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Direitos Humanos

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Doutrina da proteção integral Andréa Rodrigues Amin 1 INTRODUÇÃO Segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira28 doutrina é o conjunto de princípios que servem de base a um sistema religioso político filosófico científico etc Princípios no dizer de Miguel Reale29 são enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber Resumindo são verdades fundantes de um sistema de conhecimento Já um sistema pode ser definido como um conjunto de normas dependentes entre si reunidas sob um critério lógico de organização fundado em um princípiobase Assim podemos entender que a doutrina da proteção integral é formada por um conjunto de enunciados lógicos que exprimem um valor ético maior organizada por meio de normas interdependentes que reconhecem criança e adolescente como sujeitos de direito A doutrina da proteção integral encontrase insculpida no art 227 da Carta Constitucional de 1988 em uma perfeita integração com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana Segundo Maria Dinair Acosta Gonçalves30 superouse o direito tradicional que não percebia a criança como indivíduo e o direito moderno do menor incapaz objeto de manipulação dos adultos Na era pósmoderna a criança o adolescente e o jovem são tratados como sujeitos de direitos em sua integralidade A Carta Constitucional de 1988 afastando a doutrina da situação irregular até então vigente assegurou às crianças e aos adolescentes com absoluta prioridade direitos fundamentais determinando à família à sociedade e ao Estado o dever legal e concorrente de assegurálos Regulamentando e buscando dar efetividade à norma constitucional foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente microssistema aberto de regras e princípios fundado em três pilares básicos 1 criança e adolescente são sujeitos de direito 2 afirmação de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e portanto sujeito a uma legislação especial 3 prioridade absoluta na garantia de seus direitos fundamentais 2 DOCUMENTOS INTERNACIONAIS O primeiro documento internacional que expôs a preocupação em se reconhecer direitos a crianças e adolescentes foi a Declaração dos Direitos da Criança de Genebra em 1924 promovida pela Liga das Nações Contudo foi a Declaração Universal dos Direitos da Criança adotada pela ONU em 1959 o grande marco no reconhecimento de crianças como sujeitos de direitos carecedoras de proteção e cuidados especiais O documento estabeleceu dentre outros princípios proteção especial para o desenvolvimento físico mental moral e espiritual educação gratuita e compulsória prioridade em proteção e socorro proteção contra negligência crueldade e exploração proteção contra atos de discriminação A ONU atenta aos avanços e anseios sociais mormente no plano dos direitos fundamentais reconheceu que a atualização do documento se fazia necessária Em 1979 montou um grupo de trabalho com o objetivo de preparar o texto da Convenção dos Direitos da Criança aprovado em novembro de 1989 pela Resolução n 444531 32 e 6 Pela primeira vez foi adotada a doutrina da proteção integral fundada em três pilares 1 reconhecimento da peculiar condição da criança e jovem como pessoa em desenvolvimento titular de proteção especial 2 crianças e jovens têm direito à convivência familiar 3 as Nações subscritoras obrigamse a assegurar os direitos insculpidos na Convenção com absoluta prioridade Em setembro de 1990 como um primeiro passo na busca da efetividade da Convenção dos Direitos da Criança foi realizado o Encontro Mundial de Cúpula pela Criança no qual representantes de 80 países entre eles o Brasil assinaram a Declaração Mundial sobre a Sobrevivência a Proteção e o Desenvolvimento da Criança No mesmo Encontro foi ainda lançado o Plano de Ação para a década de 1990 cujos signatários assumiram o compromisso de promover a rápida implementação da Convenção comprometendose ainda a melhorar a saúde de crianças e mães e combater a desnutrição e o analfabetismo33 Outro importante documento internacional com relevância na área de prevenção do crime e do tratamento delinquencial34 são as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores mais conhecidas como Regras de Beijing Apresentam orientações preventivas com destaque para proteção social dos jovens assim como orientações para atuação da justiça delinquencial aplicada a menores com destaque para a defesa e resguardo dos direitos fundamentais e garantias processuais Oportuno destacar que vários outros documentos internacionais respeitam direta ou indiretamente crianças e adolescentes e ratificados pelo Brasil têm levado à criação ou modificação de nossas leis como por exemplo a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência documento norteador da Lei n 131462015 mais conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência com reflexos na legislação infantojuvenil35 3 DA SITUAÇÃO IRREGULAR À PROTEÇÃO INTEGRAL A doutrina da proteção integral estabelecida no art 227 da Constituição da República substituiu a doutrina da situação irregular oficializada pelo Código de Menores de 1979 mas de fato já implícita no Código Mello Mattos de 1927 Tratase em verdade não de uma simples substituição terminológica ou de princípios mas sim de uma mudança de paradigma A doutrina da situação irregular que ocupou o cenário jurídico infantojuvenil por quase um século era restrita Limitavase a tratar daqueles que se enquadravam no modelo predefinido de situação irregular estabelecido no art 2º do Código de Menores Compreendia o menor privado de condições essenciais à sua subsistência saúde e instrução obrigatória em razão da falta ação ou omissão dos pais ou responsável as vítimas de maustratos os que estavam em perigo moral por se encontrarem em ambientes ou atividades contrárias aos bons costumes o autor de infração penal e ainda todos os menores que apresentassem desvio de conduta em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária Aqui se apresentava o campo de atuação do Juiz de Menores restrito