab Silva Sousa 1997 As estratégias sexuais das fêmeas de C jacchus estão fortemente associadas aos mecanismos de disputa pelo posto social com o estabelecimento de hierarquia de dominância podendo levar à inibição reprodutiva das fêmeas que então se tornam socialmente subordinadas Abbott 1978 1984 Abbott George 1991 Todavia podem ocorrer falhas nesses mecanismos inibitórios o que parece ser modulado pelo ambiente social e nível de parentesco entre as fêmeas Saltzman et al 1997ab Sousa Ziegler 1998 Ziegler Sousa 2002 Diante do escape nos mecanismos de inibição estudos realizados no ambiente natural demonstram que o infanticídio dos filhotes da fêmea subordinada é uma provável estratégia utilizada pelas fêmeas dominantes Albuquerque 2003 Arruda et al 2005 As fêmeas subordinadas por sua vez apresentam estratégias alternativas à inibição ovariana e insucesso produzido pelo infanticídio de sua prole emigrando dos grupos naturais Essa emigração pode ocorrer em diferentes condições reprodutivas das fêmeas durante a ovulação gravidez ou quando estão funcionalmente inibidas de reproduzir Albuquerque 2003 Feromônios e Reprodução As influências que os membros de um grupo têm sobre os demais são muitas vezes mediadas por odores ou componentes químicos menos voláteis feromônios 341 provenientes de glândulas excretoras especializadas Flowerdew 1987 ver Snowdon capítulo 7 deste livro A importância dos feromônios para a reprodução é amplamente estudada em artrópodes especialmente em insetos e crustáceos pex Gade Hoffmann 2005 Dunham 1978 Dentre os crustáceos a liberação de sinais químicos envolvidos na localização reconhecimento e interação com potenciais parceiros sexuais é bem estabelecida para vários grupos como copépodes Lonsdale et al 1997 e decápodos como caranguejos e lagostas Bushmann 1999 Cowan 1991 sugerindo que nos artrópodes a comunicação química exerce um papel fundamental para a reprodução Os vertebrados também apresentam elaborados sistemas de comunicação feromonal Os odores são processados pelo sistema olfatório principal ou acessório órgão vômeronasal modificando o comportamento ou a fisiologia do animal receptor Firestein 2001 Diferentes exemplos da atuação dos feromônios em roedores caprinos e primatas mostram efeitos dramáticos sobre a reprodução Em roedores a partir dos trabalhos clássicos de Whitten 1959 investigações sobre o efeito do ambiente social sobre a reprodução mostraram que pode ocorrer um aumento do período entre estros quando as fêmeas estão convivendo em um mesmo ambiente com outras fêmeas ou apenas com o odor de outras fêmeas adultas o que foi denominado de Efeito LeeBoot A capacidade apresentada pelo odor da urina de machos em sincronizar o estro das fêmeas foi denominada Efeito Whitten O fato de que a retirada do macho familiar e a colocação de um novo macho na gaiola leve fêmeas de camundongos recém inseminadas a abortar e entrar em estro ficou conhecido como Efeito Bruce Todos esses fenômenos evidenciam a importância do ambiente social na modulação da fisiologia e do comportamento reprodutivo em roedores Em primatas a inibição reprodutiva a qual as fêmeas subordinadas de C jacchus são submetidas parece ser mediada por sinais visuais e químicos Smith e Abbott 1998 observaram que machos e fêmeas de C jacchus que apresentam órgão vomeonasal bem desenvolvido quando expostos ao odor uma fêmea foram capazes de discriminar se a fêmea estava na fase periovulatória ou luteal do ciclo Em humanos é também proposta a existência de feromônios sexuais que seriam moléculas derivadas dos hormônios sexuais Em um estudo utilizando tomografia por emissão de pósitrons Savic et al 2005 demonstraram que áreas do hipotálamo anterior eram ativadas pelo feromônio masculino AND 416androestadie3nona em mulheres heterossexuais e homens homossexuais enquanto o cérebro de homens 342 heterossexuais e mulheres homossexuais era ativado pelo feromônio feminino EST estra1351016tetrae3nol Isto sugere uma base biológica para a preferência sexual em humanos o que tem gerado acirrados debates no meio científico e nos movimentos sociais ambos com representantes tanto contra quanto a favor dessa possibilidade Estresse e Reprodução Além das alterações hormonais sexuais decorrentes das estratégias diferenciadas de machos e fêmeas o funcionamento adrenal também se expressa de modo dimórfico em muitas espécies de mamíferos estudadas Batle Vale 2003 incluindo a espécie humana Jezova et al 1996 Troisi 2001 Em algumas espécies de primatas não humanos ocorrem adaptações no eixo hipotálamohipófiseadrenal HHA Mendoza Mason 1986 Crepeau Newnan 1991 provavelmente dando suporte às estratégias reprodutivas de machos e fêmeas Em C jacchus são observadas variações nos níveis de cortisol fecal tanto em função do sexo quanto em resposta às variações no ambiente social Fig 3 Estudo desenvolvido por nosso grupo permitiu demonstrar a ocorrência de diferenças individuais nos níveis basais de cortisol que apresentam correlação com o nível de responsividade ao estresse em uma população cativa de C jacchus Galvão Coelho et al 2008 o que somandose a já conhecida ocorrência de diferença entre gêneros na resposta ao estresse nessa espécie aponta o sagüi como excelente modelo para a compreensão da resposta de estresse em humanos caracterizada por diferenças entre gêneros e forte variação individual Felder et al 2009 Dessa forma o estudo sobre o dimorfismo endócrino de machos e fêmeas relacionado às estratégias reprodutivas constitui hoje um campo de investigação importante com repercussões na fisiologia reprodutiva resposta ao estresse e novas abordagens terapêuticas Registros de infertilidade relacionados a quadros de estresse bem como com a inibição reprodutiva sazonal são exemplos de interações entre diferentes partes dos sistemas de regulação endócrina respectivamente o adrenal e pineal interferindo na reprodução Vêse portanto que além da regulação dentro do eixo hipotálamohipófisegonadal a reprodução sofre modulação por outros ramos do sistema endócrino conferindo ainda mais complexidade à sua regulação e a possibilidade de otimização do esforço reprodutivo em função tanto das condições do ambiente físico quanto do social 343 REFERÊNCIAS Abbott DH 1978 The physical hormonal and behavioural development of the common marmoset Callithrix jacchus jacchus pp 99106 In Rothe H Wolter HJ Hearn JP eds Biology and Behaviour of Marmosets Göttingen Eigenverlag Abbott DH 1984 Behavioral and 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seis anos consecutivos 1990 a 1995 Adaptado de Sousa et al 1999a 354 Figura 2 Níveis plasmáticos de prolactina em pais e ajudantes do sagüi Callithrix jacchus antes e após o nascimento dos infantes no grupo familiar ANAVA p 005 Adaptado de Mota Sousa 2000 Após Nascimento 355 Figura 3 Efeito do tipo de convívio social nos níveis de cortisol fecal em machos e fêmeas subadultas em sagüis Callitrhix jacchus Concentração média de cortisol fecal EPM n 7 Grupo familiar animal focal vivendo em seu grupo familiar Díade de gêmeos animal focal isolado de seu grupo familiar mas em companhia dao irmãao gêmeao 356 Tabela 1 Classificação dos organismos sexuados quanto à produção de gametas presença de gônadas forma de fecundação e desenvolvimento do embrião Reprodução Sexuada GAMETAS Iguais Isogamia Diferentes para e Heterogamia grande pequeno Oogamia grande pequeno e móvel GÕNADAS Indivíduo com gametas e Monóico espécies hermafroditas simultâneos e seqüenciais Indivíduo com gameta ou Dióico espécies gonocóricas FECUNDAÇÃO Quanto ao meio Interna interior do organismo parental Externa ambiente externo Quanto à ocorrência Ausente Espécies que apresentam Partenogênese ocasional Presente Autofecundação monóicos Cruzada monóicosdióicos PRODUÇÃO DA PROLE Quanto ao local de crescimento do embrião Ovípara fora do organismo parental Ovovivípara predominantemente fora Vivípara dentro do organismo parental DESENVOLV DO EMBRIÃO Quanto às fases larvais Ausente Direto Presente Indireto TABELA 2 Classificação dos sistemas de acasalamento segundo critério espacial temporal ecológico e genético Classificação geral Classificação Espaciala Classificação Temporala Classificação Ecológicab Classificação Genéticac I MONOGAMIA Associação prolongada e acasalamentos essencialmente exclusivos entre um macho e uma fêmea por vez Monogamia Territorial O par monogâmico compartilha um território comum Monogamia Serial Indivíduos de ambos os sexos usualmente acasalam com novos parceiros a cada ano ou a cada estação reprodutiva Monogamia Permanente Pares permanecem juntos por toda a vida só havendo troca de parceiro se não houver sucesso reprodutivo Monogamia Quando nenhum dos sexos tem oportunidade de monopolizar parceiros adicionais seja diretamente ou através do controle de recursos Pode ocorrer em seqüência Igual número de machos e fêmeas contribui com gametas para a formação dos zigotos Monogamia de Defesa da fêmea Cada macho defende o acesso a uma fêmea em vez de defender um território Monogamia baseada em Dominância Fêmeas mantêm associações monogâmicas em um grupo social dominando as fêmeas mais subordinadas IIPOLIGINIA Associação prolongada e acasalamentos essencialmente exclusivos entre um macho e duas ou mais Poliginia Territorial Diversas fêmeas se acasalam com ao menos alguns machos territoriais Poliginia Sucessiva Machos adquirem as parceiras em sucessão temporal Poliginia de defesa de recursos Machos defendem recursos essenciais às fêmeas quando estes estão irregularmente distribuídos ou agregados em algumas áreas Mais fêmeas do que machos contribuem com gametas para a formação dos zigotos 358 fêmeas por vez Poliginia de Defesa da fêmea de harém Um único macho defende o acesso a um grupo de fêmeas Poliginia Simultânea Machos adquirem todas as suas parceiras ao mesmo tempo Poliginia de Defesa da fêmea de harémFêmeas mantêmse agregadas por razões não reprodutivas ocorrência de assincronia reprodutiva entre fêmeas 359 Poliginia de dominância Quando o ambiente não permite monopolização direta das fêmeas ou de recursos machos definem relações de dominância entre eles podendo levar à a Poliginia de lek quando os movimentos das fêmeas são previsíveis as fêmeas são relativamente assincrônicas b Agregações de reprodução explosiva quando o período de acasalamento é altamente sincrônico para machos e fêmeas IIIPOLIANDRIA Associação prolongada e acasalamentos essencialmente exclusivos entre uma Poliandria Territorial Diversos machos se acasalam com ao menos algumas fêmeas territoriais Poliandria sucessiva Fêmeas adquirem os parceiros em sucessão temporal Poliandria de defesa de recursos Fêmeas controlam ou têm acesso a vários machos monopolizando recursos essenciais Mais machos do que fêmeas contribuem com gametas para a formação dos zigotos 360 fêmea e dois ou mais machos por vez Poliandria não Territorial Fêmeas abandonam o primeiro parceiro e acasalam com um novo macho em outro local Poliandria Simultânea Fêmeas adquirem todos os suas parceiros ao mesmo tempo Poliandria de acesso à fêmea Fêmeas limitam o acesso de outras fêmeas aos machos através de nterações agressivas entre si IV PROMISCUIDADE Ausência de associação prolongada entre os sexos e ocorrência de acasalamentos múltiplos em pelo menos um dos sexos Promiscuidade de Disseminação gametas são lançados no ambiente prevalecendo a competição por esperma Poligamia de múltiplos CLUTCHS machos e fêmeas têm igual oportunidades e vantagens em múltiplos acasalamentos em seqüência Semelhante à monogamia Promiscuidade de Sobreposição Ocorrência de acasalamentos promíscuos durante breves visitas de um sexo ao território do outro sexo Promiscuidade de Arena Macho defende uma área de exibição usada exclusiva ou predominantemente para atrair parceiras 361 Promiscuidade Hierárquica Machos estabelecem hierarquias de dominância que afetam sua possibilidade de inseminar fêmeas o mesmo que poliginia de lek na classificação ecológica a adaptado de Wittemberger 1979 b adaptado de Emlen Orians 1977 c adaptado de Anderson 1994 TABELA 3 Classificação dos sistemas de acasalamento segundo critérios de ordem espacial temporal adaptado de Wittemberger 1979 ecológico adaptado de Emlen Orians 1977 e genético adaptado de Anderson 1994 Classificação geral Classificação espacial Classificação temporal Classificação ecológica Classificação genética I MONOGAMIA Associação prolongada e acasalamentos essencialmente exclusivos entre um macho e uma fêmea por vez Monogamia Territorial O par monogâmico compartilha um território comum Monogamia Serial Indivíduos de ambos os sexos usualmente acasalam com novos parceiros a cada ano ou a cada estação reprodutiva Monogamia Permanente Pares permanecem juntos por toda a vida só havendo troca de parceiro se não houver sucesso reprodutivo Monogamia Quando nenhum dos sexos tem oportunidade de monopolizar parceiros adicionais seja diretamente ou através do controle de recursos Pode ocorrer em seqüência Igual número de machos e fêmeas contribui com gametas para a formação dos zigotos Monogamia de Defesa da fêmea Cada macho defende o acesso a uma fêmea em vez de defender um território Monogamia baseada em Dominância Fêmeas mantêm associações monogâmicas em um grupo social dominando as fêmeas mais subordinadas 363 IIPOLIGINIA Associação prolongada e acasalamentos essencialmente exclusivos entre um macho e duas ou mais fêmeas por vez Poliginia Territorial Diversas fêmeas se acasalam com ao menos alguns machos territoriais Poliginia Sucessiva Machos adquirem as parceiras em sucessão temporal Poliginia de defesa de recursos Machos defendem recursos essenciais às fêmeas quando estes estão irregularmente distribuídos ou agregados em algumas áreas Mais fêmeas do que machos contribuem com gametas para a formação dos zigotos Poliginia de Defesa da fêmea de harém Um único macho defende o acesso a um grupo de fêmeas Poliginia Simultânea Machos adquirem todas as suas parceiras ao mesmo tempo Poliginia de Defesa da fêmea de harémFêmeas mantêmse agregadas por razões não reprodutivas ocorrência de assincronia reprodutiva entre fêmeas 364 Capítulo 13 EMOÇÕES Katsumasa Hoshino hoshinofcunespbr Departamento de Ciências Biológicas Faculdade de Ciências Universidade Estadual Paulista UNESP Bauru SP Brasil 365 Um convite para analisar os problemas do estudo das emoções O Professor Walter Hugo de Andrade Cunha foi sem dúvida o pioneiro brasileiro no ensino da Etologia área que ele foi abandonando progressivamente nos seus últimos anos de atividade acadêmica visto que esta nova disciplina da Biologia não era suficiente para responder as questões fundamentais que haviam mudado a direção de sua vida Com seu sorriso meio constrangido recordava que em sua mocidade estando deitado na cama entediado por não ter o que fazer dentro de um quarto de hotel após o almoço de um domingo notou que formigas andavam ordenadamente na trilha feita na parede ao lado da cama Amassou uma delas para ver o que acontecia e ajudar a afastar o tédio Um raio em sua cabeça não teria causado maior surpresa do que aquilo que viu e sua vida não foi mais a mesma Uma após outra após inspecionar a companheira amassada as formigas entraram em um ziguezague alvoroçado contatando e induzindo o mesmo comportamento em outras culminando em verdadeira manifestação coletiva de pânico vide Cunha 2004 onde a Revista de Etologia fornece um relato histórico dessas iniciativas desse autor Como As formigas percebem a morte e fogem com medo à procura de lugares seguros Era a década dos anos de 1950 e a característica de suas dúvidas o levou para o curso de Filosofia na antiga Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo tornandose professor de Psicologia Comparativa posteriormente Conhecio quando estava em sua fase etológica após suas incursões na Psicologia da Gestalt e nas proposições de Tolman para a análise dessas suas preocupações teóricas Na época a Etologia era entendida como o estudo dos comportamentos instintivos inatos em um contexto biológico vide capítulo 1 Somente mais tarde ela foi proposta como o estudo biológico do comportamento animal Você leitor interessado no comportamento animal acredita que as formigas sentem medo Aumentando a extensão da pergunta além da espécie humana as outras espécies animais têm emoções Faço essas perguntas porque a sua resposta é fundamental para ser um bom pesquisador nas áreas de estudo do comportamento Tenho visto muitos jovens começarem a pesquisar emoções e comportamentos emocionais sem uma preocupação maior além de descrever e contar alguns padrões comportamentais sugestivos de serem similares às manifestações emocionais humanas Muitos deles argumentaram que as 366 posições teóricas e conhecimentos a respeito de outros temas não eram de seu interesse Essa posição é sem dúvida insustentável Por exemplo constatei uma pesquisa em que se avaliavam os efeitos tranqüilizantes das substâncias de certas plantas usando um comportamento que ocorre nas situações de medo intenso que é o bater os dentes Esse comportamento tomado como variável dependente no estudo se baseava na observação de que parcela de ratos quando ameaçados entram em estado de imobilidade e batem os dentes involuntariamente à semelhança dos seres humanos quando sentem medo intenso Quando informei que tais batimentos de dentes são manifestações epilépticas do tipo pequeno mal que acomete algumas linhagens de roedores LennebergHoshino 1999 constatei decepção e desistência Vêse nesse caso que a pesquisa era inadequada para os objetivos buscados mas adequada se a intenção fosse avaliar a propriedade antiepiléptica dessas plantas Extraímos desse exemplo que a posse de conhecimentos a respeito de diferentes aspectos dos comportamentos é um trunfo para ser um bom pesquisador na área Constatei casos inversos também ou seja de pessoas que presenciaram fatos importantes em suas pesquisas mas que por desconhecimento não perceberam do que se tratava Por exemplo diversos autores demonstraram que a privação da fase do sono em que ocorrem os sonhos usando o método da plataforma que é altamente estressante provoca aumento de agressividade em ratos Tufik Lindsey Carlini 1978 Embora muitos pesquisadores tenham trabalhado com esse fenômeno escapoulhes que essa agressividade é tipicamente defensiva e tratase de manifestação de pânico que acomete os animais mais ansiosos segundo pesquisas de nosso laboratório De Paula Hoshino 2002 O conhecimento dos diferentes referenciais teóricos também é importante para a pesquisa na área do comportamento vide capítulo 2 Por exemplo Antonio Turino Vaz de Moura preocupado com a progressiva dispersão dos escorpiões amarelos Tytius serrulatus no sudoeste brasileiroavaliou na UNESP campus de Bauru a possibilidade da temperatura ambiente ser uma barreira à sua expansão geográfica Vaz de Moura 2001 Ele constatou que os animais dessa espécie se escondem no meio de cubos de gelo e morrem congelados após um torpor temporário quando o ambiente está bem iluminado fato que não ocorre no escuro Como interpretar esses resultados A Ciência não é um uma coleção de almanaques que acumulam dados embora a atividade de muitos pesquisadores não ultrapasse esse estágio vide capítulo 1 A Ciência procura em sua última instância formular leis gerais e agrupandoas formar uma teoria unificadora coerente Para isso é necessário que os dados sejam analisados e 367 interpretados para classificação determinação de relações avaliação dos mecanismos etc dentro de um contexto de conhecimentos já existentes Em casos de discrepância explicativa a validade da teoria geral precisa ser questionada e reformulada com o acúmulo de mais dados indicativos de sua inadequação Tentando fazer isso com o comportamento do escorpião podemos pensar que a luz direta induziria medo uma vez que na vida natural desses animais esse tipo de iluminação só ocorre quando o animal está em campo aberto e sob o sol portanto com alta probabilidade de ser detectado e predado No escuro eles têm pouca possibilidade de serem detectados exceto pelos predadores que detectam o ultravioleta e podem realizar a termorregulação comportamental evitando áreas excessivamente frias Essa hipótese nos faz retornar às preocupações do Prof Walter Cunha os animais têm emoções Será que as formigas percebem o perigo da morte e entram em fuga desordenada pelo terror de morrerem Será que os escorpiões sentem tanto medo que os levam a se esconder em locais não adequados Admitir que formigas escorpiões e outros animais percebem a situação sentem medo e emitem comportamentos de defesa implica na admissão de que o animal tem a capacidade de experiência consciente isto é que o animal exerce uma atividade mental equivalente à humana e organiza os comportamentos que lhes aumentam a probabilidade de sobrevivência Essa idéia choca frontalmente com a crença que nos é inculcada desde a infância de que o homem é racional e os animais irracionais Foi o caso do Prof Walter Cunha com as formigas O raciocínio não é só humano Ou os animais pensam e a maioria das pessoas vive a vida acreditando em coisas que não são verdadeiras O filósofo francês René Descartes por volta de 1630 já havia levado essas dúvidas ao extremo chegando à única conclusão que lhe parecera verdadeira penso logo existo Esse pensador se preocupou também com a questão da atividade racional nos animais e foi talvez o maior contribuinte para a concepção de que os animais eram irracionais e que os comportamentos por eles emitidos eram decorrentes da atividade de uma maquinaria mecânica complexa acionada reflexamente por diferentes estímulos Tal concepção geral que muitas pessoas gostam de denominar de contexto ou referencial teórico ou teoria leva a interpretar os dados dos comportamentos das formigas e escorpiões como sendo decorrentes de fugas automáticas reflexas e inconscientes similares ao fechamento ou abertura de nossas pupilas de acordo com a intensidade da luz 368 O referencial teórico adotado pelos pesquisadores é que vai determinar o tipo de interpretação dos dados e conclusões que são fundamentais para a construção do conhecimento científico De fato admitir que os animais não têm consciência perceptual questiona a visão evolucionista da espécie humana e de suas capacidades o que favorece a consolidação da visão emergentista de que houve o surgimento único repentino e especial das propriedades mentais na espécie Homo sapiens ou a da visão criacionista que defende que somos realmente descendentes de Adão e Eva Estudos feitos com chimpanzés ensinados a se comunicarem pela linguagem dos gestos dos deficientes auditivos mostram que eles são capazes de ter dúvidas e que formam conceitos Os estudos de Kohler um dos fundadores da psicologia da Gestalt mostram que esses animais conseguem mentalmente resolver problemas César Ades um dos discípulos mais proeminentes do Prof Walter Cunha demonstrou que as aranhas têm memória e que com os dados memorizados e os estímulos presentes elas constroem um mapa cognitivo da situação Da mesma maneira o Prof Walter Cunha havia demonstrado que as formigas não seguem automaticamente a trilha de odor das outras formigas Ele colocou três velas acesas ao lado direito de uma trilha de formigas e esperou algumas horas para ter certeza que a maioria das formigas tivesse passado pelo local Mudou em seguida a vela para o lado esquerdo da trilha As saúvas se desorientaram andando em diferentes direções até que ao final de duas horas aproximadamente uma nova trilha foi refeita mantendo as velas do lado direito da trilha Todos esses e outros exemplos mostram que deixando o preconceito de que apenas o homem é racional podese constatar que muitos animais têm atividades racionais E você leitor vai passar a vida fazendo pesquisas baseado em suposições que podem não ser válidas Convidoo a analisar alguns aspectos teóricos envolvidos no estudo das emoções pois este tema não tem ainda um referencial teórico único aceito por todos A tarefa parece enfadonha mas a empreitada pode ser provocativa se começarmos a pensar que a questão do homem racional e animal irracional pode ter provindo da questão religiosa de se os animais entram ou não no céu após a morte Se os animais entram no céu os pecadores também podem entrar pois eles assim como os animais dão vazão aos seus instintos e desejos que são pecados Mesmo que você não tenha interesse pelas emoções é preciso também ter em mente que um conhecimento mais amplo do tema é importante para a vida cotidiana Primeiro a persistência de algumas emoções pode levar a doenças psicossomáticas tais 369 como as úlceras gástricas hipertensão diabetes asma etc Segundo muitas afirmações a respeito das emoções podem ser usadas para fins sociais ou políticos Recentemente em um destes primeiros anos do século XXI lançouse uma hipótese aparentemente inocente para explicar o sucesso freqüente dos filmes de terror catástrofes e hiper violência Afirma a hipótese que o medo é a emoção prevalente na espécie humana e como vivemos atualmente em cidades seguras com baixos índices de perigo preenchemos a falta de estimulação dessa natureza ficticiamente nos cinemas para manter em prontidão os nossos mecanismos de defesa Imaginese entretanto um possível uso de tal hipótese Podese defender interesses econômicos não declaráveis matandose milhares de pessoas com a justificativa de que defenderse é a reação mais natural visto o medo ser a emoção mais preponderante da natureza humana A parte dessa manipulação que cabe à pessoas comuns é o pagamento com sua vida em guerras ou o gasto de seu dinheiro para uma corrida armamentista que atende somente o interesse de uns poucos indivíduos As tentativas de saber o que são emoções A humanidade sempre buscou conhecer e explicar tudo que podia perceber e conceber As emoções não são exceções As emoções foram concebidas inicialmente em termos de raciocínio mágico ou místicoreligioso à semelhança dos estágios de desenvolvimento mental da criança Diversos contos dos indígenas brasileiros admitem as emoções como características determinantes dos grandes eventos dos antepassados ou nas lendas de sua origem Os deuses do Olimpo agiam também segundo suas emoções A inveja e o ciúme parecem ter criado os habitantes dos infernos e a vergonha surgiu espontaneamente em Adão e Eva com a descoberta de que estavam nus As tentativas de explicação das coisas sem admitir a existência de divindades correspondentes aos estágios préformais levaram à formulação de algumas explicações filosóficoespeculativas De particular relevância são as suposições de que as emoções são manifestações de uma das três partes ou categorias de propriedades da mente juntamente com a razão responsável pelo pensamento racional e a volição responsável pela vontade e o livrearbítrio A propriedade das emoções de inibir ou sobrepujar os comportamentos ditos civilizados levou muitos a acreditar que as emoções humanas são heranças irracionais da parte animal dos seres humanos que supostamente por força de algo superior foram os únicos privilegiados com a razão e o 370 livrearbítrio O estágio de raciocínio lógicoformal da humanidade se iniciou com a consolidação da Ciência Embora Charles Darwin tenha abordado as emoções como manifestações biológicas naturais na segunda metade do século XIX o estudo das emoções ficou a cargo da Psicologia que se estabeleceu como o ramo dedicado ao estudo científico da psique mente humana A Psicologia separouse oficialmente da Filosofia com a instalação dos laboratórios de Wundt em Leipzig Alemanha também na segunda metade do século dezenove Tendo em vista a concepção arraigada de que as emoções eram uma das partes da mente a abordagem biológica iniciada por Darwin foi relegada a um segundo plano No entanto o aumento esperado na compreensão das emoções com o advento de sua abordagem do ponto de vista científico não ocorreu Constatouse em menos de 100 anos que nenhum dos temas da Psicologia tinha produzido tanta controvérsia inútil como o das emoções Woodworth Schlosberg 1958 Diversas causas contribuíram para o enorme volume de discussões a respeito das emoções A primeira delas foi sem dúvida a falta de uma definição adequada do que é emoção A definição de emoção por exclusão não é atividade mental racional e não é livrearbítrio não permite saber o que ela é exatamente e não se presta para o seu estudo mais profundo A definição por princípio deve ser a proposição frase que caracteriza o elemento definido pelo que lhe é particular e essencial isto é por algo importante que é somente dele O que de comum importante e exclusivo existe nas emoções Os dicionários não nos ajudam muito pois caracterizam tautologicamente as emoções isto é definem as emoções como sentimentos e afetos e esses são definidos como emoções refletindo a confusão discutida pelos psicólogos A falta de limites impostos por uma definição gerou uma confusão de terminologia Alguns psicólogos defenderam que os sentimentos seriam as emoções mais leves ou seja aquelas que podem ser controladas tal como saudade descontentamento etc enquanto as emoções seriam os sentimentos fortes como a raiva o medo etc Outros autores definiram que os sentimentos são as percepções das emoções Afeto e emoção também são aceitos freqüentemente como sinônimos entretanto o termo afeto também é usado por outros pesquisadores como sendo o caráter agradável ou desagradável das informações percebidas Alguns autores denominam o afeto tonus emocional Entretanto muitas outras coisas tais como olhar as nuvens e o sabor doce têm conotação afetiva agradável e não são emoções Isso indica que afeto e emoção não são propriamente sinônimos 371 As emoções têm a mesma capacidade de evocar comportamentos específicos como as motivações Por exemplo a sede ou a fome leva os animais a se locomover à procura de água ou comida cuja falta excessiva seria perigosa De modo similar o medo leva os animais a se locomoverem para se afastarem de um local potencialmente perigoso É interessante notar que as palavras emotion e motivation têm o núcleo mot que significa movimento A dor é tida como uma sensação Ela também tem a capacidade de fazer os animais se moverem Baseados na propriedade eliciadora de comportamentos alguns autores propuseram que o conceito de emoções é desnecessário e fonte de confusão devendo portanto ser eliminado da Ciência ver Delgado 1971 As tentativas iniciais da Psicologia foram direcionadas no sentido de determinar a natureza dos eventos mentais incluindo as emoções ou seja propondo abordar os fenômenos vivenciados subjetivamente para determinar suas leis e sua constituição seguindo em linhas gerais o paradigma modelo da Física que já estava bastante adiantada na época Assim como a observação e análise de diferentes coisas se movendo levou à formulação das leis da mecânica e permitiu a identificação dos elementos fundamentais dessas leis que são o espaço a matéria e o tempo esperouse que o mesmo procedimento fosse adequado para a Psicologia O acesso à experiência subjetiva das pessoas só é possível através do relato verbal e a Psicologia usouo denominando de método introspectivo Perguntavam por exemplo o que os sujeitos percebiam quando estavam em situações desagradáveis e em situações agradáveis Uma parte das pessoas respondia que percebem uma sensação surda e pesada no estômago no primeiro caso e uma sensação aguda na região do colo parte superior do tronco no segundo Outras não relatavam isso Verificouse rapidamente que o método era inadequado e não permitia ir além de uma descrição muito superficial e individual dos fenômenos conscientizados A Psicologia chegou a um impasse no início do século XX e a crise foi superada por diferentes proposições originando as diferentes correntes dentro da Psicologia Psicologia da Gestalt Behaviorismo etc Watson em 1912 propôs que o objetivo da Psicologia deve ser o comportamento visto que ele é observável e mensurável Embora sua ênfase estivesse no comportamento as experiências subjetivas como as emoções foram foco de seu interesse na medida em que elas determinam comportamentos Ele admitiu verificando as reações de bebês recémnascidos submetidos a diferentes estimulações que o prazer a raiva e o medo eram inatos não dependentes da aprendizagem vide capítulo 1 sendo considerados emoções primárias e as demais secundárias por dependerem de aprendizagem A 372 proposição do behaviorismo enfatizou que processos como emoções diferentemente de outros fenômenos naturais como as moléculas o coração etc podem ser conhecidos de dois modos diferentes o primeiro como experiências perceptuais pessoais e o segundo como fenômeno responsável por uma classe de manifestações comportamentais observáveis em outros indivíduos Esta segunda abordagem permitiu o estabelecimento de um volume imenso de conhecimentos e tal sucesso diminuiu aos poucos o interesse a respeito dos aspectos subjetivos das emoções Os estudos dos comportamentos emocionais levam a conhecer as emoções Algumas pessoas criticam a abordagem comportamental das emoções dizendo que ela é inadequada para a sua compreensão completa Diversos tipos de argumentos são usados para a defesa dessa premissa Uma delas é que as experiências emocionais tal como os outros processos mentais não podem ser reduzidas a substâncias químicas ou aos eventos bioelétricos que ocorrem nos nervos músculos e glândulas crítica reducionista O fundamento para essa crítica é que o todo é maior que a soma das partes base essa enunciada pelos psicólogos da Gestalt para os fenômenos perceptuais e mais generalizadamente pelos atuais holistas O raciocínio clássico é o quadrado não é a mera soma de quatro retas pois nestas não tem ângulos Assim não adianta vasculhar o cérebro circuitos neurônios e seus componentes químicos porque não se chega a fenômenos mentais como as emoções Admitir o surgimento de qualquer coisa a partir do nada contraria a lei fundamental da química de que na natureza nada se cria tudo se transforma Lei de Lavoisier A conclusão correta é que esses teóricos se esquecem que definimos as coisas pelas características mais marcantes dos elementos e não precisamos ressaltar todas as suas propriedades A reta é pois definida como sendo a linha mais curta de união entre dois pontos e não supõe todas as propriedades das retas incluindo a possibilidade de formarem ângulos quando duas delas são sobrepostas no mesmo plano O tipo de organização é fundamental para ressaltar as propriedades dos elementos Este fato era conhecido pelas pessoas que trabalhavam com circuitos elétricos As tomadas elétricas apenas fecham ou abrem circuitos elétricos permitindo ou interrompendo a passagem de corrente elétrica que pode acender ou apagar uma lâmpada Todos já devem ter visto casas onde uma lâmpada pode ser acesa do terraço e apagada de dentro da casa e viceversa Funções mais complexas podem ser obtidas a partir de circuitos complexos com elementos também mais complexos como nas redes 373 neurais construídas com modelos artificiais de neurônios vide capítulo 4 A possibilidade de se criar inteligência artificial com o uso de computadores indica que o todo da atividade racional humana provém da organização de elementos Um outro argumento para a negação da abordagem comportamental das emoções é a afirmação de que elas são manifestações de outra dimensão ou natureza além da energia espaço e tempo Consideram que os eventos psicológicos são de uma quarta dimensão a espiritual Assim os métodos científicos que se baseiam no observável dos aspectos físicos químicos e biológicos vide capítulo 1 são inadequados para a apreensão e estudo de propriedades espirituais As pessoas que defendem essa posição são denominadas de dualistas ou seja aquelas que admitem a priori a oposição idealizada por Platão de que existe uma dualidade entre mente e corpo psique e soma a qual a religião soube posteriormente propagar de modo profundo na civilização ocidental A posição dualista não deixa de ter as características dos defensores da exclusividade racional à espécie humana Os pensadores que admitem os processos mentais como decorrentes da atividade físicoquímica do sistema nervoso que é parte do corpo são denominados monistas A história da ciência mostra que as hipóteses dualistas tal como a de uma força vital especial que abandonava o corpo na morte foram sendo abandonadas à medida que se descobriram as explicações corretas dos fenômenos Existem várias outras evidências a favor da posição monista Sua discussão exaustiva não cabe aqui mas alguns exemplos ilustram essa posição A estimulação elétrica de certas áreas cerebrais possível de ser feita apenas com anestesia local em pacientes humanos necessitados de remover tumores ou focos epilépticos no sistema nervoso central induz uma experiência de prazer intenso Parece ser correto pela obediência ao princípio da parcimônia39 admitir que a experiência de prazer foi gerada pela ativação dos neurônios de um circuito selecionado pelos processos evolutivos pois a possibilidade alternativa teria de admitir que a corrente elétrica ou o cérebro é uma ponte de conexão entre a dimensão física e a dimensão espiritual O avanço que se verificou na Biologia Molecular mostrou a possibilidade de se conseguir produzir animais de laboratório muito ansiosos ou pouco ansiosos por meio da manipulação de partes das moléculas de DNA Tschenett et al 2003 Essa possibilidade aliada a tantas outras como a fabricação de psicofármacos com moléculas acopláveis a certos sítios de 39Princípio segundo o qual devese testar primeiro as idéias mais simples 374 ligação dos neurotransmissores mostram que não é mais possível sustentar a idéia de que os eventos psicológicos não são do plano físico Algumas pessoas negam a validade da abordagem monista substituindo a dimensão espiritual da posição dualista pela dimensão sóciocultural que é mais palpável É grande o número de pessoas que defende essa idéia Uma parcela desses defensores que eu conheci na realidade não tem argumentos lógicos para defender essa posição Elas incorporaram essa idéia por se graduarem nas áreas humanísticas eou em instituições universitárias que costumam dividir as ciências em humanas biológicas e exatas sem que as interrelações entre elas fossem focalizadas Digno de nota é que uma fração pequena dessas pessoas hipervaloriza os aspectos sócioculturais porque tem pouco conhecimento de Biologia ou perdem o controle ou desmaiam quando vêem sangue ou peças anatômicas Outra parcela tem essa posição baseada na velha dicotomia racional x irracional os racionais criam culturas complexas e os irracionais só agem por instinto Seriam os fenômenos sócioculturais independentes dos biológicos Ter naturezas diferentes implica que os elementos constituintes de uma não têm relação com os de outra natureza A divisão biológico e sóciocultural não atende a este quesito lógico uma vez que se baseiam no indivíduo As sociedades são compostas por conjuntos de indivíduos que interagem entre si o indivíduo é um ser social e os fenômenos culturais envolvem a psique dos indivíduos o indivíduo é um ser psicológico Os indivíduos têm um corpo material portanto ele é um ser biológico O indivíduo é três coisas ao mesmo tempo Ou ele é um só com três partes com naturezas distintas Essa controvérsia decorreu em grande parte do desejo precoce de dar status científicos equivalentes ao da Física e da Química à Sociologia e à Psicologia A caracterização de uma natureza específica ao objeto de estudo confere autonomia e reconhecimento como uma área particular de conhecimento uma vez que métodos específicos e construções teóricas diferentes explicariam segmentos de fenômenos inacessíveis pelas outras áreas da Ciência Essa estratégia parece não ter sido adequada A Biologia é por definição a área do conhecimento científico que tem por objetivo estudar os fenômenos relacionados aos seres vivos sem exceção Portanto a Psicologia e a Sociologia por estudarem os fatos relativos aos grupamentos de indivíduos ou a suas produções pertencem também ao conjunto de conhecimentos da Biologia da mesma maneira que a Anatomia Fisiologia e demais disciplinas biológicas ver capítulo 1 A Biologia tem um outro aspecto importante que é a de procurar as explicações dos fenômenos dos 375 seres vivos em termos físicoquímicos Isso não desmerece tampouco implica em reducionismo na Biologia ao contrário indica que existe uma continuidade no universo e que é possível elaborar enfoques em cada nível de organização da matéria sem contradições com as leis e teorias de outros níveis Essa continuidade que se observa ao nível do indivíduo permite o enfoque do mesmo indivíduo enquanto membro de grupos social por suas atividades no grupo cultural por um de seus mecanismos de interação com o ambiente psicológico ou pelo seu aspecto corporal anatomia e fisiologia Essa visão mostra que a constatação de que o homem é um ser biopsico social que muitos autores descrevem como sendo uma grande descoberta ou conclusão é na realidade dizer o óbvio e corrobora que a divisão como coisas diferentes foi arbitrária ver capítulo 1 Essa continuidade permite encerrar a questão da dualidade entre o biológico e sóciocultural pois a ênfase particular dada a um dos aspectos do indivíduo não quer dizer que existe diferença na natureza dos fenômenos Essa conclusão é pertinente pois coaduna com o conhecimento de que muitas emoções têm papel social e que existem manifestações culturais para o controle emocional A experiência do medo quando há perigo predatório leva algumas espécies de macacos a se agruparem de maneira especial mantendo as fêmeas e filhotes no centro do grupo enquanto na periferia ficam os machos para a defesa vide capítulos 5 6 e 10 Os ritos de muitas práticas religiosas são exemplos de manifestações