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1 JESUS E AS RELIGIÕES Graças a diversas pesquisas recentes muitas vezes com a contribuição de estudiosos judeus a teologia descobriu a identidade profundamente judia do Jesus histórico Jesus de Nazaré era realmente um judeu nascido da estirpe de Judá filho de David filho de Abraão Mt 11 O evangelho inteiro testemunha seu profundo enraizamento na tradição religiosa de seu povo Jesus declara abertamente que não veio para abolir mas para confirmar para levar à perfeição e purificar a relação de aliança instaurada entre Deus e seu povo Não penseis que vim abrogar a Lei ou os Profetas não vim abrogar mas cumprir Mt 517 De uma parte permanecem a aliança e a Lei que a indica de outra deve se instaurar uma nova justiça superior à antiga Pois eu vos digo se a vossa justiça não ultrapassar a dos escribas e dos fariseus de modo algum entrareis no Reino dos céus Mt 520 Jesus veio para cumprir a aliança de Deus com seu povo Essa vontade de renovação é a causa direta e principal para a oposição que sua atividade levantará por parte do poder religioso do seu povo O evangelho testemunha a história do confronto que foi se desenvolvendo durante o ministério de Jesus entre a sua vontade de uma renovação da tradição religiosa de Israel e a atitude jurídica e opressiva daqueles que na sua comunidade religiosa detinham o poder A intenção de Jesus consistia em revitalizar o verdadeiro espírito da religião que ele partilhava com seu povo e em inspirar uma nova visão da ação salvífica de Deus não apenas nos confins do mundo religioso judeu mas para além deles no mundo externo Deternosemos mais adiante nesse último aspecto do desígnio de Jesus O que se deve observar imediatamente é a vontade de continuidade e de descontinuidade na atitude e no desígnio religioso de Jesus Não pretende a superação do judaísmo e sua substituição pela instauração de uma nova religião O que ele quer é a instauração da adoração de Deus em espírito e verdade Jo 423 por parte de todos os homens Não cabe a nós aqui entrar no problema da origem em Jesus da Igreja cristã4 Parece todavia legítimo pensar que a origem da Igreja cristã remonte principalmente ao Cristo ressuscitado mais que ao Jesus histórico O que temos de observar aqui é como nem sequer a Igreja primitiva se desligou automaticamente do judaísmo no qual tem origem depois da ressurreição de seu Senhor Por decênios ela continua a fazer parte da estirpe judaica Apenas progressivamente irá evoluindo nela a consciência de uma identidade religiosa distinta e eventualmente de uma ruptura das suas origens O cristianismo se entenderá somente então como via distinta embora originada de Israel Seja qual for o modo como se deva entender a origem em Cristo da Igreja cristã podese afirmar com segurança que o Jesus histórico não teve uma intenção formal de separação entre as duas religões a judaica e a cristã Sua atitude pessoal em relação aos pagãos com os quais esteve em contato e a sua avaliação da vida religiosa deles eram inspiradas por sua vontade de renovação espiritual da religião O horizonte do pensamento do Jesus histórico não era com efeito a Igreja cristã como religião distinta mas o Reino que Deus estava instaurando na sua vida por meio de suas palavras e seus gestos 11 O horizonte do Reino de Deus O Reino de Deus se encontra indubitavelmente no centro da pregação e da missão de Jesus de seu pensamento e de sua vida de suas palavras e de suas ações O sermão da montanha e as bemaventuranças são a constituição do Reino de Deus Todas as parábolas de Jesus a ele se referem os milagres o mostram já presente e operante5 É igualmente certo que o Reino que Deus 4 Vejase entre outros J GUILLET Entre Jésus et lEglise Seuil Paris 1985 tinha começado a instituir no mundo por meio da vida terrena de Jesus tornouse realmente presente mediante o mistério da sua morte e ressurreição Não há pois solução de continuidade entre o reinocentrismo do anúncio de Jesus e o cristocentrismo do querigma da idade apostólica O evangelho atesta além disso que para o próprio Jesus o Reino por ele anunciado e já presente devia se desenvolver até sua plenitude O reino de Deus sem dúvida situa o próprio Deus na origem e no coração da ação de Jesus O Reino de Deus na realidade quer dizer o próprio Deus pois Deus começa a agir no mundo de maneira decisiva manifestandose e pondo em ordem sua criação por meio das ações humanas de Jesus A missão inicial de Jesus é acompanhada por milagres não seria correto entendêlos e tratálos simplesmente como se exibissem as credenciais do profeta do Reino de Deus Os milagres de cura e os exorcismos semelhantes às curas que falando em geral figuram entre os dados históricos inquestionáveis do ministério inicial de Jesus como também as ressurreições dos mortos são sinais e símbolos do fato de que por meio de Jesus Deus está inaugurando seu domínio sobre a terra está subjugando as forças destruidoras da morte e do pecado Os milagres enfim são os primeiros frutos da presença operante do Reino de Deus entre os homens O Reino de Deus é o domínio de Deus entre os homens O que exige uma nova e completa orientação das relações humanas e uma organização da sociedade humana segundo a intenção de Deus Os valores que em sintonia com o senhorio de Deus devem caracterizar as relações humanas podem ser resumidos em poucas palavras a liberdade a fraternidade a paz a justiça e o amor De acordo com isso Jesus denuncia por meio de toda a sua ação missionária tudo o que na sociedade de seu tempo viola esses valores Esse fato o põe contra as diversas categorias de seu próprio povo o Nazareno castiga o legalismo opressivo dos escribas a exploração do povo pela classe sacerdotal a arrogante hipocrisia dos fariseus Jesus não é um conformista mas um subversivo a favor da forza de Deus recusa aceitar as estruturas injustas e estereotipadas da sociedade em que vive e se associa de preferência aos pecadores e aos cobradores de impostos aos samaritanos heréticos aos pobres enfim a todas as camadas desprezadas pela sociedade de seu tempo A essas categorias Jesus anuncia que o Reino de Deus tinha chegado e as convida a nele entrar pela conversão e por uma reordenação de suas vidas Jesus é o profeta escatológico por quem o Reino de Deus não só é anunciado mas chega de fato Toda sua missão está centrada no Reino de Deus ou seja no próprio Deus como aquele que está estabelecendo seu domínio sobre a terra por meio de seu mensageiro Porque centrado no Reino de Deus Jesus está centrado também no próprio Deus Nele não há distância entre um e outro o reinocentrismo e o teocentrismo coincidem O Deus que Jesus chama de Pai é o centro de sua mensagem de sua vida e de sua pessoa Jesus não falou primariamente de si mesmo mas veio para anunciar Deus e a vinda de seu Reino e para se pôr a seu serviço Deus está no centro não o mensageiro O Jesus histórico gozava todavia de uma relação especial e única de filiação com referência ao Deus do Reino que ele chamava de seu Pai Abbá Estava igualmente consciente de sua vocação messiânica baseada na renovação e no cumprimento da religião da aliança instaurada por Deus com seu povo É nessa renovação e nesse cumprimento que consistia com efeito a instauração no mundo do Reino de Deus por meio de sua vida Era esse o horizonte essa perspectiva a partir do qual Jesus imaginava e entendia a situação não apenas dos membros do povo da aliança mas igualmente dos pagãos dos gentios dos estrangeiros em relação ao Deus da salvação e do Reino Por mais misteriosa que tivesse sido a situação dos outros em relação ao Deus da salvação por Jesus todavia aquele Deus era o Deus de todos os homens