ao binômio carênciadelinquência Todas as demais questões que envolvessem crianças e adolescentes deveriam ser discutidas na Vara de Família e regidas pelo Código Civil Segundo Roberto da Silva36 se os conceitos ontológicos fundamentam o capítulo referente à família no Código Civil brasileiro dando origem a um ramo das ciências jurídicas que é o Direito de Família os hábitos e os costumes social e culturalmente aceitos no Brasil fundamentaram uma legislação paralela o Direito do Menor destinada a legislar sobre aqueles que não se enquadravam dentro do protótipo familiar concebido pelas elites intelectuais e jurídicas O Juiz de Menores centralizava as funções jurisdicional e administrativa muitas vezes dando forma e estruturando a rede de atendimento Enquanto era certa a competência da Vara de Menores pairavam indefinições sobre os limites da atuação do Juiz Apesar das diversas medidas de assistência e proteção previstas pela lei37 para regularizar a situação dos menores a prática era de uma atuação segregatória na qual normalmente estes eram levados para internatos ou no caso de infratores institutos de detenção mantidos pela Febem Inexistia preocupação em manter vínculos familiares até porque a família ou a falta dela era considerada a causa da situação irregular Em resumo a situação irregular era uma doutrina não universal restrita de forma quase absoluta a um limitado público infantojuvenil Segundo José Ricardo Cunha38 os menores considerados em situação irregular passam a ser identificados por um rosto muito concreto são os filhos das famílias empobrecidas geralmente negros ou pardos vindos do interior e das periferias Não era uma doutrina garantista até porque não enunciava direitos mas apenas predefinia situações e determinava uma atuação de resultados Agiase apenas na consequência e não na causa do problema apagandose incêndios Era um Direito do Menor ou seja que agia sobre ele como objeto de proteção e não como sujeito de direitos Daí a grande dificuldade de por exemplo exigir do Poder Público construção de escolas atendimento prénatal transporte escolar direitos fundamentais que por não encontrarem previsão no código menorista não eram em princípio passíveis de tutela jurídica A doutrina da proteção integral por outro lado rompe o padrão preestabelecido e absorve os valores insculpidos na Convenção dos Direitos da Criança Pela primeira vez crianças e adolescentes titularizam direitos fundamentais como qualquer ser humano Passamos assim a ter um Direito da Criança e do Adolescente em substituição ao Direito do Menor amplo abrangente universal e principalmente exigível A conjuntura políticosocial vivida nos anos 1980 de resgate da democracia e busca desenfreada por direitos humanos acrescida da pressão de organismos sociais nacionais e internacionais levou o legislador constituinte a promulgar a Constituição Cidadã e nela foi assegurado com absoluta prioridade às crianças adolescentes e ao jovem o direito à vida à saúde à alimentação à educação ao lazer à profissionalização à cultura à dignidade ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária39 A responsabilidade em assegurar o respeito a esses direitos foi diluída solidariamente entre família sociedade e Estado em uma perfeita cogestão e corresponsabilidade Apesar de o art 227 da Constituição da República ser definidor em seu caput de direitos fundamentais e portanto ser de aplicação imediata40 coube ao Estatuto da Criança e do Adolescente a construção sistêmica da doutrina da proteção integral A nova lei como não poderia deixar de ser ab initio estendeu seu alcance a todas as crianças e adolescentes41 indistintamente respeitada sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento Para fins protetivos levouse em linha de conta eventual risco social situação predefinida no art 98 da Lei n 806990 e não mais a situação irregular Tratase de um tipo aberto conforme a melhor técnica legislativa que permite ao Juiz e operadores da rede uma maior liberdade na análise dos casos que ensejam medidas de proteção O art 98 não é uma norma limitadora da aplicação do ECA mas delimitadora principalmente do campo de atuação do Juiz da Infância na área não infracional Com o fim de garantir efetividade à doutrina da proteção integral a nova lei previu um conjunto de medidas governamentais aos três entes federativos por meio de políticas sociais básicas políticas e programas de assistência social serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência maustratos e abuso e proteção jurídicosocial por entidades da sociedade civil Adotouse o princípio da descentralização políticoadministrativa materializandoo na esfera municipal pela participação direta da comunidade por meio do Conselho Municipal de Direitos e Conselho Tutelar A responsabilidade pela causa da infância ultrapassa a esfera do poder familiar e recai sobre a comunidade da criança ou do adolescente e sobre o poder público principalmente o municipal executor da política de atendimento de acordo com o art 88 I do ECA Ao Juiz coube a função que lhe é própria julgar A atuação ex officio não se encontra elencada nos arts 148 e 149 da legislação estatutária mas apenas as restritas à função judicante e normativa Agora é a própria sociedade por meio do Conselho Tutelar que atua diretamente na proteção de suas crianças e jovens encaminhando à autoridade judiciária os casos de sua competência e ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente42 A atuação do Ministério Público no sistema garantista do ECA foi sobremaneira ampliada seguindo a tendência preconizada pela Constituição Federal que promove o Parquet a agente de transformação social43 Nesse confronto entre a doutrina da situação irregular e a da proteção integral se mostra ilustrativo o quadro comparativo apresentado por Leoberto Narciso Brancher44 ASPECTO Doutrinário Caráter Fundamento Centralidade Local Competência Executória Decisório Institucional Organização Gestão ANTERIOR Situação Irregular Filantrópico Assistencialista Judiciário UniãoEstados Centralizador Estatal Piramidal Hierárquica Monocrática ATUAL Proteção