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FUTURO DO TRABALHO OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE Organizadores Rodrigo de Lacerda Carelli Tiago Muniz Cavalcanti Vanessa Patriota da Fonseca FUTURO DO TRABALHO OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE República Federativa do Brasil Ministério Público da União António Augusto Brandão de Araújo ProcuradorGeral da República Humberto Jacques de Medeiros ViceProcuradorGeral da República Ministério Público do Trabalho Alberto Bastos Balazeiro ProcuradorGeral do Trabalho Maria Aparecida Gugel ViceProcuradoraGeral do Trabalho Escola Superior do Ministério Público da União Paulo Gustavo Gonet Branco DiretorGeral Manoel Jorge e Silva Neto DiretorGeral Adjunto Pareceristas Erlan José Peixoto do Prado Procurador Regional do Trabalho Max Emiliano da Silva Sena Procurador do Trabalho FUTURO DO TRABALHO OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE Escola Superior do Ministério Público da União SGAS Quadra 603 Lote 22 70230630 BrasíliaDF Tel 61 33135107 Home page wwwescolampumpbr Email divepescolampumpbr Copyright 2020 Todos os direitos autorais reservados Secretaria de Comunicação Social Graziane Madureira Divisão de Edição e Publicações Lizandra Nunes Marinho da Costa Barbosa Preparação de originais e revisão de provas gráficas Carolina Soares Davi Silva Sandra Telles João Gustavo Borges Letícia Santiago Capa projeto gráfico e diagramação Sheylies Rhoden Ilustrações de capa e miolo Banco de recursos gráficos Freepik As opiniões expressas nesta obra são de exclusiva responsabilidade dos autores Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Biblioteca da Escola Superior do Ministério Público da União F996 Futuro do trabalho os efeitos da revolução digital na sociedade organização Rodrigo de Lacerda Carelli Tiago Muniz Cavalcanti Vanessa Patriot Sumário Apresentação Rodrigo de Lacerda Carelli Tiago Muniz Cavalcanti e Vanessa Patriot a da Fonseca 9 Texto introdutório Automação inteligência artificial e proteção laboral padrões algorítmicos e o que fazer com eles Valerio De Stefano 21 Primeiro capítulo Programação algorítmica e subordinação cibernética a sociedade do controle e a falácia da autonomia O trabalho em plataformas e o vínculo de emprego desfazendo mitos e mostrando a nudez do rei Rodrigo de Lacerda Carelli 65 Gestão algorítmica e o futuro do trabalho Jeremias AdamsPrassl 85 Controle e contrato hiperrealidade a relação de emprego na era da economia orientada a dados José Eduardo de Resende Chaves Júnior 101 A lei sobre o TVDE e o contrato de trabalho sujeitos relações e presunções João Leal Amado 117 Neuromarketing e sedução dos trabalhadores o caso Uber Ana Carolina Reis Paes Leme 139 Formas de contratação do trabalhador na prestação de serviços sob plataformas digitais Murilo Carvalho Sampaio Oliveira 157 Nanotecnologia da revolução 40 à proteção da vida Patrick Maia Meriño 333 Apresentação Os avanços da humanidade sempre foram associados às grandes transformações tecnológicas e estas têm tido papel fundamental nas mudanças ocorridas desde o período denominado de Revolução Industrial A tecnologia sempre se destaca do mundo da indústria e passa a conviver de forma pervasiva no dia a dia de todas as pessoas Se os motores mecânicos e a energia elétrica foram e ainda são cruciais para o desenvolvimento da sociedade e a melhoria de vida das pessoas atualmente estamos convivendo com inovações tão rápidas e tão mais importantes quanto aquelas tais como os sistemas que convertem a escrita em áudio essenciais para pessoas com deficiência visual os aplicativos que auxiliam pessoas com deficiência auditiva por meio da tradução para a Língua Brasileira de Sinais Libras a possibilidade de comunicação quase gratuita entre pessoas em qualquer parte do globo terrestre por meio dos aplicativos de mensagens ou pelas redes sociais onipresentes nos hoje amplamente acessíveis e potentes dispositivos móveis celulares o apoio na navegação nas cidades permitido por mapas digitalizados que mostram o caminho para chegar a qualquer destino desejado a deteção precoce de alguns tipos de câncer somente possível com o auxílio de algoritmos ou os diferentes glicosímetros eletrônicos para a saúde dos portadores de diabetes A tecnologia passou não somente a ser parte da nossa vida como cada vez mais há a crença de que ela resolverá todos os problemas do mundo desde encontrar a alma gêmea por obra e graça de aplicativos até nos livrar da indiscutível crise ambiental que vivemos por meio do uso da geoengenharia climática É uma crença que vem sendo chamada criticamente de solucionismo tecnológico Se a vida não é só de sombra ela tampouco é apenas de luz A partir de diversos problemas verificados e relacionados com esse verdadeiro efeito de tecnologia que permitiu seu avanço às vezes de forma acentuada e sem amarras por algumas décadas os pensadores começaram a alertar sobre os riscos que a sociedade passou a enfrentar São apontados os perigos para o futuro da humanidade pela explosão da cibernética pela possibilidade de criação de uma nova raça humana dominante e que subjugaria as raças tidas como inferiores e pela construção à olhos vistos de um capitalismo de vigilância com grandes consequências para a liberdade das pessoas Entretanto não só sempre foram estudiosos que passaram a fazer essas alertas A impressão disturbante apresenta não somente as ameaças mas também as lições já ocorridas e visíveis ocasionadas pelos mais novos tecnologias sendo denunciados os atos das empresas do Vale do Silício no ensolarado estado norteamericano da Califórnia ou também da obscura China e de seu incrível avanço tecnológico Passaram a ser cotidianas notícias como fraude em eleições em vários países do mundo por meio do uso conjugado de técnicas psicológicas do Big Data para a manipulação de eleitores em redes sociais a utilização de inteligência artificial em drones para o assassinato de pessoas e a criação do sistema de vigilância total por meio de reconhecimento facial aliado ao Big Data e a implementação de sistema de pontuação social As ameaças à humanidade são apresentadas também em diversos documentários como Privacidade Hackeada O mundo do trabalho certamente um dos mais atingidos por esse novo cenário não poderia ficar de fora da análise crítica Acentuouse nos últimos tempos a preocupação com a forma pela qual as tecnologias emergidas principalmente com a Revolução Digital estão afetando negativamente a vida dos trabalhadores Os olhar voltamse para questões como invasão de privacidade decorrente do monitoramento eletrônico excesso de trabalho e ausência do direito à desconexão substituição de trabalhadores por máquinas e desaparecimento de profissões e postos valorizados de trabalho pela sua substituição por trabalhadores com menos qualificação formas precárias de contratação de trabalhadores que prestam serviços por meio de plataformas digitais efeitos das novas tecnologias na saúde física e mental dos trabalhadores enfraquecimento das organizações sindicais devido à quebra dos laços de sociabilidade e ao isolamento gamificação e captura psicológica do trabalhador ampliação das desigualdades de gênero raça e origem entre tantas outras questões igualmente preocupantes A parte já não tapioca dessa evolução tecnológica que implode empregos ou os substitui por postos menos valorizados precariza relações de trabalho aliena e escraviza o gênero humano ameaça a vida e o meio ambiente destrói a subjetividade do trabalhador e amplia o fosso da exclusão social precisa ser cada vez mais pautada e estudada para que caminhos possam ser traçados de modo a colocar os seres humanos novamente como fim e como condutores da evolução da sociedade Esses caminhos devem ser construídos por meio das disciplinas como Sociologia pela Economia pela Ciência Política pelo Direito e por todas as demais áreas do conhecimento A definição do sentido desse trajeto não está nas mãos dos juristas mas estes mesmos em sentido à redação tarefa de no processo de criação jurisprudencial e construção doutrinária trazer os saberes dos outros ramos da ciência quanto aos fatos sociais a fim de buscar uma hermenêutica estruturante alicerçada nos princípios e nas normas constitucionais e internacionais que contribua para o desenvolvimento sustentável e para a redução da pobreza da marginalização e das desigualdades sociais mais diversos desde a tradução de um texto até o desenvolvimento de um sistema informacional são contratados por meio de plataformas genéricas que conectam solicitantes e fornecedores no espaço territorial global promovendo e estimulando a competição entre trabalhadores em uma escala nunca antes vista minando as formas atuais de organização representação e defesa desses mesmos trabalhadores Atualmente atividades tradicionais como as de transporte entrega e limpeza são ofertadas por meio de aplicativos no trabalho ondemand O controle do trabalho nesse modelo de produção também conhecido como Uberismo é realizado por programação algorítmica estabelecida pelas empresas detentoras das plataformas mas o trabalhador é contratado sob demanda sem vínculo de emprego sem um mínimo salarial garantido Não há remuneração pelos tempos mortos Mortos por certa interpretação equivocada e às vezes malintencionada da legislação realizada por determinadas empresas estão os direitos constitucionais clássicos à limitação da jornada de trabalho ao amparo da Previdência Social ao descanso semanal remunerado às férias e a todas as demais garantias decorrentes da relação de emprego Uma análise mais aprofundada precisa ser conferida ao modelo de organização dos trabalhadores pois no contexto da Revolução Digital a noção de categoria profissional as formas tradicionais de relação estão sendo pervertidas e precisam ser reinventadas ou melhor ainda reimaginadas Este mesmo objeto contudo com os direitos humanos deve ser buscado quando da análise da utilização e da manipulação de dados do trabalhador e da apreciação dos métodos engenhosos de captura de sua psique que o leva a se sentir em um jogo aprisionante e a destinar maior tempo da vida a serviço da empresa Em tempos de pósverdade repetese o mantra de que quanto mais direito menos trabalho Incutese no imaginário coletivo que empregado é colaborador parceiro microempreendedor Ele é um empreendedor de si mesmo que não detém os meios de produção e está perdendo a esperança de dias melhores Urge pôr a tecnologia a favor da humanidade e da natureza Insta alterar o curso dessa história Rogarse por uma meta global um pacto social pela vida e pela sobrevivência do planeta Afinal qual o futuro que queremos Essa é a pergunta a redor da qual os debates devem ser realizados para recolocar a sociedade de volta no comando e acabar com o encantamento da cibernética que esconde a manipulação realizada por um pequeno número de pessoas por meio de seus obscuros programas e algoritmos Embalado pelo propósito de promover um amplo debate na sociedade sobre o assunto a Escola Superior do Ministério Público da União ESMPU realizou em oito capitais e no Distrito Federal ao longo do ano de 2019 o simpósio Futuro do trabalho os efeitos da revolução digital na sociedade Em todas as edições deixouse claro que o futuro do trabalho que ali se buscava não era baseado em um futurismo adivinhatório mas que a pretensão era discutir as mudanças atuais que sofrem as relações de trabalho Não era basicamente sobre futuro que se debatia mas sim sobre presente do trabalho e possíveis transformações e bifurcações O futuro já chegou sob a forma de uma tela táctil pela qual uma comida pode ser comandada por dois ou três cliques e chegar às casas das pessoas em curto prazo de tempo O futuro já chegou sob a forma de um trabalhador precário e desprovido de direitos ou de proteção social padecendo sofridamente uma bicicleta alugada pelas ruas da cidade carregando uma mochila nas costas a comida comandada em dois ou três cliques O futuro a se discutir é justamente o futuro a ser construído pelas pessoas após acordarem da inebriante e fatigante alucinação da tecnologia como meio de fim social Nessa perspectiva de presentefuturo ou futuropresente foram realizadas discussões a partir de vários pontos de vista e diversas abordagens realizadas por especialistas brasileiros e estrangeiros Mostrouse patente desde o início que a riqueza das discussões que tomaram corpo nos eventos precisa circular e gerar mais discussões e portanto mais conhecimento para além do público que compareceu aos simpósios Imbuídos desse mister os palestrantes foram convidados a apresentar artigos sobre os temas debatidos e eles nos brindaram com textos tão densos e necessários quanto prazerosos e surpreendentes O texto introdutório Automação inteligência artificial e proteção laboral padrões algorítmicos e o que fazer com eles assinado pelo consultor da Organização Internacional do Trabalho e professor de Direito do Trabalho na Katholieke Universiteit Leuven Bélgica Valerio De Stefano traz um panorama sobre o tema central do livro Na sequência os artigos foram divididos em três capítulos No primeiro intitulado Programação algorítmica e subordinacao cibernética a sociedade do controle e a falência da autonomia os textos analisam as novas roupagens da subordinação e dos demais pressupostos da relação de emprego no ambiente das plataformas virtuais Os autores se debruçam sobre as novas formas de organização do trabalho e dissecam sua natureza jurídica Miraram e apuraram com destreza os mecanismos de controle dos trabalhadores no denominado Uberismo Abrindo o capítulo temos o estudo do professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e procurador do Trabalho Rodrigo de Leal Carvalho que defrasa minuciosamente a relação do trabalho em empresasplataformas delineando alguns conceitos básicos como marketplace aplicativos e plataforma que são essenciais para se entender o fenômeno do trabalho em plataformas digitais Em seguida Jeremias AdamsPrassl professor da Universidade de Oxford Reino Unido disseca a gestão algorítmica e o futuro do trabalho José Eduardo de Resende Chaves Júnior o Pepe uma das grandes referências no estudo da trabalho e da tecnologia no Brasil e professor da PósGraduação da Universidade Federal de Minas Gerais apresenta a noção de contrato hiperrealidade como característica central da relação do emprego na sociedade de dados João Leal Amado professor da Universidade de Coimbra Portugal mostra que o contrato de trabalho não é definido por aquilo que se promete fazer mas simplesmente pelo que se promete fazer ou seja não é orientado pelo tipo de atividade e sim pela circunstância de a atividade ser prestada sob a autoridade e a direção do empregador e que assim deve ser buscado no caso de trabalho em plataformas digitais Ana Carolina Reis Paes Leme enfrenta a questão da sedução dos trabalhadores pela técnica do neuromarketing realizando estudo de caso sobre a empresa Uber O juiz do Trabalho e professor da Universidade Federal da Bahia Murilo Carvalho Sampaio Oliveira apresenta as formas de contratação de trabalhadores em plataformas digitais centrando também seus estudos na Uber Indo direto ao ponto o artigo de Emmanuel Dockès professor de ParisNanterre França já desde o seu título denomina os trabalhadores por demanda de empregados das plataformas buscando ver por trás da novidade a real atividade econômica e o modo como são prestados os serviços pelas empresas A desembargadora do Trabalho em Minas Gerais Maria Cecília Alves Pinto debruçase juridicamente sobre os pressupostos da relação de emprego e analisa os problemas encontrados na verificação da relação de emprego com plataformas digitais A professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e juíza do Trabalho Luciane Cardoso Barzotto a magistrada Ana Paula Silva Campos Miskulin e a advogada Lucieli Breda tratam em seu artigo do direito de informação e da subordinação algorítmica nas relações de trabalho No segundo capítulo Proteção do trabalhador intimidade vida privada saúde e segurança os artigos examinam as repercussões das novas tecnologias e do novo modelo organizacional na saúde física e psíquica dos trabalhadores analisam além disso a captura da subjetividade o uso de dados sensíveis ou não e a invasão da privacidade desses mesmos trabalhadores Este capítulo se inicia com artigo do professor da Universidade CastillaLa Mancha Espanha Joaquín Pérez Rey que aborda as consequências jurídicas das redes sociais nas relações trabalhistas Maria Cecília Máximo Teodoro professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais em coautoria com Karin Bhering Andrade apresenta o panóptico pósmoderno no trabalho que dá por meio da coleta de dados o de constante controle do trabalhador dentro e fora do ambiente laboral A professora