aquele que segundo a Escritura não conhece diferença entre as pessoas o imparcial Dt 1017 Não podia pois partilhar a tendência a um certo exclusivismo que a identidade do povo eleito corria sempre o risco de imprimir na mente dos membros de Israel Jesus porém teria julgado que a salvação de Deus está destinada igualmente a todos os homens bem como a todos os povos O universalismo da salvação caminha passo a passo com o Deus universal do Reino Espanta pois o fato de que segundo o testemunho do evangelho a missão histórica de Jesus pareça estar dirigida principalmente se não exclusivamentete a Israel Em Mt 1524 ele declara explicitamente ter sido enviado apenas às ovelhas perdidas da casa de Israel Quando enviou os doze em missão ordenoulhes que não tomassem o caminho dos pagãos que não entrassem numa cidade de samaritanos mas que se dirigissem de preferência às ovelhas perdidas da casa de Israel Mt 1056 Com toda probabilidade esses 5 Vejase J DUPUIS Introduzione alla cristologia Piemme Casale Monferrato Al 1993 19963 6166 ed br cit Entre a abundante literatura sobre o assunto podemse consultar os seguintes títulos GR BEASLEYMURRAY Jesus and the Kingdom of God Paternoster Press Exeter 1986 N PERRIN The Kingdom in the Teaching of Jesus SCM Press Londres 1963 ID Rediscovering the Teaching of Jesus SCM Press Londres 1967 R SCHNACKENBURG Signoria e Regno di Dio Uno studio di teologia biblica II Mulino Bolonha 1971 J FÜLLENBACH The Kingdom of God The Central Message of Jesus Teaching in the Light of the Modern World Logas Publications Manila 1993 ID The Kingdom of God The Message of Jesus Today Orbis Books MaryknollNY 1995 J SCHLOSSER Le Règne de Dieu dans les dits de Jésus 2 vols Gabalda Paris 1980 N F FISHER The Parables of Jesus Glimpses of Gods Reign Crossroad Nova York 1990 W WILLIS ed The Kingdom of God in Twentieth Century Interpretation Hendrickson PeabodyMA 1987 CS SONG Jesus and the Reign of God Fortress Press MinneapolisMN 1993 G IAMMARRONE Gesù di Nazaret Messia del Regno Messaggero Pádua 1996 dados são substancialmente autênticos6 Criam porém um problema sobre o qual deveremos voltar um pouco mais adiante Não faltam todavia nos evangelhos ocasiões em que Jesus entra explicitamente em contato com gente estrangeira Esses episódios servem de ocasiões em que Jesus revela seu pensamento com relação ao Deus da salvação e à universalidade dela Merecem ser analisados 12 A entrada dos gentios no Reino de Deus Um primeiro episódio é o do centurião de Cafarnaum que veio ao encontro de Jesus pedindo a cura de seu servo paralítico Mt 8513 Jesus se mostrou tomado de admiração diante da fé do centurião Em verdade eu vos digo em ninguém de Israel encontrei tamanha fé Mt 810 A verificação de tamanha fé num pagão dá com efeito a Mateus a ocasião de mencionar o anúncio por parte de Jesus de que muitos provenientes do Oriente e do Ocidente serão admitidos no Reino dos céus Mt 81112 O ingresso dos outros no Reino não é meramente escatológico realizase antes de mais nada na história como atesta a parábola do banquete Mt 22114 Lc 141524 De fato já está em vigor e é atual Sobre esse último ponto porém diferem as opiniões entre os intérpretes Segundo J Jeremias Jesus esperava a incorporação dos pagãos no povo de Deus ou no Reino de Deus como um ato escatológico do poder de Deus A vocação de Israel e a incorporação dos pagãos no Reino de Deus são dois acontecimentos consecutivos da história da salvação A comunidade hebraica primitiva via a história da salvação do mesmo modo que Jesus esperavase como também o próprio Jesus o Reino universal de Deus para o final dos tempos7 Desse parecer discorda parcialmente L Legrand segundo quem é preciso levar em consideração a atualização da escatologia já em vias de realização A reunião escatológica das Nações já está iniciada no ministério de Jesus O acesso ao Reino se dá graças à fé e à conversão Mc 115 e não pela simples pertença étnica cf Mt 38 Onde aparece a fé o Reino está presente8 O universalismo do Reino de Deus já em vigor durante a missão histórica de Jesus é afirmado de modo mais claro ainda por CS Song A propósito da parábola do grande banquete Lc 141524 Mt 22114 ele observa que depois dos desclassificados de Israel também as pessoas das regiões estrangeiras ou seja os gentios são chamadas pelo mestre do banquete Disse ele a seu servo Vai pelas estradas e jardins e força as pessoas a entrarem a fim de que a minha casa fique cheia Lc 1423 O grande banquete incorpora a visão que Jesus tem do Reino de Deus Tratase de uma visão global É uma visão inspirada por Deus o Criador do céu e da terra o Deus que criou os seres humanos à imagem de Deus9 A participação de todos no banquete é símbolo da participação de todos na salvação de Deus Para Jesus pois a fé e a conversão que levam à salvação não envolvem uma passagem para uma religião diferente qualquer mas são conversão ao Deus da vida do amor e da liberdade ou seja ao Deus do Reino de Deus de todos os homens A casa cheia de convidados ao banquete simboliza a universalidade da pertença ao Reino de Deus o banquete tornouse um banquete para todos inclusive os párias e os estrangeiros É uma festa do povo Os convidados forçados a entrar terão certamente representado uma variedade de crenças e de religiões Temos de aprender da mensagem de Jesus com relação ao Reino de Deus se queremos compreender quem é Deus em nosso mundo Jesus quer orientar nosso pensamento e nosso empenho em direção ao Deus do Reino de Deus mas não em direção ao Deus da nossa tradição religiosa e não certamente em direção a um Deus fabricado por nós10 Um outro caso de admiração de Jesus com relação à fé dos pagãos é o da mulher cananéia de que fala Mt 152128 Por ocasião de algumas excursões à região sirofenícia Jesus esteve em contato com pessoas que não pertenciam ao povo eleito Mais uma vez ele fica espantado com a fé desses pagãos e lhes faz alguns milagres de cura que lhe solicitam Tiro e Sidon são citadas diversas vezes no evangelho Lá segundo Mt 152128 Jesus cura a filha endemoniada de uma mulher cananéia diante de cuja fé ele se admira tanto Mulher grande é a tua fé Sucedate conforme queres Mt 1528 Convém sermos claros aqui os milagres realizados por Jesus em favor dos estrangeiros têm o mesmo significado que ele dá a qualquer outro milagre seu Eles significam que o Reino de Deus já está presente e em vigor cf Mt 1146 Lc 41622 Mt 122528 Os milagres de cura e os exorcismos realizados em favor dos outros são pois indicações de que o Reino de Deus está presente e em vigor também no meio deles ele se estende a todos os que dele se aproximam por meio da fé e da conversão a Deus cf Mc 115 No caso da mulher cananéia C S Song observa que diante do sofrimento humano Jesus terá se dado conta imediatamente de que não se podia fazer distinção entre judeus e gentios nem entre seu ministério em favor de seu povo e a sua missão dirigida aos gentios Ambos os ministérios são de fato dois aspectos de uma mesma missão O 6 L LEGRAND Il Dio che viene La missione nella Bibbia Borla Roma 1989 6196 Cf também J JEREMIAS Jésus et les païens Delachaux et Niestlé Neuchâtel 1956 7 Idm ibid 6364 8 LEGRAND Il Dio che viene cit 8889 9 SONG Jesus and the Reign of God cit 26 10 Id ibid 38 quete Disse ele a seu servo Vai pelas estradas e jardins e força as pessoas a entrarem a fim de que a minha casa fique cheia Lc 1423 O grande banquete incorpora a visão que Jesus tem do Reino de Deus Tratase de uma visão global É uma visão inspirada por Deus o Criador do céu e da terra o Deus que criou os seres humanos à imagem de Deus9 A participação de todos no banquete é símbolo da participação de todos na salvação de Deus Para