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AULA 1 KUMAR Vinay ABBAS Abul K Jon C Aster et al Robbins Kumar Patologia Básica 11 ed Rio de Janeiro GEN Guanabara Koogan 2025 Disponível em httpsappminhabibliotecacombrreaderbooks9786561110143 FILHO Geraldo B Bogliolo Patologia 10 ed Rio de Janeiro Guanabara Koogan 2021 Disponível em httpsappminhabibliotecacombrreaderbooks9788527738378 Introdução à Patologia Patologia significa etimologicamente estudo das doenças do grego pathos doença sofrimento e logos estudo doutrina Essa definição no entanto é algo incompleta e precisa ser mais bem qualificada Antes de tudo é preciso considerar que o conceito de Patologia não abrange todos os aspectos das doenças que são numerosos e poderiam confundir a Patologia Humana com a Medicina esta o ramo do conhecimento e da prática profissional que aborda todos os elementos ou componentes das doenças e sua relação com os doentes Na verdade a Medicina é a arte e a ciência de promover a saúde e de prevenir curar ou minorar os sofrimentos produzidos pelas doenças A Patologia é apenas uma parte nesse todo muito vasto e complexo Feitas essas considerações a Patologia pode ser entendida como a ciência que estuda as causas das doenças os mecanismos que as produzem os locais onde ocorrem e as alterações moleculares morfológicas e funcionais que apresentam Ao tratar desses aspectos a Patologia assume grande importância na compreensão global das doenças pois fornece as bases para o entendimento de outros elementos essenciais como prevenção manifestações clínicas diagnóstico tratamento evolução e prognóstico Saúde e doença Os conceitos de Patologia e de Medicina convergem para um elemento comum a doença Doença pode ser entendida a partir do conceito biológico de adaptação que é uma propriedade geral dos seres vivos representada pela capacidade de ser sensível às variações do meio ambiente irritabilidade e de produzir respostas variações bioquímicas e fisiológicas capazes de adaptálos Essa capacidade varia em diferentes espécies animais e em diferentes indivíduos de uma mesma espécie pois depende de mecanismos moleculares vinculados ao patrimônio genético Podese definir saúde como um estado de adaptação do organismo ao ambiente físico psíquico e social em que vive de modo que o indivíduo se sente bem saúde subjetiva e não apresenta sinais ou alterações orgânicas saúde objetiva Ao contrário doença é um estado de falta de adaptação ao ambiente físico psíquico ou social no qual o indivíduo se sente mal tem sintomas eou apresenta alterações orgânicas evidenciáveis objetivamente sinais clínicos Para as ciências da saúde humana é importante considerar que o conceito de saúde envolve o ambiente em que o indivíduo vive tanto no seu aspecto físico como também no psíquico e no social Por essa razão os diversos parâmetros orgânicos precisam ser avaliados dentro do contexto do indivíduo Número elevado de hemácias por exemplo pode ser sinal de policitemia se a pessoa vive ao nível do mar mas representa apenas um estado de adaptação para o indivíduo que reside em grandes altitudes Saúde e normalidade não têm o mesmo significado A palavra saúde é utilizada em relação ao indivíduo enquanto o termo normalidade normal é usado em relação a parâmetros de parte estrutural ou funcional do organismo O normal ou a normalidade é estabelecido a partir da média de várias observações de determinado parâmetro utilizandose para o seu cálculo métodos estatísticos Os valores normais para descrever parâmetros do organismo peso de órgãos número de batimentos cardíacos pressão arterial sistólica ou diastólica etc são estabelecidos a partir de observações de populações homogêneas de mesma etnia que vivem em ambientes semelhantes e cujos indivíduos são saudáveis dentro do conceito enunciado anteriormente Elementos de uma doença Divisões da Patologia Todas as doenças têm causas que agem por mecanismos variados os quais produzem alterações moleculares eou morfológicas nas células e nos tecidos que resultam em alterações funcionais no organismo ou em parte dele e produzem manifestações subjetivas sintomas ou objetivas sinais Há dois importantes termos que os estudantes encontrarão ao longo de seu estudo de patologia Etiologia é a origem de uma doença e engloba as causas subjacentes e os fatores modificadores Notavelmente muitas doenças comuns como hipertensão diabetes e câncer são causadas pela combinação de suscetibilidade genética herdada e vários desencadeadores ambientais A elucidação dos fatores genéticos e ambientais subjacentes às doenças é o principal objetivo da medicina moderna Patogênese referese às etapas do desenvolvimento da doença desde o gatilho etiológico inicial até as alterações celulares e moleculares que dão origem às anormalidades funcionais e estruturais específicas que caracterizam qualquer doença em particular Portanto etiologia referese à causa do surgimento de uma doença enquanto patogênese descreve como se desenvolve uma doença Figura 11 A definição de etiologia e patogênese é essencial não apenas para se compreender uma doença mas também é a base para o desenvolvimento de tratamentos racionais Atualmente considerase que mesmo as doenças que apresentam características morfológicas semelhantes p ex câncer em determinado órgão mostram importantes diferenças moleculares p ex mutações alterações epigenéticas em cada caso Essa percepção deu início ao campo da medicina de precisão ou personalizada no qual as terapias não são elaboradas para a doença como um todo mas para a doença de cada indivíduo Para estabelecer diagnósticos e guiar a terapia na prática clínica os patologistas identificam alterações na aparência macro ou microscópica morfologia tanto de células como de tecidos e seus constituintes p ex genes e proteínas assim como alterações bioquímicas dos líquidos corporais como sangue e urina A determinação dessas alterações nos tecidos doentes auxilia no diagnóstico assim como no prognóstico e nas terapias ideais Legenda Etapas do desenvolvimento de uma doença São mostradas apenas algumas das principais etiologias Fonte Adaptado de Robbins Kumar 2025 Todas as doenças têm causas que agem por mecanismos variados os quais produzem alterações moleculares eou morfológicas nas células e nos tecidos que resultam em alterações funcionais no organismo ou em parte dele e produzem manifestações subjetivas sintomas ou objetivas sinais A Patologia cuida dos aspectos de Etiologia estudo das causas Patogênese estudo dos mecanismos Anatomia Patológica estudo das alterações morfológicas dos tecidos que em conjunto recebem o nome de lesões Fisiopatologia estudo das alterações funcionais de órgãos e sistemas afetados e Evolução das doenças O estudo dos sinais e sintomas das doenças é objeto da Semiologia cuja finalidade é junto com exames complementares fazer o diagnóstico delas Propedêutica