·
Psicologia ·
Hermenêutica
Send your question to AI and receive an answer instantly
Preview text
Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação HERMENÊUTICA Meu nome é Celso R Braida Sou Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro 2001 membro dos grupos de pesquisa Núcleo de Investigações Metafísicas UFSC Origens da Filosofia Contemporânea PUCSP e do GT Filosofia hermenêutica Anpof Traduzi e organizei os livros Schleiermacher Hermenêutica Arte e técnica de interpretação 1999 e Três Aberturas em Ontologia Frege Twardowski e Meinong 2005 Publiquei também os livros Ensaios semânticos 2009 Exercícios de desilusão 2012 Filosofia e linguagem 2013 além de vários artigos em revistas especializadas Sou professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina Claretiano Centro Universitário Rua Dom Bosco 466 Bairro Castelo Batatais SP CEP 14300000 ceadclaretianoedubr Fone 16 36601777 Fax 16 36601780 0800 941 0006 claretianoedubrbatatais Celso R Braida Batatais Claretiano 2021 HERMENÊUTICA Ação Educacional Claretiana 2020 Batatais SP Todos os direitos reservados É proibida a reprodução a transmissão total ou parcial por qualquer forma eou qualquer meio eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia gravação e distribuição na web ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana Reitor Prof Dr Pe Sérgio Ibanor Piva ViceReitor Prof Dr Pe Cláudio Roberto Fontana Bastos PróReitor Administrativo Pe Luiz Claudemir Botteon PróReitor de Extensão e Ação Comunitária Prof Dr Pe Cláudio Roberto Fontana Bastos PróReitor Acadêmico Prof Me Luís Cláudio de Almeida Coordenador Geral de EaD Prof Me Evandro Luís Ribeiro CORPO TÉCNICO EDITORIAL DO MATERIAL DIDÁTICO MEDIACIONAL Gerente de Material Didático Rodrigo Daverni Preparação Aline de Fátima Guedes Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera Cátia Aparecida Ribeiro Lidiane Maria Magalini Luciana A Mani Adami Luciana dos Santos Sançana de Melo Patrícia Alves Veronez Montera Simone Rodrigues de Oliveira Vanessa Ito Nazar Revisão Eduardo Henrique Marinheiro Filipi Andrade de Deus Silveira Rafael Antonio Morotti Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico diagramação e capa Bruno do Carmo Bulgarelli Joice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa Ferrão Luis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de Oliveira Tamires Botta Murakami Videoaula André Luís Menari Pereira Bruna Giovanaz Luis Gustavo Millan Marilene Baviera Renan de Omote Cardoso Bibliotecária Ana Carolina Guimarães CRB7 6411 INFORMAÇÕES GERAIS Cursos Graduação Título Hermenêutica Versão fev2021 Formato 15x21 cm Páginas 188 páginas SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 9 2 GLOSSÁRIO DE CONCEITOS 11 3 ESQUEMA DOS CONCEITOSCHAVE 16 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 18 UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 1 INTRODUÇÃO 25 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 26 21 HERMENÊUTICA ORIGEM E SIGNIFICADO 26 22 ÂMBITOS DA HERMENÊUTICA 31 23 TRÊS DIMENSÕES DA HERMENÊUTICA 36 24 A HERMENÊUTICA BÍBLICA CLÁSSICA 38 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 45 31 HERMENÊUTICA HISTÓRIA E CONCEITOS BÁSICOS 45 32 HERMENÊUTICA ANTIGA 46 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 46 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 47 6 EREFERÊNCIAS 48 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 49 UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA 1 INTRODUÇÃO 53 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 53 21 HERMENÊUTICA MODERNA 53 22 SCHLEIERMACHER E OS FUNDAMENTOS DA HERMENÊUTICA GERAL 58 23 A CONDIÇÃO HISTÓRICA DA LINGUAGEM 69 24 A COMPREENSÃO HISTÓRICA 72 25 DILTHEY A UNIVERSALIZAÇÃO DA CONDIÇÃO HISTÓRICA 75 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 90 31 CIRCULARIDADE HERMENÊUTICA 90 32 CONCEITOS E HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DA HERMENÊUTICA 90 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 92 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 93 6 EREFERÊNCIAS 94 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 94 UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS 1 INTRODUÇÃO 99 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 100 21 HEIDEGGER E OS ASPECTOS ONTOLÓGICOS DA HERMENÊUTICA 100 22 A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE GADAMER 109 23 A HERMENÊUTICA CRÍTICA DE PAUL RICOEUR 127 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 148 31 HEIDEGGER E OS ASPECTOS ONTOLÓGICOS DA HERMENÊUTICA 148 32 A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE GADAMER 149 33 A HERMENÊUTICA CRÍTICA DE PAUL RICOEUR 150 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 151 5 CONSIDERAÇÕES 151 6 EREFERÊNCIAS 152 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 153 UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA 1 INTRODUÇÃO 157 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 158 21 OS PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS DE E BETTI 158 22 A HERMENÊUTICA CRÍTICA DE E D HIRSCH 163 23 A HERMENÊUTICA PRAGMÁTICOTRANSCENDENTAL 170 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 179 31 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA HERMENÊUTICA SEGUNDO GADAMER E BETTI 179 32 AS CRÍTICAS DE APEL E A FUNDAMENTAÇÃO DAS ABORDAGENS HERMENÊUTICAS 179 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 180 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 181 6 EREFERÊNCIAS 183 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 184 7 CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Conteúdo A Hermenêutica como arte da apreensão interpretação e compreensão do sentido de expressões humanas Hermenêuticas clássicas e modernas As compreensões espontânea e metódica A Hermenêutica como arte e técnica de interpretação Teoria geral da interpretação Linguagem teoria do significado e da compreensão A conexão de sentido entre experiência vivida expressão e compreensão Historicidade e compreensão Hermenêutica e analítica da existência A consciência dos efeitos da história Linguisticidade tradição e compreensão Hermenêutica como recuperação e como imposição de sentido A autonomia semântica do texto A Hermenêutica crítica e o problema da alteridade do outro Interpretação objetividade e validade Falsa consciência e explicitação de sentido Fazer sentido e habilitar a agir Bibliografia Básica GRONDIN J Hermenêutica Trad M Marcionilo São Paulo Parábola 2012 PALMER R E Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 SCHMIDT L K Hermenêutica Trad F Ribeiro 3 ed Petrópolis Vozes 2014 Bibliografia Complementar DILTHEY W A construção do mundo histórico nas ciências humanas São Paulo Editora da Unesp 2010 GADAMER HG Verdade e método I traços fundamentais de uma Hermenêutica filosófica Petrópolis Vozes 2005 RICOEUR P Interpretação e ideologias Rio de Janeiro Francisco Alves 1988 RICOEUR P Teoria da interpretação Trad Artur Morão Lisboa Edições 70 1976 8 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO SCHLEIERMACHER F D Hermenêutica arte e técnica da interpretação Trad org Celso R Braida Petrópolis Vozes 2000 SCHLEIERMACHER F D Hermenêutica e crítica Trad A Ruedell Ed introd Manfred Frank Ijuí Ed Unijuí 2005 É importante saber Esta obra está dividida para fins didáticos em duas partes Conteúdo Básico de Referência CBR é o referencial teórico e prático que deverá ser assimilado para aquisição das competências habilidades e atitudes necessárias à prática profissional Portanto no CBR estão condensados os principais conceitos os princípios os postulados as teses as regras os procedimentos e o fundamento ontológico o que é e etiológico qual sua origem referentes a um campo de saber Conteúdo Digital Integrador CDI são conteúdos preexistentes previamente selecionados nas Bibliotecas Virtuais Universitárias conveniadas ou disponibilizados em sites acadêmicos confiáveis São chamados Conteúdo Digital Integrador porque são imprescindíveis para o aprofundamento do Conteúdo Básico de Referência Juntos não apenas privilegiam a convergência de mídias vídeos complementares e a leitura de navegação hipertexto como também garantem a abrangência a densidade e a profundidade dos temas estudados Portanto são conteúdos de estudo obrigatórios para efeito de avaliação 9 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 1 INTRODUÇÃO Nesta obra serão apresentados os principais autores teorias e conceitos relativos a uma tradição de pensamento e prática que remonta à Antiguidade Clássica e diz respeito a experiências tanto cotidianas quanto sofisticadas constituintes da nossa vida social e cultural Essas experiências estão inseridas em práticas com base em quais pensamentos foram sintetizados e sistematizados em diferentes campos teóricos e práticos do saber humano tais como Retórica e Estudos Literários Ciências Jurídicas Ciências Teológicas Historiografia Etnografia Sociologia Estudos de Tradução e Interpretação e também Filosofia Na Unidade 1 será apresentada uma descrição geral da Hermenêutica distinguindo esta como técnica teoria e filosofia da compreensão e da interpretação Também serão apresentados os conceitos básicos de expressão experiência vivida história e compreensão com o objetivo de delinear uma caracterização da Hermenêutica como essencialmente referida ao fenômeno da expressabilidade da experiência vivida expressa linguisticamente e da compreensão do outro enquanto um processo para chegar a um sentido comum Na Unidade 2 serão apresentados os autores e teorias que conformam o modelo teórico hermenêutico de racionalidade e argumentação no século 19 tendo por base as modernas teorizações de Friedrich Schleiermacher 17681834 Wilhelm von Humboldt 17671835 Johann G Droysen 18081884 e Wilhelm Dilthey 18331911 Esses autores introduziram os conceitos e princípios hermenêuticos básicos da Hermenêutica moderna como os de circularidade da compreensão de historicidade e linguisticidade da experiência interpretativa e 10 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO ao mesmo tempo a legitimaram como campo problemático e teoria filosófica autônoma Na Unidade 3 vamos estudar as principais contribuições contemporâneas para a teoria hermenêutica O aspecto mais evidente é que a Hermenêutica integra agora o rol das disciplinas filosóficas e até se constitui como momento constitutivo da própria Filosofia As obras de Martin Heidegger 18891976 HansGeorg Gadamer 19002002 e Paul Ricouer 19132005 destacamse nesse cenário mas vários outros pensadores configuram aquilo que Jean Greisch 1985 denominou a era hermenêutica da razão na qual os principais temas da Filosofia serão repensados nos termos dos conceitos hermenêuticos Os conceitos de sentido existência e engajamento prático pertencimento a tradições linguagem compreensão prévia e ideologia diferença e alteridade conformam o paradigma hermenêutico em Filosofia Na Unidade 4 por fim serão apresentados alguns tópicos relacionados a teorias e debates atuais em Hermenêutica Esses tópicos dizem respeito à compreensão linguística e também aos aspectos pragmáticos da compreensão em geral Embora tenham sido abordados nas grandes teorias fundadoras de Schleiermacher e Dilthey as contribuições e acréscimos provenientes de estudos linguísticos teorias psicológicas e da ação fazem parte hoje do debate teórico hermenêutico e estão presentes nas contribuições de Emilio Betti Eric D Hirsch e Karl Otto Apel O debate entre as hermenêuticas existencialmente orientadas e as metodológicas em torno dos conceitos de validação objetividade e universalidade hermenêutica marca ainda hoje as discussões 11 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Essa sequência de estudos de temas conceitos e autores pretende ser uma introdução aos estudos hermenêuticos e sobretudo desenvolver uma consciência mais ampla dos problemas relativos à interpretação e compreensão de si e do outro das tradições culturais próprias e alheias e assim provocar uma atitude crítica e uma disposição para o debate e o entendimento comum em meio à diversidade de saberes e atitudes Na base desses problemas está a experiência de sentido e de inteligibilidade e de sua compreensibilidade Conforme indicou E Betti 1955 os problemas teorias e conceitos relacionados à interpretação e à compreensão são relevantes a diversos domínios do conhecimento como Linguística e Semiótica Filologia e Teoria literária Historiografia Sociologia ciências jurídicas Teologia e Direito canônico aos estudos de tradução e os estudos de interpretação e representação artística em geral 2 GLOSSÁRIO DE CONCEITOS O Glossário de Conceitos permite uma consulta rápida e precisa das definições conceituais possibilitando um bom domínio dos termos técnicocientíficos utilizados na área de conhecimento dos temas tratados 1 Ação efeito ou exercício da capacidade de agir ato intencional ato voluntário e proposital dirigido a um objetivo 2 Ato de fala ato ou ação efetuada por meio de um proferimento linguístico ação de fazer algo por meio 12 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO de um proferimento ação de enunciar por um agente falante num dado contexto 3 Círculo hermenêutico estrutura da compreensão pela qual a compreensão de um todo é baseada na compreensão das partes individuais e a compreensão de cada parte individual é baseada na referência ao todo interdependência entre o todo e suas partes 4 Circunstância conjunto de particularidades condições ou fatores que acompanham um evento condição do momento presente de uma ação situação num determinado momento conjuntura contexto 5 Compreensão ato ou efeito de apreender o sentido e o significado de algo entendimento percepção apreensão das intenções pensamentos e atitudes das outras pessoas apreensão e realização do sentido de uma expressão 6 Conceito representação mental abstrata e geral de um objeto noção abstrata conteúdo de um predicado 7 Conteúdo aquilo que é expresso por uma expressão aquilo que é comunicado por um discurso ou texto assunto matéria significado de um signo sentido e significado de uma expressão linguística 8 Contexto conjunto de circunstâncias nas quais um evento ocorre situação conjuntura totalidade das circunstâncias exteriores à língua ambiente físico da enunciação fatores históricos sociais culturais etc que possibilitam condicionam ou determinam um ato de enunciação e a respectiva interpretação 9 Disposição tendência inclinação intenção vontade hábito 13 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 10 Domínio de referência mundo conjunto de objetos a que um discurso se refere conjunto das coisas que podem ser referidas e a partir do qual sentenças são declaradas verdadeiras ou falsas 11 Estrutura forma e organização dos elementos que compõem um todo material ou de uma realidade imaterial forma ou organização na qual as partes são dependentes do todo e interconectadas entre si aquilo que sustenta alguma coisa armação construção edificação conjunto de relações entre os elementos de um sistema 12 Experiência ato ou efeito de agir e perceber conhecimento por meio dos sentidos e da ação execução realização de uma atividade vivência ensaio tentativa 13 Expressão ato ou efeito de exprimir manifestação de pensamentos por gestos ou palavras entoação com que se pronuncia uma palavra ou uma frase signo palavra gesto 14 Forma ordenação série de características fonológicas gramaticais e lexicais das unidades linguísticas conjunto dos limites exteriores de um objeto ou de um corpo que lhe conferem uma configuração ou uma determinada aparência feitio formato 15 Inferência ato ou efeito de inferir de deduzir uma proposição por meio de raciocínio aquilo que se deduz a partir de outra coisa ilação dedução conclusão transição de uma ou mais proposições consideradas como verdadeiras ou falsas para a verdade ou falsidade de outras proposições 14 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 16 Intenção intento propósito desígnio vontade 17 Interpretação ato ou efeito de atribuir um significado a um sentido em que se toma uma expressão discurso ou ação maneira de representar uma situação maneira de executar uma instrução execução modo de aplicação de uma regra 18 Língua sistema histórico apreendido constituído por palavras e regras gramaticais que permitem a construção de frases e que é usado como meio de expressão e comunicação falado ou escrito pelos membros de uma mesma comunidade linguística idioma 19 Linguagem sistema de representação meio de comunicação língua forma de expressão própria de determinados grupos sociais profissionais ou de determinadas áreas do saber 20 Mundo conjunto de tudo quanto existe o que há a totalidade das coisas existentes e possíveis 21 Objeto aquele ou aquilo que é afetado ou sofre uma ação o que é pensado ou representado enquanto distinto do ato pelo qual é pensado aquilo cuja existência é considerada como independente do conhecimento que dele tem o sujeito pensante o que é referido 22 Práticas conjunto de ações maneira concreta de exercer uma arte ou conhecimento experiência exercício forma habitual de agir procedimento conduta costume 15 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 23 Précompreensão estrutura de crenças e conhecimentos prévios conhecimento tácito que embasa uma compreensão 24 Proferimento ato de enunciar ou realizar uma enunciação ato de fala 25 Proposição enunciado verbal suscetível de ser declarado verdadeiro ou não conteúdo de uma frase sentido significado de uma frase assertórica 26 Referência ato de referir coisa referida o que é significado processo por meio do qual uma palavra ou expressão linguística remete a uma entidade ou localização temporal ou espacial apreensível num determinado contexto 27 Sentido direção ou modo de apresentação de um conteúdo estrutura de inteligibilidade modo de indicação de uma referência conceito pensamento 28 Significado aquilo que uma expressão linguística exprime ou representa significação expressa valor objeto designado 29 Signo sinal ou marca natural ou convencional que representa algo distinto de si próprio símbolo sinal sinal próprio da linguagem verbal palavra aquilo que está por outra coisa 30 Símbolo aquilo que representa ou sugere algo objeto que serve para evocar algo imagem ou objeto material que representa uma outra realidade sinal representativo signo ser ou objeto a que se convencionou atribuir um dado significado 31 Sinal marca ou objeto que representa ou indica uma coisa fato ou fenômeno presente passado ou futuro 16 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO manifestação exteriorização revelação indício indicação prenúncio anúncio vestígio 32 Situação complexo que resulta da interação em dado momento de um ser vivo e sobretudo de uma pessoa humana com o seu meio social físico ou mesmo intelectual conjunto de fatores extralinguísticos que condicionam e determinam a emissão de um ato de fala série de acontecimentos num dado momento circunstância 33 Texto conjunto ordenado de palavras ou frases escritas em uma língua ou linguagem sequência finita e organizada de enunciados que constitui a unidade fundamental do processo comunicativo e que é dotada de sentido e propósito 34 Universo de discurso conjunto de elementos linguísticos e extralinguísticos que constituem as condições de produção de um enunciado conjunto de elementos que se tomam como referência em dado discurso tudo o que é foi ou pode ser expresso em determinada linguagem 3 ESQUEMA DOS CONCEITOSCHAVE Os Esquemas a seguir possibilitam uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo O primeiro se refere às condições sob as quais uma experiência de sentido compreensível transcorre a experiência de sentido está ancorada e embasada em um contexto históricocultural um contexto linguístico em práticas e précompreensões tácitas e no esforço de entendimento de uma comunidade 17 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Figura 1 Esquema dos círculos da compreensão Já a segunda imagem indica a condição circular da compreensão e da interpretação Figura 2 Esquema do círculo hermenêutico 18 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Por fim o último gráfico explicita a condição circular entre experiência vivida précompreensão compreensão e revisão das précompreensões Figura 3 Esquema do círculo da experiência vivida e da compreensão refletida 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BETTI E Teoria generale della interpretatione Milano Dott A Giuffrè 1955 BOLLNOW O F Studien zur Hermeneutik Part I Zur Philosophie der Geisteswissenschaften München Alber 1982 BRAIDA C R A historicidade do artístico e a condição artefactual In FLORES M B R PIAZZA M F F PETERLE P Arte e pensamento operações historiográficas São Paulo Rafael Copetti 2016 BRAIDA C R Compreensão hermenêutica e suspeição genealógica Peri v 7 n 1 p 133 2015 BRAIDA C R Da voz dramática às linguagens de máquina ROHDEN L Org Entre Filosofia e Literatura Belo Horizonte Relicário 2015 p BRAIDA C R Filosofia e Linguagem Florianópolis Clube de AutoresRocca Brayde 2013 CASSIRER E Filosofia das formas simbólicas Volume I Linguagem São Paulo Martins Fontes 2001 19 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO CASSIRER E 1925 Filosofia das formas simbólicas Volume II O pensamento mítico São Paulo Martins Fontes 2004 CASSIRER E Philosophie der symbolischen Formen Die Sprache II Das Mythische Denken III Phänomenologie der Erkenntnis Darmstadt Wissenschaftliche Buchgesellschaft 192319291964 DAVIDSON D Inquiries into truth and interpretation New York Clarendon Press 1991 DELEUZE G Différence et répétition Paris PUF 1968 DUMMETT M The logical basis of metaphysics Cambridge Harvard U P 1991 DUMMETT M The seas of language Oxford Clarendon Pr 1993 GREISCH J Lâge herméneutique de la raison Paris Éditions du Cerf 1985 GUMBRECHT H U Produção de presença o que o sentido não consegue transmitir Rio de Janeiro Contraponto 2010 HEGEL G W F Fenomenologia do Espírito trad P Menezes Petrópolis Vozes 2011 HOUAISS A Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa v 20 Rio de Janeiro Objetiva 2007 KEANE K LAWN C Eds The Blackwell companion to Hermeneutics Oxford Blackwell 2016 JUNG M Hermeneutik zur Einfürung Hamburg Junius 2001 IHDE D Postphenomenology and technoscience New York SUNY Press 2009 LUTERO M Da liberdade cristã 4 ed São Leopoldo Sinodal 1983 LUTERO M Obras selecionadas São Leopoldo Sinodal 1987 MING X Afterword Contesting the Real In MING X Org The agon of interpretations Toronto University of Toronto Press 2014 p 302308 NIETZSCHE F W Sämtliche Werke Kritische Studienausgabe Hrsg G Colli und M Montinari 2 ed BerlinNYork De Gruyter 1988 PALMER R E Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 PEIRCE C S Semiótica 2 ed São Paulo Perspectiva 1990 SAUSSURE F Curso de Linguística geral Org Ch Bally e A Sechehaye Trad de A Chelini J Paulo Paes e I Blikstein 24 ed São Paulo PensamentoCultrix 2002 SCHLEIERMACHER F D Hermenêutica arte e técnica da interpretação Trad org C R Braida Petrópolis Vozes 2000 20 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO SCHMIDT L K Hermenêutica Trad F Ribeiro 3ed Petrópolis Vozes 2014 STEIN E Aproximações sobre hermenêutica Porto Alegre EDIPUCRS 1996 WITTGENSTEIN L Tractatus logicophilosophicus Trad Luiz H Lopes dos Santos São Paulo Edusp 1993 21 UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA Objetivos Introdução à história da Hermenêutica Apresentar as áreas de interesse e aplicação dos conceitos hermenêuticos Compreender as interrelações entre experiência expressão interpretação e compreensão Explanar as relações hermenêuticas entre experiência vivida linguagem e pensamento Compreender o lugar teórico dos conceitos hermenêuticos Conteúdos Hermenêutica técnica teoria e filosofia da compreensão e da interpretação Expressão experiência vivida história comum compreensão de si e do outro Linguagem experiência vivida e expressa linguisticamente compreensão do outro e sentido comum Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 A leitura desta obra deve ser vista como uma indicação dos termos e tópicos a serem estudados e aprofundados procure outras informações e apresentações desses assuntos nos livros indicados nas referências bibliográficas e em sites confiáveis Lembrese de que na modalidade EaD o engajamento pessoal e a organização dos estudos é um fator determinante para o seu crescimento intelectual 22 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 2 Para uma visão inicial panorâmica do campo hermenêutico recomendase a leitura dos seguintes textos os quais constituem excelentes exposições dos conceitos e aplicações da Hermenêutica HERMENÊUTICA Verbete do site Wikipédia Disponível em https ptwikipediaorgwikiHermenêutica Acesso em 25 ago 2020 MANTZAVINOS C Hermeneutic Stanford Encyclopedia of Philosophy 2016 Disponível em httpsplatostanfordeduentries hermeneutics Acesso em 25 ago 2020 INWOOD M Hermenêutica 2007 Disponível em httpscriticanarede comhermeneuticahtml Acesso em 25 ago 2020 STAGLIANO N Hermenêutica conceitos e características 2016 Disponível em httpssimoesstaglianojusbrasilcombrartigos335787147 hermeneuticaconceitosecaracteristicas Acesso em 25 ago 2020 3 Para uma melhor visualização dos problemas e conceitos hermenêuticos em diferentes domínios de conhecimento que serão estudados a seguir sugerese a leitura dos seguintes textos ROCHA S A Evolução histórica da teoria hermenêutica do formalismo do século XVIII ao póspositivismo Lex Humana v 1 n 1 77160 2009 Disponível em httpseerucpbrseerindexphpLexHumanaarticle view5 Acesso em 25 ago 2020 OLIVEIRA R T STRECK L L O que é isto A hermenêutica jurídica 29 ago 2015 Disponível em httpswwwconjurcombr2015ago29 istohermeneuticajuridica Acesso em 25 ago 2020 SALLES W F AMARAL D R Hermenêutica teológica caminho para a afirmação da identidade religiosa Revista de Cultura Teológica v 18 n 70 p 5168 abrjun 2010 Disponível em httpsrevistaspucspbr culturateoarticledownload1540911510 Acesso em 25 ago 2020 BRIZOTTO B BERTUSSI L T Hans Robert Jauss e a Hermenêutica literária Letrônica Porto Alegre v 6 n 2 p 735752 juldez 2013 Disponível em httprevistaseletronicaspucrsbrojsindexphp letronicaarticleviewFile1488911287 Acesso em 25 ago 2020 ROHDEN L Hermenêutica filosófica entre Heidegger e Gadamer Natureza humana São Paulo v 14 n 2 p 1436 2012 Disponível em httppepsicbvsaludorgpdfnhv14n2a02pdf Acesso em 25 ago 2020 23 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 4 A compreensão adequada dos temas e conceitos de Hermenêutica está associada ao domínio de vários outros conteúdos e competências incluindo vários domínios de conhecimento Para adquirir uma competência mínima são necessários conhecimentos básicos de teoria da linguagem de historiografia e de humanidades Uma referência bibliográfica básica são os livros de Richard E Palmer 1986 e de Lawrence K Schmidt 2014 5 O estudo sistemático de qualquer assunto exige organização e um trabalho de esquematização dos conceitos e teorias Por isso anote os termos principais usados na unidade faça mapas conceituais e busque fixar o sentido com que são usados e sobretudo qual função ou papel teórico esses conceitos exercem na teoria Consulte dicionários e outros textos para elaborar e aprofundar a caracterização desses termos registrando as frases em que eles ocorrem e as diferenças entre os autores 24 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 25 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 1 INTRODUÇÃO Nesta unidade será apresentada uma descrição geral da Hermenêutica caracterizandoa como técnica teoria e filosofia da compreensão e da interpretação Também serão apresentados de modo informal os conceitos básicos de expressão experiência vivida história e compreensão com o objetivo de delinear uma caracterização da Hermenêutica como essencialmente referida ao fenômeno da linguagem da experiência vivida expressa linguisticamente e da compreensão do outro enquanto processo de chegar a um sentido comum Por detrás de toda disciplina e área de conhecimento estão experiências e noções básicas enraizadas na história de nossa cultura adquiridas no enfrentamento de problemas específicos e reais Não é diferente com a disciplina do pensamento e da ação denominada Hermenêutica na sua base estão experiências comuns mas como disciplina e técnica essa palavra indica problemas efetivos e também as teorias com os quais se procurou solucionálos O marco inicial dessa disciplina no contexto da História da Filosofia podese seguramente dizer que é o diálogo Íon de Platão 2011 escrito no século 4º aC no qual o termo já aparece usado para se referir a uma prática arte ou técnica de exposição interpretação e compreensão de textos e discursos As técnicas ou artes hermenêuticas referemse às práticas sistemáticas de decifração tradução interpretação e compreensão de discursos e textos bem como de monumentos e vestígios de atos e pensamentos de outrem contemporâneos ou passados Seja na tradição grega seja na judaica ou na romana em relação tanto aos textos poéticos e sagrados quanto aos textos jurídicos e administrativos e também aos relatos e monumentos históricos a experiência do não entendimento 26 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA ou da obscuridade do sentido e do significado foi tematizada e enfrentada com procedimentos técnicas e regras explícitas Por Hermenêutica no seu uso genérico entenderemos a disciplina e a prática de buscar o sentido e o significado de uma produção expressão ou ação cuja realização foi propositadamente executada para ser apreendida enquanto tendo um ou mais sentidos determinados a partir do qual ou dos quais um significado é indicado O caso exemplar de produção que visa transmitir um sentido a ser aprendido como tendo um ou outro significado são os textos e discursos mas isso também vale a objetos como as obras de arte e monumentos e ações são veículos de sentido e significado usados por agentes e falantes para se fazerem entender e para darem a entender o que pensam e o que sentem em determinadas situações 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma sucinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteúdo Digital Integrador 21 HERMENÊUTICA ORIGEM E SIGNIFICADO Os termos do pensamento reflexivo ocidental foram fixados na língua dos povos gregos entre os séculos 8º quando são fixadas por escrito as epopeias hoje conhecidas como a Ilíada e a Odisseia de Homero e 4º antes da era cristã século da fundação da Academia de Platão do Liceu de Aristóteles e da Escola de Zenão em que foram pensadas e escritas as obras que determinaram o curso da Filosofia que ainda hoje praticamos 27 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA Entre esses termos estão as palavras hermeneuien e sinein as quais remetem às atividades de narrar e interpretar um acontecimento de expressar e compreender uma opinião enfim de dizer e entender um assunto A própria atividade filosófica nos seus começos é já uma disputa acerca de como narrar os fatos e dizer as coisas perfazendose desde o seu início como uma disputa acerca da validade desta ou daquela maneira de pensar e compreender os discursos e os fatos No diálogo Íon de Platão esses termos já aparecem com um uso bem determinado Nele Sócrates conversa com uma figura típica do mundo grego de então um rapsodo uma pessoa que sabia declamar interpretar e apresentar poemas e muitas vezes era também um poeta Tratase de Íon considerado à época o maior entre os maiores rapsodos Logo no início Sócrates faz este comentário falando da técnica e da vida dos rapsodos viver na companhia de outros poetas muitos e bons e mais que todos de Homero o melhor e mais divino dos poetas e saber de cor seu pensamento dianoia não apenas as suas palavras é invejável Pois ninguém se tornaria jamais um bom rapsodo se não compreendesse sinein as coisas ditas legomena pelo poeta Pois deve o rapsodo se tornar para os ouvintes intérprete do pensamento do poeta hermeneia dei tou poietou tes dianoias Porém fazer isso bem sem conhecer o que diz gignouskonta oti legei o poeta é impossível PLATÃO 2011 p 27 Nessa passagem já está caracterizada o que depois se chamará de arte da hermenêutica indicando um conhecimento e uma compreensão associados a uma interpretação das coisas pensadas ditas e escritas Logo a seguir p 29 Sócrates se refere ao saber de Íon com o termo exegese hexegesaio que consiste em saber ler e compreender bem a expressão escrita de um discurso Depois ele vai utilizar a construção que marca 28 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA a atividade hermenêutica referindose ao fato de que entre os gregos os poetas eram tidos como intérpretes ou tradutores hermeneúeien dos próprios deuses Sócrates entende a atividade do rapsodo como a de um intérprete dos intérpretes hermenéon hermenês os poetas são intérpretes dos deuses hermenês eisin tôn theôn e os rapsodos interpretam as obras e os pensamentos desses poetas tôn poietôn hermeneúete PLATÃO 2011 p 41 Além disso em grego antigo o verbo hermeneuein e o substantivo hermeneias remetem também à ação de enunciar dizer declarar como indica o uso que faz Aristóteles 2016 no livro Da interpretação Peri hermeneia que trata da enunciação e dos fundamentos semânticos da Lógica A partir dessas indicações podese entender que a formulação platônica hermenéon hermenês significa também a interpretação compreensiva das expressões faladas e escritas de outrem para assim apreender os seus pensamentos o que se caracteriza pela atividade de expressar e dizer aquilo que foi pensado dito e escrito pelo outro Em latim o termo usado para se referir a essa arte era ars interpretandi e desde o século 17 a palavra hermenêutica adaptada do grego clássico passou a ser utilizada nas línguas europeias Na tradição grega os vocábulos hermenenuein e hermeneia indicam as ações de enunciar ou dizer e também de explicar e representar e ainda de traduzir nos três casos há algo diferente de estranho e de separado no tempo no espaço ou na experiência que se torna familiar presente e compreensível há algo que requer representação explicação ou tradução e que é de certo modo tornado compreensível interpretado PALMER 1986 p 25 29 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA A estrutura dessas ações é complexa alguém pensa ou tem certas intenções expressa ou age de acordo com esses pensamentos e intenções as outras pessoas percebem apenas as suas expressões e ações mas precisam entender e compreender os seus pensamentos e intenções expressandoos outra vez para serem compreendidos por outras pessoas Muitas vezes associase o termo hermenêutica ao deus grego Hermes considerado o mensageiro entre os deuses e os humanos ao qual se atribui a invenção da linguagem e da escrita BOECKH 1877 p 80 Todavia devese ver nisso a síntese mitopoética grega da experiência da comunicação e da linguagem Com efeito o radical erm em grego indica primeiro a expressão e a interpretação na própria língua daquilo que alguém tem em mente ou quer dizer segundo a expressão e tradução daquilo que outro tem em mente ou quer dizer em outra língua terceiro a expressão e interpretação do que foi enunciado por meio de comentário e explicações No tratado Da interpretação Peri Hermeneias Aristóteles estabelece um uso vinculante do termo hermeneia como significando a expressão do pensamento por meio da linguagem enquanto esta é o veículo ou mediador entre o que alguém tem em mente e a realidade de que ele fala e sobre a qual pensa ARISTÓTELES 2016 p 85 Utilizaremos aqui a palavra hermenêutica sempre associada a experiências e ações envolvendo algo que tem ou faz sentido enquanto é inteligível e significativo Em grego a palavra hermeneuien indicava tanto a expressão ou enunciação de sentido ou pensamento quanto a compreensão e a interpretação daí o inevitável sintagma platônico hermenéon hermenês 30 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA No entanto este não precisa ser lido no registro metafísico pois já nas línguas modernas e também no latim as diferentes acepções do radical grego foram fixadas e expressas com palavras distintas como é o caso em português Se alguém diz que se fez uma hermenêutica de alguma coisa isso pode significar que se fez uma exposição ou apresentação ou uma interpretação ou uma explicação ou uma exegese ou uma tradução ou uma leitura etc No século 19 sobretudo a partir dos trabalhos de Schleiermacher Droysen e Dilthey fixaramse quatro acepções em que se usa a palavra hermenêutica 1 ausdrucken expressar enunciar 2 auslegen esclarecer interpretar 3 übersetzen traduzir 4 Verstehen compreender Essas quatro acepções indicam sempre operações aplicadas a algo texto ou discurso objeto ou ação usado por alguém para transmitir a outros seus pensamentos e intenções e cujo sentido é preciso apreender em outros termos explicitar de modo a ficar claro transpor para outros conceitos e compreender em sua inteligibilidade e significado O que está em questão é o ter e fazer sentido e a realização desse sentido como um ou outro significado Dilthey estabeleceu o cerne da Hermenêutica na conexão de sentido que se realiza na articulação de uma experiência vivida Erlebniss suas expressões Ausdruck e a compreensão Verstehen dessas expressões A compreensão por sua vez reduplicase pois indica a compreensão daquele que vive a experiência e a expressa e também a de outro a qual em certa 31 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA medida depende de uma revivência Nacherleben por parte daquele que quer apreender o sentido das expressões de uma vivência alheia DILTHEY 2010 22 ÂMBITOS DA HERMENÊUTICA A Hermenêutica como arte da apreensão interpretação e compreensão de sentido está presente na totalidade das atividades humanas enquanto estas são marcadas pela exigência de orientação significação e valoração de um agente a serem interpretadas e compreendidas por outros agentes A experiência de orientação significação e valoração de um objeto evento ou situação devido à própria variedade e diversidade do humano traz contida em si mesma a possibilidade do dissenso e da diferença A compreensão espontânea e o entendimento no sentido comum não eliminam as diferenças de perspectivas e as disputas de interpretação e valoração Está nisso a raiz do próprio esforço de interpretação e compreensão e sobretudo da busca de um sentido comum seja como pressuposto a ser desvelado seja como projeto a ser construído Se alguém diz Vou pra Porto Alegre o que isso significa Que irá para o sul ou para o norte Que é trilegal ou que é uma pena Que terá de cruzar uma ponte ou que poderá ir a pé Que é preciso para ser feliz ou que vai para ser infeliz Que torce para o Colorado e isso é bom ou para o Grêmio Maragato ou Chimango Que é bom ou ruim porque lá faz frio Esses sentidos e significados valorações e conotações a frase Vou pra Porto Alegre apenas pode ter em um contexto de proferimento particular e para falantes e ouvintes em particular E mesmo que ela seja proferida em um sentido determinado e 32 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA claro o significado para quem fala é diferente daquele para quem ouve ela pode significar tudo para um e não significar nada para outro Se alguém a profere em Santa Maria temos uma situação diferente de se ela for dita em Florianópolis Ir para Porto Alegre pode ser uma ilusão ou talvez a desilusão de alguém O seu sentido pode até ser o mesmo o de alguém ir a uma determinada cidade mas o seu significado já é diferente para quem vai e para quem fica Todavia e é isso o que nos espanta as pessoas se entendem ainda assim elas comumente se compreendem e no comum do dia a dia interpretam corretamente umas às outras Esse entendimento comum ocorre no plano mesmo das ações e interações mas tem seu lugar na própria conversação na qual uma comunidade alcança uma unidade e ajusta as diferenças NIETZSCHE 1992 p 182 O entendimento na linguagem a compreensão dos relatos e histórias dos mitos e das verdades do que é digno ou indigno de se fazer dos modos de comportarse e do que é preferível fazer perfaz o cerne de uma comunidade Um dos problemas mais antigos em relação à linguagem é o da compreensão do discurso do outro e da interpretação de textos e documentos Em torno dessa problemática surgiram as práticas e procedimentos bem como a reflexão hermenêutica que tem como foco as expressões e linguagens pensadas prioritariamente como uma expressão do pensamento humano enquanto uma formação que precisa ser compreendida mas que é em grande parte obscura e enigmática em seu sentido e significado As palavras e discursos transmitidos e herdados por uma tradição orais e escritos nas quais se supõe muitas vezes 33 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA estar a verdade e a orientação adequada precisam ser lidos e interpretados a cada vez pelas novas gerações Leis tratados poemas histórias mitos lendas escritos sagrados e também discursos teóricos e administrativos requerem um esforço para revelar o seu sentido e ter um significado preciso O ponto de partida da Hermenêutica enquanto procedimento metódico é o problema da validação da compreensão e da incompreensão do que é dito ou significado nas manifestações linguísticas sígnicas e simbólicas A tradição hermenêutica se constituiu sobretudo a partir da experiência de interpretação de textos códigos discursos e símbolos cujos autores não estão mais presentes ou seja a partir da necessidade de compreensão de manifestações linguísticas fixadas o que agora exige esforço de decifração A partir de Friedrich D E Schleiermacher 17681834 generalizase esse problema para toda e qualquer manifestação simbólica cujo sentido esteja em causa tomandose o modelo do diálogo e da conversa como o paradigma da ocorrência de linguagem no sentido preciso de que toda enunciação deveria ser compreendida como uma resposta ou como um pedido de resposta por parte de um autor dirigindose a um interlocutor Todavia o próprio diálogo direto será compreendido como demandando um esforço de compreensão e de mediação para eliminar as intransparências e os malentendidos O que se dá o que se percebe e recebe ainda não esgota o presente em que sentido sob qual significado para qual orientação isso que se dá está dado A resposta dada Vou a Porto Alegre significa o que para quem a dá significa o que para quem a recebe O ponto principal dessa teorização metódica é a abdicação do princípio da transparência do signo linguístico e das 34 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA expressões e a generalização da experiência da interpretação A ênfase principal é a atenção ao diferente que é outro e ainda assim tem de ser compreendido HansGeorg Gadamer fala da prioridade e ineludibilidade do sistema da linguagem frente à autotransparência da consciência de si e do outro mas também frente aos fatos O si mesmo o outro e o mundo dos fatos dão se apenas no mundo intermediário da linguagem enquanto este é propriamente a verdadeira dimensão do real do dado GADAMER 2004 p 391 O pressuposto hermenêutico básico é que nas ações e expressões do outro atual ou antepassado há algo que faz sentido e é significativo merecendo ser entendido e compreendido A Hermenêutica é uma atividade prática cuja finalidade é apreender o sentido do que é feito e dito uma apreensão do sentido que se dá na linguagem e pela linguagem Na base do esforço hermenêutico de interpretação e compreensão de uma manifestação alheia está também a percepção da diferença ou alteridade que na sua forma mínima é a própria diferença entre a posição do eu e do tu daquele que falou ou escreveu e daquele que lê e quer entender O elemento propriamente hermenêutico está porém na sobreposição de outro diferimento que precisa ser apreendido e compreendido a saber o diferimento não propriamente quanto à posição e sim quanto ao modo como o outro pensa sinein sobre determinada coisa assunto ou problema pragma A primeira diferença referese à distinção entre a pessoa que fala e a que ouve a segunda diz respeito à diferença de visada que uma e outra têm sobre o assunto em questão Compreender o outro é compreendêlo como outro diferente com seus outros interesses e orientações e também compreender a si mesmo 35 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA como distinto e isso em relação a um assunto ou coisa cujos sentido e significado importam a ambos O que se quer é compreender o outro tal como o outro quer ser compreendido portanto o que se quer é chegar a um sentido comum Todavia o acento principal será posto no fato da alteridade ineliminável a ser também ela compreendida como frisou Schleiermacher sempre resta para cada um o estranho Fremdes nos pensamentos Gedanken e expressões Ausdrücken do outro SCHLEIERMACHER 2000 p 33 Essa diferença diz respeito justamente à diversidade de interesses e pontos de vista relativos ao eu que lê e ao tu que se expressa como é o caso entre o autor dos textos sagrados e o eu individual entre os autores antepassados de uma tradição de costumes leis e textos e os membros atuais de uma comunidade Nesse ponto tornamse visíveis a diferenciação e o distanciamento histórico Quando se compreende compreende se de modo diferente o mesmo sentido ou o sentido comum é uma projeção cuja realização depende de um esforço constante A historicidade da compreensão e da significação está ligada a essa diferenciação distanciadora que o tempo impõe O sentido de um poema é algo a ser recuperado reconstruído reatualizado E também um poema ou um texto constituidor de uma tradição é algo que precisa ser ressignificado e compreendido de novo a cada nova geração Línguas práticas e hábitos mudam pelo acúmulo de fatos e feitos e também de sentidos dados e de interpretações feitas desses fatos e feitos de modo que um mesmo texto sempre é lido de modo diferente no evolver de uma tradição 36 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 23 TRÊS DIMENSÕES DA HERMENÊUTICA A Hermenêutica como técnica de interpretação procedimento de decodificação e decifração de um enunciado hermeneia texto ou manifestação expressiva já na antiguidade se subdividiu em ramos especializados como o da exegese e interpretação de textos sagrados o da interpretação e aplicação dos textos jurídicos e por fim o da exegese comentário e interpretação de textos poéticos literários e filosóficos Com efeito a Hermenêutica enquanto arte e técnica de interpretação correta de textos começa com o esforço dos gregos para preservar e compreender os seus poetas e desenvolvese na tradição judaicocristã de exegese das Sagradas Escrituras A partir do Renascimento fixamse três tipos básicos de técnica de interpretação hermenêutica teológica sacra jurídica juris e poéticofilológica profana Os problemas enfrentados nesses âmbitos especializados não são os mesmos embora neles em geral se tenha em vista a compreensão de textos Essa tripartição contudo não é uma mera classificação acessória pois ela diz respeito aos próprios conceitos de interpretação e de sentido que se aplicam a um texto ou discurso Compreender e interpretar um texto no seu sentido religioso é diferente de o fazer em sentido jurídico e ambos esses sentidos são distintos em relação ao poético científico e filosófico Uma coisa é ler um texto enquanto se supõe que este seja a revelação da vontade e verdade divinas a que se deve obediência e respeito outra bem diferente é lêlo enquanto texto tomado como regra pela qual se julga uma ação em particular como autorizada ou desautorizada socialmente 37 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA Nesses dois casos a compreensão e a interpretação do sentido do texto implicam uma aplicação direta seja à própria vida do leitor seja a um ato particular de outrem Dito de outro modo no caso dos textos religiosos e jurídicos o seu sentido e sua interpretação implicam uma remissão a uma dimensão que está fora do texto a dimensão do sagrado e a da convivência socialmente regrada respectivamente O intérprete não compreende o texto pelo texto e pelo que ele significa mas o faz remetendo a algo diferente à vontade divina ou à comunitária No caso dos sentidos poéticos literários e filosóficos de um texto essa aplicação não ocorre e a adequação de uma interpretação diz respeito a critérios bem distintos como os padrões estéticos e artísticos ou os de coerência e consistência conceitual e lógica ou então os de embasamento experimental e observacional Por isso a distinção entre hermenêutica sacra jurídica e profana embora hoje esteja um pouco em desuso remete ao problema fundante da reflexão hermenêutica a saber o da diversidade de sentidos e significados com que uma forma significante pode ser compreendida No passado os textos eram de saída concebidos como pertencentes a gêneros particulares que determinavam já o tipo de leitura e o sentido pelos quais eles deviam ser lidos Atualmente está bem estabelecido que o mesmo texto pode ser lido sob diferentes sentidos e enfoques GENETTE 2004 p 103 105 Um dado texto pode ser objeto de interpretação jurídica literária ou filosófica como é o caso de uma Constituição de um país podemos lêla para aplicála na decisão de um caso jurídico real para discutir e exemplificar uma tese filosófica em teoria ética ou política ou para apreciar os usos e estilos linguísticos as figuras retóricas e o tipo de construção frasal O texto é o mesmo mas o sentido em que ele é lido propicia diferentes 38 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA interpretações as quais por sua vez são julgadas como mais ou menos adequadas As leituras indicadas no Tópico 31 tratam dos conceitos e termos básicos da Hermenêutica Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 24 A HERMENÊUTICA BÍBLICA CLÁSSICA Ao nome de Fílon de Alexandria 15 aC40 dC está associado o método de interpretação dos textos sagrados denominado de alegórico proveniente da escola estoica inicialmente delineado para a interpretação dos mitos gregos e depois aplicado também à interpretação dos textos da tradição judaica e dos bíblicos A ideia central desse método é que o texto bíblico se deixa ler em dois sentidos o literal associado às palavras na sua significação convencional e o alegórico ligado ao conteúdo espiritual Um exemplo desse procedimento está na seguinte passagem na qual Fílon sugere uma leitura alternativa para a descrição do jardim do Éden no Livro do Gênesis A meu ver tais considerações sobre o Jardim do Éden parecem supor um filosofar em sentido mais simbólico que próprio pois sobre a terra ainda não apareceu no passado nenhuma árvore da vida nem nenhuma árvore do conhecimento nem é verossímil que apareçam no futuro Parece antes que com o nome de jardim Moisés faz alusão ao princípio hegemônico da alma repleta de algum modo dessa miríade de plantas que se chamam opiniões dóxai com o nome de árvore da vida à piedade para com Deus teosebia a maior das virtudes que torna a alma imortal e com o nome de árvore do conhecimento do bem e do mal 39 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA à prudência sophrosyne virtude com que se julgam as coisas contrárias por natureza FÍLON 2015a p 97 Nessa passagem mostrase claramente que Fílon não lê as palavras e frases do Genesis em seu sentido lato mas sim o faz em termos metafóricos e alegóricos isto é como tendo um outro sentido para além do convencional O texto fala em quatro fontes do jardim do Éden mas Fílon lê essa passagem como referindose a quatro virtudes No lugar das nascentes dos rios não há nenhum Paraíso a não ser que nesta passagem os tópicos sejam alegóricos e os quatro rios sejam um símbolo das quatro virtudes FÍLON 2015b p 6364 O inteiro texto tomado como um discurso tem por assunto outra coisa que aquilo que as suas palavras significam no seu sentido convencional Em relação ao grande dilúvio Fílon não o lê como tratando de um fenômeno real mas sim como uma metáfora cujo sentido é assim interpretado Quando as torrentes do intelecto são abertas pela insensatez pela loucura pelo desejo insaciável então se trata verdadeiramente de grande dilúvio Por outro lado o intelecto íntegro de quem vive segundo a Lei de Moisés segue vivendo no corpo como numa arca FÍLON 2015b p 127 O método de leitura alegorizante transforma o sentido literal em um outro de natureza religiosa ou ética O verdadeiro sentido está oculto por detrás do aparente Seguindo o método de Fílon Orígenes 185253 dC no contexto cristão da interpretação dos textos bíblicos propunha que os textos sagrados têm sentidos ocultos que apenas um leitor espiritual pode apreender Embora o sentido literal seja por si só valioso ele pode obscurecer o sentido principal que é o espiritual Há uma hierarquia pedagógica entre o literal e o 40 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA espiritual o primeiro oferecese como porta de entrada mas é o segundo que deve ser buscado por aqueles que têm fé Orígenes atribuía a leitura literal aos judeus e aos não cristãos e a leitura espiritual como aquela devida aos cristãos Além disso ele distinguia três níveis de sentido os quais correspondiam a três atitudes básicas ou dimensões do humano Carnal a interpretação literal visível e óbvia para todos correspondendo aos não doutos Pneumática a interpretação dos tocados pela fé cristã e que discernem outros sentidos para além do literal Espiritual a interpretação propriamente alegórica e religiosa Em oposição à interpretação alegorizante da escola de Alexandria em Antioquia desenvolveuse outro método de leitura dos textos sagrados Sua diferença principal está no fato de que partia de uma valorização do sentido literal do texto em termos gramaticais e históricos com o propósito de buscar o sentido do texto enquanto aquilo que o seu autor quis dizer considerando a situação histórica em que escreveu Em oposição à alegoria essa escola privilegiava o conceito de teoria o qual indicava a visão do autor e que implicava que as suas palavras teriam um sentido espiritual para além do literal mas ainda assim não metafórico e não alegórico Embora admitissem o caráter metafórico de muitas passagens do texto bíblico reconheciam nisso a necessidade de contextualização histórica para alcançar o sentido espiritual e moral Esse resgate do contexto histórico tinha como objetivo reconstruir a intenção do autor isto é o que ele viu e quis dizer na sua época com as palavras que usou 41 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA Esta teoria evoluiu para uma concepção quadripartite do sentido dos textos predominante no Medievo como é o caso em João Cassiano 360435 e posteriormente em Agostinho de Dakien morto em 1282 Nela se distinguem quatro sentidos 1 Das palavras ou histórico os fatos descritos 2 Alegórico aquilo em que se deve crer 3 Moral aquilo que se deve fazer 4 Anagógico o que se deve esperar As leituras indicadas no Tópico 32 tratam da Hermenêutica antiga Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado Santo Agostinho As discussões sobre a interpretação e a compreensão dos textos bíblicos nas suas várias correntes convergem na obra de Santo Agostinho 354430 dC A doutrina cristã na qual é realizada uma síntese que se tornou paradigmática podendo ser considerada uma das primeiras obras de reflexão hermenêutica sistemática e bem fundamentada do ponto de vista das teorias linguísticas e históricas existentes na época Nessa obra Agostinho reflete sobre as dificuldades e os problemas de leitura do texto bíblico discutindo os modos de superação para alcançar uma compreensão adequada Agostinho adota uma teoria que inclui e sistematiza as diferentes propostas anteriores reconhecendo que o texto sagrado tem de ser lido 42 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA nos seus aspectos e sentidos históricos etiológicos analógicos e alegóricos Devese a Agostinho a formulação clara do preceito da fé regula fidei como critério para determinar qual sentido deve prevalecer o literal ou o alegórico ambos igualmente válidos Esse preceito contudo é ele mesmo regulado pelo estabelecimento dos textos canônicos e dogmas no sentido de que o intérprete não é autônomo para recorrer a qualquer fonte e para alterar os dogmas estabelecidos Quanto às Escrituras canônicas siga a autoridade da maioria das Igrejas católicas entre as quais sem dúvida se contam as que merecem ser sede dos apóstolos e receber cartas deles AGOSTINHO 2002 p 95 Ainda assim para Santo Agostinho o problema é o da leitura correta e da compreensão adequada do sentido dos textos bíblicos o que implica compreendêlos em sua totalidade amparandose nas passagens claras para compreender as difíceis ou ambíguas A primeira observação a ser feita a essa busca e empresa é como já dissemos tomar conhecimento dos Livros santos Se a princípio não se conseguir apreender o sentido todo pelo menos fazer a leitura e confiar à memória as santas palavras De toda a forma não ignorar por completo os Livros sagrados Em seguida se há de verificar com grande cuidado e diligência os preceitos morais e as regras de fé que a Escritura propõe com clareza Encontramse tão mais abundantemente quanto maior for a abertura do entendimento de quem busca visto que nas passagens que a Escritura oferece com clareza encontramse todos os preceitos referentes à fé e aos costumes à esperança e à caridade sobre os quais tratamos no primeiro livro AGOSTINHO 2002 p 98 43 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA Agostinho ao mesmo tempo em que recomenda o conhecimento dos textos reconhece que a dificuldade de compreensão advém da própria linguagem em que foram escritos Para resolver esse problema formula uma teoria geral do signo linguístico com base nas tradições estoica e platônica No entanto é no estudo e no conhecimento das línguas originais que está a chave para a solução das dificuldades de leitura e compreensão correta Para combater a ignorância dos signos próprios o grande remédio é o conhecimento das línguas Os conhecedores da língua latina a quem pretendemos instruir neste momento necessitam para chegar a conhecer a fundo as divinas Escrituras de duas outras línguas a saber o grego e o hebraico Elas lhes permitirão recorrer aos exemplares mais antigos no caso em que a infinita variedade das traduções latinas lhes traga alguma dúvida AGOSTINHO 2002 p 100 De qualquer modo as dificuldades de leitura não são resolvidas apenas pelo recurso linguísticogramatical e pelo conhecimento causal e histórico dos conteúdos e assuntos tratados nos textos O procedimento sugerido é que se recorra sim às analogias e comparações linguísticas scripturae e também às analogias com os contextos próximos mas em última instância decide a analogia da fé fidei AGOSTINHO 2002 p 152 Se a regra primária para esclarecer as dificuldades de leitura é a do conhecimento das línguas originais a hebraica e a grega a compreensão correta e plena depende da graça do Espírito Santo pois este se manifesta por meio do autor e de suas intenções conscientes Por isso cabe ao leitor entender o que o autor quis dizer com suas palavras e não introduzir sentidos que ele leitor deseja O critério da adequação aos dogmas e cânones é indispensável Além disso Agostinho sugere que as palavras 44 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA e frases devem ser entendidas no seu contexto próximo e não isoladamente As regras e os princípios que Agostinho discute e estabelece para leitura e compreensão correta dos textos bíblicos na obra A doutrina cristã podem ser resumidas nas seguintes atitudes assuma a atitude apropriada a um crente tornese competente e obtenha experiência nos assuntos aprenda especialmente os idiomas hebraico e grego e aprofunde sua compreensão do amor a Deus e ao próximo JOISTEN 2009 p 53 A reflexão de Agostinho sobre o problema da interpretação e compreensão adequada das sagradas escrituras estabelece com clareza o problema hermenêutico como incontornável mas ao mesmo tempo como superável por meio de procedimentos racionais Nessa obra com efeito já estão explicitados os problemas hermenêuticos e os princípios básicos ainda hoje vigentes enquanto fatores intervenientes na atividade de interpretar e compreender uma formação significativa 1 o fator da intermediação linguística e da diversidade das línguas AGOSTINHO 2002 p 100 106 2 o fator da equivocidade de sentido das palavras e dos discursos AGOSTINHO 2002 p 152 159 182 3 o fator do distanciamento histórico gerador de mal entendidos AGOSTINHO 2002 p 128 174 4 o pressuposto da dependência das partes em relação ao contexto ou todo do texto quanto à determinação de sentido AGOSTINHO 2002 p 183 185 5 o pressuposto de que o conhecimento da coisa ou assunto em questão é fator decisivo para a compreensão AGOSTINHO 2002 p 111 45 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA A atitude geral é de que seja possível superar esses fatores por meio de procedimentos metódicos Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 1 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizada na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte do material 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador representa uma condição necessária e indispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 HERMENÊUTICA HISTÓRIA E CONCEITOS BÁSICOS Nesta unidade discutimos de forma básica a formação da disciplina e da arte da Hermenêutica indicando seus conceitos e termos básicos Para conhecer mais sobre o assunto e ter uma sinopse clara da disciplina leia os seguintes textos GILHUS I S Hermenêutica Rever Revista de Estudos da Religião ano 16 n 2 p 144156 2016 Disponível em httpsrevistaspucspbrindexphpreverarticle view29431 Acesso em 17 ago 2020 INWOOD M Hermenêutica Trad Rogério Bettoni Crítica na rede 2 jun 2007 Disponível em https criticanaredecomhermeneuticahtml Acesso em 17 ago 2020 46 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 32 HERMENÊUTICA ANTIGA Para expandir seus conhecimentos da hermenêutica antiga leia os seguintes textos FOGAÇA R G STIGAR R A Hermenêutica da Bíblia em Fílon de Alexandria Revista Eletrônica Espaço Teológico v 12 n 22 p 89103 juldez 2018 Disponível em htt psrevistaspucspbrreveleteoarticleview40972 Acesso em 17 ago 2020 NASCIMENTO S F Orígenes alegoria exegese a procu ra de uma Hermenêutica e de um método investigativo Peri v 9 n 1 p 6480 2017 Disponível em http wwwnexosufscbrindexphpperiarticleview2055 Acesso em 17 ago 2020 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder as questões a seguir você deverá revisar os conteúdos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Considere os diferentes sentidos da palavra hermenêutica e relacione os às diferentes experiências envolvidas com palavras e textos 2 Explique a distinção básica do método de interpretação alegórica praticado por Fílon de Alexandria 3 Liste os três âmbitos de aplicação da Hermenêutica e explique o fundamento dessa distinção 4 Descreva os procedimentos e regras de interpretação propostos por Santo Agostinho na obra A doutrina cristã 47 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade foram apresentados alguns conceitos e teorias básicos relativos à Hermenêutica enquanto técnica de interpretação e teoria da compreensão Importa sobretudo perceber que a história da formação da Hermenêutica como teoria e filosofia remete a uma sequência importante de pensadores e obras desde a Antiguidade Além disso uma longa tradição hermenêutica tem sua matriz no problema da interpretação de textos legais e jurídicos sobretudo no que se refere ao Direito romano antigo e ao Direito canônico da igreja católica Em geral as técnicas e teorias hermenêuticas embasadas na interpretação de textos canônicos religiosos e jurídicos estão referidas essencialmente ao problema da exegese e decifração de textos e assim estão estritamente associadas aos problemas filológicos ao referirem o problema de como apreender o sentido e o significado de expressões escritas sobretudo quando o autor ou os autores não mais estão presentes Esse problema aparece como relevante em vários campos de saber e hoje envolve teorias complexas muito diferenciadas Por isso é necessário complementar os estudos com as leituras indicadas nas Orientações para o estudo e no Conteúdo Digital Integrador A próxima unidade apresentará os fundamentos teóricos modernos da Hermenêutica os quais conformam ainda hoje o modo como pensamos esses assuntos e problemas 48 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 6 EREFERÊNCIAS Sites consultados BRIZOTTO B BERTUSSI L T Hans Robert Jauss e a Hermenêutica literária Letrônica Porto Alegre v 6 n 2 p 735752 juldez 2013 Disponível em http revistaseletronicaspucrsbrojsindexphpletronicaarticleviewFile1488911287 Acesso em 25 ago 2020 FOGAÇA R G STIGAR R A Hermenêutica da Bíblia em Fílon de Alexandria Revista Eletrônica Espaço Teológico v 12 n 22 p 89103 juldez 2018 Disponível em httpsrevistaspucspbrreveleteoarticleview40972 Acesso em 17 ago 2020 GILHUS I S Hermenêutica Rever Revista de Estudos da Religião ano 16 n 2 p 144156 2016 Disponível em httpsrevistaspucspbrindexphpreverarticle view29431 Acesso em 17 ago 2020 HERMENÊUTICA Verbete do site Wikipédia Disponível em httpsptwikipediaorg wikiHermenêutica Acesso em 25 ago 2020 INWOOD M Hermenêutica Trad Rogério Bettoni Crítica na rede 2 jun 2007 Disponível em httpscriticanaredecomhermeneuticahtml Acesso em 17 ago 2020 MANTZAVINOS C Hermeneutic Stanford Encyclopedia of Philosophy 2016 Disponível em httpsplatostanfordeduentrieshermeneutics Acesso em 25 ago 2020 MANTZAVINOS C O círculo hermenêutico que problema é este Tempo Social v 26 n 2 p 5769 nov 2014 Disponível em httpwwwscielobrpdftsv26n2v26n2a04 pdf Acesso em 17 ago 2020 NASCIMENTO S F Orígenes alegoria exegese a procura de uma Hermenêutica e de um método investigativo Peri v 9 n 1 p 6480 2017 Disponível em httpwww nexosufscbrindexphpperiarticleview2055 Acesso em 17 ago 2020 NEGRO M A ciência hermenêutica e Santo Agostinho Revista de Cultura Teológica v 18 n 71 p 1126 julset 2010 Disponível em httpsrevistaspucspbrculturateo articleview1538911495 Acesso em 17 ago 2020 OLIVEIRA R T STRECK L L O que é isto A hermenêutica jurídica 29 ago 2015 Disponível em httpswwwconjurcombr2015ago29istohermeneuticajuridica Acesso em 25 ago 2020 ROCHA S A Evolução histórica da teoria hermenêutica do formalismo do século XVIII ao póspositivismo Lex Humana v 1 n 1 77160 2009 Disponível em httpseer ucpbrseerindexphpLexHumanaarticleview5 Acesso em 25 ago 2020 49 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA ROHDEN L Hermenêutica filosófica entre Heidegger e Gadamer Natureza humana São Paulo v 14 n 2 p 1436 2012 Disponível em httppepsicbvsaludorgpdf nhv14n2a02pdf Acesso em 25 ago 2020 SALLES W F AMARAL D R Hermenêutica teológica caminho para a afirmação da identidade religiosa Revista de Cultura Teológica v 18 n 70 p 5168 abrjun 2010 Disponível em httpsrevistaspucspbrculturateoarticledownload1540911510 Acesso em 25 ago 2020 SILVA R S O círculo hermenêutico e a distinção entre Ciências Humanas e Ciências Naturais Ekstasis Revista de Fenomenologia e Hermenêutica v 1 n 2 p 5472 2013 Disponível em httpswwwepublicacoesuerjbrindexphpEkstasisarticle view42663815 Acesso em 17 ago 2020 STAGLIANO N Hermenêutica conceitos e caracteristicas 2016 Disponível em https simoesstaglianojusbrasilcombrartigos335787147hermeneuticaconceitose caracteristicas Acesso em 25 ago 2020 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGOSTINHO A A doutrina cristã Manual de exegese e formação cristã Trad Nair de Assis Oliveira São Paulo Paulus 2002 Coleção Patrística ARISTÓTELES Órganon Trad Edson Bini São Paulo Edipro 2016 AST F Grundlinien der Grammatik Hermeneutik und Kritik Landshut Thomann 1808 BOECKH A Encyklopädie und Methodologie der philologischen Wissenschaften Leipzig Teubner 1877 DANNHAUER J C Hermeneutica sacra sive methodus exponendarum sacrarum litterarum Strasbourg J Städel 1654 DILTHEY W A construção do mundo histórico nas Ciências Humanas Trad Marco Casanova São Paulo Editora da Unesp 2010 DILTHEY W Historia de la Filosofia Trad E Ímaz Cidade do México FCE 1992 DILTHEY W Leben Schleiermachers Zweiter Band Schleiermachers System als Philosophie und Theologie Berlin Walter de Gruyter 1966 ERNESTI J A Institutio interpretis Novi Testamenti Leipzig Weidmann 1761 FÍLON de Alexandria Da criação do mundo e outros escritos Trad Luíza M Dutra apres Carlos Nougué São Paulo Filocalia 2015a 50 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA FÍLON de Alexandria Questões sobre o Gênesis Trad Guilherme F Araújo apres Carlos Nougué São Paulo Filocalia 2015b GADAMER HG Verdade e método II complementos e índice Trad E P Ciachi e M C Schuback 2ed Petrópolis Vozes 2004 GENETTE G Fiction et diction Paris Ed du Seuil 2004 JOISTEN K Philosophische Hermeneutik Berlim Akademie Verlag 2009 NIETZSCHE F W Além do bem e do mal Trad P C Souza São Paulo Companhia das Letras 1992 PALMER R E Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 PLATÃO Íon trad Cláudio Oliveira Belo Horizonte Autêntica 2011 SCHLEIERMACHER F D Hermenêutica arte e técnica da interpretação Trad org C R Braida Petrópolis Vozes 2000 SCHMIDT L K Hermenêutica Trad F Ribeiro 3 ed Petrópolis Vozes 2014 51 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Objetivos Entender as características da Hermenêutica moderna Conhecer a teoria de Schleiermacher Familiarizarse com a teoria de Dilthey Entender as relações entre as compreensões linguística histórica e hermenêutica Conteúdos A distinção entre interpretação gramatical e psicológica em Schleiermacher A conexão entre vivência expressão compreensão e revivência em Dilthey A questão da linguisticidade e da historicidade da compreensão da interpretação hermenêutica Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 A leitura desta obra deve ser vista como uma indicação dos termos e tópicos a serem estudados e aprofundados procure outras informações e apresentações desses assuntos nos livros indicados nas referências bibliográficas e em sites confiáveis Lembrese de que na modalidade EaD o engajamento pessoal e a organização pessoal dos estudos são fatores determinantes para o seu crescimento intelectual UNIDADE 2 52 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA 2 A compreensão adequada dos temas e conceitos de Hermenêutica está associada ao domínio de vários outros conteúdos e competências incluindo diversos domínios de conhecimento Para adquirir uma competência mínima são necessários conhecimentos básicos de Teoria da Linguagem Historiografia e Humanidades Uma referência bibliográfica básica são os livros de Jean Grondin e de Lawrence K Schmidt PALMER R E Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 SCHMIDT L K Hermenêutica Trad F Ribeiro 3 ed Petrópolis Vozes 2014 3 O estudo sistemático de qualquer assunto exige organização e um trabalho de esquematização dos conceitos e teorias Por isso anote os termos principais usados na unidade faça mapas conceituais e busque fixar o sentido em que são usados e sobretudo qual função ou papel teórico esses conceitos exercem na teoria Consulte dicionários e outros textos para elaborar e aprofundar a caracterização desses termos registrando as frases em que eles ocorrem e as diferenças de uso entre os autores 53 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA 1 INTRODUÇÃO Nesta unidade serão apresentados autores e teorias que conformam o modelo teórico de racionalidade e argumentação hermenêutica no século 19 tendo por base as teorizações de Friedrich Schleiermacher Wilhelm von Humboldt Johann G Droysen e Wilhelm Dilthey Esses autores introduziram e sintetizaram os conceitos e princípios básicos da Hermenêutica moderna enquanto metodologia de pesquisa e validação estabeleceram o seu âmbito de aplicação e a legitimaram como teoria filosófica das Ciências Humanas 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma sucinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteúdo Digital Integrador 21 HERMENÊUTICA MODERNA Na início da modernidade sob influência das novas filosofias e da pretensão de unificação e universalização sistemática e metodológica de técnicas teorias e conhecimentos vários autores procuraram formular os princípios da interpretação e da compreensão na forma de uma Hermenêutica geral ou teoria geral da interpretação O problema principal era o da leitura e compreensão correta dos textos sagrados sobretudo no contexto das disputas entre reformistas e contrarreformistas Com efeito o pensamento reformador de Martin Lutero 14831546 estava baseado também em uma nova postura 54 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA hermenêutica de leitura dos textos sagrados Lutero adotou a regra denominada Sola Scriptura contra a autoridade da tradição interpretativa e doutrinária da Igreja Católica sobretudo recusando a infalibilidade da interpretação papal Lutero defendia que Scriptura sui ipsius interpres a Escritura interpreta a si mesma propondo esse princípio como o verdadeiro método de interpretação no sentido de que o texto sagrado deveria ser interpretado e compreendido por meio da comparação de passagens e a partir de sua própria direção Nesse contexto o escrito de Matthias Flacius Clavis scripturae sanctae de 1567 foi considerado por Dilthey 1984 a obra mais importante e talvez a mais profunda sobre a interpretação dos textos sagrados pela primeira vez nesta obra surge organizado em sistema todo um conjunto de regras de interpretação encontradas até à altura graças ao postulado segundo o qual procedendo tecnicamente de acordo com as regras deveria obterse uma compreensão indiscutível dos textos DILTHEY 1984 p 157 tradução nossa Flacius 1567 resolve as dificuldades de interpretação e compreensão do texto bíblico recorrendo ao princípio da unidade que os textos sagrados adquirem na religião cristã viva A esse princípio da experiência viva do sentido unitário Flacius acrescenta fundamentos racionais e técnicos como o da interpretação gramatical pelo qual uma passagem