Jesus pois a fé e a conversão que levam à salvação não envolvem uma passagem para uma religião diferente qualquer mas são conversão ao Deus da vida do amor e da liberdade ou seja ao Deus do Reino de Deus de todos os homens A casa cheia de convidados ao banquete simboliza a universalidade da pertença ao Reino de Deus o banquete tornouse um banquete para todos inclusive os párias e os estrangeiros É uma festa do povo Os convidados forçados a entrar terão certamente representado uma variedade de crenças e de religiões Temos de aprender da mensagem de Jesus com relação ao Reino de Deus se queremos compreender quem é Deus em nosso mundo Jesus quer orientar nosso pensamento e nosso empenho em direção ao Deus do Reino de Deus mas não em direção ao Deus da nossa tradição religiosa e não certamente em direção a um Deus fabricado por nós10 Um outro caso de admiração de Jesus com relação à fé dos pagãos é o da mulher cananéia de que fala Mt 152128 Por ocasião de algumas excursões à região sirofenícia Jesus esteve em contato com pessoas que não pertenciam ao povo eleito Mais uma vez ele fica espantado com a fé desses pagãos e lhes faz alguns milagres de cura que lhe solicitam Tiro e Sidon são citadas diversas vezes no evangelho Lá segundo Mt 152128 Jesus cura a filha endemoniada de uma mulher cananéia diante de cuja fé ele se admira tanto Mulher grande é a tua fé Sucedate conforme queres Mt 1528 Convém sermos claros aqui os milagres realizados por Jesus em favor dos estrangeiros têm o mesmo significado que ele dá a qualquer outro milagre seu Eles significam que o Reino de Deus já está presente e em vigor cf Mt 1146 Lc 41622 Mt 122528 Os milagres de cura e os exorcismos realizados em favor dos outros são pois indicações de que o Reino de Deus está presente e em vigor também no meio deles ele se estende a todos os que dele se aproximam por meio da fé e da conversão a Deus cf Mc 115 No caso da mulher cananéia C S Song observa que diante do sofrimento humano Jesus terá se dado conta imediatamente de que não se podia fazer distinção entre judeus e gentios nem entre seu ministério em favor de seu povo e a sua missão dirigida aos gentios Ambos os ministérios são de fato dois aspectos de uma mesma missão O 6 L LEGRAND Il Dio che viene La missione nella Bibbia Borla Roma 1989 6196 Cf também J JEREMIAS Jésus et les païens Delachaux et Niestlé Neuchâtel 1956 7 Idm ibid 6364 8 LEGRAND Il Dio che viene cit 8889 9 SONG Jesus and the Reign of God cit 26 10 Id ibid 38 sofrimento humano é sofrimento aconteça ele com os judeus ou com os gentios A mulher estrangeira se torna a ocasião para Jesus atravessar as fronteiras da fé e da verdade A mulher cananeia está desempenhando um papel na ampliação da visão própria de Jesus da atividade salvadora de Deus no mundo11 Também gente fora da sua religião era capaz de autêntica fé daquela fé que salva Mais essa fé podia ser mais forte e mais profunda do que aquela com a qual estava habituado na sua comunidade religiosa O evento nos remete ao episódio da fé do centurião romano há pouco lembrado e à reação do admirado Jesus Em verdade eu vos digo em ninguém de Israel encontrei tamanha fé Mt 810 cf Lc 79 Os dois episódios aconteceram fora da comunidade religiosa de Jesus Uma fé genuína é pois possível em toda a parte neste nosso mundo que é o mundo de Deus E conclui C S Song Jesus atravessou a fronteira que separa os judeus dos gentios a fronteira que divide a comunidade judaica da dos gentios a fronteira que mantém a verdade salvífica de Deus presa dentro a uma religião particular dela excluindo as outras religiões12 Quem não pertence à comunidade religiosa de Jesus bem como aquele que não é membro da comunidade cristã pode realmente ter a fé no poder salvífico de Deus E não há por que se espantar se é verdade que o Deus da salvação não é apenas o Deus dos judeus e dos cristãos mas de todos os povos cf Rm 32930 uma vez que todos eles são povos de Deus O Reinode Deus instaurado por Deus em Jesus e anunciado por Jesus como presente e operante por sua vida suas palavras e seus gestos e finalmente realizado na sua morte e ressurreição representa a realidade universal de salvação presente no mundo Nela todos os homens em todas as circunstâncias de vida podem entrar mediante a fé e a conversão 13 A universalidade do Reino de Deus Que relação terá então mantido o Jesus histórico entre o Reino de Deus por ele anunciado e o movimento por ele criado destinado a se tornar depois dele a Igreja cristã Se o Reino de Deus representa verdadeiramente a salvação universal atingível por parte de todos os homens pela fé e pela conversão em relação ao Deus do Reino que função deverá desempenhar segundo o pensamento de Jesus o movimento cristão a respeito do Reino Responder a essas questões tornouse mais difícil pelo fato de que as referên 11 ID Jesus in the Power of the Spirit Fortress Press MinneapolisMN 1994 7778 12 Id ibid 80 46 cías de Jesus à Igreja são apenas indiretas Sabese que o termo ekklesía encontrase apenas duas vezes nos evangelhos em Mateus A predicação da Igreja de Mt 1618 teve sua redação retocada à luz do evento pascal em Mt 1818 ekklesía indica uma comunidade local de discípulos sem ter necessariamente algum significado técnico Fica de pé porém o fato de que Jesus escolheu os Doze e lhes confiou em primeiro lugar a responsabilidade de continuar sua missão do anúncio do evangelho em vista do Reino de Deus Mediante o evento da ressurreição de Cristo e o dom do Espírito em Pentecostes os Doze haveriam de se tornar junto com outros os apóstolos13 O movimento iniciado por Jesus destinado a se transformar na Igreja e em que ele havia instituído uma autoridade competente não foi todavia identificado por ele com o Reino de Deus que ia anunciando estava ao contrário destinado a servir o Reino de Deus a ajudar o seu crescimento a testemunhar a presença no mundo a anunciálo como boa nova para todos os homens Não se pode portanto dizer que Jesus identificava o Reino com o movimento que estava criando e que estava destinado a se tornar a Igreja14 O que se deve admitir sim é que ao enviar em missão os Doze encarregandoos de anunciar a vinda do Reino Mt 1057 ele já estava pondo antecipadamente a Igreja a serviço desse Reino A boa nova que seria anunciada pela Igreja depois da ressurreição cf Mc 1615 era a mesma proclamada por Jesus durante a sua vida terrena a vinda do Reino Mc 115 A Igreja não está destinada a anunciar a si mesma mas o Reino de Deus Como se verá na segunda parte do capítulo a teologia do Novo Testamento continuará a se situar nessa perspectiva do Jesus histórico apesar do fato mais que sabido de que a expressão Reino de Deus segundo os evangelhos sinóticos tão presente nos lábios de Jesus desaparece parcialmente se não completamente no resto do Novo Testamento É extraordinário o fato de que depois de decênios de existência do cristianismo anos ao longo dos quais Paulo fundara várias igrejas locais quando segundo a narrativa final dos Atos dos Apóstolos está dando seu testemunho em Roma ele anuncia a todos o Reino de Deus e lhes ensina o que concerne ao Senhor Jesus At 283031 cf 2823 O Reino de Deus e o Senhor Jesus coincidem Ainda que tenha se tornado agora menos freqüente a expressão o Reino de Deus está presente todavia de uma forma renovada ou seja a do senhorio do Cristo ressuscitado que continua o Reino de Deus Esse senhorio não se extende 13 Cf GUILLET Entre Jésus et lEglise cit 14 Sobre a universalidade do Reino de Deus no pensamento de Jesus cf SONG Jesus and the Reign of God cit 338 ID Jesus in the Power of the Spirit cit 196226 47 apenas à Igreja mas ao mundo inteiro Mas voltando ao Jesus histórico fica ainda