da Universidade de Minho Portugal Teresa Coelho Moreira trata da questão da segurança e da saúde dos trabalhadores na chamada indústria 40 Por sua vez Αldacy Rachid Coutinho professora da Universidade Federal do Paraná aborda a importante questão da proteção de dados do trabalhador e a aplicação da legislação específica no âmbito da relação de emprego Rômulo Soares Valentini professor da PósGradução na Universidade Federal de Minas Gerais também interroga sobre o impacto da indústria 40 nas relações de trabalho centrando na questão da saúde psíquica dos trabalhadores Adriana Goulart de Sena Orsini professora da Universidade Federal de Minas Gerais e desembargadora do Trabalho apresenta estudo em que trata da jurimetria analisando o uso dos algoritmos e a inteligência artificial no Poder Judiciário Patrick Maia Merisio procurador do Trabalho em São Paulo aborda a questão da nanotecnologia mostrando seus às vezes impertinentes mais importantes impactos e analisando as possíveis formas de regulação Por fim no terceiro capítulo o leitor será remetido para abordagens a respeito da Precarização do trabalho da crise do sindicalismo e regulação do trabalho em plataformas digitais Os textos esclarecem os reveses da crise do sindicalismo e a necessidade premente de reiventar da atuação sindical e questionam a regulamentação laboral fazendo prospecções para um futuro próximo O professor da Universidade de Campinas Ricardo Antunes abre o capítulo fazendo um painel sobre as relações de trabalho atuais com ênfase no trabalho digital a indústria 40 o contrato intermitente e a uberização do trabalho Vanessa Patriota da Fonseca procuradora do Trabalho em Pernambuco após realizar uma análise do crowdsourcing do trabalho em plataformas demonstra seu impacto nas crises do sindicalismo e da civilização A professora da Universidade da Califórnia Hastings Veena B Dublal comenta o projeto de lei denominado ABS que se tornou a leimarc mundial que traz para o âmbito a proteção do Direito do Trabalho os trabalhadores da Gig Economy Francisco Gerson Marques de Lima professor da Universidade Federal do Ceará e procurador do Trabalho relaciona as tecnologias com o futuro dos sindicatos propondo a reinvenção das entidades sindicais Paula Freitas de Almeida pesquisadora da Universidade de Campinas aborda a Revolução Digital tendo como suporte a divisão internacional do trabalho e o neoliberalismo e o crescimento do trabalho autônomo no Brasil Carlo Benita Costenito Filho professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco revela a falsidade da expressão economia do compartilhamento e alerta para a necessidade de restauração da consciência de classe dos trabalhadores O professor da Universidade Federal do Paraná Sidnei Machado apresenta as dificuldades da representação coletiva dos trabalhadores em plataformas digitais Os franceses Christian Azais do Conservatoire National des Arts et Métiers Patrick Dieulaide de Paris Sorbonne Nouvelle e Donna Kesselman de ParisEst Créteil trazem a noção de zona cinzenta para explicar o movimento vivo da regulação do trabalho e a ação dos atores no espaço público Para encerrar o capítulo e a obra Wilson Engelmann professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos aborda sob o olhar da hermenêutica da prevenção os impactos jurídicosociais da automação no mundo do trabalho Importa ressaltar que os textos que integram a presente obra não representam necessariamente a visão dos organizadores e tampouco a posição institucional do Ministério Público do Trabalho mas apresentam pontos de vista plurais e até mesmo divergentes o que é bastante salutar para as atividades e as publicações da Escola Superior do Ministério Público da União ESMPU espaço acadêmico voltado para a construção democrática do conhecimento O livro leva o leitor a despertar para a gravidade do problema e a fazer um contraponto racional necessário à ideologia neoliberal e ao pensamento único e sua tendência precarizante e flexibilizante consubstanciandose como forma de resistência no campo científico Sem visão crítica resistência e mudança de rumos a tecnologia criada para conectar pessoas e países encontrará desconhecendo o trabalhador de si mesmo e o Direito do Trabalho da realidade O futuro do trabalho não será traçado por uma máquina dotada de inteligência artificial Ele será desenhado por seres humanos As decisões tomadas por máquinas são projetadas por pessoas e são sempre políticas e não técnicas Entender isso é o primeiro passo para entender que a tecnologia deve ser dominada regulada e utilizada em prol da sociedade e não deve somente beneficiar um pequeno número de seres humanos que a controlam Cabe à sociedade discutir e construir o futuro do trabalho em resposta à Revolução Digital deve vir a Revolução Humana Rodrigo de Lacerda Carelli Tiago Muniz Cavalcanti Vanessa Patriota da Fonseca Organizadores TEXTO INTRODUTÓRIO Automação inteligência artificial e proteção laboral padrões algorítmicos e o que fazer com eles Resumo Este texto visa preencher algumas lacunas no debate geral sobre a automação a introdução de novas tecnologias no local de trabalho e o futuro do trabalho Esse debate se tem concentrado até agora no número de postos de trabalho que serão perdidos em razão da inovação tecnológica questões têm adotado uma abordagem quantitativa tentando estimar o número de trabalhadores que poderiam ser excluídos de um emprego como consequência de avanços tecnológicos avanços tecnológicos sempre implicarão progresso particularmente para os trabalhadores afortunados que desenvolveram habilidades para permanecer no emprego após a introdução de novas máquinas e processos de negócios No entanto esse pressuposto corre o risco de se revelar excessivamente otimista Embora seja provavelmente verdadeira que a tecnologia será capaz de automatizar algumas tarefas rotineiras e desagradáveis também irá aumentar a possibilidade de gestão empresarial monitorar cada vez mais as atividades laborais de uma forma não desejável para o trabalhador Software e hardware já estão se disseminando em locais de trabalho modernos que permitem aos gestores dar instruções aos trabalhadores sobre o trabalho que fazem e controlar seu desempenho por meio de ferramentas digitais MOORE AKHTAR UPCHURCH 2018 A inteligência artificial o uso de big data e a gestão por algoritmo já são uma realidade no mundo do trabalho podendo levar a práticas empresariais mutuamente intrusivas Os riscos associados a essas práticas estão quase ausentes do debate geral sobre o futuro do trabalho e sobre os efeitos da automação ainda que como se argumenta mais adiante a introdução de maquinaria avançada no local de trabalho possa aumentar substancialmente esses riscos Outro pressuposto que segue esta abordagem tecnodeterminista é que esses desenvolvimentos são inevitáveis em outros termos eles são e Pagar para ser beneficiar as recompensas do processo tecnológico Assim limitar o funcionamento das novas tecnologias e suas implicações na quantidade e na qualidade dos empregos não pode ser implementada e que qualquer tentativa de governar os efeitos dos avanços tecnológicos dificultaria a inovação e levaria a perdas econômicas Estas suposições devem ser todas questionadas Já existe em vários países do mundo regulação destinada a atenuar os efeitos potencialmente prejudiciais da utilização de dispositivos tecnológicos na qualidade do emprego e na dignidade humana dos trabalhadores Além disso muitos países já dispõem de regulação destinada a diminuir o impacto social das dispensas em massa e da perda de postos de trabalho também associada à automação e à inovação tecnológica O impacto econômico negativo dessa regulação não está provado Pelo contrário um forte envolvimento dos parceiros sociais e dos reguladores na gestão de potenciais desperdícios em massa está associado a elevados níveis de produtividade e inovação para além dos benefícios para os trabalhadores Mais importante ainda a regulação é também fundamental para determinar como a automação e a introdução de novas tecnologias terão impacto na qualidade dos postos de trabalho que serão afetados por elas não se concentrando apenas em sua quantidade A legislação laboral e a negociação coletiva devem desempenhar um papel muito mais central para que esses fenômenos ocorram de uma forma que respeite a dignidade humana e os direitos fundamentais dos trabalhadores contudo esses aspectos ainda estão pouco estudados no vasto debate sobre a automação e o futuro do trabalho A presente contribuição quer preencher algumas dessas lacunas neste debate A próxima seção começa a fazêlo indicando como algumas inovações tecnológicas podem levar a práticas gerenciais intrusivas que ampliariam esses riscos A tecnologia da informação e a inteligência artificial permitem no entanto o monitoramento das atividades dos trabalhadores em proporções antes impensáveis bem como a coleta e o processamento de uma enorme quantidade de dados sobre essas atividades DAGNINO 2017 Cada vez mais trabalhadores por exemplo utilizam instrumentos portáteis wearables que permitem registrar seus movimentos e sua localização minuto a minuto medindo também seu ritmo de trabalho bem como as pausas Dados recolhidos por meio de dispositivos portáteis incluindo crachás sociométricos são frequentemente analisados utilizando inteligência artificial para avaliar a produtividade e a aptidão dos trabalhadores para executar determinadas tarefas MOORE AKHTAR UPCHURCH 2018 Instrumentos portáteis também são usados ou experimentados em depósitos logísticos e outros locais de trabalho para direcionar os trabalhadores para sua próxima tarefa As mercadorias em depósito da Amazon por exemplo são armazenadas aparentemente de forma aleatória Os trabalhadores da Amazon são guiados por ferramentas tecnológicas até o próximo item a ser selecionado e processado um sistema que também permite que a empresa rastreie e meça automaticamente a velocidade e a eficiência de cada trabalhador Trabalhadores com desempenho abaixo do esperado de acordo com as métricas dos sistemas automatizados de vigilância podem receber avisos sobre seu contrato de trabalho rescindido automaticamente sem intervenção dos supervisores LECHER 2019 Sistemas GPS permitem monitorar a posição e a velocidade dos motoristas de caminhão e van bem como dos motoristas e entregadores que trabalham em plataformas por demanda Esses sistemas também podem ser utilizados para verificar por exemplo se os trabalhadores se reúnem em locais específicos para reagir a organização coletiva ou evitála DE STEFANO 2016 De forma semelhante à dos trabalhadores de depósito que utilizam sistemas automatizados de direção os trabalhadores de plataforma são projetados para a próxima tarefa pelos algoritmos do aplicativo que também são projetados para medir a velocidade e a dedicação do trabalhador na realização das tarefas incluindo o cálculo da pontuação e as avaliações que os clientes atribuem aos trabalhadores Mais pontuações ou desempenho abaixo dos padrões do algoritmo podem levar à exclusão do trabalhador da plataforma e portanto ao desligamento facilitado pelo suposto status de autonomia desses trabalhadores ALOISI 2016 E isso não se limita às tarefas na rua Os trabalhadores dos marketplaces de freelancers online e os trabalhadores domésticos que são contratados por plataformas para trabalhar nas casas dos clientes vivem com constante preocupação com as notações e com a forma como os algoritmos das plataformas têm em conta as classificações para direcionar o próximo trabalho FOUNDATION FOR EUROPEAN PROGRESSIVE STUDIES 2017 A forma como funcionam esses sistemas de gestão raramente é transparente uma vez que as empresas não partilham os métodos pelos quais são recolhidas e processadas as notas e os comentários dos clientes sobre as atividades dos trabalhadores O gerenciamento pela pontuação também está se espalhando cada vez mais além do trabalho por plataforma com aplicativos que permitem processar feedbacks de clientes e restaurantes sobre garçons de forma individual ODONOVAN 2018 FILLOON 2018 Também não se deve partir do princípio de que as formas intensificadas de vigilância se limitam aos empregos com baixos salários ou de colarinho azul As práticas de RH que recorrem a formas de inteligência artificial que facilitam a gestão por algoritmo e o monitoramento eletrônico do desempenho também são amplamente utilizadas em ocupações de colarinho branco O monitoramento de desempenho eletrônico EPM na sigla em inglês foi descrito por Phoebe Moore et al 2018 como incluindo monitoramento email escutas telefônicas rastreamento de conteúdo de computador e tempo de uso monitoramento de vídeo e rastreamento por GPS Segundo esses pesquisadores os dados produzidos podem ser utilizados como indicadores de produtividade indição da localização dos empregados uso de email navegação no site uso de impressora uso de telefone e até mesmo tanto de voz e movimento físico durante a conversa MOORE AKHTAR UPCHURCH 2018 Esses dados juntamente com o uso de instrumentos analíticos de big data também constituem a base de práticas chamadas de People Analytics Análises de Pessoas Estudos jurídicos pioneiros sobre esse tema realizados por Matthew Bodie et al definem People Analytics como um processo ou método de gestão de recursos humanos baseado no uso de big data para capturar insights sobre o desempenho do trabalho A ideia central é que o julgamento subjetivo não estruturado não é rigoroso ou confiável como forma de avaliar talentos ou criar políticas de recursos humanos Em vez disso grandes conjuntos de dados geralmente dados quantitativos devem formar a base para a tomada de decisões no espaço de RH BODIE et al 2016 Os dados são portanto recolhidos a partir de um vasto leque de fontes Uma das empresas na vanguarda dessas práticas a Humanyze informa que os dados podem ser obtidos a partir de pessoas registra como uma conta de email e chamadas número de mensagens e chats enviados e duração das reuniões podem ser usados para identificar áreas de desenvolvimento sobre como as equipes realmente colaboram e se as pessoas se comunicam No entanto mesmo que esses dados de conteúdo individual não sejam recolhidos ou sejam efetivamente anonimizados as práticas de coleta podem ser altamente invasivas e destinadas a detectar elementos altamente pessoais incluindo o nível de interação com os colegas e até mesmo o humor dos trabalhadores por exemplo por meio do uso dos chamados crachás sociométricos Tratase de dispositivos portáteis que permitem monitorar a localização dos trabalhadores os seus movimentos e também pela utilização de microfones e vozes incorporadas analisar o humor dos trabalhadores sem gravar o conteúdo de suas conversas FISCHBACH et al 2009 O EPM também tem sido utilizado para monitorar os trabalhadores em situações de teletrabalho e de contratos de trabalho inteligente que permitem aos trabalhadores exercer as suas atividades fora dos locais de trabalho tradicionais e por consequência estão geralmente associados a maior autonomia dos trabalhadores THE WORKPLACE 2018 SOLON 2017 Empresas como a Crossover vendem sistemas como a ferramenta de produtividade Worksmart para monitorar teletrabalhadores e outros trabalhadores remotos capturando a tela seus computadores em intervalos fixos e coletando dados adicionais incluindo como explícita o site da empresa atividade de teclado uso de aplicativos capturas de tela e fotos de webcam para gerar um cartão de ponto a cada 10 minutos Essa criação do ponto é despartilhado com os trabalhadores e os seus gestores por meio de um livro de registro onde todos os seus cartões de ponto são exibidos em um painel resumo os seus cartões de ponto para mostrar como passou o seu tempo Outras empresas comercializam software de filtragem para web como a Interguard que registra e relata dados como o histórico da web e a utilização da banda larga quer o empregado esteja dentro ou fora da rede Todos esses dados também podem ser processados mediante ferramentas de IA que classificam os trabalhadores em várias métricas de desempenho Em 2019 por exemplo o jornal The Guardian relatou que dezenas de empresas no Reino Unido incluindo vários escritórios de advocacia empregaram a IA para examinar o comportamento dos empregados também para identificar influenciadores e formuladores de mudanças na força de trabalho BOOT 2019 Curiosamente essa prática não é tão nova Cathy ONeill discutiu o caso de uma empresa a Cataphora que em 2008 comercializou um sistema para identificar geradores de ideias na força de trabalho mediante a análise de emails e mensagens corporativas Quando bateu a recessão de 2008 os gerentes de RH começaram a despedir pessoas começando por aqueles que tinham um desempenho ruim sob as métricas da Cataphora ONeill que é