isolada deve ser interpretada em função da intenção e da composição da inteira obra Tratase de uma das primeiras formulações explícitas do princípio do contexto como uma regra metodológica a inteligibilidade das diversas partes do todo resulta também das suas relações com o todo e com as outras suas partes A atitude geral indica o uso do princípio da suposição da inteligibilidade 55 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA do texto a ser interpretado no caso a Bíblia cristã e a atribuição da incompreensão à falta da adequada preparação linguística e aos métodos errados de leitura A obra de J C Dannhauer Hermeneutica sacre sive methodus exponendarum sacrarum litterarum de 1654 usa pela primeira vez o termo hermeneutica para indicar a metodologia da interpretação diferenciando a leitura e o comentário exegese e as regras métodos e teorias que embasam a apreensão correta do sentido hermeneutica PALMER 1986 p 44 Depois a obra de Johann M Chladenius Einleitung zur richtiger Auslegung vernunftiger Reden und Schriften de 1742 expande o problema para a interpretação correta richtiger Auslegung de discursos e textos em geral GADAMER 2005 p 251 Outra obra importante dessa época é a de Johann Ernesti Institutio interpretis Novi Testamenti 1761 que estabelece o método de interpretação propriamente linguístico e gramatical partindo do pressuposto de que as expressões linguísticas recebem seu significado por atos deliberados e assim em geral têm vários sentidos Nessa obra Ernesti propôs que o sentido linguístico das Escrituras deveria ser determinado de modo idêntico ao que usamos para apurar o sentido verbal de outros livros Outros textos que precisavam ser interpretados eram documentos legais e obras da Antiguidade Clássica e essas disciplinas também contribuíram para a Hermenêutica A base da compreensão é uso linguístico que embasa o texto o que exige uma investigação rigorosa do que cada palavra significa em uma composição particular na obra de um autor em particular 56 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA de uma época particular e em um assunto em particular DILTHEY 1996 p 81 Várias outras obras procuraram sistematizar as regras e procedimentos de interpretação e compreensão entre outras destacamse as obras de J Rambach Institutiones hermeneuticae sacrae 1723 e de Georg F Meier Versuch einer allgemeinen Auslegungskunst de 1757 Nelas foi estabelecido um marco na reflexão hermenêutica ao se propor uma arte de interpretação geral buscando unificar as diferentes tendências e teorias hermenêuticas de sua época JOISTEN 2009 p 89 proposta esta que prenuncia as formulações de Friedrich Schleiermacher na busca de uma Hermenêutica geral allgemeine Hermeneutik Além disso outra importante contribuição do século 18 para a disciplina da Hermenêutica que se tornará proeminente no século seguinte é a introdução das pesquisas históricas livres como base para a compreensão de textos sobretudo dos bíblicos Dilthey atribui a Johann Salomo Semler 17251791 a introdução das pesquisas históricas na Hermenêutica e assim o rompimento com as concepções lógicogramaticais anteriores DILTHEY 1996 p 630 sobretudo nas obras Lebensbeschreibung von ihm selbst abgefaßt 1782 e Vorbereitung zur theologischen Hermeneutik 1760 A exegese proposta por Semler 1760 combina análises filológicas e históricas sob a pressuposição de que os textos têm uma localização espacial e temporal em relação tanto ao seu conteúdo quanto ao modo de expressálo O esforço hermenêutico tem por objetivo recuperar o uso linguístico sprachgebrauch e conhecer as circunstâncias históricas historischen Umstände da época em que o texto foi escrito e 57 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA também expressar os conteúdos e significados de modo que as diferenças em relação à época atual se tornem explícitas Outra obra que está na raiz da Hermenêutica moderna é a do filólogo Georg F Ast Grundlinien der Grammatik Hermeneutik und Kritik de 1808 na qual são distinguidos três níveis de compreensão de um texto o histórico no qual é fixado o texto original por meio de investigações históricas e comparativas e que fornece a compreensão ou Hermenêutica no plano da letra o da compreensão gramatical do texto que corresponde à Hermenêutica do sentido pela qual são compreendidos os significados das palavras e frases do texto o espiritual que se embasa no sentido literal do texto para apreender espírito do autor e de sua cultura ou seja a mentalidade e o modo de pensar as coisas Nessa obra é formulado de modo explícito pela primeira vez o conceito de círculo hermenêutico com o qual Ast indicou o caráter circular da interpretação enquanto uma lei que estaria na base do conhecimento e da compreensão assim formulada encontrar o espírito do todo por meio dos componentes individuais e por meio do todo captar o individual AST 1808 p 178 tradução nossa Por sua vez as pesquisas de Friedrich A Wolf publicadas na obra Vorlesung über die Enzyklopädie der Altertumswissenschaft referente a conferências ministradas entre 1785 e 1807 circunscreveram a Hermenêutica como a ciência das regras 58 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA pelas quais é distinguido o significado dos signos WOLF 1831 p 290 tradução nossa tendo o objetivo de apreender os pensamentos escritos ou simplesmente falados de outrem de modo análogo ao modo como apreendemos os nossos próprios Esse objetivo implicaria o conhecimento da linguagem do texto das circunstâncias históricas de sua produção da vida do autor e também de sua cultura Como princípio regulador para o intérprete é posta a exigência de que ele deveria conhecer idealmente tudo o que o autor conhecia A sequência de cursos e conferências que Schleiermacher ministrou entre 1805 e 1833 posteriormente publicada sob o título Hermeneutik und Kritik mit besonderer Beziehung auf das Neue Testament em 1838 SCHLEIERMACHER 2005 delineou o programa já no contexto da nova universidade dessa teoria como uma teoria geral da compreensão que embasaria as ciências do espírito históricas éticas espirituais o que foi alcançado nas obras de A Boeckh 1877 e W Dilthey 2010 As leituras indicadas no Tópico 31 tratam da circularidade hermenêutica Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 22 SCHLEIERMACHER E OS FUNDAMENTOS DA HERMENÊU TICA GERAL Com Friedrich Schleiermacher 17681834 no início do século 19 a Hermenêutica passa por uma reformulação com base na necessidade de uma justificação filosóficoteórica das regras e dos princípios de interpretação compreensão e crítica 59 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Schleiermacher parte já da exigência de estabelecer uma Hermenêutica geral compreendida como uma teoria geral da compreensão Ela enquanto teoria metodológica estabeleceria os princípios gerais de toda e qualquer compreensão e interpretação de manifestações e expressões linguísticas A suposição de fundo do projeto de Schleiermacher é que o fenômeno da linguagem está intrinsecamente voltado à interpretação e que a compreensão sempre é em primeira instância uma operação linguística Essa suposição fundase na concepção filosófica acerca da própria natureza do pensamento A linguagem é o modo do pensamento se tornar efetivo Pois não há pensamento sem discurso Ninguém é capaz de pensar sem palavras SCHLEIERMACHER 2005 p 94 Esse postulado que afirma a unidade de pensamento e linguagem tem como consequência a ideia de que as operações de interpretação e compreensão são universais e coextensivas ao âmbito da linguagem Desse modo a Hermenêutica que até então era apenas uma arte auxiliar e uma teoria especial agora é posta como a base da cognição e do pensamento humano Diferentemente da Hermenêutica da tradição exegética dos textos bíblicos a ênfase na condição linguística do que é para ser compreendido remete ao problema da compreensão para o fundamento comunicacional e dialogal que está na base de todos os textos e discursos A análise da compreensão é reenviada e modelada a partir da natureza da linguagem e das condições basilares da relação entre o falante e o ouvinte SCHLEIERMACHER 2000 p 64 Schleiermacher deixa de lado as diversas técnicas de interpretação e coloca a questão formal sobre a justificação 60 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA científica da compreensão enquanto teoria válida universalmente Para ele a Hermenêutica ainda não havia alcançado a maturidade de uma teoria capaz de justificar seus próprios procedimentos Hermenêutica segundo a etimologia conhecida ainda não pode ser um nome precisamente fixado como científica a a arte de expor corretamente suas ideias b a arte de comunicar corretamente o discurso de um outro a terceiros c a arte de compreender corretamente o discurso de um outro O conceito científico referese ao terceiro como sendo o que fica no meio entre o primeiro e o segundo SCHLEIERMACHER 2005 p 91 Notese que a fórmula compreender corretamente o discurso de um outro delimita o escopo da Hermenêutica ao linguísticodiscursivo e impõe o requisito da validação da correção sem restrição a assuntos campos ou objetos especiais Isso significa dizer que Schleiermacher pretende desenvolver uma teoria geral e metodológica da compreensão a qual serviria de base para poder discutir normas para interpretações restritas a campos de saber particulares como jurídico teológico poético filosófico A Hermenêutica de Schleiermacher parte do pressuposto tipicamente moderno e científico a saber de que a compreensão tem que ser buscada a cada momento ela resulta de uma atividade e de uma construção não sendo um dado ou fato natural A partir disso ele estabelece uma primeira definição de Hermenêutica em sentido genérico por uma dupla formulação uma negativa e outra positiva A práxis não rigorosa da arte baseiase na ideia de que a compreensão se dá por si e expressa a meta de modo negativo os malentendidos devem ser evitados A práxis mais rigorosa baseiase na ideia de que a nãocompreensão se dá por si e que a compreensão precisa ser buscada sob todos os aspectos SCHLEIERMACHER 2005 p 112113 61 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Embora evitar a má compreensão delineie a tarefa da Hermenêutica Schleiermacher propõe uma definição positiva a partir do conceito de arte de construção de um determinado finito a partir de um indeterminado infinito SCHLEIERMACHER 2005 p 99 O ponto de partida sempre é uma indeterminação infinita referente ao modo de constituição de uma manifestação discursiva a partir da linguagem utilizada da intuição ou cognição em que se embasa e do mundo em que foi construído Estes três polos linguagem intuição do autor e mundo a que pertencem para Schleiermacher são infinitos indeterminados que precisam ser apreendidos em alguma medida como totalidades para compreender o que o autor quer dizer enquanto parte dessas totalidades Eles compõem conjuntamente a estrutura ou conexão que perfaz o sentido da manifestação discursiva A determinação do sentido de uma manifestação discursiva desse modo seria realizada por meio de dois procedimentos complementares a saber uma interpretação gramatical e uma psicológica Schleiermacher justifica essa duplicidade metódica com uma tese sobre a condição linguística humana todo ser humano é de um lado um local em que uma determinada língua se forma de uma maneira peculiar e seu discurso somente é compreensível a partir da totalidade da língua Mas então ele também é um espírito a se desenvolver constantemente e seu discurso somente existe enquanto fato deste na relação com os demais SCHLEIERMACHER 2005 p 96 Isso indica que uma determinada manifestação discursiva tem de ser considerada tanto como uma manifestação particular ou um uso individual de uma linguagem geral quanto como um ato ou momento da vida de seu autor toda compreensão 62 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA consiste em dois momentos compreender o discurso enquanto extraído da linguagem e compreendêlo enquanto fato naquele que pensa SCHLEIERMACHER 2005 p 95 Daí a dupla tarefa da Hermenêutica compreender a linguagem e compreender o falante Nos dois casos estáse diante de uma infinitude indeterminada apenas visualizável por meio de uma aproximação assintótica e uma totalização heurística A baliza da completude na interpretação correta jamais alcançável implicaria o conhecimento completo da linguagem utilizada e do ser humano individual Schleiermacher estabeleceu uma fórmula positiva para exprimir a tarefa completa da arte da Hermenêutica nos seguintes termos A arte somente pode desenvolver suas regras a partir de uma fórmula positiva e esta é um reconstruir histórico e divinatório profético objetivo e subjetivo de determinado discurso 2005 p 114 Nessa fórmula subjetivo corresponde à interpretação psicológica que compreende a manifestação discursiva como um ato do pensamento do autor já objetivo corresponde à interpretação gramatical que entende o discurso como um fato linguístico E essas duas interpretações por seu turno são construídas por meio de dois procedimentos metódicos complementares histórica e divinatoriamente divinatório significa a tentativa de transformarse no outro procurando compreender diretamente o singular SCHLEIERMACHER 2005 Contudo esse apreender o outro de modo imediato jamais pode ser o fundamento da Hermenêutica como mostrarão as teses básicas de Dilthey e Gadamer Já para Schleiermacher o divinatório somente poderia ser assegurado em sua certeza por 63 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA meio da comparação histórica pois o divinatório apenas obtém sua certeza mediante a comparação confirmadora posto que sem esta ele sempre poderá ser fantasioso SCHLEIERMACHER 2005 p 203 Com isso está dado o elemento central do pensamento hermenêutico de Schleiermacher o princípio da efetividade da história em relação ao pensamento e a racionalidade Pela primeira vez na história do pensamento ocidental a própria racionalidade será pensada a partir das condições temporais isto é sem referência ao eterno e ao imutável Schleiermacher não obstante sua filiação teórica à filosofia transcendental kantiana ao radicalizála em busca das condições de possibilidades da compreensão mostrará que essas condições são a história efetiva dos atos individuais e coletivos que formam tradições de linguagem e pensamento Isso significa uma transcendentalização do histórico e também uma historicização do transcendental e da razão SCHNÄDELBACH 1991 p 143 tradução nossa O enraizamento do pensamento e da compreensão na história manifesta uma outra pretensão qual seja a de retroceder o momento de constituição do sentido e da inteligibilidade ao âmbito da práxis dos atos e feitos humanos configurando uma afirmação radical do carácter prático da razão humana Não se trata apenas de dizer que a racionalidade tem um aspecto prático mas antes que a prática é constitutiva da razão que os fatores práticos e históricos constituem a base por sobre a qual a própria razão se constrói Isso permite ver toda formação discursiva e toda armação conceitual como expressão de uma tomada de posição prática epocal que inclui tanto uma determinada atitude manipulatória para com o entorno físico como uma determinada atitude éticopolítica relativa à organização e condução da vida em comum 64 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Além disso é evidente a linguisticização e a historicização da compreensão enquanto estruturas constitutivas do pensamento humano o que acarreta aquilo que pode ser considerado o princípio dos princípios da Hermenêutica e que pode ser formulado com as palavras do próprio Schleiermacher as quais foram postas por Gadamer como abertura da terceira parte de Verdade e Método tudo o que pode ser um problema para a hermenêutica é parte de uma frase e isso porque por um lado o que se pressupõe e o que se encontra em hermenêutica é apenas linguagem SCHLEIERMACHER 2000 p 56 e por outro também o resultado da operação hermenêutica é novamente linguagem SCHLEIERMACHER 2000 p 55 Desse modo a Hermenêutica recebe uma delimitação ao linguístico que ainda hoje é aceita como frutífera O caráter histórico contudo provém de um fato bruto a saber que a linguagem na qual os pensamentos podem ser pensados para cada um de nós é sempre uma língua viva e histórica particular pois não há uma linguagem universal SCHLEIERMACHER 1977 p 368 tradução nossa Língua esta que impõe para cada falante e ouvinte a estrutura do antes e do depois visto que a língua sempre nos precede sendo dom e herança dos que vieram antes e também nos sucede já que outros a usarão e dirão coisas novas nela e com ela O legado de Schleiermacher Vejamos a seguir algumas reflexões de grandes pensadores sobre o legado de Schleiermacher para a Filosofia e a Hermenêutica A filosofia representa agora a consciência que tem o investigador da conexão das razões fundamentais dos métodos e dos pressupostos do conhecimento E ali onde antes tínhamos a Metafísica desde Schleiermacher nos defrontamos com o problema das condições que como pressupostos 65 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA de um proceder racional se encontram na base da ação dos humanos e da sociedade DILTHEY 1992 p 221222 tradução nossa podese dizer referente a Schleiermacher que no domínio das ciências da compreensão a reflexão metódica obteve um alcance perfeitamente comparável ao giro copernicano de Kant no domínio das ciências analíticas o projeto de Dilthey duma Crítica da razão histórica já o anuncia no título Em certo sentido a pretensão até vai mais longe enquanto Kant ainda chegava ao estabelecimento de princípios isto é princípios da razão de validade atemporal Schleiermacher submete a um questionamento metódico da compreensão todo o universo daquilo que englobava o conceito amplo da cogitatio de Descartes Não somente a consciência da metafísica será delimitada pelas exigências do conhecimento no sentido kantiano as próprias condições desse conhecimento pretensamente a priori são remetidas à história donde derivam os critérios a partir dos quais se decide sobre a existência ou não de conhecimentos válidos À reflexão transcendental de Schleiermacher aplica portanto em primeiro lugar em grande escala a visão da consciência histórica e aqui não se pode dissociar o trabalho preliminar de Herder ao empreendimento da crítica da razão questionando o conceito dogmático de razão também não abandonado por Kant que por assim dizer sem a intermediação duma testemunha se justifica a si mesma e se afirma como verdade FRANK 1977 p 17 tradução nossa Regras de interpretação Schleiermacher buscou nos seus cursos desenvolver uma Hermenêutica completa com regras explícitas tanto para a interpretação gramatical como para a psicológica bem como para a crítica isto é para a avaliação da interpretação A interpretação gramatical é concebida como a arte de encontrar o sentido preciso de um discurso a partir da e com a linguagem A sua primeira regra é assim formulada Tudo que num determinado discurso ainda necessita de uma definição mais acurada somente pode ser definido a partir do âmbito da linguagem comum ao autor e ao seu público originário SCHLEIERMACHER 2005 p 123 66 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA A segunda regra por sua vez está assim formulada O sentido de cada termo em determinada passagem precisa ser definido segundo sua composição com os que o rodeiam SCHLEIERMACHER 2005 p 140 Essas regras valem tanto para os elementos materiais como para os formais de um discurso ou texto A primeira indica que um discurso ou texto tem uma relação de dependência com a linguagem original em que foi proferido ou escrito e esta não é substituível por outra Os pensamentos e os conhecimentos nele veiculados estão formulados nessa linguagem original e a sua compreensão implica a compreensão dessa linguagem nos seus próprios termos e articulações os quais estão enraizados no contexto cultural e histórico da época A segunda regra também impõe uma restrição à linguagem ainda mais forte pois implica que a compreensão do sentido e do significado de um termo ou palavra depende de seu emprego e agenciamento no contexto de uma frase sendo a gramática dela a da linguagem original Seja uma palavra com função semântica como um substantivo ou com função sintática ou lógica como uma preposição a delimitação do seu sentido preciso será feita pelo contexto imediato e depois por passagens paralelas semelhantes Essas regras têm algumas implicações importantes que apontam para a concepção de linguagem de Schleiermacher A saber que tanto os elementos formais quanto os materiais são vagos fora do contexto de uso e que é possível eliminar essa indefinição pelo contexto interno do texto ou externo Com efeito à Hermenêutica é atribuída uma dupla tarefa determinar o significado a partir do emprego dado e encontrar o emprego desconhecido a partir do significado 67 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Assim as duas regras se referem a dois problemas distintos A primeira diz respeito ao significado de uma palavra dentro do contexto da língua compartilhada por uma comunidade num dado momento histórico A segunda se refere ao sentido de uma palavra dentro do contexto da frase de um discurso de um indivíduo dessa comunidade Isso indica que Schleiermacher distingue dois enfoques da linguagem enquanto sistema virtual de enunciação genérico e enquanto uso particular efetivo A Hermenêutica como metodologia de pesquisa e também como teoria de fundamentação das Ciências Humanas tanto pressupõe uma concepção naturalizada dos eventos históricos humanos culturais espirituais éticos no sentido de que os remete tão somente a fatos mundanos quanto implica uma separação entre o domínio das legalidades naturais e o das normatividades socioculturais A tradição hermenêutica de Schleiermacher a Gadamer e Ricoeur sugere que esse domínio é o império do sentido e apenas por meio de métodos interpretativos e qualitativovalorativos ele se deixa conhecer e explicitar No caso do mundo histórico cultural simbólico normativo institucional de saída estamos embaraçados na trama de uma pluralidade de âmbitos de sentido e de normatividade ineliminável A partir de um outro mundo de sentido os sentidos significados e objetos seguidamente são sem sentido e até inexistentes Todavia para o hermeneuta essa condição reflexiva e indexical embora inalienável não é um impedimento para o conhecimento e a compreensão mas antes um convite à convivência à intimidade à abertura e ampliação dos próprios horizontes de sentido 68 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Agora o inteiro domínio do que chamamos cultural e histórico ao qual se aplicam os conceitos de sentido significado norma regra e valor embora seja passível de objetivação e descrição em termos de objetos e padrões tem sua fundação nos atos de agentes em interação com um ambiente e outros agentes Normas e regras são ditas leis apenas por similaridade mas elas têm vigência apenas se o agente pauta sua conduta e agência em conformidade com elas justamente enquanto ele mesmo também pode não se pautar por elas Esse fato foi capturado por Schleiermacher e está na base de sua metodologia hermenêutica compactada nas teses de que não há uma regra única para fazer a passagem do sentido ao significado da interpretação ao conteúdo da negociação ao preço Isso foi expresso com a tese de que não há regra para a aplicação de regras de tal modo que cada compreensão singular pode talvez ser apreendida graças a regras e o que pode ser apreendido assim é um mecanismo A arte é isso para o qual há regras mas cuja aplicação combinatória não está por seu turno submetida a regras SCHLEIERMACHER 1977 p 229 grifo nosso Dito em outras palavras embora o âmbito de atuação dos agentes falantes seja vincado por regras e seja um espaço normativo com as regras não está dada também a aplicação isto é esta não pode ser mecanizada SCHLEIERMACHER 2000 p 99 Por isso a fórmula positiva e as duas regras da interpretação gramatical explicitam o princípio geral do círculo hermenêutico as partes e os elementos são compreendidos sempre em relação uns com os outros e em relação ao todo A novidade teórica introduzida por Schleiermacher está no fato de que ele concebe o todo como uma projeção heurística pois tanto em relação ao 69 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA contexto histórico e à vida do autor quanto em relação à língua o todo permanece indefinido e impossível de ser apreendido em sua totalidade permanecendo sempre como uma antecipação regulativa no horizonte da compreensão com a qual nos guiamos na interpretação mas que jamais alcançamos propriamente Essa condição é a marca das realidades históricas mas também o sinal claro de que no esforço de compreensão há que se preservar um resto de estranheza e alteridade pois sempre resta para cada um o estranho Fremdes nos pensamentos Gedanken e expressões Ausdrücken do outro SCHLEIERMACHER 2000 p 33 23 A CONDIÇÃO HISTÓRICA DA LINGUAGEM Ao lado de Schleiermacher os trabalhos e teorias do linguista Wilhelm Humboldt 17671835 são reconhecidamente um dos pilares da concepção hermenêutica da linguagem e do pensamento Seus pontos de partida são a Linguística comparada e a tese de que cada língua é em si mesma completa e única no sentido de que em cada língua podese expressar qualquer série de ideias HUMBOLDT 2006 p 55 como uma consequência da maleabilidade dos conceitos e signos Além disso em consonância com Schleiermacher Humboldt recusa de saída qualquer apelo a uma linguagem universal pela qual seria possível superar a particularidade e a diversidade das línguas ao mesmo tempo em que reafirma a condição de dependência dos atos de pensamento em relação à linguagem mas também até certo grau de cada língua particular determinada HUMBOLDT 2006 p 67 70 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Humboldt concebe a língua como estreitamente associada à formação cultural e histórica de um povo Com efeito as línguas são sempre de um coletivo nunca um livre produto Erzeugniss do ser humano individual mas pertence sempre a toda a nação e também nesta as gerações mais recentes recebem a língua lá das gerações anteriores HUMBOLDT 2006 p 7273 Por não pertencerem à esfera individual e subjetiva as línguas tornamse o grande ponto de transição entre a subjetividade e a objetividade entre a subjetividade sempre limitada e a existência que tudo abarca simultaneamente em si HUMBOLDT 2006 p 73 Todavia as línguas são concebidas como uma realidade semovente e sempre em transformação por terem uma existência histórica entre as gerações humanas que se sucedem eternamente umas às outras e o mundo dos objetos representados encontrase um número infinito de palavras que mesmo se originariamente produzidas de acordo com as leis da liberdade sendo ainda sempre utilizadas desta maneira devem ser vistas tanto quanto os seres humanos e os objetos como seres autônomos explicáveis apenas historicamente surgidos pouco a pouco através da força unificada da natureza dos seres humanos e dos acontecimentos HUMBOLDT 2006 p 75 Embora as línguas sejam um produto comunitário e histórico uma vez que as novas gerações já nascem e são formadas no âmbito de atuação de uma língua os seus pensamentos e conhecimentos não são indiferentes à expressão e também os seus conceitos não são independentes da língua HUMBOLDT 2006 p 77 Contudo embora o ser humano individual esteja condicionado pela língua ele atua wirken sobre ela modificandoa Por isso não se deve ver a língua como um produto morto Erzeugnis mas como uma ação de 71 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA produzir Erzeugung HUMBOLDT 2006 p 95 como trabalho e atividade Com efeito Humboldt concebe as línguas como realidades vivas cuja raiz está nos atos de fala individuais que são a sua efetiva produção Acte ihres wirklich Hervorbringens HUMBOLDT 2006 p 101 A língua não é uma entidade ideal ela tem existência apenas na exata medida em que é uma atividade atual A língua é algo que se encontra constante e ininterruptamente em transição A língua em si não é uma obra acabada Ergon mas sim uma atividade Thätigkeit Energeia A língua consiste no esforço permanentemente reiterado do espírito de capacitar o som articulado para a expressão do pensamento essa é a definição de cada ato individual da fala mas em seu sentido profundo e verdadeiro podese igualmente entender a totalidade desses atos de fala como a língua em si HUMBOLDT 2006 p 100101 A atividade e os atos reais de fala perfazem a língua Para a história da Hermenêutica tornouse muito relevante e produtivo a partir de M Heidegger e Gadamer a concepção performativa da língua proposta por Humboldt no sentido de que ele concebeu a língua como o meio pelo qual o homem configura bild a si e o mundo ou melhor por meio do qual se torna consciente de si mesmo pelo ato de externar um mundo à parte de dentro de si HUMBOLDT 2006 p 183 ao mesmo tempo que afirmava que a língua foi construída por nós mesmos HUMBOLDT 2006 p 185 Enquanto construção humana comunitária a língua aparece para o indivíduo como uma realidade alheia e objetiva que tanto o limita quanto o libera no sentido de uma herança e um dom com o qual ele fica enriquecido fortalecido e 72 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA estimulado pelo que nela depositaram todas as gerações anteriores HUMBOLDT 2006 p 79 Essa herança e esse dom enriquecedores são o próprio trabalho do espírito das gerações passadas O que passou já não é mais o que está atuando neste momento é só a força intensificada por todo exercício anterior e direcionada para esta atividade no momento atual Mas como a língua foi construída por nós mesmos a duras penas e apenas aos poucos e apenas para e por nosso ato de pensar da mesma maneira a língua nos retorna incessantemente o trabalho de nosso espírito HUMBOLDT 2006 p 185 24 A COMPREENSÃO HISTÓRICA O historiador Johann Droysen 18081884 ao lado de Schleiermacher e Humboldt forma a base das fundações da Hermenêutica atual A sua contribuição referese aos fundamentos da ciência da História sendo a obra Historik 1977 de 1857 uma pequena amostra a qual será decisiva para as pretensões e formulações de Dilthey de uma metodologia geral para as Ciências Humanas Segundo Gadamer o significado filosófico da historiografia de Droysen consiste em fornecer um modelo explicativo que liberou a ciência da História de uma certa indeterminação ao formular o problema em termos do conceito de expressão aderindo à tese hermenêutica e linguística de que compreender é compreender uma expressão GADAMER 2005 p 288 Droysen retoma o princípio do círculo hermenêutico e o aplica à realidade histórica Apenas a partir das partes compreendese o todo e apenas a partir do todo compreendem se as partes DROYSEN 1977 p 31 tradução nossa Desse 73 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA modo ele garantirá uma certa objetividade ao conhecimento histórico o qual sob o conceito de expressão é subsumido ao âmbito do sentido As ações históricas serão apreendidas como derivadas dos atos individuais mas o efetivo histórico não é inteiramente explicável pela vontade e a concepção dos agentes históricos Nem o agente querente se esgota nessa conjuntura nem o que veio a ser chegou a isso somente pela força de sua vontade e por sua inteligência não é uma expressão pura nem completa dessa personalidade DROYSEN 1977 p 433 tradução nossa Por isso uma interpretação psicológica e individualizante não consegue apreender o sentido dos eventos históricos A compreensão metódica advém da inserção dos indivíduos e seus atos em totalidades e objetividades que perfazem a situação histórica ampla de uma época Com efeito Droysen vai utilizar o conceito de exteriorização como ponte entre os indivíduos e também como a porta de entrada para a compreensão histórica a possibilidade da compreensão reside no modo das exteriorizações congenial conosco e que se apresenta como material histórico DROYSEN 1977 p 423 tradução nossa material este que de saída seria compreensível por ter os rastros do espírito que o realizou Em relação aos homens e às exteriorizações e configurações humanas encontramonos e sentimonos numa homogeneidade e reciprocidade essenciais DROYSEN 1977 p 423 tradução nossa Droysen supõe uma comunidade entre todas as exteriorizações e expressões dos humanos de todos os tempos na exata medida em que supõe que estas são as atualizações e realizações do espírito enquanto ações da liberdade 74 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Aquele que compreende porque é um eu uma totalidade em si tal qual aquele a quem ele deve compreender completa sua totalidade a partir da exteriorização individual e esta a partir de sua totalidade DROYSEN 1977 p 423 tradução nossa Para a Hermenêutica é decisiva a formulação talvez pela primeira vez juntamente com Humboldt de que essas exteriorizações e expressões como o são os textos as doutrinas os monumentos as leis as crenças e costumes conformam um ambiente englobante para as consciências individuais configurando uma compreensão prévia de si e do mundo Com efeito Droysen postulou que a pesquisa histórica pressupõe a reflexão que o conteúdo de nosso eu é algo mediado e um resultado histórico DROYSEN 1977 p 425 tradução nossa Notese ainda que essa estrutura englobante e pervasiva não é apenas limitadora mas também oferece possibilidades e liberta pois coloca e disponibiliza de modo objetivo organizado e cumulativo o que foi desenvolvido e construído ao longo de muitas gerações Novamente tal como em Humboldt emerge a propriedade da performatividade da realidade histórica O ser humano é histórico justamente porque tem ele mesmo de construirse a si mesmo por meio de sua atividade O homem tem ele mesmo que vir a ser o que ele deve ser DROYSEN 1977 p 407 tradução nossa Desse modo o conhecimento da história humana é o conhecimento e a compreensão do modo de vir a ser humano de se constituir como humano com base nas pertenças e heranças das gerações passadas Nas palavras de Droysen 1977 p 444 tradução nossa a história é o vir a ser consciente e a consciência da humanidade sobre si mesma pois ela pode vir a saber de si apenas pelo intermédio de suas próprias ações e expressões Por conseguinte a história é o 75 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA saber da humanidade sobre si mesma a sua autoconsciência DROYSEN 1977 p 444 tradução nossa As teses de Droysen podem ser resumidas como o fez Ortega y Gasset O homem não tem uma natureza mas sim história Seu ser é inumerável e multiforme em cada tempo em cada lugar é outro Ver isto submergirse neste caleidoscópio do mundo histórico descrever figuras incontavelmente atendendo precisamente ao que cada um tem de peculiar de indócil arisco de específico e exclusivo esta é a tarefa da escola histórica ORTEGA Y GASSET 1964 p 24 tradução nossa Nessa fala está dito que o humano tem um ser marcado tanto pela historicidade quanto pela diversidade e pluralidade A alteridade constitui o fator que caracteriza a própria identidade humana e é essa alteridade que solicita e exige ser compreendida Diferentemente da natureza que pode ser compreendida em termos de leis genéricas e fatos universais a realidade humana naquilo que tem de específica sua linguisticidade e historicidade apenas pode ser conhecida por uma aproximação às existências particulares e singulares sempre plurais na diversidade de formas de existência e cultura que perfazem a história humana 25 DILTHEY A UNIVERSALIZAÇÃO DA CONDIÇÃO HISTÓRICA O ponto de partida da teorização de Dilthey é a busca pela fundamentação e delimitação das ciências do espírito ou Ciências Humanas no contexto de sua luta pela legitimação frente às ciências experimentais da natureza Nesse projeto Dilthey aceita a tese historicista fundamental em termos ontológicos de que o ser humano é um ser histórico DILTHEY 2010 p 303 conjugada à implicação epistemológica 76 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA de que o homem somente conhece a si mesmo na história nunca por introspecção DILTHEY 2010 p 2856 tese esta que nos últimos trabalhos é tematizada sob a formulação de que a vida humana é perpassada pela condição histórica naquilo que é a sua marca característica a vida espiritual com o conceito de caráter de historicidade da ação espiritual Na obra de Dilthey o que era uma tese metodológica nas ciências da História é universalizado para a totalidade da cultura e da condição humana com o objetivo de elaborar uma plataforma metodológica de investigação para as ciências do espírito História Economia Linguística Sociologia Direito Psicologia Filologia e Filosofia enquanto componente da universidade laica e científica do século 19 explicitando a diferença e a autonomia dessas ciências em relação às ciências experimentais da natureza Física Química Biologia Este projeto por sua vez está embasado na elaboração de uma ontologia naturalizada compatível com o histórico e o simbólicolinguístico a partir da tese básica de que o humano é um ser histórico até as profundezas não mais sondáveis de si mesmo Na consecução desse projeto Dilthey retoma as teses principais de Schleiermacher Boeckh e Droysen acerca da compreensão das manifestações e expressões resultantes das ações humanas individuais e coletivas Como a vida espiritual só encontra na linguagem a sua expressão plena completa e por isso passível de uma apreensão objetiva a exegese se consuma na interpretação dos resíduos da existência humana contidos na escrita Essa arte é a base da filologia E a ciência dessa arte é a hermenêutica DILTHEY 2010 p 200 A questão levantada por Dilthey supõe que os objetos das Ciências Humanas seriam constituídos pelas exteriorizações e 77 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA expressões dos indivíduos históricos particulares enquanto dotadas de sentido na sua concretude e ele questiona então a validação científica em termos de como a compreensão desses objetos particulares poderia pretender uma validade universal Nas suas obras iniciais Dilthey adota um modelo psicológico no sentido de que essa compreensão seria uma forma de apreensão de algo psíquico das vivências e cogitações do agente ou do autor por meio da interpretação de uma exteriorização na forma de um sinal ou expressão que pode ser apreendido pela sensibilidade O procedimento estava baseado na suposição de uma analogia pela qual apreendemos a experiência do outro e sua expressão por similaridade com nossas próprias experiências e suas expressões Nisso se mostrava o entendimento e a recepção das teorias hermenêuticas da compreensão de Schleiermacher e Droysen enquanto estas supunham uma comunidade empática entre todos os humanos o que habilitaria o intérprete ou historiador a reconstruir a experiência interior que deu origem à expressão ou à ação O método da interpretação psicológica permitia às Ciências Humanas unificarem o seu procedimento metodológico RÖMER 2016 p 87 tradução nossa e concomitantemente distinguiremse em relação às ciências da natureza Concebida em termos de percepção e conhecimento a humanidade seria para nós um fato físico só acessível como tal para o conhecimento das ciências naturais Na condição de objeto das ciências humanas porém ela não surge senão na medida em que estados humanos são vivenciados em que esses estados ganham expressão em manifestações vitais e essas expressões são compreendidas DILTHEY 2010 p 28 78 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Embora o conceito de vivência esteja vinculado diretamente ao psiquismo individual o que implicaria um problema para a compreensão por outrem Dilthey contrapõe a esse fato um procedimento objetivo equivalente no modelo hermenêutico de Schleiermacher à interpretação gramatical reformulandoo nos termos da noção hegeliana de espírito objetivo e da noção de exteriorização proposta por Droysen Com efeito uma vez que aspira a fixar e apreender os seus estados uma vez que dirige a atenção para si mesma tornamse evidentes os tênues limites de um método introspectivo de autoconhecimento somente as suas ações as suas manifestações sobre os outros ensinam o homem sobre si mesmo assim ele passa a conhecer a si mesmo apenas por meio do desvio do compreender DILTHEY 2010 p 29 A tese final de Dilthey é que o humano e seus feitos enquanto objeto das ciências emergem sob duas perspectivas bem marcadas Primeiro o humano encontrase determinado pela natureza DILTHEY 2010 p 23 e é assim objeto das ciências naturais explicativas A natureza inclui também os processos psíquicos os quais se revelam como entrelaçados aos processos físicos e materiais O conhecimento da natureza está baseado na extensão espacial enquanto lugar de todas as regularidades e uniformidades O ser humano aprendeu a contar com essas uniformidades e assim se apoderou deste mundo físico por meio do estudo de suas leis e pela apreensão abstrata dessas leis segundo as relações de espaço tempo massa e movimento DILTHEY 2010 p 23 Segundo o ser humano apreendese no âmbito de sentido e de normas objeto das Ciências Humanas Pois para Dilthey Partindo da natureza porém o mesmo homem se volta em seguida retroativamente para a vida para si próprio Esse retorno do homem para o interior da vivência por meio da qual 79 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA a natureza está presente para ele para o interior da vida na qual há exclusivamente significação valor e finalidade DILTHEY 2010 p 24 Essas duas perspectivas o voltarse para si mesmo e o voltarse para a natureza configuram os dois centros em torno dos quais o trabalho científico gira e se unifica Todas as ciências se caracterizam pela construção de objetos a partir de leis de estados de fato e quanto a isso não há diferença entre as Ciências Humanas e as naturais A diferença está no modo como o objeto é formado e no interesse ou tendência que as motiva portanto no procedimento que constitui esses grupos No primeiro caso um objeto espiritual surge no compreender Verstehen no segundo o objeto físico no conhecer Erkennen DILTHEY 2010 p 27 Desse modo As ciências humanas estão fundadas pois nessa conexão entre vida expressão e compreensão Somente aqui alcançamos uma característica clara por meio da qual a delimitação das ciências humanas pode ser definitivamente realizada Uma ciência só pertence às ciências humanas se o seu objeto nos é acessível por meio do comportamento que está fundado na conexão entre vida expressão e compreensão DILTHEY 2010 p 29 Essa posição é resumida no mote de Dilthey A natureza nós explicamos a vida anímica nós compreendemos Die Natur erklären wir das Seelenleben verstehen wir A distinção entre explicar e conhecer os dados e fatos naturais e interpretar e compreender os dados e fatos culturais embora tenha sido objeto de inúmeras críticas continua ainda hoje vigente e associada à ideia de uma abordagem hermenêutica No entanto o próprio Dilthey em suas exposições percebia isso mais como um problema do que como uma solução pois para ele o problema da fundamentação e da legitimação das Ciências Humanas interpretativas e compreensivas precisava adquirir 80 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA o mesmo grau de evidência e validação que o alcançado pelas ciências experimentais Atualmente a hermenêutica precisa buscar uma relação com a tarefa epistemológica geral de apresentar a possibilidade de um saber sobre a conexão do mundo histórico e de descobrir os meios para a sua realização A significação fundamental da compreensão foi esclarecida importa determinar agora a partir das formas lógicas da compreensão e seguindo em frente o grau alcançável de universalidade nela DILTHEY 2010 p 202 A solução para essa demanda por universalidade objetiva característica da ciência é encontrada por Dilthey na teoria dos tipos e no conceito de espírito objetivado O espírito objetivo constituiria um âmbito objetivo comum com caráter de realidade para uma determinada comunidade Não apenas a língua e seus produtos mas todas as formações culturais como leis edifícios técnicas e costumes estabelecem um meio vital no contexto do qual as experiências expressões e ações particulares podem ser significativas e compreendidas Dilthey sobre o espírito objetivo Nós precisamos partir hoje da realidade da vida na vida age a totalidade do nexo psíquico Hegel constrói metafisicamente nós analisamos aquilo que é dado E a análise atual da existência humana preenchenos todos com o sentimento da fragilidade do poder dos impulsos sombrios do sofrimento com as obscuridades e com as ilusões da finitude em tudo aquilo que a vida é mesmo onde surgem a partir dela os mais elevados produtos da vida comunitária Assim não podemos compreender o espírito objetivo a partir da razão mas precisamos retornar ao nexo estrutural das unidades vitais que continuam existindo nas comunidades E não podemos alocar o espírito objetivo em uma construção ideal Ao contrário precisamos antes fundamentar a sua realidade na história Nós procuramos compreender essa realidade e apresentála em conceitos adequados Na medida em que o espírito objetivo é assim destacado da fundamentação unilateral na razão universal que exprime a essência do espírito do mundo medida em que ele é destacado também da construção ideal um novo conceito de espírito objetivo se torna possível 81 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA ele abarca língua hábito todo tipo de forma de vida e de estilo de vida tanto quanto família sociedade civil Estado e direito E então entra nesse conceito também aquilo que enquanto o espírito absoluto Hegel distinguiu do espírito absoluto arte religião e filosofia Precisamente nelas o indivíduo criador se mostra ao mesmo tempo como representação de um elemento comum e justamente em suas formas poderosas o espírito se objetiva e é reconhecido Mais especificamente esse espírito objetivo contém em si uma articulação que parte da humanidade e se estende até tipos de estreitíssima abrangência Essa articulação o princípio da individuação é efetivo nele Se então com base no elemento genericamente humano e por sua mediação o individual é apreendido na compreensão surge uma revivência da conexão interior que leva do elemento genericamente humano à sua individuação Esse progresso é apreendido na reflexão e a psicologia do indivíduo esboça a teoria que fundamenta a possibilidade da individuação Portanto à base das ciências humanas sistemáticas encontrase como fundamento de um lado a mesma ligação entre uniformidades e uma individuação crescente e de outro uma ligação entre teorias gerais e procedimentos comparativos As verdades gerais tal como elas podem ser constatadas nessas teorias e procedimentos em relação à vida ética ou à poesia tornamse assim a base para a intelecção das diversidades próprias ao ideal moral ou à atividade poética E nesse espírito objetivo encontramse presentes os passados nos quais as grandes forças totais da história se formaram Na condição de portador e representante dos elementos comuns nele entretecidos o indivíduo desfruta e apreende a história na qual esses elementos surgiram Ele compreende a história porque ele mesmo é um ser histórico DILTHEY 2010 p 115116 A ciência desses fenômenos que constituem o que é abarcado pelo conceito de espírito objetivo contudo exige um passo além da descrição psicológica e individual evitando permanecer no campo dos fatos particulares e subjetivos O conceito de tipo permite a passagem do particular ao universal Na realidade as manifestações vitais são para nós sempre representações de algo universal nós inferimos na medida em que subordinamos essas manifestações a um tipo de gesto de ação de uma esfera de utilização vocabular Na conclusão que sai do particular para o particular está 82 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA presente uma referência a algo comum que é representado em todos os casos DILTHEY 2010 p 203 Com esse conceito de tipo Dilthey concebe a possibilidade de uma ciência com caráter universal mesmo para o âmbito do humano que não pode ser explicado em termos de leis genéricas e da determinação causal A proposta consiste em fazer derivar a partir da análise dos casos particulares o modo típico como as conexões e estruturações se perfazem de tal maneira que se chegue a uma formação estrutural DILTHEY 2010 p 204 que permitiria a compreensão de outros casos análogos Os conceitos de tipo e de conexão estrutural todavia não garantem uma generalidade apodítica Nunca se obtém senão uma justificativa para um grau de algum modo limitado de expectativa no novo caso deduzido um grau sobre o qual não pode ser estabelecida nenhuma regra geral e que só pode ser avaliado a partir das circunstâncias que são por toda parte diversas Tratase da tarefa de uma lógica das ciências humanas descobrir regras para essa avaliação DILTHEY 2010 p 204 Na perspectiva de Dilthey o conhecimento assim obtido estaria fundado na indução no exato sentido de que os resultados obtidos no processo de compreensão dos fatos humanos particulares não resultam em leis genéricas universais mas somente se deriva desses casos uma estrutura um sistema ordenado que reúne os casos como partes em relação a um todo DILTHEY 2010 p 204 A estrutura da compreensão A Hermenêutica indica um procedimento metódico para o conhecimento do singular histórico irrepetível para o qual não há regras genéricas prévias e também para o 83 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA conhecimento daquilo que ao se realizar se diferencia de modo individualizante portanto daquilo que embora típico e genérico tem sua realização e atualização feitas por meio de concretização singularizada e individuada O conhecimento dos casos concretos sempre individuais e únicos sendo assim implica a apreensão do caso singular que não é dedutível do tipo e do genérico Tratase então de apreender o fazerse do sentido em sua materialidade singular Embora haja leis e determinações o viraser e o existir de uma dada configuração ou formação como é o caso da vida de uma pessoa seus atos e obras e também o caso de uma inteira cultura suas práticas e obras ocorre pela atualização por diferenciação de virtualidades e reiteração de formas e hábitos retidos do passado não passíveis de computação e generalização De fato há uma incompletude e uma indecidibilidade a partir tanto dos fatos genéricos quanto dos particulares além de um não fechamento por mais abrangente que seja a circunstanciação que torna impossível qualquer computabilidade prévia Apenas post facto e ainda assim de modo sempre precário é possível fazer uma reconstrução racional do ocorrido e do conformado Quando nos perguntamos pelo sentido de uma ação ou obra essa incomputabilidade e incompletude emerge como um fator decisivo seja para o intérprete seja para o próprio autor O sentido implica a incomputabilidade e a incompletude pois para o autor mesmo a efetivação de um sentido intencionado e premeditado também se dá por um processo de instanciação que sempre é vário e imprevisível de antemão O sentido sempre é multiinstanciável e toda instância sempre pode ser apreendida como tendo múltiplos sentidos 84 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Se um autor escreve um livro para interpretar o sentido de uma obra cultural há uma indeterminação quanto aos modos de fazer isso não há como computar essas possibilidades a partir do exame ou leitura objetiva da obra e uma vez escrito o livro a sua leitura como tendo um sentido ou outro e os significados que implicará podem ir numa direção imprevista ou então até mesmo fracassar O procedimento de interpretação em Schleiermacher estava inteiramente orientado para alcançar uma compreensão enquanto apreensão de sentido e de significado a partir da suposição de que o objeto de interpretação era um produto da espontaneidade livre individual constrangido por formações prévias objetivas como a gramática de uma língua e os modos e materiais de construção por conseguinte na sua base não havia uma regra geral ou um conceito presidindo ambos os processos o geracional e o interpretativo Por isso o seu método estava ancorado na descrição acurada de casos individuais e na sua comparação por inserção em totalidades cada vez mais abrangentes mas ainda assim permanecendo em última instância embasado na progressão e projeção por indução e analogia o que obviamente não garantia generalidade e menos ainda certeza Essa condição solicitava então um salto intuitivo adivinhatório para a apreensão da especificidade dos casos singulares e também para a apreensão da regra pela qual ele seria compreensível Isso levou Schleiermacher a manter a Hermenêutica como uma arte de interpretação e não como uma ciência Em termos kantianos a compreensão hermenêutica estava assentada em juízos reflexionantes que partem de uma dada individualidade singular não subsumível às regras gerais 85 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA e aos conceitos já disponíveis e buscam construir uma norma apropriada para o caso individual Em Dilthey embora esse procedimento seja aceito realiza se a tentativa de objetivar o inteiro procedimento interpretativo nos termos de uma epistemologia naturalizada e cientificizada Os procedimentos descritivos das individualidades comparativos e indutivos estão na base Contudo no lugar da analogia e da intuição adivinhatória introduzemse os métodos de análise e descrição sociológica e psicológica baseados na construção de tipos e conexões estruturantes Uma vez alcançado o tipo a partir da comparação e indução por sobre as individualidades são introduzidas regras genéricas que valem para o tipo e suas conexões com outros tipos A passagem de volta do tipo para os casos singulares todavia continuou sendo o problema central pois ainda se trata de compreender a individualidade singular na sua individualidade e na sua singularidade Esses aspectos acarretam a impossibilidade de explicações universais genéricas e causais paras os eventos humanos o que implicava para Dilthey o caráter especificamente hermenêutico das Ciências Humanas A compreensão e a interpretação são o método que preenche as ciências humanas DILTHEY 2010 p 184 Todavia Dilthey expande a aplicação do método hermenêutico para além do âmbito dos discursos e dos textos introduzindo objetos não linguísticos como passíveis de interpretação e compreensão a partir da categoria de sentido e significado na busca de integrar sob uma única visada metodológica o inteiro domínio das Ciências Humanas Na sua base está o postulado de que esse âmbito é constituído pelas 86 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA manifestações da vida enquanto estas são expressão de algo espiritual DILTHEY 2010 p 185 Dilthey subdividiu em três classes tais manifestações A primeira é formada por conceitos juízos e construções do pensamento que constituem os componentes da ciência destacados e abstraídos da vivência e conformados por critérios de adequação à norma lógica possuindo assim um caráter fundamental geral e comum Nesse caso a compreensão está dirigida ao conteúdo do pensamento que é sempre igual em cada conexão permitindo assim uma compreensibilidade mais perfeita do que em relação a toda e qualquer outra manifestação da vida DILTHEY 2010 p 185 A segunda classe de manifestações da vida é formada pelas ações enquanto estas não são propriamente dirigidas pelo interesse de comunicação e transmissão de pensamentos A sua compreensibilidade permite apenas suposições prováveis e contextuais Nesse caso no processo de compreensão importa sobretudo separar a situação da vida psíquica condicionada pelas circunstâncias que desencadeia a ação como uma expressão da própria conexão vital na qual esta situação está fundada DILTHEY 2010 p 186 Esse aspecto determina um grau menor de compreensibilidade e um desafio maior para uma ciência das ações e práticas humanas As ações destacamse em relação ao fundo da conexão vital de uma época Por isso sem explicitar o modo como as circunstâncias a finalidade os meios e a conexão vital se articulam nela ela não admite nenhuma determinação universal do interior do qual surgiu DILTHEY 2010 p 186 87 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA A terceira classe de manifestações vitais é formada pelas expressões de vivências e Dilthey indica que estas são os objetos privilegiados da compreensão hermenêutica Subsiste aqui uma relação particular entre a expressão a vida da qual ela provém e a compreensão que ela provoca A expressão pode conter mais da conexão psíquica do que toda e qualquer introspecção permite reconhecer Ela a alça das profundezas que a consciência não ilumina DILTHEY 2010 p 186 A conexão entre o vivido o expresso e compreendido não é imediata pois de uma expressão de vivência a relação entre ela e o elemento espiritual nela expresso só pode ser colocada com muitas reservas à base da compreensão DILTHEY 2010 p 186 Dilthey circunscreve assim o domínio do artístico no qual repousariam as significações mais elevadas e que seriam os objetos privilegiados das Ciências Humanas O ponto está justamente na saída da esfera do domínio do conhecimento objetivo e dos domínios práticos e técnicos da ação e no ingresso no domínio das verdades que ultrapassam o conhecimento objetivo nas grandes obras algo espiritual se destaca de seu criador do poeta do artista do escritor entramos em uma região na qual termina a ilusão nenhuma obra de arte verdadeiramente grande consegue simular um conteúdo alheio ao seu autor e ela nem quer dizer absolutamente nada sobre o autor Verdadeira em si ela se encontra fixada visível duradouramente presente e com isso uma compreensão artística segura da obra tornase possível Assim nos confins entre saber e ação emerge uma esfera na qual a vida se revela em uma profundidade que não é acessível à observação à reflexão e à teoria DILTHEY 2010 p 187 Nessa passagem mostramse de modo claro o lugar central e a relevância do conceito de vida como base para as Ciências 88 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Humanas e sua função de delimitador das pretensões do conhecimento científico e técnico na filosofia de Dilthey a vida como um ser que se expressa e se interpreta ininterruptamente A Hermenêutica então deixa de ser apenas o método ou a ciência dos produtos do espírito e é concebida como esse aspecto de autoexpressão e de autointerpretação da própria vida A teoria da compreensão de Dilthey permanece vinculada à ideia de comunhão espiritual entre o que compreende e o que é compreendido comunhão esta que implica que haja pontos em comum entre diferentes indivíduos e épocas sobretudo na forma de pertencimento a um mesmo passado que continua presente e efetivo DILTHEY 2010 p 189 Nosso si próprio recebe desde a primeira infância o seu alimento desse mundo O mundo também é o meio no qual a compreensão de outras pessoas e de suas manifestações vitais se realiza Pois tudo em que o espírito se objetivou contém em si algo comum ao eu e ao tu Toda praça arborizada todo espaço no qual temos uma organização dos lugares para se sentar é compreensível para nós desde pequenos porque o estabelecimento humano de finalidades a organização a determinação valorativa como algo comum indica a todos os lugares e a todos os objetos no quarto a sua posição A criança cresce em uma ordem e em um hábito próprios à família os quais ela compartilha com os outros membros As instruções da mãe são acolhidas por ela em conexão com isso Antes que aprenda a falar ela já imergiu totalmente no meio dos elementos comuns E ela só aprende a compreender os gestos e expressões faciais os movimentos e chamados as palavras e as frases porque eles vêm ao seu encontro incessantemente como os mesmos e com a mesma ligação com aquilo que significam e expressam DILTHEY 2010 p 189 No estilo de vida nos hábitos no sistema jurídico nas instituições na religião na arte nas ciências e na língua essa 89 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA presença efetiva do passado conformaria uma comunhão de ideias e de vida espiritual e o compartilhamento de um ideal o qual embasaria a possibilidade da compreensão Essa compreensão em última instância seria uma forma de reconhecimento Como veremos na Unidade 3 em Heidegger Gadamer e Ricoeur o legado dos teóricos hermeneutas do século 19 será recebido e potencializado mas deixará de girar em torno do problema metodológico das Ciências Humanas A Hermenêutica será então concebida como uma disciplina filosófica do pensamento e não mais uma arte ou uma ciência com objetos ou âmbitos particulares próprios Contudo o problema do método não é assim eliminado Heidegger e Gadamer submetem a Hermenêutica a interpretação e a compreensão à nova fenomenologia desenvolvida por Edmund Husserl 2006 baseada na intencionalidade transcendental constituidora de mundo e de sentido No Tópico 32 estão listadas importantes indicações de leitura para você entender melhor os principais conceitos e tendências históricas da formação da Hermenêutica Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 2 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte do material 90 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é a condição necessária e indispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 CIRCULARIDADE HERMENÊUTICA Os conceitos hermenêuticos modernos estão em grande parte condicionados pela aceitação da tese de Ast de que conhecer e compreender sobretudo conhecer e compreender o sentido de um texto são operações que não podem eliminar uma certa circularidade entre as partes e o todo Para entender o problema da circularidade hermenêutica leia os seguintes artigos MANTZAVINOS C O círculo hermenêutico que problema é este Tempo Social v 26 n 2 p 5769 nov 2014 Disponível em httpwwwscielobrpdfts v26n2v26n2a04pdf Acesso em 17 ago 2020 SILVA R S O círculo hermenêutico e a distinção entre Ciências Humanas e Ciências Naturais Ekstasis Revista de Fenomenologia e Hermenêutica v 1 n 2 2013 p 5472 2013 Disponível em httpswwwepublicacoes uerjbrindexphpEkstasisarticleview42663815 Acesso em 17 ago 2020 32 CONCEITOS E HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DA HERMENÊU TICA Para compreender melhor os conceitos hermenêuticos e a história de formação da Hermenêutica moderna leia os capítulos das seguintes obras 91 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA GADAMER HG Preliminares históricas In Verdade e Método Trad Flávio Paulo Meurer Petrópolis Vozes 1997 p 273399 Disponível em httpsedisciplinasuspbrpluginfilephp2442370 modresourcecontent1VerdadeEMC3A9todo pdf Acesso em 20 ago 2020 PALMER R Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 p 83128 capítulos de 6 a 8 Disponível em https docerocombrdoc15cs Acesso em 20 ago 2020 SCHMIDT L K Hermenêutica Petrópolis Vozes 2014 p 2577 capítulos 1 e 2 Disponível na Biblioteca Virtual Pearson Você perceberá nessas leituras que há um debate sobre o legado metodológico e os aspectos românticos e irracionalistas da Hermenêutica do século 19 Nesse debate há duas posições claras a daqueles que defendem o caráter metodológico e epistemológico e a daqueles que defendem o caráter existencial e ontológico da Hermenêutica Anote e estude as teses dessas duas posições e procure entender os seus argumentos Alguns artigos também podem lhe ajudar nessa tarefa Não deixe de conferilos ARAÚJO S M S Dilthey e a Hermenêutica da vida Cadernos de Educação n 28 p 235254 janjun 2007 Disponível em httpsperiodicosufpeledubr ojs2indexphpcaducarticleview1802 Acesso em 20 ago 2020 BENTIVOGLIO J História e Hermenêutica a compreensão como um fundamento do método histórico percursos em Droysen Dilthey Langlois e Seignobos Opsis v 7 n 9 p 6780 juldez 2007 Disponível em httpswww 92 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA revistasufgbrOpsisarticleview9329 Acesso em 20 ago 2020 LESSING HU Wilhelm Dilthey o filósofo das Ciências Humanas Aoristo v 1 n 3 p 1431 2019 Disponível em httperevistaunioestebrindexphpaoristo articleview21560 Acesso em 20 ago 2020 PEREIRA V M A Hermenêutica de Schleiermacher e a questão da individualidade Argumentos ano 4 n 8 p 242249 2012 Disponível em httpwwwperiodicos ufcbrargumentosarticleview1919029908 Acesso em 20 ago 2020 PITTA M F Humboldt e Heidegger sobre linguagem expressão do espírito ou morada do ser Filogenese v 7 n 1 p 108120 2014 Disponível em https wwwmariliaunespbrHomeRevistasEletronicas FILOGENESE10mauriciopittapdf Acesso em 20 ago 2020 RUEDELL A Hermenêutica e linguagem em Schleiermacher Revista Natureza Humana São Paulo v 14 n 2 2012 Disponível em httppepsicbvsalud orgpdfnhv14n2a01pdf Acesso em 20 ago 2020 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder as questões a seguir você deverá revisar os conteúdos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Descreva o procedimento de interpretação de Schleiermacher e explique os quatro componentes de seu método 93 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA 2 Explique a relação entre consciência e história em Droysen 3 Explique a relação entre linguagem e concepção de mundo em Humboldt 4 Em Dilthey o sentido e o significado de algo emergem de uma correlação estrutural de elementos interdependentes Que correlação é essa e quais são os seus elementos 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade foram apresentados resumidamente as teorias e os conceitos modernos que estão na base da Hermenêutica enquanto técnica de interpretação e teoria e metodologia da compreensão As teorias hermenêuticas de Schleiermacher e Dilthey e também de Droysen sobre a compreensão histórica e de Humboldt sobre a linguagem constituíram o marco teórico que tornou a Hermenêutica uma disciplina fundamental para a discussão dos fundamentos das Ciências Humanas e da própria Filosofia Nesta unidade contudo apenas delineamos o esboço da formação moderna da Hermenêutica deixando de lado muitos autores e teorias relevantes Por isso é necessário complementar os estudos com as leituras indicadas nas Orientações para o estudo da unidade e no Conteúdo Digital Integrador A próxima unidade apresentará os fundamentos teóricos da Hermenêutica filosófica os quais conformam ainda hoje o modo como pensamos esses assuntos e problemas 94 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA 6 EREFERÊNCIAS Sites consultados ARAÚJO S M S Dilthey e a Hermenêutica da vida Cadernos de Educação n 28 p 235254 janjun 2007 Disponível em httpsperiodicosufpeledubrojs2index phpcaducarticleview1802 Acesso em 20 ago 2020 BENTIVOGLIO J História e Hermenêutica a compreensão como um fundamento do método histórico percursos em Droysen Dilthey Langlois e Seignobos Opsis v 7 n 9 p 6780 juldez 2007 Disponível em httpswwwrevistasufgbrOpsisarticle view9329 Acesso em 20 ago 2020 LESSING HU Wilhelm Dilthey o filósofo das Ciências Humanas Aoristo v 1 n 3 p 1431 2019 Disponível em httperevistaunioestebrindexphpaoristoarticle view21560 Acesso em 20 ago 2020 PEREIRA V M A Hermenêutica de Schleiermacher e a questão da individualidade Argumentos ano 4 n 8 p 242249 2012 Disponível em httpwwwperiodicosufc brargumentosarticleview1919029908 Acesso em 20 ago 2020 PITTA M F Humboldt e Heidegger sobre linguagem expressão do espírito ou morada do ser Filogenese v 7 n 1 p 108120 2014 Disponível em httpswwwmarilia unespbrHomeRevistasEletronicasFILOGENESE10mauriciopittapdf Acesso em 20 ago 2020 RUEDELL A Hermenêutica e linguagem em Schleiermacher Revista Natureza Humana São Paulo v 14 n 2 2012 Disponível em httppepsicbvsaludorgpdfnhv14n2 a01pdf Acesso em 20 ago 2020 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AST F Grundlinien der Grammatik Hermeneutik und Kritik Landshut Thomann 1808 BOECKH A Encyklopädie und Methodologie der philologischen Wissenschaften Leipzig Teubner 1877 CHLADENIUS J M Allgemeine Geschichtswissenchaft Leipzig Friedrich Landisches Erben 1752 CHLADENIUS J M Einleitung zur richtiger Auslegung vernunftiger Reden und Schriften Leipzig Friedrich Landisches Erben 1742 95 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA DANNHAUER J C Hermeneutica sacra sive methodus exponendarum sacrarum litterarum Strasbourg J Städel 1654 DILTHEY W A construção do mundo histórico nas Ciências Humanas Trad Marco Casanova São Paulo Editora da UNESP 2010 DILTHEY W Der Aufbau der geschichtlichen Welt in den Geisteswissenschaften StuttgartGöttingen B G Teubner Vandenhoeck Ruprecht 1992 Gesammelte Schriften v 7 DILTHEY W Historia de la Filosofia Trad E Ímaz Cidade do México FCE 1992 DILTHEY W Leben Schleiermachers Zweiter Band Schleiermachers System als Philosophie und Theologie Berlin Walter de Gruyter 1966 DILTHEY W Origens da HermenêuticaPlano de continuação da obra Estruturação do mundo histórico pelas ciências do espírito Trad Alberto Reis In AGOSTINHO et al Textos de Hermenêutica Lisboa Rés 1984 p 147203 DILTHEY W Schleiermachers hermeneutical system in relation to earlier Protestant hermeneutics In DILTHEY W Hermeneutics and the study of history Ed and introd by Rudolf A Makkreel and Frithjof Rodi Princeton Princeton UP 1996 p 33131 DROYSEN J G Historik Textausg P Leyh StuttgartBad Cannstatt Frommann Holzboog 1977 ERNESTI J A Institutio interpretis Novi Testamenti Leipzig Weidmann 1761 FLACIUS M Clavis Scripturae Sacrae seu de Sermone Sacrarum literarum Basileia 1567 FRANK M Einleitung des Herausgebers In SCHLEIERMACHER F D Hermeneutik und Kritik Hrsg und eing Manfred Frank Frankfurt Suhrkamp 1977 p 767 GADAMER HG Verdade e Método I traços fundamentais de uma Hermenêutica filosófica Trad F P Meurer e E P Giachi 7 ed Petrópolis Vozes 2005 GADAMER HG Verdade e Método II complementos e índice Trad E P Ciachi e M C Schuback 2 ed Petrópolis Vozes 2004 HUMBOLDT W Linguagem Literatura e Bildung Org trad W Heidermann e M J Weininger Florianópolis Ed UFSC 2006 JESUS P Vida expressão e compreensão em Der Aufbau 1910 de Dilthey In CARDOSO A JUSTO J Orgs Sujeito e Passividade Lisboa Colibri p 151174 JOISTEN K Philosophische Hermeneutik Berlim Akademie Verlag 2009 MAGALHÃES R Org Textos de Hermenêutica Lisboa Rés 1984 96 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA MEIER G F Versuch einer allgemeinen Auslegungskunst Halle Hemmerde 1757 ORTEGA Y GASSET J Obras Completas Madrid Revista de Occidente 1964 v 6 PALMER R E Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 RAMBACH J J Institutiones hermeneuticae sacraee variis observationibus copiosissimisque exemplis biblicis illustratae Hartung 1723 RÖMER I Method In KEANE N LAWN C Eds The Blackwell Companion to Hermeneutics Hoboken WileyBlackwell 2016 p 8788 SCHLEIERMACHER F D Hermenêutica arte e técnica da interpretação Trad org C R Braida Petrópolis Vozes 2000 SCHLEIERMACHER F D Hermenêutica e crítica Trad A Ruedell ed e introd Manfred Frank Ijuí Ed Unijuí 2005 SCHLEIERMACHER F D Sobre os diferentes métodos de traduzir Trad C R Braida Scientia Traductionis n 9 p 370 2011 SCHLEIERMACHER F D Hermeneutik und Kritik Hrsg und eing Manfred Frank Frankfurt Suhrkamp 1977 SCHMIDT L K Hermenêutica Trad F Ribeiro 3ed Petrópolis Vozes 2014 SCHNÄDELBACH H Philosophie in Deutschland 18311933 Frankfurt Suhrkamp 1991 SEMLER J S Lebensbeschreibung von ihm selbst abgefaßt Halle 1782 SEMLER J S Vorbereitung zur theologischen Hermeneutik Hemmerde 1760 WOLF F A Vorlesung über die Enzyklopädie der Altertumswissenschaft Org J D Gurtler Leipzig Lenhold 1831 97 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Objetivos Introduzir as hermenêuticas filosóficas do século 20 Apresentar a teoria hermenêutica de M Heidegger Explanar a teoria hermenêutica de HG Gadamer Discorrer sobre a teoria hermenêutica de Paul Ricoeur Conteúdos A distinção entre Hermenêutica como metodologia e Hermenêutica como ontologia existencial As relações entre Filosofia e Hermenêutica e o problema geral da compreensão linguística e histórica O caráter indexical da compreensão e a multiplicidade de interpretações Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 A leitura deste material didático deve ser vista como uma indicação dos termos e tópicos a serem estudados e aprofundados procure outras informações e apresentações desses assuntos nos livros indicados nas referências bibliográficas e em sites confiáveis Lembrese de que na modalidade EaD o engajamento pessoal e a organização pessoal dos estudos são um fator determinante para o seu crescimento intelectual 2 A compreensão adequada dos temas e conceitos de Hermenêutica está associada ao domínio de vários outros conteúdos e competências UNIDADE 3 98 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS incluindo vários domínios de conhecimento Para adquirir uma competência mínima são necessários conhecimentos básicos de Teoria da Linguagem Historiografia e humanidades Uma referência bibliográfica básica são os livros de Paul Ricouer e de HansGeorg Gadamer RICOEUR P Interpretação e ideologias Trad Hilton Japiassu Rio de Janeiro Francisco Alves 1977 GADAMER HG Verdade e Método I traços fundamentais de uma Hermenêutica filosófica Trad F P Meurer e E P Giachi 7 ed Petrópolis Vozes 2005 3 O estudo sistemático de qualquer assunto exige organização e um trabalho de esquematização dos conceitos e teorias Por isso anote os termos principais usados na unidade faça mapas conceituais e busque fixar o sentido em que são usados e sobretudo qual função ou papel teórico esses conceitos exercem na teoria Consulte dicionários e outros textos para elaborar e aprofundar a caracterização desses termos registrando as frases em que eles ocorrem e as diferenças de seu uso entre os autores 99 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS 1 INTRODUÇÃO Com a sistematização e a aplicação da metodologia hermenêutica para todas as áreas das humanidades realizada por Dilthey e depois da reflexão filosófica sobre os fundamentos históricos e interpretativos do conhecimento humano presente na obra de Nietzsche 1988 1992 e Droysen 1977 tornouse consensual a ideia de