por destacar aquela universalidade do Reino de Deus estendida para além do povo da aliança bem como além do movimento de seus discípulos criado por Jesus ao mundo inteiro inclusive aos estrangeiros aos pagãos e aos gentios Não faltam nos evangelhos episódios que testemunham a universalidade do Reino de Deus segundo o pensamento de Jesus Lembremos alguns deles Conforme o Evangelho de João Jesus quando voltava da Judéia presumivelmente depois de ter celebrado a Páscoa em Jerusalém atravessou a Samaria e chegou a uma cidade chamada Sicar Jo 41615 O texto de João nolo mostra conversando com uma mulher samaritana Tal fato já devia causar maravilha entre os discípulos coisa que o evangelho não deixa de observar Os judeus com efeito não querem ter nada em comum com os samaritanos Jo 49 que consideravam estrangeiros Jesus porém fica estupefato com a disponibilidade à fé por parte da mulher e com a sua sede de água viva cf Jo 4715 Ele não recusa tampouco o culto samaritano sobre o monte Garizim como contraposto ao de Jerusalém anuncia ao contrário à mulher que vem a hora em que nem sobre esta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai a hora na qual os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade tais são com efeito os adoradores que o Pai procura Jo 42023 Todo culto não apenas estrangeiro mas também judaico deve dar lugar à verdadeira adoração espiritual C S Song observa que não era necessário que Jesus atravessasse a Samaria para voltar à Galiléia Teria podido evitar a Samaria se optasse por passar pela Peréia Não terá sido uma necessidade humana mas uma necessidade divina não uma coincidência humana mas a providência divina que o levou a entrar pelo caminho que conduz à Samaria16 Jesus terá sido obrigado pelo Espírito a atravessar a fronteira em direção à região da Samaria A conversa entre Jesus e a mulher samaritana como é lembrado por João evangelista é um diálogo teológico Tendoo iniciado Jesus a conduz passo a passo para uma compreensão que vê o cumprimento dos esforços religiosos humanos em sua abolição Nem o monte Garizim o centro do universo religioso dos samaritanos nem Jerusalém o centro do cosmô espiritual dos judeus têm um significado permanente na presença de Deus Os dois são símbolos e imagens a serem esquecidos De fato serão ultrapassados no mesmo Jesus que é a imagem do Deus amante e o símbolo do Reino de Deus Jesus quer mudar transformar revitalizar a vida com imagens e símbolos que abrem e revelam para todos a verdadeira natureza do Deus do Reino17 Não pode escapar à atenção o fato de que por diversas vezes na vida de Jesus fazse referência explícita a pessoas que pertencem ao povo samaritano e que servem de exemplo e modelo para uma atitude de fé e de caridade fraterna pelas quais se entra no Reino de Deus Não é por acaso que a atitude do bom samaritano é contraposta por Jesus na parábola que recebe o nome de seu protagonista à de um sacerdote e de um levita Lc 102937 Um homem descia de Jerusalém a Jericó caiu nas mãos de bandidos que tendoo despojado e coberto de pancadas foramse embora e o abandonaram quase morto v 30 Enquanto o sacerdote e o levita passaram a boa distância vv 31 e 32 um samaritano o viu e tomouse de compaixão vv 3335 O evangelho entra em detalhes explicando o que implicou encherse de cuidados pelo homem ferido A conclusão é que dos três é o samaritano que se fez próximo do homem que caíra nas mãos dos bandidos v 36 Jesus o propôs então como exemplo para os judeus Vai e tu também faze o mesmo v 37 Tampouco foi por acaso que ao atravessar Jesus a Galiléia e a Samaria em viagem a Jerusalém quando ao entrar numa aldeia lhe vieram ao encontro dez leprosos e ele os curou Lc 171119 o único que vendo que estava curado voltou dando glória a Deus em altas vozes e se lançou de rosto em terra aos pés de Jesus rendendolhe graças era um samaritano vv 1516 Perguntou então Jesus Não se achou ninguém entre eles para voltar e dar glória a Deus a não ser este estrangeiro e disse ao samaritano Levantate vai A tua fé te salvou vv 1819 É claro portanto que para Jesus a fé salvífica não é acessível apenas de longe aos pagãos e aos estrangeiros ela realmente se realiza no meio deles Analogamente os estrangeiros podem também eles pertencer desde já ao Reino de Deus cujo chamado se estende para além dos limites do povo eleito de Israel A pertença étnica ao povo eleito não vem ao caso Essa atitude parece estar em nítido contraste com a explícita admissão por parte de Jesus ressaltada mais acima de ter sido enviado exclusivamente às ovelhas perdidas da casa de Israel Mt 1524 Um outro episódio afirma de modo ainda mais provocante para quem o quiser entender corretamente a universalidade sem fronteiras do Reino de Deus e da salvação divina em vigor no mundo bem como o acolhimento por parte de Deus de todos os homens independentemente de qualquer pertença a um povo eleito Tratase do episódio em que os discípulos de Jesus queriam impedir alguém que não nos seguia de expulsar os demônios em nome de 15 É oportuno observar que se é certo que a Igreja apostólica evangelizou a Samaria cf At 851417 a história do encontro de Jesus com a samaritana em João parece ser uma retroprojeção dessa atividade evangelizadora 16 SONG Jesus in the Power of the Spirit cit 103 48 de Deus na sua universalidade e abertura a qualquer um que esteja disposto a nele entrar Além disso quando alguns intérpretes pensam que o Sermão da montanha como se apresenta nos textos tenha sido pregado por Jesus a uma só assembléia outros com mais probabilidade o vêem como uma compilação de ditos proferidos por Jesus em diversos tempos e diversos lugares às vezes a indivíduos às vezes a diferentes grupos C S Song vai além dessa segunda opinião21 Ele inclui entre os ouvintes do Sermão da montanha as multidões a que se faz referência explícita em Mateus cf 51 ou melhor ainda a grande multidão de discípulos e uma grande massa de povo de toda a Judéia de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sidon eles tinham vindo para ouvilo e se fazerem curar de suas doenças Lc 61718 Essa observação não está desprovida de consequências importantes para o pensamento de Jesus com respeito aos destinatários de seu ensinamento mesmo mais íntimo e profundo Resulta com efeito que esse ensinamento não se destina exclusivamente a um grupo fechado de amigos e discípulos escolhidos segundo diferentes critérios humanos mas se dirige a todos os homens que o queiram escutar sendo todos destinados pelo Deus do Reino à prática dos valores do Reino em suas respectivas circunstâncias de vida Consideremos pois as Bemaventuranças levando em consideração a assembléia sem limites quer religiosos quer de qualquer outro tipo a que no pensamento de Jesus são destinadas Felizes vós os pobres o Reino de Deus é vosso Lc 620 A forma lucana da primeira bemaventurança estabelece claramente que o Reino de Deus se destina principalmente aos pobres e o discurso direto vós os pobres indica que essa versão está mais próxima das palavras de Jesus do que a versão de Mateus Felizes os pobres de coração deles é o Reino dos céus Mt 53 Por conseguinte de uma a outra versão há mudança de perspectiva Devese pensar que a preferência de Jesus pelos pobres devido à sua característica aparentemente escandalosa tenha baixado de tom depois dele até se reduzir a uma pobreza espiritual ou a uma abertura a Deus que estão ao alcance de todos até dos ricos Ou a fórmula de Mateus faz pensar numa adaptação a um grupo religioso privilegiado em sua totalidade Parece não ser assim ao contrário podese pensar que haja continuidade entre ambas as versões os verdadeiros pobres são também os simples aqueles que estão abertos a Deus e a seu Reino Parece claro que tanto em Mateus como em Lucas Jesus terá endereçado seu discurso a um grupo importante de pobres entre seus ouvintes os deserdados que se voltam a Deus como a seu último refúgio Sem dúvida alguma deverá ter havido muitos estrangeiros entre eles 21 Id ibid 214220 52 gem de Jesus é também o que ele explicou mais claramente com relação às tradições religiosas estrangeiras O Deus de Jesus é o Deus de todos os homens seu Reino está destinado a todos