a partir do qual se estabelecem o prognóstico o tratamento e a prevenção Figura 11 Fonte Bogliolo 2021 Diferentes doenças têm componentes comuns e elementos particulares Pneumonia lobar meningite purulenta e tuberculose são doenças diferentes que têm em comum o fato de serem causadas por bactérias e de apresentarem lesões inflamatórias Em cada órgão afetado por elas no entanto existem alterações morfológicas e funcionais próprias de cada uma delas Considerando esse aspecto a Patologia pode ser dividida em dois grandes ramos Patologia Geral e Patologia Especial A Patologia Geral estuda os aspectos comuns às diferentes doenças quanto às suas causas mecanismos patogenéticos lesões estruturais e alterações da função Por isso mesmo ela faz parte do currículo de todos os cursos das áreas de Ciências Biológicas e da Saúde Já a Patologia Especial se ocupa das doenças de um determinado órgão ou sistema sistema respiratório cavidade oral etc ou estuda as doenças agrupadas por suas causas doenças infecciosas doenças causadas por radiações etc Dentro dessa abrangência temse a Patologia Médica a Patologia Veterinária e a Patologia Odontológica Embora o componente morfológico das doenças seja mais enfatizado pelos patologistas os aspectos etiopatogenéticos e fisiopatológicos das doenças são indispensáveis para um bom diagnóstico uma boa prevenção e uma boa terapêutica sendo essa a abordagem mais adequada para a correta formação dos profissionais de saúde Com o objetivo de conhecer os elementos comuns às diferentes doenças a Patologia Geral envolvese tanto com doenças humanas como com as dos outros animais sejam eles de laboratório ou não Aliás a Patologia Geral tem importante componente experimental a partir de modelos induzidos em vários animais Por outro lado como as doenças representam um estado de desvio da adaptação nelas não ocorrendo fatos biológicos novos mas apenas desvios de fenômenos normais a compreensão da Patologia Geral exige conhecimentos pelo menos razoáveis sobre os aspectos morfológicos bioquímicos e fisiológicos de células tecidos órgãos e sistemas orgânicos normais VISÃO GERAL DAS RESPOSTAS CELULARES AO ESTRESSE E AOS ESTÍMULOS NOCIVOS As células interagem ativamente com seu ambiente ajustando constantemente sua estrutura e sua função para acomodar as mudanças nas demandas e os estresses extracelulares a fim de manter um estado de equilíbrio um processo denominado homeostasia As células ao se deparar com estresses fisiológicos ou estímulos nocivos podem passar por adaptação alcançando um novo estado de equilíbrio e preservando a viabilidade e a função Se a capacidade adaptativa for excedida ou o estresse externo for intrinsecamente nocivo ocorre a lesão celular Figura 12 Dentro de certos limites a lesão é reversível e a homeostasia é restaurada entretanto se o estresse for intenso ou persistente resultará em lesão irreversível e morte das células afetadas A morte celular é um evento crucial no desenvolvimento de muitas doenças Legenda Sequência de lesão celular reversível e morte celular Fonte Robbins Kumar 2025 A lesão celular é a base de toda doença e ao longo das próximas 4 aulas discutiremos as causas os mecanismos e as consequências da lesão reversível e da morte celular Serão consideradas então as adaptações celulares ao estresse e veremos dois outros processos que afetam células e tecidos a deposição de substâncias anormais e o envelhecimento celular Agressão Defesa Adaptação Lesão Qualquer estímulo da natureza dependendo da sua intensidade do tempo de atuação e da capacidade de reação do organismo que envolve também o patrimônio genético pode constituir uma agressão Contra esta o organismo monta respostas variadas procurando defenderse ou adaptarse Muitas vezes o indivíduo adaptase a essa situação com pouco ou nenhum dano Em muitos casos porém surgem lesões variadas agudas ou crônicas responsáveis pelas doenças Agressões podem se originar no ambiente externo ou a partir do próprio organismo De modo muito resumido agressões podem ser provocadas por agentes físicos químicos e biológicos por alterações na expressão gênica ou por modificações nutricionais metabólicas ou dos próprios mecanismos de defesa do organismo Os mecanismos de defesa contra agentes externos são muito numerosos Ao lado de barreiras mecânicas e químicas existentes no revestimento externo e interno pele e mucosas o organismo conta com diversos mecanismos defensivos 1 contra agentes infecciosos atuam a fagocitose o sistema complemento e sobretudo a reação inflamatória que é a expressão morfológica da resposta imunitária esta tem dois componentes a resposta inata que surge imediatamente após agressões b resposta adaptativa 2 contra agentes genotóxicos que agridem o genoma existe o sistema de reparo do DNA 3 contra compostos químicos tóxicos incluindo radicais livres as células dispõem de sistemas enzimáticos de destoxificação e antioxidantes É importante salientar que com certa frequência os próprios mecanismos defensivos podem se tornar agressores A desregulação da reação imunitária por exemplo para mais ou para menos está na base de muitas doenças prevalentes Adaptação referese à capacidade das células dos tecidos ou do próprio indivíduo de frente a um estímulo modificar suas funções dentro de certos limites faixa da normalidade para ajustarse às modificações induzidas pelo estímulo A adaptação pode envolver apenas células ou suas organelas ou o indivíduo como um todo São exemplos da primeira situação 1 pré condicionamento das células à hipóxia que permite a sobrevivência delas em condições de baixa disponibilidade de O2 2 hipertrofia do retículo endoplasmático liso REL por substâncias nele metabolizadas p ex a administração de fenobarbital provoca hipertrofia do REL em hepatócitos 3 hipertrofia muscular por sobrecarga de trabalho do miocárdio do ventrículo esquerdo na hipertensão arterial da musculatura esquelética em atletas ou em pessoas que fazem trabalho físico vigoroso etc A resposta adaptativa geral inespecífica e sistêmica que o organismo monta frente a diferentes agressões por agentes físicos químicos biológicos ou emocionais é conhecida como estresse Lesão é o conjunto de alterações morfológicas moleculares eou funcionais que surgem nas células e nos tecidos após agressões As alterações morfológicas que caracterizam as lesões podem ser observadas a olho nu alterações macroscópicas ou ao microscópio de luz ou eletrônico alterações microscópicas e submicroscópicas As alterações moleculares que muitas vezes se traduzem em modificações morfológicas podem ser detectadas por métodos bioquímicos e de biologia molecular As modificações funcionais manifestamse por alterações da função de células tecidos órgãos ou sistemas e representam a fisiopatologia Como as doenças surgem e evoluem de maneiras muito variadas as lesões são dinâmicas começam evoluem