Integral Política Pública Direito Subjetivo Município Município Participativo Cogestão Sociedade Civil Rede Democrática Em resumo no campo formal a doutrina da proteção integral está perfeitamente delineada O desafio é tornála real efetiva palpável A tarefa não é simples Exige conhecimento aprofundado da nova ordem sem esquecermos as lições e experiências do passado Além disso e principalmente exige um comprometimento de todos os agentes Judiciário Ministério Público Executivo técnicos sociedade civil família em querer mudar e adequar o cotidiano infantojuvenil a um sistema garantista REFERÊNCIAS BRANCHER Leoberto Narciso Organização e gestão do sistema de garantias de direitos da infância e da juventude Encontros pela justiça na educação Brasília FundescolaMEC 2000 CUNHA José Ricardo O Estatuto da Criança e do Adolescente no marco da doutrina jurídica da proteção integral Revista da Faculdade de Direito Candido Mendes Rio de Janeiro 1996 v 1 FERREIRA Aurélio Buarque de Holanda Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa 2 ed 36 imp Rio de Janeiro Nova Fronteira 1986 GONÇALVES Maria Dinair Acosta Proteção integral Paradigma multidisciplinar do direito pós moderno Porto Alegre Alcance 2002 REALE Miguel Lições preliminares de direito 27 ed São Paulo Saraiva 2009 SILVA Roberto da A construção do Estatuto da Criança e do Adolescente Âmbito Jurídico Disponível em httpwwwambitojuridicocombr Acesso em 7 ago 2012 Princípios orientadores do direito da criança e do adolescente Andréa Rodrigues Amin 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O Estatuto da Criança e do Adolescente é um sistema aberto de regras e princípios As regras nos fornecem a segurança necessária para delimitarmos a conduta Os princípios expressam valores relevantes e fundamentam as regras exercendo uma função de integração sistêmica são os valores fundantes da norma Regras e princípios são espécies de normas sentidos construídos a partir da interpretação sistêmica de textos normativos45 A distinção nos é dada por Canotilho46 Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização compatíveis com vários graus de concretização consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência impõem permitem ou proíbem que é ou não cumprida a convivência dos princípios é conflitual a convivência de regras antinômica os princípios coexistem as regras antinômicas excluemse Consequentemente os princípios ao constituírem exigência de optimização permitem o balanceamento de valores e interesses não obedecem como as regras à lógica do tudo ou nada consoante seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes No campo do direito infantojuvenil brasileiro ambos concretizam a doutrina da proteção integral espelho do princípio da dignidade da pessoa humana para crianças e adolescentes Três são os princípios gerais e orientadores de todo o ECA 1 princípio da prioridade absoluta 2 princípio do superior interesse 3 princípio da municipalização47 Contudo revendo posição adotada em edições anteriores e analisando que os interesses de crianças e adolescentes não se restringem às ações em cursos nas varas especializadas ou procedimentos junto aos atores dos sistemas de garantias expraiandose para todos os campos do direito forçoso reconhecer que os três devem ser reduzidos a dois macroprincípios prioridade absoluta e superior interesse mais conhecido até como princípio do melhor interesse Isso porque enquanto o princípio da municipalização é diretriz da política de atendimento sistematizada no Estatuto os princípios da prioridade absoluta e melhor interesse são aplicados não apenas no âmbito das políticas públicas mas em todas as searas como uma lente por meio da qual julgadores e demais atores do sistema de garantias ou mesmo do âmbito administrativo ou ainda familiar devem se valer para analisar as questões afetas ao cotidiano infantojuvenil Desde as questões mais pueris até as mais complexas Apenas à guisa de exemplo relato um caso ocorrido na cidade do Rio de Janeiro grave acidente envolvendo uma van escolar no qual algumas crianças acabaram falecendo Até a chegada do socorro perícia e todo o aparato policial as crianças que sobreviveram ao acidente foram mantidas no local ao lado dos corpos dos colegas mortosOuvidas em sede policial também foram elencadas como testemunhas no âmbito cível e criminal Revitimização clara que justificaria a dispensa de seus depoimentos pelo julgador com amparo no princípio do melhor interesse sob pena de o próprio sistema de justiça agravar o patente dano já sofrido Nessa linha e partindo de similar análise foi aprovada a Lei n 134312017 que estabelece o sistema de garantia de direitos para crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência O exemplo se refere ao sistema mas repitase os macroprincípios são aplicáveis em toda e qualquer área em que haja interesse infantojuvenil A par dos macroprincípios bem como do princípio da municipalização este como diretriz da política de atendimento temos princípios específicos a certas áreas de atuação ou que respeitam a institutos próprios e que serão oportunamente tratados nos demais capítulos desta obra Citemse por exemplo os princípios pertinentes às medidas específicas de proteção estabelecidos no parágrafo único do art 100 do Estatuto da Criança e do Adolescente com redação introduzida pela Lei n 12010 de 3 de agosto de 2009 bem como princípios regentes da execução das medidas socioeducativas estabelecidos no art 35 da Lei n 12594 de 18 de janeiro de 201248 2 PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA Tratase de princípio constitucional estabelecido pelo art 227 da Lei Maior com previsão no art 4º e no art 100 parágrafo único II da Lei n 806990 Ressaltese que a Lei n 132572016 ao tratar da prioridade absoluta impôs ao Estado o dever de estabelecer políticas planos programas e serviços para a primeira infância que atendam às suas especificidades visando a garantir seu desenvolvimento integral49 Estabelece primazia em favor das crianças e dos adolescentes em todas as esferas de interesse Seja no campo judicial extrajudicial