matemática e cientista de dados explica que esses programas correm o risco entre outras coisas de serem altamente imprecisos pois são baseados em dados limitados ONEILL 2016 Os programas de bemestar patrocinados por empresas também usam software como o Fitbit para controlar a condição física dos empregados AJUNWA CRAWFORD SCHULTZ 2017 Isso entre outras coisas pode contribuir para o acesso à informação relacionada com as atividades fora de serviço dos trabalhadores A vigilância das atividades fora do local de trabalho também não é nada de novo basta pensar aqui no Departamento Social da Ford que investigou notoriamente os estilos de vida dos trabalhadores da empresa No entanto a diluição das fronteiras entre trabalho e vida a constante interconexão com dispositivos de TI e serviços digitais como redes sociais e dispositivos tecnológicos que permitem acompanhar dados de condutas online e offline de indivíduos possibilita o acesso a um fluxo e quantidade de informações que é muito difícil de limitar com antecedência Artigos na internet discutem casos de práticas de monitoramento que ameaçam a privacidade da força de trabalho e status de redes sociais SOLON 2017 Os dados pessoais recolhidos na internet também por via do acesso à informação disponível nas redes sociais são cada vez mais utilizados para tomar decisões de recrutamento DAGNINO 2017 e a prática de pedir aos empregados que revelem suas senhas das redes sociais está também a se alastrar de modo que 18 estados dos EUA aprovaram legislação que a proíbe explicitamente BODIE et al 2016 People Analytics e EPM é claro às vezes podem estar enraizados em necessidades genuínas do negócio como a promoção da produtividade e o aumento dos níveis de segurança também para o benefício de empregados individualmente considerados Os wearables que analisam dados de bemestar e fitness por exemplo podem ser utilizados para mitigar riscos de saúde e segurança incluindo o estresse e para prevenir acidentes THE WORKPLACE 2018 Os trabalhadores também podem estar interessados em utilizar sistemas que os ajudem a manter o foco em suas tarefas quando estão tanto no local de trabalho quanto fora dele e em ter suas atividades registradas com precisão para que se algo der errado eles possam provar que agiram diligentemente As empresas e os trabalhadores também podem estar interessados na prevenção de comportamentos ilícitos como fraudes e formas de assédio que podem ocorrer online Além disso as práticas de RH como a People Analytics também se baseiam na ideia de que a inteligência artificial pode ajudar a gerir melhor a força de trabalho eliminando preconceitos individuais dos supervisores e substituindoos por métricas mais objetivas e neutras BODIE et al 2016 A utilização da inteligência artificial e de outros instrumentos tecnológicos para supervisionar as atividades de trabalho não deve portanto ser considerada como necessariamente negativa No entanto as práticas ainda referidas podem também conduzir a uma intrusão muito grande na vida privada dos trabalhadores e violar materialmente a sua privacidade HENDRICKX 2015 ao permitir que a gestão tenha acesso a informações muito íntimas incluindo por exemplo a utilização de dados baseados em pedidos de seguro médico sobre a intenção de engravidar e sobre a possibilidade de contrair uma doença AJUNWA CRAWFORD SCHULTZ 2017 Wearables e dispositivos de segurança programas que registram atividades online e offline bem como capturas de tela de computadores também podem se transformar em práticas extenuantes de vigilância sem fim Longe de promover o desempenho da força de trabalho esses modelos também podem gerar estresse bem como reações adversas e causar quedas bruscas na eficiência e na produtividade MOORE AKHTAR UPCHURCH 2018 Além disso a ideia de que a gestão por algoritmo e a inteligência artificial no local de trabalho além de terem resultados neutros e de reduzirem a discriminação possam aumentar as práticas discriminatórias BODIE et al 2016 Já existe uma vasta literatura que destaca como a tomada de decisões baseada em algoritmos pode perpetuar as práticas discriminatórias e a marginalização de grupos Essa forma de chamada de decisão pode ser fraca em dados que traduzem comportamentos PASQUALE 2015 ONEILL 2016 Se esses comportamentos forem indesejáveis e casos esses dados forem coletados de forma que a configuração atual seja imprecisa é possível reproduzir a discriminação No entanto o Comitê alertou contra o conceito errado de que os dados são por definição objetivos Ao contrário os dados são fáceis de manipular podem ser tendenciosos podem refletir preconceitos e preferências culturais de gênero ou outros e podem conter erros EUROPEAN ECONOMIC AND SOCIAL COMMITTEE 2017 O risco portanto é que a gestão por algoritmo e a inteligência artificial no local de trabalho longe de terem resultados neutros e de reduzirem a discriminação possam aumentar práticas discriminatórias BODIE et al 2016 Já existe uma vasta literatura que destaca como a tomada de decisões baseada em algoritmos pode perpetuar as práticas discriminatórias e a marginalização de grupos O desenvolvimento da IA está atualmente ocorrendo dentro de um ambiente homogêneo que é composto principalmente por homens jovens e brancos com o resultado de que intencionalmente ou não as disparidades culturais e de gênero estão sendo incorporadas na IA entre outras coisas porque os sistemas de IA aprendem com dados de treinamento A escassez de diversidade nas empresas de tecnologia também pode exacerbar esses fenômenos Num parecer oficial sobre inteligência artificial o Comitê Econômico e Social Europeu observou recentemente O desenvolvimento da IA está atualmente ocorrendo dentro de um ambiente homogêneo que é composto principalmente por homens jovens e brancos com o resultado de que intencionalmente ou não as disparidades culturais e de gênero estão sendo incorporadas na IA entre outras coisas porque os sistemas de IA aprendem com dados de treinamento softwares sofisticados ainda poderiam reconhecer e penalizar os sujeitos subrepresentados na contratação anterior com base em outros dados Por exemplo poderiam usar certos tipos de interrupções na carreira para reconhecer mulheres ou códigos postais ou nomes e sobrenomes para identificar membros de minorias Esse risco é ainda mais grave quando essas práticas são baseadas na inteligência artificial de autoaprendizagem com o software sendo capaz de reprogramar seus próprios critérios e métricas para alcançar um resultado predefinido muito geral como a melhoria da produtividade no trabalho A falta de transparência e o risco de desumanização do trabalho seriam então ainda mais exacerbados Também não se deve partir do princípio de que uma visão unidimensional da produtividade e da eficiência incorporada nas tecnologias de inteligência artificial conduza necessariamente a melhores resultados empresariais Algoritmos estão sendo usados frequentemente para implementar práticas de trabalho justintime que determinam os números da força de trabalho e a modificam de acordo com a demanda de negócios esperada contribuindo assim para uma causalização dos padrões de trabalho e instabilidade de emprego e de renda que vai muito além dos suspeitos de sempre da economia de plataforma Um estudo realizado por várias universidades sobre trabalhadores no comércio varejista por exemplo mostra que os algoritmos destinados a promover a eficiência dos negócios podem levar a resultados insatisfatórios pelo fato de esses algoritmos serem baseados numa noção muito limitada de eficiência e portanto não levarem em conta os diversos custos ocultos associados à instabilidade de horários ADLERMILSTEIN et al 2018 nomeadamente medindo os seus dados biológicos por meio da interação com aplicações de fitness e wearables para aumentar a produtividade ou adaptar o ritmo ou outras características do trabalho às condições específicas dos trabalhadores Isso é particularmente verdade para os cobots que são por definição destinados a ter uma interação física direta com os seres humanos e a partilhar espaços de trabalho com os trabalhadores Além disso o uso de inteligência artificial a gestão por algoritmo e a análise de pessoas são por si sós uma forma de automação de papéis gerenciais e gerenciais médicos Gerir e disciplinar os trabalhadores da plataforma por meio das avaliações dos trabalhadores é sem dúvida um modo de terceirizar para os clientes a avaliação do desempenho do trabalho o que é facilitado por algoritmos DE STEFANO 2016 O EPM tem também o potencial de automatizar cada vez mais as funções centrais do negócio como RH e deslocar as ocupações administrativas associadas acrescentandoas à lista de profissionais que podem ser severamente afetados pela automação juntamente com advogados e médicos KAPLAN 2016 Por conseguinte as implicações dessas práticas de gestão merecem atenção séria por parte dos decisores políticos e dos estudiosos e as consequências para a privacidade a diversidade o emprego e a produtividade das empresas devem ser cuidadosamente avaliadas Mesmo sendo menos intencionais como os programas de bemestar que poderiam transformar em formas de controle podem levar a uma reflexão séria sobre o que se faça uma reflexão sobre o local de trabalho pois um pai poderia ordenar onde seus filhos adquirissem mercadorias assim os empregadores poderiam fazêlo em relação a seus empregados Para além da ironia de encontrar argumentos antigos de alguma forma replicados nos cenários de trabalho de ponta a possibilidade de uma gestão que complique indevida e excessivamente a autonomia e a privacidade dos trabalhadores é uma característica estrutural do contrato de trabalho HENDRICKX 2014 Como apontam os estudiosos Bodie et al a menos que a regulação limite especificamente as prerrogativas gerenciais no local de trabalho não há proteção legal contra a vigilância per se E acrescentam A necessidade de monitoramento decorre de nossa concepção legal de emprego que é baseada no controle um empregador é aquele cujo trabalho é controlado por seu empregador e é o direito do empregador de dirigir especificamente as atividades do empregado que separa empregadores de contratados independentes BODIE et al 2016 A próxima seção examinará essas características estruturais do contrato de trabalho que muitas vezes são negligenciadas nas ciências sociais com exceção do Direito pelo direito contratual ou pelo direito de propriedade SUMMERS 2017 ANDERSON 2017 DAVIDOV 2016 DE STEFANO 2017 das empresas Na doutrina de Direito do Trabalho é agora quase certa referência às obras de Ronald Coase por dar conta da função económica vital dos contratos de trabalho ou seja permitir que as empresas diminuam os custos de transação reduzindo a necessidade de procurar e selecionar continuamente contratantes no mercado negociar termos e condições dos contratos e executálos para a condução de uma atividade económica COASE 1937 A internalização da produção nas empresas substituindo as transações de mercado por organizações hierárquicas e trocas unilaterais que permitem ignorar a necessidade de obter o consentimento da outra parte para operar comercial ou responder e adaptarse a qualquer mudança imprevisível no ambiente empresarial é um dos princípios razoais pelas quais a empresa existe em termos coasianos COASE 1960 implica uma afirmação unilateral da vontade do credor da obra ou seja o empregador uma afirmação senhoria e imperativa que não necessitava de reunir no curso da relação do consentimento real do trabalhador porque ele já se comprometeu no contrato a submeterse a esses comandos de maneira inquestionável BARASSI 19151917 trabalho e na noção de subordinacao da civil law Como Deakin e Morris observam na analise de Alan Fox as prerrogativas gerenciais nao resolvem simplesmente o poder de barganha superior do empregador antes do contrato FOX 1974 Elas sao sustentadas por certas normas legais que hoje assumem a forma da comun law implicitas nos termos do contrato de trabalho tais como a obrigacao de fidelidade e obediencia dos empregados que pode ser rastreada em muitos casos ate a legislacao de mestre e servo do seculo XIX e anterior DEAKIN MORRIS 2005 A regulacao do emprego portanto tem por funcao muito mais do que proteger os trabalhadores Os elementos de protecao acompanham uma liotica de regulacao que e muitas vezes negligenciada nas narrativas principais acerca do contrato de trabalho O academico frances do Direito do Trabalho Alain Supiot 1994 ha muito que analisa essa ambivalência estrutural da regulacao do emprego Por um lado essa regulacao confere a empresa o poder unilateral de dirigir controlar e disciplinar o trabalho humano e por conseguinte as atividades fisicas e mentais dos seres humanos por outro lado tem de recondicionar essas prerrogativas quase senhoriais com o respeito pela dignidade humana dos trabalhadores necessaria em sociedades democráticas baseadas em princípios de igualdade Para esse fim uma funcao essencial da regulacao do emprego consiste em racionalizar e limitar as prerrogativas de gestão do empregador 4 A renda básica universal não é suficiente A proteção dos direitos humanos e trabalhadores ainda precisa ser aplicada As discussões políticas e midiáticas sobre automação também estimularam um amplo debate sobre a Renda Básica Universal RBU Numerosos empresários e empresas de tecnologia têm sustentado que uma das respostas para o deslocamento de empregos causados pela automação deve ser a introdução da RBU para mitigar o impacto social do desemprego tecnológico em massa SADOWSKI 2016 O debate sobre a RBU é mais amplo e vai além dessas propostas Vários defensores dos trabalhadores sugeriram a RBU como uma política progressista que ajudaria a enfrentar desafios significativos nos mercados de trabalho modernos incluindo o desemprego tecnológico e o crescimento de formas de emprego precárias e instáveis23 Essa é uma questão muito complicada que não pode ser tratada assim24 O que é importante afirmar no entanto é que mesmo que fosse possível implementar um sistema funcional de RBU isso não afetaria a estrutura jurídica dos contratos de trabalho e da regulação acima referidos a salvaguarda dos trabalhadores porque eles são economicamente dependentes de seus empregadores e têm fraco poder de negociação no mercado mas também limitar e racionalizar o exercício unilateral das prerrogativas gerenciais no trabalho ou seja enquanto estão empregados DE STEFANO 2014 A legislação contra a discriminação a normatização do tempo de trabalho que protege a saúde física e mental dos trabalhadores contra os riscos de fadiga e burnout as regras que protegem a privacidade no local de trabalho contra formas abusivas de vigilância para citar apenas partes da regulação que limita o exercício das prerrogativas de gestão não podem ser trocadas pela proteção no mercado Essa regulação diz respeito a poderes e deveres que estão a funcionar durante todo o curso da relação de trabalho e não dependem apenas do poder de negociação superior dos empregadores mas estão também consagrados nas normas legais A ideia de substituir a proteção ao trabalho pela garantia da estabilidade dos rendimentos negligencia aspectos fundamentais da relação de trabalho que exigem limites regulamentares que visam proteger a dignidade humana no trabalho Isso também deve ser levado em conta quando se discute a possibilidade de introduzir a RBU ou qualquer outra forma de proteção de renda mesmo que fossem criados ainda haveria necessidade de regulação do emprego e proteção jurídica no trabalho As características fundamentais da regulação do emprego e a sua ambivalência na atribuição de poderes de gestão unilaterais abrangentes e intensivos que podem diminuir substancialmente a autonomia dos trabalhadores por um lado e limitar e racionalizar esses poderes por outro devem ser particularmente levadas em conta na sequência da automação e da crescente utilização de ferramentas tecnológicas para orientar a mão de obra EPM People Analytics e o uso de inteligência artificial e big data no local de trabalho ampliam a possibilidade de supervisionar os trabalhadores e monitorar de perto o desempenho das atividades laborais Conforme discutido na Seção 2 essas tecnologias podem permitir práticas invasivas flagrantes e levar a resultados arbitrários e discriminatórios Na verdade essas práticas podem levar a uma variação genética das prerrogativas gerenciais atualizandoas para níveis inéditos Portanto devese prestar atenção constante a esses desenvolvimentos e a regulação é ainda mais necessária para evitar abusos gerenciais que põem em perigo a dignidade humana dos trabalhadores Para isso é também essencial enquadrar os direitos dos trabalhadores nos discursos dos direitos fundamentais e dos direitos humanos A natureza dos direitos trabalhistas