e tendem para a cura ou para a cronicidade Por esse motivo elas são também conhecidas como processos patológicos indicando a palavra processo uma sucessão de eventos usando uma analogia podemos pensar nos processos burocráticos que ficam registrados em folhas sucessivas numeradas dentro de uma pasta Por essa razão o aspecto morfológico de uma lesão varia de acordo com o momento em que ela é examinada Os aspectos cronológicos das doenças estão indicados na Figura 12 Fonte Bogliolo 2021 O alvo dos agentes agressores são as moléculas sobretudo as macromoléculas de cuja ação dependem as funções vitais Portanto as lesões se iniciam no nível molecular As alterações morfológicas surgem em consequência de modificações na estrutura das membranas do citoesqueleto do núcleo ou de outros componentes citoplasmáticos além do acúmulo de substâncias dentro ou fora das células Lesões celulares resultam em lesões nos órgãos e sistemas funcionais Qualquer que seja a sua natureza a ação dos agentes agressores se faz por dois mecanismos 1 ação direta por meio de alterações moleculares que se traduzem em modificações morfológicas 2 ação indireta por intermédio de mecanismos de adaptação que ao serem acionados para neutralizar ou eliminar a agressão induzem alterações moleculares que resultam em modificações morfológicas Desse modo os mecanismos de defesa quando acionados podem também causar lesão no organismo Figura 13 Isso é compreensível uma vez que os mecanismos defensivos em geral são destinados a destruir invasores vivos os quais são formados por células semelhantes às dos tecidos do hospedeiro o mesmo mecanismo que lesa um invasor vivo p ex um microrganismo é potencialmente capaz de lesar também as células do organismo invadido Fonte Bogliolo 2021 Apesar da enorme diversidade de agentes lesivos existentes na natureza a variedade de lesões encontradas nas doenças não é muito grande Isso se deve ao fato de os mecanismos de agressão às moléculas serem comuns aos diferentes agentes agressores além disso com frequência as defesas do organismo são inespecíficas no sentido de que são semelhantes diante de agressões distintas Duas situações exemplificam a afirmação anterior Muitos agentes lesivos agem pela redução do fluxo sanguíneo o que diminui o fornecimento de O2 para as células e reduz a produção de energia Redução na síntese de ATP pode ser provocada também por agentes que inibem enzimas da cadeia respiratória já outros diminuem a produção de ATP porque impedem o acoplamento da oxidação com o processo de fosforilação do ADP há ainda agressões que aumentam as exigências de ATP sem induzir aumento proporcional do fornecimento de oxigênio Em todas essas situações a deficiência de ATP interfere nas bombas eletrolíticas nas sínteses celulares no pH intracelular e em outras funções que culminam com o acúmulo de água no espaço intracelular e em uma série de alterações ultraestruturais que recebem em conjunto o nome de degeneração hidrópica Portanto são diferentes os agentes agressores capazes de produzir uma mesma lesão por meio de redução absoluta ou relativa da síntese de ATP Ação do calor queimadura de um agente químico corrosivo ou de uma bactéria que invade o organismo é seguida de respostas teciduais que se traduzem por modificações da microcirculação e pela saída de leucócitos e de plasma dos vasos para o interstício Nessas três situações ocorre uma reação inflamatória que representa a execução da resposta imunitária esta o principal mecanismo de defesa do organismo Nas inflamações os leucócitos são mobilizados por agressões diferentes porque muitos deles são células fagocitárias especializadas em matar microrganismos e em fagocitar tecidos lesados para facilitar a reparação ou a regeneração Por essa razão é fácil compreender que quando são estimulados por agressões diversas os leucócitos possam também produzir lesão nos tecidos Do exposto fica claro a própria resposta defensiva adaptativa que o agente agressor estimula no organismo pode também contribuir para o aparecimento de lesões Podese dizer portanto que as lesões têm um componente que resulta da ação direta do agente agressor e de um elemento decorrente da ação dos mecanismos de defesa Na verdade em muitas situações os mecanismos de defesa inatos ou adaptativos são até mesmo os principais responsáveis por lesões é o que ocorre nas doenças de natureza imunitária e nas infecções nas quais os mecanismos imunitários de defesa contra o agente infeccioso também lesam os tecidos Para exemplificar essas afirmações na Figura 14 estão representados os mecanismos de necrose da pele induzida pelo calor destacandose a ação direta do agente e a ação indireta por meio de danos à microcirculação e pelos mecanismos defensivos Fonte Bogliolo 2021 Toda agressão gera estímulos que induzem respostas adaptativas que visam aumentar a resistência às agressões subsequentes Os estímulos geradores dessas respostas não são ainda totalmente conhecidos mas já se tem ideia de algumas reações muito conservadas na natureza A expressão de proteínas do estresse também chamadas proteínas do choque térmico em inglês HSP de heat shock proteins ocorre em todo tipo de célula diante das mais variadas agressões daí o porquê de sua denominação Tais proteínas induzem várias respostas adaptativas como aumento da resistência à desnaturação de proteínas aumento da estabilidade de membranas entre outras aumentando a resistência das células às agressões Classificação e nomenclatura das lesões e das doenças A classificação e a nomenclatura das lesões são ainda motivos de divergências não havendo consenso dos estudiosos sobre o significado de muitas palavras utilizadas para identificar alguns processos Como o objetivo da Patologia é o estudo de lesões e doenças é necessário que tais lesões sejam classificadas e tenham uma nomenclatura adequada Ao atingirem o organismo as agressões comprometem um tecido ou um órgão no qual existem 1 células parenquimatosas e do estroma 2 componentes intercelulares interstício ou matriz extracelular 3 circulação sanguínea e linfática 4 inervação Após agressões um ou mais desses componentes podem ser afetados simultaneamente ou não Desse modo podem surgir lesões celulares danos ao interstício distúrbios locais da circulação e da inervação ou alterações complexas que envolvem muitos dos componentes teciduais ou todos eles Figura 15 Por esse motivo as lesões podem ser classificadas em cinco grupos definidos de acordo com o alvo atingido Dada a interdependência entre os componentes estruturais dos tecidos as lesões não são isoladas nas doenças sendo comum a sua associação Fonte Bogliolo 2021 As lesões celulares podem ser separadas em dois grupos letais e não letais As lesões não letais são aquelas em que as células continuam vivas podendo haver retorno ao estado de normalidade depois de cessada a agressão letalidade