que os conceitos de compreensão e de interpretação conjugados aos de historicidade e linguisticidade indicavam aspectos fundamentais da experiência e da condição humanas Os efeitos dessas teorizações impactaram decisivamente a própria Filosofia Com efeito já nos textos tardios de Dilthey o problema hermenêutico se confundia ao da própria Filosofia embora ainda permanecesse tematizado em termos epistemológicos e metodológicos Martin Heidegger vai com seu livro de 1927 Ser e tempo 2001 transformar o problema hermenêutico em um problema dos fundamentos do discurso filosófico e relativo à ontologia fundamental a partir da qual todos os demais problemas e temas deveriam ser pensados Além de Heidegger também pensadores como Georg Misch 1994 e Rudolf K Bultmann 1970 na mesma época vão fundir os conceitos hermenêuticos aos conceitos básicos de suas filosofias Bultmann 1970 em Jesus Cristo y Mitologia defende explicitamente uma abordagem hermenêutica da religião devemos abandonar as concepções mitológicas precisamente porque queremos conservar seu significado mais profundo Esse método de interpretação do Novo Testamento que trata de redescobrir seu significado mais profundo oculto por trás das concepções mitológicas eu o denomino Desmitologização 100 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Não propomos eliminar os enunciados mitológicos mas sim interpretálos É portanto um método hermenêutico BULTMANN 1970 p 22 tradução nossa Para além dessas obras a transformação filosófica da hermenêutica a qual também será a transformação hermenêutica da Filosofia terá sua realização mais acabada nas obras de HansGeorg Gadamer 2005 e Paul Ricoeur 1986 nas quais se encontra a subsunção de todas as temáticas filosóficas aos conceitos fundantes da Hermenêutica e por conseguinte a elaboração da tese da universalidade da condição hermenêutica 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma sucinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteúdo Digital Integrador 21 HEIDEGGER E OS ASPECTOS ONTOLÓGICOS DA HERME NÊUTICA A posição de Martin Heidegger na história da formação da Hermenêutica contemporânea é singular O seu ensino e suas pesquisas em Filosofia se orientaram desde cedo por uma perspectiva histórica e interpretativa mas é nos textos de sua fase intermediária sobretudo na sua obra principal do período Ser e Tempo de 1927 2001 que emerge uma atitude teórica guiada e orientada pelos conceitos básicos da Hermenêutica e ao mesmo tempo transformadora do seu inteiro âmbito e tarefa pois tais conceitos são postos no plano de uma ontologia fundamental no contexto de uma reposição da pergunta 101 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS pelo sentido do ser e não mais como pertencendo ao campo epistemológico e cognitivo A tese guia implica que os conceitos de sentido de compreensão e interpretação e também os de linguisticidade e historicidade pertencem aos aspectos ontológicos do ente que compreende o ser dos entes de modo que neles se manifesta uma condição que precede e embasa toda e qualquer relação com objetos e todas as formas de cognição e ação Além disso essa tese recebe uma conformação práticopraxiológica no sentido proposto por Dilthey 2010 recusando qualquer fundação psicológica ou mentalista O sentido de que se trata na compreensão e na interpretação mas sobretudo o sentido do ser dos entes é pensado na sua proveniência como enraizado no âmbito prático de doação do sernomundo envolvido e embaraçado nas lidas e tarefas fáticas concretas intramundanas Reafirmase assim a tese principal da Hermenêutica de que o sentido e o significado com os quais alguma coisa é apreendida não são uma propriedade coisal mas sim um aspecto da apropriação por parte de um agente no contexto de um âmbito de atividades e remissões Por isso propõe Heidegger quando se descobre o ser de um ente intramundano isso sempre é feito em relação ao seraí de um agente o que significa dizer que se uma coisa é compreensível é porque tem sentido mas esse sentido não é uma propriedade da coisa mas sim do ente que compreende a coisa HEIDEGGER 2001 p 208 O sentido é um efeito da apreensão compreendedora de um ente cuja atitude primária é de compreensão Sentido é a perspectiva em função da qual se estrutura o projeto pela posição prévia visão prévia e concepção prévia É a partir 102 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS dela que algo se torna compreensível como algo Na medida em que compreensão e interpretação constituem existencialmente o ser do pre o sentido deve ser concebido como o aparelhamento existencialformal da abertura pertencente à compreensão Sentido é um existencial da existência Dasein e não uma propriedade colada sobre o ente que se acha por detrás dele ou que paira não se sabe onde numa espécie de reino intermediário HEIDEGGER 2001 p 208 Segundo a proposta de Heidegger a existência o agente o seraí é ela mesma em seu ser atribuidora de sentido bedeutend pois está sempre na atitude de compreender o ser dos entes e sua existência vive no âmbito do sentido e pode responder por si nesse âmbito Desse modo os conceitos hermenêuticos de sentido e de compreensão recebem uma decisiva reorientação tanto ontológica quanto fenomenológica constituindose como a chave da própria analítica da existência do ente que compreende e interpreta Significância Bedeutsamkeit é a perspectiva em função da qual o mundo se abre como tal Dizer que função e significância se abrem no seraí Dasein significa que o seraí é um ente em que como sernomundo ele próprio está em jogo HEIDEGGER 2001 p 198 O ter e o fazer sentido são então a perspectiva de abertura pela qual algo pode vir a ser reconhecido como isso ou aquilo e pela qual o próprio mundo se mostra Contudo importa perceber que Heidegger concebe a compreensão mesma como um aspecto ontológico ou constitutivo da própria existência ou seja como a forma originária de realização da existência Dasein GADAMER 2005 p 347 compreender é o xaráter ontológico original da própria vida humana GADAMER 2005 p 348 103 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS A estrutura da précompreensão A teoria da compreensão heideggeriana entende o dar sentido e a inteligibilidade pela qual algo é apreendido como algo dado a partir de estruturas prévias que configuram de antemão o que é compreendido tanto dispondoo como algo inteligível quanto ofuscando aspectos e relações Nos termos de Heidegger reformulando e expandindo conceitos de Edmund Husserl 2006 e Dilthey 2010 trata se do que denominou em Ser e Tempo de estrutura da pré compreensão HEIDEGGER 2001 p 206207 composta pelo darse previamente Vorhaben pela visão prévia Vorsicht e pela apreensão prévia Vorgriff os quais indicam e exprimem a condição de estar já sempre no mundo daquele que compreende mas sobretudo a condição formal de posteridade daquele que compreende e de anterioridade existencial e fenomenológica do mundo pois toda compreensão está encalacrada e entrelaçada a acontecimentos que lhe antecedem e possibilitam Toda apreensão de sentido parte já de um prévio dar se e ter mundo que inclusive antecede e sustenta a própria existência daquele que apreende compreende e interpreta algo como isso ou aquilo Além disso a apreensão de sentido se faz sempre a partir de um viés ou perspectiva temporal dentro desse mundo previamente dado sendo inexequível um olhar de fora e menos ainda de nenhum lugar tal como já havia exposto Nietzsche 1988 Complementando a estrutura da précompreensão o próprio gesto que procura apreender as coisas e o mundo já é realizado no contexto de práticas determinadas e sob certos conceitos e concepções ou seja a compreensão e a interpretação sempre já são antecipadas por uma prévisão apreendora e 104 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS nunca são uma tabula rasa que seria conformada e preenchida pelo próprio objeto É necessário aqui relembrar que tanto a Hermenêutica quanto o historicismo do século 19 foram movimentos de recusa do apriorismo e do idealismo dos séculos 17 e 18 Nesse período era comum os filósofos executarem um procedimento de demonstração da possibilidade de a razão ou consciência conhecer a estrutura do mundo de modo prévio a qualquer experiência exemplarmente ilustrado pelo modelo clássico das Meditações metafísicas de R Descartes e refletido nas obras de Locke Hume Kant Nesse modelo a consciência está já funcionando mesmo que separada completamente do mundo externo e fazia parte da tarefa do filósofo mostrar como ela poderia ter acesso ao mundo As diversas filosofias que romperam com esse modelo têm como ponto de partida justamente a ideia de que a consciência está de saída no mundo histórico e material No lugar de uma prova da possibilidade de se conhecer o mundo como em Descartes 2004 ou de uma dedução transcendental e a priori das categorias com as quais o conhecimento objetivo se torna possível como em Kant 2001 passouse a elaborar e justificar procedimentos metódicos que tornariam possível o conhecimento de si e do mundo justamente em meio aos acontecimentos e no embaraço das interrelações materiais e históricas sob o pressuposto primário de que a consciência cognitiva e teórica nasce e se desenvolve já como parte e efeito do mundo que ela tem que conhecer e objetivar A compreensão tal como delineada por Heidegger está ancorada e é dirigida pelas projeções das próprias possibilidades que aquele que compreende tem na sua própria existência e 105 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS no seu modo de estar no mundo Se pensamos a interpretação como a realização de um sentido num significado determinado essa realização pressupõe a compreensão prévia conformada pelo modo de ser e estar no mundo que constituiu aquele que compreende A compreensão não é uma função cognitiva e menos ainda uma ação que alguém realiza no zero de constrições e poderia não realizála e ainda permanecer sendo o que é Enquanto um traço ontológico da existência humana a compreensão é anterior no sentido de estar sempre atuando e possibilitando atos e significações mas ocorre como uma estrutura prévia conformada pela condição histórica O aspecto ontológico indicado pela análise heideggeriana implica que no compreender está em causa o ser e o vir a ser daquele que compreende e também o ser daquilo que é compreendido e interpretado Desdobrando as teses de Schleiermacher Droysen e Dilthey que já estabeleciam que a compreensão de sentido e a interpretação ou significação eram de saída instauradas por uma totalidade de correlações e emaranhamentos de remissões interdependentes ou seja que o sentido e o significado de algo sempre remetiam a um complexo de relações e interconexões estruturadas Heidegger avança uma tese que transforma o próprio cerne da Hermenêutica ao defender que o complexo estrutural de conexões é ontologicamente constitutivo da existência mesma A compreensão emerge assim como um complexo que antecede toda e qualquer cognição e conceitualização positiva o qual é já um âmbito de sentido e de remissões e orientações e também a base já operante por sobre a qual uma consciência ou um discurso com sentido pode vir a se estabelecer O âmbito 106 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS de sentido e orientação é apreensível e é nele que os modos de ser das coisas se objetiva embora isso sempre ocorra por meio de preconcepções e sob as prefigurações de uma linguagem e de práticas recebidas já prontas e herdadas por aquele que compreende ao ter nascido e crescido em uma comunidade histórica que lhe antecede Ademais o que é assim apreendido vem a ser interpretado dotado de valor e significado ou seja vem a ser apropriado e agenciado de modo particular e indexado ao existente individual no curso de suas ações e práticas A cada vez é um eu em particular que compreende e então se apropria do que é compreendido ao articulálo nos seus próprios projetos e ações A descrição da experiência de estar no mundo transforma se visto que a partir da teorização de Heidegger o ambiente circundante imediato é inteiramente recoberto de sentido e de remissões práticas As coisas não são experimentadas isoladas e depois conectadas ou ainda não são experimentadas puramente em termos de propriedades físicas e espaciais destituídas de sentido ao contrário o que vemos sempre são objetos no contexto de interesses e práticas humanas como uma cadeira uma mesa e das atividades em que estamos engajados Na formulação decisiva de 1919 Heidegger escreve Eu vejo o púlpito de uma só vez por assim dizer e não isoladamente mas ajustado um pouco alto demais para mim Eu vejo e imediatamente assim sobre ele um livro um livro não uma coleção de páginas em camadas com marcas negras espalhadas sobre eles vejo o púlpito em uma orientação uma iluminação um fundo HEIDEGGER 1987 p 70 Na percepção o que aparece são objetos significativos do mundo de sentido humano ou então objetos que servem ou não servem que são adequados ou inadequados para as ações 107 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS em curso Percebese o mundo já sob uma certa compreensão e interpretação práticonocional por assim dizer como inteiramente significativo e orientador Esse ambiente mundano púlpito livro quadro negro caderno canetatinteiro zelador fraternidade estudantil bonde automóvel etc não consiste apenas em coisas objetos que são então concebidos como significando isto e aquilo em vez disso o significativo é primordial e imediatamente dado a mim sem quaisquer desvios mentais através da apreensão orientada pela coisa Ao viver em um mundo ele tem sentido para mim em todos os lugares e sempre tudo tem o caráter de mundo HEIDEGGER 1987 p 72 O ponto a ser destacado é a tese de que os objetos não se apresentam isolados em uma multiplicidade caótica de coisas O que se dá na experiência cotidiana é um todo de sentido e de remissões conectadas a saber um mundo no qual as coisas e suas propriedades fazem sentido e no qual as ações daquele que percebe se orientam em relações de conformidade e segundo suas disposições de ânimo A condição de ter e fazer sentido Bedeutsamkeit do mundo é primariamente práticooperatória pois está fundada e orientada pela antevisão prática e não pela sensação ou percepção desinteressada e sem engajamento O significativo não é um aspecto percebido pelos sentidos mas sim e antes é apreendido no plano da apropriação agencial práticopragmática relativa a um agente ou seja fundase no âmbito performativo que envolve três instâncias concomitantes ação ambiente e sentido O ter e o fazer sentido ocorrem no ambiente circundante de um agente engajado em atividades e cursos de ação histórica e socialmente enraizados A percepção não é sobre o mundo mas no mundo mundo este que se mostra de antemão organizado e estruturado 108 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Uma alteração central na teorização de Heidegger acerca do caráter hermenêutico da existência na sua lida no mundo está no fato de que ele concebe o hermenêutico como proveniente de uma esfera mais fundamental do que aquela das palavras e do comportamento linguístico O hermenêutico diz respeito à estrutura prévia existencial e está enraizado na constituição da própria existência de modo que o comportamento linguístico e as expressões linguísticas é que se fundam na compreensão e são concebidas por Heidegger como representando uma forma derivada de exercício de interpretação e somente por isso possui um sentido 2001 p 211 Todavia a discursividade é própria e originária tanto quanto a compreensão e a disposição de ânimo constituindose como um aspecto ontológico do ser humano Escreve Heidegger 2001 p 219 Do ponto de vista existencial o discurso é igualmente originário à disposição e à compreensão A compreensibilidade já está sempre articulada antes mesmo de qualquer interpretação apropriadora O discurso é a articulação dessa compreensibilidade Por isso é que o discurso se acha à base de toda interpretação e proposição Chamamos sentido o que pode ser articulado na interpretação e por conseguinte mais originariamente ainda já no discurso Chamamos de totalidade significativa aquilo que como tal se estrutura na articulação do discurso Esta pode desmembrarse em significações Enquanto aquilo que se articula nas possibilidades de articulação todas as significações sempre têm sentido Uma vez que enquanto articulação da compreensibilidade do pre o discurso é um existencial originário da abertura constituído primordialmente pelo sernomundo ele também deve possuir em sua essência um modo de ser especificamente mundano A compreensibilidade do sernomundo trabalhada por uma disposição se pronuncia como discurso A totalidade significativa da compreensibilidade vem à palavra Das significações brotam palavras As palavras porém não são coisas dotadas de significados 109 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS As leituras indicadas no Tópico 31 tratam dos conceitos hermenêuticos propostos por Heidegger e sua importância para a história de formação da Hermenêutica Filosófica contemporânea Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 22 A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE GADAMER O que eu ensinava era sobretudo a práxis hermenêutica Essa é antes de mais nada uma práxis a doutrinadocompreender e de tornar compreensível É a alma de todo ensino que queira ensinar filosofia GADAMER 2004 p 563 HansGeorg Gadamer 19002002 estudou durante muitos anos sob orientação de Heidegger e sua teoria hermenêutica é tanto uma aplicação como uma expansão da concepção ontológica da compreensão desenvolvida por seu mestre A sua obra principal Verdade e Método publicada em 1960 esboça os fundamentos de uma teoria geral da compreensão revisando as principais teses da Filosofia moderna com base na suposição de que a experiência da verdade ultrapassa o domínio do método científico GADAMER 2005 p xxii tal como Dilthey já havia proposto Essa experiência da verdade ocorre em três âmbitos na arte na consciência histórica e na Filosofia Esses âmbitos são tratados respectivamente nas três partes de Verdade e Método Na teorização de Gadamer o termo hermenêutica não mais designa como em Dilthey e Betti uma teoria do método mas antes uma teoria da experiência efetiva que é o pensamento 110 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS GADAMER 2005 p 23 A abordagem é inteiramente ontológica pois não é uma teoria da consciência ou uma teoria da ação humana O que está em questão não é o que fazemos o que deveríamos fazer mas o que nos acontece além do nosso querer e fazer GADAMER 2005 p 14 Desse modo a Hermenêutica é pensada como um aspecto universal da Filosofia e não mais apenas como a base metodológica das assim chamadas Ciências Humanas GADAMER 2005 p 589 Gadamer é enfático ao localizar o alcance de sua teorização bem como sua filiação a Heidegger Esta investigação coloca a questão ao todo da experiência humana do mundo e da práxis da vida Falando kantianamente ela pergunta como é possível a compreensão Esta questão precede a todo comportamento metodológico das ciências da compreensão suas normas e regras A analítica temporal da existência Dasein humana desenvolvida por Heidegger penso eu mostrou de maneira convincente que a compreensão não é um dentre outros modos de comportamento do sujeito mas o modo de ser da própria existência Dasein O conceito de hermenêutica foi empregado aqui nesse sentido Ele designa a mobilidade fundamental da existência a qual perfaz sua finitude e historicidade abrangendo assim o todo de sua experiência de mundo GADAMER 2005 p 16 Com isso Gadamer defende a universalidade da experiência da compreensão e da autocompreensão Em todas as nossas experiências transcorre uma compreensão das coisas e uma de si Essa compreensão todavia é mais um acontecer e um efetivarse histórico do que um ato de um sujeito autônomo A estrutura da précompreensão explicitada por Heidegger em Ser e tempo implica que o existente humano está perpassado pelo acontecer histórico a partir do qual as coisas já são significativas e que toda experiência vivida se realiza com 111 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS base em estruturas prévias de compreensão e é assim sempre interpretante Não há conhecimento imediato ou experiência pura livre de preconceitos e interpretações prévias Prosseguindo a tese de Dilthey e Heidegger a teorização de Gadamer concebe a experiência e a compreensão como inseridas de antemão numa tradição herdada que conforma o ponto de partida inicial para todos os atos de compreensão SCHMIDT 2014 p 146 Todavia a teorização de Gadamer não permanece cativa de uma posição romântica de simples afirmação do passado e da tradição pois implica a atitude de revisar as visões posições e concepções prévias a partir de uma reconsideração das próprias coisas e de um diálogo aberto e franco com a tradição e com os que pensam diferente Preconceito e validade Uma das mais polêmicas proposições constitutivas da Hermenêutica filosófica de Gadamer referese à reavaliação dos preconceitos e tradições O Iluminismo cientificista seja na sua versão empiricista seja na racionalista tinha como cerne a atitude de recusa dos preconceitos e das tradições na validação de conhecimentos e práticas As únicas autoridades aceitas capazes de validar um conhecimento ou prática eram a razão e a experimentação científica Contra o movimento iluminista os Românticos procuraram valorizar tradições folclore conhecimentos antigos retomando a pertença e continuidade das tradições como forma de validação e justificação Gadamer na segunda parte de Verdade e Método ao desenvolver o conceito de estrutura prévia da compreensão afirma que somente o reconhecimento do caráter essencialmente preconceituoso de toda compreensão poderia 112 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS levar o problema hermenêutico à sua real agudeza GADAMER 2005 p 360 e argumentou que o Iluminismo estava fundado no preconceito contra os preconceitos em geral isso implicando a despotenciação da tradição Contra essa postura teórica Gadamer adverte que preconceito não significa de modo imediato um falso conceito ou juízo pois tanto pode ser avaliado como positivo quanto como negativo Por isso se quisermos fazer justiça ao modo de ser finito e histórico do humano é necessário levar a cabo uma reabilitação radical do conceito de preconceito e reconhecer que existem preconceitos legítimos GADAMER 2005 p 368 O ponto de Gadamer está em mostrar que toda compreensão se ampara em estruturas e conceitos prévios que a tornam possível e a embasam tal como a hermeta sustenta e faz aparecer a herma A própria compreensão do passado é ela mesma amparada e sustentada pela efetividade da tradição em nosso constante comportamento com relação ao passado o que está realmente em questão não é o distanciamento nem a liberdade com relação ao transmitido Ao contrário encontramonos sempre inseridos na tradição GADAMER 2005 p 374 É a partir dessa inserção e pertencimento que propriamente compreendemos Desse modo o sentido da pertença isto é o momento da tradição no comportamento históricohermenêutico realiza se através da comunidade de preconceitos fundamentais e sustentadores A hermenêutica precisa partir do fato de que aquele que quer compreender deve estar vinculado com a coisa que se expressa na transmissão e ter ou alcançar uma determinada conexão com a tradição a partir da qual a transmissão fala GADAMER 2005 p 390 113 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Em termos teóricos isso significa fazer implicar no conceito de compreensão hermenêutica uma condição histórica efetiva anterior que possibilita a cognição e a ação A compreensão não ocorre no vácuo e no vazio de relações com o passado significando que ela se torna possível e se realiza sempre a partir de preconceitos e articulações prévias as quais não são entraves a serem eliminados mas condições de possibilidade a serem elaboradas outra vez As tradições não são então extirpáveis mas apenas redirecionáveis e ressignificáveis pois tentar compreender a partir do zero de constrições e sem nenhum conceito prévio é como tentar falar sem recorrer e pertencer a nenhuma língua prévia A consciência e a efetividade do histórico O conceito mais importante de Verdade e método talvez aquele que sintetiza a sua originalidade hermenêutica sem dúvida é o de consciência históricoefeitual pelo qual Gadamer procura tornar efetivo no plano teórico o sentido da temporalidade e da historicidade que afeta e ao mesmo tempo perfaz a consciência e a compreensão e também aquilo que se dá para ser compreendido Com isso ele pretendia mostrar a indissociabilidade entre consciência e história ao tornar explícita a efetividade da história na própria compreensão estando nisso implicado que compreender e ser consciente e também intencionar e querer estariam por processos histórico efetivos nos quais se mostra a realidade da história na própria compreensão GADAMER 2005 p 396 Quando procuramos compreender um fenômeno histórico a partir da distância histórica que determina nossa situação hermenêutica como um todo encontramonos sempre sob os efeitos dessa história efeitual Ela determina de antemão 114 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS o que se nos mostra questionável e se constitui em objeto de investigação GADAMER 2005 p 397 A abertura do mundo em sua inteligibilidade e sentido é um efeito da efetividade da nossa pertença ao passado e às tradições das quais nós mesmos somos os continuadores A tese faz parte dos fundamentos das concepções hermenêuticas desde Schleiermacher Humboldt Droysen e Dilthey ela diz explicitamente que nossa consciência e capacidade de conhecer e agir não surgem puras e imaculadas mas somente vêm a existir e existem tendo como base um contexto histórico determinado cujas estruturas de inteligibilidade e cujos direcionamentos orientadores conformam e conduzem já os nossos primeiros passos e olhares A pertença a tradições e o entrincheiramento no contexto históricolinguístico não é algo que podemos descartar sem concomitantemente perdermos literalmente o senso e a orientação no mundo O mundo nos parece inteligível e compreensível justamente porque nossa consciência foi formada neste e por este mesmo mundo histórico em relação ao qual nós sempre já somos posteriores e dependentes A nossa consciência é na expressão de Gadamer uma consciência históricoefetiva wirkungsgeschichtliches Bewusstsein por ser desde o começo o efeito e a vigência dos efeitos históricos de tradições e pertenças e também sua continuação e possibilidade de inovação Não há ponto em nossa consciência e em nossos sentidos de orientação que possa ser compreendido fora do tempo e de seu efetivarse histórico Contudo embora a consciência seja concebida como pertencendo e estando imersa numa tradição o ser consciente enquanto é consciente de sua própria historicidade pode 115 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS justamente se distanciar dessa pertença ao assumir uma atitude crítica em relação aos preconceitos recebidos como base de sua própria formação Este ponto é marcante da posição hermenêutica gadameriana o distanciamento histórico é produtivo e não impeditivo ou restritivo do conhecimento Gadamer defende que a distância temporal Zeitenabstand é a condição da revisabilidade e da capacidade de dispensar os preconceitos não controláveis porque constitutivos da tradição e assim indisponíveis para o intérprete Embora a compreensão não seja um comportamento livre ela exibe a estrutura do desafio e da exigência A consciência da história efeitual é em primeiro lugar consciência da situação hermenêutica No entanto tornarse consciente de uma situação é uma tarefa que em cada caso se reveste de uma dificuldade própria Nós estamos nela já nos encontramos sempre numa situação cuja elucidação é tarefa nossa Essa elucidação jamais poderá ser cumprida por completo E isso vale também para a situação hermenêutica isto é para a situação em que nos encontramos frente a tradição que queremos compreender GADAMER 2005 p 399 O hermenêutico da tradição implica esse caráter inesgotável e ao mesmo tempo incontornável do darse de sentido e de inteligibilidade que sempre pressupõe um fundo ou horizonte que não se deixa tematizar em seu todo como a marca do ser histórico Por isso ser histórico quer dizer não se esgotar nunca no saberse GADAMER 2005 p 399 A tese hermenêutica então configurase como crítica a toda pretensão de fechamento do conhecimento por um lado porque o conhecer é sustentado e enraizado numa condição que ele não pode eliminar nem tematizar completamente e por 116 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS outro porque o seu raio de ação se estende no contexto de uma situação cujo horizonte também ele não pode esgotar Por não sabermonos por inteiro e também por não sabermos o mundo em sua totalidade temos de compreender interpretando buscando sentido e orientação sem poder recorrer a verdades primeiras e últimas mas apenas ampliando o horizonte de sentido que herdamos e aprendendo com os outros diferentes Como haviam mostrado as teorizações de Dilthey Gadamer também indica a partir dessa perspectiva os limites da reflexão e da autoconsciência como meios de asseguramento e validação Contra as pretensões metafísicas de um saber absoluto a Hermenêutica filosófica propriamente histórica mostra que apenas pelo desvio do compreender podemos recuperar alguma certeza e conhecimento o que significa aceitar as mediações históricas de modo a se por um limite à onipotência da reflexão GADAMER 2005 p 449 O ponto de inflexão antiidealista da Hermenêutica gadameriana está na reposição como fundamento do conceito de uma experiência que experimenta a efetividade e é ela própria efetiva GADAMER 2005 p 453 Esse conceito de experiência remete àquela noção empregada quando se diz que alguém fez ou sofreu uma experiência pela qual certas expectativas são frustradas e sobretudo que nos ensina a reconhecer o que é efetivo GADAMER 2005 p 467 A experiência propriamente hermenêutica está ligada à consciência histórica de si e do outro ao conhecimento reflexivo acerca das diferentes perspectivas de sentido e orientação seja do passado ou do presente que afetam a nossa existência 117 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS humana e também à efetividade do fazer e do agir que alteram as situações O que caracteriza o hermenêutico dessa experiência não é uma objetividade racionalizada capaz de sopesar as diferenças e alcançar um ponto de vista universal que englobaria todas as perspectivas como momentos já superados O abrir se compreensivo para o outro diferente e também para as tradições implica antes o reconhecimento de que devo estar disposto a deixar valer em mim algo contra mim ainda que não haja nenhum outro que o faça valer contra mim GADAMER 2005 p 472 Por isso longe de se por numa posição que nivela e iguala as diferentes perspectivas e posições a consciência hermenêutica tem sua consumação não na certeza metodológica sobre si mesma mas na comunidade de experiência que distingue a pessoa experimentada daquela que está presa aos dogmas GADAMER 2005 p 472 Notese que em todas essas caracterizações a experiência hermenêutica sempre é de um si reflexivo situado e não de um sujeito neutro fora do tempo e do espaço A linguisticidade da experiência de sentido Apesar dos aspectos limitadores da historicidade da consciência e da compreensão sobretudo por sua inserção e pertença às tradições nesse pertencimento mesmo está a chave para o seu não fechamento dogmático Com efeito para Gadamer o passado e as tradições são eles mesmos significativos e expressantes de tal modo que o vir a ser consciente e capaz de compreender é uma forma de estar em diálogo com o que nos constitui e perfaz 118 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS A experiência hermenêutica tem a ver com a tradição É esta que deve chegar à experiência Todavia a tradição não é simplesmente um acontecer que aprendemos a conhecer e dominar pela experiência mas é linguagem isto é fala por si mesma como um tu GADAMER 2005 p 467 A estrutura do diálogo não é uma simples concessão do filósofo ao fato preeminente de que as línguas têm sua origem no intercurso conversacional das comunidades de fala Antes com essa estrutura Gadamer quer salientar um aspecto constituidor da própria condição linguística da compreensão e da consciência de si e do mundo Gadamer usa a imagem da fusão de horizontes que ocorre na compreensão entre interlocutores pertencentes a mundos de sentido diferentes como o genuíno desempenho da linguagem GADAMER 2005 p 492 denominando esta de obscuro universal que precede todas as coisas Contudo na concepção gadameriana a linguagem não é um âmbito avesso ou refratário às coisas efetivas Antes nisso seguindo Heidegger o que faz da linguagem um meio universal indispensável e incontornável como base de toda compreensão e acordo é que sempre nela se tem em mira alguma coisa com a qual estamos confrontados de modo que na realização da compreensão como efetuação linguística ocorre justamente o viràfala da própria coisa em pauta GADAMER 2005 p 493 Nessa tese emerge o diferencial da proposta hermenêutica de Gadamer que está na universalização da condição linguística do ter e fazer mundo da consciência humana A linguisticidade não é senão comunalidade e comunicabilidade pois linguagem indica sempre um meio e um ambiente de interdependências com os outros no qual também o mundo se apresenta O ponto de Gadamer é que o objeto hermenêutico 119 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS é linguístico tem o caráter de linguagem Isso fica claro na tese básica da terceira parte de Verdade e Método Na linguagem é o próprio mundo que se apresenta A experiência de mundo feita na linguagem é absoluta Ultrapassa todas as relatividades referentes ao poroser Seinsetzung porque abrange todo o ser em si sejam quais forem as relações relatividades em que se mostra A linguisticidade Sprachlichkeit em que acontece a nossa experiência de mundo precede a tudo quanto pode ser reconhecido e interpelado como ente A relação fundamental de linguagem e mundo não significa portanto que o mundo se torne objeto da linguagem Antes aquilo que é objeto do conhecimento e do enunciado já se encontra sempre contido no horizonte global da linguagem A linguisticidade da experiência humana de mundo como tal não visa a objetivação do mundo GADAMER 2005 p 581 Linguagem e mundo perfazem uma conexão cujos polos não subsistem um sem o outro a tal ponto que a própria disponibilidade do mundo e seus objetos é constituída pela linguagem GADAMER 2005 p 571 Esta é porém na sua base mediação e comunalidade de modo que onde há linguagem já está dada de antemão a possibilidade da compreensão por mais radicais que sejam as distâncias e diferenças Com efeito a Hermenêutica filosófica de Gadamer permanece fiel ao delineamento de Schleiermacher e Dilthey que se reconhece e incorpora a efetividade histórica tem na imanência à linguagem o seu centro diretor Essa autocircunscrição ao linguístico da Hermenêutica filosófica se expressa na tese principal ser é linguagem isto é representar se GADAMER 2005 p 627 Desse modo se ser é linguagem se ser é representarse então o princípio hermenêutico é universal e não pode ser suspendido sentido é sentido linguístico e 120 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS ao mesmo tempo sentido de ser Ainda assim impõese uma limitação à experiência hermenêutica de sentido De minha parte procurei não esquecer o limite implícito em toda experiência hermenêutica do sentido Ao escrever que o ser que pode ser compreendido é linguagem essa frase dava a entender que o que é nunca pode ser inteiramente compreendido Isso porque o que serve de orientação a uma linguagem sempre ultrapassa aquilo que nela se enuncia GADAMER 2004 p 386 Gadamer insiste com base nisso que a consciência hermenêutica se vincula à tradição e ao que ela compreende em referência a algo que foi dito Gesagtes à linguagem em que nos fala a tradição à saga que ela nos conta GADAMER 2005 p 391 e não à individualidade psicológica nem ao ato concreto de dizer e ao indivíduo singular nas suas concretudes históricas Embora valorize a experiência como aquilo que nos ensina o que é real 2003 p 467 Gadamer não nos diz o que é esse real ensinado pela experiência apenas o toma como algo que se dá na forma de um dizer Por isso essa posição permanece cativa da crítica e do receio do psicologismo típicos de Husserl cuja saída foi a adesão à idealidade do sentido Em última instância o que media as diferentes experiências e os diferentes indivíduos contemporâneos ou não é uma configuração Gebilde uma unidade ideal ideellen Einheit enquanto um todo de sentido Sinnganzes GADAMER 2005 p 174 que unicamente se mostra no dizer e no falar Com esse conceito adaptado do idealismo transcendental da fenomenologia de Husserl Gadamer busca superar o historicismo e o psicologismo característicos da Hermenêutica do século 19 pois a intermediação entre os indivíduos e também 121 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS entre as épocas diferentes é viabilizada por um elemento que se é um feito não é algo efêmero A tradição escrita não é apenas uma parte de um mundo passado mas já sempre se elevou acima deste na esfera do sentido eine Sphäre des Sinnes que ela anuncia Tratase da idealidade da palavra que todo elemento de linguagem eleva acima da determinação finita e efêmera própria aos restos de existências passadas GADAMER 2005 p 505 Por meio dessa idealidade da palavra propiciada pela língua e suas formações emerge a esfera de sentido que é propriamente transhistórica e transindividual Gadamer recupera assim a centralidade da escrita para a Hermenêutica ao fazer ver que por ela uma dimensão não efêmera e intersubjetiva pode escapar da indexação ao local e ao epocal Na verdade a escrita ocupa o centro do fenômeno hermenêutico na medida em que graças ao escrito o texto adquire uma existência autônoma independente do escritor ou do autor e do endereço concreto de um destinatário ou leitor De certo modo o que é fixado por escrito se eleva aos olhos de todos para uma esfera de sentido na qual pode participar todo aquele que esteja em condições de ler GADAMER 2005 p 507 Diferentemente da tradição clássica e moderna Gadamer torna positiva a condição da escrita considerandoa aquilo mesmo que revela a essência da linguagem A possibilidade de ser escrita revela o verdadeiro poder da linguagem qual seja o de liberar a esfera do sentido em relação às condições efêmeras e fáticas das enunciações e das experiências vividas dos falantes o que foi fixado por escrito desvinculase da contingência de sua origem e de seu autor liberandose positivamente para novas relações GADAMER 2005 p 512 122 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Nesse ponto revelase uma importante suposição de Gadamer pois ele compreende o sentido como aquilo que é propriamente comunicado apontando para a autonomia do texto e do que é dito nele como independente do lugar da época e do autor Essa suposição mostra o afastamento de Gadamer em relação às filosofias da vida do século 19 essa possibilidade de ser escrita repousa sobre o fato de que o próprio discurso participa da idealidade pura do sentido que se comunica nele Na escrita esse sentido do falado está aí por si mesmo inteiramente livre de todos os momentos emocionais da expressão e do anúncio Um texto não quer ser entendido como manifestação da vida mas apenas naquilo que ele diz Por isso o sentido de uma notação escrita é perfeitamente passível de ser identificado e repetido É só o que é idêntico na repetição que realmente foi anotado na escrita Com isso fica claro também que repetir não pode ser tomado aqui em sentido estrito Não se refere à recondução a um termo primeiro e originário no qual algo teria sido dito ou escrito enquanto tal Compreender pela leitura não é repetição de algo passado mas participação num sentido presente GADAMER 2005 p 508 Nessa concepção importa perceber que o conceito de sentido não equivale aos conceitos de conceito e de essência modernos e tradicionais O sentido não está ligado a uma propriedade das coisas e menos ainda das palavras elas mesmas mas nem por isso é algo relativo a uma vivência subjetiva Por meio da enunciação hermeneia discursiva um pensamento sentido dianoia é elaborado e configurado por meio da escrita dessa formação linguística esse pensamentosentido é fixado e então pode ser apreendido e entendido synein por pessoas muito diferentes para além das circunstâncias de sua produção A tese gadameriana retoma o diferencial hermenêutico posto em operação por Schleiermacher e Humboldt contra as 123 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS concepções antigas e modernas sobre a relação entre pensar e falar ao reafirmar a inseparabilidade entre forma e conteúdo entre linguagem e pensamento A forma da linguagem e o conteúdo da tradição não podem ser separados na experiência hermenêutica Se cada língua é uma concepção de mundo ela não o é primeiramente como representante de um determinado tipo de língua como o pesquisador de linguagem vê a língua mas através do que se diz e se transmite nessa língua GADAMER 2005 p 569 O ter e estar em uma língua não é apenas mais uma relação exterior e contingente antes constitui a própria raiz da experiência significativa e do ter mundo Gadamer retoma e expande a concepção linguística de Humboldt como concepção de mundo a linguagem não é somente um dentre muitos dotes atribuídos ao humano que está no mundo mas serve de base absoluta para que os humanos tenham mundo nela se apresenta o mundo GADAMER 2005 p 571 Esse aspecto do conceito de linguagem da Hermenêutica filosófica é decisivo para o embasamento geral da Hermenêutica e sua pretensão de universalidade e também no que se refere às próprias operações de interpretação Os conteúdos objetos e conceitos que podem vir a ser tematizados e conhecidos no comportamento compreensivo têm o caráter de linguagem O próprio mundo em seu todo está aí como mundo numa forma como não está para qualquer outro ser vivo que esteja no mundo Pois esse estaraí do mundo é constituído pela linguagem GADAMER 2005 p 571 Todavia estar constituído pela linguagem que perfaz o mundo em sua totalidade não é um estar enclausurado e limitado e muito menos um aspecto limitador para aquele 124 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS que compreende A linguagem como é o caso da nossa língua portuguesa para nós brasileiros frente ao mundo que vem à fala nela não instaura ela mesma nenhuma existência autônoma GADAMER 2005 p 572 A linguagem se permite que o mundo nela se apresente o faz justamente por liberar um espaço de liberdade frente ao mundo e também frente às nossas próprias tendências em contraste com o acoplamento compulsivo dos demais seres vivos em oposição a todos os demais seres vivos é a sua liberdade frente ao mundo circundante Essa liberdade implica a constituição de mundo que se dá na linguagem GADAMER 2005 p 573 O que chamamos de linguagem e língua é esse poder dispor e distanciarse em relação ao que se dá na experiência de poder desvincularse e de mudar o modo de vinculação ao mundo circundante ao poder dizêlo desdizêlo e redizêlo de outro modo A experiência da inalienável alteridade A Hermenêutica filosófica proposta por Gadamer tem seu fundamento na tentativa de preservar a diferença e a alteridade como não elimináveis pelo processo de interpretação e compreensão Compreender não é um processo de homogeneização O sentido do discurso de outrem mesmo que contemporâneo implica a diferença de perspectiva e de posicionamento quanto à coisa que vem à fala Diferentemente do modelo científico e iluminista a Hermenêutica desde Schleiermacher inclui no movimento mesmo da compreensão a preservação e a vivificação do outro e de suas diferenças como aquilo mesmo que constitui o compreender A linguagem é o elemento que permite este pôr 125 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS se em acordo dos diferentes sem que a sua diferença precise ser eliminada Na sua raiz mais profunda Linguagem é compartilhamento participação parceria na qual um sujeito não se encontra contraposto a um mundo de objetos Sprache ist Teilgabe Teilnahme Teilhabe in der nicht ein Subjekt einer Welt der Objekte gegenübersteht um mundo no qual a linguagem permaneceria enredada em aporias pseudoplatônicas relativas à metexis Quando falamos uns com os outros quando buscamos uns para os outros e para nós mesmos as palavras quando experimentamos as palavras que conduzem a uma linguagem comum e que formam uma tal linguagem nós nos empenhamos por compreender a nós mesmos e isso sempre significa tudo mundo e humanos e isso por mais que seja possível que não nos compreendamos GADAMER 2007 p 38 Desse modo ter parte na linguagem não se distingue de estar já em interagência e parceria com outros Com isso na experiência da compreensão está em jogo sempre uma experiência comunicacional que se realiza na forma de uma conversação permanecendo o modo proposto por Schleiermacher o da conversação entre um eu e um tu o modelo do diálogo Gespräch como o modelo apropriado para a experiência da compreensão A compreensão perfazse por um trazer à palavra o compreendido e também como um redizer o que o outro tem a dizer Ao enfatizar o diálogo Gadamer quer fazer ver que a linguagem é o lugar do entendimento mútuo e que nesse entendimento aparece o verdadeiro ser da linguisticidade que nos constitui ao permitir que diferentes se entendam Nesse ponto Gadamer afastase de Heidegger Um diálogo genuíno que visa a compreensão é um encontro real com o outro Existe em todo diálogo um movimento de escuta e resposta que ocorre em relação a uma dialética de pergunta 126 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS e resposta Mais importante esse movimento pressupõe uma linguagem comum unindose um ao outro em um espaço comum que é frequentemente trabalhado em diálogo RISSER 2016 p 182 O espaço comum no qual um diálogo pode ocorrer é aquele ambiente comunal em que diferentes podem se apresentar nas suas diferenças exemplarmente realizado nas comunidades linguísticas Com efeito compartilhar uma língua não é de modo algum ter as mesmas opiniões ou crenças e menos ainda ter os mesmos pontos de vistas e avaliações pois isso tornaria desnecessária a distinção entre o eu o tu e o ele enquanto essas figuras linguísticas indicam justamente o lugar da diferença que se mostra em contraste por sobre o fundo comum da comunidade linguística Sobre esse fundo comum as diferenças quanto ao sentido e ao significado do que está em discussão podem emergir e ser explicitadas O problema hermenêutico não é pois um problema de domínio correto da língua mas de acordo correto sobre um assunto que se dá no medium da linguagem GADAMER 2005 p 498499 De certo modo para que possa haver acordo numa conversação esse domínio da língua é uma condição prévia O domínio prévio e o compartilhamento da língua como base comum não eliminam o desacordo e as diferenças antes ele é o meio pelo qual se pode chegar a um acordo e a um sentido comum apesar das diferenças A alteridade a ser preservada está ligada à possibilidade de quebra de falsas expectativas e projeções isto é à possibilidade de o falante e o intérprete experimentarem um sentido a partir do qual eles são corrigidos nas suas pretensões As 127 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS palavras diferença alteridade e outro indicam sempre na conversação a posição de um tu ou de um ele cujo pensamento e perspectiva de avaliação da situação se distinguem a ponto de vir à fala A interpretação e a compreensão que se autodenomina hermenêutica se caracteriza e se especifica justamente por cuidar de não eliminar essa distinção mesma ao abdicar de saída da posição dominadora Com efeito para Gadamer a Hermenêutica não é um saber dominador que se apropria e se apodera A compreensão hermenêutica é antes um submeter se e um aceitar a posição dominante do discurso ou texto constituindose não como formas de domínio mas de estar a serviço um estar a serviço daquilo que deve valer GADAMER 2005 p 411 mesmo que isso signifique corrigir as próprias pretensões e avaliações GADAMER 2005 p 472 As leituras indicadas no Tópico 32 tratam das teorias de Gadamer Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 23 A HERMENÊUTICA CRÍTICA DE PAUL RICOEUR Na obra do filósofo francês Paul Ricoeur 19132005 encontramse os elementos tanto de retomada quanto de inovação teórica em Hermenêutica no século 20 Com efeito ao longo de várias obras publicadas a partir de 1960 Ricoeur configurou uma Filosofia hermenêutica própria e ao mesmo tempo redefiniu e reformulou os principais conceitos que configuram o marco teórico da Hermenêutica Sobressaemse as obras Freud e a interpretação 1963 O conflito das interpretações 128 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS 1969 A metáfora viva 1975 Teoria da interpretação 1976 e Do texto à ação 1986 nas quais é visível o aspecto inter e transdisciplinar do pensamento ricoeuriano que se pauta pela recusa de sínteses absolutas e pela defesa do inacabamento e da finitude das experiências humanas Apresentaremos aqui o delineamento da filosofia hermenêutica de Ricoeur principalmente no que diz respeito à natureza do procedimento hermenêutico e da caracterização de uma interpretação como hermenêutica A instância crítica A Hermenêutica do século 20 foi marcada pela retomada das questões ontológicas no contexto da Fenomenologia hermenêutica de Heidegger e Gadamer O posicionamento de Paul Ricoeur embora acompanhe os filósofos alemães sempre foi mais metodológico e reflexivo no sentido de assegurar às abordagens hermenêuticas uma base metódica clara contrastandoa como alternativa seja em relação à Fenomenologia transcendental de Husserl seja ao estruturalismo francês seja às Ciências Sociais naturalizadas no contexto americano O ponto comum caracterizador dessa base metódica alternativa sobre o qual insiste o esforço de pensamento de Ricoeur é o asseguramento de uma posição crítica transdisciplinar no qual Filosofia e Ciência atuem de modo complementar O livro O conflito das interpretações ensaios de Hermenêutica de 1969 indica a consideração metodológica Meu propósito é o de explicar aqui os caminhos abertos à filosofia contemporânea por aquilo que poderíamos chamar de o enxerto do problema hermenêutico sobre o método fenomenológico RICOEUR 1978 p 7 129 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Esse posicionamento é claramente um enfrentamento também com outras metodologias filosóficas concorrentes como o Estruturalismo a Psicanálise o pensamento especulativo não dialético de Espinoza e o dialético de Hegel e também sugere um afastamento em relação à Hermenêutica como ontologia fundamental de Heidegger à filosofia linguística de Wittgenstein e em certa medida à própria hermenêutica filosófica de Gadamer com base na regra de resistir à tentação de separar a verdade própria à compreensão do método utilizado pelas disciplinas oriundas da exegese RICOEUR 1978 p 13 ao conceber a noção de exegese como fundada na elucidação semântica do conceito de interpretação RICOEUR 1978 p 13 Todavia Ricoeur permanece fiel ao viés linguístico pois metodologicamente sua posição hermenêutica embasadora é constituída pela tese maior de que é antes de tudo e sempre na linguagem que vem exprimirse toda compreensão ôntica ou ontológica RICOEUR 1978 p 14 Ricoeur recusa a via curta da ontologia e da metafísica e se pergunta diante do fracasso do pensamento especulativo não convirá então procurar resposta à nossa busca de inteligibilidade do lado de uma história dotada de sentido de preferência a buscála numa lógica do ser RICOEUR 1978 p 264 Nessa pergunta está implícita a tese que forma a base da hermenêutica filosofante expressa na confiança na linguagem melhor dizendo no confiarse inteiramente à linguagem uma confiança na linguagem é a crença de que a linguagem que contém os símbolos é menos falada pelos homens do que falada aos homens que os homens nascem no seio da linguagem RICOEUR 1965 p 38 130 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Essas considerações mostram que Ricoeur não está inteiramente de acordo com o estatuto teórico da tradição à qual se filia Para ele com efeito a Hermenêutica desde Schleiermacher e Dilthey e também ainda na sua versão ontologizada de Heidegger e Gadamer está marcada por uma aporia que se manifesta na perda da dimensão crítica referente aos conceitos de correção e justeza de uma interpretação que a torna incapaz de dialogar com as Ciências Humanas Em relação à Hermenêutica do século 19 sobretudo de Dilthey Ricoeur questiona o equacionamento entre o conceito fundamental de vida irracional nas suas bases e o de sentido pelo qual se garantiria a inteligibilidade e a objetividade o fato de essa hermenêutica da vida ser uma história é o que permanece incompreensível A passagem da compreensão psicológica à compreensão histórica supõe com efeito que o encadeamento das obras da vida não seja mais vivido nem experimentado por ninguém RICOEUR 1988 p 2829 Ricoeur então questiona não foi preciso colocar todo o idealismo especulativo na raiz mesma da vida vale dizer finalmente pensar a própria vida como espírito RICOEUR 1988 p 29 Embora reconheça que Dilthey superou esse impasse ao mostrar que a vida só apreende a vida pela mediação das unidades de sentido que se elevam acima do fluxo histórico ao propor um modo de ultrapassagem da finitude sem sobrevoo sem saber absoluto que é propriamente a interpretação RICOEUR 1988 p 29 Ricoeur defende que o projeto diltheyniano é insuficiente pois deveria renunciar à vinculação da Hermenêutica à noção puramente psicológica de transferência numa vida psíquica estranha e que se desvende o texto não mais em direção a seu autor mas em direção ao seu sentido 131 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS imanente e a este tipo de mundo que ele abre e descobre RICOEUR 1988 p 29 Explicitamente ele também questiona a posição heideggeriana como colocar e justificar uma questão crítica no contexto de uma hermenêutica fundamental RICOEUR 1986 p 105 E também questiona Gadamer Como é possível integrar algum tipo de instância crítica em uma consciência de pertencimento que foi explicitamente definida pela rejeição do distanciamento RICOEUR 1986 p 109 tradução nossa Tratase nessas questões de uma retomada dos aspectos críticos e metodológicos já presentes em Schleiermacher e Dilthey e também em E Betti mas que haviam sido obnubilados pela apropriação fenomenológica das questões hermenêuticas e pelos conceitos de pertencimento e acontecimento incontroláveis O problema que afeta a disciplina da Hermenêutica tal como Ricoeur a entende está na dissociação entre as explicações das ciências naturais e as compreensões hermenêuticas nas Ciências Humanas e na Filosofia A hermenêutica do século 19 de um Schleiermacher e um Dilthey alocou a capacidade de compreender e interpretar no plano psicológico individual e subjetivo diferenciando esses processos em relação às explicações e explanações objetivas causais e materiais das Ciências da Natureza Desse modo a Hermenêutica e também as Ciências Humanas em geral é separada da explicação naturalista e jogada de volta à esfera da intuição psicológica RICOEUR 1988 p 24 A proposta positiva de Ricoeur constituise pela retomada da proposta de Dilthey de fundamentar as Ciências Humanas 132 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS a partir da Hermenêutica mas nesse movimento se opõe à redução ontológica proposta por Heidegger Ricoeur denominou sua proposta de via longa voie longue a qual passa pela descrição e análise das objetivações das experiências vividas na linguagem por meio de um processo infindável de interpretação De certo modo Ricoeur retoma o projeto diltheyiano para repensar as Ciências Humanas nos seus fundamentos metodológicos recusando assim tanto a fundamentação idealista e estruturalista quanto a nova fundamentação naturalista e empírica Desse modo o recurso aos conceitos hermenêuticos relativos à mediação pelo sentido e sobretudo àqueles derivados da linguisticidade e da historicidade da experiência humana não implica uma adesão à via curta de Heidegger voie courte que vai em busca do ser diretamente sem atravessar a longa via da mediação simbólica objetiva aquela que Dilthey já havia trilhado para sair do circuito da introspecção e que denominou de desvio do compreender pelas ações e produções humanas e seus efeitos DILTHEY 2010 p 29 pelas externalizações e manifestações concretas da vida cultural adentrandose no âmbito das objetivações da experiência na linguagem e portanto por meio de um processo interminável de interpretação A proposta é que apenas pelo caminho da floresta das objetivações e realizações culturais podese efetivamente recusar o subjetivismo e o idealismo e também o naturalismo e positivismo nas Ciências Humanas e na Filosofia Ricoeur incorpora na sua Hermenêutica as críticas provenientes das Ciências Sociais orientadas pela Teoria Crítica sobretudo aquelas feitas por J Habermas contra a Hermenêutica filosófica de Gadamer e também contra a Hermenêutica fundamental de Heidegger recusando ver nesse conflito teórico 133 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS uma alternativa excludente ou a consciência hermenêutica ou a consciência crítica RICOEUR 1988 p 99 O pensador francês se pergunta se não é a própria alternativa que deve ser recusada Essa recusa de alternativas excludentes é já uma marca do pensamento hermenêutico e caracterizará a posição de Ricoeur em toda a sua obra A sua proposição básica é reintroduzir a tarefa crítica na Hermenêutica como uma forma de realizar e cumprir as suas próprias exigências metodológicas O gesto da hermenêutica é um gesto humilde de reconhecimento das condições históricas a que está submetida toda compreensão humana sob o regime da finitude O da crítica das ideologias é um gesto altivo de desafio dirigido contra as distorções da comunicação humana Pelo primeiro insirome no devir histórico ao qual estou consciente de pertencer pelo segundo oponho ao estado atual da comunicação humana falsificada a ideia de uma libertação da palavra de uma libertação essencialmente política guiada pela ideia limite da comunicação sem limite e sem entrave RICOEUR 1988 p 131 Compreensão e suspeição Nas suas primeiras obras que fazem recurso à Hermenêutica Ricoeur trabalha com a ideia de decifração dos símbolos entendidos como expressões de duplo sentido o trabalho de pensamento que consiste em decifrar o sentido oculto no sentido aparente em desdobrar os níveis de significação implicados na significação literal RICOEUR 1988 p 14 Esse trabalho de deciframento é o meio pelo qual o ego pode vir a se conhecer pois apenas pela mediação da interpretação dos símbolos e signos isto é de modo indireto ele pode vir a se conhecer Nesse sentido Ricoeur retoma a teoria hermenêutica como interpretação das manifestações da experiência vivida 134 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS fixadas por escrito tal como Dilthey e Bultmann haviam proposto GRONDIN 2012 p 97 No livro sobre Freud de 1965 no capítulo 3 Ricoeur formula uma distinção paradigmática entre duas hermenêuticas uma baseada nas ideias de recuperação e reconstrução de sentido e outra fundada nas ideias de suspeição e desconstrução de sentido em relação a uma manifestação vital ou expressão cultural Ali já Ricoeur se colocava ao lado daqueles que priorizaram as estruturas de sentido linguístico como Schleiermacher Dilthey e Gadamer e se afastava daqueles que privilegiavam algum elemento não linguístico como Nietzsche e Freud Uma dessas atitudes se estrutura pela confiança e a outra pela suspeita em relação àquilo que se dá na e pela linguagem e são pautadas pela aceitação da imediatidade do sentido ou por sua recusa Na formulação de Ricoeur 1965 p 2 tradução nossa A hermenêutica pareceme animada por essa dupla motivação desejo de suspeitar desejo de ouvir voto de rigor voto de obediência A busca pela compreensão do outro realizase ou como interpretação como suspeita operacionalizada por Nietzsche Marx e Freud motivada e fundada pela ideia de redução ou extirpação da ilusão e da falsidade de consciência ou como interpretação como recolhimento e restauração de sentido exercida pela tradição fenomenológica da religião Os dois modelos são hermenêuticos pois operam a partir do conceito de interpretação e de dados tomados como símbolos signos e sintomas A Hermenêutica da fé constitui uma interpretação que procura reconstituir o sentido de um texto ou 135 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS discurso enquanto uma tentativa de apreender o sentido de uma manifestação sem nenhuma redução nem causal nem funcional Tratase da atitude básica de um cuidadoso ouvir o que é dito de apreender algo que se dá apenas pela manifestação ou texto o que pressupõe que o intérprete se submeta ao sentido que se dá por meio e apenas por meio do próprio texto ou símbolo Nessa postura o sentido que se oferece é um acontecimento que se subtrai à vontade do intérprete O modelo oposto é o da Hermenêutica da suspeita cuja atitude básica é desmistificar a consciência iludida e o sentido manifesto Marx Nietzsche e Freud segundo Ricoeur de diferentes modos procedem por meio de uma suspeita de que as aparências e evidências de sentido mentem e que a consciência imediata como ensinou Hegel na Fenomenologia do Espírito em geral é uma falsa consciência Por isso a operação de interpretação do que está dado como mundo de sentido não é propriamente uma recuperação e apreensão de sentido mas sim uma operação de dessignificação e de desciframento O que é posto em dúvida é a própria consciência significante Desse modo um texto ou símbolo é objeto de interpretação enquanto sintoma de um modo iludido e ilusório de constituição de sentido A atitude então não é a de ouvir e escutar mas ao contrário de dar um sentido outro ao sentido que o outro nos dá A ambiguidade do símbolo não é assim uma carência de univocidade mas a possibilidade de suportar e engendrar interpretações adversas e coerentes cada uma em si mesma As duas hermenêuticas uma voltada às ressurgências de significações arcaicas pertencentes à infância da humanidade e do indivíduo e outra à emergência de figuras antecipadoras 136 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS de nossa aventura propriamente espiritual não fazem outra coisa que desdobrar em direções opostas as parcelas de sentido contidas na linguagem rica e plena de enigmas que os homens inventaram e receberam para dizer sua angústia e sua esperança RICOEUR 1965 p 518 tradução nossa Desse modo Ricoeur ao recusar a interpretação por suspeição e aderir à compreensiva afastase daquelas hermenêuticas que tomam como objeto as semânticas do desejo e do poder com o argumento de que embora elas contenham uma semântica e sejam interpretativas ou seja embora elas sejam hermenêuticas seriam de modo ambíguo pois nelas a noção de sentido é tanto linguística quanto prélinguística Ao recusar essa ambiguidade Ricoeur dá coerência à sua posição ao assumir como cerne metódico a circunscrição da operação de interpretação ao âmbito do dado de texto ou de linguagem O seu diagnóstico é que esses autores da suspeita e da teoria da falsa consciência de algum modo tematizaram o cerne do problema hermenêutico que ele denomina nó semântico de toda Hermenêutica geral ou particular fundamental ou especial mas o fizeram de modo não semântico Esse viés semântico permanecerá o específico da concepção do autor mesmo quando ele reconhece um elemento prático Ricoeur delimita no texto de 1969 o conceito de interpretação conectandoo a um conceito estrito de símbolo Ele caracteriza esse conceito como toda estrutura de significação em que um sentido direto primário literal designa por acréscimo outro sentido indireto secundário figurado que só pode ser apreendido através do primeiro RICOEUR 1978 p 15 137 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Com essa proposição o campo hermenêutico fica circunscrito ao das expressões de duplo sentido Como correlato dessa determinação do campo hermenêutico o próprio conceito de interpretação é alinhado de modo a ter como domínio a mesma extensão do símbolo Desse modo Ricoeur define a interpretação como o trabalho de pensamento que consiste em decifrar o sentido oculto no sentido aparente em desdobrar os níveis de significação implicados na significação literal RICOEUR 1978 p 15 Essa opção o levará a recusar os conceitos de interpretação provenientes do século 19 que de algum modo ampliavam o seu campo de aplicação para além e aquém do plano simbólico cujos exemplares maiores são as propostas de Marx Nietzsche e Freud os quais cada um a seu modo sugeriram que o sentido e o significado manifestos das expressões se ancoram sim num outro sentido em geral oculto mas de ordem não simbólica econômica política fisiológica etc A Hermenêutica então é caracterizada a partir da reflexão sobre o sentido sendo a disciplina geral dessa reflexão Chamo aqui hermenêutica a toda disciplina que proceda por interpretação e dou ao termo interpretação seu sentido forte o discernimento de um sentido oculto num sentido aparente RICOEUR 1978 p 221 O sentido de que se trata aí não é primariamente nem o da experiência perceptiva nem o ideal alcançado por reflexão introspectiva mas o sentido que se dá por meio de mediadores simbólicos e linguísticos Desse modo Ricoeur fixa um conceito de interpretação hermenêutica delimitandoo em relação aos métodos empíricocausais e também aos métodos idealista e estruturalista O foco da Hermenêutica é o sentido que se 138 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS apresenta por meio de objetividades cuja origem é a própria atividade simbólica Ricoeur também aceita a tese de Heidegger pela qual o ver da visão fenomenológica já é sempre compreensão e interpretação O sentido prévio e inexplícito é a condição de toda compreensão e por conseguinte de toda a interpretação Ricoeur 1986 p 48 tradução nossa refere justamente que a condição mais fundamental do círculo hermenêutico reside na estrutura de précompreensão que diz respeito à relação de toda a explicitação à compreensão que a precede e a sustenta Nos Ensaios de Hermenêutica II Do texto à ação coletânea publicada em 1986 Ricoeur reafirma agora ainda com mais ênfase a relação metodológica entre sua Hermenêutica e a Fenomenologia A fenomenologia permanece a pressuposição incontornável da hermenêutica RICOEUR 1986 p 40 tradução nossa Essa tese não é senão a reafirmação de que a Hermenêutica opera com um sentido mediado por um outro sentido Ainda assim Ricoeur entende que o enxerto hermenêutico faz desmoronar a autocompreensão idealista da Fenomenologia de Husserl mas isso de modo algum significa uma recusa do método fenomenológico mas sim sua complementação Ficamos então com uma relação de complementariedade entre Fenomenologia e Hermenêutica semelhante àquela sugerida por Schleiermacher entre Dialética e Hermenêutica Hermenêutica e Fenomenologia Quais teses de Ricoeur o fazem pensar na necessidade de ultrapassar o Idealismo husserliano Essas teses esclarecem 139 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS com precisão as motivações de Ricoeur para introduzir o questionamento hermenêutico na descrição fenomenológica ao mesmo tempo que explicitam sua própria concepção dos fundamentos da Hermenêutica São elas i o ideal de cientificidade entendido pelo idealismo husserliano como justificação última reencontra seu limite fundamental na condição ontológica da compreensão ii A exigência husserliana de retorno à intuição se opõe à necessidade para toda compreensão de ser mediatizada por uma interpretação iii Que o lugar da fundação última seja a subjetividade que toda transcendência seja duvidosa e somente a imanência indubitável isso tornase por sua vez eminentemente duvidoso desde que parece que o cogito ele mesmo também pode ser submetido à crítica radical que a fenomenologia aplica de outro modo à todo aparecer iv Uma maneira radical de por em questão o primado da subjetividade é tomar por eixo hermenêutico a teoria do texto Na medida em que o sentido de um texto tornase autônomo em relação à intenção subjetiva de seu autor a questão essencial não é de reencontrar atrás do texto a intenção perdida mas de explicitar diante do texto o mundo que ele abre ou descobre v Se opondo à tese idealista da responsabilidade última de si do sujeito meditante a hermenêutica convida a fazer da subjetividade a última e não a primeira categoria de uma teoria da compreensão A subjetividade deve ser perdida como origem se ela deve ser reencontrada com um papel mais modesto do que aquele da origem radical vi se é verdadeiro que a hermenêutica se completa na compreensão de si devese retificar o subjetivismo desta proposição dizendo que se compreender é se compreender diante do texto RICOEUR 1986 p 4454 tradução nossa 140 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Desse modo Ricoeur indica seu afastamento em relação à Fenomenologia transcendental por se opor aos resquícios idealistas enquanto base para a Hermenêutica Tornase clara a adesão a uma forma de Hermenêutica que tem sua âncora metodológica no conceito de textualidade a partir do qual tanto os aspectos existenciais quanto os intencionais são enfraquecidos O sentido a ser apreendido e compreendido é sempre um sentido cujo regime de doação é da ordem da linguagem escrita Com efeito para Ricoeur a operação primária não é da ordem de um ver ou intuir imediato mas de uma operação simbólica pois a Hermenêutica opera não com o dado e o sentido imediatos mas com um âmbito de sentido dado por meio do signo linguístico mediado pela simbolização e que é por sua vez um meio para a apreensão de um sentido oculto ou estranho indicando haver problemas que a Fenomenologia não tem como apreender por uma questão de restrição metódica O ponto principal a ser destacado nas propostas de Ricoeur é a tese não fenomenológica de que não há compreensão de si que não seja mediatizada pelos signos símbolos e textos que a compreensão de si coincide em última análise com a interpretação aplicada a esses mediadores RICOEUR 1986 p 29 tradução nossa O acesso à compreensão de si e do mundo consiste na sua elaboração simbólica e sobretudo na interpretação das formações simbólicas herdadas da tradição principalmente da instituição das instituições a linguagem Contudo o deciframento das formações simbólicas nas quais estão contidos os ensinamentos do passado e a elaboração simbólica 141 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS da experiência vivida não são um objetivo final mas sim um momento de constituição do mundo efetivo dotado de sentido O que está em questão nesse deciframento e elaboração não é propriamente uma tarefa extramundana ao contrário tratase de um modo talvez o único de fazerse um mundo no qual podemos habitar como humanos as análises pressupõem sem cessar a convicção que o discurso não é jamais for its own sake para sua própria glória mas que quer em todos os seus usos levar à linguagem uma experiência uma maneira de habitar e de ser no mundo que a precede e exige ser dita RICOEUR 1986 p 34 tradução nossa A Hermenêutica portanto tem aqui uma dimensão primariamente prática e também se constitui teoreticamente como uma consideração metateorética da apreensão de sentido e da compreensão de significado de um signo símbolo texto ou ato Retomemos o modo como o conflito das interpretações se apresenta no texto de Ricoeur sempre como uma disputa metodológica no sentido preciso de uma disputa sobre as fontes básicas da significatividade Não se trata apenas de um conflito entre interpretações divergentes mas antes da tarefa de se estabelecer o próprio campo hermenêutico RICOEUR 1965 p 18 tradução nossa de reconhecer o contorno do campo hermenêutico RICOEUR 1965 p 19 tradução nossa ou o lugar da interpretação dita hermenêutica frente a outras formas de interpretação Tratase como se pode ver de estabelecer a especificidade do problema hermenêutico RICOEUR 1965 p 21 tradução nossa a qual passa pela distinção entre signo signe e símbolo 142 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS symbole sentido direto e imediato unívoco e sentido indireto e mediado equívoco todo signo é portador da função significante que faz com que ele valha por outra coisa Mas eu não diria que eu interpreto o signo sensível quando compreendo o que ele diz A interpretação se refere a uma estrutura intencional de segundo grau que supõe que um primeiro sentido esteja constituído onde alguma coisa é visada em primeiro lugar mas onde esta coisa reenvia à outra coisa que não é visada senão por ela RICOEUR 1965 p 21 tradução nossa Ricoeur recusa a valência de qualquer externalidade à linguagem de modo que não é possível recuar para um plano extralinguístico seja o da intuição pura seja o da vivência imediada seja o da percepção direta Antes o esforço hermenêutico está dirigido e orientado ao retorno à palavra viva e à vivacidade da palavra como única forma de pensar e refletir de modo não idealista fazendo o pensamento retornar ao pleno da palavra simplesmente entendida este retorno ao imediato não é um retorno ao silêncio mas bem à palavra ao pleno da linguagem Não à palavra inicial imediata ao enigma passado mas a uma palavra instruída por todo o processo de sentido Por isso essa reflexão concreta não comporta nenhuma concessão ao irracional à efusão A reflexão faz retorno à palavra e permanece ainda reflexão quer dizer inteligência de sentido a reflexão tornarse hermenêutica esta é única maneira que ela pode tornarse concreta e não pré crítica é