culturais para atenuar o medo da morte Por outro lado a existência da continuidade na natureza impõe que o conhecimento pleno e cabal de um fenômeno necessite o domínio dos conhecimentos nos diferentes níveis de organização não se podendo abordálos independentemente Isso quer dizer que os processos de neuroquímica cerebral não devem ser contraditórios com os princípios de comportamento assim como estes últimos não devem ser com os eventos sociais Em outras palavras as emoções não são uma coisa para a Fisiologia outra para a Psicologia e uma terceira coisa para a Sociologia Uma caricatura para entender a inadequação dessa posição é imaginar que em uma partida de futebol entre o Corinthians e o Flamengo cada time definisse regras diferentes entre si A existência de pessoas que acreditam nas emoções como processos holísticos irredutíveis à atividade do sistema nervoso é contrabalançada por aquelas que relegam os processos cognitivos para um segundo plano devido à impossibilidade de abordálos objetivamente ou pela crença de que as leis de comportamento podem ser formuladas sem a necessidade de admitir os eventos subjetivos O neobehaviorismo iniciado por 376 Skinner na década de 1930 vide capítulo 1 é a corrente teórica mais radical nesse aspecto Ao final de suas atividades científicas porém ele foi levado a considerar a existência de processos subjetivos Para salvaguardar o corpo de seu sistema teórico conceituouos como comportamentos de acesso apenas individual Skinner entretanto havia inicialmente definido que o comportamento era aquilo que um outro organismo vê que um animal está fazendo Considerar que os processos subjetivos podem ser excluídos ou relegados a um segundo plano no estudo do comportamento não parece acertado Primeiro as emoções e outros processos que aportam à percepção consciente atendem ao quesito reprodutibilidade Esse quesito estabelece que só é possível estudar um fenômeno e formular as suas leis se ele ocorrer diversas vezes Existe uma posição herdada da corrente filosófica segundo a qual o mundo existe enquanto eu existo que pode ser particularizada para a emoção só existe enquanto eu me emociono Tal dedução leva a considerar que a reprodutibilidade dos eventos cognitivos não existe Gosto de provocar os meus alunos que citam esses argumentos dizendo que já vi muitas pessoas que acreditam nisso morrerem e mesmo assim o mundo continuou existindo É preciso reconhecer que uma emoção como a raiva pode ser experienciada diversas vezes por uma mesma pessoa portanto é reprodutível reprodutibilidade intraindividual Por outro lado o fato de existir em todos os povos a palavra medo e o entendimento de seu significado indica que ele também ocorre nas outras pessoas reprodutibilidade inter individual A existência de livros de romance filmes peças de teatro etc com grande conteúdo emocional e sucessos internacionais mostra que as experiências subjetivas obedecem a regularidades As regularidades permitem a formulação de leis Vêse portanto que o a dificuldade em estudar os aspectos subjetivos das emoções está baseada na falta de um método objetivo para a sua abordagem Isso não deve ser um entrave pois a Química evoluiu baseada na suposição da existência de átomos mesmo que ninguém os tivesse visto ou documentado diretamente a sua existência A concepção de átomo foi progressivamente reformulada e refinada a cada descoberta das propriedades dos elementos químicos até que se tornou a entidade explicativa central da química Sua existência foi demonstrada somente muito mais tarde com o desenvolvimento de métodos especiais Uma pausa para um resumo 377 Você leitor que se aventurou a analisar o problema das emoções conseguiu chegar comigo à visão de que a existe uma controvérsia grande incluindo coisas básicas como de terminologia definições e conceitos b que apesar das controvérsias se reconhece que as emoções são experiências subjetivas cognitivas ou da consciência perceptual que levam às alterações viscerais e à emissão de atos motores que categorizamos como comportamentos emocionais c que essas controvérsias são decorrentes das diferenças nas suposições ou premissas de caráter mais geral tais como a do monismodualismo das interrelações entre os diferentes ramos da Ciência d que as emoções são fenômenos naturais portanto processos com continuidade lógica independentemente da fragmentação artificial que fazemos em Psicologia Fisiologia ou Sociologia para dar ênfase a um de seus aspectos Algumas tentativas de se definir emoções Você já deve ter visto em desenhos ou ouvido as pessoas descreverem que quando estão com medo sentem um frio na barriga as pernas ficam moles e tremendo que os cabelos ficam em pé e que o coração dispara William James e Carl Lange definiram as emoções exatamente da mesma forma que o leigo relata e essa definição é aceita ainda hoje por eminentes pesquisadores com pequenas alterações as emoções são as percepções das alterações que ocorrem no organismo de um indivíduo em situações específicas Kandel et al 1997 Essa definição foi muito questionada uma vez que o nosso conhecimento indica que são os estímulos que desencadeiam as respostas Como pode com as emoções ser ao contrário É inconcebível aceitar que foi a abertura da boca e a exposição dos caninos que induziu a raiva em um sagui Callithrix jacchus do laboratório de Psicobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte o qual empurrou um outro agressivamente para ter melhor acesso ao alimento Alguns experimentos injetando drogas como a adrenalina para provocar as modificações corporais similares à do medo não induziram essa emoção Apesar disso mostrouse mais recentemente que em indivíduos com medo a injeção de adrenalina pode aumentar a intensidade da emoção experimentada Uma variante dessa concepção usando os conhecimentos derivados da fisiologia da visão foi proposta por Schachter e estabelece que as emoções são construções percepções finais que o córtex cerebral faz a partir dos sinais freqüentemente ambíguos que recebe da periferia de modo análogo ao que faz a visão esse sistema transduz e decompõe as informações luminosas vindas do 378 exterior processando cada característica em módulos neurais diferentes para ao final fazer uma síntese que atribui significado O processamento das informações viscerais dos estímulos ambientais da situação dos dados de memória e outros poderiam levar analogamente à síntese final percebida como uma modalidade de emoção A proposição variante conhecida como de JamesLangeSchachterDamasio define a emoção como uma história síntese perceptual que o cérebro inventa para explicar as reações corporais A evolução das pesquisas a respeito da Fisiologia do sistema nervoso promovida por Cannon Bard Hess e muitos outros neurofisiologistas levou à descoberta de que a estimulação de áreas bem limitadas no tálamo e hipotálamo induz comportamentos emocionais específicos e completos em cães e gatos Esses dados levaram Cannon e Bard a propor que as emoções seriam decorrentes da percepção elaborada corticalmente pela ativação provinda do tálamo e hipotálamo estruturas onde os circuitos emocionais importantes para a emissão dos componentes motores e viscerais das emoções se localizariam A tentativa de definição das emoções conciliando as teorias de JamesLange e CannonBard conhecida como teoria cognitivofisiológica propôs que os ajustes viscerais informam o cérebro e dependendo do contexto e da experiência passada essas informações são interpretadas como emoções Papez em 1937 ampliou a proposição de CannonBard propondo que o fluxo de informações emocionais ocorre com envolvimento do córtex sensorial tálamo giro do cíngulo hipocampo e hipotálamo formando um verdadeiro circuito Circuito de Papez Nesse circuito as mensagens sensoriais são distribuídas em paralelo para o córtex cerebral resultando na experiência subjetiva da emoção e para o hipotálamo na ativação somatovisceral McLean nas décadas seguintes adicionou a amígdala estrutura localizada no lobo temporal o septo e o córtex préfrontal ao circuito de Papez permitindo considerar a existência de um sistema neural específico o sistema límbico para a elaboração da atividade emocional A substância cinzenta periaqueductal grupamento de neurônios ao redor do aqueduto canal que liga o terceiro ao quarto ventrículo encefálico se conecta reciprocamente a estruturas do sistema límbico e sua estimulação induz fuga ou luta defensiva Sua localização no tronco cerebral indica ser filogeneticamente mais antiga O estágio atual dessas pesquisas procura determinar os circuitos específicos para cada modalidade emocional Uma visão abrangente das teorias das emoções pode ser obtida em Brandão 2004 Kandel et al 1997 e Zigmond et al 1999 379 Lindsley propôs por sua vez na década de 1950 que as emoções seriam as percepções produzidas pelo nível de ativação cortical Malmo 1962 A definição foi proposta na descoberta de Moruzzi e Magoun em 1949 de que o nível de atividade dos neurônios da formação reticular uma estrutura do tronco cerebral está envolvido na manutenção dos níveis de sono e vigília A formação reticular junto com os núcleos40 talâmicos de projeção difusa para o córtex formam o sistema reticular ascendente de ativação ARAS A estimulação elétrica de estruturas desse sistema com intensidades progressivamente mais altas havia mostrado que os animais passam de um estado de alerta para um estado de ansiedade depois para o de medo e por fim pânico ou terror dando os fundamentos para a teoria proposta por Lindsley 1951 A ativação do ARAS ativaria também o hipotálamo para desencadear as reações comportamentais e viscerais Avaliando as definições e tentativa de uma outra definição Os textos que tratam das emoções enfatizam em sua maioria que nenhuma das definições propostas até hoje é plenamente satisfatória Apesar disso analisandose as definições acima apresentadas verificase que são citadas com maior freqüência devido à relevância de alguns pontos que enfocam A análise e reunião desses aspectos sugerem a possibilidade de ao menos apontar a direção de uma definição ou conceito mais pertinente de emoções Um fato é claro Entre todas as definições parece haver concordância de que as emoções são eventos da consciência perceptual cognitivos Um problema surge quando se quer acrescentar o que de especial desses eventos perceptuais caracteriza e permite reconhecer que são emoções As motivações sede fome etc também são eventos perceptuais como diferencialos das emoções Acrescentar que são aqueles acompanhados de alterações motoras ou viscerais particulares não auxilia muito Basta ver que eventos perceptuais também ocorrem acompanhados de modificações motoras e viscerais quando se está praticando algum esporte ou trabalhando em um serviço pesado As definições das emoções que se baseiam na percepção consciente das modificações corporais são mais sólidas do que parecem à primeira vista As emoções não ocorrem a partir do nada Por exemplo quando os mecanismos centrais de análise 40 são os locais do sistema nervoso central onde os corpos celulares dos neurônios se agrupa 380 dos estímulos de uma situação a percebem como perigosa as modificações motoras e viscerais são ativadas permitindo que o organismo se mantenha em prontidão ou execute imediatamente as respostas motoras adequadas à situação É possível afirmar que os animais em perigo necessitam monitorar o que está ocorrendo a cada instante até que o perigo termine ou eles saiam dessa situação A coleta de informações para esse monitoramento detecta também o que está ocorrendo no próprio organismo quando a atenção não está focalizada a aspectos mais prementes da situação Algumas alterações como no batimento cardíaco na respiração no relaxamento de alguns e contração de outros músculos lisos são muito proeminentes e provavelmente consistem nas próprias emoções A percepção dessas informações mescladas e processadas conjuntamente com as informações ambientais e as provenientes do sistema límbico envolvido na organização das emoções parecem promover um tipo particular de experiência cognitiva que podemos denominar de história ou construções que o cérebro inventa as quais chamamos de emoções O fato de elementos da resposta serem mesclados à percepção consciente encontra similaridade em muitas respostas do organismo incluindo os atos reflexos simples Quando pegamos a tampa de uma panela que está bastante quente imediatamente a largamos e flexionamos o braço para retirar as mãos de perto do perigo Esse reflexo de defesa é denominado de retirada alguns chamam de reflexo de flexão e ocorre antes que haja a conscientização de que a tampa estava quente demais A percepção consciente do que ocorreu envolve o cômputo da resposta emitida Algumas definições reconhecem que as emoções são evocadas pela percepção prévia de um estímulo ou constelação de estímulos de uma situação Essa condição pode ser considerada necessária para a evocação de todas as emoções pois a ocorrência de uma emoção sem causa justificada seria de pouco valor adaptativo e considerada loucura em casos humanos Esses estímulos evocadores podem ser inatos ou aprendidos Ou seja os animais precisam detectar estímulossinais termo dos etólogos para designar os estímulos específicos que disparam comportamentos inatos importantes para a sobrevivência da espécie vide capítulo 1 ou terem tido experiência prévia de que certos estímulos estão associados a outros que são agradáveis ou desagradáveis Como se sabe as serpentes são estímulossinais que induzem medo inato em chimpanzés vide capítulo 7 e esse medo pode ser abolido com cirurgias de ablação dos lobos temporais do cérebro descobriuse mais tarde que esse efeito se deve aos núcleos amigdalóides uma das estruturas do sistema límbico É preciso reconhecer que a 381 demonstração de um comportamento como inato embora necessário em muitos estudos é uma tarefa difícil Os casos de zoofobia humana podem ilustrar esta dificuldade Todos reconhecem que existem pessoas que têm pavor de baratas outras de ratos outras de outros animais incluindo serpentes Eu tenho defendido a idéia de que a zoofobia humana é um caso de estampagem um tipo especial de aprendizagem onde o animal fixa para o resto da vida o primeiro estímulo com que teve contato vide capítulo 1 É possível que este processo de estampagem tenha a participação das manifestações de pavor demonstradas pelos familiares por exemplo a mãe que faz uma gritaria porque viu uma barata A possibilidade de que o filhote de chimpanzé passe por processo similar questiona se o medo às serpentes é realmente inato porém experimentos com reações de defesa em outros animais indicam que existem estímulos inatos que evocam comportamentos de defesa Tinbergen um dos fundadores da Etologia vide capítulo 1 demonstrou que os pintinhos se agacham e ficam imóveis quando detectam uma silhueta de gavião movendose no ar Essa mesma figura movendose em sentido oposto se transforma na silhueta de um ganso e não evoca os comportamentos de defesa Muitas vezes uma criança que está aprendendo o significado das coisas estímulos específicos ou situações consegue apreender a grande importância de uma situação devido à mudança de comportamento dos adultos mas a percepção dessa situação lhe fica vaga por ser incompreensível ou por falta de explicações A percepção vaga da situação de separação dos pais junto com a surpresa de ver pela primeira vez a mãe chorando pode ser uma aprendizagem que fará as crianças reagirem com alta ansiedade ao longo da vida a todas as situações vagas sem que compreendam o porque dessa reação Em outros casos um estímulo específico da situação que seja vago para a criança pode ser associado por exemplo ao medo Conto uma passagem de minha vida para ilustrar esta afirmação Filho de japoneses nasci em uma fazenda em uma colônia só de japoneses Tinha quatro anos no auge da II Guerra Mundial e os membros da colônia eram mantidos sob vigilância policial O primeiro contato com uma pessoa fardada foi quando um militante disfarçado com roupas de policial invadiu a nossa casa roubou tudo que era de valor alegando ser confisco de guerra A segunda vez foi quando meu avô morreu logo depois e a colônia se reuniu para o velório Um policial foi destacado para evitar confabulações políticas Em ambos os casos não compreendi o que estava acontecendo mas o comportamento receoso dos adultos me fez associar gente fardada ao perigo Até os meus 12 anos tinha um pavor incontrolável de gente 382 fardada que depois voltou mais tarde por ter sido preso pelo golpe militar de 64 Ao contrário do que negam muitos autores esses dados indicam que experiências infantis de conteúdo emocional podem alterar os caminhos da vida de uma pessoa tal como já apontavam Freud e seus seguidores O desencadeamento da experiência emocional subseqüentemente à percepção do significado do estímulo é sem dúvida fundamental porque induz a reorientação da atenção mantemna alta e focada para a evocação de dados da memória seleção das informações da situação avaliações de possibilidades ou riscos e programação das respostas comportamentais A maior duração dos eventos emocionais em relação ao tempo consumido no reconhecimento dos estímulos é sem dúvida importante para que esses processos sejam mantidos enquanto os estímulos significantes estiverem presentes ou tiverem a possibilidade de ocorrer novamente Em outras palavras a emoção seria uma sinalização para manter o organismo preparado para a ação por tempo suficientemente seguro O fato do circuito de Papez que faz parte do sistema límbico ser um circuito neural fechado parece significativo para a manutenção prolongada da experiência emocional Os circuitos fechados mantêm uma atividade ao longo do tempo pela retroativação o último elemento ativa o primeiro e assim indefinidamente até que alguma informação inibitória interrompa essa reverberação A importância da manutenção prolongada de uma emoção tem a mesma importância da manutenção prolongada da sensação dolorosa O sistema da dor tem uma via de condução rápida percebida cognitivamente como dor precoce aguda para o desencadeamento de respostas rápidas de defesa e uma via de condução lenta dor tardia surda e contínua para proteção contínua das regiões afetadas para a sua cura A localização da ocorrência do evento perceptual da emoção no córtex cerebral leva a restringir sua ocorrência apenas aos animais que têm essa estrutura neural Os animais com estruturas corticais pouco desenvolvidas tal como peixes e anfíbios não teriam moções E os invertebrados Teriam estruturas alternativas responsável por emoções Concentrandonos apenas em mamíferos o ponto importante é a maneira como essa estrutura é ativada A teoria de CannonBard admite que o processo de elaboração cognitiva da emoção ocorreria no córtex decorrente da transmissão da atividade dos circuitos hipotalâmicos Não seria o reconhecimento do significado dos estímulos ao menos nos mamíferos recentes elaborado no neocórtex e transmitido ao sistema límbico que ativaria as alterações viscerais motoras e cognitivas da emoção A resposta parece provir da análise geral da organização dos comportamentos 383 O comportamento é uma propriedade inerente dos organismos e a possibilidade de interação ativa com o meio ambiente é uma das propriedades fundamentais que garante a sobrevivência Os organismos vivos são sistemas organizados em base celular em equilíbrio dinâmico temporário dentro de uma natureza altamente entrópica desorganizadora Este equilíbrio dinâmico pode ser representado por uma interrelação constante de agressãodefesa e o organismo sobrevive enquanto suas defesas superarem a agressão do ambiente Para isso o organismo se defende extraindo elementos da natureza principalmente energia que é necessária para essa luta constante Essas maneiras de se interrelacionar são os comportamentos e sem eles não se consegue viver Tanto assim é que dizemos que um indivíduo está morto quando ele não mais interage ativamente com o meio O sistema nervoso foi a estrutura que se originou e evoluiu com a função de organizar o comportamento e promover a manutenção das condições do meio interno aproximadamente constantes Esta segunda função é denominada de homeostase Parte dos processos homeostáticos que corrigem os desequilíbrios que ocorrem dentro do organismo envolve interação com o meio ambiente Exemplificando a quantidade de água no organismo é regulada pelo comportamento de beber a taxa de glicose no sangue glicemia pelos alimentos Outros desses processos como a regulação do equilíbrio ácidobásico da pressão arterial e muitos outros não requerem interação com o meio ambiente em condições normais de vida casos anormais de queda excessiva da pressão arterial como na hemorragia intensa desencadeiam sede e comportamentos de busca e ingestão de água Nos vertebrados e em grande parte dos invertebrados o sistema nervoso está organizado de tal maneira que os comportamentos têm sempre três componentes o motor que ativa os músculos esqueléticos o visceral que ativa coração pulmão fígado etc e o cognitivo perceptual Não há mais dúvidas de que as informações coletadas pelos órgãos sensoriais dos invertebrados olhos por exemplo são processadas em seus sistemas nervosos para conferir um mapa cognitivo do ambiente e permitir que os animais consigam emitir respostas orientadas dentro do ambiente O componente motor é o efetor das interações com o ambiente e o visceral tem a função de dar condições ótimas para que os componentes motores possam ser executados com maior eficácia Assim ao lado de dezenas de ajustes o coração bate mais depressa e mais forte para mandar mais sangue aos músculos coração e diversas partes do cérebro locais onde os vasos sangüíneos se dilatam Há relaxamento da musculatura do tubo digestivo para reduzir a digestão e deslocar mais sangue para circular assim como a 384 vasoconstrição periférica com o mesmo fim Esta última reação tem a função protetora de evitar a perda de sangue em caso de luta O interessante é que essas reações viscerais ocorrem antecipadamente à execução de um movimento TimoIaria 1985 Por exemplo quando se decide levantar o braço ocorre vasodilatação nos músculos desse braço De modo semelhante a estimulação de circuitos neurais responsáveis pela motricidade também evoca respostas viscerais também em animais descerebrados Cravo 1982 Mesmo reflexos simples como o de flexão são acompanhados por uma constelação de ajustes viscerais Esses dados indicam que os circuitos motores e viscerais da organização do comportamento estão em paralelo ou seja que têm ligações entre si que promovem ativação dos dois componentes ao mesmo tempo A função do componente cognitivo do comportamento é fácil de entender Os peixes estudados pelo Prof Gilson Volpato em seu laboratório no campus de Botucatu da Universidade Estadual Paulista mostram uma modificação progressiva do comportamento que é muito comum Trazidos ao laboratório eles inicialmente comem pouco ou permanecem em jejum por um tempo Em uma etapa seguinte eles aprendem que as pessoas significam possibilidade de alimento percebem os estímulos e seus significados e nadam agitados de um lugar para outro Ao final eles aprendem que o alimento é colocado no lado do aquário mais próximo ao corredor de passagem das pessoas e se condicionam a irem esperar o alimento nesse local Este exemplo mostra que o componente cognitivo organiza os comportamentos A fome é um dado cognitivo que entra na organização do comportamento de ir em busca do alimento e comer Detalhando melhor a fome é um sinal cognitivo que informa a redução dos estoques de nutrientes energéticos no organismo e aciona os comportamentos que culminam na elevação do nível de reservas energéticas A emoção também tem as mesmas características Jogar futebol pode ser uma atividade expressa por uma seqüência mínima de comportamentos quando é praticada por obrigação entretanto se existe alegria em ir jogar futebol com os amigos um conjunto de outros comportamentos ocorre encontrar os amigos rir juntos maior empenho e menos agressividade nas disputas da bola Isso mostra que a participação do componente emocional na organização do comportamento se faz evocando e direcionando cadeias específicas de comportamentos Da mesma maneira o medo de ser atacado no escuro ou cair em um buraco evita que as crianças saiam de suas casas e se aventurem pelas ruas não iluminadas mesmo que desejem encontrar seus amigos 385 O sistema nervoso central detecta as informações do ambiente analisaas e determina os seus significados podendo simplesmente descartálas estocálas ou programar um comportamento em resposta pôlo em execução conferir e corrigir os movimentos em execução e monitorar os efeitos conseqüentes das respostas emitidas Diversas etapas dessa seqüência de eventos são processos cognitivos e a sua impossibilidade de ocorrência pode alterar drasticamente o comportamento e alterar a vida dos animais A visão é o canal sensorial predominante de coleta de informações do ambiente no ser humano e sua perda por problemas nos olhos ou dentro do sistema nervoso central elimina a possibilidade de emissão de uma série de comportamentos reduz muito a eficácia de outros além de colocar a vida em risco caso não tenha ajuda de outras pessoas com visão normal Assim como na cegueira todas as limitações cognitivas incluindo a qualidade e quantidade de informações levam a prejuízos no comportamento Podese extrair desta análise que o componente cognitivo além de organizar comportamentos específicos confere eficácia ou seja contribui direta ou indiretamente para a sobrevivência Escolher um caminho pensando nos possíveis obstáculos dos demais é sem dúvida um comportamento eficaz organizado pelo processo cognitivo de pensar O pensar neste caso é conscientizar a viabilidade eou demora de passagem nos possíveis caminhos O Prof César TimoIaria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo tem defendido essas idéias em nosso meio há décadas TimoIaria 1977 1985 Para ele a consciência é a propriedade do sistema nervoso que tem a função de detectar analisar e atribuir significado aos estímulos Construindo uma definição A seleção dos elementos da análise das definições mais freqüentemente citadas permite elaborar uma outra definição as emoções são sinalizações cognitivas que dão eficácia aos comportamentos que procuram solucionar problemas impostos pelo meio ambiente Seria essa definição adequada A sua adequação pode ser avaliada pela coerência eou poder heurístico que confere aos dados conhecidos A definição e os diferentes tipos de emoções 386 O primeiro ponto desta tarefa é analisar se a definição é universal isto é se ela é adequada para todas as emoções É tarefa difícil sabermos quantas e quais são as emoções existentes Há mais de 30 anos o Prof Arno Engelman do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo se defrontou com esta questão Ele levantou todas as palavras existentes na língua portuguesa que denotavam relação com sentimentos emoções ou estados afetivos e tentou agrupálas pela proximidade semântica Todos conseguem perceber que apreensão temor ansiedade medo terror pavor e pânico são experiências subjetivas da mesma classe e que variam segundo a intensidade Um eixo de polarização diferente seria o da alegria estar disposto animado contente feliz alegre eufórico Os estudiosos principalmente os biólogos logo perceberam que o fator comum do eixo da ansiedademedopânico é o perigo A propriedade de evocar e direcionar os comportamentos de fuga esquiva ou luta tornou patente que as emoções desse eixo são sinais cognitivos que indicam perigo e dão eficácia aos comportamentos de defesa Essa dedução mostra adequação da definição proposta para o caso do medo Serviria para o eixo da raiva Esse eixo não permite gradação da intensidade emocional que vai da irritação para a raiva que é usada como sinônimo de ira cólera e ódio Essa emoção ocorre nas situações onde a execução ou o prosseguimento do comportamento em curso é impedido Esse eixo emocional evoca intensificação dos comportamentos e na falta de solução evoca comportamentos agressivos para a remoção do impedimento Vêse aqui que o comportamento agressivo pode ser gerado e direcionado pela raiva agressividade ofensiva que pode ir de apenas um insulto ao homicídio com requintes de perversidade e pelo medo agressividade defensiva com objetivos funcionais diferentes A definição proposta parece se adequar a este eixo emocional Contentamentoalegriafelicidade ocorre quando expectativas ou necessidades de um indivíduo vão ser ou são satisfeitas Um bom amigo desperta alegria porque traz a expectativa de passar novamente bons momentos juntos Ser salvo de um incêndio traz alegria Receber presentes significa ter amigos ou que algo de bom foi recebido e traz alegria As festas são atividades sociais para aumentar e prolongar a alegria por exemplo a partilha dos povos primitivos quando retornavam com caça ou para realização de expectativas encontrar uma parceira por exemplo que darão alegria Esses dados sugerem que sua função é a de indicar que uma sucessão de comportamentos está em um curso adequado ou que levou ao objetivo almejado e portanto devem ser mantida e repetida Essa função entretanto é exercida pelo sistema 387 de prazeraversão O sistema de prazer parece se sobrepor ao eixo da alegria porém não parece ser a mesma coisa Como se verá mais adiante esse sistema prazeraversão ocorre em animais onde a alegria parece não ocorrer O contentamentoalegria evoca um padrão específico de comportamento pulos abanar o rabo e correr no cão ou o sorriso na espécie humana e a função desse comportamento não é evidente É possível aventarse e pesquisar a hipótese de que a alegria seja uma emoção de função social exclusiva de vertebrados filogeneticamente mais recentes sendo expressões equivalentes àquelas mediadas pelo sistema de prazer nos demais animais A falta de determinação da função biológica da alegria não invalida a definição de emoção que estamos avaliando Dois pontos adicionais podem ser considerados neste tipo de emoção Primeiro a alegria excessiva caracteriza estado de euforia com agitação motora que lembra a induzida também por drogas principalmente aquelas que agem liberando a dopamina nas terminações nervosas centrais O sistema cerebral de prazer envolve também este neurotransmissor central Bressan Crippa 2005 Segundo o excesso de expectativa pode gerar ansiedade pela possibilidade de não realização mesclarse à alegria ou predominar completamente As manifestações comportamentais do eixo do desânimo tristeza depressão incluem a redução da mobilidade corporal adoção de postura específica tronco arqueado cabeça baixa membros soltos etc Que função teriam esses comportamentos A tristeza está associada à perda ou impossibilidade de obtenção de coisas desejadas Podese pensar então que a sua função seria a de induzir mudança de comportamento ou situação Essa hipótese não se sustenta pois a imobilidade e apatia que se observam na tristeza não se coadunam com a emissão de novos comportamentos ou locomoção para a mudança de lugar e situação Seria a tristeza uma emoção selecionada evolutivamente nos vertebrados sociais com a função de despertar comportamentos de ajuda A definição de emoções e a necessidade de sua conceituação A especificação de que as emoções são relativas aos comportamentos que solucionam os problemas impostos pelo meio ambiente é fundamental para a sua diferenciação entre outros dois processos cognitivos que também têm a propriedade de evocar comportamentos e lhes conferir eficácia as motivações homeostáticas fome sede desejo sexual etc e as sensações dor calor frio etc 388 Vimos anteriormente que durante a evolução do sistema nervoso foi mantida sua função de organizar os comportamentos e o componente cognitivo incluindo as emoções participa da organização desses comportamentos dandolhes eficácia A emissão de respostas comportamentais adequadas a cada situação de tal maneira que os custos não sejam de maior monta que os benefícios exige necessariamente informações a respeito de cada situação particular As informações importantes para a organização do comportamento podem provir de três fontes principais o meio ambiente onde os estímulos podem ser extremamente numerosos e extremamente mutáveis a superfície do corpo que é a interface de contato térmico e mecânico com o ambiente e o interior do corpo Para cada uma dessas fontes existe um sistema de detecção condução análise e elaboração do significado A visão audição e olfação são os sistemas de detecção de informações à distância enquanto a sensibilidade geral somática tato pressão frio calor e dor informa eventos que ocorrem na superfície de contato corporal com o ambiente os receptores vestibulares musculares articulares ósseos e de dor detectam informações da parte interna do corpo importantes para a organização da postura e dos movimentos Receptores importantes e especializados detectam a temperatura a taxa de glicose do sangue a quantidade de água do volume de sangue etc e constituem um verdadeiro sistema para monitorar as condições do meio interno e disparar correções O grupo de eventos perceptuais gerado pelas informações do ambiente interno obedece a ritmos tais como a fome a sede o sono etc As experiências cognitivas denominadas motivações homeostáticas se referem àquelas que culminam em correção homeostática Elas diferentemente das emoções e sensações não têm a propriedade de servir como estímulos incondicionados reforços para o processo de aprendizagem Um animal aprende que um comportamento é adequado ou inadequado quando é punido com um estímulo doloroso ou amedrontador As sensações tal como a dor são experiências cognitivas inatas que sinalizam eventos da superfície e do interior do corpo As emoções se referem aos eventos cognitivos gerados por estímulos e situações do meio ambiente Os seus estímulos indutores são variáveis ao contrário das sensações que são induzidas por um estímulo particular ou um conjunto de estímulos fixos Essa variabilidade de estímulos ou situações indutoras das emoções parece ser extremamente adaptativa para a grande mutabilidade que ocorre na natureza É fácil entender isso As fontes de perigo para um animal são inúmeras Apesar dessas diferenças temse utilizado o termo motivação para todas as três modalidades de manifestações cognitivas 389 devido à suas capacidade de evocarem comportamentos seqüenciados e não reflexos simples A definição e o problema da terminologia Como vimos anteriormente a falta de uma definição adequada do que são as emoções levou a confusões de terminologia Os sentimentos seriam emoções menos intensas ou seriam coisas diversas Os sentimentos tais como a saudade e o orgulho não mudam o curso do comportamento em ação como as emoções Tampouco não mostram alterações viscerais ou comportamentais evidentes em sua grande maioria É da experiência da maioria das pessoas que não conseguimos acelerar a freqüência das batidas do coração lembrandonos das situações de medo pelas quais passamos O que podemos sentir são receios Os sentimentos poderiam ser os substitutos das emoções para a reevocação de experiências emocionais anteriores da memória Ou poderiam os sentimentos ser a própria memória das emoções já experienciadas Ao que tudo indica os sentimentos possuem o mesmo papel funcional apontado na definição proposta para as emoções O receio que uma situação nova evoca mostra que a associação dos sentimentos exclusivamente aos dados de memória é errônea O receio além de promover um aumento da atenção aos estímulos importantes da situação e colocar em prontidão o organismo para o imprevisível leva a pessoa a reconsiderar a emissão ou não de prosseguir nessa situação processo que é altamente adaptativo Ou seja ele tem o papel sinalizador para que o comportamento não ocorra de maneira aleatória e ineficaz O receio de passar novamente por uma situação perigosa orienta o comportamento para que se evite o encontro de sinais associados a esse contexto Em ambos os exemplos verificase que o receio é uma experiência cognitiva que dá eficácia ao comportamento aspecto fundamental que permite definir as emoções Sendo emoção ele se polariza no eixo da ansiedademedo De fato o aumento do receio pode se transformar em ansiedade ou medo que ocorre com mudança visível do comportamento em curso A combinação de poucas emoções denominadas primárias ou básicas em número e proporções diferentes dariam origem às emoções categorizadas como sentimentos Assim a saudade envolveria a evocação das alegrias tidas junto a uma pessoa ou lugar mescladas com a tristeza de sua perda Sem sombra de dúvida o conjunto de experiências agradáveis que o saudoso sente decorre da aprendizagem das 390 pessoas e das coisas que lhe deram prazer e alegria anteriormente A função óbvia seria a de induzir ou manter o desejo de um retorno junto a essa pessoa ou lugar e dependendo da intensidade orientar os comportamentos atuais para que possa realizar esse objetivo por exemplo trabalhar em dobro para juntar dinheiro e possibilitar o retorno O sistema gustativo mostra que tal mescla é possível pois com a estimulação dos quatro tipos de receptores em diferentes combinações e proporções podese perceber uma gama de outros sabores O mesmo acontece com a percepção das diferentes cores a partir dos receptores retinianos para o vermelho também sensível ao amarelo verde e azul A ocorrência de dois eventos cognitivos de categorias diferentes é possível É patente que em alguns casos tal como o do receio existe uma mescla de uma pequena quantidade de medo e um outro dado cognitivo que é de natureza motivacional É este último que predominando sobre o receio mantem em ação o comportamento que estava em curso Essa predominância explicaria porque uma pessoa choraria de saudades É quando o componente tristeza supera em intensidade a alegria ou o prazer rememorado Os sentimentos seriam também emoções secundárias visto envolverem claramente processos de aprendizagem Isso parece ser intuitivo uma vez que elas requerem que as emoções básicas ou primárias estejam já associadas às situações ambientais específicas para que a combinação delas em uma proporção específica desperte uma nova experiência cognitiva Os dados da ontogênese e a definição proposta A inexistência de comunicação verbal nos bebês limita a pesquisa apenas aos componentes motor e visceral que são os parâmetros acessíveis também nos animais nãohumanos Sabemos atualmente que sons intensos nas gestantes aceleram a freqüência cardíaca dos fetos Muitas pessoas consideram por essa reação que os bebês ouvem Não se pode descartar entretanto a possibilidade da adrenalina materna promover essa manifestação no feto A mesma consideração pode ser feita com a suposição de que as emoções maternas também emocionam os fetos Ao contrário de Watson que concluiu haver três emoções inatas ou primárias nos bebês recém nascidos observações mais rigorosas indicam que elas manifestam apenas agitação generalizada em resposta aos estímulos ou situações que evocam emoções em crianças mais velhas Somente aos três meses que é possível a discriminação de comportamentos 391 que indicam satisfação e desagrado e que progressivamente de cada uma delas vão se diferenciando de outras mais específicas até que aos seis meses são possíveis de serem observados comportamentos indicadores de medo raiva desgosto alegria e de afeição nos vínculos sociais Este aumento do número de modalidades se verifica até a idade adulta e envolve sem dúvida processos de aprendizagem como apontado anteriormente O tópico da aprendizagem no estudo das emoções é fundamental por estar implicado na formação da personalidade no entendimento de diferentes distúrbios de fundo emocional e em suas terapias Como vimos as emoções são evocadas pelo significado dos estímulos que são formados em grande parte por aprendizagem Muitas tribos de índios brasileiros criam os filhos sem proibições ou castigos e estes se tornam adultos confiantes Um contato eventual violento com os brancos os faz medrosos Da mesma maneira crianças de um a três anos não têm vergonha ou medo e exploram o mundo para aprender o significado das coisas É somente mais tarde após as experiências emocionais repetidas ser agradada por exemplo ou traumáticas tal como o susto de se perder dos pais na multidão é que se tornam extrovertidas ou retraídas É bem documentado o fato de uma criança vítima de violência doméstica tornarse um novo praticante desse tipo de crime no qual a ansiedade e o alcoolismo desempenham papel importante É evidente que os processos terapêuticos podem se beneficiar com a determinação e recondicionamento dos significados dos estímulos e situações Dados filogenéticos Os comportamentos e atividades cognitivas incluindo as emoções não têm a propriedade de serem preservados como fósseis Isso determina que os estudos filogenéticos dessas manifestações se baseiem primordialmente no estudo comparativo das espécies hoje existentes Apesar desse fato os dados existentes permitem deduzir alguns pontos importantes da evolução das emoções Ao que tudo indica os primeiros organismos que não tinham a propriedade de liberar oxigênio pela fotossíntese e necessitavam obter energia às custas de outros organismos devem ter ensaiado uma série de mutações e seleções ao longo de milhões de anos Ao longo da história evolutiva existem muito mais casos de mutações mal sucedidas do que as espécies existentes atualmente As espécies que sofreram mutações que levaram à capacidade de emitir respostas automáticas específicas a cada tipo de estímulo foram selecionadas Aqueles portadores de associações vantajosas para defender ou proteger o organismo de estímulos