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Sociologia do Direito

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Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 375 Data de recebimento 20092018 Data de aceitação 14122018 O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA CONTEMPORANEIDADE E SEU REFLEXO NA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA JÉFFERSON FERREIRA CASAGRANDE1 RODRIGO VALENTE GIUBLIN TEIXEIRA2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 2 O SISTEMA JURÍDICO PERSONALISTA ÉTICO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA SOCIEDADES DE MASSA E DE REDE 3 DO MONOPÓLIO JUDICIAL E ATIVISMO JUDICIAL 4 DO ACESSO À JUSTIÇA SEUS OBSTÁCULOS E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO REFLEXO E COMO FUNDAMENTO DO ESTADO BRASILEIRO 41 Problema educacional 42 O Problema cultural 43 Problema do alto custo do processo 44 Duração do processo 45 Acesso à justiça como reflexo da dignidade humana 46 O acesso à justiça como ideal de igualdade nas relações sociais 5 RECONFIGURAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO COMO REFLEXO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS RESUMO Esse artigo dedicase a estudar a reconfiguração do papel do Poder Judiciário na contemporaneidade adequando a temática fazendo uma análise crítica acerca da garantia constitucional do acesso à justiça em face de paradigmas de hermenêutica jurídica e seus entraves atingindo neste contexto a própria dignidade humana Para tanto se faz necessário uma breve análise sobre o Sistema Jurídico e o Personalismo Ético nas Sociedades de Massa e de Rede abordando o monopólio judicial e as influências do ativismo judicial na sociedade contemporânea Propõese analisar a problemática trazida pela evolução tecnológica e dos novos direitos a partir de uma concepção da teoria dos direitos fundamentais o papel do papel judiciário na contemporaneidade e da hermenêutica jurídica na prestação da tutela jurisdicional efetiva Sendo necessário a quebra dos obstáculos atribuídos aos cidadãos ao acesso à justiça e a razoável duração do processo garantindo a todos independentemente de sua condição econômica raça credo religioso o direito resguardado No presente estudo utilizouse o método dedutivo sendo a pesquisa de caráter qualitativo A análise tem caráter explicativo e a 1 Mestrando em Ciências Jurídicas pela UniCesumar em MaringáPR Bolsista do Programa PROSUP da CAPES na modalidade integral Email jefcas18hotmailcom 2 Doutor pela PUCSP Mestre pela UELPR Bolsista de Produtividade em Pesquisa do ICETI Instituto Cesumar de Ciência Professor Titular do Mestrado e da Graduação na UniCesumar Advogado Email rodrigorodrigovalentecombr Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 376 técnica de pesquisa utilizada foi a bibliográfica Ressaltase que o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil CAPES Código de Financiamento 001 PALAVRASCHAVE Poder Judiciário Contemporaneidade Dignidade à Pessoa Humana Acesso à Justiça Globalização THE ROLE OF THE JUDICIARY IN THE CONTEMPORANEITY AND ITS REFLECTION ON HUMANDIGNITY ABSTRACT This article is devoted to studying the reconfiguration of the role of the Judiciary Power in the contemporary world adapting the theme by making a critical analysis about the constitutional guarantee of access to justice in the face of legal hermeneutic paradigms and their obstacles reaching in this context human dignity itself Therefore a brief analysis is needed on the Legal System and Ethical Personalism in Mass and Network Societies addressing the judicial monopoly and the influences of judicial activism in contemporary society It proposes to analyze the problematic brought by the technological evolution and of the new rights from a conception of the fundamental rights theory the role of the judicial paper in the contemporaneity and of the legal hermeneutics in the provision of effective judicial protection If necessary the breakdown of the obstacles granted to citizens to access to justice and the reasonable duration of the process guaranteeing to all regardless of their economic condition race religious creed the protected right In the present study the deductive method was used being the qualitative research The analysis has an explanatory character and the research technique used was the bibliographical one It should be noted that this study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil CAPES Finance Code 001 KEYWORDS Judicial Power Contemporaneity Dignity to the human person Access to justice Globalization INTRODUÇÃO Esse artigo dedicase a analisar a reconfiguração do Poder Judiciário na contemporaneidade e seu reflexo no princípio da dignidade da pessoa humana A escolha do tema se deu pela sua relevância por ser um tema complexo e também contemporâneo pois reflete o atual cenário do qual estamos inseridos O discurso de termos um poder judiciário efetivo e eficaz vem sendo adaptado à realidade vivenciada nos dias atuais Esta visão distorcida de justiça é causada pela própria ineficiência do Estado onde apenas uma pequena parcela é capaz financeiramente de contratar bons advogados e lutarem Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 377 pelos seus direitos enquanto a outra parcela fica à mercê da sorte Fazse necessária uma nova interpretação desse discurso para a efetivação e garantia para a dignidade da pessoa humana Nesse aspecto o objetivo geral da presente pesquisa é estudar a reconfiguração da figura do Poder Judiciário nos dias atuais e o reflexo do acesso à justiça em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana em uma sociedade de massa e de rede globalizada como a nossa Com a emergência do fenômeno da globalização mudanças significativas ocorreram no cenário global e impactaram em diversas áreas inclusive na efetividade dos direitos fundamentais e para tanto necessário uma nova instrumentalização do Poder Judiciário para que todos possam ter direitos resguardados Quanto à metodologia de pesquisa foi adotado o método dedutivo sendo a pesquisa de caráter qualitativo pois a pesquisa busca compreender e interpretar o tema a partir de referenciais teóricos já elaborados A análise tem caráter explicativo e a técnica de pesquisa utilizada foi à pesquisa bibliográfica Por fim fazse necessário estudar essa nova e incitante realidade que se manifesta atualmente nos direitos fundamentais da pessoa humana de modo que a importância do tema e do estudo ora proposto se justificam como forma de contribuir para a efetividade dos direitos assegurados ao indivíduo e a importância do Poder Judiciário como