uma douta inocência RICOEUR 1965 p 478 tradução nossa Com essa decisão metódica Ricoeur reafirma a principal diretriz da Hermenêutica moderna qual seja de que o que pode ser compreendido e emerge como tendo sentido já é da ordem do linguístico mais especificamente algo que pode 143 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS ser apreendido e manipulado como um texto e que no final se estrutura como uma narrativa Com efeito no artigo O modelo do texto a ação com sentido considerada como um texto RICOEUR 1986 p 183211 essa concepção é posta como a base não apenas da compreensão de expressões linguísticas escritas mas também das próprias ações as quais são pensadas na sua exteriorização como comparáveis à fixação da escrita O que Ricoeur assim sugere é que ao se destacar de seu agente a ação adquire uma autonomia análoga à autonomia de um texto ela deixa um traço uma marca RICOEUR 1986 p 28 tradução nossa Desse modo ação e pensamento são concebidos como externalizados e estruturados como textos e por conseguinte não mais submetidos aos regimes das vivências subjetivas A autonomia do texto Um tema central da contribuição de Ricoeur é o da autonomia semântica do texto calcada nas propriedades da linguagem escrita A escrita encontra aqui seu mais notável efeito a libertação da coisa escrita relativamente à condição dialogal do discurso O resultado é que a relação entre escrever e ler não é mais um caso particular de relação entre falar e ouvir Essa autonomia se dá de forma tríplice com referência à intenção do autor à situação cultural e a todos os condicionamentos sociológicos da produção do texto e enfim ao destinatário primitivo O que significa que o texto não coincide mais com aquilo que o autor queria dizer Significação verbal e mental possuem destinos diferentes Essa primeira modalidade de autonomia já implica a possibilidade de a coisa do texto escapar ao horizonte intencional limitado de seu autor 144 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS e de o mundo do texto fazer desmoronar o mundo de seu autor RICOEUR 1988 p 135 O texto é aquele tipo de obra que sobrevive como significante para além do mundo em que foi criado de modo independente em relação à situação psicológica do autor e às condições sociológicas de sua produção Isso significa dizer que um texto é capaz de ser significativo em outro contexto ou mundo ao poder ser recontextualizado por um ato de leitura Ricoeur retira dessa análise do texto uma lição deveras importante para a Hermenêutica Com efeito na sua fundação moderna em Schleiermacher a Hermenêutica foi construída tomando como base a natureza da linguagem e das condições fundamentais da relação entre o falante e o ouvinte SCHLEIERMACHER 2000 p 64 Dilthey por sua vez enfatizou o enraizamento no plano psicológico do conteúdo expresso de modo que o processo de compreensão era concebido como uma revivência do vivido pelo autor estando aí implicado um processo de simpatia entre duas subjetividades o qual pressupõe uma transposição para o interior seja para o interior de uma outra pessoa ou de uma obra DILTHEY 2010 p 196 Todavia já aí esse processo encontra na linguagem escrita o seu meio principal já que a vida espiritual só encontra na linguagem a sua expressão plena completa e por isso passível de apreensão objetiva a exegese se consuma na interpretação dos resíduos da existência humana contidos na escrita DILTHEY 2010 p 200 Já na teorização de Gadamer em Verdade e método o papel da escrita embora presente no mesmo sentido empregado por Dilthey é minorado frente à ênfase dada ao diálogo vivo é só na conversação que a linguagem possui seu autêntico ser no 145 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS exercício do entendimento mútuo GADAMER 2005 p 575 O conceito mesmo de linguagem é remetido à experiência da fala ela é a linguagem que nossa essência histórica finita assume quando apreendemos a falar GADAMER 2005 p 614 Em última instância a compreensão e a interpretação de textos para Gadamer resta cativa do modelo do diálogo entre um eu e um tu mas de maneira deficitária pois distinguese dessa experiência primária na medida que um texto não nos fala como o faria um tu GADAMER 2004 p 398 Ainda assim Gadamer coloca o entendimento que acontece na conversação ao vivo como paradigma a ponto de dizer que na leitura de um texto do passado a compreensão adequada não recorre a fatos objetivos como nas ciências mas pelo que queria dizer se eu tivesse sido seu interlocutor originário GADAMER 2004 p 398 de tal modo que é no movimento da conversa em que a palavra e o conceito primeiramente vêm a ser o que eles são GADAMER 2005 p 24 GADAMER 2004 p 447 Essa remissão dos conceitos hermenêuticos à experiência do diálogo na teoria de Ricoeur não é mais satisfatória para a experiência de sentido e também não é adequada em relação ao próprio fenômeno da expressão escrita O resultado é que a mediação do texto não poderá ser tratada como uma extensão da situação dialógica De fato no diálogo o visàvis do discurso é dado de antemão pelo próprio colóquio Com a escrita transcendese o destinatário original Para além deste a obra cria para si uma audiência virtualmente estendida a todo aquele que sabe ler RICOEUR 1988 p 136 Com esse desprendimento da situação viva do diálogo e das condições sociais de produção a linguagem escrita instaura a dimensão na qual se torna efetiva a distância crítica 146 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS no interior mesmo do processo interpretativo pois de saída o distanciamento está garantido pela própria mediação da escritura A linguisticidade da experiência hermenêutica é então pensada também como escrituralidade e textualidade como efeito da escritura e também como tendo como condição a escritura efeito e condição estes que ultrapassam a situação do diálogo e escapam das restrições da conversação face a face Desse modo Ricoeur sugere que é possível desenvolver um conceito de objetividade para a compreensão que supera a dicotomia entre compreensão de expressões do espírito e explicação de fatos empíricos da natureza tal como havia proposto Dilthey O cerne da proposta de Ricoeur está na percepção de que com a escrita a intenção do autor e o significado do texto deixam de coincidir a ponto de ser possível perguntarse pelo que um texto significa sem que para isso seja preciso conhecer o que o autor quis dizer quando o escreveu RICOEUR 1987 p 41 A relevância hermenêutica dessa potência da linguagem escrita é decisiva para compreender a tarefa da interpretação como não sendo apenas a reconstrução das intenções do autor ao mesmo tempo que indica o caminho da correta apreensão dos efeitos e percursos históricos que uma obra escrita perfaz estes obviamente não apreensíveis de modo algum pela descrição psicológica e intencional dos atos e da consciência e da ação do autor original Todavia adverte Ricoeur não se trata de agora eliminar o fato de um texto ser escrito por alguém para dizer alguma coisa a outrem Se a consideração correta do que é um texto e da potência da linguagem escrita permite que se evite a falácia intencional a qual supõe que a intenção do autor é o único 147 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS critério de validação para qualquer interpretação ela contudo não pode nos levar à falácia do texto absoluto que consiste em hipostasiar o texto como se ele fosse uma entidade independente de autor Se a falácia intencional passa por alto a autonomia semântica do texto a falácia contrária esquece que num texto permanece um discurso dito por alguém dito por alguém a mais alguém acerca de alguma coisa É impossível eliminar de todo esta característica principal do discurso sem reduzir os textos a objetos naturais isto é coisas que não são feitas por alguém mas que como calhaus se encontram na areia RICOEUR 1987 p 42 Ricoeur leva este ponto tão longe quanto possível até fazer com que a Hermenêutica deixe de se pautar pelo diálogo A hermenêutica começa onde o diálogo acaba RICOEUR 1987 p 43 Nesse aspecto a sua Filosofia hermenêutica mantém a noção de conflito como o fundo por sobre o qual as pretensões de sentido têm de ser apreendidas e avaliadas Frente à Hermenêutica tradicional mesmo aquela de Gadamer que insiste na comunalidade e na comunicabilidade enquanto bases para a compreensão Ricoeur indica que o esforço hermenêutico implica um conflito de pretensões de sentido e de interpretações anterior e fundante do próprio diálogo O que vem à fala e faz divergirem os diferentes atores configurandose como linguagem mantémse autônomo mas ainda assim é algo feito e construído e não um acontecimento exterior ao agir e pensar humanos As leituras indicadas no Tópico 3 3 tratam das teorias de Paul Ricoeur Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 148 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 1 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte do material 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é a condição necessária e indispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 HEIDEGGER E OS ASPECTOS ONTOLÓGICOS DA HERME NÊUTICA Para compreender melhor os conceitos hermenêuticos propostos por Heidegger e sua importância para a história de formação da Hermenêutica filosófica contemporânea você pode ler os seguintes textos GRONDIN J Virada existencial da hermenêutica em Heidegger In Hermenêutica Trad M Marcionilo São Paulo Parábola 2012 p 3753 Disponível em httpsdocerocombrdocn1cvvx0 Acesso em 21 ago 2020 PALMER R Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 p 129144 capítulo 9 Disponível em httpsdocero combrdoc15cs Acesso em 20 ago 2020 149 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS REIS R R Lagarteando problemas ontológicos e semânticos na Hermenêutica da natureza viva de Heidegger Filosofia Unisinos v 11 n 3 p 225243 setdez 2010 Disponível em httprevistasunisinos brindexphpfilosofiaarticleview4649 Acesso em 21 ago 2020 SEIBT C L A Hermenêutica heideggeriana e a questão do conhecimento Conjectura Filosofia e Educação Caxias do Sul v 21 n 1 p 188214 janabr 2016 Disponível em httpwwwucsbretcrevistasindex phpconjecturaarticleview3845 Acesso em 21 ago 2020 SCHMIDT L K Hermenêutica Petrópolis Vozes 2014 p 78119 capítulo 3 Disponível na Biblioteca Virtual Pearson 32 A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE GADAMER A obra de Gadamer constitui o paradigma hermenêutico atual Para uma melhor compreensão de suas teorias sugerese a leitura dos seguintes textos PALMER R Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 p 197219 capítulo 12 Disponível em httpsdocero combrdoc15cs Acesso em 20 ago 2020 ROHDEN L Hermenêutica filosófica entre Heidegger e Gadamer Natureza humana São Paulo v 14 n 2 p 1436 2012 Disponível em httppepsic bvsaludorgscielophpscriptsciarttextpid S151724302012000200002 Acesso em 21 ago 2020 150 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS SALES J E P Précompreensão e círculo hermenêutico em Rudolf Bultmann investigações sobre as influências em HansGeorg Gadamer Ekstasis v 6 n 1 p 139162 2017 Disponível em2 httpswwwepublicacoes uerjbrindexphpEkstasisarticleview30173 Acesso em 21 ago 2020 SCHMIDT L K Hermenêutica Petrópolis Vozes 2014 p 140166 capítulo 5 Disponível na Biblioteca Virtual Pearson 33 A HERMENÊUTICA CRÍTICA DE PAUL RICOEUR As propostas hermenêuticas de Paul Ricoeur juntamente com as de Gadamer delineiam o paradigma atual em Hermenêutica Para um aprofundamento nas suas teorias você pode fazer as seguintes leituras GRONDIN J Paul Ricouer uma hermenêutica do si histórico diante do conflito das interpretações In Hermenêutica Trad M Marcionilo São Paulo Parábola 2012 p 93112 Disponível em https docerocombrdocn1cvv08 Acesso em 21 ago 2020 OLIVEIRA R C A legitimação da Hermenêutica Fenomenológica de Paul Ricoeur Ekstasis v 2 n 1 p 6983 2013 Disponível em httpswwwepublicacoes uerjbrindexphpEkstasisarticleview6086 Acesso em 21 ago 2020 TAVARES M Paul Ricoeur e um novo conceito de interpretação da Hermenêutica dos símbolos à hermenêutica do discurso Veritas v 63 n 2 p 436 457 2018 Disponível em httprevistaseletronicas 151 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS pucrsbrojsindexphpveritasarticleview30078 Acesso em 23 ago 2020 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder às questões a seguir você deverá revisar os conteúdos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Explique o significado da transformação ontológica da Hermenêutica proposta por Martin Heidegger 2 Explique o que é uma interpretação válida pela teoria de Gadamer e o que explica a diversidade de interpretações de uma mesma obra 3 Explique qual é a relevância do diálogo na Hermenêutica filosófica de Gadamer e qual é sua função hermenêutica 4 Explique qual é o papel da linguagem escrita na Filosofia hermenêutica de Paul Ricoeur 5 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade foram apresentados alguns conceitos e teorias básicas relativos à Hermenêutica concebida como uma teoria filosófica básica que diz respeito à condição humana Os conceitos e fatos hermenêuticos são postos por Heidegger e Gadamer na base da Filosofia inteira por indicarem a condição existencial ou ontológica universal do humano Desse modo os problemas de Hermenêutica afetariam todo o campo do saber e também todo o campo do existir humano 152 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Para melhor compreender essa virada ontológica da Hermenêutica no século 20 complemente os estudos com as leituras indicadas nas Orientações para o estudo da unidade e no Conteúdo Digital Integrador A próxima unidade apresentará os debates e críticas contemporâneos nos quais se colocam em questão as pretensões universalizantes da Hermenêutica filosófica e sobretudo a validade de seus procedimentos 6 EREFERÊNCIAS Sites consultados OLIVEIRA R C A legitimação da Hermenêutica Fenomenológica de Paul Ricoeur Ekstasis v 2 n 1 p 6983 2013 Disponível em httpswwwepublicacoesuerjbr indexphpEkstasisarticleview6086 Acesso em 21 ago 2020 PICOLI A Linguagem universal e universalidade da língua dois modos de dar se de sentido Tese Doutorado em Filosofia Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2018 Disponível em httpsrepositorioufscbr handle123456789189921 Acesso em 21 ago 2020 REIS R R Lagarteando problemas ontológicos e semânticos na Hermenêutica da natureza viva de Heidegger Filosofia Unisinos v 11 n 3 p 225243 setdez 2010 Disponível em httprevistasunisinosbrindexphpfilosofiaarticleview4649 Acesso em 21 ago 2020 ROHDEN L Hermenêutica filosófica entre Heidegger e Gadamer Natureza humana São Paulo v 14 n 2 p 1436 2012 Disponível em httppepsicbvsaludorgscielo phpscriptsciarttextpidS151724302012000200002 Acesso em 21 ago 2020 SALES J E P Précompreensão e círculo hermenêutico em Rudolf Bultmann investigações sobre as influências em HansGeorg Gadamer Ekstasis v 6 n 1 p 139 162 2017 Disponível em httpswwwepublicacoesuerjbrindexphpEkstasis articleview30173 Acesso em 21 ago 2020 SEIBT C L A Hermenêutica heideggeriana e a questão do conhecimento Conjectura Filosofia e Educação Caxias do Sul v 21 n 1 p 188214 janabr 2016 Disponível em httpwwwucsbretcrevistasindexphpconjecturaarticleview3845 Acesso em 21 ago 2020 153 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS TAVARES M Paul Ricoeur e um novo conceito de interpretação da Hermenêutica dos símbolos à hermenêutica do discurso Veritas v 63 n 2 p 436457 2018 Disponível em httprevistaseletronicaspucrsbrojsindexphpveritasarticleview30078 Acesso em 23 ago 2020 ZABEU G M A Hermenêutica filosófica e o ensino de Filosofia Tese Doutorado em Filosofia Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2018 Disponível em httpsrepositorioufscbrhandle123456789194705 Acesso em 21 ago 2020 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BULTMANN R Jesus Cristo y Mitologia Trad Ramón Alaix y Eduardo Sierra 1 ed Barcelona Ariel 1970 CHLADENIUS J M Einleitung zur richtiger Auslegung vernunftiger Reden und Schriften Leipzig Friedrich Landisches Erben1742 CHLADENIUS J M Allgemeine Geschichtswissenchaft Leipzig Friedrich Landisches Erben 1752 DESCARTES R Meditações dobre a filosofia primeira Trad Fausto Castilho Edição bilíngue 1 ed São Paulo Editora da Unicamp 2004 DILTHEY W A construção do mundo histórico nas Ciências Humanas São Paulo Editora da UNESP 2010 GADAMER HG Hermenêutica da obra de arte Sel trad M A Casanova São Paulo Martins Fontes 2010 GADAMER HG Hermenêutica em retrospectiva Volume II a virada hermenêutica Trad M A Casanova Petrópolis Vozes 2007 GADAMER HG Verdade e método I traços fundamentais de uma Hermenêutica filosófica Trad F P Meurer e E P Giachi 7 ed Petrópolis Vozes 2005 GADAMER HG Verdade e método II complementos e índice Trad E P Ciachi e M C Schuback 2 ed Petrópolis Vozes 2004 GREISCH J Lâge herméneutique de la raison Paris Éditions du Cerf 1985 GRONDIN J Hermenêutica Trad M Marcionilo São Paulo Parábola 2012 HEIDEGGER M Ser e tempo Trad Márcia S Cavalcante Petrópolis Vozes 2001 HEIDEGGER M Zur Bestimmung der Philosophie GA 5657 Frankfurt am Main Vittorio Klostermann 1987 154 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS HUSSERL E Idéias para uma Fenomenologia pura e para uma Filosofia fenomenológica introdução geral à Fenomenologia pura Trad C A R de Moura Aparecida Idéias Letras 2006 KANT I Crítica da Razão Pura Trad Manuela Pinto dos Santos e Alexandre F Morujão Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 2001 KAHLMEYERMERTENS R S 10 lições sobre Gadamer Petrópolis Vozes 2017 MISCH G Der Aufbau der Logik auf dem Boden der Philosophie des Lebens Hsgb G HühneBertam und F Rodi München Alber 1994 NIETZSCHE F W Genealogia da moral Trad P C Souza São Paulo Brasiliense 1988 NIETZSCHE F W Além do bem e do mal São Paulo Companhia das Letras 1992 PALMER R E Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 RICOEUR P De linterprétation essai sur Freud Paris Éd du Seuil 1965 RICOEUR P Du texte a laction essais dherméneutique II Paris Ed du Seuil 1986 RICOEUR P Ecrits et Conférences 2 Herméneutique Paris Ed du Seuil 2010 RICOEUR P Interpretação e ideologias Trad H Japiassu Rio de Janeiro Francisco Alves 1988 RICOEUR P O conflito das interpretações ensaios de Hermenêutica Rio de Janeiro Imago 1978 RICOEUR P Percurso do reconhecimento Trad N N Campanário São Paulo Loyola 2006 RICOEUR P Tempo e narrativa Campinas Papirus 1994 3v RICOEUR P Teoria da Interpretação Trad Artur Morão Lisboa Edições 70 1976 RICOEUR P Teoria da Interpretação Trad Artur Morão Lisboa Edições 70 1987 RISSER J Language and alterity In KEANE N LAWN C Eds The Blackwell Companion to Hermeneutics Hoboken WileyBlackwell 2016 p 122129 SCHMIDT L K Hermenêutica Trad F Ribeiro 3 ed Petrópolis Vozes 2014 SCHLEIERMACHER Friedrich D Hermenêutica arte e técnica da interpretação trad org C R Braida Petrópolis Vozes 2000 155 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA Objetivos Realizar uma introdução às críticas à Hermenêutica filosófica Apresentar as teses sobre a Hermenêutica de Emilio Betti Eric D Hirsch e KarlOtto Apel Apresentar o problema das relações entre as pretensões de sentido e as de validade na interpretação Conteúdos O conceito de validação de interpretação A questão da diversidade de interpretações e a diferença entre verdade e validade Atitude crítica na compreensão e na interpretação Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 A leitura desta obra deve ser vista como uma indicação dos termos e tópicos a serem estudados e aprofundados procure outras informações e apresentações desses assuntos nos livros indicados nas referências bibliográficas e em sites confiáveis Lembrese de que na modalidade EaD o engajamento pessoal e a organização pessoal dos estudos são fatores determinantes para o seu crescimento intelectual 2 A compreensão adequada dos temas e conceitos de Hermenêutica está associada ao domínio de vários outros conteúdos e competências incluindo UNIDADE 4 156 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA vários domínios de conhecimento Para adquirir uma competência mínima são necessários conhecimentos básicos de Teoria da Linguagem de Historiografia e de Humanidades Uma referência bibliográfica básica são os seguintes livros APEL KO Transformação da Filosofia I São Paulo Martins Fontes 2000 RICOEUR P Teoria da interpretação Trad Artur Morão Lisboa Edições 70 1976 3 O estudo sistemático de qualquer assunto exige organização e um trabalho de esquematização dos conceitos e teorias Por isso anote os termos principais usados na unidade faça mapas conceituais e busque fixar o sentido em que são usados e sobretudo qual função ou papel teórico esses conceitos exercem na teoria Consulte dicionários e outros textos para elaborar e aprofundar a caracterização desses termos registrando as frases em que eles ocorrem e as diferenças de uso entre os autores 157 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA 1 INTRODUÇÃO Nesta unidade serão apresentados alguns tópicos relacionados a debates teóricos atuais em Hermenêutica Esses tópicos dizem respeito à compreensão linguística e também aos aspectos pragmáticos da compreensão em geral Embora tenham sido abordados nas grandes teorias fundadoras de Schleiermacher e Dilthey as contribuições e acréscimos provenientes dos estudos linguísticos e teorias da ação fazem parte hoje das discussões hermenêuticas e estão incorporadas nas teorias recentes como é o caso das teorizações de E Betti E D Hirsch e KO Apel O aspecto mais relevante está no posicionamento crítico em relação às pretensões de universalidade de alguns hermeneutas e também no delineamento da reflexão hermenêutica como capaz de embasar uma atitude crítica frente a pretensões de validade e objetividade na interpretação As propostas hermenêuticas e filosóficas de Heidegger e Gadamer receberam fortes críticas no que diz respeito aos problemas e procedimentos de interpretação sobretudo em referência ao deslocamento da teoria hermenêutica para fora das discussões metodológicas da interpretação de textos O elemento central dessas críticas tem seu ponto fundamental na ideia de que a concepção existencial e ontológica da Hermenêutica implicaria a impossibilidade do ajuizamento crítico das diferentes interpretações em termos objetivos Destacamse nesse aspecto as objeções dos hermeneutas Emilio Betti e Eric D Hirsch Esta unidade tratará dessas objeções em detalhe 158 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma sucinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteúdo Digital Integrador 21 OS PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS DE E BETTI O jurista e filósofo Emilio Betti 18901968 autor de uma extensa obra sobre Direito romano e teoria e Filosofia do Direito marca a história do pensamento hermenêutico com uma obra ímpar por seu rigor e completude teórica na qual apresenta uma teoria hermenêutica abrangente dentro do marco metodológico iniciado por Schleiermacher e Dilthey Destacamse o livro Teoria generale della interpretazione publicado em 1955 e os opúsculos Zur Grundlegung einer allgemeinen Auslegungslehre de 1954 e Attualità di una teoria generale dellinterpretazione 1967 nos quais Betti delineia um método de interpretação pelo qual seria possível garantir a objetividade e a validade de modo racional e fundamentado Betti mantémse firmemente vinculado à Hermenêutica metodológica que enquanto reconhece e descreve os momentos de constituição e apreensão de sentido se impõe também a tarefa de fornecer procedimentos e critérios para a adjudicação da validade e também da correção de interpretações capazes de orientar a compreensão em meio a condições históricas diferentes no momento de novas aplicações Esse imperativo advém sobretudo do interesse de que sua teoria hermenêutica pudesse ser um instrumento de fundamentação da Hermenêutica jurídica Em franca oposição 159 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA às hermenêuticas existenciais e fenomenológicas Betti apontava como uma deficiência metodológica grave a ausência de uma explicação razoável para o procedimento de circunstanciação da interpretação em novas situações de modo a não ser uma decisão arbitrária ou subjetiva do intérprete Para resolver esse problema Betti estabelece quatro regras básicas nas quais estão embutidos os princípios fundantes de sua teoria hermenêutica A aplicação refletida dessas quatro regras conformaria uma base segura para a correção formal e material das interpretações decisões e aplicações A regra da autonomia hermenêutica ou da imanência do critério hermenêutico a partir do qual o sentido a ser apreendido deverá ser o sentido original imanente do texto e não a projeção do intérprete Sensus non est inferendus sed efferendus A regra da totalidade e da coerência significativa interna do objeto hermenêutico regra que incita a considerar até prova em contrário o texto a ser interpretado como um todo coerente e concordante A regra da atualidade da compreensão segundo a qual o intérprete deve perseguir em um sentido inverso na sua própria subjetividade o processo de criação e tentar reconstruir e traduzir a partir de seu interior um pensamento estranho um trecho do passado ou uma lembrança vivida na sua própria atualidade vital e interioridade A regra da adequação da compreensão ou da correspondência e da congenialidade hermenêutica que ensina que o intérprete deverá se esforçar para colocar a sua própria atualidade vivida em acordo e em estreita harmonia com a mensagem que lhe chega do objeto de maneira tal que sujeito e objeto assim harmonizados vibrem em uníssono BETTI 1955 p 304320 passim tradução nossa 160 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA A inteira proposta de Betti 1955 p 59 está ancorada no conceito de forma representativa cujo papel teórico é fundamentar os aspectos objetivos da interpretação hermenêutica ao mesmo tempo que indica o pertencimento histórico a uma comunidade de falantes seja do autor dessa forma seja do intérprete Propriamente não pode ocorrer uma compreensão ou interpretação sem a presença de uma forma representativa BETTI 1955 p 62 tradução nossa Um caso exemplar de forma representativa são os códigos e leis Essas formas representativas correspondem às exteriorizações e manifestações do espírito enquanto respostas a uma dada situação BETTI 1955 p 2 tradução nossa e que para o autor e também para o intérprete se apresentam como um horizonte circunscrito e condicionado historicamente Betti fundamenta a sua teoria da interpretação com base em uma tese idealista da objetividade da compreensão Essa teoria pretendia valer para todos os tipos de interpretação os quais Betti subdivide em três espécies que indicam uma hierarquia de complexidade a interpretação como mero reconhecimento de um conteúdo ou pensamento objetivado em alguma forma representativa como é o caso exemplar da Filologia e da Historiografia a interpretação como apresentação e reprodução como é o caso das interpretações nas artes dramáticas musicais e na tradução nas quais se quer fazer entender um pensamento e reapresentálo a interpretação em função normativa como é o caso no Direito e na Teologia cujas ações de interpretar um texto têm por objetivo a aplicação atual e nas quais a 161 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA apreensão do sentido ou pensamento tem uma função normativa e prática para uma ação atual No caso das interpretações jurídica e teológica não basta o reconhecimento e a reprodução do sentido ou do pensamento original codificado em uma forma representativa Para além desse momento reprodutivo o intérprete precisa tornar operacional e aplicável outra vez aquele sentido ou pensamento transformandoo e adaptandoo às exigências da situação atual Aqui portanto o intérprete não termina de cumprir seu objetivo quando reconstrói a ideia originária da fórmula legislativa coisa que antes de tudo deve fazer mas deve depois disso pôr em acordo aquela ideia com a atualidade presente infundindolhe a vida que essa contém pois é justamente a ela que a valoração normativa deve ser referida BETTI 2018 p 43 tradução nossa Para fundamentar a objetividade dessa operação que precisa recuperar o conteúdo original e também reaplicá lo à situação atual Betti distingue dois planos diferentes de objetividade a que o intérprete precisa responder e interligar o plano da objetividade real ou fenomênica que corresponde ao vivido e à experiência histórica e o da objetividade ideal das condições estruturais no qual estariam os valores pensamentos e conceitos Com efeito Betti assume a possibilidade de um parâmetro ideal Os valores éticos ou estéticos juntos com as categorias lógicas pertencem a uma segunda dimensão de objetividade que não é aquela meramente fenomênica mas que não menos que esta distinguese da subjetividade da consciência uma objetividade que configurando um modo de ser não fenomênico da espiritualidade pode bem qualificarse ideal Longe de ser uma criação arbitrária do eu pensante individual e fruto de uma valoração meramente subjetiva os valores do espírito 162 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA constituem uma objetividade ideal que obedece infalivelmente uma lei própria BETTI 1955 p 11 tradução nossa A partir desse posicionamento Betti apresentou uma das primeiras críticas à Hermenêutica filosófica fenomenológico existencial de Heidegger e Bultmann por ver nela uma inversão entre interpretar e compreender a qual tornaria a interpretação e a aplicação dependentes de uma compreensão prévia incontrolável pelo intérprete e portanto não passível de revisão O ponto da crítica de Betti é que o sentido objetivo não é um efeito da compreensão mas sim o seu pressuposto e é tarefa da interpretação alcançálo de modo a reconhecêlo reproduzilo e aplicálo na situação presente Contra Gadamer Betti procurou mostrar que em Verdade e método se dilui e confunde o significado Bedeutung de um texto com a significação Bedeutsamkeit que ele possa ter para um leitor ou outro já que para Gadamer interpretar é sempre interpretar diferente não havendo portanto a possibilidade de se falar de uma interpretação objetiva e correta Nesse sentido Betti reafirma a orientação que determinou a história da Hermenêutica como uma disciplina metodológica de validação de interpretações em contextos de conflitos quanto ao sentido de um texto A teoria da interpretação proposta por Betti tem seu eixo na busca da compreensão objetiva do sentido de uma forma representativa especialmente de textos cuja interpretação tem consequências e aplicações para a situação atual do intérprete Embora admitisse que este deve manter a diferença entre a significação original e a atual essa teoria está orientada de antemão para a compreensão do significado intencional do sentido visado pelo autor e dos agentes históricos como ponto de partida do processo interpretativo As formas representativas 163 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA como textos e obras são objetivações do espírito e assim possuem um sentido fixado que teria de ser recuperado com procedimentos objetivos mesmo que esse sentido seja depois objeto de valorações e interpretações diferentes A partir dessa posição conquanto Heidegger e Gadamer e também Dilthey recusem justamente esse aspecto fixo do sentido e do significado abdicando de qualquer sentido original Betti entende que suas respectivas hermenêuticas implicam o relativismo e o subjetivismo pois em última instância a validação de uma interpretação seria sempre uma questão de pertencimento a tradições e vinculação histórica Para além disso o que Betti recusa propriamente é a transformação da Hermenêutica em um componente ontológico avesso a qualquer procedimento metódico e racional de decisão e escolha em termos de validade e objetividade entre as diferentes interpretações no sentido de não haver como decidir entre uma correta e outra incorreta o que para ele acarretava a deslegitimação científica de todo o campo das Ciências Humanas As leituras indicadas no Tópico 31 tratam a disputa de Gadamer e Betti sobre os aspectos metodológicos da Hermenêutica Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 22 A HERMENÊUTICA CRÍTICA DE E D HIRSCH O teórico americano E D Hirsch 1928 defende uma Hermenêutica objetiva sobretudo no campo dos estudos literários Foi um dos primeiros a resenhar e criticar a Hermenêutica 164 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA filosófica apresentada por Gadamer em Verdade e método Nos livros Validity in interpretation Validade na Interpretação de 1967 Hirsch defendeu uma teoria da interpretação cuja principal característica é tornar possível a validação validation o que constituiria a tarefa fundamental da interpretação como uma disciplina e que seria uma tarefa distinta da compreensão understanding a compreensão elabora uma construção de sentido o trabalho de validação consiste em avaliar as diversas construções que a compreensão produziu HIRSCH 1967 p 170 tradução nossa O processo de validade de interpretações contudo implica justamente o reconhecimento de que a correção mesma de uma dada interpretação não é ela mesma certificável em última instância como já havia proposto Schleiermacher ao estabelecer que não há regras para a aplicação das regras de interpretação Hirsch aceita essa condição como uma decorrência do círculo hermenêutico enquanto condição inextirpável do processo de leitura e interpretação de qualquer texto pois cada parte do texto precisa ser compreendida no contexto do inteiro texto e este tanto a partir da compreensão de todas as suas partes quanto a partir do contexto histórico mais amplo enquanto ele mesmo é parte dos fatos linguísticos e culturais de uma situação histórica Sob este aspecto tanto o texto quanto o seu contexto são indeterminados e inabarcáveis quanto às possíveis leituras e interpretações Ainda assim Hirsch defende ser sempre possível mostrar qual dentre várias interpretações é mais plausível procedendose com base no ajuizamento das probabilidades a partir das evidências disponíveis Isso significa dizer que as noções de interpretação e de compreensão e suas correlatas 165 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA de sentido e de significado implicam sempre e assim é como lidamos em nossas práticas desde os antigos a possibilidade de crítica e correção No processo interpretativo Hirsch 1967 p 203 distingue dois momentos com o primeiro constituindose pela proposição de palpites e conjecturas para o qual não há método nem regras o que corresponde ao momento da descoberta e da invenção O que Hirsch propõe é que há sim princípios de validação que podem ser explicitados e justificados os quais incidiriam no segundo momento do processo interpretativo que é o da validação das conjecturas e suposições feitas no primeiro momento A base por sobre a qual esses princípios são erigidos está no peso e na relevância das evidências interpretativas Hirsch caracteriza assim esses princípios Para fazer uma avaliação confiável todas as evidências relevantes internas e externas devem ser consideradas A admissibilidade da evidência é determinada pelo critério de relevância Evidência relevante é a que ajuda a definir uma classe sob a qual o objeto de interpretação uma palavra ou um texto inteiro pode ser incluído O peso relativo ou confiabilidade de um julgamento baseado nessas evidências é determinado pela relativa estreiteza da classe pela abundância de instâncias dentro da classe e pela frequência relativa do traço entre as instâncias Um julgamento baseado em uma classe mais estreita é sempre mais ponderado ou confiável do que um baseado em uma classe mais ampla por menor que seja a classe mais estreita HIRSCH 1967 p 197198 tradução nossa Para Hirsch as regras e os cânones tradicionais da interpretação tais como os propostos por Schleiermacher são inadequados para a adjudicação da validade entre interpretações concorrentes A argumentação de Hirsch para justificar esses princípios parte do fato de que o intérprete busca o sentido do 166 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA texto o qual seria determinado pelo seu autor Com efeito Hirsch 1967 p 207 defende que de qualquer modo o problema geral da interpretação é o de advinhar o que o autor quis dizer com determinada frase ou com seu texto Nesse ponto Hirsch se contrapõe à tese da autonomia semântica do texto que ele associa às teorias hermenêuticas provenientes da influência de Heidegger e Gadamer Contra essa autonomia Hirsch mantém o caráter normativo da intenção do autor frente a qualquer interpretação ou leitura pois do contrário o papel do autor seria usurpado pelo crítico ou leitor Ainda assim Hirsch reconhece os problemas associados à recuperação e à consideração da intenção do autor no processo interpretativo Ele elenca quatro tópicos já clássicos na Hermenêutica e nos estudos literários Contra o privilégio normativo da intenção do autor podese mostrar primeiro que o significado de um texto muda inclusive para o próprio autor segundo que o autor pode ter pretendido mas não conseguido expressar um sentido ou significado terceiro que de qualquer modo o significado do autor é inacessível e não disponível no momento da leitura do texto por fim que o próprio autor não tem controle e não sabe o que quer dizer e disse com seu texto Todavia apesar dessas dificuldades Hirsch entende que se busca interpretar e compreender justamente a intenção e o sentido do autor E embora eles sejam difíceis de estabelecer não seria impossível fazêlo Para isso a teoria do significado de Hirsch de saída supõe a publicidade do sentido e da linguagem e também que o sentido é consciente conquanto o autor em geral sabe o que quer dizer Além disso os textos são reproduzíveis e em grande medida objetos determinados ou ao menos determináveis 167 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA A partir dessa visada Hirsch distingue o sentido codificado no texto e o significado que esse sentido tem para um leitor argumentando que o sentido de um texto é fixo e apenas o significado é variável Essa distinção embasa a principal crítica que Hirsch dirige à Hermenêutica filosófica sobretudo aquela defendida por Gadamer Tal como E Betti a acusação é que ao não fazer a distinção entre sentido e significado Gadamer incorre em um historicismo relativista incontornável que implica a impossibilidade de se decidir por uma ou outra interpretação e que resulta na perda permanente dos sentidos originais com os quais os autores do passado escreveram seus textos pois sempre os compreenderíamos a partir unicamente do nosso horizonte de sentido Contra essa relativização e impossibilidade de recuperação do sentido do autor Hirsch retomará uma tese clássica que consiste em pensar os textos como antes de tudo determinados em termos linguísticos como construídos e reconstrutíveis conforme regras gramaticais Também do ponto de vista semântico os textos seriam determinados quanto aos gêneros O enquadramento no gênero seria o que propriamente delimitaria e permitiria um controle sobre o sentido e o significado originais a concepção genérica preliminar de um intérprete de um texto é constitutiva de tudo o que ele subsequentemente entende e isso permanece o caso a menos e até que essa concepção genérica seja alterada HIRSCH 1967 p 74 tradução nossa O ponto de Hirsch é que no processo interpretativo e no distanciamento histórico a compreensão e a significação do gênero pode se alterar O enquadramento de gênero sofre também do problema do círculo hermenêutico pois a questão de a qual gênero um texto pertence depende também do modo como o texto é lido Um texto antigo poderia ser originalmente 168 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA cômico e sarcástico como supomos que o texto As nuvens de Aristófanes o seja em relação ao personagem Sócrates Todavia hoje o lemos muitas vezes como uma fonte de informação séria sobre o homem Sócrates Nesse caso embora as frases do texto não se alterem muda sim o seu significado ao se alterar o sentido cômico ou descritivo pelo qual se lê o inteiro texto Na fundamentação de sua teoria da interpretação Hirsch recorre à classificação proposta por E Betti pela qual se diferenciam interpretação como reconhecimento literária e histórica como apresentação dramática e musical e por fim como dotada de função normativa em vista de uma aplicação Para Hirsch todavia o único sentido adequado de interpretação de um texto é o primeiro no sentido de reconhecimento daquilo que o autor quis dizer ou seja do sentido com que o texto foi escrito Isso porque toda interpretação válida se fundamenta no reconhecimento do sentido em que o autor usou as palavras e frases e do pensamento que ele quis expressar Os outros tipos de interpretação com efeito como já reconhecia Betti supõem esse primeiro tipo e apenas acrescentam um momento posterior e derivado de aplicação ou ajuste circunstancial De todo modo Hirsch 1967 p 126 tradução nossa mantém um princípio decisivo da hermenêutica tradicional a saber que toda interpretação válida de qualquer tipo é fundamentada na recognição do que um autor quis dizer o que foi objeto de revisão e crítica já a partir de Schleiermacher como algo impossível de se realizar Todavia a principal alegação de Hirsch tal como já havia sido reclamada também por Betti referese ao que ele considerou ser uma leitura e versão injusta da história do confronto teórico dada por Gadamer quanto ao papel da aplicação na realização da compreensão por entender 169 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA que esse aspecto estava contemplado justamente na distinção entre sentido e significado De modo preciso Hirsch mostra que a concepção de interpretação defendida por Gadamer está modelada pela tradição de leitura e exegese de textos sagrados e jurídicos modelo que Gadamer 2005 p 411 pretende que seja válido para todo e qualquer texto e pelo qual interpretar é um submeterse ao que vale e deve valer pelo qual o sentido a verdade e a validade são confundidos Para Hirsch tratase de um modelo inadequado como geral pois a literatura e a poesia não devem ser lidas segundo esse modelo Nesse ponto a distinção entre sentido e significado que permite distinguir e separar o sentido de um texto da sua verdade e validade para a situação atual do intérprete mostrase efetiva Quando nós construímos o sentido de um outro nós não somos agentes livres Enquanto o nosso objeto for o sentido de seu enunciado nós somos completamente subservientes de sua vontade porque o sentido de seu enunciado é o sentido que ele quer transmitir Uma vez construído o seu sentido contudo nós somos bem independentes de sua vontade Nós não temos que aceitar mais nenhum valor ou suposição que ele entretinha Nós podemos relacionar o seu sentido com qualquer coisa que desejarmos e valorálo do modo que nos agradar HIRSCH 1967 p 142 tradução nossa A compreensão ou o entendimento sim implica uma certa submissão ao texto e seu sentido mas ainda não nos diz nada sobre sua verdade validade e uso para nós Essa adjudicação normativa é um momento posterior no qual se julga o compreendido e que implica uma independência em relação ao julgado isto é ao compreendido 170 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA 23 A HERMENÊUTICA PRAGMÁTICOTRANSCENDENTAL O filósofo KarlOtto Apel 19222017 elaborou uma das obras mais relevantes no contexto hermenêutico de meados do século 20 cuja marca característica está na retomada da questão da justificação e da validade da compreensão O seu pensamento todavia retoma elementos centrais da tradição hermenêutica se define mais pela tentativa de contribuir para uma fusão transformadora da própria Filosofia europeia fazendo um exame crítico das principais correntes da Filosofia moderna e contemporânea chegando a uma síntese por ele mesmo denominada de Filosofia transcendental hermenêutica semióticopragmática que está melhor expressa na obra Transformação da Filosofia em dois volumes publicados em 1973 A transformação está justamente na superação do modelo da consciência e da representação em geral pensadas como individuais e ahistóricas e sua substituição por um modelo pragmático e hermenêutico com a inclusão de elementos práticos e praxiológicos na reflexão transcendental por meio de uma revisão do conceito de teoria e de linguagem como enraizados no engajamento práticocorpóreo de uma comunidade de agentes falantes do ponto de vista cognitivoantropológico é a estrutura da intervenção corpórea que possibilita toda percepção concreta de mundo como um prosseguimento cultural de nossa organização sensória relativamente estável tal estrutura descerra o mundo e determinase a si mesma a partir do mundo que vai descerrando de modo que com isso vai também se corrigindo a si mesma Além disso ela se manifesta também na encarnação do sentido de mundo no corpo da linguagem APEL 2005 p 157 171 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA Essa intervenção práticocorpórea é desde sempre um engajamento comunitário comunicacional e intersubjetivo Na configuração dessa tese Apel recorre revisandoas criticamente a diversas contribuições sobretudo de Kant Peirce Heidegger Gadamer Weber e Wittgenstein Uma contribuição central de seu pensamento é o conceito de a priori da comunidade de comunicação pelo qual ele aceita e desenvolve uma abordagem hermenêutica dos fundamentos tanto da Filosofia quanto da Ciência Esse conceito é uma retomada e uma expansão das teses de Heidegger especialmente aquelas relativas à compreensão em Ser e tempo em que se elaboram os conceitos de engajamento prático no mundo e de estruturas prévias da compreensão que antecedem e embasam os fenômenos da subjetividade dos agentes individuais da dizibilidade do mundo e da verdade e da validade dos discursos Sob essa perspectiva de saída o conhecimento e a linguagem são concebidos como fundados na existência fática na qual uma précompreensão antecipa desde sempre um certo sentido de ser inclusive em relação ao próprio ser daquele que age e conhece Todavia embora aceite a perspectiva aberta pela elaboração hermenêuticointerpretativa de Heidegger Apel fará uma das mais contundentes revisões críticas justamente quanto à possibilidade de introduzir a questão da verdade e da validade a partir da Fenomenologia hermenêutica heideggeriana Com efeito para Apel devese acrescentar ao problema do descerramento e da ocorrência de sentido a problemática da validação de sentido APEL 2005 p 47 O ponto teórico está em manterse no horizonte da reflexão filosófica a questão da justificação e da validação de interpretações e compreensões e não apenas tratálas como acontecimentos e destinações do ser APEL 2005 p 51 incontornáveis 172 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA A proposta do autor postula que faz sentido retomar a questão de Gadamer acerca de como é possível a compreensão questão posta em relação ao todo da experiência do mundo feita pelo homem e ao todo de sua prática de vida como cerne de uma filosofia transcendental que reflita a préestrutura do compreender para todas as formas de cognição científica e pré científica APEL 2005 p 52 Apel entende que a perspectiva teórica da Hermenêutica filosófica heideggeriana e também gadameriana não é capaz de estabelecer uma plataforma de validação aceitável pois tem de tratar toda compreensão e também toda mácompreensão como ocorrências históricoontológicas como acontecimentos de ser em última instância impossíveis de ajuizar e criticar Por isso ele defende que um tratamento teórico minimamente adequado precisa indicar um critério de diferenciação entre o compreender adequado e o mal compreender entre uma interpretação correta e uma incorreta do contrário qualquer pretensão de defender uma ou outra compreensão e interpretação com o argumento de que se trata de uma ocorrência de ser ou ocorrência de verdade caracterizaria uma falácia naturalista APEL 2005 p 53 Apel tem em vista o conflito na teoria hermenêutica de Gadamer entre a presumida capacidade reflexiva sobre as próprias experiências e sua capacidade de superar os próprios preconceitos e a tese de que interpretar é sempre interpretar de modo diferente não havendo uma interpretação correta o que implicaria que cada situação histórica e cada perspectiva individual enraizada no mundo redundaria em interpretações distintas impossibilitando a própria ideia de uma compreensão melhor A saída consiste em aceitar a introdução de um critério de validação prévio e realizado em um nível distinto das 173 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA experiências individuais e históricas sem que se tenha de apelar para fatores ideais ou míticos A sua proposição é que Se a hermenêutica deve conservar criticamente o legado do Esclarecimento ela precisa conservar a meu ver além da suposição da superioridade virtual do interpretandum também o discernimento hegeliano quanto à exigência precípua no Compreender de um autoprevalecimento reflexivo do intérprete Ora se este último não atribui a si mesmo o direito ao julgamento crítico do que há para entender e se dessa forma não confia a verdade a si mesmo então ele não chega nem mesmo a assumir o ponto de vista de uma hermenêutica filosófica insiste sim em permanecer aferrado ao ponto de vista de uma hermenêutica que se põe a serviço de uma crença dogmática APEL 2005 p 56 Para desdobrar uma Hermenêutica filosófica capaz de enfrentar o ajuizamento crítico da questão da validade da compreensão e interpretação Apel propôs uma transformação pragmáticolinguística da Filosofia transcendental Retomando um dos motes mais repetidos da tradição hermenêutica qual seja que é preciso compreender o autor melhor do que ele compreende a si mesmo Apel sugere que não só é possível recuperar a dimensão crítica e o conceito de validade mas que esse mote torna isso inevitável Com efeito esse mote aponta para a possibilidade de um ajuizamento em termos de compreender melhor uma determinada doação de sentido e sobretudo para a ideia de poder argumentar pela validade de uma tal compreensão melhor inclusive contra o próprio autor Ambas essas indicações pressupõem que se possa alcançar um entendimento ou acordo mútuo APEL 2005 p 68 Esse conceito de acordo mútuo é o motor da transformação da Filosofia contemporânea que estaria no cerne da pré 174 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA estrutura transcendentalhermenêutica da compreensão Diferentemente da Filosofia moderna da consciência e da representação que funda a validação intersubjetiva em supostas condições a priori do conhecimento e da verdade o modelo proposto por Apel parte da pressuposição de que nós estamos condenados a priori a um acordo intersubjetivo mesmo que apenas cada um isoladamente esteja obrigado a entenderse no mundo e a chegar em razão desse préentendimento a conhecimentos válidos sobre as coisas e sobre a sociedade APEL 2005 p 69 A partir desse esclarecimento das condições fundantes de todo conhecer e validar como dirigidos de antemão e orientados pelas condições de um possível acordo mútuo já no plano do sentido linguístico e sobretudo da verdade passível de ser validada os modelos clássicos baseados na autorreflexão do intelecto e na introspecção da consciência deixam de fazer sentido Apel é enfático quanto a esse ponto metodológico Não é possível chegar a uma consciência cognitiva quanto a algo como algo ou quanto a si mesmo como pessoa passível de ser identificada por meio da referência dêitica ao eu sem que se tenha tomado parte em um processo de acordo mútuo linguístico e interpessoal Para mim portanto uma evidência somente pode valer como verdade no âmbito do consenso interpessoal Desse modo a filosofia transcendental hermeneuticamente transformada parte do a priori de uma comunidade real de comunicação que para nós é praticamente idêntica à espécie humana ou à sociedade APEL 2005 p 70 Por conseguinte o entendimento mútuo entre os indivíduos e os acordos interpessoais não são pensados como um resultado a ser talvez alcançado mas antes formam a base por sobre a qual são possíveis a própria linguagem e demais instituições sociais No caso do conhecimento e da compreensão a validação e fixação 175 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA de verdades pressupõem já esse préentendimento mútuo e o recurso ao acordo mútuo é a única forma de legitimação e validação de uma pretensão de conhecimento O entendimento intersubjetivo está na base da validação em todas as áreas do conhecimento comum e também das ciências experimentais até mesmo na área das ciências formais pois em todas elas é o caráter público e a argumentação consensual que validam qualquer tipo de conhecimento Nesse sentido o entendimento mútuo entre os cientistas é a condição de possibilidade da objetividade para as ciências Com isso a compreensão linguística mútua sobre o que é proposto e sobre o que é estabelecido por uma teoria ou demonstração constituise em um momento complementar indispensável para a objetividade e legitimidade científicas Além disso o entendimento intersubjetivo por meio de uma linguagem comum enquanto momento indispensável é ele mesmo objeto de reflexão como é o caso das teorizações filosóficas éticas e políticas Nesse âmbito também é o acordo mútuo o critério de validação Contudo nesse caso o interesse cognitivo não é o domínio técnico e a explicitação das leis da natureza o interesse que conduz esse entendimento intersubjetivo fundase nas necessidades sociais e éticas da práxis política dirigida para uma emancipação comum Esse modelo é facilmente transferido para a leitura e compreensão de textos e discursos Longe de ser uma relação monológica de um intérprete a interpretação e a compreensão são ações interativas interpessoais cuja orientação e validação apenas pode se realizar objetivamente sob o pressuposto e a meta do acordo mútuo entre diferentes intérpretes 176 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA As leituras indicadas no Tópico 32 tratam das críticas de Apel e seu papel na Hermenêutica Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado Para continuar seus estudos Como indicação para o aprofundamento dos estudos destacamos as seguintes obras brasileiras e estrangeiras CAPUTO J Hermeneutics facts and interpretation in the age of information New Orleans Pelican 2018 CAPUTO J More radical Hermeneutics on not knowing who we are Bloomington Indiana University Press 2000 CAPUTO J Radical Hermeneutics repetition deconstruction and the hermeneutic project Bloomington Indiana University Press 1987 DETEL W Geist und Verstehen Historische Grundlagen einer modernen Hermeneutik Frankfurt am Main Klostermann 2011 DETEL W Hermeneutik der Literatur und Theorie des Geistes Frankfurt am Main Klostermann 2015 DRUCKER C A obra de arte musical uma pergunta para Heidegger Revista Filosófica de Coimbra v 28 n 55 p 734 2019 Disponível em httpsimpactumjournalsucptrfcarticle download087208515516310 Acesso em 24 ago 2020 DRUCKER C A palavra nova o diálogo entre Nelson Rodrigues e Dostoiévski 1 ed Brasília Editora da Universidade de Brasília 2010 DUQUEESTRADA P C Org Às margens a propósito de Jacques Derrida São Paulo Loyola Rio de Janeiro PUCRJ 2012 DUQUEESTRADA P C Org Espectros de Derrida Bonsucesso NAU 2008 ECO U Interpretação e superinterpretação 2 ed São Paulo Martins Fontes 2005 ECO U Os limites da interpretação 2 ed São Paulo Perspectiva 2004 FIGAL G Der Sinn des Verstehens Beiträge zur hermeneutischen Philosophie Ditzingen Reclam 1996 177 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA FIGAL G Oposicionalidade o elemento hermenêutico e a filosofia Petrópolis Vozes 2007 FLICKINGER HG A caminho para uma pedagogia hermenêutica Porto Alegre Autores Associados 2011 FLICKINGER HG Gadamer a Educação São Paulo Autêntica 2014 GRONDIN J Du sens de la vie Montréal Bellarmin 2003 GRONDIN J Lhorizon herméneutique de la pensée contemporaine Paris Vrin 1993 GRONDIN J Luniversalité de lherméneutique Paris PUF 1993 IHDE D Expanding Hermenutics visualism in science Evanston Northwestern University Press 1999 IHDE D Experimental Phenomenology second edition multistabilities Albany State University of New York Press 2012 IHDE D Postphenomenology essays in the postmodern context Evanston Northwestern University Press 1993 KAHLMEYERMERTENS R S 10 lições sobre Gadamer Petrópolis Vozes 2017 KAHLMEYERMERTENS R S 10 Lições sobre Heidegger 1 ed Petrópolis Vozes 2015 REIS R R Aspectos da modalidade a noção de possibilidade na Fenomenologia hermenêutica Rio de Janeiro Viaverita 2014 ROHDEN L Hermenêutica filosófica entre a linguagem da experiência e a experiência da linguagem São Leopoldo Ed Unisinos 2009 ROHDEN L Entre Filosofia e Literatura Belo Horizonte Relicário 2015 ROMANO C R Lévénement et le monde Paris PUF 1998 ROMANO C R Lévénement et le temps Paris PUF 1999 RUEDELL A Hermenêutica da necessidade de interpretar para um modo de pensar Ijuí Editora Unijuí 2016 RUEDELL A Da representação ao sentido através de Schleiermacher à hermenêutica atual Veritas Porto Alegre v 45 n 2 p 249258 jun 2000 Disponível em httpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindex phpveritasarticleview3506118397 Acesso em 24 ago 2020 STEIN E Compreensão e finitude Ijuí Unijuí 2001 STEIN E Crítica da ideologia e racionalidade 1 ed Porto Alegre Movimento 1987 178 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA STEIN E Diferença e metafísica Porto Alegre EDIPUCRS 2000 STEIN E Pensar é pensar a diferença 2 ed Ijuí Unijuí 2006 STEINER G Depois de Babel questões de linguagem e tradução Curitiba Editora UFPR 2005 STRECK L L Hermenêutica jurídica em crise 10 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2011 STRECK L L Jurisdição constitucional e Hermenêutica 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2004 STRECK L L Lições de crítica hermenêutica do Direito 1 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2014 STRECK L L Verdade e consenso 4 ed São Paulo Saraiva 2011 TENGELYI L Neue Phänomenologie in Frankreich Frankfurt am Main Suhrkamp 2012 TENGELYI L Welt und Unendlichkeit zum Problem phänomenologischer Metaphysik Freiburg Karl Alber 2014 VATIMO G Adeus à verdade Petrópolis Vozes 2016 VATIMO G Al di là del soggetto Milano Feltrinelli 1981 VATIMO G Il pensiero debole Milano Feltrinelli 1983 VATIMO G La fine della modernità Milano Garzanti 1985 VATIMO G Le avventure della differenza Milano Garzanti 1980 WU R Transcendência originária e possibilitação sobre o problema da intencionalidade na ontologia fundamental O que nos faz pensar Rio de Janeiro PUCRJ v 27 p 361381 dez 2018 Disponível em httpwwwoquenosfazpensarfilpucriobrindexphpoqnfparticle view620592 Acesso em 24 ago 2020 WU R NASCIMENTO C R Orgs Pensar Ricoeur vida e narração 1 ed Porto Alegre Clarinete 2016 Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 4 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte do material 179 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é a condição necessária e indispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA HERMENÊUTICA SE GUNDO GADAMER E BETTI A disputa sobre os aspectos metodológicos da hermenêutica entre Gadamer e Betti é determinante na atual compreensão da disciplina Por isso para aprofundar o entendimento deste ponto leia os seguintes artigos GADAMER HG Emilio Betti e a herança idealista Cadernos de Filosofia Alemã v 1 p 8390 1996 Disponível em httpwwwrevistasuspbr filosofiaalemaarticleview72077 Acesso em 24 ago 2020 SPAREMBERGER R F L Betti x Gadamer da Hermenêutica objetivista à Hermenêutica criativa Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná v 39 p 171189 2003 Disponível em https revistasufprbrdireitoarticleview17531450 Acesso em 24 ago 2020 32 AS CRÍTICAS DE APEL E A FUNDAMENTAÇÃO DAS ABOR DAGENS HERMENÊUTICAS As críticas de Apel têm um papel fundamental no atual debate em torno da fundamentação das abordagens 180 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA hermenêuticas A leitura dos seguintes textos pode lhe ajudar a compreender melhor o problema COELHO C C Hermenêutica e desconstrução a conciliação de Paul Ricoeur e a aporia de Jacques Derrida Veritas Porto Alegre v 64 n 1 janmar 2019 Disponível em httprevistaseletronicaspucrsbrojs indexphpveritasarticleview31264 Acesso em 24 ago 2020 POKER J G A B Os sentidos de compreensão nas teorias de Weber e Habermas TransFormAção Marília v 36 p 221244 2013 Disponível em http wwwscielobrpdftransv36nspe14pdf Acesso em 24 ago 2020 SIMÕES P H O Entre a Linguística e a Filosofia a pragmática transcendental de KarlOtto Apel Língua Literatura e Ensino v 8 p 333337 2013 Disponível em httprevistasielunicampbrindexphplle articleview2470 Acesso em 24 ago 2020 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder as questões a seguir você deverá revisar os conteúdos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Reflita sobre os critérios e métodos de validação para interpretações divergentes e explique a proposta de Emilio Betti 2 Explique a distinção entre sentido e significação de Hirsch e sua relação com a distinção entre descoberta e validação de um sentido ou interpretação 181 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA 3 Explique a crítica de Apel à Hermenêutica filosófica 4 Explique o papel do entendimento consensual intersubjetivo na validação da objetividade dos processos interpretativos segundo Apel 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade consideramos alguns tópicos problemáticos em relação à Hermenêutica tendo em vista a possibilidade de um ajuizamento crítico das pretensões de sentido e da validação de interpretações As posições teóricas resumidas estão associadas à Hermenêutica mas todas elas contêm algum distanciamento crítico em relação aos fundamentos e desenvolvimentos da Hermenêutica moderna sobretudo aquela que se configurou como Hermenêutica filosófica Dois posicionamentos críticos decisivos para a conformação atual das teorias hermenêuticas que merecem atenção são representados pelas críticas dos filósofos Jürgen Habermas 1987 2000 e Jacques Derrida 1973 1995 O que vimos até aqui ao percorrer as teorizações hermenêuticas permitenos concluir que os sentidos em que algo pode se dar e ser apreendido por um agente intérprete já estão préantecipados nas estruturações que o perfazem como agente capaz de compreender e nas articulações e conexões entre as coisas constitutivas do seu campo de ação Enquanto agentes históricos nós somos precedidos por outros agentes e agências por ações e cursos de ações que já estão em andamento e também pelos efeitos desses agenciamentos O ambiente em que emergimos como capazes de compreender está todo ele vincado por estruturações e articulações que se enraízam no passado de nossos cuidadores e educadores No 182 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA nosso quarto já havia uma cama no banheiro já havia uma pia uma torneira e um vaso sanitário ou não havia nada disso mas o fato é que o mundo ao qual nós mesmos pertencemos e viemos a ser agentes efetivos capazes de entendimento já estava em grande parte preparado para as nossas capacidades e habilidades O mundo faz sentido a despeito de nós e de nossas intervenções as coisas fazem sentido ao se conectarem e se articularem de vários modos mas apenas porque são já o efeito das ações das gerações anteriores Há um sentido prévio embutido no mundo que não é nosso e também nós enquanto agentes sencientes inteligentes somos constituídos de tal modo que uma compreensão prévia das coisas já está operando em qualquer de nossos atos e pensamentos pois viemos a ser no contexto das ações de outros agentes intérpretes Enfim o mundo no qual nós vivemos e agimos desde os primeiros passos enquanto mundo humano é sempre já um mundo expressivo Ausdruckswelt e não apenas um mundo de objetos sem sentido MISCH 1994 p 7879 tradução nossa Para finalizar esta introdução à Hermenêutica é necessário dizer que além das teorias e autores apresentados nas quatro unidades as discussões atuais de Hermenêutica incluem várias outras teorias e vários outros autores os quais atestam tanto a vitalidade quanto a vivacidade dessa corrente filosófica Não deixe de consultar as obras indicadas e de sempre buscar aprofundar seus conhecimentos Bons estudos 183 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA 6 EREFERÊNCIAS Sites consultados COELHO C C Hermenêutica e desconstrução a conciliação de Paul Ricoeur e a aporia de Jacques Derrida Veritas Porto Alegre v 64 n 1 janmar 2019 Disponível em httprevistaseletronicaspucrsbrojsindexphpveritasarticleview31264 Acesso em 24 ago 2020 DRUCKER C A obra de arte musical uma pergunta para Heidegger Revista Filosófica de Coimbra v 28 n 55 p 734 2019 Disponível em httpsimpactumjournals ucptrfcarticledownload087208515516310 Acesso em 24 ago 2020 DRUCKER C Fundação e mediação poéticas em Hölderlin e Heidegger O Que nos Faz Pensar Rio de Janeiro PUCRJ v 36 p 185212 2015 Disponível em http oquenosfazpensarfilpucriobrimportpdfarticlesOQNFP3611claudiadrucker pdf Acesso em 24 ago 2020 GADAMER HG Emilio Betti e a herança idealista Cadernos de Filosofia Alemã v 1 p 8390 1996 Disponível em httpwwwrevistasuspbrfilosofiaalemaarticle view72077 Acesso em 24 ago 2020 GAY M E Hermenêutica filosófica e conhecimento nas Humanidades In Estou de altos as possibilidades do jogo para a história Dissertação Mestrado em História Social da Cultura Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2010 p 70123 Disponível em httpswwwmaxwellvracpucrio br16288162884PDF Acesso em 24 ago 2020 POKER J G A B Os sentidos de compreensão nas teorias de Weber e Habermas TransFormAção Marília v 36 p 221244 2013 Disponível em httpwwwscielo brpdftransv36nspe14pdf Acesso em 24 ago 2020 RUEDELL A Da representação ao sentido através de Schleiermacher à hermenêutica atual Veritas Porto Alegre v 45 n 2 p 249258 jun 2000 Disponível em https revistaseletronicaspucrsbrojsindexphpveritasarticleview3506118397 Acesso em 24 ago 2020 SIMÕES P H O Entre a Linguística e a Filosofia a pragmática transcendental de Karl Otto Apel Língua Literatura e Ensino v 8 p 333337 2013 Disponível em http revistasielunicampbrindexphpllearticleview2470 Acesso em 24 ago 2020 SPAREMBERGER R F L Betti x Gadamer da Hermenêutica objetivista à Hermenêutica criativa Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná v 39 p 184 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA 171189 2003 Disponível em httpsrevistasufprbrdireitoarticleview17531450 Acesso em 24 ago 2020 WU R Transcendência originária e possibilitação sobre o problema da intencionalidade na ontologia fundamental O que nos faz pensar Rio de Janeiro PUCRJ v 27 p 361 381 dez 2018 Disponível em httpwwwoquenosfazpensarfilpucriobrindex phpoqnfparticleview620592 Acesso em 24 ago 2020 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APEL KO Transformação da Filosofia I Filosofia analítica semiótica hermenêutica 2 ed São Paulo Martins Fontes 2005 APEL KO Transformação da Filosofia II O a priori da comunidade de comunicação São Paulo Martins Fontes 2000 AUSTIN J L Quando dizer é fazer Porto Alegre Artes Médicas 1990 AUSTIN J L How to do things with words New York Oxford University Press 1962 BETTI E Teoria generale della interpretatione Milano Dott A Giuffrè 1955 BETTI E Interpretación de las leyes y de los actos jurídicos Trad J L Mozos Santiago Ediciones Olejnik 2018 CAPUTO J Hermeneutics facts and interpretation in the age of information New Orleans Pelican 2018 CAPUTO J More radical Hermeneutics on not knowing who we are Bloomington Indiana University Press 2000 CAPUTO J Radical Hermeneutics repetition deconstruction and the hermeneutic project Bloomington Indiana University Press 1987 DRUCKER C A palavra nova o diálogo entre Nelson Rodrigues e Dostoiévski 1 ed Brasília Editora da Universidade de Brasília 2010 DERRIDA J Gramatologia Trad Miriam Schnaiderman e Renato Janine Ribeiro São Paulo PerspectivaEdusp 1973 DERRIDA J A escritura e a diferença Tradução de Maria Beatriz Marques Nizza da Silva São Paulo Perspectiva 1995 DETEL W Geist und Verstehen Historische Grundlagen einer modernen Hermeneutik Frankfurt am Main Klostermann 2011 185 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA DETEL W Hermeneutik der Literatur und Theorie des Geistes Frankfurt am Main Klostermann 2015 DUQUEESTRADA P C Org Às margens a propósito de Jacques Derrida São Paulo Loyola Rio de Janeiro PUCRJ 2012 DUQUEESTRADA P C Org Espectros de Derrida Bonsucesso NAU 2008 ECO U Interpretação e superinterpretação 2 ed São Paulo Martins Fontes 2005 ECO U Os limites da interpretação 2 ed São Paulo Perspectiva 2004 FIGAL G Der Sinn des Verstehens Beiträge zur hermeneutischen Philosophie Ditzingen Reclam 1996 FIGAL G Oposicionalidade o elemento hermenêutico e a filosofia Petrópolis Vozes 2007 FLICKINGER HG A caminho para uma pedagogia hermenêutica Porto Alegre Autores Associados 2011 FLICKINGER HG Gadamer a Educação São Paulo Autêntica 2014 GRICE H P Lógica e conversação In DASCAL M Org Fundamentos metodológicos da Linguística Volume 4 Pragmática problemas críticas perspectivas da lingüística bibliografia Campinas Global 1982 p 81104 GRICE H Studies in the way of words Cambridge Harvard UP 1989 GRONDIN J Du sens de la vie Montréal Bellarmin 2003 GRONDIN J Lhorizon herméneutique de la pensée contemporaine Paris Vrin 1993 GRONDIN J Luniversalité de lherméneutique Paris PUF 1993 HABERMAS J Dialética e Hermenêutica Porto Alegre LPM 1987 HABERMAS J O conteúdo normativo da modernidade In O discurso filosófico da modernidade São Paulo Martins Fontes 2000 p 467509 HIRSCH E D Validity in interpretation New Haven Yale University Press 1967 IHDE D Expanding Hermenutics visualism in science Evanston Northwestern University Press 1999 IHDE D Experimental Phenomenology second edition multistabilities Albany State University of New York Press 2012 IHDE D Postphenomenology essays in the postmodern context Evanston Northwestern University Press 1993 186 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA KAHLMEYERMERTENS R S 10 lições sobre Gadamer Petrópolis Vozes 2017 KAHLMEYERMERTENS R S 10 Lições sobre Heidegger 1 ed Petrópolis Vozes 2015 MISCH G Der Aufbau der Logik auf dem Boden der Philosophie des Lebens Hsgb G HühneBertam und F Rodi München Alber 1994 NIETZSCHE F W Genealogia da moral Trad P C Souza São Paulo Brasiliense 1988 PEIRCE C S Semiótica e Filosofia São Paulo Cultrix 1972 PLATÃO Íon Trad Cláudio Oliveira Belo Horizonte Autêntica 2011 REIS R R Aspectos da modalidade a noção de possibilidade na Fenomenologia hermenêutica Rio de Janeiro Viaverita 2014 RICOEUR P Interpretação e ideologias Rio de Janeiro Francisco Alves 1977 RICOEUR P Teoria da interpretação Trad Artur Morão Lisboa Edições 70 1976 ROHDEN L Hermenêutica filosófica entre a linguagem da experiência e a experiência da linguagem São Leopoldo Ed Unisinos 2009 ROHDEN L Entre Filosofia e Literatura Belo Horizonte Relicário 2015 ROMANO C R Lévénement et le monde Paris PUF 1998 ROMANO C R Lévénement et le temps Paris PUF 1999 RUEDELL A Hermenêutica da necessidade de interpretar para um modo de pensar Ijuí Editora Unijuí 2016 SEARLE J R Expression and Meaning studies in the theory of speech acts Cambridge Cambridge University Press 1979 SEARLE J R Intencionalidade Trad J Fisher e T R Bueno São Paulo Martins Fontes 1995 SEARLE J R Speech acts an essay in the philosophy of language Cambridge Cambridge University Press 1969 STEIN E Compreensão e finitude Ijuí Unijuí 2001 STEIN E Crítica da ideologia e racionalidade 1 ed Porto Alegre Movimento 1987 STEIN E Dialética e Hermenêutica uma controvérsia sobre método em filosofia In HABERMAS J Dialética e hermenêutica Porto Alegre LPM 1987 p 98134 STEIN E Diferença e metafísica Porto Alegre EDIPUCRS 2000 STEIN E Pensar é pensar a diferença 2 ed Ijuí Unijuí 2006 187 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA STEINER G Depois de Babel questões de linguagem e tradução Curitiba Editora UFPR 2005 STRECK L L Dicionário de Hermenêutica quarenta temas fundamentais da teoria do Direito à luz da crítica hermenêutica do Direito Belo Horizonte Letramento 2017 STRECK L L Hermenêutica Jurídica em Crise 10 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2011 STRECK L L Jurisdição constitucional e Hermenêutica 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2004 STRECK L L Lições de crítica Hermenêutica do Direito 1 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2014 STRECK L L Verdade e consenso 4 ed São Paulo Saraiva 2011 TENGELYI L Erfahrung und Ausdruck Phänomenologie im Umbruch bei Husserl und seinen Nachfolgern Dordrecht Springer 2007 TENGELYI L Neue Phänomenologie in Frankreich Frankfurt am Main Suhrkamp 2012 TENGELYI L Welt und Unendlichkeit zum Problem phänomenologischer Metaphysik Freiburg Karl Alber 2014 VATIMO G Adeus à verdade Petrópolis Vozes 2016 VATIMO G Al di là del soggetto Milano Feltrinelli 1981 VATIMO G Il pensiero debole Milano Feltrinelli 1983 VATIMO G La fine della modernità Milano Garzanti 1985 VATIMO G Le avventure della differenza Milano Garzanti 1980 WITTGENSTEIN L Investigações filosóficas São Paulo Nova Cultural 1999 WU R Imagem e símbolo em torno de uma diferença entre as hermenêuticas de Gadamer e Ricoeur In WU R NASCIMENTO C R Orgs Pensar Ricoeur vida e narração 1 edPorto Alegre Clarinete 2016 v 1 p 327350 WU R O todo o singular e o hermenêutico em Ser e Tempo In VEIGA I S SCHIO S M Orgs Heidegger e sua época 19201930 1 ed Porto Alegre Clarinete 2012 v 1 p 95110 WU R NASCIMENTO C R Orgs Pensar Ricoeur vida e narração 1 ed Porto Alegre Clarinete 2016 HERMENÊUTICA
Send your question to AI and receive an answer instantly
Preview text
Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação HERMENÊUTICA Meu nome é Celso R Braida Sou Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro 2001 membro dos grupos de pesquisa Núcleo de Investigações Metafísicas UFSC Origens da Filosofia Contemporânea PUCSP e do GT Filosofia hermenêutica Anpof Traduzi e organizei os livros Schleiermacher Hermenêutica Arte e técnica de interpretação 1999 e Três Aberturas em Ontologia Frege Twardowski e Meinong 2005 Publiquei também os livros Ensaios semânticos 2009 Exercícios de desilusão 2012 Filosofia e linguagem 2013 além de vários artigos em revistas especializadas Sou professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina Claretiano Centro Universitário Rua Dom Bosco 466 Bairro Castelo Batatais SP CEP 14300000 ceadclaretianoedubr Fone 16 36601777 Fax 16 36601780 0800 941 0006 claretianoedubrbatatais Celso R Braida Batatais Claretiano 2021 HERMENÊUTICA Ação Educacional Claretiana 2020 Batatais SP Todos os direitos reservados É proibida a reprodução a transmissão total ou parcial por qualquer forma eou qualquer meio eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia gravação e distribuição na web ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana Reitor Prof Dr Pe Sérgio Ibanor Piva ViceReitor Prof Dr Pe Cláudio Roberto Fontana Bastos PróReitor Administrativo Pe Luiz Claudemir Botteon PróReitor de Extensão e Ação Comunitária Prof Dr Pe Cláudio Roberto Fontana Bastos PróReitor Acadêmico Prof Me Luís Cláudio de Almeida Coordenador Geral de EaD Prof Me Evandro Luís Ribeiro CORPO TÉCNICO EDITORIAL DO MATERIAL DIDÁTICO MEDIACIONAL Gerente de Material Didático Rodrigo Daverni Preparação Aline de Fátima Guedes Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera Cátia Aparecida Ribeiro Lidiane Maria Magalini Luciana A Mani Adami Luciana dos Santos Sançana de Melo Patrícia Alves Veronez Montera Simone Rodrigues de Oliveira Vanessa Ito Nazar Revisão Eduardo Henrique Marinheiro Filipi Andrade de Deus Silveira Rafael Antonio Morotti Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico diagramação e capa Bruno do Carmo Bulgarelli Joice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa Ferrão Luis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de Oliveira Tamires Botta Murakami Videoaula André Luís Menari Pereira Bruna Giovanaz Luis Gustavo Millan Marilene Baviera Renan de Omote Cardoso Bibliotecária Ana Carolina Guimarães CRB7 6411 INFORMAÇÕES GERAIS Cursos Graduação Título Hermenêutica Versão fev2021 Formato 15x21 cm Páginas 188 páginas SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 9 2 GLOSSÁRIO DE CONCEITOS 11 3 ESQUEMA DOS CONCEITOSCHAVE 16 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 18 UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 1 INTRODUÇÃO 25 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 26 21 HERMENÊUTICA ORIGEM E SIGNIFICADO 26 22 ÂMBITOS DA HERMENÊUTICA 31 23 TRÊS DIMENSÕES DA HERMENÊUTICA 36 24 A HERMENÊUTICA BÍBLICA CLÁSSICA 38 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 45 31 HERMENÊUTICA HISTÓRIA E CONCEITOS BÁSICOS 45 32 HERMENÊUTICA ANTIGA 46 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 46 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 47 6 EREFERÊNCIAS 48 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 49 UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA 1 INTRODUÇÃO 53 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 53 21 HERMENÊUTICA MODERNA 53 22 SCHLEIERMACHER E OS FUNDAMENTOS DA HERMENÊUTICA GERAL 58 23 A CONDIÇÃO HISTÓRICA DA LINGUAGEM 69 24 A COMPREENSÃO HISTÓRICA 72 25 DILTHEY A UNIVERSALIZAÇÃO DA CONDIÇÃO HISTÓRICA 75 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 90 31 CIRCULARIDADE HERMENÊUTICA 90 32 CONCEITOS E HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DA HERMENÊUTICA 90 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 92 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 93 6 EREFERÊNCIAS 94 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 94 UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS 1 INTRODUÇÃO 99 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 100 21 HEIDEGGER E OS ASPECTOS ONTOLÓGICOS DA HERMENÊUTICA 100 22 A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE GADAMER 109 23 A HERMENÊUTICA CRÍTICA DE PAUL RICOEUR 127 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 148 31 HEIDEGGER E OS ASPECTOS ONTOLÓGICOS DA HERMENÊUTICA 148 32 A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE GADAMER 149 33 A HERMENÊUTICA CRÍTICA DE PAUL RICOEUR 150 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 151 5 CONSIDERAÇÕES 151 6 EREFERÊNCIAS 152 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 153 UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA 1 INTRODUÇÃO 157 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA 158 21 OS PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS DE E BETTI 158 22 A HERMENÊUTICA CRÍTICA DE E D HIRSCH 163 23 A HERMENÊUTICA PRAGMÁTICOTRANSCENDENTAL 170 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR 179 31 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA HERMENÊUTICA SEGUNDO GADAMER E BETTI 179 32 AS CRÍTICAS DE APEL E A FUNDAMENTAÇÃO DAS ABORDAGENS HERMENÊUTICAS 179 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 180 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 181 6 EREFERÊNCIAS 183 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 184 7 CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Conteúdo A Hermenêutica como arte da apreensão interpretação e compreensão do sentido de expressões humanas Hermenêuticas clássicas e modernas As compreensões espontânea e metódica A Hermenêutica como arte e técnica de interpretação Teoria geral da interpretação Linguagem teoria do significado e da compreensão A conexão de sentido entre experiência vivida expressão e compreensão Historicidade e compreensão Hermenêutica e analítica da existência A consciência dos efeitos da história Linguisticidade tradição e compreensão Hermenêutica como recuperação e como imposição de sentido A autonomia semântica do texto A Hermenêutica crítica e o problema da alteridade do outro Interpretação objetividade e validade Falsa consciência e explicitação de sentido Fazer sentido e habilitar a agir Bibliografia Básica GRONDIN J Hermenêutica Trad M Marcionilo São Paulo Parábola 2012 PALMER R E Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 SCHMIDT L K Hermenêutica Trad F Ribeiro 3 ed Petrópolis Vozes 2014 Bibliografia Complementar DILTHEY W A construção do mundo histórico nas ciências humanas São Paulo Editora da Unesp 2010 GADAMER HG Verdade e método I traços fundamentais de uma Hermenêutica filosófica Petrópolis Vozes 2005 RICOEUR P Interpretação e ideologias Rio de Janeiro Francisco Alves 1988 RICOEUR P Teoria da interpretação Trad Artur Morão Lisboa Edições 70 1976 8 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO SCHLEIERMACHER F D Hermenêutica arte e técnica da interpretação Trad org Celso R Braida Petrópolis Vozes 2000 SCHLEIERMACHER F D Hermenêutica e crítica Trad A Ruedell Ed introd Manfred Frank Ijuí Ed Unijuí 2005 É importante saber Esta obra está dividida para fins didáticos em duas partes Conteúdo Básico de Referência CBR é o referencial teórico e prático que deverá ser assimilado para aquisição das competências habilidades e atitudes necessárias à prática profissional Portanto no CBR estão condensados os principais conceitos os princípios os postulados as teses as regras os procedimentos e o fundamento ontológico o que é e etiológico qual sua origem referentes a um campo de saber Conteúdo Digital Integrador CDI são conteúdos preexistentes previamente selecionados nas Bibliotecas Virtuais Universitárias conveniadas ou disponibilizados em sites acadêmicos confiáveis São chamados Conteúdo Digital Integrador porque são imprescindíveis para o aprofundamento do Conteúdo Básico de Referência Juntos não apenas privilegiam a convergência de mídias vídeos complementares e a leitura de navegação hipertexto como também garantem a abrangência a densidade e a profundidade dos temas estudados Portanto são conteúdos de estudo obrigatórios para efeito de avaliação 9 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 1 INTRODUÇÃO Nesta obra serão apresentados os principais autores teorias e conceitos relativos a uma tradição de pensamento e prática que remonta à Antiguidade Clássica e diz respeito a experiências tanto cotidianas quanto sofisticadas constituintes da nossa vida social e cultural Essas experiências estão inseridas em práticas com base em quais pensamentos foram sintetizados e sistematizados em diferentes campos teóricos e práticos do saber humano tais como Retórica e Estudos Literários Ciências Jurídicas Ciências Teológicas Historiografia Etnografia Sociologia Estudos de Tradução e Interpretação e também Filosofia Na Unidade 1 será apresentada uma descrição geral da Hermenêutica distinguindo esta como técnica teoria e filosofia da compreensão e da interpretação Também serão apresentados os conceitos básicos de expressão experiência vivida história e compreensão com o objetivo de delinear uma caracterização da Hermenêutica como essencialmente referida ao fenômeno da expressabilidade da experiência vivida expressa linguisticamente e da compreensão do outro enquanto um processo para chegar a um sentido comum Na Unidade 2 serão apresentados os autores e teorias que conformam o modelo teórico hermenêutico de racionalidade e argumentação no século 19 tendo por base as modernas teorizações de Friedrich Schleiermacher 17681834 Wilhelm von Humboldt 17671835 Johann G Droysen 18081884 e Wilhelm Dilthey 18331911 Esses autores introduziram os conceitos e princípios hermenêuticos básicos da Hermenêutica moderna como os de circularidade da compreensão de historicidade e linguisticidade da experiência interpretativa e 10 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO ao mesmo tempo a legitimaram como campo problemático e teoria filosófica autônoma Na Unidade 3 vamos estudar as principais contribuições contemporâneas para a teoria hermenêutica O aspecto mais evidente é que a Hermenêutica integra agora o rol das disciplinas filosóficas e até se constitui como momento constitutivo da própria Filosofia As obras de Martin Heidegger 18891976 HansGeorg Gadamer 19002002 e Paul Ricouer 19132005 destacamse nesse cenário mas vários outros pensadores configuram aquilo que Jean Greisch 1985 denominou a era hermenêutica da razão na qual os principais temas da Filosofia serão repensados nos termos dos conceitos hermenêuticos Os conceitos de sentido existência e engajamento prático pertencimento a tradições linguagem compreensão prévia e ideologia diferença e alteridade conformam o paradigma hermenêutico em Filosofia Na Unidade 4 por fim serão apresentados alguns tópicos relacionados a teorias e debates atuais em Hermenêutica Esses tópicos dizem respeito à compreensão linguística e também aos aspectos pragmáticos da compreensão em geral Embora tenham sido abordados nas grandes teorias fundadoras de Schleiermacher e Dilthey as contribuições e acréscimos provenientes de estudos linguísticos teorias psicológicas e da ação fazem parte hoje do debate teórico hermenêutico e estão presentes nas contribuições de Emilio Betti Eric D Hirsch e Karl Otto Apel O debate entre as hermenêuticas existencialmente orientadas e as metodológicas em torno dos conceitos de validação objetividade e universalidade hermenêutica marca ainda hoje as discussões 11 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Essa sequência de estudos de temas conceitos e autores pretende ser uma introdução aos estudos hermenêuticos e sobretudo desenvolver uma consciência mais ampla dos problemas relativos à interpretação e compreensão de si e do outro das tradições culturais próprias e alheias e assim provocar uma atitude crítica e uma disposição para o debate e o entendimento comum em meio à diversidade de saberes e atitudes Na base desses problemas está a experiência de sentido e de inteligibilidade e de sua compreensibilidade Conforme indicou E Betti 1955 os problemas teorias e conceitos relacionados à interpretação e à compreensão são relevantes a diversos domínios do conhecimento como Linguística e Semiótica Filologia e Teoria literária Historiografia Sociologia ciências jurídicas Teologia e Direito canônico aos estudos de tradução e os estudos de interpretação e representação artística em geral 2 GLOSSÁRIO DE CONCEITOS O Glossário de Conceitos permite uma consulta rápida e precisa das definições conceituais possibilitando um bom domínio dos termos técnicocientíficos utilizados na área de conhecimento dos temas tratados 1 Ação efeito ou exercício da capacidade de agir ato intencional ato voluntário e proposital dirigido a um objetivo 2 Ato de fala ato ou ação efetuada por meio de um proferimento linguístico ação de fazer algo por meio 12 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO de um proferimento ação de enunciar por um agente falante num dado contexto 3 Círculo hermenêutico estrutura da compreensão pela qual a compreensão de um todo é baseada na compreensão das partes individuais e a compreensão de cada parte individual é baseada na referência ao todo interdependência entre o todo e suas partes 4 Circunstância conjunto de particularidades condições ou fatores que acompanham um evento condição do momento presente de uma ação situação num determinado momento conjuntura contexto 5 Compreensão ato ou efeito de apreender o sentido e o significado de algo entendimento percepção apreensão das intenções pensamentos e atitudes das outras pessoas apreensão e realização do sentido de uma expressão 6 Conceito representação mental abstrata e geral de um objeto noção abstrata conteúdo de um predicado 7 Conteúdo aquilo que é expresso por uma expressão aquilo que é comunicado por um discurso ou texto assunto matéria significado de um signo sentido e significado de uma expressão linguística 8 Contexto conjunto de circunstâncias nas quais um evento ocorre situação conjuntura totalidade das circunstâncias exteriores à língua ambiente físico da enunciação fatores históricos sociais culturais etc que possibilitam condicionam ou determinam um ato de enunciação e a respectiva interpretação 9 Disposição tendência inclinação intenção vontade hábito 13 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 10 Domínio de referência mundo conjunto de objetos a que um discurso se refere conjunto das coisas que podem ser referidas e a partir do qual sentenças são declaradas verdadeiras ou falsas 11 Estrutura forma e organização dos elementos que compõem um todo material ou de uma realidade imaterial forma ou organização na qual as partes são dependentes do todo e interconectadas entre si aquilo que sustenta alguma coisa armação construção edificação conjunto de relações entre os elementos de um sistema 12 Experiência ato ou efeito de agir e perceber conhecimento por meio dos sentidos e da ação execução realização de uma atividade vivência ensaio tentativa 13 Expressão ato ou efeito de exprimir manifestação de pensamentos por gestos ou palavras entoação com que se pronuncia uma palavra ou uma frase signo palavra gesto 14 Forma ordenação série de características fonológicas gramaticais e lexicais das unidades linguísticas conjunto dos limites exteriores de um objeto ou de um corpo que lhe conferem uma configuração ou uma determinada aparência feitio formato 15 Inferência ato ou efeito de inferir de deduzir uma proposição por meio de raciocínio aquilo que se deduz a partir de outra coisa ilação dedução conclusão transição de uma ou mais proposições consideradas como verdadeiras ou falsas para a verdade ou falsidade de outras proposições 14 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 16 Intenção intento propósito desígnio vontade 17 Interpretação ato ou efeito de atribuir um significado a um sentido em que se toma uma expressão discurso ou ação maneira de representar uma situação maneira de executar uma instrução execução modo de aplicação de uma regra 18 Língua sistema histórico apreendido constituído por palavras e regras gramaticais que permitem a construção de frases e que é usado como meio de expressão e comunicação falado ou escrito pelos membros de uma mesma comunidade linguística idioma 19 Linguagem sistema de representação meio de comunicação língua forma de expressão própria de determinados grupos sociais profissionais ou de determinadas áreas do saber 20 Mundo conjunto de tudo quanto existe o que há a totalidade das coisas existentes e possíveis 21 Objeto aquele ou aquilo que é afetado ou sofre uma ação o que é pensado ou representado enquanto distinto do ato pelo qual é pensado aquilo cuja existência é considerada como independente do conhecimento que dele tem o sujeito pensante o que é referido 22 Práticas conjunto de ações maneira concreta de exercer uma arte ou conhecimento experiência exercício forma habitual de agir procedimento conduta costume 15 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO 23 Précompreensão estrutura de crenças e conhecimentos prévios conhecimento tácito que embasa uma compreensão 24 Proferimento ato de enunciar ou realizar uma enunciação ato de fala 25 Proposição enunciado verbal suscetível de ser declarado verdadeiro ou não conteúdo de uma frase sentido significado de uma frase assertórica 26 Referência ato de referir coisa referida o que é significado processo por meio do qual uma palavra ou expressão linguística remete a uma entidade ou localização temporal ou espacial apreensível num determinado contexto 27 Sentido direção ou modo de apresentação de um conteúdo estrutura de inteligibilidade modo de indicação de uma referência conceito pensamento 28 Significado aquilo que uma expressão linguística exprime ou representa significação expressa valor objeto designado 29 Signo sinal ou marca natural ou convencional que representa algo distinto de si próprio símbolo sinal sinal próprio da linguagem verbal palavra aquilo que está por outra coisa 30 Símbolo aquilo que representa ou sugere algo objeto que serve para evocar algo imagem ou objeto material que representa uma outra realidade sinal representativo signo ser ou objeto a que se convencionou atribuir um dado significado 31 Sinal marca ou objeto que representa ou indica uma coisa fato ou fenômeno presente passado ou futuro 16 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO manifestação exteriorização revelação indício indicação prenúncio anúncio vestígio 32 Situação complexo que resulta da interação em dado momento de um ser vivo e sobretudo de uma pessoa humana com o seu meio social físico ou mesmo intelectual conjunto de fatores extralinguísticos que condicionam e determinam a emissão de um ato de fala série de acontecimentos num dado momento circunstância 33 Texto conjunto ordenado de palavras ou frases escritas em uma língua ou linguagem sequência finita e organizada de enunciados que constitui a unidade fundamental do processo comunicativo e que é dotada de sentido e propósito 34 Universo de discurso conjunto de elementos linguísticos e extralinguísticos que constituem as condições de produção de um enunciado conjunto de elementos que se tomam como referência em dado discurso tudo o que é foi ou pode ser expresso em determinada linguagem 3 ESQUEMA DOS CONCEITOSCHAVE Os Esquemas a seguir possibilitam uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo O primeiro se refere às condições sob as quais uma experiência de sentido compreensível transcorre a experiência de sentido está ancorada e embasada em um contexto históricocultural um contexto linguístico em práticas e précompreensões tácitas e no esforço de entendimento de uma comunidade 17 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Figura 1 Esquema dos círculos da compreensão Já a segunda imagem indica a condição circular da compreensão e da interpretação Figura 2 Esquema do círculo hermenêutico 18 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO Por fim o último gráfico explicita a condição circular entre experiência vivida précompreensão compreensão e revisão das précompreensões Figura 3 Esquema do círculo da experiência vivida e da compreensão refletida 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BETTI E Teoria generale della interpretatione Milano Dott A Giuffrè 1955 BOLLNOW O F Studien zur Hermeneutik Part I Zur Philosophie der Geisteswissenschaften München Alber 1982 BRAIDA C R A historicidade do artístico e a condição artefactual In FLORES M B R PIAZZA M F F PETERLE P Arte e pensamento operações historiográficas São Paulo Rafael Copetti 2016 BRAIDA C R Compreensão hermenêutica e suspeição genealógica Peri v 7 n 1 p 133 2015 BRAIDA C R Da voz dramática às linguagens de máquina ROHDEN L Org Entre Filosofia e Literatura Belo Horizonte Relicário 2015 p BRAIDA C R Filosofia e Linguagem Florianópolis Clube de AutoresRocca Brayde 2013 CASSIRER E Filosofia das formas simbólicas Volume I Linguagem São Paulo Martins Fontes 2001 19 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO CASSIRER E 1925 Filosofia das formas simbólicas Volume II O pensamento mítico São Paulo Martins Fontes 2004 CASSIRER E Philosophie der symbolischen Formen Die Sprache II Das Mythische Denken III Phänomenologie der Erkenntnis Darmstadt Wissenschaftliche Buchgesellschaft 192319291964 DAVIDSON D Inquiries into truth and interpretation New York Clarendon Press 1991 DELEUZE G Différence et répétition Paris PUF 1968 DUMMETT M The logical basis of metaphysics Cambridge Harvard U P 1991 DUMMETT M The seas of language Oxford Clarendon Pr 1993 GREISCH J Lâge herméneutique de la raison Paris Éditions du Cerf 1985 GUMBRECHT H U Produção de presença o que o sentido não consegue transmitir Rio de Janeiro Contraponto 2010 HEGEL G W F Fenomenologia do Espírito trad P Menezes Petrópolis Vozes 2011 HOUAISS A Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa v 20 Rio de Janeiro Objetiva 2007 KEANE K LAWN C Eds The Blackwell companion to Hermeneutics Oxford Blackwell 2016 JUNG M Hermeneutik zur Einfürung Hamburg Junius 2001 IHDE D Postphenomenology and technoscience New York SUNY Press 2009 LUTERO M Da liberdade cristã 4 ed São Leopoldo Sinodal 1983 LUTERO M Obras selecionadas São Leopoldo Sinodal 1987 MING X Afterword Contesting the Real In MING X Org The agon of interpretations Toronto University of Toronto Press 2014 p 302308 NIETZSCHE F W Sämtliche Werke Kritische Studienausgabe Hrsg G Colli und M Montinari 2 ed BerlinNYork De Gruyter 1988 PALMER R E Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 PEIRCE C S Semiótica 2 ed São Paulo Perspectiva 1990 SAUSSURE F Curso de Linguística geral Org Ch Bally e A Sechehaye Trad de A Chelini J Paulo Paes e I Blikstein 24 ed São Paulo PensamentoCultrix 2002 SCHLEIERMACHER F D Hermenêutica arte e técnica da interpretação Trad org C R Braida Petrópolis Vozes 2000 20 HERMENÊUTICA CONTEÚDO INTRODUTÓRIO SCHMIDT L K Hermenêutica Trad F Ribeiro 3ed Petrópolis Vozes 2014 STEIN E Aproximações sobre hermenêutica Porto Alegre EDIPUCRS 1996 WITTGENSTEIN L Tractatus logicophilosophicus Trad Luiz H Lopes dos Santos São Paulo Edusp 1993 21 UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA Objetivos Introdução à história da Hermenêutica Apresentar as áreas de interesse e aplicação dos conceitos hermenêuticos Compreender as interrelações entre experiência expressão interpretação e compreensão Explanar as relações hermenêuticas entre experiência vivida linguagem e pensamento Compreender o lugar teórico dos conceitos hermenêuticos Conteúdos Hermenêutica técnica teoria e filosofia da compreensão e da interpretação Expressão experiência vivida história comum compreensão de si e do outro Linguagem experiência vivida e expressa linguisticamente compreensão do outro e sentido comum Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 A leitura desta obra deve ser vista como uma indicação dos termos e tópicos a serem estudados e aprofundados procure outras informações e apresentações desses assuntos nos livros indicados nas referências bibliográficas e em sites confiáveis Lembrese de que na modalidade EaD o engajamento pessoal e a organização dos estudos é um fator determinante para o seu crescimento intelectual 22 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 2 Para uma visão inicial panorâmica do campo hermenêutico recomendase a leitura dos seguintes textos os quais constituem excelentes exposições dos conceitos e aplicações da Hermenêutica HERMENÊUTICA Verbete do site Wikipédia Disponível em https ptwikipediaorgwikiHermenêutica Acesso em 25 ago 2020 MANTZAVINOS C Hermeneutic Stanford Encyclopedia of Philosophy 2016 Disponível em httpsplatostanfordeduentries hermeneutics Acesso em 25 ago 2020 INWOOD M Hermenêutica 2007 Disponível em httpscriticanarede comhermeneuticahtml Acesso em 25 ago 2020 STAGLIANO N Hermenêutica conceitos e características 2016 Disponível em httpssimoesstaglianojusbrasilcombrartigos335787147 hermeneuticaconceitosecaracteristicas Acesso em 25 ago 2020 3 Para uma melhor visualização dos problemas e conceitos hermenêuticos em diferentes domínios de conhecimento que serão estudados a seguir sugerese a leitura dos seguintes textos ROCHA S A Evolução histórica da teoria hermenêutica do formalismo do século XVIII ao póspositivismo Lex Humana v 1 n 1 77160 2009 Disponível em httpseerucpbrseerindexphpLexHumanaarticle view5 Acesso em 25 ago 2020 OLIVEIRA R T STRECK L L O que é isto A hermenêutica jurídica 29 ago 2015 Disponível em httpswwwconjurcombr2015ago29 istohermeneuticajuridica Acesso em 25 ago 2020 SALLES W F AMARAL D R Hermenêutica teológica caminho para a afirmação da identidade religiosa Revista de Cultura Teológica v 18 n 70 p 5168 abrjun 2010 Disponível em httpsrevistaspucspbr culturateoarticledownload1540911510 Acesso em 25 ago 2020 BRIZOTTO B BERTUSSI L T Hans Robert Jauss e a Hermenêutica literária Letrônica Porto Alegre v 6 n 2 p 735752 juldez 2013 Disponível em httprevistaseletronicaspucrsbrojsindexphp letronicaarticleviewFile1488911287 Acesso em 25 ago 2020 ROHDEN L Hermenêutica filosófica entre Heidegger e Gadamer Natureza humana São Paulo v 14 n 2 p 1436 2012 Disponível em httppepsicbvsaludorgpdfnhv14n2a02pdf Acesso em 25 ago 2020 23 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 4 A compreensão adequada dos temas e conceitos de Hermenêutica está associada ao domínio de vários outros conteúdos e competências incluindo vários domínios de conhecimento Para adquirir uma competência mínima são necessários conhecimentos básicos de teoria da linguagem de historiografia e de humanidades Uma referência bibliográfica básica são os livros de Richard E Palmer 1986 e de Lawrence K Schmidt 2014 5 O estudo sistemático de qualquer assunto exige organização e um trabalho de esquematização dos conceitos e teorias Por isso anote os termos principais usados na unidade faça mapas conceituais e busque fixar o sentido com que são usados e sobretudo qual função ou papel teórico esses conceitos exercem na teoria Consulte dicionários e outros textos para elaborar e aprofundar a caracterização desses termos registrando as frases em que eles ocorrem e as diferenças entre os autores 24 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 25 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 1 INTRODUÇÃO Nesta unidade será apresentada uma descrição geral da Hermenêutica caracterizandoa como técnica teoria e filosofia da compreensão e da interpretação Também serão apresentados de modo informal os conceitos básicos de expressão experiência vivida história e compreensão com o objetivo de delinear uma caracterização da Hermenêutica como essencialmente referida ao fenômeno da linguagem da experiência vivida expressa linguisticamente e da compreensão do outro enquanto processo de chegar a um sentido comum Por detrás de toda disciplina e área de conhecimento estão experiências e noções básicas enraizadas na história de nossa cultura adquiridas no enfrentamento de problemas específicos e reais Não é diferente com a disciplina do pensamento e da ação denominada Hermenêutica na sua base estão experiências comuns mas como disciplina e técnica essa palavra indica problemas efetivos e também as teorias com os quais se procurou solucionálos O marco inicial dessa disciplina no contexto da História da Filosofia podese seguramente dizer que é o diálogo Íon de Platão 2011 escrito no século 4º aC no qual o termo já aparece usado para se referir a uma prática arte ou técnica de exposição interpretação e compreensão de textos e discursos As técnicas ou artes hermenêuticas referemse às práticas sistemáticas de decifração tradução interpretação e compreensão de discursos e textos bem como de monumentos e vestígios de atos e pensamentos de outrem contemporâneos ou passados Seja na tradição grega seja na judaica ou na romana em relação tanto aos textos poéticos e sagrados quanto aos textos jurídicos e administrativos e também aos relatos e monumentos históricos a experiência do não entendimento 26 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA ou da obscuridade do sentido e do significado foi tematizada e enfrentada com procedimentos técnicas e regras explícitas Por Hermenêutica no seu uso genérico entenderemos a disciplina e a prática de buscar o sentido e o significado de uma produção expressão ou ação cuja realização foi propositadamente executada para ser apreendida enquanto tendo um ou mais sentidos determinados a partir do qual ou dos quais um significado é indicado O caso exemplar de produção que visa transmitir um sentido a ser aprendido como tendo um ou outro significado são os textos e discursos mas isso também vale a objetos como as obras de arte e monumentos e ações são veículos de sentido e significado usados por agentes e falantes para se fazerem entender e para darem a entender o que pensam e o que sentem em determinadas situações 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma sucinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteúdo Digital Integrador 21 HERMENÊUTICA ORIGEM E SIGNIFICADO Os termos do pensamento reflexivo ocidental foram fixados na língua dos povos gregos entre os séculos 8º quando são fixadas por escrito as epopeias hoje conhecidas como a Ilíada e a Odisseia de Homero e 4º antes da era cristã século da fundação da Academia de Platão do Liceu de Aristóteles e da Escola de Zenão em que foram pensadas e escritas as obras que determinaram o curso da Filosofia que ainda hoje praticamos 27 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA Entre esses termos estão as palavras hermeneuien e sinein as quais remetem às atividades de narrar e interpretar um acontecimento de expressar e compreender uma opinião enfim de dizer e entender um assunto A própria atividade filosófica nos seus começos é já uma disputa acerca de como narrar os fatos e dizer as coisas perfazendose desde o seu início como uma disputa acerca da validade desta ou daquela maneira de pensar e compreender os discursos e os fatos No diálogo Íon de Platão esses termos já aparecem com um uso bem determinado Nele Sócrates conversa com uma figura típica do mundo grego de então um rapsodo uma pessoa que sabia declamar interpretar e apresentar poemas e muitas vezes era também um poeta Tratase de Íon considerado à época o maior entre os maiores rapsodos Logo no início Sócrates faz este comentário falando da técnica e da vida dos rapsodos viver na companhia de outros poetas muitos e bons e mais que todos de Homero o melhor e mais divino dos poetas e saber de cor seu pensamento dianoia não apenas as suas palavras é invejável Pois ninguém se tornaria jamais um bom rapsodo se não compreendesse sinein as coisas ditas legomena pelo poeta Pois deve o rapsodo se tornar para os ouvintes intérprete do pensamento do poeta hermeneia dei tou poietou tes dianoias Porém fazer isso bem sem conhecer o que diz gignouskonta oti legei o poeta é impossível PLATÃO 2011 p 27 Nessa passagem já está caracterizada o que depois se chamará de arte da hermenêutica indicando um conhecimento e uma compreensão associados a uma interpretação das coisas pensadas ditas e escritas Logo a seguir p 29 Sócrates se refere ao saber de Íon com o termo exegese hexegesaio que consiste em saber ler e compreender bem a expressão escrita de um discurso Depois ele vai utilizar a construção que marca 28 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA a atividade hermenêutica referindose ao fato de que entre os gregos os poetas eram tidos como intérpretes ou tradutores hermeneúeien dos próprios deuses Sócrates entende a atividade do rapsodo como a de um intérprete dos intérpretes hermenéon hermenês os poetas são intérpretes dos deuses hermenês eisin tôn theôn e os rapsodos interpretam as obras e os pensamentos desses poetas tôn poietôn hermeneúete PLATÃO 2011 p 41 Além disso em grego antigo o verbo hermeneuein e o substantivo hermeneias remetem também à ação de enunciar dizer declarar como indica o uso que faz Aristóteles 2016 no livro Da interpretação Peri hermeneia que trata da enunciação e dos fundamentos semânticos da Lógica A partir dessas indicações podese entender que a formulação platônica hermenéon hermenês significa também a interpretação compreensiva das expressões faladas e escritas de outrem para assim apreender os seus pensamentos o que se caracteriza pela atividade de expressar e dizer aquilo que foi pensado dito e escrito pelo outro Em latim o termo usado para se referir a essa arte era ars interpretandi e desde o século 17 a palavra hermenêutica adaptada do grego clássico passou a ser utilizada nas línguas europeias Na tradição grega os vocábulos hermenenuein e hermeneia indicam as ações de enunciar ou dizer e também de explicar e representar e ainda de traduzir nos três casos há algo diferente de estranho e de separado no tempo no espaço ou na experiência que se torna familiar presente e compreensível há algo que requer representação explicação ou tradução e que é de certo modo tornado compreensível interpretado PALMER 1986 p 25 29 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA A estrutura dessas ações é complexa alguém pensa ou tem certas intenções expressa ou age de acordo com esses pensamentos e intenções as outras pessoas percebem apenas as suas expressões e ações mas precisam entender e compreender os seus pensamentos e intenções expressandoos outra vez para serem compreendidos por outras pessoas Muitas vezes associase o termo hermenêutica ao deus grego Hermes considerado o mensageiro entre os deuses e os humanos ao qual se atribui a invenção da linguagem e da escrita BOECKH 1877 p 80 Todavia devese ver nisso a síntese mitopoética grega da experiência da comunicação e da linguagem Com efeito o radical erm em grego indica primeiro a expressão e a interpretação na própria língua daquilo que alguém tem em mente ou quer dizer segundo a expressão e tradução daquilo que outro tem em mente ou quer dizer em outra língua terceiro a expressão e interpretação do que foi enunciado por meio de comentário e explicações No tratado Da interpretação Peri Hermeneias Aristóteles estabelece um uso vinculante do termo hermeneia como significando a expressão do pensamento por meio da linguagem enquanto esta é o veículo ou mediador entre o que alguém tem em mente e a realidade de que ele fala e sobre a qual pensa ARISTÓTELES 2016 p 85 Utilizaremos aqui a palavra hermenêutica sempre associada a experiências e ações envolvendo algo que tem ou faz sentido enquanto é inteligível e significativo Em grego a palavra hermeneuien indicava tanto a expressão ou enunciação de sentido ou pensamento quanto a compreensão e a interpretação daí o inevitável sintagma platônico hermenéon hermenês 30 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA No entanto este não precisa ser lido no registro metafísico pois já nas línguas modernas e também no latim as diferentes acepções do radical grego foram fixadas e expressas com palavras distintas como é o caso em português Se alguém diz que se fez uma hermenêutica de alguma coisa isso pode significar que se fez uma exposição ou apresentação ou uma interpretação ou uma explicação ou uma exegese ou uma tradução ou uma leitura etc No século 19 sobretudo a partir dos trabalhos de Schleiermacher Droysen e Dilthey fixaramse quatro acepções em que se usa a palavra hermenêutica 1 ausdrucken expressar enunciar 2 auslegen esclarecer interpretar 3 übersetzen traduzir 4 Verstehen compreender Essas quatro acepções indicam sempre operações aplicadas a algo texto ou discurso objeto ou ação usado por alguém para transmitir a outros seus pensamentos e intenções e cujo sentido é preciso apreender em outros termos explicitar de modo a ficar claro transpor para outros conceitos e compreender em sua inteligibilidade e significado O que está em questão é o ter e fazer sentido e a realização desse sentido como um ou outro significado Dilthey estabeleceu o cerne da Hermenêutica na conexão de sentido que se realiza na articulação de uma experiência vivida Erlebniss suas expressões Ausdruck e a compreensão Verstehen dessas expressões A compreensão por sua vez reduplicase pois indica a compreensão daquele que vive a experiência e a expressa e também a de outro a qual em certa 31 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA medida depende de uma revivência Nacherleben por parte daquele que quer apreender o sentido das expressões de uma vivência alheia DILTHEY 2010 22 ÂMBITOS DA HERMENÊUTICA A Hermenêutica como arte da apreensão interpretação e compreensão de sentido está presente na totalidade das atividades humanas enquanto estas são marcadas pela exigência de orientação significação e valoração de um agente a serem interpretadas e compreendidas por outros agentes A experiência de orientação significação e valoração de um objeto evento ou situação devido à própria variedade e diversidade do humano traz contida em si mesma a possibilidade do dissenso e da diferença A compreensão espontânea e o entendimento no sentido comum não eliminam as diferenças de perspectivas e as disputas de interpretação e valoração Está nisso a raiz do próprio esforço de interpretação e compreensão e sobretudo da busca de um sentido comum seja como pressuposto a ser desvelado seja como projeto a ser construído Se alguém diz Vou pra Porto Alegre o que isso significa Que irá para o sul ou para o norte Que é trilegal ou que é uma pena Que terá de cruzar uma ponte ou que poderá ir a pé Que é preciso para ser feliz ou que vai para ser infeliz Que torce para o Colorado e isso é bom ou para o Grêmio Maragato ou Chimango Que é bom ou ruim porque lá faz frio Esses sentidos e significados valorações e conotações a frase Vou pra Porto Alegre apenas pode ter em um contexto de proferimento particular e para falantes e ouvintes em particular E mesmo que ela seja proferida em um sentido determinado e 32 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA claro o significado para quem fala é diferente daquele para quem ouve ela pode significar tudo para um e não significar nada para outro Se alguém a profere em Santa Maria temos uma situação diferente de se ela for dita em Florianópolis Ir para Porto Alegre pode ser uma ilusão ou talvez a desilusão de alguém O seu sentido pode até ser o mesmo o de alguém ir a uma determinada cidade mas o seu significado já é diferente para quem vai e para quem fica Todavia e é isso o que nos espanta as pessoas se entendem ainda assim elas comumente se compreendem e no comum do dia a dia interpretam corretamente umas às outras Esse entendimento comum ocorre no plano mesmo das ações e interações mas tem seu lugar na própria conversação na qual uma comunidade alcança uma unidade e ajusta as diferenças NIETZSCHE 1992 p 182 O entendimento na linguagem a compreensão dos relatos e histórias dos mitos e das verdades do que é digno ou indigno de se fazer dos modos de comportarse e do que é preferível fazer perfaz o cerne de uma comunidade Um dos problemas mais antigos em relação à linguagem é o da compreensão do discurso do outro e da interpretação de textos e documentos Em torno dessa problemática surgiram as práticas e procedimentos bem como a reflexão hermenêutica que tem como foco as expressões e linguagens pensadas prioritariamente como uma expressão do pensamento humano enquanto uma formação que precisa ser compreendida mas que é em grande parte obscura e enigmática em seu sentido e significado As palavras e discursos transmitidos e herdados por uma tradição orais e escritos nas quais se supõe muitas vezes 33 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA estar a verdade e a orientação adequada precisam ser lidos e interpretados a cada vez pelas novas gerações Leis tratados poemas histórias mitos lendas escritos sagrados e também discursos teóricos e administrativos requerem um esforço para revelar o seu sentido e ter um significado preciso O ponto de partida da Hermenêutica enquanto procedimento metódico é o problema da validação da compreensão e da incompreensão do que é dito ou significado nas manifestações linguísticas sígnicas e simbólicas A tradição hermenêutica se constituiu sobretudo a partir da experiência de interpretação de textos códigos discursos e símbolos cujos autores não estão mais presentes ou seja a partir da necessidade de compreensão de manifestações linguísticas fixadas o que agora exige esforço de decifração A partir de Friedrich D E Schleiermacher 17681834 generalizase esse problema para toda e qualquer manifestação simbólica cujo sentido esteja em causa tomandose o modelo do diálogo e da conversa como o paradigma da ocorrência de linguagem no sentido preciso de que toda enunciação deveria ser compreendida como uma resposta ou como um pedido de resposta por parte de um autor dirigindose a um interlocutor Todavia o próprio diálogo direto será compreendido como demandando um esforço de compreensão e de mediação para eliminar as intransparências e os malentendidos O que se dá o que se percebe e recebe ainda não esgota o presente em que sentido sob qual significado para qual orientação isso que se dá está dado A resposta dada Vou a Porto Alegre significa o que para quem a dá significa o que para quem a recebe O ponto principal dessa teorização metódica é a abdicação do princípio da transparência do signo linguístico e das 34 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA expressões e a generalização da experiência da interpretação A ênfase principal é a atenção ao diferente que é outro e ainda assim tem de ser compreendido HansGeorg Gadamer fala da prioridade e ineludibilidade do sistema da linguagem frente à autotransparência da consciência de si e do outro mas também frente aos fatos O si mesmo o outro e o mundo dos fatos dão se apenas no mundo intermediário da linguagem enquanto este é propriamente a verdadeira dimensão do real do dado GADAMER 2004 p 391 O pressuposto hermenêutico básico é que nas ações e expressões do outro atual ou antepassado há algo que faz sentido e é significativo merecendo ser entendido e compreendido A Hermenêutica é uma atividade prática cuja finalidade é apreender o sentido do que é feito e dito uma apreensão do sentido que se dá na linguagem e pela linguagem Na base do esforço hermenêutico de interpretação e compreensão de uma manifestação alheia está também a percepção da diferença ou alteridade que na sua forma mínima é a própria diferença entre a posição do eu e do tu daquele que falou ou escreveu e daquele que lê e quer entender O elemento propriamente hermenêutico está porém na sobreposição de outro diferimento que precisa ser apreendido e compreendido a saber o diferimento não propriamente quanto à posição e sim quanto ao modo como o outro pensa sinein sobre determinada coisa assunto ou problema pragma A primeira diferença referese à distinção entre a pessoa que fala e a que ouve a segunda diz respeito à diferença de visada que uma e outra têm sobre o assunto em questão Compreender o outro é compreendêlo como outro diferente com seus outros interesses e orientações e também compreender a si mesmo 35 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA como distinto e isso em relação a um assunto ou coisa cujos sentido e significado importam a ambos O que se quer é compreender o outro tal como o outro quer ser compreendido portanto o que se quer é chegar a um sentido comum Todavia o acento principal será posto no fato da alteridade ineliminável a ser também ela compreendida como frisou Schleiermacher sempre resta para cada um o estranho Fremdes nos pensamentos Gedanken e expressões Ausdrücken do outro SCHLEIERMACHER 2000 p 33 Essa diferença diz respeito justamente à diversidade de interesses e pontos de vista relativos ao eu que lê e ao tu que se expressa como é o caso entre o autor dos textos sagrados e o eu individual entre os autores antepassados de uma tradição de costumes leis e textos e os membros atuais de uma comunidade Nesse ponto tornamse visíveis a diferenciação e o distanciamento histórico Quando se compreende compreende se de modo diferente o mesmo sentido ou o sentido comum é uma projeção cuja realização depende de um esforço constante A historicidade da compreensão e da significação está ligada a essa diferenciação distanciadora que o tempo impõe O sentido de um poema é algo a ser recuperado reconstruído reatualizado E também um poema ou um texto constituidor de uma tradição é algo que precisa ser ressignificado e compreendido de novo a cada nova geração Línguas práticas e hábitos mudam pelo acúmulo de fatos e feitos e também de sentidos dados e de interpretações feitas desses fatos e feitos de modo que um mesmo texto sempre é lido de modo diferente no evolver de uma tradição 36 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 23 TRÊS DIMENSÕES DA HERMENÊUTICA A Hermenêutica como técnica de interpretação procedimento de decodificação e decifração de um enunciado hermeneia texto ou manifestação expressiva já na antiguidade se subdividiu em ramos especializados como o da exegese e interpretação de textos sagrados o da interpretação e aplicação dos textos jurídicos e por fim o da exegese comentário e interpretação de textos poéticos literários e filosóficos Com efeito a Hermenêutica enquanto arte e técnica de interpretação correta de textos começa com o esforço dos gregos para preservar e compreender os seus poetas e desenvolvese na tradição judaicocristã de exegese das Sagradas Escrituras A partir do Renascimento fixamse três tipos básicos de técnica de interpretação hermenêutica teológica sacra jurídica juris e poéticofilológica profana Os problemas enfrentados nesses âmbitos especializados não são os mesmos embora neles em geral se tenha em vista a compreensão de textos Essa tripartição contudo não é uma mera classificação acessória pois ela diz respeito aos próprios conceitos de interpretação e de sentido que se aplicam a um texto ou discurso Compreender e interpretar um texto no seu sentido religioso é diferente de o fazer em sentido jurídico e ambos esses sentidos são distintos em relação ao poético científico e filosófico Uma coisa é ler um texto enquanto se supõe que este seja a revelação da vontade e verdade divinas a que se deve obediência e respeito outra bem diferente é lêlo enquanto texto tomado como regra pela qual se julga uma ação em particular como autorizada ou desautorizada socialmente 37 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA Nesses dois casos a compreensão e a interpretação do sentido do texto implicam uma aplicação direta seja à própria vida do leitor seja a um ato particular de outrem Dito de outro modo no caso dos textos religiosos e jurídicos o seu sentido e sua interpretação implicam uma remissão a uma dimensão que está fora do texto a dimensão do sagrado e a da convivência socialmente regrada respectivamente O intérprete não compreende o texto pelo texto e pelo que ele significa mas o faz remetendo a algo diferente à vontade divina ou à comunitária No caso dos sentidos poéticos literários e filosóficos de um texto essa aplicação não ocorre e a adequação de uma interpretação diz respeito a critérios bem distintos como os padrões estéticos e artísticos ou os de coerência e consistência conceitual e lógica ou então os de embasamento experimental e observacional Por isso a distinção entre hermenêutica sacra jurídica e profana embora hoje esteja um pouco em desuso remete ao problema fundante da reflexão hermenêutica a saber o da diversidade de sentidos e significados com que uma forma significante pode ser compreendida No passado os textos eram de saída concebidos como pertencentes a gêneros particulares que determinavam já o tipo de leitura e o sentido pelos quais eles deviam ser lidos Atualmente está bem estabelecido que o mesmo texto pode ser lido sob diferentes sentidos e enfoques GENETTE 2004 p 103 105 Um dado texto pode ser objeto de interpretação jurídica literária ou filosófica como é o caso de uma Constituição de um país podemos lêla para aplicála na decisão de um caso jurídico real para discutir e exemplificar uma tese filosófica em teoria ética ou política ou para apreciar os usos e estilos linguísticos as figuras retóricas e o tipo de construção frasal O texto é o mesmo mas o sentido em que ele é lido propicia diferentes 38 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA interpretações as quais por sua vez são julgadas como mais ou menos adequadas As leituras indicadas no Tópico 31 tratam dos conceitos e termos básicos da Hermenêutica Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 24 A HERMENÊUTICA BÍBLICA CLÁSSICA Ao nome de Fílon de Alexandria 15 aC40 dC está associado o método de interpretação dos textos sagrados denominado de alegórico proveniente da escola estoica inicialmente delineado para a interpretação dos mitos gregos e depois aplicado também à interpretação dos textos da tradição judaica e dos bíblicos A ideia central desse método é que o texto bíblico se deixa ler em dois sentidos o literal associado às palavras na sua significação convencional e o alegórico ligado ao conteúdo espiritual Um exemplo desse procedimento está na seguinte passagem na qual Fílon sugere uma leitura alternativa para a descrição do jardim do Éden no Livro do Gênesis A meu ver tais considerações sobre o Jardim do Éden parecem supor um filosofar em sentido mais simbólico que próprio pois sobre a terra ainda não apareceu no passado nenhuma árvore da vida nem nenhuma árvore do conhecimento nem é verossímil que apareçam no futuro Parece antes que com o nome de jardim Moisés faz alusão ao princípio hegemônico da alma repleta de algum modo dessa miríade de plantas que se chamam opiniões dóxai com o nome de árvore da vida à piedade para com Deus teosebia a maior das virtudes que torna a alma imortal e com o nome de árvore do conhecimento do bem e do mal 39 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA à prudência sophrosyne virtude com que se julgam as coisas contrárias por natureza FÍLON 2015a p 97 Nessa passagem mostrase claramente que Fílon não lê as palavras e frases do Genesis em seu sentido lato mas sim o faz em termos metafóricos e alegóricos isto é como tendo um outro sentido para além do convencional O texto fala em quatro fontes do jardim do Éden mas Fílon lê essa passagem como referindose a quatro virtudes No lugar das nascentes dos rios não há nenhum Paraíso a não ser que nesta passagem os tópicos sejam alegóricos e os quatro rios sejam um símbolo das quatro virtudes FÍLON 2015b p 6364 O inteiro texto tomado como um discurso tem por assunto outra coisa que aquilo que as suas palavras significam no seu sentido convencional Em relação ao grande dilúvio Fílon não o lê como tratando de um fenômeno real mas sim como uma metáfora cujo sentido é assim interpretado Quando as torrentes do intelecto são abertas pela insensatez pela loucura pelo desejo insaciável então se trata verdadeiramente de grande dilúvio Por outro lado o intelecto íntegro de quem vive segundo a Lei de Moisés segue vivendo no corpo como numa arca FÍLON 2015b p 127 O método de leitura alegorizante transforma o sentido literal em um outro de natureza religiosa ou ética O verdadeiro sentido está oculto por detrás do aparente Seguindo o método de Fílon Orígenes 185253 dC no contexto cristão da interpretação dos textos bíblicos propunha que os textos sagrados têm sentidos ocultos que apenas um leitor espiritual pode apreender Embora o sentido literal seja por si só valioso ele pode obscurecer o sentido principal que é o espiritual Há uma hierarquia pedagógica entre o literal e o 40 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA espiritual o primeiro oferecese como porta de entrada mas é o segundo que deve ser buscado por aqueles que têm fé Orígenes atribuía a leitura literal aos judeus e aos não cristãos e a leitura espiritual como aquela devida aos cristãos Além disso ele distinguia três níveis de sentido os quais correspondiam a três atitudes básicas ou dimensões do humano Carnal a interpretação literal visível e óbvia para todos correspondendo aos não doutos Pneumática a interpretação dos tocados pela fé cristã e que discernem outros sentidos para além do literal Espiritual a interpretação propriamente alegórica e religiosa Em oposição à interpretação alegorizante da escola de Alexandria em Antioquia desenvolveuse outro método de leitura dos textos sagrados Sua diferença principal está no fato de que partia de uma valorização do sentido literal do texto em termos gramaticais e históricos com o propósito de buscar o sentido do texto enquanto aquilo que o seu autor quis dizer considerando a situação histórica em que escreveu Em oposição à alegoria essa escola privilegiava o conceito de teoria o qual indicava a visão do autor e que implicava que as suas palavras teriam um sentido espiritual para além do literal mas ainda assim não metafórico e não alegórico Embora admitissem o caráter metafórico de muitas passagens do texto bíblico reconheciam nisso a necessidade de contextualização histórica para alcançar o sentido espiritual e moral Esse resgate do contexto histórico tinha como objetivo reconstruir a intenção do autor isto é o que ele viu e quis dizer na sua época com as palavras que usou 41 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA Esta teoria evoluiu para uma concepção quadripartite do sentido dos textos predominante no Medievo como é o caso em João Cassiano 360435 e posteriormente em Agostinho de Dakien morto em 1282 Nela se distinguem quatro sentidos 1 Das palavras ou histórico os fatos descritos 2 Alegórico aquilo em que se deve crer 3 Moral aquilo que se deve fazer 4 Anagógico o que se deve esperar As leituras indicadas no Tópico 32 tratam da Hermenêutica antiga Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado Santo Agostinho As discussões sobre a interpretação e a compreensão dos textos bíblicos nas suas várias correntes convergem na obra de Santo Agostinho 354430 dC A doutrina cristã na qual é realizada uma síntese que se tornou paradigmática podendo ser considerada uma das primeiras obras de reflexão hermenêutica sistemática e bem fundamentada do ponto de vista das teorias linguísticas e históricas existentes na época Nessa obra Agostinho reflete sobre as dificuldades e os problemas de leitura do texto bíblico discutindo os modos de superação para alcançar uma compreensão adequada Agostinho adota uma teoria que inclui e sistematiza as diferentes propostas anteriores reconhecendo que o texto sagrado tem de ser lido 42 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA nos seus aspectos e sentidos históricos etiológicos analógicos e alegóricos Devese a Agostinho a formulação clara do preceito da fé regula fidei como critério para determinar qual sentido deve prevalecer o literal ou o alegórico ambos igualmente válidos Esse preceito contudo é ele mesmo regulado pelo estabelecimento dos textos canônicos e dogmas no sentido de que o intérprete não é autônomo para recorrer a qualquer fonte e para alterar os dogmas estabelecidos Quanto às Escrituras canônicas siga a autoridade da maioria das Igrejas católicas entre as quais sem dúvida se contam as que merecem ser sede dos apóstolos e receber cartas deles AGOSTINHO 2002 p 95 Ainda assim para Santo Agostinho o problema é o da leitura correta e da compreensão adequada do sentido dos textos bíblicos o que implica compreendêlos em sua totalidade amparandose nas passagens claras para compreender as difíceis ou ambíguas A primeira observação a ser feita a essa busca e empresa é como já dissemos tomar conhecimento dos Livros santos Se a princípio não se conseguir apreender o sentido todo pelo menos fazer a leitura e confiar à memória as santas palavras De toda a forma não ignorar por completo os Livros sagrados Em seguida se há de verificar com grande cuidado e diligência os preceitos morais e as regras de fé que a Escritura propõe com clareza Encontramse tão mais abundantemente quanto maior for a abertura do entendimento de quem busca visto que nas passagens que a Escritura oferece com clareza encontramse todos os preceitos referentes à fé e aos costumes à esperança e à caridade sobre os quais tratamos no primeiro livro AGOSTINHO 2002 p 98 43 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA Agostinho ao mesmo tempo em que recomenda o conhecimento dos textos reconhece que a dificuldade de compreensão advém da própria linguagem em que foram escritos Para resolver esse problema formula uma teoria geral do signo linguístico com base nas tradições estoica e platônica No entanto é no estudo e no conhecimento das línguas originais que está a chave para a solução das dificuldades de leitura e compreensão correta Para combater a ignorância dos signos próprios o grande remédio é o conhecimento das línguas Os conhecedores da língua latina a quem pretendemos instruir neste momento necessitam para chegar a conhecer a fundo as divinas Escrituras de duas outras línguas a saber o grego e o hebraico Elas lhes permitirão recorrer aos exemplares mais antigos no caso em que a infinita variedade das traduções latinas lhes traga alguma dúvida AGOSTINHO 2002 p 100 De qualquer modo as dificuldades de leitura não são resolvidas apenas pelo recurso linguísticogramatical e pelo conhecimento causal e histórico dos conteúdos e assuntos tratados nos textos O procedimento sugerido é que se recorra sim às analogias e comparações linguísticas scripturae e também às analogias com os contextos próximos mas em última instância decide a analogia da fé fidei AGOSTINHO 2002 p 152 Se a regra primária para esclarecer as dificuldades de leitura é a do conhecimento das línguas originais a hebraica e a grega a compreensão correta e plena depende da graça do Espírito Santo pois este se manifesta por meio do autor e de suas intenções conscientes Por isso cabe ao leitor entender o que o autor quis dizer com suas palavras e não introduzir sentidos que ele leitor deseja O critério da adequação aos dogmas e cânones é indispensável Além disso Agostinho sugere que as palavras 44 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA e frases devem ser entendidas no seu contexto próximo e não isoladamente As regras e os princípios que Agostinho discute e estabelece para leitura e compreensão correta dos textos bíblicos na obra A doutrina cristã podem ser resumidas nas seguintes atitudes assuma a atitude apropriada a um crente tornese competente e obtenha experiência nos assuntos aprenda especialmente os idiomas hebraico e grego e aprofunde sua compreensão do amor a Deus e ao próximo JOISTEN 2009 p 53 A reflexão de Agostinho sobre o problema da interpretação e compreensão adequada das sagradas escrituras estabelece com clareza o problema hermenêutico como incontornável mas ao mesmo tempo como superável por meio de procedimentos racionais Nessa obra com efeito já estão explicitados os problemas hermenêuticos e os princípios básicos ainda hoje vigentes enquanto fatores intervenientes na atividade de interpretar e compreender uma formação significativa 1 o fator da intermediação linguística e da diversidade das línguas AGOSTINHO 2002 p 100 106 2 o fator da equivocidade de sentido das palavras e dos discursos AGOSTINHO 2002 p 152 159 182 3 o fator do distanciamento histórico gerador de mal entendidos AGOSTINHO 2002 p 128 174 4 o pressuposto da dependência das partes em relação ao contexto ou todo do texto quanto à determinação de sentido AGOSTINHO 2002 p 183 185 5 o pressuposto de que o conhecimento da coisa ou assunto em questão é fator decisivo para a compreensão AGOSTINHO 2002 p 111 45 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA A atitude geral é de que seja possível superar esses fatores por meio de procedimentos metódicos Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 1 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizada na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte do material 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador representa uma condição necessária e indispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 HERMENÊUTICA HISTÓRIA E CONCEITOS BÁSICOS Nesta unidade discutimos de forma básica a formação da disciplina e da arte da Hermenêutica indicando seus conceitos e termos básicos Para conhecer mais sobre o assunto e ter uma sinopse clara da disciplina leia os seguintes textos GILHUS I S Hermenêutica Rever Revista de Estudos da Religião ano 16 n 2 p 144156 2016 Disponível em httpsrevistaspucspbrindexphpreverarticle view29431 Acesso em 17 ago 2020 INWOOD M Hermenêutica Trad Rogério Bettoni Crítica na rede 2 jun 2007 Disponível em https criticanaredecomhermeneuticahtml Acesso em 17 ago 2020 46 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 32 HERMENÊUTICA ANTIGA Para expandir seus conhecimentos da hermenêutica antiga leia os seguintes textos FOGAÇA R G STIGAR R A Hermenêutica da Bíblia em Fílon de Alexandria Revista Eletrônica Espaço Teológico v 12 n 22 p 89103 juldez 2018 Disponível em htt psrevistaspucspbrreveleteoarticleview40972 Acesso em 17 ago 2020 NASCIMENTO S F Orígenes alegoria exegese a procu ra de uma Hermenêutica e de um método investigativo Peri v 9 n 1 p 6480 2017 Disponível em http wwwnexosufscbrindexphpperiarticleview2055 Acesso em 17 ago 2020 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder as questões a seguir você deverá revisar os conteúdos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Considere os diferentes sentidos da palavra hermenêutica e relacione os às diferentes experiências envolvidas com palavras e textos 2 Explique a distinção básica do método de interpretação alegórica praticado por Fílon de Alexandria 3 Liste os três âmbitos de aplicação da Hermenêutica e explique o fundamento dessa distinção 4 Descreva os procedimentos e regras de interpretação propostos por Santo Agostinho na obra A doutrina cristã 47 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade foram apresentados alguns conceitos e teorias básicos relativos à Hermenêutica enquanto técnica de interpretação e teoria da compreensão Importa sobretudo perceber que a história da formação da Hermenêutica como teoria e filosofia remete a uma sequência importante de pensadores e obras desde a Antiguidade Além disso uma longa tradição hermenêutica tem sua matriz no problema da interpretação de textos legais e jurídicos sobretudo no que se refere ao Direito romano antigo e ao Direito canônico da igreja católica Em geral as técnicas e teorias hermenêuticas embasadas na interpretação de textos canônicos religiosos e jurídicos estão referidas essencialmente ao problema da exegese e decifração de textos e assim estão estritamente associadas aos problemas filológicos ao referirem o problema de como apreender o sentido e o significado de expressões escritas sobretudo quando o autor ou os autores não mais estão presentes Esse problema aparece como relevante em vários campos de saber e hoje envolve teorias complexas muito diferenciadas Por isso é necessário complementar os estudos com as leituras indicadas nas Orientações para o estudo e no Conteúdo Digital Integrador A próxima unidade apresentará os fundamentos teóricos modernos da Hermenêutica os quais conformam ainda hoje o modo como pensamos esses assuntos e problemas 48 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA 6 EREFERÊNCIAS Sites consultados BRIZOTTO B BERTUSSI L T Hans Robert Jauss e a Hermenêutica literária Letrônica Porto Alegre v 6 n 2 p 735752 juldez 2013 Disponível em http revistaseletronicaspucrsbrojsindexphpletronicaarticleviewFile1488911287 Acesso em 25 ago 2020 FOGAÇA R G STIGAR R A Hermenêutica da Bíblia em Fílon de Alexandria Revista Eletrônica Espaço Teológico v 12 n 22 p 89103 juldez 2018 Disponível em httpsrevistaspucspbrreveleteoarticleview40972 Acesso em 17 ago 2020 GILHUS I S Hermenêutica Rever Revista de Estudos da Religião ano 16 n 2 p 144156 2016 Disponível em httpsrevistaspucspbrindexphpreverarticle view29431 Acesso em 17 ago 2020 HERMENÊUTICA Verbete do site Wikipédia Disponível em httpsptwikipediaorg wikiHermenêutica Acesso em 25 ago 2020 INWOOD M Hermenêutica Trad Rogério Bettoni Crítica na rede 2 jun 2007 Disponível em httpscriticanaredecomhermeneuticahtml Acesso em 17 ago 2020 MANTZAVINOS C Hermeneutic Stanford Encyclopedia of Philosophy 2016 Disponível em httpsplatostanfordeduentrieshermeneutics Acesso em 25 ago 2020 MANTZAVINOS C O círculo hermenêutico que problema é este Tempo Social v 26 n 2 p 5769 nov 2014 Disponível em httpwwwscielobrpdftsv26n2v26n2a04 pdf Acesso em 17 ago 2020 NASCIMENTO S F Orígenes alegoria exegese a procura de uma Hermenêutica e de um método investigativo Peri v 9 n 1 p 6480 2017 Disponível em httpwww nexosufscbrindexphpperiarticleview2055 Acesso em 17 ago 2020 NEGRO M A ciência hermenêutica e Santo Agostinho Revista de Cultura Teológica v 18 n 71 p 1126 julset 2010 Disponível em httpsrevistaspucspbrculturateo articleview1538911495 Acesso em 17 ago 2020 OLIVEIRA R T STRECK L L O que é isto A hermenêutica jurídica 29 ago 2015 Disponível em httpswwwconjurcombr2015ago29istohermeneuticajuridica Acesso em 25 ago 2020 ROCHA S A Evolução histórica da teoria hermenêutica do formalismo do século XVIII ao póspositivismo Lex Humana v 1 n 1 77160 2009 Disponível em httpseer ucpbrseerindexphpLexHumanaarticleview5 Acesso em 25 ago 2020 49 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA ROHDEN L Hermenêutica filosófica entre Heidegger e Gadamer Natureza humana São Paulo v 14 n 2 p 1436 2012 Disponível em httppepsicbvsaludorgpdf nhv14n2a02pdf Acesso em 25 ago 2020 SALLES W F AMARAL D R Hermenêutica teológica caminho para a afirmação da identidade religiosa Revista de Cultura Teológica v 18 n 70 p 5168 abrjun 2010 Disponível em httpsrevistaspucspbrculturateoarticledownload1540911510 Acesso em 25 ago 2020 SILVA R S O círculo hermenêutico e a distinção entre Ciências Humanas e Ciências Naturais Ekstasis Revista de Fenomenologia e Hermenêutica v 1 n 2 p 5472 2013 Disponível em httpswwwepublicacoesuerjbrindexphpEkstasisarticle view42663815 Acesso em 17 ago 2020 STAGLIANO N Hermenêutica conceitos e caracteristicas 2016 Disponível em https simoesstaglianojusbrasilcombrartigos335787147hermeneuticaconceitose caracteristicas Acesso em 25 ago 2020 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGOSTINHO A A doutrina cristã Manual de exegese e formação cristã Trad Nair de Assis Oliveira São Paulo Paulus 2002 Coleção Patrística ARISTÓTELES Órganon Trad Edson Bini São Paulo Edipro 2016 AST F Grundlinien der Grammatik Hermeneutik und Kritik Landshut Thomann 1808 BOECKH A Encyklopädie und Methodologie der philologischen Wissenschaften Leipzig Teubner 1877 DANNHAUER J C Hermeneutica sacra sive methodus exponendarum sacrarum litterarum Strasbourg J Städel 1654 DILTHEY W A construção do mundo histórico nas Ciências Humanas Trad Marco Casanova São Paulo Editora da Unesp 2010 DILTHEY W Historia de la Filosofia Trad E Ímaz Cidade do México FCE 1992 DILTHEY W Leben Schleiermachers Zweiter Band Schleiermachers System als Philosophie und Theologie Berlin Walter de Gruyter 1966 ERNESTI J A Institutio interpretis Novi Testamenti Leipzig Weidmann 1761 FÍLON de Alexandria Da criação do mundo e outros escritos Trad Luíza M Dutra apres Carlos Nougué São Paulo Filocalia 2015a 50 HERMENÊUTICA UNIDADE 1 APRESENTAÇÃO PREPARATÓRIA FÍLON de Alexandria Questões sobre o Gênesis Trad Guilherme F Araújo apres Carlos Nougué São Paulo Filocalia 2015b GADAMER HG Verdade e método II complementos e índice Trad E P Ciachi e M C Schuback 2ed Petrópolis Vozes 2004 GENETTE G Fiction et diction Paris Ed du Seuil 2004 JOISTEN K Philosophische Hermeneutik Berlim Akademie Verlag 2009 NIETZSCHE F W Além do bem e do mal Trad P C Souza São Paulo Companhia das Letras 1992 PALMER R E Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 PLATÃO Íon trad Cláudio Oliveira Belo Horizonte Autêntica 2011 SCHLEIERMACHER F D Hermenêutica arte e técnica da interpretação Trad org C R Braida Petrópolis Vozes 2000 SCHMIDT L K Hermenêutica Trad F Ribeiro 3 ed Petrópolis Vozes 2014 51 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Objetivos Entender as características da Hermenêutica moderna Conhecer a teoria de Schleiermacher Familiarizarse com a teoria de Dilthey Entender as relações entre as compreensões linguística histórica e hermenêutica Conteúdos A distinção entre interpretação gramatical e psicológica em Schleiermacher A conexão entre vivência expressão compreensão e revivência em Dilthey A questão da linguisticidade e da historicidade da compreensão da interpretação hermenêutica Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 A leitura desta obra deve ser vista como uma indicação dos termos e tópicos a serem estudados e aprofundados procure outras informações e apresentações desses assuntos nos livros indicados nas referências bibliográficas e em sites confiáveis Lembrese de que na modalidade EaD o engajamento pessoal e a organização pessoal dos estudos são fatores determinantes para o seu crescimento intelectual UNIDADE 2 52 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA 2 A compreensão adequada dos temas e conceitos de Hermenêutica está associada ao domínio de vários outros conteúdos e competências incluindo diversos domínios de conhecimento Para adquirir uma competência mínima são necessários conhecimentos básicos de Teoria da Linguagem Historiografia e Humanidades Uma referência bibliográfica básica são os livros de Jean Grondin e de Lawrence K Schmidt PALMER R E Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 SCHMIDT L K Hermenêutica Trad F Ribeiro 3 ed Petrópolis Vozes 2014 3 O estudo sistemático de qualquer assunto exige organização e um trabalho de esquematização dos conceitos e teorias Por isso anote os termos principais usados na unidade faça mapas conceituais e busque fixar o sentido em que são usados e sobretudo qual função ou papel teórico esses conceitos exercem na teoria Consulte dicionários e outros textos para elaborar e aprofundar a caracterização desses termos registrando as frases em que eles ocorrem e as diferenças de uso entre os autores 53 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA 1 INTRODUÇÃO Nesta unidade serão apresentados autores e teorias que conformam o modelo teórico de racionalidade e argumentação hermenêutica no século 19 tendo por base as teorizações de Friedrich Schleiermacher Wilhelm von Humboldt Johann G Droysen e Wilhelm Dilthey Esses autores introduziram e sintetizaram os conceitos e princípios básicos da Hermenêutica moderna enquanto metodologia de pesquisa e validação estabeleceram o seu âmbito de aplicação e a legitimaram como teoria filosófica das Ciências Humanas 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma sucinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteúdo Digital Integrador 21 HERMENÊUTICA MODERNA Na início da modernidade sob influência das novas filosofias e da pretensão de unificação e universalização sistemática e metodológica de técnicas teorias e conhecimentos vários autores procuraram formular os princípios da interpretação e da compreensão na forma de uma Hermenêutica geral ou teoria geral da interpretação O problema principal era o da leitura e compreensão correta dos textos sagrados sobretudo no contexto das disputas entre reformistas e contrarreformistas Com efeito o pensamento reformador de Martin Lutero 14831546 estava baseado também em uma nova postura 54 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA hermenêutica de leitura dos textos sagrados Lutero adotou a regra denominada Sola Scriptura contra a autoridade da tradição interpretativa e doutrinária da Igreja Católica sobretudo recusando a infalibilidade da interpretação papal Lutero defendia que Scriptura sui ipsius interpres a Escritura interpreta a si mesma propondo esse princípio como o verdadeiro método de interpretação no sentido de que o texto sagrado deveria ser interpretado e compreendido por meio da comparação de passagens e a partir de sua própria direção Nesse contexto o escrito de Matthias Flacius Clavis scripturae sanctae de 1567 foi considerado por Dilthey 1984 a obra mais importante e talvez a mais profunda sobre a interpretação dos textos sagrados pela primeira vez nesta obra surge organizado em sistema todo um conjunto de regras de interpretação encontradas até à altura graças ao postulado segundo o qual procedendo tecnicamente de acordo com as regras deveria obterse uma compreensão indiscutível dos textos DILTHEY 1984 p 157 tradução nossa Flacius 1567 resolve as dificuldades de interpretação e compreensão do texto bíblico recorrendo ao princípio da unidade que os textos sagrados adquirem na religião cristã viva A esse princípio da experiência viva do sentido unitário Flacius acrescenta fundamentos racionais e técnicos como o da interpretação gramatical pelo qual uma passagem isolada deve ser interpretada em função da intenção e da composição da inteira obra Tratase de uma das primeiras formulações explícitas do princípio do contexto como uma regra metodológica a inteligibilidade das diversas partes do todo resulta também das suas relações com o todo e com as outras suas partes A atitude geral indica o uso do princípio da suposição da inteligibilidade 