prejudiciais assim como reações 392 favoráveis à manutenção trófica e à reprodução quando associadas a certa classe de estímulos foram mantidas ao longo da evolução Assim os organismos desse estágio teriam um estímulo A nocivo evocando uma resposta de defesa a um estímulo B por exemplo luz evocando uma resposta b fuga e outras associações Cc Dd etc Esse mecanismo de organização do comportamento representou uma revolução em relação àqueles em que as necessidades como a alimentação crescimento e reprodução eram dependentes de mecanismos passivos difusão osmose etc e dependentes do acaso morte de outros organismos nas proximidades temperatura ambiente correntes de água etc A vantagem adaptativa desse tipo de organização comportamental parece ter levado à multiplicação de outras espécies com um número cada vez maior emitindo respostas específicas a estímulos específicos Este estágio da evolução do comportamento poderia ser denominado de estágio de respostas incondicionadas ou estágio respondente adotandose respectivamente os termos criados por Pavlov e por Skinner Esse tipo de organização do comportamento foi preservado em espécies metazoárias que surgiram mais tarde e adquiriram outros mecanismos de elaboração de respostas O ramo evolutivo que se desenvolveu no sentido de tornar os animais progressivamente independentes em relação às condições imposta pelo meio ambiente adquiriu a capacidade de locomoção Essa aquisição parece estar fortemente associada ou ter sido responsável por outra etapa fundamental na evolução dos mecanismos de organização do comportamento A locomoção acarretou o contato inevitável com um número elevado de informações devido à mudança progressiva nos locais do meio ambiente Considerando que muitos estímulos podem ser favoráveis enquanto outros são perigosos para a sobrevivência o desenvolvimento de outras capacidades foi importante Um ramo da evolução caminhou no sentido de manter uma forma radial de corpo partes iguais em torno de muitos eixos radiais do corpo e muitos outros evoluíram para a forma bilateral partes iguais em torno de um só eixo A simetria radial se manteve em apenas alguns filos cnidarias e equinodermas de movimentação relativamente lenta A predominância da simetria bilateral em diferentes filos se deve às propriedades hidro e aerodinâmicas que ela confere devido à redução de atrito Esse tipo de simetria determina um sentido de locomoção e isso condiciona a existência de uma parte anterior e posterior Em função dos primeiros contatos com os estímulos ocorrerem na parte anterior do corpo a concentração de sensores nessa área foi vantajosa A necessidade de transmissão das informações desses sensores aumentou 393 significativamente o número de neurônios e de conexões para processamento e transmissão de informações para outras áreas do corpo com a função de coordenar de modo coerente as diferentes partes do corpo para a emissão de comportamentos Dethier Stelar 1973 Esse processo é denominado encefalização O aumento na complexidade do sistema nervoso trouxe a possibilidade adicional de executar ações motoras sem a necessidade de estímulos ambientais específicos para evocálas Esse tipo de comportamento é denominado de operante por Skinner e esse estágio pode ser denominado de estágio de aquisição dos comportamentos operantes ou simplesmente estágio dos operantes A conciliação entre a mudança da configuração de estímulos ambientais e a necessidade de emissão de comportamentos direcionados a alguns estímulos deles por exemplo detectar um alimento à esquerda e nadar em sua direção foi conseguida evolutivamente pelo desenvolvimento da propriedade de formar representações internas cognições mesmo que rudimentares e fugazes do meio ambiente e organizar o comportamento em função desses dados Uma outra necessidade associada a esse desenvolvimento foi a determinação do significado das ações emitidas e dos estímulos detectados Ou seja não basta ao animal formar representações internas dos inúmeros estímulos ambientais e das ações corporais realizadas Os estímulos ambientais com os quais o animal entra em contato e as ações emitidas podem ser favoráveis indiferentes ou desfavoráveis para a sobrevivência Um animal pode entrar em contato com um novo tipo de alimento e ele pode ser nutritivo ou venenoso ou uma ação infantil como a de se colocar à beira de precipícios são coisas freqüentes Excetuandose os estímulos incondicionados aos quais respondem reflexamente os animais não nascem com a informação de se os outros estímulos e ações são favoráveis ou desfavoráveis Isso parece lógico em virtude do caráter mutável da natureza e da variabilidade de estímulos existentes na natureza Além do mais um mecanismo de reconhecimento inato do valor de sobrevivência de cada estímulo demandaria um número muito maior de neurônios e necessitaria multiplicar o tamanho do corpo A solução para esse problema foi sem dúvida o desenvolvimento evolutivo de um sistema básico de sinalização interna que conferiu uma experiência cognitiva agradável que leva a emitir comportamentos para sua busca e uma desagradável que leva os animais a evitálas ou se afastarem dos estímulos que a provocam Esse sistema é denominado pelos neobehavioristas sistema primário de reforçamento porque reforçam a emissão de respostas que pode ser positivo quando há busca ou negativo quando ocorre rejeição Outros autores denominam esses dados cognitivos de afetos Essa 394 proposição dos neobehavioristas se baseia na impossibilidade de se dizer que os animais têm as mesmas experiências que os humanos É bem provável que não sejam iguais devido à maior complexidade do sistema nervoso humano entretanto eles são equivalentes do ponto de vista funcional Os animais com associações de estímulos e respostas inatas adquiridas no estágio respondente anterior se beneficiaram com o acoplamento do sistema de sinalização agradáveldesagradável prazeravesão pois os estímulos passaram a adquirir significados e orientar o comportamento Assim estímulos nocivos como a dor passaram a evocar experiências extremamente aversivas enquanto sensações como a de sabor doce passaram a evocar sinalizações agradáveis Os animais que adquiriram a capacidade de coletar informações a respeito do nível das reservas alimentares alimentos energéticos e água também aumentaram a probabilidade de sobrevivência por acoplarem esse sistema de sinalização Os animais com o acréscimo dos operantes foram beneficiados pela possibilidade de extensão de significado a uma gama muito maior de estímulos e ações feita pelo processo da aprendizagem associativa Os estímulos e ações que ocorrem associados a uma relação estímuloresposta inata positiva passam a ter sinalização agradável reforço secundário ou condicionado o mesmo acontecendo com aquelas que são negativas Este tópico me reporta às longas conversas com o Prof Laurival De Lucca Jr atualmentee professor de neurofisiologia da Faculdade de Odontologia do campus de Araraquara da UNESP que no tempo em que estagiou em meu laboratório passou tardes discutindo o sistema de prazeraversão dos mamíferos Lembrome da analogia do sistema prazeraversão àquela da brincadeira em que se esconde um objeto e pedese à criança para achálo com as informações de frio quando está distante do objetivo e quente quando está próxima Lembrome também de sua proposta em investigar se os camarões de água doce Machrobachium iheringi têm um sistema equivalente ao de prazeraversão dos mamíferos O número de estímulos e situações com os quais os vertebrados têm contato ao longo de suas vidas foi aumentando à medida que os novos filos foram surgindo Esse aumento tornou insuficiente a sinalização por um sistema binário de agradável desagradável ou positivonegativo O surgimento de um sistema adicional o das emoções foi o mecanismo evolutivo que permitiu uma sinalização complementar mais específica às situações mais freqüentes e importantes da vida cuja solução é conseguida por comportamentos específicos A análise das funções das emoções feita anteriormente 395 fundamenta essa afirmação É fácil entender que a ocorrência de uma sinalização adicional o medo justaposto à sinalização de aversivo é muito mais vantajosa do que apenas a variação na intensidade do aversivo Considere um animal com fome que está em uma situação de perigo de predação Não tendo sinalização do medo ele sentiria apenas aversão e poderia tentar comer o predador porque a fome tem conotação aversiva Caso ele tivesse apenas o medo não se preocuparia com isso uma vez que não seria nem aversivo ou prazeiroso e nenhum comportamento importante seria emitido Uma última aquisição importante nesta linha de processos cognitivos para a organização do comportamento é a da atividade mental denominada pensamento que varia desde uma imagem evocada por sinais simbólicos por exemplo a palavra saída em um local público leva à locomoção em uma determinada direção mesmo que a saída propriamente dita não esteja á vista até as elaboradas por processos racionais comprar ações na bolsa de valores com a dedução racional de que o valor das ações de uma determina empresa irá aumentar futuramente A ocorrência de uma prevalência dos comportamentos emocionais sobre os organizados pelo pensamento racional indica uma hieraquização dos diferentes mecanismos de organização do comportamento com predomínio daqueles mais primitivos Ilustra bem este ponto a afirmação de alguém que disse fugir de medo de um pedaço de pau porque o confundiu com uma cobra é muito mais vantajoso do que pegar uma cobra pensando ser um pedaço de pau O predomínio da organização emocional mais básica sobre a organização racional do comportamento pode ser entendido como a utilização de uma capacidade filogeneticamente mais antiga preservada pela sua eficiência uma vez que a mais recente não tem possibilidade de solucionar ou que precisa ser reforçada A possibilidade de se traçar ao menos em linhas gerais uma visão filogenética das emoções como sendo sinalizações que dão eficácia aos comportamentos parece contribuir para a validade da definição que estamos discutindo Mecanismos fisiológicos das emoções Os vertebrados filogeneticamente mais antigos possuem cérebros constituídos apenas pelo diencéfalo e núcleos da base É o caso dos peixes anfíbios e répteis cujos cérebros constituem o grupo denominado de protoreptílicos A pergunta que se pode fazer é se os animais com esse tipo de cérebro podem ter emoções sem o neocórtex responsável pelos processos cognitivos e sem o sistema límbico para elaborar o 396 comportamento emocional Podemos constatar que os peixes anfíbios e répteis fogem quando ameaçados O comportamento desses animais é orientado pelo sistema básico de reforçamento prazeraversão e por um sistema primitivo de formação de mapas cognitivos ambos localizados no tronco cerebral A porção anterior do tronco cerebral denominada mesencéfalo possui duas porções distintas A parte dorsal é denominada teto e a parte ventral de tegmento Em peixes anfíbios e em menor grau nos répteis as diferentes modalidades sensoriais convergem ao teto mesencefálico que possibilita a formação de mapas cognitivos primitivos do ambiente e sinalização prazeraversão São clássicos os estudos mostrando que um sapo salta e captura um inseto colorido em vôo Se o inseto é possuidor de mecanismos de defesa por exemplo tem substâncias químicas venenosas que são amargas o animal aprende a não capturálo uma segunda vez Isso mostra que os possuidores de cérebros protoreptilianos têm mecanismos de sinalização e um mapa cognitivo que lhes permite reconhecer que insetos com aquelas cores não são alimentos Segundo Romero 2000 o teto parece ser o verdadeiro coração do sistema nervoso o centro controlador de toda atividade do corpo em peixes e anfíbios É preciso ressaltar que o controle cognitivo foi progressivamente transferido para o córtex e com isso o teto deixou de ter importância para a elaboração dos processos cognitivos nos cérebros filogeneticamente mais recentes As estruturas do sistema básico de sinalização prazeraversão com sua conexão íntima com o hipotálamo que é o grande sistema de saída para diferentes efetores viscerais e comportamentais foram mantidas ao longo da evolução Assim os comportamentos dos animais com cérebros protoreptilianos parecem ser orientados apenas pelo sistema básico de sinalização prazeraversão Algumas vias como a da dor ativam os circuitos de aversão provavelmente por conexão inata enquanto outras conexões se formam pelo processo da aprendizagem A evolução do cérebro se deu no sentido de aumentar progressivamente as estruturas corticais córtex quer dizer capa nos hemisférios cerebrais A porção mais antiga do córtex tem papel no processamento das informações olfativas Em virtude desse tipo de informação estar envolvido em diferentes processos importantes da vida dos vertebrados mais antigos da filogênese como disputa por parceiros reprodutivos competição por alimento etc acreditase que sobre o córtex olfativo córtex piriforme se desenvolveu uma série de outras estruturas em íntima conexão com o tálamo e hipotálamo subjacente levando a sinalização emoções e organização de 397 comportamentos eficientes Essas estruturas constituem o sistema límbico Cérebros com essa aquisição sem terem ainda o desenvolvimento neocortical são denominados de paleomamíferos Inicialmente foi proposto que o sistema límbico envolvia o córtex sensorial tálamo giro do cíngulo hipocampo e hipotálamo circuito de Papez entretanto outras estruturas foram sendo progressivamente incluídas como amígdala septo córtex préfrontal e área cinzenta periaqueductal O Prof Frederico G Graeff do campus de Ribeirão Preto da USP tem contribuições valiosas ao estudo do tema das quais se destaca a determinação do sistema cerebral aversivo envolvendo a amígdala dos lobos temporais o hipotálamo e a substância cinzenta periaqueductal Graeff 1990 e a atribuição de tipos particulares de emoções dos comportamentos de defesa a estruturas distintas Graeff 1990 1994 O Prof Marcus Lyra Brandão da mesma Universidade e seus colaboradores têm coletado evidências de que o colículo inferior também participa desse sistema cerebral aversivo Brandão 2004 A parte filogeneticamente mais recente do sistema nervoso é sem dúvida a estrutura responsável pela atividade cognitiva tal como nós a experienciamos As características de nossa cognição são determinadas marcadamente pelo tamanho das áreas de associação representadas principalmente pelo córtex préfrontal que no homem atinge 29 de todo o neocórtex enquanto nas espécies mais primitivas de macacos representa apenas 8 O córtex de associação tem esse nome porque associa informações das outras áreas de integração sensorial córtex primário e secundário das diferentes modalidades sensoriais e área de associação geral e áreas de comando da atividade motora Os cérebros com presença de neocórtex desenvolvido são denominados de neomamíferos e seus portadores constituem o grupo de animais que têm a propriedade de organizar o comportamento por mecanismos cognitivos mais elaborados pensamentos previsões deduções etc As Professoras Anette Hoffmann e Sonia Maria Brazil Romero ambas do campus da USP em Ribeirão Preto se destacam em nosso meio pelas suas investigações e divulgação dos estudos comparativos do sistema nervoso Em suas publicações e aulas é possível constatar que o desenvolvimento progressivo de novas estruturas encefálicas não ocorreu independentemente das estruturas filogeneticamente mais antigas e isso resultou em um controle cada vez mais complexo do comportamento Esse princípio encontra fundamento quando se observa que é possível efetuar neurocirurgias que acabam ao menos temporariamente com o caráter aversivo da dor renitente sem afetar a percepção de sua existência A validade desse princípio então permite explicar 398 porque a amígdala se associa intimamente à substância cinzenta e ao hipotálamo na intermediação das emoções envolvidas nos comportamentos de defesa ou porque o sistema de prazer envolve circuitos extensos límbicomesencefálicos Esse princípio permite entender também porque sensações como a dolorosa ou o sabor doce as emoções medo ou alegria e as motivações homeostáticas sede fome etc têm um caráter afetivo agradáveldesagradável que impulsiona os organismos a emitirem comportamentos que culminam em objetivos Os dados anatomofisiológicos das emoções são coerentes com a possível história filogenética dos sinalizadores cognitivos que dão eficácia ao comportamento A convergência aos mesmos aspectos da definição nas abordagens feitas de diferentes perspectivas indica que se completou o conjunto de argumentos a respeito da validade da definição discutida Epílogo Os invertebrados pertencem a diversos filos que seguiram diferentes padrões de organização do sistema nervoso ao longo da evolução A falta de uma homologia entre os diferentes tipos de organização não permite uma dedução linear na evolução das emoções nesse grupo de animais As observações do Profs Walter Cunha e César Ades com as formigas e aranhas indicam que alguns invertebrados têm ao menos mapas cognitivos As abelhas lançam uma substância odorosa feromônios quando alguém lhes tenta roubar o mel Essa substância evoca o comportamento de ataque em outras abelhas de maneira automática pois o feromônio é o estímulosinal de perigo Tentar saber se o feromônio evoca algum sinal cognitivo equivalente ao medo ou pânico nos faz voltar caro leitor ao ponto inicial de se as formigas sentem medo quando percebem o odor de uma companheira que foi esmagada e com isso fogem O Prof Isaías Pessotti atualmente na Universidade de Brasília demonstrou que as abelhas melíferas têm a capacidade de aprender por condicionamento operante Isso sugere fortemente a existência de um sistema básico de sinalização cognitiva Isso porque estímulos indiferentes sem conotação positiva ou negativa associados a uma ação do animal não alteram a freqüência de emissão dessa ação ou seja não possibilitam a sua aprendizagem Assim ao que tudo indica a possibilidade de aprendizagem por condicionamento pode ser proposta como critério para a existência de processos 399 cognitivos de sinalização Isso leva a considerar que o condicionamento pavloviano embora tenha uma estrutura diversa necessita também de uma sinalização positiva agradável ou negativa desagradável A apresentação de um estímulo neutro antes de outro não possibilita fixar uma resposta particular e a repetição da relação temporal dos estímulos é quando muito percebida como uma relação natural e eliminada do campo perceptual pelos mecanismos de atenção As formigas aprendem por condicionamento Responder a essa pergunta é um novo convite para se tentar responder se elas têm emoções e esse é o caminho da construção do conhecimento científico Vale a pena trilhálo REFERÊNCIAS Brandão ML 2004 As Bases Biológicas do Comportamento Introdução à Neurociência São Paulo Editora Pedagógica e Universitária Bressan RA Crippa JA 2005 The role of dopamine in reward and pleasure behaviour review of data from preclinical research Acta Psychiatr Scand 427 supl 1421 Cravo SL 1982 Ajustes vegetativos provocados pela estimulação algesiógena em gatos rombencefálicos e espinais Dissertação de Mestrado São Paulo Universidade de São Paulo Cunha WH de A 2004 On the panic reaction of ants to a crushed conspecific a contribution to a psychoethology of fear Revista de Etologia 62 13340 Delgado JMR 1971 Emoções São Paulo José Olympio Editora De Paula HMG Hoshino K 2002 Correlation between the fighting rates of REM sleep deprived rats and susceptibility to the wild running of audiogenic seizures Brain Research 926 805 Graeff FG 1990 Brain defense systems and anxiety pp 307354 In Burrows GD Roth M Noyes Jr R ed Handbook of Anxiety The Neurobiology of Anxiety Amsterdam Elsevier Graeff FG 1994 Neuroanatomy and neurotransmitter regulation of defensive behaviors and related emotion in mammals Brazilian Journal of Medical and Biological Research 27 81129 Kandel ER Schwarta JH Jessell TM 1997 Fundamentos da neurociência e do comportamento Rio de Janeiro Editora PrenticeHall do Brasil 400 LennebergHoshino C 1999 Mecanismos de equilíbrio populacional avaliação do papel de um atividade eletrocortical anormal do envelhecimento no processo de renovação das gerações de roedores Tese de doutoramento Botucatu Universidade Estadual Paulista Lindsley DB 1951 Emotion pp423516 In Stevens SS ed Handbook of Experimental Psychology New York Wiley Malmo RB Activation 1962 In Bachrach AJ Experimental Foundations of Clinical Psychology Nova York Basic Books Inc Romero SMB 2000 Fundamentos de neurofisiologia comparada Ribeirão Preto Holos Editora TimoIaria C 1977 A consciência como problema biológico Tempo Brasileiro 49 23 55 TimoIaria C 1985 Fisiologia do Sistema Nervoso In Aires MM Fisiologia Básica Rio de Janeiro Editora Guanabara Koogan Tschenett A Singewald N Carli M Balducci C Salchner P Vezzani A Herzog H Sperk G 2003 Reduced anxiety and improved stress coping ability in mice lacking NPYY2 receptors European Journal of Neuroscience 181438 Tufik S Lindsey CJ Carlini EA 1978 Does REMsleep deprivation induce a supersensitivity of dopaminergic receptors in the rat brain Pharmacology 98 98 105 Vaz de Moura AT 2001 Avaliação comportamental e eletrocardiográfica da preferência térmica no escorpião amarelo Tytius serrulatus Dissertação de Mestrado Ciências Biológicas Zoologia IBB Unesp Botucatu SP Wodworth RS Schlosberg H 1958 Experimental Psychology Londres Methuen Co Ltda Zigmond MJ Bloom FE Landis SC Roberts JL Squire LR 1999 Fundamental Neuroscience San Diego Academic Press 401 Capítulo 14 O QUE QUANDO ONDE E COM QUEM DECISÕES ECONÔMICAS NO COMPORTAMENTO ALIMENTAR Arrilton Araújo arriltongmailcom Fívia de Araújo Lopes fivialopesgmailcom Departamento de Fisiologia Centro de Biociências Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal Brasil 402 Buscar e obter uma fonte de recursos nutricionais constitui um dos princípios básicos para a sobrevivência de qualquer indivíduo independente da espécie e do ambiente em que viva Neste capítulo abordaremos a busca e obtenção de recursos nutricionais efetuados por indivíduos solitários ou sociais ao longo de suas vidas As estratégias de busca e obtenção de alimentos estratégias de forrageamento serão abordadas sob a óptica dos modelos de otimização41 que tem como base as noções de benefícios42 e custos43 associados à execução dos comportamentos envolvidos Serão abordados fatores individuais eou sociais que interferem nas tomadas de decisão associadas às estratégias de forrageamento como neofobia alimentar e suas relações com o modo de organização social e reprodutivo da espécie Os recursos alimentares são fatores ambientais críticos para a sobrevivência dos indivíduos Uma dieta composta de todos os nutrientes essenciais em quantidades adequadas de recursos se faz necessária para manter o funcionamento adequado de um organismo A identificação dos recursos alimentares selecionados por indivíduos de uma determinada espécie permite caracterizar os hábitos e requerimentos energéticos desses animais Muitas vezes essa caracterização se dá de modo indireto através do registro comportamental em condições naturais onde na maioria das vezes é impossível determinar com precisão as reais necessidades nutricionais em função da idade e sexo do indivíduo estudado Assumimos então que as espécies podem selecionar recursos que melhor satisfaçam as necessidades básicas nutricionais para a sua sobrevivência e a partir daí descrever sua dieta e os modos de obtenção da mesma também que recursos de alta qualidade sejam preferidos e consumidos mais que recursos de baixa qualidade Além disso os recursos quase sempre não estão distribuídos de modo uniforme mas em parcelas que variam no tempo e no espaço É possível que um recurso seja utilizado de forma desproporcional em relação à sua disponibilidade significando uma importância crucial na vida dos consumidores Modelos de Forrageamento Ótimo Todas essas questões levantadas acima começaram a ser estudadas com base em modelos teóricos e matemáticos a partir do final dos anos 60 e cada vez mais tem sido uma importante ferramenta no estudo do comportamento alimentar MacArthur Pianka 1966 foram os primeiros a lançar um modelo de seleção de presas baseado no princípio de otimização optimal foraging theory Em 1978 J R Krebs N B Davies publicaram o livro Behavioural Ecology An evolutionary approach no qual apresentaram as bases para uma abordagem do estudo do comportamento integrando noções de economia e modelização matemática criando assim uma área do estudo do comportamento chamada ecologia comportamental Os modelos de otimização têm como componentes básicos a existência de decisões de valor currency e de limitações ou restrições no que se refere à aquisição de itens alimentares Em 1986 Stephens Krebs lançaram o livro Foraging theory que explicita a lógica formal e os elementos dos modelos de forrageamento ótimo 41 Neologismo para o termo em inglês optimization que é a busca de melhor benefício possível numa dada situação em que o animal se encontra 42 Efeito positivo de uma característica ou comportamento executado que aumente a possibilidade de sobrevivência eou reprodução dos indivíduos envolvidos Exemplo a obtenção de energia através da ingestão de alimentos 43 Efeito negativo de uma característica ou comportamento executado que irá reduzir a sobrevivência eou a reprodução de um indivíduo Exemplo a energia e tempo gastos na procura de alimento 403 Teoria do forrageamento ótimo A análise dos comportamentos por meio de modelos implica em estratégias que pressupõe tomada de decisão Para o estudo de decisões realizadas por animais entendemos que não há escolha consciente como discutimos comumente com relação a humanos No entanto animais confrontados com diferentes opções deverão adotar uma delas a partir da utilização de seus mecanismos sensoriais e cognitivos que permitam a escolha da opção que resulte em maior aptidão Nos modelos de forrageamento ótimo as decisões são basicamente aplicadas a dois tipos de problemas que presas consumir e quando deixar a parcela44 que contém o alimento No primeiro caso o indivíduo que encontra uma fonte de alimentos deverá decidir se consome ou não o alimento Se for uma presa móvel o predador deverá decidir se a persegue e durante quanto tempo e quando ele deverá abandonar a perseguição se não capturar a presa No segundo caso o indivíduo deverá decidir se permanece numa área após um determinado tempo ou se muda para outras parcelas de presas Stephens Krebs 1986 Em todos esses casos a decisão ótima depende do rendimento de cada uma das alternativas ou seja da assunção de valor das opções O segundo componente dos modelos de otimização é a assunção de que a existência de valores diferentes entre as opções é o critério usado para comparar as possíveis decisões tomadas pelo indivíduo Supomos que tão logo o indivíduo seja confrontado com uma escolha ele opte por aquela que irá maximizar a aptidão ou minimizar os custos Esse valor é uma representação quantitativa e hipotética da aptidão que corresponde a uma decisão De acordo com o modelo haveria uma característica Z ao invés de outras se ela atende ao critério do valor em si pe número de presas ingeridas e a um princípio de escolha pe maximização45 O terceiro componente é o pressuposto de restrições que são todos os fatores que limitam e definem a relação entre o valor do recurso e a decisão As restrições não podem ser modificadas pelos animais e podem advir de parâmetros matemáticos todas as formigas são iguais que podem aparecer em modelos de otimização simplificados de parâmetros físicos um rato não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo e de parâmetros biológicos formigas não conseguem distinguir uma semente que pese 001g de outra que pese 002g ou um peixe não consegue permanecer 5 min fora da água A existência de restrições podem não ter importância real para o modelo em desenvolvimento Outras restrições são encontradas em modelos de forrageamento como procurar e manipular a presa são atividades incompatíveis encontro de presas é sequencial e não simultâneo energia e tempo de manipulação das presas são fixos e característicos de cada presa forrageadores reconhecem a presa instantaneamente e têm informação completa sobre a mesma incluindo o seu valor Com base nesse modelo supomos que há uma ligação direta entre a aquisição de energia e a aptidão biológica e que fatores ecológicos têm papel importante na taxa de aquisição de energia de um animal que realiza seleção de alimento Nesta seleção fatores como conteúdo energético do alimento tempo e energia gastos na busca captura e consumo têm forte influência na economia do indivíduo Stephens Krebs 1986 Isso resulta num parâmetro a ser levado em conta no modelo que é a rentabilidade do alimento isto é a relação entre o aporte energético e o tempo de captura manipulação e 44 Parte do ambiente onde está distribuído um determinado recurso de modo espacialmente agrupado Na literatura em inglês é usado o termo patch 45 Obter a maior quantidade de benefícios com a menor quantidade de custos A maximização perfeita é benefício total e custo zero 404 consumo do alimento Esse parâmetro de rentabilidade tem uma limitação automática ligada diretamente a ela mesmo diante de outra presa o predador por estar manipulando uma presa não poderá teoricamente detectar buscar capturar e manipular outra presa Outro parâmetro a ser considerado é a taxa de encontro do alimento que é expressa em número de presas consumidasunidade de tempo Dessa forma como descrito acima o modelo impõe a limitação de que um indivíduo encontre suas presas de modo sequencial e nunca simultâneo Em função dos parâmetros de rentabilidade de um alimento e de sua taxa de encontro o modelo apresenta algumas predições tais como a inclusão de um novo alimento na dieta não é dependente da disponibilidade mas da rentabilidade dos alimentos que já fazem parte da dieta o aumento absoluto de disponibilidade do alimento pode incluir a redução da variabilidade de dieta visto que as presas ótimas estão mais numerosas um alimento não pode ser parcialmente preferido ou ele faz parte da dieta ou é excluído Quando recursos são utilizados de modo desproporcional à sua disponibilidade tornase fácil demonstrar que ele está sendo selecionado Johnson 1980 Essa seleção de um recurso alimentar ocorre em função das necessidades de um animal para adquirir energia e elementos estruturais suficientes para o crescimento eou manutenção do bom funcionamento de seu corpo combater parasitas e doenças em geral Louw Mitchell 1996 respeitando é claro a relação entre os benefícios que o alimento pode oferecer e os custos de aquisição do mesmo A seleção de presas pode estar portanto ligada a fatores como disponibilidade estratégias de escapedefesa tempo de manipulação tamanho e reconhecimento da presa Em seu estudo clássico sobre a seleção de presas e estratégias de forrageamento em papamoscas cinzentos Muscicapa striata Davies 1977 descreve a dieta dessa espécie composta essencialmente por dípteros além de outros insetos como coleópteros afídeos vespas Ichneumonoidea e larvas Duas são as suas estratégias de forrageamento o sentar e esperar próximo ao solo e voos na copa das árvores A frequência de uso do sentaresperar está diretamente ligada à abundância de presas grandes mas não é alterada se há abundância de presas pequenas Papamoscas adultos consomem mais dípteros grandes quanto maior a disponibilidade dessas presas Isso é consistente com a ideia de que há preferência por presas grandes e que somente quando a abundância das presas preferidas é reduzida há o consumo de pequenas presas dípteros e pulgões caracterizando uma tomada de decisão Davies 1977 mostra ainda que dípteros grandes mediam até 8 mm e os pequenos 3 mm Baseado em Bryant 1973 Davies estimou que grandes presas valessem 30 calorias e pequenas presas 3 calorias Assim com o aumento de abundância de presas grandes os papamoscas adultos adotariam a estratégia de sentar esperar que seria mais vantajosa por ela permitir incorporar presas mais rentáveis energeticamente O fato de presas grandes estarem disponíveis no ambiente não significa que elas serão as mais consumidas pelo predador No mesmo artigo Davies 1977 relata que existem seis tipos de presas grandes que estão disponíveis em proporções diferentes no ambiente contudo o consumo dessas presas não é diretamente proporcional a sua disponibilidade Dípteros da família Mucidae são as presas mais comumente encontradas no ambiente 615 são muito rápidos em seu vôo e portanto uma presa de captura difícil representando apenas 227 da dieta Já os dípteros da família Scatophagidae correspondem a 108 das presas grandes disponíveis e 438 da dieta A razão apontada pelo autor é que estas são presas fáceis de serem capturadas Ao mesmo tempo abelhas do gênero Bombus estão disponíveis em proporção semelhante 405 aos Scatophagidae 101 e praticamente não são consumidas em função do perigo representado pelo ferrão e do tempo de manipulação requerido antes do consumo Assim papamoscas adultos podem rejeitar presas pequenas que não compensam em termos de ganhos energéticos o esforço de captura enquanto presas muito grandes podem ser rejeitadas por gerar tempo de manipulação desproporcionalmente elevado e riscos O maçarico de pés vermelhos Tringa totanus apresenta preferência por determinados tipos de presas os poliquetas Nereis diversicolor e Nephytes hombergi e o crustáceo Corophium de modo semelhante ao descrito por Davies GossCustad 1977a 1977b Os dois poliquetas são escolhidos de modo semelhante e aporta mais energia que o crustáceo No entanto GossCustard observa que apesar de menos rentável energeticamente o crustáceo continua sendo ingerido a escolha ocorrendo em função de outra razão que poderia ser a presença de algum componente imprescindível Esse tipo de escolha parece também acontecer com o sagui do nordeste brasileiro Callithrix jacchus Callitrichidae considerado generalista em sua dieta consumindo presas animais frutos néctar e exsudados Ferrari Lopes Ferrari 1989 Mittermeier et al 1988 Rylands 1996 Sussman Kinzey 1984 Frutos apesar de apresentarem disponibilidade sazonal fornecem um retorno energético mais rápido quando comparado à obtenção dos exsudados Os carboidratos provenientes dos frutos são digeridos mais facilmente do que aqueles dos exsudados visto que nesses últimos há a presença de taninos que aumentam o tempo de digestãoabsorção Garber 1994 Melo et al 1997 Os exsudados se tornam o principal alimento nos períodos de carência de frutos Castro et al 2000 Castro Araújo 2007 Rylands Farias 1993 mas continuam a ser consumidos mesmo com abundância dos frutos em função da presença de cálcio e magnésio na sua composição Garber 1994 Melo et al 1997 itens importantes no período de reprodução em particular durante a lactação embora contenha pouca proteína Garber 1994 Mittermeier et al 1988 Assim tanto os maçaricos de pésvermelhos como os saguis estão de fato realizando escolhas em relação a suas dietas Podemos imaginar que os indivíduos estão deixando de maximizar a escolha do item alimentar reduzindo do ponto de vista energético o seu provável benefício Por outro lado estará maximizando a obtenção de recursos que atendam a necessidades específicas de componentes da dieta O que se espera na realidade é que os indivíduos combinem energia e nutrientes indispensáveis gerando uma curva de benefícios máximos para todos os itens Esse balanço obviamente ocorre em função da disponibilidade de alimentos no ambiente Considerando que na teoria do forrageamento ótimo o predador seleciona a presa para maximizar o seu ganho é possível inferir que o predador que tenha a capacidade de estimar corretamente a rentabilidade da presa em termos de benefícios e custos certamente aumentará a sua aptidão O ajuste em relação à disponibilidade do alimento pode ser observada em diversas espécies Os alimentos provêm em última instância proteínas carboidratos lipídeos fibras e vitaminas além de diversos sais minerais que mantêm ativos os processos biológicos Dunbar 1988 Louw Mitchell 1996 Apesar de todas as espécies utilizarem esses elementos da dieta elas diferem enormemente nas proporções de ingestão e necessidades dos mesmos Pequenos animais têm taxa metabólica elevada necessitando ingerir alimentos em intervalos mais curtos correndo riscos de sofrerem com restrições se não obtiver novos pacotes de energia Pequenos pássaros como o chapimreal Parus major Paridae espécie européia e asiática para manter o peso corporal e as atividades comportamentais tem que se alimentar a intervalos de tempo 406 curtos Como durante a noite isto se torna impossível essa espécie usa a estratégia de reduzir a temperatura corporal e consequentemente o consumo de energia Bednekoff et al 1994 O mesmo parece ocorrer com C jacchus Hetherington 1978 relata que a temperatura corporal é reduzida em até 5C durante a noite como consequência da redução no metabolismo Essa queda no metabolismo também é relatada para Saguinus oedipus sauim de cabeça branca e S fuscicollis sauim de cara suja Hampton Jr 1973 e para Leontopithecus rosalia micoleãodourado Thompson et al 1994 todas espécies da mesma família de primatas Callitrichidae Outros animais são capazes de estocar energia e podem passar longos períodos sem ingerir alimentos como camelos dromedários e ursos Essas espécies ingerem a maior quantidade de alimento possível de modo a gerar reservas sob a forma de gordura corporal No caso de camelos e dromedários a reserva é utilizada nos deslocamentos em áreas desérticas onde a disponibilidade alimentar é reduzida Já ursos utilizarão os estoques de gordura corporal durante o inverno visto que o alimento estará ausente ou reduzido em função das condições climáticas Turquier 1994 O animal é obrigado a procurar alimento suportando diferentes pressões ambientais atendendo suas limitações fisiológicas Dunbar 1988 e suas adaptações morfológicas e comportamentais Ferrari 1996 Rylands 1996 Outro fator a ser levado em conta de acordo com a teoria do forrageamento ótimo é a tomada de decisão não somente em função dos benefícios do alimento mas também dos riscos associados à decisão de forrageamento A estrutura do ambiente em termos de maior ou menor proteção pode influenciar na decisão tomada pelo predador além da disponibilidade de alimento A característica do ambiente pode servir como informação indireta dos riscos de predação tais como locais para esconderijo e áreas de escape Arcis Desor 2003 testaram a disponibilidade de alimento e a estrutura física do ambiente como fatores passíveis de modificar o comportamento de forrageamento em ratos adultos em laboratório Esses autores num primeiro experimento ofereceram aos ratos duas áreas de forrageamento que diferiam apenas na proteção representada pela densidade de colunas blocos plásticos preenchidos com cimento na proporção 113 entre os lados de uma arena No segundo experimento o ambiente era constante mesma densidade de colunas com densidades diferentes de alimentos proporção de itens alimentares 13 entre os lados da arena E no terceiro experimento esses dois fatores eram cruzados No primeiro experimento os ratos gastaram a maior parte do tempo no lado da arena com maior proteção densidade de colunas e consumiram mais alimento nesse lado O mesmo aconteceu com relação à densidade de alimentos a maior parte do tempo eles permaneceram no lado da arena onde havia mais alimento embora o consumo tenha sido igual Além disso escolheram a arena com maior proteção e com consumo semelhante entre as disponibilidades de alimento Esses resultados mostram claramente que os indivíduos levam em conta vários fatores ambientais como disponibilidade de alimento e proteção contra predadores no momento de tomada de decisão parecendo a proteção contra predadores o primeiro fator a ser levado em conta pelo menos em animais sem privação alimentar A tomada de decisão pode depender do estado interno do indivíduo mostrando que a suposta ligação linear entre a taxa de aquisição de energia e a aptidão não explica todas as situações encontradas na natureza Real Caraco 1986 propõem então a teoria do forrageamento sensível ao risco onde a variância pode afetar a aptidão do indivíduo em função da relação entre a taxa de aquisição requerida e a taxa corrente disponível Imaginemos um animal que tem que ingerir 10 presasdia sob o risco de morrer caso não obtenha essa ingestão Ele tem de escolher entre dois ambientes onde 407 são encontras suas presas em Z a probabilidade de encontrar o alimento é constante de 5 presasdia em X ele poderá encontrar 10 presasdia ou nenhuma Se ele escolhe o primeiro ambiente certamente morrerá pois a taxa de aquisição de energia atende apenas a metade de suas necessidades Se escolher o segundo ambiente ele correrá o risco de nada obter ou de obter a taxa necessária Em resumo o animal terá a escolha entre certeza de morte ou o risco de morrer A expectativa é que o animal escolha o ambiente X adotando a estratégia prórisco Porém se outra espécie de predador também ocupa esse ambiente e tem uma necessidade mínima de 4 presasdia o animal escolherá o ambiente Z que oferece a estabilidade sendo aversiva ao risco Teoria de ponto central Outro modelo de otimização aplicado ao forrageamento é o modelo de ponto central O modelo considera que o indivíduo buscacaptura o alimento em uma parcela e deve transportar esse alimento a um determinado lugar fixo como por exemplo o ninho de uma ave uma colônia de formigas ou mesmo um local de estocagem de alimento no caso de um esquilo Orians Pearson 1979 