garantidor deles 2 O SISTEMA JURÍDICO PERSONALISTA ÉTICO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA SOCIEDADES DE MASSA E DE REDE Por primeiro evidenciase que desde a antiguidade e até os dias de hoje a sociedade busca a felicidade a satisfação de suas necessidades a harmonia e o bemestar o que se torna cada vez mais complexa na medida em que a sociedade avança em tecnologia e carece de maiores necessidades resultando em uma constante insatisfação Com o avanço da tecnologia a sociedade passou a buscar cada vez mais a informação mesmo que sequer tenha condições de acompanhar seus avanços sem uma adequação e proteção devida à personalidade do indivíduo A velocidade da transmissão de dados do marketing e da forma de contratar com determinado público seja na forma quanto suas cláusulas viola a capacidade da pessoa em seus direitos fundamentais Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 378 Neste sentido afirma Cantali3 que a autonomia deve ser entendida além de sua relação exclusiva com a liberdade contratual pelo fato daquela ser tida como o poder que o indivíduo tem de ser o autor regulamentar dos seus próprios interesses na concretização de seu projeto espiritual Acrescenta ainda que tal perspectiva de mudança foi imposta ao sistema jurídico pós positivista centrado na principiologia e nos valores unificadores da dignidade da pessoa humana Portanto notase que o avanço e a tecnologia estão presentes no trabalho e na vida das pessoas cada vez mais conectadas em que se percebe uma coisificação da pessoa A comunicação e o marketing são direcionados para as massas não há distinção entre as pessoas mas sim uma massificação de determinados grupos como se os transformasse em uma célula onde não há distinção individual Na atual conjectura histórica a sociedade vive uma realidade direcionada para o consumo em massa com grandes quantidades de produção e distribuição dos mais diversos produtos e serviços tornando nas palavras de Cláudia Lima Marques4 o comércio despersonalizado e desmaterializado predominando um fluxo massificado representados por contratos de adesão pelo meio físico mas cada vez mais predominante os de meio eletrônico Nesta perspectiva quando diz respeito a aspectos de dimensões da dignidade da pessoa humana estáse a referir num primeiro momento a complexidade da própria pessoa humana e do meio no qual desenvolve sua personalidade Assim para além desta referência tão elementar quanto relevante o que se pretende apontar e sustentar à luz de toda uma tradição reflexiva é que a noção de dignidade da pessoa humana especialmente no âmbito do Direito para que possa dar conta da heterogeneidade e da riqueza da vida integra um conjunto de fundamentos e uma série de manifestações5 Portanto com a complexidade social as garantias que integram a lista dos direitos humanos aumentam Tais direitos quando positivados integram o espaço normativo do sistema constitucional tornandose doravante direitos fundamentais com o mesmo caráter de universalidade6 3 CANTALI Fernanda Borghetti Direitos da Personalidade p 201 4 MARQUES Cláudia Lima Contratos no Código de defesa do consumidor o novo regime das relações contratuais p 52 5 SARLET Ingo Wolfgang As dimensões da dignidade da pessoa humana construindo uma compreensão jurídicoconstitucional necessária e possível p 1617 6 CLÉVE Clémerson Merlin Poder Judiciário Autonomia e Justiça Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 379 Assim sendo colocar em prática o que disciplina a Carta Magna quanto à dignidade da pessoa humana merece proteção integral pois é o ser humano detentor de um patrimônio moral como a honra a integridade física e psicológica O que se tutela é o valor da pessoa em seu universo de individualidade Neste contexto é que se insere a importância do Poder Judiciário na preservação da dignidade da pessoa humana em todas as condutas humanas ações e omissões visando dar a cada o que é seu por direito 3 DO MONOPÓLIO JUDICIAL E ATIVISMO JUDICIAL Há duas visões que se pode obter através da denominação de monopólio judicial a primeira7 diz respeito ao fato de que tudo que tem que passar pelo crivo do Estado e em tese só ele através do Poder Judiciário poderia dizer o direito no caso concreto A crítica8 feita a esta visão se dá pelo fato do Estado ser responsável pelo mau funcionamento de seus serviços públicos ou mesmo pela falta desses serviços e a prestação jurisdicional é um serviço público que está à disposição da sociedade de forma precária ineficaz incompleta isso gera insegurança causa prejuízos danos e principalmente viola direitos Portanto o direito fundamental de acesso à justiça tem como princípio a efetiva prestação jurisdicional em tempo razoável não basta ao Estado dizer o direito se não for capaz de garantir a efetividade desse direito de uma maneira justa e célere Em uma segunda visão sobre o monopólio judicial temse exatamente a figura do ativismo judicial em que se faz necessário inserir esse aspecto para debater a questão no poder judiciário contemporâneo Partindo de premissas filosóficas temse a teoria kelseniana que é a melhor expressão do pensamento jurídico positivo portanto não se pode admitir que um tribunal preencha a lacuna normativa pela criação de uma correspondente norma por lhe faltar a premissa necessária a norma geral9 O ponto central de Kelsen é a completude da ordem jurídica que promoverá sempre as respostas aos casos individuais quer regulando as condutas positiva ou negativamente 7 CLÉVE Clémerson Merlin Poder Judiciário Autonomia e Justiça 8 FANUCK Lia Celi O Estado os serviços públicos e a administração de pessoal 9 COSTA Alexandre Araújo A Teoria Pura do Direito Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 380 A jurisprudência vem admitindo o ativismo judicial porém há necessidade de cautela neste ponto para não ser excessiva a autonomia judicial sob risco de colidir e invadir a esfera do poder legislativo e muitas vezes ocasionar lesão a direitos dos indivíduos A postura ativista10 se manifesta por meio de diferentes condutas que incluem i a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário ii a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição iii a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público notadamente em matéria de políticas públicas Portanto o problema do ativismo é demasiadamente simplificador da prática judicial por colocar em segundo plano o caráter institucional político e socialmente inserido dos tribunais Pensamento esse compartilhado por Jasson Ayres11 em que aponta a visão horizontal do magistrado ao interpretar a legislação ultrapassando os