administrativo social ou familiar o interesse infantojuvenil deve preponderar Não comporta indagações ou ponderações sobre o interesse a tutelar em primeiro lugar já que a escolha foi realizada pela nação por meio do legislador constituinte Assim se o administrador precisar decidir entre a construção de uma creche e de um abrigo para idosos pois ambos são necessários obrigatoriamente terá de optar pela primeira Isso porque o princípio da prioridade para os idosos é infraconstitucional estabelecido no art 3º da Lei n 107412003 enquanto a prioridade em favor de crianças é constitucionalmente assegurada integrante da doutrina da proteção integral À primeira vista pode parecer injusto mas aqui se tratou de ponderar interesses Ainda que todos os cidadãos sejam iguais sem desmerecer adultos e idosos quais são aqueles cuja tutela de interesses mostrase mais relevante para o progresso da nossa sociedade da nossa nação Se pensarmos que o Brasil é o país do futuro frase de efeito ouvida desde a década de 1970 e que este depende de nossas crianças e jovens tornase razoável e até acertada a opção do legislador constituinte Ressaltese que a prioridade tem um objetivo bem claro realizar a proteção integral assegurando primazia que facilitará a concretização dos direitos fundamentais enumerados no art 227 caput da Constituição da República e renumerados no caput do art 4º do ECA Mais Leva em conta a condição de pessoa em desenvolvimento pois a criança e o adolescente possuem uma fragilidade peculiar de pessoa em formação correndo mais riscos que um adulto por exemplo A prioridade deve ser assegurada por todos família comunidade sociedade em geral e Poder Público Família seja natural ou substituta já tem um dever de formação decorrente do poder familiar mas não só Recai sobre ela um dever moral natural de se responsabilizar pelo bemestar das suas crianças e adolescentes pelo vínculo consanguíneo ou simplesmente afetivo Na prática independentemente de qualquer previsão legal muitas famílias já garantiam instintivamente primazia para os seus menores50 Quem nunca viu uma mãe deixar de se alimentar para alimentar o filho ou deixar de comprar uma roupa sair divertirse abrir mão do seu prazer pessoal em favor dos filhos É instintivo natural mas também um dever legal A comunidade parcela da sociedade mais próxima das crianças e adolescentes residindo na mesma região comungando dos mesmos costumes como vizinhos membros da escola e igreja também é responsável pelo resguardo dos direitos fundamentais daqueles Pela proximidade com suas crianças e jovens possui melhores condições de identificar violação de seus direitos ou comportamento desregrado da criança ou do adolescente que os colocam em risco ou que prejudiquem a boa convivência A sociedade em geral que tanto cobra comportamentos previamente estabelecidos pela elite como adequados que tanto exige de todos nós bons modos educação cultura sucesso financeiro acúmulo de riqueza mas nem sempre põe à disposição os meios necessários para atender suas expectativas agora também é vista como responsável pela garantia dos direitos fundamentais indispensáveis para que esse modelo de cidadão previamente estabelecido se torne real Comum em sede de responsabilidade civil falarmos na tendência moderna de socializar o dano No Direito da Criança e do Adolescente estamos socializando a responsabilidade buscando assim prevenir evitar ou mesmo minimizar o dano que imediatamente recairá sobre a criança ou jovem mas que de forma mediata será suportado pelo grupamento social Por fim ao Poder Público em todas as suas esferas legislativa judiciária ou executiva é determinado o respeito e resguardo com primazia dos direitos fundamentais infantojuvenis Infelizmente na prática não é o que se vê Um exemplo comum é na administração do Poder Judiciário a quem cabe prover os órgãos jurisdicionais de todo o material humano e físico que permita prestar jurisdição com eficiência Na Cidade do Rio de Janeiro por exemplo foram criadas três varas regionais da infância e juventude por meio da Lei n 260296 mas apenas instaladas no ano de 2009 A cidade durante anos manteve apenas duas varas da infância e juventude uma com competência para julgar a prática de atos infracionais e a outra para todo o resto inclusive interesses de pessoas idosas51 Em contrapartida só no ano de 1996 foram criados52 e instalados 60 Juizados Especiais Cíveis e Criminais Não se está a dizer com esse singelo exemplo que não precisemos de Juizados Especiais órgão do Poder Judiciário citado a título de exemplo Contudo antes de criálos caberia verificar minimamente se existia número suficiente de Varas da Infância e Juventude até hoje vulgarmente chamadas de Juizados de Menores ou se estavam bem instaladas com equipes técnicas em número suficiente carros funcionários Assim o Poder Judiciário aqui na sua função administrativa estaria dando cumprimento ao princípio da prioridade absoluta plena irrestrita O mesmo há que se falar do Poder Executivo palco das maiores violações ao princípio da prioridade absoluta É comum vermos a inauguração de prédios públicos com os fins mais variados sem que o Estado cuide por exemplo da formação de sua rede de atendimento Outro fato comum é a demora na liberação de verbas para programas sociais muitos da área da infância e juventude enquanto verbas sem primazia constitucional são liberadas dentro do prazo É o que se pode chamar de corrupção de prioridades53 A Resolução conjunta CNASConanda n 1 de 7 de junho de 2017 estabelece diretrizes políticas e metodológicas para o atendimento de crianças e adolescentes em situação de rua no âmbito da política de assistência social e reconhece em seu art 1º I a criança e o adolescente em situação de rua como público prioritário das políticas públicas incluindo a política de assistência social Tratase de mais uma orientação ao poder público que referencia e relembra que o sujeito de direito em formação ou seja a criança e o adolescente e aqui em uma situação de maior vulnerabilidade social por um comando constitucional deve gozar de prioridade absoluta em sua proteção O Ministério