Schoener 1979 Um dos pressupostos desse modelo é que o número de presas coletadas pelo predador é diretamente proporcional ao tempo de permanência na parcela e à distância entre a parcela e o ponto central um ninho pe Isso seria explicado pelo custo de permanência eou transporte e aumenta na forma de gasto de energiatempo diminuindo o ganho líquido de energia Charnov 1976 Utilizando as ideias da teoria do forrageamento de ponto central Martin Vinson 2008 estudaram a influência da distância no forrageamento de formigas lava pés Solenopsis invicta Eles dispuseram fontes de alimento solução de sucrose em 3 locais diferentes 8 16 e 32 m distantes do ninho e mediram a carga transportada pelas operárias Os autores constataram que as operárias carregavam maior quantidade de alimento na distância de 32m enquanto nos demais não foram diferentes Além disso só havia passagem de alimento de uma operária a outra no meio da trilha entre as operárias que iam para a fonte mais distante e por isso cada indivíduo chegava à fonte dos 32 m já portando uma carga de alimento No entanto fatores como tamanho da operária e a umidade do ambiente pareceram influenciar esse transporte visto que operárias que se deslocavam à fonte mais distante eram menores e voltavam desidratadas Assim o balanço hídrico corporal é uma limitação ao modelo de forrageamento de ponto central em animais sensíveis a variações de umidade do ambiente resultando em perda maior para a colônia que a energia ganha Teorema do valor marginal Podemos observar na natureza que em grande parte do tempo os recursos estão dispostos de modo descontínuo no ambiente onde parcelas contêm altas concentrações do recurso e o espaço entre elas inexiste ou é bastante reduzido Do mesmo modo algumas parcelas são mais ricas que outras em termos de quantidade eou qualidade de recursos Um indivíduo que forrageia numa determinada parcela levará à diminuição da concentração de recursos chegando o momento em que ele deverá deixar essa parcela e buscar outra A tomada de decisão será de continuar nessa parcela ou deixála e buscar outra com quantidades adequadas de recursos Imaginemos um pombo que busca alimento numa praça pública e encontra uma área A de 2 m2 com 100 grãos de milho jogados por uma senhora Quanto mais tempo ele permanece nessa área mais ele consegue ingerir grãos e ao mesmo tempo diminui a probabilidade de encontrar novos grãos nessa mesma área pois a medida que ele acumula milhos no papo diminui a densidade de grãos sobre a calçada da praça Num determinado momento ele deverá decidir se continua nessa área A ou se a abandona e 408 busca uma nova área Assim no modelo teórico a taxa de encontro dos grãos pelo pombo será uma função exponencial e decrescente da densidade de presas No modelo teórico há ainda a suposição de que o pombo conhece todas as parcelas com grãos na praça bem como a quantidade de recursos em cada uma delas O tempo passado entre as parcelas é função da distância entre as parcelas e a velocidade será fixa O gasto energético da viagem entre as parcelas será compensado pelos recursos da parcela seguinte Na realidade nosso pombo só terá informações sobre a qualidade das parcelas dispostas na praça se ele monitora regularmente ou faz uso de dicas de outros pombos que podem vocalizar ou voar em direção a determinados locais Em função do estado nutricional da presença de competidores e de predadores esse pombo pode permanecer mais ou menos tempo numa parcela mesmo que os recursos estejam reduzidos bem como viajar com maior ou menor velocidade entre as parcelas Esses fatores são considerados como custos adicionais a serem levados em conta no momento de aplicação do modelo Dessa forma o modelo tem sido modificado para incluir essas variáveis que não foram previstas no modelo simplificado proposto inicialmente Devemos ter em mente que o delineamento de modelos em algumas situações pode não incluir todas as variáveis que influenciam a decisão nos indivíduos No entanto tal fato não os invalida como proposição de compreensão das decisões tomadas pelos animais Por outro lado precisamos estar atentos e explorar alguns elementos não previstos pelos modelos Um desses elementos será discutido na seção seguinte Neofobia alimentar Apesar de não estar previsto na teoria do forrageamento ótimo o reconhecimento de um item disponível no ambiente como alimento por parte do animal pode ser um fator importante em suas tomadas de decisão A teoria prevê o reconhecimento de presas ou seja parte do princípio que o animal já identifica o item como alimento mas não discute propriamente a neofobia alimentar Considerando que o ambiente passa por constantes mudanças um animal apresentar a capacidade de inovar e de aceitar alimentos novos e dessa forma diversificar sua dieta pode desempenhar um papel essencial para sua sobrevivência uma vez que a flexibilidade comportamental permite aos animais lidarem com as mudanças ambientais Day et al 2003 Para algumas espécies de animais sobretudo onívoros a flexibilidade no que se refere ao uso de recursos alimentares pode ser essencial uma vez que a inclusão de novos itens em sua dieta é parte importante de sua estratégia alimentar Por outro lado os animais devem apresentar também certa cautela quanto à ingestão de alimentos novos devendo ser capazes de evitar o consumo de alimentos tóxicos Galef Jr 1996 Laska Metzker 1998 Tal dilema do onívoro assim denominado por Rozin em 1996 que retrata a ambivalência das espécies onívoras em relação aos alimentos novos remete a um questionamento Como equilibrar a possibilidade de ampliação da dieta e o risco de envenenamento Visalberghi 1994 propõe que a neofobia alimentar evitação dirigida a alimentos novos é uma forma efetiva de reduzir os riscos de ingestão de alimentos venenosos Essa evitação pode caracterizarse não somente pela ausência de consumo do item alimentar em questão mas também pela ingestão de apenas pequenas quantidades de alimento Visalberghi Fragaszy 1995 Voelk et al 2006 e é uma resposta que tem sido descrita em ratos Galef Jr 1993 1996 macacos prego Fragaszy et al 1997 Visalberghi 1994 Visalberghi Fragaszy 1995 saguis Yamamoto Lopes 2004 e mesmo em seres humanos Birch 1999 Pliner et al 409 1995 Raudenbush Frank 1999 A reação pode ser intensa de modo que o animal mesmo privado de alimento se recusa a ingerir um item alimentar não familiar como observado em macacos rhesus Johnson 2000 O animal deve buscar equilibrar então a eficiência de forrageio e a evitação de intoxicação otimizando a busca pelo alimento Para isso ele precisa ter condições de detectar discriminar e aprender sobre os sinais que indicam o que poderia representar um alimento em potencial Laska et al 2006 Esse reconhecimento do alimento pode ocorrer a partir de experiências do próprio animal na interação com o item alimentar nas quais ele faz uso do tato do olfato e mesmo da sensação fornecida pela textura do alimento para tomar a decisão de consumilo ou não Dominy et al 2001 Johnson 2007 A composição do alimento também pode reduzir a resposta neofóbica Testes realizados por Visalberghi 2003 utilizando macacos prego Cebus apella demonstraram que ao receberem a oportunidade de escolha entre sete alimentos desconhecidos a preferência foi positivamente correlacionada aos alimentos contendo maiores quantidades tanto de glicose quanto de frutose o que pode remeter a experiências anteriores do próprio animal com outros alimentos já conhecidos inclusive no que diz respeito às consequências pósingestacionais Estudos adicionais têm mostrado ainda que a experiência de indivíduos do grupo com um determinado tipo de alimento exerce influência sobre as preferências alimentares bem como sobre a ingestão de alimentos de uma forma geral de outros animais do mesmo grupo podendo atenuar a resposta neofóbica A facilitação social tal como proposta por Clayton 1978 implica num aumento da frequência de um padrão comportamental na presença de outros que estejam simultaneamente apresentando o mesmo comportamento O processo não envolve imitação de um determinado comportamento ou resposta mas o animal tem a oportunidade de aprender através da interação com outros animais sobre o ambiente em que ocorre a apresentação do estímulo e sobre o próprio estímulo Heyes 1993 Tal processo de facilitação social tem sido demonstrado de forma bastante consistente através de trabalhos como o de Galef Jr 1993 Nesse trabalho foi observado que ratos Rattus norvegicus são influenciados pela exposição a elementos não familiares nas dietas de coespecíficos aumentando a probabilidade de ingestão de alimentos não familiares em comparação a alimentos familiares A partir da observação desse padrão Galef Jr sugeriu que a facilitação social seria de grande importância para a expansão do repertório alimentar do animal Tal hipótese pôde ser confirmada através de trabalhos posteriores Galef Jr Whiskin 1994 2000 enfatizando a importância da modificação de padrões comportamentais graças à presença de outros indivíduos do próprio grupo Visalberghi Fragaszy 1995 e Visalberghi et al 1998 também observaram a ocorrência de tal processo de facilitação em macacos prego C apella Os animais apresentaram maior probabilidade de provar e consumir um alimento novo na presença de companheiros do que quando se encontravam isolados A facilitação pôde ser observada inclusive quando o animal inexperiente tinha apenas contato visual com os outros membros de seu grupo Visalberghi Addessi 2000 Vitale Queyras 1997 também verificaram a influência do grupo nos padrões alimentares de um indivíduo em sagui comum Animais juvenis aumentaram o consumo de alimentos novos quando da presença do seu grupo familiar em comparação à situação em que estavam sozinhos Mais do que isso Queyras et al 2000 observaram a influência do contexto social na indução da preferência por um determinado alimento Também em saguis Yamamoto Lopes 2004 observaram que quando isolados 410 animais juvenis apresentaram baixo consumo de itens alimentares desconhecidos quando comparados à situação de grupo sugerindo que a facilitação social exerce uma forte influência no que se refere ao sucesso da introdução de novos itens alimentares na dieta Tal padrão também foi evidenciado nos estudos de Voelk et al 2006 que observaram que infantes na presença de membros do grupo tiveram latência reduzida para consumo de alimentos novos diminuída sendo os itens não familiares mais prontamente aceitos sugerindo que a facilitação social atua na diminuição da neofobia em infantes O que se pode observar quanto à neofobia alimentar é que apesar de ser um traço individual as experiências ao longo do desenvolvimento ou até mesmo antes do nascimento como sugerido no trabalho de Engelmann 2010 que demonstrou que filhotes cujas mães tiveram contato com um alimento novo no final da gravidez apresentam neofobia alimentar reduzida quando diante do mesmo alimento e mesmo as experiências sociais podem modular a expressão desse traço favorecendo o consumo de novos itens e em última instância ampliando a dieta dos animais Forrageamento social Para compreender as relações de cooperação eou competição em relação à obtenção de energia há duas formas possíveis de abordar o problema acúmulo de dados relativos a populações de várias espécies método comparativo ou o emprego de modelos teóricos para gerar hipóteses sobre o comportamento alimentar modelos de otimização Até então estamos discutindo tomada de decisão e aplicação de modelos de otimização aplicados aos indivíduos No entanto vários grupos taxonômicos vivem ou desenvolvem parte de suas atividades diárias em agregações ou grupos sociais Os indivíduos que compõem as agregações ou grupos sociais têm sexo idade relações de parentesco experiência e postos em hierarquias de dominância diferentes Essas características impõem ao modelo de forrageio ótimo limitações de aplicação pois o que se aplica ao indivíduo não é observado quando consideramos o grupoagregação Com os modelos de forrageamento solitários podíamos comparar diferentes estratégias empregadas pelo indivíduo focando a rentabilidade das presas adquiridas por ele e simplesmente indicar qual a mais vantajosa para determinadas situações Agora temos que levar em conta as estratégias adotadas pelos outros componentes da agregação ou grupo social Então o forrageio social caracterizase pela interdependência econômica entre diferentes indivíduos seja na obtenção de recompensa aumento de benefícios eou redução de custos seja em situação de punição redução de benefícios eou aumento de custos Giraldeau Caraco 2000 Podemos caracterizar qualquer indivíduo social em uma das três categorias de forrageador produtores que procuram ativamente o alimento no seu ambiente e quando o encontram podem protegêlo de outros indivíduos mas podem anunciar voluntariamente ou não o alimento encontrado para outros indivíduos aproveitadores que esperam que os produtores busquem e encontrem o alimento e se apoderam via agressão ou sequestro do alimento ou oportunistas que procuram ativamente o alimento mas podem se apossar dos recursos encontrados por outros oportunistas ou produtores Em teoria um indivíduo pode adotar uma ou todas as estratégias Além disso um indivíduo diante de certa quantidade de presas terá a probabilidade de atacar as diferentes presas em encontros sequenciais Facilmente poderemos prever uma taxa de líquida de obtenção de energia as estratégias poderiam ser capture todas as presas ou capture pelo menos as presas mais rentáveis Se agora imaginarmos dois ou mais indivíduos predadores diante das mesmas presas a resposta 411 para a melhor estratégia seria depende do que o parceiro irá fazer depende da fome da experiência do sexo da existência de hierarquia do parentesco do parceiro e assim por diante O que percebemos é que um modelo simples de forrageamento solitário pode não ser capaz de prever a estratégia adotada ou o ganho provável do indivíduo Apesar de levarmos em conta questões de parentesco na aplicação do modelo ele não é condição obrigatória Na realidade o modelo de tomada de decisão no forrageamento social é aplicado a agregações onde não existe necessariamente parentesco eou relações sociais em longo prazo O termo social do modelo serve para um conjunto de indivíduos identificáveis e que tenham relações mútuas O critério requer que pelo menos dois indivíduos influenciem os ganhos ou perdas entre si Para aplicar essas ideias teremos então que buscar o emprego da Teoria dos Jogos e a noção de Estratégia Evolutivamente Estável EEE Quadro 1 Para um animal se associar a outro indivíduo em uma agregação ele deverá em teoria ter algum benefício com essa associação Os benefícios comumente relacionados à alimentação são o aumento de eficiência no forrageamento e a redução da probabilidade de predação O aumento de eficiência de forrageio está ligado ao fato de que mais indivíduos procurando o alimento aumentam a probabilidade de encontrálo Além disso por se engajarem em atividades de rotina diárias os outros indivíduos se beneficiarão pela passagem de informação sendo capazes de ajustar suas atividade e decidir quando onde o que e como forragear Galef Jr Giraldeau 2001 Isso tem algumas consequências imediatas como a diminuição do risco de não encontrar alimento numa parcela o aumento quanto à probabilidade de ingestão ou mesmo facilitação de inclusão de um item na dieta caso seja um alimento desconhecido como discutido anteriormente A cooperação para aquisição de alimento muitas vezes remete a exemplos com mamíferos sobretudo correlacionando suas habilidades cognitivas como um requisito para o desempenho adequado da coordenação de ações para a ocorrência de cooperação Drea Carter 2009 desenvolveram um estudo extremamente elegante no qual demonstraram a cooperação para aquisição de alimento em hienas Crocuta crocuta As hienas são animais carnívoros e rotineiramente caçam para obter alimento mas frequentemente não podem matar presas grandes ou combativas sem ajuda de uma equipe O ponto de partida era exatamente evidenciar o aparato biológico adequado para desenvolver a cooperação nas hienas particularmente a possibilidade de focar atenção nas atividades de um parceiro potencial de cooperação As hienas foram testadas em duplas e em pequenos grupos numa tarefa que envolvia a coordenação de movimentos para aquisição de uma recompensa alimentar e todas as duplas obtiveram sucesso nessa tarefa que requeria um nível sofisticado de complexidade organizacional Além da habilidade para cooperar as hienas também demonstraram percepção das circunstâncias sociais bem como para os parceiros em cada dupla ajustando o comportamento de acordo com o tamanho do grupo relações de dominância entre os parceiros e a experiência do parceiro Outra vantagem relatada comumente é a redução na probabilidade de predação Essa redução pode acontecer pela existência de efeito de diluição aumento no número de indivíduos na agregaçãogrupo social diminui a probabilidade que o indivíduo em questão seja o escolhido pelo predador efeito de confusão visto que as presas em maior número se deslocam em padrão aleatório não permitindo ao predador fixar por tempo suficiente e atacar a presa escolhida redução no tempo de vigilância individual embora a agregaçãogrupo permaneça com o mesmo tempo médio de vigilância e possibilidade de existência de sinalização de alarme vocal ou odorífera mais 412 comuns Schultz Finlayson 2010 aplicaram a ideia de seleção de presas sociabilidadeforrageio a 16 comunidades de vertebrados demonstrando que algumas características das presas fazem com que elas sejam escolhidas ou não pelo predador Dentre essas características estão o tamanho da presa o número de indivíduos no grupo e a terrestrialidade As escolhas recaem em sua maioria sobre presas grandes terrestres jovens e que fazem parte de grupos pequenos Uma explicação provável em relação ao tamanho do grupo é que grupos grandes detectam eou escapam de predador pelo aumento na probabilidade de ocorrência dos efeitos de diluição enquanto presa e de detecção do predador pelo maior número de indivíduos vigiando O mesmo é mostrado por Cresswell Quinn 2010 que estudaram a frequência e o sucesso de ataques a bandos de maçaricos de pésvermelhos Tringa totonatus de tamanhos diferentes por duas espécies de facões Accipiter nisus e Falco peregrinus Eles observaram que a frequência de ataque e o sucesso de captura da presa diminuíam com o aumento no tamanho do bando de maçaricos resultante do efeito de detecção e escape coletivo Apesar dos benefícios forragear em grupo também gera custos que deverão ser geridos pelo indivíduo visando obter a maior rentabilidade possível Os forrageadores não são iguais e por isso irão procurar o alimento com eficiência experiência e motivação diferentes Além disso os indivíduos procurarão reduzir os custos ao máximo porém alguns podem ter mais competência que outros nessa redução Os modelos de forrageamento social em princípio assumem que o alimento encontrado será dividido entre os membros da agregaçãogrupo social Na realidade ele pode ser dividido igualmente entre forrageadores equivalentes ou dividido assimetricamente em função de fatores sociais de idade e de sexo Então obrigatoriamente a presença de outros indivíduos na parcela onde o alimento se encontra implica em redução da disponibilidade do mesmo à medida que transcorre o tempo Mesmo que dois indivíduos sejam colaboradores na busca ao alimento numa parcela eles sempre serão ao mesmo tempo dois concorrentes Ilustrando a presença desses dois elementos colaboração e competição o estudo de Thomsen et al 2010 com porcos domésticos Sus scrofa oferece um exemplo interessante Em seu trabalho os autores ofereceram alimentos a grupos compostos por quatro animais em três condições recurso concentrado fontes alimentares distribuídas a uma distância intermediária umas das outras e fontes distribuídas a longa distância vale salientar que não havia diferenças na quantidade de recurso oferecida nas situações apresentadas aos animais somente mudança na distribuição espacial Os pesquisadores observaram uma elevada frequência de agressão entre os indivíduos quando o alimento estava concentrado sugerindo competição e uma redução gradativa na medida em que as fontes encontravamse mais afastadas Apesar desse resultado esperado os autores chamaram a atenção para dois aspectos o primeiro foi de que apesar de mais frequente as agressões foram menos severas e tiveram menor duração da situação mais concentrado para mais distribuído no ambiente o segundo aspecto foi o que os autores denominaram de contágio comportamental pois mesmo estando satisfeitos o fato de um porco observar outro animal de seu grupo se alimentando era suficiente para aumentar sua taxa ingestiva o que pode ser compreendido como colaboração favorecendo um consumo de alimento mais elevado na situação alimento mais concentrado quando comparada às demais situações A competição entre os indivíduos de um grupo pelo acesso ao alimento pode ser classificada em dois tipos competição por exploração ou por interferência Na competição por exploração os competidores reduzem a disponibilidade de recursos 413 alimentares pela posseconsumo dos mesmos de modo que a rentabilidade do parceiro será também reduzida Esse tipo de competição foi demonstrado no peixe alcaboz Cottus gobio por Davey et al 2006 os quais demonstraram que a taxa de crescimento dos peixes está correlacionada à densidade populacional bem como ao tipo de presa disponível durante o desenvolvimento Esses peixes apesar de apresentarem uma estratégia de forrageio flexível consumindo vários tipos de invertebrados apresentam uma preferência clara por um tipo de crustáceo maior e mais móvel Gammarus pulex que não está disponível na mesma proporção que os demais invertebrados Por essa razão o consumo do G pulex por alguns indivíduos quando disponível reduz ou elimina a oportunidade do consumo por outros indivíduos presentes na área do animal bem sucedido que terá seu crescimento favorecido em relação aos demais Já na competição por interferência há a interação direta entre os indivíduos como no caso de relações dominantesubordinado de modo que a rentabilidade será desigual entre os membros do grupo Dentro da competição por interferência um elemento que surge para controlar o acesso de outros indivíduos à fonte de recurso alimentar é a emissão de comportamentos agonísticos Se nos referimos a uma situação de grupos organizados em hierarquia de dominância é bastante comum os indivíduos de postos mais elevados assegurarem o acesso aos recursos utilizandose de agonismo sobretudo em se tratando de itens alimentares preferidos pelos animais Em cabras leiteiras por exemplo o acesso aos recursos por parte dos animais de posto hierárquico mais baixo é controlado por comportamentos agonísticos dos animais dominantes Jørgensen et al 2007 observaram o agonismo aumentava de acordo com o aumento do tamanho do grupo de cabras bem como de acordo com a preferência alimentar Mesmo em espécies que não se apresentam organizadas em hierarquias como os caranguejos Carcinus maenas o agonismo pode agir nas situações de competição pelo alimento No entanto esses animais expressam agonismo de forma flexível variando de acordo com a distribuição do recurso Tanner et al 2011 observaram que os níveis de agonismo são mais elevados quando os alimentos se apresentam agrupados do que quando estão distribuídos de maneira dispersa no ambiente demonstrando uma clara relação custobenefício na expressão do agonismo Essa flexibilidade pôde ser observada em salmões juvenis Oncorhynchus keta Ryer Olla 1995 que ao serem criados se alimentando em locais com recursos concentrados são mais agressivos do que aqueles cuja alimentação ocorreu em locais com recursos dispersos No entanto ao serem colocados em situações com recursos concentrados os salmões imediatamente se tornaram tão agressivos quanto os que já haviam se desenvolvido num ambiente semelhante Apesar da existência de competição dentro dos grupos no momento de escolha entre duas parcelas semelhantes a tendência é que o indivíduo escolha aquela que já tem alguns indivíduos Animais que forrageiam em grupo podem aumentar sua eficiência usando a expressão comportamental de outros membros do grupo para estimar a qualidade de uma parcela compartilhada Galef Jr Giraldeau 2001 Em função da qualidade da parcela e do número de indivíduos teremos um efeito agregativo ou repulsivo Uma das formas de explicar a distribuição dos animais no tempo e espaço foi a aplicação do modelo de Distribuição Livre Ideal em ambientes heterogêneos criada por Fretwel Lucas 1969 A teoria de distribuição livre ideal prediz que os animais irão se distribuir por decisão individual em diferentes parcelas de recursos de modo que ao final de um tempo todos obtenham quantidades de recursosunidade de tempo equivalentes entre si e proporcional à quantidade de recursos que surge Essa 414 equivalência não dependerá somente do tamanho da parcela mas da densidade de indivíduos presentes na mesma Parcelas ricas em alimentos por exemplo devem atrair mais indivíduos que parcelas pobres Calculando os ganhos para todos os indivíduos em todas as parcelas se a teoria estiver correta deveríamos encontrar valores semelhantes O termo ideal dessa teoria significa que os indivíduos têm igual capacidade de competição que são oniscientes mudam de parcela de forma livre e sem restrições ou custos não tem interferência de competidores os recursos são fixos no tempo e espaço a taxa de obtenção de energia é o único fator que determina a escolha da parcela e por fim a distribuição dos indivíduos é inteiramente determinada pela maximização da aptidão Trezenga 1995 Ao longo das décadas seguintes à publicação de Fretwel Lucas 1969 vários outros modelos sugiram utilizando a Distribuição Livre Ideal como ponto de partida ver Trezenga et al 1996 e vários testes do modelo continuam sendo realizados inclusive com a entrada do risco de predação Krivan 2010 Matsumura et al 2010 Miller Coll 2010 Dupuch et al 2009 testaram a predição de que a distribuição espacial de presas será determinada principalmente pelo grau de risco inerente ao habitat Isto é a presa evitará os habitats mais arriscados estando a distribuição de recursos relegada a um segundo plano Esses autores testaram essa hipótese com experimentos em laboratório onde peixes predadores Semotilus atromaculatus e peixes presas Phoxinus eos tinham movimentação livre mas sem possibilidade de contato físico entre elas entre diferentes parcelas com quantidades de alimentos e grau de risco diferentes O que eles observaram é que tanto a espécie predadora quanto a presa na ausência uma da outra preferiram a parcela mais rica em alimentos Na presença uma da outra P eos exibiu distribuição espacial inversamente relacionada com a presença de S atromaculatus Quando as parcelas diferem tanto no grau de risco inerente local onde sempre fica o predador e quantidade de recursos a distribuição espacial da presa foi influenciada principalmente pela distribuição de recursos e em menor medida pelo grau de risco inerente se o predador está ausente Se o predador está presente na área de risco a presa diminuiu significativamente o uso dessa parcela em comparação aos períodos em que predadores estavam ausentes No entanto contrariamente à previsão dos modelos a distribuição de alimentos ainda foi o fator que mais influenciou a distribuição de P eos mesmo quando os predadores estavam presentes Assim a influência da distribuição de recursos e do grau de risco inerente ao habitat sobre a distribuição de presas varia com o nível de risco de predação como previsto no modelo de distribuição livre ideal Considerações finais Como discutido ao longo do capítulo vários são os fatores intervenientes no momento da tomada de decisão de um animal diante do consumo de alimento O que em princípio poderia parecer uma decisão simples afinal o animal precisa se alimentar e assim atender às suas necessidades nutricionais se desdobra num sem número de elementos que culminam ou não no consumo Além disso em se tratando de comportamento alimentar cada espécie por apresentar necessidades nutricionais distintas estar submetida a condições ambientais diferentes e por conseguinte a pressões seletivas específicas que precisam ser analisadas de acordo com os modelos que melhor possam lidar com essas especificidades Referências bibliográficas Arcis V Desor D 2003 Influence of environment structure and food availability on the 415 foraging behaviour of the laboratory rat Behavioural Process 60 191198 Bednekoff PA Biebach HG Krebs JR 1994 Great tit fat reserves under unpredictable temperatures Journal of Avian Biology 25 156160 Birch LL 1999 Development of food preferences Annual Review of Nutrition 19 41 62 Bryant D 1973 The factors influencing the selection of food by the house martin Delichon urbica Journal of Animal Ecology 42 539564 Castro CS Araujo A 2007 Diet 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Neumann Morgenstern 1944 que tratava de estudos econômicos Lewontin 1961 foi o primeiro a utilizála em estudos de evolução aplicando os princípios da teoria a uma espécie lutando para não ser extinta Em 1967 Hamilton usou o termo no contexto de competição individual descrevendo uma estratégia imbatível muito semelhante a uma Estratégia Evolutivamente Estável como foi definida mais tarde por Maynard Smith Price 1973 que também elaboraram o primeiro modelo de um jogo evolutivo A teoria dos jogos é uma aplicação lógica matemática no processo de tomada de decisões usada em situações em que existam conflitos de interesse para prever a melhor estratégia a ser adotada para cada um dos jogadores Para se elaborar um bom modelo com base na Teoria dos Jogos é necessário saber com precisão como é o cenário da competição Hammerstein 1998 ou seja devese saber quem está envolvido no jogo quais são as ações possíveis e como o sucesso de cada indivíduo depende do comportamento dos outros Um dos problemas mais famosos da teoria dos jogos é o Dilema do Prisioneiro Nesse problema dois criminosos estão presos por terem cometido um crime e a polícia tem evidências para mantêlos presos por um ano mas não para condenálos a uma pena de cinco ou vinte anos Cada preso é posto em uma cela separada sem qualquer comunicação entre eles As decisões dos prisioneiros são simultâneas os quais não sabem da decisão tomada pelo outro parceiro de prisão Em cada decisão o prisioneiro pode atender ao seu próprio interesse e cooperar com a polícia reduzindo assim a pena ou mesmo ficando em liberdade Alternativamente cada prisioneiro poderá não delatar e purgar uma pena de 1 ano Mas se ele calar e o parceiro delatar ele irá purgar uma pena de 20 anos Então o dilema é permanecer calado mas correr o risco de ser delatado ou delatar e torcer que o parceiro fique calado Então a escolha racional é delatar o colega Se os dois traem ambos purgarão uma pena de 5 anos e obviamente não obterão o grau máximo de otimização PRISIONEIRO B Delata o parceiro Não delata o parceiro PRISIONEIR O A Delata o parceiro 5 anos de prisão A 5 anos de prisão B 0 anos de prisão A 20 anos de prisão B Não delata o parceiro 20 anos de prisão A 0 anos de prisão B 1 ano de prisão A 1 ano de prisão B Na biologia essa escolha na maioria das vezes não é consciente visto que dentre as estratégias possíveis serão selecionadas aquelas que tiverem o maior resultado de aptidão considerando que o número de estratégias possíveis foi formado ao longo da história evolutiva da espécie Num determinado jogo cada participante tentará atingir a maior aptidão possível competindo com as estratégias dos outros jogadores Com a aptidão alcançada em determinado momento o jogador não estará motivado a mudar de estratégia unilateralmente ou seja sem que outros indivíduos mudem atingindo uma estabilidade entre as estratégias adotadas na população o equilíbrio de Nash O ganho máximo para cada indivíduo poderia ser maior mas na situação estável irá depender do 420 comportamento dos outros indivíduos Na biologia os jogos são interpretados como uma medida de adaptação voltado para o que pode ser mantido pelo processo evolutivo John Maynard Smith adaptou o equilíbrio de Nash para o que ele chamou de Estratégia Evolutivamente Estável EEE em 1982 em que a estabilidade passa a ser controlada pela seleção natural e pelo aparecimento de novas estratégias A EEE apresenta algumas características importantes para o funcionamento teórico da mesma A primeira delas é quese os indivíduos de uma população possuem uma base genética para uma estratégia qualquer mutante será inibido por pressão seletiva ou seja nenhuma nova estratégia terá êxito e não invadirá uma população Outra característica é que nenhuma outra opção não é a melhor do que ela mesma Para que uma nova estratégia possa invadir uma população é necessário que a nova estratégia traga mais benefícios do que a estratégia vigente e quem usa a estratégia antiga terá menos lucro comparativamente à nova a frequência na população da nova estratégia tem que aumentar a cada geração de indivíduos Por exemplo se numa população todos os indivíduos têm como estratégia a cooperação cada um deles ganhará 5X de recompensa de um recurso qualquer Um indivíduo que desenvolva a estratégia egoísta ao ser confrontado com outro que coopera sempre irá obter 10X de recompensa enquanto quem cooperou perderá todo o recurso 0X É de se esperar que indivíduos egoístas se tornem maioria na população Nesse caso a estratégia do egoísmo pagará tudo ou nada aos jogadores Os poucos indivíduos que ainda adotam a estratégia de cooperação quando confrontados a outro cooperante receberão 5X que é a recompensa maior do que a do egoísta que perdeu o confronto Assim a frequência de indivíduos que adotam a estratégia de cooperação volta a aumentar chegando a uma estabilidade entre estrategistas cooperantes e egoístas o equilíbrio de Nash Uma estratégia não consegue fazer desaparecer a outra estratégia evolutivamente estável Várias outras estratégias evolutivamente estáveis expostas a partir desse modelo inicial do dilema do prisioneiro são descritas por Matt Ridley no livro As origens da virtude Um estudo biológico da solidariedade em 2000 421 Capítulo 15 COMPORTAMENTO HUMANO Vera Silvia Raad Bussab vsbussabuspbr Fernando Leite Ribeiro fjlribeiuspbr Emma Otta emmaottauspbr Departamento de Psicologia Experimental Instituto de Psicologia Universidade de São Paulo USP São Paulo SP Brasil 422 INTRODUÇÃO O mais inteligente o mais bonito o mais sensual o mais que bicho é esse A curiosidade humana filha da necessidade e a serviço da sobrevivência volta se também para o próprio homem e nele encontra seu objeto mais complexo e perturbador Ora pó ora divino obraprima da Criação e lobo do próprio homem extravagância ou cume da evolução biológica os contrastes de avaliação e percepção revelam apenas uma certeza a precariedade do autoretrato Talvez o poeta grego Píndaro ao descrever o Homem como a sombra de um sonho tenha conseguido expressar o que sobra ou o que se atinge ao tentar cumprir o conhecete a ti mesmo Ainda que sua evanescente descrição deva permanecer como um advertência sobre a dificuldade ou a impossibilidade do autoconhecimento o esforço científico lento e fragmentado é uma tentativa razoável de construir um ser humano no qual possamos vislumbrar algumas formas daquela sombra onírica Com audácia e humildade pagando o preço dessas duas atitudes opostas o exercício paciente e criativo da investigação científica tenta encontrar aquelas formas Embora uma análise superficial até possa respaldar algumas das crenças antropocêntricas ao revelar especializações humanas espetaculares tais como a inteligência cultural sem precedentes e a sexualidade exagerada os mais mais referidos no título um exame científico mostra que nossas peculiaridades não nos retiram de nossa natureza animal Cada espécie que se examinar terá suas peculiaridades tão notáveis quanto as nossas Não somos a única espécie dotada de aptidões impressionantes A busca mediante comparações competitivas de superioridades humanas é um resquício da divinização do homem um esforço para negar ou limitar nossa condição biológica O ponto de partida verdadeiramente heurístico para o nosso autoconhecimento está no reconhecimento de nossa evidente natureza animal POR QUE SOMOS COMO SOMOS A abordagem etológica pode ser um auxiliar ao ampliar a perspectiva de compreensão ao fornecer parâmetros comparativos ao redimensionar problemas e ao gerar diferentes níveis de análise As contribuições da abordagem são decorrentes em última análise da adoção de uma atitude de investigação que inclui a compreensão da 423 natureza humana e de suas complexas interdeterminações com o ambiente de desenvolvimento Não se trata de separar o que é inato do que é aprendido nem de trabalhar com modelos de tabula rasa que sejam um pouco menos rasos nos quais a experiência constrói repertórios a partir de uma base genética mais ou menos distante Tratase de desvendar um processo que mais parece caber em um modelo de águas revoltas Somos o resultado de um processo evolutivo que nos modelou assim como deu forma a cada um dos outros seres vivos Existe na literatura científica sobre a origem do comportamento humano uma antiga e permanente controvérsia a respeito de instintoaprendizado inatoaprendido herdadoadquirido No decorrer dessa longa história o pêndulo oscila ora se concebe o comportamento animal aí incluído o humano como um repertório quase só construído empiricamente durante o desenvolvimento ora se relega esse aprendizado a um papel meramente auxiliar do repertório instintivo A abordagem que adotamos desfaz essa dicotomia incluindo o repertório aprendido na noção de adaptação resultante do processo evolutivo De certa forma poderíamos ser acusados de imperialismo biológico pois estamos trazendo para a discussão da evolução os padrões culturais humanos que à primeira vista são tão arbitrários E essa aparente arbitrariedade leva muitos estudiosos a desprezar o processo evolutivo como uma forma de entender o comportamento humano Esta história é realmente pendular Não faltam exemplos antigos de pensadores que perceberam a insuficiência da abordagem empirista Na filosofia grega já se encontra a noção de uma natureza humana não totalmente determinada pela experiência No nosso modo de ver quando se levam em conta não apenas a aquisição ou a herança das informações mas também motivações e emoções vêse que essa natureza humana impõe limites ao repertório de ações humanas A capacidade de aprender não é abstrata nem genérica há enormes diferenças entre tarefas de dificuldade teoricamente equivalentes nascemos preparados para aprender com facilidade tarefas cuja dificuldade é muito maior do que outras que só conseguimos aprender com grande esforço Vejase por exemplo o contraste entre a aprendizagem da linguagem e a da matemática Nossa capacidade de aprender é fruto da evolução e tem especificidades e facilidades muito bem definidas Yamamoto Lopes 2004 Além disso a aquisição de informações é apenas um fragmento do problema de entender e explicar o comportamento E quando se incluem outras coisas tais como freqüências intensidades e ocasiões de uso das informações percebese mais e mais o efeito das predisposições 424 genéticas A escolha desta concepção resulta não apenas de sua consistência teórica mas também de uma crescente base factual em seu favor apesar da extrema dificuldade de evidenciar relações entre genes e coisas tão complexas como padrões culturais Não nos faltam traços característicos Dentro dos parâmetros dos primatas nossa lista de peculiaridades inclui traços comportamentais ajustados para um modo de viver dependente da cultura inclinação para a formação de vínculos afetivos e para uma troca social permanente formação de pares associada a uma sexualidade exagerada uso intensivo de instrumentos ligado a uma transmissão cultural constante infância e velhice prolongadas propensão natural à linguagem inclinação natural para deixarse educar Em certo sentido podemos nos considerar os mais sensuais os mais brincalhões e os mais agressivos ainda que outros primatas sejam até bem brincalhões a agressividade do chimpanzé seja hoje inquestionável e a nossa supremacia sexual venha sendo empanada por alguns desempenhos como o dos bonobos Seja como for acompanhar o estabelecimento dessas características através de estudos filogenéticos e ontogenéticos pode ser tão revelador e porque não dizer tão emocionante como acompanhar um enredo fictício de mistério A EVOLUÇÃO CULTURAL indicadores filogenéticos Uma chave para a compreensão do conjunto de características humanas parece estar na importância evolutiva da cultura Assim que nossos ancestrais enveredaram por esse caminho começaram a ser selecionados os genes facilitadores do comportamento cultural Bussab Ribeiro 1998 Quando o homem entrou no caminho da cultura tudo teve de se ajustar a essa nova condição Praticamente nenhum aspecto da psicologia humana características sociais e afetivas a coesão do grupo a formação de pares emoções e afetos cognição e razão ficou imune ao processo Em outros primatas e ainda em outros grupos animais existem evidências suficientes de padrões comportamentais que satisfazem qualquer critério razoável de cultura Muitos grupos animais transmitem conhecimentos geração após geração A descoberta feita por Goodall 1991 de uso e fabricação de instrumentos por chimpanzés em ambiente natural obrigou a uma nova definição do homem e da humanidade Embora à primeira vista o feito desses animais possa parecer muito simples não há dúvida de que revela capacidades