como direitos humanos tem sido debatida há muito tempo FENWICK NOVITZ 2010 ARTHURS 2006 MANTOUVALOU 2012 e foi também consagrada num vasto número de tratados internacionais e fontes de Direito POLITAKIS 2007 Uma das razões para reconhecer os direitos trabalhistas como direitos humanos reside precisamente na existência de prerrogativas de gestão DE STEFANO 2017 Conforme discutido acima os sistemas jurídicos conferem aos empregadores autoridade sobre a sua força de trabalho que vai além das normas sociais e é sustentada pela legislação Limitar e racionalizar a autoridade para preservar a dignidade humana é uma das funções essenciais dos direitos humanos é também essencial no local de trabalho26 A proteção do trabalho ao limitar o exercício das prerrogativas de gestão é também crucial para garantir que a autoridade dos empregadores não seja exercida de forma a comprometer os direitos humanos dos trabalhadores atividades online pelo empregador embora admissível em princípio deve ser estudado proporcionalmente a fim de evitar arbitrariedades deurs28 Entre as salvaguardas que os EstadosMembros têm de considerar para determinar se as práticas de vigilância são legítimas o Tribunal indicou a circunstância de os trabalhadores serem devidamente notificados da possibilidade de o empregador poder controlar a correspondência e outras comunicações a existência de razões legítimas para justificar a vigilância das comunicações e o acesso ao seu conteúdo a possibilidade de estabelecer práticas de vigilância menos intrusivas O Tribunal foi igualmente instado a analisar em geral o alcance do monitoramento e o grau de intrusão na privacidade dos trabalhadores estabelecendo uma distinção entre o acesso aos metadados relativos ao fluxo das comunicações e o acesso ao conteúdo dessas comunicações inferindo como alguém com um histórico de crédito particular pode se comportar em um contrato de trabalho sem levar em conta quais fatores contribuíram para esse histórico de crédito Além disso at agora o TJUE recusouse a alargar o âmbito de aplicação do direito da UE em matéria de proteção de dados visando a correção dos processos decisórios E mesmo os dispositivos do RGPD que parecem proporcionar uma proteção mais significativa nesse domínio podem revelarse insuficientes Por exemplo o art 22 n 1 do RGPD concede o direito de não estar sujeito a uma decisão baseada unicamente no tratamento automatizado quando esta decisão produz efeitos jurídicos ou igualmente significativos 30 Muito provavelmente porém um elevado número de decisões relativas a questões no trabalho serão abrangidas pelas exceções a essa regra permitidas pelo 2 do art 22 sendo necessárias para a celebração ou execução de um contrato31 Nesse caso o RGPD exige que os empregadores ou outros responsáveis pelo tratamento de dados implementem Assim é crucial que padrões e proteções adequados e específicos sejam estabelecidos no mundo do trabalho A esse respeito o art 88 do RGPD constitui uma disposição crucial Ele prevê que os EstadosMembros da UE devem introduzir por lei ou por convenções coletivas regras específicas para assegurar a proteção dos direitos e liberdades no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais dos trabalhadores no contexto do emprego Essas regras devem incluir medidas adequadas e específicas para salvaguardar a dignidade humana os interesses legítimos e os direitos fundamentais do titular dos dados em especial no que diz respeito aos sistemas de controle no local de trabalho à transparência do tratamento e da transferência de dados pessoais A esse respeito convém assinalar que as regras de emprego at will que permitem a rescisão do contrato de trabalho por qualquer ou nenhuma razão podem agravar os riscos de abuso das prerrogativas de gestão especialmente no que se refere às práticas de vigilância que graças à utilização de tecnologias e de grandes volumes de dados permitem o acesso a informações sobre os dados sensíveis dos trabalhadores e a vida privada Mesmo que práticas como identificar características pessoais protegidas pela legislação em matéria de discriminação fossem ilegais a possibilidade de rescindir o contrato de trabalho sem indicar qualquer motivo pode dar azo a violações que não seriam fáceis de detectar ou que exigiriam a sanção de longos processos judiciais Além disso uma abordagem da proteção do trabalho baseada nos direitos humanos não pode negligenciar a importância de direitos coletivos como a liberdade de associação e o direito à negociação coletiva na proteção da dignidade humana no local de trabalho A função dos direitos coletivos não é apenas dar aos trabalhadores uma melhor posição para negociar as condições econômicas de emprego os direitos coletivos também atuam como direitos facilitadores possibilitando garantir e efetivamente fazer valer qualquer outro direito no local de trabalho Como tal os direitos coletivos também servem como um instrumento fundamental para racionalizar e limitar o exercício das prerrogativas de gestão Conforme discutido na Introdução o discurso dominante sobre automação tende a seguir o pressuposto tecnodeterminista de que a inserção de novas tecnologias irá determinar perdas ou ganhos de emprego como um processo autônomo e heterogêneo com impacto nos mercados de trabalho Essa abordagem no entanto não leva em conta o papel que a regulação do trabalho pode desempenhar para influenciar esse processo algo que é de fato surpreendente dado o elevado número de instrumentos internacionais e nacionais que lidam com o impacto da tecnologia no emprego tais como os instrumentos que regem as dispensas coletivas Por exemplo a perda de postos de trabalho pode ocorrer em níveis nunca antes vistos ou a introdução de novas tecnologias pode tensionar a regulação atual e as relações coletivas Além disso essa regulação vai atenuar as consequências dos despedimentos mas não é capaz de evitar especialmente se novas máquinas e processos empresariais deslocarem um elevado número de postos de trabalho num curto espaço de tempo No entanto os decisores políticos os pesquisadores e os acadêmicos não devem partir do pressuposto de que não existe ou é impossível construir regulação destinada a atenuar as perdas maciças de postos de trabalho A regulação das dispensas coletivas existe e a sua vigência deve ser levada em conta quando se discutem o impacto da automação nos mercados de trabalho bem como o papel que os parceiros sociais e os reguladores podem desempenhar na gestão desses processos Mais importante ainda o envolvimento dos representantes dos trabalhadores pode revelarse particularmente benéfico para gerir outras implicações das novas tecnologias no local de trabalho nomeadamente as que influenciam a qualidade dos empregos que irão sobreviver após a automação A introdução da inteligência artificial e o uso de big data e EPM precisam ser governados para garantir que sistemas que possam permitir uma ampliação sem precedentes da abrangência do impacto das prerrogativas gerenciais e a intensidade do monitoramento não levem a abusos que atentem contra os direitos humanos dos trabalhadores sejam evitados resultados arbitrários ou discriminatórios Para isso novamente mesmo que fosse possível ter mudanças e atualizações automáticas na operação dos algoritmos por meio da inteligência artificial de autoaprendizagem a decisão final de alterar os critérios pelos quais o desempenho do trabalho é avaliado deve ser tomada por humanos tornada transparente e conhecida pelos trabalhadores e também sujeita a negociação tomada de decisão sem intervenção humana acima discutido juntamente com a disposição do RGPD que prevê salvaguardas adequadas a esse respeito constitui um passo no sentido do estabelecimento de uma abordagem humano no comando Como argumentado na seção anterior no entanto para evitar que essas disposições permaneçam uma casca vazia quando se trata do mundo do trabalho são necessários padrões e regulação específicos e adequados neste campo enquanto direito habilitador e mecanismo de racionalização do exercício das prerrogativas de gestão dos empregadores permitindo afastarse de uma dimensão puramente unilateral da governança do trabalho A negociação do algoritmo deve portanto tornarse objetivo central do diálogo social e da ação da organização dos empregados e dos trabalhadores Referências insights Comparative Labor Law Policy Journal Champaign v 41 n 1 2019 Automation Artificial Intelligence Labor Law COUNTORIS Nicola DE STEFANO Valerio New trade union strategies for new forms of employment Brussels ETUC 2019 ESTLUND Cynthia What should we do after work Automation and employment law The Yale Law Journal New Haven v 128 n 2 p 254326 2018 FREY Carl Benedikt OSBORNE Michael A The future of employment how susceptible are jobs to computerisation Oxford Oxford Martin School 2013 Disponible em httpswwwoxfordmartinoxacukdownloadsacademicTheFutureofEmploymentpdf INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION The employment relationship overview of challenges and opportunities Report V of the International Labour Conference 95th Session 2006 Geneva ILO 2006 MOORE Phoebe AKHTAR Pav UPCHURCH Martin Digitalisation of work and resistance In MOORE Phoebe UPCHURCH Martin WHITTAKER Xanthe eds Humans and machines at work monitoring surveillance and automation in contemporary capitalism Cham Palgrave Macmillan 2018 p 1744 SCIARRA Silvana EU Commission Green Paper Modernising labour law to meet the challenges of the 21st century Industrial Law Journal Oxford v 36 n 3 p 375382 Sept 2007 PRIMEIRO CAPÍTULO Programação algorítmica e subordinação cibernética a sociedade do controle e a falácia da autonomia O trabalho em plataformas e o vínculo de emprego desfacendo mitos e mostrando a nudez do rei Rodrigo de Lacerda Carelli Procurador do Trabalho Professor de Direito do Trabalho e do programa de pósgraduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ Doutor em Ciências Humanos IespUerj Mestre em Sociologia e Direito UFF Resumo Este artigo sustenta que os argumentos das plataformas digitais que poderiam justificar que seus trabalhadores não seriam empregados são baseados em mitos ou estão afastados da realidade O estudo mostra a diferença entre plataformas que funcionam como marketplace e aquelas que fazem intermediação de trabalhadores sendo estas também diferenciadas aquelas que prestam efetivamente outros serviços além da mera intermediação e que não podem assim ser consideradas instrumentos digitais de conexão entre clientes e prestadores de serviços Argumentase também que não há ligação obrigatória e necessária entre trabalho subordinado e rigidez de horário de trabalho e que o trabalho afeiado por produção e por peça de muito é utilizado Também se mostra que o fato de poder negociar trabalho que não acontece verdadeiramente em grande parte das plataformas não retira a condição de empregado e empregador Palavraschave Plataformas digitais Vínculo de emprego Trabalhadores em plataformas digitais Abstract This paper argues that the claims of digital platforms that could justify that their workers would not be employed are based on myths or are detached from reality The study presents the difference between platforms that function as a marketplace and those that intermediate workers which are also differentiated from those that effectively provide other services beyond mere intermediation and that cannot therefore be considered as digital instruments of connection between clients and providers of services O mundo do trabalho em praticamente toda parte deste planeta foi surpreendido pela invasão de empresas que apresentandose como soluções tecnológicas inovadoras sob o modelo de marketplace propõem novas formas de contratação de trabalhadores que por sua vez realizariam seu trabalho de forma independente e alcançariam sua autonomia organizando seu próprio labor Essas empresas por meio de plataformas eletrônicas baseadas em conexões na grande rede e a partir de aplicativos instalados em aparelhos smartphones realizariam de forma otimizada a ligação entre a oferta de prestadores de serviços e a demanda de clientes que desejariam contratar esses trabalhadores Se por um lado algumas empresas mantêm esse modelo de maneira razoávelmente fiel por outro uma parte das companhias da dita gig economy por exemplo faz proveito da ideia como um recurso para prestar seus serviços sem cumprir as regras de trabalho O discurso dessas empresas sustentase basicamente em dois argumentos 1 que realizam apenas intermediação eletrônica entre oferta e procura sendo somente empresas de tecnologia que otimizaram o mercado 2 que seus trabalhadores são autônomos pois não são submetidos a subordinação tendo em vista que não têm horário para cumprir e podem inclusive recusar trabalho ofertado Esses argumentos não são convincentes seja pela falta de respaldo na realidade seja por não encontrarem guardia no próprio Direito do Trabalho e nos conceitos de empregado empregador e trabalhador autônomo Este artigo pretende desmistificar esses dois pontos que são embaçados em falhas argumentativas pela apresentação de pressupostos equivocados ou seja pretendese demonstrar que são sustentados por falácias Assim será feita uma análise dos dois argumentos Na primeira será analisada a organização de plataformas sob a forma de marketplace demonstrandose os casos em que as plataformas assumem a forma de intermediadoras entre negociações e quando há mera retórica e na segunda parte haverá a análise das figuras do trabalho autônomo e da relação de emprego nas plataformas A ideia de plataformas digitais como marketplaces originase da transposição da ideia de mercado ou feira para a rede mundial de computadores A feira ou um centro comercial é um local em que se encontram diversos comerciantes independentes a fim de se poderem encontrar vários compradores para a realização de negócios É basicamente um local de troca fazendo encontraremse demanda e procura LANGLEY LEYSHON 2016 O organizador da feira ou administrador do centro comercial tem como função conceder as condições para que esses negócios se realizem oferece o local para sua realização facilita o seu acesso responsabilizase pela segurança e limpeza podendo também realizar a divulgação para promover o ambiente Em razão desse serviço cobra uma remuneração que geralmente é baseada em percentual dos negócios realizados Entretanto a situação adquire contornos ainda mais intrincados quando os serviços oferecidos por meio de plataformas são centrados no elemento humano o serviço ou mercadoria no caso tem como parte principal do mecanismo um trabalhador que se coloca à disposição para prestar pessoalmente serviços oferecidos digitalmente Assim essas últimas se apresentam como um marketplace que unirá trabalhadores a demandantes de serviços Algumas se declararam como classificados virtuais fazendo o link entre empregadores em busca de trabalhadores ideais para suas empresas e profissionais que necessitam de uma vaga de trabalho para sobreviver por meio da publicação de anúncios de trabalhadores ofertas de emprego e distribuição direta de currículos São exemplos dessas companhias no Brasil a Cata a C e a Infojobs Outras plataformas por sua vez fazem a ligação de trabalhadores autônomos com clientes para a realização de pequenas tarefas como a GetNinjas ou Workana sem qualquer interferência na prestação de serviço Essas plataformas em princípio realmente funcionam como um marketplace fazendo o trabalho de construção do ambiente a partir do qual esses negócios se realizam não se excluindo no entanto nos próprios negócios realizados por meio da plataforma Do mesmo modo como o Mercado Livre a plataforma GetNinjas apresenta os trabalhadores por interessados sem impor o preço qualidade do produto condições de negócio e sem participar ativamente das etapas da negociação Plataformas desses tipos funcionam em versão como agências de emprego realizando a aproximação entre ofertas e demandas de postos de trabalho Na classificação realizada por Adrian Todoli essas plataformas são chamadas de crowdsourcing genérico ou seja fazem a distribuição de trabalho a uma multidão disposta a prestar vários tipos de tarefas não prestando um serviço específico Figura 1 JeanLéon Gérôme Vente desclaves à Rome 1884 Acervo St Pétersbourg lErmitage Por óbvio desde que a escravidão foi colocada na ilegalidade é um problema para a sociedade a existência de um mercado em que seres humanos são negociados como mercadoria Não é à toa que o princípio fundamental da Organização Internacional do Trabalho OIT é o trabalho não é uma mercadoria Assim a existência desse mercado de seres humanos somente pode acontecer mediante regulação rígida que resguarde a dignidade dos trabalhadores pois o trabalho é uma mercadoria fictícia existindo na realidade seres humanos