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sua atividade levantará por parte do poder religioso do seu povo O evangelho testemunha a história do confronto que foi se desenvolvendo durante o ministério de Jesus entre a sua vontade de uma renovação da tradição religiosa de Israel e a atitude jurídica e opressiva daqueles que na sua comunidade religiosa detinham o poder A intenção de Jesus consistia em revitalizar o verdadeiro espírito da religião que ele partilhava com seu povo e em inspirar uma nova visão da ação salvífica de Deus não apenas nos confins do mundo religioso judeu mas para além deles no mundo externo Deternosemos mais adiante nesse último aspecto do desígnio de Jesus O que se deve observar imediatamente é a vontade de continuidade e de descontinuidade na atitude e no desígnio religioso de Jesus Não pretende a superação do judaísmo e sua substituição pela instauração de uma nova religião O que ele quer é a instauração da adoração de Deus em espírito e verdade Jo 423 por parte de todos os homens Não cabe a nós aqui entrar no problema da origem em Jesus da Igreja cristã4 Parece todavia legítimo pensar que a origem da Igreja cristã remonte principalmente ao Cristo ressuscitado mais que ao Jesus histórico O que temos de observar aqui é como nem sequer a Igreja primitiva se desligou automaticamente do judaísmo no qual tem origem depois da ressurreição de seu Senhor Por decênios ela continua a fazer parte da estirpe judaica Apenas progressivamente irá evoluindo nela a consciência de uma identidade religiosa distinta e eventualmente de uma ruptura das suas origens O cristianismo se entenderá somente então como via distinta embora originada de Israel Seja qual for o modo como se deva entender a origem em Cristo da Igreja cristã podese afirmar com segurança que o Jesus histórico não teve uma intenção formal de separação entre as duas religões a judaica e a cristã Sua atitude pessoal em relação aos pagãos com os quais esteve em contato e a sua avaliação da vida religiosa deles eram inspiradas por sua vontade de renovação espiritual da religião O horizonte do pensamento do Jesus histórico não era com efeito a Igreja cristã como religião distinta mas o Reino que Deus estava instaurando na sua vida por meio de suas palavras e seus gestos 11 O horizonte do Reino de Deus O Reino de Deus se encontra indubitavelmente no centro da pregação e da missão de Jesus de seu pensamento e de sua vida de suas palavras e de suas ações O sermão da montanha e as bemaventuranças são a constituição do Reino de Deus Todas as parábolas de Jesus a ele se referem os milagres o mostram já presente e operante5 É igualmente certo que o Reino que Deus 4 Vejase entre outros J GUILLET Entre Jésus et lEglise Seuil Paris 1985 tinha começado a instituir no mundo por meio da vida terrena de Jesus tornouse realmente presente mediante o mistério da sua morte e ressurreição Não há pois solução de continuidade entre o reinocentrismo do anúncio de Jesus e o cristocentrismo do querigma da idade apostólica O evangelho atesta além disso que para o próprio Jesus o Reino por ele anunciado e já presente devia se desenvolver até sua plenitude O reino de Deus sem dúvida situa o próprio Deus na origem e no coração da ação de Jesus O Reino de Deus na realidade quer dizer o próprio Deus pois Deus começa a agir no mundo de maneira decisiva manifestandose e pondo em ordem sua criação por meio das ações humanas de Jesus A missão inicial de Jesus é acompanhada por milagres não seria correto entendêlos e tratálos simplesmente como se exibissem as credenciais do profeta do Reino de Deus Os milagres de cura e os exorcismos semelhantes às curas que falando em geral figuram entre os dados históricos inquestionáveis do ministério inicial de Jesus como também as ressurreições dos mortos são sinais e símbolos do fato de que por meio de Jesus Deus está inaugurando seu domínio sobre a terra está subjugando as forças destruidoras da morte e do pecado Os milagres enfim são os primeiros frutos da presença operante do Reino de Deus entre os homens O Reino de Deus é o domínio de Deus entre os homens O que exige uma nova e completa orientação das relações humanas e uma organização da sociedade humana segundo a intenção de Deus Os valores que em sintonia com o senhorio de Deus devem caracterizar as relações humanas podem ser resumidos em poucas palavras a liberdade a fraternidade a paz a justiça e o amor De acordo com isso Jesus denuncia por meio de toda a sua ação missionária tudo o que na sociedade de seu tempo viola esses valores Esse fato o põe contra as diversas categorias de seu próprio povo o Nazareno castiga o legalismo opressivo dos escribas a exploração do povo pela classe sacerdotal a arrogante hipocrisia dos fariseus Jesus não é um conformista mas um subversivo a favor da forza de Deus recusa aceitar as estruturas injustas e estereotipadas da sociedade em que vive e se associa de preferência aos pecadores e aos cobradores de impostos aos samaritanos heréticos aos pobres enfim a todas as camadas desprezadas pela sociedade de seu tempo A essas categorias Jesus anuncia que o Reino de Deus tinha chegado e as convida a nele entrar pela conversão e por uma reordenação de suas vidas Jesus é o profeta escatológico por quem o Reino de Deus não só é anunciado mas chega de fato Toda sua missão está centrada no Reino de Deus ou seja no próprio Deus como aquele que está estabelecendo seu domínio sobre a terra por meio de seu mensageiro Porque centrado no Reino de Deus Jesus está centrado também no próprio Deus Nele não há distância entre um e outro o reinocentrismo e o teocentrismo coincidem O Deus que Jesus chama de Pai é o centro de sua mensagem de sua vida e de sua pessoa Jesus não falou primariamente de si mesmo mas veio para anunciar Deus e a vinda de seu Reino e para se pôr a seu serviço Deus está no centro não o mensageiro O Jesus histórico gozava todavia de uma relação especial e única de filiação com referência ao Deus do Reino que ele chamava de seu Pai Abbá Estava igualmente consciente de sua vocação messiânica baseada na renovação e no cumprimento da religião da aliança instaurada por Deus com seu povo É nessa renovação e nesse cumprimento que consistia com efeito a instauração no mundo do Reino de Deus por meio de sua vida Era esse o horizonte essa perspectiva a partir do qual Jesus imaginava e entendia a situação não apenas dos membros do povo da aliança mas igualmente dos pagãos dos gentios dos estrangeiros em relação ao Deus da salvação e do Reino Por mais misteriosa que tivesse sido a situação dos outros em relação ao Deus da salvação por Jesus todavia aquele Deus era o Deus de todos os homens aquele que segundo a Escritura não conhece diferença entre as pessoas o imparcial Dt 1017 Não podia pois partilhar a tendência a um certo exclusivismo que a identidade do povo eleito corria sempre o risco de imprimir na mente dos membros de Israel Jesus porém teria julgado que a salvação de Deus está destinada igualmente a todos os homens bem como a todos os povos O universalismo da salvação caminha passo a passo com o Deus universal do Reino Espanta pois o fato de que segundo o testemunho do