complexas desde a seleção da matéria prima até o preparo e a execução da tarefa O padrão analisado envolve a 425 escolha de um galho com flexibilidade tal que depois da retirada das folhas se transforma numa vara de pescar que pode ser colocada dentro de um cupinzeiro ou formigueiro sem vergar nem quebrar Retirada na velocidade correta a vara traz consigo diversos insetos que podem ser comidos As observações sucessivas permitiram suposições sobre propagação no grupo e estabelecimento do padrão nos filhotes por exposição contínua à habilidade dos adultos e em especial à da mãe Num dos casos relatados um filhote que perdeu a mãe não desenvolveu o comportamento Usos não estereotipados de instrumentos não ficam restritos aos grandes antropóides nossos parentes vivos geneticamente mais próximos Por exemplo o emprego espontâneo de martelos e bigornas de pedra ajustados à quebra de coquinhos em macacospregos vem sendo sistematicamente estudado entre nós por Ottoni e colaboradores ver Ottoni Mannu 2001 2003 Fragaszy et al 2004 Se a descoberta de Goodall chocou mas foi aos poucos assimilada por causa da extrema semelhança entre o chimpanzé e o homem a de Ottoni requer uma nova e maior assimilação em face da maior distância biológica do macaco prego Podese ir mais longe apontandose ainda usos plásticos de instrumentos como soluções aprendidas individualmente e facilitadas socialmente nos vertebrados de um modo geral A diferença está em que no caso humano a transmissão e o desenvolvimento da cultura passaram a ter importância central e as culturas em outros animais não chegaram a se tornar um crivo fundamental do processo evolutivo Em torno da tradição de pesca dos chimpanzés não parece ter ocorrido nenhuma pressão seletiva especial Nem a quebra da prática parece representar ameaça substancial Eles podem perfeitamente viver sem pescar insetos Caso oposto pode ser acompanhado no enredo da evolução humana O homem não pode sobreviver sem seus recursos culturais sejam eles materiais ou imateriais Seguindo a pista que vem dos estudos paleoantropológicos o primeiro marco cultural notável é o registro de instrumentos de pedra há cerca de dois e meio milhões de anos no leste da África associado a Homo habilis A lasca de pedra produzida pela técnica designada olduvaiense ampliava acesso a uma fonte de recurso alimentar A própria capacidade de lascamento apesar da singeleza do instrumento mostrava um avanço na técnica de percussão que exigia um ângulo específico e uma escolha adequada de material Tal tecnologia não foi ainda igualada por nenhum outro primata mesmo em circunstâncias facilitadoras de laboratório Lewin 1999 Porém mais do que isso revelava um arranjo social de aproveitamento de carne e coleta de vegetais e 426 uma transmissão cultural que garantiu a manutenção da técnica por cerca de um milhão de anos A lasca de pedra pode ser considerada a ponta de um iceberg da organização social do hominida ancestral Análises dos sítios de lascamento mostravam uso continuado do mesmo local durante anos sugerindo que se tratava de uma área dedicada ao processamento de carne Gemas de pedra não modificadas designadas manuportes Lewin 1999 eram transportadas por longas distâncias para esse local e ali eram lascadas e usadas Aparentemente a tecnologia de lascamento não progrediu durante esse longo período Isso pode ser visto como estagnação mas também realça a sua importância Caso se tratasse de um desenvolvimento espúrio que apenas acrescentasse algum poder ao grupo que a usasse essa técnica não teria se conservado por tanto tempo e de modo tão generalizado É difícil duvidar de seu papel decisivo para a sobrevivência humana Em torno do uso intensivo e contínuo dessa tecnologia foram evoluindo as bases do viver cultural caracterizado pelo modo de vida caçadorcoletor considerado o berço da humanidade por ter acompanhado 90 do processo de evolução hominida Nessas bases culturais estavam implicadas questões que envolviam a inteligência de um modo complexo O crescimento cerebral que se seguiu foi notável O ser humano tem um cérebro três vezes maior do que seria de esperar para um primata do seu tamanho considerando se o quociente de encefalização que relativiza o tamanho do cérebro em relação ao corpo O tamanho absoluto não vale pelo tamanho as baleias seriam imbatíveis Os mamíferos têm quocientes de encefalização relativamente grandes em comparação com répteis e aves os primatas e os cetáceos destacamse entre os mamíferos e dentre os primatas os hominidas Lewin 1999 O homem atual apresenta um quociente da ordem de 58 contra 20 dos chimpanzés Para Australopithecus afarensis o hominida que viveu entre 4 e 3 milhões de anos atrás calculase um quociente de 25 enquanto que para o Homo ergaster e para o H erectus entre 18 milhões a 300 mil anos um quociente de 31 Aquela pedra lascada entendida como um símbolo de todo o uso de instrumentos não teve apenas um efeito quantitativo sobre o cérebro fazendoo crescer O crescimento em si mesmo já indica uma ampliação da capacidade de processar as complexidades das novas tarefas Além disso alterações qualitativas importantes estavam acontecendo É provável que a nossa lateralidade acentuada tenha surgido neste período O exame das lascas olduvaienses sugere que os hominidas eram destros e não ambidestros Esta assimetria de habilidade motora está associada a uma assimetria 427 funcional dos hemisférios cerebrais por muitos autores considerada a base da linguagem e decisiva para a nossa competência cognitiva Frost 1980 Passingham 1982 Toth 1987 Essas pedras lascadas cujo valor como indicador de cultura não pode ser subestimado são o que conseguimos encontrar nas escavações Não devemos imaginar que elas fossem o único instrumento desses nossos ancestrais É muito razoável ainda que não se tenha evidência empírica que um vasto conjunto de outros instrumentos feitos de material perecível estivesse à disposição dos lascadores de pedra E conseqüentemente é razoável imaginar também que a fabricação e o uso de abrigos sacolas armas de madeira ou ossos exigisse complexas regulações das relações entre seus fabricantes E assim a cultura vai entrando no centro do processo e exercendo pressão seletiva sobre nossos ancestrais O VIVER SOCIAL NA ESSÊNCIA DA CULTURA emoção afeto e inteligência E não foi só a razão aqui entendida como o conjunto de nossas habilidades cognitivas que sofreu os efeitos da conquista tecnológica Recentemente começase a achar que o funcionamento da razão não se dá de forma independente da emoção Onde pensamos encontrar a razão às vezes há pura emoção onde suspeitamos haver só emoção encontramos muita razão O inventor da pedra lascada teve antepassados desprovidos de tecnologia ou pelo menos de uma tecnologia central em suas vidas porém dotados de um cérebro que já vinha conquistando habilidades para atender a funções sociais Há hoje em dia pelo menos um acordo crescente quanto ao motor propulsor da evolução cerebral nas mais diversas teorias temse recorrido a explicações que vão além dos motivos ligados à resolução de problemas em sentido mais estrito Um dos candidatos mais cotados tem sido a inteligência social por ex Dunbar 1996 Foley 1996 Por que os primatas em geral parecem ser bem mais inteligentes do que requerem as tarefas concretas de sua vida cotidiana A resposta parece estar na vida social Os primatas são reconhecidos como estrategistas sociais consumados cujo sucesso baseiase na rede de amizades e alianças o que exige previsão e manipulação do comportamento do outro ver por ex Aureli de Waal 2000 O córtex cerebral aumentado das espécies de primatas com interações sociais mais complexas corrobora essa hipótese Segundo Lewin 1999 uma vez que uma linhagem adote o estilo de aliança social para obter sucesso reprodutivo surge uma situação de alavanca evolutiva em que novas pressões atuam no sentido de 428 aumentar ainda mais essa complexidade A própria evolução da consciência entraria nesse rol como um olho interno ferramenta por excelência do animal social Ligações entre razão e emoção têm sido elucidadas de diversas maneiras A teoria do marcador somático desenvolvida por Damásio 1994 2000 ilustra uma dessas demonstrações Pacientes com determinadas lesões nos lobos préfrontais apresentaram uma grande perturbação na organização de suas vidas Exames de laboratório revelaram bom desempenho em testes de inteligência memória aprendizado e cálculos aritméticos Onde estaria a alteração A primeira peculiaridade observada foi uma espécie de emocionalidade contida que à primeira vista não parecia ser um problema Ao contrário tal característica costuma ser vista como favorável ao raciocínio Entretanto foi ficando claro que a imparcialidade apresentada não se ajustava à dimensão dos acontecimentos Os pacientes percebiam bem a gravidade dos problemas mas estranhamente pareciam não se dar conta daquilo que percebiam como se soubessem mas não sentissem Não obstante seus bons resultados nos testes na vida real tinham dificuldades surpreendentes de tomar decisões Damásio concluiu que a aparente frieza de raciocínio parecia impedir a atribuição de valores e perturbar a tomada de decisão A partir disso Damásio fez uma teoria sobre o raciocínio e as decisões na qual marcadores emocionais atuam como parte essencial do processo Essa teoria estimula investigações que procurem desvendar esse tipo de enredo da razão humana ou seja a ligação entre cognições e emoções e também a natureza de processos inconscientes Ainda estamos tentando entender a nossa própria inteligência e já percebemos que em vez de uma pura expansão de uma habilidade para cálculos lógicos ela tem um estilo e um jeito de ser peculiar de nossa espécie A EVOLUÇÃO CULTURAL indicadores ontogenéticos Marcas da seleção da natureza cultural humana podem ser identificadas com clareza na investigação da ontogênese individual os estudos do desenvolvimento humano inicial a partir dos seus primeiros meses e anos não têm deixado margem para dúvidas Desde o nascimento apresentamos inclinações para a regulação social para o referenciamento no outro para uma intersubjetividade compartilhada e para a formação de ligações afetivas As crianças nascem prontas para aprender verdadeiras esponjas de assimilação ativa do mundo social e afetivamente referido à sua volta 429 O recémnascido consegue imitar expressões faciais de um adulto à sua frente na primeira hora de vida Kugiumutzakis 1998 o que prova que ele é capaz não só de enxergar bem como também de realizar integrações sensóriomotoras até recentemente inesperadas pelas teorias de desenvolvimento vigentes Demonstrações dessas capacidades de igualação em crianças bem pequenas vêm se acumulando a partir de Meltzoff e Moore 1977 1998 No início do século XX eram muito difundidas as idéias de William James e de Freud acerca da incompetência do bebê humano para o relacionamento com o mundo e com as pessoas O bebê era visto como um ser autocentrado e autista e para ele o mundo era uma confusão atordoante Essas idéias estão hoje superadas por exemplo Seidl de Moura 1999 descrevendo interações entre mães e bebês verificou que eles têm capacidades préadaptadas para iniciar o conhecimento do mundo ao seu redor têm motivação para detectar contingências e para experimentar calor emocional O contato de olhar do recémnascido parece ser um ponto de partida fundamental À chegada de um estranho crianças de dois meses olham para a mãe anunciando o mecanismo fundamental de busca de segurança em sua figura de apego e busca de referenciamento do mundo nos indivíduos significativos O conhecimento já nasce social e afetivamente mediado Regulações recíprocas peculiares nas interações bebêsadultos com sincronização dos ritmos interacionais e sensibilidade aos sinais mútuos vêm sendo desvendadas O contato de olhar eleva o nível de envolvimento de ambos O espelhamento de emoções também aumenta o engajamento os bebês respondem ao espelhamento facial de suas emoções feito pela mãe o que faz crescer seu envolvimento interacional Field et al 1982 E quando a mãe pára de responder os bebês exibem perturbações interacionais Murray Trevarthen 1985 Murray 1988 Trevarthen 2003 O conceito de intersubjetividade Bräten 1998 referese a este tipo de comunhão entre pessoas através de ligações e ajustamentos entre seus estados e expressões emotivas Trevarthen 1979 1998 chamou de intersubjetividade primária a capacidade inata dos bebês para o estabelecimento de uma ligação motivada sujeito sujeito o que caracteriza um tipo de protoconversação Para esse autor essa capacidade comunicativa tem efeitos no desenvolvimento humano Num contexto interacional desse tipo com partilha de atenção e compartilhamento emocional a palavra parece se encaixar como uma luva não é de estranhar que o papel dessa intersubjetividade venha 430 sendo reconhecido como crucial para o desenvolvimento da linguagem Akhtar Tomasello 1998 Outros aspectos do desenvolvimento ocorrem nesse mesmo contexto interacional Na teoria de apego Bowlby 1969 salientou exatamente o mesmo aspecto a vinculação afetiva decorre de interações afetuosas e de trocas lúdicas contingentes e não da satisfação de outras necessidades primárias Está claro que existe uma predisposição natural para a formação de vinculação afetiva observável nas motivações e nos repertórios das crianças nas mais diversas culturas a formação do vínculo o medo de estranhos e a ansiedade de separação aparecem de modo típico tanto nas famílias nucleares urbanas quanto nas famílias ampliadas de caçadorescoletores Eibl Eibesfeldt 1989 De novo constatase uma interdeterminação entre aspectos diversos do desenvolvimento pois uma vez estabelecida a base de segurança afetiva criamse as condições para a exploração do ambiente físico e social assim como para a brincadeira Ao lado dessa outra interdeterminação a ser examinada diz respeito às ligações entre natureza e cultura É difícil imaginar que a cultura fosse possível sem essa sutil e intensa comunicação A LINGUAGEM COMO CARACTERÍSTICA BIOLÓGICA O ser humano é biologicamente lingüístico nasce com os recursos cognitivos motivacionais fisiológicos e anatômicos para entender e usar a linguagem humana que é falada em seu ambiente Bussab Ribeiro 1998 Para começar os bebês nascem com capacidades especiais para a percepção dos sons da fala Essa peculiaridade humana merece destaque e compreensão específica embora nunca seja demais registrar uma precaução antiantropocêntrica tratase apenas de mais um produto da seleção natural de capacidades exuberantes de comunicação no reino animal Assim como somos prépreparados para a comunicação verbal temos limites para a capacidade de detectar formas de comunicação químicas sonoras eletromagnéticas e mímicas típicas de outras espécies por ex ver Alcock 2001 Existem inúmeras indicações quanto à capacidade lingüística humana natural É possível demonstrar mediante procedimentos criativos por exemplo que antes de falar os bebês já conseguem discriminar os fonemas unidades básicas de sons significativos numa língua que os adultos da sua comunidade lingüística discriminam 431 De fato sua discriminação parece mais ampla do que a dos adultos e por isso Pinker 1994 diz que eles são foneticistas universais Psicólogos ligaram uma chupeta a um gravador Quando o bebê de menos de seis meses sugava a chupeta o gravador emitia repetidamente os sons ba ba ba ba Esses sons fazem o ritmo da sucção ficar rápido em seguida ele vai ficando mais lento indicando uma habituação ao estímulo Mudando os sons para pa pa pa pa o ritmo da sucção volta a acelerarse revelando a discriminação da mudança Eimas et al 1971 Os bebês nascem equipados para discriminar os sons da fala Não é ouvindo a fala dos pais que eles adquirem essa discriminação Bebês com menos de seis meses distinguem fonemas usados em diferentes línguas até mesmo de línguas muito distantes das que predominam no mundo de hoje Os adultos não conseguem fazer essas discriminações Com aproximadamente 10 meses os bebês deixam de ser foneticistas universais e passam a se comportar como seus pais discriminando apenas os fonemas da língua falada pelo grupo cultural a que pertencem Assim como a base emocional e interacional indispensável para o desenvolvimento da cultura humana já estava presente em nossos primatas ancestrais também a discriminação fonêmica tem precedentes Testes feitos com chinchilas gatos e macacos mostraram discriminações finas entre vogais e entre sílabas pronunciadas por seres humanos Dewson 1964 Burdick Miller 1975 Kuhl Miller 1975 Passingham 1982 Por exemplo macacos do Velho Mundo discriminam ba e ta E essa discriminação resistiu a um teste em que o locutor era ora homem e ora mulher Sinnott et al 1976 Contudo tais discriminações feitas por animais estão muito aquém das capacidades humanas especiais ligadas à linguagem que vão desde a seleção de um aparelho fonador eficiente até a de uma gramática universal Investigando a capacidade lingüística de outros primatas psicólogos criaram filhotes de chimpanzés em condições estimuladoras procurando simular as condições de criação de uma criança humana Hayes Hayes 1952 Apesar do intenso esforço os resultados foram frustrantes Ouvintes generosos conseguiram no máximo ouvir a fêmea Viki falando papa mama e cup Esse estudo exigindo o uso do aparelho fonador do chimpanzé dificultou o reconhecimento de uma certa capacidade nesse primata No ser humano a laringe está numa posição baixa no trato vocal O som produzido é modificado pela faringe e pela boca que através de alterações de forma 432 permitem a articulação de diferentes sons A laringe do chimpanzé assim como de um bebê nos primeiros meses de vida está numa posição elevada o que limita a possibilidade de articulação Lieberman 1975 1984 Outros projetos que usaram a Linguagem de Sinais de Surdos com chimpanzés foram mais bem sucedidos Com 51 meses de idade Washoe que começou a ser treinada com 11 meses tinha um vocabulário de 132 sinais Gardner Gardner 1975 Ainda assim podese dizer que esse desenvolvimento exigiu uma verdadeira operação de guerra com treinamento intenso e constante de um lado e com uma aprendiz tremendamente entediada do outro É gritante o contraste entre esse esforço e a facilidade da criança humana que aprende a falar sem atitude didática por parte dos adultos e mesmo em ambientes lingüísticos bastante adversos A predisposição natural para o desenvolvimento da linguagem humana pode ser evidenciada pelas demonstrações de aquisição em condições prejudicadas como no caso de pais surdos ou em casas onde a televisão é a principal fonte de estimulação Lenneberg 1969 comparou bebês de 10 dias a três meses de idade filhos de pais surdos e de pais com audição normal Os filhos de pais surdos emitiram vários tipos de sons com a mesma freqüência daqueles de pais normais o que levou Lenneberg a concluir que o desenvolvimento inicial dos sons da fala parece relativamente independente da qualidade e da quantidade do ambiente lingüístico Crianças com retardo mental criadas em instituições muitas vezes passam o dia inteiro tendo a televisão como principal fonte de estimulação Apesar disso algumas crianças dominam a linguagem de modo surpreendente Lenneberg 1969 As culturas variam quanto à importância atribuída ao falar com bebês para o desenvolvimento da linguagem No entanto é bem possível que as crianças aprendam a falar na mesma velocidade em todas as culturas independentemente do esforço didático dos adultos Não se quer dizer que diferentes graus de estimulação sejam totalmente desprovidos de efeito mas sim que a criança um aprendiz natural tende a apresentar um domínio que não seria previsto por uma concepção ambientalista extrema Haggan 2002 ressalva que é preciso verificar se o comportamento verbal dos adultos diante das crianças corresponde na prática às suas idéias de como se deve falar Numa pesquisa feita numa cultura árabe contemporânea os Kuwaiti observouse que os adultos que declaravam que não simplificavam sua linguagem ao falar com crianças na realidade faziam algumas simplificações ao falar com crianças de 2 a 3 anos como repetições uso de sentenças mais curtas e de fragmentos de sentenças 433 Exercícios repetitivos com gramática simplificada podem ser proporcionados pelos adultos como por exemplo na seqüência Olhe o cachorrinho Está vendo o cachorrinho Aquilo é um cachorrinho Seriam essenciais segundo algumas culturas por ex classe média americana para que a criancinha indefesa não ficasse para trás na corrida da vida Pinker 1994 ridiculariza o procedimento comparandoo à compra de luvinhas que tenham um alvo desenhado para os bebês encontrarem as mãos mais rapidamente Na cultura Kung os pais acham que precisam treinar as crianças a sentar ficar em pé e andar mas não falam com elas antes que tenham adquirido o domínio da linguagem a não ser para pedidos e repreensões ocasionais Pinker 1994 Portanto essas crianças aprendem na ausência total de atitude didática por parte dos pais Acumulamse desse modo evidências da seleção natural de predisposições para o desenvolvimento da linguagem O papel dos fatores genéticos também fica evidente nos estudos de herança de distúrbios de linguagem O estudo de uma família que apresentava diversos casos de Transtorno Específico de Linguagem TEL feito por lingüistas e geneticistas sugeriu herança do problema por controle de um único gene dominante como as flores corderosa das ervilhas de Mendel Pinker 1994 No Transtorno Específico de Linguagem encontrase um distúrbio da linguagem na ausência de desordens cognitivas perceptuais ou sociais A fala é lenta são evitadas as situações em que é preciso falar e uma conversa normal é um trabalho mental extenuante Os erros gramaticais são freqüentes com uso incorreto de pronomes e de sufixos Por exemplo Carol está chora na igreja Ela lembrou de quando ela se machuca outro dia Essas pessoas têm dificuldade em provas realizadas facilmente por crianças de quatro anos Por exemplo mostrase um desenho de uma criatura semelhante a um pássaro dizendo que é um WUG Em seguida mostrase um desenho com duas criaturas dizendo Agora são dois são dois Uma criança de quatro anos responde WUGS mas o adulto com TEL não consegue responder Na família estudada a avó era portadora do TEL uma de suas filhas era normal e quatro filhos eram portadores do TEL A filha normal teve filhos também normais Os quatro portadores tiveram 23 filhos 11 portadores e 12 normais Se a causa fosse ambiental associada à escuta dos erros da fala de um genitor ou irmão deficiente por que a síndrome afetaria alguns membros da família poupando outros até mesmo um gêmeo fraterno num dos casos 434 Estudos comparativos do desenvolvimento da linguagem em gêmeos também têm contribuído para a compreensão dos efeitos de fatores genéticos A história de desenvolvimento dos gêmeos idênticos tende a ser mais sincrônica do que a de gêmeos fraternos quanto ao início da fala ao aparecimento das primeiras palavras à reunião de palavras em expressões e à diminuição dos erros gramaticais Quanto ao início da fala constatouse atraso igual em 65 de gêmeos idênticos versus 35 de gêmeos fraternos Quanto ao desenvolvimento da fala constatouse história equivalente em 90 de gêmeos idênticos versus 35 de gêmeos fraternos Lenneberg 1967 1969 Há consenso geral entre os pesquisadores que essas divergências não podem ser simplesmente explicadas por imitação ou tratamento diferencial pelos pais Essa maior semelhança entre os gêmeos idênticos também ocorre em outros aspectos do desenvolvimento tais como menarca mudança de voz ritmo de crescimento e desempenho motor por ex em Holden 1980 Segundo Chomski 1972 proponente da teoria da linguagem como instinto as crianças vêm ao mundo dotadas de uma Gramática Universal um plano comum às gramáticas de todas as línguas que orienta a extração de padrões sintáticos da fala A linguagem falada é muito variável mas subjacente à diversidade há mecanismos mentais universais A pauta de problemas da linguagem humana não se restringe à origem ontogenética Se estamos apenas começando a entender os papéis da herança genética e do ambiente lingüístico na aquisição da linguagem também engatinhamos a respeito de sua função As perguntas por que falamos e por que falamos tanto parecem mais difíceis hoje do que há algumas décadas Se muitos autores examinam essas duas perguntas no plano pragmático e cognitivo outros realçam seus pontos mais sociais emocionais e sexuais As considerações feitas por Dunbar 1996 ilustram o destaque de aspectos sócioemocionais Esse autor chama a atenção para um aspecto fundamental dos chimpanzés que também parece constituir uma das bases do comportamento social humano o intenso interesse e curiosidade que demonstram em relação uns aos outros estando permanentemente atentos a quem está fazendo o que onde e com quem No chimpanzé a observação do comportamento alheio está longe de ser desinteressada mas envolve um permanente fundo emocional que vai desde mera curiosidade até cobiça ciúme medo desconfiança prepotência submissão cautela alegria prazer e expectativa de ajuda O interesse pelo que os outros estão fazendo baliza um constante 435 ajustamento do comportamento e implica complexos processos mentais que envolvem a previsão da reação dos parceiros ao comportamento do sujeito a capacidade de identificação com o outro e a memória de relações passadas Nisso eles são extremamente semelhantes a nós Há porém uma diferença notável para os chimpanzés assim como para muitos outros primatas a organização social aparece refletida numa corrente de contatos físicos concretizada pela catação grooming recíproca A catação percorre a rede de relações sociais constituindoa e refletindoa Aliás Dunbar 1996 começa seu livro com uma descrição detalhada de ter sido ele mesmo alvo de uma sessão de catação por parte de um babuíno associada a um intenso prazer corporal tranqüilizador Diz ele Ser objeto de uma sessão de catação nas mãos de um macaco é experimentar emoções primordiais começase a relaxar submetendose com prazer ao vai e vem das ondas de sinais neurais que percorrem seu caminho da periferia do corpo até o cérebro dedilhando sinais para a mente consciente e atingindo algum lugar do centro profundo do ser p 1 Através de descrições feitas por Bastide sobre a vida no Brasil colonial Queiroz e Otta 1999 referiram reações semelhantes a essas no hábito de as senhoras do engenho deixaremse agradar pelos cafunés das mucamas recolhidas ao interior dos aposentos deitamse no colo da mucama favorita entregandolhe a cabeça Vencidas pelo fluido que se espalha em todo o seu corpo algumas sucumbem à deliciosa sensação e desfalecem de prazer sobre os joelhos da mucama p 27 Considerado o padrão de catação dos primatas e apesar do efeito que parecem produzir trocas de contato desse tipo ocorrem de modo muito mais restrito entre nós Entretanto para Dunbar 1996 a conversa humana funciona como catação Ou seja cumpre a função de constituir e reforçar a rede social de alianças O assunto humano predileto também é segundo esse autor indicativo da importância social da linguagem Nas pesquisas que realizou com seus alunos sobre o que acontece nas reuniões sociais em bares restaurantes festas e inclusive reuniões de universidades chegou à conclusão que mais de dois terços das conversas são dedicados à discussão de sentimentos pessoais e ao quem está fazendo o que com quem Somase a isso o fato de que a grande maioria das produções culturais escritas e os programas de rádio e televisão e certamente os de maior público estão voltados para a vida dos outros sejam personagens reais ou fictícios A sede das pessoas pelos detalhes da vida particular dos outros é insaciável Seja como for ainda que esta análise não esgote a 436 funcionalidade da linguagem e da inteligência nem os mistérios da evolução humana ela parece abrir uma janela para aspectos essenciais da nossa natureza Podese continuar nesta linha de abertura de possibilidades com as considerações feitas por Miller 2000 sobre a evolução da linguagem Esse autor dá como secundária a utilidade da linguagem para a sobrevivência em sentido estrito e acredita que a linguagem humana é um ornamento sexual um instrumento de sedução tanto quanto a cauda do pavão Foi o sucesso sexual dos mais inteligentes e hábeis no uso da linguagem que promoveu seu desenvolvimento durante a evolução muito mais do que resolver o problema das pedras lascadas da captura de presas e da busca de alimentos PARA QUE UMA SEXUALIDADE TÃO EXAGERADA A eficiência reprodutiva do Homo sapiens é muito baixa em comparação com seu investimento de tempo e energia em sexo Centenas de cópulas resultam em dois a três filhos durante a vida da maioria das pessoas hoje Mesmo considerando os raros casos de mais de dez filhos a eficiência reprodutiva continua sendo baixa em comparação com outras espécies Diferentemente das mulheres cuja eficiência reprodutiva não aumenta pelo fato de se relacionarem com mais de um parceiro os homens podem aumentar consideravelmente sua prole por meio da poligamia Numa comunidade mórmon do século XIX homens com uma esposa tinham em média sete filhos enquanto aqueles com duas ou três esposas tinham 16 a 20 filhos e os líderes da igreja mórmon com cinco esposas chegavam a ter 25 filhos Diamond 1997 Mesmo que a razão coito filho fique abaixo da estimativa de 10001 feita por van den Berghe 1979 não chega a impressionar quanto à eficiência reprodutiva Há espécies como a formiga Atta sexdens que acasalam apenas um dia na vida produzindo milhões de descendentes Espermatozóides são guardados na espermateca e usados durante duas ou três décadas Na maioria dos mamíferos e aves o sexo não é uma atividade contínua está sujeito a variações cíclicas e sazonais Em muitos casos a receptividade feminina é nula fora do período fértil A receptividade é sinalizada através de feromônios alterações físicas e comportamentais Macacos resos e chimpanzés por exemplo apresentam inchaço conspícuo da região perivaginal que é tão acentuado a ponto de já ter sido confundido com doença e de ter levado um diretor de zoológico a retirar fêmeas da visitação pública Durante a estação de acasalamento a freqüência de conflitos costuma 437 aumentar entre os primatas nãohumanos Nagel Kummer 1974 Passingham 1982 Por exemplo em Cayo Santiago a freqüência de macacos resos feridos e mortos em brigas é maior na estação de acasalamento do que em outros períodos Wilson Boelkins 1970 A fêmea humana diferenciase das outras fêmeas de mamíferos pela perda da periodicidade estral e pela disponibilidade sexual contínua incluindo a gravidez e o período pósmenopausa A ovulação ficou silenciosa durante a evolução humana em vez de ser sinalizada como entre os primatas nãohumanos Não sabendo quando a fêmea está fértil o macho precisa copular regularmente com ela para gerar um filho Fisher 1982 1992 Os seios conspícuos das fêmeas humanas evoluíram segundo Smith 1984 no contexto de retirada de informação sobre o estado reprodutivo Nas fêmeas dos primatas nãohumanos as mamas só ficam ligeiramente aumentadas durante a gestação preparandose para a amamentação Na fêmea humana seios conspícuos aparecem na puberdade e permanecem aumentados daí em diante Morris 1967 interpreta os seios como resultantes de um processo de automímica corporal Levantou essa hipótese por comparação com os babuínos gelada que diferentemente de outros Macacos do Velho Mundo passam grande parte do tempo sentados em posição vertical As fêmeas apresentam no peito uma mancha com coloração vermelha cercada por papilas brancas que é muito semelhante à região em torno dos genitais e que acompanha as alterações que ocorrem durante o ciclo estral A região que fica intumescida e especialmente colorida durante o estro funciona como uma sinalização frontal cumprindo o papel da sinalização genital que se oculta quando ela se senta Nas fêmeas humanas os seios evoluíram segundo a hipótese da automímica corporal como imitação das nádegas Não há indícios de que a forma típica do seio humano tenha evoluído sob a pressão seletiva de aumento de eficiência da amamentação dos bebês Do ponto de vista da amamentação mamas discretas como as das primatas nãohumanas ofereceriam menos dificuldade para o bebê humano É mais plausível interpretálas como sinal sexual Em vez de ser silenciosa a fêmea humana poderia sinalizar estro contínuo Ao comunicar fertilidade permanente a fêmea está ocultando seu período estéril Uma interpretação para a substituição dos sinais de estro por sinais permanentes de receptividade é o fortalecimento do vínculo com o macho aumentando seu investimento alimento proteção na prole Na espécie humana o investimento parental masculino é maior que entre os primatas nãohumanos em geral Uma exceção é o 438 sagüi um pequeno primata do Novo Mundo em que há nascimento de gêmeos e a fêmea apresenta estro pósparto A sobrecarga representada pelo cuidado de dois filhotes grandes proporcionalmente ao tamanho da fêmea com peso correspondente a 25 do peso da mãe Leutenegger 1973 somada a uma nova gestação 5 a 17 dias após o parto Hearn 1978 obrigou o macho a compartilhar tarefas e assim garantir a sobrevivência da prole Yamamoto Sousa 1998 Embora a ovulação não seja sinalizada na espécie humana e a receptividade sexual da mulher possa ser contínua há alterações do desejo sexual ao longo do ciclo menstrual Na ovulação o desejo é maior do que em outros períodos do ciclo Stanislaw Rice 1988 Num estudo feito em bares para solteiros um dos pesquisadores fazia observações dentro do bar e outro fotografava as mulheres quando saiam e as entrevistava para verificar em que momento do ciclo menstrual se encontravam As mulheres que estavam ovulando usavam roupas mais justas e curtas e eram mais freqüentemente tocadas pelos homens dentro do bar em comparação com as que não estavam ovulando Grammer 1996 Há indicações de que no período de ovulação o rosto fica mais avermelhado na região das bochechas e de que a razão cintura quadril diminui Apesar dessas pistas no entanto Buss 1999 conclui que ainda não foram realizados estudos conclusivos mostrando que homens são capazes de detectar a ovulação das mulheres Mesmo que exista alguma capacidade de detecção da fertilidade por parte do homem a sinalização de receptividade permanente é indiscutível e sua função vai além da fecundação provavelmente fortalecendo a união do par em torno do investimento parental As características do bebê humano ajudam a esclarecer a necessidade de aumento de investimento paterno Rodrigues 1998 Ele nasce imaturo em comparação com os filhotes dos primatas nãohumanos O cérebro humano ao nascer tem apenas 23 do seu tamanho final enquanto o do resos 65 e o do chimpanzé 40 Gould 1977 Enquanto o cérebro do chimpanzé atinge 70 do seu tamanho final no primeiro ano de vida o humano não chega a isso antes do final do terceiro ano Em comparação com os demais primatas nosso desenvolvimento é lento No entanto a gestação é apenas alguns dias mais longa que a dos chimpanzés A gestação não desacelerou tanto quanto o resto do desenvolvimento Gould 1977 estima que os bebês humanos deveriam nascer com 16 a 21 meses de gestação se a duração da gestação tivesse desacelerado tanto quanto o resto do nosso crescimento Um jogo de pressões seletivas deve ter atuado na nossa evolução de um lado o cérebro cresceu durante a evolução 439 humana de outro lado o canal pélvico estreitou em razão do bipedalismo A solução foi o encurtamento da gestação para permitir a passagem dos bebês Por essa razão cérebro dos bebês tem apenas ¼ do tamanho final São filhotes muito imaturos E essa fragilidade é reveladora da necessidade de um investimento parental aumentado As diferenças físicas entre machos e fêmeas têm relação com a competição sexual Acentuado dimorfismo sexual de tamanho é sugestivo de competição entre machos pelo acesso às fêmeas e está associado a sucesso reprodutivo Alexander et al 1979 Em algumas espécies o macho é muito maior que a fêmea os leões marinhos por exemplo chegam a ser 60 mais compridos que suas fêmea Alcock 2001 Quanto maior a razão comprimento do corpo do macho comprimento do corpo da fêmea maior o tamanho do harém de um leão marinho Os machos maiores chegam a monopolizar até 100 fêmeas Na espécie humana é pequeno o dimorfismo sexual de tamanho A ausência de marcante dimorfismo sexual em tamanho somada à ovulação silenciosa da fêmea associada a sinais contínuos de fertilidade e à imaturidade do bebê humano sugere que a sexualidade humana manifestase no contexto de uma vinculação de par mais próxima do estilo dos sagüis do que dos leões marinhos Além do baixo dimorfismo sexual em tamanho da ordem de 7 Crawford 1998 constatamos que os machos humanos são desprovidos de armas naturais poderosas Espécies animais em que os machos competem entre si pelo acesso às fêmeas além de apresentar acentuado dimorfismo sexual quanto ao tamanho físico têm armas naturais poderosas nas quais há considerável investimento energético Os alces por exemplo exibem uma galhada vistosa e energeticamente custosa que é trocada anualmente No alce irlandês hoje extinto a galhada chegava a ter 365 metros de ponta a ponta e 41 quilos o que segundo Gould 1977 parece representar um investimento militar superior ao dos Estados Unidos É interessante notar que as pontas da galhada estão voltadas para trás indicando tratarse mais de uma arma para ostentação do que para ferir de fato o oponente Embora na espécie humana o dimorfismo sexual não seja acentuado e os machos não possuam armas naturais poderosas o tamanho físico é importante assim como exibições de força Nas empresas constatouse que homens mais altos recebem salários maiores que homens de menor estatura mesmo que a diferença não tenha nada a ver com o trabalho Hensley Cooper 1987 Frieze et al 1990 Não estamos falando de jogadores de basquete e sim de executivos e funcionários administrativos Sugestivamente não apareceu nos estudos nenhuma relação entre a altura e o salário das 440 mulheres A altura do homem também é um critério na seleção de parceiros por mulheres Lynn Shurgot 1984 Jackson Ervin 1991 inclusive na escolha das características de doadores potenciais de esperma Scheib et al 1997 Ombros largos são valorizados no homem e o formato do corpo masculino considerado mais atraente é o formato em V com quadris mais estreitos que os ombros Esse atributo é exagerado nas representações artísticas como em representações de Apolo e Dionísio EiblEibesfeldt 1970 Em várias culturas os ombros são enfatizados através de roupas ou adornos EiblEibesfeldt 1989 Músculos peitorais desenvolvidos são também valorizados levando Etcoff 1999 pp 206207 a comentar Os músculos peitorais são os chifres do macho humano suas armas de guerra Talvez os homens não cacem nem combatam com armas de arremesso mas um peito largo ainda repercute a capacidade de sobrevivência Muitos homens se consideram abaixo do peso Mas não querem ficar mais gordos querem ganhar massa muscular Alguns homens desenvolvem uma obsessão doentia por músculos Assim como mulheres com anorexia nervosa têm uma imagem corporal distorcida e embora possam correr risco de vida não conseguem ver como estão magras Garner 1993 Papalia Olds 1998 homens com dismorfia muscular não conseguem ver como são grandes e musculosos seus corpos achandose sempre fracos e pequenos Pope et al 1997 Enquanto mulheres com bulimia fazem uso de laxantes e diuréticos para neutralizar excessos alimentares homens com dismorfia muscular fazem uso de anabolizantes que estimulam o desenvolvimento muscular Há casos de hospitalização de rapazes com problemas hepáticos graves em decorrência do uso de anabolizantes assim como de garotas com perda extrema de peso e irritação gástrica A Etologia e a Psicologia Evolutiva dão um referencial teórico em que a patologia pode ser mais bem contextualizada A valorização da aparência em sociedades industrializadas ricas vem ao encontro de traços psicológicos que foram moldados durante milhares de anos de evolução Como lembra Morris 1967 só podemos adquirir uma compreensão objetiva e equilibrada da nossa existência se lançarmos um olhar sobre as nossas origens e estudarmos os aspectos biológicos do comportamento atual da nossa espécie Apesar de suas enormes conquistas no plano tecnológico o Homo sapiens ainda não conseguiu resolver problemas humanos básicos O reconhecimento da natureza primata com 441 freqüência ignorada pela psicologia pode ser um importante passo na busca de solução para esses problemas Um passo importante porém difícil porque estamos longe de um conhecimento pleno de nossa natureza primata e também de conhecer o ambiente cultural dentro do qual evoluímos Desse modo esse reconhecimento requer uma compreensão mais profunda do comportamento dos primatas mas não apenas isso Como a cultura em algum ponto da nossa evolução tornouse uma característica preponderante do ser humano o reconhecimento de nossa natureza primata requer também o entendimento de culturas de pequenos grupos humanos com modo de vida de caça e coleta Por exemplo no pouco que resta de culturas humanas primitivas o dimorfismo sexual é acentuado por um conjunto de recursos tais como corte de cabelo adereços pinturas do corpo e divisão de trabalho Em tese a cultura humana poderia muito bem reduzir ainda mais o dimorfismo O que se vê no entanto é sua acentuação como se não bastassem as diferenças naturais Pelo que vimos acima acerca da relação entre dimorfismo e competitividade masculina essa acentuação cultural poderia levar à idéia de que a cultura acentua a disputa entre os homens pelas mulheres Contudo isso não é necessariamente assim A acentuação do dimorfismo pode ter outras origens e não