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FUTURO DO TRABALHO OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE Organizadores Rodrigo de Lacerda Carelli Tiago Muniz Cavalcanti Vanessa Patriota da Fonseca FUTURO DO TRABALHO OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE República Federativa do Brasil Ministério Público da União António Augusto Brandão de Araújo ProcuradorGeral da República Humberto Jacques de Medeiros ViceProcuradorGeral da República Ministério Público do Trabalho Alberto Bastos Balazeiro ProcuradorGeral do Trabalho Maria Aparecida Gugel ViceProcuradoraGeral do Trabalho Escola Superior do Ministério Público da União Paulo Gustavo Gonet Branco DiretorGeral Manoel Jorge e Silva Neto DiretorGeral Adjunto Pareceristas Erlan José Peixoto do Prado Procurador Regional do Trabalho Max Emiliano da Silva Sena Procurador do Trabalho FUTURO DO TRABALHO OS EFEITOS DA REVOLUÇÃO DIGITAL NA SOCIEDADE Escola Superior do Ministério Público da União SGAS Quadra 603 Lote 22 70230630 BrasíliaDF Tel 61 33135107 Home page wwwescolampumpbr Email divepescolampumpbr Copyright 2020 Todos os direitos autorais reservados Secretaria de Comunicação Social Graziane Madureira Divisão de Edição e Publicações Lizandra Nunes Marinho da Costa Barbosa Preparação de originais e revisão de provas gráficas Carolina Soares Davi Silva Sandra Telles João Gustavo Borges Letícia Santiago Capa projeto gráfico e diagramação Sheylies Rhoden Ilustrações de capa e miolo Banco de recursos gráficos Freepik As opiniões expressas nesta obra são de exclusiva responsabilidade dos autores Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Biblioteca da Escola Superior do Ministério Público da União F996 Futuro do trabalho os efeitos da revolução digital na sociedade organização Rodrigo de Lacerda Carelli Tiago Muniz Cavalcanti Vanessa Patriot Sumário Apresentação Rodrigo de Lacerda Carelli Tiago Muniz Cavalcanti e Vanessa Patriot a da Fonseca 9 Texto introdutório Automação inteligência artificial e proteção laboral padrões algorítmicos e o que fazer com eles Valerio De Stefano 21 Primeiro capítulo Programação algorítmica e subordinação cibernética a sociedade do controle e a falácia da autonomia O trabalho em plataformas e o vínculo de emprego desfazendo mitos e mostrando a nudez do rei Rodrigo de Lacerda Carelli 65 Gestão algorítmica e o futuro do trabalho Jeremias AdamsPrassl 85 Controle e contrato hiperrealidade a relação de emprego na era da economia orientada a dados José Eduardo de Resende Chaves Júnior 101 A lei sobre o TVDE e o contrato de trabalho sujeitos relações e presunções João Leal Amado 117 Neuromarketing e sedução dos trabalhadores o caso Uber Ana Carolina Reis Paes Leme 139 Formas de contratação do trabalhador na prestação de serviços sob plataformas digitais Murilo Carvalho Sampaio Oliveira 157 Nanotecnologia da revolução 40 à proteção da vida Patrick Maia Meriño 333 Apresentação Os avanços da humanidade sempre foram associados às grandes transformações tecnológicas e estas têm tido papel fundamental nas mudanças ocorridas desde o período denominado de Revolução Industrial A tecnologia sempre se destaca do mundo da indústria e passa a conviver de forma pervasiva no dia a dia de todas as pessoas Se os motores mecânicos e a energia elétrica foram e ainda são cruciais para o desenvolvimento da sociedade e a melhoria de vida das pessoas atualmente estamos convivendo com inovações tão rápidas e tão mais importantes quanto aquelas tais como os sistemas que convertem a escrita em áudio essenciais para pessoas com deficiência visual os aplicativos que auxiliam pessoas com deficiência auditiva por meio da tradução para a Língua Brasileira de Sinais Libras a possibilidade de comunicação quase gratuita entre pessoas em qualquer parte do globo terrestre por meio dos aplicativos de mensagens ou pelas redes sociais onipresentes nos hoje amplamente acessíveis e potentes dispositivos móveis celulares o apoio na navegação nas cidades permitido por mapas digitalizados que mostram o caminho para chegar a qualquer destino desejado a deteção precoce de alguns tipos de câncer somente possível com o auxílio de algoritmos ou os diferentes glicosímetros eletrônicos para a saúde dos portadores de diabetes A tecnologia passou não somente a ser parte da nossa vida como cada vez mais há a crença de que ela resolverá todos os problemas do mundo desde encontrar a alma gêmea por obra e graça de aplicativos até nos livrar da indiscutível crise ambiental que vivemos por meio do uso da geoengenharia climática É uma crença que vem sendo chamada criticamente de solucionismo tecnológico Se a vida não é só de sombra ela tampouco é apenas de luz A partir de diversos problemas verificados e relacionados com esse verdadeiro efeito de tecnologia que permitiu seu avanço às vezes de forma acentuada e sem amarras por algumas décadas os pensadores começaram a alertar sobre os riscos que a sociedade passou a enfrentar São apontados os perigos para o futuro da humanidade pela explosão da cibernética pela possibilidade de criação de uma nova raça humana dominante e que subjugaria as raças tidas como inferiores e pela construção à olhos vistos de um capitalismo de vigilância com grandes consequências para a liberdade das pessoas Entretanto não só sempre foram estudiosos que passaram a fazer essas alertas A impressão disturbante apresenta não somente as ameaças mas também as lições já ocorridas e visíveis ocasionadas pelos mais novos tecnologias sendo denunciados os atos das empresas do Vale do Silício no ensolarado estado norteamericano da Califórnia ou também da obscura China e de seu incrível avanço tecnológico Passaram a ser cotidianas notícias como fraude em eleições em vários países do mundo por meio do uso conjugado de técnicas psicológicas do Big Data para a manipulação de eleitores em redes sociais a utilização de inteligência artificial em drones para o assassinato de pessoas e a criação do sistema de vigilância total por meio de reconhecimento facial aliado ao Big Data e a implementação de sistema de pontuação social As ameaças à humanidade são apresentadas também em diversos documentários como Privacidade Hackeada O mundo do trabalho certamente um dos mais atingidos por esse novo cenário não poderia ficar de fora da análise crítica Acentuouse nos últimos tempos a preocupação com a forma pela qual as tecnologias emergidas principalmente com a Revolução Digital estão afetando negativamente a vida dos trabalhadores Os olhar voltamse para questões como invasão de privacidade decorrente do monitoramento eletrônico excesso de trabalho e ausência do direito à desconexão substituição de trabalhadores por máquinas e desaparecimento de profissões e postos valorizados de trabalho pela sua substituição por trabalhadores com menos qualificação formas precárias de contratação de trabalhadores que prestam serviços por meio de plataformas digitais efeitos das novas tecnologias na saúde física e mental dos trabalhadores enfraquecimento das organizações sindicais devido à quebra dos laços de sociabilidade e ao isolamento gamificação e captura psicológica do trabalhador ampliação das desigualdades de gênero raça e origem entre tantas outras questões igualmente preocupantes A parte já não tapioca dessa evolução tecnológica que implode empregos ou os substitui por postos menos valorizados precariza relações de trabalho aliena e escraviza o gênero humano ameaça a vida e o meio ambiente destrói a subjetividade do trabalhador e amplia o fosso da exclusão social precisa ser cada vez mais pautada e estudada para que caminhos possam ser traçados de modo a colocar os seres humanos novamente como fim e como condutores da evolução da sociedade Esses caminhos devem ser construídos por meio das disciplinas como Sociologia pela Economia pela Ciência Política pelo Direito e por todas as demais áreas do conhecimento A definição do sentido desse trajeto não está nas mãos dos juristas mas estes mesmos em sentido à redação tarefa de no processo de criação jurisprudencial e construção doutrinária trazer os saberes dos outros ramos da ciência quanto aos fatos sociais a fim de buscar uma hermenêutica estruturante alicerçada nos princípios e nas normas constitucionais e internacionais que contribua para o desenvolvimento sustentável e para a redução da pobreza da marginalização e das desigualdades sociais mais diversos desde a tradução de um texto até o desenvolvimento de um sistema informacional são contratados por meio de plataformas genéricas que conectam solicitantes e fornecedores no espaço territorial global promovendo e estimulando a competição entre trabalhadores em uma escala nunca antes vista minando as formas atuais de organização representação e defesa desses mesmos trabalhadores Atualmente atividades tradicionais como as de transporte entrega e limpeza são ofertadas por meio de aplicativos no trabalho ondemand O controle do trabalho nesse modelo de produção também conhecido como Uberismo é realizado por programação algorítmica estabelecida pelas empresas detentoras das plataformas mas o trabalhador é contratado sob demanda sem vínculo de emprego sem um mínimo salarial garantido Não há remuneração pelos tempos mortos Mortos por certa interpretação equivocada e às vezes malintencionada da legislação realizada por determinadas empresas estão os direitos constitucionais clássicos à limitação da jornada de trabalho ao amparo da Previdência Social ao descanso semanal remunerado às férias e a todas as demais garantias decorrentes da relação de emprego Uma análise mais aprofundada precisa ser conferida ao modelo de organização dos trabalhadores pois no contexto da Revolução Digital a noção de categoria profissional as formas tradicionais de relação estão sendo pervertidas e precisam ser reinventadas ou melhor ainda reimaginadas Este mesmo objeto contudo com os direitos humanos deve ser buscado quando da análise da utilização e da manipulação de dados do trabalhador e da apreciação dos métodos engenhosos de captura de sua psique que o leva a se sentir em um jogo aprisionante e a destinar maior tempo da vida a serviço da empresa Em tempos de pósverdade repetese o mantra de que quanto mais direito menos trabalho Incutese no imaginário coletivo que empregado é colaborador parceiro microempreendedor Ele é um empreendedor de si mesmo que não detém os meios de produção e está perdendo a esperança de dias melhores Urge pôr a tecnologia a favor da humanidade e da natureza Insta alterar o curso dessa história Rogarse por uma meta global um pacto social pela vida e pela sobrevivência do planeta Afinal qual o futuro que queremos Essa é a pergunta a redor da qual os debates devem ser realizados para recolocar a sociedade de volta no comando e acabar com o encantamento da cibernética que esconde a manipulação realizada por um pequeno número de pessoas por meio de seus obscuros programas e algoritmos Embalado pelo propósito de promover um amplo debate na sociedade sobre o assunto a Escola Superior do Ministério Público da União ESMPU realizou em oito capitais e no Distrito Federal ao longo do ano de 2019 o simpósio Futuro do trabalho os efeitos da revolução digital na sociedade Em todas as edições deixouse claro que o futuro do trabalho que ali se buscava não era baseado em um futurismo adivinhatório mas que a pretensão era discutir as mudanças atuais que sofrem as relações de trabalho Não era basicamente sobre futuro que se debatia mas sim sobre presente do trabalho e possíveis transformações e bifurcações O futuro já chegou sob a forma de uma tela táctil pela qual uma comida pode ser comandada por dois ou três cliques e chegar às casas das pessoas em curto prazo de tempo O futuro já chegou sob a forma de um trabalhador precário e desprovido de direitos ou de proteção social padecendo sofridamente uma bicicleta alugada pelas ruas da cidade carregando uma mochila nas costas a comida comandada em dois ou três cliques O futuro a se discutir é justamente o futuro a ser construído pelas pessoas após acordarem da inebriante e fatigante alucinação da tecnologia como meio de fim social Nessa perspectiva de presentefuturo ou futuropresente foram realizadas discussões a partir de vários pontos de vista e diversas abordagens realizadas por especialistas brasileiros e estrangeiros Mostrouse patente desde o início que a riqueza das discussões que tomaram corpo nos eventos precisa circular e gerar mais discussões e portanto mais conhecimento para além do público que compareceu aos simpósios Imbuídos desse mister os palestrantes foram convidados a apresentar artigos sobre os temas debatidos e eles nos brindaram com textos tão densos e necessários quanto prazerosos e surpreendentes O texto introdutório Automação inteligência artificial e proteção laboral padrões algorítmicos e o que fazer com eles assinado pelo consultor da Organização Internacional do Trabalho e professor de Direito do Trabalho na Katholieke Universiteit Leuven Bélgica Valerio De Stefano traz um panorama sobre o tema central do livro Na sequência os artigos foram divididos em três capítulos No primeiro intitulado Programação algorítmica e subordinacao cibernética a sociedade do controle e a falência da autonomia os textos analisam as novas roupagens da subordinação e dos demais pressupostos da relação de emprego no ambiente das plataformas virtuais Os autores se debruçam sobre as novas formas de organização do trabalho e dissecam sua natureza jurídica Miraram e apuraram com destreza os mecanismos de controle dos trabalhadores no denominado Uberismo Abrindo o capítulo temos o estudo do professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e procurador do Trabalho Rodrigo de Leal Carvalho que defrasa minuciosamente a relação do trabalho em empresasplataformas delineando alguns conceitos básicos como marketplace aplicativos e plataforma que são essenciais para se entender o fenômeno do trabalho em plataformas digitais Em seguida Jeremias AdamsPrassl professor da Universidade de Oxford Reino Unido disseca a gestão algorítmica e o futuro do trabalho José Eduardo de Resende Chaves Júnior o Pepe uma das grandes referências no estudo da trabalho e da tecnologia no Brasil e professor da PósGraduação da Universidade Federal de Minas Gerais apresenta a noção de contrato hiperrealidade como característica central da relação do emprego na sociedade de dados João Leal Amado professor da Universidade de Coimbra Portugal mostra que o contrato de trabalho não é definido por aquilo que se promete fazer mas simplesmente pelo que se promete fazer ou seja não é orientado pelo tipo de atividade e sim pela circunstância de a atividade ser prestada sob a autoridade e a direção do empregador e que assim deve ser buscado no caso de trabalho em plataformas digitais Ana Carolina Reis Paes Leme enfrenta a questão da sedução dos trabalhadores pela técnica do neuromarketing realizando estudo de caso sobre a empresa Uber O juiz do Trabalho e professor da Universidade Federal da Bahia Murilo Carvalho Sampaio Oliveira apresenta as formas de contratação de trabalhadores em plataformas digitais centrando também seus estudos na Uber Indo direto ao ponto o artigo de Emmanuel Dockès professor de ParisNanterre França já desde o seu título denomina os trabalhadores por demanda de empregados das plataformas buscando ver por trás da novidade a real atividade econômica e o modo como são prestados os serviços pelas empresas A desembargadora do Trabalho em Minas Gerais Maria Cecília Alves Pinto debruçase juridicamente sobre os pressupostos da relação de emprego e analisa os problemas encontrados na verificação da relação de emprego com plataformas digitais A professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e juíza do Trabalho Luciane Cardoso Barzotto a magistrada Ana Paula Silva Campos Miskulin e a advogada Lucieli Breda tratam em seu artigo do direito de informação e da subordinação algorítmica nas relações de trabalho No segundo capítulo Proteção do trabalhador intimidade vida privada saúde e segurança os artigos examinam as repercussões das novas tecnologias e do novo modelo organizacional na saúde física e psíquica dos trabalhadores analisam além disso a captura da subjetividade o uso de dados sensíveis ou não e a invasão da privacidade desses mesmos trabalhadores Este capítulo se inicia com artigo do professor da Universidade CastillaLa Mancha Espanha Joaquín Pérez Rey que aborda as consequências jurídicas das redes sociais nas relações trabalhistas Maria Cecília Máximo Teodoro professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais em coautoria com Karin Bhering Andrade apresenta o panóptico pósmoderno no trabalho que dá por meio da coleta de dados o de constante controle do trabalhador dentro e fora do ambiente laboral A professora