ou não letalidade está ligada à qualidade à intensidade e à duração da agressão bem como ao estado funcional ou ao tipo de célula atingida Dependendo desses fatores uma mesma agressão pode provocar lesão não letal em uma célula e causar morte em outro tipo celular Os exemplos de lesão não letal são muitos De um lado as agressões podem modificar o metabolismo das células induzindo o acúmulo de substâncias intracelulares degenerações ou podem alterar os mecanismos que regulam a proliferação e a diferenciação celular originando hipotrofias hipertrofias hiperplasias hipoplasias metaplasias displasias e neoplasias Outras vezes acumulamse nas células pigmentos endógenos ou exógenos constituindo as pigmentações As lesões letais são representadas por necrose morte celular seguida de autólise apoptose morte celular não seguida de autólise e outros tipos de morte celular reconhecidos mais recentemente As alterações do interstício matriz extracelular MEC englobam modificações da substância fundamental amorfa e de fibras elásticas colágenas e reticulares que podem sofrer alterações estruturais e depósitos de substâncias formadas in situ ou vindas da circulação Os depósitos de cálcio e a formação de concreções e cálculos no meio extracelular são estudados à parte Os distúrbios da circulação incluem aumento diminuição ou cessação do fluxo sanguíneo para os tecidos hiperemia oligoemia e isquemia coagulação do sangue no leito vascular trombose aparecimento de substâncias ou corpos que não se misturam ao sangue e causam obstrução vascular embolia saída de sangue do leito vascular hemorragia e alterações das trocas de líquidos entre o plasma e o interstício edema As alterações da inervação não têm sido abordadas nos textos de Patologia mas sem dúvida devem representar lesões importantes devido ao papel integrador de funções que o tecido nervoso exerce As alterações locais dessas estruturas são infelizmente ainda pouco conhecidas A lesão mais complexa que envolve todos os componentes teciduais é a inflamação Esta se caracteriza morfologicamente por modificações locais da microcirculação e pela saída de leucócitos do leito vascular acompanhadas por lesões celulares e do interstício provocadas principalmente pela ação de células fagocitárias e por alterações vasculares que acompanham o processo Como será visto no Capítulo 4 a inflamação que representa a efetuação da resposta imunitária é a reação que acompanha a maioria das lesões produzidas por diferentes agentes lesivos Reparo de lesões inclui regeneração em órgãos com células capazes de se dividir ou cicatrização Assim como é importante classificar e dar nomes às lesões também as doenças precisam ser nomeadas e catalogadas A denominação das doenças é assunto complexo pois depende do conhecimento preciso das lesões e dos sinais e sintomas que nelas aparecem Idealmente uma doença deve receber um nome que traduza a característica essencial da sua natureza Muitas vezes a nomenclatura segue certa lógica já que inclui o nome do órgão afetado e algum prefixo ou sufixo esclarecedor Nessas condições fica fácil reconhecer o processo patológico básico gastrite meningite e glomerulonefrite por exemplo são doenças de natureza inflamatória do estômago meninges e glomérulos respectivamente Para muitas doenças a denominação indica a natureza e as características principais do processo cardiopatia isquêmica enteropatia perdedora de proteínas etc No enorme grupo de neoplasias cada uma é designada em geral por nomes que seguem algumas regras conforme será discutido no Capítulo 10 carcinoma de células escamosas linfoma de grandes células B etc Em muitos outros casos porém apenas o nome não é suficientemente indicativo de uma doença como ocorre com grande número de epônimos nome de quem descreveu ou descobriu a doença local onde foi descrita etc os quais pouco têm a ver com a essência das lesões e da doença em si Para uniformizar a nomenclatura e para evitar que as doenças recebam nomes com base em critérios diferentes em diferentes países a Organização Mundial da Saúde OMS criou a Classificação Internacional das Doenças CID de uso universal Cada versão da CID é lançada com a expectativa de ser revista dentro de 10 anos A última versão CID10 é de 1992 A Assembleia Mundial de Saúde adotou a CID11 prevendose o seu uso a partir de janeiro de 2022 Classificar doenças não é tarefa fácil pois toda classificação dessa natureza deve incorporar informações sobre pessoas espalhadas ao redor do mundo isso em razão das conhecidas variações geográficas A classificação da OMS é feita por especialistas do mundo inteiro os quais estabelecem os critérios e os fundamentos do diagnóstico das doenças Com base nesses princípios fazse a definição da doença a partir de alguns sinais sintomas e lesões que entre vários outros caracterizam uma determinada condição mórbida A partir de tal definição é feita a classificação da doença recebendo cada uma delas um número próprio devendo ser mencionado toda vez que o diagnóstico é estabelecido e registrado em documentos oficiais prontuários atestados médicos etc Ao lado da nomenclatura a classificação taxonomia das doenças tem notória importância prática porque os profissionais de saúde precisam utilizar os mesmos termos e os mesmos princípios a fim de que dados e informações obtidas em qualquer parte do mundo possam ser comparados Tudo isso é muito importante para o avanço do conhecimento sobre etiologia patogênese aspectos epidemiológicos quadros clínicos estratégias diagnósticas respostas terapêuticas e medidas preventivas das diferentes doenças Cada nova classificação deve considerar não só elementos para melhor caracterizar as doenças quanto ao seu quadro clínico e a sua evolução como sobretudo incluir os novos e formidáveis conhecimentos especialmente quanto ao melhor entendimento sobre os mecanismos patogenéticos e fisiopatológicos tornados possíveis pelo extraordinário avanço no conhecimento sobre os aspectos moleculares envolvidos nos processos patológicos Esperase deste modo que uma classificação atualizada das doenças possa contribuir para orientar ações mais efetivas no sentido de prevenção diagnóstico tratamento e prognóstico A tentativa ambiciosa é que os conhecimentos atuais e os novos permitam por meio do entendimento mais profundo possível das doenças e de suas particularidades a individualização da enfermidade em cada paciente o que se conhece como Medicina Personalizada segundo esta cada doença tem componentes particulares em cada indivíduo tendo a sua abordagem terapêutica maior chance de sucesso quando leva em conta propriedades inerentes a cada pessoa Estamos caminhando para a medicina de precisão em que cada doença em cada indivíduo será tratada com medicamentos que visam atingir as principais alterações moleculares envolvidas na sua patogênese terapêutica direcionada a um alvo