ter relação com a competição entre machos É preciso evitar raciocínios simplificadores nos quais haja relações quase automáticas entre conceitos Voltando ao nosso exame comparativo de características físicas para inferir predisposições comportamentais constatamos que o macho humano destacase entre os primatas nãohumanos mais próximos por seu longo pênis 710 cm quando flácido e 9524 cm sendo 1218 cm a faixa mais freqüente quando ereto segundo dados do Kinsey Institute for Sex Research Etcoff 1999 Sparling 1997 fez um levantamento com mil homens de 20 a 69 anos e encontrou valores ligeiramente mais baixos Quarenta por cento desses homens tinham pênis ereto entre 11145 cm Embora a variação individual seja considerável e possa haver alguma divergência de uma pesquisa para outra a supremacia humana é notável entre os primatas O pênis de um gorila de 220 kg alcança pouco mais de 25 cm quando ereto Um pênis longo pode permitir aos espermatozóides chegar mais perto do óvulo por avançar mais no trato reprodutivo feminino em comparação com um pênis pequeno É possível também que o grande pênis humano tenha sido selecionado pelo gosto da fêmea Etcoff 1999 Embora já tenham pênis longos em comparação com os dos outros primatas nãohumanos o tamanho dessa parte do corpo é uma preocupação para os homens levando Woody Allen a brincar 442 Trabalhei com Freud em Viena rompemos por causa do conceito de inveja do pênis Freud achava que devia se restringir à mulher em Etcoff 1999 p 196 Alguns homens chegam a recorrer a um procedimento cirúrgico para aumentar o pênis que envolve o corte de dois ligamentos que o prendem ao púbis exteriorizando uma região que normalmente fica oculta dentro do corpo Com esse procedimento o pênis pode ganhar algo como 2cm de comprimento embora o ângulo de ereção fique prejudicado Stubbs 1997 Embora o pênis humano se destaque pelo seu tamanho outras espécies de animais Eberardt 1985 Etcoff 1999 Lloyd 1979 têm genitália masculina mais elaborada e complexa do que seria necessário para um mero depósito de esperma Em insetos a genitália masculina constitui freqüentemente um critério fidedigno de identificação da espécie É interessante notar que nas espécies de insetos em que as fêmeas acasalam com vários machos as genitálias masculinas são mais variadas em comparação com aquelas em que a fêmea acasala só uma vez Arnqvist 1998 Quanto ao tamanho dos testículos é o chimpanzé que se destaca por possuir os maiores 027 do peso corporal e o gorila os menores 001 do peso corporal O macho Homo sapiens possui testículos com dimensões intermediárias 008 do peso corporal Buss 1999 Short 1979 O que isso significa Em lugar de competir pelo acesso às fêmeas os chimpanzés travam entre si uma intensa guerra de esperma Eles vivem em grupos de muitos machos nos quais não há monopólio de acesso às fêmeas Já os gorilas têm um sistema de acasalamento diferente em que um macho monopoliza várias fêmeas Nesse sistema é baixa a probabilidade de uma fêmea fértil receber ejaculação de mais de um macho Alcock 2001 A posição intermediária de H sapiens é interpretada por Smith 1984 como indicação de que os homens podem ter enfrentado durante a evolução uma probabilidade moderada de as parceiras copularem pouco antes ou pouco depois de estar com seu companheiro Um contexto desse tipo premiaria os homens capazes de ejacular uma quantidade maior de esperma mais perto do óvulo Quando há espermatozóides de dois ou mais homens no corpo de uma mulher travase entre eles uma competição pela fertilização do óvulo Baker 1996 referese a essa competição como uma verdadeira guerra de esperma entre dois ou mais exércitos e 443 estima que aproximadamente 4 das pessoas sejam concebidas no contexto dessa guerra Wrangham 1993 estimou que para cada parto uma fêmea de gorila teve apenas um parceiro uma fêmea humana 11 parceiros uma fêmea de chimpanzé 13 e uma fêmea de bonobo 9 Na guerra de espermas os espermatozóides especializaramse para o desempenho de diferentes funções podendose distinguir espermatozóides fertilizadores bloqueadores e assassinos na proporção 1 100 500 Os fertilizadores possuem uma cabeça onde se localiza o DNA que será levado ao óvulo e uma cauda longa e fina Os bloqueadores têm a cabeça maior e às vezes têm duas ou três cabeças e a cauda enrolada são lentos e ficam alojados no muco cervical Em lugar de DNA os assassinos transportam um fluído na cabeça com o qual atacam espermatozóides rivais Há considerável variação no volume dos testículos humanos Baker 1997 encontrou variação entre 7 e 52cm3 a partir de mensurações feitas do testículo esquerdo Quanto maior o testículo maior a produção de esperma Na sua amostra os homens que se engajaram em cópulas extrapar tinham testículos significativamente maiores com média de 38cm3 em comparação com aqueles que apenas se engajaram em cópulas intrapar média de 25cm3 Foi feita uma pesquisa com 35 casais que concordaram em fornecer preservativos usados para medida da ejaculação após tempos variados de separação Baker Bellis 1995 Quando o casal passou 100 do tempo junto a ejaculação foi de 389 milhões de espermatozóides em média mas quando passou 5 do tempo junto foi de 712 milhões Portanto o período de ausência da mulher provocou um aumento da quantidade de esperma Entretanto segundo os autores a quantidade de esperma não depende do tempo desde a última ejaculação Mesmo que o homem tivesse se masturbado até atingir o orgasmo durante o tempo em que estava longe da mulher ao voltar ainda ejaculava uma quantidade de esperma correspondente ao tempo de afastamento Esse resultado se corroborado por novas observações pode ser interpretado como uma defesa contra a infidelidade O ciúme sexual pode ser interpretado como um mecanismo psicológico que evoluiu nos homens contrapondose aos custos da traição Daly et al 1982 Buss 1999 Tendo em vista o desenvolvimento longo da criança os custos do investimento no filho de outro homem são inaceitáveis Entre os gregos como em tantas outras culturas era bem mais fácil uma mulher tolerar um marido infiel do que ter sua infidelidade tolerada por ele O marido traído era chamado keratas o pior insulto para um homem que tem o significado de fraqueza inadequação e falta de masculinidade SaafiliosRothschild 444 1969 Wilson e Daly 1993 1996 levantam a hipótese de que ameaças e violência são estratégias masculinas para limitar a autonomia da parceira e diminuir o risco de traição DETERMINAÇÃO GENÉTICA DO COMPORTAMENTO Passamos até aqui por uma variedade de assuntos tais como a formação de vínculos afetivos iniciais a sexualidade e o desenvolvimento da linguagem Discutimos por evidências filogenéticas ontogenéticas e comparativas a natureza dessas características humanas Falamos em última análise da evolução natural da determinação genética e de suas intrincadas relações com efeitos do ambiente Neste tópico vamos discutir dados provenientes do estudo de gêmeos que permitem uma compreensão mais direta dos efeitos da determinação genética no comportamento A comparação de gêmeos idênticos com gêmeos fraternos criados juntos ou em separado delineia em ambiente natural os controles experimentais necessários para o estudo de efeitos do ambiente e da genética sobre a fisiologia e o comportamento nos casos de mesma genética e de ambientes diferentes as semelhanças comportamentais devem ser atribuídas a fatores genéticos Hinde 1970 Estratégias metodológicas apropriadas permitem avaliações do efeito da herança e correções dos efeitos ambientais As diferenças entre as correlações de gêmeos idênticos criados juntos e as correlações de gêmeos idênticos criados em separado apontam a magnitude da influência genética bem como a do ambiente para cada traço psicológico investigado Bouchard 1997 A probabilidade de gêmeos monozigóticos serem obesos é duas vezes maior que a de gêmeos dizigóticos Stunkard et al 1990 Os monozigóticos também são mais concordantes quanto a problemas de saúde como hipertensão doença cardíaca epilepsia Plomin et al 1994 e acidentes vasculares cerebrais Brass et al 1990 Os resultados dos estudos de gêmeos dão uma demonstração inequívoca do efeito da genética sobre o comportamento A pesquisa que ficou conhecida como o Estudo de Minnesota de gêmeos criados em separado Minnesota Study of Twins Reared Apart MISTRA fornece diversos exemplos ilustrativos Bouchard 1997 reanalisou os dados da aplicação de um teste vocacional a medida de correlação dos gêmeos idênticos criados em separado é da ordem de 050 enquanto a correlação nos gêmeos dizigóticos também separados é da ordem de 007 Considerandose os dizigóticos como grupo controle é possível dizer que a diferença entre os grupos da ordem de 043 é determinada por efeito genético Diferenças dessa mesma magnitude são encontradas 445 para traços de personalidade como extroversão e medidas de psicopatologia entre muitas outras Ridley 2003 Os gêmeos monozigóticos são mais semelhantes entre si em características de temperamento choro irritabilidade medo impulsividade sorriso e sociabilidade Goldsmith Campos 1982 Newcombe 1996 A concordância entre monozigóticos MZ para autismo é da ordem de 96 enquanto para os dizigóticos DZ é de 23 Ritvo et al 1985 para transtorno bipolar a concordância é de 67 MZ versus 16 DZ e para esquizofrenia é de 50 MZ versus 10 DZ Rosenthal 1970 Kessler 1980 ORourke et al 1982 Os gêmeos monozigóticos são mais parecidos quanto à inteligência a correlação é de 086 contra 062 dos dizigóticos a correlação é de 072 para monozigóticos criados separadamente Newcombe 1996 Dados sobre o desenvolvimento de quociente de inteligência QI se prestam à problematização das questões de desenvolvimento As semelhanças de QI entre os gêmeos idênticos criados à parte não podem ser explicadas por idade de separação quantidade de contato entre eles ou características gerais das famílias adotivas Superestimativas de efeitos ambientais têm sido contestadas de várias maneiras por exemplo medidas feitas na infância revelam uma influência ambiental da ordem de 30 que cai com o passar do tempo Esse tipo de resultado é provocativo e merece não passar despercebido Do mesmo modo revendo dados da literatura sobre QI de gêmeos e organizandoos em função da idade Bouchard e McGue 1981 mostraram aumento do efeito da herdabilidade em função da idade ao contrário do que seria esperado por uma lógica de acúmulo de efeitos ambientais Serve como um alerta contra raciocínios simplistas Não se trata de negar a influência do ambiente nem negar a existência de ambientes inadequados nem tampouco minimizar os efeitos da aprendizagem como os autores comentam mas de entender o ser humano como um organismo complexo para o qual a oportunidade de aprender e a experiência em novos ambientes podem até amplificar os efeitos do genótipo no fenótipo Devemos admitir e enfrentar complexidades em todos os níveis Um outro exemplo pode ser ilustrado pela idéia de igualdade de ambiente que também requer a consideração de aspectos muito diferenciados Nem mesmo o ambiente intrauterino de gêmeos idênticos é completamente comum Quanto ao envelope placentário todos os gêmeos fraternos são dicoriônicos desenvolvemse em envelopes separados enquanto cerca de 70 dos gêmeos idênticos são monocoriônicos Gêmeos idênticos que se desenvolvem no mesmo envelope placentário diferem dos gêmeos idênticos que 446 se desenvolvem em envelopes separados Curiosamente os gêmeos idênticos monocoriônicos embora tendam a nascer com maior diferença de peso do que os dicoriônicos são os que mais tarde vão apresentar maiores semelhanças psicológicas Spitz 1996 o que é um complicador do raciocínio que opõe de maneira simplificada a determinação herdada e a determinação ambiental O AMBIENTE DE ADAPTAÇÃO EVOLUTIVA VERSUS OS AMBIENTES EM QUE VIVEMOS HOJE A adaptação é uma das idéias mais importantes da Biologia A observação da natureza mostra com uma infinidade de exemplos magníficos que os seres vivos por suas formas e seu funcionamento estão como que planejados para otimizar sua reprodução em conjuntos específicos de características ambientais Dizemos que eles são dotados de adaptações ajustadas a essas características ambientais sejam elas físicas ou biológicas incluindo clima substratos presas e predadores nutrientes relações de parasitismo e mutualismo e assim por diante No caso humano como em outros animais intensamente sociais o ambiente de adaptabilidade evolutiva inclui a rede social As adaptações não impedem que plantas e animais sobrevivam em ambientes diferentes daqueles nos quais evoluíram Dentro de limites e com variações de espécie para espécie os seres vivos conseguem enfrentar novas regiões e até eventualmente dar se melhor nelas do que nos locais de origem São vários os casos de animais e plantas levados com êxito pelo homem de um continente para outro Ao examinar esses êxitos vêse que apesar da distância geográfica as adaptações estavam adequadas ao novo local ou seja a distância por si só não é uma diferença ambiental Além disso o próprio processo evolutivo seleciona uma certa plasticidade cuja utilidade resulta do fato de os ambientes não serem rigidamente estáticos Os ambientes em que vivemos hoje são muito diferentes daqueles onde fomos nos transformando no que somos Buss 2000 Avaliar o efeito dessas mudanças sobre nós nem sempre é tarefa simples É evidente que nos beneficiamos de uma tecnologia médica por ex diabéticos sobrevivem graças a essa tecnologia No entanto as mudanças nas condições de vida trouxeram novos problemas e desafios por ex sedentarismo e consumo excessivo de gordura e açúcar são fatores de risco para o desenvolvimento de diabetes e outros problemas de saúde 447 Implicações de mudanças ambientais são proporcionais à importância evolutiva da característica em questão No caso do homem mudanças no ambiente social podem ter grandes implicações Estimase que os humanos tenham evoluído em grupos de 50 a 200 indivíduos Dunbar 1993 O período de milhões de anos em que vivemos assim em pequenos grupos autosuficientes não se compara ao período recente de poucos milhares de anos em que rapidamente fomos abandonando a maneira tribal de viver e graças à agricultura passamos a viver em grupos grandes Num só dia podemos encontrar mais pessoas do que nossos ancestrais encontravam durante toda a vida Estimase que eles vivessem inseridos em redes de parentesco enquanto os humanos modernos muitas vezes vivem em famílias nucleares isoladas privados de amplo apoio social Se o bemestar depende da inserção em contextos pessoais duradouros e profundos então a vida moderna associada à redução de apoio social e elevada freqüência de contatos passageiros e superficiais pode ter um efeito danoso sobre a qualidade de vida das pessoas Se as necessidades básicas estão minimamente satisfeitas o fator mais significativo para a felicidade da maioria das pessoas parece ser as relações favoráveis com amigos e familiares Como aponta Grinde 1996 nossa sociabilidade provavelmente é o aspecto da vida das sociedades modernas que mudou de forma mais dramática em comparação com a vida das comunidades tribais Talvez esteja aí a principal limitação à felicidade da maioria das pessoas o tendão de Aquiles da sociedade moderna Ao considerar a importância dessas relações o número de pessoas de uma comunidade embora relevante para o ajustamento não é o único fator a ser levado em conta Uma vila de 100 habitantes é mais semelhante como ambiente a uma grande metrópole do que a uma tribo ancestral A autonomia da tribo ancestral é uma diferença ainda maior do que o número de habitantes Os estudos antropológicos descobriram que essas tribos ainda que totalmente separadas por oceanos e não obstante a enorme variedade de usos costumes e crenças constituem como disse Levi Strauss 1967 não outras culturas mas uma outra humanidade Ora foi nesse ambiente tribal que se formaram os homens e mulheres que vivem hoje nas grandes metrópoles Não houve tempo para se criarem novas adaptações Nascemos preparados para viver numa pequena comunidade autosuficiente e dotada de uma cultura que não é exatamente a nossa mas aquela da outra humanidade Na verdade nós é que somos uma outra 448 humanidade Somos um animal deslocado de seu ambiente de adaptação Contudo não somos o único caso plantas e animais domésticos também estão deslocados Ofuscados e embevecidos pela enorme sofisticação tecnológica de nossa sociedade industrial tendemos a subestimar as conquistas culturais do ambiente tribal A tecnologia atual não é muito mais do que uma sucessão de desdobramentos da base de nossos ancestrais coletorescaçadores Essa base está mais distante da vida não cultural anterior do que das conquistas dos últimos séculos Se o leitor nos permite uma fantasia ilustrativa imagine um pequeno grupo de pessoas que por acidente se vejam perdidas em alguma área desabitada da floresta amazônica Imagine também que essas pessoas consigam quase por milagre manterse vivas por um período relativamente longo encontrando precaríssimas fontes de alimento aqui e ali Não há dúvida no entanto que levariam uma vida miserável paupérrima em desespero e angústia Agora imagine que um belo dia perambulando um pouco mais longe essas pessoas encontrem uma tribo de índios e sejam por ela acolhidas A experiência de sobreviver com falta de quase tudo teria desfeito o ofuscamento tecnológico e as levaria a perceber em cheio a opulência da cultura primitiva Os índios seriam imediatamente percebidos como ricos donos de uma abundância de recursos e de conhecimentos O nosso grupo de sobreviventes veria o valor e a inteligência desse patrimônio cultural Se permanecessem bastante tempo teriam a oportunidade de contemplar o fácil acesso das crianças a todo esse patrimônio e até conceber o ser humano como naturalmente cultural O ambiente de desenvolvimento exige competência para a conquista desse patrimônio e essa exigência foi durante alguns milhões de anos um fator de seleção para todos os aspectos da cultura Passado o impacto de perceber o poder de ação da tribo sobre o ambiente nossos visitantes aprendendo a língua começariam a perceber a música a dança e toda uma variedade de práticas crenças e regras que não têm nenhum valor óbvio e imediato para a sobrevivência O que eles não conseguiriam fazer e nós mesmos ainda estamos longe de conseguir é entender o papel de tudo isso Com a abordagem etológica e evolutiva a indagação desse papel se coloca plenamente Talvez essas coisas sejam soluções para problemas criados pelo próprio desenvolvimento cognitivo e tecnológico Soluções para lidar com a partilha de alimentos com o sexo com a guerra com as incertezas e com a morte Há alguns milhões de anos a cultura começou a ganhar importância como recurso auxiliar das tarefas da eficácia reprodutiva As pedras lascadas e os outros 449 recursos materiais e imateriais traziam soluções e abriam possibilidades de expansão Pari passu exigiam indivíduos aptos para seu uso fluente Selecionavase assim uma aptidão especial que não se restringia às habilidades motoras e cognitivas mas incluía novas disposições sociais motivacionais e emocionais Na mesma medida em que foi dando forma a esse novo primata a cultura deu origem a novos problemas Assim como a postura ereta criou problemas para o parto e a elevação da laringe dificultou a relação entre deglutição e respiração assim também a cultura decerto colocou o homemem formação diante de novas dificuldades Com o desenvolvimento da cognição e da linguagem a reorganização da busca e do consumo de alimentos a construção de abrigos a consciência do futuro e tudo o mais novos problemas da convivência efetiva encontraram soluções não apenas nas alterações genéticas mas na própria cultura Ela passou a resolver os problemas resultantes das soluções que lhe permitiram assumir um certo controle da evolução Ritos e mitos usos e costumes regras de conduta valores e estruturas sociais foram as soluções encontradas No caso de outros animais a análise funcional com a qual procuramos entender o papel de cada ação na vida da espécie já encontra desafios consideráveis E quando dentro dessa perspectiva fazemos comparação entre o homem e os outros o que se destaca é a quantidade de ações cujas funções exigem um quadro explicativo mais complexo A grande diferença já não é mais a inteligência nem a sexualidade exacerbada nem a agressividade absurda nem mesmo a própria cultura O que nos parece é que a maneira mais aguda de perceber a originalidade humana está na descrição da complexidade funcional As indagações iniciais Como somos Por que somos como somos se transformam em Qual é o sentido adaptativo das nossas ações Essa pergunta parece crescer notavelmente em dificuldade no caso humano Parecenos mais fácil por contraste entender os outros animais Imagine o leitor um registro competente de todas as suas atividades num dia qualquer de sua vida A identificação das funções dessas atividades não é nada simples O sentido de cada atividade está imerso numa trama social e cultural que ofusca a percepção das funções biológicas A própria idéia de função biológica precisa ampliar se para dar conta dos significados culturais Em nenhuma outra espécie encontrase tal complexidade Não se trata apenas de uma relação remota no tempo entre a ação e suas conseqüências Portanto não é numa ingênua competição de inteligência ou sensualidade ou em qualquer outro atributo singular que se encontra a originalidade humana A abundância cultural humana é o candidato óbvio porém do ponto de vista biológico a complexidade funcional do comportamento humano é a forma de integrar o 450 estudo do ser humano no panorama evolutivo E é tão grande essa complexidade funcional que a sombra de um sonho tornase uma esfinge e voltamos a ser o mais enigmático dos animais REFERËNCIAS Akhtar N Tomasello M 1998 Intersubjectivity in early language and use pp 1546 In Bräten S ed Intersubjective Communication and Emotion in Early Ontogeny Cambridge Cambridge University Press Alcock J 2001 Animal Behavior An Evolutionary Approach Sunderland Sinauer Alexander RD Hoogland JL Howard RD Noonan KM Sherman PW 1979 Sexual dimorphism and breeding systems in pinnipeds ungulates primates and human pp 43653 In Chagnon NA Irons W eds Evolutionary Biology and Human Social Behavior An Anthropological Perspective North Scituate MA Duxbury Press Arnqvist G 1998 Comparative evidence for the evolution of genitalia by sexual selection Nature 393 7846 Aureli F 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conceito científico Grande parte da discussão sobre bemestar animal recai no que os seres humanos fazem sobre isso ou deveriam fazer sobre Tal questão sobre o que as pessoas devem fazer é uma questão ética O estudo científico do bemestar animal deve ser separado da ética Os animais sempre tiveram bemestar mas o que os seres humanos sabem sobre isso modificase ao longo do tempo Ajudar os outros e não prejudicar os outros são estratégias eficazes especialmente para os animais que vivem em grandes grupos sociais longevos Assim sistemas morais evoluíram em seres humanos e outros animais tal como explicado em detalhes por de Waal 1996 Ridley 1996 e Broom 2003 As pessoas consideram que tem deveres para com os outros assim como todos os animais sociais em nós evoluíram tais características que nos tornam sensíveis aos outros nas nossas sociedades de uma maneira que promova preferências à obediência e às ações Essa posição deontológica surgiu em cada sociedade humana e os mecanismos envolvidos têm paralelos nas sociedades animais Outras características que evoluíram aumentam a habilidades para avaliar as consequências das ações e avaliar custos e benefícios ou seja algumas decisões utilitárias47 Em 1964 livro de Ruth Harrison Animal Machines foi publicado e salientou que os envolvidos na indústria de produção animal muitas vezes tratam os animais como máquinas inanimadas em vez de indivíduos vivos Como consequência desse livro em 1965 o governo britânico instituiu o Comitê Brambell e um dos seus membros foi WH Thorpe um etólogo da Universidade de Cambridge Thorpe enfatizou que o entendimento da biologia dos animais é importante e explicou o que os animais tem necessidades considerando uma base biológica incluindo algumas necessidades para mostrar determinados comportamentos e que os animais teriam problemas se tais necessidades fossem frustradas Thorpe 1965 Essa visão veio a ser escrita no relatório Brambell como as cinco liberdades O conceito de liberdade tem algumas dificuldades lógicas e científicas Broom 2003 A idéia das necessidades dos animais é o que é chave para a compreensão do bemestar animal A motivação dos animais em situações difíceis e as bases biológicas das necessidades foram explicadas por Duncan Gush 47 Utilitarian NT 459 Wood 1971 1972 Hughes Duncan 1988 e Toates Jensen 1991 Muitos etólogos que trabalharam com o tema motivação na década de 1980 e 1990 mudaram para estudos de etologia aplicada e em particular ao bemestar animal Broom no prelo Ao mesmo tempo o uso científico do termo estresse vinha sendo melhor estabelecido Seu uso por Selye 1956 foi claramente ambígua e até certo ponto errada em que o HPA e mecanismos fisiológicos SAM foram apresentados por Selye como algo geral a todas as situações quando na verdade elas não estavam presentes Mason 1968 Dantzer Mormède 1979 Erroneamente algumas pessoas utilizaram o termo estresse para indicar a atividade do eixo HPA enquanto outros o utilizaram para qualquer estimulação Broom sugeriu 1983 ver também Broom Johnson 1993 que deve ser limitada aos efeitos adversos ou potencialmente negativos com redução de fitness48 como critério Essa visão foi apoiada por alguns fisiologistas e pesquisadores de bemestar animal mas a maioria foi ignorada pelos pesquisadores da área médica A visão que os animais domésticos têm menor poder cerebral para comportamentos complexos em comparação aos seus ancestrais selvagens Hemmer 1983 foi subsequentemente considerada em grande parte incorreta Estudos experimentais sobre a aprendizagem têm demonstrado que os animais domésticos têm uma gama de habilidades sofisticadas Fraser Broom 2007 2010 Broom 2010 Por exemplo ovelhas e vacas reconhecem muitos indivíduos e as ovelhas têm unidades em seus cérebros que tornam isso possível Kendrick Baldwin de 1987 Kendrick et al 1995 2001 bovinos juvenis podem mostrar uma resposta de excitação quando aprendem alguma coisa Hagen Broom 2004 e os porcos podem usar informação de espelhos depois de algumas horas de experiência com um Broom et al 2009 A principal forma em que os animais domésticos foram alterados por seleção humana é que ao contrário de seus ancestrais eles podem ter alguma tolerância de proximidade humana e uma capacidade de se reproduzir em situações restritas subótimas Price 2002 Até recentemente grande parte da discussão sobre o uso de animais foi centrada sobre se eles devem ou não ser mortos Filósofos e o público ficaram principalmente receosos em relação à ética de matar animais para alimentação humana roupas humanas investigação científica ou como animais de estimação não desejados Regan 1990 Fraser 2008 Esta é uma questão ética importante mas não é uma questão de bemestar animal A questão do bemestar animal é o que acontece antes da morte incluindo a 48 Fitness foi usado pelo autor e aqui não foi traduzido Por essa razão aparece em itálico NT 460 forma como são tratados durante a última parte de suas vidas muitas vezes o período préabate e então o método pelo qual eles seriam mortos Animais e seus sistemas de resposta estão sujeitos aos desafios de seu ambiente Esses desafios incluem patógenos danos aos tecidos ataque ou ameaça de ataque por um predador ou de animal da mesma espécie e outras competições sociais a complexidade do processamento da informação em uma situação onde um indivíduo recebe estimulação excessiva a falta de estímuloschaves como uma teta para um jovem mamífero ou aquelas associadas com o convívio social por um animal social e uma falta total de estímulo Em geral a incapacidade de controlar suas interações com o meio ambiente causa problemas para os seres humanos e outros animais Depois de alguns pontos de vista geralmente aceitos sobre o funcionamento dos animais e também os escritos de Lorca Hughes 1982 propôs que o termo bemestar animal significava que o animal estava em harmonia com a natureza ou com seu ambiente Esta é uma constatação de interesse biológico e um precursor de pontos de vista mais atuais mas não é uma definição útil Estar em harmonia é um estado único de modo que não permitem uma avaliação científica A questão fundamental é o quanto o indivíduo está em harmonia Broom 1986 apresentou a sua definição de bemestar O bemestar de um indivíduo é seu estado no que se diz respeito às suas tentativas de lidar coping com seu ambiente Em uma série de publicações Broom 1988 1991ab Broom Johnson 1993 Broom Molento 2004 vários pontos relativos a esta definição incluindo os que estão abaixo foram enfatizadas Coping49 significa ter controle da estabilidade mental e corporal Broom Johnson 1993 Bemestar pode ser medido cientificamente Duncan 1993 Fraser 2008 e varia em um intervalo de muito bom a muito ruim Bem estar será pobre se houver dificuldade em lidar ou o fracasso em lidar Existem várias estratégias de enfrentamento com os componentes comportamentais fisiológicos imunológicos e outros que são coordenados a partir do cérebro Sentimentos tais como dor medo e as várias formas de prazer podem ser parte de uma estratégia de enfrentamento e os sentimentos são uma parte fundamental do bemestar Cabanac 1979 Broom 1991b 1998 Fraser Broom 2007 2010 Broom 2008 e Panksepp 1998 O sistema pode funcionar com sucesso de modo que o enfrentamento50 é alcançado ou pode ser mal sucedido condição em que o indivíduo é prejudicado Uma ou mais estratégias de enfrentamento podem ser utilizadas para tentar lidar com um 49 Itálico incluído pelo tradutor Traduzido por enfrentamento N T 50 Coping N T 461 desafio particular de modo que uma ampla gama de medidas de bemestar pode ser necessária para avaliar o bemestar Lidar com a uma patologia é necessário se o bem estar deve ser bom então a saúde é uma parte importante do bemestar Embora os cientistas do bemestar animal concordem que o bemestar animal é mensurável a definição de Broom tem sido referido por alguns como uma definição funcional que contrasta com as definições ligadas a sentimentos51 Duncan Petherick 1991 Duncan 1993 A posição mais comum foi a de Dawkins 1980 1990 que afirma que os sentimentos do indivíduo são a questão central do bemestar mas outros aspectos como a saúde desse indivíduo também são importantes Ao mesmo tempo aqueles com formação médica ou veterinária por vezes apresentam a visão de que a saúde é tudo ou quase tudo no caso do bemestar Bom bemestar está geralmente associado a sentimentos de prazer ou contentamento Cabanac 1992 Keeling Jensen 2002 A sensação é construída pelo cérebro envolvendo pelo menos a consciência perceptiva a qual está associada a um sistema de regulação da vida que é reconhecido pelo indivíduo quando esta se repete e pode mudar o comportamento ou o modo de agir como um reforço na aprendizagem Broom 1998 O sofrimento ocorre quando um ou mais sentimentos negativos continuem por mais de alguns segundos Broom 1998 Há problemas com uma definição de bemestar que se refere apenas aos sentimentos Por exemplo não é apropriado dizer que o bem estar é bom uma pessoa com uma perna quebrada dorme um viciado que acaba de tomar heroína um indivíduo gravemente afetado por uma doença mas que desconhece que a possui ou uma pessoa ferida cujo sistema de dor não funciona Broom 1991b 1998 O artigo sobre a avaliação da dor e angústia em animais de laboratório publicado por Morton e Griffiths 1985 teve influência significativa mas a maioria dos cientistas neste momento não considera o bemestar animal como uma disciplina científica que deve ser ensinado aos estudantes de veterinária e outros estudantes O comportamento animal e a função cerebral foram pensados para ser de menor importância para o trabalho veterinário Esses pontos de vista tem paralelos estreitos com a profissão médica em que aqueles que estudaram os problemas comportamentais e mentais são muitas vezes considerados periféricos em relação às grandes tarefas da medicina humana A maioria das pessoas nas profissões veterinárias médicas e científicas não 51 Feelingrelated definitions N T 462 estavam dispostos a se referir aos sentimentos dos animais Panksepp 2005 A maior parte do desenvolvimento da ciência do bemestar dos animais ocorreu após 1990 OUTROS CONCEITOS DE BEMESTAR ANIMAL O quão bem poderia os nossos animais domésticos se adaptar às condições que impomos a eles Podem os animais selvagens se adaptar ao nosso impacto sobre eles Quando nos referimos a animais individuais a adaptação é o uso de sistemas de regulação com seus componentes fisiológicos e comportamentais que ajudam um indivíduo a lidar com as suas condições ambientais Broom 2006a Os animais podem se adaptar melhor se as suas necessidades forem atendidas Quais são os limites para a adaptação A idéia de que há limites tem sido amplamente aceitos na biologia Monte 1979 Moberg 1985 mas rejeitada por alguns dos envolvidos na produção animal Um indivíduo que tenta lidar com um ou mais desafios ambientais pode falhar em fazêlo Por exemplo pode ser difícil ou impossível para lidar com a temperatura externa extrema a multiplicação do patógeno ou elevado risco de predação ou difíceis condições sociais Os estados do corpo podem ser deslocados para fora da faixa tolerável e a morte pode acontecer Um indivíduo pode se adaptar a uma situação ambiental com dificuldade caso em que o bemestar é ruim Por exemplo se um indivíduo está se adaptando ou se adaptou mas sente dor ou depressão Lidar com os desafios normalmente significa que todos os sistemas corporais e mentais tem funcionado de modo que o impacto ambiental é nulo Portanto enfrentar52 é mais do que adaptar A adaptação não significa necessariamente bom bemestar Para a maioria das pessoas estresse são os efeitos de um desafio para o indivíduo que perturba a homeostase resultando em efeitos adversos Não é apenas um estímulo que ativa os mecanismos de controle de liberação de energia Estímulos cujos efeitos são benéficos não seriam estressores como chamado pela maioria das pessoas Além disso para a maioria das pessoas situações que ativam o eixo hipotálamo hipófise adrenal cortical mas cujos efeitos são úteis para o indivíduo não seriam chamados de estressores A definição de estresse que está em consonância com o uso público da palavra é O estresse é um efeito ambiental sobre um indivíduo que sobretaxa sistemas de controle e resulta em consequências negativas e eventualmente reduzida aptidão Broom Johnson 1993 Broom 1983 Não há estresse bom Durante o 52 to cope N T 463 desenvolvimento dos indivíduos os estímulos que resultam de situações difíceis tanto podem ser experiências úteis mas estes são melhores referidos como sendo não estressantes Sempre que houver estresse o bemestar será pobre mas pode ser temporariamente pobre sem qualquer efeito adverso de longa duração ou seja sem estresse Saúde referese ao que está acontecendo nos sistemas do corpo incluindo as do cérebro que luta contra patógenos danos no tecido ou distúrbios fisiológicos Saúde é o estado de um indivíduo no que diz respeito as suas tentativas de lidar com a patologia Broom 2000 2006b Com o desafio da doença bem como com outros desafios dificuldades ou adaptação inadequada resulta em pobre bemestar A relação entre a doença e o bemestar é resumida na figura 1 Saúde é uma parte importante do bem estar 464 Efeitos da doença levam a pobre bemestar Condições difíceis e consequente pobre bemestar leva a imunossupressão e aumento de doenças Global Pobre bemestar Doença Fig1 Relações entre bemestar e doença 465 A necessidade é uma exigência que faz parte da biologia básica de um animal para obter um determinado recurso ou responder a um estímulo ambiental específico ou corporal Broom Johnson 1993 A necessidade em si está no cérebro Ele permite o funcionamento eficaz do animal Pode ser cumprida pela fisiologia ou comportamento mas a necessidade não é fisiológica ou comportamental Há necessidades de recursos tais como comida água ou calor mas também há necessidade de se realizar ações cuja função é a de atingir um objetivo Hughes Duncan 1988 Toates Jensen 1991 Por exemplo um porco chafurdando no solo ou manipulando materiais como palha ou galhos ou uma galinha fazendo banho de terra para manter as penas em boas condições ou uma galinha ou uma porca construindo um ninho quando está prestes a dar à luz ou pondo um ovo A idéia de fornecer para as cinco liberdades sugerida pela primeira vez no Relatório Brambell em 1965 mas não muito em linha com o conceito de Thorpe das necessidades é agora substituído pelo conceito mais científico de necessidades A lista das liberdades apenas fornece uma orientação geral para nãoespecialistas Os animais têm muitas necessidades e estes têm sido investigados para muitas espécies Esse é o ponto de partida para avaliações do bemestar de uma espécie A lista de necessidades tem sido o ponto de partida para recomendações do Conselho da Europa e dos relatórios científicos da União Européia sobre bemestar animal há mais de 20 anos As liberdades não são precisas o suficiente para ser usado como base para uma avaliação do bemestar Atualmente essa é uma abordagem fora do prazo de validade que ainda pode até ser útil como uma orientação preliminar mas não deve ser usado se as provas científicas sobre as necessidades estão disponíveis Os 12 fatores apontados pelo programa de Qualidade do BemEstar é um guia melhor do que as cinco liberdades mas uma lista das necessidades dos animais em particular em análise com base em evidências científicas publicadas é mais útil Como devemos descrever o que deve ou não ser feito para outras pessoas A maioria das pessoas diria que todos nós temos obrigações de não prejudicar os outros De outra perspectiva podese dizer que cada outro indivíduo tem o direito de não ser prejudicado por nós No entanto as afirmações dos direitos e liberdades podem causar problemas Broom 2003 Devemos descrever as obrigações do ator em vez de os direitos do sujeito Se continuarmos ou não a interagir com os animais nós então temos obrigações em relação ao bemestar deles 466 BEMESTAR AVALIAÇÕES E DECISÕES Efeitos sobre o bemestar dos animais que podem ser descritos incluem os de doença ferimentos a fome a estimulação benéfica as interações sociais positivas ou negativas outras formas de sucesso em ações condições de moradia positivas ou negativas maustratos deliberados ou acidentais a manipulação humana positiva ou negativa transporte os procedimentos laboratoriais mutilações diversas tratamento veterinário positivo ou negativo alteração genética por melhoramento convencional ou outro Broom 2008 2010a Indicadores de bemestar são descritos por Broom Fraser 2007 2010 Existem diferenças entre os indicadores de bemestar para os problemas de curto prazo e longo prazo Medidas a curto prazo como frequência cardíaca e da concentração de cortisol plasmático são apropriadas para avaliar o bemestar durante o manuseio ou transporte mas não durante a habitação a longo prazo Algumas medidas de comportamento a função do sistema imunológico e do estado da doença são mais adequadas para os problemas de longo prazo Bemestar durante longos períodos é por vezes referido como qualidade de vida Este termo é muito utilizado pelos médicos mas isso significa bemestar ao longo de um período de mais de alguns dias Broom 2007b A avaliação do bemestar deve ser completamente separada de qualquer juízo ético mas uma vez que a avaliação é concluída as informações produzidas podem ser utilizadas para se tomar decisões sobre a ética de uma situação Se temos que avaliar a qualidade de vida devemos utilizar métodos quantitativos de avaliação do bemestar sempre que possível A avaliação do bemestar pelas pessoas pode variar consideravelmente a menos que métodos estabelecidos sejam usados Uma questão fundamental a ser abordada é o quão bom é o bemestar do ponto de vista do animal Os métodos gerais para avaliar o bemestar estão resumidos na Tabela 1 e uma lista de medidas de bemestar está apresentada na Tabela 2 A maioria dos indicadores contribuirá para identificar o estado do animal onde quer que seja na escala de muito bom a muito ruim Algumas medidas são mais relevantes para os problemas de curto prazo tais como aqueles associados à manipulação humana ou um breve período de condições físicas adversas enquanto outras são mais adequadas para problemas de longo prazo Essas medidas de bemestar não são medidas subjetivas e é possível avaliar a qualidade de vida pela utilização de tais medidas e não apenas por perguntar questões subjetivas Medidas subjetivas em seres humanos podem estar incorretas ou inconsistentemente corretas No entanto aqueles que utilizam a metodologia utilizada 467 na pesquisa médica no bemestarqualidade de vida e aqueles que avaliam o bemestar dos animais nãohumanos têm muito a aprender uns com os outros ver Lutgendorf de 2001 e outros capítulos nesse livro Para uma discussão detalhada das medidas de bem estar consulte Broom Johnson 2000 468 Tabela 1 Sumário de avaliações de bemestar Métodos gerais Avaliação Indicadores indiretos de bemestar pobre O quão pobre ele é Testes de a esquiva avoidance a Qual é a extensão que os animais tem que viver com a situação ou estímulo aversivo and b preferências positivas b Em que grau está disponível o que é fortemente preferido Medidas de capacidade de realizar Quanto é importante