55 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA do texto a ser interpretado no caso a Bíblia cristã e a atribuição da incompreensão à falta da adequada preparação linguística e aos métodos errados de leitura A obra de J C Dannhauer Hermeneutica sacre sive methodus exponendarum sacrarum litterarum de 1654 usa pela primeira vez o termo hermeneutica para indicar a metodologia da interpretação diferenciando a leitura e o comentário exegese e as regras métodos e teorias que embasam a apreensão correta do sentido hermeneutica PALMER 1986 p 44 Depois a obra de Johann M Chladenius Einleitung zur richtiger Auslegung vernunftiger Reden und Schriften de 1742 expande o problema para a interpretação correta richtiger Auslegung de discursos e textos em geral GADAMER 2005 p 251 Outra obra importante dessa época é a de Johann Ernesti Institutio interpretis Novi Testamenti 1761 que estabelece o método de interpretação propriamente linguístico e gramatical partindo do pressuposto de que as expressões linguísticas recebem seu significado por atos deliberados e assim em geral têm vários sentidos Nessa obra Ernesti propôs que o sentido linguístico das Escrituras deveria ser determinado de modo idêntico ao que usamos para apurar o sentido verbal de outros livros Outros textos que precisavam ser interpretados eram documentos legais e obras da Antiguidade Clássica e essas disciplinas também contribuíram para a Hermenêutica A base da compreensão é uso linguístico que embasa o texto o que exige uma investigação rigorosa do que cada palavra significa em uma composição particular na obra de um autor em particular 56 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA de uma época particular e em um assunto em particular DILTHEY 1996 p 81 Várias outras obras procuraram sistematizar as regras e procedimentos de interpretação e compreensão entre outras destacamse as obras de J Rambach Institutiones hermeneuticae sacrae 1723 e de Georg F Meier Versuch einer allgemeinen Auslegungskunst de 1757 Nelas foi estabelecido um marco na reflexão hermenêutica ao se propor uma arte de interpretação geral buscando unificar as diferentes tendências e teorias hermenêuticas de sua época JOISTEN 2009 p 89 proposta esta que prenuncia as formulações de Friedrich Schleiermacher na busca de uma Hermenêutica geral allgemeine Hermeneutik Além disso outra importante contribuição do século 18 para a disciplina da Hermenêutica que se tornará proeminente no século seguinte é a introdução das pesquisas históricas livres como base para a compreensão de textos sobretudo dos bíblicos Dilthey atribui a Johann Salomo Semler 17251791 a introdução das pesquisas históricas na Hermenêutica e assim o rompimento com as concepções lógicogramaticais anteriores DILTHEY 1996 p 630 sobretudo nas obras Lebensbeschreibung von ihm selbst abgefaßt 1782 e Vorbereitung zur theologischen Hermeneutik 1760 A exegese proposta por Semler 1760 combina análises filológicas e históricas sob a pressuposição de que os textos têm uma localização espacial e temporal em relação tanto ao seu conteúdo quanto ao modo de expressálo O esforço hermenêutico tem por objetivo recuperar o uso linguístico sprachgebrauch e conhecer as circunstâncias históricas historischen Umstände da época em que o texto foi escrito e 57 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA também expressar os conteúdos e significados de modo que as diferenças em relação à época atual se tornem explícitas Outra obra que está na raiz da Hermenêutica moderna é a do filólogo Georg F Ast Grundlinien der Grammatik Hermeneutik und Kritik de 1808 na qual são distinguidos três níveis de compreensão de um texto o histórico no qual é fixado o texto original por meio de investigações históricas e comparativas e que fornece a compreensão ou Hermenêutica no plano da letra o da compreensão gramatical do texto que corresponde à Hermenêutica do sentido pela qual são compreendidos os significados das palavras e frases do texto o espiritual que se embasa no sentido literal do texto para apreender espírito do autor e de sua cultura ou seja a mentalidade e o modo de pensar as coisas Nessa obra é formulado de modo explícito pela primeira vez o conceito de círculo hermenêutico com o qual Ast indicou o caráter circular da interpretação enquanto uma lei que estaria na base do conhecimento e da compreensão assim formulada encontrar o espírito do todo por meio dos componentes individuais e por meio do todo captar o individual AST 1808 p 178 tradução nossa Por sua vez as pesquisas de Friedrich A Wolf publicadas na obra Vorlesung über die Enzyklopädie der Altertumswissenschaft referente a conferências ministradas entre 1785 e 1807 circunscreveram a Hermenêutica como a ciência das regras 58 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA pelas quais é distinguido o significado dos signos WOLF 1831 p 290 tradução nossa tendo o objetivo de apreender os pensamentos escritos ou simplesmente falados de outrem de modo análogo ao modo como apreendemos os nossos próprios Esse objetivo implicaria o conhecimento da linguagem do texto das circunstâncias históricas de sua produção da vida do autor e também de sua cultura Como princípio regulador para o intérprete é posta a exigência de que ele deveria conhecer idealmente tudo o que o autor conhecia A sequência de cursos e conferências que Schleiermacher ministrou entre 1805 e 1833 posteriormente publicada sob o título Hermeneutik und Kritik mit besonderer Beziehung auf das Neue Testament em 1838 SCHLEIERMACHER 2005 delineou o programa já no contexto da nova universidade dessa teoria como uma teoria geral da compreensão que embasaria as ciências do espírito históricas éticas espirituais o que foi alcançado nas obras de A Boeckh 1877 e W Dilthey 2010 As leituras indicadas no Tópico 31 tratam da circularidade hermenêutica Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 22 SCHLEIERMACHER E OS FUNDAMENTOS DA HERMENÊU TICA GERAL Com Friedrich Schleiermacher 17681834 no início do século 19 a Hermenêutica passa por uma reformulação com base na necessidade de uma justificação filosóficoteórica das regras e dos princípios de interpretação compreensão e crítica 59 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Schleiermacher parte já da exigência de estabelecer uma Hermenêutica geral compreendida como uma teoria geral da compreensão Ela enquanto teoria metodológica estabeleceria os princípios gerais de toda e qualquer compreensão e interpretação de manifestações e expressões linguísticas A suposição de fundo do projeto de Schleiermacher é que o fenômeno da linguagem está intrinsecamente voltado à interpretação e que a compreensão sempre é em primeira instância uma operação linguística Essa suposição fundase na concepção filosófica acerca da própria natureza do pensamento A linguagem é o modo do pensamento se tornar efetivo Pois não há pensamento sem discurso Ninguém é capaz de pensar sem palavras SCHLEIERMACHER 2005 p 94 Esse postulado que afirma a unidade de pensamento e linguagem tem como consequência a ideia de que as operações de interpretação e compreensão são universais e coextensivas ao âmbito da linguagem Desse modo a Hermenêutica que até então era apenas uma arte auxiliar e uma teoria especial agora é posta como a base da cognição e do pensamento humano Diferentemente da Hermenêutica da tradição exegética dos textos bíblicos a ênfase na condição linguística do que é para ser compreendido remete ao problema da compreensão para o fundamento comunicacional e dialogal que está na base de todos os textos e discursos A análise da compreensão é reenviada e modelada a partir da natureza da linguagem e das condições basilares da relação entre o falante e o ouvinte SCHLEIERMACHER 2000 p 64 Schleiermacher deixa de lado as diversas técnicas de interpretação e coloca a questão formal sobre a justificação 60 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA científica da compreensão enquanto teoria válida universalmente Para ele a Hermenêutica ainda não havia alcançado a maturidade de uma teoria capaz de justificar seus próprios procedimentos Hermenêutica segundo a etimologia conhecida ainda não pode ser um nome precisamente fixado como científica a a arte de expor corretamente suas ideias b a arte de comunicar corretamente o discurso de um outro a terceiros c a arte de compreender corretamente o discurso de um outro O conceito científico referese ao terceiro como sendo o que fica no meio entre o primeiro e o segundo SCHLEIERMACHER 2005 p 91 Notese que a fórmula compreender corretamente o discurso de um outro delimita o escopo da Hermenêutica ao linguísticodiscursivo e impõe o requisito da validação da correção sem restrição a assuntos campos ou objetos especiais Isso significa dizer que Schleiermacher pretende desenvolver uma teoria geral e metodológica da compreensão a qual serviria de base para poder discutir normas para interpretações restritas a campos de saber particulares como jurídico teológico poético filosófico A Hermenêutica de Schleiermacher parte do pressuposto tipicamente moderno e científico a saber de que a compreensão tem que ser buscada a cada momento ela resulta de uma atividade e de uma construção não sendo um dado ou fato natural A partir disso ele estabelece uma primeira definição de Hermenêutica em sentido genérico por uma dupla formulação uma negativa e outra positiva A práxis não rigorosa da arte baseiase na ideia de que a compreensão se dá por si e expressa a meta de modo negativo os malentendidos devem ser evitados A práxis mais rigorosa baseiase na ideia de que a nãocompreensão se dá por si e que a compreensão precisa ser buscada sob todos os aspectos SCHLEIERMACHER 2005 p 112113 61 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Embora evitar a má compreensão delineie a tarefa da Hermenêutica Schleiermacher propõe uma definição positiva a partir do conceito de arte de construção de um determinado finito a partir de um indeterminado infinito SCHLEIERMACHER 2005 p 99 O ponto de partida sempre é uma indeterminação infinita referente ao modo de constituição de uma manifestação discursiva a partir da linguagem utilizada da intuição ou cognição em que se embasa e do mundo em que foi construído Estes três polos linguagem intuição do autor e mundo a que pertencem para Schleiermacher são infinitos indeterminados que precisam ser apreendidos em alguma medida como totalidades para compreender o que o autor quer dizer enquanto parte dessas totalidades Eles compõem conjuntamente a estrutura ou conexão que perfaz o sentido da manifestação discursiva A determinação do sentido de uma manifestação discursiva desse modo seria realizada por meio de dois procedimentos complementares a saber uma interpretação gramatical e uma psicológica Schleiermacher justifica essa duplicidade metódica com uma tese sobre a condição linguística humana todo ser humano é de um lado um local em que uma determinada língua se forma de uma maneira peculiar e seu discurso somente é compreensível a partir da totalidade da língua Mas então ele também é um espírito a se desenvolver constantemente e seu discurso somente existe enquanto fato deste na relação com os demais SCHLEIERMACHER 2005 p 96 Isso indica que uma determinada manifestação discursiva tem de ser considerada tanto como uma manifestação particular ou um uso individual de uma linguagem geral quanto como um ato ou momento da vida de seu autor toda compreensão 62 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA consiste em dois momentos compreender o discurso enquanto extraído da linguagem e compreendêlo enquanto fato naquele que pensa SCHLEIERMACHER 2005 p 95 Daí a dupla tarefa da Hermenêutica compreender a linguagem e compreender o falante Nos dois casos estáse diante de uma infinitude indeterminada apenas visualizável por meio de uma aproximação assintótica e uma totalização heurística A baliza da completude na interpretação correta jamais alcançável implicaria o conhecimento completo da linguagem utilizada e do ser humano individual Schleiermacher estabeleceu uma fórmula positiva para exprimir a tarefa completa da arte da Hermenêutica nos seguintes termos A arte somente pode desenvolver suas regras a partir de uma fórmula positiva e esta é um reconstruir histórico e divinatório profético objetivo e subjetivo de determinado discurso 2005 p 114 Nessa fórmula subjetivo corresponde à interpretação psicológica que compreende a manifestação discursiva como um ato do pensamento do autor já objetivo corresponde à interpretação gramatical que entende o discurso como um fato linguístico E essas duas interpretações por seu turno são construídas por meio de dois procedimentos metódicos complementares histórica e divinatoriamente divinatório significa a tentativa de transformarse no outro procurando compreender diretamente o singular SCHLEIERMACHER 2005 Contudo esse apreender o outro de modo imediato jamais pode ser o fundamento da Hermenêutica como mostrarão as teses básicas de Dilthey e Gadamer Já para Schleiermacher o divinatório somente poderia ser assegurado em sua certeza por 63 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA meio da comparação histórica pois o divinatório apenas obtém sua certeza mediante a comparação confirmadora posto que sem esta ele sempre poderá ser fantasioso SCHLEIERMACHER 2005 p 203 Com isso está dado o elemento central do pensamento hermenêutico de Schleiermacher o princípio da efetividade da história em relação ao pensamento e a racionalidade Pela primeira vez na história do pensamento ocidental a própria racionalidade será pensada a partir das condições temporais isto é sem referência ao eterno e ao imutável Schleiermacher não obstante sua filiação teórica à filosofia transcendental kantiana ao radicalizála em busca das condições de possibilidades da compreensão mostrará que essas condições são a história efetiva dos atos individuais e coletivos que formam tradições de linguagem e pensamento Isso significa uma transcendentalização do histórico e também uma historicização do transcendental e da razão SCHNÄDELBACH 1991 p 143 tradução nossa O enraizamento do pensamento e da compreensão na história manifesta uma outra pretensão qual seja a de retroceder o momento de constituição do sentido e da inteligibilidade ao âmbito da práxis dos atos e feitos humanos configurando uma afirmação radical do carácter prático da razão humana Não se trata apenas de dizer que a racionalidade tem um aspecto prático mas antes que a prática é constitutiva da razão que os fatores práticos e históricos constituem a base por sobre a qual a própria razão se constrói Isso permite ver toda formação discursiva e toda armação conceitual como expressão de uma tomada de posição prática epocal que inclui tanto uma determinada atitude manipulatória para com o entorno físico como uma determinada atitude éticopolítica relativa à organização e condução da vida em comum 64 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Além disso é evidente a linguisticização e a historicização da compreensão enquanto estruturas constitutivas do pensamento humano o que acarreta aquilo que pode ser considerado o princípio dos princípios da Hermenêutica e que pode ser formulado com as palavras do próprio Schleiermacher as quais foram postas por Gadamer como abertura da terceira parte de Verdade e Método tudo o que pode ser um problema para a hermenêutica é parte de uma frase e isso porque por um lado o que se pressupõe e o que se encontra em hermenêutica é apenas linguagem SCHLEIERMACHER 2000 p 56 e por outro também o resultado da operação hermenêutica é novamente linguagem SCHLEIERMACHER 2000 p 55 Desse modo a Hermenêutica recebe uma delimitação ao linguístico que ainda hoje é aceita como frutífera O caráter histórico contudo provém de um fato bruto a saber que a linguagem na qual os pensamentos podem ser pensados para cada um de nós é sempre uma língua viva e histórica particular pois não há uma linguagem universal SCHLEIERMACHER 1977 p 368 tradução nossa Língua esta que impõe para cada falante e ouvinte a estrutura do antes e do depois visto que a língua sempre nos precede sendo dom e herança dos que vieram antes e também nos sucede já que outros a usarão e dirão coisas novas nela e com ela O legado de Schleiermacher Vejamos a seguir algumas reflexões de grandes pensadores sobre o legado de Schleiermacher para a Filosofia e a Hermenêutica A filosofia representa agora a consciência que tem o investigador da conexão das razões fundamentais dos métodos e dos pressupostos do conhecimento E ali onde antes tínhamos a Metafísica desde Schleiermacher nos defrontamos com o problema das condições que como pressupostos 65 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA de um proceder racional se encontram na base da ação dos humanos e da sociedade DILTHEY 1992 p 221222 tradução nossa podese dizer referente a Schleiermacher que no domínio das ciências da compreensão a reflexão metódica obteve um alcance perfeitamente comparável ao giro copernicano de Kant no domínio das ciências analíticas o projeto de Dilthey duma Crítica da razão histórica já o anuncia no título Em certo sentido a pretensão até vai mais longe enquanto Kant ainda chegava ao estabelecimento de princípios isto é princípios da razão de validade atemporal Schleiermacher submete a um questionamento metódico da compreensão todo o universo daquilo que englobava o conceito amplo da cogitatio de Descartes Não somente a consciência da metafísica será delimitada pelas exigências do conhecimento no sentido kantiano as próprias condições desse conhecimento pretensamente a priori são remetidas à história donde derivam os critérios a partir dos quais se decide sobre a existência ou não de conhecimentos válidos À reflexão transcendental de Schleiermacher aplica portanto em primeiro lugar em grande escala a visão da consciência histórica e aqui não se pode dissociar o trabalho preliminar de Herder ao empreendimento da crítica da razão questionando o conceito dogmático de razão também não abandonado por Kant que por assim dizer sem a intermediação duma testemunha se justifica a si mesma e se afirma como verdade FRANK 1977 p 17 tradução nossa Regras de interpretação Schleiermacher buscou nos seus cursos desenvolver uma Hermenêutica completa com regras explícitas tanto para a interpretação gramatical como para a psicológica bem como para a crítica isto é para a avaliação da interpretação A interpretação gramatical é concebida como a arte de encontrar o sentido preciso de um discurso a partir da e com a linguagem A sua primeira regra é assim formulada Tudo que num determinado discurso ainda necessita de uma definição mais acurada somente pode ser definido a partir do âmbito da linguagem comum ao autor e ao seu público originário SCHLEIERMACHER 2005 p 123 66 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA A segunda regra por sua vez está assim formulada O sentido de cada termo em determinada passagem precisa ser definido segundo sua composição com os que o rodeiam SCHLEIERMACHER 2005 p 140 Essas regras valem tanto para os elementos materiais como para os formais de um discurso ou texto A primeira indica que um discurso ou texto tem uma relação de dependência com a linguagem original em que foi proferido ou escrito e esta não é substituível por outra Os pensamentos e os conhecimentos nele veiculados estão formulados nessa linguagem original e a sua compreensão implica a compreensão dessa linguagem nos seus próprios termos e articulações os quais estão enraizados no contexto cultural e histórico da época A segunda regra também impõe uma restrição à linguagem ainda mais forte pois implica que a compreensão do sentido e do significado de um termo ou palavra depende de seu emprego e agenciamento no contexto de uma frase sendo a gramática dela a da linguagem original Seja uma palavra com função semântica como um substantivo ou com função sintática ou lógica como uma preposição a delimitação do seu sentido preciso será feita pelo contexto imediato e depois por passagens paralelas semelhantes Essas regras têm algumas implicações importantes que apontam para a concepção de linguagem de Schleiermacher A saber que tanto os elementos formais quanto os materiais são vagos fora do contexto de uso e que é possível eliminar essa indefinição pelo contexto interno do texto ou externo Com efeito à Hermenêutica é atribuída uma dupla tarefa determinar o significado a partir do emprego dado e encontrar o emprego desconhecido a partir do significado 67 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Assim as duas regras se referem a dois problemas distintos A primeira diz respeito ao significado de uma palavra dentro do contexto da língua compartilhada por uma comunidade num dado momento histórico A segunda se refere ao sentido de uma palavra dentro do contexto da frase de um discurso de um indivíduo dessa comunidade Isso indica que Schleiermacher distingue dois enfoques da linguagem enquanto sistema virtual de enunciação genérico e enquanto uso particular efetivo A Hermenêutica como metodologia de pesquisa e também como teoria de fundamentação das Ciências Humanas tanto pressupõe uma concepção naturalizada dos eventos históricos humanos culturais espirituais éticos no sentido de que os remete tão somente a fatos mundanos quanto implica uma separação entre o domínio das legalidades naturais e o das normatividades socioculturais A tradição hermenêutica de Schleiermacher a Gadamer e Ricoeur sugere que esse domínio é o império do sentido e apenas por meio de métodos interpretativos e qualitativovalorativos ele se deixa conhecer e explicitar No caso do mundo histórico cultural simbólico normativo institucional de saída estamos embaraçados na trama de uma pluralidade de âmbitos de sentido e de normatividade ineliminável A partir de um outro mundo de sentido os sentidos significados e objetos seguidamente são sem sentido e até inexistentes Todavia para o hermeneuta essa condição reflexiva e indexical embora inalienável não é um impedimento para o conhecimento e a compreensão mas antes um convite à convivência à intimidade à abertura e ampliação dos próprios horizontes de sentido 68 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Agora o inteiro domínio do que chamamos cultural e histórico ao qual se aplicam os conceitos de sentido significado norma regra e valor embora seja passível de objetivação e descrição em termos de objetos e padrões tem sua fundação nos atos de agentes em interação com um ambiente e outros agentes Normas e regras são ditas leis apenas por similaridade mas elas têm vigência apenas se o agente pauta sua conduta e agência em conformidade com elas justamente enquanto ele mesmo também pode não se pautar por elas Esse fato foi capturado por Schleiermacher e está na base de sua metodologia hermenêutica compactada nas teses de que não há uma regra única para fazer a passagem do sentido ao significado da interpretação ao conteúdo da negociação ao preço Isso foi expresso com a tese de que não há regra para a aplicação de regras de tal modo que cada compreensão singular pode talvez ser apreendida graças a regras e o que pode ser apreendido assim é um mecanismo A arte é isso para o qual há regras mas cuja aplicação combinatória não está por seu turno submetida a regras SCHLEIERMACHER 1977 p 229 grifo nosso Dito em outras palavras embora o âmbito de atuação dos agentes falantes seja vincado por regras e seja um espaço normativo com as regras não está dada também a aplicação isto é esta não pode ser mecanizada SCHLEIERMACHER 2000 p 99 Por isso a fórmula positiva e as duas regras da interpretação gramatical explicitam o princípio geral do círculo hermenêutico as partes e os elementos são compreendidos sempre em relação uns com os outros e em relação ao todo A novidade teórica introduzida por Schleiermacher está no fato de que ele concebe o todo como uma projeção heurística pois tanto em relação ao 69 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA contexto histórico e à vida do autor quanto em relação à língua o todo permanece indefinido e impossível de ser apreendido em sua totalidade permanecendo sempre como uma antecipação regulativa no horizonte da compreensão com a qual nos guiamos na interpretação mas que jamais alcançamos propriamente Essa condição é a marca das realidades históricas mas também o sinal claro de que no esforço de compreensão há que se preservar um resto de estranheza e alteridade pois sempre resta para cada um o estranho Fremdes nos pensamentos Gedanken e expressões Ausdrücken do outro SCHLEIERMACHER 2000 p 33 23 A CONDIÇÃO HISTÓRICA DA LINGUAGEM Ao lado de Schleiermacher os trabalhos e teorias do linguista Wilhelm Humboldt 17671835 são reconhecidamente um dos pilares da concepção hermenêutica da linguagem e do pensamento Seus pontos de partida são a Linguística comparada e a tese de que cada língua é em si mesma completa e única no sentido de que em cada língua podese expressar qualquer série de ideias HUMBOLDT 2006 p 55 como uma consequência da maleabilidade dos conceitos e signos Além disso em consonância com Schleiermacher Humboldt recusa de saída qualquer apelo a uma linguagem universal pela qual seria possível superar a particularidade e a diversidade das línguas ao mesmo tempo em que reafirma a condição de dependência dos atos de pensamento em relação à linguagem mas também até certo grau de cada língua particular determinada HUMBOLDT 2006 p 67 70 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Humboldt concebe a língua como estreitamente associada à formação cultural e histórica de um povo Com efeito as línguas são sempre de um coletivo nunca um livre produto Erzeugniss do ser humano individual mas pertence sempre a toda a nação e também nesta as gerações mais recentes recebem a língua lá das gerações anteriores HUMBOLDT 2006 p 7273 Por não pertencerem à esfera individual e subjetiva as línguas tornamse o grande ponto de transição entre a subjetividade e a objetividade entre a subjetividade sempre limitada e a existência que tudo abarca simultaneamente em si HUMBOLDT 2006 p 73 Todavia as línguas são concebidas como uma realidade semovente e sempre em transformação por terem uma existência histórica entre as gerações humanas que se sucedem eternamente umas às outras e o mundo dos objetos representados encontrase um número infinito de palavras que mesmo se originariamente produzidas de acordo com as leis da liberdade sendo ainda sempre utilizadas desta maneira devem ser vistas tanto quanto os seres humanos e os objetos como seres autônomos explicáveis apenas historicamente surgidos pouco a pouco através da força unificada da natureza dos seres humanos e dos acontecimentos HUMBOLDT 2006 p 75 Embora as línguas sejam um produto comunitário e histórico uma vez que as novas gerações já nascem e são formadas no âmbito de atuação de uma língua os seus pensamentos e conhecimentos não são indiferentes à expressão e também os seus conceitos não são independentes da língua HUMBOLDT 2006 p 77 Contudo embora o ser humano individual esteja condicionado pela língua ele atua wirken sobre ela modificandoa Por isso não se deve ver a língua como um produto morto Erzeugnis mas como uma ação de 71 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA produzir Erzeugung HUMBOLDT 2006 p 95 como trabalho e atividade Com efeito Humboldt concebe as línguas como realidades vivas cuja raiz está nos atos de fala individuais que são a sua efetiva produção Acte ihres wirklich Hervorbringens HUMBOLDT 2006 p 101 A língua não é uma entidade ideal ela tem existência apenas na exata medida em que é uma atividade atual A língua é algo que se encontra constante e ininterruptamente em transição A língua em si não é uma obra acabada Ergon mas sim uma atividade Thätigkeit Energeia A língua consiste no esforço permanentemente reiterado do espírito de capacitar o som articulado para a expressão do pensamento essa é a definição de cada ato individual da fala mas em seu sentido profundo e verdadeiro podese igualmente entender a totalidade desses atos de fala como a língua em si HUMBOLDT 2006 p 100101 A atividade e os atos reais de fala perfazem a língua Para a história da Hermenêutica tornouse muito relevante e produtivo a partir de M Heidegger e Gadamer a concepção performativa da língua proposta por Humboldt no sentido de que ele concebeu a língua como o meio pelo qual o homem configura bild a si e o mundo ou melhor por meio do qual se torna consciente de si mesmo pelo ato de externar um mundo à parte de dentro de si HUMBOLDT 2006 p 183 ao mesmo tempo que afirmava que a língua foi construída por nós mesmos HUMBOLDT 2006 p 185 Enquanto construção humana comunitária a língua aparece para o indivíduo como uma realidade alheia e objetiva que tanto o limita quanto o libera no sentido de uma herança e um dom com o qual ele fica enriquecido fortalecido e 72 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA estimulado pelo que nela depositaram todas as gerações anteriores HUMBOLDT 2006 p 79 Essa herança e esse dom enriquecedores são o próprio trabalho do espírito das gerações passadas O que passou já não é mais o que está atuando neste momento é só a força intensificada por todo exercício anterior e direcionada para esta atividade no momento atual Mas como a língua foi construída por nós mesmos a duras penas e apenas aos poucos e apenas para e por nosso ato de pensar da mesma maneira a língua nos retorna incessantemente o trabalho de nosso espírito HUMBOLDT 2006 p 185 24 A COMPREENSÃO HISTÓRICA O historiador Johann Droysen 18081884 ao lado de Schleiermacher e Humboldt forma a base das fundações da Hermenêutica atual A sua contribuição referese aos fundamentos da ciência da História sendo a obra Historik 1977 de 1857 uma pequena amostra a qual será decisiva para as pretensões e formulações de Dilthey de uma metodologia geral para as Ciências Humanas Segundo Gadamer o significado filosófico da historiografia de Droysen consiste em fornecer um modelo explicativo que liberou a ciência da História de uma certa indeterminação ao formular o problema em termos do conceito de expressão aderindo à tese hermenêutica e linguística de que compreender é compreender uma expressão GADAMER 2005 p 288 Droysen retoma o princípio do círculo hermenêutico e o aplica à realidade histórica Apenas a partir das partes compreendese o todo e apenas a partir do todo compreendem se as partes DROYSEN 1977 p 31 tradução nossa Desse 73 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA modo ele garantirá uma certa objetividade ao conhecimento histórico o qual sob o conceito de expressão é subsumido ao âmbito do sentido As ações históricas serão apreendidas como derivadas dos atos individuais mas o efetivo histórico não é inteiramente explicável pela vontade e a concepção dos agentes históricos Nem o agente querente se esgota nessa conjuntura nem o que veio a ser chegou a isso somente pela força de sua vontade e por sua inteligência não é uma expressão pura nem completa dessa personalidade DROYSEN 1977 p 433 tradução nossa Por isso uma interpretação psicológica e individualizante não consegue apreender o sentido dos eventos históricos A compreensão metódica advém da inserção dos indivíduos e seus atos em totalidades e objetividades que perfazem a situação histórica ampla de uma época Com efeito Droysen vai utilizar o conceito de exteriorização como ponte entre os indivíduos e também como a porta de entrada para a compreensão histórica a possibilidade da compreensão reside no modo das exteriorizações congenial conosco e que se apresenta como material histórico DROYSEN 1977 p 423 tradução nossa material este que de saída seria compreensível por ter os rastros do espírito que o realizou Em relação aos homens e às exteriorizações e configurações humanas encontramonos e sentimonos numa homogeneidade e reciprocidade essenciais DROYSEN 1977 p 423 tradução nossa Droysen supõe uma comunidade entre todas as exteriorizações e expressões dos humanos de todos os tempos na exata medida em que supõe que estas são as atualizações e realizações do espírito enquanto ações da liberdade 74 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Aquele que compreende porque é um eu uma totalidade em si tal qual aquele a quem ele deve compreender completa sua totalidade a partir da exteriorização individual e esta a partir de sua totalidade DROYSEN 1977 p 423 tradução nossa Para a Hermenêutica é decisiva a formulação talvez pela primeira vez juntamente com Humboldt de que essas exteriorizações e expressões como o são os textos as doutrinas os monumentos as leis as crenças e costumes conformam um ambiente englobante para as consciências individuais configurando uma compreensão prévia de si e do mundo Com efeito Droysen postulou que a pesquisa histórica pressupõe a reflexão que o conteúdo de nosso eu é algo mediado e um resultado histórico DROYSEN 1977 p 425 tradução nossa Notese ainda que essa estrutura englobante e pervasiva não é apenas limitadora mas também oferece possibilidades e liberta pois coloca e disponibiliza de modo objetivo organizado e cumulativo o que foi desenvolvido e construído ao longo de muitas gerações Novamente tal como em Humboldt emerge a propriedade da performatividade da realidade histórica O ser humano é histórico justamente porque tem ele mesmo de construirse a si mesmo por meio de sua atividade O homem tem ele mesmo que vir a ser o que ele deve ser DROYSEN 1977 p 407 tradução nossa Desse modo o conhecimento da história humana é o conhecimento e a compreensão do modo de vir a ser humano de se constituir como humano com base nas pertenças e heranças das gerações passadas Nas palavras de Droysen 1977 p 444 tradução nossa a história é o vir a ser consciente e a consciência da humanidade sobre si mesma pois ela pode vir a saber de si apenas pelo intermédio de suas próprias ações e expressões Por conseguinte a história é o 75 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA saber da humanidade sobre si mesma a sua autoconsciência DROYSEN 1977 p 444 tradução nossa As teses de Droysen podem ser resumidas como o fez Ortega y Gasset O homem não tem uma natureza mas sim história Seu ser é inumerável e multiforme em cada tempo em cada lugar é outro Ver isto submergirse neste caleidoscópio do mundo histórico descrever figuras incontavelmente atendendo precisamente ao que cada um tem de peculiar de indócil arisco de específico e exclusivo esta é a tarefa da escola histórica ORTEGA Y GASSET 1964 p 24 tradução nossa Nessa fala está dito que o humano tem um ser marcado tanto pela historicidade quanto pela diversidade e pluralidade A alteridade constitui o fator que caracteriza a própria identidade humana e é essa alteridade que solicita e exige ser compreendida Diferentemente da natureza que pode ser compreendida em termos de leis genéricas e fatos universais a realidade humana naquilo que tem de específica sua linguisticidade e historicidade apenas pode ser conhecida por uma aproximação às existências particulares e singulares sempre plurais na diversidade de formas de existência e cultura que perfazem a história humana 25 DILTHEY A UNIVERSALIZAÇÃO DA CONDIÇÃO HISTÓRICA O ponto de partida da teorização de Dilthey é a busca pela fundamentação e delimitação das ciências do espírito ou Ciências Humanas no contexto de sua luta pela legitimação frente às ciências experimentais da natureza Nesse projeto Dilthey aceita a tese historicista fundamental em termos ontológicos de que o ser humano é um ser histórico DILTHEY 2010 p 303 conjugada à implicação epistemológica 76 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA de que o homem somente conhece a si mesmo na história nunca por introspecção DILTHEY 2010 p 2856 tese esta que nos últimos trabalhos é tematizada sob a formulação de que a vida humana é perpassada pela condição histórica naquilo que é a sua marca característica a vida espiritual com o conceito de caráter de historicidade da ação espiritual Na obra de Dilthey o que era uma tese metodológica nas ciências da História é universalizado para a totalidade da cultura e da condição humana com o objetivo de elaborar uma plataforma metodológica de investigação para as ciências do espírito História Economia Linguística Sociologia Direito Psicologia Filologia e Filosofia enquanto componente da universidade laica e científica do século 19 explicitando a diferença e a autonomia dessas ciências em relação às ciências experimentais da natureza Física Química Biologia Este projeto por sua vez está embasado na elaboração de uma ontologia naturalizada compatível com o histórico e o simbólicolinguístico a partir da tese básica de que o humano é um ser histórico até as profundezas não mais sondáveis de si mesmo Na consecução desse projeto Dilthey retoma as teses principais de Schleiermacher Boeckh e Droysen acerca da compreensão das manifestações e expressões resultantes das ações humanas individuais e coletivas Como a vida espiritual só encontra na linguagem a sua expressão plena completa e por isso passível de uma apreensão objetiva a exegese se consuma na interpretação dos resíduos da existência humana contidos na escrita Essa arte é a base da filologia E a ciência dessa arte é a hermenêutica DILTHEY 2010 p 200 A questão levantada por Dilthey supõe que os objetos das Ciências Humanas seriam constituídos pelas exteriorizações e 77 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA expressões dos indivíduos históricos particulares enquanto dotadas de sentido na sua concretude e ele questiona então a validação científica em termos de como a compreensão desses objetos particulares poderia pretender uma validade universal Nas suas obras iniciais Dilthey adota um modelo psicológico no sentido de que essa compreensão seria uma forma de apreensão de algo psíquico das vivências e cogitações do agente ou do autor por meio da interpretação de uma exteriorização na forma de um sinal ou expressão que pode ser apreendido pela sensibilidade O procedimento estava baseado na suposição de uma analogia pela qual apreendemos a experiência do outro e sua expressão por similaridade com nossas próprias experiências e suas expressões Nisso se mostrava o entendimento e a recepção das teorias hermenêuticas da compreensão de Schleiermacher e Droysen enquanto estas supunham uma comunidade empática entre todos os humanos o que habilitaria o intérprete ou historiador a reconstruir a experiência interior que deu origem à expressão ou à ação O método da interpretação psicológica permitia às Ciências Humanas unificarem o seu procedimento metodológico RÖMER 2016 p 87 tradução nossa e concomitantemente distinguiremse em relação às ciências da natureza Concebida em termos de percepção e conhecimento a humanidade seria para nós um fato físico só acessível como tal para o conhecimento das ciências naturais Na condição de objeto das ciências humanas porém ela não surge senão na medida em que estados humanos são vivenciados em que esses estados ganham expressão em manifestações vitais e essas expressões são compreendidas DILTHEY 2010 p 28 78 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Embora o conceito de vivência esteja vinculado diretamente ao psiquismo individual o que implicaria um problema para a compreensão por outrem Dilthey contrapõe a esse fato um procedimento objetivo equivalente no modelo hermenêutico de Schleiermacher à interpretação gramatical reformulandoo nos termos da noção hegeliana de espírito objetivo e da noção de exteriorização proposta por Droysen Com efeito uma vez que aspira a fixar e apreender os seus estados uma vez que dirige a atenção para si mesma tornamse evidentes os tênues limites de um método introspectivo de autoconhecimento somente as suas ações as suas manifestações sobre os outros ensinam o homem sobre si mesmo assim ele passa a conhecer a si mesmo apenas por meio do desvio do compreender DILTHEY 2010 p 29 A tese final de Dilthey é que o humano e seus feitos enquanto objeto das ciências emergem sob duas perspectivas bem marcadas Primeiro o humano encontrase determinado pela natureza DILTHEY 2010 p 23 e é assim objeto das ciências naturais explicativas A natureza inclui também os processos psíquicos os quais se revelam como entrelaçados aos processos físicos e materiais O conhecimento da natureza está baseado na extensão espacial enquanto lugar de todas as regularidades e uniformidades O ser humano aprendeu a contar com essas uniformidades e assim se apoderou deste mundo físico por meio do estudo de suas leis e pela apreensão abstrata dessas leis segundo as relações de espaço tempo massa e movimento DILTHEY 2010 p 23 Segundo o ser humano apreendese no âmbito de sentido e de normas objeto das Ciências Humanas Pois para Dilthey Partindo da natureza porém o mesmo homem se volta em seguida retroativamente para a vida para si próprio Esse retorno do homem para o interior da vivência por meio da qual 79 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA a natureza está presente para ele para o interior da vida na qual há exclusivamente significação valor e finalidade DILTHEY 2010 p 24 Essas duas perspectivas o voltarse para si mesmo e o voltarse para a natureza configuram os dois centros em torno dos quais o trabalho científico gira e se unifica Todas as ciências se caracterizam pela construção de objetos a partir de leis de estados de fato e quanto a isso não há diferença entre as Ciências Humanas e as naturais A diferença está no modo como o objeto é formado e no interesse ou tendência que as motiva portanto no procedimento que constitui esses grupos No primeiro caso um objeto espiritual surge no compreender Verstehen no segundo o objeto físico no conhecer Erkennen DILTHEY 2010 p 27 Desse modo As ciências humanas estão fundadas pois nessa conexão entre vida expressão e compreensão Somente aqui alcançamos uma característica clara por meio da qual a delimitação das ciências humanas pode ser definitivamente realizada Uma ciência só pertence às ciências humanas se o seu objeto nos é acessível por meio do comportamento que está fundado na conexão entre vida expressão e compreensão DILTHEY 2010 p 29 Essa posição é resumida no mote de Dilthey A natureza nós explicamos a vida anímica nós compreendemos Die Natur erklären wir das Seelenleben verstehen wir A distinção entre explicar e conhecer os dados e fatos naturais e interpretar e compreender os dados e fatos culturais embora tenha sido objeto de inúmeras críticas continua ainda hoje vigente e associada à ideia de uma abordagem hermenêutica No entanto o próprio Dilthey em suas exposições percebia isso mais como um problema do que como uma solução pois para ele o problema da fundamentação e da legitimação das Ciências Humanas interpretativas e compreensivas precisava adquirir 80 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA o mesmo grau de evidência e validação que o alcançado pelas ciências experimentais Atualmente a hermenêutica precisa buscar uma relação com a tarefa epistemológica geral de apresentar a possibilidade de um saber sobre a conexão do mundo histórico e de descobrir os meios para a sua realização A significação fundamental da compreensão foi esclarecida importa determinar agora a partir das formas lógicas da compreensão e seguindo em frente o grau alcançável de universalidade nela DILTHEY 2010 p 202 A solução para essa demanda por universalidade objetiva característica da ciência é encontrada por Dilthey na teoria dos tipos e no conceito de espírito objetivado O espírito objetivo constituiria um âmbito objetivo comum com caráter de realidade para uma determinada comunidade Não apenas a língua e seus produtos mas todas as formações culturais como leis edifícios técnicas e costumes estabelecem um meio vital no contexto do qual as experiências expressões e ações particulares podem ser significativas e compreendidas Dilthey sobre o espírito objetivo Nós precisamos partir hoje da realidade da vida na vida age a totalidade do nexo psíquico Hegel constrói metafisicamente nós analisamos aquilo que é dado E a análise atual da existência humana preenchenos todos com o sentimento da fragilidade do poder dos impulsos sombrios do sofrimento com as obscuridades e com as ilusões da finitude em tudo aquilo que a vida é mesmo onde surgem a partir dela os mais elevados produtos da vida comunitária Assim não podemos compreender o espírito objetivo a partir da razão mas precisamos retornar ao nexo estrutural das unidades vitais que continuam existindo nas comunidades E não podemos alocar o espírito objetivo em uma construção ideal Ao contrário precisamos antes fundamentar a sua realidade na história Nós procuramos compreender essa realidade e apresentála em conceitos adequados Na medida em que o espírito objetivo é assim destacado da fundamentação unilateral na razão universal que exprime a essência do espírito do mundo medida em que ele é destacado também da construção ideal um novo conceito de espírito objetivo se torna possível 81 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA ele abarca língua hábito todo tipo de forma de vida e de estilo de vida tanto quanto família sociedade civil Estado e direito E então entra nesse conceito também aquilo que enquanto o espírito absoluto Hegel distinguiu do espírito absoluto arte religião e filosofia Precisamente nelas o indivíduo criador se mostra ao mesmo tempo como representação de um elemento comum e justamente em suas formas poderosas o espírito se objetiva e é reconhecido Mais especificamente esse espírito objetivo contém em si uma articulação que parte da humanidade e se estende até tipos de estreitíssima abrangência Essa articulação o princípio da individuação é efetivo nele Se então com base no elemento genericamente humano e por sua mediação o individual é apreendido na compreensão surge uma revivência da conexão interior que leva do elemento genericamente humano à sua individuação Esse progresso é apreendido na reflexão e a psicologia do indivíduo esboça a teoria que fundamenta a possibilidade da individuação Portanto à base das ciências humanas sistemáticas encontrase como fundamento de um lado a mesma ligação entre uniformidades e uma individuação crescente e de outro uma ligação entre teorias gerais e procedimentos comparativos As verdades gerais tal como elas podem ser constatadas nessas teorias e procedimentos em relação à vida ética ou à poesia tornamse assim a base para a intelecção das diversidades próprias ao ideal moral ou à atividade poética E nesse espírito objetivo encontramse presentes os passados nos quais as grandes forças totais da história se formaram Na condição de portador e representante dos elementos comuns nele entretecidos o indivíduo desfruta e apreende a história na qual esses elementos surgiram Ele compreende a história porque ele mesmo é um ser histórico DILTHEY 2010 p 115116 A ciência desses fenômenos que constituem o que é abarcado pelo conceito de espírito objetivo contudo exige um passo além da descrição psicológica e individual evitando permanecer no campo dos fatos particulares e subjetivos O conceito de tipo permite a passagem do particular ao universal Na realidade as manifestações vitais são para nós sempre representações de algo universal nós inferimos na medida em que subordinamos essas manifestações a um tipo de gesto de ação de uma esfera de utilização vocabular Na conclusão que sai do particular para o particular está 82 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA presente uma referência a algo comum que é representado em todos os casos DILTHEY 2010 p 203 Com esse conceito de tipo Dilthey concebe a possibilidade de uma ciência com caráter universal mesmo para o âmbito do humano que não pode ser explicado em termos de leis genéricas e da determinação causal A proposta consiste em fazer derivar a partir da análise dos casos particulares o modo típico como as conexões e estruturações se perfazem de tal maneira que se chegue a uma formação estrutural DILTHEY 2010 p 204 que permitiria a compreensão de outros casos análogos Os conceitos de tipo e de conexão estrutural todavia não garantem uma generalidade apodítica Nunca se obtém senão uma justificativa para um grau de algum modo limitado de expectativa no novo caso deduzido um grau sobre o qual não pode ser estabelecida nenhuma regra geral e que só pode ser avaliado a partir das circunstâncias que são por toda parte diversas Tratase da tarefa de uma lógica das ciências humanas descobrir regras para essa avaliação DILTHEY 2010 p 204 Na perspectiva de Dilthey o conhecimento assim obtido estaria fundado na indução no exato sentido de que os resultados obtidos no processo de compreensão dos fatos humanos particulares não resultam em leis genéricas universais mas somente se deriva desses casos uma estrutura um sistema ordenado que reúne os casos como partes em relação a um todo DILTHEY 2010 p 204 A estrutura da compreensão A Hermenêutica indica um procedimento metódico para o conhecimento do singular histórico irrepetível para o qual não há regras genéricas prévias e também para o 83 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA conhecimento daquilo que ao se realizar se diferencia de modo individualizante portanto daquilo que embora típico e genérico tem sua realização e atualização feitas por meio de concretização singularizada e individuada O conhecimento dos casos concretos sempre individuais e únicos sendo assim implica a apreensão do caso singular que não é dedutível do tipo e do genérico Tratase então de apreender o fazerse do sentido em sua materialidade singular Embora haja leis e determinações o viraser e o existir de uma dada configuração ou formação como é o caso da vida de uma pessoa seus atos e obras e também o caso de uma inteira cultura suas práticas e obras ocorre pela atualização por diferenciação de virtualidades e reiteração de formas e hábitos retidos do passado não passíveis de computação e generalização De fato há uma incompletude e uma indecidibilidade a partir tanto dos fatos genéricos quanto dos particulares além de um não fechamento por mais abrangente que seja a circunstanciação que torna impossível qualquer computabilidade prévia Apenas post facto e ainda assim de modo sempre precário é possível fazer uma reconstrução racional do ocorrido e do conformado Quando nos perguntamos pelo sentido de uma ação ou obra essa incomputabilidade e incompletude emerge como um fator decisivo seja para o intérprete seja para o próprio autor O sentido implica a incomputabilidade e a incompletude pois para o autor mesmo a efetivação de um sentido intencionado e premeditado também se dá por um processo de instanciação que sempre é vário e imprevisível de antemão O sentido sempre é multiinstanciável e toda instância sempre pode ser apreendida como tendo múltiplos sentidos 84 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Se um autor escreve um livro para interpretar o sentido de uma obra cultural há uma indeterminação quanto aos modos de fazer isso não há como computar essas possibilidades a partir do exame ou leitura objetiva da obra e uma vez escrito o livro a sua leitura como tendo um sentido ou outro e os significados que implicará podem ir numa direção imprevista ou então até mesmo fracassar O procedimento de interpretação em Schleiermacher estava inteiramente orientado para alcançar uma compreensão enquanto apreensão de sentido e de significado a partir da suposição de que o objeto de interpretação era um produto da espontaneidade livre individual constrangido por formações prévias objetivas como a gramática de uma língua e os modos e materiais de construção por conseguinte na sua base não havia uma regra geral ou um conceito presidindo ambos os processos o geracional e o interpretativo Por isso o seu método estava ancorado na descrição acurada de casos individuais e na sua comparação por inserção em totalidades cada vez mais abrangentes mas ainda assim permanecendo em última instância embasado na progressão e projeção por indução e analogia o que obviamente não garantia generalidade e menos ainda certeza Essa condição solicitava então um salto intuitivo adivinhatório para a apreensão da especificidade dos casos singulares e também para a apreensão da regra pela qual ele seria compreensível Isso levou Schleiermacher a manter a Hermenêutica como uma arte de interpretação e não como uma ciência Em termos kantianos a compreensão hermenêutica estava assentada em juízos reflexionantes que partem de uma dada individualidade singular não subsumível às regras gerais 85 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA e aos conceitos já disponíveis e buscam construir uma norma apropriada para o caso individual Em Dilthey embora esse procedimento seja aceito realiza se a tentativa de objetivar o inteiro procedimento interpretativo nos termos de uma epistemologia naturalizada e cientificizada Os procedimentos descritivos das individualidades comparativos e indutivos estão na base Contudo no lugar da analogia e da intuição adivinhatória introduzemse os métodos de análise e descrição sociológica e psicológica baseados na construção de tipos e conexões estruturantes Uma vez alcançado o tipo a partir da comparação e indução por sobre as individualidades são introduzidas regras genéricas que valem para o tipo e suas conexões com outros tipos A passagem de volta do tipo para os casos singulares todavia continuou sendo o problema central pois ainda se trata de compreender a individualidade singular na sua individualidade e na sua singularidade Esses aspectos acarretam a impossibilidade de explicações universais genéricas e causais paras os eventos humanos o que implicava para Dilthey o caráter especificamente hermenêutico das Ciências Humanas A compreensão e a interpretação são o método que preenche as ciências humanas DILTHEY 2010 p 184 Todavia Dilthey expande a aplicação do método hermenêutico para além do âmbito dos discursos e dos textos introduzindo objetos não linguísticos como passíveis de interpretação e compreensão a partir da categoria de sentido e significado na busca de integrar sob uma única visada metodológica o inteiro domínio das Ciências Humanas Na sua base está o postulado de que esse âmbito é constituído pelas 86 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA manifestações da vida enquanto estas são expressão de algo espiritual DILTHEY 2010 p 185 Dilthey subdividiu em três classes tais manifestações A primeira é formada por conceitos juízos e construções do pensamento que constituem os componentes da ciência destacados e abstraídos da vivência e conformados por critérios de adequação à norma lógica possuindo assim um caráter fundamental geral e comum Nesse caso a compreensão está dirigida ao conteúdo do pensamento que é sempre igual em cada conexão permitindo assim uma compreensibilidade mais perfeita do que em relação a toda e qualquer outra manifestação da vida DILTHEY 2010 p 185 A segunda classe de manifestações da vida é formada pelas ações enquanto estas não são propriamente dirigidas pelo interesse de comunicação e transmissão de pensamentos A sua compreensibilidade permite apenas suposições prováveis e contextuais Nesse caso no processo de compreensão importa sobretudo separar a situação da vida psíquica condicionada pelas circunstâncias que desencadeia a ação como uma expressão da própria conexão vital na qual esta situação está fundada DILTHEY 2010 p 186 Esse aspecto determina um grau menor de compreensibilidade e um desafio maior para uma ciência das ações e práticas humanas As ações destacamse em relação ao fundo da conexão vital de uma época Por isso sem explicitar o modo como as circunstâncias a finalidade os meios e a conexão vital se articulam nela ela não admite nenhuma determinação universal do interior do qual surgiu DILTHEY 2010 p 186 87 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA A terceira classe de manifestações vitais é formada pelas expressões de vivências e Dilthey indica que estas são os objetos privilegiados da compreensão hermenêutica Subsiste aqui uma relação particular entre a expressão a vida da qual ela provém e a compreensão que ela provoca A expressão pode conter mais da conexão psíquica do que toda e qualquer introspecção permite reconhecer Ela a alça das profundezas que a consciência não ilumina DILTHEY 2010 p 186 A conexão entre o vivido o expresso e compreendido não é imediata pois de uma expressão de vivência a relação entre ela e o elemento espiritual nela expresso só pode ser colocada com muitas reservas à base da compreensão DILTHEY 2010 p 186 Dilthey circunscreve assim o domínio do artístico no qual repousariam as significações mais elevadas e que seriam os objetos privilegiados das Ciências Humanas O ponto está justamente na saída da esfera do domínio do conhecimento objetivo e dos domínios práticos e técnicos da ação e no ingresso no domínio das verdades que ultrapassam o conhecimento objetivo nas grandes obras algo espiritual se destaca de seu criador do poeta do artista do escritor entramos em uma região na qual termina a ilusão nenhuma obra de arte verdadeiramente grande consegue simular um conteúdo alheio ao seu autor e ela nem quer dizer absolutamente nada sobre o autor Verdadeira em si ela se encontra fixada visível duradouramente presente e com isso uma compreensão artística segura da obra tornase possível Assim nos confins entre saber e ação emerge uma esfera na qual a vida se revela em uma profundidade que não é acessível à observação à reflexão e à teoria DILTHEY 2010 p 187 Nessa passagem mostramse de modo claro o lugar central e a relevância do conceito de vida como base para as Ciências 88 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA Humanas e sua função de delimitador das pretensões do conhecimento científico e técnico na filosofia de Dilthey a vida como um ser que se expressa e se interpreta ininterruptamente A Hermenêutica então deixa de ser apenas o método ou a ciência dos produtos do espírito e é concebida como esse aspecto de autoexpressão e de autointerpretação da própria vida A teoria da compreensão de Dilthey permanece vinculada à ideia de comunhão espiritual entre o que compreende e o que é compreendido comunhão esta que implica que haja pontos em comum entre diferentes indivíduos e épocas sobretudo na forma de pertencimento a um mesmo passado que continua presente e efetivo DILTHEY 2010 p 189 Nosso si próprio recebe desde a primeira infância o seu alimento desse mundo O mundo também é o meio no qual a compreensão de outras pessoas e de suas manifestações vitais se realiza Pois tudo em que o espírito se objetivou contém em si algo comum ao eu e ao tu Toda praça arborizada todo espaço no qual temos uma organização dos lugares para se sentar é compreensível para nós desde pequenos porque o estabelecimento humano de finalidades a organização a determinação valorativa como algo comum indica a todos os lugares e a todos os objetos no quarto a sua posição A criança cresce em uma ordem e em um hábito próprios à família os quais ela compartilha com os outros membros As instruções da mãe são acolhidas por ela em conexão com isso Antes que aprenda a falar ela já imergiu totalmente no meio dos elementos comuns E ela só aprende a compreender os gestos e expressões faciais os movimentos e chamados as palavras e as frases porque eles vêm ao seu encontro incessantemente como os mesmos e com a mesma ligação com aquilo que significam e expressam DILTHEY 2010 p 189 No estilo de vida nos hábitos no sistema jurídico nas instituições na religião na arte nas ciências e na língua essa 89 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA presença efetiva do passado conformaria uma comunhão de ideias e de vida espiritual e o compartilhamento de um ideal o qual embasaria a possibilidade da compreensão Essa compreensão em última instância seria uma forma de reconhecimento Como veremos na Unidade 3 em Heidegger Gadamer e Ricoeur o legado dos teóricos hermeneutas do século 19 será recebido e potencializado mas deixará de girar em torno do problema metodológico das Ciências Humanas A Hermenêutica será então concebida como uma disciplina filosófica do pensamento e não mais uma arte ou uma ciência com objetos ou âmbitos particulares próprios Contudo o problema do método não é assim eliminado Heidegger e Gadamer submetem a Hermenêutica a interpretação e a compreensão à nova fenomenologia desenvolvida por Edmund Husserl 2006 baseada na intencionalidade transcendental constituidora de mundo e de sentido No Tópico 32 estão listadas importantes indicações de leitura para você entender melhor os principais conceitos e tendências históricas da formação da Hermenêutica Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 2 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte do material 90 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é a condição necessária e indispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 CIRCULARIDADE HERMENÊUTICA Os conceitos hermenêuticos modernos estão em grande parte condicionados pela aceitação da tese de Ast de que conhecer e compreender sobretudo conhecer e compreender o sentido de um texto são operações que não podem eliminar uma certa circularidade entre as partes e o todo Para entender o problema da circularidade hermenêutica leia os seguintes artigos MANTZAVINOS C O círculo hermenêutico que problema é este Tempo Social v 26 n 2 p 5769 nov 2014 Disponível em httpwwwscielobrpdfts v26n2v26n2a04pdf Acesso em 17 ago 2020 SILVA R S O círculo hermenêutico e a distinção entre Ciências Humanas e Ciências Naturais Ekstasis Revista de Fenomenologia e Hermenêutica v 1 n 2 2013 p 5472 2013 Disponível em httpswwwepublicacoes uerjbrindexphpEkstasisarticleview42663815 Acesso em 17 ago 2020 32 CONCEITOS E HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DA HERMENÊU TICA Para compreender melhor os conceitos hermenêuticos e a história de formação da Hermenêutica moderna leia os capítulos das seguintes obras 91 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA GADAMER HG Preliminares históricas In Verdade e Método Trad Flávio Paulo Meurer Petrópolis Vozes 1997 p 273399 Disponível em httpsedisciplinasuspbrpluginfilephp2442370 modresourcecontent1VerdadeEMC3A9todo pdf Acesso em 20 ago 2020 PALMER R Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 p 83128 capítulos de 6 a 8 Disponível em https docerocombrdoc15cs Acesso em 20 ago 2020 SCHMIDT L K Hermenêutica Petrópolis Vozes 2014 p 2577 capítulos 1 e 2 Disponível na Biblioteca Virtual Pearson Você perceberá nessas leituras que há um debate sobre o legado metodológico e os aspectos românticos e irracionalistas da Hermenêutica do século 19 Nesse debate há duas posições claras a daqueles que defendem o caráter metodológico e epistemológico e a daqueles que defendem o caráter existencial e ontológico da Hermenêutica Anote e estude as teses dessas duas posições e procure entender os seus argumentos Alguns artigos também podem lhe ajudar nessa tarefa Não deixe de conferilos ARAÚJO S M S Dilthey e a Hermenêutica da vida Cadernos de Educação n 28 p 235254 janjun 2007 Disponível em httpsperiodicosufpeledubr ojs2indexphpcaducarticleview1802 Acesso em 20 ago 2020 BENTIVOGLIO J História e Hermenêutica a compreensão como um fundamento do método histórico percursos em Droysen Dilthey Langlois e Seignobos Opsis v 7 n 9 p 6780 juldez 2007 Disponível em httpswww 92 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA revistasufgbrOpsisarticleview9329 Acesso em 20 ago 2020 LESSING HU Wilhelm Dilthey o filósofo das Ciências Humanas Aoristo v 1 n 3 p 1431 2019 Disponível em httperevistaunioestebrindexphpaoristo articleview21560 Acesso em 20 ago 2020 PEREIRA V M A Hermenêutica de Schleiermacher e a questão da individualidade Argumentos ano 4 n 8 p 242249 2012 Disponível em httpwwwperiodicos ufcbrargumentosarticleview1919029908 Acesso em 20 ago 2020 PITTA M F Humboldt e Heidegger sobre linguagem expressão do espírito ou morada do ser Filogenese v 7 n 1 p 108120 2014 Disponível em https wwwmariliaunespbrHomeRevistasEletronicas FILOGENESE10mauriciopittapdf Acesso em 20 ago 2020 RUEDELL A Hermenêutica e linguagem em Schleiermacher Revista Natureza Humana São Paulo v 14 n 2 2012 Disponível em httppepsicbvsalud orgpdfnhv14n2a01pdf Acesso em 20 ago 2020 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder as questões a seguir você deverá revisar os conteúdos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Descreva o procedimento de interpretação de Schleiermacher e explique os quatro componentes de seu método 93 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA 2 Explique a relação entre consciência e história em Droysen 3 Explique a relação entre linguagem e concepção de mundo em Humboldt 4 Em Dilthey o sentido e o significado de algo emergem de uma correlação estrutural de elementos interdependentes Que correlação é essa e quais são os seus elementos 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade foram apresentados resumidamente as teorias e os conceitos modernos que estão na base da Hermenêutica enquanto técnica de interpretação e teoria e metodologia da compreensão As teorias hermenêuticas de Schleiermacher e Dilthey e também de Droysen sobre a compreensão histórica e de Humboldt sobre a linguagem constituíram o marco teórico que tornou a Hermenêutica uma disciplina fundamental para a discussão dos fundamentos das Ciências Humanas e da própria Filosofia Nesta unidade contudo apenas delineamos o esboço da formação moderna da Hermenêutica deixando de lado muitos autores e teorias relevantes Por isso é necessário complementar os estudos com as leituras indicadas nas Orientações para o estudo da unidade e no Conteúdo Digital Integrador A próxima unidade apresentará os fundamentos teóricos da Hermenêutica filosófica os quais conformam ainda hoje o modo como pensamos esses assuntos e problemas 94 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA 6 EREFERÊNCIAS Sites consultados ARAÚJO S M S Dilthey e a Hermenêutica da vida Cadernos de Educação n 28 p 235254 janjun 2007 Disponível em httpsperiodicosufpeledubrojs2index phpcaducarticleview1802 Acesso em 20 ago 2020 BENTIVOGLIO J História e Hermenêutica a compreensão como um fundamento do método histórico percursos em Droysen Dilthey Langlois e Seignobos Opsis v 7 n 9 p 6780 juldez 2007 Disponível em httpswwwrevistasufgbrOpsisarticle view9329 Acesso em 20 ago 2020 LESSING HU Wilhelm Dilthey o filósofo das Ciências Humanas Aoristo v 1 n 3 p 1431 2019 Disponível em httperevistaunioestebrindexphpaoristoarticle view21560 Acesso em 20 ago 2020 PEREIRA V M A Hermenêutica de Schleiermacher e a questão da individualidade Argumentos ano 4 n 8 p 242249 2012 Disponível em httpwwwperiodicosufc brargumentosarticleview1919029908 Acesso em 20 ago 2020 PITTA M F Humboldt e Heidegger sobre linguagem expressão do espírito ou morada do ser Filogenese v 7 n 1 p 108120 2014 Disponível em httpswwwmarilia unespbrHomeRevistasEletronicasFILOGENESE10mauriciopittapdf Acesso em 20 ago 2020 RUEDELL A Hermenêutica e linguagem em Schleiermacher Revista Natureza Humana São Paulo v 14 n 2 2012 Disponível em httppepsicbvsaludorgpdfnhv14n2 a01pdf Acesso em 20 ago 2020 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AST F Grundlinien der Grammatik Hermeneutik und Kritik Landshut Thomann 1808 BOECKH A Encyklopädie und Methodologie der philologischen Wissenschaften Leipzig Teubner 1877 CHLADENIUS J M Allgemeine Geschichtswissenchaft Leipzig Friedrich Landisches Erben 1752 CHLADENIUS J M Einleitung zur richtiger Auslegung vernunftiger Reden und Schriften Leipzig Friedrich Landisches Erben 1742 95 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA DANNHAUER J C Hermeneutica sacra sive methodus exponendarum sacrarum litterarum Strasbourg J Städel 1654 DILTHEY W A construção do mundo histórico nas Ciências Humanas Trad Marco Casanova São Paulo Editora da UNESP 2010 DILTHEY W Der Aufbau der geschichtlichen Welt in den Geisteswissenschaften StuttgartGöttingen B G Teubner Vandenhoeck Ruprecht 1992 Gesammelte Schriften v 7 DILTHEY W Historia de la Filosofia Trad E Ímaz Cidade do México FCE 1992 DILTHEY W Leben Schleiermachers Zweiter Band Schleiermachers System als Philosophie und Theologie Berlin Walter de Gruyter 1966 DILTHEY W Origens da HermenêuticaPlano de continuação da obra Estruturação do mundo histórico pelas ciências do espírito Trad Alberto Reis In AGOSTINHO et al Textos de Hermenêutica Lisboa Rés 1984 p 147203 DILTHEY W Schleiermachers hermeneutical system in relation to earlier Protestant hermeneutics In DILTHEY W Hermeneutics and the study of history Ed and introd by Rudolf A Makkreel and Frithjof Rodi Princeton Princeton UP 1996 p 33131 DROYSEN J G Historik Textausg P Leyh StuttgartBad Cannstatt Frommann Holzboog 1977 ERNESTI J A Institutio interpretis Novi Testamenti Leipzig Weidmann 1761 FLACIUS M Clavis Scripturae Sacrae seu de Sermone Sacrarum literarum Basileia 1567 FRANK M Einleitung des Herausgebers In SCHLEIERMACHER F D Hermeneutik und Kritik Hrsg und eing Manfred Frank Frankfurt Suhrkamp 1977 p 767 GADAMER HG Verdade e Método I traços fundamentais de uma Hermenêutica filosófica Trad F P Meurer e E P Giachi 7 ed Petrópolis Vozes 2005 GADAMER HG Verdade e Método II complementos e índice Trad E P Ciachi e M C Schuback 2 ed Petrópolis Vozes 2004 HUMBOLDT W Linguagem Literatura e Bildung Org trad W Heidermann e M J Weininger Florianópolis Ed UFSC 2006 JESUS P Vida expressão e compreensão em Der Aufbau 1910 de Dilthey In CARDOSO A JUSTO J Orgs Sujeito e Passividade Lisboa Colibri p 151174 JOISTEN K Philosophische Hermeneutik Berlim Akademie Verlag 2009 MAGALHÃES R Org Textos de Hermenêutica Lisboa Rés 1984 96 HERMENÊUTICA UNIDADE 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA MEIER G F Versuch einer allgemeinen Auslegungskunst Halle Hemmerde 1757 ORTEGA Y GASSET J Obras Completas Madrid Revista de Occidente 1964 v 6 PALMER R E Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 RAMBACH J J Institutiones hermeneuticae sacraee variis observationibus copiosissimisque exemplis biblicis illustratae Hartung 1723 RÖMER I Method In KEANE N LAWN C Eds The Blackwell Companion to Hermeneutics Hoboken WileyBlackwell 2016 p 8788 SCHLEIERMACHER F D Hermenêutica arte e técnica da interpretação Trad org C R Braida Petrópolis Vozes 2000 SCHLEIERMACHER F D Hermenêutica e crítica Trad A Ruedell ed e introd Manfred Frank Ijuí Ed Unijuí 2005 SCHLEIERMACHER F D Sobre os diferentes métodos de traduzir Trad C R Braida Scientia Traductionis n 9 p 370 2011 SCHLEIERMACHER F D Hermeneutik und Kritik Hrsg und eing Manfred Frank Frankfurt Suhrkamp 1977 SCHMIDT L K Hermenêutica Trad F Ribeiro 3ed Petrópolis Vozes 2014 SCHNÄDELBACH H Philosophie in Deutschland 18311933 Frankfurt Suhrkamp 1991 SEMLER J S Lebensbeschreibung von ihm selbst abgefaßt Halle 1782 SEMLER J S Vorbereitung zur theologischen Hermeneutik Hemmerde 1760 WOLF F A Vorlesung über die Enzyklopädie der Altertumswissenschaft Org J D Gurtler Leipzig Lenhold 1831 97 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Objetivos Introduzir as hermenêuticas filosóficas do século 20 Apresentar a teoria hermenêutica de M Heidegger Explanar a teoria hermenêutica de HG Gadamer Discorrer sobre a teoria hermenêutica de Paul Ricoeur Conteúdos A distinção entre Hermenêutica como metodologia e Hermenêutica como ontologia existencial As relações entre Filosofia e Hermenêutica e o problema geral da compreensão linguística e histórica O caráter indexical da compreensão e a multiplicidade de interpretações Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 A leitura deste material didático deve ser vista como uma indicação dos termos e tópicos a serem estudados e aprofundados procure outras informações e apresentações desses assuntos nos livros indicados nas referências bibliográficas e em sites confiáveis Lembrese de que na modalidade EaD o engajamento pessoal e a organização pessoal dos estudos são um fator determinante para o seu crescimento intelectual 2 A compreensão adequada dos temas e conceitos de Hermenêutica está associada ao domínio de vários outros conteúdos e competências UNIDADE 3 98 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS incluindo vários domínios de conhecimento Para adquirir uma competência mínima são necessários conhecimentos básicos de Teoria da Linguagem Historiografia e humanidades Uma referência bibliográfica básica são os livros de Paul Ricouer e de HansGeorg Gadamer RICOEUR P Interpretação e ideologias Trad Hilton Japiassu Rio de Janeiro Francisco Alves 1977 GADAMER HG Verdade e Método I traços fundamentais de uma Hermenêutica filosófica Trad F P Meurer e E P Giachi 7 ed Petrópolis Vozes 2005 3 O estudo sistemático de qualquer assunto exige organização e um trabalho de esquematização dos conceitos e teorias Por isso anote os termos principais usados na unidade faça mapas conceituais e busque fixar o sentido em que são usados e sobretudo qual função ou papel teórico esses conceitos exercem na teoria Consulte dicionários e outros textos para elaborar e aprofundar a caracterização desses termos registrando as frases em que eles ocorrem e as diferenças de seu uso entre os autores 99 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS 1 INTRODUÇÃO Com a sistematização e a aplicação da metodologia hermenêutica para todas as áreas das humanidades realizada por Dilthey e depois da reflexão filosófica sobre os fundamentos históricos e interpretativos do conhecimento humano presente na obra de Nietzsche 1988 1992 e Droysen 1977 tornouse consensual a ideia de que os conceitos de compreensão e de interpretação conjugados aos de historicidade e linguisticidade indicavam aspectos fundamentais da experiência e da condição humanas Os efeitos dessas teorizações impactaram decisivamente a própria Filosofia Com efeito já nos textos tardios de Dilthey o problema hermenêutico se confundia ao da própria Filosofia embora ainda