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AULA 1 KUMAR Vinay ABBAS Abul K Jon C Aster et al Robbins Kumar Patologia Básica 11 ed Rio de Janeiro GEN Guanabara Koogan 2025 Disponível em httpsappminhabibliotecacombrreaderbooks9786561110143 FILHO Geraldo B Bogliolo Patologia 10 ed Rio de Janeiro Guanabara Koogan 2021 Disponível em httpsappminhabibliotecacombrreaderbooks9788527738378 Introdução à Patologia Patologia significa etimologicamente estudo das doenças do grego pathos doença sofrimento e logos estudo doutrina Essa definição no entanto é algo incompleta e precisa ser mais bem qualificada Antes de tudo é preciso considerar que o conceito de Patologia não abrange todos os aspectos das doenças que são numerosos e poderiam confundir a Patologia Humana com a Medicina esta o ramo do conhecimento e da prática profissional que aborda todos os elementos ou componentes das doenças e sua relação com os doentes Na verdade a Medicina é a arte e a ciência de promover a saúde e de prevenir curar ou minorar os sofrimentos produzidos pelas doenças A Patologia é apenas uma parte nesse todo muito vasto e complexo Feitas essas considerações a Patologia pode ser entendida como a ciência que estuda as causas das doenças os mecanismos que as produzem os locais onde ocorrem e as alterações moleculares morfológicas e funcionais que apresentam Ao tratar desses aspectos a Patologia assume grande importância na compreensão global das doenças pois fornece as bases para o entendimento de outros elementos essenciais como prevenção manifestações clínicas diagnóstico tratamento evolução e prognóstico Saúde e doença Os conceitos de Patologia e de Medicina convergem para um elemento comum a doença Doença pode ser entendida a partir do conceito biológico de adaptação que é uma propriedade geral dos seres vivos representada pela capacidade de ser sensível às variações do meio ambiente irritabilidade e de produzir respostas variações bioquímicas e fisiológicas capazes de adaptálos Essa capacidade varia em diferentes espécies animais e em diferentes indivíduos de uma mesma espécie pois depende de mecanismos moleculares vinculados ao patrimônio genético Podese definir saúde como um estado de adaptação do organismo ao ambiente físico psíquico e social em que vive de modo que o indivíduo se sente bem saúde subjetiva e não apresenta sinais ou alterações orgânicas saúde objetiva Ao contrário doença é um estado de falta de adaptação ao ambiente físico psíquico ou social no qual o indivíduo se sente mal tem sintomas eou apresenta alterações orgânicas evidenciáveis objetivamente sinais clínicos Para as ciências da saúde humana é importante considerar que o conceito de saúde envolve o ambiente em que o indivíduo vive tanto no seu aspecto físico como também no psíquico e no social Por essa razão os diversos parâmetros orgânicos precisam ser avaliados dentro do contexto do indivíduo Número elevado de hemácias por exemplo pode ser sinal de policitemia se a pessoa vive ao nível do mar mas representa apenas um estado de adaptação para o indivíduo que reside em grandes altitudes Saúde e normalidade não têm o mesmo significado A palavra saúde é utilizada em relação ao indivíduo enquanto o termo normalidade normal é usado em relação a parâmetros de parte estrutural ou funcional do organismo O normal ou a normalidade é estabelecido a partir da média de várias observações de determinado parâmetro utilizandose para o seu cálculo métodos estatísticos Os valores normais para descrever parâmetros do organismo peso de órgãos número de batimentos cardíacos pressão arterial sistólica ou diastólica etc são estabelecidos a partir de observações de populações homogêneas de mesma etnia que vivem em ambientes semelhantes e cujos indivíduos são saudáveis dentro do conceito enunciado anteriormente Elementos de uma doença Divisões da Patologia Todas as doenças têm causas que agem por mecanismos variados os quais produzem alterações moleculares eou morfológicas nas células e nos tecidos que resultam em alterações funcionais no organismo ou em parte dele e produzem manifestações subjetivas sintomas ou objetivas sinais Há dois importantes termos que os estudantes encontrarão ao longo de seu estudo de patologia Etiologia é a origem de uma doença e engloba as causas subjacentes e os fatores modificadores Notavelmente muitas doenças comuns como hipertensão diabetes e câncer são causadas pela combinação de suscetibilidade genética herdada e vários desencadeadores ambientais A elucidação dos fatores genéticos e ambientais subjacentes às doenças é o principal objetivo da medicina moderna Patogênese referese às etapas do desenvolvimento da doença desde o gatilho etiológico inicial até as alterações celulares e moleculares que dão origem às anormalidades funcionais e estruturais específicas que caracterizam qualquer doença em particular Portanto etiologia referese à causa do surgimento de uma doença enquanto patogênese descreve como se desenvolve uma doença Figura 11 A definição de etiologia e patogênese é essencial não apenas para se compreender uma doença mas também é a base para o desenvolvimento de tratamentos racionais Atualmente considerase que mesmo as doenças que apresentam características morfológicas semelhantes p ex câncer em determinado órgão mostram importantes diferenças moleculares p ex mutações alterações epigenéticas em cada caso Essa percepção deu início ao campo da medicina de precisão ou personalizada no qual as terapias não são elaboradas para a doença como um todo mas para a doença de cada indivíduo Para estabelecer diagnósticos e guiar a terapia na prática clínica os patologistas identificam alterações na aparência macro ou microscópica morfologia tanto de células como de tecidos e seus constituintes p ex genes e proteínas assim como alterações bioquímicas dos líquidos corporais como sangue e urina A determinação dessas alterações nos tecidos doentes auxilia no diagnóstico assim como no prognóstico e nas terapias ideais Legenda Etapas do desenvolvimento de uma doença São mostradas apenas algumas das principais etiologias Fonte Adaptado de Robbins Kumar 2025 Todas as doenças têm causas que agem por mecanismos variados os quais produzem alterações moleculares eou morfológicas nas células e nos tecidos que resultam em alterações funcionais no organismo ou em parte dele e produzem manifestações subjetivas sintomas ou objetivas sinais A Patologia cuida dos aspectos de Etiologia estudo das causas Patogênese estudo dos mecanismos Anatomia Patológica estudo das alterações morfológicas dos tecidos que em conjunto recebem o nome de lesões Fisiopatologia estudo das alterações funcionais de órgãos e sistemas afetados e Evolução das doenças O estudo dos sinais e sintomas das doenças é objeto da Semiologia cuja finalidade é junto com exames complementares fazer o diagnóstico delas Propedêutica