da Universidade de Minho Portugal Teresa Coelho Moreira trata da questão da segurança e da saúde dos trabalhadores na chamada indústria 40 Por sua vez Αldacy Rachid Coutinho professora da Universidade Federal do Paraná aborda a importante questão da proteção de dados do trabalhador e a aplicação da legislação específica no âmbito da relação de emprego Rômulo Soares Valentini professor da PósGradução na Universidade Federal de Minas Gerais também interroga sobre o impacto da indústria 40 nas relações de trabalho centrando na questão da saúde psíquica dos trabalhadores Adriana Goulart de Sena Orsini professora da Universidade Federal de Minas Gerais e desembargadora do Trabalho apresenta estudo em que trata da jurimetria analisando o uso dos algoritmos e a inteligência artificial no Poder Judiciário Patrick Maia Merisio procurador do Trabalho em São Paulo aborda a questão da nanotecnologia mostrando seus às vezes impertinentes mais importantes impactos e analisando as possíveis formas de regulação Por fim no terceiro capítulo o leitor será remetido para abordagens a respeito da Precarização do trabalho da crise do sindicalismo e regulação do trabalho em plataformas digitais Os textos esclarecem os reveses da crise do sindicalismo e a necessidade premente de reiventar da atuação sindical e questionam a regulamentação laboral fazendo prospecções para um futuro próximo O professor da Universidade de Campinas Ricardo Antunes abre o capítulo fazendo um painel sobre as relações de trabalho atuais com ênfase no trabalho digital a indústria 40 o contrato intermitente e a uberização do trabalho Vanessa Patriota da Fonseca procuradora do Trabalho em Pernambuco após realizar uma análise do crowdsourcing do trabalho em plataformas demonstra seu impacto nas crises do sindicalismo e da civilização A professora da Universidade da Califórnia Hastings Veena B Dublal comenta o projeto de lei denominado ABS que se tornou a leimarc mundial que traz para o âmbito a proteção do Direito do Trabalho os trabalhadores da Gig Economy Francisco Gerson Marques de Lima professor da Universidade Federal do Ceará e procurador do Trabalho relaciona as tecnologias com o futuro dos sindicatos propondo a reinvenção das entidades sindicais Paula Freitas de Almeida pesquisadora da Universidade de Campinas aborda a Revolução Digital tendo como suporte a divisão internacional do trabalho e o neoliberalismo e o crescimento do trabalho autônomo no Brasil Carlo Benita Costenito Filho professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco revela a falsidade da expressão economia do compartilhamento e alerta para a necessidade de restauração da consciência de classe dos trabalhadores O professor da Universidade Federal do Paraná Sidnei Machado apresenta as dificuldades da representação coletiva dos trabalhadores em plataformas digitais Os franceses Christian Azais do Conservatoire National des Arts et Métiers Patrick Dieulaide de Paris Sorbonne Nouvelle e Donna Kesselman de ParisEst Créteil trazem a noção de zona cinzenta para explicar o movimento vivo da regulação do trabalho e a ação dos atores no espaço público Para encerrar o capítulo e a obra Wilson Engelmann professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos aborda sob o olhar da hermenêutica da prevenção os impactos jurídicosociais da automação no mundo do trabalho Importa ressaltar que os textos que integram a presente obra não representam necessariamente a visão dos organizadores e tampouco a posição institucional do Ministério Público do Trabalho mas apresentam pontos de vista plurais e até mesmo divergentes o que é bastante salutar para as atividades e as publicações da Escola Superior do Ministério Público da União ESMPU espaço acadêmico voltado para a construção democrática do conhecimento O livro leva o leitor a despertar para a gravidade do problema e a fazer um contraponto racional necessário à ideologia neoliberal e ao pensamento único e sua tendência precarizante e flexibilizante consubstanciandose como forma de resistência no campo científico Sem visão crítica resistência e mudança de rumos a tecnologia criada para conectar pessoas e países encontrará desconhecendo o trabalhador de si mesmo e o Direito do Trabalho da realidade O futuro do trabalho não será traçado por uma máquina dotada de inteligência artificial Ele será desenhado por seres humanos As decisões tomadas por máquinas são projetadas por pessoas e são sempre políticas e não técnicas Entender isso é o primeiro passo para entender que a tecnologia deve ser dominada regulada e utilizada em prol da sociedade e não deve somente beneficiar um pequeno número de seres humanos que a controlam Cabe à sociedade discutir e construir o futuro do trabalho em resposta à Revolução Digital deve vir a Revolução Humana Rodrigo de Lacerda Carelli Tiago Muniz Cavalcanti Vanessa Patriota da Fonseca Organizadores TEXTO INTRODUTÓRIO Automação inteligência artificial e proteção laboral padrões algorítmicos e o que fazer com eles Resumo Este texto visa preencher algumas lacunas no debate geral sobre a automação a introdução de novas tecnologias no local de trabalho e o futuro do trabalho Esse debate se tem concentrado até agora no número de postos de trabalho que serão perdidos em razão da inovação tecnológica questões têm adotado uma abordagem quantitativa tentando estimar o número de trabalhadores que poderiam ser excluídos de um emprego como consequência de avanços tecnológicos avanços tecnológicos sempre implicarão progresso particularmente para os trabalhadores afortunados que desenvolveram habilidades para permanecer no emprego após a introdução de novas máquinas e processos de negócios No entanto esse pressuposto corre o risco de se revelar excessivamente otimista Embora seja provavelmente verdadeira que a tecnologia será capaz de automatizar algumas tarefas rotineiras e desagradáveis também irá aumentar a possibilidade de gestão empresarial monitorar cada vez mais as atividades laborais de uma forma não desejável para o trabalhador Software e hardware já estão se disseminando em locais de trabalho modernos que permitem aos gestores dar instruções aos trabalhadores sobre o trabalho que fazem e controlar seu desempenho por meio de ferramentas digitais MOORE AKHTAR UPCHURCH 2018 A inteligência artificial o uso de big data e a gestão por algoritmo já são uma realidade no mundo do trabalho podendo levar a práticas empresariais mutuamente intrusivas Os riscos associados a essas práticas estão quase ausentes do debate geral sobre o futuro do trabalho e sobre os efeitos da automação ainda que como se argumenta mais adiante a introdução de maquinaria avançada no local de trabalho possa aumentar substancialmente esses riscos Outro pressuposto que segue esta abordagem tecnodeterminista é que esses desenvolvimentos são inevitáveis em outros termos eles são e Pagar para ser beneficiar as recompensas do processo tecnológico Assim limitar o funcionamento das novas tecnologias e suas implicações na quantidade e na qualidade dos empregos não pode ser implementada e que qualquer tentativa de governar os efeitos dos avanços tecnológicos dificultaria a inovação e levaria a perdas econômicas Estas suposições devem ser todas questionadas Já existe em vários países do mundo regulação destinada a atenuar os efeitos potencialmente prejudiciais da utilização de dispositivos tecnológicos na qualidade do emprego e na dignidade humana dos trabalhadores Além disso muitos países já dispõem de regulação destinada a diminuir o impacto social das dispensas em massa e da perda de postos de trabalho também associada à automação e à inovação tecnológica O impacto econômico negativo dessa regulação não está provado Pelo contrário um forte envolvimento dos parceiros sociais e dos reguladores na gestão de potenciais desperdícios em massa está associado a elevados níveis de produtividade e inovação para além dos benefícios para os trabalhadores Mais importante ainda a regulação é também fundamental para determinar como a automação e a introdução de novas tecnologias terão impacto na qualidade dos postos de trabalho que serão afetados por elas não se concentrando apenas em sua quantidade A legislação laboral e a negociação coletiva devem desempenhar um papel muito mais central para que esses fenômenos ocorram de uma forma que respeite a dignidade humana e os direitos fundamentais dos trabalhadores contudo esses aspectos ainda estão pouco estudados no vasto debate sobre a automação e o futuro do trabalho A presente contribuição quer preencher algumas dessas lacunas neste debate A próxima seção começa a fazêlo indicando como algumas inovações tecnológicas podem levar a práticas gerenciais intrusivas que ampliariam esses riscos A tecnologia da informação e a inteligência artificial permitem no entanto o monitoramento das atividades dos trabalhadores em proporções antes impensáveis bem como a coleta e o processamento de uma enorme quantidade de dados sobre essas atividades DAGNINO 2017 Cada vez mais trabalhadores por exemplo utilizam instrumentos portáteis wearables que permitem registrar seus movimentos e sua localização minuto a minuto medindo também seu ritmo de trabalho bem como as pausas Dados recolhidos por meio de dispositivos portáteis incluindo crachás sociométricos são frequentemente analisados utilizando inteligência artificial para avaliar a produtividade e a aptidão dos trabalhadores para executar determinadas tarefas MOORE AKHTAR UPCHURCH 2018 Instrumentos portáteis também são usados ou experimentados em depósitos logísticos e outros locais de trabalho para direcionar os trabalhadores para sua próxima tarefa As mercadorias em depósito da Amazon por exemplo são armazenadas aparentemente de forma aleatória Os trabalhadores da Amazon são guiados por ferramentas tecnológicas até o próximo item a ser selecionado e processado um sistema que também permite que a empresa rastreie e meça automaticamente a velocidade e a eficiência de cada trabalhador Trabalhadores com desempenho abaixo do esperado de acordo com as métricas dos sistemas automatizados de vigilância podem receber avisos sobre seu contrato de trabalho rescindido automaticamente sem intervenção dos supervisores LECHER 2019 Sistemas GPS permitem monitorar a posição e a velocidade dos motoristas de caminhão e van bem como dos motoristas e entregadores que trabalham em plataformas por demanda Esses sistemas também podem ser utilizados para verificar por exemplo se os trabalhadores se reúnem em locais específicos para reagir a organização coletiva ou evitála DE STEFANO 2016 De forma semelhante à dos trabalhadores de depósito que utilizam sistemas automatizados de direção os trabalhadores de plataforma são projetados para a próxima tarefa pelos algoritmos do aplicativo que também são projetados para medir a velocidade e a dedicação do trabalhador na realização das tarefas incluindo o cálculo da pontuação e as avaliações que os clientes atribuem aos trabalhadores Mais pontuações ou desempenho abaixo dos padrões do algoritmo podem levar à exclusão do trabalhador da plataforma e portanto ao desligamento facilitado pelo suposto status de autonomia desses trabalhadores ALOISI 2016 E isso não se limita às tarefas na rua Os trabalhadores dos marketplaces de freelancers online e os trabalhadores domésticos que são contratados por plataformas para trabalhar nas casas dos clientes vivem com constante preocupação com as notações e com a forma como os algoritmos das plataformas têm em conta as classificações para direcionar o próximo trabalho FOUNDATION FOR EUROPEAN PROGRESSIVE STUDIES 2017 A forma como funcionam esses sistemas de gestão raramente é transparente uma vez que as empresas não partilham os métodos pelos quais são recolhidas e processadas as notas e os comentários dos clientes sobre as atividades dos trabalhadores O gerenciamento pela pontuação também está se espalhando cada vez mais além do trabalho por plataforma com aplicativos que permitem processar feedbacks de clientes e restaurantes sobre garçons de forma individual ODONOVAN 2018 FILLOON 2018 Também não se deve partir do princípio de que as formas intensificadas de vigilância se limitam aos empregos com baixos salários ou de colarinho azul As práticas de RH que recorrem a formas de inteligência artificial que facilitam a gestão por algoritmo e o monitoramento eletrônico do desempenho também são amplamente utilizadas em ocupações de colarinho branco O monitoramento de desempenho eletrônico EPM na sigla em inglês foi descrito por Phoebe Moore et al 2018 como incluindo monitoramento email escutas telefônicas rastreamento de conteúdo de computador e tempo de uso monitoramento de vídeo e rastreamento por GPS Segundo esses pesquisadores os dados produzidos podem ser utilizados como indicadores de produtividade indição da localização dos empregados uso de email navegação no site uso de impressora uso de telefone e até mesmo tanto de voz e movimento físico durante a conversa MOORE AKHTAR UPCHURCH 2018 Esses dados juntamente com o uso de instrumentos analíticos de big data também constituem a base de práticas chamadas de People Analytics Análises de Pessoas Estudos jurídicos pioneiros sobre esse tema realizados por Matthew Bodie et al definem People Analytics como um processo ou método de gestão de recursos humanos baseado no uso de big data para capturar insights sobre o desempenho do trabalho A ideia central é que o julgamento subjetivo não estruturado não é rigoroso ou confiável como forma de avaliar talentos ou criar políticas de recursos humanos Em vez disso grandes conjuntos de dados geralmente dados quantitativos devem formar a base para a tomada de decisões no espaço de RH BODIE et al 2016 Os dados são portanto recolhidos a partir de um vasto leque de fontes Uma das empresas na vanguarda dessas práticas a Humanyze informa que os dados podem ser obtidos a partir de pessoas registra como uma conta de email e chamadas número de mensagens e chats enviados e duração das reuniões podem ser usados para identificar áreas de desenvolvimento sobre como as equipes realmente colaboram e se as pessoas se comunicam No entanto mesmo que esses dados de conteúdo individual não sejam recolhidos ou sejam efetivamente anonimizados as práticas de coleta podem ser altamente invasivas e destinadas a detectar elementos altamente pessoais incluindo o nível de interação com os colegas e até mesmo o humor dos trabalhadores por exemplo por meio do uso dos chamados crachás sociométricos Tratase de dispositivos portáteis que permitem monitorar a localização dos trabalhadores os seus movimentos e também pela utilização de microfones e vozes incorporadas analisar o humor dos trabalhadores sem gravar o conteúdo de suas conversas FISCHBACH et al 2009 O EPM também tem sido utilizado para monitorar os trabalhadores em situações de teletrabalho e de contratos de trabalho inteligente que permitem aos trabalhadores exercer as suas atividades fora dos locais de trabalho tradicionais e por consequência estão geralmente associados a maior autonomia dos trabalhadores THE WORKPLACE 2018 SOLON 2017 Empresas como a Crossover vendem sistemas como a ferramenta de produtividade Worksmart para monitorar teletrabalhadores e outros trabalhadores remotos capturando a tela seus computadores em intervalos fixos e coletando dados adicionais incluindo como explícita o site da empresa atividade de teclado uso de aplicativos capturas de tela e fotos de webcam para gerar um cartão de ponto a cada 10 minutos Essa criação do ponto é despartilhado com os trabalhadores e os seus gestores por meio de um livro de registro onde todos os seus cartões de ponto são exibidos em um painel resumo os seus cartões de ponto para mostrar como passou o seu tempo Outras empresas comercializam software de filtragem para web como a Interguard que registra e relata dados como o histórico da web e a utilização da banda larga quer o empregado esteja dentro ou fora da rede Todos esses dados também podem ser processados mediante ferramentas de IA que classificam os trabalhadores em várias métricas de desempenho Em 2019 por exemplo o jornal The Guardian relatou que dezenas de empresas no Reino Unido incluindo vários escritórios de advocacia empregaram a IA para examinar o comportamento dos empregados também para identificar influenciadores e formuladores de mudanças na força de trabalho BOOT 2019 Curiosamente essa prática não é tão nova Cathy ONeill discutiu o caso de uma empresa a Cataphora que em 2008 comercializou um sistema para identificar geradores de ideias na força de trabalho mediante a análise de emails e mensagens corporativas Quando bateu a recessão de 2008 os gerentes de RH começaram a despedir pessoas começando por aqueles que tinham um desempenho ruim sob as métricas da Cataphora ONeill que é matemática