limites legais do positivismo jurídico com fundamento nos princípios gerais Posto isso é necessário o Poder Judiciário aplicar a lei no caso concreto ainda que haja lacuna normativa seja através da aplicação da analogia dos princípios gerais do direito e da equidade e mesmo assim quando não for compatível com o caso concreto poderá se valer de novos mecanismos que em tese seriam inerentes ao Poder Legislativo para que possa garantir os direitos de todos os indivíduos Importante salientar que no cenário internacional nos países da América Latina do Leste Europeu e da África do Sul a adoção do constitucionalismo se dá com a implementação de regimes democráticos após um longo período de governos ditatoriais Um Judiciário forte aparece assim como garantia dos novos arranjos democráticos12 Aliado a isso a adoção de Constituições democráticas e rígidas com catálogo de direitos fundamentais supremos e protegidos contra as maiorias parlamentares resultou em um novo modo de interpretar e aplicar o Direito Isto por sua vez implicou no caso do Brasil um aumento da atividade do Poder Judiciário e uma preponderância desse poder nas decisões políticas do Estado brasileiro colocando essa questão no centro do debate jurídico e político atual13 10 BARROSO Luís Roberto Judicialização Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática 11 TORRES Jasson Ayres O Acesso à Justiça e soluções alternativas p 54 12 TATE C Neal VALLINDER Torbjõrn The Global Expansion of Judicial Power p 2 13 BARBOZA Estefânia Maria de Queiroz KOZICKI Katya Judicialização da política e controle judicial de políticas públicas Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 381 4 DO ACESSO À JUSTIÇA SEUS OBSTÁCULOS E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO REFLEXO E COMO FUNDAMENTO DO ESTADO BRASILEIRO O conceito do acesso à justiça tem sofrido uma transformação sistemática no decorrer dos séculos pois nos estados liberais burgueses dos séculos XVIII e XIX o direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação direitos esses que eram considerados anteriores ao Estado de modo que esse permanecia passivo com relação aos problemas como por exemplo para analisar aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendêlos adequadamente14 Assim à medida que as sociedades do laissefaire cresceram em tamanho e complexidade o conceito de direitos humanos começou a sofrer uma transformação radical onde as ações e relacionamentos assumiram cada vez mais caráter coletivo em relação ao individual deixando para trás a visão individualista reconhecendo os direitos e deveres sociais dos governos comunidades e indivíduos estabelecidos no preâmbulo na Constituição Francesa de 1946 quais sejam direito ao trabalho à saúde à segurança material e à educação15 Passase portanto a admitir a atuação estatal positivamente para assegurar o gozo de todos esses direitos sociais básicos mais além vez que o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido e encarado como requisito fundamental o mais básico dos direitos humanos de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda atingir16 Assim na visão contemporânea o acesso à justiça é conceituado como sendo um direito fundamental previsto no rol do artigo 5 da Constituição Federal de 1988 à pessoa humana Esses direitos são consagrados em seu Título II denominado Dos Direitos e Garantias Fundamentais17 Portanto apesar de não estampar de maneira clara o acesso à justiça como direito fundamental elencado no art 5 o faz de modo implícito ao contemplar no artigo 1 inciso III a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado brasileiro18 Assim como através dos objetivos da República Federativa do Brasil previsto no artigo 3 em especial ao inciso I e IV que retratam respectivamente em construir uma sociedade 14 CAPPELLETTI Mauro GARTH Bryant Acesso à Justiça p9 15 CAPPELLETTI Mauro GARTH Bryant Acesso à Justiça p 10 16 CAPPELLETTI Mauro GARTH Bryant Acesso à Justiça Porto Alegre Fabris 1998 p10 17 SIQUEIRA Dirceu Pereira OLIVEIRA Flávio Luis de Acesso à Justiça p 7 18 SIQUEIRA Dirceu Pereira OLIVEIRA Flávio Luis de Acesso à Justiça p 8 Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 382 livre justa e solidária e promover o bem de todos sem preconceitos de origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação Dessa forma em uma sociedade cada vez mais complexa na atuação e relações entre pessoas físicas e jurídicas é que se faz necessário ser garantido primeiro o acesso à justiça a todos indistintamente perpassando por todos os obstáculos a seguir expostos e sendo enfrentados para que na sociedade contemporânea seja preservado o princípio basilar de todo o ordenamento jurídico pátrio que é o da dignidade da pessoa humana O conceito de acesso à justiça não pode ser examinado sobre um enfoque meramente literal significa também o direito a um devido processo vale dizer um processo carregado de garantias processuais um processo equitativo justo que termine em prazo mínimo razoável e produza uma decisão eficaz O Estado terá que instituir órgãos jurisdicionais e permitir que as pessoas tenham acesso aos órgãos contudo vale consignar a preocupação de Gallassi19 que afirma que a maioria da população brasileira tem o sentimento de que não há acesso à justiça no Brasil Em sendo indispensável uma porta de entrada é necessário igualmente que exista uma porta de saída quer dizer de nada adiantaria garantirse o direito de postulação a um juiz sem um devido processo em direito A Constituição Federal inciso LIV do art 5º dispõe Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal Interpretando essa norma constatase que o princípio do devido processo legal possui dois sentidos i formal ou adjetivo e ii material ou substantivo Nessa linha de raciocínio importante salientar de André L Borges Netto20 a qual dispõe que são duas as facetas do devido processo legal i a adjetiva a qual garante aos cidadãos um processo justo e que se configura como um direito negativo na medida em que o conceito dele extraído apenas limita a conduta do governo quando este atua no sentido de restringir a vida a liberdade ou o patrimônio dos cidadãos e ii a substantiva que mediante autorização da Constituição indica a existência de competência a ser exercida pelo Judiciário no sentido de poder afastar a aplicabilidade de leis ou de atos governamentais na hipótese de serem arbitrários tudo como forma de limitar a conduta daqueles agentes públicos Portanto considerando a dimensão adjetiva do Princípio do Devido Processo Legal o conceito de Justiça se materializa na realização de um efetivo acesso à justiça 19 