Público não tem se mantido calado diante das ilegalidades muitas vezes cometidas pelo administrador público buscando a assinatura de Termos de Ajustamento de Condutas TACs ou ajuizando ações civis públicas O Poder Judiciário em muitos casos também tem decidido com firmeza no sentido de assegurar a prioridade constitucional Lapidar o acórdão da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que fundamentado no princípio da prioridade absoluta assegurou o direito fundamental à saúde É ler DIREITO CONSTITUCIONAL À ABSOLUTA PRIORIDADE NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NOS ARTS 7º E 11 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NORMAS DEFINIDORAS DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICAS EXIGIBILIDADE EM JUÍZO INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA AÇÃO CIVIL PÚBLICA CABIMENTO E PROCEDÊNCIA 2 O direito constitucional à absoluta prioridade na efetivação do direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em norma constitucional reproduzida nos arts 7º e 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente 3 4 Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar por isso que cogentes e eficazes suas promessas sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares Portarias Medidas Provisórias Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano Prometendo o Estado o direito à saúde cumpre adimplilo porquanto a vontade política e constitucional para utilizarmos a expressão de Konrad Hessem foi no sentido da erradicação da miséria que assola o país O direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em regra de normatividade mais do que suficiente porquanto se define pelo dever indicando o sujeito passivo in casu o Estado 6 A determinação judicial desse dever pelo Estado não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração Deveras não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados quiçá constitucionalmente Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea 7 Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação da República não pode relegar o direito à saúde das crianças a um plano diverso daquele que o coloca como uma das mais belas e justas garantias constitucionais 8 Afastada a tese descabida da discricionariedade a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque se programática ou definidora de direitos Muito embora a matéria seja somente nesse particular constitucional porém sem importância revelase essa categorização tendo em vista a explicitude do ECA inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa constitucional a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional 12 O direito do menor à absoluta Prioridade na garantia de sua saúde insta o Estado a desincumbirse do mesmo através da sua rede própria Deveras colocar um menor na fila de espera e atender a outros é o mesmo que tentar legalizar a mais violenta afronta ao princípio da isonomia pilar não só da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna mercê de ferir de morte a cláusula de defesa da dignidade humana 13 Recurso especial provido para reconhecida a legitimidade do Ministério Público prosseguir no processo até o julgamento do mérito 54 Também oportuna a transcrição da seguinte decisão Agravo de instrumento Ação de obrigação de fazer Administrativo Constitucional Direito à educação Matrícula em creche Demandante em tenra idade que buscando sua inscrição em estabelecimento de ensino em rede municipal teve negada sua pretensão Decisão que indeferiu a tutela de urgência requerida ao argumento da necessidade de dilação probatória quanto ao direito postulado pela autora para exame quanto à sua submissão a regular e prévio procedimento administrativo de cadastramento e à existência de vagas Irresignação da Requerente Educação Direito social de todos e dever do Estado Arts 6º caput 205 e 208 IV e 1º e 2º todos da CR88 Competência atribuída à edilidade para a manutenção de programas de educação infantil em creches e préescolas por força dos arts 30 VI e 211 2º da Carta Posicionamento do Excelso Pretório sobre o tema Princípio da prioridade absoluta insculpido no art 227 da CR88 Tutela reassegurada nos preceitos da Lei nº 806990 arts 3º 4º 53 V e 54 IV e da Lei nº 939496 arts 2º 4º II e 11 V Responsabilidade do agravado Garantia também oferecida ao trabalhador com fulcro no art 7º XXV da CR88 Precedentes da insigne Corte Cidadã e deste Egrégio Tribunal de Justiça Conhecimento e provimento do recurso com fulcro no art 932 VIII do CPC cc art 31 VIII b do RITJERJ 55 Buscando efetivar o princípio da prioridade absoluta a lei previu um rol mínimo de preceitos a serem seguidos buscando tornar real o texto constitucional Segundo Dalmo de Abreu Dallari56 a enumeração não é exaustiva não estando aí especificadas todas as situações em que deverá ser assegurada a preferência à infância e juventude nem todas as formas de assegurála Seguindo a mais moderna técnica legislativa tratase de uma norma aberta com um mínimo legal mas permissiva de uma interpretação ampla a permitir o respeito e aplicação da doutrina da proteção integral57 A primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias assegurada a crianças e adolescentes é a primeira garantia de prioridade estabelecida no parágrafo único do art 4º da Lei n 806990 Havendo uma situação em que haja possibilidade de atender a um adulto ou crianças e adolescentes em idêntica situação de urgência a opção deverá recair sobre estes últimos Comum assistirmos até em filmes a equipes de resgate em situações de perigo ou calamidade pública nas quais primeiro evacuam do local crianças e jovens depois idosos e por fim os adultos Apesar de muitas vezes instintivo e natural tratase também do cumprimento da lei Na prestação de serviços públicos e de relevância pública crianças e jovens também gozam de primazia Assim em uma fila para transplante de órgão havendo uma criança e um adulto nas mesmas condições sem que se possa precisar quem corre maior risco de morte os médicos deverão atender em primeiro lugar a criança Da mesma maneira se o Poder Público precisar