e cientista de dados explica que esses programas correm o risco entre outras coisas de serem altamente imprecisos pois são baseados em dados limitados ONEILL 2016 Os programas de bemestar patrocinados por empresas também usam software como o Fitbit para controlar a condição física dos empregados AJUNWA CRAWFORD SCHULTZ 2017 Isso entre outras coisas pode contribuir para o acesso à informação relacionada com as atividades fora de serviço dos trabalhadores A vigilância das atividades fora do local de trabalho também não é nada de novo basta pensar aqui no Departamento Social da Ford que investigou notoriamente os estilos de vida dos trabalhadores da empresa No entanto a diluição das fronteiras entre trabalho e vida a constante interconexão com dispositivos de TI e serviços digitais como redes sociais e dispositivos tecnológicos que permitem acompanhar dados de condutas online e offline de indivíduos possibilita o acesso a um fluxo e quantidade de informações que é muito difícil de limitar com antecedência Artigos na internet discutem casos de práticas de monitoramento que ameaçam a privacidade da força de trabalho e status de redes sociais SOLON 2017 Os dados pessoais recolhidos na internet também por via do acesso à informação disponível nas redes sociais são cada vez mais utilizados para tomar decisões de recrutamento DAGNINO 2017 e a prática de pedir aos empregados que revelem suas senhas das redes sociais está também a se alastrar de modo que 18 estados dos EUA aprovaram legislação que a proíbe explicitamente BODIE et al 2016 People Analytics e EPM é claro às vezes podem estar enraizados em necessidades genuínas do negócio como a promoção da produtividade e o aumento dos níveis de segurança também para o benefício de empregados individualmente considerados Os wearables que analisam dados de bemestar e fitness por exemplo podem ser utilizados para mitigar riscos de saúde e segurança incluindo o estresse e para prevenir acidentes THE WORKPLACE 2018 Os trabalhadores também podem estar interessados em utilizar sistemas que os ajudem a manter o foco em suas tarefas quando estão tanto no local de trabalho quanto fora dele e em ter suas atividades registradas com precisão para que se algo der errado eles possam provar que agiram diligentemente As empresas e os trabalhadores também podem estar interessados na prevenção de comportamentos ilícitos como fraudes e formas de assédio que podem ocorrer online Além disso as práticas de RH como a People Analytics também se baseiam na ideia de que a inteligência artificial pode ajudar a gerir melhor a força de trabalho eliminando preconceitos individuais dos supervisores e substituindoos por métricas mais objetivas e neutras BODIE et al 2016 A utilização da inteligência artificial e de outros instrumentos tecnológicos para supervisionar as atividades de trabalho não deve portanto ser considerada como necessariamente negativa No entanto as práticas ainda referidas podem também conduzir a uma intrusão muito grande na vida privada dos trabalhadores e violar materialmente a sua privacidade HENDRICKX 2015 ao permitir que a gestão tenha acesso a informações muito íntimas incluindo por exemplo a utilização de dados baseados em pedidos de seguro médico sobre a intenção de engravidar e sobre a possibilidade de contrair uma doença AJUNWA CRAWFORD SCHULTZ 2017 Wearables e dispositivos de segurança programas que registram atividades online e offline bem como capturas de tela de computadores também podem se transformar em práticas extenuantes de vigilância sem fim Longe de promover o desempenho da força de trabalho esses modelos também podem gerar estresse bem como reações adversas e causar quedas bruscas na eficiência e na produtividade MOORE AKHTAR UPCHURCH 2018 Além disso a ideia de que a gestão por algoritmo e a inteligência artificial no local de trabalho além de terem resultados neutros e de reduzirem a discriminação possam aumentar as práticas discriminatórias BODIE et al 2016 Já existe uma vasta literatura que destaca como a tomada de decisões baseada em algoritmos pode perpetuar as práticas discriminatórias e a marginalização de grupos Essa forma de chamada de decisão pode ser fraca em dados que traduzem comportamentos PASQUALE 2015 ONEILL 2016 Se esses comportamentos forem indesejáveis e casos esses dados forem coletados de forma que a configuração atual seja imprecisa é possível reproduzir a discriminação No entanto o Comitê alertou contra o conceito errado de que os dados são por definição objetivos Ao contrário os dados são fáceis de manipular podem ser tendenciosos podem refletir preconceitos e preferências culturais de gênero ou outros e podem conter erros EUROPEAN ECONOMIC AND SOCIAL COMMITTEE 2017 O risco portanto é que a gestão por algoritmo e a inteligência artificial no local de trabalho longe de terem resultados neutros e de reduzirem a discriminação possam aumentar práticas discriminatórias BODIE et al 2016 Já existe uma vasta literatura que destaca como a tomada de decisões baseada em algoritmos pode perpetuar as práticas discriminatórias e a marginalização de grupos O desenvolvimento da IA está atualmente ocorrendo dentro de um ambiente homogêneo que é composto principalmente por homens jovens e brancos com o resultado de que intencionalmente ou não as disparidades culturais e de gênero estão sendo incorporadas na IA entre outras coisas porque os sistemas de IA aprendem com dados de treinamento A escassez de diversidade nas empresas de tecnologia também pode exacerbar esses fenômenos Num parecer oficial sobre inteligência artificial o Comitê Econômico e Social Europeu observou recentemente O desenvolvimento da IA está atualmente ocorrendo dentro de um ambiente homogêneo que é composto principalmente por homens jovens e brancos com o resultado de que intencionalmente ou não as disparidades culturais e de gênero estão sendo incorporadas na IA entre outras coisas porque os sistemas de IA aprendem com dados de treinamento softwares sofisticados ainda poderiam reconhecer e penalizar os sujeitos subrepresentados na contratação anterior com base em outros dados Por exemplo poderiam usar certos tipos de interrupções na carreira para reconhecer mulheres ou códigos postais ou nomes e sobrenomes para identificar membros de minorias Esse risco é ainda mais grave quando essas práticas são baseadas na inteligência artificial de autoaprendizagem com o software sendo capaz de reprogramar seus próprios critérios e métricas para alcançar um resultado predefinido muito geral como a melhoria da produtividade no trabalho A falta de transparência e o risco de desumanização do trabalho seriam então ainda mais exacerbados Também não se deve partir do princípio de que uma visão unidimensional da produtividade e da eficiência incorporada nas tecnologias de inteligência artificial conduza necessariamente a melhores resultados empresariais Algoritmos estão sendo usados frequentemente para implementar práticas de trabalho justintime que determinam os números da força de trabalho e a modificam de acordo com a demanda de negócios esperada contribuindo assim para uma causalização dos padrões de trabalho e instabilidade de emprego e de renda que vai muito além dos suspeitos de sempre da economia de plataforma Um estudo realizado por várias universidades sobre trabalhadores no comércio varejista por exemplo mostra que os algoritmos destinados a promover a eficiência dos negócios podem levar a resultados insatisfatórios pelo fato de esses algoritmos serem baseados numa noção muito limitada de eficiência e portanto não levarem em conta os diversos custos ocultos associados à instabilidade de horários ADLERMILSTEIN et al 2018 nomeadamente medindo os seus dados biológicos por meio da interação com aplicações de fitness e wearables para aumentar a produtividade ou adaptar o ritmo ou outras características do trabalho às condições específicas dos trabalhadores Isso é particularmente verdade para os cobots que são por definição destinados a ter uma interação física direta com os seres humanos e a partilhar espaços de trabalho com os trabalhadores Além disso o uso de inteligência artificial a gestão por algoritmo e a análise de pessoas são por si sós uma forma de automação de papéis gerenciais e gerenciais médicos Gerir e disciplinar os trabalhadores da plataforma por meio das avaliações dos trabalhadores é sem dúvida um modo de terceirizar para os clientes a avaliação do desempenho do trabalho o que é facilitado por algoritmos DE STEFANO 2016 O EPM tem também o potencial de automatizar cada vez mais as funções centrais do negócio como RH e deslocar as ocupações administrativas associadas acrescentandoas à lista de profissionais que podem ser severamente afetados pela automação juntamente com advogados e médicos KAPLAN 2016 Por conseguinte as implicações dessas práticas de gestão merecem atenção séria por parte dos decisores políticos e dos estudiosos e as consequências para a privacidade a diversidade o emprego e a produtividade das empresas devem ser cuidadosamente avaliadas Mesmo sendo menos intencionais como os programas de bemestar que poderiam transformar em formas de controle podem levar a uma reflexão séria sobre o que se faça uma reflexão sobre o local de trabalho pois um pai poderia ordenar onde seus filhos adquirissem mercadorias assim os empregadores poderiam fazêlo em relação a seus empregados Para além da ironia de encontrar argumentos antigos de alguma forma replicados nos cenários de trabalho de ponta a possibilidade de uma gestão que complique indevida e excessivamente a autonomia e a privacidade dos trabalhadores é uma característica estrutural do contrato de trabalho HENDRICKX 2014 Como apontam os estudiosos Bodie et al a menos que a regulação limite especificamente as prerrogativas gerenciais no local de trabalho não há proteção legal contra a vigilância per se E acrescentam A necessidade de monitoramento decorre de nossa concepção legal de emprego que é baseada no controle um empregador é aquele cujo trabalho é controlado por seu empregador e é o direito do empregador de dirigir especificamente as atividades do empregado que separa empregadores de contratados independentes BODIE et al 2016 A próxima seção examinará essas características estruturais do contrato de trabalho que muitas vezes são negligenciadas nas ciências sociais com exceção do Direito pelo direito contratual ou pelo direito de propriedade SUMMERS 2017 ANDERSON 2017 DAVIDOV 2016 DE STEFANO 2017 das empresas Na doutrina de Direito do Trabalho é agora quase certa referência às obras de Ronald Coase por dar conta da função económica vital dos contratos de trabalho ou seja permitir que as empresas diminuam os custos de transação reduzindo a necessidade de procurar e selecionar continuamente contratantes no mercado negociar termos e condições dos contratos e executálos para a condução de uma atividade económica COASE 1937 A internalização da produção nas empresas substituindo as transações de mercado por organizações hierárquicas e trocas unilaterais que permitem ignorar a necessidade de obter o consentimento da outra parte para operar comercial ou responder e adaptarse a qualquer mudança imprevisível no ambiente empresarial é um dos princípios razoais pelas quais a empresa existe em termos coasianos COASE 1960 implica uma afirmação unilateral da vontade do credor da obra ou seja o empregador uma afirmação senhoria e imperativa que não necessitava de reunir no curso da relação do consentimento real do trabalhador porque ele já se comprometeu no contrato a submeterse a esses comandos de maneira inquestionável BARASSI 19151917 trabalho e na noção de subordinacao da civil law Como Deakin e Morris observam na analise de Alan Fox as prerrogativas gerenciais nao resolvem simplesmente o poder de barganha superior do empregador antes do contrato FOX 1974 Elas sao sustentadas por certas normas legais que hoje assumem a forma da comun law implicitas nos termos do contrato de trabalho tais como a obrigacao de fidelidade e obediencia dos empregados que pode ser rastreada em muitos casos ate a legislacao de mestre e servo do seculo XIX e anterior DEAKIN MORRIS 2005 A regulacao do emprego portanto tem por funcao muito mais do que proteger os trabalhadores Os elementos de protecao acompanham uma liotica de regulacao que e muitas vezes negligenciada nas narrativas principais acerca do contrato de trabalho O academico frances do Direito do Trabalho Alain Supiot 1994 ha muito que analisa essa ambivalência estrutural da regulacao do emprego Por um lado essa regulacao confere a empresa o poder unilateral de dirigir controlar e disciplinar o trabalho humano e por conseguinte as atividades fisicas e mentais dos seres humanos por outro lado tem de recondicionar essas prerrogativas quase senhoriais com o respeito pela dignidade humana dos trabalhadores necessaria em sociedades democráticas baseadas em princípios de igualdade Para esse fim uma funcao essencial da regulacao do emprego consiste em racionalizar e limitar as prerrogativas de gestão do empregador 4 A renda básica universal não é suficiente A proteção dos direitos humanos e trabalhadores ainda precisa ser aplicada As discussões políticas e midiáticas sobre automação também estimularam um amplo debate sobre a Renda Básica Universal RBU Numerosos empresários e empresas de tecnologia têm sustentado que uma das respostas para o deslocamento de empregos causados pela automação deve ser a introdução da RBU para mitigar o impacto social do desemprego tecnológico em massa SADOWSKI 2016 O debate sobre a RBU é mais amplo e vai além dessas propostas Vários defensores dos trabalhadores sugeriram a RBU como uma política progressista que ajudaria a enfrentar desafios significativos nos mercados de trabalho modernos incluindo o desemprego tecnológico e o crescimento de formas de emprego precárias e instáveis23 Essa é uma questão muito complicada que não pode ser tratada assim24 O que é importante afirmar no entanto é que mesmo que fosse possível implementar um sistema funcional de RBU isso não afetaria a estrutura jurídica dos contratos de trabalho e da regulação acima referidos a salvaguarda dos trabalhadores porque eles são economicamente dependentes de seus empregadores e têm fraco poder de negociação no mercado mas também limitar e racionalizar o exercício unilateral das prerrogativas gerenciais no trabalho ou seja enquanto estão empregados DE STEFANO 2014 A legislação contra a discriminação a normatização do tempo de trabalho que protege a saúde física e mental dos trabalhadores contra os riscos de fadiga e burnout as regras que protegem a privacidade no local de trabalho contra formas abusivas de vigilância para citar apenas partes da regulação que limita o exercício das prerrogativas de gestão não podem ser trocadas pela proteção no mercado Essa regulação diz respeito a poderes e deveres que estão a funcionar durante todo o curso da relação de trabalho e não dependem apenas do poder de negociação superior dos empregadores mas estão também consagrados nas normas legais A ideia de substituir a proteção ao trabalho pela garantia da estabilidade dos rendimentos negligencia aspectos fundamentais da relação de trabalho que exigem limites regulamentares que visam proteger a dignidade humana no trabalho Isso também deve ser levado em conta quando se discute a possibilidade de introduzir a RBU ou qualquer outra forma de proteção de renda mesmo que fossem criados ainda haveria necessidade de regulação do emprego e proteção jurídica no trabalho As características fundamentais da regulação do emprego e a sua ambivalência na atribuição de poderes de gestão unilaterais abrangentes e intensivos que podem diminuir substancialmente a autonomia dos trabalhadores por um lado e limitar e racionalizar esses poderes por outro devem ser particularmente levadas em conta na sequência da automação e da crescente utilização de ferramentas tecnológicas para orientar a mão de obra EPM People Analytics e o uso de inteligência artificial e big data no local de trabalho ampliam a possibilidade de supervisionar os trabalhadores e monitorar de perto o desempenho das atividades laborais Conforme discutido na Seção 2 essas tecnologias podem permitir práticas invasivas flagrantes e levar a resultados arbitrários e discriminatórios Na verdade essas práticas podem levar a uma variação genética das prerrogativas gerenciais atualizandoas para níveis inéditos Portanto devese prestar atenção constante a esses desenvolvimentos e a regulação é ainda mais necessária para evitar abusos gerenciais que põem em perigo a dignidade humana dos trabalhadores Para isso é também essencial enquadrar os direitos dos trabalhadores nos discursos dos direitos fundamentais e dos direitos humanos A natureza dos direitos trabalhistas como