GALLASSI Almir O acesso à justiça como garantia dos direitos fundamentais das minorias sociais p1 20 NETTO André L Borges A Razoabilidade Constitucional Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 383 41 Problema Educacional O problema do acesso à justiça começa no plano educacional sendo esse o ponto de partida isto é podese mesmo dizer que o acesso à justiça começa a partir da possibilidade de conhecer os direitos Segundo dados fornecidos respectivamente pelo IBGE e pela Unesco em 2017 há aproximadamente 118 milhões de analfabetos21 no Brasil e 758 milhões de analfabetos no mundo22 Percebese assim que o problema da informação está relacionado com o princípio democrático na medida de quem não está informado dos seus direitos não tem como exercê los O governo brasileiro tem realizado investimentos maciços e bem orientados em políticas públicas em educação e numa melhor divisão da renda do país de modo a que todos os cidadãos tenham condições dignas de vida porém até os dias atuais tal esforço ainda não se manifestou de maneira concisa para que haja uma solução efetiva na problemática abordada 42 O problema cultural Diz respeito ao sentimento de insegurança e injustiça em muitas decisões do Poder Judiciário em relação à população Muitas pessoas simplesmente não acreditam na imparcialidade de tais agentes Aqui também há um agravamento da desconfiança quando os órgãos encarregados de fiscalizar os juízes e os membros do Ministério Público deixam de punir eventuais desvios éticos e jurídicos Assim punir rigorosamente eventuais desvios éticos de alguns desses profissionais em muito contribuirá para estabelecer a confiança daqueles que necessitam ter acesso à justiça como clientes seja em relação aos advogados e jurisdicionados seja em relação aos juízes membros do Ministério Público e servidores Isso porque em seu aspecto histórico temos que as ideias iluministas do século XVIII trouxeram à tona a discussão referente à Justiça aliandoa até os dias atuais à ideia de igualdade As ideias iluministas sobre a justiça igualitária foram geradas pelos conflitos 21 IBGE Brasil tem 118 milhões de analfabetos metade está no Nordeste 22 UNESCO 758 milhões de adultos não sabem ler nem escrever frases simples Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 384 históricos entre a Igreja a classe aristocrática e a burguesia e desembocaram em transformações políticas importantes tais como a criação e a expansão de direitos civis e a redução da influência de instituições hierárquicas como a nobreza e à Igreja Essas transformações aliadas aos eventos políticos também gerados à luz das ideias iluministas tais como a revolução francesa e russa e todos os movimentos independentistas dentre os quais a independência brasileira do reinado de Portugal foram de extrema importância para a constituição do mundo moderno Por isso embora a oposição Justiça e Injustiça pareça noção onisciente que sempre existiu seu significado atual aparece arraigado nas ideias igualitaristas provenientes do século XVIII frutos da revolução francesa que aliou definitivamente a noção da justiça à noção da igualdade A igualdade de direitos de deveres de oportunidades expressase diferentemente conforme as ideologias políticas da sociedade atual Neste ínterim Kelsen diz que se deve ser pautada uma análise racional a partir da teoria do direito material procurando extrairse da norma o justo e que estas normas são imanentes à razão ou que a razão como autoridade normativa como legisladora prescreve aos homens conduta reta isto é conduta justa sendo este o direito porque é o racional23 43 Problema do alto custo do processo O processo exige um custo altamente considerável ante a necessidade de investimento por parte do Estado em prédios equipamentos material de escritório servidores juízes etc Uma das tentativas de solução é a questão gratuidade do acesso à justiça que engloba dentre outros fatores a assistência jurídica e assistência judiciária a dispensa do pagamento de taxas custas e qualquer outra despesa processual Em que pese já haja na legislação pátria a gratuidade das custas processuais24 e dos honorários advocatícios25 bem como assistência jurídica gratuita aos necessitados na forma da lei estas carecem de maiores fiscalizações de documentos comprobatórios de condição de necessitado economicamente pelo Poder Judiciário o que resulta em distorções no uso de tal benesse 23 KELSEN Hans O problema da justiça p 85 24 Art 98 CPC2015 25 Os honorários sucumbenciais ficarão conforme prevê o 3º do art 99 do CPC15 sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se nos 5 anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou e desde que o credor demonstre que o devedor deixou de ser beneficiário da concessão da gratuidade Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 385 Assim sendo deve o Estado garantir o acesso à justiça a todos os necessitados com a criação de um serviço de advocacia pública eficiente O critério para que se possam utilizar tais serviços é o mesmo já exposto nos itens anteriores ou seja havendo dúvida quanto à situação econômicofinanceira do requerente por se tratar de um direito juris tantum o benefício deve ser concedido cujo trabalho será realizado pela Defensoria Pública ou com a nomeação de advogado dativo 44 Duração do processo O problema da demora excessiva do julgamento das causas é dos mais graves na medida em que está diretamente relacionado com a ideia de efetividade resultando muitas vezes na prática em verdadeira negação do acesso à justiça As possíveis soluções começam por políticas econômicas dos governos no sentido de tentar a máxima divisão de renda entre os cidadãos pois consequentemente reduzirão os conflitos e como reflexo direto a quantidade dos processos De outro lado os governos também deverão orientar sua política econômica no sentido da efetivação do serviço da administração da justiça No que se refere às partes e aos advogados cumpre uma atuação processual competente e regular evitandose assim demoras com emendas e correções e dispensando a prática de atos processuais procrastinatórios Deve o Poder Judiciário atuar de maneira firme no que se refere à sua própria atividade administrativa sendo rigoroso na fiscalização e punição de juízes e servidores faltosos mas também investindo na melhor preparação intelectual de tais agentes E preparálos para compor a lide através de resoluções extrajudiciais de conflitos 45 Acesso à justiça como reflexo da dignidade humana Dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental amparado na Constituição Federal de 1988 e com vistas a garantir a