a não ocorrência do comportamento normal ou o comportamento normal e o desenvolvimento de outras funções biológicas anatômicas e fisiológicas Outros indicadores diretos de bem estar Quão bom ele é modificado de Broom 1999a Tabela 2 Medidas de bemestar Indicadores fisiológicos de prazer Indicadores comportamentais de prazer O grau cujos comportamentos altamente preferidos podem ser exibidos A variedade de comportamentos normais exibidos ou suprimidos O grau que o desenvolvimento de processos fisiológicos e anatômicos é possível O grau de aversão comportamental exibido 469 Tentativas fisiológicas de enfrentamento coping N T Imunossupressão Prevalência de doenças Tentativas comportamentais de enfrentamento coping N T Patologias comportamentais Alterações cerebrais Prevalência de danos corporais Capacidade reduzida de crescer e se reproduzir Expectativa de vida reduzida Broom 2000 470 Alguns sinais de pobre bemestar surgem a partir de medições fisiológicas Por exemplo aumento da frequência cardíaca atividade adrenal a atividade adrenal após desafio com ACTH ou a resposta imunológica reduzida na sequência de um desafio podem indicar que o bemestar é mais pobre do que em indivíduos que não apresentam tais mudanças Cuidados devem ser tomados na interpretação dos resultados tal como com muitas outras medidas descritas aqui A função do sistema imunológico prejudicado e algumas das alterações fisiológicas podem indicar o que tem sido chamado de um estado prépatológico Moberg 1985 Como consequência da elevada proporção de mecanismos de enfrentamento que envolvem o funcionamento dos centros superiores do cérebro alguma avaliação do bemestar deve envolver medidas da função cerebral Broom Zanella 2004 As medidas comportamentais também são de especial importância na avaliação do bem estar O fato de que um animal evitar um objeto ou evento fortemente dá informações sobre seus sentimentos e consequentemente sobre o seu bemestar Quanto mais forte evitar o pior o bemestar enquanto o objeto estiver presente ou o evento estiver ocorrendo Uma pessoa que é completamente incapaz de adotar uma postura preferencial ao deitar apesar das repetidas tentativas será avaliada como tendo um bem estar mais pobre do que uma que pode adotar a postura de preferência Outros comportamentos anormais tais como estereotipias automutilação caudofagia em suínos penas bicadas em galinhas ou comportamento excessivamente agressivo em cães indica que o bemestar do autor do ato é pobre Em algumas destas medidas fisiológicas e comportamentais é evidente que o indivíduo está tentando lidar com a adversidade e a extensão das tentativas de lidar pode ser medida Em outros casos no entanto algumas respostas são unicamente patológicas e o indivíduo falha a lidar Em qualquer caso a medida indica pobre bemestar As doenças os ferimentos os problemas de circulação e as anomalias de crescimento tudo indica pobre bemestar Se dois sistemas de alojamento são comparados em uma experiência cuidadosamente controlada e a incidência de alguma das situações acima é significativamente aumentada em um deles o bemestar dos animais é pior nesse sistema O bemestar de qualquer animal doente é pior que a de um animal que não está doente mas ainda há muito a ser descoberto sobre a magnitude dos efeitos da doença sobre o bemestar Pouco se sabe sobre quanto sofrimento está associado com doenças diferentes Um exemplo específico de um efeito das condições de habitação que levam a um pobre bemestar é a consequência da redução severa na frequência de execução de 471 exercícios para a resistência óssea Em estudos com galinhas Knowles Broom 1990 Norgaard Nielsen 1990 as aves que não podiam se exercitar suficientemente as suas asas e pernas porque eles foram alojados em baterias de gaiolas tinha ossos consideravelmente mais fracos do que as aves em poleiros onde havia espaço suficiente para o exercício Da mesma forma Marchant Broom 1996 encontraram que as porcas em baias tinham os ossos da perna apenas 65 mais forte que as porcas em sistemas de criação em grupo A fraqueza real dos ossos significa que os animais estão lidando de maneira pior com o seu ambiente de modo que o bemestar é mais pobre no confinamento Se tais ossos de um animal são quebrados haverá uma dor considerável e o bemestar vai ser pior A dor pode ser avaliada pela aversão medidas fisiológicas os efeitos de analgésicos por exemplo Duncan et al 1991 Stilwell et al 2009 ou pela existência de neuromas Gentle 1986 Seja qual for a medida os dados coletados em estudos de bemestar animal dá informações sobre a posição do animal em uma escala de bemestar de muito bom a muito ruim A maioria dos indicadores de bom bemestar que podemos usar são obtidos por estudos que demonstram preferência positivas pelos animais positivos Em testes operantes um custo é imposto ao acesso ao recurso exigindo que o sujeito realize uma tarefa O desempenho da tarefa exige tempo e esforço que poderia ter sido gasto fazendose outras coisas A tarefa também pode ser desagradável para o sujeito Em testes de escolha o custo é normalmente aplicado ao invés da consumação O animal deve dividir o tempo entre consumir os recursos Como é que vamos descobrir a partir dos animais o d que eles precisam O que é preferível Quão difícil será o trabalho individual por um recurso Um rato pode facilmente aprender a levantar uma porta pesada e o montante levantado dá uma indicação de sua força de preferência para o recurso Manser et al 1996 estudando as preferências de andares em ratos de laboratório descobriu que ratos levantariam uma pesada porta para chegar a um chão sólido em que podiam descansar ao invés de chegar a um piso de grade A terminologia utilizada na estimativa da força motivacional inclui o seguinte Kirkden et al 2003 Um recurso é uma mercadoria ou uma oportunidade de realizar uma atividade A demanda é uma quantidade medida de ação que permite que recursos sejam obtidos O preço é o montante dessas ações que são necessárias para uma unidade de recurso A renda é a quantidade de tempo ou outra variável que limita a ação A elasticidade do preço da demanda é a taxa proporcional em que em que o consumo ou demanda mudam como preço O excedente do consumidor é uma medida 472 da maior quantia que um sujeito está disposto a gastar em uma determinada quantidade do recurso Ela corresponde a uma área sob uma curva de demanda inversa Onde a demanda de um recurso é medido em uma escala de preços a importância do recurso é indicado mais pelo excedente do consumidor do que pela elasticidadepreço da demanda Kirkden et al 2003 Um exemplo da utilização desta metodologia é o trabalho de Mason et al 2001 A questãochave foi determinar a força da preferência de vison uma espécie parcialmente aquática para vários recursos incluindo a água em que se podia nadar Os visons foram treinados para executar atividades operantes para chegar em um ninho extra a vários objetos a uma plataforma elevada a um túnel a uma gaiola vazia e a uma piscina de água para nadar dentro A natação foi dada alta prioridade pelo vison O terceiro método geral de avaliação do bemestar listadas na Tabela 2 envolve medir o comportamento e outras funções que não podem ser efetuados em determinadas condições de vida As galinhas batem as asas em intervalos mas não conseguem em uma bateria de gaiolas enquanto que vitelos e alguns animais de laboratório enjaulados se esforçam para limparse bem mas não podem em uma pequena jaula grade ou aparelho de contenção Em toda a avaliação do bemestar é necessário ter em conta a variação individual na tentativa de lidar com a adversidade e os efeitos que a adversidade tem sobre o animal Quando os porcos foram confinados em baias ou amarras por algum tempo um boa parte apresenta níveis elevados de estereotipias enquanto outros indivíduos são muito inativos e não reativos Broom 1987 Broom Johnson 1993 Pode haver também uma mudança com o tempo de permanência na condição na quantidade e no tipo de comportamento anormal mostrado Cronin Wiepkema 1984 Em ratos camundongos e musaranhos sabese que diferentes respostas fisiológicas e comportamentais são mostradas por um indivíduo confinado com um agressor e essas respostas de enfrentamento foram classificadas como ativas e passivas von Holst 1986 Koolhaas et al 1983 Benus 1988 Os animais ativos lutam vigorosamente enquanto os animais passivos se submetem Um estudo sobre as estratégias adotadas pelas fêmeas em uma situação social competitiva mostrou que algumas fêmeas foram agressivas e bem sucedidas uma segunda categoria de animais se defendeu vigorosamente se foi atacado enquanto uma terceira categoria de porcas evitou confronto social se possível Estas categorias de animais diferiam em suas respostas adrenais e no sucesso reprodutivo Mendl et al 1992 Como resultado das diferenças na extensão das 473 diferentes respostas fisiológicas e comportamentais para os problemas é necessário que qualquer avaliação do bemestar deva incluir uma vasta gama de medidas Nosso conhecimento de como combinar as várias medições para indicar a gravidade do problema também deve ser melhorado Também é importante compreender que as estratégias utilizadas pelos animais em diferentes situações de enfrentamento podem ser diferentes daqueles usados por seres humanos Um exemplo é a resposta à dor severa em ovinos e algumas outras espécies de presas nas quais não é adaptativo mostrar respostas comportamentais óbvias Broom Johnson 2000 Para qualquer escala de tempo medidas de intensidades de efeitos sobre o bemestar tem que estar relacionada com a duração do estado Quando o bemestar é avaliado a relação entre a sua intensidade a palavra severidade é usada às vezes quando o efeito é negativo e a duração deve ser levada em conta Fig 2 foi inicialmente desenhada para exemplificar o pobre bemestar durante o abate Broom 2001b mas o princípio é o mesmo para os efeitos positivos 474 Fig2 A medida de intensidade de bemestar pobre ou bom está disposto contra o tempo em dois exemplos a poderia ser um animal sendo abatido por meio de um método que envolve dor prolongada e outros bemestar pobres b poderia ser um animal abatido por um método que tem um efeito mais rápido Modificado de Broom 2001b Alta Intensidade do Efeito Baixa Tempo Alta Intensidade do Efeito Baixa Tempo a b 475 Onde há um impacto negativo na fig 2 a área sob a curva de intensidade contra o tempo é a magnitude do pobre bemestar Quando o impacto é positivo a magnitude do bom bemestar é a área sob a curva NATURALIDADE E BEMESTAR Onde naturalidade se encaixa com o conceito de bemestar Fraser 1999 assinalou que quando membros do publico falam sobre bemestar animal suas idéias incluem o funcionamento dos animais os sentimentos dos animais e a naturalidade do ambiente Os sentimentos referido por Fraser e outros se encaixam confortavelmente na definição de Broom de bemestar visto que são componentes importantes de mecanismos de enfrentamento53 e de funcionamento biológico Rollin 1990 1995 Fraser et al 1997 e Fraser 2008 têm defendido que os animais devem ser capazes de levar uma vida razoavelmente natural e se referem a importância da compreensão das necessidades dos animais No entanto eles não dizem no que a naturalidade contribui para uma definição do conceito de bemestar ou deveria ser parte da avaliação do bemestar O estado de um indivíduo tentando lidar com seu meio ambiente será necessariamente depende do seu funcionamento biológico ou dito de outra forma de sua natureza As condições naturais afetaram as necessidades dos animais e a evolução de mecanismos de enfrentamento na espécie O estado de um indivíduo tentando lidar com seu ambiente dependerá do seu funcionamento biológico As condições naturais afetaram as necessidades dos animais e a evolução de mecanismos de enfrentamento na espécie O ambiente fornecido deverá satisfazer as necessidades do animal mas não tem que ser o mesmo que o ambiente na natureza BEMESTAR LEIS E SENCIÊNCIA Nos últimos anos a pressão pública em relação aos códigos de conduta leis e aplicação da legislação têm aumentado em todos os países sobre saúde humana bemestar animal e o impacto sobre o meio ambiente Na Europa uma das grandes pressões de leis etc nessas áreas tem sido a visão de que é não civilizado permitir que as pessoas adoeçam os animais sejam maltratados ou o ambiente danificado Um sistema ou procedimento é sustentável se for aceitável agora e se os seus efeitos serão aceitáveis no futuro principalmente no que se diz respeito à disponibilidade de recursos as consequências do 53 Coping N T 476 funcionamento e da moralidade da ação Bemestar animal é um dos critérios utilizados pelo público para decidir se um procedimento ou sistema é aceitável por isso é uma consideração necessária para a sustentabilidade Broom 2001a 2002 2010a Para os consumidores e produtores de produtos de origem animal o conceito de qualidade tem aumentado Boa qualidade agora significa bom gosto e também algo sustentável especialmente aceitável em relação à saúde humana bemestar animal e impacto ambiental O termo bemestar embora não aplicável a objetos inanimados ou plantas é relevante para todos os animais porque eles têm uma capacidade de detectar e responder rapidamente aos impactos sobre os ambientes geralmente através do funcionamento do seu sistema nervoso Embora muitas respostas de animais mais complexos são controladas por processos sofisticados em seus cérebros os de animais mais simples também fazem parte das tentativas de lidar com o ambiente Podemos avaliar e considerar o bemestar de qualquer animal Uma questão separada é sobre quais os animais que devem ser protegidos e até que ponto eles devem ser protegidos Para a maioria das pessoas animais com consciência são considerados dignos de maior proteção Um ser senciente é aquele que tem alguma habilidade de avaliar as ações dos outros em relação a si próprio e de terceiros lembrar algumas de suas próprias ações e suas consequências avaliar o risco ter alguns sentimentos e ter algum grau de consciência Broom 2006c 2007a As pessoas contemplam a muito tempo a senciência dos diversos animais domésticos e outros e muitas vezes pensam neles como um exemplo a seguir ou um amigo que iria ajudar e não apenas como um recurso objeto No entanto um coelho é visto de forma diferente conforme é considerado um animal de estimação da família animais de laboratório animais criados para a produção de carne ou um animal selvagem que se alimenta de suas colheitas Isso não é cientificamente sólido Um coelho é um coelho e cada um sente dor ou tem função cognitiva Um desenvolvimento em relação aos conceitos de bemestar e aplicações é a medida do bemestar em fazendas ou outros lugares onde os animais são utilizados Indicadores de resultados de bemestar que podem ser utilizados pelos fiscais veterinários agricultores e outros já foram discutidos com considerável precisão Welfare Quality 2009 abc É provável que os progressos sejam feitos com as medidas de dor e outros aspectos do bemestar ao serem utilizados por cientistas do bemestar animal As avaliações estão sendo feitos agora se considerando o risco de pobre bemestar e da probabilidade de benefícios ao bemestar Smulders Argel 2009 477 REFERÊNCIAS Benus I 1988 Aggression and Coping Differences in Behavioural Strategies between Aggresive and Nonaggressive Male mice Tese de Doutoramento University of Groningen Broom DM 1981 Biology of Behaviour Cambridge Cambridge University Press Broom DM 1983 The stress concept and ways of assessing the effects of stress in farm animals Applied Animal Ethology 11 79 Broom DM 1986 Indicators of poor welfare British Veterinary Journal 142 524526 Broom D M 1987 Applications of 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ocorrido quando Konrad Lorenz Nikolaas Tinbergen e Karl Von Frisch foram laureados com o prêmio Nobel em 1976 hoje o reconhecimento da importância dessa área ultrapassa os limites dos modismos Ao lado do crescente interesse que os estudos sobre o comportamento animal vêm despertando na comunidade em parte por tratar de fenômenos facilmente observáveis no cotidiano das pessoas as aplicações práticas desses estudos estão cada vez mais reconhecidas Manejos de fauna cuidados em zoológicos biotérios e em criações zootécnicas estão hoje entre os principais direcionadores do estudo do comportamento animal Nesse ambiente a formação de cientistas e outros profissionais na área de comportamento animal se torna imperativa Sem essa perspectiva a continuidade e crescimento do processo formativo não ficam assegurados No entanto a forma de condução desse processo deve ser meticulosamente discutida Como em muitos outros temas educacionais a formação de um profissional numa determinada área envolve reflexões e posturas críticas para que a atividade não se perca no pragmatismo do como fazer mas adentre também nas temáticas sobre que tipo de profissional estamos formando e o que esse profissional deve aprender O ensino formal repercute há vários anos na temática precária de um orador e vários ouvintes levando com isso à criação de mentes pouco criativas e passivas frente às novas conquistas e questões Modell 1996 já lembrava que a busca por um ambiente de aprendizagem ativa em ciência não é uma problemática nova Isso reforça que o ensino tradicional não cumpre as exigências para a formação de mentes mais críticas e independentes como requerido na formação de cientistas Assim alternativas de ensino têm sido propostas Segundo Brown et al 1989 há um envolvimento cognitivo muito positivo quando os aprendizes estão engajados em questões e atividadesproblema que lhes sejam significativas É nesse contexto que a aprendizagem pode se tornar um processo no qual o aluno participa ativamente na aquisição do conhecimento Uma abordagem atualmente em moda é a aprendizagem baseada em problemas Problem Based learning PBL uma postura pela qual devemse apresentar questões aos alunos os quais elaboram hipóteses e as avaliam pela literatura seguindose daí um sistema de idas e vindas consultas a especialistas e discussões culminando com as 485 conclusões finais que sintetizam a resposta à questão Nessa metodologia mais que uma forma menos usual está embutido o conceito de uma aprendizagem ativa nos termos de Cross 1987 pela qual o aluno aprende que frente ao desconhecido deve criar idéias testálas e concluir ou seja aprende justamente a base do processo científico vide capítulo 2 Na busca para a formação de profissionais críticos a aprendizagem ativa é fundamental seja ela na forma em que for ministrada Mas uma coisa parece certa o envolvimento emocional dos alunos com o tema a ser aprendido é necessário Freitas 2004 Modell 2004 Uma vez que a curiosidade permeia o estudo do comportamento animal ela não seria apenas a base para a compreensão do comportamento mas também para o próprio desenvolvimento dos estudos nessa área A etologia é caracterizada por fenômenos observáveis Tinbergen 1963 vide capítulos 2 e 3 Desse modo nada mais lógico do que estudar o comportamento animal utilizando não apenas a abordagem teórica mas também a abordagem prática a fim de preparar o aluno de forma mais abrangente e mais consistente nessa área do conhecimento uma vez que ela oferece um aprendizado com o aluno imerso e interagindo diretamente com o objeto do estudo Um outro aspecto a se considerar na formação de um conhecedor do comportamento animal é ter em mente uma questão o que ensinar Antes de mais nada ele deve conhecer as leis que regem o comportamento tendo o animal apenas como uma matéria prima para essa compreensão É esse ensino mais geral que lhe permitirá elaborar conclusões estabelecer medidas práticas e ter as bases necessárias para tentar entender o comportamento de um animal em particular E isso deve ser vivenciado pelo aluno O entendimento das generalizações hipóteses teorias leis etc sobre o comportamento animal é um fascinante desafio à intelectualidade humana Não basta saber o que o animal faz mas qual a lei geral que melhor expressa esse fazer No capítulo 2 vimos que a ciência do comportamento busca exatamente esse tipo de compreensão Não basta saber que quando entramos no laboratório para alimentar os animais eles nos percebem e já emitem comportamentos que evidenciam a espera pelo alimento É necessário compreendermos os princípios biológicos desse fato o que nos leva à compreensão das leis do condicionamento por exemplo É este último conhecimento que nos permite avaliar entender e explicar comportamentos condicionados específicos em situações diversas Do contrário estaríamos tentando 486 memorizar vários padrões comportamentais sem entender seus elementos causais causas últimas e próximas vide capítulo 1 e significados biológicos Em disciplinas com vasto conteúdo de conhecimento específico como fisiologia e morfologia é importante enfatizar ao aluno os conceitos fundamentais ODrobinaki Woods 2002 O mesmo parece válido para o estudo do comportamento animal onde há uma variedade de padrões motores do comportamento e é fundamental discernir entre esses padrões e as leis gerais subjacentes Nesse sentido as aulas que apresentamos neste capítulo visam propiciar que os alunos descubram e entendam algumas leis do comportamento ou generalizações para seu estudo numa perspectiva de aprendizagem ativa Evidentemente muitas aulas poderiam ser acrescentadas mas não é o número delas que fará diferença Elas apenas exemplificam as posturas mais gerais que queremos enfatizar para a formação de profissionais adequados para o nosso país É nosso interesse imediato possibilitar que essas aulas apresentadas sirvam de estímulo para que outras possam ser pensadas dentro das posturas educacionais acima apresentadas RELAÇÃO DE PRÁTICAS PRÁTICA 1 CONSTRUÇÃO DE ETOGRAMA Introdução O etograma é um catálogo de categorias que compõem o repertório comportamental de um animal espécie grupo sexo etc Consiste na identificação das categorias comportamentais e na sua descrição detalhada precisa e objetiva Envolve também a classificação dessas categorias em ordens mais ou menos gerais Pode incluir a quantificação freqüência ou duração de cada categoria É uma ferramenta importantíssima para o estudo do comportamento pois essas categorias podem ser comparadas e mesmo quantificadas avaliandose esse perfil dos animais em diferentes condições vide capítulo 3 Por exemplo podemos fazer um etograma do comportamento agressivo de uma espécie incluindo aí 7 tipos de confrontos Numa situação experimental podemos avaliar os efeitos que algumas variáveis têm sobre esse etograma como efeitos do sexo dos animais idade densidade populacional contaminação por poluentes etc Da mesma forma que comparamos essas categorias podemos quantificar a freqüência com que cada uma aparece e então 487 avaliar fatores que podem afetar essas freqüências por exemplo aumentar um tipo e diminuir outro etc Objetivo O objetivo desta prática é treinar o aluno na identificação e definição dos comportamentos que compõem o repertório comportamental de uma espécie animal e em seguida classificálos como categorias comportamentais Material Tendo em vista a espécie animal que o professor utiliza nos seus estudos ou acessível em campo ou em cativeiro escolha um grupoagrupamento que possa ser facilmente observado Caso os animais fiquem expostos no ambiente em que vivem criar um anteparo para evitar que a presença dos observadores interfira na expressão natural do comportamento dos animais É interessante atentarmos para a expressão comportamental da espécie escolhida que deve ser bastante evidente para permitir o melhor desenvolvimento da atividade prática Será necessário ainda caneta cronômetro e um bloco de papel para fazer as anotações e esboçar uma planilha onde deverão ser registrados os comportamentos e a seqüência das atividades Cuidados Ao descrever as categorias de um etograma a linguagem deve ser essencialmente objetiva Ou seja não se deve usar expressões que requeiram interpretação subjetiva que necessitam de um referencial que não é fornecido Por exemplo evite palavras como vagarosamente bastante grande próximo distante etc Palavras como essas e similares podem ser entendidas de forma diferente daquela que o descritor pretendia O que pode ser próximo para um observador pode não ser para outro Nesse caso é preferível dizer por exemplo que os animais estavam próximos até uma medida de comprimento corporal um do outro Aqui fica claro o que se quer dizer por próximo Outro problema de objetividade é distinguir claramente o que foi observado e o que é interpretação sobre o observado Devese relatar apenas o que foi observado Por exemplo descreva que o cão abana a cauda mas não antropomorfise esse padrão evite 488 dizer que está feliz ou ansioso Durante as observações devese evitar ao máximo a interferência do observador As descrições devem ser repetidas em mais animais caracterizando uma amostra válida para o nível que se quer inferir espécie grupo gênero status etc vide capítulo 2 Analisar repetidas vezes um mesmo animal não garante esse tipo de réplicas Procedimento Observe o grupoagrupamento durante um intervalo de tempo préestabelecido Em seguida escolha um indivíduo e observeo durante 10 min tentando identificar os comportamentos do mesmo Uma vez identificados os comportamentos tente definilos Ao concluir esta etapa observe então o indivíduo por mais 10 min registrando as suas atividades ao longo desse período Se no grupoagrupamento há indivíduos de ambos os sexos ou de diferentes faixas etárias repita a etapa anterior para cada sexo e faixa etária Sugestões de discussão Após a prática esperase que o aluno consiga demonstrar a importância da identificação e da definição das categorias que compõem o repertório comportamental de uma espécie animal contextualizandoa no desenvolvimento de um projeto de pesquisa A partir de então será possível questionar Por que é necessário conhecer o repertório de uma espécie animal antes de se iniciar um projeto de pesquisa com a mesma Como definir o repertório comportamental de uma espécie animal Existem diferenças comportamentais entre gêneros e entre faixas etárias Sugestões de leitura textos 1 2 6 10 12 13 e 15 ver relação ao final PRÁTICA 2 TÉCNICAS DE OBSERVAÇÃO Introdução Para estudar o comportamento de uma espécie animal o primeiro passo é conhecer efetivamente o seu repertório comportamental etograma O passo seguinte é definir como vão ser registradas as atividades que compõem esse repertório As técnicas de registro permitem a coleta de dados para se obter informações representativas da espécie ou da população estudada 489 Um grande avanço na forma de registro dos dados se deu a partir da publicação de Jeanne Altmann em 1974 com a sistematização das técnicas de registro para o estudo do homem e de outras espécies de animais Além da descrição detalhada de diversas técnicas essa autora aponta as vantagens e desvantagens de cada uma delas bem como erros metodológicos na área tais como o registro de atividades comportamentais mais visíveis em detrimento de outras realizadas de forma discreta Porém um dos fatores de erro mais comum é a confusão entre duas classes de comportamentos os estados e os eventos vide também o capítulo 2 A diferenciação errada entre essas duas classes interfere diretamente sobre a forma de registro comportamental e conseqüentemente sobre a análise de resultados obtidos e a sua interpretação A caracterização de um comportamento em estado ou evento depende de dois fatores o primeiro é a sua duração real com comportamentos de duração muito curta sendo freqüentemente classificados como eventos O segundo fator é a decisão arbitrária do observador que registrará os comportamentos como evento ou estado No entanto o observador deverá ter claro que ele pode registrar estados como eventos sem que isso venha a ser considerado um erro metodológico Objetivo O objetivo desta prática é treinar o aluno nos diferentes tipos de técnicas de registro utilizadas no estudo do comportamento tendo como base a sua expressão como evento ou como estado comportamental Cuidados Um dos primeiros cuidados que se deve ter é o de descrever as categorias comportamentais a serem registradas de forma clara somente a partir de uma definição precisa do que será observado será possível aplicar as técnicas de forma adequada Além disso é importante caracterizar se o comportamento é um evento ou um estado uma vez que isso será importante para a escolha da técnica de registro comportamental mais adequada Procedimento Baseado nos conhecimentos previamente adquiridos sobre as técnicas empregadas na observação comportamental vide as técnicas de registro descritas no capítulo 3 os seguintes passos deverão ser seguidos para a realização da atividade prática 490 Definir a espécie o número de indivíduos e a duração dos períodos de observação Observar os indivíduos utilizando a técnica de ad libitum A partir dessa observação escolher um conjunto de categorias comportamentais realizadas pelos indivíduos observados e definilas por escrito Após a escolha e definição das categorias comportamentais voltar a observar os mesmos indivíduos utilizando a técnica de focal contínuo Totalizar a freqüência e duração das categorias ao final do período de observação Depois de concluída essa fase observar os mesmos indivíduos utilizando a técnica de focal instantâneo focal time sampling com registro em intervalos préestabelecidos Concluída a observação totalizar a freqüência dos comportamentos e calcular uma estimativa para a duração dos mesmos Repetir a observação com registro em intervalos préestabelecidos utilizando a técnica de varredura scan sampling Totalizar a freqüência dos comportamentos e calcular uma estimativa para a duração dos mesmos Após esta última fase escolher um comportamento e observar os indivíduos empregando a técnica do umzero onezero com registro em intervalos pré estabelecidos Concluída a observação totalizar a freqüência do comportamento Sugestões de discussão Após a conclusão de todas as fases compare cada técnica de observação apontando Vantagens e desvantagens Quais técnicas são mais apropriadas para a espécie Quais técnicas são mais apropriadas para estudo no campo e em situação de cativeirolaboratório Quais técnicas são mais apropriadas para estudo de indivíduo ou de grupo Sugestões de leitura textos 1 2 6 10 12 13 e 15 ver relação abaixo 491 PRÁTICA 3 COMUNICAÇÃO REGISTRO DE SINAIS DE COMUNICAÇÃO Introdução A comunicação animal implica na transferência de informação entre indivíduos sendo portanto a base para os diferentes tipos de interação que permeiam a organização social de uma espécie No capítulo 7 está discutido amplamente os vários aspectos da comunicação Aqui nos preocuparemos apenas com a questão do registro de alguns dos tipos explicitados nesse capítulo Como componentes básicos deste processo podemos destacar o indivíduo que emite um sinal o emissor o sinal de comunicação a informação e o indivíduo que recebe a informação o receptor Entre os tipos de comunicação podemos destacar a comunicação visual química acústica elétrica e tátil Os canais de comunicação apresentados por uma espécie animal foram moldados ao longo da sua história evolutiva de modo que as características da transferência de informação intraespecífica são espécieespecíficas Objetivo O objetivo desta atividade prática é identificar os tipos de comunicação utilizados por uma espécie animal atentando para os contextos em que são registrados os diferentes sinais de comunicação Cuidados Evitar que a presença do observador represente um fator de interferência na interação entre os animais estudados Além disso descrever os sinais numa linguagem essencialmente objetiva evitando o caráter interpretativo Por último atentar para as diferenças de canais sensoriais que existe entre a nossa espécie e as demais que pode limitar a identificação de alguns sinais apresentados pela espécie escolhida Procedimento O procedimento proposto a seguir pode ser adequado para várias espécies atendendo às especificidades de cada uma Durante um intervalo de tempo pré estabelecido observe um grupo de indivíduos da espécie escolhida para tentar identificar comportamentos que possam ser indicativos de passagem de informação 492 entre eles tais como movimentos de partes ou de todo o corpo exibição de alguma estrutura anatômica emissão de sons marcações químicas etc A seguir selecione os indivíduos machos e fêmeas e observeos nos seguintes contextos a Introdução de um macho estranho em gaiola ou arena onde se encontra um casal de adultos por um intervalo de tempo préestabelecido Retirar o intruso e deixar o casal só por igual período b Introdução de uma fêmea estranha em gaiola ou arena onde se encontra um casal de adultos por um intervalo de tempo préestabelecido Retirar o intruso e deixar o casal só por igual período c Introdução de animal estranho do mesmo sexo e a seguir do sexo oposto em gaiola onde se encontra um macho adulto solitário por um intervalo de tempo pré estabelecido d Introdução de um animal estranho do mesmo sexo e a seguir do sexo oposto em gaiola onde se encontra uma fêmea adulta solitária por um intervalo de tempo pré estabelecido Imediatamente após a introdução doa intrusoa observar a reação de cada um dos componentes do par ou do indivíduo solitário e do animal intruso de modo a identificar os comportamentos que possam ser caracterizados como sinal acústico sinal químico sinal visual ou tátil conforme definidos anteriormente e outros que você identifique como tal Registrar a freqüência de todos os comportamentos Como segunda etapa observar durante um intervalo de tempo préestabelecido um grupo com indivíduos jovens ainda em fase de dependência na presença de um intruso ou na presença de um potencial predador Registrar a freqüência de todos os comportamentos Identificar os indivíduos envolvidos nas interações e o contexto das mesmas Numa terceira etapa observar um grupo de adultos e jovens no momento de introdução do alimento Registrar a freqüência de todos os comportamentos caracterizados acima como sinais de comunicação Sugestões de discussão o Os tipos de comunicação identificados na espécie e a relação com o contexto e com o seu ambiente natural 493 o Comparação com a expressão dos sinais de comunicação em outras espécies animais o A consistência do sinal como forma de transferência de informação a não variabilidade na sua expressão quando da sua repetição Sugestões de leitura textos 1 4 5 6 7 9 12 14 16 18 ver relação abaixo PRÁTICA 4 COMUNICAÇÃO QUÍMICA OLFAÇÃO Introdução Nos mamíferos a quimiorrecepção tem papel importante em diversas atividades como a alimentação e a reprodução Na atividade alimentar a olfação intervém na detecção de fontes alimentares e na gustação Da mesma forma durante a atividade sexual grande parte dos mamíferos utiliza a olfação na procura de parceiros sexuais e na detecção da fase do ciclo reprodutivo com implicações importantes na fisiologia e no comportamento Para a emissão de sinais de comunicação por via olfativa os mamíferos utilizam algumas secreções glândulas da região facial torácica e anogenital ou excreções urina fezes saliva Para a recepção dos sinais químicos utilizam em geral dois sistemas o sistema olfativo principal e o sistema olfativo acessório Diferentemente da maioria dos mamíferos os primatas homem incluído são animais que utilizam predominantemente a visão para obter informações necessárias para a sua sobrevivência No entanto o sistema de comunicação química tem relativa importância mesmo para os primatas diurnos como o homem Objetivo Demonstrar no homem uma das espécies que mais utiliza a visão na Ordem Primates a utilização do sistema olfativo através da discriminação de odores de congêneres de sexos diferentes Material 03 Camisetas brancas sem uso anterior 494 Cuidados Evitar a interferência de odores artificiais no momento da realização da coletas de dados Procedimento Duas das camisetas deverão ser usadas respectivamente por um homem e por uma mulher durante 24 horas ininterruptas Após iniciar o uso da camiseta os usuários não poderão utilizar desodorante perfume ou qualquer outro tipo de substância visando modificar o odor corporal Recomendase escolher pessoas jovens e com relação à mulher especificamente que não faça uso de anticoncepcionais e não esteja grávida Após 24 horas de uso recolha as camisetas dobreas e coloqueas em caixas ou sacos plásticos separados com uma abertura suficiente para que o odor possa ser percebido Os alunos não devem saber qual camiseta foi usada e por qual sexo Coloqueas lado a lado juntamente com a terceira camiseta não utilizada sobre uma mesa Solicite a alunos do sexo masculino e do sexo feminino em igual número que identifiquem a partir da percepção de odor quais camisetas foram usadas e o sexo dos usuários das camisetas Durante a identificação olfativa o voluntário deverá cheirar a camiseta a uma distância mínima de 15 cm e durante um período de no máximo 10 segundos Entre a identificação das camisetas mantenha um intervalo de 10 a 15 segundos Registre as indicações dos alunos e calcule o percentual de acertos para cada condição Sugestões de discussão Discutir os resultados enfatizando o papel da olfação na atividade reprodutiva animal e humana e a sua relação com feromônios Avaliar o papel da olfação tendo como base os aspectos evolutivos e filogenéticos que a caracterizam Sugestões de leitura textos 1 4 5 6 7 9 12 14 16 18 ver relação abaixo 495 PRÁTICA 5 LUTA RITUALIZADA Introdução Entre as diferentes formas de comunicação animal estão as exibições de partes do corpo do indivíduo movimentos e vocalizações Um aspecto importante na transmissão desses sinais é a ritualização na sua expressão caracterizada por um padrão estereotipado de exibição A estereotipia facilita a identificação do sinal que se mostra repetitivo na sua expressão e exagerado em forma Em alguns contextos de interação entre membros de uma espécie podemos ilustrar de forma bastante evidente a ritualização dos sinais de comunicação entre eles o de competição entre indivíduos na obtenção de recursos alimentares na defesa de território ou de parceiros de acasalamento A competição entre indivíduos é expressa através de comportamentos indicativos de ameaça e de submissão que abrange um conjunto de sinais indicativos do estado motivacional de cada indivíduo envolvido Assim a disputa pode se desenvolver em passos ritualizados que indicam o nível de agonismo de cada participante de modo que a condição extrema seria caracterizada pelo ataque propriamente dito Objetivo Esta prática consiste na observação de luta ritualizada utilizando exemplares do peixe beta Beta splendens machos com o objetivo de demonstrar a variedade de comportamentos que se manifestam de modo estereotipado em função do contexto Material Um par de aquários 25x20x15 cm para cada grupo de alunos 01 adulto macho por aquário Espelhos Objetos coloridos e brancos de preferência peixes artificiais apresentando tamanho equivalente ao do sujeito experimental Cuidados Evitar objetos coloridos nas proximidades do aquário que possam servir de estímulos visuais para os animais e atentar para a duração de cada janela de observação 496 para evitar a exposição acentuada dos animais experimentais aos estímulos apresentados Procedimento A prática é subdividida em etapas com intervalos de tempo préestabelecidos FASE I Observação livre Ad libitum Nesta fase o peixe beta deverá ser observado numa situação neutra O observador deverá dirigir atenção para a movimentação coloração e volume corporal do animal Em seguida deverá categorizar os comportamentos que serão observados nas fases seguintes e a definição da técnica de registro FASE II O animal diante do espelho Deverá ser colocado um espelho diante do aquário de modo que a imagem do peixe seja refletida para o seu interior Com base na definição prévia dos comportamentos e da técnica de registro deverão ser anotadas possíveis alterações no padrão comportamental do animal focal FASE III Comparação de situações competitivas Esta fase será subdividida nas seguintes etapas a Observação do beta sozinho b Observação do beta diante de outro indivíduo Nesta etapa os aquários devem ser alinhados na face de maior comprimento c Observação do beta após o encontro com o outro indivíduo d Observação do beta diante do estímulo artificial colorido e Observação do beta após a apresentação do estimulo artificial colorido f Observação do beta diante do estimulo artificial de cor branca g Observação do beta após a apresentação do estímulo artificial de cor branca Sugestões de discussão Discutir a função da ritualização 497 Comparar as respostas do animal diante do espelho do congênere e de modelos artificiais Comparar as respostas em função das cores dos objetos artificiais Sugestões de leitura textos 1 6 7 11 12 14 16 18 ver relação abaixo PRÁTICA 6 FORRAGEAMENTO CUSTOS E BENEFÍCIOS Introdução A busca do alimento é crítica para a sobrevivência do animal Encontrar o alimento e ingerilo caracterizam o forrageio atividade quer requer um investimento do indivíduo para a sua obtenção Assim o animal deverá avaliar tendo como base a relação custos versus benefícios o quanto ele deverá investir na atividade para otimizála de modo a maximizar os seus benefícios Os animais utilizam diferentes estratégias para otimizar o forrageio cuja avaliação por parte do indivíduo pode resultar em decisão entre a menor ou maior exploração do ambiente entre a defesa ou não de um território ou do próprio recurso entre a busca em maiores ou menores intervalos de tempo para preencher os requerimentos energéticos condizentes com o estado fisiológico adequado para a interação com o seu ambiente