evangelho a missão histórica de Jesus pareça estar dirigida principalmente se não exclusivamentete a Israel Em Mt 1524 ele declara explicitamente ter sido enviado apenas às ovelhas perdidas da casa de Israel Quando enviou os doze em missão ordenoulhes que não tomassem o caminho dos pagãos que não entrassem numa cidade de samaritanos mas que se dirigissem de preferência às ovelhas perdidas da casa de Israel Mt 1056 Com toda probabilidade esses 5 Vejase J DUPUIS Introduzione alla cristologia Piemme Casale Monferrato Al 1993 19963 6166 ed br cit Entre a abundante literatura sobre o assunto podemse consultar os seguintes títulos GR BEASLEYMURRAY Jesus and the Kingdom of God Paternoster Press Exeter 1986 N PERRIN The Kingdom in the Teaching of Jesus SCM Press Londres 1963 ID Rediscovering the Teaching of Jesus SCM Press Londres 1967 R SCHNACKENBURG Signoria e Regno di Dio Uno studio di teologia biblica II Mulino Bolonha 1971 J FÜLLENBACH The Kingdom of God The Central Message of Jesus Teaching in the Light of the Modern World Logas Publications Manila 1993 ID The Kingdom of God The Message of Jesus Today Orbis Books MaryknollNY 1995 J SCHLOSSER Le Règne de Dieu dans les dits de Jésus 2 vols Gabalda Paris 1980 N F FISHER The Parables of Jesus Glimpses of Gods Reign Crossroad Nova York 1990 W WILLIS ed The Kingdom of God in Twentieth Century Interpretation Hendrickson PeabodyMA 1987 CS SONG Jesus and the Reign of God Fortress Press MinneapolisMN 1993 G IAMMARRONE Gesù di Nazaret Messia del Regno Messaggero Pádua 1996 dados são substancialmente autênticos6 Criam porém um problema sobre o qual deveremos voltar um pouco mais adiante Não faltam todavia nos evangelhos ocasiões em que Jesus entra explicitamente em contato com gente estrangeira Esses episódios servem de ocasiões em que Jesus revela seu pensamento com relação ao Deus da salvação e à universalidade dela Merecem ser analisados 12 A entrada dos gentios no Reino de Deus Um primeiro episódio é o do centurião de Cafarnaum que veio ao encontro de Jesus pedindo a cura de seu servo paralítico Mt 8513 Jesus se mostrou tomado de admiração diante da fé do centurião Em verdade eu vos digo em ninguém de Israel encontrei tamanha fé Mt 810 A verificação de tamanha fé num pagão dá com efeito a Mateus a ocasião de mencionar o anúncio por parte de Jesus de que muitos provenientes do Oriente e do Ocidente serão admitidos no Reino dos céus Mt 81112 O ingresso dos outros no Reino não é meramente escatológico realizase antes de mais nada na história como atesta a parábola do banquete Mt 22114 Lc 141524 De fato já está em vigor e é atual Sobre esse último ponto porém diferem as opiniões entre os intérpretes Segundo J Jeremias Jesus esperava a incorporação dos pagãos no povo de Deus ou no Reino de Deus como um ato escatológico do poder de Deus A vocação de Israel e a incorporação dos pagãos no Reino de Deus são dois acontecimentos consecutivos da história da salvação A comunidade hebraica primitiva via a história da salvação do mesmo modo que Jesus esperavase como também o próprio Jesus o Reino universal de Deus para o final dos tempos7 Desse parecer discorda parcialmente L Legrand segundo quem é preciso levar em consideração a atualização da escatologia já em vias de realização A reunião escatológica das Nações já está iniciada no ministério de Jesus O acesso ao Reino se dá graças à fé e à conversão Mc 115 e não pela simples pertença étnica cf Mt 38 Onde aparece a fé o Reino está presente8 O universalismo do Reino de Deus já em vigor durante a missão histórica de Jesus é afirmado de modo mais claro ainda por CS Song A propósito da parábola do grande banquete Lc 141524 Mt 22114 ele observa que depois dos desclassificados de Israel também as pessoas das regiões estrangeiras ou seja os gentios são chamadas pelo mestre do banquete Disse ele a seu servo Vai pelas estradas e jardins e força as pessoas a entrarem a fim de que a minha casa fique cheia Lc 1423 O grande banquete incorpora a visão que Jesus tem do Reino de Deus Tratase de uma visão global É uma visão inspirada por Deus o Criador do céu e da terra o Deus que criou os seres humanos à imagem de Deus9 A participação de todos no banquete é símbolo da participação de todos na salvação de Deus Para Jesus pois a fé e a conversão que levam à salvação não envolvem uma passagem para uma religião diferente qualquer mas são conversão ao Deus da vida do amor e da liberdade ou seja ao Deus do Reino de Deus de todos os homens A casa cheia de convidados ao banquete simboliza a universalidade da pertença ao Reino de Deus o banquete tornouse um banquete para todos inclusive os párias e os estrangeiros É uma festa do povo Os convidados forçados a entrar terão certamente representado uma variedade de crenças e de religiões Temos de aprender da mensagem de Jesus com relação ao Reino de Deus se queremos compreender quem é Deus em nosso mundo Jesus quer orientar nosso pensamento e nosso empenho em direção ao Deus do Reino de Deus mas não em direção ao Deus da nossa tradição religiosa e não certamente em direção a um Deus fabricado por nós10 Um outro caso de admiração de Jesus com relação à fé dos pagãos é o da mulher cananéia de que fala Mt 152128 Por ocasião de algumas excursões à região sirofenícia Jesus esteve em contato com pessoas que não pertenciam ao povo eleito Mais uma vez ele fica espantado com a fé desses pagãos e lhes faz alguns milagres de cura que lhe solicitam Tiro e Sidon são citadas diversas vezes no evangelho Lá segundo Mt 152128 Jesus cura a filha endemoniada de uma mulher cananéia diante de cuja fé ele se admira tanto Mulher grande é a tua fé Sucedate conforme queres Mt 1528 Convém sermos claros aqui os milagres realizados por Jesus em favor dos estrangeiros têm o mesmo significado que ele dá a qualquer outro milagre seu Eles significam que o Reino de Deus já está presente e em vigor cf Mt 1146 Lc 41622 Mt 122528 Os milagres de cura e os exorcismos realizados em favor dos outros são pois indicações de que o Reino de Deus está presente e em vigor também no meio deles ele se estende a todos os que dele se aproximam por meio da fé e da conversão a Deus cf Mc 115 No caso da mulher cananéia C S Song observa que diante do sofrimento humano Jesus terá se dado conta imediatamente de que não se podia fazer distinção entre judeus e gentios nem entre seu ministério em favor de seu povo e a sua missão dirigida aos gentios Ambos os ministérios são de fato dois aspectos de uma mesma missão O 6 L LEGRAND Il Dio che viene La missione nella Bibbia Borla Roma 1989 6196 Cf também J JEREMIAS Jésus et les païens Delachaux et Niestlé Neuchâtel 1956 7 Idm ibid 6364 8 LEGRAND Il Dio che viene cit 8889 9 SONG Jesus and the Reign of God cit 26 10 Id ibid 38 quete Disse ele a seu servo Vai pelas estradas e jardins e força as pessoas a entrarem a fim de que a minha casa fique cheia Lc 1423 O grande banquete incorpora a visão que Jesus tem do Reino de Deus Tratase de uma visão global É uma visão inspirada por Deus o Criador do céu e da terra o Deus que criou os seres humanos à imagem de Deus9 A participação de todos no banquete é símbolo da participação de todos na salvação de Deus Para Jesus pois a fé e a conversão que levam à salvação não envolvem uma passagem para uma religião diferente qualquer mas são conversão ao Deus da vida do amor e da liberdade ou seja ao Deus do Reino de Deus de todos os homens A casa cheia de convidados ao banquete simboliza a universalidade da pertença ao Reino de Deus o banquete tornouse um banquete para todos inclusive os párias e os estrangeiros É uma festa do povo Os convidados forçados a entrar terão certamente representado uma variedade de