efetivação desse princípio na ordem jurídico constitucional brasileira aprouve ao constituinte projetar alguns valores embutidos no referido princípio em direitos normatizados os quais dada a sua importância material na realização do princípio colocado no art 1º inc III da Constituição Federal foram classificados como fundamentais Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 386 O direito ao acesso à justiça encontra respaldo na Constituição Federal de 1988 mais precisamente em seu art 5º inciso XXXV Desta forma temse que o direito processual de Acesso à Justiça faz relação com o Direito Constitucional e é elevado a direito fundamental pois se caracteriza como direito inerente ao ser humano vez que não há dignidade da pessoa humana sem a efetivação de seus direitos Portanto entendese que os direitos fundamentais são a concretização do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana Nesta linha Sarlet26 dispõe que o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana são conceitos indissociáveis e se mostram presentes na definição dos direitos fundamentais e naquilo que se convencionou chamar de jurisdição constitucional Partindo da premissa vislumbrase que o direito ao mínimo existencial dispõe sobre as condições básicas que uma pessoa necessita para viver em sociedade através de promoção pelo Estado de comportamentos positivos que incluem dentre outros a assistência social aos indivíduos que se encontram segregados em sua vida social em razão de sua precária condição física e mental não dispondo de condições de prover sua própria manutenção Contudo não há como definir um rol taxativo do que seja o mínimo existencial de modo que a evolução da vida em sociedade faz com que novas necessidades surjam aos cidadãos embora devam estar sempre interligadas ao princípio da dignidade da pessoa humana na medida em que sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes em verdade estarseá lhe negando a própria dignidade Assim o acesso à justiça deve ser garantido e promovido pelo Estado através das mais diversas ações para que os cidadãos possam buscar a efetivação dos seus direitos Nas lições de Capelletti e Garth27 o acesso à justiça pode portanto ser encarado como o requisito fundamental o mais básico dos direitos humanos de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir e não apenas proclamar os direitos de todos Portanto a relação entre o direito de acesso à justiça e a dignidade da pessoa humana é tido como algo indissociável a fim de conferir efetividade aos direitos e garantias fundamentais previstos no texto constitucional em outras palavras não basta ter direito se não forem efetivados Destarte para Silva28 são termos dissociáveis o Acesso à Justiça e a Dignidade da Pessoa Humana na medida em que os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os 26 SARLET Ingo Wolfgang A eficácia dos direitos fundamentais p 1 27 CAPPELLETTI Mauro GARTH Bryant Acesso à justiça p1 28 SILVA José Afonso da Curso de direito constitucional positivo p 96 Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 387 sistemas de normas não podendo sofrer restrições fato que não ocorre com os direitos fundamentais os quais não possuem caráter absoluto Nesse panorama a característica principal dos direitos fundamentais residiria antes do fato de estarem dispostos no texto constitucional na sua fundamentalidade material no art 1º inciso III da Constituição Federal em diversos setores da vida e convivência humanas29 46 O acesso à justiça como ideal de igualdade nas relações sociais O ideal de igualdade nas relações sociais é alcançado por quem vê através do Poder Judiciário um meio de resolução de conflitos e tem acesso a ele independente de sua condição social Assim podese afirmar que o ideal de justiça é valorizado por quem procura o Poder Judiciário para resolver um problema e encontra a aplicação do direito com segurança e respeito30 atrelado ainda à ideia de certa igualdade Nesta linha de pensamento citase desde Platão Aristóteles passando por Santo Tomás até os juristas moralistas e filósofos contemporâneos31 Portanto a ideia de justiça consiste numa certa aplicação da ideia de igualdade O essencial é definir essa aplicação de tal forma que mesmo constituindo o elemento comum das diversas concepções de justiça ela possibilite as suas divergências Isto só é possível se a definição da noção de justiça contém um elemento indeterminado uma variável cujas diversas determinações ensejarão as mais opostas fórmulas de justiça Assim tal aspiração está presente em todos os momentos da vida das pessoas sendo um motivo de reflexão em todos os povos de todos os tempos Temse enfatizado no decorrer da história conforme já salientado que essas reclamações de acesso e da busca de igualdade nas relações sociais é que exigem da sociedade como um todo e do Poder Judiciário como instituição providências concretas para aproximar o cidadão apresentando alternativas para apaziguar ânimos exaltados e encontrar a paz32 No Brasil o Conselho Nacional de Justiça deu importante passo com a Resolução n 125 de 29 de novembro de 2010 no sentido de esclarecer plenamente a questão ao criar Políticas Públicas de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses considerando que o 29 MARINONI Luiz Guilherme Técnica processual e tutela dos direitos p 2 30 TORRES Jasson Ayres O Acesso à Justiça e soluções alternativas p1 31 PERELMAN Chaïm Ética e direito p 14 32 TORRES Jasson Ayres O Acesso à Justiça e soluções alternativas p 24 Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 388 direito de acesso à justiça implica acesso à ordem jurídica justa e que a conciliação e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social solução e prevenção de litígios33 Portanto a visão de uma justiça ideal para o cidadão decorre das transformações sociais originárias através da evolução história do direito da análise e apreciação dos valores existentes e experimentados na construção da vida levou estudiosos a desenvolver ao longo desta trajetória meios alternativos para a solução de litígios visando maior dinamismo uma Justiça com fronte erguida olhos abertos com visão horizontina34 Neste contexto querer uma justiça moderna não significa somente mudar as normas disciplinadoras do processo É preciso criar uma consciência de que o direito do cidadão deve ser respeitado evitando uma prática de litigar simplesmente para se opor a um direito que muitas vezes já é consenso e reiteradamente decidido numa determinada direção Deste modo a busca de Acesso à Justiça passa a ser uma aspiração do povo onde deve o Estado intervir organizando