físico e social Objetivo Demonstrar a existência de otimização no processo de escolha e decisão durante a atividade de busca e ingestão de alimento baseada numa relação custobenefício Material Quatro depósitos pequenos A B C D de mesmo volume e com abertura suficiente para que uma mão possa penetrar em seu interior Um depósito E com o dobro do volume e abertura com relação aos anteriores Um depósito F também com o dobro do volume porém apresentando a abertura suficientemente reduzida para dificultar a introdução de uma mão Todos os depósitos deverão ser transparentes e com a mesma tonalidade 498 Doces ou salgados diferindo apenas no tamanho 1 e 2 porém com a mesma composição sabor odor cor e consistência Cuidados Os voluntários não devem ter tido uma refeição substancial antes da atividade prática É importante que sejam do mesmo sexo e no caso do sexo feminino não incluir grávidas entre os voluntários Procedimento Deverão ser escolhidos três alunos de mesmo sexo antes de iniciada a atividade prática Estes alunos deverão sair do laboratório enquanto o professor estiver explicando o procedimento ao restante da turma Fase I O professor disporá os depósitos A cheio do alimento do tipo 1 tamanho pequeno e B cheio de alimento do tipo 2 tamanho grande Os alunos que permaneceram na sala deverão ser orientados para que anotem quantos itens cada voluntário apanhou e comeu o tamanho e de qual depósito Em seguida um dos alunos voluntários deverá ser chamado Serlheá dito que durante 5 minutos ele poderá comer quantos itens quiser de qualquer um dos dois depósitos No entanto não poderá deslocar ou retirar os depósitos da mesa Depois de encerrada esta fase mantenha o voluntário na sala para evitar o contato com os demais voluntários que ainda deverão estar fora do laboratório Fase II Após a conclusão da Fase I os depósitos deverão ser retirados da mesa O professor disporá os depósitos C e E sobre a mesa os quais deverão ser abastecidos com os tipos de alimento 1 e 2 em igual quantidade de forma misturada Os 2 depósitos deverão conter a mesma quantidade de ítens Mais uma vez os alunos deverão anotar quantos itens o voluntário apanhou e comeu o tamanho e de qual depósito O segundo aluno voluntário deverá ser chamado Serlheá dito que durante 5 minutos poderá comer quantos itens quiser de qualquer um dos dois depósitos No entanto não poderá deslocar ou retirar os depósitos da mesa Depois de encerrada esta 499 fase mantenha o aluno voluntário na sala para evitar o contato com o terceiro voluntário que ainda deverá estar fora do laboratório Fase III Após a conclusão da Fase II os depósitos deverão ser retirados da mesa O professor disporá os depósitos D e F sobre a mesa os quais deverão ser abastecidos com os tipos de alimento 1 e 2 em igual quantidade de forma misturada Os 2 depósitos deverão conter a mesma quantidade de itens Mais uma vez os alunos deverão anotar quantos itens o voluntário comeu o tamanho e de qual depósito O terceiro voluntário deverá ser chamado Durante 5 minutos ele poderá comer quantos itens quiser de qualquer um dos dois depósitos No entanto não poderá deslocar ou retirar os depósitos da mesa Sugestão de discussão Os resultados podem ser discutidos com base no modelo de custobenefício da atividade de forrageamento e da tomada de decisão que cada indivíduo é induzido a fazer no transcorrer de suas atividades diárias Há dessa forma a possibilidade para a introdução do conceito e da aplicação dos modelos de otimização no caso específico optimal foraging theory Sugestões de leitura textos 1 6 9 12 14 16 18 ver relação abaixo PRÁTICA 7 CONFUSÃODILUIÇÃO COMO ESTRATÉGIA ANTI PREDATÓRIA Introdução A relação presapredador está baseada no conflito de interesses entre as duas partes envolvidas no processo A presa é crítica para a sobrevivência do predador enquanto a fuga é critica para a sobrevivência da presa Neste cenário temos estratégias e contraestratégias utilizadas pelas espécies envolvidas as quais são importantes para o resultado de cada interação presapredador As presas podem adotar diversas estratégias de antipredação tais como camuflagem mimetismo ou estratégias de agrupamento gerando o efeito de diluição ou confusão durante a fuga 500 Objetivo Demonstrar os efeitos da confusão e diluição na interação presapredador Material o 20 bolas plásticas todas com tamanho e cor semelhantes Duas das 20 bolas devem receber uma marcação específica para serem identificadas como as presas Cuidados Na simulação é importante que haja um limite de área de realização da atividade Áreas muito amplas podem dificultar a percepção do efeito esperado Além disso cada jogador deve atirar as presas necessariamente na direção do outro jogador Procedimento ETAPA PREPARATÓRIA o Escolher cinco alunos dois jogadores dois abastecedores alunos que apanharão as bolas para repassálas aos jogadores e um interceptador predador o Os dois jogadores deverão se posicionar a uma distância de pelo menos 5 metros cada um com 10 bolas atentando para que cada jogador receba uma das bolas marcadas o O predador deverá escolher o local onde se posicionará guardado o limite de pelo menos 15 m de um dos jogadores FASE I Inicialmente os jogadores deverão jogar um para o outro somente as bolas marcadas tentando evitar a captura das mesmas pelo predador Esta fase deverá durar 5 minutos e ao final deverá ser contabilizado o sucesso na captura da presa FASE II 501 Os jogadores deverão lançar simultaneamente as bolas que receberam inclusive a marcada sempre aumentando o número de bolas lançadas Nesta fase os abastecedores deverão estar posicionados para suprir os jogadores com as bolas não capturadas Contabilize o sucesso de captura das bolas tanto das marcadas quanto das não marcadas após 5 minutos de lançamentos e compare em seguida o sucesso de captura entre as duas fases Sugestão de discussão Discutir o efeito do número e movimentação das presas no sucesso de captura e em função das características distintivas das mesmas Sugestões de leitura textos 1 6 9 12 14 16 18 ver relação abaixo PRÁTICA 8 CORTE Introdução Um dos aspectos importantes da atividade reprodutiva de uma espécie é a corte de modo a sinalizar para o indivíduo do sexo oposto a motivação para a cópula Em várias espécies são observadas posturas ou exibições de partes do corpo que servem para chamar a atenção do parceiro potencial Os sinais de corte são espécieespecíficos e se apresentam de forma ritualizada sendo importantes para o sucesso reprodutivo dos indivíduos envolvidos A informação contida num sinal de corte deve ser compreendida de forma clara para que o indivíduo do sexo oposto possa reagir a ela adequadamente tendo como base o contexto de interação sexual Objetivo Esta prática consiste na observação de exibições que caracterizam o ritual de corte em espécies que utilizam a comunicação visual no caso o peixe beta Beta splendens com o objetivo de demonstrar a variedade de comportamentos que se manifestam de modo estereotipado em função do contexto 502 Material Um par de aquários 25x20x15 cm por grupo de alunos cada um contendo um indivíduo de cada sexo Um espelho Cuidados Evitar objetos coloridos nas proximidades do aquário que possam servir de estímulos visuais para os animais e atentar para a duração de cada janela de observação para evitar a exposição acentuada dos animais experimentais aos estímulos apresentados Cada macho deve ser mantido em um aquário isolado sem contato visual com fêmeas ou machos da sua espécie antes de iniciada a prática Procedimento A prática é subdividida em etapas com intervalos de tempo préestabelecidos FASE I Observação livre Ad libitum Nesta fase o macho beta deverá ser observado numa situação neutra sem contato visual com outros indivíduos O observador deverá dirigir atenção especial para a movimentação coloração e volume corporal do animal Em seguida deverá ser feita a categorização dos comportamentos que serão observados e a definição da técnica de registro Tal procedimento deverá ser repetido para a fêmea FASE II O beta macho diante de um espelho Deverá ser colocado um espelho diante do aquário de modo que a imagem do peixe seja refletida para o interior do mesmo Com base na definição acima dos comportamentos e da técnica de registro deverão ser anotadas possíveis alterações no padrão comportamental do animal focal O beta fêmea diante de um espelho Deverá ser colocado um espelho diante do aquário de modo que a imagem do peixe seja refletida para o interior do aquário Com base na definição acima dos comportamentos e da técnica de registro deverão ser anotadas possíveis alterações no padrão comportamental do animal focal 503 A seguir os peixes deverão ser deixados em repouso durante um intervalo de tempo registrandose os comportamentos neste período FASE III Os aquários do macho e da fêmea devem ser colocados lado a lado na maior face do aquário Com base na definição acima dos comportamentos e da técnica de registro deverão ser anotadas possíveis alterações no padrão comportamental dos animais focais Os peixes deverão ser deixados em repouso após terem sido afastados os aquários sem contato visual entre eles Registrar então os comportamentos neste período FASE IV A fêmea deverá ser transportada para o aquário do macho onde deverá permanecer durante um período de tempo prédefinido Com base na escolha dos comportamentos e da técnica de registro deverão ser anotadas possíveis alterações no padrão comportamental dos animais focais A fêmea deverá então ser retirada do aquário do macho e colocada de volta no seu aquário Os peixes devem ser deixados em repouso com os aquários afastados sem que haja contato visual entre eles Durante o mesmo intervalo já utilizado registrar os comportamentos dos 2 indivíduos isolados Sugestão de Discussão Discutir as semelhanças e diferenças da ritualização na luta e na corte Sugestões de leitura textos 1 6 7 9 11 12 14 16 18 ver relação abaixo PRÁTICA 9 BALAS COMUNS TERRAS COMUNS Introdução A utilização de bens públicos e também a conservação ambiental são assuntos amplamente discutidos e o que se observa é a dificuldade de se chegar a soluções possíveis para refrear a destruição desses bens de uso comum Apesar de conscientes acerca das formas de se chegar a uma utilização harmoniosa desses bens muitos indivíduos ainda se comportam de forma a obter o maior benefício imediato para si mesmo quando da utilização de um recurso comum sem preocupação com os demais 504 envolvidos ou com a utilização posterior daquele mesmo recurso A possibilidade de discutir tal comportamento a partir da base teórica da teoria dos jogos pode ser bastante proveitosa no intuito de tentar compreender e ajustar esse padrão comportamental às necessidades impostas pela convivência em grupos que é característica da espécie humana Objetivo Discutir aspectos relacionados à ecologia e conservação abrindo espaço para a explorar a abordagem das terras comuns Material o Balas Cuidados É importante evitar sugestões quanto a posturas ideais no consumo das balas bem como procurar não dar pistas de que a distribuição de balas faz parte de uma atividade prática Procedimento Como a atividade é realizada em longo prazo sugerese que as balas sejam oferecidas em pelo menos seis oportunidades Instruções Gerais Antes de iniciar a prática propriamente dita sugerimos a aplicação do seguinte questionário Responda sem se identificar Os resultados serão divulgados e discutidos posteriormente 1 Você considera que é importante trabalhar para a conservação do meio ambiente Por que 2 Se cada pessoa se conscientizasse quanto ao seu papel para a conservação do meio você acredita que seria possível mudar a situação atual 3 Que coisas você pode fazer que seriam importantes para ajudar na conservação do meio ambiente Numa aula posterior o professor oferece algumas balas para os alunos É extremamente importante que o número de balas supere o número de alunos em sala de 505 aula Tais valores devem ser anotados Ao final o professor aguarda que todos os alunos se retirem da sala e recolhe os papéis que os alunos tenham jogado no chão ou colocado em outras partes da sala contandoos O procedimento deve ser repetido em aulas posteriores e gradativamente o professor deve diminuir o número de balas oferecidas A expectativa é que o número de papéis deixados na sala apresente um aumento como também alguns alunos não consigam sequer uma bala pois seus colegas acabam por pegar mais de uma logo de início Além disso com a redução do número alguns podem ficar sem balas Os resultados sobre a quantidade de papéis de bala deixados na sala são apresentados bem como o questionário aplicado no início da atividade Os dados são então confrontados Sugestão de Discussão A questão da exploração e conservação do ambiente contrapondo o relato sobre as intenções de preservação e a postura adotada Sugestões de leitura textos 3 8 17 19 ver relação abaixo PRÁTICA 10 O JOGO DA GUERRA Introdução Os conflitos entre sociedades humanas mostramse ao longo da história como situações que emergem ciclicamente a partir do momento em que os interesses de determinados grupos começam a divergir As disputas muitas vezes são desencadeadas quando o diálogo não tem mais eficácia para amenizar as divergências Vários indivíduos unemse em torno de um objetivo comum e se confrontam com outro grupo cujos indivíduos também têm um objetivo comum Estabelecese então a divisão entre nós e eles que pela lógica dos envolvidos só pode ser resolvida de forma beligerante Objetivo Vivenciar uma situação que pode desencadear um conflito entre grupos 506 Material o Bexigas de duas cores para formar duas equipes Cuidados O principal cuidado a ser considerado é quanto à integridade física dos participantes da atividade Durante a discussão o professor deve estar atento para demonstrar a base teórica das posturas adotadas durante a prática Procedimentos Instruções Iniciais o Cada aluno enche uma bexiga o Cada grupo tem um território marcado um local dentro do espaço físico disponível É importante que os territórios dos dois grupos sejam bem afastados um do outro o Cada grupo tem um ou dois anjos da morte o anjo da morte é um integrante do grupo que tem a função de retirar os integrantes do outro grupo de dentro do território dele à medida que suas bexigas vão sendo estouradas o É estabelecido um tempo máximo de duração da atividade guerra Em seguida são passadas as seguintes instruções adicionais de como transcorrerá a atividade Os alunos deverão ter como objetivos 1 Não deixar as bexigas do seu grupo caírem no chão 2 Destruir as bexigas do outro grupo Regras 1 Manter as bexigas do seu grupo sempre no alto 2 O indivíduo que deixar uma bexiga cair será retirado do território pelo anjo da morte do grupo adversário e estará fora do jogo morreu 3 A bexiga que estava de posse do indivíduo que morreu fica sob responsabilidade do grupo 4 Se um indivíduo tiver a bexiga estourada pelo oponente ele será considerado morto e será retirado pelo anjo da morte do grupo adversário 507 5 São permitidas invasões ao grupo adversário para estourar as bexigas do inimigo desde que o grupo mantenha pelo menos um integrante no próprio território Fim do jogo Sairá vitoriosa a equipe que conseguir destruir as bexigas da outra ou aquela com maior número de integrantes sobreviventes Sugestão de Discussão Identificar as diferentes etapas de um conflito a elaboração de estratégias a ação coordenada dentro de cada grupo para poder atingir um objetivo comum e até mesmo as reações pósconflito enquanto vencedor ou perdedor Sugestão de leitura textos 17 e 20 ver relação abaixo LEITURAS SUGERIDAS 1 Alcock J 2001 Animal Behavior An Evolutionary Approach 7a ed Sunderland Sinauer Associates 2 Altmann J 1974 Observational study of behavior sampling methods Behaviour 49 22767 3 Axelrod R Hamilton WD 1981 The evolution of cooperation Science 2113906 4 Bradbury JW Vehrencamp SL 1998 Priciples of Animal Communication Sunderland Sinauer Associates 5 Brossut R 1996 Phéromones La Communication Chimique chez les Animaux Paris Editions du CNRS 6 Campan R Scapini F 2002 Éthologie Approche systématique du comportement Bruxelas DeBoeck Université 7 Dawkins MS 1989 Explicando o Comportamento Animal São Paulo Editora Manole 8 Hardin G 1968 The tragedy of the commons Science 16212438 9 Krebs JR Davies NB 1996 Introdução à Ecologia Comportamental São Paulo Atheneu Editora 10 Lehner PN 1996 Handbook of Ethological Methods 2a ed Cambridge Cambridge 508 University Press 11 Lorenz K 1986 Evolução e Modificação do Comportamento Rio de Janeiro Interciência 12 Manning A Dawkins MS 1992 An Introduction to Animal Behaviour 4a ed Cambridge Cambridge University Press 13 Martin P Bateson P 1999 Measuring Behaviour An Introductory Guide 2a ed Cambridge Cambridge University Press 14 McFarland D 1999 Animal Behaviour 3a ed Harlow Longman 15 Paterson JD 1992 Primate Behavior An exercise workbook Prospect Heights Waveland Press 16 Ridley M 1995 Animal Behavior An Introduction to Behavioral Mechanisms Development and Ecology 2a ed Boston Blackwell Scientific Publications 17 Ridley M 2000 As origens da virtude Rio de Janeiro Editora Record 18 Slater PJB 1999 Essentials of Animal Behaviour Cambridge Cambridge University Press 19 Trives RL 1972 The evolution of reciprocal altruism The Quartely Review of Biology 46 3557 20 Wright R 2000 Não Zero a Lógica do Destino Humano Rio de janeiro Campus REFERÊNCIAS Brown JS Collins A Duguid P 1989 Situated cognition and the culture of learning Educational Researcher 18 3242 Cross PK 1987 Teaching for learning American Association for Higher Education Bull 39 37 Freitas MTA 2004 O pensamento de Vygotsky nas reuniões da ANPEd 19982003 Educação e Pesquisa São Paulo 30 109138 ODrobinak DM Woods CB 2002 Compelling classroom demonstrations that link visual system anatomy physiology and behavior Advances in Physiology Education 263 204209 Lehner PN 1996 Handbook of Ethological Methods London Cambridge University Press Martin P Bateson P 1993 Measuring Behaviour London Cambridge University Press 509 Modell HI 1996 Preparing students to participate in an active learning environment Advances in Physiology Education 15 S69S77 Modell HI 2004 Evolution of an educator lessons learned and challenges ahead Advances in Physiology Education 28 8894 Tinbergen N 1963 On aims and methods of Ethology Zeitschrift fur Tierpsychologie 20 41043 510 SOBRE OS AUTORES Maria Emilia Yamamoto Pesquisadora 1A do CNPq doutorouse em 1990 pelo Programa de Psicobiologia da UNIFESP Realizou pósdoutorado na University of Reading UK em 19941995 É professora titular do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte com vínculo desde 1979 Trabalha com cuidado à prole e organização social em sagüis Investiga também a composição da dieta em humanos e o comportamento moral do ponto de vista evolutivo É coordenadora do Grupo de Pesquisa Ecologia e Comportamento Animal do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e do Grupo de Trabalho da ANPEPP Psicologia Evolucionista Coordenou de 2005 a 2009 o projeto do Instituto do Milênio em Psicologia Evolucionista Publicou vários trabalhos em periódicos de circulação internacional como Folia Primatologica International Journal of Primatology Primates Comparative Medicine American Journal of Primatology Acta Ethologica Evolution and Human Behavior Faz parte do corpo editorial dos periódicos Neotropical Primates e Estudos de Psicologia É assessora científica de várias revistas nacionais e internacionais Atualmente é coordenadora do Programa de PósGraduação em Psicobiologia no qual orienta alunos de mestrado e doutorado Gilson Luiz Volpato Sou biólogo 1978 formado pela Universidade Estadual Paulista Unesp Botucatu SP Mestre 1979 e Doutor 1986 por essa universidade Rio Claro SP Pós doutorado 1992 no Institute of Animal Sciences BetDagan Israel Desde 1981 sou docente do Departamento de Fisiologia Instituto de Biociências de Botucatu Unesp Atuo também como membro associado do Centro de Aqüicultura da Unesp Caunesp Pesquisador de produtividade científica do CNPq 1B Desenvolvo pesquisas na área de Bemestar animal estudando peixes dentro dos seguintes temas agressão estresse comunicação crescimento e efeitos da cor ambiente na vida desses animais Publico regularmente artigos em periódicos internacionais destacando nos últimos anos três revisões conceituais sobre o bemestar Diseases of Aquatic Organisms 75 165171 2007 ILAR Journal 50 329337 2009 Oecologia Brasiliensis 13 0515 2009 Sou bolsista de produtividade pelo CNPq nível 1B Coordeno o grupo de pesquisa Centro 511 de Estudos sobre BemEstar Animal junto ao Diretório do CNPq Fui fundador e editorchefe do periódico ARBS Annual Review of Biomedical Sciences Há 25 me dedico ao estudo e ensino da redação científica no Brasil atividade que resultou em 7 livros 15 edições e dezenas de cursospalestras anuais Durante 4 anos fui Presidente do Conselho Editorial dos Periódicos Científicos da Unesp compreendendo revistas das três grandes áreas Eliane Gonçalves de Freitas Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista UNESP Mestre em Zoologia e Doutora em Ciências 1999 pelo Programa de PósGraduação em Zoologia Instituto de Biociências UNESP Botucatu SP Realizou pósdoutoramento junto ao Instituto Superior de Psicologia Aplicada ISPA Lisboa Portugal na área de Endocrinologia Comportamental Atualmente é Livredocente em Comportamento Animal pelo Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas IBILCE da UNESP Atua na área de comportamento de peixes tendo como principal linha de pesquisa os fatores moduladores do comportamento social em ciclídeos É docente dos Cursos de Bacharelado e Licenciatura em Ciências Biológicas Orientadora nos programas de Pós Graduação em Biologia Animal do IBILCE UNESP São José do Rio Preto SP e em Aquicultura do Centro de Aquicultura da UNESP CAUNESP Jaboticabal SP nos quais ministra as disciplinas de Comunicação Científica Comportamento Animal e Comportamento de Peixes Silvia Mitiko Nishida Formouse em Ciências Biológicas modalidade médica e pósgraduouse na área de Fisiologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP durante a qual sob a orientação do Dr Werner Robert Schmidek desenvolveu estudos sobre o significado biológico das diferenças individuais na organização do comportamento social de ratos Atualmente está lotada junto ao Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências UNESP Botucatu SP ministrando aulas de Neurofisiologia e Comportamento Animal além de desenvolver linhas de pesquisa sobre agressão e seleção sexual tendo como modelos experimentais os peixes e a codorna japonesa Outra atividade de seu grande interesse é o desenvolvimento de material didático sobre comportamento animal para o ensino de Ciências e Biologia 512 Renata Gonçalves Ferreira Bacharel em Ciências Biológicas pela UFPE mestre em Psicologia Comparativa pela USPSP e doutora em Antropologia Biológica pela Universidade de Cambridge Inglaterra Atualmente é Professora Adjunta no Departamento de Fisiologia e pesquisadora da Pósgraduação em Psicobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte onde ministra aulas de comportamento animal e ecologia comportamental para graduação e de bioestatística cognição social e antropologia biológica para pósgraduação De formação eminentemente interdisciplinar tem interesse em comportamentos prósociais evolução da cooperação e padrões de organização social desenvolvendo pesquisas com macacosprego saguis e golfinhos Tem mais de 15 trabalhos publicados em revistas internacionais e capítulos de livro nacionais e internacionais Alfredo Pereira Júnior Graduouse em Filosofia Univ Federal de Juiz de Fora 1983 posteriormente concluindo Mestrado em Filosofia Contemporânea UFMG 1986 com Doutorado em Lógica e Filosofia da Ciência UNICAMP 1994 e PósDoutorado em Neurociência Cognitiva Massachusetts Institute of Technology 199698 Atualmente é Professor Livre Docente e Adjunto no Departamento de Educação do Instituto de Biociências de Botucatu UNESP onde ministra as disciplinas de graduação História da Filosofia da Ciência Filosofia da Ciência e Metodologia e Filosofia da Ciência É orientador nos cursos de pósgraduação em Filosofia UNESP Marília e Saúde Coletiva Unesp Botucatu ministrando disciplinas de Conhecimento e Complexidade Filosofia das Neurociências e Epistemologia É também editor associado da revista Interface Saúde Comunicação e Educação Anette Hoffmann É professora titular do Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão PretoUSP FMRPUSP Graduada em Medicina pela Universidade Federal de Santa Catarina com doutorado em Fisiologia pela FMRPUSP e pósdoutorado realizado no Centre National de la Recherche Scientifique CNRS França Trabalha nas áreas de neurofisiologia e neuroanatomia comparadas com enfoque no estudo do comportamento defensivo em peixes e anfíbios Nos últimos anos tem atuado em projetos culturais procurando concretizar a criação do Centro de Memória e Museu 513 Histórico da FMRPUSP e promovendo cursos e exposições que visam a formação humanística dos alunos de graduação e pósgraduação Atua na preservação da natureza tendo criado uma Reserva Particular do Patrimônio Natural RPPN que abriga uma área de Mata Atlântica de cerca de 400 hectares Percília Giaquinto É docente do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências de Botucatu Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP Bióloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas com doutorado em Zoologia subárea Fisiologia e Comportamento Animal pela UNESP Botucatu e doutorado sanduíche no Freshwater Institute Winnipeg Canadá e University of Alberta Edmonton Canadá Desenvolve pesquisas na área de comportamento animal especificamente sobre o papel de substâncias químicas liberadas por peixes mediando comportamentos intra e interespecíficos Além de estudos comportamentais desenvolve pesquisas relativas à fisiologia olfatória e mais recentemente estudos neuroanatômicos das conexões olfatórias Nelson Marques Bacharel e Licenciado em Biologia pelo Instituto de Biociências da USP com pós graduação em Bioquímica e Biologia Molecular pelo Instituto de Química da USP Criador em 1981 e coordenador de 1981 a 1999 com Luiz MennaBarreto do GMDRB Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos do Instituto de Ciências Biomédicas da USP que introduziu a cronobiologia no Brasil Realizou estágio de pósdoutoramento no Laboratório de Cronobiologia da Universidade de Minnesota EUA de 1984 a 1986 e em 1989 Dirigiu linhas de pesquisa em ritmicidade comportamental e intermodulação de freqüências em vertebrados até 1999 quando passa a se dedicar com mais intensidade à divulgação científica Foi professor doutor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP de 1970 a 2003 quando se aposentou desenvolvendo atividades de pesquisa no Instituto de Ciências Biomédicas da USP de 1981 a 1999 Foi professor visitante de 1999 a 2002 do Departamento de Fisiologia do Centro de Biociências da UFRN e de 2003 até 2009 do Museu Câmara Cascudo sendo o coordenador do NUDICT Núcleo de Comunicação em Cultura Ciência e Tecnologia do Museu Câmara Cascudo da UFRN Desde 2010 é professor colaborador voluntário da UFRN 514 Luiz MennaBarreto Biomédico pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP com pósgraduação em Fisiologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP Criador em 1981 com Nelson Marques e coordenador de 1981 até o presente do GMDRB Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos do Instituto de Ciências Biomédicas da USP que introduziu a cronobiologia no Brasil Realizou estágio de pós doutoramento no Laboratório de Psicofisiologia da Universidade FrancheComté Besançon França de 1986 a 1987 Dirige linhas de pesquisa em ontogênese do ciclo vigíliasono Foi professor doutor do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas da USP de 1980 a 2005 sendo atualmente professor titular da Escola de Artes Ciências e Humanidades da USP USP Leste Charles T Snowdon Recebeu seu diploma de bacharel em Psicologia no College Oberlin e o seu mestrado e doutorado em Psicologia na Universidade da Pennsylvania Atualmente é professor de Psicologia e Zoologia na Universidade de Wisconsin Madison Ele e seus alunos estudam o comportamento de primatas principalmente os da América do Sul com maior ênfase nos macacos com sistema de reprodução cooperativa os sagüis e os micos Estuda comunicação cognição e comportamento reprodutivo dos micos de tufo branco em cativeiro e como seus orientandos já realizou pesquisa de campo na Argentina Belize Brasil Colômbia Equador e Peru Foi editor das revistas científicas Animal Behaviour e Journal of Comparative Psychology e foi Presidente da Animal Behavior Society Briseida D Rezende Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo 1994 mestrado em Psicologia Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo 1999 e doutorado em Psicologia Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo 2004 Atualmente é professor doutor da Universidade de São Paulo Tem experiência na área de Zoologia com ênfase em Comportamento Animal atuando principalmente nos seguintes temas aprendizagem Cebus Cebus apella utilização de ferramentas e macacoprego 515 Patricia Izar Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo 1990 mestrado em Psicologia Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo 1994 e doutorado em Psicologia Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo 1999 Atualmente é bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e professor doutor da Universidade de São Paulo Tem experiência na área de Psicologia com ênfase em Estudos Naturalísticos do Comportamento Animal atuando principalmente nos seguintes temassocioecologia de primatas neotropicais psicologia evolucionista cognição espacial de primatas Katsumasa Hoshino Formado em Psicologia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo Trabalhou inicialmente na área de Psicofarmacologia e posteriormente em Neurofisiologia na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e na Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu atual UNESP onde se aposentou Montou laboratórios e grupos de pesquisa orientando várias pessoas em diferentes áreas Fisiologia eletrofisiologia comportamento fisiologia de invertebrados Estagiou nos laboratórios do Prof G Moruzzi em Pisa Itália e participou de diversas expedições brasileiras à Antártica É atualmente professor de Psicofisiologia com pesquisas centradas na fisiologia do sono Vera Silvia Raad Bussab Doutorouse em 1981 no Programa de PósGraduação em Psicologia Experimental da USP É professora do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo desde 1975 Atua na linha de pesquisa Comportamento Animal e Etologia do Programa de PósGraduação em Psicologia Experimental É membro do Grupo de Trabalho da ANPEPP Contextos sociais de desenvolvimento aspectos evolutivos e culturais e do Grupo de Pesquisa Comportamento e Evolução do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq Entre as principais publicações destacamse Bussab VS Ribeiro FL 1998 Biologicamente cultural In Lídio de Souza et al org Psicologia Reflexões ImPertinentes São Paulo Casa do Psicólogo e Gosso Y Morais MLSE Otta E Ribeiro FL Bussab VSR 2004 Play in huntergatherer society pp 213253 In Smith PK Pellegrini A eds The Nature of Play great apes and humans New York Guilford Press e Bussab VSR 516 2000 Fatores hereditários e ambientais no desenvolvimento a adoção de uma perspectiva interacionista Psicologia Reflexão e Crítica 132 23343 Fernando Leite Ribeiro Doutorouse em 1972 no Programa de PósGraduação em Psicologia Experimental da USP É professor do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo desde 1968 Atua na linha de pesquisa Comportamento Animal e Etologia do Programa de PósGraduação em Psicologia Experimental Ministra as disciplinas de PósGraduação PSE 5778 Comportamento Humano Origens Evolutivas PSE 5834 Seminários de Pesquisa em Etologia I e PSE 5841 Seminários de Pesquisa em Etologia II É membro do Grupo de Pesquisa Comportamento e Evolução do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq Entre as principais publicações destacamse Ribeiro FJL Otta E Bussab V 2004 pp 22984 In ML Seidl de Moura ed O Bebê do Século XXI a psicologia em desenvolvimento Gosso Y Morais MLSE Otta E Ribeiro FL Bussab VSR 200 Play in huntergatherer society pp 213253 In Smith PK Peter K Pellegrini A eds The Nature of Play Great Apes and Humans New York Guilford Press e Otta E Ribeiro FL Bussab VSR 2004 Inatoadquirido e a persistência de uma dicotomia Revista de Ciências Humanas 34 283311 Emma Otta Doutorouse em 1984 no Programa de PósGraduação em Psicologia Experimental da USP É professora doutora do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo desde 1980 Atua na linha de pesquisa Comportamento Animal e Etologia do Programa de PósGraduação em Psicologia Experimental É coordenadora do Grupo de Pesquisa Comportamento e Evolução do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e membro do Grupo de trabalho da ANPEPP Psicologia Evolucionista Entre as principais publicações destacamse Campos LS Otta E Siqueira JO 2002 Sex differences in mate selection strategies Content analyses and responses to personal advertisements in Brazil Evolution and Human Behavior 5 395406 e Otta E Queiroz RS Campos LS Silva MWD Silveira MT 1999 Age differences between spouses in a Brazilian marriage sample Evolution and Human Behavior 2 99103 517 Regina H F Macedo Concluiu o bacharelado em Ciências Biológicas pela Universidade de Brasília UnB em 1983 No ano seguinte 1984 concluiu um mestrado em Educação pelo Lesley College EUA Obteve um mestrado e PhD em Zoologia na University of Oklahoma EUA em 1986 e 1991 respectivamente Sua tese de PhD foi dedicada ao estudo do comportamento e sistema social de Guira guira Cuculidae Aves É professora adjunta no Departamento de Zoologia Universidade de Brasília desde 1993 Finalizou em 2003 um pósdoutorado na University of St Andrews Escócia onde desenvolveu uma linha de pesquisa relacionada à utilização de métodos moleculares aplicados ao estudo do comportamento Na UnB coordena o Laboratório de Comportamento Animal dedicase ao ensino na graduação e na pósgraduação sendo credenciada para orientar alunos nos Programas de PósGraduação em Ecologia e em Biologia Animal É pesquisadora do CNPq desde 1997 e integra o Grupo de Pesquisa Biologia e Conservação da Fauna do Cerrado do CNPq GRPesq Com o intuito de aumentar o perfil de latinoamericanos no cenário internacional na área de comportamento animal atua desde 1998 no Latin American Affairs Committee do Animal Behavior Society EUA sendo a atual coordenadora Atuou também como membro do Developing Nations Grant Committee dessa mesma sociedade entre 1999 e 2000 Participou da comissão de organização do XXVIII International Ethological Society Conference Florianópolis 2003 Tem diversas publicações em periódicos internacionais Animal Behaviour Behavioral Ecology Sociobiology The Auk Molecular Ecology Journal of Avian Biology etc Felicity Ann Huntingford Natural de Londres GrãBretanha é formada em Ciências Biológicas tendo concluído o Doutorado pela Universidade de Oxford GrãBretanha em 1978 É Professora Titular e Chefe da Divisão do Environmental Evolutionary Biology do Instituto de Biomedicina e Ciências da Vida Institute of Biomedical and Life Sciences Universidade de Glasgow Escócia onde participa em Cursos de Graduação Bacharelado em Ciências Biológicas e em Ecologia e Programas de PósGraduação em Ciências Biológicas É pesquisadora prestigiada pela Royal Society of Edinburgh GrãBretanha É autora dos livros Animal Conflict e The Study of Animal Behaviour Orientou vários alunos de graduação e pósgraduação É autora de vários trabalhos 518 científicos e capítulos de livros publicados além de participar na assessoria científica de várias revistas internacionais Sathyabama Chellappa Natural de Sri Lanka naturalizada brasileira é formada em Ciências Biológicas Bacharelado em Sri Lanka e Mestrado na Índia tendo concluído o Doutorado pela Universidade de Glasgow Escócia em 1988 e pósdoutoramento na Universidade de Stirling GrãBretanha em 1994 É professora titular lotada no Departamento de Oceanografia e Limnologia Centro de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Norte desde 1977 onde participa em cursos de graduação e Programas de PósGraduação em Ciências Biológicas em Bioecologia Aquática e em Psicobiologia É bolsista de produtividade nível 1C do CNPq e desenvolve pesquisas nas áreas de Piscicultura Ecologia e Comportamento dos Peixes É Coordenadora da Base de Pesquisa em Ecologia Aquática e Aqüicultura do Centro de Biociências UFRN Foi Coordenadora 19951999 e ViceCoordenadora 20002003 do PPG em Bioecologia Aquática da UFRN e desde 2004 é ViceCoordenadora do PPG em Ciências Biológicas da UFRN Foi membro do Comitê de Avaliação da CAPESMEC em 2002 Orientou 22 bolsistas de Iniciação Cientifica 20 Monografias de Graduação 12 alunos de Especialização 17 de Mestrado e 5 de Doutorado É autora de vários trabalhos científicos e capítulos de livros publicados além de participar na assessoria científica de várias revistas nacionais e internacionais Maria Bernardete Cordeiro de Sousa Graduada em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN em 1977 Concluiu o Mestrado e o Doutorado em Neurofisiologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP São Paulo em 1980 e 1983 respectivamente Realizou o pósdoutorado em Etologia Fisiológica no Wisconsin National Primate Research Center na Universidade de Wisconsin EUA em 1996 e 1997 Atualmente é professora titular do Departamento de Fisiologia da UFRN onde atua como orientadora no Programa de Pósgraduação em Psicobiologia do Centro de Biociências e também no Programa de Pósgraduação em Ciências da Saúde Pesquisadora do CNPq e líder do grupo de Pesquisa do Laboratório de Endocrinologia Comportamental da UFRN Hélderes Peregrino Alves da Silva 519 Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte em 1988 Mestre em Psicobiologia pela UFRN 1995 e Doutora em Psicologia Experimental pela USP 2003 Atualmente é professora Adjunta do Departamento de Fisiologia e do Programa de Pósgraduação em Psicobiologia Centro de Biociências UFRN e pesquisadora do grupo de Pesquisa do Laboratório de Endocrinologia Comportamental Donald D Broom54 Foi o primeiro professor de bemestar animal lotado no Departamento de Medicina Veterinária na universidade de Cambridge desde 1986 Seu Centro para o Bemestar Animal e Antrozoologia tem desenvolvido conceitos e métodos de avaliação científica do bemestar animal Publicou cerca de 500 artigos sobre habilidades cognitivas dos animais o bemestar de bezerros porcos galinhas animais de laboratório de zoológicos etc em relação a manutenção e transporte problemas comportamentais de animais de estimação atitudes em relação aos animais e ética no uso dos animais Proferiu conferências sobre bemestar animal em 37 países e tem colaborado no Reino Unido FAWC e APC e em comitês do Conselho Europeu sobre bemestar animal Foi presidente ou vicepresidente de comitês científicos europeus sobre bemestar animal desde 1990 Entre seus oito livros estão Stress and Animal Welfare Coping with Challenge Welfare in Animals including Humans The Evolution of Morality and Religion and Domestic Animal Behaviour and Welfare Arrilton Araújo Doutor em Biologie Des Organismes pela Universite de Paris XIII ParisNord França É professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e foi coordenador do programa de PósGraduação em Psicobiologia da mesma universidade Ministra as disciplinas de Ecologia Comportamental Comportamento Animal e Etologia Aplicada para a graduação e pósgraduação Áreas de pesquisa Ecologia e comportamento de sagüis comuns Ecologia da formiga Dinoponera quadríceps Principais publicações Foraging Behavior of the Queenless Ant Dinoponera quadriceps Santschi Hymenoptera Formicidae Neotropical Entomology 36 16 2006 Behavioral strategies and hormonal profile of dominant and subordinate common marmoset 54 Informações obtidas na revista Annual Review of Biomedical Sciences 10 T7990 2008 com permissão do editor 520 Callithrix jacchus female in wild monogamous groups American Journal of Primatology 67 3750 2006 Fívia de Araújo Lopes É professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e do Programa de Pós Graduação em Psicobiologia UFRN Fez seu doutorado na UFRN em Psicobiologia Trabalha atualmente com evolução do comportamento humano e investiga o comportamento social e alimentar em outras espécies animais Faz parte da Base de Pesquisa Ecologia e Comportamento Animal Ministra aulas nas disciplinas de Comportamento animal graduação e pósgraduação Evolução do Comportamento Humano graduação e pósgraduação Bases Evolutivas do Comportamento pós graduação e Métodos e Técnicas no Estudo do Comportamento pósgraduação Maria de Fátima Arruda É doutora em Psicobiologia pela Escola Paulista de Medicina Professora do Departamento de Fisiologia e do Programa de Pósgraduação em Psicobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte As principais áreas de pesquisa são comportamento social em saguis e comportamento alimentar em camarões Publicações mais relevantes Two breeding females within freeliving groups may not always mean polygyny Alternative subordinate female strategies in common marmosets Callithrix jacchus Folia Primatologia 76 1020 2005 Comportamento de Litopenaeus vannamei Boone 1931 Crustacea Decapoda Penaeidae em função da oferta do alimento artificial nas fases clara e escura do período de 24 horas Revista Brasileira de Zoologia 223 648652 2005