a partir do qual se estabelecem o prognóstico o tratamento e a prevenção Figura 11 Fonte Bogliolo 2021 Diferentes doenças têm componentes comuns e elementos particulares Pneumonia lobar meningite purulenta e tuberculose são doenças diferentes que têm em comum o fato de serem causadas por bactérias e de apresentarem lesões inflamatórias Em cada órgão afetado por elas no entanto existem alterações morfológicas e funcionais próprias de cada uma delas Considerando esse aspecto a Patologia pode ser dividida em dois grandes ramos Patologia Geral e Patologia Especial A Patologia Geral estuda os aspectos comuns às diferentes doenças quanto às suas causas mecanismos patogenéticos lesões estruturais e alterações da função Por isso mesmo ela faz parte do currículo de todos os cursos das áreas de Ciências Biológicas e da Saúde Já a Patologia Especial se ocupa das doenças de um determinado órgão ou sistema sistema respiratório cavidade oral etc ou estuda as doenças agrupadas por suas causas doenças infecciosas doenças causadas por radiações etc Dentro dessa abrangência temse a Patologia Médica a Patologia Veterinária e a Patologia Odontológica Embora o componente morfológico das doenças seja mais enfatizado pelos patologistas os aspectos etiopatogenéticos e fisiopatológicos das doenças são indispensáveis para um bom diagnóstico uma boa prevenção e uma boa terapêutica sendo essa a abordagem mais adequada para a correta formação dos profissionais de saúde Com o objetivo de conhecer os elementos comuns às diferentes doenças a Patologia Geral envolvese tanto com doenças humanas como com as dos outros animais sejam eles de laboratório ou não Aliás a Patologia Geral tem importante componente experimental a partir de modelos induzidos em vários animais Por outro lado como as doenças representam um estado de desvio da adaptação nelas não ocorrendo fatos biológicos novos mas apenas desvios de fenômenos normais a compreensão da Patologia Geral exige conhecimentos pelo menos razoáveis sobre os aspectos morfológicos bioquímicos e fisiológicos de células tecidos órgãos e sistemas orgânicos normais VISÃO GERAL DAS RESPOSTAS CELULARES AO ESTRESSE E AOS ESTÍMULOS NOCIVOS As células interagem ativamente com seu ambiente ajustando constantemente sua estrutura e sua função para acomodar as mudanças nas demandas e os estresses extracelulares a fim de manter um estado de equilíbrio um processo denominado homeostasia As células ao se deparar com estresses fisiológicos ou estímulos nocivos podem passar por adaptação alcançando um novo estado de equilíbrio e preservando a viabilidade e a função Se a capacidade adaptativa for excedida ou o estresse externo for intrinsecamente nocivo ocorre a lesão celular Figura 12 Dentro de certos limites a lesão é reversível e a homeostasia é restaurada entretanto se o estresse for intenso ou persistente resultará em lesão irreversível e morte das células afetadas A morte celular é um evento crucial no desenvolvimento de muitas doenças Legenda Sequência de lesão celular reversível e morte celular Fonte Robbins Kumar 2025 A lesão celular é a base de toda doença e ao longo das próximas 4 aulas discutiremos as causas os mecanismos e as consequências da lesão reversível e da morte celular Serão consideradas então as adaptações celulares ao estresse e veremos dois outros processos que afetam células e tecidos a deposição de substâncias anormais e o envelhecimento celular Agressão Defesa Adaptação Lesão Qualquer estímulo da natureza dependendo da sua intensidade do tempo de atuação e da capacidade de reação do organismo que envolve também o patrimônio genético pode constituir uma agressão Contra esta o organismo monta respostas variadas procurando defenderse ou adaptarse Muitas vezes o indivíduo adaptase a essa situação com pouco ou nenhum dano Em muitos casos porém surgem lesões variadas agudas ou crônicas responsáveis pelas doenças Agressões podem se originar no ambiente externo ou a partir do próprio organismo De modo muito resumido agressões podem ser provocadas por agentes físicos químicos e biológicos por alterações na expressão gênica ou por modificações nutricionais metabólicas ou dos próprios mecanismos de defesa do organismo Os mecanismos de defesa contra agentes externos são muito numerosos Ao lado de barreiras mecânicas e químicas existentes no revestimento externo e interno pele e mucosas o organismo conta com diversos mecanismos defensivos 1 contra agentes infecciosos atuam a fagocitose o sistema complemento e sobretudo a reação inflamatória que é a expressão morfológica da resposta imunitária esta tem dois componentes a resposta inata que surge imediatamente após agressões b resposta adaptativa 2 contra agentes genotóxicos que agridem o genoma existe o sistema de reparo do DNA 3 contra compostos químicos tóxicos incluindo radicais livres as células dispõem de sistemas enzimáticos de destoxificação e antioxidantes É importante salientar que com certa frequência os próprios mecanismos defensivos podem se tornar agressores A desregulação da reação imunitária por exemplo para mais ou para menos está na base de muitas doenças prevalentes Adaptação referese à capacidade das células dos tecidos ou do próprio indivíduo de frente a um estímulo modificar suas funções dentro de certos limites faixa da normalidade para ajustarse às modificações induzidas pelo estímulo A adaptação pode envolver apenas células ou suas organelas ou o indivíduo como um todo São exemplos da primeira situação 1 pré condicionamento das células à hipóxia que permite a sobrevivência delas em condições de baixa disponibilidade de O2 2 hipertrofia do retículo endoplasmático liso REL por substâncias nele metabolizadas p ex a administração de fenobarbital provoca hipertrofia do REL em hepatócitos 3 hipertrofia muscular por sobrecarga de trabalho do miocárdio do ventrículo esquerdo na hipertensão arterial da musculatura esquelética em atletas ou em pessoas que fazem trabalho físico vigoroso etc A resposta adaptativa geral inespecífica e sistêmica que o organismo monta frente a diferentes agressões por agentes físicos químicos biológicos ou emocionais é conhecida como estresse Lesão é o conjunto de alterações morfológicas moleculares eou funcionais que surgem nas células e nos tecidos após agressões As alterações morfológicas que caracterizam as lesões podem ser observadas a olho nu alterações macroscópicas ou ao microscópio de luz ou eletrônico alterações microscópicas e submicroscópicas As alterações moleculares que muitas vezes se traduzem em modificações morfológicas podem ser detectadas por métodos bioquímicos e de biologia molecular As modificações funcionais manifestamse por alterações da função de células tecidos órgãos ou sistemas e representam a fisiopatologia Como as doenças surgem e evoluem de maneiras muito variadas as lesões são dinâmicas começam evoluem