como pode ser feita essa ponte do cidadão ao Poder Judiciário De nada adianta a Constituição Federal de 1988 ter garantido e afirmados direitos dentre eles o acesso à justiça como um direito fundamental dos povos irem até o Poder Judiciário se na prática o jurisdicionado precisa percorrer por exigências formais ritos e aguardar um tempo excessivo a decisão sobre o direito reclamado restando em descrédito do Poder Judiciário Neste contexto é que deve ser garantido o devido acesso à justiça e que seja efetivada a razoável duração processual para que a população volte a acreditar no Poder Judiciário e leve até ele lesão ou ameaça de lesão a seu direito consoante estabelece a Carta Magna de 1988 Portanto o Poder Judiciário do século XXI se insere como um determinante e relevante papel nas relações sociais existentes no ordenamento jurídico pátrio em harmonia com os demais poderes instituídos em nosso regime democrático dentre eles o Poder Legislativo e Executivo visando adaptar a realidade à novas formas de evitar barreiras do acesso à justiça e das garantias processuais e fundamentais do povo com efetividade e prolação da sentença em um prazo razoável sem muitas formalidades 33 PÁDUA Idiene Aparecida Vitor Proença Acesso à justiça pacificação social e desenvolvimento sustentável novas concepções e interrelações p 354 34 TORRES Jasson Ayres O Acesso à Justiça e soluções alternativas p 25 Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 389 5 RECONFIGURAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO COMO REFLEXO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Na sociedade cada vez mais complexa em que vivemos o ser humano encontra desafios diários Alguns maiores e outros menores mas cada um com suas próprias particularidades Portanto quando se fala em direitos humanos muitas vezes a sociedade tende a pensá los como a solução para seus problemas sem entretanto saber ao menos o que eles são Para alguns estudiosos da ciência jurídica os direitos humanos são aqueles fundamentais de todos os cidadãos para outros são aqueles ligados à natureza do ser humano quais sejam os que já nascem junto com o indivíduo os chamados direitos naturais Partindo de uma concepção conceitual Bobbio35 entende que os direitos do homem por mais fundamentais que sejam são direitos históricos ou seja nascidos em certas circunstâncias caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes e nascidos de modo gradual não todos de uma só vez nem de uma vez por todas Em relação à titularidade desses direitos contemplase sua acepção determinando uma exclusiva condição de aplicabilidade qual seja a exigência do destinatário se constituir um ser humano Isto é além do reconhecimento dos direitos humanos na ordem jurídica fazse necessário que o Estado adote medidas que garantam sua proteção efetiva a todos Em contrapartida afirmase que os direitos humanos possuem caráter universal e são inerentes à pessoa humana e não relativos aos aspectos sociais e culturais de uma determinada sociedade pelo simples fato de abrangerem direitos civis políticos sociais culturais e econômicos36 Quando se trata de direitos humanos está se tratando de lutas sociais que levam a certos objetivos almejados pela sociedade São aqueles direitos que garantem a vida digna que cada cidadão deveria ter sem qualquer diferença entre uns e outros Do ponto de vista histórico entendese que os direitos humanos refletem e traduzem um processo de luta e ação social em prol dos direitos à dignidade da pessoa humana Isso configura o caráter pessoal dos direitos humanos impondo como premissa que todo ser humano tem o direito de ser respeitado como pessoa e de não ser prejudicado em sua existência37 35 BOBBIO Norberto A Era dos Direitos p 30 36 PIOVESAN Flávia A Constituição brasileira de 1988 e os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos p 47 37 SILVEIRA Vladmir Oliveira da ROCASOLANO Maria Mendez Direitos humanos p 218220 Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 390 Analisando o aspecto histórico foi na Inglaterra em meados do Século XIII mais especificamente em 1215 com a Magna Charta Libertatum que surge a primeira manifestação em prol dos Direitos Humanos com a inserção de direitos fundamentais à Constituição Inglesa A Magna Carta foi a declaração assinada pelo Rei João I também conhecido como João Sem Terra diante do clero e barões ingleses a fim de outorgar as liberdades da igreja e do reino38 Ainda na Inglaterra em 1968 foi promulgado o Bill of Rights Declaração de Direitos com a qual findou o regime de monarquia absoluta no qual todo poder emana do rei e em seu nome é exercido Fábio Konder Comparato aduz que embora não tenha sido uma declaração de direitos humanos a Bill of Rights criou através da divisão de poderes aquilo que posteriormente a doutrina constitucionalista alemã chamaria de garantia institucional com o fito de proteger os direitos constitucionais da pessoa humana39 Há também que se mencionar em meados de 1776 dessa vez nos Estados Unidos a Declaração de Direitos de Virgínia40 que foi precursora da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América a qual foi ratificada em 04 de julho do mesmo ano em que se lutava pelo reconhecimento de igualdade e independência conforme dispõe seu primeiro artigo Frisase que a Declaração de Virgínia traz o reconhecimento de direitos inatos de toda a pessoa humana e também o princípio de que todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido41 Por sua vez a Revolução Francesa que se iniciou em 1789 contribuiu para a formação dos antecedentes históricos dos Direitos Humanos de modo que com ela foi abolida a servidão e os direitos dos Senhores Feudais além de proclamar os direitos de Liberdade Igualdade e Fraternidade Tanto a Declaração de Direitos de Virgínea quanto a Revolução Francesa foram essenciais ao apontar ao ser humano os direitos naturais inalienáveis invioláveis e imprescritíveis42 A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 tinha como base o pensamento iluminista e a Revolução Americana43 defendendo a liberdade social a igualdade de direitos entre os homens a segurança a liberdade de expressão entre outros Tal declaração levou a avanços sociais quando garantia aos povos direitos iguais a todos além de permitir a sua participação na política 38 COMPARATO Fábio Konder A afirmação histórica dos direitos humanos p 59 39 COMPARATO Fábio Konder A afirmação histórica dos direitos humanos 40 A Declaração de Direitos do Estado da Virgínia de 1776 enfoca a intenção da independência dos EUA 41 CASTILHO Ricardo Direitos humanos p 93 42 SARLET Ingo Wolfgang