decidir se oferta vagas em projeto de alfabetização tardia para adultos ou de aceleração escolar para adolescentes não havendo recursos para ambos deve decidir por este último Claro que como toda norma esta deverá ser aplicada dentro dos limites do razoável No primeiro exemplo havendo condições de aferir que o adulto corre risco de morte e a criança tem condições de aguardar na fila o próximo transplante teremos na balança dois direitos indisponíveis vida e saúde que devem ser tutelados com a razoabilidade peculiar na busca da efetividade das normas Ou seja por óbvio que o adulto deverá ser transplantado pois não é lícito que por preciosismo e apego à norma se renuncie ao bom senso Não foi esse o objetivo da lei A discricionariedade do Poder Público também estará limitada na formulação e na execução das políticas sociais públicas pois há determinação legal em se assegurar primazia para políticas públicas destinadas direta ou indiretamente à população infantojuvenil Resta claro o caráter preventivo da doutrina da proteção integral em buscar políticas públicas voltadas para a criança para o adolescente e para a família sem as quais o texto legal será letra morta não alcançando efetividade social Não adianta só resolvermos os problemas apagando os incêndios A prevenção por meio das políticas públicas é essencial para o resguardo dos direitos fundamentais de crianças e jovens Por fim a última alínea do parágrafo único do art 4º da Lei n 806990 determina a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude transformando crianças e adolescentes em credores do governo O exemplo já nos foi dado pelo próprio legislador constituinte que reservou recursos nas três esferas do Poder Público para manutenção e desenvolvimento do ensino Art 212 A União aplicará anualmente nunca menos de dezoito e os Estados o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento no mínimo da receita resultante de impostos compreendida a proveniente de transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino Assim na elaboração do projeto de lei orçamentária deverá ser destinada dentro dos recursos disponíveis prioridade para promoção dos interesses infantojuvenis cabendo ao Ministério Público e demais agentes responsáveis em assegurar o respeito à doutrina da proteção integral fiscalizar o cumprimento da lei e contribuir na sua elaboração AÇÃO CIVIL PÚBLICA AGRAVO DE INSTRUMENTO ECA Conselho Tutelar Órgão criado com base na Constituição Federal para dar a seus destinatários especial atenção cabendo aos municípios dotálo de indispensável estrutura com inclusão de proposta orçamentária na lei orçamentária municipal para cumprir os seus fins Legitimidade do Ministério Público A legitimidade do Ministério Público para manejar ação civil é notória e indiscutível e sem dúvida cabível o controle pelo Poder Judiciário da legalidade e constitucionalidade dos atos do Poder Executivo Antecipação de tutela Decisão mantida É induvidoso que não só o art 227 da CRFB como o art 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente de modo expresso estabelecem regras acerca de garantia dos direitos e deveres para com crianças e jovens assegurando direitos e deveres com prioridade absoluta e de forma integral incluindose o uso dos recursos público direcionados para integral atendimento Assim a decisão agravada obriga o agravante a cumprir o que determina a lei inclusão na proposta orçamentária Recursos com determinação certa proporcionando o regular funcionamento do Conselho Tutelar Manutenção da decisão de antecipação de tutela na mesma linha do entendimento do parecer da Procuradoria de Justiça Recuso desprovido 58 Importante frisar ser de fundamental importância a atuação do Conselho Tutelar que por força do art 136 IX do ECA deve assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente É a cogestão do sistema jurídico infantojuvenil com atuação preventiva Com atuação preventiva e planejada o poder público não mais precisará se valer da velha desculpa de falta de previsão orçamentária para justificar o constante desrespeito aos direitos de nossas crianças e adolescentes até porque o Judiciário já a vem afastando É ler Apelação Cível Constitucional e Processual Civil Ação com pedido de tutela antecipada contra o Estado do Rio Grande do Sul Autorização para realização de exame de colonoscopia em paciente que não dispõe de recursos financeiros para tanto A garantia de saúde pública é dever do Estado especialmente por ligarse ao maior de todos os direitos que é o direito à vida e também ao princípio da dignidade humana O esgotamento da via administrativa não é requisito para a interposição de ação judicial Alegações de que o orçamento público restaria violado não procedem em face da prioridade que merece a saúde O fato de o art 196 da CF ser norma programática não isenta o Estado do dever de assegurar saúde já que mesmo a norma programática tem o condão de gerar diversos efeitos a serem observados pelos três poderes especialmente pelo Judiciário sempre que provocado Recurso improvido 59 Tornase oportuno salientar que lei orçamentária não é estanque Ao revés possui mecanismos de remanejamento de verbas No exercício desses mecanismos por óbvio deverá ser respeitada a opção do legislador constitucional de assegurar sempre prioridade para tutela dos interesses de crianças e adolescentes O que não se pode admitir pois foge por completo de todo o razoável é que o Poder Público por exemplo faça uso de recursos para propaganda de governo e não possa construir creche em local carente e sem educação infantil de qualquer espécie ainda que condenado judicialmente alegando ausência de previsão orçamentária Não há colidência entre princípios orçamentários e o princípio da prioridade absoluta pois como o próprio nome já o diz é absoluta não cabendo qualquer relativização de seu conteúdo O que falta é o respeito do nosso administrador público pela Lei Maior não se furtando a descumprila prestando um verdadeiro desfavor público Vontade política é ingrediente fundamental para uma nação justa e democrática Exigila é dever da sociedade Forçála é