e tendem para a cura ou para a cronicidade Por esse motivo elas são também conhecidas como processos patológicos indicando a palavra processo uma sucessão de eventos usando uma analogia podemos pensar nos processos burocráticos que ficam registrados em folhas sucessivas numeradas dentro de uma pasta Por essa razão o aspecto morfológico de uma lesão varia de acordo com o momento em que ela é examinada Os aspectos cronológicos das doenças estão indicados na Figura 12 Fonte Bogliolo 2021 O alvo dos agentes agressores são as moléculas sobretudo as macromoléculas de cuja ação dependem as funções vitais Portanto as lesões se iniciam no nível molecular As alterações morfológicas surgem em consequência de modificações na estrutura das membranas do citoesqueleto do núcleo ou de outros componentes citoplasmáticos além do acúmulo de substâncias dentro ou fora das células Lesões celulares resultam em lesões nos órgãos e sistemas funcionais Qualquer que seja a sua natureza a ação dos agentes agressores se faz por dois mecanismos 1 ação direta por meio de alterações moleculares que se traduzem em modificações morfológicas 2 ação indireta por intermédio de mecanismos de adaptação que ao serem acionados para neutralizar ou eliminar a agressão induzem alterações moleculares que resultam em modificações morfológicas Desse modo os mecanismos de defesa quando acionados podem também causar lesão no organismo Figura 13 Isso é compreensível uma vez que os mecanismos defensivos em geral são destinados a destruir invasores vivos os quais são formados por células semelhantes às dos tecidos do hospedeiro o mesmo mecanismo que lesa um invasor vivo p ex um microrganismo é potencialmente capaz de lesar também as células do organismo invadido Fonte Bogliolo 2021 Apesar da enorme diversidade de agentes lesivos existentes na natureza a variedade de lesões encontradas nas doenças não é muito grande Isso se deve ao fato de os mecanismos de agressão às moléculas serem comuns aos diferentes agentes agressores além disso com frequência as defesas do organismo são inespecíficas no sentido de que são semelhantes diante de agressões distintas Duas situações exemplificam a afirmação anterior Muitos agentes lesivos agem pela redução do fluxo sanguíneo o que diminui o fornecimento de O2 para as células e reduz a produção de energia Redução na síntese de ATP pode ser provocada também por agentes que inibem enzimas da cadeia respiratória já outros diminuem a produção de ATP porque impedem o acoplamento da oxidação com o processo de fosforilação do ADP há ainda agressões que aumentam as exigências de ATP sem induzir aumento proporcional do fornecimento de oxigênio Em todas essas situações a deficiência de ATP interfere nas bombas eletrolíticas nas sínteses celulares no pH intracelular e em outras funções que culminam com o acúmulo de água no espaço intracelular e em uma série de alterações ultraestruturais que recebem em conjunto o nome de degeneração hidrópica Portanto são diferentes os agentes agressores capazes de produzir uma mesma lesão por meio de redução absoluta ou relativa da síntese de ATP Ação do calor queimadura de um agente químico corrosivo ou de uma bactéria que invade o organismo é seguida de respostas teciduais que se traduzem por modificações da microcirculação e pela saída de leucócitos e de plasma dos vasos para o interstício Nessas três situações ocorre uma reação inflamatória que representa a execução da resposta imunitária esta o principal mecanismo de defesa do organismo Nas inflamações os leucócitos são mobilizados por agressões diferentes porque muitos deles são células fagocitárias especializadas em matar microrganismos e em fagocitar tecidos lesados para facilitar a reparação ou a regeneração Por essa razão é fácil compreender que quando são estimulados por agressões diversas os leucócitos possam também produzir lesão nos tecidos Do exposto fica claro a própria resposta defensiva adaptativa que o agente agressor estimula no organismo pode também contribuir para o aparecimento de lesões Podese dizer portanto que as lesões têm um componente que resulta da ação direta do agente agressor e de um elemento decorrente da ação dos mecanismos de defesa Na verdade em muitas situações os mecanismos de defesa inatos ou adaptativos são até mesmo os principais responsáveis por lesões é o que ocorre nas doenças de natureza imunitária e nas infecções nas quais os mecanismos imunitários de defesa contra o agente infeccioso também lesam os tecidos Para exemplificar essas afirmações na Figura 14 estão representados os mecanismos de necrose da pele induzida pelo calor destacandose a ação direta do agente e a ação indireta por meio de danos à microcirculação e pelos mecanismos defensivos Fonte Bogliolo 2021 Toda agressão gera estímulos que induzem respostas adaptativas que visam aumentar a resistência às agressões subsequentes Os estímulos geradores dessas respostas não são ainda totalmente conhecidos mas já se tem ideia de algumas reações muito conservadas na natureza A expressão de proteínas do estresse também chamadas proteínas do choque térmico em inglês HSP de heat shock proteins ocorre em todo tipo de célula diante das mais variadas agressões daí o porquê de sua denominação Tais proteínas induzem várias respostas adaptativas como aumento da resistência à desnaturação de proteínas aumento da estabilidade de membranas entre outras aumentando a resistência das células às agressões Classificação e nomenclatura das lesões e das doenças A classificação e a nomenclatura das lesões são ainda motivos de divergências não havendo consenso dos estudiosos sobre o significado de muitas palavras utilizadas para identificar alguns processos Como o objetivo da Patologia é o estudo de lesões e doenças é necessário que tais lesões sejam classificadas e tenham uma nomenclatura adequada Ao atingirem o organismo as agressões comprometem um tecido ou um órgão no qual existem 1 células parenquimatosas e do estroma 2 componentes intercelulares interstício ou matriz extracelular 3 circulação sanguínea e linfática 4 inervação Após agressões um ou mais desses componentes podem ser afetados simultaneamente ou não Desse modo podem surgir lesões celulares danos ao interstício distúrbios locais da circulação e da inervação ou alterações complexas que envolvem muitos dos componentes teciduais ou todos eles Figura 15 Por esse motivo as lesões podem ser classificadas em cinco grupos definidos de acordo com o alvo atingido Dada a interdependência entre os componentes estruturais dos tecidos as lesões não são isoladas nas doenças sendo comum a sua associação Fonte Bogliolo 2021 As lesões celulares podem ser separadas em dois grupos letais e não letais As lesões não letais são aquelas em que as células continuam vivas podendo haver retorno ao estado de normalidade depois de cessada a agressão letalidade