A eficácia dos direitos fundamentais p 44 43 A Independência Americana ocorreu entre 19 de abril de 1775 a 3 de setembro de 1783 Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 391 Apesar de todos os movimentos em prol dos direitos humanos até a Segunda Guerra Mundial44 que findou em 1945 onde dezenas de milhões de pessoas sofreram em razão das barbáries cometidas tais direitos não foram respeitados como deveriam resultando em 1948 na criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos Este é o grande marco histórico dos direitos humanos haja vista que a partir dela a igualdade humana foi reconhecida sob aspectos da dignidade da pessoa sem discriminação de raça cor sexo língua religião opinião origem nacional ou social riqueza nascimento ou qualquer outra condição45 Ademais a Declaração dos Direitos Humanos é uma recomendação feita pela Assembleia Geral das Nações Unidas aos seus membros destacandose que o documento não possui força vinculante Porém afirma que tal entendimento é errôneo uma vez que nos dias atuais a vigência dos Direitos Humanos não está vinculada a sua expressa declaração em constituições leis ou tratados haja vista a necessidade do respeito à dignidade da pessoa humana a qual é exercida em todos os poderes sejam eles oficiais ou não46 No ano de 1949 em Genebra na Suíça foi realizada a IV Convenção de Genebra onde após o fim da II Guerra Mundial e a criação da ONU em 1948 foram revistos todos os meios aplicáveis no caso de conflitos armados internacionais Ademais cabe destacar que foi no ocidente que a luta pelos direitos humanos teve início bem como sua difusão para o resto do mundo Conforme observado acima notase que foi no ocidente que por assim dizer surgiram os direitos humanos Os direitos humanos podem ser considerados um alicerce para garantir a dignidade da pessoa humana em todas as suas variáveis uma vez que há um argumento irrefutável para defendêlos o dogma de que tais direitos derivam da essência e natureza do homem É inegável que exista uma crise de fundamentos entretanto parece que seu o reconhecimento eleva a problemática da conceituação e efetivação a uma categoria de análise que ultrapassa a Filosofia e o Direito resultando e transbordando no cerne político das solenes violações Na contemporaneidade o discurso dos direitos humanos está em constante evolução por influência do enfraquecimento dos Estados na ordem internacional e especialmente pela influência da globalização nesse cenário 44 A Segunda Guerra Mundial ocorreu entre 1º de setembro de 1939 a 02 de setembro de 1945 45 PAGLIUCA José Carlos Globbis Direitos Humanos p 30 46 COMPARATO Fábio Konder A afirmação Histórica dos Direitos Humanos p 61 Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 392 Podese afirmar que existe uma reconfiguração dos Direitos Humanos onde a sociedade informacional em rede da qual estamos inseridos atualmente fez emergir uma nova forma de pensar esses direitos Não basta um elenco extenso de direitos e garantias para assegurar a dignidade do homem mas é preciso conjugar esses mecanismos com a crítica e reconstrução de diversas estruturas sociais reprodutoras de exclusão e desigualdade em escala patológica Com a evolução tecnológica as sociedades em rede ocorrem em um espaço tanto privado pois a comunicação ocorre com outros seres com quem mantém algum grau de socialidade no mundo físico e ainda público porque os dados e informações lá constantes em tese poderiam ser acessados por qualquer outro indivíduo que venha a acessar o sistema47 Nas redes sociais por exemplo os indivíduos tornamse atores em constante e inconsciente interação porque se conectam por interesses afinidades ou conveniência do sistema em rede Nesse sentido a intimidade enquanto um direito fundamental e individual é compreendido a partir da noção de separação entre a esfera pública e privada dentro do consciente individual do ser humano48 Com o avanço da informática e da telemática novos e imensos riscos sociais surgem superexposição pedofilia fraudes invasão roubo e utilização indevida de dados pessoais riscos diretamente ligados especialmente à intimidade pessoal O computador configura um instrumento fantástico para a manipulação de informações em bases de dados Surgem novos direitos a ser implementados para a proteção da pessoa e para isso é necessária a introdução de novos mecanismos para o Poder Judiciário da PósModernidade possa desempenhar seu papel na sociedade com presteza e eficiência aplicando a lei ao caso concreto 6 ATIVISMO JUDICIAL E SUA CORRELAÇÃO COM A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA O ativismo judicial retratase por uma atuação mais ampla e efetiva do Poder Judiciário para dizer o Direito na análise de casos concretos ganhando maior destaque a partir da entrada 47 SILVA Virgílio Afonso da A constitucionalização do direito p 123 48 SILVA Virgílio Afonso da A constitucionalização do direito p 124 Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 393 em vigor da Constituição Federal de 1988 a qual garantiu uma série de prerrogativas ao magistrado Nesse sentido dispõe Teixeira49 Desde o surgimento dessa modalidade de controle de legitimidade constitucional das leis ou atos normativos com força de lei por meio da Emenda Constitucional n 16 de 1965 13 à Constituição de 1946 deuse um substantivo acréscimo no rol de legitimados ativos que se encontram previstos no art 103 do texto constitucional Ademais consoante dispõe Barroso a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes50 Portanto sua relação com a dignidade da pessoa humana é clara na medida em que este princípio é turbado a todo instante pelo Estado quando os poderes estatais tais como saúde educação trabalho e segurança não procuram dirimir as lides envolvendo os direitos sociais especialmente tornandose vulneráveis a sua aplicabilidade não garantindo sequer mínimo existencial aos indivíduos Cabe destacar ainda que entre os termos acima referidos há um elemento de conexão chamado de democracia a qual estabelece direitos aos indivíduos na mesma proporção deveres aos Estados em garantir que tais direitos sejam efetivados através de políticas públicas CONSIDERAÇÕES FINAIS Essa pesquisa analisou o papel do Poder Judiciário na contemporaneidade e seu reflexo na dignidade da pessoa humana concluindo pela necessidade de uma reconfiguração dos mecanismos utilizados por este órgão na resolução de conflitos adequando à nova realidade em sociedades de massa e de rede advindas da globalização e em razão dos avanços tecnológicos na telemática informática e na comunicação imediata mudanças significativas se