crenças e de religiões Temos de aprender da mensagem de Jesus com relação ao Reino de Deus se queremos compreender quem é Deus em nosso mundo Jesus quer orientar nosso pensamento e nosso empenho em direção ao Deus do Reino de Deus mas não em direção ao Deus da nossa tradição religiosa e não certamente em direção a um Deus fabricado por nós10 Um outro caso de admiração de Jesus com relação à fé dos pagãos é o da mulher cananéia de que fala Mt 152128 Por ocasião de algumas excursões à região sirofenícia Jesus esteve em contato com pessoas que não pertenciam ao povo eleito Mais uma vez ele fica espantado com a fé desses pagãos e lhes faz alguns milagres de cura que lhe solicitam Tiro e Sidon são citadas diversas vezes no evangelho Lá segundo Mt 152128 Jesus cura a filha endemoniada de uma mulher cananéia diante de cuja fé ele se admira tanto Mulher grande é a tua fé Sucedate conforme queres Mt 1528 Convém sermos claros aqui os milagres realizados por Jesus em favor dos estrangeiros têm o mesmo significado que ele dá a qualquer outro milagre seu Eles significam que o Reino de Deus já está presente e em vigor cf Mt 1146 Lc 41622 Mt 122528 Os milagres de cura e os exorcismos realizados em favor dos outros são pois indicações de que o Reino de Deus está presente e em vigor também no meio deles ele se estende a todos os que dele se aproximam por meio da fé e da conversão a Deus cf Mc 115 No caso da mulher cananéia C S Song observa que diante do sofrimento humano Jesus terá se dado conta imediatamente de que não se podia fazer distinção entre judeus e gentios nem entre seu ministério em favor de seu povo e a sua missão dirigida aos gentios Ambos os ministérios são de fato dois aspectos de uma mesma missão O 6 L LEGRAND Il Dio che viene La missione nella Bibbia Borla Roma 1989 6196 Cf também J JEREMIAS Jésus et les païens Delachaux et Niestlé Neuchâtel 1956 7 Idm ibid 6364 8 LEGRAND Il Dio che viene cit 8889 9 SONG Jesus and the Reign of God cit 26 10 Id ibid 38 sofrimento humano é sofrimento aconteça ele com os judeus ou com os gentios A mulher estrangeira se torna a ocasião para Jesus atravessar as fronteiras da fé e da verdade A mulher cananeia está desempenhando um papel na ampliação da visão própria de Jesus da atividade salvadora de Deus no mundo11 Também gente fora da sua religião era capaz de autêntica fé daquela fé que salva Mais essa fé podia ser mais forte e mais profunda do que aquela com a qual estava habituado na sua comunidade religiosa O evento nos remete ao episódio da fé do centurião romano há pouco lembrado e à reação do admirado Jesus Em verdade eu vos digo em ninguém de Israel encontrei tamanha fé Mt 810 cf Lc 79 Os dois episódios aconteceram fora da comunidade religiosa de Jesus Uma fé genuína é pois possível em toda a parte neste nosso mundo que é o mundo de Deus E conclui C S Song Jesus atravessou a fronteira que separa os judeus dos gentios a fronteira que divide a comunidade judaica da dos gentios a fronteira que mantém a verdade salvífica de Deus presa dentro a uma religião particular dela excluindo as outras religiões12 Quem não pertence à comunidade religiosa de Jesus bem como aquele que não é membro da comunidade cristã pode realmente ter a fé no poder salvífico de Deus E não há por que se espantar se é verdade que o Deus da salvação não é apenas o Deus dos judeus e dos cristãos mas de todos os povos cf Rm 32930 uma vez que todos eles são povos de Deus O Reinode Deus instaurado por Deus em Jesus e anunciado por Jesus como presente e operante por sua vida suas palavras e seus gestos e finalmente realizado na sua morte e ressurreição representa a realidade universal de salvação presente no mundo Nela todos os homens em todas as circunstâncias de vida podem entrar mediante a fé e a conversão 13 A universalidade do Reino de Deus Que relação terá então mantido o Jesus histórico entre o Reino de Deus por ele anunciado e o movimento por ele criado destinado a se tornar depois dele a Igreja cristã Se o Reino de Deus representa verdadeiramente a salvação universal atingível por parte de todos os homens pela fé e pela conversão em relação ao Deus do Reino que função deverá desempenhar segundo o pensamento de Jesus o movimento cristão a respeito do Reino Responder a essas questões tornouse mais difícil pelo fato de que as referên 11 ID Jesus in the Power of the Spirit Fortress Press MinneapolisMN 1994 7778 12 Id ibid 80 46 cías de Jesus à Igreja são apenas indiretas Sabese que o termo ekklesía encontrase apenas duas vezes nos evangelhos em Mateus A predicação da Igreja de Mt 1618 teve sua redação retocada à luz do evento pascal em Mt 1818 ekklesía indica uma comunidade local de discípulos sem ter necessariamente algum significado técnico Fica de pé porém o fato de que Jesus escolheu os Doze e lhes confiou em primeiro lugar a responsabilidade de continuar sua missão do anúncio do evangelho em vista do Reino de Deus Mediante o evento da ressurreição de Cristo e o dom do Espírito em Pentecostes os Doze haveriam de se tornar junto com outros os apóstolos13 O movimento iniciado por Jesus destinado a se transformar na Igreja e em que ele havia instituído uma autoridade competente não foi todavia identificado por ele com o Reino de Deus que ia anunciando estava ao contrário destinado a servir o Reino de Deus a ajudar o seu crescimento a testemunhar a presença no mundo a anunciálo como boa nova para todos os homens Não se pode portanto dizer que Jesus identificava o Reino com o movimento que estava criando e que estava destinado a se tornar a Igreja14 O que se deve admitir sim é que ao enviar em missão os Doze encarregandoos de anunciar a vinda do Reino Mt 1057 ele já estava pondo antecipadamente a Igreja a serviço desse Reino A boa nova que seria anunciada pela Igreja depois da ressurreição cf Mc 1615 era a mesma proclamada por Jesus durante a sua vida terrena a vinda do Reino Mc 115 A Igreja não está destinada a anunciar a si mesma mas o Reino de Deus Como se verá na segunda parte do capítulo a teologia do Novo Testamento continuará a se situar nessa perspectiva do Jesus histórico apesar do fato mais que sabido de que a expressão Reino de Deus segundo os evangelhos sinóticos tão presente nos lábios de Jesus desaparece parcialmente se não completamente no resto do Novo Testamento É extraordinário o fato de que depois de decênios de existência do cristianismo anos ao longo dos quais Paulo fundara várias igrejas locais quando segundo a narrativa final dos Atos dos Apóstolos está dando seu testemunho em Roma ele anuncia a todos o Reino de Deus e lhes ensina o que concerne ao Senhor Jesus At 283031 cf 2823 O Reino de Deus e o Senhor Jesus coincidem Ainda que tenha se tornado agora menos freqüente a expressão o Reino de Deus está presente todavia de uma forma renovada ou seja a do senhorio do Cristo ressuscitado que continua o Reino de Deus Esse senhorio não se extende 13 Cf GUILLET Entre Jésus et lEglise cit 14 Sobre a universalidade do Reino de Deus no pensamento de Jesus cf SONG Jesus and the Reign of God cit 338 ID Jesus in the Power of the Spirit cit 196226 47 apenas à Igreja mas ao mundo inteiro Mas voltando ao Jesus histórico fica ainda por destacar aquela universalidade do Reino de Deus estendida para além do povo da aliança bem como além do movimento de seus discípulos criado por Jesus ao mundo inteiro inclusive aos estrangeiros aos pagãos e aos gentios Não faltam nos evangelhos episódios que testemunham a universalidade do Reino de Deus segundo o pensamento de Jesus Lembremos alguns deles Conforme o Evangelho de João Jesus quando voltava da Judéia presumivelmente depois de ter celebrado a Páscoa em Jerusalém atravessou a