permanecesse tematizado em termos epistemológicos e metodológicos Martin Heidegger vai com seu livro de 1927 Ser e tempo 2001 transformar o problema hermenêutico em um problema dos fundamentos do discurso filosófico e relativo à ontologia fundamental a partir da qual todos os demais problemas e temas deveriam ser pensados Além de Heidegger também pensadores como Georg Misch 1994 e Rudolf K Bultmann 1970 na mesma época vão fundir os conceitos hermenêuticos aos conceitos básicos de suas filosofias Bultmann 1970 em Jesus Cristo y Mitologia defende explicitamente uma abordagem hermenêutica da religião devemos abandonar as concepções mitológicas precisamente porque queremos conservar seu significado mais profundo Esse método de interpretação do Novo Testamento que trata de redescobrir seu significado mais profundo oculto por trás das concepções mitológicas eu o denomino Desmitologização 100 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Não propomos eliminar os enunciados mitológicos mas sim interpretálos É portanto um método hermenêutico BULTMANN 1970 p 22 tradução nossa Para além dessas obras a transformação filosófica da hermenêutica a qual também será a transformação hermenêutica da Filosofia terá sua realização mais acabada nas obras de HansGeorg Gadamer 2005 e Paul Ricoeur 1986 nas quais se encontra a subsunção de todas as temáticas filosóficas aos conceitos fundantes da Hermenêutica e por conseguinte a elaboração da tese da universalidade da condição hermenêutica 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma sucinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteúdo Digital Integrador 21 HEIDEGGER E OS ASPECTOS ONTOLÓGICOS DA HERME NÊUTICA A posição de Martin Heidegger na história da formação da Hermenêutica contemporânea é singular O seu ensino e suas pesquisas em Filosofia se orientaram desde cedo por uma perspectiva histórica e interpretativa mas é nos textos de sua fase intermediária sobretudo na sua obra principal do período Ser e Tempo de 1927 2001 que emerge uma atitude teórica guiada e orientada pelos conceitos básicos da Hermenêutica e ao mesmo tempo transformadora do seu inteiro âmbito e tarefa pois tais conceitos são postos no plano de uma ontologia fundamental no contexto de uma reposição da pergunta 101 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS pelo sentido do ser e não mais como pertencendo ao campo epistemológico e cognitivo A tese guia implica que os conceitos de sentido de compreensão e interpretação e também os de linguisticidade e historicidade pertencem aos aspectos ontológicos do ente que compreende o ser dos entes de modo que neles se manifesta uma condição que precede e embasa toda e qualquer relação com objetos e todas as formas de cognição e ação Além disso essa tese recebe uma conformação práticopraxiológica no sentido proposto por Dilthey 2010 recusando qualquer fundação psicológica ou mentalista O sentido de que se trata na compreensão e na interpretação mas sobretudo o sentido do ser dos entes é pensado na sua proveniência como enraizado no âmbito prático de doação do sernomundo envolvido e embaraçado nas lidas e tarefas fáticas concretas intramundanas Reafirmase assim a tese principal da Hermenêutica de que o sentido e o significado com os quais alguma coisa é apreendida não são uma propriedade coisal mas sim um aspecto da apropriação por parte de um agente no contexto de um âmbito de atividades e remissões Por isso propõe Heidegger quando se descobre o ser de um ente intramundano isso sempre é feito em relação ao seraí de um agente o que significa dizer que se uma coisa é compreensível é porque tem sentido mas esse sentido não é uma propriedade da coisa mas sim do ente que compreende a coisa HEIDEGGER 2001 p 208 O sentido é um efeito da apreensão compreendedora de um ente cuja atitude primária é de compreensão Sentido é a perspectiva em função da qual se estrutura o projeto pela posição prévia visão prévia e concepção prévia É a partir 102 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS dela que algo se torna compreensível como algo Na medida em que compreensão e interpretação constituem existencialmente o ser do pre o sentido deve ser concebido como o aparelhamento existencialformal da abertura pertencente à compreensão Sentido é um existencial da existência Dasein e não uma propriedade colada sobre o ente que se acha por detrás dele ou que paira não se sabe onde numa espécie de reino intermediário HEIDEGGER 2001 p 208 Segundo a proposta de Heidegger a existência o agente o seraí é ela mesma em seu ser atribuidora de sentido bedeutend pois está sempre na atitude de compreender o ser dos entes e sua existência vive no âmbito do sentido e pode responder por si nesse âmbito Desse modo os conceitos hermenêuticos de sentido e de compreensão recebem uma decisiva reorientação tanto ontológica quanto fenomenológica constituindose como a chave da própria analítica da existência do ente que compreende e interpreta Significância Bedeutsamkeit é a perspectiva em função da qual o mundo se abre como tal Dizer que função e significância se abrem no seraí Dasein significa que o seraí é um ente em que como sernomundo ele próprio está em jogo HEIDEGGER 2001 p 198 O ter e o fazer sentido são então a perspectiva de abertura pela qual algo pode vir a ser reconhecido como isso ou aquilo e pela qual o próprio mundo se mostra Contudo importa perceber que Heidegger concebe a compreensão mesma como um aspecto ontológico ou constitutivo da própria existência ou seja como a forma originária de realização da existência Dasein GADAMER 2005 p 347 compreender é o xaráter ontológico original da própria vida humana GADAMER 2005 p 348 103 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS A estrutura da précompreensão A teoria da compreensão heideggeriana entende o dar sentido e a inteligibilidade pela qual algo é apreendido como algo dado a partir de estruturas prévias que configuram de antemão o que é compreendido tanto dispondoo como algo inteligível quanto ofuscando aspectos e relações Nos termos de Heidegger reformulando e expandindo conceitos de Edmund Husserl 2006 e Dilthey 2010 trata se do que denominou em Ser e Tempo de estrutura da pré compreensão HEIDEGGER 2001 p 206207 composta pelo darse previamente Vorhaben pela visão prévia Vorsicht e pela apreensão prévia Vorgriff os quais indicam e exprimem a condição de estar já sempre no mundo daquele que compreende mas sobretudo a condição formal de posteridade daquele que compreende e de anterioridade existencial e fenomenológica do mundo pois toda compreensão está encalacrada e entrelaçada a acontecimentos que lhe antecedem e possibilitam Toda apreensão de sentido parte já de um prévio dar se e ter mundo que inclusive antecede e sustenta a própria existência daquele que apreende compreende e interpreta algo como isso ou aquilo Além disso a apreensão de sentido se faz sempre a partir de um viés ou perspectiva temporal dentro desse mundo previamente dado sendo inexequível um olhar de fora e menos ainda de nenhum lugar tal como já havia exposto Nietzsche 1988 Complementando a estrutura da précompreensão o próprio gesto que procura apreender as coisas e o mundo já é realizado no contexto de práticas determinadas e sob certos conceitos e concepções ou seja a compreensão e a interpretação sempre já são antecipadas por uma prévisão apreendora e 104 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS nunca são uma tabula rasa que seria conformada e preenchida pelo próprio objeto É necessário aqui relembrar que tanto a Hermenêutica quanto o historicismo do século 19 foram movimentos de recusa do apriorismo e do idealismo dos séculos 17 e 18 Nesse período era comum os filósofos executarem um procedimento de demonstração da possibilidade de a razão ou consciência conhecer a estrutura do mundo de modo prévio a qualquer experiência exemplarmente ilustrado pelo modelo clássico das Meditações metafísicas de R Descartes e refletido nas obras de Locke Hume Kant Nesse modelo a consciência está já funcionando mesmo que separada completamente do mundo externo e fazia parte da tarefa do filósofo mostrar como ela poderia ter acesso ao mundo As diversas filosofias que romperam com esse modelo têm como ponto de partida justamente a ideia de que a consciência está de saída no mundo histórico e material No lugar de uma prova da possibilidade de se conhecer o mundo como em Descartes 2004 ou de uma dedução transcendental e a priori das categorias com as quais o conhecimento objetivo se torna possível como em Kant 2001 passouse a elaborar e justificar procedimentos metódicos que tornariam possível o conhecimento de si e do mundo justamente em meio aos acontecimentos e no embaraço das interrelações materiais e históricas sob o pressuposto primário de que a consciência cognitiva e teórica nasce e se desenvolve já como parte e efeito do mundo que ela tem que conhecer e objetivar A compreensão tal como delineada por Heidegger está ancorada e é dirigida pelas projeções das próprias possibilidades que aquele que compreende tem na sua própria existência e 105 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS no seu modo de estar no mundo Se pensamos a interpretação como a realização de um sentido num significado determinado essa realização pressupõe a compreensão prévia conformada pelo modo de ser e estar no mundo que constituiu aquele que compreende A compreensão não é uma função cognitiva e menos ainda uma ação que alguém realiza no zero de constrições e poderia não realizála e ainda permanecer sendo o que é Enquanto um traço ontológico da existência humana a compreensão é anterior no sentido de estar sempre atuando e possibilitando atos e significações mas ocorre como uma estrutura prévia conformada pela condição histórica O aspecto ontológico indicado pela análise heideggeriana implica que no compreender está em causa o ser e o vir a ser daquele que compreende e também o ser daquilo que é compreendido e interpretado Desdobrando as teses de Schleiermacher Droysen e Dilthey que já estabeleciam que a compreensão de sentido e a interpretação ou significação eram de saída instauradas por uma totalidade de correlações e emaranhamentos de remissões interdependentes ou seja que o sentido e o significado de algo sempre remetiam a um complexo de relações e interconexões estruturadas Heidegger avança uma tese que transforma o próprio cerne da Hermenêutica ao defender que o complexo estrutural de conexões é ontologicamente constitutivo da existência mesma A compreensão emerge assim como um complexo que antecede toda e qualquer cognição e conceitualização positiva o qual é já um âmbito de sentido e de remissões e orientações e também a base já operante por sobre a qual uma consciência ou um discurso com sentido pode vir a se estabelecer O âmbito 106 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS de sentido e orientação é apreensível e é nele que os modos de ser das coisas se objetiva embora isso sempre ocorra por meio de preconcepções e sob as prefigurações de uma linguagem e de práticas recebidas já prontas e herdadas por aquele que compreende ao ter nascido e crescido em uma comunidade histórica que lhe antecede Ademais o que é assim apreendido vem a ser interpretado dotado de valor e significado ou seja vem a ser apropriado e agenciado de modo particular e indexado ao existente individual no curso de suas ações e práticas A cada vez é um eu em particular que compreende e então se apropria do que é compreendido ao articulálo nos seus próprios projetos e ações A descrição da experiência de estar no mundo transforma se visto que a partir da teorização de Heidegger o ambiente circundante imediato é inteiramente recoberto de sentido e de remissões práticas As coisas não são experimentadas isoladas e depois conectadas ou ainda não são experimentadas puramente em termos de propriedades físicas e espaciais destituídas de sentido ao contrário o que vemos sempre são objetos no contexto de interesses e práticas humanas como uma cadeira uma mesa e das atividades em que estamos engajados Na formulação decisiva de 1919 Heidegger escreve Eu vejo o púlpito de uma só vez por assim dizer e não isoladamente mas ajustado um pouco alto demais para mim Eu vejo e imediatamente assim sobre ele um livro um livro não uma coleção de páginas em camadas com marcas negras espalhadas sobre eles vejo o púlpito em uma orientação uma iluminação um fundo HEIDEGGER 1987 p 70 Na percepção o que aparece são objetos significativos do mundo de sentido humano ou então objetos que servem ou não servem que são adequados ou inadequados para as ações 107 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS em curso Percebese o mundo já sob uma certa compreensão e interpretação práticonocional por assim dizer como inteiramente significativo e orientador Esse ambiente mundano púlpito livro quadro negro caderno canetatinteiro zelador fraternidade estudantil bonde automóvel etc não consiste apenas em coisas objetos que são então concebidos como significando isto e aquilo em vez disso o significativo é primordial e imediatamente dado a mim sem quaisquer desvios mentais através da apreensão orientada pela coisa Ao viver em um mundo ele tem sentido para mim em todos os lugares e sempre tudo tem o caráter de mundo HEIDEGGER 1987 p 72 O ponto a ser destacado é a tese de que os objetos não se apresentam isolados em uma multiplicidade caótica de coisas O que se dá na experiência cotidiana é um todo de sentido e de remissões conectadas a saber um mundo no qual as coisas e suas propriedades fazem sentido e no qual as ações daquele que percebe se orientam em relações de conformidade e segundo suas disposições de ânimo A condição de ter e fazer sentido Bedeutsamkeit do mundo é primariamente práticooperatória pois está fundada e orientada pela antevisão prática e não pela sensação ou percepção desinteressada e sem engajamento O significativo não é um aspecto percebido pelos sentidos mas sim e antes é apreendido no plano da apropriação agencial práticopragmática relativa a um agente ou seja fundase no âmbito performativo que envolve três instâncias concomitantes ação ambiente e sentido O ter e o fazer sentido ocorrem no ambiente circundante de um agente engajado em atividades e cursos de ação histórica e socialmente enraizados A percepção não é sobre o mundo mas no mundo mundo este que se mostra de antemão organizado e estruturado 108 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Uma alteração central na teorização de Heidegger acerca do caráter hermenêutico da existência na sua lida no mundo está no fato de que ele concebe o hermenêutico como proveniente de uma esfera mais fundamental do que aquela das palavras e do comportamento linguístico O hermenêutico diz respeito à estrutura prévia existencial e está enraizado na constituição da própria existência de modo que o comportamento linguístico e as expressões linguísticas é que se fundam na compreensão e são concebidas por Heidegger como representando uma forma derivada de exercício de interpretação e somente por isso possui um sentido 2001 p 211 Todavia a discursividade é própria e originária tanto quanto a compreensão e a disposição de ânimo constituindose como um aspecto ontológico do ser humano Escreve Heidegger 2001 p 219 Do ponto de vista existencial o discurso é igualmente originário à disposição e à compreensão A compreensibilidade já está sempre articulada antes mesmo de qualquer interpretação apropriadora O discurso é a articulação dessa compreensibilidade Por isso é que o discurso se acha à base de toda interpretação e proposição Chamamos sentido o que pode ser articulado na interpretação e por conseguinte mais originariamente ainda já no discurso Chamamos de totalidade significativa aquilo que como tal se estrutura na articulação do discurso Esta pode desmembrarse em significações Enquanto aquilo que se articula nas possibilidades de articulação todas as significações sempre têm sentido Uma vez que enquanto articulação da compreensibilidade do pre o discurso é um existencial originário da abertura constituído primordialmente pelo sernomundo ele também deve possuir em sua essência um modo de ser especificamente mundano A compreensibilidade do sernomundo trabalhada por uma disposição se pronuncia como discurso A totalidade significativa da compreensibilidade vem à palavra Das significações brotam palavras As palavras porém não são coisas dotadas de significados 109 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS As leituras indicadas no Tópico 31 tratam dos conceitos hermenêuticos propostos por Heidegger e sua importância para a história de formação da Hermenêutica Filosófica contemporânea Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 22 A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE GADAMER O que eu ensinava era sobretudo a práxis hermenêutica Essa é antes de mais nada uma práxis a doutrinadocompreender e de tornar compreensível É a alma de todo ensino que queira ensinar filosofia GADAMER 2004 p 563 HansGeorg Gadamer 19002002 estudou durante muitos anos sob orientação de Heidegger e sua teoria hermenêutica é tanto uma aplicação como uma expansão da concepção ontológica da compreensão desenvolvida por seu mestre A sua obra principal Verdade e Método publicada em 1960 esboça os fundamentos de uma teoria geral da compreensão revisando as principais teses da Filosofia moderna com base na suposição de que a experiência da verdade ultrapassa o domínio do método científico GADAMER 2005 p xxii tal como Dilthey já havia proposto Essa experiência da verdade ocorre em três âmbitos na arte na consciência histórica e na Filosofia Esses âmbitos são tratados respectivamente nas três partes de Verdade e Método Na teorização de Gadamer o termo hermenêutica não mais designa como em Dilthey e Betti uma teoria do método mas antes uma teoria da experiência efetiva que é o pensamento 110 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS GADAMER 2005 p 23 A abordagem é inteiramente ontológica pois não é uma teoria da consciência ou uma teoria da ação humana O que está em questão não é o que fazemos o que deveríamos fazer mas o que nos acontece além do nosso querer e fazer GADAMER 2005 p 14 Desse modo a Hermenêutica é pensada como um aspecto universal da Filosofia e não mais apenas como a base metodológica das assim chamadas Ciências Humanas GADAMER 2005 p 589 Gadamer é enfático ao localizar o alcance de sua teorização bem como sua filiação a Heidegger Esta investigação coloca a questão ao todo da experiência humana do mundo e da práxis da vida Falando kantianamente ela pergunta como é possível a compreensão Esta questão precede a todo comportamento metodológico das ciências da compreensão suas normas e regras A analítica temporal da existência Dasein humana desenvolvida por Heidegger penso eu mostrou de maneira convincente que a compreensão não é um dentre outros modos de comportamento do sujeito mas o modo de ser da própria existência Dasein O conceito de hermenêutica foi empregado aqui nesse sentido Ele designa a mobilidade fundamental da existência a qual perfaz sua finitude e historicidade abrangendo assim o todo de sua experiência de mundo GADAMER 2005 p 16 Com isso Gadamer defende a universalidade da experiência da compreensão e da autocompreensão Em todas as nossas experiências transcorre uma compreensão das coisas e uma de si Essa compreensão todavia é mais um acontecer e um efetivarse histórico do que um ato de um sujeito autônomo A estrutura da précompreensão explicitada por Heidegger em Ser e tempo implica que o existente humano está perpassado pelo acontecer histórico a partir do qual as coisas já são significativas e que toda experiência vivida se realiza com 111 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS base em estruturas prévias de compreensão e é assim sempre interpretante Não há conhecimento imediato ou experiência pura livre de preconceitos e interpretações prévias Prosseguindo a tese de Dilthey e Heidegger a teorização de Gadamer concebe a experiência e a compreensão como inseridas de antemão numa tradição herdada que conforma o ponto de partida inicial para todos os atos de compreensão SCHMIDT 2014 p 146 Todavia a teorização de Gadamer não permanece cativa de uma posição romântica de simples afirmação do passado e da tradição pois implica a atitude de revisar as visões posições e concepções prévias a partir de uma reconsideração das próprias coisas e de um diálogo aberto e franco com a tradição e com os que pensam diferente Preconceito e validade Uma das mais polêmicas proposições constitutivas da Hermenêutica filosófica de Gadamer referese à reavaliação dos preconceitos e tradições O Iluminismo cientificista seja na sua versão empiricista seja na racionalista tinha como cerne a atitude de recusa dos preconceitos e das tradições na validação de conhecimentos e práticas As únicas autoridades aceitas capazes de validar um conhecimento ou prática eram a razão e a experimentação científica Contra o movimento iluminista os Românticos procuraram valorizar tradições folclore conhecimentos antigos retomando a pertença e continuidade das tradições como forma de validação e justificação Gadamer na segunda parte de Verdade e Método ao desenvolver o conceito de estrutura prévia da compreensão afirma que somente o reconhecimento do caráter essencialmente preconceituoso de toda compreensão poderia 112 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS levar o problema hermenêutico à sua real agudeza GADAMER 2005 p 360 e argumentou que o Iluminismo estava fundado no preconceito contra os preconceitos em geral isso implicando a despotenciação da tradição Contra essa postura teórica Gadamer adverte que preconceito não significa de modo imediato um falso conceito ou juízo pois tanto pode ser avaliado como positivo quanto como negativo Por isso se quisermos fazer justiça ao modo de ser finito e histórico do humano é necessário levar a cabo uma reabilitação radical do conceito de preconceito e reconhecer que existem preconceitos legítimos GADAMER 2005 p 368 O ponto de Gadamer está em mostrar que toda compreensão se ampara em estruturas e conceitos prévios que a tornam possível e a embasam tal como a hermeta sustenta e faz aparecer a herma A própria compreensão do passado é ela mesma amparada e sustentada pela efetividade da tradição em nosso constante comportamento com relação ao passado o que está realmente em questão não é o distanciamento nem a liberdade com relação ao transmitido Ao contrário encontramonos sempre inseridos na tradição GADAMER 2005 p 374 É a partir dessa inserção e pertencimento que propriamente compreendemos Desse modo o sentido da pertença isto é o momento da tradição no comportamento históricohermenêutico realiza se através da comunidade de preconceitos fundamentais e sustentadores A hermenêutica precisa partir do fato de que aquele que quer compreender deve estar vinculado com a coisa que se expressa na transmissão e ter ou alcançar uma determinada conexão com a tradição a partir da qual a transmissão fala GADAMER 2005 p 390 113 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Em termos teóricos isso significa fazer implicar no conceito de compreensão hermenêutica uma condição histórica efetiva anterior que possibilita a cognição e a ação A compreensão não ocorre no vácuo e no vazio de relações com o passado significando que ela se torna possível e se realiza sempre a partir de preconceitos e articulações prévias as quais não são entraves a serem eliminados mas condições de possibilidade a serem elaboradas outra vez As tradições não são então extirpáveis mas apenas redirecionáveis e ressignificáveis pois tentar compreender a partir do zero de constrições e sem nenhum conceito prévio é como tentar falar sem recorrer e pertencer a nenhuma língua prévia A consciência e a efetividade do histórico O conceito mais importante de Verdade e método talvez aquele que sintetiza a sua originalidade hermenêutica sem dúvida é o de consciência históricoefeitual pelo qual Gadamer procura tornar efetivo no plano teórico o sentido da temporalidade e da historicidade que afeta e ao mesmo tempo perfaz a consciência e a compreensão e também aquilo que se dá para ser compreendido Com isso ele pretendia mostrar a indissociabilidade entre consciência e história ao tornar explícita a efetividade da história na própria compreensão estando nisso implicado que compreender e ser consciente e também intencionar e querer estariam por processos histórico efetivos nos quais se mostra a realidade da história na própria compreensão GADAMER 2005 p 396 Quando procuramos compreender um fenômeno histórico a partir da distância histórica que determina nossa situação hermenêutica como um todo encontramonos sempre sob os efeitos dessa história efeitual Ela determina de antemão 114 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS o que se nos mostra questionável e se constitui em objeto de investigação GADAMER 2005 p 397 A abertura do mundo em sua inteligibilidade e sentido é um efeito da efetividade da nossa pertença ao passado e às tradições das quais nós mesmos somos os continuadores A tese faz parte dos fundamentos das concepções hermenêuticas desde Schleiermacher Humboldt Droysen e Dilthey ela diz explicitamente que nossa consciência e capacidade de conhecer e agir não surgem puras e imaculadas mas somente vêm a existir e existem tendo como base um contexto histórico determinado cujas estruturas de inteligibilidade e cujos direcionamentos orientadores conformam e conduzem já os nossos primeiros passos e olhares A pertença a tradições e o entrincheiramento no contexto históricolinguístico não é algo que podemos descartar sem concomitantemente perdermos literalmente o senso e a orientação no mundo O mundo nos parece inteligível e compreensível justamente porque nossa consciência foi formada neste e por este mesmo mundo histórico em relação ao qual nós sempre já somos posteriores e dependentes A nossa consciência é na expressão de Gadamer uma consciência históricoefetiva wirkungsgeschichtliches Bewusstsein por ser desde o começo o efeito e a vigência dos efeitos históricos de tradições e pertenças e também sua continuação e possibilidade de inovação Não há ponto em nossa consciência e em nossos sentidos de orientação que possa ser compreendido fora do tempo e de seu efetivarse histórico Contudo embora a consciência seja concebida como pertencendo e estando imersa numa tradição o ser consciente enquanto é consciente de sua própria historicidade pode 115 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS justamente se distanciar dessa pertença ao assumir uma atitude crítica em relação aos preconceitos recebidos como base de sua própria formação Este ponto é marcante da posição hermenêutica gadameriana o distanciamento histórico é produtivo e não impeditivo ou restritivo do conhecimento Gadamer defende que a distância temporal Zeitenabstand é a condição da revisabilidade e da capacidade de dispensar os preconceitos não controláveis porque constitutivos da tradição e assim indisponíveis para o intérprete Embora a compreensão não seja um comportamento livre ela exibe a estrutura do desafio e da exigência A consciência da história efeitual é em primeiro lugar consciência da situação hermenêutica No entanto tornarse consciente de uma situação é uma tarefa que em cada caso se reveste de uma dificuldade própria Nós estamos nela já nos encontramos sempre numa situação cuja elucidação é tarefa nossa Essa elucidação jamais poderá ser cumprida por completo E isso vale também para a situação hermenêutica isto é para a situação em que nos encontramos frente a tradição que queremos compreender GADAMER 2005 p 399 O hermenêutico da tradição implica esse caráter inesgotável e ao mesmo tempo incontornável do darse de sentido e de inteligibilidade que sempre pressupõe um fundo ou horizonte que não se deixa tematizar em seu todo como a marca do ser histórico Por isso ser histórico quer dizer não se esgotar nunca no saberse GADAMER 2005 p 399 A tese hermenêutica então configurase como crítica a toda pretensão de fechamento do conhecimento por um lado porque o conhecer é sustentado e enraizado numa condição que ele não pode eliminar nem tematizar completamente e por 116 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS outro porque o seu raio de ação se estende no contexto de uma situação cujo horizonte também ele não pode esgotar Por não sabermonos por inteiro e também por não sabermos o mundo em sua totalidade temos de compreender interpretando buscando sentido e orientação sem poder recorrer a verdades primeiras e últimas mas apenas ampliando o horizonte de sentido que herdamos e aprendendo com os outros diferentes Como haviam mostrado as teorizações de Dilthey Gadamer também indica a partir dessa perspectiva os limites da reflexão e da autoconsciência como meios de asseguramento e validação Contra as pretensões metafísicas de um saber absoluto a Hermenêutica filosófica propriamente histórica mostra que apenas pelo desvio do compreender podemos recuperar alguma certeza e conhecimento o que significa aceitar as mediações históricas de modo a se por um limite à onipotência da reflexão GADAMER 2005 p 449 O ponto de inflexão antiidealista da Hermenêutica gadameriana está na reposição como fundamento do conceito de uma experiência que experimenta a efetividade e é ela própria efetiva GADAMER 2005 p 453 Esse conceito de experiência remete àquela noção empregada quando se diz que alguém fez ou sofreu uma experiência pela qual certas expectativas são frustradas e sobretudo que nos ensina a reconhecer o que é efetivo GADAMER 2005 p 467 A experiência propriamente hermenêutica está ligada à consciência histórica de si e do outro ao conhecimento reflexivo acerca das diferentes perspectivas de sentido e orientação seja do passado ou do presente que afetam a nossa existência 117 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS humana e também à efetividade do fazer e do agir que alteram as situações O que caracteriza o hermenêutico dessa experiência não é uma objetividade racionalizada capaz de sopesar as diferenças e alcançar um ponto de vista universal que englobaria todas as perspectivas como momentos já superados O abrir se compreensivo para o outro diferente e também para as tradições implica antes o reconhecimento de que devo estar disposto a deixar valer em mim algo contra mim ainda que não haja nenhum outro que o faça valer contra mim GADAMER 2005 p 472 Por isso longe de se por numa posição que nivela e iguala as diferentes perspectivas e posições a consciência hermenêutica tem sua consumação não na certeza metodológica sobre si mesma mas na comunidade de experiência que distingue a pessoa experimentada daquela que está presa aos dogmas GADAMER 2005 p 472 Notese que em todas essas caracterizações a experiência hermenêutica sempre é de um si reflexivo situado e não de um sujeito neutro fora do tempo e do espaço A linguisticidade da experiência de sentido Apesar dos aspectos limitadores da historicidade da consciência e da compreensão sobretudo por sua inserção e pertença às tradições nesse pertencimento mesmo está a chave para o seu não fechamento dogmático Com efeito para Gadamer o passado e as tradições são eles mesmos significativos e expressantes de tal modo que o vir a ser consciente e capaz de compreender é uma forma de estar em diálogo com o que nos constitui e perfaz 118 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS A experiência hermenêutica tem a ver com a tradição É esta que deve chegar à experiência Todavia a tradição não é simplesmente um acontecer que aprendemos a conhecer e dominar pela experiência mas é linguagem isto é fala por si mesma como um tu GADAMER 2005 p 467 A estrutura do diálogo não é uma simples concessão do filósofo ao fato preeminente de que as línguas têm sua origem no intercurso conversacional das comunidades de fala Antes com essa estrutura Gadamer quer salientar um aspecto constituidor da própria condição linguística da compreensão e da consciência de si e do mundo Gadamer usa a imagem da fusão de horizontes que ocorre na compreensão entre interlocutores pertencentes a mundos de sentido diferentes como o genuíno desempenho da linguagem GADAMER 2005 p 492 denominando esta de obscuro universal que precede todas as coisas Contudo na concepção gadameriana a linguagem não é um âmbito avesso ou refratário às coisas efetivas Antes nisso seguindo Heidegger o que faz da linguagem um meio universal indispensável e incontornável como base de toda compreensão e acordo é que sempre nela se tem em mira alguma coisa com a qual estamos confrontados de modo que na realização da compreensão como efetuação linguística ocorre justamente o viràfala da própria coisa em pauta GADAMER 2005 p 493 Nessa tese emerge o diferencial da proposta hermenêutica de Gadamer que está na universalização da condição linguística do ter e fazer mundo da consciência humana A linguisticidade não é senão comunalidade e comunicabilidade pois linguagem indica sempre um meio e um ambiente de interdependências com os outros no qual também o mundo se apresenta O ponto de Gadamer é que o objeto hermenêutico 119 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS é linguístico tem o caráter de linguagem Isso fica claro na tese básica da terceira parte de Verdade e Método Na linguagem é o próprio mundo que se apresenta A experiência de mundo feita na linguagem é absoluta Ultrapassa todas as relatividades referentes ao poroser Seinsetzung porque abrange todo o ser em si sejam quais forem as relações relatividades em que se mostra A linguisticidade Sprachlichkeit em que acontece a nossa experiência de mundo precede a tudo quanto pode ser reconhecido e interpelado como ente A relação fundamental de linguagem e mundo não significa portanto que o mundo se torne objeto da linguagem Antes aquilo que é objeto do conhecimento e do enunciado já se encontra sempre contido no horizonte global da linguagem A linguisticidade da experiência humana de mundo como tal não visa a objetivação do mundo GADAMER 2005 p 581 Linguagem e mundo perfazem uma conexão cujos polos não subsistem um sem o outro a tal ponto que a própria disponibilidade do mundo e seus objetos é constituída pela linguagem GADAMER 2005 p 571 Esta é porém na sua base mediação e comunalidade de modo que onde há linguagem já está dada de antemão a possibilidade da compreensão por mais radicais que sejam as distâncias e diferenças Com efeito a Hermenêutica filosófica de Gadamer permanece fiel ao delineamento de Schleiermacher e Dilthey que se reconhece e incorpora a efetividade histórica tem na imanência à linguagem o seu centro diretor Essa autocircunscrição ao linguístico da Hermenêutica filosófica se expressa na tese principal ser é linguagem isto é representar se GADAMER 2005 p 627 Desse modo se ser é linguagem se ser é representarse então o princípio hermenêutico é universal e não pode ser suspendido sentido é sentido linguístico e 120 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS ao mesmo tempo sentido de ser Ainda assim impõese uma limitação à experiência hermenêutica de sentido De minha parte procurei não esquecer o limite implícito em toda experiência hermenêutica do sentido Ao escrever que o ser que pode ser compreendido é linguagem essa frase dava a entender que o que é nunca pode ser inteiramente compreendido Isso porque o que serve de orientação a uma linguagem sempre ultrapassa aquilo que nela se enuncia GADAMER 2004 p 386 Gadamer insiste com base nisso que a consciência hermenêutica se vincula à tradição e ao que ela compreende em referência a algo que foi dito Gesagtes à linguagem em que nos fala a tradição à saga que ela nos conta GADAMER 2005 p 391 e não à individualidade psicológica nem ao ato concreto de dizer e ao indivíduo singular nas suas concretudes históricas Embora valorize a experiência como aquilo que nos ensina o que é real 2003 p 467 Gadamer não nos diz o que é esse real ensinado pela experiência apenas o toma como algo que se dá na forma de um dizer Por isso essa posição permanece cativa da crítica e do receio do psicologismo típicos de Husserl cuja saída foi a adesão à idealidade do sentido Em última instância o que media as diferentes experiências e os diferentes indivíduos contemporâneos ou não é uma configuração Gebilde uma unidade ideal ideellen Einheit enquanto um todo de sentido Sinnganzes GADAMER 2005 p 174 que unicamente se mostra no dizer e no falar Com esse conceito adaptado do idealismo transcendental da fenomenologia de Husserl Gadamer busca superar o historicismo e o psicologismo característicos da Hermenêutica do século 19 pois a intermediação entre os indivíduos e também 121 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS entre as épocas diferentes é viabilizada por um elemento que se é um feito não é algo efêmero A tradição escrita não é apenas uma parte de um mundo passado mas já sempre se elevou acima deste na esfera do sentido eine Sphäre des Sinnes que ela anuncia Tratase da idealidade da palavra que todo elemento de linguagem eleva acima da determinação finita e efêmera própria aos restos de existências passadas GADAMER 2005 p 505 Por meio dessa idealidade da palavra propiciada pela língua e suas formações emerge a esfera de sentido que é propriamente transhistórica e transindividual Gadamer recupera assim a centralidade da escrita para a Hermenêutica ao fazer ver que por ela uma dimensão não efêmera e intersubjetiva pode escapar da indexação ao local e ao epocal Na verdade a escrita ocupa o centro do fenômeno hermenêutico na medida em que graças ao escrito o texto adquire uma existência autônoma independente do escritor ou do autor e do endereço concreto de um destinatário ou leitor De certo modo o que é fixado por escrito se eleva aos olhos de todos para uma esfera de sentido na qual pode participar todo aquele que esteja em condições de ler GADAMER 2005 p 507 Diferentemente da tradição clássica e moderna Gadamer torna positiva a condição da escrita considerandoa aquilo mesmo que revela a essência da linguagem A possibilidade de ser escrita revela o verdadeiro poder da linguagem qual seja o de liberar a esfera do sentido em relação às condições efêmeras e fáticas das enunciações e das experiências vividas dos falantes o que foi fixado por escrito desvinculase da contingência de sua origem e de seu autor liberandose positivamente para novas relações GADAMER 2005 p 512 122 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Nesse ponto revelase uma importante suposição de Gadamer pois ele compreende o sentido como aquilo que é propriamente comunicado apontando para a autonomia do texto e do que é dito nele como independente do lugar da época e do autor Essa suposição mostra o afastamento de Gadamer em relação às filosofias da vida do século 19 essa possibilidade de ser escrita repousa sobre o fato de que o próprio discurso participa da idealidade pura do sentido que se comunica nele Na escrita esse sentido do falado está aí por si mesmo inteiramente livre de todos os momentos emocionais da expressão e do anúncio Um texto não quer ser entendido como manifestação da vida mas apenas naquilo que ele diz Por isso o sentido de uma notação escrita é perfeitamente passível de ser identificado e repetido É só o que é idêntico na repetição que realmente foi anotado na escrita Com isso fica claro também que repetir não pode ser tomado aqui em sentido estrito Não se refere à recondução a um termo primeiro e originário no qual algo teria sido dito ou escrito enquanto tal Compreender pela leitura não é repetição de algo passado mas participação num sentido presente GADAMER 2005 p 508 Nessa concepção importa perceber que o conceito de sentido não equivale aos conceitos de conceito e de essência modernos e tradicionais O sentido não está ligado a uma propriedade das coisas e menos ainda das palavras elas mesmas mas nem por isso é algo relativo a uma vivência subjetiva Por meio da enunciação hermeneia discursiva um pensamento sentido dianoia é elaborado e configurado por meio da escrita dessa formação linguística esse pensamentosentido é fixado e então pode ser apreendido e entendido synein por pessoas muito diferentes para além das circunstâncias de sua produção A tese gadameriana retoma o diferencial hermenêutico posto em operação por Schleiermacher e Humboldt contra as 123 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS concepções antigas e modernas sobre a relação entre pensar e falar ao reafirmar a inseparabilidade entre forma e conteúdo entre linguagem e pensamento A forma da linguagem e o conteúdo da tradição não podem ser separados na experiência hermenêutica Se cada língua é uma concepção de mundo ela não o é primeiramente como representante de um determinado tipo de língua como o pesquisador de linguagem vê a língua mas através do que se diz e se transmite nessa língua GADAMER 2005 p 569 O ter e estar em uma língua não é apenas mais uma relação exterior e contingente antes constitui a própria raiz da experiência significativa e do ter mundo Gadamer retoma e expande a concepção linguística de Humboldt como concepção de mundo a linguagem não é somente um dentre muitos dotes atribuídos ao humano que está no mundo mas serve de base absoluta para que os humanos tenham mundo nela se apresenta o mundo GADAMER 2005 p 571 Esse aspecto do conceito de linguagem da Hermenêutica filosófica é decisivo para o embasamento geral da Hermenêutica e sua pretensão de universalidade e também no que se refere às próprias operações de interpretação Os conteúdos objetos e conceitos que podem vir a ser tematizados e conhecidos no comportamento compreensivo têm o caráter de linguagem O próprio mundo em seu todo está aí como mundo numa forma como não está para qualquer outro ser vivo que esteja no mundo Pois esse estaraí do mundo é constituído pela linguagem GADAMER 2005 p 571 Todavia estar constituído pela linguagem que perfaz o mundo em sua totalidade não é um estar enclausurado e limitado e muito menos um aspecto limitador para aquele 124 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS que compreende A linguagem como é o caso da nossa língua portuguesa para nós brasileiros frente ao mundo que vem à fala nela não instaura ela mesma nenhuma existência autônoma GADAMER 2005 p 572 A linguagem se permite que o mundo nela se apresente o faz justamente por liberar um espaço de liberdade frente ao mundo e também frente às nossas próprias tendências em contraste com o acoplamento compulsivo dos demais seres vivos em oposição a todos os demais seres vivos é a sua liberdade frente ao mundo circundante Essa liberdade implica a constituição de mundo que se dá na linguagem GADAMER 2005 p 573 O que chamamos de linguagem e língua é esse poder dispor e distanciarse em relação ao que se dá na experiência de poder desvincularse e de mudar o modo de vinculação ao mundo circundante ao poder dizêlo desdizêlo e redizêlo de outro modo A experiência da inalienável alteridade A Hermenêutica filosófica proposta por Gadamer tem seu fundamento na tentativa de preservar a diferença e a alteridade como não elimináveis pelo processo de interpretação e compreensão Compreender não é um processo de homogeneização O sentido do discurso de outrem mesmo que contemporâneo implica a diferença de perspectiva e de posicionamento quanto à coisa que vem à fala Diferentemente do modelo científico e iluminista a Hermenêutica desde Schleiermacher inclui no movimento mesmo da compreensão a preservação e a vivificação do outro e de suas diferenças como aquilo mesmo que constitui o compreender A linguagem é o elemento que permite este pôr 125 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS se em acordo dos diferentes sem que a sua diferença precise ser eliminada Na sua raiz mais profunda Linguagem é compartilhamento participação parceria na qual um sujeito não se encontra contraposto a um mundo de objetos Sprache ist Teilgabe Teilnahme Teilhabe in der nicht ein Subjekt einer Welt der Objekte gegenübersteht um mundo no qual a linguagem permaneceria enredada em aporias pseudoplatônicas relativas à metexis Quando falamos uns com os outros quando buscamos uns para os outros e para nós mesmos as palavras quando experimentamos as palavras que conduzem a uma linguagem comum e que formam uma tal linguagem nós nos empenhamos por compreender a nós mesmos e isso sempre significa tudo mundo e humanos e isso por mais que seja possível que não nos compreendamos GADAMER 2007 p 38 Desse modo ter parte na linguagem não se distingue de estar já em interagência e parceria com outros Com isso na experiência da compreensão está em jogo sempre uma experiência comunicacional que se realiza na forma de uma conversação permanecendo o modo proposto por Schleiermacher o da conversação entre um eu e um tu o modelo do diálogo Gespräch como o modelo apropriado para a experiência da compreensão A compreensão perfazse por um trazer à palavra o compreendido e também como um redizer o que o outro tem a dizer Ao enfatizar o diálogo Gadamer quer fazer ver que a linguagem é o lugar do entendimento mútuo e que nesse entendimento aparece o verdadeiro ser da linguisticidade que nos constitui ao permitir que diferentes se entendam Nesse ponto Gadamer afastase de Heidegger Um diálogo genuíno que visa a compreensão é um encontro real com o outro Existe em todo diálogo um movimento de escuta e resposta que ocorre em relação a uma dialética de pergunta 126 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS e resposta Mais importante esse movimento pressupõe uma linguagem comum unindose um ao outro em um espaço comum que é frequentemente trabalhado em diálogo RISSER 2016 p 182 O espaço comum no qual um diálogo pode ocorrer é aquele ambiente comunal em que diferentes podem se apresentar nas suas diferenças exemplarmente realizado nas comunidades linguísticas Com efeito compartilhar uma língua não é de modo algum ter as mesmas opiniões ou crenças e menos ainda ter os mesmos pontos de vistas e avaliações pois isso tornaria desnecessária a distinção entre o eu o tu e o ele enquanto essas figuras linguísticas indicam justamente o lugar da diferença que se mostra em contraste por sobre o fundo comum da comunidade linguística Sobre esse fundo comum as diferenças quanto ao sentido e ao significado do que está em discussão podem emergir e ser explicitadas O problema hermenêutico não é pois um problema de domínio correto da língua mas de acordo correto sobre um assunto que se dá no medium da linguagem GADAMER 2005 p 498499 De certo modo para que possa haver acordo numa conversação esse domínio da língua é uma condição prévia O domínio prévio e o compartilhamento da língua como base comum não eliminam o desacordo e as diferenças antes ele é o meio pelo qual se pode chegar a um acordo e a um sentido comum apesar das diferenças A alteridade a ser preservada está ligada à possibilidade de quebra de falsas expectativas e projeções isto é à possibilidade de o falante e o intérprete experimentarem um sentido a partir do qual eles são corrigidos nas suas pretensões As 127 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS palavras diferença alteridade e outro indicam sempre na conversação a posição de um tu ou de um ele cujo pensamento e perspectiva de avaliação da situação se distinguem a ponto de vir à fala A interpretação e a compreensão que se autodenomina hermenêutica se caracteriza e se especifica justamente por cuidar de não eliminar essa distinção mesma ao abdicar de saída da posição dominadora Com efeito para Gadamer a Hermenêutica não é um saber dominador que se apropria e se apodera A compreensão hermenêutica é antes um submeter se e um aceitar a posição dominante do discurso ou texto constituindose não como formas de domínio mas de estar a serviço um estar a serviço daquilo que deve valer GADAMER 2005 p 411 mesmo que isso signifique corrigir as próprias pretensões e avaliações GADAMER 2005 p 472 As leituras indicadas no Tópico 32 tratam das teorias de Gadamer Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 23 A HERMENÊUTICA CRÍTICA DE PAUL RICOEUR Na obra do filósofo francês Paul Ricoeur 19132005 encontramse os elementos tanto de retomada quanto de inovação teórica em Hermenêutica no século 20 Com efeito ao longo de várias obras publicadas a partir de 1960 Ricoeur configurou uma Filosofia hermenêutica própria e ao mesmo tempo redefiniu e reformulou os principais conceitos que configuram o marco teórico da Hermenêutica Sobressaemse as obras Freud e a interpretação 1963 O conflito das interpretações 128 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS 1969 A metáfora viva 1975 Teoria da interpretação 1976 e Do texto à ação 1986 nas quais é visível o aspecto inter e transdisciplinar do pensamento ricoeuriano que se pauta pela recusa de sínteses absolutas e pela defesa do inacabamento e da finitude das experiências humanas Apresentaremos aqui o delineamento da filosofia hermenêutica de Ricoeur principalmente no que diz respeito à natureza do procedimento hermenêutico e da caracterização de uma interpretação como hermenêutica A instância crítica A Hermenêutica do século 20 foi marcada pela retomada das questões ontológicas no contexto da Fenomenologia hermenêutica de Heidegger e Gadamer O posicionamento de Paul Ricoeur embora acompanhe os filósofos alemães sempre foi mais metodológico e reflexivo no sentido de assegurar às abordagens hermenêuticas uma base metódica clara contrastandoa como alternativa seja em relação à Fenomenologia transcendental de Husserl seja ao estruturalismo francês seja às Ciências Sociais naturalizadas no contexto americano O ponto comum caracterizador dessa base metódica alternativa sobre o qual insiste o esforço de pensamento de Ricoeur é o asseguramento de uma posição crítica transdisciplinar no qual Filosofia e Ciência atuem de modo complementar O livro O conflito das interpretações ensaios de Hermenêutica de 1969 indica a consideração metodológica Meu propósito é o de explicar aqui os caminhos abertos à filosofia contemporânea por aquilo que poderíamos chamar de o enxerto do problema hermenêutico sobre o método fenomenológico RICOEUR 1978 p 7 129 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Esse posicionamento é claramente um enfrentamento também com outras metodologias filosóficas concorrentes como o Estruturalismo a Psicanálise o pensamento especulativo não dialético de Espinoza e o dialético de Hegel e também sugere um afastamento em relação à Hermenêutica como ontologia fundamental de Heidegger à filosofia linguística de Wittgenstein e em certa medida à própria hermenêutica filosófica de Gadamer com base na regra de resistir à tentação de separar a verdade própria à compreensão do método utilizado pelas disciplinas oriundas da exegese RICOEUR 1978 p 13 ao conceber a noção de exegese como fundada na elucidação semântica do conceito de interpretação RICOEUR 1978 p 13 Todavia Ricoeur permanece fiel ao viés linguístico pois metodologicamente sua posição hermenêutica embasadora é constituída pela tese maior de que é antes de tudo e sempre na linguagem que vem exprimirse toda compreensão ôntica ou ontológica RICOEUR 1978 p 14 Ricoeur recusa a via curta da ontologia e da metafísica e se pergunta diante do fracasso do pensamento especulativo não convirá então procurar resposta à nossa busca de inteligibilidade do lado de uma história dotada de sentido de preferência a buscála numa lógica do ser RICOEUR 1978 p 264 Nessa pergunta está implícita a tese que forma a base da hermenêutica filosofante expressa na confiança na linguagem melhor dizendo no confiarse inteiramente à linguagem uma confiança na linguagem é a crença de que a linguagem que contém os símbolos é menos falada pelos homens do que falada aos homens que os homens nascem no seio da linguagem RICOEUR 1965 p 38 130 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Essas considerações mostram que Ricoeur não está inteiramente de acordo com o estatuto teórico da tradição à qual se filia Para ele com efeito a Hermenêutica desde Schleiermacher e Dilthey e também ainda na sua versão ontologizada de Heidegger e Gadamer está marcada por uma aporia que se manifesta na perda da dimensão crítica referente aos conceitos de correção e justeza de uma interpretação que a torna incapaz de dialogar com as Ciências Humanas Em relação à Hermenêutica do século 19 sobretudo de Dilthey Ricoeur questiona o equacionamento entre o conceito fundamental de vida irracional nas suas bases e o de sentido pelo qual se garantiria a inteligibilidade e a objetividade o fato de essa hermenêutica da vida ser uma história é o que permanece incompreensível A passagem da compreensão psicológica à compreensão histórica supõe com efeito que o encadeamento das obras da vida não seja mais vivido nem experimentado por ninguém RICOEUR 1988 p 2829 Ricoeur então questiona não foi preciso colocar todo o idealismo especulativo na raiz mesma da vida vale dizer finalmente pensar a própria vida como espírito RICOEUR 1988 p 29 Embora reconheça que Dilthey superou esse impasse ao mostrar que a vida só apreende a vida pela mediação das unidades de sentido que se elevam acima do fluxo histórico ao propor um modo de ultrapassagem da finitude sem sobrevoo sem saber absoluto que é propriamente a interpretação RICOEUR 1988 p 29 Ricoeur defende que o projeto diltheyniano é insuficiente pois deveria renunciar à vinculação da Hermenêutica à noção puramente psicológica de transferência numa vida psíquica estranha e que se desvende o texto não mais em direção a seu autor mas em direção ao seu sentido 131 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS imanente e a este tipo de mundo que ele abre e descobre RICOEUR 1988 p 29 Explicitamente ele também questiona a posição heideggeriana como colocar e justificar uma questão crítica no contexto de uma hermenêutica fundamental RICOEUR 1986 p 105 E também questiona Gadamer Como é possível integrar algum tipo de instância crítica em uma consciência de pertencimento que foi explicitamente definida pela rejeição do distanciamento RICOEUR 1986 p 109 tradução nossa Tratase nessas questões de uma retomada dos aspectos críticos e metodológicos já presentes em Schleiermacher e Dilthey e também em E Betti mas que haviam sido obnubilados pela apropriação fenomenológica das questões hermenêuticas e pelos conceitos de pertencimento e acontecimento incontroláveis O problema que afeta a disciplina da Hermenêutica tal como Ricoeur a entende está na dissociação entre as explicações das ciências naturais e as compreensões hermenêuticas nas Ciências Humanas e na Filosofia A hermenêutica do século 19 de um Schleiermacher e um Dilthey alocou a capacidade de compreender e interpretar no plano psicológico individual e subjetivo diferenciando esses processos em relação às explicações e explanações objetivas causais e materiais das Ciências da Natureza Desse modo a Hermenêutica e também as Ciências Humanas em geral é separada da explicação naturalista e jogada de volta à esfera da intuição psicológica RICOEUR 1988 p 24 A proposta positiva de Ricoeur constituise pela retomada da proposta de Dilthey de fundamentar as Ciências Humanas 132 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS a partir da Hermenêutica mas nesse movimento se opõe à redução ontológica proposta por Heidegger Ricoeur denominou sua proposta de via longa voie longue a qual passa pela descrição e análise das objetivações das experiências vividas na linguagem por meio de um processo infindável de interpretação De certo modo Ricoeur retoma o projeto diltheyiano para repensar as Ciências Humanas nos seus fundamentos metodológicos recusando assim tanto a fundamentação idealista e estruturalista quanto a nova fundamentação naturalista e empírica Desse modo o recurso aos conceitos hermenêuticos relativos à mediação pelo sentido e sobretudo àqueles derivados da linguisticidade e da historicidade da experiência humana não implica uma adesão à via curta de Heidegger voie courte que vai em busca do ser diretamente sem atravessar a longa via da mediação simbólica objetiva aquela que Dilthey já havia trilhado para sair do circuito da introspecção e que denominou de desvio do compreender pelas ações e produções humanas e seus efeitos DILTHEY 2010 p 29 pelas externalizações e manifestações concretas da vida cultural adentrandose no âmbito das objetivações da experiência na linguagem e portanto por meio de um processo interminável de interpretação A proposta é que apenas pelo caminho da floresta das objetivações e realizações culturais podese efetivamente recusar o subjetivismo e o idealismo e também o naturalismo e positivismo nas Ciências Humanas e na Filosofia Ricoeur incorpora na sua Hermenêutica as críticas provenientes das Ciências Sociais orientadas pela Teoria Crítica sobretudo aquelas feitas por J Habermas contra a Hermenêutica filosófica de Gadamer e também contra a Hermenêutica fundamental de Heidegger recusando ver nesse conflito teórico 133 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS uma alternativa excludente ou a consciência hermenêutica ou a consciência crítica RICOEUR 1988 p 99 O pensador francês se pergunta se não é a própria alternativa que deve ser recusada Essa recusa de alternativas excludentes é já uma marca do pensamento hermenêutico e caracterizará a posição de Ricoeur em toda a sua obra A sua proposição básica é reintroduzir a tarefa crítica na Hermenêutica como uma forma de realizar e cumprir as suas próprias exigências metodológicas O gesto da hermenêutica é um gesto humilde de reconhecimento das condições históricas a que está submetida toda compreensão humana sob o regime da finitude O da crítica das ideologias é um gesto altivo de desafio dirigido contra as distorções da comunicação humana Pelo primeiro insirome no devir histórico ao qual estou consciente de pertencer pelo segundo oponho ao estado atual da comunicação humana falsificada a ideia de uma libertação da palavra de uma libertação essencialmente política guiada pela ideia limite da comunicação sem limite e sem entrave RICOEUR 1988 p 131 Compreensão e suspeição Nas suas primeiras obras que fazem recurso à Hermenêutica Ricoeur trabalha com a ideia de decifração dos símbolos entendidos como expressões de duplo sentido o trabalho de pensamento que consiste em decifrar o sentido oculto no sentido aparente em desdobrar os níveis de significação implicados na significação literal RICOEUR 1988 p 14 Esse trabalho de deciframento é o meio pelo qual o ego pode vir a se conhecer pois apenas pela mediação da interpretação dos símbolos e signos isto é de modo indireto ele pode vir a se conhecer Nesse sentido Ricoeur retoma a teoria hermenêutica como interpretação das manifestações da experiência vivida 134 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS fixadas por escrito tal como Dilthey e Bultmann haviam proposto GRONDIN 2012 p 97 No livro sobre Freud de 1965 no capítulo 3 Ricoeur formula uma distinção paradigmática entre duas hermenêuticas uma baseada nas ideias de recuperação e reconstrução de sentido e outra fundada nas ideias de suspeição e desconstrução de sentido em relação a uma manifestação vital ou expressão cultural Ali já Ricoeur se colocava ao lado daqueles que priorizaram as estruturas de sentido linguístico como Schleiermacher Dilthey e Gadamer e se afastava daqueles que privilegiavam algum elemento não linguístico como Nietzsche e Freud Uma dessas atitudes se estrutura pela confiança e a outra pela suspeita em relação àquilo que se dá na e pela linguagem e são pautadas pela aceitação da imediatidade do sentido ou por sua recusa Na formulação de Ricoeur 1965 p 2 tradução nossa A hermenêutica pareceme animada por essa dupla motivação desejo de suspeitar desejo de ouvir voto de rigor voto de obediência A busca pela compreensão do outro realizase ou como interpretação como suspeita operacionalizada por Nietzsche Marx e Freud motivada e fundada pela ideia de redução ou extirpação da ilusão e da falsidade de consciência ou como interpretação como recolhimento e restauração de sentido exercida pela tradição fenomenológica da religião Os dois modelos são hermenêuticos pois operam a partir do conceito de interpretação e de dados tomados como símbolos signos e sintomas A Hermenêutica da fé constitui uma interpretação que procura reconstituir o sentido de um texto ou 135 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS discurso enquanto uma tentativa de apreender o sentido de uma manifestação sem nenhuma redução nem causal nem funcional Tratase da atitude básica de um cuidadoso ouvir o que é dito de apreender algo que se dá apenas pela manifestação ou texto o que pressupõe que o intérprete se submeta ao sentido que se dá por meio e apenas por meio do próprio texto ou símbolo Nessa postura o sentido que se oferece é um acontecimento que se subtrai à vontade do intérprete O modelo oposto é o da Hermenêutica da suspeita cuja atitude básica é desmistificar a consciência iludida e o sentido manifesto Marx Nietzsche e Freud segundo Ricoeur de diferentes modos procedem por meio de uma suspeita de que as aparências e evidências de sentido mentem e que a consciência imediata como ensinou Hegel na Fenomenologia do Espírito em geral é uma falsa consciência Por isso a operação de interpretação do que está dado como mundo de sentido não é propriamente uma recuperação e apreensão de sentido mas sim uma operação de dessignificação e de desciframento O que é posto em dúvida é a própria consciência significante Desse modo um texto ou símbolo é objeto de interpretação enquanto sintoma de um modo iludido e ilusório de constituição de sentido A atitude então não é a de ouvir e escutar mas ao contrário de dar um sentido outro ao sentido que o outro nos dá A ambiguidade do símbolo não é assim uma carência de univocidade mas a possibilidade de suportar e engendrar interpretações adversas e coerentes cada uma em si mesma As duas hermenêuticas uma voltada às ressurgências de significações arcaicas pertencentes à infância da humanidade e do indivíduo e outra à emergência de figuras antecipadoras 136 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS de nossa aventura propriamente espiritual não fazem outra coisa que desdobrar em direções opostas as parcelas de sentido contidas na linguagem rica e plena de enigmas que os homens inventaram e receberam para dizer sua angústia e sua esperança RICOEUR 1965 p 518 tradução nossa Desse modo Ricoeur ao recusar a interpretação por suspeição e aderir à compreensiva afastase daquelas hermenêuticas que tomam como objeto as semânticas do desejo e do poder com o argumento de que embora elas contenham uma semântica e sejam interpretativas ou seja embora elas sejam hermenêuticas seriam de modo ambíguo pois nelas a noção de sentido é tanto linguística quanto prélinguística Ao recusar essa ambiguidade Ricoeur dá coerência à sua posição ao assumir como cerne metódico a circunscrição da operação de interpretação ao âmbito do dado de texto ou de linguagem O seu diagnóstico é que esses autores da suspeita e da teoria da falsa consciência de algum modo tematizaram o cerne do problema hermenêutico que ele denomina nó semântico de toda Hermenêutica geral ou particular fundamental ou especial mas o fizeram de modo não semântico Esse viés semântico permanecerá o específico da concepção do autor mesmo quando ele reconhece um elemento prático Ricoeur delimita no texto de 1969 o conceito de interpretação conectandoo a um conceito estrito de símbolo Ele caracteriza esse conceito como toda estrutura de significação em que um sentido direto primário literal designa por acréscimo outro sentido indireto secundário figurado que só pode ser apreendido através do primeiro RICOEUR 1978 p 15 137 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Com essa proposição o campo hermenêutico fica circunscrito ao das expressões de duplo sentido Como correlato dessa determinação do campo hermenêutico o próprio conceito de interpretação é alinhado de modo a ter como domínio a mesma extensão do símbolo Desse modo Ricoeur define a interpretação como o trabalho de pensamento que consiste em decifrar o sentido oculto no sentido aparente em desdobrar os níveis de significação implicados na significação literal RICOEUR 1978 p 15 Essa opção o levará a recusar os conceitos de interpretação provenientes do século 19 que de algum modo ampliavam o seu campo de aplicação para além e aquém do plano simbólico cujos exemplares maiores são as propostas de Marx Nietzsche e Freud os quais cada um a seu modo sugeriram que o sentido e o significado manifestos das expressões se ancoram sim num outro sentido em geral oculto mas de ordem não simbólica econômica política fisiológica etc A Hermenêutica então é caracterizada a partir da reflexão sobre o sentido sendo a disciplina geral dessa reflexão Chamo aqui hermenêutica a toda disciplina que proceda por interpretação e dou ao termo interpretação seu sentido forte o discernimento de um sentido oculto num sentido aparente RICOEUR 1978 p 221 O sentido de que se trata aí não é primariamente nem o da experiência perceptiva nem o ideal alcançado por reflexão introspectiva mas o sentido que se dá por meio de mediadores simbólicos e linguísticos Desse modo Ricoeur fixa um conceito de interpretação hermenêutica delimitandoo em relação aos métodos empíricocausais e também aos métodos idealista e estruturalista O foco da Hermenêutica é o sentido que se 138 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS apresenta por meio de objetividades cuja origem é a própria atividade simbólica Ricoeur também aceita a tese de Heidegger pela qual o ver da visão fenomenológica já é sempre compreensão e interpretação O sentido prévio e inexplícito é a condição de toda compreensão e por conseguinte de toda a interpretação Ricoeur 1986 p 48 tradução nossa refere justamente que a condição mais fundamental do círculo hermenêutico reside na estrutura de précompreensão que diz respeito à relação de toda a explicitação à compreensão que a precede e a sustenta Nos Ensaios de Hermenêutica II Do texto à ação coletânea publicada em 1986 Ricoeur reafirma agora ainda com mais ênfase a relação metodológica entre sua Hermenêutica e a Fenomenologia A fenomenologia permanece a pressuposição incontornável da hermenêutica RICOEUR 1986 p 40 tradução nossa Essa tese não é senão a reafirmação de que a Hermenêutica opera com um sentido mediado por um outro sentido Ainda assim Ricoeur entende que o enxerto hermenêutico faz desmoronar a autocompreensão idealista da Fenomenologia de Husserl mas isso de modo algum significa uma recusa do método fenomenológico mas sim sua complementação Ficamos então com uma relação de complementariedade entre Fenomenologia e Hermenêutica semelhante àquela sugerida por Schleiermacher entre Dialética e Hermenêutica Hermenêutica e Fenomenologia Quais teses de Ricoeur o fazem pensar na necessidade de ultrapassar o Idealismo husserliano Essas teses esclarecem 139 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS com precisão as motivações de Ricoeur para introduzir o questionamento hermenêutico na descrição fenomenológica ao mesmo tempo que explicitam sua própria concepção dos fundamentos da Hermenêutica São elas i o ideal de cientificidade entendido pelo idealismo husserliano como justificação última reencontra seu limite fundamental na condição ontológica da compreensão ii A exigência husserliana de retorno à intuição se opõe à necessidade para toda compreensão de ser mediatizada por uma interpretação iii Que o lugar da fundação última seja a subjetividade que toda transcendência seja duvidosa e somente a imanência indubitável isso tornase por sua vez eminentemente duvidoso desde que parece que o cogito ele mesmo também pode ser submetido à crítica radical que a fenomenologia aplica de outro modo à todo aparecer iv Uma maneira radical de por em questão o primado da subjetividade é tomar por eixo hermenêutico a teoria do texto Na medida em que o sentido de um texto tornase autônomo em relação à intenção subjetiva de seu autor a questão essencial não é de reencontrar atrás do texto a intenção perdida mas de explicitar diante do texto o mundo que ele abre ou descobre v Se opondo à tese idealista da responsabilidade última de si do sujeito meditante a hermenêutica convida a fazer da subjetividade a última e não a primeira categoria de uma teoria da compreensão A subjetividade deve ser perdida como origem se ela deve ser reencontrada com um papel mais modesto do que aquele da origem radical vi se é verdadeiro que a hermenêutica se completa na compreensão de si devese retificar o subjetivismo desta proposição dizendo que se compreender é se compreender diante do texto RICOEUR 1986 p 4454 tradução nossa 140 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Desse modo Ricoeur indica seu afastamento em relação à Fenomenologia transcendental por se opor aos resquícios idealistas enquanto base para a Hermenêutica Tornase clara a adesão a uma forma de Hermenêutica que tem sua âncora metodológica no conceito de textualidade a partir do qual tanto os aspectos existenciais quanto os intencionais são enfraquecidos O sentido a ser apreendido e compreendido é sempre um sentido cujo regime de doação é da ordem da linguagem escrita Com efeito para Ricoeur a operação primária não é da ordem de um ver ou intuir imediato mas de uma operação simbólica pois a Hermenêutica opera não com o dado e o sentido imediatos mas com um âmbito de sentido dado por meio do signo linguístico mediado pela simbolização e que é por sua vez um meio para a apreensão de um sentido oculto ou estranho indicando haver problemas que a Fenomenologia não tem como apreender por uma questão de restrição metódica O ponto principal a ser destacado nas propostas de Ricoeur é a tese não fenomenológica de que não há compreensão de si que não seja mediatizada pelos signos símbolos e textos que a compreensão de si coincide em última análise com a interpretação aplicada a esses mediadores RICOEUR 1986 p 29 tradução nossa O acesso à compreensão de si e do mundo consiste na sua elaboração simbólica e sobretudo na interpretação das formações simbólicas herdadas da tradição principalmente da instituição das instituições a linguagem Contudo o deciframento das formações simbólicas nas quais estão contidos os ensinamentos do passado e a elaboração simbólica 141 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS da experiência vivida não são um objetivo final mas sim um momento de constituição do mundo efetivo dotado de sentido O que está em questão nesse deciframento e elaboração não é propriamente uma tarefa extramundana ao contrário tratase de um modo talvez o único de fazerse um mundo no qual podemos habitar como humanos as análises pressupõem sem cessar a convicção que o discurso não é jamais for its own sake para sua própria glória mas que quer em todos os seus usos levar à linguagem uma experiência uma maneira de habitar e de ser no mundo que a precede e exige ser dita RICOEUR 1986 p 34 tradução nossa A Hermenêutica portanto tem aqui uma dimensão primariamente prática e também se constitui teoreticamente como uma consideração metateorética da apreensão de sentido e da compreensão de significado de um signo símbolo texto ou ato Retomemos o modo como o conflito das interpretações se apresenta no texto de Ricoeur sempre como uma disputa metodológica no sentido preciso de uma disputa sobre as fontes básicas da significatividade Não se trata apenas de um conflito entre interpretações divergentes mas antes da tarefa de se estabelecer o próprio campo hermenêutico RICOEUR 1965 p 18 tradução nossa de reconhecer o contorno do campo hermenêutico RICOEUR 1965 p 19 tradução nossa ou o lugar da interpretação dita hermenêutica frente a outras formas de interpretação Tratase como se pode ver de estabelecer a especificidade do problema hermenêutico RICOEUR 1965 p 21 tradução nossa a qual passa pela distinção entre signo signe e símbolo 142 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS symbole sentido direto e imediato unívoco e sentido indireto e mediado equívoco todo signo é portador da função significante que faz com que ele valha por outra coisa Mas eu não diria que eu interpreto o signo sensível quando compreendo o que ele diz A interpretação se refere a uma estrutura intencional de segundo grau que supõe que um primeiro sentido esteja constituído onde alguma coisa é visada em primeiro lugar mas onde esta coisa reenvia à outra coisa que não é visada senão por ela RICOEUR 1965 p 21 tradução nossa Ricoeur recusa a valência de qualquer externalidade à linguagem de modo que não é possível recuar para um plano extralinguístico seja o da intuição pura seja o da vivência imediada seja o da percepção direta Antes o esforço hermenêutico está dirigido e orientado ao retorno à palavra viva e à vivacidade da palavra como única forma de pensar e refletir de modo não idealista fazendo o pensamento retornar ao pleno da palavra simplesmente entendida este retorno ao imediato não é um retorno ao silêncio mas bem à palavra ao pleno da linguagem Não à palavra inicial imediata ao enigma passado mas a uma palavra instruída por todo o processo de sentido Por isso essa reflexão concreta não comporta nenhuma concessão ao irracional à efusão A reflexão faz retorno à palavra e permanece ainda reflexão quer dizer inteligência de sentido a reflexão tornarse hermenêutica esta é única maneira que ela pode tornarse concreta e não pré crítica é uma douta inocência RICOEUR 1965 p 478 tradução nossa Com essa decisão metódica Ricoeur reafirma a principal diretriz da Hermenêutica moderna qual seja de que o que pode ser compreendido e emerge como tendo sentido já é da ordem do linguístico mais especificamente algo que pode 143 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS ser apreendido e manipulado