tarefa do Judiciário 3 PRINCÍPIO DO INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE OU DO MELHOR INTERESSE Sua origem histórica está no instituto protetivo do parens patrie do direito anglosaxônico pelo qual o Estado outorgava para si a guarda dos indivíduos juridicamente limitados menores e loucos Segundo Tânia da Silva Pereira60 no século XVIII o instituto foi cindido separandose a proteção infantil da do louco e em 1836 o princípio do superior interesse foi oficializado pelo sistema jurídico inglês Com sua importância reconhecida o best interest foi adotado pela comunidade internacional na Declaração dos Direitos da Criança em 1959 Por esse motivo já se encontrava presente no art 5º do Código de Menores ainda que sob a égide da doutrina da situação irregular A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança que adotou a doutrina da proteção integral reconhecendo direitos fundamentais para a infância e adolescência incorporada pelo art 227 da CF e pela legislação estatutária infantojuvenil mudou o paradigma do princípio do superior interesse da criança Na vigência do Código de Menores a aplicação do superior interesse limitavase a crianças e adolescentes em situação irregular61 Agora com a adoção da doutrina da proteção integral a aplicação do referido princípio ganhou amplitude aplicandose a todo público infantojuvenil inclusive e principalmente nos litígios de natureza familiar DIREITO DE FAMÍLIA RECURSO ESPECIAL AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE E MATERNIDADE AJUIZADA PELA FILHA OCORRÊNCIA DA CHAMADA ADOÇÃO À BRASILEIRA ROMPIMENTO DOS VÍNCULOS DECORRENTES DA FILIAÇÃO BIOLÓGICA NÃO OCORRÊNCIA PATERNIDADE E MATERNIDADE RECONHECIDOS 1 A tese segundo a qual a paternidade socioafetiva sempre prevalece sobre a biológica deve ser analisada com bastante ponderação e depende sempre do exame do caso concreto É que em diversos precedentes desta Corte a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica foi proclamada em um contexto de ação negatória de paternidade ajuizada pelo pai registral ou por terceiros situação bem diversa da que ocorre quando o filho registral é quem busca sua paternidade biológica sobretudo no cenário da chamada adoção à brasileira 2 De fato é de prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a biológica para garantir direitos aos filhos na esteira do princípio do melhor interesse da prole sem que necessariamente a assertiva seja verdadeira quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva No caso de ser o filho o maio interessado na manutenção do vínculo civil resultante do liame socioafetivo quem indica estado contrário ao que consta no registro civil socorrelhe a existência de erro ou falsidade art 1604 do CC2002 para os quais não contribuiu Afastar a possibilidade de o filho pleitear o reconhecimento da paternidade biológica no caso de adoção à brasileira significa imporlhe que se conforme com essa situação criada à sua revelia e à margem da lei 62 Tratase de princípio orientador tanto para o legislador como para o aplicador determinando a primazia das necessidades da criança e do adolescente como critério de interpretação da lei deslinde de conflitos ou mesmo para elaboração de futuras regras Assim na análise do caso concreto acima de todas as circunstâncias fáticas e jurídicas deve pairar o princípio do interesse superior como garantidor do respeito aos direitos fundamentais titularizados por crianças e jovens Ou seja atenderá o referido princípio toda e qualquer decisão que primar pelo resguardo amplo dos direitos fundamentais sem subjetivismos do intérprete Interesse superior ou melhor interesse não é o que o Julgador ou aplicador da lei entende que é melhor para a criança mas sim o que objetivamente atende à sua dignidade como pessoa em desenvolvimento aos seus direitos fundamentais em maior grau possível À guisa de exemplo vamos pensar em uma criança que está em risco vivendo pelas ruas de uma grande cidade dormindo ao relento consumindo drogas sujeita a todo tipo de violência Acolhêla e retirála das ruas mesmo contra sua vontade imediata é atender ao princípio do interesse superior Com o acolhimento buscase assegurar o direito à vida à saúde à alimentação à educação ao respeito como pessoa à sua dignidade a despeito de não se atender naquele momento ao seu direito de liberdade de ir vir e permanecer onde assim o desejar Tratase de mera ponderação de interesses e aplicação do princípio da razoabilidade Apesar de não conseguir assegurar à criança todos os seus direitos fundamentais buscouse a decisão que os assegura em maior número da forma mais ampla possível Infelizmente nem sempre a prática corresponde ao objetivo legal Não raro profissionais principalmente da área da infância e juventude esquecem se de que o destinatário final da doutrina protetiva é a criança e o adolescente e não o pai a mãe os avós tios etc Muitas vezes apesar de remotíssima a chance de reintegração familiar pois a criança está em abandono há anos as equipes técnicas insistem em buscar um vínculo jurídico despido de afeto Procurase uma avó que já declarou não reunir condições de ficar com o neto ou uma tia materna que também não procura a criança ou se limita a visitála de três em três meses mendigandose caridade amor afeto Enquanto perdura essa via crucis a criança vai se tornando filha do abrigo privada do direito fundamental à convivência familiar ainda que não seja sua família consanguínea A essa situação procurou a Lei n 120102009 responder fixando prazos para reavaliação e solução do caso de cada criança e adolescente acolhidos Indispensável que todos os atores da área infantojuvenil tenham claro para si que o destinatário final de sua atuação é a criança e o adolescente Para eles é que se tem que trabalhar É o direito deles que goza de proteção constitucional em primazia ainda que colidente com o direito da própria família Importante frisar que não se está diante de um salvoconduto para com fundamento no best interest ignorar a lei O julgador não está autorizado por exemplo a afastar princípios como o do contraditório ou do devido