Samaria e chegou a uma cidade chamada Sicar Jo 41615 O texto de João nolo mostra conversando com uma mulher samaritana Tal fato já devia causar maravilha entre os discípulos coisa que o evangelho não deixa de observar Os judeus com efeito não querem ter nada em comum com os samaritanos Jo 49 que consideravam estrangeiros Jesus porém fica estupefato com a disponibilidade à fé por parte da mulher e com a sua sede de água viva cf Jo 4715 Ele não recusa tampouco o culto samaritano sobre o monte Garizim como contraposto ao de Jerusalém anuncia ao contrário à mulher que vem a hora em que nem sobre esta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai a hora na qual os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade tais são com efeito os adoradores que o Pai procura Jo 42023 Todo culto não apenas estrangeiro mas também judaico deve dar lugar à verdadeira adoração espiritual C S Song observa que não era necessário que Jesus atravessasse a Samaria para voltar à Galiléia Teria podido evitar a Samaria se optasse por passar pela Peréia Não terá sido uma necessidade humana mas uma necessidade divina não uma coincidência humana mas a providência divina que o levou a entrar pelo caminho que conduz à Samaria16 Jesus terá sido obrigado pelo Espírito a atravessar a fronteira em direção à região da Samaria A conversa entre Jesus e a mulher samaritana como é lembrado por João evangelista é um diálogo teológico Tendoo iniciado Jesus a conduz passo a passo para uma compreensão que vê o cumprimento dos esforços religiosos humanos em sua abolição Nem o monte Garizim o centro do universo religioso dos samaritanos nem Jerusalém o centro do cosmô espiritual dos judeus têm um significado permanente na presença de Deus Os dois são símbolos e imagens a serem esquecidos De fato serão ultrapassados no mesmo Jesus que é a imagem do Deus amante e o símbolo do Reino de Deus Jesus quer mudar transformar revitalizar a vida com imagens e símbolos que abrem e revelam para todos a verdadeira natureza do Deus do Reino17 Não pode escapar à atenção o fato de que por diversas vezes na vida de Jesus fazse referência explícita a pessoas que pertencem ao povo samaritano e que servem de exemplo e modelo para uma atitude de fé e de caridade fraterna pelas quais se entra no Reino de Deus Não é por acaso que a atitude do bom samaritano é contraposta por Jesus na parábola que recebe o nome de seu protagonista à de um sacerdote e de um levita Lc 102937 Um homem descia de Jerusalém a Jericó caiu nas mãos de bandidos que tendoo despojado e coberto de pancadas foramse embora e o abandonaram quase morto v 30 Enquanto o sacerdote e o levita passaram a boa distância vv 31 e 32 um samaritano o viu e tomouse de compaixão vv 3335 O evangelho entra em detalhes explicando o que implicou encherse de cuidados pelo homem ferido A conclusão é que dos três é o samaritano que se fez próximo do homem que caíra nas mãos dos bandidos v 36 Jesus o propôs então como exemplo para os judeus Vai e tu também faze o mesmo v 37 Tampouco foi por acaso que ao atravessar Jesus a Galiléia e a Samaria em viagem a Jerusalém quando ao entrar numa aldeia lhe vieram ao encontro dez leprosos e ele os curou Lc 171119 o único que vendo que estava curado voltou dando glória a Deus em altas vozes e se lançou de rosto em terra aos pés de Jesus rendendolhe graças era um samaritano vv 1516 Perguntou então Jesus Não se achou ninguém entre eles para voltar e dar glória a Deus a não ser este estrangeiro e disse ao samaritano Levantate vai A tua fé te salvou vv 1819 É claro portanto que para Jesus a fé salvífica não é acessível apenas de longe aos pagãos e aos estrangeiros ela realmente se realiza no meio deles Analogamente os estrangeiros podem também eles pertencer desde já ao Reino de Deus cujo chamado se estende para além dos limites do povo eleito de Israel A pertença étnica ao povo eleito não vem ao caso Essa atitude parece estar em nítido contraste com a explícita admissão por parte de Jesus ressaltada mais acima de ter sido enviado exclusivamente às ovelhas perdidas da casa de Israel Mt 1524 Um outro episódio afirma de modo ainda mais provocante para quem o quiser entender corretamente a universalidade sem fronteiras do Reino de Deus e da salvação divina em vigor no mundo bem como o acolhimento por parte de Deus de todos os homens independentemente de qualquer pertença a um povo eleito Tratase do episódio em que os discípulos de Jesus queriam impedir alguém que não nos seguia de expulsar os demônios em nome de 15 É oportuno observar que se é certo que a Igreja apostólica evangelizou a Samaria cf At 851417 a história do encontro de Jesus com a samaritana em João parece ser uma retroprojeção dessa atividade evangelizadora 16 SONG Jesus in the Power of the Spirit cit 103 48 de Deus na sua universalidade e abertura a qualquer um que esteja disposto a nele entrar Além disso quando alguns intérpretes pensam que o Sermão da montanha como se apresenta nos textos tenha sido pregado por Jesus a uma só assembléia outros com mais probabilidade o vêem como uma compilação de ditos proferidos por Jesus em diversos tempos e diversos lugares às vezes a indivíduos às vezes a diferentes grupos C S Song vai além dessa segunda opinião21 Ele inclui entre os ouvintes do Sermão da montanha as multidões a que se faz referência explícita em Mateus cf 51 ou melhor ainda a grande multidão de discípulos e uma grande massa de povo de toda a Judéia de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sidon eles tinham vindo para ouvilo e se fazerem curar de suas doenças Lc 61718 Essa observação não está desprovida de consequências importantes para o pensamento de Jesus com respeito aos destinatários de seu ensinamento mesmo mais íntimo e profundo Resulta com efeito que esse ensinamento não se destina exclusivamente a um grupo fechado de amigos e discípulos escolhidos segundo diferentes critérios humanos mas se dirige a todos os homens que o queiram escutar sendo todos destinados pelo Deus do Reino à prática dos valores do Reino em suas respectivas circunstâncias de vida Consideremos pois as Bemaventuranças levando em consideração a assembléia sem limites quer religiosos quer de qualquer outro tipo a que no pensamento de Jesus são destinadas Felizes vós os pobres o Reino de Deus é vosso Lc 620 A forma lucana da primeira bemaventurança estabelece claramente que o Reino de Deus se destina principalmente aos pobres e o discurso direto vós os pobres indica que essa versão está mais próxima das palavras de Jesus do que a versão de Mateus Felizes os pobres de coração deles é o Reino dos céus Mt 53 Por conseguinte de uma a outra versão há mudança de perspectiva Devese pensar que a preferência de Jesus pelos pobres devido à sua característica aparentemente escandalosa tenha baixado de tom depois dele até se reduzir a uma pobreza espiritual ou a uma abertura a Deus que estão ao alcance de todos até dos ricos Ou a fórmula de Mateus faz pensar numa adaptação a um grupo religioso privilegiado em sua totalidade Parece não ser assim ao contrário podese pensar que haja continuidade entre ambas as versões os verdadeiros pobres são também os simples aqueles que estão abertos a Deus e a seu Reino Parece claro que tanto em Mateus como em Lucas Jesus terá endereçado seu discurso a um grupo importante de pobres entre seus ouvintes os deserdados que se voltam a Deus como a seu último refúgio Sem dúvida alguma deverá ter havido muitos estrangeiros entre eles 21 Id ibid 214220 52 gem de Jesus é também o que ele explicou mais claramente com relação às tradições religiosas estrangeiras O Deus de Jesus é o Deus de todos os homens seu Reino está destinado a todos