ou não letalidade está ligada à qualidade à intensidade e à duração da agressão bem como ao estado funcional ou ao tipo de célula atingida Dependendo desses fatores uma mesma agressão pode provocar lesão não letal em uma célula e causar morte em outro tipo celular Os exemplos de lesão não letal são muitos De um lado as agressões podem modificar o metabolismo das células induzindo o acúmulo de substâncias intracelulares degenerações ou podem alterar os mecanismos que regulam a proliferação e a diferenciação celular originando hipotrofias hipertrofias hiperplasias hipoplasias metaplasias displasias e neoplasias Outras vezes acumulamse nas células pigmentos endógenos ou exógenos constituindo as pigmentações As lesões letais são representadas por necrose morte celular seguida de autólise apoptose morte celular não seguida de autólise e outros tipos de morte celular reconhecidos mais recentemente As alterações do interstício matriz extracelular MEC englobam modificações da substância fundamental amorfa e de fibras elásticas colágenas e reticulares que podem sofrer alterações estruturais e depósitos de substâncias formadas in situ ou vindas da circulação Os depósitos de cálcio e a formação de concreções e cálculos no meio extracelular são estudados à parte Os distúrbios da circulação incluem aumento diminuição ou cessação do fluxo sanguíneo para os tecidos hiperemia oligoemia e isquemia coagulação do sangue no leito vascular trombose aparecimento de substâncias ou corpos que não se misturam ao sangue e causam obstrução vascular embolia saída de sangue do leito vascular hemorragia e alterações das trocas de líquidos entre o plasma e o interstício edema As alterações da inervação não têm sido abordadas nos textos de Patologia mas sem dúvida devem representar lesões importantes devido ao papel integrador de funções que o tecido nervoso exerce As alterações locais dessas estruturas são infelizmente ainda pouco conhecidas A lesão mais complexa que envolve todos os componentes teciduais é a inflamação Esta se caracteriza morfologicamente por modificações locais da microcirculação e pela saída de leucócitos do leito vascular acompanhadas por lesões celulares e do interstício provocadas principalmente pela ação de células fagocitárias e por alterações vasculares que acompanham o processo Como será visto no Capítulo 4 a inflamação que representa a efetuação da resposta imunitária é a reação que acompanha a maioria das lesões produzidas por diferentes agentes lesivos Reparo de lesões inclui regeneração em órgãos com células capazes de se dividir ou cicatrização Assim como é importante classificar e dar nomes às lesões também as doenças precisam ser nomeadas e catalogadas A denominação das doenças é assunto complexo pois depende do conhecimento preciso das lesões e dos sinais e sintomas que nelas aparecem Idealmente uma doença deve receber um nome que traduza a característica essencial da sua natureza Muitas vezes a nomenclatura segue certa lógica já que inclui o nome do órgão afetado e algum prefixo ou sufixo esclarecedor Nessas condições fica fácil reconhecer o processo patológico básico gastrite meningite e glomerulonefrite por exemplo são doenças de natureza inflamatória do estômago meninges e glomérulos respectivamente Para muitas doenças a denominação indica a natureza e as características principais do processo cardiopatia isquêmica enteropatia perdedora de proteínas etc No enorme grupo de neoplasias cada uma é designada em geral por nomes que seguem algumas regras conforme será discutido no Capítulo 10 carcinoma de células escamosas linfoma de grandes células B etc Em muitos outros casos porém apenas o nome não é suficientemente indicativo de uma doença como ocorre com grande número de epônimos nome de quem descreveu ou descobriu a doença local onde foi descrita etc os quais pouco têm a ver com a essência das lesões e da doença em si Para uniformizar a nomenclatura e para evitar que as doenças recebam nomes com base em critérios diferentes em diferentes países a Organização Mundial da Saúde OMS criou a Classificação Internacional das Doenças CID de uso universal Cada versão da CID é lançada com a expectativa de ser revista dentro de 10 anos A última versão CID10 é de 1992 A Assembleia Mundial de Saúde adotou a CID11 prevendose o seu uso a partir de janeiro de 2022 Classificar doenças não é tarefa fácil pois toda classificação dessa natureza deve incorporar informações sobre pessoas espalhadas ao redor do mundo isso em razão das conhecidas variações geográficas A classificação da OMS é feita por especialistas do mundo inteiro os quais estabelecem os critérios e os fundamentos do diagnóstico das doenças Com base nesses princípios fazse a definição da doença a partir de alguns sinais sintomas e lesões que entre vários outros caracterizam uma determinada condição mórbida A partir de tal definição é feita a classificação da doença recebendo cada uma delas um número próprio devendo ser mencionado toda vez que o diagnóstico é estabelecido e registrado em documentos oficiais prontuários atestados médicos etc Ao lado da nomenclatura a classificação taxonomia das doenças tem notória importância prática porque os profissionais de saúde precisam utilizar os mesmos termos e os mesmos princípios a fim de que dados e informações obtidas em qualquer parte do mundo possam ser comparados Tudo isso é muito importante para o avanço do conhecimento sobre etiologia patogênese aspectos epidemiológicos quadros clínicos estratégias diagnósticas respostas terapêuticas e medidas preventivas das diferentes doenças Cada nova classificação deve considerar não só elementos para melhor caracterizar as doenças quanto ao seu quadro clínico e a sua evolução como sobretudo incluir os novos e formidáveis conhecimentos especialmente quanto ao melhor entendimento sobre os mecanismos patogenéticos e fisiopatológicos tornados possíveis pelo extraordinário avanço no conhecimento sobre os aspectos moleculares envolvidos nos processos patológicos Esperase deste modo que uma classificação atualizada das doenças possa contribuir para orientar ações mais efetivas no sentido de prevenção diagnóstico tratamento e prognóstico A tentativa ambiciosa é que os conhecimentos atuais e os novos permitam por meio do entendimento mais profundo possível das doenças e de suas particularidades a individualização da enfermidade em cada paciente o que se conhece como Medicina Personalizada segundo esta cada doença tem componentes particulares em cada indivíduo tendo a sua abordagem terapêutica maior chance de sucesso quando leva em conta propriedades inerentes a cada pessoa Estamos caminhando para a medicina de precisão em que cada doença em cada indivíduo será tratada com medicamentos que visam atingir as principais alterações moleculares envolvidas na sua patogênese terapêutica direcionada a um alvo