processo legal justificando seu agir no interesse superior do menor Segundo Canotilho63 os princípios ao constituírem exigências de otimização permitem o balanceamento de valores e interesses não obedecem como as regras à lógica do tudo ou nada consoante seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes em caso de conflito entre princípios estes podem ser objeto de ponderação de harmonização pois eles contêm apenas exigências ou standards que em primeira linha prima facie devem ser realizados Princípio do interesse superior é pois o norte que orienta todos aqueles que se defrontam com as exigências naturais da infância e juventude Materializálo é dever de todos 4 PRINCÍPIO DA MUNICIPALIZAÇÃO Apesar de não se tratar de um macroprincípio do sistema de garantias infantojuvenil é princípio prioritário na concretização da política de atendimento estabelecida no ECA A Constituição da República descentralizou e ampliou a política assistencial64 Disciplinou a atribuição concorrente dos entes da federação resguardando para a União competência para dispor sobre as normas gerais e coordenação de programas assistenciais65 Seguindo os sistemas de gestão contemporâneos fundados na descentralização administrativa o legislador constituinte reservou a execução dos programas de política assistencial à esfera estadual e municipal bem como a entidades beneficentes e de assistência social A cogestão da política assistencial acaba por envolver todos os agentes que por serem partícipes se responsabilizam com maior afinco em sua implementação e busca por resultados Acrescentese que é mais simples fiscalizar a implementação e cumprimento das metas determinadas nos programas se o Poder Público estiver próximo até porque reúne melhores condições de cuidar das adaptações necessárias à realidade local Aqui está o importante papel dos municípios na realização das políticas públicas de abrangência social A Lei n 806990 incorporou a modernidade e lógica desse pensamento seguindo a determinação do 7º do art 227 da Carta Constitucional Segundo Leoberto Narciso Brancher66 a mobilização da cidadania em torno da Constituição conseguiu romper com aquele ciclo concentrador e filantropista também no que se refere ao modelo de organização e gestão das políticas públicas voltadas ao asseguramento desses direitos Concentração que se dava não só verticalmente na distribuição das competências entre as esferas de governo com exclusão do papel municipal mas também horizontalmente no que se refere ao papel dos próprios atores do atendimento em âmbito local onde o modelo se concentrava monoliticamente na autoridade judiciária A relevância do Poder Público local na legislação estatutária é facilmente verificável O art 88 elenca as diretrizes da política de atendimento determinando sua municipalização criação de conselhos municipais dos direitos da criança criação e manutenção de programas de atendimento com observância da descentralização políticoadministrativa6768 A Lei n 12594 de 18 de janeiro de 2012 que constituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo Sinase conferiu aos Municípios o dever de formular instituir coordenar e manter o Sistema Municipal de Atendimento Socioeducativo criando e mantendo programas de atendimento para execução das medidas em meio aberto A execução das medidas socioeducativas que era de integral responsabilidade do Estado foi delegada em parte ao Município aplicação clara do princípio da municipalização A municipalização seja na formulação de políticas locais por meio do CMDCA seja solucionando seus conflitos mais simples e resguardando diretamente os direitos fundamentais infantojuvenis por sua própria gente escolhida para integrar o Conselho Tutelar seja por fim pela rede de atendimento formada pelo Poder Público agências sociais e ONGS busca alcançar eficiência e eficácia na prática da doutrina da proteção integral Risco social ou familiar em que se encontram crianças e adolescentes são mazelas produzidas pelo meio onde vivem Cabe portanto ao meio resolvê las e principalmente evitálas Mutatis mutandi é o mesmo princípio da responsabilidade civil aquele que causa o dano deve reparálo Contudo mostrase indispensável tornar a municipalização real exigindo que cada município instale seus conselhos sendo essencial nesse aspecto a atuação do Ministério Público fiscalizando a elaboração da lei orçamentária para que seja assegurada a prioridade nos programas sociais e a destinação de recursos para programações culturais esportivas e de lazer voltadas para a infância e juventude art 59 estabelecendo convênios e parcerias com o terceiro setor A despeito da regra geral da municipalização do atendimento é certo que Estado e União são solidários ao Município na tutela e resguardo dos direitos infantojuvenis O texto do art 100 parágrafo único III do ECA assim o determina É ler III responsabilidade primária e solidária do poder público a plena efetivação do direito assegurado a crianças e adolescentes por esta Lei e pela Constituição Federal salvo nos casos por esta expressamente ressalvados é de responsabilidade primária e solidária das 3 três esferas de governo sem prejuízo da municipalização do atendimento e da possibilidade da execução de programas por entidades não governamentais REFERÊNCIAS ÁVILA Humberto Teoria dos princípios Da definição à aplicação dos princípios jurídicos 4 ed São Paulo Malheiros 2005 BRANCHER Leoberto Narciso Organização e gestão do sistema de garantias de direitos da infância e da juventude Encontros pela justiça na educação Brasília FundescolaMEC 2000 CANOTILHO J J Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição Coimbra Almedina 1998 DALLARI Dalmo de Abreu Art 4º In CURY Munir coord Estatuto da Criança e do Adolescente comentado Comentários jurídicos e sociais 7 ed rev e atual São Paulo Malheiros 2005 NOGUEIRA Paulo Lúcio Estatuto da Criança e do Adolescente comentado São Paulo Saraiva 1998 PEREIRA Tânia da Silva O princípio do superior interesse da criança da teoria à prática II Congresso Brasileiro de Direito de Família 1999 Belo Horizonte Anais IBDFAM OABMG Del Rey 2000