como um texto e que no final se estrutura como uma narrativa Com efeito no artigo O modelo do texto a ação com sentido considerada como um texto RICOEUR 1986 p 183211 essa concepção é posta como a base não apenas da compreensão de expressões linguísticas escritas mas também das próprias ações as quais são pensadas na sua exteriorização como comparáveis à fixação da escrita O que Ricoeur assim sugere é que ao se destacar de seu agente a ação adquire uma autonomia análoga à autonomia de um texto ela deixa um traço uma marca RICOEUR 1986 p 28 tradução nossa Desse modo ação e pensamento são concebidos como externalizados e estruturados como textos e por conseguinte não mais submetidos aos regimes das vivências subjetivas A autonomia do texto Um tema central da contribuição de Ricoeur é o da autonomia semântica do texto calcada nas propriedades da linguagem escrita A escrita encontra aqui seu mais notável efeito a libertação da coisa escrita relativamente à condição dialogal do discurso O resultado é que a relação entre escrever e ler não é mais um caso particular de relação entre falar e ouvir Essa autonomia se dá de forma tríplice com referência à intenção do autor à situação cultural e a todos os condicionamentos sociológicos da produção do texto e enfim ao destinatário primitivo O que significa que o texto não coincide mais com aquilo que o autor queria dizer Significação verbal e mental possuem destinos diferentes Essa primeira modalidade de autonomia já implica a possibilidade de a coisa do texto escapar ao horizonte intencional limitado de seu autor 144 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS e de o mundo do texto fazer desmoronar o mundo de seu autor RICOEUR 1988 p 135 O texto é aquele tipo de obra que sobrevive como significante para além do mundo em que foi criado de modo independente em relação à situação psicológica do autor e às condições sociológicas de sua produção Isso significa dizer que um texto é capaz de ser significativo em outro contexto ou mundo ao poder ser recontextualizado por um ato de leitura Ricoeur retira dessa análise do texto uma lição deveras importante para a Hermenêutica Com efeito na sua fundação moderna em Schleiermacher a Hermenêutica foi construída tomando como base a natureza da linguagem e das condições fundamentais da relação entre o falante e o ouvinte SCHLEIERMACHER 2000 p 64 Dilthey por sua vez enfatizou o enraizamento no plano psicológico do conteúdo expresso de modo que o processo de compreensão era concebido como uma revivência do vivido pelo autor estando aí implicado um processo de simpatia entre duas subjetividades o qual pressupõe uma transposição para o interior seja para o interior de uma outra pessoa ou de uma obra DILTHEY 2010 p 196 Todavia já aí esse processo encontra na linguagem escrita o seu meio principal já que a vida espiritual só encontra na linguagem a sua expressão plena completa e por isso passível de apreensão objetiva a exegese se consuma na interpretação dos resíduos da existência humana contidos na escrita DILTHEY 2010 p 200 Já na teorização de Gadamer em Verdade e método o papel da escrita embora presente no mesmo sentido empregado por Dilthey é minorado frente à ênfase dada ao diálogo vivo é só na conversação que a linguagem possui seu autêntico ser no 145 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS exercício do entendimento mútuo GADAMER 2005 p 575 O conceito mesmo de linguagem é remetido à experiência da fala ela é a linguagem que nossa essência histórica finita assume quando apreendemos a falar GADAMER 2005 p 614 Em última instância a compreensão e a interpretação de textos para Gadamer resta cativa do modelo do diálogo entre um eu e um tu mas de maneira deficitária pois distinguese dessa experiência primária na medida que um texto não nos fala como o faria um tu GADAMER 2004 p 398 Ainda assim Gadamer coloca o entendimento que acontece na conversação ao vivo como paradigma a ponto de dizer que na leitura de um texto do passado a compreensão adequada não recorre a fatos objetivos como nas ciências mas pelo que queria dizer se eu tivesse sido seu interlocutor originário GADAMER 2004 p 398 de tal modo que é no movimento da conversa em que a palavra e o conceito primeiramente vêm a ser o que eles são GADAMER 2005 p 24 GADAMER 2004 p 447 Essa remissão dos conceitos hermenêuticos à experiência do diálogo na teoria de Ricoeur não é mais satisfatória para a experiência de sentido e também não é adequada em relação ao próprio fenômeno da expressão escrita O resultado é que a mediação do texto não poderá ser tratada como uma extensão da situação dialógica De fato no diálogo o visàvis do discurso é dado de antemão pelo próprio colóquio Com a escrita transcendese o destinatário original Para além deste a obra cria para si uma audiência virtualmente estendida a todo aquele que sabe ler RICOEUR 1988 p 136 Com esse desprendimento da situação viva do diálogo e das condições sociais de produção a linguagem escrita instaura a dimensão na qual se torna efetiva a distância crítica 146 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS no interior mesmo do processo interpretativo pois de saída o distanciamento está garantido pela própria mediação da escritura A linguisticidade da experiência hermenêutica é então pensada também como escrituralidade e textualidade como efeito da escritura e também como tendo como condição a escritura efeito e condição estes que ultrapassam a situação do diálogo e escapam das restrições da conversação face a face Desse modo Ricoeur sugere que é possível desenvolver um conceito de objetividade para a compreensão que supera a dicotomia entre compreensão de expressões do espírito e explicação de fatos empíricos da natureza tal como havia proposto Dilthey O cerne da proposta de Ricoeur está na percepção de que com a escrita a intenção do autor e o significado do texto deixam de coincidir a ponto de ser possível perguntarse pelo que um texto significa sem que para isso seja preciso conhecer o que o autor quis dizer quando o escreveu RICOEUR 1987 p 41 A relevância hermenêutica dessa potência da linguagem escrita é decisiva para compreender a tarefa da interpretação como não sendo apenas a reconstrução das intenções do autor ao mesmo tempo que indica o caminho da correta apreensão dos efeitos e percursos históricos que uma obra escrita perfaz estes obviamente não apreensíveis de modo algum pela descrição psicológica e intencional dos atos e da consciência e da ação do autor original Todavia adverte Ricoeur não se trata de agora eliminar o fato de um texto ser escrito por alguém para dizer alguma coisa a outrem Se a consideração correta do que é um texto e da potência da linguagem escrita permite que se evite a falácia intencional a qual supõe que a intenção do autor é o único 147 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS critério de validação para qualquer interpretação ela contudo não pode nos levar à falácia do texto absoluto que consiste em hipostasiar o texto como se ele fosse uma entidade independente de autor Se a falácia intencional passa por alto a autonomia semântica do texto a falácia contrária esquece que num texto permanece um discurso dito por alguém dito por alguém a mais alguém acerca de alguma coisa É impossível eliminar de todo esta característica principal do discurso sem reduzir os textos a objetos naturais isto é coisas que não são feitas por alguém mas que como calhaus se encontram na areia RICOEUR 1987 p 42 Ricoeur leva este ponto tão longe quanto possível até fazer com que a Hermenêutica deixe de se pautar pelo diálogo A hermenêutica começa onde o diálogo acaba RICOEUR 1987 p 43 Nesse aspecto a sua Filosofia hermenêutica mantém a noção de conflito como o fundo por sobre o qual as pretensões de sentido têm de ser apreendidas e avaliadas Frente à Hermenêutica tradicional mesmo aquela de Gadamer que insiste na comunalidade e na comunicabilidade enquanto bases para a compreensão Ricoeur indica que o esforço hermenêutico implica um conflito de pretensões de sentido e de interpretações anterior e fundante do próprio diálogo O que vem à fala e faz divergirem os diferentes atores configurandose como linguagem mantémse autônomo mas ainda assim é algo feito e construído e não um acontecimento exterior ao agir e pensar humanos As leituras indicadas no Tópico 3 3 tratam das teorias de Paul Ricoeur Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 148 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 1 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte do material 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é a condição necessária e indispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 HEIDEGGER E OS ASPECTOS ONTOLÓGICOS DA HERME NÊUTICA Para compreender melhor os conceitos hermenêuticos propostos por Heidegger e sua importância para a história de formação da Hermenêutica filosófica contemporânea você pode ler os seguintes textos GRONDIN J Virada existencial da hermenêutica em Heidegger In Hermenêutica Trad M Marcionilo São Paulo Parábola 2012 p 3753 Disponível em httpsdocerocombrdocn1cvvx0 Acesso em 21 ago 2020 PALMER R Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 p 129144 capítulo 9 Disponível em httpsdocero combrdoc15cs Acesso em 20 ago 2020 149 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS REIS R R Lagarteando problemas ontológicos e semânticos na Hermenêutica da natureza viva de Heidegger Filosofia Unisinos v 11 n 3 p 225243 setdez 2010 Disponível em httprevistasunisinos brindexphpfilosofiaarticleview4649 Acesso em 21 ago 2020 SEIBT C L A Hermenêutica heideggeriana e a questão do conhecimento Conjectura Filosofia e Educação Caxias do Sul v 21 n 1 p 188214 janabr 2016 Disponível em httpwwwucsbretcrevistasindex phpconjecturaarticleview3845 Acesso em 21 ago 2020 SCHMIDT L K Hermenêutica Petrópolis Vozes 2014 p 78119 capítulo 3 Disponível na Biblioteca Virtual Pearson 32 A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE GADAMER A obra de Gadamer constitui o paradigma hermenêutico atual Para uma melhor compreensão de suas teorias sugerese a leitura dos seguintes textos PALMER R Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 p 197219 capítulo 12 Disponível em httpsdocero combrdoc15cs Acesso em 20 ago 2020 ROHDEN L Hermenêutica filosófica entre Heidegger e Gadamer Natureza humana São Paulo v 14 n 2 p 1436 2012 Disponível em httppepsic bvsaludorgscielophpscriptsciarttextpid S151724302012000200002 Acesso em 21 ago 2020 150 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS SALES J E P Précompreensão e círculo hermenêutico em Rudolf Bultmann investigações sobre as influências em HansGeorg Gadamer Ekstasis v 6 n 1 p 139162 2017 Disponível em2 httpswwwepublicacoes uerjbrindexphpEkstasisarticleview30173 Acesso em 21 ago 2020 SCHMIDT L K Hermenêutica Petrópolis Vozes 2014 p 140166 capítulo 5 Disponível na Biblioteca Virtual Pearson 33 A HERMENÊUTICA CRÍTICA DE PAUL RICOEUR As propostas hermenêuticas de Paul Ricoeur juntamente com as de Gadamer delineiam o paradigma atual em Hermenêutica Para um aprofundamento nas suas teorias você pode fazer as seguintes leituras GRONDIN J Paul Ricouer uma hermenêutica do si histórico diante do conflito das interpretações In Hermenêutica Trad M Marcionilo São Paulo Parábola 2012 p 93112 Disponível em https docerocombrdocn1cvv08 Acesso em 21 ago 2020 OLIVEIRA R C A legitimação da Hermenêutica Fenomenológica de Paul Ricoeur Ekstasis v 2 n 1 p 6983 2013 Disponível em httpswwwepublicacoes uerjbrindexphpEkstasisarticleview6086 Acesso em 21 ago 2020 TAVARES M Paul Ricoeur e um novo conceito de interpretação da Hermenêutica dos símbolos à hermenêutica do discurso Veritas v 63 n 2 p 436 457 2018 Disponível em httprevistaseletronicas 151 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS pucrsbrojsindexphpveritasarticleview30078 Acesso em 23 ago 2020 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder às questões a seguir você deverá revisar os conteúdos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Explique o significado da transformação ontológica da Hermenêutica proposta por Martin Heidegger 2 Explique o que é uma interpretação válida pela teoria de Gadamer e o que explica a diversidade de interpretações de uma mesma obra 3 Explique qual é a relevância do diálogo na Hermenêutica filosófica de Gadamer e qual é sua função hermenêutica 4 Explique qual é o papel da linguagem escrita na Filosofia hermenêutica de Paul Ricoeur 5 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade foram apresentados alguns conceitos e teorias básicas relativos à Hermenêutica concebida como uma teoria filosófica básica que diz respeito à condição humana Os conceitos e fatos hermenêuticos são postos por Heidegger e Gadamer na base da Filosofia inteira por indicarem a condição existencial ou ontológica universal do humano Desse modo os problemas de Hermenêutica afetariam todo o campo do saber e também todo o campo do existir humano 152 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS Para melhor compreender essa virada ontológica da Hermenêutica no século 20 complemente os estudos com as leituras indicadas nas Orientações para o estudo da unidade e no Conteúdo Digital Integrador A próxima unidade apresentará os debates e críticas contemporâneos nos quais se colocam em questão as pretensões universalizantes da Hermenêutica filosófica e sobretudo a validade de seus procedimentos 6 EREFERÊNCIAS Sites consultados OLIVEIRA R C A legitimação da Hermenêutica Fenomenológica de Paul Ricoeur Ekstasis v 2 n 1 p 6983 2013 Disponível em httpswwwepublicacoesuerjbr indexphpEkstasisarticleview6086 Acesso em 21 ago 2020 PICOLI A Linguagem universal e universalidade da língua dois modos de dar se de sentido Tese Doutorado em Filosofia Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2018 Disponível em httpsrepositorioufscbr handle123456789189921 Acesso em 21 ago 2020 REIS R R Lagarteando problemas ontológicos e semânticos na Hermenêutica da natureza viva de Heidegger Filosofia Unisinos v 11 n 3 p 225243 setdez 2010 Disponível em httprevistasunisinosbrindexphpfilosofiaarticleview4649 Acesso em 21 ago 2020 ROHDEN L Hermenêutica filosófica entre Heidegger e Gadamer Natureza humana São Paulo v 14 n 2 p 1436 2012 Disponível em httppepsicbvsaludorgscielo phpscriptsciarttextpidS151724302012000200002 Acesso em 21 ago 2020 SALES J E P Précompreensão e círculo hermenêutico em Rudolf Bultmann investigações sobre as influências em HansGeorg Gadamer Ekstasis v 6 n 1 p 139 162 2017 Disponível em httpswwwepublicacoesuerjbrindexphpEkstasis articleview30173 Acesso em 21 ago 2020 SEIBT C L A Hermenêutica heideggeriana e a questão do conhecimento Conjectura Filosofia e Educação Caxias do Sul v 21 n 1 p 188214 janabr 2016 Disponível em httpwwwucsbretcrevistasindexphpconjecturaarticleview3845 Acesso em 21 ago 2020 153 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS TAVARES M Paul Ricoeur e um novo conceito de interpretação da Hermenêutica dos símbolos à hermenêutica do discurso Veritas v 63 n 2 p 436457 2018 Disponível em httprevistaseletronicaspucrsbrojsindexphpveritasarticleview30078 Acesso em 23 ago 2020 ZABEU G M A Hermenêutica filosófica e o ensino de Filosofia Tese Doutorado em Filosofia Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2018 Disponível em httpsrepositorioufscbrhandle123456789194705 Acesso em 21 ago 2020 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BULTMANN R Jesus Cristo y Mitologia Trad Ramón Alaix y Eduardo Sierra 1 ed Barcelona Ariel 1970 CHLADENIUS J M Einleitung zur richtiger Auslegung vernunftiger Reden und Schriften Leipzig Friedrich Landisches Erben1742 CHLADENIUS J M Allgemeine Geschichtswissenchaft Leipzig Friedrich Landisches Erben 1752 DESCARTES R Meditações dobre a filosofia primeira Trad Fausto Castilho Edição bilíngue 1 ed São Paulo Editora da Unicamp 2004 DILTHEY W A construção do mundo histórico nas Ciências Humanas São Paulo Editora da UNESP 2010 GADAMER HG Hermenêutica da obra de arte Sel trad M A Casanova São Paulo Martins Fontes 2010 GADAMER HG Hermenêutica em retrospectiva Volume II a virada hermenêutica Trad M A Casanova Petrópolis Vozes 2007 GADAMER HG Verdade e método I traços fundamentais de uma Hermenêutica filosófica Trad F P Meurer e E P Giachi 7 ed Petrópolis Vozes 2005 GADAMER HG Verdade e método II complementos e índice Trad E P Ciachi e M C Schuback 2 ed Petrópolis Vozes 2004 GREISCH J Lâge herméneutique de la raison Paris Éditions du Cerf 1985 GRONDIN J Hermenêutica Trad M Marcionilo São Paulo Parábola 2012 HEIDEGGER M Ser e tempo Trad Márcia S Cavalcante Petrópolis Vozes 2001 HEIDEGGER M Zur Bestimmung der Philosophie GA 5657 Frankfurt am Main Vittorio Klostermann 1987 154 HERMENÊUTICA UNIDADE 3 FILOSOFIAS HERMENÊUTICAS HUSSERL E Idéias para uma Fenomenologia pura e para uma Filosofia fenomenológica introdução geral à Fenomenologia pura Trad C A R de Moura Aparecida Idéias Letras 2006 KANT I Crítica da Razão Pura Trad Manuela Pinto dos Santos e Alexandre F Morujão Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 2001 KAHLMEYERMERTENS R S 10 lições sobre Gadamer Petrópolis Vozes 2017 MISCH G Der Aufbau der Logik auf dem Boden der Philosophie des Lebens Hsgb G HühneBertam und F Rodi München Alber 1994 NIETZSCHE F W Genealogia da moral Trad P C Souza São Paulo Brasiliense 1988 NIETZSCHE F W Além do bem e do mal São Paulo Companhia das Letras 1992 PALMER R E Hermenêutica Lisboa Edições 70 1986 RICOEUR P De linterprétation essai sur Freud Paris Éd du Seuil 1965 RICOEUR P Du texte a laction essais dherméneutique II Paris Ed du Seuil 1986 RICOEUR P Ecrits et Conférences 2 Herméneutique Paris Ed du Seuil 2010 RICOEUR P Interpretação e ideologias Trad H Japiassu Rio de Janeiro Francisco Alves 1988 RICOEUR P O conflito das interpretações ensaios de Hermenêutica Rio de Janeiro Imago 1978 RICOEUR P Percurso do reconhecimento Trad N N Campanário São Paulo Loyola 2006 RICOEUR P Tempo e narrativa Campinas Papirus 1994 3v RICOEUR P Teoria da Interpretação Trad Artur Morão Lisboa Edições 70 1976 RICOEUR P Teoria da Interpretação Trad Artur Morão Lisboa Edições 70 1987 RISSER J Language and alterity In KEANE N LAWN C Eds The Blackwell Companion to Hermeneutics Hoboken WileyBlackwell 2016 p 122129 SCHMIDT L K Hermenêutica Trad F Ribeiro 3 ed Petrópolis Vozes 2014 SCHLEIERMACHER Friedrich D Hermenêutica arte e técnica da interpretação trad org C R Braida Petrópolis Vozes 2000 155 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA Objetivos Realizar uma introdução às críticas à Hermenêutica filosófica Apresentar as teses sobre a Hermenêutica de Emilio Betti Eric D Hirsch e KarlOtto Apel Apresentar o problema das relações entre as pretensões de sentido e as de validade na interpretação Conteúdos O conceito de validação de interpretação A questão da diversidade de interpretações e a diferença entre verdade e validade Atitude crítica na compreensão e na interpretação Orientações para o estudo da unidade Antes de iniciar o estudo desta unidade leia as orientações a seguir 1 A leitura desta obra deve ser vista como uma indicação dos termos e tópicos a serem estudados e aprofundados procure outras informações e apresentações desses assuntos nos livros indicados nas referências bibliográficas e em sites confiáveis Lembrese de que na modalidade EaD o engajamento pessoal e a organização pessoal dos estudos são fatores determinantes para o seu crescimento intelectual 2 A compreensão adequada dos temas e conceitos de Hermenêutica está associada ao domínio de vários outros conteúdos e competências incluindo UNIDADE 4 156 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA vários domínios de conhecimento Para adquirir uma competência mínima são necessários conhecimentos básicos de Teoria da Linguagem de Historiografia e de Humanidades Uma referência bibliográfica básica são os seguintes livros APEL KO Transformação da Filosofia I São Paulo Martins Fontes 2000 RICOEUR P Teoria da interpretação Trad Artur Morão Lisboa Edições 70 1976 3 O estudo sistemático de qualquer assunto exige organização e um trabalho de esquematização dos conceitos e teorias Por isso anote os termos principais usados na unidade faça mapas conceituais e busque fixar o sentido em que são usados e sobretudo qual função ou papel teórico esses conceitos exercem na teoria Consulte dicionários e outros textos para elaborar e aprofundar a caracterização desses termos registrando as frases em que eles ocorrem e as diferenças de uso entre os autores 157 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA 1 INTRODUÇÃO Nesta unidade serão apresentados alguns tópicos relacionados a debates teóricos atuais em Hermenêutica Esses tópicos dizem respeito à compreensão linguística e também aos aspectos pragmáticos da compreensão em geral Embora tenham sido abordados nas grandes teorias fundadoras de Schleiermacher e Dilthey as contribuições e acréscimos provenientes dos estudos linguísticos e teorias da ação fazem parte hoje das discussões hermenêuticas e estão incorporadas nas teorias recentes como é o caso das teorizações de E Betti E D Hirsch e KO Apel O aspecto mais relevante está no posicionamento crítico em relação às pretensões de universalidade de alguns hermeneutas e também no delineamento da reflexão hermenêutica como capaz de embasar uma atitude crítica frente a pretensões de validade e objetividade na interpretação As propostas hermenêuticas e filosóficas de Heidegger e Gadamer receberam fortes críticas no que diz respeito aos problemas e procedimentos de interpretação sobretudo em referência ao deslocamento da teoria hermenêutica para fora das discussões metodológicas da interpretação de textos O elemento central dessas críticas tem seu ponto fundamental na ideia de que a concepção existencial e ontológica da Hermenêutica implicaria a impossibilidade do ajuizamento crítico das diferentes interpretações em termos objetivos Destacamse nesse aspecto as objeções dos hermeneutas Emilio Betti e Eric D Hirsch Esta unidade tratará dessas objeções em detalhe 158 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA 2 CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA O Conteúdo Básico de Referência apresenta de forma sucinta os temas abordados nesta unidade Para sua compreensão integral é necessário o aprofundamento pelo estudo do Conteúdo Digital Integrador 21 OS PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS DE E BETTI O jurista e filósofo Emilio Betti 18901968 autor de uma extensa obra sobre Direito romano e teoria e Filosofia do Direito marca a história do pensamento hermenêutico com uma obra ímpar por seu rigor e completude teórica na qual apresenta uma teoria hermenêutica abrangente dentro do marco metodológico iniciado por Schleiermacher e Dilthey Destacamse o livro Teoria generale della interpretazione publicado em 1955 e os opúsculos Zur Grundlegung einer allgemeinen Auslegungslehre de 1954 e Attualità di una teoria generale dellinterpretazione 1967 nos quais Betti delineia um método de interpretação pelo qual seria possível garantir a objetividade e a validade de modo racional e fundamentado Betti mantémse firmemente vinculado à Hermenêutica metodológica que enquanto reconhece e descreve os momentos de constituição e apreensão de sentido se impõe também a tarefa de fornecer procedimentos e critérios para a adjudicação da validade e também da correção de interpretações capazes de orientar a compreensão em meio a condições históricas diferentes no momento de novas aplicações Esse imperativo advém sobretudo do interesse de que sua teoria hermenêutica pudesse ser um instrumento de fundamentação da Hermenêutica jurídica Em franca oposição 159 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA às hermenêuticas existenciais e fenomenológicas Betti apontava como uma deficiência metodológica grave a ausência de uma explicação razoável para o procedimento de circunstanciação da interpretação em novas situações de modo a não ser uma decisão arbitrária ou subjetiva do intérprete Para resolver esse problema Betti estabelece quatro regras básicas nas quais estão embutidos os princípios fundantes de sua teoria hermenêutica A aplicação refletida dessas quatro regras conformaria uma base segura para a correção formal e material das interpretações decisões e aplicações A regra da autonomia hermenêutica ou da imanência do critério hermenêutico a partir do qual o sentido a ser apreendido deverá ser o sentido original imanente do texto e não a projeção do intérprete Sensus non est inferendus sed efferendus A regra da totalidade e da coerência significativa interna do objeto hermenêutico regra que incita a considerar até prova em contrário o texto a ser interpretado como um todo coerente e concordante A regra da atualidade da compreensão segundo a qual o intérprete deve perseguir em um sentido inverso na sua própria subjetividade o processo de criação e tentar reconstruir e traduzir a partir de seu interior um pensamento estranho um trecho do passado ou uma lembrança vivida na sua própria atualidade vital e interioridade A regra da adequação da compreensão ou da correspondência e da congenialidade hermenêutica que ensina que o intérprete deverá se esforçar para colocar a sua própria atualidade vivida em acordo e em estreita harmonia com a mensagem que lhe chega do objeto de maneira tal que sujeito e objeto assim harmonizados vibrem em uníssono BETTI 1955 p 304320 passim tradução nossa 160 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA A inteira proposta de Betti 1955 p 59 está ancorada no conceito de forma representativa cujo papel teórico é fundamentar os aspectos objetivos da interpretação hermenêutica ao mesmo tempo que indica o pertencimento histórico a uma comunidade de falantes seja do autor dessa forma seja do intérprete Propriamente não pode ocorrer uma compreensão ou interpretação sem a presença de uma forma representativa BETTI 1955 p 62 tradução nossa Um caso exemplar de forma representativa são os códigos e leis Essas formas representativas correspondem às exteriorizações e manifestações do espírito enquanto respostas a uma dada situação BETTI 1955 p 2 tradução nossa e que para o autor e também para o intérprete se apresentam como um horizonte circunscrito e condicionado historicamente Betti fundamenta a sua teoria da interpretação com base em uma tese idealista da objetividade da compreensão Essa teoria pretendia valer para todos os tipos de interpretação os quais Betti subdivide em três espécies que indicam uma hierarquia de complexidade a interpretação como mero reconhecimento de um conteúdo ou pensamento objetivado em alguma forma representativa como é o caso exemplar da Filologia e da Historiografia a interpretação como apresentação e reprodução como é o caso das interpretações nas artes dramáticas musicais e na tradução nas quais se quer fazer entender um pensamento e reapresentálo a interpretação em função normativa como é o caso no Direito e na Teologia cujas ações de interpretar um texto têm por objetivo a aplicação atual e nas quais a 161 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA apreensão do sentido ou pensamento tem uma função normativa e prática para uma ação atual No caso das interpretações jurídica e teológica não basta o reconhecimento e a reprodução do sentido ou do pensamento original codificado em uma forma representativa Para além desse momento reprodutivo o intérprete precisa tornar operacional e aplicável outra vez aquele sentido ou pensamento transformandoo e adaptandoo às exigências da situação atual Aqui portanto o intérprete não termina de cumprir seu objetivo quando reconstrói a ideia originária da fórmula legislativa coisa que antes de tudo deve fazer mas deve depois disso pôr em acordo aquela ideia com a atualidade presente infundindolhe a vida que essa contém pois é justamente a ela que a valoração normativa deve ser referida BETTI 2018 p 43 tradução nossa Para fundamentar a objetividade dessa operação que precisa recuperar o conteúdo original e também reaplicá lo à situação atual Betti distingue dois planos diferentes de objetividade a que o intérprete precisa responder e interligar o plano da objetividade real ou fenomênica que corresponde ao vivido e à experiência histórica e o da objetividade ideal das condições estruturais no qual estariam os valores pensamentos e conceitos Com efeito Betti assume a possibilidade de um parâmetro ideal Os valores éticos ou estéticos juntos com as categorias lógicas pertencem a uma segunda dimensão de objetividade que não é aquela meramente fenomênica mas que não menos que esta distinguese da subjetividade da consciência uma objetividade que configurando um modo de ser não fenomênico da espiritualidade pode bem qualificarse ideal Longe de ser uma criação arbitrária do eu pensante individual e fruto de uma valoração meramente subjetiva os valores do espírito 162 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA constituem uma objetividade ideal que obedece infalivelmente uma lei própria BETTI 1955 p 11 tradução nossa A partir desse posicionamento Betti apresentou uma das primeiras críticas à Hermenêutica filosófica fenomenológico existencial de Heidegger e Bultmann por ver nela uma inversão entre interpretar e compreender a qual tornaria a interpretação e a aplicação dependentes de uma compreensão prévia incontrolável pelo intérprete e portanto não passível de revisão O ponto da crítica de Betti é que o sentido objetivo não é um efeito da compreensão mas sim o seu pressuposto e é tarefa da interpretação alcançálo de modo a reconhecêlo reproduzilo e aplicálo na situação presente Contra Gadamer Betti procurou mostrar que em Verdade e método se dilui e confunde o significado Bedeutung de um texto com a significação Bedeutsamkeit que ele possa ter para um leitor ou outro já que para Gadamer interpretar é sempre interpretar diferente não havendo portanto a possibilidade de se falar de uma interpretação objetiva e correta Nesse sentido Betti reafirma a orientação que determinou a história da Hermenêutica como uma disciplina metodológica de validação de interpretações em contextos de conflitos quanto ao sentido de um texto A teoria da interpretação proposta por Betti tem seu eixo na busca da compreensão objetiva do sentido de uma forma representativa especialmente de textos cuja interpretação tem consequências e aplicações para a situação atual do intérprete Embora admitisse que este deve manter a diferença entre a significação original e a atual essa teoria está orientada de antemão para a compreensão do significado intencional do sentido visado pelo autor e dos agentes históricos como ponto de partida do processo interpretativo As formas representativas 163 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA como textos e obras são objetivações do espírito e assim possuem um sentido fixado que teria de ser recuperado com procedimentos objetivos mesmo que esse sentido seja depois objeto de valorações e interpretações diferentes A partir dessa posição conquanto Heidegger e Gadamer e também Dilthey recusem justamente esse aspecto fixo do sentido e do significado abdicando de qualquer sentido original Betti entende que suas respectivas hermenêuticas implicam o relativismo e o subjetivismo pois em última instância a validação de uma interpretação seria sempre uma questão de pertencimento a tradições e vinculação histórica Para além disso o que Betti recusa propriamente é a transformação da Hermenêutica em um componente ontológico avesso a qualquer procedimento metódico e racional de decisão e escolha em termos de validade e objetividade entre as diferentes interpretações no sentido de não haver como decidir entre uma correta e outra incorreta o que para ele acarretava a deslegitimação científica de todo o campo das Ciências Humanas As leituras indicadas no Tópico 31 tratam a disputa de Gadamer e Betti sobre os aspectos metodológicos da Hermenêutica Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado 22 A HERMENÊUTICA CRÍTICA DE E D HIRSCH O teórico americano E D Hirsch 1928 defende uma Hermenêutica objetiva sobretudo no campo dos estudos literários Foi um dos primeiros a resenhar e criticar a Hermenêutica 164 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA filosófica apresentada por Gadamer em Verdade e método Nos livros Validity in interpretation Validade na Interpretação de 1967 Hirsch defendeu uma teoria da interpretação cuja principal característica é tornar possível a validação validation o que constituiria a tarefa fundamental da interpretação como uma disciplina e que seria uma tarefa distinta da compreensão understanding a compreensão elabora uma construção de sentido o trabalho de validação consiste em avaliar as diversas construções que a compreensão produziu HIRSCH 1967 p 170 tradução nossa O processo de validade de interpretações contudo implica justamente o reconhecimento de que a correção mesma de uma dada interpretação não é ela mesma certificável em última instância como já havia proposto Schleiermacher ao estabelecer que não há regras para a aplicação das regras de interpretação Hirsch aceita essa condição como uma decorrência do círculo hermenêutico enquanto condição inextirpável do processo de leitura e interpretação de qualquer texto pois cada parte do texto precisa ser compreendida no contexto do inteiro texto e este tanto a partir da compreensão de todas as suas partes quanto a partir do contexto histórico mais amplo enquanto ele mesmo é parte dos fatos linguísticos e culturais de uma situação histórica Sob este aspecto tanto o texto quanto o seu contexto são indeterminados e inabarcáveis quanto às possíveis leituras e interpretações Ainda assim Hirsch defende ser sempre possível mostrar qual dentre várias interpretações é mais plausível procedendose com base no ajuizamento das probabilidades a partir das evidências disponíveis Isso significa dizer que as noções de interpretação e de compreensão e suas correlatas 165 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA de sentido e de significado implicam sempre e assim é como lidamos em nossas práticas desde os antigos a possibilidade de crítica e correção No processo interpretativo Hirsch 1967 p 203 distingue dois momentos com o primeiro constituindose pela proposição de palpites e conjecturas para o qual não há método nem regras o que corresponde ao momento da descoberta e da invenção O que Hirsch propõe é que há sim princípios de validação que podem ser explicitados e justificados os quais incidiriam no segundo momento do processo interpretativo que é o da validação das conjecturas e suposições feitas no primeiro momento A base por sobre a qual esses princípios são erigidos está no peso e na relevância das evidências interpretativas Hirsch caracteriza assim esses princípios Para fazer uma avaliação confiável todas as evidências relevantes internas e externas devem ser consideradas A admissibilidade da evidência é determinada pelo critério de relevância Evidência relevante é a que ajuda a definir uma classe sob a qual o objeto de interpretação uma palavra ou um texto inteiro pode ser incluído O peso relativo ou confiabilidade de um julgamento baseado nessas evidências é determinado pela relativa estreiteza da classe pela abundância de instâncias dentro da classe e pela frequência relativa do traço entre as instâncias Um julgamento baseado em uma classe mais estreita é sempre mais ponderado ou confiável do que um baseado em uma classe mais ampla por menor que seja a classe mais estreita HIRSCH 1967 p 197198 tradução nossa Para Hirsch as regras e os cânones tradicionais da interpretação tais como os propostos por Schleiermacher são inadequados para a adjudicação da validade entre interpretações concorrentes A argumentação de Hirsch para justificar esses princípios parte do fato de que o intérprete busca o sentido do 166 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA texto o qual seria determinado pelo seu autor Com efeito Hirsch 1967 p 207 defende que de qualquer modo o problema geral da interpretação é o de advinhar o que o autor quis dizer com determinada frase ou com seu texto Nesse ponto Hirsch se contrapõe à tese da autonomia semântica do texto que ele associa às teorias hermenêuticas provenientes da influência de Heidegger e Gadamer Contra essa autonomia Hirsch mantém o caráter normativo da intenção do autor frente a qualquer interpretação ou leitura pois do contrário o papel do autor seria usurpado pelo crítico ou leitor Ainda assim Hirsch reconhece os problemas associados à recuperação e à consideração da intenção do autor no processo interpretativo Ele elenca quatro tópicos já clássicos na Hermenêutica e nos estudos literários Contra o privilégio normativo da intenção do autor podese mostrar primeiro que o significado de um texto muda inclusive para o próprio autor segundo que o autor pode ter pretendido mas não conseguido expressar um sentido ou significado terceiro que de qualquer modo o significado do autor é inacessível e não disponível no momento da leitura do texto por fim que o próprio autor não tem controle e não sabe o que quer dizer e disse com seu texto Todavia apesar dessas dificuldades Hirsch entende que se busca interpretar e compreender justamente a intenção e o sentido do autor E embora eles sejam difíceis de estabelecer não seria impossível fazêlo Para isso a teoria do significado de Hirsch de saída supõe a publicidade do sentido e da linguagem e também que o sentido é consciente conquanto o autor em geral sabe o que quer dizer Além disso os textos são reproduzíveis e em grande medida objetos determinados ou ao menos determináveis 167 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA A partir dessa visada Hirsch distingue o sentido codificado no texto e o significado que esse sentido tem para um leitor argumentando que o sentido de um texto é fixo e apenas o significado é variável Essa distinção embasa a principal crítica que Hirsch dirige à Hermenêutica filosófica sobretudo aquela defendida por Gadamer Tal como E Betti a acusação é que ao não fazer a distinção entre sentido e significado Gadamer incorre em um historicismo relativista incontornável que implica a impossibilidade de se decidir por uma ou outra interpretação e que resulta na perda permanente dos sentidos originais com os quais os autores do passado escreveram seus textos pois sempre os compreenderíamos a partir unicamente do nosso horizonte de sentido Contra essa relativização e impossibilidade de recuperação do sentido do autor Hirsch retomará uma tese clássica que consiste em pensar os textos como antes de tudo determinados em termos linguísticos como construídos e reconstrutíveis conforme regras gramaticais Também do ponto de vista semântico os textos seriam determinados quanto aos gêneros O enquadramento no gênero seria o que propriamente delimitaria e permitiria um controle sobre o sentido e o significado originais a concepção genérica preliminar de um intérprete de um texto é constitutiva de tudo o que ele subsequentemente entende e isso permanece o caso a menos e até que essa concepção genérica seja alterada HIRSCH 1967 p 74 tradução nossa O ponto de Hirsch é que no processo interpretativo e no distanciamento histórico a compreensão e a significação do gênero pode se alterar O enquadramento de gênero sofre também do problema do círculo hermenêutico pois a questão de a qual gênero um texto pertence depende também do modo como o texto é lido Um texto antigo poderia ser originalmente 168 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA cômico e sarcástico como supomos que o texto As nuvens de Aristófanes o seja em relação ao personagem Sócrates Todavia hoje o lemos muitas vezes como uma fonte de informação séria sobre o homem Sócrates Nesse caso embora as frases do texto não se alterem muda sim o seu significado ao se alterar o sentido cômico ou descritivo pelo qual se lê o inteiro texto Na fundamentação de sua teoria da interpretação Hirsch recorre à classificação proposta por E Betti pela qual se diferenciam interpretação como reconhecimento literária e histórica como apresentação dramática e musical e por fim como dotada de função normativa em vista de uma aplicação Para Hirsch todavia o único sentido adequado de interpretação de um texto é o primeiro no sentido de reconhecimento daquilo que o autor quis dizer ou seja do sentido com que o texto foi escrito Isso porque toda interpretação válida se fundamenta no reconhecimento do sentido em que o autor usou as palavras e frases e do pensamento que ele quis expressar Os outros tipos de interpretação com efeito como já reconhecia Betti supõem esse primeiro tipo e apenas acrescentam um momento posterior e derivado de aplicação ou ajuste circunstancial De todo modo Hirsch 1967 p 126 tradução nossa mantém um princípio decisivo da hermenêutica tradicional a saber que toda interpretação válida de qualquer tipo é fundamentada na recognição do que um autor quis dizer o que foi objeto de revisão e crítica já a partir de Schleiermacher como algo impossível de se realizar Todavia a principal alegação de Hirsch tal como já havia sido reclamada também por Betti referese ao que ele considerou ser uma leitura e versão injusta da história do confronto teórico dada por Gadamer quanto ao papel da aplicação na realização da compreensão por entender 169 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA que esse aspecto estava contemplado justamente na distinção entre sentido e significado De modo preciso Hirsch mostra que a concepção de interpretação defendida por Gadamer está modelada pela tradição de leitura e exegese de textos sagrados e jurídicos modelo que Gadamer 2005 p 411 pretende que seja válido para todo e qualquer texto e pelo qual interpretar é um submeterse ao que vale e deve valer pelo qual o sentido a verdade e a validade são confundidos Para Hirsch tratase de um modelo inadequado como geral pois a literatura e a poesia não devem ser lidas segundo esse modelo Nesse ponto a distinção entre sentido e significado que permite distinguir e separar o sentido de um texto da sua verdade e validade para a situação atual do intérprete mostrase efetiva Quando nós construímos o sentido de um outro nós não somos agentes livres Enquanto o nosso objeto for o sentido de seu enunciado nós somos completamente subservientes de sua vontade porque o sentido de seu enunciado é o sentido que ele quer transmitir Uma vez construído o seu sentido contudo nós somos bem independentes de sua vontade Nós não temos que aceitar mais nenhum valor ou suposição que ele entretinha Nós podemos relacionar o seu sentido com qualquer coisa que desejarmos e valorálo do modo que nos agradar HIRSCH 1967 p 142 tradução nossa A compreensão ou o entendimento sim implica uma certa submissão ao texto e seu sentido mas ainda não nos diz nada sobre sua verdade validade e uso para nós Essa adjudicação normativa é um momento posterior no qual se julga o compreendido e que implica uma independência em relação ao julgado isto é ao compreendido 170 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA 23 A HERMENÊUTICA PRAGMÁTICOTRANSCENDENTAL O filósofo KarlOtto Apel 19222017 elaborou uma das obras mais relevantes no contexto hermenêutico de meados do século 20 cuja marca característica está na retomada da questão da justificação e da validade da compreensão O seu pensamento todavia retoma elementos centrais da tradição hermenêutica se define mais pela tentativa de contribuir para uma fusão transformadora da própria Filosofia europeia fazendo um exame crítico das principais correntes da Filosofia moderna e contemporânea chegando a uma síntese por ele mesmo denominada de Filosofia transcendental hermenêutica semióticopragmática que está melhor expressa na obra Transformação da Filosofia em dois volumes publicados em 1973 A transformação está justamente na superação do modelo da consciência e da representação em geral pensadas como individuais e ahistóricas e sua substituição por um modelo pragmático e hermenêutico com a inclusão de elementos práticos e praxiológicos na reflexão transcendental por meio de uma revisão do conceito de teoria e de linguagem como enraizados no engajamento práticocorpóreo de uma comunidade de agentes falantes do ponto de vista cognitivoantropológico é a estrutura da intervenção corpórea que possibilita toda percepção concreta de mundo como um prosseguimento cultural de nossa organização sensória relativamente estável tal estrutura descerra o mundo e determinase a si mesma a partir do mundo que vai descerrando de modo que com isso vai também se corrigindo a si mesma Além disso ela se manifesta também na encarnação do sentido de mundo no corpo da linguagem APEL 2005 p 157 171 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA Essa intervenção práticocorpórea é desde sempre um engajamento comunitário comunicacional e intersubjetivo Na configuração dessa tese Apel recorre revisandoas criticamente a diversas contribuições sobretudo de Kant Peirce Heidegger Gadamer Weber e Wittgenstein Uma contribuição central de seu pensamento é o conceito de a priori da comunidade de comunicação pelo qual ele aceita e desenvolve uma abordagem hermenêutica dos fundamentos tanto da Filosofia quanto da Ciência Esse conceito é uma retomada e uma expansão das teses de Heidegger especialmente aquelas relativas à compreensão em Ser e tempo em que se elaboram os conceitos de engajamento prático no mundo e de estruturas prévias da compreensão que antecedem e embasam os fenômenos da subjetividade dos agentes individuais da dizibilidade do mundo e da verdade e da validade dos discursos Sob essa perspectiva de saída o conhecimento e a linguagem são concebidos como fundados na existência fática na qual uma précompreensão antecipa desde sempre um certo sentido de ser inclusive em relação ao próprio ser daquele que age e conhece Todavia embora aceite a perspectiva aberta pela elaboração hermenêuticointerpretativa de Heidegger Apel fará uma das mais contundentes revisões críticas justamente quanto à possibilidade de introduzir a questão da verdade e da validade a partir da Fenomenologia hermenêutica heideggeriana Com efeito para Apel devese acrescentar ao problema do descerramento e da ocorrência de sentido a problemática da validação de sentido APEL 2005 p 47 O ponto teórico está em manterse no horizonte da reflexão filosófica a questão da justificação e da validação de interpretações e compreensões e não apenas tratálas como acontecimentos e destinações do ser APEL 2005 p 51 incontornáveis 172 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA A proposta do autor postula que faz sentido retomar a questão de Gadamer acerca de como é possível a compreensão questão posta em relação ao todo da experiência do mundo feita pelo homem e ao todo de sua prática de vida como cerne de uma filosofia transcendental que reflita a préestrutura do compreender para todas as formas de cognição científica e pré científica APEL 2005 p 52 Apel entende que a perspectiva teórica da Hermenêutica filosófica heideggeriana e também gadameriana não é capaz de estabelecer uma plataforma de validação aceitável pois tem de tratar toda compreensão e também toda mácompreensão como ocorrências históricoontológicas como acontecimentos de ser em última instância impossíveis de ajuizar e criticar Por isso ele defende que um tratamento teórico minimamente adequado precisa indicar um critério de diferenciação entre o compreender adequado e o mal compreender entre uma interpretação correta e uma incorreta do contrário qualquer pretensão de defender uma ou outra compreensão e interpretação com o argumento de que se trata de uma ocorrência de ser ou ocorrência de verdade caracterizaria uma falácia naturalista APEL 2005 p 53 Apel tem em vista o conflito na teoria hermenêutica de Gadamer entre a presumida capacidade reflexiva sobre as próprias experiências e sua capacidade de superar os próprios preconceitos e a tese de que interpretar é sempre interpretar de modo diferente não havendo uma interpretação correta o que implicaria que cada situação histórica e cada perspectiva individual enraizada no mundo redundaria em interpretações distintas impossibilitando a própria ideia de uma compreensão melhor A saída consiste em aceitar a introdução de um critério de validação prévio e realizado em um nível distinto das 173 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA experiências individuais e históricas sem que se tenha de apelar para fatores ideais ou míticos A sua proposição é que Se a hermenêutica deve conservar criticamente o legado do Esclarecimento ela precisa conservar a meu ver além da suposição da superioridade virtual do interpretandum também o discernimento hegeliano quanto à exigência precípua no Compreender de um autoprevalecimento reflexivo do intérprete Ora se este último não atribui a si mesmo o direito ao julgamento crítico do que há para entender e se dessa forma não confia a verdade a si mesmo então ele não chega nem mesmo a assumir o ponto de vista de uma hermenêutica filosófica insiste sim em permanecer aferrado ao ponto de vista de uma hermenêutica que se põe a serviço de uma crença dogmática APEL 2005 p 56 Para desdobrar uma Hermenêutica filosófica capaz de enfrentar o ajuizamento crítico da questão da validade da compreensão e interpretação Apel propôs uma transformação pragmáticolinguística da Filosofia transcendental Retomando um dos motes mais repetidos da tradição hermenêutica qual seja que é preciso compreender o autor melhor do que ele compreende a si mesmo Apel sugere que não só é possível recuperar a dimensão crítica e o conceito de validade mas que esse mote torna isso inevitável Com efeito esse mote aponta para a possibilidade de um ajuizamento em termos de compreender melhor uma determinada doação de sentido e sobretudo para a ideia de poder argumentar pela validade de uma tal compreensão melhor inclusive contra o próprio autor Ambas essas indicações pressupõem que se possa alcançar um entendimento ou acordo mútuo APEL 2005 p 68 Esse conceito de acordo mútuo é o motor da transformação da Filosofia contemporânea que estaria no cerne da pré 174 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA estrutura transcendentalhermenêutica da compreensão Diferentemente da Filosofia moderna da consciência e da representação que funda a validação intersubjetiva em supostas condições a priori do conhecimento e da verdade o modelo proposto por Apel parte da pressuposição de que nós estamos condenados a priori a um acordo intersubjetivo mesmo que apenas cada um isoladamente esteja obrigado a entenderse no mundo e a chegar em razão desse préentendimento a conhecimentos válidos sobre as coisas e sobre a sociedade APEL 2005 p 69 A partir desse esclarecimento das condições fundantes de todo conhecer e validar como dirigidos de antemão e orientados pelas condições de um possível acordo mútuo já no plano do sentido linguístico e sobretudo da verdade passível de ser validada os modelos clássicos baseados na autorreflexão do intelecto e na introspecção da consciência deixam de fazer sentido Apel é enfático quanto a esse ponto metodológico Não é possível chegar a uma consciência cognitiva quanto a algo como algo ou quanto a si mesmo como pessoa passível de ser identificada por meio da referência dêitica ao eu sem que se tenha tomado parte em um processo de acordo mútuo linguístico e interpessoal Para mim portanto uma evidência somente pode valer como verdade no âmbito do consenso interpessoal Desse modo a filosofia transcendental hermeneuticamente transformada parte do a priori de uma comunidade real de comunicação que para nós é praticamente idêntica à espécie humana ou à sociedade APEL 2005 p 70 Por conseguinte o entendimento mútuo entre os indivíduos e os acordos interpessoais não são pensados como um resultado a ser talvez alcançado mas antes formam a base por sobre a qual são possíveis a própria linguagem e demais instituições sociais No caso do conhecimento e da compreensão a validação e fixação 175 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA de verdades pressupõem já esse préentendimento mútuo e o recurso ao acordo mútuo é a única forma de legitimação e validação de uma pretensão de conhecimento O entendimento intersubjetivo está na base da validação em todas as áreas do conhecimento comum e também das ciências experimentais até mesmo na área das ciências formais pois em todas elas é o caráter público e a argumentação consensual que validam qualquer tipo de conhecimento Nesse sentido o entendimento mútuo entre os cientistas é a condição de possibilidade da objetividade para as ciências Com isso a compreensão linguística mútua sobre o que é proposto e sobre o que é estabelecido por uma teoria ou demonstração constituise em um momento complementar indispensável para a objetividade e legitimidade científicas Além disso o entendimento intersubjetivo por meio de uma linguagem comum enquanto momento indispensável é ele mesmo objeto de reflexão como é o caso das teorizações filosóficas éticas e políticas Nesse âmbito também é o acordo mútuo o critério de validação Contudo nesse caso o interesse cognitivo não é o domínio técnico e a explicitação das leis da natureza o interesse que conduz esse entendimento intersubjetivo fundase nas necessidades sociais e éticas da práxis política dirigida para uma emancipação comum Esse modelo é facilmente transferido para a leitura e compreensão de textos e discursos Longe de ser uma relação monológica de um intérprete a interpretação e a compreensão são ações interativas interpessoais cuja orientação e validação apenas pode se realizar objetivamente sob o pressuposto e a meta do acordo mútuo entre diferentes intérpretes 176 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA As leituras indicadas no Tópico 32 tratam das críticas de Apel e seu papel na Hermenêutica Neste momento você deve realizar essas leituras para aprofundar o tema abordado Para continuar seus estudos Como indicação para o aprofundamento dos estudos destacamos as seguintes obras brasileiras e estrangeiras CAPUTO J Hermeneutics facts and interpretation in the age of information New Orleans Pelican 2018 CAPUTO J More radical Hermeneutics on not knowing who we are Bloomington Indiana University Press 2000 CAPUTO J Radical Hermeneutics repetition deconstruction and the hermeneutic project Bloomington Indiana University Press 1987 DETEL W Geist und Verstehen Historische Grundlagen einer modernen Hermeneutik Frankfurt am Main Klostermann 2011 DETEL W Hermeneutik der Literatur und Theorie des Geistes Frankfurt am Main Klostermann 2015 DRUCKER C A obra de arte musical uma pergunta para Heidegger Revista Filosófica de Coimbra v 28 n 55 p 734 2019 Disponível em httpsimpactumjournalsucptrfcarticle download087208515516310 Acesso em 24 ago 2020 DRUCKER C A palavra nova o diálogo entre Nelson Rodrigues e Dostoiévski 1 ed Brasília Editora da Universidade de Brasília 2010 DUQUEESTRADA P C Org Às margens a propósito de Jacques Derrida São Paulo Loyola Rio de Janeiro PUCRJ 2012 DUQUEESTRADA P C Org Espectros de Derrida Bonsucesso NAU 2008 ECO U Interpretação e superinterpretação 2 ed São Paulo Martins Fontes 2005 ECO U Os limites da interpretação 2 ed São Paulo Perspectiva 2004 FIGAL G Der Sinn des Verstehens Beiträge zur hermeneutischen Philosophie Ditzingen Reclam 1996 177 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA FIGAL G Oposicionalidade o elemento hermenêutico e a filosofia Petrópolis Vozes 2007 FLICKINGER HG A caminho para uma pedagogia hermenêutica Porto Alegre Autores Associados 2011 FLICKINGER HG Gadamer a Educação São Paulo Autêntica 2014 GRONDIN J Du sens de la vie Montréal Bellarmin 2003 GRONDIN J Lhorizon herméneutique de la pensée contemporaine Paris Vrin 1993 GRONDIN J Luniversalité de lherméneutique Paris PUF 1993 IHDE D Expanding Hermenutics visualism in science Evanston Northwestern University Press 1999 IHDE D Experimental Phenomenology second edition multistabilities Albany State University of New York Press 2012 IHDE D Postphenomenology essays in the postmodern context Evanston Northwestern University Press 1993 KAHLMEYERMERTENS R S 10 lições sobre Gadamer Petrópolis Vozes 2017 KAHLMEYERMERTENS R S 10 Lições sobre Heidegger 1 ed Petrópolis Vozes 2015 REIS R R Aspectos da modalidade a noção de possibilidade na Fenomenologia hermenêutica Rio de Janeiro Viaverita 2014 ROHDEN L Hermenêutica filosófica entre a linguagem da experiência e a experiência da linguagem São Leopoldo Ed Unisinos 2009 ROHDEN L Entre Filosofia e Literatura Belo Horizonte Relicário 2015 ROMANO C R Lévénement et le monde Paris PUF 1998 ROMANO C R Lévénement et le temps Paris PUF 1999 RUEDELL A Hermenêutica da necessidade de interpretar para um modo de pensar Ijuí Editora Unijuí 2016 RUEDELL A Da representação ao sentido através de Schleiermacher à hermenêutica atual Veritas Porto Alegre v 45 n 2 p 249258 jun 2000 Disponível em httpsrevistaseletronicaspucrsbrojsindex phpveritasarticleview3506118397 Acesso em 24 ago 2020 STEIN E Compreensão e finitude Ijuí Unijuí 2001 STEIN E Crítica da ideologia e racionalidade 1 ed Porto Alegre Movimento 1987 178 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA STEIN E Diferença e metafísica Porto Alegre EDIPUCRS 2000 STEIN E Pensar é pensar a diferença 2 ed Ijuí Unijuí 2006 STEINER G Depois de Babel questões de linguagem e tradução Curitiba Editora UFPR 2005 STRECK L L Hermenêutica jurídica em crise 10 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2011 STRECK L L Jurisdição constitucional e Hermenêutica 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2004 STRECK L L Lições de crítica hermenêutica do Direito 1 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2014 STRECK L L Verdade e consenso 4 ed São Paulo Saraiva 2011 TENGELYI L Neue Phänomenologie in Frankreich Frankfurt am Main Suhrkamp 2012 TENGELYI L Welt und Unendlichkeit zum Problem phänomenologischer Metaphysik Freiburg Karl Alber 2014 VATIMO G Adeus à verdade Petrópolis Vozes 2016 VATIMO G Al di là del soggetto Milano Feltrinelli 1981 VATIMO G Il pensiero debole Milano Feltrinelli 1983 VATIMO G La fine della modernità Milano Garzanti 1985 VATIMO G Le avventure della differenza Milano Garzanti 1980 WU R Transcendência originária e possibilitação sobre o problema da intencionalidade na ontologia fundamental O que nos faz pensar Rio de Janeiro PUCRJ v 27 p 361381 dez 2018 Disponível em httpwwwoquenosfazpensarfilpucriobrindexphpoqnfparticle view620592 Acesso em 24 ago 2020 WU R NASCIMENTO C R Orgs Pensar Ricoeur vida e narração 1 ed Porto Alegre Clarinete 2016 Vídeo complementar Neste momento é fundamental que você assista ao vídeo complementar 4 Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual clique na aba Videoaula localizado na barra superior Em seguida busque pelo nome da disciplina para abrir a lista de vídeos Caso você adquira o material por meio da loja virtual receberá também um CD contendo os vídeos complementares os quais fazem parte do material 179 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA 3 CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR O Conteúdo Digital Integrador é a condição necessária e indispensável para você compreender integralmente os conteúdos apresentados nesta unidade 31 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA HERMENÊUTICA SE GUNDO GADAMER E BETTI A disputa sobre os aspectos metodológicos da hermenêutica entre Gadamer e Betti é determinante na atual compreensão da disciplina Por isso para aprofundar o entendimento deste ponto leia os seguintes artigos GADAMER HG Emilio Betti e a herança idealista Cadernos de Filosofia Alemã v 1 p 8390 1996 Disponível em httpwwwrevistasuspbr filosofiaalemaarticleview72077 Acesso em 24 ago 2020 SPAREMBERGER R F L Betti x Gadamer da Hermenêutica objetivista à Hermenêutica criativa Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná v 39 p 171189 2003 Disponível em https revistasufprbrdireitoarticleview17531450 Acesso em 24 ago 2020 32 AS CRÍTICAS DE APEL E A FUNDAMENTAÇÃO DAS ABOR DAGENS HERMENÊUTICAS As críticas de Apel têm um papel fundamental no atual debate em torno da fundamentação das abordagens 180 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA hermenêuticas A leitura dos seguintes textos pode lhe ajudar a compreender melhor o problema COELHO C C Hermenêutica e desconstrução a conciliação de Paul Ricoeur e a aporia de Jacques Derrida Veritas Porto Alegre v 64 n 1 janmar 2019 Disponível em httprevistaseletronicaspucrsbrojs indexphpveritasarticleview31264 Acesso em 24 ago 2020 POKER J G A B Os sentidos de compreensão nas teorias de Weber e Habermas TransFormAção Marília v 36 p 221244 2013 Disponível em http wwwscielobrpdftransv36nspe14pdf Acesso em 24 ago 2020 SIMÕES P H O Entre a Linguística e a Filosofia a pragmática transcendental de KarlOtto Apel Língua Literatura e Ensino v 8 p 333337 2013 Disponível em httprevistasielunicampbrindexphplle articleview2470 Acesso em 24 ago 2020 4 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se encontrar dificuldades em responder as questões a seguir você deverá revisar os conteúdos estudados para sanar as suas dúvidas 1 Reflita sobre os critérios e métodos de validação para interpretações divergentes e explique a proposta de Emilio Betti 2 Explique a distinção entre sentido e significação de Hirsch e sua relação com a distinção entre descoberta e validação de um sentido ou interpretação 181 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA 3 Explique a crítica de Apel à Hermenêutica filosófica 4 Explique o papel do entendimento consensual intersubjetivo na validação da objetividade dos processos interpretativos segundo Apel 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade consideramos alguns tópicos problemáticos em relação à Hermenêutica tendo em vista a possibilidade de um ajuizamento crítico das pretensões de sentido e da validação de interpretações As posições teóricas resumidas estão associadas à Hermenêutica mas todas elas contêm algum distanciamento crítico em relação aos fundamentos e desenvolvimentos da Hermenêutica moderna sobretudo aquela que se configurou como Hermenêutica filosófica Dois posicionamentos críticos decisivos para a conformação atual das teorias hermenêuticas que merecem atenção são representados pelas críticas dos filósofos Jürgen Habermas 1987 2000 e Jacques Derrida 1973 1995 O que vimos até aqui ao percorrer as teorizações hermenêuticas permitenos concluir que os sentidos em que algo pode se dar e ser apreendido por um agente intérprete já estão préantecipados nas estruturações que o perfazem como agente capaz de compreender e nas articulações e conexões entre as coisas constitutivas do seu campo de ação Enquanto agentes históricos nós somos precedidos por outros agentes e agências por ações e cursos de ações que já estão em andamento e também pelos efeitos desses agenciamentos O ambiente em que emergimos como capazes de compreender está todo ele vincado por estruturações e articulações que se enraízam no passado de nossos cuidadores e educadores No 182 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA nosso quarto já havia uma cama no banheiro já havia uma pia uma torneira e um vaso sanitário ou não havia nada disso mas o fato é que o mundo ao qual nós mesmos pertencemos e viemos a ser agentes efetivos capazes de entendimento já estava em grande parte preparado para as nossas capacidades e habilidades O mundo faz sentido a despeito de nós e de nossas intervenções as coisas fazem sentido ao se conectarem e se articularem de vários modos mas apenas porque são já o efeito das ações das gerações anteriores Há um sentido prévio embutido no mundo que não é nosso e também nós enquanto agentes sencientes inteligentes somos constituídos de tal modo que uma compreensão prévia das coisas já está operando em qualquer de nossos atos e pensamentos pois viemos a ser no contexto das ações de outros agentes intérpretes Enfim o mundo no qual nós vivemos e agimos desde os primeiros passos enquanto mundo humano é sempre já um mundo expressivo Ausdruckswelt e não apenas um mundo de objetos sem sentido MISCH 1994 p 7879 tradução nossa Para finalizar esta introdução à Hermenêutica é necessário dizer que além das teorias e autores apresentados nas quatro unidades as discussões atuais de Hermenêutica incluem várias outras teorias e vários outros autores os quais atestam tanto a vitalidade quanto a vivacidade dessa corrente filosófica Não deixe de consultar as obras indicadas e de sempre buscar aprofundar seus conhecimentos Bons estudos 183 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA 6 EREFERÊNCIAS Sites consultados COELHO C C Hermenêutica e desconstrução a conciliação de Paul Ricoeur e a aporia de Jacques Derrida Veritas Porto Alegre v 64 n 1 janmar 2019 Disponível em httprevistaseletronicaspucrsbrojsindexphpveritasarticleview31264 Acesso em 24 ago 2020 DRUCKER C A obra de arte musical uma pergunta para Heidegger Revista Filosófica de Coimbra v 28 n 55 p 734 2019 Disponível em httpsimpactumjournals ucptrfcarticledownload087208515516310 Acesso em 24 ago 2020 DRUCKER C Fundação e mediação poéticas em Hölderlin e Heidegger O Que nos Faz Pensar Rio de Janeiro PUCRJ v 36 p 185212 2015 Disponível em http oquenosfazpensarfilpucriobrimportpdfarticlesOQNFP3611claudiadrucker pdf Acesso em 24 ago 2020 GADAMER HG Emilio Betti e a herança idealista Cadernos de Filosofia Alemã v 1 p 8390 1996 Disponível em httpwwwrevistasuspbrfilosofiaalemaarticle view72077 Acesso em 24 ago 2020 GAY M E Hermenêutica filosófica e conhecimento nas Humanidades In Estou de altos as possibilidades do jogo para a história Dissertação Mestrado em História Social da Cultura Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2010 p 70123 Disponível em httpswwwmaxwellvracpucrio br16288162884PDF Acesso em 24 ago 2020 POKER J G A B Os sentidos de compreensão nas teorias de Weber e Habermas TransFormAção Marília v 36 p 221244 2013 Disponível em httpwwwscielo brpdftransv36nspe14pdf Acesso em 24 ago 2020 RUEDELL A Da representação ao sentido através de Schleiermacher à hermenêutica atual Veritas Porto Alegre v 45 n 2 p 249258 jun 2000 Disponível em https revistaseletronicaspucrsbrojsindexphpveritasarticleview3506118397 Acesso em 24 ago 2020 SIMÕES P H O Entre a Linguística e a Filosofia a pragmática transcendental de Karl Otto Apel Língua Literatura e Ensino v 8 p 333337 2013 Disponível em http revistasielunicampbrindexphpllearticleview2470 Acesso em 24 ago 2020 SPAREMBERGER R F L Betti x Gadamer da Hermenêutica objetivista à Hermenêutica criativa Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná v 39 p 184 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA 171189 2003 Disponível em httpsrevistasufprbrdireitoarticleview17531450 Acesso em 24 ago 2020 WU R Transcendência originária e possibilitação sobre o problema da intencionalidade na ontologia fundamental O que nos faz pensar Rio de Janeiro PUCRJ v 27 p 361 381 dez 2018 Disponível em httpwwwoquenosfazpensarfilpucriobrindex phpoqnfparticleview620592 Acesso em 24 ago 2020 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APEL KO Transformação da Filosofia I Filosofia analítica semiótica hermenêutica 2 ed São Paulo Martins Fontes 2005 APEL KO Transformação da Filosofia II O a priori da comunidade de comunicação São Paulo Martins Fontes 2000 AUSTIN J L Quando dizer é fazer Porto Alegre Artes Médicas 1990 AUSTIN J L How to do things with words New York Oxford University Press 1962 BETTI E Teoria generale della interpretatione Milano Dott A Giuffrè 1955 BETTI E Interpretación de las leyes y de los actos jurídicos Trad J L Mozos Santiago Ediciones Olejnik 2018 CAPUTO J Hermeneutics facts and interpretation in the age of information New Orleans Pelican 2018 CAPUTO J More radical Hermeneutics on not knowing who we are Bloomington Indiana University Press 2000 CAPUTO J Radical Hermeneutics repetition deconstruction and the hermeneutic project Bloomington Indiana University Press 1987 DRUCKER C A palavra nova o diálogo entre Nelson Rodrigues e Dostoiévski 1 ed Brasília Editora da Universidade de Brasília 2010 DERRIDA J Gramatologia Trad Miriam Schnaiderman e Renato Janine Ribeiro São Paulo PerspectivaEdusp 1973 DERRIDA J A escritura e a diferença Tradução de Maria Beatriz Marques Nizza da Silva São Paulo Perspectiva 1995 DETEL W Geist und Verstehen Historische Grundlagen einer modernen Hermeneutik Frankfurt am Main Klostermann 2011 185 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA DETEL W Hermeneutik der Literatur und Theorie des Geistes Frankfurt am Main Klostermann 2015 DUQUEESTRADA P C Org Às margens a propósito de Jacques Derrida São Paulo Loyola Rio de Janeiro PUCRJ 2012 DUQUEESTRADA P C Org Espectros de Derrida Bonsucesso NAU 2008 ECO U Interpretação e superinterpretação 2 ed São Paulo Martins Fontes 2005 ECO U Os limites da interpretação 2 ed São Paulo Perspectiva 2004 FIGAL G Der Sinn des Verstehens Beiträge zur hermeneutischen Philosophie Ditzingen Reclam 1996 FIGAL G Oposicionalidade o elemento hermenêutico e a filosofia Petrópolis Vozes 2007 FLICKINGER HG A caminho para uma pedagogia hermenêutica Porto Alegre Autores Associados 2011 FLICKINGER HG Gadamer a Educação São Paulo Autêntica 2014 GRICE H P Lógica e conversação In DASCAL M Org Fundamentos metodológicos da Linguística Volume 4 Pragmática problemas críticas perspectivas da lingüística bibliografia Campinas Global 1982 p 81104 GRICE H Studies in the way of words Cambridge Harvard UP 1989 GRONDIN J Du sens de la vie Montréal Bellarmin 2003 GRONDIN J Lhorizon herméneutique de la pensée contemporaine Paris Vrin 1993 GRONDIN J Luniversalité de lherméneutique Paris PUF 1993 HABERMAS J Dialética e Hermenêutica Porto Alegre LPM 1987 HABERMAS J O conteúdo normativo da modernidade In O discurso filosófico da modernidade São Paulo Martins Fontes 2000 p 467509 HIRSCH E D Validity in interpretation New Haven Yale University Press 1967 IHDE D Expanding Hermenutics visualism in science Evanston Northwestern University Press 1999 IHDE D Experimental Phenomenology second edition multistabilities Albany State University of New York Press 2012 IHDE D Postphenomenology essays in the postmodern context Evanston Northwestern University Press 1993 186 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA KAHLMEYERMERTENS R S 10 lições sobre Gadamer Petrópolis Vozes 2017 KAHLMEYERMERTENS R S 10 Lições sobre Heidegger 1 ed Petrópolis Vozes 2015 MISCH G Der Aufbau der Logik auf dem Boden der Philosophie des Lebens Hsgb G HühneBertam und F Rodi München Alber 1994 NIETZSCHE F W Genealogia da moral Trad P C Souza São Paulo Brasiliense 1988 PEIRCE C S Semiótica e Filosofia São Paulo Cultrix 1972 PLATÃO Íon Trad Cláudio Oliveira Belo Horizonte Autêntica 2011 REIS R R Aspectos da modalidade a noção de possibilidade na Fenomenologia hermenêutica Rio de Janeiro Viaverita 2014 RICOEUR P Interpretação e ideologias Rio de Janeiro Francisco Alves 1977 RICOEUR P Teoria da interpretação Trad Artur Morão Lisboa Edições 70 1976 ROHDEN L Hermenêutica filosófica entre a linguagem da experiência e a experiência da linguagem São Leopoldo Ed Unisinos 2009 ROHDEN L Entre Filosofia e Literatura Belo Horizonte Relicário 2015 ROMANO C R Lévénement et le monde Paris PUF 1998 ROMANO C R Lévénement et le temps Paris PUF 1999 RUEDELL A Hermenêutica da necessidade de interpretar para um modo de pensar Ijuí Editora Unijuí 2016 SEARLE J R Expression and Meaning studies in the theory of speech acts Cambridge Cambridge University Press 1979 SEARLE J R Intencionalidade Trad J Fisher e T R Bueno São Paulo Martins Fontes 1995 SEARLE J R Speech acts an essay in the philosophy of language Cambridge Cambridge University Press 1969 STEIN E Compreensão e finitude Ijuí Unijuí 2001 STEIN E Crítica da ideologia e racionalidade 1 ed Porto Alegre Movimento 1987 STEIN E Dialética e Hermenêutica uma controvérsia sobre método em filosofia In HABERMAS J Dialética e hermenêutica Porto Alegre LPM 1987 p 98134 STEIN E Diferença e metafísica Porto Alegre EDIPUCRS 2000 STEIN E Pensar é pensar a diferença 2 ed Ijuí Unijuí 2006 187 HERMENÊUTICA UNIDADE 4 ASPECTOS CRÍTICOS DA HERMENÊUTICA STEINER G Depois de Babel questões de linguagem e tradução Curitiba Editora UFPR 2005 STRECK L L Dicionário de Hermenêutica quarenta temas fundamentais da teoria do Direito à luz da crítica hermenêutica do Direito Belo Horizonte Letramento 2017 STRECK L L Hermenêutica Jurídica em Crise 10 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2011 STRECK L L Jurisdição constitucional e Hermenêutica 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2004 STRECK L L Lições de crítica Hermenêutica do Direito 1 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2014 STRECK L L Verdade e consenso 4 ed São Paulo Saraiva 2011 TENGELYI L Erfahrung und Ausdruck Phänomenologie im Umbruch bei Husserl und seinen Nachfolgern Dordrecht Springer 2007 TENGELYI L Neue Phänomenologie in Frankreich Frankfurt am Main Suhrkamp 2012 TENGELYI L Welt und Unendlichkeit zum Problem phänomenologischer Metaphysik Freiburg Karl Alber 2014 VATIMO G Adeus à verdade Petrópolis Vozes 2016 VATIMO G Al di là del soggetto Milano Feltrinelli 1981 VATIMO G Il pensiero debole Milano Feltrinelli 1983 VATIMO G La fine della modernità Milano Garzanti 1985 VATIMO G Le avventure della differenza Milano Garzanti 1980 WITTGENSTEIN L Investigações filosóficas São Paulo Nova Cultural 1999 WU R Imagem e símbolo em torno de uma diferença entre as hermenêuticas de Gadamer e Ricoeur In WU R NASCIMENTO C R Orgs Pensar Ricoeur vida e narração 1 edPorto Alegre Clarinete 2016 v 1 p 327350 WU R O todo o singular e o hermenêutico em Ser e Tempo In VEIGA I S SCHIO S M Orgs Heidegger e sua época 19201930 1 ed Porto Alegre Clarinete 2012 v 1 p 95110 WU R NASCIMENTO C R Orgs Pensar Ricoeur vida e narração 1 ed Porto Alegre Clarinete 2016 HERMENÊUTICA