manifestaram no cenário global e refletiram nos direitos humanos e fundamentais do indivíduo Nesse panorama constatouse através da pesquisa que o personalismo ético nas sociedades de massa e de rede atualmente temse mostrado um ponto importante na edição normativa contemporânea para adequação da nova realidade Assim em que pese o Poder Judiciário estar tentando evoluir e adequar a norma aos novos fatos surgidos através de novos direitos por meio do chamado ativismo judicial tem 49 TEIXEIRA Anderson Vichinkeski Ativismo judicial nos limites entre racionalidade jurídica e decisão política 50 Ibid Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 394 se que em muitos casos é ineficaz necessitando de maiores investimentos e esforços para que todos possam ter acesso à justiça em prazo razoável a duração do processo sendo garantido a todos os seus direitos Dentro dessas premissas inferese que os meios alternativos de resolução de conflitos se fazem necessários na modernidade para concretização dos direitos dos cidadãos respeitando a celeridade processual De todo o exposto abstraise que com avanço da sociedade contemporânea nacional e internacional principalmente com o fenômeno da globalização há necessidade de ser moldada a novos instrumentos eficazes de efetivação da Justiça resgatando na sociedade um crédito a este órgão tão importante em um Estado Democrático de Direito da qual o Brasil está inserido Feito isto será resgatada a aplicação da efetividade e do respeito à dignidade da pessoa humana como garantia basilar de todo ordenamento jurídico pátrio REFERÊNCIAS BARBOZA Estefânia Maria de Queiroz KOZICKI Katya Judicialização da política e controle judicial de políticas públicas Rev direito GV vol8 no1 São Paulo JanJune 2012 Artigo disponível no site httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS180824322012000100003 Acesso em 13 de setembro de 2017 BARROSO Luís Roberto Judicialização Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática Artigo disponível no site httpwwwdireitofrancabrdireitonovoFKCEimagensfileArtigoBarrosoparaSeleca opdf Acessado em 13 de setembro de 2017 BOBBIO Norberto A Era dos Direitos tradução Carlos Nelson Coutinho apresentação de Celso Lafer 7 Edição Rio de Janeiro Elsevier 2004 CANTALI Fernanda Borghetti Direitos da Personalidade Porto Alegre Livraria do Advogado 2009 CAPPELLETTI Mauro GARTH Bryant Acesso à Justiça Porto Alegre Fabris 1998 CASTILHO Ricardo Direitos humanos processo histórico evolução no mundo Direitos Fundamentais Constitucionalismo Contemporâneo São Paulo Saraiva 2010 CLÉVE Clémerson Merlin Poder Judiciário Autonomia e Justiça Artigo Disponível no sitehttpswww2senadolegbrbdsfbitstreamhandleid176094000475069pdfseque nce3Acesso em 10 de setembro de 2017 Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 395 COMPARATO Fábio Konder A afirmação histórica dos direitos humanos 7 ed rev e atual São Paulo Saraiva 2010 COSTA Alexandre Araújo A Teoria Pura do Direito Artigo disponível no site httpwwwarcosorgbrlivroshermeneuticajuridicacapitulovneopositivismo juridico2ateoriapuradodireito 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httpwwwvalorcombrbrasil5234641ibgebrasiltem118 milhoesdeanalfabetosmetadeestanonordeste Acesso em 15 de abril de 2018 às 20h KELSEN Hans O problema da justiça trad de João Baptista Machado 4 Ed São Paulo Martes 2003 MARINONI Luiz Guilherme Técnica processual e tutela dos direitos São Paulo Revista dos Tribunais 2004 MARQUES Cláudia Lima Contratos no Código de defesa do consumidor o novo regime das relações contratuais São Paulo Revista dos Tribunais 2004 NETTO André L Borges A Razoabilidade Constitucional o princípio do devido processo legal substantivo aplicado a casos concretos Revista Jurídica Virtual do Palácio do Planalto nº 12 Maio2000 ONU Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura UNESCO 758 milhões de adultos não sabem ler nem escrever frases simples Notícia veiculada em 16022017 Dados disponíveis no site httpsnacoesunidasorgunesco758milhoesde adultosnaosabemlernemescreverfrasessimples Acesso em 15 de abril de 2018 PÁDUA Idiene Aparecida Vitor Proença DE TARSO OLIVEIRA Paulo Acesso à justiça pacificação social e desenvolvimento sustentável novas concepções e interrelações FrancaSP Facep PesquisaDesenvolvimento e Gestão v 17 n 3 2014 Artigo disponível emfileCUsersADMDownloads92526562PB201pdf Revista Jurídica da Facef Pesquisa Desenvolvimento e Gestão v17 n3 p349365 setoutnovdez 2014 Acesso em 17092018 às 22h PAGLIUCA José Carlos Globbis Direitos Humanos São Paulo Ed Rideel 2010 Revista Pensamento Jurídico São Paulo Vol 12 Nº 2 juldez 2018 396 PERELMAN Chaïm Ética e direito Trad Maria Ermantina Galvão G Pereira São Paulo Martins Fontes 1996 PIOVESAN Flávia A Constituição brasileira de 1988 e os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos EOS Revista Jurídica da Faculdade de Direito Curitiba v2 n 1 p 2033 SARLET Ingo Wolfgang As dimensões da dignidade da pessoa humana construindo uma compreensão jurídicoconstitucional necessária e possível Revista Brasileira de Direito Constitucional RBDC v9 2007 p1617 Artigo disponível httpwwwesdccombrseerindexphprbdcarticleview137 Acesso em 09 de setembro de 2017 às 20h SARLET Ingo Wolfgang A eficácia dos direitos fundamentais uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional 11ª ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2012 SARLET Ingo Wolfgang A eficácia dos direitos fundamentais Porto Alegre Livraria do Advogado 2005 SILVA José Afonso da Curso de direito constitucional positivo 16ed São Paulo Malheiros 1999 SILVA Virgílio Afonso da A constitucionalização do direito os direitos fundamentais nas relações entre particulares São Paulo Mandamentos 2013 SILVEIRA Vladmir Oliveira da ROCASOLANO Maria Mendez Direitos humanos conceitos significados e funções São Paulo Saraiva 2010 SIQUEIRA Dirceu Pereira OLIVEIRA Flávio Luis de organizadores Acesso à Justiça uma perspectiva da democratização da administração da justiça nas dimensões social política e econômica 1 ed BiriguiSP Boreal Editora 2012 TATE C Neal VALLINDER Torbjõrn The Global Expansion of Judicial Power The Judicialization of Politics Nova York New York University Press 1995 TEIXEIRA Anderson Vichinkeski Ativismo judicial nos limites entre racionalidade jurídica e decisão política São Paulo Rev direito GV vol8 n1 JanJun 2012 Versão Online disponível no sitehttpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS1808 24322012000100002 Acesso em 27 de novembro de 2018 às 22h TORRES Jasson Ayres O Acesso à Justiça e soluções alternativas Porto Alegre Livraria do Advogado 2005