direitos humanos tem sido debatida há muito tempo FENWICK NOVITZ 2010 ARTHURS 2006 MANTOUVALOU 2012 e foi também consagrada num vasto número de tratados internacionais e fontes de Direito POLITAKIS 2007 Uma das razões para reconhecer os direitos trabalhistas como direitos humanos reside precisamente na existência de prerrogativas de gestão DE STEFANO 2017 Conforme discutido acima os sistemas jurídicos conferem aos empregadores autoridade sobre a sua força de trabalho que vai além das normas sociais e é sustentada pela legislação Limitar e racionalizar a autoridade para preservar a dignidade humana é uma das funções essenciais dos direitos humanos é também essencial no local de trabalho26 A proteção do trabalho ao limitar o exercício das prerrogativas de gestão é também crucial para garantir que a autoridade dos empregadores não seja exercida de forma a comprometer os direitos humanos dos trabalhadores atividades online pelo empregador embora admissível em princípio deve ser estudado proporcionalmente a fim de evitar arbitrariedades deurs28 Entre as salvaguardas que os EstadosMembros têm de considerar para determinar se as práticas de vigilância são legítimas o Tribunal indicou a circunstância de os trabalhadores serem devidamente notificados da possibilidade de o empregador poder controlar a correspondência e outras comunicações a existência de razões legítimas para justificar a vigilância das comunicações e o acesso ao seu conteúdo a possibilidade de estabelecer práticas de vigilância menos intrusivas O Tribunal foi igualmente instado a analisar em geral o alcance do monitoramento e o grau de intrusão na privacidade dos trabalhadores estabelecendo uma distinção entre o acesso aos metadados relativos ao fluxo das comunicações e o acesso ao conteúdo dessas comunicações inferindo como alguém com um histórico de crédito particular pode se comportar em um contrato de trabalho sem levar em conta quais fatores contribuíram para esse histórico de crédito Além disso at agora o TJUE recusouse a alargar o âmbito de aplicação do direito da UE em matéria de proteção de dados visando a correção dos processos decisórios E mesmo os dispositivos do RGPD que parecem proporcionar uma proteção mais significativa nesse domínio podem revelarse insuficientes Por exemplo o art 22 n 1 do RGPD concede o direito de não estar sujeito a uma decisão baseada unicamente no tratamento automatizado quando esta decisão produz efeitos jurídicos ou igualmente significativos 30 Muito provavelmente porém um elevado número de decisões relativas a questões no trabalho serão abrangidas pelas exceções a essa regra permitidas pelo 2 do art 22 sendo necessárias para a celebração ou execução de um contrato31 Nesse caso o RGPD exige que os empregadores ou outros responsáveis pelo tratamento de dados implementem Assim é crucial que padrões e proteções adequados e específicos sejam estabelecidos no mundo do trabalho A esse respeito o art 88 do RGPD constitui uma disposição crucial Ele prevê que os EstadosMembros da UE devem introduzir por lei ou por convenções coletivas regras específicas para assegurar a proteção dos direitos e liberdades no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais dos trabalhadores no contexto do emprego Essas regras devem incluir medidas adequadas e específicas para salvaguardar a dignidade humana os interesses legítimos e os direitos fundamentais do titular dos dados em especial no que diz respeito aos sistemas de controle no local de trabalho à transparência do tratamento e da transferência de dados pessoais A esse respeito convém assinalar que as regras de emprego at will que permitem a rescisão do contrato de trabalho por qualquer ou nenhuma razão podem agravar os riscos de abuso das prerrogativas de gestão especialmente no que se refere às práticas de vigilância que graças à utilização de tecnologias e de grandes volumes de dados permitem o acesso a informações sobre os dados sensíveis dos trabalhadores e a vida privada Mesmo que práticas como identificar características pessoais protegidas pela legislação em matéria de discriminação fossem ilegais a possibilidade de rescindir o contrato de trabalho sem indicar qualquer motivo pode dar azo a violações que não seriam fáceis de detectar ou que exigiriam a sanção de longos processos judiciais Além disso uma abordagem da proteção do trabalho baseada nos direitos humanos não pode negligenciar a importância de direitos coletivos como a liberdade de associação e o direito à negociação coletiva na proteção da dignidade humana no local de trabalho A função dos direitos coletivos não é apenas dar aos trabalhadores uma melhor posição para negociar as condições econômicas de emprego os direitos coletivos também atuam como direitos facilitadores possibilitando garantir e efetivamente fazer valer qualquer outro direito no local de trabalho Como tal os direitos coletivos também servem como um instrumento fundamental para racionalizar e limitar o exercício das prerrogativas de gestão Conforme discutido na Introdução o discurso dominante sobre automação tende a seguir o pressuposto tecnodeterminista de que a inserção de novas tecnologias irá determinar perdas ou ganhos de emprego como um processo autônomo e heterogêneo com impacto nos mercados de trabalho Essa abordagem no entanto não leva em conta o papel que a regulação do trabalho pode desempenhar para influenciar esse processo algo que é de fato surpreendente dado o elevado número de instrumentos internacionais e nacionais que lidam com o impacto da tecnologia no emprego tais como os instrumentos que regem as dispensas coletivas Por exemplo a perda de postos de trabalho pode ocorrer em níveis nunca antes vistos ou a introdução de novas tecnologias pode tensionar a regulação atual e as relações coletivas Além disso essa regulação vai atenuar as consequências dos despedimentos mas não é capaz de evitar especialmente se novas máquinas e processos empresariais deslocarem um elevado número de postos de trabalho num curto espaço de tempo No entanto os decisores políticos os pesquisadores e os acadêmicos não devem partir do pressuposto de que não existe ou é impossível construir regulação destinada a atenuar as perdas maciças de postos de trabalho A regulação das dispensas coletivas existe e a sua vigência deve ser levada em conta quando se discutem o impacto da automação nos mercados de trabalho bem como o papel que os parceiros sociais e os reguladores podem desempenhar na gestão desses processos Mais importante ainda o envolvimento dos representantes dos trabalhadores pode revelarse particularmente benéfico para gerir outras implicações das novas tecnologias no local de trabalho nomeadamente as que influenciam a qualidade dos empregos que irão sobreviver após a automação A introdução da inteligência artificial e o uso de big data e EPM precisam ser governados para garantir que sistemas que possam permitir uma ampliação sem precedentes da abrangência do impacto das prerrogativas gerenciais e a intensidade do monitoramento não levem a abusos que atentem contra os direitos humanos dos trabalhadores sejam evitados resultados arbitrários ou discriminatórios Para isso novamente mesmo que fosse possível ter mudanças e atualizações automáticas na operação dos algoritmos por meio da inteligência artificial de autoaprendizagem a decisão final de alterar os critérios pelos quais o desempenho do trabalho é avaliado deve ser tomada por humanos tornada transparente e conhecida pelos trabalhadores e também sujeita a negociação tomada de decisão sem intervenção humana acima discutido juntamente com a disposição do RGPD que prevê salvaguardas adequadas a esse respeito constitui um passo no sentido do estabelecimento de uma abordagem humano no comando Como argumentado na seção anterior no entanto para evitar que essas disposições permaneçam uma casca vazia quando se trata do mundo do trabalho são necessários padrões e regulação específicos e adequados neste campo enquanto direito habilitador e mecanismo de racionalização do exercício das prerrogativas de gestão dos empregadores permitindo afastarse de uma dimensão puramente unilateral da governança do trabalho A negociação do algoritmo deve portanto tornarse objetivo central do diálogo social e da ação da organização dos empregados e dos trabalhadores Referências insights Comparative Labor Law Policy Journal Champaign v 41 n 1 2019 Automation Artificial Intelligence Labor Law COUNTORIS Nicola DE STEFANO Valerio New trade union strategies for new forms of employment Brussels ETUC 2019 ESTLUND Cynthia What should we do after work Automation and employment law The Yale Law Journal New Haven v 128 n 2 p 254326 2018 FREY Carl Benedikt OSBORNE Michael A The future of employment how susceptible are jobs to computerisation Oxford Oxford Martin School 2013 Disponible em httpswwwoxfordmartinoxacukdownloadsacademicTheFutureofEmploymentpdf INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION The employment relationship overview of challenges and opportunities Report V of the International Labour Conference 95th Session 2006 Geneva ILO 2006 MOORE Phoebe AKHTAR Pav UPCHURCH Martin Digitalisation of work and resistance In MOORE Phoebe UPCHURCH Martin WHITTAKER Xanthe eds Humans and machines at work monitoring surveillance and automation in contemporary capitalism Cham Palgrave Macmillan 2018 p 1744 SCIARRA Silvana EU Commission Green Paper Modernising labour law to meet the challenges of the 21st century Industrial Law Journal Oxford v 36 n 3 p 375382 Sept 2007 PRIMEIRO CAPÍTULO Programação algorítmica e subordinação cibernética a sociedade do controle e a falácia da autonomia O trabalho em plataformas e o vínculo de emprego desfacendo mitos e mostrando a nudez do rei Rodrigo de Lacerda Carelli Procurador do Trabalho Professor de Direito do Trabalho e do programa de pósgraduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ Doutor em Ciências Humanos IespUerj Mestre em Sociologia e Direito UFF Resumo Este artigo sustenta que os argumentos das plataformas digitais que poderiam justificar que seus trabalhadores não seriam empregados são baseados em mitos ou estão afastados da realidade O estudo mostra a diferença entre plataformas que funcionam como marketplace e aquelas que fazem intermediação de trabalhadores sendo estas também diferenciadas aquelas que prestam efetivamente outros serviços além da mera intermediação e que não podem assim ser consideradas instrumentos digitais de conexão entre clientes e prestadores de serviços Argumentase também que não há ligação obrigatória e necessária entre trabalho subordinado e rigidez de horário de trabalho e que o trabalho afeiado por produção e por peça de muito é utilizado Também se mostra que o fato de poder negociar trabalho que não acontece verdadeiramente em grande parte das plataformas não retira a condição de empregado e empregador Palavraschave Plataformas digitais Vínculo de emprego Trabalhadores em plataformas digitais Abstract This paper argues that the claims of digital platforms that could justify that their workers would not be employed are based on myths or are detached from reality The study presents the difference between platforms that function as a marketplace and those that intermediate workers which are also differentiated from those that effectively provide other services beyond mere intermediation and that cannot therefore be considered as digital instruments of connection between clients and providers of services O mundo do trabalho em praticamente toda parte deste planeta foi surpreendido pela invasão de empresas que apresentandose como soluções tecnológicas inovadoras sob o modelo de marketplace propõem novas formas de contratação de trabalhadores que por sua vez realizariam seu trabalho de forma independente e alcançariam sua autonomia organizando seu próprio labor Essas empresas por meio de plataformas eletrônicas baseadas em conexões na grande rede e a partir de aplicativos instalados em aparelhos smartphones realizariam de forma otimizada a ligação entre a oferta de prestadores de serviços e a demanda de clientes que desejariam contratar esses trabalhadores Se por um lado algumas empresas mantêm esse modelo de maneira razoávelmente fiel por outro uma parte das companhias da dita gig economy por exemplo faz proveito da ideia como um recurso para prestar seus serviços sem cumprir as regras de trabalho O discurso dessas empresas sustentase basicamente em dois argumentos 1 que realizam apenas intermediação eletrônica entre oferta e procura sendo somente empresas de tecnologia que otimizaram o mercado 2 que seus trabalhadores são autônomos pois não são submetidos a subordinação tendo em vista que não têm horário para cumprir e podem inclusive recusar trabalho ofertado Esses argumentos não são convincentes seja pela falta de respaldo na realidade seja por não encontrarem guardia no próprio Direito do Trabalho e nos conceitos de empregado empregador e trabalhador autônomo Este artigo pretende desmistificar esses dois pontos que são embaçados em falhas argumentativas pela apresentação de pressupostos equivocados ou seja pretendese demonstrar que são sustentados por falácias Assim será feita uma análise dos dois argumentos Na primeira será analisada a organização de plataformas sob a forma de marketplace demonstrandose os casos em que as plataformas assumem a forma de intermediadoras entre negociações e quando há mera retórica e na segunda parte haverá a análise das figuras do trabalho autônomo e da relação de emprego nas plataformas A ideia de plataformas digitais como marketplaces originase da transposição da ideia de mercado ou feira para a rede mundial de computadores A feira ou um centro comercial é um local em que se encontram diversos comerciantes independentes a fim de se poderem encontrar vários compradores para a realização de negócios É basicamente um local de troca fazendo encontraremse demanda e procura LANGLEY LEYSHON 2016 O organizador da feira ou administrador do centro comercial tem como função conceder as condições para que esses negócios se realizem oferece o local para sua realização facilita o seu acesso responsabilizase pela segurança e limpeza podendo também realizar a divulgação para promover o ambiente Em razão desse serviço cobra uma remuneração que geralmente é baseada em percentual dos negócios realizados Entretanto a situação adquire contornos ainda mais intrincados quando os serviços oferecidos por meio de plataformas são centrados no elemento humano o serviço ou mercadoria no caso tem como parte principal do mecanismo um trabalhador que se coloca à disposição para prestar pessoalmente serviços oferecidos digitalmente Assim essas últimas se apresentam como um marketplace que unirá trabalhadores a demandantes de serviços Algumas se declararam como classificados virtuais fazendo o link entre empregadores em busca de trabalhadores ideais para suas empresas e profissionais que necessitam de uma vaga de trabalho para sobreviver por meio da publicação de anúncios de trabalhadores ofertas de emprego e distribuição direta de currículos São exemplos dessas companhias no Brasil a Cata a C e a Infojobs Outras plataformas por sua vez fazem a ligação de trabalhadores autônomos com clientes para a realização de pequenas tarefas como a GetNinjas ou Workana sem qualquer interferência na prestação de serviço Essas plataformas em princípio realmente funcionam como um marketplace fazendo o trabalho de construção do ambiente a partir do qual esses negócios se realizam não se excluindo no entanto nos próprios negócios realizados por meio da plataforma Do mesmo modo como o Mercado Livre a plataforma GetNinjas apresenta os trabalhadores por interessados sem impor o preço qualidade do produto condições de negócio e sem participar ativamente das etapas da negociação Plataformas desses tipos funcionam em versão como agências de emprego realizando a aproximação entre ofertas e demandas de postos de trabalho Na classificação realizada por Adrian Todoli essas plataformas são chamadas de crowdsourcing genérico ou seja fazem a distribuição de trabalho a uma multidão disposta a prestar vários tipos de tarefas não prestando um serviço específico Figura 1 JeanLéon Gérôme Vente desclaves à Rome 1884 Acervo St Pétersbourg lErmitage Por óbvio desde que a escravidão foi colocada na ilegalidade é um problema para a sociedade a existência de um mercado em que seres humanos são negociados como mercadoria Não é à toa que o princípio fundamental da Organização Internacional do Trabalho OIT é o trabalho não é uma mercadoria Assim a existência desse mercado de seres humanos somente pode acontecer mediante regulação rígida que resguarde a dignidade dos trabalhadores pois o trabalho é uma mercadoria fictícia existindo na realidade seres humanos